Sedoanalgesia Na UTI 2019

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Data de Submissão: 10/03/2018

Data de Aprovação: 22/11/2018


ARTIGO ORIGINAL

Perfil do uso de sedoanalgesia em crianças sob ventilação mecânica


em unidade de terapia intensiva
Profile of the use of sedoanalgesia in children under mechanical ventilation in an intensive care unit

Maylla Moura Araújo1, July Lima Gomes2, Renanna Najara Veras Rodrigues2, Lorena Keli Lemos Piauilino Cruz3

Palavras-chave: Resumo
sedação profunda, Objetivo: Descrever o uso de analgésicos e sedativos em crianças submetidas à ventilação mecânica em uma Unidade de
analgesia, Terapia Intensiva Pediátrica, identificando as drogas utilizadas, doses e duração, além de verificar a ocorrência de síndrome de
síndrome de abstinência Abstinência. Métodos: Realizou-se um estudo de caráter observacional, transversal, retrospectivo, descritivo, com abordagem
a substâncias, quantitativa e análise secundária dos dados. Participaram crianças admitidas em uma Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica,
unidades de terapia entre os meses de julho de 2014 e junho de 2015, com necessidade de terapia analgésica e/ou sedativa em infusão contínua
intensiva pediátrica. e de ventilação mecânica, que permaneceram no setor por mais de 12 horas. Resultados: Identificou-se um total de 41
indivíduos, correspondendo a 63% dos pacientes internados. As medicações empregadas para sedoanalgesia contínua foram
Midazolam, Cetamina e Fentanil. Esses fármacos foram utilizados em baixas doses de infusão por um tempo médio de 11,5±11,4
dias. A síndrome de Abstinência ocorreu em 39% dos pacientes, sendo que estes fizeram uso das mesmas por um período
médio de 19,31(±11,57) dias. Observou-se uma relação entre sedoanalgesia prolongada com o desenvolvimento da síndrome
(p<0,001), uma vez que 70% daqueles que receberam sedoanalgesia contínua por um período superior a 7 dias desenvolveram
abstinência. Conclusões: O emprego de analgésicos e sedativos configurou-se prática bastante frequente e, devido ao tempo
de uso prolongado dos fármacos, verificou-se ocorrência importante de síndrome de Abstinência.

Keywords: Abstract
Deep Sedation, Objective: To describe the use of analgesics and sedatives in children undergoing mechanical ventilation in a Pediatric Intensive
Analgesia, Care Unit, identifying the drugs used, doses and duration, and to check for the occurrence of Withdrawal Syndrome. Methods:
Substance Withdrawal A cross-sectional, retrospective, descriptive and quantitative study was carried out. The participants were children admitted
Syndrome, to a Pediatric Intensive Care Unit between July 2014 and June 2015, requiring analgesic and/or sedative therapy in continuous
Pediatric Intensive infusion and mechanical ventilation, who remained in the ward for more than 12 hours. Results: 41 individuals were enrolled,
Care Units. corresponding to 63% of hospitalized patients. The medications used for continuous sedoanalgesia were Midazolam, Ketamine
and Fentanyl; they were used in low infusion doses for a mean time of 11.5 ± 11.4 days. Withdrawal Syndrome occurred in
39% of the patients, who used them for a mean period of 19.31 (± 11.57) days. There was a relationship between prolonged
sedoanalgesia and the development of the syndrome (p<0.001), since 70% of those who received continuous sedoanalgesia
for a period of more than 7 days developed withdrawal symptoms. Conclusions: The use of analgesics and sedatives was a very
frequent practice and, due to the prolonged use of the drugs, there was an important occurrence of Withdrawal Syndrome.

1
Médica Residente de Pediatria da Universidade Federal do Piauí-UFPI, Teresina, PI, Brasil.
2
Graduanda do Curso de Medicina da Faculdade Integral Diferencial-FACID, Teresina, PI, Brasil.
3
Pediatra, Especialista em Terapia Intensiva Pediátrica - Professora da Disciplina de Pediatria do Curso de Medicina da Faculdade Integral Diferencial-FACID,
Teresina, PI, Brasil.

Endereço para correspondência:


Lorena Keli Lemos Piauilino Cruz.
Faculdade Integral Diferencial-FACID, Teresina, Piauí. Rua Veterinário Bugyja Brito, nº 1354, Horto Florestal.
Teresina - Piauí. Brasil. CEP: 4020-4900. E-mail: lorenakeli@yahoo.com.br

Residência Pediátrica 2019;9(3):246-251. DOI: 10.25060/residpediatr-2019.v9n3-09

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INTRODUÇÃO superior a 12 horas. Os pacientes que não preencheram algum
desses critérios ou que cujas informações não puderam ser
Na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP), a localizadas através dos prontuários foram excluídos.
criança encontra-se constantemente exposta a uma intensa A coleta de dados foi realizada de setembro a outubro
perturbação física e psicológica. Esse cenário adverso, associa- de 2016, meses em que foram analisados 65 prontuários re-
do à necessidade de suporte ventilatório invasivo, determina, ferentes a todos os pacientes admitidos na UTIP no período
muitas vezes, a administração de sedativos e analgésicos. do estudo. Após identificar um total de 41 indivíduos que
Há uma preferência pelo uso de sedoanalgésicos em estavam em uso de sedoanalgésicos e em suporte ventilatório,
infusão contínua nas unidades de cuidados intensivos1,2. Além definiu-se o perfil do uso de fármacos sedativos e analgésicos.
de tratarem a ansiedade, a agitação e a dor, a combinação de Para o levantamento dos dados, foi utilizado um for-
analgésicos e sedativos, pelos seus efeitos hipnóticos, depres- mulário elaborado pelos pesquisadores, no qual foram preen-
sores da respiração e do reflexo de tosse, permite uma melhor chidos dados referentes à identificação da criança (gênero e
adaptação à ventilação mecânica (VM)3. idade), ao uso de fármacos sedoanalgésicos, suas respectivas
Entretanto, a utilização excessiva e incorreta da se- doses, forma de interrupção (abrupta ou gradual) e duração
doanalgesia pode ter repercussões negativas, levando a um da terapia, além da indicação clínica de ventilação mecânica
prolongamento da necessidade de suporte ventilatório, do de acordo com a afecção de base (sepse, disfunção pulmonar,
tempo de internação e aumento do risco de infecção. Isso distúrbio neurológico e disfunção cardiovascular). Os casos
ocorre porque o organismo passa a desenvolver mecanismos de síndrome de abstinência foram identificados através de
que levam à dependência física, determinando uma neces- pesquisa de registro médico em prontuário, baseado em sinais
sidade de receber a droga em doses cada vez maiores para e sintomas característicos manifestados durante o desmame
manutenção do efeito clínico4. dos fármacos.
A essa consequência dá-se o nome de tolerância, que Os dados foram expostos numa planilha do Microsoft
se define pela diminuição do efeito da dose oferecida com o Office Excel 2010® e, em seguida, analisados no software R
passar do tempo. Dessa forma, suspensão ou redução abrup- versão 3.2.2 para Windows®. Para a comparação entre duas
ta da sedoanalgesia pode induzir à síndrome de abstinência médias, quando os dados foram normais e homogêneos,
(SA), caracterizada pelo aparecimento de um conjunto sinais utilizou-se o teste t de Student para amostras independentes,
e/ou sintomas muito variáveis em apresentação e gravidade quando não, utilizou-se o teste de Mann-Whitney. Testou-se
(taquicardia, sudorese, agitação, tremores, febre, etc.)2,3,5. a associação entre as variáveis categóricas por meio do teste
Para a efetivação da aplicação dos protocolos de sedo- exato de Fisher, pois algumas caselas apresentaram valores
analgesia, faz-se necessário o conhecimento prévio do uso de menores que 5. Os dados foram considerados significativos
analgésicos e sedativos em crianças no ambiente de terapia com valores de p abaixo de 0,05.
intensiva, além das repercussões resultantes dessa prática, Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em
como a ocorrência de síndrome de abstinência, justamente o Pesquisa da Faculdade Integral Diferencial (FACID) (CAAE:
que foi proposto pelo presente estudo. O conhecimento do 59723616.3.0000.5211).
perfil de prescrição de sedoanalgesia e de suas consequências
torna possível a implantação de medidas padronizadas que RESULTADOS
minimizem efeitos negativos decorrentes da mesma.
O presente trabalho teve como objetivo descrever o uso Nos 12 meses do estudo, julho de 2014 a junho de
de analgésicos e sedativos em crianças submetidas à ventilação 2015, foram admitidas, na UTIP, 65 crianças. Desse total,
mecânica em uma UTIP, visando identificar as drogas utilizadas, foram excluídos 24 pacientes, 9 por não terem o prontuário
a dose e tempo de uso das mesmas, além de avaliar a incidên- localizado, 13 por não fazerem uso de sedoanalgesia contínua
cia de síndrome de abstinência aos fármacos sedoanalgésicos e/ou ventilação mecânica e 2 por terem permanecido menos
nesses indivíduos, para que esse conhecimento possibilite a de 12 horas na unidade de cuidados intensivos. Assim, ao
implementação de protocolos para o manejo de sedoanalgesia. término da coleta de dados, foram considerados elegíveis 41
indivíduos. Isso demonstra que, das crianças admitidas na
MÉTODOS UTIP, 63% receberam sedoanalgesia endovenosa contínua e
foram submetidas à VM por um período superior a 12 horas.
Realizou-se um estudo de caráter observacional, trans- A idade média dos indivíduos foi de 2,27 ± 3,16 anos.
versal, retrospectivo, descritivo, com abordagem quantitativa e Houve maior frequência do gênero feminino, representado por
análise secundária dos dados na UTIP do Hospital de Urgência 23 pacientes (56%), enquanto 18 (44%) eram do gênero mascu-
de Teresina (HUT), PI. Participaram todas as crianças admitidas lino. Com relação à administração de sedativos e analgésicos,
na UTIP, entre julho de 2014 e junho de 2015, que tiveram foram utilizados, para sedoanalgesia endovenosa contínua, os
necessidade de terapia analgésica e/ou sedativa em infusão fármacos Midazolam, Fentanil e Cetamina. A combinação de
contínua e utilizaram ventilação mecânica, e que permane- drogas utilizada com maior frequência foi Midazolam e Fentanil
ceram na unidade de cuidados intensivos por um período

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(24/58,5%), seguido por Midazolam e Cetamina (13/31,7%) e -se os casos de óbitos e transferências durante internação,
Midazolam isoladamente (4/9,8%). A dose média de infusão foi a redução da dose de infusão contínua concomitante à
contínua e o tempo médio de uso encontram-se na Tabela 1. associação com alguma droga equivalente para desmame
Com relação à condição clínica preponderante em (14/34,15%). Dentre os pacientes estudados, constatou-se
cada indivíduo e que levou à indicação de VM, verificou-se que 41,5% (n = 17) fizeram uso de drogas para desmame e
que o principal motivo foi disfunção pulmonar (18/43,9%), a principal combinação utilizada foi Lorazepam e Clonidina,
seguido por sepse (9/22%), distúrbio neurológico (8/19,5%) associadas ou não à Metadona (16/39%).
e disfunção cardiovascular (5/12,2%). Demonstrou-se asso- Verificou-se que 12,2% (n = 5) das crianças estudadas
ciação significativa entre a escolha dos sedoanalgésicos e a tiveram remoção abrupta da sedoanalgesia e nenhuma delas
recomendação de suporte ventilatório (p = 0,037) como pode apresentou síndrome de abstinência (p < 0,001). No entanto,
ser visto na Tabela 2. desses pacientes cuja sedoanalgesia foi retirada abruptamen-
Os casos de abstinência foram identificados através te, 80% (n = 4) fizeram uso da mesma por um período inferior
da pesquisa de registro médico do respectivo diagnóstico em a 3 dias.
prontuário, tendo em vista a manifestação de sinais e sintomas A ocorrência de síndrome de abstinência foi significati-
característicos no decorrer da internação. Diante disso, um vamente maior (p < 0,001) nos pacientes que tiveram remoção
total de 16 pacientes apresentaram sinais e sintomas corres- progressiva da sedoanalgesia (uso de drogas equivalentes para
pondentes à síndrome de abstinência, o que corresponde a desmame associadas ou não à diminuição da dose de infusão
39% dos indivíduos em uso de sedoanalgésicos. contínua). Entretanto, 85% das crianças cuja interrupção da
A maioria das crianças submetidas a um maior número sedoanalgesia foi realizada dessa maneira permaneceram em
de intervenções terapêuticas no sentido de aumento da dose uso dos fármacos por um período superior a 7 dias.
da sedoanalgesia apresentaram sintomas de abstinência
com maior frequência. A maior parte daquelas que tiveram DISCUSSÃO
intervenções mais discretas ou nenhuma modificação da dose
não demonstraram o mesmo grau de desenvolvimento de A partir desses dados obtidos em uma UTIP, no período
abstinência aos sedoanalgésicos (Tabela 3). de um ano, percebeu-se que grande parte (63%) das crianças
Neste estudo, também se mostrou a relação significa- admitidas nesse setor recebeu sedoanalgesia endovenosa
tiva (p < 0,001) entre o tempo de uso da sedoanalgesia com contínua e foram submetidas à VM por um período superior
a síndrome de abstinência (Tabela 4). Os 16 pacientes que a 12 horas. Rodrigues Júnior & Amaral6 verificaram que, em
desenvolveram abstinência fizeram uso de sedoanalgesia uma Unidade de Terapia Intensiva Adulta, 37,4% dos pacien-
por um período médio de 19,31(± 11,57) dias, enquanto os tes fizeram uso de sedativos, sendo que a adaptação à VM
pacientes que não apresentaram nenhum sinal e/ou sintoma constituiu a principal indicação de sedação. Dessa forma,
característico permaneceram em uso da terapêutica por 6,48 percebe-se que a sedoanalgesia no ambiente de cuidados
(± 8,09) dias, o que revela uma diferença estatisticamente intensivos é bastante frequente, principalmente quando se
significativa entre as médias de tempo (p < 0,001). O tempo relaciona à adaptação do suporte ventilatório, pelo fato de
de uso médio da sedoanalgesia com Midazolam e Fentanil inibir os efeitos neuroendócrinos provocados pelo estresse
foi significativamente maior (p < 0,006) nos indivíduos que e, consequentemente, reduzir o consumo de oxigênio, para
apresentaram síndrome de abstinência. facilitar a sincronização com o aparelho de VM3,7.
As formas de interrupção da sedoanalgesia também No paciente grave, os sedativos e analgésicos são
foram avaliadas. A principal maneira de remoção, excetuando- administrados, preferentemente, sob a forma de infusão inin-
terrupta. Identificou-se o Midazolam, o Fentanil e a Cetamina

Tabela 1. Dose média de infusão contínua e tempo médio de administração de sedoanalgesia em crianças submetidas à ventilação mecânica
em uma UTIP.
Variáveis Drogas sedoanalgésicas n Média Desvio Padrão
Midazolam (mg/kg/h) 41 0,30 0,14
Dose Fentanil (µg/kg/h) 24 3,08 1,47
Cetamina (µg/kg/min) 13 7,38 2,76
Midazolam 4 3,00 1,83
Midazolam e Cetamina 13 10,46 10,45
Tempo (dias)
Midazolam e Fentanil 24 13,46 12,28
Total 41 11,49 11,38
Fonte: Araújo (2016)
n=frequência absoluta.

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Tabela 2. Correlação entre drogas sedoanalgésicas e indicação de ventilação mecânica nas crianças de uma UTIP.
Drogas sedoanalgésicas
Indicação da VM Midazolam Midazolam e Cetamina Midazolam e Fentanil Total
p*
n % n % n % n %
Sepse 0 0,00 5 38,46 4 16,67 9 21,95
Disfunção Pulmonar 2 50,00 4 30,77 12 50,00 18 43,90
Distúrbio Neurológico 2 50,00 0 0,00 6 25,00 8 19,51
0,037
Disfunção Cardiovascular 0 0,00 4 30,77 1 4,17 5 12,20
Outros 0 0,00 0 0,00 1 4,17 1 2,44
Total 4 9,76 13 31,71 24 58,54 41 100,00
Fonte: Araújo (2016)
n=frequência absoluta; %=frequência relativa; *= teste de Qui-quadrado exato de Fisher; Valor de p considerado significativo abaixo de 0,05.

Tabela 3. Ocorrência da síndrome de abstinência segundo o aumento das doses de sedoanalgésicos em crianças submetidas à ventilação
mecânica em uma UTIP.
Síndrome de Abstinência
Total
Sinais de tolerância Sim Não p*
N % N % n %
Aumento da dose de infusão contínua 0 0,00 4 100,00 4 9,76
Uso de injeções intermitentes 6 75,00 2 25,00 8 19,51
Aumento da dose de infusão contínua e uso de injeções intermites 7 63,64 4 36,36 11 26,83 0,002
Dose não modificada 3 16,67 15 83,33 18 43,90
Total 16 39,02 25 60,98 41 100,00
Fonte: Araújo (2016)
n=frequência absoluta; %=frequência relativa; *=teste de Qui-quadrado exato de Fisher; Valor de p considerado significativo abaixo de 0,05.

Tabela 4. Ocorrência da síndrome de abstinência segundo o tempo de uso da sedoanalgesia em crianças submetidas à ventilação mecânica
em uma UTIP.
Síndrome de Abstinência
Total
Tempo de sedoanalgesia Sim Não p*
n % N % n %
< 3 dias 0 0,00 12 100,00 12 29,27
3 a 7 dias 4 33,33 8 66,67 12 29,27
< 0,001
> 7 dias 12 70,59 5 29,41 17 41,46
Total 16 39,02 25 60,98 41 100,00
Fonte: Araújo (2016)
n=frequência absoluta; %=frequência relativa; *=teste de Qui-quadrado exato de Fisher; Valor de p considerado significativo abaixo de 0,05.

como os fármacos mais utilizados na UTIP onde se realizou a combinação, Midazolam e Cetamina, foi utilizada com frequ-
pesquisa. Para Martinbiancho1 e Sfoggia et al.2, estes agentes ência significativamente maior (p = 0,037) nos pacientes com
fazem parte do grupo dos principais sedoanalgésicos empre- sepse ou disfunção cardiovascular.
gados em UTIP, que são os benzodiazepínicos (Midazolam e De acordo com Bartolomé et al.3, o Midazolam é o benzo-
diazepam), hidrato de cloral, opioides (morfina e Fentanil), diazepínico de escolha para administração contínua no paciente
barbitúricos (Tiopental) e a própria Cetamina. pediátrico grave, sendo quatro vezes mais potente que o Diaze-
No presente estudo, todos os pacientes submetidos pam, com rápido início de ação e tempo de equilíbrio plasma-
à VM receberem terapia sedoanalgésica cujo sedativo foi o -encéfalo entre 0,9 e 5,6 minutos. A morfina e seus derivados são
Midazolam, associado ou não a uma droga analgésica. Além drogas que atuam em receptores opioides, provocando analgesia
disso, percebeu-se que a indicação dos sedoanalgésicos e sedação, porém sem causar amnésia. Por isso, frequentemente
relacionou-se à afecção de base de cada indivíduo. A associa- são associados aos benzodiazepínicos, como foi visto em 58,5%
ção Midazolam e Fentanil foi a de escolha para os pacientes dos pacientes estudados, destacando-se como principal forma
com disfunção pulmonar ou distúrbio neurológico. A segunda de sedoanalgesia a combinação do Midazolam com o opioide

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Fentanil. Este apresenta rápido início de ação e duração mais quando ocorre a diminuição do efeito da droga com o passar
curta quando comparado à morfina, tendo meia vida de equilíbrio do tempo, havendo uma necessidade de acréscimo na dose
plasma-encéfalo de 6,4 minutos. do fármaco para obter o mesmo resultado4.
No estudo de Rodrigues Júnior & Amaral6, o Fentanil foi o Isso culmina num aumento da dose total cumulativa
agente analgésico mais administrado, correspondendo a 58% das dos fármacos sedoanalgésicos, fato cuja relação ao apare-
técnicas, fato semelhante ao evidenciado neste trabalho. Essa pre- cimento de síndrome de abstinência está suficientemente
ferência pelo uso de um fármaco opioide como droga analgésica demonstrada na literatura, como afirmam Fonsmark et al.12 e
nos pacientes em VM deve-se ao fato de que, quando combinado de Wildt et al.13, que constataram uma associação significativa
a um benzodiazepínico, demonstra-se um efeito sinérgico que entre o acúmulo da dose de sedativos com a manifestação de
permite a redução das doses de ambos e, consequentemente, sinais e sintomas de abstinência.
diminuição dos prejuízos inerentes à sedoanalgesia excessiva3. O tempo de uso prolongado também está relacionado
Nenhum paciente que apresentou distúrbio neurológi- à apresentação de síndrome de abstinência. Primeiramente,
co fez uso da associação Midazolam e Cetamina, acredita-se observou-se que boa parte das crianças fizeram uso de sedoa-
que pelo fato desse último fármaco aumentar o consumo cere- nalgesia contínua por um período superior a 7 dias (17/41,5%)
bral de oxigênio e o fluxo sanguíneo cerebral, havendo receio e, destas, 12 apresentaram sinais e sintomas característicos de
do aumento dos níveis de pressão intracraniana. A Cetamina foi abstinência a sedoanalgésicos, o que representa uma incidên-
administrada com predileção nos pacientes que apresentaram cia de 70,6% nesse grupo. Além disso, todos os indivíduos que
sepse ou disfunção cardiovascular, pois, embora tenha um permaneceram em sedoanalgesia por menos de 72 horas não
efeito inotrópico negativo e propriedades vasodilatadoras, a apresentaram o quadro clínico típico da síndrome.
mesma mantém estabilidade hemodinâmica devido a sua ação Dessa forma, é possível afirmar que há associação entre
sistêmica secundária à liberação de catecolaminas, além de a ocorrência de síndrome de abstinência e terapias sedoanal-
que a combinação Midazolam e Fentanil eleva a probabilidade gésicas prolongadas, principalmente quando se estende por
de hipotensão arterial, principalmente nos hipovolêmicos, um período maior que 7 dias. Alguns trabalhos mostram que
devendo ser evitado nesse grupo de enfermos. durações de infusão de sedativos e analgésicos superiores a 7
Com base nas revisões de Playfor8 e Lago et al.9, as dias estão relacionadas a uma ocorrência de sinais e sintomas
doses médias administradas de cada droga sedoanalgésica de abstinência que variam de 50% a 100%2,3,9,10.
podem ser consideradas como baixas. Alguns autores também Dentre as combinações de sedativos e analgésicos,
correlacionam o risco de abstinência com as doses das medi- demonstrou-se que a associação de Midazolam e Fentanil,
cações sedoanalgésicas empregadas. Em seu estudo, Bicudo et quando utilizada por tempos médios de uso maiores, está
al.10 demonstraram que a dose total acumulada, a dose diária e significativamente relacionada a um desenvolvimento mais
a velocidade de infusão estão significativamente relacionadas frequente de sinais e sintomas de abstinência. Percebeu-se,
à síndrome de abstinência associada à interrupção da infusão então, a correlação do uso prolongado do fármaco opioide com
de Fentanil e Midazolam em crianças. o desenvolvimento de síndrome de abstinência, sendo que o
O tempo médio de uso das drogas sedoanalgésicas mesmo não foi observado com o uso da Cetamina.
(11,5 ± 11,4 dias) pode ser considerado longo. Muitos tra- Diversos estudos sugerem que a associação do Fentanil
balhos evidenciam consequências negativas do uso liberal aos esquemas de sedoanalgesia parece prolongar a duração
e prolongado dos agentes sedativos e analgésicos, princi- da terapêutica e acarretar uma elevação da ocorrência de
palmente quando na forma de infusão contínua2,9,11. Neste sinais e sintomas de abstinência12,14,15. Isso pode ser explicado
estudo, observou-se uma ocorrência importante de síndrome em razão das propriedades e características da interação dos
de abstinência entre as crianças avaliadas (39%), com uma opioides com seus receptores. Esses fármacos têm capacida-
grande variabilidade de sinais e sintomas. de de induzir tolerância após poucos dias de uso e de gerar
Dado semelhante foi encontrado no estudo de Fons- abstinência com a redução ou suspensão abrupta, após o uso
mark et al.12, que definiu um percentual de 35% de incidência prolongado e/ou doses cumulativas elevadas. Entretanto, no
de síndrome de abstinência nas crianças de uma UTIP após estudo de Lago et al.9, verificou-se que a utilização prolongada
interrupção de sedoanalgesia. Em seus estudos, Bicudo et de Cetamina também pode produzir tolerância e abstinência.
al.10, Fernández-Carrión et al.11 e Sfoggia et al.2 determinaram Diante do exposto, o risco para síndrome de abstinência
uma incidência de síndrome de abstinência de 50%, 50% e depois da remoção de analgésicos e sedativos deve ser conside-
49%, respectivamente, estando essa situação relacionada ao rado no caso de doses elevadas ou períodos de uso prolongados,
uso prolongado de sedação e analgesia e doses cumulativas aproximadamente, de sete dias. Essas doses devem ser gradual-
elevadas, segundo esses mesmos autores. mente reduzidas para evitar o surgimento de sintomas, como foi
As intervenções no sentido de aumento da dose dos feito na maioria dos casos. Essa conduta encontra-se de acordo
sedoanalgésicos - seja por meio de injeções intermitentes ou com os protocolos e diretrizes de desmame de sedoanalgesia, em
aumento da taxa de infusão contínua - são essenciais devido que se estabelece a redução diária gradual do nível de sedação,
ao desenvolvimento de mecanismos que geram tolerância, sem remover abruptamente os sedoanalgésicos, associada à
substituição progressiva dos fármacos intravenosos por fármacos

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de duração mais prolongada por via enteral. REFERÊNCIAS
Atualmente, as drogas equivalentes para desmame de
sedoanalgesia mais empregadas são a Metadona e morfina 1. Martinbiancho JK. Uso de hidrato de cloral para sedação em unidade
de terapia intensiva pediátrica: indicações, efeitos adversos e fatores de
enterais no grupo dos opiáceos, o Lorazepam e o Clordiazepato riscos associados [Dissertação de mestrado]. Porto Alegre: Universidade
no grupo dos benzodiazepínicos e os alfa-2-agonistas, como a Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Medicina; 2008. [Internet]
Clonidina e Dexmedetomidina3, assim como observou-se no [acesso 2015 Out 5]. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/12935
presente estudo, em que foram administrados Lorazepam, 2. Sfoggia A, Fontela PS, Moraes A, Silva F, Sober RB, Noer RB, et al. A sedação
Metadona e Clonidina em 41,5% dos indivíduos. A substitui- e analgesia de crianças submetidas à ventilação mecânica estariam sendo
superestimadas? J Pediatr (Rio J) [Internet]. 2003;79(4):343-8. [acesso 2015
ção de Fentanil endovenoso pela Metadona enteral abrevia o
Set 4]. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/jped/v79n4/v79n4a13.pdf
tempo de desmame ventilatório em pacientes adultos graves,
3. Bartolomé SM, Cid JLH, Freddi N. Sedação e analgesia em crianças: uma
como foi demonstrado por Wanzuita15. abordagem prática para as situações mais freqüentes. J Pediatr (Rio J)
Está demonstrado na literatura que um dos fatores [Internet]. 2007;83(2 Suppl):S71-82. [acesso 2015 Set 10]. Disponível em:
relacionados à síndrome de abstinência é a interrupção brusca http://www.scielo.br/pdf/jped/v83n2s0/a09v83n2s0.pdf
da infusão contínua da sedoanalgesia3. Os resultados obtidos 4. Harris J, Ramelet AS, van Dijk M, Pokorna P, Wielenga J, Tume L, et al.
contradizem essa afirmação. Neste trabalho, verificou-se que Clinical recommendations for pain, sedation, withdrawal and delirium
assessment in critically ill infants and children: an ESPNIC position
grande parte dos pacientes que tiveram retirada abrupta statement for healthcare professionals. Intensive Care Med [Internet].
fizeram uso de sedoanalgesia por poucos dias e, consequen- 2016;42(6):972-86. [acesso 2016 Nov 3]. Disponível em: https://www.
temente, não apresentaram abstinência. Aqueles que tiveram ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27084344
redução gradual e uso de drogas para desmame da sedoanal- 5. Soares MZL, Mohallem AGC, Brandi S, Cunha MLR. Comparação entre
gesia desenvolveram com maior frequência a síndrome, porém as escalas de Comfort-Behavior e Ramsay em uma unidade de terapia
intensiva pediátrica. Rev Dor (São Paulo) [Internet]. 2014;15(1):25-9.
utilizaram as medicações por um tempo maior. [acesso 2015 Out 8]. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rdor/
Apesar de não haver um protocolo de padronização v15n1/1806-0013-rdor-15-01-0025.pdf
para o manejo de uso e desmame de sedoanalgésicos imple- 6. Rodrigues Júnior GR, Amaral JLG. Experiência clínica com o uso de se-
mentado nesta UTIP na época em que foi realizado este estudo, dativos em terapia intensiva: estudo retrospectivo. Rev Bras Anestesiol
percebeu-se que a forma de interrupção da sedoanalgesia [Internet]. 2002;52(6):747-55. [acesso 2015 Out 5]. Disponível em: http://
www.scielo.br/pdf/rba/v52n6/v52n6a12.pdf
priorizou o tempo decorrido desde o início da administração
7. Fonseca MCM, Carvalho WB. Sedação da criança submetida à ventilação
da mesma. Sugere-se que a ocorrência do quadro clínico de pulmonar mecânica: estamos avançando. Rev Bras Ter Intensiva [Internet].
abstinência tenha maior relação ao tempo de uso da terapia 2011;23(1):4-5. [acesso 2015 Out 4]. Disponível em: http://www.scielo.
do que à forma de interrupção, pois, para sua manifestação, br/pdf/rbti/v23n1/a02v23n1.pdf
é fundamental o estabelecimento da tolerância física, esta 8. Playfor SD. Analgesia and sedation in critically ill children. Arch Dis Child
induzida pela administração prolongada das medicações. Educ Pract Ed [Internet]. 2008;93(3):87-92. [acesso 2016 Nov 3]. Disponível
em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18495898
Conclui-se que o emprego de fármacos analgésicos e
sedativos configurou-se como prática bastante frequente na 9. Lago PM, Piva JP, Garcia PCR, Sfoggia A, Knight G, Ramelet AS, et al. Analgesia
e sedação em situações de emergência e unidades de tratamento intensivo
população estudada. Foram identificadas como drogas prin- pediátrico. J Pediatr (Rio J) [Internet]. 2003;79(Suppl 2):S223-30. [acesso 2015
cipais aplicadas na sedoanalgesia o Midazolam, o Fentanil e Set 8]. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/jped/v79s2/v79s2a12.pdf
a Cetamina em infusão contínua, indicadas de acordo com o 10. Bicudo JN, Souza N, Mângia CMF, Carvalho WB. Síndrome de abstinência
estado clínico de cada paciente. As doses médias de infusão associada à interrupção da infusão de Fentanil e Midazolam em pediatria.
foram consideradas baixas e o tempo de uso prolongado, fato Rev Assoc Med Bras [Internet]. 1999;45(1):15-8. [acesso 2016 Nov 3].
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ramb/v45n1/1692.pdf
que se associou a uma ocorrência importante de síndrome de
11. Fernández-Carrión F, Gaboli M, González-Celador R, Quero-Masía PG,
abstinência. Fernández-de Miguel S, Murga-Herrera V, et al. Síndrome de abstinencia en
Esses dados referentes ao perfil de uso de sedoanal- cuidados intensivos pediátricos. Incidencia y factores de riesgo. Med Intensiva
gésicos podem refletir a realidade de outras UTIP. Para uma [Internet]. 2013;37(2):67-74. [acesso 2015 Out 13]. Disponível em: http://
definição mais objetiva dessas informações, sugere-se a rea- linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0210569112000952?via=sd&cc=y
lização de estudos prospectivos através da análise diária da 12. Fonsmark L, Rasmussen YH, Carl P. Occurrence of withdrawal in critically ill
sedated children. Crit Care Med [Internet]. 1999;27(1):196-9. [acesso 2016
prática de sedoanalgesia, uma vez que o levantamento pode Nov 3]. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9934916
ser comprometido pela escassez de conteúdo dos prontuários.
13. de Wildt SN, de Hoog M, Vinks AA, Joosten KF, van Dijk M, van den Anker
Uma vez definido o perfil de uso de sedoanalgésicos em JN. Pharmacodynamics of Midazolam in pediatric intensive care patients.
uma UTIP e das consequências inerentes à prática da sedoa- Ther Drug Monit [Internet]. 2005;27(1):98-102. [acesso 2016 Nov 3].
nalgesia, como é o caso da ocorrência de abstinência nesses Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15665754
pacientes, cabe, então, a instituição de protocolos que guiem 14. Lugo RA, MacLaren R, Cash J, Pribble CG, Vernon DD. Enteral methadone to
expedite fentanyl discontinuation and prevent opioid abstinence syndrome
a utilização e interrupção de sedativos e analgésicos, a fim de
in the PICU. Pharmacotherapy [Internet]. 2001;21(12):1566-73. [acesso 2015
promover o conforto físico e psicológico a essas crianças com Out 20]. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/11765307
a menor chance possível de prejuízos. Diante disso, o uso da 15. Wanzuita R. Repercussão da substituição da infusão venosa de Fentanil por
sedoanalgesia deve ser criteriosamente analisado pela equipe metadona enteral sobre o tempo de desmame da ventilação mecânica em
médica e individualizado de acordo com o paciente, a fim de pacientes graves internados em unidades de terapia intensiva de adultos [Tese
se utilizar sempre a menor dose possível e minimizar os riscos de doutorado]. São Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo;
2011. [Internet] [acesso 2015 Set 5]. Disponível em: http://www.teses.usp.br/
de efeitos adversos. teses/disponiveis/5/5152/tde-27102011-164051/pt-br.php

Residência Pediátrica 2019;9(3):246-251.


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