Rock Dos Anos 1980, Prefixo 48
Rock Dos Anos 1980, Prefixo 48
Rock Dos Anos 1980, Prefixo 48
Florianópolis
2009
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
Florianópolis
2009
2
3
Agradecimentos
Esta dissertação de mestrado não deveria dar créditos a apenas uma ou duas
pessoas. Falar que escrevi somente com a orientação da professora Ana Lice seria
extremamente egoísta de minha parte.
Começo estes agradecimentos por esta professora, que além de apoio intelectual e
“puxões de orelha” foi compreensiva e atenciosa, mesmo quando não mereci. Assim como
a Fábio Feltrin, colega de graduação, por discussões sobre rock muito esclarecedoras e de
grande ajuda.
Agradeço meus pais, Liana e Bernardino que, mesmo morando longe (o pai mais
que a mãe), se fizeram presentes em toda esta minha caminhada.
Meus irmãos Wallace e Luiz Carlos pelo companheirismo em todos esses anos.
Meus avós Luli e Neiva pelo carinho e pelo orgulho que demonstraram. Meus sogros:
Tânia e Sidemar e minha cunhada Mariana, sempre perguntando sobre a pesquisa e
apoiando minha esposa quando eu não podia.
Da família não posso esquecer meu Tio Mano (Luiz Antônio), este me ensinou o
que é o rock, sem ele e sua influência em minha vida este trabalho nem seria imaginado.
Agradeço sua inspiração e, mesmo no momento mais difícil de sua vida, o falecimento de
minha prima Maíra, seu apoio que nunca deixou de existir.
Outros que foram essenciais, embora indiretamente, neste trabalho também devem
ser citados. Agradeço aos amigos, Jorge (Jó) por me apresentar à banda Expresso e á
Tubarão, assim começar a conhecer o rock catarinense; Juninho, grande roqueiro e com um
acervo dos anos de 1980 de dar inveja; e Gonçalo, meu primeiro professor de violão e
teoria musical, me ensinando sobre o estudo da música, não só o prazer.
4
Sem bolsa de estudos, por escolha própria, foi necessário a compreensão das
escolas em que já trabalhava e das novas que comecei a lecionar no decorrer do mestrado.
Agradeço à escola Dinâmica e meus coordenadores e amigos Jorge e Fernanda por sempre
facilitarem meus horários e minhas escolhas para a finalização da dissertação. Também
agradeço ao colégio Energia de Santo Amaro e à coordenadora Sirlei, mesmo sabendo que
estava no último ano do mestrado, me aceitaram e apoiaram, mesmo sem precisar,
mostraram-se dispostos a qualquer ajuda que precisasse.
Agradeço às bandas que fizeram a trilha sonora de minhas idéias. Além das aqui
trabalhadas, The Beatles, The Who, The Clash e Ramones foram as mais tocadas.
5
RESUMO
A presente dissertação tem como objetivo principal a análise sobre a formação de grupos
de rock, no que chamo Mundo 48, durante a década de 1980, suas músicas e como estas
ajudavam a criarem suas redes sociais. O termo Mundo 48 caracteriza um espaço
geográfico através do prefixo telefônico, abordando a grande Florianópolis e parte da
região sul catarinense. Sendo as bandas catarinenses um tema inédito, recorri inicialmente
em uma discussão historiográfica sobre algumas das bandas estudadas. Tendo como recorte
temporal principal, a atuação da banda Expresso Rural (posteriormente apenas Expresso),
entre 1982 e 1992, neste período são criadas novas comunidades emocionais e
características próprias na composição de canções e apresentação em shows e televisão.
Porém, a Expresso Rural não é vista como principal. Outras bandas são analisadas com a
mesma importância como a Ratones/Tubarão, Decalco Mania, Burn, Bandalheia ou Stryx,
apenas para citar algumas.
6
ABSTRACT
This present dissertation has as its main objective the analysis about the formation of rock
groups, what I call Mundo 48, during the 80’s, their music and the way it would help them
to create their social connections. The term Mundo 48 refers to a geographic space between
an area code that goes from the whole Florianópolis down to part of the south Santa
Catarina State. Being the Santa Catarina’s band a subject never studied before, I firstly
appealed in a historiographical discussion about some of the bands. Based on the action of
the band Expresso Rural (lately Expresso), between the years of 1982 and 1992, new
emotional communities are created and particular characteristics are developed on the way
songs are created and shows and T.V. programs are presented. However, the band Expresso
Rural is not seen as the main band of that time. Some other bands are classified with the
same importance, such as Ratones/Tubarão, Decalco Mania, Burn, Bandalheia or Stryx,
naming a few.
7
Sumário
Introdução..........................................................................................................................09
Anexos................................................................................................................................173
Anexos 1 – Relação das músicas nos cd´s..............................................................173
Anexos 2 - Tabela relacionando as bandas com seus integrantes...........................177
8
INTRODUÇÃO
A idéia para esta dissertação nasceu de duas angústias que tive durante minha
graduação e minhas experiências musicais. Durante a última etapa de minha escolarização
básica, o Ensino Médio, entre 1993 e 1995, meu interesse por rock nacional da década de
1980 cresceu bastante e sempre buscava conhecer novas bandas. Desta busca surgiu minha
primeira angústia, a falta de discos e remasterizações de conjuntos catarinenses. Apenas em
1997 sou apresentado à Expresso Rural, com as canções Harmonia e Nas Manhãs do Sul
do Mundo pelo amigo Jorge Elias. Conhecer estas canções apenas intensificou meu
tormento, pois percebi uma banda de qualidade que estava caindo no esquecimento. Junto
com esta banda conheci a Tubarão, com Vou Conquistar Seu Coração, mais pop, com uma
levada de mais fácil assimilação, agradando-me tanto quanto o Expresso Rural.
Minha segunda angústia deu-se durante a graduação. Querendo aprofundar-me em
estudos históricos relacionados à música, não consegui encontrar bibliografia suficiente
que sanasse minhas dúvidas. Quando encontrava trabalhos sobre canções, eram mais
relacionados à letra, dificilmente à parte rítmica, deste modo sentia insuficiência nos
artigos ou monografias, limitando-se, no máximo, às descrições de instrumentos. É
inegável que as letras trazem muitas informações, sendo, por muitos graduandos, mais
percebidas como ligadas ao trabalho do historiador ao invés da música. Pode-se, também,
argumentar que a letra é mais direta. Entretanto, estudos de semiótica, percebem a letra1 tão
subjetiva quanto o ritmo ou o uso de instrumentos, podendo modificar-se dependendo da
forma em que é interpretada ou no contexto que é apresentada2. No Brasil, dois exemplos
claros podem ser a canção Vida Louca Vida de Lobão, regravada por Cazuza, com os
versos: “Vida loca, vida / vida breve / já que eu não posso te levar / quero que você me
leve”, que passa a ter conotações de despedida e não de apelo à vida como na primeira
versão. A canção Bicho de sete cabeças de Geraldo Azevedo e Zé Ramalho também
demonstra modificações em duas de suas gravações. Cantada em dueto com Elba Ramalho
1
TATIT, Luiz. Análise Semiótica Através das Letras. São Paulo: Ateliê Editorial. 2001
2
Adalberto Paranhos faz considerações bem pertinentes sobre isto, fazendo-nos perceber como a mudança
dos arranjos pode modificar os sentidos da música em seu artigo A música Popular e a dança dos
sentidos: distintas faces do mesmo. In.: Revista ArtCultura n?9, Jul-Dez. Uberlândia: Universidade
Federal de Uberlândia. 2004.
9
e Geraldo Azevedo de 1979, posteriormente, gravada apenas por Zeca Baleiro, em 2001, e
colocada no filme homônimo sobre manicômios passa a não ser mais uma discussão de
homem e mulher, mas uma discussão de um dito louco com a sociedade que o fez parecer
louco3.
As análises musicais também estão presentes neste trabalho, não com uma
discussão teórica sobre música, mas enquanto uma percepção histórica, demonstrando que
os ritmos, arranjos e usos de instrumentos também estão localizados temporalmente de
acordo com o sentido que seu instrumentista ou arranjador quer passar para seu público. A
identificação pela canção pode ser através apenas do ritmo, nem mesmo há a necessidade
da letra e as bandas aqui selecionadas são um exemplo disto, com o arranjo baseando-se
em bandas internacionais, mas a letra totalmente fora do contexto que a banda original quis
passar.4 O termo canção é mais adequado para este trabalho, pois a canção é a soma da
parte rítmica (música) com a leitura direta, o poema ou o discurso (letra).
Estudar historicamente a canção requer também o estudo de semiótica rítmica, não
apenas nas letras. Ao abordar apenas as letras, o historiador não faz verdadeiramente uma
“história da música”, mas sim uma história lingüística, pois trabalha semelhante a um
historiador que busca como fonte uma obra literária, romance ou poema. A canção está
além da letra. Miguel Wisnisk, estudioso da música ressalta a importância da mesma no
estudo da canção, demonstrando como o som e, principalmente, a música, foram e são
empregados para transmitir sentimento ou mexer como os sentidos do ouvinte:
..., a música não refere nem nomeia coisas invisíveis, como a linguagem
verbal faz, mas aponta com uma força toda sua para o não-verbalizável;
atravessa certas redes defensivas que a consciência e a linguagem
cristalizada opõem à sua ação e toca em pontos de ligação efetivos do
mental e do corporal, do intelectual e do afetivo. Por isso mesmo é capaz
de provocar as mais apaixonadas adesões e as mais violentas recusas.5
3
OLIVEIRA, Márcia Ramos de. A "Mídia Dentro Da Mídia": As Canções Judiaria e Bicho de Sete Cabeças
no Cinema. In.: http://www.hist.puc.cl/historia/iaspmla.html.
4
O exemplo que cito agora e aprofundarei mais tarde é a banda Burn, o nome já é uma homenagem à banda
inglesa Deep Purple, com inspiração nesta e em outras como Black Sabbath, mas enquanto a parte rítmica
é semelhante, a letra, das originais ligadas muitas vezes ao satanismo, a catarinense aborda temas de paz,
ecologia e até mesmo Jesus, na música Nuvens Negras.
5
WISNIK, José Miguel. O Som e o Sentido – Um outra história das músicas. São Paulo: Companhia das
10
historiográficas para o uso de toda a canção como fonte histórica e sobre o rock catarinense
dos anos de 1980.
Cito aqui dois trabalhos que estudaram o rock de Florianópolis na década de 1980,
porém sem grandes análises na composição rítmica das canções deste período. Adriano
Rotini, em sua monografia no curso de graduação em História pela Universidade Federal
disserta sobre três bandas, Expresso, Tubarão e Aves de Rapina. Sua monografia tenta
ressaltar os aspectos “ilhéus” destes grupos, tendo por base a letra, ligando-os ao Grupo
Engenho. Contudo, suas escolhas de fontes de faz usando apenas alguns álbuns6, não a
totalidade e suas análises rítmicas não percebo levarem em consideração aspectos dos
subgêneros do rock, principalmente como os instrumentos são apresentados. Ao abordar,
por exemplo, a banda lagunense Aves de Rapina, o autor cita seu estilo como metal ou
progressivo7, mais pesado, usando apenas a apresentação do encarte como fonte: “..., tinha
bastante influência do rock setentista, um pouco de Led Zeppelin com Pink Floyd, o
encarte do disco da banda diz que:...” sendo que, ao levar em consideração o ritmo e o
arranjo, percebo uma levada clara de blues, sem distorção ou o peso característico do rock
mais pesado. Outro trabalho a abordar as bandas do Mundo 488 nos anos 80 do século
passado foi a dissertação de mestrado em Antropologia pela Universidade Federal de Santa
Catarina de Tatyana de Alencar Jacques. Seu objeto de estudo foram as bandas do início do
século XXI, desta forma os grupos anteriores aos principais de sua dissertação, aparecem
apenas como forma de posicionar o leitor às construções roqueiras de diferentes épocas no
cenário florianopolitano.9
Descobrir as bandas do Mundo 48 da década de 80, seus integrantes e suas canções
11
foi a motivação desta pesquisa, além de querer entender as particularidades dos grupos da
Grande Florianópolis e suas semelhanças com o cenário nacional ou mundial, com quais
conjuntos dialogaram e como criaram suas identidades. As análises rítmicas das canções
mostraram-se dificultosas, pois, como dito, encontrei pouca bibliografia sobre
metodologias historiográficas sobre música e mais especificamente sobre o rock. Trabalhar
com a história da música, ou melhor, da canção é algo muito recente no Brasil e mais
recente ainda é considerar o rock como parte da cultura brasileira. Fábio Feltrin, em sua
dissertação de mestrado, coloca que apenas na década de 1990 “é que a historiografia
debruçou-se de forma mais sistemática sobre as relações entre história e música” 10. Feltrin
cita que estudiosos como José Ramos Tinhorão, grande pesquisador da Música Popular
Brasileira, considerava o rock como uma música estrangeira, sem nada de nacional e
principalmente de popular. Feltrin rebate esta posição, considerando sim as influências do
rock inglês e estadunidense, colocando como esta influência foi absorvida e transformada
em uma cultura popular para um público jovem direcionado, com letras demonstrando as
angústias do jovem brasileiro, como garotas, futuro, política, carros e dinheiro.11
Com pesquisas sobre o rock dos anos 80 do século XX aparecendo, mas deixando
de lado Florianópolis, criam-se algumas dúvidas sobre a relevância do movimento na
capital catarinense. Coletâneas sobre os maiores sucessos, ou com temáticas próprias
aparecem no início do presente século. Ressalto aqui a coletânea Discoteca Básica – Vol. 1
Pop Rock Nacional dos Anos 80, com seleção de Charles Gavin, baterista da banda paulista
Titãs. A apresentação do jornalista Arthur Dapieve, no encarte do cd, ressalta que para as
bandas desconhecidas,
10
SOUZA, Fábio Feltrin de . Canções de um Fim de Século – História, música e comportamento na década
encontrada (1978-1991). Dissertação de mestrado. Departamento de História . Florianópolis:
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. 2005. p. 13.
11
SOUZA, op. cit.
12
DAPIEVE, Arthur. Discoteca Básica – vol 1. Pop rock nacional dos anos 80. (encarte do CD). EMI.
2003.
12
Porém, os grupos são de cidades que já têm seus representantes em outras
coletâneas: São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Brasília. Fica a pergunta inicial:
Florianópolis foi inexpressiva neste movimento? Muitas bandas como Ratones (depois
Tubarão), Burn, Vanaheim ou Decalco Mania mostraram que não, assim como o grupo
Expresso Rural (posteriormente apenas Expresso).
A música e todo o cenário rock, para a indústria cultural e boa parte da sociedade,
são considerados um ritmo criado para o público jovem, ressaltando as particularidades
deste grupo. Mas o termo jovem é muito extenso e depende de muitas considerações, como
período, sociedade, lugar ou classe. Considero uma idade limite, entre a dependência
infantil e a autonomia da idade adulta.13 No caso do período estudado, levo em conta esta
autonomia e a vivência ainda com os pais, ou certa dependência, a maioria já na
universidade ou ensino médio, mas fazendo alguns “bicos” para ganhar um dinheiro sem
precisar pedir para o pai, ou até mesmo administrando uma mesada. Também é
característica dos jovens estudados a sua condição social. Todos os músicos estudados
tinham boas condições financeiras, brancos e com estímulo cultural dos pais, saliento a
dificuldade de se conseguir os instrumentos e os discos das bandas influentes, tanto
internacionais como nacionais. No terceiro capítulo será discutida esta temática de
comunidade jovem no chamado Mundo 48, principalmente suas relações de
companheirismo, resolvendo problemas ou conflitos.
Outro termo sobre o qual acredito ser importante discorrer é o conceito de rock.
Este trabalho não tem como objetivo rediscutir o surgimento ou a história do rock. Muitos
já o fizeram e parece praxe que todo trabalho que enfoque este tema tenha de refazer esta
questão. Mas como há a necessidade de definir o que é rock e, principalmente, posicionar
as bandas estudadas em subgêneros (não encaixotá-las ou classificá-las, mas apenas
direcionando para um entendimento mais plausível do leitor). No rock, há instrumentos
característicos, como: guitarra, bateria e contrabaixo, podendo ter variações como usar
13
Para Levi e Schmitt, na introdução da coletânea A história dos Jovens Vol. I, a definição de juventude deve
ser bem caracterizada com a época e lugar “De um contexto a outro, de uma época a outra, os jovens
desenvolvem outras funções e logram seu estatuto definidor de fontes diferentes.”(p. 14). Deste modo,
usarei a definição de jovens para a segunda metade do século XX no mundo ocidental segundo
Hobsbawm em A Era dos Extremos, “uma camada dos sexualmente maduros mas ainda em crescimento
físico e intelectual, e sem a experiência da vida adulta” (p.318)
13
instrumentos acústicos no lugar de algum deles, ou todos, ou acrescentar outros
instrumentos, dos quais o teclado é o mais comum. Inflexão de voz com clareza, cantada,
mas sem muitas “subidas” ao agudo também é uma das características do rock, assim como
as letras sobre problemas percebidos pelos jovens acima caracterizados. Ritmicamente, o
compasso 4 por 4, dá a levada. Veremos nos capítulos 1 e 2 que nem todas as canções e
bandas seguiram este perfil, mas que tinham esta base na estrutura musical. Para finalizar,
cito uma abordagem de Peter Wicke, definindo rock como “movimento, portanto, isto é
válido para percebermos na música rock a perspectiva do desenvolvimento que pode ser
ignorado ou resistido, mas que definitivamente não pode ser interrompido”14. Esta
definição demonstra a idéia de mudança constante no rock. Outra característica da cultura
rock, segundo Paul Friedlander, é ser uma música de jovens para jovens, principalmente de
espaço urbano, com ritmos sincronizados com vocalizações de chamados e respostas, bem
característicos dos trabalhadores negros ligados à Igreja Protestante, nas fazendas de
algodão dos Estados Unidos durante os séculos XIX e início do XX.
Dos subgêneros, empreguei definições utilizadas pelo historiador Fábio Feltrin, em
sua dissertação de mestrado Canções de um fim de século e da antropóloga Tatyana de
Alencar Jacques, com a sua já citada dissertação Comunidade Rock e Bandas
Independentes de Florianópolis. Estes dois autores dialogam com alguns pensadores
semelhantes com os quais trabalharei, como o filósofo francês Michel Maffesoli e os
sociólogos estadunidenses Paul Friedlander e Simon Frith, principalmente na idéia de não
encaixotar os subgêneros, mas demonstrando que estes têm características próprias, sempre
em mutação, podendo um conjunto divergir entre diferentes segmentos roqueiros. A única
distinção que trabalharei mais especificamente no segundo capítulo será entre pop / rock e
rock underground. O primeiro voltado para a entrada no maestream, gravar com grandes
indústrias da cultura de massa, aparecer na grande mídia e a segunda classificação como
sendo de grupos que não se preocupam com as mídias, alguns até repudiando as bandas
que “se vendem” para a indústria.
Tentei abordar a construção da identidade de jovem a partir da década de 80 do
século passado e como as bandas de rock codificam e decodificam15 estas idéias, isto é,
14
WICKE, Peter. Rock Music – culture, aesthetics and sociology. Cambridge University Press, 1995, p. IX.
(tradução do autor)
15
A idéia de codificação e decodificação é baseada nas formulações do sociólogo Stuart Hall sobre
14
como aceitam estas idéias vindas do público e de outros grupos nacionais ou internacionais
e transformam em suas próprias criações para assim outros também sofrerem este processo.
Não apenas com o grupo Expresso Rural, mas com várias bandas que gravaram ou não
LP's, que tinham suas músicas próprias em shows ou rádios, bandas como as mencionadas:
Ratones (posteriormente Tubarão) que também fizeram muito sucesso no mundo 48 dos
anos 1980 com três LP's e um compacto gravados, Decalco Mania, Olho D´Água, bandas
ligadas ao movimento New Wave e grupos considerados mais pesados, como Burn,
Têmpera, Corrente Sanguínea e Camisa de Força.
A escolha dos conjuntos estudados tem o critério de aparecimento na mídia, como
jornais e rádios e composições próprias. Muitas bandas só faziam covers ou eram apenas
de garagem, sem conseguirem gravar nenhuma música, divulgar pelas rádios ou fazer
shows, estas não foram objetos para minha pesquisa. Meu interesse principal é a
identificação dos jovens e suas preocupações nas músicas feitas por eles. Portanto, suas
composições, as músicas, suas relações rítmicas e poéticas com o contexto em que são
criadas para um público jovem é minha abordagem principal neste trabalho. Assim como as
trocas e relações dos integrantes das diferentes bandas, em quais conjuntos um integrante
tocou, as semelhanças e diferenças presentes nos grupos em que fez parte. Para relacionar
as composições, devo apresentar quem eram os conjuntos. Para tanto, pesquisei em jornais
e entrevistei alguns dos músicos que participaram desta cena musical.
Outro aspecto na escolha foi a idéia de grupo, banda. Analisei alguns músicos
separados de suas bandas originais, em carreira solo, como o vocalista do grupo Expresso
Daniel Lucena. Porém, cantores ou instrumentistas tendo apenas a carreira solo, sem
participar efetivamente de uma banda como Luiz Meira, Beto Mondadori, Eliana Taulois e
Débora Blando, foram abordados quando trabalharam com alguma das bandas analisadas.
Não excluo estes músicos das tribos formadas pela música rock, porém trabalho estas
formações de identidades tribais com a formação de bandas.
O trabalho está dividido em três capítulos, cada um enfocando diferentemente as
fontes analisadas, a fim de perceber como a criação das canções ajudou na construção da
comunicação de massa nos dias atuais. Para o autor, a indústria de massa primeiramente codifica o que o
público está interessado, recodificando em mercadoria vendável, no caso deste trabalho, bandas com as
características escolhidas, como novidades. Ao perceberem o produto final, novos consumidores tentam
entrar no mercado com um produto semelhante ao apresentado pelas grandes empresas culturais. HALL,
Stuart. Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais, Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2006.
15
identidade dos jovens e como esta contribuiu na formação dos conjuntos. No primeiro
capítulo, Rock'n'roll nas Ruas da Capital, pesquiso o surgimento das bandas aqui
apresentadas, posicionando-as nas mudanças no Brasil e Santa Catarina que ajudaram no
desenvolvimento da construção da identidade jovem e da formação das bandas aqui
analisadas na década de 1980. Uso como principal teórico, Eric Hobsbawm e sua análise
sobre o século XX no livro Era dos Extremos16. Neste estudo, o historiador inglês faz
discussões pertinentes sobre como a economia e a cultura estavam relacionadas no século
XX e como ocorreram mudanças nos lares e na vida pública para o surgimento dos jovens.
Sua metodologia de pesquisa sobre as relações de mudanças no século XX e a formação de
um estilo musical formulada no livro A História Social do Jazz, também é utilizada em
combinação com as análises sobre o breve século XX.
O uso de entrevistas e de jornais foi imprescindível nesta parte da pesquisa. Não foi
feita nenhuma grande abordagem sobre métodos de entrevista. Como fonte metodológica,
utilizei artigos do livro Usos e Abusos da História Oral, principalmente nos cuidados de
uma pesquisa que se baseia em entrevistas. Muitas destas entrevistas são feitas via internet,
cabendo aqui fazer uma pequena ressalva metodológica: ao entrevistar os músicos,
entrelacei com informações obtidas oralmente e com informações de jornais. Também não
há como fazer análises sobre como o entrevistado se porta em cada pergunta, mas ele pode
refletir ou pesquisar em arquivos pessoais sobre os assuntos abordados. Para a
instrumentalização e metodologia da pesquisa oral, Verena Alberti17 com seu livro Ouvir
Contar: Textos em história oral foi de grande ajuda.
As entrevistas via o site de relacionamentos Orkut foram feitas seguindo estas
16
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: O Breve Século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
17
Para Alberti, na história oral, deve-se questionar sobre a idéia de enquadramento da memória, usando-a
como fato, o entrevistador deve sempre perceber o entrevistado como uma das versões e saber
contextualizar o que esta memória está selecionando. No caso do presente trabalho, algumas bandas ainda
estão se apresentando, o grupo ainda está formado, desta forma minha preocupação com o que queriam
responder e como se sentiam presente a alguns questionamentos era constante. Duas entrevistas
exemplificam minha atuação: quando entrevistado, o grupo Expresso Rural estava retornando suas
atividades com a formação original, assim, quando questionados sobre as brigas que ocorreram durante
sua atuação, tentava-se desconversar, não lembrando “velhas feridas”, mas mesmo assim tinham um
posicionamento maduro de perceberem como “guris” durante suas desavenças. Outra entrevista que
demonstra o contrário, foi com Airton Perrone, ex-Decalco Mania, como a banda se desfez em 1985 e não
retornaram mais, o entrevistado sentia-se vontade para contrariar alguns integrantes da banda, colocando
sua versão sobre as atividades do conjunto. Não me posiciono a favor dos entrevistados, apenas percebo
como o contexto atual em que cada um vive cria uma dada versão sobre seu passado como parte de uma
banda.
16
metodologias: através de fóruns de discussão e por recados pessoais. Nos fóruns, perguntei
de forma generalizada, pois são vistos e discutidos por várias pessoas, com o entrevistado
tomando alguns cuidados sobre sua imagem. Por recados, o entrevistado sente-se mais à
vontade, mesmo sabendo que é aberto, podendo ser visitado por qualquer um, mas o mais
provável é que será lido somente por mim. Importante ressaltar que estas entrevistas não
foram deletadas e, assim, um entrevistado leu o que o outro escreveu, comentando e
deixando um debate aberto entre eles.
Sobre a formação de identidades no século XX, utilizei Stuart Hall com a idéia de
territorialidade e desterritorialidade para explicar as relações de comunidade e o fim das
relações espaciais no mundo atual, assim como a idéia de tribalismo e nomadismo
discutidas por Maffesoli em O Tempo das Tribos e Sobre o Nomadismo. Respectivamente,
com estes dois sociólogos, foi possível perceber como ocorreram as perdas de identidade e
como são reagrupadas novas identidades, não mais por ligações territoriais, mas emotivas e
sensoriais, com a música fazendo esta aproximação. Rejane Sá Markman, com seu estudo
sobre o movimento Manguebeat e Valéria Brandini sobre o cenário musical dos anos 1990
brasileiro, serviram como referência sobre a formação de algumas bandas que conseguiram
destaque nacional.
A idéia do segundo capítulo, intitulado Onde estão os sonhos, foi discutir algumas
canções das bandas analisadas, como e se foram gravadas ou divulgadas, através de LP's,
compactos, videoclipes, shows. Ao fazer estas análises, abordei a célula rítmica da canção,
os instrumentos usados e como estão posicionadas a letra e as entonações do cantor. Para
estas análises, me apoiei no teórico José Miguel Wisnik com suas abordagens da história da
canção e teoria musical, e o sociólogo Simon Frith sobre análises de rock como música de
juventude característica do século XX. Canções, música e letras são signos importantes
para entendermos os aspectos presentes na identificação de ser jovem. Para o auxílio na
leitura desta simbologia, abordei aspectos analisados pelo estudioso da semiótica na
canção, Luiz Tatit.
Marcos Napolitano18, Adalberto Paranhos19 e José Geraldo Vinci de Moraes20
18
Este autor defende que o historiador deve escolher quais características estudará da canção e explorar ao
máximo. Não apenas a letra ou a música, mas também encartes, como e onde foi gravada, como estava o
contexto mundial, receptividade, rádios vinculadas. Trabalha principalmente com música popular e como
a música ajudou na construção das redes sociais dos grupos em torno destas músicas. NAPOLITANO,
Marcos. A Síncope das Idéias – A questão da tradição na música popular brasileira. São Paulo: Editora
17
proporcionaram o suporte historiográfico como exemplo de trabalho, de que formas um
historiador pode pesquisar a canção. Os dois primeiros, defensores da pesquisa de ritmos,
arranjos e harmonias nas canções, não fazem análises historiográficas apenas nas letras,
mas percebem desde a parte rítmica até como a música é apresentada ao público e como a
banda também se apresenta. Assim como sociólogos e estudiosos da comunicação com
trabalhos com conotações historiográficas ajudaram neste suporte, principalmente Heloísa
de Araújo Duarte Valente, com seus estudos sobre o uso da voz na canção, Valéria Brandini
analisando os cenários do rock e Márcia Tosta Dias, abordando a indústria fonográfica no
Brasil durante o período estudado neste trabalho.
Não sendo um trabalho de teoria musical, há um limite nos estudos sobre os
arranjos e ritmos, não podendo analisar em uma totalidade os instrumentos, faço a escolha
de apenas um como norteador dos outros instrumentos, o contrabaixo elétrico. Esta escolha
se deu por ser o contrabaixo o instrumento que constrói, junto com a bateria, a pulsação
rítmica da música e usa sua escala semelhante à guitarra, vocal e teclado – os instrumentos
harmônicos – sendo a base do rock21. Outros ritmos ou até mesmo músicas ligadas ao rock
não seguem este padrão, todavia é o suficiente para as análises feitas neste trabalho.
A música, no caso deste trabalho o rock, é considerada por alguns sociólogos, a
exemplo de Simon Frith, como uma aglutinadora de pessoas com algumas identificações
em comum, formando as relações neotribais de Maffesoli. Finalizo o trabalho no terceiro
capítulo, intitulado Um Por Todos e Todos por Mim, pesquisando e analisando sobre como
o rock fez algumas bandas entrarem neste universo que é considerado como um grande
motor para a formação da idéia de jovem presente no século XX. A análise enfatizou as
relações de companheirismo existente entre os músicos, e estes se identificando como
Fundação Perseu Abramo, 2007. & NAPOLITANO. Marcos. História & Música – História cultural da
música popular. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
19
Paranhos acredita nas análises ligando letra e música. Como a construção de uma está diretamente ligada à
outra, além do arranjo instrumental, o pesquisador não deve separa-las, mas sim perceber como uma
complementa e fortalece ou diferencia os signos da outra. PARANHOS, Adalberto. A Música popular e a
Dança dos Sentidos: distintas fases do mesmo. In: ArtCultura no 9, julho – dezembro 2004.
20
Seu estudo sobre os anos de 1930 em São Paulo, tendo como referência principal os rádios e as músicas
que eram transmitidas, esclarece as mudanças de uma cidade em decorrência de um estilo musical. O
autor trabalha de forma dialética, percebendo as mudanças da cidade em decorrência das músicas, além da
criação das músicas causadas pelas transformações urbanas. MORAIS, José Geraldo Vinci de. Metrópole
em Sinfonia: História, cultura e música popular na São Paulo dos anos 30. São Paulo: estação
Liberdade, 2000.
21
No capítulo 2, ao fazer as análises das músicas nas canções escolhidas, voltarei a especificar melhor a
importância destes instrumentos para o rock.
18
jovens através das músicas que tocam. Num processo de codificação e decodificação,
novamente usando termos de Hall, procuro perceber como recebem produtos culturais, no
caso a canção, de outros estados e, principalmente, de outros países, decodificando-as e
produzindo novas canções para outros jovens também se identificarem.
Não pretendi estudar a receptividade das músicas produzidas, nem mesmo sua
abrangência, apenas como um produto decodificado de outras influências. Desta maneira,
continuei usando algumas das canções analisadas no capítulo II como fontes, mas agora
tentando discutir a idéia de identidade jovem presente nas letras e como o ritmo foi
percebido como marca da juventude do século XX.
Como referencial teórico continuei buscando auxilio a Maffesoli e Hall em seus
conceitos de “tribalização” e “identidade”, mas também, em Baumann, que acrescentou
nos conceitos de identidade. Sobre jovens e geração usei as considerações feitas por
Giovanni Levi e Jean-Claude Schmitt na coleção História dos Jovens e do sociólogo S. N.
Eisenstadt em seu estudo De Geração a Geração, com Frith e Peter Wicke a percepção e
produção do rock como cultura jovem. O trabalho, neste capítulo, poderia ser sintetizado
em de que forma a música rock adquiriu o status de cultura juvenil de uma geração no
mundo 48.
Nesta parte do trabalho também abordei a relação com a comunicação de massa e
indústria cultural. O principal teórico que usei para compreender a receptividade e
produção das canções foi Stuart Hall com sua metodologia de codificação / decodificação.
Todavia, Jean Baudrillard e Herbert Marcuse também analisam este meio de comunicação
e tais analises são relativas ao tema abordado. Com Baudrillard e suas idéias de
publicidade, concorrência e tentativas de venda a partir da propaganda, tentei demonstrar o
uso da mídia para a venda dos produtos, jornais, rádios e televisão. Marcuse defende a
mídia como possibilidade de meio de arte como revolução, o rock com ênfase. Suas
análises positivas deste uso da mídia são boas discussões sobre a percepção desta e não o
contrário.
Muitas das canções aqui analisadas foram gravadas em LP’s, desta forma as
discussões foram relevantes sobre o estudo, a forma de produção do LP, sua capa, ordem
das canções e encarte. Estes discos foram relativamente fáceis de conseguir, pois sebos na
capital e feiras de vinis comercializam estes LP’s regionais. O grupo Expresso produziu
todos os seus discos em CD pela produtora Trem Bala, lançados em 1997 e, como fã da
19
banda, eu já os possuía. Músicas tocadas em rádio foram mais garimpadas, tendo que
recorrer a arquivos pessoais de membros da banda ou antigos fãs. Hoje, com as novas
tecnologias, é possível digitalizar todo este material e melhorar sua qualidade sonora para
poder perceber as questões pontuadas nesta introdução. Além de muitas bandas como
Têmpera, Tubarão, Bandalheia e Burn disponibilizaram algumas de suas canções em sites
para bandas divulgarem seu material, como: PalcoMP3, My Space e TramaVirtual.
20
CAPÍTULO 1- ROCK´N´ROLL NAS RUAS DA CAPITAL
O período de abertura política no Brasil teve como uma de suas marcas a euforia
nas campanhas das Diretas Já! e o “banho de água fria” perante a negação disto pelo
presidente Figueiredo e pela posterior morte do primeiro presidente civil eleito depois da
ditadura, Tancredo Neves. Em Santa Catarina, especificamente em Florianópolis, tivemos
grandes mudanças políticas, como a Novembrada em 1979. Este evento abalou a cidade,
percebendo-se o enfraquecimento do Governo Militar, com os estudantes protestando
abertamente contra o governante máximo do país, ainda um general, no caso, Figueiredo.
Além do caráter político, outras mudanças contribuíram para a construção dos
novos grupos de jovens que surgiam na cidade no final dos anos 1980, grupos, também
chamados de tribos24, com novas exigências e identificações. As novas características
urbanas construídas no século XX, como arranha-céus, aumento da tecnologia na
comunicação de massa, contribuíram para a construção deste novo modelo de jovens.25
22
Trecho da música Ilha da Solidão de Daniel Lucena e Márcio Corrêa. In.: EXPRESSO. Romance em
Casablanca. Florianópolis: ARTMIX e EXPRESSO. 1992. faixa 3, lado B.
23
Título da música de Fernando Bahia na coletânea Crime Perfeito. Florianópolis: Jacaré Produções. 1986,
faixa 4, lado A.
24
Usarei mais especificamente o termo tribo segundo o autor ressalta para a identificação
dos grupos urbanos em comunidades afetivas, as identificações acontecendo por
motivos emocionais, não necessariamente próximos localmente. In.: MAFFESOLI, M.
O Tempo das Tribos – o declínio do individualismo nas sociedades de massa. 1ª edição;
tradução Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.
25
MORAIS, José Geraldo Vinci de. Metrópole em Sinfonia: História, cultura e música popular na São
Paulo dos anos 30. São Paulo: estação Liberdade, 2000.
21
Em Florianópolis, no plano urbanístico, foi inaugurado o Terminal Rita Maria,
facilitando assim a chegada de novos moradores e estimulando o turismo na capital. Estes
recém chegados trazem as novidades musicais dos grandes centros urbanos, como São
Paulo e Rio de Janeiro, além de modas nas roupas e cabelos dos jovens. No plano artístico,
foi construído o Centro Integrado de Cultura (CIC). Os grupos artísticos recebiam um novo
espaço para suas apresentações e até mesmo ensaio e divulgação. Anteriormente havia
apenas o Teatro Álvares de Carvalho (TAC), no centro da capital, que comportava um
pequeno público, muitas vezes, nem acomodava nem estimulava os shows em
desenvolvimento.26 Florianópolis também se iniciava no setor técnico-industrial, com
destaque para a Eletrosul em 1976 / 77, ao lado da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), vindo muitos técnicos de várias partes do Brasil para trabalharem na empresa.
Junto com eles, viriam seus filhos, que assim trariam mais novidades para seus colegas
nativos.
Os anos de 1980 são vistos pelos economistas no Brasil como anos de recessão.
Inflação, planos econômicos mal-sucedidos e aumento na dívida externa foram alguns dos
problemas surgidos junto com a abertura política.27 Paradoxalmente a esta recessão, as
indústrias catarinenses continuam com crescimento se relacionarmos com a conjuntura
brasileira, segundo Alcides Goularti Filho, enquanto “a média do PIB brasileiro, nos anos
1980, girou em torno de 2,2% ao ano. (...) o crescimento econômico em Santa Catarina em
28
torno de 5,3% ao ano” . No estado, esta situação deve-se a dois fatores principais, a
industrialização no Vale do Itajaí e a mineração no Sul. Na região da Grande Florianópolis
desenvolveram-se ainda mais o turismo e serviço público, porém, algumas indústrias
formam-se na região, como a Macedo em São José.29
Na mídia, há o crescimento do grupo RBS como a maior rede de TV do sul do país,
se desenvolvendo, além da televisão, nos jornais impressos. Com Florianópolis em foco,
muitos jovens de outras cidades acabam chegando para aqui tentar a universidade ou a vida
de músicos. Um exemplo claro são os irmãos May, Paulo e André, de Tubarão, que vieram
para divulgar sua banda de rock Ratones (posteriormente Tubarão), pois percebiam maior
26
CORRÊA, Carlos Humberto P. História de Florianópolis Ilustrada. Florianópolis: Editora Insular, 2004.
27
GOULARTI FILHO, Alcides. Formação econômica de Santa Catarina. Florianópolis: Editora da UFSC,
2007. p. 294.
28
Ibdem p. 294-295.
29
Ibdem.
22
receptividade e movimentação de grupos de rock em Florianópolis do que em sua cidade
natal. Destes jovens, muitos, como o Ratones, participam do que chamarei Mundo 48,
baseando-me no prefixo telefônico adotado pela TELESC para a Grande Florianópolis e
parte da região Sul. Contudo, alguns dos jovens vinham de outras cidades não 48, como os
membros do grupo Expresso Rural. Todavia, mesmo com integrantes oriundos de outras
cidades como Lages e Curitibanos, quando formam a banda já eram moradores da capital,
pois seus pais aqui trabalhavam, além de, em entrevistas, colocarem-se sempre como uma
banda de Florianópolis30.
A ligação entre o interior do estado com o litoral ainda estava precária. Foi durante
a década estudada que a BR-282, “no trecho Lages-Florianópolis teve a sinuosa pista
31
asfáltica quase totalmente estendida” . Percebe-se, então, os anos 1980 com uma maior
ligação entre as regiões catarinenses, porém, as bandas formam-se durante esta ligação,
com o contato inter-regiões muito precário ainda.
O termo mundo 48 servia, e ainda serve, para os músicos se diferenciarem de outros
lugares, podendo até mesmo ser usado de maneira pejorativa, para um “sacanear” o outro.
Segundo Rafael Weis, jornalista em Itajaí e muito ligado ao cenário musical, ocorre uma
maior ligação entre os músicos de cada região, por isso a denominação. Rafael Weis é dono
do domínio Mundo47 (http://www.mundo47.com/), site sobre música criada em Santa
Catarina, especialmente do Vale do Itajaí.
Na década estudada, ocorreu um novo movimento semelhante em todo o Brasil,
uma nova onda musical apareceu por várias cidades e em Florianópolis não foi diferente32.
Mas foi uma onda que teve diferenças em cada lugar em que surgiu. No Rio de Janeiro, o
teatro e músicas mais alegres prevaleceram, enquanto em São Paulo o peso e a
simplicidade do punk foram influentes. Engenheiros do Hawaii representa Porto Alegre
com maiores experimentações nos arranjos. Não quero generalizar, uma vez que mesmo
nestas cidades ocorreram variações intensas e algumas bandas assemelhavam-se mais a
outro estado que ao seu próprio. Todavia, há uma percepção musical própria em cada
localidade.
30
No segundo capítulo abordarei a música “Nossos Corações”, nesta o compositor lageano Daniel Lucena
apresenta sua saudade à terra natal.
31
LINS, Hoyêdo de Gouvêa. A Ação Governamental. IN.: A Realidade Catarinense no século XX.
Florianópolis.: Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, 2000. p.243
32
PERRONE, Airton. Entrevista concedida ao autor ao autor dia 24 de setembro de 2008
23
As bandas surgidas no mundo 48, durante a década de 1980 também têm
características próprias, sonoridades, letras e influências diferentes de outros lugares do
país. Alguns aspectos vão formar suas especificidades. A maior parte das cidades, ou as
mais influentes, são formadas pelo litoral propício para a prática do surf, com vários
torneios nacionais e internacionais sediados no mundo 48 desde a década de 1970. Nesta
região está localizada a capital do estado. Há muitos servidores públicos residindo na
Grande Florianópolis, assim como há um comércio mais intenso em relação às outras
cidades catarinenses, deixando-a cada vez mais cosmopolita. Se junta a isto a Universidade
Federal de Santa Catarina, cria-se uma ligação intensa entre todo o mundo 48. Outras
regiões de Santa Catarina geralmente buscam necessidades cosmopolitas em outros
estados, como o mundo 47, no Vale do Itajaí, muito mais ligadas à Curitiba, tendo grande
influência musical desta cidade, como o grupo Bandeira Federal, com levada punk, ou as
bandas H2O e Atrito, letras mais urbanas e pegada mais levada ao mod, próprios de
Curitiba até os dias de hoje. Ou no oeste, mundo 49, a levada bem rural e gauchesca, como
o cantor Beto Mondadori, com o uso intenso de violão e acordeão.
Portanto, uso o termo 48 para identificar o território33 de atuação das bandas aqui
analisadas. A já citada Ratones é um bom exemplo desta idéia de territorialidade, pois não
se sentiam de Tubarão ou de Florianópolis. Nas reportagens e entrevistas, demonstram
dificuldade em estabelecer a cidade natal da banda, mas deixam claro pertencer ao mundo
48. Assim como as bandas 47, Vale do Itajaí e região que divulgavam seu trabalho apenas
nas cidades próximas, ocorriam trocas, porém acontecia mais intensamente entre os
integrantes do mundo 48.
Quando o grupo RBS inaugura suas emissoras em Santa Catarina, no ano de 1979,
é considerada uma grande mídia, com grande prestígio e divulgação já conquistados no Rio
Grande do Sul. Em Blumenau, é instalada a TV Coligadas e, em Florianópolis, a RBS TV -
Florianópolis, esta com abrangência também no Sul do Estado. Basicamente, em todo o
“mundo 48”, era a RBS a maior mídia televisiva e impressa (O jornal Diário Catarinense,
do grupo RBS é fundado em 1986).34 Maurício Lima, em sua dissertação de mestrado em
33
O termo “território” está aqui sendo usado para especificar um espaço de atuação e identificação das
bandas analisadas, mais especificamente com a idéia do sociólogo Stuart Hall, sendo território o
sentimento de pertencimento a uma comunidade específica ligada à relação de indivíduo e nação. HALL,
Stuart. Da Diáspora. Belo Horizonte: Editora UFMG. 2006.
34
LIMA, Maurício Andrade de. Proposta De Um Placar De Performance Para A Indústria De Comunicação
24
Engenharia de Produção, destaca a comunicação televisiva em Santa Catarina, pós-1979,
como marcante para sua profissionalização, com a entrada de novas tecnologias, maior
alcance e fazendo parte do dia-a-dia dos catarinenses35. A televisão como meio propagador
de uma cultura de massa é de extrema importância para entendermos o crescimento destas
36
bandas. Afinal, há o apelo visual nas músicas também. A RBS foi uma grande
divulgadora nos telejornais e especiais de TV, com a utilização do videoclipe das bandas
em Santa Catarina, tema que será tratado no próximo capítulo.
Na década de 1970, quando os jovens (aqui estudados) ainda estavam em formação,
ocorriam festivais com o intuito de divulgar os problemas sociais, políticos e culturais do
Brasil. Além de outros festivais, com conotações diferentes, baseados nos divulgados pela
grande mídia, alguns eram puramente propaganda do governo. Objetivavam apresentar
novos compositores mais ligados à moral e aos bons costumes ditos pelos militares. Outros
eram criados dentro dos muros de escolas com este ideal político, para demonstrar a escola
como realizadora de eventos ligados à música, tanto a MPB como o nascente rock. Estes
festivais eram um bom modo de divulgarem os trabalhos ou conseguir levantar fundos para
novos empreendimentos musicais e compra de novos aparelhos, já que se havia muita
dificuldade em encontrar instrumentos de qualidade na capital catarinense, sendo que estes
vinham de São Paulo ou da Argentina37. Em Santa Catarina, ocorreram vários destes
festivais. Todavia, gostaria de destacar alguns com objetivos diferentes da divulgação ou
das competições. Direcionando para um público jovem, principalmente ligado ao
movimento rock, sexo livre e uso de drogas de forma alucinógena (ou sexo, drogas e
rock´n´roll), porém sem a conotação diretamente ligada a política ditatorial ou anti-
ditadura. Dos maiores festivais, tivemos o Camburock em 197738 E o Palhostock de
25
197439. Os dois festivais tinham como idéia principal propagar as mudanças culturais, ou
contra-culturais, que estavam acontecendo pelo mundo. O segundo, no mundo 48,
diretamente ligado com o festival de Woodstock dos anos 1960: busca pela paz, maior
aceitação do uso de drogas e do amor livre.
A cultura jovem no Brasil do período estudado, também se ligava ao surf. Na mídia,
este esporte era divulgado com uma cultura por trás, aparecendo filmes, como O Menino
do Rio, de 1981, com roteiro de André di Biasi, também ator principal e direção de Antonio
Calmon. Este filme retrata a vida de Valente, porém, “o filme abandonava os chavões de
conflito entre pais e filhos e abria espaço para jovens se refletirem como tais” 40. Apesar de
retratar o Rio de Janeiro, um dos personagens principais, Pepeu, é um órfão vindo de
Florianópolis, demonstrando a ligação entre Florianópolis e Rio de Janeiro nesta
identificação entre os jovens, porém, ressalto que é o catarinense que vai pro Rio. Em
1984, o mesmo Antonio Calmon dirige a continuação, agora intitulada Garota Dourada,
filmada em Garopaba, no litoral 48, trazendo como protagonistas os mesmos personagens
do filme anterior.
Nesta década, também surgem séries como Armação Ilimitada, na Rede Globo,
voltada para o segmento jovem. Porém, estas séries só conseguiram o sucesso alcançado
porque no Brasil a cultura jovem / surf inseria-se em seu cotidiano. No Rio de Janeiro e em
Santa Catarina, estados conhecidos pelo seu litoral propicio ao surf, não foi diferente.
Tendo praias com boas ondas para o esporte, alguns surfistas do Rio de Janeiro vieram
conhecer nosso litoral e, já em 1976, acontece o primeiro campeonato de surf na Joaquina.
Em 1980, é fundada a Associação Catarinense de Surf (ACS) passando a denominar-se
Federação Catarinense de Surf (FECASURF) em 1987, demonstrando a organização e
fortalecimento dos jovens para este esporte ainda durante a década de 1980.
39
O Estado 21 de outubro de 1984. p. 53. reportagem de Cacau Menezes fazendo uma retrospectiva dos dez
anos do Palhostock.
40
BRYAN, Guilherme. Quem Tem Um Sonho Não Dança: Cultura Jovem Brasileira nos Anos 80. São Paulo:
Ed. Record, 2004. P. 38.
41
Segundo o grupo Expresso Rural em entrevista concedida ao autor dia 22 de outubro de 2007.
26
Engenho, em 1980, uma big band da capital, com uma busca de brasilidade. No caso do
Engenho, apesar de começar com levada rock42, misturaram ritmos mais regionais com
aspectos da música catarinense local, com acordeão, triângulo em ritmo mais rápido, com
temas ditos de cultura açoriana43, como o engenho, a rendeira, o pescador, ou o carro-de-
44
boi (canção 01) . Foram, inclusive, homenageados no encarte por Franklin Cascaes,
conhecido estudioso sobre cultura e folclore em Florianópolis: “Caros jovens, o vosso
trabalho artístico deve continuar com entusiasmo e perseverança, falando todos os
componentes do grupo o mesmo tom de voz, para que haja confiança mútua e duradoura
anos afora”45. No mesmo disco, mas na capa, o grupo também homenageia Franklin
Cascaes: “‘Engenho’ é dedicado ao grande artista que despertou gerações para o amor a
46
terra: Franklin Cascaes” . Todos integrantes do Engenho eram universitários e as
contestações contra-ditadura fizeram parte de seu repertório, como a canção “Nó Cego”
(canção 02), analisada por Marco Antonio Ferreira de Souza em sua monografia de
conclusão da graduação:
Nó Cego47
42
Aqui, a levada rock segue os padrões analisados pela antropóloga Tatyana de Alencar Jacques em sua
dissertação de mestrado: “A estrutura de uma música de rock compreende as partes: melodia
instrumental, verso, refrão e solo; organizadas de inúmeras formas, como: introdução instrumental / verso
/ verso / refrão / solo / verso / refrão / finalização. No entanto, estas partes não são fixas.” In.: JACQUES,
Tatyana A. Comunidade Rock em Florianópolis - uma etnografia sobre socialidade e concepções
musicais. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Dissertação de mestrado.
Departamento de Antropologia. 2007. p. 101. No segundo capítulo analisarei melhor as estruturas das
músicas aqui citadas.
43
De cultura açoriana, uso os aspectos caracterizados pela “criação” destas características descritas por Maria
Bernadete Ramos Flores In.: FLORES, Maria Bernardete Ramos. A farra do boi: palavras, sentidos,
ficções. Florianópolis: Ed.da UFSC, 1997.
44
Ao abordar canções que acho relevante para o bom entendimento do trabalho, estarão identificadas
conforme sua posição nos CD´s que anexo neste trabalho. Em razão da quantidade de músicas, estão em
formato MP3.
45
Capa do disco : Engenho do Grupo Engenho. Florianópolis: Engenho Produções e Gravações LTDA. 1981
46
Encarte do disco : Engenho do Grupo Engenho. Florianópolis: Engenho Produções e Gravações LTDA.
1981.
47
ALISON. Nó Cego. In.:Vou Bota Meu Boi Na Rua. Engenho Produções, 1980.
27
Pra tocá meu violão
Faca com ponta, espingarda e baioneta
Eu nunca vi jeito mais duro de falar de opinião...
28
Segundo Fábio F. Feltrin de Souza, estas bandas possuem semelhanças com a idéia
do punk: do-it-your-self ou “faça você mesmo”, fazendo assim suas músicas sem a
preocupação estética das grandes gravadoras ou da imprensa.49 Por todo o Brasil há o
surgimento destas bandas que a grande imprensa vai descobrir um grande filão para venda
de novos músicos, sem ficar presa à MPB.50
Diferente da busca de uma sonorização regional, construída como uma
característica de nossa terra do Grupo Engenho, as bandas estudadas neste trabalho
preferiram características consideradas jovens51.
1.2.1. Melhor maneira de viver é viver, viver, viver52 – Grupo Expresso Rural
Dentre as várias bandas estudadas, três se destacaram no cenário 48, sobretudo pelo
número de discos gravados, aparecimento na mídia, quantidade de shows ou recursos
conseguidos. São elas, a Expresso Rural (depois apenas Expresso), Ratones
(posteriormente Tubarão) e Decalco Mania.
A Expresso Rural nasce dentro dos festivais em 1981, com Zeca Petry e Daniel
Lucena se encontrando e trocando idéias nestes eventos, um apreciando o trabalho do
outro. Zeca, de Floripa, e Daniel, de Lages, sendo que o último convida seu amigo também
de Lages, Marcos Ghiorzi, que estava aprendendo a tocar bateria em latas velhas, para
compor o grupo53. Convidam Volnei Varaschin de Curitibanos para tocar baixo, mas como
preferia ficar com o violão, convidam Paulo Back, da capital, para o baixo. Para completar,
Beto Mondadori54, também de Lages, músico já reconhecido em Florianópolis, tocava
48
SOUZA, Marco Antonio Ferreira de. Os sons da Ilha: a cultura local na produção musical do Grupo En-
genho, Florianópolis 1979-1984. Trabalho de Conclusão de Curso em história. Departamento de História.
Florianópolis: CFH-UFSC, 2007.
49
SOUZA, Fábio F. F. de. Op. Cit. Pág 18
50
Alexandre, Ricardo Dias de Luta: O Rock e o Brasil dos anos 80. São Paulo: DBA, 2002.
51
No terceiro capítulo analisarei melhor o termo jovem e suas construções nos anos de 1980, mas, cabe aqui
destacar a idéia de descompromisso ligado diretamente à política oficial e maior preocupações com
problemas interiores, como garotas, carro, futuro. Em termos musicais, friso a idéia do novo, de buscar
novidades e experimentações.
52
Trecho da música: Dança Molhada de Daniel Lucena. Certos amigos, Grupo Expresso, produção
independente. 1985.
53
Citado por Zeca Petry em show no dia 30 de outubro de 2008 no Centro Integrado de Cultura (CIC) em
Florianópolis.
54
Músico lageano que logo após sair do grupo grava um disco solo Naturais Inventos com sua principal
música de sucesso Suco de Imaginação.
29
teclados, sendo posteriormente substituído por Márcio Corrêa. Todavia, antes da música
uni-los, já havia uma sociabilidade entre eles,
55
Segundo Volnei Varaschim em entrevista a mim respondida em minha página de recados do Orkut, dia: 23
de setembro de 2007.
56
Sobre o disco e os shows da coletânea O Som da Gente, o jornalista Cacau Menezes divulga em mídias
como o jornal O Estado e, o programa Jornal do Almoço da RBS TV, divulgam o Expresso Rural como o
herdeiro do Engenho, dando a entender que aquele disco “passará a coroa” para o novo grupo. (O Estado,
03/07/84, p. 19)
57
Sobre as diferentes sonoridades de rock e, principalmente sobre análises mais detalhadas das músicas,
30
Folder do primeiro show individual no TAC, desenhado pelo baixista da banda Paulo Back.
Retirado do site: www.expressorural.com.br. Acessado em 07 de julho de 2008
31
estilo rural é mais ligado ao interior, uma vez que pessoas do meio rural se identificam com
o estilo. Mas no grupo, o chamado roqueiro, com guitarras elétricas é Volnei Varaschin, de
Curitibanos, cidade mais ligada à pecuária e agricultura, e o artista mais folk é Petry, da
capital, como dito pelos mesmos em seu site.59:
32
F Em
E caso fosse a falta de melodia
F Em
O galope me daria um compasso natural
F Em
Minha viola certamente me traria
F D
Acordes de cantoria lá do fundo do quintal.
G C
se você fosse de encontro do fim do dia
D G
No pôr-do-sol me veria correndo de pés no chão
G C
Com a mente presa na liberdade do campo
D G
Me sentindo mais comigo do que só na multidão.
F Em
Voando leve no meio da ventania
F Em
A brisa corta de harmonia as folhas do milharal
F Em
Criando um folk bem no centro da cidade
F D
Como um postal esquecido entre as folhas de um jornal.
G C D G C D G
Wo wo - ha ha ha . Wo wo - ha ha ha62
62
Decidi colocar cifradas as canções dos discos Nas Manhãs do Sul do Mundo e Certos Amigos pelo fato de
estarem desta maneira no encarte para quem quiser tocar a harmonia da música. Em respeito à vontade da
banda faço o mesmo neste trabalho.
33
por 4, de forma rápida como os movimentos urbanos. E acabar com o: “Wo wo - ha ha ha .
Wo wo - ha ha ha”, lembrando o grito com um cavalo é típico do rural.
O primeiro disco marcou muito a banda, principalmente pelo nome Expresso Rural,
pois havia uma exigência, por parte da mídia, para parecerem realmente rurais. O nome,
segundo os músicos63, vem de um sonho que Zeca teve em que a banda estava toda reunida
e este nome estava escrito no bumbo de Marcos. Mas o primeiro show da banda para o
lançamento do disco em Floripa, no CIC, dia 06 de abril de 1984, recebe críticas negativas
do colunista Cacau Meneses, no jornal O Estado, principalmente sobre as roupas coloridas,
mais new wave que rural e falhas sucessivas no som, com Daniel tendo que pedir desculpas
para o público.64
63
O Estado 06 de abril de 1984, p. 22.
64
O Estado 10 de abril de 1984, p. 17.
34
teclados, no Expresso Rural. Estes três que já tinham discos gravados na praça.65
Durante os shows de divulgação do disco, a banda sofre sua primeira grande
mudança. Um dos fundadores e incentivadores da banda, Zeca Petry, sai. A saída de Zeca
não foi bem esclarecida pelos músicos, nem pelos meios de comunicação que divulgavam a
mudança e as brigas judiciais pela posse do nome Expresso Rural entre Zeca e os outros
integrantes. Na briga, sem explicação66, separaram-se da banda Zeca Petry e Paulo Back. É
importante destacar que anteriormente à separação, o ex-baixista do Grupo Engenho,
Marcelo Muniz, havia sido contratado pelo Expresso Rural. Dificilmente uma banda usa
dois baixos juntos, pois é um instrumento que apenas dá a base, como a bateria, não é
muito usado como instrumento harmônico como uma guitarra solo ou violão. Durante os
shows, a banda se apresentava como os ex-integrantes do Expresso Rural. Sem muitas
explicações à imprensa, Paulo Back volta a assumir o baixo da banda. Modificam o nome
para Expresso, pois além de não precisarem mais brigar pelo uso do Rural, demonstrava a
mudança de sonoridade, agora se voltando mais para o som urbano. Ao questionado sobre a
briga, Paulo Back acredita ter sido uma disputa de egos, coisa de guri, entre Petry e Lucena.
A jornalista Ligia Gastaldi também ressalta esta idéia, lembrando das entrevistas dadas ao
jornalista Cacau Menezes, no Jornal do Almoço exibido pela RBS TV: “era até engraçado,
um xingava o outro”67. Paulo também analisa os ânimos com o retorno do grupo e diz que
hoje já nem tocam no assunto, como se existisse um arrependimento e a vontade é de
simplesmente esquecerem.
O Expresso, em seu segundo disco, Certos Amigos, de 1985, apresentou uma levada
mais new wave, deixando um pouco os dedilhados em violão, o banjo, a importância das
cordas do primeiro disco de levadas mais rurais, para os teclados e acordes simples. Isso é
demonstrado na abertura da primeira e homônima canção do disco e no refrão, ressaltando
todo o conjunto de instrumentos, com o vocal bem nítido e acentuado, contendo até mesmo
um pá-pá-rá-rá-rá, para o público cantar junto.
As músicas passam a ter uma levada mais urbana, aparelhos mais eletrificados, uso
65
O Estado 30 de junho de 1984, p. 23.
66
O principal jornalista a divulgar a briga foi Cacau Menezes em sua coluna do jornal O Estado, que teve a
postura de não divulgar os motivos, por consideração à banda ou para criar polêmica e curiosidade, mas
mesmo quando perguntados sobre a separação em entrevista dia 22 de outubro de 2007, o grupo
desconversou e mudou de assunto, discutindo mais sobre as mudanças musicais que esta saída trouxe.
67
Entrevista concedida ao autor dia 05 de janeiro de 2009.
35
de sintetizadores, vocal menos entonativo, mais simples e as letras trazendo as dificuldades
de ser um jovem em um centro urbano, não falando de natureza ou a saudade da vida no
campo, apesar de ainda ter canções com este tema no disco como Bom dia dia e Dança
Molhada. O tema da solidão, da falta de uma companheira, ou daquele amor verdadeiro é o
principal, porém o espaço retratado é a cidade, como na música A Mel por Hora.
A Mel Por Hora68 (canção 05)
D Bm Em A7
Você tá me botando louco e eu já estou a mel por hora
D Bm Em A7
Eu quero de tudo um pouco e tudo isso agora
Bm G
Te encontrar posso dizer
Bm E7 A7/5M
Foi lembrar de um velho sonho: Anos 60.
D Bm Em A7
Um toque, rum com Coca-Cola, mais um Rock na vitrola
D Bm Em A7
Teu beijo com gosto de Crush, me seduz e me consola
Bm G
Te encontrar posso dizer
Bm E7 A7/5M
Foi saber de um novo sonho: Anos 60.
O estilo new wave tem características ligadas ao punk. Porém, a simplicidade punk
na criação das músicas não tenta demonstrar os problemas do subúrbio ou as
desigualdades, é mais alegre e dançante, assim como as letras new wave englobam mais os
problemas pessoais ao invés dos sociais. Os integrantes de grupos new wave usam roupas
mais coloridas, são mais ligados ao mundo urbano, não se preocupando com idéias de
ecologia ou vida no campo como o rock rural. No show de lançamento do primeiro disco, a
banda aparece com cabelos pintados e roupas coloridas. Na mesma semana iriam gravar
um especial para a RBS TV, em um sítio, com todas as músicas do Nas Manhãs do Sul do
Mundo em forma de clipe. Nas gravações ficaram com roupas rurais e cabelos com mechas
coloridas, pois não saiu tão fácil como acreditavam69 A escolha deste visual para
apresentarem seu LP, ressalta o que estava acontecendo com a banda desde seu início. Nas
fotos de divulgação do primeiro e do segundo disco, é nítida a mudança. Na primeira foto,
68
LUCENA, Daniel & VARASCHIN, Volnei. A Mel Por Hora. In.: Expresso – Certos Amigos.
Florianópolis: RBS DISCOS. 1985. Lado B, música 01.
69
Informações obtidas com Paulo Back em entrevista concedida ao autor dia 16 de setembro de 2008.
36
tirada preta e branca, o cenário é uma fazenda. Eles usam botas, espingardas, chapéus e
bigodes, enquanto na segunda, estão em cima de um carro, com roupas de cores berrantes,
bem à vontade e descontraídos:
Do rural para o new wave do grupo Expresso. Reparem no uso de cores e efeitos na segunda foto,
cortes de cabelo e a falta dos bigodes e chapéus. Fotos retiradas do site: www.expressorural.com.br.
Acesso em 07 de julho de 2008
Em 1986, o grupo sofre mais uma perda. O outro fundador do grupo, Daniel
Lucena, deixa a banda para tentar carreira solo. O conjunto tenta contornar a saída de seu
vocalista e frontman70 com Volnei e Paulo dividindo os vocais. Anterior a este período,
Daniel, Beto Mondadori e Ricardo Pilatti fundam uma produtora, a Jacaré Produções, com
o símbolo criado por Paulo Back. Tem como principal e único disco a coletânea Crime
Perfeito, com vários músicos ilhéus gravando suas próprias composições para uma maior
divulgação. Sobre este LP discutirei mais tarde, mas agora é importante destacar a
participação do Expresso neste projeto. Daniel Lucena, além de um dos idealizadores,
grava uma canção no LP de sua autoria, Banho das Seis, junto com seu colega do Expresso
Volnei Varaschim, assim como na canção Crime Perfeito de autoria dos dois, porém aquela
é cantada e tocada por todos os participantes do projeto.
Ao idealizarem o seu terceiro trabalho, os integrantes do Expresso resolvem
contratar um novo vocalista e a escolha recai a Norton Makowiecky, ator e diretor de teatro
com relativa fama na Ilha de Santa Catarina. Mas o disco não sai como o esperado. Com a
inflação aumentando o custo dos estúdios e com o cancelamento de uma reserva feita
oralmente em um estúdio de São Paulo, a banda opta por gravar seu disco no exterior, mais
70
Frontman é o músico que mais se destaca na banda, geralmente é o vocalista e o principal compositor.
37
precisamente em Londres. Usando reservas feitas com dinheiro de shows e com
empréstimos, a banda viaja em 1986 ficando três semanas na ilha dos Beatles. Em seu
retorno para a nossa ilha, trouxeram não apenas a fita com as gravações, mas também
novos instrumentos, difíceis de conseguir no Brasil, graças à Lei de Reserva de Mercado.
Uma guitarra Fender de 196671, um teclado Emax, na verdade mais um emulador de outros
sons e uma bateria eletrônica Simmons SDS7, tornando sua instrumentação de ponta em
relação a instrumentos eletrônicos, também presentes em suas músicas, deixando-as cada
vez mais ligadas ao som eletrônico. Afastam-se ainda mais do rural e, segundo os próprios
músicos, do rock´n´roll tradicional, enquadrando-se mais no tecno-pop, levadas pop com
bastante tecnologia eletrônica72. A canção escolhida para abrir o novo disco, Deixe Como
Está (canção 06) representa bem esta mudança. Tendo o emulador de Márcio como
principal instrumento, dando a harmonia e ajudando na pulsação junto com uma bateria
eletrônica tocada por Marquinhos, guitarra com efeitos deixando-a com o som bem
eletrônico e o contrabaixo praticamente imperceptível.
Há mudanças significativas no Brasil nesta época, pois não conseguia driblar as
dificuldades de uma inflação astronômica, com a falta de incentivo do governo e com a
mídia no país ressaltando o esporte com a Copa do Mundo no México. Além disso, as
casas de shows abriam mais espaços para bandas nacionais e diminuíam para as locais.
Com isso, o grupo não tem como lançar este seu terceiro disco imediatamente após sua
chegada no Brasil. Mas, com a sanção de uma nova lei para incentivar a cultura, a
conhecida Lei Sarney, estimulando empresas privadas a financiar projetos culturais em
troca de diminuição nos impostos, o disco vai para a prensa apenas em 1988. Não como
queriam, pois resolvem dividir disco com outra banda 48 de sucesso por Santa Catarina, a
Tubarão. Cada banda, com um lado do disco, recebeu apoio através da Lei Sarney, do
Grupo Amaury73. Quando lançado o disco, o grupo Tubarão estava com uma nova
formação, com destaque para o guitarrista Murillo Valente. Este, um ex-Decalco Mania,
banda homenageada pelo Expresso em seu segundo disco.
71
Considerada por alguns guitarristas, como David Gilmour e Eric Clapton que usam até os dias de hoje,
como as melhores já fabricadas. In.: A História do Rock´n´Roll. David R. Axelrod. Warner Bros.
Television. 1995.
72
O Estado 09 de abril de 1987, p. 22.
73
Diário Catarinense, Caderno de Variedades. 30 de Junho de 1988, capa.
38
Capa e contra-capa do LP Tubarão/Expresso. Florianópolis:
Expresso Produções, 1988. Arquivo pessoal
74
O próprio nome da banda é referência a uma música dos Beatles.
75
Informações extraídas do site: www.getback.com.br. Visto em: 21 de junho de 2008
76
Apelido dos Beatles, abreviação de fabulous four ou quarteto fabuloso.
39
com Robson Dias viajando na Inglaterra.77
Com a boa receptividade do público nos shows, a banda resolve retornar e, em
1992, gravam seu último trabalho, Romance em Casablanca. Na última parte deste capítulo
abordarei melhor este disco.
Outra banda de grande sucesso no mundo 48 foi a Ratones. Formada pelos irmãos
Paulo e André May e seu amigo Murilo Gelosa (Murilo Verde) em 1977, com o objetivo de
se divertir e poder viver um período tocando rock. Muito influenciado por Rolling Stones, o
grupo já começa sua carreira com composições próprias, a grande maioria em inglês
(canção 08). Em 1983, sai Murilo Gelosa e entra na bateria Beto Chede, outro amigo de
infância dos irmãos May. Esta fica como a principal formação do Ratones. Neste mesmo
ano, lançam um disco homônimo independentemente. Bem reconhecido pelo público, o
grupo faz shows por todo o estado, com boa divulgação na mídia, sendo considerados, pelo
colunista Cacau Menezes, como a melhor banda de rock de Santa Catarina.78
A crueza e simplicidade da banda são estampadas na própria capa. Apenas os três
integrantes com seus instrumentos, em preto e branco, com apenas o nome em azul. Esta
lembra a primeira capa do disco dos Ramones, banda punk de Nova York, onde ficavam os
quatro integrantes em frente de um muro, também em preto e branco.
77
www.expressorural.com.br acesso dia 07 de Julho de 2008.
78
O Estado 05 de Janeiro de 1984, pág. 17
40
Foto da capa do disco dos Ratones com sua
principal formação: Deka May, Juca May e
Beto Chede. Arquivo pessoal.
O Ratones, assim como o Expresso Rural também sofreu grandes mudanças no ano
de 1984. Anteriormente, tocando apenas canções em inglês, pois como conta Juca (Paulo),
guitarrista e vocalista da banda “eu vejo a voz como um elemento rítmico, e o português,
cheio de consoantes, torna difícil o swing dentro do rock. O inglês permite aglutinações
79
que facilitam a integração do vocal aos demais instrumentos” . Neste ano, o Ratones, é
convidado para vários shows na capital catarinense, como no projeto Lonazul80 e o II
Festival de Abertura do Verão. Sobre as mudanças, suas canções passam a ser em
português.
Por estas mudanças, a banda foi convidada pela RCA para gravar um disco pau-de-
sebo81 Rock In Brazil, no ano de 1984, junto com bandas já reconhecidas nacionalmente,
79
Na página do MySpace da banda:
http://profile.myspace.com/index.cfm?fuseaction=user.viewprofile&friendid=138712944. 20 de abril de
2008.
80
Durante os verões de 82 / 83 e 83 / 84, foi montado palco encoberto por uma Lona Azul, na Lagoa da
Conceição, para shows de bandas catarinenses, espetáculos de teatro, grupos de dança, com o intuito de
incentivar a arte catarinense, segundo um de seus produtores, Ney Piacenti. Infelizmente não teve o
público esperado, não tendo uma terceira edição. Entre os grupos musicais que se apresentaram, ressalto o
Ratones, Grupo Engenho, Moçambique e Banda de Nêutrons que serão analisadas neste trabalho. No
capítulo III abordarei melhor este evento. In.: O Estado, 15 de fevereiro de 1984.
81
“Na primeira metade da década de 1980 era muito raro uma banda ser lançada no mercado direto com um
LP. Ou as bandas gravavam compactos, um disco com duas canções, ou tinham uma canção inserida junto
com a de outras bandas. Uma espécie de coletânea das bandas novas. Isso era o pau-de-sebo”. SOUZA,
Fábio Feltrin de . op.cit. p. 19.
41
como Herva Doce, Lobão e os Ronaldos, João Penca, entre outros. A canção escolhida
para este disco foi História de Amor (canção 09), que chega ao segundo lugar das mais
pedidas em São Paulo. A música possui características ligadas ao Ska, ritmo caribenho, a
guitarra tem palhetadas ascendentes mais fortes e o contrabaixo com a célula rítmica de
semínima, pausa e colcheia, semelhante às músicas caribenhas. Grupos pós-punk buscavam
estes ritmos em suas composições, como o grupo inglês The Clash ou o carioca Paralamas
do Sucesso. A letra enfoca as relações entre o casal, e o território escolhido é a praia,
ambiente ligado aos jovens nos anos de 1980.
História de Amor82
De repente
Tudo fica tão real
Eu não consigo controlar meu sonho
Você me deixa fora do normal
Eu pensei que tudo fosse tão real
De repente fora do caminho
Você foi embora e me deixou sozinho
Oh é só mais uma história de amor
82
MAY, Juca & MAY, Deca. História de Amor. In.: Rock In Brazil. Rio de Janeiro: RCA, 1984.
83
Na página do MySpace da banda:
http://profile.myspace.com/index.cfm?fuseaction=user.viewprofile&friendid=138712944. visto em 20 de
42
Rock in Brazil. Rio de Janeiro: RCA, 1986. Arquivo
pessoal.
Sobre este projeto, o vocalista e guitarrista da banda, Juca May relata as mudanças
ocorridas na banda em favor do que a gravadora procurava e a receptividade do novo som
do grupo:
Aí, tivemos que fazer algumas concessões" - conta Juca - "Primeiro, e era óbvio
para nós, passamos as letras para o português. Também atenuamos um pouco a
nossa sonoridade. O que era "Hard Rock" adquiriu nuances mais leves, prá poder
rodar nas FMs... nada muito dramático, até porque nunca fomos radicais, mas a
sugestão da gravadora de trocar o nome da banda para "Tubarão" foi até legal,
porque realmente houve uma mudança no som. Nós apostamos em "Feitiço",
mas fizemos "História de Amor", um "ska" lento em versão pop, quase infantil,
exclusivamente para chamar a atenção da RCA. E eles caíram na nossa!84
abril de 2008.
84
Na página do MySpace da banda:
http://profile.myspace.com/index.cfm?fuseaction=user.viewprofile&friendid=138712944. visto em 20 de
abril de 2008.
43
a identificação global.85
Sem acreditar ainda totalmente na banda, a RCA usa outro artifício comum quando
ainda era o LP, feito de vinil e de cara fabricação: o compacto. Um pequeno disco com
apenas duas canções, uma de cada lado. Gravam uma versão em português da canção She
Doesn´t Care (canção 10) da época do Ratones, agora intitulada Só dá você (canção 11) e
do outro lado Baby apareça, em 1985. O grupo demonstra uma preocupação no grande
público, não apenas o de Santa Catarina, não realizando um trabalho independente, como
no Ratones, mas buscam uma major para sua produção e maior divulgação. Ao
modificarem o estilo e o nome da banda, o grupo também sente necessidade de novos
integrantes, para guitarra base e vocal, pois Juca tinha intenção de dedicar-se mais a
guitarra solo. Desta maneira, são convidados Ida para a guitarra base e Guido Boabaid nos
vocais86. Esta formação permanece por pouco tempo, ao gravarem as músicas para um LP,
85
Stuart Hall apresenta estas classificações como global e local, sobre estas articulações, destacam-se “Ao
invés de pensar no global como ‘substituindo’ o local seria mais acurado pensar numa nova articulação
entre ‘global’ e ‘ o local’.”. in.: HALL, Stuart. A Identidade Cultural na pós-modernidade. Rio de
Janeiro: DP&A editora. 2004. p.77.
86
Tubarão também faz seu lançamento. In.:O Estado, 2º Caderno. 08 de novembro de 1985.
44
Juca, Deca e Beto voltam a formarem apenas um power trio87.
Depois deste disco, em 1988, o conjunto faz novas mudanças em seus
componentes, passa a tocar guitarra Murillo Valente, ex-Decalco Mania e Carlos Trilha,
ex-Tiamats, nos teclados. Gravam as músicas para seu primeiro LP solo. Porém, há os
problemas na economia brasileira atrapalhando seus planos, assim como prejudicaram o
terceiro disco do Expresso. O resultado foi um disco conjunto com o Expresso. Este disco
serviu para a divulgação da banda no cenário catarinense, as outras músicas ficaram para
seu segundo disco desta vez com dois lados seus.
O segundo disco da banda recebe grande apoio da rede midiática de Santa Catarina.
O disco segue os padrões musicais do Tubarão e o Ratones passa a ser só uma lembrança
de seu início. Suas letras refletiram os problemas dos jovens de seu período, como o uso de
drogas na canção Pó (só mais uma vez) com a letra: “mais uma vez / mais uma / só mais
uma / outra vez / só mais uma / por que ele não vai parar / ele não vai parar / e quando ele
quiser / não vai dar”.88 Outros temas são: AIDS, com Black Suzete ou a intelectualização
das relações com Sexo Intelectual.
Fazendo grande sucesso, resolvem contratar um novo vocalista, pois Paulo queria
dedicar-se apenas na guitarra. A escolha fica com Maurício Cavalheiro, ex-Expresso do
tempo sem Daniel Lucena. Com este novo vocalista, gravam Perdidos no Deserto, seu
último trabalho89. Este disco trabalharei melhor no final deste capítulo.
A terceira grande banda do mundo 48 nos anos 1980 que, mesmo não gravando LP
próprio, conseguiu um bom espaço de divulgação de seu trabalho, foi a Decalco Mania.
Com o sucesso da banda Blitz do Rio de Janeiro, vários grupos de estilo New Wave90
87
È conhecido em rock o termo power trio, é usual para grupos de apenas três componentes e apenas guitarra,
contrabaixo e bateria, sendo que o guitarrista ou o baixista também faz o vocal.
88
Pó (só mais uma vez) In.: MAY, Paulo e MAY, André. TUBARÃO. Tubarão. Florianópolis: BMG Ariola.
1989. Faixa 1, lado A.
89
Na página do MySpace da banda:
http://profile.myspace.com/index.cfm?fuseaction=user.viewprofile&friendid=138712944. 20 de abril de
2008.
90
O New Wave foi um movimento musical caracterizado pelo pós-punk, músicas com a simplicidade do punk
mas sem a agressividade, com roupas bem coloridas e espalhafatosas, teve como seu principal expoente a
banda estadunidense B-52´s, com ritmos mais dançantes e considerados os divulgadores das roupas
45
aparecem em todo o cenário musical brasileiro. A Decalco foi formada em 1984 por Iram
Melo (vocal), Murillo Valente (guitarra, solo), Airton Perrone (guitarra base), Ivan Ratcliff
(contrabaixo), Kaw Régis (teclado), e Murilo Verde, ex-Ratones, (Bateria). Consideravam-
se Tecnopop, “uma fusão de técnica-melódica do beat – impacto da new wave – com o
kitch.” 91. Assim como a banda carioca Blitz92, seus integrantes eram ligados ao teatro antes
de montarem o grupo. Desta maneira, seus shows tinham aspectos cênicos, como
preocupação com o cenário e interpretações corporais das músicas apresentadas. Entre
estas interpretações, o comentarista Cacau Menezes, do jornal “O Estado”, relata: “Mas
pelo amor de Deus, tem um momento do show simplesmente ridículo e inaceitável.
Airtinho, o guitarrista da banda aproxima-se do microfone e com uma voz feminina mal
imitada e desafinada, começa a bater um papo com o locutor de FM, (...)” 93
Apesar de sua principal característica ser New Wave, os integrantes tinham suas
diferenças musicais e foram estas individualidades que fizeram do Decalco uma banda
diferente das demais. Murilo Verde tem maior destaque nestas diferenças. Seu modo de
tocar bateria é muito mais ligado a um som mais pesado, ligado ao Heavy Metal, incluindo
na música Será Verdade? (canção 12) um solo de bateria de quase um minuto, lembrando o
coloridas, principalmente com o uso de perucas espalhafatosas, lembrando penteados dos anos 1950.
91
O Estado 14 de setembro de 1984, página 24.
92
Primeira banda a lançar um álbum e a fazer sucesso nos anos de 1980. Totalmente influenciada pela new
wave, tinha roupas coloridas, canções dançantes e bem-humoras. Além disso, misturavam teatro em seus
shows. Seu vocalista era Evandro Mesquita era ator, diretor e cantor. In: DAPIEVE: op. cit., p. 59. Apud: SOUZA,
Fábio F. F. op. cit.p. 47.
93
O Estado 26 de setembro de 1984, página 21.
46
solo de John Bonham da banda inglesa Led Zeppelin na música Moby Dick.94 A ligação
com o metal era tão marcante, fazendo o baterista tocar na Cogumelus Rock e Vanaheim,
bandas mais ligadas a este sub-gênero do rock.
Antes mesmo de seu primeiro show a banda já era sucesso. Conseguem divulgação
de um videoclipe seu, Aeroforça, na RBS-TV. Quando acontece sua primeira apresentação,
no colégio Barddal, já são sucesso de público, lotando o ginásio destinado à performance
da banda.
A Decalco Mania foi uma banda de grande sucesso em Florianópolis, participando
de vários projetos e sendo muito elogiada pelo colunista Cacau Menezes95. Dos festivais
que participou e recebeu elogios96, ressalto o II Festival de Abertura do Verão e o Antena 1
Rock Concert97, os dois festivais dividindo o palco com bandas locais e nacionais.
Entretanto, as dificuldades de gravarem um LP em Santa Catarina eram muitas,
principalmente pela falta de patrocínio e incentivo do governo estadual à cultura98. Deste
modo, partem para o Rio de Janeiro para uma temporada de shows. Mesmo com bom
público, não conseguem o apoio esperado e retornam para Santa Catarina.99
Sua viagem para o Rio de Janeiro foi proveitosa se pensarmos no conhecimento
adquirido e pelos contatos que fizeram. O primeiro show foi no legendário Circo Voador
abrindo para a banda local Barão Vermelho, esta divulgando seu segundo disco, Maior
Abandonado, ainda com Cazuza nos vocais. Murillo Valente lembra os elogios deste
cantor: “Quando acabamos o show, o Cazuza veio nos cumprimentar. Falou que tinha ido
para perto do palco para falar mal, mas acabou gostando do show” 100. A ligação da banda
carioca com a ilhéu foi tão grande que depois da briga de separação de Cazuza com os
outros integrantes, Roberto Frejat, guitarrista do Barão, ligou para Iran Melo assumir o
94
BONHAM, John; JONES, J.P. & PAGE, Jimmy. Moby Dick. In.: Led Zeppelin II. Atlantic Music. 1969.
95
Nos anos de 1980, o colunista Cacau Menezes divulgava bandas catarinenses em suas colunas nos jornais
impressos O Estado e após 1986 no Diário Catarinense e, no Jornal do Almoço, programa transmitido ao
meio dia na RBS - TV. Para os músicos, a opinião do jornalista era importante, pois aparecer em uma de
suas colunas era um bom modo de divulgar seu trabalho.
96
O Estado 24 e 27 de dezembro de 1984, capa.
97
O Estado 27 de setembro de 1985, 2º Caderno, capa.
98
Ao analisar jornais locais no ano de 1985 e entrevistar alguns músicos, como Paulo Back, constato queda
no número de shows de bandas locais e crescimento em shows nacionais. Acredito que a alta divulgação
da mídia do festival Rock in Rio no Rio de Janeiro em janeiro do mesmo ano, possa influenciar as casas
de shows e o governo do estado em apoiar a vinda de bandas já reconhecidas pelo público e não querer
arriscar em bandas locais.
99
Informações extraídas do site: www.getback.com.br. Acessado dia 07 de julho de 2008.
100
Entrevista concedida ao autor dia 15 de setembro de 2008.
47
lugar do antigo vocalista. Iran acaba não aceitando.101
Após o retorno da banda por não conseguir se mantiver fora de Santa Catarina,
alguns integrantes abandonam a Decalco. Ivan Ratcliff deixa o Baixo e Murilo Verde a
bateria. Robson Dias, conhecido de outros integrantes é convidado para assumir as cordas
graves, inclusive já tocando com Murillo Valente na banda Moçambique102, e Masquinhas
Loureiro assume as baquetas. Com esta formação gravam, na coletânea Crime Perfeito, a
única música do Decalco produzida para um LP, Oras Bolas. Interessante destacar que
apesar da escolha, os entrevistados Murillo Valente e Airton Perrone da Decalco e Paulo
Back do Expresso, acharam uma música sem a cara do Decalco, gravada como um último
suspiro, mas sem identidade.
As garotas enlouqueceram
Me dizendo pelo telefone
O que só faço na cama
101
Informações obtidas em entrevista com Murillo Valente dia 15 de setembro de 2008.
102
Informações extraídas do site: www.getback.com.br. Acessado dia 07 de julho de 2008.
103
PERRONE, Airton & Melo, Iran. Oras Bolas. In.: Crime Perfeito. Florianópolis: Jacaré Produções. 1986.
Lado dois música 02.
48
Oras essa sei que é bom à beça
Oras bolas depende da hora
O uso de termos ligados ao ato sexual é usual nesta canção. Além destes termos, o
autor coloca-se como um gênio no assunto, querendo demonstrar a sua prática sexual. A
“masculinidade” do rapaz que é bom nisso, com outros pedindo conselho, os rapazes estão
pirando / me perguntando qual é a posição / que dá mais satisfação. Airton Perrone
ressalta a arrogância dos músicos em cantarem frases tão atrevidas, comparando com o
próprio nome da banda Decalco Mania, Decalco para lembrar cromos auto-colantes
antigos e Mania como se já fossem sucesso, uma nova “mania” em Florianópolis.104 Estas
diferenças, para Perrone, foram o fator decisivo para o fim da banda.
Em 1986, logo após o disco, a banda se desfaz. Airton Perrone e Kaw Regis
continuam, durante a década estudada, trabalhando com música, tentando solos ou novas
bandas. Murillo Valente entra na banda Tubarão após a transformação desta. Iran Melo
passa a participar como apresentador no Jornal do Almoço na RBS-TV. Murilo Verde entra
em bandas mais pesadas, como já comentado.
Além do Tubarão, a banda Olho D´Água também cria um compacto para apresentar
seu trabalho, mas não com uma gravadora por trás ou pensando em divulgação nacional.
Seu compacto é feito de forma independente, com os músicos bancando metade da
produção e dos shows de divulgação. A outra metade paga pelo bar Vagão, local onde
muitos dos músicos tocavam.105 A formação do grupo é a seguinte: Renato Botelho e
Silênio, violão e voz; Luiz Meira, guitarra; Masquinha Loureiro, bateria; Jorge Athaide,
104
Informações obtidas através de entrevista concedida ao autor no dia 17 de setembro de 2008.
105
O Estado 27 de agosto de 1985, p. 17.
49
contrabaixo; Nicolau, teclado; e Joel Brito, sax tenor.106
A formação começa no festival promovido pelo Colégio Catarinense, em 1979, com
Renato Botelho e Silênio vencendo a competição e resolvendo montar um grupo para tocar
profissionalmente. A coletânea de músicos catarinenses, O Som da Gente do grupo RBS,
trouxe uma música de Botelho, Olho d´Água107, título que deu origem ao grupo. Esta
música tem aspectos mais regionalistas, com violão em dedilhado, flauta, baixo apenas
acompanhando o violão e mais percussão à bateria. O conjunto só toma força em 1984,
com a entrada dos outros integrantes para a participação do Projeto Desterro, um festival de
música catarinense promovido pelo governo do estado.108 Em 1986, participa da coletânea
Crime Perfeito com a música Viver e viver.109 (canção 14)
Esta banda representa o movimento das bandas locais, porém podiam não conseguir
a mesma divulgação e sucesso como o Expresso, Tubarão ou Decalco Mania. Nem mesmo
gravaram um LP próprio, mas através de lugares como bares, produções independentes e
com uma ajuda da mídia, como o jornal O Estado, conseguiam divulgar seu trabalho. Não
viver apenas de música, mas se divertir enquanto a banda está progredindo.
A coletânea Crime Perfeito apresentou várias bandas da capital de Santa Catarina,
no entanto, muitas não foram além deste LP, outras tiveram mudanças após o disco como o
caso da banda Alta Voltagem. Na coletânea, escolheram a canção Coluna Social (canção
15), que abre o LP, com teclados apenas como base e com solos de guitarra, com uma
levada pop, mas tentando diferenciar-se do New Wave. Posteriormente, em 1986, a banda
termina suas atividades. Porém, em 1987, três de seus integrantes, Marcelo Passos
(guitarra), Marco Alexandre (baixo, e agora vocal) e Rodrigo Schaeffer (bateria) juntam-se
com o tecladista Carlos Trilha, que tocava com Daniel Lucena em sua carreira solo, e
formam o Tiamats, uma banda que dava mais espaço para os teclados e mais ligada ao
Tecno-pop110. A banda dura pouco mais de um ano, participando de alguns festivais como o
2º Rock Paraíso sediado em Lontras111
106
O Estado 29 de agosto de 1985, p. 15.
107
BOTELHO, Renato e ROSA, Gladis. Olho D´Água. In.: Som da Gente – A música de Santa Catarina.
Florianópolis: RBS Discos. 1984. Lado A música 03.
108
O Estado 15 de novembro de 1984, p. 23.
109
BOTELHO, Renato. Viver e viver. In.: Crime Perfeito. Florianópolis: Jacaré Produções. 1986, faixa 03
lado B.
110
Diário catarinense, Caderno de Variedade, 21 de maio de 1987, p. 07.
111
Diário catarinense, Caderno de Variedade, Capa. 30 de outubro de 1987.
50
O Mundo 48 é muito maior que apenas a Grande Florianópolis. Cidades como
Laguna também tiveram sua banda representante, com disco gravado e sucesso na região
estudada. No caso, falo da banda Ave de Rapina, formada por João Rodrigues, no vocal;
Eduardo Paes, na bateria; Gero Perito, violão e vocal; Samir Abraão, contrabaixo; Jair
Foss, teclados e Marcelo Carneiro, guitarra solo. Diferente das demais, a Ave de Rapina
começa seu trabalho no mundo 47, participando dos Festivais Universitários da Canção,
FUC, em Blumenau, vencendo em 1985, com a música Um Lindo Blue e, em 1987,
classifica duas músicas, Girassóis da Rússia e Própria Luz. No ano de 1986, fica em
segundo lugar com seu maior sucesso, Sons, Baladas e Blues112. Em 1988, grava seu LP,
com as três últimas músicas participantes dos festivais, Sons, Baladas e Blues abre o disco
e Própria Luz batiza o mesmo.113 Como os títulos das músicas sugerem, a base melódica
da banda é o Blues e o Jazz, estilos que serviram de base ao rock, porém é do filho rebelde
destes dois que o grupo cria suas melodias.
Diferentemente de outros conjuntos contemporâneos e conterrâneos, a preocupação
com a letra ressalta preocupações existenciais, mesmo ao escolherem o tema de busca da
cara metade “já tomei teu caminho /mas não pude andar / entre pedras e espinhos / negra
rosa / onde fostes brotar” 114. Com influência de um blues carregado de sofrimento, no qual
a melancolia vem da mulher bela e venenosa, a negra rosa. No encarte, os músicos já
posicionam o ouvinte sobre suas canções: “Ave de Rapina, aves que atacam! Assim este
grupo ataca com uma nova proposta, levando a simples arte de fazer poesia com música em
mensagem harmoniosa e sentimental, usando o blues e o jazz como base fundamental de
115
suas músicas, já que ambos são a essência do rock” . A música de trabalho da banda
também ressalta a melancolia, com apenas a música podendo desfazer o sofrimento.
112
Comunidade Ave de Rapina ((a banda)), no site de relacionamentos Orkut. 27 de outubro de 2008.
113
Ave de Rapina – Própria Luz. Produção independente. 1988.
114
RODRIGUES Jr., João. Negra Rosa. In.: Ave de Rapina – Própria Luz. Produção independente. 1988.
Música 04 lado A.
115
Ave de Rapina – Própria Luz. Produção independente. 1988.
116 116
RODRIGUES Jr., João. Sons, Baladas e Blues. In.: Ave de Rapina – Própria Luz. Produção
independente. 1988. Música 01 lado A.
51
Imagens de dois corpos nus
Na tela da televisão
A cor, sem cor de um sol desbotado
Poemas rasgados no chão
Olhos cansados, chorados.
117
Tarjeta é um termo usado em histórias em quadrinhos para definir o espaço entre um quadrinho e outro. O
que acontece entre os dois desenhos é apenas fruto de imaginação do leitor, tendo que preencher o espaço
deixado pelo artista. Uso este termo pois acredito que muitos compositores usam este artifício em suas
canções, a música dá o tom do que possa estar acontecem, mas não fica explícito na letra.
118
Diário Catarinense. Caderno de Variedades. 04 de maio de 1988, capa.
52
técnicos de gravação Juca May e Murillo Valente do grupo Tubarão. Faço esta descrição
para percebermos estas trocas entre as cidades 48. O repertório deste EP119, Otário
apresenta músicas sobre motocicletas como Longe da moto ou alcoolismo como a faixa-
título Otário e Abraçado num Garrafão. Esta última usa o garrafão de vinho como símbolo
da bebedeira do jovem, uma vez que Urussanga é conhecida como uma cidade de formação
italiana, possui a Festa do Vinho, portanto o refrão “eu ontem acordei abraçado num
garrafão / minha mãe dizia: O que há com sua geração”120. O Garrafão demonstrando a
tradição vinícola da cidade, porém usado de forma a contrariar a geração anterior a sua.
A banda presa pelo power trio, guitarra, baixo e bateria com um dos músicos
também no vocal. Com apenas três instrumentos, todos eles são bem destacados, distorções
e algumas sujeiras. Juntando com os arranjos de baixo e bateria, demonstram uma levada
forte no blues, mas com um pouco mais de peso como as bandas underground.
Mas nem só de new wave viveu o rock 48. Alguns jovens também buscavam em
sons considerados mais pesados, suas inspirações. Exemplos são as bandas Asa de
Morcego, Burn, Corrente Sangüínea, Cogumelus Rock (posteriormente Vanahein) ou
Camisa de Força. Sons mais pesados, no rock, representam mais distorções nas guitarras
solo, baixo e bateria bem ritmada, com força nos graves. Diferente das tonalidades mais
leves, mais agudas, com grande destaque para os vocais, sem distorções e com a caixa mais
usada que o bumbo das outras bandas, classificadas como pop rock122. Inclusive, o repórter
do jornal O Estado que divulga o show da banda, relata um comentário de Victor Celso,
baixista da Burn: “rock´n´roll mesmo, porque não admite o que estão fazendo, ou tentando
fazer com o rock. A comercialização e as músicas que a cada dia invadem os meios de
comunicação são farsas de um consumismo que não agrada” 123.
119
A sigla EP é usada para discos que ainda não têem muitas músicas, média de dez, mas também não é um
compacto com apenas duas músicas. No caso do EP estudado, são quatro músicas.
120
GERA. Abraçado Num Garrafão. In.: Bandalheia – Otário. Florianópolis: Estúdio 156, 1988. Lado A
música 02.
121
Nome da turnê de shows do Asa de Morcego em 1984. (O Estado: 08 de setembro de 1984).
122
ROSA, Pablo O. Rock Underground - Uma etnografia do rock alternativo. São Paulo: Radical Livros,
2007.
123
O Estado 27 de Junho de 1984, p. 28.
53
Estas bandas são compostas, geralmente, por cabeludos que muitas vezes são
considerados drogados ou marginais apenas pela aparência. Na verdade, usam esta
aparência para chocar, mais para demonstrar a violência que o mundo está passando, não
para apresentarem-se como violentos ou fazendo do rock uma música violenta. Como nesta
citação de Márcio Silva do grupo Burn:
“A violência também não tem pátria (...) Ela acontece em todo lugar. Você sai na
rua e é agredido, injustiçado e alugado. Resolvemos, ao invés de andar por aí
agitando,canalizar toda essa agressão para algo mais prestativo e que de alguma
forma ajude os jovens a se compreenderem melhor.”124.
Esta idéia de identificação está bem presente com os discursos do grupo em suas
entrevistas, para explicar suas escolhas musicais, principalmente ao focalizarem a idéia do
jovem urbano. Segundo Hobsbawm, o rock é uma cultura urbana e retrata os problemas
juvenis urbanos, principalmente contrariando a vida de campo que outras gerações tanto
enfatizam. Os meios de comunicação também auxiliam nesta divulgação na idéia de
urbanização do rock, assim como os meios de comunicação ficam cada vez mais
massificados com o crescimento das grandes cidades em detrimento das áreas rurais.125
Nos anos 80, eram poucas as oportunidades de gravação que existiam. Era comum a
confecção de demotapes126, ou a divulgação por shows, sem gravar um disco ou singles ou
com divulgação e distribuição de uma gravadora. “Elas (bandas hoje de circuito nacional)
contaram com um público fiel que comparecia a shows em várias cidades e disputava a
127
compra de suas demotapes por reembolso postal” . Desta forma, percebemos que a
produção musical inicia-se pelas tribos. Estas procuram, de alguma forma, acompanhar e
ter um material sobre sua banda. Com esta divulgação, as rádios acabam percebendo a
movimentação e acabam colocando em sua programação.
Em Florianópolis, a banda Burn, com a música Nuvens Negras, que apesar de não
ter sido gravada em LP ou single, alcançou o primeiro lugar na rádio Atlântida FM128. Esta
canção, apesar de ser de um rock mais pesado, com grandes solos de guitarra, próprios do
124
O Estado 04 de fevereiro de 1984, p. 23.
125
PUTERMAN, Paulo. Indústria Cultural: a agonia de um conceito. SP: Editora Perspectiva, 1994. p.103
126
Gravações caseiras em fita cassete com qualidade bem inferior ao estúdio e produtor.
127
BRANDINI, Valéria. Cenários do Rock – Mercado, produção e tendências no Brasil. São Paulo: Olho
d´Água, 2004. p. 47.
128
http://www.bigua.com.br/modules.php?name=Encyclopedia&op=content&tid=48. 09 de outubro de 2006
54
subgênero Heavy Metal, tinha letra mais pacifista, até mesmo religiosa, diferente dos
satanismos presentes na maioria das bandas deste estilo, alcançando um grupo recém
formado de headbangers129 de Florianópolis.
Parte desta letra demonstra também uma das grandes preocupações do grupo
referentes a uma possível guerra nuclear e o desmatamento irrestrito da natureza. Outras
canções também seguem o mesmo padrão, com as mesmas idéias como Ruínas Atômicas
ou Mundo Cruel, que serão analisadas posteriormente.
Tanto a Burn, como as outras bandas de rock pesado131, não gravaram discos na
década estudada, mas lotavam muitos shows e suas músicas tocavam em rádios. Victor
Celso, baixista da Burn, quando questionado sobre a gravação de um disco, comenta que
“O nosso negócio é show mesmo, no palco a coisa é mais autêntica, só queremos gravar
132
um disco após um trabalho de base” . No documentário Heavy Metal, várias bandas
como a Korn, Black Sabbath, Twisted Sisters, comentam da importância do show para as
bandas de metal, dando maior importância que a gravação de discos133.
129
O termo headbanger, um sinônimo de metaleiro, faz menção à forma de expressão corporal - ou “dança” -
típica do heavy metal.
130
SILVA, Márcio. Nuvens Negras. Gravação Independente. 1984. Arquivo pessoal de Márcio Silva.
131
O peso aqui caracterizado por estas bandas é a interação dos instrumentos, bateria, contrabaixo e guitarra
de forma a tocarem mais grave, não necessariamente alto, mas com a guitarra distorcida, com uma levada
de riffs, com poucos acordes e, geralmente com a afinação meio tom abaixo do padrão (D#, B, C#, F#,
A#, D#), afinação criada por Tony Iommi do Black Sabbath. Baixo e bumbo juntos, sendo quase um
instrumento, dando a pulsação da música uma certa lentidão. In.: Heavy Metal: Louder Than Life. Dir.
Dick Carruthers. Focus Music.
132
O Estado 19 de Julho de 1984. p. 24
55
Grupo Burn. Detalhe de reportagem sobre o show do grupo em
Blumenau. Jornal O Estado 02 de fevereiro de 1984.
(...)
Não não quero...ver o nosso planeta se acabar
Vão chorar..
Quando houver somente as cinzas
Hiroxima...não serviu nem servirá
Como exemplo...de uma nova guerra nuclear
(...)
133
Heavy Metal: Louder Than Life. Op. cit.
134
SILVA, Márcio, Op. cit.
135
SILVA, Márcio. Ruínas Atômicas. Acervo pessoal de Márcio Silva. 1984.
56
importância nos shows para o visual agressivo. Com cabelos compridos, jeans e couro,
havia uma equipe apenas encarregada para a iluminação do palco. No show, deveriam dar o
máximo possível para seu público, pois sabiam que os metaleiros eram fiéis, mas deveriam
respeitar o que esperavam. Além disso, também havia a potência dos amplificadores,
tentando sempre o som mais alto, para assim agravar ainda mais o “peso” do metal.136
Críticas à sociedade em geral são temas deste estilo de rock, alguns com relações
satânicas. No mundo 48, não ocorreram estas citações diretas, como citado sobre a Burn,
poderiam até mesmo falar em Jesus Cristo como um salvador. Outras como a Camisa de
Força não critica diretamente a religião, criticam a fé desenfreada e a instituição.
Morte
Morte aos papas
Aos homens dementes
À sociedade presente
Queimando corpos
A inverdade do Inferno
Cabe ao homem escolher
Necessitamos fazer o mal perecer
Desmascarar o poder
A humanidade
Um dia vai se flagrar
Com esse sim acabar
Morte
Morte aos papas
Aos homens dementes
À sociedade presente
Queimando corpos
A inverdade do Inferno
Cabe ao homem escolher
Necessitamos fazer o mal perecer
136
O Estado 02 de fevereiro de 1984, p. 17.
137
PIZARRO, Marcos; PIZARRO, Christian; SBISSA, Pedro Paulo. Espectros Humanos. In.: Projeto Ilha.
São José: Estúdio Mix. 1985. Lado A, Música 04.
57
Desmascarar o poder
A humanidade
Um dia vai se flagrar
138
O Estado 08 de março de 1985, p.20.
139
O Estado 11 de janeiro de 1985, p. 24.
140
“Em 1984, o Cacau Menezes nos entrevistou na televisão. Os telespectadores ligaram depois para criticá-
lo por deixar ‘drogados’ participarem de um programa de televisão, como se ‘cabeludos’ fossem
automaticamente ‘drogados’”. In.:
http://www.bigua.com.br/modules.php?name=Encyclopedia&op=content&tid=48 acessado em 09 de
outubro de 2006.
58
em Garopaba.
Apesar destas bandas não concordarem com o estilo de outras, declarando que
apenas eles tocavam o “verdadeiro” rock´n´roll, o conjunto Vanaheim faz uma participação
no disco Crime Perfeito, com bandas ligadas ao New Wave. O Vanaheim foi a segunda
banda de Bruno Sala, conhecido como Medieval, por seu interesse pelo tema.
Anteriormente, existia a Cogumelus Rock. Os integrantes da banda eram: Mauro Hubbe
(baixista), Cláudio Hubbe (guitarra, irmão de Mauro), Medieval (vocal) e Rodd (Bateria).
Os irmãos Hubbe eram de Tubarão, também 48. Porém, quando fundam a banda em 1980,
já moravam em Florianópolis há quatro anos. A vontade era de tocar rock pesado. Segundo
Medieval, em 1978, quando assistiu ao filme The song remains the Same da banda inglesa
Led Zeppelin no cine Cecontur, decidiu que viveria de música. Outro fato que Bruno
lembra como marcante, foi uma apresentação do Ratones em Florianópolis, verificando a
possibilidade de viver de rock na ilha. Percebemos assim, a identificação da música na
comunidade emocional dos conjuntos formados no mundo 48 na década de 1980, mesmo
com estilos diferentes, o Led Zeppelin e o Ratones são as ligações feitas por Bruno Sala
que o levam a montar a Cogumelus Rock e posteriormente, a Vanaheim. A mudança foi
causada pela idéia do chá de cogumelo que o primeiro nome passava. Afinal, era esse
mesmo o interesse e Vanaheim é um dos territórios do mundo fictício de Conan, um
personagem de quadrinhos ambientado em fantasia medieval.142
141
http://profile.myspace.com/index.cfm?fuseaction=user.viewProfile&friendID=347856378
142
Informações obtidas do site: www.portalbigua.com.br. Acessado dia 97 de julho de 2008.
143
Título do último disco do Tubarão de 1991.
59
“Fantástico” têm como convidados as bandas que participaram nos festivais ou outras que
tocavam na rádio e já faziam sucesso.
Com problemas na economia brasileira, não solucionados com os planos
econômicos de José Sarney, como os Planos Cruzado e Cruzado II e o plano Bresser, as
gravações dos discos tiveram que ser adiadas ou, como fez o Expresso e o Tubarão,
gravação em conjunto. Segundo Paulo Back144 do Expresso, o Plano Cruzado aumentou
muito o preço das gravadoras, desta forma o Expresso, uma banda com o nome
consolidado no estado, resolve gravar seu terceiro LP em Londres, uma vez que seu custo
seria reduzido. Mas nem todas as bandas conseguiram isto. A grande maioria que ainda não
havia gravado, como a Decalco Mania145, ou só compacto como a Olho D´Água, perdem
espaço para as bandas filiadas as grandes gravadoras. Não podendo mais atuar de forma
independente, as bandas são desfeitas e alguns músicos migram para outras bandas, como é
o caso de Murillo Valente, da Decalco Mania, que passa para o Tubarão. Importante
ressaltar a existência da chamada Lei Sarney (lei nº7. 505/86) que incentivava as empresas
a investirem na cultura e abaterem em impostos. No caso do disco em questão, o Consórcio
Amauri apoiou o projeto, já que eram duas bandas de renome estadual, mas principalmente
dentro do mundo 48, área de atuação da empresa.
Outras grandes mudanças ocorrem nesta virada de década e início dos anos de
1990. Há, neste período, as primeiras eleições diretas após o período militar, trazendo
euforia, com vários partidos querendo lançar seu candidato. O candidato Fernando Collor
de Melo vence e torna-se o presidente, renunciando dois anos depois de eleito por medo de
ser cassado. O processo de impeachment do presidente teve grande repercussão nacional.
Inúmeros jovens fazendo passeatas para a saída do presidente, conhecidos como
movimento cara-pintada.146 No plano econômico, não encontram soluções para a inflação,
chegando a trancar a poupança dos brasileiros, deixando a classe média em uma pequena
crise financeira.
Todavia, é neste período que é popularizado um novo formato para a gravação de
144
Entrevista para o Circuito Meio Dia - RCE – 1991. No site:
http://www.youtube.com/watch?v=k6zqjGvfTgU&eurl=http://www.getback.com.br/EXPRESSO/Mp3link
s/1991%20Circuito%20Meio%20Dia.htm no dia 26 de março de 2008.
145
Informação de Murillo Valente em entrevista concedida em minha página de recados do Orkut, dia: 20 de
setembro de 2007
146
Este movimento recebe esta denominação pelos jornais, pois os jovens saíam com o rosto pintado com
dizeres “fora Collor” ou apenas pinturas verde-amarelas semelhantes às pinturas indígenas.
60
som, o cd ou Compact Disc. Feito para durar eternamente, armazena mais músicas que o
tradicional vinil, não necessitando mudanças de lado e de gravação mais barata que o
modelo anterior. Apesar desta novidade, apenas o grupo Expresso usa este formato em
Santa Catarina durante o período estudado. Porém, nos lares catarinenses e nas lojas já
estavam alcançando espaço e ocupando o lugar do “bolachão”.147
A falta de perspectiva foi marcante até o final da década de 1980 e início da década
de 1990. O grupo Expresso, em 1991, fez uma turnê para relembrar sucessos, pois a banda
havia diminuído o ritmo de shows. Estes shows foram marcados pelo disco Vivo gravado
no CIC, primeiro disco ao vivo, segundo os jornalistas locais.
O Vivo, além de ser comemorativo, também foi aproveitado para o retorno da
banda. Não proposital, os integrantes resolveram se unir apenas para a comemoração.
Convidaram alguns músicos, re-arrajaram as músicas, backing vocals femininos, por
exemplo, e tentaram a sorte novamente. Este retorno da banda também marca a volta de
Daniel Lucena nos vocais, faltando apenas dos originais, Paulo Back, que estava em
Londres e Zeca Petry, este iria tocar, mas por alguns erros no posicionamento do palco,
acaba não participando.148
Estes shows fizeram a banda retornar às atividades. Reestruturam-se com a volta de
Daniel Lucena, já que desde a saída de Norton Malkovieck e a entrada de Maurício
Cavalheiro no grupo, haviam perdido um pouco o caminho que estavam trilhando.
Mauricio foi um bom vocalista, conseguiu fazer grandes levadas e contribuiu muito neste
período do Expresso. Mas, quem fora para Londres gravar havia sido Norton. Maurício
teve que aprender as músicas às pressas e assumir o lugar de frontman de uma banda com
sucesso, músicas tocadas na rádio.149. Maurício também participa do show de gravação dos
10 anos, no entanto, é Daniel o principal vocalista e, quando resolvem retornar e
transformar em disco o show, Maurício não fica como parte da banda.
Após os shows de divulgação do disco Vivo, resolvem voltar para os estúdios,
compor músicas novas e regravar antigas canções. Gravam seu último disco, este também
em CD, Romance em Casablanca em 1993, com o clipe da canção Ilha da Solidão
divulgado pela RBS TV. O disco demonstra um pouco a idéia de retorno, pois muitas das
147
Apelido dado ao LP, pois é muito maior que o cd.
148
Informações obtidas com Paulo Back em entrevista concedida ao autor dia 16 de setembro de 2008.
149
Ibdem.
61
músicas são do tempo do primeiro disco, já tocadas e aprovadas em shows, como Nova
Estação, Aquela Menina, e Além do Porto, mas só agora gravadas. A canção Banho das
Seis, de Daniel Lucena, anteriormente gravada na coletânea Crime Perfeito e principal
música do disco, também faz parte do repertório de Romance em Casablanca.
No ano de 1991, o Tubarão grava seu último LP, Perdidos no Deserto cujo título,
segundo Juca May, era “uma alusão à falta de perspectiva musical da época”.150 As grandes
mudanças no grupo foram a contratação de Maurício Cavalheiro, ex-Expresso e que já
havia tocado com Murillo Valente em shows só com voz e violão, e a saída de Carlos
Trilha, que mudara para o Rio de Janeiro151. As mudanças ocorreram não apenas pela troca
de músicos, mas pelo estilo das principais canções. Há, realmente, uma percepção de “fora
do rumo” como o título do disco sugere. Mantiveram algumas letras com teor
contestatório, voltado para um público jovem e masculino, como nos primeiros LP´s,
150
Na página do MySpace da banda:
http://profile.myspace.com/index.cfm?fuseaction=user.viewprofile&friendid=138712944. visto em 20 de
abril de 2008.
151
No Rio de Janeiro, Trilha passa a trabalhar como produtor além de tecladista. Consegue grande sucesso,
tocando com Leo Jaime e fazendo parte da banda de apoio da Legião Urbana, inclusive produz o segundo
disco solo de Renato Russo, Equilíbrio Distante, todo cantado em italiano de 1995.
62
porém as canções de trabalho eram baladas voltadas para um público feminino, com refrão
do tipo: “tudo na vida é um sonho / tudo que a gente sonhou / tudo na vida é um sonho /
tudo o que a gente deixou”152 cantado com backing vocal, lentamente, semelhante a
cantores considerados de pop romântico, como Fábio Júnior ou o grupo Roupa Nova.
Mudanças são características do movimento rock. Ao analisarmos dos seus
primórdios aos dias atuais, percebemos negações, retornos e inovações. Influenciados pela
mídia ou por movimentos juvenis, porém sempre com o intuito de ser ouvido por um
público. Maffesoli aborda esta idéia de renovações, até mesmo na denominação da pedra
que rola. Além de ser uma gíria dos negros plantadores de algodão, nos Estados Unidos,
para o ato sexual, pode ser tomada como a idéia de movimento.
Esse “nomadismo espiritual”: “I’m a wandering spirit” (Mick Jagger) pode ser
considerado, por mais de um motivo, o símbolo de um mundo em gestação.
Ainda que pouco competente em matéria musical, eu diria que tal idéia obsedante
certamente não deixa de ter conseqüências na estruturação do imaginário pós-
moderno. De fato, antes de ser teorizado, este, como todo mito fundador, é
cantado, testado e, seguramente, vivido em comum. A repercussão que possa ter
a temática da “pedra que rola” não está, de modo algum, limitada ao domínio da
psicologia individual.153
A década de 1990 iniciou-se com a disseminação desta onda pop romântica que o
Tubarão abraçou. É desta onda que surge a Stryx, única banda catarinense a conseguir um
bom espaço nacional, com disco gravado por uma grande produtora e divulgação na maior
rede de televisão brasileira, a Rede Globo. Stryx era formada por Marco, voz; Andrey,
guitarra e violão; Moacir, teclado; Rodrigo, baixo e Emerson, bateria. Porém foi uma banda
fabricada pela mídia, para durar pouco, mas obtendo bons lucros. A cientista social Márcia
Tosta Dias, cita uma passagem de Marcos Maynard em que o produtor demonstra bem a
visão empresarial sobre estas bandas:
são artistas que existem porque nós pensamos em formar um grupo para um
momento de mercado. Num momento determinado, não tem nada acontecendo
no mercado e você precisa sustentar os artistas de seu cast. (...). O projeto de
marketing é para um determinado período [no caso dos grupos infanto-juvenis],
152
MAY, Paulo e André. Tudo na Vida é um Sonho. In.: Perdidos no Deserto. Florianópolis: RGE. 1991,
música 01 lado B.
153
MAFFESOLI, Michel. Op. Cit. p. 34.
63
até que os caras cresçam. (...) O disco tem que se vender pelo fenômeno que
representa, com artistas que você possa “fabricar” e um repertório comercial. O
Dominó foi criado na esteira do Menudo, com uma produção mais pop, mais
voltada para o rock (...). Mas é claro que isso é aplicável apenas aos produtos que
a companhia tem 100% de poder de decisão, o que não se aplica a uma Simone
ou a um Milton Nascimeto. Aí existe um diálogo: nesse caso a companhia
viabiliza as idéias desses artistas.154
154
Apud: DIAS, Márcia Tosta. Os Donos da Voz – Indústria fonográfica brasileira e mundialização da cultura.
2ª edição. São Paulo: Boitempo, 2008. p. 83-84.
155
Informações obtidas em entrevista concedida ao autor por Marco Audino. Dia 05 de fevereiro de 2009.
156
Novela dirigida por Cecil Thiré, Lucas Bueno e Fred Confalonieri, exibida às 21:30 pela Rede Globo.
Teve horário diferenciado, era transmitida depois da novela principal entre 15 de outubro de 1990 e 29 de
março de 1991. [dados retirados no site wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Araponga_(telenovela)]
visto em 06 de dezembro de 2008.
157
LEÃO, Ricardo e CHICRI, Victor. Estou de volta. In: ARAPONGA. Rio de Janeiro: Som Livre, 1990.
Lado A música 06.
158
Todos estes programas foram gravados e por mim assistidos. Arquivo pessoal de Marco Audino.
64
Produções159.
A letra da canção “Nu de corpo e alma” demonstra bem o apelo passional existente
no grupo.
Eu quero ficar nu
De corpo e alma nu
Eu quero ficar nu
De corpo e alma nu
Pra você
Passa o tempo
E o que se faz bem
É a vontade de te ver
Tão inocente assim
Esse jeito de me olhar
Eu quero ficar nu
De corpo e alma nu
Eu quero ficar nu
De corpo e alma nu
Pra você
159
Diário Catarinense. Caderno de Variedades. 01 de Março de 1991. p.03.
160
LEÃO, Ricardo e CHICRI, Victor. Nu de Corpo e Alma. In.: STRYX. Rio de Janeiro: Sony Music
Entertainment. 1991. Lado A música 02.
65
a sensualidade da nudeza, o ritmo também é muito bem construído para este sentimento. O
“Nu” final de cada frase do refrão é estendido assim como acaba o refrão com um “ié, ié”,
cantado suavemente, com pequenos crescentes agudos. O contrabaixo faz o suporte para a
voz, mas a base da música fica com o teclado, instrumento comum neste estilo musical. No
capítulo 3, abordarei melhor esta banda.
Segundo Arthur Dapieve, mesmo bandas de renome nacional estavam com quedas
de vendas e desgaste em shows, muitas modificando sua sonoridade, deixando as músicas
mais ligadas a ritmos regionais.161 Ao analisarmos a história do rock desde os anos de
1950, percebemos a idéia de décadas, com uma década contradizendo a anterior. Esta idéia,
segundo Paul Friedlander, está ligada ao conflito de gerações, pois, como o rock é
identificado como uma música para transgredir a cultura oficial, principalmente dos mais
velhos, da geração anterior, os roqueiros tendem a basear-se nos antigos, mas
transformando em novidades, muitas vezes até mesmo posicionando-se contra o ritmo
anterior. O maior exemplo seria o punk, com sua simplicidade, três acordes e músicas de
um ou dois minutos, contra o virtuosismo do rock progressivo, transformando os shows de
rock em verdadeiros concertos.162
Não quero aqui declarar o fim do estilo ou das bandas, porém algo ocorreu e
161
DAPIEVE, Arthur. Brock – O rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995. p. 196.
162
FRIEDLANDER, Paul. Rock and Roll – Uma história social. 2ª edição; tradução: A. Costa. Rio de
66
modificou-se o cenário musical do mundo 48. Vários fatores diminuíram as atividades dos
conjuntos aqui estudados, como o aparecimento do compact disc, novas tecnologias,
maiores eventos com bandas nacionais e internacionais. Além disso, surgiram novas bandas
com identificações diferentes, destas cito como exemplo o Dazaranha, precursor de um
movimento conhecido como manébeat, músicas ligadas ao regionalismo ilhéu, mas com
características pop / rock. Esta pode ser ressaltada como uma das características das novas
bandas surgidas nos anos de 1990, segundo o jornalista Washington Olivetto, “a mesma
rapaziada que nos anos 80 imaginava, ingenuamente, que, para ser pop, antenado e
sintonizado com o mundo, era imprescindível se fingir de anglo-saxão, percebeu,
espertamente, que podia ser mais pop, antenada e sintonizada com o mundo se assumindo
brasileira.” 163 São inúmeros os exemplos sobre esta nova forma de se fazer rock no Brasil,
Nação Zumbi, misturando o frevo, Raimundos com seu forró rock, Carlinhos Brown, ou
Skank, buscando influências na cultura mineira.
Antes do surgimento do Dazaranha, o mundo 48 já estava modificando seu estilo
de tocar. Bandas surgidas na virada das décadas de 1980 / 1990 demonstravam influência
por sons mais leves, falando sobre a Ilha, seus costumes e localidades, não a Ilha da
Solidão, como cantava o Expresso. A banda Stigma, de Criciúma, pode servir como
exemplo com sua música Ilha do Desterro.164
Ilha do desterro
Terra da gente
Todo dia um vento diferente
Mas cada vento tem uma praia
Em cada praia um desejo ardente
Beleza-menino
Foi feita pra saciar
Pra provocar a vontade de viver
67
Num pedaço de ilha cheirando a mato
Que prato morena
Ai! Que prato.
Mesmo sendo uma banda de outra cidade, adotam a Ilha como seu lugar de atuação,
semelhante aos integrantes do grupo Ratones / Tubarão. “Ilha do Desterro / terra da gente”
o início da canção já territorializa o ouvinte, sabendo que não será sobre Criciúma, mas
sobre a capital catarinense. O termo “terra da gente” já posiciona o atuante da música, no
caso, o nós, o grupo, para todos os ouvintes, de forma a se apoderarem dela, “terra da
gente”, não a gente dela. Entretanto, gostaria de ressaltar o nome escolhido para a
Florianópolis, “Ilha do Desterro”. Esta escolha traz para o ouvinte a idéia da cidade
imaculada, anterior à vinda de “estrangeiros”, paulistas ou gaúchos. Também há negação ao
nome atual da cidade Florianópolis, nome muitas vezes criticado pelos moradores locais. O
sentimento de pertencimento e de construção de uma cidade ideal, ligada à natureza, “num
pedaço de ilha cheirando a mato” é evidente. O grupo Expresso, ao cantar sobre a cidade
dois anos depois, na canção Ilha da Solidão, trata de modo diferente, ainda ligado às idéias
de modernidade e crescimento urbano da cidade dos anos 1980, usa o termo “Floripa” não
se manifestando diretamente, contrário ao nome como faz o Stigma, ou mistura de
percussão e guitarra elétrica, ligando o antigo com o moderno, como as bandas de 1990
começavam a fazer.165
Outras bandas se formam nesta virada de década, mantendo ou se assemelhando ao
estilo New Wave ilhéu. Entre estas bandas, destaco a Know How de Florianópolis e a citada
Stigma de Criciúma, estas duas por gravarem LP´s com uma boa vendagem para bandas
locais. A banda florianopolita com um ritmo mais dançante, semelhante às segundas fases
do Expresso e Tubarão, assim como do Decalco Mania, mas também segue alguns padrões
de ruralidade do tempo do Expresso Rural. A Know How era formada por estudantes
universitários, Leandro Marcucci (guitarra e voz) era estudante de Administração; Luciano
Candemil (bateria), estudante de Engenharia Civil; Marcelo Gouvêa (teclados),
Administração e Alessandro Soares (Contrabaixo), estudante de Letras.166 Seu principal hit,
Ilusão, começa com sintetizadores e teclado lembrando piano, para depois entrar bateria e a
165
MARKMAN. Rejane Sá. Musica e Simbolização – Manguebeat: contratcultura em versão cabocla. São
Paulo: Annablume, 2007.
166
LEITE, Pedro. Sucesso é para quem tem Konw How. In.: Diário Catarinense. Caderno de Variedades.
68
gaita para a harmonia. O refrão contesta a vida na cidade, não só pelo ambiente poluído,
como as críticas do Expresso, criticam a vida de simulacros em que a sociedade dos anos
de 1990 vive: “que entre prédios e céus cinzentos / de um lugar chamado cidade / ficam
trancados a sete chaves / ilusão” 167
Além de preocupações ambientais e uma crítica ao progresso, a extrema
valorização do trabalho também é posta à prova nesta nova roupagem do som ilhéu. Na
virada da década estudada, há o retorno da valorização do “manezinho”, ressaltando a
cultura açoriana como a “verdadeira” cultura florianopolitana e de algumas outras cidades
litorâneas de nosso estado, como São José, Laguna e São Francisco do Sul. O ilhéu é visto
como preguiçoso, pouco trabalhador e que só faz para seu sustento168. A banda Stigma
batiza seu disco com a música que trata deste aspecto do homem açoriano, “Maltrapilho”.
Maltrapilho
Desnaturado filho
Em nossa society
Never nunca have light
Pra você
Pé ante pé
Devagarinho
Fundem-se as coisas
Do viver
Ego orgulho
Desaparecem de mansinho
Sai de fininho
Quem não sabe o que é ceder
Vagabundo
Herói do submundo
69
Em nossa society
Never nunca have ligh
Pra você
As duas estrofes da música iniciam-se com as mesmas frases e ritmos “pé ante pé /
devagarinho”, cantadas por Cristina Vianna, com um ritmo mais lento, como se a música
fosse demorar, ou passar a idéia de vagarosidade do “vagabundo”. São estas algumas das
mudanças que percebo nos trabalhos surgidos na nova década. Sonoridade mais rural e
temas que buscam a “açorianidade perdida”, não tão internacionais como as bandas até
aqui analisadas, mudanças do que é ser jovem e nas posturas político-culturais destes.
Porém, ressalto que, apesar de modificarem algumas posturas, permanecem com a mesma
base de grupos como Expresso ou Tubarão, até porque ainda estavam na ativa e, com seus
sucessos, acabavam por influenciar as novas bandas que surgiam.
Há as mudanças nas canções e nos estilos musicais entre as décadas, ressaltada por
Friedlander170. Os estilos permanecendo por uma década e modificando na posterior, assim
como os jovens de 1980, tornando-se adultos com suas responsabilidades, profissões e
famílias na década de 1990, tendo, esta, novos jovens para novas identificações e novas
construções. Isso não ocorre de forma linear ou teleológica, porém novas influências vão
surgindo com algumas bandas modificando seu estilo e dando origem a novas formas de
pensar a arte, agora como inovadora e não mais como imitação.
170
FRIEDLANDER, Paul. Op. cit.
70
Capítulo II – Onde estão os sonhos171
171
Título de música do grupo Tubarão do disco Tubarão/Expresso de 1988.
172
“Não se desenvolveu qualquer sistema de réplica e as transmissões privadas são mantidas na
clandestinidade. Estas se limitam ao mundo excêntrico dos amadores, que, ainda por cima, são
organizados do alto. (...) Os talentos pertencem à indústria muito antes que esta os apresente; ou não se
adaptariam tão prontamente.”ADORNO, T. e HORKHEIMER, M. Indústria Cultural: O Iluminismo
como mistificação de Massas. In.: Luiz Costa Lima (Sel.) Teoria da Cultura de Massa. 7 ed. São Paulo:
Paz e Terra. 2005. p.171
173
Esta música nunca foi gravada em estúdio, apenas era apresentada durante shows, antes e depois da
gravação do primeiro disco do Expresso Rural. A gravação desta música está em fita K7, gravada de um
71
anos de 1980, principalmente no eixo Rio-São Paulo, expressa a visão empresarial:
72
Todas as relações envolvendo os jovens podem ser descritas na canção, tanto nas letras,
como na parte rítmica, expressando de forma artística seus sentimentos. Juarez Dayrell,
baseando-se em Torti considera que:
73
destas identificações. Jeder Silveira Janotti Junior acredita nas redes de comunicação
midiáticas construindo estes territórios. Assim, criam as comunidades sentimentais, através
das informações passadas por estas.178
Internacionalmente, o rock aparece para os jovens a partir da década de 50. Depois
da Segunda Guerra, ocorre uma grande mudança nas relações entre gerações, que podemos
perceber até hoje, oportunizando o clima de surgimento do rock’n´roll. Os jovens, antes
vistos apenas como um estágio entre a infância e a idade adulta, a partir do século passado
são percebidos como uma faixa etária com necessidades e características próprias179. Antes
da primeira Grande Guerra, um rapaz com quatorze anos já estava começando a se tornar
homem. Durante a década de 60 e 70, um garoto com quatorze anos, até mais ou menos,
vinte e cinco, é considerado um jovem, não se preocupando com a vida adulta, podendo ser
irresponsável e preparado para novas experiências. Nesta época, também ocorrem o
surgimento das mortes prematuras de jovens famosos que configuram a idéia do eterno
jovem, como Jimmy Hendrix, Janis Joplin e Jim Morrissom, vivendo intensamente com
experimentações, como as drogas, estas, inclusive, levando-os à morte.
Hobsbawm, a esse respeito, retrata que:
178
Dessa forma, o termo Comunidades de Sentido remete a práticas discursivas que se submetem não só a
uma configuração mundializada dos sentidos, mas também aos aspectos globais investidos em certos
produtos da cultura midiática. A Comunidade de Sentido fornece uma espécie de ‘capital cultural’ para
que a vivência de determinados valores seja partilhada em um nível global, através das mídias
compartilhadas mundialmente.JANOTTI Jr. J. Mídia, Cultura Juvenil E Rock And Roll: Comunidades,
Tribos E Grupamentos Urbanos. Trabalho apresentado no Núcleo de Comunicação e Cultura das
Minorias, XXVI Congresso Anual em Ciência da Comunicação, Belo Horizonte/MG, 02 a 06 de setembro
de 2003. In.: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2003/www/pdf/2003_NP13_janotti.pdf.
Pesquisado dia 17 de abril de 2008.
179
ROSA, Pablo O. Op. Cit. Pp. 28-29.
180
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos – O breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, pp.317-
318.
74
Segundo o autor, este estilo musical está diretamente relacionado aos processos
econômicos de sua época, assim como suas mudanças no decorrer do século
desenvolveram-se inseridos nas mudanças de ordem econômica. O aparecimento do punk,
por exemplo, está ligado ao grande número de desempregados durante os planos de
Thatcher e Regean, no final dos anos 1970 e início de 1980. Para Umberto Eco, a canção
feita seguindo este modelo, “é um produto industrial que não mira a nenhuma intenção de
arte”, mas é “ausente [e] não está a responsabilidade, assumida no momento em que o
autor decidiu produzir música de consumo para o mercado que a procura, e a procura tal
qual é.”181 Stuart Hall também concorda com esta afirmação, “foi a difusão do
consumismo, seja como realidade, seja como sonho, que contribuiu para este efeito de
‘supermercado cultural’”182. Mas Hall não concorda totalmente com esta visão de Eco.
Para ele, a indústria cultural contribuiu, mas não determinou a forma como os jovens tocam
sua canção. Sofrem o processo de codificação / decodificação, com o consumo e a
produção diretamente ligados, um percebendo o outro para seu resultado final, não apenas
a imposição de somente um lado.183
Valéria Brandini acredita que há a idéia dos jovens de viver apenas de música, sem
empregos tradicionais almejados pela maioria dos pais. O que tocar, o modo de tocar e suas
inspirações não são diretamente definidos pelo mercado, pode sim direcionar mais uma
banda, porém sua vertente principal continua tendo escolhas artísticas ou subjetivas.184
Destas inspirações subjetivas, cada integrante tendo suas próprias razões, mas algumas são
as ligações causadoras das comunidades emocionais relacionadas às tribos, como a idéia de
pop star, ser grande, ficar em evidência assim como seus ídolos, idolatrados como Beatles,
considerado um rei como Presley; transgressor como Sex Pistols; intelectual e engajado
como Bob Dylan. Os exemplos podem ser muitos, mas o importante é pensar em como
estes ídolos influenciam o imaginário da juventude.
A identificação do jovem pela música rock transforma-o em integrante de um grupo
181
ECO, Umberto. Apocalípticos e Integrados. Série Debates. São Paulo: Perspectiva. 2004. pp.296-298.
182
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A editora. 2004.p. 75
183
HALL, Stuart. Teoria da Recepção. In.:_________.Da Diáspora. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
pp. 333 – 384.
184
“Sendo produção cultural juvenil, o rock surgiu como uma experiência sonora que representava o universo
das tribos. É, portanto, música permeada por significados da vida real. Apud.: BRANDINI, Valéria.
Cenários do rock– mercado, produção e tendências no Brasil. São Paulo: Editora Olho d’Água, 2004, p.
42.
75
construído sob a idéia de arte e de contravenção aos ideais constituídos pela sociedade. As
identidades constituídas nos conjuntos de rock no mundo 48 não necessariamente teriam
ligação pessoal com os outros grupos, mas são identificações com grupos que podem
existir em qualquer parte do mundo, ligados pela música. Este tipo de identificação e tribo
musical só foi possível com a universalização das propriedades de posição,185
identificárias nas músicas, pois os jovens, ao assistirem ou escutarem uma determinada
música ou conjunto, percebem relações com suas experiências ou com o contexto vivido.
A propriedade de posição principal aqui é a música, especificamente o rock.
Diferentes bandas influenciam-se mais em alguns outros conjuntos e criam suas músicas
com estas propriedades, como os instrumentos, compassos e temas das letras. O termo
mais adequado para algumas das bandas analisadas neste trabalho seria pop / rock não
apenas rock, pois “Isto reflete uma natureza dupla: raízes musicais líricas derivadas da era
clássica de rock (rock) e seu status com uma mercadoria produzida sob pressão para se
186
ajustar à indústria do disco (pop)” Porém, o termo rock é uma definição melhor do
sentimento que perpassava os grupos, de não estar inserido na sociedade tradicional, mas
sim construindo suas tribos. Deste modo, usar pop remete a um status de vendido pelo
sistema e, analisando o sucesso, ou o não-sucesso dos grupos, poucos poderiam se
qualificar por pop, sendo que as exceções serão analisadas posteriormente.
Nos anos de 1970, as canções criadas para um segmento mais popular e jovem eram
destinadas, especialmente, para contrariar as questões políticas dominantes. Tanto estas
canções de engajamento187, quanto o pop / rock, possuem conotações populares188, ou pop
se usarmos uma linguagem mais mercadológica. Querendo atingir o grande público, não
busca influências diretas na música erudita, acreditando estar mais relacionada a uma
pequena parcela intelectualizada e com preocupações artísticas da população geral.
185
Termo usado pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu em seu livro A Economia das trocas simbólicas. Para
conseguir analisar como há as ligações sociais, o autor relacionada aqui as idéias de status de Weber para
perceber como alguns bens e costumes são importantes para o indivíduo participar de uma comunidade e
diferenciar-se de outras.
186
FRIEDLANDER, Paul. Rock and roll – uma história social. Rio de Janeiro: Record. 2003, P. 12
187
Música de engajamento, segundo Napolitano, seriam as músicas com ligação direta aos problemas
políticos, usadas para incitar a população à mudança. In.: NAPOLITANO, Marcos. A arte engajada e
seus públicos (1955/1968). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 28, 2001.
188
A grande diferença entre a busca de público das duas é a intenção de venda do pop / rock, segundo o
sociólogo especializado em rock Simon Frith: “Música pop é criada com a busca da indústria cultural de
larga audiência em mente; outras músicas não (e, como nós podemos ver, uma das contradições do rock
rodeia estas distinções)”Apud: FRITH, S. Sound Effects – Youth, leisure, and the politics of rock´n´roll.
76
Napolitano esclarece, principalmente ao abordar a música popular, que esta nasce nas
massas, como o jazz ou o samba que nascem das comunidades negras, mas após conseguir
relativo sucesso fora desta comunidade, a indústria a usa como divulgadora para a venda
desta arte189. Além disso, os ouvintes de música popular, segundo o autor, são críticos às
novidades e aos modelos de rádios, ditos modinhas pela cultura jovem. Desta maneira, a
criticidade contra a imposição midiática está presente nos ouvintes destes estilos musicais.
No contexto musical, a definição de Paulo Puterman:
77
uma vez que foi construída a idéia de juventude como uma fase de transição, isto é, nem
sempre foi jovem, nem durará eternamente. Deste modo, acho mais adequado o conceito de
identificação abordado por Stuart Hall, pois “deveríamos falar de identificação, e vê-la
como um processo em andamento. A identidade surge, não tanto na plenitude da identidade
que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é ‘preenchida’
a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por
outros.”194 Bauman concorda com Hall sobre esta movimentação da identidade, mas além
desta visão do outro, Bauman ressalta que o outro também está em movimento:
A escolha de ritmos ou das letras reflete um pouco esta identificação. Uma das
primeiras bandas a surgir com composições próprias e estilos bem definidos a gravar um
disco em Florianópolis foi a Ratones, cujo disco homônimo teve todas as suas canções em
inglês. “Na verdade era um grupo de Tubarão que segundo o próprio Juca (Paulo) May,
guitarrista e vocalista do grupo, “Morávamos desde 77 em Florianópolis, ensaiávamos em
Laguna e raramente tocávamos em Tubarão”.196
A idéia era de ensaiar em Laguna, sua casa de praia, pois para Juca e Deca (André),
seu irmão, a música servia para “curtir a vida pegando onda e tocando rock´n´roll” 197. Para
a socióloga Valéria Brandini, neste querer estar fora de uma sociedade pré-concebida, que
os pais impõem para os adolescentes, está justamente o poder característico que buscam,
principalmente tentando alcançar o sucesso. “O poder que um contraventor desfruta ao
78
198
obter sucesso profissional e econômico.” A identidade para a formação destas bandas,
tanto com o rock star, quanto com os amigos, também está diretamente ligada. Deste
modo, o instrumento, os shows ou os ensaios criam rituais representando um universo
tribal que Maffesoli relaciona com a comunidade emocional acima citada.
A comunidade, por sua vez, esgota sua energia na própria criação ou,
eventualmente, recreação. Isso é o que permite estabelecer um laço entre a ética
comunitária e a solidariedade. Um dos aspectos marcantes dessa ligação é o
desenvolvimento do ritual. Como sabemos, esse não é propriamente teleológico,
isto é, orientado para um fim. Pelo contrário, ele é repetitivo e, por isso mesmo,
dá segurança. 199
198
BRANDINI, Valéria. Cenários do Rock – mercado, produção e tendências no Brasil.
São Paulo: Editora Olho d’Água, 2004. p.43
199
Maffesoli, Op. Cit. p. 25
200
“Entre nós, brasileiros, a canção ocupa um ligar muito especial na produção cultural. Em seus diversos
matizes, ela tem sido termômetro, caleidoscópio e espelho não só das mudanças sociais, mas sobretudo
das nossas sociabilidades e sensibilidades coletivas mais profundas.” NAPOLITANO, Marcos. História &
Música. Belo Horizonte: Autêntica. 2001. p.77
201
Brandini, op. Cit. p. 14.
202
Sobre esta data, Bruno Sala deve ter se confundido, pois o primeiro show do Ratones a capital, segundo o
Jornal O Estado e a própria banda, inclusive este show na Boite ‘Le 88’ será apenas em 1980.
203
Extraído do site portal biguá:
http://www.bigua.com.br/modules.php?name=Encyclopedia&op=content&tid=47 dia:15/06/2006
204
Uso aqui o termo subgêneros para me referir a diferenças que há no rock. Não aprofundarei termos, apenas
descreverei como cada uma das bandas usa suas diferenças nos instrumentos ou vocais.
79
minimalista, tocavam covers de Status Quo e Rolling Stones, caracterizando poucos
acordes em cada música, em torno de três ou quatro apenas. Poucos efeitos de guitarra.
Contrabaixo e bateria dando apenas a base da música, sem muito destaque, como, por
exemplo, a canção Money, gravada em seu primeiro disco homônimo. O destaque é para a
voz, guitarra e piano, parte harmônica da canção.
A construção dos conjuntos passava pelas identificações discutidas, principalmente,
pelas trocas de bandas por parte dos músicos, algumas com propriedades de posição bem
diferentes entre si. Estas trocas de músicos demonstram a ligação que tinham. Murilo
Gelosa (ou Murilo Verde) que tocava no Ratones, depois começa a tocar na Decalco
Mania, uma banda mais ligada ao movimento new wave, e posteriormente começa a tocar
na Vanaheim de Medieval, com batidas mais pesadas com uma bateria mais intensa, com
um desenvolvimento maior. A canção Espiral de Matança (canção 03) demonstra isto.
Apesar de ainda estar bem compassados, o contrabaixo e a bateria estão mais presentes,
com o volume praticamente igual ao dos outros instrumentos, além do uso de duas
guitarras, uma base e uma solo, dando maior “peso” na música, principalmente com o solo
de meio minuto no meio da música, pouco para o Heavy Metal, mas exagerado para o New
Wave, um solo demonstrando bem a mistura dos ritmos.
Em seu artigo The cultural study of popular music, Simon Frith acrescenta que,
mesmo no nível mais “local”, tocar música é apenas uma parte de um conjunto de tarefas
mais elaboradas e relacionamentos que envolvem o mundo musical. Ele afirma que: “[...] o
simples grupo de escola ou de garagem começa como uma ‘banda’ para desenvolver-se
como um suporte de promoção e publicidade, dirigindo e transportando, dedicados fãs e
seguidores.” 205. O que Frith talvez queira deixar claro é que, em torno das bandas, monta-
se toda uma estrutura organizacional onde pessoas assumem tarefas e desenvolvem
habilidades específicas. Sabendo desta rede de socialização, a mídia encontra os garotos
que já estão fazendo sucesso para divulgar e vender ainda mais. Isso inclui novas formas de
comunicação onde os signos passam a ser mais comuns ao da cultura jovem, produzidos e
interpretados para uma audiência com caráter identitário.
No primeiro capítulo, citei o fim da ditadura militar nos anos 1980 e as
transformações musicais ocorridas com esta mudança política como um dos catalisadores
205
FRITH, S. The cultural study of popular music, In: L. Grossberg, N. Cary & P. Treichler eds. Cultural
80
da formação de identidade de parte dos jovens desta década. Mas para compreendermos
melhor os desencadeamentos culturais no início desta década, é importante ressaltar
algumas características musicais da década anterior, principalmente sobre como esta
produção cultural influenciava a construção da identidade de parte dos jovens. Diferentes
gerações possuem diferentes signos de identidade. Como a mídia ou o público aceitam esta
divulgação midiática, fazem parte destes signos, isto tudo influenciados por contextos
políticos e econômicos. Adorno, em seu famoso estudo sobre indústria cultural,206 coloca a
cultura de massa como algo alienante. Mas, ao analisarmos muitas canções, percebemos
que abordam exatamente o contrário. Com as informações recebidas pela mídia, os jovens
transformam-nas em protestos, contra a política. Abre-se espaço para questões ecológicas
ou até mesmo para acabar com a fome mundial, como os famosos LIVE AID, shows feitos
em várias partes do mundo para divulgar os problemas de fome e arrecadar fundos para
ajudar os países necessitados.207
Durante a década de 1970, o Brasil viveu o período mais pesado do governo militar
sob o autoritarismo de Médici à abertura lenta e gradual de Geisel e Figueiredo, uma vez
que o governo da ditadura era, entre outras coisas, sustentado pelo medo do socialismo por
grande parte da população. Outra parte era contrária à ditadura e aos estrangeirismos
trazidos com a mídia estadunidense, opondo-se às alianças feitas pelo governo brasileiro
com os Estados Unidos. Alguns artistas preocupavam-se com esta influência de estilos
musicais estrangeiros, acreditando que assim estariam “estragando” a cultura nacional.
Adalberto Paranhos ressalta esta preocupação nos anos 1960, com o exemplo da canção
Criticando de Carlos Lyra: “Pobre samba meu / Foi se misturando / Se modernizando / E
208
se perdeu.” Neste cenário musical, ocorreu uma disputa de mercado pelos artistas já
consagrados e os jovens artistas surgidos com o intuito de tocar rock. No entanto, com o
medo de perderem público para estes jovens, artistas ligados a MPB dificultavam, através
de pressões nas gravadoras, a divulgação deste gênero musical. Parte do público jovem
também estava preocupada com as imposições culturais da ditadura e da influência
81
estadunidense na produção da cultura brasileira. Deste modo, valorizavam mais a MPB,
principalmente a chamada arte engajada, aceitando apenas o rock vindo do exterior209,
pouco o feito em território brasileiro. Os roqueiros brasileiros eram vistos apenas como
forma de diversão, não como uma música que devesse ser levada a sério, apenas como um
produto e não como arte210.
Para os jovens que começavam a contestar o mundo em que viviam, principalmente
as imposições político-culturais, não era fácil identificar-se com um movimento que estava
baseado na indústria cultural dos Estados Unidos, tão contrário assim aos ideais
revolucionários anti-ditadura e anti-capitalismo. O rock nasce e se identifica por seu caráter
rebelde, anti-dogmas e paradigmas, características desta construção de jovem do século XX
(apesar de posterior a isto ser deturpado e transformado em mercadoria, Elvis Presley ou
até mesmo o movimento Punk podem ser usados como exemplo). Na década de 1960, estes
jovens brasileiros também sentem necessidades de rebelarem-se e, num Brasil com
imposições tão sérias, torturas e censuras, foi caminho corrente problematizar na ditadura
suas angústias referentes aos problemas brasileiros, não precisando assim do movimento
rock para se rebelar. Quem quisesse contrariar algo, buscava “brasilidades” para isto e não
internacionalismos.211
Os jovens da década de 1980 eram diferentes das duas décadas anteriores. Não
podemos apenas rotulá-los de jovens e esperar os mesmo comprometimentos ou
209
Percebo esta aceitação principalmente com a grande influência dos Beatles, segundo a revista Bizz de
Junho de 2007, comemorando os quarenta anos do LP Sargent Pepper´s Lonely Hearts Club Band, é
ressaltado como os tropicalistas se influenciaram pela sonoridade. Um LP com influências de diversos
países, ressaltando estas culturas através de instrumentos musicais identificados com estes, como exemplo
da cítara indiana. Mas mesmo tendo este disco como influencia, os tropicalistas fazem uma releitura,
colocando sons e instrumentos ditos mais brasileiros e temas também refletindo a construção cultural
brasileira. Não podemos então classificar este movimento como rock, mesmo tendo influência deste, pois
não segue os padrões rítmicos e o peso dos instrumentos eletrificados característicos do rock.
210
Visão semelhante ao discurso de Adorno sobre a indústria cultural, algo fabricado pela mídia servindo
apenas para um divertimento passageiro, sem nenhuma conotação artística. No Brasil deste período uso
como exemplo a cantora Nora Ney, gravando Rock around the Clock (maior sucesso de Bill Haley and the
Comets gravada originalmente em 1955 e um dos primeiros grandes clássicos do rock.), mesmo sendo
uma cantora considerada de “fossa”. Depois disso, nunca mais cantou rock, lançando em 1961 a música
cansei de Rock, demonstrando bem que o primeiro rock gravado no Brasil foi apenas um produto
encomendado pelas rádios. (História do Rock Brasileiro – anos 50 e 60. Volume 01. São Paulo: Ed. Abril.
2005.
211
Sobre estas relações culturais, Rejane Sá Markman, ao abordar o movimento Manguebeat em
Pernambuco, nos fala que “A presença da hibridação cultural é uma característica das culturas atuais e
aceitarsua existência é acreditar que a divisão entre formas de expressão culturais entre eruditas,
massiva e populares se anula, embora sejam mantidas as alteridades e idiossincrasias que caracterizam
cada formato. As três formas mesclam-se e se expressam sob o rótulo de cultura, que as reúne em um
82
descomprometimentos, ao levarmos em consideração a vivência de um período com uma
política oficial ditatorial e reacionária e com os meios de comunicação de massa ainda
nascente em nosso país. Rejane Sá Markman, citando Dapieve, ressalta a importância das
mudanças políticas para a formação da percepção do que é ser jovem, pois, nascidos
próximos de 1960, tiveram sua infância sob a vigência da ditadura militar. Mas, ao
alcançarem a maturidade (sexual ou intelectual, próximo aos 16 anos) a fase ditatorial mais
pesada já havia passado ou estava se findando212. Eram então, muito mais intelectuais que
políticos, pois também são filhos de uma classe média que foi favorecida pelo “Milagre
Econômico”, com relativa ascensão. Muitos inclusive, filhos de pais ligados à contra-
cultura, acreditando numa educação mais libertária e alternativa213.
83
ilegítimos214. Para Hobsbawm, neste período, os jovens tomam consciência de sua
identidade de jovem consumidor mais cedo que as gerações anteriores, comprando
produtos e buscando fazer parte dos grupos musicais, de seus ídolos, ou ao menos criando
seus grupos.
Segundo este autor, é neste cenário que a indústria perceberá o filão de novos e
promissores consumidores. Um mercado seguindo uma idéia dialética na comunicação. Há
uma percepção dos meios de comunicação no interesse dos jovens pelo estilo musical.
Assim, começam a investir de forma mais pesada na divulgação e crescimento deste ou
daquele artista, o que for mais rentável.
Um dos signos de importância para entendermos a construção da identidade dos
novos jovens urbanos é a música que escutam. Alguns dos artistas aceitam a divulgação
pelo mercado, modificando seu estilo musical ou adaptando letras para agradar ao público,
conforme empresários organizam. Desta maneira, aparece o adjetivo pop para algumas
bandas. Esta noção de modificações para atingir um maior mercado e, conseqüentemente,
criando o termo pop é, muitas vezes, visto como um adjetivo pejorativo para as bandas,
fugindo de suas raízes. Deste modo, é importante destacar as diferenças de pop-rock e rock
underground. Aquele não busca os meios midiáticos para suas composições, até mesmo
percebe as bandas aparecendo na mídia como vendidas pelo sistema215. O conceito
trabalhado por José Miguel Wisnik pode ser um bom início para percebermos a idéia
rítmica deste gênero musical: “o rock é a superfície de um tempo que se tornou
polirrítmico. Progresso, regressão, retorno, migração, liquidação, vários mitos do tempo
dançam simultaneamente no imaginário e no gestuário contemporâneos, numa
sobreposição acelerada de fases e defasagens”.216
Os grupos analisados neste trabalho não tiveram destaque nacional, apenas fizeram
excursões fora do estado. Com exceção do Tubarão e do Stryx, nenhum outro teve contrato
com uma grande gravadora, mesmo o primeiro teve apenas uma música gravada em um
disco pau-de-sebo e um compacto com apenas duas canções, já o segundo teve todo um LP
214
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos – O breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p.
316-317.
215
ROSA, Pablo O. Rock Underground – uma etnografia do rock alternativo. São Paulo: Radical Livros.
2007, p. 41 – 42.
216
WISNIK José Miguel. O Som e O Sentido: Uma outra história das músicas. São Paulo: Cia das Letras. 2ª
edição, 2006. p.98
84
com músicas gravadas. E, algumas das bandas, como a Decalco Mania, Vanahein, Burn ou
Sobrinhos do Beethoven, não conseguiam gravar em um LP ou EP, apenas uma ou duas
músicas, tendo boa parte de seu repertório usado apenas em shows ou divulgação em
rádios.
Tocar fora do estado ou gravar com uma major traria estabilidade financeira para as
bandas 48. Elas formam-se com a idéia de “viver de música”, mesmo com estilos
diferentes, procuravam a identificação de tribos semelhantes, exceto as bandas ligadas ao
underground, que tinham um público próprio. Percebo, nas músicas, os estilos de cada um,
sendo diferentes entre si, mas tendo em comum alguns aspectos para assim poderem tocar
em grupos. A construção de um cenário musical de rock nos anos 1980 passa por redes de
significação, sendo que os jovens desenvolviam as identidades através de momentos muito
distintos em cada banda. As mudanças constantes, tanto na sonoridade como nos
integrantes, demonstram bem a mutabilidade da identidade jovem.
Interessante ressaltar que, entre as bandas, a forma de percepção em relação às
gravadoras ocorria de maneira distinta. Boa parte das bandas desejava apenas a divulgação
de seu trabalho, não um produtor nas gravações, mas sim, fazer um trabalho mais
independente, sem intervenções externas da banda. No entanto, ao levarmos em
consideração a busca de sonoridades de bandas já reconhecidas, nacionais ou
internacionais e a preocupação com o público percebemos a codificação feita pelos
músicos. Os integrantes das bandas, objetivando demonstrar através de sua música,
pertencer a uma tribo, ressignificam estilos mais antigos para sua geração, decodificando o
esperado pelo público.
A construção social e cultural dos jovens perpassa por vários segmentos culturais.
Codificam os novos modos de ser jovem e decodificam para o consumo de um grande
público, massificando esta percepção do ser jovem. O estilo musical conhecido como rock
foi um dos elementos chaves para a formação de uma identidade jovem no século XX.
Criado nos Estados Unidos, com influências do Blues e rhythm and blues, teve, com o
aparecimento dos grandes ídolos como Elvis Presley, uma grande influência no mercado
cultural. Nos anos de 1960, com a chamada invasão inglesa, o rock passa a ter uma grande
conotação de pop pela indústria cultural, isto é, pensavam na venda de um produto, não se
preocupando em sua qualidade ou autenticidade. A indústria cultural cria uma rede de
sociabilidades através da identificação dos jovens com este estilo musical. A indústria
85
estimula os meios de comunicação de massa a desenvolverem e venderem a imagem dos
ídolos e das músicas como se estivesse falando de sua própria vida. Os cantores compõem
seus problemas e suas vivências nas letras dependendo de seu lugar social. Por exemplo,
Chuck Berry, vindo das fazendas de algodão e vivendo próximo aos trilhos de trem,
compõe em ritmos de alternação entre graves e agudos em quintas, lembrando o barulho de
trem.
A facilidade de entendimento é percebida nos ritmos, em sua maioria, com
compasso 4 por 4. Poucos acordes e com instrumentos eletrificados, trazendo a idéia de
modernidade, novamente, contrariando o antigo, a geração passada. O movimento punk no
final da década de 1970 criou estas características do do it yourself217, além da busca na
simplicidade nos acordes, geralmente apenas três, tônica, terças ou quintas e sétima218.
Estas mudanças estavam ligadas à idéia de contrariar o rock progressivo de grupos como
Pink Floyd ou Yes, com o músico sendo virtuoso para tocar, não deixando o jovem sem
muita experiência musical, se aventurar, precisando de grandes e caras aparelhagens para a
possibilidade de um show.
Outro fator importante para percebermos a construção das canções do período é
relacionarmos com a independência ou gravação com as majors, produção e financiamento
para estas criações.
217
SOUZA, Fábio F.F. de, Op. cit.
218
Intervalos dos acordes, ou distância entre uma nota e outra, exemplo: dó, sol ou mi e si.
86
podemos perceber a importância desta integração, principalmente na black
music, gênero em que o bumbo e o baixo são executados em perfeita sincronia,
como se fossem um único instrumento.”219
O interesse das bandas de rock deve-se a facilidade dos instrumentistas quando Leo
Fender cria o baixo elétrico. Usando a mesma tecnologia da guitarra elétrica, mas
adaptando à gravidade do baixo, “com o corpo maior que o da guitarra Telecaster e provido
220
de quatro cordas, o novo protótipo possuía algo revolucionário: trastes.” Esta inovação
facilita o uso deste instrumento, pois não há necessidade de saber o lugar exato de cada
nota. Perde-se a real sonoridade do som, a naturalidade, pela precisão temperada.221
A música do século XX, incluindo aí o rock, passa desta forma a envolver mais o
pulso das músicas, segundo Jonas da Silva Junior,
Não quero dizer que eletrificar o contrabaixo foi determinante para esta pulsação,
visto que nas bandas de jazz ou Blues o contrabaixo acústico era muito usado, ou os
primeiros cantores de rock como Chuck Berry, Elvis Presley e Johnny Cash também
contratavam músicos deste instrumento. Mas a facilidade de locomoção e a possível
amplificação do instrumento levaram-no para a linha de frente das músicas amplificadas.223
Diferente da bateria, o contrabaixo preocupa-se também com a parte harmônica,
afinal, há também a escolha de notas musicais e não apenas de sua duração. Desta forma, a
ligação entre a cozinha e a parte harmônica, guitarra, voz e teclado dá-se por este
instrumento. Segundo o baixista Billy Sheehan: “O baixo é a conexão entre o ritmo e a
224
melodia. É esta a função do instrumento, além de dar uma ‘tonalidade’ ao ritmo.” Nas
219
SAVAGLIA, Fernando. Lugar de baixo é na cozinha. In.: Cover Baixo, ED HMP. São Paulo 2006.
220
WOOD, Nilton. Onde tudo Começou. In.: Cover Baixo nº 72, Ed. HMP. São Paulo, Setembro de 2008. p.
18.
221
MED, Bohumil. Teoria da Música. Brasíla, DF: Musimed. 1996. p. 31.
222
JUNIOR, Jonas da Silva. História dos Contrabaixistas na MPB. TCC: Artes: Música 2006. p. 05
223
Ibdem. p.14
224
SHEEHAN, Billy. Espírito Rock n´Roll. Entrevista com Billy Sheehan. Cover Baixo nº 72:, ED HMP. São
Paulo 2008.p. 32.
87
bandas estudadas, os baixistas poderiam ser uma análise à parte: a qualidade musical e o
ritmo beatlemaníaco de Paulo Back no Expresso; o peso da cozinha bem ligada entre Ivan
Ratclif e Murilo Verde do Decalcomania, contrapondo a leveza da harmonia; ou a
cumplicidade dos três principais integrantes do Tubarão com Deca May ligando todos os
instrumento ao redor de seu contrabaixo; e a base pesada de Victor Silva na Burn. Porém,
nestes grupos o contrabaixo é usado apenas como instrumento base, não tendo solos ou
grandes performances. Seguem sua célula rítmica unindo a banda de forma a não se
destacar, apenas auxiliando o guitarrista a voltar para a célula rítmica e para a escala
harmônica da música, ou auxiliando o baterista acompanhar os compassos dos harmônicos.
Além destes motivos, o contrabaixo é o instrumento que tenho maior familiaridade
e posso perceber os padrões musicais de cada canção. As escalas existentes no contrabaixo
são as mesmas da guitarra, mesmo não tendo domínio do instrumento melódico, através da
percepção na tonalidade do baixo, é possível direcionar o ouvido para a tonalidade dos
outros instrumentos.
No Expresso, o contrabaixo ficou sob responsabilidade de Paulo Back. Não é um
músico de formação. Inclusive, quando convidado para integrar a banda, não sabia tocar o
instrumento, como ele mesmo conta: “tocava ainda com o polegar, não conhecia o
pizzicato225, o Zeca ficava me olhando estranho, como se pensasse ‘que jeito estranho de
tocar desse cara’”. Mas aprende como tocar o instrumento e sua paixão pelo quarteto de
Liverpool é visível na batida da banda, levando o ritmo em 4 por 4, com semínimas e
colcheias. A música não fica muito rápida, mas também enfraquece a ruralidade. Na música
Tom Natural (canção 04), o contrabaixo modifica o compasso, levando a canção em 2 por
4, mantendo a idéia de cavalgada presente no rock rural. Diferente de Nas Manhãs do Sul
do Mundo (canção 05), em que a cozinha, baixo e bateria ficam em segundo plano,
deixando apenas os harmônicos. Apenas na metade da música entra a bateria e o baixo.
Tem como célula rítmica mínimas pontuadas em um compasso 4 por 4, dando apenas um
grave de fundo. Os harmônicos são tão evidentes na música que colocam uma gaita de
boca tocada pelo Volnei para sentirmos a nostalgia referente à letra.
No segundo disco, as mudanças já comentadas têm destaque nos arranjos. Ao
ressaltar os teclados, Paulo Back associa seu contrabaixo com esse instrumento, além da
225
Técnica de tocar baixo usando as pontas dos dedos, geralmente o indicador e o anular, pinçando as cordas.
88
bateria, para fortalecer a cozinha. Além disso, a saída de Zeca Petry deixa Volnei sozinho
na guitarra / violão, precisando fortalecer a base rítmica da música através do contrabaixo.
A quarta música do disco Certos amigos, Sinais de Calor226 (canção 06), começa com um
dedilhado de violão, para depois entrar o contrabaixo, teclado e bateria juntos, como um só
instrumento. Não destacando, como no disco anterior, as cordas, e o contrabaixo fazendo a
ligação com o teclado, deixando uma base forte com o eletrônico. Isto proporciona a
característica new wave que buscavam, estilo pós-punk227, de grande influência no Brasil
durante o período aqui estudado.
226
LUCENA, Daniel. Sinais de Calor. In.: Certos Amigos. Florianópolis: Grupo Expresso. 1985. Lado A
música 04.
227
Depois do movimento punk nos anos 1970, surgiram vários sub-estilos deste movimento. O New Wave foi
um deles, buscando a simplicidade do punk, mas com letras e aparências mais leves e extremamente
coloridos.
89
natural de Florianópolis, uma área urbana, mas sentindo falta da vida rural. Os outros
integrantes eram de regiões mais rurais, como Lages, cidade natal de Daniel Lucena e
Volnei Varaschin, sendo que suas características musicais nasceram dentro desta sociedade.
Paulo Back, contrabaixista da banda, também era de área urbana, da capital, porém sua
referência principal, em termos de música, é a banda The Beatles, grupo inglês com discos
de diferentes sonoridades, entre os quais Rubber Soul228 (canção 07). Este disco aproxima
Paulo Back do folk e country229.
O primeiro disco do Expresso Rural demonstra muito bem a característica rural do
conjunto. Já na canção de abertura do disco Tom Natural demonstra a idéia de ruralidade e
ao mesmo tempo a busca de uma sonoridade rock. Inicia com dedilhados de um violão
ovation de Zeca Petry. Logo depois entra uma guitarra base com uma entrada de baixo e
bateria com intervalos de quintas em compasso 2 por 4, lembrando o galopar de um cavalo.
Os instrumentos que ressaltam a harmonia da música estão o violão ovation que é mais
agudo e eletrificado, sem o acústico característico do tradicional, guitarra e banjo. Esta
mistura demonstra bem a idéia que a banda deseja passar: um aparato tecnológico, mas ao
mesmo tempo, som que lembre o campo como o banjo. Além da parte rítmica da canção, a
letra também apresenta o ouvinte para o amanhecer na fazenda:
228
Disco de 1965, com grande influência do cantor de folk Bob Dylan, influenciou a banda em diversificar
mais as cordas, principalmente com o uso de violões e dedilhados, vocal mais arrastado e baixo com
linhas de levadas crescentes e descendentes, além de apresenta-los à maconha, que segundo os próprios,
abriu a mente para novas experiências. Segundo FRIEDLANDER, op. cit., p.133
229
“Beatles tem country sim. e bastante. Principalmente na fase do 'Help!' e 'Rubber Soul' o som deles ficou
mais coutry e com levadas no violão.” Segundo Paulo Back em reposta na comunidade do Orkut: Sou Fã
de Paulo Back.”, tópico “entrevista com Paulo Back”dia 22 de setembro de 2007.
90
Tom Natural230 (canção 04)
D C G C G
Quando o dia bate na varanda - Me toca o coração
D C D
Por perto das cinco da manhã
Am Em
Um sabiá acorda cantando na soleira
Am C
E voa leve pelo azul do meu quintal
D Am
O sol sombreia melodias na parede
C D
Quando pássaros repousam no varal
G C G
Tom natural.
D C G C G
Uma vontade grande de viver - Me toma o coração
D C G C D
Ao amanhecer me sinto o sol cantando esta canção
Am Em
Sou sabiá cantando na soleira
Am C
O sol entrando pelas frestas pra te ver
D Am
Manhãs de maio folhas caem em ciranda
C D
E da varanda um mundo todo pra viver
G CG
Tão natural.
Bm Em
Tom natural é viver como se nunca
Bm Em
Tão natural é viver como se já
Bm Em
Tom natural é te ter naturalmente
C D G
E de repente a gente sente que se amar é natural.
230
LUCENA, Daniel e ALENCAR, Roberto U. Tom Natural. In.: Expresso Rural – Nas Manhãs do Sul do
Mundo. Florianópolis: Expresso Rural. 1983, faixa 1 lado A.
231
A base rítmica da música, posicionando o compasso é direcionada pelo contrabaixo e pela bateria,
91
para o ouvinte sentir-se numa fazenda.
O disco teve repercussão também, com um especial pela RBS – TV, em 1984,
apresentando um clipe de cada música. Todos os clipes são gravados em uma fazenda,
inclusive com cenas humorísticas, brincando com a vida no campo, demonstrando a
amizade do grupo, dormindo, comendo e perseguindo galinhas, sempre unidos. O uso do
videoclipe traz o apelo visual, além do auditivo. A partir dos anos 1980, com a criação do
canal MTV (apesar de só surgir no Brasil em 1991), há maior valorização deste formato. As
bandas não se apresentam apenas nas rádios, também conseguem espaço no meio
televisivo, expandindo seu público.
O uso de efeitos e instrumentos não convencionais no rock, que escapam da
gramática deste estilo musical, está presente no disco. Mesmo assim, o ouvinte consegue
identificar e classificá-las como rock. A canção Nossos Corações, apitos e efeitos nos dão a
impressão de estarmos no meio de um ambiente rural, efeitos que estão na introdução, mas
permanecem por toda a canção. Sua letra traz o saudosismo e a melancolia de um passado
perdido, ou de um lugar que não mais se encontram. A referência pode ser sobre a cidade
natal de Daniel Lucena, autor de letra e música desta canção.
Nossos Corações232 (canção 08)
Dm C Bb A
Me livro dessa solidão cantando versos feito de você
Dm C Bb A
Me laço no meu coração buscando forças para me conter
Bb Dm Bb Dm
Faz tempo que não vivo mais na terra onde te conheci
Bb Dm C
Cavalgo na vontade louca de voltar pra casa
Bb A
E sair na rua pra encontrar você.
Dm C Bb A
Em terra estranha parei para tomar meu chimarrão
Dm C Bb A Dm
Arriei sela e pensei - Ai, que saudade do meu chão!
Bb Dm Bb Dm
Saudade é uma faca afiada que corta nossos corações
Bb Dm
Que faz da vida quase nada
C Bb A
E nos confunde na poeira dessa estrada.
conhecido pelas bandas como a cozinha do grupo. In.: COVERBAIXO nº 48, São Paulo: Editora HMP,
setembro de 2006. p. 14.
232
LUCENA, Daniel. Nossos Corações. In.: Expresso Rural – Nas Manhãs do Sul do Mundo. Op. cit.
Música 04, lado A.
92
Ao cantar o refrão final, há uma virada na música, com Zeca tocando bongô e a mú-
sica ficando mais rápida, logo depois de um pequeno solo de Paulo para concretizar a vira-
da. A viagem a cavalo, a estrada deixando a saudade, referências ao tropeiro característico
da formação daquela região. Refere-se também ao chimarrão, bebida comum para identifi-
car o gaúcho, não apenas o originário do Rio Grande do Sul, mas também do Oeste e Regi-
ão Serrana catarinense. Tais características são importantes, pois assim conseguiram mui-
tos shows nesta região, chegando a ser considerados uma banda lageana, definição esta ne-
gada pelos integrantes, pois, além de ter integrantes da capital e ser de origem ilhéu, suas
composições eram pensadas nos jovens de Florianópolis.233 Essas referências ao interior
catarinense possuem o significado de nostalgia, pensando nos moradores de Florianópolis
que deixaram sua terra natal, assim como Daniel.
Como dito no primeiro capítulo, no final da década de 1970 e início de 1980, Flori-
anópolis recebe grande quantidade de migrantes de outras cidades e até mesmo de outros
estados, principalmente pelo crescimento da Universidade Federal, construção do Terminal
Rodoviário Rita Maria e a instalação da Eletrosul. Desta maneira, a música de Lucena é
uma grande representação do sentimento destes migrantes serranos.
Uma música nunca gravada, igualmente com o sentimento serrano, faz paródia de
canção já famosa, misturando a idéia do rural com um som já identificatório dos jovens.
Neste caso, é a canção O Bode e A Cabra, uma paródia de I want to hold your hand de
Lennon e MacCartney. “o bode e a cabra / foram tomar café / o bode pegou a mala; e a ca-
bra gritou mééééé / e a cabra gritou méééééé”234. Paulo Back, fã confesso de Beatles, poste-
riormente, cria uma banda de covers, a Get Back. Posteriormente, a banda passa a compor
músicas próprias, mas a influência dos Beatles é nítida nas melodias. A idéia de influências
é outro assunto importante para se abordar, pois mesmo as bandas já com renome estadual,
nacional ou até mesmo internacional, divulgam suas influências. Acima citei como os Bea-
tles tiveram influência de Bob Dylan, mas ao analisarmos a famosa capa de Sargent Pep-
per´s Lonely Hearts Club Band, percebemos as influências que os músicos desejam que
233
Sobre estas definições, ressalto a opinião de Paulo Back, em que o baixista florianopolitano, é categórico:
“apesar do Daniel e do Marcos serem de Lages e o Volnei de Curitibanos, o Expresso é uma banda daqui
[Florianópolis], a gente se formou aqui e as músicas eram pensadas no público daqui.”. Em entrevista
concedida ao autor dia 16 de setembro de 2008.
234
Música nunca gravada em estúdio, mas existente em arquivo pessoal de Paulo Back. O trecho citado neste
texto encontrasse no site da banda: www.expressorural.com.br, acessado em 07 de julho de 2008.
93
notemos, como Dylan na música, Oscar Wilde na literatura, ou até mesmo Marlon Brando,
artista de cinema, ou da plantação de cannabis logo abaixo do título do disco. Segundo
Paulo Back: “Beatles é influência para tudo, já que foram influenciados por tudo” 235.
Estas relações são discutidas por Simon Frith, ao analisar sobre a formação do rock
e suas influências nos meios de comunicação de massa. No final dos anos 1980, o cenário
musical brasileiro passa por uma série de modificações. Há uma diminuição nas vendas
devido aos planos frustrados de conter a inflação. As rádios investem em músicas mais
românticas, chegando ao brega, com cantores como Fábio Júnior. No entanto, também há
uma ligação com a MPB, como a carreira solo de Cazuza.
Alguns dos músicos, com a pressão da mídia, passam a tentar carreira solo,
acreditando conseguir o mesmo sucesso da banda ou até mais. Geralmente, o frontman da
banda é o primeiro a tentar, com ou sem o apoio dos meios de comunicação, dividindo o
público e concorrendo com a divulgação de seus trabalhos com sua banda original. No caso
da banda estudada, Daniel Lucena faz isto no auge do sucesso do Expresso, com uma boa
235
Segundo Paulo Back em reposta na comunidade do Orkut: Sou Fã de Paulo Back.”, tópico “entrevista
com Paulo Back”dia 22 de setembro de 2007.
94
venda de discos e com uma grande aceitação do público, tentando a carreira de pop
romântico. Daniel Lucena, ao tentar a carreira solo, procura identificar-se com o mundo
feminino, não apenas com os jovens. No Brasil, estes cantores são muitos ligados a
presença feminina no palco, o próprio Paulo Ricardo, ex-vocalista da banda carioca RPM,
em sua fase solo, criou algumas músicas com a temática romântica. As mulheres são, na
maioria das vezes, uma conquista masculina, um objeto a ser conquistado.
A canção Banho das Seis, composta por Lucena, foi gravada duas vezes. A primeira
gravação, em sua carreira solo (canção 09), no disco coletânea Crime Perfeito, em 1985, e
posteriormente, pelo grupo Expresso, com Daniel retornando nos vocais, no disco Romance
em Casablanca de 1992(canção 10). Quando gravada pela primeira vez, Daniel canta de
forma mais baixa, praticamente um sussurro ao pé do ouvido, com grandes levantadas para
um agudo. Diferentemente, na regravação é cantada com mais vigor, bateria e guitarra bem
acentuada, com todos os instrumentos quase na mesma intensidade da voz, não enfatizando
o vocal, como na primeira. A célula rítmica de cada instrumento permanece quase a mesma
nas duas gravações. Apenas a bateria é mais intensa, com viradas e uso da caixa e dos tons
mais vibrantes no Expresso, com intensidade sonora mais baixa, usando muito mais o
teclado na parte harmônica que a guitarra. Estas características são bem marcantes de sua
época. Tem como referência a idéia do brega, lembrando o ato sexual de forma romântica.
O título já ressalta para a nudez sensual, o banho das seis, depois do trabalho, mais
demorado. Há uso do teclado, instrumento mais usado na música pop, também remetendo à
melodia sem rebeldia, não soa muito rural ou tradicional como o violão, mas também, sem
a modernidade jovem da guitarra.
As principais composições no período e local estudado são, na maioria das vezes,
canções relacionadas ao universo jovem, suas relações, seja com os amigos, com garotas,
seja com o território experimentado. A canção de maior sucesso da banda Tubarão, Vou
Conquistar seu Coração, demonstra um território bem relacionado à cultura jovem nos
anos de 1980, a praia. Não o mar, local de trabalho do pescador, mas as ondas, a areia e o
esporte, um dos principais locais para encontrar garotas para paquerar. Além disso, a
música trata da conquista, como o título já sugere, da garota desinteressada pelo rapaz, mas
este lutando pela conquista. O uso de termos em inglês, proveniente dos Estados Unidos,
também sugere uma hibridização de culturas, aceitando-a como parte do dia-a-dia destes
jovens.
95
Vou Conquistar seu Coração236 (canções 11, 12 e 13)
236
MAY, Juca e Deca. Vou conquistar seu coração. In.: Tubarão/Expresso. Florianópolis: Grupo Expresso
Produções. 1988. lado A, Música 01.
96
TV237.
As mudanças ocorridas na levada da música correspondem às transições no cenário
musical brasileiro. A música pode servir como contrapondo da história da banda. Como já
mencionado, a música romântica começa a ganhar força na metade da década de 1980 e no
início dos anos 1990. Canções eram encomendadas para temas de novelas e com a queda
nas vendas de discos de rock, estas foram mais exploradas. Segundo o estudioso em
semiótica na canção, Luiz Tatit:
237
Este vídeo foi recentemente divulgado por Juca May no site www.palcomp3.com.br/ratones. Acessado em
03 de janeiro de 2009.
97
ao mesmo tempo, guitarra e contrabaixo elétricos, com intervalos crescentes em quintas e
decrescentes quartas dando, a sensação de tristeza e saudades como canta a letra.
G D C
Vou fugir dessa metrópole à libertação
G D
E seguir algum caminho que me leve ao sul
C D
E nas manhãs do sul do mundo
G Em
Pelos campos, estradas e rios
C D C
Semear meu canto em campos de cereais.
G D C
Pode ser um sonho louco, mas eu vou achar
G D
Em algum lugar dessa federação
C D
Alguma substância estranha
G Em
Que substitua a dor no coração
C D C
E mate essa vontade de voltar.
Esta canção, também título do disco, foi a canção de trabalho neste primeiro disco,
representando as fugas da cidade para o campo. No segundo disco, buscam o contrário, a
urbanização. Em 1985, com influências do que estava acontecendo no cenário musical
brasileiro, bandas new wave surgindo, com problemáticas ligadas ao mundo jovem, como a
canção Você não soube me amar da banda Blitz, os músicos do Expresso Rural divergem
sobre seus próximos trabalhos. Zeca Petry não era a favor das mudanças, acreditando no
sucesso que conquistaram com o rock rural. Mas, outros integrantes como Daniel Lucena e
Volnei Varaschin, desejavam um som mais urbano, com maior ênfase nos teclados e
diminuição dos violões, para que as guitarras tivessem mais efeitos240. Essa “urbanização”
de suas músicas não é algo novo, mesmo na época do Nas Manhãs do Sul do Mundo a
banda já tinha em seu repertório de shows muitas canções com estas características, apenas
238
TATIT, Luiz. O Século da Canção. Cotia: Ateliê Editorial, 2004. P.234
239
LUCENA, Daniel. Nas Manhãs do Sul do Mundo. In.: Expresso Rural – Nas Manhãs do Sul do Mundo.
Florianópolis: Expresso Rural. 1983, faixa 5 lado B.
240
Em entrevista concedida ao autor pelo grupo dia 22 de outubro de 2007.
98
não haviam gravado, como Nova estação.
O local narrado deixa de ser o campo, sendo voltado para a Ilha. A música de
trabalho do disco Romance em Casablanca, do Expresso, Ilha da Solidão, retrata uma
Florianópolis diferente das descrições feitas até momento. O Grupo Engenho priorizava a
açorianidade e o Tubarão, a praia. Nesta música, a Ilha retrata os paradoxos da cidade e a
vida dos jovens urbanos.
241
LUCENA, Daniel & CORREA, Márcio. Ilha da Solidão. In.: EXPRESSO. Romance em Casablanca.
Florianópolis: ARTMIX e EXPRESSO. 1992. faixa 3, lado B.
99
como agente participante. É a Ilha da Solidão que deve ser modificada, revolucionando,
“botar de pés pro alto esta cidade / Tomando Molotov (coca-cola e melhoral) / enchi de
rock´n´roll as ruas da capital”. A música já começa com célula rítmica lembrando suspense
e um grito de horror, para assim começar os riffs da música antes do vocal.
Daniel Lucena, já na primeira frase da música, deixa clara a idéia que a cidade é
sujeito atuante da música, passando aspectos de uma Florianópolis, o horário e o clima de
tensão e solidão. “Floripa, meia-noite, lá fora está chovendo”, meia-noite e chovendo,
poucas pessoas vagando pelas ruas, ao mesmo tempo é o momento em que saem os
bandidos e boêmios. Também é marcante o apelido usado para a cidade, Floripa, que não é
o nome formal, mas é como descontraidamente é conhecida a Ilha de Santa Catarina. O
nome Florianópolis, para a capital, desde sua criação é motivo de polêmica. Alguns
músicos como o grupo Stigma, de Criciúma, preferem usar a antiga denominação, Ilha do
Desterro, na homenagem que faz à cidade no disco Maltrapilho.
Local de encontros e desencontros, de passagem, territórios nômades que, segundo
o filósofo francês Michel Maffesoli, é uma característica dos jovens desta era. Um destes
territórios de passagem, não permanecendo no local, apenas com chegada e partida, assim
como muitas das relações afetivas e passionais dos sujeitos estudados, é o aeroporto.
Inclusive, no primeiro hit da banda Decalco Mania, com videoclipe passando na RBS - TV,
antes mesmo de fazerem o primeiro show242, é usado como lugar social para o encontro do
rapaz com seu amor. Aeroforça, depois do videoclipe, passa a ser o carro chefe desta banda.
242
Informações obtidas com Murillo Valente, guitarrista da banda, em entrevista concedida ao autor dia 15 de
setembro de 2008.
243
MELLO, Iran & VALENTE, Murillo. Aeroforça. Música gravada em demotape, arquivo de Airton
Perrone.
100
Foi nesse instante eu vi meu concorde voar pro Japão
244
Informações obtidas com Airton Perrone em entrevista concedida dia 17 de setembro de 2008.
245
Ibdem.
246
MELO, Iran e VALENTE, Murilo. Coisas do Amor. Arquivo pessoal de Airton Perrone.
101
Aquela bela menina
Que não quer me olhar
Fico até cabisbaixo
Só de pensar
Que de um dia para o outro e com outro
Ela possa passar
Coisas do amor
Isso acontece
Você bem que podia
Me dar um sinal
Faça um favor
Desaparece
Não vou ficar parado
A vida inteira a te esperar
De repente você passa
Tão roupande diferente meu bem
O meu mal é te amar
E na saída do colégio
E ela nem me ligou
E eu lá destontadeado e um carro
Quase me atropelou
Eu prometi até cortar o cabelo
Se ela me namorar
E sua não quer saber de papo
Diz que é pra eu ir trabalhar
(...)
Coisas do amor
Isso acontece
Você bem que podia
Me dar um sinal
Faça um favor
Desaparece
Mas não vou ficar parado
A vida inteira disfarçado
De repente eu fico louco e perco o juízo
E vou
Eu vou me suicidar
102
2.3.2. Esconda esses olhinhos que teu pai ta desconfiado
247
ALMEIDA, Maria Isabel M. de & EUGENIO, Fernanda. Paisagens existenciais e alquimias pragmáticas:
uma reflexão comparativa do recurso às ‘drogas’ no contexto da contracultura e nas cenas eletrônicas
contemporâneas. In.: ALMEIDA, M. I. M. de, & NAVES, Santuza C. (org.). “Por que não?” – Rupturas
e continuidades da contracultura. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2007. p.175
248
Ibdem p. 159
103
consumir, mas até mesmo bebidas não eram coletivas, não tinha este uso pelo grupo. Quem
usava drogas lícitas ou ilícitas, usava sozinho e não influenciava o resto do grupo.249
O grupo Expresso Rural foi o primeiro dos estudados a gravar uma música usando
como tema as drogas. A música já citada, Flodoardo, do disco Nas Manhãs do Sul do
Mundo, entra no final das gravações, trazendo as palavras maconha e bronha em sua letra.
Tentaram sintetizar a voz para passar pela censura, sem sucesso, pois capa do disco teve
que ser lacrada. Mesmo assim, a música era sempre pedida em shows e interessante
destacar sobre o lacre, que, em 1997, quando a discografia foi relançada em CD, a banda
optou por colocar na capa deste CD o selinho no canto, como se o lacre ainda existisse.
G C
Era tão bem servido que não batia bronha
D G
Em vez de fumar cigarro ele curtia uma maconha
G C
Era tão bem servido que não batia bronha
D G
Em vez de fumar cigarro ele curtia uma maconha
G C D G
Hey, Flodoardo! Êta sapinho fissurado!
G C
Hey, Flodoardo!...
D C G
Esconde esses olhinhos que o teu pai tá desconfiado.251
249
Entrevista concedida ao autor dia 22 de outubro de 2007.
250
LUCENA, Daniel e SOLLER, Francisco. Flodoardo. In: EXPRESSO RURAL. Nas Manhãs do Sul do
Mundo. Florianópolis: Produção Independente. 1983. faixa 6, lado B.
251
A banda, como tinha grande preocupação com o entendimento de musicalidade de seu público, colocou,
em seu primeiro disco, no encarte, as cifras das músicas para quem quiser poder fazer a parte harmônica
das músicas. Segundo Zeca Petry em entrevista para o jornal O Estado, 06 de abril de 1984.
104
O interessante nesta canção é o último verso na segunda estrofe, falando que “era
tão bem servido /que não batia bronha / em vez de fumar cigarro / ele curtia uma
maconha”. Por causa das palavras “bronha” e “maconha”, a canção foi censurada, tendo o
disco que sair com um selo252 lacrando o encarte, mesmo com a idéia do técnico de
gravação do disco, Paulo Farat (que insistiu para colocarem a canção253), de sintetizar as
palavras proibidas para o público em geral não perceber. Em outro trecho da canção,
Flodoardo é o jovem que ainda mora com os pais e precisa, de uma forma ou outra,
esconder-se para o pai não descobrir suas verdadeiras vontades, “esconda esses olhinhos /
que o teu pai tá desconfiado”.
A comicidade da letra e do modo de cantar da banda são notórios, como uma
brincadeira entre amigos. Censurar a música demonstra que ditadura ainda não estava
totalmente desfeita e ajudou a espalhar a idéia principal da música, o fim da caretice, não
fazendo apologia ao uso de drogas, apenas demonstrando como a geração mais velha
percebe com maus olhos os hábitos dos jovens. O final da música é emblemático: “esconda
esses olhinhos / que teu pai ta desconfiado.” Logo depois, gritos de alegria em fazenda:
“yihoo”, e um dedilhado de banjo, bem como final de uma travessura.
252
Apesar de, oficialmente, ter acabado a censura, ainda muitos artistas estavam sendo censurados,
principalmente quando atacavam os “bons modos”, como a banda Blitz do Rio de Janeiro, que teve duas
de suas músicas cortadas em seu primeiro disco por conterem palavras de baixo calão.
105
Já a banda Tubarão, trata com mais seriedade o assunto. Na parte rítmica da canção
Pó (só mais uma), é feito com maior alegria, é rápido e dançante, mas o conteúdo da letra é
mais sério.
253
Informação obtida pelos músicos em entrevista concedida ao autor dia 22 de novembro de 2007.
254
MAY, Juca e May, Deca. Pó (só mais uma). In.: Tubarão. Florianópolis: BMG/RCA. 1989. Lado A música
01.
106
gritar / a paranóia de fugir / um gosto de sangue, um cheiro no ar / duas noites sem
dormir”. Há uma euforia na vida depois do vício, o prazer inicial depois “é tudo o que ele
quer”. A escolha por falar da cocaína ressalta o tipo de jovem que desejam alcançar. Como
já dito, a cocaína é uma droga mais cara, portanto, voltada para um grupo com melhor
poder aquisitivo, mais preocupados com o seu bem estar e enriquecimento rápido, vida de
luxos, ao bem coletivo. Apesar de serem de família abastada, os irmãos May criticam os
chamados “playboyzinhos”, jovens com a descrição acima. A escolha da música Pó reflete
isso e a música Babaca255 (canção 19), que se posiciona logo após a canção Pó, fortalece as
críticas a estes jovens alienados. “será que as gatinhas acham ele demais? / afinal de contas
ele sabe o que faz / um carro zero sempre novo na mão / um puta apê ele é um tesão / [...]”
e no refrão ressalta “Babaca / e ele ainda acha que é o tal / babaca / gatinha ele é legal /
babaca / esse cara tem cara de boçal, cara de boçal”.
Dito por mais de um roqueiro, a tríplice “sexo, drogas e rock´n´roll” é um ícone nos
signos feitos aos jovens com guitarra na mão. Destruir este ícone, pelo menos de drogados,
foi a idéia do Decalco Mania no título da canção Rock, surf e sexo oposto (canção 20). O
refrão chega a ter ligação com vícios “quem já ta não quer sair / quem ta fora quer
entrar”, todavia é a vida antiburguesa que estão contestando, viver apenas de “rock, surf e
sexo oposto / só o que me dá prazer / são as coisas que eu gosto / elas sabem convencer”
256
Outra banda que modificou a tríplice “sexo, drogas e rock´n´roll” foi a Burn. Estes
eram constantemente confundidos com drogados, pois possuíam longos cabelos soltos e
tocavam músicas mais pesadas. Porém, ao analisarmos o refrão da letra de Olhar
Inocente257 (canção 21) de Márcio Silva, há uma nova negação de drogas ao afirmar que
“só pensava em guitarra, nunca tive ninguém / só queria sexo, amor e muito rock´n´roll”.
A palavra amor colocada no lugar de drogas é extremamente relevante, já que muitos
confundem ou relacionam amor e sexo. No entanto, Márcio Silva coloca os dois. E mais, o
que quer muito é rock´n´roll. O início do refrão prioriza o rock como o principal da
255
MAY, Juca & MAY, Deca. Babaca. Op. Cit. Música 02 lado A
256
DECALCO MANIA. Rock, Surf e Sexo Oposto. Música encontrada no arquivo pessoal de Airton Perrone,
sem data definida.
257
SILVA, Márcio. Olhar Inocente, 1986. Regravação em: Burn – Tempos Perdidos. Florianópolis:
Diamondreamer Records. 2007. música 08.
107
tríplice, mesmo não conseguindo as garotas – sonho de vários rapazes que buscam a fama
de rockstar, conquistar várias garotas.
Quando realmente estão falando sobre as drogas, os rapazes do Decalco contam
uma história, novamente a vertente teatral, sobre o tráfico na divertida Historinha.
258
DECALCO MANIA. Histórinha. Música encontrada no arquivo pessoal de Airton Perrone, sem data
definida.
108
Outros signos ligados à cultura jovem, desde os anos de 1950 até os dias de hoje,
são as motocicletas259 e o álcool, droga lícita. De acordo com o cientista social Pablo
Ornelas Rosa,
No mundo 48, estes signos foram apresentados por uma banda de Urussanga,
cidade de colonização italiana. A banda Bandalheia lança um EP com apenas quatro
músicas, todas tratando sobre bebida, moto e rock´n´roll, “Otário” fala sobre a vida
burguesa e as angústias que levam o indivíduo à bebida; “Vávula de Escape” mostra o
mesmo problema, porém o rock entra no lugar da bebida, “No meu caminho sem rumo
entrou o rock”; “Abraçado num Garrafão” é uma ode ao vinho que vale a pena
estudarmos mais profundamente.
259
Entre os vários exemplos que poderia citar sobre motos e juventude, cito o filme: “O Selvagem da
Motocicleta” com Marlon Brandon, filme ligado à cultura juvenil dos anos 1950. Para exemplificar a
época estudada cito a música Vital e sua Moto dos Paralamas do Sucesso, banda carioca que se tornou
uma das mais famosas nacionalmente nos anos 1980.
260
ROSA, Pablo Ornelas. Rock Underground – uma etnografia do rock alternativo. São Paulo: Radical
Livros, 2007. p. 87.
261
GERA. Abraçado num Garrafão. In.: Bandalheia – Otário. Florianópolis: Estúdio 156. 1988, Lado A,
música 02.
109
Beber vinho de garrafão é um modo de conseguir uma boa quantidade de bebida
alcoólica a baixo custo, por isso muitos jovens identificam-se com essa idéia de beber
vinho e depois ter que escutar a mãe. Fê Lemos, baterista da banda brasiliense Capital
Inicial, lembra que “quando a gente era jovem nos ano 80 aqui em Brasília era assim,
muito vinho francês ‘sangue de boi’ [fala com sotaque francês, mas na verdade é vinho
brasileiro barato] para tocarmos ou não fazermos nada.” 262. Com a música acima descrita,
percebemos também a bebida como parte do cotidiano dos jovens aqui estudados,
lembrando desta fase como a transição para a maturidade, para a vida adulta. Portanto, há
experimentações novas, como as drogas. Sendo uma droga lícita, a bebida passa a ser um
modo de transgredir os desejos da família, “Minha mãe dizia, o que há com a sua geração”,
não descumpre a lei, tendo liberdade legal para beber a vontade, apenas com a censura
familiar para controlar sua bebedeira. O vinho, como forma de contrariar a geração
anterior, fica ainda mais forte se pensarmos na cidade natal da Bandalheia, Urussanga,
cidade que possui a Festa do Vinho, sua maior festa anual.
A sensação de liberdade experimentada pelos jovens na droga e o perigo que estas
traziam, pode ser expresso nas motocicletas. Veículos fáceis de pilotar e de grande rapidez
dentro do trânsito, foi símbolo de várias tribos juvenis como os Mods e os Rockers, grupos
rivais na Inglaterra nos anos 1960 e 1970. No Brasil, as primeiras fábricas de motos surgem
nos anos de 1970. Contudo, foi na década seguinte que houve um aumento significativo em
suas vendas,263 impulsionado pelo poder aquisitivo da classe média e pela crise do
petróleo, levando os brasileiros a procurarem um meio de transporte mais econômico. Nas
mães, causava aflições pelo perigo: “daquela loucura então nem se fala / quando era a moto
a mãe rezava”, fala a letra da canção Válvula de Escape, mas é com Longe da Moto que
Gera cria um ritmo lento, um vocal arrastado, para dar a impressão da saudade:
262
No DVD MTV Especial – Capital Inicial/Aborto Elétrico. São Paulo: Sony BMG. 2005.
263
BERERDI, Gabriel. Yamaha do Brasil, 37 anos. In.: Motociclismo Magazine. São Paulo: Motor Press
Brasil. pp.106 – 108.
264
GERA. Longe da Moto.In.: Bandalheia – Otário. Florianópolis: Estúdio 156. 1988, Lado B, música 01.
110
Que me suja mas que por dentro me limpa
Companheira pra toda hora
Em dias de chuva e de muito sol
“No future for you”. Frase da banda inglesa Sex Pistols, foi marca sobre a visão de
futuro nos anos de 1980. Ameaça nuclear, descoberta da AIDS, crise no sistema socialista,
mortes pelo uso de drogas, um panorama de descrédito no que poderia acontecer. Esta
visão apocalíptica do futuro foi demonstrada através das letras das canções de rock por
todo o Brasil, de Plebe Rude a Replicantes, Aborto Elétrico a Engenheiros do Hawaii, até
mesmo o cantor Leo Jaime, não ligado ao movimento punk, mostrava estas
preocupações.265
O historiador Fábio Feltrin de Souza, em sua dissertação de mestrado, classifica as
canções pop / rock compostas no Brasil, como uma representação da percepção dos jovens
sobre as mudanças ocorridas na década de 1980, com o imaginário de um fim de século.
Percebe três características principais nas canções por ele citadas: o fim do socialismo, a
ameaça nuclear e o aparecimento da AIDS. Os conjuntos do mundo 48 aqui analisados
demonstram também esta visão de fim de século, de mudanças e renovações na vida dos
jovens, porém não fazem citações às questões diretamente relacionadas com a política.
Interessante ressaltar o momento político em que vivia o Brasil. Euforia pelo fim da
ditadura militar, abertura política, mundialmente o fim da Guerra Fria, a União Soviética
dava seus últimos suspiros e o sistema socialista começava a ruir. Nenhuma das bandas 48
querem posicionar-se perante estes acontecimentos. Todavia, a ameaça nuclear e o vírus da
AIDS foram assuntos nas letras das canções.
265
Fábio Feltrin, em sua dissertação de mestrado, aborda estes temas. Demonstra que não só no Brasil
existiam estas preocupações, demonstrando através das letras como estes temas são discutidos. Como
neste trabalho estou priorizando as bandas do mundo 48, trabalharei apenas sobre as canções compostas
por bandas deste mundo. SOUZA, Fábio F.F. Op. Cit.
111
Ao falar sobre a ameaça nuclear, as bandas mais pesadas são o destaque,
principalmente a banda Burn. Sua canção principal, Nuvens Negras ou Ruínas Atômicas
são bons exemplos disto.
266
SILVA, Márcio. Ruínas Atômicas, 1986. Regravação em: Burn – Tempos Perdidos. Florianópolis:
Diamondreamer Records, 2007. Música 11.
267
A música continua muito forte com a banda. Estive presente no show para comemorar os trinta anos da
banda no Célula, no bairro João Paulo em 2008 e esta foi muito pedida pelo público, tanto jovens quanto
veteranos do rock e, quando tocada, um coro se uniu cantando junto. Ressalto que apesar de apenas neste
novo século a banda produz um disco, esta música não está em nenhum de seus cds, todavia o público
112
NUVENS NEGRAS268 (canção 26)
113
primeira relação com o medo nuclear. O herói mais poderoso, Dr. Mahatan, que possui
poderes vindos de energia nuclear é acusado de envenenar pessoas próximas e fazê-las
ficarem com câncer, como sua ex-namorada, inimigos e parceiros, refugiando-se em Marte.
Há uma ameaça nuclear mundial que só finaliza no final da história. Quadrinhos são
percebidos pelo público como leitura de descompromisso, de super-heróis, infanto-
juvenil270. Esta história demonstra o que os jovens estavam lendo e identificando-se com
tal ameaça.
Durante os anos de 1980, a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, AIDS, for-
ma-se no consciente de parte dos brasileiros como uma nova epidemia que ocorre apenas
nos homossexuais, mas que poderia contaminar qualquer usuário de drogas ou pessoas com
relação sexual mais liberal. Os jovens roqueiros passam a ter esta nova preocupação. Fábio
Feltrin relata que:
O imaginário dos jovens foi povoado por esta nova doença, metaforizada de várias
formas. Paulo May, guitarrista do Tubarão descreve sua inspiração para a música Black
Suzete: “A letra surgiu quase pronta durante um engarrafamento numa noite chuvosa em
Porto Alegre. De dentro do carro, observava um travesti chorando e, num ambiente
272
daqueles, fiquei imaginando a razão...” apenas a visão de um travesti chorando já foi o
motivo para o imaginário do compositor criar toda a história triste dele.
269
MOORE, Alam & BOLAND, Brian. Watchmen. São Paulo: Editora Abril. 1989.
270
Edgar Morin, ao analisar os meios de comunicação de massa, aborda esta separação das mídias para o
público, os quadrinhos de super-heróis são voltados para o infanto-juvenil. Se considerarmos a teoria de
Stuart Hall sobre composição e decomposição nos meios de comunicação, as editoras criam as histórias
de acordo com o que o público aceita, não unidirecional.
271
SOUZA, Fábio F. F. Op. Cit. P.86
272
Na página do MySpace da banda:
http://profile.myspace.com/index.cfm?fuseaction=user.viewprofile&friendid=138712944. visto em 20 de
abril de 2008.
114
Black Suzete273 (canção 27)
Black Suzete leu o exame e começou a chorar
Black Suzete ela jurou que agora vai se vingar
Contaminou o silicone da Suzi
Transou de graça ela quis sangrar
Quem será que agora Black Suzete vai contaminar?
O medo não está apenas na doença, mas também em quem se contamina. O travesti
negro retratado é vingativo “Black Suzete faz a cirandinha rodar”, seus sonhos, como ir a
Paris, foram desfeitos não sabendo seu tempo de vida, deixando o choro e partindo para a
vingança, provavelmente contra o mundo que a levou à esta vida e a infectou. Apesar de
que, em 1988, os estudos estavam apenas começando, pois apenas em 1979 a doença foi
descoberta, Juca demonstra conhecimento sobre sua transmissão ao falar “ela quis
sangrar”. O autor reporta ao método de transmissão, sabendo que não é apenas o ato
sexual, mas sim a troca de sangue ou sêmen contaminado. Deste modo, o travesti precisaria
sangrar parar transmitir a doença.
Contrariamente à mensagem da letra (o desespero de Black Suzete), o ritmo é
rápido e alegre, diferente do que se espera quando se fala em AIDS, como a fase de Cazuza
doente, rimo lento e com guitarra base apenas. Em Black Suzete, Juca canta de forma
dançante com riff de guitarras e teclados dando boa base, o contrabaixo, instrumento muito
usado no blues para dar o peso da tristeza, aqui está com pouco volume, fazendo um
acompanhamento no riff da guitarra, esta, inclusive, com um pequeno solo na finalização
da canção. O assunto AIDS foi discutido, porém, ainda não havia sido percebido com o
“terror” dos anos 1990. O ritmo demonstra esta despreocupação, contradizendo a letra.274
273
MAY, Juca e May, Deca. Black Suzete. In.: Tubarão. Florianópolis: BMG/RCA. 1989. Lado B música 03.
274
O primeiro caso de AIDS que repercutiu na mídia brasileira foi o de Cazuza, este só admitindo totalmente
possuir o vírus em 1989, apesar da mídia já anunciar seu estado de saúde, chegou a negar ser portador em
1988 no programa de entrevistas de Marília Gabriela, In.: ALEXANDRE, Ricardo. Op. cit. P. 300.
115
Apesar da euforia existente nos anos 1980 para que ocorressem as eleições diretas e
o fim da Ditadura Militar, não encontrei nenhuma canção das bandas catarinenses
analisadas abordando algum tema ligado diretamente à política. Enquanto no Brasil os
conjuntos de rock oitentista, punk e pós-punk, criaram músicas como Inútil da banda
paulista Ultraje a Rigor, ou fazendo discursos como a carioca Barão Vermelho no Rock In
Rio, as preocupações se baseavam no cotidiano dos jovens e no espaço. A jornalista Ligia
Gastaldi, ao ser questionada sobre as influências das 48´s por bandas nacionais, lembra da
mentalidade provinciana, sendo Florianópolis percebida como uma mini-Rio de Janeiro.
Talvez esta seja uma das explicações para não comentar a política nacional, percebendo
que uma cidade como Florianópolis deve pensar em sua localidade, deixando os problemas
nacionais para as maiores cidades do país.
Em sua dissertação de mestrado, Fábio Feltrin de Souza, aborda diretamente este
tema, usando algumas canções e depoimentos de músicos sobre a nova configuração
política do Brasil. Entre vários exemplos citados, escolho o que percebo mais diretamente,
a canção Inútil, do grupo paulista Ultraje a Rigor, em versos como “A gente não sabemos
escolher presidente”, diretamente ligada ao movimento Diretas Já!.275. Contudo, percebo
apenas bandas de três cidades, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, presentes nos
exemplos de Fábio. Não por acaso, as duas maiores cidades do país e a capital federal,
metrópoles que são percebidas por parte dos outros estados como as principais e de caráter
nacional, não regional. Deste modo são vistas por alguns, como detentoras de um poder
para falar e tentar resolver os problemas nacionais.
275
SOUZA, Fábio, F. F. de. Op. cit.
116
276
CAPÍTULO III - UM POR TODOS E TODOS POR MIM
276
Trecho da música Todos Por Mim do grupo Tubarão, gravada no LP Perdidos no Deserto, BMG Ariola,
1991, faixa 2 lado B.
277
Apud: AMARAL, Adriana. Rock e imaginário: as relações imagético-sonoras na atualidade. In.: Revista
FAMECOS. Porto Alegre. nº 18, agosto 2002
278
Termo cunhado por Maffesoli em seu livro O Tempo das Tribos para referenciar-se ás comunidades não
territoriais, tribos formadas por afinidades éticas e estéticas. Grupos de rock e seu público são exemplos
de comunidade emocional, pois são formados por jovens de várias partes do mundo através de afinidades,
musicais, poéticas ou gestuais.MAFFESOLI, Michel. Op. Cit. pp. 13-44
279
BRANDINI, Op. cit. p. 42
117
CERTOS AMIGOS280 (canção 01)
G D Em Em7
Quando esse trem de alegria vara a vida da gente
C G/B Am7 C/D
Sempre que a estação mais perto é o nosso coração
G D Em Em7
Difícil se saber na hora o que a gente sente
C G/B Am7
Se certos amigos nos mostram que o mundo ainda é bom
C/D
Por saber,
G D Em Em7
Que tendo você do meu lado me sinto mais forte
C G/B Am7 C/D
Quero beijar o teu rosto e pegar tua mão
G D Em Em7
Se cada estrela no céu é um amigo na terra
C G/B Am7
A força do acaso do encontro é uma constelação
C/D
Lumiar,
G D Em
De que planeta você é?
Em7 C G/B Am7 C/D
Eu faço o que você quiser em troca do teu amor
G D Em Em7 C G/B
Posso te dar o que eu sou, amigo é um cobertor
Am7 C/D
Bordado de estrelas - de estrelas.
G D Em Em7
Constelação, nave louca
C G/B Am7 C/D G
A vida é pouca e o que vale é se querer
No clipe de divulgação, feito pela RBS - TV, em 1984, ficavam todos os integrantes
da banda juntos em um vagão de trem cantando. Novamente o trem, mas todos sendo
guiados e cantando juntos, não com os principais na locomotiva, demonstrando agora sua
inseparabilidade. Cria-se, desta forma, uma rede de sociabilidade entre eles, caracterizando
o movimento presente, as mudanças e experimentações de ritmos e instrumentos dos mais
diversos.
280
LUCENA, Daniel. In: EXPRESSO. Certos Amigos. Florianópolis: Som Livre e RBS DISCOS. 1985.
118
Cena do clipe: Certos Amigos. Direção: Luiz César da
Silva. RBS-TV, 1984. Filmado no trem e estação de São
Francisco do Sul – Joinville. Retirado em:
www.expressorural.com.br, acessado dia 07 de julho de
2008.
Faixa 1, lado A.
281
Em resposta em minha página de recados de Orkut dia 14 de abril de 2008.
282
Trecho da música Decalcomania In.: LUCENA, D. e VARASCHIN, V. EXPRESSO. Certos Amigos.
Florianópolis: Expresso Produções, 1985. Faixa 2 lado A.
283
FRIEDLANDER, Paul. Op. cit. p. 352
119
de rock brasileiras dos anos de 1980 formam-se, além deste contexto mundial já estar
concretizado, é nestes novos ritmos que se inspiram.284 A banda 48 Tubarão inspira-se
neste movimento tribal e compõe, em seu último disco, a canção A Tribo, de forma a
transmitir para os ouvintes a harmonia existente entre elas. A música começa com sons
primitivos, tambores e efeitos lembrando gritos de macacos. O arranjo da música dá
bastante espaço para a pulsação, bumbo e contrabaixo bem acentuados com compasso 4
por 4, tendo duas mínimas sucedidas por quatro colcheias, com influência de músicas
primitivas, sacrificial. Apropriando-me de Wisnik, seria música modal: “assinalo que na
música modal esses conflitos [sacrifícios rituais] são marcados pelas intensidades da
285
economia sacrificial de base, onde o ruído está sempre no limite de invadir o som” ,a
letra cantada com inflexão para influenciar a dança.
A escolha rítmica e os arranjos citados acima estão bem ligados com os temas da
letra: dança, tambores e pinturas. As tribos escolhidas também estão ligadas às tribos que o
rock troca influências, funk, Blues, Reggae, Soul, Trash ou Rap, alguns pouco difundidos
no Brasil quando a música foi lançada, em 1991. Esta afirmação de alguns estilos musicais
284
SOUZA, Fábio F. F. Op. cit.
285
WISNIK, José Miguel. O Som e o Sentido. São Paulo: Companhia das Letras, 2 ed. 2006. p. 34-35
286
MAY, Paulo & MAY, André. A Tribo. In.: Tubarão - Perdidos no Deserto. Florianópolis: RGE. 1991,
120
nega outros. No início da década de 1990, no Brasil, o rock perdia espaço nas rádios e
gravadoras para novos gêneros musicais, como sertanejo, pagode, brega romântico, Axé,
entre outros.287
O disco, como dito no primeiro capítulo, trazia mudanças na formação, a entrada de
Maurício Cavalheiro no vocal. Não quero discutir a qualidade do cantor, porém o vocalista
é o frontman da banda, o mais visto, mesmo não sendo o compositor ou o líder, é ele quem
conduz a banda ao público. O título do disco, Perdidos no Deserto, também era uma alusão
aos rumos incertos que as bandas estavam passando. Desta forma, uma música chamando
para a união neste momento remete à importância de juntarem-se para não deixar as bandas
e o movimento em que estavam passando acabar.
O rock, nascendo na contracultura, criou estas tribos, resolvendo conflitos
percebidos por estes jovens. Até mesmo músicas mais passionais, como a maioria gravada
neste último disco da Tubarão, davam espaços para as dúvidas e as contestações que a
banda queria dividir com seu público. Como a estudiosa Mônica Nogueira de Assis
comenta:
121
aparições de Roberto Carlos em filmes como: Roberto Carlos em Ritmo de Aventura ou
Roberto Carlos a 300 Quilômetros por Hora, com músicas do Rei, mas também
ressaltando o movimento juvenil da época. Porém, na década de 1980, os filmes ligados à
juventude não usavam um artista de sucesso para alavancar a produção, criaram roteiros e
convidaram vários músicos para demonstrar todo o movimento que estava acontecendo no
Brasil. Lael Rodrigues cria uma trilogia para apresentar esta juventude, em busca de fama
através da música e suas angústias de não querer seguir o rumo traçado pelos pais. São os
filmes Bete Balanço, Rock Estrela, e Rádio Pirata, que tinham como atrações músicos do
movimento rock do período no elenco.
Com o sucesso dos filmes, as gravadoras tiveram certeza de que era um ritmo
rentável, até porque era muito mais barato gravar o disco de uma banda de rock, com
músicos já na banda, sem precisar de muitas contratações ou gravação no exterior como
acontecia com os cantores de MPB.289
A mídia estrutura um universo capaz de agrupar diferentes tribos, cada uma
identificando-se com músicas e condutas éticas (como visões políticas e sociológicas) e
estéticas (vestuário e ritmos). A indústria cultural padroniza alguns destes valores éticos e
estéticos criando novas condutas para as tribos em formação. Sobre a rede de significados
presente nas tribos Valéria Brandini ressalta:
289
DIAS, Márcia Tosta. Os Donos da Voz – Indústria fonográfica brasileira e mundialização da cultura. 2
ed. São Paulo: Boitempo, 2008.
290
BRANDINI, Valéria. Op. cit. P. 14.
122
Medieval, vocalista da Vanaheim:
a comunidade, por sua vez, esgota sua energia na própria criação, ou,
eventualmente, recreação. Isso é o que permite estabelecer um laço entre a ética
comunitária e a solidariedade. Um dos aspectos marcantes dessa ligação é o
desenvolvimento do ritual. Como sabemos, esse não é propriamente teológico,
isto é, orientado para uma fim. Pelo contrário, ele é repetitivo e, por isso
mesmo, dá segurança.292
Ao conversar com alguns músicos que fizeram parte das bandas estudadas, como
Zeca Petry, Paulo Back, Murillo Valente e Airton Perrone, todos citaram que antes de pen-
sar em um contexto juvenil, problemas de gerações ou angústias, queriam era viver de mú-
sica. “A música que te escolhe” cita Petry. Esta vontade de viver mais com a música do que
a pertencer a determinada banda ou grupo é caracterizada, no mundo 48, pelas trocas de
músicos que existiam na época. Alguns tentando, inclusive, carreira solo, pois as modifica-
ções, brigas internas ou fim dos conjuntos os levavam a tentar outros meios de viver o rock
e do rock.
Muitos dos músicos tinham outras profissões. Paulo Back, por exemplo, é formado
em Arquitetura e Murillo Valente em Jornalismo. O modo de viver pelo rock era então, o
melhor caminho que encontraram. Alguns trancavam faculdade, pois a vontade de viver de
291
Entrevista concedida ao autor dia 05 de janeiro de 2009.
292
MAFFESOLI, Michel. O Tempo das Tribos. p.25
123
música era maior. A letra da canção Válvula de Escape, da Bandalheia explica bem este
sentimento:
A letra nega diretamente os conselhos familiares para um emprego formal, uma vi-
da que levaria o autor a ter uma vida de cão. Trancar faculdades escolhidas pelos próprios
músicos ou deixar empregos para tentar a vida de shows, demonstra esta vontade de fazer o
que gostam: viver de música.
Cantores da MPB divulgavam seus trabalhos através de festivais, patrocinados pelo
governo militar ou por emissoras de TV nacionais, como Rede Globo e Rede Record. Os
músicos catarinenses, ao tentarem seu espaço, sabiam da dificuldade de entrar nestes
festivais ou de promoverem-se como músicos. O Expresso Rural, para solucionar este
problema, montou um palco provisório no centro de Florianópolis, na praça XV de
Novembro, para apresentar suas canções para o povo. A surpresa foi a aglomeração que
surgiu de público, elogiando o som dos rapazes.294
Algumas iniciativas de apresentação também foram feitas por particulares. Com
base no Circo Voador295, instalado no Arpoador no Rio de Janeiro, foi criado, no ano de
1983, na Lagoa da Conceição em Florianópolis, a Lonazul, uma espécie de palco
293
GERA e CARLA, Válvula de Escape. . In.: Bandalheia – Otário. Florianópolis: Estúdio 156. 1988, Lado
B, música 02.
294
Paulo Back, em entrevista concedida ao autor dia 16 de setembro de 2008.
295
Um palco idealizado pelo grupo teatral Asdrúbal trouxe o Trombone na praia do Arpoador no Rio de
Janeiro em 1982. Entre as várias bandas que se apresentaram, destaco Kid Abelha e os Abóboras
Selvagens, Barão Vermelho, Lulu Santos e a própria Blitz. Como já dito, a banda florianopolitana Decalco
Mania também se apresentou lá.
124
alternativo para apresentações cênicas e musicais. Idealizado por Ney Piacentini e Fátima
Lima, o projeto aconteceu em dois anos, 1983 e 1984, o que consagrou inúmeras bandas.296
A Banda de Nêutrons retorna em 1984, especialmente para o evento, com uma levada mais
para o New Wave, deixando um pouco de lado o jazz. Ratones, Gota D´Água e Decalco
Mania foram outros grupos que participaram. A importância do projeto foi a divulgação e
fortalecimento de um movimento que estava acontecendo na Ilha, com fãs se esforçando
para poder assistir: “Eu lembro que numa das edições eu tive que voltar da Lagoa ao
Centro a pé. Era uma loucura.”297 A recordação da jornalista Lígia Gastaldi é um bom
modo de percebermos o estímulo dos jovens para participar de alguma forma. Se não
tocando ou atuando, assistindo, marcando presença no momento do acontecimento.
Os festivais eram bons divulgadores de trabalhos para bandas pouco conhecidas.
Todavia, também ocorreram, no período estudado, shows feitos em conjunto para uma
maior arrecadação de público. O show mais antigo que encontrei com várias destas bandas
aconteceu em 1982, no estádio Orlando Scarpelli, com as bandas: Expresso Rural, Ratones,
Convidado Especial e Banda de Nêutrons. Esta última, uma banda de rock progressivo que
tinha como um de seus integrantes Márcio Corrêa, posteriormente se tornou tecladista do
Expresso Rural.
296
O Estado 19 de fevereiro de 1984. p. 31.
297
Em entrevista concedida ao autor dia 05 de janeiro de 2009.
125
Durante os anos de 1980, vários destes festivais aconteceram com as bandas
citadas, mas alguns tiveram maior divulgação na mídia com uma visibilidade maior pelo
público, até mesmo, chamando bandas de renome nacional para crescer ainda mais o
público, como no caso do Antena 1 Rock Concert. Promovido, obviamente, pela rádio
Antena 1, teve a participação das bandas catarinenses: Burn, Alta Voltagem, Têmpera,
Decalco Mania, Olho D´Água e Capuchon, além dos cantores Beto Mondadori e Maurício.
Das bandas nacionais, ressalto as mais famosas, RPM, Made In Brasil e Gang 90 e os
cantores e Kiko Zambianchi, todos de São Paulo, e Lobão do Rio de Janeiro.298
Influenciado pelo Rock in Rio, este festival durou dois dias e nele os músicos trocaram
experiências e perceberam a postura no palco dos músicos de renome nacional, criando-se
assim, uma rede de sociabilidades entre os músicos por todo o Brasil. Lembrando que foi
neste ano que o Decalco havia feito uma mini turnê no Rio de Janeiro, deste modo, já era
uma banda com contatos fora de Santa Catarina.
A vontade de alcançar o público jovem foi o principal interesse da rádio Antena 1,
ao organizar um evento deste porte. Suas propagandas posteriores pautavam para este
público, direcionando o modo de ser do jovem, como o slogan encontrado em jornais dos
meses posteriores que demonstram isto:
298
O Estado. 22 de setembro de 1985, p.17.
126
nacionais voltados para o público jovem. A partir de 1986, abrem-se boites voltadas para
shows de público juvenil, trazendo muitas bandas nacionais para se apresentar. Agora,
como apresentações principais, dificultando o aparecimento de novas bandas.
Na década de 1980, alguns festivais se destacavam no cenário catarinense.
Percebendo um público cada vez maior escutando as músicas com levada mais pop-rock,
feitas para as mídias, algumas cidades apostam neste público. Em Florianópolis, as praias
foram palcos para alguns destes festivais, sendo o maior deles a Abertura do Verão.
Acontecendo na praia da Joaquina, teve grande repercussão na mídia, inclusive o
apresentador, colunista do jornal O Estado na época, Cacau Menezes, realizou sorteio de
bicicleta para melhor performance entre um rapaz qualquer do público que estivesse de
cueca verde e uma moça com calcinha roxa, para dar um clima de descontração no
espetáculo.299 Importante destacar que este festival foi voltado para bandas locais,
organizado pela prefeitura de Florianópolis. Apenas Sandra de Sá foi a atração nacional,
porém, os elogios de Rosane Porto e de Cacau Menezes, os dois no jornal O Estado, foram
para as bandas Decalco Mania e Ratones, ambas do mundo 48. Estes dois jornalistas
citados, ao comentar sobre o evento, discordam no sucesso deste. Rosane divulga, em
matéria de capa, que o vento sul e a repressão policial abafaram o público, não tendo
platéia suficiente para ser considerado um bom evento, enquanto Cacau discorda da colega,
chegando a citar o programa dominical da Rede Globo, o Fantástico, divulgando o sucesso
do evento.300
Os Festivais foi um modo em que as prefeituras encontraram para “presentear” a
população. Nos anos de 1980, as bandas escolhidas para tocar em shows e festivais, tanto
em cidades do interior, como na capital, eram grupos catarinenses de sucesso, tratados
como grandes astros. Percebo uma diminuição nas apresentações de bandas locais a partir
de 1986, um ano depois do Rock in Rio, festival em que bandas como Blitz e Barão
Vermelho tiveram grande repercussão nacional, aumentando seus shows para outros estados
fora de eixo Rio - São Paulo, enquanto nestas cidades aumenta o número de grupos e
cantores internacionais. Se percebermos, até o final dos anos de 1990, os espetáculos são
com apenas bandas de renome nacional. O Planeta Atlântida, promovido pela rádio
299
PORTO, Roseane. Vento Sul compete com descontração na Joaquina. In.: O Estado. 27 de dezembro de
1984. p 05.
300
O Estado. 27 de dezembro de 1984. p. 17.
127
Atlântida do Grupo RBS, é um bom exemplo, considerado, por algumas mídias, o maior
festival de verão de Santa Catarina. Quando há bandas locais, tocam ainda à tarde ou
apenas para abrir o festival, ou então são colocadas em palco alternativo, não mais como
atração principal, como no caso da Abertura do Verão citado anteriormente ou do Antena 1
Rock in Concert, em que mesmo com bandas nacionais, o tratamento, pelo menos em
divulgação e respostas dos jornais, foi maior para as bandas locais.
Outra forma de vencer as dificuldades encontradas era através da gravação e
divulgação de um disco em conjuntos com outras bandas. Assim, os dois grupos 48,
Tubarão e Expresso, optaram por gravar cada grupo um lado do disco, lançado em 1988. O
terceiro disco do Expresso era para chamar-se Ímpar e ser apenas do Expresso, assim como
o Tubarão estava gravando seu 1º LP solo, mas com a crise afetando a indústria fonográfica
no Brasil, este teve que ser o resultado.
Mudanças, trocas, instabilidades, conflitos, são características próprias dos
jovens301. Segundo Maffesoli, também no rock: “enfim, como indício da volta à errância
nas sociedades contemporâneas, pode-se lembrar uma idéia obsedante marcando a história
do rock, o tema da ‘pedra que rola’, uma constante que merece atenção” 302
As mudanças, muitas vezes, também estão marcadas com a lógica do mercado da
indústria cultural, principalmente quando relacionada à cultura de massa, como o rock.
Mesmo Juca May, que cita “nunca tive a pretensão de viver de música, embora tenha ganho
um bom dinheiro com ela. Eu sou médico, meu irmão (Deca May, contrabaixista do grupo)
é advogado / empresário e o Beto (Chede, baterista da banda que permaneceu por mais
303
tempo) engenheiro químico / comerciante” , em outro momento, registra os motivos da
mudança de Ratones para Tubarão:
301
“Todos os jovens ocupam uma posição de transição semelhante assim que saem da família em que foram
criados para o sistema econômico e social ao qual devem afinal adequar-se; todos os jovens possuem, em
outras palavras, um status marginal.” In.: FRITH, Simon. Rock as Leisure. In.: Sound Effects: youth,
leisure and the politics of rock´n roll. New York: Pantheon Books, 1981, p. 20. Concordo com o autor ao
considerar as dificuldades da adolescência, não importando se rebelde ou não, mas não generalizo como
Frith ao considerar a dificuldade na transição por “todos” os jovens. Vejo esta generalização semelhante à
percepção massificada presente no século XX.
302
MAFFESOLI, Michel. Sobre o Nomadismo – vagabundagens pós-modernas. Tradução: Marcos de
Castro. Rio de Janeiro: Record, 2001. p. 34.
303
Entrevista concedida em minha página de recados do Orkut dia 26 de setembro de 2007
128
prá outra, nos vestimos de "new wave", com aqueles infames paletós com
ombreiras, mudamos os arranjos das músicas (o Ratones passou tudo pro
português e virou Tubarão), colocamos aquele chorus304 obrigatório no som das
guitarras, um sintetizador (teclado era quase que obrigatório na época) e
deixamos os grooves mais mecânicos/eletrônicos. Daí...voilá! Duas bandas "new
wave" nas paradas.305
A indústria cultural pode não ser determinante, mas no caso do Tubarão, fez
diferença a idéia da gravadora. A percepção do que está acontecendo e principalmente quais
os estilos que estavam fazendo sucesso, foi determinante nas mudanças, não como forma de
perda de identidade. Está em constante construção como Hall já afirmou, mas construindo-
as conforme uma absorção econômica e cultural da indústria. Afinal, o sonho de ser um
pop-star está ligado à identidade do público com sua música. A decodificação passa a ter
um propósito maior, a idéia de sucesso. Porém, suas letras e células rítmicas continuam
semelhantes, modificam-se os arranjos, velocidades e estilo visual.
304
Este efeito cria a multiplicação da fonte sonora por meio da combinação de um delay bem curto [...] com
leves desvios de tonalidade e afinação. Delay: Efeito que cria repetições de um mesmo som.
305
Na página do MySpace da banda:
http://profile.myspace.com/index.cfm?fuseaction=user.viewprofile&friendid=138712944. Em 20 de abril
de 2008.
129
resolveram se unir e gravar um disco conjunto. Vem desta idéia o disco Projeto Ilha306.
Gravado e produzido no Estúdio Mix, em São José, de Chico Thives, ex-Grupo Engenho,
trazia músicas, além do próprio Chico, de grupos como Camisa de Força, Seixo Rolado,
Século Astral, Anjo, Sobrinhos de Beethoven (este tinha como tecladista um molequinho
chamado Carlos Trilha, que depois tocou com Tubarão, Tiamats e faria carreira nacional
tocando com Leo Jaime, Legião Urbana e hoje toca no grupo Tantra além de ser sideman
da cantora Ana Carolina), além do cantor e compositor Rogério Orozko, que depois gravou
um disco solo. Esta pode ser considerada a primeira tentativa independente de grupos se
firmarem no cenário rock da cidade. Independente, pois foram as próprias bandas que
arcaram com os custos do projeto, e a distribuição foi feita pelos mesmos nas lojas.307 Para
o produtor Charles Monforte, divulgador da gravadora e produtora paulista, Paradoxx:
306
O Estado 21 de agosto de 1985, 2º Caderno.
307
Ibdem.
308
Apud: BRANDINI, Valéria. Op. Cit. P. 66.
130
identificados pela banda como parte de sua tribo. A divulgação passa pelo modo artesanal,
levando os discos nos shows para vender, cartazes artesanais e folders para apresentar a
banda para o público.
Rebelde do voz
Felino e feroz
Posso ser
Repente de tons
Que o vento espalhou
309
SEARA, Guto. Deuses Violeiros. In.: Projeto Ilha. São José: Estúdio Mix, 1985. Lado B, música 04.
132
Ponho fé num caminho
Que me faça sentido
Mas não ando sozinho
Sempre nós
310
Informações obtidas no encarte: Projeto Ilha. São José: Estúdio Mix, 1985.
133
encontradas na produção de um LP.
Na década de 1980, eram comuns os LP´s com vários compositores, conhecidos
como “pau-de-sebo” pela idéia principal da gravadora: apresentar vários grupos para o
público. O que se sobressair grava um LP sozinho. Neste trabalho, o motivo do
agrupamento e várias faixas de artistas diferentes não é a competição, mas um
fortalecimento para enfrentarem a mídia excludente para novidades e as dificuldades
financeiras encontradas.
Com o sucesso do projeto, em 1987, acontece o Projeto Ilha II. Este, porém, mais
ligado aos músicos de carreira solo. Dos participantes da versão anterior, retornam Chico
Thives, Orozko e, agora solo, Carlos Trilha. Apenas duas bandas participam: Metrópolis
com duas composições e Terra Verde. Neste projeto, as bandas também arcaram com os
custos de cada música, alguns conseguindo patrocínios, lembrando que já havia entrado em
vigor a chamada Lei Sarney para incentivar a cultura.
As trocas continuam existindo. Os músicos mesclando-se em diferentes canções,
como uma banda única. Carlos Trilha, por exemplo, além de compor e tocar a única música
instrumental dos dois Projetos, toca teclados com Orozko, banda Metrópolis, Jorge Lacerda
e Daisy, só para citar um exemplo. Os temas das canções continuam sugerindo a ruralidade,
com títulos como Terra Verde, Luz da Manhã ou Céu Azul II, ressaltando características da
natureza. As letras também traziam este tema: “belo como flor de laranjeira / meu amor
nasce à beira / de um riacho de ilusão” 311 assim inicia-se a música Belo de Jorge Lacerda.
O arranjo também segue estes padrões. Quase todas as músicas têm o violão como
instrumento principal, tocado com dedilhados fortes. As exceções ficam com a
instrumental Sideralismo, de Carlos Trilha e as duas composições da Metropólis: 747 e
Diferenças.
Semanas se passaram
Tanto tempo sem te ver
Beijos se gastaram
Noites em claro sem você
Amores impossíveis
311
LACERDA, Jorge Tavares de. Belo. In.: Projeto Ilha II. São José: Estúdio Mix, 1987. Lado B, música 01.
312
GOEDERT, Mauro & Gomes, Wilfredo. 747. In.: Projeto Ilha II. São José: Estúdio Mix, 1987. Lado A,
música 04.
134
Queria mesmo era te ver
Agora eu já sei
O 747 tomei
Agora meu bem
Só no ano que vem ...
Copos se quebraram
Um adeus então gelei
Histórias mal contadas
Nosso caso terminei
Capa: Projeto Ilha. São José: Estúdio Capa: Projeto Ilha II. São José: Estúdio
Mix, 1985. Mix, 1987.
135
Perfeito”, de 1985. Alguns integrantes do Expresso (Daniel Lucena e Volnei Varaschin)
fazem uma coletânea com os principais músicos com levadas rock de Florianópolis,
(diferente do antigo projeto da RBS, Som da Gente de 1984, com artistas catarinenses, não
importando o ritmo, com Engenho, Expresso Rural, entre outros) tentando, desta forma,
obter mais espaço em rádios, shows e nas gravadoras.
Para a produção deste disco, foi criado um selo independente. Diferente do Projeto
Ilha, não era uma gravadora. Alugaram um estúdio em São Paulo, Estúdio Mosh, e os
músicos viajaram até lá para fazer as gravações. Tinham produtores do selo, não foi feita a
produção por cada uma das bandas, mas sim por Ricardo Pilatti e Beto Mondadori, donos
do selo Jacaré Produções. De acordo com a socióloga Valéria Brandini, os selos foram
criados para fazer frente às grandes empresas, usando de seu aparato tecnológico para os
autores gravarem seus discos. Nos anos de 1980 e início dos anos 1990, o selo foi se
difundido pelo número de bandas que iam se formando e as poucas portas abertas para
mostrarem seu trabalho313.
313
BRANDINI, Op. cit. pp.62-64
314
Ibdem. p 63.
136
O selo Jacaré Produções fez apenas um trabalho, uma coletânea com os principais
músicos que se identificaram com o padrão estético musical do rock oitentista, pós-punk
principalmente as levadas de New Wave, como as bandas Decalco Mania, Alta Voltagem,
Vanaheim, Olho D’água e Big Ben, além de músicos solos como Beto Mondadori, Daniel
Lucena e Fernando Bahia, tentando, desta forma, obter mais espaço em rádios, shows e
gravadoras. A canção principal do disco, “Crime Perfeito”, é uma grande festa com todos
os cantores fazendo o vocal de cada estrofe e cantando, juntos, o refrão. Semelhante aos
projetos de ajuda humanitários tão famosos nos anos 80, mas com grande irreverência por
parte dos integrantes, demonstrando sua luta para conseguir manter o rock ilhéu:
Podendo barbarizar
E sem aviso trocar
Segundo nosso conceitcho
315
LUCENA, D. e VARASCHIN, V. Crime Perfeito. In.: LUCENA e VARASCHIN (org.). Crime Perfeito.
Florianópolis: Jacaré Produções. 1986. Faixa 5, lado B.
137
A grana que pintar
A gente pode aplicar
Em outro crime perfeitcho
316
Daniel Lucena em entrevista concedida ao autor dia 22 de outubro de 2007.
317
MAFFESOLI, Michel. A Parte do Diabo – Resumo da subversão pós-moderna. Rio de Janeiro: Editora
138
uma grande vendagem e assim, talvez, facilitando a gravação de discos solos e o
crescimento do rock ilhéu.
A destruição da ponte Hercílio Luz demonstra a visão da cidade como um ator
social, com os roqueiros atacando-a para contrariar as normas impostas. Segundo
Maurício Muniz, o idealizador da capa: “olha, quase todo mundo gostou de cara da
idéia, sempre tive problemas com as pontes e quando falaram o nome eu pensei num
crime perfeito, não do sentido da expressão, mas do ponto de vista da perfeição pra
cidade, sem ponte, sem turistas, sem invasores”318. Cerutti aborda a importância de
perceber a cidade como este ator, pois
A relação cidade / ator social merece um pouco de atenção, pois é neste ator que
terão as formações dos grupos sociais. O projeto teve apoio da secretaria da cultura do
Estado. Porém, quando questionado sobre este apoio, Daniel Lucena aborda o mínimo
apoio que tiveram, apenas alguma pequena contribuição320. A própria letra cita as
instituições sociais líderes da sociedade: família, Igreja e estado, com os músicos
pedindo sua contribuição para a concretização do trabalho. Apesar de contribuir para
projetos como o “Crime Perfeito”, são os compositores (aqui também sociais) que
escolhem as músicas e todo o projeto gráfico, então há a contribuição, mas são estes
compositores que desenvolvem o fato estudado, a composição do disco, como diz nos
créditos finais, ao identificar os músicos na última faixa “vocal: todos ‘Cúmplices’”.321
139
A idéia destes jovens “criminosos” poderia estar sendo motivada pela ponte ter sido
interditada, ficando sobressalente, tendo que dar lugar ao novo, como eles queriam,
sobressair-se do antigo. Mesmo que a brincadeira de se apropriar do sotaque dos
moradores do continente e a destruição da ponte possa ser uma referência à separação da
ilha com o Estreito, vale lembrar sobre a interdição da ponte Hercílio Luz em 1982, e a
única ligação com o continente era pela ponte Colombo Sales, inaugurada em 1975.
Somente em 1991, com a finalização das obras da terceira ponte (Pedro Ivo), é que
voltou à Colombo Sales não ser mais a única. A ponte Colombo Sales foi a única
ligação entre a região insular com a continental. Explodir a Hercílio Luz não
representaria a separação, desta forma é a explosão da ordem instituída, do antigo de
Florianópolis, para assim construírem uma nova cidade.
Produções era do Daniel Lucena, Beto Mondadori e Ricardo Pillati, e até mesmo o símbolo tem a relação
140
3.4 Aeroforça - Os espaços do rock
141
O cientista social Pablo Ornelas Rosa, em seu ensaio sobre o antigo bar Underground de
Florianópolis, ressalta esta importância: “é impossível compreender os atores sociais, as
tribos urbanas e as bandas de rock underground sem descrever os espaços e principalmente
os territórios em que estes compartilham suas vivências” 325.
Lugares para se escutar, tocar ou apenas curtir rock no início da década de 1980, na
grande Florianópolis, eram escassos. O Teatro Álvares de Carvalho – TAC era praticamente
o único espaço possível para apresentações musicais. Apenas após a inauguração do Centro
Integrado de Cultura – CIC abre-se mais espaço para estas apresentações.
Os teatros representavam o melhor modo das bandas do período controlarem o
público pagante. Porém, alguns integrantes de bandas não percebem o teatro como espaço
para rock. Entre eles, Murillo Valente: “O CIC era o único lugar que cabia mil pagantes,
[...] depois do Decalco proibiram a realização de shows de rock no CIC, porque quebraram
326
as cadeiras todas” . A necessidade de um espaço torna-se presente com esta fala de
Murillo, pois o teatro era o único lugar com capacidade para um grande público de rock,
somente espetáculos, com várias bandas ou cantores internacionais, aconteciam em
estádios. No CIC, porém, suas acomodações não era estruturadas para o determinado
público em questão. Para as bandas recém formadas, sem uma gravadora por trás para
apoiá-los e divulgá-los, os espaços de divulgação eram extremamente importantes. Além da
rádio, tinham que se fazer presentes para o público, pois muitas vezes o LP demorava para
ser produzido, quando a banda conseguia esta produção.
No período anterior ao Rock in Rio, as bandas nacionais e internacionais eram
pouco conhecidas no cenário musical catarinense, deixando os espaços para as locais. Ao
serem questionados sobre o apoio governamental, os integrantes do Expresso Rural
percebem exatamente o contrário. Quando a prefeitura ou governo estadual elaboravam
festivais ou shows, como a inauguração do Terminal Rita Maria, convidava-os para
participar, pois sabiam que teriam casa lotada, bandas locais, com boa recepção do público,
aparecendo na mídia e com baixo custo à organização, não precisando pagar transporte ou
hospedagem.327
Apresentações em colégios e festivais também foram comuns no período estudado.
142
A primeira apresentação da banda Decalco Mania, o show intitulado Aeroforça328, foi no
colégio Barddal, lotando o ginásio, demonstrando como os colégios poderiam abrir espaço
para os músicos locais.
Os shows em colégios de ensino médio reportam bem a idéia de juventude, com o
público bem específico em seu território social mais tradicional. Estes shows em escolas
têm um fator de duplo interesse. São as bandas desenvolvendo sua arte para seu público,
divulgando seu material, mas também há, por parte dos diretores destes colégios, o interes-
se na publicidade, demonstrando para seus alunos e possíveis alunos, como são preocupa-
dos com a cultura própria do jovem, não apenas com a cultura tradicional e erudita. Tam-
bém vale a pena ressaltar que muitas das bandas eram formadas por alunos ou ex-alunos
das escolas. Assim, os atuais estudantes poderiam se espelhar nos músicos e formar novas
bandas. Esta abertura dos colégios para este novo tipo de cultura está muito ligada à idéia
de transgressão dos valores. Colégios como o Catarinense, jesuíta, sabiam que os seus es-
tudantes se identificavam com este movimento de rock e não se importavam com suas le-
tras ou ritmos fora do erudito, mais ligados a cultura popular, dando importância para os
sentidos expressos para os alunos e não para seus pais.
Viver na cidade é um dos problemas mais relatados pelos músicos estudados.
Dilemas pessoais, sendo que muitas vezes é a cidade a causadora dos conflitos.
Desencontros amorosos nada mais são que aspectos comuns do dia-a-dia urbano. No
segundo capítulo, abordei algumas das visões que marcaram a transição de uma cidade
com a vinda de migrantes de meios rurais. Abordarei agora como os jovens demonstram,
em sua canção, viver na cidade, nascidos e criados em centros urbanos. No final da década
de 1980, o grupo Know How cantam Ilusão, mesclando a vida urbana com relações
amorosas.
327
Entrevista concedida ao autor dia 22 de outubro de 2007.
328
Segundo Iran Mello o nome é para caracterizar o “comportamento leve, por isso aero, do ar, de onde vêm
coisas não táteis, pensamentos, correntes, modismos que sintetizamos para fazer surgir nossas idéias. (...)
Além disso, a melhor referência para se saber das coisas do planeta é olhá-lo de cima; afinal, nessa hora a
gente sente a fragilidade de nossa condição de humanos” citados em reportagem pelo jornal O Estado 14
de setembro de 1984, p. 24.
143
Ilusão329 (canção 08)
Corações de pessoas
Que procuram uma luz no fim do túnel
Restos de amizade
Sim eu sei
Que a vida não demora
Ela passa aqui e agora
329
MARCUCCI, Leandro. Ilusão. In.: Know How. Porto Alegre: Produção Independente. 1990. Música 01
Lado B
144
foi diferente. Mas, apesar do número de bandas surgindo na cidade, também há o interesse
de bandas de caráter nacional, como Ultraje a Rigor e Titãs. Taj Mahal e Ópera Rock são
exemplos dos novos espaços que surgem. Ligados diretamente com o estilo que despontava
em cenário nacional, trazem bandas nacionais e divulgam as locais para o lazer de seus fre-
qüentadores, além de representar esta característica em seu público, jovens de classe média,
intelectualizados, preocupados com o lazer da música, não mais os jovens politicamente
engajados, mas estes novos, mais consumistas e levados pelo prazer.330
Estes acordos e engajamentos para uma melhoria no cenário musical catarinense fi-
cam baseados apenas em ajudas mútuas com fins culturais, como citado no início do capí-
tulo. Esta foi uma geração pouco politizada em termos de organizações políticas, mas inte-
lectuais bem ligados a temas culturais, querendo mudar a política pela música, sem a preo-
cupação com as instituições. Em 1986, com o advento de várias bandas, alguns músicos
encabeçados por Fernando Bahia, ex-Asa de Morcego, tentaram convocar os músicos para
uma associação e assim criarem um sindicato, pois acreditavam que a concorrência estava
apenas favorecendo os donos de bares e casas para os shows e os músicos pouco se benefi-
ciavam com isso. Porém, ao convocar os músicos para discussões em reuniões, poucos se
faziam presentes, alguns alegando falta de tempo, outros de interesse.331 As relações neo-
tribais, novamente Maffesoli, se ligam aqui pela cultura, não por laços políticos. Tem rela-
ção direta com sua principal identificação cultural, mesmo ligando-se com grupos de dife-
rentes estilos de rock, no contato político essas ligações emocionais são quebradas ou rare-
feitas.332 Outra música do grupo Tubarão demonstra o egoísmo existente para alcançar o
sucesso:
330
FRITH, Simon. Music and Pleasure: Essays in the sociology of pop. New York: Routledge. 1988.
331
SELIGMANN, Airton. Os Músicos Vão á Luta. In.: O Estado, 30 de junho de 1986. p. 08.
332
Para Maffesoli é sim possível existir as comunidades emocionais através da política, mas o sociólogo
francês percebe nas tribos pós-1950 uma ligação maior com a cultura. No Brasil podemos perceber isto
apenas na década de 1980, pois anteriormente sob a égide do regime militar os laços políticos contra-
culturais eram muito fortes.
333
MAY, Juca & MAY, Deka. Todos por Mim. In.: Tubarão – Perdidos No Deserto. Florianópolis: RGE,
1991. Lado B, música 02.
145
Deixe então como está
Eu acho que é melhor assim
De um jeito ou de outro
Eu vou me virar
Um por todos e todos por mim – assim
334
Em entrevista concedida ao autor dia 15 de setembro de 2008.
335
Ibidem
146
3.5 Som da Gente: Construção midiática dos jovens no Mundo 48.
336
DAPIEVE, Arthur. Brock – o rock brasileiro dos anos 80. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995.
337
Informações obtidas com a banda Expresso Rural em entrevista concedida ao autor dia 22 de outubro de
2007.
338
Estas informações foram conseguidas através de pesquisa feita nos jornais O Estado, de 1982 a 1990 e
Diário Catarinense, 1986 a 1992, também a jornalista Lígia Gastaldi informa o mesmo em entrevista dia
05 de janeiro de 2009.
147
bandas” 339.
Divulgação por esta emissora também acontecia através de clipes. A banda Decalco
Mania faz seu primeiro show no ginásio do Colégio Barddal, com público lotado. Quando
questionados sobre isto, Murillo Valente e Airton Perrone analisam que o videoclipe feito
antes para a RBS, da música Aeroforça e a divulgação do show pelo jornal O Estado foram
essenciais, mas lembram que só conseguiram porque a música era boa. O público conheceu
e, principalmente, gostou do que estava ouvindo. O especial feito em 1984 com a banda
Expresso Rural, todas as músicas do primeiro LP foram transformadas em videoclipe,
gravado em Águas Mornas, e transmitido pela RBS - TV. O videoclipe traz uma nova
experiência para apreciar uma música. Para Peter Wicke:
339
Entrevista concedida ao autor dia 22 de outubro de 2007.
340
WICKE, Peter. Rock Music. Op.cit. p.162
148
classificado como rock, ainda que rural. Outros que fizeram parte da coletânea foram:
Grupo Engenho, banda de maior sucesso em Santa Catarina no período do lançamento;
Renato Botelho, posteriormente forma a banda Olho D`Água, nome da música gravada
neste disco(canção 10); Zuvaldo Ribeiro e Grupo Grande Pássaro; Regional do Zequinha;
Ricardo Boppré; Beto Mondadori, sua música também estava fazendo grande sucesso,
Suco de Imaginação(canção 11); e Frank, compondo a música tema, apesar de não fazer
muito sucesso, Som da Gente342(canção 12).
Gravar um disco ou ter sua música veiculada a uma gravadora de uma emissora de
TV é uma maneira de mostrar seu trabalho e ter a aprovação, ou não, do público. A maioria
das composições apresentadas tinha uma levada mais rural, sem ligação ao movimento
jovem que estava constituindo a nova mídia brasileira. Desta forma, apenas alguns
conseguiram dar continuidade para os trabalhos. Esta afirmação pode ser exemplificada
através de duas bandas, o Grupo Engenho e o Expresso Rural. A primeira acabou um mês
antes do lançamento do disco anunciando o fim durante o show de 1º de maio com
Expresso Rural e Beto Mondadori, patrocinado pela RBS. Brigas internas, discussões sobre
o sucesso e os rumos da banda levaram a sua fragmentação. Assim como no Expresso
Rural, ocorreram brigas e o quase fim da banda343. Porém, ao aproveitarem o bom
momento que estavam passando com a divulgação e sabendo transformar-se para continuar
na mídia, se tornaram a banda de maior sucesso nos anos 1980 em Santa Catarina.
Aproveitaram o sucesso e souberam usufruir das vantagens de uma ligação com a RBS,
esta também divulgando o material do grupo, convidando-os para programas e festivais,
sabia que teriam público garantido e seu nome bem visto pelos jovens consumidores.344
341
O Estado 15 de agosto de 1984. p. 15.
342
Contra –capa de Som da Gente. Florianópolis: RBS Discos e Som Livre. 1984.
343
O Estado, 03 de maio de 1984. p. 21.
344
Análise feita pelo grupo em entrevista concedida ao autor dia 22 de outubro de 2007. Também concordo
com esta afirmação, tendo por base o processo midiático analisado por Hall, sabendo o que o público
deseja, a mídia massifica este desejo, aumentando seus lucros, mas também ajudando o artista.
149
Capa e contra-capa: Som da Gente. Florianópolis: RBS Discos e Som Livre. 1984. Arquivo pessoal.
345
DIAS, Márcia T. Op. Cit.p. 65.
150
Ter a música dentro do casting da Rede Globo era algo almejado por vários
músicos, podendo até mesmo, modificar seu estilo ou toda sua roupagem para alcançar o
sucesso através desta mídia. No caso de Santa Catarina, o exemplo mais significativo, é a
banda Kromo, que se modifica para Stryx. Mesmo possuindo material próprio, ao
assinarem com a Sony, os rapazes permitem ter toda sua característica estética criada por
dois produtores, Ricardo Leão e Victor Chicri. Para os rapazes, isto aconteceu de forma
positiva, segundo o jornalista Pedro Leite:
a troca, que a princípio poderia ser vista como uma violência ao trabalho do
grupo, é avaliada como positiva pelos garotos. Tanto que eles abdicaram de
compor e optaram por um trabalho mais comercial. Sem receios eles enfatizam
que: “Esse é o disco que a gente sempre quis fazer, mas não conseguia por falta
de recursos em Florianópolis” 346.
Antes mesmo de gravarem este LP, a Sony consegue vincular a banda a uma novela
da Rede Globo, Araponga. Novela com horário diferenciado, após a tradicional novela das
08:00h PM, os rapazes tocavam a música Estou de Volta.
346
LEITE, Pedro. Stryx para o Brasil. In.: Diário Catarinense – Caderno de Variedades. 14 de maio de
1991, capa.
347
STRYX, Estou de Volta. In.: Araponga. Rio de Janeiro: Som Livre. 1990. Lado A, música 06.
151
Mesmo querendo o tempo inteiro você
Experimentei um outro prazer
152
consumo de determinado produto. Codificar o que os jovens querem ver é um dos modos
de conseguir sua audiência e, portanto, vender seu produto. Esta relação de cultura jovem e
consumismo está diretamente ligada desde o pós-guerra. Exemplo disto é o sucesso de
Elvis Presley, sucedendo Chuck Berry. A indústria cultural investe apenas em Elvis, pois
era branco, cantando músicas que já eram cantadas por negros. Porém, se negros
aparecessem não venderiam tanto.348 O desenvolvimento da cultura midiática do pós-
guerra está ligado ao aumento da produção de massa dos bens de consumo. Para Janotti
Junior, “a apropriação cultural envolve determinadas produções de sentido que, apesar de
fazer parte do mercado midiático, não podem ser reduzidas aos índices de audiência ou
vendagem.” 349 Para o autor, este consumismo posiciona e transforma em objetos culturais,
fazendo da cultura jovem do pós-guerra, nos países ocidentais, uma forma de ser ligada ao
consumismo e buscando sempre as novidades que esta indústria cultural produz. Citando
Canclini:
Escolher algumas bandas para “apadrinhar” é processo corrente das empresas midi-
áticas. Para conseguirem o sucesso deste ou daquele artista, a indústria cultural cria hábi-
tos, ou codifica os hábitos das cidades, massificando-os. O uso televisivo citado anterior-
mente cria imagens dos artistas ligadas a suas músicas. Estas imagens correspondem ao
que o espectador espera da banda e leva-o a buscar consumir o produto ali presente, seja
um produto à venda propriamente dito com o músico garoto propaganda, ou as roupas e
objetos ligados ao músico. De acordo com Simon Frith:
348
FRIEDLANDER, Paul. Op. cit.
349
JANOTTI JUNIOR, Jeder Silveira. MÍDIA, CULTURA JUVENIL E ROCK AND ROLL:
COMUNIDADES, TRIBOS E GRUPAMENTOS URBANOS. Trabalho apresentado no Núcleo de
Comunicação e Cultura das Minorias, Belo Horizonte/MG: XXVI Congresso Anual em Ciência da
Comunicação, 02 a 06 de setembro de 2003.
350
Apud: JANOTTI Junior. Op.cit.
153
se as relações são constituídas em práticas culturais, então nosso senso de
identidade e diferença é estabelecido no processo de discriminação. E isso é tão
importante para o popula massivor como para as atividades culturais burguesas,
importante igualmente para os níveis mais íntimos da sociabilidade (um aspecto
do modo como as redes de amizade e namoro são organizadas) e os mais
anônimos níveis de escolhas mercadológicas (o modo como as indústrias da
moda e da propaganda procuram nos posicionar socialmente traduzindo
julgamentos individuais do que gostamos e desgostamos em padrões de venda).
Essas relações entre julgamentos estéticos são claramente cruciais para as
práticas da cultura popular massiva, para os gêneros, cultos e subculturas351
351
FRITH, Simon. Performing Rites: on the value of popular music. Cambridge/Massachusett: Havard
University Press, 1998. p. 18. Tradução do autor.
352
WICKE, Peter. Op. cit. p.159
353
Informação concedida pela jornalista Lígia Gastaldi em entrevista dia 05 de janeiro de 2008.
154
prias355. Do Tubarão, Juca parte para carreira médica, Deca advocacia e Beto Chede abre
uma farmácia após o fim do grupo.356 A Decalco Mania acabou suas atividades antes do
final da década de 1980. Alguns de seus integrantes na década de 1990 continuaram com
trabalhos com música, Kaw Regis trabalhando como músico na Inglaterra, Robson Dias
tocando contrabaixo na Get Back e Murillo Valente com trabalhos solo ou com seu estúdio
de gravação o Tundum. Outros partiram para áreas artísticas diferentes, como Iran Mello
trabalhando como ator no Rio de Janeiro e Airton Perrone viajando pela Europa e Brasil
coordenando vários projetos artísticos ligados às artes plásticas, musicais ou cênicas. Hoje,
trabalha como coordenador artístico no Espaço Cultural Sol da Terra, na Lagoa da Concei-
ção.357 Saliento que cito apenas quatro das bandas catarinenses analisadas nesta disserta-
ção.
Todavia, é na década de 1990 que aparecem bandas preocupadas com a regionali-
dade. Skank em Minas Gerais, Raimundos de Brasília, mas tocando o que apelidaram de
forrócore, Chico Scienci & Nação Zumbi de Pernambuco358. Explodem na mídia, viram
sucesso nacional e demonstram uma nova fase do rock brasileiro. O grupo RBS passa a
apoiar os rapazes do Dazaranha, considerados os precursores do Manébeat, ritmo que mis-
tura rock com sons da Ilha de Santa Catarina, Marco Antonio Souza cita reportagem do
Diário Catarinense sobre o lançamento do primeiro CD do Dazaranha em que ressalta a
açorianidade presente: “o grande diferencial do Daza é o fato de ter sido a pioneira em
mesclar elementos do folclore ilhéu com as novas tendências musicais. Guitarras sublinha-
das por bumbos, boi-de-mamão com capoeira, pirão de peixe com bateria. O Daza é a cara
da ilha e se fosse do centro do país ou do nordeste, já tinha emplacado na mídia nacional a
bem mais tempo”.359. Sobre este movimento Tatyana Jacques ressalta que:
354
Que Rock é Esse? Op. cit.
355
Entrevista concedida ao autor dia 22 de outubro de 2007.
356
Informações obtidas por Juca May em entrevista via Orkut em minha página de recados dia 07 de agosto
de 2007.
357
Informações concedidas por Airton Perrone em entrevista concedida ao autor dia 17 de setembro de 2008.
358
Que Rock é Esse? – A História do Rock Brasileiro Contada por Alguns de seus Ícones. Rio de Janeiro:
Editora Globo, 2008.
359
Diário Catarinense, 29 março de 1996. Apud: SOUZA, Marco Antonio Ferreira de. Da sanfona ao
violino, do violão à guitarra: Florianópolis na música do Grupo Engenho e do Dazaranha,1980 – 2000.
Trabalho apresentado para disciplina História Cultural. Departamento de pós-graduação em História.
Florianópolis: CFH – UFSC, 2008.
155
da música” (Maheirie, 2001: 156) a partir do resgate de elementos percebidos
pelos músicos como próprios da cultura de Florianópolis. Entre esses elementos,
figura a idéia de açorianidade, presente no próprio nome do movimento, que
significa “batida do mané” (: 155). Assim, a partir da acentuação do “local”
frente ao “global”, essas bandas, de características musicais diversas, buscam
“projetar Florianópolis musicalmente em todo o território nacional” (:161).360
Sobre esta nova década seria necessário um trabalho à parte. Quem eram os novos
músicos que despontavam no cenário 48? Se continuou existindo este Mundo 48? O que as
canções estavam transmitindo para o novo perfil de jovem desta nova década? São questi-
onamentos que não conseguiria responder em poucas linhas. Apenas queria ressaltar as in-
fluências açorianas nestes músicos de 1990, diferente dos jovens da década de 1980 que
representaram o fim da açorianidade explodindo a Ponte Hercílio Luz, mesmo ela estando
desativada. No início da década de 1990 ela é reativada, por pouco tempo e apenas para
pequenos veículos e pedestres, na mesma época do surgimento do Manébeat. Deixo para
futuros pesquisadores responderem se o movimento querendo o retorno da açorianidade foi
fraco e passageiro como o retorno da Hercílio Luz, ou foi construído sob a perspectiva de
preservação da Ponte e com ajuda de novidades como a construção da Pedro Ivo Campos.
360
JACQUES, Tatyana de A. Op. cit. P.44.
156
CONSIDERAÇÕES FINAIS – Um Revival
Relatando um pouco sobre estas bandas, retomo a pergunta inicial: “foi um Crime
Perfeito?”. Será que os músicos na década de 1980 conseguiram quebrar o que estava
instituído e criaram uma nova vivência de ser jovem através de suas músicas?
Para responder esta pergunta, conceituarei o que apresento como crime. A coletâ-
nea e música título, Crime Perfeito, já discute o conceito. Para Daniel Lucena, era conse-
guir o dinheiro de instituições como prefeitura, família e religião, para assim conseguirem
gravar músicas baseadas na ideologia contra-cultural vigente na época, o pós-punk. A con-
travenção é percebida na idéia de criar músicas contrariando as mesmas instituições patro-
cinadoras do disco. A capa e a contracapa possuem símbolos escolhidos pelos músicos ou
produtores para criar identificação entre os signos e o grupo. A capa do Crime Perfeito já
foi discutida, agora ressalto a contracapa apresentando o principal instrumento do grupo
para que ocorra o crime, uma dinamite já acesa e as bananas presas com silver tape, fita
adesiva usada pelos jovens para arrumar seus tênis já rasgados.
157
Assim como a explosão da ponte representou o fim da era “Ponte Hercílio Luz”,
também marcou a interrupção da música “mané”, da açorianidade na produção musical do
Grupo Engenho. Os novos jovens dos anos de 1980 conseguiram seu espaço, tocaram suas
músicas, tiveram seu momento de rebeldes, de rock-stars, ídolos que voltam hoje para o
CIC, mesmo local de apresentação de vinte anos atrás, e lotam o teatro. Apresentaram um
novo modo de ser jovem no mundo 48 e influenciaram mundos 47, 49, chegando ao 21
(Rio) e ao 11 (São Paulo).
Pode não ter sido perfeito, pois ficaram suspeitos e até mesmo culpados deste cri-
me. Como um serial killer, ou um terrorista, assinaram o crime e informaram seus cúm-
plices. Entretanto, deixaram seu nome em uma explosão que abriu espaço para novos jo-
vens surgidos pós-1980.
O retorno, neste século, de algumas bandas demonstram a força que o movimento
teve. Dia 03 de outubro de 2007, o grupo Expresso Rural fez um show comemorando os 25
anos do surgimento da banda. Era para ser um show único, apenas para relembrar o
passado da banda que já havia oficialmente acabado em 1993. Atendendo aos pedidos do
público, o show único se estendeu para mais três, um em Lages dia 04 de outubro, um
show extra em Florianópolis dia 25 e mais um show em Itajaí dia 04 de novembro. Em
2008, continuou com seu espetáculo por várias cidades catarinenses, como Criciúma,
Blumenau e Jaraguá do Sul.
158
Estive presente neste primeiro show, me senti consideravelmente mais novo, uma
vez que a média de idade do público chegava aos 45 anos, um público nostálgico que
cantou junto todas as músicas desta banda dos anos 1980. Mostraram a importância da
banda e, conseqüentemente de todas as bandas estudadas nesta dissertação, um saudosismo
revitalizando o recente passado roqueiro do Mundo 48. Bandas estas que fizeram a trilha
sonora da cidade por este período.
Sabemos da impossibilidade de tornar possível este resgate total ao passado da
banda, sendo apenas uma nova roupagem com um grupo mais maduro e experiente. Uso
como exemplo, para demonstrar estas mudanças, a contradição rural/urbano que fiz no
primeiro capítulo comparando Zeca, tocando violão, mais rural, com Volnei, tocando
guitarra, o rapaz do campo dando o peso elétrico à banda. Ao assistir a passagem do som e
posterior show da banda no dia 30 de outubro de 2008, percebo a total mudança. Zeca
tocando uma guitarra fender, além dos violões, enquanto Volnei apenas tocava violões.
159
é uma coisa meio nostálgica, é também um deboche. Se fosse para eu escolher,
preferiria que o Skank fosse lembrado sempre como uma banda dos anos 1990,
mas que não tivesse uma retomada como o Balão Mágico.361
Não só o Expresso regressa aos palcos. Bandas como Burn também comemorou
seus trinta anos de carreira com show em Julho no Célula. O programa da RBS - TV,
Patrola, entrevistou membros do Decalco Mania com churrasco na casa de Airton
Perrone362. Juca May criou comunidades no Orkut sobre o Ratones, além de perfis nos sites
PalcoMP3 e MySpace, usando o nome Ratones. Interessante esta denominação, pois nega o
nome Tubarão, nome em que a banda ficou mais conhecida, inclusive no site PalcoMP3
Juca escreve no release: “No meio da década de 80, prá levantar uma grana (e valeu!:-),
aceitamos uma dose do veneno pop, mudamos o nome para Tubarão, mas depois de alguns
anos, isso praticamente decretou o fim da banda”363 No entanto, as músicas escolhidas
para popularizarem a banda, são dos discos do Tubarão, como Black Suzete, Vou
Conquistar Seu Coração (ou VCSC, como está no site). Semelhante percepção sobre as
mudanças tem Marco Audino da Kromo / Stryx. Para o compositor, as mudanças foram
importantes para o momento, sem elas, provavelmente, a Sony não assinaria contrato,
porém, se gravassem música da Kromo, ficariam por mais tempo no mercado.364
Percebemos uma retomada e uma revisão das antigas bandas. Tanto o público
espera estes retornos como os integrantes vêem como uma forma de serem recordados
pelos fãs e voltarem para os palcos, rememorando um sucesso perdido ou apenas
relembrando a sensação do palco. A Bandalheia, de Urussanga, apesar de várias formações,
tentou manter-se nos palcos, especialmente com a presença de Gera, vocalista e guitarrista
da banda em todas as formações. Em 2007, lançam um cd duplo, Apenas Indo, com os
principais sucessos da banda, incluindo as quatro gravações do LP Otário. Das canções
novas ressalto Colônia365 (canção 14), música que compara a cidade grande com o campo,
a colônia, no caso da banda a cidade de Urussanga como seu refrão: “Na colônia é bom / na
cidade sei não.”
361
ROSA, Samuel. In.: Que Rock é Esse? – A História do Rock Brasileiro Contada por Alguns de seus
ícones. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2008. P. 176
362
Segundo Airton em entrevista concedida ao autor dia 24 de setembro de 2008
363
http://palcomp3.cifraclub.terra.com.br/ratones/ visto em 02 de fevereiro de 2009.
364
Entrevista concedida ao autor dia 05 de fevereiro de 2009.
365
GERA. Colônia. In.: Bandalheia – Apenas Indo. Florianópolis: Produção independente. 2008 Cd 01,
música 07.
160
Outra banda que retoma seus sucessos neste novo século foi a Burn. Retornam à
ativa em 2001 e gravam algumas de suas músicas dos anos 1980 criando novas
composições. Desta nova safra, gravam o cd demo Sagrado Rock’n Roll, com a música
título sendo um pedido ao retorno do “puro rock”:
Sagrado rock`n`roll
Sagrado rock`n`roll
Sagrado rock`n`roll
Sagrado rock`n`roll
Sagrado rock`n`roll
Sagrado rock`n`roll
Ao começar uma estrofe com “eu sou do tempo”, Márcio Silva já demonstra seu
sentimento. A nostalgia do que foi, podendo retornar. A célula rítmica permanece seme-
lhante à suas músicas dos anos de 1980, bateria e contrabaixo bem sincronizados na pul-
sação, riff de guitarra na base harmônica e um solo no meio da canção. As canções atuais
não o agradando como no início da música, que abre seu último cd, Era da Paz, Pesadelo
(canção 16): “Ontem a noite eu tive um pesadelo / sonhei com um amigo que é um cara
legal / um baita roqueiro meio radical / [...] /na calada da noite / o telefone tocou / eu não
queria acreditar / mas a pessoa falou / que meu amigo roqueiro / virou um pagodeiro.”367
366
SILVA, Márcio. Sagrado Rock?n?roll. In.:single. Florianópolis: Produção Independente, 2005. Música 01
367
SILVA, Márcio. Pesadelo. In.: Burn - Era da Paz. Florianópolis: Produção Independente, 2008. Música
161
O grupo faz referência à perda de espaço de bandas de rock, nas rádios e outras mídias,
para o estilo pagode, briga comum entre os roqueiro mais radicais durante a década de
1990 da década atual. Neste mesmo cd, a banda relança Nuvens Negras, com a diferença
de modificarem o idioma. Nuvens Negras transforma-se em Nigaj Nuboj368(canção 18),
cantada toda no idioma internacional esperanto.
Estes retornos e continuidades demonstram a força deste momento para o rock ca-
tarinense. Não afirmo que os anos 1980 estão retornando como algumas matérias jornalís-
ticas garantem. Aceito a idéia de nostalgia de adultos lembrando sua juventude, contudo
são reestruturados shows e músicas para o público novo e antigo. Os slogans já demons-
tram esta nostalgia: “voltam comemorando 25 anos de carreira” ou “30 anos de Burn”.
Todavia, mesmo sem retornar os anos 80 do século passado, o revival destas bandas de-
monstra o quanto o crime, a explosão feita há mais de vinte anos causou no Mundo 48.
01
368
SILVA, Márcio. Ruínas Atômicas. In.: Burn – Tempos Perdidos. Florianópolis: Diamondreamer Records,
2007. Música 11.
162
Fontes
Fontes Escritas:
Fontes Orais:
Entrevistas:
- Paulo Back (Grupos Expresso Rural e Get Back)
- Volney Varaschin (grupo Expresso Rural)
- Zeca Petry (Grupo Expresso Rural)
- Daniel Lucena (Grupo Expresso Rural)
163
Dia 05 de fevereiro de 2009. Em sua residência no bairro da Barra, no Rio
de Janeiro, entre 20h e 22h.
O áudio das conversas, assim como sua transcrição está com este historiador para,
após o término desta dissertação, arquivar no departamento de História da Universidade
Federal de Santa Catarina.
Obs.: Escolhi não colocar os perfis dos músicos entrevistados por questão de privacidade.
Deixo apenas o meu para verificação e pesquisa do arquivo com as respostas aqui
analisadas.
Webgrafia:
Sites:
Banda Expresso Rural: http://www.expressorural.com.br
Bandas: Get Back, Decalcomania e Expresso: http://www.getback.com.br
Banda Tubarão: http://www.myspace.com/bandatubarao
Banda
Burn:http://www.bigua.com.br/modules.php?name=Encyclopedia&op=content&tid=48
Banda Vanahein:http://www.bigua.com.br/modules.php?name=Encyclopedia&op=content&tid=118
Palco MP3: http://www.palcomp3.cifraclub.terra.com.br
Todos os sites aqui analisados foram acessados durante toda a pesquisa que iniciou-
se em 2006, mas no dia 07 de julho de 2008, acessei todos novamente e as informações
retiradas para este trabalho ainda estavam na rede.
164
Fontes Midiáticas:
Canções:
Banda/ músico Canção Ano de Álbum Gravadora/
gravação produtora
Burn Nuvens Negras 1986 --------------
Ruínas Atômicas 1985
Grupo Barra da Lagoa 1980 Vou Bota Meu Boi na Engenho Produções
Rua
Engenho
Nó Cego 1980 Vou Bota Meu Boi na Engenho Produções
Rua
Carro de Boi 1981 Engenho Engenho Produções
Decalco Aeroforça 1985 ----------------
Mania
Historinha 1985 ----------------
Coisas do Amor 1985
Será Verdade 1985
Álbuns:
Grupo/ Músico Álbum Ano Produtora/Gravadora
Ave de Rapina Própria Luz 1988 Produção Independente
Bandalheia Otário 1988 Estúdio 156
Apenas Indo 2007 Produção Independente
Burn Tempos Perdidos 2007 Diamondreamer
Era da Paz 2008 Produção Independente
Expresso Rural Nas Manhãs do Sul do 1983 Expresso Rural
Mundo
Expresso Certos Amigos 1985 RBS Discos
Vivo 1991 CB Discos
Romance em Casablanca 1992 ARTMIX e Expresso
Ímpar 1997 Trem Bala
Know How Know How 1990 Produção Independente
Ratones Ratones 1983 Ratones
Stigma Maltrapilho 1991 Produção Independente
Stryx Stryx 1991 Sony
Tubarão Tubarão - Compacto 1985 RCA
Tubarão e Expresso Tubarão/ Expresso 1988 Grupo Expresso
Produções
Tubarão Tubarão 1989 BMG Ariola
Perdidos no Deserto 1991 RGE
165
Vários Araponga – trilha da novela 1990 Som Livre
Vários Crime Perfeito 1986 Jacaré Produções
Vários Projeto Ilha 1985 Estúdio Mix
Vários Projeto Ilha II 1987 Estúdio Mix
Vários Rock In Brazil 1985 RCA
Vários Som da Gente 1984 RBS Discos
166
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SHEEHAN, Billy. Espírito Rock n´Roll. Entrevista com Billy Sheehan. Cover Baixo nº 72:,
ED HMP. São Paulo 2008.
SOUZA, Marco Antonio Ferreira de. Os sons da Ilha: a cultura local na produção musi-
cal do Grupo Engenho, Florianópolis 1979-1984. Trabalho de Conclusão de Curso em
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TATIT, Luiz. Análise Semiótica Através das Letras. 2 ed.São Paulo: Ateliê Editorial, 2002.
VALENTE, Heloísa de Araújo Duarte. As Vozes da Canção na Mídia. São Paulo: Via
Lettera /Fapesp, 2003.
VALENTE, Heloísa de Araújo Duarte. Os Cantos da Voz – Entre o ruído e o silêncio. São
Paulo: Annablume, 1999.
WICKE, Peter. Rock Music – culture, aesthetics and sociology. Cambridge University
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WISNIK, José Miguel. O Som e o Sentido – Uma outra história das músicas. São Paulo:
Companhia das letras. 2006.
WOOD, Nilton. Onde tudo Começou. In.: Cover Baixo nº 72, Ed. HMP. São Paulo,
171
Setembro de 2008. p. 18.
DVD
Heavy Metal: Louder Than Life. Dir. Dick Carruthers. Focus Music
172
ANEXOS
Anexo 1
CD Capítulo 1 - Rock´n´Roll nas Ruas da Capital
173
21 Maltrapilho Stigma 1991 Maltrapilho Produção
Independente
174
Amor Mania demotape de Airton Show
Perrone
17 Flodoardo Expresso 1983 Nas Manhãs do Sul Expresso Rural
Rural do Mundo
18 Pó (só mais Tubarão 1989 Tubarão BMG Ariola
uma)
19 Babaca Tubarão 1989 Tubarão BMG Ariola
20 Rock, Surf e Decalco S/data Acervo em Gravação de
Sexo Oposto Mania demotape de Airton Show
Perrone
21 Olhar Burn 1985 Tempos Perdidos Diamondreamer
Inocente (Regravação)
22 Historinha Decalco 1985 Acervo em Gravação de
Mania demotape de Airton Show
Perrone
23 Abraçado Bandalheia 1988 Otário Estúdio 156
num Garrafão
24 Longe da Bandalheia 1988 Otário Estúdio 156
Moto
25 Ruínas Burn 2007 Burn – Tempos Diamondreamer
Atômicas Perdidos
(regravação)
26 Nuvens Burn 1986 Acervo em Produção
Negras Demotape de Independente
Márcio Silva
27 Black Suzete Tubarão 1989 Tubarão BMG Ariola
175
Mim
10 Olho D´Água Renato 1984 Som da Gente RBS Discos e
Botelho Som Livre
11 Suco de Beto 1984 Som da Gente RBS Discos e
Imaginação Mondadori Som Livre
12 Som da Gente Frank 1984 Som da Gente RBS Discos e
Som Livre
13 Estou de Stryx 1991 Stryx Sony Music
Volta
14 Colônia Bandalheia 2007 Apenas Indo Produção
Independente
15 Sagrado Burn 2005 Single Produção
Rock´n´Roll Independente
16 Pesadelo Burn 2008 Era da Paz Produção
Independente
17 Nigraj Nuboj Burn 2007 Burn – Tempos Diamondreamer
Perdidos
176
Anexo 02
Tabela relacionando as bandas com seus integrantes
Grupo/ Músico Álbum Integrantes Ano Produtora/Grava
dora
Ave de Rapina Própria Luz Rogério Perito – Violão e Vocal 1988 Produção
Samir Abrahão – Contrabaixo Independente
João Rodrigues – Vocal
Eduardo Paes – Bateria
Jair Foss - Teclado
Bandalheia Otário Gera – Guitarra e Vocal 1988 Estúdio 156
Valter – Contrabaixo e Vocal
Dite – Bateria e Vocal
Expresso Rural Nas Manhãs do Daniel Lucena – Vocal e Violão 1983 Expresso Rural
Sul do Mundo Zeca Petry – Violão Ovation e
Vocal
Volnei Varaschin – Violões e
Guitarra
Paulo Back – Contrabaixo
Marcos Ghiorzi – Bateria
Expresso Certos Amigos Daniel Lucena – Vocal e Violão 1985 RBS Discos
Volnei Varaschin – Violões e
Guitarra
Paulo Back – Contrabaixo
Marcos Ghiorzi – Bateria
Márcio Corrêa - Teclados
Tubarão/ Expresso Volnei Varaschin – Violões e 1988 Grupo Expresso
Guitarra Produções
Paulo Back – Contrabaixo
Marcos Ghiorzi – Bateria
Márcio Corrêa – Teclados
Maurício Cavalheiro – Vocal
Norton Malkoviechi - Vocal
Vivo Daniel Lucena – Vocal e Violão 1991 CB Discos
Volnei Varaschin – Violões e
Guitarra
Marcos Ghiorzi – Bateria
Márcio Corrêa - Teclados
Romance em Daniel Lucena – Vocal e Violão 1992 ARTMIX e
Casablanca Volnei Varaschin – Violões e Expresso
Guitarra
Paulo Back – Contrabaixo
Marcos Ghiorzi – Bateria
Márcio Corrêa - Teclados
Ímpar Volnei Varaschin – Violões e 1997 Trem Bala
Guitarra
Paulo Back – Contrabaixo
Marcos Ghiorzi – Bateria
Márcio Corrêa – Teclados
Maurício Cavalheiro - Vocal
Know How Know How Leandro Marcucci – Guitarra e 1990 Produção
Voz Independente
Luciano Candemil – Bateria
177
Marcelo Gouvêa – Teclados
Alessandro Soares - Contrabaixo
178
Olho D´Água Crime Perfeito Renato Botelho – Voz 1986 Jacaré Produções
Nico Varela – Teclados
Luiz Meira – Guitarra
Masquinhas Loureiro – Bateria
Jorge Athaide - Contrabaixo
Sobrinhos de Projeto Ilha Robson Varella – Bateria 1985 Estúdio Mix
Beethoven Carlos Trilha – Teclados
Xande Martins – Contrabaixo e
vocal
Billy Dan – Guitarra, Violão e
Vocal
J. Mecal – Guitarra e Voz
Camisa de Força Projeto Ilha Christian Ângelo Peredo 1985 Estúdio Mix
Pizzarro – Guitarra
Paulo Rebelo Silva de
Mendonça- Guitarra
Marcos Maurício Peredo Pizarro
– Contrabaixo
Roberto Vieira Ozelame –
Bateria
Pedro Paulo Mendes Sbissa -
Vocal
Seixo Rolado Projeto Ilha Guto Seara – Voz e Ovation 1985 Estúdio Mix
Hector Pombo – Violão e Viola
Catullo – Contrabaixo
Heitor Bitencourt – Guitarra
Hamilton – Bateria
Mariza - Flauta
Terra Verde Projeto Ilha II Vânio Ribeiro – Violão e Vocal 1987 Estúdio Mix
Júlio César Melo – Flauta e
Teclado
Jorge Lacerda – Guitarra solo
Sérgio Quadros – Bateria
Metrópolis Projeto Ilha II Mauro Rai – Vocal 1987 Estúdio Mix
Carlos Trilha – Teclado
Alex Sílvio – Contrabaixo
Sandro Murilo – Bateria
Fred Gomes - Guitarra
Decalco Mania ----------------- Iran Melo – Vocal 1984
Murillo Valente – Guitarra Solo
Airton Perrone - Guitarra Base
Ivan Ratcliff – Contrabaixo
Kaw Régis – Teclado
Murilo Verde - Bateria
Tiamats -------------------- Marcelo Passos – Guitarra 1986
Marco Audino Contrabaixo e
Vocal
Rodrigo Schaeffer – Bateria
Carlos Trilha - Teclados
Kromo -------------------- Luciano Felipe – Vocal 1988
Andrey – Guitarra/ Violão
Moacir – Teclados
Rodrigo – Contrabaixo
Emerson - Bateria
179
Burn ------------------- Márcio Silva – Voz e Guitarra 1978
Victor Celso – Contrabaixo
Hudson Soares – Bateira
Corrente -------------------- Adriano Furlanetto – Guitarra 1983
Sanguínea Marco Ruiz – Contrabaixo
Marcelo Ruiz – Vocal e Guitarra
Márcio Ruiz - Bateria
180
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