Sedoanalgesia Na UTI 2019
Sedoanalgesia Na UTI 2019
Sedoanalgesia Na UTI 2019
Maylla Moura Araújo1, July Lima Gomes2, Renanna Najara Veras Rodrigues2, Lorena Keli Lemos Piauilino Cruz3
Palavras-chave: Resumo
sedação profunda, Objetivo: Descrever o uso de analgésicos e sedativos em crianças submetidas à ventilação mecânica em uma Unidade de
analgesia, Terapia Intensiva Pediátrica, identificando as drogas utilizadas, doses e duração, além de verificar a ocorrência de síndrome de
síndrome de abstinência Abstinência. Métodos: Realizou-se um estudo de caráter observacional, transversal, retrospectivo, descritivo, com abordagem
a substâncias, quantitativa e análise secundária dos dados. Participaram crianças admitidas em uma Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica,
unidades de terapia entre os meses de julho de 2014 e junho de 2015, com necessidade de terapia analgésica e/ou sedativa em infusão contínua
intensiva pediátrica. e de ventilação mecânica, que permaneceram no setor por mais de 12 horas. Resultados: Identificou-se um total de 41
indivíduos, correspondendo a 63% dos pacientes internados. As medicações empregadas para sedoanalgesia contínua foram
Midazolam, Cetamina e Fentanil. Esses fármacos foram utilizados em baixas doses de infusão por um tempo médio de 11,5±11,4
dias. A síndrome de Abstinência ocorreu em 39% dos pacientes, sendo que estes fizeram uso das mesmas por um período
médio de 19,31(±11,57) dias. Observou-se uma relação entre sedoanalgesia prolongada com o desenvolvimento da síndrome
(p<0,001), uma vez que 70% daqueles que receberam sedoanalgesia contínua por um período superior a 7 dias desenvolveram
abstinência. Conclusões: O emprego de analgésicos e sedativos configurou-se prática bastante frequente e, devido ao tempo
de uso prolongado dos fármacos, verificou-se ocorrência importante de síndrome de Abstinência.
Keywords: Abstract
Deep Sedation, Objective: To describe the use of analgesics and sedatives in children undergoing mechanical ventilation in a Pediatric Intensive
Analgesia, Care Unit, identifying the drugs used, doses and duration, and to check for the occurrence of Withdrawal Syndrome. Methods:
Substance Withdrawal A cross-sectional, retrospective, descriptive and quantitative study was carried out. The participants were children admitted
Syndrome, to a Pediatric Intensive Care Unit between July 2014 and June 2015, requiring analgesic and/or sedative therapy in continuous
Pediatric Intensive infusion and mechanical ventilation, who remained in the ward for more than 12 hours. Results: 41 individuals were enrolled,
Care Units. corresponding to 63% of hospitalized patients. The medications used for continuous sedoanalgesia were Midazolam, Ketamine
and Fentanyl; they were used in low infusion doses for a mean time of 11.5 ± 11.4 days. Withdrawal Syndrome occurred in
39% of the patients, who used them for a mean period of 19.31 (± 11.57) days. There was a relationship between prolonged
sedoanalgesia and the development of the syndrome (p<0.001), since 70% of those who received continuous sedoanalgesia
for a period of more than 7 days developed withdrawal symptoms. Conclusions: The use of analgesics and sedatives was a very
frequent practice and, due to the prolonged use of the drugs, there was an important occurrence of Withdrawal Syndrome.
1
Médica Residente de Pediatria da Universidade Federal do Piauí-UFPI, Teresina, PI, Brasil.
2
Graduanda do Curso de Medicina da Faculdade Integral Diferencial-FACID, Teresina, PI, Brasil.
3
Pediatra, Especialista em Terapia Intensiva Pediátrica - Professora da Disciplina de Pediatria do Curso de Medicina da Faculdade Integral Diferencial-FACID,
Teresina, PI, Brasil.
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INTRODUÇÃO superior a 12 horas. Os pacientes que não preencheram algum
desses critérios ou que cujas informações não puderam ser
Na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP), a localizadas através dos prontuários foram excluídos.
criança encontra-se constantemente exposta a uma intensa A coleta de dados foi realizada de setembro a outubro
perturbação física e psicológica. Esse cenário adverso, associa- de 2016, meses em que foram analisados 65 prontuários re-
do à necessidade de suporte ventilatório invasivo, determina, ferentes a todos os pacientes admitidos na UTIP no período
muitas vezes, a administração de sedativos e analgésicos. do estudo. Após identificar um total de 41 indivíduos que
Há uma preferência pelo uso de sedoanalgésicos em estavam em uso de sedoanalgésicos e em suporte ventilatório,
infusão contínua nas unidades de cuidados intensivos1,2. Além definiu-se o perfil do uso de fármacos sedativos e analgésicos.
de tratarem a ansiedade, a agitação e a dor, a combinação de Para o levantamento dos dados, foi utilizado um for-
analgésicos e sedativos, pelos seus efeitos hipnóticos, depres- mulário elaborado pelos pesquisadores, no qual foram preen-
sores da respiração e do reflexo de tosse, permite uma melhor chidos dados referentes à identificação da criança (gênero e
adaptação à ventilação mecânica (VM)3. idade), ao uso de fármacos sedoanalgésicos, suas respectivas
Entretanto, a utilização excessiva e incorreta da se- doses, forma de interrupção (abrupta ou gradual) e duração
doanalgesia pode ter repercussões negativas, levando a um da terapia, além da indicação clínica de ventilação mecânica
prolongamento da necessidade de suporte ventilatório, do de acordo com a afecção de base (sepse, disfunção pulmonar,
tempo de internação e aumento do risco de infecção. Isso distúrbio neurológico e disfunção cardiovascular). Os casos
ocorre porque o organismo passa a desenvolver mecanismos de síndrome de abstinência foram identificados através de
que levam à dependência física, determinando uma neces- pesquisa de registro médico em prontuário, baseado em sinais
sidade de receber a droga em doses cada vez maiores para e sintomas característicos manifestados durante o desmame
manutenção do efeito clínico4. dos fármacos.
A essa consequência dá-se o nome de tolerância, que Os dados foram expostos numa planilha do Microsoft
se define pela diminuição do efeito da dose oferecida com o Office Excel 2010® e, em seguida, analisados no software R
passar do tempo. Dessa forma, suspensão ou redução abrup- versão 3.2.2 para Windows®. Para a comparação entre duas
ta da sedoanalgesia pode induzir à síndrome de abstinência médias, quando os dados foram normais e homogêneos,
(SA), caracterizada pelo aparecimento de um conjunto sinais utilizou-se o teste t de Student para amostras independentes,
e/ou sintomas muito variáveis em apresentação e gravidade quando não, utilizou-se o teste de Mann-Whitney. Testou-se
(taquicardia, sudorese, agitação, tremores, febre, etc.)2,3,5. a associação entre as variáveis categóricas por meio do teste
Para a efetivação da aplicação dos protocolos de sedo- exato de Fisher, pois algumas caselas apresentaram valores
analgesia, faz-se necessário o conhecimento prévio do uso de menores que 5. Os dados foram considerados significativos
analgésicos e sedativos em crianças no ambiente de terapia com valores de p abaixo de 0,05.
intensiva, além das repercussões resultantes dessa prática, Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em
como a ocorrência de síndrome de abstinência, justamente o Pesquisa da Faculdade Integral Diferencial (FACID) (CAAE:
que foi proposto pelo presente estudo. O conhecimento do 59723616.3.0000.5211).
perfil de prescrição de sedoanalgesia e de suas consequências
torna possível a implantação de medidas padronizadas que RESULTADOS
minimizem efeitos negativos decorrentes da mesma.
O presente trabalho teve como objetivo descrever o uso Nos 12 meses do estudo, julho de 2014 a junho de
de analgésicos e sedativos em crianças submetidas à ventilação 2015, foram admitidas, na UTIP, 65 crianças. Desse total,
mecânica em uma UTIP, visando identificar as drogas utilizadas, foram excluídos 24 pacientes, 9 por não terem o prontuário
a dose e tempo de uso das mesmas, além de avaliar a incidên- localizado, 13 por não fazerem uso de sedoanalgesia contínua
cia de síndrome de abstinência aos fármacos sedoanalgésicos e/ou ventilação mecânica e 2 por terem permanecido menos
nesses indivíduos, para que esse conhecimento possibilite a de 12 horas na unidade de cuidados intensivos. Assim, ao
implementação de protocolos para o manejo de sedoanalgesia. término da coleta de dados, foram considerados elegíveis 41
indivíduos. Isso demonstra que, das crianças admitidas na
MÉTODOS UTIP, 63% receberam sedoanalgesia endovenosa contínua e
foram submetidas à VM por um período superior a 12 horas.
Realizou-se um estudo de caráter observacional, trans- A idade média dos indivíduos foi de 2,27 ± 3,16 anos.
versal, retrospectivo, descritivo, com abordagem quantitativa e Houve maior frequência do gênero feminino, representado por
análise secundária dos dados na UTIP do Hospital de Urgência 23 pacientes (56%), enquanto 18 (44%) eram do gênero mascu-
de Teresina (HUT), PI. Participaram todas as crianças admitidas lino. Com relação à administração de sedativos e analgésicos,
na UTIP, entre julho de 2014 e junho de 2015, que tiveram foram utilizados, para sedoanalgesia endovenosa contínua, os
necessidade de terapia analgésica e/ou sedativa em infusão fármacos Midazolam, Fentanil e Cetamina. A combinação de
contínua e utilizaram ventilação mecânica, e que permane- drogas utilizada com maior frequência foi Midazolam e Fentanil
ceram na unidade de cuidados intensivos por um período
Tabela 1. Dose média de infusão contínua e tempo médio de administração de sedoanalgesia em crianças submetidas à ventilação mecânica
em uma UTIP.
Variáveis Drogas sedoanalgésicas n Média Desvio Padrão
Midazolam (mg/kg/h) 41 0,30 0,14
Dose Fentanil (µg/kg/h) 24 3,08 1,47
Cetamina (µg/kg/min) 13 7,38 2,76
Midazolam 4 3,00 1,83
Midazolam e Cetamina 13 10,46 10,45
Tempo (dias)
Midazolam e Fentanil 24 13,46 12,28
Total 41 11,49 11,38
Fonte: Araújo (2016)
n=frequência absoluta.
Tabela 3. Ocorrência da síndrome de abstinência segundo o aumento das doses de sedoanalgésicos em crianças submetidas à ventilação
mecânica em uma UTIP.
Síndrome de Abstinência
Total
Sinais de tolerância Sim Não p*
N % N % n %
Aumento da dose de infusão contínua 0 0,00 4 100,00 4 9,76
Uso de injeções intermitentes 6 75,00 2 25,00 8 19,51
Aumento da dose de infusão contínua e uso de injeções intermites 7 63,64 4 36,36 11 26,83 0,002
Dose não modificada 3 16,67 15 83,33 18 43,90
Total 16 39,02 25 60,98 41 100,00
Fonte: Araújo (2016)
n=frequência absoluta; %=frequência relativa; *=teste de Qui-quadrado exato de Fisher; Valor de p considerado significativo abaixo de 0,05.
Tabela 4. Ocorrência da síndrome de abstinência segundo o tempo de uso da sedoanalgesia em crianças submetidas à ventilação mecânica
em uma UTIP.
Síndrome de Abstinência
Total
Tempo de sedoanalgesia Sim Não p*
n % N % n %
< 3 dias 0 0,00 12 100,00 12 29,27
3 a 7 dias 4 33,33 8 66,67 12 29,27
< 0,001
> 7 dias 12 70,59 5 29,41 17 41,46
Total 16 39,02 25 60,98 41 100,00
Fonte: Araújo (2016)
n=frequência absoluta; %=frequência relativa; *=teste de Qui-quadrado exato de Fisher; Valor de p considerado significativo abaixo de 0,05.
como os fármacos mais utilizados na UTIP onde se realizou a combinação, Midazolam e Cetamina, foi utilizada com frequ-
pesquisa. Para Martinbiancho1 e Sfoggia et al.2, estes agentes ência significativamente maior (p = 0,037) nos pacientes com
fazem parte do grupo dos principais sedoanalgésicos empre- sepse ou disfunção cardiovascular.
gados em UTIP, que são os benzodiazepínicos (Midazolam e De acordo com Bartolomé et al.3, o Midazolam é o benzo-
diazepam), hidrato de cloral, opioides (morfina e Fentanil), diazepínico de escolha para administração contínua no paciente
barbitúricos (Tiopental) e a própria Cetamina. pediátrico grave, sendo quatro vezes mais potente que o Diaze-
No presente estudo, todos os pacientes submetidos pam, com rápido início de ação e tempo de equilíbrio plasma-
à VM receberem terapia sedoanalgésica cujo sedativo foi o -encéfalo entre 0,9 e 5,6 minutos. A morfina e seus derivados são
Midazolam, associado ou não a uma droga analgésica. Além drogas que atuam em receptores opioides, provocando analgesia
disso, percebeu-se que a indicação dos sedoanalgésicos e sedação, porém sem causar amnésia. Por isso, frequentemente
relacionou-se à afecção de base de cada indivíduo. A associa- são associados aos benzodiazepínicos, como foi visto em 58,5%
ção Midazolam e Fentanil foi a de escolha para os pacientes dos pacientes estudados, destacando-se como principal forma
com disfunção pulmonar ou distúrbio neurológico. A segunda de sedoanalgesia a combinação do Midazolam com o opioide