G7 - Síntese de Ácidos Gordos e Triacilgliceróis
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O termo lipogénese pode utilizar-se para referir genericamente todos os processos que
levam à síntese de lipídos, quer a partir de compostos não lipídicos, quer a partir de
componentes lipídicos da dieta. No entanto, também pode ser utilizado num sentido mais
restrito e referir-se à síntese endógena de palmitato (maioritariamente a conversão de
glícidos em palmitato) e incluir (ou não) transformações em que o palmitato sintetizado
endogenamente pode sofrer, nomeadamente: dessaturação, elongação e esterificação.
O contexto poderá ajudar a perceber o sentido em que o termo “lipogénese” está a ser
utilizado mas, para evitar eventuais ambiguidades, usa-se, por vezes, a expressão
“lipogénese de novo” para referir a síntese endógena de ácidos gordos e outros lipídos a
partir de precursores não lipídicos como a glicose ou a frutose.
Embora os ácidos gordos com número par de carbonos (>98%) não sejam substratos para
a síntese de glicose, a glicose pode ser substrato para a síntese de ácidos gordos.
Comparativamente com outros tecidos, esta síntese é mais ativa no fígado, no tecido
adiposo e na glândula mamária ativa. Nos músculos esqueléticos e cardíaco não há
síntese de ácidos gordos porque, nestes tecidos, não existe a síntase do palmitato, uma
das enzimas da via metabólica que leva à conversão da acetil-CoA em palmitato.
NOTA 2: Contudo, a síntese endógena de palmitato pode ter relevância quando existe
ingestão elevada de glicídeos no contexto duma dieta pobre em lipídeos. Se o valor
calórico dos glicídos da dieta exceder a despesa energética e se a capacidade do
organismo para armazenar o excesso de glicose na forma de glicogénio for ultrapassada,
os glicídeos em excesso são convertidos em palmitato.
TRANSPORTE DO ACETIL-COA
SÍNTESE MALONIL-COA
O palmitato é um ácido gordo saturado com 16 carbonos e a sua síntese ocorre pela
adição sucessiva de unidades de 2 carbonos ao grupo acetilo do acetil-CoA. Estas
unidades de 2 carbonos também têm origem no acetil-CoA, mas a sua utilização requer a
ativação prévia a malonil-CoA.
A carboxílase de acetil-CoA é uma lígase que contém como grupo prostético a biotina
e é dependente de HCO3-. A reação catalisada por esta enzima pode ser entendida como
a acoplagem de um processo exergónico (a hidrólise do ATP) com outro endergónico (a
carboxilação da acetil-CoA).
SÍNTESE DO PALMITATO
A utilização de uma unidade funcional multienzímica é uma vantagem uma vez que
permite a compartimentalização dos processos envolvidos na síntese de ácidos gordos,
bem como a coordenação da síntese de todas as enzimas do complexo, visto que estas são
todas codificadas pelo mesmo gene.
As reações catalisadas pela síntase dos ácidos gordos são, então, as seguintes (a contagem
começa no 2 pois, apesar do domínio que transfere a 4’-fosfopanteteína ser necessário,
não se conta a atividade catalítica da ACP para a síntese propriamente dita):
Neste primeiro ciclo de reações, após a adição de uma unidade de 2 carbonos (proveniente
do malonil-CoA) ao grupo acetilo (da acetil-CoA), o acilo formado contém 4 carbonos:
assim, o acil-enzima correspondente designa-se por butiril-enzima. Na butiril-enzima os
dois primeiros carbonos tiveram origem no resíduo de malonilo, cujo carbono
carboxílico continua tioesterificado com a 4’-fosfopanteteína e os dois últimos tiveram
origem no grupo acetilo da acetil-CoA que originalmente esteve ligado ao grupo tiol da
cisteína (ver figura abaixo).
O carbono 1 dos resíduos malonilo acrescentados em cada ciclo passa a ser o grupo
carboxílico do intermediário que se vai formando. Ou seja, os carbonos 15 e 16 do
palmitato formado derivaram diretamente do acetil-CoA que, no primeiro passo do
processo, se ligou ao resíduo da cisteína da enzima. Os carbonos 13 e 14 derivaram do
malonil-CoA envolvido na síntese do acetoacetil-enzima - 1º ciclo - e os carbonos 1 e
2 do malonil-CoA envolvido no último ciclo.
Durante o processo catalisado pela síntase do palmitato ocorre a libertação de CO2 que
haviam sido usados na carboxilação do acetil-CoA a malonil-CoA (atividade catalisada
pela carboxílase do acetil-CoA).
Nos 7 ciclos catalíticos que levam à formação de uma molécula de palmitato ocorre a
oxidação de 14 moléculas de NADPH (duas por ciclo) que reduziram intermediários 3-
cetoacil-enzima a D-3-hidroxiacil-enzima e os intermediários ∆2-enoil-enzima a acil-
enzima.
NOTA: Para a síntese de ácidos gordos de cadeia ímpar, em vez da reação começar com
acetil-CoA e irmos adicionando, sucessivamente, vários malonil-CoA, começa-se com
propionil-CoA e vai-se adicionando, sucessivamente, vários malonil-CoA.
FORMAÇÃO DE NADPH
Uma via metabólica que poderá ter relevância no processo anaplerótico compensador
inclui a ação da enzima málica.
Esta via permite, simultaneamente, fornecer parte dos equivalentes redutores (na forma
de NADPH) para a atividade da síntase do palmitato e transportar oxalacetato do
citoplasma para a matriz.
Embora tenha menor relevância, a redução do NADP+ a NADPH também pode resultar
da ação da desidrogénase do isocitrato citoplasmática (isocitrato + NADP+ →
α-cetoglutarato + CO2 + NADPH).
Dado que a glicose é o combustível da via das pentoses-fosfato e que, quer o malato, quer
o isocitrato (ciclo de Krebs) se formam a partir da glicose, pode dizer-se que, para além
de fornecer o substrato para a síntese de palmitato (acetil-CoA), a glicose é também
essencial no processo de formação do agente redutor pertinente no processo: o NADPH.
Nesta imagem temos um resumo do transporte de acetil-CoA para fora da célula, os vários
métodos de se obter NADPH, e o processo propriamente dito de lipogénse.
Quer o palmitato formado endogenamente, quer os ácidos gordos que entram nas células
são imediatamente ativados, ou seja, são tioesterificados com a coenzima A e é catalisada
pela sintétase de acil-CoA (ácido gordo + CoA + ATP → acil-CoA + AMP + PPi).
(Palmitoil-CoA)
(NADPH + H+)
(NADP+)
(Palmitoleico-CoA)
NOTA: As duplas ligações dos ácidos gordos naturais são sempre de tipo cis.
ÁCIDOS GORDOS ω6 E ω3
O ácido araquidónico é um ácido gordo ω6 que, nos mamíferos, se pode formar a partir
do linoleico (ω6; 18:2), por ação sequenciada da:
SÍNTESE DE TRIACILGLICERÓIS
1. A PARTIR DO 2-MONOACILGLICEROL
Durante a digestão intestinal dos triacilgliceróis (os mais abundantes lípidos da dieta)
forma-se maioritariamente 2-monoacilglicerol e ácidos gordos que são absorvidos.
Os ácidos gordos de cadeia longa e muito longa são esterificados nos enterócitos
regenerando-se os triacilgliceróis: os ácidos gordos são ativados (sintétase de acil-CoA
- ácido gordo + CoA + ATP → acil-CoA + AMP + PPi) e os resíduos acilo dos acis-CoA são
transferidos para as posições 1 e 3 do 2-monoacilglicerol por ação catalítica de duas
transférases de acilo. Os triacilgliceróis formados vão, a seguir, incorporar-se nos
quilomicra.
2. A PARTIR DO GLICEROL-3-FOSFATO
No entanto, no caso dos tecidos adiposo e muscular não existe esta enzima e todo o
glicerol-3-fosfato resulta da redução da dihidroxiacetona-fosfato, um intermediário da
glicólise - desidrogénase do glicerol-3- fosfato.
Na via da síntese dos triacilgliceróis (também se designa por via de esterificação dos
ácidos gordos), o glicerol-3-fosfato aceita (por ação catalítica de duas transférases de acilo
que atuam sequencialmente) dois resíduos acilo de acis-CoA formando-se, primeiro, o 1-
acil-glicerol-3-fosfato e a seguir o 1,2- diacilglicerol-fosfato (ou ácido fosfatídico ou
fosfatidato).
REGULAÇÃO DA LIPOGÉNESE
A lipogénese de novo pode ser ativada se a dieta for rica em glicose (e pobre em lipídeos)
durante uma série de dois ou mais dias. Neste efeito, estão envolvidos mecanismos que
incluem a ativação da transcrição dos genes de enzimas diretamente envolvidas na:
1. Lipogénese
a. Líase do ATP-citrato
b. Carboxílase da acetil-CoA
c. Síntase do palmitato
2. Redução do NADP+
a. Desidrogénase da glicose-6-fosfato
b. Desidrogénsase do 6-fosfogliconato
c. Enzima málica
A AMPK é uma cínase de proteínas que está mais ativa quando aumenta a concentração
intracelular de AMP ou, no caso do fígado, quando a glicagina aumenta no plasma
sanguíneo. Possivelmente, a ação da glicagina envolve a ativação da PKA (via aumento
da concentração do AMP cíclico) que catalisa a fosforilação e a consequente ativação de
uma cínase que, por sua vez, catalisa a fosforilação (e ativação) da AMPK.
A insulina tem o efeito oposto ao da glicagina: quando a insulina aumenta fica ativa uma
fosfátase de proteínas que catalisa a desfosforilação e consequente ativação da
carboxílase de acetil-CoA e, em última análise, a síntese de palmitato.
= PKA
O palmitato formado neste processo de síntese é ativado a palmitil-CoA e, tal como outros
acis-CoA, o palmitil-CoA é inibidor alostérico da carboxílase de acetil-CoA. Desta
forma, via palmitil-CoA, o palmitato inibe a sua própria síntese.
REGULAÇÃO DA DESSATURAÇÃO E
DA ESTERIFICAÇÃO
A ativação, pela insulina, da síntese de SREBP-1c e a ação inibidora dos ácidos gordos
poli-insaturados na síntese deste fator de transcrição levam, respetivamente, ao aumento
e à inibição da transcrição de genes da lipogénese entendida num sentido mais amplo.