Como Estudar Os Quatro Evangelhos
Como Estudar Os Quatro Evangelhos
Como Estudar Os Quatro Evangelhos
W. H. Griffith Thomas
Traduzido e adaptado por: Samuel Falcão
São Paulo - 1953
Casa Editora Presbiteriana
À GUISA DE PREFÁCIO
Observação: como este livro é muito antigo - escrito em 1924 e com edição esgotada de 1953 -, decidi
digitá-lo para disponibilizar a alunos (discípulos) dos nossos cursos bíblicos. A minha cópia deste livro
está amarelada e com manchas de oxidação. Antes que se deteriorasse mais, estamos preservando o
conteúdo por ser um livro fundamental para a compreensão dos Evangelhos.
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I - INTRODUÇÃO
O lugar dos quatro Evangelhos na Bíblia merece atenção cuidadosa, porque desse
modo somos habilitados a ver como a Bíblia é realmente um livro só. Quatro palavras nos
ajudarão a ligar num todo a Revelação de Deus, a saber: Preparação, Manifestação,
Apropriação e Consumação. No Antigo Testamento, encontramos a Preparação para o
Messias como o Sacerdotes, Rei e Profeta que havia de vir. O Pentateuco mostra a
necessidade de um Sacerdote, porque aí é que aparece o sacerdócio de Arão, que havia de
fracassar. Os livros históricos, de Josué a Ester, mostram a necessidade de um Rei, pois nos
contam como fracassaram os líderes e reis do povo de Deus. E nos livros poéticos e proféticos,
de Jó a Malaquias, sentimos a necessidade de um perfeito Profeta que cumprisse e
completasse a Revelação que nos transmitiram os antigos profetas.
O Antigo Testamento é um livro de profecias não cumpridas, de cerimônias não
explicadas e de anseios não satisfeitos. No Novo Testamento, porém, temos os quatro
Evangelhos que podem ser designados pela palavra Manifestação, porque neles aparece o
Messias que cumpre as profecias na Sua vida, explica as cerimônias na Sua morte e satisfaz
os anseios na Sua ressurreição. Cumpre as profecias na Sua vida como Profeta, explica as
cerimônias na Sua morte como Sacerdote e satisfaz os anseios na Sua ressurreição como Rei.
Depois dos Evangelhos, seguem-se os Atos e as Epístolas, que podem ser designados
pelo termo Apropriação, pois mostram as várias maneiras como o Senhor é recebido,
apropriado, aplicado e apreciado na vida dos indivíduos e das comunidades. Finalmente, o
Novo Testamento conclui com o livro de Apocalipse, que pode ser chamado Consumação, pois
nele temos a culminação de tudo o que precedeu no plano e propósito de Deus. Temos, assim,
preparação para Jesus Cristo no Antigo Testamento; manifestação de Jesus Cristo nos quatro
Evangelhos; apropriação de Jesus Cristo nos Atos e Epístolas; e a consumação de tudo,
mediante Jesus Cristo, no Apocalipse.
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QUE É O EVANGELHO?
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Uma pergunta que surge naturalmente é: Por que quatro Evangelhos? Um não seria
suficiente? E também: Se há mais de um, por que exatamente quatro? Esta é a pergunta que
é feita num dos mais preciosos livros desta geração: “Why Four Gospels?”, pelo Dr. D. S.
Gregory. Parece não haver dúvida de que os quatro se destinavam a expressar diferentes, se
bem que inter-relacionados, aspectos da vida e do ministério de nosso Senhor. Como se tem
dito com frequência: há quatro Evangelhos, mas um só Cristo; quatro histórias e um só
propósito; quatro retratos de uma só Pessoa.
Quatro métodos de registrar impressões dessa Pessoa. Pode-se dizer que Mateus
demonstra, Marcos desenha, Lucas declara e João descreve. Mateus está interessado na vinda
de um Salvador prometido (o Messias); Marcos, na vida de um Salvador poderoso; Lucas, na
graça de um Salvador perfeito; e João, na possessão de um Salvador pessoal. É provável que
nenhum Evangelho pudesse, sozinho, apresentar a plenitude e a glória da Pessoa e da Obra
de nosso Senhor.
É interessante e proveitoso ler cada Evangelho afim de entender a sua apresentação
de Jesus Cristo. Descobrir-se-á, então, que, embora haja muita coisa idêntica em todos eles
(especialmente nos três primeiros), há também muita coisa diferente em cada um deles.
Essas diferenças dão origem à ideia de que os Evangelhos são quatro diferentes retratos do
Senhor Jesus.
Alguns escritores chamam a atenção para o simbolismo dos querubins em referência
aos quatro Evangelhos. Talvez isto não tenha grande significação para o comum dos leitores,
mas na realidade é um simbolismo bem sugestivo. Já no segundo século os escritores viam
ou julgavam ver uma semelhança entre os Quatro Evangelhos e os querubins das visões de
Ezequiel e do Apocalipse.
A melhor maneira de aplicar esse simbolismo é associar: Mateus com o leão; Marcos,
com o boi; Lucas, com o homem; e João com a águia. A interpretação é que Mateus apresenta
Cristo como o Messias dos judeus, o Leão da Tribo de Judá, o Rei; Marcos, como o Servo,
simbolizado pelo boi (ou bezerro), o servo por excelência do homem; Lucas, como o Filho do
homem, simbolizado pelo animal com rosto de homem; e João, como o Filho de Deus,
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simbolizado pela águia librando-se nas alturas. Há nessas sugestões suficiente indicação das
diferenças essenciais dos Evangelhos, e o ter nascido tão cedo essa ideia prova que a Igreja
Cristã dos dias primitivos já tinha observado as relações existentes entre os Evangelhos.
Outra maneira de indicar essas diferenças é associar os quatro Evangelhos com as
profecias do Antigo Testamento em que o Messias é chamado de “Renovo” (em quatro
aspectos somente, correspondendo exatamente aos quatro Evangelhos). Mateus, o Evangelho
dos judeus, corresponde à profecia: “Levantarei a Davi um Renovo Justo; e, sendo rei,
reinará” (Jeremias 23:5; 33:15). Marcos, o Evangelho do Serviço, corresponde à profecia:
“Eis que eu farei vir o meu servo, o Renovo” (Zacarias 3:8). Lucas, que apresenta Cristo
como o Verdadeiro Homem, corresponde às palavras: “Eis aqui o homem cujo nome é
Renovo” (Zacarias 6:12). João, que se ocupa especialmente da pessoa e da obra divinas de
Cristo, é apropriadamente relacionado com as palavras: “O Renovo do Senhor será um
ornamento e uma glória” (Isaías 4:2).
Há também quatro passagens no Antigo Testamento que começam com a palavra
“eis” e que correspondem também a esses vários aspectos da pessoa de Cristo nos quatro
Evangelhos: “Eis que o teu rei virá a ti” (Zacarias 6:9) – Mateus. “Eis aqui o meu Servo”
(Isaías 42:1) – Marcos. “Eis aqui o homem” (Zacarias 6:12) – Lucas. “Eis aqui está o vosso
Deus” (Isaías 40:9) – João.
Tem-se também sugerido que nos próprios Evangelhos temos declarações de Cristo
sobre o propósito da Sua vinda, consoante é apresentado em cada um deles. Assim,
Mateus, fiel à ideia Judaica, registra: “Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não
vim para revogar, vim para cumprir” (Mateus 5:17). Marcos, ilustrando a obra de Cristo,
registra: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir” (Marcos 10:45).
Lucas, que está especialmente interessado no Evangelho da Redenção, escreve: “O Filho do
Homem veio buscar e salvar o que se havia perdido” (Lucas 19:10). João apropriadamente
associa Cristo com o Pai, dizendo: “Eu vim em nome de meu Pai” (João 5:43). Naturalmente,
tudo isto só é verdade em sentido geral: não se deve entender que esses vários aspectos dos
diferentes Evangelhos excluam outros fatos e características da vida de Jesus Cristo
apresentados em cada um deles. O Dr. H. G. Weston afirma que os quatro Evangelhos fazem
provisão para as nossas mais profundas necessidades espirituais. Mateus, fala de justiça;
Marcos, de santificação; Lucas, de redenção; e João, de vida.
Tem-se com frequência afirmado que, visto a comunidade dos dias de Cristo estar
dividida em quatro diferentes seções; três das quais pertencentes a diferentes raças (quatro
raças), esse quádruplo registro era necessário para ir ao encontro das feições características
dos vários povos. Mateus indubitavelmente escreveu para os judeus e esta é a razão por que
há nele tantas referências ao Antigo Testamento e citações dele. Marcos certamente foi escrito
de modo a impressionar os romanos, porque, como os romanos em geral pouco se
interessavam com o ensino, mas se preocupavam bastante com a ação, os atos de Jesus
Cristo são enfatizados neste Evangelho em vez de Suas palavras. Lucas parece que tinha em
vista especialmente os gregos, pois a perfeita humanidade é um aspecto especial do retrato
que ele nos pinta de Jesus Cristo, e isto em harmonia com os ideais mais elevados dos gregos.
João escreveu com o propósito definido de produzir fé em Cristo (João 20:31) e, como tal,
o seu Evangelho seria apropriado aos homens de todas as raças que exercem fé em Jesus.
Assim, Mateus visava o mundo religioso; Marcos, o mundo político; Lucas, o mundo
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intelectual; e João, o mundo em geral. Pensa Dr. Gregory que esta é a melhor maneira de
explicar as diferenças, especialmente porque os quatro Evangelhos são assim contemplados
como representando toda a humanidade daqueles dias, sendo, portanto, apropriados para o
uso universal hoje em dia. Lembrando, ainda, a numerologia bíblica, pois o número quatro é
representativo de toda o mundo, pois o quatro está associado aos quatro cantos da Terra ou
aos quatro pontos cardeais.
Essas diferenças de raça ajudarão também a entender os quatro diferentes, se bem
que complementares, retratos de Cristo nessas Evangelhos. Mateus tem sido descrito como
“o retrato de perfil”, cujo característico é um esboço nítido contra um fundo apropriado (o
Antigo Testamento). O retrato de Marcos tem sido chamado “a gravura do aço”, cujo
característico é a impressão que produz de “clareza, simplicidade e vigor”. Lucas tem sido
descrito como “o retrato de meias tintas”, processo moderno que resulta de jorros de luz
através de um conjunto de linhas, produzindo um quadro que se caracteriza por uma certa
brandura e beleza de acabamento. Em Lucas, a Divindade de Cristo é “sombreada e
esmaecida” e, ao mesmo tempo, embelezada por sua maravilhosa humanidade. Em João
temos “o retrato de corpo inteiro”, destinado ao mundo em geral e aos crentes em particular
(“The Fascination of the Book”, por E. W. Work).
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ASPECTOS GERAIS
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Há um outro fato, porém, que também revela o propósito deste Evangelho, a saber,
a constante referência à oposição a Jesus Cristo, bem como à Sua rejeição pelo povo. Este
fato é salientado logo no começo, bem cedo na vida de Jesus (2:3, 7 e 13). E essa hostilidade
se vai acentuando cada vez mais, até que, depois da revelação dela nos capítulos 11 e 12,
há, por causa dessa hostilidade, uma mudança definida no método de ensino de Jesus
(começa a ensinar por parábolas), como se vê no capítulo 13, depois do qual a oposição se
torna mais profunda, mais forte e mais intensa até culminar na cruz. Esta rejeição de Jesus
Cristo pelos judeus naturalmente sugere a transferência do Reino para os gentios, e embora
este seja um Evangelho essencialmente judaico, contém desde o início, como o sugere a visita
dos Magos, alusões a outras nações, o que pode ser considerado como uma preparação para
a solene transferência dos privilégios do Reino para os gentios. O sumário do ministério de
nosso Senhor frisa este fato (4:15, 16); a transferência é anunciada (21:43); e o Evangelho
termina com a grande missão confiada aos discípulos judeus, aos quais Jesus ordenou que
proclamassem a verdade entre todas as nações (29:18).
Deve-se dar especial atenção também à maneira como o ensino de Jesus Cristo é
enfatizado em Mateus. Há cinco grandes seções em que esse ensino aparece, cada uma
terminando com uma frase semelhante (7:28; 11:1; 13:53; 19:1; 26:1). Esse ensino se
refere aos vários aspectos do Reino:
(1) Seus princípios (caps. 5-7);
(2) Sua propagação (cap. 10);
(3) Seu progresso (cap. 13);
(4) Seus problemas (cap. 18);
(5) Seu propósito (caps. 24 e 25).
4. O plano do Evangelho, quando cuidadosamente estudado, mostra que a ideia de
Mateus não era apresentar uma narrativa, em ordem cronológica, do ministério de Jesus
Cristo, mas ligar acontecimentos e ensinos que apresentassem o fato de ser Jesus o Messias,
de acordo com as profecias. Quando este fato é observado, o plano do Evangelho se torna
luminoso e sugestivo. Num sentido geral, o material está dividido por uma frase, que se acha
no capítulo 4:17 e 16:21, frase que faz separação entre o ministério e a morte de Jesus
Cristo. Passemos, agora, a uma consideração mais minuciosa do conteúdo do Evangelho, à
luz das características acima mencionada.
ESBOÇO
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Segue-se então um apêndice (vss. 12-16), que introduz a nova seção e ao mesmo
tempo dá um resumo de todo o ministério.
O Dr. G. Campbel Morgan analisa o material acima sob o título “A Pessoa do Rei”, da
seguinte maneira:
1. Sua relação para com a Terra (1:1 a 3:12)
2. Sua relação para com o céu (3:13-17)
3. Sua relação para com o inferno (4:1-11)
CARACTERÍSTICAS ESPECIAIS
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aas Escrituras dividem o tempo em períodos distintos, chamados “dispensações”, cada uma
das quais tem seu caráter peculiar com respeito à atividade de Deus para com o homem.
Embora se refira aos “Evangelhos Sinóticos” – Mateus, Marcos e Lucas -, seria ainda mais
exato referir-se a todos os quatro Evangelhos como indicativos da mesma ideia
dispensacional. Limitando-nos, porém, a Mateus, veremos que os Evangelhos, como dia Dr.
Scofield, “são intermediários entre a dispensação da lei e a da graça e que participam do
caráter peculiar de ambas, mas com a influência legal em grande predominância”. Isto se
pode facilmente verificar através de todo o Evangelho de Mateus (2:2; 5:17; 10:5 e 15:24).
E, assim, o Reino aparece em Mateus em três formas:
1. A princípio, o Reino foi pregado por João Batista, por nosso Senhor e pelo doze
como estrando “próximo”, e não há dúvida de que os ouvintes judeus saberiam, sem
necessidade explicações, que a referência era à promessa feita a Davi (2 Samuel 7:14-16)
e às bem conhecidas predições do Reino através dos profetas.
2. Em seguida temos o Reino em seus Mistérios. Os judeus não quiseram receber
o Senhor como o Messias e assim o Reino predito pelos profetas teve que ser adiado.
Entrementes, os discípulos foram instruídos em referência a certos aspectos do Reino que
não tinham sido previamente revelados no Antigo Testamento (Mateus 13:17), os quais
encheriam o intervalo entre a rejeição do Reino e seus estabelecimentos oficias de acordo
com a palavra profética. Esses “mistérios” revelam o fato de uma mistura do bem e do mal
através de toda a era presente (13:37-39).
3. Finalmente, o Reino aparece mais uma vez em sua futura glória e, na conclusão
de Mateus, Jesus profetiza a sua vinda em poder para estabelecer o Reino que os profetas
tinham vaticinado (caps. 24 e 25). É esta ideia do Reino que distingue Mateus dos outros
Evangelhos, e não é demasiado dizer, com o Dr. Gaebelein, que somente quando é enfatizado
este pensamento da verdade dispensacional é que se pode compreender Mateus. As
referências ao Rei, ao Reino, à rejeição do Rei por parte dos judeus, à transferência do Reino
para os gentios, aos “mistérios” do Reino, à Igreja como algo ainda futuro (16:13-18; 18:15-
17) e aos discursos do Monte das Oliveiras (cap. 24) – tudo precisa ser observado e estudado
atenta e completamente, ponto por ponto, se é que se deseja apreciar e compreender
apropriadamente o ensino deste Evangelho.
Só podemos apresentar uma seleção assas limitada dentre as muitas obras que
poderiam ser mencionadas.
1. Comentários Exegéticos. Uma obra técnica, destinada aos que estudam o grego
e que trata amplamente de assuntos puramente críticos, é o volume sobre Mateus, no
International Critical Comentary, por W. C. Allen. Outro comentário, muito mais útil para uso
geral e verdadeiramente valioso, cheio de coisas boas, embora com frequência demasiado
livre em relação à inspiração, é a obra “The Gospel According to Matthew”, pelo Dr. Plummer.
Um velho comentário inglês, muito desenvolvido, mas bastante útil; é “The Gospel According
to Matthew”, por Morison. Talvez o melhor comentário para uso geral seja o volume sobre
Mateus pelo Dr. Broadus (traduzido em português).
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FATOS PRINCIPAIS
1. Autor. Não há dúvida de que este Evangelho foi escrito pelo homem chamado
Marcos ou João Marcos, filho de uma judia, Maria de Jerusalém, e sobrinho de Barnabé. A
história de Marcos se encontra nas seguintes passagens: Atos 12:25; 13:5-13; 15:37-39.
Mais tarde ele, evidentemente, se reabilitou (Colossenses 4:10, 11; 2 Timóteo 4:11).
Pedro foi instrumento de sua conversão (1 Pedro 5:13).
Também não há dúvida de que este Evangelho representa o ensino e a influência de
Pedro. Uma tradição mais antiga associa o Evangelho de Marcos com Pedro e vários detalhes
confirmam esta tradição. Tem-se, com frequência, observado também que o plano do
Evangelho corresponde ao esboço do discurso de Pedro em casa de Cornélio (Atos 10:37-
43) e que o livro está em harmonia com o caráter de Pedro – impulsivo, impressionável,
emotivo e ativo, mas do que argumentativo, lógico e doutrinário.
2. Data. É mais do que provável que este Evangelho foi escrito creca de 55 A.D.,
senão mais cedo, como pensam alguns. Em grande parte, isto depende da data de Lucas e
Atos, porque se Atos foi escrito em 62 A.D., então o Evangelho foi escrito antes e Marcos, por
sua vez, mais cedo ainda.
3. Propósito. Como o objetivo do Evangelho não é apresentado em parte alguma
do mesmo, só podemos encontra-lo por inferência, derivada de uma leitura cuidadosa. O
propósito de Mateus é sugerido no primeiro versículo (1:1); Lucas (1:1-4) fala-nos das
circunstâncias em que veio a escrever; e João (20:31) afirma o seu propósito específico.
Tem-se, entretanto, com razão sugerido que Marcos 10:45 realmente indica o objetivo e a
ideia geral de seu próprio Evangelho: “Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser
servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”. Podemos também afirmar
com segurança que ele registra a história de Jesus Cristo como Pedro a tinha pregado.
Existe ainda neste Evangelho um elemento específico que mostra claramente ter sido
destinado aos romanos. Que se destinava a gentios e não a judeus se pode facilmente verificar
na tradução de certas expressões aramaicas (3:17; 5:41; 7:11; 10:46; 14:36; 15:22), bem
como na explicação de costumes judaicos (14:12; 15:42) e também na ausência de citações
do Antigo Testamento na narrativa do próprio Marcos (com exceção de 1:2). Para os romanos,
o pensamento supremo era o de poder e esta é a feição especial deste Evangelho que enfatiza
a atividade, a autoridade e a energia de Cristo – Seus atos mais do que Suas palavras. Como
no caso do grande romano Júlio César, cujos comentários sobre as Guerras da Gália se
caracterizam pela palavra “rapidamente”, assim neste Evangelho encontramos com muita
frequência a palavra “logo”, (“imediatamente”, “em seguida”), indicativa do constante
movimento e atividade de Cristo. Há também certas expressões que vêm da língua latina,
como Legião, Centurião e outras, sugerindo mais uma vez o fato de o Evangelho se destinar
a romanos.
Mas talvez a característica mais definida de todas seja a clara referência à grande
ideia de Isaías, conhecida como o Servo de Jeová. Assim como Mateus se ocupa com um
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dos pensamentos de Isaías, o da realeza, assim Marcos parece associar-se com o outro, e
este pensamento sobre o serviço pode ser a explicação da ausência da genealogia, bem como
de qualquer referência à primeira parte da vida de Cristo, juntamente com a forte ênfase
sobre as suas obras e notáveis atividade. Entretanto, o Servo é também o Mestre (como em
Isaías 50:4), embora se possa dizer que seu ensino provém de suas obras (1:21; 2:13 e
6:6). E podemos talvez dizer que este Evangelho nos apresenta o grande poder do Servo
Divino na realização de atos de bondade, no ensino da verdade e no combate ao mal.
4. Plano. O conteúdo geral do Evangelho de Marcos se estende desde o ministério
de João Batista até a ressurreição e assim concorda, como já notamos, com a pregação de
Pedro (Atos 10:37-43). Não há menção do ministério inicial de Jesus Cristo na Judéia e
Samaria antes de João Batista ter sido lançado na prisão (João 1 a 4).
Não existe divergência essencial entre os estudantes da Bíblia quanto às linhas gerais
do Evangelho em referência ao ministério na Galiléia (1:14 a 9:50), na Judéia (cap. 10) e
durante a última semana em Jerusalém (11 a 16). A única diferença é quanto aos lugares
exatos em que se devem fazer as divisões. O seguinte esboço será talvez suficiente para o
presente estudo:
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O esboço da vida de nosso Senhor, como é apresentado neste Evangelho, pode ser
comparado com proveito com o esboço profético do Servo em Isaías 52:13 a 53:12, em
que temos a descrição da história do Servo:
(1) Exaltação: Isaías 52:13-15;
(2) Rejeição: Isaías 53:1, 2;
(3) Dores: Isaías 53:3;
(4) Expiação: Isaías 53:4-6;
(5) Sofrimento: Isaías 53:7;
(6) Morte: Isaías 53:8, 9;
(7) Triunfo: Isaías 53:10-12.
É também interessante olhar para este esboço à luz da grande passagem de Paulo
em Filipenses 2:5-11, a qual, podemos dizer, apresenta, estágio por estágio, os vários
aspectos do Servo Divino em Sua humilhação e exaltação.
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1. Comentários Críticos e Exegéticos. Para os que conhecem grego, nada existe que
se compare com a obra “The Gospel According to St. Mark”, por H. B. Swete. Um
bom comentário também é o de Marison.
2. Comentários Homiléticos e Práticos. O livrinho “The Gospel of Mark”, por Charles
R. Erdman, está cheio exatamente do material que pode fornecer aos professores
da Escola Dominical uma compreensão clara e sugestiva do Evangelho; o esboço
dado nesse livrinho concorda quase completamente com o que demos acima. O
Comentário de Chadwich no “Expositor Bible”, os dois volumes de MacLaren em
“Exposition of Holy Scripture” e “Studies in Mark’s Gospel”, por C. S. Robinson,
são proveitosos. Em português temos o comentário Ryle, infelizmente já
esgotado.
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Não existe dúvida séria de que o autor do terceiro Evangelho tenha sido Lucas,
companheiro do apóstolo Paulo. Sir William M. Ramsay provou isto de modo a não haver mais
nenhuma dúvida. Mas Lucas nunca menciona o seu próprio nome. Ele é mencionado três
vezes no Novo Testamento: “Saúda-vos Lucas, o médico amado” (Colossenses 4:14). “Só
Lucas está comigo” (2 Timóteo 4:11). “Marcos, Aristarco, Demas e Lucas, meus
cooperadores” (Filemon 24).
Foi companheiro de Paulo nalgumas de suas viagens. O uso do pronome “nós”, em
Atos 16:10 (“procuramos partir”, etc) mostra que ele se juntou a Paulo daí por diante,
possivelmente por causa da enfermidade do apóstolo (2 Coríntios 12:7). Ele deve, porém,
ter ficado em Filipos, como sugere a mudança do pronome de Atos 17:1 em diante.
Subsequentemente foi com Paulo para Jerusalém e Roma (Atos 20:5; 27:1). Parece que
Lucas não era Judeu, pois Colossenses 4:14 menciona-o com outros cristãos gentios. Se é
verdade isto, ele é o único escritor do Novo Testamento que não é judeu. Goder, porém,
afirma que ele foi um dos discípulos do caminho de Emaús (Lucas 24:13). Seria interessante
se isto pudesse ser provado, porque desse modo cada evangelista se teria referido a si mesmo
em seu Evangelho, sem mencionar o seu nome (Mateus 9:9; Marços 14:51; Lucas 24:13;
João 13:23).
Lucas era um escritor consumado, como o prova seu Evangelho, e um observador
atento. Mais do que isto, porém, ele era um obreiro ardoroso e um amigo fiel.
O PREFÁCIO DE LUCAS
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meio de referências históricas e outros fatos; (3) apresenta os acontecimentos na sua ordem
cronológica, pintando historicamente o desenvolvimento gradual da obra de Jesus Cristo.
4. O propósito do Evangelho era produzir “certeza”. Temos nele a narrativa de
fatos atestados por testemunhas oculares.
5. Tem-se sentido sempre uma grande dificuldade em referência às palavras “por
sua ordem”, que parecem significar ordem cronológica. Há uma grande seção – 9:51 a 18:14
– que se acha somente em Lucas e que não parece estar em ordem cronológica, embora seja
geralmente considerada o registro de uma longa e vagarosa viagem a Jerusalém através de
partes não visitadas anteriormente, seção que explica o que parece ser, nos outros
Evangelhos, um abrupto contraste entre o ministério da Galiléia e a última viagem a
Jerusalém. Tem, assim, pontos de contato com a narrativa de João e pode ser considerada
uma transição entre os dois primeiros e o quarto Evangelhos. Diz Edershein que é uma
narrativa absolutamente independente e que não é cronológica.
Um esforço recente para resolver esse problema aparece na obra de Mackinlay:
“Recent Discoveries in Luke’s Writings”, em que ele afirma que, depois de uma introdução,
1:1 a 4:13, há três narrativas paralelas: 4:14 a 10:42; 11:1 a 14:24 e 14:25 a 22:53.
Afirma ele que Lucas voltou atrás duas vezes, contando assim três vezes a história até a
véspera da última semana do ministério de Cristo, mantendo, desse modo, “ordem”
cronológica em toda a narrativa. A sugestão é muitíssima interessante e resolveria
praticamente o problema.
Mas a maioria dos que lhe têm dado a devida atenção acham-na demasiado
engenhosa e que não é provável que Lucas tivesse usado um método assim tão complexo de
narrar “em ordem”. Mas, quer aceitemos quer não aceitemos essa explicação, o livro merece
estudo atento, muito especialmente por ser da autoria de um dos mais leais estudantes da
Palavra de Deus. Pensam alguns escritores que a expressão “em ordem” pode combinar o
elemento cronológico com o moral até onde é possível. Assim, seria tópico até 9:50 e histórico
de 9:51 em diante. Westcott, entretanto, afirma precisamente o contrário, dizendo que a
ausência de dados históricos em 9:51 e daí por diante sugere sequencia moral e não
temporal.
O OBJETIVO DE LUCAS
Parece não haver dúvidas de que, assim como Mateus apresenta Jesus Cristo como
o Rei dos Judeus, aduzindo profecias; Marcos, como o Servo de Jeová, mostrando sua
grandeza pessoal; e João, como o Filho de Deus, declarando sua origem celestial, assim
Lucas, apenas deixando falarem os fatos, procura apresenta-lo como o Homem perfeito, o
ideal da humanidade, com especial referência ao fato de ser Ele o Salvador do mundo.
O Dr. D. S. Gregory em seu livro “Why Fous Gospels?” diz que, assim como Mateus
foi escrito para os judeus e Marcos para os romanos, assim Lucas se destinava especialmente
aos gregos, apresentando um retrato de Jesus Cristo como o Homem perfeito e ideal. Os
gregos enfatizavam os seguintes três elementos: razão, humanidade e universalidade,
frisando especialmente educação, civilização e cultura. Afirma-se que, de igual maneira, Lucas
tem como sua ideia central, primeiro o registro do aspecto externo de Jesus Cristo como vulto
histórico irrecusável e, em segundo lugar, o registro do aspecto interno de sua pessoa humana
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que é, ao mesmo tempo, o Salvador divino de toda a humanidade. Afirma o Dr. Gregory que
as omissões e adições que caracterizam esse Evangelho se adapta à mente grega. É provável
que essa ideia tenha sido exagerada, mas não há dúvida razoável de que o Evangelho pinta
Jesus Cristo proeminentemente como o Homem Divino.
Sugeriu alguém que os Evangelhos são memórias informais baseadas nalguma ideia
central. Afirma-se que em Atos 10:33-44 temos um espécime do Evangelho primitivo, com
quatro pontos principais:
(1) “Dele todos os profetas dão testemunho...” (vs. 43), correspondendo ao
Evangelho de Mateus;
(2) “...o qual andou por toda parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos
do diabo...” (vs. 38), correspondendo ao Evangelho de Marcos;
(3) “Este é o Senhor de todos” (vs. 36b), correspondendo ao Evangelho de Lucas;
(4) “Deus era com ele...” (vs. 38b), correspondendo ao Evangelho de João.
A ANÁLISE
I. Introdução (1:1-80)
1. Caráter e propósito do livro (vss. 1 a 4)
2. O anjo e Zacarias (vss. 5-25)
3. O anjo e Maria (vss. 26-38)
4. Maria e Isabel (vss. 39-56)
5. Nascimento e circunstância de João Batista (vss. 57-80)
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Como Estudar os Quatro Evangelhos
CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS
1Nota do Rai: como também foi Lucas quem escreveu o livro de Atos dos Apóstolo, registrando o início
da Igreja de Cristo e o crescimento da Palavra pelo mundo, queria que você observasse que estas
características do Evangelho Segundo Lucas enfatizam assuntos importantíssimos para a Igreja de
Cristo na Terra: louvor, oração, ministério das mulheres, tolerância, assistência aos pobres e pecadores,
a graça divina e a universalidade.
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Como Estudar os Quatro Evangelhos
Em tudo isto é particularmente digno de nota que, embora Lucas fosse companheiro
de Paulo e escrevesse depois de ter recebido o Evangelho paulino; embora se notem nestes
Evangelho claros indícios da influência de Paulo, não há nele doutrinas definidamente paulinas
nem se faz qualquer uso das Epístolas. Que outro fato poderia constituir mais lindo
testemunho quanto à exatidão de Lucas e também quanto à sua habilidade como historiador
do que o ter ele apresentado com absoluta fidelidade a história da vida terra de Jesus Cristo
anterior ao Pentecostes, embora ele (Lucas) tenha vivido depois do Pentecostes (Atos 2:1) e
na plena experiência do dom do Espírito Santo? Ele apresentou os fatos exatamente como se
passaram, sem preocupar interpretá-los à lua de sua própria experiência. Quem é que poderia
ter realizado isto a não ser a inspiração de Deus?
N.B. Encontra-se um estudo tão desenvolvido quanto valioso, destes e de outros
pontos, no livro de Hayes mencionado abaixo.
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O PROPÓSITO
Em contraste com Mateus e Marcos, tanto Lucas como João apresentam a razão por
que escreveram seus Evangelhos (Lucas 1:1-4). João faz uma declaração definida quanto a
seu propósito, a qual tem relação com a composição e o conteúdo de todo o Evangelho, e
deve ser considerada com toda a minúcia possível. “Estes, porém, foram registrados para que
creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome”
(João 20:31). Temos aí o propósito definido do autor: “Estes foram escritos para que” – e
esse propósito é duplo: (1) produzir crença pessoal no “Jesus” histórico como o Messias (para
os judeus) e como Filho de Deus (para os gentios); e (2) levar, pela crença, à possessão da
vida em Seu nome.
Sete termos nesse versículo caracterizam e resumem o Evangelho. É bom examiná-
los com uma boa concordância ou lendo o Evangelho todo e marcando as referências em sua
Bíblia.
1. “Creiais”2. Esta palavra é usada 98 em João, ao passo que apenas 11 em Mateus,
15 em Marcos e 9 em Lucas. A nota dominante da fé soa logo no primeiro capítulo
e se acha em toda a parte até culminar na mensagem dirigida ao apóstolo Tomé
(20:29).
2. “Jesus”. Este é o nome histórico, e em nenhuma parte a verdadeira humanidade
e o caráter histórico de nosso Senhor são mais claramente apresentados do que
neste Evangelho.
3. “O Cristo”. Este termo, que significa o Messias judaico, é um ponto especial,
sobretudo em relação aos judeus, na primeira grande seção (caps. 1 a 12).
4. “O Filho de Deus”. Outro título de Cristo, encontrado no primeiro capítulo e
ilustrado através de todo o Evangelho. Talvez nenhum outro título seja
encontrado com maior frequência do que “o Filho” com o seu termo correlato “o
Pai”.
2
Πιστεύω – Tenhais (G4100): crer, acreditar ou confiar. João não emprega a palavra fé, usa apenas o
termo crer. Para João, crer é apropriar, viver e ser.
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Como Estudar os Quatro Evangelhos
Todo o Evangelho está construído sobre as verdades associadas com esses sete
termos. E, assim, quando estudamos cuidadosamente o propósito de João, encontramos duas
ideias fundamentais: Fato (20:30) e Crença (20:31): a revelação e o registro, a obra e o
escrito. A vida de nosso Senhor é contada com o objetivo de ser a base e a inspiração da
nossa crença. Cada fato nele tem que ser um fator e, portanto, uma força em nós. Devemos,
por conseguinte, estudar este Evangelho de acordo com o seu propósito indicado naquelas
sete ideias, e quanto mais detidamente o fizermos, tanto mais claramente veremos como
tudo, de começo ao fim, está deliberada e definidamente incluído no objetivo especial que o
autor tão claramente enuncia.
O PLANO
3
ἐχ
́ ω – Tenhais (G2192): Ocorre 91 vezes no Evangelho de João. Também significa segurar,
possessão, desfrutar.
4 ζωή – Zoe (G2222): Ocorre 36 vezes no Evangelho de João e 13 vezes na primeira epístola (1 João).
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Como Estudar os Quatro Evangelhos
SETE SEÇÕES
1. O Prólogo (1:1-18)
1. Revelação (vss. 1 a 4)
2. Rejeição (vss. 5-11)
3. Recepção (vss. 12-18)
Nesta seção devem-se notar quatro títulos de Cristo: o Verbo; a Luz; a Vida; o Filho.
Devem-se considerar a sua ordem e a sua significação.
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(a) O começo do conflito (7:1 a 8:59). Isso se vê antes, durante e depois da Festa
dos Tabernáculos.
(b) A continuação do conflito (9:1 a 10:42). Isto inclui o sinal e suas consequências
(cap. 9), o Pastor e Suas afirmações, o Filho e Sua consciência (cap. 10).
(c) A culminação do conflito (11:1 a 12:50). Isto se vê no grande milagre (cap. 11)
com os diferentes resultados (11:47 a 12:19), seguindo-se as cenas finais
(12:20-36).
Segue-se, então, um comentário final sobre o ministério público (12:37-50),
apresentando primeiro o julgamento do evangelista e depois o do Mestre. Não havia
necessidade de novo testemunho porque a obra pública de Cristo estava terminada. Ele já Se
achava no coração de Seus discípulos, como se pode ver no episódio de Betânia; estava
recebendo oposição da opinião popular; e havia também indícios de um círculo mais amplo
na visita dos gregos.
Deste modo, apresenta-se este epílogo, mostrando ser verdadeira a explicação de
Isaías e também serem mais que suficientes as manifestações de Cristo. O resultado se vê
nos dois lados: luz e trevas. Em tudo isto é importante continuar a notar com grande cuidado
como se desenvolve em detalhe nesta seção o propósito apresentado em 20:31.
Vamos dar agora especial atenção à manifestação de nosso Senhor a Seus discípulos,
com especial referência à crença que eles revelaram.
(a) A educação da crença (13:1-38)
(b) A instrução da crença (14:1 a 16:33)
(c) O encorajamento da crença (17:1-26)
Podemos também contemplar estes capítulos de um modo um tanto diferente,
embora ainda se referindo ao treinamento dos doze: Cap. 14 – Consolação (crença); cap.
15 – Instrução (amor); cap. 16 – Predição (esperança); cap. 18 – Intercessão (glória).
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UM MÉTODO ESPECIAL
Como um outro método de estudar este Evangelho, são dignas de particular atenção
as seguintes sugestões feitas pelo ver. Hubert Brooke, de Londres:
Conforme o indicou um cuidadoso estudante do Evangelho segundo São João, sua
forma é muito semelhante ao método de um advogado ao defender uma causa perante o
tribunal.
1. Primeiro, as proposições favoráveis e seu constituinte são amplamente
apresentadas. Tudo o que ele pretende provar depois é declarado no início. Assim,
o capítulo inicial deste Evangelho apresenta todas as afirmações acerca de Cristo:
Verdadeiro Deus, Luz da Vida, Revelador do Pai e Batizador com o Espírito Santo,
juntamente com outros títulos.
2. Segue-se, então, na defesa do advogado, a longa lista de provas, afirmações das
testemunhas, com outras evidências e corroborações, por meio das quais ele
prova a sua tese. Assim, neste Evangelho os “sinais” – como são denominados
todos os milagres em João – são as evidências que prova mais afirmações acerca
de Cristo. Também a palavra “testemunho” e “testificar” ocorrem não menos de
47 vezes, “sinais” 17 vezes e a frase “em verdade, em verdade”, 25 vezes.
3. Finalmente, o advogado pede um veredito sobre o caso. Assim também, aqui, o
apelo final para a crença na verdade apresentada pelo advogado, para a crença
nas suas declarações, encontra o seu paralelo no versículo final do cap. 20, em
que se pede o veredito de cada ouvinte e em que se faz a promessa da bênção
consequente.
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Como Estudar os Quatro Evangelhos
Depois de termos estudado cada Evangelho de per si, é natural que nos esforcemos
por estuda-los em conjunto, embora reconhecendo que isto só é possível num sentido muito
geral. Há, porém, um método verdadeiramente valioso de estudar a vida de nosso Senhor
como um todo e certamente não devemos deixar de fazê-lo.
A obra “A Vida de Cristo” de Stalker e a obra “The Modern Student´s Life of Christ”
por Vollmer, podem ajudar nesse estudo. Ali aparecem divisões da vida de Cristo que serão
de valor para o estudante, que descobrirá ser possível estudar os Evangelhos em conjunto
conforme as seguintes cinco divisões:
1. Os 30 anos de preparação;
2. O ano de obscuridade na Judéia;
3. O ano de popularidade na Galiléia;
4. O ano de oposição, que terminou na cruz;
5. A ressurreição e os quarenta dias que se seguiram.
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Como Estudar os Quatro Evangelhos
Além dessas linhas gerais, é difícil para o estudante comum ir muito longe na
harmonia dos Evangelhos, embora as várias obras dessa natureza o habilitem a ver até que
extensão é possível colocar certos incidentes em sua ordem cronológica apropriada, sendo-
lhe possível também comparar os registros de qualquer incidente que se encontrem em dois
ou mais dos Evangelhos. Como exemplo do que se pode fazer neste particular, é de proveito
estudar detidamente os registros sobre o paralítico (em três Evangelhos) e o da alimentação
dos cinco mil (em todos os quatro).
É importante observar que, ao passo que cada Evangelho tem seu próprio caráter e
propósito, todos eles foram escritos de acordo com o mesmo plano geral, consistindo de uma
introdução, do ministério e de uma conclusão. Muitas poucas datas são mencionadas, mas os
pontos de transição ou “pivots” são indicados no curso da história. Cinco desses são muito
importantes:
1. O Batismo e a Tentação, que marcam o começo do ministério de Jesus.
2. A prisão de João Batista, que deu ocasião ao início do ministério na Galiléia (João
4:43; Marcos 1:14 e Mateus 4:12).
3. A alimentação dos cinco mil, que indica o auge do ministério na Galiléia (o único
milagre mencionado em todos os quatro Evangelhos). João cap. 6.
4. A revelação sobre a Sua morte em Cesaréia de Filipe, revelação seguida pela
Transfiguração (Marcos 8:27 a 9:13; Mateus 16:13 a 17:13).
5. A entrada triunfal em Jerusalém.
É costume separar os três primeiros Evangelhos do quarto, chamando-lhes de
“Evangelhos Sinóticos”, porque podem ser “vistos juntos” (syn-opto) como apresentando
virtualmente um quadro idêntico da vida e da obra de Cristo. Mas é muito mais apropriado
conservar todos os quatro Evangelhos juntos; como apresentando quatro aspectos da vida
de Cristo.
As relações literárias entre os Evangelhos são objetos de grande diferença de opinião
entre os eruditos e, embora vez por outra se tenham feito esforços no sentido de harmonizar
os Evangelhos num todo, nenhuma dessas tentativas se tem revelado plenamente
satisfatória. Dificilmente se encontrarão duas Harmonias que concordem em tudo. Aquilo a
que se tem chamado “problema sinótico” não somente permanece sem solução, mas talvez
seja insolúvel. Podemos dizer de fato, sem muita divergência de opinião, que uma harmonia
real é impossível, porque cada Evangelho tem suas próprias feições características que não
podem ser unidas com as dos outros.
Há várias razões de peso para afirmarmos o que fica dito acima. Em primeiro lugar,
essas características, que expressam o propósito definido de cada Evangelho,
necessariamente ficam perdidos ou são pelo menos ignorados quando se tenta harmonizá-
los. Em segundo lugar, os fatos nem sempre são apresentados cronologicamente nos
Evangelhos, mas são muitas vezes agrupados de acordo com o assunto. E finalmente – e esse
é o fato mais importante de todos – nada possuímos que se assemelhe a um registro completo
e bem ordenado das palavras e ações do Senhor Jesus (João 20:30, 31; 21:25), e cada
escritor foi evidentemente levado a fazer uma seleção de acordo com o seu propósito
específico. Não é como se todos os quatro Evangelhos tivessem sido escritos por uma só
pessoa, porque nesse caso seria possível considerar e comparar a substância de cada um
deles de uma maneira que é impraticável por se tratar de obras de quatro homens. Este fato
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Como Estudar os Quatro Evangelhos
mostra a sabedoria de dar primeiro atenção a todos os quatro Evangelhos de uma vez e não
a três somente.
Quanto aos pontos principais, existe concordâncias substancial de que o ministério
de Jesus foi exercido primeiro na Judéia (João 1 a 4); em seguida foi exercido na Galiléia (a
maior parte de Mateus e de Marcos); e depois na Judéia outra vez, terminando com a última
semana em Jerusalém, em que se unem todos os quatro Evangelhos.
O seguinte esboço oferece uma breve harmonia dos quatro Evangelhos, até onde
eles podem ser harmonizados, embora, como se pode ver nas várias Harmonias, haja muita
diferença de opinião entre os autores quanto aos detalhes.
Tudo insto mostra como é importante lembrar que cada Evangelho é estudado melhor
separadamente, antes de fazer qualquer tentativa para ver a unidade geral de todos.
Os que querem estudar os Evangelhos em conjunto encontrarão muito auxílio e
direção no livro “The Four Gospels” de Redaur, capítulo V: “The Relations of the Gospels to
Each Other”.
Embora se continuem a fazer esforços para harmonizar os Evangelhos, é provável
que o método mais satisfatório de compará-los é aquele que foi sugerido no quarto século
por Eusébio5, o qual, em adição a certas divisões em capítulos que eram então correntes,
arranjou os materiais dos Evangelhos de maneira semelhante ao quadro abaixo:
Ordem dos
Mateus Marcos Lucas João
Acontecimentos
O verbo pré-encarnado 1:1-18
Nascimento, infância e
Caps. 1 e 2 Caps. 1 e 2
mocidade
Batismo e tentação 3:1 a 4:16 1:1-13 3:1-22
Ministério inicial na
4:17 a 16:20 1:14 a 7:23 3:23 a 9:50 1:19 a 4:47
Galiléia, Judéia e Samaria
Grande Ministério na
16:21 a 18:35 7:24 a 9:30 Caps. 6 a 8
Galiléia (Parte I)
Grande Ministério na
19:1 a 20:17 9:31 a 10:52 9:51 a 18:30 Caps. 9 a 11
Galiléia (Última Parte)
Última semana em
18:31 a
Jerusalém: morte e 20:18 a 28:20 11:1 a 16:20 Caps. 12 a 21
26:52
ressurreição
Embora isso não constitua uma harmonia, ajudará bastante ao estudante, ajudando-
o a dar especial atenção aos muitos pontos em que os Evangelhos diferem. Entretanto, como
já dissemos, embora haja diferenças entre os Evangelhos, não há discrepância ou
contradição, porque cada autor foi levado pelo Espírito Santo a apresentar um retrato especial
de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
5 Eusébio, bispo de Cesaréia, nasceu em cerca de 270, faleceu no ano 339/340. Sua obra se constitui
de livros históricos, apologéticos, de exegese bíblica e doutrinários. Escreveu mais de 120 volumes, a
maioria dos quais perdidos, alguns são conhecidos apenas por traduções. Dos originais restam nada
mais do que fragmentos. O livro “História Eclesiástica - Eusébio de Cesaréia”, tem registrado dez
livros de Eusébio.
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Como Estudar os Quatro Evangelhos
Olhando para os quatro Evangelhos à luz do que o Espírito Santo nos quer ensinar
acerca de nosso bendito Salvador em cada um deles, notamos primeiro que o Espírito achou
por bem revelar-nos o Senhor no Evangelho de Mateus como o Messias prometido, o Rei de
Israel.
MATEUS
Jesus não era apenas o Filho de Davi, mas também o Filho de Abraão. Israel, quer
inteligentemente, ensinado pela Palavra e pelo Espírito de Deus, quer ignorantemente, pela
incredulidade, estava esperando o cumprimento da Palavra de Deus acerca daquele que havia
de vir para trazer-lhe nacionalmente a bênção prometida a Abraão (Gênesis 22:17, 18; Isaías
32:15; Joel 2:28-32). À luz de sua história, como nação e como reino, e à luz da profecia, os
seus olhos se tinham fixado na esperança de um Rei vindouro; e é como tal que ele é
apresentado na primeira parte do Evangelho de Mateus (1:1 a 16:20). Muitos dos judeus
parecem não ter entendido claramente que o Filho de Davi havia de ser também o Filho de
Abraão, isto é, que aquele que havia de ser o Rei de Israel devia também sofrer, morrer e
ressuscitar, de acordo com o tipo que se encontra na cena de Gênesis 22. Somente através
de Cristo como o Redentor é que Israel podia ser trazido à sua posição como um reino de
sacerdotes, sobre o qual havia de reinar o filho de Davi em poder e bênção.
Cristo tem que ser o Rei da Justiça afim de ser o Rei da Paz, tem de haver desaparecer
a inimizade e o inimigo afim de que possa haver um governo de paz. Portanto, Ele tinha que
vir primeiro como o Antítipo do filho de Abraão e ser oferecido como sacrifício, de modo que
Deus pudesse tratar com justiça o pecado do homem e com justiça salvar os pecadores que
cressem (Mateus 16:21 a 28:20; Hebreus 7:1, 2; Isaías 32:1, 17; 45:21; 2 Coríntios 5:18-
21; Romanos 4:5 e Gálatas 3:8, 14, 16).
O Senhor fez um sacrifício real a fim de comprar um Reino de sacerdotes em Israel
e reinar sobre a terá numa era vindoura, e também um Reino de sacerdotes para governar
com Ele em glória, a saber, a Igreja, Sua Noiva e Esposa (Mateus 13:44-46; 27:37; 28:18;
Êxodo 19:6; Isaías 60:12; 61:6; Atos 15:14; Efésios 5:25-32; Apocalipse 1:5, 6; 5:10 e 1
Pedro 2:9).
O ensino de Cristo no Evangelho de Mateus é o de um Soberano. Ele ensinou como
Aquele que tinha autoridade (Mateus 7:29). Seus grandes discursos nos capítulos 5 a 7. 13,
24 e 25 dão testemunho quanto a esse fato. Nesses discursos ele revela os grandes fatos
acerca de seu Reino agora e na era porvir.
Seus milagres de graça revelam Sua soberania tão plena e claramente como o fazem
Suas palavras de graça.
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Como Estudar os Quatro Evangelhos
MARCOS
LUCAS
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Como Estudar os Quatro Evangelhos
(Lucas 10:33); que Ele se moveu de íntima compaixão, e, “correndo o abraçou e beijou”
(Lucas 15:20).
JOÃO
O Evangelho segundo São João revela o Filho de Deus no seio do Pai. Ele manteve a
atitude de aproximação e dependência do Pai através de toda a Sua vida, serviço e sofrimento
(João 1:18; 5:19, 30; 8:29; 13:3 e 16:28).
O Filho Unigênito desceu do céu não para fazer a Sua vontade, mas a vontade
daquele que O enviou. A vontade da Daquele que O enviou era que Ele desse vida eterna a
todos os crentes, que Ele não perdesse nenhum deles, mas os ressuscitassem no último dia
(João 6:38-40).
As palavras do Filho de Deus, como se acham no Evangelho de João, manifestam a
vida que se achava com o Pai, a vida eterna concedida a todo aquele que crê no Filho (1 João
1:2 e João 3:36).
Suas palavras falam-nos de Sua morada na casa de Seu Pai e nos indicam, passo a
passo, o caminho pelo qual podemos entrar na presença do Pai e no gozo de tudo o que Ele
tem para nós ali.
1. O primeiro passo é nascermos de novo (3:3, 6);
2. O segundo é conhecermos o dom de Deus, o Espírito Santo (4:10);
3. Em seguida, sermos curados de nossa incapacidade para o serviço (5:7-9);
4. Depois, sermos alimentados pelo Pão da Vida (6:35);
5. Depois, dessedentar-se com a plenitude do Espírito Santo (7:37-39);
6. Então, termos o coração iluminado pela luz da vida (8:12);
7. Depois, termos os olhos abertos para contemplarmos o Filho de Deus (9:32-38);
8. Em seguida, gozarmos vida abundante (10:10);
9. Depois, contemplarmos a glória de Deus no poder da vida ressurreta (11:40-44);
10. E, finalmente, servirmos a nosso Senhor, banqueteando-nos com Ele e ungindo
os Seus pés pela comunhão no Seu sofrimento (12:1-3).
O propósito principal da revelação do Filho de Deus é dar vida eterna a todo aquele
que nEle crê (3:16, 36; 5:24 e 6:37).
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