Rumo Ao Sul: Missão Jesuíta No Brasil (Séculos XVI-XVII)

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Rumo ao Sul: missão Jesuíta no Brasil


(séculos XVI-XVII)
Towards the South: Jesuit mission in Brazil
(XVI-XVII centuries)

Edinei da Rosa Cândido*


Recebido: 26/04/2019. Aprovado: 08/05/2019.

Resumo: Na comemoração dos 470 anos da chegada da Companhia de Jesus ao


Brasil, considerando que as vicissitudes e revezes da história nacional e a dessa
Companhia de Jesus passaram a confundir-se, este artigo pretende resgatar al-
guns aspectos dessa história de quase cinco séculos. Para tanto, faz um recorte
e volta-se ao pequeno espaço situado na parte sul do país, Santa Catarina. Mais
especificamente à atuação dessa ordem religiosa nesse estado durante os séculos
XVI e XVII, portanto no alvorecer da colonização. Recordando os cinquenta anos
da fundação do Regional Sul IV da CNBB, o artigo opta pela tentativa do resgate
da memória remota, buscando lançar um fio de luz à memória atual.
Palavras-chave: Jesuítas. Índios. Evangelização. Santa Catarina.
Abstract: In the commemoration of the 470th anniversary of the arrival of the Society
of Jesus in Brazil, considering that the vicissitudes and setbacks of national history
and that of Jesus’ Company get confused, this article intends to recover some aspects
of this history of almost five centuries. To do so, it makes a cut and turns to the small
space located in the southern part of the country, Santa Catarina. More specifically,
the performance of this religious order in this state during the sixteenth and seven-
teenth centuries, therefore in the dawn of colonization. Recalling the fifty years of
the founding of the Regional Sul IV of the CNBB, the article opts for the attempt to
rescue remote memory, seeking to throw a thread of light to the current memory.
Keywords: Jesuits. Indians. Evangelization. Santa Catarina.

* Doutor em Teologia e Ciências Patrísticas (Instituto Patrístico Augustinianum, Roma,


2005). Mestre em Letras (UFSC, Florianópolis, 1998). Bacharel em Teologia (Faculdade
de Teologia da Companhia de Jesus, Belo Horizonte, 1994). Licenciado em Letras
Português-Francês (UFSC, Florianópolis, 1994). Graduado em Letras Clássicas
Latim-Grego (Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma, 2003). Curso Superior de
Estudos Franceses (Universidade de Nancy, França, 1990). Curso de Filosofia (Instituto
São Boaventura, Campo Largo-PR, 1986). Diretor da Faculdade Católica de Santa
Catarina, Florianópolis, desde 2016.
E-mail: edinei@tiscali.it

Encontros Teológicos | Florianópolis | V.34 | N.1 | Jan.-Abr. 2019 | p. 65-85


Rumo ao Sul: missão Jesuíta no Brasil (séculos XVI-XVII)

Introdução

Este ano de 2019 é marcado pela comemoração dos 470 anos da


chegada da Companhia de Jesus ao Brasil. Desde então, as vicissitudes
e revezes da história nacional passaram a confundir-se com a dessa
Companhia de Jesus e a recíproca também pode ser, em certo sentido,
aplicada. Crescimento e desenvolvimento dessa então promissora fun-
dação inaciana confundiram-se com o desenvolvimento daquela então
promissora terra brasílica. Portanto, é quase impossível pensar história
do Brasil sem uma presença expressiva dos jesuítas.
Para o resgate dessa história de quase cinco séculos, longos e múl-
tiplos são os passos a serem dados, obviamente em modo retroativo, até
esse longínquo mas decisivo ano de 1549. Há muito para dizer e muitos
a destacar considerada uma atuação nacional que absorve quase a tota-
lidade da história nacional, seja enquanto presença, seja enquanto ação.
O resultado do trabalho deles continua a repercutir, mas esse não cessa
de acontecer não só no plano eclesial mas também social como um todo.
É frente a este panorama, comportando a história da Companhia
de Jesus em terras brasileiras e possibilitando tantas direções, que este
artigo faz um recorte e volta-se ao pequeno espaço situado na parte sul
do país, Santa Catarina. Mais especificamente à atuação dessa ordem
religiosa nesse estado durante os séculos XVI e XVII, no alvorecer da
colonização, portanto; e isso por si só impõe a sua importância. Aliás,
nesse espaço, encontra-se outro motivo comemorativo, os cinquenta anos
da fundação do Regional Sul IV da CNBB. Casando-os, o provecto, de
quase cinco séculos, e o recente, de meio, ambos históricos, estrutura-se
este artigo, tendo optado pela tentativa do resgate da memória remota,
buscando lançar um fio de luz à memória atual.
Não se pretende muito porque as fontes escassas não o permitem e
a reincidência temática determina limites.1 Ciente de se estar transitando
por um lugar comum, estabelece-se o propósito de voltar à sua escassez
revisitando-as, relendo-as, reinterpretando-as e, se for o caso, ressigni-
ficando-a, certamente com o impulso desses dois motivos ­celebrativos.

1
Utilizou-se amplamente nesta pesquisa a obra de Serafim Soares Leite, SJ, pelo
renome e abrangência reconhecidos de seu trabalho, inclusive como sintetizador de
várias fontes. Cf. História da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo I (século XVI – o
estabelecimento), Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1938. Parte da coleta de
material para este artigo foi feita pelo Revmo. Pe. Flávio Feler.

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Edinei da Rosa Cândido

Afinal, repita-se, são 470 dos jesuítas no Brasil e 50 anos do Regional


Sul IV em Santa Catarina.

Missão Brasil nos primórdios da Companhia


de Jesus

Quase meio século se passara da chegada dos pioneiros portugue-


ses nesta vasta porção de terra do hemisfério sul. Espalhadas em partes
do imenso território, seguindo a faixa litorânea, tímidos povoamentos
marcavam a presença do homem europeu. Navios de diversas bandeiras
aventuravam-se pela costa, para extração de madeira, notavelmente da
árvore de cor avermelhada, que levara os portugueses a batizar a nação
com o mesmo nome.
Na pauta da coroa portuguesa permanecia o desafio de assenho-
rar-se estavelmente dessa cobiçada e promissora descoberta, fruto da
sua eficiente, corajosa e, sobretudo, inovadora navegação marítima
nessa época. Finalmente optou-se por uma estratégia de comando: a
instalação de um governo local para representar e defender os inte-
resses lusitanos no país. Uma expedição foi organizada para trazer os
pioneiros encarregados de iniciar a administração desse grande negócio
português chamado Brasil.
No tangente à assistência religiosa e propagação da fé, expressão
dos fortes laços que uniam a monarquia lusa à Sé de Roma2, Dom João
III estreitou tratativas com uma recente e desconhecida ordem religiosa:
Companhia de Jesus. Haviam-se passado somente 15 anos desde que,
em 1534, o soldado espanhol – mergulhado em profunda crise após ter
sido derrotado em batalha, e emerso de uma experiência mística – Inácio
de Loyola, com alguns companheiros, transbordando de espiritualidade,
havia, em Paris, iniciado o seu movimento, alcançando rápida difusão.
A ideia e o conselho do convite partiram do português Diogo de Gou-
veia, que os conhecia desde o tempo em que Inácio de Loyola estava
estudando na França3.

2
Vigorou para o Brasil desde o descobrimento até a proclamação da República o
sistema de Padroado Régio que conferia ao rei o direito de administrar a estrutura
eclesiástica. Cf. VIEIRA Dilermano Ramos. História do Catolicismo no Brasil. Vol. I
1500-1889. Aparecida: Santuário, 2016. p. 16.
3
ECHANIZ, Ignazio, SJ. Paixão e Glória: História da Companhia de Jesus em Corpo
e Alma. Tomo I. São Paulo: Loyola, 2006. p. 25-26.

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Após a Páscoa de 1538 chegara a Roma com o desafio de conven-


cer o novo papa, Paulo III da família Farnese, da seriedade e oportunidade
de seu movimento espiritual. A cúria, em polvorosa, tentava sanar os
efeitos dos movimentos reformistas: Lutero, Calvino, Zwinglio, o cisma
de Henrique VIII dentre outros. O tecido da cristandade europeia, cuida-
dosamente cosido ao longo dos séculos, desfazia-se em pedaços e fala-se
da necessidade de um concílio para tentar recompô-lo. Em meio a tantos
desencontros desses tempos difíceis, esse foi um encontro decisivo para
o novel instituto religioso cuja ação na Igreja destinava-se a repercutir
no mundo inteiro. O pontífice soube colher a disposição e vigor dessa
nova proposta, vendo-a como um auxílio para contrabalançar as enormes
perdas do catolicismo causadas pelas turbulências da Reforma.
Um fato a não ser menosprezado: pouco antes, em 1537, Paulo
III publicara a bula Sublimis Deus proclamando aos colonizadores e ao
mundo que índios não podem ser tratados como mercadoria, não podem
ser traficados. Eles são gente, sujeitos aptos a serem evangelizados; eles
têm alma, são imagem e semelhança de Deus. Como se vê, os entraves
da colonização apenas começavam a engrossar a pauta de preocupações
da Igreja.
Foi respirando essa atmosfera pesada de época e sensibilizando-
-se com essa realidade colonial que Inácio de Loyola, aprovado o seu
movimento em 27 de setembro de 1540, instalado na cidade eterna na
condição de Superior Geral da sua companhia, acedeu ao pedido de
El Rei para o envio de missionários ao Brasil e instruiu o seu colega
e cofundador, Pe. Simão Rodrigues sobre essa primeira missão no
continente americano. Este, por sua vez, preferiu permanecer em Por-
tugal e designou um pequeno grupo para iniciar o serviço missionário
d’além mar.
Assim, no dia 1º. de fevereiro de 1549, partia do Reino a comitiva
do primeiro Governador Geral do Brasil, Tomé de Souza, composta de
seis navios e mil pessoas: maioria soldados e quatrocentos criminosos que
vieram expiar suas culpas no degrego. Feitos os preparativos, juntam-se
à comitiva um modesto contingente de seis missionários dessa ordem
recém-fundada: os padres Manuel da Nóbrega, João de Azpilcueta Na-
varro4, Leonardo Nunes, Antonio Pires, e os noviços Diogo Jacome e

4
Pe. João de Azpilcueta Navarro, nascido entre 1522-1523, integrou o grupo pioneiro dos
jesuítas vindo ao Brasil e, um ano após sua chegada, foi enviado pelo Pe. Manuel da
Nóbrega a Porto Seguro. Mais tarde, foi responsável por organizar uma primeira tentativa

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Vicente Rodrigues. Na trilha dos grandes navegadores, lançam-se ao mar


e a 29 de março, após 56 dias de viagem, na sexta-feira da 3ª. Semana
da Quaresma, chegam ao seu destino para não mais retornar à Europa.
Aportam não muito longe da baía; batizam o local de São Salvador; par-
ticipam da fundação da primeira capital do Brasil, que batizaram com o
nome de Salvador, o mesmo da nau capitânea que levava o Governador
Geral. Dois dias depois, descem à terra firme e o superior da missão
reza a primeira missa jesuíta em solo brasileiro. Assim, sob a tutela da
monarquia católica lusa, iniciaram suas atividades nesta parte distante
do planeta. Depois dessa meia dúzia, chegariam outros e muitos outros
missionários jesuítas.
A missão brasílica teve a capacidade de unir três grandes neces-
sidades num projeto comum: da coroa portuguesa que dava um passo
decisivo com a implantação de um primeiro governo; dessa nova ordem
religiosa em busca de reconhecimento e legitimação; de esperança e
alívio para a própria Igreja que, nos novos espaços conquistados, via
certa compensação das enormes perdas sofridas no continente europeu.
Lançar-se nessa aventura d’além-mar era uma cartada decisiva para essa
tria: páginas começavam a ser escritas nessa parte preciosa do globo,
nova terra, novo mundo.

Em defesa dos carijós (século XVI)

Dentre os missionários que iniciaram o trabalho dos jesuítas no Bra-


sil, um deles, Leonardo Nunes, recebeu dos índios o apelido de A
­ bare-bebê,

de exploração dos sertões que hoje pertencem à Bahia e ao interior de Minas Gerais. Na
meta estava também a busca pela cobiçada Serra das Esmeraldas. Um destaque de seu
intenso trabalho encontra-se no campo linguístico. De língua-mãe basca, foi o primeiro
a entender aquela língua tão difícil para os europeus. Logo começou a compreender os
indígenas e empenhava-se em relacionar-se com bons “línguas” como eram chamados
os intérpretes. Cuidou para que fossem traduzidas para língua compreensível aos índios
as principais orações, como o Pai Nosso, mas também sermões; tudo com finalidade
catequética. Foi o primeiro dos missionários a se comunicar em língua indígena e iniciou
estudos sobre o assunto. Em pouco tempo já ensinava em língua nativa, traduzia a
criação do mundo e a encarnação, além dos demais artigos da Fé e Mandamentos da
Lei de Deus. Deixou estudos com os primeiros fundamentos para traduzir do tupi para
o português e vice-versa. É um nome menos conhecido na grande lista de egrégios
da Companhia de Jesus no Brasil. No entanto, seu trabalho linguístico serviu de base
para o Pe. José de Anchieta na construção de sua própria gramática. Extenuado pelos
tantos trabalhos, faleceu prematuramente em 30 de abril 1557. A sua extirpe nobre de
Navarra o aparenta, pela parte materna, com São Francisco Xavier numa família de
homens reconhecida cultura humanista, qual seu tio Martín Azpilcueta (1481-1596).
ECHANIZ, 2006, p. 193-194, os confunde, tio e sobrinho.

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Rumo ao Sul: missão Jesuíta no Brasil (séculos XVI-XVII)

que significa padre voador, por causa da grande capacidade que tinha de
movimento estando em vários lugares ao mesmo tempo. As distâncias
pareciam não lhe imporem limites. Dos arredores do centro da missão,
Ilhéus e Porto Seguro, logo “voou” para São Vicente, à conhecida capitania
de Martim Afonso de Souza já em 1550. Acompanhado dos colegas Pe.
Afonso Braz e o Irmão Diogo Jacome, trouxera consigo de Ilhéus um grupo
de 12 meninos indígenas e índios adultos, dentre os quais alguns carijós
provenientes das terras do sul, de onde foram levados como escravos.5
Pode-se imaginar o efeito que não terá causado sobre os missionários
o contato com esses aborígenes sulinos que suscitavam tantas indagações:
eram catequizados e relatavam fatos inusitados da sua história de evange-
lização. Tudo isso não terá deixado de intrigá-los. Assim, antes mesmo de
terem chegado ao sul, do sul conheceram índios que lhes chamou a atenção
pelo comportamento distinto. O fato é que essa singularidade, unida aos
clamores do sequestro e da escravidão, levou o Pe. Manoel da Nóbrega a
instar junto às autoridades pela liberdade deles, concedida por ordem de
Tomé de Sousa. “Foi com esta gente que se deu a primeira intervenção dos
jesuítas a favor dos índios do Brasil. Índios que estão além de São Vicente,
o qual todos dizem que é o melhor gentio desta costa”.6
Assim que se inseriu o nome e o povo carijó na história da Com-
panhia de Jesus no Brasil, como beneficiários dessa proteção, que em
tantas circunstâncias e de diversos modos, com maior e menor sucesso,
os jesuítas tentaram em favor dos índios. Longa e polêmica tem sido a
discussão da ação missionária junto aos índios e os pareceres estão longe
do consenso acerca da proteção que os missionários lhe proporcionaram.
De qualquer maneira, o episódio em questão tem duplo valor pela defesa
feita do índio e por ter sido a primeira de tantas.
A correspondência de Nóbrega já deixa entrever uma proposta
de instalação jesuítica junto ao local de proveniências desses índios. O
Pe. Nunes era o designado para essa tarefa e rumou com eles da Bahia
em direção ao sul em 1553. Ao chegar a São Vicente, encontrou a nova
fundação muito necessitada de sua presença e aí se deteve por um ­tempo,

5
Carijó: procedente do branco – mestiço, como o galináceo de penas salpicadas de
branco e preto – caboclo – antiga denominação da tribo indígena guarani, habitante
da região situada entre a Lagoa dos Patos (RS) e Cananeia (SP) – carió – cário –
cariboca – curiboca caburá – tapuio. Disponível em: <www.dicionariotupiguarani.com.
br/dicionario/carijo/>. Acesso em: 22 abr. 2019.
6
LEITE, 1938, p. 322. A expressão, amplamente conhecida, tem sido utilizada como
marca da índole dos carijós.

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pois a recém-fundada vila precisava de seu auxílio. Foi construída uma


igreja e uma casa para educar crianças indígenas, que resultou na primeira
escola da capitania.
No tocante aos carijós que o acompanharam dispersaram-se. Uma
vez livres rumaram para o Espírito Santo e ali se estabeleceram, inclusi-
ve casando-se. Eram cristãos! Nessa ocasião surge um fato novo: o Pe.
Nunes recebeu a incumbência de Tomé de Sousa para descer mais ao
sul e resgatar umas senhoras castelhanas naufragadas no Rio dos Patos.7
O deslocamento, ida e volta, deu-se ente 10 de março e 15 de
Junho.8 Foi a oportunidade de desvendar o mistério desses índios cate-
quizados, convertidos e batizados. De volta, o padre relata o contato feito
com os carijós, dentre os quais encontrou alguns cristãos, como aqueles
sequestrados e levados para Bahia e libertados pela intercessão de Nó-
brega. Todos foram catequizados por dois franciscanos espanhóis, Frei
Bernardo de Armenta e Frei Alonso Lebrón havia poucos anos. Assim o
missionário pôde tomar conhecimento e testemunhar de visu um pouco
do trabalho de seus predecessores.9

7
Um dos tantos e costumeiros naufrágios verificados na costa catarinense no século
XVI, sobretudo nos arredores da Ilha de Santa Catarina. É um elemento a mais a
demonstrar o fluxo de navegação, majoritariamente de bandeira espanhola, desde o
início desse longínquo século XVI. Neste caso, trata-se da expedição Sanabria, partida
da Espanha em 10 de abril de 1550 para prestar socorro a Assunção. Aportaram na
Ilha de Santa Catarina em novembro de 1550. Viajava um grupo de nobres senhoras
dentre as quais se destacam Dona Mencía Calderón de Sabria, descrita como Señora
principal de Sevilla e suas três filhas. Resgatado o grupo em Santa Catarina, com a
participação do Pe. Nunes, asilaram-se em São Vicente no início de 1552. As suas
vicissitudes, porém, não pararam por aí. Deixando às escondidas o local de asilo, no
início de 1553 fogem a pé e descem até São Francisco do Sul. Sempre à espera de
socorro espanhol, após cerca de um ano, em abril ou maio de 1554, o grupo empre-
ende uma incrível mas real travessia a pé, homens, mulheres e crianças, rumo ao
Paraguai onde, finalmente, consegue chegar em 1555. Cf. MOSIMANN, João Carlos.
Porto dos Patos, 1502-1582: A fantástica e verdadeira história da Ilha de Santa Cata-
rina na era dos descobrimentos. 2. ed. Florianópolis, 2002. p. 131-142; LOURENÇO,
Roberto. 1516 – 500 anos da chegada dos espanhóis a Santa Catarina. Jaraguá do
Sul: Rastros, 2016. p. 251-270; LEITE, 1938, p. 323.
8
Por terra o Pe. Nunes mandara os irmãos João de Souza e Pero Correa e. Este último
foi um dos tantos que apoiou e defendeu o trabalho desses pioneiros. Mais tarde, se
converteu em irmão jesuíta. Ambos foram assassinados pelos carijós nessa viagem
pelo interior (Cf. LEITE, 1938, p. 324). Foi nesse caminho entre Paraná e São Paulo
que se deu o primeiro martírio de jesuítas no brasil nesse primeiro semestre do ano
de 1556, próximo ao Rio Superagui na região da então Capitania de São Vicente,
atualmente Parque Nacional do Superagui, entre Paraná e São Paulo.
9
O fato é bastante conhecido na história da evangelização catarinense do século XVI.
Esses frades chegaram à região como náufragos da nau Marañona que partira da
Espanha com outra nau Santa Catalina, em 1538, numa expedição de socorro aos

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Rumo ao Sul: missão Jesuíta no Brasil (séculos XVI-XVII)

Estava desvendado o mistério dos índios bem-ensinados que, tendo


sido capturados como escravos por vicentistas, foram alvo da curiosidade
e sensibilidade de quem os conhecia, inclusive do próprio superior da
missão jesuíta, o Pe. Manoel da Nóbrega que impetrou do Governado
Geral sua libertação.

habitantes de Buenos Aires. Naufragaram nos arredores da Ilha e foram arrastados até
o chamado Porto Don Rodrigo (proximidades de Garopaba) junto com outros colonos
espanhóis. Eram dois frades franciscanos, Frei Bernardo de Armenta, de Córdoba,
presbítero, e Frei Alonso Lebrón, das Ilhas Canárias, Irmão. Começaram a catequizar
os carijós que demonstraram docilidade de caráter e grande aceitabilidade. O trabalho
desenvolveu-se e Frei Bernardo planejou expandi-lo e idealizou erigir ali uma provín-
cia religiosa: Província de Jesus. Em 1º. de Maio de 1538, enviou uma carta a João
Bernal Diaz de Lugo, do Conselho das índias, pedindo reforço missionário para essa
finalidade (Cf. MOSIMANN, 2002, p. 119-129. Para o contexto e excerto desta carta,
cf. in: «Cadernos Patrísticos – Textos e Estudos», 5, Florianópolis, 2008. p. 110-117). É
o documento mais consistente do empreendimento e principal fonte para atestar essa
experiência missionária. No mais, nas fontes jesuítas, como se percebe, encontram-se o
relato do Pe. Nunes, as alusões feitas nas cartas do Pe. Manoel da Nóbrega e algumas
outras posteriores, como o relato do Pe. Jerônimo Rodrigues de 1605, reforçando a
documentação sobre esse empreendimento pioneiro no sul do Brasil.
Um detalhe bastante peculiar é a revelação que Frei Bernardo faz de um indígena
de nome Etiguara ou Esiguara – agitado como um profeta – que, quatro anos antes,
lhes teria precedido na catequização dos carijós percorrendo mais de duzentas léguas
anunciando a chegada dos irmãos dos discípulos do Apóstolo São Tomé. [E aqui essa
história junta-se a outra de tradição amplamente difundida: o mito do Pai Sumé (Cf.
BESEN, José Artulino. História da Igreja no Brasil: o evangelho acolhido pelos pobres.
Florianópolis: Mundo e Missão, 2012. p. 31-32]. Dessa forma, ter-lhes-ia precedido
nesse trabalho. A missão durou cerca de 10 anos, 1538-1548. Foi a primeira missão
religiosa franciscana do sul do Brasil. Terá atingido milhares de indígenas. Em seu
auge, devia ter ao centro a Igreja e a casa dos frades franciscanos. A certa distância,
nas duas casas de recolhimento eram isoladamente doutrinados as moças e os moços
carijós. Espalhadas ao redor, havia as ocas dos índios e as casas dos espanhóis que,
junto com os frades, dirigiram esse centro catequético. Estendendo-se por todos os
lados, havia grandes roças, uma verdadeira cristandade carijó em germe. Morto Frei
Bernardo, o empreendimento missionário ficou sob a responsabilidade de Frei Alonso
Lebron e do leigo Alonso Bellido, mais os compatriotas Diego de Durango, Alonso
Benitez, Román Perez, Antonio Alvarez e Pedro Beloy. Dois navios portugueses,
vindos de São Vicente, chegaram a Mbiaza. O grupo missionário foi atraído a bordo,
preso e levado para São Vicente com muitos carijós. As últimas notícias que se tem
é que Frei Lebron, apresentando suas credenciais, conseguiu libertar os espanhóis
e índios, embarcando em seguida para a Europa na esperança de, junto à corte de
Espanha, poder apresentar seu protesto e conseguir reforço à missão. É o último
registro que se tem do frade, pioneiro com seu confrade, na evangelização dos índios
nessa região de Mbiaza. Sem proteção, entregues à própria sorte, a sorte dos carijós
estava selada: foram alvo de constantes ataques e sequestros com propósitos ob-
viamente escravagistas. O fato não deixa de suscitar vários interrogativos. Um deles
consiste em cogitar quem teria catequizado esse índio profeta, Etiguara. De maneira
literária e ficcional, Pe. Tarcísio Marchiori discute a questão, transformando Etiguara
num herói-profeta quase legendário (cf. MARCHIORI, Pe. Tarcísio. Terra dos Carijós.
Florianópolis, 1986). Outro enigma bastante discutido é a localização dessa experiência
missionária, discutida abaixo.

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Edinei da Rosa Cândido

Nesse contexto se deu o primeiro contato dos jesuítas ao sul da


Capitania de São Vicente e seus ilustres habitantes, os índios carijós, com
a visita do missionário Pe. Leonardo Nunes, um dos que chegaram no
grupo dos seis pioneiros quatro anos antes. Portanto, são poucos os anos
que separam sua chegada ao Brasil, em 1549, de seu primeiro contato
com o quase extremo sul, nesse primeiro semestre de 1553. No entanto,
não eram os primeiros evangelizadores a chegar nessa distante parte do
território, onde desde então passaram a marcar presença. O caminho
podia ser trilhado por terra, partindo da chamada Cananeia até o Paraná,
ou por mar, seguindo a costa. Abriam-se, assim, as possibilidades de
contato com os habitantes nativos de toda essa faixa litorânea sul que se
estendia desde o Paraná até de Santa Catarina à entrada do Rio Grande.
Cada vez mais crescia nos jesuítas a consciência da imensidão do
território nacional e o rumo sul passa a integrar as metas das expedições
da companhia. Começam a sondar a possibilidade de estabelecer alguma
base missionária nessa região. Ali passam a marcar presença, prestando
assistência religiosa a uns poucos europeus residentes nas primeiras
vilas desse território, resultado dos naufrágios e deserções do fluxo de
navegação, destacadamente espanhola no século XVI.
Entretanto o que ali se encontrava era julgado insuficiente para
se pensar numa presença estável. Além disso, outras frentes tomavam
vulto em várias outras partes do território brasileiro com demanda de
pessoal. Nesse primeiro meio século de presença no Brasil, os jesuítas
foram parceiros nos grandes empreendimentos para estabelecimento da
colônia. Não por acaso tinham vindo na mesma expedição com Tomé de
Sousa, primeiro Governador Geral do Brasil. Por um lado acompanhavam
expedições na costa, por outro acompanhavam pioneiros que adentravam
no interior, estando junto e à frente de várias iniciativas de povoamento.
Foi um período de muitas fundações.
A estratégia de organização consistia na ereção de um colégio em
cada cidade estabelecida. Assim, aos poucos, vão sendo fundados estabe-
lecimentos de ensino nas vilas que se tornariam as cidades. Em Salvador
em 1551, São Paulo em 1556, Rio de Janeiro 1567, 1576 no centro de
Pernambuco, dentre outros. Junto a alguns colégios, eram edificados os
seminários para o cultivo das vocações e formação dos futuros integrantes
da Companhia de Jesus e do clero diocesano.10

10
Merece menção o fato de no Brasil ter sido instituído o primeiro seminário diocesano
pós-Trento. Coube ao Rei de Portugal, Dom Sebastião, o mérito de autorizar a sua

Encontros Teológicos | Florianópolis | V.34 | N.1 | Jan.-Abr. 2019 73


Rumo ao Sul: missão Jesuíta no Brasil (séculos XVI-XVII)

O segundo grupo da Companhia de Jesus chegou em 1550, na


frota de Simão da Gama e Andrade, com quatro missionários: Salvador
Rodrigues, Francisco Pires, Manuel de Paiva e Afonso Brás. A 13 de
julho de 1551 chegava ao Brasil o segundo Governador Geral, Duarte
da Costa, e com ele chegava o terceiro grupo de jesuítas, que incluía
os padres Luís da Grã, Brás Lourenço e Ambrósio Pires. E os noviços:
Gregório Serrão, João Gonçalves, Antônio Blásquez e José de Anchie-
ta, o apóstolo do Brasil. Contudo, aos poucos, as levas de missionários
portugueses iriam escassear para dar lugar às vocações nativas dessa
missão que se ia agigantando.
No ano de 1553, em 09 de julho, a missão brasileira é elevada à
condição de província jesuítica pelo próprio fundador, o qual nomeia o
Padre Manuel da Nóbrega sj como primeiro Provincial do Brasil. A sede
da Província foi estabelecida em São Salvador da Bahia. Havia 30 jesu-
ítas na missão brasileira, estavam espalhados em localidades do litoral
brasileiro e em São Paulo de Piratininga, fundada em 25 de janeiro de
1554, marcada com a celebração de uma missa na Festa da Conversão
do Apóstolo Paulo, data ainda hoje fixada no calendário litúrgico. À
frente do promissor projeto encontram-se os nomes dos pioneiros e dos
de outras levas chegadas ao Brasil, quais Manuel de Paiva, Manuel da
Nóbrega e José de Anchieta.
Em Santa Catarina, entrementes, permanecia a provisoriedade
das expedições que iam e vinham, com episódios fortuitos de pouca
relevância. Nesse conjunto de pequenos fatos e relatos vão se encer-
rando as experiências jesuítas no sul do Brasil no século XVI. Carijó
tornara-se sinônimo de docilidade e mansidão e sua boa índole era
reconhecida. A grande referência geográfica no sul era a chamada
Laguna de los Patos, topônimo que remete vivamente a uma presen-
ça espanhola no local conforme já mencionado11. O fácil acesso do

ereção, tornando-se, assim, o primeiro monarca católico a atender a essa determinação


conciliar. Isso se deu por solicitação do segundo bispo da Bahia, Dom Pedro Leitão
(1519-1573). Cf. VIEIRA, 2016, p. 18-19.
11
Essa forte presença espanhola no sul do Brasil justificava-se pela facilidade de comu-
nicação que estabelecia com a Argentina, Paraguai e Uruguai, mas também por uma
indefinição dos limites das terras descobertas entre Portugal e Espanha. Em 1494,
com a bula Inter Caetera, o Papa Alexandre VI arbitrou um tratado entre Portugal, com
D. João II, e Espanha, com Fernando de Aragão e Isabel, cognominada a Católica.
Oficialmente registrado como Capitulação da Partição do Mar Oceano e popularmente
como Tratado de Tordesilhas. “[...] fixou uma linha de divisão imaginária unindo os dois
polos pelo globo terrestre, estabelecia a 370 léguas a oeste das ilhas de Cabo Verde.
As terras que estivessem a oeste desta linha pertenceriam à Espanha. Aquelas que

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Edinei da Rosa Cândido

Uruguai e Paraguai até o sul do Brasil estabelecera uma rota ampla-


mente utilizada, oportunizando muitos escambos, antes da chegada
dos portugueses. No mais, as preocupações dos missionários com
outras regiões do Brasil ao norte e nordeste, somadas à penetração
no interior da própria região paulista também desviavam a atenção
das pequenas povoações do sul.
Entretanto, um último episódio no final desse século, pontualmente
em 1596, mereceria registro encerrando definitivamente as crônicas das
experiências jesuítas em terras catarinenses. Conta-se que um navio
chegou ao porto dos carijós engambelou setenta índios levando-os a
bordo e zarpando com eles sequestrados. Ao chegarem em São Vicente
as autoridades locais, capitão de terra e provedor, obrigaram o capitão
do navio a voltar e devolver os índios ao seu logradouro. Foi quando
entraram em cena as figuras de Pe. Agostinho de Matos e Custódio Pires
que, solicitados, acompanharam o navio de volta à terra dos carijós com
a difícil missão de, ao devolver os índios sequestrados, restaurar a paz
com a aldeia, em polvorosa pelo ocorrido.

A 27 de novembro de 1596, saíram de São Vicente; e, a 04 de dezembro


chegaram a um pôrto chamado Laguna de los Patos por razão de uma
alagoa que junto dela está em que andam muitos patos os quais não
somente dão apelido ao pôrto mas também aos mesmos Carijós, que por
outro nome se chamam Patos e teem suas Aldeias de vinte pêra trinta
léguas afastadas deste porto.12

estivessem a leste desta marca seriam de propriedade portuguesa. Hoje, sabemos


que, no Brasil, esta linha teoricamente seria uma reta unindo as cidades de Belém, no
Pará, e Laguna, em Santa Catarina, situada a mais de 4.000 km ao sul da primeira.
Porém, como as medições não eram precisas na época e também porque não se
definiu a partir de qual das ilhas de Cabo Verde se mediram as 370 milhas, havia
muita confusão em sua demarcação. Além disto, é importante lembrar que as milhas
marítimas portuguesa e espanhola apresentavam distâncias diferentes. LOURENÇO,
2016, p.146; Cf. também p.146-152.
12
LEITE, 1938, p. 325. Quanto ao local Laguna de los Patos aponta sempre para a atual
cidade de Laguna. Contudo, a toponímia ora quer indicar uma vila ora um espaço
maior, uma região. Assim, encontram-se registros bastante variados: Viaça, Viasa,
Biaça, Biaza Mibiaçaba, Mbiazais, Mbyaçá, Mbiaça, Mbiazá Embiaça, Enbiaça, Ibiaça.
O homem branco ao registrar graficamente acaba por criar algumas variantes sobre
a mesma raiz. A documentação da época também faz emergir as mais antigas refe-
rências toponímicas catarinenses. De maioria indígena, algumas porém já trazem a
marca do colonizador/conquistador presente nos primeiros povoados: São Francisco
do Sul, Enseada das Garoupas (Porto Belo), Ilha de Santa Catarina. Descendo mais
ao sul, Maciambu, Garopaba, Imbituba. Nesse conjunto uma das referências mais
recorrentes é a Laguna dos Patos. Do Paraná encontram-se constantes referências
a Paranaguá.

Encontros Teológicos | Florianópolis | V.34 | N.1 | Jan.-Abr. 2019 75


Rumo ao Sul: missão Jesuíta no Brasil (séculos XVI-XVII)

A recepção não podia ter sido mais calorosa e efusiva: os Padres


arvoraram em terra uma cruz, e junto dela construíram uma igreja. E logo

os Portugueses entregaram os índios que traziam, e a gente começou de


concorrer de muitas léguas a ver os Padres. Houve principal que veio
obra de duzentas. Estes abraçavam os Padres com muitas lágrimas e
outros sinais de amor, pedindo quisessem morar entre eles ou ao menos
tornar lá cedo; porém não foi possível efectuar-se, porque, como não há
entre eles povoação de Portugueses, não é seguro fazermos ali morada.13

Seria demais ver nessa euforia, depois de tantas décadas, ainda um


resquício do trabalho de Etiguara na preparação à vinda dos discípulos
do Apóstolo Tomé. Ou era simplesmente sentimento de gratidão pela
percepção do papel exercido pelos padres na libertação e recondução
dos membros da tribo? Seja como for, com esse relato quase apoteótico
encerra-se bem meio século de atividades ocasionais dos jesuítas em
Santa Catarina.

Nas terras de Mbiaça (século XVII)

Foi nessas condições de incerteza e insegurança, acerca da estabi-


lidade jesuíta em Santa Catarina, que começou o século XVII. Contudo,
o novo Provincial, Pe. Fernão Cardim, voltou de Roma com a resolução
de estabelecer a companhia na região dos Patos. Foram escolhidos para
o projeto os padres João Lobato e Jerônimo Rodrigues, acompanhados
de sete índios cristãos. Feitos os preparativos, saíram do Rio de Janeiro
e em Santos fizeram uma baldeação. Dali partiram, em 27 de março de
1605, a pé para Cananeia onde chegaram em 04 de abril. Sem embarcação,
improvisaram uma canoa de pau de ibiracuí e seguiram até Paranaguá.
Ali, enquanto aguardavam a bagagem que ficara para trás, encontraram
alguns portugueses residentes e flamengos que se identificaram como
católicos da Alemanha de regresso ao Rio de Janeiro.
No início de agosto, os missionários seguiram viagem. Sem poder
entrar em Guaratuba por causa do mau tempo, rumaram direto até chega-
rem à Baía de São Francisco. Encontraram um carijó que se identificou
como um daqueles resgatados em 1596 e se prontificou a conduzir o
grupo até a Laguna dos Patos, onde finalmente aportaram em 11 de agosto
desse ano de 1605. Chegara ao fim e a bom termo a viagem aventureira.

13
LEITE, 1938.

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Edinei da Rosa Cândido

O inverno era rigoroso naquele ano, os desafios se acumulavam


e os perigos eram muitos: tempestades, baleias, cachões da costa, nau-
frágios, frio e fome, seguindo a descrição de Pe. Jerônimo. Iniciaram
contatos com os índios, mas tudo se dava de forma superficial e fugaz.
Saíram a desbravar as cercanias e chegaram a uma pequena aldeia de
nome Embitiba, de nove ou dez moradores com suas famílias, onde
resolveram erguer uma igreja.14
Nesse contexto, surpreendentemente, mais uma vez, emergem os
resquícios da Província de Jesus, sonho acalentado, havia mais de meio
século, por Frei Bernardo de Armenta e Frei Lebron. Efetivamente,
alguns poucos dentre esses residentes, apresentaram-se como cristãos:

Alguns cristãos antigos a quem uns frades, a quem Deus perdoe, haverá
50 anos pouco mais ou menos, fizeram cristãos deixando-os sem doutrina
em seus vícios e desaventuras, e todos estavam amancebados e cheios
de filhos com diversas mulheres.15

Eram os últimos remanescentes da missão dos franciscanos


espanhóis.
O juízo dos missionários acerca do trabalho dos seus antecesso-
res, expresso nessa breve citação, não deixa de suscitar surpresa e certa
indignação. Entende-se que a decepção deles era grande frente às tantas
dificuldades e desafios encontrados. Contudo, era preciso considerar
que mais de 50 anos haviam se passado desde a morte do benemérito
Frei Armenta e a partida do confrade Frei Lebron. Ambos não pouparam
esforços para conseguir reforço para aquela iniciativa de evangelização,
propondo inclusive um modelo de colonização, baseado no trabalho e
não na luta:

[...] Venham também muitos camponeses com um perito chefe agricultor,


que mais proveitosos são do que os soldados, porque estes indígenas

14
Parte do enigma sobre a localização exata do local da experiência missionária é des-
vendada com a indicação desse local chamado Embitiba. A semelhança toponímica
faz pensar no atual município de Imbituba. Além dessa sugestão fonética e gráfica,
Alice Bertoli, partindo de outros argumentos como a distância em léguas de Laguna
e da Ilha de Santa Catarina, a existência da antiga igreja de Santana etc, apresenta
a localidade de Vila Nova, no mesmo município, como a primeira das suas três hipó-
teses de localização da missão de Frei Bernardo de Armenta. Cf. ARNS, Alice Bertoli.
Laguna, uma esquecida: Epopeia de Franciscanos e Bandeirantes, e a história de
uma velha igreja. Curitiba, 1975. p. 40-42.
15
LEITE, 1938, p. 327.

Encontros Teológicos | Florianópolis | V.34 | N.1 | Jan.-Abr. 2019 77


Rumo ao Sul: missão Jesuíta no Brasil (séculos XVI-XVII)

devem ser convencidos pelo amor, não pelo ferro. Pois se ficam exa-
cerbados, fazem grandes estragos, porque são robustos, vigorosos, de
estatura alta, armados e ferozes no manejar dardos, arcos e flechas.16

Julgando com ponderação, pode-se dizer ter sido notável que,


passado mais de meio século, esses convertidos e abandonados, sem
assistência religiosa, ainda se considerassem cristãos, penitentes dos
frades e acolhessem os novos missionários. O desfecho do breve relato
não poderia ser mais auspicioso e animador: a missa celebrada no local na
festa de São Bartolomeu. É testemunho e marco de uma nova fase nessa
evangelização pioneira e trabalhosa nessa parte de Santa Catarina. Por
isso, a importância de destacar esse memorável 24 de agosto como um
encontro dessa primeira evangelização, testificada nos remanescentes,
e a nova, personificada nos missionários.
Importante mencionar que, por trás de ambas jazia o anúncio profé-
tico, seguindo as palavras de Bernardo de Armenta, do índio Etiguara em
missão num raio de mais de duzentas léguas. Pouco mais de um século
se passara da chegada dos portugueses ao Brasil e esse pedaço de sul já
passara pelo crivo de três para quatro etapas distintas no seu processo
evangelizador: a primeira, do enigmático catequista de Etiguara, a se-
gunda, do próprio índio catequista, a terceira, dos dois frades e a quarta,
a dos jesuítas, que pode ser vista nos seus vários momentos pontilhados
desde 1553 até esse início de século XVII.
Em Embitiba os jesuítas permaneceram com os índios até 1607.
Construíram uma pequena Igreja com morada que serviu como sede
da missão nas proximidades da Lagoa do Mirim perto do Rio D’Una.
Eles percorreram toda a região sul do Estado catarinense e adentraram
até o território riograndense em Tramandaí17. Foi nesse período que os
missionários conheceram um famoso índio traficante de escravos índios
chamado Tubarão.18

16
Cf. MOSIMANN, João Carlos. In: Cadernos Patrísticos – Textos e Estudos, 5 (2008), p. 116.
17
Talvez, baseado nesse deslocamento ainda mais para o sul, foi o que levou o Pe.
Raulino Reitz a estimar a localização de Embitiba, hipotizando a identificação com
Mampituba, no extremo sul, na região do atual município de Sombrio. Cf. REITZ, P.
Raulino. Paróquia de Sombrio (ensaio de uma monografia paroquial). Brusque, 1948.
18
Todo o relato seguinte é extraído de LEITE, 1938, p. 328-329. O termo Tuba-nharô
– Tubarão, ‘pai feroz’. Sobre a discussão do nome do cacique e do nome da cidade.
Disponível em: <http://historiatubarao.blogspot.com/2017/05/tuba-nharo-do-rio-ou-
-do-cacique.html>. Acesso em: 15 abr. 2019.

78 Encontros Teológicos | Florianópolis | V.34 | N.1 | Jan.-Abr. 2019


Edinei da Rosa Cândido

Chegados, pois onde este índio estava, que era junto a uma alagoa,
aonde com grande perigo passamos, entramos em um tejupar, aonde es-
tavam três ou quatro redes armadas. E ele, como coberto com uma manta
listrada, e com um chapéu na cabeça, com grande gravidade, sem fazer
caso algum de nós, começou logo a falar com um índio, que conosco
ia, mui devagar. E depois falou outro pedaço com outro, convidando-os
a seu modo, com certa beveragem, que imagino ser o sumo do betele
da Índia, conforme as virtudes que dizem ter. E nós, como Joanianes,
ouvindo-lhe suas patranhas. Depois acudiu com seu ereiupe ao Padre e
a mim. O Padre, que já estava enfadado, e com razão e quase se quise-
ra erguer da rede, e o fizera se fora outra gente, em breve lhe disse ao
que éramos vindos. E, se quisessem ser filhos de Deus e terem igreja e
Padres em suas terras, que se haviam de ajuntar e deixar suas vendas e
suas matanças, por ser ofensa de Deus; e que os Tapuias podiam vender
em troco de suas coisas.
Querendo-nos despedir, disse ele ao Padre que folgava com
nossa vinda, que faria primeiro duas guerras, e que depois se ajuntaria
conosco, em lugar, que ele nomeou, que era junto da Laguna dos Patos.
E, perguntando-lhe o Padre se era seu filho um menino, que ali estava,
respondeu: Sim per vos outros o açoitardes. Isto é dito de escravos de
brancos, que pêra cá fogem. E eles tinham alguns em seu poder, sem os
querer dar, dizendo serem seus escravos.
Isto é o que passamos com o senhor Tubarão, do qual diz o Padre
que nunca no Brasil viu índio tão soberbo, nem que tanto o mostrasse,
com não ser principal. E Cristóvão Aguiar confessa que ele o fez principal
e o assentara naquela cadeira, que agora tem, scilicet, de ser estimado dos
brancos, mas isto por ele ser um grande ladrão de Índios para os brancos.
O relato pitoresco não pode desviar a atenção para a gravidade
do fato: um líder, chefe indígena cooptado por colonos portugueses para
interceptar e caçar outros índios e vendê-los para serem escravizados.19
No que diz respeito à soberba do índio Tubarão é mais uma definição do
caráter do carijó que vai oscilando nas suas linhas positivas e negativas:

19
A mesma tática era utilizada na África no processo de escravização dos nativos.
As próprias lideranças autóctones eram cooptadas para servir de intermediários na
viabilização do tráfico. Dentre o acervo perdido recentemente no incêndio do Museu
Nacional no Rio de Janeiro, estava o trono do rei do Daomé, Adandozan, presenteado
a Dom João VI em 1811. A explicação sumária de que teria sido doado para melhorar
as relações diplomáticas entre o Reino do Daomé e o Brasil não deixa de suscitar
uma série de questionamentos que vão nessa mesma direção.

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Rumo ao Sul: missão Jesuíta no Brasil (séculos XVI-XVII)

serem o melhor gentil da costa, os homens bebem, mas não se embriagam


e as mulheres não bebem; não roubam os objetos uns dos outros, embora
sejam ladrões de pessoas. Também podem matar, pois assassinaram os
dois religiosos a caminho do Paraná. Afinal, os carijós são bons ou não?
Na verdade as afirmações partem de atitudes circunstanciais e pouco se
pode inferir e definir propriamente do seu caráter. Muito fica por conta
da hipérbole!
Uma tentativa de síntese pode ser vislumbrada no relato missioná-
rio: “Se os brancos dizem ser os Carijós bons, é porque se lhes vendem.
E até os mesmos Carijós o estão dizendo: porque lhes vendemos nossos
parentes, dizem que somos bons”.20 A resposta, porém, parece estar na
maneira como são tratados, nas circunstâncias em que acontece o contato
com eles, no método utilizado na sua catequização. E aqui bem vale
repetir o modo como devem ser tratados, segundo o pensamento deste
que pode ser considerado um dos seus amigos brancos, Frei Bernardo
de Armenta: “[...] porque estes indígenas devem ser convencidos pelo
amor, não pelo ferro”.21
Retornando à cronologia da presença missionária entre os índios,
desde essa missão de 1605, percebe-se uma presença mais amiúde da
Companhia de Jesus em terras catarinenses e sucedem-se os relatos de
viagens e visitas. Em 1618 os missionários João de Almeida e João Fer-
nandes Gato também estiveram no litoral catarinense. Como costumava
acontecer, alguns missionários em visita ao litoral, paravam um tempo
também na Ilha de Santa Catarina, Meimbipe, como as chamavam os
carijós. Sabe-se que em 1622 tinham planos de abrir ali uma residência.
Para isso foram enviados os padres Antônio de Araújo e João Almeida.
Uma nova frente missionária no litoral catarinense no início de 1628,
conduzida pelos padres Francisco Carneiro, Manoel Pacheco, Pedro da
Mota e Francisco de Moraes conseguiu atingir mais de 400 indígenas na
catequese. Pouco tempo depois, em 30 de maio daquele mesmo ano, mor-
reu de febre o Pe. Pedro da Mota em Laguna e ali mesmo foi sepultado.
Entretanto a pressão dos bandeirantes sobre os missionários era
cada vez mais forte na tentativa de subtrair-lhes os nativos à escraviza-
ção. Sempre tentando driblar essas intenções, em 24 de julho de 1628, os
jesuítas Antônio Araújo e Francisco de Moraes, com mais de 220 índios,

20
LEITE, 1938, p. 327.
21
Cf. MOSIMANN, João Carlos. E excerto da carta de Frei Bernardo de Armenta, in:
Cadernos Patrísticos – Textos e Estudos, 5 (2008), p. 116.

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iniciaram uma caminhada por terra partindo da Enseada das Garoupas,


atual Porto Belo, em direção ao litoral de São Paulo e Rio de Janeiro
para fugirem dos bandeirantes que vinham caçar os índios para os es-
cravizarem. Outra parte da expedição, com mais 185 índios, seguiu por
mar com os Padres Manoel Pacheco e Francisco Carneiro.22 Todos esses
índios eram do litoral da região sul, sobretudo da Laguna e os padres
os trouxeram para a Enseada das Garoupas. Estes últimos chegaram em
Cananeia 04 dias depois de terem saído da Enseada. A ideia era atingir
seus colégios e missões na região sudeste onde todos estariam a salvo.
Em 1635 os Padres Francisco de Moraes e Inácio de Siqueira
estiveram pregando missões no litoral catarinense. E um fato merece
destaque: Em Laguna, ao chegar, o Pe. Siqueira viu 62 barcos cheios
de índios que seriam levados como escravos para o litoral de São Pau-
lo. Calculou que seriam mais de dez mil! Ações como essa foram, aos
poucos, despovoando o litoral de carijós. Os que não eram capturados
embrenhavam-se nas matas mais para o interior. Nesse episódio ainda
menciona-se o nome do índio Tubarão. Portanto, o seu propósito de
unir-se aos missionários, manifestado acima, nada mais era do que prosa
e pretensa diplomacia desse pretenso cacique falastrão, mancomunado
com a tirania dos brancos.
Nova missão em 1637. Dessa vez o Pe. Francisco Banha acom-
panha o Pe. Francisco de Moraes. Em 1646, esse último queria se
estabelecer com mais dois confrades em Santa Catarina, mas não foi
possível. É quando se percebe um hiato de mais de cinquenta anos de
relatos dessa presença jesuítica nessas terras do sul. Somente em 1698
foi, finalmente, determinado que dois jesuítas da comunidade do colégio
de Santos pregassem uma nova missão em Santa Catarina.
Entretanto, nesse ínterim, dois fatos determinantes para a Igreja
marcavam essas missões do sul. O primeiro deles de grande repercussão
universal: em 22 de junho de 1622, com a bula Inscrutabili Divinae, o
Papa Gregório XV fundara em Roma a Congregação de Propaganda Fide
reservando à Santa Sé a responsabilidade e a autoridade das iniciativas
missionárias da Igreja. Sem dúvida, um acontecimento com repercussão

22
O episódio, embora em escala muito menor, não deixa de motivar a lembrança da
grande empreitada enfrentada pelos jesuítas após o Tratado de Madri, quando, já sob
o furor da política anticlerical, mas sobretudo anti-jesuíta, do Marques de Pombal,
numa tentativa desesperada de salvar os índios das reduções, tiveram que proceder
ao deslocamento de milhares de índios dos Sete Povos das Missões, cf. VIEIRA,
2016, p. 88-93.

Encontros Teológicos | Florianópolis | V.34 | N.1 | Jan.-Abr. 2019 81


Rumo ao Sul: missão Jesuíta no Brasil (séculos XVI-XVII)

na realidade eclesial brasileira. O objetivo claro era tentar subtrair a ati-


vidade missionária das amarras do Padroado Régio que tanto limitava a
sua ação, inclusive em favor dos povos nativos, nos territórios de missão.
Nas cortes de Lisboa e Madri começam as difíceis negociações com as
representações desse novo dicastério romano.
O segundo, por sua vez, foi de grande incidência na história de
Santa Catarina com repercussão na evangelização de toda essa região.
Trata-se da bandeira de expedição de Domingos de Brito Peixoto que, na
segunda metade desse século, rumou para o sul redundando na fundação
de Santo Antônio dos Anjos da Laguna e a criação da paróquia a 29 de
julho 29 de julho de 1676, constituindo na segunda de toda a região. A
pioneira datava de poucos anos antes, a saber, a de Nossa Senhora das
Graças de São Francisco do Sul, de 1665.
Aos poucos, a região ia se estruturando eclesiasticamente de
maneira mais estável e o perfil da presença da Igreja na região começa
a mudar. A iniciativa missionária passava a integrar um contexto diver-
sificado em ação conjunta com as lideranças religiosas locais, fossem
do clero diocesano ou de outras ordens religiosas.

A modo de conclusão

Iniciou-se este artigo apontando para a identificação que existe


entre a história da Companhia de Jesus no Brasil e a nação brasileira.
Essa afirmação pode ser posta no crivo praticamente em cada realidade
regional, vista a grande penetração do trabalho dos jesuítas pelo território
nacional afora. Em se tratando de sul do Brasil não é diferente, pois a
presença deles é de reconhecida incidência.
No tangente ao específico sobre Santa Catarina, este trabalho
não deixou de demonstrar a sua utilidade, tendo o seu resultado como
argumentação maior. Como era de se esperar, a questão indígena pra-
ticamente domina a cena, e a delimitação cronológica tem grande peso
nisso. Entretanto, o primeiro contato com essa terra não se deu por causa
dos índios. Uma vez conhecidos no seu habitat, porém, passam a ser
destinatários da ação dos filhos de Santo Inácio que voltam sua atenção
também para essa parte do mapa. As condições para a estabilidade não
eram favoráveis, mas conhecida a situação dos índios, marcaram presen-
ça no território e foram referência na problemática que lhes concernia.

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É sabido que no Brasil colonial o espaço sulino permanecia


relegado a uma situação subalterna em relação a outras partes do país.
Isso se devia ao desenvolvimento econômico que não encontrou aqui
atrativos da ambição extrativista e predatória que tanto caracterizou a
colonização portuguesa no Brasil. Perpassando a história, dos grandes
ciclos econômicos do período colonial, pau-brasil, ouro, cana-de-açúcar
etc, constata-se que nenhum deles teve incidência expressiva nas terras
do sul. Pode ser que, a partir desse fato, tenha-se simplificado e anteci-
pado focalizações e conclusões acerca de temas como, por exemplo, o
econômico que extrapolem o da evangelização.
Estudos sobre esse assunto, e do próprio trabalho dos jesuítas como
um todo, ao menos no que tange aos seus primórdios, as indicações tam-
bém apontam para outros pontos geográficos e Santa Catarina não atrai
grande interesse. E, no entanto, mesmo nestas páginas breves e sumárias,
constatam-se elementos muito concretos e peculiares que se impõem,
aptos a figurar num panorama que extrapole o regionalismo e alcance o
nacionalismo, inclusive com sinais de singularidade e protagonismo. É
preciso olhar com mais atenção às vicissitudes desse povo carijó que a
documentação aponta como beneficiário primeiro da ação de defesa dos
missionários em relação ao índio. E sabe-se o quanto de polêmica pode
compreender uma afirmação destas.
No mais, quando se vai além do contato dos jesuítas com esses
nativos e se alcança a anterioridade, de um processo de catequização
indígena, embora embrionária, localizada e descontínua, tendo à frente
um grupo franciscano, ainda na primeira metade do século XVI, entende-
-se o quanto um estudo aprofundado da evangelização no sul do Brasil
pode oferecer e surpreender. Junto disso, encontra-se esse fenômeno da
navegação costeira de predomínio espanhol, fonte preciosa de inspiração
de estudos.
O contato com esse material faz voltar a refletir as raízes da colo-
nização no Brasil e, a partir desse foco regional, perceber uma espécie
de encadeamento temático em duetos: Portugal x Espanha com suas
lutas pela sucessão dinástica; espanhóis x portugueses com suas disputas
territoriais nas colônias; missão x colonização com as amarras dos acor-
dos entre Igreja e Estado; franciscanos x jesuítas com seus respectivos
métodos evangelizadores; missionários x vicentinos e missionários x
bandeirantes com sua ideia acerca da dignidade do índio; missionários
x índios com sua dialética de encontro e confronto; europeus e indígenas

Encontros Teológicos | Florianópolis | V.34 | N.1 | Jan.-Abr. 2019 83


Rumo ao Sul: missão Jesuíta no Brasil (séculos XVI-XVII)

com sua visão de mundo; centro x periferia com sua relação de domi-
nação. E a lista poderia se estender... Nada disso é novo, mas desafia
a uma leitura diferenciada e apresenta-se como amostra do quanto a
pesquisa ainda pode dar a conhecer. São percepções que merecem uma
análise aprofundada.
Para a pouquidão das fontes, a riqueza da reflexão, para a pequenez
da pesquisa, a grandeza da recompensa. Muito ainda pode ser dito sobre
a História da Igreja em Santa Catarina, nesse período inicial dos séculos
XVI e XVII, da qual os jesuítas são atores naturais. Que essa busca não
cesse, que as lacunas sejam preenchidas, e que a mesma determinação al-
cance os séculos seguintes, XVIII, XIX..., cronologia aqui não alcançada.

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SITE da Cúria Geral dos Jesuítas.
SITE da Província Jesuítas no Brasil.

Encontros Teológicos | Florianópolis | V.34 | N.1 | Jan.-Abr. 2019 85

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