Nathália Corrêa Leiser

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

NATHÁLIA CORRÊA LEISER

INVESTIGAÇÕES CORPORATIVAS:
UMA ANÁLISE SOB A ÓTICA DA LEGISLAÇÃO ANTICORRUPÇÃO BRASILEIRA E
A NECESSIDADE DE EXTENSÃO DO SIGILO CLIENTE-ADVOGADO ÀS EMPRESAS
DE AUDITORIA E CONTABILIDADE

São Paulo
2019
NATHÁLIA CORRÊA LEISER

INVESTIGAÇÕES CORPORATIVAS:
UMA ANÁLISE SOB A ÓTICA DA LEGISLAÇÃO ANTICORRUPÇÃO BRASILEIRA E
A NECESSIDADE DE EXTENSÃO DO SIGILO CLIENTE-ADVOGADO ÀS EMPRESAS
DE AUDITORIA E CONTABILIDADE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana
Mackenzie como requisito parcial à obtenção do grau
de Bacharela em Direito.

ORIENTADOR: Professor Doutor Edson Luz Knippel

São Paulo
2019
NATHÁLIA CORRÊA LEISER

INVESTIGAÇÕES CORPORATIVAS:
UMA ANÁLISE SOB A ÓTICA DA LEGISLAÇÃO ANTICORRUPÇÃO BRASILEIRA E
A NECESSIDADE DE EXTENSÃO DO SIGILO CLIENTE-ADVOGADO ÀS EMPRESAS
DE AUDITORIA E CONTABILIDADE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana
Mackenzie como requisito parcial à obtenção do grau
de Bacharela em Direito.

Aprovada em / /

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________________
Professor Doutor Edson Luz Knippel
Universidade Presbiteriana Mackenzie

_________________________________________________________
Professora Doutora Mariângela Tomé Lopes
Universidade Presbiteriana Mackenzie

_________________________________________________________
Professor Mestre Rogério Luis Adolfo Cury
Universidade Presbiteriana Mackenzie
“Quando você elimina o impossível, o que restar, não
importa o quão improvável, deve ser a verdade”
Sir Arthur Ignatius Conan Doyle
AGRADECIMENTOS

Em todos os dias da minha vida contei com o apoio, amor e compreensão das pessoas
mais incríveis do mundo, das pessoas mais companheiras e mais genuínas. Nenhuma página
deste trabalho, nenhuma conquista profissional e nenhum dia desses cinco anos de faculdade
teriam sido possíveis sem elas, sem o constante incentivo e sem as constantes broncas.

Com todo amor e gratidão do mundo, agradeço aos meus pais, Julio e Leci, à minha
irmã e ao meu cunhado (que também sempre foi e será um irmão para mim), Tatiane e Rafael,
ao meu namorado, Maurício, e a todos os meus amigos que sempre andaram ao meu lado – aqui
especialmente ao Fabrício e ao João. Agradeço a todas as pessoas que, de qualquer forma, me
tornaram em quem eu sou, que me deram a oportunidade de apenas ser e que, como o Raphael
e a Gabriela, me deram propósito de ser mais.

Não haveria o que comemorar ou sonhar se eu não tivesse vocês ao meu lado. Obrigada
por fazerem parte da minha vida, de mim e, consequentemente, de todas as palavras constantes
deste trabalho. Vocês são essenciais em medidas que nenhuma palavra no mundo conseguiria
expressar. Não tenho, e nunca vou ter, como demonstrar a imensidão do meu amor por vocês.
RESUMO

O presente trabalho propõe um estudo acerca da possibilidade, e provável necessidade, da


extensão da prerrogativa do sigilo inerente à profissão da advocacia às empresas de auditoria e
contabilidade que prestam serviços forenses durante a condução de procedimentos de
investigação corporativa. Com a metodologia dedutiva, o objetivo do presente trabalho foi,
portanto, o estudo sobre a necessidade da condução de investigações corporativas – justificadas,
aqui, pela necessidade da constante melhoria do programa de integridade da pessoa jurídica e
pela possibilidade de propositura de acordos de leniência – e a aparente fragilidade gerada pelo
engajamento de empresas de auditoria e contabilidade, caso essas não fossem abarcadas pelo
sigilo garantido na relação cliente-advogado. Como objetivos específicos, analisou-se
legislações federais motivadoras de tais procedimentos, doutrinas sobre o tema e
regulamentações existentes sobre o sigilo profissional e o sigilo inerente à profissão da
advocacia.

Palavras-chave: investigação corporativa; legislação anticorrupção brasileira; sigilo


cliente-advogado; sigilo profissional.
ABSTRACT

This paper proposes a study concerning the possibility and eventual need of encompassing audit
companies within the attorney-client privilege during the conduction of corporate
investigations. From a top-down logic, the purpose of this paper was, therefore, a general study
on the need for the conduction of corporate investigations – mainly based on the need for the
constant improvement of integrity programs of legal entities and the possibility of a legal entity
proposing leniency agreements – and the apparent deficiency caused by the engagement of
specialized third parties responsible for rendering forensic services, in case they are not also
protected by the attorney-client privilege. Considering specific purposes, federal legislation that
would give cause to these proceedings, doctrines on the subject and existent regulation
concerning professional confidentiality and attorney-client privilege were studied.

Keywords: corporate investigations; Brazilian anticorruption legislation; attorney-client


privilege; professional confidentiality
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 9

1 MOTIVAÇÕES ENCONTRADAS NA LEGISLAÇÃO ANTICORRUPÇÃO FEDERAL


PARA A CONDUÇÃO DE INVESTIGAÇÕES CORPORATIVAS E PARA A
CONTRATAÇÃO DE PARCEIROS ESPECIALIZADOS .................................................... 12

2 A PRERROGATIVA DO SIGILO PROFISSIONAL INERENTE À PROFISSÃO DO


ADVOGADO E SUA AMPLITUDE ...................................................................................... 33

3 SIGILO PROFISSIONAL DOS AUDITORES E A NECESSIDADE DA EXTENSÃO DA


EFICÁCIA DO SIGILO DOS ADVOGADOS QUANDO NO EXERCÍCIO DAS
ATIVIDADES DE INVESTIGAÇÕES CORPORATIVAS ................................................... 40

CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 48

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 50


9

INTRODUÇÃO

A Lei nº 12.846, promulgada em 1º de agosto de 2013, comumente conhecida como a


lei anticorrupção, trouxe em seu texto diversas inovações, benefícios e punições antes não
tratados pela legislação brasileira, marcando a história nacional com incentivos à
implementação de uma cultura de integridade e ética no mundo corporativo.

Entre muitas de suas recomendações e benefícios propostos a pessoas jurídicas


envolvidas em atos contra a Administração Pública, tanto nacional quanto estrangeira, a lei
trouxe, assim, no âmbito preventivo, o incentivo à adoção de programas de integridade e, no
âmbito remediador, o incentivo à colaboração das pessoas jurídicas com a Administração
Pública, por meio do instituto conhecido como acordo de leniência.

Em vista das previsões definidas na referida lei, portanto, percebe-se a necessidade do


contínuo monitoramento e mapeamento de riscos, por meio, entre outros métodos, de
investigações corporativas. O primeiro foco, assim, do presente trabalho, será o de compreender
os incentivos previstos no ordenamento jurídico para a realização de tais investigações.

As investigações corporativas a serem tratadas no presente trabalho, no entanto,


limitam-se àquelas conduzidas por escritórios de advocacia especializados, em vista de sua
maior experiência, credibilidade e independência, e seus assistentes, no caso, as empresas de
auditoria e contabilidade, em vista de sua multidisciplinariedade essencial ao procedimento.

Nesse sentido, dedicar-se-á o primeiro capítulo a propriamente localizar o tema e


contextualizá-lo, apontando a legislação pertinente e suas principais características que
motivam a condução de investigações corporativas.

Após tal exposição, passar-se-á então, nos capítulos seguintes, a explorar a figura do
sigilo profissional, focado na relação cliente-advogado, e a possibilidade da extensão da
prerrogativa do advogado às empresas de auditoria e contabilidade, enquanto essas estiverem
prestando auxilio aos escritórios de advocacia.
10

Sendo assim, enquanto o objetivo do primeiro capítulo será a compreensão do


ordenamento que rodeia e incentiva a realização das investigações corporativas, será o objetivo
do segundo apresentar a aplicação do sigilo cliente-advogado sob informações encontradas em
tais procedimentos, e do terceiro será tratar sobre as previsões existentes sobre o sigilo
profissional das empresas de auditoria e contabilidade, fazendo uma breve comparação entre
ambos, e uma breve ilação sobre a necessidade de cobertura do auditor no sigilo da relação
cliente-advogado quando engajado em investigações corporativas.

O trabalho visará, portanto, em seu segundo capítulo, tratar da amplitude do sigilo


profissional do advogado e como esse importante direito, que também se demonstra como
dever, pode ser aplicado na prática das investigações, na melhoria do programa de integridade
e na propositura de acordos de leniência.

Após a análise da garantia do sigilo nas relações entre advogados e clientes, passar-se-
á a analisar, no terceiro capítulo, as garantias, quando existentes, de sigilo direcionadas a
empresas de auditoria e contabilidade, parceiros importantes dos escritórios de advocacia
quando da condução das investigações corporativas, em vista, como mencionado, da
característica de multidisciplinariedade fundamental para a condução de um procedimento
investigatório eficaz.

Em todo esse contexto, visar-se-á, no presente trabalho, estudar a possibilidade (e


talvez necessidade) de extensão do sigilo cliente-advogado às empresas de auditoria e
contabilidade, durante a condução de investigações corporativas, em vista da aparente
fragilidade em seu sigilo profissional.

Desse modo, estudar-se-á a importância do sigilo como protetor do processo de


investigação corporativa, para que cada vez mais as pessoas jurídicas sejam incentivadas e
possibilitadas de buscar a constante melhoraria de seus programas de forma interna e
controlada, bem como, quando desejarem, a propor acordos de leniência cumprindo os
requisitos estabelecidos na legislação anticorrupção.

O contrassenso que será apresentado é o da necessidade do parceiro não advogado nos


procedimentos de investigação corporativas estimuladas pela legislação brasileira, em
contraposição a tais parceiros não aparentarem ter o sigilo efetivo dado ao advogado. Essa
11

situação poderia prejudicar a participação dos parceiros no procedimento e, como


consequência, o procedimento em si, visto que esse perderia parte de sua eficácia e completude,
necessária para o completo mapeamento de riscos, resolução de falhas e levantamento de
informações.

A consequência do assunto a ser estudado pelo presente trabalho, portanto, seria no


sentido de que, caso o sigilo do advogado não seja passível de extensão às empresas de auditoria
e contabilidade, haveria incerteza sobre o grau de proteção das informações obtidas pelo
procedimento de investigação, de modo que haveria, consequentemente, perda da motivação,
por parte da pessoa jurídica contratante da investigação e dos escritórios de advocacia
contratados, de engajar tais agentes para participar do procedimento.

Esse impacto seria relevante, visto que as empresas de auditoria e contabilidade, como
exposto, trazem maior grau de multidisciplinariedade à investigação e, consequentemente,
maior efetividade. Em caso da não possibilidade da extensão do sigilo, e consequente perda da
confiança no engajamento de tais agentes, as investigações corporativas poderiam vir a ser
ferramentas menos efetivas para a melhoria do programa de integridade ou para o levantamento
de informações a serem disponibilizadas em acordo de leniência, de modo que seriam menos
procuradas pelas pessoas jurídicas envolvidas em atos contra a Administração Pública,
causando, em consequência, eventual descaso com a tentativa de aplicação e adoção da lei
anticorrupção.

Desse modo, considerando a aparência de necessidade da extensão do sigilo do


advogado, é que tratar-se-á sobre as investigações corporativas e o sigilo profissional.
12

1 MOTIVAÇÕES ENCONTRADAS NA LEGISLAÇÃO ANTICORRUPÇÃO


FEDERAL PARA A CONDUÇÃO DE INVESTIGAÇÕES CORPORATIVAS E PARA
A CONTRATAÇÃO DE PARCEIROS ESPECIALIZADOS

O presente trabalho tem por objetivo a verificação da possibilidade e da necessidade


de extensão do sigilo cliente-advogado às empresas de prestação de serviços de apoio técnico,
especificamente quando no papel de assistentes de investigação de escritórios de advocacia
especializados. Para tanto, em primeiro momento, é necessário o esclarecimento das principais
motivações legais, as quais, mesmo que minimamente, possibilitam a condução de
investigações corporativas (ou internas) por pessoas jurídicas, dentro do corte escolhido para o
presente trabalho – qual seja, o da legislação anticorrupção federal vigente do País.

Nesse sentido, este capítulo visa elucidar as principais previsões da mencionada


legislação, bem como eventuais guias relacionados emitidos por autoridades competentes
(nesse caso, a Controladoria-Geral da União, CGU). Por mera lógica, começa-se pela Lei nº
12.846 de 2013, dita, por muitos autores, como Lei da Empresa Limpa ou Lei Anticorrupção1.

A Lei n. 12.846/2013, promulgada em 1º de agosto de 2013 e vigente desde 29 de


janeiro de 2014, foi estabelecida, dentre outros motivos, em decorrência de cobranças, datadas
desde 2007, por parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), que, por meio de seu Grupo de Trabalho sobre Corrupção (OECD Working Group on
Bribery) havia recomendado que o Brasil modificasse suas leis para responsabilizar o

1
BRASIL. Lei nº 12.846 de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de
pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, e dá outras
providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso
em: 10.06.2019.
13

pagamento de subornos a agentes públicos2, e em decorrência da necessidade de cumprir


convenções internalizadas pelo Estado brasileiro3, também com o tema de combate à corrupção.

Fala-se dentre outros pois a recomendação e as Convenções internalizadas pelo Brasil,


por si só, como expõem alguns autores, não foram o estopim que causou a movimentação para
a promulgação da lei – sendo esse, na verdade, as grandes comoções populares no meio do ano
de 2013 espalhadas por todo Brasil4-5, com o foco inicial de protesto contra o aumento de tarifas
de transporte público logo transformado em indignação em relação à corrupção, que motivou,
após três anos de tramitação na Câmara dos Deputados, a aprovação do Projeto de Lei que deu
origem à Lei Anticorrupção.

Referida Lei determina, em seu primeiro artigo, o objetivo que a rege, sendo este a
“responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos
contra a administração pública, nacional ou estrangeira”, o qual se aplica “às sociedades
empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de
organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de
entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no
território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente”.

2
Nesse sentido: “(...) em dezembro de 2007, a OCDE, após uma revisão das medidas tomadas pelo Brasil, por
meio de seu Grupo de Trabalho sobre Corrupção (OECD Working Group on Bribery) formado por representantes
de 37 países, recomendou que o Brasil deveria rapidamente modificar suas leis para responsabilizar as empresas
pelo pagamento de subornos a agentes públicos, bem como para garantir a aplicação de sanções efetivas,
proporcionais e dissuasivas com relação a tais condutas. ”. (SORÉ, Raphael Rodrigues. A lei anticorrupção em
contexto: estratégias para a prevenção e o combate à corrupção corporativa, Belo Horizonte : Fórum, 2019, p. 97)
3
Aqui, pode-se indicar também a Convenção Interamericana contra a Corrupção da Organização dos Estados
Americanos (internalizada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 152 de 2002 e Decreto Presidencial nº
4.410 de 2002) e a Convenção das Nações Unidas sobre a corrupção (internalizada pelo Brasil por meio do Decreto
Legislativo nº 348 de 2005 e o Decreto Presidencial nº 5.687 de 2006).
4
AGÊNCIA ESTADÃO. Manifestações foram realizadas em 388 cidades, 21.06.2013. Disponível em:
https://www.estadao.com.br/noticias/geral,manifestacoes-foram-realizadas-em-388-cidades,1045216. Acesso
em: 15.06.2019.
5
“Os protestos entraram em julho e fizeram despencar a aprovação popular dos governantes e, assim, o Congresso
Nacional passou a buscar dar uma resposta à sociedade aprovando leis relacionadas aos objetivos das
manifestações. Após três anos de tramitação na Câmara dos Deputados, em 19 de junho de 2013 a primeira casa
legislativa aprovou o Projeto de Lei e o remeteu ao Senado, o qual, em menos de um mês — prazo altamente
inusual —, aprovou a medida sem qualquer emenda.” (SORÉ, Raphael Rodrigues. A lei anticorrupção em
contexto: estratégias para a prevenção e o combate à corrupção corporativa, Belo Horizonte : Fórum, 2019, p. 98)
14

Inovação estampada no artigo 2º da Lei 12.846/2013 é a possibilidade de


responsabilização das referidas pessoas jurídicas objetivamente pelos atos infracionários
praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não6. Não é necessária, portanto, a
verificação de culpa da pessoa jurídica para que haja sua punição pelos atos lesivos cometidos
contra à Administração Pública, de certo modo, consequentemente, facilitando a aplicação da
Lei7, como expõe Carla Veríssimo:

A responsabilidade objetiva é aquela em que não se perquire sobre a culpa do


agente, bastando o nexo entre a conduta e o resultado lesivo. Se um agente de um
delito será ou não unido vai depender da forma de sua responsabilização, seja ela
objetiva ou subjetiva (baseada na culpa). O legislador apostou na
responsabilização objetiva justamente para evitar as dificuldades da comprovação
de culpa das pessoas jurídicas e, com isso, aumentar a probabilidade de
condenações.”.8

Tem-se, portanto, que a Lei determinou que a pessoa jurídica poderá ser processada e
eventualmente condenada até mesmo por atos praticados indiretamente, de modo que
demonstra sua responsabilidade também, por exemplo, por atos cometidos por seus terceiros –
de modo que, com a vigência da Lei Anticorrupção, há o aumento da preocupação relacionada
ao gerenciamento de indivíduos agindo em seu nome ou benefício e, consequentemente,
preocupação com meios e procedimentos que possam ajudar a pessoa jurídica a prevenir que

6
“Art. 2º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos
atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.” (BRASIL. Lei nº
12.846 de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela
prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 10.06.2019)
7
“O ordenamento jurídico brasileiro sempre adotou a responsabilidade subjetiva como regra, de modo a garantir
que qualquer pessoa física ou jurídica fosse responsabilizada pelos prejuízos causados a terceiros somente a partir
da comprovação de dolo ou culpa. É nesse sentido, inclusive, a previsão do art. 186 do Código Civil vigente [...]
Entretanto, com o passar do tempo, observou-se que esse modelo de responsabilização, baseado exclusivamente
na culpa lato sensu, não era mais suficiente para solucionar com justiça todos os casos existentes, pois uma série
de litígios contemporâneos passou a gerar, por sua própria natureza, um grande desequilíbrio na relação jurídica
de direito material. A urbanização e industrialização de todos os países criaram uma sociedade de massas, na qual
os meios de comunicação, de transporte, de produção e de consumo operaram numa escala macrodimensionada
[...]. Na busca da realização da justiça substantiva e concreta e da restauração do equilíbrio social rompido, o
Código Civil de 2002 ajustou-se à evolução do sistema de responsabilização e avançou em relação ao de 1916
para conferir uma proteção qualitativamente diferenciada em relação às vítimas, prevendo, excepcionalmente, a
responsabilidade objetiva [...].” (ZENKNER, Marcelo. Integridade governamental e empresarial: um espectro da
repressão e da prevenção à corrupção no Brasil e em Portugal, Belo Horizonte : Fórum, 2019, p. 428-429)
8
VERÍSSIMO, Carla. Compliance : incentivo à adoção de medidas anticorrupção, São Paulo: Saraiva, 2017, p.
201.
15

atos estabelecidos no artigo 5º da Lei9 venham a ocorrer. É nesse sentido que expõe Marcelo
Zenkner ao tratar de terceiros em sua obra:

Uma das principais consequências da responsabilidade objetiva estabelecida na


Lei Federal brasileira nº 12.846/2013 envolve o relacionamento com terceiros,
quais sejam, empresas que prestam serviços, advogados, despachantes
aduaneiros, contadores, representantes comerciais, etc. Isso significa, em outras
palavras, que, se um preposto da empresa contratada se envolver com corrupção,
a empresa contratante será responsabilizada. Exatamente por isso é que as grandes
empresas estão se preocupando também em trabalhar a cadeia de valor: se antes
os terceiros eram utilizados para a prática de atos ilícitos a fim de mascarar
responsabilidades, atualmente, por força da legislação vigente, os terceiros
precisam passar uma tranquilidade mínima em relação às atividades que
desempenham (...) Antes de estabelecer relações de negócio, cabe à diretoria de
compliance a responsabilidade pela avaliação do perfil de risco dos pretensos
parceiros estratégicos, assim como sua participação e reputação nos mercados que
atuam. Assim, para evitar a responsabilização da empresa por atos ilícitos
eventualmente praticado por terceiros, é importante pesquisar o passado dos
parceiros, verificar se esses terceiros possuem um programa de compliance
efetivo implementado, realizar auditorias de compliance e até oferecer
treinamentos a seus funcionários10.

Considerando isso, explica-se que a relevância – e provavelmente o principal


motivador para as pessoas jurídicas – de prevenção dos atos previstos pela Lei 12.846/2013,

9
O Artigo 5º, nesse sentido, indica as condutas repreendidas pela Lei 12.846/2013, sendo essas: (i) a promessa,
oferecimento ou garantia, direta ou indireta, de vantagens indevidas a agente público ou pessoa a ele relacionada;
(ii) o comprovado financiamento, custeio, patrocínio ou de qualquer modo o subvencionamento de pratica de atos
ilícitos previstos na Lei; (iii) a comprovada utilização de pessoa física ou jurídica interposta para ocultação ou
dissimulação de reais interesses ou beneficiários de atos praticados; (iv) no tocante a licitações e contratos, (a) a
frustração ou fraude, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, do caráter competitivo de
procedimento licitatório público, (b) o impedimento, perturbação ou fraude da realização de qualquer ato de
procedimento licitatório público, (c) o afastamento ou tentativa de afastamento de licitante, por meio de fraude ou
oferecimento de vantagem de qualquer tipo, (d) a fraude de licitação pública ou contrato dela decorrente, (e) a
criação, de modo fraudulento ou irregular, de pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar
contrato administrativo, (f) a obtenção de vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações
ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório
da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou (g) a manipulação ou fraude do equilíbrio
econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública; e (v) a dificultação de atividade de
investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no
âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional. (BRASIL. Lei nº
12.846 de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela
prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 15.06.2019)
” ZENKNER, Marcelo. Integridade governamental e empresarial: um espectro da repressão e da prevenção à
10

corrupção no Brasil e em Portugal, Belo Horizonte : Fórum, 2019, p. 384-385.


16

tanto em relação aos atos praticados por seus terceiros, quanto por si mesma ou em seu
benefício, se dá visto às graves sanções determinadas por essa lei.

A responsabilização administrativa e judicial das pessoas jurídicas de algum modo


envolvidas nos atos contra à Administração Pública, assim, pode se dar, por exemplo, com a
aplicação de robustas sanções, como multas de valores máximos entre 20% do faturamento
anual bruto ou três vezes o valor do dano causado, suspensão ou interdição parcial de suas
atividades, proibição de contratar com a Administração Pública e até mesmo a dissolução
compulsória da pessoa jurídica11.

Em contrapartida a essas graves sanções, no entanto, a regulamentação da Lei


Anticorrupção feita pelo Decreto nº 8.420 de 2015 (Decreto Regulamentador), promulgado em
18 de março de 2015 e vigente desde sua publicação no Diário Oficial da União em 19 de março
de 2015, traz, dentro de suas exposições sobre o cálculo da multa prevista pela Lei, os possíveis
fatores que podem causar a diminuição da multa aplicada12.

11
Nesse sentido, expõem os artigos 6º (responsabilização administrativa) e 19 (responsabilização judicial) da Lei
anticorrupção: “Art. 6º Na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis
pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções: I – multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a
20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo
administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua
estimação; e II – publicação extraordinária da decisão condenatória.” e “Art. 19. Em razão da prática de atos
previstos no art. 5º desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas
Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar
ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras: I – perdimento dos bens, direitos
ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito
do lesado ou de terceiro de boa-fé; II – suspensão ou interdição parcial de suas atividades; III – dissolução
compulsória da pessoa jurídica; IV – proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou
empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder
público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos.” (BRASIL. Lei nº 12.846 de 1º de agosto de
2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a
Administração Pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 15.06.2019)
12
“Art. 18. Do resultado da soma dos fatores do art. 17 serão subtraídos os valores correspondentes aos seguintes
percentuais do faturamento bruto da pessoa jurídica do último exercício anterior ao da instauração do PAR,
excluídos os tributos: I – um por cento no caso de não consumação da infração; II – um e meio por cento no caso
de comprovação de ressarcimento pela pessoa jurídica dos danos a que tenha dado causa; III – um por cento a um
e meio por cento para o grau de colaboração da pessoa jurídica com a investigação ou a apuração do ato lesivo,
independentemente do acordo de leniência; IV – dois por cento no caso de comunicação espontânea pela pessoa
jurídica antes da instauração do PAR acerca da ocorrência do ato lesivo; e V – um por cento a quatro por cento
para comprovação de a pessoa jurídica possuir e aplicar um programa de integridade, conforme os parâmetros
estabelecidos no Capítulo IV.” (BRASIL. Decreto nº 8.420 de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei no 12.846,
de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de
17

Assim, dentre diversos fatores que podem ser considerados para a diminuição da multa
calculada – como a não consumação da infração, a comprovação do ressarcimento dos danos,
a colaboração com a investigação ou apuração do ato lesivo e a comunicação espontânea do
fato antes da instauração de Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) –, o Decreto
Regulamentador traz a previsão de diminuição do valor calculado da multa no caso de
comprovação de que a pessoa jurídica possua e aplique programa de integridade (ou
compliance13), conforme os parâmetros estabelecidos pelo próprio Decreto Regulamentador
nos dezesseis incisos previstos em seu artigo 42.

Um programa de compliance, novidade no direito brasileiro, mas não em legislações


estrangeiras – como a lei norte-americana, o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) de 1977,
e a lei britânica, o United Kingdom Bribert Act (UKBA) de 2010 –, pode ser definido, conforme
exposto por Cristian Ricardo Wittmann, como um “arcabouço de normas e processos que
tragam como resultado a integridade institucional e a perfeita compatibilidade de suas decisões
e atos com o ambiente regulatório”14.

No mesmo sentido, Katharina Wulf discorre que os programas de integridade (ou


compliance) visam evitar comportamentos antiéticos por parte da direção e dos colaboradores

atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8420.htm. Acesso em: 15.06.2019)
13
Compliance é uma palavra de língua inglesa derivada do verbo to comply, o qual significa cumprir, obedecer ou
realizar uma ação imposta. Não existe na língua portuguesa uma palavra correspondente, mas uma tradução
aproximada poderia se reportar às expressões observância, conformidade e submissão. Pode-se dizer, assim, que
“compliance” guarda pertinência com o ajustamento das condutas das pessoas envolvidas nas leis, de modo geral,
e nas regras estabelecidas dentro de uma empresa. [...] Em outras palavras: trata-se de um conjunto de mecanismos
e procedimentos internos de regulação, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades que, pela efetiva
aplicação dos códigos de conduta e das políticas e diretrizes da organização, objetivam prevenir, detectar e corrigir
desvios, fraudes, irregularidades e quaisquer outros atos ilícitos praticados contra a própria pessoa jurídica e/ou
contra a Administração Pública nacional ou estrangeira. O que se busca é prevenir e minimizar os riscos das
atividades exercidas pelas organizações através do cumprimento de todas as regras, das leis, dos procedimentos,
dos regulamentos e dos controles a cada empresa está sujeita, partindo dos regramentos impostos pelas agências
reguladoras do governo, passando pelas regras contábeis, tributárias e ambientais, até à observância completa e
total da legislação anticorrupção em vigor no país.”. (ZENKNER, Marcelo. Integridade governamental e
empresarial: um espectro da repressão e da prevenção à corrupção no Brasil e em Portugal, Belo Horizonte :
Fórum, 2019, p. 369-370)
14
WITTMANN, Cristian Ricardo. Programas de integridade (compliance programs) e o direito na sociedade
global: a concepção de um campo autônomo de regulação das nanotecnologias em usos militares, 2016, 275f, Tese
de Doutorado, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2016, p. 242.
18

de uma pessoa jurídica, por meio de medidas que complementam padrões de contabilidade e
governança.

Segundo a autora, os programas de compliance podem otimizar o sucesso econômico


e sustentabilidade das pessoas jurídicas, se não visarem satisfazer apenas os interesses de
acionistas ou partes consideradas por elas como relevantes, mas também os interesses da
sociedade como um todo.

Empresas, de acordo com o que expõe Katharina Wulf, são mais bem sucedidas se
estiverem em harmonia com a sociedade, com o Governo e com a economia. Nesse sentido, um
programa de compliance pode simplesmente satisfazer as necessidades básicas da lei, ou,
alternativamente, pode ser desenvolvido de modo sofisticado, com determinação de um
responsável pelo programa, treinamentos, canais de denúncia, etc., tudo levando em conta o
porte da pessoa jurídica e a finalidade almejada por seu programa. Nesse sentido:

These programs aim to avoid unethical behavior on the part of management and
employees with measures that are in addition to existing corporate governance
and accounting standards. Corporations can optimize their economic success and
sustainability if their business activities satisfy not only the interests of relevant
stakeholders (such as employees, customers, investors, suppliers, etc.) but also
the interests of society as a whole. Businesses are most successful if they are in
harmony with society, government, and the economy. An ethics and compliance
program can merely fulfill basic needs such as the appointment of an ethics and
compliance officer who is responsible for ensuring that required paperwork is
complete and submitted in a timely manner. Alternatively, an organization can
develop a sophisticated ethics and compliance program with an officer, training
and communication programs, reporting mechanisms, audit and evaluations
functions, and a system for tracking legal requirements and compliance.
Organizations have developed programs on both ends of the spectrum and in
between, all depending on the type of company15.

O Decreto Regulamentador, por sua vez, define o programa de integridade como o


“conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à
denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e

15
WULF, Katharina. Ethics and compliance programs in multinational organizations, Springer : Berlin, 2011, p.
41.
19

diretrizes, com o objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos
praticados contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira”.

O programa deve, de acordo com o Decreto Regulamentador, “ser estruturado,


aplicado e atualizado de acordo com as características e riscos atuais das atividades de cada
pessoa jurídica, a qual, por sua vez, deve garantir o constante aprimoramento e adaptação do
referido programa, visando garantir sua efetividade”16.

Ou seja, da leitura do Decreto Regulamentador é possível perceber que são esperadas


duas principais atividades da pessoa jurídica, em dois diferentes momentos: (i) antes da
elaboração de um programa de integridade, é recomendado que a pessoa jurídica faça um estudo
de seu mercado, de sua atuação, de seu perfil e de sua cultura já existente, e (ii) depois da
elaboração do programa de integridade adequado, é recomendado que a pessoa jurídica
continue monitorando seu programa para que entenda sua adoção dentro da empresa e, na
demonstração de não efetividade, tome medidas que o façam melhorar. Isso pode ser feito pela
empresa por meio, por exemplo, de canais de denúncias, mapeamentos de riscos e investigações
internas.

Portanto, em alinhamento com tal pensamento, Marcelo Zenkner expõe que, antes de
qualquer providência, as peculiaridades do negócio e as políticas que são desenvolvidas pela
empresa devem ser compreendidas, visto que, caso o desenho da política de compliance pela
empresa fique distante de sua realidade e de suas práticas atuais, todo seu esforço empreendido
seria, então, completamente inútil17.

16
“Art. 41. Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa
jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de
irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de
detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional
ou estrangeira. Parágrafo Único. O programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo
com as características e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o
constante aprimoramento e adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade.” (BRASIL. Decreto
nº 8.420 de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei no 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a
responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional
ou estrangeira e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Decreto/D8420.htm. Acesso em: 15.06.2019)
17
Nesse sentido: “Devem ser compreendidas, antes de qualquer coisa, as peculiaridades do negócio e as políticas
que são desenvolvidas pela empresa, à luz de todas as leis e normas externas relevantes para o exercício das
principais atividades da organização, as quais devem ser devidamente catalogadas. Essa providência inicial é
fundamental porque, caso o desenho da política de compliance fique distante da realidade e das práticas atuais da
20

No mesmo sentido, Cristian Ricardo Wittmann define alguns passos para serem
considerados na implantação de um programa de integridade que vão em alinhamento com o
exposto pelo Decreto Regulador, sendo estes: (i) identificação de riscos; (ii) definição de
requisitos; (iii) estruturação de um projeto; (iv) desenho dos processos e controles; (v)
implementação dos processos e controles; (vi) geração de evidências; (vii) auditoria; (viii)
ajustes; e (ix) reteste18.

Tais passos também demonstram a preocupação de alinhamento prévio entre o que se


abordará no programa e a cultura e/ou o mercado em que a empresa está inserida, visto que o
objetivo do programa não é o de “engessar” a operação de empresa, já que isso faria com que
suas previsões não fossem de fato adotadas no dia-a-dia de sua operação, tornando o programa
sem efetividade ou eficácia.

O principal problema em programas de integridade e políticas que não refletem as


necessidades reais da empresa e de seus colaboradores, é que, por frustração com a
burocratização de suas funções, os colaboradores tenham a tendência de se esforçar para achar
brechas nas normas impostas ou simplesmente deixem de cumpri-las, ao invés de “vestir a
camisa” do programa de integridade e da empresa, de modo a promulgá-lo e aceitá-lo em seu
cotidiano, como é o esperado por programas bem estruturados e que não são feitos por mero
cumprimento de lei.

A Corregedoria-Geral da União (CGU), por meio de seus manuais práticos de


Diretrizes para Empresas Privadas sobre Programa de Integridade e de Avalição de Programa
de Integridade em Processo Administrativo de Responsabilização de Pessoas Jurídicas (PAR)
– lançados, respectivamente, em 2015 e 2018 –, também auxilia na identificação de como os

empresa interessada, todo o esforço empreendido será completamente inútil.” (ZENKNER, Marcelo. Integridade
governamental e empresarial: um espectro da repressão e da prevenção à corrupção no Brasil e em Portugal, Belo
Horizonte : Fórum, 2019, p. 375)
18
Como expõe o autor: “Uma estratégia de implantação razoável deve levar em conta algumas etapas: identificação
dos riscos; definição dos requisitos; estruturação de um projeto; desenho dos processos e controles; implementação
dos processos e controles; geração de evidências; auditoria; ajustes, e; reteste. Somente a estruturação do projeto,
para ter-se uma ideia, envolve o seu desenho, definição do gestor e sua equipe, treinamento, focos do trabalho e o
detalhamento do cronograma.” (WITTMANN, Cristian Ricardo. Programas de integridade (compliance
programs) e o direito na sociedade global: a concepção de um campo autônomo de regulação das nanotecnologias
em usos militares, 2016, 275f, Tese de Doutorado, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2016,
p. 250)
21

programas de integridade devem ser adotados para serem considerados efetivos e o que, afinal,
eles são. Assim, a CGU define programas de integridade como:

Programa de integridade é um programa de compliance específico para


prevenção, detecção e remediação dos atos lesivos previstos na Lei 12.846/2013,
que tem como foco, além da ocorrência de suborno, também fraudes nos
processos de licitações e execução de contratos com o setor público19.

Para a CGU, no mesmo sentido do exposto acima, os programas de integridade


previstos pelo Decreto Regulamentador devem se basear em cinco pilares: comprometimento e
apoio da alta direção; instância responsável pelo programa de integridade; análise de perfil e
riscos; estruturação das regras e instrumentos; e estratégia de monitoramento contínuo.

A própria CGU, inclusive, avisa que não há fórmula pronta para um programa, visto
que cada um “deve ser construído para atender às necessidades da empresa, observando suas
características e riscos da área de negócio”, sendo “indispensável que cada empresa faça sua
autoanálise e conheça suas necessidades e especificidades para definir o programa de
integridade que mais se adeque à sua realidade”20.

Nesse sentido, a não existência de um modelo pronto a ser adotado visa a melhor
adaptação do programa de integridade à rotina dos colaboradores e à operação da empresa no
mercado em que ela atua – e, consequentemente, na linha do exposto, sua maior adoção e
respeito pelos colaboradores.

Supõe-se que a maior adaptação do programa nesse sentido, faria com que os
colaboradores e terceiros adotassem de forma mais intimista as previsões do programa de
integridade da empresa, com a consequência de que houvesse maior sentimento de

19
CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Programa de integridade: diretrizes para empresas privadas.
Disponível em: http://cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/programa-de-integridade-diretrizes-
para-empresas-privadas.pdf. Acesso em: 15.06.2019, p. 6.
20
CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Programa de integridade: diretrizes para empresas privadas.
Disponível em: http://cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/programa-de-integridade-diretrizes-
para-empresas-privadas.pdf. Acesso em: 15.06.2019, p. 7-8.
22

pertencimento, proteção e engajamento, causando maior adesão às praticas e comportamentos


esperados pelo programa de integridade da pessoa jurídica.

Em adição a tal construção cultural da empresa, no entanto, deve-se lembrar que,


apesar de não existir um modelo pronto (em estilo one fits all), há requisitos mínimos21 que
devem ser levados em consideração pela pessoa jurídica no momento da criação e
implementação de seu programa de integridade apresentados pelo Decreto Regulamentador: (i)
comprometimento da alta direção; (ii) padrões de conduta para funcionários da empresa; (iii)
padrões de conduta para terceiros agindo em nome ou beneficio da empresa; (iv) treinamentos
periódicos; (v) análise periódica de riscos; (vi) registros contábeis completos e precisos; (vii)
controles internos; (viii) procedimentos específicos para prevenção de fraudes e ilícitos na
relação com a Administração Pública; (ix) independência, estrutura e autoridade do
departamento responsável pela aplicação e fiscalização do programa; (x) canais de denúncia
abertos e divulgados, com mecanismos de proteção aos denunciantes; (xi) medidas disciplinares
em caso de violação; (xii) procedimentos que assegurem a pronta interrupção dos atos contra a

21
“Art. 42. Para fins do disposto no § 4º do art. 5º, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua existência
e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros: I – comprometimento da alta direção da pessoa jurídica,
incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa; II – padrões de conduta, código
de ética, políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores,
independentemente de cargo ou função exercidos; III – padrões de conduta, código de ética e políticas de
integridade estendidas, quando necessário, a terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes
intermediários e associados; IV – treinamentos periódicos sobre o programa de integridade; V – análise periódica
de riscos para realizar adaptações necessárias ao programa de integridade; VI – registros contábeis que reflitam de
forma completa e precisa as transações da pessoa jurídica; VII – controles internos que assegurem a pronta
elaboração e confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiros da pessoa jurídica; VIII – procedimentos
específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de processos licitatórios, na execução de contratos
administrativos ou em qualquer interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros, tal como
pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações, ou obtenção de autorizações, licenças, permissões e certidões; IX
– independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de integridade
e fiscalização de seu cumprimento; X – canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a
funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé; XI – medidas
disciplinares em caso de violação do programa de integridade; XII – procedimentos que assegurem a pronta
interrupção de irregularidades ou infrações detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados; XIII –
diligências apropriadas para contratação e, conforme o caso, supervisão, de terceiros, tais como, fornecedores,
prestadores de serviço, agentes intermediários e associados; XIV – verificação, durante os processos de fusões,
aquisições e reestruturações societárias, do cometimento de irregularidades ou ilícitos ou da existência de
vulnerabilidades nas pessoas jurídicas envolvidas; XV – monitoramento contínuo do programa de integridade
visando seu aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos lesivos previstos no art. 5º
da Lei nº 12.846, de 2013 ; e XVI – transparência da pessoa jurídica quanto a doações para candidatos e partidos
políticos. (BRASIL. Decreto nº 8.420 de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei no 12.846, de 1º de agosto de
2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a
administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8420.htm. Acesso em: 15.06.2019)
23

Administração Pública e a sua tempestiva remediação; (xiii) due diligences na contratação e


supervisão de terceiros; (xiv) due diligences em processos de fusões, aquisições e
reestruturações societárias; (xv) monitoramento contínuo do programa; e (xvi) transparência da
pessoa jurídica quanto a doações para candidatos e partidos político22.

Importante indicar que a existência de todos os requisitos poderá ser considerada como
a base perfeita de um programa de integridade, de modo que haverá maiores chances de que
seja aplicada a diminuição do máximo de 4% no cálculo da sanção da Lei Anticorrupção,
conforme previsão do artigo 18, V, do Decreto Regulamentador23. Sua aplicabilidade prática,
contudo, continuará a ser levada em conta – o que demonstra, novamente, a importância da
criação da cultura empresarial.

Nesse sentido, inclusive, concorda a CGU, quando expõe na Portaria nº 909 de 7 de


abril de 2015, que “o programa de integridade meramente formal e que se mostre absolutamente
ineficaz para mitigar o risco de ocorrência de atos lesivos da Lei 12.846, de 2013, não será
considerado para fins de aplicação do percentual de redução de que trata o caput”24.

O foco do presente trabalho não é estudar o programa de integridade em si, muito


menos todos os incisos do referido artigo. No entanto, se faz importante o esclarecimento geral
da legislação pertinente, visto que nela se vê presente algumas ferramentas essenciais para a
condução de investigações corporativas, como, por exemplo, (i) os canais de denúncias e (ii) o

22
Vale a ressalva de que, desde 2016, pessoas jurídicas não podem realizar doações para campanhas eleitorais,
visto julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4650/DF, intentada pelo Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil – OAB. BRASIL. (Supremo Tribunal Federal. Petição Inicial nº ADI 4650/DF.
Advogado Ophir Cavalcante Júnior et al. Brasília, DF, 05 de setembro de 2011. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobj
etoincidente=4136819. Acesso em: 18.06.2019)
23
“Art. 18. Do resultado da soma dos fatores do art. 17 serão subtraídos os valores correspondentes aos seguintes
percentuais do faturamento bruto da pessoa jurídica do último exercício anterior ao da instauração do PAR,
excluídos os tributos: V – um por cento a quatro por cento para comprovação de a pessoa jurídica possuir e aplicar
um programa de integridade, conforme os parâmetros estabelecidos no Capítulo IV.” (BRASIL. Decreto nº 8.420
de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei no 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a
responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional
ou estrangeira e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Decreto/D8420.htm. Acesso em: 15.06.2019)
24
CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Portaria nº 909 de 7 de abril de 2015. Dispõe sobre a avaliação de
programas de integridade de pessoas jurídicas. Disponível em:
https://www.cgu.gov.br/sobre/legislacao/arquivos/portarias/portaria_cgu_909_2015.pdf. Acesso em: 18.06.2019.
24

departamento independente responsável pela aplicação e fiscalização do programa, que


conduzirão as ditas investigações ou engajarão terceiros para tanto.

Além disso, é dos textos apontados acima que se percebe que a investigação
corporativa é essencial para a garantia de monitoramento e melhoria contínua do programa de
integridade, sendo que é a investigação interna, de acordo com o que expõe Marcelo Zenkner,
que identifica violações das políticas internas da empresa e a prática de ilícitos, possibilita a
implementação de controles internos mais eficientes, minimiza os impactos de uma
investigação externa conduzida por órgãos regulatórios ou pela autoridade policial e estabelece
limites quanto à responsabilidade da empresa em relação aos atos praticados por seus
funcionários, inclusive com a obtenção de vantagens legas em torno da redução, isenção ou
remissão das multas decorrentes das infrações apuradas, garantindo boa governança corporativa
e resguardando a boa reputação da pessoa jurídica25.

Pode-se apontar, nesse sentido, que a investigação corporativa faz parte de um sistema
cíclico de constante melhoria do programa de integridade da pessoa jurídica, visto que, por
meio dela (e, claro, de outros procedimentos não integrantes do problema de pesquisa), a pessoa
jurídica é capaz de enxergar possíveis falhas em seus sistemas e pontos que merecem maior
atenção ou aprofundamento.

Nesse sentido, por exemplo, durante uma investigação corporativa decorrente de


denúncia no canal de comunicações da empresa, a pessoa jurídica pode até mesmo vir a
identificar falhas que, em um mapeamento de riscos inicial, não havia se demonstrado como
um problema relevante ou sequer existente. O canal de comunicações, portanto, é ferramenta
essencial do programa, conforme tratado abaixo.

Exemplifica-se tal situação com empresa líder no mercado automobilístico que, em


mapeamento de riscos inicial, não identifica relacionamento relevante entre seus colaboradores
e agentes públicos, acreditando precisar desse engajamento apenas para emissão de licenças e
autorizações e não identificando qualquer irregularidade nesse relacionamento.

25
ZENKNER, Marcelo. Integridade governamental e empresarial: um espectro da repressão e da prevenção à
corrupção no Brasil e em Portugal, Belo Horizonte : Fórum, 2019, p. 379.
25

No entanto, recebe denúncia de que funcionário do departamento de marketing e


comunicação estaria garantindo convites a eventos da empresa a agentes públicos do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), responsável por
conceder licença que permitia a venda de automóveis por parte da empresa. Após a realização
dos procedimentos apropriados de investigação (como coleta forense de e-mails, análise de
comunicações e condução de entrevistas), verifica-se que, de fato, o funcionário estaria
disponibilizando tais vantagens de maneira irregular aos agentes públicos, mas não
intencionado a conseguir vantagem indevida, apenas por ser amigo dos mesmos.

Nota-se, então, que, em luz de denúncia feita no canal de comunicações, apesar de não
terem sido apontadas conclusões de que o ato seria para obtenção de vantagem indevida da
empresa ou do funcionário, foi apresentado à empresa novo cenário de risco que aponta a ela a
necessidade da melhoria em sua política de brindes, presentes, entretenimento e hospitalidade
e em seus treinamentos sobre tal tema. A denúncia, portanto, poderia apontar um risco que,
olhando apenas formalmente para a operação da empresa, um mapeamento de riscos não seria,
em regra, completamente capaz de identificar.

Nesse sentido, os canais de denúncia, de forma geral, aumentam as possibilidades de


uma empresa ter ciência sobre irregularidades que possam vir a acontecer, estejam acontecendo
ou tenham acontecido dentro de sua operação, sendo de extrema relevância para a identificação
de atos que possam eventualmente acarretar em sanções previstas pela Lei Anticorrupção.

Observa-se, portanto, que canais de denúncia efetivos, apesar de serem uma ferramenta
simples, são essenciais para o funcionamento do programa de integridade da empresa e sua
constante melhoria, já que, quando devidamente instalados, encorajam seus colaboradores a
apontar possíveis irregularidades e, consequentemente, permitem que a empresa possa reagir e
endereçar tais pontos de atenção. Nesse sentido, expõe Marcelo Zenkner:

É muito importante que os funcionários recebam o devido treinamento para que


funcionem, também, na fiscalização dos colegas no que tange à observância e
cumprimento dos regulamentos adotados, até porque, principalmente nas grandes
empresas, é completamente impossível que cada funcionário seja vigiado durante
todo o dia. Nessa linha, os canais de denúncias de irregularidades, também
chamados de canais de comunicação, canais abertos como o compliance ou
hotlines, constituem o instrumento próprio para que os próprios funcionários da
empresa ou terceiros envolvidos na consecução de sua atividade possam fiscalizar
26

(ou vigiar) a atuação dos demais atores e, assim, alertar sobre violações ou
potenciais violações à lei ou a políticas internas da empresa constatadas no dia a
dia da respectiva organização (g.n.)26.

Com o recebimento da denúncia, portanto, deve haver o acionamento da área de


compliance da empresa para a apuração da eventual irregularidade apontada, ou então o
engajamento de terceiro especializado (como escritórios de advocacia e empresas técnicas
especializadas em condução de procedimentos investigatórios) para a verificação do problema
ou suspeita apontado pelo denunciante – também conhecido como “whistleblower”27, que pode
ser um funcionário, ex-funcionário ou até terceiro da pessoa jurídica, que, cumprindo o que
seria seu dever ético, informa a pessoa jurídica sobre o ato que veio a seu conhecimento de
alguma forma.

Se a empresa deseja estabelecer uma cultura que adota a ética como um de seus pilares,
é importante que esse sistema de denúncias seja efetivo. Para tanto, é necessário não só uma
área de compliance devidamente treinada e preparada para lidar com os assuntos trazidos pelo
denunciante, mas também que seja estabelecida uma política de não retaliação, que proteja o
denunciante de boa-fé, e até mesmo a garantia de anonimato, caso o denunciante deseje.

De acordo com o que cita Katharina Wulf28, as empresas devem criar um ambiente no
qual os seus colaboradores sintam que podem reportar problemas em boa-fé, pois serão levados
a sério, e não precisarão se preocupar com retaliações ou assédios – sendo que a garantia de não

26
ZENKNER, Marcelo. Integridade governamental e empresarial: um espectro da repressão e da prevenção à
corrupção no Brasil e em Portugal, Belo Horizonte : Fórum, 2019, p. 377-378.
27
Katharina Wulf define o whistleblower como aquele que informa um ato ilegal, imoral ou ilegítimo sob o
controle da empresa, podendo colocar em risco seu próprio trabalho para cumprir o que ele entende como seu
dever ético. Nesse sentido: “Whistleblowing is when a current or former member of the organization discloses
illegal, immoral, or illegitimate practices under the control of their employer to persons, organizations, or other
parties that may be able to stop it. [...] It is often someone with courage and conviction who sometimes even puts
his or her job on the line to stand up for what they believe in and do their ethical duty.” (WULF, Katharina. Ethics
and compliance programs in multinational organizations, Springer : Berlin, 2011, p. 52).
28
“Organizations must create an environment in which individuals feel that they can bring up issues in good faith,
one in which they will be taken seriously without fear of retaliation or embarrassment (Trevino/Nelson 2007: 342).
Only then will employees be motivated to come forward with issues.” (WULF, Katharina. Ethics and compliance
programs in multinational organizations, Springer : Berlin, 2011, p. 50).
27

retaliação e assédio encorajaria os colaboradores a cada vez mais denunciar ilícitos ou


irregularidades.

A melhoria do programa de integridade, portanto, necessita o constante


monitoramento e aprofundamento de questões cotidianas da operação da empresa, que só
poderão ser levadas ao seu conhecimento por aqueles que de fato possuem a informação: seus
colaboradores, que convivem diariamente com crises e riscos potencialmente atrelados à Lei
Anticorrupção.

As investigações devem, nesse sentido, ser conduzidas de forma adequada, sem


estender os riscos da empresa e reunindo informações que, adicionalmente, caso necessário,
sejam suficientes não só para que a pessoa jurídica melhore seu programa de integridade, mas
também para que a pessoa jurídica possa buscar as autoridades competentes para celebração de
instituto conhecido como acordo de leniência, previsto tanto pela Lei Anticorrupção29 como
pelo Decreto Regulamentador30.

O acordo de leniência, conforme disposto no texto legal, será celebrado com as pessoas
jurídicas responsáveis pela prática de atos lesivos previstos não somente na Lei Anticorrupção,
como também por ilícitos administrativos previstos na Lei nº. 8.666 de 21 de junho de 1993 e
em outras normas de licitações e contratos. O acordo de leniência, como expõe Raphael Soré:

29
“Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as
pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as
investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte: I – a identificação dos demais
envolvidos na infração, quando couber; e II – a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o
ilícito sob apuração.” (BRASIL. Lei nº 12.846 de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização
administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou
estrangeira, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 26.07.2019)
30
“Art. 28. O acordo de leniência será celebrado com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos lesivos
previstos na Lei nº 12.846, de 2013 , e dos ilícitos administrativos previstos na Lei nº 8.666, de 1993 , e em outras
normas de licitações e contratos, com vistas à isenção ou à atenuação das respectivas sanções, desde que colaborem
efetivamente com as investigações e o processo administrativo, devendo resultar dessa colaboração: I – a
identificação dos demais envolvidos na infração administrativa, quando couber; e II – a obtenção célere de
informações e documentos que comprovem a infração sob apuração.” (BRASIL. Decreto nº 8.420 de 18 de março
de 2015. Regulamenta a Lei no 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização
administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e
dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Decreto/D8420.htm. Acesso em: 26.07.2019)
28

É, de modo genérico, um sistema que pretende possibilitar a um agente criminoso


o recebimento de imunidade (parcial ou total) por oferecer informações sobre o
esquema do qual faz parte, confessando sua prática ilícita e apontando os demais
envolvidos. É, em suma, uma troca, onde o Estado punidor abre mão de parte de
sua capacidade punitiva em um caso específico em troca de aumentar sua
capacidade persecutória em outras investigações, sobretudo aquelas que se
debruçam sobre condutas criminosas em coautoria31.

Tais acordos são capazes de isentar a pessoa jurídica das sanções previstas na Lei
Anticorrupção, como as do inciso II do art. 6º (que determina a publicação extraordinária da
decisão condenatória) e do inciso IV do art. 19 (que determina a proibição de receber incentivos,
subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de
instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1
(um) e máximo de 5 (cinco) anos). Além disso, os acordos de leniência firmados pela empresa
com a autoridade competente poderão também reduzir em até 2/3 (dois terços) o valor da multa
aplicável – não eximindo, no entanto, a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente
o dano causado32.

Observa-se que alguns requisitos33 devem ser cumpridos para a propositura de tal
acordo, no sentido de que a pessoa jurídica (i) identifique outros indivíduos envolvidos, (ii) seja

31
SORÉ, Raphael Rodrigues. A lei anticorrupção em contexto: estratégias para a prevenção e o combate à
corrupção corporativa, Belo Horizonte : Fórum, 2019, p. 140.
32
Art. 16 (...) § 2º A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso
II do art. 6º e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável. § 3º O acordo
de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado. (BRASIL. Lei nº
12.846 de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela
prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 26.07.2019)
33
Nesse sentido, expõem a Lei Anticorrupção e o Decreto Regulamentador, respectivamente, em seus artigos 16
e 30: “Art. 16. Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência
com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com
as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte: I – a identificação dos demais
envolvidos na infração, quando couber; e II – a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o
ilícito sob apuração. § 1º O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se preenchidos,
cumulativamente, os seguintes requisitos: I – a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse
em cooperar para a apuração do ato ilícito; II – a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração
investigada a partir da data de propositura do acordo; III – a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e
coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas
expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.” e “Art. 30. A pessoa jurídica
que pretenda celebrar acordo de leniência deverá: I – ser a primeira a manifestar interesse em cooperar para a
apuração de ato lesivo específico, quando tal circunstância for relevante; II – ter cessado completamente seu
envolvimento no ato lesivo a partir da data da propositura do acordo; III – admitir sua participação na infração
administrativa; IV – cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo e
29

a primeira a se manifestar sobre o interesse em cooperar para a apuração do ilícito, (iii) cesse
completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do
acordo, (iv) admita sua participação no ilícito, (v) coopere plena e permanentemente com as
investigações e o processo administrativo, (vi) compareça, sob suas expensas, sempre que
solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento e (vii) forneça informações,
documentos e elementos que comprovem a infração administrativa.

As investigações são, portanto, ferramenta suporte para o acordo de leniência no


sentido de que, por meio delas, as pessoas jurídicas têm a possibilidade de levar ao
conhecimento das autoridades competentes as informações pertinentes, podendo, então, ser
beneficiadas pela redução da multa.

A Lei Anticorrupção e o Decreto Regulamentador, nesse sentido, expõem que a pessoa


jurídica que deseje celebrar o acordo deverá cumprir alguns requisitos – dentre eles, ser a
primeira a manifestar interesse em cooperar para a apuração do ato lesivo específico e fornecer
informações, documentos e elementos que comprovem a infração administrativa.

Desse modo, a investigação que consiga levantar informações suficientes sobre atos
que possam ser de interesse das autoridades e que consiga ser feita de forma discreta e hábil,
para que a pessoa jurídica tenha a oportunidade de ser a primeira a se manifestar sobre os
eventuais problemas identificados, poderá promover não só a melhoria do programa interno da
pessoa jurídica, como poderá beneficiá-la com as graças previstas em contrapartida do acordo.
Necessário, portanto, que seja esse procedimento conduzido da melhor forma possível pelo
departamento responsável da empresa, ou por advogados engajados pela área de compliance.

No presente trabalho, trata-se apenas das investigações corporativas conduzidas por


terceiros (ou seja, advogados e seus assistentes), visto que, conforme exposto por alguns

comparecer, sob suas expensas e sempre que solicitada, aos atos processuais, até o seu encerramento; e V –
fornecer informações, documentos e elementos que comprovem a infração administrativa.” (BRASIL. Lei nº
12.846 de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela
prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 26.07.2019) e (BRASIL.
Decreto nº 8.420 de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei no 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe
sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública,
nacional ou estrangeira e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Decreto/D8420.htm. Acesso em: 26.07.2019)
30

autores, investigações feitas por terceiros ensejam maior credibilidade quanto aos relatórios e
informações produzidos aos olhos de autoridades governamentais, já que tais pessoas jurídicas
possuem maior experiência e dão mais credibilidade aos trabalhos produzidos, além de
possuírem maior independência do cotidiano da pessoa jurídica. Nesse sentido:

Porém, é importante ressaltar que a contratação de uma empresa especializada


nesse tipo de investigação apresenta uma série de benefícios. Se houver graves
alegações e denúncias feitas contra os empregados da pessoa jurídica será
necessário que se busque uma solução imparcial, séria e firme em relação a essas
denúncias. Advogados externos terão independência ao realizar a investigação já
que não são subordinados à diretoria da pessoa jurídica – por tal motivo podem
trazer à investigação maior confiabilidade, objetividade e imparcialidade. Tal
investigação feita por terceiros também enseja maior credibilidade quanto aos
relatórios e informações produzidas aos olhos de autoridades governamentais, já
que tais pessoas jurídicas possuem maior experiência em investigações e darão à
investigação e aos trabalhos produzidos maior confiabilidade (g.n.)34.

Assim, os responsáveis pela condução da investigação devem ser indivíduos


preparados e, não só isso, mas que também possuam a garantia de segurança de que as
informações contidas nos documentos analisados e nas entrevistas conduzidas não possam
sofrer incidentes de segurança da informação, e que as evidências identificadas durante o longo
processo de apuração possam ser depois utilizadas, considerando o cenário da Lei
Anticorrupção, em eventual processo administrativo de responsabilização ou propositura de
acordo de leniência.

Em 11 de dezembro 2018, nesse sentido, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados


do Brasil (OAB) divulgou provimento nº 188 (Provimento 188/2018), que regulamenta o
exercício da prerrogativa profissional do advogado de realização do que o Provimento 188/2018
chama de “investigação defensiva” – aqui tratada como investigação corporativa ou interna –
para a instrução em procedimentos administrativos e judiciais.

A investigação defensiva, portanto, é definida pelo Provimento 188/2018 como “o


complexo de atividades de natureza investigatória desenvolvido pelo advogado, com ou sem

34
PAGOTTO, Leopoldo. ALMEIDA, Silvia Helena de. FERNANDES, Indira. Investigações Internas In
CARVALHO, André Castro [et. al][coords]. Manual de Compliance, Rio de Janeiro : Forense, 2019, p. 193-194.
31

assistência de consultor técnico ou outros profissionais legalmente habilitados, em qualquer


fase da persecução penal, procedimento ou grau de jurisdição, visando à obtenção de elementos
de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito, para a tutela de direitos de seu
constituinte (g.n.)”35.

Conforme expõe Gabriel Bulhões, a investigação defensiva não se confunde com a


função de polícia judiciária, pois enquanto a função de polícia judiciária visa apurar a prática
de infrações criminais, a investigação interna somente intenta obter informações no sentido da
defesa dos legítimos interesses do constituinte, podendo eventualmente contribuir com a
apuração policial e/ou ministerial36.

Observa-se, portanto, que a investigação corporativa, conforme previsão do artigo 3º


do Provimento 188/201837, pode ser utilizada, sem prejuízo de outras finalidades, para a
produção de prova para emprego em proposta de acordo de leniência (ou colaboração premiada
para as pessoas físicas). Desse modo, é intuitivo que as informações deverão ser conservadas
adequadamente, de maneira que sua veracidade possa ser atestada.

Portanto, enquanto o advogado poderá preservar o sigilo das informações colhidas não
só em consequência do disposto no artigo 5º do Provimento 188/2018, mas também devido à
sua profissão, as empresas técnicas são necessárias para a prestação de suporte com a

35
“Art. 1° Compreende-se por investigação defensiva o complexo de atividades de natureza investigatória
desenvolvido pelo advogado, com ou sem assistência de consultor técnico ou outros profissionais legalmente
habilitados, em qualquer fase da persecução penal, procedimento ou grau de jurisdição, visando à obtenção de
elementos de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito, para a tutela de direitos de seu
constituinte. “ (BRASIL. Provimento nº 188 de 11 de dezembro de 2018. Regulamenta o exercício da prerrogativa
profissional do advogado de realização de diligências investigatórias para instrução em procedimentos
administrativos e judiciais. Disponível em: https://www.oab.org.br/leisnormas/legislacao/provimentos/188-
2018?search=188%2F2018&provimentos=True. Acesso em: 26.07.2019)
36
BULHÕES, Gabriel. Investigação defensiva e a busca da paridade de armas no processo penal. Consultor
Jurídico, Rio Grande do Norte. 10 de abril de 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-abr-
10/gabriel-bulhoes-investigacao-defensiva-paridade-armas. Acesso em: 26.07.2019.
37
“Art. 3° A investigação defensiva, sem prejuízo de outras finalidades, orienta-se, especialmente, para a produção
de prova para emprego em: I – pedido de instauração ou trancamento de inquérito; II – rejeição ou recebimento de
denúncia ou queixa; III – resposta a acusação; IV – pedido de medidas cautelares; V – defesa em ação penal pública
ou privada; VI – razões de recurso; VII – revisão criminal; VIII – habeas corpus; IX – proposta de acordo de
colaboração premiada; X – proposta de acordo de leniência; XI – outras medidas destinadas a assegurar os direitos
individuais em procedimentos de natureza criminal.” (BRASIL. Provimento nº 188 de 11 de dezembro de 2018.
Regulamenta o exercício da prerrogativa profissional do advogado de realização de diligências investigatórias para
instrução em procedimentos administrativos e judiciais. Disponível em:
https://www.oab.org.br/leisnormas/legislacao/provimentos/188-2018?search=188%2F2018&provimentos=True.
Acesso em: 26.07.2019)
32

preservação de autenticidade e integralidade dos documentos, utilizando-se da tecnologia


necessária para a extração completa das informações relativas ao ato ou suspeita (cópia forense
das informações).

Conforme expõem Leopoldo Pagotto, Silvia Helena de Almeida e Indira Fernandes,


“se conduzidas corretamente, as investigações internas desempenham um papel importante na
governança corporativa da empresa e têm o potencial de mitigar a exposição da empresa diante
de um possível escândalo de fraude ou corrupção. Ao final, apenas uma investigação interna
bem conduzida poderá preservar ou reestabelecer a reputação de uma organização perante a
sociedade”38.

Considerando, então, o exposto, percebe-se que uma investigação corporativa só será


bem conduzida, de forma a ser menos provavelmente questionada por autoridades competentes,
se garantir que todos os procedimentos tenham sido feitos de acordo com o texto legal,
preocupando-se com a preservação de informações e obedecendo procedimentos pré-
estabelecidos. Além disso, percebe-se a relevância de que todos os procedimentos e
informações levantados durante a investigação estejam protegidos pelo maior grau de
confidencialidade possível, para que a pessoa jurídica possa ter maior benefício no âmbito da
negociação de seu acordo de leniência.

Nesse âmbito, portanto, que passamos, nos capítulos seguintes, à discussão principal
do presente trabalho: a prerrogativa do sigilo inerente ao advogado e a possibilidade (e também
necessidade) de extensão de tal garantia aos assistentes (empresas especializadas) contratados
pelo advogado no âmbito da investigação.

38
PAGOTTO, Leopoldo. ALMEIDA, Silvia Helena de. FERNANDES, Indira. Investigações Internas In
CARVALHO, André Castro [et. al][coords]. Manual de Compliance, Rio de Janeiro : Forense, 2019, p. 199.
33

2 A PRERROGATIVA DO SIGILO PROFISSIONAL INERENTE À PROFISSÃO DO


ADVOGADO E SUA AMPLITUDE

Como exposto ao longo do capítulo anterior, investigações corporativas se tornaram


cada vez mais necessárias como meio de identificação de riscos e melhorias internas no
programa de integridade da empresa. Ainda tornaram-se também cada vez mais relevantes para
o levantamento de provas para eventual propositura de acordo de leniência ou defesa em
processo administrativo de responsabilização. Isso visto que, de acordo com o artigo 30, I, do
Decreto Regulamentador, “a pessoa jurídica que pretende celebrar o acordo de leniência deverá
ser a primeira a manifestar interesse em cooperar para a apuração de ato lesivo específico,
quando tal circunstância for relevante”.

As investigações, além disso, são conduzidas também com fundamento de acordo com,
principalmente, o exposto no artigo 7º, VII, da Lei Anticorrupção, que afirma que serão levados
em consideração, na aplicação de sanções, entre outros motivos, a cooperação da pessoa jurídica
para a apuração das infrações39 – cooperação que, como expõem Leopoldo Pagotto, Silvia
Helena de Almeida e Indira Fernandes, “somente se concretiza após a pessoa jurídica saber
efetivamente quais são os fatos, o que se verifica com o auxilio da investigação interna”40.

Assim, a pessoa jurídica não só precisa levantar as informações que possam ser
relevantes – por meio, então, de investigações internas –, como deverá garantir ser a primeira a
apresentá-las. Importante, portanto, que não seja de conhecimento externo sua vontade e os

39
“Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções: I – a gravidade da infração; II – a vantagem
auferida ou pretendida pelo infrator; III – a consumação ou não da infração; IV – o grau de lesão ou perigo de
lesão; V – o efeito negativo produzido pela infração; VI – a situação econômica do infrator; VII – a cooperação da
pessoa jurídica para a apuração das infrações; VIII – a existência de mecanismos e procedimentos internos de
integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de
conduta no âmbito da pessoa jurídica; IX – o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou
entidade pública lesados; (g.n.)” (BRASIL. Lei nº 12.846 de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a
responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública,
nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 14.09.2019)
40
PAGOTTO, Leopoldo. ALMEIDA, Silvia Helena de. FERNANDES, Indira. Investigações Internas In
CARVALHO, André Castro [et. al][coords]. Manual de Compliance, Rio de Janeiro : Forense, 2019, p. 183.
34

procedimentos adotados, o que aumenta a necessidade do sigilo sob as informações


encontradas.

Para tanto, a necessidade da figura do advogado como ponto focal externo, imparcial
e especializado na condução de tais procedimentos fica cada vez mais evidente. Como
demonstrado, é até mesmo mais recomendável a contratação de um terceiro – aqui, leia-se
escritório de advocacia especializado –, o qual também contará com a assistência de empresas
técnicas, do que a utilização do departamento jurídico interno da empresa para a condução do
procedimento.

Neste capítulo, visa-se explicar a relevância do advogado como condutor do


procedimento de investigação devido a um direito / dever relacionado à sua profissão, qual seja
o do sigilo profissional na relação cliente-advogado, já que com o manto de tal prerrogativa, as
informações levantadas durante procedimento de investigação corporativa idealmente
encontrar-se-ão protegidas. Tal proteção, portanto, ajuda a garantir que a pessoa jurídica
interessada na negociação do acordo de leniência, por exemplo, possa ser a primeira a
apresentar fatos e informações pertinentes às autoridades.

O sigilo, importante lembrar, é prerrogativa do advogado, sendo a única profissão


discriminada especificamente na Constituição Federal, justamente devido à sua função
essencial à Justiça. Fala-se isso, pois ela tem uma razão de ser.

A relação cliente-advogado é de todo especial, mais do que uma relação meramente


contratual de relação civil. Há circunstâncias e contornos extremamente próprios, confidências
feitas imprescindíveis para tutela de direitos. Expõe Roberto Gonçalves de Freitas sobre o tema:

O advogado tem na sua atuação profissional o perfil de confidente. A ele a parte


constituinte confia seus segredos de toda sorte e natureza. Essa confiança, mais
que de características pessoas, decorre de sua profissão. O respeito a esses
segredos é a grande garantia da atuação profissional e o resguardo do próprio
Estado de Direito41.

41
FILHO, Roberto Gonçalves de Freitas. Sigilo Profissional. In: FERRAZ, Sérgio et al (coord.). Ética na
Advocacia: Estudos diversos. 1ª. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2000, p. 72.
35

Em consonância, é explicitado por Elias Farah que:

O rigor profissional no resguardo do sigilo constitui requisito valorizante da


profissão advocatícia. O descrédito atingir-lhe-ia funda e ruinosamente. O sigilo,
existe, sobretudo na defesa do cliente; ele é a relação moral que se estabelece entre
advogado e cliente. Como regra, esse vínculo deve ser efetivo e permanente.
Preexistindo ao contrato profissional entre advogado e cliente, convém que
subsista após a ciência dos fatos ou atos sigilosos, e deverão ser mantidos,
permanentemente, por dever ético e moral. Há uma espécie de mútua dependência
na confiabilidade entre cliente e advogado. A irrestrita confiança facilita a
amplitude das informações ou confidencias do cliente; com as quais melhor serão
as perspectivas de êxito do advogado na solução do conflito, judicial ou
extrajudicial42.

Nesse sentido, a Constituição Federal resguarda o sigilo profissional como cláusula


pétrea inserta no artigo 5º, incisos XII e XIV43 e indica em seu artigo 133 a indisponibilidade
do advogado perante à administração da Justiça, sendo ele inviolável por seus atos e
manifestações no exercício da profissão44.

O Estatuto da Advocacia (Lei Federal nº 8.906 de 4 de julho de 1994), do mesmo modo


e potencializando a eficácia da disposição constitucional, indica, em seu artigo 7º, incisos II e
XIX45, como direitos do advogado “a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem
como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e
telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia” e a possibilidade de “recusar-se a
depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato

42
FARAH, Elias. Advocacia no novo milênio. São Paulo : LEX, 2009, p. 126.
43
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: (...) XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações
telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e
na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (...) XIV – é
assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício
profissional;” (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 15.09.2019)
44
“Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações
no exercício da profissão, nos limites da lei.” BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 15.09.2019.
45
BRASIL. Lei nº 8.906 de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm. Acesso em: 15.09.2019.
36

relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado
pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional”.

A atividade da advocacia é, portanto, uma atividade pautada na relação de confiança e


sigilo, determinado pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Advocacia e outros textos
legislativos (como por exemplo pelo Código de Processo Penal e pelo Código de Processo
Civil). Não por outra razão, advogados e escritórios de advocacia são imprescindíveis em
qualquer processo de investigação corporativa, especialmente pela confiabilidade necessária
das tratativas e pela proteção de eventuais documentos identificados como relevantes durante
tal procedimento.

Essa prerrogativa, portanto, não deve ser violada. A revelação de sigilo profissional,
de acordo com o artigo 36, I, do Estatuto da Advocacia46, configura infração disciplinar, punível
com a sanção de censura, além de caracterizar crime do artigo 154 do Código Penal, de violação
de segredo profissional, punível com pena de detenção de três meses a um ano47-48.

Poderá ser quebrada, no entanto, de acordo com o artigo 243, § 2º do Código de Processo
Penal49, se documentos sob a guarda do advogado constituírem elemento do corpo de delito ou,

46
“Art. 36. A censura é aplicável nos casos de: I – infrações definidas nos incisos I a XVI e XXIX do art. 34”.
(BRASIL. Lei nº 8.906 de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm. Acesso em: 15.09.2019).
47
“Art. 154 – Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício
ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.”
(BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em: 15.09.2019)
48
Sobre o crime do artigo 154 do Código Penal, cabe apontar que “a expressão “sem justa causa” está a evidenciar
que não é criminosa qualquer revelação de segredo, mas somente aquela que não possuir amparo legal. Ex.: o
funcionário que, durante a condução de uma sindicância, toma conhecimento de um segredo, passível de incriminar
outro servidor; revelando-o e dando margem a outro processo administrativo, está cumprindo seu dever, no
interesse da Administração Pública. Por outro lado, é preciso destacar que há muitas profissões protegidas pelo
sigilo, ou seja, estão impedidas legalmente de divulgar o segredo, mesmo que autorizado pelo interessado (como
ocorre com médicos e advogados) (g.n.)”. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 18. ed. rev.,
atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 939)
49
“Art. 243, § 2º. Não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo quando
constituir elemento do corpo de delito.” (BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941. Código de
Processo Penal Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm. Acesso
em: 15.09.2019)
37

de acordo com o artigo 7, § 6º do Estatuto da Advocacia50, em caso de presentes indícios de


autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado.

A quebra do sigilo, de qualquer forma, deverá ser feita por meio de ordem de autoridade
judiciária competente, desde que motivada, com a expedição do respectivo mandado de busca
e apreensão específico e pormenorizado a ser cumprido na presença de representante da Ordem
dos Advogados do Brasil.

Em qualquer hipótese, de acordo com tal artigo, é vedada a utilização dos documentos,
das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais
instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes. Nesse sentido, expõe
Pedro Lobo:

A Lei n. 11.767/2008 apenas admitiu a quebra da inviolabilidade em uma única


hipótese: quando houver indícios de autoria e materialidade da prática de crime
pelo próprio advogado. Nesse caso, não é mais o advogado, mas sim o cidadão,
que resvalou para o crime, não podendo valer-se da inviolabilidade, que é
prerrogativa exclusivamente profissional. Consubstanciados os indícios da prática
de crime, com indiscutível verossimilhança, o juiz poderá, em decisão motivada,
em que se demonstre não dizer respeito à atividade lícita de advocacia, determinar
a busca e apreensão específica, com a presença do representante da OAB,
designado pelo Presidente do Conselho Seccional ou da Subseção,
exclusivamente dos dados e documentos pessoais do advogado investigado
relacionados à prática do crime averiguado. O juiz encaminhará ao Presidente da
OAB (Conselho ou Subseção) ofício confidencial, para que seja designado o
representante, ficando todos responsáveis pela confidencialidade, para que não
fique comprometida a diligência. A apreensão deverá ater-se exclusivamente às
coisas achadas ou obtidas por meios criminosos, como prevê a legislação
processual penal, ou para fins criminosos, não podendo ser feita de modo
aleatório, alcançando o que for encontrado. Não pode a busca e apreensão
estender-se aos documentos, objetos, informações e arquivos pertencentes a seus
clientes, que permanecem cobertos com a garantia da inviolabilidade (g.n.)51.

50
“Art. 7º, § 6º Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade
judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em
decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na
presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias
e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que
contenham informações sobre clientes.” (BRASIL. Lei nº 8.906 de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da
Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm. Acesso em: 15.09.2019)
51
LOBO, Pedro. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 11. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2011, p. 87.
38

Dito isso, frisa-se que a prerrogativa de sigilo não é privilégio. Prerrogativa é um


conceito ligado ao múnus público exercido pelo advogado – o que, como expõe Pedro Lobo, “é
o encargo a que se não pode fugir, dadas as circunstâncias, no interesse social. A advocacia,
além de profissão, é múnus, pois cumpre o encargo indeclinável de contribuir para a realização
da justiça, ao lado do patrocínio da causa, quando atua em juízo. Nesse sentido, é dever que não
decorre de ofício ou cargo público”52. Só quem, portanto, está legalmente nessa condição goza
dessa prerrogativa. De acordo com o mesmo autor:

As prerrogativas profissionais diferenciam-se dos privilégios das corporações de


ofício ou guildas medievais. Como esclarece Max Weber (1977, p. 556), antes do
Estado Moderno e da concepção de direito subjetivo, os direitos particulares
apareciam normalmente sob a forma de direitos privilegiados, isto é, em
ordenamentos estatuídos autonomamente por tradição ou acordo de comunidades
de tipo estamental ou de uniões socializadas. O princípio de que o privilégio
(direito particular privilegiado, nesse sentido) prevalecia sobre o direito geral do
país (direito comum, vigente na ausência daqueles) era um postulado a que se
reconhecia validade quase universal. Se, no passado, prerrogativa podia ser
confundida com privilégio, na atualidade, prerrogativa profissional significa
direito exclusivo e indispensável ao exercício de determinada profissão no
interesse social. Em certa medida é direito-dever e, no caso da advocacia,
configura condições legais de exercício de seu múnus público53.

Considera-se, portanto, como incluídos em tal condição, aqueles indivíduos definidos


pelo estatuto da advocacia como advogados – ou seja, aqueles que, de acordo com o artigo 8º
do Estatuto da Advocacia cumprem, cumulativamente, os seguintes requisitos para a inscrição
junto à Ordem dos Advogados do Brasil: (i) capacidade civil; (ii) diploma ou certidão de
graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada;
(iii) título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro; (iv) aprovação em Exame de
Ordem; (v) não exercer atividade incompatível com a advocacia; (vi) idoneidade moral; e (vii)
prestar compromisso perante o conselho.

Como expõe Pedro Lobo, “os cursos jurídicos não formam advogados (como não
formam magistrados, procuradores, promotores de justiça, delegados de carreira, defensores

53
LOBO, Pedro. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 11. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2011, p. 73.
39

públicos), mas bacharéis em direito. (...) Advogado não é gênero, mas apenas espécie de
profissional do direito” 54.

Quem não preencher esses requisitos e não for, assim, considerado como advogado,
não estará coberto pelo sigilo prerrogativa de tal função, estando mais exposto no exercício de
suas funções profissionais.

Porém, importa lembrar a multiplicidade de tarefas necessárias à execução de uma


investigação corporativa que se propõe séria e efetiva, como, por exemplo, empresas
responsáveis por atividades como as de auditoria, investigação forense, de perícias técnicas,
etc. Porém, nenhuma delas goza de prerrogativa de sigilo de tamanha amplitude, o que, talvez,
possa configurar fragilidade no sistema de investigações corporativas. Por exemplo, tais
empresas, diferentemente dos escritórios de advocacia independentes envolvidos na
investigação corporativa, poderão sofrer buscas e apreensões com maior facilidade.

No próximo capítulo, portanto, passa-se a uma breve análise sobre a escarça previsão
existente sobre confidencialidade de tais empresas e sobre a possibilidade (ou necessidade) de
que o sigilo inerente à profissão do advogado seja estendido a tais indivíduos durante a
condução de investigações corporativas.

O motivo de tal análise se baseia, principalmente, na necessidade de que pessoas


jurídicas envolvidas em atos lesivos à Administração Pública sejam estimuladas a cada vez
mais implementar programas de integridade, sistemas de monitoramento e, consequentemente,
reporte às autoridades públicas, em estrito cumprimento e promulgação da Lei Anticorrupção.
Em outras palavras – o que se aprofundará na sequência – a extensão do sigilo parece ser
necessária como medida de incentivo às próprias investigações e, em última análise, à
conformidade organizacional.

54
LOBO, Pedro. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 11. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2011, p. 31-
32.
40

3 SIGILO PROFISSIONAL DOS AUDITORES E A NECESSIDADE DA EXTENSÃO


DA EFICÁCIA DO SIGILO DOS ADVOGADOS QUANDO NO EXERCÍCIO DAS
ATIVIDADES DE INVESTIGAÇÕES CORPORATIVAS

Como visto, para a condução de um procedimento de investigação corporativa efetivo


e completo, é necessária a participação não só de um escritório de advocacia especializado,
como também de assistentes, que prestem serviços como os de contabilidade, extração forense
de documentos, auxilie em entrevistas e até mesmo preste assistência na análise dos documentos
extraídos.

Considera-se, para o presente trabalho, apenas as empresas de auditoria e consultoria,


as quais prestam desde serviços mais corriqueiros, como de auditoria financeira independente
– responsável pela aprovação das contas de uma empresa –, até serviços como mapeamentos
estratégicos de riscos. Ante o exposto, percebe-se, portanto, a multidisciplinariedade dessas
empresas, característica que apenas agrega qualidade e eficiência ao procedimento de
investigação corporativa conduzido por um escritório de advocacia, o qual, apesar de
especializado em investigações corporativas e questões jurídicas, não possui, em regra,
qualquer especialização em contabilidade ou tecnologia, elementos também essenciais nesses
procedimentos.

Como mencionado no segundo capítulo do presente trabalho, o ponto de maior


relevância das investigações corporativas é o do sigilo para a proteção de informações e
reputação da pessoa jurídica. Sobre esse ponto, esclarece-se que, assim como os advogados, os
consultores também gozam de prerrogativas relativas a sigilo profissional. A questão é que tal
sigilo não parece possuir a mesma amplitude.

O sigilo de forma geral e em sua forma especifica relacionada ao âmbito profissional


são direitos amplamente previstos no texto Constitucional, visto que esse determina não só que
a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas sejam invioláveis, como também
determina que a correspondência, comunicações e dados também não tenham seu sigilo
41

quebrado, salvo em caso de ordem judicial, e que haja resguardo o sigilo da fonte, quando
necessário ao exercício profissional55. De acordo com Nelson Eizirik, nesse sentido:

Considera-se que está protegido pelo sigilo profissional aquele que desempenha
ofício que, por sua natureza exige a ampla confiança por parte e no interesse de
quem confidencia. Nesse sentido, constituem exemplos tradicionais de pessoas
submetidas ao dever de sigilo o médico, o advogado, o psicólogo, o banqueiro, o
auditor, etc. A possibilidade juridicamente amparada de resistir ao devassamento,
mantendo-se, pois, o sigilo profissional, constitui um instrumento fundamental
para garantir o indivíduo que confiou informações de sua vida privada, que não
deseja ver reveladas a terceiros (g.n.)56.

Também em relação ao sigilo do auditor, portanto, observa-se que esse está previsto,
igualmente ao sigilo do advogado, não só pela Constituição Federal, como também em regras
gerais determinadas pelo Código de Processo Civil (de que a parte não é obrigada a depor sobre
fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, deve guardar sigilo57) e pelo Código Tributário
Nacional (de que são excluídos da obrigação de prestar informações às autoridades fiscais
quanto a fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em
razão de cargo, oficio, função, ministério, atividade ou profissão58).

Observa-se a inclusão do auditor em tais premissas de sigilo, pois, conforme expõe


Nelson Eizirik, “não há dúvida de que o auditor independente, no exercício de sua atividade

55
Expõe, assim, a Constituição Federal: “Art. 5º. (...) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(...) XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal; (...) XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e
resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (BRASIL. Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 12.10.2019)
56
EIZIRIK, Nelson Laks. Auditor Independente – sigilo profissional. Revista de Direito Mercantil : Industrial,
Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 112, p. 142.
57
“Art. 388. A parte não é obrigada a depor sobre fatos: (...) II – a cujo respeito, por estado ou profissão, deva
guardar sigilo” (BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 12.10.2019)
58
“Art. 197. (...) Parágrafo único. A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de informações quanto
a fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício,
função, ministério, atividade ou profissão.” (BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário
Nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm. Acesso em: 12.10.19)
42

profissional, tem acesso a informações de natureza confidencial e sigilosa”59 e, portanto, é


necessário que seu sigilo seja também, assim como o do advogado, resguardado.

Nesse sentido que o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) indica na Norma


Brasileira de Contabilidade – NBC PG 100, de 24 de janeiro de 2014, a existência do sigilo
profissional do profissional de contabilidade (ou auditor independente), visto que, na seção
140.1 da norma, há previsão de que os profissionais da contabilidade, em vista do princípio do
sigilo profissional, deverão abster-se de “(a) divulgar fora da firma ou da organização
empregadora informações sigilosas obtidas em decorrência de relacionamentos profissionais e
comerciais, sem estar prévia e especificamente autorizado pelo cliente, por escrito, a menos que
haja um direito ou dever legal ou profissional de divulgação; e (b) usar, para si ou para outrem,
informações obtidas em decorrência de relacionamentos profissionais e comerciais para
obtenção de vantagem pessoal”60.

No entanto, observa-se que há situações que possibilitam a inobservância a tal


principio, visto que a norma baixada pelo Conselho Federal de Contabilidade determina que:

140.7. A seguir, são apresentadas circunstâncias nas quais os profissionais da


contabilidade são ou podem ser solicitados a divulgar informações confidenciais
ou nas quais essa divulgação pode ser apropriada: (a) a divulgação é permitida
por lei e autorizada pelo cliente ou empregador, por escrito; (b) a divulgação é
exigida por lei; (c) há dever ou direito profissional de divulgação, quando não
proibido por lei (g.n.).

140.7A. O auditor independente, quando solicitado, por escrito e


fundamentadamente, pelo Conselho Federal de Contabilidade e Conselhos
Regionais de Contabilidade, deve exibir as informações obtidas durante o seu
trabalho, incluindo a fase de pré-contratação dos serviços, a documentação, os
papéis de trabalho e os relatórios (g.n.)61.

59
EIZIRIK, Nelson Laks. Auditor Independente – sigilo profissional. Revista de Direito Mercantil : Industrial,
Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 112, p. 143.
60
CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. Resolução nº 2014/NBCPG100, de 25 de março de 2014.
Dispõe sobre a NBC PG 100 – Aplicação Geral aos Profissionais da Contabilidade. Disponível em:
http://www1.cfc.org.br/sisweb/SRE/docs/NBCPG100.pdf. Acesso em: 12.10.2019.
61
CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. Resolução nº 2014/NBCPG100, de 25 de março de 2014.
Dispõe sobre a NBC PG 100 – Aplicação Geral aos Profissionais da Contabilidade. Disponível em:
http://www1.cfc.org.br/sisweb/SRE/docs/NBCPG100.pdf. Acesso em: 12.10.2019.
43

Do texto apresentado, entende-se, portanto, que o auditor terá o dever de quebra de seu
sigilo se for solicitado, se houver exigência legal ou dever ou direito profissional de divulgação,
de modo que, diferente da regra de prerrogativa de sigilo na advocacia, o sigilo do dos
profissionais das empresas técnicas contratadas para os procedimentos de investigação
corporativa aparenta ser, de modo geral, mais frágil.

Nesse sentido, em outra demonstração da possibilidade de renúncia do sigilo do


profissional da contabilidade, a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, em sua instrução de
nº 308, de 14 de maio de 1999, determina, eu seu artigo 25, que o auditor independente deverá
dar acesso à fiscalização da Comissão de Valores Mobiliários e fornecer ou permitir a
reprodução dos documentos como documentação, correspondência, papeis de trabalho,
relatórios e pareceres relacionados com o exercício de suas funções (os quais devem ser
conservados em boa guarda pelo prazo geral mínimo de cinco anos), que tenham servido como
base à emissão de seu relatório de auditoria62.

Ou seja, quando pertinente, o auditor independente tem a obrigação de quebrar seu


sigilo profissional para obedecer às normas estabelecidas pela Comissão de Valores
Mobiliários, visto que, além da determinação acima, a Comissão também determina que,
constatada qualquer irregularidade relevante em relação, por exemplo, às verificações contábeis
realizadas pelo auditor, esse deverá também comunicar o fato à CVM por escrito63.

62
“Art. 25. No exercício de suas atividades no âmbito do mercado de valores mobiliários, o auditor independente
deverá, adicionalmente: (...) III – conservar em boa guarda pelo prazo mínimo de cinco anos, ou por prazo superior
por determinação expressa desta Comissão em caso de Inquérito Administrativo, toda a documentação,
correspondência, papéis de trabalho, relatórios e pareceres relacionados com o exercício de suas funções; (...) V –
dar acesso à fiscalização da CVM e fornecer ou permitir a reprodução dos documentos referidos no item III, que
tenham servido de base à emissão do relatório de revisão de informações intermediarias ou relatório de auditoria”
(COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Instrução CVM nº 308, de 14 de maio de 1999. Dispõe sobre o
registro e o exercício da atividade de auditoria independente no âmbito do mercado de valores mobiliários, define
os deveres e as responsabilidades dos administradores das entidades auditadas no relacionamento com os auditores
independentes, e revoga as Instruções CVM nos 216, de 29 de junho de 1994, e 275, de 12 de março de 1998.
Disponível em: http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/instrucoes/anexos/
300/Inst308Consolidada.pdf. Acesso em: 12.10.2019)
63
“Art. 25. (...) Parágrafo único. Constatada qualquer irregularidade relevante em relação ao que estabelece os
incisos I e II, o auditor independente deverá comunicar o fato à CVM, por escrito, no prazo máximo de vinte dias,
contados da data da sua ocorrência.” (COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Instrução CVM nº 308, de
14 de maio de 1999. Dispõe sobre o registro e o exercício da atividade de auditoria independente no âmbito do
mercado de valores mobiliários, define os deveres e as responsabilidades dos administradores das entidades
auditadas no relacionamento com os auditores independentes, e revoga as Instruções CVM nos 216, de 29 de junho
44

Outra exceção ao sigilo, também pode ser observada pela determinação da seção IV
da Resolução do Conselho Federal de Contabilidade nº 1.530, de 22 de setembro de 2017, no
sentido de que, caso operações e propostas de operações analisadas pelo profissional da
contabilidade possam configurar indícios da ocorrência de ilícitos, essas deverão ser
comunicadas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), contendo (i) o
detalhamento das operações realizadas; (ii) o relato do fato ou fenômeno suspeito; e (iii) a
qualificação dos envolvidos, destacando os que forem pessoas expostas politicamente64. O
advogado, apesar dever absoluto de cessar qualquer assessoria ou orientação se perceber que
pode estar concorrendo para a prática de ilícito, não possui essa obrigação de avisar às
autoridades sobre condutas suspeitas que venha a conhecer65.

Tal exceção ao auditor, no entanto, encontra limites, visto que a Resolução do


Conselho Federal de Contabilidade determina, em seu artigo 8º, que “nos casos de serviços de
assessoria, em que um profissional ou Organização Contábil contratada por pessoa física ou
jurídica para análise de riscos de outra empresa ou organização, não será́ objeto de comunicação
ao COAF (g.n.)”. No mesmo sentido, expõe no parágrafo único do mesmo artigo que “não
serão objetos de comunicação ao COAF os trabalhos de perícia contábil, judicial e extrajudicial,
revisão pelos pares e de auditoria forense (g.n.)”.

Nos mesmos moldes, Nelson Eizirik aponta, em relação à Comissão de Valores


Mobiliários, que a possibilidade da não atenção ao sigilo para comunicação de suspeitas
identificadas não se aplica para todas as atividades exercidas pelo auditor independente, e
somente àquelas relacionadas à auditoria. Assim:

de 1994, e 275, de 12 de março de 1998. Disponível em:


http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/instrucoes/anexos/300/Inst308Consolidada.pdf. Acesso em:
12.10.2019)
64
“Art. 6º. As operações e propostas de operações que, após análise, possam configurar indícios da ocorrência de
ilícitos devem ser comunicadas diretamente ao Coaf, em seu sítio, contendo: I – o detalhamento das operações
realizadas; II – o relato do fato ou fenômeno suspeito; e III – a qualificação dos envolvidos, destacando os que
forem pessoas expostas politicamente.” (CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. Resolução nº 1.530,
de 22 de setembro de 2017. Dispõe sobre os procedimentos a serem observados pelos profissionais e organizações
contábeis para cumprimento das obrigações previstas na Lei nº 9.613/1998 e alterações posteriores. Disponível
em: http://www1.cfc.org.br/sisweb/SRE/docs/Res_1530.pdf. Acesso em: 12.10.2019)
65
BOTTINI, Pierpaolo Cruz; ESTELITA, Heloisa. A confiança, o sigilo e a inviolabilidade. Revista dos Tribunais,
São Paulo, v. 105, n. 970, p. 19-33 , 2016.
45

É apenas quando está no exercício da atividade de auditoria independente, isto é,


quando está emitindo Parecer de auditoria Independente que o auditor submete-
se ao poder disciplinar da CVM. Ao realizar qualquer outra atividade profissional
não está submetido às normas regulamentares baixadas pela CVM, muito menos
ao seu poder de fiscalização. Assim, quando promove investigações especiais,
implanta sistemas de contabilidade, estuda alternativas de planejamento fiscal,
etc., mesmo que a contratante seja uma companhia aberta ou uma instituição
financeira, o auditor, no exercício de tais atividades, que são inteiramente
estranhas ao mercado de valores mobiliários, não está obrigado a cumprir as
normas baixadas pela CVM nem a seguir qualquer determinação por ela adotada.
Se, por exemplo, o auditor é contratado para realizar uma investigação especial
na contabilidade de uma companhia aberta, para avaliar seu patrimônio, no caso
de alienação de controle acionário, ou para testar o seu sistema de escrituração,
em tais hipóteses, como não está atuando para o fim de emitir Parecer do Auditor
Independente, descabe qualquer atuação fiscalizadora da CVM (g.n.)” 66.

Ou seja, observa-se que o sigilo profissional ao qual o auditor independente está


submetido é mais frágil e passível de afastamento, mas apenas quando no exercício de algumas
atividades por ele exercidas. Percebe-se, aqui, no entanto, que não há previsão de rol taxativo
de quais atividades exercidas pelo profissional da contabilidade estão ou não submetidas a
possibilidades de renúncias do principio que, para o advogado, é sempre regra (a não ser em
casos em que o advogado, por exemplo, tenha que violar tal principio em defesa de sua honra67).

66
EIZIRIK, Nelson Laks. Auditor Independente – sigilo profissional. Revista de Direito Mercantil : Industrial,
Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 112, p. 140-141.
67
Nesse sentido: “E-3.965/2010 – SIGILO PROFISSIONAL – PRINCÍPIO DE ORDEM PÚBLICA QUE,
EXCEPCIONALMENTE, ADMITE FLEXIBILIZAÇÃO – POSSIBILIDADE DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO
SEM CONFIGURAÇÃO DE INFRAÇÃO ÉTICA – ADVOGADO ACUSADO INJUSTAMENTE POR
CLIENTE DA PRÁTICA DE CRIME – NECESSIDADE DE VIOLAÇÃO DO SIGILO PARA PROMOÇÃO
DE DEFESA DO ADVOGADO – HIPÓTESE AUTORIZADA EXPRESSAMENTE POR LEI, ARTS 25 EO
CED E 3º CAPUT DA RESOLUÇÃO 17/2000 DO TED-1-SP – JUSTIFICATIVA LEGAL QUE, SE E
QUANDO CONFIGURADA, EXCLUI A ILICITUDE DA CONDUTA DESDE QUE AS REVELAÇÕES
SEJAM FEITAS NOS ESTREITOS LIMITES NECESSÁRIOS À DEFESA DO ADVOGADO – O
PROFISSIONAL ASSUME RESPONSABILIDADE PESSOAL SOBRE AS REVELAÇÕES – JUSTIFICANDO
PERANTE A ORDEM SUA NECESSIDADE DE FAZÊ-LO, PODERÁ AFASTAR A INFRAÇÃO PREVISTA
PELO ART. 34, VII EOAB, CONFORME DETERMINAÇÃO DO ART. 4º DA RESOLUÇÃO 17/2000 TED
I/SP. O sigilo profissional é instrumento indispensável para garantir a plenitude do direito de defesa do cidadão
porque assegura ao cliente a inviolabilidade dos fatos expostos ao advogado. Por isso se lhe atribui status de
interesse geral e matéria de ordem pública. O advogado que toma conhecimento de fatos expostos pelo cliente não
pode revelá-los nem deles se utilizar em benefício de outros clientes ou no seu próprio interesse, devendo manter-
se em silêncio e abstenção eternamente. O profissional que desrespeita esse princípio está sujeito à infração
disciplinar (art. 34, inciso VII do EOAB) e se sujeita à tipificação do crime de violação de segredo profissional
previsto no art. 154 do Código Penal. Porém, se o advogado foi injustamente acusado pelo cliente de ter cometido
atos que não cometeu e que irão lhe trazer prejuízos, ou quando seja injustamente ameaçado, é imperioso que possa
se defender de tais acusações, não sendo admissível que o direito de defesa do advogado seja tolhido pelos
preceitos éticos. O advogado não pode ter seu direito de defesa prejudicado ou em menor amplitude que direito de
defesa dos demais cidadãos. Se sofrer acusação ou ataque, poderá revelar fatos acobertados pelo manto do sigilo
46

Assim sendo, apesar de previsão no Provimento 188/2018 da Ordem dos Advogados


do Brasil, no sentido de que os profissionais que prestarem assistência na investigação
conduzida pelo advogado não terão o dever de informar à autoridade competente68 os fatos
investigados, a não ser que com a expressa autorização do constituinte (ou seja, do advogado
ou da pessoa jurídica contratante), não é necessariamente certa a extensão de cobertura do
provimento, quando consideradas outras regulações profissionais direcionadas aos
profissionais da contabilidade.

Desse modo, empresas que prestam serviços de apoio à investigação corporativa, tais
como serviços de auditoria, contabilidade e extração forense de documentos, estão expostas a
medidas jurídicas de toda ordem não blindadas pelo necessário sigilo inerente à profissão da
advocacia. Consequentemente, poderia observar-se certo receio na contratação de empresas
especializadas para o auxílio às investigações corporativas, visto que, com a não garantia do
sigilo estendido aos auditores, não haveria a segurança jurídica necessária durante a condução
de um procedimento de investigação.

Assim, poderia ser observada grande ameaça à efetividade das investigações


corporativas, visto que, em razão da maior fragilidade apresentada quando do engajamento de
tais entidades, poderia haver um desestímulo, por parte das empresas, de até mesmo procurar
realizar as investigações como um todo, em vista do receio de que suas informações e dados
não estariam completamente seguros e livres de medidas jurídicas.

Propõe-se o cenário em que, por exemplo, a empresa de auditoria, engajada para


analise de documentos ou para a condução dos chamados testes de transação financeiras, sofra
medida de busca e apreensão, a qual, diferentemente do cenário de busca e apreensão em

profissional com fundamento nos arts. 25 do CED e 3º, da Resolução 17/2000 do TED-I SP. Todavia a excludente
de ilicitude só lhe aproveita se as revelações forem feitas no estrito limite e interesse de sua defesa, advertindo-se
o advogado que assume pessoalmente a responsabilidade pela violação (art. 4º da Resolução 17/2000).” (TEDSP
E-3965/2010, V.U. do parecer e ementa da Rel. Dra. MARY GRUN – Rev. Dr. FÁBIO DE SOUZA
RAMACCIOTTI – Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA, j.17.03.2011)
68
“Art. 6º O advogado e outros profissionais que prestarem assistência na investigação não têm o dever de informar
à autoridade competente os fatos investigados. Parágrafo único. Eventual comunicação e publicidade do resultado
da investigação exigirão expressa autorização do constituinte.” (BRASIL. Provimento nº 188 de 11 de dezembro
de 2018. Regulamenta o exercício da prerrogativa profissional do advogado de realização de diligências
investigatórias para instrução em procedimentos administrativos e judiciais. Disponível em:
https://www.oab.org.br/leisnormas/legislacao/provimentos/188-2018?search=188%2F2018&provimentos=True.
Acesso em: 13.10.2019)
47

escritório de advocacia, não precisaria de mandado específico e pormenorizado. Não seria certo,
em tal caso, portanto, como e/ou se a documentação em posse de tais empresas estaria de
qualquer forma protegida de tal medida.

A não extensão da proteção conferida ao advogado, portanto, poderia,


consequentemente, causar o abandono da adoção das medidas indicadas pela Lei
Anticorrupção, visto que a falta do sigilo durante os procedimentos de apuração é elemento
essencial para o bom funcionamento dos sistemas de integridade da pessoa jurídica, de modo
que possibilitam a criação de vínculo de confiança entre aqueles que colaboram com
informações e aqueles que as apuram, bem como para a propositura de acordo de leniência, de
modo que possibilita que a pessoa jurídica seja a primeira a apresentar as versões dos fatos.

Observa-se, portanto, no presente capítulo, que a não garantia expressa por parte das
autoridades competentes em relação à possibilidade de extensão do sigilo previsto ao advogado
aos auditores independentes, poderia gerar a incompletude dos procedimentos de investigação
corporativa e, em consequência, a não observância da Lei Anticorrupção.
48

CONCLUSÃO

A proposta do presente trabalho, como exposto, era observar a necessidade da extensão


do sigilo do advogado às empresas de auditoria e consultoria durante procedimentos de
investigações corporativas.

Nesse sentido, fazia-se necessário, portanto, estudar o ordenamento jurídico que


demonstrava a necessidade da condução de investigações corporativas, sendo este limitado à
legislação anticorrupção federal, mais especificamente à Lei 12.846, promulgada em 1º de
agosto de 2013, que, em seu texto, trouxe diversas recomendações, benefícios e punições às
pessoas jurídicas envolvidas em atos contra a Administração Pública.

No âmbito do presente trabalho, desse modo, o primeiro capitulo tratou de localizar o


tema e contextualizá-lo, apontando a legislação pertinente e suas principais características que
motivavam a condução de investigações corporativas.

Após tal introdução, passou-se a explorar a figura do sigilo profissional, focado na


relação cliente-advogado, e a sua possibilidade de extensão às empresas de auditoria, que,
devido a sua multidisciplinariedade, eram capazes de complementar o procedimento de
investigação corporativa conduzido pelo advogado.

Sendo assim, enquanto o objetivo do primeiro capítulo foi a compreensão do


ordenamento jurídico que envolvia as investigações, foi o objetivo do segundo apresentar a
aplicação do sigilo cliente-advogado sob informações encontradas em tais procedimentos, e do
terceiro foi tratar sobre as previsões existentes sobre o sigilo profissional das empresas de
auditoria e contabilidade, sendo que fez-se nele uma breve comparação entre os sigilos, e uma
breve ilação sobre a necessidade de cobertura do auditor no sigilo da relação cliente-advogado
quando engajado em investigações corporativas.

O trabalho visou discutir a possibilidade e necessidade da extensão do sigilo cliente-


advogado às empresas de auditoria e contabilidade, de modo a talvez sanar a fragilidade do
sigilo profissional das assistentes estudada durante o capítulo terceiro.
49

O contrassenso motivador do trabalho foi a necessidade apresentada pelo


procedimento de investigação corporativa do engajamento de assistentes para auxiliarem os
escritórios de advocacia especializados, em contrapartida de tal fragilidade demonstrada no
capitulo terceiro.

Desse modo, estudou-se a importância do sigilo como protetor do processo de


investigação corporativa e como elemento incentivador para a procura das pessoas jurídicas da
condução dos procedimentos de investigação para melhoria de seus programas de integridade
e eventual firmação de acordos de leniência.

A consequência do assunto estudado pelo presente trabalho, portanto, foi no sentido


de que, caso o sigilo do advogado não seja passível de extensão às empresas de auditoria e
contabilidade, poderá haver incerteza sobre o grau de proteção das informações obtidas pelo
procedimento de investigação, de modo que poderá haver, consequentemente, perda da
motivação, por parte da pessoa jurídica contratante da investigação e dos escritórios de
advocacia contratados, de engajar tais agentes para participar do procedimento.

Observou-se, no entanto, que as empresas de auditoria e contabilidade são de grande


importância para o procedimento de investigações corporativas, de modo que sua participação
sem a proteção do sigilo ou a sua não participação poderiam causar efeitos reversos
significantes.

Esse impacto estudado seria relevante, visto que em ambos os cenários as


investigações corporativas poderiam vir a ser ferramentas menos efetivas para a melhoria do
programa de integridade ou para o levantamento de informações a serem disponibilizadas em
acordo de leniência, já que não estariam protegidas em todas as frentes pelo sigilo ou, no
segundo caso, não estariam sendo analisadas por uma equipe multidisciplinar fora do roteiro
jurídico, de modo que seriam menos procuradas pelas pessoas jurídicas envolvidas em atos
contra a Administração Pública, causando, em consequência, possível descaso com a tentativa
de aplicação da Lei Anticorrupção.

Desse modo, considerando a aparência de necessidade da extensão do sigilo do


advogado, tratou-se sobre as investigações corporativas e o sigilo profissional.
50

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGÊNCIA ESTADÃO. Manifestações foram realizadas em 388 cidades, 21.06.2013.


Disponível em: https://www.estadao.com.br/noticias/geral,manifestacoes-foram-realizadas-
em-388-cidades,1045216. Acesso em: 15.06.2019.

BOTTINI, Pierpaolo Cruz; ESTELITA, Heloisa. A confiança, o sigilo e a


inviolabilidade. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 105, n. 970, 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 15.09.2019.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Disponível


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