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Jean Tricart

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JEAN TRICART E OS CAMINHOS METODOLÓGICOS PARA A


GEOGRAFIA FÍSICA

Kellia de Oliveira Bezerril1


Jânio Carlos Fernandes Guedes1

RESUMO

As contribuições de Jean Tricart são de fundamental importância


epistemológica para a ciência geográfica, seja na área humana ou física.
Contudo, é nesta última, que se encontra uma maior contribuição de suas
teorias para um enriquecimento metodológico da Geografia. Logo, este
trabalho abordará os caminhos teóricos e metodológicos trilhados por Tricart na
construção de uma Geografia conceituada e pautada numa efetiva interface
homem-meio, além da sua notória influência na formação geográfica brasileira.

Palavras chaves: Jean Tricart, Teoria, Metodologia, Geografia brasileira.

ABSTRACT

The contributions of Jean Tricart are of fundamental epistemological importance


to geographical science, whether in human or physical area. However, it is this
last, which is a greater contribution of his theories to a methodological
enrichment of Geography. Therefore, this work will address the trodden by
Tricart theoretical and methodological approaches in building a reputable
Geography and driven in an effective man-medium interface, besides its
remarkable influence on Brazilian geographical formation.

Keywords: Jean Tricart, Theory, Methodology, Brazilian Geography.

*
Mestrandos do Programa de pós graduação e pesquisa em Geografia/PPGe pela Universidade Federal do Rio Grande
do Norte – UFRN, Campus Natal, Rio Grande do Norte - Brasil.
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INTRODUÇÃO

A Geografia surgiu como ciência entre os naturalistas dos séculos XVIII


e XIX. Porém, sua efetivação enquanto ramo científico se deu com o
surgimento da Geografia Regional de Vidal de La Blache. (MENDONÇA, 2001).
Os documentos gerados, a partir, das viagens de descobrimento e de
reconhecimentos científicos de naturalistas europeus, se caracterizaram como
as principais bases da formação da Geografia como ciência, e
consequentemente, da Geografia Física (GREGÓRIO, 2007).
Na Geografia, foram sendo desenvolvidos vários conceitos na condição
de se tornarem objeto de estudo desta ciência, destacando-se a paisagem; o
território; o lugar; a região e o espaço. Todos estes conceitos são de
fundamental relevância epistemológica para o desenvolvimento da ciência
geográfica, sendo usados por diversos autores da geografia como objeto de
seus estudos.
E por apresentar uma conceituação mais ampla e oferecer uma maior
problematização, a categoria espaço se tornou seu principal objeto de estudo.
É no espaço que o homem organiza as suas atividades produtivas e onde se
dão as relações sociais (CLEMENTE, 2007).
Assim, a Geografia, enquanto ciência apresenta uma singularidade, pelo
fato da mesma apresentar um objeto de estudo muito vasto e amplo, gerando
uma diferenciação da atuação dos campos de estudo, diferenciando a
Geografia Física da Geografia Humana.
Dessa forma, a ciência Geográfica, com o decorrer do tempo, passou
por diversas transformações em seu campo de análise, as quais estão
intrinsecamente ligadas à escola francesa. Isso se deve ao fato da mesma ter
sido influenciada pela obra do geógrafo francês Emmanuel De Martonne,
intitulada Tratado de Geografia Física Geral, editada em 1950, no qual
ocasionou novos olhares teórico-metodológicos para o desenvolvimento da
ciência geográfica (GREGÓRIO, 2007)
Acompanhando o desenvolvimento da escola francesa, Jean Tricart, um
dos mais importantes geógrafos franceses, auxilia no acréscimo de novos
arcabouços metodológicos, que colaboraram para o avanço dos
conhecimentos técnicos nos estudos da Geografia, em especial na Geografia
3

Física. O desenvolvimento de seus estudos serviu para incrementar o


entendimento dos processos dinâmicos do homem com a natureza, apoiando-
se nessas pesquisas, difundindo conceitos e formulando métodos voltados
para sua aplicabilidade, baseando-se na compreensão e minoração de
problemas que atingem a sociedade.
Nesses estudos, destaca-se a sua importância nas pesquisas em âmbito
regional, tendo o clima como elemento modelador do relevo. Para o
desenvolvimento conceitual de seus estudos, foram amplamente discutidos em
suas obras os conceitos de região e paisagem, que caracterizam a ordenação
do meio natural, que Tricart evidencia em sua obra La Eco-Geografia
(TRICART E KILIAN, 1979).
Assim, torna-se evidente a necessidade de se realizar estudos sobre a
constituição histórica e epistemológica da geografia, em especial a Geografia
Física. E é nesse contexto que o presente artigo propõe apresentar os
caminhos metodológicos adotados por Jean Tricart.

ALGUMAS BASES CONCEITUAIS PARA OS ESTUDOS DE JEAN TRICART

Para o desenvolvimento da teoria empregada por Jean Tricart em seus


estudos, foram necessárias bases conceituais e aporte teórico de algumas
áreas do conhecimento, destacando-se, inicialmente, a Ecologia.
Sobre a Ecologia, a mesma é uma ciência que tem como unidade de
estudo o ecossistema. Segundo Nucci (2007), no início do século XX, a
Ecologia continuava seu caminho para a constituição de uma teoria capaz de
fornecer um modelo sistêmico que indicasse uma via de aplicação científica
para seus propósitos investigativos. Para Bertalanffy (1993), a necessidade de
uma visão sistêmica resultou do fato de que o esquema mecanicista mostrava-
se insuficiente para tratar os problemas cada vez mais complexos,
especialmente nas ciências biológicas e sociais.
Entretanto, a construção de um novo paradigma, como meio de
visualizar a natureza da ciência, não é algo fácil de executar e pode levar anos
até que um novo modelo passe a ser aceito pela comunidade científica
(NUCCI, 2007).
Um marco temporal relevante para a Ecologia foi o ano de 1968, quando
o austríaco Karl Ludwig Von Bertalanffy, apresenta a Teoria Geral dos
4

Sistemas, onde a organização, a unidade e integração dos seres humanos,


representam uma correlação, através de tendências de crescimento e de
desenvolvimento inerente a cada indivíduo. Essa teoria mostrou amplas
possibilidades de aplicação em vários campos do conhecimento, fornecendo
uma abrangência com um enfoque interdisciplinar.
Assim, observa-se que a visão sistêmica poderia ser um importante
acontecimento para o enriquecimento teórico metodológico da Geografia. O
direcionamento para a sistematização e a integração do meio ambiente, com
seus elementos, conexões e processos como um potencial a ser utilizado pelo
homem, adquire importância crescente. (TROPPMAIR e GALINA, 2006)
Desta forma, Sotchava desenvolve, em 1977, estudos onde se cria uma
terminologia denominada “Geossistema” – Sistema Geográfico ou Complexo
Natural Territorial.
Assim, há uma ênfase em estudar não apenas os componentes da
natureza de forma isolada, mas as conexões entre eles. Também não se devia
restringir a morfologia da paisagem e suas subdivisões, mas de preferência,
projetar-se para o estudo dinâmico, estrutural funcional, de conexões etc. Logo,
a concepção de geossistemas, permite estabelecer os assuntos a serem
investigados por um geógrafo físico, definindo claramente o seu conteúdo
(SOTCHAVA, 1977).
Entretanto, ao desenvolver o termo “Geossistema”, Sotchava o deixou
bastante vago e flexível. Assim, vários geógrafos utilizaram e empregaram o
termo com conteúdo, metodologia, escala e enfoque diferentes, destacando-se
as contribuições de Georges Bertrand em 1978 (TROPPMAIR; GALINA, 2006).
Segundo Bertrand (1978) as unidades da paisagem devem estar
hierarquizadas, distinguindo-se três níveis sucessivos: o meio físico
(Geomorfologia, Clima, Hidrologia); os ecossistemas (Fauna e Flora) e a
intervenção humana, formando assim o Geossistema.
Assim, para Bertrand, o Geossistema é uma categoria espacial, de
componentes relativamente homogêneos, cuja estrutura e dinâmica resultam
da interação entre o potencial ecológico, composto pelos processos geológicos,
climatológicos, geomorfológicos e pedológicos; a exploração biológica, onde se
aponta o potencial biótico (da flora e da fauna); e a ação antrópica, onde se
destaca sistemas de exploração socioeconômicos (PISSINATI E ARCHELA,
2009).
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Nesse mesmo período, Jean Tricart, ao discutir sobre essa temática


sistêmica, enfatiza que a dinâmica atual, a qual determina algumas
características do meio natural, interfere com determinados recursos
ecológicos que exploramos ou que queremos explorar, devem ser entendidas
como um todo.
Dessa forma, o conceito de sistema é definido como um conjunto de
fenômenos que se desenvolvem a partir dos fluxos de matéria e energia, que
tem origem a partir de uma interdependência, na qual surge uma nova entidade
global, integral e dinâmica (TRICART, 1977, p.19).
Este vínculo entre o estudo do meio físico e a ecologia, permite unificar
conceitos e enfoques metodológicos dos estudos relacionados ao meio
ambiente. Dessa forma, há uma preocupação em estruturar a observação e
vincular os dados de natureza diferentes que compõem a paisagem mediante
uma rede de relação de causalidade.
Com isso, os conhecimentos do meio natural nos levam a conceder uma
considerável importância a seu grau de estabilidade. Assim, para se entender
os princípios do método, são necessários, em primeiro lugar, conhecer o
objeto.
E uma importante conceituação para Tricart é a de paisagem, a qual
coincide praticamente com a unidade natural. Dessa maneira, uma paisagem
se caracteriza por uma associação de unidades como: relevo, clima, vegetação
e solos. (TRICART, 1977, p.23).
Desta forma, torna-se necessário um aprofundamento sobre essa
conceituação de Paisagem utilizada por Tricart, além de outros conceitos
desenvolvidos a partir de seus estudos. Estes aspectos serão vistos a seguir.

DISCUSSÕES SOBRE A TEORIA DE JEAN TRICART

Nessas discussões teóricas, torna-se relevante apontar que Tricart


explica o nosso planeta como o resultado da interação entre o meio físico-
geográfico e os seres vivos. Combinando meio ambiente e espaço, foram
elencados três componentes para o estudo integrado do relevo, são eles: “a
dimensão escalar do fenômeno; seu papel relativo dentro do todo e sua
posição na inserção social” (1977, p.26).
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Assim, tendo como base o estudo desenvolvido pelos ecólogos, Tricart


desenvolveu o conceito de ecodinâmica, relacionado aos aspectos da dinâmica
dos ecossistemas. A Ecodinâmica se caracteriza por certa dinâmica do meio
ambiente, com base no balanço pedogênese/morfogênese, propiciando sua
classificação quanto aos graus de estabilidade e instabilidade ambiental. Além
disso, compreende-se, que, na natureza, as trocas de energia e matéria se
processam em relações de equilíbrio dinâmico, onde o componente mais
importante da dinâmica da superfície terrestre é o processo morfogenético
(TRICART, 1977, p.31).
Ainda segundo Jean Tricart, os processos morfogênicos produzem a
instabilidade da superfície, que é um fator limitante importante para o
desenvolvimento dos seres vivos. Para tanto, o autor distingui três grandes
tipos de meios morfodinâmicos: Meios estáveis, meios intergrades e os
fortemente instáveis (1977, p.34).
Os locais onde há o predomínio dos processos morfogenéticos são
entendidos como áreas instáveis, correspondendo à ambientes naturais que
sofrem constantes processos, como os terremotos. Ambientes modificados
intensamente pelo homem por desmatamentos, agriculturas, industrialização e
urbanização, são também considerados instáveis, sendo denominados
ambientes antropizados.
Nas áreas onde há a pedogênese, as mesmas denominam-se áreas
estáveis, que estão em equilíbrio dinâmico em seu estado natural, porém, há
uma instabilidade potencial contida nas mesmas, diante da possibilidade da
intervenção antrópica. E, finalmente, quando ocorre uma compensação entre
morfogênese e pedogênese, têm-se as áreas intermediárias. Dessa forma,
cada unidade ecodinâmica possui um balanço entre morfogênese e
pedogênese. (TRICART, 1977).
Também merecem destaque as suas pesquisas que abordam a história
das Ciências da Terra e os fenômenos de defasagem entre os aspectos da
dinâmica natural e antrópica. Além disso, Tricart buscou entender a
reconstrução de ambientes do Quaternário e as influências das mudanças
climáticas e eustáticas sobre as características dos ambientes atuais e da sua
importância para o uso racional dos recursos naturais. (SILVA, 2012)
Partindo para a Geomorfologia, Tricart evoluiu para uma visão de
homem-meio cada vez mais integrada, numa culminância de totalização de que
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o livro A Terra Planeta Vivo (1972, com edição Portuguesa de 1978) é o melhor
exemplo.
Para o geógrafo francês, a evolução do relevo é apenas uma das
manifestações do princípio das forças que envolvem o planeta, uma vez que a
vida é sempre coparticipante da morfodinâmica. Ao estar presente em todo o
processo da morfogênese, dá ao meio geográfico uma característica de
complexidade e põe numa relação da escala de tempo e de espaço de forte
interdependência (TRICART, 1978 apud MOREIRA, 2008, p.118).
A paisagem, conceito-chave da Geografia e elemento relevante do meio
geográfico, é o resultado dos movimentos das forças da superfície terrestre, do
deslocamento da posição geográfica das suas formas e da alteração contínua
das suas configurações, promovida pelas três forças.
Força da matéria, a qual constitui o planeta, ocasionando as
deformações tectônicas responsáveis pela morfologia da superfície terrestre.
Força de atração dos astros, a mesma se materializa na ação da lei da
gravidade, responsável pelas modificações das massas de ar e precipitações,
as quais intensificam a pedogênese devido à infiltração das águas,
intensificando o trabalho morfológico de rebaixamento e nivelamento contínuo
do relevo. Por última, a terceira força, que está relacionada às radiações
solares e se traduz na forma de energia eletromagnética por meio da qual as
radiações são captadas pela clorofila das plantas e formam a energia
necessária à força das radiações solares que formam a energia geoquímica do
planeta (TRICART, 1978 apud MOREIRA, 2008, p.118-119).
Também merece destaque a discussão sobre a necessidade de ver a
Interdependência entre os elementos do meio geográfico, o estudo integrado
da água evidencia tal necessidade. Há três componentes que norteiam a
perspectiva do estudo integrado: a dimensão escalar do fenômeno; seu papel
relativo dentro do todo e sua posição na inserção espacial (TRICART, 1978
apud MOREIRA, p.120).
Nesta breve discussão teórica, observa-se a grande relevância dos
estudos e pressupostos teóricos deixados por Jean Tricart, os quais ainda são
seguidos por muitos estudiosos da Geografia, em especial na Geografia Física.
Mas para que estes estudos tivessem um pleno desenvolvimento, uma
coerência teórica era necessária, conforme será visto a seguir.
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METODOLOGIAS E TÉCNICAS PROPOSTAS

Jean Tricart, em suas metodologias, evidencia a locução das


interdependências entre os elementos do meio geográfico, que, segundo o
autor, é de suma necessidade para os estudos atuais.
O estudo integrado da água é um dos suportes para a explicação dessa
metodologia, uma vez que, tal estudo, crítica métodos e estudos tradicionais,
como por exemplo, o simplório uso do pluviômetro, equipamento necessário
para medir as precipitações. Fazer uso, apenas, desta técnica, não explicará a
captação da intensidade e duração dos aguaceiros, e estas são duas
características determinantes do ciclo hidrológico. (TRICART, 1978 apud
MOREIRA, 2008, P.121)
Os dados obtidos pelas estações pluviométricas analisam apenas a
quantidade de chuvas, não evidenciando outros fatores importantes para o
entendimento do ciclo hidrológico. A perspectiva do naturalista deve, então,
suceder a do estatístico. (TRICART, 1978 apud MOREIRA, 2008 p.121)
Dessa forma, as principais metodologias utilizadas por Tricart
relacionam-se aos estudos integrados do meio natural, com base no conceito
da ecodinâmica, visto seu interesse pelas questões da agricultura e a
conservação das terras, o fizeram trabalhar com diversos tipos de profissionais,
entre eles agrônomos, pedólogos, engenheiros, havendo com isso, a
necessidade de utilização dos mais variados tipos de metodologias.
Essa integração é bem mais complexa, pois a interação entre os
componentes “meio físico” e “seres vivos”, representados pelos homens,
animais e plantas, são mais que uma simples soma de diversos elementos que
se reúnem. Desta forma, Tricart afirmou em seu livro A Terra Planeta Vivo, que
“cada área obedece a uma dialética de homogeneidade/heterogeneidade”, as
quais são os dois princípios básicos da constituição da paisagem, que identifica
o tipo de meio geográfico. (TRICART, 1978 apud MOREIRA, 2008 p.122).
E o Geógrafo brasileiro Ruy Moreira (2008, p.122), ao aprofundar as
explicações relacionadas às metodologias de Jean Tricart afirmou que:

O pesquisador Tricart enfatizou a necessidade dos estudos de campo


e a distinção de ordens de grandezas espaciais e da zonalidade para
apoiar as interpretações de imagens de Sensores Remotos nos
estudos ecogeográficos desde “o barranco às paisagens regionais”,
com ênfase nos estudos da manifestação dos processos, formas e
9

estruturas e dos materiais superficiais. Apoiando-se nessas


pesquisas difundiu conceitos e formulou métodos voltados para sua
aplicabilidade baseando-se na compreensão e minoração de
problemas que atingem a sociedade.

Assim, os recursos teóricos metodológicos permitem visualizar a


permanência e a durabilidade dos fenômenos, os quais norteiam a perspectiva
de um estudo integrado, destacado como um dos grandes recursos
metodológicos usados na teoria de Tricart. E o que aproxima ainda mais os
estudos integrados desenvolvidos por Tricart à Geografia, identificando as
potencialidades e restrições do meio natural a ser estudado e levando em
conta os planos social, ambiental e econômico, onde tais estudos eram
realizados considerando o conceito da ecodinâmica.
Os níveis de organização de cada área, suas dependências e
interdependências, também são analisadas nos estudos integrados. Estudar as
partes para compreender o todo é algo bastante utilizado para se fazer uso
adequado do solo e dos meios naturais de maneira racional e equilibrada.
As utilizações de ferramentas cartográficas, também, são de suma
relevância para compreender os acontecimentos num dado território, uma vez
que, para Tricart, a cartografia é um método de estudo capaz de evidenciar os
dados necessários para avaliar o impacto das intervenções a serem tomadas.
(1977 p. 79).
Logo, a cartografia é uma reflexão metodológica para conduzir
intervenções práticas nos estudos de manejo das regiões ecodinâmicas e no
entendimento dos processos morfogenéticos e pedogenéticos, dependendo
dos tipos de meios ecodinâmicos estáveis, intergrades e fortemente instáveis.
A utilização das escalas faz-se necessário nos estudos de Tricart, bem
como o uso de fotografias aéreas. Para as paisagens, que estão inseridas no
princípio da heterogeneidade, é indicado o uso da escala grande (áreas
pequenas), pois, segundo Tricart, neste princípio, a paisagem é uma
combinação de mais de um indivíduo, reunindo nessa diversidade distintos
elementos que, a uma escala grande são presentes e visíveis e a uma escala
pequena (área grande) são invisíveis e desaparecem. (1978 apud MOREIRA,
2008, p.122).
Fica evidente que, nos estudos desenvolvidos por Tricart, há uma
relevância no uso de recursos metodológicos, os quais são de real significância
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para os estudos integrados e de conservação dos recursos naturais,


caracterizados por um conjunto de recursos técnicos – o mapa cartográfico; a
fotografia aérea; as imagens de teledetecção (fotografias infravermelhas,
termografia por varrimento; radar obliquo); a fotointerpretação geológica -, para
o conhecimento dos sistemas morfogenéticos em suas escalas de tempo-
espaço, num cunho ecológico integrado. (MOREIRA, 2008 p.126)
Finalmente, sobre as metodologias propostas por Tricart, há a ênfase da
necessidade dos estudos de campo e a distinção de ordens de grandezas
espaciais e da zonalidade para apoiar as interpretações de imagens de
sensores remotos nos estudos ecogeográficos desde “o barranco às paisagens
regionais”, com ênfase nos estudos da manifestação dos processos, formas e
estruturas e dos materiais superficiais (SILVA, 2012, p.102).
Apoiando-se nessas pesquisas difundiu conceitos e formulou métodos
voltados para sua aplicabilidade baseando-se na compreensão e minoração de
problemas que atingem a sociedade.
Jean Tricart, com este notável desenvolvimento teórico, técnico e
metodológico, também, influenciou o desenvolvimento da Geografia brasileira,
em especial a área Física, como será observado a seguir.

JEAN TRICART E A SUA INFLUÊNCIA NA GEOGRAFIA BRASILEIRA

No Brasil a influência de Tricart foi fundamental para o desenvolvimento


da Geografia Física, um grande número de geomorfólogos brasileiros iniciou
seus estudos baseando-se nas suas teorias e conceitos. O marco da influência
de Tricart para os autores e estudos brasileiros, aconteceu com a sua
participação no Congresso Internacional de Geografia no ano de 1956, que
teve como sede a cidade do Rio de Janeiro. Sobre esse congresso, Orlando
Valverde (apud SILVA, 2012, p.73) importante estudioso da história geográfica
brasileira destacou:

Um episódio excepcional de relações culturais em matéria de Geografia


foi à oportunidade oferecida pelo XVIII Congresso Internacional de
Geografia, que se realizou no Rio de Janeiro de 3 a 18 de agosto de
1956. Pela primeira vez, a União Geográfica Internacional (UGI),
patrocinava um colóquio mundial sob os trópicos e no hemisfério sul. A
delegação francesa não era a mais numerosa, mas foi sem contestação,
uma das mais brilhantes... Maximilien Sorre, Pierre George, Jean
Dresch, Jean Tricart, Pierre Birot, André Cailleux, Jacqueline Beaujeu-
Garnier, Michel Rochefort, Bernard Kayser, P. Deffontaines, P.
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Monbeig,... B. Kayser revelou um novo campo de idéias, de grande


interesse econômico e social para o Brasil: a Geografia do emprego... M.
Rochefort provocou um grande interesse no curso que ministrou no
Conselho Nacional de Geografia, onde introduziu as noções de
Geografia a dos Serviços e os conceitos de centro e rede urbanas.

Falando mais sobre os acontecimentos de 1956, Silva (2012, p.200-


201), aprofunda ainda mais sobre o fato, utilizando um depoimento de Milton
Santos:
Recorri ao Professor Milton Santos que explicou o que viria ser esse
famoso episódio de 1956, ano da UGI, envolvendo o Prof. Tricart, senão
vejamos: “O ano de 1956 foi muito importante para a Geografia
internacional, pois marca o balanço do movimento da geografia mundial,
da Europa para os Estados Unidos, foi o momento em que a influência
americana dentro da UGI, aumenta e um dos artífices desse movimento
foi exatamente o Prof. Sternberg que, logo depois, seria nomeado
professor nos Estados Unidos. Sternberg organiza um Congresso de
Geografia no Rio de Janeiro, com alguns colegas brasileiros, com o
apoio do CNG (Conselho Nacional de Geografia) e paralelamente, ele
organizou um curso de Altos Estudos Geográficos que foi um grande
acontecimento. Na organização desse curso, ele foi uma espécie de
bruxa ideológica, ele vetou de maneira nítida a participação de
professores de pensamento progressista e aqui entre nós, fizeram
exceção ao Prof. Monbeig, evidentemente. Eu nem sei se Monbeig
estava dando esse curso. Creio que não. Entre os convidados tinham
diversas pessoas importantes, mas o Prof. Tricart, por exemplo, não foi
convidado dele. Foi convidado pela mão do Miguel Alves de Lima, que
não era progressista, e convida o Prof. Tricart para dar um curso
sozinho, lá no antigo Lafayette. Dessa preocupação ideológica do Prof.
Sternberg, eu tenho outro exemplo, porque tendo convidado o Prof.
Tricart para vir à Bahia, fui informado por meus amigos do IBGE que o
Prof. Sternberg havia obtido uma circular das autoridades brasileiras
dando ordem para que o Prof. Tricart não fosse acolhido em lugar
nenhum. Essa circular não foi obedecida pelos funcionários federais da
Bahia, com quem tínhamos relações de amizade muito estreitas.

A influência de Tricart fica evidente pelo número de trabalhos escritos


sobre o Brasil, com mais de sessenta trabalhos, entre artigos, livros e
orientações acadêmicas, destacando-se C. Peixoto, com a tese
“Géomorphologie des environs de Salvador-Bahia - Brésil” e T. Prost Ribeiro da
Costa, com a tese “Aspects geémorphologiques du bassin du Mamanguape-
Paraiba- Brésil” (SILVA,2012, p.203-204);
Também nota-se a influência de Jean Tricart nos trabalhos de Aziz
Nacib Ab’Saber, que exerceu enorme influência nas metodologias do geógrafo
brasileiro, claramente observável em sua obra “Os domínios morfoclimáticos do
Brasil”, os quais foram divididos a partir dos diferentes tipos de relevos,
resultantes das condições climáticas atuais e do passado, bem como na
cobertura vegetal e nos tipos de solo.
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Logo, os domínios podem ser compreendidos como a combinação ou


síntese dos diversos elementos da natureza, em uma determinada porção do
território. Dessa forma, o Brasil foi dividido em seis grandes paisagens naturais:
Domínio Amazônico, Domínio das Caatingas, Domínio dos Cerrados, Domínio
dos Mares e Morros, Domínio das Araucárias, Domínio das Pradarias e uma
zona de transição entre eles, tais domínios são bastantes difundidos no
estudos geomorfológicos e geográficos.
Mais recentemente, outro geógrafo influenciado pelas teorias de Tricart,
foi Jurandyr Ross, em seu trabalho denominado de “Ecogeografia do Brasil –
Subsídios para o planejamento ambiental”, o qual enfatiza a integração
humana nos ecossistemas no espaço geográfico. Dessa forma, fica evidente a
influência do francês Jean Tricart, nos estudos naturais e geográficos,
diretamente ligados ao ramo da Geografia física.
Assim, o geógrafo francês disseminou seus princípios teórico-
metodológicos no Brasil e, em suas obras, ele destaca a importância da
cobertura vegetal na formação do solo, evidenciando a relação da
geomorfologia com a pedologia, apontando o clima, a planície aluvial e o ciclo
das águas.
Entre os estudos desenvolvidos por Tricart, há o elencamento dos
aspectos climáticos ligados a modelação do relevo, bem como a disseminação
do conceito de ecossistema, termo da ecologia formulado pelo ecólogo
britânico A.G. Tansley (1934). Tal conceito serviu como subsidio para a
construção do livro “Ecodinâmica”, de 1977, desenvolvido para estudos de
casos brasileiros, tal obra foi financiada pela Superintendência de Recursos
naturais e meio Ambiente (SUPREN), vinculado ao Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
É importante ressaltar que as idéias centrais do livro Ecodinâmica de
1977, foram retiradas da obra La Eco-Geografia escrita por Tricart e Kilian, que
ainda estava sendo desenvolvida. A mesma foi publicada em 1979.
Nestas duas obras há evidenciados os caminhos metodológicos
trilhados por Tricart, os quais levaram a uma renovação da matriz teórica
brasileira. Outra obra que demonstra esses caminhos é “Terra Planeta Vivo”,
de 1972 que elenca a teoria do meio ambiente como resultado de um todo
integrado dos seres vivos e a parte inorgânica do planeta.
13

Percebe-se, a partir desses pontos elencados, a grande influência de


Jean Tricart no desenvolvimento da Geografia brasileira, onde os seus
trabalhos e pesquisas geraram relevantes subsídios, em especial, para a
consolidação dos estudos dos aspectos ligados a Geografia Física no Brasil

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo buscou demonstrar, a partir de uma discussão teórica


e metodológica, a relevância de Jean Tricart para os estudos desenvolvidos
pela Geografia Física, demonstrando, para corroborar tal afirmação, as notórias
influências do geógrafo francês na Geografia brasileira.
É bem verdade que a influência da Geografia francesa na formação
geográfica brasileira é evidenciada pela estrutura acadêmica atualmente
existente nos cursos de Geografia, os quais seguem um currículo estruturado
pela escola francesa da Geografia (SILVA, 2012).
Logo, deve-se destacar que esta influência, foi aprofundada por grandes
fatos históricos, como a missão francesa, a qual fundou a Universidade de São
Paulo, em 1934, além da maciça presença francesa no Congresso
Internacional de Geografia, realizado no Rio de Janeiro no ano de 1956, que foi
decisiva para que a academia brasileira, em especial a da Geografia, obtivesse
maiores possibilidades de consolidação, que se tornou mais plausível com o
apoio francês.
E Jean Tricart consolida essa história acadêmica, direcionando os
estudos, em especial ligados a Geografia Física, para compreensão dos
problemas brasileiros, e ajuda para o desenvolvimento da qualidade da gestão
dos recursos naturais. Em seus trabalhos no Brasil, Tricart sempre procurou
compreender a realidade local e estabelecer ligação entre suas metodologias
ao contexto brasileiro, além de estudar melhor o espaço brasileiro, buscou
entender o meio físico sempre considerando o homem como um elemento
relevante de modificação da paisagem.
Tal direcionamento de Tricart foi fundamental para que a produção da
Geografia e em especial a situação de determinadas áreas das geociências
mais próximas da Geografia Física, como a geomorfologia, e suas relações
com as ciências humanas e naturais, realizassem um amplo debate em que
método e práxis deveriam ser discutidos conjuntamente, com as ações
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antrópicas, deixando que a degradação e transformações do meio natural fosse


vista, apenas, como mais um “mero elemento” de um sistema ambiental.
(VITTE E NIELMANN, 2009)
Desta forma, percebe-se que, embora ainda existam muitos desafios,
estudos como os realizados por Jean Tricart, mesmo após décadas, ainda
influenciam enormemente a ciência geográfica, e necessitam ser cada vez
mais discutidos sob o prisma da interface teoria-práxis, numa busca pela
necessária consolidação da Geografia como a ciência que compreende o
homem em todas as suas dimensões, sejam estas físicas ou sociais.

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