O Mimetismo Publicitário: Productplacement, Arte e Consumo

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

M662

O mimetismo publicitário: product placement, arte e consumo /


Organizador João Anzanello Carrascoza. – São Paulo: Pimenta
Cultural, 2022.

Livro em PDF

ISBN 978-65-5939-555-2
DOI 10.31560/pimentacultural/2022.95552

1. Publicidade. 2. Arte. 3. Consumo. 4. Comunicação.


I. Carrascoza, João Anzanello (Organizador). II. Título.

CDD 659.1

Índice para catálogo sistemático:


I. Publicidade
Janaina Ramos – Bibliotecária – CRB-8/9166
ISBN da versão impressa (brochura): 978-65-5939-554-5
Copyright © Pimenta Cultural, alguns direitos reservados.
Copyright do texto © 2022 os autores e as autoras.
Copyright da edição © 2022 Pimenta Cultural.

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Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil
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Rodrigo Sarruge Molina Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
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Yan Masetto Nicolai
Samuel André Pompeo Universidade Federal de São Carlos, Brasil
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
PARECERISTAS E REVISORES(AS) POR PARES
Avaliadores e avaliadoras Ad-Hoc

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Alexandre João Appio Lucimar Romeu Fernandes
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil Instituto Politécnico de Bragança, Brasil
Bianka de Abreu Severo Marcos de Souza Machado
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade Federal da Bahia, Brasil
Carlos Eduardo Damian Leite Michele de Oliveira Sampaio
Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
Catarina Prestes de Carvalho Pedro Augusto Paula do Carmo
Instituto Federal Sul-Rio-Grandense, Brasil Universidade Paulista, Brasil
Elisiene Borges Leal Samara Castro da Silva
Universidade Federal do Piauí, Brasil Universidade de Caxias do Sul, Brasil
Elizabete de Paula Pacheco Thais Karina Souza do Nascimento
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil Instituto de Ciências das Artes, Brasil
Elton Simomukay Viviane Gil da Silva Oliveira
Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil Universidade Federal do Amazonas, Brasil
Francisco Geová Goveia Silva Júnior Weyber Rodrigues de Souza
Universidade Potiguar, Brasil Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Brasil
Indiamaris Pereira William Roslindo Paranhos
Universidade do Vale do Itajaí, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

PARECER E REVISÃO POR PARES


Os textos que compõem esta obra foram submetidos para
avaliação do Conselho Editorial da Pimenta Cultural, bem
como revisados por pares, sendo indicados para a publicação.
SUMÁRIO

Apresentação

Arte, artimanhas, artefatos............................................................. 10


João Anzanello Carrascoza

Capítulo 1

É sobre product
placement e tá tudo bem............................................................... 12
Andrea Mello

Capítulo 2

A apoteose mascarada
das marcas no carnaval:
uma reflexão a partir dos desfiles
das escolas de samba do Rio de Janeiro......................................... 26
Bruno Pompeu

Capítulo 3

Guerra das colas no branded content:


quando o melhor negócio é não aparecer........................................ 42
Carolina Fabris Ferreira

Capítulo 4

Mímese nas narrativas populares:


o papel do público-usuário-difusor
no carnaval de rua............................................................................ 59
Gisele Jordão
Vera da Cunha Pasqualin
Capítulo 5

Product placement:
marcas comerciais num
trecho de rizoma literário.................................................................. 83
João Anzanello Carrascoza

Capítulo 6

Publicidade
e o product placement:
início, alguns meios e fins............................................................... 114
Maria Cristina Dias Alves
Marcelo Eduardo Ribaric

Capítulo 7

#AvonTáOn:
o desafio do brand placement
e o branded content da Avon no BBB21......................................... 136
Roberta Scórcio Maia Tafner
Rosilene Moraes Alves Marcelino

Capítulo 8

Rugosidade estética e o product


placement nas artes:
uma reflexão sobre o consumo
artista da reputação de marcas...................................................... 157
Sheila Mihailenko Chaves Magri

Sobre os autores e as autoras..................................................... 204

Índice remissivo............................................................................ 208


Apresentação

ARTE, ARTIMANHAS, ARTEFATOS

João Anzanello Carrascoza

A arte é produto do fazer humano, tanto quanto o seu consumo


é prática que nos faz partir da razão (apolínea) e alcançar a catarse
(dionisíaca). E se a arte nos enleva, também leva em seu bojo ramas
de linguagem que frutificam em outras veredas do conhecimento.

Assim, de seu ventre generoso nasceu, no final do século XIX, um


de seus singulares rebentos: a publicidade. Inicialmente, na forma de
poemas e de textos de prosa literária, acolhidos na moldura de desenhos
e ilustrações de cartazes de rua e anúncios classificados nos jornais.

Com o advento de novos meios de comunicação ao longo do


século XX, a artimanha publicitária passou a se valer (e continua se
valendo) dos gêneros musicais para divulgar produtos e serviços, além
de assumir, na esfera audiovisual, a estética do cinema e da televisão.

Em tempos recentes, a potência da publicidade se espraia pelo


ambiente digital, disfarça-se de entretenimento e – o que mais nos
interessou na investigação coletiva que resultou nesta obra – se hos-
peda no corpo das produções artísticas, mimetizando seus próprios
territórios, o que lhe assegura a condição de artefato.

A presente coletânea reúne textos oriundos dos estudos e das


discussões dos participantes do Grupo de Pesquisa Comunicação,
Consumo e Arte, associado ao Programa de Pós-Graduação em Co-
municação e Práticas de Consumo da ESPM-SP, no biênio 2020-2021,
a respeito das variadas facetas do product placement – ação estra-
tégica da publicidade que insere em livros de ficção, músicas, filmes

sumário 10
e demais expressões artísticas mensagens comerciais, quando não
reproduz e copia as divisas que caracterizam as suas artes-matrizes.

Mimetismo publicitário – Product placement, arte e consumo se


constitue num arco de conhecimentos novos, de cunho teórico e ana-
lítico, desta artimanha da publicidade, em virtude da fusão de seus
eixos de origem (a comunicação social e o consumo simbólico e de
materialidades). Abrange a história do product placement, a sua esté-
tica face a reputação das marcas, as suas infiltrações nas artes mais
recorrentes, como as produções cinematográficas internacionais, os
programas de auditório, as telonovelas e os reality shows nacionais, a
música popular, incorporando as narrativas literárias, o carnaval de rua
e os desfiles das escolas de samba cariocas, bem como o seu desli-
zamento no continente digital das redes sociais e até os casos em que
a sua ação pede silenciamento.

Nestes artigos diversos, o leitor encontrará, portanto, uma ânco-


ra para atracar no universo do product placement clássico e contem-
porâneo e visitar alguns de seus pontos de maior atratividade. O con-
sumo nos faz pensar, aventou Canclini (1997), Mas “a melhor viagem é
sentir”, escreveu Fernando Pessoa (1993).

REFERÊNCIAS
CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos: conflitos culturais da
globalização. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997.
CAMPOS, Álvaro de. Livro de versos, Fernando Pessoa. Edição crítica.
Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes), Lisboa:
Estampa, 1993. 

sumário 11
1
Andrea Mello

É sobre product
placement e tá tudo bem1
1 O título desse capítulo e de todas as sessões que o compõem foram escritos inspirados
em memes que fizeram grande sucesso nas redes sociais durante o ano de 2021, como
uma forma de aproximar a escrita acadêmica da linguagem utilizada na Internet.

DOI: 10.31560/pimentacultural/2022.95552.1
BEIJINHOS CIENTÍFICOS

Sinto decepcionar o leitor que busca verdades absolutas e res-


postas fáceis logo na primeira linha deste capítulo, mas a pesquisa que
compartilho aqui é um convite para a reflexão e não um enumerado
de certezas. Embora todos os gurus de escrita digital anunciem que a
melhor maneira de captar a atenção de qualquer audiência é elaboran-
do um título chamativo e impactante encabeçado por um número que
sinaliza a quantidade de soluções prontas que você tem a oferecer no
texto, decidi correr o risco de fazer exatamente o oposto disso, já que
(pelo menos por enquanto) os livros ainda não possuem algoritmos
para a otimização da distribuição dos seus conteúdos.

Por ser o fragmento de um livro, muitas pessoas enxergam neste


espaço um capítulo, mas na verdade faço dele um convite para aban-
donar sua zona de conforto e necessidade de conceitos e embarcar na
jornada de uma pesquisa ainda em aberto sobre a ressignificação da
estratégia criativa de product placement provocada pelas redes sociais.
O primeiro passo dessa travessia é o exercício platônico de abandonar
o próprio ponto de vista e olhar para esses dois universos e sua conver-
gência em busca de novas perguntas e pontos de tensão. Pois, só assim
você e eu conseguiremos encontrar nossas próprias verdades.

Em tempos de aceleração digital como o que vivemos, é pos-


sível encontrar qualquer informação, tutorial, receita ou metodologia
pronta no Google. Influenciadores digitais comercializam a seguran-
ça do caminho certo para você alcançar aquilo que deseja e faturar
múltiplos de seis dígitos em apenas sete dias. Entretanto, é no ato
subversivo de aprender a lidar com o desconforto da imprecisão e
da incerteza que repousa a possibilidade de evolução. Faço desse
meu exclusivo exercício de expor minha vulnerabilidade a você leitor.
E compartilho aqui o ponto de partida de toda pesquisa que muitos

sumário 13
profissionais cuidadosamente camuflam e escondem: a dúvida. Afinal
de contas, muitas vezes não tenho as respostas para as perguntas que
faço. O conhecimento que tenho é apenas um pequeno fragmento em
um rio enorme de saberes, e é justamente isso que me move adiante.
Buscar novas respostas, novos caminhos. Buscar respostas melhores.
Devido a esta proposta, focada mais em compartilhar dúvidas, pensa-
mentos e inquietações, do que em trazer verdades, é bem capaz que
a quantidade de pontos de interrogação ao longo desse capítulo seja
maior do que a lista de referências bibliográficas ao final dele.

Além disso, no campo da comunicação social e do consumo,


arrisco dizer que nada é, mas tudo está. Pois conforme evoluímos, a
fina rede de conceitos sobre a qual tecemos nossos saberes é puxada
de um lado para outro, modificando e sendo modificada. Nesse pro-
cesso, para não nos darmos ao trabalho de tecer uma nova rede, termi-
namos fazendo remendos, e muitos. Afinal de contas, “Biologically, we
are probably evolving at the same rate as other species, culturally, we are
evolving at a uniquely furious rate” (ROBINSON, 2017, p. 6)2. Esse me
parece ser o caso do conceito de product placement. Durante muito
tempo, sua definição abarcou suas possibilidades criativas. Com o sur-
gimento do digital e a evolução do consumo, pequenos remendos fo-
ram feitos, criando termos como branded content.. Mas e se em vez de
fazer remendos a gente criasse uma nova teia para esse conceito? Não
tenho a pretensão de alcançar um feito tão complexo em um simples
capítulo, mas deixo aqui o convite para o leitor identificar onde estão
os remendos na sua teia e refletir sobre o que pretende fazer com eles.

2 Tradução livre: Biologicamente nós provavelmente estamos evoluindo na mesma veloci-


dade que as outras espécies, culturalmente nós estamos evoluindo em um ritmo aluci-
nante.

sumário 14
CRINGE É FAZER PRODUCT
PLACEMENT SÓ EM FILME

A maior parte dos artigos escritos sobre product placement, se-


jam eles acadêmicos ou jornalísticos, analisam o uso dessa estratégia
de marketing e comunicação no contexto de produções audiovisuais
como filmes e programas de televisão. Você já se perguntou por quê?
Eu sim. Pois quando pensei em fazer uma conexão entre product pla-
cement e o universo digital, o principal questionamento com o qual me
deparei foi se esse conceito é elástico o suficiente para possibilitar tal
aproximação. Afinal de contas, para ser considerado product placement
o conteúdo criativo precisa obrigatoriamente ser veiculado em um filme
ou programa de televisão? Foi com essa pergunta em mente que guiei
minha leitura de artigos acadêmicos que exploram esse conceito.

Para minha surpresa, descobri que essa estratégia criativa surgiu


de forma completamente desconectada do universo audiovisual, sendo
utilizada pela primeira vez antes mesmo de o cinema ser inventado.
Embora o termo product placement só comece a ser utilizado
anos 1980 (apud NEWELL; SALMON; CHANG, 2006), o seu uso
realmente remonta a antes do nascimento do cinema. Existem
exemplos claros de product placement em performances de
palco e arte que antecedem os filmes (apud LEHU, 2007). Na
pintura Un bar auxFolies-Bergère (1882), de Edouard Manet,
por exemplo, aparece na pintura a imagem da cerveja Bass.
(RIBARIC, 2019, p. 23).

A furor erupted when the illustrator, Phiz, included a partly seen


logo for Guinness Dublin Stout in a pub scene. Other manufac-
turers approached the illustrator, requesting to be included in fu-
ture drawings (apud Wicke, 1988). Thus, by the end of the 19th
century, the barrier between prose and promotion was porous.
(NEWELL; SALMON; CHANG, 2006, p. 579)

sumário 15
Figura 1 - Réplica da pintura Un bar aux Folies-Bergère feita
para o curtametragem de mesmo nome dirigido por Gabrielle
Lissot. A alta resolução da imagem possibilita a visualização
da logomarca da cerveja Bass, no canto inferior direito.

Fonte: https://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/
um-bar-no-folies-bergere-manet/em 27/11/2021.

Tal origem deixa claro que product placement é um conceito


que está mais fortemente conectado à estratégia criativa da qual faz
uso do que à mídia na qual é veiculado. Isso em tese deveria conferir
maior elasticidade ao conceito, pois permite que ele permaneça atua-
lizado mesmo frente à grande evolução e diversificação dos meios de
comunicação. Entretanto não é o que se percebe na prática, no uso
recorrente que profisisonais da área fazem de tal termo, e nem nos
comportamentos decorrentes da audiência quando essa estratégia é
explorada em contexto digital. Mas, vou parar com os spoilers e retomar
a análise histórica do conceito para entendermos o exato momento em
que ele passou a ser fortemente conectado a produções audiovisuais.

Segundo Newell, Salmon e Chang (2006), essa estratégia criati-


va não era tão disseminada, até que em 1982 um grande sucesso do

sumário 16
cinema conquistou grande visibilidade para uma marca através desse
recurso. No filme E.T. – O Extraterrestre, dirigido por Steven Spielberg,
o personagem Elliot usa os chocolates Reese’s Pieces para atrair o
simpático alienígena. Segundo Jack Dowd, o então Diretor de Novos
Produtos da companhia e responsável por fechar negócio com o Uni-
versal Studios, tal estratégia foi “the biggest marketing coup in history.
We got immediate recognition for our product, the kind of recognition we
would normally have to pay fifteen or twenty million bucks for. It ended up
as a cheap ride” (NEWELL; SALMON; CHANG, 2006, p. 590).

Figura 2 - O leitor pode usar o QR-Code acima para conferir


um video com algumas cenas do product placement
dos chocolates Reese’s Pieces no filme ET.

E desde então, o product placement passou a fazer intensamen-


te parte da agenda tanto das produtoras de cinema e televisão em bus-
ca da captação de recursos para viabilizar suas produções; quanto de
grandes empresas e agências de publicidade, que enxergaram nessa
estratégia uma forma eficiente de se conectar com o público, alavancar
awareness para as marcas e impulsionar a venda de produtos.

Seu uso começou a ser tão intenso nesses meios, que o concei-
to passou a ser associado exclusivamente a tais mídias. Em seu artigo,

sumário 17
Marcelo Eduardo Ribaric (2019) compila em uma tabela 14 diferentes
definições do conceito de product placement, formuladas por teóricos
e pesquisadores entre os anos de 1987 e 2011. Ou seja, todas foram
elaboradas após a invenção e disseminação do cinema e da televi-
são. Nesse apanhado, sete conceitos delimitam a definição de pro-
duct placement à mídia usada para sua veiculação, sendo televisão e
cinema os meios de comunicação mais citados, porém a lista também
inclui livros e o rádio. Outros dois conceitos deixam a definição do ca-
nal de veiculação em aberto, mas utilizam mídias audiovisuais como
exemplos para tangibilizar a estratégia criativa. Um outro conceito de-
lineia a definição de product placement não a partir da mídia em que
é veiculado, mas através da linguagem utilizada por ele, restringindo
a produções de áudio ou audiovisuais. Por fim, apenas quatro con-
ceitos definem o que é product placement a partir do ponto de vista
estratégico e criativo, em que a mensagem publicitária é inserida em
um novo contexto, que não precisa ser obrigatoriamente uma mídia
audiovisual. Esses conceitos usam termos mais amplos para definir o
novo ambiente em que a publicidade é inserida, evitando restringi-lo a
um meio de comunicação específico. As expressões utilizadas foram:
“mídia de massa”, “conteúdo editorial”, “ambiente cultural ou de entre-
tenimento” e “ambiente não comercial”. O que todas essas definições
e os exemplos aqui citados possuem em comum é o deslocamento da
mensagem publicitária e da presença de marca para um contexto de
entretenimento, seja ele audiovisual ou uma pintura.

Durante esse momento de entretenimento, o consumidor se vê


como um curador do conteúdo que está consumindo, por isso está
mais aberto para as mensagens que recebe nesse contexto e possui
um grande interesse na narrativa. Além disso, tais conteúdos muitas
vezes se distanciam da realidade e constróem universos ficcionais,
ampliando as possibilidades de presença de marcas e produtos. Por
causa dessas características, a audiência não exige do conteúdo de
entretenimento uma completa veracidade, pelo contrário, na grande

sumário 18
maioria das vezes o ponto de atração e conexão está exatamente na
fuga da realidade. Mesmo em filmes biográficos e novelas cujos perso-
nagens e tramas retratam cenas do cotidiano, por atuarem no território
do entretenimento e não da informação, tais conteúdos possuem sem-
pre a licença poética que a ficção confere à imaginação.

Não é à toa que Pablo Viana destaca em seu artigo


Cada vez mais mesclado ao entretenimento, o discurso publi-
citário sofistica sua mensagem para muito além da persuasão
apelativa, na intenção de estabelecer vínculos de sentido cada
vez mais afetivos com o público, para ampliar os níveis de aten-
ção. (VIANA, 2016, p. 1).

Mais do que veracidade ou verossimilhança, o grande diferen-


cial da estratégia de product placement está no nível de atenção con-
quistado e no vínculo afetivo estabelecido com a audiência.

E NOS STORIES, O PRODUCT


PLACEMENT TÁ BEM?

Se na década de 80 a televisão era a rainha do entretenimen-


to com a democratização (ainda parcial e limitada pela renda, é fato)
do acesso ao lazer audiovisual, no século XXI ela começa a perder
seu posto no Brasil, testemunhando pela primeira vez em décadas um
declínio no percentual do número de lares que possuem este aparelho.
Segundo o IBGE, em 2018 havia pelo menos um aparelho de televisão
em 96,4% dos lares brasileiros. Em 2019 esse número caiu para 96,3%.
Para onde as pessoas estão indo então, em busca de entretenimento?

Nesse mesmo período a presença da Internet nos lares brasilei-


ros teve um aumento de 3,6 pontos percentuais, alcançando a marca
de 82,7% dos domicílios nacionais. Além dessa, a Internet possui outra

sumário 19
grande vantagem quando comparada com a televisão. Enquanto a TV
se caracteriza como um meio de comunicação informativo e de lazer por
natureza, a Internet funciona como casa digital de diferentes meios de
comunicação, cujo foco nem sempre está no entretenimento. Nela é pos-
sível não apenas assistir filmes e ouvir músicas em plataformas digitais,
e ler revistas e jornais; mas também trocar mensagens em em tempo
real com seus contatos, compartilhar fotos do seu dia a dia, fazer trans-
ferências bancárias e compras. Muito mais do que apenas permitir que
diferentes mídias disponibilizem seu conteúdo em um ambiente on-line,
hospedado na nuvem e que pode ser acessado por pessoas do mundo
todo a qualquer hora do dia e da noite, a Internet possibilitou o surgimen-
to de outros espaços midiáticos digitais, como as redes sociais.

Segundo Rubens Eishima (2020), o acesso a redes sociais é um


dos principais usos que o brasileiro faz da Internet, sendo praticado por
76% da população. Assistir vídeos e ouvir música usando serviços de
streaming é outra prática comum de mais de 70% dos usuários. Esses
dados destacam a relevância da Internet como um ambiente midiático
de entretenimento, entre suas múltiplas funções, principalmente para
as novas gerações. A True Generation (composta por jovens nascidos
entre 1990 e 2010), não apenas é a primeira geração nativa digital
como, no Brasil, pela primeira vez passa a ter mais acesso a entreteni-
mento e conteúdo via mobile do que na televisão3.

Por tudo isso, não é de se estranhar que a estratégia de pro-


duct placement tenha se proliferado nesse ambiente, embora o nome
mais utilizado para identificá-la especialmente nas redes sociais seja a
famosa hashtag #publipost. Entretanto, a receptividade inicial da au-
diência no meio digital foi completamente diferente da presenciada em
outras mídias. Conforme essa prática começou a ser explorada por
produtores de conteúdo independentes, como blogueiros e influencia-
dores digitais, que passaram a receber pagamento das marcas para
3 Informação retirada da matéria https://brandpublishing.com.br/geracao-z-o-que-as-mar-
cas-devem-saber-para-falar-com-esses-jovens/em 20/11/2021.

sumário 20
incorporar seus produtos ao conteúdo produzido por eles da forma
mais integrada possível, os consumidores foram exaltando sua desa-
provação em níveis cada vez mais extremos. O público se sentiu enga-
nado, por não conseguir identificar quando a presença de uma marca
no conteúdo publicado estava associada a uma estratégia publicitária
ou não, e reagiu exigindo que ações desse tipo fossem sinalizadas.

No Brasil, a primeira denúncia de product placement realizado


em blog foi feita ao CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamenta-
ção Publicitária) em 2014, por um grupo de consumidoras que entra-
ram com recurso mediante a seguinte alegação:
O CONAR recebeu 81 queixas de consumidoras, protestando
contra forma de apresentação de blog sobre vida saudável,
considerando que as informações jornalísticas aparecem de-
masiado misturadas a ofertas de produtos alimentícios da mar-
ca Natue, sem qualquer menção a se tratar de publipost.“Em
sua defesa, a Natue informa que não tem responsabilidade so-
bre o conteúdo do blog e com ele mantém parceria para apoio
sob a forma de entrevistas e envio de produtos para experimen-
tação.A relatora propôs alteração e advertência, por considerar
que alguns posts do blog têm natureza comercial, mas não são
identificados como tal. “O merchandising sempre terá natureza
publicitária, e o seu caráter deve ficar claro para o consumidor”,
escreveu ela em seu voto. “Não existe pecado na postagem de
dicas, mas se ela é feita com base em uma transação comercial,
isso deve ficar claro para o leitor, sob risco de colocar em xeque
a credibilidade do veículo.” Seu voto foi aceito por unanimidade4

Agora deixo aqui um convite para a reflexão: se o que carac-


teriza a estratégia de product placement é a inserção do produto em
um conteúdo de entretenimento de forma que fique integrado à narra-
tiva da forma mais natural possível, sem que cause estranhamento ou
fricção no processo de comunicação, porque quando essa estratégia
passou a ser feita em blogues e redes sociais o público começou a
percebê-la de forma negativa?
4 Trecho extraído do site http://www.conar.org.br/processos/detcaso.php?id=3737acessa-
do em 15/11/2021.

sumário 21
As discussões sobre o assunto têm se tornado cada vez mais
calorosas, tanto que o CONAR em 2020 decidiu publicar um “Guia
de Publicidade por Influenciadores Digitais”, com orientações e boas
práticas a serem seguidas, entre elas a identificação de conteúdos
patrocinados por marcas com indicadores como “publipost” ou “publi-
cidade”. Logo abaixo o leitor pode conferir o print de um fragmento de
vídeo publicado pela influenciadora digital Giovanna Ferrarezi em que
o produto aparece integrado à narrativa do seu perfil e, por se tratar
de um product placement, a influencer precisou indicar no post que o
conteúdo foi patrocinado por uma marca.

Figura 3: Exemplo de um publipost.

Fonte: Imagem retirada do perfil https://www.instagram.com/p/CTSJe-eHhKo/


Acesso em: 28 nov. 2021.

A última parte deste capítulo é minha tentativa de identificar as par-


ticularidades da linguagem digital e os motivos que levam a audiência a
aceitar o product placement em filmes e novelas, mas rechaçar os #publi-
posts nas redes sociais, que fazem uso da mesma estratégia publicitária.

sumário 22
FICA, VAI TER #PUBLIPOST

Enquanto a televisão e o cinema levaram décadas para evoluir


sua linguagem e incorporar inovações tecnológicas capazes de pro-
porcionar uma nova experiência para sua audiência, as mídias sociais
não apenas evoluem como também se multiplicam de forma muito
rápida. Somado a isso, grande parte do conteúdo disponibilizado em
seu espaço é produzido pelos próprios usuários, o que acelera o sur-
gimento de novas linguagens, tipos de conteúdo e até mesmo o uso
que é feito de suas funcionalidades, visto que não há um regulamento
ou padrão imposto pelas plataformas digitais. Nesse novo contexto,
não são mais grandes empresas e um seleto grupo de profissionais
que controlam a produção dos conteúdos audiovisuais e de entreteni-
mento. Qualquer pessoa com um smartphone, acesso à internet e um
perfil no Instagram agora pode participar desse processo e conquistar
sua própria audiência, cada um à sua própria maneira. Em meio a essa
diversidade de linguagens e formatos de conteúdo, a necessidade de
entender quais são as regras do jogo para não ser enganado pelo post
publicado se torna tão necessária quanto difícil.

Com seu mashup único de voyerismo, narrativa fragmentada e


contato imediato de primeiro grau, se perder no scroll down infinito do
Instagram e passar horas assistindo aos vídeos engraçados do TikTok
também viraram formas de entretenimento. Mas nesse novo território,
nós somos audiência e conteúdo ao mesmo tempo. Quer dizer, quase
todos nós. Pois a profissionalização da produção de conteúdo cresce
cada vez mais, junto com a reinvenção dos #publiposts, que antes
traziam o produto em destaque na timeline das influencers digitais,
mas pouco a pouco vemos esse formato publicitário se fundir com o
conteúdo dos perfis e sua rotina cotidiana, transformando propaganda
invasiva em conteúdo integrado ao entretenimento proporcionado pelo
perfil, para atingir métricas de engajamento cada vez maiores.

sumário 23
Embora muitos produtores de conteúdo esclareçam que seus
perfis nas redes sociais não retratam de forma fidedigna seu cotidiano
e a realidade de suas vidas, e também já existam perfis virtuais como
@lilmiquela e @eva.stories no Instagram, tais espaços virtuais mes-
clam narrativas reais com fictícias, borrando a linha tênue que separa
conteúdos tão diferentes. Presa nesse cruzamento de múltiplas nar-
rativas, a audiência parte em busca da verdade. E se não consegue
definir a veracidade das histórias, ela luta para desvendar pelo menos
a verdade mercadológica por trás dos conteúdos que consome.

Para Philip Kotler, Iwan Setiawan e Hermawan Kartajaya, “o


marketing deve se adaptar à natureza mutável dos caminhos do con-
sumidor na economia digital” (2017, p. 12), e nesse novo cenário a
influência dos círculos sociais supera as comunicações de marketing
e até mesmo as preferências pessoais dos consumidores. Ao criar um
novo conceito para dar nome às estratégias de product placement no
ambiente das redes sociais, o mercado atesta a grande força que tal
recurso criativo ganha nesse novo contexto. É um momento de ruptura.
Não basta evoluir o conceito. É preciso renomear.

REFERÊNCIAS
CANALTECH. Internet alcança 74% dos brasileiros e 58% utilizam a rede
apenas pelo celular. Disponível em: https://canaltech.com.br/internet/
internet-alcanca-74-dos-brasileiros-e-58-utilizam-a-rede-apenas-pelo-
celular-165851/. Acesso em 20 nov. 2021.
GOVERNO FEDERAL. Pesquisa mostra que 82,7% dos domicílios
brasileiros têm acesso à internet. Disponível em: https://www.gov.br/mcom/
pt-br/noticias/2021/abril/pesquisa-mostra-que-82-7-dos-domicilios-brasileiros-
tem-acesso-a-internet. Acesso em: 15 nov. 2021.
IBGE. Uso de Internet, televisão e celular no Brasil. Disponível em: https://
educa.ibge.gov.br/jovens/materias-especiais/20787-uso-de-internet-televisao-
e-celular-no-brasil.html. Acesso em: 02 dez. 2021.

sumário 24
KARTAJAYA, Hermawan; SETIAWAN, Iwan; KOTLER, Philip. Marketing 4.0.
Do Tradicional ao digital. Rio de Janeiro: Sextante, 2017.
NEWELL, Jay; SALMON, Charles T.; CHANG, Susan. The Hidden History
of Product Placement. Journal of Broadcasting & Electronic Media.
50(4). p. 575-594. 2006. Disponível em: https://www.researchgate.net/
publication/250309858_The_Hidden_History_of_Product_Placement.
Acesso em: 2 dez. 2021.
RIBARIC, Marcelo Eduardo. A evolução dos conceitos de product
placement nas produções audiovisuais. Comunicação & Inovação,
PPGCOM/USCS, v. 20, n. 42, p. 22-35, jan./abr. 2019. Disponível em:
https://seer.uscs.edu.br/index.php/revista_comunicacao_inovacao/article/
view/5370 . Acesso em 02 dez. 2021.
ROBINSON, Sir Ken. Out of Our Minds: The Power of Being Creative. 3ª ed.
North Mankato: Capstone, 2017.
VIANA, Pablo Moreno Fernandes. Do Product Placement ao Branded
Content: uma revisão bibliográfica a partir da base de dados Scopus. In:
CongressoBrasileiro de Ciências da Comunicação XXXIX, 2016, São Paulo.
Anais. São Paulo. p. 1-14.

sumário 25
2
Capítulo 2

A APOTEOSE MASCARADA DAS MARCAS NO CARNAVAL: UMA REFLEXÃO


A PARTIR DOS DESFILES DAS ESCOLAS DE SAMBA DO RIO DE JANEIRO

Bruno Pompeu

Bruno Pompeu

A apoteose mascarada
das marcas no carnaval:
uma reflexão a partir
dos desfiles das escolas
de samba do Rio de Janeiro

DOI: 10.31560/pimentacultural/2022.95552.2
INTRODUÇÃO

Roberto DaMatta, importante antropólogo brasileiro, envolvi-


do nos estudos que procuram compreender questões profundas da
cultura e da sociedade deste país, é quem nos serve de ponto de
partida teórico.
Como o desfile carnavalesco reúne um pouco de tudo – a di-
versidade na uniformidade, a homogeneidade na diferença, o
pecado no ciclo temporal cósmico e religioso, a aristocracia
de costume na pobreza real dos atores –, ele remete a vários
subuniversos simbólicos da sociedade brasileira, podendo ser
chamado de um desfile polissêmico. (DAMATTA, 1997, p. 59,
grifo do autor).

É concordando com o autor e procurando iluminar modesta-


mente outro aspecto do carnaval – o da sua relação com o consumo,
com as marcas e com a publicidade –, que se apresenta este texto.

Quando se diz que marcas estão por toda parte, quase sempre
fazendo alusão à sua crescente e inegável importância nas sociedades
contemporâneas assinaladas pela transversalidade do consumo, está
se fazendo um raciocínio metonímico. Tomam-se por marca, a rigor,
suas expressividades identitárias – logo, nome, cores, símbolos etc.,
como ensina Perez (2004) –, os seus produtos – o que pode existir nes-
te mundo de hoje que não seja fabricado e vendido por uma empresa e
que não tenha uma marca? – e, mais do que tudo, a publicidade. Mar-
cas são entidades de natureza simbólica, existem, portanto, na cultura,
no imaginário, na memória, nessa dimensão abstrata maior em que re-
sidem todos os significados, sentidos e valores que parametrizam nos-
sa vida e nos definem como seres humanos. No cotidiano, na concre-
tude da vida, na dimensão matérica da existência, estão as fachadas
das lojas com seus letreiros chamativos, as vitrines repletas de roupas
e sapatos, os supermercados, as lojinhas, os shoppings, os armários e

sumário 27
as estantes cheios de latas de sardinha, garrafas de refrigerante, fras-
cos de xampu, eletroeletrônicos e livros. E está também a publicidade.
Sendo o discurso predominante na sociedade contemporânea, por ser
o discurso por excelência do consumo, a publicidade, sim, está por
toda parte. Não somente como placas de outdoors, banners inseridos
em sites e apps ou anúncios interrompendo filmes, séries e novelas,
mas principalmente como lógica estruturante (POMPEU, 2021) – como
visão de mundo que define padrões estéticos, comportamentos, práti-
cas, atitudes, relações e valores.

Nosso objetivo neste texto é promover uma discussão a respeito


da presença das marcas ‘em’ manifestações e festividades culturais,
atendo-nos a um objeto de pesquisa bastante específico: os desfiles
das escolas de samba do Rio de Janeiro. Ao usarmos a preposição
‘em’, destacamos nosso interesse particular na inserção da marca e
da publicidade nos elementos centrais dessas festividades – no caso,
o desfile em si: enredo, samba-enredo, alegorias e fantasias; não a
estrutura que suporta e circunda o evento, para assistência e transmis-
são, por exemplo.

Sendo o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro um


evento de raízes históricas tradicionais inquestionáveis, de profunda
potência expressiva dos valores e da cultura brasileira e, hoje, de gran-
de repercussão, com múltiplos atravessamentos pela publicidade e
pela lógica do consumo, nos parece rentável utilizá-lo como objeto de
análise. Mesmo sendo um evento que prevê e privilegia a experiência
presencial, tanto dos que participam do desfile quanto dos que o as-
sistem in loco, o carnaval pode ser considerado também conteúdo mi-
diático. Primeiro porque, se tomarmos o conceito de mediação a partir
de uma perspectiva teórica mais ampla (TRINDADE; FERNANDES; LA-
CERDA, 2019; PEREZ; TRINDADE, 2020), vamos ter o carnaval como
uma verdadeira profusão sígnica, promovendo inúmeras mediações
(DAMATTA, 1997; 2020). Mas também porque os desfiles das escolas

sumário 28
de samba – assim como os eventos esportivos, os festivais musicais e
outras festas populares – já faz tempo que são transmitidos midiatica-
mente ao mundo inteiro.

Em termos teóricos, o trabalho se sustenta em uma composi-


ção que combina conhecimentos da publicidade, das marcas e do
consumo (POMPEU, 2021; PEREZ, 2004; 2020; CARRASCOZA, 2003;
2015; LINDSTROM, 2012; MCCRACKEN, 2003; 2012; BATEY, 2009;
BAUMAN, 2008; DOUGLAS; ISHERWOOD, 2009; CAMPBELL, 2001)
e do próprio carnaval (SIMAS; FABATO, 2015; MUSSA; SIMAS, 2010;
GOMES, 2008; ARAUJO, 2003; AUGRAS, 1998; DAMATTA, 1997; CA-
BRAL, 1996; MUNIZ JÚNIOR, 1976).

BREVE RESGATE HISTÓRICO

Quem quiser saber mais sobre a origem e a história dos desfiles


das escolas de samba vai ter que ir longe – à nossa ancestralidade
africana, de onde vieram os ritmos e a musicalidade que se transfor-
maram através do tempo no samba; às primeiras ocasiões festivas em-
baladas por esse ritmo em terras brasileiras, como os míticos encon-
tros nas casas das “tias” pretas do Rio de Janeiro; às manifestações
carnavalescas de origens variadas anteriores às escolas de samba,
como o entrudo, os corsos, as grandes sociedades e os blocos; ao
surgimento e à fundação das primeiras escolas de samba, Deixa Falar
e Mangueira, por exemplo; e às primeiras edições do concurso organi-
zado e midiatizado dos desfiles, na década de 30 do século passado.
Para isso, há material especializado, de qualidade. Enciclopédia bra-
sileira da diáspora africana, de Nei Lopes(2011), A história do samba,
de Lira Neto (2017), Dicionário da história social do samba, de Nei Lo-
pes e Luiz Antonio Simas (2015), Carnaval: seis milênios de história, de
Hiram Araujo (2003), História do carnaval carioca, de Eneida (1987),

sumário 29
Do batuque às escolas de samba, de J. Muniz Jr. (1976), As escolas de
samba do Rio de Janeiro, de Sérgio Cabral (1996) e Pra tudo começar
na quinta-feira, de Luiz Antonio Simas e Fábio Fabato (2015), são al-
guns dos livros que podem guiar esse percurso de entendimento do
que são as escolas de samba e do que representam os desfiles carna-
valescos. Isso sem falar em Malandros, carnavais e heróis, de Roberto
DaMatta (1997), que dá ao desfile das escolas de samba a abordagem
sociológica densa e profunda que ele merece.

Por ora, para nossos objetivos restritos deste texto, vamos nos
ater à história da presença das marcas nesses desfiles.

Se assumirmos que o primeiro desfile organizado em forma de


concurso se deu em 1932, promovido pelo jornal Mundo Esportivo,
por iniciativa de Mário Filho – sim, aquele mesmo, que dá nome ao
Maracanã, criador da crônica esportiva, irmão de Nelson Rodrigues
–, talvez seja mais difícil do que se imagina identificar a gênese desse
fenômeno, o da presença de marcas em desfiles de escolas de sam-
ba. É provável que muita coisa desse tipo tenha acontecido antes do
que se vai narrar, mas quem gosta de carnaval e tem boa memória vai
se lembrar da imensa bola de futebol que ocupava o espaço central
do carro abre-alas da Beija-Flor de 1986, no enredo “O mundo é uma
bola”, de autoria de ninguém menos do que Joãosinho Trinta (GOMES,
2008, p. 133; DINIZ; MEDEIROS; FABATO, 2012, p. 74). Era ano de
copa do mundo e, aproveitando o ensejo, a escola decidiu falar sobre
a história do futebol. E abriu seu desfile com a reprodução em escala
gigantesca da famosa bola Azteca, da Adidas, com o logo da marca
incluído. Se houve ou se não houve algum tipo de contrapartida por
essa inserção privilegiada, isso fica por conta dos que se interessam
pelas questões de patrocínio. Importa-nos, aqui, a mera presença da
marca nessa alegoria que até hoje permanece viva na lembrança dos
que assistiram ao desfile – em casa, protegidos, ou no sambódromo,
debaixo da maior chuva que já tinha caído em um carnaval.

sumário 30
Mas pode ter marca no desfile? Não. Assim como também não
pode ter “genitália desnuda”. O regulamento dos desfiles das escolas
de samba do Rio de Janeiro é um documento dinâmico, que muda de
ano para ano – incorporando inovações, promovendo ajustes etc. –, mas
que se sustenta em regras geralmente estáveis. Uma delas, talvez a
mais famosa, diz que as escolas de samba têm a obrigação de “impedir
a apresentação de pessoas que estejam com a genitália à mostra, de-
corada e/ou pintada” (LIESA, 2020). Foi criada como punição e antídoto,
depois que esparadrapos mal colados e espíritos mais libertos resulta-
ram em nudez total em plena avenida. E está no mesmo rol de obriga-
ções e proibições em que se lê: “não utilizar, distribuir ou apresentar-se
com qualquer tipo de ‘merchandising’ (implícito ou explícito) em Enredo,
Alegorias, Adereços, Alas, Destaques, Samba-Enredo ou quaisquer ou-
tros meios” (idem). O aspecto moral que assemelha nudez e publicidade
fica para outro texto, por mais irresistível que seja pensar no quanto a
presença de marcas em dado ensejo possa ser comparada à mácula
provocada pelos corpos expostos na sua totalidade. De qualquer forma,
o uso das palavras “merchandising” e “meio” no citado regulamento
não deixa dúvida: está-se falando da presença de marcas e de esforços
publicitários nos elementos constitutivos dos desfiles.

Mas o que quer dizer “implícito ou explícito”? Talvez nada, ou tal-


vez qualquer coisa, porque são vários os casos em que marcas apare-
ceram nos desfiles. Em 2002, por exemplo, algo extraordinário se deu.
A Beija-Flor, novamente ela, de pavilhão azul e branco, sendo patroci-
nada naquele ano pela finada Varig, apresentaria um enredo sobre a
aviação – do sonho do homem de voar até a moderna conquista do es-
paço, passando pelos mitos culturais e pelos fatos históricos –; no que
foi acompanhada pelo Salgueiro, famoso pelo seu vermelho-e-bran-
co, que, por sua vez, patrocinado pela TAM (hoje Latam), desenvol-
veu enredo semelhante. Ou seja, teríamos no mesmo ano, disputando
o mesmo campeonato, duas agremiações carnavalescas tradicio-
nais, com enredos parecidos, com relações de patrocínio também

sumário 31
análogas, tendo por trás marcas igualmente competidoras, ambas
com as mesmas intenções: alcançar visibilidade por meio do desfile
das escolas de samba. Mas o que poderia ter sido feito para que essas
marcas pudessem aparecer nos desfiles das suas respectivas escolas
sem infringir o regulamento?

Na gravação oficial dos sambas-enredo, a Beija-Flor inseriu


como efeito adicional na parte final de sua faixa o trecho melódico que
também finalizava o seu lendário jingle, o “Varig, Varig, Varig”, de Cae-
tano Zamma (DIAS, 2017, p. 204). Valendo-se desse poderoso recurso
mnemônico que são os jingles, a escola estabelecia de cara uma vela-
da e ao mesmo tempo nítida relação musical com a marca anunciante.
Só que a letra do samba não deixava dúvida. “Glória a um gaúcho
sonhador / Fez da moderna aviação / A integração nacional / No seu
desejo profundo / Este cidadão do mundo / Lutou pela igualdade so-
cial”5. Exageros e arroubos de exaltação do samba-enredo à parte – o
que inclusive chega a ser traço característico desse tipo de composi-
ção (MELLO, 2015; AUGRAS, 1998) –, a referência direta era a Ruben
Berta, nome representativo da empresa patrocinadora do desfile.

Caminho diferente trilhou o Salgueiro. Sim, a letra do seu sam-


ba-enredo era também sugestiva, fazendo menção a elementos da
marca. O trecho “Riscando o céu de vermelho / estende o tapete / lá
vem meu Salgueiro”6 fazia alusão à prática característica e diferen-
cial da TAM de oferecer um tapete vermelho no embarque das suas
aeronaves. “Herdeiro do ar / comandante da folia / tamanho orgulho
te cantar na Academia7”, por sua vez, estabelecia relação com Rolim
Amaro, o chamado Comandante Rolim, dono da companhia, morto
no ano anterior; e também procurava trazer em decalque poético o

5 Autores do samba-enredo: Wilsinho Paz, Elcy, Gil das Flores, Alexandre Moraes, Tamir,
Tom-Tom e Igor Leal
6 Autores do samba-enredo: Leonel, Luizinho Professor, Serginho 20, Sidney Sã, Claudinho
e Nêgo.
7 “Academia do Samba” é como a escola de samba Acadêmicos do Salgueiro também é
conhecida.

sumário 32
próprio nome da empresa, na palavra “tamanho”, através das suas
três primeiras letras.

Mas a presença da marca no desfile ficou efetivamente evidente


quando, para representar “uma” aeronave em forma de alegoria, o nome
do patrocinador, TAM, foi alterado para SAL, primeira sílaba e espécie de
“apelido” da escola de samba Salgueiro. Foram mantidas a cor verme-
lha e a tipografia (além da letra “A”, claro), fazendo emergir, na complexa
teia de signos que compõem os logotipos, a presença da marca.

Em 2005, contando com o investimento da Nestlé, a Grande Rio


levou para a avenida o enredo “Alimentar o corpo e a alma faz bem”,
a um só tempo anunciando a abordagem do tema – a importância da
alimentação, em sentido amplo – e a marca patrocinadora – que, à épo-
ca, usava o slogan “Faz bem”. Slogans, como se sabe, são recursos
poderosos na expressão dos valores de uma marca e funcionam como
gatilhos de memória (CARRASCOZA, 2003; IASBECK, 2002; REBOUL,
1975; SIMÕES, 2012). Quando bem feitos e bem divulgados, são assim:
ouve-se o slogan, lembra-se da marca. E, sabendo disso, os composi-
tores do samba-enredo8 não deixaram por menos. O refrão principal da
obra era assim: “A mensagem de paz Grande Rio nos traz / a verdade
da vida, o prazer de viver / alimentar o corpo e a alma faz bem, meu bem
querer!”. E a certa altura ainda, a letra dizia: “moça, o seu doce é sa-
boroso”; em outro trecho, mandava: “nosso ninho tem sabor especial”.
Obviamente, as referências eram aos nomes das marcas Moça e Ninho,
duas das mais famosas.

Vários outros casos poderiam ser citados, já que marcas de


xampu, fabricantes de iogurtes e até empresas de extração mineral já
apareceram em desfiles. Entretanto, como nosso interesse aqui, repi-
ta-se, não são as relações de patrocínio e, sim, a presença das marcas
nos desfiles, nos basta ter demonstrado como esse tipo de presença
pode se dar. Passemos às reflexões.
8 Autores do samba-enredo: Barberinho, Competência, Bitar, Marcelo, Levi, Licinho, Deré,
Mingal, Leleco e Ciro.

sumário 33
CONSUMO, MARCAS E CARNAVAL

Na origem dos desfiles das escolas de samba, os enredos eram


limitados pelo regulamento aos temas históricos. Vultos importantes,
acontecimentos e marcos eram decantados pelas escolas na avenida
nas décadas de 40 e 50. Conforme o tempo foi passando, as restrições
foram diminuindo, permitindo que as agremiações levassem à passa-
rela temáticas mais diversas. Hoje, pode-se ver de tudo em um desfile
carnavalesco. Os enredos históricos continuam existindo, assim como
aqueles que homenageiam artistas ou personalidades importantes. Há
os temas abstratos, sobre a existência do homem, a criação do mundo e
o sentido da vida. Tem os chamados “enredo CEP”, que tratam de cida-
des, estados e países. Tem realmente de tudo – só não pode ter marca.

Sim, é verdade que há uma questão bastante objetiva aí: como


os desfiles das escolas de samba são produtos midiáticos, a presença
de marcas em alegorias e fantasias configuraria um incômodo, com
essas marcas sendo veiculadas e divulgadas sem pagar por isso. Da
mesma forma que produtos e marcas só “podem” aparecer em uma
novela ou em um filme se por isso tiverem pago, no carnaval elas tam-
bém acabam sendo eclipsadas ou disfarçadas. Tendo na sua gênese
o entroncamento entre comunicação midiática e cultura popular, sen-
do compreendidos há muitas décadas como espetáculo, os desfiles
das escolas de samba são hoje o que Francisco Gracioso chamaria
de uma “arena da comunicação” (2008), com inúmeras possibilidades
para a publicização de uma marca. Mais do que isso, até: o evento
carnavalesco de que tratamos passa a fazer parte do “ecossistema
publicitário” (PEREZ, 2016), desse emaranhado infinito de possibilida-
des comunicacionais de que se servem as empresas anunciantes e as
marcas na divulgação de si próprias e de seus produtos.

sumário 34
Todavia, com esse tipo de proibição – que mistura aspectos téc-
nicos (regulamento), comerciais (patrocínio) e morais (a presença de
marcas macularia a originalidade ou a pureza do desfile, comprome-
teria sua essência popular, algo nessa linha) –, uma série de questões
pode ser aventada. Primeiro, se faz sentido conceber uma manifesta-
ção como os desfiles das escolas de samba, especialmente no que
diz respeito aos conteúdos que promove, expressa e veicula, comple-
tamente apartada do universo do consumo e das marcas. Se, por um
lado, marcas são entidades alicerçadas no tecido econômico e, por
isso, sua aparição nos desfiles possa ou deva ser limitada; por outro,
sua natureza simbólica as insere diretamente no tecido cultural, sendo
a rigor potentes núcleos de sentidos e valores, portanto com plenas
potências de conexão com o universo carnavalesco. Sendo os desfiles
uma clara expressão da cultura de um povo – sem que seja possível
aqui abrir discussão sobre cultura popular ou cultura de massa (MO-
RIN, 2018; EAGLETON, 2011; SANTAELLA, 2003, entre tantos outros)
–, as marcas talvez pudessem, sim, estar presentes no panorama dos
conteúdos dos enredos dos desfiles das escolas de samba.

Talvez não como já se fez, com desfiles sobre o iogurte ou sobre


o Rock in Rio – mas por que não tratar de assuntos ou temas de forte
e claro cunho cultural, mas que sejam – e poucos talvez não venham
a ser, se olharmos bem – atravessados pelo consumo, pelas marcas?
A nostalgia, o resgate histórico, os valores e as riquezas nacionais, o
cotidiano da cidade ou do campo, tudo isso costuma aparecer com
frequência nos enredos das escolas de samba. E muito disso tudo,
atualmente, tem relação direta com o consumo e com as marcas.
Com a emergência do consumo como fenômeno econômi-
co, social e cultural, a publicidade assumiu, paulatinamente,
proeminência e legitimidade como um recurso indispensável
para a compreensão dos espaços sociais, simbólicos, públi-
cos e privados. A publicidade se torna um dispositivo complexo
e poderoso, confirmando o lugar central da estrutura midiáti-
ca como autoridade e influência cultural no cenário brasileiro.

sumário 35
A publicidade é uma narrativa que dá forma e concretiza diver-
sas linguagens, valores e imagens, elaborando representações
coletivas e identidades, papéis sociais e estilos de vida, desejos
e subjetividades, através de um incansável universo simbólico
que sustenta nossa cultura material transformada em bens de
consumo (ROCHA; PEREIRA, 2013, p. 42).

Estão muito mais no discurso publicitário das marcas as pos-


sibilidades de construção, assimilação, circulação e ressignificação
de importantes sentidos e valores na contemporaneidade do que em
outras esferas da sociedade. A profunda e intrincada relação entre
cultura e consumo é de longa data estudada (ROCHA; PEREIRA;
BARROS, 2014; ROCHA; PEREIRA, 2013; BARBOSA; CAMPBELL,
2006; MCCRACKEN, 2003) e precisa ser alargada até dar conta das
implicações que traz às manifestações culturais populares, como os
desfiles das escolas de samba.

Não se está defendendo aqui simplesmente que, de agora em


diante, se façam enredos sobre a Coca-Cola ou sobre a Nike – nem
sobre a Sadia ou a Natura. Mas em que medida enredos absoluta e
inegavelmente ricos em termos culturais não podem estar também vin-
culados a marcas? Sim, existem os casos de patrocínio já apresenta-
dos acima. Está-se falando aqui de outro tipo de situação. Um enredo
sobre o cotidiano do carioca ou sobre as graças do Rio de Janeiro,
por exemplo, como já fizeram inúmeras escolas, perderia sua riqueza,
sua pertinência, seu sentido edificante, se, a certa altura, apresentas-
se vendedores de mate (Leão ou Guaraviton), pessoas de sandálias
(Havaianas ou Ipanema) tomando uma cerveja (Bohemia ou Itaipava)?

A questão não é econômica ou mercadológica – é cultural. Como


conceber uma manifestação genuinamente cultural (não confundindo
aqui cultural com artístico, tampouco fazendo a já desgastada divi-
são entre cultura popular e erudita, entendendo-a, ao contrário, na sua
essência simbólica), no contexto atual, sem a presença de marcas?
Como supor que se reproduzam em fantasias e alegorias cenários os

sumário 36
mais variados – cidades do mundo inteiro, espaços públicos ou pri-
vados, cenas do cotidiano – sem marcas? Mais do que isso: se todas
essas situações que acabam servindo de base de ideias e imaginários
também para os desfiles carnavalescos já estão há décadas impreg-
nadas pelo consumo – ruas com fachadas de lojas, casas cheias de
aparelhos, cidades recobertas de anúncios, pessoas vestidas com
roupas de grife –, pode fazer sentido pensar que as marcas devam
estar apartadas de tudo isso?

Levando a discussão mais além, podemos chegar a outros


questionamentos. É sabido que as escolas de samba são entidades
enraizadas nas comunidades periféricas e/ou pobres do Rio de Ja-
neiro. Ainda que a discussão a respeito do financiamento dos desfiles
e da relação das agremiações com a “contravenção” ou com o narco-
tráfico mereça ser robustecida (JUPIARA; OTÁVIO, 2015), é inegável
que a grande maioria do contingente que frequenta as quadras das
escolas e que preenche os desfiles carnavalescos é composta por
pessoas pobres, dessas autodenominadas comunidades. E o que
significa a interdição ao consumo e às marcas exatamente no con-
teúdo e na plástica dos desfiles?

Quem ajuda a responder é Hiram Araujo:


Os carnavais se sofisticam cada vez mais, procurando o ca-
minho das superproduções, do chamado show business. (...)
Novas técnicas foram introduzidas, em atendimento à opção
espetáculo. Dentro dessas características, as escolas moder-
nas começam a produzir arte de multidões, elaboradas em es-
petáculos de massa. (...) Tal arte de multidões trabalha com ca-
racterísticas artísticas consagradas, para agradar ao mercado
consumidor. (ARAUJO apud SPINOLA, 2012, p. 23).

Tudo nos desfiles das escolas de samba é espetáculo, merca-


do, massa, show e business. Dos financiamentos invisibilizados dos
desfiles aos patrocínios das transmissões midiáticas, passando pela
estrutura do sambódromo, nada escapa ao capital, ao consumo e à

sumário 37
publicidade – a não ser o conteúdo dos enredos e a plástica dos des-
files propriamente, que seguem ingênua ou cinicamente apartados
disso tudo. É como se, na passarela do samba, passistas, ritmistas,
destaques, mestres-salas e porta-bandeiras, desfilantes em geral,
devidamente fantasiados, ou seja, investidos dos sentidos carnava-
lescos e carnavalizados, não pudessem se contaminar com o mundo
das marcas e do consumo. Cria-se um simulacro de cultura imune
aos poderes do capital, uma utopia festiva ilusoriamente livre dos
tentáculos do mercado, mas que não faz uma coisa nem outra. Não
se tem, de fato, uma produção cultural ou uma expressão artística ge-
nuinamente desprendidas da lógica capitalista – até porque isso é da
ordem do impossível em nosso contexto atual, mas também porque
todo o espetáculo se sustenta, como se sabe, em questões econômi-
cas e comerciais –; tampouco se permite que a presença efetiva das
marcas possa contribuir de forma mais direta no espetáculo – não
somente no que diz respeito a aportes financeiros (isso já se tem),
mas principalmente na sua dimensão simbólica, na produção, na im-
plicação e na transformação dos sentidos associados às escolas de
samba e às suas comunidades.

Enquanto forem compreendidas apenas na sua dimensão


econômica, em negligência à sua natureza simbólica, as marcas es-
tarão sempre sendo mal aproveitadas pelo carnaval e dele tirando
também limitado proveito.

sumário 38
REFERÊNCIAS
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Gryphus, 2003.
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TRINDADE, Eneus; FERNANDES, Mario L.; LACERDA, Juciano S. (orgs.).
Entre comunicação e mediações. São Paulo: ECA-USP, 2019.

sumário 41
3
Capítulo 3

GUERRA DAS COLAS NO BRANDED CONTENT: QUANDO


O MELHOR NEGÓCIO É NÃO APARECER

Carolina Fabris Ferreira

Carolina Fabris Ferreira

Guerra das colas


no branded content :
quando o melhor
negócio é não aparecer

DOI: 10.31560/pimentacultural/2022.95552.3
INTRODUÇÃO

Segundo França (2014), atualmente podemos entender a socie-


dade a partir do conceito da cultura midiática. A vivência cotidiana e a
produção midiática se interpenetram e formam um quadro cultural com-
posto por tensões, embates, reproduções e imposições. Sendo que a
mídia acaba ocupando espaço central na sociedade contemporânea.
Kellner (2001), aponta que a cultura midiática atua junto com a cultura
de consumo no sentido de gerar pensamentos e comportamentos ajus-
tados aos valores, às instituições, às crenças e às práticas vigentes.

Dentro da indústria de consumo, diversos meios como o design,


a moda, a publicidade, a decoração, o cinema, o show business criam
produtos carregados de sedução, veiculam afetos e sensibilidade (LI-
POVETISKI, 2015). Neste artigo focamos no cinema e na publicidade a
partir do conceito de branded content.

O branded content foge da lógica de interrupção e usa do “en-


tranhamento”, colocando as marcas na trama de filmes e visando
cada vez mais que ocorra de forma natural, mas que não oculta o
intuito publicitário (CARRASCOZA, 2020a). É a publicidade travestida
de bem cultural a ser consumido e compartilhado pelo público (CAR-
RASCOZA, 2020a, p. 216).

Assim, marcas são exploradas também nesse contexto. Neste


estudo o enfoque está em como o acirrado embate entre a Coca-Cola
e a Pepsi que acontece nas peças publicitárias impressas e televisivas
também aparece nesse novo cenário. Não é foco explorar a estratégia
em si, mas sim como ocorre a troca entre a realidade e o ficcional atra-
vés do uso das marcas. Para isso, analisamos o filme Yesterday no qual
o desaparecimento de algumas marcas auxilia na narrativa principal
que se dá pelo desaparecimento da banda musical Beatles. O filme foi
escolhido por ser fonte interessante de ver as diferentes estratégias de
branded content ocorrendo e produzindo sentido.

sumário 43
PUBLICIDADE E BRANDED CONTENT

A publicidade ocupa um espaço entre dois domínios fundamen-


tais do circuito econômico: o domínio da produção e o domínio do con-
sumo. Ela recria a imagem dos produtos, atribuindo identidade, magia e
prepara para uma existência não mais marcada pelas relações de pro-
dução. O produto passa a ocupar espaço em meio a relações humanas,
simbólicas e sociais que caracterizam o consumo (ROCHA, 2010).

A magia do capitalismo está justamente nessa transformação


de um produto fabricado em série, similar a diversos, em algo que pas-
sa a fazer parte de um universo de pessoalidade e de personalidade de
uma casa, família ou pessoa (ROCHA, 2010).

Assim, a publicidade, além de ser um material rico pelo volume


e constância, é também relevante por ser um material para estudo de
uma forma de influenciar, aumentar o consumo, transformar hábitos,
educar e informar, pretendendo ainda ser capaz de atingir a socieda-
de como um todo. É uma maneira de conhecer o sistema de ideias,
representações e pensamentos da sociedade, uma forma de explorar
comportamentos e expressão ideológica da sociedade, e entender
como atua na construção de uma realidade cotidiana (ROCHA, 2010).

Nesse processo, além de atuar na construção, ela também se


adapta à realidade cotidiana. Isso pode ser notado com o surgimento
dos streamings, plataformas de conteúdo e de serviço personalizado
que oferecem filmes e séries. Sem interrupções para comerciais, as
marcas passam a se inserir nas produções tanto como forma de finan-
ciamento quanto de conquista de consumidores. Com isso, o bran-
dend content se consolida com mais força.

Carrascoza (2020a) explana como o branded content aparece


como uma forma mutante e inovadora no qual a publicidade vem se

sumário 44
apresentando visando sua permanência midiática. A publicidade, um
dos diversos fluxos comunicacionais presentes no sistema midiático,
se torna onipresente e, conforme o autor analisa, não há como o indi-
víduo contemporâneo evitar.

Viana (2016) faz um estudo sobre como a publicidade cada vez


mais se mescla ao entretenimento e sofistica sua mensagem. Sai de
uma persuasão apelativa para um nível afetivo com o público. Através
de uma revisão bibliográfica, encontrou o termo “product placement”
com maior recorrência (216 trabalhos), seguido por “branded content”
(11 trabalhos) e “advertainment” em terceiro lugar (2 trabalhos).

O product placement é o mais antigo e, segundo a revisão (VIA-


NA, 2016), passou a ser trabalhado pela primeira vez de forma estraté-
gica em 1982 pela marca Hershey´s no filme E.T. e gerou problemati-
zação e estudos acadêmicos também:
Nota-se então que a prática de inserir marcas em filmes come-
ça sem planejamento e vai se profissionalizando com o passar
dos anos, até chegar a um ápice, no exemplo do filme de 1982,
quando a inserção de um produto é feita por meio de um plane-
jamento mais cuidadoso envolvendo o anunciante e a empresa
produtora do filme (VIANA, 2016, p. 5).

Horrigan (2009) passa a usar o termo branded entertainment


para explorar a convergência entre publicidade e entretenimento. Ar-
gumenta se tratar de um termo mais recente e que acompanha a sofis-
ticação da indústria do entretenimento e das novas tecnologias.

Porém, neste artigo usamos o termo brandend content refor-


çando o achado de Viana (2016) de que é uma alternativa interessan-
te pela sua abrangência:
Observou-se maior produção dos autores em torno do Bran-
ded Content, o que sinaliza para uma melhor adequação do
termo inclusive em virtude de sua amplitude, mais suficien-
te para representar a complexidade dos ambientes de mídia

sumário 45
contemporâneos. A publicidade não é mais simplesmente um
anúncio inserido no intervalo comercial. Além disso, quando as
marcas se inserem nos conteúdos de mídia, é demandado de-
las, por parte das audiências, uma inserção cada vez mais sutil,
contextualizada, de conteúdo e que não interrompa sua expe-
riência. (VIANA, 2016, p. 13).

Carrascoza (2020b) se vale das reflexões de Byung-Chul Han


para falar da relação dessa estratégia publicitária com a “estética
do velamento”.
Se no início de sua utilização, as marcas apareciam de forma vi-
sual e/ou verbal/auditiva, a opção mais frequentemente adotada
nos filmes e séries nos últimos anos é a inserção da mensagem
publicitária no corpo da história, velando o máximo possível o
seu intuito e revelando-o de modo mais “natural”. Não mais
a janela discreta (ou indiscreta), mas apenas uma fresta dela
(CARRASCOZA, 2020b, p. 9)

Russel (2002) analisa as estratégias de branded content através


de 3 dimensões: visual, verbal e plot (na própria história). Na dimensão
visual a marca aparece na tela, na verbal a marca é mencionada e de-
pende do nível e contexto. Já a terceira seria a interação da marca no
contexto da história. Cita como um dos exemplos dessa última estraté-
gia o episódio de Friends chamado “The One with the Apothecary Tab-
le” com a marca Pottery Barn. No qual toda a história se passa através
de um móvel comprado nessa loja americada de móveis e decoração.
A loja chegou a lançar uma coleção exclusiva para comemorar 25 anos
da série, no qual a mesa do episódio era um dos itens centrais9.

9 https://www.potterybarn.com/shop/new/friends-tv-pottery-barn/?cm_re=hpbanner12-_-
-default-_-friends&isx=0.0.868

sumário 46
Figura 1 - Marca Pottery Barn em episódio da série Friends.

Fonte: Disponível em <https://productplacementblog.com/tv-


series/pottery-barn-friends/> Acesso em: 30 mai. 2021.

Nessa terceira dimensão proposta pelo autor, a marca faz uma


contribuição significativa para a história e facilita a memória. Existem
níveis de profundidade, por exemplo menções verbais que contri-
buem para a estrutura narrativa e muito conectadas com a trama. E
outras referências de menor profundidade como marcas usadas de
forma visual de maneira acessória à história e sem muita conexão
com o enredo (RUSSEL, 2002).

Russel (2002) em suas análises percebe que marcas colocadas


visualmente em segundo plano são tão persuasivas quanto marcas ci-
tadas no enredo. Essas descobertas sugerem que, em vez de negociar
posicionamentos que envolvam estreita integração da marca com o
enredo ou menções no diálogo, os profissionais podem simplesmente
fazer com que a marca apareça visualmente.

Por fim, Horrigan (2009) descreve o branded content como a


fusão de propaganda e entretenimento na comunicação de marketing
de produto. E deve estar integrada à estratégia de marketing de uma
organização.

sumário 47
Assim, aprofundar o branded content dentro de estratégias
mais amplas das marcas foi o que motivou a escolha de analisar o
embate da Coca-Cola e Pepsi. Mas, antes de trazer o caso estudado,
é necessário o contexto mais amplo sobre o marketing dessas duas
grandes organizações.

A GUERRA DAS COLAS

Duas marcas americanas que surgiram nos anos 1800 (MCKEL-


VEY, 2006). Uma com uma narrativa focada no estilo de vida americano
e na felicidade, com slogans como “Abra a felicidade” e, mais atual-
mente, “Sinta o sabor”. A outra focada no estilo de vida dos jovens,
com slogans como “Taste of a New Generation” e “Isso é o que eu
gosto”. Mas ambas usando da rivalidade para construir suas histórias,
ações que foram se perpetuando ao longo do tempo.

A “guerra das colas”, que descreve a batalha entre a Coca-


-Cola e a Pepsi pela liderança na indústria de refrigerantes, começa
na década de 1950. Desde então, eles têm lutado internamente e
globalmente para aumentar e garantir participação de mercado e
vendas (MCKELVEY, 2006).

No documentário Face to Face (2014), disponível na plataforma


Amazon, um dos episódios é dedicado a essa batalha que foi iniciado
no Sul dos Estados Unidos e próximo ao período da Guerra Civil Ame-
ricana. A definição dessa disputa com mais de 100 anos é de “uma
briga entre duas marcas que encarnaram o espírito dos EUA”. Em seu
final, o documentário reforça:
Coca contra Pepsi, duas inimigas. Pepsi contra cota, azul contra
vermelho. Duas visões de mundo, duas estratégias opostas. E
apesar do desejo constante de se diferenciarem uma da outra é
preciso admitir que as duas bebidas continuam bastante simila-
res. (Face to Face, 2014, 50:49).

sumário 48
Um dos locais em que essa disputa se destaca é no evento es-
portivo Super Bowl. O primeiro episódio aconteceu em 1995 com o co-
mercial da Pepsi no qual dois motoristas de caminhão – um da própria
marca e um da Coca-Cola – estão sentados lado a lado em uma lancho-
nete (figura 2). E os dois passam a trocar as latas de refrigerante até de-
terminado momento que o motorista da Cola-Cola não devolve a Pepsi.

Figura 2 - Comercial Pepsi de 1995.

Fonte: Disponível em <https://www.youtube.com/


watch?v=qy4_XKYo0rQ> Acesso em: 30 de mai. 2021.

Já o mais recente foi no evento de 2020. O foco é a versão zero


açúcar com o slogan “Zero Sugar. Done Right.”. O comercial usa da
identicidade visual da Coca-Cola que se torna preta, para reforçar o
design das latas do produto (figura 3).

sumário 49
Figura 3 - Comercial Pepsi de 2020.

Fonte: Disponível em <https://www.youtube.com/


watch?v=6h8wLYbMz4o> Acesso em: 30 de mai. 2021.

Mas, para além da publicidade impressa, dos patrocínios, dos


eventos esportivos. Essa batalha também pode ser vista nos filmes se
valendo de estratégias de branded content.

COCA-COLA E PEPSI
NO FILME YESTERDAY

O filme escolhido para análise, Yesterday, é considerado uma


comédia romântica britânica que estreou em 2019 pela Universal Pic-
tures. Foi escrito por Richard Curtis e dirigido por Danny Boyle. Tem
como ator principal Himesh Patel que interpreta Jack, um jovem mú-
sico malsucedido. Mas que, após um acidente, passa a ser a única
pessoa que se lembra dos Beatles. Com isso, se torna famoso e leva
os créditos por compor e tocar suas músicas. Para ter os direitos de
incluir as músicas dos Beatles custou aos cineastas US$ 10 milhões.

sumário 50
Figura 4 - Cartaz de estreia do filme Yesterday.

Fonte: Extraído de: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-263075/

O nome Beatles pode ser considerado uma marca na análise.


Além do desaparecimento desta, para dar ênfase na trama, outras
marcas também desaparecem. Entre elas, com maior ênfase, a Co-
ca-Cola. Além disso, não existem os livros de Harry Porter, a banda
Oasis nem cigarros. O filme usa das buscas das marcas no site Google
(outro branded content notado) para demonstrar esse acontecimento.
Por exemplo, ao buscar “Beatles” aparece como resultado diversos
besouros (em inglês “beetle”).

É justamente pela ênfase do desaparecimento da Coca-Cola no


enredo versus a imagem da Pepsi que apareceem três momentos no
filme que este artigo deseja debater o quanto a imagem presente no
filme é a melhor estratégia. Estar presente de forma enfática no roteiro
pode também ser interessante. Para isso, se vale das estratégias de
branded content propostas por Russel (2002) para o debate e análise.

sumário 51
Antes do enfoque na guerra das colas no filme, importante con-
textualizar que, no total, aproximadamente 32 marcas aparecem ao
longo a história. Tais como: Corn flakes, Mentos, Avis, Hertz, Red Label,
Universal, entre outras. A grande maioria, 28 delas aparecem na trama
após o “apagão” que faz os Beatles desaparecerem.

Com base nas estratégias de Russel (2002), algumas aparecem


apenas de maneira visual compondo o cenário como, por exemplo, a
marca “Corn flakes” na prateleira do supermercado que um dos prota-
gonistas trabalha. Ou a marca Mentos mostrada na mesa de escritório
do personagem principal. Como também de maneira a contribuir para
a trama, como no exemplo citado da marca Google de buscador.

Quanto à presença no enredo, é aqui que aparece o embate


que será brevemente descrito. A guerra entre Coca-Cola e Pepsi apa-
rece de forma central em duas cenas. Na primeira (figura 5) que dura
aproximadamente 32 segundos ocorre no minuto 21 do filme e traz a
conversa do protagonista com sua mãe quando ela vai dar apoio ao
filho que está trabalhando após o acidente sofrido:

- Mãe entra com uma Pepsi na Mão: Esses papéis não vão mar-
car a parede?

- Protagonista: Essa não é minha prioridade

- Mãe: Sua prioridade deveria ser ter dentes novos. Trouxe


uma Pepsi.

- Protagonista: Não tem “Coca”?

- Mãe: O que?

- Protagonista: “Coca-cola”

- Mãe: Não sei do que está falando. Desça se estiver com fome.

sumário 52
Figura 5 - Coca-Cola na cena do filme Yesterday.

Fonte: Filme Yesterday– YESTERDAY. Direção: Danny Boyle. Produção de


Danny Boyle e Richard Curtis.Estados Unidos: Universal Pictures, 2019.

Na sequência o protagonista busca no Google “coke” e só apa-


rece imagens e informações sobre Pablo Escobar. Então, Jack fala
“Entendi” e abre a Pepsi sendo que o foco é na lata do refrigerante
conforme ilustra a figura 6.

Figura 6 - Pepsi na cena do filme Yesterday.

Fonte: Filme Yesterday.

sumário 53
Em 32 segundos as duas marcas aparecem com grande ênfase.
A Pepsi como vencedora de uma batalha, pois não desapareceu. E sua
imagem é a que é mostrada no filme. Já a Coca-Cola como a marca
que desparece. Embora tenha acontecido o mesmo com o Beatles. Vi-
sualmente o refrigerante não aparece, mas seu nome é focado em uma
das cenas com grande destaque ao se buscar no Google (figura 7).

Figura 7 - Coca-Cola na cena do filme Yesterday.

Fonte: Filme Yesterday.

A segunda cena de embate das duas marcas dura 10 segundos


e se passa dentro de um jatinho no qual o protagonista segue para um
show. O diálogo se dá com a aeromoça:

-Aeromoça: Champagne, senhor?

-Protagonista: Você tem Coca?

-Aeromoça: Como?

-Protagonista: Pepsi, por favor

-Aeromoça: Claro, senhor.

-Protagonista sussurra: “Oh my god”

sumário 54
Figura 8 - Coca-Cola na cena do filme Yesterday.

Fonte: Filme Yesterday.

Nessa cena específica, nenhuma das marcas aparecem enquan-


to imagem. Estão apenas na fala do protagonista. Mais uma vez a estra-
tégia usada é de as marcas comporem a trama. Isso demonstra como
o branded content também contribui para a veracidade dos filmes. A
marca tanto é exposta, como é usada para reforçar a história contada.
Deixando a narrativa com mais realidade para os telespectadores.

Por fim, não foi encontrado material das marcas se posicionan-


do nesse caso. Assim, fica a dúvida sobre qual delas está por trás das
inserções e mais interessada na exposição de sua marca. Seja no en-
redo, seja visualmente. Mas, dando pistas de qual pode ser a grande
estrategista, trazemos a cena de uma máquina de Pepsi que aparece
durante um diálogo do protagonista em um hotel. Ele comenta com
seu colega que gostaria de ter parado de fumar.

sumário 55
Figura 9 - Pepsi na cena do filme Yesterday.

Fonte: Filme Yesterday.

Nesse momento o debate é sobre cigarros que, nesse “novo mun-


do”, também nunca existiu. Assim, tanto a Coca-Cola como os cigarros
desapareceram. Mas a máquina de Pepsi aparece ao fundo, demons-
trando que pode ser encontrada em qualquer canto do país (figura 9).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Branded content passa por apelo visual, verbal e plot (enredo).


Tanto a Coca-Cola quanto a Pepsi aparecem no verbal e enredo no
filme analisado. Usam da estratégia de branded content de forma en-
fática. Emprestam veracidade à trama construída a partir do desapa-
recimento dos Beatles. Reforçam o imaginário de como o mundo se-
ria diferente sem a existência de algumas marcas usadas de maneira
corriqueira por seus consumidores. Deixam concreta a batalha que as
duas marcas travam no real e que uma pode ser uma boa opção tanto
com a existência ou não da outra.

sumário 56
A Pepsi também se vale do branded content visual. Já a Co-
ca-Cola não. Assim, podemos remeter a essa marca se valendo do
não dito. Orlandi (2001) deixou claro que a condição da linguagem é
a incompletude. Nem sujeitos, nem sentidos estão completos. Essa
incompletude atesta a abertura do simbólico, pois a falta também é
o lugar do possível (ORLANDI, 2001, p. 52). Dessa forma, na análise
realizada nesse artigo podemos visualizar o “não dito” operando de
forma estratégia acoplado ao branded content.

Apesar de todo o cuidado para não dar spoiler através de um


artigo acadêmico, algumas reflexões sobre como as duas marcas se
posicionaram nesse filme se tornam inevitáveis e o conhecimento da
narrativa do filme Yesterday complementa a reflexão.

Um mundo sem Beatles é um mundo sem Coca-Cola. Mas tam-


bém é o mundo que mantém a marca Google e a Pepsi. Qual seria a
melhor? O mundo sem Beatles é retratado como sem graça e que seu
sucesso independe de sua existência. Sem Coca- Cola seria assim?
O mundo sem Beatles pode se valer de apenas uma pessoa que se
lembre de suas músicas para garantir que o sucesso retorne. Seria o
mesmo uma analogia com a Coca-Cola? Ou permanecer num mundo
sem Beatles é sinal de fortaleza da marca Pepsi?

São respostas que não temos. Talvez apenas os grandes fãs


de cada uma das marcas. Que, além das respostas, se valeriam da
sua ligação emocional e afetiva que essas organizações também pro-
vocam. Mas é justamente esse jogo que alimenta o embate e suces-
so das duas marcas. É justamente das surpresas, do humor que se
valem nos seus diferentes anúncios publicitários que também se fazem
presentes ao se posicionarem em um filme.

Desaparecer ou não, o que importa é que esse jogo entre as


duas marcas é a grande estratégia para manter as duas vivas. O pró-
prio embate é usado como construção narrativa no qual as duas colas
saem ganhando. Aparecendo ou não. Desaparecendo ou não.

sumário 57
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ORLANDI, Eni. Análise de discurso. Campinas, SP: Pontes, 2001
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sumário 58
4
Capítulo 4

MÍMESE NAS NARRATIVAS POPULARES: O PAPEL DO


PÚBLICO-USUÁRIO-DIFUSOR NO CARNAVAL DE RUA

Gisele Jordão

Vera da Cunha Pasqualin

Gisele Jordão
Vera da Cunha Pasqualin

Mímese nas narrativas populares:


o papel do público-usuário-difusor
no carnaval de rua

DOI: 10.31560/pimentacultural/2022.95552.4
INTRODUÇÃO

A crise sanitária mundial acelerou a aquisição de uma série de


comportamentos, pela população mundial, que já vínhamos acompa-
nhando em menor velocidade antes de sua ocorrência. A ubiquidade
tecnológica, e consequente onipresença humana, catalisada em di-
ferentes gadgets, que funcionam como extensão de nossos corpos,
consolidou-se em realidade no consumo artístico mundial, configuran-
do uma nova antropologia dos públicos da cultura e seus espaços. Os
públicos promíscuos e suas experimentações criativas, como escreveu
García Canclini (2021, p. 151), “não separam rigorosamente o tempo
on-line do tempo sem conectividade”, transitando entre um e outro
sem caracterizar, ou mesmo perceber, qualquer noção fronteiriça entre
estes ambientes.

Na contemporaneidade, com um smartphone na mão, conec-


tado ao cyberespaço, o consumidor-espectador passa a usuário e re-
torna ao papel de espectador com a mesma facilidade que vai de sua
sala de estar ao seu dormitório. Em tempos de modernidade líquida
(BAUMAN, 2001), fenômenos da comunicação social são observados
todos os dias dentro e fora dos lares e cada vez com mais intensidade
e fluidez, o que torna tudo mais complexo de se reter.

Neste desenho, que configura uma espécie de centro cultural


pessoal, como pensar a construção de estratégias, seja para mobilizar
o consumidor/espectador/usuário a sair de casa, seja para conven-
cê-lo a ficar, a partir das experiências oferecidas pela cidade? Como
integrar a cidade a esse movimento promíscuo estabelecido pelos
públicos? E como as marcas podem envolver-se ou mesmo determi-
nar essas escolhas? Ainda, e em tempo, essas marcas contribuem
ou associam-se, de alguma forma, com as narrativas da cidade e das
atividades das quais participam?

sumário 60
A nós, o que mobiliza nosso interesse, é partir da observação
do consumo da arte na rua da cidade de São Paulo em contraponto (e
contraposição) ao consumo digital. Assim, optamos por analisar neste
artigo a experiência dos blocos de carnaval de rua da cidade de São
Paulo e as estratégias utilizadas pela plataforma de streaming10 Netflix.

A Netflix foi criada nos Estados Unidos em 1997 como o primei-


ro serviço de locação de filmes on-line do mundo, com entrega dos
DVDs pelo correio. Para este serviço, a Netflix já operava no sistema de
assinaturas para parte dos seus clientes. A expansão e o crescimento
da empresa vêm do aumento de leitores de DVD nas residências - em
2004, quase dois terços das casas estado-unidenses já contavam com
um leitor de DVD (BLITSTEIN, 2007). Em 2007, a Netflix inicia a trans-
missão por streaming no Estados Unidos, acompanhando as mudan-
ças tecnológicas e reorientando seus serviços e, consequentemente,
favorecendo novas formas de consumir entretenimento. Em 2010, ini-
cia a internacionalização de seus serviços a partir do lançamento da
operação no Canadá.

A empresa iniciou sua operação na América Latina em 2011,


oferecendo assinaturas mensais com acesso ao seu catálogo de for-
ma ilimitada. A partir de 2013, passou a produzir títulos originais, tan-
to séries como filmes, incluindo documentários e animações, para os
mais variados públicos e estilos. Desde então, vem sendo indicada e
vencendo em algumas categorias dos prestigiados prêmios “Oscar” e
“Emmy”. Está presente em mais de cento e noventa países de todos
os continentes e conta com mais de cento e oitenta e três milhões de
assinaturas. (NETFLIX, 2020).

O entretenimento doméstico, ampliado pelas novas tecnologias, é


um mercado em crescimento e a Netflix é uma das responsáveis por isso,

10 Streaming é uma tecnologia que envia informações multimídia, através da transferência


de dados, utilizando a Internet. Com ela, o usuário não precisa armazenar todo os dados
em seu dispositivo e pode acessar o conteúdo em tempo real.

sumário 61
com produções originais e e diferentes estratégias, cativa seu público que
fica mais e mais horas diante das telas, em múltiplos dispositivos.

Iniciamos nossa reflexão com base no pensamento de Henry


Jenkins sobre a cultura da convergência, que nos sugere que:
A convergência não ocorre através de dispositivos de mídia, por
mais sofisticados que possam se tornar. A convergência ocorre
dentro do cérebro de cada consumidor e através de suas in-
terações sociais com os outros. Cada um de nós constrói sua
própria mitologia pessoal a partir de bits e fragmentos de infor-
mação extraídos do fluxo da mídia e transformados em recur-
sos por meio dos quais entendemos nosso dia a dia (JENKINS,
2006, p. 3-4. Tradução livre das autoras).

Observamos a convergência que ocorre entre o consumo de


experiências no ambiente doméstico e no espaço urbano nas suas
variadas formas, mas que estão, a todo tempo, conectadas pelas inte-
rações que acontecem inconscientemente no cérebro do consumidor.
Esse consumidor, por sua vez, naturaliza e desfronteiriza o fluxo de op-
ções entre as produções audiovisuais, consumidas no conforto do seu
sofá, e as escolhas que a rua oferece, como, por exemplo, sair de casa
para brincar o carnaval ou para apreciar alguma outra forma de entre-
tenimento que a cidade oferece. Corroborando com essa ideia, García
Canclini (2021) verifica nas novas formas de consumo uma nova defini-
ção para os públicos que hibridizam as experiências de consumo das
artes, os públicos-usuários.

O consumo das artes – que entendemos “(...) como um pro-


cesso diverso, não gerenciável pelo poder em uma única direção (...)
como o ciclo simbólico de organização de diferenças e desigualda-
des pela distinção dada pelo consumo de certos bens como sinais
de classe, etnia ou geração” (GARCÍA CANCLINI, 2009, p. 114. Tra-
dução livre das autoras) rearticula-se nas “preferências errantes dos
públicos-usuários” (GARCÍA CANCLINI, 2021, p. 154).

sumário 62
Em uma sociedade estruturada pelas novas tecnologias com
uso e produção intensos de informações (características da contem-
poraneidade), a cultura, mais do que nunca, é um forte sistema simbó-
lico a permear as interações na sociedade global. Estamos, portanto,
quando observamos a cultura e seus produtos e serviços, examinando
bens simbólicos, carregados de imaterialidade e significados.

Destarte, ao optar por um produto ou serviço cultural, este con-


sumidor/público-usuário consome uma série de símbolos e representa-
ções que contribuem, não apenas para a construção de sua identidade,
como, também, para a construção do mundo em que vive, visto que
a cultura, por sua natureza polissêmica, favorece múltiplas interpreta-
ções, o que reforça a ideia da cultura ser signo social, ou seja, algo que
“resulta de um consenso entre indivíduos socialmente organizados no
decorrer de um processo de interação” (BAKHTIN, 2002, p. 44) e, assim,
apresenta significação interindividual e ideológica. Desta forma, para ob-
servá-la, é necessário determinar sob qual perspectiva o faremos.

Na abordagem das ciências sociais, no geral, são três os aspec-


tos considerados para o entendimento do conceito de cultura, a saber,
1. Um estado mental ou espiritual desenvolvido, como na expressão
“pessoa de cultura”; 2. O processo que conduz a esse estado, de
que são parte as práticas culturais genericamente consideradas; 3.
Os instrumentos (ou os media) desse processo, como cada uma das
artes e outros veículos que expressam ou conformam um estado de
espírito ou comportamento coletivo (TEIXEIRA COELHO, 2012, p. 118).
Nosso interesse, para esta observação, é maior no terceiro significado
proposto, o da arte como mediadora da cultura.

Na sociedade contemporânea, que tem, entre outros, a tecnolo-


gia e o alto grau de utilização da informação como elemento de cons-
trução do mundo, o consumo da cultura artística tem ligação direta
com a comunicação. Se a ligação entre comunicação e artes é anterior
ao mundo contemporâneo – já que os artistas há muito utilizam os

sumário 63
meios de comunicação como matéria-prima assim como as artes são,
também, uma forma de comunicação –, pode-se inferir que a apropria-
ção social das artes e seu consumo dependem diretamente de sua
mediação (JORDÃO, 2018).

Assim, entendemos o carnaval de rua como arte sediada na cul-


tura popular (BOSI, 2009; BURKE, 2010) e, portanto, também como
forma de entretenimento, cuja lógica passa pela expressão e pela liber-
dade do público-usuário. Já na produção midiática e nas estratégias
de comunicação, a lógica é vender, cativar, convencer, enganchar. Mas,
e quando uma marca comercial se associa a esta expressão popular
chamada carnaval (ou a qualquer outra instância artística mediadora
da cultura)? Ou, ainda, e quando a mídia se apropria do poder simbó-
lico das artes para cumprir seu objetivo fim?

Para Harvey (2012, p. 65), a publicidade é “a arte oficial do capi-


talismo; traz para a arte estratégias publicitárias e introduz a arte nes-
sas mesmas estratégias”. Essa forma de apropriação da cultura como
recurso de cidadania versus a carência de maior compreensão para a
produção cultural justifica que entendamos tais questões como nortea-
doras de nossa análise, e que tratemos os objetos observados como
estratégias de marca e as lógicas bidirecionais que atravessam este
panorama, com lugar epistemológico nos campos de conhecimento
da comunicação e consumo e da administração.

Para a construção de nosso texto, utilizamos a observação em-


pírica participativa durante os carnavais de rua de São Paulo, nos anos
de 2016 a 2019, e a análise de produtos audiovisuais e materiais de
comunicação mercadológica da Netflix.

Em primeiro lugar, vamos contextualizar o cenário da nossa aná-


lise: a cidade de São Paulo. Em seguida, abordaremos o consumo
doméstico, a relação entre os tipos de entretenimento e, por fim, as
estratégias de comunicação envolvidas nos fenômenos expostos.

sumário 64
A PLURALIDADE PAULISTANA
E O CARNAVAL DE RUA

A cidade de São Paulo foi uma pacata província até o final do


século XIX. Viu sua pulsação aumentar no mesmo ritmo da expansão
de suas linhas ferroviárias, que escoavam a produção de café do in-
terior do estado até o porto de Santos. O início do século XX marcou
a transformação de São Paulo em um dinâmico e importante centro
industrial, comercial e financeiro no cenário nacional, o que afluiu,
atualmente, na cidade mais populosa do Brasil, com uma área de qui-
nhentos e trinta e um quilômetros quadrados e mais de doze milhões
de habitantes (IBGE, 2019).

Além de ser um destacado centro, que oferece a seus cidadãos


o ambiente propício para o desenvolvimento de negócios, inovação
e crescimento (ROSSI; TAYLOR, 2007), São Paulo também se tornou
núcleo intelectual e político do país e polo de atração de migrantes de
todas as partes do Brasil e do mundo (IBGE, 2019), o que favorece
sua grande diversidade e potencial como centro econômico, social e
cultural do país.

A “dinâmica” é uma das marcas de São Paulo. Nos arriscamos


a dizer que uma das identidades de São Paulo é a sua constante mu-
dança. Ou, para reforçar, assim como na cultura e na comunicação, a
mudança é a única constante da cidade contexto de nossa observa-
ção. Talvez, por esta característica inerente à sua construção, a cidade
proponha o paradoxo de que o que é, nela mesma, permanente é a
sua impermanência. A novidade é um marco de São Paulo.

Além das novas que marcam a cidade, a multiplicidade de op-


ções também é característica na metrópole. Segundo a empresa de
turismo e eventos da cidade, vista como:

sumário 65
Centro cultural da América Latina, São Paulo possui 101 mu-
seus, 282 salas de cinema, 146 bibliotecas e cerca de 40 cen-
tros culturais, além das inúmeras festas populares e feiras que
acontecem em suas ruas. Além disso, a cidade possui 182
teatros. São espaços para a montagem de espetáculos de
todas as linhas artísticas, que vão das superproduções dos
musicais da Broadway ao teatro de vanguarda (SÃO PAULO
TURISMO S/A, 2020).

Um dos pontos marcantes desta efervescência cultural celebra


seu centenário em 2022. O Theatro Municipal de São Paulo abrigou,
em 1922, a Semana de Arte Moderna, inaugurando o movimento mo-
dernista brasileiro. Desde então, são inúmeros os exemplos que pode-
ríamos citar a respeito das inovações e revoluções no campo cultural,
que tiveram São Paulo como palco.

Mais recentemente, São Paulo transformou-se, uma vez mais,


em uma cidade onde seus cidadãos e visitantes passaram a desfrutar
mais suas ruas e seus espaços urbanos públicos. E, neste contexto,
se impulsionaram as festas populares urbanas. O carnaval paulistano
se viu invadido pelo homo festivus, descrito ironicamente por Gilles
Lipovestsky e Jean Serroy (2015) como aquele dedicado ao prazer e
à realização pessoal.

Na festa de 2020, foram seiscentos e setenta e oito desfiles de


blocos espalhados pelas ruas de São Paulo, ao longo do período de
15 de fevereiro a 1º de março. Segundo a pesquisa Observatório do Tu-
rismo de São Paulo (2020), neste mesmo ano, o Carnaval movimentou
cerca de três bilhões de reais na cidade, o que representa um aumento
de trinta e um por cento com relação ao carnaval de 2019. Já o público,
saltou de quatorze milhões em 2019 para quinze milhões em 2020.
(PREFEITURA DE SÃO PAULO, 2020).

Este crescimento – que se pode acompanhar desde 2012 na


retomada dos blocos de rua do carnaval de São Paulo, deve-se, em

sumário 66
parte, ao potencial de negócios gerado por um evento deste porte.
Além das empresas ligadas ao setor do turismo e da prefeitura da
cidade (que percebeu o incremento na arrecadação de impostos), as
marcas comerciais também viram no carnaval um ambiente favorável
para desenvolver suas estratégias de comunicação e marketing, como
veremos mais adiante neste artigo.

São Paulo, como cidade múltipla e aberta ao novo, abriga os


mais variados estilos de blocos em seu carnaval de rua. O público
pode encontrar, além do tradicional bloco de marchinhas e samba,
grupos de diversas filiações musicais, que percorrem do axé ao ser-
tanejo, passando pelo jazz, swing e rock, rendendo-se até aos mais
nostálgicos (talvez até melancólicos, porquê não?), como os que se
dedicam apenas a repertórios datados, como, por exemplo, blocos
com obras apenas dos anos 1980. Esta variedade de estilos encontra
eco no espírito paulistano, acostumado a suas “percepções urbanas
multidinâmicas”11 (PASQUALIN, 2022, p. 526) e a saltar entre escolhas,
fazendo sua marca ser, também, a flexibilidade e o ecletismo.

A TURMA DO SOFÁ

A flexibilidade e o ecletismo encontram lugar também no cybe-


respaço, que tem em nossa observação o consumo de entretenimento
doméstico como foco. Assim como os foliões que invadem as ruas
de São Paulo a cada carnaval, há uma parte considerável do público
da cidade que prefere desfrutar o feriado em casa, aproveitando suas
obras favoritas em multitelas, que lhes trazem diversão e informação,

11 O conceito de “percepções urbanas multidinámicas” foi desenvolvido a partir da pesqui-


sa sobre a festas populares urbanas e as imagens das cidades. Tomando por base os
estudos de comunicação, cultura e cidades, se evidenciam os aspectos multifacéticos
e em constante mudança das percepções de imagens das metrópoles e de suas festas
populares. (PASQUALIN, 2022).

sumário 67
inclusive, do que está acontecendo do lado de fora de suas janelas, de
maneira síncrona com a realidade.

Esta massa de pessoas que está hoje no sofá transitando entre


uma plataforma e outra, navegando entre telas para experimentar o
mundo digitalmente, transforma o meio em suas extensões (MCLUHAN,
1971) e o entretenimento doméstico avança como um mercado cada
vez mais disputado e lucrativo. “O corpo humano deve doravante ser
concebido com suas extensões tecnológicas e nervosas” (PELBART,
2018, p. 14). Neste contexto, não podemos deixar à margem de nos-
sa percepção que a reterritorialização do espaço, numa transição do
território para as telas, e a consequente subjetividade derivada de uma
visão telemidiática nos impõe um desafio de interpretação, já que “a
arte cinematográfica ela mesma desterritorializou o olho humano e a
percepção (...) arrastando-a (...) para uma outra subjetividade12” (PEL-
BART, 2018, p. 18), ou seja, para uma outra maneira de formar sentido.

Aparentemente, este deslocamento de subjetividade favore-


ceu as lógicas mercadológicas dos agregadores de entretenimento,
como é o caso da Netflix. A pesquisa Opinion Box Insight: Streaming
de vídeo, segunda edição, feita em fevereiro de 2020, indica que este
mercado está se expandindo, e que um em cada cinco entrevistados
contrataram algum serviço de streaming nos seis meses anteriores
à pesquisa e que houve um aumento de doze pontos percentuais
de assinatura deste serviço no Brasil, com relação ao ano anterior.
Quanto às marcas que prestam este serviço, a pesquisa apontou
que a Netflix reina absoluta no mercado brasileiro. Além de ser a que
obtém maior fatia de mercado, com oitenta e seis por cento, também
é a marca mais considerada para futuras assinaturas (oitenta e quatro
por cento) e a mais reconhecida (noventa e quatro por cento) pelos
entrevistados. (OPINION BOX, 2020).
12 Os processos de subjetivação representam a produção de sentido, não centrado em
agentes individuais nem em agentes grupais, mas em camadas articuláveis entre diversos
dispositivos de expressão (GUATTARI; ROLNIK, 1996).

sumário 68
Mas foi nas redes sociais que a contraposição entre “ser folião
ou ser usuário de streaming” se evidenciou, revelando um perfil paulis-
tano que opta por aproveitar o feriado de carnaval em casa, no mesmo
momento em que as ruas da cidade estão tomadas por foliões. As
hashtags13#BlocoDoSofa e#BlocoNetflix desvelaram que uma prefe-
rência ou escolha está realmente em oposição à outra. Ao invés de
simplesmente postarem que não gostam de carnaval, alguns públicos-
-usuários de redes sociais optam por declarar sua preferência por estar
em casa e somam a isso a exposição de sua relação com a marca
Netflix. Por trás desta shashtags verificamos um posicionamento, uma
preferência, um gosto, uma marca de consumo.

Lipovetsky e Serroy(2015) nos lembram que:


Nunca o público teve tanto acesso a tantos estilos musicais, a
tantas imagens, espetáculos e músicas. No tempo da internet,
dos DVDs, da música digitalizada, o consumo cultural se eman-
cipou de seus antigos rituais sociais, das formas de programa-
ção coletiva e até de qualquer limite espaço temporal: ele ocorre
sob demanda, num supermercado cultural proliferante, hiper-
trófico, quase ilimitado. (LIPOVETSKY; SERROY, 2015, p. 265).

Considerando o espaço doméstico – ou a desterritorialização


do olho humano-, a Netflix hoje representa este novo ritual social. Por
meio de suas produções, oferece opções para os mais variados perfis
de público e expande suas obras para além do sofá, quando suas nar-
rativas ganham espaço no ambiente das redes sociais, nas conversas
de bar, no meio acadêmico, nos almoços em família ou, até mesmo,
em blocos de carnaval.

13 O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa define hashtag como “palavra ou sequência


de palavras unidas antecedida do sinal cerquilha (#), usada geralmente para identificar
assuntos nas redes sociais.” As hashtags são utilizadas como marcadores que facilitam
a busca por temas no ambiente digital.

sumário 69
O SOFÁ INVADE AS RUAS

Não obstante, é justamente nos blocos de carnaval onde en-


contramos explicitada a relação entre as diferentes formas de entre-
tenimento à disposição dos consumidores de São Paulo. Nossa in-
terpretação passa pela escolha de fantasias para brincar o carnaval,
como forma de expressão de afetos e identidades e, por que não, de
produção de sentidos coletivos.

Em sua pesquisa sobre o cosplay14, Mônica Rebecca Ferrari Nu-


nes explica que “o consumo como código cultural é mediação sígnica
– não só extensão do sensório–permite a criação de textos culturais.”
(NUNES, 2012, p. 89) e que “consumir imagens e materialidades, sele-
cioná-las, como trabalho da memória e do esquecimento, para produ-
zir o cosplay, significa atribuir a estas escolhas certos sentidos.” (NU-
NES, 2015, p. 70). Tal pesquisa identificou alguns sentidos presentes
na lógica de escolhas de personagens na cena cosplay: vinculação
afetiva com o personagem e/ou com a narrativa; identificação física e/
ou psicológica (traços de caráter) com o personagem; estratégias de
visibilidade social; e a satisfação em “fazer o cosplay bem feito” (NU-
NES, 2015, p.70-71).

Não raros são os casos daqueles que optam por brincar o car-
naval com a icônica máscara de Dalí e o macacão vermelho do “La
Casa de Papel”15. Ao escolher este personagem, o público-usuário da
Netflix vai brincar o carnaval expondo sua própria narrativa e identidade
e, por que não, marcando um posicionamento político, uma ideologia
presente, uma maneira de interagir com o mundo. É então possível
inferir que, sentado no sofá de casa, assistindo a uma série na Netflix,

14 Cosplay, contração de costume play, chega ao Japão a partir de 1980, tornando-se uma
prática expressiva entre os jovens urbanos. (NUNES, 2012, p. 82).
15 “La Casa de Papel” é um seriado produzido pela Netflix.

sumário 70
o folião identifica-se com a trama presente na sua tela ou com um
personagem específico da narrativa e revela seu posicionamento nos
blocos de rua. Mais que isso, o folião público-usuário transforma-se,
também, em peça publicitária a serviço de uma marca. Neste sentido,
García Canclini (2021, p. 153-154) sugere que:
Os benefícios crescentes obtidos por empresas de comunica-
ção (...) são alcançados, em grande parte, pela transação entre
o roubo de nossos dados quando usamos Netflix, Facebook e
outras plataformas de grande porte, e o que nos vendem em
troca: diferentemente do marketing cultural e das pesquisas pú-
blicas do final do século passado, essa massa de informações e
seu tratamento algorítmico conferem às plataformas privilégios
para capturar subgrupos de públicos, assim como sua promis-
cuidade ou versatilidade, aumentando a dependência do nosso
consumo de ofertas transnacionais (GARCÍA CANCLINI, 2021,
p. 153-154).

As escolhas durante o período de carnaval de rua vão muito


além das opções por uma ou outra fantasia de acordo com a persona-
lidade do folião. Diversos são os estilos musicais, tendências políticas,
inclinações de afetividade ou de gênero em cada bloco que desfila
pelas ruas de São Paulo. “Vale a pena considerar que o inesperado
está, como sempre, na inovação das obras (...), mas também na expe-
rimentação criativa dos públicos” (GARCÍA CANCLINI, 2021, p. 154).

Destacamos um grupo específico no carnaval de 2020: o “Bloco


Netflix”. Oficialmente inscrito na Prefeitura de São Paulo para desfilar
na segunda-feira de carnaval, dia 24 de fevereiro, este bloco vai além
da hashtag explorada por públicos-usuários de redes sociais e ma-
terializa-se na preferência pelo entretenimento doméstico e em uma
declaração de afetividade às produções midiáticas desta plataforma
de streaming. O espectador de produtos audiovisuais da Netflix inter-
rompe momentaneamente a maratona de sua série preferida e vai à rua
brincar o carnaval, demonstrando que consumos simbólicos dentro e
fora de casa podem conviver harmoniosamente e que é possível um
hibridismo de opções.

sumário 71
Neste panorama, podemos sugerir que em São Paulo cabe
tudo, inclusive o público que, embora aprecie o conforto de seu sofá,
também pode consumir a cidade durante o período festivo e afirmar
que as lógicas de consumo cultural não são estáticas e se retroali-
mentam constantemente, provocando hibridizações e convergências,
a supracitada promiscuidade do consumo entre os públicos-usuários.

O PAPEL DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO


E ESTRATÉGIAS DE MARCA

A cobertura da mídia durante o período pré-carnaval e nos dias


do feriado é bastante concentrada em temas relacionados à festa e
com informações práticas para orientar os foliões nas suas escolhas.
Além de matérias sobre os blocos, observamos que existe um tema
bastante explorado considerando o perfil de consumidor que opta
por aproveitar os dias festivos dentro de casa. Não raras são as di-
cas, rankings, listas e seleções sobre séries para maratonar durante
o feriado. Blogs, veículos de grande circulação, vídeos no YouTube,
perfis em redes sociais, todos num jogo dinâmico de textos dirigidos
aos públicos dentro fora de casa.

Em meio a este emaranhado de mensagens, destacamos as es-


tratégias de comunicação que as marcas utilizam. Em especial, vamos
abordar os canais de comunicação da Netflix Brasil. Talvez o recall tão
alto desta marca, com relação aos seus concorrentes, de acordo com
os números da pesquisa citada anteriormente, deva-se não apenas à
qualidade de suas produções próprias e catálogo de séries e filmes,
mas também devido ao tom de voz escolhido pela marca para se co-
municar com seu público.

sumário 72
Os perfis da Netflix no Twitter, Facebook, Instagram e TikTok uti-
lizam uma linguagem que imprime proximidade ao seu público, como
se fosse mais um colega a socializar e, desta forma, promove o en-
gajamento de seus seguidores, oferecendo conteúdos relacionados
às produções próprias em seu catálogo. Em seu canal no YouTube, a
Netflix Brasil produz peças publicitárias de suas séries, direcionadas
especificamente para o público brasileiro, utilizando a festa popular
como oportunidade para estas narrativas comerciais.

Destacamos dois vídeos publicados pela empresa durante o


período carnavalesco:

1. Marchinha original Netflix | Carnaval 201716

Este filme utiliza uma das chaves sonoras mais características


do carnaval: a marchinha. Gênero surgido na década de 1930, estas
músicas típicas de carnaval têm em seus versos uma representação
do contexto atual de forma humorística e com uma estética de simpli-
cidade (SAPIA; ESTEVÃO, 2014). A letra do vídeo produzido pela Netflix
utiliza uma estética carnavalesca e explora elementos que misturam
o carnaval de rua com o consumo audiovisual em casa. É o caso da
prática do spoiler17, e a maratona de séries, ou coisas típicas da rua
como a pomba urbana, o pastel de feira, o confete e a serpentina. A
marca da Netflix aparece no meio do filme e diferentes personagens de
séries originais como “Orange is the New Black”, “Narcos” e “House of
Cards” são utilizados na narrativa. A peça termina com o slogan “Car-
naval fora de série”, fazendo uma conexão clara entre a festa urbana e
o consumo de seus produtos em casa.

16 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5chtKeWF4L0.


17 O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa define spoiler como “informação que revela
partes importantes do enredo de um filme, de uma série televisiva ou de um livro, sobre-
tudo para quem ainda não os viu ou leu”.

sumário 73
2. “Maratonei” – Samba enredo Valéria Valenssa e Nação Marato-
nense18

Divulgado durante o carnaval de 2019, este vídeo tem por base


as vinhetas da TV Globo para os carnavais de cada ano. A maior emis-
sora de televisão do Brasil tem o direito de transmissão dos desfiles
de escola de samba do grupo especial do Rio de Janeiro e, durante o
período de 1991 até 2004, utilizou a dançarina Valéria Valenssa como
modelo para criar as vinhetas “Globeleza”19. Valéria ficou conhecida
como a “Mulata Globeleza” e, embora atualmente não represente mais
a TV Globo, tem sua imagem associada ao carnaval. Voltando à Netflix,
o filme “Maratonei” utiliza a mesma lógica das vinhetas da Globo, mas
com alterações que se encaixam no perfil do público desta plataforma
de streaming. Nele, Valéria troca o salto alto pela pantufa e, ao invés
de estar praticamente nua, usa um pijama confortável, mas obedecen-
do à estética dos filmes da emissora de TV. Elementos como almofa-
das, cama, cobertor, controle remoto, sofá, pipoca e tablet, reforçam
a prática do entretenimento doméstico. A própria letra da música com
legenda como se fosse um samba-enredo remete à prática utilizada
pela Globo a cada carnaval para que o público se familiarize com os
sambas das escolas que desfilariam em sua tela. Por fim, o filme di-
vulga séries como “La Casa de Papel”, “Narcos” e “StrangerThings” e
termina com a frase “Maratonando sem perder o samba no pé” e com
o logotipo da Netflix, novamente conectando a rua e o lar.

Os dois vídeos publicados no canal de YouTube da Netflix Brasil


indicam que é possível a promiscuidade do consumo cultural, dentro
e fora de casa, e aproximam o público-usuário, criando um vínculo de
afeto por demonstrar que entendem a cultura popular em que estão in-
seridos e que, independente de suas escolhas, a marca está disponível

18 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=NmauADdCYAk.


19 Este filme mostra uma retrospectiva das vinhetas Globeleza de 1992 até 2013: https://
www.youtube.com/watch?v=--42tEL6-r0.

sumário 74
para acolhê-los. Mesmo que o espectador opte por sair de casa para
pular carnaval, a marca evidencia a sua compreensão e oferece o con-
forto psicológico ao reforçar que estará ali, em casa, disponível para
satisfazer seus desejos de consumo de entretenimento doméstico.

Sugerimos, portanto, que dessas relações surge o público-u-


suário-difusor, aquele que incorpora em suas funções de consumo
também a de peça publicitária. Esse indivíduo é, então, uma nova for-
ma de pensar as estratégias de aproximação da comunicação merca-
dológica com as artes? Ele pode ser considerado um instrumento de
branded content ou de product placement?

A PRÁTICA DE PRODUCT PLACEMENT


NO CONTEXTO DO CONSUMO CULTURAL

São variadas as estratégias de comunicação utilizadas pelas


marcas comerciais para divulgar seus produtos. Uma delas é conhe-
cida como Product Placement, ou “colocação de produtos”, numa
tradução direta, que indica a inclusão do produto ou marca em uma
narrativa artística, de contexto não comercial, como, por exemplo, a
aparição de uma garrafa de Coca-Cola no filme “Os Deuses Devem
Estar Loucos”. Já o Branded Content, ou, na tradução, “conteúdo de
marca”, pode ser entendido como uma narrativa artística realizada pela
marca sem fins diretamente comerciais, com objetivo de criar relações
de afeto com seus consumidores/públicos-usuários.

Cristel Russell (1998) indica três categorias para a colocação de


produtos nestes contextos não comerciais: screen placement, ou seja, a
aparição visual do produto; script placement, quando o produto é citado
por uma das personagens da trama, oralmente, como parte do roteiro;
e plot placement, no caso do produto fazer parte do enredo proposto.

sumário 75
Marcelo Eduardo Ribaric (2019) apresenta um histórico do con-
ceito de Product Placement nas últimas duas décadas. Para refletir
sobre as relações entre cultura popular e produções midiáticas, nos
interessa, particularmente, quando Ribaric traz a definição de Gino-
sare Levi-Faur (2010, p. 467), dizendo que “o Product Placement é a
incorporação intencional de conteúdo comercial em ambientes não
comerciais, ou seja, um plug de produto gerado por meio da fusão de
publicidade e entretenimento.” (RIBARIC, 2019, p. 29).

No caso da estratégia de Branded Content podemos enten-


der como formas diversas de entrar em contato com o consumidor/
público-usuário de uma empresa, oferecendo conteúdo diretamente
relacionado ao universo macro de determinada marca. Neste caso,
podemos afirmar que é o caso das estratégias da Netflix em seu canal
de YouTube, já apresentadas neste artigo. O grande valor está em en-
gajar públicos e ter a marca reconhecida por seus valores e não mais
apenas por seus produtos e serviços. Na revisão bibliográfica proposta
pelo pesquisador Pablo Moreno Fernandes Viana (2016, p. 13), foi con-
cluído que a “maior produção de autores em torno do Branded Content
(...) sinaliza uma melhor adequação do termo inclusive em virtude de
sua amplitude, mais suficiente para representar a complexidade dos
ambientes de mídia contemporâneos.”

De volta à Netflix, utilizamos o sexto episódio da segunda tem-


porada da série original20 “3%”, para sugerir que as experiências de
blocos de rua, como produto cultural, também podem ser exploradas
em contextos não comerciais. Utilizamos aqui o conceito de product
placement, na categoria de plot placement, em que a experiência cultu-
ral forma parte do enredo. Embora não seja propriamente um produto
a ser vendido com a lógica tradicional comercial, se pensarmos na fes-
ta do carnaval e a vivência dos blocos de rua como algo a ter seu con-
sumo estimulado, o conceito do plot placement cabe para a análise.
20 Série original é o termo utilizado para designar conteúdos desenvolvidos sob o pedido e
a supervisão da agregadora, no caso, Netflix.

sumário 76
Ribaric (2019, p. 31) afirma que “a principal premissa do pro-
duct placement é retratar a realidade, portanto, sua função-chave é
integrar-se à narrativa da forma mais perfeita possível.” E foi o que
encontramos no episódio analisado, que trabalha com emoção, afeto,
representação e identidade. A Netflix Brasil optou por divulgar o trecho
que nos interessa também em seu canal de YouTube, explorando a per-
formance de Liniker com o bloco Ilú Obá de Mim21 e, mais uma vez, ex-
plorando os vínculos com seu público e despertando o interesse para
a sua série original. A produção da Netflix, ao incluir tal performance na
sua trama do seriado “3%”, não pode ser considerada uma estratégia
puramente publicitária para vender o carnaval ou especificamente esta
manifestação cultural. No entanto, se pensarmos a festa carnavalesca
como um produto da cultura popular e que gera tantos negócios e
bens simbólicos, é possível inferir que a narrativa do produto de entre-
tenimento auxilia o estímulo a outro produto de entretenimento: a expe-
riência do bloco de rua. Ainda, em tempo, em nossa observação, vale
a sugestão de que a associação com signos e significados brasileiros
reitera a produção como brasileira e, portanto, identitária.22

Extrapolando este conceito, sugerimos que acontece um atra-


vessamento de fronteiras, um transbordamento de identidades, uma
passagem contínua e fluida entre produtos culturais que acontece, ora
no espaço doméstico e privado, ora nas áreas urbanas e coletivas; a
promiscuidade do consumo cultural (GARCÍA CANCLINI, 2021).

No centro desta discussão está a construção identitária do que


chamamos, em primeira mão neste artigo, público-usuário-difusor.
Ao navegar pelo menu de produções na plataforma de streaming, ele

21 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zVrc1qeth-4


22 A série 3% obteve mais sucesso internacionalmente do que no Brasil. Sugerimos que
pesquisadores interessados no tema aprofundem-se no entendimento da estratégia de
utilização das narrativas populares brasileiras em seus episódios como reforço da identi-
dade brasileira. Apenas sugerimos e não nos aprofundaremos nesta questão por não ser
nosso objetivo neste artigo.

sumário 77
exerce seu poder de escolha com base em seu gosto, em seu humor
momentâneo e, de forma inconsciente, nos algoritmos e nas peças
publicitárias aos quais foi exposto. Da mesma forma, quando chega fe-
vereiro e a cidade pulsa cheia de opções de variados estilos de blocos
carnavalescos, este público-usuário-difusor é novamente convocado
a fazer suas seleções. Agora, em espaço público, não apenas opta
pelo bloco que vai satisfazer seus desejos, mas também como irá se
expor, se identificar, se posicionar e, também, difundir marcas e valores
empresariais.

Russel (1998) nos lembra que existem quatro dimensões de


transformação que decorrem do product placement:

1. Relevância pessoal, traduzida na conexão artística;

2. Empatia, representada pela projeção;

3. Informação, direcionada à contribuição simbólica; e

4. Execução, a forma como as representações são produzidas


para gerar conexão.

E propõe que “quanto maior o grau de conexão/associação


com o programa/ator, maior a transferência afetiva e mais forte o efeito
transformacional da colocação do produto.” (RUSSEL, 1998).

E pudemos ponderar tais questões a partir da série “3%”. Obser-


vamos que a conexão entre a experiência cultural explorada no audiovi-
sual e o público-usuário-difusor da Netflix para esta produção é estabe-
lecida de maneira na intenção de promoção de alguma transformação
no campo simbólico da série, no universo ficcional criado pela narrativa
em questão e, não à toa, a escolha dos produtores da série por esta
performance. Ilú Obá de Mim representa a luta das mulheres negras,
enquanto Liniker representa a transexualidade. Dois exemplos de força
de coletivos que encontram conexão com os personagens que lutam

sumário 78
na trama ficcional para pertencer ao seleto grupo dos três por cento
que alcançarão o Mar alto. Além disso, quem assiste à série “3%” pode
se sentir instigado a participar do carnaval de rua ou, especificamente
do bloco Ilú Obá de Mim, onde se sentirá, mesmo que de maneira
inconsciente, fortalecido pela sua representação. Em contraposição à
isso, este mesmo público-usuário-difusor pode diminuir distâncias afe-
tivas em relação à produção brasileira por, justamente, já ser um folião
que reconhece a importância histórica do Ilú Obá de Mim ou a força de
representação de Liniker.

CONCLUSÕES

Embora o hábito de assistir a um filme, documentário ou série


no seu sofá pareça um ato individual, ele vem atravessado por es-
tímulos de variadas formas e realiza-se em um ato coletivo quando
incorpora e apropria-se deste conteúdo, exposto em suas multi-telas,
reenunciando-o em conversas de bar, nas fantasias de carnaval de
rua ou mesmo em suas postagens em redes sociais. A escolha de
um produto audiovisual em sua plataforma de streaming preferida é,
também, um ato social e coletivo.

Henry Jenkins (2006) fala do conceito de cultura de convergên-


cia em 3 dimensões: convergência de mídias, cultura da participação
e inteligência coletiva. Embora tenha sido escrito há mais de uma dé-
cada e a cultura da convergência, com o avanço da tecnologia e com
os consumidores se apoderando das ferramentas disponíveis e se
habituando com o poder do discurso, podemos adicionar a festa de
carnaval como mais uma forma de mídia que se encaixa neste com-
plexo jogo de convergências. Nela, as possibilidades de atuação do
público-usuário-difusor como partes complementares de narrativas e
reenunciação de si mesmo transformam a leitura das estratégias de

sumário 79
comunicação das empresas. Agora, o público-usuário também pode
ser convencido por suas estratégias de Product Placement e Branded
Content a tornar-se uma peça publicitária para a empresa, emergindo
no papel de público-usuário-difusor.

Talvez a Netflix seja como São Paulo; fluida, lisa (HAN, 2019),
onde cabe tudo e todos os tipos de consumo são possíveis. Seja na
escolha de um bloco carnavalesco para brincar ou de uma série para
maratonar, o público-usuário-difusor paulistano encontra lugar nos es-
paços urbanos e domésticos. Porém, a questão agora é compreender
como o incluir (ou permitir que ele mesmo se inclua) nas narrativas co-
merciais telemidiáticas e qual moral precisaremos construir para isso.

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sumário 82
5
Capítulo 5

PRODUCT PLACEMENT: MARCAS COMERCIAIS


NUM TRECHO DE RIZOMA LITERÁRIO

João Anzanello Carrascoza

João Anzanello Carrascoza

Product placement :
marcas comerciais
num trecho de rizoma
literário

DOI: 10.31560/pimentacultural/2022.95552.5
PRODUCT PLACEMENT:HOSPEDEIRO
DA PUBLICIDADE

Assim como vivemos materialmente no planeta Terra, contamos


na comunicação interpessoal e, sobretudo, na esfera global da mí-
dia, com um satélite de discursos que, à semelhança da Lua com as
marés, impõe mudanças em nossa apreensão lógica de mundo, em
nossos sentimentos e em nossas ações. Podemos dizer que neste
satélite discursivo, ora uma face de novas formações discursivas está
em evidência, ora outra face, então minguante, substitui-a, tirando as
formações da luz e as desvalorizando numa zona de sombras.

No âmbito da imprensa mundial, por exemplo, enunciados que


carregam palavras como quarentena, confinamento, letalidade, entre
outras, imersos longo tempo na contraluz, de súbito, ganharam presen-
ça de alta percepção visual, como a lua cheia, no horizonte discursivo.

Assim também se disseminou em nossa linguagem cotidiana


formações discursivas do universo médico e biológico, colocando na
memória social um léxico constituído por vírus, adaptação, hospe-
deiro etc. Léxico que, não por acaso, sempre manteve relação com o
modus operandi da publicidade e suas estratégias retóricas e midiati-
camente invasivas de “sobrevivência”, e cujos termos expressivos se
encontravam apagados. Nosso intuito aqui é retomar alguns deles, à
luz de uma reflexão sobre a gênese da publicidade e sua contamina-
ção no plano das artes, em específico na literatura, por meio de uma
tática de divulgação das marcas a que, na linguagem mercadológica,
chamamos de product placement.

Para tal empreita, vamos percorrer um pequeno trecho do imen-


so mapa que encampa a presença das marcas em obras de prosa e
poesia, tantos nacionais quanto estrangeiras, sem uma ordem preede-
terminada. Mais especificamente, nosso percurso é tanto diacrônico

sumário 84
quanto sincrônico, comprometido apenas como sua configuração ri-
zomática (DELEUZE; GUATTARI, 1995), pela qual apresentamos uma
bricolagem de células de exemplos de product literature colhidos por
pesquisa e de partículas de nossas lembranças – a memória indivi-
dual como um lugar contagiado pelas marcas comerciais com as
quais entramos em contato ao longo da vida. Em estudo anterior
sobre product placement como forma de presença e permanência
da publicidade no sistema midiático cotidiano (CARRASCOZA, 2020),
frisamos que a ação publicitária surgiu apoiada na lógica da inter-
rupção, incorporando-se nos mass media com um padrão discursivo
distinto, a fim de não ser confundida com o conteúdo informacional.
Depois, adotou outros dois estratagemas, o entranhamento – com a
inserção da mensagem persuasiva no interior da própria enunciação
do veículo – e a homocromia – por meio da qual a publicidade mime-
tiza formatos artísticos comunicacionais.

Em outras palavras: numa escala de adaptação criativa (para se


manter viva), a publicidade passa a entranhar-se em seu veículo-hos-
pedeiro (entranhamento), sem depender da interrupção para concreti-
zar sua enunciação discursiva, e, um degrau acima, começa também a
se disfarçar em materiais artísticos e de entretenimento (homocromia);
e, com essas duas novas artimanhas, o product placement encontra o
seu espaço nobre de disseminação.

Mais comum é a adoção do product placement em peças de


domínio audiovisual, como filmes de longa-metragem, documentários,
capítulos de telenovelas, episódios de ficção seriada sob demanda.
Mas, como prenunciado, vamos aqui traçar alguns contornos de uma
categoria de placement pouco estudado, o product literature, trazendo
casos relevantes, clássicos e contemporâneos, sobre a divulgação de
marcas em textos literários, seja de poesia, seja de prosa.

sumário 85
RAMAS DA PUBLICIDADE
NO RELVADO LITERÁRIO

Como adiantamos, sem pleitear uma historiografia acerca da


inserção de marcas e/ou produtos em obras literárias, o que nos obri-
garia a buscar os casos pioneiros de product literature e seguir uma
estrutura não rizomática, em respeito à hierarquia arbórea, ao contrário
da que propomos, iniciamos com um exemplo antológico trazido por
Kern (1997), sobre Santo Kyoden, escritor japonês que, no século XVIII,
difundia nas histórias cômicas de seus livros a própria tabacaria da
qual era proprietário.

A absorção de elementos reconhecíveis do mundo físico, co-


merciais ou não, no plano da ficção, é uma ação matricial que ocorre
não apenas na literatura, mas em qualquer outra arte. Manet, na com-
posição de seu quadro Un bar aux Folis-Bergère, de 1882, incorpora à
cena que retrata a cerveja Bass (fig. 1).

Figura 1 - Quadro Un bar aux Folis-Bergère, Manet.

Fonte:https://www.arteeblog.com/2019/08/analise-
da-pintura-de-edouard-manet-bar.html

sumário 86
Estudos nos mostram que as feições de várias esculturas de
Aleijadinho eram de figuras célebres em sua época, não como forma
de homenagem a elas, mas como crítica às suas condutas. O poeta
Tomás Antônio Gonzaga, em Cartas Chilenas, de 1789, ridicularizava o
governador de Vila Rica, Luís da Cunha Meneses, consubstanciando-o
nos traços do personagem Fanfarrão Minésio.

As sátiras de Santo Kyoden, promovendo a sua tabacaria, nos


remetem ao poema “Tabacaria”, de Álvaro de Campos, um dos hete-
rônimos criados por Fernando Pessoa (1993, p. 252). Neste poema de
cunho metafísico, embora não nomeie a loja de tabacos, essencial na
reflexão de seus versos, o poeta a grafa com letra maiúscula, como se
concedendo o status de marca absoluta:
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.

Estou hoje dividido entre a lealdade que devo

À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,

E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro

Pessoa, que, não por acaso foi publicitário, ainda na pele de


Álvaro de Campos, nos embarca em navios da Canadian-Pacific e nos
palcos dos Luna-Parks (PESSOA, 1997, p. 82-83). E nos oferece, no
epigrama “The Times”, não apenas uma citação deste jornal, mas tam-
bém um sonho megalomaníaco:
Sentou-se bêbado à mesa e escreveu um fundo
Do Times, claro, inclassificável, lido,
Supondo (coitado!) que ia ter influência no mundo...
Santo Deus!... Talvez a tenha tido! (PESSOA, 1997, p. 129)

Nada, contudo, comparável ao que Pessoa nos apresentaria


como product literature precisamente no poema “Ao volante do Che-
vrolet pela estrada de Sintra” (PESSOA, 1993, p. 37):

sumário 87
Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra,
Ao luar e ao sonho, na estrada deserta,
Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco
Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça,
Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo,
Que sigo sem haver Lisboa deixada ou Sintra a que ir ter,
Que sigo, e que mais haverá em seguir se-
não não parar, mas seguir?

Além da experiência feérica que o carro da marca Chevrolet pro-


porciona ao “eu lírico”, tradicional product placement, Pessoa-Campos
igualmente antecipa o destination placement, duplo aliás, promovendo
tanto Lisboa (cidade não deixada) quanto Sintra (destino sonhado, ain-
da não atingido).

Destination placement que, mais recentemente, foi intensamente


explorado por Erika Leonard James (2015), em Cinquenta tons de cinza,
no qual a trama, envolvendo o casal protagonista do romance, se espar-
rama por diversos pontos de interesse da cidade de Seattle, como Elliott
Bay Marina, Denny Park e Meydenbauer Beach Park, entre outros.

Destino na certa de muitas pessoas, sobretudo leitores de poe-


sia, Pasárgada, cantada por Manuel Bandeira, também o seria, não
fosse uma ilha imaginária. No entanto, em “Dois anúncios”, Bandei-
ra nos dá um exemplo singular de placement na poesia modernista.
Insere estrategicamente em seus versos as então famosas pastilhas
Minorativas. Na primeira parte deste poema, “Rondó de efeito”, o nar-
rador tenta convencer uma moça a lhe dar atenção, mas, apesar de
seus vários estratagemas, nada faz efeito. Assim, como último recurso,
o poeta tem uma ideia:
Perdi meu tempo: não fez efeito.
Meu Deus que mulher durinha!
Foi um buraco na minha vida.
Mas eu mato ela na cabeça:
Vou lhe mandar uma caixinha de Minorativas,
Pastilhas purgativas:
É impossível que não faça efeito! (BANDEIRA, 1995, p. 317)

sumário 88
Bandeira, noutro poema, “Balada das três mulheres do sabone-
te Araxá”, faz menção a um famoso sabonete, à época reconhecível
pelo trio de moças em seu rótulo:
As três mulheres do sabonete Araxá me invocam, me boulever-
sam, me hipnotizam.
Oh, as três mulheres do sabonete Araxá às 4 horas da tarde!
O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!
Que outros, não eu, a pedra cortem
Para brutais vos adorarem,
Ó brancaranas azedas,
Mulatas cor da lua vêm saindo cor de prata
Ou celestes africanas:
Que eu vivo, padeço e morro só pelas três mulheres
do sabonete Araxá!
São amigas, são irmãs, são amantes as três mulheres
do sabonete Araxá?
São prostitutas, são declamadoras, são acrobatas?
São as três Marias?
Meu Deus, serão as três Marias?
A mais nua é doirada borboleta.
Se a segunda casasse, eu ficava safado da vida,
dava pra beber e nunca mais telefonava.
Mas se a terceira morresse… Oh, então, nunca
mais a minha vida outrora teria sido um festim!

Se me perguntassem: Queres ser estrela? queres ser rei?


queres uma ilha no Pacífico? um bangalô em Copacabana?
Eu responderia: Não quero nada disso, tetrarca. Eu só quero
as três mulheres do sabonete Araxá:
O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!
(BANDEIRA, 1995, p. 150-151).

As pastilhas Minorativas se conectam, anos à frente, a outro me-


dicamento, a aspirina, que o João Cabral de Melo Neto (1994, p. 360-
361) monumentou numa ode:
Claramente: o mais prático dos sóis,
o sol de um comprimido de aspirina:
de emprego fácil, portátil e barato,

sumário 89
compacto de sol na lápide sucinta.
Principalmente porque, sol artificial,
que nada limita a funcionar de dia,
que a noite não expulsa, cada noite,
sol imune às leis de meteorologia,
a toda hora em que se necessita dele
levanta e vem (sempre num claro dia):
acende, para secar a aniagem da alma,
quará-la, em linhos de um meio-dia.

Convergem: a aparência e os efeitos


da lente do comprimido de aspirina:
o acabamento esmerado desse cristal,
polido a esmeril e repolido a lima,
prefigura o clima onde ele faz viver
e o cartesiano de tudo nesse clima.
De outro lado, porque lente interna,
de uso interno, por detrás da retina,
não serve exclusivamente para o olho
a lente, ou o comprimido de aspirina:
ela reenfoca, para o corpo inteiro,
o borroso de ao redor, e o reafina.

Não foi preciso que o poeta enunciasse o nome do fabricante


da aspirina, a Bayer, a marca se elevou à condição do próprio produ-
to, como Bom Bril e Gillete. O signo-filho-pródigo de volta à casa do
signo-mãe.

Os poetas concretos brasileiros englobaram em suas obras pro-


dutos e marcas com circulação massiva no espaço midiático. Impos-
sível não mencionarmos a provocação, espécie de product displace-
ment, de Décio Pignatari (2004, p. 128) com o seguinte poema:

sumário 90
O segmento de medicamentos também foi explorado por Pig-
natari (2004, p. 175), ao elaborar um poema explicitando, por meio da
fusão e confusão de palavras, o efeito do remédio, Disenfórmio.

Arnaldo Antunes, no poema abaixo, sacode a rede de sentidos,


na memória discursiva, e nos lembra que GENTE pode ser não apenas
ET, mas também o filme ET – aliás um dos mais célebres casos de
product placement do cinema mundial (fig. 2).

sumário 91
Figura 2 - Poema Gente, Arnaldo Antunes (2011).

Fonte: Disponível em http://www.arnaldoantunes.


com.br/upload/artes_1/177_g.jpeg

Milton Nascimento e Fernando Brant voaram, pela letra da can-


ção “Conversando no bar” (1986), nas asas da Panair, assim como
Elis Regina:
A primeira Coca-Coca
Foi me lembro bem agora
Nas asas da Panair23

Ainda nesta música, a primeira experiência com Coca-Cola –


marca incontornável na cultura do século XX e XXI – está na mesma
estatura de outras iniciações por parte do eu “lírico”, lembrando-nos
que a palavra também deixa tatuagens na memória:
Levei um susto imenso nas asas da Panair
Descobri que as coisas mudam e que tudo é pequeno
nas asas da Panair24

Da Panair, seguimos para sua matriz, a Pan Am (Pan American


World Airways), cuja logomarca surge, entre outras, no cenário futu-
rista do filme Blade Runner (1990) – um dos mais célebres exemplos
de product placement no cinema hollywoodiano –, hoje não apenas
esquecida, mas morta. Definitivamente morta como Atari –, igualmente

23 Disponível em: https://www.vagalume.com.br/milton-nascimento/saudades-dos-avioes-


-da-panair.html. Acesso em: 30/03/2021.
24 Idem.

sumário 92
presente no clássico longa-metragem dirigido por Ridley Scott, basea-
do no romance distópico de Philip K. Dick, Os andróides sonham com
ovelhas elétricas (2017).

Os exemplos de citações, referências do mundo real invadindo


e se aderindo ao imaginário da arte, se acumulam e intensificam nas
últimas décadas. Embora nem sempre sejam – quase nunca o são –
placement profissional pensado estrategicamente pelos gestores de
branding dos anunciantes, não são menos relevantes para os fluxos
discursivos que se entrelaçam e se emaranham no espaço sideral mi-
diático: estão vivos na memória coletiva, acessados sem login e senha
para quem quiser (por desejo ou acaso), vê-los novamente, e, mesmo
reproduzi-los.

Na música popular brasileira, as incidências se empilham: Raul


Seixas, na canção “Ouro de tolo” (1973), citou (cita e citará) um dos
automóveis mais cobiçados pelos brasileiros nos anos 1970:
Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar um Corcel 7325

“Fuscão Preto” (1979), do Trio Parada Dura, apresenta já no pró-


prio título o seu product placement, que se espraia como força motriz
em toda a “narrativa”:
Me disseram que ela foi vista com outro
Num fuscão preto pela cidade a rodar
Bem vestida igual a dama da noite
Cheirando álcool e fumando sem parar

Meu Deus do céu, diga que isto é mentira


Se for verdade me esclareça por favor
Daí a pouco eu mesmo vi o fuscão
E os dois juntos se desmanchando de amor

25 Disponível em: https://www.letras.mus.br/raul-seixas/48326/. Acesso em: 30/03/2021.

sumário 93
Fuscão preto, você é feito de aço
Fez o meu peito em pedaço
Também aprendeu a matar

Fuscão preto, com o seu ronco maldito


Meu castelo tão bonito
Você fez desmoronar

Meu Deus do céu, diga que isto é mentira


Se for verdade me esclareça por favor
Daí…26

Brasília, não a capital, mas o carro produzido unicamente no


Brasil, assim como o fusca, pela Volkswagen, encontra seu lugar nos
versos da música “Pelados em Santos” (1995), da banda Mamonas
Assassinas:
Minha Brasília amarela
Tá de portas abertas
Pra mode a gente se amar
Pelados em Santos27

Ainda nesta letra, duas grifes da moda, “Comprei um Reebok e


uma calça Fiorucci”. Já outra música da mesma banda, “Chopis Cen-
tis” (1995), que parodia no título o templo moderno do consumo – o
shopping center –, traz o seguinte refrão:
Quanta gente
Quanta alegria
A minha felicidade
É um crediário
Nas Casas Bahia28

26 Disponível em: https://www.vagalume.com.br/trio-parada-dura/fuscao-preto.html. Acesso


em: 30/03/2021.
27 Disponível em: https://www.vagalume.com.br/mamonas-assassinas/pelados-em-santos.
html. Acesso em: 30/03/2021.
28 Disponível em: https://www.vagalume.com.br/mamonas-assassinas/chopis-centis.html.
Acesso em: 30/03/2021.

sumário 94
Caetano Veloso, em “Baby” (1968), como Álvaro de Campos
(Pessoa) com a tabacaria e João Cabral de Melo Neto com a aspirina,
não especifica a marca do anunciante, mas enuncia o novo produto,
concorrente da manteiga:
Você precisa saber da piscina
da margarina, da Carolina, da gasolina

Em “Superbacana” (1968), plasmando o jargão da publicidade,


com seus nomes sonoros e atrativos, Caetano cita, desta vez, a marca
da rede de postos de gasolina (Shell), não explicitada na letra anterior,
além de uma marca célebre de inseticida (Flit):
Super-homem, Superflit
Supervinc, Superist
Superviva, Supershell
Superquentão29

E tempos depois-ou-antes, desaguamos no caso dos “tons”.


Tom Jobim primeiro, Tom Zé em seguida. Jobim traz em muitas de suas
canções pontos de interesse do Rio de Janeiro, como praia Ipanema,
Corcovado, Humaitá, Guanabara etc. – uma corrente de logradouros,
bairros e pontos marcantes que reforçam o Rio de Janeiro como seu
destination placement. A polêmica em que se viu envolvido, contudo,
foi quando cedeu os direitos de sua canção “Águas de março” para
um comercial de Pepsi-Cola.

Já Tom Zé, nos versos da canção “Zé a zero” (2013), não deixa
de zombar, na linhagem de Décio Pignatari, da Coca-Cola:
Mas será revolução?
Pocalipse se pá?
Quando ligo na tv
Caio duro no sofá
Ô rapá, qualé que é?

29 Disponível em: https://www.diariofm.com.br/letras/caetano-veloso/super-bacana. Acesso


em: 30/03/2021.

sumário 95
A copa aqui co qui calé?
É coco colá
Aqui copa coca acolá
Fazendo propaganda do tom zé30

Anos à frente (em 2013), Tom Zé é contratado para fazer não um


jingle, mas a locução de um comercial da Coca-Cola, e o cachê vem
em boa hora, para que ele pudesse pagar a produção de seu novo
disco, à época. O fato repercutiu e viralizou, o artista ganhou críticas,
ainda que o público “especializado” saiba, como nós, das relações
simbióticas (ou seriam promíscuas?) entre a publicidade e a arte. Des-
te episódio, nasceu a música “Tribunal do Feicebuque”, que não dei-
xa de ser uma resposta no estilo da contra-propaganda, convocando
para a memória discursiva – e não para o esquecimento, ou para o
silêncio – o fato e seus efeitos:
Tom Zé mané
Baixou o tom
Baba baby
Bebe e baba
Velho babão
Tom Zé bundão
Baixou o tom
Baba baby
Bebe e baba
Mané babão

Seu americanizado
Quer bancar Carmen Miranda
Rebentou o botão da calça
Tio Sam baixou em sampa

Vendido, vendido, vendido!


A preço de banana
Já não olha mais pro samba
Tá estudando propaganda
Que decepção

30 Disponível em: https://www.letras.mus.br/tom-ze/ze-a-zero. Acesso em: 30/03/2021.

sumário 96
Traidor, mudou de lado
Corrompido, mentiroso
Seu sorriso engarrafado

Não ouço mais, eu não gostei do papo


Pra mim é o príncipe que virou sapo
Onde já se viu? Refrigerante!
E agora é a Madalena arrependida com conservantes

Bruxo, descobrimos seu truque


Defenda-se já
No tribunal do Feicebuqui
A súplica:
Que é que custava morrer de fome só pra fazer música? 31

Casos como este nos põe a pensar sobre o que é o product


placement de um artista (um criador) na prateleira dos discursos midiá-
ticos e o que é o seu product displacement, que abordaremos, nesta
relva, logo adiante.

Saindo da poesia, passemos a exemplos, todos de prosa, que


se avolumam, se enredam, se interconectam a seguir, como os nós da
estrutura do rizoma, a qual Deleuze e Guattari (1995) se referem.

Cortázar, com seus cronópios, famas e esperanças nos diver-


tem em dezenas de suas mini-histórias. Escolhemos uma delas, prota-
gonizada por um de seus terríveis famas, que, em seu desfecho, traz
à luz uma marca tradicional de pastilhas de eucalipto e, nos últimos
anos, também de outros sabores:
Fama e eucalipto

Um fama anda pelo bosque e embora não precise de lenha olha


ambiciosamente para as árvores. As árvores sentem um medo
terrível porque conhecem os hábitos dos famas e temem o pior.
Entre elas há um belo eucalipto, e o fama ao vê-lo dá um grito de
alegria e dança trégua e dança catala em torno do perturbado
eucalipto, dizendo assim:

31

sumário 97
— Folhas anti-sépticas, inverno com saúde, grande higiene.
Puxa um machado e bate no estômago do eucalipto sem se
importar com nada.

O eucalipto geme, mortalmente ferido, e as outras árvores escu-


tam o que ele diz entre suspiros:

— Pensar que este imbecil não precisava mais do que comprar


umas pastilhas Valda. (CORTÁZAR, 2007, p. 127).

Poderia ser um placement, embora também uma celebração, a


escultura de um cronópio, feito por certo artista, instalada junto ao tú-
mulo de Cortázar, como registrado na foto feita por Adriana Lisboa, na
qual o autor deste texto (não por autopromoção, mas por acaso) apare-
ce com o fotógrafo Daniel Mordinski e a escritora Adriana Lunardi (fig.3).

Figura 3 - Foto do túmulo do escritor Julio Cortázar.

Fonte: Arquivo do autor.

Ao propósito, catala, dança própria dos famas, inventada por


Cortázar, poderia atravessar o portal da ficção e vir para cá, do outro
lado – real. Por que não? Seria o que denominamos de reverse place-
ment, quando um produto ou marca, originário na ficção, atravessa o
portal e se instala na realidade.

sumário 98
Admira-nos que nenhuma indústria farmacêutica, até o momen-
to, um século depois da publicação de Memórias póstumas de Brás
Cubas, tenha se dignado a produzir, inspirada no romance de Macha-
do de Assis (2014), o Emplastro Brás Cubas – o que seria um marcante
(senão polêmico) reverse placement. Um rival à altura do Emplastro
Sabiá, que canta nas farmácias do Brasil afora, e mesmo do popularís-
simo Emplastro Salompas.

Se a cerveja Duff saiu dos desenhos dos Simpsons para as


gôndolas dos supermercados (fig.4), por que não atender, mesmo
que postumamente, aos desejos do velho protagonista do romance
machadiano?

Figura 4 - Cerveja Duff

Fonte: https://br.pinterest.com/pin/123356477263831081/

Assim emergiu do filme Forest Gump a rede de restaurantes


Bubba Gump (fig.5).

sumário 99
Figura 5 - Restaurante Bubba Gump

Fonte: https://www.tripadvisor.com.br/Restaurant_Review-g297697-d1473560-
Reviews-Bubba_Gump_Shrimp_Co-Kuta_Kuta_District_Bali.html

Mas, retornando à rama literária, o chocolate Wonka fez percur-


so mais longo: nascido no romance A fantástica fábrica de chocolates,
de Roal Dahl, saltou para a esfera audiovisual, nas duas produções
cinematográficas homônimas (já clássicas), seguindo depois para as
fábricas da Nestlé – e da Nestlé para o consumidor em todos os cantos
do mundo (fig.6).

Figura 6 - Chocolates Wonka

Fonte: https://gramho.com/explore-hashtag/chocolateswonka

sumário 100
De volta à Cortázar (2002), em “Auto-estrada do sul”, o escritor
argentino leva para esta rodovia “literária” diversas marcas de auto-
móvel, ao narrar um congestionamento gigante. Os personagens do
conto são reconhecidos pelos seus carros: a moça do Dauphine, o
engenheiro do Peugeot 404, o homem do Caravelle, os dois moços
do Simca, o casal de velhos do ID Citroen, e, assim, todos que estão
confinados na estrada e na história.

No domínio da narrativa breve, de Julio saltamos para Julie, pro-


tagonista do conto “O homem do brejo”, de Margaret Atwood (2017,
p. 88), que fuma os famosos cigarros Gitanes. Em outro conto, “Dicas
da imensidão”, Atwood (2017, p. 189) descreve o personagem George
lendo o Financial Post. Outro exemplo intertextual na obra desta escri-
tora canadense, desta vez pela elipse, é a frase que Vicent, no conto
“A era de chumbo”, sussurra no ouvido de sua namorada Jane, como
definidora da ligação erótica deles – “sem cinto, sem alfinete, sem toa-
lhas e sem atrito” –, colhida de um anúncio de absorvente feminino
(ATWOOD, 2017, p. 163).

Um marcante product displacement vamos encontrar em A hora


da estrela, de Clarice Lispector (1998). Macabéa é atropelada por um
carro da marca Mercedes, que, assim, apaga definitivamente a sua
estrela. Goiamérico Felício Carneiro dos Santos (2009) investigou este
caso, mas sob outra ótica interpretativa.

Ringo, o menino protagonista do romance Caligrafia dos so-


nhos, de Juan Marsé, numa viagem dentro do bonde,
Decide se distrair lendo atentamente os pequenos anúncios
acima das janelas do bonde, Cerebrino Madri se você sofre de
enxaquecas e nevralgias nunca prejudica e blá, blá, blá. Gabar-
dinas Tobías Fabregat elegância e conforto a prazo e à vista e
blá, blá, blá. Buquês para noivas Luis Griera e blá, blá, blá. C.
Borja forra botões na hora. Proibidas a blasfêmia e a linguagem
vulgar. Juventude, beleza e viço com Bela Aurora todo dia e blá,
blá, blá... (MARSÉ, 2014, p. 34).

sumário 101
Assim, cita, numa única sequência narrativa, o que costuma
acontecer em filmes de longa-metragem, um conjunto de marcas,
não apenas nomeando-as, mas com seus respectivos apelos e slo-
gans: Cerebrino Madri (“se você sofre de enxaquecas e nevralgias”),
Gabardinas Tobías Fabregat (“elegância e conforto a prazo e à vista”),
Luis Griera (“buquês para noivas”), C. Borja (“forra botões na hora”),
Bela Aurora (“juventude, beleza e viço... todo dia”). O narrador não
deixe de partilhar conosco como concebe, com certa razão, a retórica
publicitária e seus pregões (“blá, blá, blá”; “proibidas a blasfêmia e a
linguagem vulgar”), algo que, no entanto, o product placement, com
a artimanha do entranhamento e da homocromia, tenta amenizar es-
pecialmente em episódios de ficção audiovisual seriada, acendendo
apenas a marca dentro da cena.

Aliás, há neste romance mais um explícito ardil argumentativo,


muito empregado pela publicidade, a valorização do inferior. Uma for-
ma de mudar o sinal negativo de uma condição, transformando-a em
um diferencial positivo: Ringo perde um dos dedos num acidente, mas
como antes estudava música, sonha em ser pianista. Quando lhe per-
guntam se acha que um dia poderia tocar piano, ele responde:
– Claro! Vou ser um pianista de nove dedos. E daí? Entrem e
vejam, senhoras e senhores. DOMINGO KID, O GRANDE PIA-
NISTA DE 9 DEDOS. Já imagina os cartazes anunciando nas
salas de concerto. “Rapsódia húngara número 2” com nove
dedos. Por que não seria uma boa propaganda? Então se vê
no palco, o jovem virtuose saudando o público e o piano de
cauda aberto ao seu lado como uma dália preta, cumprimen-
tando várias vezes com a cabeça abaixada, despenteado, com
olheiras, arrebatado, recebendo os aplausos com a famosa
mão mutilada no peito depois de interpretar a sonata número
14 em dó menor de Mozart, a sua preferida. E quem sabe não
existe algum concerto só para a mão esquerda, quem sabe.
(MARSÉ, 2014, p. 76-77).

sumário 102
O auto-product displacement de Ringo, os nove dedos, transfor-
ma-se num inusitado product placement: “DOMINGO KID, O GRANDE
PIANISTA DE 9 DEDOS”.

Ainda nesta mesma obra de Marsé (2014, p. 156), ligando-se à


rama dos Gitanes no conto de Atwood, Quique, amigo de Ringo, sur-
rupia do pai cigarros Lucky Strike, já existentes nos anos 1940, tempo
em que se passa a história.

Outro escritor espanhol, David Trueba, põe Beto, arquiteto e


paisagista, narrador de seu romance Blitz, navegando na internet à
procura de ofertas de voo Munique-Madri. E, então, Beto relata: “ano-
tei alguns endereços e me chamou a atenção que a cada página que
abria eram-me oferecidos voos entre Munique e Madri, esse caráter de
adivinhação que a publicidade on-line havia adquirido. Senti-me vigia-
do e preferi parar de navegar” (TRUEBA, 2017, p. 75).

Este trecho nos mostra outro método pelo qual a publicidade


localiza o consumidor de determinado produto ou serviço – pelos pro-
gramas que rastreiam a navegação do internauta. E, não por acaso,
também Trueba segue a mesma concepção de Marsé em relação ao
discurso publicitário (seu contrato comunicacional mais antigo, ainda
que não o único), daí porque o product placement vai se tornando um
aliado frequente na difusão das marcas no universo ubíquo da mídia:
... comerciais cheios de gestos e olhares adoráveis, famílias
adoráveis, entornos adoráveis, uma massagem agradável que
nos impedia de olhar para nós mesmos e nos reconhecer entre
tanta perfeição. Lugares plastificados e decorados, portas de
correr que deslizam perfeitamente, com sua música romântica e
melódica de avião prestes a aterrissar, vazios preenchidos com
uma proposta artificial de céus sempre azuis. Solidões sepul-
tadas, a ausência do perigo de nos vermos num espelho que
reflete o que somos, o que nos falta, o que perdemos, o que
se foi, o que nunca chegou... A realidade reduzida àquilo que
é acessível, como uma pantera reduzida a um gato doméstico.
(TRUEBA, 2017, p. 84-85)

sumário 103
E não apenas os esforços discursivos publicitários são critica-
dos neste livro, mas também aspectos de seu campo laboral. Em cer-
to momento, Beto “estava tendo que aguentar um publicitário com o
seu palavrório pedante” (TRUEBA, 2017, p. 111). Em outro, conhece
Anabel, a quem ele descreve como “proprietária de um enorme apar-
tamento no Ensanche, comprado sem lucrativos anos dedicados à pu-
blicidade” (TRUEBA, 2017. p. 107).

O jornalista aposentado, narrador e protagonista do romance Os


Beneditinos, de José Trajano (2018), ao rememorar as várias fases de
sua vida, cita, como Cortázar, as pastilhas Valda e uma série de nomes
de automóveis, que então começavam a ser fabricados no Brasil nos
anos 1960 (DKV-Vemag, Aero Willys, Kombi etc.), além do ônibus Co-
meta, dos vinhos Nieto Senetiner (argentino) e Corte Giara (italiano) e
do uísque Drury’s, entre outros produtos.

Trajano (2015) como um exímio memorialista, em outra obra,


a chanchada fantasmagórica Tijucamérica, convoca um grupo de
místicos para ressuscitar os melhores jogadores de todos os tem-
pos do América, clube sediado na Tijuca, bairro da cidade do Rio de
Janeiro. Além dos craques, também um velho médico do time, Mário
Marques Tourinho, renasce das cinzas e, com ele, para cuidar dos
zumbis, reaparecem no espaço diegético da trama produtos farma-
cêuticos que fizeram história no país: Biotônico Fontoura, Óleo de
Fígado de Bacalhau, Calcigenol, Emulsão de Scott, Xarope Rhum
Creosotado, Pastilhas Valda (mais uma vez!), Pastilhas de Magnésia
Bisurada e Pílulas de Vida do Dr. Ross. E Tijucamérica não se restrin-
ge a citações pontuais, é um product placement por homocromia,
posto que assume uma história inteiramente construída para evocar
a “marca” do America Football Club, como o longa-metragem Náu-
frago foi concebido para difundir a empresa de remessas expressas
FedEx e as bolas Wilson.

sumário 104
Pelas dezenas de mini-contos do livro Nem vem, da norte-ame-
ricana Lydia Davis (2017), desfilam uma miscelânea de marcas, como
Band-Aid, Mercedes, o jornal Times (como em Pessoa), Coca-Cola
(certamente a campeã de product literature não poderia faltar), Oxford
(editora) etc. etc.

Também encontramos o placement dentro da ficção-literária-


-publicitária. No anúncio do evento Corredor Literário, dois escritores
notáveis se encontram na Avenida Paulista (destination placement)
– o português José Saramago e o brasileiro Carlos Drummond de
Andrade. Não por acaso, mas por ser comunista, Saramago, dirigin-
do um Lada Laika (fig.7), automóvel fabricado na então União Sovié-
tica, oferece carona para Drummond. Uma marca (Lada) dentro da
publicidade de outra (Corredor Literário). Pele sobre pele num corpo
metapublicitário:
Gordas gotas de chuva caíam sobre o asfalto da Avenida Paulis-
ta. Carlos Drummond de Andrade havia sido surpreendido pela
tempestade no canteiro central e agora tentava proteger seus
escritos na pasta preta que carregava a tiracolo. Eis que um
Lada Laika, vermelho, para à sua frente. A porta se abre e lá
de dentro ouve-se uma voz abafada pelo som das gotas que
apedrejavam o teto do carro.

- Drummond, entre!

O poeta brasileiro se joga no banco do carro e fecha a porta.


Para sua surpresa, ao seu lado, conduzindo o carro, está o es-
critor português José Saramago.

- Saramago! Que ótima surpresa! 32

32 Disponível em: http://tfmoralles.blogspot.com/2008/04/corredor-literrio.html. Acesso em:


30/03/2021.

sumário 105
Figura 7 - Automóvel Lada Laika

Fonte: http://um.auto.sina.com.cn/news/2014-05-16/06586755.shtml

Retomando o nó rizomático da poesia, a jovem poeta Catarina


Lins (2021, p. 111-122), mobiliza, em alguns de seus poemas, nome de
marcas comerciais conhecidas de vários estratos sociais brasileiros: o
título de um de seus poemas, “no beto carrero eu vi um macaco que
ria”, cita o parque de diversões situado em Santa Catarina (Beto Car-
rero World); outro poema traz no título uma famosa marca de geladeira
– “teu coração, uma Brastemp (preta)”. No poema “prece estruturada
em formato de polpa”, a poeta (LINS, 2021, p. 121), além de citar uma
grande rede de academias, também menciona o nome de um grande
crítico literário:
Quando disse que a academia Smart Fit
era democrática porque lá os porteiros
e o Luiz Costa Lima malham
lado a lado

Outra jovem poeta, desta mesma geração, Érica Zingano (2021,


p. 123-132) insere no verso de um de seus poemas a “sidra cereser”.
Mas seu poema “teoria dos gêneros” (ZINGANO, 2021, p. 128-129),

sumário 106
reproduzido integralmente a seguir, é que desperta, neste nosso estu-
do, a maior atenção:
Lirika® é um remédio contra fibromialgia que a minha mãe toma
todas as noites (antes de dormir) quando está em período de
crise. A fibromialgia é uma espécie de reumatismo – só que
dos músculos, tendões e ligamentos – e causa dor, fadiga, in-
disposição, dentre outros sintomas. Além de tomar o Lirika®
(todas as noites) antes de dormir, a minha mãe faz três sessões
de fisioterapia por semana, o que ajuda a diminuir bastante a
dor, afirma convicta. O Lirika® é fabricado pela Pfizer, empresa
do ramo farmacêutico responsável por arrematar a maior fatia
do mercado de medicamentos para o coração: o Norvasc, por
exemplo, que a minha mãe também toma (todas as noites antes
de dormir), é, sem dúvida, o mais vendido para pressão alta. De
origem norte-americana, a Pfizer tornou-se conhecida em todo
o mundo pela fabricação do Viagra, que, por incompatibilidade
de gênero, claro, a minha mãe não toma.

Detalhe instigante é que o poema, tão logo termina, é seguido


por um texto explicativo da autora, em corpo menor e itálico, que, de
certa forma, opera como um adendo, sendo, portanto, essencial – e
ressignificativo – para o próprio conteúdo dos “versos”:
(Esse poema foi escrito com dados retirados do Google Inc. e a
poeta se exime da responsabilidade pela veiculação de quais-
quer dessas informações. Infelizmente, parece que o poema
está fazendo propaganda para a Pfizer; apesar de parecer, ela
garante que a intenção primeira desse poema não era a de fazer
propaganda nenhuma, mas a de fazer uma singela homenagem
aos hábitos medicamentosos de sua mãe – se falhou em tal
empreitada, pede desculpas, e avisa que continuará tentando)

Este caso exige obrigatoriamente uma parada em nosso per-


curso, a fim de examinarmos a sua ligação visceral com a questão da
memória discursiva, que apresentamos no início deste artigo.

Como é sabido, quando citamos explicitamente, seja uma frase


conhecida, um clichê, o verso de um poeta popular cristalizado no

sumário 107
repertório coletivo, ou mesmo uma marca de medicamento, mesmo sem
a intenção de louvá-lo, apenas por sua aderência ao nosso dizer e útil
ao contexto narrativo, como no caso do poema de Érica Zingano, ainda
assim, queiramos ou não, estamos acendendo na memória social, e
colocando na malha discursiva que entrelaça a cultura, o conteúdo (“em
estado do dicionário”) do enunciado gerador de nossa citação.

Daí porque a poeta diz que a sua intenção era “fazer uma sin-
gela homenagem aos hábitos medicamentosos de sua mãe” e não
a propaganda da indústria farmacêutica Pfizer (que fabrica Lirika®,
Norvasc e Viagra) o que, no entanto, ela o faz, na opinião de quem a
critica. Convém ressaltar que, na nota explicativa pós-poema, a auto-
ra menciona onde obteve as informações sobre os remédios citados
em seus versos, o Google Inc. De igual modo, seja ato voluntário ou
não, uma vez fiel à necessidade de dar crédito à sua fonte, ela põe
inevitavelmente “no ar”, por meio de sua enunciação, o referido site
(reforçando o seu “poder” de apresentar resultados, em detrimento de
outros buscadores).

Como tratamos em outro estudo, a escolha de um dizer em nos-


so discurso elimina todos os demais dizeres, só o dizer dito (com o seu
correspondente não dito) ocupa o lugar-enunciado, e nenhum outro.
Assim, o dizer, mesmo que seja para desdizer algo (como na nota ex-
plicativa do poema “teoria dos gêneros”, na qual a poeta não diz que
fez propaganda da Pfizer – verbalizando, inclusive, novamente o nome
da farmacêutica), precisa citar em seu dito o respectivo desdito.

O product placement na literatura ou o product displacement


operam da mesma forma. Ainda que o escritor, ao inserir uma marca
em seu texto, não tenha a intenção de elogiá-la (para a estratégia se
consagrar como negócio, o que caracteriza o placement profissional,
ele receberia um pagamento da empresa), a sua aparição, como um
lampejo, salta à vista do leitor, enquanto as demais marcas seguem na
escuridão, uma vez fora de sua narrativa.

sumário 108
Se a citação é implícita, portanto, na forma de paródia ou pará-
frase, a potência de seu efeito é diretamente proporcional ao conhe-
cimento que dela tem o enunciatário, que a registra (e a compreende)
como nó no rizoma textual do qual faz parte. Não é por acaso que os
memes se reproduzem aos borbotões nas redes sociais. Mas, vale
lembrar que, mobilizando uma frase ou imagem, por exemplo, de um
político, na elaboração de um meme, a favor ou contra ele, a sua pre-
sença está “viva” no enunciado.

Bruno Molinero (2020, p. 25), também da nova geração de poe-


tas, no poema “Líquido”, tematizando o lixo que as garrafas pets pro-
duzem no mundo empilha as marcas de filtros que poderiam substituir
o consumo de água mineral (e reduzir as garrafas de plástico amon-
toadas nas geleiras):
compra um filtro de parede
mais ecológico
brastemp
consul
versatille
electrolux
nem pensar
o melhor é
panasonic
hoken
purific
lorenzetti

Mais adiante, no mesmo poema, sugere o filtro de barro – as


tradicionais talhas – e nomeia os mais recomendáveis:
compra o são joão
jaboticabal
carvão ativado
cerâmica stefani
o melhor
segundo a
drinking
water

sumário 109
book
só não confunda
com o são pedro
cópia barata
não presta
por isso tenho fresh in vittro
cúpula transparente
já vem com medidor
sem surpresas
ainda esteriliza
alcaliniza
ioniza
e introduz vibrações positivas
na água que a gente bebe
porque tem amor e gratidão
escritos à mão no barro (MOLINERO, 2020, p. 27).

O desfecho do poema segue a lógica da concorrência entre pro-


dutos, para além de suas marcas. A melhor recomendação é a água
Minalba, mas, ainda assim, incapaz de superar outro líquido, mais in-
dicado para a sede, no último verso: “bebe vodca”. Aqui, ao contrário
das marcas que tornam sinônimos dos produtos que fabricam, o pro-
duto é a solução geral (a vodca), mais importante que o específico, as
marcas (Sminorff, Absolut etc.).

Assim fechamos este pequeno trecho do imenso relvado da li-


teratura, em cujas conexões as marcas comerciais seguem se hospe-
dando, contaminando os textos e sendo elas também agentes vivos
da memória social.

FOLHA FINAL DESTE RIZOMA

Octavio Paz (1982) nos lembra que literatura deixa marcas de


sentimentos, carimbos na alma. O product literature nos mostra que
outras marcas, de índole comercial, se espraiam continuamente pelo

sumário 110
imenso solo literário universal, de cuja grama extraímos, para demons-
trar aqui, uma ramagem minúscula de seu viveiro em permanente ex-
pansão. Nas páginas de obras clássicas e contemporâneas, em espe-
cial por entranhamento, produtos e nomes de empresas se instalam,
fazendo de romances, contos, poemas, entre outros gêneros literários,
seus hospedeiros vitalícios – posto que, uma vez gravados no texto,
na condição latente de um dito, estarão ali, para sempre, à espera de
quem, pela leitura, os faça de fato “dizer”.

Tanto o vírus, se assim o designamos, quanto o hospedeiro pre-


cisam se adaptar, sob pena do primeiro “matar” o segundo – e, assim,
também, desaparecer –, e do segundo não deixar de ser o que é,
literatura, pela presença em suas células da publicidade das marcas.

Ainda que muitos dos exemplos que destacamos nas planícies


desta pequena paisagem do planeta literatura não sejam, em rigor,
product placement (com o devido acordo comercial entre anunciantes
e escritores, remunerados pela inserção dos produtos ou marcas em
suas obras), são inegavelmente enunciados que, a cada leitura, nova-
mente se acendem na memória discursiva.

A última estrofe da canção “Cultura”, de Arnaldo Antunes, so-


bretudo o último verso, sintetiza nossa concepção de product place-
ment, como fenômeno midiático, levado a cabo pelos estratagemas
publicitários:
O potrinho é o bezerro da égua
A batalha é o começo da trégua
Papagaio é um dragão miniatura
Bactérias num meio é cultura.33

33 Disponível em: https://www.vagalume.com.br/arnaldo-antunes/cultura.html. Acesso em:


30/03/2021.

sumário 111
Como as bactérias, mas também vírus, os placements vão se
espalhando, e, em meio à cultura midiática, a cultura das marcas se
entranha nas artes, integrando, como um novo órgão, o seu corpo.

REFERÊNCIAS
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Letras, 2014.
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e o futuro da publicidade. Galáxia (São Paulo, online), n. 45, v. 1, p. 207-222,
set-dez, 2020.
CORTÁZAR, Julio. História de cronópios e de famas. 10ª ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2007.
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Brasileira, 2002.
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São Paulo: Editora 34, 1995.
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Intrínseca, 2015.
LINS, Catarina. Poemas. In: BUARQUE DE HOLLANDA, Heloisa (org.). As 29
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LISPECTOR, Clarice. A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
KERN, Adam L. Blowing smoke: Tobacco pouches, literary squibs, and
authorial puffery in the pic-torial comic fiction (Kibyoshi) of Santo Kyoden
(1761-1816). Harvard University, Cambridge, MA.1997.
MAMONAS ASSASSINAS. Pelados em Santos. Rio de Janeiro: EMI: 1995.
CD (3:16min).
MAMONAS ASSASSINAS. Chopis Centis. Rio de Janeiro: EMI: 1995. CD (3:16min).

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MARSÉ, Juan. Caligrafia dos sonhos. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2014.
MELO NETO, João Cabral de. Obra completa. Org. Marly de Oliveira. Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, 1994.
MOLINERO, Bruno. Férias na Disney. São Paulo: Patuá, 2020.
NASCIMENTO; BRANT. Conversando no bar. Rio de Janeiro: Odeon: 1986.
CD (4:28 min).
PAZ, Octavio. O arco e a lira. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
PESSOA, Fernando. Poemas escolhidos. São Paulo: O Globo/Klick
Editora, 1997.
PESSOA, Fernando. Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa: Ática, 1993.
PIGNATARI, Décio. Poesia pois é poesia: 1950-2000. Cotia: Ateliê Editorial;
Campinas: UNICAMP, 2004.
RIBARIC, M. E. A evolução dos conceitos de product placement nas
produções audiovisuais. Comunicação & Inovação, São Caetano do Sul, v.
20, n. 42, p. 22-35. 2019.
SANTOS, Goiamérico Felício Carneiro dos. Produtos da linguagem: a hora e
a vez de Macabéa. Revista Comunicação, Mídia e Consumo, São Paulo,
vol. 6, n. 16, p.73-88, jul. 2009.
SEIXAS Raul. Ouro de tolo. Rio de Janeiro. Philips Records:1973. LP (2:58).
TRAJANO, José. Os beneditinos. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2018.
TRAJANO, José. Tijucamérica. São Paulo: Paralela, 2015.
TRIO PARADA DURA. Fuscão preto. Rio de Janeiro. Copacabana: 1979. CD
(3:04min).
TRUEBA, David. Blitz. São Paulo: Planeta, 2017.
VELOSO Caetano. Baby.Rio de Janeiro.Philips Records: 1972. LP (2:42 min).
VELOSO Caetano. Superbacana. Rio de Janeiro. Philips Records: 1968. LP
(1:28 min).
ZÉ Tom. Zé a zero. Irará. Independente: 2013. CD (2:23min).
ZÉ Tom. Tribunal do Feicebuque. Irará. Independente: 2013. CD (2:57min).
ZINGANO, Érica. Poemas. In: BUARQUE DE HOLLANDA, Heloisa (org.). As
29 poetas hoje. São Paulo: Cia. das Letras, 2021.

sumário 113
Maria Cristina Dias Alves
Marcelo Eduardo Ribaric
6
Publicidade
e o product placement:
início, alguns meios e fins34
34 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 7, Consumo, Literatura e Estéticas Midiá-
ticas, do 8º Encontro de GTs de Pós-Graduação - Comunicon, realizado de 13 a 15 de
outubro de 2021.

DOI: 10.31560/pimentacultural/2022.95552.6
THE BEGINNING
A publicidade assume diferentes formas para se manter próxima
de seus públicos, cada vez mais fragmentados e dispersos na rede, e
em momentos inesperados para que possa continuar a envolver com
imagens e sons, histórias nas quais produtos, serviços e marcas fazem
parte da vida de personagens: na literatura, no cinema, nas séries de
streaming, nos reality, nos games, nas músicas, nas animações, nas
lives e nos shows e clipes (ou a bateria da marca Yamaha pode ser
dissociada do baterista do Pearl Jam?).

A publicidade contemporânea, diferente da pedagogia do con-


sumo no início de século passado (ROCHA; AMARAL, 2009), se torna
provedora de experiências cada vez mais imersivas, nas quais consu-
midores alimentam identidades e estilos de vida, mimetizando modos
de ser e de viver. Como escreve Giddens (2002), a escolha de um estilo
de vida se torna inevitável, devido às práticas que comporta, e dá ma-
terialidade às narrativas de “autoidentidade”.

E se na novela das oito da década de 1970, o produto era inseri-


do de maneira quase quixotesca na narrativa, na atualidade, produtos,
serviços e marcas são naturalizados no dia a dia da personagem in-
fluencer da novela, que se torna protagonista de um comercial durante
o capítulo. O mesmo comercial que o telespectador vê no intervalo e
no qual a atriz e a personagem se unem para celebrar o consumo do
automóvel. Sobretudo se muitos confundem a vilã ou o mocinho da
novela com o próprio ator ou atriz, o que dizer dos produtos com os
quais esses personagens contracenam?

Dos diamantes, melhores amigos de Marilyn Monroe (Tiffany’s,


Cartier, Black Starr, Frost Gorham, Harry Winston), à Oxicodona em
Dor e Glória, de Almodóvar, marcas são personagens de histórias, em
diversos formatos e meios, cada vez mais dissimulados e persuasivos.

sumário 115
OS MODOS DE CRIAR

Desde a invenção do telégrafo às plataformas digitais do século


XXI, os investimentos para a criação e o desenvolvimento de cada um
dos meios têm por trás anunciantes e as necessidades de proliferação
do capital. Por isso, essa relação tão intrínseca e dependente entre am-
bos – meios e publicidade – que conforma as formas hegemônicas de
comunicação. Já nos alertava Marx, os meios de comunicação fazem
para do sistema de circulação de mercadorias, não geram valor, mas
aceleram o valor de troca.

Relação que se reflete nos modos de produção de cada um dos


meios, especificamente nos modos de trabalho, como observamos em
nossas pesquisas de doutorado e pós-doutorado (ALVES, 2016; 2021),
em que nos debruçamos sobre as alterações nos processos criativos
das agências e a emergência de dispositivos de produtividade, deslo-
cando saberes e poderes.

Nesse sentido, do mesmo modo que a publicidade dita tradi-


cional, voltada para a mídia de massa, com anúncios, spots de rá-
dio e malas diretas deu lugar à mídia ultrasegmentada, com posts,
podcasts e mensagens de WhatsApp, outros formatos emergem
incansavelmente, requerendo novas competências da criação, como
aponta um dos entrevistados da pesquisa de pós-doutorado (ALVES,
2021), diretor de criação e redator de uma agência, entre as cinco
maiores do Brasil, pertencente a um grupo internacional:
Todo dia tem uma nova mídia social. Até seis meses atrás nin-
guém falado do Tik Tok e agora estamos criando para o Tik Tok
[...] E do nosso outro lado de cá, a gente tem que acompanhar
rapidamente essas mudanças, pra que a gente aprenda a es-
pecificidade daquela mídia como se conecta com o consumidor
[...] tá cada vez mais rápido, cada vez mais dinâmico [...] (DIRE-
TOR DE CRIAÇÃO, Brasil).

sumário 116
Os jornais especializados no mercado publicitário também si-
nalizam a cobrança por mudanças nas agências, por parte de anun-
ciantes, alterações que ainda não suplantaram os procedimentos an-
teriores, entretanto, os tornaram mais complexos e produtivos, devido
à fragmentação de públicos e à mediação algorítmica. Movimento
amenizado parcialmente com a nova lei de proteção de dados e as
iniciativas como as da Google e da Apple35, entre outras, para garantir
mais privacidade de usuários e usuárias e que fizeram insurgir uma
crença de que a criatividade, mais do que o controle, será novamente
a alma do negócio das agências de publicidade, trazendo de volta as
boutiques de criação, cujo grande capital não é a tecnologia (tercei-
rizada, muitas vezes), mas a capacidade de ter ideias que mobilizem
multidões em prol da marca.

Essa tendência nos parece alinhada, por um lado, com a as-


censão das consultorias de comunicação criadas por empresas de
tecnologia, que incorporam profissionais e agências inteiras, como
aconteceu com a Accenture Interactive, considerada pela AdAge36 a
maior agência digital do mundo. De outro lado, como observamos em
nossa pesquisa, há um deslocamento dos serviços de comunicação
das marcas para dentro dos escritórios de anunciantes, “as chamadas
in-house – renascimento de um modelo de negócio muito comum no
século passado” (ALVES, 2019), unidades híbridas compostas por pro-
fissionais de agências (muitas vezes mais de uma, trabalhando conjun-
tamente) e do marketing dos anunciantes.

Como parte desses movimentos pendulares estão os proces-


sos para a criação de formatos publicitários, atualmente denominados
branded content ou content marketing, nomes novos para algo que já

35 Apple e Google deixam os cookies de privacidade para trás; entenda. Com as mudan-
ças, as empresas estão exercendo um tipo de poder que normalmente apenas governos
possuem. Disponível em: http://einvestidor.estadao.com.br/negocios/apple-google-coo-
kies-publicidade. Acesso em: jan. 2022.
36 Apple e Google deixam os cookies de privacidade para trás; entenda. Com as mudan-
ças, as empresas estão exercendo um tipo de poder que normalmente apenas governos
possuem. Disponível em: http://einvestidor.estadao.com.br/negocios/apple-google-coo-
kies-publicidade. Acesso em: jan. 2022.

sumário 117
ocorria no século passado, ou seja, conteúdo produzido ou patrocina-
do pelas marcas, com o Repórter Esso ou o programa “Um milhão de
melodias”, da Rádio Nacional (figura 1) para a Coca-Cola ou ainda a
rádio novela patrocinada pela Colgate (figura 2).

Figura 1 – Anúncio do programa da Coca-Cola.

Fonte: Disponível em: https://www.cocacolabrasil.com.br/historias/sete-


curiosidades-sobre-os-75-anos-da-coca-cola-brasil. Acesso em: jan. 2022.

Figura 2 – Trecho de um anúncio da programação da rádio Nacional.

sumário 118
FONTE: Disponível em: http://memoria.bn.br/
DocReader/348970_04/13450. Acesso em: jan. 2022.

Ainda, em 1940, encontramos um conteúdo criado pela marca


Gillette sobre atividade física (figura 3), inserido na matéria especial do
jornal A Noite sobre a competição de atletismo interestadual São Paulo/
Rio de Janeiro.

sumário 119
Figura 3 – Conteúdo da Gillette sobre ginástica no jornal A Noite, 1940.
Sport Factor de saúde

Gymnastica

O corpo humano tem necessidade de


exercicio. A vida sedentaria, impedin-
do a acção normal dos musculos, af-
fecta a saude e favorece o accumulo
de reservas gordurosas. A gymnas-
tica evita esses inconvenientes. Para
maior efficiencia, deve ser praticada
como um habito diário pela manhã,
si possível ao ar livre. É um exercício
racional que não rouba tempo, pois
requér apenas alguns minutos.

Para sair de casa disposto, com uma


physionomia atraente, deve o homem
moderno fazer tres coisas todas as
manhãs: a gymnastica, o banho e a
barba. São tres preceitos basicos de hygiene, indispensaveis para se adquirir
bôa apparencia, que tanto ajuda a vencer na vida. Com Gillette é facil, rapido
e economico barbear-se em casa. Adquira uma Gillette e passe a fazer sua
barba, com laminas Gillette azul, as únicas rigorosamente asepticas.

Gillette

Caixa Postal 1797 – Rio de Janeiro.


Fonte: Arquivo pessoal do/a pesquisador/a.

Consideramos que os conteúdos, sejam filmes ou programas


de televisão e internet criados para produtos ou marcas atualmente,
bem como os formatos englobados pelo chamado advertainment,
formas de entretenimento com características similares a de outros
realizados há mais de um século, como a história em quadrinhos do
marinheiro Popeye (RIBARIC, 2011), e que, por estarem localizados
em contextos sócio-histórico diferentes, se adequam às linguagens
dos meios de cada época. Esse é o caso do especial de Natal da

sumário 120
Coca-Cola criado pela WMcCann em parceria com a Rede Globo.
Segundo os releases das empresas37 a ação envolveu “branded con-
tent, product placement, naming rights e a cobertura de 10 caravanas
promovidas pela Coca-Cola em todo o país”, ou seja, denominações
várias para ações de entretenimento criadas e produzidas pela marca.
Tanto que o case levou leão de ouro no Festival de Criatividade Cannes
Lions na categoria entretenimento.

OS MEIOS

O termo product placement (ou brand placement) só começou


a ser utilizado na década de 1980, de acordo com Newell, Salmon e
Chang (2006), no lançamento do filme E.T.: O extraterrestre de Steven
Spielberg (1982). Contudo, esse formato publicitário vem sendo utili-
zado desde o nascimento do cinema, pelas mãos dos irmãos Augus-
te e Louis Lumière. Há ainda muitos exemplos de product ou brand
placement em performances de palco e artes que antecederam os
filmes (LEHU, 2007).

Como discutimos em outro texto (RIBARIC, 2019), os termos


product ou brand placement referem-se à colocação de produtos ou
de marcas dentro da ação de peças de teatro, obras de literatura ou ar-
tes plásticas, músicas, noticiário ou audiovisuais de qualquer natureza.
Seu uso é uma prática muito antiga, tanto no ocidente como no
oriente. Também chamado de embedded marketing, o product
ou brand placement se caracteriza por ser uma ação híbrida
entre a publicidade e as relações públicas, o que assegura
uma combinação dos pontos fortes da publicidade, como o

37 Disponível em: https://imprensa.globo.com/programas/premios/textos/juntos-a-magia-


-acontece-projeto-comercial-da-globo-coca-cola-e-wmccann-ganha-leao-de-ouro-em-
-cannes/ e https://www.cocacolabrasil.com.br/imprensa/juntos-a-magia-acontece-proje-
to-comercial-da-globo-coca-cola1. Acesso em: jul. 2021.

sumário 121
controle sobre a mensagem e, das relações públicas, a cre-
dibilidade da informação, ao mesmo tempo em que evita as
principais desvantagens destas duas áreas da comunicação
– a falta de credibilidade da fonte de informação, no caso da
publicidade, e a quase ausência de capacidade de influência
sobre o conteúdo, forma e calendarização da mensagem, no
caso das relações públicas (RIBARIC, 2019, p. 23).

Podemos considerar que o formato remonta à Roma Antiga,


quando as paredes das cidades eram decoradas com mensagens im-
portantes: notícias, orações religiosas e publicidade. É muito provável
que a conexão da arte popular com os argumentos mercantis tenha
começado com esses painéis romanos, já no século I. De acordo com
Presbrey (1968), estes combinavam texto, que atraía para as lutas de
gladiadores, com arte de linha grosseira dos guerreiros em combate,
mas não só isso, também ofereciam produtos de diversas naturezas.

No mosaico (figura 4) podemos observar um retiarius (gladia-


dor com rede) de nome Kalendio em luta com Astyanax, um secutor
(perseguidor). Na imagem inferior, o secutor está coberto pela rede do
retiarius, não completamente imobilizado. Já a imagem superior retra-
ta a conclusão da disputa, Kalendio está no chão, ferido, e levanta a
adaga para se render. Os funcionários da arena aguardam seu destino
proferido pelo editor, que não aparece. A inscrição ASTYANAX VICIT,
bem como o nome de Kalendio seguido do símbolo ∅ (nulo), implica
que foi morto por Astyanax.

sumário 122
Figura 4 - Mosaico romano: publicidade da luta de gladiadores.

Fonte: Arquivo pessoal do/a pesquisador/a.

Outro exemplo de publicização, pode ser visto séculos mais


tarde nas novelas e quadrinhos do escritor e empresário japonês San-
to Kyoden (1761-1816), que adicionava às narrativas ficcionais infor-
mações sobre produtos disponíveis em sua tabacaria (figura 5), bem
como promoções para suas outras publicações (KERN, 1997).

Figura 5 - Ilustração de Santo Kyoden com produtos vendidos em sua loja.

Fonte: Ad Museum Tokyo. Disponível em: https://www.admt.


jp/collection/item/?item_id=71. Acesso em: jan. 2022.

sumário 123
Segundo David Carlyon (2001), durante o período de pré-guerra
civil nos Estados Unidos, o artista Dan Rice, ao promover as turnês
de shows, andava pelas cidades cantando a tradicional Sing for your
supper, em que incluía os nomes de patrocinadores em seu número de
abertura. Algo parecido com o que ocorria na Grécia clássica, quando
músicos saiam pelas ruas das cidades cantando e, nas letras, anun-
ciavam leilões e produtos.

Na arte literária, Charles Dickens e Jane Austen podem ser consi-


derados os precursores do product placement na literatura ocidental. A
exemplo de Santo Kyoden, Dickens inseriu produtos nas obras Pickwick
Papers e Oliver Twist. A denominação Pickwick refere-se a uma linha de
carruagens de Londres à época, cuja aparição especial na história re-
sulta em uma “coincidência”, aspecto central da história: o personagem-
-título anda em uma carruagem com seu nome pintado do lado de fora
(FITZGERALD, 1891). Nas duas obras, Dickens também faz referência
ao polidor de botas da Day & Martine o autor também pediu ao ilustrador,
conhecido como Phiz, que incluísse o logotipo parcialmente visto da
cerveja Guinness Dublin Stout (figura 6) em uma cena de pub.

Figura 6 - Ilustração de Phiz para obra Pickwick Papers.

Fonte: Disponível em: https://www.charlesdickenspage.com/


charles-dickens-illustrations.html. Acesso em: jan. 2022.

sumário 124
Outros fabricantes de cerveja também abordaram o ilustrador
para solicitar a inclusão de suas marcas em desenhos futuros (WICKE,
1988). Jane Austen, por sua vez, citou várias vezes a marca do piano
forte Broadwood, da heroína Emma, no livro de mesmo nome.

Nas artes plásticas, observamos marcas em algumas pinturas,


como no quadro Un bar aux Folies-Bergère (1882), de Edouard Manet,
no qual a cerveja Bass faz parte da composição entre outros elementos
de um balcão (figura 7).

Figura 7 - Un bar aux Folies-Bergère de Edouard Manet.

Fonte: Disponível em: https://www.charlesdickenspage.com/


charles-dickens-illustrations.html. Acesso em: jan. 2022.

De volta ao audiovisual, podemos considerar o início da práti-


ca do product placement no chamado “primeiro cinema” (1895-1910),
com os irmãos Lumière, que inauguram a aparição de marcas em fil-
mes no Défilé du 8ème Bataillon (figura 8), de 1896.

sumário 125
Figura 8 -Fotograma do filme Défilé du 8ème Bataillon.

Fonte: Arquivo pessoal do/a pesquisador/a.

E se os irmãos Lumière mostraram o caminho, Georges Méliés,


Thomas Edison e outros aperfeiçoaram as técnicas de introduzir pro-
dutos e marcas em seus filmes, de modo que, no final do século XIX,
a porosidade entre as artes e as atividades de promoção tornava difícil
a distinção entre uma e outra.

Somente em 1927, o filme Wings, dirigido por William Wellman e


Harry d’Arrasto, o primeiro a ganhar um Oscar, abriu as portas definiti-
vamente para o product placement na forma de narrativa cinematográ-
fica: em uma cena, o personagem principal come uma barra de choco-
late da Hershey’s (figura 9), com direito a plano detalhe da embalagem.

sumário 126
Figura 9 - Fotograma do filme Wings.

Fonte: Arquivo pessoal do/a pesquisador/a.

O product/brand placement acabou por se tornar o grande pa-


trocinador das produções audiovisuais desde então e, na contempora-
neidade, novos produtos e personas midiáticas, como vlogers, youtu-
bers, digital influencers têm se mantido por causa do productou brand
placement. Da mesma forma que os gameson ou off-line.

No Brasil, a denominação product placement tem sido aceita


mais pela academia do que pelo mercado (anunciantes, agências,
produtoras, redes de tevê), que costuma utilizar o termo merchan-
dising para se referir à inserção de produtos e marcas em novelas,
filmes e outros formatos, tanto impressos como audiovisuais. As re-
des de tevê, inclusive, utilizam merchandising para nomear os depar-
tamentos responsáveis (CHIOVETTO et al., 2014). Entretanto, este
termo possui muitos significados, pode tanto estar relacionado às
atividades promocionais de fabricantes, com displays ou ações de
promoção de vendas no varejo, ou identificar decisões sobre os pro-
dutos e linhas de produtos de varejistas.

sumário 127
De acordo com AMA, American Marketing Association (1995),
trata-se da colocação estratégica de mensagens no ponto de venda,
com o objetivo de atrair e conduzir consumidores em suas jornadas,
desde a entrada (e também na parte externa do ponto de venda),
até à exposição sedutora dos produtos nas gôndolas ou prateleiras,
levando à compra. Definição semelhante feita pela Popai Brasil, se-
gundo Blessa (2003): “Conjunto de atividades desenvolvidas em um
canal de vendas, visando chamar a atenção do consumidor para um
determinado produto impulsioná-lo à compra”. Apesar da diversida-
de de ações que o termo abarca, todas resultam em estratégias de
comunicação relacionadas à presença de produtos no ponto de ven-
da físico (atualmente, também virtuais, devido às ações de e-com-
merce) para promover a venda.

No Brasil, seu sentido não só foi descaracterizado devido ao


uso do termo para nomear as inserções televisivas, como ganhou um
acréscimo peculiar: a palavra editorial. Desse modo, o merchandising
editorial se refere à aparição de produtos, serviços e marcas em
produções audiovisuais, quer sejam product/brand placement, product
integration, advertainment ou mesmo publicidade tie-in – em que a
narrativa é interrompida para a aparição de marcas e produtos, similar
ao break publicitário.

Se no product/brand placement a inserção de produtos e mar-


cas ocorre de modo fluido e discreto, sem interromper a narrativa, esta
geralmente conota aparições não pagas, nas quais as marcas têm
menos controle sobre a natureza e o contexto da exibição. No product
integration a inserção é semelhante, exceto pela integração real do
produto ou marca no roteiro – seja em um longa, curta-metragem ou
programa de tevê – e pode incluir, por exemplo, o uso de determinado
produto por um personagem específico sinalizado no enredo. O pro-
duct integration geralmente opera em um modelo pago, por causa da
inclusão em roteiros de marcas e produtos para serem utilizados por
personagens, trazendo boa exposição e popularidade.

sumário 128
Realizamos uma revisão bibliográfica do uso do termo pro-
duct placement (RIBARIC, 2019) e concluímos que essas ações po-
dem ser classificadas independentemente do tipo de mídia, já que
a principal premissa desse formato publicitário é “retratar a reali-
dade” ou seja incorporar-se às narrativas, fazer parte de histórias,
sejam filmes, seriados, games, música, depoimentos de influencers
entre outras formas de manifestação. Ainda que o objetivo seja a
venda, há contextos comerciais e não comerciais (idem, p. 31) em
que o formato não só aparece como se propaga pelas mãos de
consumidores-mídia (ALVES, 2016).

ALGUNS PROCESSOS

Nos aproximarmos de alguns processos de criação para esse


formato devido à vivência de um dos/as autores/as, por ter trabalhado
em agências especificamente na criação de product placement audio-
visual e musical. Em um dos contextos, desenvolveu um roteiro para a
Escolinha do Professor Raimundo da Rede Globo, em que o produto –
Peru de Natal – foi incluído em uma cena com os personagens Batista e
Sr. Peru. Em outro contexto, a partir da leitura de sinopses de novelas e
roteiros de longas-metragens, realizou demarcações de possibilidades
de inserção de produtos ou serviços nas narrativas.

Para ilustrar como se iniciam e se realizam essas possibilidades


de inserção de produtos e marcas em longas-metragens, exemplifi-
camos com um trecho do livro Cidade de Deus, de Paulo Lins (2003)
em que aparece um produto em momento de consumo na cena em
que o personagem principal e um amigo planejam assaltar uma pada-
ria. O mesmo trecho aparece no roteiro cinematográfico38, escrito por

38 Arquivo pessoal do/a pesquisador/a.

sumário 129
Bráulio Mantovani e, enfim, na cena (descrita aqui) dirigida por Fernan-
do Meirelles.39
No livro:

Entraram na padaria, pediram uma Coca-Cola, se posicionaram


de modo que desse para ver quando o ônibus apontasse no
início da rua. Assaltariam, pegariam o ônibus, andariam dois ou
três pontos, desembarcariam e entrariam na rua mais oblíqua.

- Pega a ficha no caixa por favor – disse o balconista.

A caixa atendeu Busca-Pé com um sorriso. Busca-Pé fixou os


olhos em seu rosto com cara de Don Juan. Ela riu de novo.
Como era de costume, o cocota puxou assunto. A caixa falava
em tom gentil. Não era lá essas coisas, mas dava pro gasto,
pensou Busca-Pé. Bebiam uma única Coca-Cola em goles cur-
tos, para dar tempo do ônibus chegar. Quando chegou outro
freguês, aconchegaram-se e decidiram que não iriam assaltar a
padaria, porque a caixa era legal pra caramba.

No roteiro:

PASSAGEM DE TEMPO: entendemos que Busca-Pé e Bar-


bantinho já estão na padaria há algum tempo. Eles conversam
animadamente com a MOÇA DO CAIXA - uma jovem bonita,
simpática que usa uma blusa com um decote bastante atrevido,
do qual Busca-Pé não consegue tirar os olhos. Ela não disfarça
que está gostando de ser cobiçada.

BUSCA-PÉ (V.O.)

O lance da padaria também não rolou. A mina do caixa era legal


pra caramba.

A Moça do Caixa anota algo num guardanapo de papel, tipo


sedinha, e entrega para Busca-Pé, junto com um sonho de valsa
que ela discretamente rouba do caixa. O clima é de flerte.

39 Arquivo pessoal do/a pesquisador/a.

sumário 130
Podemos observar que, no livro, os personagens dividem uma
Coca-Cola, produto que não aparece no roteiro. Neste, por outro lado,
a caixa presenteia o personagem com um Sonho de Valsa. Entretan-
to, no filme (figuras 11 e 12) não aparecem nem a Coca-Cola, nem o
Sonho de Valsa: os dois personagens ficam à frente de um balcão em
que há um copo com uma bebida preta, que pode ser café ou mesmo
refrigerante. A balconista presenteia o personagem principal com uma
bala embrulhada em papel transparente e sem qualquer marca.

Figuras 11 e 12 – Fotogramas do filme Cidade de Deus.

Arquivo pessoal do/a pesquisador/a.

No livro e no roteiro são citados produtos e marcas que podem


ou não ser utilizados em ações de product placement. Segundo o pro-
dutor executivo do filme Tropa de Elite 2, depois de o roteiro pronto,
são analisadas as cenas em que produtos podem ser inseridos, em
concordância com a direção, decupagem realizada por ele já que não
é de interesse das agências o product placement, pelo trabalho que dá
versus rentabilidade e visibilidade (BRAGA, 2014, p. 136-139).

Parte dessa reflexão coincide com a experiência dos/as autores/


as, que não necessariamente coaduna com a opinião sobre o desin-
teresse das agências, uma vez que esse formato pode gerar uma sé-
rie de ações decorrentes e potencializar a circulação, o terceiro polo,
como escreve Fausto Neto (2010). Pode ocorrer, sim, receio de anun-
ciantes em ter produtos e serviços atrelados a histórias cujo sucesso é

sumário 131
incerto. Outras vezes, se relaciona ao posicionamento estratégico e os
pontos de contato que desejam ter com consumidores e consumido-
ras, como ocorreu nas ações do BBB21, em que marcas se alinharam
às atitudes de participantes, mesmo em caso de “cancelamentos”, a
exemplo da Avon,40 que os transformou em ações estratégicas de re-
forço ao posicionamento inclusivo da marca.

THE END?

Ao encerrarmos este texto tomamos contato com um dos vi-


deoclipes – da Luísa Sonza, para Trident,41 e da Agnes Nunes, para a
L’Oréal42 – ambos com fichas técnicas complexas, que incluem gran-
des equipes de agências de publicidade, entre outras prestadoras
de serviços. Ainda que essa escolha tenha aumentado nos últimos
tempos, alimentada pelas lives musicais decorrentes da pandemia, o
modo pelo qual os produtos são inseridos (“Masca e destrava” e “Ca-
belo bagunçado”, respectivamente) nos inquietou pela presença os-
tensiva das marcas, quase como um break comercial em pleno clipe.

Na peça da cantora Agnes Nunes, a aparição dos produtos nas


cenas de banho e de cuidados com os cabelos nos pareceu excessiva,
levando a questionar se o produto foi inserido no clipe ou se o clipe foi
criado especificamente para a divulgação do produto, como ocorreu
com o longa-metragem O Náufrago (RIBARIC, 2011).

40 Avon é a marca mais comentada do BBB21 e triplica faturamento no e-commerce. Dispo-


nível em: https://bit.ly/2XfXihf. Acesso em: jan. 2022.
41 Disponível em: https://youtu.be/q3GGHjpWLcI e https://bit.ly/3IPfv7Q. Acesso em:jan.
2022.
42 Disponível em: https://youtu.be/WoNKqepshO4 e https://bit.ly/3ogyCj5. Acesso em:jan.
2022.

sumário 132
A segunda hipótese parecia a mais provável, o que nos motivou
a realizar uma pesquisa exploratória junto às agências, para que pu-
déssemos nos aproximar dos processos criativos envolvendo video-
clipes. A pesquisa não foi adiante, devido aos pouquíssimos retornos
por parte das agências, sendo que a WMcCann (em conjunto com
o anunciante) nos encaminhou as respostas em relação ao clipe da
Agnes Nunes, informando que a ideia foi iniciativa da própria agência:
não estava no briefing a solicitação de product placement. Entretanto,
a cantora é porta-voz da marca e “quando ela citou que seu videocli-
pe teria conexão com cabelo, vimos a oportunidade de incluir a linha
Elsève Longo dos Sonhos contextualizada da filmagem” (EQUIPE DE
CRIAÇÃO WMCCANN E L’OREAL).

Do mesmo modo, a agência e o anunciante confirmam ser co-


mum fazerem uso do product placement junto de artistas que possam
ajudar a construir valores e imagem de marca em suas carreiras, não
necessariamente famosos.
Procuramos não tratar o product placement como uma ativa-
ção isolada de produto e, sim, de construção de mensagem e
associação de marca e, sempre que possível, maximizando a
inserção através do digital. Para nós é importante que toda a ati-
vação seja pensada na formação da mensagem como um todo,
considerando produto, artista, música e valores de marca como
parte dessa construção (EQUIPE DE CRIAÇÃO WMCCANN E
L’OREAL).

Quer pela necessidade dissimulação, quer pela imediatez do


contemporâneo, o product placement funciona como frações midiá-
ticas capazes de captar o olhar do espectador afetando “[...] sua
percepção do mundo; suas identificações e reconhecimentos; qua-
dro de valores que baliza suas diferentes relações com o mundo
e com os outros [...] (FRANCA, 2015, p. 1077), exatamente como
querem os anunciantes.

sumário 133
Por isso, esse formato tem sido uma das estratégias publicitá-
rias mais comuns desde o século passado, em manifestações diver-
sas e em momentos inesperados, para que a publicidade possa estar
presente em interromper a audiência, cada vez mais fragmentada e
dispersa, envolvendo-a com imagens, comédias e tragédias, cheias
de som, fúria, produtos e marcas.

REFERÊNCIAS
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sumário 135
7
Capítulo 7

#AVONTÁON: O DESAFIO DO BRAND PLACEMENT E


O BRANDED CONTENT DA AVON NO BBB21

Roberta Scórcio Maia Tafner

Rosilene Moraes Alves Marcelino

Roberta Scórcio Maia Tafner


Rosilene Moraes Alves Marcelino

#AvonTáOn:
o desafio do brand placement
e o branded content
da Avon no BBB21

DOI: 10.31560/pimentacultural/2022.95552.7
De acordo com o discurso autor referencial da Avon43, a empre-
sa de mais de 130 anos e presente em mais de 100 países, tem como
horizonte o empoderamento de mulheres via inspiração, espírito em-
preendedor, independência financeira. A companhia, hoje, com mais
de seis milhões de representantes no mundo, se coloca à frente de
pautas como o envelhecimento, a luta contra o câncer de mama e a
violência de gênero, dando relevo à “autoestima e preservação da vida
de um número cada vez maior de pessoas”. Traduzindo em números,
atualmente, há 125 mil pessoas educadas sobre o câncer de mama,
25 mil sensibilizadas sobre violência doméstica e US$60 milhões inves-
tidos em programas de empoderamento.

Em uma peça publicitária apresentada na página institucional


a narrativa da diversidade ganha contornos mais definidos com o le-
vantamento da bandeira de combate a estereótipos. A narração é ra-
tificada pelos frames apresentados ao longo do material audiovisual;
com destaque para o ideário de diversidade exposto na imagem com
a assinatura Avon, o que reforça a promessa básica da estratégia co-
municacional de uma proposta de venda emocional e social (ESP –
emotional sales proposition e SSP – social sales proposition) somadas
e direcionadas aos aspectos psicológicos e socioculturais que apelam
ao consumidor (BELCH; BELCH, 2014).

Imagem 1 – Avon: acredite no poder das mulheres (frames).

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=5XLXsndrVP8&t=44s

43 Disponível em: https://www.avon.com.br/institucional/a-avon?sc=1. Acesso em: Dez.


2021.

sumário 137
Na acepção de Domingues e Miranda (2018), ativismo pode ser
compreendido como o desejo pela transformação social. Tal acepção
proposta pelas autoras nos inclina a perceber a Avon como marca
institucional que vem empreendendo esforços no sentido de consoli-
dar-se como ativista. Não podemos nos esquivar do fato de que tais
posturas empresariais e mercadológicas também decorrem de uma
convocação dos consumidores para que as empresas se posicionem
ideologicamente frente às assimetrias econômicas e sociais. Já nos
colocava Canclini (2006, p. 29) que:
Homens e mulheres percebem que muitas das perguntas pró-
prias dos cidadãos – a que lugar pertenço e que direitos isso me
dá, como posso me informar, quem representa meus interesses
– recebem sua resposta mais através do consumo privado de
bens e dos meios de comunicação de massa do que pelas re-
gras abstratas da democracia ou pela participação coletiva em
espaços públicos.

O mercado, desse modo, se converte em arena política (MICHE-


LETTI apud DOMINGUES; MIRANDA, 2018). E tal condição é potencia-
lizada pelo contexto de cultura do consumo com a sobreposição do
simbólico à funcionalidade e pelos desenvolvimentos tecnológicos que
nos colocam em meio a uma sociedade em rede (CASTELLS, 2002),
com novas maneiras de ser, estar e se relacionar no mundo.

Observando-a desde esse lugar, identificamos que a estratégia


da companhia em constituir-se em uma marca ativista não se dá ao
acaso. Demonstra, sim, porosidade, ressignificação e plasticidade da
empresa diante da realidade na qual se encontra imersa; convocada
ainda pelos atuais desafios desencadeados pelo sistema-mundo ca-
pitalista, beneficiado pelas novidades e funcionalidades diante de uma
geração global de pessoas que cresce dentro de um contexto no qual
o significado da comunicação e o significado da cultura são cada vez
mais impulsionados pela indústria da tecnologia (ZUBOFF, 2019).

sumário 138
De acordo com Semprini (2006), as marcas são compostas por
três dimensões: a semiótica, a relacional e a evolutiva. A semiótica refe-
re-se à capacidade de construir e de veicular significados via publicida-
de e/ou outros atos discursivos. A relacional diz respeito aos públicos de
interesse internos e externos da organização. Já a evolutiva é a parcela
considerada mais dinâmica e mutável da marca que objetiva deixá-la em
fina sintonia com as convocações da atualidade. A articulação cuidado-
sa entre estas três variáveis podem conferir plasticidade e longevidade
a uma marca; seja de forma institucional ou mercadológica.

Nas palavras de Viviane Pepe, diretora de Comunicação da em-


presa, em entrevista para o Clube de Criação44, a Avon foi a primeira
marca de maquiagem patrocinadora do BBB (Big Brother Brasil) cuja
edição “contou com o maior número de participantes negros e LGB-
TQIA+. Para uma marca que defende a diversidade, participar desse
Big dos Bigs era algo grandioso e muito importante a partir dos nossos
objetivos traçados para 2021”. E a gestora continua dizendo:
Quando afirmamos que a #AvonTáOn, queremos mostrar na
prática que somos uma marca presente na história de diversas
gerações e totalmente preparada para o futuro. Acreditamos
também que o tipo de dinâmica do programa proporciona a
oportunidade de estarmos mais inseridos nas vidas das pes-
soas do que anunciando em uma festa ou uma prova. Coloca-
mos nossos produtos à prova para todo o Brasil com excelentes
resultados. Dessa forma, o programa foi uma oportunidade de
amplificar a Avon, já muito conhecida em todo o país, com uma
estratégia diversificada de mídia para estar ainda mais presente
nos lares dos brasileiros.

Todas estas considerações nos instigam a colocar lentes nas téc-


nicas publicitárias contemporâneas, observando, para isso, as ações
e os desdobramentos da presença da marca Avon no reality showBig
Brother Brasil, na 21ª edição, no período de 25-Jan-2021 a 04-Mai-21.

44 Clube de Criação. Disponível em: https://www.clubedecriacao.com.br/ultimas/bbb-


21-alem-da-telinha/. Acesso em: 25 jun. 2021.

sumário 139
A AVON NO BBB21

O histórico do programa Big Brother Brasil (BBB) alcança re-


cordes de audiência na programação da televisão aberta brasileira há
mais de 20 anos e nas últimas edições, de 2020 e 2021, vem se des-
dobrando em conteúdos cada vez mais interativos propagados em
diferentes plataformas de mídias, que extrapolam a exibição dos epi-
sódios na TV aberta, como a transmissão de conteúdos exclusivos na
internet, entrevistas com ex-participantes, conteúdos editoriais exclusi-
vos no site da Rede Globo, bem como no sistema pay-per-view na TV e
na plataforma de streaming Globo Play, que permitem aos assinantes
acompanhar o que acontece na casa 24 horas por dia, ao vivo.

Na edição de 2021 do BBB, nota-se que o modelo do progra-


ma seguiu a fórmula do ano anterior, mantendo os participantes da
casa em dois grupos: Pipoca (anônimos) e Camarote (convidados). O
BBB21 chegou sendo anunciado como o “Big dos Bigs”, com a mis-
são de superar os recordes da temporada 2020, com grandes marcas
anunciando e uma fila de espera de mais de 30 anunciantes para pegar
carona no sucesso do programa, que serviu de vitrine para grandes
marcas que atuam no país.

Houve uma ampliação na duração do programa, passando para


100 dias; aumentando também o número de espaços publicitários
para 447 e sete cotas de patrocínio ao todo, sendo três “cotas Big”
(R$78MM/cada) e quatro “cotas Anjo” (R$59MM/cada). Neste contex-
to, é oportuno sinalizar que a participação da Avon no programa foi
através do investimento da “cota Big” no BBB21.

Mais do que o esperado, o BBB21 bateu 19 recordes como, por


exemplo, duas das três maiores votações da história do programa; teve
recorde de votos em um minuto, 3,6 milhões; e os canais Multishow líder
da TV fechada e plataforma do Gshow com recordes de audiência.

sumário 140
Os fluxos de produção movidos por estratégias da comunica-
ção publicitária em um reality show como o BBB, evidenciam que:
[...] a publicidade brasileira é reflexo e refração da cultura do
consumo na qual ela está inserida. Assim, ao mesmo tempo em
que a publicidade incorpora os elementos culturais para seus
fins comerciais, ela também é um meio de expressão que revela
o mosaico cultural de um país como o Brasil, onde o erudito e o
popular convergem (CARRASCOZA; SANTARELLI, 2011, p. 57).

Nesse contexto, a ampliação das lógicas de produção do rea-


lity, expandindo os lugares de consumo disponibilizados, se justifica-
ria pela necessidade de acompanhar as novas experiências culturais
(FONTENELLE, 2017), amplificadas pelas diversas “interatividades”
(KELLNER, 2006; OROZCO, 2006), já que a “publicidade capilariza em
todo e qualquer suporte que lhe possa servir como veículo de sua
mensagem” (CARRASCOZA, 2016, p. 66). Da perspectiva do mercado,
o posicionamento da equipe da Wunderman Thompson (Agência WT)
responsável pela conta AVON, reforça que a escolha pelo formato e o
desenvolvimento da campanha trouxe um caráter além de divertido,
educativo, e questionou em entrevista dada ao Valor Econômico45:
Onde podemos ver gente de origens tão diferentes, represen-
tantes de todos os tipos de brasileiros, discutindo abertamente
problemas que estão presentes na sociedade brasileira? Foi
uma oportunidade para todo mundo aprender. [...] A gente es-
tudou muito, seis meses antes do programa iniciar. Isso faz di-
ferença.” (KEKA MORELLE, 2021, p. 1).

Com isso em mente, o investimento da AVON no programa é


essencialmente inserções de brand placement, dado o seu formato
que tem como estratégia a negociação de espaços para as marcas
serem inseridas na rotina dos participantes, nas programações e nas
ativações dentro da casa.

45 Valor Econômico: BBB 21, O Laboratório das Marcas. Disponível em: https://valor.globo.
com/empresas/noticia/2021/05/07/bbb-21-o-laboratorio-das-marcas.ghtml. Acesso em:
15 jun. 2021.

sumário 141
Assim, a proposta do plano de ações da AVON foi desenvolvida
seguindo as lógicas de produção e narrativa publicitária a partir da
utilização da técnica de brand placement trabalhadas dialogicamente
com ações de branded content. Na medida em que para cada inserção
e participação das ações de product placement dentro do programa
BBB21 elas integravam outras ações com desdobramentos em múlti-
plas plataformas e meios de comunicação fora da casa. Raul Santah-
elena (2018), esclarece que o branded content, ou seja, conteúdo de
marca, consiste em ações de marketing que envolvem a produção ou
mesmo a distribuição de conteúdos de entretenimento, tendo como
objetivo principal fazer com que o público assimile a mensagem, os
atributos e os conceitos de forma leve e envolvente.

A marca consegue desta forma, efetivar a intersecção das estra-


tégias de comunicação e marketing e é a partir desse sistema expan-
dido que a publicidade vai criando “integração” (IGARZA, 2008); como
um modelo comunicativo em que a tecnologia é combinada com for-
mas criativas para gerar novas formas híbridas de expressão nomea-
das de publicidade híbrida (COVALESKI, 2010). Na medida em que
trabalha “a relação de reciprocidade entre identidade e alteridade nos
novos diálogos entre consumidores e marcas” (COVALESKI, 2010, p.
71), na qual a publicidade híbrida é entretenimento, compartilhamento
e comunicação e, portanto, impõe um processo de hibridização que
soma ao anunciar outras funções derivadas de ora entreter, ora intera-
gir, para gerar novos subprodutos de arte, entretenimento, informação
e consumo incorporado ao modelo de reality show.

Para Viviane Pepe (2021), em entrevista para o Clube de Cria-


ção46, “os reality shows se tornaram ainda mais consumidos pelos
telespectadores e pautam constantemente os assuntos das redes so-
ciais, se tornando ainda mais multiplataforma”. A executiva credita o

46 Clube de Criação. Disponível em: https://www.clubedecriacao.com.br/ultimas/bbb-


21-alem-da-telinha/. Acesso em: 25 jun. 2021.

sumário 142
sucesso do BBB21 a estes aspectos e, na prática, experimentou os
bons resultados do borramento de fronteiras entre o físico e o digital.
Pautada por uma estratégia de comunicação 360º, que vai além da
TV, a AVON manteve conversas constantes nas plataformas de redes
sociais, relacionando tudo que acontecia na casa com seus produtos,
propósitos e causas. Pepe (2021) afirma que, para as linhas de pro-
dutos, foram criadas dinâmicas promocionais especiais, lançamento
de kits de produtos Avon BBB, com ativações promocionais no site e
concebidas estratégias direcionadas para a força de vendas.

Ao longo do BBB21, a Avon desenvolveu oito ações dentro da


casa, a saber: (1) Camarim Avon – Maquiagem; (2) Prova do Anjo –
Renew Solar Advance; (3) Festa Olho no Olho – Show Daniela Mercury;
(4) Prova do Líder – Renew Vitamina C; (5) Dia Internacional da Mulher
– Olha pra Ela; (6) Ação - Prova do Anjo – Passou secou Esmaltes; (7)
Prova do Líder – Power Stay; (8) Avon Olha de Novo.

A título de recorte, no tópico a seguir, vamos realizar um estudo


de caso de quatro ações: a primeira; por ser a de abertura da marca
no programa; a terceira por ter sido uma festa ao vivo com período de
exposição maior da marca com foco na linha de maquiagem; a quarta
por se inserir em uma disputa de prova do líder realizada ao vivo com
enfoque nas linhas de produtos skincare; e a quinta por se referir à
celebração do dia internacional da mulher. Para além destas ações,
também foram escolhidas outras duas ações; sendo estas externas
e ocorridas concomitantemente e ao encerramento da edição, a sa-
ber: (a) Olha de novo Avon (recapitulação dos melhores momentos da
marca, segundo ela própria, no big dos bigs) e (b) Embaixadora Avon
(comunicado da chamada Avonliete dias após o final do programa).

sumário 143
ESTUDO DE CASO AVON: BRAND
PLACEMENT E BRANDED CONTENT

Os Fluxos Comunicacionais (PIEDRAS, 2007) e seus formatos


mobilizam a indústria midiática e anunciantes. No eixo da Promoção
de Vendas Institucional (CRESCITELLI; SHIMP, 2012; BELCH; BELCH,
2014) cuja essência de inserções é alavancar a imagem da marca
(imaterial), através de ações de curto ou a longo prazo. A venda é, por
assim dizer, uma consequência do consumo simbólico e material.

Dentre estas técnicas que envolvem as promoções de vendas


institucionais, partimos para uma análise mais detalhada da modalida-
de de brand placement (CRESCITELLI; SHIMP, 2012; RIBARIC, 2019),
que se ocupa da inserção encomendada de uma ou várias marcas
dentro de um contexto. O termo técnico para este formato muito comu-
mente popularizado por “Merchan” ou “Jabá” entre veículos, anuncian-
tes e público, na verdade já passou por transições de nomenclaturas
e denominações ao longo do tempo como: Merchandising, Tie-in, Pro-
duct Placement e ou Brand Placement dentre outros.

Vale ressaltar que o mais importante, independente da nomen-


clatura, está na estratégia, em atender ao objetivo primário das marcas
em investir no contexto, ou seja, “dentro” de espaços que incluam a
presença das marcas por encomenda. Tendo como foco amiúde parti-
cipar da história, compor o conteúdo, fazer parte dele(a), sem interrup-
ção, brand placement “é a inserção da mensagem publicitária no corpo
da história” (CARRASCOZA, 2020, p. 9). Assim, segundo o autor, para
os anunciantes o importante é marcar o território da comunicação no
tempo-espaço do momento/tendência do comportamento sociocultu-
ral, para se fazer presente no cotidiano do público, porém revelando-se
de modo mais “natural”.

sumário 144
O diferencial para as marcas inseridas no corpo da história é se
afastar da interrupção provocada pelo intervalo. Pouco importa se a
marca será exibida ou verbalizada na história, ela deve estar inserida
no contexto que permite diferentes conteúdos a serem tratados e incor-
porados. Contudo, para isso, são necessários esforços concentrados
desde audiência, pesquisa, espaços, ambientes, verba para atingir os
resultados pretendidos das estratégias de comunicação e marketing.

Dentre os esforços está a premissa de desenvolver toda uma


campanha que norteie a participação da marca dentro e fora da casa.
Para isso, a Avon realizou uma pesquisa através do Instituto IBOPE Co-
necta47 em novembro de 2020, para investigar os hábitos, sentimentos
e atitudes de mil mulheres entre 25 e 60 anos, de todas as regiões do
Brasil, da qual alguns dados são expostos a seguir: 1) 6 em cada 10 mu-
lheres estão insatisfeitas com a pele do rosto. Das insatisfeitas, as jovens
são maioria com 61% desse sentimento; 2) para 48%, os sentimentos
de bem-estar e saúde são os mais importantes em relação ao cuidado
do rosto; 3) 27% cuidam da pele para se sentirem mais bonitas; 4) 83%
cuidam da pele motivadas por um sentimento positivo de prazer; 5) 70%
das mulheres negras não estão satisfeitas com os produtos específicos
de maquiagem disponíveis no mercado; 6) 46% disseram desistir de
uma compra por não encontrar sua cor; 7) 95% sentem falta de infor-
mações na hora de comprar maquiagem; 8) 57% das mulheres ouvidas
“criam” as próprias cores, misturando tons de base; 9) 67% afirmam
faltar conhecimento no atendimento a clientes pretas e pardas.

Todo modelo de negócio precisa de investimento, portanto, toda


produção, seja ela qual for – desde um filme, um programa de auditó-
rio, uma novela, serie, reality, documentários, música, clipe, um livro,
um podcast, canal, uma cidade, um país entre tantos outros formatos
possíveis – precisa de investimento, para ser rentável, atingir objetivos
mercadológicos (lógicas de mercado) e sobrevivência.

47 https://avongroup.vteximg.com.br/arquivos/AVON_BLACK_PAPER2.pdf

sumário 145
Portanto, ao nosso ver, o mais relevante é observar as estraté-
gias dos anunciantes em participar ativamente do contexto de entrete-
nimento que pode ser observado em formatos diferentes que os apro-
xime da audiência, seja ela público-alvo ou público em potencial. Isso
justifica ainda mais o nosso olhar para as ações da Avon no BBB21.
A partir do discorrido neste tópico, notamos como é preciso entender
“investimento” como algo complexo, pois neste estudo de caso fica
evidente a necessidade de várias frentes para administração de recur-
sos (humanos, financeiros e de tempo), cobrindo os âmbitos institu-
cional e mercadológico. Desde pesquisa, passando pela mobilização
de equipes, até a cota Anjo efetivamente. De acordo com Keka Morele,
executiva-chefe da Wunderman, em entrevista ao Valor Econômico48, a
“agência mobilizou 82 pessoas para a campanha da Avon no BBB, 16
acompanhando o programa nas redes sociais 24 horas por dia durante
os últimos três meses”.

Para este estudo de caso, como mencionado antes, seleciona-


mos algumas ações da AVON, marca pioneira na linha de produtos
de maquiagem, como patrocinadora do BBB21, com a efetivação de
investimento de cota big.

A primeira ação realizada pela AVON no BBB21 foi chamada


de Camarim Avon. Realizada em 26 de janeiro de 2021, no segundo
dia de programa, esta ação desencadeou debates relevantes dentro
da casa, além da experimentação dos produtos pelos participantes.
Foi a primeira ação a ecoar dentro e fora da casa. Ultrapassando o
universo da linha de maquiagem, gerou pautas de representatividade,
diversidade, gênero, autoestima e empreendedorismo. Os participan-
tes, divididos em dois times, poderiam escolher produtos e deveriam
se maquiar uns aos outros. Por decisão livre dos participantes, as
meninas de cada time maquiaram os meninos. Na sequência, houve
48 Valor Econômico: BBB 21, O Laboratório das Marcas. Disponível em: https://valor.globo.
com/empresas/noticia/2021/05/07/bbb-21-o-laboratorio-das-marcas.ghtml. Acesso em:
15 jun. 2021.

sumário 146
uma espécie de performance do resultado da dinâmica; com direito
a desfile e cliques para registrar a ocasião. Contudo, uma tensão foi
gerada pela percepção dos participantes de a performance ter sido
estereotipada. Essa discussão tornou-se pauta dentro e fora da casa,
mostrando que o assunto tinha uma amplitude maior. E a sensibiliza-
ção gerada espreitou o respeito às minorias, mais especificamente ao
universo LGBTQIA+, dando início ao caráter didático e social da AVON
na casa mais vigiada do Brasil. A seguir, na figura 1, partilhamos uma
imagem da ação de ativação.

Figura 1 - Camarim da Avon.

Fonte: Plataforma Gshow do Big Brother Brasil

Em 20 de fevereiro de 2020, a companhia que inicia no reality


com a estratégia #AvonTáOn, avança agora com a campanha de re-
posicionamento com o mote #OlhadeNovo. Segundo o Meio & Men-
sagem49 (2020), trata-se de uma nova fase da marca que objetiva trazer
um olhar para além dos padrões, ampliando o modo como a sociedade
enxerga a beleza, para “mostrar o potencial subestimado das pessoas,
revisar preconceitos e reconsiderar opiniões”. Essa plasticidade revela

49 Disponível em: https://www.meioemensagem.com.br/home/marketing/2021/06/16/cam-


panha-olhadenovo-traz-reposicionamento-da-avon.html. Acesso em: 08 de dez. 2021.

sumário 147
a dimensão evolutiva da marca AVON a plenos pulmões. No BBB21,
para atualizar a percepção da marca de forma massiva, a AVON inseriu
a sua nova proposta na festa do BBB21, nominando-a mesma Olho no
Olho da Avon. A marca trouxe para a festa a cantora Daniela Mercury,
símbolo também da pauta LGBTQIA+.

A ação contou ainda com pílulas digitais de 60”, 30” e 15” e


filmes para a TV de 15” e 30” como o mote “Olha de novo. Essa histó-
ria é maior do que se vê”. A ideia era celebrar a força e a autoestima
feminina e conectando as jornadas das mulheres com a história de
transformação da marca. Demonstrando assim, todo o compromisso
estratégico da campanha de lançamento da nova linha de máscaras
de cílios através das lógicas de produção de uma publicidade híbrida.
Na figura 2, partilhamos uma imagem da Festa Olho no Olho da AVON.

Figura 2 - Festa Olho no Olho da Avon.

Fonte: Plataforma Gshow do Big Brother Brasil.

Em 25 de março de 2021, a AVON compôs a Prova do Líder


realizada no programa ao vivo, no BBB21. A prova foi chamada de Re-
new Vitaminas e tinha como mecânica o desafio dos participantes em

sumário 148
executar em três etapas o passo a passo dos cuidados para uma pele
vitaminada a partir de produtos da categoria skincare: Água Micelar
Revitalizante com Vitamina B3 e Ácido Hialurônico, Renew Super Con-
centrado Antioxidante com Vitamina C e o lançamento do Renew Hydra
Pro Vita-D. Além da liderança e do prêmio de R$10 mil, o vencedor da
prova também recebeu R$2 mil em produtos da AVON. Vale observar
que na condição de uma prova exibida no programa ao vivo, realizada
sempre às quintas-feiras e com alto índice de audiência, a marca traça
objetivos que percorrem alavancar não só a imagem de marca. Pro-
cura, ainda, reforçar e promover a linha de produtos de cuidados da
pele com uma dinâmica de prova que favorecia comunicar e educar o
público sobre as características e atributos dos produtos AVON. Esta
ação teve desdobramentos para o público externo, através de ações
de promoção de vendas persuasivas, mobilizados por descontos e
promoções especiais que, através das tecnologias, disponibilizava QR
code na tela apresentado pelo Tiago Leifert para que o público aces-
sasse a promoção durante a execução da prova. Parte da ação pode
ser visualizada na figura 3 a seguir.

Figura 3 - Prova do Líder Avon Renew Vitaminas.

Fonte: Plataforma Gshow do Big Brother Brasil

sumário 149
O Dia Internacional da Mulher, data que faz parte do calendá-
rio promocional do mercado mundial, muito explorado por diversos
segmentos no mercado brasileiro, também foi comemorado na edição
do BBB21, no dia 8 de março, endossado pela AVON. A celebração
contou com a participação inversa (de fora para dentro da casa) apre-
sentada pela ex-sister e campeã da edição 2020, Thelma Assis. A ação
teve como tema criativo “#OlhaPraEla” e compartilhou histórias de mu-
lheres que inspiravam os participantes, descrevendo mães e esposas
dos confinados, como sendo mulheres importantes na vida de cada
um dos brothers do BBB 21. Na mecânica, a ação é iniciada através
de um telão no jardim da casa (figura 4) em que Thelma explica que a
AVON trouxe uma surpresa: “o Dia Internacional da Mulher é de inte-
resse para todos nós. Então, eu trouxe aqui para vocês um momento
especial. Eu vou ler um trechinho de mulheres fortes que fazem parte
da vida de vocês”, disse ela.

Figura 4 - Ação 5: Olha Pra Ela Avon.

Fonte: Plataforma Gshow do Big Brother Brasil

A ação #OlhaPraElaAvon celebrou o protagonismo feminino por


meio de histórias inspiradoras também fora da casa, através de suas
revendedoras, com repercussão relevante nas plataformas de redes

sumário 150
sociais (figura 5), em que reconhece o papel da mulher todos os dias.
Ressaltando que a marca, só no Brasil, conta com mais de l,1 milhão
de revendedoras50, com a maior força de vendas direta do mundo.

Figura 5 - Feliz Todo Dia da Mulher.

Fonte: http://avonbrasil.avon.com/pub/sf/

A última ação da marca dentro da casa ocorreu no penúltimo


dia de encerramento da edição 2021, oferecendo um momento de cui-
dados e relaxamento para os três finalistas, incentivada por uma ação
de lembrança e despedida da marca dentro e fora da casa, com o
slogan “Olha de Novo Avon” (figura 6). Do lado de fora, utilizou as suas

50 Fonte: ABVED - Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas. Disponível em:


https://www.abevd.org.br/portfolio-items/avon/ Acesso em: 08 dez. 2021.

sumário 151
plataformas digitais. Na rede social Instagram divulgou uma peça publi-
citária de lembrança, desenvolvida por uma execução criativa combina-
da de imagens, demonstração e venda direta. Assim, procura recuperar
todo o percurso da marca o centésimo dia, encerramento do programa.

De acordo com a coleta de dados da Odysci51, empresa de Big


Social Data, a Avon no BBB21 obteve grande destaque ao longo dos
cem dias de programa, nas suas mídias proprietárias em quatro plata-
formas sociais – Facebook, Instagram, Twitter e Youtube –, registrando
um engajamento médio diário de 278.464 interações, atingindo o pico
de 523.946 durante a semana.

Figura 6 - Olha de Novo Avon.

Fonte: Instagram avonbrasil: https://www.instagram.com/p/COaplc_p5Ly/

Ao término do programa, a AVON, em 17 de maio de 2021,


a empresa divulgou a contratação de Juliette Freire (figura 7), for-
mada em direito, maquiadora e campeã do BBB21. A vencedora foi

51 Odysci. Disponível em: https://www.odysci.com/pt/blog/bbb21-desempenho-dos-patro-


cinadores-nas-redes-sociais/. Acesso em: 25 jun. 2021.

sumário 152
anunciada como a nova embaixadora da marca de cosméticos Avon,
do grupo Natura & Co. Com esta estratégia de contratação a marca
fecha o seu ciclo endossando a diversidade na força da mulher nordes-
tina, visto que Juliette foi discriminada por um bom período na casa.
Com esta ação, a lógica de produção que envolve toda uma estratégia
de branded content e seus desdobramentos encerra a participação da
AVON no BBB21.

Figura 7 - Ação 10: Embaixadora Avon.

Fonte: Instagram avonbrasil: https://www.instagram.com/p/COaplc_p5Ly/

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A publicidade habita as entrelinhas, a tessitura das culturas mi-


diática, digital, de entretenimento e de consumo. Toma forma seriada,
fílmica, gamificada, de realities show, entre tantas outras. Da Madson
Avenue de décadas atrás para Mad Man, e de muito antes até – e

sumário 153
para muito além de agora –, empenha-se pela relevância e conexão
assentadas cuidadosamente sobre os imperativos de cada época,
sobrepondo-se a estes, boa parte das vezes, ao lançar provocações
e colocar em curso novos embates. A publicidade contemporânea,
visceralmente, a partir de suas lógicas, estratégias e técnicas, põe em
jogo aspectos simbólicos em diferentes ambientes. Tais elementos nos
motivaram a colocar lentes nas técnicas publicitárias da atualidade.

Ao olharmos para o estudo de caso da AVON no BBB21 obser-


vamos ações e desdobramentos da presença da marca no reality que
nos evidenciam a conversão do mercado também em arena política,
que reflete e refrata variáveis socioculturais da atualidade. Para a mar-
ca AVON investir em um programa dentro de um veículo de massa de
forte abrangência e audiência no mercado brasileiro, que tem progra-
mação diária e comporta a transmissão ao vivo, representa uma es-
colha desafiadora e ao mesmo tempo a insere nas vidas das pessoas
pavimentando caminhos para diálogos futuros.

Foi possível perceber o empenho da AVON para articular as


dimensões semiótica, relacional e evolutiva da marca nos 100 dias
de duração do Big Brother Brasil. Via publicidade, lançando mão das
técnicas de brand placement e branded content, construiu e veiculou
significados. Com uma equipe de mais de 80 pessoas só da agência
WT, procurou estabelecer ponte com seus públicos (alvo e potencial)
demonstrando abertura ao diálogo e, portanto, empenho na dimensão
relacional. No que se refere à dimensão evolutiva, em pleno reality tras-
ladou da campanha #AvonTáOn para a #OlhoNoOlho verticalizando
sua condição de marca ativista em fina sintonia com convocações so-
ciais contemporâneas. Ao se reposicionar, convida a sociedade para
lançar um novo olhar sobre a beleza, problematizar preconceitos, re-
considerar opiniões.

sumário 154
REFERÊNCIAS
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Levi. In: COGO, D.; ROCHA, R. de M.; HOFF, T. (Orgs.). O que é consumo:
comunicação, dinâmicas produtivas e constituição de subjetividades. Porto
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sumário 155
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dez. 2021.

sumário 156
8
Capítulo 8

RUGOSIDADE ESTÉTICA E O PRODUCT PLACEMENT NAS ARTES: UMA


REFLEXÃO SOBRE O CONSUMO ARTISTA DA REPUTAÇÃO DE MARCAS

Sheila Mihailenko Chaves Magri

Sheila Mihailenko Chaves Magri

Rugosidade estética
e o product placement nas artes:
uma reflexão sobre o consumo
artista da reputação de marcas

DOI: 10.31560/pimentacultural/2022.95552.8
INTRODUÇÃO

Contaminados afetivamente pela perspectiva de observar o pro-


duct placement nos trabalhos artísticos é que iniciamos uma pesquisa
sobre como os sentidos atribuídos aos produtos e marcas, comuns ao
universo das retóricas publicitárias e de relações públicas, são captu-
rados por artistas e enformados nas suas obras (RIBARIC, 2019; CAR-
RASCOZA, 2020; 2021). Pretendíamos compreender as formas como
o consumidor-artista recria e partilha, no objeto de arte, um impac-
to sensível, deixado pelo rastro reputacional de “marcas absolutas”
(CHETOCHINE, 1999).

Deste modo, a pergunta-problema que permeou a nossa pes-


quisa foi compreender como e em que medida ocorreu o consumo-
-artista da reputação de marcas e de produtos nas obras artistas aqui
analisadas. Para dar conta desta tarefa, selecionamos, como corpus de
pesquisa, as menções ou a exposição de marcas e de produtos em
sete trabalhos de artistas contemporâneos. São eles: uma instalação do
artista chinês Ai Weiwei; um trecho do livro “A Actriz, A Actriz” do escritor
e poeta português Luís Serguilha (2020); uma canção de Nando Reis,
interpretada por Marisa Monte; duas ilustrações satíricas, uma delas de
John Holcroft e outra de autor desconhecido; o capítulo “Marcas”, do
livro “Elegia do Irmão”, de João Anzanello Carrascoza (2019); um tra-
balho do artista plástico Vik Muniz e um trecho do livro “Os Cinco Sen-
tidos”, do filósofo Michel Serres (2005)52. O primeiro critério de busca e
seleção desse corpus foi a disponibilização das obras em livrarias, nas
mídias digitais e em exposições. O segundo critério adotado foi que, nas
obras, houvesse a apresentação, ou a inserção de produtos e ou “mar-
cas absolutas” (CHETOCHINE, 1999). Como procuramos diversificar os

52 Não inserimos aqui a análise de produções audiovisuais por já terem sido estudadas em
outros trabalhos e nos demais capítulos deste livro. As peças de teatro foram descartadas
porque as várias possibilidades de product placement exigiriam uma pesquisa exclusiva
e mais aprofundada.

sumário 158
campos da arte e como estes objetos empíricos são provenientes de
diferentes domínios de sensíveis (imagens, sons, escritura, instalações),
achamos relevante “retextualizá-los”, ou seja, tratamos de transpor, por
bricolagem, o product placement dos trabalhos artísticos para este texto
científico, para que pudéssemos propor um diálogo intertextual e realizar
a nossa reflexão (BETTETINI, 1996).

Este texto está segmentado em quatro partes: o item 1. Intro-


dução que trata da apresentação e metodologia da pesquisa; o item
2. Que versa sobre o product placement e o consumo simbólico da
reputação das marcas; o item 3 que traz as análises e o resultado da
pesquisa e que é intitulado “Consumo da reputação de marcas no
product placement das obras” e nossas considerações finais.

Como metodologia de análise, usamos alguns princípios da tra-


dução intersemiótica como propõe Júlio Plaza (2003, p. 71). Contudo,
apenas no quesito de “traduzir criativamente” que, segundo o autor, é
“inteligir estruturas que visam a transformação das formas”. Segundo o
autor, “a forma é assim aparição e a tradução é a transformação de apa-
rências em aparencias” (PLAZA, 2003, p. 87). Adicionalmente, procura-
mos observar os vários efeitos de sentidos. Sabe-se que “pelos sentidos
os homens se comunicam entre si” e na operação da linguagem, criam
sistemas de signos e formas de apreensão “para transmitir informação
estética” (PLAZA, 2003, p. 45-46). Assim, realizamos o nosso trabalho
em três etapas: primeiro, operamos a “captação da forma”; depois a
“captação da interação dos sentidos” e em seguida a “captação da for-
ma como efeito estético” (PLAZA, 2003, p. 71). Por sentidos, entende-
mos a inter-relação (sinestesia) entre o visual, o tátil e o auditivo, trans-
posta nas linguagens artistas, enquanto ativação de sensações e para
provocar a fruição delas, a apreensão do real e a potencialização de
afetos. Para iniciar, tomamos a definição de Epinosa de afeto. O filósofo
diz: “por afeto entendo as afecções do Corpo pelas quais a potência de
agir do próprio Corpo é aumentada ou diminuída, favorecida ou coibida,
e simultaneamente as ideias destas afecções (ESPINOSA, 2015, p. 273).

sumário 159
Segundo Plaza “cada sentido capta o real de forma diferen-
ciada” (PLAZA, 2003, p. 47). Em cada trabalho artístico, verificamos
como os sentidos do product placement foram captados pelo artista.
Observamos a estetização para percebermos como o consumo-artis-
ta confere forma às marcas ou produtos entranhados nas obras. Em
seguida, checamos quais foram os efeitos de sentido apropriados,
reproduzidos, deslocados e transmutados pelos artistas. Finalizando,
procuramos mostrar como aconteceu o consumo simbólico da reputa-
ção das marcas, expressas nas obras pela potencialização de afetos
e, assim, chegamos à rugosidade estética.

Adotamos, na análise dos resultados, o método da “compreen-


são abdutiva” e que consistiu em “inscrever fenômenos surpreenden-
tes em uma configuração” (PARRET, 1997, p. 81-93), a qual chamamos
de cartografia da estética do rugoso (Figura 8). Tratou-se da “apreen-
são da semelhança sensível de figuras numa configuração” (PARRET,
1997, p. 81-101). O trabalho de síntese foi advindo, tanto do marco
teórico acionado (dedutivo), quanto do material coletado (indutivo),
mas ambos os movimentos foram somados à sensibilidade. Ou seja,
à fruição e apreensão, pela pesquisadora, destes efeitos estéticos-si-
nestésicos nas obras analisadas. A forma de investigação atuou de
modo criativo, como bricolagem, em recusa às inferências universais e
realizando voltas singulares.

Por esta razão, os resultados encontrados não pretendem ser


uma interpretação fiel do sentido das obras, visto que como afirma
Sontag (1987), isso seria impossível de se realizar quando o objeto
empírico é arte. Nem pretendeu se tornar um estudo conclusivo do
consumo-artista de reputação de marcas. A nossa pesquisa visa insti-
gar outros debates acerca das possibilidades de contaminações lisas
e rugosas entre a publicidade, os discursos reputacionais e a arte.

sumário 160
PRODUCT PLACEMENT E O CONSUMO
SIMBÓLICO DA REPUTAÇÃO DE MARCAS

O ideário de reputação de marcas tem suas raízes nos primór-


dios da história do pensamento ocidental, sobretudo na figura de Eu-
cleia, filha do deus grego Hefesto. Na mitologia grega, Eucleia era a
deusa da reputação, da honra e da glória. Ela concorria com outra
divindade reputacional, deusa do panteão greco-latino, Fama. Em He-
síodo, Fama era descrita como filha de Gaia. Ela era incumbida de
divulgar todos os tipos de notícias, as divinas e as mundanas. Tinha
função de ser a mensageira da verdade e da calúnia. Circulava entre
mortais e imortais. Por isso, era esperada e temida. Quando Fama por-
tava grandes feitos, ela era representada por uma mulher alada com
uma trombeta. Entretanto, quando Fama expunha as calúnias alheias,
ela era retratada à moda de Boticelli como uma anciã com a cabeça
oculta. Virgílio a descreve como “calamidade veloz”. Sófocles a nomeia
como “filha da esperança”. A marca deixada por Fama é a reputação.

Segundo a sua etimologia, a palavra reputação, ou reputatio, é


de origem latina. Vem do verbo reputare. O prefixo Re indica repetição
e a palavra putare53 significa pensar, refletir, fazer suposições ou con-
siderar algo. Sendo assim, pela origem latina do termo, encontramos
para reputação o sentido de usar a reflexão para atribuir valor a algo,
ou a alguém em um processo recorrente.

A reputação compreende a noção de valoração coletiva e, por-


tanto, é um fenômeno que ocorre em processos comunicativos. O ato
de reputar se realiza a partir de formações discursivas, cujas condições
de existência localizam-se nas interações sociais (BARROS FILHO; PE-
RES-NETO, 2019; GOFFMAN, 2012). Conforme apontam Barros Filho

53 Disponível em: https://www.dicionarioetimologico.com.br/reputacao. Acesso em: 25 nov.


2021.

sumário 161
e Peres-Neto (2019), a reputação exprime juízos de valor. A boa repu-
tação é adotada como finalidade pelos atores sociais para obtenção e
preservação de status e para incrementar a sua capacidade de influên-
cia, pela apropriação de crédito social e por meio do acúmulo de pres-
tígio. Daí toda a reputação opera como capital simbólico (BOURDIEU,
2012; 2013; 2017).

Segundo Rocha e Barros (2008), o consumo é um discurso que


envolve todos em um “sistema de poder e prestígio”, e, portanto, o
consumo simbólico, no seu aspecto valorativo das visibilidades dos
seus objetos, é passível de adquirir ou de gerar reputação. Rocha e
Barros (2008) concluem que:
O consumo é um discurso capaz de criar múltiplas mensagens
a partir de um código, permitindo, como operador de um siste-
ma de classificação, aproximar e diferenciar grupos de pessoas
através de coisas e vice-versa. Com séries de produtos e servi-
ços, os bens de consumo, se articulam com séries de pessoas,
grupos, estilos de vida, gostos e perspectivas e desejos que vão
nos envolvendo a todos em um permanente sistema de comu-
nicação de poder e prestígio (ROCHA; BARROS, 2008, p. 189).

Os valores sociais atribuídos aos objetos reputáveis são forma-


dos e consumidos a partir de estratégias discursivas que constroem
sentidos e que justificam naturalizações, reducionismos, estereótipos
e reificações (FOUCAULT, 2017a; 2017c, HALL, 2016). A reputação se
passa em um processo comunicacional social onde o “poder simbó-
lico” é exercido junto aos atores para se gerar um efeito de sentido,
uma “vontade de verdade” (BOURDIEU, 2012; FOUCAULT, 2017b). Tal
mecanismo não é diferente quando se trata da reputação de empresas
(VANCE; DE ANGELO, 2007). No contexto da reputação de organiza-
ções, Oshiro (2016) afirma que reputação é um conceito que:
Envolve também significados relacionados a crédito, à valida-
ção, entendida como a ação de definir valor, reputar. Ou seja,
reputar passa pelo julgamento e ser reputado significa, então,

sumário 162
ter passado pela prática do julgar, seja de uma ação, uma atitu-
de ou o conjunto de atos e práticas dos variados atores sociais
(OSHIRO, 2016 p. 288).

Para Santos (2007, p. 145) em seu estudo sobre as Relações


Públicas, “diferente da volatilidade da imagem, a reputação se constrói
a partir do histórico de relacionamento com os diversos atores sociais,
tenham eles interesses convergentes, ou não”. Luciano Santos (2007)
afirma ainda que, na medida em que a postura das empresas é coeren-
te com valores comunicados e políticas implementadas, consolida-se
a confiança em torno de seus produtos e da sua marca.

Mas o que entendemos por reputação de marca? Segundo


uma das primeiras definições para o termo, criada pelo Comitê de
Definições da American Marketing Association, a AMA54, a marca
pode ser um nome, um sinal, um símbolo ou uma combinação des-
ses três elementos e que objetiva identificar produtos e serviços de
uma empresa, para diferenciá-los dos demais concorrentes. Dentro
desta perspectiva, a marca seria um atributo de um produto para
galgar um diferencial competitivo. Segundo Kotler e Pfoertsch (2008),
as marcas são muito mais do que aquilo que as empresas comercia-
lizam. Elas representam a razão de existência do negócio. Os discur-
sos do mercado vão mais longe ainda e afirmam que existe um valor
intangível da marca e, desta maneira, foi criado o termo brandequity,
ou valor de marca que é associado ao capital reputacional da empre-
sa. Entendemos como Perez (2004) que:
As marcas se expressam por meio do nome que apresentam,
do logotipo, da forma e do design dos produtos que encar-
nam, a embalagem e do rótulo, da cor, do slogan, do jingle, da
personalidade, do personagem que representa, de uma mas-
cote, além de outros recursos e do contexto organizacional, en-
volvendo os funcionários e os parceiros e suas relações com o

54 Disponível em: https://www.ama.org/the-definition-of-marketing-what-is-marketing/ Aces-


so em: 25/11/2021.

sumário 163
meio social. A utilização de uma ou outra forma de expressão
depende do tipo de produto, de consumidor e dos objetivos
organizacionais (PEREZ, 2004, p. 47).

Todavia, os diversos estudos apontam que a marca inclui atri-


butos simbólicos que ultrapassam estas expressões materiais e que
se instalam no imaginário dos consumidores (CHEN, 2010). Os con-
sumidores valoram as marcas não somente segundo critérios rela-
cionados à sua utilidade, ou pelo valor de uso dos produtos. Eles
consomem os seus sentidos, desejam seus imaginários e valorizam
atributos dos discursos publicitários, transferindo-os das marcas
para o seu universo individual e coletivo. Assim, a reputação da mar-
ca consumida teria a capacidade de promover uma identidade e uma
significância, para além do produto, do nome, ou do serviço de uma
empresa. Para Vieira (2004, p. 119) “a percepção da marca é produto
de uma expressão gráfica (ela tem uma cara), de uma expressão fi-
losófica (ela tem alguma coisa a dizer) e de uma experiência (ela tem
alguma coisa a trocar)”.

Adicionalmente a estes aspectos, Kotler e Armstrong (2010)


afirmaram que a conquista da fidelidade do consumidor seria o cri-
tério que define o valor real de uma marca. A fidelidade às marcas
por parte do consumidor é vinculada ao consumo simbólico das sub-
jetividades projetadas por elas e desejáveis no consumo de bens e
serviços. Para Domingues,
A sociedade de hiperconsumo está alicerçada não mais em
uma economia centrada na oferta, mas na procura, com po-
líticas de marca, criação de valor para o cliente, sistemas de
fidelização, crescimento da segmentação e da comunicação
(DOMINGUES, 2013, p. 24).

Chetochine (1999), no entanto, estabeleceu uma classificação


das marcas em função da sua natureza, ou melhor dizendo, da natu-
reza da seleção de compra realizada pelo consumidor. Para o referido

sumário 164
autor, o que mais importa na marca é o que o consumidor percebe. Há,
segundo Chetochine (1999), uma exigência do consumidor final sobre
a marca que, segundo a sua notoriedade, caracterizaria seu consumo
em três formas: como marca absoluta, como marca relativa e como
marca transparente (ou automática). Em outras palavras, a notorieda-
de da marca e, portanto, a sua reputação, geraria um diferencial co-
municativo, um valor agregado que representaria a força específica de
cada marca. A marca absoluta é a mais forte porque oferece, por meio
da sua reputação, uma responsividade imediata e absoluta a uma ne-
cessidade de segurança do consumidor no ato da compra. Na marca
relativa, o consumidor não busca por uma referência de marca em
particular, no entanto, precisa de uma resposta tranquilizadora para, no
ato de compra, optar por determinada marca e detrimento de uma con-
corrente. Já no caso do tipo transparente, a marca não interfere no ato
da compra, a escolha do consumidor é automática, mas dependente
das estratégias promocionais ditas de prateleira e presentes no local e
no ato de compra (CHETOCHINE, 1999).

Com a adição do conceito de “marca absoluta” de Chetochine


(1999, p. 35-40), o juízo de valor que se pode conferir a uma marca
ganha uma complexidade ainda maior. O compartilhamento deste re-
conhecimento das “marcas absolutas”, por parte dos consumidores,
afetou todo o entendimento sobre os imaginários do consumo para
estilos de vida, regimes de gosto, atributos de distinção, entre outros
fatores. Deste modo, as marcas de empresas e de produtos, ditas
globais e absolutas, fazem parte de um sistema complexo de significa-
ções que, a partir de um recorte sociocultural, contém um conjunto de
signos aos quais são atribuídos juízos de valores (morais ou estéticos).

A dimensão de imaterialidade das mercadorias, representada


pelo discurso reputacional das marcas, atinge, com a publicidade, as
ruas, os lares e a vida das pessoas. O consumo simbólico da reputação
das marcas, dos seus discursos e do que eles representam, se torna
uma forma de expressão, na qual a marca é o que marca o cotidiano.

sumário 165
Neste contexto da vida cotidiana, que não delimita fronteiras para
o consumo, é que surge, o fenômeno do product placement. Grosso
modo, product placement seria a prática de inserção, inclusão, ou in-
corporação de marcas, ou de produtos em contextos diversos, para
além dos tradicionais anúncios publicitários. Marcelo Ribaric (2019),
ao realizar uma pesquisa sobre a evolução do conceito de product
placement, afirma que:
Como o próprio nome diz Product ou Brand Placement, é a
colocação de produtos ou marcas dentro de uma ação de al-
gum produto midiático, sejam estas peças de teatro, obras de
literatura ou artes plásticas, músicas, notícias ou audiovisuais.
Seu uso é uma prática muito antiga, tanto no ocidente como no
oriente. Também chamado de embedded marketing, o product
ou brand placement ele se caracteriza por ser uma ação híbrida
entre a publicidade e as relações públicas, o que assegura uma
combinação dos pontos fortes da publicidade, como o controle
sobre a mensagem, e das relações públicas, a credibilidade da
informação, ao mesmo tempo em que evita as principais des-
vantagens destas duas áreas da comunicação - a falta de cre-
dibilidade da fonte de informação, no caso da publicidade, e a
quase ausência de capacidade de influência sobre o conteúdo,
forma e calendarização da mensagem, no caso das relações
públicas (RIBARIC, 2019, p. 23).

Para Carrascoza (2008, 2020b), no início, a publicidade tomou


como estratégia a “lógica da interrupção”. Os formatos de anúncios
como o de homem-sanduíche, a inserção de classificados, o outdoor,
as peças de rádio (jingles, spots) e filmes publicitários na televisão
objetivavam que o consumidor parasse provisoriamente e desviasse
a atenção para o anúncio (CARRASCOZA, 2020b). O autor também
afirma que estes formatos publicitários tradicionais:
Ganharam, com o tempo, o reforço de uma nova estratégia (de
sobrevivência), que podemos denominar de “entranhamento”,
já que a anterior, primeva, baseia-se, como vimos, em mostrar
ao público, nos meios de comunicação, um material diferen-
te de sua textualidade, um “estranho” no ninho. Com a prática

sumário 166
criativa de “entranhar” surge o product placement, cuja estraté-
gia, diferente da lógica da interrupção, apoia-se na colocação
de marcas comerciais na trama de filmes de longa-metragem,
capítulos de telenovelas ou episódios de seriados etc., retirando
do público a possibilidade de evitar ou de se desviar da mensa-
gem publicitária, que, nesse caso, impõe-se de forma incontor-
nável (CARRASCOZA, 2020b, p. 212).

Segundo Carrascoza (2020b, p. 216), o “entranhamento da pu-


blicidade em conteúdos midiáticos, como o product placement, mes-
mo que de forma menos invasiva, não oculta o intuito publicitário”.
Para ele, o sistema midiático, formado também pelo fluxo publicitário é
“ubíquo e onipresente”. Esse fluxo é comparável:
À chuva de ouro, que remonta ao episódio mitológico no qual
Zeus, deus do Olimpo, se apaixona por Dânae, então aprisiona-
da pelo pai Acrísio numa torre, penetra por uma fresta entre as
telhas, como orvalho dourado, e fecunda a jovem. Não há como
o indivíduo contemporâneo evitar tal chuva – ela está a toda
hora, e em todo lugar, ensopando a sua (nossa) vida (CARRAS-
COZA, 2020b, p. 208).

O product placement vira uma das maneiras da publicidade de


continuar como mediadora entre a produção e o consumo diante dos
novos ditames da era digital (CARRASCOZA, 2020a). Neste sentido,
há dois aspectos do product placement apresentados por Carrascoza
(2020a) e que estão relacionados com a reputação das marcas pela
sua ligação com a visibilidade, com a fama e com um sistema valora-
tivo (juízos morais e estéticos).

O primeiro aspecto é um alerta do autor de que, no processo


de “entranhamento” de marcas e produtos em filmes, séries, e outras
formas de entretenimento, pode ocorrer uma “estética do liso” (HAN,
2019). Trata-se de termo cunhado pelo filósofo Byung Chul Han (2019),
que se refere a supressão da distância de contemplação necessária
para fruir o estético. Desta maneira, seria impossível conectar sentidos,
ou mesmo aprofundá-los numa reflexão. O product placement, para

sumário 167
Carrascoza (2020a) obedece a esse liso e media um “efeito de arras-
tão”, no qual a publicidade:
Continua envolvendo o consumidor com ênfase discursiva no
vetor dionisíaco, visando o fazer crer com as suas ações vela-
das. O consumidor – incluindo todos nós – vive, então, à mercê
de sua própria atenção, também lisa, tentando escorregar do
caudal de ofertas que não o interessam – ou não são suficien-
temente atrativas no momento (CARRASCOZA, 2020a, p. 186).

O segundo aspecto acontece dentro do que Carrascoza (2020a,


p. 182) denomina de “estética do velamento”, presente nas estraté-
gias de product placement. Nela, ocorre o que ele chama de product
displacement, que seria a possibilidade das marcas estarem inseridas
em contextos morais ou estéticos conflitantes com a retórica de seus
discursos reputacionais no mercado. Seria a possibilidade de marcas
serem “entranhadas”, não somente em cenas cujo julgamento moral
da ação conduzidaseja percebido como estritamente positivo, ou mo-
ralmente aceitável, ou recomendável. No product displacement, que
acontece também em contextos literários, a marca habita situações
tristes, perigosas, negativas, imorais, controversas. Ele cita o exemplo
de product displacement publicitário de marcas inseridas em contextos
negativos que fazem parte do enredo de filmes55. Como, por exemplo,
o product placement de uma marca de um automóvel que é eficaz-
mente usado em um filme para cometer um assalto, uma fuga, ou para
assassinar a personagem principal da trama literária, como no caso
da marca Mercedes Benz no carro que mata a personagem Macabéa,

55 Russell (2002, p. 307-308) categorizou o product placement em três dimensões: visual,


auditivo, e em conexão com o enredo. O visual refere-se à aparência da marca na tela.A
auditiva ou verbal se refere à menção em um diálogo, inserida no roteiro. Ada conexão
propõe a integração da marca ao enredo da história ou ação. Segundo a autora, a di-
mensão auditiva, é mais eficiente para a mentalização da marca do que a visual. A tercei-
ra “também caracteriza uma dimensão de significado. Níveis mais altos de conexão de
enredo caracterizam instâncias quandoa marca dá uma contribuição significativa para a
história eassim, facilitará a memória”.

sumário 168
em “A hora da estrela”, de Clarice Lispector.Cena retratada no filme de
mesmo título do livro, dirigido por Suzana Amaral, em 1985.56

Para Carrascoza (2020a, p. 182), “a sociedade contemporânea


permite às marcas, atentas às identificações hegemônicas, mas tam-
bém às minoritárias, a enunciação da norma e igualmente da trans-
gressão”. É interessante observar aqui que, no fenômeno do product
placement, a estratégia de reputação da marca valoriza mais o juízo
estético do que o valor moral, ou a ética.

O valorda marca, articulado no product displacement, é a visibi-


lidade e a notoriedade da marca (CARRASCOZA, 2020a; CHETOCHI-
NE, 1999). E é na produção deste efeito de alisamento que a “estética
do velamento” encobre o julgamento moral da conduta transgressora,
na qual o “entranhamento” da marca acontece e sem nenhum estra-
nhamento aparente.

Em concordância coma captura do valor estético pelo merca-


do, para a construção de reputação das marcas, Lipovetsky e Serroy
(2015) afirmam a existência, na contemporaneidade, do “capitalismo
artista” que, para esses autores:
Cria valor econômico por meio do valor estético e experiencial:
ele se afirma como um sistema conceptor, produtor e distribui-
dor de prazeres, de sensações, de encantamento. Em troca,
uma das funções tradicionais da arte é assumida pelo universo
empresarial. O capitalismo se tornou artista por estar sistema-
ticamente empenhado em operações que, apelando para os
estilos, as imagens, o divertimento, mobilizam os afetos, os
prazeres estéticos, lúdicos e sensíveis dos consumidores. O
capitalismo artista é a formação que liga o econômicoà sensibi-
lidade e ao imaginário; ele se baseia na interconexão do cálculo
e do intuitivo, do racional e do emocional, do financeiro e do
artístico. No seu reinado, a busca racional do lucro se apoia

56 Logotipo da Mercedes Benz no filme “A hora da estrela” dirigido pela cineasta Suzana
Amaral, em 1985, product placementem 1:38:24s. Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=MBxAMJvSip0 Acesso em: 25 nov. 2021.

sumário 169
na exploração comercial das emoções através de produções
de dimensões estéticas, sensíveis, distrativas. (LIPOVETSKY;
SERROY, 2015, p. 31).

Sem ignorar as estratégias reputacionais das marcas no product


placement, sem esquecermos, ou velarmos as diversas críticas ao “ca-
pitalismo artista” feitas por Lipovetsky e Serroy, acrescentamos mais
um outro aspecto, sobre o qual este trabalho pretende discorrer, que é
o consumo-artista da reputação das marcas.

Ao pesquisar recentemente o product placement em contextos


literários e artísticos, Carrascoza (2021, p. 02) propõe o exame da gê-
nese da publicidade e da sua “contaminação no plano das artes”. O
autor realizou “uma bricolagem de células de exemplos de product
literature colhidos por pesquisa”. Ao descrever este rizoma, Carrascoza
(2021) concluiu que:
O product placement na literatura ou o product displacement
operam da mesma forma. Ainda que o escritor, ao inserir uma
marca em seu texto, não tenha a intenção de elogiá-la (para
a estratégia se consagrar como negócio, o que caracteriza o
placement profissional, ele receberia um pagamento da empre-
sa), a sua aparição, como um lampejo, salta à vista do leitor,
enquanto as demais marcas seguem na escuridão, uma vez
fora de sua narrativa. Se a citação é implícita, portanto, na forma
de paródia ou paráfrase, a potência de seu efeito é diretamente
proporcional ao conhecimento que dela tem o enunciatário, que
a registra (e a compreende) como nó no rizoma textual do qual
faz parte. (CARRASCOZA, 2021, p. 13).

Deste modo, a mesma reputação que torna a marca absoluta


possível de ser entranhada nos textos literários pelo product literature,
também corrobora para sair do liso e para registrar um “nó” no rizoma
textual e na reputação da marca.

Este capítulo versa sobre estes nós na reputação de marcas pelo


product placement em objetos artistas. Apontaremos para o que Muñoz
(1997) sugere em sua obra que é a importância de se observar, no gesto

sumário 170
artista, os movimentos de “desidentificação” das formações discursivas
hegemônicas e verificar como acontecem com, mas contra elas.

Assim, na esteira do trabalho iniciado por Ribaric (2019) e Car-


razcoza (2020a, 2020b, 2021), vamos analisar o consumo-artista da
reputação de marcas como expressão de subjetividades-artistas que
atuam sobre a reputação das marcas, mas, simultaneamente, se ma-
nifestam contra os mecanismos de poder, se aproximando ao que pro-
põe o novo paradigma estético de Félix Guattari (1993).

Desta forma, não apuramos se houve uma relação comercial


entre os artistas e as empresas, nem uma relação deles com a publi-
cidade de marcas mencionadas pelas composições-artistas. A nossa
preocupação foi a de refletir, exclusivamente, no campo da comunica-
ção sobre o consumo-artista da reputação das marcas, enquanto um
consumo simbólico, dentro de uma perspectiva dos sentidos, no âm-
bito das sensações e dos afetos potencializados pelos artistas, como
detalharemos nas análises a seguir.

CONSUMO DA REPUTAÇÃO DE MARCAS


NO PRODUCT PLACEMENT DAS OBRAS

Um primeiro aspecto relevante notado no consumo simbólico


por parte dos artistas nos exemplos de product placement analisados
é o fato de todos eles trabalharem como pressuposto da notoriedade,
ou seja, com a reputação reconhecida e com os efeitos de sentido no
consumo das “marcas absolutas”, como postula Chetochine (1999). As
41 marcas entranhadas nas obras analisadas em product placement
são: Forever, Coca-Cola, Serasa, Avon, Verlon, Adidas, Omo, Conga,
Volkswagen, Hipofagin, Facebook, Apple, Maizena, Pan, Juquinha, So-
nho de Valsa, Dulcora, Ping Pong, Ploc, Nescau, Toddy, Tubaína, Don,

sumário 171
Ginger Ale, Pullman, Seven Boys, Panco, Wickbold, Etti, Cica, Maggi,
Knorr, Bamba, G. Aronson, Jumbo Eletro, Mappim, Mesbla, Transbrasil,
Varig, Apollo e Omega.

Um segunto aspecto observado em todos os trabalhos é que os


artistas operam um deslocamento no imaginário das marcas e passam
a desenvolver o processo criativo a partir de um jogo de duplos senti-
dos. Forma-se pelo som, pelas imagens, pelo emprego da língua, ou
pela linguagem poética, um estranho-duplo da marca (RANK, 2013).
É um estranho-duplo-estético, a exemplo do conceito de “duplo-em-
pírico-transcedental” de Foucault (1981, p. 335), no qual o homem
é sujeito e objeto do conhecimento. Neste “estranho-duplo-empíri-
co-transcendental”, o entranhamento da marca é sujeito e objeto de
construção da obra. O “entranhamento” em si se autonomiza da repu-
tação originária da marca, passa a seguir outras direções, refratando
e recriando novas possibilidades de sentidos (RANK, 2013) nos mate-
riais. O estranho-duplo-marca espelha e reflete sentidos relacionados
à reputação delas, mas que são semelhantes, ou conflitantes com um
afeto mobilizado pelos artistas.

Em terceiro, as análises abaixo evidenciaram, como diz Hall


(2019), que um discurso é consumido quando se torna uma prática
social. O discurso reputacional das marcas no product placement ar-
tista se torna uma prática social. Foi, então, consumido, mas em nego-
ciação. Pois essa prática é artista. Ela, portanto, acontece em polifonia,
em “heterogênese”, “cria instâncias locais de subjetivação coletiva”,
flerta com os imaginários, produz normas nas formas, mas foge de
qualquer tentativa de se estabelecer em um critério rígido de atribuição
de sentidos (GUATTARI, 2012, p. 16). O artista, enquanto consumidor
da reputação da marca, torna-se também um cocriador de outros sen-
tidos para a marca.

Tomemos, por exemplo, a análise do product placement na


instalação do artista chinês, reconhecido como artivista político, Ai

sumário 172
Weiwei, intitulada “Forever: bicycles”. A instalação foi disposta na
entrada da sua exposição realizada em Lisboa, em 2021. “Forever” é
marca de uma tradicional fábrica de bicicletas da China. A bicicleta é
produto do cotidiano de mais de 20 milhões de moradores de Pequim.
“Forever” é uma marca chinesa, mas que representa o movimento
de passagem de interesses capitalistas. É uma marca gigantesca e
global57. O artista traz o nome da marca e do produto para o título da
obra que já foi exposta em várias versões. Algumas delas com mais
de mil bicicletas.

Figura 1 – Bricolagem – product placement na


Instalação de Ai Weiwei - Forever Bicycles.

Fonte: criada pela autora- Imagem disponível em: http://acordacasa.com.


br/2021/07/07/a-maior-exposicao-de-ai-weiwei/. Acesso em: 25 nov. 2021.

Assim, consome o discurso reputacional da marca “Forever” e


colabora com a sua notoriedade, na medida que a expõe no mercado
artístico e nas mídias.

57 Informações sobre os discursos reputacionais e de posicionamento da marca encon-


tram-se no site, em inglês,da Forever. Disponível em: https://www.forever-bicycle.com/ .
Acesso em: 25 nov. 2021.

sumário 173
Contudo, percebemos uma explosão espinhosa de bicicletas
nas suas instalações de “Forever: bicycles”. Há um excesso de ar-
cos, de rodas, de traços, de pontas, de linhas e de curvas de metal,
formando teias e emaranhados em suas composições. Ocorre um
agigantamento das formas de bicicletas que as tornam provocativas
e que extrapolam o que está no discurso reputacional da marca. Na
instalação, a composição explosiva molda um portal em forma de um
labirinto visual imóvel, que remete ao movimento intenso e aponta para
a passagem, para o entremeio. Do transporte individual dos chineses,
ela vai para o trânsito e convida para a transição. O visitante atravessa
a instalação de atravessamentos.

Construída por bicicletas, disposta em uma calçada de Lisboa,


cada bicicleta na instalação de Weiwei não é mais uma bicicleta “Fo-
rever” vendida, embora cada uma delas ainda o seja. Não se trata
apenas do efeito de deslocamento do ready-made, mas do pedalar os
sentidos para a potencialização de afetos. O afeto engajado, neste mo-
vimento do artista no consumo simbólico da reputação da marca “Fo-
rever”, é o afeto do arrebatamento, da explosão de toda expressão em
movimento intenso e livre. O artista considera a liberdade de expressão
um “vírus incontrolável”58. E nesta forma metálica, industrial, virulenta,
ora estática, ora movimento intenso-liberto, que, pela expressão da
explosão de bicicletas, o cotidiano se liberta e pedala entre milhões de
chineses nas ruas de Pequim, para a abertura da exposição em Lisboa.
A forma impõe como norma a recusa de uma perspectiva centrípeta,
a partir da inserção de atravessamentos centrífugos nos múltiplos ân-
gulos formados pela montagem. As bicicletas “Forever” apresentam o
buraco, o vazio, justamente no centro do chão. A possibilidade de fuga
ou passagem para outras expressões surge aqui, no solo.

58 Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2021-03-19/ai-wei-wei-enfrenta-


mos-um-monstro-maior-do-que-imaginamos-nao-sabemos-onde-o-inimigo-esta.html
Acesso em: 25 nov. 2021.

sumário 174
O profundo arrebatamento de Ai Weiwei pela expressão de liber-
dade e pela liberdade de expressão oferece, pelo consumo dos sen-
tidos reputacionais da gigantesca marca “Forever”, um trânsito para
outro território estético-político e de “partilha do sensivel” (RANCIÈRE,
2018). Ai Weiwei tem se manifestado publicamente enquanto contrário
ao capitalismo, às instituições e ao controle da liberdade de expressão,
na China e no ocidente. Jacques Rancière (2018, p. 15), afirma que
uma partilha do sensível fixa “ao mesmo tempo, um comum partilhado
e partes exclusivas” e a partir daí é que se pode pensar nas interven-
ções políticas do artista pelo product placement de “Forever” na obra.59

Na análise do product displacement da marca Serasa, realizado


pelo poeta português, Luis Serguilha, observamos, primeiramente, que
esta é a única marca mencionada na obra de 1.040 páginas. Ela en-
contra-se entranhada dentro de uma forma complexa que hibridiza ex-
cessos e escassez. Está localizada em um verso, na parte final do livro,
na página 1.027, dentro de uma cena na qual o poeta começa a fazer
questionamentos aos “afectos mutantes” (SERGUILHA, 2020, p. 1.019).

“A Actriz A Actriz: o palco do vazio e do esquecimento” é um


livro-poema no qual Serguilha (2020) constrói imagens poéticas colos-
sais, a partir da personagem-rítmica-conceitual Actriz, extrapolando os
limites da língua por meio de apropriações do transbarroco60. Sergui-
lha (2020) produz “cenas em movimentos textuais dotados da cruel-
dade-delicada do pensamento sobre o corpo-artista” (MAGRI, 2020).
O texto poético de Serguilha (2020) aciona uma multiplicidade de
palavras-signos, as recombina, deslocando os seus sentidos e desarti-
culando estruturas rígidas de discursos morais, a partir da composição
criativa de ritmos, conceitos filosóficos e imagens afetivas. O poeta

59 Disponível em: https://brasil.elpais.com/eps/2021-10-22/ai-weiwei-memorias-de-um-ho-


mem-sem-lar.html Acesso em: 25 nov. 2021.
60 Sobre o estilo transbarroco, vertente hiberoamericana do neobarroco, há mais informa-
ções neste ensaio de Haroldo de Campos: http://www.revistazunai.com/ensaios/harol-
do_de_campos_transbarroco.htm Acesso em: 25 nov. 21.

sumário 175
se reproduz na autoria do texto como um artesão-escritor dos afetos.
Assim, o texto de Serguilha (2020).
Percorre um caminho totalmente divergente ao consumo da
palavra curta e igualada, daquela que impera nas lógicas dos
mecanismos de busca das mídias digitais. Os conceitos se de-
senlaçam das proposições tradicionais, libertando o texto do
julgo do sujeito pessoal e psicológico. Os substantivos e ad-
jetivos serguilhianos misturam-se, acontecem e transformam
predicados em singularidades que visam descaracterizar per-
sonalidades e sentimentos (MAGRI, 2020, s/p).

Oficialmente, a marca Serasa se posiciona como sendo de:


“uma empresa que tem como propósito revolucionar o acesso ao cré-
dito no Brasil. Para isso, oferece um ecossistema completo voltado
para melhorar a saúde financeira da população” 61, mas a sua reputa-
ção de marca absoluta está associada ao endividamento. Serasa, no
senso comum, está aderida aos consumidores que estão negativados,
com o “nome sujo” e impossibilitados de adquirir crédito.

Notamos que o “entranhamento” da marca Serasa no poema


serguilhiano a faz adquirir um sentido negativo perante o discurso ofi-
cial da empresa. No entanto, o sentido é extremamente fiel à reputação
comumente atribuída a ela no imaginário dos consumidores. A repu-
tação da marca consumida pelo artista é a presente no imaginário do
cotidiano para endividamento. Entretanto, o entranhamento de Serasa
no poema torna-se product displacement na medida que condena as
lógicas propostas pelas estratégias e retóricas de produção da publi-
cidade da marca.

O poeta afirma que “o PALCO é circunscrito por povos que se


suicidam fora da desaparição e dentro de um endividamento impagá-
vel no Serasa_____ nos BANCOS chamam-lhes secores ou números
vermelhos” (SERGUILHA, 2020, p. 1027), vide bricolagem da Figura

61 Disponível em: https://www.serasa.com.br/imprensa/. Acesso em: 25 nov. 2021.

sumário 176
2. As menções ao “fora da desaparição” e aos “números vermelhos”
se referem ao habitar este lugar do negativo dentro do endividamento,
ou seja, de um ente-dividido, que precisa se desvincular da dívida, é
um corpo partido, esquartejado e em aparição na forma do verso, pelo
vermelho-perigo da marca Serasa.

Figura 2 – Bricolagem - product placement de Luis


Serguilha no livro-poema A Actriz, a Actriz.

Fonte: elaborada pela autora.

Desta maneira, entendemos que o afeto mobilizado pelo escritor


com o product placement de Serasa é o do desespero pelo estado
de endividamento, do ente-dividido e pelo autoflagelo. Uma vez que,
devido a esta situação, os “povos se suicidam”, se autonegativam da
vida. O poeta faz uma crítica de enfrentamento dessa morte. Segundo
Rolnik (2015), pelo enfrentamento do mal-estar da morte é que o artista
e a obra se produzem. Ela diz que:
Artista e obra se fazem simultaneamente, numa inesgotável he-
terogênese. É através da criação que o artista enfrenta o mal-es-
tar da morte de seu atual eu, causada pela pressão de eus lar-
vares que agitam-se em seu corpo. Tal enfrentamento, o artista

sumário 177
opera na materialidade de seu trabalho: aí se inscrevem as mar-
cas de seu encontro singular com o trágico festim. Marcas des-
ta experiência, elas trazem a possibilidade de sua transmissão:
ampliam-se na subjetividade do receptor as chances de realizar
a seu modo este encontro, aproximar-se de seu corpo-vibrátil e
expor- se às suas exigências de criação (ROLNIK, 2015, p. 105)

Trata-se de marcas da experiência de um pensamento-crítico-


-criativo-artista que inscreve na marca de Serasa a potencia negati-
vada de um Corpo esquartejado pela dívida. Uma crítica aguçada, na
qual a poética de Serguilha positiva o sentido negativo de Serasa no
cotidiano e negativa o sentido positivo e liso do limpa-nome do dis-
curso oficial62. O poeta critica o capital e as lógicas representacionais
do sistema bancário, mas pelo seu avesso vulgar, nas sombras das
dobras dos sentidos produzidos pelo corpo-intensivo-artista. O jogo de
duplos sentidos opera na escrita serguilhiana pelos dentros e foras, em
aparição e desaparição, como numa Fita de Moebius63.

O outro trabalho artístico que analisamos foi a letra da músi-


ca “Diariamente”, do compositor Nando Reis, interpretada por Mari-
sa Monte64. Oito marcas são mencionadas na canção, todas elas são
“marcas absolutas” (CHETOCHINE, 1999). A canção entranha as mar-
cas relacionando-as a situações do cotidiano. Mais uma vez perce-
bemos a presença dos excessos. Pois todas as frases iniciam com a
preposição “para”. Há excessos de “para”. E para cada uma das situa-
ções propostas, como “lavar a roupa”, por exemplo, é inserida a marca.
Nesse caso, Omo. A reputação consumida das marcas entranhadas
pelos dois artistas está associada à utilidade, à bula, à sabedoria, à
capacidade de informar. Neste sentido, houve o consumo-artista da
reputação que é pregada pelo discurso oficial das marcas. A menção

62 Disponível em: https://www.serasa.com.br/limpa-nome-online. Acesso em: 25 nov. 2021.


63 Segundo Rolnik (2017) a fita de Moebius é composta por duas faces que se fundem
numa só, assim como os seres humanos. Disponível em: https://www.edgardigital.ufba.
br/?p=4591 Acesso em: 25 nov. 2021.
64 Canção disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sfJCImOHFcU ou em: https://
www.youtube.com/watch?v=OnKp6PvuSywAcesso em 25 nov. 2021.

sumário 178
às marcas denuncia as relações anteriores, ou que precedem as po-
sições, são, deste modo, preposições ditas em cada “para” musical.

No entanto, a repetição da preposição “para”, na voz da intér-


prete, acaba transmutando o sentido da palavra. A palavra, embora
seja a mesma no texto escrito, muda o seu sentido no decorrer da
melodia. Pelo “grão da voz”, ou pelo “corpo na voz que canta”, Ma-
risa Monte liberta o “para” preposição e o converte em “para”, verbo
(BARTHES, 1990, p. 244). Rugas de sentido são formadas pelo som
juntamente com a letra. O “verso” do papel torna-se o verso poético, o
“Krill” verte-se em (eu) crio. Volkswagen, Omo, Avon e Hipofagin vão se
aglutinando, como lemos na bricolagem da Figura 3, e se modificam
em granulados de cenas amorosas de hoje, de ontem e de amanhã.

Figura 3 – Bricolagem – product placement na música


Diariamente - Nando Reise Marisa Monte.

Fonte: elaborada pela autora

Os sentidos se formam nos ruídos da voz, nas pausas combi-


nadas com a melodia, com a música, com as notas da partitura e com
as leituras das palavras. A voz revela o corpo-artista. A voz-artista cria

sumário 179
uma diferença, uma granulação, uma duração no tempo, que altera a
compreensão do sentido da reputação de marcas deixadas na música
e cria, pela fricção, outros relevos na sua fruição.

Desta maneira, entendemos que o afeto mobilizado que rompe


com a estética utilitarista dos produtos é o amor. Aquele amor que
acontece nas cenas, na presença, na continuidade, no corriqueiro, no
cotidiano. O afeto é potencializado no improviso do canto e não na
serventia dos produtos, daquela matéria que serve porque é boa para
algo. Tanto é que, no fim da música, a cantora diz “para você o que
você gosta, diariamente”. Assim, para todos os produtos e marcas, te-
mos a utilidade, mas a música, a arte, rompe e não cessa, ao contrário,
ela para e move vida-amorosa-afetiva. Pela voz, granulando sentidos e
afetos, o amor mobiliza as marcas, diariamente.

Ao procurarmos o product placement em objetos artistas, nos


deparamos também com outro objeto analisado: as marcas entranha-
das em ilustrações satíricas. A sátira é uma técnica artística ou literá-
ria de ridicularização de um tópico, objetivando intervenção política
para ocasionar ou impedir uma mudança. Ilustrações satíricas com
product placement65 estão disponíveis nas plataformas digitais66 e
sobretudo no Pinterest67. Nesta plataforma, há várias ilustrações de
Jonh Holcroft68 e de outros autores desconhecidos, como mostra a

65 Disponível em: https://br.pinterest.com/andra4150/ilustra%C3%A7%C3%B5es-sat%C3%A-


Dricas/ Acesso em: 25 nov. 2021.
66 Entendemos por plataformas “infraestruturas digitais que permitem a interação de dois ou
mais grupos. Portanto, posicionam-se como intermediários que reúnem diferentes usuá-
rios: clientes, anunciantes, prestadores de serviços, produtores, fornecedores e até mes-
mo objetos físicos. Na maioria das vezes, essas plataformas também vêm com uma série
de ferramentas que permitem que seus usuários criem seus próprios produtos, serviços
e mercados (SRNICEK, 2017, p. 25 – tradução nossa).
67 Pinterest é uma rede social com foco no compartilhamento de imagens. Disponível em:
https://canaltech.com.br/redes-sociais/o-que-e-e-como-funciona-pinterest/ Acesso em:
25 nov. 2021.
68 Informação disponível em: http://www.johnholcroft.com/ Acesso em: 25 nov. 2021.

sumário 180
bricolagem da Figura 4, e que fazem uma crítica ao consumo e à socie-
dade no contemporâneo, a partir do product placement.

Figura 4 – Bricolagem – product placement em ilustrações


satíricas - John Holcroft e autor desconhecido.

Fonte: elaborada pela autora a partir de imagens retiradas da Plataforma Pinterest.

As ilustrações de John Holcroft lembram anúncios publicitários


produzidos em cartazes dos anos 50, embora sejam todas veiculadas
atualmente no ambiente e no formato digital. Ao longo dos seus 20 anos
de carreira, o ilustrador trabalhou para o Financial Times, BBC, Readers
Digest; The New York Times, The Economist entre outros periódicos.

O consumo artista da reputação das marcas no caso das ilustra-


ções satíricas se apresenta na forma de reconhecimento do discurso
reputacional das marcas, mas simultaneamente em atrito com ele. A
ilustração que analisamos faz o product placement da marca Face-
book, como vemos na bricolagem da Figura 4. Trata-se de um homem,
alimentando seu ego animal doméstico. O alimento engloba os sinais
de curtir (polegares de likes) usados na plataforma Facebook. Na tigela
está escrito “ego”. Acontece o consumo do discurso reputacional da

sumário 181
marca Facebook pelo artista, que considera, inclusive que a empresa
nos alimenta, enquanto animais. Entretanto, ocorre, simultaneamente,
o displacement da marca pelo excesso dos “likes” e pela menção ao
ego, pela sugestão de um estado de domesticação, que exclui todas
as demais funcionalidades propagadas pelo discurso oficial da marca.
Contudo, ainda assim, essa ilustração mostra a força do Facebook, em
alinhamento com a reputação dos discursos oficiais que a posicionam
enquanto uma marca absoluta.

A outra ilustração, que é de autor desconhecido, comete o en-


tranhamento da marca Apple. Trata-se de product placement porque o
artista comunga com o discurso reputacional da Apple, enquanto mar-
ca absoluta. Mas ele exagera e sufoca o gigantismo da marca, pois o
aparelho está a ponto de tapar a visão, a respiração, a boca e absorve,
apertando o rosto do usuário ao celular. É também um product displa-
cement porque traz a crítica novamente, pelo excesso, pelo exagero e
pelo uso desmedido do equipamento que acaba por aderir ao corpo
por meio de correntes sufocantes.

Na sua forma, a expressão do product placement nestas ilustra-


ções satíricas acontece também pela exploração radical do colorido
e de contrastes de luz e sombreamentos e pelo uso de tons metali-
zados como no caso da ilustração com o placement da marca Apple.
As cores oficiais usadas nos logotipos das marcas são reapropriadas,
mas sempre deslocadas e dispostas em choque com outras cores. A
profusão de luz e sombra faz uma denúncia, por si só. Este jogo de
duplos nas cores nos choca até na qualidade absorvida pelas cores
e tonalidades de exposição de contrastes. Um exemplo, é o azul do
logotipo do Facebook em luta com o vermelho usado como fundo do
quadro e do pote em que a palavra ego aparece em negro, como ve-
mos na bricolagem da Figura 4.

Deste modo, o consumo artista, nestes casos, se dá em um


jogo de sentidos de duplo a partir do conflito, do choque e no contraste

sumário 182
com o discurso oficial dominante. Por isso, estes “entranhamentos”
podem ser considerados como um product displacement. As imagens
das pessoas apresentadas (de alienação ede sofrimento) carregam
consigo uma narrativa na imagem, contrária às bases propostas pelo
storytelling publicitário (de felicidade, de atualização e de sucesso)
e trazem os seguintos efeitos: aumento de intensidade (um excesso
ou exagero do problema retratado e que normalmente é velado no
discurso reputacional das marcas); inequivocidade (ou seja é evidente
para o senso comum que esta marca traz este risco, embora o discurso
oficial o ignore); humor irônico (traduzido em uma imagem de situação
do cotidiano) e relevância social (atinge toda a sociedade).

Um dos afetos fortemente potencializados pelo consumo artis-


ta da reputação de marcas nas ilustrações satíricas é o da angústia,
apoiada no medo, mesclado com uma indignação acentuada e um
sentimento agudo de paralisia diante das problemáticas sociais. As
ilustrações chocam porque revelam aquilo que, no consumo excessivo
de produtos, eles são prejudiciais no cotidiano e nas nossas vidas.
O efeito provocado pela composição das imagens é a de uma de-
núncia irrefutável, onipresente e extremamente desconfortável, um nó
na garganta, angústia. Nas duas ilustrações, as imagens expressam
situações cotidianas e perigosas, às quais confirmamos, mas esta-
mos, ao mesmo tempo, alienados. Essa expressividade se dá por um
outro duplo, o excesso de lucidez que acaba se tornando morbidez. As
ilustrações amedrontam porque causam indignação contra o sistema.
Entretanto, elas encarceram o social dentro desta angústia-problemá-
tica na qual estamos à mercê dos ditames das “marcas absolutas”69.

Analisamos também o product placement em um texto literário


presente no capítulo “Marcas”, do livro “Elegia do irmão”, de João An-
zanello Carrascoza (2019). Neste capítulo, que é de uma única página,

69 Disponível em: https://nerdizmo.uai.com.br/ilustracoes-satiricas-protestam-contra-socie-


dade/ Acesso em: 25 nov. 2021.

sumário 183
trinta marcas absolutas são citadas pelo escritor. Trata-se de uma in-
flação, outro excesso no entranhamento de marcas no texto literário.
O consumo simbólico artista da reputação das marcas se dá pelo fato
do escritor partir do pressuposto de que as marcas têm reputação e
que, por isso, são memoráveis. Mas o notável neste consumo-artis-
ta reputacional das marcas, é que Carrascoza (2019) consome das
marcas as dimensões do tempo (presente, passado e futuro) e usa os
marcadores temporais para criar um ritmo no texto pelas significações
primárias alteradas pelas temporalidades, ou fluxos temporais. Assim,
ele articula os jogos duplos de sentidos pelos imaginários relaciona-
dos à reputação das marcas de modo que os produtos inseridos no
cotidiano dos personagens produzam no leitor um efeito totalmente
diverso dos objetivos da retórica publicitária. Todavia, estes sentidos
novos somente se tornam possíveis de se alcançar a partir do reconhe-
cimento original, que foi construído pela estratégia publicitária. Efeito
alquímico e místico do eterno retorno de fins e recomeços.

Neste capítulo de “Elegia do irmão”, percebemos claramente


esse jogo dos duplos, no jogo infinito de palavras entre irmãos e nos
jogos de coloridos, ou seja das cores das marcas imaginadas na infân-
cia, como vemos na bricolagem da Figura 5. As marcas são jogadas
e aparentemente têm tonalidades cromáticas de sentido idênticas ao
discurso reputacional delas, mas se libertam deste discurso e retórica
primordial para, a partir dele, na composição do escritor, pelo excesso
de entranhamentos de imagens do cotidiano, possamos usufruir do
afeto que se expressa no texto em uma duração infinita, um tempo em
sofrimento, uma nostalgia alegre-triste, doce-azeda. Parret (1997, p.
76) afirma que a nostalgia é uma paixão, um pathos pelo tempo.

sumário 184
Figura 5 – Bricolagem - Trecho do livro “Elegia do
Irmão” de João Anzanello Carrascoza.

Fonte: elaborada pela autora

A nostalgia é para Parret o próprio “sofrer o tempo”. No texto de


Carrascoza (2019) somos afetados, a partir do product placement, por
uma nostalgia que não é nem a melancolia, nem a paixão pelo pas-
sado, nem uma fuga para o futuro. Mas o desejo expresso na pureza
do tempo, Carrascoza (2019, p. 49) escreve “outro dia, de repente,
submergimos na nostalgia, quando, por acaso, Mara me mostrou um
pacote de Maizena... e então, rapidamente, puxamos o cabo do pas-
sado, até o presente, recordando com euforia”. Só que vale lembrar
que o narrador, estava o tempo todo no futuro do passado, ou seja,
no presente da escritura. Os leitores ficam no futuro e retornam, pela
fruição do texto, ao seu próprio passado.

Sabe-se que há no consumo do ideário de reputação de mar-


cas um forte desejo de controlar a imagem, o seu alcance, seus efeitos
temporais e suas mensagens. Seja para alterar algo de inadequado do
passado, seja para projetar-se bem no futuro. Carrascoza (2019) vale-se

sumário 185
deste consumo do controle da reputação de marcas para propor um
displacement logo alí, nesta sinestesia que nos faz sentir-sofrer o tempo.

Ao produzir na escritura esta mescla de tempos de presentes,


de passados e de futuros, o escritor cria efeitos de sentido de um des-
vio de rumo. Retirando, assim, as marcas do controle original incen-
tivado pela retórica das mensagens sobre a reputação das marcas.
Ele vai concedendo-lhes uma autonomia para a deriva que se dá pela
contaminação afetiva de um “sensus communis” (PARRET, 1997, p.
199). Um jogo de duplos.

Já na obra do artista plástico Vik Muniz, que é publicitário de for-


mação, gravador, pintor e fotógrafo percebemos um outro tipo de consu-
mo-artista da reputação de marcas. No seu trabalho artista, em várias de
suas obras, acontece o product placement, como no caso de “Daydrea-
mer, da Série Passione, 2010”, visível na bricolagem da Figura 670.

Neste trabalho, ocorre o excesso na exposição de produtos, co-


letados de lixos e de restos de demolição e há a ausência dos logotipos
das marcas. Entendemos que houve um “entranhamento” de produtos
que nos revela a sua obsolescência programada. Ou seja, trata-se do
consumo simbólico e artista da reputação de marcas no sentido de
não admitir a necessidade frequente dos lançamentos de produtos,
mas de afirmar o seu descarte. Trata-se de um tensionamento contra o
consumismo exagerado de marcas, apresentado na obra, justamente
pelo apagamento delas. Uma presença das marcas na enunciação
pela sua ausência na imagem. Paradoxo. Então, poderia se tratar de
um product displacement ou do brand no-placement.

Este consumo-artista trata de mostrar que estamos cercados de


produtos quese tornaram e que virarão lixo, e que este é o valor que

70 Imagem da obra disponível em: https://eleoneprestes.com/2021/03/arte-fundacao-ed-


son-queiroz-faz-50-anos-e-mostra-duos-de-obras-desde-o-seculo-17/ Acesso em: 25
nov. 2021.

sumário 186
mais pesará sobre a reputação das marcas: sua aparição no descarte,
na descontinuidade. A aparição do descarte de produtos, na forma de
fotografia, é posta em contraposição à desaparição da fidelização e
aderência às marcas absolutas.

Figura 6 – Obra de Vik Munik, artista plástico Daydreamer, da Série


Passione, obra de 2010 de Vik Muniz (Fotos Divulgação).

Fonte: elaborada pela autora

O cotidiano surge entranhado na obra de Muniz nos tipos de


produtos de demolição (pia, relógio, violão, armário, cones etc) e no
título do trabalho que é “Daydreamer”. O trabalho de Vik Muniz apre-
senta, como postulou Barthes (1990, p. 162) sobre a obra de Twombly:
rabiscos, manchas e sujidade. Os rabiscos na obra de Muniz estão na
forma de confusões de linhas, como por exemplo, os cabelos e contor-
nos da mulher figurada, as manchas surgem em um contato, um leve
tocar que aparece sobre a imagem do corpo branco e a sujidade nos
rastros da foto de fundo que querem apagar, mas deixam resíduos, os
produtos descartados (vide Figura 6).

sumário 187
Do ponto de vista das formas, há uma combinação da explosão
de cores na aparição dos produtos descartados, em contraste com o
branco, o negro e o marrom rabiscados e manchados na expressão
do desenho da figura feminina, como vemos na bricolagem da figura 6.

A obra faz parte da série passione que significa paixão. Vik Muniz
potencializa nesta obra o afeto do desejo. Sonho e paixão implicam o
desejo-artista. O desejo de fuga desse soterramento de marcas, que so-
mem em produtos descartáveis. Neste sentido, Vik Muniz alerta que, pelo
consumo de marcas e produtos, estamos mergulhados em uma sujidade
de descartes. O desejo-artista está em luta permanente para a imersão do
corpo e do feminino e nele deixa as manchas e as suas marcas.

O último exemplo de “entranhamento” de marca, product place-


ment que iremos analisar nesse trabalho será a da Coca-Cola em um
trecho do livro “Os cinco sentidos” do filósofo Michel Serres (2005).
Este product placement foi selecionado pelos vários encontros que o
texto de Serres (2005) promove com a arte e sobretudo a estética. Não
se trata de uma escritura que obedece aos padrões dos textos filosó-
ficos. Pelo contrário. O movimento da escrita de Michel Serres (2005),
neste livro, bem como a sua motivação, é poética, sinestésica e contra
a lógica linear. A sua escritura engloba todos os cinco sentidos em ri-
tornelos como se a sensibilidade do filósofo, em um flanar errante pelo
texto, tocasse, em afecções, o Corpo do leitor: potencializando seus
afetos. Desta forma, a sensibilidade da leitura é o Corpo que passeia
pelas palavras.

Nota-se que os dois polos identitários que se opõem à linearida-


de e que são trazidos de forma ziguezagueante no texto de “Os cinco
sentidos” são: o central e o periférico. No intermezzo, nos caminhos
cambiantes entre o central e o periférico, Serres (2005) provoca os
nossos sentidos a se atraírem por palavras e a passearem por uma
terceira via, geralmente excluída nas lógicas dos discursos dominan-
tes-tecnológico-programáticos-preditivos. É um convite para caminhar

sumário 188
a rodovia da alma intervalar e mestiçada de sensações. Para Ciro Mar-
condes Filho (2005, p. 6):
A grande contribuição de Michel Serres, no nosso entender, na
construção de uma Nova Teoria da Comunicação, assim como
de um caminho para a investigação de casos de comunicação,
está em sua epistemologia, que, segundo ele, é “menos sólida”
e mais fluida, apostando nos fluxos, sempre em busca do fugaz
e do fugidio (MARCONDES-FILHO, 2005, p. 06)

Neste espaço fugidio do livro e sobretudo na forma como se


apresenta, Michel Serres (2005) postula uma crítica à linguagem e ao
discurso. Sobre este tema, para Ciro Marcondes Filho (2005):
A crítica é um pouco mais ampla e engloba, em realidade, todo
o verbo, a palavra, o discurso: nada insensibiliza mais a carne
do que a palavra, diz ele em Os cinco sentidos. Ou seja, seu
foco implica globalmente tanto a linguagem escrita quanto a
falada, isto é, a própria noção de representação linguística que
faz com que a coisa se reduza a seus suportes. E tal reducio-
nismo atingiu, na época atual, graças ao consumo, o cume de
seus desdobramentos, constituindo uma cultura inteiramente
ascética. A administração usa-se da linguagem para dominar
(verborragia vazia dos políticos), os meios de comunicação
seduzem comunicando, a ciência impõe seu componente de
verdade pela palavra. Deriva daí uma classe dominante ébria
de códigos, produtora de mundos. A química social, mais forte
que os narcóticos, logo pior, é dos mass media, das modas
(MARCONDES-FILHO, 2005, p. 10).

Perguntamos: como aconteceu o consumo do discurso repu-


tacional da marca Coca-Cola neste texto de Serres? É um texto que
fala do duro e do doce. Bruto e doce, são sensações provocadas por
bebidas gaseificadas, como o refrigerante. São atributos presentes
nas imagens e nos discursos da retórica de publicização da marca
Coca-Cola. Seja, inclusive para combater os excessos do açúcar e
promover a sua versão light ou com a opção zero calorias. O som da
abertura da lata ou da garrafa, o escape do gás, o gelado das gotas

sumário 189
nos recipientes, todas estas imagens-sensações são usadas nas pe-
ças publicitárias. A liberação do CO2 nas papilas provoca um estímulo
sensorial complexo. O paladar da bebida combina, ao mesmo tempo,
o ácido, o doce e o amargo: sabores de Coca-Cola. Há ainda o impac-
to visual, o da cor da bebida, o seu escuro. Assim, o “entranhamento”
de Coca-Cola em um texto sobre os cinco sentidos se passa dentro
do consumo simbólico de todas estas sensações produzidas e repro-
duzidas em série pela industrialização e pelos discursos da marca,
por meio de uma fórmula voltada para a notoriedade absoluta. Sensa-
ções que habitam uma palavra entranhada no texto de Serres (2005),
a marca absoluta deCoca-Cola. Que foi desta maneira, consumida na
estética de um texto sobre a estética.

Desta forma, o consumo da reputação da marca Coca-Cola se


insere no compartilhamento de “marca absoluta” no texto de Serres,
sobretudo alinhada ao consumo de uma cosmovisão contemporânea,
na qual as tecnologias criam programas que fazem com que os cinco
sentidos da palavra Coca-Cola transformem-se em dados sensíveis,
maquínicos, digitais. Ele diz “a máquina mete medo aos convidados,
ela impressiona. Um dia fabricarão e respeitarão um computador de
alta performance que saberá distinguir um sauternes, qualquer um, da
Coca-Cola” (SERRES, 2005, p. 192). Houve product placement.

Contudo, há também product displacement. Michel Serres dei-


xou-se contaminar pela marca, entranhou a Coca-Cola na sua obra,
justamente em um trecho no qual faz, pelos cinco sentidos, uma crítica
contundente às tecnologias. Ele acrescenta:
Terão esquecido que o refrigerante, estável, tem uma fórmula,
reduz-se a uma série finita de palavras e códigos, que o vinho,
instável e individualizado, varia chamalotado. Terão esquecido
o empirismo da jardinagem, a formidável profusão das rosas e
seus odores confusos (SERRES, 2005, p. 192).

sumário 190
Ou seja, a reputação da marca Coca-Cola, seus atributos sen-
soriais, imaginários e os discursos compartilhados quando incrustados
na obra de Serres (2005), eles mesmos não entranham, mas liberam
o afeto potencializado pelo autor neste product placement que é o de
deleite pelo instável, pelo singular, pelo chamalotado, pela formidável
profusão do vinho e os odores confusos das rosas que tocam a estéti-
ca dos cinco sentidos do consumo-estético-artista.

Figura 7 – Trecho do livro “Os cinco sentidos” de Michel Serres.

Fonte: elaborada pela autora

Na síntese da pesquisa sobre o consumo-artista de 41 marcas,


entranhadas no plano das artes, em product placement, notamos a
erupção, o submergir de uma “estética do rugoso”. Diferentemente
da “estética do liso”, cunhada por Han (2019), ela se expressou na
distância contemplativa, pela sinestesia e pelo pensamento crítico dos
corpos-artistas, repotencializando afetos captados das marcas e en-
tranhados em formas artistas.

sumário 191
A “estética do rugoso” manifestou nas suas formas e sentidos:
explosões, entremeios e espinhos (Ai Weiwei), avessos e dobras (Luís
Serguilha), rugas na letra e granulados da voz (Nando Reis e Marisa
Monte), deriva, desvios e duração (João Anzanello Carrascoza), atritos
(John Holcroft), sujidade e desaparições (Vik Muniz), chamolatados e
erupções sinistésicas (Michel Serres).

No consumo artista da reputação de marcas, observamos as


seguintes rugosidades71: 1. Entranhamento de marcas absolutas (con-
sumo da notoriedade de marcas absolutas, enquanto pressuposto);
2. O uso de excessos nas formas das obras; 3. Emprego de jogos de
duplos pelo deslocamento de sentidos de reputação das marcas; 4.
Reapropriação do sentido da marca como marcador temporal; 5. O
resgate do cotidiano, a partir do consumo da reputação de marcas e
6. Pensamento crítico diante do discurso oficial das marcas e produtos.
Abaixo, na Figura 8, detalhamos esta cartografia da “estética do rugo-
so” no material analisado.

71 Entendemos por rugosidade, como o exposto por Benoit Mandelbrot em sua apresen-
tação no vídeo sobre os fractais e a arte da rugosidade. Disponível em: https://www.
ted.com/talks/benoit_mandelbrot_fractals_the_art_of_roughness/transcript?language=pt
Acesso em: 25 nov. 2021.

sumário 192
Figura 8 – Cartografia da estética do rugoso - Product placement nas artes – quadro de análise do consumo-artista da reputação de marcas.

OBRA/ARTISTA PRODUCT CAPTAÇÃO DAS FORMAS CAPTAÇÃO DA INTERAÇÃO DOS SENTIDOS CAPTAÇÃO DA FORMA COMO
PLACEMENT EFEITO ESTÉTICO –
– MARCAS AFETOS MOBILIZADOS
INSTALAÇÃO: “Forever Forever Instalação gigante em cor metal ao ar livre. Uma pas- Ocorre o consumo-artista do discurso reputacional da Afeto do arrebatamento, da explosão
Bicycles” – Ai Weiwei sagem espinhosa ao centro do chão, entremeios, cuja marca “Forever”. A obra colabora com a notorieda- de toda expressão em movimento in-
composição apresenta excesso de perspectivas e de de global da “Forever”, na medida que a expõe no tenso e de plena liberdade.
visão, marcadas por arcos, rodas, traços e linhas de mercado artista e nas mídias. Contudo, percebemos
metal, formando labirintos infinitos. Forma metálica, na instalação uma explosão de bicicletas e da alma
industrial, virulenta, ora estática, ora movimento in- espinhosa de pedaladores cotidianos. O jogo de du-
tenso, que, pela expressão da explosão de bicicletas, plos sentidos opera na passagem do meio individual
liberta o cotidiano e pedala entre milhões de chineses de partes exclusivas de transporte, e de um comum
das ruas de Pequim para o portal de abertura da expo- partilhado na obra que vai transitar países, fazendo um
sição em Lisboa. convite para a crítica da expressão pela liberdade ma-
nifesta na forma. Os sentidos reputacionais da marca
são consumidos e transitados para outro território de
“partilha do sensivel” (RANCIÈRE).
POESIA: Livro “A Actriz Serasa Única marca citada em mil páginas. Introduz a escas- Ocorre o consumo-artista do discurso reputacional, Afeto do desespero causado pelo en-
A Actriz: o Palco do va- sez no excesso. A marca está inserida em cena final adotado pelo senso comum, da notoriedade da marca dividamento e que intensifica o desejo
zio e do esquecimen- em que o poeta começa a fazer questionamentos aos absoluta Serasa. O entranhamento da marca Serasa no de vida de um corpo esquartejado pe-
to” – Luís Serguilha afetos mutantes. O artista como artesão-escritor dos poema serguilhiano a faz adquirir um sentido negativo las lógicas bancárias.
afetos aciona uma multiplicidade de palavras-signos, perante o discurso oficial da empresa. Mas a notorie-
as recombina, deslocando os seus sentidos e desar- dade da marca no cotidiano da vida das pessoas está
ticulando estruturas rígidas de discursos morais, a associada ao endividamento, da aparição do “ente-di-
partir da combinação criativa de ritmos, conceitos fi- vidido”. O jogo de duplos de sentido no pensamento
losóficos e imagens. Há presença do vermelho, ligado crítico do poeta atinge diretamente o capital e as ló-
a números. A crítica poética opera na forma contorcida gicas representacionais do sistema bancário, a crítica
de uma fita de Moebius. O poeta critica o capital e as da poética de Serguilha positiva o sentido negativo de
lógicas representacionais do sistema bancário, mas Serasa no cotidiano e negativa o sentido positivo e liso
pelo seu avesso vulgar e popular do endividamento do limpa-nome do discurso oficial (ROLNIK, 2015).
(na forma do “ente-dividido”), nas sombras das do-
bras dos sentidos produzidos pelo corpo intensivo
(ROLNIK, 2015, GUATTARI, 2019).

sumário 193
OBRA/ARTISTA PRODUCT CAPTAÇÃO DAS FORMAS CAPTAÇÃO DA INTERAÇÃO DOS SENTIDOS CAPTAÇÃO DA FORMA COMO
PLACEMENT EFEITO ESTÉTICO –
– MARCAS AFETOS MOBILIZADOS
MÚSICA: “Diariamen- Coca-Cola, Avon, A canção entranha e granula as oito marcas relacio- Ocorre o consumo-artista da reputação da notoriedade Afeto do amor que acontece na presen-
te” – Compositor: Verlon, Adidas, Omo, nando-as às situações do cotidiano. Mais uma vez de oito marcas absolutas. A reputação consumida das ça no cotidiano e que é ativado pela
Nando Reis; Intérprete: Conga, Volkswagen e percebemos a presença dos excessos. Pois todas as marcas está associada à utilidade, à capacidade de in- voz que não para de cantar diante do
Marisa Monte Hipofagin. frases iniciam com a preposição “para” e em repeti- formar o nosso cotidiano. Houve o consumo-artista da utilitarismo e da serventia.
ção sonora permanente. E para muitas das situações reputação pregada pelo discurso oficial das marcas.
propostas para, é inserida uma marca absoluta. Esta Contudo, o jogo de duplos nos sentidos e o pensa-
estética de criação verbal, exagera em nos mostrar a mento crítico da autoria e do canto acontecem nas
utilidade diária dos produtos na nossa vida. Mas há rugas da letra e pelo “grão da voz”, na palavra cantada
na música o corpo manifestado pelo ruído, anterior à (BARTHES, 1990). O sentido que se forma pelo ruído,
melodia, quando a forma da voz cria, ela mesma, uma anterior à melodia, na voz mesma, cria granulados,
diferença que transmuta o entendimento da música uma diferençsa que alteram o entendimento da músi-
em granulados de imagens amorosas. ca.O afeto que surge no improviso e não na serventia
dos produtos expressa-se na voz. As marcas que ex-
cedem suas utilidades cotidianas são transmutadas na
música para não cessar o desejo, ao contrário, para
possibilitar um existir enquanto movente, diariamente,
na canção.
ILUSTRAÇÕES Facebook, Apple As ilustrações de John Holcroft têm a forma parecida Nas marcas entranhadas em ilustrações satíricas, há Afeto de angústia-problemática pro-
SATÍRICAS - Pinterest com a de anúncios publicitários produzidos em car- uma crítica ao consumo e à sociedade no contem- vocada pelo medo, pela indignação e
John Holcroft e autor tazes dos anos 50, embora sejam todas veiculadas porâneo a partir do product placement. O consumo pelo sentimento de impotência diante
desconhecido atualmente na forma digital. Se apresentam na forma artista da reputação das marcas, no caso das ilus- da dominação das marcas.
de cenas com narrativas de reconhecimento do dis- trações satíricas, se apresenta na forma de reconhe-
curso reputacional das marcas, mas simultaneamente cimento do discurso reputacional das marcas, mas,
em atrito com ele. As imagens trazem pessoas sem simultaneamente, em atrito com ele, pelo exagero de
rosto ou com rosto encoberto e em estado de alie- suas consequências. Trata-se, portanto de product
nação e de sofrimento. A norma na forma apresenta displacement. Deste modo, o consumo artista, nestes
as seguintes características: aumento de intensidade casos, se dá em um jogo de sentidos de duplo a partir
(um excesso ou exagero do problema retratado e que do atrito, da exposição de conflito e do choque com
normalmente é velado no discurso reputacional das o discurso oficial dominante. Nas duas ilustrações, as
marcas); inequivocidade (evidência de perigo); humor imagens expressam situações cotidianas e perigosas,
irônico (com imagem alarmante de situação do coti- sobre as quais há certeza de cometimento e alienação:
diano) e relevância social (atinge toda a sociedade). um trágico. Essa expressividade se dá por um outro
As cores oficiais usadas nos logotipos das marcas duplo de sentido, o excesso de lucidez que acaba se
são reapropriadas, mas sempre deslocadas e dispos- tornando morbidez. As ilustrações amedrontam por-
tas em choque com outras cores. A profusão de luz e que causam indignação contra o sistema dominante.
sombra faz uma denúncia, por si só. Este jogo de du- Entretanto, elas encarceram a sociedade dentro desta
plos nas cores choca até na qualidade absorvida pelas angústia-problemática na qual ela fica à mercê a partir
cores e tonalidades de exposição de claros e escuros. dos ditames e da notoriedade das marcas absolutas.

sumário 194
OBRA/ARTISTA PRODUCT CAPTAÇÃO DAS FORMAS CAPTAÇÃO DA INTERAÇÃO DOS SENTIDOS CAPTAÇÃO DA FORMA COMO
PLACEMENT EFEITO ESTÉTICO –
– MARCAS AFETOS MOBILIZADOS
LITERATURA: Livro Maizena, Pan, Juqui- Neste capítulo, que é de uma única página, trinta O consumo-artista articula os jogos duplos de senti- Afeto da nostalgia que se expressa em
“Elegia do Irmão”, nha, Sonho de Valsa, marcas absolutas são sacadas pelo escritor. Trata-se dos pelos imaginários relacionados à reputação das duração afetiva e por uma paixão pela
de João Anzanello Dulcora, PingPong, de uma inflação, outro excesso no entranhamento de marcas de modo que os produtos inseridos no coti- dor do tempo.
Carrascoza, capí- Ploc, Nescau, To- marcas no texto literário. Percebemos claramente a diano dos personagens produzam no leitor um efeito
tulo “Marcas”. ddy, Tubaína, Don, forma de brincadeira, o jogo de palavras articulado totalmente diverso dos objetivos da retórica publicitá-
Ginger Ale, Pullman, com o jogo de coloridos imaginados dos logotipos ria. Todavia, estes sentidos novos somente se tornam
Seven Boys, Panco, das marcas e com o jogo de memórias da infância e possíveis de se alcançar a partir do reconhecimento
Wickbold, Etti, Cica, da atualidade. As marcas são jogadas e aparentemente original, que foi construído pela estratégia publicitária.
Maggi, Knorr, Bamba, têm tonalidades cromáticas de sentido idênticas ao O escritor vale-se do consumo do controle da reputa-
Conga, G. Aronson, discurso reputacional delas, mas se libertam da retó- ção de marcas para propor um displacement. Ao pro-
Jumbo Eletro, Ma- rica primordial para, a partir dela, na composição do duzir na escritura esta mescla sinestésica de tempos
ppim, Mesbla, Trans- escritor, pelo excesso de entranhamentos de imagens de presentes, de passados e de futuros, o escritor cria
brasil, Varig, Apollo e sacadas do cotidiano, possam usufruir do afeto que efeitos de sentido de um desvio de rumo. Retirando,
Omega. se expressa no texto em uma duração infinita, uma assim, as marcas do controle original sobre a sua
paixão pelo tempo em sofrimento, por uma nostalgia reputação. Ele vai concedendo-lhes uma autonomia
alegre-triste, doce-azeda: sinestesia profunda na for- para a deriva que se dá também por contaminação
ma textual. afetiva (PARRET, 1997).
ARTES PLÁSICAS: Vários produtos, ne- Há o excesso na exposição de produtos, coletados de Ocorreu um outro tipo de consumo-artista da reputa- Afeto do desejo de fuga do sentimento
“Daydreamer, da nhuma marca lixos e de restos de demolição e há a ausência dos ção de marcas. Houve um entranhamento de produtos de obsolescência do corpo e da imer-
Série Passione, logotipos de marcas. Este consumo-artista, retrata a que nos revela ao entendimento da sua obsolescência são da vida nos produtos descartáveis.
2010 – Vik Muniz cercania dos produtos que se tornaram e que virarão programada. Ou seja, trata-se do consumo simbólico
lixo. A figura humana, ou o corpo aparece na forma de e artista da reputação de marcas no sentido de não
desenho. Mais uma vez o cotidiano fica referenciado admitir a necessidade frequente dos lançamentos de
no product placement artista, na forma de tipos de produtos, mas de afirmar o seu descarte. Trata-se de
produtos de demolição entranhados (pia, relógio, vio- um tensionamento no consumismo exagerado de mar-
lão, armário, cones etc.). O trabalho apresenta, como cas, pelo apagamento delas. O jogo de duplos de sen-
postulou Barthes (1990): rabiscos, manchas e sujida- tido se faz presente no descarte e em contraposição à
de. Os rabiscos na obra de Muniz estão na forma de fidelização às marcas absolutas. Mais uma vez o coti-
confusões de linhas, como por exemplo os cabelos e diano fica referenciado no product placement artista. O
contornos da mulher figurada, as manchas surgem em consumo-artista alerta que pelo consumo de marcas e
um contato, um leve tocar que aparece sobre a ima- produtos, estamos mergulhados em uma sujidade de
gem do corpo branco e a sujidade nos rastros da foto produtos e que o desejo está em luta permanente para
de fundo que querem apagar, mas deixam resíduos, os a submersão do corpo e do feminino.
produtos descartados. Do ponto de vista das formas,
há uma combinação da explosão de cores na aparição
dos produtos descartados em contraste com o branco,
o negro e o marrom rabiscados na expressão do de-
senho que produz a imersão do corpo e do feminino.

sumário 195
OBRA/ARTISTA PRODUCT CAPTAÇÃO DAS FORMAS CAPTAÇÃO DA INTERAÇÃO DOS SENTIDOS CAPTAÇÃO DA FORMA COMO
PLACEMENT EFEITO ESTÉTICO –
– MARCAS AFETOS MOBILIZADOS
FILOSOFIA/ESTÉTICA Coca-Cola A forma se apresenta no movimento da escrita do filó- Ocorreu o consumo da estética da reputação da marca Afeto de deleite pelo instável, pelo sin-
– Os cinco sentidos, sofo, bem como na sua motivação poética-sinestésica pelas sensações, captadas pelos cinco sentidos. O gular, pelo chamalotado, pela formi-
Michel Serres e contra linear. A sua escritura engloba todos os cinco consumo simbólico está atrelado ao consumo de uma dável profusão do vinho e dos odores
sentidos em ritornelos como se a sensibilidade do cosmovisão contemporânea, na qual as tecnologias confusos das rosas.
filósofo, em um flanar errante pelo texto, tocasse os criam programas que fazem com que os cinco sen-
sentidos do leitor. No intermezzo dos caminhos cam- tidos da palavra Coca-Cola transformem-se em da-
biantes, entre o central e o periférico da tecnologia e dos maquínicos, digitais. Então, há também product
do sabor dos sentidos, é que surge este terceiro: a displacement. Surge a proposta de uma comunicação
marca Coca-Cola. Assim, o entranhamento se passa firmada a partir de novo consumo-estético (MAR-
dentro do consumo simbólico de todas estas sensa- CONDES, 2005). A reputação da marca Coca-Cola,
ções produzidas e reproduzidas em série pela indus- seus atributos, imaginários e discursos compartilha-
trialização e pelos discursos da marca, por meio de dos quando entranhados na estética deste texto, eles
uma fórmula voltada para a notoriedade. mesmos não entranham o instável, o individualizado,
o chamalotado, a formidável profusão do vinho e os
odores confusos das rosas. São estes sensíveis que
tocam a estética da obra pelos cinco sentidos apli-
cados ao consumo-estético da reputação da marca.

Fonte: elaborada pela autora.

sumário 196
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vimos que nos “entranhamentos” de product placement e de


product displacement das obras, o consumo-artista é contaminado pe-
las, mas excede as lógicas das estratégias publicitárias. Percebemos
que os artistas, ao atribuírem juízos de valor estético à reputação das
marcas, abrem possibilidades de outras reflexões ético-políticas, críti-
cas ao capitalismo, ao consumismo e sobretudo promovem a erupção
de manifestações potentes. Assim, fazem uso de uma estética nas
rugosidades do consumo do discurso reputacional das marcas.

Respondendo à pergunta-problema da nossa pesquisa: como


e em que medida ocorreu o consumo artista da reputação de mar-
cas nas obras analisadas. A resposta é pelas rugosidades artistas. As
nossas análises captaram as seguintes formas, interações de sentidos
e efeitos estéticos do rugoso:

Entranhamento de marcas absolutas. Primeiramente, no-


tamos, no product placement e displacement destas 41 marcas nas
obras analisadas, o consumo simbólico da notoriedade, enquanto
“marcas absolutas” (CHETOCHINE, 1999).

Jogo de duplos sentidos.O consumo artista da reputação de


marcas no product placement nas obras analisadas opera um deslo-
camento de duplos sentidos. Os sentidos promovidos pelas marcas
absolutas geram imaginários explorados nas obras. Entretanto, as ima-
gens ganham uma autonomia formando um segundo-duplo daqueles
sentidos apropriados pelos discursos oficiais e retóricas publicitárias e
adquirem uma nova dimensão sígnica, formal e composicional, voltada
para potencialização de afetos. Deste modo, os afetos mobilizados pelo
product placement nas obras analisadas foram: Afeto do arrebatamento,
da explosão de toda expressão em movimento intenso e de plena liber-
dade; Afeto do desespero causado pelo endividamento e que intensifica

sumário 197
o desejo de vida de um corpo esquartejado pelas lógicas bancárias; Afe-
to do amor que acontece na presença, no cotidiano e que é ativado pela
voz que não para de cantar diante do utilitarismo e da serventia; Afeto
de angústia-problemática provocada pelo medo, pela indignação e pelo
sentimento de impotência diante da dominação das marcas; Afeto da
nostalgia que se expressa em duração afetiva e por uma paixão pela dor
do tempo; Afeto do desejo de fuga do sentimento de obsolescência do
corpo e da imersão da vida nos produtos descartáveis; Afeto de deleite
pelo instável, pelo singular, pelo chamalotado, pela formidável profusão
do vinho e dos odores confusos das rosas.

Abusos de excessos na forma. O consumo artista da reputação


de marcas no product placement nas obras analisadas reproduz, de
modos diversos, a forma de excessos. Ora as marcas aparecem em
excesso, ora a partir de palavras repetidas, pelo tamanho dos trabalhos,
pelo acúmulo de produtos em elementos visuais, sonoros, ou na escrita.
Há também diferentes formas que os artistas adotam para visibilizar o
excesso dos produtos e marcas pelo seu velamento, ou escassez.

Reapropriação do sentido como marcador temporal. A reputa-


ção das marcas atravessa as dimensões do tempo. Assim, outra forma
de consumo-artista da reputação de marcas, no product placement, é
a sua utilização para criação de marcadores de temporais. Os artistas
se valem nas suas criações de marcas absolutas. Estas ganharam uma
notoriedade junto aos consumidores. Os produtos consumidos de mar-
cas absolutas, literalmente marcam fases da vida ou épocas. As marcas
funcionam como recursos poéticos e gatilhos de memória.

Resgate do cotidiano. Em todas as obras analisadas, o con-


sumo artista da reputação de marcas no product placement resga-
tam, de formas criativas, imagens do cotidiano. Assim, no consumo
artista reputacional das marcas, a sua presença nos trabalhos re-
mete à vida cotidiana.

sumário 198
Pensamento crítico. O consumo artista da reputação de mar-
cas quando aparece como product displacement revela um pensa-
mento crítico dos artistas, ligado sobretudo a uma rebeldia. Eles as en-
tranham para fazer escapar os sentidos e migrar para um pensamento
crítico. Revelam uma expressividade conhecedora e simultaneamente
libertária do discurso oficial das marcas. Este movimento criativo e críti-
co nas formas gera desconforto, atrito, aspereza, ondulações no tecido
social, granulações nas vozes polifônicas, desvios nas derivas e uma
“estética do rugoso”.

Enquanto a lógica clássica, galgada nas identidades, na moral


de certos e errados, excluem a possibilidade de uma terceira via, Mi-
chel Serres (2005), ao refutar este argumento, diz que existe algo entre
os binarismos identitários. Há o terceiro incluído, o entre as boas e as
más notícias; o entre os ganhos e as perdas; o entre excessos e escas-
sez; o entre valores e diferenças; o entre juízos; o entre o nascimento e
a morte; o entre o liso e rugoso (MARCONDES, 2005).

Entendemos que o valor estético atribuído no consumo artista


do product placement nos casos estudados está relacionado com esta
possibilidade da arte de quebrar com os binarismos dos discursos
empresariais do capital e com a capacidade de se expressar dentro
da própria lógica identitária, dos dispositivos de poder, mas criando
potência pelos movimentos intensivos entre a estética do liso e do ru-
goso, que percebemos nas estratégias de efeito arrastão do product
placement publicitário e como a reputação das marcas é consumida
pelos artistas (HAN, 2019; CARRASCOZA, 2020a).

Talvez o consumo artista da reputação de marcas no product


placement, entranhado no universo da arte, nos traga um pouco desta
mestiçagem do “entre” de Serres. Esse consumo evoca uma ambiva-
lência desconfortável que já se apresentava nas histórias das deusas
da reputação, Eucleia e Fama. Elas carregavam realidades e calúnias,
o belo e o nefasto, glórias e fracassos, o que suaviza e o que agride.

sumário 199
Tudo mestiçado no seu vôo implacável. Eram amadas e temidas. Elas
não passavam despercebidas. Elas invadem como a “chuva de ouro”
da publicidade, que segundo Carrascoza (2020b), nos inunda a todos,
sem quase notarmos mais. Sem quase notarmos mais o valor estético
da distância contemplativa! A reputação de marcas na arte é diferença.
Está fora de alcance das estratégias, mas parte delas. A reputação das
marcas, quando capturada pelo corpo artista, se parece muito com
este terceiro incluído de Michel Serres (MARCONDES, 2005). Essa
captura abraça a estética dos duplos, das ambiguidades, das ener-
gias, das críticas e das violências. A reputação de empresas e produ-
tos no corpo artista endurece, acolhe o doce-liso-amargo do product
placement, se intensifica nas marcas deixadas pela publicidade, viaja
pelo consumo simbólico do cotidiano, detona o excesso de imagens
de produtos e retorna nas pegadas moventes da produção-artista, só
que pela nossa fruição. E os sentidos disputam, transmutam, combi-
nam-se, fogem e nos encontram em sensus communis. Pois nossos
Corpos são vasos comunicantes potentes, preenchidos pela lisura dos
discursos, contudo, seguem contaminados de afetos rugosos.

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sumário 203
SOBRE OS AUTORES
E AS AUTORAS
Andrea de Mello
É graduada em Publicidade e Propaganda pelo Centro de Ensino Unificado
de Teresina (CEUT) (2003) e Mestre em Comunicação e Semiótica pela Pon-
tifícia Universidade Católica de São Paulo (2007), com bolsa concedida pela
FAPESP. Integrante do Grupo de Pesquisa Comunicação, Consumo e Arte do
PPGCOM-ESPM. Atualmente é Diretora de Planejamento da Agência Accuracy
e professora do curso de Publicidade e Propaganda da Fundação Armando
Álvares Penteado e também do Curso de Extensão em Comunicação e Mídias
Sociais e da Pós-Graduação em Gestão da Comunicação e Marketing Digital
na mesma instituição.

Bruno Pompeu
É publicitário, formado pela Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP)
(2004). Tem doutorado (2013) e mestrado (2009) em Ciências da Comunicação
pela Universidade de São Paulo, com pesquisas desenvolvidas articulando
conceitos e teorias ligados a comunicação publicitária, consumo e semiótica.
É professor do curso de Publicidade e Propaganda da mesma instituição, nas
disciplinas Linguagem Publicitária e Redação Publicitária I. Realizou pesquisa
de pós-doutorado também na ECA-USP, sobre a linguagem da publicidade na
contemporaneidade. Autor dos livros De onde vem, onde está e para onde vai a
publicidade? (2021), Semiopublicidade: inovação no ensino (2019) e Dicionário
técnico e crítico da comunicação publicitária (2012). Representante Sudeste na
Associação Brasileira de Pesquisadores em Publicidade (ABP2), membro do
Grupo de Estudos Semióticos em Comunicação, Cultura e Consumo (GESC3),
um dos sócios-fundadores da Casa Semio.

Carolina Fabris Ferreira


É graduada (2006) e mestre (2009) em Administração pela Universidade Fe-
deral do Paraná - UFPR. Mestre (2013) em Administração Pública e Governo
pela Fundação Getúlio Vargas - SP, FGV-SP. Doutora (2022) em Comunicação e
Práticas de Consumo pela ESPM-SP. Apresenta experiência como docente em
disciplinas de Comportamento do Consumidor, Pesquisa de Marketing, Gestão
de Marketing, Consumer Insights e Metodologia Científica. Participa do grupo
de pesquisa Comunicação, Consumo e Arte.

sumário 204
Gisele Jordão
Doutora em comunicação e práticas de consumo, mestre em Gestão Interna-
cional e bacharel em Comunicação Social (ESPM-SP), Gisele Jordão é profes-
sora da ESPM São Paulo, nos cursos de graduação e pós-graduação, desde
1998. Atualmente, na coordenação do curso de cinema e audiovisual da insti-
tuição, amplia sua discussão sobre formação para gestão e produção cultural
como premissa para o desenvolvimento da cadeia produtiva da cultura. Desde
1993, como sócia da 3D3 Comunicação e Cultura, é responsável pela pesqui-
sa e desenvolvimento de estratégias para a difusão, o fomento e a fruição de
expressões artísticas. Valores como a comunicação consciente e a sustenta-
bilidade tem pautado seus últimos anos de experiência. Realiza pesquisas de
comunicação e artes no intuito de compreender formas para a ampliação da
participação e da relevância da produção cultural. Compreende que a partir
do diálogo entre sociedade civil e agentes da cultura isto é possível. Neste
sentido, desenvolveu o método de escuta afetiva para o trabalho colaborativo
no desenvolvimento de micropolíticas e projetos culturais.

João Anzanello Carrascoza


É graduado em Publicidade e Propaganda pela Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) (1983), com mestrado (1999)
e doutorado (2003) pela mesma instituição, onde é professor da disciplina
Redação Publicitária desde 1990. É também docente do Programa de Pós-
-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da Escola Superior de
Propaganda e Marketing (ESPM-SP), com pós-doutorado na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (2014) sobre a interface publicidade e lite-
ratura. Escritor, vem publicando coletâneas de contos e romances, além de
obras para crianças e jovens, que lhe valeram alguns dos mais importantes
prêmios literários do país: Jabuti, Guimarães Rosa/Radio France Internationale,
Fundação Biblioteca Nacional, Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil e
Associação Paulista dos Críticos de Arte.

Marcelo Eduardo Ribaric


É graduado em Publicidade e Propaganda pela Universidade Metodista de
São Paulo (1981), com mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo
(2009) pela Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo e douto-
rado em Comunicação e Linguagem (2015) pela Universidade Tuiuti do Paraná.
Possui pós-doutorado em Comunicação, Cultura e Arte na Universidade do
Algarve (UAlg-Portugal) onde é atualmente investigador do Centro de Investi-
gação em Artes e Comunicação (CIAC/UAlg). Professor, palestrante e produtor
audiovisual, tem obras documentais e experimentais que lhe valeram reconhe-
cimento internacional.  

sumário 205
Maria Cristina Dias Alves
Maria Cristina Dias Alves é publicitária, doutora em Ciências da Comunicação
pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (2016),
onde também é professora do curso de Publicidade e Propaganda, além de
ter realizado pesquisa de pós-doutorado (2021). Possui Mestrado em Comu-
nicação e Práticas de Consumo pela ESPM/SP (2009) e graduação em Comu-
nicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda, pela mesma
instituição. Além da atuação em agências de publicidade, como diretora de
criação e redatora, é poeta, haicaísta, escreve crônicas e contos, gênero no
qual foi finalista do prêmio Off Flip de Literatura em 2015.

Roberta Scórcio Maia Tafner 


É graduada em Publicidade e Propaganda pela Escola Superior de Adminis-
tração, Marketing e Comunicação (ESAMC) São Paulo (2006), especialista
em Gestão de Marketing (2008) pela mesma instituição, onde iniciou a car-
reira docente. Mestre (2012) pela instituição de ensino e doutoranda (2019)
no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo
da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP). Com mais de 30
anos dedicados ao mercado publicitário na área de Planejamento de Comuni-
cação Integrada de Marketing é também docente no curso de graduação em
Comunicação e Publicidade da ESPM-SP, nas disciplinas de Planejamento de
Comunicação Integrada e orientadora de Projetos de Conclusão desde 2011.
Como pesquisadora se dedica ao campo dos processos de comunicação e
práticas de consumo voltados à lógica de produção publicitária, sob a ótica
das diferentes instâncias da produção-integração-experiência-entretenimento
como o reality show Big Brother Brasil.

Rosilene Moraes Alves Marcelino


Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP (2015-2018). Mestre em
Comunicação e Práticas de Consumo (ESPM 2010-2011). Especialista em
Comunicação com o Mercado (ESPM - 2006) e em Ciências do Consumo
Aplicadas (ESPM - 2008). Graduada em Jornalismo (FISP - 2004). Conselhei-
ra do laboratório de Consumer Insights do curso de Graduação de Ciências
Sociais da ESPM (CI-Lab). Docente nas graduações de Ciências Sociais e
Cinema/Audiovisual da ESPM, nas disciplinas de Cultura e Sociedade do
Consumo; Comportamento do Consumidor; Identidade e Diversidade; eletiva
Juventudes, Movimentos Sociais e Culturas do Consumo; eletiva A Era dos
Extremos e a Sociologia das Emoções. Orientadora de PIC e trabalhos de
conclusão de curso.

sumário 206
Sheila Mihailenko Chaves Magri
É graduada em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero (1994) e estudou
Filosofia na FFLCH-USP (1998). É doutoranda e mestre (2020) pelo Programa
de Pós-Graduação em Comunicação e Práticas do Consumo da ESPM-SP,
onde participa do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Consumo e Arte,
coordenado pelo Prof. Dr. João Anzanello Carrascoza. Pesquisou, durante o
seu mestrado, a ética e a reputação de marcas, enquanto fenômeno discursivo
e o consumo de discursos morais por executivos corporativos. É autora do
livro “Porta-vozes do capital”, publicado pela editora Pimenta Cultural (2020).
É sócia-fundadora e consultora sênior na Macob Comunicação. Ministrou um
curso de extensão de análise dialógica do discurso, a partir de Mikhail Ba-
khtin, na Universidade Federal de Viçosa-UFV (2020). Atualmente, pesquisa
em criações artísticas literárias, musicais e visuais as suas relações, diálogos
e interdiscursos com as marcas, com a comunicação digital e com o consumo.

Vera da Cunha Pasqualin


É pesquisadora e gestora de projetos culturais, doutora em Comunicação Au-
diovisual, Publicidade e Relações Públicas pela Universidade Complutense de
Madri, mestre em Comunicação e Práticas de Consumo pela ESPM e gradua-
da em Comunicação Social, pela mesma instituição. Com mais de 25 anos de
experiência, atualmente vive na Espanha onde se dedica à área de museus
internacionais, tendo já trabalhado no Brasil, Estados Unidos e Catar com co-
municação, desenvolvimento de negócios, planejamento e gestão de projetos.
É membro do “Comitê Internacional de Museus de Cidade” e dos grupos de
pesquisa “Comunicação, Consumo e Arte” e “ICONO 14”.

sumário 207
ÍNDICE REMISSIVO
B 39, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 51, 52, 54,
branded content 42, 43, 44, 45, 46, 47, 55, 56, 57, 60, 65, 67, 68, 72, 75, 78,
48, 50, 51, 55, 56, 57, 117, 121, 136, 84, 85, 86, 90, 101, 102, 103, 105, 106,
142, 154 108, 109, 110, 111, 112, 115, 117, 118,
brand placement 121, 127, 128, 136, 141, 120, 121, 125, 126, 127, 128, 129, 131,
142, 144, 154, 166 132, 134, 139, 140, 141, 142, 144, 145,
146, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 163,
C 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171,
carnaval 11, 26, 27, 28, 29, 30, 34, 38, 172, 178, 179, 180, 181, 182, 183, 184,
59, 61, 62, 64, 65, 66, 67, 69, 70, 71, 185, 186, 187, 188, 191, 192, 193, 194,
72, 73, 74, 75, 76, 77, 79, 81, 82 195, 197, 198, 199, 200, 201, 202, 207
consumo 10, 11, 14, 27, 28, 29, 35, 36,
P
37, 38, 39, 40, 43, 44, 60, 61, 62, 63,
64, 67, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, plataforma de streaming 61, 71, 74, 77,
77, 80, 81, 94, 109, 115, 129, 138, 141, 79, 140
142, 144, 153, 155, 157, 158, 159, 160, product literature 85, 86, 87, 105, 110,
161, 162, 164, 165, 166, 167, 170, 171, 170
174, 175, 176, 178, 181, 182, 183, 184, product placement 10, 11, 13, 15, 16, 17,
185, 186, 188, 189, 190, 191, 192, 193, 18, 19, 20, 21, 22, 24, 25, 45, 75, 76,
194, 195, 196, 197, 198, 199, 200, 203, 77, 78, 84, 85, 88, 91, 92, 93, 97, 102,
204, 205, 206, 207 103, 104, 108, 111, 113, 121, 124, 125,
126, 127, 129, 131, 133, 134, 135, 142,
F 157, 158, 159, 160, 166, 167, 168, 169,
filmes 10, 15, 19, 20, 22, 28, 43, 44, 170, 171, 172, 173, 175, 177, 179, 180,
45, 46, 50, 51, 55, 61, 72, 74, 85, 102, 181, 182, 183, 185, 186, 188, 190, 191,
120, 121, 125, 126, 127, 129, 148, 166, 194, 195, 197, 198, 199, 200, 203
167, 168 publicidade 10, 11, 17, 18, 22, 27, 28,
29, 31, 35, 36, 38, 39, 40, 41, 43, 44,
I
45, 46, 50, 58, 64, 76, 84, 85, 86, 95,
imprensa 84, 121, 176 96, 102, 103, 104, 105, 111, 112, 115,
influencers 23, 127, 129 116, 117, 121, 122, 123, 128, 132, 134,
Internet 12, 19, 20, 24, 61 139, 141, 142, 148, 153, 154, 155, 156,
M 160, 165, 166, 167, 168, 170, 171, 176,
200, 201, 204, 205, 206
marcas 11, 17, 18, 20, 22, 26, 27, 28,
públicos 35, 37, 60, 61, 62, 66, 69, 71,
29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38,
72, 75, 76, 81, 115, 117, 138, 139, 154

sumário 208
R sociedade 27, 28, 36, 43, 44, 63, 135,
reality 11, 115, 139, 141, 142, 145, 147, 138, 141, 147, 154, 155, 156, 164, 169,
154, 206 181, 183, 194, 205
redes sociais 11, 12, 13, 20, 21, 22, 24, streaming 20, 61, 68, 69, 71, 74, 77, 79,
69, 71, 72, 79, 109, 142, 143, 146, 150 81, 115, 140

S
samba 11, 26, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34,
35, 36, 37, 38, 39, 40, 67, 74, 96
sites 28

sumário 209

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