Jorge Miguel Acosta Soares
Jorge Miguel Acosta Soares
Jorge Miguel Acosta Soares
(PUC-SP)
São Paulo
2022
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
(PUC-SP)
São Paulo
2022
2
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
________________________________________
________________________________________
________________________________________
________________________________________
3
O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação São Paulo
(FUNDASP) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –
Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 88887.343142/2019-00.
4
Para minhas amadas filhas Maria Clara e Maria Laura
e para Ana Paula Campedelli Machado,
querida companheira e incentivadora.
5
... Ecclesia, sedula depositorum apud se dogmatum custos et vindex
nihil in his umquam permutat, nihil minuit, nihil addit...1
1
... A Igreja, guardiã e defensora dos dogmas que lhe foram depositados, nestes assuntos, com seriedade,
nunca muda nada, nada diminui, nada acrescenta...
6
RESUMO
7
ABSTRACT
The research consolidated in this thesis had as its central focus the process
of construction and consolidation of conservative thought in the Catholic Church
throughout the nineteenth century, erected as a form of reaction and defense of the Holy
See against the real and imaginary confrontations experienced since the Protestant
Reformation, but especially after the French Revolution, a turning point in history. The
Church, which had accumulated tensions and questionings for almost three centuries,
suffered the consequences of the revolutionary process in a dramatic way, generating
fear and rancor in its bosom. The restoration of the papacy in Rome, after the fall of
Napoleon, took place under the aegis of apprehension and anguish in the face of a
rapidly changing world. Thus, all the enormous transformations of the 19th century
appeared to the eyes of the papacy and part of the episcopate as a great plot by enemies
of the Church, who sought to destroy her spiritual and secular power. Liberal
institutions, science, the mastery of nature promised the attainment of human happiness
through the use of reason and intelligence; on the contrary, Catholic thought presented a
static world, in which man's ultimate purpose was spiritual, and in which human
misfortunes and pains were intended to prepare beings for eternal life. Inspired by the
reactionary ideology of the ultramontane lay authors, a conservative doctrine for the
Catholic Church was built in the Holy See, consolidated by the Vatican Council in
1870.
8
ABSTRACT
9
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO E AGRADECIMENTOS............................................................ 11
CONCLUSÃO............................................................................................................. 497
REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 507
10
APRESENTAÇÃO E AGRADECIMENTOS
2
HOBSBAWM, Eric. The Age of Revolution. New York: Vintage Books, 1996.
11
filosóficas, políticas, culturais, artísticas – que afetavam profundamente a vida dos
homens e a forma como eles viviam, se organizavam e se colocavam ante o sagrado.
Obviamente a tarefa de retratar o período a que me propus era enorme, o que pode ser
verificado na imensa quantidade de fontes bibliográficas que me socorreram.
***
12
gentil, simpática e atenciosa. Registro ainda agradecimento ao amigo de tantas décadas,
Marco Antonio Storani, pelo primoroso trabalho de revisão.
3
Disponível em: https://archive.org/
13
INTRODUÇÃO: OS MUITOS FIOS QUE TECEM A TRAMA
4
Ao longo do texto será possível demonstrar que o ultramontanismo foi apenas uma parte do processo
mais geral de construção da doutrina conservadora da Igreja.
5
Na pesquisa foi destacado o caráter dúplice das formulações de Lamennais, seja na construção do
pensamento ultraconservador católico, seja como seu principal crítico.
14
inicialmente todos defendiam uma luta, uma resistência, contra a transitoriedade e as
transformações na Igreja, cujo marco inicial foi estabelecido pela Reforma Protestante
e, mais tarde, pelas transformações do pensamento científico e iluminista. Esses autores
olharam para a Revolução Francesa, e as tensões e mudanças desencadeadas a partir
dela, como apenas um momento episódico, movido por forças malignas que desejavam
destruir o mundo perfeito em que poder e religião se relacionavam com harmonia;
mundo este que, como toda construção mítica, nunca existira. Representaram o
pensamento autoritário aristocrático, que viu a Igreja, também aristocrática, como a
única entidade capaz de restaurar a autoridade que a revolução destruiu. A crítica e a
resistência às transformações de seu tempo, mesmo que indiretamente, influenciaram as
ações e reações do papado, que, resumindo o processo histórico à luta do bem contra o
mal, construiu uma teodiceia enxergando ao longo de todo o século XIX conspirações
anticatólicas, promovidas por racionalistas, judeus, maçons, liberais, socialistas,
comunistas e anarquistas. Se a bondade de Deus criara a Igreja, os ataques contra ela
representavam o mal em seu estado puro6.
Seis pontífices – Pio VI, Pio VII, Leão XII, Pio VIII, Gregório XVI e Pio IX
– sofreram as consequências das transformações históricas desencadeadas a partir de
1789, e erigiram seus papados sobre bases conservadoras. A pesquisa buscou verificar
como cada um enfrentou os desafios e as tensões impostas por seu tempo, e como
contribuíram para a construção de uma eclesiologia que legitimava o caráter
confessional da Igreja, sua hierarquia, autoridade e poder secular, passando ao largo de
temas propriamente teológicos.
6
O termo teodiceia foi cunhado pelo filósofo e matemático Gottfried Leibniz (1646–1716) em seu livro
Théodicée (1710), que representaria a resposta para a pergunta: se Deus é bom, e sua bondade é infinita,
qual a origem do mal? Uma teodiceia procura mostrar, por meio de um raciocínio teológico, que é
razoável acreditar em Deus apesar das provas do mal no mundo, além de oferecer um quadro explicativo
para sua existência. Em essência, o problema da teodiceia é a dificuldade, presente em muitas religiões,
de tentar conciliar o fato da existência do mal e do sofrimento neste mundo com a ideia de um Deus
supremamente benevolente e onipotente. Max Weber identificou e fez a tipologia das diferentes
teodiceias; este estudo se restringiu àquilo que Weber denominou Theodizee des Leidens (teodiceia do
sofrimento), formulada na pergunta geral: por que é que existe tal sofrimento imerecido ou injusto no
mundo? (Weber, Die Wirtschaftsethik der Weltreligionen: Konfuzianismus und Taoismus (1915–1920), p.
94, 515, 519, apud ADAIR-TOTEFF, 2015, p. 114-117).
15
A delimitação do objeto obrigou, quase que de forma natural, sua
delimitação temporal. Os pontos de tensão e questionamento da Igreja Católica já
estavam presentes há muito tempo – Reforma Protestante, Iluminismo, surgimento das
igrejas nacionais, como o galicanismo, o jansenismo, o febronianismo e o josefismo –,
pontos estes que explodiram em conflito aberto após a Revolução Francesa, o fim do
absolutismo e o crescimento do liberalismo como uma força política. A metafísica foi
afastada da política e da gestão dos negócios do Estado, sendo expulsa da esfera das
evidências comuns pela razão, e tem seu espaço ocupado pela ciência7. Assim, o marco
temporal inicial não poderia deixar de ser a Revolução na França e o sismo que a
sucedeu. Já o termo final foi fixado em dois momentos intrinsecamente ligados: a
edição da encíclica Quanta Cura, e seu apêndice Syllabus Errorum (1864), e o Concílio
do Vaticano (1869–1870)8, que, ao declarar a infalibilidade papal, selou definitivamente
uma verdade que sobrepunha a soberania do dogma à soberania da razão, que
prevaleceria quase intocada pelos cem anos seguintes.
7
THEOBALD, 2009, p. 145.
8
Ao longo do texto o Concílio do Vaticano I será tratado como fora entendido na época, como o único.
Quando houver necessidade de alguma referência eventual, o Concílio do Vaticano II (1962–1965) será
numerado.
16
de enfrentamento da Igreja Católica com seu tempo. Para identificá-los, foi necessário
recuar para além dos marcos temporais do projeto, entendendo de forma clara que a
História é fruto de um processo, e não apenas de pontos de ruptura. Assim, alguns dos
elementos de divergência e confrontação da Igreja, apesar de eclodirem de forma
dramática com a revolução de 1789, já se podiam notar ao longo de ao menos os dois
séculos anteriores, como, por exemplo, o surgimento e desenvolvimento dos
movimentos que buscavam a independência das igrejas nacionais. Uma segunda questão
foi recuperar os momentos da Revolução Francesa que entraram em choque diretamente
com a Igreja, seus sacerdotes e seus primados. Aqui a preocupação era fugir de
explicações simplistas e maniqueístas que enxergam a revolução como uma conspiração
anticristã, como um ataque aos princípios católicos do povo francês9. Análises desse
tipo, comuns entre os historiadores da Igreja, foram frequentes ao longo do século XIX,
e reaparecem há algumas décadas em textos de revisionismo histórico.
9
Sobre a evolução histórica do conceito de revolução ver KOSELLECK, Futuro passado : contribuição à
semântica dos tempos históricos, 2006.
10
Essa escola de pensamento, no caso da Alemanha, foi chamada de irracionalismo por Lukács, em
oposição ao racionalismo iluminista: O primeiro período importante do irracionalismo moderno surge,
de maneira correspondente, em oposição ao conceito histórico-dialético idealista de progresso; trata-se
do caminho de Schelling a Kierkegaard e que é, ao mesmo tempo, o caminho que vai da reação feudal
provocada pela Revolução Francesa à hostilidade burguesa contra o progresso (LUKÁCS, 2020, p. 12).
17
Outro ponto foi verificar como as posições conservadoras assumidas pela
Santa Sé se manifestavam na construção de uma doutrina – aqui os documentos papais
foram de grande auxílio, uma vez que, ao mesmo tempo em que respondiam a questões
objetivas e pontuais, expressavam e erigiam uma visão de mundo e uma teodiceia – e
nas respostas do papado às questões concretas enfrentadas, tanto naquelas relacionadas
à administração da Igreja e dos Estados Pontifícios, como no relacionamento com os
governos e o poder político europeu. A observação dos conclaves realizados após a
restauração e o posicionamento das facções do cardinalato em cada um deles – 1823,
1829, 1830 e 1846 – permitiram entender como a escolha dos pontífices foi
fundamental para construir a doutrina que se consolidaria no Concílio do Vaticano. O
mesmo ocorreu com a observação detalhada dos muitos consistórios realizados no
mesmo período, que, acompanhada de uma pesquisa específica sobre as origens sociais,
a vida e a formação dos cardeais, permitiu de alguma forma mapear o quadro ideológico
daqueles que compunham o Colégio Cardinalício no período. A observação do
exercício da soberania da Santa Sé sobre os Estados Pontifícios, a administração papal,
o enfrentamento dos conflitos e, por fim, a perda desses territórios, também permitiu
verificar como a Igreja tratou os conflitos locais, assim como a reivindicação,
organizada ou não, da unificação dos territórios italianos. No período estudado, os
conflitos nos Estados Pontifícios entre o poder temporal e o espiritual da Igreja
tornaram-se insuperáveis, vindo a culminar, em 1870, na perda de Roma para o Estado
italiano.
11
Aqui se faz necessária uma distinção que muitas vezes causa confusão. O adjetivo leigo, que significa
simplesmente não clérigo, não deve ser confundido com laico. O adjetivo laico expressa uma atitude
18
recusou-se enfrentar as transformações de seu tempo, tomando-as a partir de uma visão
pautada pelo tradicionalismo, que gradativamente se converteu em um conservadorismo
extremado. As questões que lhe foram apresentadas ao longo do conturbado século XIX
foram entendidas como conspirações tramadas por homens maus e sem Deus, que
desejavam destruir a Igreja e a fé católica. O longo ciclo revolucionário – 1879, 1830,
1848 – deixou a Igreja isolada na tentativa de restauração de sua autoridade e soberania,
e em uma posição defensiva perante as mudanças que se sucediam. As respostas a essas
questões, formuladas a partir de um entendimento em descompasso com o tempo
vivido, foram reativas e autoritárias, excluindo de antemão qualquer possibilidade de
diálogo ou entendimento com as forças políticas que emergiram dos inúmeros processos
de transformação do século, algumas das quais nascidas no interior da própria Igreja. Os
poucos interlocutores do papado nesse período, que contribuíram para a formação desse
ideário conservador, eram expoentes do mesmo conservadorismo, como o chanceler
austríaco Klemens von Metternich, ele mesmo que, em 1848, seria engolfado pelas
intensas e rápidas mudanças de seu tempo. Os jesuítas, especialmente aqueles reunidos
na revista La Civiltà Cattolica12, também tiveram papel relevante para a consolidação
do edifício doutrinal que foi erigido no Concílio do Vaticano.
19
A primeira, que surge constantemente ao longo do texto, é a definição de
liberalismo, que exige cuidado extremo, uma vez que inexiste consenso sobre uma
definição comum, quer entre os historiadores quer entre os estudiosos, quer entre os
agentes políticos. Como um fenômeno complexo, o liberalismo pode ter acepções
políticas, econômicas, culturais e intelectuais muito diversas; o presente estudo, dado
seu escopo, limitar-se-á à primeira, política13. Partindo de uma definição genérica, o
liberalismo político é um fenômeno histórico que se manifesta na Idade Moderna, que
tem seu epicentro na Europa, que pode ser periodizado a partir das balizas colocadas
pela Revolução Gloriosa (1688–1689) na Inglaterra e pela Revolução Francesa (1879–
181514), que garantiram a ascensão da burguesia enquanto classe social; seu domínio e a
hegemonia, impondo mecanismos de organização do Estado, como a monarquia
parlamentar constitucional, que garantiram seu controle sobre as demais classes. O
Estado surgido do processo revolucionário garantiu os direitos do indivíduo contra o
poder político; para atingir essa finalidade, exigiu formas, mais ou menos amplas, de
representação política. No campo das ideias, no período estudado, o liberalismo também
significou o individualismo e a liberdade do indivíduo: não apenas a defesa radical do
indivíduo, único real protagonista da vida ética e econômica contra o Estado e a
sociedade, mas também a aversão à existência de toda e qualquer sociedade
intermediária entre o indivíduo e o Estado; em consequência, no mercado político, bem
como no mercado econômico, o homem deve agir sozinho15. O conjunto dos valores
liberais foi profundamente atacado pelos pensadores católicos ultraconservadores, que
apontavam o liberalismo como a deterioração da grandeza medieval, da grandeza de
uma religião, do cavalheirismo, das corporações, dos feudos e dos mosteiros, uma Idade
Média idealizada na qual o coletivo se sobrepunha ao indivíduo16. Ao longo da primeira
metade do século XIX, o liberalismo expunha duas faces que poderiam parecer
contraditórias, mas que eram complementares: uma, que enfatiza a sociedade civil,
13
Mesmo no campo estritamente político, existe uma grande indefinição quanto aos referenciais
históricos do termo “liberalismo”: tal termo pode, conforme o caso, indicar um partido ou um movimento
político, uma ideologia política ou uma metapolítica (ou uma ética), uma estrutura institucional
específica ou a reflexão política por ela estimulada para promover uma ordem política melhor,
justamente a ordem liberal (MATTEUCCI, 1998, p. 687).
14
A data final da revolução pode ser questionada, mas decidiu-se incluir as guerras napoleônicas dentro
do período revolucionário liberal francês.
15
MATTEUCCI, 1998, p. 689.
20
como espaço natural ao livre desenvolvimento da individualidade, em oposição ao
governo; outra, que vê no Estado, como portador da vontade comum, a garantia
política, em última instância, da liberdade individual17. Contudo, para uma parte
considerável da Igreja o liberalismo significava subversão social e política e sua
consequência inevitável, o caos18.
16
Especialmente para o papado, o liberalismo representou tudo o que havia de errado com o mundo
moderno. Representava as filosofias responsáveis por derrubar a ordem correta da sociedade e fazer
com que a moralidade despencasse para níveis inéditos de degradação (O’MALLEY, 2010b, p. 55).
17
MATTEUCCI, 1998, p. 689.
18
O’MALLEY, 2010b, p. 59.
19
Um bom estudo sobre a periodização histórica pode ser encontrado em LE GOFF, A história deve ser
dividida em pedaços? (2015).
20
MATTEUCCI, 1998, p. 695.
21
Para uma maior compreensão do sentido de modernidade ver BERMAN, Tudo que é sólido desmancha
no ar : a aventura da modernidade, 1986.
21
evolutivo ou revolucionário em curso na sociedade, tentando fazer essa sociedade
regredir para estágios já superados, retroceder para momentos anteriores. Em
decorrência, e para os efeitos da pesquisa, são considerados reacionários aqueles
comportamentos [e ideias] que visam inverter a tendência, em ato nas sociedades
modernas, para uma democratização do poder político e um maior nivelamento de
classe e de status, isto é, para aquilo que comumente é chamado de progresso social22.
De uma maneira geral, os impulsos reacionários nascem a partir da hostilidade dos
agentes sociais que têm seus interesses de classe prejudicados pelas mudanças ou pela
transformação revolucionária; assim a oposição desses agentes representa a defesa do
conjunto de valores que as alterações sociais destruiriam. Na Europa, durante e após a
Revolução Francesa, os movimentos de reação foram inflamados pelo fundamento
religioso que o poder e o privilégio possuíam origem divina; dessa forma, a
estratificação social do Ancien Regime e seu conjunto de privilégios de classe estavam
centrados em uma lei transcendente, universal e imutável23. As atitudes reacionárias
também podem influenciar classes subalternas e desvalidas, sujeitas à hegemonia das
elites dominantes, dando origem a fenômenos reacionários de massa. Desse modo, os
textos de Bonald, Maistre e Lamennais, em sua primeira fase, podem ser caracterizados
como reacionários, uma vez que se armaram de argumentos, montados sobre bases
falaciosas e sem comprovação histórica, para atacar todo o processo de transformações
ocorridas no continente desde o evento da Reforma Protestante, passando pelo
Iluminismo e pela revolução. Seus escritos expunham a reação do temperamento
autoritário e aristocrático contra a revolução que, em muitos aspectos, trazia bandeiras
liberais. Eram autores que reagiram ao terror, à violência revolucionária, porque muitas
de suas vítimas eram de sua ordem, o que lhes tocava profundamente sua alma,
traduzindo essa amargura em termos políticos24. Para eles, a Idade Média representava
o ideal máximo civilizatório, cujo caráter fora dado pela Igreja, ante uma Europa
bárbara, em uma evocação passadista, cujo tempo pretérito mítico era evocado e reinava
supremo25. Em essência, defendiam que somente a autoridade de uma Igreja Católica
22
BIANCHI, 1998, p. 1073.
23
Idem, ibid., p. 1074.
24
LASKI, 1919, p. 129.
25
O termo passadismo é um neologismo que faz uma analogia a presentismo, présentisme, cunhado por
François Hartog, em Regimes of historicity: presentism and experiences of time (2015), para definir um
pensamento que se prende a um regime de historicidade que passa a definir, como um enclausuramento
22
forte, com seus dogmas, e sob o comando de um papa soberano, autoridade única e
universal, acima dos limites da política e vida social, poderia impor uma derrota final ao
liberalismo e à revolução. Assim, o núcleo central do pensamento ultramontano laico
tinha um caráter claramente reacionário e contrarrevolucionário, contudo, sua evolução
dentro do seio da Igreja transformou esses valores, dando-lhes complexidade, e que não
mais poderiam ser classificados apenas como reacionários. Seus textos reativos contra
as teses iluministas e as consequências da revolução acabaram por dar a fundamentação
para o pensamento conservador que os sucederia.
intelectual, todas as possibilidades analíticas; o presente então passa a ser definido como o tempo do
desastre ou da ameaça. Diferentemente do saudosismo, que remete a experiências vividas, o passadismo é
mítico, sem história nem bases materiais concretas.
26
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 86. Os autores prosseguem: Ao interpretar totalmente mal as raízes sociais
e econômicas da revolução, muitos acreditavam ter encontrado a explicação para ela na libertação das
forças satânicas. Eles preferiram ansiar pelo que chamaram de dias dourados do cristianismo no
passado (Idem, ibid.).
27
Idem, ibid., p. 87.
23
cardinalato tiveram forte influência junto a papas, como Gregório XVI, por exemplo,
contudo suas ideias não foram aceitas de forma generalizada para se impor como
política institucional. Aqui se faz necessária a definição do segundo conceito-chave:
conservadorismo, por sua vez também ambíguo e complexo.
28
BONAZZI, 1998, p. 243.
29
Idem, ibid.
24
ligado a um sistema de valores transcendentes30, valores estes que não poderiam ser
vistos apenas como a continuidade do pensamento cristão tradicionalista. O
conservadorismo era um firme adversário do radicalismo iluminista, assim como do
conceito de revolução que nasceu desse radicalismo, mas, ao mesmo tempo, o ideário
conservador aceitava as regras sociais e a participação no mundo, acreditando que o
homem se realiza em sociedade e que esta tinha leis e exigências próprias, determinadas
por técnicas independentes das usadas para conhecer os imperativos de ordem
transcendente31. Ao contrário do progressismo, que enxergava o homem uma criatura
exclusivamente histórica e capaz de se amoldar a níveis de conhecimento cada vez mais
elevados e a formas mais racionais de convivência social, o conservadorismo considera
a natureza humana não modificável pela ação prática, porquanto mergulhava suas
raízes em uma realidade sobre-humana, a vontade divina, não podendo, por
conseguinte, nem o conhecimento, nem a ação política serem totalmente liberativos32.
Aliás, para o pensamento conservador, a ação política é fundamental para a manutenção
da ordem, sem a qual a sociedade cairia na anarquia, mas, de forma ambígua, esse
mesmo poder, sem controle, é, por sua natureza, tirânico. Assim, o pensamento
conservador desenvolveu a preocupação pelos mecanismos de limitação do poder, pela
supremacia da lei e, sobretudo, pelo controle dos processos sociais. O conservadorismo
defendia o poder político, condição indispensável para controle social, e, para tanto, a
ideia central passou a ser construir mecanismos e instrumentos limitantes e restritivos33.
Se fosse possível estabelecer uma efeméride para demarcar o início do
conservadorismo, a data seria 1790, com a publicação do livro Reflections on the
revolution in France por Edmund Burke34. Assim, somente após a revolução que se
poderia identificar um pensamento conservador com algum rigor metodológico.
30
Idem, ibid., p. 244.
31
Idem, ibid.
32
Idem, ibid. Quanto a seu desenvolvimento histórico, o conservadorismo, assim como o progressismo,
que no decorrer do século XIX se cindiu em várias tendências e movimentos políticos antagônicos entre
si, também foi cindido, mantendo suas bases fundamentais. A vinculação estrita da ordem moral com a
transcendência e hierarquia foi abandonada, com a aceitação de primados da ciência e de suas
consequências materiais e racionais (idem, ibid.). Ao longo do texto foi utilizada a expressão
ultraconservador para definir posições conservadores extremas e radicais.
33
BONAZZI, 1998, p. 245.
25
Interessante e esclarecedora a explicação apresentada por Leila Escorsim
Netto, em sua categorização do pensamento conservador europeu35. A autora não
discorda que o livro de Burke foi o marco inaugural de uma nova corrente de
pensamento, que iria se consolidar ao longo do século XIX, mas faz sua periodização do
conservadorismo a partir da lógica de seus inimigos. Segundo a autora, nos sucessores
imediatos de Burke a função social do pensamento conservador consistia em expressar
os interesses dos privilegiados do Antigo Regime, a nobreza fundiária e o alto clero, que
foram atacados pela Revolução Francesa. Desta forma, o conservadorismo exprimia um
projeto de restauração de fundo claramente reacionário. Esse projeto revela-se inviável:
entre 1815 – o Congresso de Viena, que consagra a Santa Aliança – e 1830 – a
revolução de julho, que derruba, na França, Carlos X, o último Bourbon –, o que se
manifesta, na Europa Ocidental, é a irreversibilidade das transformações que o
desenvolvimento do capitalismo impõe às instituições sociais. As perspectivas
restauracionistas, que, até então, pareciam viáveis, tornam-se claramente utópicas36. A
irreversibilidade do avanço do liberalismo além de retirar do projeto restaurador
qualquer chance de viabilidade, alterou o próprio papel sócio-histórico da burguesia.
Uma vez instalada no poder enquanto classe dominante, tendo cumprido sua missão
histórica, progressista e revolucionária, a burguesia deixou de representar os interesses
do conjunto da sociedade, contra o mundo feudal e o Antigo Regime, passando a
defender exclusivamente suas conveniências particulares. Assim, a determinação
revolucionária cedeu lugar à defesa das instituições sociais que criou; deixou de ter os
olhos voltados para o passado, e passou a preservar o presente. A cultura moderna deixa
então de ser funcional à burguesia tornada classe dominante; expressão de sua
vocação revolucionária, deve agora ser redimensionada para servir aos interesses da
defesa do (seu) status quo37. A autora aponta que após a Revolução de 1830, e a
emergência das diversas formas do pensamento progressista, os projetos de restauração,
reacionários, passam a obedeceram aos imperativos da lógica do capital38. Sob essa
ótica entende-se porque o pensamento conservador deixou de ser uma reação à
34
Segundo Robert Nisbet, as palavras conservador e conservadorismo aplicadas à política apareceram no
Ocidente durante a década de 1830, mas a ideia central do que viria a ser precedeu sua definição
(NISBET, 2002, p. 21).
35
O conservadorismo clássico: elementos de caracterização e crítica. São Paulo : Cortez Editora, 2011.
36
NETTO, 2011, p. 59 (e-book).
37
Idem, ibid.
26
Revolução Francesa, tornando-se um movimento de preservação e manutenção das
instituições e do poder constituído, inclusive dentro da Igreja.
Ainda mais uma distinção faz-se necessária. Inúmeros autores ainda hoje
usam o termo ultramontano para caracterizar um conjunto de ideias que percorre todo o
período que vai do início do século XIX até o Concílio do Vaticano II. Desta forma, a
expressão deixa de ser um conceito, tornando-se um termo genérico no qual cabem
fenômenos e situações muito distintos, que não consideram as transformações históricas
de um século absolutamente agitado. O termo ultramontano, que teria sido criado em
algum momento entre 1820 e 1830, como se verá ao longo do texto, foi usado aqui com
o sentido que adquiriu em seu surgimento: para definir uma visão do catolicismo
centrada na figura do papa e em seu poder central de direção sobre toda a Igreja. Dessa
maneira, o ultramontanismo não era um sinônimo para o pensamento católico
conservador, mas uma parte que não pode ser confundida com o todo, este muito mais
complexo, definido e transformado ao longo da história. Sem dúvida os defensores da
infalibilidade e da centralidade do papa perante a Igreja, na segunda metade do século,
estavam inspirados por princípios ultramontanos de Maistre, Bonald e Lamennais, mas
não se moviam pela teodiceiaconstruída por esses autores. A bibliografia sobre o tema
muitas vezes usa a palavra ultramontano como equivalente de conservador, fixando seu
oposto antagônico como sendo o liberal. Contudo, a utilização dos dois termos como
sinônimos parece equivocada. Ultramontanismo, de forma sucinta, era o conjunto de
ideias que colocavam o papado como o centro fulcral da Igreja Católica; este podia ser
conservador, liberal ou mesmo reacionário, e seus contrários oponentes eram as igrejas
nacionais – o galicanismo, o jansenismo, o febronianismo e o josefismo –, assim como
as posições conciliaristas do clero. Por sua vez, conservadorismo católico, que podia
tanto ser ultramontano quanto galicano, por exemplo, tinha como antagonistas o
liberalismo, o ideário iluminista, o progressismo, o nacionalismo, o socialismo, assim
como as ideias que defendiam a maior liberdade do indivíduo. O ultramontanismo
referia-se principalmente a questões interna corporis da Igreja, ao passo que o
conservadorismo era uma ideologia política mais geral. O que pode ter provocado a
38
Idem, p. 89.
27
confusão entre os termos ao longo do tempo foi o fato de o papado de Pio IX,
especialmente no Concílio do Vaticano I, ter fixado para a Igreja Católica um ideário
dúplice: ultramontano e conservador.
39
GAY, 1966, Prefácio, p. IX.
40
Seja qual for o caso, Rousseau apoderou-se destes assuntos [a origem da sociedade e a natureza
humana], como lhe foi feito expressamente. Tudo o que era obscuro, tudo o que não tinha um significado
específico, tudo o que se prestava a divagações e a equívocos era seu domínio particular. Assim, ele
trouxe à tona seu “Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens”, que causou tal sensação
na época, como todo paradoxo apoiado por um homem eloquente, especialmente se ele vive na França e
se ele está na moda. Quando examinamos o trabalho friamente, porém, ficamos espantados com apenas
uma coisa, que é saber como foi possível construir um volume sobre uma base tão estreita. Não só a
substância da questão é apenas desnatada, não há uma ideia que pertença realmente ao assunto que não
seja comum. Em resumo, esta é uma resposta feita em delírio a uma pergunta feita durante o sono
(MAISTRE, 1996, p. 3).
28
inventar uma? Diderot, que invejava e desprezava os antigos, com Gibbon, que os
admirava e imitava? Rousseau, que adorava Platão, com Jefferson, que não conseguiu
terminar a leitura de ‘A República’?41. Os textos ultramontanos, que construíram
interpretações simplistas tratando o Iluminismo como um corpo compacto de uma (má)
doutrina, foram incorporados como a base teórica da Igreja, e passaram a compor
documentos canônicos de todos os papas posteriores à restauração de 1815, como a
fonte primal de uma gigantesca conspiração anticristã. Segundo o papa Pio VII: Os
livros por eles [os iluministas] publicados [...] visam acima de tudo dar plena liberdade
a qualquer um que invente uma religião para professar com sua engenhosidade e suas
opiniões, introduzindo-se assim na Religião aquela indiferença de que dificilmente se
pode imaginar algo mais pernicioso42. Ou nas palavras de Leão XII: Livros, que eles
não hesitam em escrever sobre a Religião e o Estado, foram publicados em seu nome,
com os quais eles desprezam o domínio, blasfemam a majestade; além disso, eles
declaram repetidamente que Cristo é um escândalo ou um tolo; na verdade, não
raramente, que não existe Deus, e eles ensinam que a alma do homem morre junto com
o corpo43. A mesma linha foi adotada pelo papa Pio VIII em seu curto pontificado: Isso
se deve aos inúmeros erros e aos ensinamentos de doutrinas perversas que, não mais
secreta e clandestinamente, mas aberta e vigorosamente, atacam a fé católica. Você
sabe como os homens maus elevaram o padrão de revolta contra a religião por meio da
filosofia (da qual se autoproclamam doutores) e por meio de falácias vazias concebidas
de acordo com a razão natural44. Igualmente em Gregório XVI: Falamos das coisas
que você vê com seus próprios olhos, o que nós dois lamentamos. A depravação exulta;
a ciência é impudente; a liberdade, dissoluta. A santidade do sagrado é desprezada; a
majestade do culto divino não só é desaprovada pelos homens maus, como também é
profanada e mantida ao ridículo45. Também nas palavras do papa Pio IX: Nenhum de
vocês está inconsciente quão amarga e terrível guerra, em nossa época, homens
armados contra a Igreja Católica unidos em união ímpia, adversários da sã doutrina,
desdenhosos da verdade, com a intenção de tirar das trevas todos os monstros de
opiniões, e com toda a força para acumular, divulgar e disseminar erros entre as
41
GAY, 1966, p. x.
42
PIO VII, encíclica Ecclesiam a Jesu, 1821.
43
LEÃO XII, encíclica Quo graviora, 1826.
44
PIO VIII, encíclica Traditi humilitati, 1829.
45
GREGÓRIO XVI, enciclica Mirari vos, 1832.
29
pessoas46; ainda em Pio IX: Iníquas maquinações dos malvados que [...] prometendo
liberdade, quando na realidade eram escravos do mal, trataram com suas enganosas
opiniões e com seus escritos perniciosos de destruir os fundamentos da ordem religiosa
e da ordem social, de retirar do meio toda virtude e justiça, de perverter todas as
almas47.
46
PIO IX, encíclica Qui pluribus, 1846.
47
Idem, encíclica Quanta Cura, 1864.
48
GAY, 1966, p. XI. Até mesmo o tão propalado ateísmo iluminista é uma redução incabível, como se
pode verificar nos textos de Rousseau, que se orgulhava por defender a necessidade de uma religião, sua
importância e sua relação com a moral e a política (LASKI, 1936, p. 166).
49
ISRAEL (2011, p. 3) argumenta que esta definição de GAY exagera seriamente o secularismo do
Iluminismo dominante e a força do compromisso de muitos iluministas com a liberdade de expressão,
livre-comércio e liberdade pessoal. A observação é relevante, pois, como destaca LEHNER, em The
catholic enlightenment: the forgotten history of a global movement (2016), havia um forte pensamento
iluminista dentro da Igreja Católica, que foi soterrado pela instituição, e que renasceria de certa forma nos
textos do abade Lamennais após 1830.
30
estrutura arquitetônica de Tomás de Aquino ou o legalismo impiedoso de Calvino, era
parte do seu presente político51. Desde o fim da Idade Média até o início de Era
Moderna, em meados do século XVII, a civilização ocidental esteve centrada na tríade
fé, tradição e autoridade, que foi questionada pela Revolução Científica e pela crítica a
partir dos fundamentos da razão. A trinca foi substituída por conceitos como liberdade,
progresso, tolerância, fraternidade, governo constitucional e separação Igreja-Estado,
criados em meio a esse turbilhão caótico intelectual produzido pelos então novos
pensadores52. Na cultura europeia do século XVII todos os temas que envolviam o
homem eram confessionais; o mundo católico, luterano, calvinista ou anglicano
proclamava possuir o monopólio da verdade e o título de autoridade dado por Deus, em
um sistema por Ele ordenado que envolvia aristocracia, monarquia, propriedade de
terras e autoridade eclesiástica53. Jonathan Israel, em uma seminal trilogia sobre o
Iluminismo54, demonstrou que em contraste, após 1650, assistiu-se a um processo geral
de racionalização e secularização que, rapidamente derrubou a hegemonia milenar da
teologia no mundo dos estudos, lentamente erradicou a magia e a crença no sobrenatural
da cultura intelectual da Europa, e levou alguns abertamente a desafiar tudo herdado do
passado, até mesmo a veracidade da Bíblia e da fé cristã ou mesmo qualquer fé55. A
ênfase precípua à razão dada pelo Iluminismo advinha da crença de que a aplicação da
razão, temperada por experimento e experiência, e não baseada em autoridade cega,
seria um elemento emancipador do homem perante o misticismo56. Seus autores
também demonstraram grande insatisfação ante a incapacidade de encontrar respostas
para um mundo laico e secular na antiga poderosa síntese de Tomás de Aquino, que
subordinava a razão à fé cristã. Essas ideias, após a Revolução Francesa, saltaram do
mundo filosófico e acadêmico e ganharam as ruas, impulsionadas pelas miseráveis
condições de vida impostas pelo Antigo Regime: não se tratava mais de um conjunto de
ideias, mas da interação dessas ideias com a realidade social. Inicialmente o que era
50
GAY, 1966, p. 3.
51
Idem, ibid., p. 211.
52
ISRAEL, 2001, p. 3.
53
Idem, ibid.
54
ISRAEL, Jonathan I. Radical enlightenment: philosophy and the making of modernity, 1650-1750
(2001), Enlightenment contested: philosophy, modernity, and the emancipation of man, 1670-1752 (2006)
e Democratic enlightenment: philosophy, revolution, and human rights, 1750-1790 (2011).
55
ISRAEL, 2001, p. 4.
31
uma crise conceitual da elite intelectual – cortesãos, funcionários, eruditos, patrícios e
clérigos – rapidamente provocou um impacto nas atitudes dos homens comuns57.
56
Idem, ibid., p. 3. O autor destaca que uma análise radical pode levantar dúvidas até mesmo sobre esse
primado da razão, citando os exemplos de Hume e Burke, dois dos maiores pensadores do Iluminismo
(Idem, ibid., p. 4).
57
Idem, ibid., p. 5.
58
Idem, ibid., p. 3 e ss. É necessário lembrar que o termo “iluminismo”, como é usado hoje, é uma
construção a posteriori, formulada nos séculos XIX e XX, que lhe deu uma roupagem ideológica e
historicamente determinada, que não fazia parte do fenômeno original (idem, ibid.).
59
Idem, ibid., p. 9.
32
A Revolução Francesa não foi um fato repentino. O pensamento iluminista e
contestador, associado à penosa situação econômica, deixou a sociedade francesa em
um estado de ebulição e ruptura. O Antigo Regime foi desafiado em nome de novas
ideias a dar soluções, que quando vieram, com a convocação da Assembleia dos Estados
Gerais, em janeiro de 1789, já era tarde para impedir sua derrubada. O regime era um
empecilho para uma burguesia que ascendia, mas não encontrava na política e no
governo importância correspondente a seu cada vez maior poder econômico. O sistema
econômico estava em franca transformação e o sistema aristocrático-feudal era mais que
um impedimento para o desenvolvimento, era mesmo um estorvo. A ascensão
econômica de uma classe intelectualizada permitiu a fusão de suas reivindicações
políticas a um corpo filosófico que, guardadas suas especificidades, também se
contrapunha ao passado. Contudo, o desenvolvimento do capitalismo não encontrava
correspondentes nas mudanças sociais e política. Nas palavras de Harold Laski: o
domínio moral das velhas instituições e das velhas ideias foi enfraquecido; não há
dúvida quanto à necessidade de novidades no pensamento e no hábito. Mas não há
dúvida, também, da tenacidade com que os velhos se defenderam; nem que fossem
sustentados tanto pelo rigoroso braço da autoridade e por uma grande população que
aprovava os costumes antigos. Os criadores do liberalismo tiveram de lutar por sua
vitória60. Essa autoridade não era apenas policial e militar, mas também moral, papel
ocupado pela Igreja que, aliada da Monarquia, enxergava as transformações de seu
tempo apenas como uma degradação dos tempos61. A profunda identidade existente
entre a religião e a aristocracia tornou a Igreja uma vítima importante do processo
revolucionário, que não só dissecou implacavelmente sua teologia e sua ética social,
como também eliminou fisicamente seus membros, muitos dos quais se aliaram aos
esforços contrarrevolucionários. A Igreja Católica e seus clérigos foram vítimas dos
60
LASKI, 1936, p. 167.
61
Os sermões da época [segunda metade do século XVIII] estão cheios de lamentações sobre seu
secularismo. A caridade não é mais respeitada; os ricos não veem mais o perigo de sua riqueza para a
salvação. A santidade da pobreza desapareceu; em seu lugar surgiu um apetite sem limites pelos bens
mundanos. Há em toda parte uma ambição inquieta entre os homens, que não lhes permite descansar
contentes com a posição que lhes foi atribuída na vida; sua atitude para com o trabalho é totalmente
diferente do que a Igreja pode aprovar. Eles não são movidos por denúncias de obtenção de dinheiro,
desde que tenham sucesso. Os homens estão tão ansiosos para serem ricos, resmungou padre Croiset,
que gastam tanto de seus dias e noites em busca de riquezas, “que dificilmente têm tempo para lembrar
que são cristãos”. O amor pela riqueza, a paixão pelo conforto, estes, insistem os pregadores, fizeram
com que os homens se esquecessem totalmente das reivindicações da religião para regular o
comportamento (idem, ibid., p. 168).
33
excessos da Revolução Francesa, contudo o reconhecimento deste fato não representa
uma adesão às teses do revisionismo histórico que se tornaram frequentes nos últimos
50 anos, e que negaram a própria revolução62; teses que representam, em grande
medida, a adoção de uma versão modernizada nos argumentos conservadores do século
XIX. As classes prejudicadas em um processo revolucionário, temendo a perda do
poder, do status e da riqueza, criam resistência, que, em geral, expressa-se na
contrarrevolução. A resistência e a violência contra os resistentes fazem com que as
revoluções gerem sentimentos extremados, sentimentos que se tornarão marcadores para
o futuro. As revoluções, ao se proporem realizar transformações econômico-sociais,
dão-se em um momento histórico e em um local específicos, mas projetam seus reflexos
por todo o mundo e para tempos posteriores63.
62
Sobre o revisionismo histórico e a Revolução Francesa, ver SOARES, 2021, p. 46-47.
63
HAYNES; WOLFREYS, 2007, p. 3.
64
KOSELLECK, 2006, p. 36.
34
como instituição; dois papas – Pio VI e Pio VII – haviam sido presos por tropas
francesas e levados para o exílio; uma geração de religiosos deixou de ser formada, e
mesmo os poucos que conseguiram tinham uma preparação intelectual e teológica
limitada, incapaz de profundas formulações teóricas. A revolução e a ascensão da
burguesia também afastaram as classes médias intelectualizadas da vida religiosa,
destruíram bibliotecas eclesiásticas, fecharam seminários. Os religiosos das décadas
posteriores à restauração de 1815 foram, em sua maioria, oriundos das camadas
populares, malformados e incapazes de uma reflexão teológica aprofundada65. O mesmo
fenômeno podia ser verificado entre os bispos e, especialmente, no cardinalato,
composto quase que exclusivamente por nobres em razão de seu título nobiliárquico.
Poucos meses após a reinstalação do papado em Roma, o papa Pio VII viu-
se obrigado a praticamente recriar o Colégio de Cardeais: apenas em 1816, em dois
consistórios, o papa elevou 35 cardeais, e mais 58 até sua morte em 1823. Cerca da
metade dos novos cardeais havia sofrido algum tipo de perda, agressão ou violência
durante o período revolucionário e o governo de Napoleão, e o mesmo acontecia com os
veteranos, aqueles que haviam sobrevivido aos tempos turbulentos. Quase a totalidade
dos cardeais pertencia à nobreza e à aristocracia, cujos bens pessoais e os de suas
famílias foram expropriados. Toda a cúpula da Igreja, incluindo os três papas seguintes
à restauração – Leão XII, Pio VIII, Gregório XVI66 –, havia sofrido os traumas da
revolução, o que marcaria a história da Igreja por décadas. Segundo O’Malley, a
Revolução Francesa foi uma experiência traumática, em alguns aspectos mais
traumática que a Reforma, pois eclodiu na França católica e seus efeitos propagadores
foram sentidos mais intensamente em outros países católicos como Espanha e Portugal,
bem como nos estados da Itália continental e peninsular67.
65
Sobre a formação do clero após a revolução destaca-se o estudo detalhado de Austin Gough, Paris and
Rome : les catholiques français e le pape au XIXe siècle (1996), que demonstra que a igreja que emerge na
restauração é, do ponto de vista de sua educação, muito mais pobre e precária que a que existia no século
XVIII. GOUGH, reproduz uma frase de Nassau William Senior (1790–1864), advogado, economista e
conselheiro do governo inglês: Cada novo enxame de padres que sai de nossos seminários é mais
tacanho, mais preconceituoso, mais malicioso do que o que veio antes dele. Eles são totalmente
indiferentes à liberdade ou à lei (1996, p. 77).
66
Giovanni Mastai-Ferretti, futuro papa Pio IX, nunca sofreu pessoalmente os efeitos da violência
revolucionária, mas também foi contagiado pela dor coletiva sofrida pela Igreja.
67
O’MALLEY, 2010b, p. 53.
35
O termo trauma aqui foi empregado no sentido estrito da Psicologia, como
um evento intenso e marcante, pontual ou progressivo, do passado, que estende seus
efeitos de devastação ao presente e ao futuro, mesmo que o impacto psíquico não seja
reconhecido ou que tenha efeitos imediatos. Os resultados do trauma podem se
apresentar como um processo de dor e sofrimento que afeta inúmeros aspectos da vida
do indivíduo, tornando-se especialmente aflitivo e cruciante diante de algum fato ou
emoção que remeta à experiência passada; é por essas características que o trauma traz
sempre indagações sobre a memória, sobre a história e sobre a temporalidade68. A
partir da instalação dos efeitos do primeiro evento, as novas situações traumáticas, que
rememoram a experiência vivida, voltam a ressoar a dor e a angústia vividas, gerando
novo o efeito traumático. Esse processo foi definido como transmissão intergeracional,
que permite que acontecimentos traumáticos sejam comunicados àqueles que não o
vivenciaram, por intermédio de comunicação verbal e não verbal. Portanto, o trauma
torna-se histórico, podendo ser transmitido de geração a geração, assim como seus
afetos e sintomas correspondentes. Existem duas formas de transmissão do trauma
histórico: a transmissão intergeracional e a transmissão transgeracional69; ambas podem
provocar modificações profundas no funcionamento do grupo e de seus indivíduos, com
a consequente retraumatização dos seus membros. Dessa forma, a violência sofrida
pelos membros de um grupo social pode ser retransmitida, de maneira simbólica, aos
indivíduos das gerações subsequentes, que atualizam não só o núcleo do trauma, como
produzem a sintomatologia correspondente70. E o indivíduo, dentro do grupo, passa a
sofrer as dores do trauma coletivo no nível pessoal, como se ele mesmo houvesse vivido
esse trauma, na sua experiência pessoal71. Assim, o grupo traumatizado cria um sistema
de defesas psicológicas cujo objetivo é proteger o coletivo do sofrimento: esse grupo
traumatizado apresenta apenas um ‘falso eu’ para o mundo, que não pode ‘ver’ o
grupo em sua identidade mais autêntica e vulnerável. O resto do mundo que não faz
parte do grupo traumatizado pode ver apenas homens ou mulheres mais endurecidos,
68
Definição apresentada por Nelson Ernesto Coelho Júnior no prefácio de DAL MOLIN, Eugênio
Canesin. O terceiro tempo do trauma: Freud, Ferenczi e o desenho de um conceito (2016).
69
SCHÜTZENBERGER, 1993, apud GOMES, 2016, p. 25.
70
GOMES, 2016, p. 26.
71
Idem, ibid., p. 36.
36
que respondem às suas agressões como se fossem o grupo todo72. Portanto, um grupo
tão traumatizado com suas defesas do espírito coletivo pode se encontrar vivendo
experiências repetitivas e dolorosas que fixam esses padrões de comportamento e
emoção [...] a vida traumatizada do grupo se incorpora à vida interior do indivíduo por
meio de um complexo grupal, que pode ser confundido com um complexo pessoal73. O
trauma provocado pelos eventos decorrentes da Revolução Francesa foi compartilhado
pela quase totalidade dos membros da Santa Sé. Os processos revolucionários
posteriores – 1830 e 1848, assim como as diversas rebeliões nos Estados Pontifícios74,
que se repetiram por mais de 40 anos, culminando na unificação italiana e posterior
tomada de Roma – reavivaram os medos, criando uma situação que envolvia o medo
real e o pânico moral entre os membros da Santa Sé, que contagiou até mesmo aqueles
que não haviam vivido diretamente o trauma da revolução. O medo real estava na
memória de muitos cardeais e bispos que estiveram presentes ou tiveram notícia dos
eventos e excessos revolucionários, como os Massacres de Septembre, em 1792, e o
Terror Jacobino, ou Grande Terreur ; eram religiosos que temiam a repetição dos
eventos dolorosos. A cúpula da Igreja receava por sua segurança pessoal e, para tanto,
viria tomar medidas para reprimir qualquer elemento que minimamente pudesse lembrar
a revolução. Já quanto ao pânico moral a questão se tornava bem mais complexa.
72
SINGER, 2004, p. 19.
73
Idem, ibid.
74
Optou-se por designar como Estados Pontifícios os territórios na península italiana sob controle da
Igreja; a denominação Estados Papais propositalmente foi abandonada, uma vez que se procurou destacar
a institucionalidade desses territórios, afastando a subjetivação.
75
O conceito de pânico moral foi criado, em 1972, por Stanley Cohen, sociólogo, professor da London
School of Economics, no livro Folk devils and moral panics: the creation of the Mods and Rockers, e
referia-se originalmente à teoria dos desvios e da deliquência, e ao estudo das reações sociais perante as
subculturas jovens nos anos de 1960. Cohen desenvolveu um conjunto-padrão de critérios para
demonstrar como vários episódios de reivindicação social se qualificariam como pânico moral. Estudos
recentes ampliaram os parâmetros da pesquisa do pânico moral, incluindo todos os tipos de demônios
populares capazes de desenvolver emoções coletivas – ansiedade, indignação, medo, raiva, hostilidade –
gerando reações desproporcionais e exageradas para ameaças putativas (HIER, 2011, p. 11-13).
76
GOODE; BEN-YEHUDA, 2011: “Aterrando e defendendo a sociologia do pânico moral”.
37
virtude. O pânico moral é gerado por um comportamento ou condição inaceitável, que
subverte os comportamentos ou as condições boas ou aceitáveis77. O pânico moral
sempre tem alguma base real, por menor que seja, não podendo ser caracterizado como
apenas uma ilusão irracional ou percepção errônea. Esse elemento real provoca o
alvoroço e a indignação gerados por uma suposta ameaça a um universo moral; esse
mesmo elemento real quase sempre não representa o objeto real do medo, mas o
deslocamento e a representação de outro medo, uma mistificação da verdadeira ameaça.
Os atores sociais consideram uma dada ameaça como uma subversão da ordem moral,
putativa ou real, para a qual o ultraje, a preocupação e a resposta apropriada parecem
necessárias, mesmo que a condição putativa não tenha um verdadeiro impacto. O
estabelecimento do pânico moral pressupõe a criação do estereótipo, o exagero e a
distorção da ameaça, com o surgimento de histórias falsas, improváveis ou totalmente
atípicas – mecanismos causais implausíveis –, produzidas mesmo que de forma
inconsciente, e a sensibilização do grupo. Na maior parte das vezes, o pânico moral
exige a apresentação de uma tentativa de regulação moral, a adoção de medidas
contrárias, para neutralizar ou se opor à suposta ameaça78. O pânico moral em geral
surgem associados às teorias da conspiração, que servem para amplificar os medos,
expressando preocupações mal colocadas; a origem do medo e a ameaça podem ser
reais, mas as teorias da conspiração sobre a natureza e a fonte do ataque quase sempre
refletem um pânico moral79. Os demônios populares são invocados e o pânico moral
instalado quase sempre em nome de uma moral dominante na sociedade, da qual os
demônios estão fora, são os outros, em uma formulação simples de eles contra nós80.
Assim o pânico moral seria um processo descivilizatório, ou seja, um processo inverso
àquele definido por Norbert Elias como um processo civilizatório.
77
Idem, ibid., p. 21.
78
Idem, ibid., p. 22-23. Segundo os autores, um bom exemplo de pânico moral pode ser observado na
década de 1950: muitos observadores acreditavam que os poucos milhares de comunistas nos Estados
Unidos eram poderosos o suficiente para derrubar o governo americano. A subversão espreitava por
toda parte, ameaçando infectar a sociedade com o vírus da corrupção política bolchevique; a cultura
popular expressou essa preocupação em propagandas, notícias, artigos de revistas, quadrinhos e filmes,
e caça às bruxas política que erradicou os esquerdistas de cargos na academia, no governo e na
indústria do entretenimento. Os historiadores referem-se a esse medo e preocupação como o ‘Pânico
Vermelho’, um pânico moral sobre preocupação e medo extraviados e exagerados da subversão
comunista (Barson e Heller 2001) – claramente, com base na lógica falha de causa e efeito, um critério
de desproporção (idem, ibid., p. 27).
79
Idem, ibid., p. 28.
80
Idem, ibid., p. 31-32.
38
No livro The civilizing process (1939), Elias apresentou sua teoria dos
processos civilizatórios, sustentando que, a partir do momento que Estado se organiza,
com o estabelecimento de uma autoridade centralizada, o controle exclusivo do
exercício da violência e da tributação também se torna centralizado; assim, as pessoas,
antes isoladas, passam a se integrar e manter relações de interdependência de umas com
as outras. As transformações sociais exercem pressões sobre a sociedade, forçando a
mudança nos comportamentos individuais e coletivos, o que leva ao aumento da
autocontenção, previsibilidade e identificação mútua, o que contribui para a
consolidação de relações mais equilibradas e estáveis. Para Amanda Rohloff81, nos
momentos de crises sociais e políticas, grave instabilidade econômica, tragédias em
geral e revoluções, o controle estatal dos eventos sociais é reduzido, tornando as pessoas
mais susceptíveis a um conhecimento mágico-mítico. Nesse processo, os demônios
populares são desumanizados e vistos como perigosos não civilizados, o que permite e
autoriza o uso de medidas também não civilizadas82. A pressa e a ansiedade para
resolver um determinado problema podem fazer com que sejam propostas soluções que
não seriam cabíveis em uma situação normal e regular, como, por exemplo, o
desenvolvimento de novas leis que podem anular certas liberdades civis ou o
desenvolvimento do vigilantismo83. A mesma pressa também pode apresentar
diagnósticos e respostas que funcionam adequadamente para resolver o problema em
81
ROHLOFF, “Shifting the focus: moral panics as civilizing and decivilizing processes” (2011).
82
Robert van Krieken, ao analisar a obra de Elias (Norbert Elias, 1998), destacou que os próprios
processos de civilização podem dar origem a tendências descivilizadoras na forma de uma barbárie
civilizada, quando sociedades e grupos civilizados adotam medidas selvagens e truculentas sob o
argumento de estar civilizando terceiros. No período estudado, esta situação pode ser encontrada, por
exemplo, no sequestro do menino judeu Edgardo Mortara, de apenas 6 anos, pela polícia papal em
Bolonha, por ordem do inquisidor da cidade, sob a alegação de que o menino havia sido batizado por uma
governanta, mesmo sem o consentimento dos pais. Na época o incidente foi caracterizado pelos judeus
como uma brutal ofensa, mas foi realizado em nome de uma suposta civilização, e aprovado pelo papa
Pio IX. Esses mesmos processos podem ser observados nas tentativas de civilizar populações nativas em
todo o globo.
83
ROHLOFF, 2011, p. 76. A autora frisa: Não é o caso de que todos os pânicos morais são meramente
processos de descivilização. Na verdade, como o próprio Elias sem dúvida teria argumentado, os
processos civilizatórios e de descivilização (e, portanto, os pânicos morais) são muito mais complexos do
que isso. Potencialmente, os processos civilizadores podem contribuir para o surgimento de pânicos
morais, e os pânicos morais podem, por sua vez, retroalimentar os processos civilizadores. É aqui que
precisamos mudar o foco da pesquisa do pânico moral, a fim de atender à complexidade do fenômeno
(idem, ibid., p. 77).
39
questão, podendo provocar uma consequência indesejada, que irá contribuir para
agravar o problema84.
A Santa Sé, mesmo tendo enfrentado inúmeras crises ao longo dos séculos,
nunca havia vivido uma ameaça tão grave como aquela que foi desencadeada pela
Revolução Francesa, que era movida por ideais, mas também por um fortíssimo
componente social nascido das miseráveis condições de vida enfrentadas pela
população. Após a restauração, o trauma da violência, o medo concreto de novas
rebeliões, que iriam acontecer, o pânico moral, a necessidade do poder institucional e
militar da Áustria de Metternich, tudo contribuiu para a construção da formulação
conservadora católica. A Igreja, sem poder contar com uma análise conjuntural
elaborada, que conseguisse avaliar o momento vivido, e sem uma formulação teológica
robusta, adotou de forma acrítica o sistema explicativo e doutrinal apresentado por
autores ultramontanos como Bonald, Joseph de Maistre e Lamennais, entre outros, que
por sua vez também estavam em descompasso com seu tempo, e reagindo a ele. Ao
longo das seis primeiras décadas do século XIX, a Igreja, assim como seus intelectuais,
negou a História. O pensamento católico, ancorado e movido por seus preconceitos e
medos, tornou-se incapaz de julgar de forma racional o que se passava em Roma, na
península italiana, na Europa e no mundo. A inaptidão para a leitura de seu tempo
agravou-se à medida que os acontecimentos históricos de um agitado século de
transformações passaram a impactar de maneira cada vez mais intensa as relações entre
uma igreja estanque e um mundo laico em ebulição. O mundo civil vivia a era da
revolução, ao passo que o mundo católico procurava restaurar a mítica estabilidade
supostamente perdida. A contradição gerou desconfianças e suspeitas em ambos os
lados.
84
Idem, ibid.
40
desaparecendo, sendo substituídas por cardeais conservadores, alinhados com ideias de
autoridade semelhantes àquelas defendidas pelos pensadores ultramontanos
reacionários. Autores católicos que se aproximaram de um pensamento identificado
com o ideário liberal e histórico, que aceitavam as transformações sociais e políticas de
seu tempo, e que sugeriam que a Igreja as abraçasse como forma de autopreservação e
renovação, foram penalizados por sucessivos anátemas papais. Lamennais, em sua
segunda fase criativa, a partir de 1830, seguido por seus companheiros do jornal
L’Avenir, Charles Montalembert e Jean-Baptiste Lacordaire, fez uma ponte entre o
pensamento ultramontano radical de Maistre, Bonald, e dele próprio quando jovem,
e o pensamento social católico que ganharia força na segunda metade do século
XIX85; essa distorção [cheia de] proposições falsas, caluniosas e precipitadas
[fruto dos] delírios da razão humana86, custou-lhe a proscrição e o banimento do
mundo religioso, além de duas condenações por parte do papa Gregório XVI,
expressas nas encíclicas Mirari vos (1832) e Singulari nos (1834).
85
Lamennais havia produzido uma visão teocrática de uma nova ordem cristã, liderada por um papa
poderoso, em oposição a uma igreja nacional enfraquecida que sucumbira aos interesses dos Estados. O
grito de guerra dos primeiros [textos de] Lamennais foi a escolha entre ordem ou anarquia. Como um
pensador cujo principal interesse teórico na Igreja era social e político, e cujo principal medo era o
impacto corrosivo da descrença, Lamennais, de fato, ficou cada vez mais desencantado com a hierarquia
eclesiástica real. Ele mudou-se para uma concepção mais democrática da Igreja e incentivou
abertamente maior liberdade e justiça social (HEDLEY, 2006, p. 48).
86
GREGÓRIO XVI, encíclica Singulari nos, 1834.
87
A palavra socialismo adquiriu seu significado atual a partir de meados da década de 1830, quando
Robert Owen (1771–1858), um reformista social galês, criou um sistema de cooperativa de compra para
operários da fábrica de tecidos que gerenciava em Manchester. Com base em textos de vários autores, a
partir da década de 1840, as palavras socialismo e comunismo passaram a indicar, de uma forma geral, o
movimento que denunciava as condições dos operários no mundo industrial, opondo-se ao liberalismo, e
com um projeto de reconstrução da sociedade (PIANCIOLA, 1998, p. 1197).
41
dos personagens mais importantes, cujas posições e posturas foram abordadas com
detalhes ao longo do texto – Hugues-Félicité de Lamennais e o papa Pio IX –
demonstram que as classificações enrijecidas e definitivas, em muitas situações,
confundem antes de esclarecer. Obviamente, é impossível retratar o período,
especialmente com a abordagem adotada por este trabalho, sem recorrer a expressões
como conservador e liberal, uma vez que essas posições estão em confronto real em
boa parte do século XIX. Mas essas definições são sempre pontuais, uma fotografia do
momento, e não uma noção estanque peremptória. Tanto Lamennais quanto o papa Pio
IX assumiram posições distintas, e contraditórias ao longo de sua atuação como
protagonistas, tornando-se impossível, desnecessário e contraproducente classificá-los
de maneira categórica. Contudo, o mesmo não acontece com personagens como Bonald,
ou Maistre, cujas posições diante das questões que se lhes apresentaram eram
indiscutivelmente claras, sem qualquer ambiguidade.
Quanto ao papa Pio IX, a historiografia costuma dividir seu papado em duas
fases: uma moderada e outra conservadora. Apesar de a explicação estar, de certa forma,
já consolidada nos estudos a respeito do período, tal divisão mostra-se bastante
esquemática e reducionista. Autores como Frank Coppa88, que se debruçaram de forma
cuidadosa sobre as memórias e biografias dos personagens do período, deixam claro que
essa suposta dicotomia ideológica de Pio IX mais esconde do que esclarece. As
memórias de Marco Minghetti89 (1818–1886), membro do conselho constituinte que
elaborou o Statuto Fondamentale, a constituição dos Estados Pontifícios, de 1848,
ministro das Obras Públicas, entre 1847 e 1848, e cogitado para o cargo de primeiro-
ministro, sucedendo Pellegrino Rossi após seu assassinato em 1848, revelam que
durante sua fase liberal, entre 1846 e 1849, Pio IX moveu-se ao sabor dos intensos
acontecimentos, mas não teria abandonado suas convicções sobre o poder soberano da
Igreja. A mesma leitura é apresentada por Luigi Carlo Farini90 (1812–1866), secretário-
geral do Ministério do Interior da Santa Sé em 1848, ao analisar de maneira detalhada o
88
COPPA, Frank J. “Cardinal Antonelli, the Papal States, and the Counter-Risorgimento”. Journal of
Church and State, n. 16, p. 454-471, 1974, e Cardinal Giacomo Antonelli and papal politics in European
affairs (1990).
89
MINGHETTI, Miei ricordi, 1889.
90
FARINI, The Roman State from 1815 to 1850 (1851).
42
primeiro período do pontificado de Pio IX. Mesmo entendendo que ambos os textos,
dada sua aproximação histórica com os fatos, devem ser lidos com muito cuidado, sua
inclusão entre as fontes, assim como tantas outras de igual jaez, mostrou-se muito
significativa.
Por sua vez, Ivan Scott questiona essa firmeza de princípios, entendendo
como natural a transição de Pio IX do liberalismo para o conservadorismo. Giovanni
Maria Mastai-Ferretti fora eleito no conclave de 1846, exatamente por ser uma figura
neutra em meio a um confronto declarado entre cardeais liberais e conservadores.
Assim, o novo papa, carente de experiências na Santa Sé, e totalmente inábil em matéria
política, inevitavelmente apresentaria comportamentos mutantes, uma vez que suas
ideias e convicções estavam sendo construídas em meio ao turbilhão de intensos
acontecimentos. Portanto, pode-se entender a oscilação do papa entre a flexibilização
descuidada e a rigidez extrema91. Uma carta escrita pelo arcebispo Mastai-Ferretti ao
cardeal Chiarissimo Falconieri Mellini (1794–1859), em junho de 1833, dá uma ideia da
imprecisão da interpretação política do futuro papa: Odeio e abomino até a medula dos
meus ossos os pensamentos e as operações dos liberais; mas nem o fanatismo dos
chamados papalinos é especialmente simpático para mim. O justo meio cristão seria o
caminho que gostaria de seguir com a ajuda do Senhor. Mas como fazer isso?92. É certo
afirmar que o cidadão Giovanni Mastai-Ferretti, nascido na região de Ancona, tinha
muito orgulho de sua nacionalidade italiana, não escondendo sua simpatia por sua
unificação, mesmo sem muita clareza do que isso significava, sendo até mesmo
cogitado pelos nacionalistas como o comandante do processo, no movimento chamado
de neoguelfismo. Contudo, o papa Pio IX, com sua formação, sua história, fé e devoção,
não poderia imaginar um mundo no qual os direitos supremos, eternos e soberanos da
Igreja não estivessem representados93. Os intensos acontecimentos nos anos entre 1846
e 1850 reforçaram os elementos de sua convicção que não poderiam ser respondidos
pelo nacionalismo, mas sim pelo pensamento conservador católico, associado a uma
91
SCOTT, 1969, p. 5. Não era provável que o soberano pontífice continuasse por muito tempo com uma
política flexível; antes, era na tradição, tanto quanto nas necessidades da organização, que Sua
Santidade deveria se tornar rígida na defesa. Mas o grau dessa rigidez não poderia ter sido previsto por
nenhuma referência à carreira anterior de Pio (idem, ibid.).
92
MARTINA, 1974, p. 177.
43
espécie de misticismo, que confundia o exercício do poder político com o espiritual, e
que, muitas vezes, fez com que esperasse uma solução da Providência para os
problemas concretos, como na questão romana, entre 1860 e 187094. Seu
posicionamento errático estava presente nos primeiros anos de seu pontificado; marca já
inscrita no Statuto Fondamentale, documento que deu status jurídico ao governo dos
Estados Pontifícios, apontado pela historiografia como uma marca de seu pensamento
liberal, mas que, ao mesmo tempo em que institucionalizou um governo constitucional,
impediu que os órgãos legislativos tratassem de assuntos que, mesmo laicos,
resvalassem em questões religiosas. Assim, embora o simulacro constitucional
realmente representasse uma concessão aos anseios que poderiam ser identificados
como liberais, foi incapaz de avançar além dos limites impostos pelo pleno exercício do
poder secular do papado. Uma acomodação com as transformações de seu tempo
parecia uma opção inviável para Pio IX; a ele cabia colocar a supremacia papal contra o
desafio de uma era revolucionária, assim como defender os poderes temporais do
papado como uma salvaguarda de sua função espiritual, em estrita vigilância contra as
ideias derivadas do racionalismo95. Seu pontificado consolidou como doutrina o
ultramontanismo, fundado no trauma da revolução e no pânico social dela derivado.
Para o esboço dos eventos e das posições políticas dos agentes ao longo do
período estudado, a pesquisa debruçou-se sobre uma enorme quantidade de fontes,
buscando um entendimento amplo do processo de construção das relações ideológicas,
institucionais e interpessoais que acabaram por consolidar o conservadorismo como o
pensamento hegemônico na Igreja Católica. Inicialmente, no primeiro capítulo,
procurou-se estabelecer quais foram os principais enfrentamentos vividos pela Igreja
93
COPPA, 1974, p. 545.
94
[Pio IX] Com o passar do tempo, especialmente em seus últimos anos, em decorrência, entre outras
coisas, das decepções que experimentou em 1848, que lhe deixaram uma marca profunda, e das duras
experiências da década de 1860, um certo pseudomisticismo prevaleceu nele que, ao confundir o plano
político com o sobrenatural, levou-o a esperar passivamente no Senhor para a solução de todos os
problemas, confiando num grande milagre da Providência que resolveria tudo a favor da Igreja, sem se
aprofundar nas questões nem tomar nenhuma iniciativa. Em contrapartida, em razão de circunstâncias
desfavoráveis e problemas de saúde, teve uma formação científica bastante curta, que nunca mais
concluiu. Suas lacunas teológicas estariam em evidência pelas polêmicas doutrinárias que surgiram em
seu pontificado, que continham em germe a crise modernista da primeira parte do século XX, e da qual
ele só alcançou os aspectos negativos (MARTINA, 1974, p. 178).
95
HOWARD, 2017, p. 31.
44
nos séculos XVIII e XIX, com especial atenção à Revolução Francesa e a seus impactos
sobre o clero. No segundo capítulo foram delineadas as bases dos ideários reacionário e
conservador, buscando compreender as teodiceias que fundamentavam essas
formulações. Esse desenho inicial permitiu entender as intricadas relações entre a Santa
Sé, os governos europeus, as igrejas nacionais, notadamente a Igreja Galicana na
França, o nacionalismo italiano, as pressões liberais e, especialmente, as ações e reações
dos homens da Igreja ante os perigos reais, e imaginários, de seu tempo, descritos no
terceiro capítulo.
96
VATICANO. Disponível em: https://www.vatican.va.
45
Para a pesquisa foram utilizadas desde fontes produzidas no calor dos acontecimentos,
portanto centenárias, até outras escritas há poucos anos, baseadas em pesquisas recentes.
Parte do trabalho consistiu em compatibilizar a bibliografia, sempre a confrontando com
outros textos, questionando inclusive os fundamentos políticos e ideológicas que
inspiraram seus autores. Em muitos textos, nos quais não foi adotado rigor acadêmico
ou histórico, os autores mostraram-se predispostos em defender as posições da Santa Sé,
em textos panegíricos e apologéticos; contudo, mesmo estes, olhados com desconfiança
metodológica, mostraram-se úteis para o processo de entendimento do período e das
posições adotadas. Um exemplo que ilustra bem essa aproximação: o historiador
católico E. E. Y. Hales (Edward Elton Young Hales) (1908–1986) produziu alguns
textos essenciais para o entendimento do período e o papado de Pio IX97. Contudo,
esses textos foram produzidos antes do Concílio do Vaticano II, e, portanto, antes da
revisão dos primados de seu concílio homônimo de 1869-1870. Assim, os textos de
Hales reproduzem as teses e as asserções que ficaram consolidadas durante o
pontificado de Pio IX, e que ainda não haviam sido submetidas ao escrutínio do século
XX98. Porém, apesar disso, seus textos mostraram-se essenciais para estruturar uma
excelente cronologia do período, assim como para identificar e delimitar a atuação dos
principais personagens que compuseram a trama histórica. Não menos cuidadosa foi a
leitura da bibliografia referente à Revolução Francesa, cuja produção historiográfica é
riquíssima e complexa, mas muitas vezes separada por uma clivagem ideológica muito
distinta. Muitos dos textos elaborados por historiadores católicos não conseguem
afastar-se de uma análise histórica profundamente ideologizada dos eventos, como
97
HALES, E. E. Y. Pio Nono: a study in European politics and religion in the nineteenth century (1954),
e The Catholic Church in the modern world: a survey from the French Revolution to the present (1960).
98
Não é como um príncipe italiano mesquinho que Pio Nono será julgado pela história. Ele terá de ser
considerado em seu domínio como o mais importante oponente das reivindicações extravagantes,
políticas e ideológicas, dos progressistas do século XIX, como o mais obstinado e influente dos que
negavam a infalibilidade do progresso, a autoridade moral das maiorias e da onipotência do Estado.
Recusando-se, em nome das verdades eternas, a aceitar o entusiasmo apaixonado dos homens de
progresso, ele conquistou para o papado muito ódio em seus próprios dias. Mas ele restaurou a este uma
autoridade dentro da Igreja e uma influência externa, como não desfrutava desde o tempo do Concílio de
Trento. Ele foi, em suma, o criador do papado moderno (HALES, 1954, Prefácio, p. xiii). O Estado
Papal era uma teocracia benevolente. Pode não ter havido mais lugar, na Europa de 1860, para
teocracias benevolentes, e pode ter sido da natureza das coisas que a maré crescente do Risorgimento
devesse varrer esse Estado. Mas isso não é motivo para estigmatizar o governo de Pio Nono como
opressor, corrupto ou economicamente atrasado; nem foi a revolta, seja de moderados esclarecidos ou
de revolucionários, realmente uma revolta contra a opressão; foi antes um anseio por novas formas e o
despertar de ambições políticas (idem, ibid., p. 164-165).
46
Michel Vovelle, com seu The revolution against the Church99. Não é possível contar a
história da revolução e se esquecer dos violentos ataques sofridos pela Igreja durante a
exaltação revolucionária, mas isso deve ser entendido dentro de um contexto de
transformações radicais, ações e reações, movimentos e resistências.
99
VOVELLE, The revolution against the Church: from reason to the Supreme Being (1991).
100
CROCE, History as the story of liberty, 1941, p. 19.
47
CAPÍTULO 1
101
Ao longo do texto o Concílio do Vaticano I será tratado como foi entendido na época, como o único.
Quando houver necessidade de alguma referência eventual, o Concílio do Vaticano II (1962-1965) será
numerado.
102
Risorgimento foi o nome dado ao longo processo entre 1815 e 1870 que buscou a unificação da Itália,
que, até 1861, era uma coleção de pequenos Estados, alguns sob controle de potências estrangeiras.
103
O’MALLEY, 2018, p. 21. Ao longo do texto a Igreja Católica será tratada apenas como Igreja; outras
religiões serão devidaemente identificadas.
104
Papa Pio IX (1792-1878), papa entre 16 de junho de 1846 e 7 de fevereiro de 1878, o segundo
pontificado mais longo da história depois de São Pedro, entendendo Pedro como o primeiro bispo de
Roma e, portanto, o primeiro papa: 37 anos. Em 3 de setembro de 2000, foi beatificado, pelo papa João
Paulo II. Foi o primeiro papa da história a ser fotografado.
105
O termo ecumênico está usado como definido por ALBERIGO (2015, p. 8): Com essa expressão
indica-se a extensão universal da representatividade de uma assembleia e, consequentemente, a extensão
da normatividade canônica das suas decisões. Na realidade, a “ecumenicidade” quase sempre foi uma
autoqualificação, uma aspiração ou, enfim, uma qualificação a posteriori. Os concílios convocados e
presididos pelo imperador bizantino (Nicéias, Éfeso, Calcedônia) recebiam por isso mesmo essa
qualificação; alguns, porém, só a obtiveram mediante reconhecimento posterior (o Constantinopolitano
I); outros (os lateranenses) deram-se o qualificativo mais modesto de “gerais”; outros ainda (o
Tridentino, o Vaticano I e o II) utilizaram-se dessa qualificação na base da convicção do catolicismo
romano de ser a única verdadeira Igreja.
48
antecessor, o Concílio de Trento (1545–1563)106, no intervalo mais longo entre duas
assembleias na história. Podem ser apontadas ao menos três razões para esse longo
intervalo. A primeira seria que, após Trento, cresceu entre a hierarquia da Igreja a ideia
de que todos os problemas do catolicismo estavam superados; o concílio supostamente
havia dado resposta a todos os problemas da Igreja. . A segunda razão era a dificuldade
para o deslocamento dos bispos, que habitavam um mundo católico que se expandira
por cinco continentes. O terceiro motivo foi o receio dos papas sobre o que um concílio
poderia decidir em relação a seu cargo. Desde o primeiro Concílio de Latrão107 até o
Concílio de Constance108, os pontífices acreditavam poder contar com o apoio dos
bispos reunidos em concílio. Contudo, após Constance, que assistiu à intervenção direta
do imperador germânico Sigismund de Luxemburgo (1368–1437), essa confiança
começou a mudar, e os papas passaram a temer resultados desfavoráveis. Esse temor
pode explicar, por exemplo, o hiato de 28 anos entre a eclosão da Reforma Protestante e
o Concílio de Trento. A terceira razão para esta lacuna foi a situação de disputas
internas na Igreja entre meados do século XVII e as últimas décadas do século XVIII, o
que tornava muito arriscada a realização de um concílio109.
106
O Concílio de Trento foi realizado entre 1545 e 1563, no norte da península italiana, como uma
resposta à Reforma Protestante, dentro do contexto da contrarreforma. Foram aprovadas condenações ao
protestantismo, definido como uma heresia; também foram reiterados elementos centrais da doutrina: a
Escritura, o cânon bíblico, a tradição sagrada, o pecado original, a salvação, os sacramentos, a missa e a
veneração dos santos.
107
O Primeiro Concílio de Latrão (1122–1123), convocado pelo papa Callixtus II para a ratificação das
decisões da Concordata de Worms, segundo a qual o imperador Henrique V, do Sacro Império Romano-
Germânico, reconheceu a autoridade pastoral da Igreja, assim como seu direito de designar os bispos no
território imperial.
108
O Concílio de Constance (1414 e 1418) realizado em Constance, sul da Alemanha, foi realizado para
acabar com o cisma papal, que havia criado o Papado de Avignon. Quando de sua convocação, três papas
pleiteavam a legitimidade do trono de Cristo. Ao fim do encontro papas rivais, os antipapas, Bento XIII e
João XXIII renunciaram; Gregório XII fez o mesmo antes do encerramento. O concílio elegeu o papa
Martinho V (1417-1431), pondo fim ao cisma. Sobre Constance, ver ALBERIGO, História dos concílios
ecumênicos, 2015, p. 221-236. Oficialmente, a Santa Sé lista nove antipapas e 266 papas; contudo, fontes
não oficiais apontam mais de 40 antipapas. Uma contagem precisa é difícil porque os padrões para a
eleição de papas mudaram frequentemente por mais de mil anos. Os antipapas atingiram o pico durante os
séculos XII a XV, com dois ou mais antipapas às vezes reivindicando o papado (POSNER, 2015, p. 10).
109
O’MALLEY, 2018, p. 3-5.
49
participação de seculares, que acabaram por influenciar a assembleia por outros meios,
de forma externa, inclusive por intermédio da imprensa. Foi o primeiro concílio
realizado sob a observação e divulgação da mídia, que cobriu todo o encontro. As
publicações preparatórias, além de escritas em grande quantidade pelo papado, foram
produzidas em várias partes do mundo. Um dos maiores concílios já realizados, com
704 bispos, sendo que nos anteriores participavam entre 150 e 350 bispos110, foi o
primeiro a ter efetivamente um caráter internacional com bispos de todos os continentes;
havia bispos da América – 40 dos Estados Unidos da América, 9 do Canadá e 30 da
América Latina – e mesmo da Austrália e Nova Zelândia. Mas todos eram brancos e a
maioria de origem europeia. A delegação da Europa representava dois terços dos
participantes, quase metade dos quais era italiana. Os Estados da Igreja, com 60 padres,
tinham uma representação muito superior à do Império Austríaco ou dos reinos
alemães111.
110
O Concílio do Vaticano, em número de participantes, somente é superado, pelo Concílio de Constance
e pelo Vaticano II, este que reuniu mais de dois mil bispos.
111
VILANOVA, 1992, p. 575.
112
O’MALLEY, 2018, p. 12.
50
impacto entre religiosos e leigos, provocando hostilidade e resistência dos governantes
europeus113. O principal erro apontado pelo Syllabus era negar a existência de Deus; a
este se seguia uma lista imensa: propor a separação entre Igreja e Estado; sobrepor a
razão acima da fé; criticar a Escolástica; propugnar a liberdade religiosa, e por
decorrência o protestantismo; defender o socialismo, do comunismo, as sociedades
secretas – leia-se maçonaria –, as sociedades bíblicas e as sociedades clérico-liberais;
aventar a submissão da Igreja aos governos civis, e tantos outros erros mais. Entre
muitos, o mais presente, subjacente a tantos, era a ideia de que o papa poderia errar em
suas decisões e seus juízos: acreditar que os pontífices romanos e os concílios
ecumênicos ultrapassaram os limites do seu poder, usurparam os direitos dos príncipes,
e erraram, mesmo nas definições de fé e de moral114. A última proposição do Syllabus,
que explicitava e resumia o sentimento do papado perante o mundo, afirmava que era
um erro dizer que o papa deveria aceitar o progresso, o liberalismo e a civilização
moderna. Dessa forma, toda a vida social e política do século XIX, assim como as
aspirações democráticas da sociedade europeia, eram desregramentos perante a Igreja.
113
HALES, 1971, p. 333. Originalmente as encíclicas era apenas uma carta circular expedida por uma
autoridade da Igreja desde seus tempos primitivos. Contudo, a partir do século XVIII, com a encíclica Ubi
primum, de Bento XIV (1740), os documentos passaram a ter o caráter de ensinamento (O’MALLEY,
2010a, p. 244).
114
PIO IX, encíclica Syllabus Errorum, 1864.
115
A Guerra Franco-Prussiana, ocorrida entre 19 de julho de 1870 e 10 de maio de 1871, foi um conflito
armado ocorrido entre o Império Francês e o Reino da Prússia. Foi causada pela luta da hegemonia no
Continente Europeu, cujo equilíbrio era muito instável desde a queda de Napoleão Bonaparte em 1815. A
vitória germânica em 1870 provocou a queda de Napoleão III e o fim da monarquia na França. Tropas
francesas que davam apoio e proteção ao papa e ao Concílio foram obrigadas a se retirar, antecipando o
encerramento da assembleia.
51
verdadeiro; afirmasse que não existe nada além da matéria; desmentisse a criação
divina; sobrepusesse razão à fé, ou cresse que esta emana daquela; repudiasse a
revelação divina; contradissesse a Sagrada Escritura; rejeitasse os milagres
reconhecidos pela Igreja; questionasse os dogmas da Igreja; afirmasse que as ciências
humanas podem ser livres e suas conclusões tidas como verdade, ou que, por último,
asseverasse que o progresso das ciências, pode atribuir aos dogmas propostos pela
Igreja um sentido diverso daquele que ensinou e ensina a Igreja116. O Concílio de
Trento, no século XVI, preocupou-se em identificar e condenar interpretações errôneas
do cristianismo. Por sua vez, o Concílio do Vaticano cuidou de identificar e condenar
princípios e filosofias não cristãs que haviam surgido durante o Iluminismo do século
XVIII, mas não só. A Igreja de 1870 tinha uma legião de inimigos: Rousseau e os
enciclopedistas, Lutero, Calvino Danton e Robespierre.
116
Dei Filius.
117
O’MALLEY, 2018, p. 23 e ss.
52
livre de superstições e obscurantismo. O Iluminismo trouxe consigo a ideologia de que
o futuro seria melhor que o presente, e que o passado deveria ser esquecido119. A
tradição da Igreja era um obstáculo e um empecilho para esse futuro luminoso.
118
CHADWICK, 1981, p. 445.
119
O’MALLEY, 2018, p. 25.
120
Tanto as especulações sobre o futuro, agora livres da religião cristã, quanto as previsões resultantes
do cálculo político apadrinharam a consagração do filósofo profeta. Lessing descreveu-nos esse tipo que
“elabora perspectivas bastante acertadas sobre o futuro”, mas que se iguala ao entusiasta, “pois ele não
consegue apenas esperar pelo futuro. Ele quer acelerar esse futuro, deseja ser ele próprio capaz de
acelerá-lo, (...) pois que proveito teria se aquilo que ele considera ser o melhor não se tornar o melhor
ainda em seu tempo de vida?” (G. F. Lessing, Die Erziehung des Menschengeschlechts, § 90, in
Gesammelte Werke, Leipzig, 1858, t. IX, p. 423, apud KOSELLECK, 2006, p. 38). O filósofo profeta
carrega consigo o conceito de revolução (idem, ibid.).
121
Dada sua importância e impacto, o Iluminismo ficou caracterizado como o zeitgeist, o espírito do
tempo, dos séculos XVII e XVIII. As generalizações produzidas ao longo da história esconderam
inúmeras nuanças, contradições, avanços e retrocessos, pressões e reações, marchas e contramarchas, que
o presente estudo não pretende descrever de forma detalhada, o que já foi feito por inúmeros de forma
53
diversos países europeus: na Inglaterra surgiu por intermédio de escritos teóricos sobre
política, religião, ética e direito natural; na França, na literatura e em livros dos
filósofos; nos Países Baixos, em textos de oposição à Igreja Católica. Contudo, seus
efeitos alcançariam todo o pensamento moderno e todo o mundo ocidental, espraiando-
se da França, Inglaterra e dos Países Baixos para a América do Norte, e de Portugal e
Espanha para a América do Sul122. Provocou transformações políticas, sociais,
econômicas e, sobretudo, filosóficas e religiosas.
primorosa. Ao longo do capítulo são apresentadas algumas indicações bibliográficas buscando superar, ao
menos em parte, as limitações do texto. Inicialmente vale destacar os estudos de Peter Gay, The
enlightenment: an interpretation; the rise of modern paganism (1966) e The enlightenment: an
interpretation; the science of freedom (1977), e de Jonathan I. Israel, Radical enlightenment (2001),
Enlightenment contested (2006) e Democratic enlightenment (2011).
122
Nos países da Igreja Ortodoxa, a influência do Iluminismo foi limitada (HEGEL, 2003, v. 5, p. 254).
123
MARTINA, 1994, p. 279.
124
RAMOS, 2012, p. 24. Para os iluministas, a China, onde o povo não teria nenhuma revelação
sobrenatural, alcançou segurança e prosperidade mediante a ciência e a filosofia. Para os filósofos, a
54
também seria uma exigência da razão e da vontade humanas, e não a manifestação da lei
divina eterna.
China seria o país ideal e Confúcio (551–479 AEC), alguém a ser reverenciado (MARTINA, 1994, p.
281).
125
MARTINA, 1994, p. 281-282.
126
HEGEL, 2003, v. 5, p. 254-255.
55
Entre as inúmeras facetas do Iluminismo encontrou-se o que viria a ser
chamado posteriormente de Revolução Científica, um verdadeiro terremoto no
aparentemente sólido edifício teórico da Escolástica construído no interior do
pensamento cristão127. Em razão das críticas da Igreja, ao longo dos séculos foi se
cristalizando a ideia de que a Revolução Científica, a partir do século XVII, teria uma
fundamentação ateísta, de oposição e de confronto à religião. Contudo, ao se analisar os
primeiros cientistas, primeiros responsáveis pelas grandes descobertas e pela construção
do método científico, percebe-se que, ao contrário, eram homens que se formaram
dentro de uma tradição religiosa, e que sua filosofia natural, como era chamada o que
viria a ser a ciência, conseguia incorporar a noção de Deus dentro de um contexto, ao
menos para seu momento, lógico. O pensamento científico foi um elemento
extremamente importante como causa para, no futuro, a negação do elemento divino, e
não sua consequência. Esse elemento não foi exclusivo; também pesaram para abalar o
arcabouço da igreja a ascensão do ceticismo, a Reforma Protestante, as críticas aos
privilégios e a corrupção da Igreja, a abertura da consciência europeia para outras
culturas ao redor do mundo e a conscientização do relativismo cultural128.
127
Um estudo aprofundado das causas e razões profundas da Revolução Científica do século XVII pode
ser encontrado em COHEN, How modern science came into the world: four civilizations, one 17th-
century breakthrough; razões estas que, segundo o autor, podem ser encontradas no pensamento
filosófico e científico de Atenas e Alexandria, entre os séculos IV Antes da Era Comum (AEC) e II da
Era Comum (EC).
128
HENRY, 2015, p. 9.
56
princípios de uma ciência, maior será seu alcance, sendo que a redução é na verdade a
sistematização da ciência129.
129
Cette réduction, qui les rend d’ailleurs plus faciles à saisir, constitue le véritable esprit systématique
(D’ALEMBERT, 2002, p. 20).
130
Nicolau de Cusa ou Nicolau Krebs (1401–1464) foi um cardeal da Igreja Católica Romana; foi um dos
primeiros filósofos do humanismo renascentista. Acreditando na ideia da primazia do conhecimento, se
valia-se do método matemático para compreender a natureza. Cusa expressou a mais alta ideia de Deus
por meio de uma concepção da mente como um instrumento matemático-comparativo para definir a
transcendência absolutamente indefinível do Supremo (CATÀ, 2008, p. 285-305).
131
HENRY, 2015, p. 1.
132
Um exemplo disso é encontrado no suíço Paracelso (1493–1541), que adotou uma filosofia química,
formando toda uma leva de alquimistas que o seguiram.
133
HENRY, 2015, p. 2-3.
57
fundado no aristotelismo – o tomismo ou Aristotelismo –, de outro lado, o
agostinianismo, com base neoplatônica, que viria a ser encontrado nas discussões sobre
a ciência e o cartesianismo135. Para o tomismo, majoritário até então, a cognição
humana de Deus somente poderia advir do conhecimento sobre o universo físico; na
razão humana o conhecimento vem primeiro por meio dos sentidos, sendo a mente
inicialmente a tábula rasa descrita por Aristóteles. Assim, o conhecimento é sempre
determinado pelos processos do intelecto, que extraem informações a partir da interação
física com os objetos. A partir dos sentidos o conhecimento é recebido pela mente. Para
o próprio Tomás de Aquino, o conhecimento de Deus obtido pela mente humana não
transcende o conhecimento obtido das coisas sensíveis; o conhecimento começa com as
sensações, e os objetos das sensações são precisamente qualidades sensíveis, tais como
cor, tamanho, forma, peso, movimento e todo tipo de mudança dos corpos136. A mente
humana não pode ter intuição direta de Deus e de sua obra137.
Durante o século XVI, a filosofia natural, desde que dentro dos parâmetros
escolásticos, era aceita em todas as universidades. Contudo havia resistência ao
pensamento que fugisse desses limites, como ficou comprovado no julgamento e na
134
LEFEBVRE, 2005, p. 55.
135
PHILLIPS, 2002, p. 136. As duas escolas de pensamento e o confronto entre elas no século XVII estão
bem detalhados em seu livro Church and culture in seventeenth-century France.
136
GILSON, 1960, p. 91-93.
137
PHILLIPS, 2002, p. 137.
58
condenação de Galileu Galilei (1564–1642) pelo Santo Ofício, ou Congregação Sagrada
da Inquisição Romana e Universal139, em 1633, após demonstrar o heliocentrismo com
ferramentas matemáticas, sem recurso a experiências sensíveis140. Ao saber do
julgamento, Descartes escreveu a seu amigo Marin Mersenne (1588–1648), teólogo e
matemático, mostrando-se chocado com a condenação: Fiquei tão surpreso com isso
que quase decidi queimar todos os meus papéis [...]. Devo admitir que, se essa visão
[que a Terra se move] é falsa, o mesmo ocorre com todos os fundamentos da minha
filosofia141.
Ele estava certo, uma vez que seu Traité du monde et de la lumière (tratado
sobre o mundo e a luz) foi proibido pela Igreja, estando no Index Librorum
Prohibitorum142, lista de livros proibidos, até 1664, bem após sua morte. O livro, escrito
entre 1629 e 1633, apresentava explicações detalhadas de sua filosofia, seu método e
sua metafísica, assim como seus conhecimentos de física e biologia. Para ele, o mundo
era composto de minúsculos corpos que se moviam, o que explicava todo o movimento,
inclusive o Sistema Solar e o movimento circular dos planetas ao redor do Sol,
apresentados originalmente por Nicolau Copérnico (1473–1543). Descartes atrasou o
lançamento do livro após a notícia da condenação de Galileu pela Inquisição romana
por suspeita de heresia e a sentença de prisão domiciliar. Descartes discutiu sobre o
texto com Mersenne, decidindo adiar sua publicação: Mas por tudo isso eu não gostaria
de publicar um discurso que tivesse uma única palavra da qual a Igreja desaprovasse;
138
GILSON, 1967, p. 66-73.
139
A Suprema Congregação Sagrada da Inquisição Romana e Universal, criada em 1542 pelo papa Paulo
III, buscava impedir o crescimento do protestantismo; no mesmo movimento insere-se o reconhecimento
oficial, em 1540, da ordem religiosa criada por Inácio de Loyola, que se tornaria a Companhia de Jesus.
140
Todo o trabalho de Galileu foi pautado por uma convicção carregada de religião, sendo que, segundo
ele, a única linguagem adequada para decifrar o mundo e a vontade de Deus era a da matemática, com a
qual formulou a teoria do movimento de queda dos corpos e da trajetória dos projéteis (COHEN, 2005, p.
21).
141
GAUKROGER, 1997, p. 290.
142
O Index Librorum Prohibitorum era a lista de publicações consideradas heréticas ou contrárias à moral
pela Congregação do Índice, um dicastério da Cúria Romana, cujos católicos estavam proibidos de ler
sem uma autorização formal. Apesar da existência de censuras anteriores, o Index foi instituído em 1559,
pelo papa Paulo IV, pontífice e governante dos Estados Pontifícios entre 1555 e 1559. Teve 20 edições, e
foi abolido, em 1966, pelo papa Paulo VI.
59
então eu prefiro suprimi-lo a publicá-lo de forma mutilada143. Descartes era um católico
romano zeloso, e temia desagradar à Igreja.
143
GAUKROGER, 1997, p. 291.
144
HENRY, 2015, p. 3. Nicholas Malebranche (1638–1715), um de seus seguidores, procurou sintetizar o
pensamento de Santo Agostinho e Descartes, demonstrando que toda matéria é inerte e passiva; todo o
movimento a que se assiste é fruto da intervenção divina.
145
PHILLIPS, 2002, p. 140.
146
HENRY, 2015, p. 5.
147
GAUKROGER, 1997, p. 310.
148
Descartes ao lançar o Discours de la méthode pensou, entretanto, que seu sistema possuía a dupla
vantagem de servir tanto à ciência quanto à defesa da religião cristã (PHILLIPS, 2002, p. 144).
60
inevitavelmente colidia com as fontes tradicionais de fé estabelecidas pelos filósofos
escolásticos; o método abriu um fosso entre um Deus transcendente e a cognição
humana149.
149
GAUKROGER, 1997, p. 318.
150
GOUDRIAAN, 2015, p. 4.
151
Sobre o jansenismo se falará adiante, na oposição das igrejas nacionais ao papado.
152
O termo deriva do monge Pelagius da Bretanha (c. 350–423), que discutiu com Agostinho de Hipona
(354–430) sobre o pecado original. Agostinho defendia que o pecado original de Adão foi herdado pelos
homens, que estariam por ele escravizados. Pelagius, ao contrário, afirmava que a humanidade é livre
para escolher pecar ou não. O pelagianismo foi declarado herético, em 418, no Concílio de Cartago, e a
decisão foi confirmada em 431, no Concílio de Éfeso (MCKENNA, 2003, v. 11, p. 60-63).
153
GOUDRIAAN, 2015, p. 5-8. O texto apresenta uma extensa lista dos principais críticos das diversas
confissões.
61
pensamento precede a matéria – Cogito, ergo sum (penso, portanto sou)154. A metafísica
de Descartes apresentava dúvidas sobre todas as coisas, podendo incluir a própria
existência de Deus. A dúvida não era apenas uma suspensão do julgamento para um
momento posterior: os objetos da dúvida deveriam ser rejeitados como falsos ou
fictícios, e, em última instância, só existiria aquilo que pudesse ser provado.
154
Mas logo depois notei que, enquanto tentava pensar que todas as coisas eram falsas, era o caso de eu
ter de ser alguma coisa; e observando esta verdade: “cogito ergo sum”, estava tão seguro e certo que
não podia ser abalado por nenhuma das suposições mais extravagantes dos cépticos [...]. Assim concluí
que eu era uma substância cuja essência ou natureza inteira reside apenas no pensamento e que, para
existir, não tem necessidade de lugar e não depende de nenhuma coisa material (DESCARTES, 2006, p,
28).
155
Newton era um cristão estudioso e dedicado, mas alimentava ideias próprias, que em sua época
poderiam ser consideradas hereges. Acreditava que adorar a Cristo como Deus era idolatria, uma
perversão depois que a igreja primitiva havia estabelecido a adoração adequada ao único Deus verdadeiro.
O responsável pela corrupção da fé teria sido Athanasius de Alexandria (c. 328–373), de quem a idolatria
da Igreja descenderia diretamente. Cristo era um mediador divino entre Deus e a humanidade, que estava
subordinado ao Pai que o criou (WESTFALL, 1993, p. 122-124).
156
Kepler formulou as três leis do movimento planetário, sendo que a primeira definiu que as órbitas
planetárias são elípticas, influenciando toda a astronomia posterior. Assim como outros pensadores de seu
tempo, sua teoria estava pautada pela convicção da presença de Deus na mecânica celeste; seus princípios
62
autossuficiente e, assim, dispensar Deus157. Newton não admitia a suposta tendência
ateísta do pensamento cartesiano; acreditava que Deus era onipresente no sentido literal,
como causa da gravidade158. Quase ao fim dos Principia, Newton escreveu: Este
sistema mais elegante do Sol, planetas e cometas não poderiam ter surgido sem o
design e o domínio de um ser inteligente e poderoso [...]. E para que os sistemas das
estrelas fixas não caiam um sobre o outro como resultado de sua gravidade, Ele os
colocou a imensas distâncias um do outro [...]159.
fundamentais são teológicos. Acreditava ter descoberto parte do plano de Deus, e as leis divinas que
regulavam o movimento (BARKER; GOLDSTEIN, 2001, p. 112-113).
157
WESTFALL, 1993, p. 259.
158
WESTFALL, 1993, p. 259.
159
NEWTON, 1999, p. 940.
160
Na astronomia clássica, medieval e renascentista, o sistema primum mobile (primeiro movido)
estabelecia que sete planetas que podem ser vistos a olhos nus – incluindo aí a Lua e o Sol –
movimentavam-se ao redor da Terra esférica em órbitas invisíveis; uma oitava esfera conteria todas as
outras estrelas.
161
A Scala Naturae, a grande corrente do ser, é uma estrutura hierárquica de toda matéria e vida, pensada
no cristianismo medieval, que começa com Deus, decaindo para seres angelicais, humanidade, animais,
paladares, minerais; isto é, a hierarquia caminhava do Ser Supremo para as formas imateriais, seguindo
até os objetos imutáveis. Dentro de cada categoria havia, da mesma forma, subdivisões estruturadas; o
ouro e a prata, por exemplo, estavam em um grau acima do restante dos minérios; o mesmo acontecia
com os homens e animais. Era um conceito derivado de Platão e Aristóteles, aprimorado na Idade Média.
63
desmontou a explicação celeste de Ptolomeu (90–168 EC), até então presente,
descobrindo as luas de Júpiter; suas pesquisas com telescópios revelaram as manchas
solares e as crateras da Lua. As questões levantadas ressoaram de forma profunda,
provocando uma crise nas explicações tradicionais do pensamento religioso e científico,
esquemas explicativos organicamente ligados por meio de um único sistema filosófico.
O método cartesiano, na segunda metade do século XVII, viria a ser adotado em
algumas universidades, como a de Paris, contrapondo-se a uma epistemologia
centenária162.
Mais informações em LOVEJOY, Arthur O. The great chain of being: a study of the history of an idea,
de 1936.
162
PHILLIPS, 2002, p. 141-142.
163
O Journal des Sçavans, o diário dos cientistas, foi criado em 1665 pelo escritor e advogado Denis de
Sallo; é a mais antiga revista científica acadêmica publicada na Europa. Existe até hoje e, com exceção de
um intervalo durante a Revolução Francesa, entre 1792 e 1816, nunca deixou de circular.
164
PHILLIPS, 2002, p. 165-166.
165
De Veritate foi colocado no Index Librorum Prohibitorum em 1633, no qual permaneceu até 1946.
64
religiões positivas166. Em seu sistema, a religião não seria concebida como a adoração a
Deus, mas como conduta moral do indivíduo, para a realização da moralidade natural,
como amor ao próximo; a religião seria um estímulo para a virtude e a felicidade
humana.
166
HEGEL, 2003, v. 5, p. 255.
167
LEHNER, 2016, p. 13.
168
[...] os teólogos estão preocupados é em saber como extorquir dos Livros Sagrados as suas próprias
fantasias e caprichos, corroborando-as com a autoridade divina. Nem há mesmo nada que eles façam
com menos escrúpulos e com maior temeridade que a interpretação da Escritura, ou seja, da mente do
Espírito Santo; e se alguma coisa os aflige, não é o receio de atribuir ao Espírito Santo algum erro e
afastarem-se do caminho da salvação, mas sim poderem ser apanhados em erro [...] e serem alvo de
escárnio (ESPINOSA, 2004, p. 221).
169
ESPINOSA, 2004, p. 316-317.
170
Idem, ibid., p. 320.
65
necessária a todos os homens para que possam obedecer a Deus, sendo as outras
ciências desnecessárias171.
171
Idem, ibid., p. 302.
172
HEGEL, 2003, v. 5, p. 256.
173
Sobre a noção de tolerância no Iluminismo ver GRELL e PORTER (Ed.), Toleration in Enlightenment
Europe, 2000.
174
HEGEL, 2003, v. 5, p. 257, e MOODY, v. 3, p. 638.
66
Segundo aquela lógica, os católicos não respeitariam a soberania do Estado uma vez que
reconheciam a jurisdição estrangeira do papa, e negavam a autoridade política dos
governantes excomungados. A exclusão era justificada com base na lealdade: para os
britânicos o monarca é a autoridade suprema civil e religiosa: a lealdade do clérigo
[britânico] é total; ele reconhece o rei como supremo tanto em questões eclesiásticas
quanto civis [...] mas se uma Igreja é governada por um estrangeiro que não tem nem
dependência nem interesse comum com o rei do país, a lealdade civil dos que
pertencem a essa Igreja não pode deixar de ser enfraquecida pela sua lealdade
eclesiástica175. Já o ateu não podia jurar lealdade176 invocando Deus, por não acreditar
nele.
175
LASKI, 1917, p. 124. A exclusão de católicos do mundo político britânico, como a proibição de serem
eleitos para o Parlamento britânico, ou de os jesuítas entrarem no país, durou do século XVII até 1829,
quando o Catholic Relief Act (ato de alívio católico) suspendeu muitas das limitações (idem, ibid., p. 122
e 135).
176
Os juramentos de lealdade e de fidelidade eram obrigações feudais, pelos quais o vassalo prestava
homenagens e se comprometia perante seu senhor. No período moderno foram particularmente aplicados
na Grã-Bretanha, em atos de obediência e submissão ao rei, reconhecendo a soberania temporal do
monarca e sua independência perante o papa. Na França passou a representar o compromisso do cidadão
perante os princípios revolucionários (MONTOR, 1844, p. 239).
177
LOCKE, 2016, p. 160-165. Locke coloca em sua lista de tolerância luteranos, anabatistas, socinianos –
antitrinitários – dentro do âmbito da tolerância. Ele englobou judeus e muçulmanos acreditando que eles
poderiam ser convertidos ao cristianismo, e que este sempre foi o motivo para tolerar os não cristãos (nota
163, Mark Goldie, p. 190).
67
sobre todo o resto, sendo que o Estado organizado deveria reconhecer que esta
exigência teológica se sobreporia a todas as outras179. Os católicos, ligados a Roma e,
portanto, a um poder estrangeiro, também estariam excluídos; a tolerância era
suplantada pela soberania do monarca inglês, autoridade suprema da Igreja
Anglicana180.
178
Deísmo foi uma corrente filosófica, surgida durante o Iluminismo, que rejeitava a verdade tomista da
revelação como fonte de conhecimento; para os deístas, razão e a observação do mundo natural eram
suficientes para crer na existência de um Ser Supremo.
179
ISRAEL, 2000, p. 103.
180
LASKI, 1919, p. 23.
181
ISRAEL, 2006, p. 155.
182
Idem, 2000, p. 104.
183
As ordens religiosas são institutos religiosos de vida consagrada, que se caracterizam pelos votos de
seus membros – monges ou frades –, seguindo o carisma do seu fundador, podendo ser leigos ou clérigos
consagrados. Podem ser monásticas – beneditinos, basilianos, camaldulenses, capuchinhos, cartuxos,
celestes, clarissas –, mendicantes – agostinianos, carmelitas, dominicanos, franciscanos – ou clérigos
regulares – escolápios, jesuítas. Já as congregações religiosas, ao contrário das ordens que professam
votos solenes, professam somente votos simples, orientados não para o modo de vida monástico, porém
mais para o serviço social e para a evangelização, tanto na Europa como em áreas de missão.
68
se engajassem na política. Ele começa distinguindo cuidadosamente entre a tolerância
ao culto, estritamente falando, o que é uma coisa, e o empoderamento de grupos
religiosos para organizar e estender sua autoridade exatamente como desejam, o que
ele vê como algo bastante diferente185. A liberdade religiosa deveria ser respeitada
também por ser politicamente útil para o Estado, uma vez que impediria o surgimento
de religiões hegemônicas; a preponderância de uma religião sobre outras poderia afetar
a coesão, a estabilidade e a ordem da comunidade, bem como a liberdade do indivíduo e
a liberdade de expressão e imprensa. A liberdade de culto visava, em última instância,
enfraquecer o domínio eclesiástico sobre a população e a vida civil186.
184
ISRAEL, 2000, p. 105.
185
Idem, 2006, p. 155.
186
Idem, ibid., p. 157.
187
ALLEN, 1977, p. 383.
69
O iura maiestatica circa sacra compreendia grupos específicos de direitos reais.
Um deles seria os direitos para proteger a Igreja e a religião: o ius advocatie, ou ius
protectionis, direito de o rei proteger a Igreja dentro de seus Estados; ius inspiciendi, ou
ius inspectionis, direito de supervisão e controle da vida e das finanças da Igreja; e o ius
reformandi, direito de reformar e corrigir abusos internos cometidos por religiosos. Ao
lado desses estavam as prerrogativas reais: o ius cavendi, a capacidade de o soberano
tomar medidas preventivamente contra algum dano aos interesses, autoridade ou leis do
príncipe; aqui estavam incluídos o placet e exequatur188; o ius exclusivae, o direito de
veto a nomeações da alta cúpula religiosa dentro do Estado; ius dominii eminentis, o
direito de propriedade estatal da propriedade da Igreja; e o ius appellationis, ou
recursus abusu, o direito de apelação contra atos da autoridade eclesiástica prejudiciais
ao indivíduo. As concepções do Iluminismo sobre liberdade, religião e igreja,
associadas à doutrina da soberania absoluta do Estado, resultaram em um longo
processo de conflito da vida civil contra o catolicismo189.
188
O placet sujeitava ao prévio exame a publicação e execução dos documentos pontifícios e episcopais.
Por sua vez, o exequatur era a autorização do monarca para que os decretos pontifícios fossem cumpridos
dentro dos limites do reino.
189
HEGEL, 2003, v. 5, p. 257.
190
O mais conhecido foi aquele ocorrido durante a Noite de São Bartolomeu, entre 23 e 24 de agosto de
1572, quando teriam morrido milhares de huguenotes em Paris e em mais 12 cidades francesas, como
Toulouse, Bordeaux, Lyon, Bourges, Rouen e Orléans. As perseguições e mortes continuaram nos meses
seguintes.
70
Países Baixos e aos Estados alemães independentes191. As primeiras críticas vieram da
Holanda, onde os protestantes gozavam de liberdade religiosa, e havia uma vigorosa
imprensa em língua francesa, extremamente crítica aos perigos representados pelo rei
franco e pelo clero católico para a tolerância religiosa. Para os protestantes batavos,
olhos iluminados pela luz [podem ver] aquela França [...] está sob o domínio de uma
fúria católica192. A metáfora dos iluminados foi incorporada, e acabou por se tornar o
termo que marcaria a época.
191
JACOB, 2008, p. 265.
192
COLOGNE, Pierre Martheau . Histoire de la decadence de la France prouvée par sa conduite, 1687,
p. 20, apud JACOB, 2008, p. 267. O autor é fictício; na imprensa holandesa os textos de crítica à França
normalmente eram publicados com o sobrenome Cologne: Jean le Blaue Cologne, Pierre Martheau
Cologne, Pierre de la Place Cologne ou Jean L’Ingenu Cologne (idem, ibid.).
193
COLOGNE. La reform dans la republique des lettres, ou Discours sur les pretentions ridicules, 1695,
p. 41, apud JACOB, 2008, p. 268.
194
JACOB, 2008, p. 268. O panteísmo – pan, tudo, e theos, deus – é a crença de que absolutamente tudo
compõe Deus, assim, universo e Deus são a mesma coisa, o absoluto.
195
COLOGNE, Jacques Vilebard, Le Jesuite seculariste, 1683, p. 187-190, apud JACOB, 2008, p. 268-
269.
71
cristianismo, adotando o panteísmo197, que não mantinha relação estreita com a
ortodoxia cristã198.
196
JACOB, 2008, p. 269.
197
O termo “panteísmo” foi criado pelo matemático Joseph Raphson (1648–1715), em seu livro De
Spatio Reali, de 1697, baseado na obra de Baruch de Espinosa (1632–1677). Raphson delimita duas
perspectivas panteístas: na primeira, Deus compreende a natureza, o cosmos material, como realidade
última; tudo deriva da matéria, associando o panteísmo ao ateísmo. Na outra, Deus compreende todo o
espaço, certa substância universal, tanto material como inteligente, que modela todas as coisas que
existem a partir de sua própria essência (SUTTLE, 2002, s.p.).
198
JACOB, 2008, p. 269.
199
Idem, ibid.
72
os camponeses. Parte dos sobreviventes seguiu professando a Reforma Radical, que
pretendia diferenciar-se do luteranismo majoritário. Definiam-se como verdadeiros
crentes, formando igreja espiritual separada do mundo, cujos membros derivavam do
contato espiritual direto com Deus. A experiência das revoltas deu-lhes esperança e
autoconfiança, e para suportar uma perseguição feroz, a certeza de que nenhuma
agência terrena, sacramento ou escritura representava a graça de Deus200. Em fevereiro
de 1527, uma assembleia desses radicais em Schaffhausen, a Schleitheim Geständnis
(confissão de Schleitheim), na Suíça, comandada por Michael Sattler201, líder da
Brüderlich Vereinigung, associação fraterna, elaborou sete artigos de fé, nos quais se
opunham ao batismo infantil – origem do nome anabatista –, rejeitavam os juramentos,
a excomunhão, as estruturas familiares tradicionais e a propriedade privada, e se
recusavam a portar armas. Sua associação com as Guerras Camponesas tornou-os
perigosos, expondo-os à repressão202. Tanto católicos como protestantes executaram
mais de 600 anabatistas entre 1525 e 1533; os anabatistas viam em sua perseguição a
resistência à verdadeira igreja espiritual de Cristo. O movimento sobreviveu travestido
de um pacifismo cristão nos Países Baixos, na Suíça e na Prússia203.
200
WALLACE, 2004, p. 88.
201
Michael Sattler (1490–1527) foi um monge beneditino que trocou a Igreja Católica durante a Reforma
Protestante, da qual divergiu, tornando-se um dos primeiros líderes anabatistas. Responsável pela
Confissão de Schleitheim, foi preso pelas autoridades austríacas, junto com vários outros anabatistas,
torturado e morto pouco depois.
202
WALLACE, 2004, p. 88.
203
Idem, ibid., p. 89.
73
(1693) –, de um duvidoso Gabriel de Foigny, e A voyage into Tartary, containing a
curious description of that country (1689) – uma viagem ao Tartário, contendo uma
descrição curiosa desse país –, de um não menos incerto Heliogenes205. A literatura
utópica de viagens buscou, de forma não totalmente explícita, discutir a necessidade da
religião, abrindo novas perspectivas para a crítica. Na década de 1720, filósofos como
Montesquieu (1689–1755) e Voltaire (1694–1778) adotaram o gênero, fortalecendo-o
como veículo de crítica ao clero cristão, às suas doutrinas rígidas e à intolerância206.
204
JACOB, 2008, p. 269-270.
205
Gulliver’s travels – As viagens de Gulliver (1726) –, de Jonathan Swift, e Robinson Crusoe (1719), de
Daniel Defoe, mesmo tendo seus autores devidamente identificados, seguiram a mesma linha.
206
JACOB, 2008, p. 271.
207
O termo freethinker foi usado inicialmente para definir filósofos e cientistas dos séculos XVI e XVII,
que acreditavam que o pensamento somente seria livre quando libertado das limitações impostas pelas
religiões. Apareceu pela primeira vez por William Molyneux em uma carta a Locke, em 1697, na qual
chamava Toland de a free candid freethinker, um livre-pensador sincero (LAUER, 2003, v. 5, p. 966).
Quinze anos depois, o termo voltou a aparecer impresso no texto de Jonathan Swift, The sentiments of a
church of England man (1708) – os sentimentos de um homem da igreja da Inglaterra –: assim, os ateus,
74
portanto, obviamente posterior208. O texto apresenta Moisés, Jesus e Mohammed como
três grandes impostores da história. Os três seriam manipuladores, que instituíram
regramentos religiosos para obter controle político da população; dessa forma, as
religiões decorrentes dos impostores também seriam imposturas e embustes209. O livro
transcreve de maneira exata uma teoria psicológica sobre o porquê de os seres humanos
aceitarem a religião, apresentada inicialmente por Espinosa no Livro I da Ethica, ordine
geometrico demonstrata (1677) – ética, demonstrada em ordem geométrica210. Mais que
um panfleto de propaganda banal, o Traité exprimia uma visão de mundo sem recorrer a
nenhuma história de revelação, e na qual Deus não é um ator dos eventos humanos;
apresenta uma completa rejeição do judaísmo, cristianismo e islamismo como religiões
históricas, movimentos políticos mantidos vivos por causa do poder sacerdotal e da
superstição humana, ignorância e credulidade211. O texto expõe um mundo sem
sobrenatural ou crenças religiosas, que pode ser explicado a partir de fenômenos
naturais.
75
A partir da década de 1740 a Europa viu-se novamente envolta em guerras –
Prússia e Áustria pela posse da Silésia (1744-1745); a Guerra da Sucessão Austríaca
(1740–1748) entre vários estados, e a tentativa de revolução nos Países Baixos
patrocinada pela Inglaterra (1747–1748) –, trazendo instabilidade para todo o
continente. A crítica ao poder dos governantes absolutistas e a seus desejos imperiais
provocou o aumento da agressividade da heresia filosófica213. Denis Diderot (1713–
1784) publicou Les bijoux indiscrets (1748) – as joias indiscretas –, no qual o rei Luís
XV foi retratado como um sultão que, com um anel mágico, conseguia conversar com
os genitais das mulheres, as bijoux214. Les bijoux indiscrets (as jóias indiscretas ) foi a
primeira de uma série de romances pornográficos, claramente materialista e críticos. Na
mesma linha estava Memoirs of a woman of pleasure (1749) – memórias de uma mulher
de prazer –, também chamado Fanny Hill, que é uma anglicização do latim mons
veneris, monte de Vênus215, de John Cleland (1709–1789). No mesmo ano foi editado
Thérèse philosophe (filósofa Teresa), atribuído ao marquês d’Argens, Jean-Baptiste de
Boyer (1704–1771), amigo de Voltaire e crítico do catolicismo. Thérèse é uma jovem
sexualmente precoce, que, depois de anos em um convento, torna-se aluna de um padre
jesuíta que lhe ensina o que é o materialismo, e que, mais tarde, passa a se prostituir.
Essas ficções, por meio do materialismo, hedonismo e ateísmo, não conheciam
restrições morais, e têm uma posição subversiva com relação à autoridade estabelecida,
promovendo o livre-pensamento e a heterodoxia216. Em paralelo surgiram obras
filosóficas materialistas, como L’Homme machine (1747) –o homem máquina–, de
Julien Offray de La Mettrie, que defendia que os seres humanos eram máquinas
sensíveis e automovíveis, sem nenhum elemento sobrenatural como a alma; o
pensamento, o sentimento e a moral eram partes da matéria. Essas obras, apesar de
bastante distintas, adotavam um materialismo panteísta, afastando a necessidade da
divindade como fonte da vida.
213
JACOB, 2008, p. 274.
214
No ano seguinte Diderot lançou Lettres sur les aveugles a l’usage de ceux qui voient – cartas sobre os
cegos para uso por aqueles que vêm –, tratando de problemas de visão como metáfora e questionando as
verdades religiosas estabelecidas. Os dois livros lhe garantiram alguns meses de prisão.
215
SUTHERLAND, 2017, s.p.
216
JACOB, 2008, p. 275.
76
Um folheto anônimo e clandestino, publicado em data incerta entre 1720 e 1740
e dedicado em homenagem a Anthony Collins, apresentou a posição de forma sucinta.
O texto Le philosophe in nouvelles libertes de enser, ou Le philosophe (o filósofo em
novas liberdades de pensamento) – origem do uso da palavra que se popularizou como
sinônimo de pensador radical do Iluminismo217 –, afirmava que a existência de Deus é o
mais difundido e profundamente enraizado de todos os preconceitos. Em substituição
ao ente divino, o filósofo colocava a sociedade civil; a única divindade que ele
reconhecerá na Terra218. Dessa forma, o livre-pensador afastava de suas preocupações
qualquer sentimento e esperança sobrenatural, passando a viver o mundo tal como ele
está aqui e agora.
217
O texto Le Philosophe foi a base do artigo de Diderot e D’Alembert com o mesmo título na
Encyclopédie, ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers (enciclopédia, ou dicionário
racional das ciências, das artes e dos ofícios); foi a partir dele que a palavra filósofo foi incorporada
(O’HIGGINS, I970, p. 203 e 223).
218
JACOB, 2008, p. 276.
219
Muito antes de Diderot e D’Alembert, a primeira enciclopédia foi elaborada na década de 70 EC, por
Plínio, a Naturalis Historiae (história natural), com 37 livros e 2.493 capítulos; Isidoro de Sevilha, por
volta de 630, escreveu a primeira enciclopédia da Idade Média, a Etymologiae (etimologia) ou Origines
(origens); a partir de 830, Rabanus Maurus escreveu a enciclopédia mais popular da era carolíngia, a De
universali natura, De natura rerum, e De origine rerum (do mundo natural, da natureza das coisas, da
origem das coisas), com 22 livros e 325 capítulos (CHISHOLM, 1911, v. 9, p. 369-382).
77
Rousseau, música e teoria política; e Voltaire, história, literatura e filosofia. Sua edição
completa teve 35 volumes, com mais de 23 mil páginas, editada ao longo de mais de 20
anos.
220
MARTINA, 1994, p. 300. O autor afirma que o catolicismo não tinha tranquilidade e a segurança
psicológica necessárias para uma obra semelhante, uma vez que: não encontramos filósofos católicos
originais no século XVIII, nem apologistas influentes que apresentaram o dogma de uma forma
convincente e provaram sua correspondência com as necessidades do século (idem, ibid.).
221
LAUER, 2003, v. 5, p. 208-201.
222
MARTINA, 1994, p. 301.
78
Iluminismo foi além, rejeitando não só a Igreja, mas toda revelação. O novo mundo que
nascia estava em oposição e em confronto com a Igreja Católica.
O iluminismo católico
223
Fernando I (1503–1564) foi imperador do Sacro Império Romano-Germânico de 1556 a 1564, mas
também foi rei da Boêmia e da Hungria, a partir 1526, e rei da Croácia, de 1527 até sua morte. Foi
escolhido negociador da paz por ter boas relações com os príncipes revoltosos.
79
permitiu aos príncipes do Sacro Império adotar sua religião livremente – luteranismo ou
catolicismo224 –, reafirmando, assim, sua soberania sobre esses domínios. Os súditos
que não aceitassem a religião do príncipe poderiam emigrar para outra região225. Dessa
forma, tornou-se permanente e legal a divisão do cristianismo dentro do Sacro Império
Romano-Germânico: somente depois de uma guerra que os consumiu durante 30 anos
que os alemães, esgotados, foram capazes de perceber que poderiam fazer do princípio
da igualdade [e tolerância] religiosa a base para a paz. O que começara essencialmente
como uma guerra civil religiosa entre os estamentos do Sacro Império Romano
terminou com o acordo de paz entre os senhores territoriais, emancipados em príncipes
soberanos226.
224
O acordo de paz permitiu somente o luteranismo, excluindo o calvinismo e o anabatismo. As minorias
não tiveram reconhecimento legal até a Paz de Westfália em 1648.
225
O acordo de paz permitia que os súditos que divergissem da religião do soberano poderiam mudar-se,
contudo nada dispunha com relação a seus bens e posses.
226
KOSELLECK, 2006, p. 27.
227
A formulação cuius regio, eius religio foi forjada a posteriori, não existindo na época do acordo
(OZMENT, 1980, p. 259).
228
Protestantes ignoraram em grande parte a reserva, no entanto seu sucesso em usurpar tais escritórios e
rendas se tornou um fator importante na eclosão da Guerra dos Trinta Anos, na primeira metade do século
XVII (OZMENT, 1980, p. 259).
229
Sobre Carlos V, Martin Lutero escreveu em 1540: Ele não compreende nossa causa, mesmo quando
alguém lê nossos livros para ele. Se ele fosse um Scipio, um Alexandre ou um Pirro, ele romperia a rede
80
O Iluminismo, ao professar as liberdades – política, de pensamento, de
expressão, de imprensa e religiosa – deixava subjacente o fundamento de que a
verdadeira autoridade não era proveniente de Deus, ou do governante, mas, sim, dos
governados. Um pensamento extremamente subversivo em meio das monarquias
absolutas e de um papado aferrado à ideia de um cristianismo uno que há muito
desaparecera, ou nunca existira.
papal e conquistaria os próprios alemães. Ele começa muitas coisas, mas completa poucas. Ele capturou
Tunis, depois a deixou ir; conquistou a França [em Pavia], mas depois a restaurou. A mesma coisa
aconteceu quando ele subjugou Roma [em 1527]. Ele não segue adiante com nada. Ele cede facilmente
nas negociações e isto não é porque ele é um espírito generoso. [...] Philip [Melanchthon] disse que a
Alemanha é Polifemo cego. Esse é o maior fardo que um país deve suportar: estar sem um governante
(Luthers Werke in Auswahl (1538), 1950, p. 206, apud OZMENT, 1980, p. 260).
230
O’MALLEY, 2018, p. 37.
231
A chamada Paz de Westfália, conjunto de acordos e tratados que, em 1648, puseram fim a duas
guerras: a Guerra dos Oitenta Anos ou Revolta Holandesa (1568–1648), guerra de secessão dos Países
Baixos perante a Espanha, e a Guerra dos Trinta Anos (1618–1648), que envolveu o Sacro Império
Romano-Germânico e quase todos os países europeus por motivos variados – rivalidades religiosas,
dinásticas, territoriais e comerciais. Ao conjunto de tratados é creditada a origem do direito internacional,
do sistema dos Estados modernos e o nascimento do conceito de soberania territorial.
81
no interior da Igreja gerou o iluminismo católico232, em parte inspirado pelas reformas
do Concílio de Trento, que dava ênfase à autoridade dos bispos.
232
LEHNER, na introdução do livro A companion to the catholic enlightenment in Europe (2010, p. 1-
61), faz uma longa apresentação mostrando como o conceito de iluminismo católico foi construído e
incorporado à academia de todo o século XX. O termo foi introduzido pelo historiador alemão da Igreja
Sebastian Merkle em 1908, insistindo que o conceito deveria ser considerado um fenômeno histórico que
se destacava dentro do Iluminismo geral. Os críticos religiosos passaram a rejeitá-lo, uma vez que
associava a Igreja Católica ao agnosticismo e ateísmo iluminista, assim como às correntes de pensamento
das igrejas protestantes. A evolução do debate desaguou na realização de um simpósio na Alemanha em
1988, que discutiu a originalidade dos ideais do iluminismo católico no país. Lehner é autor de diversos
livros sobre o tema.
233
LEHNER, 2010, p. 16.
234
Os bispos geralmente reclamam de que a colheita é realmente grande, mas os operários são poucos.
Talvez também se devesse lamentar que os bispos não gastaram os esforços necessários para preparar
bons operários suficientes para a colheita. Trabalhadores bons e fortes não nascem, mas são feitos. Mas
a sua criação é um assunto para o trabalho e a habilidade dos bispos (BENTO XIV, encíclica Ubi
Primum, 1740).
82
Congregação do Concílio, pelo papa Pio IV, para supervisionar as reformas
determinadas pelo Concílio de Trento235. A Sagrada Congregação do Índice, o Index,
criada em 1571 por Pio V, tinha como função examinar e licenciar os livros permitidos
para os católicos; ele também criou no ano seguinte a Congregação dos Bispos e
Regulares. Além dessas, na mesma época, havia uma série de comitês sobre temas
específicos – guerra com os turcos, heresia, reforma das leis canônicas, inundação do
Rio Tibre, etc. Em 1588, o papa Sixtus V organizou o sistema de administração da
Igreja em sete congregações para o governo dos Estados Pontifícios – milho, frota,
impostos, universidade de Roma, estradas e pontes e água, editora e consulta –, tendo as
quatro já existentes para os temas próprios da igreja – Inquisição, Concílio, Índice,
Bispos – e também criando mais duas: Sagrada Congregação dos Ritos, para determinar
as cerimônias, a Congregação para a Construção de Templos, e a Congregação da
Doutrina Cristã e Regulares, para resolver disputas entre monges e freiras, da mesma
forma que a Congregação dos Bispos deliberava sobre as disputas entre os bispos. A
reforma da estrutura marcou a transição da igreja medieval para a igreja moderna236.
Nos séculos seguintes novas congregações temporárias e permanentes foram criadas; a
importância que cada papa dava aos vários temas determinava o tamanho e a
importância de cada congregação. A Inquisição tinha precedência sobre as outras
congregações, tanto que alguns papas mantiveram a presidência para si, podendo agir
em toda a Igreja, e convocar o braço secular em seu auxílio para assuntos relacionados
não apenas à heresia, mas também à imoralidade, à blasfêmia, à simonia e à magia237. A
Inquisição, desde sua organização como uma congregação, quase sempre atuou em
conjunto com o Index, sendo ambas as verdadeiras executoras da política do papa, ou
das crenças do pontífice reinante, sobre a natureza e a definição da tradição católica238.
235
A Congregação do Concílio teve suas funções aumentadas lentamente: Por muitos anos após sua
fundação, teve uma pequena esfera de influência; na segunda metade do século XVII seu poder
aumentou, até que por volta de 1720 governou grandes áreas da vida pastoral da Igreja; diretamente nos
Estados Papais, muito claramente em quase todo o resto da Itália, menos na Espanha, menos ainda na
Alemanha católica, e não na França (CHADWICK, 1981, p. 337).
236
Idem, ibid., p. 321-322.
237
Idem, ibid., p. 323.
238
CHADWICK, 1981, p. 331.
83
Em meados do século XVIII os bispos gradualmente haviam se afastado de
Roma e, claramente, davam mostras de que não mais aceitariam intervenções papais239.
Parte dessa independência surgira após o Concílio de Trento (1545–1563), convocado
pelo papa Paulo III, buscando assegurar a unidade e a disciplina eclesiásticas da Igreja
Católica após o terremoto causado pela Reforma Protestante. Durante o concílio ficaram
claros dois movimentos distintos: Roma procurou fortalecer o papado, ao passo que boa
parte dos bispos, liderados pelos franceses, tentou por anos aprovar o ius divinum
(direito divino), do episcopado. Segundo esse princípio, os bispos teriam autoridade
carismática para governar a Igreja como sucessores dos apóstolos, recebendo seu poder
diretamente de Deus. Mais tarde, posições conciliaristas, como jansenistas e galicanas,
conforme se verá no galicanismo, associaram essa ideia à suposição de que o papa não
possuiria jurisdição universal dentro da Igreja, e dessa forma não poderia interferir no
governo dos bispos dentro das igrejas nacionais240. Os decretos de Trento não
aprovaram o ius divinum, mas mantiveram os poderes dos bispos, obtidos
anteriormente. Os documentos reconheceram a espiritualidade episcopal, mas também
fixaram suas diretrizes administrativas; os bispos tinham poder disciplinar para restaurar
a organização religiosa241; Trento determinou aos bispos residir na diocese, passando a
ter maior proximidade com o clero, nas paróquias, e com as ordens religiosas, devendo,
assim, dedicar mais empenho à educação nos seminários242.
239
LEHNER, 2010, p. 20.
240
Para mais informações sobre as origens e a história do conciliarismo ver TIERNEY, Foundations of
the conciliar theory: the contribution of the medieval canonists from gratian to the great schism, 1968.
241
FORRESTAL, 2004.p. 33-34.
242
LEHNER, 2010, p. 20.
84
católica; desejavam novos cultos, uso dos idiomas locais, redução do excesso de
superstições e da credulidade para com imagens, quadros ou relíquias. A Igreja deveria
garantir a felicidade nesta vida, uma vez que já salvaguardava a felicidade na vida
futura. Mesmo não admitindo, esses reformadores católicos se aproximavam do
pensamento protestante244.
243
Idem, ibid., p. 48.
244
CHADWICK, 1981, p. 391-392.
245
LEHNER, 2010, p. 29. Neste trabalho, buscando restringir o estudo ao tema, propositalmente foram
deixados de lado o pensamento iluminista protestante –, John Milton e John Toland – e o judaico, o
Haskalá – Moisés Mendelssohn e Aaron Halle-Wolfssohn –; o protestante Locke e o judeu Espinosa
foram abordados no trecho referente ao Iluminismo geral.
246
Estudos sobre vários desses intelectuais – Nicolas-Sylvestre Bergier (1718–1790), Adrien Lamourette
(1742–1794), Benedict Stattler (1728–1797), Josep Climent i Avinent (1706–1781), Luke Joseph Hooke
(1714–1796), entre outros – podem ser encontrados em BURSON; LEHNER. Enlightenment and
catholicism in Europe: a transnational history, 2014.
247
LEHNER, 2016, p. 9 da edição digital.
85
cultos pagãos248. A crítica à idolatria era uma tentativa de romper com as tradições
cristãs típicas da Idade Média; a redução da sensibilidade mítica. Muratori escreveu
textos sobre a história italiana e da Igreja; entre 1738 e 1743, publicou em Milão
Antiquitates italicae medii aevi (antiguidades italianas da Idade Média), em cujo
terceiro volume imprimiu pela primeira vez a lista primitiva de livros do Novo
Testamento, o Cânone Muratori249. Em sentido contrário, os jesuítas, que operavam as
escolas mais numerosas e prestigiadas da Europa, continuavam a ensinar uma filosofia
ainda pautada pela época da criação da ordem, em 1534250. Essa fidelidade a um
pensamento filosófico ultrapassado alimentou a imagem de que a Companhia de Jesus
era adversária do progresso científico, o que não era verdade; a ordem, desde seu início,
manteve uma tradição de proximidade com a ciência e a pesquisa251. Como exemplo
dessa relação pode ser citada a publicação Journal de Trévoux, formalmente Mémoires
pour l’Histoire des Sciences & des Beaux-Arts, ou Mémoires de Trévoux, uma revista
acadêmica que começou a ser publicada mensalmente na França a partir de janeiro de
1701; depois da expulsão dos jesuítas passou a se chamar Journal de Littérature, des
Sciences et des Arts, desaparecendo finalmente em dezembro de 1782.
248
Idem, ibid., p. 39.
249
O Cânone Muratori, ou Fragmento Muratoriano, é um manuscrito latino do século VII, tradução de um
original grego escrito por volta de 170 EC, com a mais antiga lista dos livros do Novo Testamento.
Descoberto por Muratori, foi encontrado na Biblioteca Ambrosiana de Milão. A formação definitiva do
cânone do Novo Testamento somente ocorreu em 367, com a lista composta pelo bispo Athanasius de
Alexandria (SUNDBERG JR., 1973).
250
O’MALLEY, 2018, p. 40.
251
Uma história geral da Companhia de Jesus pode ser encontrada em O’MALLEY, The jesuits: a history
from Ignatius to the present. Sobre a relação dos jesuítas com as ciências ver UDIAS, Searching the
heavens and the earth: the history of jesuit observatories, 2003, e FEINGOLD, Jesuit science and the
republic of letters, 2002.
252
CHADWICK, 1981, p. 395.
86
O mais importante deles foi a congregação beneditina de Saint-Maur na França,
próxima de Verdun. A história sempre teve papel importante no monaquismo253; não só
pelo estudo, também pela manutenção das tradições relativas a cada ordem. Os monges
beneditinos franceses de Saint-Maur transformaram o estudo em uma missão, o que
acabou por influenciar a ordem e o mundo católico como um todo. Os maurícios,
movidos por ideais humanistas, incentivaram a educação e os estudos acadêmicos, a
concessão de bolsas de estudo, construção e melhoria de um sistema de bibliotecas; a
congregação inspirou beneditinos da França e dos reinos germânicos254.
253
O termo “monaquismo” origina-se da palavra grega monadzein, ou viver em solidão, prática presente
em muitas religiões. No cristianismo, refere-se à vida nos mosteiros.
254
LEHNER, 2011, p. 11-12. O autor faz um estudo detalhado sobre o iluminismo católico entre os
beneditinos.
255
LEHNER, 2016, p. 13 da edição digital.
256
Idem, ibid.
87
original. Se o ser humano poderia se afastar do mal por meio da educação, como em
Rousseau, não havia necessidade de uma prova de Deus. Da mesma forma, os castigos
divinos e a ideia de que este seria o melhor dos mundos possíveis, defendida por autores
como Gottfried Leibniz (1646–1716) e Alexander Pope (1688–1744), não tinham
sentido para os iluministas radicais258. Os milagres podiam ser explicados por causas
naturais, o que, dessa forma, provaria que o catolicismo era falso. Argumentou-se que
os ritos de devoção – o rosário, a adoração eucarística, as orações pelas almas – eram
irracionais259. Em resposta, o padre inglês Thomas White (1592–1676) havia
respondido às críticas com seu livro Devotion and reason: wherein modern devotion for
the dead is brought to solid principles and made rational (1661); duas eram as teses
centrais: o rosário encontrava suas raízes na Bíblia, e que a oração pelos mortos nada
tinha a ver com histórias de fantasmas. Para White, a razão usada honestamente, sem
preconceitos, não colidia com a fé260.
O autor que mais corajosamente refutou os ataques à sua igreja foi o teólogo
católico francês, e ex-jesuíta, Nicholas Bergier (1718–1790), cujos textos rebateram as
teses daquilo que chamou de inconsistências nas obras de iluministas deístas, que não
acreditavam no Deus bíblico, mas sim em um princípio divino impessoal. Amigo íntimo
de Diderot, foi colaborador da Encyclopédie e escreveu parte do verbete Théologie.
Polemizou com Rousseau em Le déisme réfuté par lui-même ou examen en forme de
lettres des principes d’incrédulité répandus dans les divers écrits de M. Rousseau
(1765) – o deísmo refutado por si mesmo ou um exame em forma de carta dos
princípios de descrença espalhados nos vários escritos do Sr. Rousseau –, livro que teve
várias edições em francês, italiano e alemão, argumentando: Poderia Deus [...] obrigar-
257
GREYERZ, 2008, p. 190.
258
Voltaire, em 1756, escreveu o Poème sur le désastre de Lisbonne, poema sobre o desastre de Lisboa, ,
uma dura resposta à Igreja, que havia atribuído a um castigo divino, pelos pecados da cidade, o terremoto
de Lisboa, que em 1º de novembro de 1755 devastou a capital portuguesa, matando mais de 60 mil
pessoas. [...] Diga, você então que se mantém segundo as leis eternas, / Quem é o Deus que faz
crueldades como esta? / Enquanto você vê estes fatos repletos de horror, / Manterá que a morte é um
castigo para seus crimes? / E podeis então imputar um ato pecaminoso / A bebês que sangram no seio de
suas mães? [...] (VOLTAIRE, 2009, p. 157-165). Sobre os reflexos do terremoto no pensamento
iluminista ver ISRAEL, Democratic enlightenment: philosophy, revolution, and human rights, 2011, p.
39-55, “Earthquakes and the human condition”.
259
LEHNER, 2016, p. 13 da edição digital.
260
Idem, ibid.
88
nos a acreditar em dogmas incompreensíveis que não estivessem de acordo com nossas
ideias naturais?261. Contra Paul d’Holbach escreveu Examem critique ou réfutation du
système de nature (1770) – exame crítico ou refutação do sistema da natureza –,
advertindo dos efeitos socialmente nocivos do materialismo262. No início da década de
1770, Bergier teria se convencido de que a adesão católica aos ensinamentos de Santo
Agostinho sobre a graça teria prejudicado a religião. Para Agostinho, apenas os
batizados poderiam ser salvos; Bergier, ao contrário, defendeu que a graça de Deus
estava disponível para toda a humanidade, até mesmo àqueles não batizados, como os
indígenas das Américas e da Oceania. Visto que muitos deles não podiam conceber
claramente a ideia de Deus, sua relutância em aceitar a fé cristã não deveria ser
pecaminosa263.
261
Citado por BURSON (2010, p. 109).
262
BURSON, 2010, p. 110.
263
LEHNER, 2016, p. 16 da edição digital.
264
GREYERZ, 2008, p. 191.
89
Gradativamente e por séculos a monarquia da França obteve o controle do
clero nacional, ao mesmo tempo em que Roma assistia à redução de seu poder dentro do
território francês. Essa situação, a princípio de fato, tornou-se uma realidade jurídica
com a assinatura da Concordata de Bolonha entre o rei Francisco I e o papa Leão X em
1516. O documento, que reconciliou e assentou em parte os conflitos da Igreja com a
França265, possibilitou ao monarca, oficialmente, indicar diretamente candidatos para os
bispados e arcebispados vagos, assim como preencher vagas nas principais abadias e
mosteiros do reino. Há muito a monarquia francesa declarava-se independente do papa
do ponto de vista temporal e que seu poder derivava de Deus, ou porque os recebia
diretamente dele ou porque o obtinha por legitimação da nação, e agora isso era uma
realidade. A partir dessa independência, em nome da soberania, a Concordata deu ao rei
a autoridade para exercer seu poder sobre a Igreja, situação que duraria até a Revolução
Francesa. O acordo referendou para o território francês uma deliberação do Concílio de
Constance (1414–1418), segundo a qual o papado renunciou, ao menos
temporariamente, às rendas de igrejas e mosteiros em território francês; em 1418, o
papa Martinho V, recém-eleito, sugerira a medida para acalmar os representantes
franceses no concílio266. Por fim, a Concordata de Bolonha fortaleceu a posição do
episcopado que reivindicava subordinar a autoridade dos papas à dos concílios gerais,
conforme fora estabelecido no Concílio de Constance, princípio doutrinário do
galicanismo teológico267, que foi reafirmado no Concílio da Basiléia (1431–1449)268.
265
Os conflitos entre Roma e França existiam, ao menos, desde o início do século XIV, na disputa entre
Filipe IV e o papa Bonifácio VIII, que resultou na tentativa de deposição do papa e na transferência do
papado para a cidade de Avignon.
266
THOMAS, 1910, p. 166.
267
Idem, ibid., p. 5-7. O autor diferencia o galicanismo teológico – o direito de o clero francês eleger seus
líderes, o direito de julgar seus membros e o direito de tributar a si mesma – do galicanismo
parlamentar, que removeu da autoridade espiritual, e atribuiu ao poder temporal, todas as coisas sobre
as quais o Estado poderia ter o controle, como por exemplo os bens eclesiásticos (idem, ibid., p. 8).
268
O Concílio da Basiléia, ou Concílio de Florença, ou ainda Concílio de Ferrara, foi marcado por intenso
conflito entre as posições conciliares dos bispos e a autoridade do papa Eugênio IV, pontífice entre 1431
e 1447. Sobre o concílio ver ALBERIGO, 2015, p. 237-255.
90
foram adotadas pela Universidade de Paris, e ganharam força entre o episcopado e no
meio intelectual269. O movimento de emancipação do clero francês alcançou seu auge
com Luís XIV. Criado num ambiente galicano, em 1682, o jovem rei entrou em conflito
com o papa Inocêncio XI quanto à extensão da autoridade real em assuntos
eclesiásticos270. No mesmo ano, o monarca convocou uma assembleia geral
extraordinária do clero da França, buscando renovar a doutrina da França sobre o uso
do poder dos papas, que somente seria possível obter pela autoridade dos próprios
bispos, reunidos. A assembleia, composta por dois bispos e dois sacerdotes de cada
província eclesiástica, em 19 de março de 1682 aprovou a declaração Quatre articles,
reafirmando sua independência perante Roma271.
269
[...] na França a liberdade foi preservada mais do que qualquer outra nação católica, e isso não quer
dizer que tenha sido emancipada; foi franca e livre de sua primeira origem; preservou-se melhor do que
as outras em sua origem, sem abandonar seus direitos, algo que não existe nos países obedientes [ao
papa]. A liberdade da Igreja Galicana pode conviver com a dignidade da Santa Sé, e não são duas coisas
contrárias uma à outra: ambas são legítimas, o que faz com que a preserve como igreja, afastando uma
natureza herética (Les libertés de l’Église Gallicane, apud DUPIN, 1845, p. 1-3, tradução livre).
270
MACCAFFREY, 1914, p. 252 e ss.
271
COLLOMB, s.d.
272
DUPIN, 1845, p. 104.
273
Idem, ibid., p. 105.
274
FORRESTAL, 2004, p. 29.
275
Sobre o Concílio de Constance ver ALBERIGO, 2015, p. 221-236.
91
O terceiro artigo da declaração Quatre articles invocava as liberdades
galicanas, que seriam de longa data e portanto invioláveis, e que deviam ser respeitadas
pela Santa Sé, restringindo o exercício do primado papal no reino de França: que as
regras, morais e constituições emanadas pelo reino e pela Igreja Galicana devem ter
sua força e virtude, e que os costumes de nossos pais devem permanecer inabaláveis276.
O quarto artigo indiretamente invocava a falibilidade do papa, que seria o ponto central
do Concílio do Vaticano, duzentos anos depois. Afirmava que, embora o papa tenha a
parte principal em questões de fé, e que seus decretos digam respeito a todas as Igrejas,
e a cada Igreja em particular, seu julgamento não é irreversível, a menos que receba o
consentimento da Igreja277. Em 14 de janeiro de 1691, exatos 17 dias antes de morrer, o
papa Alexandre VIII, em seu último ato, condenou a declaração do clero francês,
anulando seus efeitos, sem, contudo, condenar seus autores278.
276
DUPIN, 1845, p. 106.
277
O’MALLEY, 2018, p. 26-27, e DUPIN, 1845, p. 106.
92
faz um estudo profundo dos Concílios de Constance e da Basiléia (1431–1449),
sintetizando antigas aspirações do clero enraizadas profundamente na igreja imperial
alemã, mas que também repercutia nos outros cleros regionais, não escondia um plano
maior: reunir toda a cristandade em torno de uma ideologia religiosa conciliarista
comum279. Febronius defendeu que a cúria deveria ser vigiada, com a convocação dos
concílios nacionais; os príncipes deveriam agir para reformar o catolicismo, com a
defesa das igrejas nacionais pelos príncipes; o poder não poderia ser exercido sem
mandato280. De statu ecclesiae foi imediatamente colocado no Index Librorum
Prohibitorum, lista de livros proibidos, o que contribuiu ainda mais para sua divulgação,
com traduções para francês, alemão, espanhol, italiano e português, e deu origem ao
febronianismo.
278
AUBERT, 1976a, p. 415.
279
OAKLEY, 2003, p. 84-185.
280
CHADWICK, 1981, p. 408.
281
OAKLEY, 2003, p. 186.
93
país, assim como em toda a cristandade. Também eram movidos pelo desejo de
reformar o catolicismo, livrando-o dos vícios do passado. Para o imperador José II, o
Estado estava encarregado da missão histórica de purificar a Igreja da corrupção de
séculos. Defendia o fechamento de mosteiros, que fosse assegurado que os sacerdotes e
bispos fossem bem qualificados, a correção dos cultos supersticiosos dos camponeses e
pressionava o clero por uma educação melhor. A resistência dos Habsburgos ao papado
também se fundava em causas políticas. Desde o início do século, a Santa Sé havia
tomado posições que colidiram com os interesses da família. A mais importante ocorreu
durante a Guerra de Sucessão Espanhola (1701–1714). O ramo espanhol dos
Habsburgos foi rompido com a morte do rei Carlos II, em 1700, que não deixou
herdeiros. Em razão do complexo sistema de casamentos nobiliárquicos, no ano
seguinte, Filipe de Anjou, neto do rei de França Luís XIV, tomou posse como Felipe V
de Espanha, dando início à dinastia Bourbon. O trono era reivindicado por Carlos,
irmão do imperador austríaco José I, que depois viria a ser o imperador Carlos VI. Os
conflitos acabaram por também envolver Inglaterra, França, Países Baixos e Portugal,
com reflexos nas fronteiras das colônias na América. O papa Clemente XI apoiou os
Bourbons e a Áustria foi derrotada282.
282
CHADWICK, 1981, p. 412-413.
94
Logo em seguida, o grão-duque Pedro Leopoldo I da Toscana, irmão de
José da Áustria e seu sucessor como imperador, implementou uma política semelhante
patrocinando o Sínodo de Pistoia em 1786. Durante dez dias cerca de 250 religiosos se
reuniram sob a liderança de Scipione de Ricci, bispo de Pistoia-Prato, para discutir a
limitação da autoridade na Igreja e, entre outras medidas, tentar eliminar as ordens
religiosas, mantendo um só corpo religioso. No ano seguinte, em uma convocação
episcopal em Florença, a maioria dos bispos toscanos recusou-se a apoiá-lo; o sínodo já
teria ido longe demais283. Tanto Leopoldo como Ricci eram jansenistas, e o programa
em Pistoia representava uma mescla de ideais do febronianismo e do Iluminismo, além
de uma influência jansenista tardia.
283
O’MALLEY, 2018, p. 31.
284
Idem, ibid., p. 33.
285
Filosofia dos primeiros séculos do cristianismo que elaborou as verdades da fé e elucidou os dogmas
da Igreja.
95
papa Urbano VIII; mais tarde, o papa Inocêncio X, com a constituição apostólica Cum
Occasione (1653), qualificou as teses jansenistas como heréticas. Em 1713, a bula
Unigenitus dei filius (único filho de Deus), promulgada pelo papa Clemente XI,
novamente condenou as teses jansenistas286. A bula, por demais abrangente, teria
representado um enfraquecimento da autoridade do papa287, e não conseguiu impedir a
aceitação das ideias jansenista pela elite da sociedade secular e clerical, especialmente
na França e em Nápoles. Na passagem para o século XVIII, o jansenismo era um
fenômeno em toda a Europa, influenciando os movimentos que contestavam o
excessivo poder do papa. A essa presença somou-se o pensamento iluminista,
extremamente crítico à religião e à Igreja. Em 1764, os jesuítas foram expulsos da
França, uma vitória do jansenismo contra a Companhia de Jesus288; a proscrição foi
precedida de uma intensa campanha promovida pelo jornal jansenista Nouvelles
Ecclésiastiques, que, com uma tiragem de seis mil exemplares, construiu uma rede de
propaganda antijesuítica que atingiu até mesmo as colônias francesas na América289.
286
Declarados e condenados como falsos, capciosos, maliciosos, ofensivos aos ouvidos piedosos,
escandalosos, perniciosos, imprudentes, injuriosos à Igreja e à sua prática, insultando não só a Igreja,
mas também os poderes seculares sediciosos, impiedosos, blásfemos, suspeitos de heresia, e espancando
a própria heresia, e, além disso, favorecendo hereges e heresias, e também cismas, errôneos, próximos à
heresia, muitas vezes condenados, e finalmente hereges, renovando claramente muitas heresias,
respectivamente, e muito especialmente aquelas que estão contidas nas infames proposições de
Jansenius, e de fato aceitas no sentido em que estas foram condenadas (CLEMENTE XI, Unigenitus dei
filius, 1713).
287
CHADWICK, 1981, p. 393.
288
LEHNER, 2010, p. 23.
96
e na responsabilidade290. A abertura a novas correntes de pensamento, entretanto, não
afetou a maioria dos currículos das faculdades e de colégios jesuítas, que ainda se
baseava no Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Iesu (plano e organização de
estudos da Companhia de Jesus)291, de 1599.
289
VIAENE, 2012, p. 86. O jansenismo teve grande penetração entre as classes médias do norte da
península italiana, e suas posições contárias aos jesuítas em parte teriam contribuído para o fortalecimento
das ideias anticlericais presentes no movimento nacionalista Carbonari .
290
LEHNER, 2016, p. 15 da edição digital.
291
O Ratio Studiorum era a sistematização da pedagogia jesuítica, contendo 467 regras cobrindo todas as
atividades dos agentes diretamente ligados ao ensino, recomendando que o professor nunca se afastasse
do estilo filosófico de Aristóteles e da teologia de Santo Tomás de Aquino. Suas orientações visavam
atingir europeus, indígenas americanos e elite colonial, com ensinamentos orientados pelos valores
morais cristãos, dentro da lógica do Concílio de Trento.
97
ac Redemptor, que extinguiu a Companhia de Jesus e prendeu o superior-geral da
ordem, Lorenzo Ricci, sem julgamento prévio.
292
O’MALLEY, 2018, p. 34-35.
293
LEHNER, 2016, p. 15 da edição digital.
294
A Revolução Gloriosa derrubou o rei Jaime II da dinastia Stuart, um rei católico acusado de adotar
políticas em favor de sua religião em detrimento do protestantismo. Foi substituído por Guilherme III,
príncipe de Orange, um calvinista convertido ao anglicanismo. No ano seguinte foi aprovada a Bill of
Rights, que, entre outras coisas, proibiu que um católico voltasse a ocupar o trono britânico.
98
1.3. Revolução Francesa
295
As relações entre as principais correntes revolucionárias e os autores iluministas já foram fruto de
muita pesquisa e estudos. Apenas deve-se destacar a grande influência das obras de Voltaire sobre o Club
Cordelier, de Danton e Marat; por sua vez, o pensamento de Rousseau, em especial Du contrat social
(1762) – do contrato social –, marcou a formação e atuação do Club Jacobin, e de jacobinos, como
Robespierre, Saint-Just e Couthon (BRANDES, 1906, p. 16-18). Saint-Just repetiu Rousseau quando
discursou no Parlamento exigindo a morte de Luís XVI: O contrato social é um contrato que os cidadãos
celebram entre si, e não um contrato com o governo (idem, ibid.).
99
ateísmo, mas uma condenação à noção de revelação, em oposição à razão, e a seu apoio
às monarquias absolutas.
296
MARTINA, 1995, p. 14.
297
LATREILLE, 2003, v. 5, p. 971.
100
requisito religioso poderá ser erigido como condição para a nomeação para cargo
público298.
298
Constituição dos Estados Unidos da América, artigo VII. A liberdade religiosa somente seria incluída
no texto constitucional em 15 de dezembro de 1791, com a aprovação da Primeira Emenda: O Congresso
não legislará no sentido de estabelecer uma religião, ou proibindo o livre exercício dos cultos [...].
299
A Declaração Universal dos Direitos do Homem ampliou o Édito de Versalhes, vulgarmente
conhecido como o decreto de tolerância, que, assinado por Luís XVI em 7 de novembro de 1787, deu aos
não católicos na França o direito de praticar abertamente suas religiões, e status legal e civil, que
autorizava, por exemplo, casamentos fora do catolicismo. Pelo édito, o catolicismo romano continuou
como a religião do Estado do reino da França, mas foi permitida a existência de não católicos –
huguenotes, calvinistas, luteranos e judeus –, pondo fim às guerras religiosas no país.
300
BRANDES, 1906, p. 8.
301
PRICE, 2017, p. 13.
101
popular francesa, mas distante das classes médias e dos intelectuais302. As liberdades
galicanas, que davam autonomia ao rei perante o papa para decidir em questões
temporais, e restringiam o poder pontifício na França, permitiram maior liberdade do
clero.
302
LATREILLE, 2003, v. 5, p. 970.
303
A Dinastia Bourbon na França foi inaugurada por Henrique IV, que reinou entre 1589 e 1610,
sucedido por Luís XIII (1610–1643), Luís XIV (1643–1715), Luís XV (1715–1774) e Luís XVI (1774–
1792).
304
PRICE, 2017, p. 10-12.
305
LEFEBVRE, 2005, p. 40.
102
direito de cobrar certos impostos, os dízimos; da mesma forma, perdeu o poder de
administrar suas próprias propriedades. Os eclesiásticos passaram a ser cidadãos como
todos os outros e, dessa forma, sujeitos às leis do país306. No dia 2 de novembro de 1789
a assembleia aprova, por 568 votos a favor contra 346, a proposta do conde Mirabeau
(1749–1791), de expropriação dos bens do clero, especialmente as terras. No mesmo
dia, os constituintes aceitaram a proposta do bispo de Autun, Charles Talleyrand307, de
que as terras deveriam ser vendidas para salvar as finanças do Estado, e em
contrapartida foi aprovado que o governo francês pagaria os salários dos funcionários
eclesiásticos e manteria os hospitais e as escolas pertencentes à Igreja308. Em 13 de
fevereiro do ano seguinte, um ato do governo proibiu a formação de novos sacerdotes e
aboliu todas as ordens que não tivessem escolas ou hospitais, mas estavam proibidas de
terem novos membros309.
306
LATREILLE, 2003, v. 5, p. 971.
307
Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord (1754–1838), clérigo, foi abade de Saint-Denis, em Reims
(1776), e em 1780 tornou-se agente geral do clero junto ao governo da França. Por quatro vezes ocupou o
cargo de ministro dos Negócios Estrangeiros de Napoleão; foi constituinte após a queda do imperador, e
primeiro-ministro, durante o reinado de Luís XVIII.
308
LATREILLE, 2003, v. 5, p. 971.
309
LEFEBVRE (2005, p. 162) aponta que os revolucionários não estavam preocupados em travar uma
luta aberta contra o papado e o papa Pio VI , que comandava a Igreja com pouca autoridade. O objetivo
era exclusivamente econômico: o novo governo precisava de rendas e riqueza, e a igreja francesa as tinha.
103
condições econômicas e sociais da França. O Estado poderia tanto aproveitar esse
fundo, explorando-o, quanto ceder a propriedade, ou, ao menos, sua posse, aos
camponeses sem terra ou que possuíssem apenas uma área muito pequena. Mas a
questão agrária, durante o período revolucionário, acabou por se tornar um dos grandes
problemas que suas lideranças precisaram enfrentar310.
310
As polêmicas envolvendo a política agrária durante a revolução preencheram séculos de debates entre
pesquisadores, e ainda apresentam pontos nebulosos. Dois estudos bastante antigos, mas muito detalhados
descrevem o processo de expropriação, assim como suas consequências: LOUTCHISKY, Ivan
Vasilevich, Quelques remarques sur la vente des biens nationaux, e VIALAY, Amédée, La vente des
biens nationaux pendant la révolution française.
311
A Concordata de Bolonha (1516) foi um acordo assinado entre o rei Francisco I, da França, e o papa
Leão X. Pelo documento, o papado receberia toda a renda que a Igreja Católica dava na França, e o rei da
França passaria a ter o direito de indicar arcebispos, bispos, abades e priores, assim como restringir o
direito de recurso destes a Roma. A Concordata permitiu o crescimento do galicanismo.
312
A igreja constitucional foi extinta pela concordata assinada entre Napoleão Bonaparte e o papa Pio VII
em 15 de julho de 1801.
313
O termo Roi Très Chrétien é uma locução traduzida do latim christianissimus, superlativo do adjetivo
christianus, cristão. O termo começou a ser usado pelos papas atribuindo honra a um soberano escolhido
pelo papa. A partir de Carlos V, que reinou entre 1364 e 1380, passou a designar exclusivamente o rei da
França.
314
A reorganização buscava fazer coincidir as fronteiras das dioceses com os departamentos
administrativos civis (TACKETT, 2015, p. 107).
315
PRICE, 2017, p. 15.
316
CHADWICK, 1981, p. 446.
317
LEFEBVRE, 2005, p. 162.
104
rompeu com uma a noção católica de revelação. A preservação da Igreja, e de seu
governo, era parte do projeto de Deus, e o papado, também uma instituição divina, era
responsável pela manutenção desse plano. Afastar Roma das decisões da governança da
Igreja era romper os desígnios da Providência318.
318
WOODWARD, 1963, p. 236. Para o autor, a eleição representava uma decisão da Assembleia
conscientemente arcaica; seus membros escaparam da idade média “gótica” apenas para cair em uma
obediência mais rígida a um mundo mais antigo [...] assim como na teoria política, tentou-se voltar à
tradição das antigas cidades-Estado. A eleição era uma das salvaguardas da liberdade antiga e,
portanto, um princípio sagrado. Os puristas examinaram a história da igreja primitiva e descobriram
que ela permitia a eleição de seus oficiais pelos fiéis (idem, ibid., p. 238).
319
LEFEBVRE, 2005, p. 161.
320
Idem, ibid.
321
MARTINA (1995, p. 14) e PRICE (2017, p. 16) falam que foram quatro; LEFEBVRE (2005, p. 164)
aponta que sete bispos prestaram juramento.
322
Para TACKETT (2015, p. 11) muitos daqueles que fizeram o juramento acreditavam que a legislação
revolucionária iniciaria as reformas necessárias para a renovação espiritual do catolicismo na França.
323
MARTINA, 1995, p. 14.
105
Também dividida ficou a população em várias regiões do país, segundo suas
razões e características próprias, sendo que em algumas a cerimônia de juramento era
um verdadeiro referendo com relação à política religiosa da revolução. Nas regiões com
maior presença protestante, como em Languedoc ao sul e na Alsace ao leste, os
católicos acreditavam que o governo revolucionário queria convertê-los ao calvinismo
ou luteranismo. Da mesma forma, nas províncias mais periféricas, como Bretanha,
Normandia, Lorraine, Franche-Comté e os Pireneus franceses, a população, que em sua
maioria se manteve apoiando a Igreja Romana, estimulou o clero a não fazer o
juramento. Já nas regiões próximas de Paris e das províncias centrais, de uma maneira
geral, padres e paroquianos apoiaram o juramento324. Em muitas províncias a divisão
dava-se dentro da própria cidade, entre a área urbana, radical, e a rural, mais ortodoxa.
Os líderes patrióticos de Paris, no entanto, tinham pouco entendimento das
complexidades do processo de juramento, das pressões dos paroquianos ou das
sutilezas da teologia [...]. Para eles [os líderes], o juramento era essencialmente um ato
político325. Para os revolucionários mais exaltados, a recusa ao juramento dos sacerdotes
réfractaires era um ato contrarrevolucionário, que estava ligado aos bispos exilados e à
campanha da imprensa conservadora, que pedia uma cruzada para salvar a verdadeira
religião326.
324
Uma análise sociológica e geográfica dos sacerdotes em 1790 mostra que os jurados, constitucionais,
eram os mais antigos, que temiam perder a paróquia; a incerteza da velhice empurrava o sacerdote ao
juramento; as incertezas também teriam influenciado a opção pelo desejo de muitos de se casar, o que era
permitido segundo a Constitution Civile du Clergé, ou se dedicar a atividades econômicas como o
comércio. Muitos dos sacerdotes jurados teriam voltado à Igreja depois da queda de Napoleão
(TACKETT, Timothy, Regional culture in eighteenth century France: the ecclesiastical oath of 1791,
citado por MARTINA, 1995, p. 44).
325
TACKETT, 2015, p. 108-109.
326
Idem, ibid., p. 110.
106
seguissem o exemplo francês. Mas ainda havia o problema da divisão do clero
francês327.
327
CHADWICK, 1981, p. 447.
328
PIO VI, carta apostólica Ubi Communis, 1792.
329
PIO VI, carta apostólica Populi Cum, 1792.
330
Girondino é o como, durante a revolução, era designado o grupo de deputados que na Assembleia
Constituinte representava a burguesia e a pequena burguesia francesa. Nunca chegaram a se constituir
como uma facção organizada ou partido político, sendo que o nome foi atribuído pelos opositores, os
Montagnards, porque o grupo, durante as votações, havia se unido em torno de deputados de Gironde,
região no sudoeste da França, onde fica a cidade de Bordeaux.
331
Partidários do Club Jacobin, Club des Jacobins, também chamados de Montagnards, ou montanheses,
pela posição em que se sentavam no plenário da Assembleia Constituinte. Os partidários reuniam-se no
convento dominicano de São Tiago, ou Saint Jacobus em latim e Saint-Jacques em francês, dando origem
107
Desde o início da revolução, o rei Luís XVI fora mantido no cargo como
monarca constitucional, mas entre 1789 e 1791, seus poderes foram transferidos para a
própria Assembleia Nacional. Temendo por seu futuro, na condição de reclusa, a família
real realizou uma tentativa de fuga, em 20 de junho de 1791, buscando repetir o que as
tias do rei haviam feito em fevereiro. No dia seguinte o rei foi preso em Varennes, a
pouco mais de 200 quilômetros de Paris, já próximo da fronteira com os Países Baixos.
Apesar de representar um episódio menor, teve um grande impacto sobre os ânimos já
muito exaltados e inflamados. O rei acreditava que, se conseguisse escapar, conseguiria
obter apoio dos reinos europeus para a reconquista do poder. A viagem de volta a Paris
foi marcada por multidões que ameaçavam atacar a caravana real; um nobre, que fora
cumprimentar o rei, foi assassinado por um grupo de camponeses inflamados.
à palavra jacobino. Suas posições variaram muito ao longo do processo revolucionário, e foram se
extremando ao longo da evolução dos fatos. A radicalização das posições fez com que recebessem o
apoio das camadas mais pobres da população, os sans-culottes. O grupo era liderado por Maximilien de
Robespierre.
332
Arquiduque e arquiduquesa eram títulos nobiliárquicos dos Habsburgo, famílias imperiais da Áustria e
do Sacro Império Romano-Germânico, que começaram a ser usados oficialmente por Alberto VI, da
Áustria, em 1563. O arquiduque estava subordinado ao imperador, sendo, muitas vezes, a mesma pessoa.
333
A cidade de Koblentz, na Prússia, tornara-se um centro de abrigo de aristocratas refugiados franceses.
108
estar de Luís XVI e sua família, tomariam atitudes severas se algo lhes acontecesse334; a
declaração foi tomada como uma ameaça pelos franceses. Na Assembleia os girondinos
defendiam a declaração de guerra contra a Áustria, e que ela poderia desmascarar o rei,
consolidar a revolução e impor respeito no exterior. Por sua vez, os jacobinos
acreditavam que a guerra seria prejudicial, uma vez que a cúpula do exército era
composta por nobres fiéis ao rei; cerca de 70% dos generais eram aristocratas; para eles,
a vitória ou a derrota seriam favoráveis ao rei335.
334
BERTAUD, 1988, p. 59.
335
BERTAUD, 1988, p. 60.
336
TACKETT, 2015, p. 110.
337
Decreto de 19 a 23 de junho de 1790: Art. 1º – A nobreza hereditária é abolida para sempre;
consequentemente, os títulos de príncipe, duque, conde, marquês, visconde, vidame, barão, cavaleiro,
messire, escudeiro, nobre e todos os outros títulos similares [...] Art. 2º – Nenhum cidadão [...] pode usar
uniformes nem ter brasão [...] Art. 3º – Títulos de monsenhor e messeigneurs não serão concedidos a
nenhum órgão nem a qualquer indivíduo, nem a títulos de excelência, alteza, eminência, grandeza, etc.
[...]. (RONDONNEAU, 1817, p. 291, apud RIBERI, 2012, p. 307).
338
TACKETT, 2015, p. 111-112.
109
liderança dos girondinos, foi considerada uma estratégia para desviar a revolução para
uma guerra de conquista na Europa que permitiria à França enriquecer, além de
enfraquecer os jacobinos339. Nas primeiras batalhas o exército francês foi
fragorosamente derrotado. Os soldados acusaram os comandantes de traição, algumas
vezes matando-os; foi o que aconteceu com o general Théobald Dillon, conde Dillon,
que em 29 de abril de 1792, após perder uma batalha contra as forças austríacas em
Lille, foi assassinado por suas tropas, na fronteira com a Bélgica. Depois de meses de
derrotas, em 20 de setembro de 1792, os franceses conseguiram parar os austríacos na
Batalha de Valmy, a 190 quilômetros de Paris. O entusiasmo dos sans-culottes e a
confiança quase mística na revolução permitiram expulsar os exércitos invasores do
território francês antes do fim do ano340. Durante o Grande Terreur, em meados de
1794, o exército francês contava com três quartos de milhão de homens armados, um
elemento primordial para as sucessivas vitórias no campo de batalha341.
339
GAUTHIER, 2007, p. 82. Entre os girondinos havia o desejo de que os exércitos austro-prussianos
reprimissem a revolução e restaurassem o poder real. A declaração fora considerada uma traição, e, em
parte, provocaria a prisão do rei Luís XVI pelos jacobinos em 10 de agosto de 1792.
340
Um dos responsáveis por esse avanço foi Rouget de Lisle (1760–1836), um monarquista que não jurou
a Constituição. Escapou de morrer na guilhotina durante o Grande Terreur por ser o autor da canção La
Marseillaise, hino adotado pelo governo revolucionário em 1792, que originalmente se chamava Chanson
de guerre pour l’armée rhénane (canção de guerra para o exército do Reno).
341
SCHAMA, 1989, p. 838. O autor tornou-se célebre por fazer um revisionismo da Revolução Francesa,
reduzindo sua importância e explorando os excessos revolucionários para descaracterizá-la. Contudo, seu
livro Citizens: a chronicle of the French Revolution apresenta muitos dados e estatísticas, que, ao
contrário do que ocorreu com suas análises, nunca foram questionados.
110
privada de seu direito de comandar; os oficiais passaram a ser escolhidos do meio da
tropa por intermédio do mérito de cada um342. As armas tornaram-se propriedade do
Estado, com o fim da propriedade privada dos equipamentos militares; os regimentos
foram ampliados e organizados por números. O exército que surgiu dessa rápida guerra
era moderno, contava com liderança, disciplina, tática e organização, e foi o responsável
pelos sucessos posteriores, quando comandado por Napoleão Bonaparte343. Como se
veria posteriormente.
342
BRANDES, 1906, p. 41.
343
CHISHOLM, 1911, v. 11, p. 171.
344
Karl Wilhelm Ferdinand von Braunschweig-Wolfenbüttel, da Prússia, foi comandante em chefe dos
exércitos do Sacro Império Romano-Germânico, aliado da Áustria; o documento ficou conhecido como
Manifeste Brunswick.
345
Manifeste Brunswick, 1792.
346
Guarda Nacional foi uma milícia francesa criada em agosto de 1791, após iniciado o processo
revolucionário francês, unido as diversas tropas de burgueses criadas espontaneamente. O corpo tinha
como função a manutenção da ordem e segurança dos municípios.
111
tropas que comando, mas a conceder-lhes em todos os lugares entrada gratuita e boa
vontade347.
347
Manifeste Brunswick, 1792.
348
TACKETT (2011, p. 54-64) apresenta um panorama geral dos boatos durante a Revolução Francesa.
349
Desde meados de julho, Robespierre, vice-presidente do Club Jacobin , estimulava a derrubada de
Luís XVI.
350
Georges-Jacques Danton comandava o Club Cordeliers, que reunia representantes da população mais
pobre dos subúrbios de Paris, e era ainda mais radical que os jacobinos.
351
Antoine-Joseph Santerre, ligado aos Hébertistes, ou Exagérés (exagerados), grupo criado por Jacques
Hébert que se posicionava à esquerda dos jacobinos, foi um dos líderes da Tomada da Bastilha e,
posteriormente, comandante da Guarda Nacional em Paris.
352
Durante a Revolução Francesa, o governo da capital foi exercido pela Comuna de Paris (1789–1795).
A organização fora criada na véspera da Revolução de 1789, formada por um reitor, assistido por 4
conselheiros e 36 delegados escolhidos entre os membros das famílias burguesas mais antigas da cidade.
O reitor exercia funções judiciais em questões comerciais. Durante o processo revolucionário teve sua
composição alterada, sendo radicalizada. Não deve ser confundida com a Comuna de Paris durante a
revolta de 1871.
112
ser exercido pelo Conselho Executivo Provisório, chefiado por George-Jacques Danton.
A revolução preparava-se para entrar em sua fase mais radical353.
A derrubada de Luís XVI antecipou mais uma onda de ataques à Igreja, que
se prolongou até fins de 1894. Esse movimento foi chamado de descristianização, uma
tentativa de eliminar o cristianismo, suas práticas e crenças do território francês por
meio de medidas impostas pela violência, estabelecendo em seu lugar o culto à razão, e
posteriormente ao Ser Supremo354. A descristianização foi periodizada em dois
momentos: o Petite Terreur, em agosto e setembro de 1792, com a queda da monarquia
e os Massacres de Septembre, e o Grande Terreur, que vigorou desde a execução de
Luís XVI, em 21 de janeiro de 1793, até o suplício de Robespierre, em 29 de julho de
1794, o 9 Thermidor355.
353
PRICE, 2004, p. 302-308 (e-book).
354
VOVELLE, 1991, p. 6. O termo descristianização nunca foi usado pelos revolucionários franceses; foi
um conceito elaborado por historiadores para definir o período. É um conceito altamente produtivo se
devemos julgar pela riqueza dos estudos que gerou (idem, ibid., p. 5).
355
LATREILLE, 2003, v. 5, p. 972.
356
LEFEBVRE, 2005, p. 237-238. Novos juramentos de lealdade foram impostos em 1795 e 1797
(MARTINA, 1995, p. 17).
357
MARTINA, 1995, p. 17. Jacques-André Emery, diretor da Compagnie des Prêtres de Saint-Sulpice,
opôs-se à Constituição Civil do Clero, aprovada em 12 de julho de 1790, fazendo com que nenhum
membro da ordem prestasse juramento de lealdade. A rebeldia custou a perseguição à ordem, e a vida de
18 suplicantes, alguns nos Massacres de Septembre. Saint-Sulpice, com seu seminário clandestino,
representava resistência à igreja constitucional, assim, o juramento de Emery foi seguido por muitos
(MOLAC, 2013, s.p.).
113
que fosse um sacerdote constitucional; a aceitação garantiria certa liberdade e
segurança no ministério pastoral. Os bispos que haviam emigrado condenaram as
concessões como fraqueza, e passaram a tratar os moderados com desprezo358.
Na guerra, agosto fora um mês péssimo para as tropas francesas, com uma
série de vitórias dos inimigos, a França assistiu a batalhões se dispersarem, soldados
serem dizimados e cidades fronteiriças tomadas. O clima de desespero provocou uma
caça aos traidores em todo o país. Da frente de batalha chegavam notícias de que
358
MARTINA, 1995, p. 18.
359
No registro de nascimento a criança deve ser apresentada aos funcionários (Título III, artigo 6º). A
idade mínima para os casamentos passou a ser 15 anos para homens e 13 anos para as mulheres (Título
IV, Seção I, artigo 1º) Foi proibida a bigamia (artigo 10) e o matrimônio consanguíneo (Artigo 11), sendo
vedado o casamento de incapazes (artigo 12).
360
No processo de restauração da monarquia francesa, após a derrubada de Napoleão, em 11 de abril de
1814, o divórcio, um veneno revolucionário, foi proibido, sendo reafirmada a indissolubilidade do
casamento. O divórcio foi abolido pela lei de 8 de maio de 1816, também conhecida como Lei de Bonald
– Louis de Bonald, deputado monarquista católico –, buscando restaurar ao casamento toda a sua
dignidade, no interesse da religião, da moral, da monarquia e da família (LÉVY, 1989, s.p.).
361
LATREILLE, 2003, v. 5, p. 973.
114
sacerdotes réfractaires estariam colaborando com as tropas invasoras, o que alimentava
o já aferrado anticlericalismo das massas revolucionárias e das milícias armadas362. A
notícia da tomada de Longwy363, na fronteira belga, pelas tropas austríacas chegou a
Cambrai, 200 quilômetros de distância ao norte, em 30 de agosto; caíra o único
obstáculo à marcha dos aliados vitoriosos até Paris364. A população da cidade,
enfurecida, executou todos os réfractaires que meses antes haviam sido presos pelos
revolucionários locais. A explosão da fúria popular refletia propostas violentas que os
deputados discutiam na Assembleia. O deputado jacobino Antoine Merlin, também
conhecido como Merlin de Thionville, defendia que mulheres e filhos de exilados
fossem tomados como reféns para forçar sua volta. Jean-Antoine-Joseph de Bry, ou
Debry, advogava a formação de um batalhão de executores para exterminar aristocratas.
Marat insistia que apenas um morticínio poderia salvar a revolução365. Poucos dias após
os incidentes em Cambrai, uma nova explosão de violência eclodiu em Paris.
362
Aqui o termo massa é utilizado como definido por Ortega y Gasset, como um grupo de pessoas –
multidão – que se converte em uma determinação qualitativa, que se torna a qualidade social comum, o
homem não diferenciado dos outros homens, mas como repetindo em si mesmo um tipo genérico [que]
implica a coincidência de desejos, ideias, modos de vida, nos indivíduos que a constituem (ORTEGA Y
GASSET, 1932, p. 13).
363
A cidade era um ponto de defesa estratégico na fronteira, o único obstáculo à marcha dos aliados
vitoriosos para Paris.
364
BAX, 1900, s.p.
365
LEFEBVRE, 2005, p. 235-236.
366
TACKETT, 2011, p. 63.
115
estavam repletas, e acreditava-se que eram todos padres, aristocratas e guardas leais ao
rei, o que não era verdade. A ideia obsessiva de que estava em curso uma conspiração
nas prisões367, o desejo de vingança, o medo da chegada das tropas inimigas e a falta de
um governo centralizado provocaram a explosão de violência no dia 2 de setembro de
1792, os Massacres de Septembre368.
367
Não havia qualquer sinal de rebelião nos presídios de Paris. Os presos políticos, nobres e os religiosos
também acreditavam verdadeiramente que seriam libertados pelas tropas prussianas, que já estariam às
portas da cidade (LEFEBVRE, 2005, p. 236).
368
TACKETT, 2011, p. 64.
369
MARTINA, 1995, p. 15. Teriam sido 223 mortos para LEFEBVRE (2005, p. 237), e 230 segundo
PRICE (2017, p. 17). Um grupo de 115 clérigos mortos no mosteiro carmelita foi beatificado pelo papa
Pio XI em 17 de outubro de 1926, e estabeleceu o dia 2 de setembro dedicado aos Bem-Aventurados
Mártires dos Carmelitas. Entre os mártires estavam: Jean-Marie du Lau’Alleman, arcebispo de Arles;
Pierre-Louis de la Rochefoucauld, bispo de Saintes, e seu irmão François-Joseph de la Rochefoucauld,
bispo de Beauvais, e Ambroise Chevreux, o último superior-geral da Congregação de São Maurício
(Conference des évéques de France).
370
LEFEBVRE, 2005, p. 236.
371
Em seu jornal, Ami du Peuple, na edição 680, de 19 de agosto de 1792, Marat escreveu: Qual é o dever
do povo? A última coisa que precisa fazer, e a mais segura e sábia, é se apresentar em armas diante do
[presídio de] Abbaye, arrebatar os traidores, especialmente os oficiais suíços e seus cúmplices, e matá-
los à espada. Que loucura desejar processá-los! Está tudo pronto; você pegou em armas contra o país,
116
ficou provado, contudo teriam autoridade para impedi-los se assim desejassem372. Os
massacres abriram um abismo intransponível entre a Igreja Católica e a revolução. O
que havia começado com a fundação da igreja constitucional se convertera em luta
aberta contra a Igreja373.
massacrou os soldados, por que pouparia seus oficiais, incomparavelmente mais culpados? A loucura é
ter ouvido os faladores gentis, que aconselharam fazer deles apenas prisioneiros de guerra. São
traidores que devem ser sacrificados imediatamente, pois nunca poderiam ser considerados sob outro
ponto de vista (BAX, 1900, s.p.).
372
TACKETT, 2011, p. 55.
373
MARTINA, 1995, p. 15.
374
VOVELLE, 1991, p. 103.
375
O Período do Terror foi o período em que o poder político esteve concentrado nas mãos dos
jacobinos, entre 5 de setembro de 1793, com a queda dos girondinos, e 27 de julho de 1794, com a prisão
de Robespierre. Sob o controle dos jacobinos, oficialmente foram mortas 16.594 pessoas em todo o país,
sendo 2.639 só em Paris (LINTON, 2012, s.p.).
376
Estima-se que entre trinta ou quarenta mil padres tenham emigrado durante a revolução, e que vinte
mil tenham abandonado a vida religiosa (PRICE, 2017, p. 19).
117
Francisco II377, imperador do Sacro Império Romano-Germânico e rei da Boêmia e da
Hungria, a dar uma resposta à França, vingando os mártires e restabelecendo o direito
real, a justiça e a religião378. A França precisava ser punida, ou por Deus ou pelos
homens. Entre 1793 e 1794, período do Grande Terreur, os revolucionários
intensificaram os ataques ao catolicismo e aos sacerdotes réfractaires. Com a entrada
em vigor do calendário republicano379, ou calendário revolucionário, foi abolido o
domingo, o dia do catolicismo dedicado à adoração380, assim como todas as festividades
cristãs. Foram dados novos usos para igrejas, mosteiros e conventos, com a destruição
de estátuas e objetos, arte e relíquias sagradas. Sinos foram derretidos e utilizados como
matéria-prima para armas; artigos de ouro e prata foram incorporados ao tesouro para os
esforços de guerra. A partir de 24 de novembro de 1793, todas as igrejas e capelas
foram fechadas em Paris; algumas foram demolidas para a utilização das pedras de suas
estruturas e do chumbo dos telhados; foi proibida a colocação de cruzes no cemitério.
Centenas de sacerdotes refratários foram deportados para a colônia francesa da Guiana,
local em que muitos morreram em decorrência do clima insalubre e do tratamento
severo; outros foram afogados em massa em Nantes ou reunidos em navios antigos e
abandonados ao mar381. Cerimônias religiosas passaram a ser realizadas de forma
clandestina por sacerdotes, leigos e até mesmo mulheres. Em algumas comunidades
mais distantes da capital houve levantes de católicos contra o governo civil
revolucionário382.
377
O imperador Francisco (1768–1835) às vezes aparece citado como II e outras como I; ele foi o último
monarca do Sacro Império Romano-Germânico, Francisco II, entre 1792 e a derrota para Napoleão em
1806; depois tornou-se o primeiro imperador da Áustria como Francisco I, de 1804 até sua morte.
378
PRICE, 2017, p. 17.
379
O calendário republicano começou a ser usado em 6 de outubro de 1793, contando os anos a partir de
22 de setembro de 1792, um dia após a proclamação da República. Foi revogado por um decreto de
Napoleão Bonaparte em 9 de setembro de 1805, que restabeleceu o calendário gregoriano, seguido pela
Igreja Católica, a partir de 1º de janeiro de 1806; esteve em vigência durante 12 anos, 2 meses e 27 dias.
380
A igreja primitiva não permitia um dia dedicado à devoção religiosa, tentando afastar-se das práticas
do judaísmo. Contudo, a partir do século X, foi criada a tradição informal de dedicar um dia a honrar
Virgem Maria; no século XVI, o papa Pio V estabeleceu o domingo como dia de veneração (VAN
DOREN; GUSMER, 2003, p. 718).
381
MARTINA, 1995, p. 16.
118
Vendée, no oeste do país, no litoral do Golfo de Biscay. Durante os primeiros três anos
da revolução, a França havia assistido a seis grandes levantes camponeses, La Grande
Peur (grande medo)383. Os primeiros levantes levaram a Assembleia Nacional a decretar
a abolição dos privilégios feudais em 4 de agosto de 1789. Contudo, em La Vendée, e
em outros que se seguiram, o caráter era distinto. A legislação de terras, aprovada entre
20 e 28 de agosto de 1792, havia dado aos camponeses a propriedade das terras
comuns384, e aboliu, sem exceções, todos os direitos senhoriais sobre os devedores; na
prática, a legislação expropriou os aristocratas de grande parte de suas propriedades. Os
deputados da Convenção ligados aos girondinos, com interesses nas terras comuns,
durante quase um ano conseguiram adiar a efetiva vigência da lei. Os conflitos com os
jacobinos acirraram-se em meados de 1793, quando os girondinos foram denunciados
por sabotarem a revolução; alguns foram presos e vários fugiram para o exterior,
ligando-se à contrarrevolução. Os líderes jacobinos determinaram a destruição dos
títulos de propriedade de terra dos nobres e da Igreja, o cancelamento das dívidas
agrárias e a divisão igualitária das heranças entre herdeiros de ambos os sexos,
incluindo os filhos ilegítimos385. A reforma da propriedade no campo aumentou
enormemente a agitação contrarrevolucionária, com a organização de
levantes:camponês nas áreas rurais; as medidas do governo contra a Igreja serviram
como pretexto para mobilizar a população católica das pequenas cidades por todo o
país.
382
PRICE, 2017, p. 17-19.
383
LEFEBVRE (1988) é quem melhor descreve os levantes no livro La Grande Peur de 1789, mostrando
seu caráter social causado pela fome, pelas más colheitas dos anos anteriores, pelo sistema feudal de
propriedade da terra, pela aristocracia. Os primeiros levantes levaram a Assembleia Nacional a decretar a
abolição dos privilégios feudais em 4 de agosto de 1789. Além desse, ocorreram outros cinco grandes
levantes de camponeses: o segundo, no inverno de 1789-1790, na Bretanha; o terceiro, no inverno de
1790-1791, também na Bretanha; o quarto, no verão de 1791, no centro do país; o quinto, na primavera de
1792, na região de Paris; e o sexto no verão-outono de 1792, em todo o país (GAUTHIER, 2007, p. 76-
77).
384
Terras comuns eram grandes propriedades agrárias que pertenciam a nobres que as arrendavam a
outros senhores, que por sua vez utilizavam a mão de obra camponesa para sua exploração. Os
arrendatários deviam pagar pesadas taxas anuais, as quais eram repassadas para os trabalhadores. O
sistema, que representava cerca da metade das terras agriculturáveis da França, gerava endividamento e,
por conseguinte, a servidão por dívidas dos camponeses (GAUTHIER, 2007, p. 74).
385
Idem, ibid., p. 85-86.
119
A província de La Vendée apresentava um forte sentimento contra o
governo, estimulado por aristocratas e padres refratários, que em agosto de 1793 já
haviam provocado distúrbios na região386. A população local, extremamente católica,
estava descontente com a proibição da liturgia e dos sacramentos, e o fechamento das
igrejas. Os religiosos, em sua grande maioria sacerdotes réfractaires, não jurados,
infringiam as regras e continuavam realizando batizados, casamentos e a unção dos
enfermos387. Para o governo em Paris, as comunidades afastadas das grandes cidades,
que incorporavam em seu dia a dia práticas religiosas e cujas vidas giravam ao redor da
paróquia, eram consideradas focos de contrarrevolução388. Em março de 1793, as igrejas
da região foram fechadas, algumas destruídas, com a deportação de todos os clérigos
que recusaram o juramento. Associada a isso estava a ordem de alistamento para o
exército, que necessitava de tropas para a guerra contra as tropas invasoras a leste.
386
LEFEBVRE, 2005, p. 208.
387
SECHER, 2003, p. 52-56.
388
JOES, 2006, p. 51.
389
Idem, ibid., p. 52-53.
390
Idem, ibid., p. 54.
391
Idem, ibid., p. 55. A queda de Saumur interrompeu o tráfego entre Nantes e Tours, deixando o litoral
isolado.
392
As tropas de Vendée esperavam armas e apoio britânico, que lhes prometeu ajuda militar desde que
conseguissem capturar um porto, o que nunca aconteceu (DOYLE, 2002, p. 256).
120
Vendée manteve o combate até o fim do ano. Em 12 de dezembro, os republicanos
conseguiram capturar os insurgentes em campo aberto, em Le Mans, um confronto no
qual as tropas rebeldes foram mortas. Menos de duas semanas depois, em Savenay,
mais alguns milhares de rebeldes foram capturados e mortos. Entre janeiro e março de
1794, após o fim dos combates, foram enviadas para a província as depois chamadas
colonnes infernales (colunas infernais), tropas cuja ordem era exterminar todos os
contrarrevolucionários, evacuar as populações neutras ou patrióticas; tomar as colheitas
e o gado e incendiar as aldeias rebeldes; o objetivo do aniquilamento não só era vencer
militarmente, mas também romper os laços dos rebeldes de Vendée com suas lideranças
aristocráticas, e com camponeses de outras regiões. Foi decretada a pena de morte para
todos os rebeldes e quem os houvesse ajudado – mulheres, crianças e idosos –, assim
como os instigadores contrarrevolucionários. A rebelião contrarrevolucionária e sua
repressão custaram um número imenso de vítimas393.
Ao longo de 1792 e 1793 o país assistiu à subida dos preços dos alimentos e
do desaparecimento dos gêneros essenciais. Os sans-culottes passaram a pressionar a
Convenção Nacional por um controle de preços, lançando exércitos revolucionários
393
O revisionismo histórico da Revolução Francesa sempre relaciona a repressão a Vendée e as mortes do
período do governo jacobino, o Terror , como sendo apenas expressão da crueldade dos líderes
revolucionários e da alma ditatorial de Robespierre. As críticas ao processo revolucionário escondem os
avanços sociais do período, especialmente aqueles advindos com a reforma agrária (GAUTHIER, 2007,
p. 89-92). A violência revolucionária está inserida em um contexto maior e mais complexo, envolvendo
respostas às questões sociais que a deflagraram e a reação das camadas dirigentes que resistiram à perda
do poder político e econômico. A resistência e a contrarrevolução nasceram do receio da perda do poder,
do status e da riqueza (HAYNES; WOLFREYS, 2007, p. 3).
121
contra os acumuladores e os gananciosos e antipatriotas habitantes do campo. A medida
era obstruída pelos girondinos, eles mesmos comerciantes e produtores. No dia 5 de
setembro, uma marcha sobre Paris levou uma multidão até a Convenção reunida. A
radicalização dos sans-culottes levou ao poder os jacobinos, afastando os girondinos.
Doze dias depois foi aprovada a Loi des Suspects (lei dos suspeitos), dando poderes
absolutamente abrangentes ao Comité de Sûreté Générale et de Surveillance (comité de
segurança geral e vigilância), podendo prender todo aquele que, por qualquer meio, se
mostrasse opositor ao regime. Em 16 de outubro de 1793, a rainha Maria Antonieta e
um grupo de girondinos foram mortos, iniciando um processo que eliminaria ao redor
de 16 mil pessoas sob a lâmina da guilhotina394.
394
DOYLE, 2002, p. 251-253.
395
Louis Antoine Léon de Saint-Just (1767–1794) foi eleito para a Convenção em 5 de setembro de 1792,
e votou pela execução do rei. Foi um dos líderes do Comitê de Salvação Pública, durante o Terror
Jacobino.
396
Georges Couthon era advogado e maçom. Pertenceu ao Club Jacobin e foi deputado na Assembleia
Nacional. Sob inspiração de Robespierre, foi o redator da Loi 22 Prairial, ou Loi de la Grande Terreur
(lei do grande terror), aprovada em 10 de junho de 1794, que simplificou e agilizou o processo de
execução, eliminando o direito de defesa. Foi executado juntamente com Robespierre em 28 de julho de
1794 (PALMER, 2005, p. 365-366). Quando da aprovação da 22 Prairial, Couthon afirmou que crimes
políticos eram muito piores que crimes comuns, porque, no primeiro caso, apenas indivíduos são feridos,
ao passo que no segundo a existência da sociedade livre é ameaçada (SCHAMA, 1989, p. 835).
397
SCHAMA, 1989, p. 844.
122
Pouco antes do golpe girondino, os jacobinos estavam divididos: os
revolucionários mais exaltados estavam descontentes com a insistência de Robespierre
em criar religiões, juntamente com seus seguidores mais próximos. A primeira iniciativa
ocorreu em 10 de novembro de 1793, com instituição do Culte de la Raison, aprovado
pela Comuna de Paris, sob orientação de Pierre Chaumette399 e Jacques Hébert400, com
uma cerimônia na Catedral de Notre-Dame, três dias após Jean Gobel, o bispo
constitucional da capital, ter sido induzido a abdicar; ele foi seguido por seus vigários-
gerais e, pouco depois, por mais de 400 padres parisienses jurados401. Na catedral, foi
erguido um santuário em homenagem à razão e à liberdade. Foi construído um pequeno
templo grego, ladeado de bustos representando figuras importantes do Iluminismo:
Montesquieu, Rousseau, Voltaire e Benjamin Franklin; também foi apresentado o hino
Sainte Liberté (santa liberdade), de André Chenier, e uma publicação, o Moniteur du
Culte de la Raison (monitor do culto da razão), editado por Pierre Chantreau. As
lideranças radicais afirmavam que o cristianismo era tirânico e sobrenatural demais,
prestes a ser extinto. Por ordem da Comuna, em 24 de novembro de 1793, todas as
igrejas em Paris foram transformadas em templos da Razão. Após a morte de Hébert e
Chaumette, guilhotinados respectivamente em 24 de março e 13 de abril de 1794, a
religião laica foi convertida no Culte de l’Être Suprême (culto ao Ser Supremo)402.
398
Em 1902, o papa Leão XIII declarou as freiras Veneráveis, o primeiro passo para a canonização.
Foram beatificadas pelo papa Pio X, em maio de 1906. Os carmelitas, homens e mulheres, dedicaram o
dia 17 de julho para a celebração de sua memória.
399
Pierre Gaspard Chaumette (1763-1794) foi presidente da Comuna de Paris e dirigente jacobino
ultrarradical durante o Grande Terreur. Acusado de ser uma das lideranças dos Massacres de Septembre,
em 1792, defendia a eliminação do cristianismo na França.
400
Jacques Hébert, juntamente com Georges-Jacques Danton, comandava o Club Cordeliers, criou o
grupo Hébertistes, ou Exagérés, posicionado à esquerda dos jacobinos.
401
VOVELLE, 1991, p. 103.
402
LAWLOR, 2003, v. 11, p. 945-946.
123
culto era baseado nas ideias de Rousseau403, com dois princípios: crença na existência
de um Ser Supremo, cujo templo era o universo e seu sacerdote a natureza, e na
imortalidade da alma. O culto impunha obrigações aos fiéis: odiar a tirania e defender os
oprimidos. Os jacobinos radicais acharam que o culto era reacionário e alguns católicos
mais ingênuos acreditavam que a revolução teria feito as pazes com a religião. O culto
existiu até a morte de Robespierre, em 28 de julho de 1794404. Em abril do mesmo ano
um grupo de intelectuais criou a Theophilanthropy, uma religião livre de dogmas e de
todas as restrições morais, também baseada nas reflexões iluministas de Voltaire e
Rousseau. Nunca se tornou uma religião de Estado405. Ao fim do período do Grande
Terreur, mesmo a igreja constitucional estava em decadência406.
403
Para Rousseau haveria de se dar primazia ao sentimento, sem, contudo, abandonar a razão. O homem
sensível teria amor por seus semelhantes, alcançando a verdadeira moralidade altruísta; sua consciência
seria a voz imortal e celestial, que penetraria no mundo dos fenômenos revelando-lhe as verdades mais
importantes, aquelas que iriam iluminar seu destino (LEFEBVRE, 2005, p. 57).
404
LAWLOR, 2003, v. 13, p. 626.
405
Idem, ibid., v. 13, p. 930.
406
MARTINA, 1995, p. 16.
407
SCHAMA, 1989, p. 854.
124
Grande Terreur na clandestinidade puderam voltar ao sacerdócio, mas a situação
política, mesmo com o governo girondino, era outra.
408
Quando da Reação Termidoriana, a França estava enfrentando guerra contra a o Sacro Império
Romano-Germânico, a Áustria, o Reino Unido, Nápoles, Sicília, Portugal, a Prússia e Espanha e Países
Baixos, os três últimos até 1795, quando foram invadidos por tropas francesas.
409
DESAN, 2008, p. 563. Para Lutero, não era possível chegar ao conhecimento de Deus por meio do
mundo físico, mas apenas por intermédio da fé; o mundo físico não tinha mais significado religioso. Na
prática isso representou a secularização da política; uma vez que a realidade mundana era totalmente
oposta à espiritual, a Igreja e o Estado devem operar independentemente. A secularização da política
começou como uma nova forma de ser religioso (ARMSTRONG, 2009, p. 101).
410
Em 17 de outubro de 1794, 11 irmãs ursulinas, as Mártires de Valenciennes, da cidade de
Valenciennes, foram acusadas de traição. As freiras, que estavam em Paris, haviam retornado para a
cidade, na fronteira com a Bélgica, logo após a região ser invadida por tropas austríacas, em 1793. Apesar
de afirmarem que voltaram para a terra natal a fim de ensinar a fé católica, foram enviadas à guilhotina no
125
apoio de Napoleão, prestigiado comandante do Exército francês na península italiana,
então com 28 anos. Os monarquistas foram presos e as eleições anuladas. Foi imposta
lei marcial, com ordem para matar quem apoiasse o Antigo Regime. O golpe promoveu
nova perseguição aos religiosos, a quem foi imposto novo juramento de lealdade. Entre
setembro de 1797 e novembro de 1799, mais de dois mil padres foram presos e
degredados para a Guiana; vários morreram ainda antes de chegarem à colônia na
América411.
mesmo dia. Foram beatificadas pelo papa Bento XV em 13 de junho de 1920, sendo-lhes dedicado o dia
17 de outubro (LAWLOR, 2003, v. 14, p. 371).
411
LATREILLE, 2003, v. 5, p. 975.
412
O Comtat Venaissin, um enclave no território francês ao redor da cidade de Avignon, fazia parte dos
Estados Pontifícios desde 1274; também compreendia a região da cidade de Valréas, que foi comprada
pelo Papa João XXII. O controle papal durou até 1791, quando foi anexado ao território francês.
126
cidade juntamente com Giuseppe Bonaparte, irmão de Napoleão413. Berthier aprisionou
o papa Pio VI, levando-o prisioneiro para a França, onde veio a morrer em 29 de agosto
de 1799, em Drôme, no sudeste do país414. No dia 15, um grupo de algumas centenas
dos pró-franceses no Capitólio declarou solenemente o fim do poder da Igreja sobre a
cidade, e o nascimento da República Romana, também chamada de República Romana
Jacobina, que durou poucas semanas415. Após a campanha do Egito, valendo-se de sua
popularidade, em 9 de novembro de 1799, Napoleão deu um golpe de estado, o 18
Brumaire, tornando-se primeiro cônsul e dividindo o consulado com Roger Ducos e
Emmanuel Sieyès. No cargo, prometeu garantir as conquistas da revolução, como
liberdade de opinião e crença, igualdade entre religiões e venda de propriedades
religiosas. Napoleão sabia que para restabelecer a ordem era essencial desarmar a ainda
muito ativa contrarrevolução francesa, e para isso precisava se reconciliar com o
catolicismo romano416.
413
LATREILLE, 2003, v. 5, p. 976.
414
Seu sucessor, o cardeal Barnaba Niccolò Maria Luigi Chiaramonti (1742–1823), que adotou o nome
de Pio VII em homenagem a Pio VI, foi eleito somente em 14 de março de 1800, em um conclave com
regras extremamente simplificadas, realizado em Veneza, sob proteção da Áustria (MARTINA, 1995, p.
20).
415
Idem, ibid., p. 19.
416
LEFEBVRE, 2011, p. 116.
417
A volta dos exilados provocou conflitos no interior da França, especialmente na Normandia. Muitos
nobres tentaram retornar a suas terras, então ocupadas por camponeses; muitos aristocratas foram mortos
nessa tentativa (DWYER, 2013, p. 81).
418
LATREILLE, 2003, v. 5, p. 976.
127
francesas já contavam com clérigos; em 1797, o bispo constitucional de Rennes, e
posteriormente arcebispo de Besançon, Émile Le Coz (1740–1815), declarara que
quarenta mil paróquias foram dotadas de ministros. Mesmo supondo que os números
estariam em muito aumentados, é fato que houve um retorno significativo à prática
religiosa durante o período do Diretório420. Entre 1799 e 1800, já durante o consulado,
milhares de clérigos emigrados e exilados retornaram à França, e fizeram um juramento
à Constituição e ao novo governo, demonstrando a volta da atividade religiosa no país.
419
ROBERTS, 1999, p. 35-36.
420
Idem, ibid., p. 39.
421
DESAN, 2008, p. 564.
422
Em muitos textos o documento aparece como Concordata de 1802 porque sua regulamentação, Les
Articles Organiques (os artigos orgânicos), só foi aprovada em abril de 1802. Um representante do papa,
arcebispo Giuseppe Maria Spina (1756–1828), desejava que a Concordata apresentasse em seu preâmbulo
a expressão religião dominante e fosse aceita, mas, por fim, catolicismo foi definido como a religião da
maioria dos cidadãos franceses (ROBERTS, 1999, p. 45).
423
Na Concordata de 1801 a Constituição Civil do Clero não foi citada de forma expressa, mas sua
extinção estava implícita. Aqueles que se opuseram à sua extinção criaram a Petite Église (pequena
igreja), um movimento cismático que existiu até a década de 1910.
128
Igreja expropriados durante o processo revolucionário, o papa comprometeu-se a não
questionar aqueles que os haviam adquirido (artigo 12); já os bens que porventura não
houvessem sido confiscados pela revolução ficariam à disposição dos bispos (artigo 13).
Aos católicos seria permitido fazer doações a fundações eclesiásticas, desde que na
forma de títulos do governo (artigo 16). Nos artigos 14 e 15 o governo garantia uma
renda aos bispos e padres425. A Concordata foi ratificada pela Encíclica Ecclesia Christi,
em 15 de agosto de 1801426. Eminências do governo francês como Charles Talleyrand e
Joseph Fouché (1759–1820)427, respectivamente ministros das Relações Exteriores e da
Polícia, ambos ex-padres, assim como o diplomata conde de Hauterive (1754–1830)428
opuseram-se ao acordo, demonstrando o anticlericalismo que ainda existia nos círculos
político e militar429. A Assembleia Legislativa também resistiu, mas foi coagida por
Napoleão, que afastou os deputados mais resistentes. Os membros do governo mais
próximos ao primeiro cônsul, que haviam sido escolhidos entre os revolucionários
moderados, em sua grande parte discípulos de Voltaire, diziam-lhe que estava
cometendo um erro ao permitir a volta da Igreja Católica na França; para eles o
cristianismo deveria ser considerado morto. A Concordata foi festejada apenas pelos
membros do clero, com exceção daqueles que juraram fidelidade à constituição
revolucionária, e que seriam demitidos; dos numerosos possuidores de propriedades da
Igreja, que até então se sentiam inseguros, e cujo acordo confirmava a propriedade; e da
grande massa de camponeses, que não sabia ler nem escrever, e que ansiava pela volta
das missas em suas igrejas. O clero no exílio fez objeções, mas aceitou a Concordata; o
papado anuiu ao acordo sob a ameaça militar da França430.
424
ROBERTS, 1999, p. 39.
425
Idem, ibid., p. 47.
426
[...] 11. Antes de tudo, o governo francês fez a declaração solene de reconhecer que a religião
apostólica católica romana é a religião professada pela grande maioria dos cidadãos franceses. [...] 12.
Nessas circunstâncias, antes de mais nada, ficou estabelecido que na França a religião apostólica
católica romana é exercida livremente. [...] 15. O primeiro cônsul da República francesa nomeará os
arcebispos e bispos da diocese da nova circunscrição e apresentará as indicações dentro de três meses, a
partir da publicação de nossa constituição apostólica (Encíclica Ecclesia Christi).
427
Joseph Fouché, duque de Otrante, durante os levantes populares contra o governo revolucionário, em
1793, foi responsável pela repressão em Lyon, ficando conhecido como Le bourreau de Lyon (o carrasco
de Lyon), cidade na qual cerca de duas mil pessoas foram mortas.
428
Alexandre Maurice Blanc de Lanautte, conde de Hauterive, foi conselheiro de Estado de Napoleão, e,
por várias vezes, ministro temporário das Relações Exteriores da França.
429
PRICE, 2017, p. 22. Alguns militares chegaram mesmo a tramar contra a vida de Napoleão, que,
segundo eles, estaria traindo a revolução (BRANDES, 1906, p. 42).
430
BOUDON, 2016, p. 47 (e-book); BRANDES, 1906, p. 43.
129
As concessões de Napoleão feitas à religião na Concordata, que para seus
contemporâneos representavam o abandono de uma das principais bandeiras da
revolução, estavam fundadas sobre sólidos fundamentos de economia política. Os 12
anos de conflitos haviam mergulhado a França em profundas dificuldades econômicas.
A fome ainda rondava a população mais pobre; a prosperidade esperada não existia. Em
meados da década de 1790 mais da metade do país não era cultivado. As terras que
haviam sido expropriadas do clero, da nobreza e dos emigrados haviam sido pagas por
seus compradores em papel-moeda, e o meio de pagamento havia sido corroído pela
inflação. A salvação econômica do país estava na volta da produção agrícola nas terras
que haviam sido vendidas. Contudo, não havia segurança jurídica na propriedade da
terra; não havia a certeza da posse das áreas, uma vez que a Igreja ainda pleiteava sua
devolução. O fim do período do Grande Terreur e a volta dos girondinos após setembro
de 1794, a Reação Termidoriana, trouxe a reivindicação da devolução das propriedades.
Ao impor ao papa a renúncia à devolução dos bens expropriados – artigo 12 – Napoleão
buscava dar aos compradores das terras a segurança que desejavam431.
431
BRANDES, 1906, p. 48-50.
432
Portalis, juntamente com François Denis Tronchet (1726–1806), Félix-Julien-Jean Bigot de Préameneu
(1747–1825) e Jacques de Maleville (1741–1824), foi responsável pela elaboração do Código Civil
francês, outorgado por Napoleão Bonaparte e que entrou em vigor em 21 de março de 1804. Foi o
primeiro documento de codificação de leis do mundo moderno, regulamentando a relação das pessoas
umas com as outras, destas com as coisas e com as leis. Em seu mais importante discurso, Discours
préliminaire au projet de code civil, apresentou princípios centrais do Código Civil: a garantia da lei
escrita como forma de impedir a discricionariedade jurídica, a segurança jurídica, a não retroatividade das
leis, e o princípio geral da ordem pública, sobrepondo-se aos interesses pessoais individuais. Em abril de
1804, foi nomeado por Napoleão ministro dos Assuntos Religiosos (PORTALIS, 2004).
130
crescentes congregações femininas433. Os 77 artigos do documento regularizaram a
posição dos protestantes, concedendo certo reconhecimento oficial, até então
desconhecido, a luteranos e calvinistas, cujos ministros também eram pagos pelo erário
francês; denominações menos expressivas, como os batistas, metodistas ou menonitas,
não foram reconhecidas, mas foram toleradas não oficialmente434. O judaísmo era
legalmente tolerado e suas lideranças não renunciaram à sua autonomia perante a
autoridade estatal, apesar de haver boa interlocução entre o as lideranças judaicas e o
Ministério dos Cultos.
433
DESAN, 2008, p. 566. Após a Concordada assistiu-se a um forte movimento de feminização do
catolicismo. As congregações femininas ofereciam educação às meninas, ao passo que o regime
napoleônico disponibilizava formação secundária secular apenas para meninos. Ao longo do século XIX
houve um forte crescimento das ordens religiosas femininas, que cresceram a taxas espetaculares, com
12.300 membros em 1808, e 104.000 em 1861. A Revolução Francesa despertara o fervor e a audácia de
muitas mulheres católicas, tanto leigas como religiosas, que desafiavam o governo civil (Idem, ibid., p.
568). MARTINA (1995, p. 110) apresenta números do crescimento das ordens femininas.
434
DESAN, 2008, p. 566.
435
Restrição semelhante já existiu durante o Antigo Regime, o que provocou muitas resistências do rei
Carlos IX quando da discussão da recepção na França das deliberações do Concílio de Trento, em meados
do século XVI.
131
expressamente pelo governo (artigo 4º). Os privilégios e as isenções foram abolidos
(artigo 10).
436
Segundo uma explicação de Portalis à época, a preocupação visava excluir do clero francês indivíduos
suspeitos, ou que viessem a conspirar contra o Estado (DUPIN, 1845, p. 219).
437
O catecismo de Bossuet foi reeditado em 1806 com uma epígrafe reproduzindo a epístola de São
Paulo: Unus Dominus, una fides, unum baptisma – um Senhor, uma fé, um batismo – (DUPIN, 1845, p.
223). Bossuet foi tutor do filho de Luís XIV, Luís, o Grand Dauphin, pai de Luís, o Petit Dauphin ,
respectivamente o avô e o pai do futuro rei Luís XV. Algumas de suas obras mais importantes –
Exposition de la doctrine de l’Église Catholique (1671), Traité de la connaissance de Dieu et de soi-
même (1677) e Discours sur l’histoire universelle (1681) – foram escritas para a educação do “delfim”,
que, esperava, viria a se tornar um rei filósofo e cristão (BAKER, 1990, p. 51).
438
Relatório do ministro dos Cultos citado por DUPIN (1845, p. 227).
132
(artigo 51), assim como evitar qualquer acusação direta ou indireta, seja contra
indivíduos ou contra outros cultos autorizados pelo Estado439. Estavam proibidas todas
as cerimônias religiosas fora dos edifícios dedicados ao culto católico, como procissões,
nas cidades nas quais houvesse templos para diferentes religiões (artigo 45); a regra
visava evitar uma repetição de incidentes registrados durante as Guerras Religiosas que
ocorreram na França (1562 a 1598), entre católicos e huguenotes – protestantes
reformados e calvinistas440. Também a bênção nupcial passou a ser restrita apenas
àqueles que provassem que contraíram matrimônio perante o oficial civil (artigo 54),
sendo que a desobediência à disposição era considerada crime previsto nos artigos 199 e
200 do Código Penal. Por fim, em nenhuma parte do território francês poderia ser
erguida uma paróquia sem a autorização expressa do governo (artigo 61)441.
439
Quase dois séculos e meio antes, em 1561, uma portaria do rei Carlos IX determinou: proibimos, sob
pena de prisão, todos os pregadores de usar, em seus sermões ou em qualquer outro lugar, palavras
escandalosas ou que tendam a excitar o povo à emoção; por isso ordenamos que se contenham e se
comportem modestamente, que não digam nada que não seja para a instrução e edificação do povo e que
o mantenham em “tranquilidade e descanso” (DUPIN, 1845, p. 228).
440
As Guerras Religiosas Francesas, entre 1562 e 1598, teriam provocado a morte de mais de três milhões
de pessoas, que morreram no período por violência, fome ou doença; além de fortalecer o absolutismo
francês, as guerras destruíram a economia como um todo, e a agricultura em particular. Da mesma forma,
provocaram um declínio da nobreza feudal, o fortalecimento da ainda incipiente burguesia comercial e
praticamente o desaparecimento dos pequenos proprietários de terras. Também foi fortalecido o papel
religioso das mulheres, tocadas por uma onda de piedade penitencial e espiritualidade; ao fim das guerras
foram fundadas dezenas de novas ordens religiosas – entre outras Ordre des Carmes Déchaux (1591),
Ordre de la Très-Sainte-Annonciation (1604), Clarisses Capucines (1604 na França), Ordre de Sainte-
Ursule (1608 na França), Visitation de Sainte-Marie (1610) – e conventos para mulheres; também houve
um aumento do papel feminino na coleta de esmolas e em obras de caridade (HOLT, 2005, p. 199-216).
441
DUPIN, 1845, p. 213-232.
442
Segundo PRICE (2017, p. 26), em 1798 havia cerca de 50 mil sacerdotes ativos na França.
133
nobreza443. Quanto aos estudantes em seminários, entre 1808 e 1809, 60,4% provinham
de famílias camponesas abastadas, 21% do mundo dos artesãos e pequenos
comerciantes, e 18,5% eram filhos de comerciantes ou funcionários444.
443
BOUDON, 2016, p. 85 (e-book).
444
PRICE, 2017, p. 26.
445
Entre 1790 e 1802, as ordenações praticamente foram suspensas (PRICE, 2017, p. 25).
446
MARTINA, 1995, p. 22-23.
447
O cardeal Francesco Carafa della Spina di Trajetto (1722–1818) foi um dos principais negociadores da
Concordata. Era parente do papa Paulo IV e do papa Paulo V e vinha de uma longa linhagem de cardeais,
que remontava ao século XIV.
134
Concordata, o representante do papa para acompanhar seu cumprimento, o cardeal
Giovanni Battista Caprara (1733–1810), passou a receber centenas de pedidos de
sacerdotes do clero regular que procuravam reabilitar seu casamento e se reintegrar à
Igreja Católica como leigos. Para Roma, monges e monjas que haviam feito votos
solenes de castidade e mais tarde, durante a revolução, casaram-se cometeram uma
ofensa mais grave contra a Igreja do que os clérigos seculares, porque havia um duplo
impedimento a seu casamento, tendo entrado nas ordens sagradas além de terem feito
votos solenes de castidade. Em um documento posterior, em 27 de outubro de 1802,
Inter plura illa mala, entre esses e muitos males, o papa Pio VII regulamentou o status
de todo e qualquer religioso, de ambos os sexos, que houvesse se casado antes de agosto
de 1801. Após a permissão, Caprara recebeu milhares de petições, quase mil apenas em
1803. Em seus formulários com o pedido, os religiosos casados forneciam informações
sobre suas vidas profissionais: 40% estavam envolvidos na administração civil, e mais
de 25% eram professores. A maioria dos peticionários tinha apenas um filho, sendo que
centenas, três ou mais filhos; a miséria era generalizada entre eles448. O futuro primeiro-
ministro francês, Charles Talleyrand (1815), também viria a ser beneficiado pela
autorização papal.
448
CAGE, 2015, p. 135-138.
449
A Concordata de 1801 sobreviveu até dezembro de 1905, quando o governo da Terceira República
legislou a separação entre Igreja e Estado (LATREILLE, 2003, v. 5, p. 977).
135
Em um primeiro momento, a aceitação da Concordata pelo papa Pio VII foi
vista como a total capitulação ao Estado francês. Com a aceitação do poder de Roma, o
acordo criou de fato um precedente significativo que, por décadas, foi defendido como o
grande triunfo do papado, e, mais tarde, do novo ultramontanismo452, sobre a Igreja
Galicana. Pela primeira vez a hierarquia havia sido restabelecida na França por um
papa, fazendo do pontífice romano a autoridade eclesiástica dominante no país453.
Contudo, as consequências da Concordata não eram tão simples.
450
Giuseppe-Napoleon Bonaparte (1768–1844), irmão mais velho de Napoleão, que o tornou rei de
Nápoles (1806–1808, como Giuseppe I) e, mais tarde, rei da Espanha (1808–1813, como José I).
451
MARTINA, 1995, p. 25.
452
O termo ultramontanismo, assim como suas variações, foi usado ao longo do texto como um sinônimo
para o ultraconservadorismo reativo da Igreja.
453
ROBERTS, 1999, p. 48.
136
indiretamente concedida às ordens religiosas e congregações, que, por não estarem
mencionadas na Concordata, puderam retornar à França, crescendo de forma
exponencial nas décadas seguintes. Essas consequências foram muito importantes para
o renascimento do catolicismo francês454. Em vez de restabelecer a Igreja Galicana sob
seu controle direto, Napoleão criou uma situação híbrida, na qual o catolicismo francês
passou a ser dividido entre Paris e Roma, dependente da Cúria Romana455, mas também
dependente do Estado.
454
Idem, ibid., p. 55.
455
Em sua origem, cúria significava o lugar onde o Senado se reunia. Na fase cristã do Império romano
passou a significar tribunal que tinha o bispo e seus conselheiros como juízes, passando, mais tarde, a
definir toda a equipe do bispo. Na alta Idade Média passou a indicar o conjunto de homens que
trabalhavam a serviço do papa em qualquer outro lugar e não somente em Roma. A partir do movimento
da contrarreforma o termo passou a ser usado para designar congregações ou dicastérios por meio dos
quais o papa exercia autoridade espiritual e jurisdicional sobre a Igreja (CHADWICK, 1981, p. 321).
456
As cerimônias religiosas assim como tudo o que se relacionava com a restauração da autoridade
sacerdotal e com a reinstituição do culto católico estavam tão em desacordo com os costumes e as ideias
que haviam prevalecido na França desde a revolução que as testemunhas de tais ritos mal podiam
acreditar em seus próprios olhos; eles não conseguiam se convencer de que aquilo era sério (BRANDES,
1906, p. 47).
457
Apenas Portugal, profundamente vinculado à Inglaterra, não acatou o decreto, o que provocou a
invasão francesa em 1808, e a fuga da família real para o Brasil.
458
PIRIE, 1936, p. 302.
137
fevereiro de 1808, as tropas francesas ocuparam Roma, e anexaram os Estados
Pontifícios à França. Em 10 de julho de 1809, o palácio papal foi invadido e Pio VII
preso; também foram presos o cardeal Bartolomeo Pacca (1756–1844), pró-secretário
de Estado, e todos os mais fiéis apoiadores do papa. Um mês antes de sua prisão Pio VII
publicara a Encíclica Quum memoranda detalhando os abusos provocados pelos
franceses nos anos anteriores, e excomungando Napoleão e seus agentes em Roma459. A
medida era invulgar; o último soberano excomungado pela Igreja fora Henrique IV, em
agosto de 1589, pelo papa Sixtus V, durante a luta pela sucessão do trono francês460.
459
No passado, acreditávamos e esperávamos que o governo francês [afrouxasse] os freios à impiedade e
ao cisma, estimulado pelo voto unânime da grande maioria dos cidadãos. [...] com entusiasmo iniciamos
as negociações de paz [...]. Que fruto nasceu dessa indulgência e da nossa generosidade? [...] Portanto,
excomungamos e anatematizamos novamente, se necessário, seus diretores, advogados, consultores,
adeptos ou, de qualquer forma, implicados na execução dos males acima mencionados (PIO VII,
Encíclica Quum Memoranda, 1809.
460
DWYER, 2013, p. 318. Henrique IV foi rei da França (1589–1610), e primeiro monarca francês da
dinastia Bourbon; também foi rei de Navarra, como Henrique III (1572–1610).
461
MARTINA, 1995, p. 24.
462
DWYER, 2013, p. 318-320.
463
BOUDON, 2016, p. 325 (e-book).
138
em abril de 1814, chancelada pelo Tratado de Fontainebleau, fora assinado entre França
e Áustria, Rússia e Prússia, Pio VII conseguiu voltar a Roma464.
464
No folclore popular da época, Napoleão era um representante do diabo na Terra, se não o próprio,
imagem que a prisão de Pio VII veio alimentar ainda mais. Sobre o imaginário popular a respeito de
Napoleão ver JENSEN, Oskar Cox. Napoleon and British Song, 1797–1822, 2015.
465
MAYOL DE LUPÉ, 1916, p. 240-246.
466
PIRIE, 1936, p. 302.
467
BOUDON, 2016, p. 352 (e-book).
139
A restauração europeia começou com o Congresso de Viena; foi o processo
no qual a monarquia europeia buscou recuperar sua legitimidade, apoiada em princípios
anteriores à Revolução Francesa, princípios estes que já estavam enfrentando a pressão
política de uma burguesia ascendente. Ao contrário do desejo declarado de buscar uma
paz estável no continente, o Congresso provocou uma instabilidade que gerou mais de
cem anos de turbulências que viriam a culminar na Primeira Guerra Mundial. Tentando
restabelecer o mundo europeu anterior às guerras revolucionárias francesas e às guerras
napoleônicas, as fronteiras foram redesenhadas e o poder foi reconfigurado sobre bases
negociadas por líderes conservadores, que resistiam ao pensamento liberal468. Nascia
uma Europa politicamente conservadora, que buscava restaurar o passado em um
mundo que nunca mais seria o mesmo. As transformações ocorridas nas quase três
décadas revolucionárias haviam abalado as monarquias europeias, assim como os
valores da Igreja Católica. As doutrinas revolucionárias – substituição da autoridade
emanada de Deus pela soberania popular, liberdade de opinião e de consciência, a
igualdade entre os indivíduos, casamento civil, educação secularizada e separação entre
Igreja e Estado – iam contra os ensinamentos tradicionais da Igreja, e haviam abalado
profundamente a noção de autoridade do papado. A luta contra esses preceitos e pela
reconquista de sua antiga autoridade seria a tarefa central do papado no século
seguinte469.
468
A principal figura no congresso foi o chanceler austríaco príncipe Von Metternich (Klemens Wenzel
Nepomuk Lothar, Príncipe de Metternich-Winneburg zu Beilstein) (1773–1859), grande responsável pela
redefinição das fronteiras da Europa após a queda de Napoleão. Opositor do liberalismo, atuou para
reconduzir as monarquias ao poder, e restringiu a influência da França e da Rússia no continente. Seu
conservadorismo não era movido por uma sólida teoria de governo; apenas atuava para restabelecer um
mundo que havia desaparecido sob os escombros da Revolução Francesa (WOODWARD, 1963,
Introdução).
469
LATREILLE, 2003, v. 5, p. 977.
140
liberdade iriam colocar fim na religião em geral, e no catolicismo em particular, e que a
era dos dogmas havia passado470; contudo não compreenderam que grande parte do
povo, profundamente ignorante, e imbuído de ideias e sentimentos transmitidos de
geração em geração durante séculos, não havia desistido de seu credo. Parte da
preservação da fé católica deveu-se em boa medida às mulheres, mesmo aquelas
pertencentes às famílias de classe média, para quem a Igreja nunca deixou de ser uma
referência. A violenta perseguição à religião durante mais de dez anos despertou na
população mais simples, junto aos camponeses e perante as mulheres, uma forte
simpatia pela Igreja e por seus padres. E a reação veio rapidamente. Na Bélgica, que
fora incorporada à França, o banimento do clero provocou insurreições em todo o país,
levando o governo francês a reprimir duramente os movimentos camponeses. A França
assistiu, entre 1795 e 1800, a dezenas de levantes: semelhantes àqueles ocorridos em La
Vendée. Na virada do século, o partido monarquista e eclesiástico possuía vantagem em
quase todas as comunas rurais dos 12 departamentos ocidentais471. Tudo isso seria o
caldo de cultura para a reabilitação da religião, e que logo ganharia seus teóricos
ultramontanos.
470
Um relatório oficial, elaborado durante a Convenção, vaticinava: Em breve os homens apenas
conhecerão esses dogmas tolos, fruto do medo e da ilusão, para desprezá-los. Em breve a religião de
Sócrates, Marco Aurélio e Cícero será a religião do mundo (BRANDES, 1906, p. 32-33).
141
fronteiras das dioceses, a coesão, a identidade e a hierarquia. Ao longo do século XVIII,
os bispos galicanos foram vistos por Roma como rebeldes e desobedientes, que
tentavam produzir um cisma no seio da Igreja. Após 1815 essa imagem persistia; o
galicanismo sobrevivera entre os bispos franceses, apesar de bem mais fracos sem o
antigo apoio do Estado. O episcopado francês, mesmo sofrendo pesados ataques de
Roma e do ultramontanismo militante, conseguiu renovar-se e manter-se fiel às teses
galicanas, que ainda resistiam à concentração do poder da Igreja na Santa Sé472.
471
BRANDES, 1906, p. 35.
472
Grande parte da bibliografia sobre o período foi escrita por religiosos, ou autores leigos claramente
católicos, que, em sua maioria, apresentam o galicanismo após 1815 como um cadáver insepulto perante
o avanço inexorável do ultramontanismo, o que, a pesquisa histórica demonstra, não era verdade. Essa
tese, sem fundamentação histórica, quase sempre reproduz os argumentos de prelados ultramontanos da
época. Uma pesquisa bem documentada, com fontes primárias, pode ser encontrada em GOUGH, Paris
and Rome: The Gallican Church and the Ultramontane Campaign, 1848-1853.
473
O’MALLEY, 2018, p. 56.
474
FRAYSSINOUS, 1818, p. 79.
142
em origens sociais, o clero francês pós-revolucionário apresentava uma clara divisão a
partir de sua situação de classe475, que estava diretamente ligada à sua formação.
475
Aqui o conceito é utilizado segundo definição proposta por WEBER (1982, p. 212): “Classes” não
são comunidades; representam simplesmente bases possíveis, e frequentes, de ação comunal, [...]
quando: 1) certo número de pessoas tem em comum um componente causal específico em suas
oportunidades de vida, e na medida em que 2) esse componente é representado exclusivamente pelos
interesses econômicos da posse de bens e oportunidades de renda, e 3) é representado sob as condições
de mercado de produtos ou mercado de trabalho [assim] “situação de classe” [seria] a oportunidade
típica de uma oferta de bens, de condições de vida exteriores e experiências pessoais de vida, e na
medida em que essa oportunidade é determinada pelo volume e tipo de poder, ou falta deles, de dispor de
bens ou habilidades em benefício de renda de uma determinada ordem econômica.
476
GOUGH, 1996, p. 15-16.
477
Artigos 21 a 23 dos Articles Organiques (DUPIN, 1845, 220).
143
religiosa, e ouvindo que os religiosos eram contrarrevolucionários e inimigos do povo.
No mesmo período o sacerdócio praticamente desapareceu, com padres mortos ou
exilados. A nova geração de sacerdotes que surge após a Concordata não tinha relação
com costumes e hábitos antigos, não aceitava a autoridade da hierarquia do clero, nem
havia nascido nas altas classes. Para poder suprir todos os cargos vagos, sua formação
religiosa era superficial e rápida479. Após a restauração católica, mais da metade dos
religiosos que estavam disponíveis para o serviço paroquial tinha mais de 50 anos, e em
1850, o número de ordenações não superava as mortes e aposentadorias480. A carreira
clerical não parecia interessante às famílias das classes médias, cada vez mais
numerosas. Ao longo dos séculos XVII e XVIII, durante o Antigo Regime, o
recrutamento era facilitado por perspectiva e vantagens que a Igreja, associada ao poder
real, podia oferecer aos jovens. No século XIX, ao contrário, os filhos de ricos
proprietários de terras, industriais ou altos funcionários católicos eram insensíveis aos
apelos da Igreja, e preferiam estudar em colégios jesuítas, mas evitavam o sacerdócio
religioso.
478
Tradução livre; optou-se mais pelo sentido que pela tradução literal.
479
WOODWARD, 1963, p. 239.
480
GOUGH, 1996, p. 20.
144
Aos candidatos à vida religiosa não eram feitas muitas exigências
intelectuais. Por mais de uma década os seminários não existiram; muitos religiosos
morreram ou foram exilados, ordens religiosas e congregações eruditas desapareceram;
não havia professores para os jovens que buscavam a igreja. Os poucos remanescentes
eram velhos, sobreviventes da Revolução Francesa, que transmitiam aos alunos
desconfiança e rancor contra o mundo secular482. Assim, como o corpo docente, as
bibliotecas e instalações dos seminários foram dizimadas ao longo do processo
revolucionário. Aos pobres que lhes procurava, a igreja francesa apenas podia oferecer a
pobreza de seus próprios recursos.
481
Dados citados por GOUGH (1996, p. 21), obtidos junto aos Archives Nationales e arquivos do
Ministère des Cultes, em Paris.
482
GOUGH, 1996, p. 22.
483
Tradicionalmente o termo francês patois é utilizado para designar uma linguagem fora dos moldes
formais, ainda que baseada na língua-padrão de um determinado país. Contudo, essa visão arcaica já foi
superada por estudos linguísticos mais recentes, que entendem que um patois é, sim, um idioma, falado
em apenas uma pequena região, como uma forma variante do idioma principal (WALTER, 1988, p. 4 do
e-book).
484
GOUGH, 1996, p. 25-26.
145
educação, das relações entre o capital e o trabalho, e quase nunca tinham acesso a um
jornal. Nas cidades maiores, os padres, com seu pouco conhecimento e minguado
salário485, estavam em uma clara situação de inferioridade perante os fiéis da classe
média e da burguesia. Suas despesas, assim como seus sermões, eram, ainda por força
das determinações da Concordata de 1801, vigiados e fiscalizados pelos conselhos
municipais; um comentário inadequado, ou um gasto não explicado, poderia ser objeto
de um relatório da polícia religiosa perante o Ministério dos Cultos. Os párocos não
tinham a quem recorrer, seja na busca de ajuda cultural, política ou financeira. As
camadas médias e burguesas apresentavam-se formalmente como católicas, mas
tratavam com distância e condescendência o humilde clérigo paroquial486, que também
não podia recorrer aos bispos. Ao lado da nulidade educacional do baixo clero, havia
uma outra formação religiosa, que se assemelhava a uma educação universitária.
485
Os Articles Organiques, que regulamentaram a Concordata de 1801, em seus artigos 64 a 66,
estabeleceram os salários do clero francês. Os arcebispos receberiam 15 mil francos anuais e os bispos,
dez mil francos. Os párocos de primeira classe, mil e quinhentos, e os de segunda classe, mil (DUPIN,
1845, p. 230). Já o salário de um empregado não especializado era de 800 francos por ano; um
trabalhador qualificado, em meados do século XIX, poderia ganhar até dois mil francos, e um cartorário
notário, ao menos quatro mil francos. Na alta hierarquia do clero, um religioso que se tornasse cardeal
recebia um valor adicional de dez mil francos a seu salário anual (GOUGH, 1996, p. 27 e 30).
486
Idem, ibid., p. 29.
487
Em geral esses jovens provenientes de famílias pobres eram apadrinhados em sua formação por um
bispo ou por uma família nobre, para que continuassem seus estudos nos seminários superiores (GOUGH,
1996, p. 34).
146
obtido seus diplomas universitários antes de 1789. Em meados da década de 1830,
Saint-Sulpice de Paris já havia voltado a seu nível anterior à revolução, podendo,
inclusive, oferecer a seus alunos de elite a possibilidade de frequentar aulas na
Universidade Sorbonne. Em geral, os seminários superiores recebiam candidatos de
bom nível, ingressando diretamente no sacerdócio depois de uma sólida educação laica.
Depois de dois anos de uma educação generalista, que podia incluir até mesmo
matemática e botânica, os alunos faziam mais dois anos de teologia, história eclesiástica
e estudos bíblicos, e, posteriormente, mais um ano com a ênfase ao estudo da doutrina
católica e consagração pessoal. Durante o estudo, todos os alunos, incluindo sulpicianos
e lazaristas488, aprendiam os princípios do galicanismo; estudavam história eclesiástica,
filosofia e literatura patrística, com o intuito de lembrar-lhes que a igreja da França é
uma igreja nacional, com certos costumes tradicionais, e que expressa um ponto de
vista particular e característico sobre suas próprias relações com o Estado e o papado
romano489.
488
A Congregação da Missão, Lazarista, ou Vicentina, é uma comunidade de sacerdotes e irmãos,
fundada por São Vicente de Paula em janeiro de 1617, tornando-se permanente em abril de 1625,
dedicada à formação de clérigos. Durante a Revolução Francesa sofreu pesadas perdas, com o fechamento
das 78 casas vicentinas então existentes. Voltou a existir após a Concordata de 1801, sendo oficialmente
legalizada em 1804. Em poucas décadas abriu inúmeros seminários na França e no exterior.
489
GOUGH, 1996, p. 36-39.
147
de sua remoção para outra paróquia; além do próprio rei, reitores de universidades e
colégios, abades e centenas de leigos influentes exerciam o direito de nomeação,
estabelecendo uma relação de agradecimento dos clérigos para com seus padrinhos.
Após 1802 esse poder sobre mais de 37 mil vigários passou a se concentrar unicamente
nas mãos dos bispos; um padre em atrito com a autoridade do bispo podia ser
transferido ou dispensado sem consulta ou recurso490.
490
Idem, ibid., p. 30.
491
No fim da década de 1840, cinco arcebispos eram os principais conselheiros dos técnicos do ministério
em decorrência das suas conexões e de seus julgamentos criteriosos (idem, ibid., p. 59).
492
Idem, ibid., p. 61.
493
Citado por GOUGH, 1996, p. 62.
148
Saint-Sulpice e que não defendesse teses ligadas ao ultramontanismo494. Mesmo com
um processo de escolha ideologizado e marcado por relações pessoais, havia entre os
bispos representantes do pensamento ultraconservador. Dos 80 bispos franceses, no fim
da década de 1840, 33 eram galicanos convictos e atuantes. E 30 eram moderados, em
geral apoiadores da maioria, mas que se mantinham distantes das polêmicas com Roma.
E, paradoxalmente, também havia 17 bispos conservadores convictos e ativos; 5 foram
escolhidos durante a rápida passagem de um ultramontano pelo Ministério dos Cultos;
nos outros casos, o conservadorismo do candidato, mesmo conhecido, não foi
considerado sério para ofuscar suas outras qualificações, ou ainda só se revelou após a
instalação apostólica. Todos, apesar de comandarem dioceses de pouca importância e
afastadas de Paris495, viriam a ter um papel relevante na formação de clérigos fiéis ao
pensamento ultraconservador, assim como na divulgação de seus principais teóricos.
494
Em 1850, do total do episcopado, 59 bispos (74%) eram egressos do seminário Saint-Sulpice em Paris,
10 eram do sulpiciano Saint-Irénée e 15 de outros seminários sulpicianos nas províncias. Dos 80 bispos,
apenas um era formado pelo seminário da Congregação Vicentina (GOUGH, 1996, p. 64).
495
Idem, ibid.
496
Idem, ibid., p. 13. A situação de cisão começaria a mudar a partir de 1830, com a subida ao poder de
Luís Filipe I, que passou a nomear para o episcopado ex-vigários mais jovens, entre 40 e 50 anos,
substituindo de forma gradual a geração anterior a 1789. A maioria dos 77 bispos nomeados por Louis-
Filipe entre 1830 e 1848 veio da classe média (JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 296).
149
O pensamento galicano estava claramente dividido entre o que mais tarde
foi chamado de galicanismo teológico, que aceita a autoridade do papa para as questões
de fé, tratando Roma como uma monarquia que precisava ser referendada pelo
consentimento aristocrático, o episcopado nacional497, e o galicanismo parlamentar,
exercido pelas autoridades civis francesas, atuando na burocracia e na política interna
do país498. A Concordata de 1801 permitiu que o Ministério dos Cultos passasse a
controlar a religião em geral, e a Igreja Católica em particular, fazendo com que o
governo civil herdasse todos os poderes da antiga monarquia em matéria de religião. A
partir de seu primeiro-ministro, Portalis, seus dirigentes, homens bem preparados, com
formação em teologia, conhecedores de eclesiologia e da lei canônica, mas, sobretudo,
peritos na jurisprudência galicana, conseguiram intermediar as relações entre as
dioceses francesas e a burocracia romana. A burocracia do ministério fazia a avaliação
de nuanças políticas de sermões e cartas pastorais e dava tratamento às questões mais
materiais do mundo eclesiástico e das finanças diocesanas499. O papel atuante do
ministério desagradava a Roma, o que fez com que a propaganda ultramontana excitasse
ainda mais um baixo clero já bastante receptivo.
Entre 1830 e 1870, o Ministério dos Cultos deu pouca importância à retórica
e à propaganda ultramontana e ultraconservadora no dia a dia das paróquias, que
pregavam a morte do galicanismo. O ministério, desconsiderando a atuação dos padres,
fazia sua propaganda galicana dirigida para as elites intelectuais, por intermédio do
patrocínio da publicação de livros que defendiam suas teses. Uma dessas publicações
foi o Manuel du droit public ecclésiastic francais (1824) – manual do direito público
eclesiástico francês –, pelo advogado André Marie Dupin (1783–1865)500, livro-base
para a atuação do órgão, contendo todos os textos básicos da história do galicanismo,
que foi adotado nos cursos de Direito durante décadas. Segundo a posição galicana,
497
GOUGH, 1996, p. 50.
498
THOMAS, 1910, p. 5-8.
499
GOUGH, 1996, p. 44-45.
500
André Dupin foi presidente da Câmara dos Deputados e senador durante o Segundo Império francês
(1852–1870) (idem, ibid., p. 45).
150
expressa por Portalis, Dupin e o ministério, o período entre a Constituição Civil do
Clero, em 1790, e a Concordata de 1801 representou apenas um hiato, mas não uma
ruptura fundamental na continuidade de uma longa tradição eclesiástica baseada no
conceito de equilíbrio entre três forças: a monarquia, o papado e o clero francês. O
equilíbrio deveria ser obtido definindo primeiro as relações entre o Estado e a Igreja e,
em segundo lugar, as relações entre o clero da França e seu soberano espiritual em
Roma501. A autoridade soberana do papado, e do papa, diria respeito exclusivamente às
questões ligadas à fé e ao dogma católico; para todas as outras, a domínio da Igreja
pertenceria ao poder civil, ao qual ela estava subordinada. Dessa forma, o papa não teria
o direito de intervir nos assuntos temporais ou de abalar a autoridade civil, como estava
disposto na declaração Quatre articles, desde 1682502 Os juristas do ministério faziam
clara distinção entre o clero diocesano, a igreja francesa, e as ordens religiosas,
entendidas como uma espécie de milícia internacional ligada diretamente a e sob
controle de Roma. A igreja nacional deveria permanecer francesa quanto a seu pessoal,
lealdade e regras, e obediente a Roma no que se referisse aos dogmas fundamentais; o
catolicismo seria o apostólico romano, mas alicerçado pelas tradições francesas e nas
liberdades galicanas, como definidas por Pierre Pithou no livro Les libertés de l’Église
Gallicane (1594) (as liberdades da Igreja Galicana), tese há quase três séculos aceita
pelo mundo intelectual e pela Universidade de Paris503.
501
Idem, ibid., p. 46.
502
O artigo 1º da declaração afirmava: São Pedro e seus sucessores, Vigários de Jesus Cristo, e toda a
própria Igreja, receberam autoridade de Deus somente em assuntos espirituais e de salvação, e não em
assuntos temporais e civis; que o próprio Jesus Cristo nos ensinou que seu reino não é deste mundo, e
que em outro lugar é necessário devolver a César o que pertence a César, e a Deus o que pertence a
Deus. Mantenhamos este preceito de São Paulo: que cada pessoa esteja sujeita aos poderes que estão
acima; pois não há poder que não seja de Deus, e ele comanda os que estão na Terra: portanto, aquele
que se opõe aos poderes resiste ao comando de Deus (DUPIN, 1845, p. 104).
503
GOUGH, 1996, p. 47.
151
jurisprudência da Igreja na França; menos inspirado no advogado André Marie Dupin
do século XIX, e mais no bispo galicano Jacques Bénigne Bossuet do século XVII. Era
uma espécie de continuidade dos ensinamentos anteriores à Revolução Francesa,
repudiada pelo episcopado do século XIX, que foram preservados em Saint-Sulpice e
pela Congregação Vicentina504. A escolha de Bossuet tinha um duplo sentido para os
bispos: ele fora ao mesmo tempo um galicano fervoroso e um absolutista convicto, para
quem os princípios constitutivos do Estado eram a religião e a justiça; a ordem social e
política dependeriam de uma reorganização religiosa, da Providência divina, assim a
monarquia é uma função espiritual providencialmente conferida por meio do
mecanismo da herança dinástica, e a pessoa do rei é, por conseguinte, sagrada505. Nos
dois seminários, além dos autores clássicos do galicanismo, também se estudavam
contemporâneos como o conde Denis Frayssinous (1765–1841), autor do obrigatório
Les vrais principes de l’Église Gallicane (1818) – os verdadeiros princípios da Igreja
Galicana.
504
Idem, ibid., p. 48-49.
505
BAKER, 1990, p. 113.
506
Ex cathedra é uma frase latina que significa da cadeira. A frase foi originalmente aplicada às decisões
tomadas pelos papas a partir de Roma sobre questões de fé ou moral. Para o ultramontanismo do século
XIX, as decisões ex cathedra do papa teriam o caráter de infalibilidade, preceito que foi adotado pelo
Concílio do Vaticano em 1870.
507
GOUGH, 1996, p. 50.
508
FRAYSSINOUS, 1818, p. 80-82.
152
Na verdade, com exceção do período entre 1790 e 1801, a cúpula da igreja
da França nunca se afastou das teses galicanas da declaração Quatre articles509, de
1682. Ao longo dos séculos o episcopado francês deu muitas demonstrações de sua
independência perante Roma, avaliando e julgando decisões do papado510. Em 1699, a
Inquisição romana511 condenara formalmente o livro Explication des maximes des saints
sur la vie intérieure (1697) – explicação dos ditos dos santos sobre a vida interior –, do
bispo François Fénelon (1651–1715), acusado de quietismo512; a pena foi referendada
pelo papa Inocêncio XII no breve Cum alias (1699). Reunidos em concílio, bispos
franceses aceitaram a condenação, determinando a Fénelon a pena de exílio em sua
diocese em Cambrai; assim, uma sentença papal, antes de ser aplicada, precisou ser
referendada por um julgamento dos bispos franceses513. Sete anos depois, a situação
repetiu-se quando o episcopado julgou e aprovou a bula Vineam Domini, de Clemente
XI, que tratava de uma questão de consciência envolvendo o jansenismo. A bula foi
aceita pela assembleia dos bispos, juntamente com uma declaração afirmando que as
constituições papais somente vinculariam toda a Igreja quando fossem aprovadas pelos
bispos; o documento gerou um incidente diplomático entre o papa e o rei Luís XIV. As
crises continuaram sucedendo-se. Em 1671, o teólogo francês Pasquier Quesnel (1634–
1719) havia publicado o livro Abrégé de la morale de l’Evangile (a moralidade do
evangelho desbravada), com uma edição dos quatro evangelhos em francês, repletos de
notas do autor, um ardoroso defensor do jansenismo. Em 1693, Quesnel editou o Le
Nouveau Testament en français avec des réflexions morales sur chaque verset (o Novo
509
Idem, ibid., p. 254-256.
510
A noção dos bispos como magistrados da Igreja encontra suporte em Frayssinous: Os bispos são
inquestionavelmente juízes da fé nas suas dioceses, nos sínodos diocesano e provincial. Pelo seu poder
imediato e ordinário, o papa não se torna o bispo de cada diocese, no lugar do próprio bispo, reduzido a
ser apenas o seu instrumento, sem qualquer responsabilidade própria. O papa é bispo apenas em Roma,
não em qualquer outro lugar (FRAYSSINOUS, 1818, p. 229).
511
Não de deve confundir a Inquisição papal, criada por Gregório IX em 1184, com a Inquisição
espanhola, criada em 1478 por Fernando II de Aragão e Isabel de Castela visando manter a ortodoxia
católica em seus reinos, que existiu até 1834. Também se deve distinguir a Inquisição romana,
Congregação para a Doutrina da Fé, também chamada de Santo Ofício, criada em 1542 pelo papa Paulo
III para combater as heresias, notadamente o protestantismo, nas terras italianas (MACKEY, 2009, p. 27).
512
Doutrina espiritual proposta pelo teólogo espanhol Miguel de Molinos baseada na espiritualidade
exagerada, que defendia que, por meio da passividade contemplativa, o homem chega a Deus, uma vez
que este age sobre a alma sem qualquer participação humana. A doutrina foi acusada de heresia pela
constituição apostólica Caelestis Pastor, do papa Inocêncio XI, em 1687 (CONNOLLY, 2003, v. 11, p.
866-867, e SHELDRAKE, 2007, p. 134-138).
153
Testamento em francês com reflexões morais em cada verso). As obras foram
condenadas por Clemente XI no breve apostólico Universi Dominici Gregis (todo o
rebanho do Senhor), em julho de 1708, que não foi aceito pelos bispos franceses por
estarem em desacordo com liberdades galicanas. Por intermédio do rei Luís XIV, vários
bispos solicitaram a edição de um novo documento, que deveria evitar qualquer crítica
ao galicanismo. O papa cedeu editando a bula Unigenitus dei filius (único filho de
Deus), em setembro de 1713, restringindo suas críticas a Quesnel e ao jansenismo, que
mesmo assim só foi aprovada pelo episcopado francês de 1714, após mais de três meses
de exame514. Para o galicanismo teológico, os bispos franceses eram inteiramente
competentes para fazer julgamentos doutrinários, conceder ou recusar o “imprimatur”
a livros de teologia e Direito Canônico, ou fazer seleções para bibliotecas de
seminários. Não poderia haver dúvida de suas decisões a serem revogadas por uma
comissão de italianos da Congregação do Index515. O mesmo valia para as liturgias,
que, de Roma, eram controladas e supervisionadas pela Congregação Romana dos
Ritos, ou para a hierarquia, função da Congregação Romana dos Bispos e Regulares.
Nesses pontos galicanismos teológico e parlamentar estavam de acordo516.
Assim como o galicanismo, que perdera muito de sua força, ficando isolado
na cúpula da igreja francesa, apesar de ainda muito influente, o jansenismo era apenas
uma sombra do que era no período anterior a 1789 e também muito sujeito aos ataques
dos ultramontanos. Os poucos jansenistas atuantes, que antes pretendiam resgatar o
espírito dos santos padres, voltando-se à patrística, e que desprezavam as práticas de
devoção popular, assistiam ao crescimento da adoração ao Sagrado Coração, a Maria, às
peregrinações aos santuários e à veneração das relíquias. Essas práticas voltaram a ser
muito estimuladas pelos jesuítas, que se pensava extintos em 1773, e que retornavam
ainda mais fortes como expressão da fé.
513
COSENTINI, v. 5, p. 681-683.
514
COGNET, 2003, v. 14, p. 301-302.
515
GOUGH, 1996, p. 54.
516
DUPIN (1845, p. “i”), na quarta edição de seu Manuel, citando uma decisão das cortes francesas do
século XVII, faz uma advertência: Não reconhecemos na França, diz este magistrado, a autoridade, o
poder, nem a jurisdição das congregações que são mantidas em Roma; o papa pode estabelecê-las como
achar conveniente em seus Estados; mas os decretos dessas congregações não têm autoridade nem
execução no reino...
154
155
CAPÍTULO 2
O ULTRAMONTANISMO E AS FORMULAÇÕES
CONSERVADORAS.
517
O adjetivo “galicano” é derivado do latim gallicanus, que durante séculos era usado apenas como
sinônimo de francês, sem qualquer conotação a uma doutrina religiosa. Assim, por exemplo, o livro de
Pierre Pithou Les libertés de l’Église Gallicane (1594), apesar de tratar de religião, significava apenas as
liberdades da igreja francesa. Aos poucos, os clérigos defensores da igreja francesa começaram a ser
identificados como galicanos (GRES-GAYER; BERTHELOT DU CHESNAY, 2003, v. 6, p. 73).
156
Originalmente, durante a Idade Média, o termo ultramontano descrevia um
papa que não fosse italiano, que houvesse nascido ao norte, do outro lado dos Alpes, a
cadeia de montanhas que separa a península italiana do restante da Europa. Já em sua
versão moderna do século XIX, a palavra foi adaptada por pensadores católicos, que
defendiam a soberania da Igreja, e consequentemente do papa, sobre os Estados
nacionais, em uma espécie de monarquia universal, dando a essa soberania um forte
caráter contrarrevolucionário e, portanto, reacionário. Seus textos também forneciam o
apoio irrestrito ao papa como forma de oposição às ideias conciliaristas, e supostamente
cismáticas, adotadas pelas igrejas nacionais e seus movimentos internos – galicanismo,
jansenismo, febronianismo e josefismo, aos quais, no século XIX, havia se somado o
hermesianismo520.
518
GRES-GAYER, 2003, v. 14, p. 283.
519
Ver LAMENNAIS, Œuvres inédites, t. 1er, Correspondance, 1866a.
520
Movimento teológico nascido a partir das ideias de Georg Hermes (1775–1831), professor de
dogmática da Universidade de Bonn, que a partir de 1820 passou a criticar publicamente a Igreja, tendo
como fundamento o iluminismo católico, o antropocentrismo e a racionalização da fé. Os textos de
Hermes foram proibidos e colocados no Index pelo papa Gregório XVI, por intermédio do breve Dum
acerbissimas (1835). A reação da Igreja ligada à Santa Sé, contrária às ideias liberais de Hermes,
provocou uma série de incidentes entre o governo da Prússia e os ultramontanos alemães, o que gerou os
Kölner Wirren (1835–1848), os incidentes de Colônia.
521
LASKI, 1919, p. 21.
157
devotadas à Igreja522. O culto medieval da unidade523, segundo o qual dualidade de
poder é inconveniente524, que permitia ao papa usar suas prerrogativas sobre os
soberanos, foi herdado pelo poder secular. Assim, o Estado poderia tolerar apenas as
associações religiosas que não violassem as normas morais mínimas para a
manutenção da sociedade525. Lealdade e fidelidade compunham esse padrão, conforme
apresentado em 1689 por Locke no Second treatise of [...] toleration, segundo tratado da
tolerância. Na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII os católicos foram excluídos da
cidadania porque negaram a plenitude da autoridade do Estado, isto é, recusam a
absorção por seus instrumentos, e a pena da recusa foi a exclusão526. Juntamente com a
destruição do conceito de autoridade, a Reforma e os Estados nacionais destruíram a
soberania da Igreja sobre o poder secular; soberania que fora invocada no passado por
papas como Gregório VII, pontífice entre 1073 e 1085, Inocêncio III (1198–1216),
Bonifácio VIII (1294–1303).
522
Essa exigência de lealdade por parte do Estado seria uma das normas morais mínimas para a
manutenção da sociedade (HEGEL, 2003, v. 5, p. 257, e MOODY, v. 3, p. 638), que Locke estabelecera
para excluir de sua noção de tolerância os católicos, por definição fiéis a Roma.
523
LASKI, 1919, p. 23.
524
Idem, 1917, p. 2.
525
HEGEL, 2003, v. 5, p. 257, e MOODY, v. 3, p. 638.
526
LASKI, 1919, p. 23.
527
Idem, ibid., p. 21-23. Henrique VIII, com o Ato de Supremacia, em 1534, declarando-se o único chefe
supremo da Igreja na Inglaterra, apenas consolidou a ruptura iniciada com a Reforma Protestante (idem,
1917, p. 2).
528
A palavra conciliarismo é usada especialmente para designar um conjunto de ideias medievais que
cresceu nos séculos XIII e XIV, encontrando ampla aceitação na época do Cisma Ocidental (1378–1417).
Era movido pela convicção de que a Igreja, todo o povo cristão, formava um corpo sustentado pelo
Espírito Santo, com uma natureza corporativa. O Concílio de Constance (1414–1418) fortaleceu a posição
158
cristandade529. O Concílio de Trento (1545–1563), a primeira reação institucional da
Igreja contra as transformações, apesar de declarar o papel pastoral dos bispos,
possibilitou o romanismo, fortalecendo o papado, colocando em suas mãos, e sob o
controle da administração organizada, o movimento de reforma que se seguiu530. A
orientação de reunir e expandir a cristandade, assim como de defender as prerrogativas
de Roma e a eclesiologia hierárquica piramidal, transformou-se em uma linha de
atuação, que faria o vínculo de continuidade entre o romanismo pós-tridentino e o
ultramontanismo pós-revolucionário531.
de que os conselhos gerais recebiam sua autoridade diretamente de Cristo, estando todos obrigados às
suas decisões, inclusive o papa (TIERNEY, 2003, v. 4, p. 53-54).
529
GRESGAYER, 2003, v. 14, p. 283.
530
ALBERIGO, 2015, p. 346-347.
531
GRES-GAYER, 2003, v. 14, p. 283.
532
Nas disputas envolvendo o papa Bonifácio VIII e o rei Felipe IV, da França, que abrangiam temas
como a tributação e isenção de impostos dos clérigos da Igreja Católica, Giles de Roma – ou Aegidius
Romanus, ou ainda Egidio Colonna – tomou o partido do papa. O livro De ecclesiastica potestate foi
usado como fundamento para a bula Unam Sanctam (1302) de Bonifácio VIII. A tese central era a
supremacia da alma sobre o corpo e a constituição da teocracia papal plena, inspirado pelo ideal
agostiniano da cidade de Deus, De Civitate Dei (NASH, 2003, v. 6, p. 220).
159
romanistas conviviam na Faculdade de Teologia de Paris, local em que a elite do clero
francês era educada, ao lado dos reformadores galicanos, que contavam com o apoio do
rei Luís XIV. O romanismo francês dos séculos XVII e XVIII, apesar de não representar
um pensamento coeso, contava com elementos que o distinguiam: a defesa de um
sistema hierárquico forte para a Igreja; a crença na necessidade de um catolicismo
clerical e centralizado de forma autoritária. O mesmo movimento defendia a restrição
dos leigos ao acesso dos evangelhos, dos documentos litúrgicos, dos livros filosóficos,
como a Summa Theologiae de Tomás de Aquino (c. 1225–1274) (1485), ou teológicos,
como documentos do Concílio de Trento, e a adoção rigorosa do Index533. Contudo, a
romanização tinha como princípio um catolicismo devocional e caritativo, além de
festivo e sociável, e a defesa das missões como forma de expandir a Igreja534. Os
fundamentos dos autores pretéritos foram incorporados ao ultramontanismo do século
XIX, que sobre essas premissas incorporou uma visão mais conflituosa, intransigente e
beligerante, que rejeitava o pensamento iluminista, assim como as transformações na
vida social e política, e o legado da Revolução Francesa. Os antigos argumentos
teológicos foram soterrados por premissas práticas e políticas. Entre as novas fileiras
ultramontanas, o papado não era apenas o centro e o garantidor da unidade da Igreja,
mas a única fonte política dessa mesma unidade535.
533
GRES-GAYER, 2003, v. 14, p. 284. Contra essa visão de catolicismo divergiam os autores
jansenistas.
534
Idem, ibid.
535
O’MALLEY, 2018, p. 62.
160
unidade da Igreja536; a teologia moral, fundada por Alphonsus Liguori (1696–1787),
tendo a penitência e a Eucaristia como fontes de força espiritual; a piedade e a adoção
de um catolicismo emocional, penitencial, popular e festivo, com a adoção de práticas
antes consideradas supersticiosas ou pagãs, a homenagem a santos e relíquias
milagrosas, devoção ao Santíssimo Sacramento, ao Sagrado Coração de Jesus e à
Virgem Maria – Mãe de Deus, Perpétua Virgindade, Imaculada Concepção –, o
estímulo às peregrinações a santuários, e o apostolado, com o envolvimento de clérigos
e leigos na missão de expandir o catolicismo romano537. Além das características
teológicas, o ultramontanismo moderno também foi marcado por uma essência
profundamente contrarrevolucionária, além de um passadismo intrínseco, cujo tempo
pretérito mítico é evocado e reina supremo.
536
A teologia romana em meados do século XIX era dominada por jesuítas: Giovanni Perrone (1794–
1876), Carlo Passaglia (1812–1887), Johannes Baptist Franzelin (1816–1886) e Klemens Schrader (1820–
1875), todos conservadores. O último, extremamente rigoroso, igualava a liberdade de consciência ao
indiferentismo, da mesma forma que liberal era sinônimo de ateu (ROCK, 203, v. 12, p. 786).
537
GRES-GAYER, 2003, v. 14, p. 285.
161
A França, mais do que qualquer outro país, tornou-se o palco privilegiado
para esse embate. Sua aristocracia e seu clero, que juntos representavam grande parte
das elites intelectuais, foram destituídos do poder e dos bens; seus membros partiram
para o exílio, e muitos morreram. Aqueles que voltaram do degredo em 1814 traziam
consigo uma forte repulsa aos princípios liberais. Para eles a liberdade tornara-se
sinônimo de anarquia e desordem; a igualdade fora a causa primeira de expropriação de
seus bens, e a fraternidade a tradução exata da destruição das antigas instituições e de
seu modo de vida. Suas tradições, suas verdades, seus interesses e sua religião foram
desprezados e afastados ou simplesmente solapados. Vinte e cinco anos transformaram
o Antigo Regime em antiguidade remota. Ao voltarem do exílio nobres e clérigos
traziam em sua bagagem ressentimento, ódio e desejo de vingança; o que fora cobrado
com o sangue das vítimas se tornara sagrado; eles não voltaram para corrigir, mas para
restaurar [...] deificaram o passado, e nessa visão de encantamento descobriram
facilmente os princípios de uma teocracia538. Isso se aplicou de forma ainda mais
intensa se observada a igreja de Roma isoladamente, a instituição que mais sofrera
durante o período revolucionário. No início da revolução não havia um forte sentimento
anticlerical, e a ideia de uma ruptura entre Igreja e Estado, em 1789, não estava nos
planos dos líderes, especialmente os girondinos; o alvo, a princípio, fora apenas o
confisco dos bens da Igreja Católica como forma de suprir as necessidades financeiras
do Estado francês. Contudo, o apoio da Igreja aos contrarrevolucionários despertou a
desconfiança dos moderados e a ira dos jacobinos radicais. O ódio secular alimentado
contra o alto clero, a guerra contra a católica Áustria, apoiada por Roma, e as derrotas
iniciais das tropas francesas apenas acirraram os ânimos já muito exaltados. Duas
décadas de perseguição, o apoio de Napoleão ao galicanismo, a prisão de dois papas –
Pio VI em 1798 e Pio VII em 1809 – e a humilhação imposta pela Concordata de 1801
iriam tornar ideologicamente antagônicos o catolicismo e o liberalismo para grande
parte da Igreja539. Para os pensadores católicos, a restauração impôs a necessidade de
uma teoria política que garantisse a satisfação de suas demandas e que fizesse renascer
538
LASKI, 1919, p. 124-125.
539
Idem, ibid., p. 125-126.
162
uma vida baseada nas antigas tradições. Foi assim que eles reconstruíram sua história
em uma filosofia com a qual eles poderiam destruir a categoria do tempo540.
540
Idem, ibid., p. 127.
541
Este não é o espírito [religioso] que, no melhor dos tempos de nossa história, distinguiu tão
eminentemente a Igreja da França, a Igreja Galicana. É um espírito totalmente contrário a esse, e que
procura destruí-lo. Para aqueles que professam estas doutrinas antifrancesas, a Igreja deve formar uma
espécie de Estado dentro do Estado; tendo seu verdadeiro soberano no exterior, e suas leis à parte. Ela
finge estar sob seu próprio controle, e não pode ser alcançada nem pelas leis do país que ela bravamente
defende, nem pelos magistrados que ela insulta e desafia! Se este não é o espírito que os clérigos devem
ter para ser um clero nacional, é pelo menos o espírito que agentes muito ativos estão tentando inspirar
nele para torná-lo um clero inteiramente ultramontano (DUPIN, 1845, Préface).
163
no Concílio do Vaticano formularam a imagem de uma corrente doutrinária una,
centrada na figura do papa, um único catolicismo, em uma coesão que na verdade não
existia. O ponto que unia todas as diferentes correntes era a batalha para garantir a
unidade da Igreja: porque só há um Deus, há apenas uma Igreja e apenas uma verdade
dentro dessa Igreja, que é enunciada pela única cabeça da Igreja, [...] garantindo a
uniformidade por meio da supressão não apenas da dissidência, mas também da
diferença e da diversidade543, o que ficou consolidado na constituição dogmática Pastor
Æternus, emitida em 18 de julho de 1870, pouco antes do encerramento abrupto do
Concílio do Vaticano544. O que se chamou genericamente de ultramontanismo
apresentava características peculiares nos diversos países nos quais se apresentava; os
franceses em muito distinguiam-se, por exemplo, dos alemães, ou irlandeses, que
buscavam respostas para suas realidades específicas.
542
O’MALLEY, 2018, p. 59.
543
ARX, 1997, p. 9.
544
O encerramento antecipado do concílio foi decretado pelo papa Pio IX, pela bula Postquam Dei
munere, após Deus estar presente, sentindo-se prisioneiro depois da invasão de Roma pelas tropas da
Itália. Chegou-se a propor sua continuidade na Bélgica, mas o concílio nunca mais foi reunido.
545
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 113. A tradução alemã do Du Pape, de Joseph de Maistre, em 1822
influenciou alguns leigos que demonstraram simpatia com o novo movimento da França, que, movidos
pelo entusiasmo romântico, alimentavam uma imagem idealizada de um suposto do Estado teocrático
medieval contra o racionalismo do século XVIII (idem, ibid.).
164
uma crítica à modernização industrial546. Sua agenda conservadora, que associava a
disciplina dos católicos e a unidade da Igreja, foi usada como elemento de conciliação
para a construção de boas relações com o Estado e com o protestantismo majoritário547.
Von Geissel era conveniente tanto a Roma quanto a Berlim, pois, ao mesmo tempo em
que desenvolvia relações amistosas com o poder político, perseguiu duramente a
oposição liberal representada pelo hermesianismo, que desde a década de 1820 defendia
o iluminismo católico, o antropocentrismo e a racionalização da fé. Com o apoio do
governo, conseguiu intervir na Universidade de Bonn, usando o poder coercitivo do
Estado para defender a ortodoxia católica. Conservador, Von Geissel sustentava que as
rebeliões políticas e religiosas exigiam uma ação enérgica, que somente o Estado
poderia suportar548. Na Bavária o conde Karl-August Graf von Reisach (1800–1869)
arcebispo de Munique entre 1847 e 1856, também atuou como um interlocutor da Igreja
perante o governo, na tentativa de aproximar os reis bávaros Ludwig I e Maximilian II
ao papa Pio IX549. As relações amistosas da Igreja Católica com a monarquia prussiana
teriam fim em 1861 quando o rei Frederick William IV foi sucedido pelo irmão William
I, e com a morte de Von Geissel, em 1864. William I nomeou como chanceler Otto
Eduard Leopold, príncipe de Bismarck (1815–1898), depois elevado ao cargo de
primeiro-ministro, que passou a dominar a política interna e externa da Prússia. As
resistências do novo governo contra o catolicismo viriam a gerar uma série de conflitos
envolvendo o controle clerical da educação e as nomeações eclesiásticas, que ficaram
conhecidas como Kulturkampf, ou batalha cultural550.
546
Geissel organizou e promoveu a criação de uma série de instituições de caridade pela igreja prussiana
para atender desempregados, pobres, doentes, idosos, mães e órfãos, buscando reduzir as consequências
sociais da industrialização. A grande rede de associações católicas (Katholische Vereinigungen),
construída a partir de meados do século XIX, que não era exclusiva do ultramontanismo, tornou-se uma
marca do catolicismo germânico. Também durante seu mandato como cardeal houve a fundação de novas
confrarias leigas e sociedades marianas, e a recriação de várias antigas (YONKE, 1997, p. 27-30).
547
ARX, 1997, p. 9. Essa aproximação foi facilitada pelo claro enfrentamento das revoluções de 1848
pelos ultramontanos alemães. Ao mesmo tempo em que mantinha relações não conflituosas com o
Estado, o clero alemão impôs rígida observância da uniformidade doutrinária nos seminários e nas
faculdades teológicas.
548
YONKE, 1997, p. 20. Geissel também combateu duramente a seita cismática Deutschkatholiken
(católicos alemães), criada por Johannes Ronge (1813–1887) em Breslau, hoje Wrocław na Polônia, que
rapidamente se espalhou por Leipzig e Magdeburgo, nos territórios alemães, e que rejeitava o celibato
clerical, o uso do latim nos cultos e as doutrinas do purgatório e da transubstanciação.
549
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 338.
550
Por analogia, o termo Kulturkampf passou a descrever qualquer conflito entre autoridades seculares e
religiosas ou valores profundamente opostos, crenças entre facções de grande dimensão dentro de uma
nação, comunidade ou grupo (COLLINS, s.d.).
165
A Irlanda, outro país no qual o catolicismo se unificou ao redor da figura do
papa, também em muito se diferenciava do modelo francês. O maior destaque coube a
Paul Cullen (1803–1878), arcebispo de Dublin e o primeiro cardeal da Irlanda, que
construiu sua história e popularidade mantendo-se sempre distante dos poderes
estabelecidos ou daqueles identificados como reacionários políticos551. Logo que
regressou a Dublin, depois de 30 anos servindo em Roma, Cullen começou uma
campanha pela educação religiosa, indo contra a maioria do clero irlandês, que aceitava
uma proposta de compromisso com o governo britânico para a criação do sistema
interdenominacional em troca da liberdade religiosa no ensino superior. Assim como o
papa Pio IX, para quem a educação religiosa era a principal missão católica, Cullen
entendia que o ensino, em todos os seus níveis, deveria ficar sob controle clerical,
posição que conseguiu impor ao restante do clero no Sínodo de Thurles (1850), o
primeiro sínodo nacional na história da igreja irlandesa552. Thurles marcou o processo
de unificação do catolicismo irlandês sob o comando de Cullen, assim como um
posicionamento da Igreja em defesa dos mais necessitados, assaltados pela Grande
Fome Irlandesa, que entre 1845 e 1849 teria matado mais de um milhão de pessoas553.
Quanto à educação, o sínodo propôs uma universidade católica na Irlanda, em resposta à
criação das Queen’s Colleges e da Queen’s University of Ireland, de 1845. Nos decretos
do encontro, os bispos condenaram formalmente as universidades britânicas
interdenominacionais e, portanto, sem Deus. Cullen pautou seu trabalho pela
reconstrução do episcopado, que sofrera perseguições e repressão pela Inglaterra desde
meados do século XVII até 1829, quando o Roman Catholic554 amenizou as proibições.
Sua tarefa também foi conter o episcopado irlandês, que vinha de muitos anos de
irregularidades litúrgicas e insubordinação e contestação das decisões de Roma555. Mas
551
ARX, 1997, p. 5.
552
LARKIN, 1997, p. 69-70.
553
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 126. A Grande Fome, provocada por uma praga nas plantações de batata,
atingiu quase toda a Europa, e teria sido uma das causas das revoluções de 1848.
554
A Roman Catholic Relief Act (lei de socorro católico romano), também conhecida como Catholic
Emancipation Act (lei de emancipação católica), foi aprovada pelo Parlamento do Reino Unido em 1829.
Foi o encerramento de um processo de emancipação católica em todo o Reino Unido, que durou quase
dois séculos. Assim, os católicos puderam retomar seus direitos políticos, e exercer sua religião
livremente. O ato também visava diminuir as tensões na Irlanda, já próxima de uma guerra civil.
555
LARKIN, 1997, p. 74. O catolicismo irlandês nunca havia adotado plenamente o modelo criado pelo
Concílio de Trento, registrando uma persistente falta de sacerdotes e de templos, ausência de solenidade
166
sua marca principal foi o estímulo ao nacionalismo católico irlandês em oposição ao
processo de anglicização de sua cultura556, nem que para isso paradoxalmente fosse
necessário colaborar com os ingleses. Isso aconteceu quando apoiou William Gladstone
(1809–1898), líder do recém-fundado Partido Liberal da Inglaterra e futuro primeiro-
ministro, que, mesmo assumidamente antipapal, lutou para colocar fim ao
financiamento estatal da Igreja Protestante na Irlanda; assim, o liberalismo de Gladstone
associou-se ao catolicismo irlandês de Cullen557. O ultramontanismo do cardeal para a
época apresentava características liberais, pois, além de defender com ardor o poder
temporal do papa e a garantia da definição de sua infalibilidade, também vislumbrava
como meta imediata a luta contra a anglicização da vida irlandesa558.
litúrgica, problema nos locais e nos ritos de celebração dos sacramentos. Ironicamente alguns desses
problemas causados pela alta taxa de natalidade católica foram solucionados com as mortes e a imigração
decorrentes da Grande Fome. Cullen também combateu a avareza, a embriaguez e a luxúria entre os
clérigos (idem, ibid., p. 76-78).
556
ARX, 1997, p. 7.
557
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 128.
167
do papa. Inspirado pelas leituras dos livros de Joseph de Maistre, Lamennais defendeu
de forma apaixonada os direitos da Igreja contra um Estado que destruía a fé e
estimulava o galicanismo do episcopado. A constituição divina da Igreja estava em risco
pela introdução em seu seio da descrença e da submissão à política e às ideias
liberais559. As notícias da França eram bem recebidas em Roma, que via com satisfação
a celebração do poder papal por uma igreja antes tão orgulhosa das libertés galicannes,
e de sua relação muito próxima com o monarca; era a exaltação do poder da Igreja em
oposição ao governo secular560.
558
LARKIN, 1997, p. 76.
559
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 108-110.
560
O’MALLEY, 2018, p. 60.
168
sobrepondo-se aos concílios gerais ou a alguma fonte imediata da jurisdição episcopal.
O outro era a discussão sobre se as leis pontifícias se vinculavam automaticamente, sem
serem aceitas nos países particulares, pelo simples fato de terem sido promulgadas em
Roma. Os galicanos rejeitavam o poder papal de interferir nos poderes temporais dos
reis ou Estados, como defendiam os romanistas561.
561
O’KEEFFE, 1875, p. 2. Muitos textos, notadamente aqueles escritos no século XIX, atribuem o nome
galicana a qualquer doutrina contrária à fé católica, e o termo galicanismo à simples oposição a alguma
prerrogativa papal. Neste texto, galicano é todo aquele, leigo ou religioso, que expressamente segue os
princípios estampados no livro Les libertés de l’Église Gallicane (1594), de Pierre Pithou, e a declaração
Quatre articles (1682), reafirmando a independência da igreja francesa a Roma.
562
MENOZZI, 1997, p. 143, citando o teólogo Jean-Joseph Gaume (1802–1879), em obra não
identificada.
169
A valorização do mundo mítico medieval pelos católicos
contrarrevolucionários, e não aquele do Antigo Regime imediatamente anterior, era
justificada. Para o pensamento ultramontano reacionário, as monarquias absolutistas não
foram boas para o papado, e, portanto, para a Igreja como um todo. Anomalias
perniciosas e quase heréticas, como o galicanismo na França e o josefismo austríaco,
haviam surgido com o apoio dos governantes. Apesar de a reação ter triunfado na
Áustria de Metternich, na França, Espanha e no Reino de Nápoles dos Bourbons estava
claro que a contrarrevolução política não possuía os mesmos ideais que a
contrarrevolução religiosa. Sinais emitidos por Roma, como a reabilitação da
Companhia de Jesus pelo papa Pio VII em 1814, mesmo com a desaprovação dos
governos da Santa Aliança, mostravam que Roma não se identificava com o regalismo
dos novos monarcas, mas buscava a reconstrução do poder secular mais distante563.
563
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 88.
564
CANNING, 2003, p. 93.
565
O pensamento político cristão, desde o imperador Constantino I (272–337) e as obras de Eusébio de
Cesareia (c. 265–339), sempre foi monárquico. Os teólogos do cristianismo não defendiam outra forma
particular de governo, entendendo a monarquia como a única existente. A forma fora herdada do fim da
Antiguidade e mantida durante toda a Idade Média (idem, ibid., p. 4).
170
e francos, que detinham os poderes e a identidade da Igreja e da sociedade
simultaneamente, podendo legislar em assuntos eclesiásticos, nomear bispos e
estabelecer punições com base na religião566. O fundamento teórico-político da primeira
posição estava inscrito em uma carta escrita pelo papa Gelásio I, pontífice entre 492 e
496, para o imperador bizantino Anastasius I (c. 431–518) declarando claramente a
supremacia do reino espiritual sobre o secular567. Giles de Roma, no século XIII, no
livro De ecclesiastica potestate (o poder eclesiástico), consolidou a tese da dependência
radical do poder temporal ao espiritual.
566
Idem, ibid., p. 26.
567
Existem dois poderes, o augusto Imperador, pelos quais este mundo é governado principalmente,
nomeadamente, a autoridade sagrada dos sacerdotes e o poder real. Destes, o dos sacerdotes é o mais
pesado, uma vez que eles têm de prestar contas até aos reis dos homens no julgamento divino. Também
sabeis, caro filho, que enquanto vos é permitido governar honradamente sobre a espécie humana, no
entanto, nas coisas divinas, inclinais humildemente a cabeça perante os líderes do clero e aguardais das
suas mãos os meios da vossa salvação. Na recepção e disposição adequada dos mistérios celestiais
reconheceis que deveis ser subordinado e não superior à ordem religiosa, e que nestes assuntos
dependeis do seu julgamento e não desejais forçá-los a seguir a vossa vontade (ROBINSON, 1904, p.
72-73).
568
Lucas: 22,38: Os discípulos disseram: “Vê, Senhor, aqui estão duas espadas”. “É o suficiente!”,
respondeu ele (A Bíblia de Jerusalém, 2002).
569
CANNING, 2003, p. 99. Tal alegoria somente passou a ser utilizada após o século XI, inicialmente em
um sentido antipapal pelo rei Henrique IV do Sacro Império Romano-Germânico, em sua luta contra o
papa Gregório VII. Já no século XII, São Bernardo de Claraval (1090–1153) usava-a no sentido
totalmente inverso: que ambas pertenceriam à Igreja, interpretação que será usada pelo papa Bonifácio
VIII na bula Unam Sanctam, em 1302 (TIERNEY, 1965, p. 227).
171
poder espiritual, uma autoridade delegada; a explicação retomava um paradigma do
século VII proposto por Isidoro de Sevilha (c. 560–636)570.
570
BERTELLONI, 2005, p. 24.
571
TIERNEY (1965, p. 230) destaca a impropriedade de usar uma terminologia e conceitos elaborados
nos tempos modernos, como por exemplo dualista e hierocrático, para caracterizar as ideias medievais.
572
Idem, ibid.
573
Idem, ibid.
172
O período compreendido entre os séculos XI e XIII foi marcado por uma
transformação radical nas ideias políticas vigentes desde o início da Idade Média. A
Europa, após conter as invasões a leste – húngaros e eslavos – e ao sul – muçulmanos
nas penínsulas ibérica e italiana – pôde começar um processo de expansão geográfica:
os germânicos reconquistaram terras dos eslavos; começou a retomada de parte dos
reinos espanhóis e da Sardenha e da Sicília dos mouros, com a expulsão dos bizantinos
das terras italianas, conquista da região da Síria e Palestina pela Primeira Cruzada, e a
cristianização da Escandinávia e Dinamarca. Ao mesmo tempo houve um expressivo
aumento dos excedentes agrícolas, crescimento das cidades, do comércio de curta e
longa distâncias. A urbanização propiciou o surgimento das universidades, em um
ambiente favorável à vida intelectual, a sofisticação das ideias políticas. Os territórios
de alguns Estados consolidaram-se; Inglaterra, Sicília, França, Portugal e Espanha
surgiram como Estados, assim como as cidades italianas, ainda elementares e
incipientes, e muito distantes das formas modernas de Estado, mas absolutamente
distintas das estruturas políticas da Alta Idade Média. Os novos Estados eram uma
comunidade politicamente organizada, com um território definido, dentro do qual existe
um governante ou governo com soberania interna e externa, dotado de uma burocracia
nascente e com reivindicações jurisdicionais universalistas. Esse conjunto de rápidas
transformações influenciou o pensamento político da época. Se antes do século XI as
ideias políticas eram restritas, a abertura da sociedade medieval foi alimentada pelos
conhecimentos resgatados do mundo antigo, entre eles o direito romano e a recuperação
do Corpus iuris civilis, elaborado entre 527 e 534 pelo imperador Justiniano, que,
juntamente com o Direito Canônico, o Common Law e a recuperação dos textos de
Aristóteles, iriam elaborar ideias sofisticadas para as questões políticas de seu tempo574.
A partir do conjunto dessas transformações surgia uma teoria política que consolidava a
situação histórica da dualidade e subordinação dos poderes, e uma situação histórico-
filosófica, com uma farta produção de textos teológicos e canônicos que retomavam o
princípio básico apresentado pelo papa Gelásio I no século V575. Paralelamente a Igreja
se desenvolveu como instituição legal e governamental, adotando muitos atributos de
um Estado, e com a consolidação de uma jurisdição eclesiástica superior à dos
governantes seculares, o que iria provocar inúmeros conflitos entre as autoridades
574
CANNING, 2003, p. 82-84.
173
temporais e espirituais. Não havia mais espaço para o poder difuso que antes a Igreja
exercera sobre os monarcas. Os fundamentos buscados pelos ultramontanos do século
XIX remontavam à teoria política da Baixa Idade Média, enfatizando a existência de
dois poderes diferentes, o espiritual e o temporal, com a subordinação do segundo ao
primeiro.
575
BERTELLONI, 2005, p. 24.
576
O documento final do concílio dizia: Principalmente, portanto, sabemos que o corpo de toda a santa
igreja de Deus é dividido em duas pessoas distintas, a saber, o sacerdote e o real, conforme aceitamos
ter sido transmitido pelos santos padres. A respeito desse assunto, Gelásio, o venerável bispo da Sé
Romana, escreve assim ao imperador Anastasius I: “Existem de fato”, diz ele, “duas augustas
imperatrizes pelas quais este mundo é principalmente governado: a autoridade consagrada dos bispos e
a autoridade real. Destas, o sacerdócio é fardo maior, na medida em que também devem prestar contas
diante de Deus pelos próprios reis dos homens” (transcrito por CANNING, 2003, p. 50).
577
CANNING, 2003, p. 53.
578
Idem, ibid., p. 56.
174
politicamente organizada com existência autônoma579. Os três elementos de mando na
Roma antiga – imperium, auctoritas e potestas580 – estavam concentrados nas mãos do
papa, que governava dentro de uma dimensão transpessoal581. As reformas da Igreja no
século XI, iniciadas por Gregório VII, iriam além da simples compilação das tradições
antigas; elas estavam em sintonia com as transformações políticas e econômicas em
curso.
579
Por sua vez, os fundamentos dessa superioridade estavam na estrita relação entre o papado e Carlos
Magno e o Império Carolíngio; Carlos Magno seria como o rei Davi, combinava as funções de liderança
real e ensino sacerdotal (praedicatio) para guiar seu povo, uma comunidade de fé, à salvação (idem, ibid.,
p. 50).
580
Idem, ibid., p. 66. Na Roma imperial, o imperium era uma forma de autoridade detida por um cidadão
para controlar uma entidade militar ou governamental. Os indivíduos a quem foi dado tal poder eram
referidos como magistrados, cônsules e pretores. Auctoritas referia-se ao nível geral de prestígio que uma
pessoa tinha na sociedade romana, e, como consequência, o seu poder, influência, e capacidade de reunir
apoio em torno da sua vontade, que não era apenas política; era um misterioso poder de comando que
dotava as figuras romanas heroicas, a manifestação de conhecimento socialmente reconhecido. Por sua
vez, potestas originalmente se referia ao poder do magistrado para promulgar decretos, escrever leis e
exigir seu cumprimento, semelhante ao poder militar (SCHMITT, 2008, p. 458-459).
581
Termo da historiografia alemã usado para definir os aspectos teocráticos da impessoalidade dos
governantes carolíngios, mais tarde aplicado também ao papado, que iria além das características
puramente pessoais e privadas. O termo definia a existência de um reino distinto da vida de seu rei, que
iria além dele, continuando em todos os seus sucessores. É um termo útil, uma vez que mais amplo que
apenas “impessoal” (CANNING, 2003, p. 64).
582
O termo papatus foi usado pela primeira vez pelo papa Clemente II em 1047, para refletir o status
aumentado da Santa Sé hierarquicamente acima do bispado, episcopatus (CANNING, 2003, p. 85).
583
CANNING (2003, p. 86) apresenta pesquisa de Rudolf Schieffer, em Die Entstehung des päpstlichen
Investiturverbots für den deutschen König (1981), que mostra que Gregório VII foi o primeiro papa a
condenar formalmente a investidura leiga, ao contrário dos estudos anteriores que apontavam que tal
reprovação já teria ocorrido com os papas Nicolau II (1059 a 1061) e Alexandre II (1061 a 1073).
175
ele] pode absolver os súditos de juramento de fidelidade a iníquos (XXVII)584. A
última, em particular, tinha sérias implicações, minando a instituição da realeza, uma
vez que apenas ao papa caberia decidir quais eram os governantes iníquos, uma vez que
ele, em última instância, era o juiz do pecado. Os privilégios particulares da Sé
apostólica, e do pontífice, herdeiro direto de Pedro, provinham de sua posição de
superioridade perante os sínodos, bispos, arcebispos, patriarcas e o poder temporal dos
monarcas. Sob o poder do papa também estariam o poder legislativo em matéria
eclesiástica, denominação, consagração de basílicas, excomunhão, matéria litúrgica e
princípios temporais585. Tal conjunto de poderes expressamente colocava o papa acima
dos reis e imperadores, os quais poderiam depor caso fosse necessário, caso houvesse
razões religiosas e éticas586. A partir da Dictatus a questão da supremacia temporal do
papa tornou-se a base para a construção do princípio da supremacia do poder espiritual
perante o poder temporal, e fonte de atritos entre Roma e os monarcas europeus.
584
GREGÓRIO VII, encíclica Dictatus Papae (1075). O texto também apresentava proposições que
seriam usadas pelos ultramontanos muitos séculos depois: nada pode revogar sua palavra, só ele pode
fazê-lo (XVIII); nada pode julgá-lo (XIX); que a Igreja Romana não erra e não errará jamais, de acordo
com as sagradas escrituras (XXII), e que o pontífice romano ordenado em uma eleição canônica está
indubitavelmente santificado (XVIII).
585
MORDEK, 1974, p. 2-5.
176
juramentada eram os mais fortes vínculos que poderia construir, dessa forma
favorecendo o desenvolvimento de vínculos feudais entre o papado e os governantes
seculares587. Gregório VII foi o primeiro papa a ter toda sua correspondência preservada
em arquivo, o que permite identificar suas aspirações e intenções. Nos documentos é
possível identificar seu claro desejo de aumentar o número de reis e senhores fiéis a
Roma, sob sua orientação. Um documento, datado de 1083, demonstra que, para ele, a
atuação a fim de submeter o regnum ao sacerdotium era uma missão papal sagrada
perante toda a cristandade e como herdeiro e sucessor de São Pedro588.
586
FRANZEN, 1969, p. 180.
587
CANNING, 2003, p. 93.
588
Idem, ibid.
589
A Primeira Cruzada foi instituída pelo papa Urbano II, pontífice entre 1088 e 1099, após a
excomunhão do rei Felipe I, da França.
590
O primeiro desses organismos foi uma Inquisição Episcopal, criada pela bula Ad abolendam, do papa
Lúcio III, em 1184, administrada por bispos locais, a quem foi determinado erradicar as heresias,
categorizadas como crime capital e público, elencando especialmente os cátaros, ou albigenses, patarinos,
Humilhados de Lyon, josefinos e arnaldistas. Meio século mais tarde, o papa Gregório IX instaurou a
Inquisição Papal por meio da edição de duas bulas: Excommunicamus, de 1231, que estabelecia
inquisidores profissionais com a função de localizar pessoas suspeitas de heresia, convencendo-as a se
retratar, e a bula Licet ad capiendo, de 1233, que constituiu a Inquisição propriamente dita, entregando
sua operacionalização aos frades da Ordem Dominicana, ou Ordem dos Pregadores (OP), fundada em
1216 pelo sacerdote espanhol Domingos de Gusmão, canonizado em 1234, que viria a ser usada como um
importante instrumento político muito utilizado pelo papa Bonifácio VIII em suas disputas com Filipe IV,
rei da França (MACKAY, 2009, p. 27).
177
o papado em um poderoso potentado feudal de toda a Europa; Roma tornou-se o árbitro
supremo, poder religioso e temporal do mundo ocidental591.
591
FRANZEN, 1969, p. 220.
592
Idem, ibid., p. 222.
178
desenvolveu-se, construído inteiramente sobre a forte autoridade moral do papa593. A
Inglaterra é um exemplo dramático do processo de estabelecimento de Roma como um
suserano feudal universal e da intervenção do papa nos assuntos internos dos reinos. O
rei João da Inglaterra (1199–1216), o João Sem Terra, perdera seus amplos domínios
continentais na Normandia após uma guerra movida contra o rei Felipe II, da França. Na
tentativa de reaver suas posses, João promoveu várias batalhas contra o reino francês,
sendo sempre derrotado. Os pesados impostos cobrados dos nobres ingleses para custear
as campanhas militares provocaram o levante:dos barões, Inglaterra dos barões contra o
rei, que buscou apoio em Roma para se manter no poder. Em 1213, João declarou-se
vassalo do papa Inocêncio III, submetendo os reinos da Inglaterra e da Irlanda ao poder
de Roma, tornando seu reino parte do patrimônio de São Pedro, não havendo príncipe
no mundo romano que ousasse atacá-lo ou invadir suas terras em prejuízo da Sé
Apostólica594. Em 1215, Inocêncio III emitiu a bula Pro rege Johanne, contra barones
(pelo rei João, contra os barões), anulando a Carta Magna, Magna Carta Libertatum,
que fora imposta ao rei pelos barões, limitando seu poder; a anulação deu-se porque,
segundo o documento papal, o rei João não era detentor de poder para ceder os direitos
da coroa aos nobres sem o consentimento de seu superior feudal595.
593
Idem, ibid., p. 223.
594
CHENEY e SEMPLE, Selected letters of pope Innocent III concerning England (1953), citado por
TURNER, 2003, p. 40.
595
O’KEEFFE, 1875, p. 32. A Carta Magna foi reeditada após a morte de João por seu filho Henrique III,
em 1216.
596
No decreto Per venerabilem, Inocêncio recusou-se a legitimar os filhos do conde Guilherme de
Montpellier para que pudessem entrar no clero, mas defendeu o poder do papa de legitimar no campo
secular, reafirmando a posição do papa Gelásio I de que os bispos são superiores aos governantes
seculares porque são responsáveis perante Deus pelas almas dos reis (POWELL, 2003, v. 7, p. 472).
179
temas, entre outros, eram: a proibição da tributação contra a Igreja e o clero, em um ato
de independência perante o poder laico, o combate aos hereges e o chamamento para a
Quinta Cruzada, para a libertação da Terra Santa597. Sua autoridade também foi
fortemente exercida ex officio nos assuntos internos da Igreja, intervindo energicamente
nas eleições episcopais e nos processos inquisitoriais de prelados e bispos. Suas
perseguições às heresias, especialmente contra os cátaros, deu início à Cruzada
Albigense598, que resultou na eliminação física dos hereges599. Inocêncio III também
publicou, em 1210, a bula Devotioni vestræ (vossa devoção), que autenticou a
Compilatio tertia (terceira compilação), a mais antiga coleção oficial de legislação do
Direito Canônico, composta a pedido do papa pelo cardeal Petrus Collivacinus de
Benevento. A ela seguiram-se outras até o Decretales Gregorii, do papa Gregório IX,
compilação canônica definitiva que substituiu as muitas coleções anteriores.
597
Idem, ibid., p. 471.
598
Entre 1209 e 1229, a Igreja, por iniciativa do papa Inocêncio III, com o apoio da dinastia francesa dos
Capeto, moveu uma guerra contra a heresia dos cátaros, nome derivado da cidade de Albi, no sudoeste da
França.
180
do reino francês. Em 1301, o rei prendeu o bispo Bernard Saisset, de Toulouse,
apoiador do papa, acusado de blasfêmia, heresia e traição. Bonifácio contra-atacou
emitindo a bula Ausculta fili, revogando a isenção da Etsi de statu e advertindo a Felipe
IV de que ele respondia a um superior e estava sujeito ao chefe da hierarquia
eclesiástica, e que nenhum poder sobre os clérigos foi concedido a leigos; também
exigiu a libertação do bispo600. A disputa com o rei francês culminou na bula Unam
Sanctam (1302), na qual Bonifácio III utilizou a imagem hierocrática das duas espadas,
para, de maneira expressa, confrontar o poder temporal, superando em clareza até
mesmo o decreto Per Venerabilem de Inocêncio III601. Como resposta, o ministro-chefe
do rei Felipe, Guillaume de Nogaret, acusou Bonifácio de heresia. Ele foi preso em
1303 por tropas francesas em Anagni, nos Estados Pontifícios, vindo a morrer pouco
tempo depois. Os embates entre o papa e Felipe IV provocaram um fértil debate
acadêmico e uma abundante produção teórica nas décadas seguintes602.
599
FRANZEN, 1969, p. 224. A eliminação dos hereges estava prevista no cânon 3º do quarto Concílio de
Latrão , inclusive sugerindo uma rebelião dos súditos dos soberanos que recusassem o “extermínio” dos
hereges (ALBERIGO, 2015, p. 203).
600
CANNING, 2003, p. 137.
601
Somos informados pelos textos dos evangelhos de que nesta Igreja e no seu poder estão duas espadas;
a saber, a espiritual e a temporal. Pois quando os Apóstolos dizem: “Eis aqui duas espadas” (Lucas:
22,38), ou seja, na Igreja, uma vez que os Apóstolos falavam, o Senhor não respondeu que eram
demasiadas, mas suficientes. Certamente aquele que nega que a espada temporal está no poder de Pedro
não ouviu bem a palavra do Senhor que ordena: “Mete a tua espada na tua bainha” (Mateus: 26,52).
Ambos, portanto, estão no poder da Igreja, ou seja, a espada espiritual e a material [...]. Assim, devemos
reconhecer mais claramente que o poder espiritual supera em dignidade e em nobreza qualquer poder
temporal, seja ele qual for, uma vez que as coisas espirituais ultrapassam o temporal. [...] Portanto, se o
poder terrestre errar, será julgado pelo poder espiritual; mas se um poder espiritual menor errar, será
julgado por um poder espiritual superior; mas se o poder maior de todos errar, só pode ser julgado por
Deus, e não pelo homem [...] (Bonifácio VIII , bula Unam Sanctam, 1302).
602
Mais detalhes sobre esse debate político podem ser encontrados em CANNING, A history of medieval
political thought – 300-1450.
181
Inicialmente o ultramontanismo francês era essencialmente um movimento
de dissidência entre intelectuais603, insatisfeitos com as posições pragmáticas dos
teóricos galicanos, estes que buscaram apoio, lógico e esperado, junto ao governo civil
de Luís XVIII, na monarquia que se restaurava após a queda de Napoleão. O
galicanismo retomava sua tradição histórica de vinculação ao governo, para a
manutenção de seu poder hegemônico na França; a revolução, para os intelectuais
galicanos, fora apenas um breve hiato em sua história já centenária. Mas com o retorno
do exílio dos jovens intelectuais, nobres e católicos, que de variadas formas haviam
sofrido as consequências da vaga revolucionária, o movimento dissidente politizou-se,
deixando de lado as formulações apenas religiosas, passando a defender um projeto de
mundo reacionário. Sob o argumento de identificar os responsáveis pelas dificuldades
enfrentadas pela Igreja Católica, atacavam de forma arrebatada a Reforma Protestante, a
Igreja Galicana, o Iluminismo, o liberalismo, a revolução, todas as transformações
ocorridas nos últimos quatro séculos. Tornaram-se inimigos declarados do gigantesco
conjunto de mudanças na cultura material, intelectual, organizativa e simbólica da
humanidade; adversários das transformações da ciência, da técnica, da razão, das novas
formas como os seres humanos passaram a se organizar para produzir, para se governar,
para crer. Contra esse mundo, esses autores católicos construiriam um arcabouço teórico
eminentemente político, muito distante de fundamentos teológicos que diziam defender.
A obediência estrita ao representante de Deus na Terra não se ligava às questões da
salvação, mas sim à resistência contra o liberalismo e sua tentativa de la destruction
violente de l’espèce humaine, empreendida ao longo de todo o século XVIII604.
603
GOUGH, 1996, p. 85.
604
MAISTRE, 1862, p. 33-35.
182
do Antigo Regime nascia um ainda incipiente Estado liberal, mas que já contava com
energia suficiente para se impor; da autoridade estatal nascia uma autoridade política,
construída pelo voto, pela representação, pelo consenso, pelo parlamento e pela
autoridade científica, por sua vez erigida pelo experimento, pela verificação e pela
razão. Toda a ordem anterior havia sido abalada, e as principais vítimas eram o
absolutismo e o papado, e com eles a autoridade teocrática. A razão humana, cativa sob
o poder da Igreja, libertou-se, e, para muitos, as explicações religiosas não mais cabiam:
onde os homens até então oravam por um milagre, agora investigavam as causas. Onde
eles acreditaram em um milagre, eles descobriram uma lei. Nunca antes na história do
mundo houve tanta dúvida, tanto trabalho, tal investigação, tal iluminação605. Contra as
ordens e autoridade antigas o Iluminismo apresentou Voltaire e Rousseau, a sátira e a
reflexão. A revolução não foi um acidente histórico, mas um evento único, a reversão
mais persistentemente antecipada, discutida e deliberadamente empreendida de uma
forma inteira de vida no Ocidente desde o surgimento do cristianismo606.
605
BRANDES, 1906, p. 58.
606
BERLIN, 2013, p. 101.
607
Idem, ibid. As explicações das causas do fracasso da Revolução Francesa representam uma temática
específica, quase um gênero, da análise histórica há mais de 200 anos. As críticas ao processo
revolucionário compreendem todo o espectro político-ideológico, quase sempre pautadas por
interpretações revisionistas. Essas análises, algumas bastante populares, não serão abordadas por fugirem
do escopo principal deste trabalho.
183
O século XVIII havia desenvolvido no imaginário francês a noção de
individualismo, criando uma nova ordem moral, baseada na crença no progresso e na
ciência; o conhecimento e a razão converteram-se na base do progresso e da civilização,
as bases das quimeras de futuro. A virada do século, de várias formas, tornou
impossível para os homens viverem de um pensamento comum, de uma fé comum, de
uma ciência comum, de uma moralidade comum, de uma educação comum, porque
existem muitos pensamentos diversos, de diferentes crenças, de ciências desiguais, de
morais particulares e de educação diferente608. O pensamento iluminista deu aos
homens a liberdade de pensar, de acreditar, de escrever, de viver e de se elevar como
quiserem, afastando também, além da ordem e da autoridade, a antiga moral. Os autores
reacionários tinham preocupações muito claras com relação às duas primeiras.
608
FAGUET, 1891, p. viii.
609
Idem, ibid., p. xi.
184
confisco dos bens da Igreja. No texto Reflections on the revolution in France (1790)611
– reflexões sobre a revolução na França –, Burke definiu o homem como um animal
fundamentalmente religioso, e o ateísmo, que estaria sendo gestado em um motim, e
num delírio bêbado do espírito quente tirado do alambique do inferno, que em França
está agora a ferver tão furiosamente [desperta a atenção] entre nós, e entre muitas
outras nações, estamos apreensivos [...] que algumas superstições rudes, perniciosas e
degradantes podem ter lugar a partir dele612. Apelava que o mesmo não acontecesse no
Reino Unido, onde estamos decididos a manter uma igreja estabelecida, uma
monarquia estabelecida, uma aristocracia estabelecida, e uma democracia
estabelecida, cada uma no grau em que existe613. Ele olhava para a França, temendo o
processo revolucionário, mas sem perder de vista a religião e a defesa da igreja da
Inglaterra614.
Não por acaso, a forte reação intelectual começou logo após o retorno à
França da maioria dos exilados da revolução, festejando a restauração da monarquia
francesa sob a dinastia dos Bourbons em 1814–1815615, com Luís XVIII. Quase todos
os autores do conservadorismo católico possuíam características em comum: eram
nobres pelo nascimento e ligados por laços pessoais com as antigas famílias reais, ou,
quando menos, descendentes de grandes proprietários de extensas áreas rurais e quase
todos viveram no exílio616. Seus formuladores, Louis Gabriel Ambroise, visconde de
610
Idem, ibid., p. xiii.
611
O livro seria o primeiro texto moderno que pode ser plenamente definido como conservador, termo
que somente seria utilizado mais tarde: Não foi até cerca de 1830 que os termos “conservador” e
“conservadorismo”, aplicados à política, apareceram no Ocidente, mas a substância há muito havia
precedido as palavras (NISBET, 1995, p. 13).
612
BURKE, 1951, p. 88.
613
Idem, ibid.
614
É interessante observar que Burke encarou a Revolução Francesa de forma muito distinta do que havia
feito com a Revolução Americana uma década antes. O levante das 13 colônias dos Estados Unidos foi
saudado como uma luta pela liberdade, ao passo que na França estaria havendo um ataque contra a
mesma liberdade, com a vitória do arbítrio e da opressão. A diferença estava na religião, que na América
movia os revolucionários e que na França era combatida. Burke acreditava que, desde as rebeliões em
nome de Deus, a reforma, nunca houvera uma revolução na Europa que fosse tão exclusivamente
dedicada à salvação do homem e sua completa reconstrução espiritual (NISBET, 1995, p. 17-19).
615
A restauração monárquica francesa é apresentada com duas datas, uma vez que foi interrompida pelo
retorno de Napoleão ao trono francês no chamado Governo dos Cem Dias, entre 20 de março e 8 de julho
de 1815.
616
BRANDES, 1906, p. 61.
185
Bonald, e Hugues-Félicité de Lamennais, eram franceses; Joseph de Maistre, filho de
mãe francesa e pai italiano, nasceu no Ducado de Sabóia617, e foram os principais
responsáveis pela criação de uma verdadeira escola de pensamento pautada pela reação
ao mundo surgido após o processo revolucionário. A eles seguiram-se outros autores,
como François-René, visconde de Chateaubriand (1768–1848), e o espanhol Juan
Donoso Cortés, marquês de Valdegamas (1809–1853), e jornalistas como Louis
Veuillot (1813–1883) e Carlo Maria Curci (1810–1891), que sobre a base teórica
anterior construíram uma sólida propaganda por vezes reacionária, por vezes
conservadora. A primazia do poder secular papal, sua soberania e sua infalibilidade,
para eles, não eram doutrinas abstratas, mas soluções para os problemas da época, que
exigiam uma ação rápida e intransigente. Como reação ao novo, ao pensamento
iluminista, às ideias liberais, argumentaram em favor da ordem e da tradição, tendo
como ideal um idílico mundo medieval no qual a Igreja, ao menos em seus textos,
reinava como soberana universal. Para retornar à suposta estabilidade perdida seria
preciso a atuação de um poder forte, centralizado e único, capaz de decidir de forma
efetiva: o papado. Foram autores que propuseram a retomada da autoridade perdida com
a revolução não por intermédio da fé ou da oração, mas pela atividade política, pela
militância e pelo engajamento político. O mundo necessitava de decisão e autoridade, e
seus textos ofereciam-nas por meio de um olhar para o passado, e, em alguns casos,
como Maistre, formulando teorias políticas e organizativas para a Igreja, como as
contidas no livro Du Pape (1819), que viriam a oferecer soluções para um futuro muito
além de seu tempo. Ao construírem suas utopias, esses autores estabeleceram um
fantasioso mundo medieval, feudal e teocrático, como o ideal de perfeição, de ordem e
disciplina a serem buscadas.
Pode parecer desnecessário frisar que durante a Idade Média não havia o
conceito de Idade Média. Este surgiu a partir do século XV, quando o pensamento
renascentista procurou definir-se como fruto de um momento histórico que se distinguia
617
Maistre nasceu na região governada pela Casa de Sabóia, que no século XVIII consistia em vários
territórios no sul dos Alpes e no norte da península italiana; a dinastia governava o Ducado de Sabóia, o
principado do Piemonte e o condado de Nice, mais o Reino da Sardenha, de onde veio o nome oficial do
Estado – Sardenha-Piemonte – desde 1720. A capital era Turim, no Piemonte (LEBRUN, 2010a, p. 1).
186
do anterior, ainda não qualificado, buscando suas origens na Antiguidade Clássica, a
qual, acreditava-se, fazia renascer. O termo possuía um caráter nitidamente pejorativo:
era apenas um momento intermediário entre o fim do Império Romano, época de
esplendor de arte, cultura e poder, e o Renascimento, a retomada daquela era. Surgia
apenas como aquilo que estava entre, no meio de, dois momentos de glória, uma idade
média – media ætas – quando reinaram as trevas. O termo havia surgido inicialmente
com o poeta italiano Francesco Petrarca (1304–1374); foi definido como marco de
periodização histórica pelo bibliotecário pontifício Giovanni Andrea (1417–1475) e se
tornou de uso corrente apenas no fim do século XVII. Em 1688, o historiador luterano
alemão Christoph Cellarius, na obra Historia Universalis, dividiu os períodos históricos
em antigo, medieval e novo, e então veio a ser padronizada: a Idade Média era o período
que iria do imperador Constantino I (272–337 EC), e a posterior tomada de Roma pelos
povos bárbaros, até a tomada de Constantinopla pelos otomanos em 1453. A conotação
pejorativa apenas desapareceu no início do século XIX, quando passou a ser estudada
com rigor científico pela historiografia618. Essa recuperação em muito se deveu aos
autores ultramontanos, que a engrandeceram como momento mítico de esplendor e
glória da Igreja.
618
BURR, 1915, p. 813-814; LE GOFF, 2015, p. 25-34.
619
É preciso destacar que estas definições gerais do que seria o pensamento reacionário do início do
século XIX são uma generalização buscando traçar linhas gerais, ou pontos em comum, presentes entre os
vários autores que o representam. Detalhes específicos desse pensamento serão vistos posteriormente.
620
NISBET, 1995, p. 14.
187
na França e nos Estados germânicos621. O passado recente passou a ser visto como uma
deterioração da grandeza medieval, da grandeza de uma religião que não fora superada,
de cavalheirismo, das corporações, de feudos e mosteiros e, por último, mas não menos
importante, da grandeza de um corpo de pensamento unificado e sintético. As revoltas
econômicas, religiosas e filosóficas, contra uma tradição, segundo eles, absolutamente
estabelecida, eram uma conspiração quase diabólica622. Bonald, Maistre, Lamennais , na
França, assim como outros, buscaram no mundo medieval-feudal dos séculos XII e XIII
soluções para as questões vividas no início do século XIX; buscaram estruturas do
passado para responder às ameaças representadas pelo poder democrático,
igualitarismo, centralização política, utilitarismo e, em suma, modernidade623.
Desejavam construir uma sociedade teocrática a partir de uma teoria
contrarrevolucionária, por meio da militância por suas ideias.
621
O pensamento ultramontano nos estados germânicos não será abordado neste estudo, que ficará
concentrado nos autores franceses, mais influentes junto à Santa Sé.
622
Idem, ibid., p. 34.
623
Idem, ibid., p. 36.
624
Idem, ibid., p. 58. Para Thomas Hobbes, as corporações eram bens comuns menores nas entranhas de
um maior, como vermes nas entranhas de um homem natural [...] que estão perpetuamente se
intrometendo com as leis fundamentais, para o abuso do bem comum; como os pequenos vermes, que os
médicos chamam de ascarides (HOBBES, 1909, p. 257).
188
conservador, segundo a qual a experiência concreta e a tradição estavam acima de
qualquer dedução. O presente não era livre para ser reescrito segundo a vontade dos
homens, pois vinculava-se por fios inquebrantáveis às tradições do passado, ao qual
deve honras. A legitimidade é o resultado de história e tradições que vão além dos
recursos de qualquer geração em particular [...] a verdadeira história é expressa não
de uma forma linear, cronológica, mas na persistência de estruturas, comunidades,
hábitos e preconceitos, geração após geração625. Assim, os comportamentos humanos e
seus pensamentos somente podem ser entendidos pela ótica do passado.
625
NISBET, 1995, p. 42-43.
189
As verdadeiras constituições de um povo já estão pressupostas na história
de suas instituições, não em um pedaço de papel ou em um acordo entre homens628.
Segundo Maistre, ao refutar Rousseau em De l’état de nature, où examen d’un écrit de
Jean-Jacques Rousseau (1795) – do estado da natureza, ou exame de um escrito de
Jean-Jacques Rousseau –, afirma que é um erro acreditar que a criação de um governo
pode ser executada por uma assembleia; ao contrário a constituição civil de um povo
nunca resulta de uma deliberação [...] são os homens que presidem ao estabelecimento
político das nações e que criam suas primeiras leis fundamentais629. Essa criação é
fundada na história e nas tradições: nenhuma instituição importante e realmente
constitucional jamais estabelece algo novo; simplesmente declara e defende direitos
anteriores [...] as leis são feitas em momentos diferentes apenas para declarar direitos
esquecidos ou contestados, e sempre há uma série de coisas que nunca são escritas630.
E prossegue: Há outro atributo para a veneração conservadora do antigo e do
tradicional: a crença de que, não importa quão obsoleto seja uma estrutura ou “modus
vivendi”, pode haver um fundamento contínuo, até mesmo vital, do qual o homem se
beneficia psicológica ou sociologicamente631.
626
ROUSSEAU, 2015, p. 139-140. Adam Smith usou o mesmo artifício em The wealth of nations (1776),
ou An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations (uma investigação sobre a natureza e as
causas da riqueza das nações).
627
NISBET, 1995, p. 44.
628
Maistre, citado sem fonte por NISBET (1995, p. 46). Maistre também refutou as afirmações que
tratavam dos homens de forma genérica, afirmado que essa categoria não existia no mundo real:
Considero as “constituições” dos jacobinos uma piada de mau gosto [...] feitos para o Homem. Mas na
terra não existe homem como tal. Eu vi... francês, italiano, russo, etc. [...] mas declaro que nunca na
minha vida vi um homem, a menos que ele exista e seja desconhecido para mim (idem, ibid., p. 47).
629
MAISTRE, 1996, p. 68.
630
Idem, ibid., p. 69.
631
NISBET, 1995, p. 48.
632
O termo prejudice aqui não deve ser confundido com o sentido mais comum que a palavra preconceito
tem na língua portuguesa: prejulgamento negativo ou juízo discriminatório. No pensamento conservador
o termo representa um valor positivo; significa o conjunto de conceitos e opiniões formados
190
utilizado por Edmund Burke para definir uma forma de conhecer, de saber, totalmente
desprovida do elemento racional, em distinção ao conhecimento do Iluminismo, mais
tarde fundamento da Revolução Francesa. Em vez do conhecimento adquirido pelo
estudo e aprofundamento reflexivo, o prejudice seria uma sabedoria intrínseca que
antecede o intelecto, inscrita na tradição e na experiência individual e coletiva633. O
raciocínio teria usos limitados nos assuntos humanos, e o verdadeiro crescimento
humano seria dado a partir dos sentimentos, das emoções, da grande experiência vivida,
e, sobretudo, da lógica pura dedutiva, que não permitisse a dúvida e o ceticismo no
momento da decisão. O inconsciente opunha-se diretamente ao intelectualismo e ao
gnosticismo.
191
Para a corrente conservadora, o racionalismo político levaria à constituição
de uma espécie de imperialismo sobre a vontade coletiva, ou seja, um governo dotado
de racionalidade política extrapolaria suas atribuições, que devem ser políticas e
jurídicas. Esse governo exorbitaria seus poderes para campos nos quais prevaleceria o
prejudice: a vida econômica, a organização social, a moral e a espiritualidade. Apenas
esses elementos poderiam manter as pessoas unidas em oposição à tirania imposta pelo
racionalismo. A força motriz das lutas dos povos pela liberdade seriam os
conhecimentos historicamente construídos de forma lenta no pensamento das pessoas –
prejudice sobre religião, propriedade, autonomia nacional e papéis sociais enraizados
nas sociedades –, e não os direitos abstratos636.
não, ou tenha sido, precisamente formulado, sua principal característica é que é suscetível de
formulação precisa, embora habilidade especial e discernimento possam ser necessários para dar-lhe
essa formulação (OAKESHOTT, 1962, p. 7-8).
636
NISBET, 1995, p. 55-56.
637
MAISTRE, 1996, p. 21.
638
Idem, ibid., p. 24.
639
Idem, ibid.
192
sua vida simples. Existe no mundo um memorial único e um dos mais preciosos do seu
gênero, para o considerar apenas como um livro histórico; este é o livro do Gênesis.
Seria impossível imaginar uma imagem mais natural da infância do mundo640. Assim,
as qualidades do pensamento humano não seriam nada senão a soma das qualidades
atribuídas a esse ser pelo Criador641, e citando Edmund Burke, Maistre afirma que o
homem com todos os seus afetos, todo o seu conhecimento, todas as suas artes, é
verdadeiramente o homem da natureza, e a teia do tecelão é tão natural como a da
aranha642. Reconhecia o conhecimento científico como necessário para a manutenção
da sociedade, assim como as conquistas das ciências naturais, contudo, uma vez que
deixamos o círculo das nossas necessidades, o nosso conhecimento torna-se inútil ou
duvidoso. A mente humana, sempre a trabalhar, empurra sistemas que se sucedem uns
aos outros sem interrupção. Eles nascem, florescem, murcham e morrem como as
folhas das árvores643.
640
Idem, ibid., p. 25-26.
641
Idem, ibid., p. 51.
642
Idem, ibid., p. 52.
643
Idem, ibid., p. 102.
644
Segundo a Encyclopédie, vol. 5, Paris, 1755: Entendemos por lei natural certas regras de justiça e
equidade, cuja razão natural só estabeleceu entre os homens, ou melhor, que Deus gravou em nossos
corações, preceitos fundamentais da lei e de toda justiça: viver honestamente, não ofender ninguém e dar
a cada um o que lhe pertence. [...] Esta lei natural, baseada em tais princípios essenciais, é perpétua e
invariável: nem a lei nem o costume podem infringi-la, nem dispensar o homem de suas obrigações; em
sua maneira ele difere do direito positivo, ou seja, as regras existem apenas porque elas foram
estabelecidas por leis formais (BOUCHER D’ARGIS, 2002, s.p.).
645
A crítica à noção iluminista de liberdade não era exclusividade da Igreja Católica. O pensamento
religioso anglicano também a censurava como um erro. Para os pensadores anglicanos no início do século
XIX, a filosofia francesa havia colocado um pensamento radical à disposição das massas, como se a
liberdade fosse uma ideia aplicável a todos. Os iluministas, em busca de um ateísmo anticristão, haviam
cometido um erro fundamental, deturpando a natureza da liberdade, e ao afirmar o direito e a capacidade
de cada homem de pensar por si mesmo (ALMOND, 2020, p. 253).
193
funções646. Assim, haveria um triângulo de autoridade, formado pelo indivíduo, pelo
Estado e pelos grupos intermediários, aos quais, de uma forma geral, as origens eram
facilmente encontradas na Idade Média. Assim, antes de serem os indivíduos do
Iluminismo, os homens pertenceriam a grupos aos quais deveriam respeito. O papel do
Estado estava restrito à magistratura, à sua força militar, à paz pública, à segurança
pública, à ordem pública e à propriedade pública; todo o restante caberia ao privado, aos
grupos intermediários647. A autoridade, como fica patente em Bonald, em última
instância deriva do poder divino, que, como tal, não pode ser contestada. Mas torna-se
uma necessidade imperiosa que o estado político fique o mais longe possível de uma
intromissão nos assuntos econômicos, sociais e morais; e, inversamente, que faça todo
o possível para fortalecer e ampliar as funções da família, da vizinhança e do
associativismo voluntário648, em uma clara ênfase no vínculo social, na relativa
insignificância do indivíduo, diante da tradição e da hierarquia. A ideia da prevalência
dos vínculos sociais sobre o indivíduo representava um ataque direto a uma Europa que
havia aderido ao absolutismo iluminista, na qual se implantava uma política
internacional igualitária baseada em uma relação direta entre os indivíduos e o
Estado649.
646
NISBET, 1995, p. 57.
647
Idem, ibid., p. 59.
648
Idem, ibid., p. 61-62.
649
ARMENTEROS, 2011, p. 168 (e-book).
194
próprio coração, e ele compreenderá que, onde quer que a liberdade civil pertença a
todos igualmente, não haverá mais nenhum meio de governar os homens651. Prossegue
afirmando que, em toda parte, um número muito pequeno governou as grandes massas
de homens; pois, sem uma aristocracia, mais ou menos poderosa, a soberania não é
suficientemente forte652.
Para Maistre, a ideia de reunir a vida social nas mãos do Estado iria contra o
passado ideal, no qual as tarefas estavam dispersas entre vários cidadãos pacíficos, que
trabalham, rezam, estudam, escrevem, dão esmolas, cultivam a terra e nada pedem às
autoridades653. Contra esse subjacente mundo monástico o Iluminismo e a revolução
construíram uma casta burocrática que degradaria a sociedade: esta verdade é
particularmente aparente em nossos dias, quando de todas as partes os homens se
lançam sobre os recursos do governo, que não sabe como dispor deles [...]. Nossa
juventude, ambiciosa de distinções e de riqueza, apinha-se na carreira de empregos
públicos654. Um exemplo desse crescimento pernicioso da burocracia era a criação do
exército regular e profissional e do alistamento militar nacional criado durante a
revolução. Durante o período feudal a guerra era limitada seja pela tecnologia
empregada, pelo número de soldados, pelas distâncias ou pela obrigação de prestar
serviços aos senhores feudais e à Igreja. A guerra moderna perdeu o caráter circunscrito
com propósitos limitados e o cerimonial feudal que havia na era pré-revolucionária,
tornando-se uma verdadeira cruzada pela liberdade, igualdade e fraternidade655. As
guerras napoleônicas inevitavelmente trouxeram consigo a expansão ininterrupta dos
exércitos, a criação de uma burocracia específica e uma sucessão de guerras e conflitos.
650
NISBET, 1995, p. 66-67, e MAISTRE, 1912, p. 111-112.
651
MAISTRE, 1975, p. 238.
652
Idem, ibid., p. 239.
653
Idem, ibid., p. 244.
654
Idem, ibid.
655
NISBET, 1995, p. 69.
195
contraditórios. O objetivo básico da liberdade seria a proteção da propriedade individual
e familiar, os bens materiais e imateriais da vida656. Em contrapartida, o objetivo
inerente à igualdade seria a redistribuição ou o nivelamento da desigualdade na
participação dos valores materiais e imateriais de uma comunidade. Qualquer esforço
dos governos para compensar as desigualdades inevitavelmente feriria a liberdade657.
Essa perspectiva estava presente em todos os autores conservadores658. A contradição
entre os valores explicaria a diferenciação de tratamento dado a dois fenômenos
históricos quase contemporâneos: a Revolução Americana e a Revolução Francesa. A
primeira fora movida pelos anseios de liberdade das colônias contra o governo
britânico, cuja administração cerceava a liberdade dos cidadãos. Ao contrário, a
Revolução Francesa, ao priorizar a igualdade de todos, estaria criando um sistema de
opressão e cerceando a liberdade dos cidadãos; a liberdade individual fora transferida
para o Estado, e impunha-se contra a aristocracia, a Igreja e a monarquia. O poder
convertera-se em sinônimo de opressão. Essa proposição fora formulada por Burke logo
no início da revolução, e mais tarde ecoada por Maistre e Bonald: o poder no século
XIX tornara-se uma nova forma de despotismo em que todo o povo ou uma simples
maioria poderia impor sua vontade tirânica às minorias e às elites659.
656
O próprio direito natural do príncipe é, no fundo, o exercício do direito de propriedade, um direito que
tem sua origem na natureza e é anterior a qualquer contrato, é o fundamento de seu poder ou soberania.
O príncipe é um proprietário independente que administra seus próprios negócios; sem um mestre, já que
ele é independente, ninguém pode impor-lhe leis, e ele tem o direito de impor ou estabelecer as condições
sob as quais ele recebe e protege aqueles que estão a seu serviço (BLAIZE, 1858, p. 75).
657
Para Corey Robin, pesquisador do pensamento conservador, a oposição liberdade versus igualdade
esconde uma falsa dicotomia: historicamente, o conservador favoreceu a liberdade para as ordens
superiores e a restrição para as ordens inferiores. O que o conservador vê e não gosta na igualdade, em
outras palavras, não é uma ameaça à liberdade, mas sua extensão. Pois, nessa extensão, ele vê uma
perda de sua própria liberdade. [...] Essa foi a ameaça que Edmund Burke viu na Revolução Francesa:
não apenas uma expropriação de propriedade ou explosão de violência, mas uma inversão das
obrigações de deferência e comando (ROBIN, 2018, p. 8).
658
NISBET, 1995, p. 72.
659
Idem, ibid., p. 74. Todas as outras nações começaram a tela de um novo governo, ou a reforma de um
antigo, restabelecendo com maior exatidão alguns ritos ou outra religião. Todas as outras pessoas
lançaram as bases da liberdade civil de maneiras mais severas e um sistema de moralidade mais austera
e masculina. A França, quando soltou as rédeas da autoridade régia, dobrou a licença de uma feroz
discórdia nos costumes e de uma insolente irreligião nas opiniões e práticas; e estendeu-se por todos os
níveis da vida, como se ela estivesse comunicando algum privilégio, ou expondo algum benefício isolado,
todas as infelizes corrupções que geralmente eram a doença da riqueza e do poder. Este é um dos novos
princípios de igualdade na França (BURKE, 1951, p. 35).
196
Os grupos sociais intermediários, assim como acontecia quanto ao princípio
da autoridade, tornaram-se o parâmetro para a noção de liberdade, mensurada pela
preservação dos direitos de parentesco, religiosos, de associação e econômicos,
justamente os que mais sofreram no processo revolucionário. Para os conservadores, os
direitos de grupos como a família, a igreja, a comunidade local, a guilda representariam
o verdadeiro repositório da liberdade individual; a lealdade intrínseca a esses grupos era
o contrapeso necessário contra o poder do Estado660.
660
O papel de resistência e equilíbrio dos grupos intermediários, segundo NISBET (1995, p. 76), está
descrito de forma eloquente nos textos de Alexis Charles Henri Clérel, ou conde de Tocqueville (1805–
1859).
661
Para o homem civilizado os direitos de propriedade são mais importantes que o direito à vida. [...]
Quase tudo o que o torna mais importante para nós do que para os animais está associado às nossas
posses, à propriedade, desde a comida que partilhamos com os animais aos melhores produtos da
imaginação humana. NISBET (1995, p. 82) citando o ensaísta católico norte-americano Paul Elmer More
(1864–1937).
662
BONALD, 1880, p. 124.
663
Idem, ibid., p. 270. Para Bonald, o mundo feudal, surgido com a desagregação do Império Romano, foi
organizado tendo a propriedade como base: agora, nos primeiros anos de nossas monarquias europeias, e
particularmente da monarquia francesa, havia apenas três proprietários: eles eram a religião, o rei e a
nobreza; profissão sacerdotal, profissão real, profissão militar; religião pública, poder único, distinções
sociais permanentes ou a vontade geral da sociedade representada pela religião, poder geral exercido
pelo rei, força geral exercida pela nobreza. Todo o resto da nação estava sem propriedades sociais: pois
toda propriedade na sociedade incorporada deve obrigar um serviço à sociedade, e é para poder
assegurar e exigir esse serviço que a servidão foi estabelecida (idem, ibid., p. 271).
197
humana, sua superioridade sobre o restante do mundo. Para o direito romano, o
fundamento essencial da família são seus bens, sobretudo a terra, que pertencem
unicamente ao chefe da família, por meio do instituto do pater potestas, ou patria
potestas (poder paterno), segundo o qual o chefe masculino da família, entendida de
forma ampla, independente do grau de parentesco ou idade, possuía poder de vida e
morte sobre seus dependentes, inclusive os escravizados. O mesmo arbítrio estendia-se
desde as pessoas até os bens de qualquer um dos membros que juridicamente
pertenciam ao pater enquanto vivesse664. Esse sistema, com naturais alterações, foi a
base do sistema feudal de progenitura e vínculos, mantendo a propriedade em apenas
uma mão, sem subdivisões quando da sucessão. Quase todas as leis medievais de
família e casamento, incluindo a ênfase rigorosa na castidade da mulher e a terrível
punição que poderia ser atribuída à esposa acusada de adultério, surgem de uma
reverência quase absoluta à propriedade, pela herança legítima da propriedade665.
664
No direito romano as mulheres só deixavam o patria potestas com o casamento, mas passavam para o
manus do marido, o que juridicamente representava a mesma submissão.
665
NISBET, 1995, p. 85.
666
BONALD, 1880, p. 294.
198
unidas [...] o capitalismo, assim como a democracia popular, ameaçavam a vida de
seres humanos668.
667
Idem, ibid., p. 342.
668
NISBET, 1995, p. 97. A Igreja Católica viria a endossar essas críticas, associando o capitalismo, e o
socialismo, à destruição da sociedade tradicional.
669
ROUSSEAU, 1947, p. 110.
199
comportamentos dotados de uma moralidade coletiva material e concreta, estabelecendo
os padrões da conveniência pública por meio da religião civil do Estado. Quanto às
questões metafísicas, cada homem pode ter as opiniões que quiser, sem que seja da
conta do soberano tomar conhecimento delas; pois, como o soberano não tem
autoridade no outro mundo, qualquer que seja a sorte de seus súditos na vida futura,
isso não é problema seu, desde que sejam bons cidadãos nesta vida671. Assim, a religião
seria totalmente civil, com pouquíssimos dogmas, ou sentimentos sociais, sem os quais
um homem não pode ser um bom cidadão ou um súdito fiel.
670
Idem, ibid., p. 112.
671
Idem, ibid., p. 114.
672
NISBET, 1995, p. 104.
673
LAMENNAIS, 1859, p. 5.
200
monumentos da adoração foram destruídos; ao negar o livre-arbítrio e um estado
futuro, os deveres foram destruídos; enfim, a negação de Deus foi a destruição de tudo,
das leis, da sociedade, do próprio homem674. Assim, a Igreja, segundo o ideal
ultramontano, a fim de evitar que a Europa afundasse em um abismo da descrença e
desordem, precisava restaurar a capacidade de organização dada pela religião; sem
religião e ortodoxia os seres humanos estariam expostos à convulsão social e à perda de
equilíbrio675. Os autores reacionários do início do século XIX buscavam a restauração
do poder e da autoridade da Igreja como forma de conter e dirigir as paixões humanas;
esse sentido, em essência, guardava muita proximidade com a religião civil proposta
pelo então repudiado Rousseau.
674
Idem, ibid., p. 6.
675
NISBET, 1995, p. 104.
676
BERLIN, 2013, p. 104. BRANDES (1906, p. 62) descreve-os como personagens fortes e despóticos,
que amam o poder porque requerem obediência e autoridade e desejam submissão [eram] homens feitos
de matéria de pontífices e inquisidores.
677
Auguste Émile Faguet (1847–1916), francês, foi autor de uma vasta obra de crítica literária e de
análises filosóficas e políticas. Socialista, condenava com veemência o pensamento conservador de sua
época.
678
E prossegue: seu cristianismo não é amor, nem bondade [...] seu cristianismo é terror, obediência
passiva e religião do Estado. Um pouco mais adiante o autor compara Maistre a um patrício romano do
século V, que não entendeu nada de Jesus, mas cujas circunstâncias fizeram dele um cristão, sem mudar
sua natureza ou suas ideias, que aprende que o império foi destruído, que só restam soberanias parciais
e locais no mundo (FAGUET, 1891, p. 1, 59-60).
201
para quem esses autores defendiam a necessidade de tempos de decisão, uma vez que as
revoluções empurraram a noção da decisão para o centro do pensamento. [...] A
infalibilidade era a essência da decisão que não podia ser apelada, e a infalibilidade da
ordem espiritual era da mesma natureza que a soberania da ordem estatal. Os autores –
Maistre, Bonald, Lamennais em sua origem – opunham-se aos governos fundados no
liberalismo nascidos após a vaga revolucionária. Segundo ele, eram autores que agiam
contra esse novo monarca, que queria um deus [sic], e seu deus não podia se tornar
ativo; queria um monarca, mas ele tinha de ser impotente; exigia liberdade e
igualdade, mas limitava o direito de voto às classes mais favorecidas. O mundo burguês
aboliu a aristocracia do sangue e da família, mas permitiu o governo impudente da
aristocracia monetária, a mais ignorante e a forma mais comum de uma aristocracia;
não queria nem a soberania do rei nem a do povo679.
679
SCHMITT, 2005, p. 55-60.
680
BERLIN, 2013, p. 99.
681
Idem, ibid., p. 104.
202
panaceia dos liberais, era a negação rebelde da disciplina divina, assim como a busca
por conhecimento fora dos bosques sagrados da teologia ortodoxa era meramente uma
busca caótica de sensações violentas por parte de uma geração corrupta e dissipada; a
única forma de governo apropriada ao homem era a antiga hierarquia europeia de
propriedades, corporações e organizações sociais pautadas pela tradição e fé, com
autoridade secular e espiritual definitiva nas mãos do Vigário de Cristo, e de monarcas
como seus agentes devotos e obedientes682.
Segundo seu filho, Théorie du pouvoir foi escrito unicamente com a ajuda
do Discours sur l’histoire universelle (1681) – discurso sobre a história universal –, do
bispo galicano Jacques Bossuet: lembro-me de que ele não tinha quase nada em sua
mesa, exceto a Histoire universelle de Bossuet684. A despeito de sua oposição ao
pensamento iluminista, especialmente a Rousseau, Bonald, ainda segundo seu filho,
nunca se ocupou dos estudos filosóficos: sentia-se mais atraído pela política [...] mais
682
Idem, ibid., p. 105.
683
BONALD, 1880, p. 5. As informações biográficas estão na introdução do livro (p. 1-75), escrita por
seu filho Victor Marie Étienne, também visconde de Bonald e da mesma forma um autor conservador e
ultramontano.
684
Idem, ibid., p. 6. O nome completo do livro é Discours sur l’histoire universelle a monseigneur le
dauphin: pour expliquer la suite de la religion, & les changemens des empires (discurso sobre a história
universal para meu senhor o delfim: para explicar a continuação da religião, e as mudanças dos impérios).
203
inclinado a se entregar às suas próprias reflexões do que a mergulhar em leitura
profunda; sobre a leitura escreveu que a mente, por meio da leitura, torna-se incapaz de
produzir685. O livro foi impresso em Constance, na fronteira suíça, financiado por
religiosos e distribuído entre os exilados. Mais tarde algumas cópias chegaram à França,
mas foram apreendidas, consideradas material subversivo. Esse objetivo Bonald não
negava: achei que estava cumprindo um dever e peguei minha caneta sob a influência
de uma impressão irresistível. Esta obra composta sem ajuda e sem livros, com
reflexões e recordações, no meio de todas as misérias da emigração [...] foi impressa
na Alemanha e enviada para Paris, onde foi apreendida pela polícia e onde quase o
consegui [combater o governo] sozinho686. Voltou a Paris também em 1796,
completamente sem posses, vivendo escondido por cinco anos, continuando a escrever
contra a revolução e as formulações iluministas, especialmente Voltaire, Rousseau e
Montesquieu, autores que, segundo seu filho, não leu.
685
Idem, ibid.
686
Idem, ibid., p. 7.
687
Idem, ibid., p. 16.
688
Idem, ibid., p. 17.
204
Em Théorie du pouvoir Bonald, para justificar o poder monárquico
absoluto, compara o Estado a uma família, que seria uma sociedade natural constituída
– constituées –, perfeita na medida em que busca a preservação dos seres. Da mesma
forma, uma sociedade política constituída, o Estado, busca a preservação de seu povo. A
sociedade seria mais constituída quanto mais seus membros mantivessem relações
perfeitas entre si. A família é formada pelo casamento, ou união indissolúvel de um
homem e uma mulher, forma a sociedade natural, cujo fim é a produção do homem689,
sendo que o divórcio representaria uma espécie de poligamia econômica, pois permite
a pluralidade ao permitir a separação; mas é mais imperfeito que a poligamia,
destrutiva do homem físico, por destruir o homem moral690. Da mesma forma, quando o
poder político está compartilhado por um grande número de pessoas ele também se
torna imperfeito, permitindo a existência de uma situação de anarquia. Quando existe o
divórcio o homem pode ter um número infinito de mulheres, na sociedade política, o
poder pode ser aquele [de pertencer a] um número indefinido de pessoas; e é fácil ver
que a sociedade natural, ou a família, será mais defeituosa à medida que o número de
mulheres se distanciar da unidade ou do casamento: como a sociedade política, ou
governo, será mais vicioso para medir o número que expressa as pessoas que exercem
o poder691. O poder dividido é obra da vontade depravada do homem. [...] Onde todos
querem dominar com vontades iguais e forças desiguais, apenas um deve dominar, ou
todos são destruídos692. Existiriam inúmeras diferentes combinações de governos
republicanos, mas apenas uma forma de governo monárquico.
A veneração de Bonald pela família, que seria reproduzida por quase todos
os pensadores conservadores, está na relação intrínseca entre unidade familiar e a
propriedade. O melhor meio de proteção da propriedade, a terra, contra a dispersão e
689
Idem, ibid., p. 140.
690
Idem, ibid., p. 142. Pouco mais tarde Bonald escreveria Du divorce: considéré au XIXe (1801) – sobre
divórcio: considerado no século XIX –, no qual afirmou que iria destruir a família, e que somente era
tolerado entre os judeus, que o trouxeram para o mundo moderno por pertencerem a sociedades nômades
imperfeitas; a pluralidade de uniões ou poligamia [...] entre os judeus [...] pode ser adequada a uma tribo
que tenta ascender à força e à dignidade de uma nação; [é aceito entre os judeus] por causa da dureza de
seus corações, mas abolido pela religião cristã (idem, ibid., p. 124).
691
Idem, ibid., p. 145.
692
Idem, ibid., p. 146.
205
fragmentação eram as leis medievais e a garantia da primogenitura; o grande respeito
pela unidade da família derivava de um objetivo interesse patrimonial. A transferência
do patrimônio sob a forma de herança seria a forma mais fácil de obter a garantia do
sucesso da prole. As propostas liberais e socialistas de tributação e redistribuição dos
bens eram atacadas com vigor, para que nunca mais se repetissem as medidas de força
impostas pela revolução693.
693
NISBET, 1995, p. 79.
694
BONALD, 1880, p. 148. Esta hipotética linha evolutiva fica ainda mais interessante ao se lembrar de
que o único livro utilizado como fonte de Bonald era Discours sur l’histoire universelle, de Bossuet, um
tratado de história sob o ponto de vista religioso, feito exclusivamente para a educação de Luís, o Grand
Dauphin.
695
Idem, ibid., p. 149.
696
Idem, ibid., p. 148.
206
contrato revogável à vontade, [tornando o poder] apenas uma barganha entre
interesses pessoais.
697
Idem, ibid., p. 19.
698
Idem, ibid., p. 21.
699
Idem, ibid., p. 24.
207
revolução na França deveria ser repudiada, entre outras razões, por ter o Estado
invadido a autoridade da família e da Igreja700.
700
NISBET, 1995, p. 61.
701
FAGUET, 1891, p. 73.
702
BONALD, 1859, p. 25.
703
BERLIN, 2013, p. 101.
208
A Igreja Católica que surgiu após o encerramento do Congresso de Viena,
em 1815, era muito diferente daquela que assistira à eclosão da Revolução Francesa 26
anos antes; o papado havia perdido grande parte de seu poder e influência perante uma
Europa restaurada, que em muito diferia da anterior. O Sacro Império Romano-
Germânico, o Estado eclesiástico independente, seguiu o mesmo caminho: os
principados episcopais, Colônia, Mainz, Treves, Salzburgo, havia desaparecido ao
longo das guerras napoleônicas, e junto com eles os principados eclesiásticos católicos,
governados por bispos, uma característica da sobrevivência medieval. Um acordo entre
França e Áustria, em 1803, extinguiu os principados, secularizando todas as
propriedades eclesiásticas. A Igreja Católica renascida nos territórios germânicos
proclamava sua independência perante Roma. O mesmo aconteceu na Espanha, que
inaugurou um governo fundado em uma constituição liberal após conseguir restaurar o
poder civil derrotando os franceses em 1810; a Inquisição romana foi abolida e o clero
estabeleceu um sistema de concílios sem a necessidade de confirmação do papa704. Nos
territórios italianos, o liberal grão-duque Leopoldo II, da Toscana, conseguiu, ao menos
por um tempo, afastar seus bispos da autoridade imediata do papa, pleiteando liberdade
semelhante àquela exposta pela declaração Quatre articles, de 1682, da Igreja Galicana.
A igreja russa, também controlada pelo poder civil, questionava a autoridade. Nos
Estados Unidos da América o papa nunca mais recuperou a pouca autoridade que
possuía; na Áustria o imperador Francisco I, um católico conservador, em 1816, proibiu
seus bispos de irem a Roma para serem consagrados, uma vez que o papa seria apenas
mais um entre eles705. Diante do quadro de desagregação da Igreja Católica, Joseph de
Maistre, um alto funcionário da diplomacia do Reino da Sardenha-Piemonte, diplomata
lotado na Rússia, que já combatia ideologicamente a Revolução Francesa desde 1793706,
decidiu defender também o papado. Desse empenho nasceu uma das mais importantes
obras do pensamento conservador, que iria fundamentar o princípio da soberania papal:
Du Pape (1819).
704
A Inquisição seria novamente instaurada pelo rei Fernando VII, mas foi definitivamente abolida em
1834 por sua filha Isabel II.
705
LATREILLE, 1906, p. vii-xvi.
706
Edição de Lettres d’un royaliste savoisien à ses compatriotes (cartas de um monarquista de Sabóia
para seus compatriotas).
209
Filho de mãe francesa e pai italiano, Joseph-Marie de Maistre nasceu em
1753 em Chambéry, Ducado de Sabóia, parte do Reino da Sardenha-Piemonte na época,
que era governado pela Casa de Sabóia. Sua família era proprietária de grandes lotes de
terra e estava ligada à política francesa há muitas décadas; o pai recebera do rei
piemontês Carlos Emanuele III o título de conde. Como o mais velho de dez irmãos,
Maistre tornou-se herdeiro natural das propriedades e do título do pai, como
determinava a lei à época. Educado por jesuítas707, na juventude pertenceu à
maçonaria708, tendo se associado à loja de Lyon, de tendências místico-religiosas
martinistas, inclinada para a busca do caminho interior e a igreja interior, que de forma
alguma pretendia a subversão das instituições políticas e eclesiásticas709. O cristianismo
esotérico do martinismo, preocupado com a queda do primeiro homem, seu estado de
privação material de sua fonte divina, e o processo de seu retorno à iluminação, com a
divina Providência assumindo aspectos apocalípticos, marcaria profundamente toda a
obra de Maistre710.
707
Na juventude, durante seus estudos, antes de ler qualquer livro, buscava a autorização de seu pai, um
senador piemontês como ele também viria a ser, ou seu confessor jesuíta (MAISTRE, 1912, p. 10).
708
Segundo BERLIN (2013, p. 108), de seu tempo de juventude na maçonaria, Maistre teria guardado
uma paixão por doutrinas esotéricas, dicas ocultas, sugestões e interpretações visionárias escondidas na
Bíblia: com ênfase nas maneiras misteriosas pelas quais Deus move suas maravilhas para realizar, na
astúcia da Providência em transformar as consequências não intencionais da atividade humana em
fatores no cumprimento do plano divino, insuspeitado por seus beneficiários irremediavelmente cegos. O
antigo vínculo com a maçonaria também iria gerar certa desconfiança do clero, apesar de sua devoção
inabalável ao catolicismo (idem, ibid.).
709
OMODEO, 1939, p. 11.
710
Idem, ibid., p. 30-32. O martinismo foi um tipo de misticismo cristão surgido na França na primeira
metade do século XVIII, estabelecido por Jacques Martinez de Pasqually (c. 1727–1774), fundador de
L’Ordre de Chevaliers Maçons Élus Coëns de l'Univers (ordem dos cavaleiros-maçons eleitos sacerdotes
do universo). O termo “martinismo” não pode ser confundido com a também mística Ordre Martiniste
Traditionnel, criada por Augustin Chaboseau em 1888. No livro Un reazionario: il conte J. de Maistre,
OMODEO apresenta um estudo aprofundado das tendências místicas e ocultistas da corrente franco-
maçônica.
711
Idem, ibid., p. 13. A figura do carrasco em sua obra, que aparece em muitos momentos como um
redentor, pode ter começado a nascer durante o período em que pertenceu à confraria.
210
Assembleia dos Estados Gerais, convocada por Luís XVI, como proprietário rural712.
Fugiu de Chambéry quando a região foi tomada pelo exército revolucionário francês em
1792. Até então Maistre não havia produzido nada significativo; sua carreira literária
iniciou-se após o exílio forçado pela Revolução Francesa, quando começou a escrever
panfletos contrarrevolucionários anônimos713. Entre 1792 e 1797 Maistre participou da
organização de uma rede de espionagem para fornecer ao governo da Sardenha-
Piemonte informações sobre os acontecimentos na Sabóia ocupada pela França. Para
tanto contou com a ajuda de muitos padres fugitivos de Sabóia e da França. Maistre fez
boas relações com esse meio católico emigrante e, especialmente, com o governo de
Turim714. Morou em várias regiões do norte da península italiana, até se tornar
embaixador de Sabóia na Rússia, em 1802, período em que viria a produzir seus textos
mais importantes, já como um crítico feroz de todas as formas de constitucionalismo,
um crente na divindade da autoridade e do poder e um adversário inflexível de tudo que
o Iluminismo representara: racionalismo, individualismo, liberalismo e secularismo715.
712
A convocação feita por Luís XVI unificou no Primeiro Estado nobres e proprietários, e muitos donos
de terras, como Maistre, não puderam participar.
713
LEBRUN, 2010a, p. 2.
714
MAISTRE, 1975, Introduction, p. viii.
715
BERLIN, 2013, p. 110.
716
Idem, ibid., p. 112.
211
experiência acumulada pelas gerações, o prejudice. No lugar de otimismo, apresentou
pessimismo sombrio717; contra uma visão escatológica de harmonia e paz eternas,
apresentou a necessidade divina de conflito eterno e do sofrimento, do pecado e do
derramamento de sangue e da guerra. No lugar dos ideais de paz e igualdade social,
fundados nos interesses comuns e na bondade natural do homem, ele afirmou a
desigualdade inerente e o conflito violento de objetivos e interesses como sendo a
condição normal do homem caído718.
717
Os textos maduros de Maistre, escritos durante sua temporada em São Petersburgo (1802–1817),
apresentam um paradoxo, no qual a estética do terror convive com o sublime; a vida na Terra, descrita
como cruel, vil e desoladora, antecipa os fins superiores e benignos da Providência (ARMENTEROS,
2010, p. 102).
718
BERLIN, 2013, p. 113. O autor ressalta similaridades entre o radicalismo jacobino e o extremismo de
Joseph de Maistre. Enquanto os primeiros desejavam destruir todos os sinais do Antigo Regime, para
reconstruir uma nova ordem sobre suas ruínas, Maistre desejava arrasar a “cidade celestial” dos
filósofos do século XVIII, não deixando pedra sobre pedra (idem, ibid., p. 114).
719
LEBRUN, 2010b, p. 22.
720
O’MALLEY, 2018, p. 63; MAISTRE, 1975, Introduction, p. vii.
721
CIORAN, 1995, p. 8.
722
MAISTRE, 1862, p. 47.
723
Idem, ibid., p. 74-75.
212
Providência nos assuntos humanos724. Interpretou a intervenção divina como punição e,
ao mesmo tempo, como o caminho para a regeneração da França, antecipando uma
futura restauração da antiga monarquia dos Bourbons em seu esplendor absolutista. Para
ele, a monarquia constitucional seria absurda porque, uma vez que exigia
necessariamente o debate de ideias, tornaria impossível o exercício do poder,
necessariamente centrado na figura da autoridade. A obra, proibida na França, teve sua
circulação limitada aos grupos de exilados, o que gerou prestígio a Maistre como uma
voz contrarrevolucionária. Conde Blacas d’Aulps (1771–1839), de quem se tornaria
amigo durante o exílio em São Petersburgo e amigo íntimo de Louis Stanislas Xavier
(1755–1824), futuro rei Luís XVIII, chegou a encomendar-lhe um ensaio sobre o golpe
de 18 Fructidor, em 4 de setembro de 1797, o qual Maistre recusou, alegando que seu
estilo era muito conhecido na França725. O livro também lhe custou um emprego
público jurídico em Turim, uma vez que o rei Carlos-Emmanuel, da Sardenha-
Piemonte, era um aliado da república francesa e não podia ofender seu aliado
favorecendo o autor de um panfleto monarquista726.
724
MAISTRE, 1975, Introduction, p. x. Sem dúvida, porque a primeira condição de uma revolução
decretada é de que tudo o que a poderia impedir não exista [...]. Mas nunca a ordem é mais visível,
nunca a Providência é mais palpável do que quando a ação superior toma o lugar do homem e age
sozinha: é isto que vemos neste momento. O aspecto mais marcante da Revolução Francesa é a força
motriz que dobra todos os obstáculos. O seu redemoinho transporta como uma palha leve tudo o que a
força humana tem sido capaz de lhe opor: ninguém impediu a sua marcha com impunidade. [...] Notou-
se, com grande razão, que a Revolução Francesa lidera mais os homens do que os homens a lideram. [...]
Os canalhas que parecem liderar a revolução entram nela como meros instrumentos, e assim que têm a
pretensão de dominá-la, caem de forma ignóbil (idem, 1862, p. 4-5).
725
LEBRUN, 2010b, p. 2.
726
Idem, ibid., p. 34.
727
Les soirées de Saint-Pétersbourg ou entretiens sur le gouvernement temporel de la Providence, suivies
d'un traité sur les sacrifices (as noites de São Petersburgo ou palestras sobre o governo temporal da
Providência, seguidas de um tratado sobre os sacrifícios) foi escrito enquanto estava a serviço na Rússia,
entre 1802 e 1817, e só foi publicado em 1921, mesmo ano de sua morte. Como em Platão, foi escrito sob
a forma de um diálogo entre Maistre, um nobre e um senador russos, e um exilado francês.
728
Quando lançado, no ano de sua morte, o livro trazia como anexo o ensaio Traité sur les sacrifices, no
qual Maistre apresenta uma até então inédita análise sobre os ritos sacrificiais, mostrando que a unidade
social repousa sobre a religião, entendida como a fonte sancionada da coesão simbólica e imaginária da
213
natureza e dá-lhe um sentido moral. Ao contrário da divindade transcendente dos
agostinianos, que criou as leis da natureza e deixou o mundo, o Deus de Les soirées é
imanente, intervindo em todo o universo. Assim, as leis divinas são mais flexíveis e
adaptáveis, segundo os ditames inescrutáveis da Providência. Dessa forma, a justiça
divina é o sentido mais pleno da soberania: o que é então uma injustiça de Deus para
com o homem? Poderia haver por acaso algum legislador comum acima de Deus que
prescreveu a maneira pela qual ele deveria agir para com o homem? E quem será o juiz
entre ele e nós?729. A grande quantidade de erros cometidos no mundo exigia uma
quantidade proporcional de punição para satisfazer a justiça de um Juiz severo. A
estranha teodiceia de Maistre imagina um Deus injusto, cruel, implacável; Deus
agrada-se da desgraça de suas criaturas [...], portanto, devemos orar a ele e servi-lo
com muito mais zelo e ansiedade do que se sua misericórdia fosse ilimitada como
imaginamos [...] Quanto mais terrível Deus nos parecer, mais teremos de redobrar
nosso temor religioso em relação a ele, mais nossas orações terão de ser ardentes e
infatigáveis730. E esse Deus responde à oração, seja atribuindo bênçãos e milagres, seja
distribuindo punições por meio de guerras, doenças e tragédias. Quanto mais terrível
Deus nos parecer, mais teremos de redobrar nosso temor religioso em relação a ele,
mais nossas orações terão de ser ardentes e infatigáveis: pois nada nos diz que sua
bondade compensará isso731. Dessa forma, o homem quando reunido em grupo também
se torna poderoso, podendo mover o mal e o universo em direção ao bem732.
sociedade em sua relação com os deuses. A vitalidade do sangue, ou melhor, a identidade do sangue e da
vida, posta como um fato de que a antiguidade não duvidava, e que se renovou em nossos dias, [...] que o
céu, irritado com carne e sangue, só poderia ser apaziguado com sangue; e nenhuma nação duvidou de
que havia uma virtude expiatória no derramamento de sangue! No entanto, nem a razão nem a loucura
poderiam inventar essa ideia, muito menos torná-la geralmente adotada. Tem sua raiz nas profundezas
da natureza humana, e a história, neste ponto, não exibe uma única dissonância no universo. Toda a
teoria se baseava no dogma da reversibilidade (MAISTRE, 1912, p. 189). Uma análise do texto sob o
ponto de vista da Sociologia da Religião pode ser encontrada em BRADLEY, Maistre’s theory of
sacrifice, 2001, p. 65-83.
729
MAISTRE, 1912, p. 140.
730
Idem, ibid., p. 141.
731
Idem, ibid.
732
ARMENTEROS, 2014a, p. 134.
214
proporcional aos pecados. Um exemplo seria o dilúvio bíblico, que dada sua dimensão
pressupõe crimes inéditos, e que esses crimes pressupõem um conhecimento
infinitamente superior ao que possuímos. Isso é o que é certo e o que precisa ser
explorado. Este conhecimento, liberto do mal que o tornara tão fatal, sobreviveu na
família justa à destruição da humanidade. A correlação causa e consequência seria
imediata, uma vez que as verdades mais difíceis de encontrar são muito fáceis de
entender, citando um suposto texto de Platão733. Já a criação divina responde como o
criador: no vasto domínio da natureza reina uma violência aberta, em uma espécie de
fúria que arma todas as criaturas. Todo o mundo natural, animal e vegetal se rende à
violência, à bestialidade e à selvageria. No vasto domínio da natureza reina uma
violência manifesta, um tipo prescrito de raiva que arma todos os seres; [em tudo] você
encontra o decreto da morte violenta escrita nas próprias fronteiras da vida. Já no
reino vegetal começamos a sentir a lei: da imensa catalpa734 à mais humilde erva,
quantas plantas morrem e quantas são mortas!735. No mundo animal a violência
assumiria cores ainda mais dramáticas, sempre havendo um animal para devorar o
outro, especialmente o homem, sempre disposto a matar em uma guerra sem fim736.
Contudo, paradoxalmente, a guerra não seria um mal em si, uma vez que é nela que a
vontade divina, o anjo exterminador, poderia cumprir sua missão737. Assim, toda a
Terra, continuamente encharcada de sangue, é apenas um imenso altar onde tudo o que
vive deve ser imolado sem fim, sem medida, sem abrandamento, até a consumação das
coisas, até a morte da morte738.
733
MAISTRE, 1912, p. 41.
734
Catalpa, árvore subtropial de grandes dimensões.
735
Idem, ibid., p. 121.
736
Acima dessas numerosas raças de animais está o homem, cuja mão destrutiva não poupa nada do que
vive; ele mata para se alimentar, ele mata para se vestir, ele mata para se enfeitar, ele mata para atacar,
ele mata para se defender, ele mata para aprender, ele mata para se divertir, ele mata para matar [...]. É
o homem o responsável pela matança do homem (idem, ibid., p. 121-122).
737
A guerra é, portanto, divina em si mesma, pois é uma lei do mundo. A guerra é divina por meio de
suas consequências sobrenaturais, gerais e específicas [...] é divina na glória misteriosa que a cerca e na
atração não menos inexplicável que nos leva a ela. A guerra é divina na proteção concedida aos grandes
capitães, mesmo os mais perigosos, que raramente são atingidos em batalha, e somente quando sua fama
não puder mais aumentar e sua missão for cumprida. A guerra é divina na forma como é declarada. [Na
guerra] Deus apresenta-se para vingar a iniquidade que os habitantes do mundo cometeram contra ele. A
terra ávida por sangue abre sua boca para recebê-lo e retê-lo em seu ventre até o momento em que
deverá devolvê-lo. [...] A guerra é divina em seus resultados, que escapam absolutamente às
especulações da razão humana [por fim,] divina pela força indefinível que determina seu sucesso (idem,
ibid., p. 123-124).
738
Idem, ibid., p. 122.
215
As imagens apocalípticas de guerra, crimes, tortura e punição ilustram a
base do pensamento de Maistre, segundo o qual os homens só podem ser salvos sendo
cercados pelo terror e pelo medo, devendo ser lembrados constantemente do mistério
assustador da criação. A purificação nasce do sofrimento perpétuo e da conscientização
da estupidez, da malícia e do desamparo da humanidade. Os legisladores devem ser
implacáveis na imposição de regras e pelo extermínio dos inimigos. Os inimigos seriam
todos aqueles que procuram subverter a ordem divina, os membros daquilo que Maistre
chama de la secte – a seita: protestantes, jansenistas, deístas e ateus, maçons e judeus,
cientistas, democratas, jacobinos, liberais, utilitaristas, anticlericais, igualitários,
perfectibilistas739, materialistas, idealistas, advogados, jornalistas, reformadores
seculares e intelectuais. Seriam inimigos também todos os que se valem de conceitos
abstratos, como razão, liberdade e consciência individuais, assim como os reformadores
e revolucionários. Os membros da la secte não descansariam tentando impor um novo e
satânico mundo, como já haviam feito na Revolução Americana e na Revolução
Francesa. Dentre todos os inimigos, Maistre dedicou muitas páginas contra os cientistas;
todos os intelectuais são ruins, mas os mais perigosos são os cientistas naturais [...] um
grande perigo para o Estado740. Nas palavras de Maistre: se Ele colocou certos objetos
além dos limites de nossa visão, é sem dúvida porque seria perigoso para nós percebê-
los distintamente741.
739
Corrente filosófica dos séculos XVIII e XIX que acredita que a natureza humana é aperfeiçoável;
normalmente a palavra é associada aos illuminati, que por sua vez eram membros de uma sociedade
secreta da Bavária, criada em 1776, que se opunham à superstição, ao obscurantismo e à influência
religiosa sobre a vida pública. O grupo foi acusado de ser o mentor da Revolução Francesa (COLLINS,
s.d.).
740
BERLIN, 2013, p. 121-122.
741
MAISTRE, 1912, p. 166. Agradeço a Deus por minha ignorância ainda mais do que por meu
conhecimento; pois minha ciência sou eu, pelo menos em parte, e consequentemente não posso ter
certeza de que seja boa: minha ignorância, ao contrário, pelo menos aquela de que falo, é Dele;
portanto, tenho toda a confiança possível nela. Não irei loucamente tentar escalar o recinto salutar com
o qual a sabedoria divina nos rodeou; tenho certeza de que estou deste lado nas terras da verdade: quem
216
seria necessário perder o juízo para acreditar que Deus instruiu as academias a nos
ensinar o que Ele é e o que Lhe devemos. Pertence aos prelados, aos nobres, aos
grandes oficiais do Estado serem os depositários e os guardiões das verdades
conservadoras; ensinar às nações o que é certo e errado; o que é verdadeiro e o que é
falso na ordem moral e espiritual742. Assim apenas os clérigos, aristocratas e militares
podem proferir verdades sobre o mundo e os homens: antigamente, havia muito poucos
eruditos e um número muito pequeno desses poucos era ímpio; hoje só vemos
cientistas: é uma profissão, é uma multidão, é um povo [...]. Por todos os lados, eles
usurparam influência ilimitada; e, no entanto, se há algo certo no mundo, é, em minha
opinião, que não cabe à ciência liderar os homens743. Suas teses sobre a ciência foram
desenvolvidas no livro Examen de la philosophie de Bacon: ou l’on traite différentes
questions de philosophie rationnelle (exame da filosofia de Bacon: no qual são tratadas
diferentes questões de filosofia racional), editado em 1836, após sua morte. Contudo, a
base do pensamento científico de Maistre, fundado em um platonismo tardio, que
converte a ciência em uma espécie de religião, já aparece em Les soirées: Toda doutrina
racional é baseada no conhecimento antecedente, pois o homem nada pode aprender,
exceto porque sabe [...] deve-se admitir que antes de chegarmos a uma determinada
verdade já a conhecemos em parte [...] não basta, portanto, acreditar na ciência,
devemos também acreditar no princípio da ciência, cujo caráter é para ser necessário e
necessariamente acreditado744. A verdadeira ciência nasceria da intuição, como na
ciência primitiva745.
pode me garantir que além (para não fazer uma suposição mais triste) eu não estarei no reino da
superstição? (idem, ibid., p. 168).
742
MAISTRE, 1912, p. 142.
743
Idem, ibid.
744
Idem, ibid., p. 97.
745
Idem, ibid., p. 44.
217
poucos anos ele se tornara íntimo de Alexandre I, não medindo esforços para interferir
em suas decisões políticas. Em 1809, o czar havia adotado algumas medidas
liberalizantes, que ficaram a cargo do secretário de estado e conselheiro Mikhail
Speransky (1772–1839), responsável por elaborar sua regulamentação; entre elas estava
a reforma do sistema educacional. A possibilidade de modernizar a educação russa
interferia diretamente nos interesses dos jesuítas, que controlavam o sistema de ensino
no império, com os quais Maistre mantinha sólidos vínculos, ótimas relações com os
líderes jesuítas e era um frequentador assíduo da Academia Jesuíta de Polok, na
Universidade de Vilna, hoje Estônia746. Do ponto de vista de Maistre, os textos
legislativos de Speransky, chamados de constitucionais, eram medidas revolucionárias
semelhantes àquelas adotadas durante a Revolução Francesa, que deixariam a Rússia
parecida com a França napoleônica747.
746
OMODEO, 1939, p. 142.
747
LEBRUN, 2010b, p. 37.
748
MAISTRE, 1833, Prefácio. Quem iria propor uma constituição a um soberano legítimo, como alguém
propõe uma capitulação a um general sitiado? Seria tudo indecente, absurdo e, acima de tudo, ruim.
749
LEBRUN, 2010b, p. 38.
750
MAISTRE, 1833, p. 41 e 44.
218
Polok: por que uma escola de teologia em todas as universidades? [...] é para que as
universidades subsistam e o ensino não se corroa. Inicialmente, eram nas escolas
teológicas que as outras faculdades se instalavam, como servos ao redor de uma
rainha751. Com receio da repercussão do livro na corte de Alexandre I, Maistre
publicou-o na Rússia anonimamente, mas a estratégia não foi bem-sucedida. Ele havia
enviado uma cópia a Bonald em Paris, que sem autorização a publicou em 1814, com o
nome de Maistre estampado na capa. A edição causou-lhe triplo mal-estar. Na Rússia, o
indispôs com o czar, que já não via com bons olhos as investidas dos jesuítas contra a
Igreja Ortodoxa, e precipitou uma série de incidentes752 que culminaram na expulsão da
Companhia de Jesus do império russo em 1820753.
O texto também foi mal recebido pelo rei Vittorio Emanuele II, que o havia
designado como diplomata em São Petersburgo em 1802. Contudo, para Maistre, as
piores consequências vieram de Paris. O rei Luís XVIII, irmão mais novo do rei Luís
XVI, que estivera exilado entre 1891 e 1814, quando retornou ao país e foi coroado,
pouco antes da publicação não autorizada do livro na França, havia se submetido às
pressões e aceito uma constituição que garantia e preservava elementos importantes do
período revolucionário. A carta constitucional reconhecia o parlamento de duas câmaras
legislativas com eleições periódicas, previa ampla liberdade religiosa, impunha
limitação ao rei para estabelecer impostos, garantia a liberdade de imprensa e
assegurava a propriedade para aqueles que adquiriram as terras e os bens anteriormente
confiscados do clero e da nobreza. O mundo napoleônico, mesmo derrotado,
sobrevivera por intermédio de seus códigos, dos sistemas administrativos e da
organização militar, e pela tolerância religiosa. A edição de Essai por Bonald, como um
751
Idem, ibid., p. 51.
752
Maistre e os jesuítas, após 1814, passaram a promover o catolicismo romano entre a nobreza de São
Petersburgo, desconsiderando o fato de que o czar é o soberano da Igreja Ortodoxa (OMODEO, 1939, p.
142). Maistre e os jesuítas tentavam catequizar a aristocracia convencendo-a de que a religião nacional
russa carecia de um “quid”, algo misterioso, presente na igreja romana, e da qual o papa era o detentor
e guardião. E a esse defeito primário atribuiu a cultura escassa e a falta de prestígio do clero russo, a
corrupção dos mosteiros e o automatismo litúrgico-sacramental da religião russa (idem, ibid., p. 177).
753
Após a reabilitação da Companhia de Jesus em 1814, os jesuítas foram expulsos de vários países:
Rússia (1820), França (1828, 1880, 1902 e 1904), Espanha (1835, 1868 e 1932), Suíça (1847), territórios
alemães (1847 e 1872), México (cinco vezes entre 1821 e 1914), Colômbia (1850), Guatemala (1871),
Nicarágua (1881) e Brasil (1889) (BRODERICK; LAPOMARDA, 2003, v. 7, p. 787-793).
219
protesto contra a Constituição, provocou um sério abalo nas relações entre Maistre e a
dinastia dos Bourbons, com quem sempre tivera boas relações no exílio, e que desejava
manter após a restauração da casa real754.
754
OMODEO, 1939, p. 175-177.
755
GLAUDES, 2010, p. 54.
756
Em uma carta escrita ao marquês de Clermont Mont-Saint-Jean, em setembro de 1815, afirmou: As
nações morrem como indivíduos e [...] não há evidência de que a nossa não esteja morta; mas [...] se a
palingênese é possível (na qual ainda acredito e espero) [...] onde estão os componentes desta
contrarrevolução? Bonaparte está em Santa Helena; é uma pena que a sua doutrina permaneça em todos
os concílios. Em qualquer caso, não pense por um minuto [...] que a ordem tradicional poderia ter
respirado por 15 anos em uma atmosfera tão venenosa sem ter sofrido a mínima inconveniência
(MAISTRE, transcrito por GLAUDES, 2010, p. 57).
757
GLAUDES, 2010, p. 58.
758
JAUSS, Hans Robert, citado por GLAUDES, 2010, p. 58.
220
Foi com esse estado de espírito que Maistre escreveu o livro Du Pape759,
lançado em 1819, afirmando que o papado era o paradigma de todo poder monárquico.
Sua longa estada na Rússia, e o contato com a Igreja Ortodoxa, que não reconhecia
autoridade, teriam sido a razão de suas reflexões, que viriam a ser estampadas no livro.
Em uma carta ao conde Marcellus (1795–1861) afirmou que em 14 anos [Maistre]
nunca havia deixado de ser assaltado pelas reivindicações de Photius e sua posteridade
religiosa760. O desenvolvimento de suas ideias sobre o papado também teria sido
incrementado a partir de sua longa convivência com o conde e futuro duque Blacas
d’Aulps (1771–1839), conselheiro do futuro rei Luís XVIII exilado em São Petersburgo,
entre 1803 e 1808. Com a intensa troca de correspondência, tentando refutar os
argumentos galicanos adotados por Blacas após sua participação no governo
monárquico restaurado e sua conversão em 1814, Maistre aprofundou a reflexão e
decidiu redigir o livro761. Por último, também teria contribuído a estreita relação de
Maistre com a Companhia de Jesus e a comunidade jesuíta na Rússia; mesmo com a
supressão da ordem em 1773, essa ordem sempre demonstrou sua vigorosa lealdade e
obediência ao papa762.
759
Cujo título original era: Du pape; considéré dans ses relations avec l’Église, les souverainetés
temporelles, les églises séparées et la cause de la civilisation.
760
MAISTRE, 1975, Introduction, p. ix. Photius foi um patriarca ecumênico de Constantinopla,
representante espiritual dos fiéis ortodoxos, do século IX.
761
Idem, ibid.
762
Foram exatamente as estreitas relações entre Maistre e os jesuítas que obrigaram sua saída da Rússia
em 1817 (idem, ibid., p. x).
221
Maistre foi o primeiro autor a defender clara e expressamente converter a
infalibilidade do papa, antes uma tese teológica, em uma medida política764. Não há no
livro fundamentos teológicos profundos ou argumentos sobrenaturais específicos do
catolicismo; a infalibilidade do papa advém apenas de sua autoridade, que imporia
respeito absoluto aos governos seculares. Dada sua insuficiência teológica, Du Pape, em
um primeiro momento, não foi incorporado como doutrina; contudo, foi lido com muito
interesse pelos bispos e cardeais conservadores em Roma765, especialmente aqueles que
seriam os responsáveis pela orientação política da Igreja ao longo dos cinquenta anos
seguintes. O texto também foi bem recebido nos meios eclesiásticos, ainda muito
preocupados com a luta contra as igrejas nacionais, cuja afirmação de que o galicanismo
havia sido destruído atendia aos interesses de muitos na Santa Sé.
763
Texto de uma carta citada por Richard Lebrun, sem identificar o destinatário (MAISTRE, 1975,
Introduction, p. xi).
764
DUFFY, 2014, p. 276.
765
MARTINA, 1995, p. 171.
766
De Maistre [...] renunciando a todo aparato teológico, tentou em sua obra principal basear a
restauração da supremacia papal em simples raciocínio histórico e político [...] em vez de ordená-la
diretamente por direito divino (COMTE, Auguste, Œuvres, 1968-1971, t. IV, p. 21, apud MACHEREY,
1991, p. 44).
767
MAISTRE, 1975, p. 1.
768
As duas palavras infalibilidade e soberania eram “perfeitamente sinônimos”. Para ele, toda
soberania agia como se fosse infalível, [...] a autoridade como tal é boa uma vez que existe: “Qualquer
governo é bom uma vez estabelecido”, sendo que uma decisão é inerente à mera existência de uma
autoridade governamental, e a decisão como tal é valiosa justamente porque, [...] tomar uma decisão é
mais importante do que como uma decisão é tomada (SCHMITT, 2005, p. 54-55).
222
espiritual estariam vinculados por uma correspondência recíproca769. O direito de
autoridade soberana provém de Deus, e tudo que existe somente pode subsistir a partir
dessa soberania. A revolta contra a autoridade, como foi a Revolução Francesa, é,
inevitavelmente, uma revolta contra o autor supremo da autoridade; a derrubada
revolucionária da monarquia, assim como a contestação da autoridade do papa, é em si
mesma uma insurreição contra Deus. A diferença entre os dois poderes reside no fato de
que, no primeiro, o soberano pode estar equivocado, de modo que a infalibilidade que
se lhe dá é apenas uma suposição [ao passo que] o governo espiritual é
necessariamente infalível; pois Deus não teria confiado o governo de sua igreja a seres
de ordem superior, se não tivesse dado infalibilidade aos homens que a governam770.
Esse seria o argumento decisivo de Maistre a favor da infalibilidade papal: seria absurdo
admitir que Deus poderia fundar sua igreja sem dar a ela a infalibilidade a seu líder.
Apesar de as duas infalibilidades – temporal e espiritual – serem absolutas, elas
necessariamente seriam assimétricas: ao passo que a infalibilidade da palavra do papa,
em virtude de sua suprema autoridade apostólica, fixada de forma dogmática por Deus,
é irrecorrível e irreversível, as decisões tomadas pelo poder temporal podem ser
revertidas, ou mesmo revogadas; a decisão ungida pelo poder divino não – a Igreja
pode excomungar o príncipe, e o príncipe pode matar o pastor, contudo, o príncipe
nada pode contra a Igreja771. É preciso ressaltar que Maistre, em Du Pape, não deixa
explicita a tese da supremacia do poder do papa sobre os soberanos; de forma discreta
afirma que esta seria apenas uma hipótese com a qual trabalha772; contudo o texto faz
elogios a todos os papas que enfrentaram o poder temporal, especialmente Gregório VII,
Inocêncio III e Bonifácio VIII (1294–1303)773, homens superiores que se elevaram
sobre as dificuldades de seu tempo para manter a Igreja eterna774. Maistre reinterpretou
769
PRANCHERE, 2001, p. 134.
770
MAISTRE, Réflexions sur le protestantisme (1789), Œuvres completes, 8:145, apud PRANCHERE,
2001, p. 146.
771
MAISTRE, 1975, p. 174, citando o livro Explication des maximes des saints sur la vie intérieure, do
bispo François Fénelon , de 1697.
772
Idem, p. 122-123; PRANCHERE, 2001, p. 146.
773
MAISTRE, 1975, p. 160-164, 202-204 e 189-190 respectivamente.
774
Seria melhor dizer, talvez, que em certo sentido a Igreja nunca envelhece. A religião cristã é a única
instituição que não conhece decadência, porque só ela é Divina. Quanto a aspectos externos, práticas,
cerimônias, permite mais ou menos variações humanas. Mas nas coisas essenciais é sempre o mesmo –
seus anos não acabarão. Assim, em vez de derrubar as leis da raça humana, ela se permitirá ser
obscurecida pela barbárie da Idade Média; mas produz, não obstante, naqueles tempos, uma multidão de
homens superiores, que somente dela derivam sua superioridade. Depois se renova junto com a
humanidade, acompanha-a, aperfeiçoa-se em suas várias relações – diferindo assim, e de maneira
223
a história da Igreja durante a Idade Média de forma esquemática para dar-lhe um caráter
civilizatório durante o período, como a grande responsável pela construção das
monarquias europeias, uma civilização católica perante uma Europa bárbara775.
marcante, de todas as instituições e impérios humanos, mesmo, que têm sua infância, sua virilidade
[virilité no original] sua velhice e seu fim (idem, ibid., p. 22).
775
Um alto estado de civilização doma as paixões; ao torná-los, talvez, mais abjetos e contaminantes,
tira deles, de qualquer modo, aquela impetuosidade feroz que caracteriza uma época bárbara. O
cristianismo, que nunca cessa de trabalhar para melhorar a humanidade, principalmente exibiu sua
influência na juventude das nações; mas todo o poder da Igreja seria nulo, se não estivesse concentrado
em um chefe, um estrangeiro e um soberano (idem, ibid., p. 152).
776
Idem, ibid., p. 35.
777
Idem, ibid., p. 62. O que, então, devemos pensar daquela famosa Sessão IV [do Concílio de
Constance] em que o conselho (assembleia) se declara superior ao papa? A resposta é fácil. Deve ser
dito que a assembleia falava bobagem, como também têm feito, desde sua época, o Grande Parlamento
da Inglaterra, e a Assembleia Constituinte, e a Assembleia Legislativa, e a Convenção Nacional, e os
Quinhentos e os Duzentos, e as últimas Cortes da Espanha – em uma palavra, todas as assembleias
imagináveis, por mais numerosas que sejam, mas sem presidente (idem, ibid., p. 63).
224
discutir os princípios da soberania, e com a mesma mão minou o trono e o altar778. As
revoluções e as guerras eram apenas consequências dessa anarquia.
778
Idem, ibid., p. 43.
779
OMODEO, 1939, p. 198.
780
Fazendo referência a processos revolucionários recentes, nos quais soberanos foram depostos,
escreveu: Que reis da França, da Espanha, da Inglaterra, da Suécia, da Dinamarca foram realmente
depostos pelos papas? [...] Todas as dissensões, todos os males daqueles tempos tiveram origem numa
soberania mal constituída, e na ignorância de todos os princípios. O príncipe eleito goza sempre como
um possuidor temporário. Não pensa senão em si próprio, porque o Estado só lhe pertence pelos
prazeres do momento. Ele é quase sempre um estranho ao verdadeiro espírito da realeza, e o caráter
sagrado pintado, e não gravado, na sua testa dificilmente resiste ao menor atrito.(MAISTRE, 1975, p.
184).
225
politiques , escrito em 1807, foi editado contra seu desejo, sendo que o restante de sua
obra só se tornou conhecido após sua morte782. Durante 20 anos de atuação
contrarrevolucionária Maistre nada publicou por vontade própria; contudo, Du pape era
diferente: foi o único texto que desejou ver publicamente associado a seu nome, tendo
se empenhado para sua edição. Ao deixar São Petersburgo, Maistre viajou para Paris
com os originais à procura de uma editora. Por intermédio de padres amigos conheceu
um impressor interessado em Lyon que, por sua vez, apresentou-lhe o editor Guy-Marie
Deplace (1772–1843), católico e monarquista, com quem se correspondeu por 18 meses
na preparação do texto783. A rapidez relativa com que o livro foi publicado, apenas três
anos entre seu término e a edição, e a assumida autoria demonstram o forte interesse de
Maistre em interferir de alguma forma na conturbada cena política e religiosa da
restauração.
781
ARMENTEROS, 2014a, p. 136-137. A ideia já havia sido apresentada anteriormente por Gottfried
Wilhelm von Leibniz (1646–1716), em Monadologie (1714).
782
LEBRUN, 2010b, p. 2. De l’Église Gallicane, em 1821, Les soirées de Saint-Pétersbourg (1821),
Lettres à un gentilhomme russe sur l’Inquisition espagnole, (1822), Examen de la philosophie de Bacon
(1836). Lettres et opuscules inédits du comte Joseph de Maistre (1853), Mémoires politiques et
correspondance diplomatique (1859) e Oeuvres complètes (1884–1886).
783
MAISTRE, 1975, Introduction, p. x.
784
ARMENTEROS, 2014a, p. 142-143.
785
Idem, ibid., p. 131.
786
A obra de Joseph de Maistre apresenta-se como uma polêmica contra o racionalismo do Iluminismo
[...] uma defesa do “princípio católico”, que nada mais é do que o “princípio da autoridade”, tomado em
conjunto com o rigor de suas consequências. [...] De fato, toda sua obra procura mostrar que a
autoridade forma um sistema: a autoridade metafísica de Deus é necessariamente realizada na
226
elementos lógicos e da filosofia política, desenvolveu um método de pensamento
reacionário que permitiu a consolidação daquilo que viria a ser chamado de
ultramontanismo, e que abandonou quase que totalmente a antiga tradição conciliar da
Igreja. Para Maistre, toda autoridade dos bispos derivava da autoridade do papa. O papa
governa e não é governado, julga e não é julgado, ensina e não é ensinado787.
autoridade política do soberano e na autoridade espiritual do papa. O ponto notável, no entanto, é que
esta defesa sistemática da autoridade é ela mesma tributária do racionalismo iluminista, já que Maistre
pensa em autoridade sobre o modelo de designação da soberania, em comum com o pensamento de
[Samuel (1632–1694)] Pufendorf, Rousseau e dos fisiocratas (PRANCHERE, 2001, p. 132-133).
787
O’MALLEY, 2018, p. 65.
788
SPULLER, 1892, Avant-propos, p. xi.
789
LAMENNAIS, 1964, p. 1.
227
Nasceu em 1782, em Saint-Malo, na Bretanha, no noroeste da França, uma
cidade cercada por muros à beira-mar, que ainda hoje guarda características feudais790;
filho de uma família abastada, cujo pai, em 1786, havia recebido uma carta de nobreza
de Luís XVI791. Quando jovem foi um dedicado estudante das obras do Iluminismo,
vindo a se converter ao catolicismo somente aos 22 anos por influência de seu irmão
padre, Jean-Marie792. Em 1809, com ajuda do irmão, escreveu Réflexions sur l’état de
l’Église en France au XVIIIe siècle (reflexões sobre o estado da Igreja na França no
século XVIII), que foi apreendido pela polícia, considerado perigosamente subversivo,
e que mais tarde viria a ser definido como sua primeira obra ultramontana793.
790
O escritor, diplomata e poeta conservador François-René, visconde de Chateaubriand, também nasceu
em Saint-Malo, em 1768.
791
Em razão do título, seu nome passou a ser La Mennais; quando, na década de 1830 passou a defender
princípios liberais e democráticos, adotou o nome Lamennais, omitindo a origem aristocrática
(BOUDENS, v. 8, p. 308). No presente trabalho optou-se por usar o segundo, nome pelo qual se tornou
conhecido.
792
Jean-Marie de La Mennais (1780–1860), religioso, foi o criador da congregação Prêtres Missionnaires
de l’Immaculée Conception, além de escolas para meninos e meninas jovens pobres da região da
Bretanha. Foi durante muito tempo um devotado colaborador e amigo íntimo do seu irmão caçula.
793
ARMENTEROS, 2014b, p. 148; CHISHOLM, 1911, p. 124-126.
794
LAMENNAIS, 1836ª, p. 11.
228
violentamente o caminho para a reforma795. Após o protestantismo, todo o castelo da
autoridade teria sido sistematicamente destruído: Blaise Pascal (1623–1662), Bossuet,
Newton, Leibniz, Pierre Bayle (1647–1706), François Fénelon, Voltaire, Rousseau,
Diderot, d’Holbach, entre tantos outros seres perversos entregues à mente de
satanás796.
795
Idem, ibid., p. 8.
796
SPULLER, 1892, p. 214.
797
LAMENNAIS, 1836ª, p. 72.
798
Idem, Ibid.
799
Idem, Ibid. O sucessor de Pedro, o único juiz, no interesse da Igreja havia pronunciado
definitivamente que o dever dos pastores era dar ao rebanho o exemplo de obediência. Portanto, o papa
não hesitou em declarar aos bispos que qualquer oposição seria inútil. Chefe supremo da ordem pastoral
e fonte de jurisdição, abriu novos canais para fertilizar esta antiga Igreja dos Gauleses, fundada por seus
predecessores. Nunca os Vigários de Jesus Cristo exerceram seu poder com tanto esplendor; nunca eles
exibiram autoridade tão grande e magnífica [...]. Em 1800, a religião católica e a unidade de poder
renasceram juntas, e a autoridade do chefe da Igreja, como a autoridade do chefe de Estado, adquiriu,
em proporção correspondente, um novo grau de força necessário para restauração da ordem política e
religiosa (idem, ibid., p. 73-74).
229
doutrina, a imortalidade de sua duração, tudo está contido nestas palavras de Jesus
Cristo, [...] cuja força é sempre presente mesmo depois de 18 séculos800. Ainda na
introdução Lamennais lembra que o extenso volume fora escrito enquanto o papa Pio
VII estava preso801. O livro era uma reação à convocação por Napoleão do Concílio de
Paris da igreja da França, para permitir que o arcebispo metropolitano de Paris
assumisse o poder papal de nomeação dos bispos franceses. Passados cinco anos, a
opinião de Lamennais a respeito da Concordata havia mudado radicalmente. Ele havia
lido a antiga justificativa da regulamentação da Concordata, os Articles Organiques,
escrita por Jean Portalis, autor da lei em 1802, afirmando que o poder público não é
nada, se não for tudo; os ministros da religião não devem pretender limitá-lo802, o que
lhe fizera mudar de opinião.
800
LAMENNAIS, 1830, p. 1. Meio século depois o argumento seria o fundamento da Constitutio
Dogmatica Pastor Æternus (1870), no Concílio do Vaticano.
801
Será fácil ver que escrevemos durante dias ruins, com nossas reflexões dirigidas a Deus. Pensamos,
no entanto, que deveríamos deixá-lo como reparação pelo silêncio com que a posteridade, mal-
informada, talvez viesse reprovar o clero francês, e também como lição para futuros déspotas, que se
imaginem capazes de abafar a verdade com decretos, espiões e calabouços (idem, ibid., p. 2).
802
PORTALIS, citado por SPULLER (1892, p. 52-53).
803
LAMENNAIS, 1830, p. 230-231.
804
Idem, ibid.
230
salvaguarda. Basta: a história dirá o resto805. Lamennais defendeu que a escolha do
episcopado deve ser feita livremente pela Santa Sé, em oposição à Concordata de 1801,
que determinara que os bispos deveriam ser primeiramente nomeados pela autoridade
laica governamental, para só depois receberem a investidura canônica do papa. O texto
desprezava explicitamente a Concordata, alegando que fora assinada sob coação
extrema do papa Pio VII. Fazendo referência expressa ao livro Traité historique et
critique de l’élection des évêques (1792), do teólogo Mathieu-Mathurin Tabaraud
(1744–1832), Lamennais afirmou que a indicação dos bispos pelo poder político, longe
de ser autorizada pela Igreja, é condenada por uma antiga tradição de decretos dos
concílios; assim, todas as nomeações feitas pelos reis franceses ao longo dos dois
últimos séculos eram derivadas de um poder usurpado. A atribuição desse poder ao
imperador pela Concordata era uma concessão ilegítima, porque as coisas não
mudaram na natureza desde o século XVI, que então era apenas um abuso que merecia
e deve ser proscrito, uma usurpação pelo título de seu estabelecimento, e uma
instituição abusada por sua oposição manifesta ao espírito de governo elástico, não
pode ser hoje uma concessão legítima806. Os príncipes precisariam se convencer de que
a autoridade dos papas é uma guarda segura para os privilégios que deles derivam807.
Tradition de l’Église só chegou às livrarias após a queda do imperador808.
805
Idem, ibid.
806
Idem, ibid., p. 316.
807
Idem, ibid.
808
ARMENTEROS, 2014b, p. 149.
231
França. Caberia aos bispos falar e falar em voz alta. Temo que tenham grande
dificuldade em abandonar o hábito da escravidão809. Para ele, o novo governo era
apenas uma decoração monárquica, que não apagou os efeitos da Revolução Francesa:
receio que a revolução honrosa se limite à troca de um despotismo forte por um
despotismo fraco. Se meus temores se concretizarem, minha decisão está tomada e
deixo a França sacudindo a poeira dos pés810. Sobre a política religiosa do governo,
escreveu ao irmão em 6 de março de 1815: o silêncio que mantêm sobre os assuntos
eclesiásticos me faz acreditar cada vez mais que nada está resolvido ainda. Tudo está
indo de mal a pior. O descontentamento vence. O jacobinismo vence a fraqueza do
governo e o futuro está repleto de desastres811. Na mesma carta sobre as reformas do
novo governo na educação: malditas sejam a filha e a mãe, a velha e a nova
universidade! Amaldiçoados sejam os criadores desta raça infernal! Malditos sejam
aqueles que a deram à luz e que ajudarão a levantá-la! Danem-se os chefes, danem-se
os subordinados, dane-se toda essa canalha infame!812. Em uma carta anterior, em 28
de setembro de 1814, havia demonstrado sua insatisfação com relação ao ensino
religioso: em todos os lugares, a universidade opõe-se ao estabelecimento de escolas
eclesiásticas nas cidades. Em Poitiers, o comissário do governo ameaçou usar todos os
meios rigorosos que os decretos de Bonaparte colocavam à sua disposição. Não
sabemos onde isso vai acabar813. Nesse período, Lamennais também não poupou
críticas à imprensa, e à tolerância das autoridades com os ataques a Roma: quanto à
imprensa, nunca foi pior: os eclesiásticos jacobinos querem que a imprensa seja livre,
mas só para eles. O ministro, por sua vez, apoia o jornal que, como o Diário Geral da
França, é hostil ao Papa [...]; é um escândalo vergonhoso. Ainda sobre o controle da
Igreja pelo Estado escreveu ao irmão em 5 de janeiro de 1816: estou ansioso para ver
os negócios da igreja da França encerrados. Receio, no entanto, que o estado em que
nos encontramos continue. Ambição e política são tudo; a nenhuma religião, ou quase
nada. Paris é o centro das intrigas mais vis; agora é com lugares eclesiásticos [que
passam a ser] lugares civis [...] muda-se de acordo com as circunstâncias e as opiniões
809
LAMENNAIS, 1866a, p. 143-144. Carta a seu irmão Jean-Marie, em 29 de junho de 1814.
810
Idem, ibid., p. 150. Carta ao irmão em 7 de julho de 1814.
811
Idem, ibid. p. 202.
812
Idem, ibid.
813
Idem, ibid., p. 170.
232
dos homens em crédito814. E conclui: estamos realmente vivendo em um século
abominável815. Assim, Lamennais passa a se sentir desconfortável perante o rei Luís
XVIII. Ele se mostrara indiferente aos galicanos ou jacobinos, que, acreditava, estariam
em seu governo. O monarca era fraco, e incapaz de buscar um apoio moral na
autoridade do papa. A nobreza, que regressara do exílio, com ganância e intrigas,
também o desagradou816.
814
Idem, ibid., p. 249.
815
Idem, ibid.
816
MARECHAL, 1913, p. 470-471.
817
BOUDENS, 2003, v. 8, p. 308.
233
prática, aqueles que admitiam a necessidade da religião, mas rejeitavam a revelação e
aqueles que reduziam a crença ao menor denominador comum818. Na segunda década
do século XIX os dois atores que na França haviam assumido claramente a defesa da
religião , Bonald e Maistre, ainda eram pouco conhecidos, e o segundo ainda não havia
editado Du Pape. Agora era a vez de Lamennais, que acreditava que a restauração,
política e religiosa, impunha-lhe a obrigação de apresentar uma postura firme e
decidida. Acreditava nesse momento que deveria combater os erros de uma filosofia
hipócrita que mal disfarça seu ódio inveterado de todos os princípios religiosos. Erros
que teriam criado a pretensão insolente e sacrílega, um protesto sedicioso contra a
soberania que [à religião] pertence no mundo moral, uma confissão implícita de
incapacidade de destruí-la819. O indiferentismo religioso não era uma atitude aceitável
para o cristão, uma vez que representava na prática uma forma de ateísmo, que causava
desordem moral e dissolução social. Filosoficamente, Lamennais considerava que o
ateísmo era descendente do protestantismo, de Descartes, e, mais particularmente, da
ideia da razão individual, um conceito a princípio teológico que se teria tornado uma
proposição política820.
818
O’MALLEY, 2018, p. 66. A última crítica era dirigida diretamente a Rousseau, que, segundo
Lamennais, procurava reduzir a religião a elementos consensuais mínimos, sobre os quais todos podiam
concordar (ARMENTEROS, 2014b, p. 149). Apesar da posterior revisão de suas posições, o livro tornou-
se uma das fontes do pensamento ultramontano (CHISHOLM, 1911, p. 124-126).
819
LAMENNAIS, 1895, p. xxxiv.
820
ARMENTEROS, 2014b, p. 150.
821
LAMENNAIS, 1895, p. 5.
822
Idem, ibid.
234
negação da autoridade e o espírito de independência provocaram as guerras furiosas
que encheram de derramamento de sangue a Alemanha, a Boêmia, a França, a
Inglaterra e os Países Baixos [...] cada nova negação conduziu a uma nova
destruição823. O antídoto contra os desvios estaria ancorado na tradição do catolicismo,
a maior religião do mundo, cujos dogmas provinham de uma revelação primitiva que
Deus havia dado à humanidade no início dos tempos, professada através dos séculos e
por toda a Terra824. Na verdade, esta é a tese central do livro.
823
Idem, ibid.
824
ARMENTEROS, 2014b, p. 150.
825
SPULLER, 1892, p. 98-99.
826
LAMENNAIS, 1895, p. 55.
235
do gênio do mal, o flagelo mais terrível que já existiu, desencadeado na Terra para
perder a humanidade827.
Pouco tempo após a publicação seu irmão Jean-Marie escreveu para o bispo
Gabriel Bruté830: um excelente livro [...] que põe fim a todas as nossas controvérsias
com os filósofos, assim como as obras de Bossuet acabaram com as de seu tempo; é um
golpe com uma clava, dado com um braço vigoroso, na cabeça de nossos sábios [que]
estremecem de raiva e soltam belos gritos. E completou: a primeira edição está
vendida; a segunda será em breve. Parece que essa França infeliz, que pensávamos
827
SPULLER, 1892, p. 99.
828
Idem, ibid., p. 95.
829
BOUTARD, 1905, p. 206.
236
estar perdida, está faminta por religião831. Joseph de Maistre, que dois anos depois
lançaria Du Pape, teria notado nele pensamentos fortes e profundos; grandes visões [...]
um terremoto sob um céu de chumbo832.
830
Simon William Gabriel Bruté de Rémur (1779–1839), um missionário francês nos Estados Unidos e
primeiro bispo da diocese de Vincennes, em Indiana.
831
Citado por SPULLER, 1892, p. 96.
832
Idem, ibid. Também foi por intermédio de Maistre que Lamennais havia enviado o livro a Roma
(BOUTARD, 1905, p. 209).
833
BOUTARD, 1905, p. 194.
834
LAMENNAIS, 1859, p. 23.
835
Idem, ibid.
836
Idem, ibid., p. 22.
237
epistemologia de Descartes, Lamennais apresentava o sensus communis (senso comum),
da humanidade que aceita e dá validade à fé, uma antítese ao julgamento privado. A
única maneira para diferenciar o certo do errado é por meio da submissão do juízo
individual à consideração das razões coletivas, (soumises à l’examen de plusieurs
raisons – sujeito ao exame por várias razões)837. Somente após a prova do senso comum
que um juízo ganha autoridade. Até então, eles são apenas raciocínios incertos, a
concordância de julgamentos por si só pode acabar com a incerteza. Onde este acordo
não é encontrado, a dúvida reina na paz do consentimento da sabedoria; mas onde
quer que seja encontrada, a dúvida cessa, ou então os homens a acusam de loucura838.
A convicção individual, e, por conseguinte, a razão, nada prova, uma vez que gera uma
infinidade de verdades distintas e sem valor. Conceder autoridade à razão é, portanto,
violar a própria lei fundamental da razão, é abalar o mundo moral, é constituir o
império do ceticismo universal e cavar um abismo onde todas as verdades, todas as
crenças seriam necessariamente engolidas839. Para o leigo é impossível fazer a
distinção entre o bem e o mal sem o conhecimento de Deus. É somente a partir desse
conhecimento que se forma a verdade universalmente acreditada; a verdade de fato e
atestada unanimemente por todos os homens, em todos os séculos; a verdade soberana
nasce da intervenção do poder supremo sobre nosso entendimento humano840. Além do
senso comum, a validação da verdade também se dá a partir do sentimento, da sensação,
de evidência. Como exemplo da autenticação da verdade pela evidência, Lamennais
menciona a existência de Deus: em toda parte a primeira resposta que os homens dão,
quando sua razão é questionada sobre a existência de Deus [...] a unanimidade desta
resposta confirma a evidência841.
837
Idem, ibid., p. 103.
838
Idem, ibid.
839
Idem, ibid., p. 104.
840
Idem, ibid., p. 105.
238
vários graus, por todos os povos através dos séculos e por toda a Terra842. O catolicismo
era sociedade tão antiga quanto o tempo, tão extensa quanto o universo, tão forte como
a verdade, tão santa quanto o próprio Deus, depositária perpétua das esperanças da
raça humana e que [...] reúne os eleitos e os conduz à eternidade que lhe pertence843.
Todas as outras religiões foram e eram apenas cultos idólatras fundados em crenças
verdadeiras, mas cujas paixões mais ou menos corromperam844.
Uma religião somente poderia ser verdadeira se tivesse origem divina, que
nascesse da manifestação do próprio Deus como expressão de sua vontade. O
cristianismo havia começado com Jesus Cristo, seu princípio estava na origem do
mundo: desenvolvera-se na origem da humanidade sem nunca mudar de substância,
sem nunca variar, tinha permanecido e deveria permanecer perpétuo845. Essa
periodização do cristianismo e, por conseguinte, da Igreja Católica, em Lamennais é
completamente desprovida de historicidade: todas [as religiões] pertencem ao
cristianismo e apenas a ele; e, quando falamos do cristianismo, não devemos parar
nossas mentes no tempo decorrido desde a encarnação do Verbo Divino, mas devemos
abraçar toda a continuação da religião, antes como depois de Jesus Cristo846. Ele
sempre fora o fundamento da verdadeira fé, o único mediador, o chefe supremo da
sociedade espiritual dos justos, os homens nunca foram salvos, exceto em vista de seus
méritos infinitos, e pela virtude de seu sangue847. O cristianismo começara juntamente
com o mundo, quando Deus fez a primeira revelação a Adão, profetizando às raças
futuras Jesus Cristo, o reparador de seus crimes, e a voz de Jesus Cristo penetrando
tanto o passado como o futuro para anunciar o perdão prometido e agora
irrevogavelmente concedido848. Em toda trajetória da humanidade, o cristianismo teria
se desenvolvido sem nunca mudar, sem nunca variar, permanecendo perpetuamente o
841
Idem, ibid., p. 115. Justifica essa verdade a partir de uma frase que atribui a Platão: Todos os homens
que têm apenas a menor porção de razão invocam Deus no início, quaisquer que sejam suas ações,
independentemente de sua importância (idem, ibid.).
842
ARMENTEROS, 2014b, p. 150.
843
LAMENNAIS, 1859, p. 289.
844
Idem, ibid., p. 290.
845
BLAIZE, 1858, p. 53.
846
LAMENNAIS, 1859, p. 287.
847
Idem, ibid.
848
Idem, ibid., p. 288.
239
mesmo, e perpetuamente uno. Uma linha única de patriarcas e profetas unia Adão a
Jesus Cristo849. A ideia foi criticada quando do lançamento do segundo volume, uma
vez que guardava uma contradição lógica: se o cristianismo é apenas o desenvolvimento
da verdade no tempo, a revelação de Jesus Cristo deixa de ser necessária, a menos que a
razão geral infalível, sensus communis, assim o declarasse, uma vez que esta existia
antes mesmo do cristianismo, sendo a única competente para a julgar. Assim, quando
Lamennais admitia que a razão geral é suficiente para discernir a verdadeira religião,
podendo julgá-la, a autoridade da razão geral seria superior à autoridade da Igreja
Católica, que passaria a ser mais uma religião, e não a verdadeira850.
849
Curiosamente, e divergindo de Joseph de Maistre em Du Pape, na linhagem dos patriarcas Lamennais
não inclui Moisés, considerando a revelação de Moisés como sendo exclusivamente própria apenas do
povo judeu, reconhece apenas a revelação de Adão como base das verdades comunicadas à raça humana
e à Igreja (BLAIZE, 1858, p. 54).
850
BLAIZE, 1858, p. 56-57.
851
Idem, ibid., p. 57.
852
Idem, ibid., p. 58.
240
boa-fé haviam ficado surpresas ao me verem atacar a filosofia cartesiana, na qual
tinham sido alimentadas, e não compreenderam os princípios que eu estava tentando
substituir desta perigosa filosofia [; assim] acreditei ser meu dever submeter ao
julgamento da Santa Sé o livro que suscitou uma oposição tão forte853. Juntamente com
a carta, Lamennais enviou a Anfossi um livro de quase quatrocentas páginas que
escrevera em resposta às críticas, editado poucos meses antes com o sugestivo título de
Défense de l’Essai sur l’indifference en matière de religion (defesa do ensaio sobre a
indiferença em questões de religião). Também pediu ao religioso que sua defesa não
fosse examinada com um olhar puramente filosófico, mas sim teológico, e que, caso não
encontrasse nada a ser repreendido, oficialmente fosse declarada sua ortodoxia. Uma
declaração oficial ajudaria a continuar a realizar as muitas conversões que o meu
trabalho tem feito e continua a fazer, operadas diariamente entre os descrentes e os
protestantes854. Segundo a carta, sua obra havia prestado um serviço considerável à
religião e à sociedade civil, uma vez que o julgamento particular, que é a fonte de todas
as heresias, [para sua doutrina] ou é católico ou renuncia a toda a razão855.
A resposta foi rápida: o livro foi aprovado por Pietro Glauda, membro da
Congregação da Doutrina Cristã e Regulares, em novembro de 1821. Sua aprovação
elogiosa foi estampada em uma edição de Défense de l’Essai sur l’indifference,
publicada em Roma em 1822, e depois incluída em todas as outras edições na Europa.
Afirmou Glauda: o autor mostra que, longe de causar qualquer prejuízo às provas da
verdade da religião cristã, e de seguir as pisadas errantes dos filósofos, como alguns
imaginaram, é de fato o único a chegar à verdade com certeza. Espero que este esforço
literário seja muito aceitável para os amantes da verdade; de onde julgo que podemos
nos dar ao luxo de imprimi-lo856. As edições também passaram a contar com a
aprovação de outros prelados, como Paolo del Signore, diretor do Arquiginnasio
Romano no Palazzo della Sapienza: não apenas não encontrei nada contrário à própria
religião e aos bons costumes, mas tenho visto que o sistema de autoridade estabelecido
853
Idem, ibid., p. 59.
854
Idem, ibid., p. 60.
855
Idem, ibid., p. 61.
856
LAMENNAIS, 1824, p. 7.
241
pelo autor é perfeitamente consistente com os princípios da religião manifestados por
Deus ao homem857. Segundo o arcebispo Basilio Tomaggian, de Durrës, Albânia, a
serviço em Roma: queira Deus que todos aqueles que perderam miseravelmente a sua
verdadeira fé por não quererem submeter à autoridade infalível da Igreja Católica
[optando pelas] escassas luzes da sua razão, fiquem desiludidos com a leitura desta
pequena obra. Este é o objetivo que o erudito e piedoso autor almeja em sua
“Défense”858. O Imprimatur si videbitur também foi concedido pelo cardeal Girolamo
Della Porta (1746–1812), titular da Igreja S. Pietro in Vincoli, em Roma, e pelo próprio
Filippo Anfossi859.
857
Idem, ibid.
858
Idem, ibid., p. 8.
859
BLAIZE, 1858, p. 68.
860
BOUTARD, 1905, p. 253.
861
Idem, ibid., p. 258.
862
Idem, ibid., p. 264.
863
MIRANDA, 2021, s.p. Frequentemente o termo in pectore é usado quando há uma nomeação papal
para o Colégio de Cardeais sem um anúncio público do nome do indicado. O papa reserva esse nome para
si mesmo, revelando-o quando lhe parece conveniente. Quando publicada a elevação, o cardeal assume o
posto a partir da data de sua primeira nomeação, recebendo retroativamente todos os emolumentos
acumulados. Desde o século XV, os papas têm feito nomeações secretas para administrar as complexas
relações entre facções dentro da Igreja. A participação do novo cardeal no Colégio de Cardeais
242
XII, que em todas elas teria se mostrado extremamente gentil e atencioso. O papa fora
informado das posições do padre francês contrárias ao galicanismo e as estimulou. Logo
após sua entronização, em setembro de 1823, Leão XII mostrara-se muito crítico às
concessões feitas por seu antecessor, Pio VII, a Napoleão e à igreja francesa,
especialmente a assinatura da Concordata de 1801 e a coroação do imperador. Também
censurou o rei Luís XVIII, que resistiu aos apelos dos políticos ultraconservadores, os
ultras, comandados pelo então deputado Bonald, compondo um governo duas vezes
comandado por um aristocrata liberal, duque de Richelieu (1766–1822)864, e composto
por muitos bonapartistas865.
dependeria da decisão direta do papa, e não de qualquer cerimônia ou ritual. Caso o papa venha a morrer
sem publicar uma nomeação que fez in pectore, esta perde a validade (BOUDINHON, 1913, s.p.).
864
O duque de Richelieu, Armand-Emmanuel-Sophie-Septimanie de Vignerot du Plessis, foi duas vezes
presidente do conselho de ministros do rei Luís XVIII: setembro de 1815 a dezembro de 1818, e fevereiro
de 1820 a dezembro de 1821. Aristocrata, perdeu sua riqueza durante a revolução, mas, mesmo assim,
aderiu ao liberalismo durante a restauração. Foi o principal responsável pela implantação da Constituição
liberal francesa de 1814 e pela manutenção de galicanos nos cargos do Ministério dos Cultos. Enfrentou
duramente os ultraconservadores no Parlamento, afastando sua influência no governo. Sobre o período
ver ROCHECHOUART, Souvenirs sur la révolution: l’empire et la restauration, 1892.
865
BOUTARD, 1905, p. 260-262. O próprio Leão XII, por sua própria iniciativa e sem o conhecimento
do secretário de Estado, escrevera uma carta a Luís XVIII na qual se queixava de seu ministério. A carta
foi entendida como uma trama dos ultras forjada em Paris (idem, ibid., p. 262).
866
O conde de Villèle, Jean-Baptiste Guillaume Joseph Marie Anne Séraphin, foi deputado conservador
ligado à Igreja Católica (1816–1830), e primeiro-ministro (1821–1828) dos reis Luís XVIII e Carlos X.
867
Os ultras eram religiosos, mas afastaram-se do galicanismo da igreja francesa após serem fortemente
influenciados pelos textos de Maistre, Lamennais e Bonald (HAURANNE, 1867, p. 42).
243
cujo ocupante era o bispo galicano Denis-Antoine-Luc, conde de Frayssinous868,
pregador da corte de Luís XVIII; a censura à imprensa869; a repressão aos
movimentos de oposição; defesa intransigente da Igreja Católica, e aumento de sua
influência na sociedade francesa. Em De la religion, considérée Lamennais
defendeu as reformas propostas por Villèle, atacando com vigor a oposição liberal.
868
A Frayssinous foram dados os dois ministérios como forma de agradar aos deputados católicos que
pediam um religioso à frente da educação pública (idem, ibid., p. 87).
869
Em uma carta ao embaixador austríaco em Paris, conde Anton Apponyi (1782–1852), Metternich
criticou a proposta de censura à imprensa por considerá-la muito branda (METTERNICH, 1881c, p. 378).
870
HAURANNE, 1867, p. 61-62. Lamennais escreveu uma brochura, fartamente distribuída, condenando
a imposição de dificuldades à criação de comunidades (idem, ibid., p. 192).
871
LAMENNAIS, 1826, p. 67.
872
Idem, ibid., p. 76.
244
Também nos primeiros anos do gabinete de Villèle o Parlamento
discutiu reformas que recolocariam a educação nas mãos do clero. Em apoio,
Lamennais, em De la religion, considérée , condenou o aumento da influência que o
Estado exerce sobre a sociedade doméstica para corrompê-la. O meio mais poderoso,
sem dúvida, e do qual o gênio do mal soube aproveitar ao máximo para estender o
reinado do ateísmo, é a educação pública873. Lembrou que a educação sempre fora um
direito exclusivo do episcopado, garantido por uma decisão de 1680 do Conselho de
Estado do rei Luís XIV, e que foi destruído pela revolução. O livro acusou o Estado e
a sociedade francesa de serem ateus, porque se recusavam a se submeter a Roma,
pois sem o papa não poderia haver igreja874. As propostas de censura à imprensa
do gabinete de Villèle também foram aprovadas por Lamennais, que considerou
adequada, para elevar a dignidade do episcopado especialmente quando a França é
inundada com livros, jornais, panfletos, nos quais desprezo e ridículo são derramados
em grandes ondas sobre os objetos mais sagrados875. Lamennais aceitava a censura aos
jornais, o que viria a repudiar em pouco tempo.
858
Idem, ibid., p. 85.
874
Idem, ibid., p. 181.
875
Idem, ibid., p. 122.
245
Estado constitui um ser moral, cujas máximas, crenças e doutrinas se expressam por
seus atos públicos e principalmente por sua legislação; contudo, se os Estados não
tivessem religião, também não teriam moralidade, pelo menos obrigatória, pois a
moralidade não tem sanção positiva e dogmática exceto na religião877. E prosseguiu
afirmando que sem a moral religiosa sobraria apenas a ideia de justiça aplicada pelo
Estado878. Ao fim, Lamennais conclui que somos constantemente levados de volta à
mesma conclusão: nenhum papa, nenhum cristianismo; sem cristianismo, sem
religião; sem religião, sem sociedade. Separar-se de Roma, fazer um culto para
criar uma igreja nacional seria proclamar o ateísmo e suas consequências879.
876
A pena ao crime de parricídio esteve em vigor durante o Antigo Regime; revogada durante a
revolução, foi restabelecida em 1810.
877
LAMENNAIS, 1826, p. 59.
878
Idem, ibid.
246
os bens da mão morta880, o restabelecimento das congregações religiosas, a educação
clerical, não estavam mais em harmonia com os fatos sociais881. Lamennais, que já
defendera a censura – quando o ministério pediu a censura dos jornais, e quando os
realistas a concederam, foi sem dúvida para reprimir a licença dos escritores ímpios e
das opiniões anárquicas882 –, gradativamente a abandonou, passando a escrever a favor
da liberdade de imprensa. Passou a acreditar que uma imprensa livre seria um meio
de influenciar a opinião pública e trazer de volta para a Igreja aqueles que se haviam
separado dela; também era uma forma de a Igreja se defender dos ataques que recebia.
As liberdades de imprensa e de opinião, associadas à liberdade de culto, todas
garantidas pela Constituição francesa de 1814, que havia servido para acusar o Estado
de ateísmo, passaram a ser vistas de forma oposta, como a defesa da fé883.
879
Idem, ibid., p. 316.
880
Mortua manus designa a propriedade perpétua e inalienável de bens imóveis por uma corporação ou
instituição legal; termo normalmente usado em relação aos bens que são deixados em testamentos e
doações, que se tornam inegociáveis; durante a Idade Média eram isentos de impostos e pagamento de
taxas feudais.
881
BLAIZE, 1858, p. 69.
882
Frase de abertura do pequeno texto de Lamennais: Quelques reflexions sur la censure et sur
l’université (1820) (LAMENNAIS, 1836b, p. 193).
883
BLAIZE, 1858, p. 71-72.
884
Para Lamennais, não havia inconsistência entre ultramontanismo e liberalismo; o Povo herdou a
Tradição; o Papa era seu porta-voz, ele interpretava a Tradição assim como o Legislador de Rousseau
interpretava a Vontade Geral, a causa do Papa e do Povo foi a mesma, sendo a da Verdade e da
Liberdade contra todas as pretensões de príncipes temporais e aristocracias de qualquer natureza.
Assim, Lamennais tornou-se o fundador do catolicismo liberal, bem como o campeão do
ultramontanismo (HALES, 1954, p. 42).
247
decorrência destas, a liberdade política e civil885. Pedimos à Igreja Católica a liberdade
prometida pela Carta a todas as religiões, a liberdade desfrutada pelos protestantes, os
judeus, desfrutada pelos seguidores de Maomé e Buda. [...] Pedimos liberdade de
consciência, liberdade de imprensa, liberdade de educação: e isso é o que pedimos886.
885
BLAIZE, 1858, p. 73.
886
LAMENNAIS, 1829, Preface, p. vii. Curiosamente Lamennais, no primeiro parágrafo de Des progrès
de la révolution et de la guerre contre l’Église, vaticinou que uma nova revolução estaria para ocorrer na
França e na Europa, exatamente o que viria a acontecer menos de um ano depois, em julho de 1830,
abalando as estruturas políticas do continente.
887
BLAIZE, 1858, p. 79.
888
Idem, ibid., p. 80.
889
LAMENNAIS, 1829, p. 32.
248
abençoada: o sentimento de perfeição moral nos indivíduos [...] tornou impossível a
partir de agora ter um despotismo estável e tranquilo, pois onde está o espírito de Deus
há liberdade [...] nenhum poder pode obter verdadeira submissão a menos que seja
fundado na lei e governe de acordo com a lei890. E concluiu: nunca tal dominação será
estabelecida de forma duradoura sobre aqueles [homens] que a verdade de Jesus
Cristo libertou891.
890
Idem, ibid.
891
Idem, ibid.
892
Até o fim, então, Lamennais manteve uma compreensão cristã da sociedade como constituída pela fé e
influenciada pela Providência. A diferença era que ele via a fonte da coesão social não mais em uma
igreja hierárquica, mas no povo como a encarnação de Deus no sofrimento (ARMENTEROS, 2014b, p.
160).
893
CHADWICK, 1998, p. 16.
249
Para os criadores do jornal, uma defesa cega do passado colocaria em risco
o catolicismo, e defender o passado seria perder o contato com os homens do
presente894. O grupo também apoiou as revoluções de 1830 no restante do continente.
Ao lado da defesa da reforma da Igreja, o jornal também passou a apoiar as reformas
liberalizantes da sociedade francesa, defendendo: a separação entre o Estado e a
Igreja, com o fim da tutela do Ministério dos Cultos; a liberdade de consciência; de
reunião e associação, com a possibilidade de criação de comunidades religiosas de
trabalhadores; de educação, com o fim do monopólio universitário estatal; de
imprensa, com o fim da censura, e liberdade religiosa, para que a Igreja pudesse
escolher e disciplinar livremente seus membros sem tutela895. Em seus textos da
década de 1820, Lamennais já havia defendido a liberdade, mas era uma liberdade
que não dava espaço à tolerância, sem nenhuma simpatia pelo liberalismo político
ou pela democracia. Mas ele havia mudado.
894
MENOZZI, 1997, p. 144.
895
SYKES, 1922, p. 77.
896
CHADWICK, 1998, p. 15.
897
LACORDAIRE, 1847, p. 4.
250
derramar sobre suas imensas misérias as inesgotáveis correntes da caridade
divina898. Esta sua fase seria conhecida como populismo católico, muito sensível às
forças sociais e preocupado com os limites do poder do Estado899. Também em
1830, Lamennais criou a Agence générale pour la défense de la liberté religieuse
(agência geral de defesa da liberdade religiosa), uma organização para o
monitoramento das violações da liberdade religiosa e da liberdade de educação.
898
Trecho da primeira edição de L’Avenir, em 16 de outubro de 1830, citado por ARMENTEROS (2014b,
p. 154).
899
THEOBALD, 1998, p. 213.
900
MAISTRE, 1912, p. 141.
901
Mas o anátema deve atingir o homem de forma mais direta e visível: o anjo exterminador gira como o
sol ao redor deste globo infeliz e deixa uma nação respirar apenas para atingir outras. Mas quando
crimes, e especialmente crimes de certo tipo, acumulam-se a um ponto marcado, o anjo pressiona de
forma incansável, e com sua tocha de fogo [...] atinge todos os povos da terra; outras vezes, ministro de
uma vingança precisa e infalível, ataca certas nações e as banha de sangue [...] não façam nenhum
esforço para escapar de seu julgamento ou abreviá-lo (idem, ibid., p. 123).
902
A esperança adoça tudo e o amor torna tudo mais fácil. Existem homens agora que estão sofrendo
muito porque te amaram muito. [...] quando a violência passar por si mesma, eu o publicarei, e você o
lerá com lágrimas menos amargas então, e você também amará esses homens que tanto o amaram [...]
devemos esperar e orar a Deus para encurtar a provação. [...] A terra está triste e murcha, mas ficará
verde novamente. O hálito do perverso não passará para sempre como um hálito ardente. O que está
feito, a Providência quer que seja feito para a sua educação, para que você aprenda a ser bom e justo
quando chegar a sua hora, [...] só o bem é duradouro (LAMENNAIS, 1877, p. 3-5).
903
O’MALLEY, 2018, p. 68.
251
A associação entre o catolicismo e as liberdades não nascera entre os
franceses, mas entre os belgas. Desde o Congresso de Viena, em 1815, a Bélgica
deixara de ser uma província francesa, ocupada durante a Revolução Francesa, para
vir a compor os Países Baixos, juntamente com Holanda e Luxemburgo. Apesar de
a Constituição prever um Estado laico, o calvinista rei Guilherme I, que chegou ao
poder após a queda de Napoleão, na prática impunha o protestantismo aos belgas.
Para os católicos, a defesa do conceito amplo de liberdade, e do liberalismo, era
uma estratégia para conseguir garantir a manutenção da religião e sua expansão. O
movimento católico liberal belga era centrado no trabalho de Engelbert Sterckx
(1792–1867), vigário-geral do arcebispo Francis Anthony de Méan (1756–1831), da
cidade de Mechelen, próxima de Antuérpia, e foi apoiado pela oposição liberal
belga na luta pela independência; Sterckx viria a se tornar o arcebispo em 1832,
após a morte de Méan904. Em uma carta enviada por Lamennais, em 24 de dezembro
de 1829, à condessa Louise de Senfft, esposa de um diplomata de Napoleão, ele
afirmou estar acompanhando com atenção os eventos na Bélgica: veja este
movimento sublime de um povo inteiro, declarando que quer viver e morrer livre, e
marchando de cabeça erguida para conquistar a liberdade da Igreja, a liberdade da
educação, e tudo o que é grande, nobre e sagrado entre os homens [...] treme-se diante
do liberalismo? Bem, catolicize-se, e a sociedade renascerá905. Curiosamente, a
Revolução de 1830 na Bélgica consolidou as ideias que Lamennais expunha no
L’Avenir. Após a independência e a instalação de Leopoldo I como rei dos belgas em
1831, a nova Constituição incorporou a maioria dos princípios do jornal, que passou
a ser impresso em Louvain, vendendo mais cópias que na França. A igreja belga
conquistou uma liberdade que nenhum outro Estado católico possuía906. Lamennais
havia percebido que a solução dos belgas para resolver problemas específicos,
associando liberdade, liberalismo e catolicismo, poderia ser aplicada de maneira
geral; assim ele desenvolveu um sistema teórico que incluía uma nova filosofia
904
SYKES, 1922, p. 77.
905
LAMENNAIS, 1863, p. 105-106.
906
CHADWICK, 1998, p. 16. Pela Constituição belga de 1831, o Estado deixou de ter voz na escolha dos
bispos, algo extraordinário em um Estado católico; o Estado não mais poderia impedir a publicação das
bulas papais; foi abolida a censura, e abandonado o sistema de concordatas com Roma. Esta Constituição
belga tornou-se um modelo para os católicos mais liberais do século XIX (idem, ibid., p. 17).
252
social, que incorporava a Igreja dentro de uma nação democrática907. A Bélgica
havia influenciado Lamennais, que por sua vez havia motivado a Bélgica, e agitaria os
católicos ao longo do século XIX.
907
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 270.
908
CANALS VIDAL, 1986, p. 175.
909
CHADWICK, 1998, p. 17. Ele acreditava que o papa abençoaria a ideia da liberdade, esquecendo-se
de que poucos meses antes Gregório XVI praticamente inaugurou seu pontificado convocando o exército
austríaco aos Estados Pontifícios para deter homens armados em um levante liberal; o jornal L’Avenir
criticou duramente a repressão (idem, ibid., p. 18).
253
com o apoio de altas personalidades, como o chanceler austríaco Metternich (1773–
1859), produzia dossiês regulares para o papa910.
910
Por um século e meio, os documentos dessa espionagem permaneceram inéditos no Vaticano. Apenas
nos anos de 1980 o papa João Paulo II permitiu sua abertura pública. Em 1911, o jesuíta Paul Dudon
(1859–1941) havia consultado parte dos arquivos, cujos trechos foram publicados no livro Lamennais et
le Saint-Siège, 1820-1834: d’après des documents inédits et les archives du Vatican. Dudon fez uma
leitura exclusivamente política dos documentos, exaltando o papel de Gregório XVI nos incidentes.
911
Mais detalhes da visita, assim como de seus bastidores, serão vistos no trecho dedicado à política e ao
pontificado de Gregório XVI, uma vez que ao redor da presença de Lamennais em Roma havia a sombra
de toda a política europeia da época.
912
No trecho que trata especificamente do papado de Gregório XVI há mais detalhes sobre a encíclica.
254
Parte do episcopado recusava-se a ordenar padres que não fizessem uma declaração
formal de que não seguiriam Lamennais, ou de que aceitavam integralmente a encíclica
Mirari vos. O debate foi para os jornais que especulavam sobre o caso913. Em 5 de
novembro de 1833, Lamennais escreveu ao papa: a minha consciência sente
necessidade de assegurar a Vossa Santidade [...] não apenas da minha submissão a
toda a extensão do meu dever, como sacerdote e como católico, mas também da
disposição sincera e respeitosa onde sempre estive, onde estou e onde estarei sempre,
com a graça de Deus, para lhe provar minha inviolável reverência, amor e devoção914.
913
CHADWICK, 1998, p. 26.
914
LAMENNAIS, 1863, p. 356.
915
SYKES, 1922, p. 78.
916
LAMENNAIS, 1886, p. 237. A amizade com o barão Eugène François d’Arnauld (1774–1854) durava
mais de uma década, apesar de, na época da correspondência, já não mais partilharem as mesmas
posições. Em uma carta de janeiro de 1833 Lamennais afirmou: por exemplo, você inclina-se para o
despotismo, e eu, para a república: nós dois temos nosso sistema, e quando estivermos juntos, não será
jamais para defender o sistema que preferimos (idem, ibid., p. 231).
917
Idem, ibid., p. 238.
255
longa oração a Cristo, em que Lamennais descreve as mazelas da vida do século XIX, e
critica o poder dos monarcas918.
918
Quem não ama a seu irmão é amaldiçoado sete vezes, e quem se torna inimigo de seu irmão é
amaldiçoado setenta vezes sete. É por isso que reis e príncipes, e todos aqueles que o mundo chama de
grandes, foram amaldiçoados: eles não amavam seus irmãos e eles tratavam vocês como inimigos. Amem
uns aos outros e não temerão nobres, príncipes ou reis (LAMENNAIS, 1877, p. 14-15).
919
CHADWICK, 1998, p. 27.
920
No trecho que trata especificamente do papado de Gregório XVI há mais detalhes sobre a encíclica.
921
CHADWICK, 1998, p. 30.
922
GREGÓRIO XVI, encíclica Singulari nos, 1834.
923
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 294.
256
Após a divulgação de Singulari nos Lamennais passou a ser desprezado pelo
clero ultramontano, afastando-se inclusive seus amigos Montalembert924 e
Lacordaire925, que o considerava um inimigo; contudo, suas obras iniciais continuaram a
ser lidas inclusive em Roma926. O autor rompeu definitivamente com a estrutura da
Igreja Católica, mas continuou sua pregação cristã, para quem a verdade estava contida
completamente no cristianismo, aquele que emergia da voz do povo. Lamennais
sustentaria doravante que era esta voz, e não a teologia, ou o conhecimento acumulado
pelos estudiosos – ou a filosofia histórica que ela poderia constituir –, que levaria a
mensagem de libertação927. Em seus escritos levou o iluminismo católico francês às
suas consequências extremas, chegando mesmo a declarar-se socialista no fim da
vida928.
924
Apesar de afastado de Lamennais, Montalembert tornou-se deputado e prosseguiu até o fim da vida
como um liberal, defendendo principalmente a educação laica, plataforma básica do partido político
católico que décadas depois criaria (CHADWICK, 1998, p. 34). Toda sua pregação, a partir de seu
afastamento de Lamennais, passou a ser por uma Igreja livre em um Estado livre (HALES, 1954, p. 146).
925
A partir de 1834, Lacordaire aproximou-se do arcebispo de Paris, Hyacinthe-Louis de Quélen,
passando a defender a primazia do papa sobre toda a Igreja, assim como sua infalibilidade. Pouco depois
entrou para a ordem dos dominicanos. Também se aproximou do papa Gregório XVI, por quem foi
incumbido de criar mosteiros e seminários no interior da França. Em 1848 apoiou a revolução, e voltou a
defender ideais de um catolicismo liberal, distanciado-se novamente do papado (SCANNELL, 1910, s.p.).
926
CHADWICK, 1998, p. 31.
927
ARMENTEROS, 2014b, p. 157.
928
Idem, ibid., p. 147.
257
CAPÍTULO 3
929
As transformações nos Estados europeus ocorreram de forma absolutamente diversa em cada caso, não
havendo semelhanças imediatas entre eles. Contudo, apenas a título de caracterização do período, é
possível perceber linhas comuns entre essas transformações, todas elas indicando a adoção dos ideais
liberais do Iluminismo e da Revolução Francesa. Para detalhes das transformações em cada país ver
MARTINA, Storia della Chiesa da Lutero ai nostri giorni – L’età del liberalismo, v. 3, 2015.
258
O princípio da igualdade, apresentado na Déclaration nos artigos 1º, 6º e
930
13 , gradativamente decretou o fim de um sistema baseado nos privilégios, legais, de
classe e de sangue931. Os efeitos desse princípio se espraiaram sobre muitos aspectos da
vida civil, como desaparecimento dos privilégios econômicos e as isenções tributárias
às classes nobres e ao clero. A igualdade, que também estava impressa no Código Penal
francês de outubro de 1791, inspirado pelo iluminismo de Cesare Beccaria932 e
Montesquieu, e depois reproduzida no Código Penal napoleônico de 1810, expandiu-se
para outros países, mesmo aqueles que não enfrentaram as baionetas de Napoleão. A
nova lei penal pôs fim a todos os privilégios na punição de um crime, e estabeleceu que
todos, de forma equânime, devem saber de que estão sendo acusados. No serviço militar
e no recrutamento obrigatório também, ao menos em tese, deixou-se de privilegiar a
aristocracia. Na administração pública a igualdade também foi aplicada, na formação da
burocracia estatal e no processo de contratação de funcionários para os escritórios
públicos, e na abolição dos tribunais locais de exceção933.
930
Art. 1º – Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem
fundamentar-se na utilidade comum. [...]; Art. 6º – A lei é a expressão da vontade geral. Todos os
cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou por meio de mandatários, para a sua formação.
Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. [...]; Art. 13 – Para a manutenção
da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve
ser dividida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades [...].
931
Poucos dias antes da declaração, em 4 de agosto de 1789, a Assembleia Constituinte já havia decretado
o fim dos direitos e privilégios feudais dos nobres (MARTINA, 1995, p. 34).
932
Cesare Beccaria (1738-1794), aristocrata milanês, foi o principal representante do iluminismo penal e
da Escola Clássica do Direito Penal.
933
MARTINA, 1995, p. 34-35.
934
Art. 4º – A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique os outros: assim, o exercício
dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites para além daqueles que asseguram o gozo
desses mesmos direitos pelos outros membros da sociedade. Estes limites só podem ser determinados por
lei.
935
No Estado moderno o direito divino dos reis foi transferido para o direito do Estado, que passou a
exigir dos súditos fidelidade e lealdade (LASKI, 1917, p. 122).
259
não mais poderia ser preso, apenas nos casos previstos em lei936. As liberdades de
imprensa, opinião e religiosa937 passaram a ser garantidas por lei, e a censura,
suprimida; a divulgação e propaganda de uma religião tornaram-se livres de coação e
impedimento. No campo econômico, o exercício do princípio da liberdade pôs fim às
guildas e às corporações medievais, e a seus privilégios e monopólios, garantindo o
livre-comércio938. Mesmo cometendo excessos e derrotada no campo militar, a
Revolução Francesa pôs em ação mecanismos que materializaram juridicamente um
desenvolvimento econômico e social que já se processava há ao menos dois séculos. O
rápido desenvolvimento dos princípios iluministas e revolucionários nos países,
individualmente e com bastante rapidez, colocou fim no Antigo Regime, possibilitando
a criação de uma nova sociedade da burguesia que iria desempenhar o papel
predominante no século seguinte939.
936
Art. 9º – Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável
prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei.
937
Art. 10º – Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua
manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11 – A livre comunicação das
ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar,
escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos
na lei.
938
MARTINA, 1995, p. 34-36. Deve ser lembrado que os princípios de igualdade e de liberdade
interessavam de imediato à burguesia europeia, que enfrentava os privilégios do Antigo Regime como
uma limitação a sua expansão. Quanto aos trabalhadores, esses preceitos foram sendo, na prática,
conquistados lentamente por meio das lutas sociais ao longo dos séculos XIX e XX.
939
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 86.
940
No século XIX a Santa Sé estava endividada, e os Estados Pontifícios, em uma situação de
subdesenvolvimento. Os papas do século XVIII pagaram o preço de uma estratégia fixada no
territorialismo e pelos gastos impudentes para financiar a luta da Igreja da contrarreforma (VIAENE,
2012, p. 85).
260
confisco dos bens da Igreja na França, em novembro de 1789, seguiram-se outros ao
longo do século XIX941.
941
MARTINA, 1995, p. 41.
942
KITCHEN, 2006, p. 9.
943
MARTINA, 1995, p. 42.
944
DUFFY, 2014, p. 277.
261
Com a liberdade religiosa, os eclesiásticos passaram a gozar de plena liberdade no
exercício da sua missão religiosa, mas, ao mesmo tempo, foram sujeitos aos mesmos
direitos e às mesmas leis que o comum dos homens. Entre as prerrogativas perdidas
estava o foro eclesiástico, que ao longo do século XIX passou a ser visto como
sinônimo de injustiça945, e mesmo assim foi tenazmente defendido pela Igreja. A adoção
do casamento civil, uma relação contratual exclusiva do Estado, estava ligada à
liberdade religiosa, e trazia consigo o divórcio, absolutamente proscrito pelo Direito
Canônico946. As liberdades de imprensa e de opinião tiveram como efeito imediato o
abandono civil da censura eclesiástica, com a qual a Igreja persistia, mantendo
inalterados a censura prévia e o Index Librorum Prohibitorum947, que agora se limitava
apenas a seus fiéis.
945
O foro eclesiástico era um direito, garantido por leis e decretos reais, o qual, variando em cada reino
desde a Idade Média, determinava que, entre outras coisas, os religiosos não poderiam ser julgados por
juízes leigos, mas por seus pares em tribunais religiosos regidos pela lei canônica.
946
O divórcio era admitido na antiguidade pagã, persistindo na prática na legislação civil dos primeiros
séculos da Alta Idade Média. Passou a ser formalmente condenado após o ano 1000, com a afirmação do
Direito Canônico. Reapareceu com a Reforma Protestante nos Estados reformados (MARTINA, 1995, p.
69).
947
Idem, ibid., p. 70.
948
MENOZZI, 1997, p. 131.
262
a implantação de um projeto satânico que colocava em risco a própria sobrevivência da
fé cristã: foi precisamente a consideração do processo de secularização como um
projeto destrutivo descristianizante – e a consequente necessidade de dar-lhe uma
resposta adequada – que determinou as expressões típicas da Igreja dos séculos XIX e
XX949.
O Império Austríaco, que até 1805 fizera parte do Sacro Império Romano-
Germânico, era um imenso território no coração da Europa que englobava dentro de um
mesmo território populações italianas, alemãs, polonesas, eslavas, magiares, cujo
949
Idem, ibid., p. 132.
950
JÁSZI, 1929, p. 75.
263
sentimento separatista e nacionalista crescia estimulado pelo pensamento liberal
iluminista. Em meados do século XVIII, a imperatriz Maria Teresa, que governava em
conjunto com seu filho José II, começou a implantar um sistema de reformas políticas e
econômicas buscando acalmar as pressões internas952. Essas reformas foram totalmente
suspensas por seu filho Francisco I, que assumiu o trono após um breve período de
governo de seu tio Leopoldo II. Pouco mais de um mês após sua posse, em 20 de abril
de 1792, a Assembleia Legislativa francesa, comandada pelos girondinos, declarou
guerra à Áustria. As tropas francesas em menos de um ano, após alguns fracassos
iniciais, impuseram sucessivas derrotas contra a Áustria, até 1805, quando Napoleão
impôs a Francisco I o Tratado de Pressburg, enfraquecendo o império, que ficou
dividido entre a Áustria e os Estados germânicos organizados na Confederação do
Reno. Pressionado, o imperador passou a conduzir o império segundo a doutrina do
Machtstaat, estado de força, baseado na centralização militarista, burocratização, fim
das instituições liberais, repressão violenta aos movimentos nacionalistas no norte da
península italiana, nos Bálcãs e na Hungria. Em um país no qual ainda havia escravidão
dentro de suas fronteiras, foram eliminadas todas as fontes de um pensamento livre e a
crítica política com a ajuda de uma polícia violenta e do clericalismo, tornando o
império absolutamente incapaz de assimilar os postulados reais da época, para
introduzir aquelas reformas sem as quais nenhum Estado poderia existir na atmosfera
mais livre e democrática da Europa953. O imperador criou no país um sistema de
espionagem antiliberal, que mais tarde viria a se espalhar por todas as capitais
europeias, e atuaria em sintonia com Roma. O sistema, temeroso do fantasma da
revolução, ameaçava com a forca e com a prisão os patriotas sérios interessados no
benefício do país, e recompensava generosamente todo espião e trapaceiro, era uma
antítese diametral do que se poderia chamar de educação cívica razoável954. A arte e a
imprensa foram censuradas e os estudantes passaram a ser vigiados e perseguidos. Toda
a educação e a ciência foram colocadas a serviço da dinastia e do catolicismo, em uma
rígida aliança com o clericalismo. Não só eram perseguidas as ideias políticas, mas
951
GIGLIO, 1912, p. 15.
952
A imperatriz Maria Teresa, de Habsburgo, reinou entre 1740 e 1780, e seu filho José II entre 1765 e
1790. Ambos, apesar de católicos convictos, defendiam a reforma da Igreja para adaptá-la aos novos
tempos.
953
JÁSZI, 1929, p. 75.
954
Idem, ibid., p. 77.
264
também o veneno deísta, inspirado por filósofos como Immanuel Kant, Johann Fichte
(1762–1814) ou Friedrich Schelling (1775–1854), que negavam a revelação e buscavam
na razão o conhecimento do mundo. A religião, que já marcava de forma indelével a
política imperial, tornou-se ainda mais dominante quando o imperador casou-se com
sua terceira esposa, princesa Caroline Augusta, da Bavária, que levou para a corte um
grande número de jesuítas de Munique, os quais passaram a ocupar funções no
palácio955. Metternich entendia o papel dos jesuítas como uma defesa intransigente da
Igreja, uma arma salutar contra as invasões do espírito do erro, assim como seu
objetivo principal: a manutenção do trono e do altar, e o triunfo de ambos sobre seus
adversários956. Após a expulsão dos jesuítas da Rússia, a pedido do chanceler, o
governo austríaco permitiu que se instalassem em um antigo convento dominicano em
Lemberg, atualmente na Ucrânia957.
955
Em 1819, o casal imperial visitou o papa em Roma, selando definitivamente as influências
ultramontanas no governo. A nova imperatriz era absolutamente contrária ao Aufklárung (iluminismo),
tendo impedido a criação do ensino de jardim de infância temendo que se promovesse uma iluminação
excessiva entre as classes mais baixas. Ela costumava afirmar que preferia ser enforcada a contribuir com
algo para a tendência infeliz desse período instável (JÁSZI, 1929, p. 79).
956
METTERNICH, 1881c, p. 237-238.
957
Idem, ibid., p. 235.
958
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 105.
265
A Igreja Católica entendeu que esse era o momento de também buscar
reconstruir uma sociedade cristã, em oposição às tendências de secularização da vida
social e política; para o papado, para Roma, era impossível a reconstrução da sociedade
e da civilização europeia sem o fundamento que apenas a Igreja poderia dar. É
necessário distinguir a restauração monárquica de 1814, com as dinastias reivindicando
a volta aos tronos que ocupavam no século XVIII, de uma suposta restauração católica.
Para vários autores, após a queda de Napoleão, a Igreja Católica teria vivido um
processo de restauração, mas é preciso fazer ressalvas a essa visão. O retorno ao
momento imediatamente anterior à Revolução Francesa não teria como acontecer. O
Congresso de Viena restituiu à Igreja os Estados Pontifícios, contudo a secularização da
vida social e política ao longo dos anos revolucionários nunca foi desfeita. O
catolicismo que emergiu em 1815 ainda era a religião mais popular na Europa, com
cerca de 100 milhões de católicos contra 30 ou 40 milhões de protestantes, 40 milhões
de ortodoxos e 9 milhões de anglicanos959, porém a Igreja havia perdido seu poder
econômico, seu poder político, os antigos privilégios e sua influência. Mais de 60 por
cento viviam em três países – França, Espanha e Áustria –, que praticamente não
haviam vivido um processo de industrialização, e nos quais, apesar da urbanização, o
clero ainda apresentava os valores de suas congregações agrárias960. Regiões como a
Bélgica e a Polônia não eram independentes, e os católicos não tinham liberdade
religiosa.
959
GILLEY, 2006, p. 14.
960
Em 1815, a França contava com 28,5 milhões de católicos e 700 mil protestantes; a Espanha, 10
milhões de católicos, e no Império Austríaco Habsburgo havia 24 milhões de católicos, cerca de 80% da
população. Dos outros 40 milhões de católicos restantes, 14 milhões viviam nos sete estados italianos
independentes, três milhões em Portugal e mais três milhões na Bavária, e quatro milhões nos Países
Baixos, cerca de 60% da população. Outros 16 milhões constituíam minorias nos Estados não católicos:
quatro milhões na Prússia, um e meio milhão nos outros Estados alemães, quatro e meio na Irlanda, três
milhões na Rússia e Polônia, 750 mil na Suíça e 500 mil na Turquia (JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 85).
266
possuía muita influência em todo o continente. Contudo, após a vaga revolucionária,
toda a geopolítica europeia havia se transformado: as grandes potências no início do
século XIX passaram a ser Grã-Bretanha, Áustria, Prússia e Rússia, um poder católico
romano ante um poder ortodoxo e dois não católicos. França, derrotada, já não era
preponderante; Espanha deixara de ser potência ao perder seu império após o processo
de independência dos países da América. A Prússia incorporara os territórios
germânicos da Confederação do Reno, tornando-se ainda mais poderosa do que já era
no século XVIII; a Rússia, que não mantinha boas relações com Roma, ocidentalizara-
se, passando a intervir na política europeia; a Grã-Bretanha havia consolidado um novo
império. Polônia deixara de existir, submetida à Rússia961, e na Bélgica um rei
protestante holandês governava. Napoleão legara uma nova Europa na qual os
protestantes eram politicamente muito mais poderosos que os católicos. O papado
contava apenas com o apoio incondicional da conservadora Áustria; Roma possuía
menos influência que Londres ou Berlim962.
961
Entre 1772 e 1795 a Polônia foi dividida entre a Prússia, a Áustria e o Império Russo, sendo este
último o mais violento. A população grega ortodoxa da Polônia forneceu aos russos um pretexto
duradouro para intervir na Polônia como força de proteção religiosa. Repnin [Nikolai Vasilyevich
Repnin (1734–1801), o emissário russo, dirigiu a Polônia quase como governador-geral: sob sua
vigilância imediata realizavam-se as sessões da Assembleia Nacional da Polônia. Deputados
considerados indesejáveis foram levados para a Sibéria. A Polônia decaiu para o status de província
russa. Sangrentas guerras civis, provocadas pela Rússia, tiveram como consequência a contínua
intensificação do controle russo (KOSELLECK, 2006, p. 33).
962
CHADWICK, 1981, p. 535-536.
963
Em suas memórias, editadas em 1879 por seu filho, Metternich apresentou o verdadeiro objetivo do
Congresso de Viena: As grandes frases de “reconstrução da ordem social”, de “regeneração do sistema
político da Europa”, de “paz duradoura”, etc., estavam sendo usadas para tranquilizar os povos e dar a
este solene encontro um ar de dignidade e grandeza; mas o verdadeiro objetivo do Congresso era
compartilhar entre os vencedores os despojos tirados dos vencidos (METTERNICH, 1881a, p. 474).
964
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 104.
267
Pio VII ao imperador, assim como a atuação do cardeal Ercole Consalvi, negociados na
Concordata de 1801 com a França e o secretário de estado de Pio VII entre 1814 e 1823,
como negociador papal na conferência, tiveram importante peso para a devolução dos
Estados Pontifícios à administração de Roma; a região de Avignon, o Comtat Venaissin,
não foi devolvida, permanecendo com parte do território francês. Durante as
negociações Consalvi buscou melhorar as relações entre a Santa Sé e as duas grandes
potências não católicas vitoriosas das guerras napoleônicas, Inglaterra e Rússia,
tentando limitar a influência da Áustria na península italiana, ciente do efeito dessa
influência no nacionalismo italiano. A fixação de uma forte presença papal no centro da
península italiana, com um território cortando a região de leste a oeste, era uma arma
contra o monopólio austríaco na região, e também, mais tarde, viria a ser um problema
para a unificação italiana965. Consalvi acreditava que a adoção pura e simples do sistema
de poder de Metternich, fortalecendo o poder do Império Austríaco, isolando Inglaterra
e Rússia, na verdade colocaria em risco a estabilidade da Igreja nos Estados
Pontifícios966.
965
DUFFY, 2014, p. 272.
966
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 93.
268
comunidades locais passaram a ter governos autônomos967. Ao contrário, os arredores
de Roma, que sempre estiveram sob o controle do papado, eram governados por padres,
sem espaço para eleições ou administradores leigos. O cardeal Consalvi havia se
comprometido em manter as inovações nas legações reincorporadas, desde que fossem
compatíveis com o Direito Canônico968. A promessa de modernização não foi cumprida.
Uma comissão administrativa provisória, ainda durante as atividades do Congresso,
chefiada pelo ainda arcebispo e depois cardeal Agostino Rivaròla (1758–1842), após
tomar posse em maio de 1814, eliminou toda a administração francesa, restaurando a
velha burocracia e a lei feudal dos barões, uma ocorrência única na Europa Ocidental969.
Consalvi protestou contra a medida, que colidia com o que ainda estava negociando em
Viena, que somente terminaria com o acordo assinado em julho de 1816.
967
Em um protesto, apresentado ao Congresso de Viena pelo cardeal Consalvi em junho de 1815, o papa
Pio VII lamentou que algumas de suas principais reivindicações não foram atendidas: Os principados
eclesiásticos [germânicos], que foram destruídos pela violência revolucionária [...], não foram
reintegrados e foram atribuídos a diferentes príncipes seculares católicos e não católicos. Os bens
eclesiásticos [...] foram deixados em parte para os novos proprietários [...]. O Santo Império Romano,
centro de sintonia política, uma venerável obra da antiguidade, consagrada pelo augusto caráter da
religião, e cuja destruição havia sido a mais desastrosa derrota imposta pela revolução, não ressuscitou
de suas ruínas (MARTENS, 1887, p. 478-480, e LATREILLE, 1906, p. xiii).
968
DUFFY, 2014, p. 277.
969
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 100.
970
A censura aos livros imposta pelo Index não era aplicada na França nos séculos XVII e XVIII, durante
o auge do galicanismo. Em 1647 uma decisão do Parlamento francês decidiu não reconhecer a autoridade,
o poder, nem a jurisdição das congregações romanas em território francês. Segundo a argumentação do
então advogado-geral Orner Talon (1595–1652), o papa pode estabelecê-la [censura] como achar
conveniente em seus Estados; mas os decretos dessas congregações não têm autoridade nem execução no
reino [...] nestas congregações os livros proibidos são censurados [em número que] aumenta a cada ano
[...] livros que dizem respeito à preservação da pessoa de nossos reis e ao exercício da justiça real foram
censurados (DUPIN, 1845, p. i, Avertissement).
971
CHADWICK, 1981, p. 552. Uma nova congregação criada pelo papa Pio VII foi Congregação para
Assuntos Extraordinários da Igreja, para atender emergências da Igreja, como uma revolução, e para
supervisionar a reconstrução após as guerras napoleônicas. Foi reativada a Congregação do Concílio para
supervisionar a aplicação das reformas do Concílio de Trento. Na história da Cúria Romana, o pontificado
de Pio VII ocupa um lugar notável na medida em que buscou intervir no funcionamento da Cúria, não por
269
destruído grande parte da estrutura da Igreja antes de 1789, e muito não fora
reorganizado. Instituições que limitavam a autoridade do papado sobre a estrutura da
Igreja, como capítulos de catedrais972 e bispos-príncipes no extinto Sacro Império
Romano, desapareceram em meio à onda revolucionária. Pio VII, em 1814, emitiu a
bula Sollicitudo omnium ecclesiarum, autorizando a reconstrução de antigas ordens
religiosas que praticamente haviam desaparecido, especialmente a Companhia de Jesus.
Em 1773, havia cerca de 20 mil jesuítas; seis anos após sua recriação o número não
passava de dois mil. O papa devolveu aos jesuítas seus antigos privilégios, inclusive
colocando-os novamente no comando do Colégio Romano. Para muitos cardeais
conservadores, os jesuítas representavam um símbolo de um passado glorioso, e os
principais adversários do jansenismo e do galicanismo973.
meio de uma reforma das instituições já existentes, mas pela criação de novas (JEDIN; DOLAN, 1981ª, p.
107).
972
O capítulo de catedral, ou cabido, era um órgão colegiado dentro de uma diocese com autoridade para
tomar decisões, que auxiliava a administração e o governo da diocese, assumindo sua a jurisdição
ordinária quando da morte do bispo ou de seu afastamento sem substituição imediata. O termo é derivado
do uso monástico inicial designando a sala na qual os monges se reuniam para ler (FANNING, 1913,
s.p.).
973
CHADWICK, 1981, p. 591-596.
974
Entre outras, a Igreja Católica assinou concordatas com a Sardenha em 1817, com o Reino de Nápoles
em 1818, com a Bélgica em 1827, duas com a Suíça, em 1828 e 1845, com as duas Sicílias em 1834. A
despeito dessa aproximação com as monarquias europeias, a Igreja apoiou as revoluções coloniais na
América, especialmente na Colômbia e no México (DUFFY, 2014, p. 274-275).
975
CHADWICK, 1981, p. 539.
976
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 106.
270
da Igreja às monarquias restauradas, dentro do que foi chamado de princípio de
legitimidade977.
Ao mesmo tempo, aliado à reação, o papa Pio VII tentou obter o apoio das
autoridades políticas para impor o Direito Canônico sobre setores considerados
fundamentais da vida social – casamento, educação e assistência – assim como à volta
das imunidades eclesiásticas do Antigo Regime978. Mas as concordatas também foram
assinadas seguindo os interesses austríacos. Em 1816, Consalvi comprometeu-se com
Metternich a realizar tratativas como os soberanos dos reinos germânicos, garantindo a
presença e o funcionamento da Igreja Católica livre nesses Estados, seguindo a direção
e o sentido apontados pelos interesses austríacos na região. Em um relatório ao
imperador Francisco I, em 5 de abril de 1816, Metternich escreveu: em minha opinião,
devemos fazer a Alemanha aceitar uma constituição eclesiástica e admitir princípios
que são nossos, sem que pareçamos querer impor nossos princípios à Alemanha [...] eu
consideraria muito preferível poder conhecer os pontos de vista de algum distinto
clérigo da Alemanha, a quem poderíamos com segurança deixar a iniciativa da
organização, em vez de tomá-la por nós mesmos. E continuou: é importante chegar a
uma concordata com a Santa Sé para todos os Estados da Confederação Germânica,
[...] no entanto, se os tribunais alemães cometessem o erro de não admitir o princípio
de uma concordata única restaria outra solução, a das concordatas separadas, mas,
ainda assim, baseadas em princípios uniformes979.
977
HALES, 1960, p. 75.
978
MENOZZI, 1997, p. 142.
979
METTERNICH, 1881b, p. 3-4. As negociações conjuntas fracassaram. Entre 1817 e 1830, Roma
assinou concordatas separadas com vários Estados que mais tarde iriam formar a Confederação
Germânica: em 1817 com a Baviera, em 1821 e em 1827 com os Estados que formavam a província
eclesiástica da Confederação do Reno, em 1824 com Hanover, em 1827 com a Saxônia, em 1830 com
Gnesen, hoje na Polônia (idem, ibid., p. 5).
271
administração do clero nos território de Veneza e da antiga República de Ragusa980, que
foram incorporadas à Áustria após a queda de Napoleão. Após as negociações sigilosas
do chanceler com Consalvi, ficou acertado que o papa renunciaria ao direito de nomear
os bispos nas regiões, aceitando as indicações do imperador; também, em maio de 1818,
foi assinada a bula De Salute Dominici Gregis, reconhecendo o direito perpétuo de
Francisco I, assim como o de seus descendentes, para nomear o patriarca de Veneza,
bem como todos os arcebispos e bispos em todas as antigas repúblicas de Veneza e
Ragusa. Ainda ficou acertado que os bispos da região estavam desobrigados de ir a
Roma para a confirmação, o que era exigido a todos os bispos italianos. O papa também
abriu mão de qualquer influência nos domínios temporais austríacos na península
italiana, incluindo seminários e instituições de caridade, bens móveis ou imóveis e seus
rendimentos981.
980
Ragusa era uma república marítima aristocrática no leste do Mar Adriático, correspondendo hoje ao
território da Croácia, que existiu entre 1358 e 1808, quando foi invadida pelas tropas francesas de
Napoleão. Após a restauração monárquica tornou-se parte do Império Austro-Húngaro.
981
METTERNICH, 1881b, p. 98-101.
982
O pensamento conservador pós-revolucionário defendia que 1789 havia sido um movimento ateísta, e
que a restauração deveria reverter seus feitos. Assim se exigia recristianização, com a restituição dos
privilégios, da riqueza e da influência da Igreja Católica (DAVIES, 2002, p. 52).
983
MENOZZI, 1997, p. 143.
272
conservador entre os católicos, eles apenas vocalizaram e deram algum brilho
intelectual ao pensamento ultraconservador e contrarrevolucionário, àquilo que já estava
presente e vivo nos corredores da Santa Sé.
984
MARTINA, 1995, p. 228.
985
O termo conclave (com chave) originou-se durante o processo de escolha do papa Gregório X, que
demorou cerca de três anos; o conclave que o elegeu foi o mais longo da história da Igreja, em virtude da
incapacidade das facções francesas e italianas de chegarem a um acordo sobre um candidato adequado. A
população de Viterbo, nas cercanias de Roma, onde se realizava a assembleia, trancou os cardeais,
removeu o telhado do local e ameaçou deixá-los sem comida, só autorizando sua saída após a escolha do
novo papa em setembro de 1271 (SHEPPARD, 2003, v. 6, p. 498).
986
BAUMGARTEN, 2003, p. 179.
273
Francisco I, que queriam que o papa favorecesse a Áustria, porque representava de
maneira sólida o Antigo Regime, mas também porque desejavam a consolidação do
domínio do império sobre o norte da península. Em 1797, Pio VI assinara com
Napoleão o Tratado de Tolentino, que entre outras coisas garantia a presença francesa
na região, ocupada por suas tropas no início da revolução987. Francisco I desejava que o
novo papa não efetivasse o tratado, e dispunha o poder de veto do jus exclusivae contra
qualquer nome que o defendesse. O segundo grupo eram os zelanti, conservadores que
pretendiam reconstruir a Europa ou pelo menos a Igreja Católica exatamente como
existia em 1789, e não aceitavam a perda dos territórios papais. A princípio, o grupo
manteve-se estritamente afastado de qualquer facção política. Por último, estavam os
liberali, cardeais que, apesar de conservadores, queriam um papa disposto a fazer
alguma acomodação com a Revolução Francesa e Napoleão. O nome do cardeal
Barnaba Chiaramonti fora proposto por Consalvi, ainda arcebispo, que secretariava o
conclave, como uma solução que acomodou os zelanti e os liberali: ele era parente do
falecido Pio VI, ocupara cargos importantes em seu papado, era relativamente jovem,
com 58 anos, e não se definira claramente por nenhuma das facções. O cardeal František
Herzan (1735–1804), representante direto de Francisco I, ainda tentou vetar o nome de
Barnaba Chiaramonti, mas não conseguiu. O imperador austríaco, desgostoso com a
escolha, recusou que o novo papa usasse a Catedral de São Marcos, em Veneza, para
sua entronização988.
987
O Comtat Venaissin, um enclave no território francês ao redor da cidade de Avignon, fazia parte dos
Estados Pontifícios desde 1274 – também compreendia a região da cidade de Valréas –, e que fora
comprado pelo Papa João XXII. O controle papal durou até 1791, quando foi anexado ao território
francês.
274
Pontifícios, apesar de seus esforços para reformar o Estado, não conseguiu construir
uma forma de governo capaz de manter sob controle os setores mais reacionários. Roma
vivia um cabo de guerra entre as duas forças que haviam ficado praticamente em
silêncio por quase uma década989.
988
PIRIE, 1936, p. 294-298; BAUMGARTEN, 2003, p. 183-184.
989
WOODWARD, 1963, p. 98.
990
PIRIE, 1936, p. 303.
991
BAUMGARTEN, 2003, p. 186.
992
PIRIE, 1936, p. 304.
275
mais moderadas, mas também por ele, como medida de economia, ter cortado parte da
renda dos cardeais.
Nos anos seguintes à restauração do papado, em 1814, o papa Pio VII criou
novos 58 novos cardeais; todos, com exceção de apenas um, eram filhos de duques,
marqueses, condes, viscondes e barões, sendo que cinco eram príncipes – Stanislao
Sanseverino (1764–1826), Emmanuele de Gregorio (1758–1839), Giorgio Doria
Pamphilj (1772–1837), Carlo Odescalchi (1785–1841) e Tommaso Sforza (1782–1857),
sendo que os três últimos tornaram-se cardeais com menos de 45 anos. Nobre também
era Rudolf Habsburg-Lotharingen (1788–1831), irmão do imperador Francisco I da
Áustria, que se tornou cardeal com apenas 31 anos, como uma forma de melhorar as
relações do papa com o império. O único não aristocrata era o espanhol Francisco
Gardoqui Arriquíbar (1747–1820), filho de uma família de banqueiros e industriais.
Muitos eram parentes de cardeais, como Tiberio Pacca (1786–1837), sobrinho do
influente Bartolomeo Pacca. Cerca da metade dos novos cardeais, 28 deles, havia
sofrido algum tipo de perda, agressão ou violência durante o período revolucionário e o
governo de Napoleão, e seriam aqueles que assumiriam no futuro as posições mais
conservadoras dentro do cardinalato. A maior parte daqueles que estavam em Roma em
uma das invasões francesas – 1798 e 1808 – foi presa por recusar-se a fazer juramento
de lealdade ao imperador francês, e permaneceram encarcerados por anos, libertados
apenas após a queda de Napoleão. O cardeal Francesco Serlupi (1755–1828) quase
morreu de fome em uma prisão na Córsega. Fabrizio Turriozzi (1755–1826) e Antonio
Maria Frosini (1751–1834) foram obrigados a abandonar o cargo de governador que
exerciam em duas comunas dos Estados Pontifícios e exilar-se. Lorenzo Caleppi (1741–
1817), refugiado em Portugal, fugiu para o Brasil juntamente com a família real em
1808. Os franceses Alexandre Talleyrand-Périgord (1736–1821), César-Guillaume de la
Luzerne (1738–1821) Louis-François de Bausset-Roquefort (1748–1824), Anne-
Antoine-Jules de Clermont-Tonnerre (1749–1830) e Anne-Louis-Henri de la Fare
(1752–1829) recusaram-se a fazer o juramento de lealdade à Constitution Civile du
Clergé em 1790, e precisaram partir rapidamente para o exílio. La Fare, que fora
encarregado por Luís XVIII, também exilado, de representar os refugiados franceses
276
perante o governo da Áustria, adquiriu a cidadania austríaca, abandonando a francesa
em protesto. A maior parte desses cardeais conservadores foi nomeada nos dois
consistórios de 1816, em março e setembro993. Da mesma forma, os cardeais mais
idosos foram formados nesse ano; 17 deles morreram antes do papa Pio VII, sendo que
três – Camillo de Simone (1737–1817), Antonio Lante (1737–1817), ambos com 79
anos, e Lorenzo Caleppi (1741–1817) com 75 – morreram no ano seguinte à elevação.
Também nas listas de 1816 estavam dois futuros papas: Annibale Della Genga (1760–
1829), Leão XII, e Francesco Saverio Castiglioni (1761–1830), Pio VIII994.
A morte de Pio VII encontrou seu braço direito, o cardeal Consalvi, como
prefeito da Congregação para a Propagação da Fé; ele estava com 65 anos, doente e
muito cansado dos embates com os conservadores, e com pouco apoio entre os cardeais
eleitores. Nos últimos anos ele também havia antagonizado o governo austríaco em
razão da sua política hostil em relação à Santa Sé. Consalvi lutara persistentemente para
evitar a absoluta hegemonia austríaca na península italiana, o que o indispôs com os
cardeais simpáticos ao imperador Francisco I. Consalvi esperava algum apoio de
diplomatas de outros países, mas esse nunca veio; Roma, que sabidamente estava sob a
influência austríaca, era considerada pelas várias cortes europeias como um cargo de
importância secundária, pelo qual não valia a pena esforçar-se995. O cardeal estava
muito doente – morreria no ano seguinte – e não tinha nem condições de indicar um
nome, como fizera quando da eleição de Pio VII.s
993
Consistório é uma assembleia solene de todos os cardeais presentes em Roma, presidida pelo papa,
para tratar de alguns dos assuntos mais graves relativos ao governo da Igreja universal. O nome teve
origem no Império Romano, para designar uma reunião entre o imperador e seus principais conselheiros.
Podem ser públicos, para tratar de questões gerias da Igreja, ou secretos, convocados pelo papa quando
ele deseja criar novos cardeais, aceitar suas demissões, anunciar um Ano Santo, nomear bispos e
determinar se um servo de Deus, já beato, deve ser canonizado (VAN LIERDE, 2003, v. 4, p. 465-466).
994
MIRANDA, 2021, s.p.
995
PIRIE, 1936, p. 305.
277
Em uma carta ao conde Anton Apponyi, diplomata austríaco, Metternich
deu instruções sobre sua atuação como embaixador extraordinário no conclave. O papa
Pio VII havia defendido os interesses em geral e os nossos em particular [assim] só
podemos lamentar sinceramente a sua perda, [...] devendo Vossa Excelência reforçar
adequadamente a cor desta parte de seu discurso. As qualidades pessoais de Pio VII, a
fé viva e a coragem inabalável que desabrochou em meio às adversidades e às
perseguições996. O conde deveria deixar claro o testemunho do imperador Francisco I
de seu respeito filial pela Igreja e pela Santa Sé, de proteger a liberdade dos sufrágios
dos cardeais eleitores e de contribuir com os concílios e as exortações que ele
encarregou de lhes dirigir em seu nome, de fixar sua escolha no indivíduo mais digno
da tiara. O embaixador deveria atuar juntamente com o cardeal Giuseppe Albani(1750–
1834) para garantir que pessoa virtuosa ascenda ao trono papal, agregando à piedade
iluminada um caráter conciliador e princípios moderados, e finalmente, por todas as
suas qualidades, pode estar à altura das circunstâncias graves e difíceis em que se
encontre chamado a assumir as rédeas do governo espiritual da Igreja e dos seus
Estados997. Cabendo ao embaixador a única tarefa de assegurar que qualquer cardeal
que não tenha as qualidades designadas acima seja removido do papado, e de ajudar,
pelo contrário, com todas as suas forças e por todos os meios honestos e dignos de tal
fim nobre, a exaltação de um ou outro dos cardeais que unem essas qualidades, e
especialmente daquele que parecer a você uni-los no grau mais eminente. Metternich
também recomendou que Apponyi atuasse em conjunto com os embaixadores da Santa
Aliança:mas gosto de pensar que não precisamos de temer que as coisas tomem um
rumo tão infeliz, especialmente se as Coroas concordarem em instruir os seus
respectivos plenipotenciários para se consultarem uns aos outros, a fim de impedir,
através da exclusão indireta, a eleição de qualquer candidato que, segundo o seu
julgamento comum, não tenha as qualidades necessárias para ser papa998.
996
Todas as referências a seguir foram tiradas do documento de Metternich ao embaixador Anton
Apponyi (METTERNICH, 1881c, p. 57-61).
997
Idem, ibid., p. 59.
998
Idem, ibid., p. 61.
278
Os 49 votantes reuniram-se no conclave em 2 de setembro de 1823,
imediatamente assumindo suas posições como pró e anti-Consalvi. Os cardeais já não se
reuniam como um corpo de aristocratas, como fora durante os séculos XVII e XVIII;
um elemento plebeu já se fazia sentir, com menos formalismo e menos ostentação. O
conclave repetia a fórmula do anterior: os austriaci, que tinham votos suficientes para
impedir qualquer nome, segundo os interesses do imperador Francisco I. Os zelanti
representavam pouco mais da metade do Colégio de Cardeais. Por sua vez, os
moderados eram minoritários, e viam com pouca esperança em fazer um papa: seus
candidatos eram rechaçados pelos dois grupos extremamente conservadores. Um dos
nomes bem cotados era o do cardeal Francesco Castiglioni, também muito próximo do
papa falecido, mas, durante o conclave, descobriu-se que era o candidato de Consalvi,
sendo imediatamente descartado999. Castiglioni, em março de 1829, seria eleito como o
papa Pio VIII.
999
A descoberta ocorreu de forma um tanto curiosa: o cardeal zelante Antonio Pallotta (1770–1834), que
chegara ao cardinalato poucos meses antes da morte de Pio VII, ao contar os votos, reconheceu a
caligrafia de Consalvi em uma cédula com o nome de Castiglioni, denunciando-o ao restante do conclave
e anulando as chances do cardeal (PIRIE, 1936, p. 306; BAUMGARTEN, 2003, 187).
1000
O grupo clandestino Carbonari surgira durante as guerras napoleônicas, e seu principal objetivo era
derrotar os governos autocráticos nos reinos italianos, estabelecendo um único e centralizado governo
constitucional. Os carbonari defendiam o fim dos Estados Pontifícios e a unificação da Itália. Muito
numerosos no Reino de Nápoles, tentaram rebeliões fracassadas em 1820 e 1821. Em setembro de 1821, o
papa Pio VII publicou a bula Ecclesiam a Jesu (igreja de Jesus), condenando expressamente o Carbonari
como uma sociedade secreta maçônica, e excomungando seus membros. Em 1830 e 1831 tentaram
promover levantes nos Estados Pontifícios, que foram esmagados por tropas austríacas e francesas, o que,
de certa forma, representou o fim da capacidade de organização do grupo (REINERMAN, 1968, p. 55-69;
HALES, 1954, p. 24).
279
Francisco I, exercendo o jus exclusivae1001. Em seguida os conservadores apresentaram
o nome do cardeal Annibale della Genga, também um zelanti, nomeado em março 1816,
que foi eleito papa em 28 de setembro de 1823, sob o nome de Leão XII, com
exatamente os dois terços exigidos, a menor margem de vitória em 400 anos. Durante
todo o seu pontificado, entre 1823 e 1829, esteve doente, afastando-se de suas funções
diversas vezes1002.
O papa Leão XII foi rápido em vingar as injúrias sofridas pelo cardeal Della
Genga; uma de suas primeiras medidas foi demitir o cardeal Consalvi, que o havia
dispensado do serviço diplomático papal durante as negociações do Congresso de
Viena, quando ainda era o arcebispo Annibale della Genga. Consalvi o considerava
demasiadamente arcaico por defender um regime mais forte e conservador para os
Estados Pontifícios1003. O papa foi apoiado pelos conservadores, que consideravam o
trabalho do cardeal uma espécie de jacobinismo filosófico1004; contudo, a medida
desagradou aos clérigos moderados, levando-os à clandestinidade e a uma aproximação
com as sociedades secretas, que estavam em franco crescimento, especialmente o grupo
Carbonari1005. O espírito de moderação controlada que prevalecia sob a atuação de
Consalvi foi substituído por um estado policial puritano, que buscava governar a vida
diária por meio da espionagem, que perseguiu e reprimiu os movimentos nacionalistas
italianos com métodos brutais1006. Para tanto, contou com os trabalhos de Tommaso
Bernetti (1779–1852), sobrinho do cardeal Cesare Brancadoro (1755–1837), que exercia
as funções de governador de Roma, mesmo não sendo ordenado; tornado cardeal em
1826, passou a responder pela Congregação para os Militares1007. Bernetti foi o primeiro
1001
Jus exclusivae (direito de exclusão), também conhecido como veto papal, era um direito reivindicado
por monarcas católicos da Europa – França, Espanha, Sacro Império Romano-Germânico e depois a
Áustria – de vetar um candidato ao papado. Era exercido por intermédio de um cardeal especificamente
designado para isso. O direito nunca foi formalmente reconhecido, nem proibido; algumas bulas papais
apenas ordenaram que os cardeais não elegessem um papa sem deferência ao poder secular. O jus
exclusivae só foi oficialmente proibido pela constituição apostólica In hac sublimi em agosto de 1871,
pelo papa Pio IX (SÄGMÜLLER, 1909, s.p.).
1002
PIRIE, 1936, p. 307.
1003
DUFFY, 2014, p. 278.
1004
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 101.
1005
GILLEEY; STANLEY, 2006, p. 15.
1006
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 103.
1007
CHAMBERS, 2006, p. 182-183.
280
chefe de polícia do Estado papal restaurado, e o responsável pela repressão policial,
atividade que atingiria o apogeu durante o papado de Gregório XVI (1831–1846)1008.
Para a luta contra as sociedades secretas foram chamados os jesuítas; como
compensação pela perda de propriedades confiscadas por seus antecessores, ele
concedeu à Companhia de Jesus importantes doações e vários edifícios em Roma, entre
outros o Colégio Romano e a Igreja de Santo Inácio; também lhes deu incentivos e
facilidade para prosseguir seus projetos educacionais, sendo que detinham o monopólio
das mensalidades escolares nos Estados Pontifícios1009.
1008
CHADWICK, 1998, p. 9.
1009
PIRIE, 1936, p. 308.
1010
Consalvi teria exercido as funções de cardeal secretário de estado aberto às mudanças ocorridas no
último quarto de século na Europa, disposto a aceitar a perda de muitas formas concretas do Antigo
Regime e a reconhecer a utilidade de uma separação clara entre as esferas de interesse eclesiástica e
secular (JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 92).
1011
Idem, ibid., p. 90.
281
governamental e sem interferência no exercício de sua doutrina e de sua missão
apostólica. Boa parte do grupo era mais velha, com muitos de seus representantes tendo
sofrido consequências da agitação revolucionária. Estavam amarrados aos antigos
costumes e privilégios, e confiavam mais no poder e na força do que nas admoestações
e no pacífico poder da clemência e da tolerância1012. Para eles, o espírito liberal era
uma continuidade dos princípios, heréticos, da Reforma Protestante. Desejavam moldar
a sociedade pelo poder eclesiástico, que fora dado diretamente por Deus e superior ao
poder dos príncipes, mesmo aqueles católicos. Intransigentes, consideravam os
moderados, também chamados de maçons, traidores da religião, não hesitando em
advogar o uso de instituições leigas, da imprensa católica, de instrumentos de força,
inclusive policiais para a restauração de uma sociedade plenamente cristã1013. Leão XII
fez uma clara opção pelo grupo mais conservador ao escolher o cardeal Giulio Maria
della Somaglia (1744–1830) como seu secretário de estado; o decano do Colégio dos
Cardeais, um homem do século XVIII, intransigente contra qualquer reforma, vivera
intensamente as mazelas da Revolução Francesa e das guerras napoleônicas, fora preso
algumas vezes e em duas ocasiões tivera de fugir de Roma1014. O papa também era
muito próximo e influenciado pelo cardeal Pacca, com quem mantinha longa amizade.
Formado em escola jesuítica, o cardeal fora núncio apostólico em Colônia, na Renânia,
posto que teve de abandonar em razão dos atritos com os religiosos ligados ao
febronianismo. Também fora núncio em Paris quando da morte de Luís XVI, à qual
assistiu; opusera-se à Concordata de 1801, mantendo um contato com os bispos do
Antigo Regime que recusaram a submissão a ela. Em 1809 fora levado preso para a
França juntamente com o papa Pio VII, podendo voltar para Roma somente após a
queda de Napoleão. Participou do Congresso de Viena como procurador de estado, mas
foi afastado por Consalvi, quando este passou a comandar as negociações; Pacca
defendia uma política de restauração da antiga ordem centrada no papado, e não nos
governos, ao contrário do que estava construindo Metternich com a Santa Aliança1015.
1012
Idem, ibid.
1013
Idem, ibid., p. 90-91.
1014
Idem, ibid., p. 96; CASEY, 2003, v. 4, p. 632.
1015
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 97; LEFLON, 2003, v. 10, p. 739.
282
Também influente era o padre Gioacchino Ventura, barão de Raulica (1792–
1861), que impressionara o futuro papa Leão XII com a oração fúnebre de Pio VII, um
herói cristão, que no início do século XIX, reparou as perdas, e vingou os ultrajes que o
cristianismo sofreu no século XVIII [e] com sua mansidão expandiu muito o império, e
aumentou singularmente a glória1016. Ventura era jesuíta e posteriormente entrou para a
ordem dos Clérigos Regulares da Divina Providência, mais conhecida como Teatinos ou
Caetanos, chegando a ser seu superior. Admirador do pensamento católico reacionário e
contrarrevolucionário, traduziu para o italiano obras de Bonald, Maistre e Lamennais,
com quem mantinha correspondência frequente, e de quem se distanciaria após as
punições impostas pelo papa Gregório XVI. Mais tarde, Ventura também se tornaria
amigo e conselheiro de Pio IX.
1016
VENTURA DE RAULICA, 1824, p. 7.
1017
DUDON, 1911, p. 26.
1018
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 98.
283
Inquisição Romana1019, também dirigida pelo cardeal Giulio Somaglia, restaurando a
marca da infâmia, com a obrigação do uso do sambenito1020 por todos que fossem
punidos de alguma forma pela Inquisição. Buscando impor um modo de vida mais
rígido nos Estados Pontifícios, tornou-se impopular obrigando os súditos a observarem
infindáveis regras e regulamentos relativos a assuntos públicos e privados1021. Opôs-se à
introdução das ferrovias e da iluminação a gás nos territórios da Igreja, proibiu a valsa e
determinou a prisão daqueles que não respeitassem o domingo, assim como para quem
gritasse ou vaiasse nos teatros; proibiu a vacinação contra a varíola. Proibiu que as
costureiras fizessem vestidos curtos ou transparentes; a punição poderia ser a
excomunhão. As mulheres foram proibidas de ter bens, devendo vendê-los ou doá-los.
Foi instituído um sistema de denúncias anônimas. Segundo o pensamento conservador
da cúpula da Igreja, mesmo as inovações inocentes poderiam ser muito perigosas:
ferrovias facilitavam a comunicação, e com ela a infiltração de ideias liberais; a
iluminação a gás, por sua vez, permitiria que as pessoas reunissem-se durante a noite,
tramando golpes e revoluções; festas pagãs e corpos expostos abriam caminho para a
licenciosidade1022. Leão XII também exerceu uma política antissemita nos territórios da
Igreja, com a proibição de atividades comerciais entre os católicos e os judeus, que
foram obrigados a voltar a morar nos guetos, cercados por muros que eram fechados
durante a noite, trancados com cadeados1023; os judeus mais ricos foram forçados a
emigrar1024.
1019
Idem, ibid., p. 95.
1020
O sambenito era uma peça de vestuário penitencial que era usada especialmente durante a Inquisição
medieval. Era semelhante a um escapulário com cores diferentes para cada tipo de punição. A palavra
teve origem na Espanha, derivada de San Benito.
1021
PIRIE, 1936, p. 308.
1022
MARTINA, 1995, p. 162.
1023
O’MALLEY, 2010a, p. 239. Sob a alegação de que os judeus haviam colaborado com as tropas
napoleônicas durante a invasão da península italiana, durante o papado de Leão XII todas as modestas
medidas de tolerância de seus antecessores com relação aos judeus, nos Estados Pontifícios, foram
canceladas (KERTZER, 1997, p. 18, e-book).
284
restrições religiosas e econômicas aos judeus nos Estados Pontifícios. A bula renovou a
legislação antijudaica já existente, sujeitando os judeus à degradação da vida e à
restrição da liberdade pessoal: criou o gueto em Roma e nas principais cidades dos
estados, exigindo que toda a comunidade passasse a morar neles; foram obrigados a
usar roupas e chapéus amarelos que os diferenciassem e a assistir aos sermões católicos
obrigatórios durante o shabbat judaico; foi proibido que tivessem empregados cristãos,
assim como manter propriedades em seus nomes; também estavam proibidos de
trabalhar aos domingos; somente poderiam comunicar-se em latim ou italiano, e as
únicas atividades permitidas eram os trabalhos não qualificados, como vendedores de
tecidos de segunda mão, peixeiros e prestamistas de penhores; a nenhum cristão era
permitido frequentar suas casas, e todos os atos de tolerância, promulgados por atos
anteriores da Igreja, ficavam revogados1025. Restritos aos guetos, desenvolveram uma
vida comunitária isolada, com suas próprias instituições, com seus ritos, sinagogas,
rabinos e líderes1026.
Um novo código foi elaborado por uma comissão encabeçada por Belisario
Cristaldi (1764–1831), que em 1826 se tornaria cardeal; a nova lei penal aboliu os
tribunais civis, permitindo a execução sumária dos ladrões1027. A encíclica Ubi primum
(1824)1028 e a constituição apostólica Quo graviora (1826)1029 atacaram as reformas
1024
Sobre o antissemitismo da Igreja Católica, ver KERTZER, David I. The popes against the jews: the
Vatican’s role in the rise of modern anti-semitism, 1997.
1025
PAULO IV, bula Cum nimis absurdum (1555). O nome reproduzia a primeira frase da bula: Por ser
absurdo, sem sentido e impróprio estar em uma situação em que a piedade cristã permite aos judeus
(cuja culpa – tudo por sua própria culpa – os condenou à escravidão eterna) acesso à nossa sociedade e
até mesmo viver entre nós; na verdade, carecem de gratidão para com os cristãos, pois, em vez de
agradecimento pelo tratamento cortês, voltam a invectivas, e entre si, em vez da escravidão que
merecem, conseguem reivindicar a superioridade... Em 1586, a bula Hebraeorum gens sola, do papa Pio
V, restringiu os judeus nos Estados Pontifícios a Roma e Ancona; todos os outros deveriam deixar as
cidades, levando tudo, inclusive os ossos de seus ancestrais que estivessem enterrados (KERTZER, 1997,
p. 17, e-book).
1026
Idem, Ibid, p. 10.
1027
DUFFY, 2014, p. 278-279.
1028
Uma certa seita [...] arrogou injustamente para si mesma o nome de filosofia, e despertou das cinzas
as fileiras desordenadas de praticamente todos os erros. Sob a suave aparência de piedade e
liberalidade, esta seita professa o que eles chamam de tolerância ou indiferentismo [...] Mas uma
tolerância que se estende ao Deísmo e ao Naturalismo, que até mesmo os antigos hereges rejeitaram, ela
[a seita] trabalha por todos os meios para que a Bíblia sagrada seja traduzida, ou melhor, mal traduzida,
para as línguas comuns de cada nação [...] uma interpretação distorcida do evangelho de Cristo [...] um
285
liberais e as sociedades secretas em geral, e a maçonaria em particular, que foram
equiparadas ao galicanismo, ao josefismo e ao indiferentismo1030, erros nascidos da
tolerância religiosa e do liberalismo. As sociedades bíblicas também foram atacadas por
Pio VII, cujas origens protestantes indicavam que espalhariam o indiferentismo1031. Por
meio da concessão de indulgências, estimulou-se a formação de confrarias católicas, a
realização de procissões, peregrinações e festas em homenagem à Virgem Maria1032.
Durante o pontificado de Leão XII o ensino passou a ser regulado pela bula
Quod divina sapientia – sabedoria divina – (1824), que reorganizou toda a educação
pública nos Estados Pontifícios, submetendo-a à supervisão eclesiástica. A autonomia
das antigas universidades – Bolonha, Roma, Ferrara, Perugia, Camerino, Macerata e
Fermo – foi abolida, racionalizando as suas hierarquias, colocando-as sob a supervisão
imediata da Igreja. Toda educação passou a ser submetida a um rígido controle
teológico de uma congregação especial para a supervisão dos estudos em todos os
Estados Pontifícios, a Congregação dos Estudos, em uma espécie de “ministério da
educação”, com a prerrogativa de selecionar professores para preencher as cátedras
evangelho dos homens, ou o que é pior, um evangelho do diabo! (LEÃO XII, encíclica Ubi primum,
1824).
1029
Nossos predecessores [...] têm sido solícitos em restringir e abolindo totalmente as seitas que
ameaçam a ruína completa da Igreja [...] que tramavam maliciosamente contra Cristo; [...] julgamos ser
o caráter de nosso ofício condenar novamente essas seitas clandestinas [...] ordenamos estritamente, e
em virtude da Santa Obediência, todo e qualquer fiel de Cristo [...] não pode ousar ou presumir aderir ou
propagar, ou promover, as sociedades mencionadas acima [...] ousar ou presumir exortar, induzir,
provocar ou persuadir outros a se inscrever, ser contado como parte ou estar entre sociedades desse tipo
[...] ajudá-los e apoiá-los, de qualquer forma (LEÃO XII, constituição apostólica Quo graviora, 1826).
1030
Indiferentismo é um sistema doutrinário o qual defende que todas as opiniões filosóficas, religiões e
doutrinas éticas são igualmente verdadeiras e valiosas. Por conseguinte, nenhuma religião contém uma
verdade absoluta. Difere: da tolerância religiosa, na qual uma religião pode ser considerada falsa; também
se distingue da irreligião, que considera todas as religiões como falsas e erradas; da liberdade de
consciência religiosa, segundo a qual o Estado deve abster-se de julgamentos sobre qualquer forma de
culto, e da neutralidade religiosa, na qual o Estado não se envolve em controvérsias religiosas. Da mesma
forma, se distingue da indiferença religiosa, que é a negligência perante a prática religiosa, e do
sincretismo, ou a fusão de vários credos (MCMAHON, 2003, v. 7, p. 421).
1031
Algumas sociedades bíblicas haviam sido criadas ao longo dos séculos XVI e XVIII, inclusive na
França, a Société Biblique Française, instituída em 1792, que chegou ao fim em 1803. Contudo, o
empreendimento de maior sucesso foi a British and Foreign Bible Society, fundada em Londres em 1804,
que rapidamente conseguiu expandir suas atividades pelo norte da Europa. Na Rússia a sociedade foi
apoiada e financiada pelo czar Nicolau I, que estimulou a criação de uma similar na Polônia, e a edição de
bíblias em todas as línguas do império (BOUDOU, 1922, p. 105-109). A primeira sociedade bíblica
católica foi fundada em 1805 em Regensburg, na Bavária (JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 91).
1032
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 92.
286
universitárias, assim como aprovar, corrigir ou rejeitar os currículos das faculdades1033.
A supervisão eclesiástica do ensino durou até a unificação italiana em 1860 e a tomada
dos Estados Pontifícios. A bula também restituiu aos jesuítas a Pontificia Università
Gregoriana, que haviam perdido em 1773, por decisão do papa Clemente XIV1034.
1033
WISEMAN, 1859, p. 158.
1034
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 102-103.
1035
MARTINA, 1995, p. 163.
287
teria dito que Chateaubriand havia fundado uma seita à qual teria de provar
pertencer1036.
Durante seus pouco mais de cinco anos de pontificado, Leão XII oscilou
entre duas posições conservadoras. Em um primeiro momento submeteu-se totalmente
aos radicais do cardinalato, que estavam convencidos de que, após a decadência
irrevogável das estruturas políticas e sociais do Antigo Regime, a Igreja deveria usar
prestígio intelectual e espiritual para influenciar as novas classes dirigentes, em vez de
buscar o apoio dos príncipes católicos. O grupo estava convencido de que o papado
deveria assumir a restauração religiosa e social da Europa apresentando-se como único
representante espiritual. Apenas ao fim da vida Leão XII cedeu àqueles que defendiam
uma postura mais política e negociada ao lado dos chanceleres conservadores
Metternich (1773–1859), da Áustria, conde Villèle (1773–1854), da França, e Karl
Robert Reichsgraf (1773–1854), da Rússia. A aproximação de pouca duração retomou
em parte a política de Consalvi de colaboração da Santa Sé com os poderes
conservadores para a construção de uma frente comum contra a ascensão do
liberalismo1037. Faleceu em 1829, desprezado pelo povo romano, que não tinha em alta
conta suas tentativas de reforma moral da vida, desprezado pelos liberais que o
chamavam de tirano, em dívida com a Santa Aliança, e não perdoado pelos fanáticos
desapontados por ele afastar-se do conservadorismo radical1038. Durante seu
pontificado o papa Leão XII converteu em uma política de Estado os ressentimentos
contrários à revolução, a reação às tendências modernizantes e liberalizantes, a
resistência contra os avanços da economia. Essa política se aprofundaria com seus
sucessores.
1036
PIRIE, 1936, p. 309.
1037
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 96-97.
288
franceses, três espanhóis, dois austríacos e um português. Vinte deles eram
descendentes de famílias nobres, sendo que três eram filhos de príncipes – Gustave
Croy (1773–1844), Giacomo Giustiniani (1769–1843) e Benedetto Barberini (1788–
1863); três eram filhos de comerciantes, um de militar, e apenas um era proveniente das
camadas populares: Patrício da Silva (1756–1840), filho de uma família de modestos
agricultores do interior de Portugal. O maior número de nomeações ocorreu em 1826,
quando foram nomeados 12 cardeais. O mais velho foi o cardeal Bonaventura Gazzola
(1744–1832), nomeado em 1827, com 80 anos, e o mais novo o espanhol Pedro de
Inguanzo y Rivero (1764–1836), com apenas 38 anos. Quinze dos cardeais nomeados
por Leão XII também eram advogados, sendo que dez possuíam doutorado utroque
iure, tanto em Direito Canônico quanto em Direito Civil. Também eram 15 aqueles que
sofreram pessoalmente as mazelas do período revolucionário. Entre eles estava o
cardeal e monge beneditino Mauro Cappellari (1765–1846), que mais tarde viria a ser o
papa Gregório XVI1039; em 1808, com a ocupação francesa de Roma, foi obrigado a
fugir para uma região sob controle austríaco. Giacomo Giustiniani (1769–1843) saiu de
Roma em 1798, e viveu como leigo em várias partes da Europa até 1814, tal como
Giacomo Filippo Fransoni (1775–1856) e Ignazio Nasalli (1750–1831). Giovanni
Antonio (1765–1838) estava na Rússia em 1798 e só pôde voltar a Roma em 1804.
Ludovico Micara (1775–1847) precisou fugir de Roma em 1810, ao recusar-se a realizar
uma celebração em homenagem às vitórias de Napoleão, foi detido e encarcerado;
posteriormente fugiu, mantendo-se clandestino até a restauração. O mesmo ocorreu com
Pietro Caprano (1759–1834), que foi preso em junho de 1812 por recusar-se a fazer o
juramento de lealdade à França. Joachim-Jean-Xavier d’Isoard (1766–1839)
permaneceu exilado por vários anos; em 1809, foi preso juntamente com o papa Pio VII
e levado à França. Gustave Croy e Jean-Baptiste de Latil (1761–1839), em 1791,
recusaram-se a jurar lealdade à Constitution Civile du Clergé, e precisaram exilar-se;
Croy foi para Viena, e não voltou à França até 1819. Leão XII também elevou ao
cardinalato Tommaso Bernetti, que já exercia as funções de governador de Roma,
contra o conselho do cardeal Ercole Consalvi, além de responder pela Congregação para
os Militares; antes de sua nomeação, o futuro cardeal já havia realizado, a mando do
1038
Idem, ibid., p. 97.
1039
Seu nome de batismo era Bartolomeo Cappellari, tendo adotado Mauro como seu nome religioso, ao
entrar para a congregação beneditina.
289
papa, várias missões em Viena e em São Petersburgo, cujos objetivos nunca foram
revelados1040. O novo cardeal mantinha hostilidade resoluta aos regimes políticos
liberais e a convicção de que a única esperança para a continuação dos Estados papais
repousava em uma política conservadora1041.
Treze dias após a morte do papa Leão XII, 39 eleitores, outros 12 chegariam
posteriormente, reuniram-se no novo conclave: 30 italianos e 9 de outras nações – 6
franceses, 2 espanhóis e 1 austríaco –, divididos em três grupos: moderados, zelanti e
ultraconservadores1042. Estes, mesmo sendo a maioria, estavam enfraquecidos em seu
prestígio pela impopularidade do papa Leão XII. Os zelanti também careciam da
unidade, uma vez que a união do último conclave nascera de sua inimizade comum por
Consalvi. Já os moderados eram liderados pelo cardeal Albani(1750–1834), apesar de
este sabidamente ser representante dos interesses do imperador Francisco I na eleição, e
amigo de Metternich1043. Quando da invasão francesa na península, em fevereiro de
1798, Albani havia sido expropriado de todos os seus bens, e desde então recebia uma
pensão do governo austríaco1044. Os ultraconservadores apoiavam o nome de
Emmanuele de Gregorio, elevado ao cardinalato pelo papa Pio II, no consistório de
março de 1816; ele era nobre e detestava qualquer sinal da revolução, tendo sido levado
preso para a França duas vezes, juntamente com Pio VI, e posteriormente com Pio VII.
1040
MIRANDA, 2021, s.p.
1041
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 267.
1042
O Sagrado Colégio era composto por 58 cardeais, mas nem todos comparecerem, ou chegaram a
tempo de sua abertura (MONTOR, 1844, p. 37).
1043
O cardeal Albani somente chegou ao conclave no dia 3 de março, porque estivera esperando a
chegada das ordens e instruções de Viena (idem, ibid.).
1044
Idem, ibid., p. 21.
290
O cardeal Albani mostrou-se o mais ativo do conclave, trabalhando
intensamente para evitar a eleição de um candidato apoiado pela França1045. Após um
mês sem um consenso, Albani propôs o nome de Francesco Castiglioni, que já fora
cogitado na eleição anterior. O cardeal, após a ocupação de Roma pelas tropas
francesas, em fevereiro de 1808, recusara-se a prestar juramento de fidelidade e lealdade
a Napoleão, rei da Itália1046; pela desobediência ficou preso, sendo transferido de uma
cidade para outra até sua libertação em 1814. Castiglioni também havia sido elevado ao
cardinalato em 1816 pelo papa Pio VII. Seu nome conseguiu unificar as facções, uma
vez que seu antigo mentor, Consalvi, já estava morto. Os ultraconservadores tinham
resistência a seu nome, mas sabiam que Castiglioni estava muito doente, e que não teria
um longo papado. Castiglioni, eleito por 47 votos, quase unanimidade1047, foi coroado
por Albani em 5 de abril de 1829, tomando o nome de Pio VIII; seu primeiro ato foi
nomear o cardeal como seu secretário de estado1048.
1045
PIRIE, 1936, p. 311-313.
1046
Reino da Itália foi um Estado criado por Napoleão em 1805 na península italiana. Tinha capital em
Milão e abrangia a Lombardia, Emília-Romagna, Friuli Venezia Giulia, Trentino, Tirol do Sul e Marche.
Napoleão, ao criá-lo, declarou-se rei. O território correspondia à antiga República Cisalpina, criada em
1797 após a expulsão dos austríacos da região pelas tropas francesas.
1047
METTERNICH, 1821c, p. 588. O chanceler comemorou o fato de o novo papa não ser um
carbonário.
1048
MONTOR, 1844, p. 61.
291
O papa Pio VIII esteve pouco tempo no comando do catolicismo: apenas 20
meses, entre 31 de março de 1829 e 1º de dezembro de 1830. Sua encíclica Traditi
humilitati nostrae, em 24 de maio de 1829, estabeleceu o programa para o seu
pontificado, reafirmando o supremo ofício de Roma, e insistindo na luta contra o
jansenismo e o indiferentismo, contra a tradução da Bíblia para o vernáculo1049 e contra
o casamento entre pessoas de religiões deferentes1050. Pio VIII atacou duramente as
sociedades secretas e os grupos extremistas e anticlericais, porque eles esconderam suas
sociedades, eles levantaram suspeitas de suas más intenções. Posteriormente, esta má
intenção irrompe, prestes a atacar as ordens sagradas e civis [...] corrompendo os
jovens educados em ginásios e escolas secundárias1051. A encíclica reafirmou as
condenações feitas pelos seus papas1052, ordenando que as punições fossem mantidas.
De uma forma geral, o papa enfatizou o supremo ofício magisterial de Roma, o que era
questionado no século anterior pelos movimentos das igrejas nacionais – galicanismo na
França, o jansenismo na França e nos Países Baixos, o febronianismo nos territórios
alemães e o josefismo. A reivindicação de Roma como única liderança espiritual da
humanidade era bem recebida entre os clérigos mais jovens, que não haviam vivido os
tempos do Antigo Regime, mas guardavam péssimas lembranças da belicosidade da
Revolução Francesa1053.
1049
Opondo-se às traduções da Bíblia, a encíclica dizia: Devemos também ter cuidado com aqueles que
publicam a Bíblia com novas interpretações contrárias às leis da Igreja. Eles distorcem habilmente o
significado com a sua própria interpretação. Imprimem as Bíblias no vernáculo e, absorvendo uma
despesa incrível, oferecem-nas gratuitamente mesmo aos incultos. Além disso, as Bíblias raramente estão
sem pequenas inserções perversas para assegurar que o leitor beba seu veneno letal em vez da água
salvadora da salvação (PIO VIII, encíclica Traditi humilitati nostrae, 1829).
1050
Em 1830, publicou a encíclica Litteris altero abhinc, declarando que um casamento só poderia ser
devidamente abençoado se fosse garantida a educação dos filhos na fé católica.
1051
PIO VIII, encíclica Traditi humilitati, 1829.
1052
Papa Clemente XII, In eminenti (1738); Bento XIV, Providas romanorum (1751); Pio VII, Ecclesiam
a Jesu Christo (1821); Leão XII, Quo graviora, 1826.
1053
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 105.
1054
Idem, ibid., p. 99.
292
de maiores dimensões, que exigiram uma atitude mais enérgica. A primeira foi a
publicação, em janeiro de 1830, das decisões dos governos germânicos da província
eclesiástica da Confederação do Reno, determinando o funcionamento da Igreja na
região.
1055
MONTOR, 1844, p. 153-154; JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 139.
1056
WALTER, 1862, p. 340-345.
1057
Idem, ibid., p. 345-348.
293
com menos rigor1058. A segunda crise ocorreu com a Revolução de 1830, que obteve
respostas dúbias do papa.
1058
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 139.
1059
As tensões entre o rei Carlos X e parte significativa dos setores liberais franceses caminharam em
uma tensão crescente durante o longo governo ultraconsevador do primeiro-ministro Joseph de Villèle,
entre 1821 e 1828, que foram agravadas pelas medidas antiliberais de seus sucessores, visconde de
Martignac (1778–1832), entre janeiro de 1828 e agosto de 1829, e conde de Polignac (1780–1847), entre
agosto de 1829 e julho de 1830.
1060
Carlos X suspendeu a liberdade de imprensa, tornando todas as publicações sujeitas à autorização do
governo; dissolveu novamente a Câmara de Deputados, que ainda não havia se reunido; reduziu o número
de deputados em 40%, dificultando a participação política da burguesia comercial ou industrial, e, por
último, nomeou conselheiros estaduais ligados à aristocracia.
1061
METTERNICH, 1882, p. 12.
294
seus temores: Que influência a catástrofe do dia deve ter no futuro próximo e mesmo
em um futuro mais distante? Um lado para o qual devemos dirigir nossos olhos sem
demora é o lado italiano. É a Itália que as conspirações revolucionárias buscarão
certamente ganhar1062.
1062
Idem, ibid., p. 15.
1063
Para mais detalhes sobre a Revolução de 1830, sua cronologia, causas e consequências, ver
RIBALLIER, 1830, 1911; PILBEAM, The French Revolution of 1830, 1991; e POPKIN, Press,
revolution, and social identities in France, 1830-1835, 2002.
1064
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 99.
1065
HALES, 1960, p. 89.
1066
PIRIE, 1936, p. 315.
295
russas. A Santa Aliança, na prática, tornara-se a repressora da Europa e a fiadora da
política da Santa Sé em seus Estados1067.
O reinado de Pio VIII foi muito curto, para ter muito impacto na política
papal; indicou apenas seis cardeais, quatro italianos, um francês e um britânico, que
também não tiveram papel marcante na política da Igreja, uma vez que todos morreram
até 1837. O mais novo deles, o duque Louis-François de Rohan Chabot (1788–1833)
morreu antes de completar 45 anos. Ele representou um novo perfil no cardinalato: era
funcionário civil do governo francês, tendo, inclusive, prestado serviços ao imperador
Napoleão. Com a restauração, em 1814, passou a servir ao governo dos Bourbons,
precisando fugir da França quando da eclosão da Revolução de 1830. Thomas Weld
(1773–1837) foi o primeiro inglês nomeado cardeal em mais de 80 anos, o último fora
Henry Benedict Stuart (1725–1807), neto do rei Jaime II em 1749. Weld, filho de uma
rica família de proprietários de terras, dera asilo a religiosos franceses que fugiram da
revolução a partir de 1789. Sua indicação era uma reverência à Igreja Católica britânica,
depois da sua emancipação por meio da Roman Catholic Relief Act, de 18291068. No
conclave seguinte ele chegou a receber alguns votos, o único não italiano a consegui-lo.
O conclave para a sucessão do papa Pio VIII ocorreu durante mais um dos
pontos de inflexão da política e do pensamento do século XIX: a Revolução de 1830. O
levante de julho na França:de 1830 representou uma vitória das classes médias e do
sistema parlamentarista, em claro embate contra as tentativas de restaurar o Antigo
Regime. Os ideais de liberdade, justiça, nacionalismo haviam sido represados com a
1067
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 100.
1068
MIRANDA, 2021, s.p.
296
restauração de 1814 e 1815, mas não foram superados. Havia uma nova geração, que
nunca havia conhecido o mundo do século XIX, que escrevia, dava aulas, fazia política,
vivia em cidades, sem nenhum compromisso com o passado. O liberalismo e o
socialismo eram ideais vivos e presentes. A reação em cadeia, com a exportação da
agitação revolucionária para Bélgica, Polônia, Irlanda, Piemonte, Parma, Modena e os
Estados Pontifícios deixou claro que as aspirações não eram superficiais, e muito menos
localizadas. A repressão comandada por tropas austríacas, russas e inglesas, que se
seguiu às revoluções, apenas conseguiu abafar temporariamente um anseio que se
generalizava, e que iria explodir em 1848 com muito mais força1069.
1069
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 261.
1070
Constituição da França de 1814, artigo 6º.
1071
WOODWARD, 1963, p. 249.
297
Albani também era repudiado pelos cardeais austríacos, liderados por Karl Kajetan von
Gaisrück (1769–1846), que se ressentiam de sua proximidade com Metternich1072.
1072
PIRIE, 1936, p. 318-319.
1073
Bernetti até era conhecido por falar da queda do poder temporal em um futuro mais ou menos
distante como praticamente inevitável (idem, ibid., p. 319).
1074
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 261.
1075
BAUMGARTEN, 2003, p. 189.
1076
MIRANDA, 2021, s.p.
298
acontecido no passado, os cardeais concordaram em aceitar o veto com base na longa
tradição e na necessidade de acomodar os governantes católicos1077.
1077
BAUMGARTEN, 2003, p. 190.
1078
MIRANDA, 2021, s.p.
1079
O’MALLEY, 2010a, p. 240.
1080
BAUMGARTEN, 2003, p. 190. O livro era uma defesa intransigente do papado, segundo o qual toda
a Igreja estava sujeita ao papa, sem admitir nenhuma forma de poder conciliar. O livro foi reeditado após
sua elevação a papa, e traduzido para o francês e o alemão, contribuindo em muito para a disseminação de
ideias ultramontanas entre o clero (JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 262 e 330.).
1081
PIRIE, 1936, p. 321-322.
1082
BAUMGARTEN, 2003, p. 190.
1083
METTERNICH, 1882, p. 149.
299
vez que a escolha é uma prova contundente da justiça que o Sagrado Colégio prestou à
nossa corte1084.
Depois de eleito, percebeu-se que o novo papa, que tinha a reputação de ser
um teólogo competente, com obras acadêmicas reconhecidas, não tinha nenhum talento
ou perspicácia para a política1085. Ele vivera 40 anos em um clima de contrarrevolução,
alimentando desconfiança contra uma sociedade distante do padrão do Antigo Regime,
que deveria ser reconstruído e restaurado. Todos os problemas eram entendidos dentro
de um padrão de pensamento ligado ao século XVIII, mantendo seu papado em uma
luta constante para consolidação de seus ideais conservadores, sem qualquer conciliação
da Igreja com a sociedade moderna1086. Gregório XVI também atuou decisivamente
para a consolidação definitiva do espírito ultramontano conservador no corpo
cardinalício, sufocando o pluralismo, com a superação do nacionalismo eclesiástico
exercido pelas igrejas regionais, e sua submissão na prática ao poder secular, em relação
a Roma1087. Essa obstinação o tornava extremamente autoritário e doutrinário, mantendo
boas relações apenas com aqueles que lhe estivessem de acordo; tudo aquilo que não
estivesse ligado ao mundo espiritual representava um erro a ser combatido. Como
reflexo de uma longa vida monástica, tinha dificuldade de se relacionar com as pessoas
e nenhum interesse pelas questões laicas dos Estados Pontifícios. Também não
conseguia exercer atividades diplomáticas uma vez que não conhecia outras línguas
exceto o italiano e o latim1088. Assim, aquele que comandasse a Secretaria de Estado
teria muito poder.
1084
Idem, ibid., p. 150.
1085
PIRIE, 1936, p. 321.
1086
JEDIN; DOLAN, 1981a, p. 265.
1087
Idem, ibid.
300
que voltou a exercer de maneira rigorosa. Seu primeiro enfrentamento ocorreu logo em
3 de fevereiro de 1831, horas após a eleição do novo papa, quando as regiões de
Modena, Romagna, Marche, Úmbria e Parma declararam-se independentes e criaram as
Provincie Unite Italiane1089. Em 15 de fevereiro, Metternich enviou uma carta a seu
embaixador em Paris, Anton Apponyi, para que transmitisse a informação ao governo
francês de que a Áustria não ficaria impassível ante os levantes:Estados Pontifícios: o
chamado princípio da não intervenção nunca foi reconhecido por nós e nunca iremos
sancioná-lo com a nossa admissão. [...] Sempre repeliremos o mal que nos ameaçará;
repeliremos o inimigo que, sob a égide de uma completa independência de ação, deseja
nos tornar escravos de nós mesmos; protestaremos contra qualquer falsa pretensão e,
se pudermos, faremos justiça a ela1090.
1088
Idem, ibid., p. 263-264.
1089
SYKES, 1922, p. 77. Em 14 de fevereiro de 1831, Metternich escreveu: A revolução de Modena não
é um evento isolado; é um episódio da vasta conspiração que envolve toda a Itália; é o sinal de uma
conflagração que seus autores querem generalizar. Poderíamos fornecer uma série de provas, mas a
simultaneidade das revoltas que acabam de estourar nos Estados do papa torna qualquer prova
supérflua [...]. Este vasto quadro, tramado na França por muito tempo, obviamente carrega o prestígio
do bonapartismo. O plano, de acordo com os dados de que dispomos, é tirar do papa seu domínio
temporal, para formar um Reino da Itália sob o rei constitucional de Roma (METTERNICH, 1882, p.
152-153).
1090
Idem, ibid., p. 155. O chanceler estava convencido de que a agitação revolucionária na península
italiana era provocada por anarquistas franceses e por bonapartistas.
1091
MIRANDA, 2021, s.p.
1092
CHAMBERS, 2006, p. 183.
301
dificultar ao máximo a renovação da revolta, e reunir os meios para suprimir a
anarquia, que ainda poderia emergir1093. A manutenção da ocupação era necessária,
porque estamos convencidos de que o soberano pontífice necessita ser ajudado para
que o resto dos seus Estados seja assegurado [...] a simples presença de uma força
armada fiel aos seus deveres proporciona a tranquilidade aos Estados romanos1094. A
Áustria, dessa forma, estaria suprindo uma lacuna da Santa Sé: O Pontifício Governo
cometeu uma falta imensa ao não aproveitar os 15 anos de paz de que gozou para
governar, especialmente nas legações, os vários ramos da administração1095. As tropas
austríacas e francesas ocuparam a região durante oito anos, uma vez que durante o
período a agitação revolucionária nunca desapareceu, já que era devida à depravação
geral da época, uma terrível conspiração de homens ímpios, como afirmou Gregório
XVI na encíclica Mirari vos, de 1832. A longa permanência dos exércitos estrangeiros
permitiu ao papa contornar a agitação, impedindo um grande levante:Estados
Pontifícios simultâneo em toda a península italiana, o que aconteceria durante o papado
de seu sucessor, Pio IX1096. Contudo, a intervenção das tropas estrangeiras transformou
a questão dos Estados Pontifícios em uma questão europeia, na qual França e Áustria
lutavam pela hegemonia sobre a região, em uma rivalidade que durava séculos, e que
havia começado na década de 1470, com a disputa entre as casas de Habsburgo e
Valois. O litígio, muitas vezes armado, duraria até 1859, quando a França finalmente
impôs-se no norte da península italiana, expulsando os austríacos da Lombardia na
Batalha de Solferino1097.
1093
METTERNICH, 1882, p. 172.
1094
Idem, ibid., p. 173.
1095
Idem, ibid., p. 175. Em outra carta, de 4 de junho de 1831, Metternich orienta Apponyi a se reunir
com representantes diplomáticos da Grã-Bretanha, Rússia e Prússia, para tratar de possíveis novos
levantes na península italiana (idem, ibid., p. 176).
1096
O’MALLEY, 2010a, p, 240.
1097
HALES, 1954, p. 26.
1098
JEDIN e DOLAN apontam que a pressão austríaca existiu, mas a oposição dentro do Colégio de
Cardeais também pesou na demissão de Bernetti (1981ª, p. 267).
302
Gregório XVI, não resistindo à pressão de Metternich, em janeiro de 1836, pediu a
Bernetti que renunciasse ao cargo. Mesmo contra a vontade, pressionado, aceitou a
demissão1099. Para seu lugar foi indicado o cardeal Luigi Lambruschini, prefeito da
Congregação da Disciplina Religiosa. Fora elevado a cardeal pelo papa Gregório XVI
em setembro de 1831, tinha formação jesuítica e fora obrigado a fugir de Roma quando
as tropas francesas invadiram a região em 1798, só voltando à cidade em 18141100. A
indicação de Lambruschini representou o reconhecimento junto ao papa do prestígio da
Companhia de Jesus, cujos interesses o cardeal representava em Roma. A relação entre
os dois se manteria firme durante todo o pontificado de Pio IX1101. Lambruschini era
profundamente ligado ao cardeal Giulio Somaglia, que fora secretário de estado do papa
Leão XII, relação que incutiu ao novo secretário de estado um ódio profundo à
Revolução Francesa e à França, origem de todo mal que se abatera sobre a Igreja, e
aversão a qualquer reforma. Lambruschini havia servido na nunciatura de Paris entre
1827 e 1831, tornando-se muito próximo ao rei Carlos X; após sua derrubada, o novo
governo francês exigiu da Santa Sé sua retirada1102. Inteligente e extremamente rígido
com seus subordinados, logo ganhou total ascendência sobre o papa, que concordava
com todas as sugestões de seu secretário de estado, e assinava tudo que se lhe colocasse
sem questionamento1103. Lambruschini levou a influência jesuíta para o centro da
administração dos Estados Pontifícios. Um exemplo dessa simbiose foi a forma como o
papado enfrentou o surto de cólera em Roma em 1837: sob a influência dos jesuítas, foi
ordenada uma procissão solene rogando à Virgem Maria proteção contra a doença. O
cortejo, que percorreu parte da cidade, saindo do castelo papal até a sede da Companhia,
foi acompanhado pelo papa Gregório XIV e por seus cardeais. Durante semanas, a sede
dos jesuítas tornou-se o centro das esperanças da população de Roma contra a cólera,
1099
PIRIE, 1936, p. 321.
1100
Idem, ibid., p. 322. Mas [Lambruschini] pertencia aos membros da Cúria que mais resolutamente
fecharam suas mentes às ideias modernas. No entanto, se ele era um reacionário em decorrência de sua
personalidade inata e de seu desenvolvimento, e muito decidido a lutar sem piedade contra qualquer
legado da revolução, sua experiência diplomática lhe ensinara que, na prática, ele deveria moderar a
rigidez de seus princípios. Isso se manifestou na administração dos Estados Pontifícios, cujo duro regime
policial já era exagerado, bem como em sua política eclesiástica geral que, quando necessário, adaptou
às condições constitucionais (JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 267).
1101
MCCABE, 1913, p. 395.
1102
PÁSZTOR, 2003, v. 8, p. 307.
1103
PIRIE, 1936, p. 322-323.
303
em uma opção terapêutica que remontava às epidemias do século XVI. Em 1837, o
surto matou 5.419 romanos1104.
1104
MCCABE, 1913, p. 395-396.
1105
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 269.
1106
A expressão “catolicismo liberal” apareceu no também liberal jornal Le Globe (1824–1832) ao se
referir aos jovens católicos que em março de 1829 haviam criado o jornal Le Correspondant, sob o lema
Liberté civile et religieuse par tout l’univers (liberdade civil e religiosa por todo o universo). O jornal,
publicação católica mensal de maior importância na França, existiu até 1937 (JEDIN; DOLAN, 1981ª, p.
276; LAGRÉ, 2002, p. 28). Contudo, a expressão não pode ser usada como definição de uma corrente
orgânica dentro da Igreja, uma vez que esta nunca chegou a se constituir como tal; os pensadores
católicos tidos como liberais expressavam ideias próprias que nunca chegaram a se constituir como uma
corrente (HALES, 1954, p. 268). Mesmo os muitos seguidores de Lamennais apresentavam profundas
divergências entre si.
304
bispo francês Olympe-Philippe Gerbet (1798–1864), e os discípulos de Georg Hermes
(1775–1831), na Universidade de Bonn, com seu hermesianismo. Contudo o mais
influente era Hugues-Félicité de Lamennais, um antigo ultramontano conservador que
gradativamente caminhara para o catolicismo liberal.
1107
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 275.
1108
Idem, ibid., p. 277.
1109
Idem, ibid., p. 278.
305
Igreja. Os movimentos de Lamennais, o rebelde mais conhecido de todos, eram
relatados a Roma, por Luigi Lambruschini, então arcebispo de Gênova, que se tornaria
cardeal no consistório de setembro de 1831, que servira ao núncio de Paris e fora amigo
do padre, e depois por seu substituto na França, arcebispo Pietro Antonio Garibaldi
(1797–1853). O arcebispo de Paris, Hyacinthe-Louis de Quélen, também mantinha o
papa informado dos movimentos de Lamennais e seus companheiros. Gregório XVI era
pressionado para que Roma expressasse claramente seu repúdio às tendências liberais
dentro da Igreja. Pressões que vinham de Metternich, por meio do cardeal Karl
Gaisrück, que substituíra Giuseppe Albani como representante dos interesses da Áustria
junto ao papado, e do czar russo Nicolau I, possivelmente por meio de seu embaixador
em Roma, príncipe Grigory Gagarin (1810–1893). Os dois monarcas ficaram
profundamente irritados com a defesa que Lamennais fazia das revoluções pela
Europa1110. Quando o escritor, Montalembert e Lacordaire chegaram a Roma em
dezembro de 1831, para tentar explicar-se, o papa Gregório XVI já havia recebido
inúmeras cartas sobre suas atividades, a maioria delas negativa. O secretário de estado,
o cardeal Tommaso Bernetti, já informara ao embaixador francês na Santa Sé que o
papa não faria nenhum gesto de aprovação; para Gregório, pessoalmente irritado por
alguns artigos do L’Avenir, as doutrinas de Lamennais representavam uma ameaça à paz
da Igreja e da França,e que se sentia pessoalmente ferido por alguns dos artigos do
L'Avenir. .
1110
CHADWICK, 1998, p. 19.
1111
HALES, 1954, p. 44.
306
encaminhadas ao papa1112. Uma especialmente fazia uma péssima descrição de Gregório
XVI, que ele ainda não havia conhecido: O papa é um bom religioso, que não sabe
nada das coisas deste mundo, e não tem ideia do estado da Igreja. Sua verdadeira e
profunda piedade inspira nele uma coragem passiva, ou seja, ele sofreria qualquer
coisa ao invés de falhar sua consciência. Mas, ao mesmo tempo, não poderia faltar
mais coragem ativa; isto para tudo o que se pode imaginar1113. Sobre o cardinalato, sua
impressão não é melhor: Agora, imagine este velho rodeado de homens que conduzem
negócios, [...] homens aos quais a religião é tão indiferente quanto a todos os gabinetes
da Europa, ambiciosos, gananciosos, avarentos, cobardes, cegos e imbecis como os
eunucos do baixo Império [Romano], estes são os que conduzem tudo e que sacrifica a
Igreja aos interesses mais miseráveis1114. Poucos dias após a audiência, o serviço
secreto austríaco interceptou uma carta de Lamennais, que foi repassada a Gregório
XVI, em que definia como tirania o governo papal nos Estados Pontifícios. Descrevia
como os exércitos papais e austríacos haviam tiranizado a população dos territórios do
norte da península um ano antes. Comparava a ação do papado na região à repressão do
czar da Rússia contra os poloneses1115.
1112
CHADWICK, 1998, p. 21. A interceptação da correspondência de Lamennais também está
comprovada em uma anotação no diário da esposa de Metternich, condessa Melanie Zichy-Ferraris
(1805–1854), registrado em 19 de maio de 1832: Depois do jantar, acompanhei Clément [Metternich] ao
seu escritório, e lá li uma carta abominável de Lamennais a um de seus amigos, carta da qual parece que
ele está à frente de um partido republicano revolucionário. Revela seus planos com revoltante
atrevimento, e que [nada] impedirá todos os países monárquicos que ainda restam de perecer em breve
pela tempestade de liberdade que vai se desencadear sobre o mundo. Que o céu finalmente confunda
estes agitadores criminosos (METTERNICH, 1882, p. 235).
1113
LAMENNAIS, 1866b, p. 92.
1114
Idem, ibid.
1115
CHADWICK, 1998, p. 22.
307
que estariam reduzindo a importância da Igreja e de suas verdades e dogmas; o celibato,
o sacramento do casamento, tudo estaria sendo abandonado pelos governos laicos.
Atacou o liberalismo, e com o ele o indiferentismo e a liberdade de consciência, que
acreditava que seria possível obter a vida eterna em qualquer religião, contanto que se
amolde à norma do reto e honesto. A encíclica usou tons fortes e sombrios: a
depravação exulta; a ciência é impudente; a liberdade, dissoluta. A santidade do
sagrado é desprezada; a majestade do culto divino não só é desaprovada pelos homens
maus, como também é profanada e mantida ao ridículo. Assim, a sã doutrina é
pervertida e erros de todos os tipos espalham-se corajosamente. Em uma crítica direta à
imprensa, o papa afirmou estar horrorizado ao ver doutrinas monstruosas [que] nos
assediam, disseminando-se por todas as partes, em inumeráveis livros, folhetos e
artigos que, se insignificantes pela sua extensão, não o são certamente pela malícia que
encerram, e de todos eles provém a maldição que com profundo pesar vemos espalhar-
se por toda a terra. Sobre as rebeliões na Europa: Vemos a destruição da ordem
pública, a queda dos principados e a derrubada de todo poder legítimo que se
aproxima1116. Por fim exortou os príncipes católicos a apoiarem, com seus recursos e
poder, o bem-estar da Igreja, e que entendessem que sua autoridade derivava de Deus
para a defesa da Igreja.
1116
Citações de GREGÓRIO XVI, encíclica Mirari vos, 1832.
1117
LAMENNAIS, 1877, p. 5.
308
implicava necessariamente desobedecer aos governos; os governantes, para manter sua
tirania, haviam comprado o clero com dinheiro e honras, e que, assim, os sacerdotes
tornaram-se os valetes dos reis ao invés de servos de Cristo1118. No texto, Lamennais
flerta com a revolução: O murmúrio confuso e o movimento interno das pessoas em
turbulência são o precursor da tempestade que em breve passará sobre as nações
trêmulas. Prepare-se, pois os tempos estão se aproximando. Naquele dia, haverá
grandes terrores e gritos como não se ouvia desde os dias do dilúvio1119. E prossegue
com imagens apocalípticas: Os reis uivarão em seus tronos [...] os ricos e poderosos
sairão de seus palácios nus, com medo de serem enterrados sob suas ruínas. Vamos vê-
los, vagando pelos caminhos, pedindo aos transeuntes alguns trapos para cobrir sua
nudez, um pouco de pão preto para saciar sua fome, e não sei se eles vão conseguir1120.
Paroles d’un croyant rapidamente foi editado em vários idiomas, e, na Áustria, teria
irritado profundamente o chanceler Metternich1121
1118
CHADWICK, 1998, p. 29.
1119
LAMENNAIS, 1877, p. 72.
1120
Idem, ibid.
1121
CHADWICK, 1998, p. 29.
1122
GREGÓRIO XVI, encíclica Singulari nos, 1834.
309
os povos são levados a romper os laços de toda ordem pública, a derrubar ambas as
autoridades, a excitar, fomentar e sustentar sedições, motins e rebeliões em reinados:
um livro que, portanto, contém proposições respectivamente falsas, caluniosas,
imprudentes, que conduzem à anarquia1123. Paroles d’un croyant apresentaria uma
interpretação nova e injusta, que define o poder dos soberanos como contrário à lei
divina, e, com calúnia monstruosa, mesmo “o fruto do pecado e o poder de Satanás”.
Ele aplica as mesmas palavras infames à sagrada hierarquia e aos soberanos por
causa do pacto de crimes e maquinações que, segundo seu delírio, os vê unidos contra
os direitos dos povos1124. Não há no texto da encíclica questões pastorais ou
doutrinárias, apenas a condenação e a repulsa pelas críticas ao poder e à autoridade.
Singulari nos fez algo que grande parte da hierarquia da Igreja desejava que a encíclica
anterior, Mirari vos, houvesse feito: condenar o sistema de pensamento de Lamennais.
Falamos aqui também daquele sistema filosófico errôneo que foi recentemente
introduzido e está claramente para ser condenado. Este sistema, que vem do desejo
desprezível e desenfreado de inovação, não busca a verdade que está na sagrada e
apostólica herança. Em vez disso, outras doutrinas vazias, doutrinas fúteis e incertas
não aprovadas pela Igreja, são adotadas1125.
1123
Idem, ibid.
1124
Idem, ibid.
1125
Idem, ibid.
1126
CHADWICK, 1998, p. 30.
310
As duas encíclicas representaram a consolidação, e sistematização
programática, de uma visão de mundo que já estava presente no cardinalato1127, e que já
era corrente e dominante em Roma, e que então se tornara a doutrina oficial. A Igreja,
assim, assumia sua subserviência ao poder secular, colocando de lado sua longa
tradição, sua organização e todos os precedentes acumulados ao longo dos séculos de
desafio aos príncipes1128. Defender as monarquias europeias dos ataques provenientes
de membros da Igreja tornara-se uma obrigação do papa, mesmo quando esses
soberanos não eram católicos, como Rússia e Países Baixos. No caso da Áustria o ônus
era ainda mais pesado: com os Estados Pontifícios cercados por tropas austríacas, das
quais dependiam para manter a ordem e impedir a revolução, o papa Gregório precisava
submeter-se a Metternich. Ao mesmo tempo, o papa assumia claramente a defesa de um
mundo do Antigo Regime, em meio a uma realidade que mais em nada se parecia com a
que existira havia 40 anos. À exceção da Espanha e do sul da península italiana, os
Estados europeus, protestantes e católicos – França, Bélgica, Renânia, norte da
península –, com diferentes graus, reconheciam a necessidade da tolerância aos cultos
minoritários entre a população. As guerras de Napoleão haviam rompido as
delimitações entre católicos e protestantes em muitas áreas, praticamente desaparecendo
com os Estados com uma única fé. Na política, economia, educação, o mundo não mais
era aquele que o papa Gregório XVI queria preservar1129.
1127
A presença de um cardinalato avesso a todas as transformações da revolução foi um elemento
fundamental para a construção do pensamento conservador dentro da Igreja Católica: para que o
conservadorismo moderno se desenvolva em uma corrente de pensamento e se constitua como uma
contracorrente abrangente ao pensamento liberal do Iluminismo [...] era necessário que seu desenho
fundamental – uma precondição para tudo o mais – tivesse sido vivido vital e imediatamente por estratos
e círculos identificáveis dentro de um espaço de vida histórico (MANNHEIM, 1986, p. 102).
1128
WOODWARD, 1963, p. 233. Para o autor, a submissão da Igreja aos Estados modernos era um
processo que se desenvolvia há quase cem anos; a extinção da Companhia de Jesus, em 1773, pelo papa
Clemente XIV, já era um claro sinal dessa obediência e subalternidade (idem, ibid., p. 234-235).
1129
Após a condenação pública, em uma carta para a condessa Louise de Senfft, em 20 de agosto de 1834,
Lamennais escreveu: As linhas traçadas por Gregório XVI, que nem se deve dar ao trabalho de ler, são
como as faixas que envolvem a múmia; ele fala para um mundo que não existe mais; sua voz lembra um
daqueles ruídos vagos que ecoam, solitários, nos túmulos sagrados dos sacerdotes de Mênfis. Se não há
um plano de Deus nisso, muito culpados são aqueles que desataram a língua deste velho para fazê-lo
amaldiçoar sua idade, que o fazem crescer nas estradas sepulcrais onde ele vagueia como um sombrio
retorcido, enquanto acima, à luz do dia, a humanidade segue a carreira que o dedo divino traçou para
ela (LAMENNAIS, 1863, p. 399).
311
Ao longo de seus 15 anos de papado, Gregório XVI enfrentou: o
nacionalismo, que se expandia por todas as regiões da península italiana ; a resistência à
administração eclesiástica nos Estados Pontifícios; a grande penetração da organização
secreta Carbonari, a qual, antes restrita à região de Nápoles, no fim de seu pontificado
já estava presente em todo o norte. Também viu o aumento da influência da maçonaria,
cujos membros estavam até mesmo no interior da Igreja1130. O nacionalismo havia
provocado revoltas inflamadas nas regiões da península italiana controladas pela
Áustria, fortalecendo o movimento Giovine Italia (jovem Itália), dirigido por Giuseppe
Mazzini (1805–1872) e Giuseppe Garibaldi (1807–1882), que juntamente com Camillo
Giulio Benso, conde de Cavour (1810–1861), seriam os futuros líderes do processo de
unificação da Itália.
1130
Desde a criação da primeira loja maçônica, em 1717 em Londres, havia uma crescente indisposição
da Igreja para com a maçonaria, e sua defesa do anticlericalismo. Ela foi condenada pela Igreja diversas
vezes: em 1738, pela encíclica In eminenti, editada pelo cardeal Giuseppe Firrao (1670–1744) em nome
do papa Clemente XII, que estava doente, condenando à excomunhão os católicos que aderissem à
sociedade secreta; o mesmo foi repetido por Bento XIV, na constituição apostólica Providas romanorum
de 1751, por Pio VII, na constituição apostólica Quo graviora (1826), na encíclica Humanum genus
(1844), do papa Leão XIII, e pelo Código de Direito Canônico de 1917. Erroneamente a maçonaria foi
associada às sociedades secretas que lutavam pela unificação da Itália, como os Carbonari (BENIMELI,
2014, p. 140-143).
1131
REINERMAN, Alan J. The Failure of popular counter-revolution in Risorgimento Italy: the case of
the centurions, 1831-1847, apud SARLIN, 2019, s.p.
312
criminosos e delinquentes; podiam portar armas e estavam isentos de certos impostos
municipais. Eram influenciados pelo fanatismo não só político, mas também religioso,
porque estimulados por bispos e padres1132. As consequências da repressão foram
desastrosas: as prisões papais ficaram lotadas, e exilados liberais levaram ao restante da
Europa seu antipapismo; ademais, a manutenção da máquina de repressão arruinou as
finanças do papado. O pontificado de Gregório XVI, para muito além dos territórios da
Igreja, tornou-se sinônimo de violência obscurantista. Em toda a Europa, houve
católicos que vieram rejeitar a aliança do trono e do altar como fórmula para a
tirania1133.
1132
FARINI, 1851, p. 72.
1133
DUFFY, 2014, p. 280-281.
1134
No caso da Polônia, o papa amenizaria sua posição de irrestrito apoio ao czar russo Nicolau I em
julho de 1842, com a publicação da encíclica Haerentem Diu, criticando a situação da Igreja Católica no
império, mas amenizando a crítica ao soberano: no entanto, venerados irmãos, não desanimemos,
amparados pela esperança de que o mais poderoso imperador da Rússia, ilustre rei da Polônia, pelo
elevado sentido de justiça e pela grandeza de espírito que o distingue, queira cumprir nossos pedidos
insistentes e dos católicos submetidos a ele (GREGÓRIO XVI, alocução Haerentem Diu, 1842).
313
um pai amoroso, [...] um pai que aspira apenas ao bem dos filhos e só por eles
preocupa-se1135, curiosamente o mesmo czar que tentava impor o rito ortodoxo aos
católicos poloneses. O apelo à submissão foi muito mal recebido por grupos católicos
de toda a Europa. O mesmo mal-estar foi sentido após a publicação de outras duas
encíclicas editadas em abril e julho de 1831 – Quel Dio e Armi valorose – ambas
elogiando expressamente Francisco I – a quem uma indelével gratidão nos vinculará
perpetuamente1136 –, pela repressão contra as revoluções desencadeadas a partir de
1830, que, em território austríaco, buscavam a independência de Viena1137. Roma havia
se tornado totalmente dependente da política externa e dos exércitos austríacos, assim
como da influência política de Metternich, que no fim de 1831 havia intermediado
empréstimos do banco Rothschild para que o cardeal Bernetti organizasse o exército, e
sanasse as finanças da Santa Sé1138.
1135
Idem, encíclica Chiamati Dalla Divina (1831).
1136
Idem, encíclica Quel Dio, 1831.
1137
Mas se com a mais sincera sinceridade de gratidão reconhecemos no exército imperial austríaco real
aquelas fileiras eleitas de gente valente, a quem Deus quis reservar o triunfo sobre a perversidade dos
rebeldes, e com ele a honra de devolver seus Estados à Santa Sé, coroando com tão feliz êxito os
impulsos incessantes daquela mais pura religião que forma o mais belo elogio de seu augusto e poderoso
senhor Francisco I [...] (Idem, ibid.).
1138
HALES, 1954, p. 27. O papa Gregório XVI foi muito criticado pelos cardeais mais conservadores,
que acreditavam que a Igreja Católica estaria se rendendo a um banqueiro judeu. A desaprovação
aumentou quando pouco depois o papa concedeu a Carl Mayer von Rothschild (1788–1855) a Sagrada
Ordem Militar Constantiniana de São Jorge (POSNER, 2015, p. 12). Para a história da família e da casa
bancária Rothschild, ver FERGUSON, Niall. The House of Rothschild, the world’s banker, 2000.
1139
GREGÓRIO XVI, encíclica Cum Primum, 1832
314
os poloneses assumissem a mesma postura dos primeiros cristãos perante o poder do
Império Romano: resignação diante do poder terreno. A adesão de Gregório ao
conservador sistema de equilíbrio de poder na Europa, construído por Metternich, não
era apenas pragmática e utilitarista, mas também ideológica, assim como fizeram seus
antecessores, Leão XII e Pio VIII, e o cardinalato.
1140
Romanos: 13, 1-2: Cada um se submete às autoridades constituídas, pois não há autoridade que não
venha de Deus, e as que existem foram estabelecidas por Deus. Assim, aquele que se revolta contra a
autoridade, opõe-se à ordem estabelecida por Deus. E os que se opõem atrairão sobre si a condenação. 1
Pedro: 2, 13-14: Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do Senhor, seja ao rei, como soberano,
seja aos governadores, como enviados seus para a punição dos malfeitores e para o louvor dos que
fazem o bem (A Bíblia de Jerusalém, 2002).
1141
Entre 1818 e 1822, foram realizados vários congressos entre as grandes potências – o próprio termo é
uma criação desse período – para discutir as questões europeias. Troppau foi um deles (HOBSBAWM,
1996, p. 103).
1142
METTERNICH, 1881b, p. 425-445. Uma cópia do texto foi enviada no mesmo dia ao imperador
austríaco.
315
Metternich começou o texto perguntando-se se os soberanos europeus
estariam preparados para o futuro próximo, já que as paixões desencadeiam-se e unem-
se pela derrubada de tudo o que a sociedade tem respeitado como fundamento de sua
existência: religião, moral pública, leis, costumes, direitos e deveres, tudo é atacado,
confundido, derrubado ou questionado1143. A grande maioria do povo, que quer apenas
viver e descansar, assistiria silenciosa à agitação provocada por poucos. As mudanças
dos últimos séculos teriam provocado a sensação de que religião, moral, legislação,
economia, política, administração haviam se tornado um bem comum e acessível a
todos. A ciência parece infundida; a experiência não tem valor para os presunçosos; a
fé para eles nada é, substituída por uma pretensa convicção individual, e dispensa-se,
para chegar a essa convicção, todo exame e todo estudo; pois esses meios parecem
subordinados demais a uma mente que se acredita suficientemente forte para abarcar
de relance todo um conjunto de questões e fatos. Da mesma forma, as leis não têm valor
para eles, porque foram feitas por gerações rudes e ignorantes, seu poder reside em si
mesmo; por que ele deveria submeter-se àquilo que poderia ter sido útil apenas para o
homem privado de iluminação e conhecimento? O que pode ter sido suficiente para a
idade da “debilidade”, não poderia mais ser adequado para o da razão, do vigor, do
grau de aperfeiçoamento universal. A moralidade também teria desaparecido, uma vez
que cada um interpretaria sua essência como lhe agrada e permite que todos os demais
façam o mesmo, desde que esse outro não o mate e roube. A meta desses idealistas seria
realizar uma fusão da religião e da política e criar para cada indivíduo uma existência
totalmente independente de qualquer autoridade ou religião. Essa nova ordem proposta
tende, em princípio, apenas a individualizar todos os elementos que formam a
sociedade e fazer de cada homem a cabeça de seu próprio dogma, o árbitro das leis [...]
o único juiz finalmente de suas crenças, de suas ações e dos princípios segundo os
quais ele pretende regulá-los. A França teria sido o país que teve a infelicidade de
conter o maior número desses homens. É no seu seio que a religião e tudo o que tem de
mais sagrado, que a moralidade e o poder [...] foram por eles atacados com uma
continuação e uma sistemática implacável. Foram as cenas de horror vistas durante a
Revolução Francesa que levaram ao fracasso da propaganda jacobina em suas
primeiras esperanças criminosas. Contudo o germe revolucionário, espalhado pela
1143
Todas as referências a seguir foram tiradas do documento de Metternich dirigido ao Czar Alexandre I
316
Europa por meio das conquistas de Napoleão, derrubando governos, destruindo
instituições, pôde entrar na Prússia, nos Estados italianos, na Espanha encoberto com o
véu do amor sincero à pátria1144. Os príncipes da Confederação do Reno teriam
colaborado com esse processo nos Estados germânicos, comportando-se como
auxiliares e cúmplices desse sistema, ao qual sacrificaram as instituições que em seus
países, desde tempos imemoriais, serviram de salvaguarda contra a arbitrariedade e a
democracia.
(idem, ibid.).
1144
Metternich, assim como os governantes das potências europeias, temia profundamente um novo
processo revolucionário na França, uma vez que os espíritos da revolução e do liberalismo ainda vagavam
livremente. Temia-se que uma coalizão de forças entre jacobinos e liberais pudesse desencadear novos
levantes. A eclosão da Revolução de 1830 em Paris, assim como dos movimentos nacionalistas por toda a
Europa, aguçou esses temores (HOBSBAWM, 1996, p. 106).
1145
O termo classes médias em Metternich refere-se àqueles que não compunham a aristocracia nem as
camadas populares, incluindo, inclusive, o que hoje se entende como classe média, como intelectuais, por
exemplo. Na época o termo já era um tanto vago. A expressão começou a ser usada, no fim do século
XVII e começo do século XVIII, de forma mais ou menos indistinta para se referir a lojistas, fabricantes,
artesãos independentes em melhor situação, funcionários públicos, profissionais, comerciantes menores e
assim por diante. Eram pessoas que estavam abaixo da pequena nobreza, mas acima do nível das classes
trabalhadoras (HUNT, 1996, p. 15).
317
adequados para satisfazer a sede tem de poder, [atacando a] tudo o que os séculos
legaram de respeito sagrado e positivo pelos homens; finalmente negando o valor do
passado e declarar-se os mestres da criação de um futuro.
318
não sua mudança. Que os governos, portanto, governem, que mantenham as bases
fundamentais de suas instituições, antigas e novas; porque se, em todos os tempos, é
perigoso tocá-las, não é hoje, e na turbulência geral, que pode ser útil fazê-lo. A
convocação pede a repressão dos movimentos doutrinários dentro de seus estados,
demonstrando que não compactuam ou são indiferentes; que sejam precisos e claros em
cada uma de suas palavras, e que não busquem ganhar com concessões às partes que
visam apenas à destruição de qualquer poder que não seja deles [...] que sejam justos,
mas fortes; benevolentes, mas severos [...] deixem sufocar as sociedades secretas, essa
gangrena da sociedade. E, por fim apela que mantenham o princípio religioso em toda
a sua pureza e não deixem que os dogmas sejam atacados e a moral interpretada
segundo o contrato social ou as visões de simples sectários. [...] Qualquer grande
Estado, determinado a sobreviver à turbulência do momento, ainda tem grandes
chances de salvação1147.
1146
A censura à imprensa tornara-se um elemento da política tão importante quanto a repressão policial e
a religião; o padre, os policiais e o censor eram agora os três principais pilares da reação contra a
revolução (HOBSBAWM, 1996, p. 230).
1147
Todas as referências a seguir foram tiradas do documento de Metternich dirigido ao Czar Alexandre I
(METTERNICH, 1881b, p. 425-445).
319
liberalismo; o indivíduo encontrava nesta aliança uma expressão mais adequada de sua
trágica condição do que em qualquer solução formulada pelos racionalistas1149.
1148
Oficialmente os Romanovs nunca deixaram o trono, mas o czar Alexandre I enfrentou as tropas de
Napoleão dentro de seu território entre junho e dezembro de 1812.
1149
HOBSBAWM, 1996, p. 230.
1150
O’MALLEY, 2010b, p. 59.
320
Ministério da Educação Pública e a reimplantação do ensino religioso. Após a
Revolução de 1830, o rei Luís Filipe I tentou uma aproximação com Roma, fazendo
algumas concessões na educação, sem obter a pacificação. Os jesuítas, embora
proibidos no país desde 1828, na prática controlavam uma parte significativa da
educação, especialmente nos seminários inferiores. Em 1828 havia na França 12
casas da Companhia de Jesus; em 1840 eram 74. A situação dos jesuítas só foi resolvida
em 1845, com um acordo entre o governo francês e a Santa Sé, representada pelo
secretário de estado Luigi Lambruschini, garantindo sua permanência em solo
francês1152.
1151
O’MALLEY, 2010a, p. 240; CHADWICK, 1998, p. 2.
1152
JEDIN; DOLAN, 1981ª, p. 297.
1153
CHADWICK, 1998, p. 34. A militância de Montalembert, ao contrário do que se esperava, conseguiu
construir uma mentalidade de defesa da laicidade da educação entre os franceses, especialmente quanto à
escola secundária. Por muitos anos, jornais e panfletos católicos acusaram as escolas públicas de serem
sites de reproduction des peste, criadouros de pragas, com uma educação ateísta e materialista (JEDIN;
DOLAN, 1981ª, p. 300).
321
séculos. Desde a Paz de Augsburgo (1531), assinada entre o imperador Carlos V e os
principados alemães, cada soberano teria o direito de estabelecer a religião do reino.
Todos os súditos que não aceitassem a religião do príncipe, e não deixassem o reino,
perderiam os direitos civis. Com o passar do tempo essa separação foi flexibilizada, e
finalmente desapareceu após a invasão de Napoleão aos Estados germânicos. Com o
surgimento de muitas regiões nas quais católicos, protestantes e luteranos conviviam,
passaram a ocorrer os casamentos mistos. Mas para a Igreja ainda vigiam as regras para
o matrimônio estabelecidas pelo Concílio de Trento, no decreto Tametsi, em sua sessão
XXIV, de novembro de 1563, que declarou que os contratos clandestinos de casamento
livremente firmados eram válidos, desde que cumpridos os regulamentos da Igreja
quanto à celebração, o que na prática exigia que fossem celebrados por um sacerdote
católico. A determinação transformou todos os casamentos com protestantes ou não
católicos em adultério1154. Na década de 1820 os casamentos mistos intensificaram-se
nos Estados germânicos, fazendo com que a Prússia, hegemônica na região desde o
Congresso de Viena, o estabelecesse como regra na região da Renânia católica. Ao
descontentamento dos bispos, que invocavam a encíclica Litteris altero abhinc (1830),
do papa Pio VIII, que declarou que um casamento só poderia ser devidamente
abençoado se fosse assegurada a educação católica dos filhos, somaram-se os protestos
dos nacionalistas renanos contra o domínio prussiano. A escolha do conservador conde
Clemens Droste zu Vischering (1773–1845) para o Arcebispado de Colônia, em 1835,
aumentou a pressão, uma vez que se opunha ao decreto imperial prussiano e recusava-se
a aceitar casamentos mistos, dando início aos Kölner Wirren (1835–1848), incidentes de
Colônia.
1154
CHADWICK, 1998, p. 35. A lei canônica, orientada pelo decreto Tametsi, passou a estabelecer que
um casamento misto só pudesse ser aprovado se uma promessa fosse feita de que o parceiro católico no
casamento deveria exercer a religião católica livremente; e se os filhos do casamento fossem batizados
como católicos e educados na religião católica (idem, ibid.).
322
presos. O arcebispo de Gnesen-Posen, região da Polônia invadida pela Prússia, Martin
van Dunin (1774–1842), acompanhou a decisão de Droste zu Vischering e também foi
preso. O arcebispo de Colônia só foi libertado em abril de 1839, e Dunin em agosto de
1840. Ao assumir o trono prussiano em junho de 1840, o imperador Frederick William
III cedeu, aceitando a disciplina da Igreja Católica sobre os casamentos. No lugar de
Droste zu Vischering foi escolhido um ultramontano radical, Johannes von Geissel, mas
que, em defesa da unidade da Igreja na Prússia, tentou construir boas relações com o
Estado e com o protestantismo majoritário. Os incidentes gerariam uma relação
complicada entre a Igreja Católica e a Prússia pelas décadas seguintes, inclusive
considerada uma causa da Kulturkampf (batalha cultural), durante o governo do
primeiro-ministro Bismarck após a década de 18601155. Nos outros Estados em que
havia populações mistas, como na Áustria, ou na Suíça, em que poucos católicos
conviviam com a maioria protestante, a rigidez do papa Gregório XVI na questão do
casamento, contrária à noção geral de tolerância que se ampliava na Europa, causou
dificuldades1156.
1155
Foi denominada como Kulturkampf uma série de atritos entre o primeiro-ministro Otto von Bismarck
e o papa Pio IX, entre 1872 e 1878, que envolviam o controle clerical da educação e das nomeações
eclesiásticas nos territórios alemães. Por analogia, o termo passou a ser usado para descrever qualquer
conflito entre autoridades seculares e religiosas.
1156
CHADWICK, 1998, p. 34-41.
1157
GREGÓRIO XVI, breve In supremo apostolatus fastigio (1839).
323
nos Estados Unidos da América. A semente estaria na frase: Admoestamos e suplicamos
vigorosamente no Senhor, para que ninguém se atreva a fazê-lo no futuro, injustamente
molestar índios, negros ou outros homens deste tipo; ou para roubá-los de seus
bens1158.
Assim como seus antecessores, os papas Pio VII e Pio VIII, Gregório XVI
também investiu contra as traduções da Bíblia para as línguas europeias. A carta
apostólica Inter praecipuas machinationes, editada em maio de 1844, quase ao fim de
sua vida, condenou as sociedades bíblicas: Entre os esquemas especiais com os quais os
não católicos conspiram contra os adeptos da verdade católica para desviar suas
mentes da fé, as sociedades bíblicas são proeminentes [...] um exército em marcha,
conspirando para publicar em grandes números cópias dos livros da Escritura divina.
Infiéis. Então, as sociedades bíblicas convidam todos a lê-los sem guia1159. Citando
Tertuliano; (c.155–c. 220), um dos primeiros padres, a tradução divulgada pelas
sociedades era uma habilidade apropriada para hereges. Tendo repudiado a palavra de
Deus dada e rejeitado a autoridade da Igreja Católica, eles interpolam “por artifício”
nas Escrituras ou pervertem “seu significado por meio da interpretação”. E,
finalmente, você não ignora a diligência e o conhecimento necessários para traduzir
fielmente para outro idioma as palavras do Senhor1160. As sociedades bíblicas nunca
cessam de caluniar a Igreja e esta Cátedra de Pedro como se tivéssemos tentado
manter o conhecimento da Sagrada Escritura dos fiéis. No entanto, temos documentos
que detalham claramente o zelo singular que os Sumos Pontífices e bispos nos últimos
tempos têm usado para instruir o povo católico mais profundamente na palavra de
1158
ENGLAND; READ, 1844, p. xi. O texto original em latim: Admonemus et obtestamur in Domino
vehementer, ne quis audeat in posterum Indos, Nigritas, seu alios hujusmodi homines injuste vexare, aut
spoliare suis bonis (idem, ibid., p. viii). Estranhamente, no texto que se encontra atualmente no endereço
eletrônico do Vaticano a expressão injuste vexare desapareceu. No site, o trecho está, em italiano, desta
forma: Ammoniamo e scongiuriamo energicamente nel Signore tutti i fedeli cristiani di ogni condizione a
che nessuno, d’ora innanzi, ardisca usar violenza o spogliare dei suoi beni (admoestamos e suplicamos
vigorosamente no Senhor a todos os cristãos fiéis de todas as condições, que nenhum homem doravante
se atreva a usar a violência, ou a desapossar de seus bens). Disponível em:
https://www.vatican.va/content/gregorius-xvi/it/documents/breve-in-supremo-apostolatus-fastigio-3-
dicembre-1839.html. Acesso em: 18 dez 2021.
1159
GREGÓRIO XVI, encíclica Inter praecipuas machinationes, 1844.
1160
Idem, ibid.
324
Deus1161. O documento invocava o papa Inocêncio III, que teria estabelecido uma severa
vigilância contra as traduções, porque eram vulgarizadas e lidas em reuniões secretas de
heréticos. Criticava o luteranismo e o calvinismo, que estimularam a Bíblia em
vernáculo acessível a todos. A encíclica, por fim, exortou aos membros da Igreja que se
esforçassem para manter os fiéis distantes dessas traduções, confiscando-as: Também
tomem dos fiéis as Bíblias vernáculas que foram publicadas contrariamente às sanções
dos romanos pontífices e todos os outros livros que são proscritos e condenados1162.
1161
Idem, ibid.
1162
Idem, ibid.
325
Outro ponto de enfrentamento do tradicionalista Guéranger era quanto à
música litúrgica. Segundo ele, faltava aos hinos usados na igreja francesa, escritos nos
séculos XVII e XVIII, antiguidade, que não lhes permitia ser enquadrados na
constituição apostólica Quo primum de 1570. Para os bispos galicanos, as diferenças
locais da liturgia estavam amparadas pelo papa Pio V, na constituição apostólica1164. O
documento, que promulgou a liturgia tridentina, previa: liturgia, à forma e ao rito
original dos santos padres, obrigatória para todo o mundo cristão, a não ser que fosse
criada por uma instituição aprovada desde a origem pela Santa Sé, ou então em virtude
de um costume consagrado pela prática ininterrupta de mais de 200 anos. Já os
defensores do rito romano, como Guéranger, argumentavam que o processo de
restauração católico após a Revolução Francesa fizera com que as liturgias diferentes
passassem a competir entre si, desaparecendo os ritos tradicionais. A campanha pela
adoção do rito romano, ardorosamente defendida pela influente revista ultramontana e
conservadora L’Univers, editada pelo jornalista Louis Veuillot (1813–1883), fez com
que vários concílios provinciais na França aderissem à causa de Guéranger e do
papado1165.
1163
O’MALLEY, 2018, p. 74.
1164
Em alguns documentos essa constituição aparece como sendo de 1568, data correta pelo calendário
juliano. Após a instituição do calendário gregoriano, em 1582, a data da edição passou a ser 1570.
1165
O’MALLEY, 2018, p. 75.
1166
Idem, ibid., p. 76-77.
326
restauração teocrática parecessem estar absolutamente conectadas1168. Diferentemente
do que ocorreu com relação à liturgia, Guéranger não contou com o apoio de Roma para
a adoção universal do canto gregoriano medieval, uma vez que o papado ainda preferia
a música polifônica barroca da Renascença em suas celebrações1169. À exceção da
música, durante o papado de Gregório XVI cresceu na cultura católica a visão
mitificada da Idade Média como modelo e exemplo de sociedade que atendia aos
princípios cristãos.
1167
Graças aos esforços de Guéranger o canto gregoriano tornou-se um estudo paleográfico entre os
beneditinos do mosteiro de Solesmes, mas que ficou lá restrito por muitas décadas (BERGERON, 1998,
p. xi-xv).
1168
MENOZZI, 1997, p. 146. Além da liturgia, durante o pontificado de Gregório XVI, a corrente
conservadora católica investiu inclusive contra os padrões estéticos do século XIX. A crítica às formas
estilísticas posteriores a Rafael (1483–1520) pretendia que nas igrejas a arte moderna fosse substituída
por imagens piedosas com modelos medievais (idem, ibid., p. 147).
1169
Mais tarde, em 1851, Guéranger seria nomeado pelo papa Pio IX consultor tanto da Congregação
Romana dos Ritos quanto da Congregação do Index, evidenciando sua relação com a causa ultramontana.
Apesar do insucesso quanto ao canto gregoriano, Guéranger conseguiu substituir em toda a Europa os
ritos locais, especialmente o galicano, pelo rito romano. Em 1853, o papa Pio IX editou a constituição
apostólica Inter multiplices: A Liturgia da Igreja Romana foi restaurada de acordo com nossos desejos,
[para evitar] fraudes mais sutis dos traiçoeiros e seus erros, e possam cada dia mais e mais glorificar-se
para se manterem firmes e constantemente próximos com afeto e devoção filial a esta Sé Apostólica, e
obedeçam a ela, como é seu dever, com grande reverência (PIO IX, constituição apostólica Inter
multiplices, 1853). Assim, na França, e em toda a Europa, a romanização da liturgia foi completa
(O’MALLEY, 2018, p. 79).
327
do período revolucionário e do governo de Napoleão. O mais velho deles foi Lorenzo
Girolamo Mattei (1748–1833), com 85 anos, que morreu antes de receber o título, assim
como outros três: Gaetano Maria Trigona e Parisi (1767–1837), Francesco Capaccini
(1784–1845) e Joseph Bernet (1770–1846). Já os mais novos foram o germânico
Francesco Saverio Massimo (1806–1848) e o austríaco Friedrich von Schwarzenberg
(1809–1885), ambos com 32 anos, sendo que este último foi o que mais tempo
permaneceu no cardinalato, durante 44 anos1170.
1170
MIRANDA, 2021, s.p.
1171
Fieschi era descendente dos papas Inocêncio IV, papa entre 1243 e 1254, e Adriano V (1276); Della
Genga era sobrinho de Leão XII (1823–1829); Pignatelli descendia de Bento XII (1335–1342), e
Piccolomini, de Pio II (1458–1464) e Pio III (1503) (idem, ibid.).
328
chefe de guarda da Biblioteca Papal do Vaticano. A partir de 1825, organizou uma
monumental coleção de 40 volumes, na qual recolheu e ordenou todas as descobertas
científicas feitas nos últimos três séculos. Também foi responsável pela restauração de
inúmeras obras da biblioteca tidas como perdidas; foi consultor da Inquisição Romana.
Giuseppe Gasparo Mezzofanti, bolonhês, filho de carpinteiro, especializou-se no estudo
de idiomas; ainda adolescente concluiu com distinção o curso de teologia, antes de ter
atingido a idade mínima para a ordenação como padre. Também estudou etnologia,
arqueologia, numismática e astronomia. Foi professor de hebraico e grego na
Universidade de Bolonha, e consultor da Congregação para a Correção dos Livros da
Igreja Oriental, e da Congregação do Index’. Consta que falava perfeitamente 38
línguas e mais 50 dialetos. Francesco Capaccini, romano, também filho de uma família
de modestos comerciantes. Dedicou-se ao estudo de teologia, filosofia, letras, direito e
ciências – física, matemática e astronomia. Foi astrônomo do Observatório de Nápoles.
Curiosamente, Mai, Mezzofanti e Capaccini eram os cardeais originários das famílias
mais pobres. Também destacou-se Francesco Saverio Massimo, filho de nobres, nascido
em Dresden, na Saxônia. Foi membro, presidente e fundador de várias sociedades
arqueológicas, na península italiana, na França e na Grécia. Supervisionou a construção
do Museu Gregoriano Egípcio em Roma, e realizou um extenso trabalho de restauração
de museus nos Estados Pontifícios1173.
3.5. Pio IX
1172
Idem, ibid.
329
dos italianos em apenas um país. Ao dissolver as fronteiras dos antigos reinos italianos,
obrigando suas populações a uma convivência até então desconhecida, as tropas
francesas conseguiram reduzir na prática rivalidades e inimizades centenárias. Estados
vizinhos, que haviam sido inimigos hereditários, descobriram que podiam viver juntos
em paz, com base em uma história e tradição comuns. O alistamento militar obrigatório,
introduzido na península por Napoleão, também colocou lado a lado nativos de várias
províncias, libertando-os de preconceitos. A aproximação possibilitou a descoberta de
uma identidade comum, e, por conseguinte, do nacionalismo1174. As constantes invasões
francesas e austríacas após a restauração monárquica estimularam ainda mais esse
sentimento, somando a ele o patriotismo. Às questões política juntava-se a catástrofe
social de uma brutal depressão econômica que varreu o continente a partir de meados da
década de 1840. As colheitas foram insuficientes para a alimentação da população, e
grandes massas, como na Irlanda e no sul da península italiana, morreram de fome. Nas
cidades o desemprego aumentou assustadoramente e massas de trabalhadores urbanos
perderam suas ocupações1175.
1173
Idem, ibid.
1174
PIRIE, 1936, p. 325.
1175
HOBSBAWM, 1996, p. 207.
1176
PIRIE, 1936, p. 326.
1177
Gregório XVI baniu evidentemente a invenção de seus Estados [...] correndo o risco de transformar
os Estados Pontifícios como um ponto isolado, cortado da comunicação moderna (LAGRÉE, 2002, p.
405).
1178
PIRIE, 1936, p. 327.
330
valiam da dura repressão para calar os movimentos nacionalistas e com a revolta
popular1179. O que era apenas agitação, sob o papado de Gregório XVI tornou-se uma
possibilidade concreta de levante e rebelião. Para Metternich, chanceler austríaco, e
François Guizot (1787–1874), seu correspondente francês, a agitação na península era
apenas uma questão de repressão; a Áustria, dominando a Lombardia e Vêneto, temia a
agitação nacionalista em outras regiões da península1180. O Colégio de Cardeais,
composto em sua maior parte por italianos, inquietava-se com o sentimento
nacionalista. Para a população, o prestígio da política desenvolvida pelo papa Gregório
XVI e por Lambruschini, seu secretário de estado, estava em seu ponto mais baixo.
Receosos, os cardeais abriram o conclave rapidamente, sem esperar a chegada dos
cardeais que estavam fora de Roma1181. A abertura em 14 de junho de 1846 deu-se sob
um forte esquema de segurança destinado a preservar a ordem na cidade: tropas da
Áustria ocuparam vários pontos estratégicos de Roma e seus navios de guerra
ancoraram no porto de Ancona, no Mar Adriático. Nas províncias dos Estados
Pontifícios, clérigos da confiança de Lambruschini foram encarregados do governo
provisório, durante a ausência dos cardeais em Roma1182.
1179
HALES, 1954, p. 17.
1180
Idem, ibid., p. 25.
1181
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 57.
1182
PIRIE, 1936, p. 328.
1183
Os statisti estavam ansiosos por afirmar a independência espiritual e temporal de Roma contra os
governantes católicos, principalmente Metternich. Entre eles se encontrava Mastai, um cardeal
eminentemente italiano em sua aversão a Viena (HALES, 1954, p. 19).
1184
BAUMGARTEN, 2003, p. 192. Durante os períodos mais intensos da repressão política promovida
pelo papa Gregório XVI e por seu secretário de estado, Lambruschini, o cardeal Gizzi acolheu
perseguidos, permitindo que escapassem, sempre se recusando a admitir a presença de corporações
militares papais de perseguição em área de sua jurisdição (HALES, 1954, p. 28).
331
tão conservador quanto Lambruschini, havia percebido o sentimento majoritário do
cardinalato, de que se deveria eleger um papa italiano, relativamente jovem, disposto a
corrigir os excessos de Gregório XVI e fazer algumas reformas1185.
1185
FARINI, 1851, p. 171. Havia uma anedota em Roma durante o conclave de 1846, afirmando que
mesmo que Inácio de Loyola tivesse sido eleito, seria impossível ter um papado mais reacionário que o
anterior (MONSAGRATI, 2019, p. 12).
1186
Além de Bernetti apenas quatro cardeais elevados pelo papa Pio VII participaram do conclave:
Giacomo Fransoni, Benedetto Barberini, Francisco de Cienfuegos y Jovellanos (1776–1847) e Vincenzo
Macchi (1770–1860). Karl von Gaisrück também fora indicado por aquele papa, mas chegou atrasado ao
conclave. Todos os outros 45 cardeais haviam sido escolhidos por Gregório XVI, e apenas um, Charles
Acton (1803–1847), não era italiano, apesar de ter nascido em Nápoles (MIRANDA, 2021, s.p).
1187
Idem, ibid.
332
Vincenzo Gioberti (1801–1852), que queria unir a Itália em um único reino tendo o
papa como seu rei1188; achava que, como chefe espiritual de todos os cristãos, não
deveria desempenhar o papel de soberano em uma federação italiana. Apesar de não
concordar com as práticas e os métodos de seu antecessor, e nos primeiros dias indicar
que seguiria um caminho diferente de seu antecessor, Pio IX recebera uma pesada
herança, cujas contingências políticas o fizeram gradativamente aceitar.
1188
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 60. O neoguelfismo, que unia intelectuais moderados, era uma referência
à disputa entre guelfos e gibelinos na sucessão do Sacro Império Romano-Germânico, após a morte do
imperador Henrique V, em 1125, que não deixara herdeiros. Os guelfos apoiavam o papa Honório II, que
defendia a Casa de Welf, italianizado como guelfo, e os gibelinos apoiavam a dinastia de Hohenstaufen,
de Waiblingen, gibelino (MILANI, 2005, s.p.).
1189
POSNER, 2015, p. 11.
333
indiscriminada da pena de morte nos Estados Pontifícios também incomodava os
espíritos liberais europeus. Os espiões e as milícias paramilitares, como o grupo
Centurioni, era procedimento usual adotado por Lambruschini; a polícia secreta prendia
indiscriminadamente, invadia casas de suspeitos e os torturava. O próprio papa, ainda
como cardeal, em Ímola assistira à perseguição e morte de um fugitivo por alguns
centurioni dentro da catedral da cidade. As prisões estavam superlotadas, uma vez que o
aparato policial e repressivo era muito mais rápido que o judicial. A corrupção, o
suborno e o peculato eram práticas regulares1190. Pio IX implantou reformas na justiça
logo em seus primeiros meses: tentou implantar um sistema que permitisse o habeas
corpus, simplificou o complicado sistema de tribunais criminais, promoveu uma
reforma geral do Código Penal e ordenou a inspeção regular das prisões1191.
1190
HALES, 1954, p. 29-31.
1191
Idem, ibid., p. 59.
334
novembro de 1847, Antonelli, presidente do Conselho de Ministros e a partir de março
de 1848 secretário de estado, discursou: Para melhor compreender e atender às
necessidades do público, ele os reuniu em um conselho permanente, para ouvir suas
opiniões e usá-las em suas próprias deliberações soberanas, consultando sua
consciência e conferindo com seus ministros e o sagrado colégio. Deixou claro aos
conselheiros os limites impostos pelo papa: as decisões da Consulta di Stato eram
apenas indicativas, e jamais seria uma instituição incompatível com a soberania
papal1192. Pio IX detinha o poder espiritual e secular, do qual o cardinalato não admitia
que abrisse mão: seu duplo papel impossibilitou o papa de tornar-se um monarca
constitucional no sentido de possuir uma soberania limitada, um poder que estava
sujeito à vontade de uma assembleia eletiva1193.
Afável e mais liberal do que a maioria dos cardeais esperava, ele logo
ganhou a simpatia da população dos Estados Pontifícios, em 17 de julho de 1846, um
1192
SPADA, 1868, p. 394-395. Compunham o conselho: oito advogados, oito condes, três príncipes, dois
marqueses, dois comerciantes e um bispo (idem, ibid.).
1193
HALES, 1954, p. 59-61.
1194
Antes de deixar o cargo, em 22 de junho de 1847, 15 dias antes de renunciar, Gizzi emitiu uma nota
advertindo ao povo que as reformas implantadas não deveriam ser mal interpretadas e que não
representavam qualquer sinal de hostilidade do papa, especialmente à Áustria: Sua Santidade não foi
capaz de conceber, sem grande dor de alma, que alguns espíritos agitados gostariam de aproveitar o
presente estado de coisas para expor ou fazer prevalecer doutrinas e pensamentos totalmente contrários
às suas máximas [...] e ao caráter sublime do Vigário de Jesus Cristo [...] e para excitar no povo por
palavras ou atos, desejos e esperanças de reforma além dos limites indicados (SPADA, 1868, p. 234).
335
mês depois de sua eleição, ao anistiar mais de mil presos acusados de sedição e permitir
a volta de exilados, excluídos religiosos e presos comuns; também determinou que as
inquisições políticas parassem imediatamente. As medidas, festejadas em Roma,
discutidas em um comitê com cardeais liberais e conservadores, não encontraram
profunda resistência no Colégio de Cardeais; muitos as viam como inevitáveis para
evitar novos levantes; os conselheiros papais apenas divergiam quanto a uma anistia
geral para as condenações políticas ou a um procedimento mais gradual e
individualizado1196. Nunca um papa encontrara as prisões tão cheias no momento de sua
posse1197. Metternich, em uma carta ao embaixador austríaco na Santa Sé, Rudolf von
Lützow, ainda em julho de 1846, afirmou que o correto seria conceder o perdão e não
uma anistia que apaga os crimes cometidos como se não houvessem acontecido: O
perdão pressupõe a culpa e a existência de uma autoridade investida do direito de
perdoar, porque detém o direito de punir [...] a anistia não ultrapassa os limites de uma
declaração de nulidade, [...] uma declaração de esquecimento; não é a falha, são as
consequências da falha que ela anula1198.
1195
HALES, 1954, p. 52-53. Entre os cardeais, Pio IX podia contar apenas com dois: o próprio Gizzi e,
Luigi Amat (1796–1878).
1196
FARINI, 1851, p. 177. Para os primeiros, os condenados já haviam sofrido muito, e um ato de
misericórdia seria um golpe brilhante, que o novo reinado deveria começar com brilho, e que nenhum
raio mais brilhante do que este poderia descer do trono supremo do perdão. Já para aqueles que
defendiam um processo mais lento, devolver à liberdade um grande número de pessoas, que até pouco
tempo estavam organizando sedições, poderia ser ofensivo para os amigos do governo (idem, ibid.).
1197
CHADWICK, 1998, p. 64.
1198
METTERNICH, 1883, p. 254-255.
1199
SMITH, 1988, p. 115.
336
se a criação de institutos agrícolas e escolas rurais1200. A Santa Sé ainda passou a
permitir bailes e festas nos jardins da cidade. A população animava-se com os boatos de
que o novo papa não via com simpatia a aproximação da Igreja com a Áustria, e que
lutaria pela expulsão dos austríacos de Milão e Veneza, regiões que governavam desde
18151201. O papa, a princípio desconhecido, tornara-se popular, algo semelhante ao que
ocorrera com papa Pio VII quando retornou a Roma após seu exílio ordenado por
Napoleão. Popularidade não compartilhada pelos setores conservadores da Igreja.
Muitos religiosos protestaram contra um papa jacobino, freiras foram chamadas a orar
contra o mal de um papa liberal; em muitas regiões dos Estados Pontifícios circularam
boatos de que Pio IX se filiara à organização Giovine Italia, de Giuseppe Mazzini, e que
aboliria a Companhia de Jesus1202. Os boatos aumentaram depois de o papa nomear o
cardeal Tommaso Gizzi, tido como ultraliberal, para ocupar a Secretaria de Estado.
Logo após sua indicação, o cardeal iniciou os estudos para a construção de uma
ferrovia, fez pronunciamentos a favor da educação e reformou a censura, que
continuaria existindo apenas para as questões da religião e relativas ao papa, mas com
direito de apelação contra o veredicto dos censores1203. Aparentemente o novo papa
faria um governo diametralmente oposto ao de Gregório XVI.
1200
HALES, 1954, p. 58.
1201
Idem, ibid., p. 18.
1202
CHADWICK, 1998, p. 66.
1203
Idem, ibid., p. 67.
337
erros entre o povo1204. Também alertou contra as armadilhas usadas pelos detratores da
verdade e da luz [pois] esforçam-se para extinguir todo o amor à justiça e à
honestidade na mente dos homens, buscando destruir os dogmas e as doutrinas da Igreja
Católica, ensinando que os sagrados mistérios da nossa religião são invenções
humanas; acusando a doutrina da Igreja Católica de contradizer o bem e as vantagens
da sociedade humana; negando a divindade do próprio Cristo. No documento criticou
de forma velada o protestantismo, assim como a exegese e a hermenêutica da Bíblia por
todo aquele que, abusando da razão e estimando a palavra de Deus como obra
humana, ousa explicá-la e interpretá-la a seu bel-prazer, quando o próprio Deus
constituiu uma autoridade viva, que ensina e estabelece o verdadeiro e o significado
legítimo de sua revelação celestial, e, com julgamento infalível, define toda
controvérsia de fé e moral, de modo que os fiéis não sejam enganados1205. Também, da
mesma forma repetindo seus antecessores, criticou o indiferentismo, as sociedades
bíblicas, acrescentando a elas a condenação à nefasta doutrina do comunismo, como
dizem, mais avessa à própria lei natural, [contra] os direitos de tudo, das coisas, das
propriedades, [que] desviam os homens da observância de todas as religiões e destroem
o rebanho do Senhor1206.
1204
PIO IX, encíclica Qui Pluribus (1846). Segundo alguns autores, a encíclica teria sido escrita pelo
cardeal Lambruschini (CHADWICK, 1998, p. 68).
1205
Idem, ibid.
1206
Idem, ibid.
1207
FARINI, 1851, p. 232. O termo sanfedismo originou-se da locução Santa Fede; foi um movimento
criado pelo cardeal Fabrizio Ruffo (1744–1827), organizado em Nápoles como uma milícia para
combater o exército francês na região. Formado por camponeses, aos moldes do levante francês em La
Vendée, de 1793, e infiltrado por criminosos, cometeu atrocidades tão selvagens quanto as de seus
oponentes. Após 1815 grupos reacionários em outras regiões, Piemonte, Veneza, Modena, Toscana, e
Estados Pontifícios, também foram chamados de sanfedistas. Em meados do século o termo adquiriu um
338
armar a população desagradaria ao governo austríaco, com o qual mantinha boas
relações por meio do embaixador Lützow. Foi substituído pelo cardeal Gabriele Ferretti
(1795–1860), também sem um perfil conservador, mas que desagradava tanto a liberais
quanto a jesuítas, o qual, por sua vez, ficou apenas seis meses no cargo: de 17 de julho a
31 de dezembro de 18471208.
sentido pejorativo, usado para definir todos os partidários extremados da união do trono e do altar
(SHAY, 2003, v. 12, p. 666).
1208
MIRANDA, 2021, s.p.
1209
FARINI, 1851, p. 246.
339
pela dignidade da Santa Sé, quanto à segurança do catolicismo universalmente1210. A
decisão da invasão fora exclusiva do chanceler, que exercia as funções de príncipe
regente da Áustria. A morte do imperador Francisco I, em 1835, deixou como sucessor
seu único filho, Fernando I, que tinha deficiência mental. A regência que se formou era
dirigida por Metternich, sucedido pelo arquiduque Luís José Antônio João (1784–1864),
e pelo conde Franz von Kolowrat-Liebsteinsky (1778–1861), e governou o império até a
renúncia de Fernando I provocada pela Revolução de 1848.
Metternich desejava dar uma demonstração de força, deixando claro que não
toleraria agitação na península. Ao mesmo tempo em que invadiu os Estados
Pontifícios, o governo austríaco reforçou as suas tropas nas regiões da Lombardia e do
Vêneto, em seu poder desde 1815. Em uma intensa troca de correspondência nos meses
de agosto e setembro de 1847, o chanceler deixou claras suas intenções: O que
aconteceu neste Estado é uma revolução. A revolução cobre-se com a máscara da
reforma; toda reforma [...] produz outro efeito, torna-se óbvio que o que se qualifica
como reforma está errada em sua base [...] as reformas realizadas neste Estado foram
além em sua concepção original, e desviaram-se do caminho em que o governo
pretendia1211. Ao conde Karl von Buol-Schauenstein (1797–1865), embaixador na corte
do rei Vittorio Emanuele II, da Sardenha-Piemonte, em setembro, o chanceler escreveu
que o governo do reino deve saber que as facções estão visando a uma revolução
radical, enquanto escondem seus verdadeiros desígnios sob a bandeira da reforma
social. É a única e indivisível república italiana com a qual sonham, ou pelo menos a
criação de diferentes repúblicas unidas por um vínculo federal, como os Estados
Unidos da América. Reafirmou os tratados do Congresso Viena de 1815, enfatizando
que eles representavam uma forte barragem contra os planos subversivos perseguidos
pelos revolucionários italianos. E concluiu: É importante reunir os principais poderes
signatários destes tratados e das respostas que deles já nos chegaram e que são
unânimes em reconhecer o valor das garantias sob as quais se situa o Estado de posse
1210
Idem, ibid., p. 260.
1211
Carta ao embaixador Apponyi em Paris, de 6 de agosto de 1847 (METTERNICH, 1883, p. 414).
340
dos soberanos que reinam na Itália1212. Para ele, Itália era uma palavra desprovida de
significado político; não conhecemos outra Itália senão aquela composta por diferentes
soberanias independentes, sendo que os Estados Pontifícios estariam nas garras de uma
revolução flagrante. A revolução na península é adornada com as cores do liberalismo,
a Itália não é um país onde as ideias liberais podem dar frutos; o povo italiano não as
compreende e só sabe aplicá-las sob a forma de licença; [...] o que esses homens
almejam é uma revolução radical1213. E as consequências da agitação teriam reflexos no
catolicismo: Constrangimentos aguardam o papa no campo da religião. Não há linha a
ser traçada entre as reformas legislativas, administrativas e religiosas; o soberano
pontífice, reformador civil, necessariamente se encontrará exposto às reivindicações
por parte dos reformadores em matéria de religião. Para Metternich, as excitações do
movimento democrático inculcado nas mentes nas populações, e nesta fração da
população que forma o baixo clero contêm, a meus olhos, muito mais perigo para o
soberano pontífice do que o trabalho dos sectários que arvoram a bandeira política1214.
A intensa correspondência com os embaixadores continuou por todo o segundo
semestre de 1847.
1212
Idem, ibid., p. 415.
1213
Carta a Apponyi de 27 de setembro de 1847 (idem, ibid., p. 417-418).
1214
Correspondência ao embaixador Lützow, em Roma, de 10 de outubro de 1847 (Idem, ibid., p. 426).
1215
FARINI, 1851, p. 264.
1216
SCOTT, 1969, p. 3. O que parecia ser a consequência mais potente da reforma de Pio IX foi um
renascimento da rivalidade triangular da França, Áustria e Inglaterra. Mais uma vez, como nos séculos
anteriores, as elaboradas teorias da Igreja e do Estado foram substituídas pelas relações competitivas
entre os poderes externos à Itália (idem, ibid., p. 4).
341
de acontecimentos. Concretamente, a invasão de Ferrara por tropas austríacas, que foi
tomada como uma provocação, e a dura resposta do cardeal Ferretti estimularam os já
exaltados ânimos nacionalistas italianos. Metternich conseguira agitar a opinião pública
a um ponto até então nunca visto, obtendo a oposição até mesmo daqueles que não se
interessavam por política. O fim da censura permitiu que mesmo os jornais mais
conservadores agitassem o nacionalismo ofendido, defendendo a resistência. De todos
os lados chegavam a solidariedade e o apoio ao papa. Cidades de toda a península
ofereceram tropas para expulsar os austríacos de Ferrara; formaram-se milícias armadas
e muitos jovens alistaram-se na Guarda Cívica. Mobilizaram-se não apenas de liberais
leigos, mas também de padres, bispos e ordens religiosas que coletaram dinheiro para as
despesas com armamentos1217. Entre a população circulou o boato de que o papa Pio IX
excomungaria o imperador Fernando I, assim como o regente e chanceler Metternich, o
que não ocorreu.
1217
FARINI, 1851, p. 262.
342
Deus lhe confia, duas coisas são necessárias: acreditar e unificar a Itália. Sem a
primeira você cairá à beira do caminho, abandonado por Deus e pelos homens; sem a
segunda você não terá aquela alavanca com a qual, sozinha, você pode alcançar coisas
grandes, sagradas e duradouras1219. Contudo, nada disso aconteceu. Depois de longa
negociação, em 16 de dezembro de 1847, Pio IX fez um acordo com Metternich, que
retirou as tropas de Ferrara. Poucos dias depois, Ferretti, tido como liberal, foi
exonerado e substituído pelo cardeal Giuseppe Bofondi (1795–1867), mais conservador,
que havia sido elevado a cardeal seis meses antes, e que ocupou o cargo de secretário de
estado entre 1º de fevereiro e 10 de março de 18481220. Em Roma a solução do impasse
foi tomada como uma vitória do papa sobre os austríacos. A invasão de Ferrara fez com
que o papa parecesse mais liberal e nacionalista, e o líder natural da resistência
militar; Metternich fizera dele o herói da Itália1221.
1218
HALES, 1954, p. 66. A carta pública de Mazzini muito teria desagradado a Pio IX, que nas ruas de
Roma era chamado de gran carbonaro (WOODWARD, 1963, p. 283).
1219
HALES, 1954, p. 66.
1220
Idem, ibid., p. 67.
1221
CHADWICK, 1998, p. 71.
1222
FARINI, 1851, p. 329-332; GIGLIO, 1912, p. 17.
343
ameaçavam a independência da Toscana. A região, apesar de autônoma, era governada
por uma linhagem da dinastia dos Habsburgos e, portanto, ligada a Viena, e, em razão
da repressão política, uma importante fonte de homens e recursos para os movimentos
nacionalistas1223.
1223
FARINI, 1851, p. 337.
344
importante, os trabalhadores organizados, inspirados por teorias socialistas
1224
revolucionárias .
1224
O presente estudo não comporta uma análise detalhada das complexas condições econômicas e sociais
presentes na Europa que precipitaram os acontecimentos da Revolução de 1848. Um panorama geral
encontra-se no consagrado estudo de HOBSBAWM, A era das revoluções (The age of revolution),
especialmente em seu capítulo final.
1225
CHADWICK, 1998, p. 73.
1226
SCOTT, 1969, p. 6.
1227
PIO IX, proclama Romani, e quanti, 1848.
345
tomar para não sofrer o espetáculo dos flagelos pelos quais Deus está acostumado a
chamar os povos de volta de seus erros1228. O segundo documento foi o edito Nelle
istituzioni, que converteu o governo dos Estados Pontifícios em uma espécie de
monarquia constitucional. Segundo o papa a decisão foi influenciada pelo que acontecia
no restante da península: como nossos vizinhos julgaram seus povos maduros para
receber o benefício de uma representação que não seja meramente consultiva, mas
deliberativa, não queremos estimar menos nossos povos, nem confiar menos em sua
gratidão, não para com nossa humilde pessoa, pela qual nada queremos senão para
com a Igreja e esta Sé Apostólica1229. Nelle Istituzioni continha um anexo, o Statuto
fondamentale del governo temporale degli Stati di Santa Chiesa (estatuto fundamental
para o governo temporal dos Estados da Santa Igreja), uma espécie de constituição
outorgada pelo papa, que estabelecia um governo com funções divididas entre três
Poderes, ao quais se somava um quarto, um Poder Moderador. De uma maneira
complicada, o documento tentava conciliar os elementos da antiga máquina
administrativa de governo da Igreja com instituições parlamentares1230.
1228
Idem, ibid.
1229
Idem, edito Nelle Istituzioni, 1848.
1230
A primeira declaração dos ministros papais poderia incluir as palavras: “de acordo com sua
natureza [do papa], suas ações devem ser sempre boas e nunca podem ser más”. No entanto, isso era
uma teologia ruim e uma lei constitucional ruim. O mais infalível dos papas não é impecável. O rei da
Inglaterra não pode errar; a razão não é que ele seja perfeito e possa fazer todas as coisas bem, mas que
seus ministros assumem a culpa e a responsabilidade por tudo o que ele faça errado como rei. Quem
poderia ser o responsável pelas ações do Vigário de Deus na Terra? (WOODWARD, 1963, p. 286).
346
eleitores precisariam ser obrigatoriamente católicos, ter renda acima de 500 scudi, ou
então ser apto a ser eleito, ocupando os cargos que permitiam a eleição. Os deputados
poderiam elaborar leis sobre todos os temas, exceto sobre assuntos eclesiásticos ou
mistos: leis regulando temas contrários aos cânones ou às disciplinas da Igreja, questões
envolvendo relações diplomáticas da Santa Sé no exterior, ou o exercício da religião
católica. O Poder Judiciário seria exercido por um tribunal permanente, composto por
juízes leigos, sendo proibida a criação de tribunais extraordinários. Por sua vez, o Poder
Moderador estava nas mãos do Consistório Sagrado, composto pelo Colégio de
Cardeais e o papa, a quem cabia examinar e decidir pela aprovação da vigência de todas
as leis antes de entrarem em vigor1231.
Ao lado dos três Poderes era criado o Conselho de Estado, composto por 10
conselheiros escolhidos pelo papa, e um corpo de 24 auditores; com poder consultivo,
poderiam elaborar projetos de lei, regulamentos da administração pública e opinar sobre
matérias de governo. A Guarda Cívica, criada em julho de 1847, foi transformada em
uma instituição permanente do Estado. Foi abolida a censura prévia governamental,
mantida apenas a censura eclesiástica. O Statuto fondamentale protegeu a propriedade
privada como inviolável, com a possibilidade de desapropriações por motivo de
reconhecida utilidade pública, passíveis de indenização. A dívida pública e as demais
obrigações do Estado foram garantidas, com a tributação sobre particulares, de
entidades morais, instituições piedosas ou públicas. A administração municipal e
provincial seria exercida livremente segundo leis locais1232.
1231
PIO IX, edito Nelle Istituzioni, 1848.
1232
Idem, ibid.
347
duraria um ano. O domínio austríaco no norte da península, com sua centralização e
arrogância típicas de um governo militar, já havia esgotado a paciência dos italianos. A
declaração de guerra foi um ato preventivo de Carlos Alberto, que temia que os
republicanos assumissem a liderança da luta contra Viena1233.
1233
WOODWARD, 1963, p. 284.
1234
MARTINA, 1995, p. 233.
1235
MINGHETTI, 1889, p. 369-371.
1236
Idem, ibid., p. 370.
1237
Idem, ibid.
348
Pressionado internamente e pelos reinos peninsulares ao norte e ao sul para
que aderisse ao combate contra os austríacos, em 29 de abril de 1848, o papa Pio IX
declarou expressamente sua total desvinculação com o movimento nacionalista italiano.
Atendendo aos cardeais, entre os quais circulavam notícias de críticas austríacas à
indecisão de Roma, o papa convocou um consistório, no qual apresentou a alocução
Non semel, frisando de maneira clara que nunca havia pensado fazer qualquer gesto
contrário aos austríacos1238. Afirmou também que as mudanças que promovera
representavam a continuidade de uma orientação que vinha de muito tempo: Desde os
últimos dias de Nosso Predecessor Pio VII, os principais príncipes da Europa tiveram o
cuidado de sugerir à Sé Apostólica que adotasse na administração civil das coisas um
método mais expedito e mais de acordo com os desejos dos povos seculares. As
reformas empreendidas faziam parte desse processo, e que era um insulto sugerir que o
papa se havia desviado dos santos institutos da tradição, e se afastado da doutrina da
Igreja. Pio IX recusou qualquer responsabilidade nos eventos que se seguiram nos
reinos italianos: Nada mais fizemos do que o que parecia útil para a prosperidade de
nosso Estado, não só para nós, mas também para os príncipes1239. Afastou de forma
decisiva a ideia de que poderia vir a entrar em guerra contra a Áustria, e condenou as
pressões para que assumisse a liderança da Itália, como sugeria o neoguelfismo: Não
podemos deixar de rejeitar os conselhos desleais, manifestados também por meio de
jornais e panfletos, daqueles que gostariam que o pontífice romano fosse presidente de
uma certa nova República a ser feita pelos povos da Itália [...] erra muito quem pensa
que nossa mente pode ser tão lisonjeada pela ambição de um domínio temporal
maior1240. Originalmente o texto da alocução, rascunhado pelo papa, era bem diferente:
declarava sua simpatia à causa italiana, pela qual orava pela formação de um Estado que
pudesse posicionar-se perante o conjunto dos Estados europeus. O documento que veio
a público mudou o espírito geral do texto, que passou a ter um tom de neutralidade,
omitindo qualquer entusiasmo pela causa italiana. A redação final, após consulta a
outros cardeais, teria sido dada pelo cardeal Antonelli, presidente do Conselho de
1238
AUBERT, 1976a, p. 57. Para alguns autores, a alocução Non Semel apresentava as ideias iniciais que
viriam a se consolidar mais tarde na encíclica Syllabus Errorum (1864), especialmente a condenação
explícita daqueles que alegaram que a revogação do poder temporal serviria à liberdade e ao bem da
Igreja; na Syllabus a mesma censura é apresentada na proposição 76 (HALES, 1954, p. 105).
1239
PIO IX, alocução Non Semel, 1848.
1240
Idem, ibid.
349
Ministros, que abandonara as posições próximas àquelas dos liberais, expressas, por
exemplo, no ofício enviado ao papa quatro dias antes, aderindo ao pensamento
conservador majoritário no cardinalato1241. Antonelli, filho de uma família de ricos
comerciantes nos Estados Pontifícios, tornara-se cardeal em 1847 sem nunca ter sido
ordenado ao sacerdócio. Sua elevação deveu-se à sua reputação de moderado com um
excelente relacionamento com os liberais; ele teria sido um dos articuladores do Statuto
fondamentale, a constituição outorgada pelo papa em 1848, assim como teria
comemorado a queda do governo conservador de Metternich na Áustria, além de ser o
responsável pela indicação de Pellegrino Rossi (1787–1848) como primeiro-ministro.
Extremamente pragmático, após tornar-se secretário de estado de Pio IX, em março de
1848, passou a defender de forma intransigente a necessidade da manutenção e do
fortalecimento do poder secular do papado1242.
A alocução Non Semel mudou a opinião pública, até então muito favorável
ao papa. Sua publicação converteu Pio IX em traidor da causa italiana1243; foi estimado
que estivesse tão impopular quanto o papa Gregório XVI em sua morte1244. Pio IX
chegou a receber uma delegação civil que lhe pediu que entregasse o poder a um
gabinete leigo que poderia declarar guerra; dessa forma ele salvaria seu sacerdócio e sua
consciência. Apesar de contar com muitos liberais no governo, o papa havia se tornado
um reacionário para grande parte dos nacionalistas italianos, perdendo inclusive o apoio
que tinha entre os liberais moderados desde sua eleição1245. Aos olhos de uma parcela
significativa do povo ele havia falhado1246. Em 4 de maio de 1848, sentindo-se
pressionado inclusive por uma séria crise econômica, Pio IX nomeou como primeiro-
ministro o liberal Terenzio Mamiani (1799–1885), dando-lhe liberdade para formar o
ministério. Ele estava exilado na França desde 1831, e não aceitara a anistia de 1846,
por recusar-se assinar a declaração de lealdade ao papa que era exigida como condição
1241
CHADWICK, 1998, p. 78; MARTINA, 1995, p. 233; AUBERT, 1976a, p. 63.
1242
CHADWICK, 1998, p. 92-93; MIRANDA, 2021, s.p; MARTINA, 1995, p. 230.
1243
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 61.
1244
HALES, 1954, p. 77.
1245
AUBERT, 1976a, p. 59. O papa também se sentia intimidado perante os proprietários de terras, que
acreditavam que os Estados Pontifícios enfrentavam uma crise decorrente das concessões feitas aos
liberais (idem, ibid., p. 60).
1246
O’MALLEY, 2018, p. 97.
350
para o benefício; com a nomeação, Mamiani foi desobrigado da assinatura. O novo
primeiro-ministro tentou sem sucesso persuadir o papa a agir, atendendo àquilo que a
população de Roma esperava: separação do poder espiritual, que o impedia de declarar
guerra à Áustria, do poder temporal, que tinha a missão de defender o território.
Mamiani propôs a retirada do governo, instaurando a laicidade do poder nos Estados
Pontifícios, a declaração de guerra contra a Áustria e o encorajamento da juventude
romana a juntar-se à causa nacionalista italiana pela libertação da Itália, pontos que
foram totalmente rejeitados por Pio IX1247. O cargo do papa como soberano italiano e
líder nacional estava em oposição ao seu cargo de líder espiritual internacional. A
declaração de guerra contra os austríacos o indisporia contra todos os conservadores da
Europa, levando a igreja da Áustria a uma situação de pária, podendo, inclusive, causar
um cisma. Em contrapartida, na hipótese remota de uma vitória na guerra de libertação
da península, com a expulsão dos austríacos, a questão da unificação dos territórios
italianos ganharia ainda mais força, colocando em xeque seu poder temporal. Caso não
declarasse guerra seu governo em Roma enfrentaria a violência de uma população
radicalizada1248.
1247
SCOTT, 1969, p. 13.
1248
CHADWICK, 1998, p. 76.
1249
Idem, ibid., p. 79.
351
Rossi nascera na Toscana e desde 1815 havia se engajado na luta pela
independência da península perante a Áustria. Após conflitos em Nápoles, em 1831,
exilou-se em Genebra, tornando-se cidadão suíço. Eleito, exerceu as funções de
deputado durante um breve período, mas logo aceitou convite do chanceler François
Guizot para estabelecer-se na França, obtendo também a cidadania francesa. Em 1845,
fora nomeado por Guizot, de quem era amigo1250, como embaixador da França junto a
Gregório XVI, com a missão específica de discutir a questão dos jesuítas em solo
francês. O rei Luís Filipe I desejava reduzir a influência da Companhia de Jesus no
país, mas sabia que a simples proibição não teria efeito. Desde 1761, quando a
ordem foi banida da França, os jesuítas tornaram-se clandestinos, passando a
organizar-se em outras sociedades religiosas – Pères de la Foi, Société du Sacré-
Cœur, Société de la foi de Jésus –, que chegaram a migrar para outros países, como
a Bélgica e a Espanha. Apesar dessas outras denominações – paccanaristes,
ligoristes – Jean-Etienne-Marie Portalis, titular do Ministério dos Cultos, denunciou as
sociedades como jesuítas disfarçados, mas nada foi feito1251. Dessa vez, o rei Luís
Filipe I pretendia algo mais efetivo: Rossi foi enviado a Roma para submeter ao
Papa que as relações da França e do Vaticano melhorariam muito se os jesuítas
fossem destituídos pela autoridade eclesiástica1252, pronunciamento papal que não
foi obtido.
1250
François Guizot, chanceler francês, era protestante, o que era um elemento a mais para ser repudiado
em Roma. Rossi, por sua vez, era casado com uma protestante. Ademais, os livros do liberal Rossi
estavam no Index (WOODWARD, 1963, p. 289).
1251
MCCABE, 1913, p. 398-399; ANQUETIL, 1845, p. 603.
352
jovem Parlamento. Ao mesmo tempo, Rossi também era odiado pelos setores
conservadores, especialmente pelo cardinalato, que temia sua intenção de abolir os
privilégios eclesiásticos1253. No dia 15 de novembro, o primeiro-ministro foi
assassinado por um desconhecido, com uma facada no pescoço, nas escadarias do
prédio do Conselho de Deputados, ao chegar para uma sessão na qual apresentaria seu
programa de reformas1254. O clima apreensivo fez com que quase todos os cardeais
abandonassem Roma, temendo uma invasão da cidade pelos revolucionários que os
acusavam de um complô conservador. Ficaram na Santa Sé ao lado do papa os cardeais
Giovanni Soglia, secretário de estado, que ocuparia o cargo até 29 de novembro de
1848, e Giacomo Antonelli, tesoureiro da Santa Sé, que sucederia Soglia no cargo,
assim como o arcebispo Francesco Pentini (1797–1869), que seria elevado a cardeal em
18631255. No dia seguinte, sob forte tensão, o papa recebeu uma delegação que lhe
entregou um documento já escrito de uma proclamação declarando Roma uma cidade
Italiana, a convocação de uma assembleia nacional para a criação de uma confederação
de todos os Estados italianos e a declaração de uma guerra contra a Áustria pela
independência nacional1256. Ganhando tempo, no dia 17, o papa publicou um édito,
assinado conjuntamente com o cardeal Soglia, nomeando um ministério democrático, e
adiando temporariamente as outras decisões. Com palácio papal cercado pela multidão e
sob a mira de canhões, o papa Pio IX foi obrigado a dispensar a Guarda Suíça, que foi
substituída por membros da Guarda Cívica1257.
1252
MCCABE, 1913, p. 406.
1253
AUBERT, 1976a, p. 61.
1254
CHADWICK, 1998, p. 81. Durante todo ano de 1848, os Estados Pontifícios assistiram a inúmeros
assassinatos políticos. A morte de Rossi não foi a única, mas a mais importante porque atingiu
diretamente a administração de Roma (JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 62).
1255
CHADWICK, 1998, p. 82.
1256
SCOTT, 1969, p. 19.
1257
Idem, ibid.
1258
MONSAGRATI, 2019, p. 7-8.
353
três dias após chegar à cidade, Pio IX determinou a anulação de todos os atos e decisões
tomados desde a morte de Pellegrino Rossi, e a nomeação de uma comissão
governamental composta por sete membros e presidida pelo cardeal Castruccio
Castracane (1779–1852), secretário da Congregação para a Propagação da Fé; a decisão
improvisada, e sem ouvir outras opiniões, na prática, desautorizou e deslegitimou o
governo constitucional dos Estados Pontifícios que ainda estava em exercício1259. O
mesmo documento atribuiu os protestos em Roma a uma conspiração: Os atos de
violência dos quais nos queixamos só podem ser atribuídos às maquinações que foram
usadas e à medida que foram tomadas por uma classe de homens degradados diante da
Europa e do mundo, cuja ingratidão [receberia] a ira do Todo-Poderoso. O levante era
um trabalho malicioso de homens maus [...] cuja finalidade era criar impedimentos
para o exercício de nossos deveres sagrados1260. A explicação conspiracionista,
remontava à época da Revolução Francesa, tendo como base o pensamento do jesuíta
Augustin Barruel (1741–1820). Em seu livro Mémoires pour servir à l’histoire du
jacobinisme (1797) – memórias a serviço da história do jacobinismo –, o padre
desenvolveu uma teoria sobre a ideia básica de que a revolução era uma conspiração
com o objetivo de derrubar o cristianismo, assim como todos os tipos de organização
política e social baseada nos ensinamentos morais da Igreja Católica; a trama envolveria
uma associação entre o ocultismo, o iluminismo francês e os maçons1261. Ele associou
assim o paganismo ao pensamento iluminista, em uma conspiração para matar
Deus1262. Curiosamente uma edição do livro em italiano surgiu em 1850, publicada em
Nápoles, editado apenas com a identificação a spese della società editrice, à custa da
editora. Nessa edição, o tradutor não identificado informa que a obra serve para
informar o leitor italiano de que a subversão está por toda parte, disfarçada na
maçonaria e no iluminismo1263. Mesmo sem citá-lo, o papa Pio IX evocou a ideia de
1259
Idem, ibid., p. 10.
1260
SHEA, 1877, p. 148-150.
1261
Portanto, quando eu declaro Voltaire (Voltaire, François-Marie Arouet), Diderot e Alembert como os
líderes de uma conspiração anticristã, não pretendo me limitar a provar que seus escritos são de
inimigos do cristianismo, digo que cada um deles formou o desejo de aniquilar a religião de Jesus Cristo,
que secretamente comunicaram esse desejo um ao outro, que combinaram os meios para o conseguir [...]
Todos os conspiradores têm uma linguagem secreta, uma palavra de ordem, uma fórmula ininteligível
para o vulgo, mas cuja explicação secreta revela incessantemente aos seguidores o grande objeto da sua
conspiração (BARRUEL, 1850, p. 33).
1262
JOSEPHSON-STORM, 2017, p. 58.
1263
[...] os defensores da conspiração estão sempre presentes [...] que, sem tal sociedade, a impiedade e a
rebelião não poderiam ter sido frutos malnascidos em um dia ou de um acidente, como se quer que
354
uma grande conspiração, presente no livro: as revoluções e os levantes são movidos por
uma minoria inescrupulosa que explora e amplia uma situação; não eram as más
condições de vida que levariam à revolta, mas sim acidentes isolados e uma segurança
pública descuidada que permitiriam o episódio inicial e a subsequente cadeia de atos
violentos1264.
acreditemos; [...] o abade Barruel em toda esta obra demonstra claramente o espírito de revolta, que
desde meados do século [passado], por intermédio dos filósofos, propôs destruir o cristianismo
(BARRUEL, 1850, Introdução, p. 16-17).
1264
SCOTT, 1969, p. 7.
1265
PIO IX, proclama Da Questa Pacifica (1849). O ministro das Relações Exteriores da França, Édouard
Drouyn de Lhuys (1805–1881), emitiu uma nota criticando a manifestação papal, listando uma série de
reformas essenciais nos Estados Pontifícios: anistia, um código civil, abolição do tribunal do Santo
Ofício, fim das atribuições dos tribunais eclesiásticos na jurisdição civil, a transparência em questões
financeiras. A nota também advertia que, caso essas sugestões fossem deixadas de lado e o papa
continuasse a colocar obstáculos no caminho da reforma, os franceses poderiam achar necessário
administrar o território por conta própria (COPPA, 1974, p. 465).
355
serem empossados, os constituintes aprovaram por 134 contra 123 votos, o fim do poder
temporal do papa, mas garantindo sua independência no exercício da autoridade
espiritual, e a criação da República de Roma. Também foi abolida qualquer distinção de
cidadania com base na religião; o catolicismo deixou de ser religião do Estado, sendo
instaurada a educação laica, e concedida total liberdade de imprensa1266.
1266
HALES, 1954, p. 98; CHADWICK, 1998, p. 86; JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 64.
1267
MONSAGRATI, 2019, p. 5.
1268
Durante sua existência, inúmeras denúncias de violência praticadas pelo governo da República de
Roma contra a Igreja e os religiosos chegaram ao papa em Gaeta; muitas das quais ficaram registradas
pelos cronistas católicos contemporâneos. Contudo, os atos de violência foram localizados, circunscritos a
alguns grupos radicais exaltados, especialmente nas províncias, e que não poderiam ser comparados
àqueles ocorridos durante a Revolução Francesa. Para mais detalhes ver HALES, Pio Nono: a study in
European politics and religion in the nineteenth century, 1954, p. 123-127.
356
continente1269. A derrota alertou o governo da França, que até então se havia recusado a
intervir na península; a pacificação da política interna francesa permitiu uma atenção
maior com a situação política nos territórios italianos. Após eleito, o novo governo
francês entendeu que deveria restaurar o papa em Roma antes que os austríacos o
fizessem1270.
1269
SCOTT, 1969, p. 16.
1270
CHADWICK, 1998, p. 88. Antes de decidir pela invasão militar, o presidente Luis-Napoleão enviou a
Roma o diplomata Ferdinand Lesseps (1805– 1894), que posteriormente se tornaria célebre pela
construção do Canal de Suez e início das obras do Canal do Panamá. Seu objetivo, frustrado, era buscar
uma solução junto a Giuseppe Mazzini, membro do triunvirato que governava a República de Roma, para
o retorno de Pio IX a Roma. Para mais informações sobre a viagem e as negociações ver BOURGEOIS,
Rome et Napoléon III (1849-1870), étude sur les origines et la chute du Second Empire, 1907.
1271
Lamennais foi eleito deputado constituinte defendendo causas socialistas. Durante o mandato,
elaborou um projeto de Constituição, que foi rejeitada, tida como radical demais. No período criou os
jornais Le Peuple Constituant e La Révolution Démocratique et Sociale, ambos defendendo o
357
novembro, proclamando a república democrática presidencialista, o sufrágio masculino
sem restrições e a separação de Poderes.
aprofundamento da Revolução de 1848. Foi cassado em dezembro de 1851, quando Luís-Napoleão , com
um golpe de estado, reinstalou a monarquia, o Segundo Império, assumindo o título de Napoleão III.
1272
PRICE, 2001, p. 15. O próprio Lamartine, um republicano moderado, obteve apenas 17 mil votos,
0,24% do total.
1273
PRICE, 2001, p. 1-2.
1274
HALES, 1954, p. 132.
358
do país. Parte dessa renovação foi devida ao trabalho de Montalembert1 e Lacordaire,
antigos discípulos de Lamennais1276. A igreja da França estava profundamente marcada
pelo pensamento de Lamennais: os conservadores pelos textos do início de sua vida
intelectual; os liberais por suas obras posteriores a 1830. Apesar de divergirem quanto à
noção de liberdade, cada uma a sua maneira, as duas correntes, eram papistas1277.
1275
TREVELYAN, na introdução de CESARE, 1909, p. xxii.
1276
CHADWICK, 1998, p. 34. Por muitas razões, o catolicismo francês em grande parte se concentrou
nas regiões da Normandia e da Bretanha, ao passo que a região de Paris e o sul alimentavam desde a
Revolução Francesa um forte sentimento anticlerical (idem, ibid., p. 104). De uma forma geral, os
católicos franceses apoiaram o golpe de estado de Luís-Napoleão, considerado o maior milagre da
benevolência de Deus conhecido na história, assim como a escalada conservadora de seu governo, com a
garantia absoluta da propriedade, uma severa repressão ao movimento socialista (JEDIN; DOLAN, 1981b,
p. 66-67).
1277
HALES, 1954, p. 264.
1278
A invasão francesa na península provocou a oposição em Paris, inclusive dos republicanos
moderados: Um verdadeiro pandemônio desencadeou-se nas câmaras com a notícia da ação do governo
em Roma. Jules Favre [1809–1880, deputado] falou para republicanos humilhado, envergonhado de que
a República francesa se atreveu a atacar republicanos romanos. Por qual motivo?, perguntou o orador;
por algo tão pequeno como o papado e suas instituições teocráticas; por algo tão imenso em seu mal
como o absolutismo (SCOTT, 1969, p. 57).
1279
PIO IX, encíclica Quibus, Quantisque (1849).
1280
Idem, ibid.
359
voluntariamente concedemos no início de Nosso Pontificado não só falharam em
produzir os frutos desejados, mas nunca se enraizaram, ao passo que os fraudadores
mais experientes abusaram das mesmas concessões para agitar novos problemas1281. A
partir desse ponto a encíclica apresentou um longo inventário das medidas concessivas e
liberalizantes do papado, assim como uma igualmente longa lista de ataques
promovidos pelos líderes da facção, autores das sedições, movidos por uma vontade
perversa. Quibus, Quantisque foi a primeira clara declaração de Pio IX de que não só
repudiava a revolução, mas de que em sua volta para Roma também não teria nenhum
vínculo com os anos anteriores de seu papado1282. Ao fim da encíclica, o papa informou
que pedira aos países vizinhos uma intervenção nos Estados Pontifícios: Nosso dever
exigia absolutamente que fizéssemos de tudo para removê-los e afastá-los, e desde 4 de
dezembro do ano passado não deixamos de pedir e implorar aos príncipes e nações por
ajuda e socorro1283; o papa declarou especificamente o apelo feito à Áustria, à França,
ao Reino das Duas Sicílias e à Espanha. O governo francês, que esperava uma resposta
conciliatória de Pio IX, entendeu a encíclica como um elemento de afirmação de sua
autonomia, e uma tentativa de delimitar o poder francês na península italiana1284. Menos
de dez dias após a invasão francesa, as tropas austríacas também atenderam ao chamado
de Pio IX com uma ofensiva pelo nordeste dos Estados Pontifícios, em Bolonha e
Ancona; naquele momento, a Áustria já havia retomado os territórios que controlava
antes dos levantes de 1848. Em 3 de julho o exército francês conseguiu vencer a feroz
resistência republicana empreendida pelas tropas de Giuseppe Garibaldi e,
definitivamente, tomar Roma, expulsando liberais e socialistas. O papa comemorou a
vitória francesa afirmando que o Senhor teria levantado a mão para ferir os iníquos e
conter o mar de anarquia que envolvia Roma1285.
1281
Idem, ibid.
1282
HALES, 1954, p. 117.
1283
PIO IX, encíclica Quibus, Quantisque (1849). Poucos dias antes da invasão francesa, o cardeal
Antonelli havia se reunido em Gaeta com representantes oficiais da França, Áustria, Espanha e de
Nápoles. Antonelli, apesar de claramente ser simpático a uma intervenção austríaca, pediu uma ação
combinada. O representante francês alertou o governo, que decidiu se antecipar (HALES, 1954, p. 117).
1284
SCOTT, 1969, p. 53.
1285
COPPA, 1974, p. 65.
360
Nos momentos que antecederam a intervenção estrangeira, entre março e
setembro de 1849, o papa realizou uma série de encontros com os embaixadores da
Áustria, da França, do Reino das Duas Sicílias e da Espanha, os quatro grandes reinos
católicos, que ficaram conhecidos como Conferências de Gaeta. Nessas reuniões foi
discutida não só a intervenção estrangeira nos Estados Pontifícios, mas também os
procedimentos da Santa Sé para a restauração do papado em Roma. Os representantes
franceses, Georges d’Harcourt (1808–1883) e Alphonsus de Rayneval, (1813–1858),
insistiam que a reforma das instituições dos Estados Pontifícios era uma condição
essencial para o retorno do pontífice ao trono, posição compartilhada pelo gabinete
inglês. Em contrapartida, Áustria, Reino das Duas Sicílias e Espanha consideravam que
era exatamente a reforma que havia causado os levantes; para eles, a restauração deveria
ocorrer sem anistia política ou a constitucionalização do governo1286. Os franceses ainda
insistiram na preservação do poder temporal laico, assim como na adoção e no
fortalecimento das instituições liberais. A reivindicação foi prontamente recusada pelo
cardeal Antonelli e pelos diplomatas dos reinos conservadores da Espanha e das Duas
Sicílias; surpreendendo a todos, o representante da Áustria, príncipe Pál Antal Esterházy
(1786–1866), mostrou-se temeroso de que Roma aplicasse medidas demasiadamente
duras, gerando novas ondas de rebelião1287. A decisão do pontífice foi exposta em 12 de
setembro de 1849, que por meio de um motu proprio prometeu reformas do Judiciário e
da administração, mas sem qualquer referência à liberdade política. Mesmo a pequena
concessão de Pio IX foi entendida por parte do cardinalato como demasiadamente
liberal1288. Durante as Conferências também foi discutido o que fazer com os
republicanos após a invasão francesa. Houve um consenso entre os embaixadores de
que os conspiradores eram um perigo permanente, e que deveriam ser presos antes que
se refugiassem na Suíça e na Inglaterra, de onde esperariam por uma oportunidade de
voltar à Itália para provocar novas revoluções. Para os conservadores, a revolução
sempre foi planejada, uma obra de uns poucos agitadores. Também havia o
1286
SCOTT, 1969, p. 46.
1287
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 63.
1288
Idem, ibid., p. 64.
361
entendimento de que aqueles que se exilaram deveriam ser impedidos de retornar à
Itália, e os presos enviados para locais distantes como as Antilhas ou as Filipinas1289.
Apesar de nos primeiros dois anos de seu pontificado ter se mostrado aberto
à conciliação, durante o exílio em Gaeta o papa Pio IX mudara. Tendo como seu
principal conselheiro o cardeal Giacomo Antonelli, o pontífice havia claramente aderido
às teses do setor mais conservador do cardinalato, segundo o qual não havia salvação,
garantia ou negociação com os grupos que haviam tomado Roma; apenas o uso da força
poderia restabelecer a cúpula da Igreja Católica1290. O papa havia se convencido de que
as agruras sofridas em 1848 estavam diretamente relacionadas aos princípios de 1789,
os quais, acreditava, buscavam a destruição dos valores tradicionais sociais, morais e
religiosos1291. A queda da República de Roma representou um marco que demonstrou
que o período liberal do papado de Pio IX havia acabado.
1289
SCOTT, 1969, p. 63.
1290
AUBERT, 1976a, p. 64.
1291
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 64.
1292
Enquanto as tropas de Luís-Napoleão patrulhavam Roma, soldados austríacos ocupavam os territórios
da Romagna, Marche e Úmbria, isto é, três quartos dos Estados Pontifícios.
1293
SCOTT, 1969, p. 68.
362
Em 12 de setembro, o papa publicou um motu proprio com uma
Constituição para os Estados Pontifícios, anulando o Statuto fondamentale de 1848. O
documento criou um Conselho de Estado, para as questões políticas, e um Conselho
Consultivo para as finanças, mas ambos não tinham poder deliberativo. O motu proprio
possuía um nítido caráter teocrático, sem uma distinção clara entre pecado e crime;
todas as decisões dos assuntos públicos foram centralizadas nas mãos dos clérigos, em
uma concentração não vista nem mesmo durante o papado de Gregório XVI. Foi
concedida a anistia com uma abrangência muito menor que a anterior de 1846, que
dessa vez não perdoou os funcionários que houvessem aderido à república, todos os
quais foram demitidos nos meses seguintes. A anistia também excluiu de forma
explícita os membros do governo provisório, os membros da Assembleia Constituinte
que efetivamente ocuparam os seus lugares, os membros do triunvirato e do governo da
República de Roma, os chefes dos corpos militares e todos aqueles que houvessem
recebido anistia anterior e novamente aderido à luta revolucionária. Soldados e
funcionários que estiveram a serviço do governo republicano foram condenados, e
autorizados a ir para o exílio1294. A Guarda Cívica foi extinta antes mesmo do regresso
do papa a Roma. Calcula-se que quase 20 mil republicanos foram obrigados a fugir
temendo perseguições; todas as lideranças políticas partiram para o exílio após a derrota
para os franceses1295. De uma forma geral, as propostas feitas pelo presidente francês,
Luís-Napoleão, de institucionalização de um governo laico e constitucional, foram
rejeitadas. A reforma política proposta por Pio IX ao reassumir o trono papal
evidenciava que ele não mais acreditava em uma administração conciliada com
princípios constitucionais; o novo governo deveria ser absoluto, em última instância,
porque o poder do papa como Vigário de Cristo não poderia ser verdadeiramente
exercido a menos que ele tivesse a autoridade final1296.
1294
HALES, 1954, p. 153.
1295
CHADWICK, 1998, p. 90.
363
proximidade com o cardeal Antonelli, que contou com a confiança do pontífice até sua
morte em 18761297. Antonelli, que ainda como tesoureiro da Santa Sé fora muito
próximo do papa Gregório XVI, era pragmático a ponto de adotar posições radicalmente
distintas em pouco mais de um ano: em 1847, quando de sua nomeação, fora tido como
liberal, e, mais tarde, já como secretário de estado e após os incidentes ao longo de
1848, revelou-se um conservador radicalmente avesso a qualquer concessão ao
liberalismo. Seu conservadorismo entrou em sintonia com a cúria, para quem a sedição
nacionalista, apesar de silenciada pela repressão dos franceses e austríacos, ainda
existia, e de que qualquer descuido poderia ser o sinal para seu regresso; uma
administração fraca e vacilante poderia abrir espaço para a volta da rebelião, mas, ao
contrário, uma administração forte suprimia ou continha os espíritos revolucionários da
sociedade1298. O incremento do poder do cardeal secretário de estado já se tornara
patente durante o processo de restauração do papado, em 1849; a centralização
administrativa permitiu que Antonelli assumisse todos os aspectos da administração dos
Estados Pontifícios, inclusive as nomeações para as legações.
1296
Idem, ibid., p. 92. Uma grande quantidade de cartas diplomáticas, citadas por AUBERT (1976a, p.
69), entre embaixadores franceses, alemães e austríacos sediados em Roma e seus governos destacaram a
nova postura conservadora do papa.
1297
A historiografia não foi muito condescendente com o cardeal Antonelli. WOODWARD (1963, p.
296-297) apresentou a descrição do cardeal feita pelo historiador alemão Ferdinand Gregorovius (1821–
1891): O cardeal Giacomo Antonelli veio de uma família de ladrões de Sonnino. [...] Este homem tinha
um certo gosto pelo magnífico. Ele colecionava joias, usava roupas finas, cultivava rosas e camélias e
vivia em apartamentos esplêndidos. Ele deixou uma grande fortuna; um de seus filhos ilegítimos foi à
justiça por uma parte depois da morte de Antonelli. Acumulou 28 condecorações diferentes de soberanos
que achavam mais fácil satisfazer as necessidades pessoais de Antonelli do que os pedidos de seu mestre.
Ele colocou seus irmãos em posições ricas nos Estados papais. Ele se destacava nas artes do improviso,
era um bom mentiroso e um mestre da inteligência levantina; mas ele não tinha ideias políticas e
nenhuma previsão política. A grandeza moral da Igreja estava fora do alcance de sua mente; a verdade
intelectual não tinha significado para ele. Por alguns anos, enquanto ele e sua família faziam a última
colheita do domínio de séculos, ele impediu a dissolução do poder temporal; mas à custa de sua honra.
As suspeitas sobre a honestidade de Antonelli também se deviam em decorrência do fato de ele ter
nomeado seu irmão para a direção do Banco de Roma, quando de sua criação em 1850, cargo que ocupou
durante o tempo em que o cardeal este à frente da Secretaria de Estado (HALES, 1954, p. 152).
1298
SCOTT, 1969, p.74.
1299
HALES, 1954, p. 137.
364
que só assim conseguiria preservar sua independência espiritual. Esse governo somente
poderia ser exercido da forma absoluta, como sempre fora1300. Os acontecimentos ao
longo dos anos de 1848 e 1849 haviam atacado ao mesmo tempo o poder temporal e
espiritual de Pio IX, convencendo-lhe até a morte de que os dois poderes estavam
inevitavelmente ligados um ao outro, de que o Estado papal era essencial para a Igreja,
[...] e de que o liberalismo, como Metternich advertira, era normalmente o precursor da
revolução e era hostil à Igreja bem como ao Estado papal1301. As velhas bases
conservadoras haviam voltado a justificar o poder papal, perante as quais o ex-primeiro-
ministro Terenzio Mamiani, exilado no Ducado de Sabóia, no Piemonte, teria dito:
Gregório XVI ressuscitou, e reina novamente no Quirinale1302. O período que havia se
seguido à Revolução de 1848 acirrou ainda mais as divergências entre dois universos
que à época pareciam inconciliáveis: o mundo moderno, liberal, laico e científico, e uma
concepção de religiosos católicos que, hipnotizados pela memória do excepcional
sucesso do cristianismo medieval, foram levados a acreditar que a restauração cristã
[...] pressupunha necessariamente um retorno integral a esse passado, do qual as
instituições do Antigo Regime lhes pareciam como uma continuação1303. Sobre o desejo
do poder e da grandeza da igreja medieval, representados por antigos papas como
Gregório VII e Inocêncio III, Pio IX retomava o pontificado, interrompido pela
Revolução de 1848, com os Estados Pontifícios ocupados por dois exércitos, da França
e da Áustria, e sem forças armadas regulares1304. O papa orgulhava-se de que seus
domínios não precisavam de exército, ao contrário de todos os outros Estados que
tinham tropas permanentes, até mesmo pequenos reinos como Piemonte e Nápoles. Sem
perceber as transformações ao seu redor, Pio IX reafirmou que a tradição e a força
simbólica do papado eram suficientes para manter a paz, e que poderes dos Estados
católicos sempre o defenderiam1305.
1300
JEMOLO, 1960, p. 7. Durante seu tempo de exílio em Gaeta, Pio IX recebeu a visita de emissários de
Vincenzo Gioberti, apologista do neoguelfismo, com a proposta de unificação da Itália sob o comando do
papa, ideia que foi rechaçada (HALES, 1954, p. 113).
1301
HALES, 1954, p. 137.
1302
AUBERT, 1976a, p. 70.
1303
Idem, ibid., p. 353.
1304
A dupla ocupação militar nos Estados Pontifícios deu origem a comentários zombeteiros que
afirmavam que a administração papal precisava de dois exércitos estrangeiros para conter o povo, mas na
verdade um estava vigiando o outro. Austríacos e franceses suspeitavam um do outro e já se preparavam
para a provável eclosão de uma guerra que ainda demoraria mais alguns anos (HALES, 1954, p. 204).
1305
Idem, ibid., p. 160.
365
3.5.2. O papado conservador
366
conservadores, por aristocratas ingleses convertidos e clérigos nacionais que, em sua
maioria, eram homens que cresceram na burocracia romana e nunca experimentaram o
governo de uma diocese ou tiveram contatos com um laicato burguês1307. Contudo, o
grupo que contava com sua confiança era bem mais restrito: no cardinalato, contava
com conselhos de um pequeno grupo de cardeais, liderados por Antonelli e Costantino
Patrizi Naro (1798–1876), que, à exceção destes, todos eram mais velhos que o papa, e
que frequentemente viam as questões com a atitude intransigente de teóricos fora de
contato com as visões contemporâneas, que não admitiam a revisão de certas posições
teológicas à luz do progresso, das ciências e da história1308. Pio IX era um místico, que
acreditava fortemente na ação da Providência, em maravilhas e milagres; dava muito
peso às profecias, às manifestações do espiritual, tendendo a ver as convulsões políticas
que envolviam a Igreja em seu tempo como mais um capítulo da grande batalha entre o
bem e o mal, entre Deus e o demônio. A partir de 1849, o papa passou a olhar com mais
atenção as teses conservadoras e os textos dos teóricos do ultramontanismo, assim como
para as tradições católicas arraigadas na cultura popular. Tornou-se adverso a todas as
ideias e enunciados liberais; passou a defender o fortalecimento do papado como
necessário para a retomada da vida católica sem a intervenção dos governos sobre a
Igreja, assim como um meio para centralizar as forças vitais do catolicismo na luta
contra a crescente influência do liberalismo anticristão1309. O regresso a Roma ainda
marcou a consolidação de sua convicção de que a força do papado residia também no
poder temporal e na soberania da Igreja sobre os Estados Pontifícios. Essa convicção se
tornaria a questão central para o papa, marcando de forma dramática as duas décadas
seguintes do pontificado de Pio IX1310.
1306
WOODWARD, 1963, p. 247.
1307
GOUGH, 1996, p. 168.
1308
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 84. Patrizi Naro mais tarde se tornaria Secretário da Congregação da
Inquisição Romana e Universal, onde serviria por dez anos.
1309
Idem, ibid., p. 85. Esse segundo momento do pontificado de Pio IX também foi marcado por uma
firme atuação contra os grupos que defendiam a independência das igrejas nacionais, especialmente os
galicanos. Durante o primeiro momento, ele fora pessoalmente cortês com os principais representantes
das tendências descentralizadoras da igreja na Europa, tão amável de fato, até mesmo afetuoso em seus
modos que alguns bispos franceses passaram a acreditar que o papa, de alguma forma misteriosa,
defendia o galicanismo (GOUGH, 1996, p. 169).
1310
GOUGH, 1996, p. 134.
367
Após a volta para Roma em abril de 18501311, Pio IX centralizou os
negócios de Estado nas mãos de Giacomo Antonelli, o antes liberal, agora travestido
como um radical conservador. Gradativamente o papa reduziu o poder de ingerência e
aconselhamento do Colégio de Cardeais na administração secular dos Estados
Pontifícios, reduzindo também o papel dos religiosos italianos1312. A decisão ficou
patente no consistório de 30 de setembro de 1850, que elevou de uma única vez 13
cardeais, o maior número de todo o seu papado. Entre eles havia apenas três italianos,
número igual ao de franceses, dois austríacos, dois espanhóis, um alemão, um irlandês e
um português. No processo de escolha dos novos cardeais, Pio IX inovou também
quanto à origem social: diferentemente dos consistórios anteriores, apenas quatro eram
originários da nobreza, o mesmo número de descendentes de funcionários públicos, três
vinham de famílias burguesas, um era vinicultor e um de origem camponesa. A
formação acadêmica dos novos cardeais também os distinguia, uma vez que apenas dois
possuíam doutorado utroque iure, tanto em Direito Canônico quanto em Direito Civil, e
três haviam feito doutorado em Filosofia; o restante não tinha formação superior. Nove
dos novos cardeais eram mais velhos que Pio IX, sendo que os dois com mais de 80
anos, o português Pedro Paulo da Cunha e Melo e o alemão Maximilian Sommerau
Beeckh, morreram antes de receber o título1313. No primeiro consistório após o retorno a
Roma, Pio IX deixou claro que os representantes da aristocracia romana e os altos
funcionários, que antes representavam a maioria no Colégio dos Cardeais, haviam
perdido espaço para homens da Igreja de formação modesta, mas que tinham trabalho
pastoral e uma característica comum: tinham identidade com o pensamento conservador
e ultramontano1314.
1311
Os cardeais desejavam que Pio IX adiasse seu regresso a Roma até que as tropas francesas deixassem
a cidade, temendo que o papa se tornasse refém de Luís-Napoleão, contudo, o governo francês deixou
claro que não pretendia sair de Roma tão cedo (SCOTT, 1969, p. 79).
1312
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 87.
1313
MIRANDA, 2021, s.p. Ao longo de seus 32 anos de pontificado, Pio IX indicou 123 cardeais: 71
eram italianos e 52 tinham outras nacionalidades: 16 franceses, 12 espanhóis, 11 austríacos, 4 alemães e 3
portugueses (JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 87).
1314
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 87.
368
papel da Igreja Católica no processo de restauração da autoridade monárquica perdida
ao longo de mais de 50 anos de revoluções e convulsões1315. Para eles, o papado romano
era a única instituição que se manteve intacta ao fim do período revolucionário, e por
isso mesmo deveria restabelecer sua influência, direta e indireta, sobre os governos;
assim, a autoridade do papa sobre a Igreja era suprema e indiscutível1316. A lei divina
precederia a lei humana, e constituiria seu fundamento principal; sendo assim, a
jurisdição papal é superior à civil, não podendo ser restrita apenas aos assuntos
espirituais. A validade da autoridade papal estaria assegurada em quase todas as áreas
do governo e da administração, devendo os governos dos Estados cristãos
harmonizarem-se com o direito divino, tendo o Direito Canônico como um guia. Dessa
forma, recuperando a ideia medieval da soberania da Igreja, e podendo o papa
desincumbir os católicos da obediência aos governantes que fossem contra as leis de
Deus1317. A maior parte desses autores era francesa e formulou suas teses contra a
monarquia parlamentar de Luís Filipe I da casa de Orange, para concluir que o rei
somente poderia ser um verdadeiro defensor do cristianismo caso seu próprio poder
secular também fosse absoluto, sem limitação constitucional ou parlamentar1318; assim,
o ultramontanismo desses autores se aliou ao pensamento conservador em crescimento
na França. Os textos que circulavam tanto em Paris quanto em Roma eram
absolutamente contrários ao parlamentarismo, um modelo repugnante na eclesiologia
quanto na política. Eles não podiam aceitar para a Igreja a ideia de uma estrutura
constitucional na qual tanto a autoridade doutrinária quanto a jurisdição disciplinar do
papa seriam limitadas; [...] a verdade só poderia ser transmitida pela lei divina, e como
somente o papado tem o poder de dedução e interpretação1319, a limitação do poder do
papa era inaceitável. Pio IX ao regressar a Roma colocou esse axioma em prática. O
principal meio de divulgação da ideias da soberania do papado perante o poder temporal
dava-se por intermédio da imprensa católica do eixo entre Roma e Paris, com a conexão
ideológica e formal entre a revista jesuíta La Civiltà Cattolica, de Carlo Maria Curci, e
1315
GOUGH (1996, p. 96) cita alguns autores representantes desse ultramontanismo: Thomas-Marie-
Joseph Gousset, Le Code Civil commenté dans ses rapports avec la théologie morale (1829 com várias
edições até 1877); Honoré de Lourdoueix, La révolution c’est l’orléanisme (1852); e Meichior du Lac,
L’Eglise el l’Etat (1850-1851).
1316
Idem, ibid., p. 98.
1317
Idem, ibid., p. 99.
1318
Idem, ibid.
1319
Idem, ibid., p. 100.
369
o jornal leigo francês L’Univers, de Louis Veuillot. Ao lado de Curci, Veuillot foi um
importante divulgador das teses supremacistas ultramontanas, e poderoso formador de
opinião entre o baixo clero francês, que desde 1815 era formado nos petits séminaires,
ou seminários inferiores. Ao longo da década de 1850, Veuillot entrou em choque com
uma parte significativa do episcopado francês, que era majoritariamente composto por
arcebispos e bispos galicanos ou moderados (77%) – ante uma minoria ultramontana –
23%. Contudo, seus ataques ao catolicismo liberal foram aprovados pela maioria dos
cardeais na Cúria Romana. Em 1853, o papa Pio IX publicou a encíclica Inter
multiplices, pedindo de forma genérica a conciliação das correntes em confronto dentro
da igreja da França1320, mas, ao mesmo tempo, o papado trabalhou pelo fortalecimento
da corrente ultramontana do episcopado francês. A partir de 1855, com a clara
intervenção de Roma, inclusive na formação dos jovens clérigos, a influência do
episcopado galicano foi reduzida; L’Univers, assim como Veuillot, seu proprietário,
tornam-se intocáveis, definindo os limites da ortodoxia e dos debates na igreja da
França junto ao baixo clero – casamento civil, ciência, protestantismo, liturgia1321. Nas
páginas de L’Univers, Bossuet, Fénelon, o bispo galicano Denis Frayssinous e os
beneditinos de Saint-Maur representavam uma heresia, equiparada àquela de Lutero e
Calvino1322.
1320
Para mais detalhes da vida de Louis Veuillot e dos conflitos entre ultramontanos e galicanos, assim
como a composição do clero francês em meados do século XIX, ver GOUGH, Paris and Rome: the
Gallican Church and the ultramontane campaign, 1848-1853, 1996.
1321
GOUGH, 1996, p. 267. As páginas do L’Univers passaram a definir até mesmo a inclusão de uma
obra no Index: uma crítica afirmando que um livro desrespeitava a ortodoxia representava, com certeza,
sua inclusão na lista dos livros proibidos (idem, ibid.).
1322
Idem, ibid., p. 269.
1323
A Congregação do Santo Ofício, ao longo do século XIX e especialmnene durante o pontificado de
Pio IX, ganhou importância na Santa Sé, tornando-se a Congregação Suprema – Suprema Congregatio –,
o alto cargo da burocracia curial por meio do qual outras congregações frequentemente tinham de
passar suas decisões antes que pudessem agir sobre elas. Para os assuntos internos da Igreja, o cardeal
370
Congregação da Propaganda da Fé; Luigi Maria Bilio (1826–1884), sacerdote consultor
da Inquisição e da Congregação do Index’, elevado a cardeal no consistório de 22 de
junho de 1866, e principal redator da encíclica Quanta Cura e de seu apêndice Syllabus
Errorum. Também pertenciam ao grupo de conselheiros do papa os monsenhores e
posteriormente cardeais: Frédéric-François Mérode (1820–1874), jesuíta belga e
consultor da Inquisição Romana; Edoardo Borromeo (1822–1881), parente de vários
cardeais desde o século XVI, que acompanhou o papa em seu exílio em Gaeta, e
Bartolomeo Pacca II (1817–1880), sobrinho homônimo do cardeal Bartolomeo Pacca,
que foi membro do Tribunal Penal de Roma1324. Com ideias extremamente
comprometidas com o passado, os conselheiros contribuíram para influenciar de forma
profunda as decisões de Pio IX, que desde 1848 passara a olhar as mudanças de seu
tempo com muita desconfiança. Eram homens respeitáveis e piedosos, mas que
careciam de uma compreensão do mundo moderno e de suas implicações na fé e na
religião; eram descrentes das reflexões contemporâneas da filosofia, da história e das
ciências naturais. Por suas atividades anteriores, em funções ligadas à repressão das
ideias e manutenção rígida da doutrina, defendiam a denúncia de todo pensamento
intelectual ou religioso divergente1325. Entre as novas influências do papa Pio IX
também estavam os jesuítas, que montaram um poderoso instrumento de propaganda
das ideias religiosas conservadoras.
encarregado do Santo Ofício exercia um poder inferior apenas ao do papa, em cujo nome ele de fato
exercia sua autoridade, [...] responsável pela ortodoxia da Igreja (O’MALLEY, 2010b, p. 56).
1324
MIRANDA, 2021, s.p; CHADWICK, 1998, p. 117-119.
1325
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 87.
371
em Nápoles em janeiro de 1848, o que provocou uma fuga de jesuítas de toda a
península, inclusive de Roma, para o norte, de onde também foram expulsos nos meses
seguintes1326. A ordem também não encontrava apoio do papa nos primeiros anos de seu
pontificado: Pio IX recebia com má vontade as críticas e a resistência mal dissimulada
de muitos jesuítas às suas concessões à causa liberal. Contudo, as dificuldades vividas
nos Estados Pontifícios em 1848 e 1849 aproximaram o papa da Companhia,
especialmente por intermédio do padre Peter Jan Beckx (1795–1887), líder dos jesuítas
em Viena, que, em 1853, seria escolhido para superior-geral da Companhia de Jesus1327.
Ao retornar a Roma, na primavera de 1850, o papa havia mudado completamente sua
postura perante os jesuítas: a Companhia tornara-se uma aliada; após o retorno de Gaeta
era realmente inevitável que ele se voltasse para uma ordem cuja própria razão de ser
era a defesa da autoridade da Santa Sé [...] que a tinha defendido com tanto sucesso, na
hora do seu perigo, contra as investidas dos luteranos e calvinistas1328. Dois fatos
atestaram essa proximidade: o lançamento da revista La Civiltà Cattolica (1850) e a
definição do dogma da imaculada concepção da Virgem Maria (1854)1329.
1326
MCCABE, 1913, p. 427.
1327
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 210. Durante os 30 anos em que Beckx esteve à frente, a ordem assistiu a
uma grande expansão, tanto no número de membros – de 4.540 em 1848 para 10.030 em 1878 – quanto
em sua influência junto ao papado e aos governos da América Latina (idem, ibid.).
1328
HALES, 1954, p. 283.
1329
As boas relações entre o papado e a Companhia de Jesus provocaram uma reação em cadeia em quase
todos os países que antes tinham resistência à ordem: à exceção do Piemonte, todos os reinos italianos
permitiram a criação de colégios jesuíticos, que existiram até a unificação italiana em 1860; a Áustria e a
França permitiram a legalização da ordem, e na Bélgica, Holanda, Baviera, Suíça, Saxônia e Prússia os
colégios e monastérios puderam funcionar livremente (MCCABE, 1913, p. 428).
1330
Taparelli foi o responsável pela recuperação do tomismo no século XIX. Entendia que o liberalismo
era fruto da Reforma Protestante, e condenava o individualismo econômico, que vê no homem apenas
372
ao papa uma versão do tomismo adaptada às ideias conservadoras para o século XIX.
Esse “neotomismo” consistia na construção de uma lógica dedutiva inabalável visando
fornecer à Igreja uma resposta filosófica coerente às propostas liberais, tanto no campo
teológico como político. A verdade ainda era uma só, e proveniente da inteligência e da
racionalidade divinas, mas exigia medidas firmes dos católicos em geral, e do papa em
particular, para sua divulgação1331. A conveniência e a viabilidade da publicação era
debatida pelos jesuítas italianos desde 1846, mas somente ganhou impulso após os
levantes de 1848 em Roma1332. Ainda no exílio em Gaeta, Pio IX teria financiado o
lançamento da revista. Desde seus primeiros números, Civiltà defendeu que a teocracia
era a única forma de governo que poderia ser aceita pela Igreja Católica, que não
poderia reconhecer outras formas de governo, o que a levou a ser proibida no Reino de
Nápoles durante algum tempo. Depois do restabelecimento do papado em Roma, suas
edições passaram a ser diretamente revisadas pela Secretaria de Estado da Santa Sé, isto
é, pelo cardeal Antonelli, que as aprovava antes da publicação1333. Em sua primeira
edição, Civiltà publicou um artigo de Curci a título de editorial que afirmava que o
objetivo principal da revista já estava expresso no título: a civilização católica da
Europa e do mundo desviou-se de sua direção, abruptamente restringida em sua
extensão pela invasão heterodoxa no século XVI. Todos os infortúnios anteriores da
Europa nos últimos três séculos, e os maiores que ainda estão por vir, são os frutos
infelizes desse infortúnio, então é claro que o fator redentor será precisamente no
retorno da civilização ao seu caminho abandonado1334. E prosseguiu: Resolvemos
contribuir para este trabalho salutar com nossa publicação, à qual demos o nome de La
Civiltà Cattolica, a fim de distingui-la do paganismo. Faremos uma exposição gradual
das doutrinas sociais e católicas – e com ela uma polêmica perseverante contra os
uma máquina, e o socialismo, que entendia a dignidade da pessoa humana superior à da sociedade
(FULCO, 2003, v. 13, p. 756; AUBERT, 1976ª, p. 356).
1331
GOUGH, 1996, p. 169.
1332
O’MALLEY, 2018, p. 85.
1333
Os artigos que tratavam de teologia, fé e moralidade recebiam uma revisão adicional do Santo Ofício.
Os artigos da revista muitas vezes também serviam como balões de ensaio de questões sensíveis para
avaliar as reações a ideias ou propostas antes de serem adotadas pela Santa Sé (THAVIS, 2003, v. 3, p.
757-758).
1334
CIVILTÀ CATTOLICA, 1854, p. 3.
373
erros, preconceitos, sofismas, utopias que nos tempos modernos têm mantido as mentes
mais sobrecarregadas1335.
1335
Idem, ibid.
1336
CURCI, Carlo Maria. “Il giornalismo moderno ed il nostro programma”, In: La Civiltà Cattolica,
1850, apud GIANNATALE, 2012, p. 270.
1337
CIVILTÀ CATTOLICA, 1854, p. 4.
1338
Idem, ibid., p. 6.
374
italianos1339. Nos anos seguintes, a revista e seu “neotomismo” passaram a exercer forte
influência na política papal, levando-o a romper com a relativa reserva dos anos de 1940
e a adotar o estilo de confronto, com críticas ao protestantismo, liberalismo e
parlamentarismo. A eclesiologia de La Civiltà Cattolica, destacando a centralização do
poder na Igreja e a força esmagadora da jurisdição romana, ajuda a fortalecer a
resistência romana ao galicanismo e a preparar o terreno para uma possível
declaração sobre a infalibilidade papal1340.
1339
THAVIS, 2003, v. 3, p. 757.
1340
GOUGH, 1996, p. 170.
1341
IGNATIUS, 2003, v. 8, p. 275-276.
1342
A aparição anterior, Nossa Senhora de Laus, teria ocorrido em Saint-Étienne-le-Laus, na França, em
1664, e se repetido até 1718, cuja aprovação oficial somente ocorreu em maio de 2008. A aprovação de
uma aparição pode ser feita tanto pela Santa Sé quanto pelo bispo local, cuja autoridade deriva do papa.
Contudo, as listas de aparições têm muitas variações, uma vez que a religiosidade e a devoção popular
arrolam casos ainda não reconhecidos, ou mesmo rejeitados, pelas autoridades eclesiásticas (IGREJA
CATÓLICA, 1978, s.p).
1343
ALADEL, 1880, p. 47. Labouré foi canonizada em julho de 1947 pelo papa Pio XII.
375
Os primeiros registros da santidade de Maria aparecem nos Evangelhos,
com sua proclamação como a mãe do Senhor, na mais antiga saudação cristã de louvor à
mãe de Jesus. Na igreja primitiva, sua santidade progrediu com a fixação de seu papel
como uma nova Eva, associada a Cristo, o novo Adão, conforme Flávio Justino, ou
Justino de Nablus (c.100–165), teólogo romano do século II, mártir e santo da Igreja
Católica. Os registros pictóricos das catacumbas, os primeiros textos apócrifos e as
referências de Maria com a maternidade de Cristo, e sua virgindade, já usados nas
anáforas eucarísticas, testemunhavam sua veneração; da mesma forma, textos do bispo
Epifânio de Salamina (c. 320–403) apresentaram Maria como mãe dos vivos. Contudo, é
a partir da definição dogmática da maternidade divina no Concílio de Éfeso, em 431,
que o culto a Maria, já consagrado pela tradição Patrística e pela religiosidade popular,
tornou-se oficial1344. Mas foi especialmente na Idade Média que os teólogos
promoveram sua imaculada concepção, quando passou a ser explicitamente discutida e
debatida. A partir do século VII, Maria surge como a rainha celestial, mãe espiritual e
intercessora todo-poderosa, dotada de onipotência suplicante. Teólogos orientais como
Sophronius de Jerusalém (c. 560–638), Germanus de Constantinopla (c. 634–c. 733) e
André de Creta (c. 650–c. 726) exaltaram o poder de intercessão de Maria perante Deus.
Já no Ocidente, durante a alta Idade Média, e em especial ao longo do Império
Carolíngio (732–888), o culto a Maria praticamente desapareceu, como uma distinção
ante a teologia mariana oriental. O culto a Maria foi retomado no Ocidente após o
Grande Cisma de 1054, que separou o cristianismo entre a Igreja Católica Apostólica
Romana e Igreja Católica Apostólica Ortodoxa. A devoção a santos declaradamente
marianos, como São Bernardo, nascido Bernardo de Fontaine (1090–1153); São
Domingo, Domingo Félix de Guzmán (1170–1221); São Bonaventura, Giovanni di
Fidanza (c. 1217–1274); São Francisco, Giovanni di Pietro di Bernardone (c. 1182–
1226); Santo Alberto Magno, Alberto de Colônia (c. 1193–1280); Santa Clara, Chiara
d’Offreducci (1194–1253); e São Tomás de Aquino (1225–1274), que tiveram visões e
presenciaram aparições de Maria, ajudou na cristalização do marianismo entre o povo,
1344
CARROLL, 2003, v. 9. p, 266. A questão da maternidade de Maria estava inserida em uma polêmica
teológica maior que envolvia a própria natureza de Cristo na qualidade de Deus ou como filho de Deus.
Cirílo de Alexandria (c. 378–444) defendia a tese de Maria como mãe de Deus – thetòkos –; Nestório de
Constantinopla (c. 386–451), derrotado, apresentava Maria como mãe de Cristo – christotókos. O debate
entre os dois bispos escondia a questão política sobre qual cidade teria a hegemonia do cristianismo
(ALBERIGO, 2015, p. 74-75).
376
que foi fortalecido, mais tarde, pela invenção da imprensa1345. A Reforma Protestante,
iniciada em 1517, passou a rejeitar a invocação aos santos, mas Lutero e Calvino não
denegaram totalmente a veneração a Maria; sua imagem foi limitada à admiração
daquela que aparece nos Evangelhos como a humilde e obediente mãe de Jesus. Nos
séculos subsequentes a Igreja Católica assistiu ao florescimento dos estudos marianos,
especialmente em decorrência das decisões do Concílio de Trento, que reafirmaram a
veneração e invocação de Maria e dos santos, assim como a reação dos teólogos
católicos diante do Iluminismo e da Revolução Francesa. No século XIX, as antigas
ordens religiosas e missionárias restauradas enfatizaram sua dedicação mariana, em
sintonia com a forte devoção que Maria exercia entre a população mais pobre,
especialmente os camponeses.
1345
CARROLL, 2003, v. 9, p. 268.
1346
GILLETT, v. 8, p. 337; ALADEL, 1880, p. 261-262.
1347
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 224.
1348
A essas visões, em 1858, seriam somadas as de Bernardette Soubirous (1844–1879), em Lourdes,
sudoeste da França. Ao longo do ano, a jovem Soubirous tivera 18 visões de Maria. Foi canonizada em
1933 pelo papa Pio XI. A cidade de Lourdes converteu-se em um dos principais centros de peregrinação
377
Desde 1840 chegaram a Roma inúmeras petições de religiosos franceses
rogando pelo reconhecimento do dogma da imaculada concepção de Maria, afluxo que
aumentou com a aparição de La Salette, quase ao mesmo tempo em que Pio IX era
entronizado. Embora o entusiasmo pela imaculada conceição não possa ser atribuído
diretamente ao movimento ultramontano, ele estava em consonância com ele, e os
líderes do movimento começaram a promovê-lo. Em junho de 1848, em meio à crise
política, a fase mais crítica do envolvimento dos Estados Pontifícios na guerra austríaca,
o papa criou uma comissão de 20 teólogos, comandados pelo padre jesuíta Carlo
Passaglia (1812–1887), para estudar se era viável atender aos pedidos que se
avolumavam. Também compunha a comissão o teólogo jesuíta Giovanni Perrone
(1794–1876), influente professor do Colégio Romano, e autor de De Immaculato B.V.
Mariae Conceptu (1847) – da imaculada concepção de Maria –, expondo uma extensa
argumentação a favor da definição do dogma1349. No Colégio de Cardeais a tese também
contava com um ardoroso defensor: seu sub-reitor, o cardeal jesuíta Luigi
Lambruschini, prefeito da Congregação da Disciplina Religiosa notório por seu
conservadorismo, que havia escrito o livro Sull’ immacolato concepimento di Maria
(1844) – sobre a imaculada concepção de Maria1350. Ainda durante o exílio em Gaeta,
no dia 2 de fevereiro de 1849, o papa publicou a encíclica Ubi Primum, pedindo aos
bispos orações e conselhos sobre a questão: Desejamos sinceramente que, com a maior
solicitude possível, você nos dê a conhecer a devoção que anima seu clero e seu povo e
[...] qual é seu pensamento e seu desejo neste assunto1351. Das cerca de 600 respostas,
muito poucos, principalmente de países protestantes, consideraram a medida
inoportuna; cerca de 90% das respostas eram de fervorosa aprovação. Em 1850, o abade
Prosper Guéranger, instado pelo bispo ultramontano de Poitiers, Louis Pie (1815–1880),
publicou seu Mémoire sur la question de l’immaculée conception de la trés Sainte
Vierge, que teve uma boa repercussão entre os católicos1352. Em artigo publicado na La
Civiltà Cattolica em 1852, dois anos antes da definição, o autor argumentava que a
da Europa, tornando Santa Bernardette uma das mais populares santas modernas (CASEY, 2003, v. 13, p
331-332).
1349
HALES, 1954, p. 150; JEDIN; DOLAN, 1981b, p. 224.
1350
CHADWICK, 1998, p. 120.
1351
PIO IX, encíclica Ubi Primum (1849).
378
definição do dogma seria uma poderosa proclamação de fé contra o racionalismo e
contra todas as outras filosofias profanas da época; Maria, lembrava o texto, era
conhecida como a destruidora de todas as heresias1353.
1352
O’MALLEY, 2018, p. 102.
1353
Idem, ibid., p. 103.
1354
HALES, 1954, p. 147-148.
1355
Idem, ibid.
1356
PIO IX, bula Ineffabilis Deus (1854): A ela o Pai quis dar seu Filho unigênito – o Filho que, igual ao
Pai e gerado por ele, o Pai ama de coração – e dar este Filho de tal forma que ele fosse o único e o
mesmo Filho comum de Deus Pai e da Bem-Aventurada Virgem Maria. Foi ela que o próprio Filho
escolheu para fazer sua Mãe e foi dela que o Espírito Santo quis e fez com que ele fosse concebido e
nascido de quem ele próprio procede (idem, ibid.).
379
pecado original, a bendita e imaculada Virgem Maria, a Mãe de Deus; mas que a
constituição do Papa Sisto IV, de feliz memória, deve ser observadas sob as penas
contidas nas referidas constituições, que ele renova1357. Era uma referência à
constituição apostólica Cum Praeexcelsa (1476) de Sisto IV, a que estabeleceu a
santidade de Maria, assim como sua maternidade espiritual do ser humano1358.
1357
IGREJA CATÓLICA, 1919, p. 20.
1358
A maternidade de Maria pode ter três significados possíveis: metafórico, segundo o qual a mãe de
Cristo age em relação aos homens como uma mãe age com seus filhos, orando, obtendo graça,
protegendo; adotivo, incumbência que Cristo lhe teria dado, para que cumprisse com os deveres de mãe
para com os homens; e real, segundo o qual Maria daria verdadeiramente a vida espiritual, sendo assim, a
mãe dos homens. As pesquisas teológicas indicariam que desde o papa Sisto IV a Pio IX os textos da
Igreja teriam ficado restritos ao sentido metafórico (COLE, 2003, v. 9, p. 264).
1359
MOTHER OF ALL PEOPLES, 2021, s.p. Pio IX, na bula Ineffabilis Deus, também fez referências
expressas aos documentos pontifícios Sanctissimus (1617), do papa Paulo V, e Sanctissimus (1622) , de
Gregório XV, que reforçaram as punições aos opositores da doutrina.
380
outra maneira concebível, ficaria sujeito a penalidades e censuras, como: que sejam
privados da autoridade de pregar, ler em público, ensinar [...] do poder de votar, ativa
ou passivamente, em todas as eleições, sem necessidade de qualquer outra
declaração1360, punição que somente o papa perdoaria. Da mesma forma, todos os livros
ou impressos que de alguma forma discordassem do dogma seriam censurados e
incluídos no Index’. Por fim, a bula Ineffabilis Deus, apoiando-se na tradição da Igreja,
defendeu a manutenção dos dogmas, em uma frase que poderia perfeitamente ser o
epíteto da segunda fase do pontificado de Pio IX: a Igreja de Cristo, zelosa guardiã que
é e defensora dos dogmas que lhe foram depositados, nunca muda nada, nunca diminui
nada, nunca acrescenta nada a eles1361.
1360
PIO IX, bula Ineffabilis Deus, 1854.
1361
Idem, ibid.
381
que ainda defendiam a independência do clero local. Para os liberais do continente, o
papado restaurado após 1850 retrocedera para uma administração arcaica, que se
mantinha pela força das tropas francesas e austríacas estacionadas nos Estados
Pontifícios1363. Quanto ao governo local, Pio IX aumentou a presença dos leigos na
administração, reduzindo o papel dos eclesiásticos, que mesmo assim ocupavam os
principais cargos decisórios, com maior remuneração1364. Mas a economia estava ruim;
a população mais pobre estava ameaçada pela fome. As péssimas colheitas ocorridas em
1845, 1846 e 1848, em todo o Continente Europeu, ainda provocavam uma generalizada
escassez de alimentos em Roma, e a consequente elevação dos preços. A medieval
Corporazioni d’Arti e Mestieri, uma organização tradicional de corporações que existia
desde o século XII, que fora abolida após a invasão napoleônica de 1808, impedia que
os comerciantes estabelecessem livremente os preços sem nenhum controle, gerando
acumulação e especulação descontroladas. Além dessas dificuldades, a administração
desenvolveu um forte protecionismo, que tributou fortemente o comércio, dificultou os
negócios e, indiretamente e efetivamente, promoveu uma vasta rede de contrabando;
sem infraestrutura, até mesmo o deslocamento dentro dos Estados Pontifícios era
difícil1365. A administração dos territórios da Igreja era comprometida pelo sistema de
preenchimento de cargos, que priorizava as indicações de cardeais em detrimento dos
leigos, independentemente da competência técnica exigida para a função; o sistema de
favorecimento provocou profundo descontentamento entre a burguesia local e, até
mesmo, de austríacos que tinham interesse econômico na região1366. Tentando conter a
inflação, Pio IX, em 14 de maio de 1852, restaurou todas as corporações, o que
claramente colidiu com o programa dos liberais, mas que permitiu a volta do controle
dos preços, forçando uma redução gradativa da inflação. Ao mesmo tempo tentou-se
diminuir os gastos do Estado, com a quase dissolução da Guarda Cívica, cujo
armamento havia endividado a Santa Sé em 1848. A volta dos turistas e peregrinos a
Roma, impedidos que estavam entre 1848 e 1849, ajudou a melhorar a arrecadação de
impostos, mas a situação ainda permanecia crítica nos primeiros anos da década de
1362
GOUGH, 1996, p. 265.
1363
CHADWICK, 1998, p. 123.
1364
Em 1856, os leigos na administração eram 686 contra 289 eclesiásticos (HALES, 1954, p. 155).
1365
MARTINA, 1974, p. 186. Em 1859 havia cerca de dois mil quilômetros de ferrovias na península
italiana: 800 no Reino da Sardenha-Piemonte, 700 na Lombardia-Vêneto, 300 no Grão-Ducado da
Toscana, 100 no reino de Nápoles e 100 nos Estados Pontifícios (idem, ibid., p. 187).
382
18501367. As mais importantes fontes de fontes de renda, impostos rurais, venda de
indulgências, transferências de outros países, praticamente tinham desaparecido ao
longo de 50 anos. Funcionários leigos propunham maneiras de a Igreja tornar-se menos
dependente das doações dos fiéis, capitalizando as finanças da Santa Sé e fortalecendo a
economia dos Estados Pontifícios com indústrias; todas as propostas foram
sistematicamente rejeitadas pelo cardeal Antonelli e pelo papa. Entre o cardinalato havia
a firme crença de que a teoria econômica moderna era daninha, e estava comprometida
com o movimento liberal, que há um século contaminava a Europa. Livros de
economia, como Principles of political economy (1848), de John Stuart Mill (1806–
1873), foram colocados no Index; a encíclica Vix Pervenit (1745), do papa Bento XIV,
que condenou de forma veemente a prática da usura e outros pecados semelhantes,
mantinha a economia estagnada, como estava desde o início do pontificado do papa
Gregório XVI1368. Um segmento majoritário dentro da Igreja ao longo do século XIX
acreditava que a indústria representava um atraso para a vida humana, uma fonte
impura. A exemplo dos fisiocratas do século XVIII, o pensamento católico dominante
após a restauração de 1815 defendia que a riqueza das nações e a verdadeira fonte de
prosperidade era derivada unicamente da terra. O desenvolvimento, olhando para as
grandes cidades industriais da Inglaterra, os estados alemães e a França, apenas
produzia miséria, fome, exploração. Da mesma forma, a concorrência, que não existia
na época das corporações cristãs, era danosa e frequentemente vista com
desconfiança1369.
1366
Idem, ibid.
1367
HALES, 1954, p. 161-162.
1368
POSNER, 2015, p. 11.
383
novamente ao banco dos Rothschild, assim como fora feito em 18311370. As
negociações entre o papado e a casa bancária forma acompanhadas de perto pelo
governo francês, a ponto de um embaixador francês em Roma, Alphonsus de Rayneval,
considerar as pretensões de M. Rothschild um pouco excessivas1371. Para garantir o
empréstimo Roma emitiu o equivalente em títulos que pagavam oito por cento de juros
ao ano, sendo que o banco Rothschild os comprara com um desconto de 75 por cento, o
que representava efetivamente o empréstimo. Em seguida o banco vendeu os títulos
para o público, lucrando, ao menos, 25 por cento, tornando, assim, o papado devedor do
montante principal, dos juros e mais do deságio de um quarto do valor. Apesar de o
arranjo ter irritado muito o papa, permitiu que Roma mantivesse seu antigo discurso de
que seguia fielmente as Escrituras, não ganhando ou pagando juros sobre seus
investimentos1372. O papa foi muito criticado tanto pelo cardinalato quanto por católicos
por toda a Europa1373. Os Rothschilds também não ficaram livres da censura entre a
comunidade judaica internacional, que condenou a Igreja que tratava mal os judeus nos
Estados Pontifícios. Sensível a esse argumento, a família Rothschild tentou usar sua
influência para implorar à Santa Sé a fim de melhorar as condições para os 15 mil
judeus nos territórios da Igreja, como a redução dos impostos extras cobrados apenas
sobre aquela comunidade, o fim da proibição de ter propriedades e a proibição de
trabalhar em determinadas profissões. O papa Pio IX comprometeu-se a ajudar, mas
nada foi feito, exceto a derrubada das paredes e dos portões que cercavam o gueto judeu
de Roma1374.
1369
Para mais informações sobre a relação da Igreja Católica com a indústria e o desenvolvimento no
século XIX ver LAGRÉE, Michel. Religião e tecnologia: a bênção de Prometeu, 2002.
1370
POSNER, 2015, p. 15.
1371
Incomodava especialmente ao governo da França a exigência dos Rothschild para que a Igreja
melhorasse as condições dos judeus de Roma, destituídos de qualquer direito civil (SCOTT, 1969, p. 80).
1372
POSNER, 2015, p. 15.
1373
Um dos mais críticos ao empréstimo junto aos Rothschilds foi o banqueiro belga André Langrand-
Dumonceau (1826–1900), rival nos mercados financeiros por todo o continente, que pretendia criar uma
rede internacional de bancos hipotecários, lançando-se como a alternativa católica para os Rothschilds
judeus (FERGUSON, 2000, p. 95).
1374
POSNER, 2015, p. 15.
384
autoridades da Igreja. Obrigados a morar nos guetos cercados e trancados, os judeus
eram constantemente vítimas da repressão violenta, inclusive por parte do grupo
Centurioni. A entronização do papa Pio IX deu indícios de que a situação seria
modificada, mas essa ideia desapareceu ao longo da década de 1850, culminando com o
incidente Mortara. Em junho de 1858, a polícia papal em Bolonha, por ordem do
inquisidor da cidade, o dominicano Pier Gaetano Feletti (1797–1881), apreendeu à força
um menino de 6 anos, Edgardo Mortara (1851–1940), separando-o de seus pais judeus.
Anos antes, uma governanta católica havia batizado a criança que estava muito doente,
e, posteriormente, informado à Igreja1375. O sequestro estava baseado no princípio de
que as crianças judias ou islâmicas que fossem batizadas eram consideradas católicas, e,
portanto, não se podia confiar em que seus pais as criassem. A cena não era inédita; ao
longo de séculos, crianças supostamente batizadas foram tiradas de seus pais biológicos
e criadas por uma família católica ou colocadas no Collegio dei Neofiti – Collegium
Ecclesiasticum Adolescentium Neophytorum ou Pia Domus Neophytorum –, colégio
fundado em Roma em 1577 por Gregório XIII, administrado pela Inquisição Romana
para a formação de convertidos do judaísmo e do islamismo1376. Apesar de apelos para
que Pio IX interviesse, o papa ordenou que o menino fosse levado regularmente ao
Palácio Esquilino, prometendo educá-lo pessoalmente como católico. Os protestos dos
judeus, assim como de católicos dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, foram
atribuídos pelo papa a uma conspiração de livres-pensadores, os discípulos de Rousseau
e do economista e pastor britânico Thomas Malthus (1766–1834); da mesma forma, os
apelos pessoais da família Rothschild ficaram sem resposta. A revista La Civiltà
Cattolica, que desde sua fundação publicava matérias festejando a conversão de judeus,
divulgou durante meses a nova fé da criança de 6 anos, que agora tinha um novo pai:
Fui batizado [...] sou batizado e meu pai é o papa, [...] uma nova mãe, a sagrada
Virgem Maria, e uma nova família, a grande família católica1377. A imprensa
internacional deu uma cobertura, em geral crítica, ao caso; só em dezembro de 1858,
1375
KERTZER, 1997, p. 12-15 (e-book).
1376
Casas destinadas à catequese existiram durante séculos, contudo a primeira casa institucionalizada foi
criada em 1540 por Inácio de Loyola, destinada à conversão de judeus e muçulmanos. Em 1568, nos
Estados Pontifícios foi criada a primeira casa, exatamente em Bolonha. Para a Igreja, a conversão de um
judeu era uma obra de Deus, concedendo bênçãos sobrenaturais a um povo condenado. Famílias nobres
patrocinavam as conversões, consideradas uma bênção divina, realizando uma ação que seria lembrada
no portão do céu (idem, ibid., p. 37).
385
nos Estados Unidos, o jornal The New York Times publicou 20 artigos sobre a
apreensão de Edgardo Mortara. Na Grã-Bretanha, o The Spectator proclamou que o
caso mostrava que nos Estados Pontifícios havia o pior governo do mundo – o mais
insolvente e arrogante, o mais cruel e o mais mesquinho1378. O cardeal Antonelli, que
sabia que a polêmica nos jornais era ruim, especialmente para as relações com a casa
bancária credora e com os fiéis internacionais que contribuíam com a Santa Sé, tentou
dissuadir o papa, mas não teve sucesso: a conversão dos judeus era um tema de central
importância para o papado. Também o imperador da França, sua esposa e o primeiro-
ministro da Sardenha-Piemonte, o conde de Cavour não tiveram êxito na tentativa de
demover Pio IX1379.
1377
“Il piccolo neofito, Edgardo Mortara”, In: La Civiltà Cattolica, s. 3, v. 12 (1858), p. 389-390, apud
KERTZER, 1997, p. 44 (e-book). Edgardo Mortara tornou-se padre, vivendo até 1940.
1378
O’MALLEY, 2018, p. 99.
1379
CHADWICK, 1998, p. 131.
386
1808 e a prisão de dois papas ainda assustava. Essa desconfiança aumentou após o
golpe de estado de Luís-Napoleão, em 2 de dezembro de 1852, que pôs fim à República
e autointitulou-se imperador Napoleão III. O novo imperador tinha pouca confiança de
que a Igreja fosse capaz de governar os Estados Pontifícios; a monarquia papal não lhe
parecia uma forma sensata de governar a Itália Central. Napoleão III não era um
católico devoto, e constituiu um gabinete também distante dos critérios religiosos. A
ditadura implantada com o golpe de estado era vista com reservas pelas forças liberais
europeias, e Napoleão não desejava que a França fosse vista como apoiadora de um
regime conservador nos Estados Pontifícios. Contudo, o imperador, mesmo contra sua
vontade, não podia retirar seu exército de Roma e deixá-lo à mercê dos nacionalistas,
uma vez que seu principal apoio na França estava entre os conservadores católicos;
manter o papa seguro em Roma era uma garantia para sua base de poder interno1381. Já o
papa e seu secretário de estado temiam confrontar Napoleão III; assim, após a
consolidação do golpe, Pio IX em uma cerimônia pública reconheceu com gratidão os
esforços do exército francês por salvar a França e a Europa das calamitosas
conspirações sangrentas dos anarquistas1382.
1380
POSNER, 2015, p. 16.
1381
CHADWICK, 1998, p. 98. Luís-Napoleão foi bom para a Igreja; restaurou o Panteão para a
adoração; queria que o domingo fosse mantido em silêncio; estava disposto a um controle mais rígido do
álcool e das barras de vinho; providenciou que os cardeais tivessem assentos no Senado; tornou-se mais
fácil fundar conventos; ordenandos isentos de servir no exército; distribuiu dinheiro para aumentar os
salários muito pobres dos padres; bispos condecorados; endureceu a censura em livros e tratados
anticatólicos; oponentes exilados (idem, ibid.).
1382
Idem, ibid.
387
República de Roma e as revoltas de 1848 e 1849 fazem parte desse processo, e os
Estados Pontifícios estavam no centro da questão, tanto do ponto de vista geográfico
quanto político.
1383
WOODWARD, 1963, p. 246.
1384
Idem, ibid., p. 247. O motivo por trás dessa aceitação [pela Igreja] do isolamento intelectual na
Europa era a suposta necessidade de defender o poder temporal. Mas o poder temporal estava sendo
388
A Revolução de 1848, apesar de continental, afetou profundamente os
reinos italianos, que, de uma forma geral, tiveram seus territórios destruídos e soberanos
humilhados. A restauração das casas monárquicas, como se podia esperar, foi de
extrema violência contra nacionalistas e republicanos. Nas províncias que retornaram ao
controle austríaco, Lombardia e Vêneto, o governo militar implantado torturou e matou
os rebeldes nacionalistas; como reação, houve algumas tentativas de resistência e novos
levantes localizados, que também foram reprimidos com ferocidade. O rei Ferdinando II
eliminou com ferocidade seus adversários, que lhe haviam imposto humilhações logo
no início de 1848, inclusive mandando bombardear a cidade de Messina, que resistia à
retomada1385. Na Toscana, o grão-duque Leopoldo II (1797–1870), da Casa Habsburgo-
Lorraine, e parente do imperador da Áustria, desde a retomada, garantida pelas tropas
austro-húngaras, passou a usar uniforme de um general austríaco, e realizar anualmente
um serviço religioso para comemorar o aniversário da derrota dos exércitos italianos.
Francesco V (1819–1875), duque de Modena e príncipe de Carrara, também um
Habsburgo, mandou açoitar os rebeldes nacionalistas, matando alguns a golpes de
chicote. Nos reinos italianos apenas a Sardenha-Piemonte possuía um rei que se poderia
dizer sensível aos apelos do Risorgimento. Vittorio Emanuele II, que assumiu o trono
em 1849, após a derrubada de seu pai Carlos Alberto pelas tropas austríacas, não tinha
formação política, nem estava preparado para governar, mas sozinho entre os
governantes italianos tinha um amor patriótico pela Itália1386. Ele e seu primeiro-
ministro Camillo Giullio Benso, o conde de Cavour, seriam os únicos estadistas a se
oporem de maneira clara ao poder secular da Igreja nos Estados Pontifícios.
mantido pelas tropas de um governo baseado em princípios que os papas condenaram. A autoridade de
Luís-Napoleão como presidente de uma república francesa, a autoridade do imperador Napoleão III,
repousava sobre o sufrágio universal; um princípio de soberania que nunca poderia ser aplicado ao
reino de Pio IX (idem, ibid., p. 294).
1385
O inglês William Gladstone, liberal, que posteriormente serviu 12 anos como primeiro-ministro do
Reino Unido, e ministro do Tesouro por outros 12, definiu o governo de Ferdinando II como a negação
de Deus (WOODWARD, 1963, p. 295).
1386
Idem, ibid., p. 296.
389
Cavour era nascido em uma família nobre piemontesa, que tinha sofrido
com as tropas de Napoleão, e desenvolvido aversão à ideia de revolução ou de mudança
social. A despeito de sua origem, ele fez fortuna como um homem de negócios bem-
sucedido, interessado na agricultura e nas ferrovias. O interesse comercial levou-o à
Inglaterra, o que fez com que desenvolvesse uma grande simpatia pela economia
britânica, assim como por seu sistema de governo, sendo mesmo considerado um
anglófilo, apelidado de Milord Camillo1387. Em 1848, pouco mais de dois meses após o
rei Carlos Alberto declarar guerra contra a Áustria, Cavour foi eleito para a Câmara dos
Deputados da Sardenha-Piemonte. Ao assumir a legislatura encontrou entre seus pares
um clima fortemente anticatólico, que já vinha se formando há alguns anos pela
agitação socialista e pelo surgimento dos movimentos políticos contrários a Roma1388.
1387
Idem, ibid., p. 298.
1388
HALES, 1974, p. 172.
1389
Idem, ibid., p. 173.
390
O primeiro acordo celebrado entre o papado e a Sardenha ocorrera em 1297,
quando Giacomo D’Aragona garantiu ao papa Bonifácio VIII a defesa da religião em
todo o reino; acordo que foi reiterado em 1297, e reafirmado em 1351, entre o papa
Clemente VI e Peter IV, de Aragão, e em 1551, entre o papa Júlio III e Carlos I, da
Espanha. No século XVIII, já independente, o Reino da Sardenha-Piemonte assinou
uma série de concordatas com Roma, garantindo não apenas a independência da Igreja,
mas também sua jurisdição sobre todo o reino, assim como sua imunidade fiscal e
tributária. Nova concordata foi firmada em 1727 entre o papa Benedito XII e o rei
Vittorio Amedeo II, já pertencente à Casa de Sabóia, que permitiu que os tribunais
eclesiásticos também decidissem questões civis, assim como todos os temas que
envolvessem clérigos. Várias concordatas foram firmadas entre o papa Bento XIV e o
rei Carlos Emanuele III: em 1741 os feudos eclesiásticos pertencentes à Igreja foram
reconhecidos, sendo que as tropas reais seriam retiradas de suas áreas; na mesma data
outro acordo reconheceu que os frutos dos feudos eclesiásticos pertenceriam
inteiramente à Igreja, e que o rei não poderia ter qualquer intervenção nos assuntos
eclesiásticos; pelo mesmo acordo o rei concordou em enviar todos os anos uma grande
quantia em ouro para Roma. Em 1742, foi estabelecido que os bispos do reino teriam
total imunidade em suas jurisdições; em 1750, o rei assumiu o compromisso de pagar
uma renda anual e perpétua usada em favor da Câmara Apostólica de Turim [que] será
entregue para que o aproveite sempre, sem nunca estar sujeito a qualquer diminuição
ou variação, com a promessa de Sua Majestade na fé, e a palavra do rei para si mesmo
e seus sucessores reais1392. O rei Carlos Emanuele III também assinou com o papa
Clemente XIII, sucessor de Bento XIV, algumas concordatas organizando o episcopado
local e estabelecendo medidas para o governo da Igreja no Piemonte. Já no século XIX,
em 1836, o papa Gregório XVI assinou com o rei Carlos Alberto uma concordata
permitindo que os livros paroquiais obtivessem fé pública para a prova de estado civil
dos súditos, e, dessa forma, o casamento religioso tornou-se, na prática, obrigatório1393.
Em março de 1841, uma nova concordata foi assinada entre o rei Carlos Alberto e
1390
CHADWICK, 1998, p. 132.
1391
HALES, 1974, p. 174.
1392
IGREJA CATÓLICA, 1919, p. 410.
391
Gregório XVI, representado pelo cardeal Luigi Lambruschini, reafirmando a imunidade
pessoal dos eclesiásticos acusados de algum crime; os tribunais não poderiam aplicar
penas contra os eclesiásticos, exceto multas pecuniárias em crimes financeiros1394.
1393
Idem, ibid., p. 726.
1394
Idem, ibid., p. 736.
1395
WOODWARD, 1963, p. 298.
1396
HALES, 1959, p. 174.
392
institutos de caridade e beneficência governados e administrados na parte econômica
por corporações religiosas. Já a lei aprovada e sancionada pelo rei em 9 de abril
estabeleceu que as causas cíveis entre eclesiásticos e leigos, ou mesmo entre
eclesiásticos apenas, pertenciam à jurisdição civil, para qualquer espécie de ação,
inclusive as criminais do Estado; as ações passaram a ser decididas por juízes leigos. Da
mesma forma, as punições impostas passaram a ser aquelas estabelecidas pelas leis do
Estado. A lei aboliu as imunidades estabelecidas pelo direito de asilo na igreja1397. Por
fim, determinou: compete ao governo do rei apresentar ao Parlamento um projeto de
lei destinado a regular o contrato de casamento nas suas relações com o Direito Civil,
a capacidade das partes, a forma e os efeitos desse contrato1398. Dada a vizinhança, o
Piemonte era o Estado italiano mais fortemente influenciado pela cultura e por costumes
políticos franceses, e havia entre a população um forte sentimento popular pela
igualdade, princípio este que estava em contradição com a lei canônica. A Constituição
piemontesa de 1848 estabelecia que todos os cidadãos estariam sujeitos às mesmas leis,
civis, do Estado, o que não era cumprido pelos tribunais. A restrição aos tribunais
canônicos apenas regulou o ditame constitucional, sendo duramente criticada em
Roma1399. Em 5 de junho do mesmo ano, o Parlamento aprovou lei determinando que
estabelecimentos e as entidades sem fins lucrativos, eclesiásticos ou leigos, não podem
adquirir imóveis sem serem autorizados a fazê-lo por Decreto Real [...]. As doações
entre vivos e as disposições testamentárias a seu favor [mão morta] não terão efeito se
não estiverem da mesma forma autorizados a aceitá-las1400. As leis de 1850 ficaram
conhecidas como Leggi Siccardi, uma vez que foram propostas ao Parlamento pelo
senador e ministro da Justiça e Assuntos Eclesiásticos, Giuseppe Siccardi (1802–
1857)1401. Como reação, o papa Pio IX excomungou os deputados que votaram pela
aprovação dessas leis, ameaçou aqueles que impusessem seu cumprimento e retirou seu
1397
O direito de asilo era uma antiga instituição jurídica segundo a qual alguém perseguido por questões
políticas, religiosas ou de opinião poderia pedir asilo à Igreja, não podendo ser preso enquanto estivesse
sob a guarda clerical. Igreja aqui era entendida no sentido amplo, abrangendo todos os templos católicos,
inclusive os mosteiros.
1398
ITÁLIA, 2010, s.p.
1399
CHADWICK, 1998, p. 132.
1400
ITÁLIA, 2010, s.p.
1401
Em 1849, Siccardi já havia tentado negociar com o papa, que ainda estava no exílio em Gaeta,
modificações que reduzissem as obrigações impostas ao Estado pelas muitas concordatas assinadas entre
a Sardenha-Piemonte e Roma, mas não obteve sucesso. Antonelli argumentou que Roma não desejava
modificar os documentos, e que um acordo entre duas partes não poderia ser alterado apenas pela vontade
de uma (CHADWICK, 1998, p. 133; HALL, 1959, p. 175).
393
núncio de Turim1402. O arcebispo Fransoni publicou uma circular defendendo que a lei
não fosse cumprida, e foi preso e multado. As alterações passaram a preocupar o clero
piemontês, que sentia o crescimento do sentimento anticatólico entre a população, e que
temia a expropriação dos bens da Igreja.
1402
WOODWARD, 1963, p. 299.
1403
CHADWICK, 1998, p. 135.
394
uma grande conspiração que unia maçons, carbonari, iluministas, liberais e socialistas
para destruir a Igreja Católica. As desavenças agravaram-se após a aprovação de um
projeto de lei proposto pelo ministro da Justiça Urbano Rattazzi (1808–1873), cargo que
acumulava com a pasta do Interior, do gabinete de Cavour, de supressão das ordens
religiosas no reino, exceto daquelas dedicadas ao cuidado dos necessitados, doentes e à
educação, consideradas as ordens úteis, a chamada Legge dei Conventi1404. As
congregações deveriam devolver seus bens a um fundo de poupança destinado ao
pagamento de um salário aos padres pobres, idosos e doentes. A nova lei foi aprovada
em 2 de março de 1855, com 117 votos a favor e 36 contra. Após a aprovação pelo
Senado, o episcopado piemontês propôs ao rei uma contribuição anual que seria doada
ao erário público, desde que o projeto de lei fosse retirado. Cavour, então primeiro-
ministro, considerou a proposta ofensiva, uma interferência clerical nos assuntos
internos do Reino da Sardenha-Piemonte, e ameaçou renunciar; era uma reazione contro
progresso, como definiu em um discurso no Senado1405. Após violentas manifestações
anticlericais em Turim, a proposta foi recusada pelo rei, e, em 22 de maio, o projeto foi
aprovado pelos senadores1406. Em 29 de maio Vittorio Emanuele II assinou um decreto
real discriminando as 26 ordens masculinas e femininas que estavam extintas1407. As
congregações extintas, que compreendiam cerca de 5.500 pessoas, representavam
aproximadamente dois terços dos religiosos do país1408. A lei transferiu para o Estado os
bens pertencentes às ordens, estabelecendo um fundo estatal, que pagaria um subsídio
anual para os religiosos em claustro, de acordo com sua idade, proibindo a ampliação de
1404
CHADWICK, 1998, p. 138; HALES, 1959, p. 183. Cavour, um católico não devoto; filho de mãe
protestante, tinha fé no progresso da sociedade, acreditando que para tanto era preciso conter a Igreja
Católica, como fora feito na Inglaterra, que muito admirava (CHADWICK, 1998, p. 135).
1405
HALES, 1959, p. 180. Rattazzi pertencia ao partido político Sinistra (esquerda), que mais tarde seria
conhecido como Sinistra Storica (esquerda histórica), para ser diferenciada dos socialistas e dos membros
da social-democracia. Fundado em 1849 como consequência da Revolução de 1848, era uma coalizão
representando as classes médias, a burguesia urbana, pequenos empresários, jornalistas e acadêmicos, e
defendia pautas liberais. No fim do século XIX passou a assumir propostas conservadoras.
1406
ORSI, 1914, p. 202.
1407
Eram todas as ordens existentes no reino. Ordens religiosas masculinas: Agostinianos, Cânones de
Latrão, ou regular de S. Egidio, Carmelitas, Cartuxos, Monges Beneditinos Cassinesi, Cistercienses,
Olivetanos, Conventuais Menores, Oblatos de Santa Maria, Passionistas, Dominicanos, Mercedarii,
Servos de Maria, Padres do Oratório ou filipinos. Ordens religiosas femininas: Chiarisse, Beneditinas
Cassinesi, Canonisas de Latrão, Capuchinhos, Carmelitas Descalças, Cistercienses, Crocifisse
Benedettine, Dominicanas, Terciárias Dominicanas, Franciscanas, Celestina ou Turchine, Battistine,
Agostinianas (ITÁLIA, 2010, s.p.).
1408
HALES, 1959, p. 179. Havia 604 casas, sendo que 372 eram conventos, com um total de 8.564
monges e freiras. Foram suprimidas 334 casas e expulsos 5.506 religiosos, dos quais 4.308 eram monges
(CHADWICK, 1998, p. 137).
395
seu número. Também foi criada uma contribuição anual em favor desse fundo a ser
cobrada de todas as paróquias, abadias, santuários, seminários, internatos eclesiásticos,
e bispados e arcebispados que estivessem funcionando regularmente com um religioso
titular1409. A lei causou pânico e irritação em Roma, uma vez que remetia a lembranças
dolorosas para a Igreja: o mesmo fora feito por Henrique VIII na reforma da igreja
inglesa, em 1534; a França durante a revolução, e por José II no Império Austríaco e na
Holanda, entre 1765 e 1790, inclusive aos jesuítas em 1773, antes mesmo da bula
Dominus ac Redemptor, na qual o papa Clemente XIV extinguiu a Companhia de
Jesus1410. Para o cardeal Antonelli o governo do Piemonte estava desrespeitando todos
os acordos firmados com a Igreja, e também os compromissos assumidos durante o
Congresso de Viena em 1815; para Roma, o aspecto econômico era irrelevante diante da
agressão ao catolicismo1411. Pio IX reagiu à aprovação com a edição da encíclica Cum
Saepe, em 26 de julho de 1855, condenando tanto a lei como todos os outros atos e
decretos individuais promulgados pelo governo do Piemonte contra a religião, a Igreja,
autoridade e direitos da Santa Sé. Pelo documento o papa também declarou que todos
aqueles que não hesitaram em propor, aprovar, sancionar os mencionados decretos e a
lei [...] bem como seus diretores, advogados, consultores, adeptos, executores
incorreram em grande excomunhão e outras censuras eclesiásticas1412. A Santa Sé
orientou que os religiosos desapropriados não resistissem, mas não deveriam deixar de
protestar; foi permitido que os católicos do reino comprassem as propriedades
monásticas em leilão, desde que as devolvessem à Igreja1413. Do ponto de vista da Santa
Sé, as ordens inúteis extintas no Piemonte, na verdade, representavam o modo de vida
mais perfeito, e apenas para os poucos que têm vocação para adotá-lo; sua repressão
representava a perseguição dos ideais mais profundos da Igreja1414.
1409
ITÁLIA, 2010, s.p.; WOODWARD, 1963, p. 300.
1410
HALES, 1959, p. 178.
1411
Idem, ibid., p. 180.
1412
PIO IX, encíclica Cum Saepe, 1855.
1413
CHADWICK, 1998, p. 138.
1414
HALES, 1959, p. 182.
396
criasse transtornos políticos. Um dos críticos era o deputado radical Angelo Brofferio
(1802–1866), que se opunha a qualquer concessão à Igreja, a grande responsável pela
desunião da Itália e pela presença de forças estrangeiras na península: Quem nestes
últimos anos chamou os espanhóis, os austríacos e os franceses contra a liberdade
italiana e fez o Panteão, o Capitólio e até a Basílica de São Pedro serem
bombardeados? Foi o papa, foi Pio IX1415. Já o primeiro-ministro Cavour tinha uma
visão mais tolerante, mas um pouco dúbia: admirava a separação da Igreja estabelecida
pela Constituição dos Estados Unidos, mas duvidava de sua aplicação no caso italiano;
também não aprovava a intervenção direta estatal, como ocorreu na França após 1815,
porque isso fez com que o baixo clero se tornasse fiel a Roma. Desejava a liberdade
para a Igreja, sem um compromisso do Estado sob a forma de uma concordata, e
também não admitia a intervenção de religiosos na política1416. Esse sentimento era
compartilhado por boa parte da população urbana do Piemonte, imprensa, classes
médias, burguesia e trabalhadores. O governo de Cavour obtivera grande apoio no
Parlamento, como ficou claro nas eleições de 1857, quando seu partido ganhou a
maioria das cadeiras da Câmara – 75%; sua pauta nacionalista e contra a interferência
política da Igreja estava aprovada1417.
1415
THAYER, 1911, v. 1, p. 343.
1416
CHADWICK, 1998, p. 136.
1417
Nessas eleições, das 153 cadeiras, os conservadores católicos elegeram 58 deputados, os
conservadores não religiosos elegeram 14 e as forças socialistas, 8 (idem, ibid., p. 139).
1418
THAYER, 1911, v. 1, p. 400. No Grão-Ducado da Toscana, o ministro Bettino Ricasoli (1809–1880)
não escondia sua simpatia pelo Piemonte e pelo rei Vittorio Emanuele II; Bolonha ofereceu total apoio ao
rei no processo de unificação; em Perugia, ao longo da segunda metade da década de 1850 ocorreram
inúmeros motins contra os austríacos e os mercenários suíços do papa (WOODWARD, 1963, p. 306).
397
menor do que até então. Ainda por esse projeto o Reino das Duas Sicílias-Nápoles
permaneceria intocado. A outra fórmula, desenvolvida por Mazzini, previa a unificação
de toda a península, sem os Estados Pontifícios, sob o comando do rei Vittorio
Emanuele II, o único que teria força política e militar para enfrentar os austríacos. O
plano era imperfeito, uma vez que Mazzini, um republicano, não confiava em reis e
soberanos1419. Contudo, ambos os projetos enfrentavam um dificuldade: dependiam do
apoio do imperador francês Napoleão III e de seus exércitos, que, por sua vez, havia se
comprometido com a permanência do papa em Roma. O imperador não gostava da ideia
dos austríacos na península, mas uma ação militar sua poderia despertar as velhas
rivalidades dos alemães, que não aceitavam a hegemonia francesa no continente1420.
1419
Os grupos de nacionalistas mais regionais, e distante do Piemonte e de Mazzini, defendiam
sublevações locais, que acabariam por se espalhar por toda a península. A ideia não levava em conta os
levantes de 1848 e 1849, quando as insurreições locais foram sufocadas pelas tropas austríacas que
intervieram para restaurar o poder dos soberanos (THAYER, 1911, v. 1, p. 400).
1420
CHADWICK, 1998, p. 141.
1421
Segundo La Civiltà Cattolica, o pan-eslavismo era a ideia de unificar a sociedade religiosa e política
da raça eslava de uma só vez, para torná-la politicamente dominante sobre as demais. E essa ideia está
tão encarnada nas populações gregas, como um escravo confinante com o império, que os aldeões do
398
pessoais com os representantes do imperador austríaco Francisco José I, estimulavam
que a Áustria ficasse neutra no conflito, concentrando sua atenção na península italiana,
ao mesmo tempo protegendo os Estados Pontifícios contra novas insurreições ou
ameaças piemontesas. A ambiguidade da Igreja era apenas aparente, uma vez que
buscava apenas seus interesses1422.
Danúbio e os eslavos húngaros guardam em seu caso o retrato do imperador russo, como o chefe ou o
máximo protetor de seus religiosos, líder do cisma contra o latinismo (La Civiltà Cattolica, 1853, apud
BATTAGLIA, 2012, p. 52).
1422
BATTAGLIA, 2012, p. 51-54.
1423
Diante do gigantesco número de baixas francesas e britânicas, respectivamente 135 mil e 40 mil entre
mortos e feridos, o Piemonte perdeu 28 homens nos conflitos (THAYER, 1911, v. 1, p. 359).
1424
HALES, 1959, p. 186.
1425
ORSI, 1914, p. 215-218. O rei siciliano Ferdinando II, ao longo de toda a década, reprimiu as
tentativas de levante de forma brutal, com o fuzilamento de todos os suspeitos, fazendo com que, sob a
agitação de Mazzini, aumentasse ainda mais a insatisfação contra seu governo. Em 8 de dezembro de
1856, em Nápoles, após uma missa, o rei foi ferido por um soldado com um golpe de baioneta, que foi
enforcado sem julgamento quatro dias depois. Ferdinando II morreu em 22 de maio de 1859, em virtude
do ferimento sofrido no atentado (idem, ibid., p. 224).
399
confiando apenas na palavra de apoio do imperador francês; ainda no exterior,
descobriu que o comprometimento de lorde Clarendon era apenas formal, e que o
gabinete inglês não estava disposto a interferir1427.
Napoleão III também tinha um projeto para a Itália, mas que não passava
pela hegemonia piemontesa na península; desejava a formação de uma federação
italiana, sob a presidência nominal do papa, em uma espécie de renascimento do plano
do padre maçom Vincenzo Gioberti, o que lhe permitiria uma pressão direta sobre o
papado, cujo poder temporal estava mantido por tropas francesas. Acreditava que uma
dívida dos italianos com ele controlaria Cavour e poderia afastar as tentações da criação
de um Estado italiano unitário1428. As tratativas foram iniciadas ainda em meados de
1856, nos encontros secretos de Paris, e concluídas em Plombières, em julho de
18581429. Cavour obteve do imperador francês a promessa do envio de 200 mil soldados
para ajudar na expulsão dos austríacos. Em contrapartida foram impostas ao rei Vittorio
Emanuele II algumas condições: ele abriria mão das regiões fronteiriças de Nice e
Sabóia em favor do Estado francês, o que ia contra o discurso da união da nacionalidade
italiana; a Toscana e a Úmbria seriam unificadas sob o governo de Carlos III, duque de
Parma; Nápoles e as Duas Sicílias seriam mantidas como um reino independente, mas
sem ajuda francesa para conter seus súditos; o rei piemontês permitiria o casamento de
sua filha Maria Clotilde di Sabóia (1843–1911) com o primo do imperador, Napoleão
Joseph Charles Paul, também conhecido como Jerome Bonaparte (1822–1891), o que
acabou ocorrendo em Turim, na capela real do Santo Sudário, em 30 de janeiro de 1859;
e, por último, Roma e região permaneceriam sob o domínio direto do papado. Dessa
forma a Itália que surgiria seria a união de quatro reinos: norte da Itália, formado por
Piemonte, Lombardia e Vêneto; Itália Central, pela Toscana, Úmbria e Parma; o Estado
Pontifício renovado e reduzido; e Nápoles com a Sicília ao sul. Esses Estados
formariam uma confederação, aos moldes da Confederação Germânica, tendo o papa
1426
WOODWARD, 1963, p. 303.
1427
ORSI, 1914, p. 219.
1428
WOODWARD, 1963, p. 303-304.
1429
Os contatos entre Napoleão III e Cavour foram feitos não por um diplomata, mas pelo médico pessoal
do imperador, Henri Conneau (1803–1877), sem o conhecimento da chancelaria francesa; Plombières é
400
como presidente honorário1430. Cavour, ao regressar a Turim, depois do Congresso de
Paris, fez um discurso na Câmara dos Deputados, em 6 de maio de 1856, afirmando que
grandes soluções não se fazem com a pena; a diplomacia não tem poder para mudar as
condições dos povos1431; a Itália poderia nunca gozar de liberdade e independência
enquanto os estrangeiros controlassem a península. O discurso do primeiro-ministro
provocou censuras do embaixador austríaco na corte do rei Vittorio Emanuele II, conde
Karl von Buol-Schauenstein, que acusou o governo de instigar a população contra
Viena; o diplomata alertou que a Áustria não seria desviada de seu curso fixo de apoiar
todas as reformas seguras nos Estados italianos, afastando os opositores e
anarquistas1432. Cavour havia deixado claro que a primeira medida do processo de
unificação era a expulsão da Áustria, já contando com o apoio francês, mas não
explicitara os passos seguintes. Com exceção dos piemonteses, grande parte dos
nacionalistas italianos, inclusive Mazzini, projetava uma república para a Itália e não
confiava em Cavour. O primeiro-ministro piemontês, por sua vez, trabalhava pela
consagração de Vittorio Emanuele II como rei de todos os italianos, mas não podia
deixar isso evidenciado, sob pena de romper a já frágil união dos nacionalistas1433.
Roma não estava totalmente ignorante das negociações que ocorriam entre Paris e
Turim. Além das informações passadas pelo núncio apostólico em Paris, arcebispo
Carlo Sacconi (1808–1889), elevado a cardeal em 1861, relatando os boatos que
corriam na corte, no começo de 1859 um panfleto apócrifo circulou nos Estados
Pontifícios com um resumo dos acordos de Plombières1434.
uma estação de águas termais, o que permitia a presença de Cavour sem levantar suspeitas (ORSI, 1914,
p. 240).
1430
WOODWARD, 1963, p. 304.
1431
É certo, senhores deputados, que as negociações de Paris não melhoraram as nossas relações com a
Áustria. Devemos confessar que os plenipotenciários da Sardenha e os da Áustria, depois de dois meses
sentados lado a lado, depois de cooperar na maior obra política realizada durante os últimos 40 anos, se
separaram sem colisões pessoais, geralmente de forma cortês, e condizente com o chefe do governo
austríaco), mas com a convicção secreta de que os dois países estão mais longe do que nunca de um
acordo político e de que os princípios que eles defendem são irreconciliáveis (ORSI, 1914, p. 221).
1432
THAYER, 1911, v. 1, p. 407.
1433
Idem, ibid., v. 1, p. 402.
1434
HALES, 1959, p. 192. A divulgação desse tipo de panfletos não assinados fazia parte da estratégia
política de Napoleão III, para testar a reação do público antes de uma medida polêmica (idem, ibid.).
401
Contando com o apoio francês, o governo da Sardenha-Piemonte começou
uma série de pequenos atritos diplomáticos com a Áustria, inclusive enviando
voluntários piemonteses para as outras regiões da península, buscando construir um
pretexto para a eclosão de uma guerra. Ao mesmo tempo começou o recrutamento de
voluntários que chegavam de toda a península, além de exilados na Suíça e na Grécia.
Giuseppe Garibaldi foi nomeado líder dos grupos de voluntários1435. O movimento foi
sentido pelo embaixador Buol-Schauenstein, fazendo com que a Áustria reforçasse suas
tropas na fronteira da Lombardia, passando a exigir o desarmamento preventivo do
Piemonte, como forma de pacificar o norte da península. Em 19 de abril de 1859, por
carta, recebida por Cavour no dia 23, Buol deu um ultimato a Turim, dando prazo de
três dias para o desarmamento de suas forças1436. No mesmo dia, o Parlamento
piemontês aprovou, por 110 votos a favor, 24 contra e 2 abstenções, em um clima de
entusiasmo, um projeto de lei de emergência que concedeu plenos poderes ao rei em
caso de guerra. No dia 26, o embaixador francês em Viena, François-Adolphe de
Bourqueney (1799–1869), em uma ação coordenada, declarou que o governo de
Napoleão III consideraria um ato de guerra a travessia do Rio Ticino, na fronteira entre
o Reino da Sardenha-Piemonte e a Lombardia, pelo exército austríaco, demarcação esta
que foi ultrapassada no dia 27. Quase ao mesmo tempo em que as tropas entravam no
território piemontês, o rei Vittorio Emanuele II emitiu uma proclamação anunciando a
guerra às suas tropas, a segunda contra a Áustria em dez anos. Em 3 de maio era a vez
de Napoleão III também fazer sua proclamação de guerra: a Áustria, ao trazer o seu
exército para o território do rei da Sardenha, nosso aliado, declarou guerra contra nós.
Portanto, viola os tratados e a justiça, e ameaça nossas fronteiras. [...] O objetivo desta
guerra é, portanto, fazer da Itália a si mesma e não fazê-la mudar de dono, e teremos
nas nossas fronteiras um povo amigo que nos deverá a sua independência1437.
Curiosamente, o documento oficial trazia uma ressalva que visava acalmar os grupos
1435
GIGLIO, 1912, p. 62.
1436
Tenho a honra de implorar a Vossa Excelência que me informe se o governo do rei consente, sim ou
não, em colocar sem demora o seu exército em condições de paz e em dispersar os voluntários italianos.
O portador desta carta, a quem V. Exa. queira dar a sua resposta, tem instruções para se manter à sua
disposição para o efeito durante três dias. Se, no fim desse período, ele não tiver recebido nenhuma
resposta, ou se a resposta não for totalmente satisfatória, a responsabilidade pelas graves consequências
que podem advir desta recusa recairão inteiramente sobre o governo de Sua Majestade da Sardenha.
Depois de tentar em vão todos os meios conciliatórios para obter para o seu povo a garantia de paz em
que o imperador tem o direito de insistir, Sua Majestade será obrigada, com grande pesar, a recorrer à
força das armas para a obter (ORSI, 1914, p. 263).
402
católicos que o apoiavam: Não vamos à Itália para fomentar a desordem, nem para
abalar o poder do santo padre que recolocamos no seu trono, mas para o libertar da
pressão estrangeira que pesa sobre toda a península e para ajudar a fundar a ordem
sobre interesses legítimos1438. O apoio francês à guerra concentrava-se entre os
anticlericais, liberais e grupos socialistas; os conservadores católicos foram
radicalmente contra, o que era expresso nos texto de Veuillot no L’Univers. Com
exceção de alguns poucos católicos liberais, como Montalembert e Lacordaire, que
achavam que o poder austríaco na península italiana era ruim para a Igreja, os católicos
em geral, assim como quase todos os bispos franceses, eram contra a guerra do
imperador1439. Antes de embarcar para o local dos conflitos, Napoleão III enviou uma
carta ao papa Pio IX declarando sua fidelidade à Igreja: Não separo a causa da religião
e o poder temporal do santo padre da causa da independência da Itália, igualmente
queridos para mim [...] meus esforços serão sempre conciliar estes dois grandes
interesses e que onde quer que minhas tropas estejam a autoridade de Vossa Santidade
e os interesses da religião serão salvaguardados e protegidos1440. O papa proclamou
sua neutralidade, e exortou a Igreja em todo o mundo a oferecer orações para a rápida
restauração da paz. Tendo seus dois protetores em guerra, a derrota de qualquer um
deles deveria tornar Roma dependente do vencedor; a guerra era totalmente indesejável
para a Santa Sé1441.
1437
GIGLIO, 1912, p. 73.
1438
Idem, ibid., p. 74.
1439
CHADWICK, 1998, p. 146.
1440
HALES, 1959, p. 192.
403
Romagna, as tropas da Áustria foram forçadas a retirar-se, obrigando o cardeal Luigi
Ciacchi a fugir para Roma. As rebeliões locais, em Ancona, Bolonha e Perugia,
permitiram minar o suporte material às tropas austríacas, e também expressar a
insatisfação dos italianos com o domínio austríaco, assim como o desejo da formação de
um reino italiano. Também houve levantes nas legações de Marche, Úmbria, mais
próximas a Roma, que foram reprimidas por tropas de mercenários reunidas às pressas
pelo cardeal Antonelli.
1441
Idem, ibid., p. 197.
1442
THAYER, 1911, v. 2, p. 82; HALES, 1959, p. 183.
1443
THAYER, 1911, v. 2, p. 48-49. Os austríacos tiveram 2.292 mortos, 11.167 feridos e 8.638
desaparecidos; por sua vez, as tropas aliadas tiveram 2.313 baixas, com 12.102 feridos e 2.776 feridos
(idem, ibid.). Um grande número de baixas foi causado por uma epidemia de tifo entre as tropas. Para
404
tratado final foi assinado entre as três partes na Paz de Zurique, em novembro de 1859,
do qual todos saíram descontentes, e com o temor de um novo conflito em breve. Pelos
acordos, o Piemonte anexou a Lombardia, e estes mais tarde seriam unificados com
Toscana, Parma, Modena, Reggio e a legação apostólica da Romagna, em detrimento
dos Estados Pontifícios1444. Nice e Saboia foram entregues ao Estado francês e a Áustria
manteve o Vêneto; nos três casos, houve um êxodo de italianos para o Reino da
Sardenha-Piemonte, então ampliado pelas anexações1445. Cavour havia discordado do
rei Vittorio Emanuele II e de Napoleão quanto ao momento do fim das hostilidades; em
protesto, em 19 de julho, renunciou ao cargo de primeiro-ministro, sendo substituído
por Massimo Taparelli d’Azeglio (1798–1866), um político experiente, que já ocupara o
cargo entre 1849 e 1852, antes, portanto, de Cavour, sendo o responsável pelas
negociações de paz em 1849, ao fim da primeira guerra da Sardenha-Piemonte contra a
Áustria. Após a assinatura da Paz de Zurique, Napoleão III tentou colocar em
andamento seu projeto da união dos Estados italianos, quatro naquele momento –
Sardenha-Piemonte, Veneza, sob controle austríaco, Estados Pontifícios e Reino das
Duas Sicílias –, em uma federação. Uma das exigências era a reforma política e
administrativa dos domínios temporais da Igreja; temas que deveriam ser discutidos em
um novo congresso. Contudo, a concordância do imperador francês da transferência da
Romagna para o Piemonte afastou a Igreja dos acordos. A legação representava cerca de
um quarto do território dos Estados Pontifícios. Em 22 de novembro de 1850, após
enfrentar a revolução em Roma, Pio IX emitira um decreto agrupando as então 19
legações, criadas em 1816, em apenas quatro e mais um distrito ao redor de Roma –
Romagna, Marche, Úmbria, Campagna e Roma. Cada uma das novas legações fora
confiada a um cardeal.
mais detalhes da guerra, tropas, movimentação das forças, ver GIGLIO, I fasti del cinquantanove: ricordi
civili e militari, 1912.
1444
HALES, 1959, p. 196.
1445
ORSI, 1914, p. 298.
405
delicadas do papado ao longo do século até então, a questão religiosa estava sendo
privilegiada1446. O cardeal Antonelli também respondeu ao imperador francês: Vossa
Majestade procura a tranquilidade da Europa, obrigando o papa a ceder [...] Quem
pode contar o número de revoluções que se sucederam na França durante os últimos 70
anos? Ao mesmo tempo, quem ousaria propor à Grande Nação Francesa que, para a
paz da Europa, é necessário reduzir as fronteiras do Império? O argumento é por
demais esclarecedor, e por essa razão deve me permitir não admitir a cessão1447. A
divergência com Napoleão III tornou-se pública, em 19 de janeiro de 1860, com a
publicação da encíclica Nullis Certe Verbis, com o subtítulo: sobre a necessidade de
soberania civil. Nela o papa, dirigindo-se a toda a Igreja, pede que os religiosos de todo
o mundo defendam o poder civil da Igreja, proclamando e ensinando que Deus deu o
poder civil ao pontífice romano, para que ele, nunca sujeito a nenhum poder, pudesse
exercer em plena liberdade e sem qualquer impedimento a tarefa suprema do ministério
apostólico divinamente comprometido com ele por Cristo nosso Senhor. Sobre
Napoleão III: Em sua carta, o grande imperador, relembrando sua proposta um pouco
anterior a nós sobre as províncias rebeldes de nossos Estados papais, aconselha que
devemos, por nossa própria vontade, entregar a posse dessas mesmas províncias, uma
vez que parece a ele ser a única maneira de emendar a presente desordem. A defesa
dos Estados Pontifícios era, para o papa, a defesa do sistema monárquico: Não podemos
abdicar das províncias de Emilia sem violar os juramentos solenes pelos quais estamos
vinculados, sem suscitar disputas e distúrbios no resto de nossas províncias, sem
cometer injustiça contra todos os católicos, e sem, finalmente, enfraquecer os direitos
não apenas dos príncipes da Itália, mas de todos os príncipes de todo o mundo cristão.
Por fim, exortou os clérigos a defender esta causa e inflamar cada vez mais os fiéis
1446
HALES, 1959, p. 199. Em uma carta, datada em 3 de dezembro, Pio IX lembrou ao rei [de novo nome
diferente!?] Vittorio Emanuele II que era herdeiro de ilustres ancestrais católicos, afirmando: Certo é que
quando eu reflito sobre o que está acontecendo nas legações [Romagna], onde estão fazendo leis,
governando, tomando posse de uma parte dos bens da Igreja e cometendo muitos outros atos arbitrários,
todos em nome de Vossa Majestade, devo dedicar-me a interessar-vos a favor do Patrimônio da Igreja,
oprimida e pilhada sob a proteção do Vosso Nome. [...] Eu acreditava que uma alma real, assim, bendito
seria seguramente abraçar a primeira oportunidade de se arrepender de seus erros e restaurar-se a
graça de Deus, a oportunidade certa é o Congresso, e é lá que a voz de Sua Majestade deve ser exercida
para que declare abertamente que não confiscará os bens de terceiros. [...] Por fim, nada peço para mim,
mas procuro apenas que me seja feita justiça, que seja restituído à Santa Sé o que dela foi injustamente
tirado, e que sinto ser meu dever, em consciência, energicamente me empenhar para reclamar (Iiem,
ibid., p. 200).
1447
Idem, ibid., p. 202.
406
confiados aos vossos cuidados para que sob a vossa liderança não deixem de defender
a Igreja Católica e esta Santa Sé, nem de proteger o domínio civil da mesma Sé e o
patrimônio de São Pedro1448. Imediatamente, o jornal ultramontano L’Univers, de Louis
Veuillot, que até então era o principal apoio do regime ditatorial francês, foi fechado em
29 de janeiro de 1860, exatamente na data da edição que publicou a íntegra da encíclica
Nullis Certe Verbis1449, que tratava especificamente da autoridade temporal do papa, só
voltando a ser editado em 16 de abril 1867. A guerra e o fechamento do jornal abalaram
o apoio católico a Napoleão III, o que ficaria evidente ao longo da década.
1448
Papa Pio IX, encíclica Nullis Certe Verbis, 1860.
1449
L’UNIVERS, p. 1, 29 jan. 1860.
1450
CHADWICK, 1998, p. 145.
1451
HALES, 1959, p. 205-206. Lorde Palmerston, anglicano, claramente preferia o Piemonte ao papa no
controle da península (CHADWICK, 1998, p. 144).
407
A partir do fim de 1859, o novo rei da Sicília, com apenas sete meses de
reinado, passou a enfrentar rebeliões populares e levantes em várias cidades,
especialmente em Nápoles e Palermo. Em 4 de abril de 1860, um levante foi debelado,
com a execução sumária de suas lideranças, provocando novas sublevações em cidades
como Messina e Catânia, que já contavam com o apoio de piemonteses que entraram no
reino secretamente. Após a chegada das notícias em Turim, em 12 de abril, Giuseppe
Garibaldi foi convocado secretamente por Cavour, que havia retornado ao cargo de
primeiro-ministro em janeiro, para comandar um grupo de assalto à ilha da Sicília, os
mil de Garibaldi1452. A aventura poderia parecer uma loucura uma vez que as tropas
oficiais do Reino da Sicília somavam cerca de cem mil homens, mas Turim contava
com o apoio e a adesão da população local1453. Garibaldi também não era um general
comum, mas sim um comandante de guerrilha, treinado nas batalhas da Revolução
Farroupilha no sul do Brasil, e em missões militares consideradas suicidas no Uruguai.
O grupo foi montado e armado pelo governo de Turim, mas de forma sigilosa, uma vez
que, para Cavour, um movimento malsucedido poderia causar embaraços para o
processo de unificação. Garibaldi desejava invadir Roma, mas foi convencido por
Cavour de que a derrubada de Francisco II do trono na Sicília era mais importante
naquele momento1454. O primeiro-ministro desejava explorar a animosidade dos
sicilianos submetidos a uma linhagem dinástica que odiavam. A lembrança dos levantes
de 1848, que foram reprimidos com bombas pelo rei Ferdinando II, assim como o
regime marcial ao qual os ilhéus foram submetidos desde então, eram munição
suficiente contra o novo soberano1455. Em 5 de maio, os barcos partiram do porto de
Gênova, embarcando cerca de 1.200 voluntários que esperavam ao longo da costa. Doze
dias mais tarde, as tropas tomaram Salemi, no oeste da ilha, e Garibaldi declarou-se
ditador da Sicília em nome do rei Vittorio Emanuele II. Contando com o apoio popular,
com a formação de milícias a cada cidade tomada, organizadas pelo Partido da Ação de
Giuseppe Mazzini , Garibaldi venceu as tropas reais em Nápoles em 7 de setembro,
1452
ORSI, 1914, p. 310.
1453
WOODWARD, 1963, p. 310.
1454
THAYER, 1911, v. 2, p. 231.
1455
Idem, ibid., v. 2, p. 231.
408
obrigando o rei Francisco II a fugir, com o apoio da marinha da França, para Gaeta e
depois, em 13 de novembro, para Roma1456.
1456
ORSI, 1914, p. 317. A luta de Garibaldi no sul da Itália tornou-se épica e heróica, chegando a ser
comparada às proezas míticas dos argonautas comandados por Jasão; alguns tentaram compará-lo a Joana
d’Arc, o que foi rechaçado pela Igreja, uma vez que o italiano era ateu (THAYER, 1911, v. 2, p. 229).
1457
SCOTT, 1969, p. 197.
1458
HALES, 1959, p. 214.
1459
ORSI, 1914, p. 319.
1460
HALES, 1959, p. 214. Curiosamente, Napoleão III, pouco antes da invasão havia saído da França,
para uma viagem de 15 dias ao Mediterrâneo, com escala em Argel. Por duas semanas o imperador esteve
incomunicável, e seu chanceler, Édouard Thouvenel (1818–1866), alegou não ter poderes para intervir na
região. Todo o restante do corpo diplomático francês também estava de férias (idem, ibid.).
409
um território contínuo, o reino unido italiano, embora sem Veneza e seus arredores,
Roma e seus arredores1461.
1461
CHADWICK, 1998, p. 148.
1462
Os zouaves eram tropas de infantaria ligeira criadas pelo governo francês para os combates no norte
da África que lhe garantiram o domínio da Argélia, compostas por voluntários franceses e árabes. O nome
nasceu da corruptela de um adjetivo árabe que significaria aquele que está no chão.
1463
HALES, 1959, p. 208-209.
1464
CHADWICK, 1998, p. 149.
1465
Idem, ibid., p. 150. Montalembert, mesmo adotando posturas liberais, nunca deixou de apoiar a Igreja
e o papa. Em uma carta aberta a Cavour, escreveu sobre as críticas do primeiro-ministro ao novo exército
papal: Você conspirou por 12 anos, e você se vangloria disso, para tornar todo governo impossível nos
Estados Romanos. Quando o papa tem ministros eclesiásticos, ministros leigos são exigidos dele.
Quando ele nomeia um leigo, sua garganta é cortada no passos do Parlamento; quando ele não tem
exército, é censurado por não ser capaz de se defender; quando ele forma um é denunciado como um
perigo para seus vizinhos (HALES, 1859, p. 234).
1466
SCOTT, 1969, p. 176.
410
uma clara animosidade de Antonelli contra Mérode, que assumira todas as funções de
segurança dos Estados Pontifícios1467.
1467
Idem, ibid., p. 177.
1468
PIO IX, alocução Novos et Ante, 1860.
411
religião, [...] para abalar e derrubar os fundamentos da religião e da sociedade civil. O
documento papal não poupou críticas aos reinos europeus: Não podemos deixar de
deplorar, além dos outros, aquele princípio fatal e pernicioso, a que chamam de não
intervenção, proclamado por alguns governos há pouco, tolerado por outros e utilizado
mesmo quando se trata da injusta agressão de um governo contra outro. Prosseguindo:
É surpreendente que ao governo piemontês seja lícito violar impunemente [as leis
divinas e humanas] enquanto vemos que, com suas fileiras hostis, ante toda a
Europa[MAS1], irrompe nos domínios de outros, e daqueles que expulsa princípios
legítimos.
1469
Apesar de suas posições republicanas, Garibaldi entregou o governo do sul ao rei sem resistência
(WOODWARD, 1963, p. 313).
1470
ORSI, 1914, p. 320.
1471
HALES, 1959, p. 236.
412
3.5.4. A doutrina consolidada
1472
O detalhamento das complexas negociações diplomáticas sobre Estados Pontifícios, assim como as
ações dos agentes da França, Itália, Igreja, foram estudados a fundo por SCOTT, The Roman question and
the powers (1848-1865) (1969).
1473
ORSI, 1914, p. 327.
1474
O processo histórico entre a unificação da Itália e a efetiva incorporação de Roma como capital do
país, em 1870, passou a ser conhecido como questão romana, ou Risorgimento, sobre a qual existe uma
imensa bibliografia que vem sendo produzida desde o fim do século XIX, com os mais diferentes pontos
de vista.
1475
A região do Vêneto somente seria incorporada ao Reino da Itália em 1866, após a derrota da Áustria
para a Prússia na guerra pela hegemonia dos territórios alemães. O governo italiano, que havia apoiado os
413
O reino nascia, mas ainda não tinha uma capital; italianos de todas as
regiões não aceitavam a sede do reino em Turim, temendo a predominância piemontesa;
por sua vez, os piemonteses admitiam a capital em Nápoles ou Florença. A única cidade
que satisfazia a todos era Roma. A “Cidade Eterna” era neutra: milaneses ou
florentinos, turinenses ou napolitanos não podiam se opor a ela; era o símbolo da
unidade dos italianos, o centro ao qual, desde os cantos mais remotos do mundo, todos
os caminhos conduziam1477. Cavour havia elaborado um plano que resumira pela divisa
libera chiesa in libero stato (Igreja livre em um Estado livre). Enviado ao Parlamento
em 11 de outubro de 1860, o projeto previa que o papado cederia seu poder temporal ao
rei Vittorio Emanuele II, embora o papa pudesse manter o direito de suserania, tornando
a cidade a capital de todos os italianos. A Igreja continuaria tendo sua vida normal,
escolhendo seus líderes religiosos, realizando seus sínodos, exercendo sua própria
disciplina eclesiástica, administrando seus seminários e orçamento. A propriedade da
Igreja seria confiscada, tendo como contrapartida um subsídio estatal. A proteção da
Igreja seria feita pelas tropas do Estado, sem a participação de estrangeiros. Na
apresentação do projeto aos parlamentares, Cavour foi bastante claro: Nosso destino,
senhores, declaro-o abertamente, é fazer com que a Cidade Eterna, sobre a qual 25
séculos acumularam todo tipo de glória, torne-se a esplêndida capital do Reino Italiano
[...] Por que é nosso direito – ou melhor, nosso dever – solicitar, insistir, que Roma seja
reunida à Itália? Porque, sem Roma como capital, a Itália não pode se constituir1478.
Na expressão libera chiesa in libero stato estava implícita a separação absoluta dos
poderes secular e espiritual.
prussianos, conseguiu finalmente reunir seus territórios em uma única extensão, sem o controle
estrangeiro (WOODWARD, 1963, p. 322).
1476
La Civiltà Cattolica, 1861, apud ORSI, 1914, p. 331.
1477
THAYER, 1911, v. 2 , p. 442.
414
sejam compatíveis com a manutenção da ordem pública1479. E mais uma vez frisou a
necessidade da separação das duas esferas de poder: Como consequência necessária,
acreditamos ser essencial, para a harmonia do edifício que desejamos erguer, que o
princípio da liberdade seja aplicado às relações da Igreja e do Estado [...] e acho que
não me engano ao declarar [...] essas ideias não terão de esperar muito pela adoção
geral. Ainda durante o discurso, o primeiro-ministro expôs um elemento central de seu
programa: Devemos ir a Roma, [...] mas sem que a reunião desta cidade com o resto da
Itália seja interpretada pela grande massa de católicos na Itália e fora dela como um
sinal de servidão da Igreja. Em outras palavras, devemos ir a Roma, sem com isso
afetar a verdadeira independência do pontífice1480. E prosseguiu: Acreditamos que a
independência do pontífice, sua dignidade e a independência da Igreja podem ser
protegidas por meio da separação dos dois poderes, e pela proclamação do princípio
da liberdade aplicado de forma geral e ampla nas relações da sociedade civil com os
religiosos1481. A sessão foi encerrada com a aclamação de Roma como a capital da
Itália1482. O plano, na verdade, tinha um segundo aspecto. Como católico, Cavour
defendia uma Igreja renovada, cuja influência, acreditava, seria muito aumentada assim
que fosse libertada de seu poder mundano. Impressionado com o papel que a religião
poderia desempenhar na vida de um povo, ele reconheceu, como muitos dos católicos
mais devotos daquele século reconheceram, que uma das principais causas da
decadência moral e do torpor espiritual era a confusão entre religião e política1483.
Mas não bastava convencer Pio IX a ceder seu poder temporal. Também era
preciso persuadir aqueles que tinham interesses diretos ligados à administração dos
Estados Pontifícios. Como forma de conquistar o cardeal Antonelli para a proposta,
Cavour havia previsto que o secretário de estado receberia uma vultosa soma em
dinheiro, e seus irmãos seriam mantidos em suas lucrativas posições que ocupavam na
administração dos Estados Pontifícios; da mesma forma, todos os contratos entre a
1478
ORSI, 1914, p. 338.
1479
Idem, ibid., p. 341.
1480
PIOLA, 1931, p. 18.
1481
Idem, ibid.
1482
ORSI, 1914, p. 342.
1483
THAYER, 1911, v. 2 , p. 443.
415
família Antonelli e o Estado Pontifício seriam reconhecidos pelo Reino da Itália1484.
Essa barganha foi tornada pública, sendo considerada uma das causas principais da
suspensão das negociações com o cardeal secretário1485.
1484
WOODWARD, 1963, p. 314-315.
1485
SCOTT, 1969, p. 208.
1486
PIOLA, 1931, p. 13.
1487
Idem, ibid., p. 14.
416
Igreja1488. A partir da pergunta: O poder temporal do papa é necessário para o
exercício de seu poder espiritual? O autor defendia que a soberania do papa deveria
ficar restrita às questões religiosas. Contudo, do ponto de vista político, é necessário
que a cidade de duzentos milhões de católicos não pertença a ninguém, que não seja
subordinada a nenhum poder, e que a mão augusta que governa as almas, não estando
presa por nenhuma dependência, possa levantar-se acima de todas as paixões
humanas. Da mesma forma, o papado não poderia exercer autoridade secular, uma vez
que a autoridade religiosa, fundada em dogma, não poderia ser reconciliada com a
autoridade convencional fundada em costumes públicos, interesses humanos,
necessidades sociais. As figuras do pontífice e do rei não se conciliariam na mesma
pessoa: Como pode o homem do Evangelho que perdoa ser o homem da lei que pune.
Como o cabeça da Igreja, que excomunga os hereges, ser o cabeça do Estado que
protege a liberdade de consciência? Guéronnière prosseguia com suas reflexões: o
pontífice está sujeito a princípios de uma ordem divina da qual não pode abdicar. O
príncipe é solicitado por exigências de uma ordem social que ele não pode rejeitar.
Então, o meio para [executar] a missão do pontífice é encontrar na independência do
príncipe uma garantia da sua autoridade, sem envergonhar a sua consciência.
Prosseguia o texto: Não existe uma constituição no mundo que possa conciliar
requisitos tão diversos. Não é pela monarquia, nem pela república, nem pelo
despotismo, nem pela liberdade que este fim será alcançado. Os argumentos eram
singelos, mas concentravam uma discussão de séculos que, ao longo das últimas
décadas, havia ganho uma dimensão muito maior, saindo do campo teórico e teológico
para o mundo da política real. O raciocínio simples questionava toda a linha do
pensamento conservador e ultramontano que justificava a autoridade do papa. A
solução, segundo o texto, era a total extinção do poder secular do papado, limitando-o a
seu poder espiritual. O papado deve viver sem um exército, sem representação
legislativa, sem código e sem justiça. É um regime que mais se assemelha à
anterioridade da família do que com a administração de pessoas. Nesse novo regime os
dogmas são as leis, os sacerdotes são os legisladores, altares são cidadelas e armas
espirituais são a única égide do governo; seu poder está menos na sua força do que em
sua fraqueza; e está no respeito que impõe e na bondade que oferece àqueles a quem
1488
GUÉRONNIÈRE, 1859, p. 6. Todas as citações seguintes foram retiradas do livro.
417
recusa as satisfações da vida política. Para Guéronnière esse poder espiritual deveria
concentrar-se unicamente na cidade de Roma, pequeno recanto de terra sequestrado de
paixões e interesses que agitam outros povos, e dedicado exclusivamente à glória de
Deus. Na Santa Sé o panfleto foi visto apenas como uma estratégia de Napoleão III para
testar a reação do público, de acordo com seu desejo de exercer influência sobre a
vontade popular além do que o poder constitucional lhe permitia.
1489
HALES, 1959, p. 192.
1490
Idem, ibid., p. 223.
418
de ministros do Santuário e de pessoas consagradas a Deus1491. Para a Santa Sé, Roma,
santuário da Igreja Católica, era necessária porque o papa era governante, e não poderia
ser apenas um súdito. Em uma carta do cardeal Antonelli ao núncio apostólico em Paris,
Carlo Sacconi, o secretario de estado afirma que o papa não poderia renunciar a seu
Estado porque ele não pode ser indiferente à ruína das almas de um milhão de seus
súditos que seriam deixados à vontade de um partido, cuja primeira coisa que ele iria
tentar era insidiar sua fé e corromper seus costumes1492. O poder secular da Igreja era
uma questão polêmica ao longo das últimas seis décadas: não poderia haver Igreja sem
Roma, assim como não poderia haver Itália sem a cidade.
1491
Idem, ibid., p. 234.
1492
MARTINA, 1974, p. 194.
419
ser segura e honestamente possuída pelo agressor iníquo1493. Entre os cardeais, a
indignação não era menor; o clima de desconfiança presente estava expresso na frase
que teria sido dita por Antonelli: Não negociamos com ladrões1494. O secretário de
estado ainda tinha esperanças de que a Espanha liderasse as potências católicas em uma
iniciativa militar de defesa da Igreja1495. Para alguns religiosos, acordos secretos entre
Cavour e Napoleão III para a retirada de suas tropas de Roma foram inadequados e
precipitados1496. Muitos ainda argumentaram que os novos governantes piemonteses das
antigas legações da Romagna, Marche e Úmbria teriam instaurado leis anticlericais
severas, perseguindo e punindo os membros do clero1497. A legislação que disciplinava
a atividade eclesiástica, que já era adotada pelo Piemonte, foi total ou parcialmente
estendida às regiões da Itália após a unificação. Nas províncias que se levantaram
contra seus novos governantes, o episcopado recusou-se a reconhecer os novos
governos e, diante dessa intransigência, estes reagiram com violência1498.
Era certo que o plano de Cavour, desde sua apresentação, fora recebido com
animosidade por parte do papa e do cardinalato, que enxergavam apenas como uma
estratégia liberal para acabar com a religião. O pensamento católico conservador havia
desenvolvido ao longo de meio século um mundo que não se conciliava com a
separação da Igreja do Estado. Pio IX, com seus conselheiros jesuítas, e os papas que o
precederam haviam erigido uma doutrina que entendia que toda solução liberal devia ser
rejeitada, porque embutia em sua essência um projeto de destruição da Igreja1499. Em 6
de junho de 1861 Cavour morreu repentinamente em meio a uma crise de malária,
1493
PIO IX, alocução Iamdudum cernimus, 1861.
1494
CHADWICK, 1998, p. 152.
1495
Entre 1860 e 1862, o papado alimentou a esperança de que Madri enviaria tropas para proteger os
Estados Pontifícios. Contudo, a posição do governo espanhol sempre foi de apoio a uma intervenção
internacional, descartando um ato isolado. Mesmo assim, o primeiro-ministro inglês, lorde Palmerston
chegou a advertir a Espanha para que não mandasse tropas para a península italiana, em respeito à política
de não intervenção na Itália. Mas Madri não respondeu à Inglaterra, pois a política espanhola sempre foi
direcionada mais para uma intervenção geral do que para seu próprio ato unilateral (SCOTT, 1969, p.
194).
1496
WOODWARD, 1963, p. 315.
1497
HALES, 1959, p. 224.
1498
JEMOLO, 1960, p. 21.
1499
WOODWARD, 1963, p. 316.
420
doença antiga que o afligia com regularidade1500. Sua morte atrapalhou os planos de
Napoleão III de chegar rapidamente a um acordo com Turim; ele não tinha intenção de
deixar um exército em Roma indefinidamente, e se o Papa não tomasse cuidado, ele
ficaria sem qualquer defesa contra os piemonteses1501.
1500
Pouco antes de sua morte, o primeiro-ministro chamou o franciscano Giacomo di Poirino, seu amigo,
que lhe teria dado os últimos sacramentos, apesar de Cavour ter sido excomungado pela encíclica Cum
Saepe, de 1855. A divulgação da notícia do sacramento fez com que Giacomo fosse chamado a Roma
para dar explicações. Alguns autores afirmam que o religioso teria sido forçado a quebrar o sigilo da
confissão de Cavour em seu leito de morte. O padre apenas teria dito que o primeiro-ministro morreu
como um bom cristão. Na mesma época o padre foi removido de sua paróquia em Turim e enviado para
um local distante, e proibido de ministrar sacramentos (CHADWICK, 1998, p. 153-154).
1501
HALES, 1959, p. 242.
1502
CHADWICK, 1998, p. 157.
1503
Idem, ibid., p. 158.
421
para seu trabalho e é instituída por Deus [...] No estado atual do mundo, esta soberania
secular é necessária por todos nós para a legalidade e para que a autoridade e o
cuidado da Igreja pelas almas sejam livres1504. No mesmo dia, Pio IX publicou a
alocução Maxima quidem, reiterando que a Igreja e o papado somente podem ser livres
com o livre exercício de seu poder temporal, atacado por homens que, sendo inimigos
da Cruz de Cristo, e não tolerando a sã doutrina, uniram-se em uma liga nefasta,
blasfemando o que não sabem, e por todos os tipos de artes piedosas conspiram para
derrubar os fundamentos de nossa Santíssima Religião e da sociedade humana1505.
1504
Idem, ibid.
1505
JEMOLO, 1960, p. 31; PAPA PIO IX, alocução Maxima quidem, 1862.
1506
Esta crise, quais são as causas? Quem provocou esse antagonismo fatal entre o papado e a Itália?
Quem despertou a desconfiança entre o Vaticano e as Tulherias? Se o papa hoje está isolado, se está
separado do movimento italiano, do qual é o líder natural, se perdeu parte de seus Estados, de quem é a
culpa? É a política francesa? Faltou consideração, dedicação, sinceridade, paciência, altruísmo e
previsão a essa política? [...] A opinião pública será capaz de reconhecer que a cegueira ou o erro de
cálculo levaram o poder temporal do papa ao ponto onde está hoje e, quem são aqueles, cujos esforços
sempre generosos e conselhos sempre desprezados, poderiam tê-lo preservado e consolidado
(GUÉRONNIÈRE, 1861, p. 11-12).
1507
HALES, 1959, p. 237. Sobre o texto de Guéronnière, Louis Veuillot escreveu: O mundo cristão quer
manter o papa em Roma, porque Deus o colocou ali para estar à frente da humanidade. O mundo
revolucionário quer expulsar o papa de Roma porque a revolução, que é satânica, como dizia Joseph de
Maistre, e consequentemente inimiga da humanidade, visa decapitar a humanidade. A revolução quer
422
inferir que o governo francês também não acreditava na unidade política italiana,
apostando na formação de uma confederação como o arranjo mais plausível e mais
durável. Antonelli, em uma carta circular aos núncios apostólicos, escreveu que o
objetivo da França era mostrar, por meio de evidências documentais, que os males que a
Igreja vivia se deviam exclusivamente ao papa. Reafirmou sua convicção de que o
poder temporal da Igreja fora subvertido pelo imperador e por seus aliados italianos; o
texto teria dado ao pontífice motivos suficientes para suspender suas negociações com o
Piemonte1508.
substituir Cristo e Pedro em Roma, como Cristo e Pedro, 18 séculos atrás, substituíram satanás e Nero
lá. Esta é a questão romana (idem, ibid., p. 238).
1508
SCOTT, 1969, p. 207-208.
1509
Idem, ibid., p. 343-346. Sobre a modernização dos Estados Pontifícios, Napoleão III teria afirmado a
seu chanceler, Édouard Thouvenel: O interesse da Santa Sé e o da religião exigem que o papa se
reconcilie com a Itália, o que equivale a reconciliar-se com as ideias modernas, salvaguardando-se
dentro da órbita do Igreja 200 milhões de católicos e elevando a religião a um novo esplendor,
mostrando que a Fé promove o progresso da humanidade (HALES, 1959, p. 250).
423
mais favoráveis, dados os esforços do governo italiano para isolar-se de todas as
associações a movimentos e conspirações revolucionários1510. O acordo representou
uma solução estratégica para Napoleão III, na medida em que, ao mesmo tempo,
permitia estancar a sangria do apoio dos católicos franceses, e manter boas relações com
o governo da Itália1511.
1510
SHEA, 1877, p. 278.
1511
MARTINA, 1974, p. 190. As tropas francesas deixaram Roma no início de 1867, mas retornaram em
outubro, diante das ameaças de invasão pelas brigadas de Garibaldi. A retirada definitiva ocorreria apenas
em julho de 1870, após a eclosão da Guerra Franco-Prussiana, que exigiu o deslocamento de todas as
tropas francesas para as fronteiras germânicas (idem, ibid.).
1512
SCOTT, 1969, p. 347.
424
respeito1513. A radicalização política após a unificação da Itália e a perda de dois terços
do território dos Estados Pontifícios fizeram com que o papa se afastasse ainda mais de
uma avaliação da conjuntura em que vivia, das questões reais. Pio IX passara a ver nas
pressões que o afligiam os sinais do nascimento do demônio e, ao refugiar-se em uma
espera inerte pelos acontecimentos, confiava firmemente em uma intervenção
milagrosa da Providência, que resolveria tudo em favor da Igreja1514. Para o papa, o
mundo seguia por caminhos errados que apontavam para o fim da religião e o caos. Não
era apenas Pio IX que sentia essa conspiração dos tempos; seu antecessor, Gregório
XVI, já havia vivenciado essa comoção, e a expressara em 1832 na encíclica Mirari vos.
A encíclica fora uma resposta ao então abade Lamennais, que, após uma
primeira fase de reflexões ultramontanas e reacionárias, passou a pedir a reforma da
Igreja como maneira de retomar sua posição abalada pelo ideário liberal. O primeiro
impulso do papa Gregório XVI ao editar a encíclica fora reagir ao influente religioso
francês. Ao lado desse objetivo inicial, a encíclica representou a reação papal às
transformações impostas pela Revolução Francesa, que, mesmo derrotada em 1815,
criara raízes nas monarquias europeias restauradas, e cujas lembranças voltaram a fazer-
se presentes nas revoluções de 1830 e de 1848. O papa conclamou que os religiosos
convencessem os príncipes a atuar em favor da Igreja: Deixem-nos refletir
diligentemente sobre o que deve ser feito para a tranquilidade dos seus impérios e a
salvação da Igreja; deixem-nos de fato ser persuadidos de que devem ter mais no
coração a causa da fé do que a do reino. [...] Colocados como pais e tutores do povo,
obterão para eles paz e tranquilidade verdadeira, constante e abundante, especialmente
se se esforçarem por fazer florescer entre eles a religião e a piedade para com
Deus1515. O papa temia pelo futuro: Não podemos prever tempos mais felizes para a
religião e o governo do que os planos daqueles que desejam veementemente separar a
Igreja do Estado, e quebrar a concordância mútua entre a autoridade temporal e o
sacerdócio. É certo que essa concórdia que sempre foi favorável e benéfica para o
sagrado e para a ordem civil é temida pelos desavergonhados amantes da liberdade. A
1513
CHADWICK, 1998, p. 166.
1514
MARTINA, 1974, p. 198.
425
liberdade, a grande inimiga, nunca suficientemente denunciada, para publicar
quaisquer escritos e divulgá-los ao povo, que alguns ousam exigir e promover com um
clamor tão grande1516. Estamos horrorizados ao ver que doutrinas monstruosas e erros
prodigiosos são disseminados de longe em inúmeros livros, panfletos e outros escritos
que, embora pequenos em peso, são muito grandes em maldade. A encíclica exortava os
príncipes, o papa também um príncipe, a não separarem o poder secular do poder
espiritual. Trinta anos após o rogo de seu predecessor, e tendo vivido mais uma
revolução, em 1848, Pio IX confrontava-se com as vozes de seu tempo, algumas das
quais provinham do seio da Igreja.
1515
GREGÓRIO XVI, encíclica Mirari vos, 1832.
1516
Esta fonte vergonhosa de indiferentismo dá origem àquela proposta absurda e errônea que afirma
que a liberdade de consciência deve ser mantida para todos. Ela espalha a ruína nos assuntos sagrados e
civis, embora alguns se repitam vezes sem conta com o maior descaramento que daí advém alguma
vantagem para a religião (idem, ibid.).
1517
LECANUET, 1905, p. 347. Para detalhes sobre o primeiro Congresso de Malines ver WISEMAN,
The religious and social position of catholics in England: an address delivered to the Catholic Congress
of Malines, 1864.
1518
AUBERT, 1976ª, p. 395; MARTINA, 1974, p. 204.
426
projeto de Cavour, as ideias remontavam a seu antigo mestre, Lamennais, morto havia
nove anos.
1519
MONTALEMBERT, 1863, p. 10.
1520
Idem, ibid., p. 15.
427
esperança de ver o renascimento de um regime de privilégios ou de uma monarquia
absoluta favorável ao catolicismo. Democracia e cristianismo de forma alguma seriam
incompatíveis, ao contrário, eram complementares: Quanto mais se é democrata, mais
deve-se ser cristão; pois o culto fervoroso e prático de Deus feito homem é o
contrapeso indispensável a esta tendência perpétua da democracia de constituir o culto
do homem que se crê Deus [...] esse veneno inerente ao desenvolvimento da democracia
encontra um antídoto apenas na fé e na humildade do cristão1522.
1521
Idem, ibid., p. 18.
1522
Idem, ibid., p. 51.
1523
Idem, ibid., p. 22.
1524
WOODWARD, 1963, p. 321.
1525
HALES, 1971, p. 337.
1526
Carta do cardeal Antonelli a Montalembert, em 5 de março de 1864, transcrita por LECANUET
(1905, p. 373-374). Lamento informar que o resultado do exame provou que as acusações contra os
428
Nos primeiros anos da década de 1860 o papa havia se tornado
extremamente popular entre os fiéis, especialmente após a perda das legações dos
Estados Pontifícios. Seu discurso, apresentando-se novamente como vítima de
interesses obscuros e antirreligiosos, e colocando-se ao lado de seus predecessores que
enfrentaram revoluções e levantes, dera certo. A Igreja tornava-se cada vez mais
centralizada em Roma e na figura do papa: eram estimuladas as visitas de religiosos,
especialmente os bispos, à cidade e a adoção em todos os lugares dos ritos romanos, das
vestimentas romanas, da liturgia romana1527. A imprensa conservadora católica,
representada pela aparentemente moderada La Civiltà Cattolica e pelo jornalismo
estridente e militante do jornal L’Univers, de Louis Veuillot, contribuiu para estimular o
apoio popular a Pio IX e a reivindicação para que o papa fosse declarado infalível por
um concílio geral. Nos anos que se seguiram à unificação italiana, Pio IX passou a
receber gigantescas comitivas de bispos, clérigos e leigos que visitavam Roma em
eventos como a canonização dos mártires japoneses, em 1862, com mais de cem mil
fiéis, ou as cerimônias do décimo oitavo centenário do martírio dos santos Pedro e
Paulo em junho de 18671528. Entre os setores conservadores do clero havia um consenso
de que a imprensa, os livros – cuja censura eclesiástica não mais impedia a circulação –,
a ciência, o pensamento laico, o ensino universitário haviam ido longe demais,
permitindo o crescimento do ateísmo e do materialismo. No seio da Igreja as falsas
doutrinas – galicanismo, febronianismo e jansenismo –, apesar de enfraquecidas, ainda
discursos acima não eram infundadas. São reconhecidos como condenáveis pelo conflito em que se
encontram com os ensinamentos da Igreja Católica, com os atos emanados de vários soberanos
pontífices, especialmente com as máximas ensinadas em vários escritos e alocuções de Pio VI, em um dos
quais, com a data de 26 de setembro de 1791, ele caracteriza como desastroso doentio o Édito de Nantes
[editado em 1598, concedendo tolerância religiosa na França] exaltado com tantos elogios no discurso
mencionado. Estas máximas são lembradas e confirmadas [...] desde então, em vários atos solenes (idem,
ibid., p. 374).
1527
HALES, 1971, p. 335. Em 1855, Montalembert conseguiu retomar o controle do jornal Le
Correspondant, que dirigira décadas antes, para se contrapor a Veuillot. Na época do Congresso de
Malines, a publicação mensal vendia três mil exemplares, ao passo que L’Univers tinha diariamente essa
tiragem, e contava com uma rede de apoiadores que lhe permitia atingir um público até cinco vezes maior
(LECANUET, 1905, p. 116; HALES, 1971, p. 336).
1528
HALES, 1971, p, 337.
429
tinham seguidores nos países católicos. Era dever da Igreja defender a fé ameaçada,
tarefa que cabia a todos, mas especialmente ao papa1529.
1529
GRANDERATH, 1907, p. 19.
1530
AUBERT, 1976ª, p. 395.
1531
MARTINA, 1974, p. 208.
1532
CHADWICK, 1998, p. 174.
430
catolicismo1533. Com fervor conservador, grande parte do cardinalato, do episcopado
ultramontano da França e dos conselheiros jesuítas cobrava de Pio IX uma resposta dura
e assertiva. O papa também estava preocupado com o silêncio dos católicos italianos, os
quais, de forma patriótica, gradativamente aceitavam o governo piemontês unificado,
com a agitação liberal na Espanha e com a tendência independente da igreja alemã, já
fortemente influenciada pelo teólogo Ignaz Döllinger1534. A resposta oficial da Igreja
viria em 8 de dezembro de 1864, durante as comemorações do décimo aniversário da
proclamação do dogma da Imaculada Concepção, com a edição da encíclica Quanta
Cura, e de seu apêndice Syllabus Errorum, um catálogo dos erros dos tempos modernos
que a Igreja deveria repudiar. Os eventos recentes representavam apenas um pretexto
para a edição dos documentos: a compilação das incorreções do mundo tinha uma
história própria que começava uma década e meia antes.
1533
AUBERT, 1976ª, p. 386.
1534
Idem, ibid., p. 396.
1535
MARTINA, 1974, p. 205
1536
AUBERT, 1976ª, p. 389.
431
ordem dos Clérigos Regulares de São Paulo, barnabita, um dos principais conselheiros
do papa, que se encarregou de dar a redação final à encíclica Quanta Cura, e ao
Syllabus. Bilio, ligado à Inquisição e ao Index, que também fora responsável pela
análise crítica do discurso de Montalembert no Congresso de Malines, não tinha contato
com a realidade concreta, ancorado na consideração de princípios abstratos, vistos na
ótica tão cara aos teólogos do século XVII1537. O religioso, um ferrenho defensor de
uma igreja tradicionalista que negava qualquer liberdade ou direito de culto fora do
catolicismo, elaborara uma análise bastante superficial e extrínseca, pois não se
baseava em argumentos autênticos deduzidos das Sagradas Escrituras ou da tradição,
mas em uma autoridade considerada segura pelos teólogos dos séculos anteriores,
antes da Revolução Francesa1538. Em 1864 a lista chegou às mãos do pontífice em um
momento em que o mundo secular e a oposição interna modernizante levantavam
questões que desagradaram ao papa e ao cardinalato1539; o poder e as decisões do
papado estariam sob ataque, o que exigia respostas firmes. A encíclica e seu apêndice, o
Syllabus, representaram uma espécie de ultimato para o mundo contra qualquer
compromisso com as ideias modernas; também traduzia um lance final para manter a
soberania da Igreja sobre o pequeno trecho de território que lhe restara: o papa poderia
excomungar qualquer um que ousasse atacar a propriedade da Igreja. Contra aquilo que
chamou de falsas opiniões e mentiras, o papa pediu auxílio à Virgem Imaculada.
1537
CÁRCEL ORTÍ, 2000, p. 112.
1538
Idem, ibid., p. 113.
1539
WOODWARD, 1963, p. 320.
1540
Citações de PIO IX, encíclica Quanta Cura,1864.
432
São esses os erros, dos quais se derivam quase todos os demais. Tais vozes ao defender
o governo leigo e civil, agindo contra a doutrina da Sagrada Escritura, da Igreja e dos
Santos Padres, não duvidam em afirmar que a melhor forma de governo é aquela em
que não se reconheça ao poder civil a obrigação de castigar, mediante determinadas
penas, os violadores da religião católica, senão quando a paz pública o exija. Pio IX
fazia uma exortação a seus predecessores, fortalezas contra as iniquidades, estes que se
apresentaram como defensores e vindicadores da sacrossanta religião católica, da
verdade e da justiça, plenos de solicitude pelo bem das almas de modo extraordinário,
[que] condenaram com suas cartas e constituições, plenas de sabedoria, todas as
heresias e erros, contrários a nossa fé divina, à doutrina da Igreja católica, à
honestidade dos costumes e à eterna salvação dos homens. O papa citou esses
predecessores que já haviam alertado para os males que corrompiam o coração dos
homens, e que com apostólica fortaleza resistiram sem cessar às iníquas maquinações
dos malvados que, lançando como as ondas do feroz mar a espuma de suas conclusões,
e prometendo liberdade, quando na realidade eram escravos do mal, trataram, com
suas enganosas opiniões e com seus escritos perniciosos, de destruir os fundamentos da
ordem religiosa e da ordem social. Citando expressamente a encíclica Mirari vos de
Gregório XIV, a qual Quanta Cura superava em dureza de tom e também em sua visão
absolutamente negativa da sociedade contemporânea, Pio IX reafirmou a censura e o
repudio às ideias, malévolas e perniciosas, de liberdade e autonomia humana.
Culpabilizou as falsas doutrinas: galicanismo, maçonaria, socialismo e comunismo,
como as grandes responsáveis pelos males do mundo. Criticou a noção de que a
liberdade de consciências e de cultos seria um direito próprio de cada homem, a ser
garantido pelo Estado; negou que os cidadãos têm direito à plena liberdade de
manifestar suas ideias com a máxima publicidade, sem que autoridade civil nem
eclesiástica alguma possam reprimi-las. Quanta Cura foi a declaração do papa,
reiterando as assertivas de seus quatro antecessores, de que não poderia haver um
compromisso entre a Igreja e as ideias correntes. Para os católicos liberais foi o fim de
todas as esperanças de um catolicismo que estivesse em mais sintonia com a
contemporaneidade do mundo.
433
A encíclica foi editada com o apêndice Syllabus Errorum, uma coletânea de
80 formulações contendo os principais erros da época, extraídos de formulações das
alocuções consistoriais, encíclicas e outras letras apostólicas emitidas por Pio IX em
seus primeiros 18 anos de pontificado. As condenações papais foram expressas em
cláusulas duplamente negativas, de difícil entendimento até mesmo para teólogos
experientes em textos pontifícios1541. O documento foi dividido em nove categorias de
erros: 1) panteísmo, naturalismo e racionalismo absoluto; 2) racionalismo moderado; 3)
indiferentismo, latitudinarismo, ou máxima tolerância religiosa; 4) socialismo,
comunismo, sociedades secretas, sociedades bíblicas, sociedades clérico-liberais; 5)
conjunto dos erros do latitudinarismo sobre a Igreja e os seus direitos; 6) erros da
sociedade civil, por si ou em relação à Igreja; 7) erros acerca da moral natural e da
moral cristã; 8) erros relacionados ao matrimônio cristão; e 9) erros acerca do
principado civil do papa. Alguns dos erros apontados eram dirigidos aos católicos, uma
vez que apontavam proposições que, a princípio, não encontravam resistência entre os
fiéis: a divindade suprema de Deus e sua ação sobre os homens e sobre o mundo; a
razão humana submissa à vontade divina1542; a perfeição da revelação divina; a fé em
Cristo; a verdade das profecias e dos milagres expostos nas Escrituras. Contudo, em sua
maioria, os erros apontados representavam as palavras de um mundo moribundo em
conflito com um mundo novo1543; o Syllabus defendia: a independência absoluta da
Igreja, a subordinação do Estado à lei moral, e a existência de direitos naturais
anteriores e independentes do Estado1544. Com base nesses elementos, foram rejeitadas:
as doutrinas galicana e jurídicas sobre a subordinação da Igreja ao Estado, a legislação
sobre o episcopado, o sacerdócio e as ordens religiosas, e a separação entre Igreja e do
Estado.
1541
GOUGH, 1996, p. 290.
1542
Eram erros relacionados à razão: 3º. A razão humana, considerada sem relação alguma a Deus, é o
único árbitro do verdadeiro e do falso, do bem e do mal, é a sua própria lei e suficiente, nela suas forças
naturais, para alcançar o bem dos homens e dos povos (proposição formulada na alocução Maxima
quidem, de 9 de junho de 1862); 4º. Todas as verdades da religião derivam da força natural da razão
humana, e por isso a mesma razão é a principal norma pela qual o homem pode e deve chegar ao
conhecimento de todas as verdades de qualquer gênero que sejam (idem, ibid., e encíclicas Qui pluribus,
de 9 de novembro de 1846, e Singulari quidem, de 17 de março de 1856) (PIO IX, encíclica Quanta Cura,
Syllabus Errorum, 1864).
1543
CHADWICK, 1998, p. 175.
1544
CÁRCEL ORTÍ, 2000, p. 114.
434
De todas as proposições condenadas, foi a última, a de número 80, o erro
que afirmava que o pontífice romano pode e deve conciliar-se e transigir com o
progresso, com o liberalismo e com a civilização moderna1545, aquela que causou mais
incômodo e a que recebeu mais críticas. Seu fundamento fora a alocução Iamdudum
cernimus, de 18 de março de 1861, na qual o papa rejeitara a proposta de um acordo
com Cavour, sob o princípio libera chiesa in libero stato, para o estabelecimento de
uma nova relação entre Igreja e Estado1546. Contudo, a proposição, por estar no fim do
documento, fora entendida como um anátema a uma das ideias mais fomentadas do
século XIX: o liberalismo1547. Se em 1861, a alocução Iamdudum registrava a recusa a
um acordo com o governo piemontês, três anos depois assinalava, mesmo que essa
pudesse não ser a intenção inicial de Pio IX, a rejeição do papado a todo o mundo
moderno.
1545
PIO IX, encíclica Quanta Cura, Syllabus Errorum, 1864.
1546
O primeiro parágrafo da encíclica rejeitava de forma expressa a conciliação: Faz muito tempo que
vimos, veneráveis irmãos, o conflito miserável em que se agita a sociedade civil, especialmente nestes
tempos infelizes, pela acalorada guerra entre a verdade e o erro, a virtude e o vício, a luz e as trevas. Na
verdade, alguns, por um lado, apoiam algumas máximas da civilização moderna, como a chamam; e
outros, por outro lado, defendem os direitos da justiça e de nossa religião sacrossanta. Os primeiros
pedem que o pontífice romano se concilie com o progresso, com o liberalismo, como dizem, e com a
civilização de hoje. Os segundos, com razão, pedem que os princípios imóveis e inabaláveis da justiça
eterna sejam mantidos invioláveis e intactos; e a virtude salutar de nossa religião divina seja preservada
incólume, propagando a glória de Deus, fornecendo um remédio apropriado para os muitos males que
afligem a humanidade, a única e verdadeira norma pela qual os filhos dos homens, após terem sido
educados para todas as virtudes nesta vida mortal, eles são conduzidos ao porto da bem-aventurança
eterna (PIO IX, alocução Iamdudum cernimus, 1861).
1547
HALES, 1954, p. 258.
1548
MARTINA, 1974, p. 212.
435
(1805–1881), emitiu uma nota com a declaração: Na opinião do governo do imperador,
a encíclica de Sua Santidade tende a minar, em geral, os princípios que estão na base
de nossas instituições, especialmente os princípios da soberania nacional, sufrágio
universal, liberdade de consciência e adoração1549. Em um texto indignado, Félix
Dupanloup, bispo de Orléans, apesar de simpático às teses do pensamento católico
liberal, escreveu: Posso comprar 400 exemplares do [jornal monarquista] “Le Siècle”
com a encíclica e enviá-los a todos os padres de minha diocese. Se um deles subir ao
púlpito e ler esta encíclica aos seus paroquianos, cometerá um abuso, mas o jornalista
não cometeu nenhum. Se nesta paróquia houver templo protestante, o ministro pode ler
a encíclica e comentá-la, o padre católico não pode1550. Durante a longa preparação do
Syllabus, o cardeal Antonelli havia se preocupado com a reação de Napoleão III, uma
vez que vários dos erros apontados poderiam perfeitamente ser encontrados em seu
governo e em pronunciamentos seus e de seus ministros; contudo a Convenção de
Setembro fez com que a apreensão do secretário de estado do papa não mais fosse
levada em consideração1551. O chanceler britânico William Gladstone e seu homólogo
norte-americano, William Henry Seward (1801–1872), também formularam duras
críticas aos ataques do Syllabus ao liberalismo1552. Sobre a encíclica, François Guizot,
ex-chanceler e ex-primeiro-ministro francês escreveu: Este é o caminho para a
estupidez... Roma perdeu muito mais do que seu antigo império, perdeu seu antigo
espírito1553. Um mal-estar generalizado tomou conta dos círculos católicos que não se
identificavam com as ideias do ultramontanismo conservador1554.
1549
BESSE, 1913, p. 89.
1550
DUPANLOUP, 1865, p. 8. Sobre a aparente contradição entre suas posições um pouco mais liberais e
a defesa do Syllabus, Dupanloup escreveu: Vou falar, porque “há tempo para falar, diz a Escritura, e
tempo para calar”. Eu vou falar; pois é precisamente na hora em que o soberano pontífice é atacado
indignamente que fico muito feliz por lhe dar um novo testemunho de minha veneração, minha devoção,
minha submissão e minha piedade filial (idem, ibid., p. 86). O texto também foi publicado na França na
íntegra, mas com duras críticas, pelos jornais: Le Constitutionnel, La Patrie, Journal des Débats e
Opinion National (BESSE, 1913, p. 88).
1551
HALES, 1954, p. 257.
1552
Idem, ibid., p. 260.
1553
GUIZOT, Lettres, p. 396, apud WOODWARD, 1963, p. 324.
436
subjacentes ao texto. Dupanloup, no livro La convention du 15 septembre et
l’encyclique du 8 décembre, de 1865, produziu uma longa interpretação minimizando a
violência dos anátemas papais, que viria a tornar-se a base da defesa do texto que a
Igreja faria ao longo do tempo1555. O texto do Syllabus teria sido distorcido, e o próprio
governo [francês] estranhamente o julgou mal1556. Seu primeiro argumento era de que o
Syllabus, escrito em latim, teria sido mal traduzido, passando, em alguns momentos, a
significar exatamente seu oposto. Outra alegação do bispo era de que a interpretação do
texto não partiu de uma compreensão benevolente ou justa, partindo sempre de
pressupostos malévolos1557. Dupanloup repassou todas as preposições dos erros, sempre
buscando torná-las mais palatáveis aos escrúpulos do pensamento liberal e,
especialmente, ao governo francês. Um exemplo seria aquela que, a contrário senso,
apontava que o papa não deveria se conciliar ou transigir com o liberalismo e o mundo
moderno1558. Segundo o bispo, o que fora equivocadamente entendido como uma
declaração de inimizade irreconciliável do papa para com civilização moderna,
significava na verdade a negativa dos elementos maus do mundo moderno: Naquilo que
nossos adversários designam, sob esse nome vagamente complexo de civilização
moderna, existe o bom, o indiferente, e também o mau1559. Por essa interpretação o
progresso e o liberalismo não eram rejeitados pelo papa em sua totalidade: o que é ruim
ele desaprova; é seu direito e seu dever1560.
1554
AUBERT, 1976ª, p. 399.
1555
WOODWARD, 1963, p. 322.
1556
DUPANLOUP, 1865, p. 87.
1557
Idem, ibid., p. 100.
1558
PIO IX, encíclica Quanta Cura, Syllabus Errorum, 1864.
1559
DUPANLOUP, 1865, p. 104; AUBERT, 1976ª, p. 400.
1560
Políticos, estudiosos, historiadores, depois de acusar a religião de ser alheia a tudo na Terra, não
quiseram excluí-la e relegá-la ao reino das fábulas e das hipóteses? Falsos liberais da França,
Inglaterra, Alemanha, Bélgica e acima de tudo vocês agitadores mentem, vocês não abusaram dessas
belas palavras, nobre adorno da linguagem dos homens, liberdade, progresso, civilização? Não se
tornaram eles os depositários, a senha de suas gangues revolucionárias e o eterno refrão de todos os
seus discursos mais agressivos e ímpios? Olhe a data das fontes das quais o santo padre extraiu seus
erros para condená-los novamente, tendo a caridade de não acrescentar nenhum nome próprio, nem
mesmo o de Vittorio Emanuele II ou Garibaldi, e você verá que cada uma de suas palavras, longe de
pretensão inesperada, é apenas uma alusão às suas ações, um obstáculo aos seus empreendimentos, uma
resposta à sua imprudência. Ele não inventa, ele cita. Ele não invade, ele resiste; ele não se impõe, ele se
defende (DUPANLOUP, 1865, p. 116).
437
Argumento semelhante Dupanloup utilizou para mostrar que os críticos
haviam interpretado mal os postulado do Syllabus que tratavam da dicotomia entre fé e
razão – alocuções 4 a 6. Pio IX não negara os primados do pensamento e da razão, mas,
ao contrário, os colocava lado a lado com a fé: A razão contra os sofistas e a fé contra
os ímpios [...] hoje há sofistas que voltam a lógica e a razão contra si mesmos e
colocam como axioma fundamental a própria fórmula do absurdo; a identidade do
verdadeiro e do falso, do sim e do não; você vai negar isso? Estes são os que o papa
condena [...] que dizem que a razão é tudo e a fé não é nada1561. O papa mostrou-se
satisfeito com as interpretações feitas pelo bispo francês, que fazia uma distinção entre
tese e hipótese, entre princípios e aplicações1562; isto é, os temas impostos pelo mundo
liberal na segunda metade do século XIX teriam sido rejeitados, em princípio, como um
ideal absoluto, mas não como uma necessidade prática contingente1563. La Civiltà
Cattolica também percorreu esse caminho explicativo, publicando que o papa não
ensinava que a sociedade civil não poderia tolerar cultos não católicos em qualquer
caso, mas apenas condenando como errônea a tese segundo a qual a tolerância
constituiria o regime político ideal1564. Nos círculos liberais europeus a distinção entre
tese e hipótese foi ironizada como um sofisma infeliz; os jornais causticavam com
textos afirmando que em tese os judeus poderiam ser queimados vivos, mas sempre
havia a hipótese de, ocasionalmente, o papa pedir dinheiro aos Rothschild1565.
1561
Idem, ibid., p. 111.
1562
CÁRCEL ORTÍ, 2000, p. 115. Segundo DUPANLOUP (1865, p. 105), ainda outras regras: Na
interpretação das proposições condenadas, é necessário observar todos os termos, todas as nuanças
mais leves; pois o vício de uma proposição muitas vezes se deve apenas a isso, a uma nuança, a uma
palavra, a única que comete o erro. Devemos distinguir entre proposições absolutas e proposições
relativas; porque, o que poderia ser admissível em hipótese, muitas vezes será falso em tese. Além disso,
existem proposições equívocas e perigosas que só podem ser condenadas por causa do próprio equívoco
e do mau sentido a que dão origem, embora também possam ter um bom sentido. Por fim, há proposições
– e o Syllabus contém várias – que são condenadas apenas no sentido de seus autores, e não no sentido
absoluto de palavras separadas do contexto.
1563
MARTINA, 1974, p. 220.
1564
Idem, ibid., p. 213.
1565
AUBERT, 1976ª, p. 393.
438
progresso, liberalismo e civilização, como fôssemos bárbaros e não soubéssemos uma
palavra sobre isso; mas essas palavras sublimes, que você distorce, somos nós que as
ensinamos a você, que lhe demos o verdadeiro significado e, melhor ainda, a realidade
sincera. Cada uma dessas palavras tinha, e terá sempre, um significado perfeitamente
cristão1566. E conclui: Porque a grande lei do progresso, liberdade e civilização é o
Evangelho; e foi o próprio Nosso Senhor quem estabeleceu no mundo o ideal mais
elevado, o mais puro, o maior dessas três coisas em todos os sentidos mais nobres,
quando estabeleceu na base de toda a sua doutrina estas palavras: “Sê perfeito como o
vosso Pai celeste é perfeito”. O texto do bispo de Orléans tornou-se o principal
instrumento argumentativo dos católicos liberais em defesa da Igreja, reduzindo seu
mal-estar perante as posições conservadoras do papado1567.
1566
DUPANLOUP, 1865, p. 118.
1567
MARTINA, 1974, p. 214.
1568
Um desses autores foi o historiador católico HALES, que em Pio Nono: a study in european politics
and religion in the nineteenth century (1954), às vésperas do Concílio do Vaticano II, argumentou que o
Syllabus era apenas uma crítica ao governo do Piemonte, depois Itália, que fora mal interpretada: De
certa forma, foi quase tudo um “cri-de-coeur” [clamor apaixonado] contra o governo de Turim e suas
obras religiosas e políticas; mas foi também um “cri-de-coeur” contra Mazzini. Mazzini em Roma não
foi esquecido; e Mazzini, na esteira de Garibaldi, que era, atrás do piemontês, um provável herdeiro
para a liderança daquela Itália unida que ele havia sido o primeiro a pregar. Ninguém havia ensinado
sobre progresso, ou liberalismo, ou civilização recente, com maior eloquência ou sinceridade, ou
interpretado esses conceitos num sentido menos católico do que o Triunvirato [durante a República de
Roma], profeta de algum tempo da nova religião de Deus e do povo quando a estes se somam as
extravagâncias fanáticas de Garibaldi, que agora falava do papado como o “câncer da Itália”, e todos
os outros elementos iconoclastas do Risorgimento, juntamente com o progresso não desprezível do
protestantismo, especialmente no Piemonte e na Toscana, e o aumento do prestígio e da influência da
maçonaria italiana, será reconhecido como naturalmente a publicação do “Syllabus” representava a
opinião do papa sobre o estado de coisas entre os italianos (HALES, 1954, p. 259).
1569
MARTINA, 1974, p. 216.
439
pontifício ou refutação dos erros que nele são condenados –, reafirmando a adequação e
a pertinência das proposições de Pio IX: Os sectários lutam para fazer prevalecer e
triunfar os desígnios da civilização moderna [...] minam os fundamentos da sociedade
civil e querem aniquilar todas as religiões, especialmente a religião católica, para
refazer a sociedade de acordo com seus planos, e impor à humanidade o reinado da
força e enganá-la com o panteísmo da humanidade1570. E prossegue: Eles chamam de
progresso o retorno a um estado, a uma condição muito mais perniciosa que o
paganismo. Eles chamam de liberalismo aquilo que acorrenta a alma e o corpo do
homem. Eles chamam civilização a um sistema criado propositalmente para
enfraquecer, e talvez, como aponta o soberano pontífice na mesma alocução, para
destruir a Igreja de Jesus Cristo1571. Também Pietro Rota (1805–1890), arcebispo de
Cartago, hoje na Tunísia, escreveu o livro Il Sillabo di Pio IX (1884), para reafirmar as
reprovações do papa, falecido seis anos antes. O religioso, escrevendo sobre a
proposição 80, contra o liberalismo, afirmou que o papado era favorável a um progresso
real: Nas artes, nas ciências físicas, nas novas descobertas das leis da natureza, o
pontífice romano, os bispos, o clero, longe de oporem-se a ele, favorecem-no, e muitos
eclesiásticos valem mais nesse tipo de progresso que muitos leigos bem pagos e bem
alimentados por governos liberais1572. Mas não era desse tipo de progresso que o
Syllabus tratava, mas sim de um progresso inaceitável, que consiste em odiar e
perseguir a Religião Católica, protegendo todas as seitas heréticas, que deseja expulsar
as ordens religiosas de seus abrigos, que proíbe que uma jovem se case antes dos 21
anos sem o consentimento de seus pais, mas permite que, mesmo com apenas 16 anos
de idade, possa vender-se em um bordel por sua própria vontade1573. O progresso do
liberalismo consiste em soltar as rédeas de todas as paixões mais injustas e sujas, em
lutar até o fim amargo contra a Religião Católica e sua venerável cabeça, enquanto
elas são as únicas que podem represar a torrente impetuosa de impiedade, libertinagem
e desordem, que ameaça virar de cabeça para baixo toda a sociedade1574. O liberalismo
age contra a Igreja, a única que pode impor a ruína para o maçonismo, para o
1570
FALCONI, 1876, p. 342.
1571
Idem, ibid., p. 343.
1572
ROTA, 1884, p. 415. Em 1871, Rota fora nomeado por Pio IX bispo de Mântua, na Romagna, em
substituição a um liberal que havia apoiado a unificação da Itália. Por sua pregação ultrarradical e feroz
contra o governo, foi preso e multado pelas autoridades civis da região (CHADWICK, 1998, p. 241).
1573
ROTA, 1884, p. 415.
440
comunismo, para o socialismo, para o satanismo e para seus partidários ignorantes ou
culpados1575.
1574
Idem, ibid., p. 416
1575
Idem, ibid.
1576
HALES, 1971, p. 336.
1577
Os católicos propriamente ditos, ou seja, a grande maioria dos fiéis, têm esperanças bastante opostas
[...] esperam que o Concílio seja muito curto [...] esperam que proclame as doutrinas do Syllabus
anunciando, por meio de fórmulas afirmativas [...] as proposições que aí se declaram como erros.
Receberão [os cristãos] com alegria a proclamação da infalibilidade dogmática do pontífice soberano
[...] Espera-se que a manifestação unânime do Espírito Santo através da boca dos padres neste futuro
441
Independentemente das intenções explícitas ou subjacentes, o Syllabus
marcou uma imagem empobrecida de Pio IX, como alguém que assistia ao
desenvolvimento da ciência, do pensamento e da política com um olhar obscurantista,
de um insensato, que não media as consequências e os efeitos de suas palavras. Essa
imagem se consolidou quase como uma caricatura de seu pontificado, mas que em parte
guardava alguma relação com a verdade: O Papa escolheu viver perigosamente. Mas
quanto mais resoluto ele era – e quanto mais perigosamente vivia – mais o instinto
protetor do catolicismo reunia-se em torno de sua pessoa e de seu trono1579.
Concílio Ecumênico a defina por aclamação (La Civiltà Cattolica, serie VII, v. V, p. 349-352, apud
HALES, 1954, p. 285).
1578
Idem, 1971, p. 336.
1579
CHADWICK, 1988, p. 180. O que Pio IX viu refletido no “Risorgimento”, e o que condenou no
Syllabus, não foi senão uma onda poderosa que ameaçava, talvez mais perigosamente do que qualquer
onda anterior, submergir completamente a barca de Pedro; viu refletido nada menos que racionalismo,
panteísmo, e naturalismo do século XVIII, os “princípios de 89”, as novas noções de soberania popular e
autossuficiência humana que surgiram de Rousseau e Voltaire (HALES, 1954, p. 274). Mas Pio IX, e os
seus predecessores Pio VI e Pio VII, haviam sofrido o impacto da Revolução Francesa, e o novo
nacionalismo, nas suas pessoas e à porta das suas casas. Exilados, presos, perdendo os seus Estados e a
própria Roma, o sacrilégio que sofreram foi o pano de fundo da turbulenta maré que, no seu auge, em
França, tinha submergido totalmente a Igreja, na revolucionária Paris, durante uma década. Visto no
seu aspecto mais amplo, então, o Syllabus foi uma resposta – uma resposta provisória – ao
“esclarecimento” do século XVIII, encarnado na Revolução Francesa e no “Risorgimento”; aquilo de
que pessoas como o príncipe Napoleão se gabavam como “civilização moderna” (idem, ibid., p. 275).
442
depois do Concílio de Trento (1545–1563), cujo encerramento havia completado
trezentos anos1580. Os primeiros concílios da Igreja eram realizados nas áreas relativas
ao Império Romano. Já os concílios ecumênicos medievais reuniam religiosos
bizantinos e ocidentais, sendo que muitos bispos precisavam viajar menos da metade
das distâncias daqueles que estavam sob a Roma antiga. Em meados do século XVI, o
Concílio de Trento ainda obedecia a esse padrão, embora então houvesse alguns bispos
na Índia e na América Latina. Contudo, após 1600 tornou-se impossível a realização de
um concílio do mundo católico, uma vez que se tornou fisicamente impensável
percorrer longas distâncias, inclusive atravessando oceanos, em um curto espaço de
tempo. Entre outras, essa razão prática explicou em parte o longo intervalo entre Trento
e o Vaticano, o mais longo hiato entre dois concílios. Mas, na segunda metade do século
XIX, havia rotas seguras e rápidas por meio de vapores e ferrovias; e os bispos podiam
deixar suas dioceses sem o receio de ficarem afastados por muitos anos1581.
1580
GRANDERATH, 1907, p. 23. O autor teve acesso às atas das reuniões da congregação, assim como
aos documentos sigilosos do concílio. O acesso privilegiado aos arquivos do Vaticano foi imprescindível
para a elaboração de sua grande obra em quatro extensos volumes repletos de documentos, inéditos até
então; contudo, o trabalho é criticado por ter sido escrito sob o ponto de vista da Cúria, sem qualquer
interpretação ou avaliação crítica (WOODWARD, 1963, p. 325).
1581
CHADWICK, 1988, p. 183.
1582
MIRANDA, 2021, s.p. Os arquivos do Vaticano guardam a folha em que Pio IX escreveu os nomes
dos cinco membros com sua própria mão (GRANDERATH, 1907, p. 25).
443
professor de teologia dogmática na Universidade de Viena até ser obrigado a renunciar,
em 1867, por negar-se a fazer o juramento de lealdade à Staatsgrundgesetz über die
allgemeinen Rechte der Staatsbürger, lei básica sobre os direitos gerais dos cidadãos,
que funcionou como constituição da Áustria nas décadas posteriores1583.
1583
ROCK, 2003, v. 1, p. 786.
1584
GRANDERATH, 1907, p. 26-27.
444
influência mais ou menos notável. Esse distanciamento também diminuiu seu respeito e
submissão à autoridade eclesiástica e os expôs ao perigo de aceitar opiniões que mais
ou menos contradizem a sã doutrina. Os novos sistemas filosóficos inventados todos os
dias pelo indiferentismo religioso e pelo racionalismo aumentaram ainda mais esse
perigo, pois muito rapidamente levam ao naturalismo e ao materialismo ou então ao
panteísmo e idealismo vulgares. Segundo Reisach, não havia ciência ou arte, teórica ou
prática, que não houvesse sido penetrada e corrompida por opiniões e doutrinas hostis à
fé; com a perda de unidade de crenças, também perdeu-se a unidade dos princípios, a
base de todas as ciências humanas ou naturais; é esta unidade, porém, fruto da humilde
submissão aos dogmas infalíveis da fé, que tem sido a melhor salvaguarda contra a
heresia1585. O cardeal Reisach também apontou que era o momento de proceder a uma
revisão geral da legislação disciplinar da Igreja, e o concílio geral seria o melhor local
para isso. Segundo ele, desde o fim do século XVIII e início do século XIX, as
revoluções políticas e sociais teriam modificado profundamente as condições de vida,
fazendo com que a observância de muitas leis disciplinares se tornasse praticamente
impossível. Os governos teriam tomado para si muitos assuntos, interferindo na
disciplina da Igreja, deixando de lado seus princípios próprios e gerais; o episcopado
estava forçado a tolerar e, de certa forma, cooperar com a intromissão do Estado em
seus domínios. Assim, uma atualização dos princípios disciplinares era urgente para pôr
fim à desordem. A imobilidade da Igreja estaria permitindo a destruição dos princípios
conservadores, fazendo com que a ela parecesse ser incapaz de dirigir e guiar a
sociedade moderna1586.Por sua vez, o cardeal Bizzarri apontou a necessidade de solapar
1585
Citações em GRANDERATH, 1907, p. 31-32. Sobre a ciência, o cardeal escreveu: O abandono do
método e dos princípios científicos das escolas de outrora interrompeu o desenvolvimento da ciência
católica tradicional; um grande número de cientistas adotou um ou outro dos sistemas filosóficos
modernos ou, pelo menos, tomou emprestado deles certos princípios ou certas opiniões particulares; daí,
este tipo de incerteza sobre os meios a serem empregados para defender e desenvolver o dogma que hoje
observamos no seio da Igreja; em seus ensaios sobre apologética e em seu trabalho nas ciências
naturais, não é nem mesmo incomum que escritores e professores católicos ofendam involuntariamente a
pureza da verdade revelada (idem, ibid., p. 33).
1586
GRANDERATH, 1907, p. 37. Se compararmos a situação da Igreja hoje ‘vis-à-vis’ com a sociedade
e o poder civil, com a [situação] que ela teve nos séculos anteriores, quando em suma todos os negócios
públicos eram mais ou menos dirigidos e regulados por ela, reconhecemos que sua influência foi
consideravelmente diminuída, para não dizer que desapareceu completamente. Certamente é com
desígnios cheios de grandeza e sabedoria que a Providência permitiu esta separação dos dois poderes;
mas da impossibilidade em que a Igreja se encontra de doravante exercer sua influência sobre os
negócios públicos, resulta para os Estados uma tendência à anarquia e ao despotismo pagão, e para a
própria Igreja um obstáculo para sua ação benéfica sobre os indivíduos; [...] se, portanto, a Igreja, em
virtude da sua missão de ensinar verdades eternas, escolhe este momento para fazer ouvir a sua voz,
445
as doutrinas ímpias que tomaram a sociedade: O clero é excluído das escolas, os jovens
são entregues aos homens sem fé, a Igreja, privada de sua propriedade, vê seus direitos
espezinhados, a incredulidade é proclamada abertamente [...] Os parlamentos
reproduzem as máximas anticatólicas e antirreligiosas; o Estado separa-se da Igreja
[...] gera ameaças ao poder paternal, à propriedade, aos sagrados laços do
casamento1587.
ninguém duvidará da conveniência da sua intervenção; muitos reconhecerão que só ela tem a coragem
de publicá-los e só ela pode salvar a sociedade e restaurá-la aos princípios fundamentais da ordem
desejada por Deus (idem, ibid., p. 38).
1587
Idem, ibid., p. 35.
1588
Idem, ibid., p. 40.
1589
Reisach; Sacconi, antigo núncio apostólico em Paris; Antonino Saverio de Luca (1805–1883),
prefeito da Congregação do Índice; Alessandro Barnabò, consultor da Inquisição e da Congregação da
Propaganda da Fé, e amigo do papa Pio IX; e Fabio Maria Asquini (1802–1878), prefeito da Congregação
da Imunidade Eclesiástica.
446
Itália e França. Contudo, todos eram unânimes em que os governos não católicos não
poderiam ser convidados, incluindo na lista o governo da Itália. A discussão,
impensável cem anos antes, indicava na prática a situação de separação Igreja-Estado.
Também havia a preocupação com os jornalistas, que estariam atentos a todas as
notícias, com a imprensa discutindo todas as questões apresentadas, levando as
discussões para fora do local do concílio; parlamentos e governos tentariam influenciar
o encontro, ou opor-se a suas decisões1590. Essa recomendação foi aceita pelo papa1591.
1590
GRANDERATH, 1907, p. 42-43.
1591
O’MALLEY, 2018, p. 108.
1592
As propostas de controle da pauta, somadas ao sigilo que envolveu os preparativos para o concílio,
geraram rumores e, às vezes, temores quase paranoicos sobre o que estava sendo planejado (idem, ibid.).
1593
Reisach, apud GRANDERATH, 1907, p. 48.
1594
GRANDERATH, 1907, p. 49-50.
447
primado do pontífice romano está o da infalibilidade, [autoridade] necessária contra os
jansenistas; por sua vez, Giuseppe Ugolini (1783–1867), cardeal desde 1838, alegrava-
se com a grande adesão dos povos e do episcopado à Santa Sé, tirando dela a esperança
para o bem da Igreja, a infalibilidade do Papa nas questões de fé e moral que
finalmente serão objeto de definição, [assim] poderemos dar conta de todas as
dificuldades que vierem, sem ter de convocar um novo concílio1595. Para os dois
defensores da doutrina, a Igreja não podia errar. Contra a pregação de galicanos e
jansenistas, que não se erra quando o coletivo dos bispos toma uma decisão, Asquini e
Ugolini argumentavam que, quando o papa falava em nome da Igreja, falava como
Vigário de Cristo e era impedido pelo Espírito de Deus de errar; era infalível1596.
1595
Ugolini, apud GRANDERATH, 1907, p. 52.
1596
CHADWICK, 1988, p. 185.
1597
John Newman era um bispo anglicano que, em 1845, convertera-se ao catolicismo, após ser, durante
mais de dez anos, o principal nome do Movimento de Oxford, que questionou as opiniões e os princípios
religiosos da igreja da Inglaterra, em oposição às tendências liberalizantes e evangélicas, e enfatizando os
princípios do cristianismo primitivo e patrístico, bem como o caráter histórico e católico do cristianismo
(HUTTON, 1911, v. 19, p. 517-520).
1598
Hefele era professor de teologia da Eberhard Karl University, em Tübingen, no estado germânico de
Württemberg, especialista no estudo da história dos concílios ecumênicos sobre os quais escreveu vários
volumes (CHADWICK, 1988, p. 188).
448
ignorados; todos identificados com ideais liberalizantes do catolicismo, foram excluídos
da consulta1599. Entre todos, era Döllinger quem mais incomodava a Santa Sé.
1599
WOODWARD, 1963, p. 327.
1600
HOWARD, 2017, p. 4.
1601
Döllinger defendia a posição do arcebispo de Colônia, Johannes von Geissel, contra os casamentos
mistos; escreveu textos sobre o protestantismo nos quais ele expressou pontos de vista altamente críticos,
especialmente do ensino protestante sobre a justificação, em um esforço de controverter a interpretação
dos historiadores prussianos da reforma como um ponto alto do passado alemão; essas posições levaram
seu nome a ser cotado como candidato a arcebispo de Salzburgo, na Áustria (HOWARD, 2017, p. 85).
1602
Idem, ibid.
1603
Idem, ibid., p. 88.
1604
Idem, ibid., p. 91.
449
estaria assegurado1605. Incomodavam ao papa especialmente as palestras proferidas por
Döllinger, em que declarava sua total oposição à encíclica Nullis Certe Verbis, de
janeiro de 1860, que expressava a necessidade absoluta de manter a autoridade temporal
do papado1606.
1605
Idem, ibid., p. 94. Döllinger também teria ficado especialmente incomodado com um processo
movido pela Inquisição contra o teólogo bávaro Jakob Frohschammer (1821–1893), sobre o qual foi
instado a opinar. Segundo Döllinger, os inquisidores que avaliavam as obras do teólogo não falavam o
alemão, idioma em que os livros foram escritos. Frohschammer foi excomungado em 1862 (idem, ibid.).
1606
O’MALLEY, 2018, p. 121.
1607
GRANDERATH, 1907, p. 54-55; O’MALLEY, 2018, p. 109.
450
Entre as questões disciplinares a serem tratadas no concílio, os bispos
colocam em primeiro plano a reforma do clero secular e regular, uma vez que, após três
séculos, algumas prescrições caíram no esquecimento1608. Temas como trajes,
relacionamentos, vida privada, arranjos testamentários, meditação diária, celibato,
jogos, diversões como teatro, participação de assuntos políticos; para todos os detalhes
da vida e hábitos do clero foram propostas regras a serem prescritas. Os bispos
chamaram a atenção do concílio para a direção dos seminários maiores, ou superiores, e
para sua independência perante o poder civil; pediram rigor no uso do latim nos cursos
de filosofia e a reforma dos estudos clericais. Quanto ao clero regular, defenderam a
plena liberdade para a Igreja fundar casas religiosas, a fim de atender às necessidades do
povo cristão, mas pediram que as ordens religiosas estivessem obrigadas a observar as
regras de seus fundadores e, em particular, da vida em comum. O tema da educação
também emergiu de muitas manifestações; que fosse reivindicada a liberdade da Igreja
de ter escolas, para permitir aos pais cristãos, cujos filhos eram enviados para escolas
perigosas, o acesso à educação católica. Outro ponto de destaque do relatório do bispo
Jacobini era a relação entre a Igreja e o Estado: independência do poder eclesiástico em
pé de igualdade ao Estado; o direito da Igreja de possuir bens; de instruir os jovens, e a
soberania temporal do papa1609. Entre os orientais, o destaque coube ao patriarca de
Jerusalém, Cirilo II (1792–1877), nascido Konstantinos Kritikos, por chamar a atenção
para o aumento das missões protestantes na região: recursos inesgotáveis e uma grande
equipe permitia-lhes divulgar livros anticatólicos, e proferir calúnias contra o
catolicismo que corrompiam as mentes dos orientais, aumentando seus preconceitos e
destruindo as tradições e doutrinas católicas que até então haviam sido mantidas. Para
deter esse progresso, o patriarca recomendou o estabelecimento de missões e o
treinamento cuidadoso do clero local1610. As respostas dos bispos reiteraram que a fé
cristã estava sob a ameaça das ideias do Iluminismo do século XVIII e das revoluções;
assim como o Concílio de Trento teria unido o catolicismo contra a ameaça
1608
GRANDERATH, 1907, p. 58. A reforma do povo cristão também preocupa os bispos; eles propõem
vários meios para renovar a piedade dos fiéis e adverti-los contra a incredulidade ou o materialismo. A
futura assembleia [...] deve expedir decretos contra os excessos do luxo e dos prazeres, contra a sede de
riqueza que, para ser satisfeita mais rapidamente, recorre à especulação, contra o abandono da vida
familiar, a profanação do casamento, o desprezo pelos domingos e dias festivos, a negligência dos ofícios
da Igreja (idem, ibid., p. 59).
1609
GRANDERATH, 1907, p. 60.
1610
Idem, ibid., p. 64.
451
representada pelo protestantismo, o novo concílio iria restabelecer a autoridade da Igreja
e do papa1611. Dessa forma, com antecedência, a comissão estava de posse de opiniões e
sugestões de uma parte da Igreja muito bem selecionada, que referendava como temas
centrais para o concílio aqueles caminhos, conservadores e ultramontanos, apontados
por Pio IX em todas as suas manifestações desde 1850. As respostas dos bispos calaram
a oposição de Antonelli, e de parte do cardinalato, que não gostara da ideia de um
concílio; a objeção do secretário de estado era pragmática: temia que o sínodo levasse a
Roma teólogos alemães, muito bem preparados, ou franceses inspirados por ideias
liberais, que poderiam contestar a autoridade do papa e das congregações romanas;
também receava desagradar ao imperador francês, Napoleão III, que ainda garantia
Roma isolada do restante da Itália1612.
1611
HALES, 1954, p. 277.
1612
Idem, ibid., p. 276.
1613
HOWARD, 2017, p. 131. Alguns bispos alemães, simpáticos às teses de Döllinger, como Karl Hefele,
foram convidados como consultores nas comissões, contudo, isso foi principalmente uma fachada, como
até o núncio papal em Munique admitiu, para evitar a acusação de um lado. Em 1869, o bispo Hefele,
então em Roma, queixou-se de que “quanto mais tempo aqui fico, mais claramente vejo a dubiedade por
detrás da minha nomeação como consultor para o conselho. Era apenas a forma de Roma enganar o
público com uma aparência de neutralidade”. Döllinger também sentiu que esse arranjo apenas dava a
“aparência de imparcialidade”, como escreveu a Henri-Louis Maret (idem, ibid.).
452
distinguiam de outros, refletindo a centralização da tomada de decisões na Santa Sé, que
ocorrera muito antes do decreto conciliar sobre o primado papal e a infalibilidade1614. A
centralização dos trabalhos nas mãos dos cardeais que lhe eram fiéis dava tranquilidade
a Pio IX, que tinha controle quase que total do cardinalato: até 1865 o papa havia feito
14 consistórios, elevando 67 cardeais, o que representava a renovação de praticamente a
totalidade do Colégio de Cardeais1615. À época do concílio, a Cúria era formada por 57
cardeais, divididos em 6 cardeais bispos, 42 cardeais padres e 9 cardeais diáconos,
havendo ainda 13 cadeiras vazias1616.
1614
O’MALLEY, 2018, p. 110.
1615
MIRANDA, 2021, s.p.
1616
MARTIN, 1876, p. 301.
1617
Os números são imprecisos; HALES (1954, p. 296), por exemplo, estima que 700 bispos assistiram à
abertura das solenidades.
1618
O rei da Itália aproveitara-se da eclosão da Guerra Austro-Prussiana pelo domínio dos estados
germânicos ao sul da Prússia para também declarar guerra à Áustria e anexar a região do Vêneto. A Itália
foi derrotada pelas tropas austríacas, mas, graças à sua aliança com o governo de Berlim, conseguiu a
posse da região de Veneza.
1619
GRANDERATH, 1907, p. 68.
453
Meses antes das solenidades do martírio dos apóstolos, o prefeito da
Congregação do Concílio enviou uma carta aos bispos de todo o mundo, convidando-os
a participar das festas, durante as quais aconteceriam numerosas canonizações. O futuro
cardeal Henry Edward Manning (1808–1892), arcebispo de Westminster, na Inglaterra,
mais tarde, escreveu sobre as comemorações: Trinta nações foram representadas por
seus patriarcas, arcebispos, primazes e bispos; em Roma podíamos então ouvir todas
as línguas sendo faladas, nas ruas podíamos ver todos os trajes; a população quase foi
duplicada pelo afluxo de católicos de todas as partes do mundo1620. Era a terceira vez
que o papa Pio IX chamava os bispos a Roma: 206 cardeais e bispos reuniram-se para a
definição da Imaculada Concepção, em 1854; 265 bispos vieram para a canonização dos
mártires japoneses, em 1862. A convocação de 1867 era para ser a maior de todos os
tempos: nunca um papa havia reunido tantos bispos1621. Nas três ocasiões, houve por
parte do episcopado um ato explícito de submissão ao primado papal, e uma aceitação
mais do que implícita de sua infalibilidade, assim como de sua reiterada pregação
conservadora, por meio de alocuções e cartas apostólicas, condenando as doutrinas
filosóficas, os movimentos revolucionários, e a evolução política de seu tempo1622.
1620
MANNING, 1877, p. 41.
1621
Segundo o cardeal MANNING, os concílios de Calcedônia (451) e o segundo de Lyon (1274) eram
considerados os maiores até então, contudo, ressalta, o número de participantes dos dois conclaves é
duvidoso (1877, p. 45). ALBERIGO (2015, p. 93 e 279) reconhece que ambos foram grandes, mas quanto
ao primeiro as fontes não permitem precisar o número exato de participantes; quanto a Lyon, seu caráter
amplo, reunindo católicos romanos e orientais, em uma tentativa de reconciliação com a Igreja Ortodoxa,
também impede afirmar, com certeza, sua primazia.
1622
MANNING, 1877, p. 42.
454
firme esperança de que a luz da verdade católica espalhará sua salutar clareza em
meio às trevas que obscurecem os espíritos e os fará conhecer, com a graça de Deus, o
verdadeiro caminho de salvação e da justiça de Deus. Ainda segundo Pio IX: [do
concílio] também resultará a Igreja como um exército invencível em ordem de batalha,
[que] repelirá os assaltos de seus inimigos, quebrará seus esforços e, por seu triunfo,
estenderá e propagará na Terra o reinado de Jesus Cristo1623.
1623
GRANDERATH, 1907, p. 70.
1624
MANNING, 1877, p. 47.
455
de Orléans, Félix Dupanloup, que concentraram o debate sobre os termos da resposta. O
arcebispo inglês insistiu em inserir a defesa da infalibilidade papal na resposta, o que foi
rejeitado por Dupanloup. Contudo, a versão final dizia: Há cinco anos, prestamos nosso
devido testemunho do sublime cargo que você exerce e demos expressão pública às
nossas orações por você, por seu principado civil e pela causa do direito e da religião.
Em seguida, professamos, tanto em palavras quanto por escrito, que nada é mais
verdadeiro ou mais caro para nós do que acreditar e ensinar as coisas em que você
acredita e ensina, do que rejeitar os erros que você rejeita1626. Em seguida, o texto
citou o decreto do Concílio de Florença (1439) sobre o primado papal, afirmando que o
papa tem pleno poder de alimentar, guiar e governar a igreja1627.
1625
Idem, ibid., p. 50.
1626
O’MALLEY, 2018, p. 111; MANNING, 1877, p. 51.
1627
Acreditando que Pedro falou pela boca de Pio, portanto, tudo o que você falou, confirmou e
pronunciou, também falamos, confirmamos e pronunciamos; e com uma só voz e uma mente rejeitamos
tudo o que, como sendo contrário à fé divina, à salvação das almas e ao bem da sociedade humana, você
julgou adequado reprovar e rejeitar. Pois isso está firme e profundamente estabelecido em nossa
consciência, que os padres de Florença definiram em seu decreto sobre a união, que o pontífice romano
“é o Vigário de Cristo, cabeça de toda a Igreja, e pai e mestre de todos os cristãos; e que a ele, na
pessoa do bendito Pedro, foi confiado por nosso Senhor Jesus Cristo todo o poder para alimentar, guiar
e governar a Igreja Universal” (MANNING, 1877, p. 51).
456
são difundidos por toda parte; a educação da juventude miserável é retirada do clero
em quase todos os lugares e, o que é pior, em muitos lugares é confiada a professores
de iniquidade e erro. O texto prosseguia: Para nosso grande desgosto e para o de todos
os homens bons, em detrimento das almas que não podem ser deploradas o suficiente,
em toda parte propagam-se a impiedade, a corrupção da moral, a licença desenfreada,
o veneno das opiniões viciosas de todo tipo e de todos os vícios e toda maldade, a
violação das leis humanas e divinas: para que não só nossa Santíssima Religião, mas
também a sociedade humana esteja de forma miserável perturbada e aflita. Pio IX
ressaltou sua atuação no combate aos inimigos da Igreja: Desde o início de nosso
pontificado nunca nos omitimos [...] para levantar nossa voz e defender com todo
esforço, constantemente, a causa de Deus e de Sua Santa Igreja confiada a nós por
Jesus Cristo, para defender os direitos da justiça e da verdade, para descobrir as
artimanhas dos homens inimigos, para condenar erros e doutrinas falsas, para
proscrever as seitas da impiedade e para vigiar e prover o universo do rebanho do
Senhor1628.
1628
PIO IX, bula Æterni Patris, 1868.
1629
A realização do Concílio de Trento também foi uma resposta da Igreja Católica à tese de uma
convocação de um concílio de toda a cristandade, livre e independente da Santa Sé, lançada por Lutero
em um manifesto publicado em 1520, An den christlichen Adel der deutschen Nation (à nobreza cristã da
nação alemã). O tumultuado processo de convocação e realização do concílio, que atravessou o
pontificado de quatro papas – Paulo III (1534–1549), Júlio III (1549–1555), Paulo IV (1555–1559), Pio
IV (1559–1565) –, em boa parte foi decorrente da resistência dos príncipes alemães que viam com bons
olhos a proposição de Lutero (ALBERIGO, 2015, p. 324-331).
1630
OLLIVIER, 1879, p. 26.
457
não só diz respeito à saúde eterna da humanidade, mas também beneficia a vantagem
temporal dos povos, sua verdadeira prosperidade, ordem, tranquilidade e até mesmo o
progresso das ciências humanas e sua solidez1631.
1631
PIO IX, encíclica Æterni Patris, 1868.
1632
O’MALLEY, 2018, p. 113. Apreciamos a esperança de que Deus, em cujas mãos estão os corações
dos homens, conceda graciosamente nossos desejos por sua inefável misericórdia e graça, e que todos os
mais altos príncipes e governantes dos povos, especialmente católicos, conheçam cada vez mais o grande
bem que flui da Igreja Católica para a sociedade humana, e que a Igreja é o fundamento mais estável dos
impérios e reinos, não impedirão que os veneráveis irmãos bispos e todos os outros mencionados acima
venham a este concílio, mas os favorecerão e ajudarão de boa vontade e com o maior empenho, como
convém aos príncipes católicos, concordarão com eles em tudo o que possa ser bem-sucedido para a
maior glória de Deus e em benefício do próprio concílio (PIO IX, bula Æterni Patris, 1868).
1633
O’MALLEY, 2018, p. 114.
1634
OLLIVIER, 1879, p. 25.
458
semelhante, mas por razões diametralmente opostas, tinha o jornalista católico
conservador radical Louis Veuillot, que escreveu em L’Univers: A bula de convocação
do concílio ecumênico não chama soberanos para sentarem-se nesta assembleia
legislativa. A omissão é notada! Indica implicitamente que não há mais coroas
católicas, isto é, a ordem em que a sociedade viveu por mais de dez séculos deixou de
existir. O que chamamos de Idade Média acabou. 29 de junho de 18681635. E prosseguiu
Veuillot: Outra era começa. Igreja e Estado estão separados de fato, e ambos
reconhecem isso. [...] Está feito, e isto não é um bem. O Estado queria o cidadão, não a
Igreja. Alma e corpo não estão mais unidos. Quanto à condição civil, a Igreja é hoje
uma alma sem corpo, e o Estado, quanto à condição religiosa, um corpo sem alma1636.
Efetivamente nenhum governante tentou enviar representantes ao concílio, tornando-o o
primeiro concílio ecumênico da história sem a participação direta dos leigos.
1635
L’Univers, 11 jul. 1868, apud OLLIVIER, 1879, p. 25.
1636
Idem, ibid..
1637
IGREJA CATÓLICA, encíclica Iam vos omnes, 1868.
1638
Idem, ibid.
459
especialmente nos Estados alemães, onde foi considerado um insulto, tanto pelos
protestantes quanto pelos católicos alemães, que há anos tentavam manter uma boa
relação com seus governantes1639. Mas esse não seria o maior problema enfrentado
durante a preparação do concílio. O pior ainda estava por vir.
1639
O’MALLEY, 2018, p. 115.
1640
Idem, ibid., p. 123.
1641
HALES, 1954, p. 288.
1642
Idem, ibid.
460
infalível, mesmo que isso contrariasse as leis civis1643. A suspeita de uma trama entre a
revista e a Santa Sé para a divulgação da tese da infalibilidade não era absurda. No fim
da década de 1860, o papa havia estabelecido uma relação ainda maior de confiança
com o editor da Civiltà, Carlo Piccirillo (1821–1888); a incansável campanha da revista
contra o liberalismo, agradava a Pio IX. Durante o Concílio do Vaticano, Piccirillo
podia ser recebido pelo papa sem a necessidade de um agendamento formal, com
precedência até mesmo sobre os arcebispos que tentavam vê-lo; a concessão reforçou a
impressão de que o papa era dominado pelos jesuítas. Peter Beckx não simpatizava com
a excessiva proximidade da Civiltà com o papa, mas o jornal era tão favorável a Pio IX
que o superior-geral da Companhia de Jesus não foi capaz de exercer qualquer
influência sobre suas políticas1644. Em poucos dias Veuillot publicou uma tradução do
artigo da La Civiltà Cattolica no L’Univers na França, que provocou reações
indignadas, mas que de forma alguma superaram a repercussão entre os católicos
alemães. Nos Estados germânicos, apoiando a linha seguida pela Civiltà estavam a
Universidade de Mainz e o jornal da cidade, Katholik, e a revista jesuíta Stimmen aus
Maria-Laach. Do outro lado, em clara oposição, ficaram a Universidade de Bonn, o
jornal Theologische Literaturblatt, e, na Bavária, a Universidade de Munique, onde
Döllinger imediatamente assumiu a liderança da campanha1645.
1643
HOWARD, 2017, p. 132.
1644
O’MALLEY, 2018, p. 209.
1645
Idem, ibid., p. 123.
1646
DÖLLINGER, 1869, p. xiv; GRANDERATH, 1907, p. 219 e ss.
461
liberais [...] estamos convencidos de que a Igreja Católica, longe de assumir uma
atitude hostil e desconfiada em relação aos princípios da liberdade política, intelectual
e religiosa, e da independência de julgamento, deveria, ao contrário, estar em
concordância positiva com eles e exercer uma constante influência purificadora e
enobrecedora em seu desenvolvimento1647. Assumindo claramente sua oposição à
infalibilidade, Döllinger sustentou que a Igreja Católica e o papado não são sinônimos,
estando este profundamente distante daqueles cujo ideal da Igreja é um império
universal espiritual governado por um único monarca – um império de força e
opressão, onde a autoridade espiritual é auxiliada pelo braço secular em sumariamente
suprimir cada movimento de que não gosta. Em uma palavra, rejeitamos aquela
doutrina e ideia da Igreja [...] como a única âncora remanescente de libertação para a
raça humana que perece1648, um caminho há muito superado, uma vez que a Idade
Média ficou para trás de uma vez por todas, e nada além de uma “fata morgana” pode
fazê-la pairar como um futuro possível diante da imaginação viva de seus aliados1649.
Em uma definição, o autor exprimiu sua indignação com a situação da Igreja: O papado,
tal como se tornou, apresenta [hoje] a aparência de uma excrescência desfigurante,
doentia e sufocante na organização da Igreja, atrapalhando e decompondo a ação de
seus poderes vitais [...] e que não consegue compreender que um homem pode amar e
honrar uma instituição ao mesmo tempo, e ainda expor seus pontos fracos, denunciar
suas falhas1650. Em 26 de novembro, duas semanas antes da abertura do concílio, a
Congregação do Índice condenou o livro, assim como todas as suas traduções1651; mas
já era tarde: em agosto já era intensa a circulação de Der Papst und das Concil, assim
como de outros textos semelhantes, na Alemanha, Inglaterra, Irlanda, Estados Unidos,
Espanha, França e Itália, todos em seus idiomas. O livro, juntamente com suas palestras
e artigos, fizeram com que Döllinger tivesse sua participação no Concílio do Vaticano,
1647
DÖLLINGER, 1869, p. xv. Liberais [...] um termo da pior reputação entre todos os adeptos
intransigentes do Tribunal de Roma e dos jesuítas – dois poderes intimamente aliados –, e nunca
mencionado por eles sem amargura (idem, ibid.).
1648
Idem, ibid., p. xvi.
1649
Idem, ibis. Fata morgana é um fenômeno ótico, uma espécie de miragem distorcida, visível no mar
em uma faixa estreita acima do horizonte. O termo italiano fata morgana refere-se à lenda que contava
que uma feiticeira – Morgana –, com sua bruxaria, conjurava castelos no ar, ou falsas terras, para atrair
marinheiros para a morte (YOUNG, 2021, s.p).
1650
DÖLLINGER, 1869, p. xix.
1651
O’MALLEY, 2018, p. 124.
462
se não vetada, ao menos não desejada pelo papa1652; também seria uma das razões de
sua excomunhão em abril de 1871.
1652
HALES, ao longo de seu livro sobre Pio IX, busca consolidar a ideia de que o papa não havia feito
interferências nos trabalhos do concílio: A verdade é que se mostrou que [Pio IX] acreditava que tal
definição deveria ser feita e, como papa, cedeu à pressão da maioria, e concordou – com bastante
satisfação – que a questão fosse levantada em seu turno. Assim o veto à participação de Döllinger é
descrito como uma exigência do cardeal Reisach (1954, p. 305). O cardeal Antonelli teria comentado que
Döllinger fora convidado e não aceitou, e o papa, satisfeito, dissera que ele não teria trabalhado bem com
os outros teólogos. A oposição do cardeal Reisach ao nome de Döllinger foi considerada por muitos o
principal motivo pelo qual ele não participou (HOWARD, 2017, p. 131).
1653
HALES, 1954, p. 289. Depois da publicação, Maret enviou uma cópia ao papa, que considerou o
presente um insulto. Mais que o tema ou os argumentos apresentados, causou espécie o fato de o bispo
escrever em francês, e não em latim, para que seu livro pudesse ser lido pelos leigos (WOODWARD,
1963, p. 329).
1654
O’MALLEY, 2018, p. 101. Maret, um opositor da doutrina e das políticas da Santa Sé, era galicano e
liberal (idem, ibid., p. 112).
463
precisaria consultar o episcopado1655. Em 11 de novembro de 1869, Dupanloup, bispo
de Orléans, já de malas prontas para Roma e a abertura do concílio, lançou um livreto
de 80 páginas dirigido a seus clérigos intitulado Observations sur la controverse
soulevée relativement a la définition de l’infallibilité au prochain concile (observações
sobre a controvérsia levantada a respeito da definição da infalibilidade no próximo
concílio1656. As teses esboçadas pelo bispo haviam sido discutidas com Döllinger, após
uma viagem a Worms em setembro. Foi a primeira vez que um bispo abertamente se
pronunciou contra a opinião do papa e da maior parte do cardinalato1657. Para
Dupanloup, uma definição da infalibilidade era desnecessária e indesejada, pois criaria
empecilhos para as tentativas de reaproximação com as igrejas ortodoxas e os
protestantes, além de antagonizar os governos1658. Segundo o bispo, a imprensa católica
estaria antecipando o resultado do concílio, com a aprovação da infalibilidade, tema que
não fora inicialmente apresentado ou discutido1659, para criar na opinião pública uma
corrente favorável aos seus desejos e forçar usando todo o peso deste parecer preliminar
sobre os bispos reunidos1660. Os responsáveis por essa pressão seriam dois jornais em
particular, La Civiltà Cattolica e L’Univers [que] tomaram as iniciativas mais
surpreendentes aqui. Se o santo padre impôs um silêncio prudente e rigoroso aos
consultores das congregações romanas encarregadas dos trabalhos preparatórios do
concílio, eles não tiveram medo de divulgar que [o concílio] definiria a questão da
infalibilidade pessoal do papa; muito mais, que se definiria por aclamação1661. O texto
contestou a base teológica e histórica da proposta, afirmando que os jornais anunciaram
que um dogma seria criado pelo concílio; a Igreja não cria dogmas, ela os declara; e
não deve haver ambiguidade aqui. Digo um novo dogma no sentido de que nunca,
1655
Idem, ibid., p. 126. Maret seguia a mesma linha de raciocínio de Maistre em Du Pape, mas chegou a
uma conclusão absolutamente inversa (idem, ibid.).
1656
Em Roma acreditava-se que o livro fora escrito por Montalembert (WOODWARD, 1963, p. 330).
1657
HALES, 1954, p. 287.
1658
O’MALLEY, 2018, p. 128.
1659
Quando o papa Pio IX anunciou, em dois discursos famosos, aos bispos reunidos em Roma em 1867,
seu plano de convocar um concílio ecumênico, ele não disse uma palavra sobre a necessidade ou a
utilidade de tê-los constituídos como um dogma de fé. pela futura assembleia a sua infalibilidade pessoal.
E os quinhentos bispos, então reunidos em Roma, em seu discurso ao santo padre, em resposta a esta
comunicação, também não disseram uma única palavra sobre esta questão. Por fim, na bula de
convocação [Æterni Patris], onde o santo padre traçou de forma tão ampla e com tão grande linguagem
o programa do futuro concílio, também não houve menção à sua infalibilidade pessoal (DUPANLOUP,
1887, p. 437).
1660
Idem, ibid., p. 432.
1661
Idem. ibid., p. 433.
464
durante 18 séculos, os fiéis foram obrigados, sob pena de deixar de ser católicos, que
acreditassem assim. Doravante, seria uma questão de obrigar todos os católicos a
acreditarem, sob pena de anátema, que o papa é infalível1662. O texto de Dupanloup foi
interpretado na Santa Sé como um conluio entre o bispo e Napoleão III1663.
Montalembert, já muito doente, também criticou os jornais católicos em uma carta
publicada em 7 de março de 1870, no Gazzette de France: Quem poderia ter-nos levado
a suspeitar, em 1847, que o pontificado liberal de Pio IX, aclamado por todos os
liberais dos dois mundos, se tornaria o pontificado representado e personificado pelo
L’Univers e pela Civiltà 1664.
1662
Idem. ibid., p. 434.
1663
HALES, 1954, p. 288.
1664
HALES, 1954, p. 290. Montalembert morreria em 13 de março de 1870, e não veria a redação final da
constituição dogmática Pastor Æternus, aprovada pelo concílio em 18 de julho.
1665
GRANDERATH, 1907, p. 216.
1666
Como os bispos reunidos devem exercer seu poder de formular dogmas sobre o conteúdo do Syllabus,
eles precisam apenas colocar seu selo conciliar em uma obra já preparada para suas mãos pelo jesuíta
de Viena, Schrader [Klemens Schrader], tornando as declarações negativas do Syllabus em afirmativas, e
assim podemos, sem problemas, antecipar as decisões do concílio sobre este assunto (DÖLLINGER,
1869, p. 9).
465
engano: um ano antes da controvérsia, a comissão de preparação havia criado comissões
temáticas para produzir documentos que pautassem as discussões durante a assembleia.
O material produzido foi ordenado em seis títulos: 1) Igreja e Estado; 2) a estrutura
hierárquica da Igreja; 3) infalibilidade e primado papais; 4) Estados Pontifícios; 5) fé e
revelação; e 6) o sacramento do matrimônio1667. A existência de um relatório que tratava
da infalibilidade, preparando o tema para os debates, era um indício muito expressivo
dos desejos da Santa Sé.
1667
O’MALLEY, 2018, p. 119.
1668
GRANDERATH, 1907, p. 356. Não confundir com The Dublin Review, atual revista trimestral que
publica ensaios, reportagens, crítica e ficção, lançada em dezembro de 2000. A revista católica homônima
existiu entre 1836 e 1969.
466
levantada em debates teológicos havia mais de um século1669. A polêmica só foi
solucionada no Concílio de Constantinopla que finalmente considerou o monotelismo
uma heresia, reconhecendo em Cristo duas naturezas e duas vontades, bem como seu
livre-arbítrio. O concílio também condenou Honório, que marcou esta Igreja
apostólica, não pelo ensino apostólico da tradição, mas por profanações, permitindo
que uma fé maculada fosse dada como tradição1670. Os artigos de Peter Renouf no
Dublin Review levantaram uma questão que voltaria a ser considerada durante o
Concílio do Vaticano: se um papa, ao falar ex cathedra, pode cometer uma heresia, a
infalibilidade, eventualmente, poderia vir a consolidar um sacrilégio em dogma.
1669
OWENS, 2003, v. 9, p. 816-817.
1670
BECK, 2003, v. 7, p. 79-82.
1671
O’MALLEY, 2018, p. 133. De acordo com documento oficial da Igreja, 745 bispos e arcebispos
podiam votar no concílo (IGREJA CATÓLICA, 1870, s.p.). Segundo GRANDERATH: Setecentos e
setenta e quatro padres compareceram ao Concílio do Vaticano; entre eles havia 49 cardeais, 10
patriarcas, 10 primazes, 127 arcebispos, 529 bispos, 6 abades nullius [que não são dependentes de
nenhuma diocese], 16 abades gerais, 26 generais ou vigários gerais de ordens religiosas, e um
administrador apostólico, da Diocese de Podlasie na Rússia, dom Casimir Sosnowski, que foi o único
representante desse país desde que o governo russo impediu os outros bispos de irem ao concílio (1908,
p. 37).
467
em virtude dos dirigentes que orientaram o concílio1672. Desde sua abertura em 8 de
dezembro de 1869, o concílio foi marcado por um clima de insatisfação e angústia
generalizada entre os participantes. Inicialmente, tornou-se um problema alojar tantos
visitantes, muitos dos quais em condições precárias1673. As reuniões não eram menos
tormentosas, uma vez que o transepto da Basílica de São Pedro, mesmo com as
adaptações feitas, não oferecia conforto para as longas horas de reuniões, além de sua
acústica não permitir acompanhar com clareza os debates; essas condições tornavam as
sessões um tormento, especialmente para os mais velhos. Também havia certo mal-estar
psicológico: os bispos temiam que o concílio pudesse demorar muitos meses ou anos até
seu encerramento, obrigando-os a permanecer em Roma por um tempo indefinido, mas
também receavam ser pressionados a carimbar os documentos preparados para eles, ou
se, pela força de aclamações, seriam levados a decisões precipitadas. Os bispos do
continente viviam especialmente preocupados com a perspectiva de uma guerra entre a
França e a Prússia e, portanto, com a segurança e a estabilidade política da cidade de
Roma1674. A questão da infalibilidade, e a polêmica que agitara os jornais, incomodava:
muitos desejavam fortalecer o princípio da autoridade papal, o que não significava um
alinhamento automático à tese.
1672
Idem, ibid., p. 135.
1673
Segundo o correspondente em Roma do Stimmen aus Maria-Laach, jornal católico da Renânia, os
bispos pertencentes a ordens religiosas alojaram-se, em sua maioria, nos conventos de sua ordem. Muitos
ficaram em seminários, colégios e outros institutos. Até mosteiros femininos, como as Oblatas da Torre
dei Specchi, as filhas de Santa Françoise Romaine, as Beneditinas de Santa Maria no Campo de Marte,
ofereceram ao papa os quartos disponíveis. Mas, por causa do grande número de prelados, Pio IX,
assumindo as despesas, providenciou alojamentos para mais de 200 prelados em variadas habitações em
Roma (GRANDERATH, 1908, p. 9).
1674
O’MALLEY, 2018, p. 136-137.
468
para participar de uma batalha contra o inimigo, tantas vezes citado pelo papa em todos
seus pronunciamentos desde 1850: Há muito tempo lutamos contra os mais astutos e
cruéis inimigos. Devemos usar as armas espirituais de nossa milícia, e cheios de
confiança nas promessas divinas, com o escudo do amor, da paciência, da oração e da
mansidão, sustentar todo o impacto da luta. Portanto, não temos razão para temer que
nos faltem forças na luta, se voltarmos os olhos e o coração ao autor e guardião da
nossa fé1675. Imediatamente, foi publicada a constituição pontifícia Multiplices inter,
com o regulamento e as observações que deveriam ser seguidas pelo concílio. Entre
outras coisas, a constituição apostólica determinou que apenas o papa teria o direito e o
dever de propor ao concílio os temas a serem discutidos; quem tivesse alguma sugestão
deveria apresentar-lhe por escrito, com a devida fundamentação. O documento também
estabeleceu o silêncio e a censura sobre os temas debatidos: Proibimos todos os padres,
os dignitários do concílio, teólogos, os canonistas e todos os outros que tenham de
prestar a sua ajuda aos padres e aos dignitários acima mencionados, para os negócios
do concílio, de publicar tudo o que seja. Também deveria ser guardado silêncio sobre
resoluções que venham a aí ser levadas ou questões que aí venham a ser examinadas,
bem como falar sobre elas a qualquer pessoa fora do concílio1676. E ainda foi ordenado
que todos os funcionários nomeados para algum cargo no concílio fizessem um
juramento de cumprir o silêncio sobre todas as questões relativas ao encontro. A censura
não funcionou, e os debates tornaram-se públicos pela imprensa quase que
imediatamente. O silêncio desagradou a muitos dos religiosos presentes1677.
1675
GRANDERATH, 1908, p. 11.
1676
Idem, ibid., p. 53.
1677
Idem, ibid. A Cúria Romana, confiante em seu poder sobre os bispos, não havia percebido que em
uma reunião de cerca de 700 pessoas não poderia esconder alguma controvérsia, ou o que quer que fosse.
Os bispos conversaram com seus amigos ou com seus embaixadores. Vários bispos sentiram que a
469
Syllabus Errorum, tornou-se o principal prelado italiano no concílio, que, além de
presidir uma das congregações gerais, também foi indicado pelo papa como presidente
da medular deputação da Delegação da Fé1678. Os presidentes das deputações iriam
dirigir as discussões do concílio dando destaque às posições da maioria dos bispos que,
por convicção, ou reverência hierárquica, passariam a aceitar a tese da infalibilidade. As
deputações tornaram-se uma estrutura coesa e fiel ao papa, que podia manter fora do
concílio qualquer assunto detestado ou temido pelo pensamento ultramontano
predominante. Ainda assim, o papa Pio IX reservara para si o direito final de excluir
qualquer proposta da pauta de discussões. Nenhum dos bispos, com exceção daqueles
das congregações, sabia o que deveria ser proposto; assim, a liberdade de ação do
concílio foi de tal forma restringida, o que permitia que a validade eclesiástica de seus
procedimentos fosse questionada1679. A despeito de estarem em minoria, pouco mais de
um quinto dos prelados era, por razões variadas, contrário às teses papais, especialmente
a da definição da infalibilidade, e muitos tinham esperança em poder discutir uma pauta
modernizante para a Igreja1680.
cláusula de silêncio imposta, que eles próprios não votaram, não os vinculava (CHADWICK, 1988, p.
188).
1678
O’MALLEY, 2018, p. 141; GRANDERATH, 1908, p. 11.
1679
WOODWARD, 1963, p. 332.
1680
Parte dos bispos não queria um excesso de centralização em Roma, mas queria que a autoridade dos
bispos, sob ataque do mundo moderno, fosse fortificada, não diminuída, por Roma. Não se deve esquecer
de que os bispos tinham uma responsabilidade colegial pela Igreja universal, não apenas o cuidado de
sua própria diocese. Eles não queriam que o concílio divulgasse declarações de teologia aparentemente
obsoletas, que o mundo não entenderia e que não poderiam beneficiar a Igreja. Eles levantaram a
possibilidade de uma reforma do Direito Canônico, para que as pessoas pudessem ter acesso a ele a
partir de algum volume codificado e atualizado, em vez de ter de se atrapalhar entre os enormes fólios de
várias datas e autoridade diversificada. Eles queriam que o ensino dos jovens fosse atualizado por
melhores catecismos, mas não queriam um catecismo universal considerado adequado para todas as
terras (CHADWICK, 1988, p. 204).
1681
Ao contrário do que afirmava grande parte dos autores do período, o galicanismo não havia
desaparecido após 1815; teve, sim, reduzida sua importância, uma vez que boa parte de seu apoio
desapareceu com a revolução, juntamente com a monarquia. Os embates no Concílio do Vaticano
470
Dupanloup, sua maior resistência era contra Louis Veuillot e o grupo ao redor do jornal
L’Univers1682; o bispo não era radicalmente contra a definição, apenas achava que o
momento para sua adoção era inadequado. O episcopado francês estava tão dividido em
três grupos: aqueles que aceitavam a infalibilidade; os que defendiam a definição no
concílio, mas esperavam por uma fórmula de compromisso para toda a Igreja; e aqueles
que se opunham à definição1683. O principal núcleo de oposição à definição estava
concentrado entre os religiosos da Europa central, especialmente os alemães, entre os
quais Karl Josef von Hefele, bispo de Rotemburgo, que às vésperas do concílio publicou
o livreto Causa Honorii Papae (o caso do papa Honório), no qual buscara demonstrar a
impossibilidade moral e histórica da infalibilidade papal, com base no episódio
envolvendo o papa do século VII. A seu lado estava o barão Wilhelm Emmanuel
Freiherr von Ketteler (1811–1877), bispo de Mainz, que defendia a autonomia e o poder
da Igreja Católica na Alemanha, e um opositor declarado da separação entre Igreja e
Estado; defendia a importância da questão social na nova sociedade industrial e o apoio
da Igreja Católica às classes trabalhadoras, política que seria adotada mais tarde pelo
papa Leão XIII (1878–1903)1684. Os bispos germânicos refletiam as ansiedades
existentes no mundo político dos Estados alemães que estavam ficando alarmados com
os planos papais para o concílio. A doutrina da infalibilidade papal teria consequências
políticas cujos governos menores, especialmente aqueles que contavam com uma
população católica minoritária, não podiam ignorar. O ministro das Relações Exteriores
da Bavária, Chlodwig Carl Viktor (1819–1901), príncipe de Hohenlohe-Schillingsfürst
e futuro chanceler do Império Alemão, propôs uma conferência na qual as potências
deveriam chegar a um acordo sobre uma política comum; a ideia era afastar a Igreja
Católica das influências políticas, deixando-a isolada1685. A oposição à definição
também vinha dos dois mais importantes prelados do Império Austro-Húngaro: cardeal
Friedrich von Schwarzenberg, arcebispo de Praga, e o cardeal Joseph Othmar von
Rauscher (1797–1875), arcebispo de Viena; o primeiro fora elevado ao cardinalato em
mostraram que as ideias galicanas ainda sobreviviam. Sobre o galicanismo do episcopado francês ao
longo do século XIX ver o já citado trabalho de GOUGH, Paris and Rome: les catholiques français e le
pape au XIXe siècle (1996).
1682
GRANDERATH, 1907, p. 332. Em 1848, Dupanloup assumiu a direção do jornal L’Ami de la
Religion com o objetivo específico de se contrapor às ideias de Louis Veuillot, que fizera do L’Univers o
principal canal do ultramontanismo radical na França (LAGRÉE, 2002, p. 28).
1683
O’MALLEY, 2018, p. 146.
1684
Idem, ibid., p. 142.
471
1842 pelo papa Gregório XVI, e o segundo por Pio IX em 1855. Os húngaros, em sua
quase totalidade, com apenas uma exceção, foram absolutamente contrários à definição,
liderados por János Simor (1813–1891), arcebispo de Esztergom, que seria tornado
cardeal em 1873, e por Lajos Haynald (1816–1891), arcebispo de Kalocsa-Bács, um
teólogo respeitado, cardeal em 1879. O mais apaixonado dos europeus centrais foi Josip
Juraj Strossmayer (1815–1905), o bispo croata da Bósnia e da Síria, com residência em
Ðakovo, que na época fazia parte do Império Otomano, que defendia a reconciliação
das comunhões ortodoxas eslavas com a Igreja Católica, o que, segundo ele, seria
dificultada pela definição da infalibilidade. Os religiosos dos Estados Unidos, a
princípio, estavam ausentes da controvérsia, mais preocupados em evitar qualquer
movimento que prejudicasse as relações entre a Igreja e o Estado em seu país ou
acabasse por estimular ainda mais preconceito anticatólico por lá; contudo à medida que
o concílio avançava, metade dos norte-americanos passou a opor-se à definição1686. Os
bispos da minoria1687, que a princípio acreditavam poder influenciar nas decisões do
concílio, gradativamente foram se convencendo de que o papa iria usar toda sua força
para ver aprovadas suas teses, especialmente a da infalibilidade1688.
1685
WOODWARD, 1963, p. 332.
1686
O’MALLEY, 2018, p. 148.
1687
As expressões maioria e minoria passaram a ser usadas pela imprensa ao longo do concílio para
designar quem apoiava a doutrina da infalibilidade e quem a recusava, respectivamente (CHADWICK,
1988, p. 199).
1688
O’MALLEY, 2018, p. 142-146.
472
com a forma como foram recebidos e colocados em prática. A tradição incluía práticas
litúrgicas, a história da recepção das decisões papais e conciliares e, especialmente, as
maneiras costumeiras como a Igreja havia procedido no curso de sua história; a
história era uma fonte, como afirmou Hefele no concílio. Por sua maior sensibilidade à
contingência histórica, os bispos da minoria tendiam a ter uma visão menos negativa
dos tempos que viviam, ao contrário da maioria, e estavam mais dispostos a tentar
melhorar a adequação da Igreja a esses tempos1689. Contudo, os dois lados não levaram
em consideração que o mundo não católico olhava com ceticismo a ideia de
infalibilidade, qualquer infalibilidade, seja do papa ou de alguma instituição1690.
1689
Idem, ibid., p. 197.
1690
Idem, ibid., p. 198.
1691
O texto continuava: Com justiça e grande sabedoria, Vossa Santidade dignou-se a determinar tudo o
que diz respeito à boa ordem e à sucessão dos assuntos a serem tratados pelo concílio; mas se os padres,
para obedecer à sua consciência, por sua vez tomam a iniciativa de alguma proposta considerada por
eles útil para o bem geral da Igreja, devemos ver em sua abordagem nada mais que o exercício de seu
direito e de seu ofício, desde que mantenham a submissão e o respeito devido ao chefe da Igreja
(GRANDERATH, 1908, p. 60).
1692
Idem, ibid., p. 68.
473
Uma segunda carta, dessa vez assinada por 88 religiosos – alemães,
austríacos, húngaros, franceses e alguns norte-americanos –, também datada de 2 de
janeiro, pedia que alguns dos regulamentos da Multiplices inter fossem atenuados. Os
bispos pediam especialmente que, em razão da dificuldade para ouvir os debates,
fossem tomadas notas taquigráficas das discussões que depois seriam repassadas para os
interessados1693, lembrando que três quartos dos participantes eram homens entre 56 e
90 anos1694. Também pediam que a obrigação de silêncio fosse atenuada, para poder
levar aos fiéis o que se passava no concílio, e também permitir que a imprensa católica
pudesse informar corretamente aos fiéis. Assim como no caso anterior, os pedidos
foram negados pelo papa, e os bispos comunicados por Bilio1695. Contudo essa
proibição não se aplicava ao papa, nem a Louis Veuillot. O jornalista francês montou
uma casa em Roma, onde passou a receber visitantes importantes e ter acesso a
informações confidenciais do concílio. Por diversas vezes conseguiu audiências
privadas com Pio IX, conversas cujos relatórios eram publicados regularmente no jornal
L’Univers, e tornaram-se fonte importante para a formação da opinião pública na
França; nas dioceses do interior, a leitura do jornal passou a ser quase obrigatória
durante as homilias. Posteriormente os artigos foram editados em livro, Rome pendant
le concile (Roma durante o concílio)1696.
1693
Um problema suplementar foi a exigência de que todos os debates fossem travados em latim, o que
provocou uma confusão com a profusão de sotaques, alguns nem sempre inteligíveis por todos. Hefele,
um dos mais hábeis latinistas do concílio, reclamou que só conseguia ouvir um em cada três oradores.
Um cardeal disse que não havia entendido uma única palavra. Perto do fim do concílio, uma tela foi
estendida sobre o salão para amortecer o efeito da grande altura do edifício (WOODWARD, 1963, p.
333).
1694
Idem, ibid.
1695
GRANDERATH, 1908, p. 69-70.
1696
O’MALLEY, 2018, p. 148.
474
1896), bispo de St. Louis, no Missouri, Thomas-Louis Connolly (1814–1876), bispo de
Halifax, no Canadá, William Joseph Clifford (1823–1893), bispo de Clifton, na
Inglaterra. Acton, que se tornaria um dos mais importantes historiadores britânicos do
século XIX, fora aluno de Döllinger desde sua adolescência, mantendo com ele uma
relação de amizade por toda a vida1697. A partir do escritório romano, o teólogo alemão
recebia diariamente cartas sobre o andamento dos trabalhos do concílio, que lhe
permitiam, mesmo distante, escrever artigos muito bem informados sobre as discussões,
publicados no Augsburger Allgemeine Zeitung. Ao longo do concílio foram 69 cartas e
artigos, que, ainda em 1870, foram editados no livro Römische Briefe vom Konzil
(cartas de Roma sobre o concílio), sob o pseudônimo de Quirinus. Nos artigos, o
concílio era apresentado como uma manobra de Pio IX para obter a definição da
autoridade absoluta do papa em todos os assuntos, espirituais e temporais. O teólogo
alemão denunciava que os bispos só podiam reagir ao que lhes fora apresentado
previamente pela comissão, não podendo expressar verdadeiramente o que pensavam;
por trás dos cardeais e bispos leais ao papa, estava, segundo Döllinger o partido
jesuíta1698. Acton escrevia para Döllinger quase diariamente, enviando as cartas para
Munique na mala diplomática do embaixador da Bavária em Roma, para garantir que
elas não seriam interceptadas pelos espiões da polícia papal, que desde os tempos do
papa Gregório XVI exercia uma ilegal censura à correspondência1699. Uma vez que,
como era sabido, Acton estava realmente bem informado, os artigos do Augsburger
1697
Lord Acton, que o próprio Pio IX, ao longo do concílio, chamou de briccone (patife), que lambe meus
pés e ao mesmo tempo trabalha com a oposição, estava especialmente preparado para desempenhar o
papel de articulador da oposição à infalibilidade junto ao concílio: Por causa de sua linhagem
aristocrática e passado internacional, ele tinha conexões pessoais ou familiares dentro de muitos dos
principais órgãos nacionais representados entre os bispos e entre o corpo diplomático em Roma. Por
causa de sua fluência em inglês, alemão, francês e italiano, ele habilmente superou as divisões
linguísticas entre os prelados e os aproximou mais. Finalmente, em razão da sua formidável erudição
teológica e histórica, devida em grande parte a Döllinger, ele possuía uma compreensão abrangente dos
tópicos em discussão no concílio (HOWARD, 2017, p. 141).
1698
[A] Influência deste partido é muito poderosa e já prepondera; todo o mecanismo do concílio, a
ordem do dia, o pessoal de seus dirigentes, enfim, tudo, está substancialmente em suas mãos, ou será
posto em suas mãos, ou será posto à sua disposição. Todos os preparativos foram feitos no seu interesse
e todas as alternativas foram previstas. Esse grande polvo eclesiástico, com suas mil antenas e braços, a
Ordem dos Jesuítas trabalha por ele sob a terra e sobre a terra; “mea res agitur” (meu negócio está
feito) é sua palavra de ordem (Döllinger citado por HOWARD, 2017, p. 143).
1699
O’MALLEY, 2018, p. 149. Durante o concílio, Acton também manteve um contato muito próximo
com o chanceler britânico William Gladstone, mantendo-o informado dos principais temas discutidos
(idem, ibid., p. 151).
475
Allgemeine tornaram-se a principal fonte de informação sobre o comportamento do
concílio especialmente para os governos europeus1700.
1700
CHADWICK, 1988, p. 207.
1701
HOWARD, 2017, p. 146; O’MALLEY, 2018, p. 152.
1702
GOUGH, 1996, p. 294.
1703
WOODWARD, 1963, p. 335.
476
loucura usar termos violentos contra pensadores protestantes como se fossem ateus e
revolucionários1704. O bispo croata referia-se a uma espécie de genealogia bíblica,
nascida nos textos de Maistre, e presente no pensamento conservador dominante na
Santa Sé: O calvinismo gerou o galicanismo, o galicanismo e a insubmissão dos
jansenistas gerou o espírito democrático e rebelde iluminista, o espírito rebelde
irrompeu na grande revolução ateia1705.
1704
Idem, ibid., p. 336. Ao longo do concílio, Strossmayer havia se tornado o principal orador da minoria,
não só por sua inteligência e raciocínio rápido, mas também porque falava latim, língua oficial do
encontro, fluentemente quase como se fosse sua língua materna; o bispo atuou durante toda vida nos
Balcãs e no Oriente Próximo, onde havia uma profusão de línguas, o que o obrigava a usar o latim para se
comunicar (CHADWICK, 1988, p. 201). Seus discursos incisivos fizeram com que o papa Pio IX
desenvolvesse uma antipatia especial contra Strossmayer (O’MALLEY, 2018, p. 210).
1705
OMODEO, 1939, p. 203.
477
infalibilidade pontifícia começaria imediatamente: a infalibilidade papal seria definida
antes da infalibilidade da Igreja1706.
1706
GOUGH, 1996, p. 296.
1707
WOODWARD, 1963, p. 335.
1708
O’MALLEY, 2018, p. 186; HALES, 1954, p. 299.
1709
Manning, assim como muitos ultramontanos, queria que as visões do Syllabus se tornassem um teste
de lealdade para os católicos. Uma definição ampla da infalibilidade do papa forçaria o Syllabus como um
dogma na Igreja Católica, afastando definitivamente ilusões liberais (CHADWICK, 1988, p. 187).
1710
Idem, ibid.
478
divina episcoporum iura et inviolabilia (direitos divinos e invioláveis dos bispos)1711. A
fala foi interrompida aos gritos pelo cardeal Annibale Capalti, presidente de uma das
congregações gerais do concílio, que, juntamente com cerca de cem infalibilistas,
impediram Strossmayer de continuar. Para a imprensa internacional, que continuava
regularmente informada, a sessão foi descrita como um circo, no qual a liberdade de
expressão não era tolerada1712.
1711
O’MALLEY, 2018, p. 172.
1712
Idem, ibid. Durante a década de 1860, especialmente após a invenção do telégrafo, fora criado o
sistema de correspondentes estrangeiros, que, associado às agências internacionais de notícias , unia o
mundo e permitia que um grande grupo de jornalistas cercasse os bispos ávidos por informações e cópias
dos documentos (LAGRÉE, 2002, p. 404; CHADWICK, 1988, p. 205).
1713
HOWARD, 2017, p. 143. Em um dos artigos Döllinger escreveu: Antes que eu pudesse inscrever esta
invenção moderna [infalibilidade] em minha mente, eu primeiro teria de mergulhar meus 50 anos de
estudos teológicos, históricos e patrísticos no [rio] Lethe e depois passar a desenhá-la como uma folha de
papel em branco (idem, ibid., p. 133).
1714
O subtítulo original era Sobre a fé católica contra os múltiplos erros do racionalismo, mas foi
alterado por pressão da minoria (O’MALLEY, 2018, p. 168).
479
das quais as discordâncias e rivalidades acabaram por fazer muito para arruinar a fé
em Cristo. O trecho, considerado hostil e ofensivo aos protestantes, foi retirado no texto
final da constituição dogmática1715.
1715
CHADWICK, 1988, p. 208.
1716
Durante sua preparação, a deputação doutrinal do concílio chegou a discutir se o texto seguiria o
Syllabus na condenação expressa do socialismo, contudo decidiu que o socialismo e o comunismo
lidavam com absurdos e abominações, e que seria indigno um concílio gastar seu tempo debatendo tais
temas (idem, ibid., p. 184).
1717
HALES, 1954, p. 298.
1718
O’MALLEY, 2018, p. 166.
480
Dei filius estava dividida em quatro capítulos de teologia fundamental: Deus
e a criação do mundo; revelação; fé; e fé e razão1719. O texto definia a crença da Igreja
em um [só] Deus verdadeiro e vivo, Criador e Senhor do céu e da terra, onipotente,
eterno, imenso, incompreensível, infinito em intelecto, vontade e toda a perfeição; o
qual, sendo uma substância espiritual una e singular, inteiramente simples e
incomunicável; reafirmou a crença na sobrenatural revelação divina, uma vez que Deus
só pode ser conhecido com certeza, pela luz natural da razão humana, por meio das
coisas criadas, pois as perfeições invisíveis tornaram-se visíveis depois da criação do
mundo, pelo conhecimento que as Suas obras nos dão Dele; declarou que, como fixado
pela tradição tridentina, a verdade está contida nos livros e nas tradições não escritas
que, recebidas pelos apóstolos da boca do próprio Cristo, ou que transmitidas como de
mão em mão pelos próprios apóstolos sob a inspiração do Espírito Santo; definiu que o
homem, por depender da vontade de Deus, cuja razão criada está inteiramente sujeita à
Verdade incriada, é obrigado a prestar, pela fé, à revelação de Deus, plena adesão do
intelecto e da vontade [...] fé, porém, que é o início da salvação humana; e que somente
à Igreja Católica pertencem todos os caracteres, tão numerosos e tão admiravelmente
estabelecidos por Deus para tornar evidente a credibilidade da fé cristã; por fim, tratou
da razão e fé, ordens de conhecimento, distintas não só por seu princípio, mas também
por seu objeto, e que a razão, iluminada pela fé, quando investiga diligente, pia e
sobriamente, consegue, com a ajuda de Deus, alguma compreensão dos mistérios, quer
pela analogia das coisas conhecidas naturalmente, quer pela conexão dos próprios
mistérios entre si e com o fim último do homem1720. Após as definições, Dei filius
apresentava os cânones sobre a fé católica, arrolando 18 anátemas: afirmar que Deus só
pode ser conhecido pela razão humana; negar a revelação divina; negar que a verdade
surge da vontade divina; negar a sacralidade das Escrituras; afirmar que a razão é
independente da fé; afirmar que fé divina não se distingue do conhecimento natural de
Deus e da moral; dizer que a revelação divina não pode tornar-se mais compreensível
por meio de sinais externos; negar a existência dos milagres; afirmar que a fé exige os
argumentos da razão humana; declarar que fiéis e infiéis são iguais entre si; negar o
1719
Durante a discussão fora proposta a inclusão de um quinto capítulo sobre questões específicas como
dogma, Trindade e pecado original, ideia que foi abandonada, atendendo a pressões a fim de avançar
rapidamente para a discussão sobre a infalibilidade (idem, ibid.).
1720
IGREJA CATÓLICA, constituição dogmática Dei filius, 1870.
481
mistério da revelação divina e tentar explicá-la pela razão; afirmar que as ciências
humanas devem ser tratadas com liberdade, e que as suas conclusões possam ser
entendidas como verdadeiras, e, por fim, anunciar que a ciência pode analisar os
dogmas, atribuindo a eles sentido diverso daquele ensinado pela Igreja1721. A
constituição dogmática colidia com a preocupação de teólogos e bispos a respeito da
imutabilidade da doutrina. O questionamento de alguns, que pedia uma reflexão sobre a
manutenção dos dogmas, provocava preocupação e o medo no cardinalato e em parte do
episcopado. Em resposta, Dei filius reafirmou de forma categórica que o dogma não
pode ser entendido de maneira diferente de como sempre foi percebido; a mudança não
cabia no esquema de pensamento que orientou a constituição dogmática1722.
1721
Idem, ibid.
1722
O’MALLEY, 2018, p. 176. O documento representa um estilo de pensamento que se apoia em
argumentos abstratos e a-históricos, nos quais as verdades cristãs estão acima e à parte dos contextos
históricos em que foram formuladas e acima e à parte dos séculos pelos quais então viajaram. [...]
revelou uma compreensão simplista das origens do racionalismo e do próprio processo histórico [...]
“Dei filius” é sobre fé religiosa, enfrentando a erudição crítica de seu tempo. [seus autores] Estavam
tateando para lidar com uma situação assustadoramente nova. As regras que governam a realidade e os
estudos que governam mudaram em relação ao que aprenderam em seus seminários. As novas regras,
séculos em formação, haviam alcançado uma maturidade de confronto na época do concílio.
Compreender o mundo havia se tornado um jogo totalmente novo (idem, ibid., p. 177).
482
sentiram que a minoria haviam cedido demasiadamente1723. Ambos acreditavam que a
única maneira de impedir a vitória da tese infalibilista seria se os bispos minoritários se
mantivessem firmes ao princípio de que os concílios legítimos da Igreja exigiam
unanimidade; também consideravam que as potências europeias deveriam ser incitadas
a denunciar o concílio, uma vez que seus decretos certamente iriam afetar as relações
entre a Igreja e o Estado em toda a Europa1724. Os bispos franceses, especialmente
Maret e Dupanloup, chegaram a pressionar Napoleão III para que fizesse uma
intervenção impedindo o resultado já antevisto; contudo, o governo francês decidiu não
agir. A intervenção de um Estado católico agindo sozinho seria um desastre
diplomático. O Ministério das Relações Exteriores via a possibilidade de uma ação
conjunta com a Bavária e a Áustria, apesar da intensa correspondência sobre o tema que
circulava entre Roma, Munique e Viena. O novo primeiro-ministro francês, Émile
Ollivier, eleito em dezembro de 1869, considerava um erro de consequências
duradouras intervir em um conflito doutrinário interno à Igreja1725. Döllinger e Acton
também tentaram advertir o ex-chanceler, e então primeiro-ministro britânico, William
Gladstone de que a doutrina da infalibilidade, se adotada, tornaria os católicos, na
Irlanda e também em toda a Europa, inimigos irreconciliáveis da liberdade civil e
religiosa1726. A partir da aprovação, os católicos seriam obrigados a professar o sistema
de moralidade católico, repudiando todos os outros. Acton alertou Gladstone de que a
questão da infalibilidade não afetaria apenas questões teológicas, mas também a
legislação civil, como contratos, casamentos, educação, imunidades clericais, mão
morta, além de muitas questões de tributação e direito comum, sujeitas à legislação da
Igreja, e que estariam subjugadas à vontade arbitrária do papa. Quase com certeza
1723
HOWARD, 2017, p. 146-147.
1724
Idem, ibid.
1725
GOUGH, 1996, p. 300.
1726
Em uma longa carta a Gladstone, em 2 de janeiro de 1870, primeiros dias do concílio, Acton
antecipou os movimentos dos bispos, e sugeriu que a Grã-Bretanha interviesse: Vivo quase inteiramente
com a oposição, e vendo e ouvindo o que faço, e conhecendo os bispos como aprendi a conhecê-los antes
e desde que cheguei aqui, devo dizer que não acredito que os meios de prevenir o pior existam dentro do
concílio [...] O único oponente invencível é o homem [Döllinger] que está preparado, no limite, para
desafiar a excomunhão, isto é, que tem tanta certeza da falibilidade do papa quanto da verdade revelada.
Com exceção de Strossmayer e talvez Hefele, não conheço tal homem entre os bispos [...] É para dar
força e coragem a esses homens que a ajuda do Estado é necessária. Parece ter chegado o tempo em que
a Inglaterra, ou de outras potências falando em conjunto com a Inglaterra, efetuem a mudança
necessária na política da França. [...] Ouço agora que o comitê internacional foi dissolvido pelo papa, e
que os regulamentos serão tornados mais rígidos, de modo a tirar toda a liberdade de expressão. Se você
483
nenhum homem que aceitasse tal código poderia ser um súdito leal ou apto para o gozo
de privilégios políticos. Contra isso, a intervenção britânica era necessária: Eles [bispos
da França] não veem remédio humano para esse perigo, a não ser a intervenção dos
Poderes [...] a ideia em suas mentes é de que a Inglaterra deveria exortar as Grandes
Potências a tomarem ações unidas, na forma de uma nota conjunta, ou algo
semelhante, sobre a aprovação do dogma1727. Embora incomodado com o concílio e
com o papa Pio IX, a quem descrevera como um despreocupado e cabeça quente,
Gladstone evitou realizar qualquer ação oficial. Em uma carta, seu chanceler, George
Frederick Villiers, duque de Clarendon, escreveu-lhe que Döllinger e Acton, como bons
católicos que são, sentem-se estressados com os perigos que cercam a Igreja pelo
audacioso ataque do papa à razão humana e eles agarram cada gota para salvá-la. [...]
tenho certeza de que se o anjo Gabriel, de língua de trombeta, se levantasse do banco
do tesouro e sustentasse a linguagem recomendada por Döllinger, não teria mais efeito
do que em mudar o vento leste1728.
não rejeitar totalmente a ideia, mesmo da ação indireta, é claro que chegou o momento em que é mais
provável que ela surta efeito (ACTON, 1917, p. 96).
1727
Carta de Acton a Gladstone, em 16 de fevereiro de 1870 (idem, ibid., p. 103).
1728
HOWARD, 2017, p. 148.
484
houvesse vozes aparentemente conflitantes, então o discernimento da verdade deveria
vir do apelo a esses três elementos1729. Mas o apelo à regra vicentina, ao contrário de
convencer a maioria, foi tratado pelo papado como um insulto.
Tornara-se evidente que o papa não mais desejava que fossem discutidas as
heresias contemporâneas ou a teologia patrística. Aos 78 anos Pio IX estava impaciente
e tinha pressa, queria ver aprovadas as prerrogativas papais. O papa tinha abandonado
sua posição de aparente e mal disfarçada neutralidade, deixando cada vez mais claro
para todos que desejava um pronunciamento rápido que endossasse o conceito de
infalibilidade papal1730. Sem sutileza, passou a tratar os bispos da minoria com
maliciosa frivolidade. De forma reiterada parabenizava os bispos ultramontanos por
seus discursos; passou a descrever por escrito as publicações dos galicanos franceses
Dupanloup, Maret e Gratry como sofismas vãs hostis [...], estúpidos, irracionais e
anticatólicos; declarava ter pena dos padres de Paris, Lyon e Orléans por apoiarem os
bispos que são inimigos pessoais do papa. Em uma carta ao abade Prosper Guéranger
escreveu: Eles não acreditam, como os outros católicos, que o concílio é governado
pelo Espírito Santo; cheios de ousadia, loucura, irracionalidade, imprudência, ódio,
violência, eles empregam, a fim de excitar os de sua facção, o meio pelo qual é costume
conseguir votos nas assembleias populares: propõem-se refazer a divina constituição
da Igreja e adaptá-la às formas modernas de governo civil1731. A intervenção direta do
papa, eliminando as emendas da minoria e mostrando clara desaprovação após os
discursos dos anti-infalibilistas, ganhou peso e tornou-se o tema central das reuniões do
concílio. O jornal L’Univers, lido por três quartos do clero paroquial, relatava com
júbilo todas as humilhações dos bispos franceses. Em seus textos, Veuillot não se
cansava de ressaltar a má reputação e o descrédito dos líderes da minoria junto à Santa
Sé1732; tachou a minoria como um bando de hereges, ridicularizando maliciosamente
alguns dos seus líderes, especialmente Dupanloup. Mas o efeito foi muito diferente
daquele alcançado por Acton [e Döllinger]; em suas cartas ele [Veuillot] tocou clérigos
1729
GRAFTON, 1914, p. 181.
1730
HALES, 1971, p. 340.
1731
Idem, 1954, p. 300.
1732
GOUGH, 1996, p. 299.
485
franceses e italianos e um bando fiel de leigos e leigas; fez com que padres franceses
questionassem seus bispos, caso eles fossem membros da minoria, e criou problemas
futuros nas dioceses. Ou seja, Veuillot foi lido por um público eclesiástico, [por sua
vez] Acton afetou a visão de toda a Europa sobre o concílio1733.
1733
CHADWICK, 1988, p. 207.
1734
O’MALLEY, 2018, p. 181.
1735
CHADWICK, 1988, p. 203.
1736
O’MALLEY, 2018, p. 181.
486
afastar as críticas de que a doutrina estaria sendo imposta pelo papa ao concílio. Três
capítulos tratavam das relações Igreja-Estado, o que desencadeou uma crise diplomática
quando o texto foi divulgado pela imprensa1737. Apesar de o texto do schema Ecclesia,
de uma forma geral, ser relativamente moderado, já buscando algum tipo de conciliação
com os bispos da minoria, a lembrança da dureza e rispidez do Syllabus causava receio
no mundo laico, que não conseguia antever o que as pressões da Santa Sé poderiam
impor ao concílio1738.
1737
Idem, ibid., p. 163. Eram eles: Capítulo 13. A Igreja e o Estado são mútuos; Capítulo 14. O Estado
tem direitos e deveres; Capítulo 15. Direitos especiais da Igreja em relação à sociedade civil. Estes
condenaram a separação entre Igreja e Estado, a liberdade religiosa e a sujeição da Igreja ao Estado; ainda
afirmaram o direito inalienável da Igreja de se opor às leis contrárias à doutrina da Igreja (Idim, ibid., p.
184).
1738
HALES, 1954, p. 304.
1739
O’MALLEY, 2018, p. 185. Observando de forma retrospectiva, essa mudança na ordem do dia foi a
verdadeira responsável pela aprovação da infalibilidade; caso o concílio seguisse seu curso
predeterminado, a definição não teria chegado à assembleia antes da tomada de Roma em 20 de setembro,
que resultou no adiamento indefinido do Concílio do Vaticano (idem, Ibid.).
1740
AUBERT, 1976b, p. 521.
487
juiz supremo dos fiéis, e que todos os casos eclesiásticos estão em última instância
sujeitos a seu julgamento1741. O destaque que antecipava a discussão da infalibilidade
nascera da orientação pessoal de Pio IX, convencido de que, tendo a temperatura da
discussão subido tanto, não seria sensato adiar uma decisão por um ano ou mais, caso
fosse seguida a ordem lógica do projeto do Supremi Pastoris1742.
1741
O’MALLEY, 2018, p. 194.
1742
HALES, 1954, p. 301. Sobre a antecipação da discussão, Dupanloup escrevera uma carta ao papa –
Santíssimo Padre: O meu nome não te agrada; o sei e é a minha pena. Mas, por tudo isso, sinto-me
autorizado e obrigado, na devoção profunda e inviolável de que tantas provas dei a Vossa Santidade, a
abrir meu coração para você neste momento. Confirma-se o relatório de que muitos estão solicitando a
Vossa Santidade que suspenda repentinamente nossos importantes trabalhos e inverta a ordem das
discussões, a fim de trazer perante o concílio in loco, abruptamente, antes de seu tempo e fora de seu
lugar, a questão da infalibilidade. Permita-me, Santíssimo Padre, dizer a Vossa Santidade: nada poderia
ser mais perigoso. Esta questão, que já incendiou a Europa, tornar-se-á uma conflagração, se por uma
pressa violenta parecer que a coisa está sendo levada como um ofensiva agressiva. A resposta do papa
foi gentil, mas não tocou no assunto (idem, ibid.).
488
sujeitas a possível correção, por exemplo, por um concílio? Essas declarações são,
portanto, absolutas?1743
1743
O’MALLEY, 2018, p. 195. Esta última questão se referia diretamente à galicana declaração Quatre
articles, de 1682, cujo último artigo invocava a falibilidade, afirmando que, embora o papa tenha a parte
principal em questões de fé, e que seus decretos digam respeito a todas as igrejas, e a cada igreja em
particular, seu julgamento não é irreversível, a menos que receba o consentimento da Igreja (idem, ibid.,
p. 26-27 e 195; DUPIN, 1845, p. 106).
1744
O’MALLEY, 2018, p. 196.
1745
AUBERT, 1976b, p. 519.
1746
Manning, que fora um clérigo anglicano, convertera-se ao catolicismo apenas em 1851, seguindo os
passos de John Newman (CHADWICK, 1988, p. 210).
1747
AUBERT, 1976b, p. 524.
489
ensinava o divino e o imutável. Faltava-lhes um senso de desenvolvimento do passado
para o presente. A minoria, por sua vez, estava mais sensível às transformações
provocadas pelo processo histórico. Também tendia a ver a tradição e a história como
inseparáveis e intimamente relacionadas; para os anti-infalibilistas, a tradição incluía
mais do que versos das Escrituras e pronunciamentos de concílios e papas, os quais,
em qualquer caso, tinham de ser interpretados no contexto e de acordo com a forma
como foram recebidos e colocados em prática. A tradição incluía práticas litúrgicas, a
história da recepção das decisões papais e conciliares e, especialmente, as maneiras
costumeiras como a Igreja havia procedido no curso de sua história; a história era uma
fonte de tudo, como afirmou Hefele no concílio1748.
1748
O’MALLEY, 2018, p. 197. Em resposta a Hefele, o arcebispo de Zaragoza, Manuel García Gil
(1802–1881), afirmou que as Escrituras provavam claramente a doutrina da infalibilidade, e, assim, os
490
concílio, o papa Pio IX fez chegar a Clifford seu descontentamento, advertindo que ele
cometera um grande erro ao afrontar o papa e a Igreja1749. Nas primeiras discussões
efetivas sobre a infalibilidade, a minoria queixou-se de que os três bispos de Roma
representavam não mais do que 700 mil católicos, ao passo que 12 milhões de católicos
da Alemanha foram representados por apenas 14 votos; a Itália estava representada por
122 bispos, ao passo que o restante da Europa por 175. Ketteler, bispo de Mainz e um
dos fundadores do movimento social católico na Alemanha, atacou a forma e a ocasião
da definição, e advertiu os bispos de que sua aprovação representava o estabelecimento
do absolutismo na Igreja. Maret e Strossmayer também fizeram discursos enfáticos
contra a doutrina. Os bispos norte-americanos afirmaram que a adoção da infalibilidade
traria dificuldades quase insuperáveis para a conversão dos protestantes1750. Em 2 de
junho, os presidentes das deputações receberam uma petição assinada por 141 padres
pedindo uma votação sobre o encerramento dos debates, desconsiderando que ainda
havia mais de 50 inscritos para falar. Colocada em votação no dia seguinte, o
encerramento foi aprovado de forma esmagadora. A minoria protestou vendo o fim dos
debates como uma violação da liberdade do concílio. Alegaram que, como o capítulo
havia sido retirado de seu lugar natural no documento maior sobre a Igreja, uma
discussão adequada sobre a infalibilidade, assim destacada, era impossível1751.
Pressionadas, as deputações reabriram a discussão por mais alguns dias.
491
que o papado não dependia necessariamente dos bispos para sua autoridade, mas sim da
tradição milenar da Igreja. Argumentou que a infalibilidade decretada não torna a
pessoa do papa infalível, como se fosse uma qualidade intrínseca a sua pessoa. Usando
uma analogia popular, Guidi aborreceu tremendamente a maioria: Ita ebriosus non
dicitur qui semel aut iterum inebriatur (assim, não se pode chamar de bêbado alguém
que fica embriagado uma ou duas vezes). Concluiu afirmando que a assistência divina é
prometida não à pessoa, mas a um ato; este sim infalível. Portanto, o título do capítulo
deve ser alterado para “De Romani Pontificis Dogmaticarum Definitionum
Infallibilitate” [a infalibilidade do pontífice romano na definição do dogma]; o decreto
deve, portanto, deixar claro que o papa deve consultar os bispos e, portanto, deve
conter as palavras “facta, uti mos est, inquisitio” [depois de devida investigação, como
é o costume]1753. Mais tarde soube-se que Guidi não falava apenas por si, mas em nome
de um grupo de teólogos dominicanos1754. Pio IX, furioso, na mesma tarde chamou
Guidi ao seu gabinete, e acusou o religioso de fazer amizade com os inimigos da Igreja
e de tentar insinuar-se com o governo italiano para ocupar sua sede em Bolonha. O papa
lembrou a Guidi que ele era sua criatura, um frade desconhecido até que o fez cardeal.
Em reação à insistência de Guidi de que, antes de emitir uma definição, o papa deveria
investigar a tradição da Igreja, Pio IX explodiu: La tradizione sono io. Vi faro far
nuovamente la professione di fede (Eu sou a tradição. Obrigar-vos-ei a fazer novamente
a profissão de fé)1755.
deve necessariamente preceder qualquer definição e o meio mais normal para esse exame consiste em
fazer uma investigação de todos os bispos, que são as testemunhas naturais da fé de suas igrejas
(AUBERT, 1976b, p. 540).
1753
O’MALLEY, 2018, p. 211. Após o discurso, um grupo de ultramontanos em Bolonha pediu que o
papa afastasse o cardeal da Sé. Pressionado, ele renunciou ao cargo no ano seguinte, recebeu dois postos
nominais em Roma, e desde então ficou longe dos acontecimentos até sua morte em 1879 (CHADWICK,
1988, p. 211).
1754
Sem exceção, esses teólogos [da ordem dominicana] e outros defenderam veementemente a ideia de
que a preparação adequada era essencial para qualquer definição de fé, da mesma forma que
consideravam a heresia papal uma possibilidade evidente por si mesma. Foram os teólogos da ordem
jesuíta que finalmente descartaram essas “relíquias” de uma longa tradição que havia fundido a
autoridade e a força vinculante do ensino papal com preocupações eclesiológicas mais amplas. A
intervenção do cardeal dominicano Filippo Maria Guidi, que criticou a infalibilidade papal sem certas
condições, foi a última tentativa de orientar a discussão para os teólogos do fim da Idade Média e do
início da modernidade. A rejeição de sua proposta pela maioria dos padres e pelo papa Pio IX mostrou
que uma longa e complexa história da autoridade do magistério papal havia chegado definitivamente ao
fim (HORST, 2006, p. 3).
1755
O’MALLEY, 2018, p. 212; WOODWARD, 1963, p. 335; HOWARD, 2017, p. 150; CHADWICK,
1988, p. 210.
492
A partir de 4 de julho, a deputação responsável pela redação da constituição
apostólica decidiu, por insistência de Martin Spalding, de Baltimore, acrescentar no
capítulo 3 do texto um cânone explicitamente contra Maret, bispo de Sura, que dias
antes havia defendido a tese galicana de que o papa tinha a parte principal, mas não a
plenitude absoluta da autoridade suprema1756. Por unanimidade dos membros da
deputação o texto proclamou: se alguém afirmar que o papa tem simplesmente uma
tarefa de inspeção ou diretiva, e não o poder pleno e supremo de jurisdição sobre toda
a Igreja, no que diz respeito à fé e aos costumes, mas também no que se refere à
disciplina [...] ou que é investido apenas no papel principal e não em toda a plenitude
desse poder supremo; ou que seu poder não é ordinário e direto, tanto em todas as
igrejas individuais, como em todos e em cada fiel e pastor: seja anatemizado1757.
1756
O’MALLEY, 2018, p. 214.
1757
IGREJA CATÓLICA, constituição dogmática Pastor Æternus, 1870.
1758
O’MALLEY, 2018, p. 215.
493
absoluta, mas era absoluta dentro dos limites que Cristo estabeleceu para ele. Concluiu
afirmando que os concílios adquiriram seu caráter infalível somente quando foram
aprovados pelo papa1759.
1759
Idem, ibid., p. 216.
1760
O termo placet deriva do verbo latino placeo (agradar) e significa consentir, aprovar; por sua vez
placet juxta modum (não inteiramente aprovado) indica a aprovação com ressalvas, objetivando
modificações pontuais, para que a matéria seja submetida a novo escrutínio; significa sim com
modificações, que equivale a votar um projeto de lei em segunda leitura com a intenção de o modificar
em comissão. Aqueles que votaram assim foram solicitados a enviar sua emenda por escrito, a qual foi
impressa, submetida à deputação e relatada novamente à congregação geral para outra votação
(MANNING, 1877, p. 80).
1761
O’MALLEY, 2018, p. 217.
1762
CHADWICK, 1988, p. 212.
1763
O’MALLEY, 2018, p. 218. A tensão do papa podia ser notada por sua relação como alguns dos
religiosos que mais lhe eram fiéis. Nas últimas semanas do concílio Pio IX entrou em conflito até com os
494
explicando que sua partida se devia à sua incapacidade para palam et in facie patris
dicere non placet (pronunciar non placet abertamente na frente do pai) e às
necessidades de seus rebanhos há muito negligenciados, naquele momento confrontados
com a guerra1764. Os bispos franceses foram os que mais defenderam a saída, pois
temiam que um voto negativo, non placet, provocasse uma reação de seu clero
ultramontano fervoroso, o que tornaria ainda mais difícil administrar suas dioceses1765.
No dia 18, sob uma chuva torrencial, acompanhada por relâmpagos e trovões, que
inundara muitas ruas de Roma, os 533 bispos votaram pela aprovação da constituição
dogmática Pastor Æternus1766. Por intermédio dela, quando o papa falasse ex cathedra
passaria a gozar do princípio da infalibilidade1767. Pio IX e seus sucessores ganhavam
um poder até então inédito na Igreja; curiosamente, o mesmo papa, que tão
veementemente denunciara a democracia como forma de governo, havia recebido sua
infalibilidade com base, mesmo que coagido, no voto conciliar1768. Apenas dois dos
prelados presentes, os bispos Luigi Riccio (1817–1873), de Caiazzo, no sul da Itália, e
Edward Mary Fitzgerald (1833–1907), de Little Rock, no Arkansas, votaram non
placet; ambos estiveram ausentes da reunião do dia anterior e não sabiam da decisão da
minoria de ausentar-se. Além dos bispos minoritários, também foi sentida a total
ausência do corpo diplomático, o que levantou questões sobre as possíveis
consequências políticas da definição, assim como de alguns membros da Cúria1769. O
presidentes que havia escolhido para o concílio, e especialmente com o ex-redator do Syllabus, o cardeal
Bilio (CHADWICK, 1988, p. 212).
1764
HALES, 1954, p. 309.
1765
O’MALLEY, 2018, p. 220.
1766
Para uma análise detalhada do conteúdo teológico da constituição dogmática Pastor Æternus, ver
THEOBALD; SESBOUÉ. La parola della salvezza, XVI-XX secolo: dottrina della Parola di Dio,
Rivelazione, Fede, Scrittura, Tradizione, Magistero (1998).
1767
Por isso nós, apegando-nos à tradição recebida desde o início da fé cristã, para a glória de Deus,
nosso Salvador, para exaltação da religião católica, e para a salvação dos povos cristãos, com a
aprovação do Sagrado Concílio, ensinamos e definimos como dogma divinamente revelado que o romano
pontífice, quando fala “ex cathedra”, isto é, quando, no desempenho do ministério de pastor e doutor de
todos os cristãos, define com sua suprema autoridade apostólica alguma doutrina referente à fé e à
moral para toda a Igreja, em virtude da assistência divina prometida a ele na pessoa de São Pedro, goza
daquela infalibilidade com a qual Cristo quis munir a sua Igreja quando define alguma doutrina sobre a
fé e a moral; e que, portanto, tais declarações do romano pontífice são por si mesmas, e não apenas em
virtude do consenso da Igreja, irreformáveis (IGREJA CATÓLICA, constituição dogmática Pastor
Æternus, 1870).
1768
JEDIN; DOLAN, 1981b, p. ix.
1769
O’MALLEY, 2018, p. 221. As consequências da aprovação do dogma da infalibilidade, nas palavras
do então cardeal Manning, em 1877: Não se deve, porém, negar que, desde o Concílio do Vaticano,
houve um levante quase universal contra a Igreja Católica. Começou com o partido liberal na Alemanha,
e com os liberais de Berna e Genebra, e com o partido liberal na Bélgica, na Espanha, na França, na
Itália, no Brasil e com alguns que se autodenominam liberais na Inglaterra. Os católicos foram
495
clima da sessão de aprovação da Pastor Æternus foi tenso: três dias antes havia
eclodido a guerra entre a França e a Prússia, e a Roma católica temia por sua sorte1770.
informados de que eram desnacionalizados, que só podiam ser leais à custa de sua religião, que sua
lealdade estava dividida e que dependiam de um chefe estrangeiro. Tudo isso foi dito pelos liberais
(MANNING, 1877, p. 197).
1770
O’MALLEY, 2018, p. 221.
496
CONCLUSÃO
Pio IX prosseguiria ocupando a cadeira de Pedro por mais sete anos, até sua
morte em fevereiro de 1878. Em todos os anos de seu longo pontificado, a aprovação da
constituição Pastor Æternus fora seu momento mais glorioso, que marcaria o próximo
centenário da Santa Sé. Sua visão mística e sua crença desmedida na ação da
Providência davam-lhe a convicção de que fizera o certo para impedir a continuidade
dos erros de seu tempo, e de que sua infalibilidade lhe fornecera armas para prosseguir
sua luta contra os demônios, ímpios, que invadiram e usurparam as possessões da
Igreja, com ousadia iníqua e decididamente sacrílega1771. Aqueles que ousaram
expulsar famílias religiosas de seus claustros, esbanjar os bens da Igreja e perturbar o
principado civil da Santa Sé; aqueles que se esforçaram para ofender e zombar da
veracidade, modéstia, honestidade e virtude, e para zombar e desprezar os Mistérios,
os Sacramentos, os preceitos, as instituições, os ministros sagrados, os ritos, as
cerimônias sacrossantas de nossa divina religião, para [...] abalar e derrubar os
fundamentos da religião e da sociedade civil1772. Graças à autoridade que lhe fora
entregue, satanás não mais iria perturbar as consciências e empurrar os fracos para
abusar e tentar rasgar as vestes de Cristo1773; o demônio que move os espíritos dos
malvados e perversos, que [...] não temem atacar o próprio Rei Senhor Nosso Jesus
Cristo, negando sua divindade com frases insolentes e criminosas, em horrendas
doutrinas que contaminaram o coração dos homens1774. Não há fontes disponíveis que
permitam saber com certeza se, após 18 de julho de 1870, as esperanças de uma nova
era de glória para a Igreja católica inundaram a alma de Pio IX, mas, seja como for, o
momento de júbilo teve curta duração.
1771
PIO IX, alocução Novos et Ante, 1860.
1772
Idem, ibid.
1773
PIO IX, alocução Iamdudum cernimus, 1861.
1774
Citações de PIO IX, encíclica Quanta Cura, 1864.
497
Sé. Assim, protegendo o que se manteve dos Estados Pontifícios restaram cerca de 18
mil zouaves pontificaux, mal aparelhados para resistir a um confronto direto contra um
exército regular. Nos primeiros dias de setembro, após pouco mais de 45 dias de guerra,
as tropas francesas foram derrotadas em Sedan, e Napoleão III caiu prisioneiro dos
prussianos. Em 4 de setembro, foi proclamada a república na França, pondo fim ao
império e ao último regime que defendia a Roma papal nos campos militar e
diplomático. A queda foi uma senha para que o governo italiano, comandado pelo
liberal Giovanni Lanza (1810–1882), agisse. O primeiro-ministro propôs a ocupação
pacífica de Roma, oferta que o papa recusou. Pio IX acreditava que, uma vez que a
Itália não contava com seus principais líderes revolucionários – Garibaldi e Mazzini –,
as tropas papais poderiam conter qualquer ameaça1775. No dia 20 de setembro as tropas
da Itália derrubaram os últimos focos de resistência dos zouaves, entrando
definitivamente em Roma. Os governos da França, Prússia, Áustria e Grã-Bretanha
pressionaram as autoridades italianas para que não tratassem o papa com crueldade, mas
não fizeram qualquer exortação para que fossem devolvidos à Igreja os bens tomados,
muito menos seu poder temporal. Em protesto, Pio IX enclausurou-se no Vaticano,
como um prisioneiro voluntário, evitando qualquer contato com o novo governo civil da
cidade, que no ano seguinte se tornaria a capital do Reino da Itália1776.
1775
HALES, 1954, p. 314. Garibaldi, que havia se desentendido com Vittorio Emanuele II, estava
engajado em luta contra o império na França, ao passo que Mazzini estava preso em Gaeta, após uma
frustrada tentativa de rebelião na Sicília, e seria libertado somente em outubro de 1870.
498
provincial; o papa manteria os palácios do Vaticano, Latrão e Castel Gandolfo, com
todos os edifícios, jardins e terrenos contíguos e dependências; durante a vacância do
cargo, nenhuma autoridade poderia impor limitações ao Colégio de Cardeais; os
religiosos que, por ofício, exercessem atividades em Roma não estariam sujeitos, por
sua causa, a qualquer assédio, investigação ou fiscalização da autoridade pública; os
bispos não seriam obrigados a prestar juramento ao rei, e extinguiu-se o exequatur e o
placet regio, além de qualquer outra forma de consentimento governamental para a
publicação e execução dos atos das autoridades eclesiásticas1777.
***
1776
Idem, ibid., p. 317.
1777
ITÁLIA, Legge detta delle guarentigie, 1871.
499
olhos do papado e do episcopado como parte de um grande complô de inimigos da
religião e, mais propriamente, do catolicismo. O assombroso processo de mudanças
políticas, institucionais, jurídicas, econômicas, tecnológicas e, especialmente, sociais foi
visto como ameaça direta contra a autoridade e os poderes espiritual e secular da Igreja,
que se confundiam em virtude de suas possessões territoriais. As instituições liberais, a
ciência, o domínio da natureza prometiam a obtenção da felicidade humana por meio do
uso de sua razão e inteligência; ao contrário, o pensamento católico apresentava um
mundo estático, e cujo fim último do homem era espiritual, e que os infortúnios e as
dores humanas tinham como objetivo preparar os seres para a vida eterna.
1778
Termo usado por MARTINA (1974, p. l3-14), perfeitamente de acordo com o presente estudo.
500
contato com a sociedade contemporânea, permanecendo ilhado, em um ambiente
estritamente confessional.
501
honestos e defensores da autoridade do papa sobre a Igreja, mas uma Igreja que
dialogasse com seu tempo. Todos, de variadas formas, foram calados pelo papado. O
estudo desses personagens e de suas obras permite afastar as interpretações correntes
que afirmam que o conservadorismo é uma característica inerente ao pensamento
católico; ao contrário, é possível verificar que, ao mesmo tempo em que a Igreja fazia
opções pelo conservadorismo, havia no mercado de ideias de seu tempo concepções
mais arejadas e reformadoras, mais liberais.
502
Giovanni Maria Mastai Ferretti, arcebispo de Ímola, um homem
misericordioso e piedoso, mas desprovido de perspicácia e argúcia política, foi colocado
no vórtice de alguns dos acontecimentos mais marcantes do século XIX. A evolução
dos acontecimentos gradativamente fez Pio IX abandonar os laivos liberalizantes do
início de seu pontificado, recrudescendo sua intransigência e levando-o a adotar
posturas claramente conservadoras. A partir de 1850 as energias de seu pontificado
foram dirigidas no sentido da manutenção de seu poder temporal, e para consolidar
entre o episcopado e entre os fiéis católicos uma eclesiologia que legitimava o caráter
confessional da Igreja, sua hierarquia e a autoridade e o poder político do papado. A
conclusão desse processo se deu em dois momentos; 1864 e 1870. O primeiro com a
edição da encíclica Quanta Cura, e de seu apêndice Syllabus Errorum, apresentando
uma tão vasta gama de condenações, que justapunham heresias ao lado de princípios
básicos do liberalismo. O segundo com o Concílio do Vaticano, de forma sem
precedentes totalmente sob controle da Cúria Romana, convocado quase que
exclusivamente para instituir o dogma de infalibilidade; o concílio, aumentando o poder
do pontífice, deu substância ao sonho teocrático que meio século antes fervilhara na
mente dos autores ultramontanos leigos. Expressava a autoridade que descia do Divino,
para construir o centro de uma unidade para toda a humanidade. E representou a peça
central da construção da doutrina conservadora da Igreja; conservadorismo cujo fim se
encerrava em si mesmo, preponderante pelos cem anos seguintes, que adiou a
conciliação da Igreja com o mundo.
503
DOCUMENTOS PONTIFÍCIOS
Papa Paulo IV
Papa Pio VI
504
Papa Pio VIII
Papa Pio IX
505
Alocução Novos et Ante (28 de setembro de 1860)
1779
Rigorosamente as constituições dogmáticas Dei filius e Pastor Æternus não podem ser creditadas ao
papa Pio IX, uma vez que foram aprovadas durante o Concílio do Vaticano, em 1870.
506
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ÍNDICE REMISSIVO
8 de dezembro.... 48, 51, 379, 381, 424, 431, 456, 468 anabatista ...............................................67, 72, 73, 80
9 Thermidor .................................................. 113, 122 anarquia ...........................................25, 162, 205, 320
13 Vendémiaire..................................................... 126 religiosa ........................................................... 234
18 Brumaire .......................................................... 127 revolucionária ................................................. 224
18 Fructidor.......................................... 125, 126, 213 anarquismo ........................................................... 301
18 Germinal .......................................................... 130 Anastasius I (Bizâncio)................................. 171, 174
anátema............................................. ver excomunhão
Ancien Régime .............................ver: Antigo Regime
A Ancona.......................................................... 301, 331
André de Creta (teólogo) ...................................... 376
Andrea, Giovanni.................................................. 187
Abbaye (presídio) ................................................. 116
Anfossi, Filippo ............................................ 240, 241
Abdul Mejide (sultão otomano) ............................ 398
anglicanismo....................98, 193, 407, 448, 459, 489
Abrégé de la morale de l’Evangile (livro) ............ 153
anistia.....................................336, 343, 355, 359, 361
absolutismo76, 81, 100, 170, 183, 194, 205, 213, 224,
anjo exterminador ................................................. 251
233, 246, 258, 281
imagens apocalípticas em Maistre ................... 215
francês ....................................................... 90, 133
année liturgique, Le (anuário) .............................. 325
ação católica ......................................................... 305
antiabsolutismo....................................................... 55
Acton, Charles Januarius ...................................... 332
anticlericalismo... 55, 71, 85, 115, 129, 162, 216, 292,
Acton, Lord (John Emerich Edward Dalberg-Acton)
312
..................................474, 475, 482, 483, 484, 485
Antigo Regime 26, 126, 131, 133, 139, 141, 144, 147,
Ad abolendam (bula)............................................. 177
162, 170, 182, 183, 212, 243, 246, 258, 260, 263,
Ad Eepiscopos Provinciae Ecclesiasticae Superioris
271, 273, 274, 281, 282, 288, 292, 296, 300, 304,
Rheni (carta apostólica) ................................... 293
305, 311, 365, 371, 427
Adão ..............................................192, 238, 239, 466
antiguidade ........................................................... 484
Administração de Cultos....................................... 130
Antiguidade Clássica .................................... 170, 187
administração eclesiástica..................................... 312
antiliberal.............................................................. 161
adultério ........................................................ 198, 322
antipapismo........................................................... 313
adunana alemã (zottverein) ................................... 341
Antiquitates italicae medii aevi (livro).................... 86
advogado....................................................... 216, 289
antirreligioso........................................................... 74
Aegidius Romanus........................ver: Giles de Roma
antissemitismo, Estados Pontifícios...................... 284
Æterni Patris (bula) .......................456, 457, 458, 464
antitrinitário ............................................................ 67
Age of Revolution, The (livro)............................... 345
Antonelli, Giacomo ...... 334, 335, 348, 349, 353, 360,
Agence générale pour la défense de la liberté
361, 362, 364, 367, 368, 373, 383, 386, 392, 393,
religieuse (entidade)............................... 251, 305
396, 398, 404, 406, 409, 410, 415, 419, 420, 422,
agência internacional de noticias .......................... 479
423, 424, 428, 436, 452, 460, 463, 465, 500
agitação política ......99, 106, 254, 282, 295, 297, 302,
Antonio, Giovanni ................................................ 289
316, 319, 320, 331, 333, 340, 341, 343
antropocentrismo .......................................... 157, 165
agnosticismo ..................................................... 67, 82
Apologie Catholique (livro) .................................... 69
Agostinho de Hipona ............................ 58, 60, 61, 89
Aporti, Ferrante .................................................... 287
agostinianismo ........................................................ 58
apostolado............................................................. 161
Albani, Giuseppe ..278, 290, 291, 295, 297, 298, 301,
Apponyi, Anton (Graf Anton Apponyi von Nagy-
306, 500
Apponyi) ..................................244, 278, 301, 340
Alberto de Colônia...........ver: Alberto Magno (santo)
Aragão .................................................................. 178
Alberto Magno (santo).......................................... 376
arbitrariedade........................................................ 317
Alberto VI (Áustria).............................................. 108
arcebispo
albigenses (heresia)............................................... 177
metropolitano de Paris............................. 139, 230
Aldobrandini, Camillo .................................. 334, 348
salário França .................................................. 146
Alexandre I (Rússia) ......................218, 219, 315, 320
aristocracia.... 109, 119, 120, 162, 185, 202, 206, 259,
Alexandria .............................................................. 56
317
alistamento militar ........................................ 120, 330
Aristóteles............................................58, 63, 97, 173
Allgemeine Zeitung (jornal) .................................. 461
aristotelismo ........................................................... 58
Alpes............................................................. 157, 186
Armellini, Carlo.................................................... 356
Amat, Luigi (Luigi Amat di San Filippo e Sorso). 336
Armi valorose (encíclica)...................................... 314
América Latina ....................................................... 50
arnaldistas (heresia) .............................................. 177
Ami de la Religion, L’ (jornal) .............................. 471
arquiduque ............................................................ 108
Ami du Peuple (jornal) .......................................... 116
Arquiginnasio Romano no Palazzo della Sapienza241
amor ao próximo..................................................... 68
arte
An den christlichen Adel der deutschen Nation
medieval .......................................................... 327
(manifesto)....................................................... 457
535
moderna ........................................................... 327 Barnabò, Alessandro..................................... 370, 446
Articles Organiques ......128, 130, 131, 132, 134, 146, Baroche, Pierre Jules ............................................ 435
147, 230, 460 Barras, Paul........................................................... 125
Artico, Filippo....................................................... 390 barroco.................................................................... 95
artigos de fé ............................................................ 73 Barruel, Augustin.................................................. 354
Asquini, Fabio Maria .................................... 446, 447 batata .................................................................... 166
assassinato político ............................................... 343 batismo ....................................89, 101, 120, 174, 385
Assembleia judeu................................................................ 385
Constituinte ..............101, 104, 107, 109, 259, 357 batista.................................................................... 131
dos Estados Gerais......................33, 100, 101, 211 Bausset-Roquefort, Louis-François de.................. 276
Nacional .......................................................... 108 Bavária........................... 165, 216, 286, 449, 461, 483
Assunção de Maria................................................ 132 Bayle, Pierre ......................................................... 229
astronomia ........................................................ 63, 64 Beccaria, Cesare ................................................... 259
Atanásio de Alexandria........................................... 86 Beckx, Peter Jan ........................................... 372, 461
ateísmo.. 56, 71, 78, 82, 123, 161, 185, 193, 228, 234, Bélgica........... 138, 141, 249, 253, 266, 295, 297, 298
245, 246, 247, 429 independência..................................252, 295, 305
Atenas ..................................................................... 56 Bellarmino, Roberto (Roberto Francesco Romolo
ateu ................................................................. 67, 216 Bellarmino) ..................................................... 159
Athanasius de Alexandria ....................................... 62 Belloy, Pierre de ..................................................... 69
atividade política................................................... 186 bem comum .......................................................... 191
Ato de Supremacia................................................ 158 bênção nupcial ...................................................... 133
auctoritas .............................................................. 175 beneditino ................................87, 289, 299, 325, 326
Augsburger Allgemeine Zeitung (jornal)....... 475, 479 Benevento, Petrus Collivacinus de ....................... 180
Augustinus (livro) ................................................... 95 Benvenuti, Giovanni Antonio ............................... 301
Ausculta fili (bula) ................................................ 181 Bergier, Nicolas-Sylvestre ...................................... 85
Áustria .... 93, 108, 109, 111, 127, 138, 209, 225, 265, Bergier, Nicolas-Sylvestre ...................................... 88
266, 268, 274, 277, 294, 297, 302, 309, 314, 323 Bernardo de Claraval (santo) ........................ 171, 376
reforma política ............................................... 264 Bernardo de Fontaine........ ver: Bernardo de Claraval
Revolução de 1848 .......................................... 344 (santo)
austriaci (facção do cardinalato)................... 273, 279 Bernardone, Giovanni di Pietro di ....... ver: Francisco
autonomia ..................................................... 188, 193 (Santo)
autoridade . 23, 67, 157, 158, 167, 175, 182, 183, 184, Bernet, Joseph....................................................... 328
186, 188, 193, 200, 207, 208, 211, 228, 233, 235, Bernetti, Tommaso280, 289, 298, 299, 300, 301, 302,
240, 255, 287, 316, 320, 339, 363, 366, 374, 432, 306, 312, 314, 331, 332, 335, 500
448 Berthier, Louis-Alexandre .................................... 126
científica .......................................................... 183 bestialidade (Maistre, natureza humana) .............. 215
da Igreja .................................................. 228, 372 Bíblia 64, 65, 66, 72, 78, 88, 160, 192, 210, 285, 286,
divina........................................193, 200, 222, 226 309, 314, 324, 338, 376, 379, 384, 417, 432, 433,
eclesiástica....................................................... 445 434, 439, 472, 481, 490
espiritual .......................................................... 227 confiabilidade .................................................... 87
grupos intermediários ...................................... 193 Novo Testamento .............................................. 86
moral do papado .............................................. 265 tradução ....................................228, 292, 324, 325
papal . 159, 209, 221, 222, 223, 320, 369, 489, 492 biblioteca ...................................................... 145, 146
política......................................157, 183, 222, 227 Biblioteca Papal do Vaticano................................ 329
princípio da...................................................... 226 Bicêtre (presídio) .................................................. 116
temporal........................................................... 450 Bien Public, Le (jornal)......................................... 430
teocrática ......................................................... 183 biens de première origine ..................................... 103
teológica .......................................................... 222 biens de seconde origine....................................... 103
Autun .................................................................... 103 biens nationaux..................................................... 103
Avenir, L’ (jornal) ...41, 249, 251, 252, 253, 254, 255, Bijoux indiscrets, Les (livro)................................... 76
305, 306 Bilio, Luigi Maria .. 371, 431, 469, 473, 474, 487, 494
Avignon .................................................. 90, 126, 268 Bill of Rights (1689)............................................... 98
Bismarck, Otto Eduard Leopold, príncipe de 165, 323
bispado.................................................................. 104
B bispo .............................. 100, 102, 105, 128, 149, 231
Confederação do Reno .................................... 293
eleição canônica .............................................. 175
Bach, Johann Sebastian......................................... 326
formação.......................................................... 146
Bacon, Francis ........................................................ 55
França...................................................... 142, 253
baixo clero .................................................... 167, 236
galicano ................................................... 142, 326
Bálcãs ................................................................... 264
investidura canônica ................................ 136, 137
Banco de Roma..................................................... 364
local de residência ..................................... 84, 132
Bandelli, Vincent .................................................. 380
nomeação... 90, 104, 132, 136, 137, 139, 148, 230,
Barberini, Benedetto ..................................... 289, 332
231, 293, 320
barnabita ............................................................... 432
536
nomeação, Articles Organiques....................... 132 Bruté, Gabriel (Simon William Gabriel Bruté de
nomeação, Áustria ........................................... 272 Rémur)............................................................. 236
nomeação, Bélgica........................................... 252 Bry, Jean-Antoine-Joseph de ................................ 115
nomeação, Prússia ........................................... 165 Buol-Schauenstein, Karl von (Karl Ferdinand Graf
papel pastoral................................................... 159 von Buol-Schauenstein)....................340, 401, 402
poder após a Concordata de 1801 .................... 147 burguesia .......................................140, 144, 146, 265
salário .............................................................. 256 comercial ......................................................... 328
salário França .................................................. 146 França.............................................................. 143
Bizzarri, Giuseppe Andrea.............443, 445, 469, 487 Burke, Edmund... 25, 28, 30, 184, 191, 193, 196, 198,
Blacas d’Aulps, Conde (Pierre-Louis Jean Casimir) 212
......................................................... 213, 221, 287 burocracia ..................................................... 173, 195
Blanc de Lanautte, Alexandre Maurice................. 129 Butler, Charles........................................................ 98
blasfêmia................................................................. 83
Bloqueio Continental ............................................ 137
boato ..................................................... 112, 115, 342 C
Boêmia.................................................... 79, 118, 178
Bofondi, Giuseppe ................................................ 343
cabido ................................................................... 270
Bolonha................................................................. 126
Caelestis Pastor (constituição apostólica)............ 153
universidade..................................................... 286
Cahiers de doléances............................................ 100
bom selvagem ......................................................... 55
Calendário
bom senso ............................................................. 191
gregoriano ....................................................... 118
Bonald, visconde de (Louis-Gabriel Ambroise)27, 28,
republicano...................................................... 118
156, 186, 188, 194, 196, 197, 198, 199, 200, 202,
Caleppi, Lorenzo .......................................... 276, 277
203, 204, 205, 207, 208, 219, 233, 234, 243, 244,
Calvat, Mélanie..................................................... 377
272, 283, 319, 500
calvinismo........................................80, 106, 325, 477
Bonald, visconde de (Victor Marie Étienne)......... 203
calvinista..........................................61, 101, 131, 133
Bonaparte, Giuseppe Napoleão..................... 127, 135
Calvino, João ...................................52, 224, 228, 370
Bonaparte, Jerome ................................................ 400
camadas populares................................................ 317
Bonaparte, Luís-Napoleão (Charles Louis-Napoléon
Cambrai ........................................................ 115, 153
Bonaparte) .358, 359, 362, 363, 368, 387, 389, ver
Camerino
também: Napoleão III (França)
universidade .................................................... 286
Bonaparte, Napoleão.......51, 104, 106, 111, 118, 126,
Campagna ............................................................. 405
127, 133, 135, 139, 140, 162, 182, 185, 200, 225,
camponês ...................................................... 144, 145
230, 243, 252, 259, 264, 266, 267, 274, 276, 282,
levante ............................................................. 119
289, 291, 293, 296, 317, 320, 322, 328, 329, 337,
Canadá .................................................................... 50
358, 386, 460
Canal do Panamá .................................................. 357
coroação .......................................................... 137
Cânone Muratori..................................................... 86
excomunhão..................................................... 138
canonismo............................................................. 170
queda ............................................................... 262
canonização ...........................................421, 429, 454
bonapartismo......................................................... 301
canto gregoriano ........................................... 326, 327
Bonn
Capaccini, Francesco .................................... 328, 329
universidade..................................... 157, 165, 305
Capalti, Annibale ...................................469, 479, 487
Borromeo, Edoardo............................................... 371
Capeto (dinastia)................................................... 180
Bossuet, Jacques Bénigne .....132, 152, 203, 229, 235,
capítulo de catedral ................................... ver: cabido
236, 370
Cappellari, Bartolomeo......... ver: papa Gregório XVI
Bourbon (dinastia) ....94, 97, 102, 138, 168, 170, 185,
Cappellari, Mauro................. ver: papa Gregório XVI
231, 265, 294, 296, 297, 319, 344
Caprano, Pietro ..................................................... 289
Bourqueney, François-Adolphe de ....................... 402
Caprara, Giovanni Battista.................................... 135
bourreau de Lyon, Le ........................................... 129
caráter nacional..................................................... 221
Boyer, Jean-Baptiste de .......................................... 76
Carbonari (organização secreta).....97, 279, 280, 291,
Bragança (dinastia) ................................................. 97
295, 312, 315, 358, 395
Brahe, Tycho........................................................... 63
cardeal .................................................................. 276
Brancadoro, Cesare............................................... 280
in pectore..........................................242, 243, 327
Brasil..................................................................... 276
Irlanda ............................................................. 166
Brescia, Francis Insuber de ................................... 380
nomeação..........................................276, 288, 327
Bretanha................................................................ 228
salário França .................................................. 146
Breton, André Le .................................................... 77
cardinalato ...... 41, 273, 274, 276, 279, 288, 289, 290,
Breuil, Louis Étienne du ....................... 416, 418, 422
291, 296, 297, 299, 304, 307, 311, 315, 328, 332,
Brissot, Jacques Pierre .......................................... 109
335, 345, 350, 353, 358, 361, 362, 367, 383, 384,
British and Foreign Bible Society ......................... 286
386, 420, 432, 452, ver também Colégio de
Brofferio, Angelo.................................................. 397
Cardeais
Brüderlich Vereinigung .......................................... 73
Cardoni, Giuseppe ................................................ 477
Brunswick, Duque de.................................... 111, 112
caridade ...........................................68, 210, 244, 333
instituições de.................................................. 165
537
Carlos Alberto (Sardenha-Piemonte) ... 341, 347, 356, Irlanda ..................................................... 166, 167
389, 390, 391 liberal ....... 247, 257, 304, 305, 370, 374, 433, 460
Carlos Emanuele III (Sardenha-Piemonte) ... 210, 391 número de países na Europa ............................ 266
Carlos I (Espanha) ................................................ 391 Polônia..............................................266, 313, 314
Carlos II (Espanha) ................................................. 94 popular............................................................. 161
Carlos III (Espanha)................................................ 97 católico dissidente................................................... 67
Carlos III, Duque de Parma .................................. 400 Causa Honorii Papae (livro) ................................ 471
Carlos IX (França) ........................................ 131, 133 Cavaleiros
Carlos Magno (França) ......................................... 175 Hospitalários (ordem religiosa) ....................... 177
Carlos Magno (Reino Franco)....................... 174, 388 Templários (ordem religiosa) .......................... 177
Carlos V (França) ................................................. 104 Teutônicos (ordem religiosa)........................... 177
Carlos V (Sacro Império Romano-Germânico) 79, 80, Teutônicos de Santa Maria de Jerusalém (ordem
322 religiosa) .................................................... 177
Carlos VI (Áustria) ................................................. 94 cavalheirismo.................................................. 20, 188
Carlos X (França) ...26, 108, 243, 287, 294, 297, 303, Cavour, Conde de (Camillo, Giulio Benso) ..312, 386,
320, 390 389, 390, 394, 395, 397, 399, 401, 402, 404, 408,
carmelitas.............................................................. 116 409, 410, 414, 415, 416, 418, 420, 421, 427, 435,
Carmelites (ordem religiosa) ................................ 122 498
Carmes Déchaux (ordem religiosa)....................... 133 celibato ..................................................165, 308, 451
Caroline Augusta da (Bavária).............................. 265 Cellarius, Christoph .............................................. 187
carrasco......................................................... 201, 210 censo..................................................................... 114
carta ...................................................................... 222 censura . 244, 245, 247, 250, 264, 318, 337, 342, 347,
Carta Magna ......................................................... 179 429, 433, 475
cartesianismo .................................................... 58, 64 eclesiástica............................................... 262, 347
Carvalho, Guilherme Henriques de....................... 327 imprensa .................................................. 330, 336
casamento ..... 101, 106, 120, 133, 134, 140, 198, 205, centralização política ............................................ 188
271, 308, 323, 434, 441, 446, 447, 450, 483 Centurioni (milícia papal)..............312, 334, 338, 385
civil...........................133, 262, 370, 392, 447, 457 cerimônia
clero secular..................................................... 134 clandestina....................................................... 118
misto .................................292, 321, 322, 447, 449 religiosa externa .............................................. 133
registro............................................................. 114 certeza................................................................... 237
religioso................................................... 391, 392 Chaboseau, Augustin ............................................ 210
castidade ............................................................... 198 Chambéry ..................................................... 210, 211
Castiglioni, Francesco..................... ver: papa Pio VII Chantreau, Pierre .................................................. 123
castigo................................................................... 213 Chateaubriand, Visconde de (François-René)...... 186,
Castracane, Castruccio (Castruccio Castracane Degli 199, 228, 287
Antelminelli) ................................................... 354 Châtelet (presídio) ................................................ 116
cátaros (heresia) ............................................ 177, 180 Chaumette, Pierre ................................................. 123
catecismo ...................................................... 134, 470 Chênaie, La........................................................... 325
Articles Organiques......................................... 132 Chenier, André ..................................................... 123
cátedra universitária.............................................. 287 Chevreux, Ambroise ............................................. 116
catequese............................................................... 385 Chiamati Dalla Divina (encíclica)........................ 313
Caterini, Prospero ................................................. 443 Chiaramonti, Barnaba Niccolò Maria Luigi (Pio VII)
Catholic Emancipation Act ........................... 166, 296 ................................................................. 127, 273
Catholic Relief Act (lei) .................................. 67, 166 Chigi, Flavio ................................................. 460, 465
catolicismo.. 52, 70, 76, 78, 80, 85, 88, 90, 92, 93, 96, China ...................................................................... 54
98, 105, 118, 125, 127, 135, 138, 151, 156, 158, Christianity not mysterious (livro).......................... 72
160, 162, 168, 184, 210, 221, 226, 228, 231, 235, Ciacchi, Luigi ............................................... 339, 404
250, 252, 264, 266, 272, 281, 304, 341, 367, 396, cidadania............................................................... 277
426, 431, 449, 450, 451, ver também: Igreja cidade de Deus...................................................... 159
Católica ciência..... 7, 52, 57, 75, 182, 184, 211, 264, 329, 330,
Áustria ....................................................... 94, 264 370, 429, 444, 445, 482, 500
autoritário ........................................................ 160 católica ............................................................ 445
Bélgica............................................. 127, 266, 305 ciências
clerical ............................................................. 160 humanas............................................445, 458, 482
devocional ....................................................... 160 naturais ............................................................ 193
emocional ........................................................ 161 Cienfuegos y Jovellanos, Francisco Javier de....... 332
erros. 17, 29, 45, 51, 214, 234, 235, 256, 286, 308, cientista................................................................. 216
309, 320, 337, 346, 374, 457 Cirilo II (patriarca de Jerusalém) .......................... 451
estados alemães ............................... 164, 165, 449 Cisalpine Club ........................................................ 98
Estados Pontifícios .......................................... 356 cisma......................................106, 136, 142, 157, 224
festivo .............................................................. 161 Cisma Ocidental ................................................... 158
França101, 124, 131, 135, 137, 140, 142, 256, 358 Citeaux (ordem religiosa) ..................................... 102
França, religião oficial..................................... 297
538
Civiltà Cattolica, La (revista) .19, 369, 372, 373, 374, Código
378, 385, 398, 413, 429, 431, 438, 441, 460, 461, civil.................................................................. 362
464, 465, 466, 500 Civil da França ................................................ 130
Civitate Dei, De (livro) ......................................... 159 Civil Napoleônico.............................268, 275, 297
clandestinidade ..................................................... 125 Direito Canônico ............................................. 312
Clara (santo) ......................................................... 376 Penal Francês........................................... 133, 259
Clarendon, lorde (George William Frederick Villiers) Penal Napoleônico........................................... 259
......................................................................... 399 código civil ........................................................... 355
Clarisses Capucines (ordem religiosa) .................. 133 cognição humana .................................................... 61
claro Cohen, Stanley........................................................ 37
piemontês ........................................................ 395 Colégio de Cardeais.. 18, 35, 242, 273, 279, 282, 298,
classe média ... 102, 144, 146, 296, 317, 318, 328, 381 300, 328, 331, 334, 335, 336, 347, 368, 370, 378,
Cleland, John .......................................................... 76 383, 416, 442, 443, 453, 499, ver também
clemência .............................................................. 282 cardinalato
Clemens Droste zu Vischering (Clemens August Colégio Romano ............................270, 281, 378, 480
Freiherr von).................................................... 322 cólera, epidemia.................................................... 303
clericalismo........................................................... 264 Collegio dei Neofiti............................................... 385
Clericis laicos (bula)............................................. 180 Collins, Anthony..................................................... 77
clérigo Cologne (pseudônimo)............................................ 71
casamento ................................................ 134, 175 Cologne, Jean L’Ingenu.......................................... 71
concubinato ..................................................... 175 Cologne, Jean le Blaue ........................................... 71
Clérigos Regulares de São Paulo (ordem religiosa) Cologne, Pierre de la Place ..................................... 71
......................................................................... 432 Cologne, Pierre Martheau....................................... 71
Clermont-Tonnerre, Anne-Antoine-Jules de......... 276 Colônia ..................................................164, 322, 449
clero Colonna, Egidio ............................ver: Giles de Roma
austríaco .......................................................... 392 colonnes infernales ............................................... 121
belga ........................................................ 141, 392 combate ideológico............................................... 161
constitucional................................................... 125 Comitê de Salvação Pública ................................. 122
cristão ................................................................ 74 Comité de Sûreté Générale et de Surveillance...... 122
diocesano......................................................... 151 Common Law........................................................ 173
espanhol........................................................... 209 Commonitorium Primum (livro) ........................... 484
europeu .............................................................. 99 Compagnie des Prêtres de Saint-Sulpice ......113, 146,
francês ... 90, 91, 92, 100, 102, 107, 117, 126, 132, 149
133, 136, 138, 151, 160, 162, 163, 180, 236, Compagnie des Prêtres de Saint-Sulpice (ordem
260 religiosa).......................................................... 152
francês, alto clero..............148, 149, 151, 162, 236 Companhia de Deus.............................................. 369
francês, assembléias......................................... 131 Companhia de Jesus 59, 70, 71, 73, 77, 86, 95, 96, 97,
francês, baixo clero..142, 146, 147, 148, 149, 163, 98, 144, 154, 161, 170, 210, 218, 219, 221, 244,
236 246, 256, 265, 270, 275, 281, 282, 283, 287, 303,
francês, casamento........................................... 134 311, 321, 328, 337, 339, 352, 371, 372, 379, 386,
francês, composição de classe ......................... 143 396, 398, 421, 431, 441, 443, 461, 462, 465, 475,
francês, exílio .................................................. 129 492, 500
francês, formação ............................................ 143 colégios ........................................................... 372
francês, jovem ................................................. 253 expulsão..........................................86, 96, 97, 219
francês, perseguição................................. 117, 121 Compilatio tertia (compilação de Direito Canônico)
francês, salário..................103, 125, 129, 130, 146 ......................................................................... 180
francês, tributos ............................................... 259 comportamento humano ....................................... 189
galicano ................................................... 142, 143 Comtat Venaissin.......................................... 126, 268
germânico ............................................ 92, 93, 261 Comte, Auguste .................................................... 222
inferior............................................. 100, 102, 105 Comuna de Paris....................................112, 122, 123
irlandês ............................................................ 166 Comuna Insurrecional de Paris ..................... 112, 115
isenção de impostos ......................................... 159 comunidade
nacional ............................................. 90, 157, 163 judaica ............................................................. 384
piemontês ................................................ 392, 394 local................................................................. 187
regional.............................................................. 93 comunismo ...................... 51, 338, 433, 434, 441, 450
regular.............................................. 103, 135, 262 conceito abstrato ................................................... 216
secular...................................................... 103, 134 Conciergerie (presídio) ......................................... 116
tributação......................................................... 180 conciliarismo ................. 84, 93, 95, 98, 157, 158, 227
ultramontano.................................................... 257 Concílio
Clifford, William Joseph............................... 475, 490 Basiléia........................................................ 90, 93
Climent i Avinent, Josep......................................... 85 Calcedônia................................................. 48, 454
Club Cordeliers ...................................... 99, 112, 123 Cartago .............................................................. 61
Club Jacobin....................................99, 107, 112, 122 Constance ... 49, 50, 90, 91, 93, 158, 204, 224, 460
Cluny (ordem religiosa) ........................................ 102 Constantinopla I ................................................ 48
539
Constantinopla III............................................ 466 da Doutrina Cristã e Regulares.................. 83, 241
Éfeso.............................................48, 61, 376, 379 da Imunidade Eclesiástica ............................... 446
Ferrara ........................... ver: Concílio da Basiléia Diretora da Preparação do Concílio do Vaticano
Florença................. 456, ver: Concílio da Basiléia ................................................................... 444
Latrão ................................................................ 48 do Concílio .........................................83, 269, 454
Latrão (quarto)................................................. 181 do Concílio Tridentino .................................... 443
Latrão I .............................................................. 49 do Index...........ver: Index Librorum Prohibitorum
Latrão IV ................................................. 179, 180 dos Bispos e Regulares.............................. 83, 154
Lion II.............................................................. 454 dos Estudos...................................................... 286
Nicéias............................................................... 48 dos Ritos.....................................83, 154, 327, 442
Paris (1811) ............................................. 139, 230 feminina........................................................... 131
Paris (829) ....................................................... 174 governo dos Estados Pontifícios........................ 83
tradição .............................231, 467, 479, 481, 482 para a Construção de Templos........................... 83
Trento .... 48, 49, 52, 82, 83, 84, 97, 131, 159, 160, para a Correção dos Livros da Igreja Oriental . 329
262, 269, 322, 355, 377, 379, 443, 444, 447, para a Doutrina da Fé .................... ver: Inquisição
451, 457, 479, 480, 481, 501 para a Propagação da Fé ...........277, 354, 371, 446
Vaticano ...... 28, 48, 50, 51, 52, 92, 152, 163, 164, para Assuntos Extraordinários......................... 269
328, 381, 441, 443, 457, 461, 487, 503 para os Militares ...................................... 280, 289
Vaticano (comissão de preparação) 443, 448, 450, para Seminários ................................................. 82
452, 458, 459, 466 religiosa ............................................137, 247, 262
Vaticano II................................27, 46, 48, 50, 439 Sagrada da Inquisição Romana e Universal..... ver:
Vaticano, alojamento ....................................... 468 Inquisição
Vaticano, liberdade de atuação ........................ 470 Congregação da Missão (ordem religiosa)....147, 149,
Vaticano, número de participantes................... 467 152, 375
Vaticano, silêncio .................................... 469, 474 Congregação das Filhas da Caridade de São Vicente
concílio de sacerdote de diocese ........................... 104 de Paulo (ordem religiosa)............................... 375
conclave Congregação Lazarista (ordem religiosa) ..... 147, 149
1271................................................................. 273 Congregação religiosa ............................................ 68
1799................................................. 127, 273, 274 Congregação Vicentina (ordem religiosa) ....147, 149,
1823......................................................... 278, 279 152, 375
1829......................................................... 290, 291 Congresso
1830..........................................296, 297, 298, 299 de Malines ................................426, 428, 430, 432
1846............................................43, 328, 331, 332 de Troppau ...................................................... 315
Concordata............................................................ 252 de Viena .. 140, 141, 209, 225, 252, 266, 267, 269,
1801 (França) ..128, 130, 131, 135, 136, 137, 139, 270, 271, 281, 282, 295, 297, 313, 322, 396,
143, 146, 147, 150, 151, 162, 168, 200, 229, 502
231, 243, 250, 268, 282, 297, 460 Viena ............................................................... 340
após o Congresso de Viena...................... 270, 271 Congresso de Viena ........................................ 26, 258
Baviera ............................................................ 271 conhecimento.................................................. 58, 191
Bolonha ............................................. 90, 102, 104 científico...........................................191, 193, 202
Confederação do Reno..................................... 271 racional.............................................................. 54
Fontainebleau .................................................. 138 técnico ............................................................. 191
Gnesen............................................................. 271 conhecimento de Deus.......................................... 125
Hanover ........................................................... 271 Connolly, Thomas-Louis .............................. 475, 476
Sardenha-Piemonte.................................. 391, 393 Consalvi, Ercole.... 128, 268, 269, 270, 271, 273, 274,
Saxônia ............................................................ 271 275, 277, 279, 280, 281, 282, 288, 289, 290, 291
Worms ............................................................... 49 consciência ........................................................... 216
concorrência.......................................................... 383 nacional ........................................................... 157
Condorcet, Marquês (Marie Jean Antoine Nicolas de Conselho Executivo Provisório............................. 114
Caritat)............................................................... 77 consensu unanimis................................................ 482
conduta moral ......................................................... 65 conservadorismo... 161, 185, 186, 281, 299, 300, 344,
Confederação 362, 367, 368, 369, 387, 420, 426, 454
do Reno ....................................264, 267, 293, 317 católico ............................................................ 185
Germânica ............................................... 271, 400 princípios......................................................... 445
Conferências de Gaeta .......................................... 361 Considérations sur la France (livro) ............ 212, 225
confisco..........................................103, 129, 130, 141 Considérations sur le système philosophique de M.
Confissão de Augsburgo .........ver: Paz de Augsburgo de La Mennais (livro) .................................... 250
Confissão de Schleitheim........................................ 73 consistório.............. 277, 288, 290, 306, 327, 349, 368
confissão, sigilo .................................................... 421 conspiração ........................................................... 116
conflito eterno....................................................... 212 contra a Igreja.. 15, 17, 19, 29, 188, 272, 302, 309,
confraria católica .................................................. 286 324, 354, 359, 361, 385, 387, 395, 422
Confúcio ................................................................. 55 Constantino I, imperador (Roma) ................. 170, 187
Congregação ......................59, 82, 137, 269, 291, 452 Constantinopla ...................................................... 221
da Disciplina Religiosa............................ 303, 378 tomada de ........................................................ 187
540
constitucionalismo ................................................ 211 Cruzada......................................................... 177, 180
constituição................................................... 317, 457 Albigense......................................................... 180
Áustria ............................................................. 444 Cuius regio, eius religio (princípio)........................ 79
Bélgica ............................................ 252, 426, 430 Cullen, Paul .................................................. 166, 295
Civil do Clero .. ver: Constitution Civile du Clergé Culte de l’Être Suprême................................ 123, 124
Espanha ................................................... 209, 344 Culte de la Raison................................................. 123
Estados Pontifícios .......42, 44, 346, 347, 350, 363 cultivo da terra ...................................................... 130
Estados Unidos da América............... 66, 100, 397 Culto ao Ser Supremo........................................... 123
França 1789 ..................................................... 100 culto medieval da unidade .................................... 158
França 1791 ............................................. 109, 117 cultura................................................................... 287
França 1793 ....................................................... 66 Cum alias (Breve)................................................. 153
França 1795 ..................................................... 125 Cum nimis absurdum (bula).................................. 284
França 1814 ..............139, 243, 246, 247, 256, 297 Cum Occasione (constituição apostólica) ............... 96
França 1830 ..................................................... 294 Cum Praeexcelsa (constituição apostólica) .......... 380
França 1848 ..................................................... 357 Cum Primum (constituição apostólica) ................. 314
Países Baixos.................................................. 252 Cum Saepe (encíclica) .................................. 396, 421
Piemonte.......................................................... 393 Cunha e Melo, Pedro Paulo da.............................. 368
Reino das Duas Sicílias ................................... 344 Curci, Carlo Maria.................186, 369, 372, 373, 374
Sardenha-Piemonte.......................................... 390 cúria ...................................................................... 137
Virgínia.............................................................. 66 Cúria Romana........ 137, 262, 270, 370, 476, 495, 503
Constitution Civile du Clergé104, 105, 106, 107, 113, Cusa, Nicolau de..................................................... 57
117, 127, 128, 141, 151, 276, 289
Constitutionnel, Le (jornal)................................... 436
Consulado ..................................................... 127, 128 D
contrabando .......................................................... 382
Contra-Reforma .................................................... 262
D’Alembert, Jean le Rond .........................56, 77, 354
Contrarreforma ........................................... 49, 84, 93
d’Harcourt, Georges ............................................. 361
contrarrevolução ...106, 109, 119, 120, 127, 161, 162,
d’Holbach, Barão de (Paul-Henri Thiry, Barão
170, 184, 188, 226, 267
d’Holbach)............................................77, 89, 229
levante ..................................................... 118, 129
Da Questa Pacifica (proclama) ............................ 355
contrato ................................................................. 483
D'Alembert, Jean le Rond ....................................... 77
controle de preço................................................... 124
Dalmácia............................................................... 178
Convenção ............................................................ 125
Danton, Georges-Jacques...52, 99, 112, 113, 116, 123
Nacional .................................................. 112, 121
Darboy, Georges................................................... 494
Republicana ..................................................... 122
Davi (rei) .............................................................. 175
Convenção de Setembro ....................... 423, 430, 436
De doctrina catholica contra multiplices errores ex
Convention du 15 septembre et l’encyclique du 8
rationalismo derivatos (documento conciliar) 476,
décembre, La (livro) ........................................ 437
479, 480
convento.......................................................... 99, 133
De Ecclesia Christi (documento conciliar) ........... 477
conversão, judeu ................................................... 385
De Immaculato B.V. Mariae Conceptu (livro)...... 378
Copérnico, Nicolau ................................................. 59
De l’autorité du roi (livro)...................................... 69
coroação........................................................ 137, 174
De l’Église Gallicane (livro) ................................ 226
corporações......................20, 188, 203, 260, 382, 383
De l’état de nature, où examen d’un écrit de Jean-
Corporazioni d’Arti e Mestieri ............................. 382
Jacques Rousseau (livro)................................. 190
Corpus iuris civilis................................................ 173
De la religion, considérée dans ses rapports avec
Correspondant, Le (jornal) ........................... 304, 429
l’ordre civil et politique (livro) .....243, 244, 245,
correspondência, violação..................................... 253
246
Córsega ................................................................. 276
de Lhuys, Édouard Drouyn................................... 355
episcopado ....................................................... 107
de Luca, Antonino Saverio ....................446, 469, 487
Couthon, Georges ................................... 99, 122, 123
De Salute Dominici Gregis (bula)......................... 272
creche.................................................................... 287
Debry, Jean-Antoine-Joseph de ............................ 115
Cremona................................................................ 287
Declaração de Pillnitz ........................................... 108
criação divina........................................................ 215
declaratio Ferdinandei (princípio) ......................... 80
crime, imagens apocalípticas em Maistre ............. 216
Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen
Cristaldi, Belisario ................................................ 285
..................................................101, 105, 117, 258
cristandade .................................................... 159, 457
Decretales Gregorii (direito canônico)................. 180
cristianismo. 52, 57, 66, 67, 71, 73, 75, 79, 85, 86, 87,
Decreto de Berlim................................................. 137
93, 94, 95, 113, 123, 129, 157, 170, 178, 183, 199,
decreto de tolerância ............................................. 101
210, 221, 234, 239, 246, 248, 250, 287, 369, 428,
dedução................................................................. 189
447, 499, 501
Défense de l’Essai sur l’indifference en matière de
medieval .................................................... 63, 365
religion (livro) ..........................241, 242, 246, 254
Croácia.................................................................... 79
deficiência mental................................................. 340
Croy, Gustave-Maximilien ................................... 289
Defoe, Daniel.......................................................... 74
crucifixo................................................................ 256
541
Dei filius (constituição dogmática) .51, 476, 479, 481, vida.................................................................. 197
482, 484, 487 Diretório ............................................................... 128
Déisme réfuté par lui-même, Le (livro)................... 88 disciplina ...............................................165, 445, 451
Deísmo.................................................................... 88 eclesiástica............................................... 444, 445
deísta......................................................... 67, 87, 216 Discours de la méthode (livro) ............................... 60
Delahante and Company (banco) ......................... 383 Discours préliminaire de l’Encyclopédie................ 56
Deliberatio (bula) ................................................. 172 Discours sur l’histoire universelle (livro).....132, 203,
Della Genga, Gabriele........................................... 328 206, 235
democracia.... 185, 199, 206, 227, 248, 250, 308, 317, Discours sur l’origine et les fondements de l’inégalité
427, 428, 495 parmi les hommes (livro)................................. 189
liberal............................................................... 427 Discours sur les pretentions ridicules (livro).......... 71
democrata.............................................................. 216 divórcio..........................................114, 205, 262, 297
demônio ................................................................ 425 doação....................................................129, 244, 247
Deplace, Guy-Marie.............................................. 226 doença................................................................... 214
depressão econômica ............................................ 330 dogma ..... 72, 224, 316, 319, 338, 379, 381, 417, 445,
Des progrès de la révolution et de la guerre contre 463, 464, 467, 478, 479, 482
l’Église (livro) ........................................ 247, 248 Döllinger, Ignaz (Johann Joseph Ignaz von Döllinger)
desabastecimento .................................................. 124 . 304, 431, 448, 449, 452, 461, 462, 464, 465, 474,
Descartes, René..........55, 56, 57, 59, 60, 62, 234, 238 475, 479, 482, 483, 501
descristianização ................................................... 113 domingo......... 118, 123, 132, 134, 284, 285, 297, 447
desenvolvimento econômico................................. 383 Domingo (santo) ................................................... 376
desigualdade ................................................. 196, 212 Domingo Félix de Guzmán....... ver: Domingo (santo)
desordem............................................................... 162 dominicano ......................99, 240, 257, 380, 421, 492
despotismo ............................................................ 232 Dominus ac Redemptor (bula) ........................ 98, 396
Deus 51, 57, 58, 60, 61, 62, 63, 65, 67, 69, 72, 73, 75, Donoso Cortés, Juan ............................................. 186
81, 84, 87, 88, 90, 105, 118, 140, 169, 170, 171, doutrina. 14, 18, 19, 29, 40, 44, 45, 50, 70, 72, 74, 85,
178, 179, 182, 184, 188, 193, 200, 204, 206, 214, 95, 107, 140, 147, 149, 159, 172, 186, 198, 222,
216, 223, 226, 229, 234, 235, 238, 239, 249, 251, 304, 311, 338, 451
259, 282, 318, 338, 342, 346, 354, 416, 419, 422, esotérica........................................................... 210
428, 432, 434, 446, 478, 480, 481, 493, 495 Drôme................................................................... 127
leis de............................................................... 369 Du concile général et de la paix religieuse (livro) 463
Deutschkatholiken (seita)...................................... 165 Du contrat social (livro) ..................99, 199, 204, 206
devoção popular...................................................... 85 Du Pape (livro)..... 164, 186, 209, 221, 223, 225, 234,
Devotion and reason (livro).................................... 88 240, 460, 464
Devotioni vestræ (bula)......................................... 180 duas espadas (alegoria) ................................. 171, 181
Di Poirino, Giacomo ............................................. 421 Dublin........................................................... 166, 295
Dia de Todos os Santos......................................... 132 Dublin Review (jornal).......................................... 466
diálogo .................................................................. 213 Ducos, Roger ........................................................ 127
dicastério........................................ ver: Congregação Dudon, Paul .......................................................... 254
Dictatus Papae (encíclica)............................ 175, 176 Dum acerbissimas (Breve).................................... 157
Diderot, Denis..............................76, 77, 88, 229, 354 Dunin, Martin van................................................. 323
Dilectis filiis (breve) ............................................. 374 Dupanloup, Félix Antoine Philibert......253, 428, 436,
Dillon, Théobald ................................................... 110 437, 438, 439, 456, 464, 465, 470, 474, 483, 485
dilúvio................................................................... 215 Duphot, Mathurin-Léonard................................... 126
Dinamarca............................................................. 178 Dupin, M. (André Marie Jean Jacques Dupin) .... 150,
diocese .......................................................... 128, 270 152, 154
diotelismo ............................................................. 466 Durando, Giovanni ............................................... 348
direito dúvida ........................................................... 237, 238
canônico .. 145, 154, 173, 180, 262, 269, 271, 289, cartesiana........................................................... 61
328, 368, 369, 470 sistemática ................................................... 56, 60
civil...........................................289, 328, 368, 393
de apelação ........................................................ 70
de defesa .................................................. 122, 330 E
de propriedade ................................................. 196
de publicação..................................................... 70
Eberhard Karl University...................................... 448
divino................................................. 84, 248, 369
Ecclesia Christi (encíclica)................................... 129
divino dos reis ........................................... 69, 259
Ecclesiam a Jesu (bula) ................................ 279, 292
do Estado ......................................................... 259
Ecclesiastica potestate, De (livro) ................ 159, 171
feudal............................................................... 101
eclesiologia ..............................................14, 159, 160
internacional ...................................................... 81
Édito
natural.............................................. 187, 193, 196
de Nantes..............................................70, 73, 429
positivo ............................................................ 193
de Tolerância ..................................................... 66
real sobre o sagrado ........................................... 69
de Versalhes .................................................... 101
romano..................................................... 173, 198
Eduardo I (Inglaterra) ........................................... 180
542
educação52, 82, 84, 97, 125, 140, 165, 232, 245, 264, Essai sur le principe générateur des constitutions
271, 297, 321, 446, 447, 451, 457, 470, 483 politiques (livro) .......................217, 218, 219, 226
capacidade de subversão.................................. 287 estado
católica ............................................................ 322 laico................................................................. 105
católica, França................................................ 320 liberal .............................................................. 183
clerical ............................................................. 247 moderno....................................157, 161, 259, 311
controle teológico ............................................ 286 nacional ....................................157, 158, 173, 249
Estados Pontifícios .......................... 281, 286, 330 Estados alemães....................ver: estados germânicos
feminina................................................... 131, 287 Estados Gerais .......................................100, 101, 211
França .............................................................. 321 estados germânicos . 50, 55, 71, 72, 87, 164, 172, 173,
laica ......................................................... 257, 447 176, 178, 188, 209, 261, 264, 267, 271, 293, 295,
pública..................................................... 247, 286 317, 321, 322, 341, 371, 453, 460, 461, 471
religiosa ........................................................... 166 estados italianos independentes ............................ 266
secular.............................................................. 457 Estados Pontifícios ... 48, 99, 126, 136, 138, 181, 260,
Église Constitutionnelle ........................................ 104 266, 268, 269, 273, 274, 275, 276, 279, 284, 287,
eleição bispo ......................................................... 104 297, 299, 300, 302, 307, 312, 313, 320, 327, 329,
Elias, Norbert.......................................................... 39 330, 331, 332, 333, 335, 338, 340, 341, 343, 372,
Emery, Jacques-André .......................................... 113 388, 425, 429, 430, 449, 450, 498
emigração administração .... 83, 303, 333, 334, 349, 364, 368,
judeus .............................................................. 284 382, 415, 423
padres .............................................................. 117 anistia ...............................................335, 350, 363
empirismo ......................................................... 54, 87 antissemitismo......................................... 284, 285
enciclopedista ......................................................... 52 bailes ............................................................... 337
Encyclopédie (livro).......................56, 77, 78, 88, 193 censura......................................336, 337, 342, 347
Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences, Código Penal ................................................... 334
des arts et des métiers................ver: Encyclopédie Conselho Consultivo ....................................... 363
engajamento político............................................. 186 Conselho de Estado ..........................334, 347, 363
ensino.................................................................... 287 Conselho de Ministros............................. 334, 348
religioso................................................... 232, 321 Consistório Sagrado ........................................ 347
superior............................................................ 166 constituição .......... 42, 44, 346, 347, 350, 355, 363
Entstehung des päpstlichen Investiturverbots für den Consulta di Stato ............................................. 334
deutschen König (livro) ................................... 175 corporações ..................................................... 382
epidemia................................................................ 404 corrupção......................................................... 334
Epifânio de Salamina (bispo)................................ 376 criminalidade................................................... 334
epilepsia ................................................................ 332 dívida pública .......................................... 347, 423
episcopado .. 7, 84, 231, 446, 447, 454, 463, 478, 488, economia ..........................................350, 382, 383
500 educação...................................281, 286, 330, 336
composição social............................................ 133 empréstimo ...............................314, 333, 383, 384
Córsega............................................................ 107 exército.................................................... 314, 423
francês ..... 133, 142, 149, 153, 236, 253, 254, 256, ferrovia .............................................284, 336, 337
471 fronteira ........................................................... 348
galicano ........................................................... 370 funcionalismo .................................................. 382
irlandês ............................................................ 166 governo............................................................ 346
piemontês ................................................ 391, 395 governo constitucional..................................... 354
episcopalismo imperial alemão............................... 93 iluminação a gás ...................................... 284, 336
episcopatus ........................................................... 175 imposto............................................................ 382
epistemologia moderna ................................... 55, 238 intervenção estrangeira....295, 360, 361, 365, 382,
escatologia ............................................................ 212 386, 399, 407, 423
escola invasão austríaca a Ferrara .............................. 339
eclesiástica....................................................... 232 judeus ...............................284, 285, 352, 384, 386
rural ................................................................. 337 judeus, proibições............................................ 384
Escola Clássica do Direito Penal .......................... 259 justiça .............................................................. 333
Escolástica .................................................. 51, 52, 56 laicidade .......................................................... 351
universidade....................................................... 57 lei penal ........................................................... 285
escravidão ..................................................... 264, 323 levante ......................................279, 295, 302, 313
Escrituras ................................................... ver: Bíblia liberdade política ............................................. 361
esmola................................................................... 133 milícia cívica ................................................... 336
Espanha.......... 136, 138, 173, 265, 266, 297, 317, 319 miséria ............................................................. 333
Espinosa, Baruch de...................65, 67, 68, 72, 74, 87 modernização .................................................. 423
espionagem ....................211, 254, 264, 305, 334, 475 mulher ............................................................. 284
Espírito Santo.................158, 460, 481, 484, 485, 489 museus............................................................. 329
Essai sur l’indifférence en matière de religion (livro) pena de morte .................................................. 334
.. 167, 200, 233, 235, 236, 237, 240, 242, 246, 249 Poder Judiciário............................................... 347
Poder Legislativo............................................. 346
543
policiamento .................................................... 338 patriarcal.......................................................... 187
rebelião ............................................................ 300 fanatismo religioso ................................................. 71
reforma .................................................... 355, 362 Fanny Hill............................................................... 76
repressão policial ..................................... 281, 300 Fare, Anne-Louis-Henri de la ............................... 276
Revolução de 1848 .......................................... 345 fata morgana ......................................................... 462
Romagna.......................................................... 405 fé 125, 186, 203, 211, 318, 438, 481
soberania.......................................................... 367 fé e razão, relação ..................................476, 480, 481
tribunal eclesiástico ......................................... 355 fé pública paroquial .............................................. 391
tributação......................................................... 347 febronianismo ..... 53, 93, 95, 157, 163, 164, 282, 292,
valsa................................................................. 284 299, 429, 490
Estados Unidos da América ......50, 66, 185, 209, 324, Febronius, Justinus........................................... 92, 93
340, 342, 385 Feletti, Pier Gaetano ............................................. 385
Constituição............................................... 66, 100 Felipe I (França) ................................................... 177
Esterházy, Pál Antal.............................................. 361 Felipe II (França) .................................................. 179
estética .................................................................... 55 Felipe IV (França) .................................159, 180, 181
Ethica, ordine geometrico demonstrata (livro)....... 75 Felipe V (Espanha) ................................................. 94
ética......................................................................... 55 Fénelon, François (François de Salignac de La
Être Suprême ........................................................ 123 Mothe-Fénelon)........................153, 223, 229, 370
Etsi apsostolici principatus (Breve Apostólico) ... 134 Ferdinando II (Duas Sicílias)................................ 399
Etsi de statu (bula)................................................ 180 Ferdinando II (Reino das Duas Sicilias) ....... 344, 408
Etymologiae (livro) ................................................. 77 Ferdinando II (Reino das Duas Sicílias) ............... 389
Eucaristia ........................................................ 88, 161 Fermo
Europa universidade .................................................... 286
equilíbrio de poder........................... 315, 316, 317 Fernando I (Áustria) ..................................... 340, 342
fronteiras.................................................. 140, 330 Fernando I (Duas Sicílias) .................................... 315
Eusébio de Cesareia .............................................. 170 Fernando I (Sacro Império Romano-Germânico) .. 79,
Eva........................................................................ 192 80
evangelhos .............................105, 153, 160, 181, 304 Fernando II (Reino das Duas Sicílias) .................. 353
livre interpretação ............................................ 228 Fernando II de Aragão (Espanha) ......................... 153
ex cathedra ............................152, 463, 466, 493, 495 Fernando VII (Espanha) ............................... 209, 298
exagéré ......................................................... 112, 123 Ferrara .................................................................. 342
Examem critique ou réfutation du système de nature universidade .................................................... 286
(livro)................................................................. 89 Ferrara, incidente em .................................... 339, 341
Examen de la philosophie de Bacon (livro) .. 217, 226 Ferretti, Gabriele....................................339, 342, 343
excedente agrícola................................................. 173 ferrovia ......................................................... 382, 390
Excommunicamus (bula)....................................... 177 Estados Pontifícios .......................................... 284
excomunhão 51, 73, 78, 138, 176, 256, 279, 291, 312, Fesch, Joseph........................................................ 133
342, 355, 393, 421, 450, 463, 481 feudalismo ............. 119, 186, 187, 188, 202, 247, 428
execução ....................................................... 116, 210 obrigações ......................................................... 67
exequatur ................................................................ 70 feudo............................................................... 20, 188
Exército Católico (Vendée) .................................. 120 eclesiástico ...................................................... 391
exército revolucionário ......................................... 110 Fichte, Johann....................................................... 265
exilado .................................................................. 127 fidelidade ...............................................157, 255, 259
exílio ..... 106, 109, 128, 138, 139, 162, 176, 182, 185, Fieschi, Adriano.................................................... 328
203, 212, 221, 273, 276, 294, 313, 336, 343, 363 Filipe IV (França) ........................................... 90, 177
experiência............................................................ 189 filosofia
Explication des maximes des saints sur la vie cartesiana......................................................... 241
intérieure (livro) ...................................... 153, 223 católica ............................................................ 160
Exposition de la doctrine de l’Église Catholique da história ................................................ 188, 190
(livro)............................................................... 132 mecânica............................................................ 57
expropriação ..........................103, 104, 129, 130, 162 natural.....................................................56, 57, 58
de terras Suécia................................................ 103 política............................................................. 227
extrema-unção............................................... 394, 421 química.............................................................. 57
filósofo.................................................................... 77
Firrao, Giuseppe ................................................... 312
F Fisiocracia............................................................. 227
Fisocracia.............................................................. 383
Fitzgerald, Edward Mary ...................................... 495
Fabbri, Edoardo .................................................... 351
Flávio Justino (mártir) .......................................... 376
Faculdade de Teologia de Paris ............................ 160
Foigny, Gabriel de .................................................. 74
Faguet, Émile........................................................ 201
Folk devils and moral panics: the creation of the
Falconi, Leonardo ................................................. 439
Mods and Rockers (livro) .................................. 37
falência ................................................................. 383
fome...................................................................... 276
falibilidade papal ............................................ 92, 489
Fontainebleau ............................................... 139, 230
família............................................188, 193, 205, 207
544
Concordata....................................................... 138 Galletti, Gustavo........................................... 334, 348
Tratado ............................................................ 139 Gardoqui Arriquíbar, Francisco ............................ 276
força espiritual ...................................................... 161 Garibaldi, Giuseppe ...... 312, 360, 402, 403, 408, 409,
força policial ......................................................... 282 412, 418, 424, 437, 453, 498
Force, La (presídio)............................................... 116 Garibaldi, Pietro Antonio...................................... 306
foro eclesiástico .................................................... 262 Gasser, Vinzenz .................................................... 493
Fouché, Joseph...................................................... 129 Gaude, Francesco.................................................. 370
França ............ 162, 173, 176, 263, 265, 266, 298, 319 Gaume, Jean-Joseph ............................................. 169
economia ..................100, 103, 124, 125, 162, 181 Gazzette de France (jornal) .................................. 465
Guerras Religiosas........................................... 133 Gazzola, Bonaventura........................................... 289
Ministério dos Cultos.......130, 136, 143, 146, 148, Geissel, Johannes von....................164, 165, 323, 449
150, 151, 231, 243, 250, 352, 435 general will.................................... ver: vontade geral
Parlamento............................................... 243, 269 Gênesis (livro bíblico) .......................................... 193
Revolução de 1848 .......................................... 344 Genga, Annibale della . ver: papa Leão XII, ver: papa
France, Rome et l’Italie, La (livro)....................... 422 Leão XII
Francesco V (duque de Modena) .......................... 389 Génie du christianisme (livro) .............................. 287
franciscano.............................................. 99, 380, 386 George II (Inglaterra).............................................. 98
Francisco (santo)................................................... 376 Gerbet, Olympe-Philippe .............................. 305, 431
Francisco I (Áustria) .....118, 209, 263, 264, 271, 272, Germanus de Constantinopla (teólogo)................. 376
274, 276, 277, 278, 279, 290, 293, 294, 297, 314, Giacomo D’Aragona (Sardenha) .......................... 391
315, 320, 340 Gianelli, Pietro...................................................... 444
Francisco I (França) ................................ 90, 102, 104 gibelinos ............................................................... 333
Francisco II (Reino das Duas Sicílias) .. 407, 408, 409 Gil, Manuel García ............................................... 490
Francisco II (Sacro Império Romano-Germânico) 118 Giles de Roma .............................................. 159, 171
Francisco José I (Áustria) ............................. 399, 404 Gioberti, Vincenzo.................................333, 365, 400
franco, monarcas................................................... 171 Giovanni di Fidanza............ ver: Bonaventura (santo)
franco-maçonaria .................................................. 210 Giovine Italia.................................312, 337, 342, 343
Franklin, Benjamin ............................................... 123 Giraud, Maximin .................................................. 377
Fransoni, Giacomo Filippo ........................... 289, 332 girondino ...... 107, 109, 110, 112, 117, 122, 124, 130,
Fransoni, Luigi...................................... 390, 392, 394 162, 264
Franzelin, Johannes Baptist .................. 161, 476, 480 Giuseppe I (Nápoles) ............................................ 136
fraternidade ............................................. 79, 162, 308 Giustiniani, Giacomo.................................... 289, 298
Frayssinous, Conde de (Denis-Antoine-Luc)152, 244, Gizzi, Tommaso Pasquale .....................331, 337, 338
320, 370 Gladstone, William Ewart......167, 389, 436, 475, 483
Frederick William III (Prússia) ............................. 323 Glauda, Pietro ....................................................... 241
Frederick William IV (Prússia)............................. 165 Globe, Le (jornal) ................................................. 304
Frederico Guilherme II (Prússia) .......................... 108 Gnesen-Posen ....................................................... 323
Frederico Guilherme IV (Prússia)......................... 315 gnosticismo........................................................... 191
Frederico II (Sacro Império Romano-Germânico) .. 74 Gobel, Jean ........................................................... 123
freethinker............................................................... 74 golpe de estado ..................................................... 127
Fribourg ................................................................ 293 governo................................................................. 207
Frohschammer, Jakob ................................... 450, 480 Governo dos Cem Dias......................................... 185
fronteiras da Europa.............................................. 140 governo laico ........................................................ 308
Frosini, Antonio Maria ......................................... 276 Grã-Bretanha ...........................................67, 266, 302
Fulda ..................................................................... 293 graça de Deus ......................................................... 89
encontro episcopal de ...................................... 463 Grand Dauphin............................................. 132, 206
fundação eclesiástica............................................. 129 grand séminaire.....................ver: seminário superior
fundamento teológico ........................................... 222 Grande Chartreuse (ordem religiosa).................... 102
funeral religioso .................................................... 394 Grande Cisma ....................................................... 376
futuro ............................................................ 189, 211 grande corrente do ser, Scala Naturae .................... 63
Grande Fome, Irlanda ........................................... 166
Grande Peur, levantes camponeses ...................... 119
G Grande Terreur....... 37, 110, 113, 117, 118, 121, 122,
124, 125, 130, 133, 229
mortos.............................................................. 117
Gagarin, Grigory................................................... 306
Granderath, Theodor............................................. 443
Gaisrück, Karl Kajetan von................... 298, 306, 332
Gratry, Joseph (Auguste Joseph Alphonse Gratry)
galicanismo53, 82, 84, 92, 93, 98, 104, 131, 136, 141,
................................................................. 470, 485
142, 147, 148, 149, 153, 154, 156, 157, 159, 160,
Grave nimis (bula) ................................................ 380
162, 163, 167, 168, 170, 182, 221, 222, 224, 243,
Gregorio, Emmanuele de ...............276, 290, 291, 298
253, 269, 270, 286, 292, 325, 367, 370, 375, 429,
Gregorovius, Ferdinand ........................................ 364
433, 434, 448, 460, 470, 477, 490
grupo intermediário .............................................. 194
parlamentar........................................ 90, 150, 154
Guarda
teológico .....................................90, 150, 151, 154
Cívica ............... 338, 342, 347, 351, 353, 363, 382
Galileu (Galileu Galilei) ................................... 59, 63
545
Nacional .................................................. 111, 112 heliocentrismo ........................................................ 59
Nacional (França) ............................................ 357 Heliogenes, terra imaginária ................................... 74
Suíça ................................................ 116, 353, 407 Henri Conneau...................................................... 400
guelfos .................................................................. 333 Henrique III (Inglaterra) ....................................... 179
Guéranger, Prosper Louis Pascal ..325, 326, 378, 485, Henrique III (Navarra).......................................... 138
500 Henrique IV (França).................................... 102, 138
Guéronnière ....................ver Breuil, Louis Étienne du Henrique IV (Sacro Império Romano-Germânico)
guerra.................................................... 212, 214, 225 ................................................................. 171, 176
Austro-Prussiana........................................ 76, 453 Henrique V (Sacro Império Romano-Germânico) . 49,
Camponesas....................................................... 73 333
da Criméia ....................................................... 398 Henrique VI (França).............................................. 70
da Criméia, Congresso de Paris ....................... 399 Henrique VI (Sacro Império Romano-Germânico)178
de Sucessão Austríaca ....................................... 76 Henrique VIII (Inglaterra) .......................98, 158, 396
de Sucessão Espanhola ...................................... 94 herança.......................................................... 144, 206
dos Oitenta Anos ............................................... 81 Herbert, Edward (barão de Cherbury ).................... 64
dos Trinta Anos ..................................... 32, 80, 81 herege ........................................................ver heresia
Franco-Austríaca ..............109, 111, 114, 162, 264 heresia. 59, 61, 83, 132, 153, 170, 177, 180, 228, 241,
Franco-Prussiana ........................51, 468, 496, 497 285, 324, 325, 370, 374, 444, 445, 447, 450, 457,
Napoleônicas ...195, 209, 261, 279, 282, 311, 321, 466, 467, 479, 484, 485
499, 502 papal................................................................ 492
Piemonte-Áustria..................................... 347, 349 Hermes, Georg.......................................157, 305, 480
religiosas............................................ 81, 101, 133 hermesianismo .......................................157, 165, 305
religiosas francesas .......................................... 133 Herzan, František.................................................. 274
Guerra Hessen .................................................................. 293
Franco-Prussiana ............................................. 424 heterodoxia ............................................................. 71
guerra, imagens apocalípticas em Maistre ............ 216 Hideyoshi, Toyotomi ............................................ 421
gueto ..............................................284, 285, 352, 385 hierarquia...............................182, 188, 194, 203, 310
Guglielmi, Pietro Girolamo .................................. 332 católica ..................... 160, 224, 246, 262, 430, 444
Guiana........................................................... 118, 126 celeste................................................................ 63
Guidi, Filippo Maria ..................................... 491, 492 militar França .................................................. 110
guilda .............................................187, 188, 193, 260 social ............................................................... 101
Guilherme de Montpellier..................................... 179 hierocracia .................................................... 170, 181
Guilherme I (Países Baixos) ............................... 252 hipótese................................................................. 189
Guilherme III (Inglaterra) ................................. 74, 98 Hirscher, Johann Baptist von ................................ 304
Guilherme III de Orange......................................... 98 Histoire de la decadence de la France prouv’ee par
guilhotina .............................................................. 122 sa conduite (livro) ............................................. 71
Guizot, François (François Pierre Guillaume Guizot) Histoire universelle (livro).................................... 203
..................................................331, 352, 357, 436 história ...................................................211, 214, 489
Gulliver’s travels (livro) ......................................... 74 Historia Universalis (livro) .................................. 187
Günther, Anton ..................................................... 480 História, teoria da ................................................. 206
Gusmão, Domingos de.......................................... 177 Hobbes, Thomas ........................................69, 74, 188
Gyulai, Ferenc....................................................... 404 Hohenstaufen (dinastia) ........................................ 333
Hohenzollern (dinastia) ........................................ 319
Holanda .....................................71, 72, 249, 266, 396
H homem moral........................................................ 205
Homme machine, L’ (livro)..................................... 76
Hontheim, Trier Johann Nikolas von..ver: Febronius,
habeas corpus ....................................................... 334
Justinus
Habsburg-Lotharingen, Rudolf ............................. 276
Hooke, Luke Joseph ............................................... 85
Habsburgo (dinastia).93, 97, 108, 263, 264, 265, 302,
hospital ................................................................. 103
319, 344, 389
hóstia consagrada.................................................. 245
Haec Sancta (decreto)............................................. 91
huguenote ..................................................70, 73, 101
Haerentem Diu (encíclica).................................... 313
Humanum genus (encíclica).................................. 312
HALES, E. E. Y (Edward Elton Young Hales)..... 439
Humilhados de Lyon (heresia).............................. 177
Halle-Wolfssohn, Aaron ......................................... 85
Hungria............................................79, 118, 178, 264
Hartog, François ..................................................... 22
Haynald, Lajos...................................................... 472
Hébert, Jacques ............................................. 112, 123
hébertiste ...................................................... 112, 123 I
Hebraeorum gens sola (bula)................................ 285
Hefele, Karl Josef von ..448, 452, 471, 473, 474, 483, Iam vos omnes (encíclica)..................................... 459
490, 501 Iamdudum cernimus (alocução).................... 419, 435
Hegel, Friedrich Hegel (Georg Wilhelm Friedrich Idade Média ...... 54, 57, 63, 75, 77, 86, 137, 157, 163,
Hegel) .............................................................. 480 164, 170, 172, 173, 174, 186, 187, 188, 194, 208,
Heidelberg ............................................................ 203
546
209, 224, 228, 247, 262, 272, 320, 327, 376, 459, Itália ................................................................ 431
462, 492, 500 Japão, mártires..................................421, 429, 454
idealismo............................................................... 216 liberal .......................................257, 304, 305, 374
idioma ................................................................... 145 liturgia ..................................................... 429, 490
regional Itália................................................... 330 medieval .......................................................... 169
ignorância ............................................................. 216 monarquia................................................ 170, 172
Igreja Anglicana...................................................... 98 mulher ............................................................. 141
Igreja Católica. 62, 129, 141, 182, 207, 238, 239, 431, nacional ... 53, 84, 91, 93, 138, 147, 157, 158, 163,
ver também: catolicismo 168, 222, 228, 246, 270, 367, 449, 463
alemã ................................164, 449, 460, 461, 471 nacional, hierarquia ......................................... 381
Apostólica Ortodoxa........................................ 376 neutralidade ..................................................... 126
Apostólica Romana ......................................... 376 nobreza francesa .............................................. 102
Áustria ................................94, 271, 351, 381, 471 Oriental.................................................... 451, 472
Áustria, número de fiéis................................... 266 ortodoxia ......................................................... 165
autoridade ........................................ 200, 201, 240 pagamento de indenizações ............................. 126
autoridade, restauração .................................... 208 Países Baixos, número de fiéis ........................ 266
Bavária, número de fiéis.................................. 266 perseguição................................................ 99, 102
belga.........................................252, 253, 305, 426 poder de arbitragem......................................... 225
beligerância ..................................................... 160 poder econômico ............................................. 266
bens ..... 90, 99, 102, 103, 117, 118, 127, 129, 130, poder espiritual...... 50, 84, 96, 159, 168, 170, 171,
141, 162, 185, 209, 247, 261, 267, 269, 272, 172, 174, 176, 178, 179, 204, 223, 282, 300,
356, 390, 396, 446, 451 309, 335, 339, 351, 363, 365, 388, 417
bens católicos considerados sagrados .............. 245 poder secular ver: Igreja Católica poder temporal
britânica................................................... 166, 296 poder temporal... 50, 78, 82, 84, 96, 158, 159, 168,
burocracia ........................................................ 262 169, 170, 171, 172, 174, 176, 178, 179, 181,
clero alemão ............................................ 165, 452 186, 222, 223, 225, 233, 260, 282, 298, 299,
culto................................................................. 105 309, 311, 320, 335, 339, 350, 351, 355, 356,
culto romano.................................................... 128 361, 364, 365, 367, 369, 374, 388, 389, 415,
da Inglaterra..................................................... 228 416, 417, 422, 425, 426, 460, 477, 498
desigualdade social .......................................... 102 Polônia............................................................. 314
dogma .............................................................. 308 Polônia, baixo clero......................................... 313
doutrina............................................................ 338 Polônia, número de fiéis .................................. 266
Espanha, número de fiéis................................. 266 Portugal, número de fiéis................................. 266
Estados Germânicos ................................ 209, 271 princípios................................................... 53, 140
Estados italianos independentes, número de fiéis privilégios.................. ver:privilégios eclesiásticos
................................................................... 266 Prússia ............................................................. 165
Estados Unidos ................................................ 472 Prússia, número de fiéis................................... 266
Europa ..................................................... 221, 260 renda........................................................ 103, 104
Europa, número de fiéis............................. 52, 266 restauração....... 135, 139, 144, 162, 167, 168, 200,
finanças............................................................ 333 221, 226, 229, 234, 263, 266, 272, 273, 276,
França .... 82, 91, 92, 100, 102, 103, 117, 121, 137, 281, 283, 289, 326
141, 142, 149, 151, 153, 156, 163, 167, 230, restauração França........................................... 143
234, 236, 243, 256, 358, 359 russa ........................................................ 209, 313
França, controle pelo Ministério dos Cultos .... 150 Rússia, número de fiéis.................................... 266
França, equilíbrio de forças ............................. 151 Sardenha-Piemonte.......................................... 391
França, estatísticas........................................... 128 subsídios às ordens .......................................... 386
França, feminização......................................... 131 Suíça, número de fiéis ..................................... 266
França, hierarquia ............................................ 136 tesouros artísticos ............................................ 126
França, limitações dos Articles Organiques .... 131 tradição.... 325, 349, 367, 379, 381, 478, 484, 490,
França, número de fiéis ........................... 266, 267 491
França, partido político.................................... 257 tradicionalismo ................................................ 432
França, população............................................ 140 Turquia, número de fiéis.................................. 266
França, religião de Estado................................ 139 unidade ............................................................ 161
Galicana................................................... 182, 209 verdade ............................................................ 308
hierarquia..................................160, 246, 430, 444 igreja constitucional....... 104, 106, 113, 117, 124, 125
Holanda ........................................................... 381 Igreja Galicana.........................92, 131, 136, 137, 163
Hungria............................................................ 463 Igreja Ortodoxa................................54, 219, 221, 454
imprensa .......................................... 282, 304, 441 igualdade .........................79, 110, 162, 195, 212, 259
independência .................................................. 434 igualitarismo ......................................................... 188
Inglaterra ............................................. 67, 98, 381 illuminati .............................................................. 216
intervenção estatal ........................................... 293 iluminação a gás, Estados Pontifícios ........... 284, 336
Irlanda...................................................... 166, 483 Iluminismo.. 52, 53, 66, 77, 78, 79, 81, 85, 89, 95, 96,
Irlanda, número de fiéis ................................... 266 98, 99, 140, 160, 161, 167, 182, 183, 184, 191,
Irlanda, perseguição......................................... 166
547
193, 194, 195, 200, 211, 226, 228, 246, 258, 281, Inquisição . 59, 82, 153, 177, 180, 209, 246, 269, 284,
287, 304, 354, 451, 477, 480 291, 328, 329, 355, 367, 370, 371, 373, 385, 416,
católico ........... 82, 85, 87, 157, 165, 227, 249, 257 432, 443, 446, 450, 452, 469, 477, 500
penal ................................................................ 259 Espanhola ........................................................ 153
imaculada concepção de Maria (dogma)...... 161, 372, Papal................................................................ 153
375, 378, 379, 381, 431, 454, 456 instinto .................................................................. 211
imigração .............................................................. 109 instituição de caridade .......................................... 272
imoralidade ............................................................. 83 intelectual ..................................................... 162, 216
imortalidade da alma............................................... 61 intelectualidade católica........................................ 272
Império inteligência
Carolíngio................................................ 174, 175 criadora............................................................ 192
Francês ............................................................ 137 humana ............................................................ 192
Romano ........................................... 187, 388, 443 intencionalidade.................................................... 211
imperium............................................................... 175 Inter multiplices (encíclica) .......................... 327, 370
imposto ................................................................. 293 Inter plura illa mala (Breve Apostólico) .............. 135
imprensa.. 50, 142, 247, 308, 317, 318, 377, 385, 429, Inter praecipuas machinationes (carta apostólica) 324
447 interesse comum ................................................... 191
católica .... 249, 282, 304, 326, 369, 374, 429, 441, intransigência........................................................ 422
464, 474, 478, 500 investidura ............................................................ 176
católica, liberal ................................................ 430 canônica.................... 104, 128, 132, 136, 137, 231
censura ............................................................ 245 leiga................................................................. 175
conservadora............................................ 106, 342 Irlanda............................ 166, 179, 249, 295, 297, 313
correspondente estrangeiro .............................. 479 governo britânico............................................. 166
francesa...................................................... 71, 436 Grande Fome ........................................... 166, 330
holandesa ........................................................... 71 Igreja Protestante............................................. 167
Imprimatur si videbitur......................................... 242 nacionalismo católico ...................................... 167
imunidade irreligião ............................................................... 286
clerical ............................................................. 483 Isabel de Castela (Espanha) .................................. 153
eclesiástica....................................... 271, 391, 392 Isabel II (Espanha)................................................ 209
fiscal e tributária .............................................. 391 Isidoro de Sevilha ........................................... 77, 172
In eminenti (bula) ................................... 95, 292, 312 islamismo........................................................ 75, 385
In hac sublimi (constituição apostólica)................ 280 Isoard, Joachim-Jean-Xavier d’ ............................ 289
In supremo apostolatus fastigio (carta apostólica) 323 Itália...................................................................... 341
independência unificação .. 48, 268, 279, 287, 312, 330, 333, 340,
América espanhola .......................................... 270 342, 343, 344, 349, 351, 356, 365, 372, 387,
eclesiástica....................................................... 168 397, 400, 413, 425, 429, 430, 431, 440, 502
nacional ........................................................... 313 iura maiestatica circa sacra ................................... 70
Index Librorum Prohibitorum.59, 64, 78, 83, 93, 154, iura maiestatica circa sacra (princípio) ................. 69
157, 160, 256, 269, 310, 327, 328, 329, 352, 370, ius
371, 381, 383, 429, 432, 443, 446, 462, 469, 477, advocatie ........................................................... 70
500 appellationis ...................................................... 70
indiferentismo161, 234, 235, 285, 286, 292, 308, 309, cavendi .............................................................. 70
338, 434, 445, 450 divinum (princípio) ............................................ 84
Indifferentismus, Latitudinarismus ....................... 235 dominii eminentis .............................................. 70
individualismo ...............................184, 187, 211, 316 exclusivae .......................................................... 70
indivíduo............................................................... 194 inspectionis........................................................ 70
indulgência.................................................... 286, 291 inspiciendi ......................................................... 70
indústria ................................................................ 383 protectionis........................................................ 70
industrialização, consequências sociais ................ 165 reformandi......................................................... 70
Ineffabilis Deus (bula) .................................. 379, 380
infalibilidade ............................92, 152, 159, 222, 429
da Igreja....................240, 478, 486, 488, 490, 494 J
espiritual .......................................................... 223
papal ...... 27, 50, 98, 167, 168, 186, 207, 222, 257,
Jacobini, Lodovico........................................ 450, 451
381, 441, 447, 448, 450, 453, 454, 456, 460,
jacobinismo............................................117, 122, 354
462, 463, 464, 466, 467, 468, 470, 471, 478,
jacobino 107, 109, 112, 116, 117, 122, 123, 124, 162,
481, 482, 486, 487, 488, 489, 490, 492, 493,
212, 216, 317
503
Jacques Sadeur, Nouveau voyage la terre australe
temporal........................................................... 223
(livro) ................................................................ 73
inflação ................................................................. 382
Jaime II (Grã-Bretanha) .......................................... 98
influência religiosa................................................ 216
Jaime II (Inglaterra) ........................................ 74, 296
Inglaterra................137, 166, 173, 178, 179, 185, 268
jansenismo ...... 53, 84, 95, 96, 97, 102, 153, 154, 157,
Inguanzo y Rivero, Pedro de................................. 289
160, 270, 292, 299, 374, 429, 444, 448, 477
inimigos em Maistre, noção de ............................. 216
jansenista .............................................................. 216
548
Jansenius, Cornelius Otto........................................ 95
Janusver: Döllinger, Ignaz (Johann Joseph Ignaz von
K
Döllinger)
jardim de infância ......................................... 265, 287 Kant, Immanuel .......................................55, 265, 480
Jean-Marie du Lau'Alleman, Jean-Marie du ......... 116 Karl Wilhelm Ferdinand von Braunschweig-
Jerusalém ...................................................... 177, 398 Wolfenbüttel.................. ver: Brunswick, duque de
jesuíta.. 59, 70, 71, 73, 76, 77, 86, 88, 95, 96, 97, 144, Katholik (jornal) ................................................... 461
154, 159, 161, 210, 218, 219, 221, 244, 246, 256, Katholische Vereinigungen (associação de caridade)
265, 270, 281, 282, 283, 287, 303, 311, 321, 328, ......................................................................... 165
337, 339, 352, 369, 371, 372, 374, 379, 386, 398, Kepler, Johannes..................................................... 62
421, 431, 441, 443, 461, 462, 465, 475, 492, 500 Ketteler, Wilhelm Emmanuel Freiherr von...471, 486,
estatística ......................................................... 270 491
expulsão..................................86, 96, 97, 219, 265 Kleutgen, Joseph Wilhelm Karl.................... 476, 480
Jesuite seculariste, Le (livro) .................................. 71 Koblentz ............................................................... 108
Jesus Cristo62, 66, 68, 75, 87, 91, 159, 171, 239, 240, Kölner Wirren (incidentes em Colônia ................. 323
248, 256, 308, 318, 338, 376, 423, 434, 440, 455, Kölner Wirren (incidentes em Colônia)........ 157, 322
457, 484, 495 Kolowrat-Liebsteinsky, Franz von........................ 340
dupla natureza.................................................. 467 Krebs, Nicolau........................................................ 57
natureza divina................................................. 466 Kritikos, Konstantinos ...... ver: Cirilo II (patriarca de
João Sem Terra (Inglaterra) .................................. 179 Jerusalém)
jornalismo católico................................................ 163 Kulturkampf.................................................. 165, 323
jornalista ............................................................... 216
José I (Áustria)........................................................ 94
José I (Espanha).................................................... 136 L
José I (Portugal)...................................................... 97
José II (Áustria) .................................93, 95, 264, 396 La Mennais, Jean-Marie ....................................... 229
José II (Sacro Império Romano-Germânico) .... 93, 94 La Mettrie, Julien Offray de ................................... 76
josefinos (heresia) ................................................. 177 Labouré, Catherine ....................................... 375, 377
josefismo............ 53, 94, 157, 163, 164, 170, 286, 292 Lacordaire, Jean-Baptiste Henri-Dominique . 41, 249,
Journal de Bruxelles (jornal) ................................ 430 250, 254, 257, 305, 306, 359, 403, 501
Journal de Littérature, des Sciences et des Arts laicidade.........................................105, 114, 243, 320
(revista).............................................................. 86 Lamartine, Alphonse (Alphonse Marie Louis de Prat
Journal de Trévoux (revista) ................................... 86 de Lamartine) .................................................. 357
Journal des Débats (jornal) .................................. 436 Lambruschini, Luigi ..... 256, 303, 306, 309, 321, 331,
Journal des Sçavans (revista acadêmica)................ 64 334, 335, 338, 378, 392, 500
Journées de Septembre ......................................... 116 Lamennais et le Saint-Siège, 1820-1834: d’après des
judaísmo...........................75, 118, 131, 285, 384, 385 documents inédits et les archives du Vatican
judeu73, 101, 205, 216, 231, 272, 284, 314, 383, 384, (livro) .............................................................. 254
385 Lamennais, Hugues-Félicité Robert de...27, 156, 164,
atividades permitidas ....................................... 285 167, 186, 188, 200, 202, 227, 229, 230, 231, 232,
conversão................................................. 385, 386 234, 235, 236, 237, 238, 239, 240, 242, 243, 244,
dissidente ........................................................... 67 245, 246, 247, 248, 249, 250, 251, 252, 253, 254,
emigração ........................................................ 284 255, 256, 257, 272, 283, 305, 306, 307, 308, 309,
sequestro.......................................................... 385 310, 319, 325, 342, 357, 359, 425, 427, 428, 500,
Júpiter, luas de ........................................................ 64 501
juramento Lamennais, Jean-Marie (Jean-Marie de La Mennais)
de fidelidade ...............................67, 176, 291, 293 ..........................................................228, 232, 236
de fidelidade, Articles Organiques .................. 132 Lamoricière, Louis Juchault de............................. 410
de lealdade. 67, 105, 106, 109, 113, 120, 126, 128, Lamourette, Adrien................................................. 85
133, 135, 276, 289, 291, 293 Lante, Antonio...................................................... 277
de obediência................................................... 293 Lanza, Giovanni (Domenico Giovanni Giuseppe
jurisdição Maria Lanza) ................................................... 498
eclesiástica....................................................... 173 Latil, Jean-Baptiste de .......................................... 289
episcopal.......................................................... 169 latim............... 145, 165, 285, 437, 451, 463, 474, 477
espiritual .......................................................... 170 latitudinarismo ...................................................... 434
estatal....................................................... 180, 262 Le Coz, Émile....................................................... 128
papal .............................................. 67, 84, 93, 104 Le Mans................................................................ 121
temporal........................................................... 170 Le Vayer, François La Mothe ................................. 74
jus exclusivae ........................................ 274, 280, 298 lealdade....................................................67, 157, 259
justiça...................................................... 68, 296, 308 civil.................................................................... 67
Justiniano, imperador (Roma)............................... 173 legação apostólica.......... 268, 269, 302, 343, 364, 405
legazioni
minori .............................................................. 268
pontificie.......................................................... 268
549
superiori .......................................................... 268 segundo Pio IX ........................................ 354, 355
Legge dei Conventi ............................................... 395 Lhuys, Édouard Drouyn de................................... 435
Legge detta delle guarentigie (lei) ........................ 498 libera chiesa in libero stato (princípio) 414, 418, 435,
Leggi Siccardi....................................................... 393 498
legislação civil ...................................................... 483 liberal............................................................ 161, 216
legislação disciplinar da Igreja.............................. 445 liberali ....................................... ver: também: politici
legitimidade papal................................................. 159 liberali (facção do cardinalato)..............274, 281, 331
lei liberalismo ...... 51, 140, 161, 162, 169, 182, 186, 203,
anticlerical ....................................................... 420 208, 211, 227, 243, 247, 248, 249, 250, 252, 253,
antisacrilégio .................................................. 245 281, 286, 288, 297, 304, 305, 307, 320, 335, 341,
canônica........................................... 134, 261, 262 364, 365, 367, 372, 374, 375, 390, 428, 435, 436,
civil.................................................................. 477 437, 438, 440, 461, 462
Comum Prussiana.............................................. 66 liberdade ... 68, 79, 123, 162, 193, 195, 211, 216, 227,
da gravitação universal ...................................... 62 246, 247, 252, 253, 259, 296, 359, 426, 501
de Bonald......................................................... 114 autonomia corporativa ..................................... 188
divina............................................... 214, 369, 484 civil.......................................................... 427, 483
escrita .............................................................. 130 corporativa....................................................... 193
Legge detta delle guarentigie .......................... 498 da educação ..................................................... 252
Les Ordonnances de Saint-Cloud .................... 294 da Igreja................................................... 252, 501
medieval .......................................................... 206 de associação.................................................. 250
natural.............................................................. 193 de consciência ... 67, 140, 161, 247, 250, 308, 309,
Leibniz, Gottfried Wilhelm von.........55, 88, 226, 229 417, 433
leigo ...................................................... 118, 148, 262 de consciência religiosa................................... 286
apostolado........................................................ 161 de culto ......... 67, 69, 125, 127, 128, 247, 432, 433
Leipzig .................................................................... 89 de educação .................................................... 250
leis de ensino......................................................... 247
da natureza....................................................... 214 de expressão .....................68, 69, 79, 81, 260, 479
de movimento planetário ................................... 62 de imprensa ... 69, 79, 81, 247, 250, 260, 262, 294,
Lemberg................................................................ 265 318, 336, 374, 447
Leopoldo I (Bélgica) ........................................... 252 de opinião .........................127, 140, 247, 262, 309
Leopoldo II (Áustria) ............................................ 264 de pensamento .. 67, 68, 79, 81, 184, 228, 260, 450
Leopoldo II (Prússia) ............................................ 108 de reunião ....................................................... 250
Leopoldo II (Sacro Império Romano-Germânico) 108 individual..............................................66, 68, 202
Leopoldo II (Toscana) .......................... 209, 389, 403 intelectual ........................................................ 462
Les libertés de l’Église Gallicane (livro) ...... 131, 169 na antiguidade ................................................. 105
Les soirées de Saint-Pétersbourg (livro)............... 213 política..................................79, 81, 248, 427, 462
Lesseps, Ferdinand (Ferdinand Marie de Lesseps) 357 popular............................................................. 258
Lettres à un gentilhomme russe sur l’Inquisition religiosa51, 66, 68, 71, 79, 81, 101, 117, 125, 127,
espagnole (livro).............................................. 226 135, 139, 140, 166, 250, 251, 260, 262, 266,
Lettres d'un royaliste savoisien à ses compatriotes 305, 427, 441, 462, 483, 487
(livro)............................................................... 209 liberdades galicanas ...........90, 92, 102, 151, 154, 168
Lettres et opuscules inédits du comte Joseph de libertas philosophandi ............................................ 68
Maistre (livro) ................................................. 226 Libertés de l’Église Gallicane, Les (livro)..... 90, 151,
levante 156
camponês ......................................................... 119 libertés galicennes .............. ver: liberdades galicanas
católico ............................................................ 118 licenciosidade ....................................................... 284
contrarrevolução ...................................... 118, 141 Licet ad capiendo (bula) ....................................... 177
de 1830 .................................................... 295, 296 liga alfandegária, territórios italianos.................... 341
de 1848 ............................................................ 344 Liga Schmalkaldic .................................................. 79
de Nápoles ....................................................... 315 Liguori, Alphonsus ............................................... 161
de Novembro (Polônia) ........................... 313, 314 Limbourg .............................................................. 293
de Palermo....................................................... 357 língua
dos barões, Inglaterra....................................... 179 Italiana..................................................... 285, 330
Estados Pontifícios ..279, 295, 301, 302, 310, 313, nacional ..............................................95, 286, 463
404 linguagem ............................................................. 145
França .............................................................. 294 Lisboa, terremoto de ............................................... 88
La Vendée................................................ 119, 120 Lisle, Rouget de.................................................... 110
monarquista ..................................................... 126 literatura
na Romagna..................................................... 358 cristã .................................................................. 89
na Toscana....................................................... 403 de viagem .......................................................... 73
Paris................................................................. 357 eclesiástica....................................................... 145
península italiana ............................................. 389 Litteris altero abhinc (encíclica)................... 292, 322
popular............................................................. 331 liturgia ........................... 160, 326, 327, 370, 447, 473
Reino das Duas Sicílias ................................... 408 Articles Organiques......................................... 132
550
galicana.................................................... 325, 326 Maistre, Joseph-Marie de.. 27, 28, 156, 164, 168, 186,
música.............................................................. 326 188, 190, 192, 193, 194, 195, 196, 199, 201, 202,
ortodoxa................................................... 325, 327 209, 210, 211, 212, 220, 221, 222, 223, 224, 225,
livre-arbítrio.......................................................... 467 226, 227, 233, 234, 237, 240, 243, 251, 272, 283,
livre-comércio....................................................... 260 319, 422, 460, 464, 477, 500
livre-pensador ......................................................... 74 imagens apocalípticas...................................... 216
livro noção de inimigos............................................ 216
proibição............................................................ 59 mal ........................................................................ 213
religioso............................................................. 89 malária .................................................................. 420
Locke, John............66, 67, 71, 72, 74, 85, 87, 96, 158 Malebranche, Nicholas ........................................... 60
lógica .................................................................... 184 Maleville, Jacques de............................................ 130
dedutiva ................................................... 191, 373 Malthus, Thomas .................................................. 385
Loi 22 Prairial .............................................. 122, 124 Mamiani, Terenzio.................................350, 351, 365
Loi anti-sacrilège................................................. 245 manchas solares ...................................................... 64
Loi de la Grande Terreur...................................... 122 Manifesto de Brunswick ....................................... 111
Loi des Suspects.................................................... 122 Manning, Henry Edward ......454, 455, 459, 478, 479,
Loi du 18 Germinal an X ..... ver: Articles Organiques 486, 487, 489, 490, 493, 495
Lombardia..............................287, 297, 331, 340, 397 Manuel du droit public ecclésiastic francais (livro)
agitação política....................................... 343, 347 ......................................................................... 150
lombardos ............................................................. 388 Manuel du droit public ecclésiastic français (livro)
Longwy, tomada de............................................... 115 ......................................................................... 154
Louis Stanislas Xavier ........................ ver: Luís XVIII mão morta..............................247, 390, 392, 393, 483
Louvre, Museu do ................................................. 126 Mar Negro ............................................................ 398
Loyola, Inácio de .................................... 59, 332, 385 Marat, Jean-Paul ......................................99, 115, 116
Ludwig I (Bavária)........................................ 165, 449 marca da infâmia .................................................. 284
Luís da Áustria, Arquiduque (Luís José Antônio Marcellus, Conde (Lodoïs de Martin du Tyrac).... 221
João) ................................................................ 340 Marche...........................................301, 404, 405, 409
Luís Filipe I (França) ....149, 245, 256, 294, 295, 297, Marco y Catalán, Juan Francisco .......................... 298
321, 344, 352, 357, 358, 369, 390 Maret, Henry.. 452, 463, 470, 483, 485, 491, 493, 501
Luís I (França) ...................................................... 174 Marguerye, Frédéric-Gabriel-Marie-François de.. 148
Luís XIII (França)................................................. 102 Maria (mãe de Jesus) ...... 85, 118, 154, 161, 286, 303,
Luís XIV (França).70, 73, 91, 94, 102, 132, 153, 154, 375, 376, 379, 380, 385
160, 245 aparição ................................................... 375, 376
Luís XV (França) .................................... 76, 102, 132 aparição de La Salette...................................... 377
Luís XVI (França)...99, 100, 101, 102, 104, 108, 109, Reforma Protestante ........................................ 377
110, 111, 112, 113, 115, 117, 121, 203, 211, 228, santidade.......................................................... 376
282 veneração......................................................... 376
Luís XVIII (França) ......103, 139, 182, 185, 213, 221, Maria Antonieta (França).............................. 108, 122
231, 233, 243, 244, 276 Maria II (Inglaterra)................................................ 74
luteranismo ........................................73, 79, 106, 325 Maria Teresa (Áustria).......................................... 264
luterano ............................................67, 101, 131, 322 marianismo ........................................................... 376
Lutero, Martin..... 52, 72, 80, 125, 157, 224, 228, 370, Marquês d’Argens ......... ver: Boyer, Jean-Baptiste de
457 Marquês de Pombal ................................................ 97
Lützow, Rudolf von .......................299, 336, 339, 341 Marseillaise, La .................................................... 110
Luzerne, César-Guillaume de la............................ 276 Martignac, Visconde de (Jean-Baptiste Sylvère Gay)
Lyon.............................................................. 129, 226 ......................................................................... 294
martinismo............................................................ 210
Mártires
M de Compiègne.................................................. 122
de Valenciennes............................................... 125
Maryland ................................................................ 66
Macchi, Vincenzo ................................................. 332
massacre ................................................................. 70
Macerata
Massacres de Septembre........................113, 116, 123
universidade..................................................... 286
Massimo, Francesco Saverio ........................ 328, 329
Machtstaat (doutrina política)............................... 264
Mastai Ferretti, Giovanni Maria .......ver: papa Pio IX
maçom .......................................................... 216, 272
matemática...................................................57, 58, 59
maçonaria...... 122, 210, 286, 312, 313, 354, 383, 395,
materialismo ....................................76, 216, 429, 445
433
matrimônio ......................................... ver: casamento
loja de Lyon..................................................... 210
Mattei, Lorenzo Girolamo .................................... 328
Mãe de Deus ......................................................... 161
Maxima quidem (alocução)........................... 422, 434
magia ...................................................................... 83
Maximilian II (Bavária)................................ 165, 449
Magna Carta Libertatum ...................................... 179
Mazzini, Giuseppe 312, 337, 342, 343, 356, 357, 398,
Mai, Angelo .......................................................... 328
399, 401, 408, 418, 498
Mainz.................................................................... 293
Méan, Francis Anthony de.................................. 252
Maistre oeuvres complètes (livro)......................... 226
551
mecânica clássica.................................................... 62 Modena......................................................... 297, 301
Médaille Miraculeuse ........................................... 375 Mohammed (profeta) .............................................. 75
medievalismo........................................ 164, 208, 326 Moisés (profeta).............................................. 75, 240
medievalismo religioso ......................................... 319 Molinos, Miguel de............................................... 153
Meditationes de Prima Philosophia (livro)............. 61 Molyneux, William................................................. 74
Melo, Sebastião José Carvalho e........ver: marquês de Monadologie (livro).............................................. 226
Pombal monaquismo ................................................... 87, 177
Mémoire sur la question de l’immaculée conception monarquia ..............................170, 203, 206, 207, 223
de la trés Sainte Vierge (livro)......................... 378 absoluta ......................81, 100, 170, 224, 233, 246
Mémoires de Trévoux (revista) ............................... 86 constitucional .......................................... 213, 315
Mémoires politiques et correspondance diplomatique da Igreja........................................................... 157
(livro)............................................................... 226 europeia ....................................140, 265, 311, 335
Mémoires pour l’Histoire des Sciences & des Beaux- França................................................................ 90
Arts (revista) ...................................................... 86 França, queda .............................51, 112, 113, 121
Mémoires pour servir à l’histoire du jacobinisme papal ........................................................ 170, 172
(livro)............................................................... 354 monarquismo ........................................................ 125
Memoirs of a woman of pleasure (livro)................. 76 levante ............................................................. 126
Mendelssohn, Moisés.............................................. 85 monastério .............................................................. 86
menonita ......................................................... 72, 131 monismo ............................................................... 325
Merkle, Sebastian ................................................... 82 Moniteur du Culte de la Raison............................ 123
Merlin de Thionville ............................................. 115 monopólio............................................................. 260
Merlin, Antoine..................................................... 115 Montagnard........................................................... 107
Mérode, Frédéric-François............................ 371, 410 Montalembert, Conde de (Charles Forbes René de
Mérode, Xavier de ................................ 411, Consulte Tryon) 41, 249, 254, 257, 305, 306, 321, 359, 403,
merovíngio, monarcas........................................... 170 410, 426, 428, 430, 432, 464, 465, 501
Mersenne, Marin..................................................... 59 monte de Vênus ...................................................... 76
metafísica...............................16, 55, 59, 62, 200, 226 Montesquieu, Barão de La Brède e de (Charles-Louis
metodista............................................................... 131 de Secondat) .........................74, 77, 123, 204, 259
método moral..................................................................... 319
cartesiano............................................... 56, 60, 64 cristã ................................................................ 434
científico................................................ 55, 56, 60 pública ..................................................... 221, 316
experimental ...................................................... 54 moralidade ...............................................65, 316, 318
matemático ........................................................ 57 coletiva ............................................................ 200
Metternich (Klemens Wenzel Nepomuk Lothar, cristã ................................................................ 444
Príncipe de Metternich-Winneburg zu Beilstein) moribundo............................................................. 210
..... 19, 40, 140, 170, 244, 254, 263, 265, 268, 271, Mortara, Edgardo.................................................. 385
274, 278, 282, 288, 290, 294, 297, 299, 301, 302, mortos
306, 309, 310, 311, 313, 314, 315, 316, 317, 318, cólera (1837) ................................................... 304
331, 332, 336, 339, 340, 341, 342, 343, 344, 350, Grande Terreur ....................................... 117, 122
365 revolta monarquismo ....................................... 126
Mezzofanti, Giuseppe Gasparo ..................... 328, 329 Revoltas Camponesas........................................ 72
Micara, Ludovico.................................................. 289 terremoto de Lisboa........................................... 88
milagre .................................................... 85, 214, 481 Vendée............................................................. 121
Milão, capital do Reino da Itália (1805) ............... 291 Mortua manus.....................................ver: mão morta
milícia ................................................................... 338 mosteiro .............................94, 99, 116, 188, 257, 325
papal .........................................312, 334, 338, 385 mosteiro carmelita, ataque .................................... 116
militância motu proprio......................................................... 363
católica ............................................................ 163 Mousquetaires (tropa militar) ............................... 203
política............................................................. 186 Movimento de Oxford .......................................... 448
militarização da política........................................ 264 movimento, constância do ...................................... 60
Mill, John Stuart ................................................... 383 Mozart, Wolfgang Amadeus................................. 326
Millau ................................................................... 203 muçulmano
Milton, John............................................................ 85 conversão......................................................... 385
Minghetti, Marco .......................................... 334, 348 dissidente........................................................... 67
Ministério da Educação Pública ......................... 321 mulher................................................................... 133
Ministério dos Cultos........ver França, Ministério dos mulheres, Estados Pontifícios ............................... 284
Cultos Multiplices inter (constituição pontifícia).....469, 473,
Mirabeau, Conde de (Honoré Gabriel Riqueti) ..... 103 474
Mirari vos (encíclica)....254, 255, 302, 307, 310, 425, mundo físico ......................................................... 125
428, 433 Munique........................................................ 165, 449
missa ............................................................. 129, 325 Müntzer, Thomas.................................................... 72
missa, Articles Organiques ................................... 132 Muratori, Ludovico Antonio................................... 85
misticismo............................................................. 184 museu
cristão .............................................................. 210 Estados Pontifícios .......................................... 329
552
Museu Gregoriano Egípcio ................................... 329
música litúrgica..................................................... 326
O
Mussolini, Benito.................................................. 498
Oakeshott, Michael............................................... 191
óbito, registro de ................................................... 114
objeto sagrado....................................................... 245
N obra de caridade.................................................... 133
obscurantismo....................................................... 216
nacionalismo ..... 84, 98, 161, 264, 268, 295, 296, 297, Observations sur la controverse soulevée
312, 317, 322, 330, 387 relativement a la définition de l’infallibilité au
alemão ............................................................. 449 prochain concile (livreto) ................................ 464
italiano..... 312, 331, 332, 342, 343, 344, 349, 350, ocultismo .............................................................. 354
351, 356, 364, 372, 375, 387, 389, 453 Odescalchi, Carlo.................................................. 276
Nantes ................................................................... 118 Offreducci, Chiara d’ ......................ver: Clara (santo)
Napoleão............................ver: Bonaparte, Napoleão Ollivier, Émile .............................................. 458, 483
Napoleão III (França)......51, 358, 387, 398, 399, 400, opinião pública ............................................. 247, 474
402, 404, 405, 406, 407, 409, 410, 416, 418, 420, Opinion National (jornal) ..................................... 436
421, 422, 423, 424, 430, 435, 436, 444, 452, 463, oração ........................................................... 186, 214
465, 483, 497, ver também Luís-Napoleão Articles Organiques......................................... 132
(Charles-Louis Napoléon Bonaparte) pelas almas ........................................................ 88
Nápoles ....................................96, 135, 136, 312, 315 pelos mortos ...................................................... 88
Reino de................................................... 265, 319 pública extraordinária...................................... 132
Naro, Costantino Patrizi........................................ 443 Orange (dinastia) .................................................. 369
Nasalli, Ignazio ..................................................... 289 Oratoire de Saint Philippe Néri (escola) ............... 203
nascimento ............................................................ 114 Oratoriens (ordem religiosa) ................................ 203
Natal ..................................................................... 132 órbita terrestre......................................................... 63
Naturalis Historiae (livro) ...................................... 77 ordem.......................................69, 182, 183, 186, 193
naturalismo ....................................434, 445, 450, 480 moral ............................................................... 184
natureza................................................................. 215 moral religiosa......................................... 178, 246
humana ...................................................... 55, 211 pública ..................................................... 130, 194
Naude, Gabriel........................................................ 74 Ordem de Malta (ordem religiosa)........................ 177
negação ................................................................. 235 Ordem Dominicana (ordem religiosa) .......... 177, 380
Nelle istituzioni (edito).......................................... 346 Ordem dos Pregadores (ordem religiosa)......177, 240,
neoguelfismo............................43, 332, 333, 349, 365 380
neotomismo .................................................. 373, 375 ordem religiosa ..... 59, 68, 84, 86, 87, 95, 97, 99, 102,
nestorianismo........................................................ 466 103, 113, 137, 147, 151, 152, 177, 221, 270, 283,
neutralidade religiosa............................................ 286 375, 395, 421, 432, 440, 451, 468
New York Times, The (jornal) ............................... 386 Caetanos .......................................................... 283
Newman, John Henry ........................... 448, 489, 501 Carmelites ....................................................... 122
Newton, Isaac ........................................... 62, 96, 229 Carmes Déchaux ............................................. 133
Nicolau de Cusa...................................................... 57 Cavaleiros Hospitalários.................................. 177
Nicolau I (Rússia) ..................286, 306, 313, 314, 398 Cavaleiros Teutônicos ..................................... 177
Nieuwentijt, Bernard............................................... 75 Cavaleiros Teutônicos de Santa Maria de
nobreza ......................................................... 185, 289 Jerusalém.................................................... 177
abolição ........................................................... 109 Citeaux ............................................................ 102
Nogaret, Guillaume de .......................................... 181 Clarisses Capucines......................................... 133
Non semel (alocução) ........................................... 349 Clérigos Regulares da Divina Providência ...... 283
Non Semel (alocução) ........................................... 350 Clérigos Regulares de São Paulo..................... 432
Normandia ............................................................ 179 Cluny ............................................................... 102
Nossa Senhora Compagnie des Prêtres de Saint-Sulpice......... 152
de La Salette .................................................... 377 Congregação da Missão............147, 149, 152, 375
de Laus ............................................................ 375 Congregação das Filhas da Caridade de São
Notre-Dame, catedral.................................... 123, 137 Vicente de Paulo ........................................ 375
Nouveau Testament en français avec des réflexions Congregação Lazarista ............................ 147, 149
morales sur chaque verset, Le (livro) .............. 153 Congregação Vicentina ............147, 149, 152, 375
Nouvelles Ecclésiastiques (jornal) .......................... 96 crescimento século XIX .................................. 131
novena..................................................................... 95 de Malta........................................................... 177
noviciado .............................................................. 135 de São Francisco.................................99, 380, 386
Novit ille (decreto) ................................................ 179 de São João...................................................... 177
Nullis Certe Verbis (encíclica).............. 406, 407, 450 do Templo ....................................................... 177
núncio apostólico .......................................... 282, 287 Dominicana ........................99, 177, 257, 421, 492
dos Frades Menores............................99, 380, 386
dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de
Salomão ..................................................... 177
dos Pregadores............99, 177, 240, 257, 421, 492
553
feminina........................................................... 133 Agatho ............................................................. 466
Grande Chartreuse ........................................... 102 Alexandre II..................................................... 175
La Trappe ........................................................ 102 Alexandre VIII .................................................. 92
monástica de cavaleiros ................................... 177 Benedito XII.................................................... 391
Oratoriens ....................................................... 203 Bento XII......................................................... 328
Ordem de Malta............................................... 177 Bento XIII ......................................................... 82
Pobres Cavaleiros de Cristo............................. 177 Bento XIII (antipapa) ........................................ 49
Premontré ........................................................ 102 Bento XIV ....................78, 82, 292, 312, 383, 391
Sainte-Ursule ........................................... 125, 133 Bento XV ........................................................ 126
São Bento ...........................87, 289, 299, 325, 326 Bonifácio VIII ... 90, 158, 159, 169, 171, 177, 180,
Seráfica.............................................. 99, 380, 386 223, 391
Soberana e Militar Hospitalária de São João de Bonifácio VIII (prisão) .................................... 181
Jerusalém, de Rodes e de Malta ................. 177 Callixtus II......................................................... 49
Très-Sainte-Annonciation................................ 133 Clemente II...................................................... 175
ordenação.............................................................. 134 Clemente VI .................................................... 391
Ordonnances de Saint-Cloud, Les (lei) ................. 294 Clemente VII ..................................................... 94
Ordre de Chevaliers Maçons Élus Coëns de Clemente XI .................................94, 96, 153, 154
l'Univers, L’ (ordem maçônica) ....................... 210 Clemente XII ........................................... 292, 312
Ordre Martiniste Traditionnel ............................... 210 Clemente XIII............................................ 78, 391
Oriente Próximo.................................................... 177 Clemente XIV ......................97, 98, 287, 311, 396
Orléans (dinastia).................................................. 294 Estêvão II ........................................................ 388
ortodoxia............................................... 241, 253, 370 Eugênio IV ........................................................ 90
católica .................................................... 165, 287 Gelásio I ...................................171, 173, 174, 179
cristã .................................................................. 72 Gregório I ........................................................ 326
ortodoxia católica.................................................. 153 Gregório IV ..................................................... 174
otimismo ............................................................... 212 Gregório IX ......................................153, 177, 180
otimismo (Jesuíta)................................................... 96 Gregório VII...... 82, 158, 169, 171, 175, 176, 177,
223, 299, 320, 365
Gregório VII (exílio) ....................................... 176
P Gregório X .............................................. 273, 332
Gregório XII...................................................... 49
Gregório XIII................................................... 385
Pacca II, Bartolomeo............................................. 371
Gregório XIV ...................................303, 366, 433
Pacca, Bartolomeo 138, 275, 276, 282, 291, 298, 371,
Gregório XV.................................................... 380
500
Gregório XVI ...... 29, 45, 157, 253, 254, 255, 256,
Pacca, Tiberio ....................................................... 276
257, 281, 283, 289, 299, 300, 302, 303, 305,
paciência ............................................................... 287
306, 307, 311, 312, 313, 314, 320, 321, 322,
pacifismo cristão..................................................... 73
323, 324, 325, 327, 328, 329, 330, 331, 332,
pacto social ........................................................... 199
333, 335, 337, 350, 352, 363, 364, 365, 383,
padre
391, 425, 443, 472, 475
dispensa ........................................................... 148
Honório I ................................................. 466, 471
emigração ........................................................ 117
Honório II........................................................ 333
estatística ......................................................... 148
Inocêncio III .... 158, 169, 172, 177, 178, 179, 180,
exílio................................................................ 117
181, 223, 325, 365
nomeação eclesiástica...................................... 147
Inocêncio IV.................................................... 328
ordenamento .................................................... 255
Inocêncio X ....................................................... 96
remoção ........................................................... 147
Inocêncio XI.............................................. 91, 153
salário .............................................................. 256
Inocêncio XII................................................... 153
transferência .................................................... 148
João IV ............................................................ 466
paganismo............................................. 199, 354, 373
João Paulo II.................................................... 254
Pais apostólicos da Igreja........................................ 95
João XXII ................................................ 126, 274
Países Baixos ... 53, 71, 74, 81, 94, 108, 252, 292, 295
João XXIII (antipapa)........................................ 49
pacifismo cristão................................................ 73
Júlio III .................................................... 391, 457
Palácio des Tuileries ............................................. 112
Leão III............................................................ 174
Pallotta, Antonio ................................................... 279
Leão X................................................90, 102, 104
Palmerston, lorde (Henry John Temple) ....... 407, 420
Leão XII .... 45, 243, 246, 254, 277, 280, 281, 282,
Pamphilj, Giorgio Doria........................................ 276
283, 284, 286, 288, 290, 292, 301, 303, 315,
Panebianco, Antonio Maria .................................. 443
328, 330, 332
pan-eslavismo ....................................................... 398
Leão XIII..........................312, 431, 439, 450, 471
pangermanismo..................................................... 449
Lúcio III .......................................................... 177
pânico moral ......................................................... 456
Martinho I........................................................ 466
Pantaleoni, Diomede............................................. 416
Martinho V .................................................. 49, 90
panteísmo...........................71, 72, 434, 445, 450, 480
Nicolau I.......................................................... 174
papa
Nicolau II ........................................................ 175
Adriano V ........................................................ 328
554
Paulo III..................................59, 82, 84, 153, 457 extinção ........................................................... 104
Paulo IV......................................59, 134, 284, 457 número na França ............................................ 133
Paulo V.........................................59, 82, 134, 380 presença dos bispos ........................................... 84
Pio II................................................................ 328 parricídio .............................................................. 246
Pio III............................................................... 328 Partido Liberal Inglês ........................................... 167
Pio IV ........................................................ 83, 457 Pascal, Blaise........................................................ 229
Pio IX .. 29, 45, 48, 49, 50, 51, 164, 165, 166, 235, Páscoa........................................................... 132, 134
280, 283, 302, 303, 304, 327, 328, 332, 333, Pasolini, Giuseppe ........................................ 334, 348
337, 339, 341, 342, 345, 348, 351, 352, 353, Pasqually, Jacques Martinez de ............................ 210
354, 358, 359, 364, 365, 367, 370, 371, 377, passadismo...................................................... 22, 161
379, 384, 385, 389, 393, 397, 398, 405, 407, passado ................................................................. 189
415, 419, 420, 424, 425, 426, 428, 431, 434, Passaglia, Carlo .....................................161, 378, 379
438, 439, 442, 443, 446, 447, 449, 453, 457, Pastor Æternus (constituição dogmática)...... 50, 164,
458, 461, 467, 468, 469, 470, 472, 474, 475, 230, 465, 487, 495, 497
478, 484, 486, 488, 491, 492, 494, 495, 498 patarinos (heresia)................................................. 177
Pio IX, conselheiros......................................... 370 pater potestas........................................................ 198
Pio IX, deposição............................................. 351 patois .................................................................... 145
Pio IX, exílio em Gaeta ...353, 356, 361, 362, 369, patria potestas ...................................................... 198
371, 372, 373, 378, 431 patriarca ................................................................ 240
Pio IX, formação ............................................. 366 patriarca ecumênico ortodoxo............................... 221
Pio IX, popularidade.................336, 342, 350, 429 Patrie, La (jornal) ................................................. 436
Pio IX, reformas334, 335, 337, 339, 349, 359, 363 patrimônio............................................................. 206
Pio V...........................................83, 118, 285, 326 patriotismo italiano ............................................... 330
Pio VI ...... 45, 94, 98, 99, 103, 106, 107, 113, 117, Patrística ..........................95, 147, 154, 228, 376, 485
126, 162, 267, 272, 274, 275, 298, 299, 442 Patrizi Naro, Costantino........................................ 367
Pio VI (prisão) ......................................... 127, 290 Paulo (apóstolo)............................................ 429, 453
Pio VII ..... 29, 34, 35, 45, 104, 127, 128, 131, 134, Pays Le (jornal) .................................................... 416
136, 137, 162, 231, 243, 258, 265, 268, 269, paz ........................................................................ 212
271, 272, 273, 277, 278, 279, 282, 283, 286, de Augsburgo ............................................ 79, 322
291, 292, 301, 312, 324, 332, 337, 349, 442, de Lunéville..................................................... 261
460 de Westfália......................................32, 80, 81, 82
Pio VII (prisão).........136, 138, 139, 230, 289, 290 de Westphalia .................................................. 261
Pio VIII 29, 45, 277, 279, 291, 292, 293, 295, 296, de Zurique ....................................................... 405
297, 298, 315, 322, 324 pública ............................................................. 194
Pio XI .............................................. 116, 335, 498 pecado..............................................61, 212, 215, 383
Severino........................................................... 466 original (dogma) ....... 55, 61, 78, 88, 202, 379, 481
Sisto IV............................................................ 380 Pecci, Gioacchino (Vincenzo Gioacchino Raffaele
Sixtus V ..................................................... 83, 138 Luigi Pecci-Prosperi-Buzzi) .... ver papa Leão XIII
Teodoro I ......................................................... 466 peculato ................................................................ 334
Urbano II ......................................................... 177 Pedro (apóstolo)...... 91, 170, 172, 174, 176, 177, 179,
Urbano VIII ............................................... 96, 421 229, 233, 423, 429, 442, 453, 455, 456, 493, 495
papado.... 105, 159, 183, 186, 203, 209, 221, 227, 327 Pedro Leopoldo I (grão-duque)............................... 95
autoridade ........................................ 151, 174, 417 pelagianismo........................................................... 61
heresia, possibilidade....................................... 492 Pelagius da Bretanha............................................... 61
limitações dos Articles Organiques ................. 131 pena de morte ................................121, 245, 330, 334
prerrogativas.................................................... 249 península ibérica ................................................... 173
Papado de Avignon................................................. 49 península italiana .. 126, 173, 186, 277, 288, 291, 295,
papatus ................................................................. 175 297, 329
Pape et le Congrès, Le (livro)....................... 416, 422 França e Áustria, hegemonia ........................... 302
Papst und das Concil, Der (livro) ................. 461, 462 intervenção estrangeira............................ 397, 399
Paracelso................................................................. 57 revolução ......................................................... 295
parentesco ............................................................. 207 penitência.............................................................. 161
Paris .......................106, 115, 116, 117, 118, 138, 226 Penitência de Canossa........................................... 176
rendição ........................................................... 111 Penitenciária Apostólica ....................................... 291
universidade............................................... 91, 151 Pénitents noirs (confraria) .................................... 210
parlamentarismo ................................... 296, 369, 375 pensamento
Parlamento francês................................................ 269 aristotélico ......................................................... 57
Parma ............................................................ 297, 301 cartesiano........................................................... 63
Paroles d’un croyant (livro) .251, 255, 256, 308, 309, católico ........................................................ 7, 500
310, 342 católico conservador...........................27, 201, 287
paróquia ................................................ 128, 148, 188 católico e tradição............................................ 427
Articles Organiques......................................... 132 católico liberal......................................... 305, 436
Congregação do Concílio ................................ 269 católico reacionário ......................................... 319
criação ............................................................. 133 científico.........................................56, 57, 64, 240
555
conservador .....161, 190, 193, 194, 195, 197, 202, Piccolomini, Giacomo .......................................... 328
209, 227, 284, 373, 448 Pichegru, Jean-Charles ......................................... 125
conservador, bases........................................... 199 Pie, Louis.............................................................. 378
cristão .......................................................... 56, 57 Pie, Louis (Louis-Édouard-François-Desiré Pie) . 487,
cristão humanista ............................................. 305 489
crítico................................................................. 72 piedade...................................................161, 210, 262
escolástico ......................................................... 57 Piemonte ....................................................... 297, 314
filosófico.................................................... 86, 183 Pignatelli, Fernando Maria ................................... 328
galicano ........................................................... 150 Pithou, Pierre ...........................90, 131, 151, 156, 169
hierocrata ......................................................... 171 placet .............................................................. 70, 293
humano ............................................................ 193 Platão .........................................58, 63, 213, 215, 239
iluminista . 55, 67, 77, 78, 79, 96, 97, 99, 160, 182, plebiscito .............................................................. 137
184, 186, 187, 188, 203, 264 Plínio ...................................................................... 77
laico ........................................................... 52, 429 Plombières, encontros de .......................400, 401, 404
liberal................140, 161, 264, 284, 298, 341, 437 Pluche, Noël-Antoine ............................................. 75
matemático ........................................................ 54 Pobres Cavaleiros de Cristo (ordem religiosa)...... 177
moderno....................................................... 54, 64 poder
político............................................. 173, 174, 187 de império........................................................ 178
protestante ......................................................... 85 espiritual.......................................................... 426
puro ................................................................... 58 monárquico...................................................... 221
racionalista................................................... 54, 78 político............................................................. 222
reacionário 183, 187, 189, 227, 272, 273, 283, 315 secular .......... ver: Igreja Católica poder temporal
reformista católico ....................................... 84, 86 temporal................................................... 426, 502
religioso............................................................. 64 Poème sur le désastre de Lisbonne (poema)........... 88
revolucionário.................................................. 298 poligamia .............................................................. 205
tomista ............................................................... 54 Polignac, conde de (Jules Auguste Armand Marie)
ultraconservador .............................................. 273 ......................................................................... 294
ultramontano............................................ 178, 180 política
ultramontano belicoso...................................... 163 agrária.............................................................. 130
Pentecostes............................................................ 123 secularização ................................................... 125
Pentini, Francesco......................................... 353, 446 política agrária ...................................................... 104
Pepino (Reino Franco) .......................................... 388 politici................................................................... 275
Per venerabilem (decreto)..................................... 179 Polônia... 178, 249, 266, 286, 295, 297, 298, 313, 323
Per Venerabilem (decreto).................................... 181 divisão ............................................................. 267
perdão ................................................................... 336 Levante de Novembro ..................................... 313
peregrinação.....................................95, 154, 161, 286 Revolução dos Cadetes.................................... 313
peregrino............................................................... 342 Pontificia Università Gregoriana ......................... 287
Pères de la Foi, Société du Sacré-Cœur (sociedade Pope, Alexander...................................................... 88
religiosa jesuíta) ............................................. 352 população mista ............................................ 321, 323
perfectibilista ........................................................ 216 Populi Cum (epístola apostólica) .......................... 107
periodização histórica ........................................... 187 populismo católico .............................................. 251
Perpétua Virgindade ............................................. 161 Portalis, Jean-Etienne-Marie.130, 132, 150, 151, 230,
Perrone, Giovanni ................................. 161, 378, 379 352, 460
perseguição Portugal ........... 94, 137, 173, 178, 266, 276, 289, 327
política............................................................. 331 Postquam Dei munere (bula) ................................ 164
religiosa ..................................................... 70, 166 potestas
Perugia spiritualis......................................................... 171
universidade..................................................... 286 temporalis........................................................ 171
pessimismo ........................................................... 212 potestas: ................................................................ 175
jansenismo ......................................................... 96 practical knowledge.............................................. 191
Peter IV (Aragão) ................................................. 391 Préameneu, Félix-Julien-Jean Bigot de................. 130
Petit Dauphin........................................................ 132 preconceito ........................................................... 190
petit séminaire ........................ ver: seminário inferior pregação, Articles Organiques) ............................ 132
Petite Église .......................................................... 128 pregador................................................................ 132
Petrarca, Francesco ............................................... 187 prejudice ........................................190, 191, 192, 212
Petre, Robert Edward.............................................. 98 Premontré (ordem religiosa) ................................. 102
Peuple Constituant, Le (jornal)............................. 357 presente................................................................. 189
Philosophe in nouvelles libertes de penser, Le (livro) presentismo............................................................. 22
........................................................................... 77 presídio ................................................................. 116
Philosophiæ Naturalis Principia Mathematica (livro) Prêtres Missionnaires de l’Immaculée Conception
........................................................................... 62 (congregação) .................................................. 228
Photius, patriarca ecumênico ortodoxo ................. 221 Primeira República Francesa ........................ 112, 115
Pia Domus Neophytorum...................................... 385 primeiros padres ....................................230, 324, 379
Piccirillo, Carlo..................................................... 461 primogenitura ....................................................... 206
556
primum mobile ........................................................ 63
principado
Q
eclesiástico....................................................... 209
episcopal alemão ............................................. 209 quaker..................................................................... 72
real..................................................................... 69 Quanta Cura (encíclica) ... 16, 50, 371, 424, 431, 432,
principados eclesiásticos germânicos............ 261, 269 433, 442, 447, 469, 503
principauté royale et monarchique a sa source de la Quatre articles (declaração) .....91, 92, 131, 151, 153,
paternelle oeconomie, La (princípio)................. 69 169, 209, 224, 325, 460, 489
príncipe germânico ..........................72, 157, 172, 261 Queen’s Colleges of Ireland ................................. 166
príncipe-bispo ....................................................... 261 Queen’s University of Ireland............................... 166
Principles of political economy (livro) ................. 383 Quel Dio (encíclica).............................................. 314
prisão .................................................................... 276 Quélen, Hyacinthe-Louis de ..................256, 257, 306
perpétua ........................................................... 330 Quelques reflexions sur la censure et sur l’université
prisioneiro............................................................. 120 (artigo)............................................................. 247
privilégio de classe................................................ 259 Quesnel, Pasquier ......................................... 153, 154
privilégios questão romana ..............................413, 416, 423, 424
eclesiásticos .....100, 102, 132, 135, 270, 304, 353, Qui pluribus (encíclica) ................................ 337, 434
392, 447 Quibus quantisque malis (encíclica) ..................... 359
feudais ..................................................... 119, 259 quietismo .............................................................. 153
papais....................................................... 164, 176 Quirinus. ver: Döllinger, Ignaz (Johann Joseph Ignaz
Pro rege Johanne, contra barones (bula) ............. 179 von Döllinger)
procissão ....................................................... 286, 303 Quo graviora (constituição apostólica)..285, 292, 312
Articles Organiques......................................... 133 Quo primum (constituição apostólica) .................. 326
proclamação da República (França)..... 112, 114, 115, Quod aliquantum (encíclica) ................................ 106
118, 121 Quod divina sapientia (bula) ................................ 286
produção agrícola.................................................. 130 Quum memoranda (breve) .................................... 138
professor ............................................... 145, 146, 286
progresso........................161, 184, 202, 206, 211, 455
proletariado........................................................... 161 R
propaganda............................................................ 150
conservadora.................................................... 186 Rabanus Maurus ..................................................... 77
reacionária ....................................................... 186 rabino.................................................................... 285
religiosa ........................................................... 260 raciocínio .............................................................. 191
propriedade .... 192, 196, 197, 203, 205, 247, 338, 347 racionalismo ..... 54, 55, 164, 184, 189, 191, 211, 226,
da terra..... 103, 110, 119, 130, 144, 185, 198, 205, 237, 374, 383, 434, 445, 450, 476, 480
219 político............................................................. 192
da terra, França ................................................ 104 radicalização ......................................................... 113
freira ................................................................ 244 Rafael (Rafael Sanzio, pintor) .............................. 327
privada............................................................... 73 Ragusa, República de............................................ 272
pública ............................................................. 194 Rainha Vitória (Grã-Bretanha) ............................. 399
rural ................................................................. 119 Raphson, Joseph ..................................................... 72
protecionismo ....................................................... 382 Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Iesu
protestante....................70, 71, 73, 131, 216, 272, 322 (Companhia de Jesus)........................................ 97
Áustria ............................................................... 94 Rattazzi, Urbano ................................................... 395
conversão......................................................... 491 Rauscher, Joseph Othmar von ...................... 471, 494
dissidente ........................................................... 67 Rayneval, Alphonsus de ............................... 361, 384
reformado ........................................................ 133 razão . 7, 182, 183, 184, 191, 192, 211, 216, 238, 265,
protestantismo.......49, 59, 78, 82, 106, 125, 159, 165, 438, 480, 481, 500
224, 229, 234, 252, 286, 323, 338, 370, 375, 449, coletiva ............................................................ 238
452, 459, 476, 480 divina............................................................... 200
conservador ....................................................... 72 humana .. 51, 52, 54, 55, 57, 58, 64, 65, 72, 79, 81,
divergente .......................................................... 72 87, 88, 100, 123, 200, 226, 228, 234, 237, 434,
países na Europa .............................................. 266 481
Providas romanorum (constituição apostólica) ... 292, individual......................................................... 238
312 natural.............................................................. 193
Providência .... 105, 184, 213, 251, 367, 425, 477, 497 reação.................................................................... 161
Provincie Unite Italiane........................................ 301 Reação Termidoriana.................................... 125, 130
Prússia... 108, 109, 111, 164, 165, 225, 267, 302, 315, reacionarismo ........................................166, 182, 184
317, 319, 322 realeza................................................................... 206
pacifismo cristão................................................ 73 Reasonableness of christianity, The (livro)............. 72
Prússia, industrialização........................................ 164 reavivamento clerical .......................................... 233
Ptolomeu................................................................. 64 rebelião ................................................................. 301
Pufendorf, Samuel ................................................ 227 Recchi, Gaetano............................................ 334, 348
punição, imagens apocalípticas em Maistre .......... 216 recrutamento militar ............................................. 259
557
recursus abusu ........................................................ 70 restauração............................................................ 162
redenção.......................................................... 78, 210 da autoridade da Igreja .................................... 208
Reflections on the revolution in France (livro) ...... 25, monárquica ...... 139, 140, 168, 225, 234, 263, 265,
185, 212 266, 317, 330
Réflexions sur l’état de l’Église en France au XVIIIe monárquica, França . 114, 185, 213, 220, 231, 243,
siècle (livro)............................................ 228, 229 296, 297
Reform dans la republique des lettres, La (livro) ... 71 revelação52, 54, 55, 68, 75, 78, 79, 81, 100, 105, 199,
Reforma Protestante......49, 56, 57, 66, 72, 73, 84, 93, 200, 234, 235, 238, 239, 240, 265, 338, 478, 480,
158, 161, 182, 183, 224, 228, 234, 260, 282, 372, 481
374, 444, 476, 480 Révellière-Lépeaux, Louis Marie de la................. 125
divórcio............................................................ 262 reversibilidade ...................................................... 214
Reforma Radical ..................................................... 72 revisionismo ......................................................... 110
reformador ............................................................ 216 histórico........................................................... 121
reformismo............................................................ 216 Revolta Holandesa .................................................. 81
Regensburg ........................................................... 286 Revoltas Camponesas ............................................. 72
registro Revolução .............. 208, 216, 253, 294, 315, 318, 340
civil.................................................................. 114 Americana ........................................185, 196, 216
religioso........................................................... 114 Científica ........................................................... 56
regnum .................................................. 171, 172, 177 de 1830 .... 245, 248, 249, 250, 252, 254, 258, 294,
regra vicentina ...................................................... 484 295, 296, 297, 304, 306, 313, 314, 317, 321,
Reichsgraf, Karl Robert (Karl Robert Reichsgraf von 358, 425
Nesselrode-Ehreshoven) .................................. 288 de 1848 .... 165, 166, 257, 265, 340, 344, 352, 357,
Reino 362, 364, 365, 371, 383, 388, 389, 395, 408,
da Itália (1805) ................................................ 291 425, 426, 430, 431, 449
da Sicília .......................................................... 178 de Nápoles....................................................... 315
das Duas Sicílias 97, 297, 314, 357, 398, 399, 400, dos Cadetes (Polônia) ...................................... 313
407 Farroupilha ...................................................... 408
das Duas Sicílias, Revolução de 1848 ............. 344 Francesa... 55, 78, 90, 99, 101, 102, 112, 129, 131,
de Nápoles ....................................................... 279 140, 141, 145, 147, 160, 161, 163, 167, 169,
Unido....................................................... 137, 185 182, 183, 184, 185, 187, 191, 195, 196, 198,
reinos católicos ....................................................... 71 200, 206, 209, 210, 211, 212, 216, 223, 225,
Reisach, Conde Karl-August Graf von ................. 165 232, 233, 237, 246, 258, 260, 263, 265, 272,
Reisach, Conde Karl-August von..443, 444, 445, 446, 274, 282, 292, 298, 299, 303, 305, 317, 325,
447, 463, 469, 487 326, 327, 329, 345, 354, 356, 362, 374, 377,
relação Igreja-Estado ....165, 281, 323, 390, 392, 425, 394, 425, 432, 442
446, 447, 452, 458, 471, 472, 477, 483, 487 Francesa, questão agrária.103, 104, 110, 130, 205,
relativismo cultural ................................................. 56 219, 267
religião .................................................................... 65 Francesa, revisionismo .................................... 110
cívica ............................................................... 105 Gloriosa ....................................................... 74, 98
civil.......................................................... 200, 201 Industrial ........................................................... 52
coesão social.................................................... 213 Revolução de 1830 ................................................. 26
crítica................................................................. 89 Révolution Démocratique et Sociale, La (jornal).. 357
oficial............................................................... 100 Rewbell, Jean-François......................................... 125
verdadeira ........................................................ 235 Ricci, Lorenzo ........................................................ 98
relíquia .......................................85, 95, 118, 154, 262 Ricci, Scipione de ................................................... 95
devoção............................................................ 161 Riccio, Luigi ......................................................... 495
Rémur, William Gabriel Bruté de ......................... 237 Richelieu, Duque de (Armand-Emmanuel-Sophie-
Renânia ..........................................127, 266, 282, 322 Septimanie de Vignerot du Plessis) ................. 243
Renascimento........................................................ 186 riqueza do Estado.................................................. 383
renda, renúncia pelo papado da............................... 90 Risorgimento............ 48, 387, 389, 413, 439, 442, 502
Renouf, Peter le Page............................................ 466 Rivaròla, Agostino................................................ 269
renovação católica................................................. 159 Robespierre, Maximilien de......52, 99, 108, 112, 113,
Repnin, Nikolai Vasilyevich ................................. 267 117, 122, 123, 124
repressão ................177, 264, 313, 318, 319, 331, 385 Robin, Corey......................................................... 196
política......................300, 313, 330, 331, 334, 344 Robinson Crusoe (livro) ......................................... 74
República .............................................................. 118 Rochefoucauld, François-Joseph de la.................. 116
Cisalpina.................................................. 126, 291 Rochefoucauld, Pierre-Louis de la........................ 116
de Roma....................................359, 362, 363, 388 Rogier, Charles ..................................................... 426
Romana............................................................ 127 Rohan Chabot, Louis-François de......................... 296
Romana (antiga) .............................................. 356 Roi Très Chrétien (título real francês) .................. 104
Romana Jacobina............................................. 127 Roma .....................................................126, 138, 254
reservatum ecclesiasticum (princípio) .................... 80 invasão 1870.................................................... 164
resignação ............................................................. 287 universidade .................................................... 286
ressentimento ........................................................ 162 Romagna................................301, 339, 404, 405, 407
558
Roman Catholic Relief Act............................ 296, 327 clero francês .....................103, 125, 129, 130, 146
romance pornográfico ............................................. 76 episcopado, França .......................................... 146
Romani, e quanti (proclama)................................. 345 Salerno.................................................................. 176
romanismo ............................................ 159, 168, 169 Salpêtrière (presídio) ............................................ 116
francês ............................................................. 160 salvação ........................................................ 171, 239
Romanov (dinastia)....................................... 265, 319 Salvador, Bahia..................................................... 327
Rome pendant le concile (livro) ............................ 474 sambenito.............................................................. 284
Römische Briefe vom Konzil (livro) ...................... 475 Sanctissimus (1617) (constituição apostólica) ...... 380
Ronge, Johannes ................................................... 165 Sanctissimus (1622) (constituição apostólica) ...... 380
Roothaan, Jan (Johannes)...................................... 374 sanfedismo............................................................ 338
rosário ..................................................................... 88 sangue................................................................... 214
Rosmini, Antonio Francesco Davide Ambrogio ... 304 sans-culottes .................. 100, 108, 110, 116, 117, 121
Rossi, Pellegrino ......................42, 350, 351, 352, 354 Sanseverino, Stanislao .......................................... 276
Rossini, Gioachino Antonio.................................. 326 Santa Aliança.. 26, 170, 225, 278, 282, 288, 296, 304,
Rota, Pietro ........................................................... 440 305, 319
Rothschild, banco ..........314, 333, 384, 385, 386, 438 Santa Helena (ilha) ............................................... 139
Rothschild, Carl Mayer von.................................. 314 Santa Sé ................................................................ 299
Rottenbourg .......................................................... 293 Santarosa, Pietro de Rossi di................................. 394
Rousseau, Jean-Jacques ..52, 69, 78, 88, 99, 123, 124, Santerre, Antoine-Joseph ...................................... 112
183, 189, 190, 191, 192, 199, 201, 203, 204, 206, Santíssima Trindade ............................................. 481
227, 229, 234, 247, 385 Santíssimo Sacramento......................................... 161
Ruffo, Fabrizio...................................................... 338 santo ..................................................................... 325
Rússia ... 140, 209, 211, 221, 225, 265, 267, 268, 286, Santo Ofício........................................ ver: Inquisição
295, 302, 313, 319 santo, devoção ...................................................... 161
santos padres................................................... 95, 154
Santos Padres........................................................ 433
S santuário ....................................................... 154, 161
Santucci, Vincenzo ............................................... 416
São Bartolomeu, noite de........................................ 70
sabedoria cristã ..................................................... 211
São Bento (ordem religiosa) ....87, 289, 299, 325, 326
Sabóia (dinastia) ................................... 186, 210, 391
São Marcos, catedral de........................................ 274
Sabóia, Ducado de .........................186, 210, 211, 365
São Maurício (congregação beneditina) ............... 116
Sabóia, Maria Clotilde di ...................................... 400
São Petersburgo .............................212, 221, 225, 290
Sacconi, Carlo....................................... 401, 419, 446
Saraiva, Francisco de São Luiz............................. 327
sacerdote
Sardenha-Piemonte, reino.....186, 209, 210, 211, 315,
constitutionnel ..........105, 106, 107, 114, 123, 133
389, 391
formação.................................................. 262, 293
economia ......................................................... 390
jurado...................... ver: sacerdote constitutionnel
satanás ...................................169, 310, 419, 423, 497
não jurado ..................... ver: sacerdote réfractaire
satanismo .............................................................. 441
réfractaire. 105, 107, 113, 115, 116, 118, 120, 122
sátira ..................................................................... 183
sacerdotium .................................................. 171, 177
Sattler, Michael....................................................... 73
sacramento ...............................73, 120, 124, 174, 262
Scala Naturae ......................................................... 63
sacrifício ............................................................... 213
Schelling, Friedrich .............................................. 265
sacrilégio............................................................... 245
schema Ecclesia.... ver: Supremi Pastoris (documento
Sacro Império Romano-Germânico 49, 79, 81, 84, 89,
conciliar)
93, 105, 108, 111, 164, 171, 172, 176, 178, 209,
Schieffer, Rudolf .................................................. 175
261, 263, 269, 333
Schleitheim Geständnis........................................... 73
Sadeur, Jacques....................................................... 73
Schmitt, Carl......................................................... 201
Saffi, Marco Aurelio ............................................. 356
Schrader, Klemens.................................161, 443, 465
Sagrada Escritura ....................................... ver: Bíblia
Schwarzenberg Friedrich von (Friedrich Johannes
Sagrada Ordem Militar Constantiniana de São Jorge
Jacob Celestin von Schwarzenberg) 328, 463, 471,
......................................................................... 314
473
Sagrado Coração de Jesus....................... 95, 154, 161
scriptoribus ecclesiasticis, De (livro) ................... 159
Saint-Denis ........................................................... 103
Second treatise of government and a letter
Sainte Alliance des Peuples (campanha)............... 305
concerning toleration (livro) ........................... 158
Sainte Liberté (hino) ............................................. 123
secte, la................................................................. 216
Saint-Étienne-le-Laus ........................................... 375
secularismo ........................................................... 211
Sainte-Ursule (ordem religiosa) .................... 125, 133
secularização..........................262, 263, 266, 356, 362
Saint-Irénée, seminário ......................................... 149
segurança
Saint-Just, Louis Antoine Léon de .................. 99, 122
jurídica............................................................. 130
Saint-Maur (congregação beneditina) ............. 87, 370
pública ............................................................. 194
Saint-Sulpice..................................113, 146, 149, 152
seita....................................................................... 286
Saisset, Bernard .................................................... 181
selvageria (Maistre, natureza humana) ................. 215
salário
bispo França .................................................... 146
559
seminário .. 82, 84, 101, 134, 135, 142, 149, 165, 233, soberania secular................... ver: soberania temporal
257, 262, 272, 293 sobrenatural .......................................................... 480
Articles Organiques......................................... 132 socialismo51, 169, 257, 297, 345, 373, 374, 383, 433,
clandestino....................................................... 113 434, 441, 450
maior.................................ver: seminário superior cristão ...................................................... 227, 304
professor (Articles Organiques)....................... 132 sociedade
seminário inferior...........143, 144, 145, 297, 321, 370 bíblica.......................................286, 324, 338, 434
bolsa de estudo ................................................ 144 clérico-liberal .................................................. 434
disciplina ......................................................... 145 natural constituída ........................................... 205
idioma do ensino.............................................. 145 política............................................................. 207
professor .......................................................... 145 religiosa ........................................................... 207
seminário superior ................................ 143, 146, 451 secreta............... 281, 286, 292, 312, 317, 319, 434
seminarista, bolsas de estudo ................................ 130 sociedades nômades imperfeitas........................... 205
Senestréy, Ignatius von ................................. 486, 487 Société Biblique Française ................................... 286
Senfft, Louise de ................................................... 311 Société de la foi de Jésus (sociedade religiosa
senso comum ................................................ 238, 240 jesuíta) ............................................................ 352
Sentiments of a church of England man, The (livro)74 sociniano................................................................. 67
separação Igreja-Estado ..51, 105, 117, 125, 135, 140, sofrimento..............................................212, 213, 214
161, 250, 281, 441, 483 sofrimento, imagens apocalípticas em Maistre ..... 216
separatismo ........................................................... 264 Soglia, Giovanni ................................................... 353
sepultamento......................................................... 101 Soirées de Saint-Pétersbourg, Les (livro) ..... 213, 226
Serlupi, Francesco................................................. 276 Solesmes, mosteiro ....................................... 325, 327
sermão................................................................... 146 Solitae (Carta)....................................................... 179
Articles ............................................................ 132 Sollicitudo omnium ecclesiarum (bula) ................ 270
serviço militar ....................................................... 259 Somaglia, Giulio Maria della 282, 283, 284, 291, 303,
servidão por dívida................................................ 119 500
Seward, William Henry ........................................ 436 Sommerau Beeckh, Maximilian............................ 368
Sforza, Tommaso .................................................. 276 Sophronius de Jerusalém (teólogo) ....................... 376
shabbat ................................................................. 285 Sorbonne, Universidade........................................ 147
Siccardi, Giuseppe ................................................ 393 Spalding, Martin John................................... 489, 493
Siècle, Le (jornal).................................................. 436 Spatio Reali, De (livro)........................................... 72
Sieyès, Emmanuel................................................. 127 Spectator, The....................................................... 386
Sigismund de Luxemburgo ..................................... 49 Spina, cardeal (Francesco Carafa della Spina di
Signore, Paolo del ................................................. 241 Trajetto)........................................................... 134
Sillabo di Pio IX, Il (livro) .................................... 440 Spina, Giuseppe Maria.......................................... 128
Silva, Patrício da ................................................... 289 Staatsgrundgesetz über die allgemeinen Rechte der
símbolo papal........................................................ 138 Staatsbürger (legislação)................................. 444
Simone, Camillo de............................................... 277 statisti (facção do cardinalato) .............................. 331
Simonetti, Annibale ...................................... 334, 348 Stattler, Benedict .................................................... 85
simonia ........................................................... 83, 175 Statu ecclesiae et legitima potestate Romani
Simor, János.......................................................... 472 pontificis, De (livro) .......................................... 92
sinagoga ................................................................ 285 Statuto fondamentale del governo temporale degli
sincretismo religioso ............................................. 286 Stati di Santa Chiesa (constituição dos Estados
Singulari nos (encíclica) ................257, 309, 310, 428 Pontifícios) ...................42, 44, 346, 347, 350, 363
Singulari quidem (encíclica)................................. 434 Sterckx, Engelbert ................252, 304, 426, 430, 501
Sinistra Storica (partido político) ......................... 395 Stimmen aus Maria-Laach (jornal)............... 461, 468
Sínodo stranieri (facção do cardinalato)........................... 331
da Quaresma .................................................... 176 Strossmayer, Josip Juraj. 472, 474, 476, 478, 483, 491
de Pistoia ........................................................... 95 Stuart (dinastia)....................................................... 98
de Thurles ........................................................ 166 Stuart, Henry Benedict.......................................... 296
Sistema Solar .......................................................... 59 Sturbinetti, Francesco ................................... 334, 348
Smith, Adam ......................................................... 190 submissão ............................................................. 314
soberania............................................................... 248 subversão .............................................................. 318
divina........................................206, 207, 223, 320 sucessão hereditária .............................................. 308
espiritual .................................................. 222, 463 Suécia, expropriação de terras .............................. 103
Igreja.................................157, 158, 167, 176, 225 Suíça, pacifismo cristão .......................................... 73
monárquica ...................................................... 248 Sull’ immacolato concepimento di Maria (livro).. 378
papal .................160, 209, 221, 222, 246, 369, 417 sulpiciano...................................................... 147, 149
política......................................195, 201, 227, 502 Summa Theologiae (livro) .................................... 160
popular..............................101, 140, 206, 248, 258 superstição .................................................... 216, 450
real............................................................. 90, 202 Suprema Congregatio........................................... 370
temporal... 66, 67, 70, 80, 138, 173, 202, 225, 320, supremacia temporal papal ........................... 176, 221
367, 430, 432, 434, 450, 451, 502 Supremi Pastoris (documento conciliar)....... 486, 487
territorial............................................ 81, 157, 502 Supremo Tribunal da Penitenciária Apostólica..... 291
560
Sur diverses erreurs du temps présent (livro) ....... 431 Toscana....................................................95, 344, 389
suserania e vassalagem ................................. 178, 179 trabalhos forçados................................................. 245
Swift, Jonathan ....................................................... 74 Tractatus Theologico-Politicus (livro).............. 65, 68
Syllabus Errorum (encíclica) ......16, 50, 51, 235, 349, tradição . 162, 186, 189, 190, 191, 194, 203, 211, 235,
371, 431, 434, 435, 436, 438, 439, 441, 442, 447, 247, 484, 490
450, 456, 460, 465, 470, 476, 478, 480, 487, 495, Traditi humilitati nostrae (encíclica) .................... 292
503 Tradition de l’Église sur l’institution des évêques
Syllabus pontifical ou réfutation des erreurs qui y (livro) .......................................229, 231, 236, 240
sont condamnées, Le (livro)............................. 439 tráfico de escravizados.......................................... 323
tragédia ................................................................. 214
traidor, perseguição durante Guerra Franco-Austríaca
T ......................................................................... 114
Traité de la connaissance de Dieu et de soi-même
(livro) .............................................................. 132
Talleyrand, Charles............................... 103, 129, 135
Traité du monde et de la lumière (livro) ................. 59
Talleyrand-Périgord, Alexandre............................ 276
Traité sur les sacrifices (ensaio) ........................... 213
Talon, Orner.......................................................... 269
Traité sur les trois imposteurs (livro)...................... 74
Tametsi (decreto conciliar)................................... 322
transcendência ........................................................ 61
Taparelli, Luigi ..................................................... 372
Trappe, La (ordem religiosa) ................................ 102
Tartário, terra imaginária ........................................ 74
Tratado
teatinos.................................................................. 283
de Fontainebleau ............................................. 139
technical knowledge.............................................. 191
de Latrão.......................................................... 498
telégrafo ........................................................ 336, 479
de Pressburg .....................................261, 264, 293
templário............................................................... 177
de Tolentino............................................. 126, 274
teocracia.................................162, 186, 233, 373, 428
de Viena .................................................. 339, 340
papal ................................................................ 159
Très-Sainte-Annonciation (ordem religiosa)......... 133
teodiceia.................................................. 27, 251, 318
tribunal
teologia
canônico .......................................................... 393
medieval .......................................................... 170
civil.................................................................. 285
moral................................................................ 161
Tribunal Penal de Roma ....................................... 371
ortodoxa........................................................... 203
tributação
teoria política ........................................................ 222
da Igreja........................................................... 159
terra comum .......................................................... 119
do clero, proibição........................................... 180
Terra Santa............................................................ 180
Trigona e Parisi. Gaetano Maria ........................... 328
terremoto de Lisboa ................................................ 88
trionfo della Santa Sede e della Chiesa contro gli
territorialismo ....................................................... 260
assalti de’ novatori, Il (livro) .................. 299, 320
Terror Jacobino............................ver Grande Terreur
Trois Glorieuses ....................ver: Revolução de 1830
Tertuliano (Quintus Septimius Florens Tertullianus)
Tronchet, François Denis...................................... 130
......................................................................... 324
Turriozzi, Fabrizio ................................................ 276
tese e hipótese ............................................... 438, 439
testamento............................................................. 247
Theologische Literaturblatt (jornal)...................... 461
Theophilanthropy.................................................. 124 U
Théorie du pouvoir politique et religieux (livro).. 200,
203, 205, 208 Ubi Communis (epístola apostólica) ..................... 107
Thérèse philosophe (livro) ...................................... 76 Ubi primum (encíclica) ..............................51, 82, 285
Thouvenel, Édouard...................................... 409, 423 Ubi Primum (encíclica)................................. 378, 381
Throckmorton, Richard........................................... 98 Ugolini, Giuseppe................................................. 448
tifo......................................................................... 404 Ullathorne, William Bernard ................................ 478
Times, The (jornal)................................................ 342 ultramontanismo27, 44, 136, 142, 149, 152, 156, 159,
tirania.................................................... 192, 207, 309 160, 163, 164, 167, 169, 174, 176, 178, 182, 184,
títulos do governo francês..................................... 129 201, 227, 228, 234, 246, 247, 249, 251, 257, 305,
Toland, John ............................................... 71, 72, 85 367, 368, 369, 370, 378, 381, 436, 448, 449, 471
tolerância .............................66, 67, 68, 235, 282, 323 alemão ............................................................. 164
de culto .............................................................. 69 antigo............................................................... 158
religiosa .......... 70, 71, 72, 131, 140, 286, 311, 438 autoritário ....................................................... 251
Tomada francês ............................................................. 167
da Bastilha ....................................... 101, 109, 112 liberal ...................................................... 227, 251
de Roma............................................................. 51 ultrarrealismo....................................................... 233
Tomaggian, Basilio............................................... 242 Úmbria...........................................301, 404, 405, 409
Tomanda de Roma ................................................ 498 Un reazionario: il conte J. de Maistre (livro)....... 210
Tomás de Aquino (santo)......54, 57, 58, 97, 160, 202, Unam Sanctam (bula) ............................159, 171, 181
376 unanimidade ......................................................... 482
tomismo .....................................54, 58, 372, 373, 476 unção
tortura, imagens apocalípticas em Maistre............ 216 dos enfermos ................................................... 120
561
real................................................................... 174 verdade ....................................60, 216, 237, 238, 247
unificação da Itália..48, 268, 279, 287, 312, 333, 342, absoluta ........................................................... 286
344, 351, 356, 365, 372, 397, 400, 502 cristã .................................................................. 78
Unigenitus dei filius (bula).............................. 96, 154 histórica ........................................................... 189
Univers, L’ (jornal)326, 370, 403, 407, 429, 459, 461, teológica .......................................................... 222
464, 465, 471, 474, 485, 487, 500 Veritate, prout distinguitur a revelatione, a verisimili,
Universali natura, De natura rerum, e De origine a possibili, et a falso, De (livro) ........................ 64
rerum, De (livro) ............................................... 77 veto papal ...................................... ver: jus exclusivae
universalidade ....................................................... 484 Veuillot, Louis...... 186, 326, 370, 403, 407, 422, 429,
Universi Dominici Gregis (Breve) ........................ 154 459, 461, 471, 474, 485, 500
universidade.. 58, 64, 75, 97, 146, 148, 173, 219, 232, Vicente de Paula (santo) ....................................... 147
240, 321, 480 Viena .................................................................... 289
autonomia ........................................................ 286 Viktor, Chlodwig Carl .......................................... 471
Bolonha ................................................... 286, 329 Villafranca, armistício de...................................... 404
Bonn .................................157, 165, 305, 448, 461 Villèle, conde de (Jean-Baptiste Guillaume Joseph
britânica........................................................... 166 Marie Anne Séraphin).................................... 294
Camerino ......................................................... 286 Villèle, Conde de (Jean-Baptiste Guillaume Joseph
cartesianismo ..................................................... 64 Marie Anne Séraphin).....243, 244, 245, 288, 320
católica ............................................................ 166 Villiers, George William Frederick ...................... 484
escolástica.......................................................... 57 Vincent de Lérins.................................................. 484
Fermo .............................................................. 286 Vineam Domini (bula)........................................... 153
Ferrara ............................................................. 286 violência ....................................................... 115, 215
França ............................................................. 321 visigodo, monarcas ............................................... 170
Friburgo........................................................... 448 Visitation de Sainte-Marie (ordem religiosa)........ 133
Gregoriana ....................................................... 287 Viterbo.................................................................. 273
leiga ......................................................... 143, 151 Vitrolles, Barão de (Eugène François d’Arnauld). 255
Macerata .......................................................... 286 Vittorio Amedeo II (Sardenha-Piemonte)............. 391
Mainz............................................................... 461 Vittorio Emanuele II (Sardenha-Piemonte) ... 48, 219,
Munique .................................................. 448, 461 340, 356, 389, 390, 395, 398, 400, 401, 402, 404,
Paris......................................64, 91, 151, 321, 463 405, 406, 408, 409, 413, 414, 422, 430, 437, 453,
Perugia............................................................. 286 498
Roma ............................................................... 286 Vix Pervenit (encíclica)......................................... 383
Sorbonne.......................................................... 147 Voltaire (François-Marie Arouet) .74, 78, 88, 99, 123,
Tubingen.......................................................... 448 124, 129, 183, 204, 229
Viena ............................................................... 444 vontade
Vilna ................................................................ 218 coletiva .................................................... 191, 192
urbanização........................................................... 173 divina............................................................... 215
usura ............................................................. 383, 384 geral....................................................87, 191, 247
utilitarismo............................................................ 188 voto de castidade .................................................. 135
utilitarista .............................................................. 216 Voyage into Tartary, containing a curious
utopia .................................................................... 186 description of that country, A (livro) ................. 74
utroque iure (título acadêmico)............. 289, 328, 368 Vrais principes de l’Église Gallicane, Les (livro). 152
V W
Valenciennes......................................................... 125 Wealth of nations, The (livro) ............................... 190
Valmy, Batalha de ................................................ 110 Weld, Thomas....................................................... 296
Valois (dinastia).................................................... 302 Welf (dinastia) ...................................................... 333
Valréas.......................................................... 126, 274 White, Thomas ....................................................... 88
valsa, Estados Pontifícios...................................... 284 William I (Prússia)................................................ 165
Varennes, fuga para .............................................. 108 Wycliffe, John ...................................................... 228
vassalagem............................................................ 178
Vendée, La (levante)..............119, 120, 121, 141, 338
veneração Z
santo .......................................................... 49, 161
Virgem Maria .......................................... 118, 161
zelanti (facção do cardinalato) ......274, 275, 279, 290,
Vêneto....................297, 299, 331, 340, 397, 413, 453
298
agitação política....................................... 343, 347
Zichy-Ferraris, Melanie ........................................ 307
unificação ........................................................ 453
zottverein (aduana alemã) ..................................... 341
Veneza .......................................................... 127, 272
zouaves pontificaux (tropa)........................... 410, 498
Ventura, Gioacchino ............................................. 283
562