Mayarafa, 22473

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e-ISSN: 1983-9294

https://doi.org/10.5585/41.2022.22473
Recebido em: 30 jun. 2022 – Aprovado em: 19 ago. 2022
Dossiê “Gênero e sexualidade na Educação Escolar”

Gênero e sexualidade no ambiente escolar: o papel docente e alguns


apontamentos pedagógicos

Gender and sexuality in the school environment: the teaching role and some
pedagogical notes

Bruna Gabrielle Lopes


Mestranda em Educação
Universidade Federal do Paraná – UFPR.
Curitiba, Paraná – Brasil.
lopesgbruna@gmail.com

Marcielly Cristina Moresco


Doutora em Educação
Universidade Federal do Paraná – UFPR.
Curitiba, Paraná – Brasil.
marciellymoresco@gmail.com

Resumo: O presente artigo, de caráter teórico, apresenta reflexões sobre o papel docente nas discussões de gênero e sexualidades
no ambiente escolar, partindo da compreensão que, para se construir um espaço-tempo seguro para todas e todos as/os
envolvidas/os no contexto escolar, é necessário que haja uma estruturação pedagógica que possibilite o desenvolvimento pleno
de todas as subjetividades e experiências, não deixando espaços para as violências. Ainda, são oferecidos alguns apontamentos
didático-metodológicos que possibilitem encaminhamentos iniciais e pedagógicos para o debate da temática na sala de aula. Em
conclusão, defende-se que tanto a escola quanto a/o docente, ao adotar um posicionamento crítico diante das práticas
LGBTfóbicas, contribui amplamente para uma trajetória escolar segura e saudável de todas/os as/os sujeitas/os envolvidas/os
no espaço escolar.

Palavras chave: gênero; sexualidades; educação escolar; docência.

Abstract: This article, of a theoretical character, presents reflections on the teaching role in discussions of gender and sexualities
in the school environment, based on the understanding that, in order to build a safe space-time for all those involved in the school
context, it's necessary to have a pedagogical structure that allows the full development of all subjectivities and experiences, leaving
no spaces for violence. Some didactic-methodological notes are offered that allow initial and pedagogical referrals for the debate
of the theme in the classroom. In conclusion, it's argued that both the school and the teacher by adopting a critical position in
the face of LGBTphobic practices, largely contributes to a safe and healthy school trajectory for all subjects involved in the school
environment.

Keywords: gender; sexualities; schooling; teaching.

Cite como

(ABNT NBR 6023:2018)

LOPES, Bruna Gabrielle; MORESCO, Marcielly Cristina. Gênero e sexualidade no ambiente escolar: o papel docente e alguns apontamentos
pedagógicos. Dialogia, São Paulo, n. 41, p. 1-17, e22473, maio/ago. 2022. Disponível em: https://doi.org/10.5585/41.2022.22473.

American Psychological Association (APA)

Lopes, B. G., & Moresco, M. C. (2022, maio/ago.). Gênero e sexualidade no ambiente escolar: o papel docente e alguns apontamentos
pedagógicos. Dialogia, São Paulo, 41, p. 1-17, e22473. https://doi.org/10.5585/41.2022.22473.

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LOPES, Bruna Gabrielle; MORESCO, Marcielly Cristina. Gênero e sexualidade no ambiente
escolar: o papel docente e alguns apontamentos pedagógicos

Introdução

A escola, e especialmente a sala de aula, é considerada um espaço que favorece a promoção


da cultura de reconhecimento e respeito da pluralidade de modos de ser, de existir, das identidades
e das diferenças. E esse é o principal motivo que revela a importância do desenvolvimento de uma
essência crítica, com perspectiva de uma educação escolar que problematize os processos de
opressões, de exclusão, de fracasso e de sofrimento escolar; que questione as relações de poder, as
concepções curriculares e as rotinas escolares (SILVA, 2001).
O processo de escolarização, ao longo da história, serviu enquanto agente reprodutor de
desigualdades, contribuindo para a continuidade das normas sociais predominantes, sendo a escola
um importante contexto que pode marginalizar àquelas/es que não se encaixam nos padrões
(FERREIRA; SANTOS, 2014). Quando se pensa na formação de profissionais da educação, é
imprescindível considerar as temáticas de gênero e sexualidades nos currículos, uma vez que a
omissão e o desconhecimento por parte das/dos docentes das múltiplas experiências, das
identidades de gênero e sexuais, e dos comportamentos plurais contribuem para a disseminação de
preconceitos e, consequentemente, de práticas hostis na vida das/dos estudantes que não
obedecem à heterocisnorma1 (SOUZA; SILVA; SANTOS, 2014).
As violências que geram maiores índices de evasão e reprovação, bem como apresentam
maiores impactos na aprendizagem, se relacionam com as questões de identidade de gênero e
orientação sexual, sendo discriminado no ambiente escolar qualquer expressão que fuja à
heteronormatização (MORAES, 2017). Segundo dados da UNESCO (2015), as violências
relacionadas à identidade de gênero e orientação sexual afetam cerca de 246 milhões de meninas e
meninos todos os anos. E ainda há o fator que as/os alunas/os Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis/Transexuais e outras denominações e identificações (doravante LGBT+) enfrentam
condições adversas no ambiente escolar, vivenciando situações de violência física, bullying, assédio
e discriminação. As experiências violentas enfrentadas pelo corpo discente afetam negativamente
a saúde mental e física das/os estudantes, além de contribuir com piores resultados de
aprendizagem que perpassam desde o absenteísmo até o abandono da vida escolar (UNESCO,
2021).
Na tentativa de alcançar o potencial máximo de aprendizagem e se manter dentro das
escolas, inúmeras crianças e adolescentes vivenciam diariamente uma batalha contra as
discriminações que sofrem e podem sofrer (UNESCO, 2015). Dessa forma, como ainda aponta o

1 O conceito de heterocisnorma, junção de heteronormatividade e cisnormatividade, se refere às normas de gênero e sexualidades as quais
instituem como normal e como normalidade as práticas heterossexuais e o corpo não trans e, portanto, cisgênero, dentro de um recorte de
sociedade ocidental (SANTOS, 2017). A heteronormatividade se refere a um conjunto de valores e práticas discursivas que insti tui a
heterossexualidade como a única expressão natural e legítima na sociedade (JUNQUEIRA, 2013).

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escolar: o papel docente e alguns apontamentos pedagógicos

documento da UNESCO, é necessária uma compreensão ampla das violências que se estabelecem
no ambiente escolar para que seja possível a formulação de políticas e intervenções de
enfrentamento que intentem atingir múltiplos tipos de violências. Os sistemas que constituem a
educação precisam se atentar às diferentes necessidades do corpo discente, considerando o papel
das/dos docentes frente às situações que ocorrem no ambiente escolar e impactam de maneira
significativa a vida das/dos alunas/os inseridas/os neste contexto.
A escola, enquanto uma instituição com regulamentos e rotinas, comumente reforça as
concepções e lógicas LGBTfóbicas2 sobre todas/os as/os sujeitas/os que se inserem nessa
instituição (JUNQUEIRA, 2009). Essa colocação corresponde com o que é apresentado no estudo
“Revelando Tramas, Descobrindo Segredos: Violência e Convivência nas Escolas”, publicado no
ano de 2009, que se baseou em uma amostra de dez mil estudantes e 1.500 professoras e
professores do Distrito Federal, relatando que 63,1% das/dos entrevistadas/os já haviam
presenciado homofobia; mais da metade das/dos docentes afirmaram já ter presenciado
homofobia nas escolas; 44,4% dos meninos e 15% das meninas pontuaram que não gostariam de
ter algum colega homossexual dentro da sala de aula (ABRAMOVAY; CUNHA; CALAF, 2009).
Apesar desses dados apresentarem uma realidade de 13 anos atrás, compreender o quanto se está
avançando dentro dos espaços escolares em relação às violências vividas por aqueles que são
considerados desviantes da norma (considerando a norma enquanto cisgênera e heterossexual) é
um fator de extrema importância para a Educação.
As questões de gênero e de sexualidades na Educação têm ganhado força e maiores debates
no universo acadêmico, sendo encontrados diferentes trabalhos que questionam as práticas
docentes em relação ao gênero e às sexualidades (MORAES, 2017; SOUZA; SILVA; SANTOS,
2017; BORGES, 2018). Esse achado na literatura aponta a importância da educação nos processos
de socialização das/dos sujeitas/os nas diferentes idades e do papel das/dos docentes nas
aprendizagens que ultrapassam o currículo formal. Ainda, cabe destacar a primazia da discussão
em relação a essa temática em meio a um contexto político que se apresenta de forma desafiante,
marcado por retrocessos no campo das políticas públicas, ameaças a direitos fundamentais e já
institucionalizados, incertezas, forte pressão política de grupos religiosos fundamentalistas e da
crescente censura em órgãos governamentais federais, estaduais e municipais como resposta a tais
pressões.

2 Conceito para se referir às diversas formas de aversão e/ou agressão a pessoas Lésbicas, Gays e Bissexuais, Transexuais/Travestis (LGBT),
seja verbal, física ou psicologicamente, isto é, ofensas individuais e coletivas, ameaças, agressões e discriminações motivadas pela orientação
sexual e/ou identidade de gênero da vítima. A LGBTfobia (também chamada de homotransfobia) foi considerada crime nos termos da Lei
7.716/1989 (Lei Antirracismo) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2019.

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escolar: o papel docente e alguns apontamentos pedagógicos

A presença da sexualidade independe da intenção manifesta ou dos discursos explícitos, da


existência ou não de uma disciplina de “Educação Sexual” ou "Educação para a Sexualidade", da
inclusão ou não desses assuntos nos currículos escolares. Ou seja, o tema da sexualidade está na
escola porque ela faz parte dos sujeitos, ela não é algo que possa ser desligada ou algo do qual
alguém possa se “despir” (LOURO, 1999, p. 81). Para tanto, defende-se, neste texto, que as
políticas educacionais e as práticas escolares que correlacionam discussões sobre gênero,
diversidade sexual e sexualidade não devem se limitar ao campo dos direitos à saúde sexual e
reprodutiva, ainda que continuem sendo importantes. É preciso avançar também com outras
perspectivas e questões contemporâneas.
Assim, serão apresentadas reflexões introdutórias e elementares sobre o papel docente nas
discussões de gênero e sexualidades no ambiente escolar, baseadas nos estudos e nas teorizações
de autoras e autores como Guacira Lopes Louro, Judith Butler e Michel Foucault, dentre outras/os.
A orientação geral do texto parte da compreensão que, para se construir um espaço-tempo seguro
para todas e todos as/os envolvidas/os no contexto escolar, é necessário que haja uma estruturação
pedagógica que possibilite o desenvolvimento pleno de todas as subjetividades e experiências, não
deixando espaços para as violências. Ao final do artigo, oferece-se alguns apontamentos didático-
metodológicos que servem como encaminhamentos pedagógicos possíveis para o debate de gênero
e sexualidades em sala de aula.

Gênero, sexualidade e o contexto escolar

A escola, além de atuar no compartilhamento e na (re)produção de conhecimentos, também


atua na fabricação de diferentes sujeitos marcados por identidades sexuais, étnicas, de gênero, de
raça, de classe, entre outras; muitas vezes, através de processos desiguais, mantendo-se
comprometida com a manutenção de uma sociedade dividida e normatizada, desconsiderando que
a prática escolar também é uma prática política passível de transformação e subversão.
A princípio, cabe relembrar os marcos históricos das discussões oficiais sobre gênero e
sexualidade na educação. Os discursos legais no Brasil sobre a temática apresentaram vários "altos
e baixos, idas e vindas", o que não exime o fato de que os discursos em torno do gênero e das
sexualidades na Educação sempre estiveram presentes nas instituições escolares brasileiras.
Entretanto, enfrentaram diferentes conjunturas: ora eram proibidos, como no período do regime
militar ditatorial no Brasil; ora eram permitidos e até nomeados nos documentos oficiais, sobretudo
nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) a partir da segunda metade de 1990 (CÉSAR, 2004);
e ora eram suprimidos, mas não com caráter de proibição, dos Planos Nacional, Estaduais e

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Municipais de Educação, em 2014 e 2015, e da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em


2017.
Conforme analisaram Barbosa; Viçosa e Folmer (2019): em 1997, o Ministério da Educação
incluiu a sexualidade como tema transversal nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do
Ensino Fundamental, trazendo a orientação sexual como uma proposta de conhecimento e
valorização dos direitos sexuais, reprodutivos, prevenção do abuso sexual e da gravidez indesejada.
Em 2001, o Plano Nacional de Educação (PNE) apresentou em seus objetivos e metas para os
cursos de formação docente questões de sexualidade. Contudo, em sua versão de 2014-2024, foi
retirado do seu conteúdo o dispositivo que previa a orientação sexual nos contextos escolares. Já
em 2017, foi a vez da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), na qual o tema sexualidade no
contexto escolar foi reduzido aos temas da reprodução sexual e de doenças sexualmente
transmissíveis, contempladas apenas na disciplina de Ciências no oitavo ano do Ensino
Fundamental.
Assim como o sexo e o gênero, compreende-se que a sexualidade não é meramente um
aspecto fisiológico, mas possui um contexto social, histórico e cultural. A sexualidade é um
conceito amplo que engloba desde o sexo e o ato sexual, como também questões sobre as relações
com o corpo, com o desejo e o afeto, a saúde sexual e reprodutiva etc.
Por sua vez, o conceito de gênero se apresenta em diversas áreas do conhecimento e possui
definição ampla, caracterizando diferentes formas e modelos do masculino e do feminino, exigindo
uma compreensão singular de acordo com a cultura e contexto em que este é analisado
(CECCARELLI, 2010). Scott (1995) significa gênero enquanto uma categoria de análise histórica,
trazendo a ideia de gênero como fator constitutivo das relações sociais que baseiam as diferenças
entre os sexos, além de como uma forma primária de significar as relações de poder. E Louro
(1997) conceitua gênero como uma construção histórica, social e linguística acerca do masculino e
do feminino, que se implica nas relações sociais entre homens e mulheres.
Gênero, dentro da compreensão do presente trabalho, remete a construções sociais,
culturais e políticas, que se constitui de maneira histórica e posiciona as pessoas na sociedade a
partir daquilo que já está enquadrado e fabricado, isto é, construído, descolado do sexo e totalmente
oposto ao natural (BUTLER, 2016), envolvendo processos de configuração de identidades e
representações, definições de papéis e funções sociais, e o estabelecimento de relações de poder e
hierarquias entre as diversas dinâmicas de ser e estar no mundo. Assim, é possível compreender o
gênero como uma sequência de atos que está sempre e inevitavelmente ocorrendo (BUTLER,
2016), criando sentidos para as diferenças corporais e de articulação, além das emocionais e

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práticas, dentro de uma estrutura que define as relações de poder entre homem e mulher,
apresentando margens para a socialização e subjetivação (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016;
CECCARELLI, 2010).
Desde a infância, tem-se a ideia de que o mundo é dividido somente em dois polos: o
feminino e o masculino (LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016). Diversas atividades corroboram
com essa ideia e supõem as diferenças conforme o gênero, como na aula de educação física, onde
as atividades são divididas em esportes para meninos e esportes para meninas (LINS; MACHADO;
ESCOURA, 2016). Além disso, brinquedos, livros didáticos, vestimentas, uniformes, o nome
social, piadas, bilhetinhos, as filas divididas em meninos e meninas, dificuldade e/ou proibição de
ter acesso ao banheiro conforme seu gênero (como no caso de pessoas travestis e transexuais) –
todos esses elementos são construídos com fronteiras generificadas, orientando as práticas
curriculares e as relações pedagógicas com o intuito de fixar uma identidade binária, masculina ou
feminina, “normal”, dentro dos padrões já construídos (MORESCO, 2021).
Essa organização conforme o gênero tem grande peso durante toda a vida das/dos
sujeitas/os, criando expectativas sobre como deve-se agir, pensar e do que se deve gostar,
generalizando comportamentos conforme a dicotomia mulher ou homem (LINS; MACHADO;
ESCOURA, 2016). As autoras e o autor ainda pontuam:

Quando generalizações como essas são repetidas em casa, na igreja, na televisão, na escola
ou nas diversas situações do dia a dia, reafirmam-se normas de gênero. Toda vez que
uma pessoa diz “isso é coisa de menina”, “mulher é assim” ou “homem não faz isso”,
não está apenas justificando comportamentos a partir da diferença entre os sexos, mas
também está ensinando como ela e toda a sociedade esperam que homens, mulheres,
meninas e meninos se comportem e limitando suas possibilidades de existir no mundo
(LINS; MACHADO; ESCOURA, 2016, p. 16).

A polarização do masculino e do feminino reforça a superioridade do masculino e da


masculinidade nas áreas consideradas importantes pelos homens, os valores e padrões de
comportamentos impostos às mulheres determinam todos os papéis sociais que estas ocupam na
casa, na família, dentro dos relacionamentos, no sexo, no trabalho, na política e na escola
(CASTAÑEDA, 2006). Essa construção cultural além de determinar as diferenças entre homens e
mulheres, também valida a inferioridade feminina, o que contribui para a naturalização das
violências dentro das relações entre homens e mulheres (KRONBAUER; MENEGHEL, 2005),
sendo impensável falar de gênero e desigualdades sem esbarrar nas questões das mulheres na
sociedade.
As expectativas de gênero perpassam todos os processos sociais, não sendo diferente na
educação escolar, como demonstra o pensamento bastante difundido em que a matemática é para

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os meninos e o capricho com os materiais próprios das meninas. Quando isso ocorre, geram
limitações na aprendizagem e nas experiências de vida das crianças e das/dos adolescentes que
encaram um único jeito de fazer e de ser próprio ao seu gênero enquadrado (LINS; MACHADO;
ESCOURA, 2016). Indubitavelmente, a escola é atravessada pelas questões de gênero e pelas
sexualidades, sendo impossível pensar a instituição e seus processos ignorando as reflexões acerca
das construções existentes diante dos polos masculinos e femininos (LOURO, 1997). As violências
de gênero relacionadas com a escola impede a realização de uma educação de qualidade para
todas/os e, consequentemente, viola o direito universal à educação, sendo um fenômeno que afeta
a aprendizagem, a conclusão do ensino das/dos estudantes, apresentam repercussões negativas
diante de toda a sociedade, não se restringindo ao ambiente escolar (UNESCO, 2015).
Mais recentemente, se observou censuras legislativas em torno do assunto. Um exemplo
são as relatorias do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), as quais declararam
inconstitucionalidade formal e material de trechos de diversas leis municipais e estaduais inspiradas
nas ideias do movimento Escola Sem Partido e de movimentos ultraconservadores similares. Tais
projetos e leis censuravam e vedavam qualquer menção a gênero, orientação sexual e a chamada
“ideologia de gênero” em atividades pedagógicas; proibiam a divulgação de materiais com
referência à “ideologia de gênero” e estabeleciam diretamente a censura desses materiais, mesmo
aqueles que as escolas receberam como doação.
Pode-se prever que tal movimento de censura sobre a Educação é uma continuação dos
deslocamentos a partir de 2014/2015, com a votação nas câmaras legislativas dos Planos
Municipais e Estaduais de Educação, os quais também tiveram retiradas quaisquer menções a
gênero, orientação sexual e identidade de gênero. Tem-se, assim, uma tentativa de imposição do
silêncio, da censura e, de modo mais abrangente, do obscurantismo como estratégias discursivas
dominantes, com efeito de enfraquecer ainda mais a fronteira entre a heterocisnormatividade e a
LGBTfobia (LIONÇO; DINIZ, 2009).
Contudo, vale ressaltar, que o PNE (Lei n.º 13.005/2014) não veda o ensino e o debate das
questões de gênero e sexualidade nas escolas. As diretrizes do PNE são amplas, mas não excluem
nenhuma perspectiva de enfrentamento às desigualdades e discriminações por razão de gênero,
raça, orientação sexual, identidade de gênero etc., ainda que se tenha excluído as adjetivações e
nomeações para as discriminações e desigualdades previstas no PNE. Portanto, qualquer restrição
ou tentativa de censura no Planos Municipais e Estaduais de Educação é considerada
inconstitucional e ilegal.

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E é nessa conjuntura de conflitos entre a proibição em torno dos discursos relativos ao


gênero e às sexualidades, e a defesa da promoção de tais práticas, que se propaga o conceito
ficcional “ideologia de gênero”, amplamente nomeado pelos documentos legislativos
conservadores e fundamentalistas para deslegitimar o campo, já consolidado globalmente, dos
Estudos de Gênero e Estudos Feministas. Tal termo, muito utilizado pela cúpula da Igreja Católica
e por outros setores das igrejas cristãs desde a década de 1990, tem o objetivo de ressaltar que a
“teoria do gênero” seria capaz de implantar uma nova forma de comportamento, promovendo a
confusão de gênero na cabeça das crianças, o ataque à família tradicional brasileira (supostamente
constituída exclusivamente por pai, mãe e filhos) e ferindo o direito de estudantes em aprender os
‘conteúdos que realmente importam’ (JUNQUEIRA, 2017).
O fato é que pensar no exercício do poder torna-se central para refletir sobre a educação e
as violências que nela se desenvolvem, sejam nos discursos presentes nos documentos oficiais ou
nas atitudes cotidianas, visto que o poder é exercido pelos sujeitos e tem efeitos sobre suas ações
(LOURO, 1997). O acolhimento ou a recusa e desprezo em relação a um sujeito é posto de acordo
com as posições que estes ocupam e que os outros acreditam ocupar (LOURO, 2007). As
instituições escolares compostas por multiplicidades de indivíduos, hierarquias e diferentes tipos
de fiscalização constituem um ambiente em que os jogos de poder são estabelecidos (FOUCAULT,
1999), destacando o surgimento da sexualidade por meio de um dispositivo de controle de corpos
que se articulam em diferentes estratégias, sendo ela fundamental nas práticas regulatórias que
produzem os sujeitos e a hierarquização entre eles (FOUCAULT, 1988).
No Brasil, a educação é um direito básico e fundamental garantido constitucionalmente, o
que ressalta a relevância da escola enquanto um espaço que combata a discriminação e os
preconceitos existentes nela (JUNQUEIRA, 2009). No ambiente escolar, a LGBTfobia também é
revelada quando há movimentos contra a elaboração de práticas pautadas no respeito e na
igualdade de direitos, podendo apresentar-se em diferentes graus e formas: nos livros didáticos, nas
queixas escolares, nas piadas, nas brincadeiras, na proibição do uso do banheiro conforme o gênero,
e até mesmo nos desenhos e palavras pichadas paredes (LOURO, 2000). Assim, a escola deve ser
vista de acordo com o caráter cultural que a institui, sendo entendida como um espaço que rejeita
e reproduz significações acerca dos acontecimentos.
Em uma pesquisa desenvolvida pela Secretaria de Educação da Associação Brasileira de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), em 2016, que contou com a
participação de 1.016 estudantes LGBT+, com idades entre 13 e 21 anos, foram levantados dados
preocupantes em relação a LGBTfobia no contexto escolar, sendo que 60% das/dos participantes
se sentiam inseguras/os na escola em decorrência da sua orientação sexual; 43% se sentiam

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escolar: o papel docente e alguns apontamentos pedagógicos

inseguras/os por sua identidade/expressão de gênero; 48% ouviram regularmente comentários


LGBTfóbicos feitos por colegas e 55% afirmaram ter ouvido comentários pejorativos em relação
à população trans. É válido salientar que o processo de exclusão e violência que ronda a escola é
presente, inclusive, no projeto curricular pautado nas/nos estudantes consideradas/os “normais”
de acordo com a sociedade heteronormativa. Diante disso, Caetano (2013) afirma:

O currículo que se realiza nas práticas cotidianas não é um elemento neutro, de


transmissão desinteressada do conhecimento, mas influenciado por interesses que são
eleitos pela escola e/ ou pelo sistema educativo. Inúmeros conteúdos curriculares são
cotidianamente transmitidos nas escolas, com possíveis efeitos em exclusões e
discriminações, que tem sido a causa de expressivos sofrimentos decorrentes da
demarcação da supremacia masculina e da heteronormatividade (CAETANO, 2013, p.
56).

O imperativo heterossexual deve ser pensado enquanto um dispositivo produtor de práticas


que objetivam criar uma dominação através do controle dos corpos. Wittig (1977) coloca a
heterossexualidade como um regime de poder que produz os corpos e os sujeitos sexuados, sendo
que os discursos e as práticas que se tem no campo do gênero e da sexualidade tem como objetivo
uma produção de subjetividades heterossexuais, ressaltando a importância de um ambiente escolar
que considere a diversidade em seus diferentes níveis.
Na escola, quando um professor ou uma professora se recusa a chamar uma estudante
transexual ou travesti pelo seu nome social, por exemplo, não só está cometendo o crime de
LGBTfobia e violando um direito que é de reconhecimento da população brasileira – o uso do
nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais – mas
também está reproduzindo e ensinando atitudes insultuosas semelhantes em relação à estudante e
à qualquer outra pessoa que se enquadre fora da heterocisnorma. Essa atitude, muito comum nas
escolas, é parte do que se entende por pedagogia do insulto em processos de exclusão e
desumanização.
A pedagogia do insulto é praticada por meio da violência física ou verbal através da
linguagem e de elementos já citados anteriormente – jogos, brincadeiras, piadas, apelidos,
constrangimentos, vocalizadas ou escritas nas portas dos banheiros ou nas paredes da escola, dentre
outros (JUNQUEIRA, 2013). Segundo o autor, a noção da pedagogia do insulto é uma passagem
para a pedagogia do armário.

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escolar: o papel docente e alguns apontamentos pedagógicos

A pedagogia do armário interpela a todos(as). Ora, o “armário”, esse processo de


ocultação da posição de dissonância ou de dissidência em relação à matriz heterossexual,
faz mais do que simplesmente regular a vida social de pessoas que se relacionam
sexualmente com outras do mesmo gênero, submetendo-as ao segredo ao silêncio e/ou
expondo-as ao desprezo público (JUNQUEIRA, 2013, p. 486).

Para que a escola seja capaz de acolher a todas/os com segurança e respeito, é necessário
que ela se constitua enquanto um ambiente que reconhece a temática de gênero e das sexualidades
como de extrema relevância, tendo uma equipe de profissionais da Educação que assuma um papel
ativo no fazer pedagógico crítico e transformador (MORAES, 2017). Refletir sobre o que é
encarado enquanto desejável dentro do ambiente escolar é imprescindível para se pensar nas
diferentes práticas pedagógicas, principalmente naquelas que consideram a linearidade entre sexo,
gênero e desejo, partindo do pressuposto universal da heterossexualidade (BRITZMAN, 1996). O
currículo escolar ou o Projeto Político Pedagógico (PPP), por exemplo, devem ser pensados
enquanto instrumentos importantes de libertação (ou opressão, dependendo do posicionamento
escolhido), que se desenvolverá de acordo com as escolhas docentes; escolhas, essas, que não
podem passar sem reflexões sobre a sociedade que se deseja ter e sobre as/os sujeitas/os que se
pretende produzir nas escolas (MORAES, 2017).
Os campos críticos de conhecimentos não podem ser pautados exclusivamente nos livros
didáticos e nos currículos oficiais que se apresentam como ideal, visto que a escola se constrói
diariamente entre as relações estabelecidas pelos sujeitos que dela fazem parte (MORAES, 2017).
Para que seja possível uma prática docente que rompa com os estereótipos de gênero e com a
LGBTfobia é preciso um exercício diário de reflexão sobre a linguagem utilizada no campo escolar,
sobre a divisão dos espaços, a democratização dos assuntos nos planos pedagógicos e a
desnaturalização dos dados que salientam a evasão de pessoas LGBT+ nas escolas, sem naturalizar
e focar na/no sujeita/o aquilo que deveria ser considerado enquanto de cunho social (MORAES,
2017). Ao escolher como atuar na escola, todas/os as/os profissionais, consequentemente,
escolhem para quem irão trabalhar, levando em consideração que todos os seus atos enquanto
uma/um profissional da educação implicará nos mais diferentes indivíduos (GALLO, 2007).
Os discursos presentes no ambiente escolar difundem e ditam as definições do que se tem
como ideal, sendo esses fundamentais para condicionar as/os indivíduas/os às normas regulatórias.
Sem essa reflexão-ação a escola submete-se às normas sociais vigentes e dominantes, e colabora
com a exclusão de diferentes grupos (MORAES, 2017). Dito isso, é substancial uma leitura crítica
sobre o ambiente escolar que inclua as questões curriculares, os usos dos espaços, as relações de
poder e quais as/os sujeitas/os marginalizadas/os quando se pensa em uma Educação por e como
direito.

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escolar: o papel docente e alguns apontamentos pedagógicos

Possibilidades docentes para encaminhamentos pedagógicos

"A professora chega à sala para sua aula de biologia. Estamos num Colégio Agrícola, em
regime de internato para os 220 alunos e semi-internato para as 13 alunas. Esta é uma
turma do primeiro ano do ensino médio e o assunto de hoje é citologia. O professor
anterior deixou o quadro completamente escrito e a professora resolve apagá-lo antes de
iniciar a chamada – é um bom pretexto para que todos/as se 'acalmem' e voltem às suas
carteiras. De costas para a classe, a professora ouve dois garotos discutindo, seriamente,
sobre certo assunto... Ela não interfere. Espera que eles resolvam o impasse antes do
quadro estar limpo e não dá muita importância aos dois. Mas, de repente, um dos alunos
a coloca, sem direito de escolha, como participante da discussão: – Professora, a senhora
não vai fazer nada? O 'fulano' acaba de me chamar de heterossexual! Diante dessa
solicitação de intervenção urgente, a limpeza do quadro já não era mais tão necessária.
Aos ouvidos da professora alguma coisa soa estranha e ela pede para que o aluno repita
o que disse e confirme sua necessidade de ajuda. – A senhora não vai fazer nada? Ele me
chamou de 'bicha'! Enquanto a classe se entreolhava e concluía um generalizado riso
nervoso, a professora, em segundos, decidia o que fazer diante do impasse" (Trecho
retirado de Furlani, 2009, p. 38).

Nesse episódio descrito, diante da “afirmação vexatória” do “aluno caluniador” – que


chamou o colega de “heterossexual”, ou seja, “de bicha” (para ele), a professora relata que decidiu
interceder no sentido de falar sobre a questão e explicar, conceitualmente, os termos utilizados
(FURLANI, 2009). Vale lembrar que, embora esse caso se refira a adolescentes de 13 a 15 anos, o
contexto da Educação Infantil e dos níveis do Ensino Fundamental também apresentam situações
semelhantes e, portanto, é importante que a/o docente assuma uma postura pedagógica
consonante com a função social do ser professor ou professora da Educação Básica.
As curiosidades das crianças em relação à sexualidade, aos corpos, às experiências afetivas,
por exemplo, são questões significativas que surgem à medida em que elas começam a se relacionar
com as descobertas e conhecimentos do seu próprio corpo, do corpo da/do outra/o, na construção
da sua identidade, no acesso às informações que chegam até elas através dos meios de comunicação,
da família e dos diversos agentes de socialização das quais entram em contato (igreja, escola, outros
ambientes…). Diante disso, é importante que a escola seja um espaço em que as crianças, e também
as/os docentes e demais profissionais que atuam na instituição, possam sanar suas dúvidas,
questionamentos, criando um ambiente para a reflexão, para a formulação de novas perguntas
(pois, afinal, faz parte dos processos de qualquer aprendizagem), aliviando tensões, medos e até
mesmo findando preconceitos, elementos que interferem nos processos de aprendizagem e de
convívio saudável.
A seguir, são elencadas algumas das muitas possibilidades didático-metodológicas para se
trabalhar de maneira introdutória a temática de gênero e sexualidade em âmbito escolar:
a) Parceria das escolas com as universidades, com pesquisadoras/es de grupos de pesquisa
dos Estudos de Gênero e estudos sobre sexualidades e/ou com movimentos sociais que discutem

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escolar: o papel docente e alguns apontamentos pedagógicos

o tema. Aproveitar o conhecimento produzido pelas/os sujeitas/os, instituições e organizações


para compor um debate aprofundado, científico, abundante em dados atuais e com embasamento
teórico-prático. Essa possibilidade pode ser uma boa escolha principalmente para docentes e
profissionais da Educação que não possuem muito domínio da temática, além de ser uma estratégia
de cooperação entre escola e outras instituições da sociedade civil;
b) Incorporar a educação para a sexualidade no Projeto Político Pedagógico (PPP) da
escola. Essa possibilidade aponta uma direção educacional, política e pedagógica dada pela
comunidade escolar, com planos, métodos e saberes a serem construídos, além de institucionalizar
e comprometer-se com o debate dessa temática tão importante;
c) Utilizar materiais pedagógicos nas aulas, diversificando nas possibilidades de ferramentas
de apoio e produzir reflexão crítica sobre as mensagens veiculadas por eles. Para a discussão sobre
gênero e sexualidades na Educação, é possível fazer uso de vários recursos e produzir a partir deles
reflexões de modo a construir uma atitude analítica e crítica diante das informações repassadas por
esses materiais. Problematizar imagens representativas (ou a falta da representação), frases,
opiniões, comportamentos etc. Quanto à diversidade de materiais pedagógicos, sugere-se,
especialmente aqueles mais adequados às crianças, quando se tratar dessa faixa etária, vídeos,
dramatizações, dinâmicas, recortes de jornal, fantoches, massa de modelar, brinquedos, fanzines.
Já para o Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA), é interessante utilizar, além das
linguagens e ferramentas tradicionais, as novas linguagens digitais e tecnológicas, como cenas de
filmes e séries, vlogs noticiosos e culturais, memes, charge digital, jingle, spot e anúncio publicitário,
postagens das redes sociais, entre outros. Esses são materiais pedagógicos que estão, inclusive,
sugeridos na Base Nacional Comum Curricular para serem utilizados desde o Ensino Fundamental.
d) Uma outra possibilidade didático-metodológica, especialmente quando a professora ou
o professor está na dúvida de como montar seu plano de aula ou sequência didática para discutir
essas temáticas, são os bancos de planos de aula públicos produzidos por movimentos sociais,
organizações da sociedade civil, coletivos de estudantes, pesquisadoras/es, comunidades escolares
etc. Um exemplo desses bancos é o site Gênero e Educação3, que faz parte do projeto Gênero na
Escola, realizado pela organização de direitos humanos, sem fins lucrativos, Ação Educativa com
apoio do Fundo Malala, uma rede de ativistas pela Educação. No site, é possível acessar planos de
aulas, planos de atividade por campo de experiência, sequências didáticas e relatos de experiência
que promovam a igualdade de gênero, o debate de sexualidades, interseccionando com outros
marcadores sociais da diferença, tais como raça/etnia, geração, religião, deficiências, entre outros.

3 Disponível em: http://generoeeducacao.org.br. Acesso em: 30 jun. 2022.

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escolar: o papel docente e alguns apontamentos pedagógicos

Ainda, salienta-se que há diversas maneiras pedagógicas de estimular o debate, o respeito,


a promoção e a reflexão crítica sobre as temáticas de gênero e sexualidades nas escolas. Contudo,
discutir tais temas no contexto escolar não é uma escolha neutra, mas fundamentada em uma
"postura pedagógica que compreende uma determinada visão de mundo, de sociedade, de sujeito
histórico, de prática social, de cultura, de linguagem, de corpo, de aluno/a, de professor/a, de
educação" e mesmo de escola (SANTOS, 2009, p. 60).
É fundamental o avanço na ideia de que é sempre muito complexo abordar os temas de
gênero e de sexualidades na escola considerando direitos e elementos contemporâneos no debate.
Deve-se ter, sobretudo, maior interesse por parte das professoras e professores, equipe pedagógica
e demais profissionais da Educação, para desenvolver sua própria participação e coragem política,
considerando a função social da profissão e do campo educacional. Afinal, “a sexualidade tem
muito a ver com a capacidade para a liberdade e com os direitos civis e que o direito a uma
informação adequada é parte daquilo que vincula a sexualidade tanto com o domínio imaginário
quanto com o domínio público" (BRITZMAN, 1999, p. 109).
Considerar cada sujeito em sua singularidade e em sua inserção cultural, a partir da ideia
que não há uma verdade absoluta sobre as concepções, atitudes e modos de como viver seu gênero
e sua sexualidade (MAIA; RIBEIRO, 2011) é uma das maneiras mais pedagógicas de incentivar a
educação para a sexualidade, fundamentando-se em uma concepção de experiências e sexualidades
plurais, ou seja, no reconhecimento da multiplicidade de identidades, comportamentos, modos de
ser e existir.

Considerações Finais

A escola como parte basilar dos processos de socialização dos indivíduos demanda de
docentes preparadas/os para lidar com as mais diferentes questões, incluindo as de gênero e
sexualidade, para que seja possível ações por parte dos sujeitos envolvidos na educação que gerem
reflexões acerca das discriminações produzidas e reproduzidas no contexto escolar. Para que haja
mediação dos conflitos e uma resposta assertiva diante das violências enfrentadas pelas/os
alunas/os que fogem à norma heterossexual, branca e cisgênera é substancial que a formação e
atuação docente seja repensada e foque, também, em propostas pedagógicas eficazes para essas/es
estudantes (MORAES, 2017).
Não concordando e difundindo uma postura reducionista e ingênua, a partir do olhar de
que as relações de poder podem acabar em todas as instâncias e toda a sociedade pode ser
transformada a partir da escola, é substancial manter-se crítica/o e em atividade, problematizando

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LOPES, Bruna Gabrielle; MORESCO, Marcielly Cristina. Gênero e sexualidade no ambiente
escolar: o papel docente e alguns apontamentos pedagógicos

todas as conformidades do que se entende por natural (LOURO, 1997). Todos os processos e
procedimentos presentes no contexto escolar – desde materiais didáticos, currículos etc. até formas
de ensino – atuam como importantes marcadores nas diferenças de gênero, sexualidade, etnia,
raça, classe etc. Assim, ressalta-se a imprescindibilidade de questionar os processos ocorridos nesse
contexto e como as/os docentes reagem para que as violências não sejam ainda mais perpetuadas
e capazes de produzir a evasão escolar daquelas/es que distanciam-se das normas.
Além da (re)produção e compartilhamento de conhecimentos, no ambiente escolar
também produz-se sujeitos com diferentes marcadores sociais através de relações não lineares, o
que demonstra o compromisso da Educação na manutenção de uma sociedade desigual e dividida
(LOURO, 1997). As exclusões e violências não irrompem inadvertidamente nas escolas, mas essa
as utilizam para a (re)produção de lógicas normativas, sendo de extrema relevância considerar a
escola enquanto um campo que fabrica sujeitos, subjetividades e identidades, reproduzindo e
perpetuando a legitimação das relações de poder, tomando como norma uma referência pautada
no homem, branco, heterossexual, cisgênero, pertencente a classe média ou alta (JUNQUEIRA,
2009).
Reconhecer que as práticas escolares também são práticas políticas abre possibilidades para
que haja transformações nessas condutas, que seguem sendo repassadas e moldadas de acordo com
a norma vigente. É necessário que haja um compromisso ético da equipe pedagógica pautado na
defesa dos direitos humanos, além de uma atuação que apresente um posicionamento crítico, tanto
por parte da escola como instituição quanto por parte da/do docente como agente fundamental
nas transformações sociais. Assim, diante das práticas LGBTfóbicas nas escolas, o enfrentamento
às opressões de qualquer tipo e a discussão crítica sobre elas podem contribuir amplamente para
uma trajetória escolar segura e saudável para todas e todos.
Para tanto, são fundamentais e urgentes os investimentos em formação inicial e continuada
de professoras/es e demais profissionais que atuam na Educação. A lacuna de formação e
compartilhamento de conhecimento dificulta a compreensão de conceitos, da pluralidade, das
diferenças e também da crítica à produção de desigualdades e violências. Além disso, defende-se
uma periódica e permanente revisão dos currículos e dos materiais didáticos, de modo que sejam
promotores de conteúdos e metodologias pedagogicamente pertinentes e inclusivas.

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