VOLUME 1 Luta Antirracista Final
VOLUME 1 Luta Antirracista Final
VOLUME 1 Luta Antirracista Final
PSICOLOGIA
BRASILEIRA
NA LUTA ANTIRR ACISTA
N A P S I C O L O G I A A N T I R R A C I S TA
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA
COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS
PSICOLOGIA BRASILEIRA
N A L U TA A N T I R R A C I S TA
Volume 1
Brasília, 2022
1ª edição
Autoras(es):
Abrahão de Oliveira Santos
Alessandro de Oliveira dos Santos
Cinthia Cristina da Rosa Vilas Boas
Claudia Andréa Mayorga Borges
Dóris Firmino Rabelo
Eliane Silvia Costa
Emiliano de Camargo David
Geni Núñez
Hildeberto Vieira Martins
Iolete Ribeiro da Silva
Jaileila de Araújo Menezes
Jeane Saskya Campos Tavares
Juliana Prates Santana
Laureane Marília de Lima Costa
Lia Vainer Schucman
Liliane Cristina Martins
Lucia Rabello de Castro
Mamede Silva Júnior
Marcio Farias
Maria de Jesus Moura
Naylana Rute da Paixão Santos
Paula Rita Bacellar Gonzaga
Rodrigo Ribeiro Frias
Ronilda Iyakemi Ribeiro
Roseane Amorim da Silva
Táhcita Medrado Mizael
Organização:
Conselho Federal de Psicologia
Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-89369-11-0
CDD23: 155.8496081
Gerência de Comunicação
Marília Mundim da Costa - Gerente
Thaís Paiva Ribeiro - Assessora
Raphael de Oliveira Gomes - Assessor
Diretoria
Ana Sandra Fernandes Arcoverde Nóbrega - Presidente
Anna Carolina Lo Bianco Clementino - Vice-Presidente
Losiley Alves Pinheiro - (a partir de 20 de maio de 2022) - Secretária
Norma Celiane Cosmo - Tesoureira
Conselheiros Efetivos
Robenilson Moura Barreto - Secretário Região Norte
Alessandra Santos de Almeida - Secretária Região Nordeste
Marisa Helena Alves - Secretária Região Centro Oeste
Dalcira Pereira Ferrão (Conselheira até 11 de setembro de 2021) - Secretária Região Sudeste
Neuza Maria de Fátima Guareschi - Secretária Região Sul
Antonio Virgílio Bittencourt Bastos - Conselheiro 1
Maria Juracy Filgueiras Toneli (Conselheira até 11 de setembro de 2021) - Conselheiro 2
Fabián Javier Marin Rueda (Conselheiro e Secretário até 5 de fevereiro de 2021) -
Secretário
Conselheiros Suplentes
Katya Luciane de Oliveira - Suplente
Izabel Augusta Hazin Pires (Secretária de 6 de fevereiro de 2021 até 19 de maio de
2022) - Suplente
Rodrigo Acioli Moura - Suplente
Adinete Souza da Costa Mezzalira - Suplente Região Norte
Maria de Jesus Moura - Suplente Região Nordeste
Tahina Khan Lima Vianey - Suplente Região Centro Oeste
Célia Zenaide da Silva - Suplente Região Sudeste
Marina de Pol Poniwas - Suplente Região Sul
Ana Paula Soares da Silva -Conselheira Suplente 1
Isabela Saraiva de Queiroz - (Conselheira até 11 de setembro de 2021) - Conselheira
Suplente 2
Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia
Coordenadora
Eliane Silvia Costa – RR
Integrantes
Maria de Jesus Moura (Conselheira do XVIII Plenário do CFP) – PE
Andréa Ferreira Lima Esmeraldo – CE
Arthur Fernandes Sampaio – RN
Cinthia Cristina da Rosa Vilas Boas – SP
Claudia Andréa Mayorga Borges – MG
Ematuir Teles de Sousa – SC
Filippe de Mello Lopes – MG
Iolete Ribeiro da Silva – AM
Jaqueline Gomes de Jesus – RJ
Jeane Saskya Campos Tavares – BA
Thayanara Sousa Silva – DF
Vitória Bernardes Ferreira – RS
panha pela indígena e psicóloga Thaynara Sipredi. Foram elaborados por ela com
a intenção de representar a força e a resistência dos povos indígenas. Na cor caramelo estão
adinkras dos povos Acãs. Eles ilustram princípios e ideias desses povos originários da África
ocidental (principalmente os asante de Gana). Seguem os significados dos dez escolhidos para
transmitir valores que a CDH/CFP espera reforçar, transmitir e alcançar com a campanha.
São eles1:
ANANSE NTONTAN – sabedoria e criatividade
ASASE YE DURU – a divindade da mãe terra, a importância da terra
AYÁ – resistência, desafio às dificuldades, força física, perseverança, independência e competência
DWENNIMMEN – força
FUNTUNFUNAFU – democracia
NKONSONKONSON – relações humanas, interdependência e cooperação
NYANSAPOW – sabedoria, engenhosidade, inteligência
PEMPAMSIE – prontidão, persistência, resistência, bravura e coragem
SANKOFA – sabedoria, aprender com o passado para construir o futuro
Asè
1 Discurso proferido por Ana Sandra Fernandes Arcoverde Nóbrega, na Solenidade de Posse do XVIII
Plenário do Conselho Federal de Psicologia, em Brasília, na data de 14 de dezembro de 2019.
2 Lei Nº 4.119, de 27 de agosto de 1962, que dispõe sobre os cursos de formação em Psicologia e regula-
menta a profissão de psicólogo.
3 Lei Nº 5.766, de 20 de dezembro de 1971, que cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de
Psicologia e dá outras providências.
4 Resolução CFP Nº 11, de 22 de novembro de 1998, que institui a Comissão de Direitos Humanos do
Conselho Federal de Psicologia, com efeitos retroativos a 7 de agosto de 1997.
5 Resolução CFP Nº 10, de 21 de julho de 2005, que aprova o Código de Ética Profissional do Psicólogo.
“A/O psicóloga/o trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das
pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (Código de
Ética Profissional do Psicólogo, Princípio Fundamental II)
Posto isso, estes dois volumes se apresentam às psicólogas e aos psicólogos como
um rico acervo de ideias, reflexões, relatos e possibilidades para o necessário cum-
primento da Resolução CFP Nº 18/20026. Em 19 de dezembro de 2022, a publicação
dessa importante Resolução completa 20 anos. A presente obra, pela sua densidade,
atualidade e pertinência, converte-se, de imediato, em anexo quase obrigatório dessas
diretrizes. Um verdadeiro presente que chega para, ao mesmo tempo, dar consequên-
cia e atualizar um normativo histórico que, ao longo de duas décadas, vem balizando
práticas e ações para o enfrentamento ao racismo a partir do exercício profissional.
A publicação é fruto do árduo trabalho da Comissão de Direitos Humanos do
Conselho Federal de Psicologia (CDH/CFP), cujos atuais integrantes foram indicados
pelo XVIII Plenário e empossados, em sessão virtual, em 24 de março de 2020, logo
nos primeiros dias daquele que veio a se revelar um longo e desafiador período de
distanciamento social em decorrência da pandemia de Covid-19.
Entre março de 2020 e novembro de 2022, mais de 688 mil brasileiras e brasilei-
ros tiveram as suas vidas ceifadas não apenas pela ação letal de um novo coronavírus,
mas também pelo caos político, econômico e social, decorrentes principalmente do
negacionismo científico, que vieram a agravar ainda mais as desigualdades históricas,
sociais e raciais de nossa sociedade. Presenciamos a emergência de personalidades
autoritárias e de cunho fascista nos níveis municipal, estadual e federal. Seus projetos
mostraram-se contrários a todo o sistema de garantia de direitos básicos que vínhamos
ajudando a construir desde a redemocratização, balizados pela Constituição Cidadã
de 1988. Nosso respeito e nosso luto por essas vidas perdidas convertem-se em luta
também nestas páginas.
O primeiro volume de “Psicologia Brasileira na Luta Antirracista” é constituído
por um total de 16 textos, entre introdução, entrevista, artigos acadêmicos e ensaios.
A maioria das autoras é constituída por psicólogas e pesquisadoras negras e negros.
Contamos também com a participação de uma indígena do povo guarani. São apre-
sentados e debatidos conceitos fundamentais para o entendimento e para a busca da
superação do racismo no Brasil. O leitor é convidado a transitar por amplo espectro de
questões e lutas sociais, na perspectiva da interseccionalidade, a fim de compreender a
6 Resolução CFP Nº 18, de 19 de dezembro de 2002, que estabelece normas de atuação para os psicólo-
gos em relação a preconceito e discriminação racial.
7 Resolução CFP Nº 9, de 28 de maio de 2022, que institui o Prêmio Profissional “Virgínia Bicudo:
Práticas para uma Psicologia Antirracista”, assinada durante a Solenidade de Premiação da Primeira
Edição do Prêmio, dentro da programação do IX Seminário Nacional de Psicologia e Direitos
Humanos, em Brasília, DF.
1. Branquitude................................................................................................................................................. 32
8. Minha voz uso pra dizer o que se cala: das intersecções de ser
LGBTI+ negras/os no Brasil.......................................................................................................................184
“O futuro é ancestral,
é por isso que contemplamos o voo do pássaro,
É preciso seguir a rota da ave,
Sankofa nos ensina a desbravar os caminhos do
amanhã.”
Conceição Evaristo
1 Parte deste artigo é fruto da fala que Eliane Costa fez, no dia 28/05/2022, na mesa O compromisso
ético-político das CDHs: do passado ao presente, do IX Seminário Nacional de Psicologia e Direitos
Humanos – Radicalizar o Direito à Vida é Semear Futuros Possíveis, organizado pela CDH/CFP.
2 Coordenadora da CDH/CFP 2020-2022. Psicóloga graduada pelo Instituto de Psicologia da USP (1994),
doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da USP (IPUSP), com formação em Psicanálise dos
Laços Sociais pelo Instituto de Recherche en Psychothérapie (France) e pelo Laboratório de Estudos
em Psicanálise e Psicologia Social do IPUSP (LAPSO-IPUSP). Professora do Instituto de Psicologia
da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Pesquisadora colaboradora do LAPSO. Colaboradora do
Instituto AMMA Psique Negritude.
3 Integrante da CDH/CFP 2020-2022. Graduada em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia
(UFBA), mestre em Saúde Comunitária e doutora em Saúde Pública pelo Instituto de Saúde Coletiva
da UFBA (ISC/UFBA). Docente da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Centro de
Ciências da Saúde (CCS/UFRB). Docente do Mestrado profissional em saúde da população negra e in-
dígena (UFRB). Líder do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão em Saúde Coletiva da UFRB
(GIPESC).
4 Integrante da CDH/CFP 2020-2022. Doutora em Psicologia Social pela Universidade Complutense
de Madri - Espanha. É professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas
Gerais e do Programa de Pós-graduação em Psicologia. Coordena o Núcleo de Ensino, Pesquisa e
Extensão Conexões de Saberes na UFMG. Atualmente é co-editora da Revista Psicoperspectivas -
Chile (Qualis B1). Atualmente é Pró-reitora de Extensão da UFMG (2018-2022).
7 Para se contrapor à declaração dos direitos dos homens, a antiescravagista Marie Gouze, em
1791, escreveu a Declaração dos Direitos da mulher e da cidadã. Condenada como desnatura-
da, Gouze foi guilhotinada em 1793. Ver:https://www.ufsm.br/app/uploads/sites/414/2018/10/
DeclaraDirMulherCidada1791RecDidaPESSOALJNETO.pdf)
8 Declaração Universal dos Direitos Humanos (unicef.org)
11 Há fala de Antônio Bispo, Tiganá e Thaynara no Seminário de 25 anos da CDH, ver endereço na nota
de rodapé 10. Há contribuições de Casé, Itaynara e Vanessa nos ciclos formativos, ver nota de rodapé
15. Casé, Nita Tuxá, Abrahão e Geni participaram do podcast, ver nota de rodapé 16, os dois últimos
também têm artigo neste livro.
12 Boletim CDH/CFP.
13 Seminário Nacional de Psicologia e Direitos Humanos – 27/05/2022 – Manhã – YouTube; Seminário
Nacional de Psicologia e Direitos Humanos – 27/05/2022 – Tarde – YouTube; Seminário Nacional de
Psicologia e Direitos Humanos – 28/05/2022 – Manhã – YouTube, Seminário Nacional de Psicologia
e Direitos Humanos – 28/05/2022 – Tarde – YouTube.
14 Campanha Nacional de Direitos Humanos do Sistema Conselhos de Psicologia.
15 Este título foi sugerido por Cinthia Vilas Boas, ao mencionar que, ainda hoje, é corriqueiro pessoas ne-
gras em seus atendimentos clínicos trazerem questionamentos sobre o quanto é negado o racismo vivi-
do por elas nos mais diferentes cenários e instituições, como se fosse uma invenção, “uma paranoia” de-
las. Com esta frase como mote, trabalhamos na campanha as diferentes facetas do racismo: individual,
intersubjetivo, institucional e estrutural, conectando uma dimensão a outra, já que são indissociáveis.
ANO 202016
ANO 2021
ANO 2021-2022
• Prêmio Virgínia Bicudo: foram premiados nove artigos e três receberam men-
ção honrosa. Eles foram escritos individual ou coletivamente por profissionais
da Psicologia das cinco regiões brasileiras. Os textos premiados integram pu-
blicação da CDH/CFP.
19 Até a elaboração deste artigo, agosto de 2022, foram gravados sete episódios. Eles estão disponíveis
no site: Podcast – CFP | CFP; e no spotify, por exemplo: Especial CDH – EP06 – População LGBT e a
Psicologia – CFPCAST | Podcast no Spotify; Especial CDH – EP07 – Contribuições da negritude para
a Psicologia nortista e nordestina – CFPCAST | Podcast no Spotify. Participantes do Episódio de aber-
tura: Eliane Silvia Costa (CDH/CFP) e Jesus Moura (CFP); Episódios 1: Vanessa Terena (CDH/CRP14),
Robenilson Barreto (CFP), Casé Angatu Xukuru Tupinambá; 2: Jeane Tavares (CDH/CFP), Isabela
Souza Santos e Kwame Yonatan; 3: Maria Lucia Silva, Geni Núñez, Saulo Fernandes e Daniele Muniz;
4: Nita Tuxá, Abrahão de Oliveira Santos e Paulo Vitor Palma Navasconi; 5: Célia Zenaide (CFP), Clélia
Prestes, Rosane Borges; 6: Céu Silva Cavalcanti (CDH/CRP05), Arthur Fernandes Sampaio (CDH/
CFP) e Danilo Tupiniquin; 7: Iolete Ribeiro (CDH/CFP) e Conceição Costa (Ceça).
20 Ainda haverá convidados que participaram da série ou do livro e que contribuirão com o podcast.
“O futuro é ancestral,
é por isso que contemplamos o voo do pássaro,
É preciso seguir a rota da ave,
Sankofa nos ensina a desbravar os caminhos do amanhã.”
21 Trecho da fala de posse de Conceição Evaristo como titular na Cátedra Olavo Setubal na USP, no
dia 5/9/2022, ver Posse de Conceição Evaristo - Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciência —
Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (usp.br)
COSTA, Eliane Silvia. Vínculos, grupos e redes em prol da vida ou na pactuação ra-
cista para a produção de morte. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/
as Negros/as (ABPN), [S.l.], v. 12, n. Ed. Especial, p. 78-107, 2020.
FANON, Frantz. Por uma revolução africana: textos políticos. São Paulo: Zahar, 2021.
Iolete Ribeiro da Silva: Gostaria de começar com uma questão central: o que
é Branquitude?
Lia Vainer Schucman: A branquitude está ligada a uma ideologia. Ela é um lugar
de vantagem estrutural na sociedade que é estruturada pela dominação racial.
Nesse sentido, branquitude não é a mesma coisa que dizer: sujeitos brancos.
Ela é uma ideologia, são valores, ideias que colocam o branco como o ideal de
beleza, o ideal de civilização, o ideal de racionalidade, o ideal intelectual. Ela
1 Doutora em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo com estágio de Doutoramento no
Centro de Novos Estudos Raciais pela Universidade da Califórnia. Professora do Departamento de
Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisadora de Psicologia e Relações
étnico-raciais
2 Integrante da CDH/CFP 2020-2022. Professora Titular da Universidade Federal do Amazonas, gra-
duada em Psicologia pelo Centro Universitário de Brasília (1990), mestre (1998) e doutora (2004)
em Psicologia pela Universidade de Brasília. Bolsista Produtividade CNPq. Docente no Programa de
Pós-Graduação em Educação - PPGE/UFAM e Programa de Pós-Graduação em Psicologia - PPGPSI/
UFAM. Foi Conselheira (de 2017 a 2020) e Presidenta do Conselho Nacional dos Direitos da Criança
e do Adolescente - CONANDA (2020).
Iolete Ribeiro da Silva: Você pode explicar um pouco mais sobre essa relação
entre raça e racismo?
Lia Vainer Schucman: Primeiro a gente tem a dominação colonial dos sujeitos
europeus sobre outros grupos, que é na verdade uma configuração geopolítica
e, como resultado disso, a gente tem, a partir dessa dominação, o surgimento da
ideia de raça. Então a ideia de raça é filha da dominação de um grupo sobre o
outro. Ela nasce para justificar -a partir de uma falsa ideia- que essa dominação
aconteceu porque há grupos superiores e grupos inferiores e que essa domi-
nação se dá por meio de uma necessidade de os grupos superiores mostrarem
aos outros grupos como deve ser a humanidade.
Lia Vainer Schucman: Quando a gente diz que o racismo é estrutural, o que
nós estamos dizendo? Que, se tudo acontecer em sua normalidade, o resultado
vai ser racista, ou seja, ele não é uma exceção, ele não é algo que acontece às
vezes, ele é a organização da estrutura social. Então, nesse caso, se a gente abrir
um concurso, por exemplo, para juízes sem ação afirmativa, o resultado vai ser
racista. Ou se a gente abrir um concurso em empresas para contratação, sem
ação afirmativa, o resultado vai ser racista. E aí é importante a gente dizer que
o racismo não se configura como algo moral, ele se configura, particularmente
no Brasil, como o poder econômico, o poder político, o poder de decisão para
onde vão os recursos econômicos, o poder jurídico, ou seja, o sistema de justiça
está inteiramente nas mãos dos brancos. Então o racismo precisa ser desven-
cilhado dessa ideia moral daquilo que é visto como preconceito. Pensando
que isso é estrutura da nação, a branquitude é um lugar de que? De privilégio
material e simbólico, em qualquer sociedade estruturada pelo racismo, via de
dominação racial de estado.
Lia Vainer Schucman: Essa falsa ideia de superioridade vai definir e direcio-
nar os afetos, a subjetividade, o modo de estar no mundo. Eu tenho um caso
de uma entrevistada minha, que inclusive está no meu livro, que para mim
ele é radicalmente algo que nos diz da branquitude. É uma pessoa que está
em São Paulo, mora em São Paulo, de classe média em São Paulo, ela vai a
Berlim e ela conta na entrevista que quando ela foi para Berlin ela se espantou
radicalmente ao entrar no ônibus, em Berlim, porque ela olhou para todas as
pessoas ali sentadas no ônibus e achou que essas eram jovens e são jovens com
quem ela tomaria um café, iria ao cinema. E ela pensou que no Brasil não tinha
jovens no ônibus que ela pegava na cidade de São Paulo. Aí eu perguntei: não
tinha jovens ou não tinha jovens que você tomaria café ou iria ao cinema? Aí
na entrevista ela falou: é verdade, tinham jovens, mas era um motoboy, era
o chapeiro. Aí eu falei assim: “tá, em Berlim não era motoboy, chapeiro, pin-
tor?”. Era. Também era classe trabalhadora muitas vezes que estava lá. Então
não era a classe trabalhadora aqui? A questão é que essa classe trabalhadora
no Brasil tinha cara de negro, tinha cara de indígena e ela não conseguia di-
recionar o afeto dela e a possibilidade de tomar um café, nem a possibilidade
se sentar para ir ao cinema, em uma sociedade, quase de castas que a gente
vive, organizada por essa ideia de raça, da branquitude. Essa mesma pessoa
me conta também que uma vez fez uma viagem para Bolívia e que, andando
pela Bolívia, ela olhava para as pessoas, ela fala que tem vergonha de falar isso
na entrevista, mas ela tinha o sentimento de que as pessoas eram feias, eram
Iolete Ribeiro da Silva: A que conclusões você tem chegado? Como a bran-
quitude impacta o trabalho da psicóloga?
Lia Vainer Schucman: Sim, como é que isso vai refletir naquele sujeito que é
o colonizado? Porque, na verdade, se a gente for pegar via Fanon, peles negras
máscaras brancas, no branco a ideia de raça vai dar uma ideia de superiori-
dade. Mas o colonizado, que são os negros e indígenas, também interioriza
essa mesma ideia, porque ele também se constitui a partir dessa cultura
onde todos os valores de superioridade estão sobre o branco. Ele também se
constitui nessa mesma cultura. Então ele também vai projetar uma ideia de
inferioridade, exatamente por isso que a gente vai ver que tem uma sociedade
que tem colorismo, para que a ideia de quanto mais misturada com branco
essa pessoa está, mais próxima do branco dentro da hierarquia racial, mais
próxima da ideia de racionalidade, de beleza, de civilização. Então, quanto
mais perto daquilo que é visto como negro, preto ou quanto mais perto visto
como um indígena “original”, com essa ideia fictícia de mais original do que o
outro, com essa ideia fictícia de que é um preto mais preto que o outro, essa é
toda uma ideia fictícia através de características que são físicas, tão arbitrárias
quanto a característica do tamanho do pé das pessoas. A cor da pele é uma
característica física. Agora o que foi atrelado a ideia de cor da pele, que é a
ideia de raça, é que é no nosso tecido da construção social e a gente naturali-
zou essa ideia de cor assim como a gente naturalizou a ideia de raça, como se
existe de fato. Isso está no tecido social e aí essa ideia de quanto mais perto
do branco mais perto de ser civilizado e etc. que é isso que você me contou
de São Gabriel da Cachoeira. Acho que outra coisa que é bem importante de
falar da branquitude é que esses estudos nascem chamados de Estudos Críticos
da Branquitude nos Estados Unidos, mas eles se espalham pelo mundo e, na
verdade, em cada lugar do mundo há uma construção de outro. Na Austrália,
os Estudos Críticos da Branquitude vão pensar isso via aborígenes e alguns
asiáticos, então a branquitude também tem a característica de ficar construindo
um outro e se colocando no lugar de universalidade.
Lia Vainer Schucman: Você fala uma coisa muito importante, porque a
branquitude é isso, ela tem esse lugar que faz com que todos os brancos se-
jam beneficiados materialmente e “intelectualmente”, intelectualmente eu
digo o valor dado a esses sujeitos, pela estrutura social, mas se fosse apenas
isso a gente teria em três gerações terminado com isso. O problema é que os
brancos recebem os benefícios construídos através de 500 anos de realismo
e depois pós-abolição, mas distribuem esses benefícios apenas entre si. Então
tem uma legitimação e manutenção desses lugares de poder. Um exemplo:
uma criança nasce branca do olho azul ela não tem culpa nenhuma de quê
no hospital comecem a falar para ela: “Ai, que linda, ai, que criança linda”,
Iolete Ribeiro da Silva: É, tem uma força tão grande que eu fico pensando
como podemos fazer o enfrentamento disso, dessa estrutura toda. Seja pen-
sando nas instituições ou mesmo na atuação profissional, como é que a gente
pode construir resistências?
Lia Vainer Schucman: Ela é uma força muito difícil de destruir, essa branquitude
e esse lugar próprio da estrutura, mas ela é possível, Iolete. E eu gosto de pensar
de uma frase do James Baldwin, inclusive eu abro meu livro com essa frase, que
é muito bonita, ela diz o seguinte: “Embora seja difícil imaginar nossa nação
totalmente livre do racismo e do sexismo, o meu intelecto, o meu coração e a
minha experiência me dizem que isso é realmente possível. Até esse dia, em que
nenhum dos dois existam mais, todos nós devemos voltar” – James Baldwin.
Por que que é possível? Porque o racismo é uma construção histórica, não há
Lia Vainer Schucman: Bom, eu acho que não tem um momento da minha vida
que eu posso dizer que eu não me mobilizei. Eu acho que tem um monte de
fatores que foram me levando para este caminho. Mas é importante pensar, eu
sou de uma família judia no Brasil, que chegou há poucas gerações, então esse
lugar da raça na minha família pessoal e dos horrores feitos através da ideia
da raça estavam muito presentes na história pessoal. Porque eu fui criada por
uma avó que colocava na foto da família “esse morreu assassinado, ele morreu
assassinado”, as pessoas viravam cinzas. Então a experiência subjetiva de pensar
que um mundo pode fazer pessoas virarem cinzas por nascerem de uma forma
que não cabe no mundo foi transmitida de alguma forma desde pequena. Mas
isso não é garantia, conheço vários sujeitos que também passaram por isso e
também repetem a violência de alguma forma, isso não é garantia. Ao mesmo
tempo eu sabia, bem materialmente, que aquilo que foi vivido pela minha avó
há muito pouquíssimo tempo atrás, não estava acontecendo comigo no Brasil.
Era óbvio que eu tinha um lugar de vantagem em relação a outros grupos. Então
eu tinha essa experiência subjetiva na minha concepção, mas também tinha uma
experiência material de um lugar de bastante privilégio material e simbólico,
o que me fazia pensar num duplo lugar subjetivo. Mas também não acho que
é garantia, mas tem esse componente muito forte familiar. Dentro disso, na
minha adolescência, acho que muito nova, eu lembro de uma experiência que
foi radicalmente algo que mudou minha vida. Eu tinha ido passear em uma festa
e, quando eu estava voltando, o meu professor de capoeira, que era um rapaz
negro, falou: Li, eu vou voltar com você, porque está noite e vou te levar até sua
casa, e dois rapazes brancos nos roubaram. Esse meu colega deu um golpe de
capoeira para pegar minha bolsa de volta. A polícia que estava rodando perto
parou nesse momento e levou eu e ele para delegacia. Não adiantou a gente
falar que foi assaltado, era óbvio para eles que quem estava assaltando era o meu
professor de capoeira, meu amigo. Na delegacia, o delegado não estava nem aí
para mim, obviamente me mandou embora e prendeu meu colega uma noite,
ficou preso uma noite. Eu pude ligar para minha mãe. A minha mãe chega no
lugar, eu tinha uns 15 anos, e falaram que ela poderia me levar. E a minha mãe,
que é uma pessoa muito humana, virou e falou que a gente não vai sair daqui
enquanto o colega que estava com ela não sair junto. Eu tinha total consciência
naquele momento, por algum motivo, que o fato de eu conseguir telefonar para
Iolete Ribeiro da Silva: Como você acha que a formação em psicologia pode
abordar esse tema?
Lia Vainer Schucman: Eu acho que uma coisa importante de dizer é que, na
minha formação de psicologia, eu não tive nada, absolutamente nada. Foi tudo
Desde 1500 a história do Brasil vem sendo contada sobretudo pela perspectiva
dos colonizadores. Esse Brasil cuja língua oficiosa é a portuguesa, cuja religião oficiosa
é o cristianismo, essa nação em que há apenas um povo (o “brasileiro” genérico) só se
faz por meio do etnogenocídio racista e colonial. Para se afirmar e se sustentar como
verdade hegemônica, essa narrativa apaga reiteradamente a existência das centenas
de línguas indígenas e originárias desse território, nega as diversas formas de espi-
ritualidade que aqui resistem e oblitera sobretudo a presença de outras centenas de
povos indígenas que, contrariando as profecias coloniais, não são etnias “do passado”.
Assim se organiza todo um sistema de monoculturas que impõe um único jeito de se
relacionar (monocultura dos afetos), uma única forma de sexualidade (monocultura
heterocissexista), um único deus verdadeiro (monocultura da fé) e uma monocultura
contra a terra, cuja exploração é antagônica à floresta e sua intrínseca diversidade.
A academia também tem sido, historicamente, uma grande aliada da colo-
nialidade, a partir do momento em que vem construindo ao longo dos últimos
séculos suas epistemologias e práticas pautadas de forma central nas perspectivas
europeias, muitas das quais não só não dialogam com nossas realidades como
ativamente perpetuam determinados modos de subjetivação que reproduzem e
atualizam a violência colonial.
Segundo Fanon (1968), o mundo colonial é um mundo dividido em comparti-
mentos binários2 e hierárquicos: mente e corpo, natureza e cultura, humano e animal,
selvagem e civilizado, homem e mulher, feminino e masculino, entre tantos outros. O
Para iniciar, a pergunta que abre a discussão é: O que define um corpo? Essa
questão já foi e continua sendo alvo de inúmeros pensadores/as, entre os quais Merleau-
Ponty (1989) chama atenção para a reflexibilidade como o fundamento corpóreo. Por
Tanto por isso, a saúde e o acolhimento das nossas feridas psicossociais estão
intimamente ligados à cura e cuidado com as feridas da terra. Como lembra Fanon
(1963, p. 33), “para a população colonizada o valor mais essencial, por ser o mais con-
creto, é em primeiro lugar a terra: a terra que deve assegurar o pão e, evidentemente,
a dignidade”. Não ter o direito à terra é também não ter o direito à saúde, é não ter
o direito de ser e viver de modos originários. É preciso terra para que a alimentação
originária, autônoma, ancestral possa se efetuar. É preciso do território para que a
cultura seja mantida, de maneira que a retirada das terras é também uma forma de
epistemicídio. Sem a terra, a qualidade da vida fica completamente prejudicada.
Não à toa, entre povos indígenas no Brasil a taxa de suicídio é três vezes mais
elevada que da população não indígena, é impossível discutir esse tema sem lembrar
que a retirada das terras, o racismo e o etnogenocídio impactam profundamente no
sofrimento psicossocial dessa população (SOUZA et al., 2020). A luta pela demarcação
das terras é, portanto, também uma luta pela saúde dita mental.
Os compartimentos binários do mundo colonial, como dito, são criados e
mantidos com o objetivo de tentar um sentido “natural” às hierarquias de raça,
gênero e classe. Quando Fanon (1968) discute a compartimentalização do mundo
colonial, compreendemos que esse recorte vai desde as noções racializadas de mente
e corpo – relação na qual a pessoa branca seria correspondente à mente, enquanto
pessoas não brancas a corpo – até à própria relação binária entre natureza e cultura,
selvagem e civilizado, humano e animal (FAUSTINO, 2007).Se aí, o que distingue
3 Friso a aleatoriedade do exemplo, já que poderia ser outra ação, posto que corpos são diversos e plurais.
4 Reflexão presente no capítulo “Os semeadores da Terra e a luta anticolonial: tecelânias indígenas com o
pensamento de Fanon”, presente no livro “Frantz Fanon: 60 anos depois”, Editora Ciclo Contínuo, prelo.
5 Parte das reflexões deste texto estão presentes no capítulo “As cores do sofrimento e as dores do tem-
po: reflexões para uma psicologia anticolonial”, no prelo.
Se a colonização não acabou, nós também não deixamos de existir, nossa resis-
tência vem de muito longe e em nosso caminho temos a companhia de milhões de
outros seres que também estão em luta conosco. Que a cada dia mais o direito à vida,
alimentação, saúde e dignidade não seja privilégio de poucos tidos como humanos,
mas um usufruto livre de todos os seres: gente humana, gente rio, gente árvore, gente
vento. Que não mais a diferença tenha sua potência reduzida pelo empobrecimento
do binarismo colonial e que possa ser múltipla, diversa, fluida e, sobretudo, sem hie-
rarquias que sustentem as racionalidades da morte. É nessa psicologia que acredito.
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Clóvis Moura foi intelectual negro, nordestino, de erudição rara e que consa-
grou uma vida para descortinar as conexões entre a particularidade do capitalismo
no Brasil e o racismo como ideologia de dominação e exploração. Discutir sua obra é
um desafio intelectual que se efetiva ética e politicamente na história diante de uma
disputa de um projeto de Brasil radical e revolucionário.
Moura é um nome decisivo no avanço da agenda de pesquisas sobre o tema da
escravidão e das revoltas já sob o corte da nova matriz historiográfica, ainda que seu
nome não figure nas listas daqueles que contribuíram para a renovação dos estudos
sobre a historiografia no Brasil, sobretudo nos estudos clássicos de 1980.
Moura tem dois trunfos iniciais que o colocam como vanguarda da historiografia
contemporânea, em especial a que se debate sobre a escravidão: o primeiro, no que
diz respeito ao objeto de estudos e pesquisas, uma vez que já em Rebeliões na Senzala
apresenta a tese de que o africano escravizado e seus descendentes foram sujeitos
ativos na formação do Brasil — essa tese se ratifica em Quilombos e a Rebelião Negra.
Nesse ponto, os estudos da década de 1980, marcados pela revisão da histografia da
escravidão e da classe trabalhadora, têm em Moura uma prévia bem elaborada que
registra a ação política para além de um atavismo ou uma visão culturalista.
Um segundo, que torna a produção de Moura sui generis em relação à histo-
riografia da escravidão contemporânea, é sua compreensão metodológica. Moura
antecipa em seus estudos sobre a escravidão no Brasil o conceito de agência, tão
caro aos historiadores brasileiros da década de 1980, influenciados por Thompson,
como José João Reis, Hebe Mattos e Flávio Gomes. Com Moura não há espaço para
a divisão entre estrutura e agência, ambas se retroalimentam. Embora sua obra não
seja das mais conhecidas de Clóvis Moura, mesmo entre os iniciados em sua obra,
Referências
MOURA, Clóvis. Sociologia posta em questão. São Paulo: Ciências Humanas, 1978.
2 Arthur Ramos nasceu em Alagoas e formou-se pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 1926. Foi um
dos primeiros a utilizar conceitos psicanalíticos no campo da medicina. Apesar de sua visão crítica
sobre o paradigma biológico que marcou inicialmente o debate racial no Brasil, optando por uma
análise de cunho culturalista, a sua interpretação da população negra seguiu uma lógica negativa, já
que calcada na ideia de “atraso cultural”. Ramos buscou “atualizar” o discurso de Nina Rodrigues atra-
vés do resgate de sua obra e da substituição dos conceitos de raça e de mestiçamento, utilizados por
Nina Rodrigues, pelo uso dos conceitos de cultura e de aculturação (RAMOS, 2006: 16-17).
Mas a memória tem suas astúcias, seu jogo de cintura; por isso,
ela fala através das mancadas do discurso da consciência. O
que a gente vai tentar é sacar esse jogo aí, das duas, também
chamado de dialética. E, no que se refere à gente, à crioulada,
a gente saca que a consciência faz tudo pra nossa história ser
esquecida, tirada de cena, e apela pra tudo nesse sentido. Só
que isso tá aí… e fala. (GONZALEZ, 1983, p. 226-7)
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ram a inferioridade dos negros. São Paulo: Educ/Fapesp; Rio de Janeiro: Pallas, 2002.
1 Doutorando em Psicologia Social (PUC - SP / Bolsista CNPq); Mestrado em Psicologia Social (PUC -
SP / Bolsista CNPq, 2018). Graduação em Psicologia - Bacharelado e Formação de Psicólogo (USJT,
2008). Integrante do Instituto AMMA Psique e Negritude; Membro do Grupo de Trabalho Racismo e
Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva - ABRASCO.
Dois anos depois, em 2003, no governo Luís Inácio Lula da Silva, foi criada a
SEPPIR (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) O permitiu que, na
1ª Conferência Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação (em 2003), Maria da Silva
Inês Barbosa apresentasse entre os temas que seriam prioridades de pesquisa para o
Ministério da Saúde o da saúde da população negra. Esse ato foi fundamental para
avanços em diversas áreas da saúde da população negra, inclusive na saúde mental. A
propósito, Dilma Rousseff, a presidenta sucessora de Lula, mencionou que a fundação
da SEPPIR configurou “um marco decisivo na mobilização da estrutura do Governo
Federal em favor de um Brasil mais igual e mais inclusivo” (ROUSSEFF, 2016, p. 11).
Embora a SEPPIR tenha sido criada logo no início do primeiro governo Lula
(2003-2006), a pesquisadora Lima (2010) e ativistas consideram que o avanço em
relação aos movimentos sociais – mais especificamente aos movimentos sociais ne-
gros – ocorreu apenas em sua reeleição (2007-2010), em especial a partir da segunda
metade desse período. Não à toa, a PNSIPN é implementada apenas em 2009 e até
os dias de hoje demonstra dificuldade de execução/exercício pelas distintas esferas
da saúde/saúde pública. Contudo, vale destacar o aspecto positivo relacionado ao
fato de que, desde o início do primeiro governo Lula, as(os) representantes dos
movimentos da sociedade civil compuseram cargos e espaços de representação nos
postos de controle social, o que nunca tinha acontecido antes com os movimentos
negros e de mulheres negras (Brasil; Trad, 2012).
Em 2004, nos dias 18, 19 e 20 de agosto, ocorre o I Seminário Nacional Saúde
da População Negra, “com a dupla tarefa de avançar no diagnóstico das condições
Educação permanente –
Capacitar profissionais de saúde, enfocando racismo e proces-
so saúde versus doença mental. (BRASIL, 2007, p. 45)
Além do trecho anterior, a saúde mental é trazida em meio aos objetivos espe-
cíficos da política, com vistas ao:
7,00
5,93
6,00
5,00
3,89
4,00
O segundo gráfico, por sua vez, apresenta uma comparação entre as taxas de
internação e de mortalidade por transtornos em razão do uso de outras substâncias
psicoativas (exceto álcool), segundo raça/cor, no Brasil, em 2012.
2,0
1,4
1,5
1,0
0,4
0,5 0,2 0,2
0,0
Branca Preta Parda
Nessa esteira, a área de saúde mental do referido governo dialogou com o(s)
movimento(s) negro(s), buscando saber como era feita a promoção de saúde mental,
as vozes em diálogo foram com Edna Roland, Edna Muniz (em memória), Flávio
Jorge Rodrigues da Silva, Milton Barbosa (Miltão), além de grupos institucionalizados
como o Movimento Negro Unificado, Soweto e Geledés.
Reconhecemos nesse modo de compreender e fazer saúde mental a radicalidade
da luta antimanicomial anticolonialista, que não pretende fazer “por” ou “para” ne-
gros(as), mas sustentar o entre. Essa abrangência que, na acepção de Achille Mbembe
No combate a essa lógica, finalizamos com a ética libertária que rege a aqui-
lombação, mantendo seus passos libertários que vêm de longe, exigindo o direito à
saúde de qualidade, pública e coletiva. Assim como afirmou Fanon (2020, p. 10-1):
“O colonizado não se recusa a enviar os doentes para o hospital, mas para o hospital
dos brancos, dos estrangeiros, do conquistador”.
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Como é notório, no Brasil, racismo e relações étnico-raciais são temas que ainda
precisam ser debatidos por boa parte das(os) psicólogas(os). Esse debate é urgente
por se tratar de uma questão estrutural, com a manutenção de práticas excludentes
que privilegiam um grupo em detrimento de outro, além de atos de violências que
provocam danos à vida de pessoas negras e indígenas.
O racismo, por ser estrutural, está presente nas relações sociais, políticas, eco-
nômicas, culturais e interpessoais. Contudo, psicólogas(os) ainda não reconhecem
o caráter marcante, destruidor e estruturante do racismo e desconhecem ações e
documentos importantes que intencionam superar a distância da psicologia e as
questões raciais. Cada vez mais se faz urgente produzir ações de enfrentamento ao
racismo nas práticas psicológicas.
É por essa razão que o Sistema Conselhos de Psicologia realiza, neste ano, a
Campanha Nacional de Direitos Humanos, em sua edição de 2020 a 2022, pautando
a Psicologia e o enfrentamento ao racismo, com o tema: Racismo é uma coisa da
minha cabeça ou da sua?
O objetivo geral da Campanha é contribuir para o aprimoramento do exercí-
cio profissional da categoria, em seus mais diversos campos, considerando os temas
1 Integrante da CDH/CFP 2020-2022. Possui graduação em Psicologia pela Universidade São Francisco
(2010). Participante do Fórum de Integração e Cultura Afro Brasileira (Unicamp) e Colaboradora do
Conselho Regional de Psicologia da Subsede de Campinas, no núcleo de relações raciais, laicidade,
povos tradicionais e comunicação, gestão de 2012-2018. Atualmente psicóloga clínica em consultório
particular.
2 Conselheira do Conselho Federal de Psicologia 2019-2022. Integrante da CDH/CFP 2020-2022.
Psicóloga, Mestra em Psicologia (social) pela UFPE/ 2008, pós-graduação em Psicologia Clínica de
Orientação Analítica pela UNICAP/ 1996. Graduada em Licenciatura e Formação em Psicologia
na Faculdade de Ciências Humanas - Esuda /1985. Docência nos curso de Psicologia da Faculdade
de Ciências Humanas Esuda, da Faculdade Frassinetti do Recife - FAFIRE (1997/2002 - 2022 até
a presente data) e da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda. Docência nos cursos de Pós-
Graduação de Psicologia do Trânsito (Faculdade Esuda), Avaliação Psicológica (FAFIRE), Família,
Gênero e Sexualidade (Faculdade Osman Lins). Fundadora e coordenadora nacional da ANPSINEP
- Articulação Nacional de Psicólogas/os Negras/os e Pesquisadoras/es.
Boletins da CDH
ANPSINEP e ABIPSI
Um trabalho em equipe
Depois desses eventos realizados pelo CFP, cada Conselho Regional marcou
sua história, também passou a realizar campanhas, fóruns, vídeo, filme, palestras,
seminários, diálogos digitais, lives, oficinas, publicações de livros e artigos, podcast
e apresentações de trabalho (congressos nacionais e internacionais, seminários,
encontros e mostras), manifestos, marchas, notas públicas, atos públicos, prêmios,
representação em conselhos de direitos, e representatividade de pessoas negras e
indígenas no Sistema Conselhos de Psicologia.
Cada um dos 24 CRPs tem ações desenvolvidas com a temática étnico-racial,
para a população negra e para a população indígena. Alguns realizaram mais ações
do que outros. Inclusive, alguns são pioneiros deste debate inspirando outros a
também se dedicarem à luta antirracista. Todavia, é preciso lembrar que cada CRP
possui estrutura própria, seja em relação ao número de funcionárias(os) que neles
trabalham, seja em relação à arrecadação financeira ou mesmo ao tempo de existência.
Evidentemente, as ações maiores de enfrentamento ao racismo foram delineadas
por aqueles que têm maior estrutura.
De toda maneira, paulatinamente tem havido aumento da presença de psicó-
logas negras e psicólogos negros no Sistema Conselhos, seja como conselheira(o) ou
colaborador(a). Acerca de psicólogas(os) indígenas, notamos maior atuação a partir de
2019, sendo mais significativa nas regiões norte, nordeste e centro-oeste. As regiões
sudeste e nordeste se destacam nas ações frente à população negra. E a região sul foi
a que menos enviou material para compor a linha de tempo. Podemos encontrar
muitas dessas ações e materiais nas redes sociais e nas publicações do conselho. De
toda maneira, parte significativa do material elaborado pelos CRPs será apresentada no
Congresso Brasileiro de Psicologia (CBP), que ocorrerá em São Paulo, em novembro
de 2022, como já foi mencionado, este material também poderá ser acessado pelo
QR code da Campanha. Seguimos construindo histórias nos conselhos regionais e
no federal de Psicologia.
Introdução
A renovação que Abrahão Santos e Luiza de Oliveira (2021) indicam tem rever-
berado numa complexificação das análises produzidas nas ciências humanas e, neces-
sariamente, convoca a uma complexificação da definição de sujeito a quem se dirigem
nossas interpretações e intervenções, porque esse sujeito não pode mais ser reduzido
a um modelo universal de humanidade, tampouco deve ser desconsiderado como a
imposição da colonialidade atravessa sua existência, sua história, sua memória. A colo-
nialidade que instaura a hierarquização racial (CARNEIRO, 2005) instaura também o
binarismo de gênero e a suposta superioridade do macho sobre a fêmea (LUGONES,
2008; OYEWÙMÍ, 2017); bem como impõe a heterossexualidade reprodutiva como
única possibilidade legítima de afetividade (LORDE, 2019; LUGONES, 2008).
Complexificar o sujeito a quem se destina o pensamento psicológico demanda
descortinar a sociedade que forja esses sujeitos em suas múltiplas experiências de sujeição
e privilégio, implica desvelar as reverberações existenciais que ficções poderosas, que
ainda hoje operam com efeito de verdade, produzem na saúde física e mental daque-
las e daqueles admitidos como inferiores, incompletos, primitivos, desestruturados,
degenerados, histéricas, pervertidos, todos esses significantes produzidos por discursos
científicos que se anunciavam como neutros enquanto repetiam lógicas racistas, hete-
ronormativas e androcêntricas. A introjeção dessas premissas tem produzido, inclusive,
a repetição de hierarquizações nos movimentos sociais e em perspectivas teóricas que
denunciam essas violações, como nos explana bell hooks (2004, p. 49):
Essa posição não usual que nos descreve bell hooks também tem sido apon-
tada como um lugar sociologicamente privilegiado de análise e ruptura com as
estruturas de poder (COLLINS, 2016; GONZAGA, 2019; LORDE, 2019). Ainda que
a institucionalização dessa crítica e sua adesão em disciplinas de conhecimento
venha se dando paulatinamente nas últimas décadas, cabe sinalizar que a produção
sociológica, filosófica e psicológica de mulheres negras tem expressado há séculos a
compreensão de que é impossível generalizar a experiência dos sujeitos a partir de
um marcador universalizante. Esse atravessamento, produzido pelo incômodo que
nos revela hooks (2004), de que “todos os negros são homens e todas as mulheres
são brancas” demarca o lugar de outras dos outros que é instituído para as mulheres
negras e a partir do qual essas intelectuais têm interpelado a colonialidade do saber
e do ser para além da raça e do gênero.
A epistemologia feminista transformou a ciência moderna ao romper com
paradigmas binários e androcêntricos, ao interpelar a lógica de sujeito/objeto, ao
realocar o cotidiano, as emoções, a sexualidade e a reprodução como categorias de
análise e como temas de interesse científico (OLIVEIRA,2008). Para a psicologia, é
especialmente preciosa a contribuição do pensamento produzido por intelectuais
negras que concebem, a partir do feminismo negro, noções emancipatórias de sujeito
As mulheres negras trazem consigo, ainda que submetidas aos horrores do se-
questro para fins de escravização, uma herança da intelectualidade, de protagonismo
político, militar e religioso que vivenciam em diversas regiões do continente africano
(WERNECK, 2005). Essa herança se manifesta na conformação da resistência armada
frente à escravização com figuras como Dandara dos Palmares, Aqualtune, Zacimba; na
implementação das primeiras casas de candomblé ainda no período escravocrata por Iyá
Nassô, Iyá Akalá, Iyá Adetá, Na Agotimé, casas que conservaram por séculos e continuam
lutando para conservar não apenas os cultos religiosos mas também todo um aparato
epistemológico dos modos de vida dos negros em diáspora, que seguiram tendo por
anos protagonismo de mulheres negras como Mãe Stella de Oxóssi, Mãe Menininha do
Gantois, Mãe Beata de Iemanjá, Mãe Maria Júlia, Mãe Rosa de Oiá e tantas outras que
preservam instrumentos e modos de cuidado, princípios de convivência e de parentesco,
de organização política e ecônomica que são insondáveis a partir de uma perspectiva
brancocentrada (GONZAGA, 2019; MARIOSA; MAYORGA, 2018).
O lugar de sujeição que o cristianismo burguês impôs às mulheres europeias,
inclusive recorrendo ao extermínio daquelas que resistiam sob acusação de bruxaria
(GROSFOGUEL, 2016) não é um lugar dado a priori para as mulheres negras, pelo
contrário. Como nos indica Oyèronké Oyewùmí (2017), o gênero como premissa
hierarquizante das relações sociais não era uma realidade no continente africano
antes da chegada dos colonizadores. O mesmo nos indicam Maria Lugones (2008) e
Geni Nuñez (2019) ao refletirem sobre a realidade dos povos originários que viviam
em Abya Yala – essa região que hoje chamamos América Latina.
Na contramão de uma ideia de sujeito definida a priori, seja por seus determi-
nantes biológicos, por sua condição social ou por sua suposta inferioridade cultural,
Rapaz… uma vez numa revista tenta… iam me botar na parede, mas
eu falei assim “eu sou mulher”, aí eles não.. então venha pra cá. Pela
aparência quase eu ia pra parede. Mas acho que isso também foi
só uma única vez. Isso a PM. Despreparo. Despreparo da polícia.
Paula: Mas quando cê falou que era mulher… eles…
Zeferina: “Venha pro canto”. Aí eu fui pro canto se tivesse
uma pfem5, mas não tinha, então aí ele não podia me abordar.
(Zeferina, 23 anos, mecânica, lésbica, mãe)
Definindo a interseccionalidade
o caminho percorrido até aqui destaca que a interseccionalidade, ainda que te-
nha sido sistematizada desse modo na produção da jurista norte-americana Kimberlé
6 O relato da senhora Roseli, irmã de Luana Barbora Reis dos Santos e às informações sobre o caso, fo-
ram consultadas aqui: http://www.justificando.com/2019/04/02/caso-luana-barbosa-faz-tres-anos/
Como implementar essa conceituação? Como ela pode colaborar com nossas
análises? Essa perspectiva analítica aparece nas teorizações da intelectual brasileira Lélia
Gonzalez (1984), que estabelece sólida demarcação sobre como a exploração laboral e
a desumanização racial imposta às mulheres negras desde a escravidão se reproduz na
contemporaneidade a partir da naturalização de funções como a doméstica e a mulata
do carnaval. De acordo com a autora, vigora no Brasil uma associação quase simbiótica
da mulher negra ao emprego doméstico, onde se vivencia baixa remuneração, escas-
7 Optei por conservar o termo que é utilizado pela autora, visto que ela se refere a mulheres negras,
indígenas, amarelas, chicanas no contexto dos Estados Unidos da América.
O lugar de alteridade que nos descreve Audre tem sido fomentador de signi-
ficativas produções a partir da articulação política e intelectual de mulheres negras,
É nesse sentido que produções advindas dos sujeitos e das sujeitas instituídas
como Outras e Outros da sociedade racista, patriarcal, cisheteronormativa, capaci-
tista e elitista que vivemos consistem em interpelações preciosas a uma Psicologia
comprometida em romper com essas lógicas de opressão. É fundamental destacar
aqui que não é a compreensão de identidade racial, de gênero e de orientação sexual
numa perspectiva biológica que produz esse lugar sociologicamente privilegiado, pelo
contrário, é a construção contínua e reflexiva sobre como raça e gênero, essas ficções
poderosas, se materializam no corpo e nos modos de subjetivação a partir de inter-
dições e potencialidades socialmente produzidas ao longo da história e no cotidiano.
Tornar-se negro, como afirma Neusa Santos Souza (1983), assim como tornar-se
mulher –célebre frase que Simone de Beauvoir imortalizou nas páginas da obra O Segundo
Sexo – e ainda a saída dos inúmeros armários que o patriarcado cisheteronormativo
produz, são processos que descortinam justamente o caráter falacioso da ideia de um
destino ancorado no aporte anatômico de quem quer seja, e convoca ao questionamento
sobre a naturalização da inferioridade e da superioridade alocada a determinados sujeitos
por sua raça, seu gênero, sua orientação sexual, sua compleição física.
8 Se refere a busca de mulheres em trabalho de parto que sob inúmeras justificativas (falta de leitos, de
profissionais, suspeição sobre a proximidade do parto) tem atendimento negado em equipamentos e
precisam peregrinar até que sejam admitidas em uma unidade de saúde.
Trincheira
Sujeita de fronteira
não estou em cima do muro
não dou conta das ambiguidades
não é uma simples soma de partes.
Sujeita de fronteira
a minha raiz é na encruzilhada
não quer dizer que não tenho pátria
só me desprendo de respostas dicotomizadas.
Sujeita de fronteira
complexa, inovadora, imprevisível
o que eu falo parece sem sentido
mas tem um bonde por aí, comigo.
Sujeita na fronteira
Audre, Conceição, Gloria, Lélia
rostos cobertos
vozes sufocadas
resgatamos seus escritos
e hoje ecoam seus gritos
Sujeita na fronteira
viajante entre mundos
escrevo, grito, danço, pixo
sem me preocupar com a forma
só quero que a mensagem
toca9.
9 Poesia de Ju Tolentino, poeta, cientista política, professora e intelectual negra que generosamente
concordou com a reprodução de sua obra nesse texto. Para conhecer mais do seu trabalho acesse:
https://linktr.ee/julianatolentino
A boa notícia é que não estamos sozinhas. A produção de uma psicologia antir-
racista e que concebe a complexidade dos sujeitos a partir dos atravessamentos das
relações de opressão que estruturam a sociedade acompanha outras disciplinas que
também se mobilizam para rever postulações universalizantes e que reproduzem
injustiça cognitiva; epistemicídio; e defasagem nos nossos cursos de formação. A
caminhada é longa, mas os saberes afro-diaspóricos são fontes férteis de onde po-
demos, merecemos e iremos produzir novos modos de intervenção psicossocial, de
cuidado em saúde mental e de Ciência Psicológica. Para isso:
hooks, b. (2004). Mujeres negras. Dar forma a la teoría feminista. IN: hooks, b; Brah,
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Sapatão, Veadinho, Mulher Macho, Traveco, 44, Sai de Cima do Muro, Cola
Velcro, Boiola, Bota Aranha Pra Brigar, Bichinha, Caminhoneira, Indecisos/as, Homem
Vestido de Mulher. Começo este artigo com esses apelidos pejorativos, de uma for-
ma que vocês se questionem. O que isso tem a ver com saúde mental? Partindo do
princípio de que saúde, segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), não se
resume só a ausência de doença mas também de “situação de perfeito bem-estar
físico, mental e social”, o que também já está ultrapassado, posto que o conceito de
perfeição não existe como um todo, mas de toda maneira a OMS expandiu a noção
de saúde incluindo aspectos físicos, mentais e sociais. Como podemos pensar para
os dias de hoje o conceito de saúde?
O direito à saúde foi inserido na Constituição Federal de 1988 no título des-
tinado à ordem social, que tem como objetivo o bem-estar e a justiça social. Nessa
perspectiva, a Constituição Federal de 1988, no Título VIII, estabelece como direitos
sociais fundamentais a educação, a saúde, a cultura, o trabalho, o lazer, a segurança,
a previdência social, a proteção à maternidade e à infância. Entender a saúde como
valor social tem me ajudado a questionar a invisibilidade e a vulnerabilidade de vidas
humanas, em especial de vidas negras. Mas ao mesmo tempo me alerta para leituras
sobre formas de estar no mundo, como produção de sentidos e de história, repleta
de agências e de movimentos contra hegemônicos.
Sempre que ia apresentar um trabalho em congressos, ou fazer uma fala em
algum evento, eu sempre me apresentava apenas como Liliane, então alguns anos
Pensando num país como o Brasil, em que orientação sexual é um fator social
que quando somado a raça e gênero, falar de ser uma pessoa LGBT negra é pensar
em várias outras formas de estar exposta a vulnerabilidades, posto que cor, gênero e
orientação sexual são fatores de exclusão social, ou seja, torna-se mais difícil o aces-
so à educação, à saúde, aos direitos humanos básicos (como comer) e até mesmo o
direito humano fundamental que é a vida. Os movimentos LGBTI+ são organizados
em grande maioria por homens gays brancos de classe média alta. E essa segregação
não acontece somente dentro de movimentos LGBTI+ mas também dentro de outros
movimentos sociais, por exemplo, fui conselheira no Conselho Municipal do Direito
da Mulher no interior de Minas Gerais, na época éramos 4 mulheres negras para
mais de 10 mulheres brancas, e eu a única lésbica. Há uma homogeneidade hetero
e branca dentro dos conselhos, por exemplo, no entanto é necessário que também
ocupemos esses espaços.
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br/LGBTs-negros-a-relacao-entre-a-policia-trabalho-precario-e-a-educacao. Acesso
em: 22 jun. 2021.
Esse capítulo foi escrito por duas psicólogas com deficiência. Táhcita é uma
mulher negra, cisgênera, autista, que faz parte da comunidade LGBTQIA+, feminista,
psicóloga e que tem trabalhado principalmente com temas relacionados a negritude
e questões raciais, feminismo, gênero e sexualidade, questões LGBTQIA+, autismo,
todas a partir do prisma da Psicologia.
Laureane é uma mulher cisgênera, heterossexual, de pele branca, feminista, que
pertence à classe trabalhadora, tem alto nível de impedimento físico e a manutenção
tanto de sua vida profissional e acadêmica ativas quanto de sua sobrevivência depende
de relações de cuidado de sua família. Atualmente é psicóloga bolsista da Coordenação
de Ações Pedagógicas Especiais da Universidade Federal de Jataí (CAPE/UFJ) e, em
outros espaços, tem trabalhado principalmente com formação de profissionais da
saúde e da educação para uma atuação anticapacitista.
Neste capítulo, abordaremos, inicialmente, dados sobre as desigualdades exis-
tentes na população com deficiência e na população negra. Também conceituaremos
deficiência, capacitismo, raça e racismo. Em seguida, explicaremos brevemente al-
gumas relações do racismo e capacitismo com o capitalismo e mostraremos como a
deficiência pode ser o resultado de violências racistas. Abordaremos também algumas
1 Psicóloga, Mestra e Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Especialista em Gênero e Sexualidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Faz
pós-doutorado no Program de Pós-Graduação em Psicologia Experimental da Universidade de São
Paulo (USP).
2 Psicóloga, especialista em Psicoterapia Analítico-Comportamental pelo Instituto Goiano de Análise
do Comportamento (IGAC), mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal de Jataí (PPGE/UFJ), integrante do grupo de estudos do Núcleo de Estudos
sobre Deficiência da Universidade Federal de Santa Catarina (NED/UFSC) e do grupo de estudos do
Laboratório de Educação Inclusiva da Universidade do Estado de Santa Catarina (LEdI/UDESC).
No Brasil, o termo capacitismo foi adotado como tradução para ableism, muitas
vezes usado como sinônimo de disablism, para designar “discriminação por moti-
vo de deficiência” (MELLO, 2016, p. 3.267). A antropóloga Anahí Guedes de Mello
definiu capacitismo como:
Embora o capacitismo, assim como o racismo, não seja uma opressão exclusiva
do sistema capitalista, é na contemporaneidade que esse merece ser intensamente
questionado, uma vez que, se as mais variadas tecnologias e serviços de cuidado não
estivessem disponíveis apenas às pessoas com privilégio de classe, haveria muito mais
possibilidade de inserção das pessoas com deficiência no trabalho e em todas as esfe-
ras da vida social, pois por mais grave que um impedimento corporal seja, a maneira
como as pessoas vivem com ele está muito relacionada ao acesso a uma ampla gama
de recursos materiais e sociais, cuja distribuição, dentro do sistema capitalista, não
se orienta a partir da necessidade, mas da suposta capacidade produtiva (BARNES,
2012; CARVALHO; ORSO, 2014; CROW, 1996; TAYLOR, 2017).
Em razão da suposta incapacidade produtiva das pessoas com deficiência, num
sistema econômico cuja palavra de ordem é a maximização dos lucros, sua falta de
produtividade deve ser gerenciada de modo a atrapalhar o mínimo possível a extração
de mais-valia, o que está em descompasso com a provisão de recursos humanos, ma-
teriais e tecnológicos, isto é, garantia de acessibilidade, que permitiria a participação
das pessoas com deficiência no trabalho, ao passo que está ao compasso de sua segre-
gação em instituições específicas, algumas, filantrópicas e, outras, empreendimentos
passíveis de lucro (ABBERLEY, 2008; BARNES, 2012; HUNT, 1966; TAYLOR, 2017).
Desta forma, a exclusão da mão de obra de pessoas com deficiência não é inerente
ao impedimento corporal, mas consequência do modo de organização do trabalho
no sistema capitalista (CARVALHO; TURECK, 2014; MELLO, 2020).
Tendo em vista as condições desfavoráveis para a inserção e permanência de
pessoas com deficiência no mercado de trabalho, àquelas que se estabelecem pro-
fissionalmente é atribuído o rótulo da superação. Difundir a ideia de que o indiví-
duo superou a si mesmo pelo próprio esforço fortalece a falaciosa meritocracia, o
que corrobora os interesses do capitalismo neoliberal, orientado por valores como
independência, autossuficiência, individualidade e competitividade, eximindo o
Estado e os empregadores da garantia das condições necessárias e suficientes para o
trabalho digno às pessoas com deficiência, ao mesmo tempo em que as coloca como
motivação para trabalhadores/as com corpos sem impedimentos trabalharem mais
duro e serem gratos/as pela oportunidade de trabalhar, ainda que por baixo salário
e em condições precárias, muitas vezes, produtoras de impedimentos corporais
(ABBERLEY, 2008; DIAS, 2013; MELLO, 2020; TAYLOR, 2017).
Experiência de opressão
Possibilidade de resistência
Antirracismo e Psicologia
Não é a forma de um comportamento que define se ele será racista ou não. Como
bem coloca Silvio Almeida (2019), qualquer comportamento, seja ele um comentário,
uma piada, uma afirmação, gestos motores, etc. que seja baseado na raça percebida de
Considerações finais
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1 Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (2000), mestrado em Psicologia
do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2003) e doutorado em Estudos
da Criança pela Universidade do Minho (2007). Atualmente é professora adjunta da Universidade
Federal da Bahia, tanto da graduação em Psicologia como do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia (PPGPSI) ministrando as disciplinas ligadas à Psicologia do Desenvolvimento.
2 Possui Doutorado (Ph. D., 1988) e Mestrado (M.Sc., 1978) em Psicologia pela Universidade de Londres,
Grã-Bretanha, e tem Grau de Psicólogo e Licenciatura em Psicologia pela PUC-Rio (1974). Atualmente
é Professora Titular do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e professora
do Programa de Pós-graduação em Psicologia desse Instituto. Pesquisadora Senior do CNPQ. Membro
Fundador do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa na Infância e Adolescência Contemporâneas -
NIPIAC/UFRJ. Co-fundadora e primeira presidente eleita da recém criada Associação Nacional Rede
de Pesquisadores e Pesquisadoras da Juventude - REDEJUBRA (2017-2020).
Os direitos das crianças podem ser divididos nos três Ps dos direitos: provisão,
proteção e participação, sendo que o racismo se evidencia em cada um deles. A ini-
quidade racial3 se expressa nos índices de mortalidade infantil no primeiro ano de
vida; no número de crianças sem registro civil de nascimento e/ou sem identificação
de paternidade; no acesso à educação integral; na institucionalização das crianças;
e, principalmente, nos índices de violência e homicídios na infância e adolescência,
assim como no encarceramento em massa da juventude negra. A proteção integral
prevista no Estatuto da Criança (ECA, 1990) só será efetivada quando minimizarmos
as iniquidades sociais, raciais e de gênero.
Os direitos de provisão se referem àqueles direitos básicos, fundamentais para
a manutenção da vida, como saúde, habitação, alimentação, educação, saneamento
3 O uso do termo iniquidade em detrimento ao termo desigualdade remete à afirmação feita por da
Cruz (2006, p. 218) de que a “iniquidade é uma diferença carregada de injustiça, porque geralmente
decorre de uma situação que poderia ser evitada por aqueles que têm o poder de decidir”.
4 https://institutopensi.org.br/a-saude-das-criancas-negras/
5 Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência 2017 (IVJ 2017) é um indicador, desenvolvido pela
Secretaria Nacional de Juventude em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que
agrega dados relativos às dimensões consideradas chave na determinação da vulnerabilidade dos
jovens à violência, tais como taxa de frequência à escola, escolaridade, inserção no mercado de traba-
lho, taxa de mortalidade por homicídios e por acidentes de trânsito.
Considerações finais
6 O uso do termo iniquidade em detrimento ao termo desigualdade remete à afirmação feita por da
Cruz (2006, p. 218) de que a “iniquidade é uma diferença carregada de injustiça, porque geralmente
decorre de uma situação que poderia ser evitada por aqueles que têm o poder de decidir”.
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Para a população negra, chegar à velhice é uma condição privilegiada. Mais ainda
é alcançar aquela idealizada “velhice bem-sucedida”, amplamente veiculada dentro
de uma racionalidade neoliberal de sucesso ou fracasso pessoal. No Brasil, pretos(as)
e pardos(as) são a maioria da população até os 40 anos, mas são os(as) brancos(as) que
chegam em maior proporção aos 65 anos e vivenciam a maior longevidade (80 anos+)
(BRASIL, 2016). As pessoas negras que alcançam a condição de idosas vivenciam esse
período com diversos riscos, por exemplo: maiores taxas de analfabetismo/baixa
escolarização, menor renda (insuficiente para as despesas diárias), residência em
áreas com piores indicadores sociais e de saúde, pior estado de saúde autorreferido,
maior número de morbidades crônicas, precisar continuar trabalhando por motivo
de necessidade financeira e não conseguir cuidar da sua própria saúde (OLIVERIA;
THOMAZ; SILVA, 2014; SILVA et al., 2018).
Envelhecer bem pressupõe ter acesso, ao longo da vida, aos recursos materiais, so-
ciais e simbólicos, fundamentais para a dignidade e a qualidade de vida. A Organização
3 Também é utilizado etarismo ou idadismo. Refere-se à discriminação com base na idade cronológica.
Considerações finais
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Introdução
2 São três exemplos desse aumento: 1) O deslocamento de haitianos depois do terremoto do Haiti, em
2010. Esse deslocamento resultou nos anos subsequentes na chegada ao Brasil de mais de 100.000
migrantes (CAVALCANTI; OLIVEIRA; MACÊDO; PEREDA, 2019); 2) A migração venezuelana, de-
pois da crise política de 2017. No Brasil o número de migrantes venezuelanos saltou de pouco mais de
5.000 em 2016 para mais de 500.000 em 2017 (CORPI, 20019); 3) As Caravanas Migrantes, iniciadas
em outubro de 2018 e que já na primeira onda, participaram aproximadamente 7.000 migrantes
centro-americanos, com destino aos Estados Unidos (GANDINI, 2020).
3 Nome utilizado para referir ao território hoje conhecido como América (PORTO-GONÇALVES, 2009)
Conhecimento universal
Branco
Capital
Centro
Zona
Metropolitana Humano
Saberes populares
Zona Sub-Humano
Colonial
Não-Branco
Trabalho
Periferia
Assim como as identidades branco e negro precisam ser entendidas como ter-
mos que se referem a lugares sociais específicos da vida em sociedade, e não a raças
biológicas, as regiões conhecidas como periferias e centros metropolitanos devem ser
compreendidas como zonas geopolíticas, em vez de regiões geográficas específicas.
A configuração de centro e periferia se dá a partir de disputas no espaço mundial e
regional, marcadas por uma assimetria de poder que se mantém mediante diferentes
mecanismos de dominação.
As regiões centrais do sistema-mundo estão repletas de microzonas periféricas.
Não por acaso essas microrregiões são habitadas, predominantemente, por sujeitos
• I. Reconhecer, em todas as nossas interações, o ser humano que existe além das
identidades a eles associadas: “migrante”, “africano” “venezuelano” etc.
• IV. Não silenciar diante de nosso sistema de opressão. Reconhecer, nos eventos
da vida cotidiana, a reprodução dos mecanismos históricos de dominação e
posicionar-se;
Considerações finais
Em última análise, podemos afirmar que, no campo das relações migratórias, exis-
te um vazio regulatório que deixa desprotegida uma parcela significativa de migrantes
forçados. Esse grupo de migrantes, ainda que não sejam vítimas do tráfico humano ou
da perseguição, precisam de estruturas sólidas de apoio, porque suas demandas superam
o provimento de necessidades básicas.
Os migrantes forçados da América Latina e do Caribe são sujeitos vinculados for-
temente a construções narrativas, das mais variadas, que os apresentam às sociedades
receptoras, antes mesmo de que se dê qualquer interação cara a cara. A condição de
vulnerabilidade, a raça, a nacionalidade, os fatores geradores de deslocamentos; todos
esses fatores ajudam a tecer narrativas, que frequentemente capturam esses migrantes e
os aprisionam em uma zona do não ser.
A perspectiva sobre o racismo e a xenofobia que apresentamos serviu para evi-
denciar formas silenciosas de exclusão social. Não é apenas o que fazemos que fortalece
a estrutura de dominação. A omissão, o silenciamento, a postura acrítica diante das
narrativas de inferiorização dos grupos oprimidos, tudo isso colabora para a manuten-
ção da conjuntura de opressão. A ação humanitária que apoia o migrante, mas que se
vê desprovida de qualidade de interação, serve para atender as necessidades básicas do
atendido, mas ao mesmo tempo aprisiona o sujeito migrante no lugar da insuficiência,
da não existência como ser humano.
Qualquer ação humanitária precisa estar comprometida com o enfrentamento
às diferentes formas de dominação, através de interações de qualidade; da ordem do
humano. Essa tem sido uma demanda pouco compreendida, ou mesmo minimizada
por grupos humanos que desconhecem a experiência da inferiorização. No entanto,
por considerar a relevância do tema na experiência vivida dos grupos racializados, uma
e outra vez insistimos no valor de atualizarmos nosso olhar sobre o outro. O exercício
CASTLES, S. Factores que hacen y deshacen las políticas migratorias. In: PORTES,
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1 Título inspirado na letra da música “Periferia é Periferia (Em Qualquer Lugar) “, do grupo de Rap
Racionais Mcs. A canção integra o álbum “Sobrevivendo no inferno”, lançado em 1997.
2 Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (1997), mestrado em Psicologia pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (1999) e doutorado em Psicologia pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (2004). Estágio de pós-doutorado no Programa de Pós-graduação em Psicologia
da Universidade Federal do Ceará (2017). Atualmente é professora associada IV da Universidade
Federal de Pernambuco, vinculada ao Departamento de Psicologia e Orientações Educacionais do
Centro de Educação e ao Programa de Pós-graduação em Psicologia do Centro de Filosofia e Ciências
Humanas. Pesquisadora vinculada ao Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Poder, Cultura e Práticas
Coletivas (GEPCOL) e Membro da Rede de Pesquisadores e Pesquisadoras da Juventude Brasileira
(REDEJUBRA). Coordena o GT Juventude e Pesquisas Participativas da Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP).
3 Doutora em Psicologia pelo Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de
Pernambuco - UFPE (2019). Mestre em Psicologia pela UFPE (2014). Especialista em Saúde Mental e
Intervenção Psicossocial pela Universidade de Pernambuco - Campus Caruaru (2012). Graduada em
Psicologia pela Universidade de Pernambuco - Campus Garanhuns (2010), e em Ciências Biológicas
pela mesma Universidade (2011). Atualmente é professora Adjunta da Universidade Federal Rural
de Pernambuco - UFRPE - Unidade Acadêmica de Serra Talhada - UAST. Integrante do Grupo de
Estudos e Pesquisas sobre Poder, Cultura e Práticas Coletivas - GEPCOL da UFPE. Integrante do
GT - Juventudes e Pesquisas participativas, da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em
Psicologia - ANPEPP. Membro da Rede de Pesquisadores e Pesquisadoras da Juventude Brasileira
(REDEJUBRA).
5 Usamos nomes fictícios para representar os/as jovens e todos/as antes do início da pesquisa assinaram
o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), os/as que tinham menos de 18 anos assina-
ram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE); e os responsáveis, o TCLE para responsá-
veis de menores de 18 anos.
(2ª oficina)
Essa realidade irracional do racismo é descrita por Fanon (2020) como traumá-
tica. Ele lembra também que o/a negro/a é desumanizado/a e nessa condição nem
mesmo quando morre gera comoção social. O autor ressalta o quanto o processo de
adoecimento da população negra é produto do colonialismo. Kilomba (2019, p. 158),
por sua vez, lembra-nos de que o trauma é colonial, pois “a ferida do presente ainda
é a ferida do passado e vice-versa; o passado e o presente entrelaçam-se como resul-
tado”. E o racismo é cotidiano,
Outra questão ressaltada pelos/as jovens foi o racismo expresso por meio de
“brincadeiras”, com referências ofensivas e desqualificantes às características físicas
das pessoas negras. “Brincadeiras” desse tipo precisam ser combatidas para não re-
forçarem e reproduzirem situações de preconceito e discriminação racial, sobre isso
a estudante nos diz:
Kilomba (2019, p. 135) aborda que “piadas racistas têm a função sádica de provocar
prazer a partir da dor infligida e da humilhação da/o ‘Outro/a’ racial, dando-lhe um
senso de perda em relação ao sujeito branco”, o que reforça a superioridade branca
e a ideia do lugar subordinado dos/as negros/as. Nessa mesma linha de raciocínio,
Moreira (2019, p. 84) ressalta que “o humor racista não é apenas um meio de divul-
gação de estigmas referentes a membros de minorias raciais. […] tem o propósito de
afirmar a ideia de que os membros do grupo racial dominante são os únicos atores
sociais merecedores de respeito”. Esse tipo de humor é chamado de racismo recrea-
tivo, conceito que designa “o desprezo por minorias raciais na forma de humor, fator
que compromete o status cultural e o status material dos membros desses grupos”
(MOREIRA, 2019, p. 31). O racismo compromete o status cultural e material e para
os/as jovens das classes menos favorecidas economicamente, em que se encontra a
maioria da população negra, o racismo interseccionado com a classe pode contribuir
para a reprodução do ciclo das desigualdades sociais.
Considerações finais
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de e branqueamento no Brasil. 6. ed. Petropólis, RJ: Vozes, 2014.
Introdução
(...) não implica alegar que o povo deva ser desprovido de espi-
ritualidade e da prática religiosa. Afirma-se, portanto, e, antes
de tudo, o “direito à liberdade de consciência e de crença. Pois
a religião e a psicologia transitam em ao menos um campo
comum, o da produção de subjetividades. Por isso é funda-
mental o estabelecimento de um diálogo entre esses conhe-
cimentos. É preciso que se aprofundem as discussões sobre
a interface da psicologia com a espiritualidade e os saberes
tradicionais, além de buscar compreender como a religião se
utiliza da psicologia. A compreensão da integralidade dos se-
res humanos trazida por saberes tradicionais é perfeitamente
articulável à trazida por saberes científicos. Daí a importância
de colocar em diálogo os conhecimentos acumulados nesses
dois âmbitos para maior compreensão das subjetividades e
para maior conhecimento das interfaces estabelecidas pela
Psicologia com outras ciências e com as religiões. (CFP, 2013)
Ao nos darmos conta de que sete em cada dez dias dos 521 anos da história do
Brasil foram vividos sob regime de escravidão, podemos ter uma ideia mais precisa
da presença e participação de africanos em nossa constituição sociocultural. O que
expressa a enorme variedade de práticas religiosas de matrizes africanas em nosso
país, das quais mencionamos algumas: Babaçuê (Pará), Batuque (Rio Grande do Sul),
Cabula (Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Santa Catarina), Candomblé
(todos os estados), Culto a Egungun (Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo), Culto a Ifá
(Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo), Encantaria (Piauí e Maranhão), Omolokô (Rio de
Janeiro, Minas Gerais e São Paulo), Quimbanda (Rio de Janeiro e São Paulo), Tambor-
de-Mina (Maranhão), Terecô (Maranhão), Umbanda (diversos estados), Umbandaime,
Xambá (Alagoas e Pernambuco), Xangô (Pernambuco). Nas últimas três décadas,
foi incluída nesse cenário a Religião Tradicional Iorubá, também conhecida como
Religião de Ifá ou Ifaísmo, considerada integrante do movimento de reafricanização
no Brasil de práticas religiosas de matriz iorubá.
Ademais, convém nos perguntar se não é de fato incrível, para não dizer inacre-
ditável, o índice registrado pelo Censo realizado em 2010: somente 0,3% de praticantes.
Certamente é preciso relativizar tais dados censitários por diversos motivos: além do
sincretismo religioso, dos numerosos casos de múltipla pertença religiosa e do intenso
e contínuo trânsito inter-religioso, durante a visita dos agentes do Censo, ocorre um
mascaramento e uma enorme subnotificação da autodeclaração de pertencimento
as práticas religiosas de matrizes africanas em nosso país, dada a inegável força do
racismo. Isso porque diariamente testemunhamos manifestações de intolerância a
essas práticas religiosas enquanto expressões de um discurso de ódio que se volta
contra seus templos, seus símbolos e seus adeptos.
Sem dúvida alguma, a colonialidade e o racismo compõem o substrato que leva
indivíduos e coletivos a expressarem hostilidade e ódio no sistema blended, sistema
híbrido que inclui as dimensões do presencial e do virtual. Frequentes são os casos
Solicitamos a você, leitor(a) deste texto, que reflita sobre as principais mensagens
nele reunidas. Nós, os autores, nos daremos por satisfeitos se você tiver percebido
que o principal “recado” dirigido a você é o de que vivemos em uma sociedade de
racismo perverso que, mais do que aproxima, integra em um bloco único todas as
representações sociais de África, africanos, seus descendentes, suas culturas, suas
crenças religiosas, seus objetos sagrados e profanos, marcando a ferro e fogo na
identidade pessoal e coletiva de negras e negros o sinal de malditos, erguendo um
sem-número de barreiras culturais à sua comunicação e criatividade.
Desejamos que você, leitor(a), tenha se dado conta da importância do diálogo
autêntico para a superação de tais barreiras e tenha percebido a relevância de se en-
gajar em coletivos de combate ao racismo de modo geral e de combate aos discursos
de ódio de modo particular. E também que tenha percebido que esse combate deve
ser travado também em ambientes virtuais, o que demanda, entre outras exigências,
a alfabetização midiática e informacional (AMI), tal como proposta no paradigma
MIL de UNESCO. Segundo Wilson, Grizzle, Tuazon, Akyempong e Cheung (2011), a
AMI reúne uma combinação de conhecimentos, habilidades e atitudes, que incluem
o acesso, a avaliação e o uso ético da informação; a compreensão das funções dos
meios de comunicação; a avaliação do modo pelo qual esses meios desempenham
suas funções e o compromisso com os meios de expressão pessoal. Esses autores
afirmam que o desenvolvimento de meios e sistemas de informação livres, indepen-
dentes e pluralistas é estimulado e fortalecido em sociedades alfabetizadas em mídia
e informação, pois essa alfabetização é indispensável para o diálogo intercultural e
para a compreensão mútua.
Por isso, finalizamos este texto defendendo a introdução dessa temática em
todo os cursos de graduação, em especial na formação e aprimoramento de psicó-
logos de todas as áreas, bem como a realização por parte do Sistema Conselhos de
Psicologia de eventos de todos os portes que ajudem os profissionais da psicologia
a compreenderem e mitigarem discursos de ódio que fomentam a intolerância às
diversidades, sobretudo, à diversidade religiosa.
FOLHA DE SÃO PAULO. Brasil vive escalada de grupos neonazistas e aumento de in-
quéritos de apologia do nazismo na PF. Folha de São Paulo, 14 ago. 2021. Disponível
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-neonazistas-e-aumento-de-inqueritos-de-apologia-do-nazismo-na-pf.shtml. Acesso
em: 12 jun. 2021.
VERGER, P. Flux et réflux de la traité des négres entre le Golfe de Benin et Bahia de
Tous les Saints. Paris: Mouton, 1968.
Introdução
“Te vi […] sem cabeça e sem rosto nos livros de história”, pois, no higienismo no
qual a psicologia no Brasil se desenvolveu, o nosso rosto somente aparece para mos-
trar as deformidades das “indisciplinadas crianças”; como bem mostra o psicanalista
Jurandir Freire Costa (1983, p. 208), a corrupção do corpo e da família dos descen-
dentes negros e ameríndios. Vale aqui observar a nota da Associação Americana de
Psicologia – cuja sigla em inglês é APA –, que se reconhece “[…] enraizada na opressiva
ciência psicológica para proteger a Brancura, o povo Branco, e as epistemologias
Brancas […]” (APA, 2021, tradução nossa). Na nota, a APA entende que não basta um
pedido de desculpas, é necessário desenvolver ações para avaliar os danos causados
aos povos negros nesse processo histórico da psicologia.
“Te verei vagando, ó estrela negra. Ó luz que ainda não rompeu. Eu te te-
nho no meu coração” (NASCIMENTO, 1989 apud RATTS, 2006, p. 76). Deixemos
essa luz negra mostrar a visibilidade, iluminar caminhos antes não percebidos,
buracos nunca vistos. Luz ordinariamente chamada movimento negro, conforme
Joel Rufino descreve (SANTOS, 1985), a mostrar caminhos, a manter recordações
e esperanças, no ambiente de violência do modo como o capital e o liberalismo
produzem valor, mercadoria e gozo.
Quero enegrecer algumas questões nesse poema, como fazem as crianças ao
aprender as palavras, cobrindo as letras inúmeras vezes, escurecendo-as. Poema todo
bonito. Dentro da formação do profissional de psicologia, a questão negra não apa-
rece: “Te vi […] sem cabeça e sem rosto nos livros de história” (NASCIMENTO, 1989
apud RATTS, 2006, p. 76). Não tem a nossa “cabeça”, nossa mutuê, nem a nossa histó-
ria, nem o nosso protagonismo coletivo. Palmares não está presente, nem Canudos,
nem a Revolta dos Malês, nem mesmo a revolução que fundou a República do Haiti,
Caminhos de pesquisa
Firmamos um caminho, a nossa pesquisa deve ter a força, o nguzo, o axé das
comunidades. A pesquisa não pode mais olhar as pessoas como objetos e preferir os
indivíduos atordoados; os assuntos e os temas não são objetos. Os temas são ances-
tralidades, como Kitembo; como a terra para os povos indígenas e os quilombolas,
como a roça, para o povo de terreiro. Seria como investir no tema nietzscheano “que
o super-homem seja o sentido da terra” (NIETZSCHE, 1995, p. 30), muito junto da
episteme que considera o ser humano próximo da terra, da água, do fogo, do ferro,
do caminho. A academia conhece Nietzsche, mas quem conhece o sentido desses
saberes mantidos e desenvolvidos pelas empregadas domésticas, as cuidadoras de
crianças, as faxineiras, os garis, os pequenos comerciantes das periferias e favelas
e as pessoas desempregadas?
Os doutores estão no pensamento da filosofia e da ciência como se todo co-
nhecimento proviesse daí. O quilombola Antônio Bispo fala da aprendizagem com
a comunidade na pesca e no roçado, e nas conversas com os mais velhos. A metodo-
logia aí presente ou o caminho de conhecimento é a “biointeração” (SANTOS, 2015,
p. 81). O conhecimento se dá no respeito à terra que nutre. Tata Luazemi diz que é
na roça (no terreiro angola-congo) que a aprendizagem do conhecimento se faz. Na
inspiração que vem desse campo, o pesquisador não estuda o ancestral Kitembo. O
ancestral informa, educa, direciona e dá caminho. Se queremos fazer uma pesquisa
junto da favela, vamos aprender com a favela. Nesse caso, não pode haver aquela
aplicação comum de questionários, de entrevistas, de “sujeitos da pesquisa”. Trata-se
agora de participantes coletivos da pesquisa.
São absurdos da história como as elites brancas quiseram nos contar, para
enfraquecer os povos que resistiram ao extermínio. Todavia, quem resistiu ao
extermínio foram os próprios negros e os ameríndios, com diversas estratégias,
sobretudo em coletividades.
É um universo novo de ciência que precisa ser feito. A universidade não é toda
ruim, mas é quase toda ruim e nós precisamos alterar esse estado de coisas. É um
campo novo, é uma psicologia em novas bases, que precisa ser feita, e a categoria das/
os psicólogas/os precisa se engajar. Já que estamos numa universidade colonizada,
vamos ampliar as leituras e alterar o que pensamos, o que escrevemos, o que pes-
quisamos. Isso vai se dar concomitantemente com o movimento de ler os textos de
pesquisadores negros, pesquisadoras negras, todes os que se assentam na conexão do
protagonismo coletivo histórico dos negros e ameríndios, e conversar a partir dessas
novas bases epistêmicas e epistemológicas.
A mudança já começou, faz tempo; nós continuamos agora e a próxima geração
também dará continuidade. Não temos que nos entristecer ao olhar o estado atual
no qual estamos, pois podemos saber: nossos passos vêm de longe.
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