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O Sacrificio Do Carneiro Islamico Como o

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O sacrifício do carneiro islâmico

como objeto transicional


– notas antropológicas1

Francirosy Campos Barbosa Ferreira 2

Prodoc Instituto de Artes – Unicamp

RESUMO: O objetivo deste artigo é apresentar os significados atribuídos pe-


los muçulmanos à matança do carneiro, que acontece todos os anos na Festa
do Sacrifício (Eid Al-Adha), a segunda maior da religião islâmica. Para dar
conta desses significados, lanço mão da teoria winnicottiana do não-eu, ex-
pressão esta também cunhada na forma de não não-eu por Richard Schechner
para tratar da atuação do ator. O artigo explora a idéia de que o carneiro
ocupa o lugar do fiel que se entrega a Deus, estabelecendo uma analogia
entre o sacrifício do carneiro e o sacrifício daquele que é muçulmano.

PALAVRAS-CHAVE: islã, Festa do Sacrifício, antropologia da performance,


teoria winnicotiana.

“Ó meu filho! Por certo, vi em sonho que te imo-


lava. Então, olha, que pensas disso?” Ismael disse:
“Ó meu pai! Faze o que te é ordenado. Encontrar-
me-ás entre os perseverantes, se Allah quiser.”
(Surata 37, versículo 102)

Deus solicita a Abraão que sacrifique seu filho primogênito em prova


de amor e obediência. No momento em que sacrificaria o próprio filho,
FRANCIROSY CAMPOS BARBOSA FERREIRA . O SACRIFÍCIO DO CARNEIRO ISLÂMICO...

Deus intercede e diz a Abraão para sacrificar no lugar daquele dois car-
neiros. Esse ritual é relembrado todos os anos durante o Hajj (peregri-
nação a Meca), quinto pilar do Islã.3 Pilar este que todo muçulmano
deve realizar se tiver condição física e financeira. A matança dos carnei-
ros é realizada no último dia do Hajj e marca a segunda maior festa no
Islã, a Festa do Sacrifício (Eid Al-Adha).4

Depois de anos de pesquisa em comunidades islâmicas sunitas5 em


São Paulo, busquei compreender os sentidos atribuídos à matança dos
carneiros realizada anualmente. Este artigo, de certa forma, retoma uma
das reflexões elaboradas para minha tese de doutorado (Ferreira, 2007)
a respeito do sacrifício do carneiro6 islâmico como objeto transicional.
A inspiração para esta análise é fruto das aulas de Antropologia que mi-
nistrei para os alunos do curso de Psicologia de uma universidade parti-
cular em São Paulo e do debate intenso que venho estabelecendo no
Napedra (Núcleo de Antropologia da Performance e do Drama) desde
2002. A reflexão aqui apresentada é sem dúvida uma troca, no sentido
maussiano de reciprocidade: dar, receber e retribuir, pois se trata de uma
devolutiva a esses alunos que me ouviam atentamente durante as aulas e
que muito me ensinavam sobre o objeto transicional e aos colegas que
trabalham com as temáticas islâmica e da performance.
Sobre o pedido de Deus a Abraão, ainda é preciso apontar as diver-
gências que encontramos nos textos sagrados como a Bíblia, a Torá e o
Alcorão. Para os muçulmanos, o filho a ser sacrificado era Ismael e não
Isaac, como na religião judaico-cristã, que considera Ismael o filho bas-
tardo da escrava Agar.7 Sarah, como não podia ter filhos, deu de presen-
te a Abraão uma escrava. Quando esta engravidou e deu à luz o filho
primogênito de Abraão, Sarah pediu-lhe que levasse a escrava e o filho
dela para longe. Esse acontecimento marca a separação que conhece-
mos entre os povos árabes (Agar) e judeus (Sarah). Essa “inversão de

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papéis”, ou melhor dizer, de “atores” é interessante para se entender a


lacuna preenchida pelo islã em seus primórdios. A divisão entre os se-
guidores do islã e do judaísmo tem raízes profundas nessa separação entre
Ismael e Isaac – o primeiro constitui a linhagem árabe-islâmica e o se-
gundo a judaica.
A idéia que os muçulmanos querem transmitir é que Abraão foi ca-
paz de se sacrificar8 por Deus e que eles também têm de fazer o mesmo.
Matar o carneiro e distribuí-lo aos amigos, aos parentes e aos pobres
fazem parte da atitude esperada.9 Cabe aqui uma analogia entre a ma-
tança do carneiro e o sacrifício vivenciado pelo muçulmano para se tor-
nar melhor a cada dia.
Como bem afirma Tariq Ramadan, a shahada islâmica “Não há Deus
senão Deus, e o profeta Muhammad é seu mensageiro” não é uma sim-
ples afirmação, ela contém uma concepção profunda da Criação, tanto
para o indivíduo quanto para a sociedade. É vínculo permanente com
Deus, a certeza de que a ele pertencemos e a ele voltaremos (Ramadan,
2002, p. 210). Ramadan prossegue dizendo que a identidade islâmica
passa pela convicção de que Deus é superior a tudo, portanto, qualquer
pedido ou algo relacionado a sua adoração (oração, jejum etc.) é feito
como forma de devoção e entrega a Deus. O autor afirma ainda que o
testemunho de fé (shahada) vem antes do parentesco (id., p. 212), resta-
belecendo que Deus é mais importante que os pais, a família.
Cabe destacar, ainda, que na etimologia da palavra islã encontramos
a forma verbal aslama, que significa submissão a Deus e da qual muslim
(muçulmano) é o particípio presente, “aquele que se submete a Deus”
(Eliade & Couliano, 1995, p. 191). No dicionário árabe-português, de
Helmi Nasr, Islam significa entrega, obediência completa a Deus, além
de “a religião do islã” e “islamismo” (2005, p. 130). Nesse sentido, o
uso do termo entrega é relevante neste texto não apenas porque se trata
da tradução correta, mas também por considerar que há uma entrega

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do muçulmano que professa sua religião. É preciso entregar-se aos ri-


tuais religiosos e aprender, entre outras coisas, a recitar o Alcorão.
Revelado em árabe, o Alcorão deve ser recitado nessa língua, o que
coloca para muitos de seus adeptos, especialmente os brasileiros que se
revertem,10 a necessidade de transcender a própria linguagem cotidiana.
Daí seu sentido performático: repetir, ensaiar. Não se entra na cena islâ-
mica sem tomar conhecimento da língua árabe para realizar as orações
diárias e a recitação do texto sagrado, e, portanto, a idéia de um tradu-
tor se atualiza, dando lugar ao papel dos sheiks como os intérpretes do
texto sagrado. Mas isso ainda não basta. Além de ler e entender, mesmo
que por meio dos sheiks, é preciso incorporar ao cotidiano uma
cosmologia que subverte até mesmo a vida comum e impõe uma outra
noção de espaço e tempo.
Ao pensar na relação estabelecida entre Deus e o homem, é que pro-
ponho o carneiro como objeto transicional entre eles. A cada Festa do
Sacrifício, portanto, revive-se o mito, religa-se o homem a Deus por
meio do “objeto-carneiro”, que simboliza a ação do amor dos homens
para com o divino, estabelecendo, assim, a fantasia11 e a realidade. Ocor-
re aqui a capacidade de reconhecer nesse objeto o não-eu,12 que é uma
das características do objeto transicional, segundo o psicanalista inglês
Donald Winnicott. A intenção não é psicologizar a temática, mas am-
pliar a reflexão fazendo uso de outros instrumentos analíticos que dão
conta da experiência individual e, de certa forma, geram desdobramen-
tos no cotidiano islâmico.
Para iluminar o argumento aqui proposto, valerá a pena percorrer
(1) os conceitos de autores da psicologia e da antropologia (da perfor-
mance), (2) o calendário islâmico e o calendário das festas realizadas em
São Paulo e (3) a etnografia da Festa do Sacrifício (Eid Al-Adha).

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1. Autores-“atores” entre a psicologia e a antropologia


(da performance)

[...] estudando a substância da ilusão, aquilo que é permitido ao bebê e


que, na vida adulta, é inerente à arte e à religião, mas que se torna marca
distintiva de loucura quando um adulto exige demais da credulidade dos
outros, forçando-os a compartilharem de uma ilusão que não é própria
deles. Podemos compartilhar do respeito pela experiência ilusória e, se qui-
sermos, reunir e formar um grupo com base na similaridade de nossas ex-
periências ilusórias. Essa é uma raiz natural do agrupamento entre os seres
humanos. (Winnicott, 1975[1971], p. 15)

Donald Winnicott define objetos transicionais como “metade” objeto e


“metade” fantasia, no sentido de que a transição está entre a pura proje-
ção e a percepção de mundo. As expressões “eu” e “não-eu” foram cu-
nhadas pelo psicanalista quando refletia sobre a relação da mãe e seu
bebê. O bebê, por não ter o self constituído, funde o seu ao da mãe. Por
meio da relação da mãe com o bebê é que ele vai conhecendo o mundo
e passa a separar o “eu” do “não-eu”. Esse objeto carrega a fantasia; por
meio desse objeto transicional, ela reencontra a onipotência. Os exem-
plos clássicos apresentados pelo autor são um ursinho de pelúcia ou um
travesseiro que as crianças carregam como se fosse parte delas e que não
deve ser trocado ou lavado.13
Winnicott (id., p. 19) diz que o objeto transicional abre caminho para
o processo de se tornar capaz de aceitar a diferença e similaridade.
Assim, dá o exemplo da hóstia consagrada da comunhão, que simboliza
o corpo de Cristo – para os cristãos, é o corpo e, para os protestantes,
um substituto, algo evocativo. Para o autor, os dois são símbolos.
Como diz Safra,

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[...] trata-se de uma concepção do campo simbólico que vai considerar


importante não tanto o significado de um determinado símbolo, mas fun-
damentalmente sua possibilidade de veicular uma experiência, uma
vivência. É a função simbolizante que permitirá ao indivíduo seu atraves-
samento nas diferentes modalidades de estar no mundo: do estado subjeti-
vo à realidade compartilhada. (2004, pp. 23-4)

Simbolizar é, sobretudo, a capacidade de experienciar. A experiência


carrega sua força nos símbolos e ritos que são propostos culturalmente,
mas que cada um vivencia conforme sua forma de estar no mundo.
Turner, inspirado em Dilthey, considera que as experiências que inter-
ropem o comportamento rotinizado e repetitivo iniciam-se com cho-
ques de dor ou prazer, que invocam precedentes e semelhanças de um
passado consciente ou inconsciente. O autor afirma que é estrutural-
mente irrelevante se o passado é “real” ou “mítico”, “moral” ou “amoral”,
pois o que interessa é se diretrizes significativas emergem do encontro
existencial na subjetividade (cf. Turner, 2005, p. 179).
A idéia emblemática do não-eu de Winnicott (1975[1971]) foi pos-
teriormente desenvolvida por Richard Schechner14 na elaboração do não
não-eu (not himself/not not-himsef), que expressa, segundo este autor, a
possibilidade de ser outro(s), que é sobretudo uma característica do hu-
mano no teatro, nos rituais etc. Desse modo, em nosso caso, o carneiro
é como aquele que simboliza os sentimentos humanos. Pois, quando os
muçulmanos sacrificam o carneiro, “colocam-se” no lugar deste, estabe-
lecendo o não não-eu proposto por Schechner (1985). Para o autor, a
experiência performática permite a transformação. Nesse sentido, o sa-
crifício transforma os muçulmanos, tornando-os outros – o que não sig-
nifica que se abandonem –, por isso que retomar o mito do carneiro é
fundamental para a performance islâmica. O carneiro reconstrói a no-
ção de pessoa muçulmana, uma vez que faz relembrar aos muçulmanos

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quais são os sacrifícios cotidianos que devem enfrentar para se tornar


bons muçulmanos e, no dia do Juízo Final, receber sua recompensa.
Richard Schechner (id.) afirma que transformation é uma experiên-
cia temporária que às vezes se torna status permanente – por exemplo, a
situação de liminaridade do performer – e transportation é qualquer tipo
de evento performático que apresente “eficácia ou entretenimento”. Par-
ticipar de uma performance envolve deslocar-se e, em outras palavras,
tornar-se um outro. A expressão não não-eu é usada por Schechner (id.)
para se referir aos papéis assumidos pelo ator.15 O ator em cena assume
o não-eu, isto é, assume um outro papel que desencadeia uma transfor-
mação tanto nos demais atores em cena, se houver, quanto no público e
nele mesmo.

Winnicott´s ideas mesh nicely with Van Gennep´s, Turner´s, and Bateson´s in
whose “play frame” […] “transitional phenomena” take place […]. When such
performance actualities are played out before audiences, the spectators have a
role to play. Winnicott puts into his own terms an audience´s “willing
suspension of disbelief ”. (id., p. 110)

Cabe ressaltar que autores como Victor Turner (1982, 1987) e


Richard Schechner são considerados verdadeiros pilares do que chama-
mos hoje de teoria da performance, uma vez que as fronteiras da antro-
pologia já foram, e muito, invadidas por outras áreas, como o teatro, a
dança e o ritual – este último muito mais próximo no sentido etnográ-
fico. Vale lembrar que em muitas etnografias permanece a dúvida de se
estar diante de um ritual ou de um espetáculo; e talvez o mais impor-
tante não seja diferenciar ritual de espetáculo, mas, sim, considerar que
o ritual-espetáculo pode transformar o cotidiano, tornando-o um coti-
diano extraordinário. E como isso acontece? É o que expressa este arti-
go, tendo a matança dos carneiros – a Festa do Sacrifício – como eixo

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norteador da relação entre o fiel e Deus. Por meio da matança do car-


neiro – esse é o ritual-espetáculo –, a festa traz à baila significados de ser
muçulmano (o “eu” que se transforma em “não-eu”, em “não não-eu”
para se tornar outro).
Tem-se, portanto, o carneiro no lugar do filho, no lugar do fiel – re-
lação amorosa de ser outro. A matança do carneiro, aqui, representa uma
experiência performática na qual esse animal assume um lugar de impor-
tância, pois ocupa o lugar dos muçulmanos que foram salvos por ele.
É para a atuação do fiel islâmico que se pretende chamar atenção: o
que significa matar o carneiro no lugar do filho? Em seu próprio lugar?
O que está por trás do sacrifício? Devemos entender o conceito de
performance como um dado completo e não fragmentado, como se a
própria ação fosse um começo e um fim encerrados em si mesmos.
A performance estabelece uma relação com o outro, por isso ela nunca é
isolada, individual; e se é relação ocorrem desdobramentos. Nesse sen-
tido, para a construção de um círculo hermenêutico islâmico performa-
tizado, faz-se necessário separar elementos essenciais da simbólica reli-
giosa que inunda os muçulmanos e o islã no contexto estudado, como
diz Geertz (1989, p. 133), mas não significa deixá-los desconexos, pois,
quando se trata de um ritual, é preciso verificar os entornos dessa ação
e interligá-los.
Como mencionado, deve-se chamar atenção para a compreensão do
termo sacrifício e o modo como ele é experienciado pelos muçulmanos
até os dias de hoje. O sacrifício, segundo René Girard (1998, p. 17),
sempre foi definido como uma mediação entre um sacrificador e uma
“divindade”. Por outro lado, ele diz que a função do ritual é “purificar”
a violência, ou seja, “enganá-la” e dissipá-la sobre vítimas que não pos-
sam ser vingadas (id., p. 52). Girard (id.) retoma a idéia de que o mito
fundador do sistema sacrificial dos muçulmanos é o carneiro já sacrifi-
cado por Abel16 e que Deus envia a Abraão.17

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Ainda sobre as reflexões de Girard a respeito de festa e sacrifício, ob-


servamos que, para o autor, há na festa uma antifesta, o que implica que
os ritos de expulsão sacrificiais irão coroar um período de austeridade
extrema, e, portanto, a comunidade tomará cuidado em evitar a recaída
na violência recíproca. A festa, segundo ele, baseia-se em uma interpre-
tação do jogo da violência, que pressupõe a continuidade entre crise
sacrificial e sua resolução (id., p. 155). Trata-se de resolução – e aqui
podemos recordar a quarta fase do ritual de passagem de Turner (1987),18
a reagregação. Isso sugere que a festa carrega tensões que são resolvidas
ou que devem ser ali resolvidas.
A experiência da festa é reagregadora após a tensão de ter de ofere-
cer-se, entregar-se. A reagregação é necessária para que a festa aconteça.
É preciso passar pelo sacrifício para chegar à festa. Basta observar a des-
crição do Hajj19 e as etapas que os muçulmanos devem cumprir. Assim
é possível fazer a seguinte analogia: se, no final do Hajj, o muçulmano
não se entrega “concretamente”, “materialmente” a Deus, entrega-se por
meio do carneiro. A matança dos carneiros é um ato simbólico de en-
trega do fiel a Deus, marca também o final do Hajj, final de um “sacri-
fício” pessoal que se revela em um sacrifício explícito: o carneiro imola-
do substitui o homem. Essa experiência que se atribui ao mito é
incorporada no ritual:
FILHO (Ismael) — CARNEIRO — MUÇULMANO

2. Tempo, calendário e festas no islã

No Islã, os horários das orações diárias obedecem ao calendário lunar


(calendário tradicional),20 o que nos desloca dos meios concretos de vi-
ver a vida, obrigando-nos a transcender até mesmo os marcadores da
lida diária consolidada no calendário solar (calendário convencional).

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Neste ponto, é necessário uma aproximação da tipologia dos tempos


sociais de Gurvitch (apud Harvey, 1989, p. 205), que considera que cada
relação social contém o próprio sentido de tempo. No entanto, no islã, o
tempo está imbricado nas relações sociais, o que não quer dizer que o
inverso também não aconteça. As relações estabelecidas no espaciotem-
poral islâmico são diferentes para muçulmanos de nascimento e reverti-
dos (brasileiros). Os primeiros, “naturais do Islã”, nascem em uma
temporalidade preestabelecida, enquanto os revertidos “aprendem” as
relações sociais21 estabelecidas pela religião, as quais engendram a
temporalidade que passa a integrar seu cotidiano. Parto da premissa de
que as temporalidades de “nascidos e revertidos” se encontram, no tem-
po e no espaço, em movimentos diferentes. Ver tabela a seguir:

Muçulmanos de nascimento Tempo – relação social O tempo ordena


as relações sociais.

Revertidos Relação social – tempo As relações sociais


passam a ser pautadas
pelo tempo.

O tempo é aprendido e apreendido pelo reverso, pertence à estrutu-


ra, mas é possível considerá-lo como estrutura da conjuntura, como pon-
tuou Sahlins (1999, p. 15). Neste caso, o contexto histórico específico é
o Brasil. Assim, para poder se considerar islâmico, o brasileiro revertido
deve aprender e apreender o tempo. Vivenciar o tempo islâmico é fun-
damental para ser considerado muçulmano, pois é a prática que deter-
mina o fiel, e a prática está nas regras estabelecidas tanto pela estrutura
quanto pela estrutura da conjuntura. Outras questões estão implicadas
nessa forma de aprender e apreender o tempo. Trata-se de uma ordem
diferente de realidade possível de observar no contexto islâmico. Deve

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haver uma relação do tempo com o espaço islâmico? Há relação entre


calendário e prática religiosa? Quais são as relações estabelecidas entre
tempo, espaço e performance? Será possível constatar um tempo cíclico
lunar pelo qual a lua rege o tempo do fazer e o tempo do ser? E mais: a
temporalidade é aprendida, e isso se verifica nas próprias festas, na ora-
ção e no cotidiano islâmico, que devem ser aprendidos por aquele que
se reverte e realizados por quem se diz muçulmano.
Passo agora ao calendário islâmico para melhor ilustrar o tempo
em relação à prática religiosa e vice-versa. Em seguida, enveredo pela
Festa do Sacrifício.

Calendário islâmico

O calendário muçulmano pode regular os modos de ser ou não muçul-


mano. Por exemplo, o Alcorão determina que os fiéis iniciem o jejum
do Ramadã somente após observarem, a olho nu, a lua nova, que marca
o dia 1o desse mês. Essa observação, porém, deve ser feita por duas pes-
soas consideradas idôneas, que comunicam esse fato às autoridades
islâmicas. O mês muçulmano começa com a lua nova.
O calendário islâmico é contado a partir do ano em que o Profeta
migrou de Meca para Medina, considerado o 1o ano da Hégira (nome
dado à migração do Profeta) ou 1aH. Este artigo data do ano cristão de
2008 e do ano islâmico de 1429 da Hégira.22 O calendário islâmico é
baseado no ciclo lunar, tem 354 dias e varia, anualmente, em dez ou
onze dias em relação ao calendário solar cristão. Alguns nomes dos me-
ses se referem às estações e pertencem ao calendário pré-islâmico, em
que um mês era acrescentado de três em três anos para manter o calen-
dário lunar em harmonia com o ano solar (Ahmed, 2003, p. 57).
Ahmed (id.) relata que, na Arábia, o Profeta e seus seguidores faziam
parte do povo do deserto, gente para a qual o quarto crescente e o quarto

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minguante da lua marcavam a passagem do tempo. O novo dia come-


çava não à meia-noite, mas ao fim do dia com o aparecimento da lua.
Por conta disso, a astronomia passou a ser uma ciência islâmica impor-
tante, sendo o minarete um observatório astronômico estratégico.
O calendário a seguir destaca os meses islâmicos e seus significados.
Em conversa com Sheik Ali Abdouni,23 em novembro de 2005, ele ex-
plicou que há quatro meses sagrados no Islã e, ipso facto, não se pode
guerrear nesses períodos. São eles: o mês 1, Muhharram, cujo nome já
indica que se trata de um mês sagrado; o mês 7, Rajáb, que é o mês do
respeito e da abstinência; e os meses 11 e 12, respectivamente Dhu Al-
Qaáda e Dhu Al-Hijja, mês do descanso e mês da peregrinação. Ao con-
trário do que se pensa, o mês do Ramadã não é considerado um mês
sagrado e, sim, um mês de obrigações e prestações. Por exemplo, se você
faz uma oração no mês do Ramadã, essa oração vale por 7024 orações
feitas em outros períodos e, dessa forma, acumulam-se dádivas para
quando for necessário prestar contas, isto é, no dia do Juízo Final.
As expressões em itálico destacam, sobretudo, termos utilizados por
Mauss (2003) no Ensaio sobre a dádiva. Observe o calendário islâmico e
os significados atribuídos a cada mês:

Mês Dias Significado do nome


(1) Muhharram 30 mês sagrado
(2) Safar 29 mês da partida para a guerra
(3) Rabiá-al-áual 30 1º mês da primavera
(4) Rabiá-a-áual 29 2o mês da primavera
(5) Jumáda Al-Ula 30 1º mês da seca
(6) Jumadá a- Thânia 29 2o mês da seca
(7) Rajáb 30 mês do respeito e da abstinência
(8) Xaaban 29 mês da germinação
(9) Ramadan 30 mês do grande calor

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(10) Xauál 29 mês do acasalamento dos animais


(11) Dhu Al-Qaáda 30 mês do descanso
(12) Dhu Al-Hijja 29 mês da peregrinação

A disposição dos meses islâmicos faz mais sentido para os muçulma-


nos de origem árabe do que para os brasileiros, que vivem sob o calen-
dário solar. Esse fato, entretanto, não quer dizer que os árabes muçul-
manos residentes no Brasil não se refiram aos meses solares, mas, sim,
que eles relacionam o nosso calendário ao calendário lunar. Porém,
quando se trata de dizer exatamente quando se inicia o mês do Jejum,
por exemplo, tanto árabes quanto brasileiros revertidos sentem dificul-
dade, pois isso depende de um controle preciso da aparição da lua, como
já foi dito. Durante esses anos em que venho participando das festas
islâmicas, costumo sempre telefonar, para o sheik ou outro muçulma-
no, para confirmar o dia da festa, além de fazer mais uma confirmação
na véspera do evento, pois, em se tratando de lua e desse calendário,
pequenas alterações podem ocorrer. Para a lógica islâmica do tempo, é
preciso ter disciplina. Por isso, durante a pesquisa de campo, deve-se
dar atenção às lógicas temporal e espacial quando se trata das festas do
Eid Al Fitr (Dia do Desjejum) e do Eid Al-Adha (Dia do Sacrifício),
pois é nesses momentos que a comunidade se “regenera”, ou seja, é nes-
ses momentos em que “ser muçulmano” ganha uma dimensão maior.
Uma outra observação importante: o tempo é vivenciado de modo
mais coordenado e sincrônico do que o espaço. Pois este último é mais
fluido, por exemplo, quando se refere a revertidos que freqüentam várias
mesquitas até optarem por uma, já que essa escolha nem sempre está
associada com a proximidade (da residência ou do trabalho), mas com
as relações que são estabelecidas com o grupo. É mais comum encon-
trarmos a comunidade árabe presente sobretudo em uma determinada
área. No entanto, verifica-se no período das festas uma maior circulação

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tanto de árabes quanto de brasileiros. A festa é um momento de encon-


tro e de reencontrar amigos e parentes. Mas, antes de entrarmos propria-
mente na etnografia da festa, segue um calendário das festas islâmicas,
inspirado na tabela proposta por Magnani (1999, p. 63), a fim de que o
leitor possa acompanhar, mesmo que sucintamente, outros momentos
de sociabilidade entre os muçulmanos no estado de São Paulo.

Periodicidade Tipo Exemplos

Anual Eid al Fitr (Festa do Desjejum e Vide etnografia da festa.


Fim do Ramadã Festa da Caridade). As pessoas se comunicam por
Depende do calendário lunar. telefone com o sheik ou pela
Em 2003, aconteceu em 6 de internet para saber o dia exato
dezembro. Em 2004, foi em 13 da festa.
de novembro. Em 2005, acon- A festa também tem o nome de
teceu em 3 de novembro. Festa da Caridade porque, nesse
período, cada muçulmano, seja
ele pobre ou rico, deve fazer
uma doação no valor de 7 reais
por pessoa da família, o que
pode equivaler a 5 quilos de
arroz. Se a família tem cinco
membros, deverá pagar o equi-
valente a (7x5=) 35 reais.25
O dia é celebrado com oração,
presentes e comidas.

Anual Eid Al-Adha (Festa do Matança de carneiros.


Acontece mais ou Sacrifício). Vide etnografia da festa.
menos dois meses e Em 2005, a festa foi em 20 de Nesse período os muçulmanos
dez dias após a festa janeiro; dura quatro dias. procuram fazer o Hajj (peregri-
do Eid al Fitr. nação a Meca).
O dia é celebrado com oração,
presentes e comidas.26

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Anual Milad al-Nabi (Aniversário do Geralmente numa das sextas-


Festejada no dia 12 profeta). feiras acontece uma comemora-
do mês de Rabi al- Realizada em algumas mesquitas ção pelo aniversário, mas é tão
Awwal. (São Bernardo do Campo, Brás, discreta que muitos não sabem
Santo Amaro) dizer quando acontecerá.27

Noite do dia 15 do Lailat al-Baraat (Noite do Quinze dias antes do Ramadã


mês de Shaaban. Destino) acontece al-Baraat de Lailat, ou
a Noite do Destino, quando os
muçulmanos julgam que Allah
determina um período de re-
flexão. Nesse dia, muitos mu-
çulmanos visitam seus mortos
no cemitério.

Dia 27 do mês do Ra- Lailat al-Qadr (Noite do Poder) Conhecida também como Noi-
madã é a data mais te do Decreto. Dia em que o
provável, mas pode profeta recebeu a primeira men-
ser dia 21, 23, 25, sagem do Alcorão.
27 ou 29 do mês do
Ramadã.

Anual Festa Caipira-Árabe28 A festa aconteceu em 7 de julho


de 2002. Nesse mesmo ano, re-
Essa festa, como o nome já in- cebi um convite que anunciava:
dica, é uma festa com comidas “FESTA Caipira-Árabe – Não
juninas típicas, quadrilha etc. O perca!!! 07/08/2002”.
que a diferencia das demais é No ano seguinte, ela não acon-
que acontece dentro do salão da teceu, pois sua organizadora se
Mesquita de Santo Amaro e, por afastou da mesquita.
isso, não há bebida alcoólica. No
entanto, homens e mulheres
dançam a quadrilha (prática não
comum em outras mesquitas) e,
logo em seguida, o Dabik (uma
dança tipicamente árabe).

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FRANCIROSY CAMPOS BARBOSA FERREIRA . O SACRIFÍCIO DO CARNEIRO ISLÂMICO...

Sem data Casamento A festa de casamento tem ca-


determinada O casamento é sem dúvida um racterísticas diversas: de modo
momento de grandes festas: geral, homens comemoram se-
festa do noivado, da assinatura parados das mulheres. Há mo-
do contrato e do casamento mentos coletivos e momentos
religioso.29 separados. Há também a prática
do “chá de panela”, mas tudo
dentro dos fundamentos da re-
ligião (sem bebida alcoólica ou
comida proibida, como a carne
de porco).

Sem previsão Moulid As mulheres telefonam a amigas


As mulheres organizam um chá e parentes e marcam um chá em
com o pretexto de comemorar o sua casa, em geral, no período
aniversário de um dos filhos, o da tarde. Não há presença de
nascimento dos primeiros den- homens. Nesses eventos elas
tinhos da criança ou para pagar dançam, cantam, tiram os véus
uma “promessa” que fizeram ao e casacos.(Festa muito comum
Profeta. no Brás.)

Como é possível constatar na tabela, a vida nas comunidades islâmi-


cas é intensa e repleta de símbolos. Nesse sentido, reforça a idéia de adap-
tação ao tempo islâmico, que é prescritivo e deve ser seguido, mas ainda
é possível destacar a animação com que essas festas e os encontros são
preparados. Esses encontros liberam as capacidades humanas de
cognição, afeto, criatividade etc. (cf. Turner, 1974a).

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REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2007, V. 50 Nº 2.

3. Notas etnográficas durante Eid Al-Adha

Oh! Aqueles que ouvem, que dia é este?


Deus e seus mensageiros sabem mais que nós.
Hoje não é o Dia do Sacrifício? Que mês é este? Que cidade é esta? “Aqui
não é a cidade sagrada”, eles disseram. Os seus bens e de sua família são
sagrados para vocês. Não voltem à idolatria depois disso, não façam intri-
gas. É da confiança de vocês para que vocês discursem. Todos falam: “Allahu
Akbar”. Você sabe o que isso significa? Você está dizendo: “Deus é o maior
e está acima de tudo”. Mais do que sua família, filhos... É uma grande
palavra de um grande significado. É um dia que eu não desagrado, eu não
faço nada em desacordo com Deus. Você fez a preparação, vem para a con-
fraternização. Depois de ter adorado a Deus, vem para a confraternização.
Vocês viram todos os peregrinos vestidos de branco, todos são iguais. Você
já entendeu o branco? Porque um dia você vai pôr a mortalha e ser enter-
rado. Você será questionado sobre o que fez na sua vida...
Do que você tem medo? Que eu não venda! Que falte mercadoria. Tenho
medo de chegar a hora da morte e ter desobedecido a Deus.
Quantas mulheres morrem e não estão com o lenço? Quantos homens
morrem e não estão rezando? Precisamos estar acatando as ordens de Deus.
O profeta Davi disse: “No prato na balança cabe o céu e a terra”. O tama-
nho que ele é, ele representa. O primeiro céu representa um grão de areia
no mar. Na outra vai ser a balança. Oh Davi! Oh David! Se você der uma
única tâmara por Deus, se você fizer não porque é para que os outros sai-
bam, mas porque Deus encheu o outro prato da balança. O que você fez
para merecer o paraíso? Eu li 100 vezes o Alcorão, fiz 20 peregrinações,
rezei 60 anos sem parar. E o que mais? Eu não fiz mais nada. Eu dependo
da sua clemência. Deus ouviu as palavras sinceras e o recebeu no paraíso.
Honra o Islã.

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FRANCIROSY CAMPOS BARBOSA FERREIRA . O SACRIFÍCIO DO CARNEIRO ISLÂMICO...

Toda vez que passava um funeral, ele dizia: “Louvado seja Deus...”. Dia
do Sacrifício não é só cortar a garganta de um animal. Nós temos de fazer
sacrifícios. Nós levantamos de manhã e vamos fazer a oração... “O que você
deseja Abraão?”, perguntou Gabriel [anjo]. “Não quero nada. Deus sabe
da minha situação.” Deus disse: “Que o fogo seja brando com meu filho
Abraão”. Numa batalha o Profeta disse: “Nem pense que o paraíso vem de
graça”... o que agrada mais a Deus é quando uma pessoa vai batalhar pela
causa de Deus. Nós temos de nos sacrificar... Então, irmãos, temos várias
formas de nos sacrificar. Vamos pedir perdão a Deus. (Sermão do Eid Al-
Adha, de 20 de janeiro de 2005, na Mesquita de São Bernardo do Campo,
grifos meus)30

O que está explícito nesse discurso é que o muçulmano tem de se sacri-


ficar (entregar-se) porque o paraíso não vem de graça. O sermão apre-
senta vários pontos em que o comportamento restaurado aparece. Fazer
o que é correto não implica apenas ter fé em Deus, mas praticar. A prá-
tica religiosa é de suma importância para os muçulmanos – quem não
pratica não é considerado um muçulmano completo. O que fazem, o
que falam, o que comem constituem um ciclo que deve ser vivenciado
pelos muçulmanos. “Não basta cortar a garganta do animal, é preciso
fazer sacrifícios”, isto é, é preciso entregar-se a Deus. No momento da
festa, é preciso refletir sobre o verdadeiro sentido de ser muçulmano e,
dessa forma, reavaliar o modo como cada um se entrega, “sacrifica-se”.

[...] ser devoto não é estar praticando algum ato de devoção, mas ser capaz
de praticá-lo. (Geertz, 1989, p. 110)

É preciso chegar bem cedo se se pretende acompanhar os detalhes


dessa festa, por volta das 6h30, horário em que os primeiros fiéis apare-
cem para a oração. Aproximadamente às 7h00 começa a oração. Termi-

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REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2007, V. 50 Nº 2.

nada a oração, faz-se um lanche rápido, com a comida trazida pelas


mulheres, e segue-se para a chácara Sultan, em Riacho Grande (São
Bernardo do Campo-SP).
Na festa de 2005 dei carona a quatro muçulmanos reversos. Um de-
les, dona Cleusa, empregada doméstica, revertida há 8 anos, contou que
com sua reversão seus filhos foram, pouco a pouco, “abraçando a reli-
gião”. Perguntei a ela como lidava com o tempo islâmico, se não se atra-
palhava com o calendário.

“Fui aprendendo aos poucos. Hoje já conheço um pouco de árabe, sei ver
o calendário e não me perco. A gente aprende. Deus mostra o caminho, e
a gente segue. Como venho semanalmente à mesquita, sei de tudo que
está acontecendo e vou acompanhando. Agora estou ensinando a meu fi-
lho que é recém-revertido.” (Dona Cleusa)

O filho de dona Cleusa, um rapaz de mais ou menos 25 anos, tam-


bém foi conosco no carro. Logo vi que se tratava de um muçulmano
recém-revertido, pois, ao entrar no carro, estendeu a mão para me cum-
primentar. Mas não é comum um muçulmano estender a mão a uma
mulher que não seja de sua família. Comentei isso com ele, que sorriu e
disse: “É, ainda estou aprendendo como me comportar”. As falas dele e
de sua mãe corroboraram a idéia de que se aprende a ser muçulmano,
assim como se aprendem o tempo e o modo correto de lidar com as
questões temporais.
Ao chegar à chácara Sultan, avistamos balões pendurados com frases
do Alcorão referindo-se à festa. Uma área de lazer com brinquedos ti-
nha sido montada para as crianças. O sol do mês de fevereiro deixava a
festa ainda mais bonita. As mesas já estavam fartas de comidas salgadas,
doces e frutas. No balcão, era possível se servir de saladas. Na churras-
queira, já sentíamos o cheiro dos primeiros pedaços de carneiro sendo

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FRANCIROSY CAMPOS BARBOSA FERREIRA . O SACRIFÍCIO DO CARNEIRO ISLÂMICO...

assados. Já era quase meio-dia. Fui estimulada pelas mulheres a buscar


meus filhos para se divertirem junto com as outras crianças.
Chegando à chácara, meus filhos sentiram-se livres e animados com
tantos brinquedos disponíveis e vários amigos novos com os quais intera-
gir. A novidade ficou por conta das meninas que usavam véu; eles ficaram
preocupados que o véu se rasgasse ou caísse em meio a uma brincadeira.
Enquanto conversava com alguns fiéis e tentava gravar depoimen-
tos, tinha como ajudante meu filho Gabriel, que ficou fascinado pela
contribuição que estava dando à mãe antropóloga. Enquanto eu filma-
va e entrevistava as pessoas presentes na festa, ele tentava manter o set
em silêncio e tirar aqueles que passavam conversando por perto – tarefa
impossível, uma vez que a chácara estava cheia de gente. Havia barulho
por todos os lados. Era festa. E, como em qualquer festa, barulho e
movimento eram constantes. Observei que era comum aparecerem
muçulmanos de outras comunidades: Mogi das Cruzes, Guarulhos,
Jundiaí, Santos etc. Em um dos espaços da chácara, viam-se os tapetes
reservados para as orações, que aconteciam em meio a pessoas conver-
sando e crianças brincando. Isso mostra que para um muçulmano em
oração (cf. Ferreira, 2007) pouco importa onde esteja, pois o melhor
sempre é cumprir sua obrigação religiosa.
Cabe esclarecer que, em países de predominância muçulmana, o Dia
do Sacrifício é marcado pela matança de carneiros e de outros animais –
trata-se da execução de alguns animais para alimentação segundo os pre-
ceitos religiosos. Os muçulmanos só comem carne halal,31 isto é, carne
sem sangue, o qual consideram impuro e ilícito. Há regras para o abate
do animal, a principal delas é que ele não deve sofrer ao ser sacrificado.

17º Hadiz (hadith)


Relato Abu la’La, Shaddad Ibn Aus – Dios esté complacido con él –, que el
Mensejero de Dios – la paz y las bendiones de Dios sean con él – dijo:

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REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2007, V. 50 Nº 2.

“Ciertamente, Dios prescribió la benevolencia en todos los asuntos; entonces, si


matáis matad bien, y si degolláis, degollad bien. Así pues que cada uno afile su
cuchillo y no haga sufrir al animal que mata” (lo transmitió Muslim)”.
Explicación:
Dios Altísimo pidió de la gente que actuara con gentileza hacia todas las cria-
turas, y puesto que El ha sometido los animales a nosotros para que podamos
matarlos y sacar de ellos el alimento que nos es necesario, quiere que en esto
mostremos también gentileza con ellos. Y es por esto que si vamos a sacrificar
un animal, debemos hacerlo de manera que sufra lo menos posible, tener el
cuchillo muy afilado y colocar su cuerpo en una posición relajada cuando su
sangre se derrama. Del mismo modo si se va a ejecutar a alguien cumpliendo
una sentencia legal, debemos hacerlo con gentileza de manera que no sufra
más de lo es irremediable. (Qisas, in Los Cuarenta Hadices)

Observei de perto esse ritual, marcado pela oração dos homens em


volta do animal até ele ficar calmo. Uma pessoa especializada cortou o
pescoço do animal com um único golpe. No momento de se desferir o
golpe, alguns diziam “Em nome de Allah, Allah é Maior (Allahu Akbar),
ó Allah, isto é de Ti e para Ti, ó Allah, aceita isso de mim” (Muslim, 3/
1557) – relembrando que só Deus está acima dos homens, dos animais
e de todas as coisas –, ou simplesmente repetiam o refrão Allahu Akbar!
No islã é permitido alimentar-se da carne de um animal que tenha
levado mais de um golpe para morrer. Espera-se o sangue escorrer, de-
pois o animal é destrinchado para ser temperado, cozido e servido na
própria festa. Uma parte dos animais sacrificados nesse dia vai para o
açougue de comida halal, que vende carne aos muçulmanos.32
Durante o sacrifício dos animais, a presença maciça é de homens,
são poucas as mulheres que olham os animais. As crianças, curiosas que
são, rodeiam o tempo todo, mas aprendem a respeitar o evento, man-
tendo-se quietas diante de uma cena que “parece bárbara” mas que, ao

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FRANCIROSY CAMPOS BARBOSA FERREIRA . O SACRIFÍCIO DO CARNEIRO ISLÂMICO...

mesmo tempo, carrega um simbolismo religioso fundamental na crença


islâmica. Nesse momento, sacrificam-se carneiros e vacas. Outros ani-
mais, como o frango, são hoje sacrificados de forma islâmica pela em-
presa Sadia, que tem um grande mercado de exportação de frango, prin-
cipalmente para o Oriente Médio. Quando o muçulmano se alimenta
de frango, ele tende a comprar dessa marca, pois considera que o animal
foi abatido dentro das regras islâmicas.

“A matança dos carneiros significa, para mim, que Deus me ama e que eu
não posso esquecer do sacrifício de Abraão. Devemos ser melhor a cada
dia. Allahu Akbar [Deus é Maior], só ele sabe, só ele vê. Devemos adorá-lo
e fazer o melhor sempre. Todos os anos nós recordamos o sacrifício do Pro-
feta Abraão. Assim lembramos que temos de fazer os nossos sacrifícios, que
devemos honrar a Deus, fazer o jejum, as orações...” (Rosângela, revertida)

Nessa festa consegui fazer algumas imagens discretas do evento, pois


me foi solicitado que não filmasse o animal morrendo ou pendurado,
apenas os homens de costas, rezando. Havia a preocupação de que as
cenas pudessem ser usadas para transmitir uma imagem negativa da cul-
tura muçulmana, como outras pessoas já tinham feito. Antes de ir à fes-
ta, conversei com Sheik Jihad33 sobre a possibilidade de filmar o sacrifí-
cio, e ele me alertou que a comunidade não gostaria disso. Mesmo que
por ele não houvesse problema, pois eu tinha muitos créditos com ele,34
o Sheik afirmou que não gostaria de forçar alguma coisa que a comuni-
dade não se sentisse à vontade de mostrar. Anos depois, ao assistir ao
vídeo Sacrifício (Ferreira, 2007b), disse estar satisfeito com a forma di-
ferente de contar o Hajj e o Eid Al-Adha, mesmo eu tendo registrado o
carneiro. No seu entender, esse vídeo conta corretamente os significa-
dos atribuídos a esse ritual.

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REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2007, V. 50 Nº 2.

4. Observando os circuitos energizados –


considerações finais

Alguns pontos são importantes para concluir este artigo e para iluminar
os significados atribuídos pelos muçulmanos à matança dos carneiros.
O primeiro deles refere-se ao carneiro como objeto transicional. Na rela-
ção estabelecida entre o homem e Deus (HOMEM-CARNEIRO-
DEUS), o carneiro simboliza essa intermediação. Já não é mais preciso
oferecer o filho em nome do amor a Deus, mas é preciso colocar algum
objeto no lugar desse sacrifício.
Se Abraão foi capaz de se sacrificar, os muçulmanos devem fazer o
mesmo em sua prática com o jejum e, na evocação simbólica, com a
matança dos carneiros. Isso implica dizer que a vivência da religiosidade
islâmica está no cotidiano e no extracotidiano, pois as expressões religio-
sas, o modo de construir seu comportamento, devem ser uma atuação
no cotidiano que se transforma em extracotidiano. A ação extraordiná-
ria, como é o caso da matança dos carneiros, tira o muçulmano do dia-
a-dia para observar/vivenciar a matança, como ficou explícito no ser-
mão do Sheik – “nós temos de nos sacrificar” – referindo-se às atitudes
que devem ser assumidas pelos muçulmanos.
Cabe notar que o ritual vivido pelos muçulmanos implica uma rela-
ção profunda com o sagrado, que invoca repetidas vezes a soberania di-
vina – Allahu Akbar, Deus é Maior –, que os fiéis repetem em especial
no dia do sacrifício dos carneiros. Tariq Ramadan afirma em seu texto o
quanto a identidade muçulmana passa pela fé, prática e espiritualidade.
A fé dá sentido à prática islâmica do abate do carneiro como símbolo,
como modo de recordar o pedido de Deus. A fé estabelece, segundo o
autor, o vínculo direto com Deus sem vinculá-lo a nada – a unicidade
de Deus é fonte de verdade. A fé toma o corpo, e a prática que se estabe-
lece (a oração, o jejum, o zakat etc.) é prova dessa entrega. A espiri-

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FRANCIROSY CAMPOS BARBOSA FERREIRA . O SACRIFÍCIO DO CARNEIRO ISLÂMICO...

tualidade, por fim, faz do muçulmano aquele que conserva viva a fé e


intensifica sua prática por meio dos rituais (cf. Ramadan, 2002, p. 258).
René Girard afirma que há duas teses quando se trata de sacrifício: a
primeira remete o ritual ao mito, isto é, busca no mito as práticas rituais;
a segunda remete ao ritual, não apenas mitos e deuses, mas à tragédia e
a outras formas culturais gregas. Para ele, Mauss e Hubert (2005) ade-
rem a essa segunda tese, o que implica fazer do sacrifício a origem da
divindade (Girard, 1998, p. 117). É claro o incômodo de Girard com a
não-investigação da origem do sacrifício:

Afirmar que não há nenhum sentido em se interrogar sobre a função e a


gênese do sacrifício é afirmar que a linguagem religiosa está destinada a
permanecer letra morta, que ela sempre será um abracadabra certamente
bastante sistemático, mas completamente desprovido de significação. (id.,
pp. 119-20)

Se, no período do jejum, por exemplo, o “sacrificado” é a pessoa


(muçulmano) que se torna melhor por meio dessa experiência, agora o
carneiro ocupa esse espaço, apresentando outros significados à dinâmi-
ca religiosa. Os muçulmanos atribuem à matança do carneiro uma for-
ma de acionar experiências do passado (reais ou não) na religiosidade
do presente. Retomar o mito de Abraão é fortalecer o sentido religioso
do sacrifício coletivo da comunidade.
Vale lembrar as palavras de Turner (1982, p. 13) de que a antropolo-
gia da performance é uma parte essencial da antropologia da experiên-
cia. Performance que deriva da palavra parfournir, completar ou realizar
inteiramente. Os muçulmanos quando se referem a sua prática dizem
que estão aprendendo a cada dia, a cada ano. Para eles, o aprendizado, e
daí o sacrifício, é uma preparação que se renova e se aprimora. O mu-

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REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2007, V. 50 Nº 2.

çulmano percebe a ação amorosa de Deus quando este pede para sacrifi-
car o carneiro e não o filho. O carneiro é elemento energizador da es-
trutura do ritual islâmico, provocando mudanças no fiel, fazendo que
ele perceba que necessita ser melhor a cada dia; é recordar cotidiana-
mente o sacrifício de Abraão.
O segundo ponto a ser destacado é o tempo que renova o mito no
ritual. É o tempo que se insere na vida dos muçulmanos, sejam eles ára-
bes ou brasileiros. Estes últimos aprendem o tempo e vivenciam-no in-
tensamente nos rituais, confirmando a idéia do tempo marcado pelas
relações sociais. Tempo e espaço são categorias importantes para a análi-
se do islã e do modo como engendram a sua simbólica religiosa. O tem-
po da festa, o tempo do Hajj, a Meca como espaço sagrado e concêntri-
co, para onde todos se voltam, a importância da mesquita na vida da
comunidade. A vida prescritiva dos muçulmanos faz que o tempo seja
elemento constitutivo e recorrente da prática cotidiana. Da mesma for-
ma, o espaço sagrado da mesquita, no qual as pessoas se submetem a
Deus, prostrando-se em sinal de devoção.
Se tempo e espaço fazem parte da estrutura do ritual, essas categorias
também inserem novos “rituais” que passam a fazer parte do calendário
de determinadas comunidades, como é o caso do caipira-árabe. Se essa
festa é considerada um “desvio” para alguns religiosos, por juntar ho-
mens e mulheres dançando, de outro modo, ela intensifica e promove
um novo caráter à sociabilidade dessas comunidades. Cabe lembrar que
o Brasil é considerado Dar-al-Muahadah (terra de tratado)35 e talvez,
por isso, festas como a caipira-árabe, realizadas na comunidade de San-
to Amaro, adicionem outros elementos como as danças coletivas (dabke)
e as quadrilhas realizadas em festas juninas.
O terceiro e último ponto: as festas intensificam os circuitos energi-
zados. O circuito, conforme nos aponta Magnani, apresenta

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FRANCIROSY CAMPOS BARBOSA FERREIRA . O SACRIFÍCIO DO CARNEIRO ISLÂMICO...

[...] implicações metodológicas: oferece um princípio de classificação apli-


cável em diferentes níveis de abrangência, permitindo distinguir tantos
planos quantos sejam necessários para estabelecer um conjunto homogê-
neo e comparável. (Magnani, 1999, pp. 68-9)

Nesse sentido, é interessante pensar o Eid Al-Adha como capaz de


estabelecer um circuito energizado, ou seja, que apresenta característi-
cas homogêneas, como expus neste texto, e que, por isso, também é ca-
paz de vitalizar os muçulmanos de várias comunidades que, nesses dias,
procuram se encontrar em espaços determinados, transformando esses
encontros em verdadeiras communitas36 do sacrifício. Nesses momentos
(de communitas) as pessoas podem se ver, frente a frente, como mem-
bros de um mesmo tecido social. É nos dramas sociais e nos rituais que
suscitam (rupturas socialmente instituídas), ou que deles emergem
(como ação reparadora), que é possível acontecer uma ruptura ou um
fortalecimento da estrutura. É ainda possível dizer que, a cada festa
islâmica e em cada ritual, os elementos do cotidiano se reconfiguram e
se recriam universos sociais e simbólicos.
Vale destacar alguns elementos apontados nas descrições da festa: o
primeiro deles nos remete ao fato de os muçulmanos reversos (brasilei-
ros), que não são de família muçulmana, reunirem-se em dia de festa
com outros muçulmanos. Constatamos que a chácara faz parte de um
circuito que se inicia em alguma mesquita (São Bernardo, Guarulhos,
Brás etc.), mas que, passado o momento da oração, é o espaço da festa,
da comemoração. O calendário refaz a experiência do Profeta Abraão
mesmo que o espaço seja na metrópole. A “aldeia libanesa” é reconstruída
e reelaborada para dar significado aos signos religiosos. O circuito apre-
senta pontos mais energizados, mesmo sendo em São Bernardo do Cam-
po ou em São Paulo, pois todos estão voltados para Meca. É Meca que
energiza São Paulo e outros espaços islâmicos.

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REVISTA DE ANTROPOLOGIA, S ÃO PAULO, USP, 2007, V. 50 Nº 2.

Quando o espaço de encontro é a chácara, o circuito é ampliado, e


assim muçulmanos reversos e árabes compartilham de uma grande festa
coletiva. Isso não quer dizer que exista uma convivência próxima entre
eles, pois percebo, a cada ano, que o espaço é o mesmo, mas a sociabili-
dade é mais fluida – brasileiros reversos e árabes não estão, necessaria-
mente, relacionando-se. É possível identificar isso pelas mesas. Há me-
sas de amigos, em geral reversos, há mesas de famílias árabes, parentes
próximos ou distantes, e há mesas onde reversos brasileiros se misturam
com os árabes. No entanto, todos estão lá, fazendo parte da mesma fes-
ta, da mesma communitas.
A ampliação do olhar permite perceber o mundo muçulmano como
algo transversal a São Bernardo do Campo, Brás, Santo Amaro etc., indo
além desses espaços, pois o circuito durante as festas toma um outro
sentido, que não é o mesmo das orações de sexta-feira. Na salat jum´a37
também há uma “certa” circulação de muçulmanos, mas falta descobrir
se também ela apresenta esse mesmo caráter que se observa nas festas.
É importante ressaltar que o espaço da festa é primordial para a con-
vivência e a sociabilidade de adeptos do islã, assim como o tempo deter-
minado pelo calendário, sejam esses adeptos brasileiros revertidos ou
árabes. Se, para uns, a festa amplia o contato com outros muçulmanos,
para outros, a festa reforça os laços já estabelecidos. Espaço e tempo fa-
zem parte de um meio de comunicação e não podem ser compreendi-
dos independentemente da ação social. As festas têm momentos deli-
mitados de tempo e espaço das performances, o que quer dizer que têm
tempo e lugar para acontecer.
Outros elementos da simbólica religiosa como o jejum do mês do
Ramadã e o Hajj alteram o estado da pessoa, tanto física quanto
espiritualmente, como revelaram vários muçulmanos – e como bem dis-
se Mauss (2005, p. 58): o sacrifício modifica o estado da pessoa, e essa

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FRANCIROSY CAMPOS BARBOSA FERREIRA . O SACRIFÍCIO DO CARNEIRO ISLÂMICO...

transformação é que dá sentido à construção das performances, das ações


que serão estabelecidas.
Por fim, este artigo deixou entrever o carneiro como objeto transi-
cional na relação entre o fiel e Deus. Se o carneiro é o não não-eu da
relação estabelecida, é também o desvio da própria estrutura, uma
antiestrutura acionada para dar sentido à vivência/experiência religiosa,
que remete à fé, prática e espiritualidade do muçulmano. Não só nos
coube refletir sobre a importância de se compreender a experiência in-
dividual e coletiva que gera interpretações diversas sobre o significado
do sacrifício, mas também apontar as influências advindas do campo da
psicologia para a teoria da performance. Nesse caso, Winnicott foi tão
inspirador a Schechner quanto foi à reflexão dos significados do sacrifí-
cio do carneiro.

Notas

1 Agradeço aos amigos psicólogos Arialdo Germano, Tommy Akira Goto, Rodrigo
Todelo, Beatriz Caruncchio e Roberto Guerreiro, por compartilhar comigo essa
temática tão cara à psicologia, aos amigos do Napedra, pela troca constante, a Janine
Collaço, pela leitura cuidadosa deste artigo que agora se revela menos obscuro, e a
Sylvia Caiuby Novaes, pelas infinitas leituras de meus textos.
2 Doutora e mestre em Antropologia Social pela USP, pesquisadora do Grupo de
Antropologia Visual (Gravi) e Núcleo de Antropologia da Performance e do Dra-
ma (Napedra). Diretora dos documentários Allahu Akbar, Sacrifício e Vozes do Islã.
www.lisa.usp; fcbf@usp.br
3 São cinco os pilares do Islã: Shahada – professar que não há Deus senão Deus, e o
profeta Muhammad é seu mensageiro –; fazer cinco orações diárias; pagar o Zakat,
que equivale a 2,5% da renda anual; fazer o jejum do mês do Ramadã; Hajj –
peregrinação a Meca.
4 A primeira e maior festa do Islã é o Eid Fitr (Festa do Desjejum), que acontece ao
final do mês do Ramadã, mês do jejum.

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5 Os muçulmanos dividem-se aproximadamente em 90% de sunitas e 10% de xiitas.


São sunitas aqueles que acreditam na Suna, ou compilação de Hadiths, que são os
ditos e feitos do profeta Muhammad. Os sunitas derivam de Abu Bakr, sucessor do
profeta após sua morte. Os xiitas fazem parte de uma outra linhagem de sucessão
do profeta, na qual seu primo e genro Ali assume seu posto, dividindo assim os
muçulmanos.
6 “[...] il incarne le triomphe du renouveau, la victoire, toujours à refaire, de la vie sur la
mort. C’est cette même fonction archétypale qui fait de lui par excellence la victime
propitiatoire, celui qu’il faut sacrifier pour assurer son proper salut […] et sacrifice du
Ramadan, ce Kurban qui, dans la langue courante au Moyen-Orient deviant
l’apostrophe affectueuse par laquelle on salue l’ami veritable, comme on lui dirait ‘frère’”
(Chebel, 1995, pp.10-11). Cabe lembrar também que João, ao ver Jesus, disse:
“Eis o Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo” (João, 1,29). Ver
Isaías (40, 10-11): “Vejam: o Senhor Javé chega com poder, e com seu braço ele
detém o governo. Ele traz consigo o prêmio, e seus troféus o precedem. Como um
pastor, ele cuida do rebanho, e com seu braço o reúne; leva os cordeirinhos no colo
e guia mansamente as ovelhas que amamentam”. Ver Paulo (1 Cor 5,7) e João
(19, 36).
7 Agar ou Hagar. Em alguns textos, podemos encontrar a referência de que se trata
da segunda esposa de Abraão. No Islã, o homem pode ter até quatro esposas, mas a
primeira deve autorizar os outros casamentos. No Brasil, muitas moças formaliza-
ram em documento que não aceitam que seus maridos tenham mais esposas. Cabe
dizer que o homem que tem mais de uma esposa deve mantê-las igualmente.
8 Neste artigo a palavra sacrifício assume dois sentidos que se complementam: o pri-
meiro como entrega do muçulmano à religião; e o segundo refere-se ao sacrifício do
carneiro realizado por Abraão, que é rememorado durante a Festa do Sacrifício
(Eid Al-Adha).
9 O sacrifício do carneiro assim como os jejuns e o sacrifício ritual da carne para
alimentação (halal/kosher) têm suas raízes no judaísmo e ganham força no cristia-
nismo com a idéia de Jesus como Agnus Dei. Um exemplo de sacrifício no judaís-
mo (marroquino) é apresentado por Lins quando trata do ritual das Kaparot, que
se refere ao sacrifício de um frango às vésperas do Dia do Perdão (Yom Kipur) para
que os pecados e faltas cometidos durante o ano judaico que se encerrou sejam
expiados por meio do sacrifício (Lins, 2008, p. 26). Segundo Lins, existem dentro

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do próprio judaísmo muitas controvérsias a respeito desse costume: uns conside-


ram o ritual das Kaparot legítimo da cultura judaica e também necessário do ponto
de vista religioso, outros fazem uma analogia desse costume com os rituais pagãos.
10 Para os muçulmanos, todo homem nasce muçulmano, mas alguns se afastam.
O retorno a Deus é chamado por eles de reversão.
11 Para usar o termo de Winnicott.
12 O carneiro que ocupa o lugar do homem simbolicamente.
13 Cabe dizer que o autor deixa claro que não se refere exatamente ao ursinho da
criança pequena ou ao primeiro uso que o bebê dá a seu punho (polegar, dedos);
não está estudando o primeiro objeto das relações de objeto. Ele está interessado
na primeira possessão e na área intermediária entre o subjetivo e aquilo que é ob-
jetivamente percebido (Winnicott, 1975[1971], p. 15).
14 Amigo do antropólogo Victor Turner, Richard Schechner, diretor de teatro, bus-
cou uma aproximação com a antropologia. Schechner “propôs-se a elaborar um
modelo original de investigação e análise antropológica de eventos performáticos”.
Seu foco é o teatro (performer e audiência) a fim de evidenciar a conexão entre
“rito” e “teatro”. O autor estabelece que “não existe distinção entre esses dois termos,
pois são da mesma natureza: são performances” (cf. Silva, 2005, p. 48, grifos meus).
Vale pontuar que na obra de Turner é possível destacar um percurso que vai do
ritual ao teatro e na de Schechner um movimento contrário, do teatro ao ritual.
15 Em outro momento escrevi a respeito da analogia entre muçulmano e ator. Am-
bos ensaiam, treinam a sua performance: o muçulmano, pelo modo de vivenciar a
religião, pautada pela repetição cotidiana da palavra sagrada, e o ator, ao construir
uma persona, uma personagem. Temos, ainda, a experiência de ser o outro, assu-
mir um papel e transformar-se, como é o caso do ator, mas também do muçulma-
no, por acreditar que a sua religião é fruto da última revelação enviada por Deus e
que, por isso, é a promessa de mudança definitiva do homem, tornando-o dife-
rente dos demais seres humanos (Ferreira, 2007, p. 268).
16 Vale ressaltar que Caim, o irmão invejoso, mata seu irmão Abel, aquele que ofere-
cia seus carneiros a Deus.
17 Cabe pontuar que o autor comete uma incorreção em sua exposição quando afir-
ma que o filho oferecido por Abrão é Isaac. Isso é fato para os cristãos e judeus,
mas não para os muçulmanos, como revelei há pouco.

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18 Os dramas sociais, segundo Turner, apresentam-se em quatro fases: (1) separação


ou ruptura; (2) crise e intensificação da crise; (3) ação remediadora; (4) reintegra-
ção/reagregação (que pode levar à cisão social ou fortalecer a estrutura). Impor-
tante destacar que foi Van Gennep (1977) que desenvolveu inicialmente um mo-
delo de estudo dos “ritos de transição” (ritos de passagens), sendo, portanto, fonte
inspiradora para a elaboração de “drama social” de Turner.
19 Peregrinação a Meca: quinto pilar do Islã. Ver o vídeo Sacrifício (Ferreira, 2007b)
e também Ferreira (2007a).
20 As festas religiosas no judaísmo também seguem o calendário lunar, como Pessach
(Páscoa) – comemora-se a libertação da escravidão do povo judeu no Egito em
1300 a.C. – e o Rosh Hashaná – comemora-se o Ano-Novo judaico.
21 Não estou aqui afirmando que o “nascido muçulmano” nada tem a aprender so-
bre o islã, mas, sim, que o aprendizado do revertido deve ser mais intensificado,
pois se trata de alguém que, antes de chegar ao Islã, deve ter participado de outras
religiões, como bem apresenta Marques (2000) e Ramos (2003) sobre os reverti-
dos em São Paulo e São Bernardo do Campo.
22 http://www.novomilenio.inf.br/porto/mapas/nmcalens.htm, consultado em 3 de
fevereiro de 2005.
23 Presidente da Assembléia Mundial da Juventude Islâmica (WAMY), localizada em
São Bernardo do Campo (SP).
24 Segundo Sheik Jihad, o número sete está entre o zero e o nove, ele é considerado
um número mediano – não é muito nem pouco. O Profeta Muhammad disse: “a
minha nação seria dividida em 73 partes”.
25 Esses valores foram repassados a mim por Sheik Ali Abdouni em 2005.
26 Ver o vídeo Sacrifício (Ferreira, 2007b).
27 Nos anos de 2006 e 2007, só soube da realização da festa de aniversário do Profeta
na Mesquita de Santo Amaro, o que demonstra que comemorar o aniversário do
Profeta não é algo que a comunidade realize como um todo, mas considero im-
portante ressaltá-la.
28 Uma das justificativas que recebi para essa festa é que ela proporciona uma maior
união dos muçulmanos, sejam eles árabes ou brasileiros. A comunidade de Santo
Amaro é a que apresenta um número maior de brasileiros. Há também o Carna-
val Islâmico, realizado nessa mesquita. Neste ano, acompanhei no Orkut inúme-

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ros scraps de muçulmanos de outras mesquitas criticando a realização dessa festa


como sendo algo haram e não permitido pela religião.
29 Vale dizer que no islã o noivado já é considerado casamento, apenas não é feita a
consumação deste, que só ocorre com a festa de casamento. Nesse período, é pos-
sível desistir do casamento.
30 Para este artigo, será usada como exemplo a comunidade de São Bernardo do
Campo, mas cabe ressaltar que a pesquisa foi realizada também em outras comu-
nidades, na Mesquita do Pari (Brás), na Mesquita de Santo Amaro e na Mesquita
Brasil (São Paulo). Para as exemplificações, faremos uso de apenas dois grupos
que compõem os muçulmanos em São Paulo: os árabes e os brasileiros revertidos.
É importante frisar que esses não são os únicos grupos étnicos que constituem a
comunidade islâmica no estado de São Paulo.
31 Sobre comida Kosher, ver Topel (2003).
32 Marcel Mauss lembra que “a eliminação de um caráter sagrado, puro ou impuro,
é um elemento primitivo do sacrifício, tão primitivo e tão irredutível quanto a
comunhão” (Mauss, 2005, p. 13).
33 Vice-presidente da Assembléia Mundial da Juventude Islâmica (WAMY), locali-
zada em São Bernardo do Campo (SP).
34 Desde o início de minha pesquisa, em 1998, percebi que os muçulmanos eram
bastante arredios por acharem que eu era jornalista. A sensação era a de que, a
todo tempo, eles desejavam se ver livres daquela “intrusa” que queria entender
tudo, saber tudo e que às vezes ficava horas em silêncio, anotando, observando.
Todo esse distanciamento foi sendo quebrado durante a pesquisa. Fiz fotos, vídeos
de alguns eventos, publicações e repassei a eles. Tenho tido por hábito consultar o
sheik para dúvidas e esclarecimentos. Na época das festas, algumas pessoas me
ligam para saber se estarei no Brás ou em São Bernardo.
35 Há três expressões árabes que definem as relações estabelecidas entre as comuni-
dades islâmicas e determinados territórios: Dar-al-Islam (terra do Islã), Dar-al-
Harb (terra de guerra) e Dar-al-Muahadah (terra de tratado). A primeira diz res-
peito a territórios regidos por Estados Islâmicos, a segunda refere-se a regiões onde
os muçulmanos são perseguidos por meio de violência ou de leis. Nesse sentido, o
Brasil, foi Dar-al-Harb no período das rebeliões escravas, pela dificuldade de os
escravos exercerem suas práticas religiosas. E hoje é Dar-al-Muahadah, pois a prá-

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tica da religião e dos costumes islâmicos é permitida no nosso território, não ha-
vendo perseguições ou outro tipo de discriminação mesmo os muçulmanos sendo
minoria religiosa.
36 Segundo Turner, o momento em que os profetas se afastam da estrutura social do
cotidiano corresponde àquele em que surge a experiência da communitas (1974a,
p. 138). A communitas surge espontaneamente, motivada por valores, crenças ou
ideais coletivos. Nesse sentido, é considerada como uma antiestrutura, o que não
significa, para o autor, ausência de estrutura, mas uma forma de organização social
alternativa que emerge momentaneamente nos interstícios da sociedade. Ela con-
siste, segundo o autor (id., p. 161), em uma relação entre indivíduos concretos,
históricos e idiossincráticos. Turner diz que os profetas, assim como os artistas,
tendem a ser pessoas liminares ou marginais.
37 Oração de sexta-feira.

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ABSTRACT: In this article I would like to explore the multiples senses that
muslins attributes to the sacrificial goat at the Feast of Sacrifice, Eid Adhha,
one of the most important celebrations of the Islamic calendar, second only
to Ramadan. This sacrifice is here analyzed from the perspective of D.W.
Winnicott´s psychoanalytical theory, as a sort of transitional object, “not
me” and “not not me”, the latest also supported by Richard Schechner when
focuses the actor’s experience. The idea developed here is to demonstrate
that the goat occupies the devotee’s place and establish an analogy between
the goat sacrifice and the sacrifice of the one that is a muslin.

KEY-WORDS: Islam, Feast of Sacrifice, Performance Anthropology,


Winnicott theory.

Recebido em março de 2008. Aceito em junho de 2008.

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