Cap 4
Cap 4
Cap 4
cap4
caPítUlo 4
traUMatoloGia MÉDico
legal: conceitos
2021
58
Sumário
59
Traumatologia médico legal
Uma das mais amplas áreas da Medicina Legal, a traumatologia forense estuda os
traumatismos e suas implicações jurídicas. Seu conhecimento é necessário para a execução de
grande parte das perícias médico legais, visando fornecer subsídios para o esclarecimento do
diagnóstico e prognóstico das lesões corporais e estados patológicos associados; causas
jurídicas penais, securitárias, trabalhistas e civis entre outras. Para tal, o trabalho do perito
médico-legal exige conhecimentos da Medicina, Direito, Filosofia e outras ciências afins.
Aplica-se a indivíduos vivos e mortos, abrangendo perícias desde o período de gestação até
além da sepultura.
Em Medicina Legal, conceituamos lesão corporal traumática, toda e qualquer
alteração ou desordem da normalidade corporal, de origem violenta e externa, capaz de
provocar um dano na pessoa. As consequências no corpo do indivíduo podem ser internas ou
externas, dependendo do tipo de energia envolvida.
Nesse momento, a perícia médico legal é acionada por meio de uma requisição expedida
pela autoridade policial ou militar responsável, a fim de que o perito comprove (ou não)
fisicamente que houve o dano ou lesão, gradue a lesão de acordo com o que pede o Código
Penal em seu artigo 129 (10); tentando estabelecer as causas físicas, físico-químicas,
mecânicas, biológicas, o tipo de energia responsável, as relações de causa e efeito e, em
determinadas situações, o tipo de objeto e a causa jurídica. Para tal, é necessário que seja feita
a descrição da lesão envolvendo aspectos tais como tamanho, forma e coloração. A morfologia
das lesões deve ser comparada com a história oferecida pela requisição de exame de corpo de
delito, considerando-se a possibilidade de estabelecer relação de causa efeito compatível com
a história.
Entretanto, a conclusão do laudo pericial encontra seu limite nos dados de história e de
exame clínico que nem sempre estão disponíveis no momento da perícia, não informam qual o
objeto associado, portanto não permitem essa comparação, prejudicando o estabelecimento de
60
nexos causais e posterior definição das causas jurídicas, por exemplo se a lesão foi originada
por dolo, culpa, autolesão ou acidente de qualquer natureza. Dito em outras palavras, nem
sempre a causa jurídica estará acessível ao perito.
As lesões traumáticas poderão ser fatais, levando ao óbito imediatamente por diversos
mecanismos como destruição ou prejuízo do funcionamento dos órgãos, sangramento, embolia
gasosa ou gordurosa e asfixias entre outros; e também tardias em vítimas que sobreviveram aos
efeitos do trauma inicial, secundárias a complicações como infecções, embolia, choque
hemorrágico ou danos secundários à queimadura. (8).
Energias:
Convencionou-se chamar de energia, a ação ou modo pelo qual uma força ou substância
age no indivíduo produzindo um dano ou lesão. As energias causadoras de lesões podem ser
classificadas em:
A) Química
61
B) Física
1) Ação Térmica;
2) Elétrica;
3) Pressão Atmosférica;
4) Radiação;
5) Luz;
6) Som.
C) Físico-Química
D) Mecânica
Ação cinética
Relacionada com o movimento dos corpos e calculada pela equação:
onde “E” é a energia cinética; “m” é a massa e “v” a velocidade do agente. Há 4 variáveis que
determinam o tipo e a gravidade de um ferimento:
a) Massa;
b) Velocidade;
c) Forma de contato e
d) Modo de ação.
A ação cinética sobre o corpo se dá de 3 formas:
62
a) Impacto de um objeto em movimento sobre o corpo humano parado;
b) Impacto de um objeto parado sobre o corpo humano em movimento;
c) Os dois objetos em movimento.
Quando ocorre o contato entre esse objeto externo e o corpo humano, dá-se troca de
energia cinética entre eles, podendo ocorrer alterações no estado inicial do corpo, danos ou
lesões, cuja forma dependerá do tipo de objeto ou instrumento, superfície de contato e da
maneira como ele age. (2).
Lembrar que:
➢ O mesmo tipo de instrumento poderá atuar de modos diferentes conforme sua
superfície de contato e o modo como interage com o corpo naquele momento.
Portanto os objetos não devem ser classificados “a priori” como instrumentos
contundentes ou perfurantes, por exemplo, pois um mesmo instrumento poderá
agir de forma contundente ou perfurante, na dependência da superfície de
contato e da maneira como age. Uma faca poderá agir perfurando, cortando ou
até mesmo contundindo se for usado o cabo para agredir.
➢ A velocidade e a massa influenciam diretamente o grau da lesão. Alguns estudos
mostram que uma colisão de automóvel a 60 km/h equivale a uma queda do 11º
andar de um prédio; a 80 km/h, do 20º andar e a 120 km/h, do 45º andar. (3).
Compare a ação de um projétil de arma de fogo, cuja massa é muito pequena e
velocidade muito elevada com a de um caminhão se movimentando a 20 Km/h.
(Fig. 1).
63
Lesões
As lesões podem ser classificadas segundo o modo de ação. Para que ocorra a
transmissão da energia cinética, há necessidade de contato entre dois corpos. A região de
contato pode ser representada por um ponto, uma linha ou uma superfície e as lesões associadas
são chamadas respectivamente perfuradas, cortadas (ou incisas) e contusas. Se houver um
mecanismo misto, quando ocorre associação entre as formas primárias, serão chamadas
perfurocontusas, corto-contusas e perfurocortadas. (1)
As lesões contusas são produzidas quando o contato se dá por meio de uma superfície
plana ou irregular. Os meios mecânicos capazes de provocar o dano podem ser as armas
propriamente ditas (punhal, soqueira, revólver), armas eventuais (faca, navalha, facão,
machado), armas naturais (punhos, dentes, pés), máquinas, animais, veículos, quedas,
explosões, etc. Esses meios atuam por pressão, percussão, torção, compressão, descompressão,
explosão, deslizamento e contra-choque.
Os instrumentos com ação contundente, pela sua forma e volume, por vezes, deixam
sinais característicos de seu uso (cassetete, martelo, cinto de segurança entre outros) e por
serem os maiores causadores de lesões, são os agentes mais comumente encontrados na prática
pericial médico legal.
Rubefação
64
documento poderá ser solicitado “a posteriori” pelo perito médico legista, a fim de concluir o
laudo médico legal, uma vez que a única prova de que houve a lesão, nesse caso, é a observação
clínica.
Escoriação
Equimose
65
que pressiona, por impressão negativa. Denominam-se petéquias quando pequenas, agrupadas
e vistas como pontos hemorrágicos, frequentemente através da serosa das vísceras como
pulmões e coração; sugilação quando em forma de pequenos grãos e víbice quando em forma
de estrias. Podem aparecer nas sucções, nas escoriações, contusões e asfixias. (link para
capítulo de Asfixias). Nessas situações ocorre rompimento dos capilares sanguíneos. O
mecanismo do aparecimento da equimose está associado ao aumento da pressão intravascular
no centro da região que sofre a pressão externa. Esta se transmite aos vasos periféricos, os quais
se rompem e derramam as hemácias no interstício da derme ou tecido celular subcutâneo. Por
isso, o centro da lesão aparecerá mais pálido e a periferia, avermelhada. A cor vermelha das
hemácias aparece, na pele, por transparência, quando estas se encontram na derme. Já quando
se encontram no tecido celular subcutâneo, a cor pode se alterar tornando-se azulada ou
púrpura, porque dependem do mecanismo de dispersão e absorção das ondas luminosas que
atravessam a gordura subcutânea. Púrpura e azul se dispersam mais e são mais refletidas que o
vermelho, portanto, se o vermelho é mais absorvido, aparecerá menos. O que ocorre
habitualmente são equimoses mistas, onde ambos os mecanismos estão superpostos.
Tempo de evolução
Na resolução das equimoses, sua tonalidade vai mudando, em geral, da periferia para o
centro, variando de acordo com o tempo de evolução, uma vez que as hemácias liberadas se
degradam e liberam pigmentos de hemossiderina, biliverdina e bilirrubina, podendo passar a
ser esverdeada, amarelada, e em seguida desaparecer. Está descrito nos livros clássicos da
Medicina Legal o espectro equimótico de Legrand du Saulle (Tabela 1) que propõe uma
correlação entre o tempo de evolução de uma equimose e a cor observada, sendo
frequentemente utilizado pelos peritos para o estabelecimento da idade da lesão,
correlacionando-se (ou não) com o fato gerador do trauma inicial. Entretanto, há estudos
demonstrando que outras variáveis podem influir e alterar essa correlação, como a extensão
da equimose, intensidade da força impactante, vascularização do tecido afetado,
vulnerabilidade dos vasos sanguíneos locais que guarda correlação com a idade da vítima,
densidade tecidual, volume de extravasamento, diferenças estruturais individuais e discrasias
sanguíneas. Destacamos o estudo de Langlois e Gresham (1991), observando que o
aparecimento da cor amarelada somente permite concluir que a lesão tem mais que 18 h e que
essa cor aparece mais rapidamente em pessoas com menos de 65 anos de idade. (9). Portanto,
muito cuidado na definição do tempo de evolução de uma equimose baseado apenas na
66
interpretação das cores segundo o espectro equimótico de Legrand du Saulle. Deve-se ser feita
uma ressalva no laudo, considerando-se os aspectos mencionados acima que poderão
prejudicar a perícia.
Cor Evolução
Vermelho 1º dia
Violácea 2º ao 3º dias
Azul 4º ao 6º dias
No cadáver, a equimose manterá sua cor, até surgirem os fenômenos putrefativos. Não
se deve confundir equimose com livor hipostático. Este mostra sangue não coagulado, ausência
de malhas de fibrina e integridade de vasos capilares. O sangue está dentro dos vasos em um
primeiro momento, não ocorrendo lesão das parede vasculares como nas equimoses em que o
trauma atinge diretamente sobre o vaso ou por aumento da pressão intravascular. O livor tem
sua presença em locais específicos de decúbito do cadáver ou regiões declivosas devido à ação
da força gravitacional, exatamente porque o sangue se encontra dentro do vaso e não nas malhas
do tecido. Seguindo esse mesmo raciocínio, se houver uma área duvidosa e os livores ainda
não estiverem fixos, pode-se pressioná-la e constatar que, na área de pressão, a pele muda de
cor tornando-se pálida; ao contrário, não se altera nas equimoses. Há controvérsias na literatura
sobre o tempo e o modo como ocorre a fixação dos livores. Há estudos mostrando que ocorre
um mecanismo fibrinolítico após o óbito, portanto o sangue não se coagula no interior dos
vasos. O sangue hemolisado passaria para o tecido, com depósito de hemoglobina apenas, ou
o plasma passaria para o tecido e as hemácias se aglutinariam no interior do vasos. (link para o
capítulo de Tanatologia).
67
Hematoma
Apresenta-se sobre um plano ósseo por aumento de volume dos tecidos, ou coleção de
líquido em seu interior.
Feridas contusas
São lesões em que a ação contundente foi capaz de vencer a resistência e elasticidade
dos tecidos moles. Suas características são determinadas pelo mecanismo de ação: compressão,
pressão, percussão, arrastamento, explosão e tração. Apresentam forma sinuosa, estrelada ou
retilínea; ângulos tendendo à obtusidade; bordas e fundo irregulares; vertentes irregulares;
pontes de tecido íntegro unindo as vertentes; integridade dos vasos, nervos e tendão no fundo
da lesão, consequentemente com pouco sangramento.
Fraturas
68
Luxações
São perdas de contato entre superfícies de articulação de dois ossos. As luxações são
muito mais graves do que as entorses.
Entorses
Roturas de vísceras:
São rompimentos das vísceras. Em geral ocorrem por ação contundente, pelos
mecanismos de tração, explosão, pressão, compressão e percussão. Denomina-se evisceração
a exposição e saída de vísceras da cavidade abdominal.
Esmagamentos
Espostejamento
Secção do corpo vivo em várias partes ou postas, menores que as que ocorrem no
esquartejamento. (5, 6).
69
quebrado, que se continua com uma haste cilíndrica, agindo por pressão e consequentemente
afastando as fibras dos tecidos enquanto o instrumento vai penetrando;
Os instrumentos de calibre médio podem produzir lesões com aspecto diferente das
punctórias, inclusive não circulares, porém com conformação em "casa de botão" (duas caudas
de escoriação). Essas lesões, em sua forma e direção, podem obedecer aos seguintes princípios
estabelecidos por Filhos e Langer em 1833 (4) (Fig. 2).
Figura 2. Meios ou instrumentos. Sua ação é cortante, quando agem com um gume mais ou
menos afiado por mecanismo de deslizamento sobre os tecidos; perfurocortante, quando
penetram e cortam ao mesmo tempo ou até mesmo contundente se o cabo for utilizado para
produzir a lesão.
1ª Lei de Filhos
A solução de continuidade das lesões produzidas por ação perfurante pode se
assemelhar à produzida por instrumento de dois gumes, parecendo “casa de botão”;
2ª Lei de Filhos
Quando essas feridas se mostram em uma mesma região onde as linhas de força tenham
um só sentido, seu maior eixo tem sempre a mesma direção.
70
Lei de Langer
Somente no vivo, devido à elasticidade e retração dos tecidos tais ferimentos obedecem
a estes princípios.
São lesões onde a energia cinética é transferida por pequena pressão e principalmente
por deslizamento do instrumento através de sua borda aguçada. Os instrumentos típicos são a
navalha, o bisturi e a lâmina de barbear que produzem feridas denominadas cortadas ou incisas.
Lembrar que pedaços de vidro, de papel ou folhas metálicas também podem se comportar como
instrumentos cortantes.
São as causadas por instrumentos que transferem a energia cinética por pressão e secção
penetrando com a ponta e cortando com a borda afiada. Lembrar que alguns instrumentos como
faca e canivete possuem um só gume; punhal, espada e baioneta, dois e lima possui três gumes.
A lesão tem maior profundidade do que extensão e a forma varia de acordo com o
número de gumes. Os ferimentos são denominados: perfurocortados ou perfuroincisos. As
soluções de continuidade produzidas por instrumentos perfurocortantes de um só gume
71
resultam em ferimentos em forma em botoeira com fenda regular, mostrando um ângulo agudo
e outro arredondado.
Nos ferimentos com formato em casa de botão, deve-se fazer uma ressalva na
conclusão e discussão do laudo: considerar a possibilidade de tratar-se de instrumento de
dois gumes com ação perfurocortante, porém não se pode excluir instrumento circular de
médio calibre, com ação perfurante (primeira lei de Filhos).
Instrumentos que podem causar esse tipo são os machados, enxadas, rodas de trem,
facões, foices, alfanjes, guilhotinas, serras elétricas, unhas, dentes, desempenadeiras de
madeira, tesouras. (Fig. 3).
São instrumentos portadores de gume, cuja ação é exercida por pressão e deslizamento.
Os ferimentos são denominados corto-contusos. No caso de gume mais afiado, pode prevalecer
o deslizamento e, caso contrário, predominam os efeitos da contusão.
Atuam com uma ponta romba e por pressão, ocasionando lesões em forma de túnel.
Como exemplos, temos os vergalhões, as grades com suas pontas, flechas e os projéteis de
arma de fogo. Os projéteis de arma de fogo são os mais importantes produtores desse tipo de
lesão por sua frequência. As denominadas balas de borracha usadas por forças policiais
comportam-se, em geral, como instrumentos contundentes.
72
muita energia cinética, apesar de pequena massa.
Armas de fogo
Constituídas de um ou dois canos, abertos em uma extremidade e parcialmente fechados na
parte de trás, onde se aloca o projétil. Ele é lançado devido à força expansiva dos gases
produzidos pela combustão da pólvora. (Fig. 4).
A munição tem cinco partes: estojo, espoleta, bucha, pólvora e projétil. Estojo ou cápsula é um
receptáculo de latão ou papelão prensado, de forma cilíndrica contendo os elementos da
munição. Espoleta é a parte que se destina a inflamar a carga. (Fig. 5).
Bucha é um disco de feltro, cartão, couro, borracha, cortiça ou metal que separa a pólvora do
projétil.
Pólvora é a substância que explode pela combustão, composta por mistura de carvão
pulverizado, enxofre e salitre. (Fig. 6).
73
Figura 6. Bucha e pólvora
Projétil é formado por chumbo nu ou revestido de níquel ou outra liga metálica. Os mais antigos
eram esféricos e os modernos são cilíndrico/ogivais. Atua dissociando e contundindo, agindo
habitualmente como instrumento perfurocontundente. (Fig. 7).
Figura 7. Projétil formado por chumbo nu ou revestido de níquel ou outra liga metálica.
Ocorrendo o tiro, saem da boca da arma: projétil ou projéteis, gases superaquecidos, chama,
fumaça, grãos de pólvora incombusta, combusta e bucha. (Fig. 8).
Figura 8. Produzido o tiro, escapam pela boca da arma: o projétil ou projéteis, gases
superaquecidos, chama, fumaça, grãos de pólvora incombusta , combusta e a bucha.
74
Nos canos das armas existem saliências internas de grande curvatura, no maior sentido do eixo
do cano, denominadas de raias. Sua finalidade é aumentar a velocidade e imprimir um
movimento de rotação no projétil, estabilizando a trajetória. (Fig. 9).
Lesão de Entrada
O projétil de arma de fogo age por pressão de sua ponta arredondada sobre uma área da
pele, penetrando com movimento helicoidal. Inicialmente, entra em contato com a epiderme
que é arrancada pela ação contundente do movimento rotatório do projétil, destacando-se a
epiderme na borda do orifício, resultando na denominada orla de escoriação que se forma, em
geral, com bordas invertidas ao redor do ferimento de entrada. Em seguida, entra em contato
com a derme que, pela sua elasticidade é esticada até se romper e depois tende a retornar ao
estado inicial, o que produz um ferimento com diâmetro menor que o diâmetro do projétil. A
orla de enxugo é escura e se forma devido ao atrito do projétil com as fibras da derme, a partir
da sujeira resultante de restos de pólvora, graxa e outros materiais que o acompanham. É como
se o projétil que se “limpasse” ou se “enxugasse” na derme. Importante examinar as vestes do
indivíduo pois a orla de enxugo poderá lá estar pelo esfregar do projétil.
No caminho através da derme, o projétil rompe vasos de diferentes calibres, provocando
uma infiltração hemorrágica que se visualiza como orla equimótica ao redor do orifício de
entrada. Na prática pericial, entretanto, diversos fatores podem interferir no padrão do
75
ferimento de entrada. O ângulo de incidência de entrada e a forma de penetração do projétil, se
oblíquo, perpendicular ou tangencial, poderão alterar o aspecto das figuras formada pelas orlas.
O projétil não necessariamente penetra pela ponta, embora na maior parte dos casos sim. Nos
tiros de longa distância, nos tiros para o alto ou quando o projétil passa por alguma outra
estrutura anteriormente que tenha provocado deformação do mesmo ou mudança de trajetória,
ele poderá penetrar pela superfície lateral. Já os projéteis de alta energia podem girar sobre seu
eixo, por vezes provocando uma entrada maior que seu diâmetro quando entram de forma
oblíqua ou “de lado”. Algumas vezes a conformação da entrada é estranha ou incomum e pode
ser explicada por esses mecanismos. Por vezes o projétil não penetra, porém produz ferimento
de raspão que pode ter as mais diferentes formas, profundidades e tamanhos.
Os disparos a curta distância ou queima-roupa produzem lesões que mostram, além
das características observadas nos disparos a longa distância (orlas de escoriação, enxugo e
equimótica), elementos que saem do cano da arma junto com o projétil. Esses elementos
formam o que se chama de cone de explosão, cuja forma tem a base no alvo e vértice na saída
da arma. São 3 elementos que formam o cone de explosão: chama, grãos de pólvora não
queimados e resíduos da queima. Estes três elementos vão se espalhando e sumindo
conforme se afastam da boca da arma. (Fig. 10).
Figura 10. Cone de explosão contendo elementos que saem do cano da arma junto com o
projétil: chama da explosão, gases aquecidos provenientes da combustão da pólvora, grãos de
pólvora incombusta, pólvora queimada com aspecto de fuligem enegrecida.
76
necropsia. Fotografe todos os passos da necropsia. Finalmente, a pólvora tem maior alcance.
Atravessará a epiderme e se encravará na derme, denominando-se orla de tatuagem. Assim
como ocorre com as tatuagens artificiais, não pode ser retirada por simples lavagem e sim por
exerese cirúrgica.
Nos tiros encostados, a forma da lesão dependerá da existência ou não de plano ósseo
subjacente e da pressão do cano da arma junto ao alvo. Com pouca pressão, os gases tenderão
a escapar e poderá se formar a orla de esfumaçamento de aspecto radiado. Quando há plano
ósseo abaixo da pele, o projétil entra na epiderme e derme junto com os elementos do cone de
explosão e em seguida perfura a calota do crânio. Os gases, contudo, encontrarão uma câmera
fechada e tenderão a escapar para os lados e para trás, entre o couro cabeludo e o periósteo,
causando uma lesão de forma irregular, com tecidos escuros e escavados, muitas vezes com
bordos evertidos, podendo ser, inclusive, confundidas com lesão de saída. Quando se examina
a lesão, percebe-se, à palpação a crepitação dos gases nos tecidos adjacentes. Essa lesão é
denominada de “buraco de mina”, “boca de mina” ou “câmara de mina de Hoffman”.
As lesões produzidas por tiros encostados podem apresentar halo de queimadura com
conformação da boca e mira da arma, devido à alta temperatura atingida pelo metal que
constitui o cano que vai queimar a pele. Esse desenho é conhecido como “Sinal de
Werkgaertner” e é indicativo de tiro encostado.
O “Sinal de Benassi” é o halo fuliginoso encontrado no orifício de entrada do osso, face
externa, produzido pelos produtos da combustão.
Quando atravessa a calota craniana, seguindo para dentro ou para fora dela, o projétil
penetra carregando e empurrando a substância óssea. Quando entra, forma-se um cone com
base voltada para o interior da calota e quando sai, com base para o exterior. Chamado de “Sinal
de Bonnet” ou do funil invertido, auxilia o perito a definir se o orifício é de entrada ou saída
de projétil. O orifício de entrada na camada óssea externa tem a forma mais ou menos circular
e apresenta bordas talhadas em bisel na face interna. Há traços de fratura irradiados a partir do
orifício e os fragmentos de projétil podem ser encontrados no orifício ou dentro da massa do
encéfalo. Frequentemente, o projétil é encontrado íntegro na cavidade craniana, seja por não
ter adquirido velocidade, pela pequena distância do tiro ou pela maior rigidez dos ossos do
crânio de um determinado indivíduo.
O perito deve oferecer elementos que auxiliem a autoridade policial ou judiciária a
estimar a distância do disparo. As lesões de entrada nos tiros a longa distância ficarão livres do
alcance dos efeitos secundários do disparo. Entretanto, deve-se ter precaução ao se afirmar
categoricamente a distância em seu laudo, uma vez que, no momento do tiro, alguém poderá
77
ter colocado um anteparo de qualquer natureza entre a arma e o corpo humano, a fim de evitar
que se formem as orlas de queimadura, esfumaçamento e tatuagem. É comum o uso de papelão
grosso como anteparo pelo atirador, por ser material fácil de se manipular e descartar, a fim de
simular tiro a longa distância, quando na realidade, foi a curta ou mesmo a queima-roupa.
A quantidade de entradas pode ser igual ao número de projéteis que atingiram o
indivíduo, maior no caso de um mesmo projétil entrar, sair e depois penetrar novamente como
nos ferimentos de defesa que ocorre geralmente nos antebraços; ou menor, se houver saída de
projéteis. É importante realizar um inventário completo dos achados e um desenho esquemático
com as indicações de entradas e saídas.
Lesão de Saída
Dependendo da resistência dos tecidos atravessados e da quantidade de energia cinética,
os projéteis podem ficar alojados no corpo do indivíduo ou sair. Quando saem, produzem
ferimentos com bordas habitualmente evertidas, irregulares, diâmetro maior que os de entrada,
dando saída a tecidos moles em alguns casos. Há exceções: nas lesões transfixantes do crânio,
pode-se verificar saída de tecido nervoso, sangue e líquor por ambos os ferimentos, saída e
entrada. Os ferimentos de entrada, inclusive, podem se apresentar com bordas evertidas devido
ao efeito de câmera de Hoffman, como já vimos.
Trajeto
78
Figura 11. Croqui ou desenho com as indicações das tajetórias dos projéteis que devem constar do
laudo. Trajetos referenciados em relação aos três planos: vertical (cima para baixo/baixo para cima);
sagital (frente para trás/trás para frente) e horizontal (direita para esquerda/esquerda para direita).
Caso do Prof. Marcos Fernando Santos Melo. in memoriun.
Nas cavidades
Nas cavidades torácica ou abdominal, ferimentos em vísceras ou ruptura de vasos
sanguíneos provocam hemorragias. Quando penetram vísceras, forma-se um halo hemorrágico
em torno do trajeto. Por vezes o projétil pode se incrustar em vértebra criando dificuldade para
o encontro do mesmo quando não se dispõe de aparelhos radiográficos, como é o caso da maior
parte dos necrotérios brasileiros. Um adulto com 1,80 m de altura, pesando 80 Kg, tem, em
média, 5,5 litros de sangue. As hemorragias são frequentes causas imediatas de óbito na
traumatologia e devem constar da conclusão do laudo. Nas hemorragias intracavitárias, o perito
deve fazer uma estimativa do sangue encontrado, medindo o volume retirado durante as
79
necropsias. Por vezes, há perda de sangue na cena, devendo ser feita essa ressalva nestas
situações. Podem ser classificadas em categorias quanto à sua gravidade, conforme o volume
total de sangue perdido em:
Classe I - até 15%: 750 ml;
Classe II - entre 15% e 30%: 750 ml a 1500 ml;
Classe III - 30% a 40%: 1500 a 2000 ml;
Classe IV - acima de 40%: acima de 2000 ml (choque e morte).
80
causada pelos gases, junto aos bagos em início de dispersão e bucha causam ferimentos de
grandes dimensões que dificultam a identificação do orifício de entrada. Encontra-se, no
ferimento, enorme destruição de tecidos e inúmeras fraturas.
81
Referências bibliográficas
1. Hércules, HC. Medicina Legal: texto e atlas. p. 166-167. 2ª ed. São Paulo: Editora Atheneu;
2014.
2. Conselho Regional de Medicina de São Paulo. [acessado em 24/07/2021].
http://www.cremesp.org.br/library/modulos/publicacoes/pdf/Livro%20IML%20para%20si
te.pdf
3. Croce D, Croce JD. 8ª ed. São Paulo, SP: Saraiva; 2009.
4. França GV. Medicina legal. 11ª ed. Rio de Janeiro, RJ: Guanabara Koogan. 2017.
5. Enciclopédia Médica Moraes Amato. [acessado em 24/07/2021].
https://www.enciclopedia.med.br/wiki/Espostejamento
6. Universidade de Brasília. Faculdade de Medicina. LOAFMEL. [acessado em 24/07/2021].
http://www.malthus.com.br/mg_total.asp?id=97.
7. Gomes H. Medicina legal. 33ª ed. Rio de Janeiro, RJ: Freitas Bastos. 2004.
8. Madea B. Handbook of forensic medicine. Hoboken, NJ. Wiley-Blackwell. 2013.
9. N.E.I. Langlois and G.A. Gresham. The ageing of bruises: a review and study of the colour
changes with time. Forensic Science International, 50 (1991) 227 – 238.
10. Brasil. Decreto-Lei No 2.848, de 7 de dezembro de 1940. [acessado em 24/07/2021].
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm
82