Habeas Corpus

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 7

AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE

DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS.

N° DOS AUTOS DE ORIGEM: 0029892-18.2016.8.09.0017

João José Pereira da Silva, advogado, regularmente inscrito na OAB sob o número
35586, com endereço profissional no Núcleo de Prática Jurídica da Pontifícia
Universidade Católica de Goiás, vem a presença de Vossa Excelência, impetrar, com
fundamento no art. 5°, inciso LXVIII, da Constituição Federal, e nos artigos 647 e 648
do Código de Processo Penal

HABEAS CORPUS

em favor do paciente, Wanderson Aguiar Marques, brasileiro, solteiro, carregador,


natural de Imperatriz, no estado do Maranhão, nascido aos 10/10/1996, filho de Vânia
dos Santos Aguiar e Edson Marques, portador do R.G. de n° 0395919320103 SSP-MA,
residente no Residencial Armando Antônio, Bela Vista de Goiás, apontando como
autoridade coatora o Meritíssimo Juiz de Direito da Vara Criminal e das Execuções
Penais da Comarca de Bela Vista de Goiás-GO, tendo em vista os seguintes fatos e
fundamentos.
DOS FATOS

No dia 28 de janeiro de 2016, as 19:30, na Rua 03, Lote 13, Parque Buritizais, nesta
urbe. Policiais militares realizavam patrulhamento de rotina na área e avistaram o
denunciado Wanderson na porta de sua residência, em atitude, que declararam como
suspeita. Ao efetuarem a abordagem os policiais encontraram duas munições de arma de
fogo, calibre 38, de uso permitido, no interior de sua residência, sem autorização e em
desacordo com determinação legal. Indagado, o denunciado relatou que as munições são
de sua propriedade. O Ministério Público ofereceu a denúncia no dia 19 de fevereiro de
2016, pela suposta prática da conduta delitiva descrita no artigo 12, da Lei n°
10.826/2003. A denúncia logo foi recebida pelo Magistrado, no dia 24 de fevereiro de
2016. Wanderson foi devidamente citado para comparecer na audiência no dia 01 de
Março de 2016. Obteve o benefício do sursis processual, fez o acordo com o Ministério
Público em audiência no dia 31/03/2016 de suspensão condicional do processo em que
foi deferido pelo Juiz o benefício, porém em virtude do descumprimento de algumas
condições teve o benefício revogado em 01/09/2021. No dia 28/09/2021 foi nomeado
defensor dativo, o impetrante, que esta subscreve, apresentou resposta à acusação no dia
26/10/2021, todavia, o magistrado aqui apontado como autoridade coatora, entendeu por
bem dar seguimento ao processo e designou a audiência de instrução e julgamento
virtual para o dia 29/08/2023.

DOS FUNDAMENTOS

I DA ILICITUDE DAS PROVAS CONTRA O PACIENTE


O art. 5º, XI, da Constituição Federal que prevê como uma das garantias individuais,
em contraposição ao absolutismo do Estado, a inviolabilidade do domicílio: "XI - a
casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem
consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre.”

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, por seu plenário, no julgamento do RE


603616/RO, sob o regime da repercussão geral, fixou a seguinte tese:

A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período


noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas “a posteriori”,
que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de
responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos
atos praticados. (STF. Plenário. RE 603616/RO, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em
4 e 5/11/2015, repercussão geral, Info 806).
De acordo com Tourinho Filho “todo ato viciado ou com algum defeito, por ter sido
praticado sem a observância da forma legal, é passivo de receber a sanção penal
chamada de nulidade. A nulidade apresenta-se como a sanção penal aplicada ao
processo, ou há algum ato processual defeituoso e com vícios, praticado sem
observância da forma prevista em lei ou em forma proibida pela lei processual
penal”. (Tourinho Filho, 2004).

Os dois policiais militares relataram que, no dia 28/01/2016, às 19:30, estavam fazendo
patrulhamento de rotina em Bela Vista de Goiás quando, ao passar pela Rua 03, Qd. 03,
Lt. 13, Parque Buritizais, visualizaram dois indivíduos na porta da casa, sendo que um
deles correu para o interior da residência (Lucas), e o outro ficou na porta da residência
(Wanderson - ora acusado), o qual lhes informou que nenhum deles residiam naquele
local. Os milicianos afirmaram no Inquérito Policial que, ainda em via pública,
“Durante busca pessoal, nada suspeito foi encontrado com Wanderson”, e, ato
contínuo, resolveram adentrar a residência no encalço de Lucas, que fugiu.

No entanto, fizeram uma busca no quarto da residência e encontraram duas munições


calibre 38 intactas em cima de um móvel. Com isso, constata-se que os policiais não
receberam autorização do morador para adentrar a casa, e que o contexto fático anterior
à invasão do imóvel não permitia aos milicianos a conclusão acerca da ocorrência de
crime no interior daquela residência onde as duas munições foram apreendidas,
mormente porque o acusado não fugiu da abordagem policial em via pública e nada de
suspeito foi com ele encontrado em revista pessoal.

Não havia notícia (mesmo que uma denúncia anônima) de que havia a prática de crime
naquele local, seja naquele imóvel, ou mesmo naquela região. Assim, os agentes
policiais agiram sem fundadas razões (justa causa) que justificasse a mitigação do
direito fundamental à inviolabilidade domiciliar.

A partir do momento em que os policiais entraram de forma irregular na residência,


todas as provas que eles colheram ali dentro, se tornaram ilícitas. Tais provas não
poderiam ter sido usadas para embasar a denúncia. Ocorreu uma apreensão ilícita, a
partir da violação ilegal de um princípio.
Nesse sentido, vale ler o seguinte julgado:

HABEAS CORPUS Nº 415.332 - SP (2017/0228529-1)

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO


EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES
CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INVASÃO DE
DOMICÍLIO PELA POLÍCIA. NECESSIDADE DE JUSTA CAUSA. NULIDADE
DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA.
ILICITUDE CONFIGURADA. ORDEM CONCEDIDA.
1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental relativo à
inviolabilidade domiciliar, ao dispor que "a casa é asilo inviolável do indivíduo,
ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de
flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação
judicial".

2. A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito à privacidade do


indivíduo, o qual, na companhia de seu grupo familiar, espera ter o seu espaço de
intimidade preservado contra devassas indiscriminadas e arbitrárias, perpetradas sem os
cuidados e os limites que a excepcionalidade da ressalva a tal franquia constitucional
exigem.

3. O ingresso em moradia alheia depende, para sua validade e regularidade, da


existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de
mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático
anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da
residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.

4. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado


em residência sem mandado judicial apenas se revela legítimo – a qualquer hora do dia,
inclusive durante o período noturno – quando amparado em fundadas razões,
devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar
ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel.
Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010).

5. A ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes


públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas
relativas à ocorrência de tráfico de drogas, pode fragilizar e tornar írrito o direito à
intimidade e à inviolabilidade domiciliar.

6. Em nenhum momento foi explicitado, com dados objetivos do caso, em que


consistiria eventual atitude suspeita por parte do acusado, externalizada em atos
concretos. Não há referência a prévia investigação, monitoramento ou campanas no
local. Também não se tratava de averiguação de denúncia robusta e atual acerca da
existência de entorpecentes no interior da residência (aliás, não há sequer menção a
informações anônimas sobre a possível prática do crime de tráfico de drogas pelo
autuado).

7. A mera intuição acerca de eventual traficância praticada pelo paciente, embora


pudesse autorizar abordagem policial, em via pública, para averiguação, não configura,
por si só, justa causa a permitir o ingresso em seu domicílio, sem seu consentimento –
que deve ser mínima e seguramente comprovado – e sem determinação judicial. 10. Em
que pese eventual boa-fé dos policiais militares, não havia elementos objetivos, seguros
e racionais, que justificassem a invasão de domicílio. Assim, como decorrência da
Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada (ou venenosa, visto que decorre da fruits of
the poisonous tree doctrine, de origem norte-americana), consagrada no art. 5º, LVI, da
nossa Constituição da República, é nula a prova derivada de conduta ilícita.

8. Ordem concedida para determinar o trancamento do processo.

Por este motivo, requer a concessão da ordem para trancamento da ação penal.

II PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
Cezar Roberto Bitencourt (2003, p. 19) afirma que a tipicidade penal exige que a ofensa
aos bens jurídicos protegidos tenha alguma gravidade, pois nem toda ofensa a bens ou
interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Assim, pelo princípio da
insignificância, também chamado de princípio da bagatela por autores como Klaus
Tiedemann, deve haver uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta a
ser punida e a intervenção estatal. Nesse diapasão, há condutas que se ajustam ao tipo
penal formalmente, mas não apresentam relevância material, razão pela qual se deve
afastar prontamente a tipicidade penal, porque não houve lesão ao bem jurídico
protegido.
Ainda que se considere lícita a entrada dos policiais militares em residência alheia e por
consequência, a licitude das provas obtidas. Foram encontrados apenas DUAS
MUNIÇÕES de revólver em cima de uma cômoda na casa, não sendo encontrado o
revólver correspondente as munições. Não tendo a arma de fogo, não é possível com
apenas duas munições sozinhas lesarem o bem jurídico. Não tem tipicidade material e a
incolumidade pública não corre riscos.
Nesse sentido, vale ler o seguinte julgado:

Supremo Tribunal Federal STF–RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS:


RHC 143449 MS–MATO GROSSO DO SUL 0094249-582017.1.00.0000 – Inteiro
Teor.

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PENAL. ART. 12 DO


ESTATUTO DO DESARMAMENTO (LEI 10.826/2003). POSSE IRREGULAR DE
MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO. AUSÊNCIA DE OFENSIVIDADE DA
CONDUTA AO BEM JURÍDICO TUTELADO. ATIPICIDADE DOS FATOS.
RECURSO PROVIDO.

I – Recorrente que guardava no interior de sua residência uma munição de uso


permitido, calibre 22.
II – Conduta formalmente típica, nos termos do art. 12 da Lei 10.826/2003.

III – Inexistência de potencialidade lesiva da munição apreendida, desacompanhada de


arma de fogo. Atipicidade material dos fatos.

IV – Recurso provido para determinar o trancamento da ação penal em relação ao delito


descrito no art. 12 da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento).

DOS PEDIDOS

Por todo o exposto, requer:

A concessão da ordem para trancamento da ação penal, pela falta de justa causa para a
invasão ao domicílio do acusado. Subsidiariamente, caso não seja concedido a
nulidade das provas obtidas, requer que seja aplicado o princípio da insignificância,
pela inexpressividade da lesão produzida ao bem jurídico pela posse de apenas duas
munições de uso permitido.

Termos em que, pede deferimento.


Dr. João José Pereira da Silva
OAB/GO – 35586
Bela Vista de Goiás, 05 DE SETEMBRO DE 2022.
Alunos:
GUILHERME SOARES PAULINO
LARA BEATRIZ BARROS SILVA
ROBERTA MARTINS CAMARGO

Você também pode gostar