Dislexia Bellynha e Colaboradores
Dislexia Bellynha e Colaboradores
Dislexia Bellynha e Colaboradores
CASO
Isabelly Santa de Medeiros¹. Mírian Carla Lima Carvalho ¹. Murilo Cizá (Murilo Cezar De
Souza Albuquerque) ¹. Itânia Kalenya Nunes Pereira De Araújo¹. Geovani Soares de Assis¹.
Universidade Federal da Paraíba¹
isabellysantanamedeiros@gmail.com; miriancarlalc@gmail.com; cizamurilo@gmail.com; iknpae@gmail.com;
geo_vanisa@hotmail.com.
RESUMO: Visto que não nascemos com a capacidade de leitura e a adquirimos através do processo
de evolução, é natural eventuais dificuldades nesse processo, todavia não ao ponto de impedir um
aprendizado. E assim acontece com o disléxico. Este distúrbio da linguagem ou especificamente da
leitura altera no indivíduo possibilidades de aquisição da leitura ou até mesmo depois de adquiri-la,
perdê-la. Diante disso, o presente estudo apresentou como objetivo geral compreender a dislexia a
partir do ponto de vista da pessoa disléxica. Utilizou-se como aporte metodológico o Estudo de caso.
Participou da amostra uma jovem-adulta, de 21 anos, dispondo de um laudo neurológico com dislexia.
Para tal utilizou-se como instrumentos de coleta de dados o Termo de consentimento livre e
esclarecido, para assegurar as questões éticas da pesquisa com devida assinatura da jovem, e
instrumentos psicopedagógicos como a escuta e uma entrevista semiestruturada. A partir desses
processos estabelecidos e concretizados, foram analisadas qualitativamente as informações e descritas
em forma de relato, tanto a escuta como a entrevista, e discutiu-se os dados com a fundamentação
teórica abordada. E com isso verificou-se que de fato a percepção do disléxico sobre a dislexia é de
grande importância para o delineamento das limitações na leitura e escrita e habilidades
individualizadas, considerando sua especificidade e a relevância destas relações na aprendizagem do
indivíduo. Visto que na dislexia, o meio e suas relações são fundamentais para a aprendizagem.
Assim o presente estudo contemplou os objetivos propostos, de modo que apresentou a percepção do
indivíduo com dislexia com relação ao convívio com esse transtorno da aprendizagem, das ações
voltadas para sua inserção na escola, e finalmente as relações, de familiares, professores e alunos, em
relação a dislexia.
¹ Esta pesquisa teve a colaboração de: Ariela Lisboa Pereira e Jeniffer Lima.
INTRODUÇÃO
A aprendizagem da leitura tem um marco naturalmente histórico-social, não nascemos
com um aparato biológico preparado para tal, todavia os processos evolucionistas sugerem o
desenvolvimento de áreas cerebrais da leitura, nessa perspectiva há a hipótese da reciclagem
neuronal da autoria de Dehaene (2012). Visto que não nascemos com a capacidade de leitura
e a adquirimos através do processo de evolução, é natural eventuais dificuldades nesse
processo, todavia não ao ponto de impedir um aprendizado. E assim acontece com o disléxico.
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Este distúrbio da linguagem ou especificamente da leitura, altera no indivíduo
possibilidades de aquisição da leitura, ou até mesmo depois de adquiri-la, perdê-la. Como isso
acontece? Existem duas categorias: a dislexia adquirida, ocorre após uma lesão ou
traumatismo, e a dislexia do desenvolvimento, na qual o indivíduo apresenta dificuldades no
processo de aquisição.
Concomitante, o próprio termo dislexia passou por várias transformações históricas
refletidas na concepção deste distúrbio, foi considerada desde uma “cegueira para as palavras”
à atualmente denominada dislexia do desenvolvimento, esta concepção atual refere-se ao fato
de ter uma origem biológica e ser afetado por processos ambientais (CIASCA et al, 2015).
Este tipo possui etiologia genética, isso porque geralmente se encontra mais de um disléxico
na mesma família (ALTREIDER, 2016).
O conceito de dislexia está atrelado ao transtorno específico da aprendizagem, este se
enquadra enquanto transtorno da leitura, transtorno da escrita ou transtorno da matemática, no
primeiro se encaixa a dislexia, podendo agregar dificuldades na matemática e na escrita
(DSM-V; CID-10), mais precisamente o disléxico tem dificuldade na decodificação de letras,
por isso a dificuldade na leitura e na escrita. Alguns sintomas das dificuldades na leitura e na
escrita, são trocas ou omissões de letras, invertendo letras, sílabas e palavras. Tais
características são notáveis na fase inicial de aquisição da leitura, manifestada no ambiente
escolar. (ALTREIDER, 2016)
Assim a percepção é designada como uma interpretação de sensações experienciadas,
neste caso a interpretação do disléxico frente aos sintomas e o contexto proximal de escola-
família-amigos.
Em vista disso alguns questionamentos norteiam este estudo: Como a pessoa com
dislexia se percebe convivendo com esse transtorno da aprendizagem? Como ele percebe as
ações voltadas para sua inserção na escola? Como o disléxico percebe as opiniões, de
familiares e amigos, com relação a dislexia?
Diante disso, o presente estudo apresentou como objetivo geral compreender a dislexia
a partir do ponto de vista da pessoa disléxica e mais especificamente 1) verificar a percepção
da pessoa com dislexia com relação ao convívio com esse transtorno da aprendizagem, 2)
identificar a percepção das ações voltadas para sua inserção na escola, 3) descrever o
disléxico percebe as relações, de familiares, professores e alunos, com relação a dislexia.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
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Dentro da literatura, encontra-se diversos teóricos que se preocupam com as causas e
as consequências da dislexia, que afeta diretamente o processo de aprendizagem do indivíduo,
investigando as variadas perspectivas desse distúrbio e, deste modo, norteiam essa
investigação.
Contribuição significativa é dada pela Associação Brasileira de Dislexia (ABD) um
site fundado para promover a discussão acerca da temática visando auxiliar as famílias e as
pessoas disléxicas, bem como orientar a sociedade em geral sobre como lidar com as
peculiaridades desta questão, além de buscar constantemente novas formas de melhorar a
qualidade de vida dessas pessoas.
De acordo com Carvalhais e Silva (2007), a partir de um estudo longitudinal de uma
criança diagnosticada com Dislexia, constataram a necessidade do diagnóstico precoce do
distúrbio, visto que suas consequências podem ir muito além das questões educacionais,
atingindo também os contextos sociais e emocionais da pessoa.
Pimenta (2012), traz reflexões importantes em sua obra, ao tratar das possibilidades de
intervenção da família, dos professores e da escola para com as pessoas disléxicas,
direcionando a reflexão das importâncias desses núcleos para o evolução acadêmica e pessoal
da pessoa com esse distúrbio.
Ainda foi descrito na literatura casos de pessoas famosas identificadas com dislexia,
tais podem ser: Agatha Christie, Albert Einstein, Charles Darwin, Leonardo Da Vinci,
Napoleão, Pablo Picasso, Vicente Van Gogh, Winston Churchil, Magic Johnson, Job
Williams, Jonh Lennon, Tom Cruise. Estes grandes nomes comprovam que as pessoas
diagnosticadas com dislexia não são destinadas ao fracasso, e que ao contrário, devem ser
estimuladas nas descobertas de suas habilidades.
Rotta e Pedroso (2016) cita uma frase de Albert Einstein referente a percepção de sua
dificuldade na leitura: "Quando leio, somente escuto o que estou lendo e sou incapaz de
lembrar a imagem visual da palavra escrita”. Tais atribuições ressoam sobre o que hoje têm-se
como sintomas da dislexia, ou seja, a dificuldade na decodificação das palavras.
Mojen e França (2016) esboçam dois casos sobre a dislexia e as experiências
escolares. O primeiro é do sexo feminino, diagnosticada quando criança, esta expressa o fato
escrevendo: “Quando tinha 6 anos, enterei na primeira sere, mesentir mal. Porque meus
colegas sabião ler e escrever e eu não. A professora me pasou, fiquei felis”; ela concluiu o
ensino médio, é aprovada para ciências contábeis, todavia abandona o curso para fazer
artesanato. O segundo caso é de um jovem de 24 anos, cursava
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história e disciplinas do mestrado em educação na condição de aluno especial, procura
avaliação psicopedagógica, e foi diagnosticado com dislexia do tipo mista, a universidade lhe
permitiu avaliação oral, e posteriormente passa em primeiro lugar em três concursos, de
história e de fotógrafo criminal.
Estudos post-mortem têm revelado diferenças anatômicas, grossas e finas, nos
encéfalos de disléxicos e não-disléxicos. São atribuídos, para tais diferenças, critérios como
hereditariedade, aspectos do desenvolvimento e relações com o meio. O que pode explicar tais
condições, são os achados das células ectópicas, grupos de neurônios com axônios irregulares,
que normalmente não estão nas regiões da linguagem. E como explicar tais células no cérebro
dos disléxicos? Possivelmente, um desvio na migração neuronal que consiste, de forma típica,
na alocação celular com especialização. As células ectópicas produzem vias atípicas de
comunicação, desta forma alterando o processamento (GALABURDA et al., 1985;
GALABURDA et al., 2006)
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A partir da escuta e entrevista foi possível observar alguns pontos em comum da
história da jovem, cujas iniciais são A.L., de maneira que as
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informações coletadas durante a escuta foram posteriormente complementadas pela entrevista.
Os dois procedimentos foram realizados com a jovem, do sexo feminino, com 21 anos e
ensino superior incompleto, diagnosticada por um neurologista com Dislexia.
Na entrevistada, A.L. falou sobre a importância da família para o seu
desenvolvimento, algumas vezes de maneira positiva, expressando o incentivo dos seus pais,
no sentido de buscar caminhos melhores, quanto negativas, acreditando que os contratempos
familiares podem ter influenciado emocionalmente, se tratando de um agravo para a dislexia.
Sobre a vida acadêmica afirmou não lembrar do início de sua alfabetização, o que para
ela é natural. No ensino fundamental foi para uma escola considerada exemplo de inclusão,
mas não era isso que acontecia na prática, justificou afirmando que sua experiência nesse
ambiente foi traumatizante, principalmente no primeiro ano do ensino fundamental. Já no
segundo ano, não conseguia ler, não compreendia os problemas matemáticos, não conseguia
distinguir esquerda e direita tinha dificuldade em danças, coreografias e raciocínio lógico,
portanto, devido a isto seus colegas riam de suas dificuldades, confessando o quanto essas
situações à incomodavam, inclusive, hoje tem pesadelos devido aos momentos descritos
anteriormente.
No ensino médio foi para uma outra escola, onde acredita ter sido palco dos melhores
momentos acadêmicos e foi durante essa etapa que se descobriu com dislexia, quando assistia
a um filme intitulado “Percy Jackson” cujo personagem principal era disléxico. Em seu relato
o filme mostrava todas as suas características, o que fez a mesma pesquisar sobre o transtorno,
a partir disso falou a sua mãe que possivelmente sua dificuldade era causada pela dislexia, e
então dirigiu-se ao neurologista onde foi diagnosticada. O diagnóstico de A. L. pela equipe
médica foi em março de 2014, porém, ela informa que sabia do transtorno desde o ano de
2013 e ficou tranquila em saber do seu diagnóstico. Sua família reagiu bem, pois, enfim, uma
resposta para suas dificuldades.
Confessou que tudo parecia mais fácil a partir dessa descoberta, e assim passou a
pesquisar estratégias para otimizar a aprendizagem. Durante o terceiro ano do ensino médio,
quando já tinha um diagnóstico de dislexia, a mesma disse que se reuniu com os seus
professores e sua mãe para discutir como iria ocorrer a avaliação. Os professores faziam
trabalhos orais, com data show, gincanas, trabalhos em equipe, envolvendo vários conteúdos
das disciplinas (história, geografia, matemática), era uma competição na qual era avaliada a
dominância no assunto e oralidade, substituída pelas provas.
Disse que o fato de a turma ser composta por uma
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quantidade pequena de alunos, facilitou a sua aprendizagem. Nas atividades acadêmicas a
turma teve um ótimo desempenho e A.L disse que seus colegas se ajudavam. Descreveu o
terceiro ano do ensino médio como mágico, parecia emocionada quando falava das pessoas
dessa escola, declarando ter ótima relação tanto com os profissionais, quanto com seus
colegas de sala. Além disso, revelou ter sido acompanhado por uma psicopedagoga durante
essa fase, relatando as contribuições da profissional para enfrentar melhor com as
dificuldades.
Sua percepção relacionada à “escola inclusiva” considera inclusiva apenas após o
diagnóstico. De modo geral, relata que suas relações antes do diagnóstico (família, escola,
sociedade) eram um fracasso, não conseguia se comunicar, autoestima de inferioridade devido
ao bullying sofrido, e apenas no ensino médio conseguiu melhorar suas relações sócio
afetivas.
Já na fase adulta, quando ingressou no ensino superior, continua com dificuldades,
porém sabe enfrentar melhor com elas, disse também que foi assistida em relação a alguns
direitos e sua turma parecia mais esclarecida sobre o assunto. Passou um tempo trabalhando
em uma empresa de telemarketing onde tenha dificuldades em transcrever a demanda e os
números que as pessoas falavam. Além disso, confessou que teve alguns problemas com o uso
de substâncias ilícitas.
Tratando-se de sua percepção “dislexia versus aprendizagem” tem dificuldade na
leitura para interpretar texto, confunde letras parecidas, na escrita apresenta mais dificuldade
do que na leitura, precisa de concentração para não trocar as letras na hora de escrever,
geralmente inverte as palavras, na matemática concreta não tem dificuldade, para problemas
matemáticos têm muita dificuldade, não consegue praticar a dança com perfeição e ainda não
consegue identificar as horas no relógio analógico. Apresenta dificuldade de espaço
(esquerda, direita, frente, trás), não consegue distinguir os dias da semana.
Sobre seu acompanhamento psicopedagógico, no ensino médio, diz ter recebido
orientações utilizadas para ajudar no prognóstico da dislexia. Algumas são: a técnica visual de
sempre focar no que está lendo e em relação às horas no relógio analógico demora a
identificar, mas consegue. Já na universidade, no primeiro período, recebeu acompanhamento
psicológico, e atualmente não é acompanhada pois não se faz necessário.
Além disso, outro aspecto evidente no seu discurso foi a insatisfação perante a falta de
preparo e sensibilidade dos professores que a acompanharam no ensino fundamental, e a
mudança de comportamento, no ensino médio, se sucedeu após
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ser apresentado o diagnóstico. De acordo com sua percepção frente à sociedade,
considera as pessoas preconceituosas com o diferente, no entanto, quando são esclarecidas
sobre o que é a dislexia o tabu diminui. E ao falar sobre seu diagnóstico de dislexia, poucas
pessoas compreendem do que se trata, e aos que não sabem, ela descreve o que é, sendo
melhor compreendida.
Baseado nas informações descritas acima, pode-se identificar algumas características
da jovem corroborando com as características e sintomas descritos na literatura, considerando
a singularidade de cada pessoa.
Um aspecto considerado na pesquisa, foi a percepção da mesma com relação às
influências das relações sócio-emocionais sob sua aprendizagem, descrito a partir de situações
nas quais seu desempenho acadêmico positivo prosseguia paralelamente a uma boa relação
com sua turma. Pode-se identificar na literatura e equiparar com este estudo que as relações
sócio-emocionais podem e influenciam no desenvolvimento positivo ou negativo e na
evolução acadêmica, se tratando das relações próximas como a família e escola.
E com isso verificou-se que de fato a percepção do disléxico sobre a dislexia é de
grande importância para o delineamento das limitações na leitura e escrita e habilidades
individualizadas, considerando sua especificidade e a relevância destas relações na
aprendizagem do indivíduo. Visto que na dislexia, o meio e suas relações são fundamentais
para a aprendizagem.
E por fim “cada caso é um caso”, como foi visto na fundamentação, no qual um
sujeito desiste de um estudo formal gerando indagações, se é devido a falta de adaptações
pedagógicas ou por interesses próprio; noutro o jovem concluiu a mestrado, e passa em três
concursos; neste a jovem está cursando o ensino superior, demonstrou-se disposta a enfrentar
as suas dificuldades e esperançosa com o seu futuro acadêmico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim o presente estudo contemplou os objetivos propostos, de modo que apresentou
a percepção do indivíduo com dislexia com relação ao convívio com esse transtorno da
aprendizagem, das ações voltadas para sua inserção na escola, e finalmente as relações, de
familiares, professores e alunos, em relação a dislexia.
A partir desse estudo fica evidente o papel do apoio familiar e social na ascensão do
indivíduo. A escola também se destaca como espaço de desenvolvimento, porém se os seus
funcionários não estão aptos a lidarem com o processo de
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aprendizagem normal e/ou patológico, é possível que o ato não aconteça satisfatoriamente
causando uma série de prejuízos.
Além disso, surgiram algumas limitações no decorrer da pesquisa, como a coleta de
dados que aconteceram em locais que podem ter proporcionado distração da entrevistada.
Ainda sim, é evidente as contribuições do estudo, deixando um leque de sugestões de futuros
estudos relacionados à temática, como outros possíveis estudos de caso, já que foi observado
uma significativa escassez de pesquisas sobre a percepção do disléxico sobre o seu transtorno.
Por conseguinte investigar a percepção do disléxico é agregar conhecimento de
experiências e reflexões no processo de aprendizagem de indivíduos, destacando suas
potencialidades em detrimento das dificuldades. E assim repensar práticas de ensino que
propiciem uma aprendizagem significativa.
REFERÊNCIAS
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GALABURDA, Albert M. et al. Developmental dyslexia: four consecutive patients with
cortical anomalies. Annals of neurology, v. 18, n. 2, p. 222-233, 1985.
ROTTA, N.T. e PEDROSO, F.S. Transtorno da linguagem escrita: dislexia. In: ROTTA,
N.T., OHLWILER,L. e RIESGO,R. DOS S.(Orgs). Transtornos da Aprendizagem:
Abordagem neurobiológica e multidisciplinar. Porto Alegre: Artemed,2016,p.135.
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