0% acharam este documento útil (0 voto)
68 visualizações25 páginas

Coisas Português 11ano

1) D. Madalena reflete sobre sua vida desditosa comparando-a à história trágica de amor de Inês de Castro e D. Pedro, revelando seu estado de espírito angustiado. 2) A ação se passa em Almada no início do século XVII, 14 anos após o segundo casamento infeliz de D. Madalena. 3) D. Madalena pede a Telmo que não insinue presságios de desgraça para sua filha Maria, caracterizando as personagens.

Enviado por

Rui Ribeiro
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato DOCX, PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
0% acharam este documento útil (0 voto)
68 visualizações25 páginas

Coisas Português 11ano

1) D. Madalena reflete sobre sua vida desditosa comparando-a à história trágica de amor de Inês de Castro e D. Pedro, revelando seu estado de espírito angustiado. 2) A ação se passa em Almada no início do século XVII, 14 anos após o segundo casamento infeliz de D. Madalena. 3) D. Madalena pede a Telmo que não insinue presságios de desgraça para sua filha Maria, caracterizando as personagens.

Enviado por

Rui Ribeiro
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato DOCX, PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
Você está na página 1/ 25

Cena 1 do ato primeiro

A primeira cena diz respeito a uma reflexão de D. Madalena sobre um trecho da obra de
Luís de Camões, “Os Lusíadas”. Nesse excerto, faz-se a alusão à história de amor entre
dona Inês e Dom Pedro, o que indicia, desde logo, a desgraça do casamento de D.
Madalena com Manuel de Sousa Coutinho.
Cena 1 - O ato I inicia-se na cena 1 com dona Madalena, sozinha, a proclamar um
trecho, que refere a felicidade que iria durar pouco e o sofrimento regressaria.
Ato 1
D. João de Portugal desapareceu na batalha de Alcácer quibir. D. Madalena fez todos os
esforços para o encontrar durante 7 anos, ao fim dos quais se casou com Manuel de
Sousa Coutinho. Este casamento durava há 14 anos, do qual nasceu uma filha, Maria.
Esta menina apresenta uma saúde frágil, pois é vítima de tuberculose.
Dona Madalena é muito dada a presságios, já que teme o regresso do seu primeiro
marido, de cuja morte nunca obteve confirmação. Estes pressentimentos são reavivados
por Telmo, que continua a acreditar no regresso de D. João de Portugal. Manuel de
Sousa Coutinho, ao regressar de Lisboa, pede a família para se preparar, uma vez que se
vão mudar para o Palácio que D. João. no final do ato, Manuel de Sousa incendeia o seu
Palácio para evitar que os governadores espanhóis se instalem na sua casa.
Ato 2
Maria quer conversar com Telmo, na expectativa deste lhe revelar a identidade do
retrato que assustava a mãe (linhas 12-41);
Com o incêndio do Palácio, Maria ficou fascinada, e encontrou neste incêndio uma
oportunidade de usar a sua fértil imaginação (linhas 54-67);
Por outro lado, Madalena ficou doente, aterrorizada, cheia de pesadelos, associa este
incêndio à perda do marido (linhas 70-75);
Cita o início de um livro trágico (pressentimento de fatalidade) (linha 118);
Na presença dos retratos, 3 fascinam Maria. Ela já conhece 2, mas quer confirmar o de
D. João de Portugal (linhas 90-100);
Maria recorda o que aconteceu 8 dias antes, que tanto perturbou a mãe que a deixou
doente (linhas 90-100);
Maria ficou curiosa com as atitudes estranhas da mãe perante o retrato (linhas 90-100);
Telmo anteriormente admitia as qualidades do Manuel de Sousa, mas não o admirava,
Mas depois admirou-o pelo seu patriotismo e lealdade (linhas 119-145);
Telmo não responde a Maria, quando esta lhe questiona em identidade do retrato (linhas
153-157);
O hábito que não faz o monge- significa que não é por usar o revestimento de monge
que tem de ser monge ou boa pessoa

Romantismo
O herói a desequilibrado, impetuoso, insatisfeito, melancólico, revoltado, Herói que
procura evadir-se no sonho, no tempo e no espaço; herói fatal que traz a perdição a
quem o ama, por vezes, suicida.
Apresenta uma nova visão da mulher: anjo redentor ou demónio que leva à perdição
(mulher fatal); quase sempre vítima do herói fatal.

Didascália inicial do ato primeiro de Frei Luís de Souza

Localização temporal da ação da peça:


. princípios do século XVII (ficaremos a saber, mais adiante, através das palavras de D.
Madalena, que a ação se desenrola em 1599);
. fim da tarde (28 de julho de 1599, sexta-feira).

▪ Localização espacial – espaço físico:


. Almada:
. sala de um edifício, de cujas janelas se vê o rio Tejo (a margem esquerda) e “toda
Lisboa”.

▪ Espaço social:
- aristocracia/nobreza abastada: sala (de um palacete ou solar) ampla e decorada de forma
moderna, requintada, luxuosa e rica (um quadro, mobília elegante e moderna,
porcelanas, etc.);
- família culta e instruída (a presença de livros);
- religiosa (retrato de cariz religioso).

▪ Atmosfera sugerida:
. felicidade e harmonia:
- a luminosidade e a abertura ao exterior (as duas grandes janelas rasgadas);
- as sugestões cromáticas (o verde, o branco, o azul do rio, as flores, etc.);
- a liberdade de movimentação das personagens (as duas portas);
. esta sensação de felicidade poderá ser aparente e pouco duradoura, se atentarmos na
incompletude das “obras de tapeçaria meias feitas”.

▪ Recursos expressivos e sua expressividade:


- enumeração: “Porcelanas, xarões, sedas, flores”, etc.;
- adjetivação expressiva: “Câmara antiga, ornada com todo o luxo e caprichosa elegância
portuguesa”;
- a enumeração e a adjetivação, por um lado, contribuem para que o leitor visualize o
espaço cénico em pormenor e, por outro, possibilitam a reprodução do cenário com
fidelidade (por exemplo, para quem quiser encenar a peça, para os atores que a
representam…). 

Análise do Ato I de Frei Luís de Sousa

Cena I

 Assunto: monólogo de D. Madalena, em que esta estabelece um paralelo/uma


comparação entre a sua vida (desditosa) e a relação amorosa infeliz e trágica de
Inês de Castro e D. Pedro.

 1.ª parte (do início da fala até “… pode-se morrer.”): D. Madalena abandona a


leitura d’Os Lusíadas e mostra-se enleada na ideia de felicidade que bebeu no
texto.

 2.ª parte (de, “Mas eu…” até ao final do monólogo): D. Madalena reflete sobre a
sua situação e revela o seu estado de espírito, marcado pela angústia, pelo medo e
“contínuos terrores”. O que marca a divisão entre os dois momentos da cena é a
conjunção coordenativa adversativa, «mas», que possui o valor de oposição,
contraste.

 Estado de espírito de D. Madalena:


- melancólica (“um livro aberto no regaço, e as mãos cruzadas sobre ele”; “repetindo
maquinalmente e devagar”), solitária (“só”), infeliz;
- sonhadora: anseia experimentar a felicidade, nem que seja por pouco tempo;
- sofredora e infeliz ao constatar a ausência de felicidade na sua vida, devido ao medo
e aos constantes terrores que a atormentam;
- insegura, preocupada e angustiada, sente-se destinada à morte;
- frágil, sensível e sentimental, bem ao gosto romântico;
- emocionalmente instável
- o seu nome evoca a figura bíblica da “pecadora” (prostituta) que depois foi Santa
Maria Madalena. As duas figuras – a imaginada e a real – ficam ligadas, sobrepostas,
e o caminho ascensional da personagem bíblica, do pecado à redenção, através da
penitência, traça a linha a percorrer por D. Madalena: pecado → remorso →
penitência → ascese → redenção.
            Além destes traços psicológicos, trata-se de uma mulher culta e letrada (está a
ler, neste caso Os Lusíadas), pertencente à aristocracia.

 Causa do estado de espírito


Os sentimentos e emoções evidenciados por D. Madalena ficam a dever-se (mesmo que
só o confirmemos num momento posterior da peça) ao receio de que o seu primeiro
marido ainda esteja vivo e regresso, cobrindo-se e à família de vergonha. A leitura do
episódio de Inês de Castro insinua-lhe o drama de um segundo casamento, realizado sob
a ameaça velada de que D. João não tivesse morrido.
 
 Elementos trágicos da cena

. Hybris: está presente indiretamente, já que o sofrimento (pathos) de D. Madalena


advém da ousadia de ter casado segunda vez sem ter encontrado o corpo do primeiro
marido.

. Pathos: é o causador do seu estado de melancolia e de medo, o qual faz adivinhar a


presença de um destino firme e inflexível, ao qual a personagem não se poderá furtar,
constituindo assim indícios de uma situação que se irá verificar no futuro.

. Presságio: a leitura do episódio de Inês de Castro.

. Agon de D. Madalena (de consciência): o monólogo-meditação mostra a profundidade


da luta que lhe vai na consciência, carregada de culpa, e aponta para a dupla
personalidade de Madalena:
- personalidade aparente, feliz, ligada a Manuel de Sousa pelo amor-paixão;
- personalidade real ou oculta, infeliz ou “desgraçada”, ligada a D. João de Portugal, pela
memória do passado, pelo remorso do presente.
Esta consciência atormentada de D. Madalena, em que o remorso a não deixa repousar
um
só momento, remete para o seu conflito com o primeiro esposo.

Cena II

● Assunto: apresentação das personagens principais, a qual resulta de um propósito de D.


Madalena: pedir a Telmo que não incuta no espírito de Maria as suas crenças e agouros
sobre uma desgraça iminente a cair sobre a sua família.

 Caracterização das personagens

▪ D. Madalena:
- nobre: a designação dona só se dava na época às senhoras da aristocracia;
- receosa e hesitante no que quer dizer a Telmo;
- critica o ascendente do aio sobre si e, sobretudo, Maria, pedindo-lhe que não insista
nesse ascendente;
- casou muito jovem com D. João de Portugal;
- enviuvou com 17 anos;
- procurou exaustivamente D. João, desaparecido na batalha de Alcácer Quibir, durante 7
anos;
- terá 38 anos: a batalha de Alcácer Quibir ocorreu há 21 anos, tinha ela 17; o seu segundo
casamento teve lugar 7 anos depois, teria ela 24; casou pela segunda vez há 14; Maria
tem 13;
- vive constantemente atormentada e aterrorizada pelo passado e pelos agouros de Telmo,
que lhe mantém esse passado bem vivo, ou seja, a dúvida de que D. João não morreu e
pode voltar a qualquer momento, o que destruiria o seu casamento e tornaria Maria uma
filha ilegítima, por isso não consegue ser feliz, já que não se consegue libertar desse
medo;
- não amou D. João, mas respeitou-o sempre;
- é profundamente apaixonada por Manuel de Sousa;
- sente-se vítima do destino;
- a contradição entre a felicidade aparente e a desgraça íntima que revela uma consciência
moral atormentada pela imagem sempre obsessivamente presente de D. João de
Portugal e pelo remorso proveniente da consciência de pecado – de facto, a personagem
sente-se culpada por ter casado com Manuel de Sousa, sem ter a certeza acerca da morte
do primeiro marido;
- revela, na última fala da cena, a tendência para o devaneio, o que já acontecera na
primeira cena e está de acordo com a tendência romântica e a extrema sensibilidade da
sua alma.

▪ Telmo Pais:
- não possui nobreza de sangue, mas está intimamente ligado à aristocracia pelo modesto
título de escudeiro;
- manifesta ideias reformistas ao condenar o uso do latim na Bíblia (posição dos
Protestantes);
- o seu verdadeiro senhor continuar a ser D. João, primeiro marido de D. Madalena, dado
como morto na batalha de Alcácer Quibir (“… não sei latim como o meu senhor…
quero dizer, como o sr. Manuel de Sousa Coutinho…”);
- possui grande ascendente sobre Maria e D. Madalena;
- é o confidente de D. Madalena, a quem reprova o segundo casamento;
- nas palavras de D. Madalena, é “… o aio fiel de meu senhor D. João de Portugal…”,
digno “… da confiança, do respeito, do amor e do carinho…” de todos e “o escudeiro
valido, o familiar quase parente, o amigo velho e provado de teus amos…”;
- era o aio de D. João, a quem queria como “filho”; é-o também de Maria, a quem “… ao
princípio não podia ver”, mas ela acabou por o cativar: “quero-lhe mais que seu pai” – a
sua não aceitação inicial era originada por ela ser fruto do casamento de Madalena e
Manuel de Sousa, que Telmo via como uma traição a D. João, cuja morte não aceita;
porém, com o passar dos anos, a formosura e bondade de Maria cativaram-no de tal
modo que agora afirma ter-lhe mais amor do que os próprios pais;
- foi “carinho e proteção” e amparo de D. Madalena quando esta enviuvou;
- atormenta-a com os seus constantes agouros, presságios e acusações – é a lembrança
viva e permanente do «remorso» oculto e recalcado na consciência de D. Madalena;
- ama profundamente Maria, como se constatará no ato III, pretendendo ter-lhe mais amor
do que os próprios pais;
- não aprova o segundo casamento de D. Madalena e atormenta-a com insinuações,
agouros, profecias (como, por exemplo, a da carta de D. João de Portugal, escrita na
madrugada da batalha de Alcácer Quibir, onde afirmava: “vivo ou morto, Madalena,
hei de ver-vos pelo menos ainda uma vez neste mundo” – se não voltou, é porque está
vivo; além do mais, D. João nunca deixaria de cumprir a sua palavra;
- atormenta-a também com ciúmes póstumos, por conta de D. João: é isto que explica as
prevenções de Telmo em relação a Manuel de Sousa e a sua aversão inicial por Maria;
- começa a ser visível a sua divisão entre o amor a D. João e o amor a Maria
(fragmentação que será confirmada na cena V do ato III): sendo tão amigo dela e
pretendendo ter-lhe tanto amor, sustenta uma crença que, a concretizar-se, significaria a
morte da jovem;
- é sebastianista:
- crê que os eu antigo amo não morreu;
- acredita no regresso de D. Sebastião e, consequentemente, de D. João;
- funções ou papéis que desempenha:
- coro:
- alimenta o sebastianismo;
- anuncia desgraças próximas;
- profere contínuos agouros;
- comenta a ação dramática, predizendo o seu desfecho trágico,
através seus presságios e agouros;
- alimenta a presença de um passado, um tempo que D. Madalena quereria
enterrar, mas não consegue, ou não a deixam;
- confidente de D. Madalena;
- leva à revelação dos pensamentos das outras personagens;
- os seus apartes revelam as dúvidas que possui relativamente à morte de D. João, bem
como a sua intenção de salvar Maria de uma desgraça que considera iminente.

▪ Maria:
- nobre:
- a designação de “dona”;
- o apelido “Noronha” indicia alta estirpe (“é sangue de Vilhenas e de Sousas”);
- o seu nome evoca o da Virgem Maria: é pura e angélica (Madalena e Telmo apelidam-
ma de anjo) – configura a imagem da mulher-anjo dos românticos, contrastando com
D. Madalena;
- tem 13 anos;
- é alta;
- é precoce, tanto física (“Tem treze anos feitos… está uma senhora…”) como
psicologicamente: “… em tantas outras coisas tão altas, tão fora de sua idade, e muitas
de seu sexo também…”; “Maria tem uma compreensão…”;
- é curiosa (“… aquela criança está sempre a querer saber, a perguntar”) e perspicaz (“tão
perspicaz”);
- é bondosa (“um anjo como aquele… e então que coração!”);
- dotada de espírito vivo (“uma viveza, um espírito!”);
- é sonhadora;
- possui uma imaginação muito fértil;
- segundo D. Madalena, é dotada de “Formosura e engenho, dotes admiráveis daquele
anjo”.
▪ Manuel de Sousa Coutinho:
- nobre: “… o retrato daquele gentil cavaleiro de Malta que ali está” (o ingresso na Ordem
de Malta era limitado aos membros da aristocracia, aos quais se exigia certificado de
nobreza);
- o seu nome é bíblico: é um dos nomes do Messias (Emanuel) e significa “Deus
connosco”, significado que se adequado à personagem, dado(a):
- a boa-fé com que se casou com D. Madalena, viúva;
- a tranquilidade e a paz de espírito que daí lhe adivinha, revelada:
- na resposta aos melindres de Madalena por ter de regressar ao lar onde
vivera com D. João (I, 8);
- na vivência cristã da graça de Deus pela contrição do coração (II, 3);
- pelo contentamento de viver e conviver com os frades de S. Domingos como
de portas adentro, quase no início da mesma cena;
- no desapego dos bens materiais, “coisas tão vis e tão precárias”;
- no desamor pela própria vida (“vida miserável que um sopro pode apagar” – I,
11);
- nas palavras de Telmo:
- “fidalgo de tanto primor e de tão boa linhagem, como os que se têm por
melhores neste reino em toda a Espanha”;
- “é um guapo cavalheiro, honrado fidalgo, bom português”.

▪ D. João de Portugal:


- nobre: nobreza de sangue que vinha do pai (“aquele nobre conde de Vimioso”), a
designação dom, atribuído apenas a alguns membros da aristocracia; o nome de família
do Conde de Vimioso;
- nas palavras de Telmo: “… espelho de cavalaria e gentileza, aquela flor dos bons…”;
- o nome de batismo:
- é bíblico: evoca o nome de um dos apóstolos;
- é também, desde a época em que decorrem os acontecimentos, o nome de um
tipo literário (cf. um D. Juan).

● Relação Telmo vs. D. Madalena

            Pelo que é dado ler nesta cena, a relação entre estas duas personagens supera em
muito a tradicional ligação entre um criado e o seu senhor. De facto, o escudeiro
apresenta-se mais como um elemento da família de D. Madalena do que enquanto mero
aio, graças aos longos anos passados ao serviço da família (primeiro de D. João e depois
de Manuel de Sousa). Quando ela enviuvou aos 17 anos, foi o seu amparo e quase um
pai, daí a liberdade de que goza quando lida com D. Madalena. Esta respeita-o e
reconhece-lhe alguma autoridade sobre si, seguindo também os seus conselhos como se
fosse sua filha. De igual forma, ele respeita-a e aconselha-a, não obstante, ter sido
contrário ao segundo casamento.
            Assim sendo, é natural que a relação (que se foi estreitando ao longo dos anos)
entre ambos seja de grande respeito, amizade, confiança e abertura, como se comprova
ao longo de todo o diálogo, que é motivado pelo pedido que D. Madalena quer fazer ao
seu velho aio: acabar com as conversas sobre o passado com Maria, ligadas à ideia de
que de D. Sebastião está vivo e, por extensão, D. João, facto que, a ser verdade,
acarretaria consequências trágicas para Maria, reduzida então à condição de filha
ilegítima.
            E é a questão do passado e da forma como este é alimentado em Maria pelo
escudeiro que perturba a relação. Note-se como Madalena sofre e chora quando Telmo
afirma que a jovem deveria ter nascido “em melhor estado”, pois está claramente a
sugerir que ela era merecedora de ter nascido no seio de uma família constituída por
pais casados legitimamente, sem qualquer sombra a pairar sobre ela, o que não sucede
na perspetiva do aio, dado acreditar que D. João ainda está vivo. A ser assim, a família
seria destruída e Maria uma filha ilegítima, com todas as consequências ao nível da
mentalidade e das convenções sociais da época.
            Por isso mesmo, no final da conversa, Telmo reconhece que D. Madalena tem
razão: se continuar a estimular o interesse de Maria pelo passado, com as suas crenças e
agouros, poderá levá-la a descobrir o passado da sua mãe. A ideia de que D. João de
Portugal poderá estar vivo despertaria nela a possibilidade da ilegitimidade e o receio de
tal situação poderia agravar seriamente o seu estado de saúde já tão debilitado.

● Relação Telmo vs. Manuel de Sousa

            Telmo manifesta grande respeito e admiração por Manuel de Sousa, cujas


qualidades elenca e elogia, mas não lhe dedica a mesma consideração e estima que
nutria por D. João de Portugal, visto que considera que não é digno de ocupar o lugar do
seu antigo amo.

Características da tragédia clássica da cena

▪ A presença do Destino, por quem D. Madalena se sente perseguida/vítima.

▪ Hybris de D. Madalena: nunca amou D. João.

▪ Pathos: os terrores de D. Madalena.

▪ Os agouros e presságios de Telmo.

▪ A presença do coro nos agouros, comentários e prenúncios de desgraças próximas de


Telmo.

▪ Agon:
- de D. Madalena:
. interior, de consciência;
. contínuo;
. crescente;
. com Telmo: apesar de, durante os 7 anos de «viuvez», lhe ter obedecido
como a um pai, D. Madalena não segue o conselho de esperar
o regresso de D. João, anunciado na carta profética, escrita
na madrugada da batalha de Alcácer Quibir;
. com D. João, presente nas conversas com Telmo, testemunha
da «desobediência» de D. Madalena, conversas essas cheias
de reticências, de subentendidos, de duplos sentidos, de
alusões, de agouros, de «futuros», de pressentimentos
de desgraças iminentes;
- de Telmo:
. de consciência: começa a ser evidente o conflito de consciência entre
o desejo do regresso de D. João de Portugal e o amor a Maria;
. com D. Madalena:
- desaprova o seu casamento com Manuel de Sousa, baseado
nos dizeres da carta profética de D. João, escrita na madrugada
da batalha;
- e na superstição (maravilhoso popular) de que, se ele voltasse
e aparecesse a D. Madalena, não se iria embora sem lhe
aparecer também (o que não se tinha verificado);
- daí os “ciúmes”, as alusões, os agouros, os “futuros”;
- o conflito de Telmo com D. Madalena fica sempre sem solução;
. com Maria:
- a princípio, não a podia ver, por causa do seu nascimento em
berço ilegítimo (“Digna de nascer em melhor estado”);
- o conflito com Maria termina, porque ela acabou por o cativar e
ele lhe quer como um pai;
. com Manuel de Sousa:
- apesar das qualidades que lhe reconhece, é, em sua opinião,
inferior a D. João de Portugal;
- por conta deste tem “ciúmes”
- e uma certa aversão, por o considerar um intruso.

▪ O caráter ominoso, carregado de mistério e de fatalismo, conferido ao tempo pela


repetição de determinados números (3, 7, 14, 21, 13) e pela sexta-feira:
. D. Madalena procurou D. João durante 7 anos;
. D. Madalena e D. Manuel de Sousa estão casados há 14 anos (2X7);
. a batalha (e o consequente desaparecimento de D. Sebastião e D. João)
ocorreu há 21 anos (3X7);
- 3:
. perfeição;
. 3 fases da existência;
- 7:
. tragédia;
. conclusão de um ciclo:
- 21:
. completa a tríade do 7, indicando o fechar de um ciclo e o iniciar de
outro ainda desconhecido, mais concretamente de três (7: o ciclo
da busca de novas sobre D. João; 14: o tempo de vida em comum
de Madalena e Manuel; 21: o encerrar de todos os ciclos e o início
de um novo).

Cena III

● Tema: o possível regresso de D. Sebastião.

● Perspetiva e reação das personagens sobre e ao tema

Maria, como personagem sebastianista, acredita piamente que D. Sebastião está


vivo e vai regressar num “dia de névoa muito cerrada” e fundamenta a sua posição em
argumentos como a fé e a crença do povo que, segundo ela, terá toda a razão de ser.
Curiosa e intuitiva, questiona por que razão o pai, sendo tão patriota, não gosta de
ouvir falar no regresso do rei, que iria retirar do trono português o rei espanhol, e chega
a alvitrar a possibilidade de ser pró-castelhanos, não obstante toda a sua postura
patriótica, por ele revelada através de palavras e ações.
Note-se como, nesta cena, as palavras e atitudes de Maria revelam todo o seu
extraordinário poder de observação e de análise de comportamentos.

Telmo Pais crê profundamente no regresso de D. Sebastião, mantendo viva


igualmente viva a esperança no retorno do seu amo, D. João de Portugal.
Por seu turno, D. Madalena procura demover a filha e afastá-la dessas ideias,
fazendo uso, inicialmente, de argumentos racionais: (a) os relatos dos tios Frei Jorge e
Lopo de Sousa, homens cultos, sobre o que aconteceu na batalha e (b) a desvalorização
das crenças populares, que apresenta como quimeras (ilusões).
Quando verifica que a sua argumentação não resulta, aflige-se a chora. As reações
dos pais devem-se ao facto de a sobrevivência e o regresso de D. Sebastião e D. João de
Portugal, cuja morte nunca fora confirmada, implicariam a nulidade do seu casamento e
a ilegitimidade de Maria. Deste modo, as constantes referências ao assunto adensam os
seus receios e terrores.

Segundo Maria, o seu pai, Manuel de Sousa, perante esta possibilidade, muda de


semblante, fica pensativo e carrancudo, o que mostra que não estará totalmente certo da
morte de D. Sebastião, e leva a filha a, por momentos, duvidar do seu patriotismo.
● Visão de Maria sobre D. Sebastião

Para Maria, D. Sebastião é um herói por quem nutre grande admiração e em quem
deposita todas as esperanças para resgatar Portugal das garras do domínio castelhano: “o
nosso bravo rei”, “o nosso santo rei D. Sebastião”, etc.
Cena IV

● Caracterização das personagens (a partir das cenas III e IV)

a. Maria:
. sebastianista fervorosa e nacionalista, crê que D. Sebastião está vivo e vai regressar;
. é uma espécie de porta-voz da sabedoria popular: “Voz do povo, voz de Deus”;
. lê muito (novelas de cavalaria e romances populares);
. manifesta interesse por temas impróprios para a sua idade: romances populares sobre D.
Sebastião e a batalha de Alcácer Quibir;
. sofre ao observar o sofrimento da mãe, que não compreende;
. é bondosa, carinhosa e terna com a mãe;
. muito precoce, possui uma imaginação e curiosidade pouco próprias da sua idade:
“Maria, que tu hás de estar sempre a imaginar nessas coisas que são tão pouco para a tua
idade”;
. pensa muito (“passo noites inteiras em claro a lidar nisto”; “a pensar em tudo”): Maria
passa as noites em claro, a rever as suas atitudes e as dos pais, para tentar descobrir as
razões da sua preocupação, por considerar que há algo que não lhe é revelado;
. tem sonhos estranhos, em cuja interpretação revela poderes de profecia: lê nos olhos e
nas estrelas;
. é muito intuitiva;
. é alegre, mas sente-se subitamente invadida por grande tristeza (“uma tristeza muito
grande que eu tenho”): essa tristeza está relacionada com a constante preocupação dos
pais com ela; o seu poder intuitivo e de observação permitem-lhe perceber a
preocupação dos pais com a sua saúde e crenças; quando pergunta à mãe por que razão
o pai não tinha permanecido na Ordem de Malta e deixara o hábito, parece expressar o
desejo de que o pai nunca o tivesse feito, o que corresponderia à sua inexistência; ela
compreende que há algo que lhe escondem;
. é visionária e muito sensível: “não quero sonhar, que me faz ver coisas lindas às vezes,
mas tão extraordinárias e confusas…”;
. possui um conhecimento íntimo de si própria que escapa aos familiares: “O que eu
sou… só eu o sei, minha mãe… E não sei, não: não sei nada, senão que o que devia ser
não sou…”;
. é corajosa, de personalidade forte, destemida e idealista, dotado de caráter varonil,
revelado no desejo de ter um irmão e de resistência aos governadores: “um galhardo e
valente mancebo capaz de comandar os terços de meu pai”; “Tomara eu ver seja o que
for que se pareça com uma batalha!”;
. insurge-se contra as injustiças sociais: “Coitado do povo!”; “… onde a miséria fosse
mais e o perigo maior, para atender com remédios e amparo aos necessitados (cena V);
. Frei Jorge chama-lhe Teodora, nome que significa sábia (cena V);
. é idealista e patriota, manifestando toda a sua vontade de resistir aos governadores:
“Fechamos-lhes as portas. Metemos a nossa gente dentro e defendemo-nos.” (cena VI);
. fica entusiasmada com a notícia trazida pelo pai, dando largas à sua imaginação, ao seu
idealismo e ao seu patriotismo;
. sofre de tuberculose, a doença dos românticos – sintomas:
- a febre;
- as mãos a queimar;
- as rosetas nas facetas;
- a audição a grandes distâncias (cena VI).

b. D. Madalena:
. sofre (chora) com as palavras de Maria;
. evidencia uma grande tensão psicológica, agravada pela menção inconsciente de Maria a
aspetos que a aterrorizam;
. manifesta grande preocupação perante a precocidade da filha.

c. Telmo Pais:
. tem uma presença silenciosa, mas identifica-se com os ideais de Maria;
. contribui para o clima de opressão;
. aparenta resignação e convencimento;
. manifesta preocupação com a debilidade de Maria.

● Características da tragédia

▪ Agón de D. Madalena:
- com Maria: para esta, há um enigma que nem a mãe, nem o pai, nem mesmo Telmo se
prontificam a decifrar; são segredos e mistérios intuitivamente pressentidos que não
consegue desvendar:
. a razão por que nem a mãe nem o pai, apesar do seu patriotismo (“… que ele não é por
D. Filipe, não é, não?”) acreditavam no regresso de D. Sebastião;
. a razão por que, quando em tal se falava, o pai mudava de semblante, e a mãe se afligia e
até chorava;
- com D. João de Portugal, nas reações de aflição, sublinhadas pelas lágrimas, sempre que
Maria se refere à crença popular da sobrevivência e possível regresso de D. Sebastião –
cena III.

▪ Agón de Maria:
- com D. Madalena:
. a propósito da sobrevivência e do regresso de D. Sebastião (cena III) – D. Madalena não
acredita, nem lhe convém acreditar nem uma coisa nem outra. Maria acredita
firmemente;
. desconfia que a mãe oculta alguma coisa muito importante; por isso, está sempre atenta,
a observar os sobressaltos, a ansiedade da mãe a seu respeito; por isso, lê nas palavras,
nas ações e nos gestos da mãe (e do pai), à procura de indícios, de respostas para a sua
curiosidade (cena IV);
. não pode cumprir as esperanças nela depositadas (cena IV);
. por isso, desejaria ter um irmão (cena IV);
- com Manuel de Sousa:
. duvida do patriotismo do pai (cena III), por causa das atitudes que ele toma, ao ouvir
falar de D. Sebastião: “Ó minha mãe, pois ele não é por D. Filipe, não é, não?”;
. a hipótese não tem fundamento.
………………………………
▪ D. Madalena parece caída nas garras de um destino inexorável: a última fala de Maria
da cena IV lança nela a dúvida se teria valido a pena ter casado uma segunda vez.

▪ A constatação de algo misterioso que paira sobre a ação e as personagens.

▪ Presságios:
. as flores murchas e os sonhos deixam antever a tragédia com que encerra a obra: a morte
progressiva de Maria (ela colheu papoilas para pôr debaixo do travesseiro, por estas
estarem associadas ao sono e ao sonho, acreditando que, assim, terá uma noite
descansada; no entanto, as flores, que representam, entre outras coisas, a beleza
efémera, murcharam rapidamente, indiciando a proximidade da morte;
. a contemplação do retrato do pai remete para a intuição do malogro do casamento dos
pais.

● Características românticas

▪ O sebastianismo de Telmo e Maria.

▪ O nacionalismo e patriotismo de Maria, visível na resistência aos governadores


castelhanos.

▪ Linguagem: exclamações, interrogações, reticências, frases curtas, adequação ao íntimo


e ao estado de espírito das personagens, etc.
▪ Caracterização de Maria:
. o modelo da mulher-anjo;
. os ideais de liberdade;
. exaltação de valores de feição popular;
. atração pelo mistério;
. intuição;
. tuberculose, a doença dos românticos.

▪ Crenças: agouros, superstições, sonhos, visões de Madalena, Telmo e Maria (cenas II e


IV).

Cena V

● Surgimento das personagens em cena


As personagens não surgem todas em cena em conjunto, mas de forma gradual.
Primeiro, Madalena e Telmo; depois, Maria; nesta cena, Frei Jorge; a seguir, Manuel de
Sousa. Esta sucessão corresponde ao que se deveria passar no primeiro ato de uma
tragédia – prólogo –, em que se apresentam as personagens e se mostra o conflito
latente entre elas.

● Assunto da cena – notícias trazidas por Frei Jorge:


. saída dos governadores de Lisboa;
. intenção de se hospedarem na casa de Manuel de Sousa e D. Madalena.
Entre 1598 e 1602, houve peste em Lisboa. As notícias trazidas por Frei Jorge
contribuem diretamente para o desenvolvimento do conflito. De facto, os governadores
tencionam sair de Lisboa, para fugirem à peste, e instalar-se em Almada, na casa de
Manuel de Sousa.

● Reações das personagens


a) Maria
Maria, graças ao seu temperamento juvenil e gosto pela aventura, manifesta todo
o seu patriotismo e considera a intenção dos governadores um ato de cobardia, visto que
abandonam o povo, deixando-o entregue à peste e à miséria, e um ato de tirania que
deve ser combatido pelo exército do seu pai.
Por outro lado, revela um grande sentido cívico e grande sensibilidade para com
as injustiças: ela não aceita que os governadores, que deveriam zelar e cuidar do povo e
do seu bem-estar, o abandonem à sua sorte, para se protegerem.
Relativamente a recebê-los em casa, rejeita impetuosamente essa hipótese,
defendendo que se deve pegar em armas para os combater. Esta é uma visão romântica
do poder e das reais forças das partes em conflito.
b) D. Madalena
D. Madalena reage à notícia de forma mais comedida, mas não deixa de se
mostrar indignada com a situação, que considera uma desconsideração pelas senhoras
da sua casa.
Por outro lado, perante o sebastianismo da filha, que defende o regresso de D.
Sebastião, no qual acredita convictamente, fundamentando a sua posição com a crença
do povo, mostra a sua descrença, apoiando-se em elementos mais concretos, isto é, nos
relatos dos tios Frei Jorge e Lopo de Sousa, e defende que as crenças do povo são
ilusões.

Cena VI

● Nesta cena, de extensão muito reduzida, Miranda anuncia a chegada de Manuel de


Sousa.
● Por outro lado, nela é revelada a doença de Maria, que manifesta mais um sintoma de
tuberculose, a acuidade auditiva e visual: “É extraordinária esta criança; vê e ouve em
tais distâncias…”. Os tuberculosos possuem uma acuidade especial ao nível da visão e
da audição.
● Papel de Frei Jorge
Nesta cena, Frei Jorge é o mensageiro portador de notícias: é por ele que D.
Madalena sabe que os governadores que representam o rei espanhol se pretendem alojar
no palácio de Manuel de Sousa.
Ocasionalmente, Frei Jorge cumpre a função/o papel semelhante à do Coro da
tragédia clássica, enquanto conselheiro (revelando moderação e sensatez), portador de
notícias, veículo de expressão de temores e sinais (indícios) do que o futuro poderá
trazer.

● Elementos trágicos da cena


▪ Agón de Maria:
- com o pai: a hipótese de falta de patriotismo do pai aventada na cena 3 não tem
fundamento;
- com os governantes de Lisboa (I, cena 5):
1. a razão de Maria é simples e sábia: os governantes ilegítimos, no momento das
desgraças provocadas pela peste, fogem do meio do povo; o rei natural, «pai comum de
todos», fica junto do seu povo, «onde a miséria fosse mais e o perigo maior, para
atender com remédio e amparo aos necessitados». E acrescenta: «Eu entendia, se
governasse, que o serviço de Deus e do rei me mandava ficar…»;
2. por isso, no momento em que o pai resolve lutar, à sua maneira, contra os tiranos,
também ela resiste à tirania e lança a ideia de lutar e organizar a defesa, para que os
governadores não entrem no seu palácio: «Fechamos-lhes as portas. Metemos a nossa
gente dentro; o terço de meu pai tem mais de seiscentos homens, e defendemo-nos. Pois
não é uma tirania?... E há de ser bonito! Tomara eu ver seja o que for que se pareça com
uma batalha».
▪ Presságio: na sua última fala, Frei Jorge expressa a sua preocupação com a saúde de
Maria, podendo presumir-se que ela não irá resistir à tuberculose.

Cena VII

● Assunto: chegada de Manuel de Sousa com a decisão de partir, com a família, para o


palácio de D. João, em virtude de os governadores castelhanos quererem hospedar-se no
seu palácio.
● Estrutura interna da cena
▪ 1.ª parte – Chegada de Manuel de Sousa decidido a abandonar o seu palácio.

A chegada de Manuel de Sousa não seria, só por si, um acontecimento imprevisto,


se não fossem certas circunstâncias presentes (as desta cena até ao final do ato) e
passadas, como, por exemplo, a sua demora em Lisboa para além do que prometera a D.
Madalena: «prometeu de vir antes de véspera e não veio; que é quási noite, e que já não
estou contente com a tardança” (I, 3). A hora de véspera correspondia às seis horas da
tarde; “quási noite”, em agosto, seria pelas nove. D. Madalena presume a ocorrência de
impedimentos graves, para Manuel de Sousa faltar à palavra dada. Manda, por isso,
chamar Frei Jorge, o qual a põe ao corrente do que lhe “mandaram dizer em muito
segredo de Lisboa”: os governadores, para fugirem à peste, resolveram vir para Almada
e escolheram o palácio de Manuel de Sousa para “aposentadoria”.

▪ Caracterização de Manuel de Sousa:


. nobre;
. agitado e nervoso: mover-se em várias direções e dá ordens a diferentes personagens;
. autoritário: “Façam o que lhes disse”;
. decidido e determinado: “nós forçosamente havemos de sair antes de eles entrarem”;
. caráter inflexível;
. precipitado;
. audaz e corajoso;
. culto, de acordo com o seu estatuto social: o uso do latim «mea culpa» e «pecavi»;
. belo e nobre, qualidades que, aliadas à inteligência e à cultura universitária, o tornam
invejado pelos poderosos.
Manuel de Sousa informa as outras personagens da sua decisão de saírem daquela
casa, naquela mesma noite, antes da chegada dos governadores. Tenso e inquieto,
mostra-se revoltado e indignado porque os governadores ao serviço de Espanha querem
hospedar-se no seu palácio e ele, como patriota, opõe-se a esse propósito. A resolução
imperativa e irremediável está presente nesta fala: «É preciso sair desta casa,
Madalena”. Ora, a expressão «é preciso» marca a fatalidade, combinada com a
irreversível imediatez do advérbio: «sair já».
Por outro lado, a casa é o edifício, mas também o símbolo da família, a própria
família. Parece que o Destino fala pela boca de Manuel de Sousa, que lhe vai pegar na
palavra, a ele que pensa agir apenas pelo patriotismo e na qualidade de senhor da sua
própria casa, para o empurrar, numa autêntica reviravolta da Fortuna, para uma situação
equívoca, em casa alheia.

▪ Tempo
Partindo das informações contidas na cena, podemos concluir que a ação decorre
pelas oito horas do dia 28 de julho de 1599, de noite: “É noite fechada.”; “são oito
horas”.
A mudança do «fim da tarde» para «noite fechada» está de acordo com o que vai
acontecer, quer na família, quer no palácio; neste, permite um final espetacular e
simbólico.
▪ 2.ª parte – Reações das personagens à decisão de Manuel de Sousa.
. Madalena:
- inquieta;
- receosa;
- preocupada;
- pressente desgraças;
- procura chamar o marido à razão e demovê-lo, temendo a vingança dos governadores.
. Maria:
- orgulhosa;
- contente;
- vibrante;
- apoia totalmente o pai.
. Frei Jorge:
- mediador de conflito (concordando com D. Madalena, aconselha prudência;
concordando com Manuel, aceita a mudança de morada;
- assume a função de coro, aconselhando as personagens.

▪ 3.ª parte – Decisão de mudar a família para o palácio de D. João de Portugal.

Esta mudança é absolutamente necessária ao desenrolar dos acontecimentos,


dadas as circunstâncias. A Fatalidade parece falar pela boca de Manuel (“… a única
parte para onde poderemos ir…”): aquela era, de facto, a única saída, a única
alternativa, perante o aperto em que as personagens parecem encurraladas.

▪ Postura e retrato de Manuel de Sousa


Ao longo da cena, a postura e o estado emocional de Manuel de Sousa alteram-
se. Inicialmente, mostra-se agitado e nervoso, mas, à medida que a cena se desenrola,
vai ganhando tranquilidade, para não assustar a mulher e a filha, mas mantém a decisão
e a determinação de agir e com rapidez.
Manuel de Sousa, quer no discurso quer nas ações, mostra-se um homem honrado,
patriota, valente e corajoso, ao enfrentar e insurgir-se contra o poder espanhol,
pretendendo dar-lhe uma lição exemplar (a eles e a “este escravo deste povo que os
sofre”), pois essa rebeldia poderia acarretar uma punição severa. Assim sendo, essa
coragem vive de mãos dadas com o patriotismo e a defesa da liberdade. De facto,
quando se recusa a acatar as ordens dos governadores, mostra que não aceita o domínio
filipino e a união com Espanha. Como não pode agir a nível nacional, decide fazê-lo a
título particular, a nível da sua casa.

▪ Reação das personagens


A reação das personagens é novamente diferenciada:
- Maria: exulta com a decisão do pai, que apoia, elogiando o seu patriotismo;
- Frei Jorge: apoia também a decisão, mas aconselha o irmão a ser prudente;
- D. Madalena: a reação desta personagem varia ao longo da cena. Assim, no
início mostra-se inquieta com a decisão do marido, alertando-o para
as consequências de atos imoderados, temendo a reação dos governadores.
Porém, quando fica a saber que Manuel de Sousa quer mudar a família para
o
palácio de D. João, fica apavorada, como se pode constatar pela sua
linguagem
repleta de reticências, pausas, interrupções, hesitações, repetições (“Ouve…
ouve…”) e no pedido para ficar só com o marido na tentativa de o demover.
De
facto, inicialmente, controla o pânico, com dificuldade, para não atemorizar
a
filha, por isso espera que esta saia para reagir. As razões dos eu terror são
óbvias e plenamente justificadas.

▪ Dimensão simbólica da atitude de Manuel de Sousa

As atitudes de Manuel de Sousa são de anti poder. Tendo em conta que, em 1844,
ano da publicação de Frei Luís de Sousa, Portugal era governado pela ditadura de Costa
Cabral, o gesto de revolta da personagem pode simbolizar (e assim foi entendido na
época, por isso o poder vigente proibiu a representação da peça) a revolta contra esse
governo cabralista.
Cena VIII

● Assunto: diálogo entre Madalena e Manuel de Sousa, durante o qual aquela o tenta


demover da decisão de se mudarem para o palácio de D. João e este se mostra
inabalável.

● Caracterização das personagens

▪ Manuel de Sousa:
- sempre respeitou D. João de Portugal;
- não teme o passado;
- sereno e decidido (observe-se a sua linguagem);
- forte;
- patriota: “Há de saber-se no mundo que ainda há um português em Portugal.”
(pleonasmo);
- amor à pátria e à liberdade;
- desrespeito pelos argumentos da esposa, que considera “caprichos”, “agouros”, “vãs
quimeras de crianças”, preferindo magoá-la a esquecer os seus princípios;
- inabalável e firme nas suas decisões;
- crente em Deus: “Não há senão o temor a Deus”;
- ironia das repetições dos pronomes num discurso duplo para o espectador: “E o
presente, esse é meu, meu só, todo meu…”;
- é o modelo do herói clássico:
. age segundo a razão;
. orienta-se por valores aceites como universais:
- a honra cavalheiresca;
- o culto do dever;
- a lealdade;
- o patriotismo;
- a liberdade.
▪ D. Madalena:
- obediente ao marido: “eu nunca me opus ao teu querer, nunca soube que coisa era ter
outra vontade diferente da tua; estou pronta a obedecer-te sempre, cegamente, em tudo”;
- amargurada e angustiada;
- aterrorizada por constantes agouros e pelo passado: “… que vou achar ali a sombra
despeitosa de D. João, que me está ameaçando com uma espada de dous gumes… que a
atravessa no meio de nós, entre mim e ti e a nossa filha, que nos vai separar para
sempre…”;
- gradação crescente e hipérbole dos seus temores – menciona todas as preocupações e
profetiza mesmo a morte: “(…) a violência, o constrangimento de alma, o terror (…) viu
ser infeliz, que vou morrer (…) sem que todas as calamidades do mundo venham sobre
nós.”;
- convicta, até ao final, de que consegue demover o marido;
- é o modelo da heroína romântica:
. vive obcecada pelos fantasmas do passado;
. age pelo coração, pelo sentimento.

Concretiza-se nestas cenas a ideia de que, em Madalena, a contradição entre a


felicidade aparente e a desgraça íntima revela uma consciência moral atormentada pela
imagem sempre obsessivamente presente de D. João, mordida pelo remorso proveniente
da consciência de pecado. Motivações de ordem psicológica e moral profundamente
enraizadas na psicologia desta personagem, movimentada dentro do quadro de uma
sociedade cristã, onde o matrimónio é um vínculo indissociável que só a morte poderá
quebrar, conduzem a reações e ao comportamento desta figura, cheia de ambiguidades,
tão rica, tão modelada, “mulher e muito mulher”, forte no amor, na paixão por Manuel
de Sousa, fraca perante os agouros, os presságios, os indícios de “uma grande desgraça”
iminente, terna, lutando até ao fim pela felicidade, procurada mas nunca alcançada
plenamente, rendida contra vontade perante o irremediável Destino que a destrói,
liquidando todos os sonhos de felicidade neste Mundo, junto do homem que amou. As
reticências são uma abertura pela qual os espectadores observam o seu íntimo conflito
de consciência.

NOTAS:

1.ª) Existe um contraste nesta cena entre a linguagem serena, decidida, de Manuel


de Sousa e a de D. Madalena, hesitante, titubeante, emotiva e excitada. Estão frente a
frente dois mundos: o universal e o individual; estão frente a frente dois tempos: o
presente e o passado; um terá de vencer. Ela tem um discurso sentimental, marcado por
emoções violentas. De acordo com a época em que vive, é submissa ao marido,
apelando ao seu coração para o dissuadir, mas ele tem um discurso racional, mostrando-
se forte e seguro, impondo a sua decisão, baseado em argumentos sólidos.

2.ª) As duas personagens vivem, pois, um conflito dominado pelo tempo. Neste
campo, a palavra caprichos tem um significado diferente para ambos. Para Manuel de
Sousa, trata-se de uma teimosia incompreensível; para D. Madalena, trata-se de uma
questão de vida ou de morte, um dilema fatal. Um minimiza a situação, o outro empola-
a.

3.ª) Manuel de Sousa desvaloriza os argumentos da esposa. De facto, D. Madalena


argumenta com base na emoção, condicionada pelo medo e pelo terror de que a figura
de D. João interfira na felicidade da família. Os seus argumentos são óbvios: pressente
que não vai ser feliz e pressente que irá encontrar, na outra casa, a sombra despeitosa de
D. João. O marido considera que esta argumentação não é razoável, tratando-se de um
mero capricho, causado pela “fraqueza de acreditar em agouros”. Pelo contrário, ele
mostra ser racional e pragmático. No final, chama D. Madalena à razão e lembra-lhe a
sua condição e as responsabilidades que tem, o que implica que tenha um
comportamento digno e firme, visto que a situação assim o exige.

4.ª) Os argumentos de Manuel de Sousa para contraditar a esposa e afastar os seus


receios são os seguintes:
- não há outro lugar para onde ir, de repente;
- não lhe custa viver onde viveu D. João com D. Madalena;
- ela não deve acreditar em agouros; a única crença que deve ter é em Deus;
- nada tem a temer porque nunca pecou;
- não deve recear a perseguição por parte da alma de D. João.

5.ª) A afirmação de Manuel de Sousa de que “não há espectros que nos possam
aparecer senão os das más ações que fazemos” significa que apenas se devem temer os
erros que se cometem conscientemente e mostra que desconhece a motivação profunda
de D. Madalena para recusar mudar para o palácio de D. João.

6.ª) A alternância de tratamento de D. Madalena (senhora / tu) explica-se assim:


no primeiro caso, realça-se a sua condição social – Manuel de Sousa pretende mostrar
severidade para chamar a sua mulher à razão e aos seus deveres de membro da
aristocracia; no segundo, a sua situação de esposa – ele manifesta ternura e compaixão
pelo sofrimento da mulher (“Minha querida”).

7.ª) Na sua fala final, Manuel de Sousa reitera a sua intenção de dar uma lição aos
tiranos e um exemplo ao povo, afirmando que se tratará de algo que os há de «alumiar».
Este verbo pode ser interpretado de duas formas: por um lado, com o sentido de “dar
luz”, revelando a decisão de incendiar o próprio palácio (cena XI); por outro, com o
sentido conotativo de “esclarecer”, como um incentivo à oposição e à recusa da
submissão e tirania.

8.ª) A frase “Há de saber-se no mundo que ainda há um português em Portugal”


significa que nem todos os portugueses aceitaram o domínio filipino e explica a
insurreição de Manuel de Sousa, bem como o seu gesto de rebeldia e desobediência.

● Elementos trágicos (cenas 7 e 8)

▪ Agón de D. Madalena:
- com Manuel de Sousa:
Manuel de Sousa, no regresso de Lisboa, resolve incendiar o seu palácio, para não
hospedar os governadores Luís de Moura, o conde do Sabugal, o conde de Santa Cruz,
“que tomaram este incargo odioso… e vil, de oprimir os seus naturais em nome dum rei
estrangeiro”. O arcebispo já estava alojado no convento dos domínicos de Almada.
Tomando esta atitude dos governadores como opressão, prepara-se para dar “uma
lição aos nossos tiranos que lhes há de lembrar, … um exemplo a este povo que os há de
alumiar”, numa frase ambígua e profética. Para não “sofrer esta afronta”, diz, “é preciso
sair desta casa”.
D. Madalena interroga-se, aterrada, diante do inevitável (voltar de novo para o
palácio onde vivera com D. João), acerca do novo local de habitação. É a partir desta
premente necessidade de mudar de residência que se manifesta o conflito de D.
Madalena com Manuel de Sousa. As razões de D. Madalena são óbvias:
1.ª) “a violência, o constrangimento de alma, o terror com que eu penso em ter de entrar
naquela casa”;
2.ª) “parece-me que é voltar ao poder dele, que é tirar-me dos teus braços, que o vou
encontrar ali”;
3.ª) “vou achar ali a sombra despeitosa de D. João, que me está ameaçando com uma
espada de dous gumes… que a atravessa no meio de nós, entre mim e ti e a nossa filha,
que nos vai separar para sempre”;
4.ª) “sei decerto que vou morrer naquela casa funesta, que não estou ali três dias, três
horas, sem que todas as calamidades do mundo venham sobre nós”.
        Por fim, um pedido ansioso:
5.ª) “Meu esposo, Manuel, marido da minha alma, pelo nosso amor to peço, pela nossa
filha… vamos seja para onde for, para a cabana de algum pobre pescador desses
contornos, mas para ali não, oh, não!...”.
Ouvem-se as lágrimas, sente-se o sofrimento íntimo e atroz nestas palavras
proféticas, dolorosas e ambíguas, carregadas de duplo sentido, cheias de motivações
profundas, claras apenas para D. Madalena, só obscuras para Manuel de Sousa,
desconhecedor do mistério e do segredo nelas contido.
Por isso, Manuel de Sousa, a princípio, interpreta esta repugnância como
«capricho» bem feminino, e leva-a à conta de «fraqueza de acreditar em agouros». Se o
coração e as mãos de D. Madalena «estão puras», colo ele crê, em sua boa-fé, então
«não há espectros que nos possam aparecer». Espectros só os das «más ações». Tudo
isso são «quimeras de criança». Por fim, chama-a à razão e lembra-lhe as
responsabilidades que ela tem, por si e pelos antepassados: «Vamos, D. Madalena de
Vilhena, lembrai-vos de quem sois e de quem vindes, senhora…».
Vencida, mas não convencida, nada mais adiantará para D. Madalena perante o
irremediável: incendiado o palácio de Manuel de Sousa, vê-se forçada, muito a
contragosto, a mudar de residência, a regressar a casa de D. João de Portugal.
o de Portugal: manifesta-se na relutância de voltar a viver sob o mesmo teto em que
fora (não o era ainda?) esposa de D. João, e nas razões que apresenta (I, 7 e 8).

▪ A presença do Destino, que estabelece um clima de fatalidade que paira sobre as


personagens.

▪ Os agouros e pressentimentos de destruição e morte, como o da espada, que sufocam


D. Madalena.
▪ O pathos de D. Madalena

● Características românticas
. crença em Deus;
. nacionalismo e patriotismo;
. interioridade / sensibilidade;
. adequação da linguagem às personagens: coloquialidade e emotividade – reticências,
pausas, exclamações, interjeições, repetições;
. Manuel de Sousa representa o herói romântico que luta pela liberdade e pela pátria,
contra a tirania;
. D. Madalena é a figura romântica da mulher dominada pelo sentimento (medo, culpa,
agouros, terror…).

Cena IX
● Assunto:
a) Telmo traz a notícia da súbita chegada dos governadores de Lisboa (à exceção
do arcebispo, que ficou hospedado n convento de Almada);

b) Manuel de Sousa sente-se enganado por eles, mas não o apanharam desprevenido.
Cena X
● Assunto: saída precipitada das personagens da casa
a) Jorge e Telmo acompanham as senhoras;

b) Manuel de Sousa fica sozinho em cena e seguirá depois.

Cena XI
● Retrato de Manuel de Sousa
Este monólogo de Manuel de Sousa exemplifica a sua determinação, coragem e
patriotismo.
De facto, “como homem de honra e coração”, o seu foco está no afrontar os
governadores: se for caso disso, está disposto a perder os seus haveres e até a sacrificar
a própria vida, que considera efémera (“vida miserável que um sopro pode apagar em
menos tempo ainda!”), para se opor à tirania.
Por outro lado, a cena enfatiza os valores que Manuel de Sousa representa e que já
conhecemos: a honra, o amor à pátria e à liberdade, o despojamento dos bens materiais.

● Função da cena: só nesta cena se compreende cabalmente o plano de Manuel de


Sousa e, por conseguinte, a necessidade de abandonar a sua casa.

● Presságio
A evocação por Manuel de Sousa da morte desastrosa do pai (caiu sobre a própria
espada) associa esta morte a uma morte provável, no meio das “chamas ateadas por suas
mãos”. É mais uma prolepse da desgraça que irá suceder. Por outro lado, esta passagem
chama a atenção para a ideia de que é o homem que constrói o seu destino e de que
todas as ações acarretam consequências.

Cena XII
● Assunto: o incêndio do palácio.

● Consequências do ato de Manuel de Sousa


-» partida da família para o palácio de D. João;
-» aumento do terror e da angústia de D. Madalena;
-» criação das condições para o desenlace trágico.

De facto, o incêndio do palácio de Manuel de Sousa:

a) é um acontecimento imprevisto: só na última cena se consuma, pois Manuel de Sousa


não revelara a ninguém os seus intentos;

b) é um acontecimento significativo e dinâmico: implica o antagonismo entre o patriotismo


de Manuel de Sousa e a “tirania” dos governadores, em nome de um rei estrangeiro;
entre o pundonor do cidadão, senhor e dono de sua casa, e a “afronta” de estes hóspedes
indesejados imporem a sua presença, sem ao menos uma consulta, ou uma atenção com
o proprietário;

c) altera gravemente a situação das personagens: D. Madalena, esposa ilegítima, adúltera


e bígama, volta novamente para o palácio onde tinha sido (não o era ainda?) esposa
legítima de D. João de Portugal (como, aliás, ela temia – cena 8); por seu lado, Manuel
de Sousa vai para o palácio de D. João como um intruso e usurpador de um lugar que
não podia ocupar legitimamente;

d) precipita o desfecho pelo retorno de D. Madalena ao passado, à casa fatal, onde irão


suceder os acontecimentos trágicos mais importantes e significativos, ou seja, as
desgraças profetizadas por Telmo, vividas na consciência atormentada de D. Madalena,
indiciadas pela perda do retrato de Manuel de Sousa, anúncio fatal da “perda” da
personagem retratada, e ainda o incêndio do palácio, destruidor da “casa”, no duplo
sentido de edifício e de família.

● Simbologia do incêndio
▪ O incêndio e a destruição do retrato representam a antecipação da morte de Manuel de
Sousa.
▪ Por outro lado, o mesmo fogo que consome o quadro vai permitir igualmente a
purificação da personagem. De facto, após a morte de Manuel de Sousa para a vida
mundana, dá-se a sua ressurreição espiritual como Frei Luís de Sousa, um dos grandes
prosadores portugueses do século XVII.

● Caracterização das personagens

▪ Manuel de Sousa Coutinho:


- guiado pela razão, toma as suas decisões à luz de um conjunto de valores universais: a
liberdade, a moral, a honra, o patriotismo (ex.: a resposta dada às tentativas dos
governadores, incendiando o seu palácio);
- generoso e nobre de alma;
- bons instintos morais, servidos por uma fé cristão vivida;
- sentido de serviço para com a comunidade a que pertence, no exemplo de resistência ao
rei estrangeiro;
- irónico (“Ilumino a minha casa…”; “Suas Excelências podem vir, quando quiserem.”):
exprime o desrespeito que sente pelos governadores [a ironia e a metáfora presentes na
primeira expressão contêm um duplo sentido: remetem para a luminosidade que
receberá os governadores, proveniente do incêndio do palácio; por outro lado, a
expressão traduz o patriotismo de Manuel de Sousa, que receberá os governadores com
fogo e destruição. Segundo o manual Entre nós e as palavras, «D. Manuel afirma que
aceita a vinda dos governadores; mas o ato de destruir demonstra a sua oposição. A
ironia verbaliza a revolta da personagem e contrasta o que os governadores esperavam
que D. Manuel fizesse (submeter-se) e o que ele faz (insurge-se).”];
- sereno na decisão que toma: note-se, por exemplo, no eufemismo repleto de ironia que
usa para se referir ao incêndio que está a atear à sua própria casa (“Ilumino a minha
casa…”);
- Manuel de Sousa é um herói romântico, porque se deixa levar pelas suas paixões de
forma violenta, impulsiva e até precipitada na defesa dos conceitos de honra e
patriotismo.

▪ D. Madalena:
- aterrorizada com o ato do marido;
- dominada pelo Destino e pelo fatalismo e impotente contra ambos: a tentativa de salvar
o retrato do marido, parecendo prever o que daí adviria;
- ao ver o palácio a arder, a sua única preocupação consiste em salvar o retrato, parecendo
adivinhar na sua destruição algo muito grave. De facto, para ela a destruição do retrato
pelo fogo prenuncia a destruição do marido e da própria família;
- o cerco vai-se fechando à sua volta e os seus contínuos medos e terrores começam a ser
justificados: D. João de Portugal não regressou, mas D. Madalena vai ao encontro do
passado.

NOTAS:

1.ª) Estas derradeiras cenas do primeiro ato são bastante rápidas. Aliás, desde a
chegada de Manuel de Sousa, o ritmo, até então algo lento, torna-se rápido e, depois,
muito rápido, o que está em sintonia com o final espetacular do ato e com a peripécia: a
intriga adensa-se e afunila. Esta aceleração do ritmo da ação é traduzida pela pontuação
usada: frases muito pontuadas, pausadas por vírgulas, pontos e vírgulas e reticências,
mostrando o precipitar das ações; os pontos de exclamação marcam o sentimentalismo
das cenas.
2.ª) Manuel de Sousa afirma conceitos e características do Barroco: nada perdura,
tudo muda, a vida é perpétua mudança, tudo é aparência e sonho.

● Discurso das personagens

Nesta cena, há um contraste evidente entre o discurso de D. Madalena e do de


Manuel de Sousa.
Assim, ela mostra-se emocionalmente descontrolada, aterrorizada, e esse estado
de espírito é visível no recurso a frases curtas, interrogativas e exclamativas, nas
invocações a Deus e no uso da interjeição «aí».
Por sua vez, o marido mostra-se tranquilo, pois está convicto da decisão que
tomou. Quando se refere aos governadores, é irónico e sarcástico.

Você também pode gostar