Raphael Augusto Cunha Versao Integral
Raphael Augusto Cunha Versao Integral
Raphael Augusto Cunha Versao Integral
Catalogação da Publicação
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
2
CUNHA, Raphael Augusto
O Inadimplemento na Nova Teoria Contratual: O Inadimplemento Antecipado do Contrato
Aprovado em:
Banca examinadora:
3
AGRADECIMENTOS
4
“Se não fossem iguais, os homens não seriam capazes de compreender-se entre si e aos
seus ancestrais, nem de prever as necessidades das gerações futuras. Se não fossem
diferentes, os homens dispensariam o discurso ou a ação para se fazerem entender, pois
com simples sinais e sons poderiam comunicar suas necessidades imediatas e idênticas. A
pluralidade humana, afirma Hannah Arendt, tem esse duplo aspecto: o da igualdade e o da
diferença.”
(Hannah Arendet, “A condição humana”, Ed. Forense Universitária, 1999, p. 188, inserido
in “Danos à pessoa humana – Uma leitura civil-constitucional dos danos morais”, Maria
Celina Bodin de Moraes, Rio de Janeiro, Ed. Renovar, 2003, p. 76)
5
RESUMO
6
ABSTRACT
CUNHA, Raphael Augusto. Breach in the New Contractual Theory: The Anticipatory
Breach of Contract. 2015, 295 f. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo. São Paulo, 2015.
The classic institutes of contract law, notably the concepts of obligation, performance and
breach of contract need to be reread pursuant to the values of the Federal Constitution of
1988 and the principles and general clauses brought by the Civil Code of 2002, in special
the good faith. The traditional notion of obligation, based on the idea of the debtor’s
submission to the creditor, has been gradually abandoned in favor of a new concept of
obligatory relationship, composed of reciprocal rights and duties converging to achieve a
common goal: performance. Thus, performance consists of a dynamic process in which the
debtor must perform a series of acts and observe numerous duties (primary, secondary and
lateral duties arising of good faith) necessary for performance. It was under this premise
that modern legal scholars began to argue that any breach of duties along with the
obligatory relationship can configure an anticipated breach of contract, which refers to
cases in which the breach is affirmed before the contractual term. This essay aims to
analyze the concept and demonstrate the need for consolidation of the anticipated breach as
a creditor protection mechanism, examining its application possibility under Brazilian law,
along with its requirements, legal status, limits and effects.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10
1. A NOVA CONCEPÇÃO DE OBRIGAÇÃO .................................................................. 12
1.1. A necessária releitura do direito das obrigações ....................................................... 12
1.2. A repercussão do princípio da boa-fé objetiva no âmbito do direito das obrigações19
1.3. A alteração do conceito tradicional de obrigação: a obrigação como processo não
apenas dirigido ao adimplemento da prestação principal ................................................ 30
1.4. A funcionalização da relação obrigacional ............................................................... 36
1.5. O alargamento do objeto da obrigação ..................................................................... 40
1.6. A alteração do conceito de adimplemento ................................................................ 46
1.7. O papel do credor na relação obrigacional e a sua importância para o adimplemento
– os efeitos do inadimplemento do credor ....................................................................... 55
1.8. O inadimplemento contratual.................................................................................... 62
1.8.1. A noção de inadimplemento .............................................................................. 62
1.8.2. Imputabilidade e Culpa ...................................................................................... 68
1.8.3. Modalidades de inadimplemento (classificação conforme os efeitos) .............. 76
1.8.4. Da desnecessidade da “violação positiva do contrato” como uma terceira
modalidade de inadimplemento no direito brasileiro .................................................. 92
1.9. Os efeitos do inadimplemento, pelo credor, do dever de colaboração ................... 108
2. INADIMPLEMENTO ANTECIPADO ......................................................................... 116
2.1. Considerações gerais sobre o inadimplemento antecipado..................................... 116
2.2. O inadimplemento antecipado no direito estrangeiro e internacional .................... 125
2.3. Inadimplemento antecipado: o conceito, a estrutura lógico-sistemática e os
requisitos para a sua aplicação no direito brasileiro ...................................................... 138
2.3.1. Elemento objetivo ............................................................................................ 138
2.3.2. Elemento subjetivo .......................................................................................... 155
2.4. Distinção entre inadimplemento antecipado e risco de descumprimento da prestação
....................................................................................................................................... 157
2.5. A funcionalização do termo contratual ................................................................... 169
2.6. Natureza jurídica do inadimplemento antecipado .................................................. 176
2.7. Âmbito de aplicação do inadimplemento antecipado ............................................. 185
2.7.1. Obrigações a termo .......................................................................................... 185
8
2.7.2. Contrato Preliminar.......................................................................................... 187
2.7.3. Contratos Bilaterais e Unilaterais .................................................................... 191
2.7.4. Contratos Relacionais ...................................................................................... 198
2.8. Limites para a aplicação do inadimplemento antecipado ....................................... 203
2.9. Inadimplemento antecipado do contrato imputável ao credor ................................ 212
2.10. Há obrigatoriedade de se invocar o inadimplemento antecipado? ....................... 216
3. EFEITOS DO INADIMPLEMENTO ANTECIPADO DO CONTRATO ................... 226
3.1. Generalidades sobre os efeitos do inadimplemento antecipado do contrato .......... 226
3.2. Perdas e danos ......................................................................................................... 228
3.3. Resolução da relação contratual ............................................................................. 235
3.4. Demanda de Cumprimento ..................................................................................... 243
3.5. Efeitos do risco de descumprimento (“exceção de inseguridade”) ......................... 248
3.6. Cláusula Penal......................................................................................................... 250
3.7. Prescrição ................................................................................................................ 256
3.8. O inadimplemento antecipado na jurisprudência brasileira .................................... 264
3.8.1. Atraso na entrega de unidade de apartamento ................................................. 264
3.8.2. Prestação de serviços educacionais – curso de mestrado no exterior .............. 266
3.8.3. Plantio de cana de açúcar ................................................................................. 268
3.8.4. Contrato de compra e venda de quotas e fundo de comércio .......................... 269
3.8.5. Contrato de compra e venda de mercadorias e licença gratuita de marca ....... 270
3.8.6. Síntese conclusiva ............................................................................................ 271
4. CONCLUSÃO ............................................................................................................... 272
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... 281
9
INTRODUÇÃO
Um dos ramos mais tradicionais do direito civil, com forte influência do direito
romano, de onde herdou seus principais institutos, o direito das obrigações poderia parecer
um verdadeiro âmbito de estagnação doutrinária, não oferecendo novos desafios e
questionamentos ao jurista. Apenas à primeira vista, porém. Diante da Constituição Federal
de 1988, que impregnou o direito civil de novos valores, e dos novos princípios que
nortearam o Código Civil de 2002, tornou-se indispensável um novo exame e uma releitura
funcional e axiológica de todos os institutos clássicos do direito das obrigações,
notadamente dos conceitos de obrigação, adimplemento e inadimplemento.
10
Em seguida, abre-se o segundo capítulo, que abordará os aspectos essenciais do
inadimplemento antecipado. Serão examinados o conceito, a origem do instituto, o seu
tratamento no direito estrangeiro e internacional e a sua recepção pelo direito brasileiro.
Passa-se também ao exame dos elementos essenciais à caracterização do inadimplemento
antecipado, dos pontos que o diferenciam de outros institutos jurídicos, da sua natureza
jurídica e dos limites da sua aplicação.
11
1. A NOVA CONCEPÇÃO DE OBRIGAÇÃO
1
De acordo com Paulo Lôbo, “O direito das obrigações, na atualidade do sistema jurídico brasileiro,
compreende as relações jurídicas de direito privado, de caráter pessoal, nas quais o titular do direito (credor)
possa exigir o cumprimento do dever correlato de prestar, respondendo o sujeito do dever (devedor) com seu
patrimônio. O direito das obrigações é o ramo do direito que regula a relação jurídica de dívida de prestação
ou dever geral de conduta negocial entre pessoas determinadas ou determináveis, sendo este o núcleo que o
identifica”. LÔBO, Paulo. Direito civil: obrigações. 3. ed. São Paulo: Saraiva. 2013. p. 25.
2
VARELA, João de Mattos Antunes. Das obrigações em geral. Coimbra: Almedina. 1970. p. 16.
3
Nesse sentido, Giselda Hironaka pondera que: “A teoria geral das obrigações permanece estática, inerte,
quase imutável, apesar do aumento do comércio jurídico (crescente pulverização das relações obrigacionais,
segundo Venosa – p. 29 – e intensificação da atividade econômica, na expressão de Maria Helena Diniz – p.
4), dos impulsos de consumo estimulados pela propaganda e pela publicidade, e apesar, ainda, das novas
tecnologias, como a internet, que cria formas novas de obrigação, mas que continuam a se reger pelas regras
de antanho. Por quê?
Certamente o espírito prático dos juristas romanos contribuiu, em grande parte, para essa ‘imutabilidade’
posterior. Uma imutabilidade que não se impôs pela força, nem pela hierarquia, ou seja, uma imutabilidade
que não teve de ser defendida pelo uso do poder, nem pela previsibilidade de rigidez do ordenamento jurídico
obrigacional.” HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito das obrigações: o caráter de
permanência dos seus institutos, as alterações produzidas pela lei civil brasileira de 2002 e a tutela das futuras
gerações. In: DELGADO, Mário Luiz; Alves, Jones Figueirêdo (Coord.). Questões controvertidas no direito
das obrigações e dos contratos. Série Grandes Temas de Direito Privado. v. 4. São Paulo: Método. 2005. p.
20.
4
SCHREIBER, Anderson. A boa-fé objetiva e o adimplemento substancial. In: HIRONAKA, Giselda Maria
Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (Coord.). Direito contratual. Temas Atuais. São Paulo: Método.
2007. p. 125.
5
FURTADO, Gabriel Rocha. Mora e inadimplemento substancial. São Paulo: Atlas, 2014. p. 1.
6
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações: responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas.
2004. p. 26.
12
sociais, econômicas e temporais existentes em uma dada sociedade. Assim, o Direito – e
não poderia ser diferente com o direito das obrigações – sofre os influxos e conforma a
sociedade em cada período histórico, fazendo com que o jurista tenha que criar e reler os
seus instrumentos e institutos para conferir conteúdo normativo a tal realidade e promover
as modificações que se fizerem necessárias7. É sobre essa perspectiva que se analisará a
mudança de paradigma pela qual o direito das obrigações passou.
7
Pietro Perlingieri destaca que “uma visão moderna, que queira analisar a realidade sem enclausurá-la em
esquemas jurídicos formais, requer uma funcionalização dos institutos do direito civil que responda às
escolhas de fundo operadas pelos Estados contemporâneos e, em particular, pelas suas Constituições. Dever
do jurista, e especialmente do civilista, é ‘reler’ todo o sistema do código e das leis especiais à luz dos
princípios constitucionais e comunitários, de forma a individuar uma nova ordem científica que não freie a
aplicação do direito e seja mais aderente às escolhas de fundo da sociedade contemporânea. É necessário
desancorar-se dos antigos dogmas, verificando sua relatividade e sua historicidade” PERLINGIERI,
PIETRO. O direito civil na legalidade constitucional. Tradução de Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro:
Renovar. 2008. p. 137-138.
8
Claudio Luiz Bueno de Godoy afirma que “a bem da verdade, e tal como sucede com qualquer instituto
jurídico, que se coloca sempre em um contexto mais amplo, dos interesses e valores dele contemporâneos,
numa dada sociedade, o contrato, na sua visão clássica, representava, no século XIX, exatamente o
instrumento de afirmação econômica do estamento social então ascendente”. GODOY, Claudio Luiz Bueno
de. Função social do contrato: os novos paradigmas contratuais. São Paulo: Saraiva. 2004. p. 4.
9
GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos paradigmas contratuais. São Paulo:
Saraiva. 2004. p. 4.
13
A concepção contratual clássica tinha como pressuposto que a justiça da
relação contratual estava automaticamente garantida pelo fato das partes serem tidas como
iguais, sob o aspecto formal (“todos são iguais perante a lei”), e que os direitos e deveres
estabelecidos no contrato correspondiam à liberdade contratual e à vontade livre dos
contratantes.10
para legitimar – sob o ponto de vista jurídico – a celebração de contratos com quaisquer
conteúdo e tipos de condições e obrigações, ainda que perversas e abusivas em relação às
partes economicamente desfavorecidas ou com algum grau de dependência econômica14.
10
Vale trazer as considerações de Judith Martins-Costa: “Ora, essa `vontade livre` e a igualdade eram a
tradução jurídica da concepção econômica do liberalismo. A liberdade de iniciativa econômica que está na
base do capitalismo, era a liberdade efetivamente perspectivada pelos autores do Código para derrubar, de
uma vez por todas, os entraves ainda decorrentes do Ancien Régime à liberdade de circulação de mercadorias,
impostos e privilégios feudais, pelas corporações, grêmios e monopólios fiscais. Vontade autônoma quer
dizer autonomia como imunidade e como poder incidir sobre a realidade exterior quer dizer o asseguramento
de um espaço contra o poder estatal, contra o que é heteronomia, frente ao Poder Público”. COSTA, Judith
Martins. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1999, p. 203.
11
Segundo Orlando Gomes, o princípio da autonomia da vontade pode ser conceituado como o poder dos
indivíduos de suscitar, mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica.
Orlando Gomes entende que a liberdade de contratar manifesta-se de uma forma tríplice, abrangendo: (i) a
liberdade de contratar propriamente dita, isto é, o poder atribuído às partes de suscitar os efeitos que
pretendem, sem que a lei os imponha categoricamente; (ii) a liberdade de estipular o contrato, significando
esta a faculdade de se vincular ou não a uma obrigação; e, por fim, (iii) a liberdade de determinar o conteúdo
do contrato, estando as partes livres para manifestarem as suas vontades ao celebrarem o ajuste. No direito
contratual clássico, o princípio da autonomia da vontade encontrava apenas um obstáculo, representado pelas
regras imperativas que a lei formula e pela vedação da ofensa à ordem pública. Todavia, tais regras não eram
comuns; ao contrário, eram bem poucas e se prestavam a proteger a vontade dos indivíduos. GOMES,
Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense. 2008. p. 25 et seq.
12
O princípio da força obrigatória dos contratos - “pacta sunt servanda” – estabelece que, uma vez que um
contrato tenha sido celebrado com observância de todos os pressupostos e requisitos necessários à sua
validade, deve ser executado pelas partes como se as suas disposições fossem preceitos legais imperativos.
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense. 1995. p. 36.
13
Segundo o princípio da relatividade dos efeitos dos contratos, os efeitos do contrato só atingem as partes
que dele fazem parte, não aproveitando e nem prejudicando terceiros, em princípio. Portanto, somente as
pessoas ligadas ao vínculo contratual são afetadas pelo conteúdo do contrato, de modo que a eficácia do
contrato restringe-se aos contratantes, não atingindo aqueles alheios ao vínculo obrigacional.
14
Aline Terra afirma que “tutelava-se o indivíduo, egoisticamente considerado, não como um fim em si
mesmo, mas como meio de proteger a atividade por ele desenvolvida; instrumentalizava-se a tutela da pessoa
à tutela do seu patrimônio, protegendo-se o indivíduo, tão-somente, enquanto sujeito de direito, sobretudo
quando assumisse a posição de contratante ou proprietário. Identificava-se o sujeito quantitativamente. O
direito civil se mostrava excludente, e deixava à sua margem um sem-número de indivíduos não-proprietários
e não-contratantes, cuja existência ignorava-se”. TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento
anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009. p. 11-12.
14
Esse panorama, entretanto, começou a se modificar no final do século XIX,
quando o acentuado desnivelamento social, resultante de um capitalismo unicamente
pautado por critérios econômicos; as novas relações jurídicas massificadas ou coletivas
decorrentes do aumento demográfico; as crises sociais decorrentes da 1ª Guerra Mundial, e
as ideias socialistas expostas por Karl Marx fizeram com que parcela da doutrina
começasse a defender uma releitura do direito das obrigações15.
15
SCHLABENDORFF, Adriana. A reconstrução do direito contratual: o valor social do contrato. Tese de
Mestrado. Junho de 2004.
16
SCHREIBER, Anderson. A Boa-fé objetiva e o Adimplemento Substancial. In: HIRONAKA, Giselda
Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (Coord.), Direito contratual. Temas Atuais. São Paulo:
Método, 2007. p. 127.
17
SALLES, Raquel Bellini de Oliveira. O desequilíbrio da relação obrigacional e a revisão dos contratos no
Código de Defesa do Consumidor: para um cotejo com o Código Civil. In: Tepedino, Gustavo. Obrigações:
estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 307. No mesmo sentido: “[...] o
contrato deixa de ser somente a auto-regulamentação dos interesses das partes, a que subjacente determinada
operação econômica que tencionam encetar, fazendo-as dotadas de uma liberdade intocável, porque exercida
em pé de igualdade formal de iniciativa. Sobressaem, em novo paradigma, valores impostos pela concepção
do Estado Social, de privilégio à igualdade real, ao equilíbrio das partes, tidas em verdadeira posição de
cooperação, corolário do solidarismo, em que sua autonomia da vontade se vê, na afirmação de Roppo,
relançada em novas bases e para desempenho de um novo papel”. GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função
social do contrato: os novos paradigmas contratuais. São Paulo: Saraiva. 2004. p. 7. Giselda Hironaka e
Flávio Tartuce destacam que “[...] o princípio da autonomia privada pode ser conceituado como sendo um
15
éticos, valorativos e humanísticos18.
regramento básico, de ordem particular – mas influenciado por normas de ordem pública -, pelo qual, na
formação dos contratos, além da vontade das partes, entram em cena outros fatores: psicológicos, políticos,
econômicos e sociais. Trata-se do direito indeclinável da parte de auto-regulamentar os seus interesses,
decorrente da sua própria dignidade humana, mas que encontra limitações em normas de ordem pública,
particularmente nos princípios sociais contratuais”. HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes;
TARTUCE, Flávio. O princípio da autonomia privada e o direito contratual brasileiro. In: HIRONAKA,
Giselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (Coord.). Direito contratual. Temas Atuais. São Paulo:
Método, 2007. p. 49.
18
Pietro Perlingieri observa que “o negócio jurídico, por exemplo, nasceu como poder da vontade do sujeito,
como máxima expressão do individualismo. Nos mesmos termos exclusivamente individualistas e
subjetivistas, a doutrina mais antiga concebia também o direito subjetivo. Com a passagem do individualismo
à solidariedade constitucional, aquele particular negócio, que é o contrato, não diz respeito exclusivamente
aos sujeitos estipuladores, mas, enquanto socialmente relevante, não se subtrai a um juízo de valor e,
portanto, à positiva valoração do ordenamento” (PERLINGIERI, PIETRO. O direito civil na legalidade
constitucional. Tradução de Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar. 2008. p. 142).
19
Sobre a constitucionalização do direito civil, confira-se: PERLINGIERI, PIETRO. O direito civil na
legalidade constitucional. Tradução de Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar. 2008. Sobre o
tema, Teresa Negreiros afirma que “a leitura do direito civil sob a ótica constitucional atribui novos
fundamentos e, consequentemente, novos contornos à liberdade contratual. Em meio ao processo de
despatrimonialização ou de funcionalização do direito civil, a noção de autonomia da vontade sofre
profundas modificações no âmbito do contrato, sintetizadas na afirmação de que a autonomia negocial,
diferentemente das liberdades essenciais, não constitui em si mesma um valor. Ao contrário, a livre
determinação do conteúdo do regulamento contratual encontra-se condicionada à observância das regras e
dos princípios constitucionais, o que significa, no quadro de valores apresentado pela Constituição brasileira,
conceder o contrato como um instrumento a serviço da pessoa, sua dignidade e desenvolvimento. Assim, pela
via da constitucionalização, passam a fazer parte do horizonte contratual noções e ideais como justiça social,
solidariedade, erradicação da pobreza, proteção ao consumidor, a indicar, enfim, que o direito dos contratos
não está à parte do projeto social articulado pela ordem jurídica em vigor no país” NEGREIROS, Teresa.
Teoria do contrato: novos paradigmas. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar. 2006. p.106.
20
LUNARDI, Fabrício Castagna. A teoria do abuso de direito e as novas formas de inadimplemento das
obrigações: perspectivas atuais à luz da constitucionalização do direito civil. In: ANDRIGHI, Fátima Nancy
(Coord.). Responsabilidade civil e inadimplemento no direito brasileiro. São Paulo: Atlas. 2014, p. 36.
16
O Código Civil agora deve se adaptar e ser interpretado e aplicado à luz da Constituição.
As relações privadas, que antes eram disciplinadas apenas pelo Código Civil, também
passam a ser regidas diretamente pela Constituição e pelos seus princípios. Desta maneira,
os conceitos e institutos tradicionais do direito civil passam a ser relidos e reinterpretados à
luz dos princípios previstos na Constituição Federal de 1988, havendo uma “revisão
axiológica” do direito privado21.
21
No mesmo sentido: “[...] conforme a constitucionalização do direito privado firmou-se como orientação
indispensável à interpretação e aplicação do direito brasileiro – exigindo a releitura, em chave funcional, de
todos os institutos e sua consequente funcionalização aos valores do ordenamento -, nenhuma figura
civilística pôde manter-se alheia à incidência da axiologia constitucional – nem mesmo os milenares
conceitos do direito obrigacional” (FURTADO, Gabriel Rocha. Mora e inadimplemento substancial. São
Paulo: Atlas. 2014. p. 1-2).
22
NETO, Eugênio Facchini. A revitalização do direito privado brasileiro a partir do Código de Defesa do
Consumidor. In: 20 anos do Código de Defesa do Consumidor: conquistas, desafios e perspectivas.
LOTUFO, Renan; MARTINS, Fernando Rodrigues (Coord.). São Paulo: Saraiva. 2011. p. 37.
23
LEAL, Adisson. Violação Positiva dos Contratos. In: Responsabilidade civil e inadimplemento no direito
brasileiro. Fátima Nancy Andrighi (coord,). São Paulo: Atlas. 2014, p. 2.
17
Os mencionados princípios ganham contornos vívidos principalmente por
intermédio das cláusulas gerais24 e dos conceitos jurídicos indeterminados utilizados pelo
legislador ao longo de todo o Código Civil de 2002, que garantem um “sistema aberto” que
permite que o intérprete tenha um papel ativo na determinação do sentido das normas
jurídicas, de acordo com os padrões culturais e éticos da sociedade e com o momento
histórico e com a comunidade em que é aplicado25.
24
Utiliza-se o conceito de “cláusula geral” de Judith Martins-Costa: “norma jurídica cujo enunciado, ao invés
de traçar punctualmente a hipótese e as suas consequências, é intencionalmente desenhado como uma vaga
moldura, permitindo, pela abrangência de sua formulação, a incorporação de princípios, diretrizes, máximas
de conduta originalmente estrangeiros ao corpus codificado, bem como a constante formulação de novas
normas”. (COSTA, Judith Martins. Sistema e cláusula Geral: a boa-fé objetiva no processo obrigacional.
Tese (doutorado). Faculdade de Direito. São Paulo: USP, 1996).
25
LUNARDI, Fabrício Castagna. A teoria do abuso de direito e as novas formas de inadimplemento das
obrigações: perspectivas atuais à luz da constitucionalização do direito civil. In: Responsabilidade civil e
inadimplemento no direito brasileiro. ANDRIGHI, Fátima Nancy (Coord.). São Paulo: Atlas, 2014, p. 38.
Vale conferir as lições de José Fernando Simão a respeito da questão: “como o legislador tem consciência de
que não pode prever todos os acontecimentos, ele acaba se valendo do recurso aos conceitos de conteúdo
variável ou de cláusulas gerais, como a boa-fé, equidade, ordem pública etc. Neste sentido, o objetivo é
deixar o juiz avaliar cada caso segundo as circunstâncias correspondentes e adaptar as consequências legais
às características do caso concreto. [...] O Código Civil de 2002 adotou em vários dispositivos esse modelo
aberto para que, mesmo com o passar do tempo, não seja necessária a mudança da lei. Basta o juiz, quando
da análise do caso concreto, aplicar os valores daquele momento, e não do momento em que a regra foi
concebida” (SIMÃO, José Fernando. Prescrição e decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas, 2013. p.
71).
26
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Direito das Obrigações no novo Código Civil brasileiro e
regime jurídico da inadimplência contratual. 2008. p. 2. Disponível em:
http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/art20101116-01.pdf. Acesso em: 15 fev. 2013.
27
A esse respeito, Cláudia Lima Marques comenta que: “Essa renovação teórica do contrato à procura de
eqüidade, da boa-fé e da segurança nas relações contratuais vai aqui ser chamada de sociabilização da teoria
contratual. É importante notar que esta sociabilização, na pratica, se fará sentirem poderoso intervencionismo
do Estado na vida dos contratos e na mudança de paradigmas, impondo-se o princípio da boa-fé objetiva na
formação e da execução das obrigações. A reação do direito virá através de ingerências legislativas cada vez
maiores nos campos antes reservados para a autonomia da vontade, tudo de modo a assegurar a justiça e o
equilíbrio contratual na nova sociedade de consumo”. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de
Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. p. 154-155.. Para uma análise destes novos
princípios contratuais, ver TEPEDINO, Gustavo. Novos Princípios contratuais e teoria da confiança: a
exegese da cláusula to the best knowledge of the sellers. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar.
2006, t. II.
18
Assim, embora o “tecido normativo das obrigações [se tenha] mantido imune a
qualquer projeto de reforma, não merecendo mais que alterações tímidas da parte do
legislador”28, inclusive no Código Civil brasileiro de 200229, o seu intérprete poderá e
deverá realizar uma releitura do regramento, dos conceitos e institutos do direito das
obrigações, valendo-se das normas constitucionais e das cláusulas gerais previstas no
Código Civil de 2002, especialmente a boa-fé objetiva, para permitir que esse campo do
direito civil esteja apto a solucionar os conflitos atualmente existentes na sociedade30.
É por essa razão que no tópico a seguir será feita uma breve análise do princípio
da boa-fé objetiva, que provocou profundas alterações no ramo do direito das obrigações e
servirá de base para o estudo do tema do inadimplemento antecipado dos contratos.
Destaque-se que, como não poderia deixar de ser, o objetivo do presente trabalho não é
esgotar a análise de tal princípio, já que isso fugiria do objeto desse estudo, mas apenas
conceituá-lo e ilustrar algumas das suas peculiaridades e formas de aplicação, para lançar
as bases teóricas para o exame do inadimplemento antecipado dos contratos.
28
SCHREIBER, Anderson. A boa-fé objetiva e o adimplemento substancial. In: HIRONAKA, Giselda Maria
Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (Coord.). Direito contratual. Temas Atuais. São Paulo: Método.
2007. p. 128.
29
Neste sentido: “Chegando ao fim deste percurso de anotações gerais sobre o direito obrigacional no novo
Código Civil, cabe-me verificar se cumpri aquilo a que me dispus a fazer: procurar demonstrar que a maioria
das parcas alterações sofridas pelo Código Civil no que concerne à Parte Geral do Direito das Obrigações
são, na verdade, simples alterações lógicas a que se chegava pela aplicação dos princípios gerais do direito
relativos à matéria em apreço; outras são transcrições do gênio dos autores que escreveram sobre a matéria,
idéias agora positivadas. E se atentarmos melhor, poderemos verificar que as principais alterações, aquelas
mais interessantes e revolucionárias que se encontram neste último Título relativo ao inadimplemento das
obrigações, são regras de responsabilidade civil e não de teoria geral das obrigações”. HIRONAKA, Giselda
Maria Fernandes Novaes. Direito das obrigações: o caráter de permanência dos seus institutos, as alterações
produzidas pela lei civil brasileira de 2002 e a tutela das futuras gerações. In: DELGADO, Mário Luiz;
ALVES, Jones Figueirêdo (Coord.). Questões controvertidas no direito das obrigações e dos contratos. Série
Grandes Temas de Direito Privado. v. 4. Editora Método: São Paulo. 2005. p. 29.
30
SCHREIBER, Anderson. A boa-fé objetiva e o adimplemento substancial. In: HIRONAKA, Giselda Maria
Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (Coord.). Direito contratual. Temas Atuais, São Paulo: Método.
2007. p. 128.
19
O Código Civil de 2002 adotou expressamente o princípio da boa-fé (em sua
acepção objetiva) no campo das relações civis paritárias, o que acarretou profunda
alteração no direito obrigacional clássico, notadamente nos deveres impostos para as partes
durante a relação obrigacional e nos conceitos de adimplemento e de inadimplemento.
Mais do que duas concepções de boa-fé, existem duas boas-fés, ambas jurídicas,
uma subjetiva, a outra objetiva. A primeira diz respeito a dados internos,
fundamentalmente psicológicos, atinentes diretamente ao sujeito, a segunda a
elementos externos, a normas de conduta, que determinam como ele deve agir.
Num caso, está de boa-fé quem ignora a real situação jurídica; no outro, está de
boa-fé quem tem motivos para confiar na contraparte. Uma é boa-fé é estado, a
outra, boa-fé princípio.32
31
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Ed. Revista dos
Tribunais. 3. ed., 2ª tiragem. p. 106.
32
NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e os princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé,
justiça contratual. São Paulo: Saraiva. 1994. p. 132.
20
as tratativas, a formação, o cumprimento e a extinção do contrato33. É, portanto, a boa-fé
como fonte de direitos e obrigações34.
Apesar de o Código Civil de 2002 ter feito referência à boa-fé objetiva em três
diferentes artigos, o diploma legal não estabeleceu parâmetros ou standards de conduta
que determinassem o seu conteúdo. Nas palavras de Judith Martins-Costa, “não é possível,
efetivamente, tabular ou arrolar, a priori, o significado da valoração a ser procedida
mediante a boa-fé objetiva, porque se trata de uma norma cujo conteúdo não pode ser
rigidamente fixado, dependendo das concretas circunstâncias do caso”35.
Trata-se de uma nova técnica adotada pelo legislador, da qual o novo Código
Civil é repleto (cláusulas gerais), em oposição à técnica tradicional da casuística, cujo
propósito é permitir o preenchimento do conteúdo da norma e a sua concretização pelo
intérprete36. Assim, caberá ao julgador, à luz dos valores estabelecidos pela Constituição
33
Ruy Rosado Aguiar Júnior assevera que “não é essa [subjetiva] a boa-fé que aqui mais nos interessa, e sim
a boa-fé objetiva, que se constitui em uma norma jurídica, ou melhor, em um princípio geral do direito,
segundo o qual todos devem comportar-se de boa-fé nas suas relações recíprocas. A inter-relação humana
deve pautar-se por um padrão ético de confiança e lealdade, indispensável para o próprio desenvolvimento
normal da convivência social. A expectativa de um comportamento adequado por parte do outro é um
componente indissociável da vida de relação, sem o qual ela mesma seria inviável” (AGUIAR JR., Ruy
Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução). Rio de Janeiro: Aide, 1991. p.
239).
34
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. v. 3: contratos e atos unilaterais. São Paulo:
Saraiva. 2012, 9. ed. p. 56.
35
COSTA, Judith Martins. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, p. 412.
36
A esse respeito, Ruy Rosado afirma que “a regra da boa-fé é uma cláusula geral, como tantas outras do
nosso ordenamento (art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, art. 159 do Código Civil), que serve ao
aperfeiçoamento e à integração do sistema e à garantia de vigência e eficácia do princípio de justiça. É um
fato operacional de importância considerável para a flexibilização do direito normado. O conteúdo da norma
de dever, derivada do princípio da boa-fé, não está na lei, devendo ser composto caso a caso pelo juiz; exige
21
Federal, dos princípios norteadores do Código Civil de 2002 e dos padrões éticos vigentes,
analisar se em um dado caso concreto o comportamento das partes foi pautado pela
honestidade, lealdade e probidade.
atividade judicante que, sem mediações normativas, deixa face a face o sistema global e o caso a se resolver.
[...] A norma principal da boa-fé, expressa ou implícita na lei, é uma norma em branco, cujo preceito
ordenador da conduta deve ser fixado na espécie. Somente depois dessa determinação, com o preenchimento
do vazio normativo, será possível precisar o conteúdo e o limite dos direitos e deveres das partes”. AGUIAR
JR., Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução). Rio de Janeiro: Aide,
1991. p. 242.
37
TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. A Boa-fé Objetiva no Código de Defesa do Consumidor e
no Novo Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional.
Rio de Janeiro: Renovar. 2005. p. 35.
38
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense. 2008. p.44.
39
Podemos, então, definir boa-fé como um “princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem
comportar-se de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta,
que impõem às partes comportamentos necessários, ainda que não previstos expressamente nos contratos,
que devem ser obedecidos a fim de permitir a realização das justas expectativas surgidas em razão da
celebração e da execução da avença.” AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Cláusulas abusivas no Código do
Consumidor. In: MARQUES, Cláudia Lima (Coord.). Estudos sobre a proteção do consumidor no Brasil e
no Mercosul. Livraria Editora do Advogado. 1994.
22
En tercer lugar, se dirige a todos los participantes en la relación jurídica en
cuestión, con el mandato de conducirse como corresponda en general al sentido y
finalidad de esta especial vinculación y a una conciencia honrada.40
40
LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. tomo I. Trad. de Jaime Santos Briz, Madrid: Editora Revista de
Derecho Privado. 1958. p. 148. Em tradução livre: “o princípio da boa-fé desenvolve a sua força em três
direções. Em primeiro lugar, se dirige ao devedor, com a missão de cumprir a sua obrigação, de acordo não
só com a letra, mas também com o espírito da relação obrigacional - especialmente dentro do sentido e da
ideia fundamental do contrato (§ 157) - e do que o credor pode razoavelmente esperar dele. Em segundo
lugar, ele se dirige ao credor, com uma determinação para exercer o direito que lhe corresponde agindo de
acordo com a confiança que lhe depositou a outra parte e a mente altruísta de que esta parte pode reclamar de
acordo com o tipo relação existente. Em terceiro lugar, se dirige a todos os participantes da relação jurídica
em questão, com a determinação de se conduzirem de acordo com o sentido e a finalidade da relação especial
e uma consciência honesta.”
41
TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. A Boa-fé Objetiva no Código de Defesa do Consumidor e
no Novo Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional.
Rio de Janeiro: Renovar. 2005, p. 36. No mesmo sentido: GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social
do contrato: os novos paradigmas contratuais. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 77.
42
TEPEDINO, Gustavo e SCHREIBER, Anderson. A Boa-fé Objetiva no Código de Defesa do Consumidor
e no Novo Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional.
Rio de Janeiro: Renovar. 2005. p. 36.
43
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2, ed., 2006. p.141.
23
A função restritiva da boa-fé objetiva é vista por parcela da doutrina brasileira
como um dos fundamentos da proibição de venire contra factum proprium, que veda que
as partes adotem comportamentos contraditórios ao longo de uma relação contratual 44. A
boa-fé protege uma parte contra aquela que pretende exercer uma posição jurídica em
contradição com o comportamento assumido anteriormente. Depois de criar certa
expectativa, a parte viola o princípio da boa-fé se praticar ato contrário ao comportamento
que seria previsível, com surpresa e prejuízo à contraparte45. Nesse sentido se posiciona
Judith Martins-Costa:
Ainda decorrente dessa limitação aos direitos subjetivos aparecem duas figuras
que são verso e reverso uma da outra. Trata-se da suppressio e da surrectio. Em linhas
gerais, a supressio consiste na ineficácia de um direito subjetivo em virtude da prolongada
inércia do seu titular, enquanto a surrectio é justamente o oposto, a aquisição da eficácia de
um direito decorrente da inércia alheia47. Exemplo da suppressio e da surrectio é a
duradoura distribuição de lucros de sociedade comercial em desacordo com os estatutos
sociais, que pode gerar o direito de recebê-los do mesmo modo para o futuro.48
44
Na IV Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal foi aprovado o Enunciado 362,
que dispõe que: “A vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) funda-se na
proteção da confiança, tal como se extrai dos artigos 187 e 422 do Código Civil.”
45
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. Rio de
Janeiro: AIDE, 2. ed. 1991. p. 248.
46
COSTA, Judith Martins. A boa-fé no direito privado. Ed. Revista dos Tribunais. p. 470.
47
NICOLAU, Gustavo Rene. Implicações Práticas da boa-fé objetiva. In: HIRONAKA, Giselda Maria
Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (Coord.). Direito contratual. Temas Atuais. São Paulo: Método.
2007. p. 120. José Fernando Simão afirma que “a supressio pode ser definida como a impossibilidade de
exercício de uma posição jurídica em razão da sua não utilização por um período de tempo. Se pudesse ser
exercida esta posição, a boa-fé seria contrariada. Já a surrectio é a oura face da moeda, ou seja, a posição
jurídica que passa a ser exercida em decorrência da supressio. O art. 330 do Código Civil traz um ótimo
exemplo dos institutos: ‘O pagamento reiteradamente feito em outro local faz presumir renúncia do credor
relativamente ao previsto no contrato’”. SIMÃO, José Fernando. Prescrição e decadência: início dos prazos.
São Paulo: Atlas. 2013. p. 194.
48
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2. ed. Rio de
Janeiro: AIDE. 1991. p.249.
24
A função restritiva da boa-fé objetiva também atua no sistema de direito
privado brasileiro (tanto no âmbito do Código Civil como no do Código de Defesa do
Consumidor) como cláusula geral para controle das cláusulas abusivas ou leoninas -, que
acarretam desequilíbrio contratual e desproporção entre os direitos e deveres (principais,
secundários e acessórios) das partes, com efeitos que beneficiam uma parte e oneram
excessivamente a outra. Conforme leciona Cláudia Lima Marques,
49
MARQUES, Cláudia Lima. Das Cláusulas Abusivas e o Código Civil. Anais do “EMERJ Debate o Novo
Código Civil”. p. 257. Disponível em:
<http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/anais_onovocodigocivil/anais_especial_1/Anais_P
arte_I_revistaemerj_249.pdf>. Acesso em: 11 jul. 2013.
50
Destaque-se que a boa-fé enquanto fonte geradora de deveres anexos encontra-se presente no artigo 422 do
Código Civil (“Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua
execução, os princípios de probidade e boa-fé”). A redação do artigo 422 do Código Civil, todavia, tem sido
bastante criticada pela doutrina. Antônio Junqueira de Azevedo, por exemplo, a considera insuficiente, “pois
só dispõe sobre dois momentos: conclusão do contrato – isto é, o momento em que o contrato se faz – e
execução. Nada preceitua sobre o que está depois, nem sobre o que está antes” (AZEVEDO, Antonio
Junqueira de. Insuficiências, deficiências e desatualização do projeto de Código Civil na questão da boa-fé
objetiva nos contratos, RT, 775/11). A doutrina brasileira majoritária entende que a cláusula geral de boa-fé
atua nos contratos em três fases: na fase pré-contratual, na fase de execução do contrato e na fase pós-
contratual. Nesse sentido, o Enunciado nº 170, da III Jornada de Direito Civil do Centro de Estudos
Judiciários do Conselho da Justiça Federal, que estabelece que: “Art. 422: A boa-fé objetiva deve ser
observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal
exigência decorrer da exigência do contrato.”
51
Ruy Rosado assevera que “na formação e na execução do contrato, o real conteúdo das obrigações e o
modo pelo qual devem as partes se comportar são determinações a serem feitas com o auxílio do princípio da
25
Judith Martins-Costa conceitua os deveres laterais como
boa-fé, que servirá não apenas para a interpretação integradora das cláusulas do contrato, mas ainda para o
reconhecimento de deveres secundários, derivados diretamente do princípio, independentemente da vontade
manifestada pelas partes, a serem observados durante a fase de formação e cumprimento da obrigação. São
deveres que excedem o dever de prestação”. AGUIAR JR., Ruy Rosado. Extinção dos contratos por
incumprimento do devedor (resolução). Rio de Janeiro: Aide, 1991. p. 246.
52
COSTA, Judith Martins. A boa-fé no direito privado. Ed. Revista dos Tribunais. p. 440.
53
NICOLAU, Gustavo Rene. Implicações Práticas da boa-fé objetiva. In: HIRONAKA, Giselda Maria
Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (Coord.). Direito contratual. Temas Atuais. São Paulo: Método.
2007. p. 117.
26
por fim assegurar o cumprimento perfeito da prestação e a satisfação integral dos interesses
envolvidos no contrato54.
54
MOTTA PINTO, Carlos Alberto da. Cessão de contrato. São Paulo: Saraiva. 1985. p. 278-279.
55
COSTA, Judith Martins, A boa-fé no direito privado; Ed. Revista dos Tribunais. p. 439.
56
MENEZES CORDEIRO, António. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina. 2011. p. 605.
57
Menezes Cordeiro afirma que “os deveres acessórios de lealdade obrigam as partes a, na pendência
contratual, absterem-se de comportamentos que possam falsear o objectivo do negócio ou desequilibrar o
jogo das prestações por elas consignado. Com esse mesmo sentido, podem ainda surgir deveres de actuação
positiva. A casuística permite apontar, como concretização desta regra, a existência, enquanto um contrato se
encontre em vigor, de deveres de não concorrência, e não celebração de contratos incompatíveis com o
primeiro, de sigílio, face a elementos obtidos por via da pendência contratual e cuja divulgação possa
prejudicar a outra parte e de actuação com vista a preservar o objectivo da mera interpretação contratual, mas
antes das exigências do sistema, face ao contrato considerado”. MENEZES Cordeiro, António Manuel da
Rocha. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2011, p. 607.
58
Clóvis do Couto e Silva classifica os deveres anexos em deveres dependentes e independentes, de acordo
com a possibilidade de ultrapassarem o término da obrigação principal e, por consequência, terem vida
própria. Os deveres anexos independentes assumem uma certa autonomia em relação à prestação principal –
embora dependam da obrigação principal para o seu nascimento -, o que faz com que possam ser acionados
autonomamente, “sem acarretar o desfazimento da relação principal”. Segundo o referido autor, isso acontece
porque os deveres anexos independentes têm “fim próprio, diverso da obrigação principal”. Dentre tais
deveres, o autor menciona o dever do empregado que, nessa qualidade, tomou conhecimento de alguma
circunstância relevante (segredo industrial, estratégia de mercado, etc.), de não levá-lo a conhecimento de
empresa concorrente, mesmo após o término do seu contrato de trabalho. Os deveres anexos dependentes, por
sua vez, são considerados “pertenças das obrigações principais”, estão tão ligados à prestação principal que o
seu descumprimento acarretará necessariamente o da prestação principal, razão plena qual não tem
27
Vale destacar que os deveres anexos impostos pela boa-fé objetiva ora se
impõem às partes de maneira positiva, exigindo dos contratantes determinado
comportamento para permitir o adimplemento do contrato (deveres de lealdade, proteção,
esclarecimento de informação, sigilo, colaboração), ora de maneira negativa, restringindo
ou condicionando o exercício de um direito previsto em lei ou no contrato, atuando como
um limite para o exercício abusivo de direitos (adimplemento substancial das
obrigações)59.
acionabilidade própria. SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2006. p. 96-97. Entendemos, todavia, que o critério mais adequado para diferenciar os diversos deveres
anexos está na identificação dos efeitos que cada um deles produz na concreta relação obrigacional. Em
outras palavras, mais importante do que apurar se certo dever de conduta se mantém depois da extinção da
obrigação principal, é verificar sua relevância para a realização do resultado útil que o adimplemento da
prestação objetiva alcançar.
59
TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. A Boa-fé Objetiva no Código de Defesa do Consumidor e
no Novo Código Civil. In: TEPEDINO, Gustavo. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional.
Rio de Janeiro: Renovar. 2005. p. 37.
60
LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. tomo I. Trad. de Jaime Santos Briz. Madrid: Editora Revista de
Derecho Privado. 1958. p. 21.
61
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. v. I. São Paulo: Saraiva. 2013. p. 100-101.
28
partes, impregna a relação obrigacional de um caráter ético, leal e cooperativo e,
principalmente, visa assegurar o adimplemento contratual e a plena satisfação dos
interesses dos contratantes. Nas palavras de Cláudio Luiz Bueno de Godoy, “deixa de ser a
vontade das partes, como dito, a fonte única da relação contratual, a fim de que a seu lado
concorram valores e princípios que, mesmo não dispostos pelos contratantes, são impostos
pelo ordenamento, antes de tudo pela própria Constituição do país”62.
Por se tratar de um princípio geral das relações contratuais, tem-se que a boa-fé
objetiva é irrenunciável, e se dirige a todos os participantes da relação contratual, não
apenas aos credores e devedores. Além disso, a sua aplicação independe de orientação
expressa da legislação, por tratar-se de princípio fundamental63, o que reforça a sua
aplicação nas fases pré e pós-contratual.
Como será analisado nos próximos itens, a boa-fé enquanto criadora de deveres
anexos, laterais ou instrumentais desempenhou um papel fundamental na alteração dos
conceitos tradicionais de obrigação, adimplemento e inadimplemento e modificou diversos
paradigmas do Direito das Obrigações. Tanto isso é verdade, que, segundo parcela da
doutrina brasileira, quando uma das partes contratantes deixa de cumprir deveres anexos,
positivos ou negativos, esse comportamento ofende a boa-fé objetiva e caracteriza o
inadimplemento do contrato64. É o que se tem denominado de violação positiva da
obrigação ou do contrato65.
62
GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos paradigmas contratuais. São Paulo:
Saraiva. 2004. p. 7.
63
Nesse sentido, SILVA, AGUIAR JR, LOZ MOZOS e VARELA apud SAMPAIO, Laerte Marrone de
Castro. A boa-fé objetiva na relação contratual. São Paulo: Manole. 2004. p. 40.
64
Nesse sentido a Conclusão n. 24 da I Jornada de Direito Civil (STJ-CJF): “Em virtude do princípio da boa-
fé, positivado no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de
inadimplemento, independentemente de culpa.”
65
NERY JUNIOR, Nelson. Contratos no Código Civil – Apontamentos gerais. In: FRANCIULLI NETO,
Domingos; MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva (Coord.). O novo Código
Civil: estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale. São Paulo: LTr, 2003. p. 435.
29
laterais, passaremos a analisar as alterações que a boa-fé objetiva introduziu no conceito de
obrigação.
Com relação à origem do termo obrigação, Álvaro Villaça Azevedo aponta que
o velho direito romano não conheceu o termo obligatio, que não se encontra no texto da
Lei das XII Tábuas, mas apenas a expressão nexum (espécie de empréstimo), do verbo
latino nectere, que significa ligar, prender, unir, atar. O nexum conferia ao credor o poder
de exigir o cumprimento de determinada prestação. Em caso de inadimplemento, o devedor
respondia com seu próprio corpo, podendo ser reduzido à condição de escravo, o que se
dava por meio da chamada actio per manus iniectionem66.
Moreira Alves afirma que, nas fontes romanas, existem dois textos que visam à
conceituação de obrigação (obligatio)68. Um deles define a obrigação como “o vínculo
66
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações: responsabilidade civil. São Paulo: Atlas. 10. ed.
2004. p. 30.
67
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações: responsabilidade civil. São Paulo: Atlas. 10. ed.
2004. p. 31. Com a mesma orientação: “[...] os romanistas divergem sobre se a obrigação nasceu do delito
(essa, a opinião da maioria) ou do contrato, mas concordam em que ela estabelecia, a princípio, não um
vínculo jurídico (isto é, imaterial), mas um vínculo material, em virtude do qual o devedor respondia pela
dívida com seu próprio corpo; somente depois da lei Poetelia Papiria (326 a.C.) é que o patrimônio do
devedor passou a responder pelo débito, como sucede no direito moderno.” ALVES, José Carlos Moreira.
Direito romano. Rio de Janeiro: Editora Forense. 14. ed., 2007. p. 378.
68
Nesse sentido, Moreira Alves assevera que “nas fontes, há dois textos que visam à conceituação da
obligatio. Um deles – I. III, 13, pr. – a define com relação à pessoa do devedor:
30
jurídico ao qual nos submetemos coercitivamente, sujeitando-nos a uma prestação,
segundo o direito de nossa cidade”69. Outra definição oriunda do direito romano, atribuída
ao jurisconsulto Paulo, menciona que “a essência da obrigação não consiste em nos tornar
proprietários ou em nos fazer adquirir uma servidão, mas em obrigar alguém a nos dar,
fazer ou prestar alguma coisa”70.
Obligatio est iuris uinculum, quo necessitate adstrigimur alicuius soluendae rei secundum nostrae ciuitatis
iura (A obrigação é um vínculo pelo qual estamos obrigados a pagar alguma coisa, segundo o direito de
nossa cidade).
O outro – um fragmento atribuído a Paulo, e que se encontra no Digesto, XLIV, 7, 3, pr. – a focaliza quanto
ao seu objeto (isto é, como veremos adiante, quanto à prestação):
Obligationum substantia non in eo consistit, ut aliquod corpus nostrum aut seruitutem nostram faciat, sed ut
alium nobis obstringat ad dandum aliquid uel faciendum uel praestandum (A essência da obrigação não
consiste em nos tornar proprietários ou em nos fazer adquirir uma servidão, mas em obrigar alguém a nos
dar, fazer, ou prestar alguma coisa)”. ALVES, José Carlos Moreira Alves. Direito romano. Rio de Janeiro:
Editora Forense. 14. ed. 2007. p. 375.
69
Institutas, Livro III, Título 14 apud CALIXTO, Marcelo Junqueira. Reflexões em torno do conceito de
obrigação, seus elementos e suas fontes. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Obrigações: estudos na
perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar. 2005. p.1.
70
Digesto, Livro XLIV, Título 7, Fragmento 3. apud CALIXTO, Marcelo Junqueira. Reflexões em torno do
conceito de obrigação, seus elementos e suas fontes. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Obrigações: estudos
na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar. 2005. p. 2.
71
ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. Rio de Janeiro: Editora Forense. 14. ed. 2007. p. 375.
72
GOMES, Orlando. Obrigações. 12. ed., Rio de Janeiro: Ed. Forense. 2002, p. 9.
73
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. v. 2, 30. ed. São Paulo: Saraiva. 2002, p. 6.
31
continuaram, praticamente, as mesmas, diferenciando-se a obrigação do Direito moderno
pelo conteúdo econômico da prestação”74. Assim, o referido autor conceitua a obrigação
como uma “relação jurídica transitória, de natureza econômica, pela qual o devedor fica
vinculado ao credor, devendo cumprir determinada prestação pessoal, positiva ou negativa,
cujo inadimplemento enseja a este executar o patrimônio daquele para satisfação de seu
interesse”75.
A doutrina mais recente tem realçado o fato de que a obrigação deve ser vista
sob um aspecto dinâmico79 e não estático, salientando existir uma relação jurídica
74
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações: responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas.
2004. p. 32.
75
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações: responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas.
2004. p. 33.
76
CALIXTO, Marcelo Junqueira. Reflexões em torno do conceito de obrigação, seus elementos e suas fontes.
In: Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Rio de Janeiro:
Renovar. 2005. p.3.
77
COSTA, Judith Martins, “A boa-fé no direito privado”. Ed. Revista dos Tribunais. p. 385.
78
SCHREIBER, Anderson. A tríplice transformação do adimplemento. Adimplemento substancial,
inadimplemento antecipado e outras figuras. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro, v. 32,
out./dez 2007, p. 8-9.
79
Gustavo Tepedino afirma que “modernamente, no entanto, verifica-se a insuficiência do aspecto estrutural
para a compreensão da relação obrigacional, sendo indispensável examiná-la em seu aspecto dinâmico, de
acordo com a função desempenhada em determinado regulamento de interesses. Entende-se assim que o
32
obrigacional, que tem por conteúdo uma série de direitos e deveres de ambas as partes
contratantes80. A obrigação passa a ser vista como um processo, no qual ambas as partes –
e não apenas o devedor81 – devem cooperar para atingir uma finalidade, que é o
adimplemento contratual e a satisfação dos interesses das partes contratantes82.
Nessa mesma direção, João Calvão da Silva afirma que a relação obrigacional
é um processo tendente ao cumprimento (adimplemento contratual), “expressando o termo
vínculo obrigacional é complexo, pois dele defluem deveres para ambas as partes – credor(es) e devedor(es)
– em direção ao adimplemento que é o seu fim, formando uma cadeia teleologicamente interligada”.
TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil
interpretado conforme a Constituição da República. v. I. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar. 2007. p.
596.
80
LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. tomo I. Trad. de Jaime Santos Briz, Madrid: Editora Revista de
Derecho Privado. 1958. p. 21-22. No mesmo sentido, Pietro Perlingieri observa que “as situações subjetivas
não se podem distinguir – a não ser em termos quantitativos – em ativas e passivas, já que as chamadas
situações ativas compreendem também deveres gerais e específicos (obblighi) e as chamadas situações
passivas contêm frequentemente alguns direitos e poderes. A relação jurídica não está na ligação entre direito
subjetivo de um lado e dever, ou dever específico (obbligo), do outro. É difícil imaginar direitos subjetivos
que não encontrem justificativa em situações mais complexas, das quais fazem parte também deveres, ônus,
deveres específicos (obblighi), isto é, posições que, analiticamente consideradas, podem ser definidas como
passivas. A relação jurídica sob o perfil estrutural é ralação entre situações complexas, que pode ser ora de
simples coligação (como entre poder jurídico e interesse legítimo), ora, e são as hipóteses mais frequentes no
campo do direito civil, de contraposição de conflito (como nas obrigações onde a situação de débito se
contrapõe àquela de crédito)”. PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. de
Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar. 2008. p. 735.
81
Marcelo Junqueira Calixto faz uma observação relevante a esse respeito: “Não se quer com isso negar que
a relação jurídica obrigacional está destinada à satisfação do interesse do credor, mas enfatizar a necessidade
de que este também deve cooperar na consecução deste fim”. CALIXTO, Marcelo Junqueira. Reflexões em
torno do conceito de obrigação, seus elementos e suas fontes. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.).
Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar. 2005. p.6.
82
AGUIAR JR., Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução). Rio de
Janeiro: Aide. 1991. p. 18.
83
SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 20.
84
O referido autor ainda complementa que “os atos praticados pelo devedor, assim como os realizados pelo
credor, repercutem no mundo jurídico, nele ingressam e são dispostos e classificados segundo uma ordem,
atendendo-se aos conceitos elaborados pela teoria do direito. Esses atos, evidentemente, tendem a um fim. E
é precisamente a finalidade [satisfação do interesse do credor e adimplemento contratual] que determina a
concepção da obrigação como processo”. SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. Rio de
Janeiro: Editora FGV. 2006. p. 20-21.
33
processo um encadeamento de actos destinados a um certo fim – no nosso caso o
cumprimento”.85
85
SILVA, João Calvão da. Cumprimento e sanção pecuniária compulsória. Coimbra: Livraria dos
Advogados Editora. 1987. p. 70.
86
FURTADO, Gabriel Rocha. Mora e inadimplemento substancial. São Paulo: Atlas. 2014. p. 9.
87
COSTA, Judith Martins. A boa-fé no direito privado. Ed. Revista dos Tribunais. p. 394-395. Claudio Luiz
Bueno de Godoy observa que “[...] cede lugar o dogma da vontade – até então fonte motriz do
estabelecimento das relações contratuais, base do conceito absoluto, ou quase, da autonomia negocial – à
admissão de que o contrato encerra também uma dimensão social, que vai além da esfera jurídica das partes
contratantes e, mais, que resulta de fontes que, a rigor, não se circunscrevem ao quanto declarado no ajuste”.
GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: os novos paradigmas contratuais. São Paulo:
Saraiva. 2004. p. 4.
88
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009. p.
38.
89
SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV. 2006. p. 34.
34
regulação voluntaristicamente estabelecida”90. Há, assim, uma nítida expansão das fontes
dos deveres obrigacionais, colocando-se a boa-fé objetiva ao lado da vontade na criação de
tais deveres.
a dogmática do século passado tinha por centro a vontade, de forma que para os
juristas daquela época, todos os deveres dela resultavam. Em movimento
dialético e polêmico poder-se-ia chegar à conclusão oposta, isto é, a de que todos
os deveres resultassem da boa-fé. Mas a verdade está no centro: há deveres que
promanam da vontade e outros que decorrem da incidência do princípio da boa-
fé e da proteção jurídica de interesses.91
A obrigação passa a ser uma “totalidade”93, entendida não apenas como uma
prestação isolada, mas como uma relação jurídica total, que compreende os deveres de
prestação e de conduta, bem como deveres instrumentais, laterais ou anexos, os quais
visam ao perfeito adimplemento contratual e à satisfação do interesse das partes. A esse
respeito, Judith Martins-Costa pondera que:
90
COSTA, Judith Martins. A boa-fé no direito privado. Ed. Revista dos Tribunais. p. 440.
91
SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV. 2006. p. 38.
92
COSTA, Judith Martins. A boa-fé no direito privado. Ed. Revista dos Tribunais. p. 395.
93
LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. Trad. de Jaime Santos Briz. t. 1. Madrid: Editorial Revista de
Derecho Privado. 1958. p. 37.
35
no vínculo que liga credor e devedor, aí inclusos os elementos consistentes às
suas fontes e aos seus limites94.
94
COSTA, Judith Martins. A boa-fé no direito privado. Ed. Revista dos Tribunais. p. 394-395.
95
MENEZES Cordeiro, António Manuel da Rocha. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina. 2011.
Giovanni Ettore Nanni também afirma que “se na perspectiva clássica a obrigação se esgota no dever de
prestar e no correlato direito de exigir ou pretender a prestação, na doutrina moderna ela é compreendida
numa acepção globalizante da situação jurídica creditícia, apontando, ao lado dos deveres de prestação –
tanto deveres principais de prestação, como deveres secundários - , os deveres laterais, além de direitos
potestativos, sujeições, ônus jurídicos, expectativas jurídicas, etc.” NANNI, Giovanni Ettore. O dever de
cooperação nas relações obrigacionais à luz do princípio constitucional da solidariedade. In: NANNI,
Giovanni Ettore (Coord.). Temas relevantes do direito civil contemporâneo: reflexões sobre os cinco anos do
Código Civil. São Paulo: Atlas. 2008. p. 300.
36
aferir a possibilidade de purgação da mora por parte do devedor reside na manutenção da
utilidade da prestação para o credor96.
Sob essa perspectiva funcional, a relação obrigacional passou a ser vista como
um conjunto de deveres – não só os deveres principais, mas também os deveres laterais
decorrentes da boa-fé objetiva – impostos às partes para o atingimento da finalidade
96
KONDER, Carlos Nelson; RENTERÍA, Pablo. A funcionalização das Relações Obrigacionais: interesse do
credor e patrimonialidade da prestação. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Org.). Diálogos
sobre Direito Civil. vol II, Rio de Janeiro: Renovar. 2007. p. 267.
97
KONDER, Carlos Nelson; RENTERÍA, Pablo. A funcionalização das Relações Obrigacionais: interesse do
credor e patrimonialidade da prestação. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Org.). Diálogos
sobre Direito Civil. v. II, Rio de Janeiro: Renovar. 2007. p. 267.
98
KONDER, Carlos Nelson; RENTERÍA, Pablo. A funcionalização das Relações Obrigacionais: interesse do
credor e patrimonialidade da prestação. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Org.). Diálogos
sobre direito civil. v. II. Rio de Janeiro: Renovar. 2007. p. 267.
99
PERLINGIERI. Manuale di diritto civile. Napoli: ESI, 1997, p. 348. Em tradução livre: “O interesse do
credor é antes de tudo fundamental para o nascimento da relação obrigacional. Caso contrário, não se
justifica nem mesmo a imposição ao devedor de um vínculo que limite ou comprima a liberdade; nosso
sistema, na verdade, não admite restrições, se não em razão e em função da realização de interesses outros
considerados primordiais.”
37
buscada por meio da relação obrigacional, consistente na satisfação do interesse do credor.
É essa finalidade comum buscada pelas partes que confere unidade a todos os direitos,
deveres e situações jurídicas que compõem a relação obrigacional.
[...] por el hecho mismo de que en toda relación de obligación late el fin de la
satisfacción del interés en la prestación del acreedor, puede y debe considerarse
la relación de obligación como un proceso. Está desde un principio encaminada a
alcanzar un fin determinado y a extinguirse con la obtención de este fin.102
100
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. v. I. São Paulo: Saraiva. 2013. p. 36.
101
SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV. 2006. p. 17.
102
LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. tomo I. Trad. de Jaime Santos Briz, Madrid: Editora Revista de
Derecho Privado. 1958. p. 39. Em tradução livre: “[...] pelo fato de que toda a relação obrigacional tem como
fim a satisfação do interesse do credor, a relação obrigacional pode e deve ser considerada como processo.
Está desde o início encaminhada a alcançar um fim determinado e a extinguir-se com a obtenção desse fim.”
38
certo interesse”103. Afirma-se que a obrigação passa a ser valorada, na sua essência, “como
um instrumento de cooperação social para a satisfação de certo interesse do credor”104.
103
VARELA, João de Mattos Antunes. Das obrigações em geral. Coimbra: Almedina. 1970. p. 20.
104
KONDER, Carlos Nelson; RENTERÍA, Pablo. A funcionalização das relações obrigacionais: interesse do
credor e patrimonialidade da prestação. Diálogos sobre Direito Civil. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN,
Luiz Edson (Org.). Diálogos sobre direito civil. V. II, Rio de Janeiro: Renovar. 2007. p. 267.
105
SILVA, João Calvão da. Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória. Coimbra: Livraria dos
Advogados Editora. 1987. p. 67.
106
PERLINGIERI. Manuale di diritto civile. Napoli: ESI. 1997. p. 220. Em tradução livre: “A relação
obrigacional, além do interesse do credor, ‘pode’ realizar também interesses do devedor juridicamente
relevante. Obviamente, deve-se ter em consideração prioritária e prevalente o interesse do credor [...]”.
107
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 23.
39
Toda ação humana visa uma finalidade. A obrigação também tem uma: a
satisfação de um interesse legítimo do credor. [...]
As obrigações, porém, não têm por finalidade realizar unicamente uma
finalidade individual, egoística, do credor; ao lado desta, qualquer obrigação, na
medida em que é objeto de tutela jurídica, tem também uma finalidade social,
porque toda norma jurídica visa ‘fins sociais’ e atende ‘exigências do bem
comum’, como ficou expresso no art. 5º da Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro (até 2010 designada de Lei de Introdução ao Código Civil
Brasileiro). Ora, se conjugarmos esses dois objetivos, individual e social,
poderíamos dizer que toda obrigação tem de satisfazer um interesse legítimo do
credor.
[...] é preciso ter presente que na maioria das relações obrigacionais (e em
especial nas nascidas dos contratos chamados de bilaterais: cf. art. 476) existem
duas partes, que são, uma em relação à outra, simultaneamente parte credora e
parte devedora. Nestes casos, haverá que considerar os interesses legítimos de
ambas as partes.108
108
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. v. I. São Paulo: Saraiva. 2013. p. 40.
109
Fernando Noronha afirma que “a prestação debitória é a conduta ou comportamento do devedor, a
atividade ou abstenção de atividade que é essencial para a realização do interesse do credor. Antunes Varela
[VARELA, João de Matos Antunes. Direito das obrigações. 2v. São Paulo: Forense. 1977-1979.]
caracteriza-a muito bem como ‘a ação ou omissão a que o devedor fica adstrito e que o devedor tem o direito
de exigir’”. NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. v. I. São Paulo: Saraiva. 2013. p. 55.
110
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 51-52.
40
Como analisado no item anterior, a relação obrigacional não constitui um fim
em si mesmo, a sua razão de ser consiste na satisfação dos interesses das partes, mais
concretamente no interesse do credor111. Desta maneira, sob o ponto de vista do credor, o
comportamento do devedor (a prestação) não é desejado em si mesmo, mas apenas como
instrumento de realização do seu interesse. Destaca-se, assim, o caráter instrumental que é
atribuído à obrigação do devedor.
111
NORONHA, Fernando, Direito das obrigações. v. I. São Paulo: Saraiva. 2013. p. 39.
112
NICOLÒ, Rosario. Adempimento (diritto civile). Enciclopedia del diritto. v. I, Varese: Giuffrè. p. 555.
Em tradução livre: “sublinha-se, por outro lado, a função essencialmente instrumental que é atribuída à
obrigação do devedor para com a realização do interesse do credor, do ponto de vista estritamente jurídico, e
não somente econômico-social.”
113
KONDER, Carlos Nelson; RENTERÍA, Pablo. A funcionalização das relações obrigacionais: interesse do
credor e patrimonialidade da prestação. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Org.). Diálogos
sobre direito civil. v. II, Rio de Janeiro: Renovar. 2007. p. 273.
114
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 53.
115
Sobre o tema, Judith Martins-Costa assim se pronuncia: “Trata-se de um interesse objetivado, e de uma
utilidade objetiva, que devem ser recortados à vista da operação econômica em causa, é dizer: do que as
partes dispuseram no comum regulamento de interesses, cabendo ao juiz apreender o interesse e a utilidade
com base na natureza da prestação e das regras comuns da experiência (CPC, art. 335)”. COSTA, Judith
Martins. O fenômeno da supracontratualidade e o princípio do equilíbrio: inadimplemento de deveres de
41
meio de uma relação obrigacional específica. A prestação deve ser objetivamente idônea a
satisfazer o interesse típico e concreto do credor naquele vínculo contratual específico.
Afirma-se que o interesse que deve ser satisfeito se relaciona intimamente com
o fim do negócio jurídico, concebido a partir da teoria da causa concreta 116 e do fim
objetivamente perseguido pelo credor no negócio jurídico em concreto, que deve ser
perceptível à outra parte. A análise da satisfação do interesse do credor impõe o exame do
fim que o credor buscou com aquele tipo contratual específico e com aquela relação
obrigacional em concreto. A desatenção a esse fim poderá tornar o “adimplemento
insatisfatório e imperfeito”117.
Diante desse cenário, conclui-se que o objeto da obrigação não é mais algo em
si, mas algo que passa a ter uma função, consistente na satisfação do interesse típico e
concreto do credor naquele vínculo contratual específico, do resultado útil programado121.
A prestação passa, assim, a ser vista sob uma perspectiva funcionalizada e finalística.
A execução da prestação principal, por si só, passa a não ser considerada capaz
de atender ao interesse objetivo e concreto do credor. A sua satisfação pressupõe,
igualmente, uma “colaboração intersubjetiva” e a observância dos deveres de conduta
impostos pela boa-fé objetiva, que exige do devedor “todos os comportamentos razoáveis
118
O exemplo é de SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV.
2006. p. 41.
119
No mesmo sentido, concluiu-se na III Jornada de Direito Civil, realizada pela Câmara de Constituição e
Justiça, em novembro de 2004, em seu enunciado 162: “A inutilidade da prestação que autoriza a recusa da
prestação por parte do credor deverá ser aferida objetivamente, consoante o princípio da boa-fé e a
manutenção do sinalagma, e não de acordo com o mero interesse subjetivo do credor.”
120
SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV. 2006. p. 41.
121
FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil à luz do novo Código Civil brasileiro. 2. ed. rev. e
atual. Rio de Janeiro: Renovar. 2003. p. 94.
43
para a efectiva satisfação do interesse do credor, não se contentando, simplesmente, com
um cumprimento meramente formal”122.
122
MENEZES CORDEIRO, António. Direito das obrigações. v. I, reimp. 1980. Lisboa: Associação
Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa. 2001. p. 148-149.
123
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 64.
124
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 64.
44
sua efetiva revenda, transportá-los até os seus clientes e revendedores, etc. No entanto,
apesar de serem exigidas do devedor uma série de condutas, tem-se que é única a prestação
devida pelo devedor, consistente na distribuição das mercadorias.
125
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 65-66.
45
Feita essa análise sobre a moderna concepção de obrigação como um processo,
passaremos a examinar quais alterações foram promovidas nos tradicionais conceitos de
adimplemento e inadimplemento.
126
Sobre o termo adimplemento, confiram-se os ensinamentos de Álvaro Villaça Azevedo: “É bom fixar o
sentido técnico-jurídico do vocábulo pagamento, pois o primeiro pensamento que vem à mente, no
significado popular, é o que seja ele a prestação de uma importância em dinheiro. Essa a significação mais
estrita da palavra, popular, vulgar. Na acepção mais ampla, entende-se pagamento como toda e qualquer
maneira de extinção obrigacional. Até a prescrição estaria enquadrada nesta última hipótese. Já, em sentido
técnico, na ciência jurídica, pagamento é implemento, o adimplemento, o cumprimento, a execução normal
da obrigação.” AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações: responsabilidade civil. 10. ed. São
Paulo: Atlas, 2004. p. 128. No mesmo sentido: “[...] embora seja empregado, na linguagem corrente, para
designar apenas a entrega de prestação em dinheiro, a doutrina reserva ao conceito de pagamento sentido
técnico preciso, definindo-o como a execução voluntária da prestação devida ao credor, no tempo, no lugar e
na forma previstos no título constitutivo da obrigação. O pagamento pode ser assim considerado como o fim
normal da obrigação, sua vocação natural, qualquer que seja a res debita” TEPEDINO, Gustavo;
BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a
Constituição da República. v. I. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 596.
127
NONATO, Orosimbo. Curso de obrigações. v. I. Rio de Janeiro: Forense. 1959. p. 9.
46
praestatio eius quod in obligatione est)128. Na perspectiva tradicional, o adimplemento
vem definido como “o efetivo cumprimento da prestação”129, ou ato pelo qual “recebe o
credor o que lhe é devido”130.
128
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações: responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas.
2004. p. 128.
129
GOMES, Orlando. Obrigações. Rio de Janeiro: Forense. 2000. p. 88.
130
CHAVES, Antonio. Tratado de direito civil. v. 2. tomo 1. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1982. p. 157.
131
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil: do inadimplemento das obrigações. v. V.
tomo 2. Rio de Janeiro: Forense. 2003. p. 67.
132
SCHREIBER, Anderson. A tríplice transformação do adimplemento. Adimplemento substancial,
inadimplemento antecipado e outras figuras. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro, v. 32,
out./dez 2007, p. 8-9.
47
Judith Martins Costa também destaca que o adimplemento não se resume
apenas aos interesses envolvidos direta e indiretamente na prestação principal, pois o
adimplemento constitui “o cumprimento da prestação concretamente devida, presente a
realização dos deveres derivados da boa-fé que se fizerem instrumentalmente necessários
para o atendimento satisfatório do escopo da relação, em acordo ao seu fim e às suas
circunstâncias concretas”133. O adimplemento compreende, assim, a atividade retratada na
prestação principal e todos os deveres anexos necessários à entrega da prestação devida134.
133
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil: do inadimplemento das obrigações. v. V.
tomo 2. Rio de Janeiro: Forense. 2003. p. 67.
134
Por estar a atual noção de adimplemento tão intimamente ligada à perfeição com que se dá o cumprimento
de uma obrigação, Antunes Varela afirma que “a regra mais importante a observar no cumprimento da
obrigação é a da pontualidade”, fazendo a ressalva de que a noção de pontualidade é utilizada por ele “não no
sentido restrito de cumprido a tempo e horas, mas no sentido amplo de que o cumprimento deve coincidir,
ponto por ponto, em toda a linha, com a prestação a que o devedor se encontra adstrito”. VARELA, João de
Mattos Antunes. Das obrigações em geral. Coimbra: Almedina. 1970. p. 691.
135
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 83.
136
SILVA, João Calvão da. Cumprimento e sanção pecuniária compulsória. Coimbra: Livraria dos
Advogados Editora. 1987. p. 78.
48
[...] Por eso, junto a una calificada doctrina, entendemos que sólo puede hablarse
de cumplimiento en sentido estricto cuando ‘el programa obligacional haya
tenido realización de idéntica manera, en las rigurosas condiciones y por los
mismos sujetos que se tomaron en cuenta a la hora de conformar aquél.137
137
PIZARRO, Ramón Daniel; VALLESPINOS, Carlos Gustavo. Instituciones de derecho privado.
Obligaciones 2. Editorial Hammurabi SRL: Buenos Aires. 1999. p. 74. Em tradução livre: “Por isso, junto à
doutrina qualificada, entendemos que somente pode se falar em adimplemento em sentido estrito quando o
programa obrigacional tiver se realizado de maneira idêntica, nas rigorosas condições e pelos mesmos
sujeitos que levaram em consideração na formação do contrato.”
138
PERLINGIERI, Pietro. Il fenomeno dell’estinzione nelle obbligazioni, Camerino-Napoli. E.S.I. 1980. p.
21.
139
SCHREIBER, Anderson. A tríplice transformação do adimplemento. Adimplemento substancial,
inadimplemento antecipado e outras figuras. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro, v. 32,
out./dez 2007, p. 10.
49
para o direito obrigacional140. A doutrina ainda hoje afirma que “o sujeito passivo da
obrigação só tem de cumpri-la na época do vencimento, de tal modo que “ao credor não é
lícito antecipar-se, pedindo a satisfação da dívida antes do vencimento”.141
140
SCHREIBER, Anderson. A tríplice transformação do adimplemento. Adimplemento substancial,
inadimplemento antecipado e outras figuras. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro, v. 32,
out./dez 2007, p. 10-11.
141
BEVILAQUA, Clovis. Direito das obrigações. Campinas: Red Livros. 2000. p. 149-151.
142
SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV. 2006. p. 13.
50
Diante da crescente importância do princípio da boa-fé objetiva, afirma-se que
o comportamento das partes antes, durante e depois do cumprimento da prestação principal
passa a produzir efeitos jurídicos diferenciados, que podem até ultrapassar, em
importância, aqueles que resultam do cumprimento da obrigação em si.143 Conforme se
abordará no próximo item, parcela da doutrina sustenta que a violação de deveres laterais
durante a relação contratual, a depender dos seus efeitos no caso concreto, poderá levar ao
inadimplemento contratual.
Com efeito, seja nas obrigações negativas, seja nas positivas, o adimplemento
não se limita ao instante singular do seu cumprimento, mas se espraia pela
continuidade da relação obrigacional, para atrair em seu favor a conduta das
partes antes e depois do vencimento da obrigação. Assim, à luz da boa-fé
objetiva, o adimplemento passa a ser compreendido como um processo que se
estende temporalmente, abrangendo o comportamento das partes antes e após o
momento pontual do vencimento.145
É por isso que se afirma que deve ser superada a visão estática do direito
obrigacional, que posterga para o advento do termo a análise a respeito da possibilidade e
da utilidade do adimplemento. Esse exame deverá ser realizado ao longo de todo o
desenvolvimento da relação obrigacional, em concomitância com a execução dos atos
143
SCHREIBER, Anderson. A tríplice transformação do adimplemento. Adimplemento substancial,
inadimplemento antecipado e outras figuras. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro, v. 32,
out./dez 2007, p. 11.
144
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 85-86.
145
SCHREIBER, Anderson. A tríplice transformação do adimplemento. Adimplemento substancial,
inadimplemento antecipado e outras figuras. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro, v. 32,
out./dez 2007, p. 14.
51
preparatórios, dos atos propriamente de execução, e dos deveres anexos impostos pela boa-
fé. A todo o momento deve ser verificada a manutenção do interesse típico e concreto do
credor na prestação devida e a real possibilidade de adimplemento146.
146
Nesse sentido se posiciona Pietro Perlingieri: “l´interesse creditorio deve permanere per tutto l´arco
temporale di durata del rapporto obbligatorio, sino alla sua estionzione (che, fisiologicamente, consegue
all´esatto adempimento, quale vicenda estintiva satisfattoria per eccellenza).” PERLINGIERI. Manuale di
diritto civile. Napoli: ESI, 1997, p. 218. Em tradução livre: “o interesse do credor deve permanecer durante
todo o tempo de duração da relação obrigacional, até sua extinção (que, fisiologicamente, é consequência do
exato cumprimento, como fato que por si próprio extingue satisfazendo).”
147
De acordo com Jorge Cesa Ferreira da Silva, o inadimplemento antecipado do contrato pode decorrer
tanto da infringência de deveres principais como secundários de prestação, como ainda dos deveres laterais,
anexos ou instrumentais de conduta, configurando, nesta última hipótese, a violação positiva do contrato.
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar. 2002. p.
261.
148
SCHREIBER, Anderson. A tríplice transformação do adimplemento. Adimplemento substancial,
inadimplemento antecipado e outras figuras. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro, v. 32,
out./dez 2007, p. 17-18.
52
Trata-se da figura do adimplemento substancial. O adimplemento substancial
examina se, no caso concreto, a obrigação foi cumprida em seus pontos relevantes,
importantes, essenciais149. O adimplemento substancial não permite, por exemplo, a
resolução do vínculo contratual se houver cumprimento significativo, expressivo das
obrigações assumidas150. Nas palavras de Clóvis do Couto e Silva é “um adimplemento tão
próximo do resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito
de resolução, permitindo tão somente o pedido de indenização.”151
149
BUSSATA, Eduardo Luiz. Resolução dos contratos e teoria do adimplemento substancial. São Paulo:
Saraiva. 2007. p. 37.
150
Vale mencionar que o Código Civil italiano estabelece que o inadimplemento deva ter efetiva importância
para possibilitar que o contrato seja resolvido. Se a importância do inadimplemento for pequena (scarsa, na
letra daquela lei), o contrato não poderá ser resolvido. Confira-se a redação do mencionado dispositivo legal:
“Art. 1.455. Importanza dell’inadempimento. Il contratatto non si può risolvere se l’inadempimento di una
delle parti ha scarsa importanza, avuto riguardo all’interesse dell’atra.” Em tradução livre: “Importância do
inadimplemento. O contrato não pode ser resolvido se o inadimplemento de uma das partes é de menor
importância, resguardado o interesse da outra.”
151
BECKER, Anelise. A doutrina do adimplemento substancial no direito brasileiro e em perspectiva
comparativista. Revista da Faculdade de Direito UFRGS, v. 9, Porto Alegre, Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, nov. 1993, p. 60.
152
SCHREIBER, Anderson. A boa-fé objetiva e o adimplemento substancial. In: HIRONAKA, Giselda
Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (Coord.). Direito Contratual. Temas Atuais. São Paulo:
Método. 2007. p. 138.
153
A esse respeito, é importante conferir as considerações de Jones Figueirêdo Alves: “Com efeito, o suporte
fático que orienta a doutrina do adimplemento substancial, como fator desconstrutivo do direito da resolução
do contrato por inexecução contratual, é o incumprimento insignificante. Isso quer dizer que a hipótese da
resolução contratual por inadimplemento haverá de ceder diante do pressuposto do atendimento quase
integral das obrigações pactuadas, em posição contratual na qual se coloca o devedor, não se afigurando
razoável a extinção do contrato. Não haverá inadimplemento imputável para resolver o contrato, quando o
adimplemento parcial reflita, com seu alcance, a pauta da avença, na proporção veemente das obrigações
concretizadas.” ALVES, Jones Figueirêdo. A teoria do adimplemento substancial (“substancial
performance”) do negócio jurídico como elemento impediente ao direito de resolução do contrato. In:
DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueirêdo (Coord.). Questões controvertidas no direito das
obrigações e dos contratos. Série Grandes Temas de Direito Privado. v. 4. Editora Método: São Paulo. 2005.
p. 406.
53
Entende-se que, quando um incumprimento insignificante não abalar o
sinalagma contratual, o desfazimento da relação contratual importará em sacrifício injusto
e desproporcional para o devedor, em comparação com a manutenção do contrato. A boa-
fé objetiva funciona como limite ao exercício abusivo de posição jurídica e impõe a adoção
de outros meios de tutela diante do cumprimento imperfeito, mas significativo, das
obrigações. O adimplemento substancial surgiu, assim, para “frear o rigor do direito à
extinção contratual e despertar a comunidade jurídica para o exercício quase malicioso de
um direito de resolução em situação que só formalmente não se qualificava como
adimplemento integral”154.
154
SCHREIBER, Anderson. A boa-fé objetiva e o adimplemento substancial. In: HIRONAKA, Giselda
Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (Coord.). Direito contratual. Temas Atuais. São Paulo:
Método. 2007. p. 141.
155
SCHREIBER, Anderson. A tríplice transformação do adimplemento. Adimplemento substancial,
inadimplemento antecipado e outras figuras. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro, v. 32,
out./dez 2007, p. 21-23.
54
1.7. O papel do credor na relação obrigacional e a sua importância para o
adimplemento – os efeitos do inadimplemento do credor
156
Paulo Lôbo destaca que “tradicionalmente, a obrigação, especialmente o contrato, foi considerada
composição de interesses antagônicos, do credor de um lado, do devedor de outro. Por exemplo, o interesse
do comprador seria antagônico ao do vendedor. Tal esquema era adequado ao individualismo liberal, mas é
inteiramente inapropriado à realização do princípio constitucional da solidariedade, sob o qual a obrigação é
tomada como um todo dinâmico, processual, e não apenas como estrutura relacional de interesses
individuais. O antagonismo foi substituído pela cooperação, tido como dever de ambos os participantes e que
se impõe aos terceiros. Revela-se a importância não apenas da abstenção de condutas impeditivas ou
inibitórias, mas das condutas positivas que facilitem a prestação do devedor”. LÔBO, Paulo. Direito civil:
obrigações. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 95.
157
PERLINGIERI, PIETRO. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. de Maria Cristina De Cicco.
Rio de Janeiro: Renovar. 2008. p. 912-913. No mesmo sentido, Thiago Luís Santos Sombra afirma que “uma
das marcas mais claras da associação do comportamento cooperativo aos deveres laterais ou de conduta
decorre dos atributos de alteridade e confiança, ou seja, da imposição indistinta de posturas ao credor e ao
devedor, a partir da legítima expectativa despertada”. SOMBRA, Thiago Luís Santos. Adimplemento
contratual e colaboração do credor. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 143-144.
55
Conforme observa Giovanni Ettore Nanni, “a simples imposição do dever de
prestação ao devedor em decorrência do vínculo obrigacional não se demonstrava
suficiente para possibilitar o efetivo cumprimento do negócio”, sendo necessária uma
postura cooperativa do credor, para que não fossem “criados obstáculos para o
adimplemento da obrigação” 158.
158
NANNI, Giovanni Ettore. O dever de cooperação nas relações obrigacionais à luz do princípio
constitucional da solidariedade. In: NANNI, Giovanni Ettore (Coord.) Temas relevantes do direito civil
contemporâneo: reflexões sobre os cinco anos do Código Civil. São Paulo: Atlas. 2008. p. 308.
159
Não obstante o caráter colaborativo da relação obrigacional, em que ambas as partes devem conjugar
esforços rumo ao adimplemento contratual, não se pode negar o pressuposto de que a relação obrigacional
visa principalmente satisfazer os interesses do credor. Com efeito, os interesses do credor representam o pilar
do vínculo obrigacional e definem a função da obrigação, o que denota a sua prevalência sobre os interesses
do devedor. No entanto, embora tenham um peso menor, os interesses do devedor também devem ser
prestigiados, notadamente no que tange à necessária colaboração do credor para permitir o adimplemento
contratual e à sua liberação da relação. Neste sentido: “[...] impede asseverar que, embora subalternizados, os
interesses do devedor recebem o influxo, ou melhor, a contribuição dos deveres de conduta também impostos
ao credor, notadamente no que se refere à sua liberação da relação jurídica, sem encargos despropositados”.
SOMBRA, Thiago Luís Santos. Adimplemento contratual e colaboração do credor. São Paulo: Saraiva.
2011. p. 27-28.
160
Antonio Menezes Cordeiro afirma que: “numa leitura atomística, o devedor estaria adstrito à prestação
tendo o credor, apenas, um direito à mesma. Na prática, verifica-se que, em regra, as obrigações são
sinalagmáticas: ambas as partes surgem, em simultâneo, como credoras e devedoras uma da outra. [...]
Vamos, porém, mais longe: mesmo o credor ‘puro’ tem alguns deveres a seu cargo. Desde logo, ele poderá
ter de colaborar para que a prestação principal seja possível: o cliente do barbeiro tem de comparecer no local
próprio e, aí, terá de assumir a postura física que permita a realização da prestação a que tem direito. O
credor que não faculte a execução da prestação entra em mora (813º e ss.) e sujeita-se a determinadas
consequências. Adiante veremos se se trata de (meros) encargos ou de deveres: há, de todo o modo e aqui,
um elemento passivo que integra a posição”. CORDEIRO, Menezes António. Tratado de direito civil
português II. Direito das obrigações. tomo I. Coimbra: Almedina. 2009. p. 301.
56
titular de direitos e pretensões. Amenizou-se, é certo, a posição deste último,
cometendo-se-lhe, também, deveres, em virtude da ordem de cooperação. Com
isso, ele não deixou de ser o credor, sujeito ativo da relação, mas reconheceu-se
que a ele cabiam certos deveres. Não caberá, a toda evidência, a efetivação da
obrigação principal, porque isso é pensão precípua do devedor. Caber-lhe-ão,
contudo, certos deveres como os de indicação e de impedir que a sua conduta
venha dificultar a prestação do devedor.161
161
SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV. 2006. p. 97.
162
SILVA, João Calvão da. Cumprimento e sanção pecuniária compulsória. Coimbra: Livraria dos
Advogados Editora. 1987. p. 117-118. Jorge Cesa Ferreira da Silva, ao comentar a regra do artigo 400 do
Código Civil, sustenta que o dever de colaborar em algumas situações “se traduz em ônus jurídico”, de modo
que “o fato de a colaboração do credor não se concretizar em um dever em sentido estrito justifica o regime
da mora creditoris”. SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: Revista dos
Tribunais. 2007. p. 118-119.
163
A esse respeito, Antunes Varela exemplifica como deveres anexos do credor “os deveres destinados a
evitar que a prestação se torne desnecessariamente mais onerosa ou a proporcionar ao dever as condições de
que ele razoavelmente necessita para realizar a prestação devida”. VARELA, João de Mattos Antunes. Das
obrigações em geral. Coimbra: Almedina. 1970, p. 86.
57
Esclareça-se que esse dever de cooperação do credor não se resume aos
deveres laterais, devendo estar presente também no cumprimento dos deveres principais e
secundários da prestação164, bem como que o dever de colaboração abrange não somente a
abstenção da prática de atos que impeçam o adimplemento, mas também uma postura ativa
que contribua efetivamente para o adimplemento pelo devedor165.
164
NANNI, Giovanni Ettore. O dever de cooperação nas relações obrigacionais à luz do princípio
constitucional da solidariedade. In: NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Temas relevantes do direito civil
contemporâneo: reflexões sobre os cinco anos do Código Civil. São Paulo: Atlas. 2008. p. 316.
165
Consoante esclarece Cláudia Lima Marques: “Este dever de cooperar deve também ser cumprido de forma
ativa pelo fornecedor; assim, se o fornecedor está obrigado a cumprir com suas obrigações (por exemplo:
reembolsar ou fornecer determinados exames e consultas médicas, entregar determinado bem, executar
determinado serviço) não deve dificultar o acesso do consumidor aos seus direitos ou inviabilizar que a
prestação seja devida. Deve o fornecedor, igualmente, abster-se de usar ou impor expedientes desnecessários
ou maliciosos, como exigir uma grande série de autorizações, documentos, solicitações só retiráveis em
determinados locais, em determinada hora e por decisão arbitrária do próprio fornecedor, exigir
comunicações imediatas ou em curto espaço de tempo em matérias que envolvem a integridade física,
psíquica da pessoa e seus familiares, e ainda mais, exigindo esta atuação contratual sob pena de perda dos
direitos contratuais.” MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 3. ed., 2ª tiragem. p. 197.
166
NANNI, Giovanni Ettore. O dever de cooperação nas relações obrigacionais à luz do princípio
constitucional da solidariedade. In: NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Temas relevantes do direito civil
contemporâneo: reflexões sobre os cinco anos do Código Civil. São Paulo: Atlas. 2008. p. 318.
58
devido respeito pelos recíprocos interesses do devedor, ou devedores, e tendo em
conta também a função social desempenhada, que é a razão última de sua
167
tutela.”
Em que pese não existir previsão expressa do dever de colaboração das partes
no Código Civil de 2002, entendemos que ele pode ser perfeitamente invocado no direito
brasileiro com base na função integrativa da boa-fé objetiva, que impõe um novo standard
167
NORONHA, Fernando, Direito das obrigações. v. I. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 92. No mesmo sentido,
Claudio Luiz Bueno de Godoy afirma que “[...] a boa-fé faz do ajuste, hoje, muito mais uma relação de
cooperação, de consideração com o outro, destarte garantindo a promoção do solidarismo que, como visto, é
valor constitucional e, nesta senda, imbricando-se com a função social do contrato”. GODOY, Claudio Luiz
Bueno de. Função social do contrato: os novos paradigmas contratuais. São Paulo: Saraiva. 2004. p. 75.
168
NANNI, Giovanni Ettore. O dever de cooperação nas relações obrigacionais à luz do princípio
constitucional da solidariedade. In: NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Temas relevantes do direito civil
contemporâneo: reflexões sobre os cinco anos do Código Civil. São Paulo: Atlas. 2008. p. 318.
169
Paulo Lôbo salienta que “o dever de colaboração resulta em questionamento da estrutura da obrigação,
uma vez que, sem alterar a relação de crédito e débito, impõe prestações ao credor enquanto tal. Assim, há
dever de cooperação tanto do credor quanto do devedor, para o fim comum”. LÔBO, Paulo. Direito civil:
obrigações. 3. ed. São Paulo: Saraiva. 2013. p. 99.
170
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 26.
59
de comportamento leal e probo para as partes contratantes, que abrange uma postura
cooperativa rumo ao adimplemento contratual171.
171
A esse respeito, Thiago Luís Santos Sombra afirma que “a perspectiva da evolução axiológica do dever de
cooperação se consumou a partir do momento em que se abalaram as posições tradicionalmente ocupadas por
credor e devedor. Como dito, à boa-fé objetiva se deve sobremaneira essa mudança de paradigma. Com ela
agregam-se novos padrões de conduta à relação obrigacional, notadamente porque o comportamento de
ambos os sujeitos mereceu relevo, a par da primazia inevitavelmente conferida ao credor. Isso demonstra
claramente um redirecionamento das relações obrigacionais, a evidenciar que também ao credor são impostas
certas condutas [...]” SOMBRA, Thiago Luís Santos. Adimplemento contratual e colaboração do credor. São
Paulo: Saraiva. 2011. p. 142.
172
Neste sentido: STJ, REsp 595631, Rel. Ministra Nancy Andrighi, j. 08.06.2004.
173
NANNI, Giovanni Ettore. O dever de cooperação nas relações obrigacionais à luz do princípio
constitucional da solidariedade. In: NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Temas relevantes do direito civil
contemporâneo: reflexões sobre os cinco anos do Código Civil. São Paulo: Atlas. 2008. p. 302.
60
prestação devida e se liberar do vínculo obrigacional, tendo a sua liberdade restituída174.
Nas palavras de Anteo E. Ramella:
[…] si bien es cierto que el deudor tiene el deber de cumplir, también tiene el
derecho a liberación. No es posible admitir que el deudor deba quedar
necesariamente atado a sus obligaciones por la sola voluntad del acreedor. Así
como el retardo en el cumplimiento de la prestación puede traer aparejados
perjuicios para el acreedor, también los puede traer para el propio deudor, quien
en el desarrollo de sus negocios o actividad profesional habrá hecho sus cálculos
y programado el cumplimiento de sus diversas obligaciones en tiempo
oportuno.175
Vale salientar que o dever de cooperação não “pode ser tão largamente
reclamando a ponto de deixar de ser um racional ato de colaboração solidária obrigacional
entre as partes para se transformar em um ato de altruísmo, além das raias cujo
comportamento o direito impõe”176. Esse parece ser, sem sombra de dúvidas, o grande
problema que se apresenta: o limite da cooperação demandada do credor e a caracterização
da mora accipiendi177.
Lilian C. San Martín Neira entende que o credor se exonera de sua obrigação de
cooperar quando esta obrigação lhe impuser um “apreciable sacrificio”, em casos em que a
174
Conforme o pensamento de Renan Lotufo, “No estudo das obrigações não se vê exclusivamente a figura
proeminente do credor, posto que se está diante de uma relação jurídica entre dois sujeitos de igual valor.
Assim, não se pode admitir a visão de prisão pelo vínculo, mas a idéia de que a liberdade do devedor é que é
o fundamento, como já antevisto por Carnelutti, pois a liberdade é que ficou afetada pela relação obrigacional
nascida, relação que, com o adimplemento pelo devedor, vai ser dissolvida, e a plenitude da liberdade
juridicamente garantida restabelecida para que a conquistou por sua própria atividade”. LOTUFO, Renan.
Código civil comentado: obrigações: parte geral (arts. 233 a 420). São Paulo: Saraiva. 2003. v. 2. p. 9.
175
RAMELLA, Anteo E. La Resolución por Incumplimiento. Buenos Aires: Editoral Astrea. 1975. p. 67.
Em tradução livre: “Embora seja verdade que o devedor tem o dever de cumprir, também tem o direito de se
liberar. Não é possível admitir que o devedor deve ficar vinculado às suas obrigações somente pela vontade
do credor. Assim como o atraso no cumprimento da prestação pode trazer prejuízos para o credor, também
pode trazê-los para o próprio devedor, que no desenvolvimento de seu negócio ou atividade profissional terá
feito seus cálculos e programado o cumprimento das suas obrigações no tempo oportuno.”
176
NANNI, Giovanni Ettore. O dever de cooperação nas relações obrigacionais à luz do princípio
constitucional da solidariedade. In: NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Temas relevantes do direito civil
contemporâneo: reflexões sobre os cinco anos do Código Civil. São Paulo: Atlas. 2008. p. 311.
177
Segundo observa Thiago Luís Santos Sombra, “ainda hoje vige significativa controvérsia doutrinária em
torno da profundidade da cooperação imposta ao credor. Conquanto delicado, é possível adiantar, no entanto,
que prepondera perante os italianos a perspectiva da cooperação como ônus, sem o surgimento de um
contraposto direito a adimplir; ao passo que para os portugueses, os quais trabalharam com maior acuidade o
tema a boa-fé objetiva ao longo dos anos, vigora a ideia de cooperação como dever lateral ou de conduta.
Infelizmente, a doutrina e a jurisprudência brasileiras são incipientes sobre o tema, embora existam ensaios e
trabalhos altamente técnicos, profundos e específicos” SOMBRA, Thiago Luís Santos. Adimplemento
contratual e colaboração do credor. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 120-121.
61
cooperação teria um resultado muito oneroso para o credor178. Concordamos com tal
limitação, que é inclusive a que melhor se encaixa nas próprias constrições do dever lateral
derivado da boa-fé objetiva. A boa-fé objetiva, que cria à parte um dever de conduta,
jamais poderia se compatibilizar com deveres que fogem à razoabilidade ou impõem ao
credor do dever uma conduta incompatível com a posição que dele normalmente se espera,
com base naquele contrato específico e nos usos e costumes. Evidente, portanto, que os
deveres anexos não podem significar ao devedor a realização de providências muito
onerosas ou desproporcionais.
Nos próximos itens será feita uma breve análise dos efeitos da violação desse
dever de cooperação pelo credor, tema ainda pouco discutido na doutrina brasileira.
O artigo 389 do Código Civil179 (assim como o artigo 1.056 do Código Civil de
1916180) trata do inadimplemento por seus efeitos, não cuidando de descrevê-lo ou
conceituá-lo. A doutrina tradicionalmente conceituou inadimplemento como “o oposto de
178
NEIRA, Lilian C. San Martín. Sobre la naturaleza jurídica de la ‘cooperación’ del acreedor al
cumplimiento de la obligación. La posición dinámica del acreedor en la relación obligatoria, como sujeto no
sólo de derechos, sino también de cargas y deberes. Revista de Derecho Privado, nº 21, p. 208-282, Julio-
Diciembre, 2011. Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=1964700. p. 289.L>. Acesso em: 10 nov. 2014.
179
“Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e correção
monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”
180
“Art. 1.056. Não cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la pelo modo e no tempo devidos,
responde o devedor por perdas e danos.”
62
adimplemento”, para “significar o não cumprimento daquilo a que se está obrigado, dentro
do prazo convencionado”.181 O gênero inadimplemento foi definido como “o não
cumprimento da obrigação, nos devidos tempo, lugar e forma”182.
181
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 26. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2005. p. 719.
182
LÔBO, Paulo. Direito civil: obrigações. 3. ed. São Paulo: Saraiva. 2013. p. 231.
183
ALMEIDA COSTA, Mário Júlio de. Noções de direito civil. Coimbra: Livraria Almedina. 1980. p. 219.
184
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 82.
185
TELLES, Inocêncio Galvão. Direito das obrigações. Coimbra: Coimbra Editora. 1983. p. 260.
63
do cumprimento ou descumprimento da prestação principal nos termos em que foi
pactuada entre as partes186.
186
SCHREIBER, Anderson. A tríplice transformação do adimplemento. Adimplemento substancial,
inadimplemento antecipado e outras figuras. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro, v. 32,
out./dez 2007, p. 8.
187
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais. 2007. p. 31.
188
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 82.
64
A doutrina atualmente conceitua inadimplemento (em sentido amplo) como “a
situação objectiva de não realização da prestação debitória, independentemente da causa de
onde ela procede”189. Observe-se, todavia, que nem sempre que a prestação deixa de ser
efetuada há inadimplemento. Pode suceder, por exemplo, de o direito do credor prescrever
ou dele remitir (perdoar) a dívida, ou haver confusão das figuras do devedor e do credor.
189
VARELA, João de Mattos Antunes. Das obrigações em geral. Coimbra: Almedina, 1970. p. 734.
190
VARELA, João de Mattos Antunes. Das obrigações em geral. Coimbra: Almedina, 1970. p. 735.
191
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 82-83.
192
VARELA, João de Mattos Antunes. Das obrigações em geral. Coimbra: Almedina. 1970. p. 735.
65
recusou a cooperação indispensável à realização da prestação). No entanto, como os efeitos
de uma ou outra situação são totalmente diversos, é preciso buscar uma definição estrita de
inadimplemento.
193
VARELA, João de Mattos Antunes. Das obrigações em geral. Coimbra: Almedina. 1970. p. 735.
194
GOMES, Orlando. Obrigações. Revista, atualizada e aumentada, de acordo com o Código Civil de 2002,
por Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p. 170.
195
ALMEIDA COSTA, Mário Júlio de. Noções de direito civil. Coimbra: Livraria Almedina. 1980. p. 228.
196
DIEZ-PICAZO, Luis e GULLON, Antonio. Sistema de derecho civil. v. II. Madrid: Editorial Tecnos.
1978. p. 166. Em tradução livre: “Em princípio, o normal é que a imputabilidade e a responsabilidade pela
infração ao direito de crédito sejam examinadas em relação ao devedor. No entanto, também é possível que o
impedimento ou obstáculo à prestação ou à plena satisfação seja imputado ao credor ou mesmo a um terceiro
estranho à obrigação ou, por fim, que não possa ser atribuído a ninguém, por decorrer de um caso fortuito,
inevitável e imprevisível.”
66
cumprimento. Quando não-imputável, teremos uma hipótese de impossibilidade
e o efeito será extintivo da relação obrigacional.197
197
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 147. No
mesmo sentido, Almeida Costa assevera que “[...] as várias causas do não cumprimento produzem diferentes
consequências jurídicas: enquanto que umas determinam a pura extinção do vínculo obrigacional, outras
constituem o devedor em responsabilidade indemnizatória e conduzem à realização coactiva da prestação; e
outras, ainda, deixam basicamente inalterado o vínculo obrigacional, sem agravarem a responsabilidade do
devedor, podendo até verificar-se um direito de indemnização deste contra o credor. Daí porque a nossa lei
discipline, em separado, a impossibilidade do cumprimento e mora não imputáveis ao devedor (arts. 790 a
797), a falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor (arts. 798 a 812), e a mora do credor (arts. 813 a
816)”. ALMEIDA COSTA, Mário Júlio de. Noções de direito civil. Coimbra: Livraria Almedina. p. 220-221.
198
“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se
expressamente não se houver por eles responsabilizado.”
199
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. II. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p.
323.
200
Conforme observa Pontes de Miranda, “o ônus da prova da não-imputabilidade toca ao devedor”.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. tomo XXIII. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais. p. 256.
201
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 83-84.
67
advogado) – que será doravante denominado inadimplemento em sentido estrito – é o
inadimplemento da prestação devida, enquanto devida a prestação.
202
Fernando Noronha afirma que “nexo de imputação é o fundamento, ou a razão de ser da atribuição da
responsabilidade a uma determinada pessoa, pelos danos ocasionados ao patrimônio ou à pessoa de outra, em
consequência de um determinado fato antijurídico. É o elemento que aponta o responsável, estabelecendo a
ligação do fato danoso com este”. NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. v. I. São Paulo: Saraiva.
2013. p. 495-496.
203
DIEZ-PICAZO, Luis; GULLON, Antonio. Sistema de derecho civil. v. II. Editorial Tecnos. p. 156.
204
A questão de se o adimplemento pressupõe a culpa de uma das partes contratantes é tema bastante
discutido na doutrina. Os doutrinadores costumam apontar o inadimplemento como acontecimento imputável
ao devedor. Todavia, a doutrina discute se esta imputabilidade será sempre culposa ou não. O entendimento
que parece predominar é o de que a culpa é pressuposto do inadimplemento. A esse respeito, confiram-se os
ensinamentos de Judith Martins-Costa: “A doutrina (e não só a brasileira) está separada em dois grupos no
que diz respeito à questão acima arguida. No primeiro, estão juristas de porte de Clóvis do Couto e Silva,
Ruy Rosado de Aguiar Jr., Agostinho Alvim, Sílvio Rodrigues, Serpa Lopes e Clóvis Beviláqua para quem a
imputabilidade é sempre culposa. No outro grupo estão juristas de não menor porte, como Pontes de
Miranda, Araken de Assis, Mário Júlio de Almeida Costa, que discernem entre imputabilidade e culpa.”
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 84-85.
205
É essa a posição de Orlando Gomes a respeito da questão:
“O inadimplemento da obrigação por fato imputável ao devedor deve ser apreciado à luz da teoria da culpa
contratual.
Consiste a culpa na infração de dever jurídico oriundo de contrato, praticada intencional ou negligentemente.
Não deve ser confundida com a culpa aquiliana, na qual se funda a responsabilidade delictual. A culpa a ser
68
inadimplemento sempre decorreria da violação de um dever contratual ou legal
correspondente a uma conduta faltosa de uma das partes contratantes.
Conforme este artigo, somente poderá haver mora quando houver fato ou
omissão imputável ao devedor. Cuida-se aí da mora debitoris. Esse artigo
expressa uma regra geral da qual se pode tirar consequência semelhante à da
alínea II do §275 do BGB. Se somente existe mora com fato imputável ao
devedor, não se pode chegar a uma solução jurídica na qual se manifesta uma
forma de mora sem culpa.206
4. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais. 2004. p. 118. MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo
Código Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 85 et seq.; e SAVI, Sérgio. Inadimplemento das Obrigações,
Mora e Perdas e Danos. In: TEPEDINO, Gustavo. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional.
Rio de Janeiro: Renovar. 2005. p. 465 et seq.
209
HEDEMANN, J.W. Derecho de obligaciones. v. III. Trad. de Jaime Santos Briz. Madrid: Editorial
Revista de Derecho Privado. 1958. p. 159. Em tradução livre: “este conceito de culpa é ultrapassado,
impondo ao devedor a responsabilidade excepcional por simples ‘caso fortuito’ (cfr. supra § 13 IV final) ou
imputando-lhe a culpa dos auxiliares (v. IV abaixo ). Para incluir todos estes casos, o legislador formulou o
conceito de responsabilidade obrigatória (‘Vertretenmüssen’).” No mesmo sentido: LARENZ, Karl. Derecho
de obligaciones. tomo I. Trad. de Jaime Santos Briz, Madrid: Editora Revista de Derecho Privado. 1958. p.
283.
210
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. tomo XXIII. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais. p. 253-254.
211
ALMEIDA COSTA, Mário Júlio. Direito das obrigações. 9. ed. Coimbra: Almedina. 2001. p. 969.
212
ALMEIDA COSTA, Mário Júlio. Direito das obrigações. 9. ed. Coimbra: Almedina. 2001. p. 971-972.
70
Mais recentemente, Araken de Assis, com apoio em Pontes de Miranda e em
rica bibliografia italiana, critica a doutrina majoritária para afirmar que, ao inadimplemento
relativo (mora), “basta, assim, a atribuição do ato omissivo ou comissivo ao devedor, dele
resultando antagonismo com a conduta devida, e atendendo-se a que pode ocorrer mora
sem culpa”. No entanto, apesar do autor sustentar que o inadimplemento não decorre
sempre e necessariamente de culpa, ele afirma que “em regra, e a essa realidade não se
pode fechar os olhos, a conduta do obrigado se revela mesmo culpável, restringindo-se a
alguns casos raros e isolados, a singela imputabilidade”213.
213
ASSIS, Araken de. Resolução do contrato por inadimplemento. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.
2004. p. 101. Com orientação semelhante, Jorge Cesa Ferreira da Silva afirma que, diante da objetivação da
noção de culpa, “a discussão travada acerca da necessidade de culpa para a mora do devedor, levada a rigor
extremo, esteriliza-se, passando a refletir, em certa medida, apenas um rebuscado jogo de palavras”. SILVA,
Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar. 2002. p. 154.
214
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados
em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco
para os direitos de outrem.”
215
De fato, são cada vez mais frequentes no direito brasileiro as hipóteses de responsabilidade objetiva.
Exemplificativamente: a responsabilidade das estradas de ferro (Decreto 2.681/1912, artigo 26); a
responsabilidade do empresário pelos danos causados aos produtos postos em circulação (Código Civil,
artigo 931); a responsabilidade pelo fato de coisa (Código Civil, artigo 938); os casos de responsabilidade
pelo fato de outrem enumerados no artigo 932, incisos I a V, do Código Civil; a responsabilidade por
acidentes de trabalho (Constituição Federal, artigo 7, inciso XXVIII, Lei nº 8.213/91 e Decreto 2.172/97); a
responsabilidade civil do Estado (Constituição Federal, artigo 37, parágrafo 6º); a responsabilidade por danos
ao meio ambiente (Lei nº 6.938/81, artigo 14, parágrafo 1º); a responsabilidade por danos nucleares
(Constituição Federal, artigo 21, inciso XXIII); e a responsabilidade do fornecedor nas relações de consumo
(Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90).
216
Em estudo abrangente sobre a questão, Giselda Hironaka destaca que “não resta dúvida, mesmo, de que há
uma extraordinária urgência em se construir, na ambiência do direito positivo da responsabilidade civil, uma
regra que seja suficientemente geral e abrangente, capaz de recepcionar as hipóteses já conhecidas de danos
injustos que devam ser reparados ou indenizados, assim como que seja capaz de recepcionar, também, as
hipóteses de outras ocorrências danosas, relacionadas a um porvir prejudicial. Porque, afinal de contas, trata-
se de evitar o dano injusto, entendendo-se que um dano civil pode ser injusto tanto por haver sido
71
Com efeito, diante da diversidade de hipóteses de responsabilidade contratual
objetiva previstas no ordenamento jurídico brasileiro (principalmente após o Código Civil
de 2002 estabelecer expressamente uma cláusula geral de responsabilidade objetiva), é
impossível restringir o inadimplemento contratual à noção de culpa. Embora em muitos
casos a culpa ainda seja o pressuposto do inadimplemento, ela não é o único. O
inadimplemento pode também decorrer de um nexo de imputação, decorrente de lei ou de
contrato, que prevê uma responsabilidade objetiva das partes contratantes.
injustamente causado como pelo fato de ser injusto que o suporte quem o sofreu. Assim, construída, a regra
idealizada portaria o atributo equivalente a um fundamento geral da responsabilidade civil contemporânea, de
sorte a se instalar não apenas além da concepção de culpa, mas também da própria concepção de risco, tal
como consagrada até agora, na doutrina nacional e alienígena. Instalar-se-ia – uma tal regra – como princípio
fundante de caráter geral da responsabilidade civil, independentemente de culpa de quem quer que seja, cuja
auto-sustentabilidade se daria apenas pela efetiva produção de um dano injusto, em desfavor da vítima,
ancorando-se para além da pontuação legal casuística de responsabilização objetiva e revelando, como causa
final almejada, a concretização dos paradigmas do injusto e do equânime”. HIRONAKA, Giselda Mari
Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 353-354.
217
GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Responsabilidade civil pelo risco da atividade: uma cláusula geral no
Código Civil de 2002. 2. ed. São Paulo: Saraiva. 2010. p. 43.
218
Para um estudo aprofundado do tema, recomenda-se a leitura do capítulo 5 do livro: GODOY, Claudio
Luiz Bueno de. Responsabilidade civil pelo risco da atividade: uma cláusula geral no Código Civil de 2002.
2. ed. São Paulo: Saraiva. 2010.
72
de transporte de pessoas, pelo qual o transportador se obriga a levar uma pessoa e a sua
bagagem até o seu destino, com total segurança, mantendo incólumes os seus aspectos
físicos e patrimoniais. A obrigação assumida pelo transportador é sempre de resultado,
diante dessa cláusula de incolumidade, o que fundamenta a sua responsabilização
independentemente de culpa219. Essa responsabilidade objetiva é evidenciada pelo art. 734
do Código Civil220, que estabelece que o transportador somente não responde nos casos de
força maior.
219
Carlos Roberto Gonçalves afirma que “o contrato de transporte gera, para o transportador, obrigação de
resultado, qual seja, a de transportar o passageiro são e salvo, e a mercadoria, sem avarias, ao seu destino. A
não obtenção desse resultado importa o inadimplemento das obrigações assumidas e a responsabilidade pelo
dano ocasionado. Não se eximirá da responsabilidade provando apenas ausência de culpa. Incumbe-lhe o
ônus de demonstrar que o evento danoso se verificou por culpa exclusiva da vítima, força maior ou ainda por
fato exclusivo de terceiro. Denomina-se cláusula de incolumidade a obrigação tacitamente assumida pelo
transportador de conduzir o passageiro incólume ao local do destino”. GONÇALVES, Carlos Roberto.
Direito civil brasileiro. v. 3: Contratos e atos unilaterais. 9. ed. São Paulo: Saraiva. 2012. p. 480. Neste
sentido: “A responsabilidade do transportador é objetiva, nos termos do art. 750 do CC/2002, podendo ser
elidida tão somente pela ocorrência de força maior ou fortuito externo, isto é, estranho à organização da
atividade”. (STJ, AgRg no REsp 1285015, Rel. Min. Ministro Antonio Carlos Ferreira, j. 11/06/2013)
220
“Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo
motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade.”
221
“Art. 535. O consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço, se a restituição da coisa, em sua
integralidade, se tornar impossível, ainda que por fato a ele não atribuível.”
222
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 271-
272.
73
do serviço posto em circulação, superando a dicotomia existente entre a origem contratual
ou aquiliana da obrigação de indenizar”223.
223
GODOY, Claudio Luiz Bueno de. Vícios do produto e do serviço. In: LOTUFO, Renan; MARTINS,
Fernando Rodrigues (Coord.). 20 anos do Código de Defesa do Consumidor: conquistas, desafios e
perspectivas. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 37.
224
Neste sentido: “Tratando-se de consumidor direto ou por equiparação, a responsabilidade da instituição
financeira por fraudes praticadas por terceiros, das quais resultam danos aos consumidores, é objetiva e
somente pode ser afastada pelas excludentes previstas no CDC, como por exemplo, culpa exclusiva da vítima
ou de terceiro” (REsp. 1.1199.782, jul. sob o rito do artigo 543-C, rel. Min. Luis Felipe Salomão, SEGUNDA
SEÇÃO, julgado em 24/08/2011, DJe 12/09/2011).
225
Neste sentido: “a operadora do plano de saúde, na condição de fornecedora de serviço, responde perante o
consumidor pelos defeitos em sua prestação, seja quando os fornece por meio de hospital próprio e médicos
contratados ou por meio de médicos e hospitais credenciados, nos termos dos arts. 2º, 3º, 14 e 34 do Código
de Defesa do Consumidor, art. 1.521, III, do Código Civil de 1916 e art. 932, III, do Código Civil de 2002.
Essa responsabilidade é objetiva e solidária em relação ao consumidor, mas, na relação interna, respondem o
hospital, o médico e a operadora do plano de saúde nos limites da sua culpa” (REsp 866371, Rel. Ministro
Raul Araújo, j. 27/03/2012).
226
Anderson Schreiber afirma que “a cláusula geral de responsabilidade objetiva por atividades de risco
demonstra a importância que a noção de risco apresenta para esta espécie de responsabilidade. De fato, foi
sobretudo com base na idéia de que uma pessoa deve responder pelos riscos derivados de sua atividade
(culposa ou não) que a responsabilidade objetiva logrou atrair adeptos em todos os ordenamentos, encerrando
o império exclusivo da culpa, no que já foi definido como uma ‘tripla liberação’”. SCHREIBER, Anderson.
Novos paradigmas da responsabilidade civil. São Paulo: Atlas. 2007. p. 27.
74
responsabilidade. Responsabilizar é imputar, não é necessariamente inculpar”. 227 Daí
concluir-se que a culpa não é elemento essencial e indispensável do inadimplemento, mas
sim a imputabilidade228.
227
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 87-88.
228
Nesse sentido: LÔBO, Paulo. Direito civil: obrigações. 3. ed. São Paulo: Saraiva. 2013. p. 240.
229
HEDEMANN, J.W. Derecho de obligaciones. v. III. Trad. de Jaime Santos Briz. Editorial Revista de
Derecho Privado: Madrid, 1958. p. 159. Em tradução livre: “na doutrina da mora não se diz, por exemplo: ‘a
mora não é imputável ao devedor se ele não teve culpa na omissão da prestação’, mas ‘O devedor não está
em mora se a prestação não tiver sido cumprida em virtude de uma circunstância pela qual ele não responde’
(§285). Com essa forma de se expressar, se incluem ao mesmo tempo os pressupostos de fato em que se
exige ao devedor, mesmo que sem culpa, uma responsabilidade”.
230
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 88. No
mesmo sentido: “diz-se imputável o inadimplemento cujas consequências podem ser atribuídas ao devedor.
Pode ser que essa imputabilidade (i) decorra de ter ele agido com culpa em sentido amplo (negligência,
imprudência ou imperícia), caso em que o inadimplemento é imputável por ter sido culposo – também
chamado de inadimplemento subjetivamente imputável -, (ii) ou decorra de uma imposição da norma jurídica,
caso em que o inadimplemento é imputável não obstante a ausência de culpa do devedor – também
conhecido como inadimplemento objetivamente imputável; exemplo desse último é o que se dá nas hipóteses
em que a inexecução decorre de fato alheio e não imputável ao devedor, como o caso fortuito ou a força
maior, mas, ao tempo do evento alheio à sua vontade, já estava em mora (art. 399, CC), ou se o sujeito
expressamente se responsabilizou por arcar com as consequências do caso fortuito ou da força maior (art.
393, CC).” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA,
Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil 5. 6. ed. Salvador. Editora JusPodivm. 2014. p. 92)
75
A nosso ver, a sistematização proposta por Judith Martins-Costa tem a grande
vantagem de, ao invés de utilizar um critério regra/exceção (em que a culpa seria a regra e
o risco, a garantia, a segurança, etc. seriam as exceções), propor um critério único de
atribuição de responsabilidade contratual, qual seja, o nexo de imputação, que possui duas
espécies: a imputação subjetiva e a imputação objetiva.
231
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. atual. Rio de Janeiro:
Editora Jurídica e Universitária Ltda. 1949. p. 45.
76
Há inadimplemento absoluto quando a prestação devida, após o surgimento da
obrigação, não puder mais ser realizada ou, podendo sê-lo, não mais interessa ao credor232.
A prestação é, portanto, irrecuperável.233 Duas são as circunstâncias que conduzem ao
inadimplemento absoluto: a prestação que se tornou, objetivamente, impossível; ou a
prestação que, embora possível, não é mais capaz de realizar os interesses objetivos do
credor234.
232
Nesse sentido, Judith Martins-Costa: “O incumprimento definitivo significa que a prestação, que não foi
prestada como devida não poderá mais sê-lo. Embora a doutrina costume subsumir todas as hipóteses em que
a prestação não mais poderá ser cumprida na mesma etiqueta – ‘incumprimento definitivo’ – a verdade é que
podemos divisar diferentes causas para essa definitividade da não prestação: ou a impossibilidade, ou a perda
do interesse do credor, por inútil, então, a prestação.” MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo
Código Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 148. Confiram-se também as lições de Almeida Costa: “A
primeira hipótese – também designada por inadimplemento propriamente dito ou impossibilidade definitiva –
ocorre quando a prestação, que ficou por cumprir na altura própria, não pode mais ser efectuada, tendo-se
tornado impossível. Exemplificamos: A obriga-se para com B a entregar-lhe o objecto X, que perece; C não
cumpre a obrigação que assumira de fornecer a D um banquete no dia Y, em que se celebrou o casamento da
filha deste. Tanto num caso como no outro a obrigação não foi cumprida nem poderá vir a sê-lo. No segundo
exemplo, a impossibilidade do cumprimento resulta de ter desaparecido o interesse do credor.” ALMEIDA
COSTA, Mário Júlio de. Noções de direito civil. Coimbra: Livraria Almedina. 1980. p. 219. James Eduardo
de Oliveira afirma que “o inadimplemento absoluto representa um gole fatal que rompe de forma
incontornável a relação contratual”. OLIVEIRA, James Eduardo de. Inadimplemento relativo e
inadimplemento absoluto. In: ANDRIGHI, Fátima Nancy (Coord.). Responsabilidade civil e inadimplemento
no direito brasileiro. São Paulo: Atlas. 2014. p. 179.
233
A expressão é de ASSIS, Araken de. Resolução do contrato por inadimplemento. 4. ed. rev. e atual. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2004. p. 102.
234
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução). 2.
ed. Rio de Janeiro: Aide. 1991. p. 94-95.
235
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais. 2007. p. 36.
77
A doutrina adota um conceito jurídico – e não lógico – de impossibilidade236,
segundo o qual “o dever de prestar não pode ser exigido além de um limite razoável”237 e
se admite como impossível a prestação cujo cumprimento exija do devedor esforço
extraordinário e injustificável.
236
No que tange aos sentidos da palavra impossibilidade, J. W. Hedeman assevera que “Dos teorías se
muestran como contrapuestas, de las cuales la segunda ha adquirido con el tempo un predominio absoluto.
La primera arranca del concepto lógico (físico) de la ‘imposibilidad’; por lo tanto, no habla de imposibilidad
en tanto alguien pueda cumplir la prestación de cualquier modo que sea, incluso con las mayores dificultades
y desproporcionados sacrificios. La otra teoría opone a este concepto lógico de la imposibilidad un ‘concepto
jurídico’ de la misma, que es más flexible, y conduce a la interpretación del contrato oponiendo a la
valoración lógica la razón práctica. Ello lleva a equiparar la ‘imposibilidad’ y la no exigibilidad de otra
conducta. También se ha dicho que no puede ser exigido al deudor un esfuerzo ‘superior al correspondiente a
la obligación’”. HEDEMANN, J.W. Derecho de obligaciones. Vol. III. Trad. de Jaime Santos Briz. Editorial
Revista de Derecho Privado: Madrid, 1958. p. 168. Em tradução livre: “Duas teorias são apresentadas como
concorrentes, das quais a última prevaleceu. A primeira deriva do conceito lógico (físico) da impossibilidade;
portanto, não fala em impossibilidade se alguém conseguir cumprir a obrigação de alguma forma, mesmo
com as maiores dificuldades e sacrifícios desproporcionais. A outra teoria se opõe a esse conceito lógico de
impossibilidade, com um "conceito legal " de impossibilidade, que é mais flexível, e leva à interpretação do
contrato opondo a avaliação lógica a uma razão prática. Isto leva a equiparar a impossibilidade à
inexigibilidade de comportamento. Também foi dito que não se pode exigir do devedor um esforço ‘acima do
valor da obrigação’.”
237
GOMES, Orlando. Obrigações. Revista, atualizada e aumentada, de acordo com o Código Civil de 2002,
por Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p. 172.
238
HEDEMANN, J.W. Derecho de obligaciones. v. III. Trad. de Jaime Santos Briz. Madrid: Editorial
Revista de Derecho Privado. 1958. p. 168-169.
239
GOMES, Orlando. Obrigações. Revista, atualizada e aumentada, de acordo com o Código Civil de 2002,
por Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p. 173-174.
78
impossibilidade originária, conforme disposto no artigo 123, inciso I, do Código Civil240,
atinge a própria validade do negócio jurídico, que será considerado nulo.
240
“Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados:
I - as condições física ou juridicamente impossíveis, quando suspensivas;”
241
“Art. 106. A impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for relativa, ou se cessar
antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado.”
242
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução). 2.
Ed. Rio de Janeiro: Aide. 1991. p. 97.
243
Sobre essa questão, Luis Diez-Picazo e Antonio Gullon comentam que “se admite por la doctrina y
jurisprudencia (Ss. de 5 de enero de 1935 y 6 de julio de 1945) que el retraso en el cumplimiento equivale a
incumplimiento definitivo cuando ya no puede satisfacer el interés del acreedor; la prestación deja de serle
útil. Especial relevancia tiene esta doctrina en los negocios con término esencial o a fecha fija, aunque su
virtualidad no queda encerrada en ellos”. DIEZ-PICAZO, Luis e GULLON, Antonio. Sistema de Derecho
Civil. Volume II. Madrid: Editorial Tecnos. 1978. p. 162-163). Em tradução livre: “a doutrina e
jurisprudência (Ss de 05 de janeiro de 1935 e 6 de Julho de 1945) entendem que o atraso no cumprimento
equivale ao inadimplemento definitivo quando já não pode mais satisfazer o interesse do credor; porque a
prestação lhe é inútil. Especial relevância tem esta doutrina em contratos com termo essencial ou data fixa,
ainda que a sua aplicação não esteja limitada a eles,”
244
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais. 2007. p. 41.
79
após o termo fixado no contrato ainda seria possível, todavia, por motivos óbvios, a parte
contratante não tem interesse em receber a prestação tardiamente.
245
TELLES, Inocêncio Galvão. Direito das obrigações. 4. ed. Lisboa: Coimbra Ed. 1982. p. 235.
246
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução). 2.
ed. Rio de Janeiro: Aide. 1991. p. 130.
80
provocando o desaparecimento do interesse do credor247. A inutilidade deverá ser avaliada,
portanto, “em face do tempo, do lugar e da forma do pagamento. Assim, o juiz deverá
examinar se a prestação se tornou inútil ao credor, por ter sido feita com atraso, ou por não
se ter realizada no lugar ou forma convencionados”248.
247
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução). 2.
ed. Rio de Janeiro: Aide. 1991. p. 132.
248
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. atual. Rio de Janeiro:
Editora Jurídica e Universitária Ltda. 1949. p. 54.
249
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. atual. Rio de Janeiro:
Editora Jurídica e Universitária Ltda. 1949. p. 54.
250
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. atual. Rio de Janeiro:
Editora Jurídica e Universitária Ltda. 1949. p. 54.
251
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. atual. Rio de Janeiro:
Editora Jurídica e Universitária Ltda. 1949. p. 57.
252
A esse respeito, Agostinho Alvim pondera que: “Para traduzir o conceito de inutilidade da prestação,
devemos ponderar, primeiramente, que tal inutilidade deve ser estudada em seu aspecto relativo, e não,
absoluto.
Se, em virtude de atraso culposo, a prestação se torna impossível por se ter tornado imprestável a coisa objeto
da mesma, haverá inutilidade para o credor e para quem quer que seja. Mas isto não é imprescindível.
O de que a lei cogita, em matéria de mora, não é da inutilidade objetiva da prestação, inutilidade para
qualquer pessoa, que se confunde com o perecimento do objeto; nem do defeito ou deterioração que tenha
sobrevindo à coisa, o que autoriza a enjeitá-la, com fundamento no art. 866 do Código.
Cogita-se, no art. 956, parágrafo único, da inutilidade subjetiva, inutilidade para o credor. [...]
81
daquele negócio jurídico, bem como os limites impostos pelo princípio da boa-fé objetiva.
Devem ser afastadas avaliações discricionárias acerca da permanência ou não de interesse
do credor, impedindo que o credor seja movido por mero capricho. A utilidade ou
inutilidade da prestação deverá ser apreciada pelo juiz à luz do interesse típico e concreto
perseguido pelo credor na relação obrigacional253, verificando-se a possibilidade de
consecução do resultado útil perseguido pelo credor no início da relação obrigacional.
O arbítrio do juiz entende-se com o exame da inutilidade em face do credor, sendo este, pois, um conceito
relativo.” ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. atual. Rio de
Janeiro: Editora Jurídica e Universitária Ltda. 1949. p. 55-56. Com a devida vênia, entendemos que o
posicionamento de Agostinho Alvim deve ser lido com cautela. De fato, a utilidade da prestação deve ser
apreciada levando em consideração o interesse de um credor concreto, e não de um credor abstrato. Nesse
sentido, pode-se dizer que a análise deve ser feita em seu aspecto relativo (interesse do credor concreto), e
não absoluto (interesse de credor abstrato). No entanto, destacamos que a apreciação da utilidade da
prestação deve ser realizada tendo em vista o interesse típico e concreto perseguido pelo credor da relação
obrigacional, e não o mero interesse subjetivo do credor. Daí porque entendemos que o exame da utilidade
deve ser feito de maneira relativa (em relação à figura do credor) e objetiva (em relação ao interesse
perseguido na relação obrigacional).
253
TEPEDINO, Gustavo. BARBOZA, Heloisa Helena. MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil
interpretado conforme a Constituição da República. v. I. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar. 2007. p.
718.
254
ALMEIDA COSTA, Mário Júlio. Direito das obrigações. 9. ed. Coimbra: Almedina. 2001. p. 984.
255
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 254.
82
para a detecção do inadimplemento relativo ou do inadimplemento absoluto em face da
inobservância da grade obrigacional acertada pelos contratantes”256. A função restritiva da
boa-fé veda que um dos contratantes, à vista de qualquer desvio obrigacional do outro,
tenha por inútil a prestação momentaneamente descumprida.
É nesse sentido que deve ser interpretado o Enunciado 162, aprovado na III
Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho de
Justiça Federal, segundo o qual “a inutilidade da prestação que autoriza a recusa da
prestação por parte do devedor deverá ser aferida objetivamente, consoante o princípio da
boa-fé e a manutenção do sinalagma, e não de acordo com o mero interesse subjetivo do
credor”257.
256
OLIVEIRA, James Eduardo de. Inadimplemento relativo e inadimplemento absoluto. In: ANDRIGHI,
Fátima Nancy (Coord.). Responsabilidade civil e inadimplemento no direito brasileiro. São Paulo: Atlas.
2014. p. 19.
257
No mesmo sentido Almeida Costa disserta que: “Pode verificar-se que o atraso no cumprimento tenha
feito desaparecer o interesse do credor na prestação – apreciado este segundo critério objectivo –, ou que o
devedor não efectue a prestação dentro do prazo que razoavelmente for fixado por credor. Em ambas as
hipóteses, a obrigação considerar-se-á, para todos os efeitos, como não cumprida.” ALMEIDA COSTA,
Mário Júlio de. Noções de direito civil. Coimbra: Livraria Almedina. 1980. p. 225. Gabriel Rocha Furtado
também comenta que “[...] deve-se atentar para o interesse em concreto de determinado credor em específica
relação contratual. Todavia, a aferição da utilidade da prestação há de ser feita com base em critérios
objetivos, visualizando-se todo o programa contratual de fora, e não apenas a partir da individual
subjetividade do credor – o que poderia ensejar arbitrariedades e chancelar simples caprichos –, sob pena de
se sufragar e recair em vetusta orientação voluntarista. Indaga-se, em síntese, do interesse concreto do credor,
objetivamente inserido na função contratual”. FURTADO, Gabriel Rocha. Mora e inadimplemento
substancial. São Paulo: Atlas. 2014. p. 31.
258
MARTINEZ, Pedro Romano. Da cessação do contrato. 2. ed. Coimbra: Almedina. 2006. p. 146-147.
83
prazo fatal para o cumprimento da obrigação, ou seja, a previsão de que o não
cumprimento em certo tempo, modo ou lugar, implica a inutilidade da prestação, com a
regra dies interpellat pro homine, adotada pelo Código Civil259. Se o devedor não cumpre a
obrigação no termo, incide em mora, exceto se o credor demonstrar que a prestação se
tornou inútil. No entanto, se houver convenção expressa de que a prestação se reputa inútil
se não for efetuada no tempo, modo ou local pactuados, haverá inadimplemento absoluto e
não será possível purgar a mora260.
259
“Art. 397. O inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em
mora o devedor.”
260
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. atual. Rio de Janeiro:
Editora Jurídica e Universitária Ltda. 1949. p. 58.
261
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 102.
262
O exemplo é de SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV.
2006. p. 41.
84
devedor a assim pagar, se tal não se ajustou, razão pela qual o inadimplemento parcial
conduz, em regra, à resolução do todo263.
263
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 149.
Em sentido contrário, Ruy Rosado Aguiar Júnior afirma que: “A impossibilidade pode ser total, quando
atingir toda a obrigação principal, ou meramente parcial. Afetando apenas parte da obrigação principal, diz-
se que há impossibilidade parcial (o caminhão de transporte perdeu parte da carga). Aplica-se a regra do art.
866 do Código Civil, criada para caso análogo da deterioração: o credor pode aceitar a prestação, com o
correspondente abatimento do preço, ou enjeitá-la, optando por resolver o contrato. Para admitir a resolução,
deverá o juiz verificar se houve a impossibilidade total, se a prestação parcial efetivamente já não atende ao
interesse do credor, ou se a prestação possível não significa o cumprimento substancial da obrigação (a falta
de um volume, na coleção rara de 10 livros, pode destruir o seu valor; já a falta de um exemplar, em partida
de 10 exemplares iguais, significa que o devedor cumpriu substancialmente sua prestação, não cabendo
resolver.” AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2. ed.
Rio de Janeiro: AIDE. 1991. p.100-101.
85
estabelece que “o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe
seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido” (artigo 804,
n. 2)264.
264
A respeito do conceito de mora no direito português, Almeida Costa afirma que “cabe distinguir entre o
não cumprimento definitivo e o simples retardamento na prestação – a que se dá o nome de mora. Neste caso
a prestação ainda poderá ser cumprida; embora já não pontualmente. Por exemplo: se A deve a B uma
determinada quantia em dinheiro e não a satisfaz no prazo convencionado, o pagamento será todavia possível
depois dessa data, visto que o credor continua a ter interesse em recebê-lo”. ALMEIDA COSTA, Mário Júlio
de. Noções de direito civil. Coimbra: Livraria Almedina. 1980. p. 219-220. Sobre o conceito de mora no
direito espanhol, Luis Diez-Picazo e Antonio Gullon afirmam que “según el artículo 1.100 del Código civil,
‘incurren en mora los obligados a dar o hacer alguna cosa desde que el acreedor les exija judicial o
extrajudicialmente el cumplimiento de la obligación’. Para tanto, hay que conectar la mora con la idea de
tiempo en que la prestación ha de cumplirse. Si llegado el mismo el deudor no cumple, no hay duda de que
infringe, por ese mero retardo, su deber jurídico, pero no surge la mora. Mora y retardo son conceptos que no
coinciden automáticamente, y por eso se ha dicho que la mora es un retardo cualificado”. DIEZ-PICAZO,
Luis; GULLON, Antonio. Sistema de derecho civil. v. II. Madrid: Editorial Tecnos. 1978. p. 155.
Em tradução livre: “nos termos do artigo 1.100 do Código Civil, ‘incorre em mora o obrigado a dar ou fazer
alguma coisa desde que o credor exija judicial ou extrajudicialmente o cumprimento da obrigação’. Para
tanto, é preciso relacionar a mora com a ideia do tempo em que a obrigação deve ser cumprida. Se ele for
atingido sem que o devedor adimpla, não há dúvida de que ele infringe, com esse atraso, o seu devedor
jurídico, mas não surge a mora. Mora e atraso são conceitos que não coincidem necessariamente, e por isso
se diz que a mora é um atraso qualificado.”
265
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. atual. Rio de Janeiro:
Editora Jurídica e Universitária Ltda. 1949. p. 18.
266
SAVI, Sérgio. Inadimplemento das Obrigações, Mora e Perdas e Danos. In: TEPEDINO, Gustavo
(Coord.). Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar. 2005. p. 467. No
mesmo sentido: TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de.
Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. v. I, 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:
Renovar. 2007. p. 709. Confira-se, a respeito, o posicionamento de Jorge Cesa Ferreira da Silva: “Todas as
principais legislações da família Romano-Germânica restringem a mora ao ‘atraso’ no prestar ou no receber a
prestação. No Brasil, incluindo ela além do tempo, o lugar e a forma da prestação – mesmo que esses fatores,
como se defendeu sejam apenas modo de realizar-se o ‘atraso’, este sim verdadeiro elemento central do
86
Em que pese essa respeitável posição doutrinária de que, mesmo a prestação em
forma ou local diverso implica sempre em retardo da prestação, parece-nos relevante a
opção do legislador brasileiro, que expressamente alargou o conceito de mora e enfatizou
que não é apenas o retardo que está no núcleo conceitual de mora.
Diz-se que há mora quando a obrigação não foi cumprida no tempo, lugar e
forma convencionados ou estabelecidos pela lei, mas ainda poderá sê-lo, com proveito para
o credor. Ainda interessa ao credor receber a prestação acrescida dos juros, atualização dos
valores monetários, cláusula penal, etc. (artigos 394 e 395 do Código Civil). No entanto, se
a prestação, por causa do retardamento ou do imperfeito cumprimento, se tornar inútil ao
credor, estará caracterizado o inadimplemento absoluto267.
conceito – a tendência interpretativa é concebê-la como a via residual do inadimplemento”. SILVA, Jorge
Cesa Ferreira da. A boa-fé e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar. 2002. p. 208-209.
267
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. v. 2: Teoria geral das obrigações. 8. ed. São
Paulo: Saraiva. 2011. p. 379. No mesmo sentido: MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código
Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 148.
268
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. atual. Rio de Janeiro:
Editora Jurídica e Universitária Ltda. 1949. p. 45.
87
existência de um fato capaz de afastar a sua imputabilidade, como, por exemplo, a
ocorrência de caso fortuito ou força maior.
269
A expressão é de ASSIS, Araken de. Resolução do contrato por inadimplemento, 4. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais. 2004. p. 110.
270
FURTADO, Gabriel Rocha. Mora e Inadimplemento Substancial. São Paulo: Atlas. 2014. p. 89.
271
O tema da mora do credor será tratado em item adiante.
272
Agostinho Alvim afirma que “o efeito principal da mora é tornar o devedor responsável pelos prejuízos
que dela se originarem”. ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed.
atual. Rio de Janeiro: Editora Jurídica e Universitária Ltda. 1949. p. 53.
88
contrário do que ocorre nas hipóteses de inadimplemento absoluto, não tem o condão de
substituir a prestação devida. Isso porque, se a prestação ainda for útil para o credor, ele
poderá exigir a execução da prestação, cumulada com a indenização pelos prejuízos
causados pela mora do devedor273.
273
SAVI, Sérgio. Inadimplemento das Obrigações, Mora e Perdas e Danos. In: TEPEDINO, Gustavo
(Coord.). Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar. 2005. p. 468.
274
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. tomo XXIII. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais. p. 261-262.
275
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. v. 2. 30. ed. São Paulo: Saraiva. 2002. p. 247.
89
se responsável pelo risco da deterioração ou perda da coisa devida, mesmo que esses factos
não lhe sejam imputáveis. É a chamada perpetuação da obrigação”276.
Para aqueles que consideram a culpa (em sentido amplo) um requisito essencial
da imputabilidade e, portanto, também, da mora, a exceção prevista nesta parte do
dispositivo seria inútil, supérflua. Para esta corrente doutrinária, dizer que o devedor
responde pela mora, salvo se provar ausência de culpa, equivale a dizer que ele responde
por mora, salvo se não houver mora278.
276
ALMEIDA COSTA, Mário Júlio de. Noções de direito civil. Coimbra: Livraria Almedina. 1980. p. 225.
277
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. vol. II. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2005. p. 311.
278
Nesse sentido pondera Agostinho Alvim: “A primeira dessas exceções é ociosa, e, mais do que isso, revela
defeito de técnica (ver supra nº 16).
Realmente, provada a ausência de culpa, deixa de haver mora, por falta do seu elemento subjetivo e
consoante disposto no art. 963.
Dizer que o devedor responde por mora, salvo se provar ausência de culpa, equivale a dizer que ele responde
pela mora, salvo se houver mora.” ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências.
3. ed. atual. Rio de Janeiro: Editora Jurídica e Universitária Ltda. 1949. p. 60.
90
De outro lado, para aqueles que não consideram a culpa um requisito essencial
da imputabilidade, e, consequentemente, da mora, e que admitem a divisão da
imputabilidade em subjetiva (com fundamento na culpa em sentido amplo) e objetiva, a
exceção prevista nesta frase do artigo 399 do Código Civil tem o seguinte significado:
mesmo que a prestação estiver atrasada o devedor poderá alegar a excludente de caso
fortuito e força maior se provar, e a ele caberá esse ônus, que a mora não lhe pode ser
imputável porque não foi gerada por sua culpa279.
Conforme exposto no item acima, nos filiamos à segunda corrente, razão pela
qual entendemos que a exceção prevista nesta frase do artigo 399 do Código Civil consiste
na prova produzida pelo devedor de que inexistiu culpa de sua parte no atraso da prestação.
Como a exceção visa a beneficiar o devedor, a demonstração da inexistência de culpa
passa a ser um ônus imposto ao devedor em mora280.
Por fim, vale mencionar que o artigo 401 do Código Civil estabelece os
requisitos para a purga (emenda) da mora pelo devedor, que é o procedimento espontâneo
do contratante moroso, pelo qual se prontifica a remediar a situação a que deu causa,
sujeitando-se aos efeitos dela decorrentes281. A mora pode ser purgada, desde que a
prestação continue sendo útil ao credor e que as partes não tenham previamente estipulado
que a ocorrência de mora implicaria na resolução imediata do negócio jurídico. Nos termos
do inciso I do artigo 401, do Código Civil, para que o devedor purgue a mora, deverá
oferecer a prestação no lugar e forma convencionados, acrescida de importância relativa a
todos os prejuízos sofridos pelo credor em função de sua mora282.
279
SAVI, Sérgio. Inadimplemento das Obrigações, Mora e Perdas e Danos. In: TEPEDINO, Gustavo
(Coord.). Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar. 2005. p. 471.
280
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 299.
281
SAVI, Sérgio. Inadimplemento das Obrigações, Mora e Perdas e Danos. In: TEPEDINO, Gustavo
(Coord.). Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 474-475.
282
A esse respeito, Almeida Costa leciona que: “[...] a extinção da mora debitória recebe o nome de purgação
ou emenda da mora. Verifica-se, em regra, pela satisfação do credor, mediante o cumprimento da prestação
devida e de tudo o mais a que ele tenha direito em consequência do cumprimento tardio. O devedor deixará
também de estar constituído em mora quando o credor renuncie aos efeitos desta. E ocorre mesmo uma
inversão da mora – todavia, sem prejuízo das consequências já produzidas -, a partir do momento em que o
credor recuse, ilegitimamente, a oferta da prestação debitória, acrescida do resto que lhe seja devido em razão
do atraso no cumprimento.” ALMEIDA COSTA, Mário Júlio de. Noções de direito civil. Coimbra: Livraria
Almedina. 1980. p. 225-226.
91
Expostas as principais características e efeitos do inadimplemento absoluto e
relativo, passar-se-á ao exame do tema da “violação positiva do contrato”, essencial à
posterior análise do inadimplemento antecipado.
Hermann Staub verificou que em diversos casos o dano sofrido pelo credor não
resultaria de omissão ou atraso no cumprimento, mas de ação positiva, de vícios ou
deficiências da prestação, que não se realizou da forma pactuada pelas partes ou da forma
legitimamente esperada pelo credor. As hipóteses por ele elencadas acarretariam
inadimplemento em casos em que a prestação foi realizada, mas de maneira inexata
(cumprimento inexato). Para diferenciar esses casos dos anteriores, Hermann Staub decidiu
chamar essas hipóteses de violações positivas do contrato285.
283
De acordo com Marcos Jorge Catalan, a teoria da violação positiva do crédito tem ampla sinonímia, dentre
as quais: cumprimento defeituoso; adimplemento ruim; inexecução contratual positiva; violação positiva do
crédito; violação contratual positiva e lesión del deber. CATALAN, Marcos Jorge. Descumprimento
contratual. Curitiba: Juruá. 2005. p. 161.
284
STAUB, Hermann. Le violazioni positive del contrato. Trad. de Giovanni Varanese. Napoli: ESI. 2001.
285
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais. 2007. p. 43.
92
Il BGB non contiene, peraltro, un’analoga disposizione per le numerose ipotesi
in cui qualcuno viola un´obbligazione mediante condotta positiva, facendo
qualcosa che dovrebbe omettere, oppure eseguendo la prestazione dovuta, ma in
modo inesatto.286
286
STAUB, Hermann. Le violazioni positive del contrato. Tradução de Giovanni Varanese. Napoli: ESI.
2001. p. 39. Em tradução livre: “O BGB não contém, por outro lado, uma análoga disposição para as
numerosas hipóteses em que alguém viola uma obrigação mediante conduta positiva, fazendo alguma coisa
que deveria omitir, ou executando a prestação devida, mas de maneira inexata.”
287
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais. 2007. p. 43.
288
J. W. Hedemann também menciona os seguintes exemplos de violação positiva do contrato: “1. Un
fabricante entrega a un comerciante sus productos en exclusiva, es decir, con la promesa solemne de que no
entregará el mismo producto a ningún otro comerciante del mismo distrito (promesa de monopolio). Después
falta a su obligación y entrega el producto a un segundo comerciante, por tanto, a un competidor del primero,
y así con este acto positivo hizo lo que debió omitir. 2. A un huésped le son servidos alimentos echados a
perder (además de infracción contractual, en esto caso puede concurrir un ‘acto ilícito’). 3. Un empleado
revela secretos del negocio; quizá existía sobre ello prohibición en el contrato, pero también sin pacto
expreso, frecuentemente se deducirá la prohibición de comunicar dichos secretos del conjunto de la situación
contractual. Esta deslealtad implica también un acto positivo.” HEDEMANN, J.W. Derecho de
Obligaciones. v. III. Trad. de Jaime Santos Briz. Editorial Revista de Derecho Privado: Madrid, 1958. p. 185.
Em tradução livre: “1. Um fabricante oferece a um distribuidor um de seus produtos em caráter de
exclusividade, ou seja, com a promessa solene que não vai entregar o mesmo produto para qualquer outro
operador no mesmo território (promessa de monopólio). Depois descumpre a sua obrigação e entrega o
produto para um segundo comerciante, portanto, um concorrente do primeiro, e, assim, fez com este ato
positivo o que deveria ter se omitido de fazer. 2. A um hóspede são servidos alimentos com prazo de validade
vencido (além de inadimplemento contratual, neste caso, pode concorrer um ' delito'). 3. Um funcionário
revela segredos do negócio; talvez esta proibição exista no contrato, mas mesmo sem acordo expresso,
frequentemente se deduzirá a proibição de comunicar os segredos do conjunto do contrato. Esta deslealdade
também implica um ato positivo.”
93
passíveis de configuração de mora ou inadimplemento absoluto no direito alemão vigente à
época289.
289
Confiram-se as lições de J. W. Hedemann a esse respeito: “Las llamadas violaciones positivas del crédito.
– Se ha indicado que se trata en este caso de una construcción doctrinal. Sus características resultan de su
misma denominación: en los tres supuestos clásicos aceptados por la doctrina pandectista se trata de algo
negativo: el deudor omite lo que debía haber hecho (incumple totalmente, o no cumple puntualmente o lo
hace defectuosamente). En cambio, ahora se trata de una vulneración activa: el deudor hace algo que debía
ter omitido. Más ampliamente sobre ello § 22.
La necesidad de añadir esta cuarta categoría es consecuencia de que en B.G.B falte una fórmula general que
recoja la responsabilidad por contravenciones positivas del deudor.” HEDEMANN, J.W. Derecho de
obligaciones. v. III. Trad. de Jaime Santos Briz. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado. 1958. p. 157).
Em tradução livre: “As chamadas violações positivas de crédito. – Se afirmou que se trata de uma construção
doutrinária. Suas características resultam do seu nome: as três premissas clássicas aceitas pela doutrina
pandectista são algo negativo: o devedor omite o que eu deveria ter feito (descumprir completamente, ou não
cumprir pontualmente ou fazer de maneira defeituosa). Todavia, aqui se trata de uma violação ativa: o
devedor faz algo que deveria ter omitido. De forma mais ampla sobre isso o § 22.
A necessidade de adicionar esta quarta categoria é o resultado de que no BGB falta uma fórmula geral que
reconheça a responsabilidade por infrações positivas do devedor.”
290
CATALAN, Marcos Jorge. Reflexões sobre o inadimplemento inexato da obrigação no direito contratual.
In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (Coord.). Direito contratual. Temas
Atuais. São Paulo: Método. 2007. p. 343.
291
STAUB, Hermann. Le violazioni positive del contrato. Trad. de Giovanni Varanese. Napoli: ESI. 2001. p.
40.
94
além do dever de indenizar, todos os outros efeitos do inadimplemento, como a
possibilidade de recusar a prestação mal efetuada, bem como de resolver o contrato292.
Apesar das críticas, a teoria de Hermann Staub foi acolhida pela jurisprudência
alemã, sobretudo pela sua flexibilidade, que permitia usá-la de modo residual, abarcando
toda e qualquer circunstância de inadimplemento não contemplada pelos dispositivos
referentes aos conceitos de inadimplemento absoluto e mora do BGB294.
292
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar.
2007. p. 224-225.
293
HEDEMANN, J.W. Derecho de obligaciones. v. III. Trad. de Jaime Santos Briz. Madrid: Editorial Revista
de Derecho Privado. 1958. p. 186.
294
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais. 2007. p 41-42. Nesse mesmo sentido: HEDEMANN, J.W. Derecho de obligaciones. v. III. Trad.
de Jaime Santos Briz. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado. 1958. p. 184-185.
295
CORDEIRO, Menezes António. Tratado de direito civil português. v. II. Direito das obrigações. tomo I.
Coimbra: Almedina. 2009. p. 71.
296
Conforme se observa do § 280, I, do BGB: “if the debtor fails to comply with a duty arising under the
contract, the creditor is entitled to claim compensation for the loss caused by such breach of his duty. This
does not apply if the debtor is not responsible for the breach of duty”. Em tradução livre: “se o credor não
cumprir uma obrigação contratual, o credor terá direito de reivindicar indenização por perdas e danos
causadas por tal descumprimento. Isso não se aplica caso o devedor não seja responsável pelo
descumprimento da obrigação.” A tradução para o inglês do BGB pode ser acessada no site:
<http://www.gesetze-im-internet.de/englisch_bgb/>. Acesso em: 15 out. 2013.
95
obrigacional, seja de dever imposto por lei, seja de dever estabelecido pelas partes,
abrangendo, portanto, a figura da violação positiva do contrato297.
Antes da reforma do BGB, a violação positiva do contrato – que até então era
uma construção doutrinária e jurisprudencial – “constituía um tertium genus no universo
do incumprimento em sentido lato, ao lado da impossibilidade imputável ao devedor e da
pura e simples omissão da prestação devida”298. Todavia, com a reforma do BGB ocorrida
em 2001/2002, resolveu-se o problema da violação positiva do contrato ao se estabelecer
que o inadimplemento restará caracterizado com o descumprimento de qualquer dever
proveniente de uma relação obrigacional, inclusive deveres decorrentes da boa-fé objetiva.
297
Jorge Cesa Ferreira da Silva entende que a inclusão no BGB da referida cláusula geral de indenização não
retirou a utilidade da teoria da violação positiva do crédito, sob a justificativa de que “os problemas trazidos
pela doutrina não se extinguiram com a reforma, mas ao contrário, nela reafirmaram a sua importância, como
comprova a expressa previsão legal dos deveres laterais como decorrentes da relação obrigacional”. SILVA,
Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2007. p
48.
298
CORDEIRO, Menezes António. Tratado de direito civil português. v. II. Direito das obrigações. tomo I.
Coimbra: Almedina. 2009. p. 84.
299
CORDEIRO, Menezes António. Tratado de direito civil português. v. II. Direito das obrigações. tomo I.
Coimbra: Almedina. 2009. p. 85.
300
Almeida Costa afirma que a doutrina portuguesa reconheceu a figura da violação positiva do contrato: “Às
duas formas de não cumprimento a que já nos referimos – impossibilidade definitiva e mora – veio à doutrina
96
Silva, vários são os ordenamentos jurídicos ou doutrinadores estrangeiros que acolhem a
aplicação de uma terceira hipótese de inadimplemento, muitas vezes chamada de
adimplemento ruim ou cumprimento defeituoso. Segundo o referido autor, “assim como se
entendeu na Alemanha, a hipótese abrangeria todos os casos de inadimplemento não
agrupáveis entre as demais figuras”301.
moderna acrescentar a de cumprimento imperfeito. Incluem-se nesta modalidade várias hipóteses de ofensa
do direito do credor que não cabem nas outras; isto é, em que se verifica uma violação do crédito, apesar de o
devedor não se encontrar em mora, nem haver impossibilidade definitiva. Será o caso, por exemplo, de o
devedor efectuar uma prestação defeituosa. Assim: numa venda de gado, o vendedor entrega reses doentes
que vão contagiar os restantes animais que o comprador tem nos seus estábulos.” ALMEIDA COSTA, Mário
Júlio de. Noções de direito civil. Coimbra: Livraria Almedina. 1980. p. 220. Luis Diez-Picazo e Antonio
Gullon comentam que no direito espanhol “puede decirse que hay cumplimiento inexacto en el caso de que la
prestación efectuada no posea los requisitos subjetivos y objetivos que son idóneos para hacerla coincidir con
el objeto de la obligación, y para satisfacer el interés del acreedor”. DIEZ-PICAZO, Luis e GULLON,
Antonio. Sistema de derecho civil. v. II. Madrid: Editorial Tecnos. 1978. p. 164. Em tradução livre: “pode-se
dizer que há cumprimento inexato na situação em que a prestação entregue não possui os requisitos
subjetivos e objetivos que são necessários para fazê-la coincidir com o objeto da obrigação e para satisfazer o
interesse do credor.”
301
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais. 2007. p. 44.
302
Nesse sentido, Jorge Cesa Ferreira da Silva assevera que “[...] as diferenças entre os ordenamentos
brasileiro e alemão, faz com que o modelo conceitual da violação positiva do contrato não possa ser
simplesmente traduzido literalmente para o Brasil. Cumpre desvendar os espaços que poderiam ser por ele
ocupados e aqueles que já estariam suficientemente regulados, tendo por ponto de partida o conceito
alemão”. SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar.
2002. p 214-215.
303
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 110.
97
Elemento Objetivo da mora é o retardamento. Trata-se de conceito que se prende
à ideia de tempo. Mora pressupõe crédito vencido, certo e judicialmente exigível.
Entretanto, pretende-se que também ocorre quando o devedor não paga no lugar
devido ou pela forma convencionada. Essa extensão conceitual foi acolhida na
lei pátria. O legislador não merece aplauso pelo abandono do conceito
tradicional. O próprio nome atesta que se refere a retardamento. Mora é demora,
atraso, impontualidade, violação do dever de cumprir a obrigação no tempo
devido. Pelas infrações relativas ao lugar e à forma do pagamento também
responde o devedor, mas, tecnicamente, não configuram mora. Deve-se reservar
o vocábulo para designar unicamente o atraso, contrário ao direito na efetivação
do pagamento.304
304
GOMES, Orlando. Obrigações. 16. ed. rev., atual. e aum., de acordo com o Código Civil de 2002, por
Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p. 198.
305
GOMES, Orlando. Obrigações. 16. R ed. rev., atual. e aum., de acordo com o Código Civil de 2002, por
Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p. 205-206.
98
credor”306, afirmando categoricamente que “o legislador pátrio desrespeitou um conceito
criado ao longo de séculos ao ampliar a noção de mora, não lhe dando o adequado
tratamento científico, pois, aparentemente, o que se tem quando da ofensa dos critérios
lugar e modo, não será a simples mora (atraso), mas, lesão positiva do contrato”307.
306
CATALAN, Marcos Jorge. Descumprimento contratual. Curitiba: Juruá, 2005. p. 138.
307
CATALAN, Marcos Jorge. Descumprimento contratual. Curitiba: Juruá, 2005. p. 140-141.
308
Segue trecho que sistematiza o entendimento de Marcos Jorge Catalan sobre o tema: “É imperioso
distinguir o cumprimento inexato das figuras da mora, oriunda do não desempenho da prestação no momento
propicio para o pagamento e do inadimplemento, que implica a inviabilidade definitiva de cumprimento em
razão de sua impossibilidade superveniente, seja ela física ou jurídica, ou ainda, quando derivar da perda do
interesse do credor no desempenho da prestação. Desse modo, ter-se-á cumprimento inexato ou defeituoso
quando o desempenho da prestação não observar o princípio da pontualidade, o que pode se dar por três vias:
a) quando o objeto do pagamento, tenha este origem em um dar ou em um fazer, estiver viciado
qualitativamente; b) quando o devedor deixar de observar a dever lateral de conduta; e c) quando for
desrespeitado um dever acessório; em quaisquer dos casos, sendo imperiosa a presença de danos típicos, ou
seja, os que não seriam causados nas hipóteses de mora e inadimplemento.” CATALAN, Marcos Jorge.
Descumprimento contratual. Curitiba: Juruá. 2005. p. 161-163.
309
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 111.
310
Nesse sentido, Ubirajara Mach de Oliveira defende que: “No que tange ao direito brasileiro, ressalve-se
que as hipóteses de cumprimento imperfeito, inclusive por defeito qualitativo (violação quanto à forma e ao
modo da prestação), são absorvidas pelo conceito de mora. Logo, não tivemos a mesma dificuldade sentida
pela doutrina alemã, que necessitou derivar, na espécie, para a teoria da infração contratual positiva. O que a
nossa legislação não refere é a violação dos deveres laterais, embasados no princípio da boa-fé objetiva, e a
quebra antecipada do contrato.” OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. Quebra positiva do contrato. Revista de
Direito do Consumidor. v. 25. Jan. 1998. p. 41. Adotando o mesmo posicionamento: “Enquanto o
inadimplemento absoluto e a mora concernem a cumprimento do dever de prestação, a violação positiva do
99
Com efeito, Jorge Cesa Ferreira da Silva afirma que a teoria da violação
positiva do crédito deve ser aceita no direito brasileiro, mas com a necessária
“aclimatação”. Segundo o referido autor, o direito brasileiro se distingue do BGB e de
outros ordenamentos jurídicos do sistema romano-germânico ao prever (i) as regras gerais
de vícios redibitórios, aplicáveis a todos os contratos que se incluam nos requisitos nela
indicados, sejam eles típicos ou atípicos, bem como (ii) um conceito de mora que não se
limita ao mero atraso da prestação em si, mas abarca todas as situações que venham a
“atrasar a satisfação dos interesses do credor”311.
contrato aplica-se a uma série de situações práticas de inadimplemento que não se relacionam com a
obrigação principal – mais precisamente, o inadimplemento derivado da inobservância dos deveres laterais
ou anexos.” FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. 2011. p. 553.
311
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais. 2007. p 44.
312
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais. 2007. p. 44-45.
313
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar. 2002.
p. 266.
100
Essa também é a posição de Ruy Rosado Aguiar Júnior acerca da aplicação da
teoria da violação positiva do contrato no direito brasileiro:
314
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2. Ed. Rio de
Janeiro: AIDE. 1991. p.126.
315
Em comentário sobre o referido enunciado, Adisson Leal afirma que “com esta construção interpretativa,
não se cria nova situação de responsabilidade civil objetiva, ao arrepio da Lei ou da caracterização de
atividades de risco. Simplesmente realiza-se uma adequada interpretação do art. 422 e das consequências
jurídicas da violação de deveres anexos, ou seja, da violação positiva dos contratos. De fato, se a boa-fé
objetiva dispensa abordagens o campo anímico do sujeito, a culpa não será elemento essencial para a
caracterização do dever de indenizar por violações positivas do contrato”. LEAL, Adisson. Violação Positiva
dos Contratos. In: Responsabilidade civil e inadimplemento no direito brasileiro. ANDRIGHI, Fátima Nancy
Andrighi (Coord.). São Paulo: Atlas. 2014. p. 13.
316
LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. tomo I. Trad. de Jaime Santos Briz. Madrid: Editora Revista de
Derecho Privado. 1958. p. 22.
101
consideradas desproporcionais e abusivas, na esteira da doutrina do adimplemento
substancial, sendo cabível o pagamento de uma indenização317.
317
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais. 2007. p. 47. No mesmo sentido, Adisson Leal leciona que “sob o prisma da resolução do contrato,
também a gravidade da violação positiva deve receber especial atenção. Isto porque, pela primazia da
manutenção do vínculo contratual, apenas as violações que ponham em xeque o vínculo contratual como um
todo poderão legitimar a pretensão resolutória. De fato, poderá haver situações em que as prestações
contratuais tenham sido cumpridas à risca, mas algum aspecto do comportamento de um dos contratantes
revele uma violação da boa-fé. Neste caso, havendo adimplemento substancial, não haverá espaço para a
pretensão resolutória fundada na violação positiva do contrato. Sob o mesmo fundamento, a exceção do
contrato não cumprido encontra óbices na ideia de adimplemento substancial, pelo que não poderá ser
invocada pelo credor se o devedor adimpliu substancialmente as obrigações que lhe incumbiam”. LEAL,
Adisson. Violação Positiva dos Contratos. In: ANDRIGHI, Fátima Nancy Andrighi (Coord.).
Responsabilidade civil e inadimplemento no direito brasileiro. São Paulo: Atlas. 2014, p. 13.
318
OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. Quebra positiva do contrato. Revista de Direito do Consumidor. v. 25,
Jan. 1998, p. 49. No mesmo sentido se posiciona Ruy Rosado: “[...] o descumprimento de um dever
secundário, quando ligado à prestação principal, pode atingir, tal seja sua gravidade, a própria prestação e
significar o descumprimento da obrigação, ou o seu cumprimento imperfeito. Contudo, há casos em que o
incumprimento do dever secundário não se relaciona diretamente com a prestação, que pode ter sido prestada
integral e convenientemente, ou ainda não prestada por não ter chegado o tempo do adimplemento. É o caso
do prestador de serviços que realiza a contento o seu trabalho, mas age com descuido ao se retirar da casa,
causando danos ao patrimônio ou à pessoa do proprietário; houve violação ao dever de proteção, ensejando a
interrupção do contrato, que previa uma segunda etapa. Também, ainda antes do vencimento, o contratante
pode claramente demonstrar que não irá adimplir. Nestas duas últimas situações, não se pode falar em
incumprimento da prestação, porquanto na primeira houve o cumprimento e, na segunda, ainda não chegara o
seu tempo; são, na verdade, hipóteses de ‘infração positiva do contrato’, por violação a deveres secundários
de proteção ou lealdade.” AGUIAR JR., Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor
(resolução). Rio de Janeiro: Aide. 1991. p. 247.
319
No mesmo sentido se posiciona Gustavo Rocha Furtado: “[...] é exatamente pelo fato de a mora no direito
brasileiro englobar os fatores espacial e modal, afastando-se da definição mais enxuta feita alhures que a
restringe ao fator temporal, que a teria da violação positiva do contrato, engendrada no direito alemão, tem
pouca adequação e precisão no ordenamento jurídico nacional. Isso porque, diferentemente da brasileira, a lei
germânica – para a qual tal teoria foi formulada – à época nada dispunha sobre os casos em que o devedor
102
doutrina majoritária, não vislumbramos a necessidade de se utilizar da teoria da violação
positiva do contrato como uma terceira modalidade de inadimplemento para abarcar as
hipóteses em que há o descumprimento de deveres anexos.
violasse a obrigação através de uma atuação positiva, isto é, fazendo o que devia omitir ou efetuando a
conduta devida, mas em termos imperfeitos.” FURTADO, Gabriel Rocha. Mora e inadimplemento
substancial. São Paulo: Atlas. 2014. p. 17.
320
SCHREIBER, Anderson. A Boa-fé objetiva e o Adimplemento Substancial. In: HIRONAKA, Giselda
Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (Coord.), Direito contratual. Temas Atuais. São Paulo:
Método. 2007. p. 137.
103
devida. A violação de quaisquer deveres conduz à não execução do comportamento
devido, ao não cumprimento da prestação devida e, consequentemente, ao inadimplemento
(em sentido amplo).
321
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 112-113.
104
modelo anterior, ancorado nas figuras individuais do descumprimento, para fulcrar-se em
uma figura geral, chamada ‘violação de dever’ (Pflichtverletzung). Hoje, se verifica houve
alguma violação de dever e, em caso positivo, analisa-se quais os efeitos incidentes. Entre
os deveres obrigacionais, o BGB passou a incluir, expressamente, os deveres laterais, no §
241, II, de modo a deixar claro que o desrespeito a deveres de conduta igualmente se inclui
na figura geral”322.
322
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais. 2007. p. 48.
323
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 115-116. A esse respeito, Schlechtriem & Schwenzer afirmam que “uma violação contratual nos termos do
art. 25 existe quando a quebra de qualquer obrigação contratual ocorrer, independentemente, de esta ter sido
especificamente inserida no contrato de compra e venda ou de decorrer das demais regras da Convenção”.
SCHLECHTRIEM, Peter; SCHWENZER, Ingeborg. Comentários à Convenção das Nações Unidas sobre
Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias. Coordenação de tradução de Eduardo Grebler,
Vera Fradera, César Guimarães Pereira. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2014. p. 531.
324
Em tradução livre: “A violação ao contrato por uma das partes é considerada como essencial se causar à
outra parte prejuízo de tal monta que substancialmente a prive do resultado que poderia esperar do contrato,
salvo se a parte infratora não tiver previsto e uma pessoa razoável da mesma condição e nas mesmas
circunstâncias não pudesse prever tal resultado.”
105
principal ou obrigação acessória ou dever anexo, e considerou a obrigação contratual como
uma complexidade:
325
FRADERA, Véra Maria Jacob de Fradera. O Conceito de Inadimplemento Fundamental do Contrato no
Artigo 25 da Lei Fundamental do Contrato no Artigo 25 da Lei Internacional sobre Vendas, da Convenção de
Viena de 1980. Direito, Estado e Sociedade. Rio de Janeiro, n. 9, ago./dez. 1996, p. 143-144.
326
VILLELA, João Baptista et al. Princípios UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais
Internacionais/2004 [versão em língua portuguesa]. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 205.
106
of a contractual obligation is fundamental”327, ou seja, que o credor pode resolver o
contrato em caso de descumprimento de qualquer obrigação, desde que o inadimplemento
seja fundamental328.
327
VON BAR, Christian, CLIVE, Eric. Principles, definitions and mode, rules of european private law. Draft
Common Frame of Reference (DCRF). Full Edition. v. I. Sellier. p. 867. Em tradução livre: “um credor
poderá rescindir o contrato se o inadimplemento contratual for fundamental.”
328
No artigo 502, seção 2, do Draft Common Frame of Reference (DCFR) consta que as seguintes hipóteses
caracterizam inadimplemento fundamental: “A non-performance of a contractual obligation is fundamental if
(a) it substantially deprives the creditor of what the creditor was entitled to expect under the contract, as
applied to the whole or relevant part of the performance, unless at the time of conclusion of the contract the
debtor did not foresee and could not reasonably be expected to have foreseen that result; or (b) it is
intentional or reckless and gives the creditor reason to believe that the debtor’s future performance cannot be
relied on.” Em tradução livre: “O não cumprimento de uma obrigação contratual é fundamental se (a) o
descumprimento substancialmente priva o credor daquilo que ele tinha direito de esperar do contrato, em
relação à performance total ou parcial, salvo se no momento da conclusão do contrato o devedor não previu
ou não poderia ser razoavelmente esperado que ele tivesse previsto tal resultado; ou (b) o descumprimento é
intencional ou culposo e faz com que o credor acredite que ele não possa se basear no futuro cumprimento do
devedor.”
329
TEPEDINO, Gustavo. SCHREIBER, Anderson. In: AZEVEDO, Álvaro Villaça (Coord.). Código Civil
Comentado: direito das obrigações. São Paulo: Atlas. 2008. p. 343-344.
107
importância da teoria da violação positiva do crédito, mas se questiona a sua aplicação ao
direito brasileiro como uma modalidade autônoma de inadimplemento.
330
Neste sentido, Thiago Luís Santos Sombra afirma que “se já não há um direito abstrato ao adimplemento
pelo devedor, como sustentado, e se o ônus não é apto a encerrar todas as situações, não se pode negar que o
dever lateral de cooperação amplia o rol de condutas juridicamente exigíveis do credor em uma relação
obrigacional, notadamente quando associado à liberação do vínculo, mediante a imposição e consequências
sob os ditames da mora do credor, da impossibilidade superveniente não imputável ao devedor, da culpa in
contrahendo e da culpa post pactum finitum. Em poucas palavras, o credor não se revela mais tão árbitro do
momento do adimplemento como outrora”. SOMBRA, Thiago Luís Santos. Adimplemento contratual e
colaboração do credor. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 150.
108
completa, no lugar e tempo oportunos; e (ii) a recusa sem justa causa do credor em recebê-
la.
331
Na mesma linha, J. W. Hedemann afirma que “también el acreedor puede incurrir en retraso al no aceptar
la prestación (‘mora accipiendi’). En tal supuesto, la liquidación de la relación obligatoria queda paralizada
por causa del acreedor, con lo cual la llamada mora del acreedor constituye otro ‘obstáculo para el
cumplimiento de la prestación”. HEDEMANN, J.W. Derecho de obligaciones. v. III. Trad. de Jaime Santos
Briz. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado. 1958. p. 187. Em tradução livre: “o credor também pode
incorrer em mora por não aceitar a oferta (‘mora accipiendi’). Nesse caso, o término da relação obrigacional
fica paralisado por causa do credor, sendo que a mora do credor constituí outro “obstáculo ao cumprimento
da obrigação”. A esse respeito, Thiago Luís Santos Sombra ressalta que “é certo que o ordenamento dispõe
de alguns poucos métodos de solução voltados para a posição do devedor, como sói ocorrer nos contratos de
depósito, empreitada e transporte, por exemplo; porém, carece de uma disciplina mais específica para a
inobservância dos deveres laterais e, em especial, o de cooperação por parte do credor [...]”. SOMBRA,
Thiago Luís Santos. Adimplemento contratual e colaboração do credor. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 69.
332
Em comentários ao artigo 813 do Código Civil português, Almeida Costa afirma que: “Portanto, o atraso
no cumprimento será imputável ao credor sempre que este se recuse ilegitimamente a colaborar com o
devedor no cumprimento da obrigação – nos termos em que lhe caiba fazê-lo, segundo o caso. A cooperação
do credor no cumprimento pode traduzir-se no simples acto de aceitar a prestação, mas pode ainda assumir
outras expressões: apresentar-se o devedor, ele próprio ou um seu representante, no lugar convencionado para
a prestação (domicílio do devedor ou outro local), exercer o direito de escolha numa obrigação genérica ou
alternativa, passar a quitação, restituir o título da dívida, etc.” ALMEIDA COSTA, Mário Júlio de. Noções de
direito civil. Coimbra: Livraria Almedina. 1980. p. 225-226.
109
com o dever de cooperação que lhe concerne, deixando de colaborar para que a dívida seja
solvida”333.
Por essa razão, entendemos que a mora do credor deveria passar a ser
entendida não apenas como a recusa injustificada em aceitar a prestação devidamente
ofertada, mas também como a recusa em cooperar, quando esta colaboração é necessária
para viabilizar o adimplemento contratual334. Nas palavras de Pontes de Miranda, a “mora
do credor é a omissão do credor em cooperar para que a dívida se solva, até onde essa
cooperação é indispensável”335.
Dentro dessa visão, para que se caracterize a mora do credor, é necessário que
(i) o devedor tenha que prestar e possa prestar; (ii) o inadimplemento decorra de fato
imputável ao credor; e (ii) o credor tenha recusado ou omitido ato positivo ou negativo de
cooperação indispensável para que ocorra o adimplemento336.
333
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 240. No
mesmo sentido, Thiago Luís Santos Sombra acrescenta que “é inconteste, e a doutrina majoritária atesta este
ponto, que, quando a cooperação seja essencial ao adimplemento, a conduta omissiva se subsume aos
preceitos da mora creditoris, afinal sem a cooperação não se viabiliza a execução, a oblação e, por
conseguinte, sequer de recusa ou aceitação do credor se perquirirá”. SOMBRA, Thiago Luís Santos.
Adimplemento contratual e colaboração do credor. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 70-71.
334
CARVALHO SANTOS, J. M. Código Civil brasileiro interpretado. v. XII. Direito das obrigações. 7. ed.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos. 1958. p. 319. No mesmo sentido: “A mora do credor pode ser conceituada
como a recusa injustificada de aceitar a prestação devidamente ofertada, ou de aceder ao convite do credor
para prestar a sua cooperação, quando está é necessária para tornar a prestação materialmente possível.”
SAVI, Sérgio. Inadimplemento das Obrigações, Mora e Perdas e Danos. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.).
Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar. 2005. p. 472. Nas lições de
Agostinho Alvim, “se para liquidar a obrigação é necessária a cooperação do credor, escusar-se-á o devedor
sempre que aquêle lhe negar. É um caso de mora accipiendi”. ALVIM, Agostinho. Da inexecução das
obrigações e suas consequências. 3. ed. atual. Rio de Janeiro: Editora Jurídica e Universitária Ltda. 1949. p.
39. Antunes Varella destaca que “diz-se que há mora do credor (mora credendi), quando a obrigação se não
cumpre, porque o credor, sem causa justificativa, recusa a prestação que lhe é regularmente oferecida ou não
realiza os actos de sua parte necessários ao cumprimento”. VARELA, João de Mattos Antunes. Das
obrigações em geral. Coimbra: Almedina. 1970. p. 781. No mesmo sentido, Giovanni Ettore Nanni afirma
que “a falta de cooperação do credor é pressuposto da mora accipiendi, a qual pode ser exigida em várias
situações: ir ao encalço do devedor, buscar a quantia ou coisa, exercitar o direito de escolha, apresentar as
contas, fornecer o material, intervir com a própria presença etc.” NANNI, Giovanni Ettore. O dever de
cooperação nas relações obrigacionais à luz do princípio constitucional da solidariedade. In: NANNI,
Giovanni Ettore (Coord.). Temas relevantes do direito civil contemporâneo: reflexões sobre os cinco anos do
Código Civil. São Paulo: Atlas. 2008. p. 316.
335
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. tomo XXIII. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais. p. 288-289.
336
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. tomo XXIII. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais. p. 288-294.
110
Importante salientar que não se exige, para que se possa considerar o credor
constituído em mora, que a sua não cooperação seja devida a procedimento culposo. Para
caracterizar a mora do credor, basta a “inexistência de motivo justificado”337 para o credor
não aceitar a prestação no tempo, local e modo pactuados e/ou não colaborar com o
devedor no programa obrigacional. Daí porque Agostinho Alvim afirmou que “a justa ou
injusta causa da recusa influenciam sôbre a mora do credor” e que “a culpa é
indiferente”338.
337
ALMEIDA COSTA, Mário Júlio de. Noções de direito Civil. Coimbra: Livraria Almedina. 1980. p. 232.
338
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. atual. Rio de Janeiro:
Editora Jurídica e Universitária Ltda. 1949. p. 32. No mesmo sentido, Judith Martins-Costa: “De há muito
estão ultrapassadas as concepções que requeriam a culpa no suporte fático para caracterizar a mora do credor.
Mesmo os que não dispensam a culpa como elemento da mora do devedor a afastam da mora creditoris,
como o faz Agostinho Alvim, que só a tem como ‘indiferente’. O credor deve receber, pois se assim não
ocorrer, o devedor não se poderá liberar e o adimplemento – fim precípuo da relação obrigacional – não será
atingido. O problema central aí é outro, qual seja o da justa causa para não receber a prestação.” MARTINS-
COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 240-240. Luis Diez-
Picazo e Antonio Gullon também entendem que “la mora credendi no exige ninguna especial culpabilidad
del acreedor moroso, sino simplemente la negativa sin razón a recibir”. DIEZ-PICAZO, Luis e GULLON,
Antonio. Sistema de derecho civil. v. II. Madrid: Editorial Tecnos. 1978. p. 174. Em tradução livre: “a mora
credendi não exige a culpa do credor em atraso, mas sim simplesmente a recusa injustificada de receber.”
111
resulta o posicionamento que entende estar a infringência ao dever lateral de
cooperação também inserida na mora creditoris.339
A esse respeito, Agostinho Alvim afirma que “se há mero atraso do credor em
cooperar ou receber, verifica-se a mora” (por exemplo, o credor que não se dispõe a
receber a prestação) e “se o credor deixa de cooperar, quando tal obrigação lhe assiste, e o
cumprimento da obrigação, por parte do devedor, se tornou impossível, terá havido
inadimplemento absoluto por parte do credor” (por exemplo, o empresário que não
procurou obter teatro onde pudesse ser realizado um determinado recital)342.
339
SOMBRA, Thiago Luís Santos. Adimplemento contratual e colaboração do credor. São Paulo: Saraiva.
2011. p. 78.
340
A esse respeito, Luis Diez-Picazo e Antonio Gullon comentam que “la imputabilidad al acreedor de su
propia insatisfacción puede ser consecuencia de la falta de cumplimiento por el mismo de su carga de
cooperar con el deudor, a fin de que este se encuentre en las necesarias condiciones para llevar a cabo la
prestación prometida”. DIEZ-PICAZO, Luis e GULLON, Antonio. Sistema de derecho civil. v. II. Madrid:
Editorial Tecnos. 1978. p. 172. Em tradução livre: “a atribuição ao credor de sua própria insatisfação pode
resultar da inobservância do seu dever de cooperar com o devedor, para que este tenha as condições
necessárias para realizar a prestação devida.”
341
HEDEMANN, J.W. Derecho de obligaciones. v. III. Trad. de Jaime Santos Briz. Madrid: Editorial
Revista de Derecho Privado. 1958. p. 113. No mesmo sentido: “El hecho de que la responsabilidad del
deudor constituya el supuesto normal y el de más frecuente examen, no excluye que, por lo menos en algunos
casos, la infracción del crédito o su insatisfacción puedan ser imputados al propio acreedor.” DIEZ-PICAZO,
Luis; GULLON, Antonio. Sistema de derecho civil. v. II. Madrid: Editorial Tecnos. 1978. p. 172. Em
tradução livre: “O fato de que a responsabilidade do devedor constitui o curso normal e a hipótese mais
frequente não exclui que, pelo menos em alguns casos, a violação de crédito ou insatisfação possam ser
atribuídas ao credor.”
342
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. atual. Rio de Janeiro:
Editora Jurídica e Universitária Ltda. 1949. p. 51-52.
112
devida, terá havido inadimplemento absoluto por fato imputável ao credor. A importância
prática dessa diferenciação reside nas suas consequências, conforme se verá adiante.
343
NANNI, Giovanni Ettore. O dever de cooperação nas relações obrigacionais à luz do princípio
constitucional da solidariedade. In: NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Temas relevantes do direito civil
contemporâneo: reflexões sobre os cinco anos do Código Civil. São Paulo: Atlas. 2008. p. 317.
344
Art. 400. A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa,
obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela estimação
mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua
efetivação.
345
ALMEIDA COSTA, Mário Júlio de. Noções de direito civil. Coimbra: Livraria Almedina. 1980. p. 232.
113
que el deudor no responda del retraso únicamente producido por la conducta del
acreedor, se ve aquél libre en estos supuestos de las consecuencias de la mora del
deudor. Aunque ciertamente continúe obligado a la prestación, en cuanto y en
tanto su cumplimiento sea todavía posible.346
346
LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. Tomo I. Trad. de Jaime Santos Briz. Madrid: Editora Revista
de Derecho Privado. 1958. p. 375. Em tradução livre: “A conduta do credor também pode atrasar o
cumprimento da obrigação ou acarretar para o devedor a impossibilidade de cumpri-la. Este atraso pode ter
lugar quando o credor não aceita a oferta que lhe é oferecida no tempo e legar pactuados, impedindo, assim,
que a prestação seja entregue oportunamente, ou faltando em outros casos a sua colaboração para o
adimplemento, sem a qual o devedor não consegue atingi-lo. Em ambos os casos falamos de mora accipiendi
ou mora do credor. Naturalmente o devedor não responde pelo atraso causado unicamente pela conduta do
credor, de maneira que aquele estará livre das consequências da mora do devedor. Não obstante, continua
obrigado à prestação, enquanto o seu cumprimento ainda for possível.”
347
STJ, Resp nº 857.299-SC, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, j. 03.05.2011.
114
[...] el hecho del acreedor que incide sobre la prestación hasta hacerla
definitivamente imposible determina la producción del supuesto de hecho de la
imposibilitad sobrevenida inimputable, seguida de sus efectos típicos de
extinción de la obligación y liberación del deudor. 348
348
BAREA, Margarita Castilla. La imposibilidad de cumplir los contratos. LAEL: Dykinson. 2000. p. 83-85.
No mesmo sentido: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. tomo
XXIII. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. p. 292. Em tradução livre: “o fato do credor que incide
sobre a prestação até torná-la definitivamente impossível implica no inadimplemento inimputável ao
devedor, com os efeitos típicos de extinção da obrigação e liberação do devedor.”
349
TJSP, Apelação nº 9276980-70.2008.8.26.0000, Rel. Desembargador Amorim Cantuária, j. 03.08.2011.
115
2. INADIMPLEMENTO ANTECIPADO
350
MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua aplicação no Direito
brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007. p. 207.
351
MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua aplicação no direito
brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007. p. 207.
352
Sob essa nova perspectiva, a vontade do devedor de realizar os atos necessários ao adimplemento da
obrigação não deve ser manifestada apenas no momento inicial e no momento em que a prestação se torna
exigível. A vontade da parte de cumprir os deveres contratuais deverá se manifestar ao longo de toda a
relação contratual por meio de atos ou condutas que evidenciem que ele está tomando as medidas necessárias
para assegurar o adimplemento e a satisfação da prestação devida. Toda conduta ou manifestação de vontade
contrária ao cumprimento da obrigação, a qualquer momento, é considerada contrária ao modo como deve
exprimir-se constantemente a vontade do devedor e ao dever de colaboração que deve estar presente durante
toda a relação obrigacional. Conforme assinala Anelise Becker, a concepção moderna de obrigação “induz a
atribuir-se à vontade de adimplir uma importância que isoladamente, não é notada. Esta vontade é necessária
à relação obrigacional porque a ela se liga o bom fim natural da obrigação; e é necessária constantemente,
mesmo no tempo antecedente ao vencimento, a cada momento em que o devedor deva ter um determinado
comportamento coerente com o escopo prático final da relação”. BECKER, Anelise. A doutrina do
adimplemento substancial no direito brasileiro e em perspectiva comparativista. Revista da Faculdade de
Direito UFRGS, v. 9, Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, nov. 1993. p. 77.
116
das partes um dever geral de colaboração, a violação antecipada deste dever poderá
autorizar o inadimplemento antecipado do contrato, fazendo surgir a pretensão do credor à
resolução do negócio jurídico ou a tomar outras providências.
353
ZANETTI, Cristiano de Souza. Inadimplemento Antecipado da Obrigação Contratual. In: CELLI
JUNIOR, Umberto; BASSO, Maristela; AMARAL JÚNIOR, Alberto do (Coord). Arbitragem e comércio
internacional: estudos em homenagem a Luiz Olavo Baptista. São Paulo: Quartier Latin. 2013. p. 330.
Conforme assinala Anderson Schreiber, “independentemente da tese que ora se propõe, o certo é que, seja na
hipótese de impossibilidade, seja na de improbabilidade do cumprimento, parece injustificável conservar o
credor em estado de absoluta paralisia até o vencimento da obrigação, preservando um verdadeiro vácuo na
relação obrigacional, que, embora regularmente constituída, nenhum efeito produz até que se verifique a sua
já anunciada frustração”. SCHREIBER, Anderson. A tríplice transformação do adimplemento.
Adimplemento substancial, inadimplemento antecipado e outras figuras. Revista Trimestral de Direito Civil.
Rio de Janeiro, v. 32, out./dez 2007, p. 13.
354
A doutrina moderna rompeu com a regra de que somente se pode considerar descumprida a obrigação com
o advento do termo do contrato, de modo que a intenção manifestada de uma das partes de não cumprir o
contrato ou um comportamento neste sentido são considerados suficientes para que se considere desobrigado
o outro contratante. Nesse sentido: MARTINS. Guilherme Magalhães. Inadimplemento antecipado do
contrato. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro, v. 36, out/dez 2008, p. 82.
355
MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua aplicação no direito
brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, vol. 391, ano 103, mai./jun. 2007, p. 208.
356
AGUIAR JR., Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução). Rio de
Janeiro: Aide. 1991. p. 126-127.
357
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 122-123.
117
É o caso, por exemplo, de um contrato de empreitada, na construção civil, em
que se ajusta a entrega de um prédio de apartamentos de 15 (quinze) andares a ser
construído em 24 (vinte e quatro) meses e, transcorridos 14 (quatorze) meses, a obra sequer
começou a ter as suas fundações escavadas358.
Pode-se cogitar da situação em que duas empresas celebram uma parceria para
desenvolver um determinado produto tecnológico nos próximos 2 (dois) anos. Na hipótese
de uma das empresas descobrir que a outra está criando, em paralelo e secretamente, um
produto equivalente, utilizando-se do mesmo sistema projetado para o produto objeto da
parceria, haveria uma grave violação ao dever de lealdade imposto pela boa-fé.
358
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 156.
359
O exemplo é de MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua
aplicação no Direito brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007, p. 209.
360
MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua aplicação no Direito
brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007, p. 209.
118
laterais pode configurar um inadimplemento antecipado do contrato e, consequentemente,
acarretar a sua resolução ou a tomada de outras medidas pertinentes361.
361
De acordo com Jorge Cesa Ferreira da Silva, o inadimplemento antecipado do contrato pode decorrer
tanto da infringência de deveres principais como secundários de prestação, como ainda dos deveres laterais,
anexos ou instrumentais de conduta, configurando, nesta última hipótese, a violação positiva do contrato
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar. 2002. p.
261.
362
MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua aplicação no Direito
brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007. p. 208. Gustavo Tepedino afirma
que o inadimplemento antecipado ocorre “quando o devedor declara que não pode ou não quer adimplir, ou
quando nada aparelhou com destino ao cumprimento da obrigação, tornando certo o inadimplemento”.
TEPEDINO, Gustavo. BARBOZA, Heloisa Helena. MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil
interpretado conforme a Constituição da República. v. I, 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar. 2007. p.
699.
363
MARTINS-COSTA, Judith H. A recepção do incumprimento antecipado no direito brasileiro:
configurações e limites. São Paulo: Revista dos Tribunais. v. 885. p. 34.
119
impossível; e (iv) ele deve ser provocado por ato próprio do devedor, de forma
incontroversa e definitiva364.
364
MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua aplicação no Direito
brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007, p. 208.
365
AGUIAR JR., Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução). Rio de
Janeiro: Aide. 1991. p. 126-127.
366
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 123.
120
vencimento, a descontar os juros correspondentes, embora estipulados, e a pagar as custas
em dobro”.
367
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 157.
368
ASSIS, Araken de. Resolução do contrato por inadimplemento. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais. 2004. p. 107.
369
“Art. 580. A execução pode ser instaurada caso o devedor não satisfaça a obrigação certa, líquida e
exigível, consubstanciada em título executivo.”
370
THEODORO JUNIOR, Humberto. A reforma da execução do título extrajudicial: Lei nº 11.382, de 06 de
dezembro de 2006. Rio de Janeiro: Forense. 2007. p. 14-15.
121
incide na hipótese; caso contrário, não lhe é aplicado. Conforme observa Aline Terra, “a
rigor, portanto, o art. 580 não representa entrave à aceitação do instituto no direito
brasileiro, mas pode apenas limitar seus efeitos, consoante a abrangência atribuída ao
conceito de inadimplemento”371.
371
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 125.
372
“Art. 618. É nula a execução: III. Se instaurada antes de se verificar a condição ou decorrido o termo, nos
casos do art. 572.”
373
ASSIS, Araken de. Resolução do Contrato por Inadimplemento. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais. 2004. p. 107-109.
374
Serpa Lopes afirma que: “Não dispomos, na verdade, de um dispositivo legal que nos facilite uma
interpretação por analogia, como acontece no Direito positivo italiano. Cremos, entretanto, que isso não é
obstáculo à aplicação de um princípio que não vulnera a estrutura que se possa considerar oposta a essa
forma de vencimento antecipado.” SERPA LOPES, Miguel Maria. Exceções substanciais: exceção de
contrato não cumprido (exceptio non adimpleti contractus). Rio de Janeiro: Freitas Bastos. 1959, p. 293.
375
VILLELA, João Baptista. Sanção por inadimplemento contratual antecipado. Subsídios para uma teoria
intersistemática das obrigações. Belo Horizonte. 1966. p. 6.
122
exclusivamente ao tema na doutrina brasileira, Fortunato Azulay defendeu categoricamente
a admissibilidade do adimplemento antecipado:
A esse teor, e do que nos capítulos anteriores ficou explicitado, se poderá afirmar
que basta admitir a noção de pré-inexecução ou pré-inadimplência (anticipatory
breach) como categoria jurídica de inexecução contratual, para que se possa
sistematizar a matéria em face do direito escrito [...]. Não se poderá deixar de
admitir em nosso direito, omisso embora quanto às consequências do
rompimento unilateral antecipado do contrato, a aplicação criteriosa da doutrina
naqueles dois casos excepcionais referidos por Mosco e Serpa Lopes e que
constituem, de um modo geral, as hipóteses que originaram a formação de
doutrina nos tribunais ingleses e americanos. 376
376
AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio,
1977. p. 112.115-116.
377
Dedicam-se ao estudo: BECKER, Anelise. Inadimplemento antecipado do contrato. Revista de Direito do
Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 12, 1994; DUARTE, Adriana Dardengo. A quebra do
contrato por repúdio antecipado no direito brasileiro: proposta de aplicação de uma teoria. Dissertação
apresentada ao curso de mestrado da Universidade Federal de Minas Gerais, 2006; MARTINS, Raphael
Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua aplicação no direito brasileiro. Revista
Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007. TERRA, Aline de Miranda Valverde.
Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009. ZANETTI, Cristiano de Souza.
Inadimplemento Antecipado da Obrigação Contratual. In: CELLI JUNIOR, Umberto; BASSO, Maristela;
AMARAL JÚNIOR, Alberto do (Coord). Arbitragem e comércio internacional: estudos em homenagem a
Luiz Olavo Baptista. São Paulo: Quartier Latin. 2013.
378
No último capítulo serão analisados alguns casos de inadimplemento antecipado julgados pelos Tribunais
brasileiros.
123
do Rio Grande do Sul379. Em meados de 1977, Nilo Antônio Peruzzo celebrou dois
contratos em conta de participação em empreendimento a ser realizado pelo Centro Médico
Hospital de Porto Alegre Ltda., os quais ofereciam, além da participação nos lucros da
sociedade, atendimento médico-hospitalar gratuito ao cotista e sua família mediante o
pagamento de certa quota fixa, a ser dividida em parcelas mensais.
A Dra. Pretora refere que no contrato não estava previsto nenhum prazo para o
Centro “construir, instalar e operar estabelecimento hospitalar na cidade de Porto
Alegre”. Todavia, considero evidente, como bem alega o apelante, que isso não
significa goze um dos contratantes da faculdade de retartar ad infinitum o
cumprimento das suas obrigações, e o outro seja obrigado a adimplir as suas com
pontualidade, sob pena do protesto dos títulos. A sentença esquece toda a
comutatividade contratual. Vejo, aqui, caso de completo inadimplemento por
parte de um dos contratantes. Já transcorreram mais de 5 anos e o Centro Médico
Hospitalar existe apenas de jure. De fato, esta sociedade, de objetivos tão
ambiciosos e capital pequeníssimo, simplesmente não existe mais. Citada
editalmente, foi revel. O hospital permanece no campo das miragens, e assim as
demais vantagens prometidas aos subscritores. 380
379
Confiram-se os comentários de Anelise Becker sobre a mencionada decisão: BECKER, Anelise.
Inadimplemento antecipado do contrato. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos
Tribunais, n. 12, 1994.
380
TJRS, Apelação Cível nº 582000378, 1ª Câmara Cível, Rel. Desembargador Athos Gusmão Carneiro, j.
08.02.1983. Acórdão publicado na Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, n.
97, abril de 1983, p. 397 et seq.
124
Apesar da ausência de dispositivo específico no Código Civil, o
inadimplemento antecipado não é figura completamente desconhecida na legislação
brasileira. No âmbito do direito administrativo, há a expressa possibilidade da
Administração Pública resolver o contrato sempre que a demora no cumprimento permitir
antever a impossibilidade de se concluir a obra, o serviço ou o fornecimento no prazo
ajustado, conforme se observa da redação do artigo 78, inciso III, da Lei nº 8.666/1993
(Lei das Licitações e Contratos Administrativos):
381
PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração
Pública. 7. ed. atual e ampl. Rio de Janeiro: Renovar. 2007. p. 777.
125
A maioria dos doutrinadores nacionais382 afirma que a origem do
inadimplemento antecipado remontaria à anticipatory breach of contract, da common
law383. Nesse sentido, em obra precursora sobre o tema, Fortunato Azulay sustenta que o
instituto brasileiro do inadimplemento antecipado seria uma adaptação da teoria da
anticipatory breach of contract384.
382
Neste sentido: AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora
Brasília/Rio. 1977. p. 111-112; SILVA, Clóvis do Couto e. O princípio da boa-fé no direito brasileiro e no
direito português; CAETANO, Marcello et al. Estudos de direito civil brasileiro e português (I Jornada luso-
brasileira de direito civil). São Paulo: Revista dos Tribunais. 1980. p. 47; MARTINS, Raphael Manhães.
Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua aplicação no Direito brasileiro. Revista Forense, Rio de
Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007, p. 164. Em sentido contrário, Jorge Cesa Ferreira da Silva entende
que o instituo do inadimplemento antecipado procede do Erfüllungsverweigerung do direito alemão. SILVA,
Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar. 2002. p. 261.
383
Destaque-se que não constitui objetivo desse trabalho resolver a origem do instituto do inadimplemento
antecipado do contrato. A solução dessa questão demandaria profundo estudo comparado sobre o tema, e esta
não é a sede própria para tamanha empreitada. A finalidade deste item consiste apenas em apresentar, em
linhas gerais, o tratamento conferido pelo direito estrangeiro e internacional sobre o tema.
384
AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio.
1977. p. 111-112.
385
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 140-141.
126
innocent party the option of treating the contract as terminated at once and suing
for damages immediately if he chooses or, alternatively, of waiting until the time
of performance has arrived, and then again calling on the other party to perform.
386
Foi justamente por essa razão que, na resposta que apresentou à demanda, De
la Tour alegou que a ação carecia de substrato a lhe dar ensejo, sob a justificativa de que
seria inconcebível a postulação de quebra contratual quando o pactuado ainda não era
exigível. Outrossim, De la Tour argumentou que a sua prévia manifestação encaminhara-se
no sentido de “uma oferta para extinguir a relação obrigacional, de modo a liberar o autor
de se manter disponível e pronto a cumprir sua prestação”388. Em outras palavras, De la
Tour sustentou que caberia a Hochster aceitar a rescisão ou permanecer à sua disposição
até o advento do termo contratual.
386
ATIYAH, P. S.. An Introduction to the Law of Contract. Third Edition Clarendon Law Series. Oxford:
Oxford University Press. 1981. p. 297-298. Em tradução livre: “Qualquer manifestação, por palavras ou
conduta, de que uma parte se recusa a continuar com um contrato, é um repúdio se daí resultar que é provável
que a parte inocente será substancialmente privada de todo o benefício do contrato. [...] O repúdio de uma
parte pode ocorrer antes do cumprimento do contrato. Tal repúdio é chamado de quebra antecipada e confere
à parte inocente a opção de considerar o contrato rescindido e pleitear imediatamente indenização por perdas
e danos, se ela escolher, ou, alternativamente, aguardar o prazo de cumprimento da obrigação e
posteriormente requerer que a outra parte cumpra a obrigação.”
387
Para maiores detalhes sobre o caso remete-se a CORBIN, Arthur Linton. Corbin on Contracts. New
Haven: West Publishing Co. 1952. p. 142.
388
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 142.
127
Ao decidir o caso, Lord Chief Justice Campbell afirmou que as alternativas
referidas por De la Tour não se configuravam viáveis. Não poderia ser considerado justo o
mensageiro arcar com a extinção do contrato sem qualquer indenização, muito menos se
engessar no aguardo do termo. Lord Campbell entendeu que fazer o mensageiro aguardar o
decurso do termo seria incoerente, uma vez que já era sabido que o contrato não se
realizaria. Portanto, o juiz resolveu dar razão ao mensageiro, admitindo que a manifestação
de la Tour configurou um inadimplemento antecipado do contrato389.
389
Segue trecho da decisão do Lord Campbell que trata da questão: “It should be held that, upon a contract to
do an act on a future day, a renunciation on the contract by one party dispenses with a condition to be
performed in the meantime by the other, there seems no reason for requiring that order to wait till the say
arrives before seeking this remedy by action: and the only ground on which the condition can be dispensed
with seems to be, that the renunciation may be treated as a breach of the contract. Upon the whole, we think
that the declaration is in this case sufficient.” Em tradução livre: “Deve-se considerar que, em um contrato a
termo, a renúncia de uma das partes dispensa a outra de cumprir a sua obrigação nesse mesmo tempo, haja
vista que não há razão para exigir que essa providência observe o termo para que seja identificado um
remédio, e a única razão que parece existir para se dispensar a observação do prazo parece ser que a renúncia
pode ser tratada como descumprimento do contrato. No todo, entendemos que a declaração neste caso é
suficiente.”
390
A esse respeito, Robert E. Scott e Jody S. Kraus afirmam: “at early common law, the requirement that a
party must breach to trigger the other party’s duty to mitigate meant that neither party could be required to
adjust to post-formation events until after the time for performance. This was because, on the classical
common law view, a party could not be in breach of a duty until that party’s duty matured and he failed to
discharge it. In Hochster, however, the common law made an exception to this rule. A promisor could
effectively declare a breach before the time for performance by anticipatorily repudiating his contract.
Likewise, if an event occurring prior to the time for performance rendered it impossible for a promisor to
perform by that deadline, the promise could use the doctrine of anticipatory repudiation to declare the
promisor presently in breach of agreement.” SCOTT, Robert E. and KRAUS, Jody S. Contract law and
theory. 4th ed. LexisNexis. 2007. p. 815. Em tradução livre: “nos primórdios da common law, a exigência de
que uma parte deveria descumprir o contrato para que fosse acionado o gatilho do dever de mitigar da outra
parte significava que nenhuma das partes poderia ajustar eventos posteriores à formação do contrato até o
termo do contrato. Isso se deu em razão da ótica clássica da common law, em que uma parte não poderia
descumprir com as suas obrigações até o vencimento dessa obrigação sem que a parte tivesse conseguido
cumpri-la. Em Hochster, entretanto, a common law fez uma exceção a essa regra. O promitente poderia
efetivamente declarar descumprimento das suas obrigações antes do termo do contrato por ter
antecipadamente descumprido o seu contrato. Igualmente, se um evento ocorresse previamente ao termo do
contrato e em razão de tal evento fosse considerado impossível que o promitente cumprisse com as suas
obrigações até aquele prazo, poderia ser aplicada a teoria do inadimplemento antecipado para declarar que o
promitente violou o acordo.”
128
adimplemento, além de dispensá-la de cumprir a sua obrigação. Outros casos391 se lhe
sucederam, sedimentando em jurisprudência inglesa e norte-americana a acolhida do
inadimplemento antecipado392.
It is now the generally prevailing rule in both England and the United States that
a definite and unconditional repudiations of the contract by the party thereto,
communicated to the other, is a breach of the contract, creating an immediate
right of action and other legal effects, even though it takes place long before the
time prescribed for the promised performance and before conditions specified in
the promise have ever occurred.394
391
Nesse sentido: “Importante mencionar que, depois de Hochster v. De la Tour, outros julgados também
contribuíram de maneira substancial para a construção, nos países do Common Law, do instituto do
‘anticipatory breach of contract’, tais como Frost v. Knight, Equitable Trust Co. v. Western Pacific R. Co. e
Tenavision In. V. Neuman.” ANDRADE, Luis Tomás Alves de. O Inadimplemento Antecipado do Contrato
no Direito Brasileiro. R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 56, p. 145-172, out-dez., 2011. p. 150.
392
Nesse sentido: “A exceção de considerar o repúdio ao cumprimento da prestação por uma das partes como
inadimplemento antecipado, possibilitando a rescisão do contrato com a indenização à outra parte das perdas
e danos consequentes, teve consagração ampla na jurisprudência norte-americana, muito embora se levantem
dúvidas e impugnações na gama infinita das hipóteses ocorrentes.” AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento
antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio. 1977. p. 102-103.
393
Nesse sentido: “Desde meados do século passado surgiu na Inglaterra a chamada doutrina do anticipatory
breach do contrato, pela qual veio a ficar consagrada em outros sucessivos julgados, também nos EUA, que,
se um dos contratantes revela, por atos ou palavras peremptórias e inequívocas, a intenção de não cumprir a
sua prestação, diferida a tempo certo, pode a outra parte considerar esse comportamento como inadimplência
contratual.” AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora
Brasília/Rio. 1977. p. 101.
394
CORBIN, Arthur Linton. Corbin on Contracts. New Haven: West Publishing Co., 1952. Em tradução
livre: “O atual entendimento majoritário na Inglaterra e nos Estados Unidos é de que um repúdio definitivo e
incondicional ao contrato feito por uma parte, que tenha sido comunicado à outra parte, é uma quebra do
contrato, criando um direito de agir imediato dentre outros efeitos legais, ainda que demorasse muito tempo
até que fosse atingido o termo contratual para o adimplemento e antes que as condições estipuladas
contratualmente tivessem se verificado.”
129
communicated, either directly or indirectly, to the party on the other side of the
contract.395
395
E HUNTER TAYLOR JR, The impact of Article 2 of the U.C.C. on the Doctrine of Anticipatory
Repudiation, 9 B.C.L. Rev. 917 (1968). Disponível em: <http://lawdigitalcommons.bc.edu/bclr/vol9/iss4/3>.
p. 920. Em tradução livre: “O inadimplemento antecipado do contrato ocorre quando há um definitivo e
inequívoco repúdio da intenção de executar uma parte substancial do contrato na data de seu cumprimento,
seja de forma expressa ou implícita, devendo a parte contrária ter conhecimento dessa intenção previamente
ao prazo de cumprimento da obrigação, seja de forma direta ou indireta.”
396
Aline de Miranda Valverde Terra adverte que: “O Uniform Commercial Code tem origem em um uniform
act, desenvolvido por organizações privadas com o intuito de uniformizar o tratamento de determinadas
questões relacionadas a venda e outras transações comerciais. O uniform act não tem, portanto, natureza
jurídica de lei; trata-se apenas de recomendações, sugestões propostas aos Estados. Todavia, uma vez
aprovado pelo legislativo estadual, é incorporado à legislação local. O Uniform Commercial Code foi
adotado pelos cinquenta Estados americanos, tratando-se, portanto, de lei estadual.” TERRA, Aline de
Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009. p. 146-147.
397
Em tradução livre: “Quando qualquer das partes repudia o contrato relativamente ao cumprimento de
deveres ainda não exigíveis, de modo a afetar substancialmente o valor do contrato para a outra parte, a parte
lesada poderá:
(a) por um tempo comercialmente razoável, aguardar o cumprimento pela parte que repudiou o
contrato; ou
(b) recorrer a qualquer medida judicial cabível diante de inadimplemento (Seção 2-703 ou Seção 2-
711), mesmo que ela tenha notificado a outra parte que aguardaria o cumprimento e tenha urgido retratação;
ou
(c)
em qualquer caso, suspender sua própria execução ou proceder de acordo com os dispositivos deste
Artigo sobre os direitos do vendedor de identificar os bens relacionados ao contrato não obstante o
inadimplemento ou para salvar bens inacabados (Seção 2-704).”
130
configuraria o inadimplemento, mas também que o comportamento do credor, a partir da
assinatura do contrato e constituição da obrigação, poderia caracterizar o inadimplemento,
desde que comprovado que suas ações teriam gerado a impossibilidade de cumprimento da
obrigação398.
398
ANDRADE, Luis Tomás Alves de. O Inadimplemento Antecipado do Contrato no Direito Brasileiro. R.
EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 56, p. 145-172, out-dez. 2011. p. 152.
399
Conforme aponta Cesa Ferreira da Silva, “esta hipótese de violação positiva do contrato não estava
incluída na primeira edição do texto de STAUB, sendo agregada à teoria na última parte (parte IV) da versão
de 1904”. SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro:
Renovar. 2002, p. 222.
400
VON BAR, Christian; CLIVE, Eric. Principles, definitions and mode, rules of european private law. Draft
Common Frame of Reference (DCRF). Full Edition. v. I. Sellier. p. 869.
401
Em tradução livre: “revogação por descumprimento ou por descumprimento em razão da não
conformidade com o contrato.”
402
Em tradução livre: “o credor pode revogar o contrato antes de seu termo se for óbvio que os requisitos
para revogação do contrato serão satisfeitos.”
131
É o que se verifica no artigo 1.219 do Código Civil italiano de 1942, que passou a prever a
constituição automática da mora sempre que o devedor declarar por escrito que não irá
cumprir a obrigação, in verbis:
La mora deve essere constatata com certezza. Il debitore viene a cadere in mora
in due modi diversi, che vanno tradizionalmente sotto il nome di mora ex re e di
mora ex persona.
Si ha mora ex re quando il debitore cade in mora senza sai necessaria alcuna
azione del creditore. Questo avviene: [...]
3) quando il debitore abbia dichiarato por iscrito di non volere eseguire la
prestazione: è inutile chiedere a chi há già palesemente dichiarato di non voler
dare. 405
403
Em tradução livre: “Constituição em mora. O devedor é constituído em mora por meio de notificação ou
demanda feita por escrito. Não é necessária a constituição em mora: 1) quando o débito decorre de ato ilícito;
2) quando o devedor tiver declarado por escrito que não deseja executar a obrigação; 3) quando o prazo já
transcorreu, se a prestação deve ser entregue no domicílio do credor. Se o prazo decorrer após a morte do
devedor, os herdeiros serão constituídos em mora mediante notificação ou demanda feita por escrito,
produzindo efeitos depois de oito dias a contar da notificação ou demanda.”
404
TRABUCCHI, Alberto. Istituzioni di diritto civile. Trentesima nona edizione aggiornata con le riforme e
la giurisprudenza. Pádua: Cedam. 1999. p. 568.
405
TRABUCCHI, Alberto. Istituzioni di diritto civile, Trentesima nona edizione aggiornata con le riforme e
la giurisprudenza. Pádia: Cedam. 1999. p. 568. Em tradução livre: “A mora deve ser estabelecida com
certeza. O devedor é constituído em mora de duas maneiras diferentes, que são tradicionalmente
132
Com efeito, a doutrina entende que a noção de que a recusa do devedor
constitui automaticamente a mora se mostrou um enorme avanço para o instituto do
inadimplemento antecipado no direito italiano, pois acabou por consagrar a ideia de que a
declaração expressa de não querer adimplir funcionaria como uma forma de antecipação do
termo contratual406.
denominadas mora ex re e mora ex personae. Há mora ex re quando o devedor é constituído em mora sem a
necessidade de qualquer ação do credor. Isso ocorre: [...]
3) quando o devedor tiver declarado por escrito que não quer executar a prestação: é inútil pedir àqueles que
declararam expressamente que não querem prestar.”
406
ANDRADE, Luis Tomás Alves de. O Inadimplemento Antecipado do Contrato no Direito Brasileiro. R.
EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 56, p. 145-172, out-dez. 2011, p. 151.
407
Com relação à previsão de inadimplemento antecipado no direito espanhol, Luis Diez Picazo e Antonio
Gullon afirmam que “Si el vendedor ha entregado la cosa y la prestación del comprador se ha aplazado, aquél
puede promover inmediatamente la resolución del contrato caso de que tuviere motivo fundado para temer la
pérdida de la cosa y del precio. Es una excepción al artículo 1.224, pues aún no existe incumplimiento del
contrato y se acciona para resolverlo en base a un temor fundado de que el comprador no cumplirá y que la
cosa a restituir, en consecuencia, no se devolverá”. DIEZ-PICAZO, Luis e GULLON, Antonio. Sistema de
Derecho Civil. v. II. Madrid: Editorial Tecnos. 1978. p. 239. Em tradução livre: “se o devedor tiver entregado
a coisa e a prestação do comprador tiver sido pactuada a prazo, aquele pode promover imediatamente a
resolução do contrato se tiver motivo fundado para temer a perda da coisa e do preço. É uma exceção ao
artigo 1.224, pois ainda que não exista inadimplemento do contrato, se requer a sua resolução com base em
um temor fundado de que o comprador não cumprirá e que a coisa a restituir, por consequência, não será
devolvida.”
408
Em tradução livre: “Se o vendedor tiver fundado motive para temer a perda da coisa imóvel vendida e do
preço, poderá promover imediatamente a resolução da venda. Se não existir esse motivo, observar o disposto
no artigo 1.124.”
133
em adimplir constituí um inadimplemento, que autoriza o credor a resolver o contrato, ou
simplesmente uma mora debitoris, que obriga o credor a notificar o devedor fixando prazo
para o credor adimplir para evitar a resolução do contrato409.
(1) If prior to the date for performance of the contract it is clear that one of the
parties will commit a fundamental breach of contract, the other party may
declare the contract avoided.
(2) If the time allows, the party intending to declare the contract avoided must
give reasonable notice to the other party in order to permit him to provide
adequate assurance of his performance.
(3) The requirements of the preceding paragraph do not apply if the other party
has declared that he will not perform his obligations. 410
409
VON BAR, Christian, CLIVE, Eric. Principles, definitions and mode, rules of european private law. Draft
Common Frame of Reference (DCRF). Full Edition. v. I. Sellier. p. 870.
410
Em tradução livre: “(1) Caso antes do prazo previsto para o cumprimento da obrigação contratual, esteja
claro que uma das partes cometerá um inadimplemento contratual fundamental, a outra parte poderá declarar
o contrato sem efeito.
(2) Se houver tempo, a parte com intenção de declarar o contrato sem efeito deverá dar aviso prévio razoável
à outra parte a fim de lhe permitir que providencie garantia adequada de cumprimento.
(3) Os requisitos do parágrafo anterior não se aplicam caso a outra parte tenha declarado que não cumprirá a
sua obrigação contratual.”
134
fornecer uma notificação razoável ao devedor, informando que pretende rescindir o
contrato. (5) Se o devedor não prestar a garantia adequada, pode o credor (6) rescindir o
contrato”411.
Jelena Vilus pondera que o fato de a convenção autorizar uma parte a buscar a
resolução do contrato caso de inadimplemento antecipado
[…] is fully justified since it would not be right that one party remains bound by
the contract when the other has, for instance, deliberately declared that he will
not carry out one of his fundamental obligations or when he conducts himself in
such a way that it is clear that he will commit a fundamental breach of
contract.412
411
SCHLECHTRIEM, Peter; SCHWENZER, Ingeborg. Comentários à Convenção das Nações Unidas sobre
Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias. Coordenação de tradução de Eduardo Grebler,
Vera Fradera, César Guimarães Pereira. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 1.079.
412
VILUS, JELENA. Provisions common to the obligations of the seller and the buyer. In: International Sale
of Goods. Dubrovnik Lectures. Oceana Publications. 1986. p. 244. Em tradução livre: “é plenamente
justificada, uma vez que não seria justo que uma parte permaneça vinculado ao contrato, quando o outro, por
exemplo, deliberadamente declarou que não irá cumprir com uma de suas obrigações fundamentais ou
quando essa parte se comporta de tal maneira que resta claro que vai cometer uma violação fundamental do
contrato.”
413
Nesse sentido: “In regard to anticipatory breach of contract, the basic question is whether the party that
doubts the performance of the other party has the right to suspend or avoid the contract prior to the date for
performance. In other words, if the situation and the circumstances change during the performance of the
contract and one of the parties is of the opinion that the other will not be able to fulfill his obligations, the
question arises whether this party should wait until the other party becomes insolvent, for instance, or
whether in such a case he himself should decide to suspend performance or his obligations and demand
additional guarantees. On the other hand, what would happen if his evaluation of the other party’s ability to
perform his groundless and the other party subsequently suffer financial loss as a result of the anticipatory
breach? These dilemmas will have to be solved by arbitrators or judges deciding disputes involving
international contracts of sale and were the same problems which were discussed at the Vienna Conference
during preparation and adoption of the relevant provisions”.(VILUS, JELENA. Provisions common to the
obligations of the seller and the buyer. In: International Sale of Goods. Dubrovnik Lectures. Oceana
Publications. 1986. p. 240) Em tradução livre: “Em relação ao inadimplemento antecipado do contrato, a
questão básica é se a parte que duvida do desempenho da parte contrária tem o direito de suspender ou tornar
o contrato sem efeito antes da data de sua execução. Em outras palavras, se a situação e as circunstâncias
mudam durante a execução do contrato e uma das partes é da opinião de que o outro não será capaz de
cumprir com as suas obrigações, surge a questão de se essa parte deverá aguardar até que a outra parte se
torne insolvente, por exemplo, ou se, nesse caso, ele mesmo deverá decidir suspender a execução do contrato
135
Outrossim, o artigo 7.3.3 dos princípios UNIDROIT relativos aos Contratos
Comerciais Internacionais também determina que, quando antes da data estipulada para o
desempenho da prestação, uma das partes deixar claro que não desempenhará a obrigação,
a outra parte poderá pôr fim ao contrato, ou seja, poderá resolvê-lo. Com efeito, o referido
artigo dispõe que “uma parte poderá extinguir o contrato se, anteriormente ao termo de sua
execução, resulta claro que haverá inadimplemento essencial pela outra parte”414.
Nos seus comentários sobre o artigo 7.3.3 dos princípios UNIDROIT relativos
aos Contratos Comerciais Internacionais, João Baptista Villela assevera que o mencionado
dispositivo “estabelece o princípio de que o inadimplemento que é esperado equipara-se ao
inadimplemento que ocorreu no momento em que a prestação tornou-se devida”.415 O
referido autor complementa que “é uma exigência que reste claro que haverá um
inadimplemento; uma suspeita, ainda que bem fundamentada, não é suficiente” e que “é
preciso que o inadimplemento seja substancial”.416
ou cumprir com as suas obrigações e exigir garantias adicionais. Por outro lado, o que aconteceria se a sua
avaliação da capacidade da outra parte fosse infundada e que a outra parte, posteriormente, sofresse com o
resultado do inadimplemento antecipado? Estes dilemas terão que ser resolvidos por árbitros ou juízes que
decidem os litígios que envolvam contratos internacionais de venda e são os mesmos problemas que foram
discutidos na Conferência de Viena durante a preparação e adoção das disposições relevantes.”
414
VILLELA, João Baptista et al. Princípios UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais
Internacionais/2004 [versão em língua portuguesa]. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 238.
415
VILLELA, João Baptista et al. Princípios UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais
Internacionais/2004 [versão em língua portuguesa]. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 238-239.
416
VILLELA, João Baptista et al. Princípios UNIDROIT Relativos aos Contratos Comerciais
Internacionais/2004 [versão em língua portuguesa]. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 238-239.
417
VON BAR, Christian, CLIVE, Eric. Principles, definitions and mode, rules of european private law. Draft
Common Frame of Reference (DCRF). Full Edition. v. I. Sellier. p. 867. Em tradução livre: “um credor
poderá encerrar a obrigação contratual antes mesmo de ser devida se o devedor tiver declarado que não a
136
Em comentários ao referido artigo 504 do DCFR, Christian von Bar e Eric
Clive afirmam que o dispositivo autoriza o credor a resolver o contrato se o devedor tiver
repudiado o contrato afirmando que não iria realizar a prestação ou se ficar evidente (“it is
otherwise clear”) que ocorrerá um inadimplemento contratual fundamental. Os autores
complementam que “the main effect of the Article is that for the purpose of the remedy of
termination a clearly anticipated fundamental non-performance is equated with an actual
fundamental non-performance after performance has become due”418.
Christian von Bar e Eric Clive comentam que o direito de o credor resolver o
contrato se baseia na noção de que não seria razoável exigir que o credor continue
vinculado às suas obrigações se restar claro que o devedor não adimplirá no termo
pactuado419. Os autores advertem, todavia, que o direito de resolver o contrato em caso de
inadimplemento antecipado só pode ser exercido quando a obrigação principal for de um
tipo que o seu descumprimento autorizaria o credor a resolver o contrato desde logo ou
quando houver um atraso substancial no adimplemento.
Termination under this Article is permitted only where the main obligation is of
such a kind that its non-performance would entitle the creditor to terminate. This
applies also to a threatened delay in performance. If a debtor indicates that there
will be performance but that it will be late this, in the absence of an agreed right
to terminate, does not satisfy the requirements of the Article except where the
threatened delay is also so serious as to constitute a fundamental non-
performance.420
cumprirá ou se estiver claro que haverá um descumprimento, sendo este descumprimento fundamental para o
cumprimento da obrigação.”.
418
VON BAR, Christian, CLIVE, Eric. Principles, Definitions and Mode, Rules of European Private Law.
Draft Common Frame of Reference (DCRF). Full Edition. v. I. Sellier. p. 867. Em tradução livre: “o
principal efeito deste Artigo é que para os fins do recurso da rescisão, o inadimplemento antecipado é
equiparado a um inadimplemento fundamental depois que o cumprimento se tornou exigível.”
419
VON BAR, Christian, CLIVE, Eric. Principles, definitions and mode, rules of european private law. Draft
Common Frame of Reference (DCRF). Full Edition. v. I. Sellier. p. 868.
420
VON BAR, Christian, CLIVE, Eric. Principles, definitions and mode, rules of european private law. Draft
Common Frame of Reference (DCRF). Full Edition. v. I. Sellier. p. 886. Em tradução livre: “A rescisão à luz
desse Artigo é permitida somente quando a obrigação principal é de tal natureza que o seu inadimplemento
daria ao credor o direito de rescindir o contrato. Isso se aplica também à ameaça de atraso no cumprimento da
obrigação. Se um devedor indicar que haverá adimplemento das obrigações, mas que ocorrerá com atraso,
137
Observa-se, assim, que a tendência no direito estrangeiro e internacional é no
sentido de que o inadimplemento antecipado do contrato ocorrerá quando, antes do
advento do termo ajustado entre as partes, se verificar com alto grau de probabilidade que a
obrigação não será desempenhada em virtude do comportamento adotado pelo devedor,
ainda que tacitamente. Em outras palavras, o escopo do instituto do inadimplemento
antecipado do contrato é, primordialmente, poupar o credor dos prejuízos resultantes do
futuro inadimplemento contratual, em especial nos casos em que as condições fáticas
demonstrem o desinteresse do devedor no cumprimento da obrigação.
isso, na ausência de um acordo de um direito de rescindir o contrato, não preenche aos requisitos deste
Artigo, salvo se a ameaça de atraso é tão grave a ponto de constituir um inadimplemento fundamental.”
421
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 159-160.
138
devedor impossibilita ou inutiliza a prestação para o credor e caracteriza inadimplemento
antecipado.
422
Nesse sentido, Jorge Cesa Ferreira da Silva afirma que “esta ‘recusa’ pode dar-se de duas formas: pela
declaração antecipada ou pela conduta concludente do devedor. Em qualquer uma das hipóteses, a recusa
deverá ser séria, demonstrando sua definitividade”. SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé e a violação
positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar. 2002. p. 229.
423
AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio.
1977. p. 74.
424
MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua aplicação no Direito
brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007, p. 210.
139
É o caso, por exemplo, do jogador de futebol que, após celebrar contrato de
exclusividade com determinado time de futebol brasileiro, comprometendo-se a se
apresentar ao clube no começo do ano seguinte, declara para a imprensa esportiva que
romperá o contrato assinado e que está em negociações com outro time europeu.
425
Schlechtriem & Schwenzer afirmam que “na prática, a recusa de uma obrigação será frequentemente
disfarçada. O devedor irá alegar injustificadamente que está titulado a se retirar do contrato ou que o contrato
não é eficaz. Exemplo de uma recusa antecipada seria o pedido de aumento injustificado do preço, a alegação
de direito a prazo adicional, ou outro tipo de modificação contratual. Todas essas alegações são recusas em
cumprir o contrato, desde que elas deixem claro que, de outra forma, o devedor não irá cumprir com os seus
deveres”. SCHLECHTRIEM, Peter; SCHWENZER, Ingeborg. Comentários à Convenção das Nações
Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias. Coordenação de tradução de
Eduardo Grebler, Vera Fradera, César Guimarães Pereira. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2014. p.
1.087.
426
Cristiano de Sousa Zanetti ressalta “a importância de se aferir a seriedade da declaração daquele que
afirma não pretender cumprir o pactuado. Pode ocorrer, por exemplo, que sua manifestação não passe de uma
bravata, motivada pelo comportamento do credor. Nessa situação, o registro do fato não será suficiente para
dar por extinta a relação contratual. Em adição, convém verificar a higidez da declaração, pois sua emanação
pode provir de algum vício da vontade, como o erro”. ZANETTI, Cristiano de Souza. Inadimplemento
Antecipado da Obrigação Contratual. In: CELLI JUNIOR, Umberto; BASSO, Maristela; AMARAL
JÚNIOR, Alberto do (Coord.). Arbitragem e comércio internacional: estudos em homenagem a Luiz Olavo
Baptista. São Paulo: Quartier Latin. 2013. p. 328.
140
em condições tais que exprimam uma absoluta e inequívoca intenção de repúdio ao
contrato, de forma séria e definitiva”427.
427
AGUIAR JR., Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução). Rio de
Janeiro: Aide. 1991. p. 129.
428
ANDRADE, Luis Tomás Alves de. O Inadimplemento Antecipado do Contrato no Direito Brasileiro. R.
EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 56, p. 145-172, out-dez. 2011, p. 156.
429
AGUIAR JR., Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução). Rio de
Janeiro: Aide. 1991. p. 126.
141
credor como meio idôneo a se obter a manifestação do devedor para fins de caracterização
de inadimplemento antecipado430.
Estamos de acordo com a ressalva feita por Ruy Rosado de Aguiar Júnior.
Entendemos que o dever de informação, dever anexo decorrente do princípio da boa-fé
objetiva, confere ao credor o direito de – pautado por uma razoabilidade e de maneira
fundamentada – solicitar informações periódicas relacionadas à execução do contrato,
especialmente naqueles contratos de execução continuada. Assim, desde que a postura do
credor esteja pautada pelo padrão de comportamento esperado pela boa-fé objetiva, o
credor poderá interpelar o devedor para verificar o status do cumprimento da sua obrigação
e, a depender da resposta do devedor – se houver uma manifestação com razoável grau de
certeza e definitividade –, restará configurado o inadimplemento antecipado.
430
Confira-se a posição de Ruy Rosado de Aguiar Júnior: “deve ser vista com reserva, porquanto a
interpelação pode simplesmente demonstrar a preocupação do credor em definir uma situação já evidenciada
pelos fatos antecedentes. Portanto, se a iniciativa do credor tem fundado amparo nas circunstâncias do
contrato, especialmente diante do comportamento do devedor, não há como, desde logo, recriminar o
comportamento do credor que queira obter uma definição sobre a real intenção do devedor relativamente ao
contrato”. AGUIAR JR., Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução).
Rio de Janeiro: Aide. 1991. p. 129.
431
AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio.
1977. p. 69.
432
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 163.
433
A respeito das declarações receptícias de vontade, veja-se: “A declaração de vontade pode emitir-se às
vezes dirigida a uma pessoa determinada, seja com o propósito de levar-lhe ao conhecimento a intenção do
agente, seja com a finalidade de se ajustar a outra declaração de vontade oposta, necessária à perfeição do
negócio jurídico. Chama-lhe a doutrina declaração receptícia de vontade. Estão nesses casos a proposta de
contrato, a revogação do mandato, etc. Mas, outras vezes, a emissão se faz sem aquele caráter, e mesmo
assim o negócio jurídico se completa, dizendo-se que há uma declaração não-receptícia de vontade, de que se
podem invocar como exemplos o testamento, a promessa ao público, etc. A distinção entre uma e outra se
faz, esclarecendo-se que, tanto a receptícia quanto a não-receptícia, influi a declaração de vontade na esfera
jurídica de outrem; porém, na primeira hipótese o ato exige, para completar-se, uma parte e outra parte, com
sentido direcional, enquanto que, na segunda, o negócio jurídico se completa só com a vontade do declarante,
seja este uma pessoa natural, uma pessoa jurídica ou uma coletividade.” PEREIRA, Caio Mário da Silva.
Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p. 484.
142
considera, ainda, que a declaração de não querer adimplir prescinde da concordância do
credor e que é exigido apenas o seu conhecimento, concluindo que “basta a ciência do
credor para que a declaração produza seus efeitos, não se exigindo, portanto, qualquer
atuação de sua parte. Consequentemente, ciente o credor, eficaz a declaração434.
434
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 164-165. No mesmo sentido, Fortunato Azulay assevera que não é necessário que o credor aceite a
declaração de não adimplir do devedor, afirmando que se entende “atualmente, que, nem notificação da
aceitação do repúdio é exigida, nem o retardo em propor a ação judicial respectiva por inadimplência
antecipada, pode ser causa de improcedência do direito do credor”. AZULAY, Fortunato. Do
inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio. 1977. p. 129-130.
435
BECKER, Anelise. Inadimplemento antecipado do contrato. Revista de Direito do Consumidor, São
Paulo: Revista dos Tribunais, n. 12, 1994, p. 72-73.
436
A esse respeito, G. H. Treitel afirma que, no sistema da common law, o devedor tem a opção de escolher
manter o contrato ou “aceitar” o inadimplemento do contrato, requerendo a sua resolução. Confira-se: “one
of the parties to contract may, before the time fixed for performance, say that he will not perform, or
incapacitate himself from performing. Such conduct is sometimes called ‘anticipatory breach’. The other
party then has a choice. He can try to keep the contract alive by continuing to press for performance, in which
case the anticipatory breach will have the same effects as an actual breach. Alternatively, he can ‘accept’ the
breach, in which case his rights to damages and rescission are governed by special rules to be discusses
below.” TREITEL, G. H. The law of contract. Sixth Edition. Stevens & Sons: London, 1983. p. 642. Em
tradução livre: “uma das partes do contrato poderá, antes do prazo fixado para adimplemento, dizer que não
irá cumprir com as obrigações ou incapacitar-se da execução do contrato. Tal conduta é às vezes chamada de
‘inadimplemento antecipado’. A outra parte, então, tem uma escolha. Ela pode tentar manter o contrato vivo
ao continuar a pressionar pelo cumprimento, caso em que o inadimplemento antecipado terá os mesmos
efeitos de um inadimplemento concreto. Como alternativa, ela pode ‘aceitar’ o inadimplemento, caso em que
os seus direitos para rescisão e pleitear danos serão regidos por normas especiais que serão discutidas
abaixo.”
437
BECKER, Anelise. Inadimplemento antecipado do contrato. Revista de Direito do Consumidor, São
Paulo: Revista dos Tribunais, n. 12, 1994, p. 73.
143
Sem retirar a importância do posicionamento da segunda autora, entende-se
que a primeira visão se mostra mais condizente com a atual concepção de obrigação, na
qual se avulta a importância da boa-fé objetiva. Atenta contra a boa-fé o comportamento
do credor que, mesmo ciente de que o devedor não adimplirá no termo previsto
contratualmente, não adota nenhuma postura para a imediata defesa dos seus direitos e se
queda inerte esperando o advento do termo contratual. A nosso ver, a não aceitação, pelo
credor, da declaração de não querer ou não poder adimplir vai de encontro ao duty to
mitigate the loss (teoria da mitigação das perdas), que será brevemente estudado adiante e
imputa às partes a responsabilidade por todo o dano que conscientemente deixou de evitar.
Desta feita, consideramos que a declaração de não querer adimplir não requer a
concordância do credor, exigindo-se apenas o seu conhecimento (sendo, portanto, uma
típica declaração receptícia de vontade), e que pouco importa a forma que o devedor
utilizou para se manifestar, sendo apenas necessário que a declaração tenha atingido a
ciência do credor.
Ruy Rosado de Aguiar Júnior destaca dois aspectos que considera relevantes
sobre esta questão. “O primeiro deles é de que ninguém é dado venire contra factum
proprium”, o que significa dizer que quem provoca, na outra parte, fundada expectativa de
que a prestação não será adimplida, não pode depois voltar atrás e se dispor a adimplir,
especialmente se o credor já tiver proposto medida judicial. Em contrapartida, o autor
ressalva que não se pode esquecer os princípios da vinculação e da obrigatoriedade, sendo
438
LACERDA DE ALMEIDA, Francisco de Paula. Obrigações. 2. ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais.
1916. p. 202.
439
AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio.
1977. p. 129-130.
144
sempre preferível o cumprimento dos contratos. Sob esse argumento, ele sustenta que se
deve permitir ao devedor se retratar em juízo, assim que for citado, adimplindo. Ao final,
ele conclui que “ao juiz cabe examinar se essa variação de conduta não provocou a
eliminação do interesse do credor, que pode ter buscado outras soluções, em face da
declaração do devedor”440.
440
AGUIAR JR., Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução). Rio de
Janeiro: Aide. 1991. p. 129-130.
441
AGUIAR JR., Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução). Rio de
Janeiro: Aide. 1991. p. 127.
145
Pode ser mencionado o caso em que, em contrato de compra e venda de
unidades imobiliárias em construção, a inércia do empreiteiro acarreta um considerável
atraso na entrega do empreendimento, que tem remotas condições de ser entregue na data
pactuada pelas partes.
Também pode ser citada a situação em que duas partes celebram um contrato
de arrendamento de terra, em que restou pactuado que uma parte plantaria soja no terreno e
que dividiria um percentual dos lucros da venda da soja com o arrendador, proprietário do
terreno. Na hipótese de o arrendatário suspender a produção de soja depois de um ano e
meio do contrato, restará caracterizado o inadimplemento antecipado.
146
com probabilidade próxima à certeza442, a intenção de não adimplir, exteriorizada por
meio de conduta do devedor incompatível com o padrão de comportamento de quem
pretende cumprir a prestação devida443. É esse o pressuposto fático do inadimplemento
antecipado.
Por ora, é importante destacar que poderá ocorrer uma mora antecipada (ou
mora anterior ao termo) no caso de um determinado devedor cumprir antecipadamente,
442
Em comentários sobre o artigo 72 da Convention on Contracts for the International Sales of Goods, que
trata do inadimplemento antecipado, Schlechtriem & Schwenzer asseveram que “o requisito do disposto no
art. 72(1), de que a violação futura deve ser ‘clara’ (na versão em francês: manifeste), não se refere apenas ao
conhecimento do credor das circunstâncias revelantes de uma dificuldade antecipada de cumprimento; ‘claro’
também enfatiza a necessidade de um alto grau de probabilidade de ocorrência, de fato, da violação”.
SCHLECHTRIEM, Peter; SCHWENZER, Ingeborg. Comentários à Convenção das Nações Unidas sobre
Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias. Coordenação de tradução de Eduardo Grebler,
Vera Fradera, César Guimarães Pereira. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2014. p. 1.081.
443
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 166.
444
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 168.
445
ANDRADE, Luis Tomás Alves de. O Inadimplemento Antecipado do Contrato no Direito Brasileiro. R.
EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 56, p. 145-172, out-dez. 2011, p. 154-155.
147
mas de forma ou no lugar inadequados, a prestação que lhe competia446, ou demonstrar,
com alto grau de probabilidade, que não cumprirá a obrigação na forma ou local pactuados.
Exemplo: as partes celebram um contrato mediante o qual “B” deverá entregar um navio
com determinadas especificações no prazo de 2 (dois) anos. Se, ao final de um ano e meio,
“A”, ao fazer uma vistoria para verificar o status da construção do barco, verificar que “B”
está construindo um navio em desacordo com diversas das suas especificações,
entendemos que estará caracterizada a mora antecipada.
446
Nesse sentido, Gabriel Rocha Furtado afirma que “[...] ao menos em tese, não seria absurda a cogitação de
uma mora anterior ao termo, tendo em conta a possibilidade de que um determinado devedor cumprisse
antecipadamente, mas de forma ou no lugar inadequados, a prestação que lhe competia. Acaso o prazo
tivesse sido estipulado em favor do devedor, poder-se-lhe-ia assim admitir que ele teria renunciado ao termo
e, ao cumprir imperfeitamente, incorrido em mora (sanável até o momento em que o credor viesse a alegar a
perda de utilidade)”. FURTADO, Gabriel Rocha. Mora e Inadimplemento substancial. São Paulo: Atlas.
2014. p. 87.
447
O exemplo é de TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro:
Renovar. 2009. p. 179-180.
148
que exigem um exame bastante cauteloso do caso concreto. Por exemplo, se o empreiteiro
não tiver iniciado as fundações de uma obra de médio porte um ano antes do termo de
entrega.
448
MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua aplicação no Direito
brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007, p. 211.
449
AGUIAR JR., Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução). Rio de
Janeiro: Aide. 1991. p. 126-127.
149
centro cirúrgico, mas verifica que não há disponibilidade para a data desejada em virtude
da proximidade do dia escolhido. Nesse caso, o atraso na execução do dever secundário
relativo ao agendamento do centro cirúrgico acabou por impossibilitar a realização da
cirurgia nos termos pactuados450.
450
É uma adaptação do exemplo de TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo.
Rio de Janeiro: Renovar. 2009. p. 169.
451
São adaptações dos exemplos de TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo.
Rio de Janeiro: Renovar. 2009. p. 161-172.
452
Destaque-se que, se a impossibilidade remonta à gênese da obrigação, não se deve pensar em
inadimplemento antecipado, mas sim em nulidade do negócio jurídico. Caso a impossibilidade seja
superveniente à origem do negócio, mas anterior ao termo ajustado, será possível vislumbrar o
inadimplemento antecipado.
150
colocar-se na posição de impossibilidade de prestar, mas apenas sobre a contribuição de
sua culpa, exclusiva ou concorrente, para este resultado”453.
453
MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua aplicação no Direito
brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007, p. 212.
454
ANDRADE, Luis Tomás Alves de. O Inadimplemento Antecipado do Contrato no Direito Brasileiro. R.
EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 56, p. 145-172, out-dez 2011. p. 156.
455
ANDRADE, Luis Tomás Alves de. O Inadimplemento Antecipado do Contrato no Direito Brasileiro. R.
EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 56, p. 145-172, out-dez. 2011, p. 157.
456
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 169.
457
MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua aplicação no Direito
brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007, p. 212.
151
dificuldade ou a impossibilidade temporária458 também não enseja a configuração do
estado de não poder adimplir459, haja vista que, nesses casos, não haverá a definitividade e
a certeza exigidas.
Nesse sentido, explica Ruy Rosado de Aguiar que “ficam excluídas a simples
dificuldade e a impossibilidade temporária. A prática de atos contrários ao contrato e à
declaração do devedor devem estar devidamente demonstradas e caracterizadas, criando
uma situação que inevitavelmente levará ao descumprimento”460. Adotando o mesmo
posicionamento, esclarece José Roberto de Castro Neves que “a mera dificuldade no futuro
cumprimento ou o receio do credor de que não entregará a prestação não acarretam o
inadimplemento antecipado”461.
458
Como exemplo de impossibilidade temporária pode ser mencionado o caso de promitente vendedor de
unidade imobiliária que aliena o mesmo imóvel a terceiro com cláusula de retrovenda a ser executada antes
do advento do termo da promessa. TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo.
Rio de Janeiro: Renovar. 2009. p. 177.
459
AGUIAR JR., Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução). Rio de
Janeiro: Aide. 1991. p. 127.
460
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2. Ed. Rio de
Janeiro: AIDE. 1991. p.127.
461
NEVES, José Roberto de Castro. O direito das obrigações. Rio de Janeiro: GX. 2008. p. 355.
462
ANDRADE, Luis Tomás Alves de. O Inadimplemento Antecipado do Contrato no Direito Brasileiro. R.
EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 56, p. 145-172, out-dez. 2011, p. 157.
463
ANDRADE, Luis Tomás Alves de. O Inadimplemento Antecipado do Contrato no Direito Brasileiro. R.
EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 56, p. 145-172, out-dez. 2011, p. 159.
152
Art. 234. Se no caso do artigo antecedente464, a coisa se perder, sem culpa do
devedor, antes da tradição ou pendente a condição suspensiva, fica resolvida a
obrigação para ambas as partes; se a perda resultar de culpa do devedor,
responderá este pelo equivalente e mais perdas e danos.
Pode ocorrer que, por ocasião da entrega da coisa, ela tenha se “perdido”, com
culpa ou sem culpa do devedor. Em linguagem jurídica, por “perda” quer-se dizer
perecimento total do objeto ou desaparecimento patrimonial467. Caio Mário da Silva
Pereira explica que “o conceito de perda, para o direito, é lato, e tanto abrange o seu
desaparecimento total (interitus rei), quanto ainda o de deixar de ter suas qualidades
essenciais, ou de tornar indisponível, ou situar-se em lugar que se tornou inatingível, ou
ainda de confundir-se com outra”468.
464
O artigo 233 do Código Civil dispõe que “a obrigação de dar coisa certa abrange os acessórios dela
embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do título ou das circunstâncias do caso”.
465
Álvaro Villaça Azevedo conceitua as obrigações de dar coisa certa da seguinte forma: AZEVEDO, Álvaro
Villaça. Teoria geral das obrigações: responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 57.
466
Álvaro Villaça Azevedo conceitua as obrigações de dar coisa certa da seguinte forma: AZEVEDO, Álvaro
Villaça. Teoria geral das obrigações: responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas. 2004. p. 57.
467
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações: responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas.
2004. p. 58.
468
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. vol. II. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2005. p. 51.
153
Pode ocorrer, entretanto, que, por ocasião da entrega da coisa, tenha ela perecido
ou se deteriorado, com culpa ou sem culpa do devedor. [...]
Ocorrendo culpa do devedor, em face do perecimento do objeto, tem o credor
direito a receber o equivalente e mais perdas e danos, segundo estabelece o art.
234, segunda parte, do CC. Quando a lei se refere ao termo equivalente, quer
mencionar o equivalente em dinheiro, de maneira que, havendo o perecimento, a
perda total da coisa, com culpa do devedor, deve este entregar a seu credor o
equivalente em dinheiro, que corresponde ao valor do objeto perecido, mais as
perdas e danos, que denotarão o prejuízo sofrido.469
O seguinte exemplo formulado por Ruy Rosado de Aguiar Júnior serve bem
para ilustrar que o artigo 234 do Código Civil pode ser considerado uma hipótese de
inadimplemento antecipado por impossibilidade:
“A” contrata permutar o seu automóvel, que desde logo transfere a “B”, devendo
deste receber, dentro de alguns dias, uma camioneta, a qual vem a ser destruída
em incêndio, antes da data aprazada para a entrega. Se o incêndio resultou de
caso fortuito, para o qual não concorreu culposamente “B”, nem negligenciou ele
na produção do evento ou na causação do resultado, a relação obrigacional está
extinta ex vi legis, “resolvida a obrigação para ambas as partes” (art. 865 do
469
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações: responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas.
2004. p. 58-59.
470
Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barbosa e Maria Celina Bodin, após discorrerem sobre o artigo 234 do
Código Civil, afirmam que “o mesmo raciocínio se aplica a um negócio realizado a termo”. TEPEDINO,
Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado
conforme a Constituição da República. v. I. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar. 2007. p. 502.
471
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 173.
154
Código Civil). Se o incêndio decorreu de ato imputável a “B”, que teria sido
negligente no cuidado dispensado ao veículo, a relação não está extinta ipso jure:
o credor pode dar execução ao contrato, mantendo a sua prestação (transferência
do automóvel a “B”) e exigir de “B” o equivalente da camioneta destruída, mais
perdas e danos (art. 865, 2ª parte). Optando por resolver a obrigação, em face da
culpa de “B”, o credor tem o direito de obter a restituição de seu automóvel, mais
perdas e danos.472
Com efeito, se o devedor agiu com culpa ao deixar que a sua camioneta fosse
destruída em incêndio, ele claramente praticou ato contrário ao cumprimento da obrigação
antes do termo contratual, e impossibilitou, antecipadamente, o cumprimento da prestação
devida (entrega da camioneta em boas condições). Trata-se, inegavelmente, de caso que
satisfaz o suporte fático objetivo do inadimplemento antecipado.
472
AGUIAR JR., Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução). Rio de
Janeiro: Aide. 1991. p. 103.
473
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.
p. 182; LABOURIAU, Miguel. Algumas considerações sobre o inadimplemento antecipado no direito
brasileiro. Revista Trimestral de Direito Civil, v. 42, abr./jun. 2010, Padma, Rio de Janeiro, p. 114-115;
ANDRADE, Luis Tomás Alves de. O Inadimplemento Antecipado do Contrato no Direito Brasileiro. R.
EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 56, p. 145-172, out-dez. 2011, p. 157.
155
Por fim, para que esteja configurado o inadimplemento antecipado – seja na
hipótese de recusa expressa, seja na de comportamento concludente do devedor –
há que se verificar não apenas os elementos objetivos acima elencados, mas
também a existência do elemento subjetivo, qual seja, a culpa do devedor.474
474
ANDRADE, Luis Tomás Alves de. O Inadimplemento Antecipado do Contrato no Direito Brasileiro. R.
EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 56, p. 145-172, out-dez. 2011, p. 157.
475
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 182.
156
Por exemplo, em um contrato de compra e venda de unidades imobiliárias em
construção que seja regido pelo Código de Defesa do Consumidor, que prevê a
responsabilidade objetiva do fornecedor, não é necessário comprovar a culpa da
construtora para caracterizar o inadimplemento antecipado caso se constate, com
probabilidade próxima à certeza, que o apartamento não será entregue na data pactuada em
virtude de um caso fortuito interno (ex: chuvas intensas que provocaram o atraso da obra).
Assim, tal como ocorre no inadimplemento posterior ao termo, o inadimplemento
antecipado não se verifica somente se houver culpa de uma das partes contratantes.
476
Para análise dos efeitos do inadimplemento antecipado, confira-se o terceiro capítulo.
477
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 184.
157
Em linhas gerais, o risco de descumprimento diz respeito àquelas situações em
que, apesar de não configurado o efetivo inadimplemento antecipado, existe uma
considerável probabilidade de, no futuro, o devedor não conseguir adimplir a obrigação no
tempo, modo e lugar pactuados, o que autoriza que o credor aja de imediato no sentido de
proteger o seu crédito.
478
Os exemplos são de TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de
Janeiro: Renovar. 2009. p. 187.
479
O exemplo é de VILLELA, João Baptista et al. Princípios UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais
Internacionais/2004 [versão em língua portuguesa]. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 240.
158
Roberto de Castro Neves, “a mera dificuldade no futuro cumprimento ou receio
do credor de que o devedor não entregará a prestação não acarretam o
inadimplemento antecipado. Deve haver a certeza de que, pelas circunstâncias
atuais, o devedor não estará apto a cumprir o seu dever obrigacional”. Lembra o
autor, com razão, em que as situações em que não há certeza, mas tão-somente
uma “alta probabilidade de inadimplemento, antevista pelo credor”, escapam à
esfera do Inadimplemento Antecipado, sendo regidas pelo art. 477, CC/02
(LGL/2002/400) (Exceção de Inseguridade). Em outras palavras é o que na
doutrina francesa refere Laithier, mencionando a existência de uma “situação
inequívoca”, manifesta, não sendo suficiente que o credor tema o futuro
inadimplemento.480
In order for the Article to apply it must be “clear” that the debtor is not willing or
able to perform at the due date. An express repudiation by the debtor will satisfy
this requirement but even in the absence of a repudiation the circumstances may
make the situation clear. If the debtor’s behavior merely engenders doubt as to
willingness or ability to perform, the creditor’s remedy is to demand an
assurance of performance.481
Certo risco é inerente a todo e qualquer contrato. Não é dado nem desejável que
a legislação o elimine. Caso contrário, sequer haveria interesse em contratar, ou
seja, em planejar, em dispor para o futuro. Corrigir excessos, sim, é tarefa do
direito. [...]
480
MARTINS-COSTA, Judith H. A recepção do incumprimento antecipado no direito brasileiro:
configurações e limites. Revista dos Tribunais, v. 885, p. 33.
481
VON BAR, Christian; CLIVE, Eric. Principles, Definitions and Mode, Rules of European Private Law.
Draft Common Frame of Reference (DCRF). Full Edition. v. I. Sellier. p. 509. Em tradução livre: “Para que o
Artigo seja aplicável deve estar ‘claro’ que o devedor não está disposto ou capaz de cumprir com as
obrigações assumidas até a data de seu adimplemento. Um repúdio expresso pelo devedor irá satisfazer esse
requisito, mas, mesmo na ausência do repúdio, as circunstâncias podem tornar a situação clara. Se o
comportamento do devedor meramente gera dúvidas quanto à vontade ou capacidade para cumprimento, o
remédio do credor é exigir uma garantia de performance.”
482
MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. T. XXVI. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1959. p. 110.
159
Pode ocorrer, entretanto, que a situação patrimonial da parte que deve prestar
depois comprometa ou torne duvidosa a execução do contrato. Nessa hipótese, a
parte que deve cumprir em primeiro lugar pode recusar-se a executar sua
prestação até que a outra satisfaça sua obrigação ou, pelo menos, forneça
garantia suficiente. Trata-se da chamada exceção de inseguridade, cujo objetivo
é evitar riscos extraordinariamente impostos à parte.483
483
ZANETTI, Cristiano de Souza. Exceção de Contrato não Cumprido. In: MORRIS, Amanda Zoe; barroso,
Lucas Abreu (Coord.). Direito dos contratos. Orientação de Giselda M. F. Novaes Hironaka. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais. 2008. p. 222.
484
“Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuição em seu
patrimônio capaz de comprometer ou tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-
se à prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou dê garantia bastante de
satisfazê-la.”
485
Interessante a análise sobre o artigo 477 do Código Civil: “O dispositivo exatamente seguinte, do artigo
477, cuida da hipótese de a parte temer um futuro – e ameaçador – inadimplemento. A lei deve ser
inteligente. Cumpre ao legislador antecipar-se à situação fática, regulando a hipótese para que, se e quando
ela ocorrer, já exista a norma pertinente. Imagine-se a seguinte situação: depois de celebrado um contrato, no
qual cada uma das partes deva cumprir certas obrigações, uma delas tem seu patrimônio duramente afetado.
A parte que manteve sua situação financeira, então, encara o dilema de cumprir a sua prestação, e não receber
a contraprestação, ou, de outro lado, ficar inadimplente, mas, ao menos, proteger seu patrimônio (pois se
cumprisse a sua parte, há o risco de jamais receber a contraprestação, ou mesmo uma reparação pelo
inadimplemento da contraparte). Pensando nessa situação, o legislador estabeleceu a regra do artigo 477 do
Código Civil, segundo a qual, em casos como o narrado acima – de uma das partes sofrer sensível
decréscimo patrimonial –, a parte interessada possa pedir a outra que cumpra, desde logo, a sua prestação, ou
forneça garantias de que irá satisfazê-la. Trata-se, claro, de uma medida acautelatória. A parte de uma relação
obrigacional, antes de cumprir a sua prestação e antes de receber seu pagamento, invocando o artigo 477 do
Código Civil, requer da contraparte o pagamento antecipado, ou o oferecimento da garantia, quando tiver
aquela sofrido considerável perda patrimonial, que torne duvidosa a sua solvência.” (NEVES, José Roberto
de Castro. As Garantias do Cumprimento da Obrigação. Revista da EMERJ, v. 11, nº 44, 2008. p. 189).
486
“Art. 495. Não obstante o prazo ajustado para o pagamento, se antes da tradição o comprador cair em
insolvência, poderá o vendedor sobrestar a entrega da coisa, até que o comprador lhe dê caução de pagar no
tempo ajustado.”
160
torna insolvente antes da tradição, e no artigo 590487, aplicável aos contratos de mútuo,
quando o mutuário sofrer notória mudança em sua situação econômica antes do prazo de
vencimento.
487
“Art. 590. O mutuante pode exigir garantia da restituição, se antes do vencimento o mutuário sofrer
notória mudança em sua situação econômica.”
488
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. III. Rio de Janeiro: Forense. 2006. p. 161.
489
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. T. XXVI. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1959. p.
109-111.
161
A perda patrimonial que caracteriza o risco de descumprimento deve ser
superveniente à formação do contrato e grave o suficiente para suscitar dúvida quanto à
efetiva possibilidade de adimplemento da prestação490. Não basta a mera desconfiança de
que o patrimônio da outra parte foi afetado por perda superveniente; é necessário
demonstrar a presença de indícios satisfatórios que demonstrem dúvida significativa
quanto ao risco de adimplemento da contraprestação. Por outro lado, embora o artigo 495
do Código Civil se refira à insolvência do devedor, entende-se que não é necessária a
decretação de falência ou de insolvência civil do devedor, mas um estado de
“insolvabilidade”, um estado patrimonial que permita presumir a insolvência 491. É o que
observa Cristiano Zanetti:
É importante destacar que nenhum dos três dispositivos do Código Civil que
tratam do risco de inadimplemento impõe verificar se houve culpa da parte que sofreu
abalo patrimonial. O objetivo do legislador nesses dispositivos não foi de punir o
490
No mesmo sentido, Cristiano de Sousa Zanetti afirma que “os pressupostos de oposição da exceção de
inseguridade foram estudados à saciedade pela doutrina. De um lado, a diminuição do patrimônio deve ser
bastante a pôr em risco a execução da prestação prometida. Não basta a mera oscilação negativa que, aliás, é
frequente no patrimônio de toda e qualquer pessoa jurídica. A exceção de inseguridade protege a parte apenas
das flutuações patrimoniais excepcionais. De outro, a exceção somente pode ser manejada se a diminuição
patrimonial se der após a conclusão do contrato. Não há espaço para invocá-la, portanto, se o patrimônio do
devedor comprometer a execução do avençado desde a celebração do negócio. A exceção protege o
contratante de uma circunstância bastante específica. Não serve, porém, para eximi-lo do ônus de se informar
a respeito da situação patrimonial da parte contrária”. ZANETTI, Cristiano de Souza. Inadimplemento
Antecipado da Obrigação Contratual. In: CELLI JUNIOR, Umberto; BASSO, Maristela; AMARAL
JÚNIOR, Alberto do (Coord). Arbitragem e comércio internacional: estudos em homenagem a Luiz Olavo
Baptista. São Paulo: Quartier Latin. 2013. p. 312.
491
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 186.
492
ZANETTI, Cristiano de Souza. Exceção de Contrato não Cumprido. In: MORRIS, Amanda Zoe;
BARROSO, Lucas Abreu (Coord.). Direito dos contratos. Orientação de Giselda M. F. Novaes Hironaka.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2008. p. 222-223.
162
contratante, mas apenas proteger o equilíbrio contratual e minimizar o risco de
inadimplemento493.
493
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 186.
494
Neste sentido: SCHREIBER, Anderson. A tríplice transformação do adimplemento. Adimplemento
substancial, inadimplemento antecipado e outras figuras. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro,
v. 32, out./dez 2007, p. 12-13; ZANETTI, Cristiano de Souza. Inadimplemento Antecipado da Obrigação
Contratual. In: CELLI JUNIOR, Umberto; BASSO, Maristela; AMARAL JÚNIOR, Alberto do (Coord).
Arbitragem e comércio internacional: estudos em homenagem a Luiz Olavo Baptista. São Paulo: Quartier
Latin. 2013. p. 318; TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro:
Renovar. 2009. p. 187.
163
avençados lhe autorizem. Trata-se de um exercício inaceitável de posição jurídica
qualificado pela doutrina como tu quoque495.
495
A esse respeito, Cristiano de Sousa Zanetti afirma que: “caso o comportamento do contratante ponha em
risco a observância do programa contratual, não se afigura conforme a exigência de lealdade permitir que se
pretenda o cumprimento da prestação alheia antes de executar aquilo a que se obrigou ou, ao menos, de
oferecer garantia idônea de que o fará.” ZANETTI, Cristiano de Souza. Inadimplemento Antecipado da
Obrigação Contratual. In: CELLI JUNIOR, Umberto; BASSO, Maristela; AMARAL JÚNIOR, Alberto do
(Coord). Arbitragem e comércio internacional: estudos em homenagem a Luiz Olavo Baptista. São Paulo:
Quartier Latin. 2013. p. 319.
496
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 187-188.
497
O exemplo é de VILLELA, João Baptista et al. Princípios UNIDROIT Relativos aos Contratos
Comerciais Internacionais/2004 [versão em língua portuguesa]. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 240.
164
respectiva prestação ou tomar as medidas necessárias para cumprir a prestação devida no
prazo pactuado498.
498
Nesse sentido o seguinte acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “VENDA DE AÇÕES E
CONTROLE ACIOÁRIO DE EMPRESA. PREÇO CONSTITUÍDO POR PARCELA EM DINHEIRO E
CONCURSO PARA CONSTRUÇÃO DE GRANDE PRÉDIO DESTINADO À HOTEL DE TURISMO.
RECUSA DO VENDEDOR DAS AÇÕES EM EFETUAR A TRANSFERÊNCIA DAS MESMAS,
RECEOSO DO NÃO CUMPRIMENTO DA CONTRAPRESTAÇÃO DA COMPRADORA. AÇÃO DE
RESCISÃO DO NEGÓCIO. AÇÃO CONCOMITANTE DA ADQUIRENTE, OBJETIVANDO
COMPELIR O VENDEDOR A TRANSFERIR AS AÇÕES. EXCEÇÃO DE INSEGURIDADE DO
VENDEDOR.INADIMPLEMENTO DA COMPRADORA, QUE APENAS SATISFEZ A PARCELA DO
PREÇO REPRESENTADA POR MOEDA CORRENTE. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO DO
VENDEDOR, MAS ACOLHIMENTO DA EXCEÇÃO DE INSEGURIDADE. PROCEDÊNCIA PARCIAL
DA AÇÃO DA COMPRADORA, SUJEITA A PRESTAR CAUÇÃO DO CUMPRIMENTO DE SUA
CONTRAPRESTAÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL À PRIMEIRA APELAÇÃO E INTEGRAL À
SEGUNDA.” (TJRS, Apelação Cível nº 500406772, Rel. Des. Edson Alves de Souza, j. 27.10.1982)
499
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. T. XXVI. Rio de Janeiro: Editor Borsoi. 1959. p.
110.
165
descumprimento da prestação devida500. Assim, se for mais provável do que improvável o
descumprimento da prestação devida, há efetivo risco de descumprimento, a autorizar o
credor a adotar as medidas cabíveis para a proteção do credito501.
Article 71
(1) A party may suspend the performance of his obligations if, after the
conclusion of the contract, it becomes apparent that the other party will not
perform a substantial part of his obligations as a result of:
(a) a serious deficiency in his ability to perform or in his creditworthiness; or
(b) his conduct in preparing to perform or in performing the contract.502
500
Segundo Cristiano de Sousa Zanetti, “não se exige, todavia, que o descumprimento seja certo. Basta que
seja altamente provável, segundo a avaliação de uma pessoa razoável, familiarizada com as práticas do
mercado. Não se deve atribuir maior relevância, por outro lado, a meras especulações, fruto de uma
sensibilidade excessiva que porventura caracterize uma das partes”. ZANETTI, Cristiano de Souza.
Inadimplemento Antecipado da Obrigação Contratual. In: CELLI JUNIOR, Umberto; BASSO, Maristela;
AMARAL JÚNIOR, Alberto do (Coord). Arbitragem e comércio internacional: estudos em homenagem a
Luiz Olavo Baptista. São Paulo: Quartier Latin. 2013. p. 321.
501
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 190.
502
Em tradução livre: “Artigo 71
(1) A parte pode suspender a execução de sua obrigação caso, após a conclusão do contrato, torna-se
aparente que a outra parte não cumprirá parte substancial de suas obrigações em função de:
(a) uma deficiência séria em sua capacidade de cumprir ou em seu merecimento de crédito; ou
(b) sua conduta na preparação para cumprir ou na execução do contrato.”
503
SCHLECHTRIEM, Peter; SCHWENZER, Ingeborg. Comentários à Convenção das Nações Unidas sobre
Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias. Coordenação de tradução de Eduardo Grebler,
Vera Fradera, César Guimarães Pereira. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2014. p. 1.058.
504
Jelana Vilus afirma que “as provided by Art. 71, one of the contracting parties may suspend his
obligations if, after the conclusion of the contract, it becomes evident that the other party will ‘not perform a
166
No mesmo sentido se encontra o artigo 7.3.4 dos princípios UNIDROIT
relativos aos Contratos Comerciais Internacionais:
Uma parte que acredite razoavelmente que haverá inadimplemento essencial pela
outra parte pode exigir garantia adequada do adimplemento e, nesse entretempo,
suspender a execução de sua própria obrigação. Se a garantia não é dada dentro
de prazo razoável, a parte que a exigiu pode extinguir o contrato.
Com relação ao referido artigo, João Baptista Villela assevera que ele protege o
interesse da parte que acreditar que a outra parte será incapaz ou não estará disposta a
adimplir o contrato no termo pactuado contratualmente, mas não pode valer-se do artigo
7.3.3 dos princípios UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais Internacionais, que
trata do inadimplemento antecipado do contrato, “uma vez que ainda há uma possibilidade
de que a outra parte ainda queira ou possa adimplir”505.
substantial part of his obligations’. However, it is not sufficient that this is foreseeable on the basis of a
subjective evaluation of one of the parties and may also be the ground for an abuse. Instead, the Vienna
Convention insists on two additional conditions: a serious deficiency in his ability to perform or in his
creditworthiness; or his conduct in preparing to perform or in performing the contract”. VILUS, JELENA.
Provisions common to the obligations of the seller and the buyer. In: International Sale of Goods. Dubrovnik
Lectures. Oceana Publications. 1986. p. 241) Em tradução livre: “conforme previsto no Artigo 71, uma das
partes contratantes poderá suspender as suas obrigações se, após a celebração do contrato, tornar-se evidente
que a outra parte ‘não vai substancialmente adimplir com as suas obrigações’. No entanto, não é suficiente
que seja previsível com base em uma avaliação subjetiva de uma das partes, podendo ser motivo de abuso.
Em vez disso, a Convenção de Viena insiste em duas condições adicionais: uma deficiência séria em sua
capacidade de cumprir ou em seu merecimento de crédito; ou na sua conduta na preparação para cumprir ou
na execução do contrato.”
505
VILLELA, João Baptista et al. Princípios UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais
Internacionais/2004 [versão em língua portuguesa]. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 239.
506
“III.3:401: Right to withhold performance of reciprocal obligation
(1) A creditor who is to perform a reciprocal obligation at the time as, or after, the debtor perform has a
right to withhold performance of the reciprocal obligation until the debtor has tendered performance or has
performed.
(2) A creditor who is to perform a reciprocal obligation before the debtor performs and who reasonably
believes that there will be non-performance becomes due may withhold performance of the reciprocal
167
Diante do exposto, resta demonstrado que o inadimplemento antecipado se
distingue do mero risco de descumprimento por exigir uma probabilidade próxima da
certeza de que o devedor não desejará ou conseguirá adimplir a prestação no termo
contratual; aplicando-se o risco de descumprimento àquelas situações em que o devedor –
por seu comportamento ou pela deterioração do seu patrimônio – torna duvidosa, com um
alto de grau de probabilidade, a entrega da prestação devida no momento, modo e lugar
pactuado entre as partes.
No Direito brasileiro, a eventual dúvida opera em favor do devedor, uma vez que
o regramento do Código Civil lhe assegura a possibilidade de empregar todo o
tempo disponível para cumprir sua prestação. Caso sua conduta apenas ponha em
risco a satisfação do programa contratual, o credor pode, no máximo, opor a
exceção de inseguridade.
Sendo certa a inexecução do pactuado, por outro lado, carece de sentido
condicionar a intervenção do contratante prejudicado à expiração do termo
acordado. Raciocinar em sentido diverso implicaria punir quem pretende ater-se
do avençado, para proteger aquele que se recusa a honrar o prometido. Repudiar
a deslealdade é imprescindível à preservação do princípio da boa-fé, cuja
centralidade para o direito dos contratos não comporta discussão 507.
obligation for as long as the reasonable belief continues. However, the right to withhold performance is lost if
the debtor gives an adequate assurance of due performance.
(3) A creditor who withholds performance in the situation mentioned in paragraph (2) has a duty to give
notice of that fact to the debtor as soon as is reasonably practicable and is liable for any loss caused to the
debtor by a breach of that duty.
(4) The performance which may be withheld under this Article is the whole part of the performance as
may be reasonable in the circumstances.”
Em tradução livre: “III.3:401: Direito à recusa da prestação da obrigação recíproca
(1) O credor que deverá cumprir uma obrigação recíproca no momento ou após o cumprimento do
devedor terá o direito de reter o cumprimento da obrigação recíproca até que o devedor tenha cumprido com
as obrigações assumidas.
(2) O credor que deverá cumprir uma obrigação recíproca antes do devedor cumprir a sua obrigação e
que razoavelmente acreditar que haverá inadimplemento, pode se recusar a cumprir a obrigação recíproca
enquanto continuar a acreditar no inadimplemento. No entanto, o direito de reter o cumprimento da obrigação
se extingue se o devedor prestar garantia do cumprimento.
(3) O credor que retiver sua obrigação na situação descrita no parágrafo (2) tem o dever de notificar o
fato ao devedor assim que possível e é responsável por perdas e danos causados ao devedor pelo
descumprimento desse dever.
(4) A obrigação que pode ser retida de acordo com esse artigo é toda a parte da obrigação que se
demonstrar razoável nas circunstâncias.”
507
ZANETTI, Cristiano de Souza. Inadimplemento Antecipado da Obrigação Contratual. In: CELLI
JUNIOR, Umberto; BASSO, Maristela; AMARAL JÚNIOR, Alberto do (Coord). Arbitragem e comércio
internacional: estudos em homenagem a Luiz Olavo Baptista. São Paulo: Quartier Latin. 2013. p. 324.
168
É importante advertir que o perigo que se corre ao analisar o inadimplemento
antecipado sem distingui-lo do risco de descumprimento, bem como sem atentar para a
possibilidade de ampliação do seu suporte fático objetivo, é qualificar situações em que é
duvidosa a entrega da prestação devida como inadimplemento antecipado, que dá ensejo a
consequências jurídicas mais severas, conforme se examinará no terceiro capítulo.
508
Sobre o conceito de termo: “o termo consiste no elemento que subordina o início ou o término da eficácia
do negócio jurídico a um evento futuro e certo (Zeno Veloso, Condição, p. 82). A futuridade e a certeza do
evento caracterizam o termo. Desse modo, sua ocorrência só poderá se verificar no futuro. Não se confunde
com a condição especificamente pela certeza que o caracteriza, de modo que a existência e a eficácia do
negócio com termo estão asseguradas, verificando somente um limite temporal especial”. TEPEDINO,
Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado
conforme a Constituição da República. v. I, 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar. 2007. p. 263. Caio
Mário da Silva Pereira afirma que “a eficácia do negócio jurídico pode ser temporalmente determinada,
ficando a declaração de vontade subordinada ao curso de tempo. Fixam as partes ou estipula o agente um
momento em que começa ou cessa a produção de seus efeitos. A esse dia dá-se o nome de termo, que pode
assim ser inicial ou final. É inicial ou suspensivo (dies a quo), quando é a partir dele que se pode exercer o
direito; é final ou extintivo (dies ad quem), quando nele encontra fim a produção de efeitos do negócio
jurídico”. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. I. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense.
2005. p.575.
509
SILVA, Clóvis do Couto e. A obrigação como processo. Rio de Janeiro: Editora FGV. 2006. p. 168.
510
SILVA, João Calvão da. Cumprimento e sanção pecuniária compulsória. Coimbra: Livraria dos
Advogados Editora. 1987. p. 72.
511
Para uma análise aprofundada sobre o tema do “tempo”, recomenda-se: SIMÃO, José Fernando.
Prescrição e decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas. 2013.
169
O interesse humano pode ser colocado no tempo, sob o ponto de vista jurídico,
de diversos modos. Nos negócios instantâneos, a constituição e a extinção da relação
obrigacional coincidem. Todavia, na maioria das vezes, há um lapso temporal entre o
início e a extinção da relação, quando as partes ajustam um prazo para o adimplemento da
prestação. Nesse caso, a relação obrigacional se apresenta como um conjunto de atos
dirigidos à realização do interesse do credor no termo ajustado512.
512
O tempo pode ser fator de classificação das obrigações, a partir do que se distinguem efeitos e
regramentos jurídicos próprios. Duas são elas: as obrigações puras e as obrigações a termo (com prazo para
pagamento). As obrigações puras são aquelas nas quais não há prazo para o pagamento, devendo a obrigação
ser prestada imediatamente; ao passo que a obrigação a termo (ou a prazo) é definida pela doutrina como
“aquela em que as partes subordinam os efeitos do negócio jurídico a um evento futuro e certo”.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. v. 2: Teoria geral das obrigações. 8. ed. São Paulo:
Saraiva. 2011. p. 204.
513
A determinação do momento em que a obrigação deve ser cumprida é de fundamental importância, haja
vista que a obrigação somente se torna exigível quando vencida. Em regra, o vencimento de uma obrigação é
estipulado pelos contratantes, derivando de sua vontade, mas nem sempre isso acontece (há relações
obrigacionais sem essa estipulação, outras existem em que o vencimento decorre da natureza da prestação, e
a própria lei o determina em alguns casos). Quando o vencimento não é voluntariamente estipulado, ou não
decorre da natureza da prestação ou de lei, o credor pode exigir o cumprimento imediato da obrigação
(princípio da satisfação imediata). Quando houver data para vencimento da obrigação a sua aposição difere o
direito do credor de exigir a prestação. A esse respeito, Cristiano de Sousa Zanetti comenta que “na falta de
estipulação a propósito do tema, o credor pode exigir o adimplemento desde logo, segundo previsto no art.
331 do Código Civil. Frequentemente, porém, as partes preferem disciplinar a relação de modo diverso, com
o propósito de interpor certo lapso temporal entre a celebração e a execução do contrato. Para tanto,
concluem um contrato de execução diferida, continuada ou periódica. Nas duas últimas hipóteses, a dilação
temporal desempenha um papel decisivo na economia contratual, razão pela qual tais negócios costumam ser
qualificados como contratos de duração”. ZANETTI, Cristiano de Souza. Inadimplemento Antecipado da
Obrigação Contratual. In: CELLI JUNIOR, Umberto; BASSO, Maristela; AMARAL JÚNIOR, Alberto do
(Coord). Arbitragem e Comércio Internacional: estudos em homenagem a Luiz Olavo Baptista. São Paulo:
Quartier Latin. 2013. p. 312.
514
Sobre a questão, confira-se o posicionamento de Jorge Cesa Ferreira da Silva: “quando o pagamento é
protraído, o prazo entre o nascimento da obrigação e do vencimento corresponde, na prática, aos interesses de
uma ou de ambas as partes. O prazo pode ter sido dado porque o credor não podia receber as máquinas
170
partes “a sua aposição difere o direito do credor de exigir a prestação”515. Nessa direção,
diz-se que, na obrigação a termo, a situação jurídica, apesar de existente, afigura-se
inexigível (inexigibilidade provisória).
Entretanto, conforme será exposto a seguir, o termo, por si só, não importa
necessariamente a inexigibilidade da prestação. Isso porque apenas uma análise funcional
do termo – conduzida à luz da concepção dinâmica e funcional da obrigação – pode indicar
se aquela estrutura é capaz de produzir determinado resultado e deverá ser mantida no caso
concreto. Para tanto, deverá ser examinado o fundamento da inexigibilidade da obrigação,
o interesse que o termo visa tutelar concretamente no âmbito daquela particular relação
jurídica516.
adquiridas antes de ter o seu pessoal treinado para usá-las, ou porque o devedor não tinha dinheiro para
realizar o pagamento à vista, ou ainda porque as duas partes estavam distantes do lugar em que a prestação
deveria se realizar, necessariamente com a participação de ambas. Assim, o prazo pode ser fixado em
‘benefício’ do credor, do devedor ou no benefício de ambas as partes (o chamado ‘termo netutro’). (SILVA,
Jorge Cesa Ferreira da. Adimplemento e Extinção das Obrigações. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.
2007. p. 253).
515
GOMES, Orlando. Obrigações. 16. ed. rev., atual. e aum., de acordo com o Código Civil de 2002, por
Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p. 119.
516
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 71.
517
Cristiano de Sousa Zanetti afirma que “de acordo com o art. 133 do Código Civil, presume-se que o termo
tenha sido estabelecido em favor do devedor. Por outras palavras, embora a prestação ainda não seja exigível,
o devedor pode dela se desincumbir, dado que o cumprimento só tende a favorecer o próprio destinatário.
Não há espaço, porém, para que o credor reclame sua execução antes do tempo. Prevê-se, inclusive, pena
para quem procede de maneira açodada, conforme disposto no art. 939, também do Código Civil. Nada obsta,
entretanto, que o termo seja estabelecido em favor de ambas as partes, caso em que nenhuma delas poderá
deixar de observá-lo, exceção feita ao previsto no art. 52, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor.
Somente muito raramente o termo será estabelecido em favor do credor, situação em que não poderá ser
foçado a aceitar a prestação antes da hora”. ZANETTI, Cristiano de Souza. Inadimplemento Antecipado da
Obrigação Contratual. In: CELLI JUNIOR, Umberto; BASSO, Maristela; AMARAL JÚNIOR, Alberto do
(Coord). Arbitragem e comércio internacional: estudos em homenagem a Luiz Olavo Baptista. São Paulo:
Quartier Latin. 2013. p. 313.
171
de regra, o termo implica a inexigibilidade da prestação e limita o exercício do direito de
crédito518.
Entende-se que, enquanto benefício, o termo pode ser renunciado por seu
beneficiário. Assim, o termo estabelecido em benefício do devedor permite que este
adimpla a sua obrigação antes do seu advento, negando-se ao credor o direito de recusar o
recebimento da prestação, sob pena de incorrer em mora (mora creditoris). De outro lado,
o credor não pode exigir o adimplemento antecipadamente ao termo fixado em benefício
do devedor, salvo nas exceções previstas em lei519.
O termo também pode ser fixado em benefício do credor, hipótese em que não
se suspende a exigibilidade, mas a possibilidade de cumprimento. Isso significa dizer que o
credor pode exigir o cumprimento da obrigação desde logo, mas o devedor não pode
prestar antes de transcorrido o prazo. A obrigação é exigível nesse caso. É o que ocorre no
exemplo clássico do contrato de depósito, no qual, nada obstante a existência de prazo,
pode o credor da coisa (depositante) exigi-la a qualquer momento520.
518
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações. 6. ed., São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais. 1997. p. 128.
519
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Adimplemento e extinção das obrigações. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais. 2007. p. 253.
520
O exemplo é de SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Adimplemento e extinção das obrigações. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais. 2007. p. 255.
521
O exemplo é de SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Adimplemento e extinção das obrigações. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais. 2007. p 256.
172
Verifica-se, assim, que, em regra, o termo ajustado em benefício do devedor ou
de ambas as partes importa em inexigibilidade da prestação durante a sua pendência
(inexigibilidade temporária). Entretanto, um exame funcional do termo contratual, à luz
das especificidades do caso concreto, pode excepcionar a regra, tornando a prestação
exigível antes de seu advento.
522
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 76.
523
SILVA, João Calvão da. Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória. Coimbra: Livraria dos
Advogados Editora. 1987. p. 69.
524
É assim que se posiciona Antunes Varela: “Há circunstâncias que, apesar de a obrigação ser a prazo e de
este ser estabelecido em benefício exclusivo ou conjunto do devedor, determinam o vencimento imediato da
obrigação, por caducidade do prazo estabelecido. A primeira delas, prevista no n.º I do artigo 780º, é a de ‘o
devedor se tornar insolvente, ainda que a insolvência não tenha sido judicialmente declarada’. A insolvência
consiste na situação em que se encontra o devedor, cujo passivo excede o activo do seu patrimônio. Logo que
esta situação se verifique, a dívida a termo torna-se imediatamente exigível, na medida em que deixa de
justificar-se a confiança do credor no devedor, que está na base da concessão do prazo.” VARELA, João de
Mattos Antunes. Das obrigações em geral. Coimbra: Almedina. 1970. p. 722.
173
merecer essa confiança, não pode subsistir o prazo, pressupondo-se subentendido que o
devedor, ao contratar, houvesse feito essa ressalva natural”525.
525
CARVALHO SANTOS, J. M. de. Código Civil brasileiro interpretado. v. XII. 8. Ed, Rio de Janeiro:
Livraria Freita Bastos. 1963, p. 299.
526
DIEZ-PICAZO, Luis e GULLON, Antonio. Sistema de depreco civil. v. II. Editorial Tecnos: Madrid.
1978. p. 127. Em tradução livre: “existem casos em que, apesar de haver sido estabelecido um prazo para o
cumprimento, a lei permite que o credor repute a dívida antecipadamente vencida e, segundo a expressão
utilizada na lei, o devedor perca o direito de utilizar o prazo. Trata-se dos casos em que há uma perda
superveniente da confiança no devedor e em que é necessário outorgar ao credor uma proteção mais
vigorosa.”
527
GOMES, Orlando. Obrigações. 16. ed. rev., atual. e aum., de acordo com o Código Civil de 2002, por
Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p. 120-121.
174
Com efeito, o Código Civil, no artigo 333, confere ao credor o direito de cobrar
a dívida antes do vencimento do prazo no caso de falência do devedor ou concurso de
credores (inciso I), de penhora em execução por outro credor dos bens hipotecados ou
empenhados (inciso II), ou no caso de cessarem ou se tornarem insuficientes as garantias
do débito, fidejussórias ou reais, e o devedor, intimado, negar-se a reforçá-las. Trata-se de
hipóteses de modificação objetiva da situação patrimonial do devedor ou das garantias que
levaram o credor a celebrar o contrato.
528
GOMES, Orlando. Obrigações. 16. ed. rev., atual. e aum., de acordo com o Código Civil de 2002, por
Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p. 121.
175
Desta feita, se por qualquer razão restar demonstrado que o exercício do
benefício do termo não serve mais para permitir que o devedor cumpra a sua obrigação,
porque o devedor manifestamente não quer adimplir, ou porque a obrigação se tornou
impossível ou inútil para o credor, por fato imputável ao devedor, impõe-se a perda do
benefício, e a prestação se torna, desde logo, exigível.
529
A esse respeito, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald afirmam que “a recusa antecipada ao
cumprimento da obrigação é também uma forma de violação ao princípio da boa-fé, pois a conduta que
denota a falta de interesse de uma das partes em cumprir o dever de prestar é certamente uma lesão ao dever
de confiança que inspira qualquer relação negocial”. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson.
Curso de direito civil 1. 11.. ed, Salvador: Editora JusPodivm. 2013. p. 728.
530
SIMÃO, José Fernando. Prescrição e decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas. 2013. p. 194.
531
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 81.
176
sua natureza jurídica. Os primeiros estudos sobre a figura do inadimplemento antecipado
apontavam-no como uma hipótese de vencimento antecipado da dívida. É este o
entendimento defendido por Serpa Lopes, segundo o qual estaria configurada hipótese de
vencimento antecipado da obrigação na hipótese de suspeição de inadimplemento ou
quando uma parte exige da outra o seu crédito após ter declarado peremptoriamente o seu
propósito de não adimplir a prestação futura que lhe incumbe.
[...] não se trata de cobrir a lei, de riscar o seu texto ou escrever por ele, e sim de
um princípio que se pode lançar nos livres espaços da lei Acrescenta-se, assim,
aos casos de vencimento antecipado em razão de um estado falencial ou de uma
situação de desconfiança resultante de certos atos praticados pelo devedor, uma
outra hipótese em que o vencimento antecipado não é alarmante, não se espraia
por toda a situação financeira do devedor, apenas se restringe a uma situação
singular, para a qual manifestou o propósito de se tornar inadimplente.
Na verdade, o princípio geral é o de o termo haver sido instituído em benefício
do devedor e que a sua pactuação importa em retirar ao credor a possibilidade de
exigir o adimplemento da prestação antes do seu vencimento. Nem é outro o
sentido do art. 126 do Código Civil, prescrevendo que, nos contratos, o prazo se
presume em proveito do devedor, do que resulta que só ao próprio devedor,
quando do seu interesse, é que cabe, de regra, adimplir antecipadamente a sua
prestação, mesmo contra a vontade do credor, a menos que se haja
convencionado o prazo em favor do próprio credor.
E a razão desse princípio é lógica: o vencimento antecipado produz o
inquestionável enriquecimento em benefício do credor, e assim, só ao próprio
devedor ou em casos em que a lei o determina, pode a prestação ser exigida
antecipadamente. Mas, indubitavelmente, tanto na situação de suspeição como
no caso de afirmação antecipada do propósito de não adimplir, tudo isso
representa uma circunstância que exige deferir-se ao credor uma posição
protetora, máxime ao momento em que ele, a seu turno, como credor é obrigado
a cumprir uma prestação organicamente vinculada a uma outra ainda futura de
que é credor, porém já tendo ela impendente a afirmação categórica de não ir ser
cumprida.532
532
SERPA LOPES, Miguel Maria. Exceções substanciais: exceção de contrato não cumprido (exceptio non
adimpleti contractus). Rio de Janeiro: Freitas Bastos. 1959. p. 293-295.
177
João Baptista Villela533 e Fortunato Azulay534. De acordo com Fortunato Azulay, a
situação de pré-inadimplência reuniria todos “aqueles estados de ordem subjetiva ou
objetiva, absolutos ou relativos em que se acha o contraente que, por resultarem de fatos
presumidos e/ou inequívocos, levam o outro contraente a um justo receio da inexecução da
prestação”535.
533
VILLELA, João Baptista. Sanção por inadimplemento contratual antecipado: subsídios para uma teoria
intersistemática das obrigações. Belo Horizonte. [s.n]. 1966. p. 11 et seq.
534
De acordo com Fortunato Azulay, “a esse teor, e do que nos capítulos anteriores ficou explicitado, se
poderá afirmar que basta admitir a noção de pré-inexecução ou pré-inadimplência (anticipatory breach) como
categoria jurídica da inexecução contratual, para que se possa sistematizar a matéria em face do direito
escrito (oriundo do direito continental do chamado grupo romano-germânico) e da doutrina já existente na
common law”. AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora
Brasília/Rio. 1977. p. 112.
535
AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio.
1977. p. 47.
536
AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio.
1977. p. 74.
537
AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio.
1977. p. 53.
538
AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio.
1977. p. 113.
178
prestação539. Ao final da sua análise sobre a segunda hipótese de pré-inadimplência, ele
conclui que “já não se tem como objetar à doutrina do vencimento antecipado da obrigação
a justificar para a outra parte o direito de ingressar com a ação competente para exigir a
mantença do contrato com a consequente exigibilidade da prestação ou a sua rescisão com
perdas e danos”540.
539
AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio.
1977. p. 113.
540
AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio.
1977. p. 114-115.
541
Assim entende Jorge Cesa Ferreira da Silva: “De qualquer sorte, os dispositivos citados dão conta da
necessidade de distinção, no direito brasileiro, entre o chamado ‘inadimplemento antecipado’, decorrente da
manifestação cabal e limitada quanto aos seus efeitos enquanto inadimplemento, e o ‘vencimento
antecipado’, encontrável em disposições como a do art.954, quando todos os efeitos do inadimplemento
poderão verificar-se.” SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé e a violação positiva do contrato. Rio de
Janeiro: Renovar. 2002. p. 262.
542
“Art. 333. Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido o prazo estipulado no contrato
ou marcado neste Código:
I - no caso de falência do devedor, ou de concurso de credores;
II - se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em execução por outro credor;
III - se cessarem, ou se se tornarem insuficientes, as garantias do débito, fidejussórias, ou reais, e o devedor,
intimado, se negar a reforçá-las.
Parágrafo único. Nos casos deste artigo, se houver, no débito, solidariedade passiva, não se reputará vencido
quanto aos outros devedores solventes.”
179
impede, contudo, que as partes estipulem por convenção outros fatores que produzam o
vencimento antecipado”543.
543
TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. In: AZEVEDO, Álvaro Villaça (Coord.). Código Civil
comentado: direito das obrigações. São Paulo: Atlas. 2008. p. 246.
544
A esse respeito, Silvio Rodrigues afirma que “em todas as hipóteses de antecipação do vencimento,
mencionadas no art. 333 do Código Civil, encontra-se uma constante. Com efeito, os fatos que conferem ao
credor o direito de cobrar imediatamente um crédito vincendo são de molde a diminuir a possibilidade de
recebimento, se se fosse aguardar até o termo final”. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. v. 2. 30. ed. atual.
São Paulo: Saraiva. 2002. p. 162.
180
ganhe eficácia antes do termo assinalado pelas partes quando da ocorrência de
algumas situações no plano concreto.
A figura que interessa ao presente trabalho é distinta, destacando que Ruy
Rosado de Aguiar que seria possível o incumprimento antecipado quando se
verifique que o devedor adote conduta nitidamente contrária à obrigação
assumida ou manifeste-se expressamente no sentido de não cumprir a obrigação,
de tal modo que seja possível prever, à luz da base fática objetivamente
considerada, que a prestação não será desempenhada. 545
545
CATALAN, Marcos Jorge. Descumprimento contratual. Curitiba: Juruá, 2005. p. 178. Essa também é a
posição de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald: “a resolução antecipada não é expressa em nossa
legislação, não podendo ser confundida com o tradicional instituto do vencimento antecipado do débito. Este
é restrito a situações que induzam o devedor à insolvência, conforme se extrai do art. 333 do Código Civil. Já
o inadimplemento antecipado verifica-se mesmo quando o devedor ainda for solvente, mas exteriorizar
objetivamente a sua vontade de descumprir a obrigação.” FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD,
Nelson. Curso de direito civil 1. 11. ed, Salvador: Editora JusPodivm. 2013. p. 729.
546
Neste sentido: FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil 1. 11. ed,
Salvador: Editora JusPodivm. 2013. p. 729; SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé e a violação positiva do
contrato. Rio de Janeiro: Renovar. 2002. p 221-223.
547
Como mencionado no capítulo anterior, Herman Staub classificou o inadimplemento antecipado como
uma das hipóteses de violação positiva do contrato.
548
AGUIAR JR., Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor (resolução). Rio de
Janeiro: Aide, 1991. p. 128.
181
nenhum interesse social na manutenção de um vínculo que, por tais razões,
encontra-se gravemente ferido.549
Há, ainda, uma variação eclética dessa corrente, sustentada por Jorge Cesa
Ferreira da Silva. Para esse autor, o inadimplemento antecipado poderia se revestir ora
como violação positiva do contrato, ora como inadimplemento absoluto ou mora. Ele
entende que, quando houver afronta antecipada a deveres relacionados diretamente à
prestação, o inadimplemento antecipado revestirá a forma de inadimplemento absoluto ou
mora. Todavia, será hipótese de violação positiva do contrato o inadimplemento que
549
SAVI, Sérgio. Inadimplemento das Obrigações, Mora e Perdas e Danos. In: TEPEDINO, Gustavo
(Coord.). Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar. 2005. p. 476.
550
MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua aplicação no Direito
brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007, p. 217.
551
TJSP, Agravo de Instrumento nº 3066174100, 3ª Câmara de Direito Privado, Rel. Desembargador
Francisco Loureiro, j. 13.03.2006.
182
derivar de uma violação a dever anexo decorrente da boa-fé objetiva. Confira-se, a seguir,
trecho que bem sintetiza o posicionamento do referido autor:
Assim, guardando coerência com o que foi exposto acerca da violação positiva
do contrato, cuja conclusão nos levou a negar a necessidade de elaboração de uma terceira
552
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais. 2007. p 46.
183
hipótese de inadimplemento, acreditamos que seria melhor qualificar o inadimplemento
antecipado como uma situação ordinária de inadimplemento, que pode culminar em
inadimplemento absoluto ou mora, a depender da possibilidade de cumprimento da
prestação (na acepção técnico-jurídica da palavra “possibilidade”) e da permanência de
utilidade da prestação para o credor.553
553
Neste mesmo sentido: “[...] qualquer que seja o suporte fático objetivo [do inadimplemento antecipado], o
que resta violado, ao fim e ao cabo, é a prestação devida, seja por faltar elemento essencial à execução do
comportamento devido – vontade – a impedir o recebimento da prestação pelo credor, seja por se tornar a
prestação impossível para o devedor ou inútil para o credor. Não importa o meio pelo qual a prestação é
violada, se por inobservância de dever de conduta, de dever secundário de prestação etc. O que importa é a
repercussão dessa inobservância no adimplemento da prestação devida”. TERRA, Aline de Miranda
Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009. p. 229.
554
Confiram-se os ensinamentos de Agostinho Alvim: “Dada a alegação do credor de que a prestação, devido
à mora, não lhe representa mais utilidade, a ele cabe o ônus da prova. Não é o devedor que está sujeito a
provar que a prestação continua sendo útil. Esta utilidade presume-se porque, via de regra, a mora ocasiona
prejuízo ao credor, mas só excepcionalmente tornará inútil a prestação. Por isso a lei admite purgação. Assim
184
Por fim, vale mencionar que a não verificação do termo contratual não é
obstáculo para a caracterização do inadimplemento absoluto ou da mora, haja vista que a
análise funcionalizada do termo permite reconhecer a exigibilidade da prestação mesmo
antes do seu avento nas hipóteses em que ele não mais exercer a função para a qual foi
concebido555.
sendo, ao invocar a inutilidade cabe a prova.” ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas
consequências. 3. ed. atual. Rio de Janeiro: Editora Jurídica e Universitária Ltda. 1949. p. 69.
555
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 232.
556
Nesse sentido, Aline Terra afirma que “[...] no âmbito da common law, aplica-se a teoria da anticipatory
breach of contract a rompimentos de noivado. Sustenta-se que as partes teriam o direito de não ter seu
contrato [de noivado] repudiado antecipadamente, em razão do que se designa ‘fiction of an implied
promise’”. TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro:
Renovar. 2009. p. 196.
185
jurídico pendente entre dois indivíduos, direcionado à satisfação do interesse do credor e
cujo objeto seja uma prestação economicamente apreciável557.
Mais precisamente, o termo deve ser final560. O termo também deve ter sido
estipulado em benefício do devedor, ou em benefício de ambas as partes, para que se possa
justificar a imediata exigibilidade da obrigação em caso de inadimplemento antecipado,
situação em que o devedor adota um comportamento tal que deixa fazer jus ao benefício do
termo que lhe foi concedido para o cumprimento da sua obrigação. É inconcebível
inadimplemento antecipado quando o termo é posto em benefício exclusivo do credor.
Aline Terra ressalta que dentre as obrigações a termo existe uma categoria mais
propensa a servir de cenário a um inadimplemento antecipado, que é aquela que “se
557
Embora haja alguma divergência, a doutrina majoritária entende que a obrigação tem conteúdo
essencialmente patrimonial. Aduz-se que não obstante deveres jurídicos em geral possam ter conteúdo não
patrimonial, esses casos não seriam enquadrados no conceito estrito de obrigação. Nesse sentido, as
obrigações, espécies que são dos deveres jurídicos, teriam conteúdo exclusivamente patrimonial – o que não
afasta, por certo, que delas surjam interesses não patrimoniais. É possível mencionar. PEREIRA, Caio Mário
da Silva. Instituições de Direito Civil. vol. II. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 21-23. GONÇALVES,
Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. v. 2: Teoria geral das obrigações. 8. ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p.
27.
558
Segundo Carlos Roberto Gonçalves, “obrigação a termo (ou a prazo) é aquela em que as partes
subordinam os efeitos do negócio jurídico a um evento futuro e certo”. GONÇALVES, Carlos Roberto.
Direito civil brasileiro. v. 2: Teoria geral das obrigações. 8. ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p. 204.
559
Vale mencionar o entendimento de Aline Terra, segundo o qual a expressão que demonstraria com maior
precisão a essência do instituto seria “inadimplemento anterior ao termo”. TERRA, Aline de Miranda
Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009. p. 121-122. Neste trabalho,
optamos por adotar a expressão “inadimplemento antecipado do contrato” na maioria das vezes por ser a
expressão mais utilizada na doutrina.
560
Sobre o conceito de termo final: “Nas obrigações a prazo, o termo pode ser inicial ou final. Se é inicial, há
uma dilação entre o momento em que a obrigação se constitui e o momento do adimplemento. Se é final,
determina quando deve ser cumprida. O termo final apõe-se às obrigações de prestações contínuas.”
GOMES, Orlando. Obrigações. 16. ed. rev., atual. e aum., de acordo com o Código Civil de 2002, por
Edvaldo Brito. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p. 119.
186
caracteriza pelo fato de ser necessariamente de execução diferida ao menos em relação à
elaboração da prestação”, exigindo “o cumprimento de uma série de atos preparatórios
e/ou executivos ao longo do prazo que medeia a celebração do contrato e o termo
ajustado”561.
Assiste razão à referida autora, pois é nesse tipo de obrigação que é mais
importante que o comportamento do devedor sempre demonstre que ele pretende e atua de
maneira a adimplir no tempo, modo e lugar pactuados entre as partes. Note-se, todavia, que
qualquer obrigação sujeita a termo final, ainda que não demande atos preparatórios ou atos
de execução, pode ser inadimplida antecipadamente, seja em virtude de declaração
expressa de não querer adimplir ou da violação de deveres obrigacionais que
impossibilitem ou tornem inútil a prestação para o credor.
561
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 199.
562
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. v. III. Rio de Janeiro, Forense. 2006. p. 81.
563
AZEVEDO, Fábio de Oliveira. Algumas questões de direito civil e de direito processual civil sobre o
contrato preliminar. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (Coord.).
Direito contratual. Temas Atuais. São Paulo: Método. 2007. p. 402.
187
[...] as partes já definiram os termos essenciais da operação econômica que
tencionam realizar (suponhamos, a venda de um imóvel por um certo preço),
mas não querem passar de imediato a atuá-la juridicamente, não querem
concluir, desde já, o contrato produtor dos efeitos jurídico-econômicos próprios
da operação; preferem remeter a produção de tais efeitos para um momento
subsequente, mas, ao mesmo tempo, desejam a certeza de que estes efeitos se
produzirão no tempo oportuno, e por isso não aceitam deixar para o futuro
cumprimento da operação à boa vontade, ao sentido ético, à correção recíproca,
fazendo-a, ao invés, desde logo matéria de vínculo jurídico. Estipulam, então,
um contrato preliminar, do qual nasce precisamente a obrigação de concluir, no
futuro, o contrato definitivo, e, com isso, de realizar efetivamente a operação
econômica perseguida.564
O Código Civil de 2002 dedicou uma seção ao contrato preliminar (artigos 462
a 466), exigindo que contenha todos os requisitos do contrato definitivo, salvo quanto à
forma, e seja levado ao registro competente567. O contrato preliminar pode ser unilateral ou
bilateral. É unilateral quando, perfeito pelo consentimento de ambas as partes, produz
obrigações para apenas uma parte. A opção de compra, a venda a contento e a promessa de
doação são exemplos de contrato preliminar unilateral568. É bilateral quando gera
obrigações para ambos os contratantes, ficando desde logo programado o contrato
definitivo, como dever recíproco, obrigadas ambas as partes a dar-lhe seu
564
ROPPO, Enzo. O contrato. Trad. de Ana Coimbra e M. Januário C. Gomes. Coimbra: Livraria Almedina.
1988. p. 102-103.
565
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. v. III. Rio de Janeiro: Forense. 2006. p. 81.
566
AZEVEDO, Fábio de Oliveira. Algumas questões de direito civil e de direito processual civil sobre o
contrato preliminar. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (Coord.).
Direito Contratual. Temas Atuais. São Paulo: Método. 2007. p. 402.
567
“Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao
contrato a ser celebrado.”
568
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense. 2008. p. 163.
188
consentimento569. A espécie mais comum de contrato preliminar bilateral é a promessa de
venda, que pode conter cláusula de arrependimento ou ser irretratável, criando, nesta
última hipótese, direito real570.
569
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. v. III. Rio de Janeiro: Forense. 2006. p. 83-
84.
570
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense. 2008. p. 163.
571
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. v. III. Rio de Janeiro: Forense. 2006. p. 86.
572
“Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde
que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do
definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.
Parágrafo único. O contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente.”
“Art. 464. Esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade da parte inadimplente,
conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação.”
“Art. 465. Se o estipulante não der execução ao contrato preliminar, poderá a outra parte considerá-lo
desfeito, e pedir perdas e danos.”
573
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. v. III. Rio de Janeiro: Forense. 2006. p. 92.
189
descumpra antecipadamente a obrigação de fazer consistente no objeto do contrato
preliminar, ou mesmo dever anexo decorrente do princípio da boa-fé que afete diretamente
o objeto do contrato preliminar, a ensejar o seu inadimplemento antecipado.
Com efeito, não são raros os casos de contratos preliminares em que as partes
assumem a obrigação de assinar um contrato definitivo e, antes do vencimento do prazo
para a assinatura do contrato definitivo, e por motivo de encontrarem melhores preços e
condições, as partes contratam com terceiro quebrando dessa forma o contrato preliminar
anterior575.
Também pode ser mencionado o caso em que uma empresa “A” está passando
por uma grave crise econômico-financeira e celebra um contrato preliminar com uma
empresa de consultoria “B” cujo objeto consiste na celebração de contrato de prestação de
serviços definitivo, por meio do qual “B” lhe prestará serviços de consultoria,
574
AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio.
1977. p. 96.
575
AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio.
1977. p. 97, nota de rodapé 97.
190
planejamento, gestão, etc. Todavia, antes das partes celebrarem o contrato definitivo, “A”
toma conhecimento que “B” divulgou informações confidenciais a seu respeito a terceiros,
o que caracteriza a quebra dos deveres de confidencialidade e sigilo. A violação desse
dever anexo poderá ensejar, a depender da gravidade das informações reveladas, o
inadimplemento antecipado do contrato preliminar.
576
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. III. Rio de Janeiro: Forense. 2006. p. 66.
191
Contratos bilaterais, também chamados de sinalagmáticos, caracterizam-se pela
circunstância de a prestação de cada uma das partes encontrar sua justificativa e seu
fundamento na prestação da contraparte [do ut des, do ut facias, facio ut facias, facio ut
des]. Nestes contratos chamados de sinalagmáticos uma obrigação é a causa da outra,
havendo conexão essencial entre as prestações devidas e dependência recíproca das
obrigações. Confira-se o que afirma, acerca do conceito de sinalagma, Orlando Gomes:
Não é pacífica a noção de contrato bilateral. Para alguns, assim deve qualificar-
se todo contrato que produz obrigações para as duas partes, enquanto para outros
a sua característica é o sinalagma, isto é, a dependência recíproca das obrigações,
razão porque preferem chamá-los contratos sinalagmáticos ou de prestações
correlatas. Realmente, nesses contratos, uma obrigação é a causa, a razão de ser,
o pressuposto da outra, verificando-se interdependência essencial entre as
prestações.577
577
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense. 2008. p. 85.
578
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense. 2008. p. 85.
579
VARELA, ANTUNES. Das obrigações em geral. v. I. Coimbra: Coimbra Editora. 2000, p.397.
192
Os contratos unilaterais, por sua vez, são aqueles em que não existem
obrigações principais ligadas por um nexo de interdependência ou correspectividade (o
sinalagma). É possível que a ambas as partes sejam atribuídas obrigações, mas uma não é
causa e consequência da outra, posto que as obrigações são autônomas e independentes,
desvinculadas de qualquer contraprestação da outra parte.
580
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. v. 2: Teoria geral das obrigações. 8. ed. São
Paulo: Saraiva. 2011. p. 93-94.
581
AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio.
1977. p. 53.
193
Quando somente uma parte é obrigada ao cumprimento da sua prestação, a
doutrina não é considera o repúdio como inadimplência. Tal é o caso das
obrigações de pagamento em dinheiro, inclusive nas cambiais, em que os
tribunais se recusam a admitir a execução da obrigação antes do vencimento.
Baseada no clássico precedente FROST v. KNIGHT, a Suprema Corte dos EUA
não admite que a doutrina do anticipatory breach se estenda às obrigações
unilaterais de pagamento em dinheiro, a não ser nos casos de prestações
continuadas e dependentes de recíproca prestação da outra parte. Neste caso,
porém, já estaria estabelecida a bilateralidade.582
582
AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio.
1977. p. 119-120.
583
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 206.
194
lado, há uma violação do princípio da proteção da confiança legítima quando o
devedor iii) recusa-se a cumprir a prestação que lhe é imposta. 584
É sob essa luz que se entende que não há qualquer obstáculo à configuração do
inadimplemento antecipado nos contratos unilaterais. O inadimplemento antecipado se
caracterizará sempre que uma parte tiver um comportamento que impossibilite ou inutilize,
desde já, o cumprimento da obrigação que lhe incumbe no tempo, modo e lugar pactuados,
quebrando a confiança e a legítima expectativa da outra parte, independentemente do tipo
do contrato (bilateral ou unilateral).
584
MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua aplicação no Direito
brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007, p. 217.
585
O exemplo foi adaptado de TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio
de Janeiro: Renovar. 2009. p. 206.
586
A promessa de doação é aceita de maneira unânime pela doutrina, conforme observa Washington de
Barros Monteiro: “Contesta-se geralmente a viabilidade jurídica da promessa de doação, isto é, a
possibilidade de existir contrato preliminar unilateral, visando à constituição de liberalidade futura.
Consoante magistério de MESSINEO, duas são as razões, uma de ordem histórica, outra de ordem
dogmática, justificativas de semelhante impossibilidade: sempre se entendeu, em todos os tempos, que não
podem ser objeto de doação bens futuros; além disso, deve esta primar pela espontaneidade, operando-se
195
depositadas pelo promissário na promessa de doação feita pelo outro contratante. Embora a
doação seja uma liberalidade, quando o promitente doador manifestou a sua vontade de
doar e criou uma legitima expectativa na outra parte, ele não poderá simplesmente desistir
da doação se não houver um justo motivo para tanto587. Admitida a força obrigatória da
promessa de doação, o promitente-doador que declara antecipadamente que não irá
adimplir, ou que adota um comportamento incompatível com o adimplemento, autorizará o
promitente-donatário a considerar a promessa de doação antecipadamente inadimplida e a
invocar as consequências daí decorrentes588.
nullo jure cogente, o que se não compadece com o caráter vinculatório inerente à obrigação de fazer, contida
numa promessa de doação.
Inexiste, porém, razão para excluir tal promessa, cuja possibilidade jurídica é expressamente admitida pelo
direito alemão (BGB, art. 2.301). Ela não contraria qualquer princípio de ordem pública e dispositivo algum a
proíbe.” MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: Direito das obrigações. 2ª parte: dos
contratos em geral, das várias espécies de contrato, dos atos unilaterais, da responsabilidade civil.
MONTEIRO, Washington de Barros; MALUF, Carlos Alberto Dabus; SILVA, Regina Beatriz Tavares da.
36. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 147-148.
587
MORAES, Maria Celina Bodin de. Notas sobre a Promessa de Doação. Revista Trimestral de Direito
Civil. Rio de Janeiro, n. 21, jan./mar. 2005, p. 17. No mesmo sentido: “pode ela [a promessa de doação] ser
formulada, por exemplo, pelos cônjuges, em processo de separação consensual, em benefício dos filhos do
casal, executando-se posteriormente a relação jurídica, em caso de inadimplemento, em conformidade com o
art. 639 do atual Código de Processo Civil.” MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil:
Direito das obrigações. 2ª parte: dos contratos em geral, das várias espécies de contrato, dos atos unilaterais,
da responsabilidade civil. MONTEIRO, Washington de Barros; MALUF, Carlos Alberto Dabus; SILVA,
Regina Beatriz Tavares da. 36. ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 148.
588
Em sentido contrário, Caio Mário da Silva Pereira sustenta ser inexigível o cumprimento da promessa de
doação pura, porque esta representa liberalidade plena. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de
direito civil. v. III. Rio de Janeiro, Forense. 2006. p. 257-258.
589
AZEVEDO, Fábio de Oliveira. Algumas questões de direito civil e de direito processual civil sobre o
contrato preliminar. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (Coord.),
Direito contratual. Temas Atuais. São Paulo: Método. 2007. p. 406.
196
natureza retratável; enquanto não formalizada a doação; é licito ao promitente-doador
arrepender-se”.
590
AZEVEDO, Fábio de Oliveira. Algumas questões de direito civil e de direito processual civil sobre o
contrato preliminar. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka; TARTUCE, Flávio
(Coord.). Direito contratual. Temas Atuais. São Paulo: Método. 2007. p. 408-409.
197
2.7.4. Contratos Relacionais
De início, deve ser feita uma associação entre o direito contratual e as estruturas
da organização da indústria, da produção e mercado de trocas em um determinado contexto
histórico592. Neste sentido, por exemplo, o modelo contratual clássico, que tem “como
características básicas o fato de [os contratos] serem impessoais, `presentificadores´
(`presentacional´), envolverem uma barganha entre partes instrumentalmente orientadas e
requererem o mútuo consentimento das partes”593, se alinhou ao modelo econômico dos
séculos XVIII e XIX, em que se visava fundamentalmente transações de troca de
mercadorias a curto prazo.
Ocorre que, no cenário atual, em que os agentes econômicos cada vez mais
celebram contratos associativos para viabilizar a prática de uma atividade econômica e
atingir o fim comum por eles buscado, um modelo teórico baseado na contraposição de
interesses e em contratos de execução imediata ou de curto prazo se demonstra insuficiente
para estimular o fluxo das relações econômicas.
591
Destaque-se que o objetivo do presente estudo não é esgotar a análise do tema dos contratos relacionais,
mas apenas destacar alguns aspectos relevantes para o exame do inadimplemento antecipado. Para um estudo
aprofundado, recomenda-se: MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do
consumidor. São Paulo: Max Limonad. 1998.
592
MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor. São Paulo: Max
Limonad. 1998. p. 99.
593
MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor. São Paulo: Max
Limonad. 1998. p. 106.
198
comportamentos a serem adotados pelos agentes econômicos. Daí ser criada a figura
teórica dos contratos relacionais, definidos por Orlando Gomes da seguinte forma:
[...] pode-se afirmar que o contrato relacional tem por características principais a
longa duração e a exigência de forte colaboração entre as partes. São relacionais,
assim, todos os contratos que, sendo de duração, têm por objeto a colaboração
(contratos de sociedade, parcerias, consórcios interempresariais etc.), e, ainda, os
que, mesmo não tendo por objeto a colaboração, exigem-na intensa para poder
594
atingir os seus fins, como os contratos de distribuição e franquia .
594
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense. 2008. p. 99.
595
MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Contratos relacionais no direito brasileiro. Disponível em:
<http://www.edisin.com.br/i-ver-usp1.htm>. Acesso em: 10 jul. 2013. No mesmo sentido: “Esse tipo de
contrato (p. ex contratos de franquia, de trabalho, de fornecimento entre empresas, contratos previdenciários
e contratos bancários) caracteriza-se pela longa duração; pela mutabilidade constante; pelo alto grau de
flexibilidade das situações reguladas; pela indeterminação dos termos das relações contratuais; e pelo caráter
processual”. FERES, Marcos Vinicius Chein; DIAS, João Paulo Torres. Teoria geral dos contratos
relacionais: uma análise procedimental. Revista de Direito Privado, ano 8, n. 30, abril-jun 2007, p. 179.
596
AZEVEDO, Antonio Junqueira. Estudos e Pareceres de Direito Privado. Saraiva, 2004. Natureza Jurídica
do contrato de consórcio. Classificação dos atos jurídicos quanto ao número de partes e quanto aos efeitos.
199
Em razão do caráter contínuo dos contratos relacionais e, dada a mutabilidade
do mercado, da tecnologia e dos fenômenos sociais e a impossibilidade das partes
regularem precisamente todos os termos da relação contratual, os contratos relacionais
tendem a criar relações contínuas e duradouras nas quais os termos dos contratos são cada
vez mais abertos, e as cláusulas substantivas são substituídas por cláusulas de
regulamentação do processo de renegociação contínua para que a relação contratual possa
responder a eventuais mudanças de circunstâncias de forma efetiva.
598
MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Contratos relacionais no direito brasileiro. Disponível em:
<http://www.edisin.com.br/i-ver-usp1.htm>. Acesso em: 10 jul. 2013. p. 9.
599
AZEVEDO, Antonio Junqueira. Estudos e Pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva. 2004.
Natureza Jurídica do contrato de consórcio. Classificação dos atos jurídicos quanto ao número de partes e
quanto aos efeitos. Os contratos relacionais. Alteração das circunstâncias e onerosidade excessiva. Resolução
parcial do contrato. Função social do contrato. RTDC, v. 21, jan/mar 2005, p. 253.
600
FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Teoria da norma jurídica, Rio de Janeiro: Editora Forense. 1978.
201
A respeito do papel da boa-fé na teoria relacional, cumpre mencionar a seguinte
ponderação de Ronaldo Porto Macedo Júnior:
601
MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Contratos relacionais no direito brasileiro. Disponível em:
<http://www.edisin.com.br/i-ver-usp1.htm>. Acesso em: 10 jul. 2013. p. 10-11.
202
Nota-se, portanto, que a violação dos deveres de colaboração, lealdade,
solidarismo, eticidade, transparência, etc., impostos pela boa-fé, caracterizará mais
facilmente o inadimplemento antecipado dos contratos relacionais, o que é essencial diante
do seu caráter aberto, associativo e incompleto.
602
MARTINS. Guilherme Magalhães. Inadimplemento antecipado do contrato. Revista Trimestral de Direito
Civil, Rio de Janeiro, v. 36, out/dez 2008, p. 85.
203
A aplicação do instituto do inadimplemento antecipado deve ser feita de
maneira ponderada para evitar um “risco sistêmico” de descumprimento ainda maior de
contratos. Por exemplo, no caso da incorporadora imobiliária que está em atraso com
relação à construção das unidades habitacionais, o reconhecimento do inadimplemento
antecipado para um ou mais dos seus adquirentes – que poderá implicar na resolução do
contrato, com a consequente devolução dos valores recebidos e pagamento de indenização
por perdas e danos – poderá aumentar o risco da incorporadora efetivamente não entregar
as unidades habitacionais para os demais adquirentes.
A figura da quebra antecipada do contrato também não pode ser utilizada pelo
credor como uma “válvula de escape para que, arrependido do contrato celebrado,
aproveite-se de conduta duvidosa do devedor para, considerando-o inadimplente, livrar-se
da indesejada relação contratual”604, o que caracteriza verdadeiro abuso de direito. O
instituto deve ser utilizado para proteger o credor nas situações em que restem preenchidos
603
MARTINS. Guilherme Magalhães. Inadimplemento antecipado do contrato. Revista Trimestral de Direito
Civil, Rio de Janeiro, v. 36, out/dez 2008, p. 95.
604
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 159-160.
204
os seus requisitos fáticos autorizadores, e não como uma justificativa para o rompimento
indevido de contratos.
There are, however, other views according to which such a right may be
dangerous since, even if there is a breach, this does not necessarily mean that the
contract will not be fulfilled. It is not always easy to provide clear proof of a
fundamental breach of contract except in exceptional cases, for instance,
bankruptcy of the debtor. In other words, there is the possibility that abuse may
arise, especially in cases where the creditor has the opportunity to conclude a
contract with other partners under better conditions. 605
605
VILUS, JELENA. Provisions common to the obligations of the seller and the buyer. In: International Sale
of Goods. Dubrovnik Lectures. Oceana Publications. 1986. p. 244-245. Em tradução livre: “Há, no entanto,
outros pontos de vista, segundo o qual esse direito pode ser perigoso, já que, mesmo se houver uma violação,
isso não significa necessariamente que o contrato não será cumprido. Nem sempre é fácil fazer prova clara de
uma violação fundamental do contrato a não ser em casos excepcionais, por exemplo, a falência do devedor.
Em outas palavras, existe a possibilidade de que o abuso pode surgir, especialmente nos casos em que o
credor tem a oportunidade de celebrar um contrato com outros parceiros em melhores condições.”
606
SCHREIBER, Anderson. A tríplice transformação do adimplemento. Adimplemento substancial,
inadimplemento antecipado e outras figuras. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 32,
out./dez 2007, p. 21-23.
607
Nesse sentido, confira-se o posicionamento de Anderson Schreiber: “O atual desafio da doutrina está em
fixar parâmetros que permitam ao Poder Judiciário dizer, em cada caso, se o adimplemento afigura-se ou não
significativo ou, substancial. [...]
Do exame da doutrina e da jurisprudência comparada podem-se extrair alguns parâmetros que, sem a
pretensão de encerrar o debate, têm sido apontados como índices capazes de sugerir a configuração do
adimplemento substancial, auxiliando o juiz em seu ofício. Para além da usual comparação entre o valor do
bem ou do contrato e de outros índices que possam sugerir ‘a manutenção do equilíbrio entre as prestações
correspectivas, não chegando o descumprimento parcial a abalar o sinalagma’, a tendência tem sido, hoje, de
perquirir, em cada caso concreto, a existência de outros remédios capazes de atender ao interesse do credor
(e.g., perdas e danos), com efeitos menos gravosos ao devedor – e a eventuais terceiros afetados pela relação
obrigacional que a resolução”. SCHREIBER, Anderson. A Boa-fé objetiva e o Adimplemento Substancial.
205
Essa avaliação tem lugar normalmente quando a declaração de não cumprir ou
a impossibilidade da prestação se refere a apenas parcela do contrato, e não a toda a
prestação devida. É o caso, por exemplo, da incorporadora que envia comunicado às
pessoas que adquiriram unidades habitacionais de um condomínio de prédios informando
que certas atrações da área de lazer – como, por exemplo, a churrasqueira e o playground –
não serão entregues junto com as unidades na data avençada, mas sim com alguns meses
de atraso. Nesse caso, não poderá ser admitida a caracterização de hipótese de
inadimplemento antecipado, com a aplicação de todos os seus efeitos, cabendo somente
uma indenização.
Outro exemplo é a situação em que “B” foi contratado por “A” para construir
uma casa que o arquiteto “O” projetou. Durante a construção, “B” informa a “A” que o
tipo de janela de vidro especificada no projeto de “O” não está mais disponível no
mercado, mas que ele encontrou uma janela bastante semelhante, mas não idêntica. O
descumprimento da obrigação de instalar uma janela de vidro idêntica à constante no
projeto de “O” não poderá ensejar o inadimplemento antecipado do contrato celebrado
entre “A” e “B” à luz da teoria do inadimplemento substancial.
In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (Coord.), Direito Contratual. Temas
Atuais. São Paulo: Método. 2007. p. 139-141.
608
ANDRADE, Luis Tomás Alves de. O Inadimplemento Antecipado do Contrato no Direito Brasileiro. R.
EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 56, p. 145-172, out-dez. 2011, p. 159.
206
vinculados ao contrato, mas não inviabilizadores da prestação futura”609. Nesses casos,
também fica ressalvado ao credor o direito de ser indenizado ou ressarcido pelo
descumprimento do dever anexo610.
609
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. A boa-fé e a violação positiva do contrato. Rio de Janeiro: Renovar.
2002. p. 259.
610
Conforme adverte Luis Tomás de Andrade, é importante destacar que a violação de deveres anexos
somente não caracteriza inadimplemento antecipado quando “isso ocorre em relação aos deveres laterais
pouco expressivos, em relação aos quais não se mostraria razoável a imputação do inadimplemento
antecipado, uma vez que o núcleo do contrato ainda se manteria executável”. O descumprimento de deveres
laterais expressivos e que interfiram diretamente sobre a prestação devida e a satisfação do interesse do
credor, por óbvio, admite a invocação do inadimplemento antecipado. ANDRADE, Luis Tomás Alves de. O
Inadimplemento Antecipado do Contrato no Direito Brasileiro. R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 56, p.
145-172, out-dez. 2011, p. 160.
611
A título de exemplo é possível mencionar o artigo 72 da Convention on Contracts for the International
Sales of Goods, o artigo 7.3.3 dos princípios UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais Internacionais e
o artigo 504 do Draft Common Frame of Reference (DCFR). Nos seus comentários ao art. 72 da Convention
on Contracts for the International Sales of Goods, Schlechtriem & Schwenzer afirmam que “a violação
futura deve ser de uma natureza tão substancial, a ponto de privar o credor do que ele tinha direito de esperar,
de acordo com o contrato”. SCHLECHTRIEM, Peter; SCHWENZER, Ingeborg. Comentários à Convenção
das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias. Coordenação de
tradução de GREBER, Eduardo; FRADERA, Vera; PEREIRA, César Guimarães. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais. 2014. p. 1.080.
612
ANDRADE, Luis Tomás Alves de. O Inadimplemento Antecipado do Contrato no Direito Brasileiro. R.
EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 56, p. 145-172, out-dez. 2011. p. 159.
207
caracterização do inadimplemento antecipado encontra limite na função restritiva da boa-fé
objetiva.
613
BECKER, Anelise. Inadimplemento antecipado do contrato. Revista de Direito do Consumidor, São
Paulo: Revista dos Tribunais, n. 12, 1994. p. 74.
614
MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua aplicação no Direito
brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007, p. 214.
208
caracterizado o inadimplemento antecipado se as partes tiverem expressamente assumido
esse risco no contrato, conforme autoriza a parte final do artigo 393 do Código Civil. A
esse respeito, o autor pondera que:
615
MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua aplicação no Direito
brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007, p. 214.
616
“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar
excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e
imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar
retroagirão à data da citação.”
“Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do
contrato.”
“Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua
prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.”
617
Vale mencionar o posicionamento de Ruy Rosado Aguiar Júnior sobre a onerosidade excessiva
superveniente: “A onerosidade excessiva é, na verdade, um caso de inexigibilidade de conduta, pois o
devedor age voluntariamente contra o dever derivado do contrato, mas o faz em razão dos fatos
extraordinários modificativos. Não se trata propriamente de uma exceção, arguida contra a ação de
adimplemento, mas de uma defesa direta, que nega definitivamente a possibilidade de o credor deduzir sua
pretensão em juízo. Se o credor preferir a ação de resolução, com base no incumprimento do devedor, a
defesa deste, fundada na onerosidade excessiva, será igualmente a negação do direito formativo do credor, o
que lhe valerá para liberação da responsabilidade pelas perdas e danos, uma vez que tal ação de resolução
será julgada parcialmente procedente, pois evidenciado o incumprimento, apenas que justificado pela
onerosidade excessiva.” AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do
devedor. 2. ed. Rio de Janeiro: AIDE. 1991. p. 158-159.
209
Isso porque a onerosidade excessiva superveniente618 pressupõe um
desequilíbrio contratual posterior ao momento da celebração do contrato que tenha sido
causado por fatos imprevisíveis e extraordinários (e, obviamente, não provocados pelo
próprio devedor)619. Assim, como a onerosidade excessiva superveniente decorre de um
fato não imputável ao devedor, entendemos que, nesse caso, não está satisfeito o suporte
fático para o credor requerer a aplicação do instituto do inadimplemento antecipado. O
devedor não teve uma conduta que o faça perder o benefício do termo contratual.
618
Para se caracterizar uma hipótese de onerosidade excessiva superveniente, é necessário que incorram
requisitos de apuração certa, explicitados no artigo 478 do Código Civil: (i) vigência de um contrato de
execução diferida ou continuada; (ii) alteração radical das condições econômicas objetivas no momento da
execução, em confronto com o ambiente objetivo da celebração; (iii) onerosidade excessiva para um dos
contratantes e benefício exagerado para o outro; e (iv) imprevisibilidade daquela modificação. PEREIRA,
Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2005. v. 3. p. 166.
619
Confiram-se os ensinamentos de Serpa Lopes a respeito: “A imprevisão consiste no desequilíbrio das
prestações recíprocas, nos contratos de prestações recíprocas ou deferidas, em conseqüência de
acontecimentos ulteriores à formação do contrato, independentemente da vontade das partes, de tal forma
extraordinários e anormais que impossível se torna prevê-los razoável e antecedentemente. São
acontecimentos supervenientes que alteram profundamente a economia do contrato, por tal forma
perturbando o seu equilíbrio, como inicialmente estava fixado, que se torna certo que as partes jamais
contratariam de pudessem ter podido antever os fatos. Se, em tais circunstâncias, o contrato fosse mantido,
redundaria num enriquecimento anormal, em benefício do credor, determinando um empobrecimento da
mesma natureza, em relação ao devedor. Conseqüentemente, a imprevisão tende a alterar ou excluir a força
obrigatória do contrato.” SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil. Atualização de José Serpa
Santa Maria. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos. 1991. v.3. p. 100.
620
São essas as lições de Ruy Rosado Aguiar Júnior: “Se a parte já estiver em mora, quando dos fatos
extraordinários, não lhe cabe a defesa. O devedor em mora responde pelos riscos supervenientes, ainda que
decorrentes de caso fortuito ou força maior (art. 957, Código Civil). A onerosidade é um aspecto da teoria da
superveniência, e nela se afirma o princípio da responsabilidade do devedor moroso pela impossibilidade
posterior.
O contratante pode arguir a onerosidade excessiva como defesa, ou em reconvenção, na ação de
adimplemento ou na de resolução. Deverá sua alegação ser apreciada à luz da boa-fé, pois o comportamento
do devedor, que, p. ex., ainda no prazo para efetivar a prestação deixa de tomar as medidas possíveis e
recomendadas para o cumprimento do contrato, uma vez evidenciada a iminência de fatos futuros e
extraordinários determinantes da onerosidade, demonstra comportamento contrário aos deveres secundários
de conduta.” AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2.
ed. Rio de Janeiro: AIDE. 1991. p.156.
210
Por fim, vale acrescentar que, da mesma forma como não se considera
inadimplido o contrato nos casos em que o incumprimento da obrigação não pode ser
imputável ao devedor, não se configura o inadimplemento antecipado diante de situações
de não imputação dos efeitos do inadimplemento. Nesse sentido, não será possível
considerar inadimplido antecipadamente um contrato quando o devedor possuir fundada e
legítima justificativa para não realizar atos preparatórios e atos de execução, ou seja, não
cumprir o que fora previamente acordado entre as partes621.
621
MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua aplicação no Direito
brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007, p. 213.
622
Os exemplos são de MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua
aplicação no Direito brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007, p. 214.
211
2.9. Inadimplemento antecipado do contrato imputável ao credor
623
RAMELLA, Anteo E. La resolución por incumplimiento. Buenos Aires: Editoral Astrea. 1975. p. 67.
212
ação resolutória, da demanda de cumprimento (execução específica) ou pleitear perdas e
danos em face do devedor624.
Com efeito, é possível aplicar aos casos descritos acima a exceção de contrato
não cumprido (exceptio non adimpleti contractus)625, prevista no artigo 476 do Código
Civil, segundo a qual, “nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de
cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”.
624
Sobre a questão, Ruy Rosado Aguiar Júnior afirma que o credor tem “o dever secundário de colaborar
para a plena realização do contrato. Descumprindo-o, com ou sem culpa, impossibilitando a prestação ou
recusando a oferta, incorre o credor em mora, o que afasta a do devedor e deixa sem fundamento o seu
pedido de resolução”. Todavia, o autor observa que “o credor que deixou de cumprir parte insignificante da
prestação, cuja falta não justificava o incumprimento da contraparte, não fica privado do direito de resolução.
O que entregou o prédio locado, sem pintura prometida, cometeu uma falta, mas pode resolver, se não
receber os alugueis, porque a falha do locatário é mais grave, já que está usando o bem. Cuida-se de verificar
a prevalência de um adimplemento sobre o outro, atendendo à realidade total do contrato, com os dados
objetivos (equivalência entre as prestações) e subjetivos (finalidade e condições pessoais das partes), de
acordo com a boa fé”. AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. Extinção dos contratos por incumprimento do
devedor. 2. Ed. Rio de Janeiro: AIDE, 1991. p.166-167.
625
Caio Mário da Silva Pereira afirma que “o contrato bilateral caracteriza-se pela reciprocidade das
prestações. Cada uma das partes deve e é credora, simultaneamente. Por isto mesmo, nenhuma delas, sem ter
cumprido o que lhe cabe, pode exigir que a outra o faça. A idéia predominante aqui é a da interdependência
das prestações (De Page). Daí se origina uma defesa oponível pelo contratante demandado, contra o co-
contratante inadimplente, denominada exceptio adimpleti contractus, segundo a qual o demandado recusa a
sua prestação, sob o fundamento de não ter aquele que reclama dado o cumprimento à que lhe cabe (Código
Civil, art. 476)”. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. v. III. Rio de Janeiro: Forense.
2006. p. 159.
626
Sobre o tema, Orlando Gomes afirma que “nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes pode, antes
de cumprida sua obrigação, exigir a do outro. Nessa hipótese, tem direito a invocar a exceção de contrato não
cumprido. O fundamento desse direito é intuitivo. Visto que a essência dos contratos bilaterais é o sinalagma,
isto é, a dependência recíproca de obrigações, nada mais conseqüente que cada qual das partes se recuse a
executar o acordo, opondo a exceptio non adimplenti contractus. Se não cumpre a obrigação contraída, dado
lhe é não exigir do outro contratante que cumpra a sua”. GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro:
Forense. 2008. p. 109.
627
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. v. III. Rio de Janeiro: Forense. 2006. p. 159.
213
No mesmo sentido, o artigo 7.1.2 dos princípios UNIDROIT relativos aos
Contratos Comerciais Internacionais estabelece que “uma parte não pode valer-se do
inadimplemento da parte contrária na medida em que tal inadimplemento tenha sido
provocado por ação ou omissão própria ou por outro evento por cuja superveniência tenha
se responsabilizado”. Em comentários ao referido artigo, João Baptista Villela afirma que
“quando o artigo é aplicável, [...] a contraparte não terá direito à extinção do contrato por
inadimplemento” 628.
628
VILLELA, João Baptista et al. Princípios UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais
Internacionais/2004 [versão em língua portuguesa]. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 206.
629
VILLELA, João Baptista et al. Princípios UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais
Internacionais/2004 [versão em língua portuguesa]. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 207. No mesmo
sentido: “o devedor, acionado por resolução, pode alegar que o credor autor não cumpriu com a sua
contraprestação. Se o autor da ação é o único inadimplente, não há discutir: a ação improcede. Se ambas as
partes não cumpriram, estão em mora o que deveria cumprir antes.” AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de.
Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2. Ed. Rio de Janeiro: AIDE. 1991. p.166-167.
214
inadimplemento antecipado, isso poderá acarretar (i) uma situação de mora accipiendi, se o
adimplemento ainda for possível e útil, na qual o devedor permanecerá vinculado ao
cumprimento da obrigação, mas incidirão os efeitos da mora do credor previstos no artigo
400 do Código Civil630; ou (ii) uma situação de inadimplemento absoluto por fato
imputável ao credor, se o adimplemento for impossível ou inútil, excluindo-se a
responsabilidade do devedor nos moldes do artigo 393 do Código Civil, e liberando-o do
vínculo obrigacional.
Nesses casos, para que o devedor não fique eternamente vinculado à uma
relação obrigacional cuja situação de inadimplemento antecipado ele não deu causa, ele
poderá ajuizar uma demanda de cumprimento ou uma ação de resolução contra o credor, a
depender do caso concreto, sendo sempre cabível o pedido de indenização por perdas e
danos.
Sendo uma hipótese de mora accipiendi, em que a sua prestação pode estar
eventualmente a depender da ação do credor, o devedor poderá ajuizar uma demanda de
cumprimento, com fundamento nos artigos 461 e 461-A do Código de Processo Civil, pois
não é exigível que fique o devedor indefinidamente à espera do credor. Por sua vez, caso
esteja caracterizada uma situação de inadimplemento absoluto por fato imputável ao
credor, o devedor poderá propor uma ação de resolução, para se desligar do contrato631.
630
“Art. 400. A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da
coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela
estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da
sua efetivação”.
631
No terceiro capítulo da presente dissertação serão analisados os aspectos gerais da ação de resolução e da
demanda de cumprimento.
215
parte que está disposta ao cumprimento do contrato não tem ação para exigir o
comportamento favorável do credor tem, irrecusavelmente, o direito de desfazer
a relação inviabilizada pelo credor.632
632
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2. ed. Rio de
Janeiro: AIDE. 1991. p.163-164.
633
Daniel Pires Novais Dias adverte que “o duty to mitigate the loss não corresponde a um dever (do credor
de mitigar a própria perda). A expressão em inglês é equívoca porque induz à compreensão de que se trata de
um dever sem que o seja, e a doutrina chama atenção para isso. No sistema jurídico da common law, o duty to
mitigate the loss corresponde a uma norma que, conjuntamente com outras, determinam o valor da
indenização da vítima de um dano contratual ou extracontratual. No sistema de imputação de danos da
216
não agravar a sua perda ou o dano provocado pela contraparte. Caso o credor venha a atuar
de maneira desidiosa e negligente e deixe de tomar as medidas cabíveis para mitigar as
perdas, a doutrina da “mitigation of losses” entende que o devedor faltoso poderá pedir a
redução das perdas e dos danos, em proporção idêntica ao montante que poderia ter sido
evitado pelo credor634.
common law, parte-se do princípio de que se deve indenizar todo o dano em alguma medida decorrente do
delito ou do inadimplemento contratual. Diante de indenizações absurdamente elevadas que uma orientação
como essa levaria, ao longo do tempo e por meio de decisões judiciais, casuisticamente foram sendo criados
limites para ela, como, por exemplo, o de que o ofensor não deve indenizar danos que não poderia prever à
época da contratação ou delito (remoneteness), ou os danos decorrentes da intervenção de causa estranha que
rompa o nexo de causalidade (intervening cause), ou então os danos que a vítima poderia ter evitado
mediante a ação de medidas razoáveis (duty to mitigate the loss). Tratam-se, assim, de pequenas regras, ou
‘filtros’ de imputação, que são confrontados com a totalidade de danos decorrentes do ilícito para se chegar
ao valor devido da indenização reparatória (compensatory damages)”. DIAS, Daniel Pires Novais. O duty to
mitigate the loss no Direito civil brasileiro e o encargo de evitar o próprio dano. p. 10. Disponível em:
<http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/1894>. Acesso em: 02 jun. 2013.
634
ANDRADE, Luis Tomás Alves de. O Inadimplemento Antecipado do Contrato no Direito Brasileiro. R.
EMERJ, Rio de Janeiro, v. 14, n. 56, p. 145-172, out-dez. 2011, p. 147. No mesmo sentido, Christian Sahb
Batista Lopes afirma que “[…] se as pessoas resolveram desenvolver um projeto conjuntamente, usando a via
contractual, a cooperação norteará não apenas a identificação das partes, suas tratativas, o cumprimento do
contrato e a fase pós-contratual – conforme identificado anteriormente – como também o inadimplemento. Se
aquele projeto conjunto não deu certo, por qualquer motivo, fazendo com que uma das contratantes
descumpra suas obrigações, a outra deverá, não obstante, cooperar para que a frustração do projeto cause o
menor prejuízo possível. A redução dos danos beneficiará não apenas a outra parte, mas, como visto no
Capítulo III, favorecerá toda a economia contractual e evitará o desperdício de recursos econômicos que são
socialmente relevantes”. LOPES. Christian Sahb Batista. Mitigação dos prejuízos no direito contratual. São
Paulo: Saraiva. 2013. p. 161.
635
WASHOFSKY, Leonard. A. Contracts – Anticipatory Breach – Specific Performance. Tulane Law
Review, v. XXXIII, 1959, p. 233.
636
BECKER, Anelise. Inadimplemento antecipado do contrato. Revista de Direito do Consumidor, São
Paulo: Revista dos Tribunais, n. 12, 1994, p. 74.
217
Apesar das críticas, o fato é que, em 1980, com a ratificação da Convention on
Contracts for the International Sales of Goods (Convenção de Viena Sobre Venda
Internacional de Mercadoria), a doutrina da “mitigation of losses” veio a ser positivada em
diversos países do sistema da civil law, conforme se observa da redação do seu artigo 77:
“a party who relies on a breach of contract must take such measures as are reasonable in
the circumstances to mitigate the loss, including loss of profit, resulting from breach. If he
fails to take such measures, the party in breach may claim a reduction in the damages in the
amount by which the loss should have been mitigated.”637
637
Em tradução livre: “uma parte que se baseia no inadimplemento contratual deve tomar as medidas
razoáveis conforme as circunstâncias para mitigar as perdas e danos, inclusive perda de lucro, resultante do
inadimplemento. Caso falhe em tomar tais medidas, a parte inadimplente poderá reivindicar uma redução na
indenização no montante pelo qual a perda deveria ter sido mitigada.” Em comentários sobre o referido
dispositivo, Schlechtriem & Schwenzer afirmam que “o art. 77 adota o princípio, já contido no art. 84 da
ULIS, qual seja, o de que a parte que possui direito à indenização por perdas e danos deve mitigar os próprios
prejuízos. O dever que recai sobre a parte lesada, no sentido de tomar as medidas possíveis e apropriadas a
fim de evitar a ocorrência de prejuízos ou mitigar a sua extensão é uma expressão do princípio geral da boa-
fé no comércio internacional”. SCHLECHTRIEM, Peter; SCHWENZER, Ingeborg. Comentários à
Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias.
Coordenação de tradução de Eduardo Grebler, Vera Fradera, César Guimarães Pereira. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais. 2014. p. 1.149.
638
VILLELA, João Baptista et al. Princípios UNIDROIT Relativos aos Contratos Comerciais
Internacionais/2004 [versão em língua portuguesa]. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 259.
218
1. Em 2 de maio, A pede a B, uma agência de viagens, para reservar um quarto
de hotel em Paris para 1º de junho, pelo preço de 200,00 euros. Em 15 de maio,
A descobre que B não fez a reserva. A espera, entretanto, até 25 de maio antes de
fazer outra reserva e só consegue achar um quarto pelo preço de 300,00 euros, ao
passo que as acomodações poderiam ter sido garantidas por 250,00 euros se A
tivesse agido já em 15 de maio. A pode reaver apenas 50,00 euros de B.
A obra Principles, definitions and model rules of european private law, em que
consta um esboço de Código Civil a ser adotado nos países que compõem a União
Europeia - Draft Common Frame of Reference (DCFR) – também reconhece o duty to
mitigate the loss, nos seguintes termos: “the debtor is not liable for the loss suffered by the
creditor to the extent that the creditor contributed to the non-performance or its effects.”640
639
VILLELA, João Baptista et al. Princípios UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais
Internacionais/2004 [versão em língua portuguesa]. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 260.
640
VON BAR, Christian, CLIVE, Eric. Principles, Definitions and Mode, Rules of European Private Law.
Draft Common Frame of Reference (DCRF). Full Edition. v. I. Sellier. p. 934. Em tradução livre: “o devedor
não é responsável pelo prejuízo sofrido pelo credor na medida em que o credor contribuiu para o
inadimplemento ou seus efeitos.”
641
TARTUCE, Flávio. A boa-fé e a mitigação do prejuízo pelo credor. Esboço do tema e primeira
abordagem. Março de 2005. Disponível em: <www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigos/Tartuce_duty.doc>.
Acesso em: 30 jun. 2013. PEIXOTO, Alessandra Cristina Tufvesson. Responsabilidade extracontratual -
Algumas considerações sobre a participação da vítima na quantificação da indenização . Revista da Emerj,
v.11, n.44, 2008.
642
Não obstante o ordenamento jurídico brasileiro não conter dispositivo que imponha expressa e
genericamente ao credor o dever de mitigar seus danos, é possível identificar ao menos três artigos do Código
Civil que refletem, em situações específicas, a preocupação do legislador com o agravamento de danos.
Trata-se do artigo 430, que impõe ao proponente o dever de comunicar imediatamente ao aceitante o
recebimento tardio da aceitação, por circunstância imprevista, sob pena de responder por perdas e danos; do
artigo 769, pelo qual o segurado é obrigado a comunicar ao segurador, logo que saiba, todo incidente
suscetível de agravar consideravelmente o risco coberto, sob pena de perder o direito à garantia, se provar
que silenciou de má-fé; e do artigo 771, segundo o qual o segurado deverá informar sobre o sinistro ao
segurados logo que o saiba e tomará todas as consequências para minorar as suas consequências, sob pena de
perder o direito à indenização.
643
Sobre o tema, importante lembrar a doutrina de Alessandra Cristina Tufvesson Peixoto: “2. DUTY TO
MITIGATE THE LOSS. Vista a relevância da vítima para o estabelecimento da indenização adequada, trato
219
autor de obra específica sobre o assunto, “a integração da cláusula geral da boa-fé objetiva
com valores e finalidades adotados pela ordem jurídica nacional impõe a adoção da norma
de mitigação no direito brasileiro”644.
Entende-se que “o duty to mitigate the loss poderia ser considerado um dever
acessório, derivado do princípio da boa-fé objetiva, pois nosso legislador, com o apoio da
doutrina anterior ao atual Código, adota uma concepção cooperativa de contrato”645. O
duty to mitigate é visto como uma concretização da noção de cooperação imposta pela boa-
fé, uma vez que impõe a uma das partes conduta voltada a evitar a oneração da prestação
da outra. Na mesma direção aprovou-se, na III Jornada de Direito Civil, o Enunciado nº
169, segundo o qual “o princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o
agravamento do próprio prejuízo”.
A teoria do duty to mitigate the loss foi aceita pela doutrina brasileira para
solucionar situações em que o credor mantém-se inerte diante da produção ou agravamento
do próprio prejuízo decorrente do inadimplemento do contrato. Trata-se de solução
apresentada para “um problema de responsabilidade civil contratual, ou seja, um problema
de imputação de danos que o credor inadimplido poderia ter evitado sofrer ou mesmo
minimizado sua extensão quando já inicialmente configurado”646.
de instituto que vem sendo desenvolvido no direito estrangeiro e que começa a ser estudado no direito
brasileiro. Trata-se do duty to mitigate the loss, ou mitigação do prejuízo pelo próprio credor. O fundamento
para esse dever está diretamente ligado ao dever de boa-fé que deve existir entre os contratantes e entres os
indivíduos, em geral. Tem-se como conceito de boa-fé o dever de agir, nas relações sociais, de acordo com
certos padrões mínimos de conduta socialmente recomendados, de lealdade, correção ou lisura, aos quais
correspondem expectativas legítimas das pessoas.” PEIXOTO, Alessandra Cristina Tufvesson.
Responsabilidade extracontratual - Algumas considerações sobre a participação da vítima na quantificação da
indenização. Revista da Emerj, v. 11, n. 44, 2008, p. 135-136.
644
LOPES. Christian Sahb Batista. Mitigação dos prejuízos no direito contratual. São Paulo: Saraiva. 2013.
p. 163.
645
FRADERA, Véra Maria Jacob de. Pode o Credor ser Instado a Diminuir o Próprio Prejuízo? Revista
Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, n. 19, jul./set. 2004, p. 116.
646
DIAS, Daniel Pires Novais. O duty to mitigate the loss no Direito civil brasileiro e o encargo de evitar o
próprio dano. p. 13. Disponível em: <http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/1894>.
Acesso em: 02 jun. 2013.
220
(ii) existência de um dano imputável à parte inadimplente; e (iii) a possibilidade de o
credor conter a repercussão desse dano, se agir de acordo com a diligência ordinária647.
Parcela da doutrina defende que o duty to mitigate the loss também deveria ser
aplicado em casos de inadimplemento antecipado, em que o devedor declara que não irá
adimplir ou que o seu comportamento revela isso, para evitar um agravamento dos danos a
serem sofridos pelas partes. Com relação ao dever de mitigar os danos na hipótese de
inadimplemento antecipado, Fortunato Azulay assevera que:
647
ZANETTI, Cristiano de Souza. A Mitigação do Dano e Alocação da Responsabilidade. Revista Brasileira
de Arbitragem, nº 35, jul/set 2012, p. 31.
648
STJ, Recurso Especial nº 758.518, 3ª Turma, Rel. Ministro Vasco Della Giustina, j. 17.06.2010.
Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 20 maio 2013.
221
por isso uma necessidade prevenir, reduzir ou tentar minimizar os danos, em vez
de assistir passivamente ao nascimento e progressão da lesão.649
649
AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio.
1977. p. 53. No mesmo sentido: Robert E. Scott e Jody S. Kraus afirmam: “the doctrine of anticipatory
repudiation, then, might serve to extend the duty of mitigation to a period before the time for performance
has expired. Because it potentially enables the parties to avoid wasteful actions taken in reliance on
performance when subsequent events lead one or both parties to believe performance has become unlikely or
impossible, it brings actual contracts closer to the ideal contract, which would require parties to make all
cost-effective adjustments to events occurring after formation.” SCOTT, Robert E. and KRAUS, Jody S.
Contract law and theory. 4th ed. LexisNexis. 2007. p. 816. Em tradução livre: “a doutrina do
inadimplemento antecipado poderia, então, servir para estender o dever de mitigar para um período anterior
ao prazo do termo contratual. Isso porque o instituto potencialmente permite que as partes evitem tomar
ações desnecessárias ao cumprimento quando eventos subsequentes levam uma ou ambas as partes a
acreditarem que o cumprimento se tornou improvável ou impossível, trazendo, assim, contratos reais mais
próximos ao contrato ideal, o que exigiria que as partes a realizassem ajustes efetivos de custos para os
eventos que ocorrerem após a formação.”
650
LABOURIAU, Miguel. Algumas considerações sobre o inadimplemento antecipado no direito brasileiro.
Revista Trimestral de Direito Civil, v. 42, abril/junho 2010, Padma, Rio de Janeiro, p. 114-115.
222
não poder realizar a prestação. Nesse caso, é plenamente justificável que a companhia
busque os meios resolutórios em tempo hábil e extinga o contrato com base na figura do
inadimplemento antecipado. Isso porque, caso a companhia permaneça inerte e aguarde o
advento do termo contratual para tomar alguma providência, os danos que lhe serão
causados alcançarão proporções muito maiores e talvez até irreparáveis651.
Considerar o contrato desde logo violado deixa de constituir-se num direito (que
pode ser exercido ou não) para transmutar-se em dever, sob pena de configurar-
se abuso no seu não exercício, face ao prejuízo que inflige ao contratante, ainda
que este, por atos, declarações ou por manter-se inerte haja violado o contrato.
Fundamentalmente, portanto, é a doctrine of mitigation que determina a
possibilidade da quebra antecipada do contrato: a parte, mesmo lesada pela
violação do contrato, deve agir de forma a não agravar a perda ou dano da
contraparte. Se o contratante lesado pela recusa em adimplir da contraparte fosse
obrigado (e, em certos casos, se tal lhe fosse permitido) a manter o contrato, ou
seja, a cumprir com sua parte no advento do termo, mesmo sabendo que não
receberá a contraprestação, a indenização que seria exigida do devedor
inadimplente seria maior, porque relativa ao preço de todo o contrato, do que
aquela que teria exigido ao considera-lo como desde logo rompido, sem ter que,
portanto, implementar a sua prestação.652
651
Em 2004, Véra Maria Jacob de Fradera publicou artigo intitulado Pode o credor ser instado a diminuir o
próprio prejuízo?, expondo que em diversos sistemas jurídicos internacionais o credor, em face do
inadimplemento do contrato, encontra-se adstrito a adotar medidas tendentes a minimizar as próprias perdas
decorrentes do inadimplemento, sob pena de ter a sua indenização reduzida em proporção equivalente ao
montante de danos que poderiam ter sido evitados. FRADERA, Véra Maria Jacob de. Pode o Credor ser
Instado a Diminuir o Próprio Prejuízo? Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, n. 19, jul./set.
2004, p. 109-119.
652
BECKER, Anelise. Inadimplemento antecipado do contrato. Revista de Direito do Consumidor, São
Paulo: Revista dos Tribunais, n. 12, 1994. p. 74.
223
Como se verá adiante, a inobservância do dever de mitigar danos terá
repercussão importante no cálculo do montante indenizatório a que o credor fará jus em
caso de inadimplemento antecipado. Isso porque, demonstrada a violação ao dever de
mitigar danos, caberá ao juiz reduzir o montante indenizatório, eximindo o devedor da
responsabilidade pelos danos causados e agravados em virtude do comportamento do
credor. É assim que se posiciona Fortunato Azulay:
Por fim, cumpre observar que o duty to mitigate the loss não poderá impor que
o credor tome medidas para mitigar os danos que lhe consumam tempo, dinheiro ou
recursos excessivos, que não fossem adotadas pelo homem médio em uma determinada
situação de inadimplemento antecipado. É nesse sentido que João Baptista Villela assevera
que “evidentemente, não se pode exigir que uma parte que já tenha sofrido as
consequências do inadimplemento do contrato também tome medidas que consumam
tempo ou dinheiro”654.
O dever de mitigar os danos deve ser aplicado com parcimônia e pautado pelos
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, para que não se transfira ao credor o
653
AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio.
1977. p. 52.
654
VILLELA, João Baptista et al. Princípios UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais
Internacionais/2004 [versão em língua portuguesa]. São Paulo: Quartier Latin. 2009. p. 259-260. No mesmo
sentido: “o art. 77 [da Convention on Contracts for the International Sales of Goods] impõe à parte detentora
de direito à indenização que tome as medidas razoáveis a fim de mitigar as perdas possivelmente esperadas,
nas circunstâncias em que é considerado o princípio da boa-fé. Para se determinar quais medidas são
razoáveis, deve-se primeiramente, levar em consideração as práticas entre as partes, bem como os usos do
comércio internacional (art. 9). Em todos os outros aspectos, o ponto de referência é a conduta de uma pessoa
razoável, na mesma posição e sob as mesmas circunstâncias da parte lesada (art. 8(2)). O promissário não
está obrigado a tomar medidas envolvendo custos extraordinários e desproporcionalmente elevados.”
SCHLECHTRIEM, Peter; SCHWENZER, Ingeborg. Comentários à Convenção das Nações Unidas sobre
Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias. Coordenação de tradução de Eduardo Grebler,
Vera Fradera, César Guimarães Pereira. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2014. p. 1.152.
224
ônus de sempre agir no lugar do devedor quando este declarar ou manifestar pelo seu
comportamento que o contrato será inadimplido antecipadamente. Conforme adverte
Cristiano de Souza Zanetti, “o chamado ‘dever de mitigar o dano’ encontra-se novamente
em evidência no século XXI. O desafio, agora, é manejá-lo de maneira criteriosa, o que
exigirá, cada vez e sempre, o emprego atento do conceito de razoabilidade ao caso com
que se deparará o profissional encarregado de interpretá-lo segundo as regras do
Direito”655.
655
ZANETTI, Cristiano de Souza. A Mitigação do Dano e Alocação da Responsabilidade. Revista Brasileira
de Arbitragem, nº 35, jul/set 2012, p. 36.
225
3. EFEITOS DO INADIMPLEMENTO ANTECIPADO DO
CONTRATO
656
Por exemplo, os autores que identificam no inadimplemento antecipado uma situação de pré-
inadimplência e a equiparam às hipóteses de vencimento antecipado da dívida, atribuem àquela os efeitos
destas. Por consequência, confere-se ao credor “o direito de ingressar com a ação competente para exigir a
mantença do contrato com a consequente exigibilidade da prestação ou a sua rescisão com perdas e danos”.
AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio.
1977. p. 115. Por outro lado, aqueles que enquadram o inadimplemento antecipado como uma hipótese de
“violação positiva do contrato” reconhecem ao credor direito imediato à resolução do contrato e perdas e
danos, mas não à execução específica, cuja admissibilidade, segundo se afirma, estaria subordinada ao
advento do termo. DUARTE, Adriana Dardengo. A quebra do contrato por repúdio antecipado no direito
brasileiro: proposta de aplicação de uma teoria. Dissertação apresentada ao curso de mestrado da
Universidade Federal de Minas Gerais, 2006.
226
(i) inadimplemento absoluto, se a prestação se tornar impossível de ser adimplida ou inútil
para o credor; ou (ii) mora, nos casos em que a inobservância do dever de conduta ensejar
apenas o retardamento da prestação, ou o cumprimento da prestação em desacordo com o
tempo, modo e lugar pactuados, sem lhe retirar a utilidade para o credor.
657
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 243. No mesmo sentido, Nelson Rosenvald afirma que: “o dispositivo [art. 477 do Código Civil] tangencia
a chamada quebra antecipada do contrato, ou inadimplemento antecipado. Consiste na evidência de um dos
contratantes implicitamente demonstrar, por meio de sua situação patrimonial, que descumprirá futuramente
a prestação que lhe incumbe. Ou seja, a prestação a ser inadimplida ainda não é exigível pelo credor, mas
provavelmente não será realizada ao seu tempo. O rompimento antecipado poderá ser pleiteado caso o
contratante fragilizado não obtenha as novas garantias que lhe são exigidas. Poderá o credor, imediatamente,
ajuizar ação de resolução com pedido de indenização ou executar a prestação da contraparte antes do prazo
previsto, mediante a tutela específica das obrigações de dar, fazer ou não fazer (art. 461 do CPC).”
ROSENVALD, Nelson. Código Civil comentado. PELUSO, Cezar (Coord.). Barueri/SP: Manoele. 2007. p.
372-373.
658
Judith Martins-Costa afirma que “o pagamento das perdas e danos é efeito da obrigação de indenização,
que nasce com o inadimplemento imputável. Seu escopo é, segundo fórmula clássica, o de ‘recolocar a
vítima na situação em que ela se encontraria se o prejuízo não tivesse sido produzido’”. MARTINS-COSTA,
Judith. Comentários ao novo Código Civil: do inadimplemento das obrigações. v. V. tomo 2. Rio de Janeiro:
Forense. 2003. p. 323.
659
“Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização
monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários advocatícios.”
660
“Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-
lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, a indenização por perdas e danos.”
227
Importante observar que os efeitos do inadimplemento antecipado se
subordinam às peculiaridades do caso concreto. Deve-se permitir ao juiz, diante do caso
que lhe é apresentado e à luz da boa-fé objetiva, sopesar os interesses em jogo a fim de
verificar a legitimidade do mecanismo de tutela requerido pelo credor em face do
inadimplemento do devedor, especialmente no que se refere à resolução contratual, que é
medida extrema661.
661
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 245.
662
Consoante destaca Araken de Assis, a indenização por perdas e danos não é efeito da resolução do
contrato, mas do inadimplemento, razão pela qual também é cabível na demanda de cumprimento. Confira-
se: “seja como for, a indenização representa direito autônomo. É uma sanção, baseada no ilícito, e provoca a
necessidade de investigação da culpa, a teor do art. 392 do CC-02, quiçá criando ao aplicador desavisado a
ilusão de que toda demanda resolutória gravita em torno de tal parcela da causa petendi.” ASSIS, Araken de.
Resolução do contrato por inadimplemento. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.
2004. p. 149.
663
VARELA, João de Mattos Antunes. Das obrigações em geral. Coimbra: Almedina. 1970. p. 758.
664
Neste sentido, os princípios UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais Internacionais preveem que:
“qualquer inadimplemento dá à parte prejudicada o direito à indenização por perdas e danos, seja em caráter
exclusivo, seja em conjunto com outras medidas jurídicas, exceto quando o inadimplemento seja dispensado
segundo estes Princípios.” (artigo 7.4.1)
228
indenização, a parte poderá pleitear cumulativamente665 a resolução ou o cumprimento do
contrato, a depender do caso concreto666.
É importante mencionar que a indenização a ser paga pela parte que provocou
o inadimplemento deverá abranger tanto o dano emergente (o que a parte efetivamente
perdeu) quanto o lucro cessante (o que a parte razoavelmente deixou de ganhar),
consoante a previsão dos artigos 402667 e 403668 do Código Civil, de modo a permitir a
mais ampla e completa reparação dos prejuízos causados pelo inadimplemento669.
[...] se, como dizem os civilistas, para a verificação cabal do dano, devemos ter
em vista o patrimônio daquele que o sofreu, tal como estaria se não existira o
dano, bem se vê desde logo, a necessidade de levar em conta não somente o
desfalque, mas aquilo que não entrou ou não entrará para este patrimônio, em
virtude de certo fato danoso. Assim que, o dano, em toda a sua extensão, há de
abranger aquilo que efetivamente se perdeu e aquilo que se deixou de lucrar.670
665
Araken de Assis afirma que “[...] se ao lado do retorno ao estado anterior, o parceiro almeja obter
indenização, cabe pedi-la cumulativamente ao pedido resolutório. É exemplo de cumulação facultativa de
ações, sob a forma de cúmulo sucessivo de pedidos.” ASSIS, Araken de. Resolução do contrato por
inadimplemento. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2004. p. 145.
666
Judith Martins-Costa observa que “as perdas e danos podem ter um caráter substitutivo ao cumprimento
da obrigação principal (indenização pelo equivalente pecuniário, que cumulará as perdas e danos moratórios
e compensatórios) ou servirão apenas para reparar os danos que ainda ficaram, em razão da mora (perdas e
danos moratórios)”. MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil: do inadimplemento das
obrigações. v. V. tomo 2. Rio de Janeiro: Forense. 2003. p. 323.
667
“Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor
abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.”
668
“Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos
efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.”
669
Sobre o assunto, julgou o Superior Tribunal de Justiça que “a inexecução do contrato pelo promitente-
vendedor que não entrega o imóvel na data acarreta, além do dano emergente, figurado nos valores das
parcelas pagas pelo promitente-comprador, lucros cessantes a título de alugueres que poderia o imóvel ter
rendido se tivesse sido entregue na data contratada”. (STJ, AgRg no Resp 1.049.894/RJ, 3ª Turma, Rel. Min.
Vasco Della Giustiana, DJe 26.10.2010)
670
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas consequências. 3. ed. atual. Rio de Janeiro:
Editora Jurídica e Universitária Ltda. 1949. p. 173.
671
Segundo Judith Martins-Costa “o interesse negativo aponta para a situação em que o credor se encontraria
se não tivesse celebrado o contrato, ou entrado em negociações que se viram injustamente frustradas, seja
pelo recesso injustificado de uma das partes, seja pela não-dação de informações que teriam sido relevantes
para formar o consenso contratual, seja pelo não-cumprimento de promessas feitas na fase pré-contratual que
229
(prejuízos sofridos em virtude da conclusão do contrato) quanto os interesses positivos672
(situação em que a parte se encontraria caso o contrato tivesse sido cumprido) da parte
prejudicada, consoante observa Ruy Rosado Aguiar Júnior:
geraram a justa expectativa do credor, etc.”. MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil:
do inadimplemento das obrigações. v. V. tomo 2. Rio de Janeiro: Forense. 2003. p. 329-330).
672
Segundo Judith Martins-Costa, “o interesse positivo, ou ‘interesse de cumprimento’ ou, ainda, ‘dano
positivo’, é o que resultaria para o credor, do cumprimento exato do contrato. Assim sendo, a indenização do
interesse positivo destina-se a colocar o lesado na situação em que se encontraria se o contrato fosse
exatamente cumprido, reconduzindo-se aos prejuízos que decorrem do não-cumprimento definitivo do
contrato, ou do cumprimento tardio ou defeituoso”. MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo
Código Civil: do inadimplemento das obrigações. v. V. tomo 2. Rio de Janeiro: Forense. 2003. p. 329.
673
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2. ed. Rio de
Janeiro: AIDE. 1991. p. 263. Em sentido contrário, Araken de Assis entende que o Código Civil brasileiro só
contempla o interesse negativo. ASSIS, Araken de. Resolução do contrato por inadimplemento. 4. ed. rev. e
atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2004. p. 146.
674
A esse respeito, Judith Martins-Costa afirma que “[...] o art. 403 fixa certos limites à indenização: esta não
pode abranger senão as perdas efetivas e os lucros que o credor deixou de realizar como consequência direta
e imediata da inexecução. Resta, assim, afastado da indenização o damnum remotum bem como o dano
meramente hipotético ou incerto”. MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil: do
inadimplemento das obrigações. v. V. tomo 2. Rio de Janeiro: Forense. 2003. p. 337.
675
Uma hipótese na qual se discute a “certeza de dano” é a teoria da perda de uma chance, sobre a qual se
recomenda a leitura da seguinte obra: SAVI, Sergio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São
Paulo: Atlas. 2006.
230
Ademais, levando em consideração que no direito brasileiro vigora o princípio
da reparação integral (artigo 944 do Código Civil676), o contratante lesado
excepcionalmente terá direito à compensação do dano moral provocado pelo
descumprimento, desde que reste comprovado que o inadimplemento lesou algum direito
da personalidade naquele caso específico677.
Assim, qualquer que seja a solução adotada pelo credor (resolução do contrato
ou cumprimento), sempre lhe será dado demandar a reparação pelos prejuízos causados
pelo inadimplemento antecipado provocado pelo devedor. A indenização deverá
contemplar todos os danos patrimoniais e extrapatrimoniais decorrentes diretamente da
conduta do devedor que deu causa ao inadimplemento antecipado do contrato, abrangendo
os danos emergentes e os lucros cessantes, assim como os interesses negativos e os
interesses positivos da parte prejudicada pelo descumprimento678.
676
“Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.”
677
Ilustrativa dessa possibilidade é a decisão do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “conquanto
geralmente nos contratos o mero inadimplemento não seja causa para ocorrência de danos morais, a
jurisprudência desta Corte vem reconhecendo o direito ao ressarcimento dos danos morais advindos da
injusta recusa de cobertura de seguro saúde, pois tal fato agrava a situação de aflição psicológica e de
angústia no espírito do segurado, uma vez que, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em
situação de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada”. (STJ, AgRg no Resp 1.194.379/MS, 3ª
Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 17.09.2010)
678
Neste sentido, os princípios UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais Internacionais preveem que:
“(1) A parte prejudicada tem direito ao ressarcimento integral pelos danos sofridos em razão do
inadimplemento. Tais danos incluem tanto as perdas efetivamente sofridas quanto as vantagens que se
deixaram de obter, levados em consideração quaisquer ganhos que a parte prejudicada haja obtido ao evitar
gastos e danos. (2) Tais danos podem ser de natureza não pecuniária e incluem, por exemplo, o sofrimento
físico ou moral” (artigo 7.4.2).
231
No entanto, pouco mais de um mês após a assinatura do pré-contrato, a
empresa “A” descobre que “B” alienou a totalidade das suas ações na sociedade “X” para
um terceiro, o que caracteriza uma situação de inadimplemento antecipado. Nessa situação,
além de pleitear a resolução do contrato, a empresa “A” poderá requerer a condenação de
“B” ao pagamento de indenização a título de perdas e danos. A empresa “A” poderá
pleitear o ressarcimento de todas as despesas incorridas na negociação e com a celebração
do pré-contrato (exemplo: honorários de advogado, despesas com a realização da auditoria,
passagens aéreas e estadias em hotéis dos seus representantes, etc.), além de todos os
lucros que razoavelmente deixou de ganhar (o que, nesse caso específico, parece ser de
difícil comprovação diante da vedação à indenização por danos hipotéticos).
679
Neste mesmo sentido, Raphael Manhães Martins afirma que “este é o primeiro reflexo da configuração do
inadimplemento antecipado. Afinal, o devedor que agiu de maneira desidiosa no cumprimento da obrigação
ou recusa-se a cumpri-la não pode valer-se do benefício do termo para retardar o ressarcimento dos prejuízos
que causou. Note-se que o reconhecimento desse dever de indenizar, trata, em última análise, de reduzir as
perdas que a vítima do inadimplemento teve, seja evitando fazer novos gastos naquela relação, seja
permitindo que ela tenha novamente recursos para contratar terceiros para concluir a execução do contrato”.
MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua aplicação no direito
brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007, p. 220-221.
232
lesada, bem como os seus interesses positivos e negativos. Como forma de auxiliar na
obtenção do quantum indenizatório, Aline Terra aponta alguns elementos balizadores, tais
como a publicidade conferida à declaração do devedor de não adimplir, o momento da
configuração do inadimplemento antecipado nas obrigações a termo, além das medidas
adotadas pelo credor para reduzir os danos680.
Caso o devedor declare de maneira transparente que não quer ou que não
conseguirá adimplir no tempo, modo e lugar pactuados, fazendo com que isso chegue ao
conhecimento do credor, maiores são as chances dele tomar as medidas necessárias para a
proteção do seu direito de crédito e, consequentemente, diminuir o seu prejuízo. A boa-fé
do devedor ao declarar, com clareza e publicidade, que inadimplirá a obrigação deverá ser
prestigiada no momento da fixação do quantum indenizatório.
680
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 247.
681
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 247.
233
do espetáculo, quando não será mais possível sequer contratar outro músico para substituí-
lo.
Com relação ao dever de mitigar os danos, Ruy Rosado Aguiar Júnior assevera
que:
682
AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio.
1977. p. 120.
683
Neste sentido, os princípios UNIDROIT relativos aos Contratos Comerciais Internacionais preveem que:
“(1) A parte inadimplente não é responsável pela parte prejudicada na medida em que esses danos poderiam
ter sido reduzidos com a adoção de medidas razoáveis por parte desta. (2) A parte prejudicada tem direito a
reaver quaisquer despesas que tenha razoavelmente realizado na tentativa de reduzir os danos.” (artigo 7.4.8)
684
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2. Ed. Rio de
Janeiro: AIDE. 1991. p.136.
234
quantidade de látex para que possa produzir os pneus a que se comprometeu a vender para
uma indústria automobilística. Se de duas semanas antes do termo ajustado para a entrega
do látex, o seringueiro declarar que não adimplirá a sua prestação, a empresa especializada
na produção de pneus, diante do inadimplemento antecipado, deve buscar outros
fornecedores para minimizar seus danos. Caso ela se quede inerte, os danos decorrentes da
sua omissão deverão ser abatidos do quantum indenizatório.
685
Para fins do presente trabalho, adotamos o conceito de resolução de Ruy Rosado de Aguiar Júnior: “a
resolução é modo de extinção de relação obrigacional estabelecida em contrato bilateral, com retirada de sua
eficácia pelo exercício do direito formativo extintivo, do qual é titular o credor não inadimplente, fundado no
incumprimento definitivo e imputável do devedor. Excepcionalmente, a resolução pode ser de iniciativa
deste, decorrer de incumprimento não imputável ou resultar de modificação das circunstâncias, invocável por
ambas as partes.” AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do
devedor. 2. ed. Rio de Janeiro: AIDE. 1991. p. 77). Araken de Assis também tem orientação semelhante: “o
direito à resolução consiste no desfazimento da relação contratual, por decorrência de evento superveniente,
ou seja, inadimplemento imputável, e busca a volta ao status quo. É um direito formativo extintivo e, porque
dissolve o contrato, constitui exceção notória ao princípio da estabilidade do vínculo em virtude de fato
adventício ao seu aperfeiçoamento.” ASSIS, Araken de. Resolução do contrato por inadimplemento. 4. ed.
rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2004. p. 77.
686
Embora não seja objeto do presente estudo, é importante mencionar que, de acordo com a doutrina
majoritária, são pressupostos para a resolução do contrato: (i) existência de um contrato bilateral ou
sinalagmático, (ii) não inadimplência do credor que pleiteia a resolução do contrato; e (iii) que se esteja
diante de uma hipótese de inadimplemento absoluto. Nesse sentido: AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de.
Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2. ed. Rio de Janeiro: AIDE. 1991. p. 87; GOMES,
Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense. 2008. p. 84-85. Em sentido contrário, Araken de Assis entende
235
artigo 475 do Código Civil: “a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do
contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos,
indenização por perdas e danos.”687
que a bilateralidade não é um requisito necessário para a resolução: “é um engano comum a automática
conclusão de a técnica legislativa limitar ao contrato bilateral o domínio do instituto.” Afirma que “a
resolução supõe a interdependência de prestações” e que “o campo operativo da resolução se revela menor
que o do inadimplemento das obrigações no contrato bilateral, pois nem todas se colocam em função
recíproca, e, ao mesmo tempo, maior do que esta categoria abstrata, porque em outras avenças, unilaterais na
aparência, se convencionou a resolução ou se criou, ainda que em parte acessória ou lateral, a bilateral, de
resto imprescindível à aplicabilidade da resolução”. ASSIS, Araken de. Resolução do Contrato por
Inadimplemento. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2004. p. 21 e p. 32.
687
De acordo com a leitura clássica de Antunes Varela, se algum dos contratantes deixar de cumprir a
prestação por fato que lhe seja imputável (ou porque a prestação se tornou impossível ou porque, com a
demora do devedor, ela perdeu interesse para o credor), pode o outro requerer a resolução do contrato,
extinguindo-se a relação obrigacional, com a indenização dos danos que haja sofrido. VARELA, João de
Mattos Antunes. Das obrigações em geral. Coimbra: Almedina. 1970, p. 145.
688
A esse respeito, Ruy Rosado de Aguiar Júnior afirma que “o exercício do direito formativo de resolução
tem a função de extinguir a relação obrigacional e, com isso, liberar o credor da sua prestação [...]. Como a
extinção atua para os dois lados, ela importa na liberação também do devedor. A extinção opera com
retroatividade e normalmente traz consigo a necessidade de recomposição da situação assim como era antes,
através da restituição e da reparação dos danos”. AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos
por incumprimento do devedor. 2. ed. Rio de Janeiro: AIDE. 1991. p. 47.
689
Gabriel Rocha Furtado afirma que “[...] será pertinente resolver a relação contratual – em meio a outros
casos – sempre que diante da mora do devedor a sua prestação não sirva mais ao alcance e concretização dos
efeitos essenciais que sejam a causa do negócio; sempre, enfim, que esteja frustrada a finalidade do
contrato”. FURTADO, Gabriel Rocha. Mora e inadimplemento substancial. São Paulo: Atlas. 2014. p. 58.
690
Ruy Rosado de Aguiar Júnior afirma que "além dos fatos supervenientes que extinguem a relação
obrigacional, dando-lhe eficácia por algum modo de cumprimento, com ou sem satisfação do credor, ainda há
os que surgem depois de celebrado o contrato e atingem a relação, retirando-lhe a eficácia. Esses atos, de
destruição ou frustração da expectativa da plena realização do fim expresso no contrato, distinguem-se dos
anteriores pela nota da ineficácia e entre eles se encontra a resolução. São fatos supervenientes que atuam no
plano da simples ineficácia (resolução, revogação, distrato, denúncia, extinção ipso jure, arrependimento,
prescrição)”. AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2.
ed. Rio de Janeiro: AIDE. 1991. p.19.
236
resolução do contrato faz com que se tenha “o negócio jurídico concluído como se
concluído não tivesse sido”691.
691
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. tomo XXV. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais. p. 393.
692
A esse respeito, Araken de Assis esclarece que “corolário natural e óbvio da extinção, assim produzida,
consiste no retorno dos parceiros às posições ocupadas antes da contratação. É o que determina o art. 182 do
CC-02 relativo à ação de nulidade, mas aplicável analogicamente ao remédio resolutivo, quando dispõe:
‘restituir-se-ão as partes ao estado, em que antes dele se achavam, e não sendo possível restituí-las, serão
indenizadas pelo equivalente’”. ASSIS, Araken de. Resolução do contrato por inadimplemento. 4. ed. rev. e
atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2004. p. 260. Deliberando sobre hipótese específica, mas que
denota a eficácia retroativa da resolução, o Superior Tribunal de Justiça afirmou que “a resolução do negócio
jurídico firmado entre as partes implica a restituição dos contratantes ao estado anterior, consubstanciando,
pois, mera consequência do desfazimento do contrato, a reintegração do bem ao arrendante e a restituição, ao
arrendatário, dos valores pagos a título de VRG”. (STJ, AgRg no AI 864.576/SP, 4ª Turma, Rel. Min, Hélio
Quaglia Barbosa, DJU 06.08.2007)
693
Em virtude disso, se o devedor retarda ou omite ato necessário à execução da prestação devida, ou viola
qualquer dever obrigacional, de modo a tornar impossível a prestação ou a impedir o seu cumprimento no
termo ajustado, acarretando sua inutilidade para o sujeito ativo, o credor estará autorizado a resolver o
contrato.
694
Neste sentido: “corolário natural e óbvio da extinção, assim produzida, consiste no retorno dos parceiros
às posições ocupadas antes da contratação. É o que delimita o art. 182 do CC-02 relativo à ação de nulidade,
mas aplicável analogicamente ao remédio resolutivo, quando dispõe: restituir-se-ão as partes ao estado, em
que antes dele se achavam, e não sendo possível restituí-las, serão indenizadas pelo equivalente”. ASSIS,
Araken de. Resolução do contrato por inadimplemento. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais. 2004. p. 145-146.
237
devida, a outra ainda seja obrigada a agir como se tal fato não houvesse ocorrido e,
portanto, cumprir o que fora avençado695.
[...] caso o descumprimento da obrigação principal seja certo, a parte lesada pode
pleitear a resolução da relação jurídica contratual, bem como o pagamento das
perdas e danos, exatamente conforme o previsto no art. 475 do Código Civil. A
solução é a mesma se não forem observados deveres secundários, desde que
essenciais ao cumprimento da prestação principal. Não custa recordar, porém,
que a resolução não encontra lugar se o descumprimento for de pequena
monta.696
695
Neste mesmo sentido, Raphael Manhães Martins afirma que “de nada adiantaria o direito de ser
indenizado pelos prejuízos s o inadimplido ainda permanecesse obrigado a cumprir com a parte que lhe
caberia no contrato. Surge como corolário necessário, portanto, que, em caso de inadimplemento antecipado,
confira-se ao credor a possibilidade de acionar o mecanismo da resolução do contrato, conforme estabelecido
no art. 475 do CC”. MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado: perspectiva para a sua
aplicação no direito brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103, mai./jun. 2007, p. 221.
696
ZANETTI, Cristiano de Souza. Inadimplemento Antecipado da Obrigação Contratual. In: CELLI
JUNIOR, Umberto; BASSO, Maristela; AMARAL JÚNIOR, Alberto do (Coord). Arbitragem e comércio
internacional: estudos em homenagem a Luiz Olavo Baptista. São Paulo: Quartier Latin. 2013. p. 324. Com
a mesma orientação: “em nosso direito, seria curial a aplicação da doutrina do anticipatory breach através do
art. 1092 do Código Civil (cláusula resolutiva tácita) quando o estado caracterizado de insolvência do
devedor demonstrasse a quase, senão total, impossibilidade do cumprimento da prestação. Seria facultado ao
credor, não só o direito de desobrigar-se do cumprimento da prestação que lhe caberia, como de demandar
perdas e danos.” AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora
Brasília/Rio. 1977. p. 115.
238
Vale mencionar que a resolução pode ser classificada, quanto à fonte, em legal
ou convencional697. A resolução legal é aquela que decorre da lei e se fundamenta na
cláusula resolutiva tácita, que, segundo a doutrina, figuraria em todo contrato bilateral, em
virtude da qual uma das partes pode exigir a resolução do contrato em razão do
inadimplemento da outra698. A resolução convencional, por sua vez, é proveniente de
cláusula resolutória expressa inserida no texto do contrato ou em instrumento anexo.
697
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2. ed. Rio de
Janeiro: AIDE. 1991. p. 52.
698
Caio Mário da Silva Pereira afirma que “os códigos modernos, no desenvolvimento da idéia, instituem o
princípio que se denomina cláusula resolutiva tácita, imaginando-se que, em todo contrato bilateral, a sua
inexecução por uma das partes tem como consequência facultar à outra promover a sua resolução, se não
preferir a alternativa de reclamar a prestação, muito embora não tenham sido ajustadas estas consequências”.
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. v. III. Rio de Janeiro: Forense. 2006. p. 155.
699
“Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial.”
700
Segundo Ruy Rosado de Aguiar Júnior, “a necessidade da intervenção judicial para a resolução do
negócio dá à sentença a natureza constitutiva negativa e somente através dela é que se exerce e materializa o
direito formativo do credor, pois é a sentença que resolve a obrigação. Nesse sistema, a atividade do juiz não
se limita a declarar a resolução já acontecida por manifestação da vontade do credor, cumprindo-lhe verificar
a presença dos pressupostos do direito formativo”. AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos
contratos por incumprimento do devedor. 2. ed. Rio de Janeiro: AIDE. 1991. p. 55.
701
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. v. III. Rio de Janeiro: Forense. 2006. p. 156-
158.
702
AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento antecipado do contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio.
1977. p. 53. No mesmo sentido: “o fundamento para a resolução também nas hipóteses de inadimplemento
anterior ao termo se encontra na cláusula resolutiva tácita. Daí porque se exige a declaração judicial de que a
parte está, de fato, inadimplente, e que, por isso, o contrato está resolvido.” TERRA, Aline de Miranda
Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009. p. 249.
239
não se limita a declarar a existência do direito; ele desfaz o contrato e elimina os seus
efeitos, retornando as partes ao status quo703.
703
Confiram-se as lições de Ruy Rosado de Aguiar Júnior a respeito: “A necessidade de intervenção judicial
para a resolução do negócio dá à sentença a natureza constitutiva negativa e somente com ela é que se
materializa o direito formativo do credor, pois é a sentença que resolve a obrigação. Segundo esse sistema, a
atividade do juiz não se limita a declarar a resolução já acontecida por manifestação da vontade do credor;
mais que isso, cumpre-lhe verificar a presença dos pressupostos do direito formativo.” AGUIAR JÚNIOR,
Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2. ed. Rio de Janeiro: AIDE. 1991. p.
56.
704
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 250.
240
prestação antes de requerer a resolução do contrato, evitando-se a alegação de
inadimplemento por sua parte. É a advertência formulada por Aline Terra:
705
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 251.
706
MARTINS. Guilherme Magalhães. Inadimplemento antecipado do contrato. Revista Trimestral de Direito
Civil, Rio de Janeiro, v. 36, out/dez 2008, p. 85.
707
A esse respeito, Gabriel Rocha Furtado afirma que “[...]) a resolução constitui medida extrema de extinção
da relação contratual, colocando-se em direção antagônica ao fim inicialmente previsto e desejado pelas
partes de que as obrigações fossem adimplidas e satisfeitos os respectivos credores. Daí se tratar de caminho
excepcional no desenvolvimento da relação contratual, sendo admitida apenas nos casos previstos em lei e
em que haja interesse legítimo e merecedor de tutela de quem a pleiteia”. FURTADO, Gabriel Rocha. Mora e
inadimplemento substancial. São Paulo: Atlas. 2014. p. 23.
241
Por sua vez, sempre que a prestação for ainda possível e útil, sendo este último
juízo feito objetivamente, o direito preferirá que as partes contratantes busquem a execução
específica da obrigação. Afinal, o adimplemento é o meio extintivo ideal da relação
contratual, por ser dentre todas as hipóteses extintivas a que mais inteiramente satisfaz os
interesses do credor.
708
Segundo Pietro Perlingieri, “não basta que o ato seja lícito, mas é necessário que ele, mesmo quando
típico, seja merecedor de tutela naquele contexto particular (em consideração daqueles sujeitos, daquele
momento, daquela cláusula acrescida, etc.)”. PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade
constitucional. Trad. de Maria Cristina De Cicco. Rio de Janeiro: Renovar. 2008. p. 370.
709
Neste ponto, Gabriel Rocha Furtado assevera que, “sendo a resolução do contrato meio não satisfativo de
extinção da relação jurídica formada entre os contratantes, a afastar por isso o processo obrigacional do seu
curso (inicialmente planejado com vistas ao adimplemento), é preciso que o seu direito reflita um interesse
merecedor de tutela por parte do credor. Na hipótese resolutória motivada pelo inadimplemento absoluto –
que é o objeto da presente investigação -, o interesse do credor que se diz frustrado não pode ser analisado
isoladamente, devendo harmonizar-se com todos os interesses envolvidos no contrato e objetivamente
sintetizados na função negocial – inclusive os do devedor e, numa perspectiva mais ampla e profunda, os
sociais”. FURTADO, Gabriel Rocha. Mora e inadimplemento substancial. São Paulo: Atlas. 2014. p. 37. Em
sentido semelhante: “[...]) a exigência de sentença judicial permite adequado controle na escolha efetuada
pelo credor em utilizar-se da via resolutiva, onde joga importante papel (até hoje inaplicado, em nosso meio,
convenientemente) o princípio da boa-fé e suas derivações, com o fim de cercear o uso incorreto do direito de
extinção.” AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Extinção dos contratos por incumprimento do devedor. 2. ed.
Rio de Janeiro: AIDE. 1991. p. 51.
710
Gustavo Tepedino afirma que a teoria do adimplemento substancial “veda ao credor o exercício do direito
de rescisão do contrato, ainda quando a norma contratual ou legal a preveja, se a prestação pactuada foi
substancialmente satisfeita pelo devedor”. TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES,
Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. v. I, 2. ed. rev. e
atual. Rio de Janeiro: Renovar. 2007. p. 697.
242
descumprimento de um dever obrigacional não alterar o sinalagma do contrato, a sua
finalidade econômico-social, o interesse do credor e o resultado útil programado711.
711
Sobre a questão, Cristiano de Souza Zanetti afirma que se deve “[...] prestar máxima atenção a eventual
cláusula resolutiva expressa. De acordo com o art. 474 do Código Civil, a inserção da referida cláusula serve
precisamente para que a parte possa dar por resolvida a relação, caso reste verificado o inadimplemento nela
previsto. Não há necessidade, por conseguinte, de discutir a relevância da obrigação contratual descumprida,
dado que as partes já terão reputado suficiente para pôr fim ao negócio. De nada importa que, sob o ponto de
vista de terceiro, o descumprimento possa ser considerado de maior ou menor importância”. ZANETTI,
Cristiano de Souza. Inadimplemento Antecipado da Obrigação Contratual. In: CELLI JUNIOR, Umberto;
BASSO, Maristela; AMARAL JÚNIOR, Alberto do (Coord). Arbitragem e comércio internacional: estudos
em homenagem a Luiz Olavo Baptista. São Paulo: Quartier Latin. 2013. p. 325.
712
FURTADO, Gabriel Rocha. Mora e inadimplemento substancial. São Paulo: Atlas. 2014. p. 44.
713
ASSIS, Araken de. Resolução do contrato por inadimplemento. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais. 2004. p. 36.
243
do Código Civil. Vale destacar que somente é possível a execução através da tutela pelo
equivalente, uma vez que o inadimplemento absoluto destitui a utilidade da prestação, seja
pela impossibilidade de cumprimento da prestação, seja pela perda do interesse do credor.
Haverá tutela ressarcitória pelo valor equivalente à prestação devida.
De acordo com a redação do artigo 461 do Código de Processo Civil, “na ação
que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a
tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que
assegurem o resultado prático equivalente ao do cumprimento”. Esse dispositivo legal,
trazido pela reforma legislativa de 1994, veio deixar clara a opção do legislador de
privilegiar a tutela específica da obrigação de fazer ou de não fazer, seja ela legal ou
contratual, fungível ou infungível715.
Nas palavras de Fredie Didier, o artigo 461 do Código de Processo Civil prevê
o que “passou a ser chamado de princípio da primazia da tutela específica das obrigações
714
Fredie Didier afirma que “a importância de distinguir entre inadimplemento absoluto e inadimplemento
relativo está em que, se o objeto da prestação for um fazer, não fazer ou dar coisa distinta de dinheiro e ainda
houver possibilidade/utilidade de cumprimento da prestação, o credor tem o direito subjetivo a que esse
cumprimento se dê de forma específica (art. 461, CPC). Em outras palavras, pode ele, credor, manejar
execução buscando alcançar o próprio fazer, não fazer ou a coisa pretendida. Assim, somente o
inadimplemento absoluto ou a vontade do credor podem dar ensejo à conversão dessas prestações em perdas
e danos (art. 461, § 1º, CPC).” DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno;
OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil 5. 6. ed. Salvador: Editora JusPodivm.
2014. p. 92.
715
Importante observar que a modificação do art. 461 do CPC pela Lei nº 10.444/2002 estendeu às
obrigações de dar coisa distinta de dinheiro a mesma forma de efetivação das obrigações de fazer e não fazer,
concedendo ao magistrado um poder geral de impor a medida coercitiva que mais se adequasse à tutela do
bem da vida em disputa.
244
de fazer e de não fazer, segundo o qual se deve buscar dar ao credor tudo aquilo e
exatamente aquilo que ele obteria se o devedor tivesse cumprido espontaneamente a
obrigação que lhe cabia”716.
716
DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael
Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil 5. 6. ed. Salvador: Editora JusPodivm. 2014. p. 425.
717
Paulo Lôbo afirma que “a evolução do direito brasileiro, diferentemente do que prevaleceu até
recentemente, aponta para remeter a indenização por perdas e danos, em virtude do inadimplemento da
obrigação de fazer, para a última opção. Nesse sentido são o Código de Defesa do Consumidor e o Código de
Processo Civil, para que o juiz priorize a execução específica, ou a obtenção do resultado prático
correspondente, reforçando-se não propriamente a posição do credor, mas o interesse merecedor de tutela
veiculado por tais espécies de obrigações”. LÔBO, Paulo. Direito civil: obrigações. 3. ed. São Paulo: Saraiva.
2013. p. 107.
718
A respeito da questão, Gustavo Tepedino afirma que “o CC, sem se afastar dessa tendência, sobretudo
quando interpretado sistematicamente, prevê a conversão das obrigações de fazer em perdas e danos, em
casos em que, numa ponderação previa dos valores em cotejo, não convém a execução específica; seja em
favor da dignidade da pessoa humana, preservando-se – a despeito da tendência acima indicada – a
inviolabilidade da esfera pessoal do devedor para fins de execução de um dever patrimonial; seja para a
preservação de interesses de terceiros de boa-fé; seja pela dificuldade que, em certas hipóteses poderia
representar a execução coativa, em sacrifício da celeridade de uma prestação jurisdicional compensatória”.
TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. In: AZEVEDO, Álvaro Villaça (Coord.). Código Civil
comentado: direito das obrigações. São Paulo: Atlas. 2008. p. 518.
245
cumprimento requerendo que o jogador se apresente imediatamente para a sua comissão
técnica, sob pena de incidência de multa diária.
719
“Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do
devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível.
Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização judicial, executar ou
mandar executar o fato, sendo depois ressarcido.”
720
“Art. 251. Praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode exigir dele que o
desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado perdas e danos.
Parágrafo único. Em caso de urgência, poderá o credor desfazer ou mandar desfazer, independentemente de
autorização judicial, sem prejuízo do ressarcimento devido.”
246
Frise-se que não haverá nenhum óbice para a imediata propositura da demanda
de cumprimento, uma vez que o termo contratual é desconsiderado em razão da conduta do
devedor que acarretou o inadimplemento antecipado do contrato. A perda do benefício do
termo implica na imediata exigibilidade da obrigação, o que autoriza a demanda de
cumprimento721.
Entretanto, o imediato pagamento nas obrigações sem prazo deve ser entendido
em termos e constitui princípio suscetível de temperamentos e mitigações. (...) O
rigor do princípio – in omnibus obligationis in quibus dies non ponitur die
praesenti debetur – é atemperado por exceções impostas da necessidade e por
equidade, a que a lei se acurva. Eis por que Alves Moreira o enuncia por esta
forma: a prestação terá de ser feita quando o credor a exigir, salvo o lapso de
tempo dependente da natureza do contrato.722
721 Neste sentido: “na demanda de cumprimento decorrente de inadimplemento anterior ao termo, por sua
vez, embora, de fato, ainda não se tenha verificado o termo, a já configurada violação da prestação devida
importa a perda de merecimento de tutela do benefício conferido ao devedor, a tornar a prestação desde logo
exigível. Além de já existir o crédito e o débito, existe também a pretensão ao seu recebimento, a autorizar o
ajuizamento de demanda com vistas ao cumprimento imediato da prestação”. TERRA, Aline de Miranda
Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009. p. 252. Vale mencionar a
ponderação realizada por Raphael Manhães Martins, que, se olvidando da funcionalização do termo e da
consequente perda do benefício por ele conferido, indica que a pendência do termo surge como entrave para a
execução específica: “[...] deve ser reconhecido, entretanto, que a execução específica sofre limitações, pelo
fato de não haver ainda o vencimento antecipado da dívida, demandando do intérprete (e, principalmente, do
juiz) uma certa parcimônia em sua aplicação”. MARTINS, Raphael Manhães. Inadimplemento antecipado:
perspectiva para a sua aplicação no Direito brasileiro. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 391, ano 103,
mai./jun. 2007, p. 186.
722
NONATO, Orosimbo. Curso de Obrigações. v. I. Rio de Janeiro: Forense. 1959. p. 264.
247
mês, o importador informa ao credor que não entregará o equipamento, o prazo concedido
à importadora perde a sua razão de existir, e a prestação passa a ser, imediatamente,
exigível. Configura-se, então, apenas a mora do devedor, já que a prestação conserva o seu
interesse e a sua utilidade para o credor. Diante de tal situação, o comprador pode ajuizar
demanda de cumprimento a fim de exigir que a importadora lhe forneça o equipamento de
imediato. Nesse caso, o juiz deverá conceder prazo para a execução da prestação
compatível com o necessário para a sua importação e, após o decurso desse prazo, incidirá
a multa cominatória.
723
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar. 2009.
p. 256.
724
“Art. 130. Ao titular do direito eventual, nos casos de condição suspensiva ou resolutiva, é permitido
praticar os atos destinados a conservá-lo.”
248
existência da obrigação, mas apenas a sua execução (plano da eficácia). Assim, enquanto a
obrigação não se torna exigível, o credor poderá praticar os atos de conservação do seu
direito725.
Por sua vez, nas situações de risco de descumprimento, em que há uma alta
probabilidade de inadimplemento pelo devedor, seriam aplicáveis as consequências
jurídicas previstas no artigo 477 do Código Civil, as quais têm a vantagem de substituir a
“Art. 135. Ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber, as disposições relativas à condição suspensiva
e resolutiva.”
725
NONATO, Orosimbo. Curso de obrigações. v. I. Rio de Janeiro: Forense. 1959. p. 257.
726
Conforme destaca Pontes de Miranda, no atual artigo 477 do Código Civil não se trata de “pretensão à
prestação antecipada (em relação à do outro figurante) ou à caução. Trata-se de exceção. Ao outro figurante é
que cabe escolher entre prestar antecipadamente (= ao mesmo tempo em que teria que prestar antes), ou dar
caução”. E conclui: “se a caução não pode ser prestada, nem há meios para o credor adimplir, o devedor, que
teria de prestar antes, tem de esperar que se vença a dívida do outro figurante, para poder pedir a resolução
por inadimplemento”. MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. t. XXVI, Rio de Janeiro: Editor
Borsoi. 1959. p. 109-110.
249
resolução por um remédio menos severo e mais compatível com a situação de incerteza
que pende sobre o cumprimento da obrigação, autorizando o contratante a recusar-se à
prestação que lhe compete, até que a outra parte satisfaça a que lhe incumbe ou dê garantia
bastante para fazê-la.
727
SCHREIBER, Anderson. A tríplice transformação do adimplemento. Adimplemento substancial,
inadimplemento antecipado e outras figuras. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 32,
out./dez 2007, p. 13.
250
A cláusula penal consiste em um pacto acessório pelo qual as partes fixam
previamente a indenização devida em caso de descumprimento total da obrigação (cláusula
penal compensatória) ou, ainda, em caso de descumprimento de determinada cláusula do
contrato ou de mora (cláusula penal moratória)728. No contrato, não há cláusula penal sem
acordo ou consentimento das partes729.
728
Neste sentido, o seguinte dispositivo do Código Civil: “Art. 409. A cláusula penal estipulada
conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, pode referir-se à inexecução completa da obrigação, à
de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora”. Segundo Carlos Roberto Gonçalves: “cláusula penal é
obrigação acessória, pela qual se estipula pena ou multa destinada a evitar o inadimplemento da principal, ou
o retardamento do seu cumprimento. É também denominada pena convencional ou multa contratual. Adapta-
se aos contratos em geral e pode ser inserida, também, em negócios jurídicos unilaterais, como o testamento,
para compelir, por exemplo, o herdeiro a cumprir fielmente o legado” (GONÇALVES, Carlos Roberto.
Direito civil brasileiro, vol. 2: teoria geral das obrigações. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 411).
729
LÔBO, Paulo. Direito civil: obrigações. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 267. Importante observar que o
Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “a cláusula penal contida nos contratos bilaterais, onerosos e
comutativos deve aplicar-se para ambos os contratantes indistintamente, ainda que redigida apenas em favor
de uma das partes” (STJ, REsp 1119740, Rel. Min, Massami Uyeda, j. 27.09.2011).
730
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. vol. II. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2005. p. 145-146.
731
A respeito da questão, Gustavo Tepedino afirma que “(...) os fundamentos da cláusula penal, a despeito da
discussão doutrinária sobre sua finalidade precípua, são o de servir de instrumento de pré-fixação das perdas
e danos e, simultaneamente, elemento de reforço do liame contratual” (TEPEDINO, Gustavo. BARBOZA,
Heloisa Helena. MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado Conforme a Constituição da
República. Vol. I, 2. ed. rev. e atual., Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 749).
251
obrigações, ensejando mecanismos de defesa e proteção dos direitos e créditos emanados
das convenções e contratos”.732
732
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 251.
733
Caio Mário da Silva Pereira afirma que “o efeito fundamental da pena convencional, e que pode ser
assinalado como determinação cardeal, é a sua exigibilidade pleno iure (Código Civil de 2002, art. 408), no
sentido de que independe da indagação se o credor foi o não prejudicado pela inexecução do obrigado”
(PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. vol. II. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
p. 156).
734
“Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra
cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o
desempenho da obrigação principal”.
735
Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça afirmou que “o promitente comprador, em caso de atraso na
entrega do imóvel adquirido pode pleitear, por isso, além da multa moratória expressamente estabelecida no
contrato, também o cumprimento, mesmo que tardio da obrigação e ainda a indenização correspondente aos
lucros cessantes pela não fruição do imóvel durante o período da mora da promitente vendedora” (STJ, REsp
1.355.554-RJ, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 6/12/2012).
252
cumprimento da obrigação e do pagamento do valor da cláusula penal moratória, a
indenização correspondente aos lucros cessantes pela não fruição do imóvel durante o
período da mora. (ex: se o adquirente comprovar que adquiriu o apartamento para alugá-
lo).
A cláusula penal compensatória, por sua vez, não é cumulativa. Assim, haverá
uma alternativa para o credor: exigir o cumprimento da obrigação principal ou apenas o
valor da cláusula penal736. Como regra geral não é possível a cumulação da cláusula penal
com pedido de indenização, porque a cláusula penal compensatória já substituiu a
indenização pelas perdas e danos737. No entanto, se no contrato estiver expressamente
prevista esta possibilidade de cumulação, a multa funciona como valor mínimo de
indenização, cabendo ao credor provar o prejuízo excedente para fazer jus à indenização
complementar738 (artigo 416, parágrafo único, do Código Civil739).
736
“Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta
converter-se-á em alternativa a benefício do credor”.
737
Vale mencionar o polêmico enunciado 430 da V Jornada de Direito Civil sobre a aplicação do artigo 416,
§ único, do Código Civil, aos contratos de adesão: “No contrato de adesão, o prejuízo comprovado do
aderente que exceder ao previsto na cláusula penal compensatória poderá ser exigido pelo credor,
independentemente de convenção”.
738
Sobre a questão, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu que, “ainda que o prejuízo exceda
ao previsto na cláusula penal [compensatória], não pode o credor exigir indenização suplementar se assim
não tiver sido convencionado.” (TJSP, Apelação nº 0023528-84.2005.8.26.0100, 29ª Câmara de Direito
Privado, j. 07.03.2012).
739
“Art. 416. Para exigir a pena convencional, não é necessário que o credor alegue prejuízo.
Parágrafo único. Ainda que o prejuízo exceda ao previsto na cláusula penal, não pode o credor exigir
indenização suplementar se assim não foi convencionado. Se o tiver sido, a pena vale como mínimo da
indenização, competindo ao credor provar o prejuízo excedente”.
740
“Art. 408. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de
cumprir a obrigação ou se constitua em mora”.
741
TEPEDINO, Gustavo. BARBOZA, Heloisa Helena. MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil
Interpretado Conforme a Constituição da República. Vol. I, 2. ed. rev. e atual., Rio de Janeiro: Renovar,
2007. p. 750.
253
Conforme expusemos no primeiro capítulo, a culpa não é mais considerada o
fundamento (único) do inadimplemento e da responsabilidade contratual, mas sim o nexo
de imputação, que pode ser subjetivo ou objetivo, a depender da relação jurídica em
concreto. Assim, melhor seria dizer que a cláusula penal é eficaz desde que caracterizada
uma situação de inadimplemento imputável ao devedor.
742
TERRA, Aline de Miranda Valverde. Inadimplemento anterior ao termo. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.
p. 245, nota 449.
743
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. vol. II. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2005. p. 104.
254
É importante discutir a possibilidade de alteração do valor da cláusula penal no
caso de inadimplemento antecipado. Em linhas gerais, o artigo 413 do Código Civil744
autoriza que o juiz reduza equitativamente o valor da cláusula penal se ele for
manifestamente elevado e desproporcional ao descumprimento da obrigação, ou se a
prestação foi cumprida parcialmente. Não obstante o legislador ter utilizado no
mencionado artigo o termo “obrigação principal”, relacionando-o, assim, com a cláusula
penal compensatória, a doutrina também tem o aplicado para a redução de cláusula penal
moratória745.
Prevalece que o artigo 413 do Código Civil é matéria de ordem pública, o que
autoriza a redução do valor da cláusula penal de ofício pelo magistrado746 e impede que as
partes renunciem à possibilidade de redução do seu quantum se ocorrer qualquer das
hipóteses previstas no artigo747. Face aos novos princípios norteadores da teoria contratual,
como a boa-fé objetiva e a função social, não se pode admitir uma mera faculdade do juiz
de aplicar ou não a norma em caso de excessiva desproporção da pena convencional, bem
que as partes pudessem afastar a sua redutibilidade748.
744
“Art. 413. A penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido
cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a
natureza e a finalidade do negócio”.
745
LÔBO, Paulo. Direito civil: obrigações. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 273. TEPEDINO, Gustavo.
BARBOZA, Heloisa Helena. MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado Conforme a
Constituição da República. Vol. I, 2. ed. rev. e atual., Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 760.
746
Neste sentido, confira-se o enunciado nº 356 da IV Jornada de Direito Civil: “Nas hipóteses previstas no
art. 413 do CC, o juiz deverá reduzir a cláusula penal de ofício”. Carlos Roberto Gonçalves também entende
que “a disposição é de ordem pública, podendo a redução ser determinada de oficio pelo magistrado” e “o art.
413 do novo Código Civil não dispõe que a penalidade ‘poderá’, mas sim que ‘deve’ ser reduzida pelo
magistrado, nas hipóteses mencionadas” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, vol. 2:
teoria geral das obrigações. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 414-415).
747
Enunciado nº 355 da IV Jornada de Direito Civil: “Não podem as partes renunciar à possibilidade de
redução da cláusula penal se ocorrer qualquer das hipóteses previstas no art. 413 do CC, por se tratar de
preceito de ordem pública”.
748
De acordo com o Superior Tribunal de Justiça, “a redução da cláusula penal preserva a função social do
contrato na medida em que afasta o desequilíbrio contratual e seu uso como instrumento de enriquecimento
sem causa” (STJ, REsp 1.212.159-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 19.06.2012).
255
caracterizado o inadimplemento, quais obrigações foram cumpridas pelo devedor, a
gravidade da infração, o grau de culpa do devedor no descumprimento, as vantagens que
para esse resultem do inadimplemento, o interesse do credor na prestação, a situação
econômica das partes, a boa-fé dos contratantes, as características do contrato, entre outros
fatores.
3.7. Prescrição
749
Sobre o tema da prescrição, recomenda-se a leitura de FILHO, Agnelo Amorim. Critério Científico para
Distinguir a Prescrição da Decadência e para Identificar ações Imprescritíveis. Revista dos Tribunais, n. 744,
1997, p. 725-750.
750
SIMÃO, José Fernando. Prescrição e decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas. 2013. p. 193.
751
Com relação ao significado da palavra pretensão, confira-se: “[...] o conceito de pretensão, consoante o
artigo 189 do Código Civil, deve ser definido como um poder de exigir o cumprimento da prestação pelas
vias judiciais, ou, nas palavras de PONTES DE MIRANDA, ‘pretensão é a posição subjetiva de poder exigir
de outrem alguma prestação positiva ou negativa’. Esse poder de exigir, na dicção do texto normativo,
pressupõe a violação do direito, do que resulta que a pretensão reclama, como antecedente lógico, que o
sujeito passivo deixe de fazer o eu devia ou que faça o que não devia”. MARINANGELO, Rafael. Aspectos
Relevantes da Prescrição e Decadência e o Novo Código Civil. In: NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Temas
relevantes do direito civil contemporâneo: reflexões sobre os cinco anos do Código Civil. São Paulo: Atlas.
2008. p. 268-269.
752
“Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos
prazos a que aludem os arts. 205 e 206.”
256
Nas preciosas lições de Caio Mário da Silva Pereira:
753
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. I. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p.
682-683.
754
Neste sentido: “[...] sendo assim, a redação do art. 189 explicita que, para a ocorrência da prescrição,
deverá existir um direito e que, em sendo violado, surgirá uma pretensão para o seu titular, a qual, não sendo
exercida dentro de um prazo determinado, desencadeará o fenômeno da prescrição.” TEPEDINO, Gustavo.
BARBOZA, Heloisa Helena. MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a
Constituição da República. v. I, 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar. 2007. p. 350.
755
Confira-se: “[...] a prescrição ocorrerá, pois sempre que atendidos os seguintes pressupostos necessários:
(a) exista o direito material da parte a uma prestação, negativa ou positiva, a ser cumprida; (b) ocorra a
violação desse direito, configurando inadimplemento; (c) surja a pretensão, nascendo o poder de exigir a
prestação pelas vias judiciais; e (d) o titular mantenha-se inerte, deixando de exercitar a pretensão durante o
prazo extintivo fixado em lei.” MARINANGELO, Rafael. Aspectos Relevantes da Prescrição e Decadência e
o Novo Código Civil. In: NANNI, Giovanni Ettore (Coord.). Temas relevantes do direito civil
contemporâneo: reflexões sobre os cinco anos do Código Civil. São Paulo: Atlas. 2008. p. 270. No mesmo
sentido, “[...] para apurar a prescrição requer-se o consenso de dois elementos essenciais: o tempo e a inércia
do titular. Não basta o decurso do lapsus temporis. Pode ele ser mais ou menos prolongado, sem que
provoque a extinção da exigibilidade do direito. Ocorre, muitas vezes, que a não utilização deste é mesmo a
forma de o exercer. Para que se consume a prescrição é mister que o decurso do prazo esteja aliado à
inatividade do sujeito, em face da violação de um direito subjetivo. Esta, conjugada com a inércia do titular,
implica a cessação da relação jurídica e extinção da pretensão”. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições
de direito civil. v. I. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2005. p. 683.
257
buscando a resolução ou o cumprimento do contrato, bem como perdas e danos, sendo que
o exercício dessa pretensão ficará sujeito à prescrição.
Cumpre indagar, neste ponto, qual o prazo de prescrição a ser observado nos
casos de inadimplemento antecipado. Parece-nos que o prazo de prescrição aplicável para
o credor pleitear a resolução ou o cumprimento do contrato, bem como o ressarcimento
pelas perdas e danos, em caso de inadimplemento antecipado, é o mesmo previsto pelo
ordenamento jurídico para as hipóteses de mora ou de inadimplemento absoluto757, qual
seja, o prazo estipulado no artigo 206, § 3º, V, do Código Civil, que estabelece o prazo de
três anos para a pretensão de “reparação civil”.
756
Confira-se: “[...] quando ainda não foi atingido o prazo estipulado para o adimplemento de uma obrigação,
não poderá, igualmente, o titular do direito exigir o seu cumprimento, razão pela qual também não poderá,
consequentemente iniciar a contagem do respectivo prazo prescricional. É o que dispõe o art. 199, II.”
TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil
interpretado conforme a Constituição da República. v. I. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar. 2007. p.
379.
757
A esse respeito, Ruy Rosado Aguiar Júnior assevera que “se o direito resolução não é passível de
prescrição, por inconciliável com sua natureza jurídica, nem de preclusão, por ausência de previsão legal, é
preciso observar que o direito de crédito pode ter sua pretensão encoberta pela prescrição (prescrição de ação
pessoal). Nesse caso, ensina PONTES DE MIRANDA, na sua precisão inexcedível: ‘se o credor não mais
podia cobrar, não mais pode pedir a resolução ou a resilição por inadimplemento porque o réu não em mais a
obrigação de prestar, embora deva. Não há prescrição; há encobrimento do elemento, inadimplemento,
necessário ao suporte fático da resolução ou da resilição. Portanto, o direito de resolução se extingue por
efeito da prescrição da pretensão creditícia’”. AGUIAR JR., RUY ROSADO. Extinção dos contratos por
incumprimento do devedor (resolução). Rio de Janeiro: Aide, 1991. p. 34.
258
Filiamo-nos à orientação doutrinária segundo a qual o legislador, com a
expressão “reparação civil”, abrangeu em um único dispositivo as pretensões de reparação
em responsabilidade contratual e aquiliana, sendo “importante notar que o dispositivo tem
incidência tanto na responsabilidade civil contratual como extracontratual, haja vista a
dicção ampla do preceito”758. Nesta esteira, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou
no sentido de que, “nas ações de reparação de dano por ilícito contratual, o prazo
prescricional é de 3 (três) anos, nos termos do art. 206, § 3º, V, do Código Civil de
2002”759.
758
TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil
interpretado conforme a Constituição da República. v. I. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar. 2007. p.
407. Neste sentido, o enunciado 419 da V Jornada de Direito Civil: “Art. 206, § 3º, V: O prazo prescricional
de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto à
responsabilidade extracontratual.”
759
STJ, AgRg no Ag nº 1085156-RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 03.03.2009.
760
Para ilustrar, confira-se: STJ, AgRg no REsp 1411828, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07/08/2014; STJ,
Resp 633.174-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 02.12.2004.
761
“Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização
monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários advocatícios.”
259
Sedimentou-se o entendimento de que o termo inicial da contagem dos prazos
de prescrição seria o surgimento da pretensão, por trazer consigo a exigibilidade do direito
subjetivo762. Chegou-se, inclusive, a afirmar no Enunciado 14 da I Jornada de Direito Civil
que “o início do prazo prescricional ocorre com o surgimento da pretensão, que decorre da
exigibilidade do direito subjetivo”763. Exemplificando: em se tratando do direito subjetivo
de crédito, o prazo prescricional se iniciaria com o não pagamento da dívida na data do seu
vencimento.
762
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil 1. 11ª. Ed. Salvador:
Editora JusPodivm. 2013. p. 748.
763
Existe também a tese da actio nata, adotada pela jurisprudência para os casos de responsabilidade
extracontratual, segundo a qual o início da fluência do prazo prescricional deve ocorrer não da violação, em
si, a um direito subjetivo, mas sim do conhecimento da violação ou lesão ao direito subjetivo pelo seu
respectivo titular. Neste sentido, a súmula nº 278 do Superior Tribunal de Justiça: “[...] o termo inicial do
prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da
incapacidade laboral.” Confira-se o seguinte precedente: “[...] segundo a orientação jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça, o termo inicial do prazo prescricional das ações indenizatórias, em observância
ao princípio da actio nata, é a data em que a lesão e os seus efeitos são constatados.” (STJ, AgRg no Resp
1.248.981, Rel. Min. Mauro Campbell, j. 06.09.2012)
764
Neste sentido, o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça: “Na responsabilidade contratual, em
regra, o termo inicial da contagem dos prazos de prescrição encontra-se na lesão ao direito, da qual decorre o
nascimento da pretensão, que traz em seu bojo a possibilidade de exigência do direito subjetivo violado, nos
termos do disposto no art. 189 do Código Civil, consagrando a tese da actio nata no ordenamento jurídico
pátrio.” (STJ, REsp 1354348, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, j. 26.08.2014)
260
análise, que o credor não se preocupou com a execução do contrato, ou seja, que
765
ele foi descuidado.
765
SIMÃO, José Fernando. Prescrição e decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas. 2013. p. 212.
766
Vale conferir a explicação de José Fernando Simão: “[...] sendo a obrigação positiva (dar ou fazer),
líquida (certa quanto à existência e determinada quanto ao valor) e com data de vencimento, ocorrendo a
mora ou inadimplemento absoluto, inicia-se a pretensão e, com ela, a prescrição. É a data do vencimento o
marco inicial da pretensão e da prescrição. Em exemplo simples, se o aluguel mensal de R$ 1.000,00 deve ser
pago no dia 10 de cada mês, caso o inquilino não o pague, a mora se inicia no dia seguinte. Houve violação
com o simples fato de não haver pagamento.” SIMÃO, José Fernando. Prescrição e decadência: início dos
prazos. São Paulo: Atlas. 2013. p. 211.
261
objeto da prestação e consequentemente violação ao direito creditório. É a partir desse
instante que deverá correr o prazo de prescrição.
Por esses motivos, entendemos que, para essas situações de manifestação tácita
de não adimplir, a prescrição somente começa a fluir a partir do termo contratual. Ou seja,
pouco importa se o inadimplemento se deu antes do advento do termo, o prazo
prescricional continua a fluir a partir do vencimento programado no contrato nas hipóteses
em que a quebra antecipada decorrer do comportamento do devedor, que indicar, com
767
Vale conferir os ensinamentos de José Fernando Simão: “[...] a interpretação quanto ao início da contagem
dos prazos não passa por excluir segurança jurídica aplicando-se o valor da justiça, nem ao se fazer o inverso.
A tese que se defende é a de que, apesar da dificuldade de aplicação da justiça (Serge-Christophe Kolm), é
possível conciliar justiça e segurança sem apresentar um valor como preferível ao outro (Mario Losano).”
SIMÃO, José Fernando. Prescrição e decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas. 2013. p. 204.
262
probabilidade próxima à certeza, que ele não adimplirá no tempo, modo e lugar
avençados.
768
Neste sentido: “an anticipatory breach does not accelerate when the statute of limitations begins to run,
but rather gives the nonbreaching party an option to sue immediately (…). The nonbreaching party is entitled
to wait until performance is due” (KANE, Robert F., REZ, Donald G. California Pretrial Practice & Forms.
Volume 1. James Publishing. p. 3-37). Em tradução livre: “o inadimplemento antecipado não acelera quando
o prazo prescricional começa a correr, mas dá à parte adimplente uma opção de imediatamente processar (...).
A parte adimplente tem o direito de esperar até que o cumprimento é exigível.” Fortunato Azulay afirma que:
“sobre o repúdio antecipado ao cumprimento do contrato, CORBIN refere um precedente [norte-americano]
no qual se firmou a regra de que o prazo de prescrição começa a correr do dia do vencimento da obrigação,
pouco importando que a resilição se verifique antes” (AZULAY, Fortunato. Do inadimplemento Antecipado
do Contrato. Rio de Janeiro: Editora Brasília/Rio, 1977. p. 135).
769
Para ilustrar, vale mencionar o precedente Franconia Associates v. United States, 240 F.3d 1358, 1363-64
(Fed. Cir. 2001), no qual se decidiu que: “an anticipatory repudiation occurs when an obligor communicates
to an obligee that the obligor will commit a breach in the future. Restatement (Second) of Contracts § 250(a)
(1981). In such a situation, the normal rule is that the statute of limitations begins to run from the date of
performance specified in the contract unless the obligee elects to sue earlier for anticipatory breach”. Em
tradução livre: “o inadimplemento antecipado ocorre quando um devedor comunica ao credor que o devedor
cometerá um inadimplemento no futuro. Reprodução (Second) of Contracts § 250(a) (1981). Em tal situação,
a regra geral é que o prazo prescricional começa a correr da data da execução especificada no contrato, salvo
se o credor decidir processar antes do termo por inadimplemento antecipado.”
770
STJ, REsp 1247168/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 17.05.2001. Vale acrescentar ainda que
“o vencimento antecipado do contrato não antecipa o termo inicial da prescrição da ação de execução em
favor dos inadimplentes, que deram causa à rescisão” (AgRg no REsp 80268/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho
Junior, j. 28.01.2006). “O vencimento antecipado não altera o termo inicial do prazo quinquenal de
prescrição para a cobrança de dívida fundada em contrato bancário.” (STJ, AgRg no AREsp 261422 / RS,
Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, j. 15.10.2013). “O vencimento antecipado das obrigações contraídas não
altera o termo inicial para a contagem do prazo prescricional da ação cambial, que se conta do vencimento do
título, tal como inscrito na cártula.” STJ, AgRg no Ag 138175 / PR, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, j.
25.06.2013). No mesmo sentido: TJSP, Apelação n.º 0184482-65.2009.8.26.0100, Rel. João Camilo de
263
Acrescente-se que, muito embora o prazo de prescrição somente comece a fluir
após o advento do termo nos casos de manifestação tácita de não adimplir, caso
comprovado que o credor tinha efetivo conhecimento da situação de inadimplemento
antecipado e nada fez para impedir o agravamento da situação do devedor, será aplicada a
teoria do duty to mitigate de loss (dever de mitigar os prejuízos), o que ensejará uma
redução do quantum indenizatório devido ao credor.
Almeida Prado Costa, j. 24.11.2014; TJSP, Apelação n.º 0000799-29.2014.8.26.0042, Rel. Des. Gilberto dos
Santos, j. 13/11/2014; TJSP, Apelação nº 0035348-39.2011.8.26.0602, Rel. Des. Sérgio Shimura, j.
04/11/2014.
264
Um dos casos mais recorrentes de aplicação de inadimplemento antecipado na
jurisprudência brasileira é o de atraso na entrega de unidades de apartamento771. Para
ilustrar, será brevemente analisado o acórdão prolatado pelo Superior Tribunal de Justiça
no julgamento do Recurso Especial nº 309.626, de relatoria do Ministro Ruy Rosado
Aguiar772.
Diante dos fatos delineados pelas instâncias inferiores, o Ministro Ruy Rosado
Aguiar entendeu que o caso configurava uma hipótese de inadimplemento antecipado, sob
o fundamento de que a construtora tomou atitude claramente contrária à avença ao não
iniciar as obras após dois anos da celebração do contrato (faltando menos de um ano para o
termo), demonstrando firmemente que não cumpriria o contrato. Assim, o Ministro
concluiu que “evidenciado que a construtora não cumprirá o contrato, o promissário
comprador pode pedir a extinção da avença e a devolução das importâncias que pagou”.
771
TJSP, Apelação nº 4001612-76.2012.8.26.0100, Rel. Des. Edson Luiz de Queiroz, j. 17.09.2014; TJSP,
Apelação n° 994.03.110649-1, Rel. Desembargador Piva Rodrigues, j. 09.03.2010; TJRJ, Apelação nº
0117017-71.2008.8.19.0001, Rel. Des. Célia Maria Vidal Meliga Pessoa, j. 07.01.2011; TJRJ, Agravo nº
0004042-10.2011.8.19.0000, Rel. Des. Odete Knaack de Souza, j. 27.04.2011; TJDF, Apelação nº 0001518-
85.2002.807.00001, Rel. Hermenegildo Gonçalves, j. 13.05.2002.
772
STJ, Recurso Especial nº 309.626, Rel. Ministro Ruy Rosado Aguiar, j. 07.06.2001.
265
O Ministro ressaltou em seu acórdão que é perfeitamente cabível o imediato773
pedido de resolução do contrato em um caso de quebra antecipada e que, com o
atendimento do pedido, cumpre ao magistrado determinar a restituição das partes à
situação anterior, o que significa, no exemplo, a necessidade de deferir o pedido de
devolução das importâncias pagas pelo promissário comprador, enquanto confiou no
contrato.
773
Inclusive, consta do relatório que no acórdão recorrido foi consignado que “diante dos fatos antecipados,
não pode a recorrente querer que o comprador só mova a demanda em julho de 2010, quando da prorrogação
do prazo de carência para a entrega prevista no acordo, pois não é razoável que o apelado espere o
esgotamento deste interregno para propor a ação, se há fundado e irrefutável receio de descumprimento da
obrigação contratual, pela mora injustificada da outra contratante”.
774
Para ilustrar, segue a ementa de um acórdão do TJSP no mesmo sentido: “COMPROMISSO DE
COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - Ação de resolução do contrato e devolução das quantias pagas -
Sentença de improcedência - Inconformismo - Acolhimento - Aplicação da teoria do inadimplemento
antecipado - Examinando-se as condutas praticadas pela ré, é possível afirmar que, inevitavelmente, as obras
não estariam prontas no tempo convencionado, fato apenas corroborado pela notícia de que até os dias atuais
a construção do imóvel não foi concluída - Improcedência da ação reconvencional – Recurso provido.”
(TJSP, Apelação n° 994.03.110649-1, Rel. Desembargador Piva Rodrigues, j. 09.03.2010).
775
TJSP, Apelação nº 0202518-53.2012.8.26.0100, Rel. Edgard Rosa, j. 20.03.2014.
266
Na situação concreta, após celebrar o contrato de prestação de serviços
educacionais e pagar a integralidade da sua contraprestação, a aluna viajou até a Itália
pouco tempo antes do início das aulas do curso de mestrado, mas lá foi informada por
representantes da instituição de ensino de que, em razão do reduzido número de alunos
então inscritos, haveria a possibilidade de cancelamento do curso ou de seu deslocamento
para outra cidade ou universidade. O teor das comunicações enviadas pela instituição de
ensino fez com que a aluna desistisse do curso de mestrado já pago.
Diante desta situação, o Tribunal de Justiça de São Paulo concluiu ter ocorrido
o inadimplemento antecipado da obrigação por parte da instituição de ensino, tendo em
vista que ela, valendo-se de previsão manifestamente abusiva, incutiu na consumidora
concreto temor de que o curso escolhido não seria ministrado, o que culminou no seu
inadimplemento antes do termo contratual. Segundo consta do acórdão, “restou claro que a
desistência do curso pela autora se deu pela ameaça concreta de seu cancelamento,
mostrando-se irrelevante a alegação da ré de que o curso somente se iniciaria meses depois
de extinta a avença entre as partes”.
267
Assim, o Tribunal declarou a resolução do contrato e determinou que a
instituição de ensino indenizasse a aluna pelos danos materiais (devolução da taxa de
matrícula, mensalidades pagas, valores atinentes ao seguro viagem contratado, às
passagens aéreas adquiridas, despesas com hotel) e danos morais decorrentes do
inadimplemento verificado.
776
TJSP, Apelação nº 0005278-49.2010.8.26.0319, Rel. Hamid Bdine, j. 01.10.2014.
268
destilaria ao pagamento das parcelas pendentes de pagamento e da multa estipulada no
contrato (a qual foi reduzida equitativamente em virtude do adimplemento parcial).
777
TJSP, Apelação nº 0013213-07.2012.8.26.0664, Rel. Francisco Loureiro, j. 05.12.2013.
269
financeiras. Esse acórdão é um interessante exemplo de tutela específica em caso de
inadimplemento antecipado.
778
TJSP, Apelação nº 9136513-12.2006.8.26.0000, Rel. Des. Carlos Alberto Garbi, j. 04.10.2011.
270
antecipado do contrato, sob a justificativa de que “a constituição da nova sociedade poucos
meses antes da alienação do fundo de comércio e da marca para a autora demonstrou,
como já se disse, preordenação dos atos dos sócios da ré ao descumprimento da obrigação,
o que caracteriza o inadimplemento antecipado do ajuste”.
271
4. CONCLUSÃO
O direito das obrigações, assim como qualquer outro ramo do Direito, sofre os
influxos e conforma a sociedade em cada período histórico, fazendo com que o jurista
tenha que criar e reler os seus instrumentos e institutos para conferir conteúdo normativo a
tal realidade e promover as modificações que se fizerem necessárias.
779
SIMÃO, José Fernando. Prescrição e decadência: início dos prazos. São Paulo: Atlas, 2013. p. 276.
780
SCHREIBER, Anderson. A Boa-fé objetiva e o Adimplemento Substancial. In: HIRONAKA, Giselda
Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio (Coord.). Direito contratual. Temas Atuais. São Paulo:
Método. 2007. p. 128.
272
Sob essa perspectiva, buscou-se empreender estudo crítico a respeito do
inadimplemento e, em particular, do inadimplemento antecipado do contrato, a partir do
qual se extraíram algumas conclusões, paulatinamente já referidas ao longo deste estudo. A
fim de melhor sistematizá-las, passa-se, então, a elencar aquelas que assumem maior
relevância para o tema proposto.
781
ASSIS, Araken de. Resolução do Contrato por Inadimplemento. 4º ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.
2004. p. 109.
273
relação obrigacional;
274
(ix) a ampliação do conceito de adimplemento implica, na mesma
medida, no alargamento da noção de inadimplemento. Nessa visão, o inadimplemento
poderá ser ocasionado não só pela quebra dos deveres de prestação, mas também pela
violação dos deveres anexos antes, durante e depois da celebração do negócio jurídico. A
violação de quaisquer deveres conduz ao não cumprimento da prestação devida e,
consequentemente, ao inadimplemento (em sentido amplo). Agora, se a violação a um
dever obrigacional (principal, secundário ou anexo) acarreta a mora ou o inadimplemento
absoluto (espécies de inadimplemento), isto é uma questão que apenas se responde à luz do
caso concreto. O descumprimento de quaisquer deveres configurará inadimplemento
absoluto, se a prestação devida se tornar impossível ou inútil para o credor; ou mora, desde
que o seu cumprimento se afigure possível ao devedor e útil ao credor.
275
adimplir, na qual o devedor declara explicitamente que não cumprirá a
prestação, por não querer ou não poder fazê-lo, de modo a não satisfazer
o interesse do credor. Destaque-se que não é qualquer declaração que
poderá caracterizar inadimplemento antecipado; tal declaração deve ser
séria, dotada de certeza e definitividade e livre de quaisquer vícios de
consentimento;
276
5. O instituto objeto do presente estudo se aplica:
277
clássicas do inadimplemento (inadimplemento absoluto e mora), inclusive a tutela
específica e a exigibilidade da cláusula penal, que podem ser produzidas imediatamente,
em virtude da perda do benefício do termo pelo devedor.
278
àquelas situações em que o devedor – por seu comportamento ou pela deterioração do seu
patrimônio – torna duvidosa, com um alto de grau de probabilidade, a entrega da prestação
devida no momento, modo e lugar pactuado entre as partes.
279
depender do caso concreto, sendo sempre cabível o pedido de indenização por perdas e
danos.
280
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