Nathália Corrêa Leiser
Nathália Corrêa Leiser
Nathália Corrêa Leiser
INVESTIGAÇÕES CORPORATIVAS:
UMA ANÁLISE SOB A ÓTICA DA LEGISLAÇÃO ANTICORRUPÇÃO BRASILEIRA E
A NECESSIDADE DE EXTENSÃO DO SIGILO CLIENTE-ADVOGADO ÀS EMPRESAS
DE AUDITORIA E CONTABILIDADE
São Paulo
2019
NATHÁLIA CORRÊA LEISER
INVESTIGAÇÕES CORPORATIVAS:
UMA ANÁLISE SOB A ÓTICA DA LEGISLAÇÃO ANTICORRUPÇÃO BRASILEIRA E
A NECESSIDADE DE EXTENSÃO DO SIGILO CLIENTE-ADVOGADO ÀS EMPRESAS
DE AUDITORIA E CONTABILIDADE
São Paulo
2019
NATHÁLIA CORRÊA LEISER
INVESTIGAÇÕES CORPORATIVAS:
UMA ANÁLISE SOB A ÓTICA DA LEGISLAÇÃO ANTICORRUPÇÃO BRASILEIRA E
A NECESSIDADE DE EXTENSÃO DO SIGILO CLIENTE-ADVOGADO ÀS EMPRESAS
DE AUDITORIA E CONTABILIDADE
Aprovada em / /
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________
Professor Doutor Edson Luz Knippel
Universidade Presbiteriana Mackenzie
_________________________________________________________
Professora Doutora Mariângela Tomé Lopes
Universidade Presbiteriana Mackenzie
_________________________________________________________
Professor Mestre Rogério Luis Adolfo Cury
Universidade Presbiteriana Mackenzie
“Quando você elimina o impossível, o que restar, não
importa o quão improvável, deve ser a verdade”
Sir Arthur Ignatius Conan Doyle
AGRADECIMENTOS
Em todos os dias da minha vida contei com o apoio, amor e compreensão das pessoas
mais incríveis do mundo, das pessoas mais companheiras e mais genuínas. Nenhuma página
deste trabalho, nenhuma conquista profissional e nenhum dia desses cinco anos de faculdade
teriam sido possíveis sem elas, sem o constante incentivo e sem as constantes broncas.
Com todo amor e gratidão do mundo, agradeço aos meus pais, Julio e Leci, à minha
irmã e ao meu cunhado (que também sempre foi e será um irmão para mim), Tatiane e Rafael,
ao meu namorado, Maurício, e a todos os meus amigos que sempre andaram ao meu lado – aqui
especialmente ao Fabrício e ao João. Agradeço a todas as pessoas que, de qualquer forma, me
tornaram em quem eu sou, que me deram a oportunidade de apenas ser e que, como o Raphael
e a Gabriela, me deram propósito de ser mais.
Não haveria o que comemorar ou sonhar se eu não tivesse vocês ao meu lado. Obrigada
por fazerem parte da minha vida, de mim e, consequentemente, de todas as palavras constantes
deste trabalho. Vocês são essenciais em medidas que nenhuma palavra no mundo conseguiria
expressar. Não tenho, e nunca vou ter, como demonstrar a imensidão do meu amor por vocês.
RESUMO
This paper proposes a study concerning the possibility and eventual need of encompassing audit
companies within the attorney-client privilege during the conduction of corporate
investigations. From a top-down logic, the purpose of this paper was, therefore, a general study
on the need for the conduction of corporate investigations – mainly based on the need for the
constant improvement of integrity programs of legal entities and the possibility of a legal entity
proposing leniency agreements – and the apparent deficiency caused by the engagement of
specialized third parties responsible for rendering forensic services, in case they are not also
protected by the attorney-client privilege. Considering specific purposes, federal legislation that
would give cause to these proceedings, doctrines on the subject and existent regulation
concerning professional confidentiality and attorney-client privilege were studied.
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 9
CONCLUSÃO .......................................................................................................................... 48
INTRODUÇÃO
Após tal exposição, passar-se-á então, nos capítulos seguintes, a explorar a figura do
sigilo profissional, focado na relação cliente-advogado, e a possibilidade da extensão da
prerrogativa do advogado às empresas de auditoria e contabilidade, enquanto essas estiverem
prestando auxilio aos escritórios de advocacia.
10
Após a análise da garantia do sigilo nas relações entre advogados e clientes, passar-se-
á a analisar, no terceiro capítulo, as garantias, quando existentes, de sigilo direcionadas a
empresas de auditoria e contabilidade, parceiros importantes dos escritórios de advocacia
quando da condução das investigações corporativas, em vista, como mencionado, da
característica de multidisciplinariedade fundamental para a condução de um procedimento
investigatório eficaz.
Esse impacto seria relevante, visto que as empresas de auditoria e contabilidade, como
exposto, trazem maior grau de multidisciplinariedade à investigação e, consequentemente,
maior efetividade. Em caso da não possibilidade da extensão do sigilo, e consequente perda da
confiança no engajamento de tais agentes, as investigações corporativas poderiam vir a ser
ferramentas menos efetivas para a melhoria do programa de integridade ou para o levantamento
de informações a serem disponibilizadas em acordo de leniência, de modo que seriam menos
procuradas pelas pessoas jurídicas envolvidas em atos contra a Administração Pública,
causando, em consequência, eventual descaso com a tentativa de aplicação e adoção da lei
anticorrupção.
1
BRASIL. Lei nº 12.846 de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de
pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, e dá outras
providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso
em: 10.06.2019.
13
Referida Lei determina, em seu primeiro artigo, o objetivo que a rege, sendo este a
“responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos
contra a administração pública, nacional ou estrangeira”, o qual se aplica “às sociedades
empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de
organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de
entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no
território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente”.
2
Nesse sentido: “(...) em dezembro de 2007, a OCDE, após uma revisão das medidas tomadas pelo Brasil, por
meio de seu Grupo de Trabalho sobre Corrupção (OECD Working Group on Bribery) formado por representantes
de 37 países, recomendou que o Brasil deveria rapidamente modificar suas leis para responsabilizar as empresas
pelo pagamento de subornos a agentes públicos, bem como para garantir a aplicação de sanções efetivas,
proporcionais e dissuasivas com relação a tais condutas. ”. (SORÉ, Raphael Rodrigues. A lei anticorrupção em
contexto: estratégias para a prevenção e o combate à corrupção corporativa, Belo Horizonte : Fórum, 2019, p. 97)
3
Aqui, pode-se indicar também a Convenção Interamericana contra a Corrupção da Organização dos Estados
Americanos (internalizada pelo Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 152 de 2002 e Decreto Presidencial nº
4.410 de 2002) e a Convenção das Nações Unidas sobre a corrupção (internalizada pelo Brasil por meio do Decreto
Legislativo nº 348 de 2005 e o Decreto Presidencial nº 5.687 de 2006).
4
AGÊNCIA ESTADÃO. Manifestações foram realizadas em 388 cidades, 21.06.2013. Disponível em:
https://www.estadao.com.br/noticias/geral,manifestacoes-foram-realizadas-em-388-cidades,1045216. Acesso
em: 15.06.2019.
5
“Os protestos entraram em julho e fizeram despencar a aprovação popular dos governantes e, assim, o Congresso
Nacional passou a buscar dar uma resposta à sociedade aprovando leis relacionadas aos objetivos das
manifestações. Após três anos de tramitação na Câmara dos Deputados, em 19 de junho de 2013 a primeira casa
legislativa aprovou o Projeto de Lei e o remeteu ao Senado, o qual, em menos de um mês — prazo altamente
inusual —, aprovou a medida sem qualquer emenda.” (SORÉ, Raphael Rodrigues. A lei anticorrupção em
contexto: estratégias para a prevenção e o combate à corrupção corporativa, Belo Horizonte : Fórum, 2019, p. 98)
14
Tem-se, portanto, que a Lei determinou que a pessoa jurídica poderá ser processada e
eventualmente condenada até mesmo por atos praticados indiretamente, de modo que
demonstra sua responsabilidade também, por exemplo, por atos cometidos por seus terceiros –
de modo que, com a vigência da Lei Anticorrupção, há o aumento da preocupação relacionada
ao gerenciamento de indivíduos agindo em seu nome ou benefício e, consequentemente,
preocupação com meios e procedimentos que possam ajudar a pessoa jurídica a prevenir que
6
“Art. 2º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos
atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.” (BRASIL. Lei nº
12.846 de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela
prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 10.06.2019)
7
“O ordenamento jurídico brasileiro sempre adotou a responsabilidade subjetiva como regra, de modo a garantir
que qualquer pessoa física ou jurídica fosse responsabilizada pelos prejuízos causados a terceiros somente a partir
da comprovação de dolo ou culpa. É nesse sentido, inclusive, a previsão do art. 186 do Código Civil vigente [...]
Entretanto, com o passar do tempo, observou-se que esse modelo de responsabilização, baseado exclusivamente
na culpa lato sensu, não era mais suficiente para solucionar com justiça todos os casos existentes, pois uma série
de litígios contemporâneos passou a gerar, por sua própria natureza, um grande desequilíbrio na relação jurídica
de direito material. A urbanização e industrialização de todos os países criaram uma sociedade de massas, na qual
os meios de comunicação, de transporte, de produção e de consumo operaram numa escala macrodimensionada
[...]. Na busca da realização da justiça substantiva e concreta e da restauração do equilíbrio social rompido, o
Código Civil de 2002 ajustou-se à evolução do sistema de responsabilização e avançou em relação ao de 1916
para conferir uma proteção qualitativamente diferenciada em relação às vítimas, prevendo, excepcionalmente, a
responsabilidade objetiva [...].” (ZENKNER, Marcelo. Integridade governamental e empresarial: um espectro da
repressão e da prevenção à corrupção no Brasil e em Portugal, Belo Horizonte : Fórum, 2019, p. 428-429)
8
VERÍSSIMO, Carla. Compliance : incentivo à adoção de medidas anticorrupção, São Paulo: Saraiva, 2017, p.
201.
15
atos estabelecidos no artigo 5º da Lei9 venham a ocorrer. É nesse sentido que expõe Marcelo
Zenkner ao tratar de terceiros em sua obra:
9
O Artigo 5º, nesse sentido, indica as condutas repreendidas pela Lei 12.846/2013, sendo essas: (i) a promessa,
oferecimento ou garantia, direta ou indireta, de vantagens indevidas a agente público ou pessoa a ele relacionada;
(ii) o comprovado financiamento, custeio, patrocínio ou de qualquer modo o subvencionamento de pratica de atos
ilícitos previstos na Lei; (iii) a comprovada utilização de pessoa física ou jurídica interposta para ocultação ou
dissimulação de reais interesses ou beneficiários de atos praticados; (iv) no tocante a licitações e contratos, (a) a
frustração ou fraude, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, do caráter competitivo de
procedimento licitatório público, (b) o impedimento, perturbação ou fraude da realização de qualquer ato de
procedimento licitatório público, (c) o afastamento ou tentativa de afastamento de licitante, por meio de fraude ou
oferecimento de vantagem de qualquer tipo, (d) a fraude de licitação pública ou contrato dela decorrente, (e) a
criação, de modo fraudulento ou irregular, de pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar
contrato administrativo, (f) a obtenção de vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações
ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório
da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou (g) a manipulação ou fraude do equilíbrio
econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública; e (v) a dificultação de atividade de
investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no
âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional. (BRASIL. Lei nº
12.846 de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela
prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 15.06.2019)
” ZENKNER, Marcelo. Integridade governamental e empresarial: um espectro da repressão e da prevenção à
10
tanto em relação aos atos praticados por seus terceiros, quanto por si mesma ou em seu
benefício, se dá visto às graves sanções determinadas por essa lei.
11
Nesse sentido, expõem os artigos 6º (responsabilização administrativa) e 19 (responsabilização judicial) da Lei
anticorrupção: “Art. 6º Na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis
pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções: I – multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a
20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo
administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua
estimação; e II – publicação extraordinária da decisão condenatória.” e “Art. 19. Em razão da prática de atos
previstos no art. 5º desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas
Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar
ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras: I – perdimento dos bens, direitos
ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito
do lesado ou de terceiro de boa-fé; II – suspensão ou interdição parcial de suas atividades; III – dissolução
compulsória da pessoa jurídica; IV – proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou
empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder
público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos.” (BRASIL. Lei nº 12.846 de 1º de agosto de
2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a
Administração Pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 15.06.2019)
12
“Art. 18. Do resultado da soma dos fatores do art. 17 serão subtraídos os valores correspondentes aos seguintes
percentuais do faturamento bruto da pessoa jurídica do último exercício anterior ao da instauração do PAR,
excluídos os tributos: I – um por cento no caso de não consumação da infração; II – um e meio por cento no caso
de comprovação de ressarcimento pela pessoa jurídica dos danos a que tenha dado causa; III – um por cento a um
e meio por cento para o grau de colaboração da pessoa jurídica com a investigação ou a apuração do ato lesivo,
independentemente do acordo de leniência; IV – dois por cento no caso de comunicação espontânea pela pessoa
jurídica antes da instauração do PAR acerca da ocorrência do ato lesivo; e V – um por cento a quatro por cento
para comprovação de a pessoa jurídica possuir e aplicar um programa de integridade, conforme os parâmetros
estabelecidos no Capítulo IV.” (BRASIL. Decreto nº 8.420 de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei no 12.846,
de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de
17
Assim, dentre diversos fatores que podem ser considerados para a diminuição da multa
calculada – como a não consumação da infração, a comprovação do ressarcimento dos danos,
a colaboração com a investigação ou apuração do ato lesivo e a comunicação espontânea do
fato antes da instauração de Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) –, o Decreto
Regulamentador traz a previsão de diminuição do valor calculado da multa no caso de
comprovação de que a pessoa jurídica possua e aplique programa de integridade (ou
compliance13), conforme os parâmetros estabelecidos pelo próprio Decreto Regulamentador
nos dezesseis incisos previstos em seu artigo 42.
atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8420.htm. Acesso em: 15.06.2019)
13
Compliance é uma palavra de língua inglesa derivada do verbo to comply, o qual significa cumprir, obedecer ou
realizar uma ação imposta. Não existe na língua portuguesa uma palavra correspondente, mas uma tradução
aproximada poderia se reportar às expressões observância, conformidade e submissão. Pode-se dizer, assim, que
“compliance” guarda pertinência com o ajustamento das condutas das pessoas envolvidas nas leis, de modo geral,
e nas regras estabelecidas dentro de uma empresa. [...] Em outras palavras: trata-se de um conjunto de mecanismos
e procedimentos internos de regulação, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades que, pela efetiva
aplicação dos códigos de conduta e das políticas e diretrizes da organização, objetivam prevenir, detectar e corrigir
desvios, fraudes, irregularidades e quaisquer outros atos ilícitos praticados contra a própria pessoa jurídica e/ou
contra a Administração Pública nacional ou estrangeira. O que se busca é prevenir e minimizar os riscos das
atividades exercidas pelas organizações através do cumprimento de todas as regras, das leis, dos procedimentos,
dos regulamentos e dos controles a cada empresa está sujeita, partindo dos regramentos impostos pelas agências
reguladoras do governo, passando pelas regras contábeis, tributárias e ambientais, até à observância completa e
total da legislação anticorrupção em vigor no país.”. (ZENKNER, Marcelo. Integridade governamental e
empresarial: um espectro da repressão e da prevenção à corrupção no Brasil e em Portugal, Belo Horizonte :
Fórum, 2019, p. 369-370)
14
WITTMANN, Cristian Ricardo. Programas de integridade (compliance programs) e o direito na sociedade
global: a concepção de um campo autônomo de regulação das nanotecnologias em usos militares, 2016, 275f, Tese
de Doutorado, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2016, p. 242.
18
de uma pessoa jurídica, por meio de medidas que complementam padrões de contabilidade e
governança.
Empresas, de acordo com o que expõe Katharina Wulf, são mais bem sucedidas se
estiverem em harmonia com a sociedade, com o Governo e com a economia. Nesse sentido, um
programa de compliance pode simplesmente satisfazer as necessidades básicas da lei, ou,
alternativamente, pode ser desenvolvido de modo sofisticado, com determinação de um
responsável pelo programa, treinamentos, canais de denúncia, etc., tudo levando em conta o
porte da pessoa jurídica e a finalidade almejada por seu programa. Nesse sentido:
These programs aim to avoid unethical behavior on the part of management and
employees with measures that are in addition to existing corporate governance
and accounting standards. Corporations can optimize their economic success and
sustainability if their business activities satisfy not only the interests of relevant
stakeholders (such as employees, customers, investors, suppliers, etc.) but also
the interests of society as a whole. Businesses are most successful if they are in
harmony with society, government, and the economy. An ethics and compliance
program can merely fulfill basic needs such as the appointment of an ethics and
compliance officer who is responsible for ensuring that required paperwork is
complete and submitted in a timely manner. Alternatively, an organization can
develop a sophisticated ethics and compliance program with an officer, training
and communication programs, reporting mechanisms, audit and evaluations
functions, and a system for tracking legal requirements and compliance.
Organizations have developed programs on both ends of the spectrum and in
between, all depending on the type of company15.
15
WULF, Katharina. Ethics and compliance programs in multinational organizations, Springer : Berlin, 2011, p.
41.
19
diretrizes, com o objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos
praticados contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira”.
Portanto, em alinhamento com tal pensamento, Marcelo Zenkner expõe que, antes de
qualquer providência, as peculiaridades do negócio e as políticas que são desenvolvidas pela
empresa devem ser compreendidas, visto que, caso o desenho da política de compliance pela
empresa fique distante de sua realidade e de suas práticas atuais, todo seu esforço empreendido
seria, então, completamente inútil17.
16
“Art. 41. Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa
jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de
irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de
detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional
ou estrangeira. Parágrafo Único. O programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo
com as características e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o
constante aprimoramento e adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade.” (BRASIL. Decreto
nº 8.420 de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei no 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a
responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional
ou estrangeira e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Decreto/D8420.htm. Acesso em: 15.06.2019)
17
Nesse sentido: “Devem ser compreendidas, antes de qualquer coisa, as peculiaridades do negócio e as políticas
que são desenvolvidas pela empresa, à luz de todas as leis e normas externas relevantes para o exercício das
principais atividades da organização, as quais devem ser devidamente catalogadas. Essa providência inicial é
fundamental porque, caso o desenho da política de compliance fique distante da realidade e das práticas atuais da
20
No mesmo sentido, Cristian Ricardo Wittmann define alguns passos para serem
considerados na implantação de um programa de integridade que vão em alinhamento com o
exposto pelo Decreto Regulador, sendo estes: (i) identificação de riscos; (ii) definição de
requisitos; (iii) estruturação de um projeto; (iv) desenho dos processos e controles; (v)
implementação dos processos e controles; (vi) geração de evidências; (vii) auditoria; (viii)
ajustes; e (ix) reteste18.
empresa interessada, todo o esforço empreendido será completamente inútil.” (ZENKNER, Marcelo. Integridade
governamental e empresarial: um espectro da repressão e da prevenção à corrupção no Brasil e em Portugal, Belo
Horizonte : Fórum, 2019, p. 375)
18
Como expõe o autor: “Uma estratégia de implantação razoável deve levar em conta algumas etapas: identificação
dos riscos; definição dos requisitos; estruturação de um projeto; desenho dos processos e controles; implementação
dos processos e controles; geração de evidências; auditoria; ajustes, e; reteste. Somente a estruturação do projeto,
para ter-se uma ideia, envolve o seu desenho, definição do gestor e sua equipe, treinamento, focos do trabalho e o
detalhamento do cronograma.” (WITTMANN, Cristian Ricardo. Programas de integridade (compliance
programs) e o direito na sociedade global: a concepção de um campo autônomo de regulação das nanotecnologias
em usos militares, 2016, 275f, Tese de Doutorado, Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2016,
p. 250)
21
programas de integridade devem ser adotados para serem considerados efetivos e o que, afinal,
eles são. Assim, a CGU define programas de integridade como:
A própria CGU, inclusive, avisa que não há fórmula pronta para um programa, visto
que cada um “deve ser construído para atender às necessidades da empresa, observando suas
características e riscos da área de negócio”, sendo “indispensável que cada empresa faça sua
autoanálise e conheça suas necessidades e especificidades para definir o programa de
integridade que mais se adeque à sua realidade”20.
Nesse sentido, a não existência de um modelo pronto a ser adotado visa a melhor
adaptação do programa de integridade à rotina dos colaboradores e à operação da empresa no
mercado em que ela atua – e, consequentemente, na linha do exposto, sua maior adoção e
respeito pelos colaboradores.
Supõe-se que a maior adaptação do programa nesse sentido, faria com que os
colaboradores e terceiros adotassem de forma mais intimista as previsões do programa de
integridade da empresa, com a consequência de que houvesse maior sentimento de
19
CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Programa de integridade: diretrizes para empresas privadas.
Disponível em: http://cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/programa-de-integridade-diretrizes-
para-empresas-privadas.pdf. Acesso em: 15.06.2019, p. 6.
20
CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Programa de integridade: diretrizes para empresas privadas.
Disponível em: http://cgu.gov.br/Publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/programa-de-integridade-diretrizes-
para-empresas-privadas.pdf. Acesso em: 15.06.2019, p. 7-8.
22
21
“Art. 42. Para fins do disposto no § 4º do art. 5º, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua existência
e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros: I – comprometimento da alta direção da pessoa jurídica,
incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa; II – padrões de conduta, código
de ética, políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores,
independentemente de cargo ou função exercidos; III – padrões de conduta, código de ética e políticas de
integridade estendidas, quando necessário, a terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes
intermediários e associados; IV – treinamentos periódicos sobre o programa de integridade; V – análise periódica
de riscos para realizar adaptações necessárias ao programa de integridade; VI – registros contábeis que reflitam de
forma completa e precisa as transações da pessoa jurídica; VII – controles internos que assegurem a pronta
elaboração e confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiros da pessoa jurídica; VIII – procedimentos
específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de processos licitatórios, na execução de contratos
administrativos ou em qualquer interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros, tal como
pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações, ou obtenção de autorizações, licenças, permissões e certidões; IX
– independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de integridade
e fiscalização de seu cumprimento; X – canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a
funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé; XI – medidas
disciplinares em caso de violação do programa de integridade; XII – procedimentos que assegurem a pronta
interrupção de irregularidades ou infrações detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados; XIII –
diligências apropriadas para contratação e, conforme o caso, supervisão, de terceiros, tais como, fornecedores,
prestadores de serviço, agentes intermediários e associados; XIV – verificação, durante os processos de fusões,
aquisições e reestruturações societárias, do cometimento de irregularidades ou ilícitos ou da existência de
vulnerabilidades nas pessoas jurídicas envolvidas; XV – monitoramento contínuo do programa de integridade
visando seu aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos lesivos previstos no art. 5º
da Lei nº 12.846, de 2013 ; e XVI – transparência da pessoa jurídica quanto a doações para candidatos e partidos
políticos. (BRASIL. Decreto nº 8.420 de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei no 12.846, de 1º de agosto de
2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a
administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8420.htm. Acesso em: 15.06.2019)
23
Importante indicar que a existência de todos os requisitos poderá ser considerada como
a base perfeita de um programa de integridade, de modo que haverá maiores chances de que
seja aplicada a diminuição do máximo de 4% no cálculo da sanção da Lei Anticorrupção,
conforme previsão do artigo 18, V, do Decreto Regulamentador23. Sua aplicabilidade prática,
contudo, continuará a ser levada em conta – o que demonstra, novamente, a importância da
criação da cultura empresarial.
22
Vale a ressalva de que, desde 2016, pessoas jurídicas não podem realizar doações para campanhas eleitorais,
visto julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4650/DF, intentada pelo Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil – OAB. BRASIL. (Supremo Tribunal Federal. Petição Inicial nº ADI 4650/DF.
Advogado Ophir Cavalcante Júnior et al. Brasília, DF, 05 de setembro de 2011. Disponível em:
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobj
etoincidente=4136819. Acesso em: 18.06.2019)
23
“Art. 18. Do resultado da soma dos fatores do art. 17 serão subtraídos os valores correspondentes aos seguintes
percentuais do faturamento bruto da pessoa jurídica do último exercício anterior ao da instauração do PAR,
excluídos os tributos: V – um por cento a quatro por cento para comprovação de a pessoa jurídica possuir e aplicar
um programa de integridade, conforme os parâmetros estabelecidos no Capítulo IV.” (BRASIL. Decreto nº 8.420
de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei no 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a
responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional
ou estrangeira e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Decreto/D8420.htm. Acesso em: 15.06.2019)
24
CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Portaria nº 909 de 7 de abril de 2015. Dispõe sobre a avaliação de
programas de integridade de pessoas jurídicas. Disponível em:
https://www.cgu.gov.br/sobre/legislacao/arquivos/portarias/portaria_cgu_909_2015.pdf. Acesso em: 18.06.2019.
24
Além disso, é dos textos apontados acima que se percebe que a investigação
corporativa é essencial para a garantia de monitoramento e melhoria contínua do programa de
integridade, sendo que é a investigação interna, de acordo com o que expõe Marcelo Zenkner,
que identifica violações das políticas internas da empresa e a prática de ilícitos, possibilita a
implementação de controles internos mais eficientes, minimiza os impactos de uma
investigação externa conduzida por órgãos regulatórios ou pela autoridade policial e estabelece
limites quanto à responsabilidade da empresa em relação aos atos praticados por seus
funcionários, inclusive com a obtenção de vantagens legas em torno da redução, isenção ou
remissão das multas decorrentes das infrações apuradas, garantindo boa governança corporativa
e resguardando a boa reputação da pessoa jurídica25.
Pode-se apontar, nesse sentido, que a investigação corporativa faz parte de um sistema
cíclico de constante melhoria do programa de integridade da pessoa jurídica, visto que, por
meio dela (e, claro, de outros procedimentos não integrantes do problema de pesquisa), a pessoa
jurídica é capaz de enxergar possíveis falhas em seus sistemas e pontos que merecem maior
atenção ou aprofundamento.
25
ZENKNER, Marcelo. Integridade governamental e empresarial: um espectro da repressão e da prevenção à
corrupção no Brasil e em Portugal, Belo Horizonte : Fórum, 2019, p. 379.
25
Nota-se, então, que, em luz de denúncia feita no canal de comunicações, apesar de não
terem sido apontadas conclusões de que o ato seria para obtenção de vantagem indevida da
empresa ou do funcionário, foi apresentado à empresa novo cenário de risco que aponta a ela a
necessidade da melhoria em sua política de brindes, presentes, entretenimento e hospitalidade
e em seus treinamentos sobre tal tema. A denúncia, portanto, poderia apontar um risco que,
olhando apenas formalmente para a operação da empresa, um mapeamento de riscos não seria,
em regra, completamente capaz de identificar.
Observa-se, portanto, que canais de denúncia efetivos, apesar de serem uma ferramenta
simples, são essenciais para o funcionamento do programa de integridade da empresa e sua
constante melhoria, já que, quando devidamente instalados, encorajam seus colaboradores a
apontar possíveis irregularidades e, consequentemente, permitem que a empresa possa reagir e
endereçar tais pontos de atenção. Nesse sentido, expõe Marcelo Zenkner:
(ou vigiar) a atuação dos demais atores e, assim, alertar sobre violações ou
potenciais violações à lei ou a políticas internas da empresa constatadas no dia a
dia da respectiva organização (g.n.)26.
Se a empresa deseja estabelecer uma cultura que adota a ética como um de seus pilares,
é importante que esse sistema de denúncias seja efetivo. Para tanto, é necessário não só uma
área de compliance devidamente treinada e preparada para lidar com os assuntos trazidos pelo
denunciante, mas também que seja estabelecida uma política de não retaliação, que proteja o
denunciante de boa-fé, e até mesmo a garantia de anonimato, caso o denunciante deseje.
De acordo com o que cita Katharina Wulf28, as empresas devem criar um ambiente no
qual os seus colaboradores sintam que podem reportar problemas em boa-fé, pois serão levados
a sério, e não precisarão se preocupar com retaliações ou assédios – sendo que a garantia de não
26
ZENKNER, Marcelo. Integridade governamental e empresarial: um espectro da repressão e da prevenção à
corrupção no Brasil e em Portugal, Belo Horizonte : Fórum, 2019, p. 377-378.
27
Katharina Wulf define o whistleblower como aquele que informa um ato ilegal, imoral ou ilegítimo sob o
controle da empresa, podendo colocar em risco seu próprio trabalho para cumprir o que ele entende como seu
dever ético. Nesse sentido: “Whistleblowing is when a current or former member of the organization discloses
illegal, immoral, or illegitimate practices under the control of their employer to persons, organizations, or other
parties that may be able to stop it. [...] It is often someone with courage and conviction who sometimes even puts
his or her job on the line to stand up for what they believe in and do their ethical duty.” (WULF, Katharina. Ethics
and compliance programs in multinational organizations, Springer : Berlin, 2011, p. 52).
28
“Organizations must create an environment in which individuals feel that they can bring up issues in good faith,
one in which they will be taken seriously without fear of retaliation or embarrassment (Trevino/Nelson 2007: 342).
Only then will employees be motivated to come forward with issues.” (WULF, Katharina. Ethics and compliance
programs in multinational organizations, Springer : Berlin, 2011, p. 50).
27
O acordo de leniência, conforme disposto no texto legal, será celebrado com as pessoas
jurídicas responsáveis pela prática de atos lesivos previstos não somente na Lei Anticorrupção,
como também por ilícitos administrativos previstos na Lei nº. 8.666 de 21 de junho de 1993 e
em outras normas de licitações e contratos. O acordo de leniência, como expõe Raphael Soré:
29
“Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as
pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as
investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte: I – a identificação dos demais
envolvidos na infração, quando couber; e II – a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o
ilícito sob apuração.” (BRASIL. Lei nº 12.846 de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização
administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou
estrangeira, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 26.07.2019)
30
“Art. 28. O acordo de leniência será celebrado com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos lesivos
previstos na Lei nº 12.846, de 2013 , e dos ilícitos administrativos previstos na Lei nº 8.666, de 1993 , e em outras
normas de licitações e contratos, com vistas à isenção ou à atenuação das respectivas sanções, desde que colaborem
efetivamente com as investigações e o processo administrativo, devendo resultar dessa colaboração: I – a
identificação dos demais envolvidos na infração administrativa, quando couber; e II – a obtenção célere de
informações e documentos que comprovem a infração sob apuração.” (BRASIL. Decreto nº 8.420 de 18 de março
de 2015. Regulamenta a Lei no 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização
administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e
dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Decreto/D8420.htm. Acesso em: 26.07.2019)
28
Tais acordos são capazes de isentar a pessoa jurídica das sanções previstas na Lei
Anticorrupção, como as do inciso II do art. 6º (que determina a publicação extraordinária da
decisão condenatória) e do inciso IV do art. 19 (que determina a proibição de receber incentivos,
subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de
instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1
(um) e máximo de 5 (cinco) anos). Além disso, os acordos de leniência firmados pela empresa
com a autoridade competente poderão também reduzir em até 2/3 (dois terços) o valor da multa
aplicável – não eximindo, no entanto, a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente
o dano causado32.
Observa-se que alguns requisitos33 devem ser cumpridos para a propositura de tal
acordo, no sentido de que a pessoa jurídica (i) identifique outros indivíduos envolvidos, (ii) seja
31
SORÉ, Raphael Rodrigues. A lei anticorrupção em contexto: estratégias para a prevenção e o combate à
corrupção corporativa, Belo Horizonte : Fórum, 2019, p. 140.
32
Art. 16 (...) § 2º A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso
II do art. 6º e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável. § 3º O acordo
de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado. (BRASIL. Lei nº
12.846 de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela
prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 26.07.2019)
33
Nesse sentido, expõem a Lei Anticorrupção e o Decreto Regulamentador, respectivamente, em seus artigos 16
e 30: “Art. 16. Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência
com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com
as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte: I – a identificação dos demais
envolvidos na infração, quando couber; e II – a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o
ilícito sob apuração. § 1º O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se preenchidos,
cumulativamente, os seguintes requisitos: I – a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse
em cooperar para a apuração do ato ilícito; II – a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração
investigada a partir da data de propositura do acordo; III – a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e
coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas
expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.” e “Art. 30. A pessoa jurídica
que pretenda celebrar acordo de leniência deverá: I – ser a primeira a manifestar interesse em cooperar para a
apuração de ato lesivo específico, quando tal circunstância for relevante; II – ter cessado completamente seu
envolvimento no ato lesivo a partir da data da propositura do acordo; III – admitir sua participação na infração
administrativa; IV – cooperar plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo e
29
a primeira a se manifestar sobre o interesse em cooperar para a apuração do ilícito, (iii) cesse
completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do
acordo, (iv) admita sua participação no ilícito, (v) coopere plena e permanentemente com as
investigações e o processo administrativo, (vi) compareça, sob suas expensas, sempre que
solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento e (vii) forneça informações,
documentos e elementos que comprovem a infração administrativa.
Desse modo, a investigação que consiga levantar informações suficientes sobre atos
que possam ser de interesse das autoridades e que consiga ser feita de forma discreta e hábil,
para que a pessoa jurídica tenha a oportunidade de ser a primeira a se manifestar sobre os
eventuais problemas identificados, poderá promover não só a melhoria do programa interno da
pessoa jurídica, como poderá beneficiá-la com as graças previstas em contrapartida do acordo.
Necessário, portanto, que seja esse procedimento conduzido da melhor forma possível pelo
departamento responsável da empresa, ou por advogados engajados pela área de compliance.
comparecer, sob suas expensas e sempre que solicitada, aos atos processuais, até o seu encerramento; e V –
fornecer informações, documentos e elementos que comprovem a infração administrativa.” (BRASIL. Lei nº
12.846 de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela
prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 26.07.2019) e (BRASIL.
Decreto nº 8.420 de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei no 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe
sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública,
nacional ou estrangeira e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2018/2015/Decreto/D8420.htm. Acesso em: 26.07.2019)
30
autores, investigações feitas por terceiros ensejam maior credibilidade quanto aos relatórios e
informações produzidos aos olhos de autoridades governamentais, já que tais pessoas jurídicas
possuem maior experiência e dão mais credibilidade aos trabalhos produzidos, além de
possuírem maior independência do cotidiano da pessoa jurídica. Nesse sentido:
34
PAGOTTO, Leopoldo. ALMEIDA, Silvia Helena de. FERNANDES, Indira. Investigações Internas In
CARVALHO, André Castro [et. al][coords]. Manual de Compliance, Rio de Janeiro : Forense, 2019, p. 193-194.
31
Portanto, enquanto o advogado poderá preservar o sigilo das informações colhidas não
só em consequência do disposto no artigo 5º do Provimento 188/2018, mas também devido à
sua profissão, as empresas técnicas são necessárias para a prestação de suporte com a
35
“Art. 1° Compreende-se por investigação defensiva o complexo de atividades de natureza investigatória
desenvolvido pelo advogado, com ou sem assistência de consultor técnico ou outros profissionais legalmente
habilitados, em qualquer fase da persecução penal, procedimento ou grau de jurisdição, visando à obtenção de
elementos de prova destinados à constituição de acervo probatório lícito, para a tutela de direitos de seu
constituinte. “ (BRASIL. Provimento nº 188 de 11 de dezembro de 2018. Regulamenta o exercício da prerrogativa
profissional do advogado de realização de diligências investigatórias para instrução em procedimentos
administrativos e judiciais. Disponível em: https://www.oab.org.br/leisnormas/legislacao/provimentos/188-
2018?search=188%2F2018&provimentos=True. Acesso em: 26.07.2019)
36
BULHÕES, Gabriel. Investigação defensiva e a busca da paridade de armas no processo penal. Consultor
Jurídico, Rio Grande do Norte. 10 de abril de 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-abr-
10/gabriel-bulhoes-investigacao-defensiva-paridade-armas. Acesso em: 26.07.2019.
37
“Art. 3° A investigação defensiva, sem prejuízo de outras finalidades, orienta-se, especialmente, para a produção
de prova para emprego em: I – pedido de instauração ou trancamento de inquérito; II – rejeição ou recebimento de
denúncia ou queixa; III – resposta a acusação; IV – pedido de medidas cautelares; V – defesa em ação penal pública
ou privada; VI – razões de recurso; VII – revisão criminal; VIII – habeas corpus; IX – proposta de acordo de
colaboração premiada; X – proposta de acordo de leniência; XI – outras medidas destinadas a assegurar os direitos
individuais em procedimentos de natureza criminal.” (BRASIL. Provimento nº 188 de 11 de dezembro de 2018.
Regulamenta o exercício da prerrogativa profissional do advogado de realização de diligências investigatórias para
instrução em procedimentos administrativos e judiciais. Disponível em:
https://www.oab.org.br/leisnormas/legislacao/provimentos/188-2018?search=188%2F2018&provimentos=True.
Acesso em: 26.07.2019)
32
Nesse âmbito, portanto, que passamos, nos capítulos seguintes, à discussão principal
do presente trabalho: a prerrogativa do sigilo inerente ao advogado e a possibilidade (e também
necessidade) de extensão de tal garantia aos assistentes (empresas especializadas) contratados
pelo advogado no âmbito da investigação.
38
PAGOTTO, Leopoldo. ALMEIDA, Silvia Helena de. FERNANDES, Indira. Investigações Internas In
CARVALHO, André Castro [et. al][coords]. Manual de Compliance, Rio de Janeiro : Forense, 2019, p. 199.
33
As investigações, além disso, são conduzidas também com fundamento de acordo com,
principalmente, o exposto no artigo 7º, VII, da Lei Anticorrupção, que afirma que serão levados
em consideração, na aplicação de sanções, entre outros motivos, a cooperação da pessoa jurídica
para a apuração das infrações39 – cooperação que, como expõem Leopoldo Pagotto, Silvia
Helena de Almeida e Indira Fernandes, “somente se concretiza após a pessoa jurídica saber
efetivamente quais são os fatos, o que se verifica com o auxilio da investigação interna”40.
Assim, a pessoa jurídica não só precisa levantar as informações que possam ser
relevantes – por meio, então, de investigações internas –, como deverá garantir ser a primeira a
apresentá-las. Importante, portanto, que não seja de conhecimento externo sua vontade e os
39
“Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções: I – a gravidade da infração; II – a vantagem
auferida ou pretendida pelo infrator; III – a consumação ou não da infração; IV – o grau de lesão ou perigo de
lesão; V – o efeito negativo produzido pela infração; VI – a situação econômica do infrator; VII – a cooperação da
pessoa jurídica para a apuração das infrações; VIII – a existência de mecanismos e procedimentos internos de
integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de
conduta no âmbito da pessoa jurídica; IX – o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou
entidade pública lesados; (g.n.)” (BRASIL. Lei nº 12.846 de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a
responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública,
nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2013/lei/l12846.htm. Acesso em: 14.09.2019)
40
PAGOTTO, Leopoldo. ALMEIDA, Silvia Helena de. FERNANDES, Indira. Investigações Internas In
CARVALHO, André Castro [et. al][coords]. Manual de Compliance, Rio de Janeiro : Forense, 2019, p. 183.
34
Para tanto, a necessidade da figura do advogado como ponto focal externo, imparcial
e especializado na condução de tais procedimentos fica cada vez mais evidente. Como
demonstrado, é até mesmo mais recomendável a contratação de um terceiro – aqui, leia-se
escritório de advocacia especializado –, o qual também contará com a assistência de empresas
técnicas, do que a utilização do departamento jurídico interno da empresa para a condução do
procedimento.
41
FILHO, Roberto Gonçalves de Freitas. Sigilo Profissional. In: FERRAZ, Sérgio et al (coord.). Ética na
Advocacia: Estudos diversos. 1ª. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2000, p. 72.
35
42
FARAH, Elias. Advocacia no novo milênio. São Paulo : LEX, 2009, p. 126.
43
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: (...) XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações
telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e
na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (...) XIV – é
assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício
profissional;” (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 15.09.2019)
44
“Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações
no exercício da profissão, nos limites da lei.” BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 15.09.2019.
45
BRASIL. Lei nº 8.906 de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm. Acesso em: 15.09.2019.
36
relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado
pelo constituinte, bem como sobre fato que constitua sigilo profissional”.
Essa prerrogativa, portanto, não deve ser violada. A revelação de sigilo profissional,
de acordo com o artigo 36, I, do Estatuto da Advocacia46, configura infração disciplinar, punível
com a sanção de censura, além de caracterizar crime do artigo 154 do Código Penal, de violação
de segredo profissional, punível com pena de detenção de três meses a um ano47-48.
Poderá ser quebrada, no entanto, de acordo com o artigo 243, § 2º do Código de Processo
Penal49, se documentos sob a guarda do advogado constituírem elemento do corpo de delito ou,
46
“Art. 36. A censura é aplicável nos casos de: I – infrações definidas nos incisos I a XVI e XXIX do art. 34”.
(BRASIL. Lei nº 8.906 de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm. Acesso em: 15.09.2019).
47
“Art. 154 – Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício
ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.”
(BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Código Penal Brasileiro. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em: 15.09.2019)
48
Sobre o crime do artigo 154 do Código Penal, cabe apontar que “a expressão “sem justa causa” está a evidenciar
que não é criminosa qualquer revelação de segredo, mas somente aquela que não possuir amparo legal. Ex.: o
funcionário que, durante a condução de uma sindicância, toma conhecimento de um segredo, passível de incriminar
outro servidor; revelando-o e dando margem a outro processo administrativo, está cumprindo seu dever, no
interesse da Administração Pública. Por outro lado, é preciso destacar que há muitas profissões protegidas pelo
sigilo, ou seja, estão impedidas legalmente de divulgar o segredo, mesmo que autorizado pelo interessado (como
ocorre com médicos e advogados) (g.n.)”. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 18. ed. rev.,
atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 939)
49
“Art. 243, § 2º. Não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo quando
constituir elemento do corpo de delito.” (BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941. Código de
Processo Penal Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm. Acesso
em: 15.09.2019)
37
A quebra do sigilo, de qualquer forma, deverá ser feita por meio de ordem de autoridade
judiciária competente, desde que motivada, com a expedição do respectivo mandado de busca
e apreensão específico e pormenorizado a ser cumprido na presença de representante da Ordem
dos Advogados do Brasil.
Em qualquer hipótese, de acordo com tal artigo, é vedada a utilização dos documentos,
das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais
instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes. Nesse sentido, expõe
Pedro Lobo:
50
“Art. 7º, § 6º Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade
judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em
decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na
presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias
e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que
contenham informações sobre clientes.” (BRASIL. Lei nº 8.906 de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da
Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm. Acesso em: 15.09.2019)
51
LOBO, Pedro. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 11. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2011, p. 87.
38
Como expõe Pedro Lobo, “os cursos jurídicos não formam advogados (como não
formam magistrados, procuradores, promotores de justiça, delegados de carreira, defensores
53
LOBO, Pedro. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 11. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2011, p. 73.
39
públicos), mas bacharéis em direito. (...) Advogado não é gênero, mas apenas espécie de
profissional do direito” 54.
Quem não preencher esses requisitos e não for, assim, considerado como advogado,
não estará coberto pelo sigilo prerrogativa de tal função, estando mais exposto no exercício de
suas funções profissionais.
No próximo capítulo, portanto, passa-se a uma breve análise sobre a escarça previsão
existente sobre confidencialidade de tais empresas e sobre a possibilidade (ou necessidade) de
que o sigilo inerente à profissão do advogado seja estendido a tais indivíduos durante a
condução de investigações corporativas.
54
LOBO, Pedro. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 11. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2011, p. 31-
32.
40
quebrado, salvo em caso de ordem judicial, e que haja resguardo o sigilo da fonte, quando
necessário ao exercício profissional55. De acordo com Nelson Eizirik, nesse sentido:
Considera-se que está protegido pelo sigilo profissional aquele que desempenha
ofício que, por sua natureza exige a ampla confiança por parte e no interesse de
quem confidencia. Nesse sentido, constituem exemplos tradicionais de pessoas
submetidas ao dever de sigilo o médico, o advogado, o psicólogo, o banqueiro, o
auditor, etc. A possibilidade juridicamente amparada de resistir ao devassamento,
mantendo-se, pois, o sigilo profissional, constitui um instrumento fundamental
para garantir o indivíduo que confiou informações de sua vida privada, que não
deseja ver reveladas a terceiros (g.n.)56.
Também em relação ao sigilo do auditor, portanto, observa-se que esse está previsto,
igualmente ao sigilo do advogado, não só pela Constituição Federal, como também em regras
gerais determinadas pelo Código de Processo Civil (de que a parte não é obrigada a depor sobre
fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, deve guardar sigilo57) e pelo Código Tributário
Nacional (de que são excluídos da obrigação de prestar informações às autoridades fiscais
quanto a fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em
razão de cargo, oficio, função, ministério, atividade ou profissão58).
55
Expõe, assim, a Constituição Federal: “Art. 5º. (...) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(...) XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de
investigação criminal ou instrução processual penal; (...) XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e
resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (BRASIL. Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 12.10.2019)
56
EIZIRIK, Nelson Laks. Auditor Independente – sigilo profissional. Revista de Direito Mercantil : Industrial,
Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 112, p. 142.
57
“Art. 388. A parte não é obrigada a depor sobre fatos: (...) II – a cujo respeito, por estado ou profissão, deva
guardar sigilo” (BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 12.10.2019)
58
“Art. 197. (...) Parágrafo único. A obrigação prevista neste artigo não abrange a prestação de informações quanto
a fatos sobre os quais o informante esteja legalmente obrigado a observar segredo em razão de cargo, ofício,
função, ministério, atividade ou profissão.” (BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário
Nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm. Acesso em: 12.10.19)
42
59
EIZIRIK, Nelson Laks. Auditor Independente – sigilo profissional. Revista de Direito Mercantil : Industrial,
Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 112, p. 143.
60
CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. Resolução nº 2014/NBCPG100, de 25 de março de 2014.
Dispõe sobre a NBC PG 100 – Aplicação Geral aos Profissionais da Contabilidade. Disponível em:
http://www1.cfc.org.br/sisweb/SRE/docs/NBCPG100.pdf. Acesso em: 12.10.2019.
61
CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. Resolução nº 2014/NBCPG100, de 25 de março de 2014.
Dispõe sobre a NBC PG 100 – Aplicação Geral aos Profissionais da Contabilidade. Disponível em:
http://www1.cfc.org.br/sisweb/SRE/docs/NBCPG100.pdf. Acesso em: 12.10.2019.
43
Do texto apresentado, entende-se, portanto, que o auditor terá o dever de quebra de seu
sigilo se for solicitado, se houver exigência legal ou dever ou direito profissional de divulgação,
de modo que, diferente da regra de prerrogativa de sigilo na advocacia, o sigilo do dos
profissionais das empresas técnicas contratadas para os procedimentos de investigação
corporativa aparenta ser, de modo geral, mais frágil.
62
“Art. 25. No exercício de suas atividades no âmbito do mercado de valores mobiliários, o auditor independente
deverá, adicionalmente: (...) III – conservar em boa guarda pelo prazo mínimo de cinco anos, ou por prazo superior
por determinação expressa desta Comissão em caso de Inquérito Administrativo, toda a documentação,
correspondência, papéis de trabalho, relatórios e pareceres relacionados com o exercício de suas funções; (...) V –
dar acesso à fiscalização da CVM e fornecer ou permitir a reprodução dos documentos referidos no item III, que
tenham servido de base à emissão do relatório de revisão de informações intermediarias ou relatório de auditoria”
(COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Instrução CVM nº 308, de 14 de maio de 1999. Dispõe sobre o
registro e o exercício da atividade de auditoria independente no âmbito do mercado de valores mobiliários, define
os deveres e as responsabilidades dos administradores das entidades auditadas no relacionamento com os auditores
independentes, e revoga as Instruções CVM nos 216, de 29 de junho de 1994, e 275, de 12 de março de 1998.
Disponível em: http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/instrucoes/anexos/
300/Inst308Consolidada.pdf. Acesso em: 12.10.2019)
63
“Art. 25. (...) Parágrafo único. Constatada qualquer irregularidade relevante em relação ao que estabelece os
incisos I e II, o auditor independente deverá comunicar o fato à CVM, por escrito, no prazo máximo de vinte dias,
contados da data da sua ocorrência.” (COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Instrução CVM nº 308, de
14 de maio de 1999. Dispõe sobre o registro e o exercício da atividade de auditoria independente no âmbito do
mercado de valores mobiliários, define os deveres e as responsabilidades dos administradores das entidades
auditadas no relacionamento com os auditores independentes, e revoga as Instruções CVM nos 216, de 29 de junho
44
Outra exceção ao sigilo, também pode ser observada pela determinação da seção IV
da Resolução do Conselho Federal de Contabilidade nº 1.530, de 22 de setembro de 2017, no
sentido de que, caso operações e propostas de operações analisadas pelo profissional da
contabilidade possam configurar indícios da ocorrência de ilícitos, essas deverão ser
comunicadas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), contendo (i) o
detalhamento das operações realizadas; (ii) o relato do fato ou fenômeno suspeito; e (iii) a
qualificação dos envolvidos, destacando os que forem pessoas expostas politicamente64. O
advogado, apesar dever absoluto de cessar qualquer assessoria ou orientação se perceber que
pode estar concorrendo para a prática de ilícito, não possui essa obrigação de avisar às
autoridades sobre condutas suspeitas que venha a conhecer65.
66
EIZIRIK, Nelson Laks. Auditor Independente – sigilo profissional. Revista de Direito Mercantil : Industrial,
Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 112, p. 140-141.
67
Nesse sentido: “E-3.965/2010 – SIGILO PROFISSIONAL – PRINCÍPIO DE ORDEM PÚBLICA QUE,
EXCEPCIONALMENTE, ADMITE FLEXIBILIZAÇÃO – POSSIBILIDADE DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO
SEM CONFIGURAÇÃO DE INFRAÇÃO ÉTICA – ADVOGADO ACUSADO INJUSTAMENTE POR
CLIENTE DA PRÁTICA DE CRIME – NECESSIDADE DE VIOLAÇÃO DO SIGILO PARA PROMOÇÃO
DE DEFESA DO ADVOGADO – HIPÓTESE AUTORIZADA EXPRESSAMENTE POR LEI, ARTS 25 EO
CED E 3º CAPUT DA RESOLUÇÃO 17/2000 DO TED-1-SP – JUSTIFICATIVA LEGAL QUE, SE E
QUANDO CONFIGURADA, EXCLUI A ILICITUDE DA CONDUTA DESDE QUE AS REVELAÇÕES
SEJAM FEITAS NOS ESTREITOS LIMITES NECESSÁRIOS À DEFESA DO ADVOGADO – O
PROFISSIONAL ASSUME RESPONSABILIDADE PESSOAL SOBRE AS REVELAÇÕES – JUSTIFICANDO
PERANTE A ORDEM SUA NECESSIDADE DE FAZÊ-LO, PODERÁ AFASTAR A INFRAÇÃO PREVISTA
PELO ART. 34, VII EOAB, CONFORME DETERMINAÇÃO DO ART. 4º DA RESOLUÇÃO 17/2000 TED
I/SP. O sigilo profissional é instrumento indispensável para garantir a plenitude do direito de defesa do cidadão
porque assegura ao cliente a inviolabilidade dos fatos expostos ao advogado. Por isso se lhe atribui status de
interesse geral e matéria de ordem pública. O advogado que toma conhecimento de fatos expostos pelo cliente não
pode revelá-los nem deles se utilizar em benefício de outros clientes ou no seu próprio interesse, devendo manter-
se em silêncio e abstenção eternamente. O profissional que desrespeita esse princípio está sujeito à infração
disciplinar (art. 34, inciso VII do EOAB) e se sujeita à tipificação do crime de violação de segredo profissional
previsto no art. 154 do Código Penal. Porém, se o advogado foi injustamente acusado pelo cliente de ter cometido
atos que não cometeu e que irão lhe trazer prejuízos, ou quando seja injustamente ameaçado, é imperioso que possa
se defender de tais acusações, não sendo admissível que o direito de defesa do advogado seja tolhido pelos
preceitos éticos. O advogado não pode ter seu direito de defesa prejudicado ou em menor amplitude que direito de
defesa dos demais cidadãos. Se sofrer acusação ou ataque, poderá revelar fatos acobertados pelo manto do sigilo
46
Desse modo, empresas que prestam serviços de apoio à investigação corporativa, tais
como serviços de auditoria, contabilidade e extração forense de documentos, estão expostas a
medidas jurídicas de toda ordem não blindadas pelo necessário sigilo inerente à profissão da
advocacia. Consequentemente, poderia observar-se certo receio na contratação de empresas
especializadas para o auxílio às investigações corporativas, visto que, com a não garantia do
sigilo estendido aos auditores, não haveria a segurança jurídica necessária durante a condução
de um procedimento de investigação.
profissional com fundamento nos arts. 25 do CED e 3º, da Resolução 17/2000 do TED-I SP. Todavia a excludente
de ilicitude só lhe aproveita se as revelações forem feitas no estrito limite e interesse de sua defesa, advertindo-se
o advogado que assume pessoalmente a responsabilidade pela violação (art. 4º da Resolução 17/2000).” (TEDSP
E-3965/2010, V.U. do parecer e ementa da Rel. Dra. MARY GRUN – Rev. Dr. FÁBIO DE SOUZA
RAMACCIOTTI – Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA, j.17.03.2011)
68
“Art. 6º O advogado e outros profissionais que prestarem assistência na investigação não têm o dever de informar
à autoridade competente os fatos investigados. Parágrafo único. Eventual comunicação e publicidade do resultado
da investigação exigirão expressa autorização do constituinte.” (BRASIL. Provimento nº 188 de 11 de dezembro
de 2018. Regulamenta o exercício da prerrogativa profissional do advogado de realização de diligências
investigatórias para instrução em procedimentos administrativos e judiciais. Disponível em:
https://www.oab.org.br/leisnormas/legislacao/provimentos/188-2018?search=188%2F2018&provimentos=True.
Acesso em: 13.10.2019)
47
escritório de advocacia, não precisaria de mandado específico e pormenorizado. Não seria certo,
em tal caso, portanto, como e/ou se a documentação em posse de tais empresas estaria de
qualquer forma protegida de tal medida.
Observa-se, portanto, no presente capítulo, que a não garantia expressa por parte das
autoridades competentes em relação à possibilidade de extensão do sigilo previsto ao advogado
aos auditores independentes, poderia gerar a incompletude dos procedimentos de investigação
corporativa e, em consequência, a não observância da Lei Anticorrupção.
48
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm. Acesso em: 12.10.19.
BRASIL. Lei nº 8.906 de 4 de julho de 1994. Dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8906.htm. Acesso em: 15.09.2019.
BRASIL. Lei 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em:
12.10.2019.
EIZIRIK, Nelson Laks. Auditor Independente – sigilo profissional. Revista de Direito Mercantil
: Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 112.
FILHO, Roberto Gonçalves de Freitas. Sigilo Profissional. In: FERRAZ, Sérgio et al (coord.).
Ética na Advocacia: Estudos diversos. 1ª. ed. Rio de Janeiro : Forense, 2000.
LOBO, Pedro. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 11. ed. São Paulo: Saraiva
Jur, 2011.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 18. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de
Janeiro: Forense, 2017.
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEl
etronico.jsf?seqobjetoincidente=4136819. Acesso em: 18.06.2019