Mitos Populares e Trtamento Da Asma - JBP

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J Bras Pneumol.

2016;42(2):136-142
http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37562015000000166 ARTIGO ORIGINAL

Mitos populares e características do


tratamento da asma em crianças e
adolescentes de zona urbana do sul do Brasil
Cristian Roncada1, Suelen Goecks de Oliveira1, Simone Falcão Cidade1,
Joseane Guimarães Rafael1, Beatriz Sebben Ojeda1, Beatriz Regina Lara dos Santos1,
Andréia da Silva Gustavo1, Paulo Márcio Pitrez1

1. Pontifícia Universidade Católica do Rio RESUMO


Grande do Sul – PUCRS – Porto Alegre
(RS) Brasil. Objetivo: Descrever a frequência de mitos populares e as características do tratamento
em asma em crianças e adolescentes em uma amostra urbana no sul do Brasil. Métodos:
Recebido: 13 julho 2015. Foi aplicado um questionário específico, contendo perguntas sobre entendimento da
Aprovado: 3 novembro 2015.
doença, controle da asma e características do tratamento a pais/responsáveis de escolares
Trabalho realizado na Pontifícia da rede pública (8-16 anos de idade) com diagnóstico de asma (n = 127) e de controles
Universidade Católica do Rio Grande do saudáveis (n = 124). Resultados: Participaram do estudo 251 pais/responsáveis, com
Sul – PUCRS – Porto Alegre (RS) Brasil. predomínio de mães como acompanhantes dos escolares (n = 127; 68,5%) e de etnia
caucasiana (n = 130; 51,8%), com média de idade de 38,47 ± 12,07 anos. Sobre os
mitos, 37 (29,1%) dos participantes do grupo asma e 26 (21,0%) dos do grupo controle
relataram possuir receio de utilizar medicamentos para asma, e 61 (48%) e 56 (45,2%),
respectivamente, acreditam que os inaladores pressurizados podem levar a dependência
ao fármaco. No entanto, apenas 17 (13,4%) dos participantes do grupo asma e 17
(13,7%) dos do grupo controle relataram ter receio de utilizar corticoide oral. A ausência
de controle da asma foi detectada em 55 (43,3%) dos escolares no grupo asma, apenas
41 (32,3%) possuíam uma receita ou um plano por escrito de como tratar da asma e 38
(29,9%) fazia uso contínuo de medicamentos para a doença. Conclusões: A presença de
mitos populares sobre o tratamento da asma, a falta de controle da doença e seu manejo
inadequado mostraram ser elevados nesta amostra. Nossos achados apontam para a
necessidade de novos estudos nesse campo em países em desenvolvimento e de uma
avaliação dos programas de manejo da asma pediátrica na saúde pública.
Descritores: Asma/terapia; Asma/prevenção & controle; Saúde da criança.

INTRODUÇÃO e gravidade. Fatores para a não adesão são vários e


complexos, tais como condição socioeconômica, relação
A asma é a doença crônica mais comum na infância.(1)
Estudos do International Study of Asthma and Allergies entre médico e paciente, assim como aspectos culturais,
in Childhood (ISAAC) mostraram, nas últimas duas psicológicos e individuais e, ainda, fatores associados
décadas, o impacto e a importância dessa doença infantil ao entendimento sobre o tratamento da doença.(5,6)
no mundo todo, a qual pode acometer de 15-25% de O paciente deve entender a doença e seu tratamento
crianças escolares em muitas populações.(2,3) Além e ter um plano de ação por escrito para uso em caso
disso, apesar de existirem medicamentos eficazes para de exacerbação da doença. O tratamento ideal é o que
controlar a doença da grande maioria dos pacientes, mantém o paciente controlado e estável com a menor
estudos mostram que muitas crianças com asma não dose de medicação (corticoide inalatório) possível.(1)
têm sua doença controlada.(4) O controle da asma deve Nas crianças e adolescentes, o manejo da asma
ser focado em medidas de controle ambiental, uso de encontra-se sob responsabilidade dos pais ou cuidadores.
medicamentos, apoio psicológico e educação em saúde ao O conhecimento dos pais em relação à doença, à identi-
paciente e familiares. No entanto, os pacientes precisam ficação dos fatores agravantes, ao controle dos fatores
aderir ao tratamento de forma contínua.(1) Assim, um desencadeantes e ao uso adequado dos medicamentos
dos grandes desafios clínicos e de saúde pública é pode influenciar na adesão ao tratamento e no manejo
manter a criança com asma com sua doença controlada, dos sintomas. A desinformação e, particularmente, os
resultando em melhoria importante da qualidade de vida mitos populares podem ser considerados potenciais
desses pacientes. fatores responsáveis pela não adesão ao tratamento
Para manter a doença controlada, a adesão ao trata- e, consequentemente, pelo aumento da demanda de
mento é essencial, independentemente da faixa etária internações hospitalares e de atendimentos em unidades

Endereço para correspondência:


Cristian Roncada. Instituto de Pesquisas Biomédicas, Laboratório de Respirologia Pediátrica, Avenida Ipiranga, 6681, prédio 60, 2º andar, CEP 90619-900, Partenon, Porto
Alegre, RS, Brasil.
Tel./Fax: 55 51 3320-3000, ramal 2213. E-mail: crisron@gmail.com
Apoio financeiro: Este estudo recebeu apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio de bolsas de estudo. Novartis Brasil
apoiou este estudo, cujo projeto foi originado pelo investigador.

136 © 2016 Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia ISSN 1806-3713


Roncada C, Oliveira SG, Cidade SF, Rafael JG, Ojeda BS, Santos BRL, Gustavo AS, Pitrez PM

de emergência, que, por sua vez, resultam em custos estaria previsto em 576 escolares (288 com asma e
elevados para o sistema de saúde e a sociedade (custos 288 hígidos; 1:1).
diretos e indiretos).(7) O presente artigo aborda a avaliação da questão
Dentre os vários fatores contribuintes para a defici- dos mitos populares no tratamento da asma nessa
ência de conhecimento e o apego a mitos populares região do Brasil, coletada na Fase III do estudo,
sobre o tratamento da asma estão a falta de programas com pais de escolares. A caracterização dos grupos
educacionais efetivos e a capacitação insuficiente dos estudados (asmáticos e controles) deu-se a partir da
profissionais de saúde para o tratamento da doença. fase I, com a análise da prevalência da doença, nível
Dessa forma, é necessário que, do ponto de vista socioeconômico e classificação geral dos estudantes e
geográfico e cultural, aspectos de entendimento cuidadores (sexo, idade, etnia, nível de escolaridade,
da asma sejam conhecidos (incluindo seus mitos nascimento prematuro do escolar, outras doenças
populares) em cada população distinta, para que crônicas, limitações físicas ou cognitivas, entre
esses sejam trabalhados em programas de educação outros). Para a classificação econômica foi utilizado
com o objetivo de aumentar a adesão ao tratamento o questionário Critério de Classificação Econômica
e o uso correto das medicações, resultando em um Brasil,(10) dividindo os participantes em cinco categorias
melhor prognóstico da doença e melhor qualidade e (A-E), na qual a classe A refere-se aos nível de classe
expectativa de vida.(8) econômica mais favorecida e a classe E ao grupo de
classe econômica menos favorecida. Para a classificação
Assim, ainda que resultados de ensaios clínicos e da doença (asma), foram adotadas as perguntas e os
diretrizes internacionais preconizem que o controle critérios do ISAAC,(11) composto por quatro perguntas
da asma possa ser obtido, existe uma significativa centrais sobre sintomas e diagnóstico médico de asma
lacuna entre as metas terapêuticas e o grau de controle alguma vez na vida, assim como sintomas e uso de
da doença na “vida real”.(1) Para isso, no entanto, medicamentos para a doença nos últimos 12 meses.
é necessário conhecer em cada população, distinta Para a classificação da raça/etnia, foram adotadas
sociogeograficamente, os mitos mais frequentes em cinco categorias: caucasiana, negra, parda, indígena
relação ao manejo da asma em crianças/adolescentes.(9) ou asiática, em forma de autorrelato (percepção do
Não existem estudos publicados especificamente respondente sobre sua etnia). Como critério de exclusão,
avaliando a frequência de mitos populares entre pais os escolares não poderiam apresentar nenhuma outra
ou responsáveis de crianças/adolescentes com asma. doença crônica (exceto asma), história de prematuridade
Esses dados podem ser importantes para desenvolver ou possuir limitações cognitivas/motoras que pudessem
estratégias que permitam educar e desfazer mitos interferir nos desfechos estudados.
populares, que podem dificultar o manejo adequado Na fase III, o controle da doença foi avaliado por
para o controle da asma. Nesse contexto, o objetivo do meio das perguntas específicas do Global Initiative for
presente estudo foi avaliar a prevalência de mitos em Asthma (GINA).(1) Para avaliação dos mitos e verdades
relação ao entendimento e tratamento da doença em a respeito do tratamento da asma foram aplicados dois
pais de crianças/adolescentes com asma, avaliando, questionários aos pais/responsáveis pelos escolares:
ao mesmo tempo, as características dos tratamentos um questionário clínico contendo perguntas sobre o
utilizados e o grau de controle da doença, em uma estado de saúde e a adesão a tratamentos para a
população urbana do sul do Brasil. asma e um questionário com perguntas específicas
sobre mitos e verdades para o tratamento da doença,
MÉTODOS elaborado pelo grupo de pesquisa e contendo seis
perguntas, com respostas do tipo sim/não e pedido de
Este é um estudo transversal, descritivo e analítico, justificativa para as respostas “sim” (Quadro 1). Nessa
realizado no período entre fevereiro e dezembro de etapa, as entrevistas foram aplicadas aos responsáveis
2013, sendo avaliados escolares da rede pública de de ambos os grupos (asmáticos e saudáveis), sendo
Porto Alegre (RS), com idade entre 8 e 16 anos, com constatado durante a fase II que os pais do grupo
o objetivo principal de avaliar o impacto da asma controle também possuíam contato direto (ele próprio)
em crianças/adolescentes em uma cidade no sul do ou indireto (outro familiar) com pacientes com asma.
Brasil. As coletas foram segmentadas em três fases: Nas questões sobre o tratamento, a entrevista foi
fase I: caracterização e prevalência de asma; fase II: aplicada apenas aos pais/responsáveis de crianças/
fenótipos de asma; e fase III: mitos e verdades sobre adolescentes com asma.
o tratamento da doença.
O estudo obteve aprovação dos comitês de ética
Tanto as escolas quanto os escolares foram sele- em pesquisa da instituição (no. 73585/12) e da
cionados de forma randomizada (aleatória). No total, Secretaria Municipal da Saúde do município de Porto
foram selecionadas sete escolas públicas de Porto Alegre (no. 793/12). Além disso, os responsáveis
Alegre, tendo como base para o cálculo amostral os receberam e assinaram um termo de consentimento
estudos ISAAC,(2,3) prevendo um intervalo de confiança livre e esclarecido. Para fins de análise estatística, as
de pelo menos 95% e um erro amostral de até 5%. variáveis descritivas e categóricas foram apresentadas
Para compor a fase I, seriam então necessários 2.500 por frequências absolutas e relativas. As descrições
escolares. Já para as fases II e III, o cálculo amostral das variáveis contínuas foram apresentadas através

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Mitos populares e características do tratamento da asma em crianças e adolescentes de zona urbana do sul do Brasil

Quadro 1. Questionário sobre mitos e verdades sobre a asma.


Questões Sima Não
1. O(a) senhor(a) possui algum medo ou receio em utilizar a “bombinha/spray”b como forma de
tratamento para a asma no seu/sua filho(a)?
2. O(a) senhor(a) possui algum medo ou receio em utilizar corticoides inalatórios para o tratamento
da asma em seu/sua filho(a)?
3. O(a) senhor(a) acha que a “bombinha/spray” pode viciar as pessoas que a utilizam como forma de
tratamento para a asma?
4. O(a) senhor(a) utiliza nebulizador como forma de tratamento para a asma no seu/sua filho(a)?
5. O(a) senhor(a) considera a utilização de nebulizador mais eficiente que a utilização de “bombinhas/
spray” no tratamento da asma em seu/sua filho(a)?
6. O(a) senhor(a) considera que a prática da atividades físicas pode auxiliar no tratamento da asma
de seu/sua filho(a)?
a
Se a resposta for sim, justificar o motivo. bBombinha/spray = inalador pressurizado.

de média e desvio-padrão. Para a comparação entre


Fase I
os grupos, os valores foram analisados utilizando o 2.500 escolares
teste do qui-quadrado, com um valor de significância 1.211 (48.6%) - sexo masculino
com p < 0,05. Idade média: 11,42 ± 2,32 anos

Prevalência de asma
RESULTADOS 511 escolares (20,4%)
A taxa de adesão ao estudo na fase I foi de 86,24%
Fase II
(2.500/2.899), com prevalência de asma estimada em
605 escolares
20,4% (511/2.500). Já para a fase 3 do estudo, do total 280 (47,3%) - sexo masculino
estimado de 576 escolares, 251 participaram dessa Idade média: 11,01 ± 2,28 anos
etapa (adesão de 43,58%), sendo 127 do grupo asma
e 124 do grupo controle, com média de idade 10,36 Grupo Asma Grupo Controle
290 escolares (47,9%) 315 escolares (52,1%)
± 2,05 anos, sendo 134 escolares do sexo feminino
(53,4%). Em relação aos responsáveis participantes
Fase III
do estudo, 127 (68,5%) foram constituídos pelas 251 escolares
mães dos escolares, com média de idade de 38,47 ± 117 (46,6%) - sexo masculino
12,07 anos, com predominância socioeconômica para Idade média: 10,36 ± 2,05 anos
a classe C (181, 72,1%) e etnia caucasiana, em 51,8%
(n = 130). Além disso, 51 (20,31%) dos responsáveis Grupo Asma Grupo Controle
127 escolares (50,6%) 124 escolares (49,4%)
relataram que as mães apresentavam diagnóstico de
asma. Dessas 51 mães, 41 (32,28%) e 10 (8,00%) Figura 1. Fluxograma das três fases do estudo.
eram do grupo asma e controle, respectivamente.
ou receio na utilização do medicamento como forma de
Ainda nessa fase, a ausência de controle da asma nos
tratamento para a doença. A utilização de nebulizador
escolares, segundo os critérios GINA, foi estimada em
60 crianças/adolescentes (52,6%). A Figura 1 mostra com regularidade foi relatada por 84 (66,1%) e 63
em detalhe o fluxo de pacientes dentro de cada fase (50,8%) dos pais/responsáveis dos grupos asma e
do estudo. controle, respectivamente. Por fim, 38 (29,1%) e 51
(41,7%) dos pais/responsáveis dos grupos asma e
Durante a etapa de avaliação de mitos sobre a
controle, respectivamente, acreditam que a prática de
asma em crianças/adolescentes no entendimento
atividade física é prejudicial à saúde do asmático, não
dos pais/responsáveis, a entrevista foi aplicada aos
devendo ser prescrita como auxiliar no tratamento da
responsáveis de ambos os grupos (asma e controle).
asma. Esses resultados são apresentados na Tabela 1.
Quando esses foram perguntados sobre o medo de
utilização de inaladores pressurizados (IP) como Na etapa de pesquisa sobre o tratamento da asma, as
forma de tratamento para a doença, 37 (29,1%) perguntas foram aplicadas apenas ao grupo asma; 67
e 26 (21,0%) participantes nos grupos asma e (52,8%) dos pais/responsáveis relataram ter acompa-
controle, respectivamente, relataram possuir medo nhado o escolar à consulta médica ou emergência por
ou receio de utilizar o medicamento como forma de causa da asma nos últimos 12 meses, e 9 (23,7%) dos
tratamento. Quando perguntada sua opinião sobre o responsáveis relataram ter feito consultas alternativas
vício (dependência química) na utilização do IP, 61 a “curandeiros ou benzedeiros” durante esse período.
(48,0%) e 56 (45,2%), respectivamente, acreditam Apenas 41 (32,3%) possuíam receitas ou planos por
que o IP pode levar a dependência ao fármaco. escrito de como tratar da asma, e 38 (29,9%) faziam uso
Quando questionados sobre o receio na utilização de contínuo de medicamentos para a doença. Desses, 28
corticoides orais para o tratamento da asma, apenas 17 (72,4%) admitiram esquecer-se de usar o medicamento
(13,4%) e 17 (13,7%) participantes nos grupos asma com regularidade, 37 (97,4%) utilizavam medicamentos
e controle, respectivamente, relataram possuir medo fornecidos gratuitamente pela rede pública, e apenas

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9 (23,7%) utilizavam espaçador para a aplicação do utilização de IP (30,2% vs. 55,0%, respectivamente;
broncodilatador. Quando questionados sobre o uso de p = 0,008). Nas respostas sobre exacerbações de
corticoides inalatórios nos últimos 12 meses, 52 (40,9%) asma nos últimos 12 meses, o grupo com asma não
fizeram seu uso, enquanto 57 (44,9%) fizeram uso de controlada apresentou maior recorrência nos escores
corticoides orais. Além disso, 69 (54,3%) fizeram uso de consulta médica por sintomas (sibilos, dispneia ou
de nebulizador. Em relação à prática de atividade física, tosse) de asma quando comparado ao grupo asma
17 (13,4%) dos escolares faziam uso de medicamento controlada (45,3% vs. 66,7%, respectivamente; p =
previamente ao exercício. 0,023), sibilos durante ou após a prática de atividades
Na Figura 2 são demonstrados os resultados da análise físicas (41,5% vs. 71,2%, respectivamente; p = 0,002)
da associação dos mitos e verdades para asma com e sibilos em repouso sem ter praticado atividade física
o tratamento da doença, sendo as questões aplicadas (35,8% vs. 61,7%, respectivamente; p = 0,006).
aos pais e/ou cuidadores do grupo asma. Nas quatro
variáveis comparadas, não houve associação nos últimos
DISCUSSÃO
12 meses em relação a: medo ou receio do uso de IP
vs. uso de IP (29,1% vs. 40,9%; p = 0,782); medo ou Nossos resultados demonstraram que, pelo menos em
receio do uso de corticoide oral vs. uso de corticoides uma capital no sul do Brasil, há um número elevado de
orais (13,4% vs. 44,9%; p = 0,249); considerar o uso pais de crianças/adolescentes com asma que acreditam
de nebulizador melhor que o de IP vs. uso de nebulizador em mitos populares em relação ao tratamento da
(66,1% vs. 54,3%; p = 0,741); e considerar a atividade asma. Além disso, a maioria admite esquecer-se de
física como coadjuvante no tratamento da asma vs. uso fazer o tratamento prescrito. A minoria dos escolares
de medicamento antes da prática de atividade física tem receita médica ou plano de tratamento para asma
(70,1% vs. 13,4%; p = 0,519). e menos de um terço está utilizando profilaxia; por
Na Tabela 2 são apresentadas as comparações entre outro lado, a maioria dos pais/responsáveis não tem
mitos, tratamento, acompanhamento médico e crises receio de fazer uso de corticoide oral. Esses achados,
entre os subgrupos de asma controlada (n = 54) e em uma população com elevada prevalência de asma
asma não controlada (n = 60), não sendo evidenciadas (20,4% das crianças/adolescentes estudados), na qual
diferenças entre os mitos e verdades sobre o tratamento quase metade delas com asma não controlada, mostram
da asma nos últimos 12 meses, com exceção da um cenário bastante negativo para a saúde pública, o

Tabela 1. Respostas sobre mitos e verdades no tratamento da asma aplicado aos grupos asma (n = 127) e controle
(n = 124).
Respostas Asma Controle p*
n % n %
Receio na utilização de IP como forma de tratamento da asma 37 29,1 26 21,0 0,009
Justificativa: causa dependência e faz mal ao coração 29 22,8 21 16,9
Receio na utilização de corticoides orais no tratamento da asma 17 13,4 17 13,7 0,180
Justificativa: considera o medicamento muito forte 45 35,4 80 64,5
Receio que os IPs possam levar a dependência química (vício) 61 48,0 56 45,2 0,240
Justificativa: possui parentes ou amigos dependentes 27 21,3 28 22,6
Utiliza nebulizador no tratamento da asma 84 66,1 63 50,8 0,003
Justificativa: considera mais eficiente que os IPs 43 33,9 47 37,9
Considera a prática da atividade física como aliada no tratamento da asma 89 70,1 73 58,9 0,002
Justificativa: auxilia no condicionamento físico 76 59,8 81 65,3
IP: inalador pressurizado (bombinha/spray). *Teste do qui-quadrado.

Receio de utilizar broncodilatador 29,1%

Fez uso de broncodilatador nos últimos 12 meses 40,9%


Receio de utilizar corticoide oral 13,4%

Fez uso de corticoide oral nos últimos 12 meses 44,9%

Considera a nebulização melhor que o broncodilatador 66,1%

Fez uso de nebulizador nos últimos 12 meses 54,3%

Considera a atividade fisica (AF) uma aliada no tratamento 70,1%

Fez uso de medicamento prévio a AF nos últimos 12 meses 13,4%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80%


Figura 2. Peculiaridades do tratamento para asma nos pacientes estudados.

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Mitos populares e características do tratamento da asma em crianças e adolescentes de zona urbana do sul do Brasil

Tabela 2. Comparação de mitos, tratamento, acompanhamento médico e exacerbações entre os grupos com asma
controlada (n = 54) e não controlada (n = 60).
Variáveis Asma Asma não p*
controlada controlada
n % n %
Mitos e verdades sobre asma
Possui medo ou receio em utilizar IP como forma de tratamento para a asma 17 31,5 17 28,3 0,715
Acha que os IPs podem viciar as pessoas que os utilizam como forma de 29 53,7 28 46,7 0,409
tratamento para a asma
Possui algum medo ou receio em utilizar corticoides orais para o tratamento 5 9,3 9 15,0 0,395
da asma
Utiliza nebulizador como forma de tratamento para a asma 42 77,8 38 63,3 0,094
Considera a utilização de nebulizador mais eficiente que a utilização de IP no 22 40,7 19 31,7 0,316
tratamento da asma
Considera que a prática da atividade física pode auxiliar no tratamento da 37 68,5 48 80,0 0,169
asma
Tratamento para a asma nos últimos 12 meses
O escolar está fazendo uso contínuo de medicamento para o tratamento da 15 31,9 21 36,2 0,647
asma
O escolar recebeu tratamento para asma com IPs 16 30,2 33 55,0 0,008
O escolar recebeu tratamento para asma com corticoides orais 22 41,5 32 53,3 0,211
O escolar recebeu tratamento para asma com medicamentos inalados por 26 49,1 40 66,7 0,059
nebulizador
O escolar fez uso de medicamento antes da prática de atividades físicas 5 9,4 12 20,0 0,119
Acompanhamento médico e crises de asma nos últimos 12 meses
O escolar faz acompanhamento ambulatorial ou em unidade da rede pública 8 16,3 17 28,8 0,127
para asma
O escolar possui algum plano de tratamento escrito ou receita para crises de 19 40,4 19 32,2 0,383
asma
O escolar consultou por causa da asma (sibilos, dispneia ou tosse) 24 45,3 40 66,7 0,023
O escolar sibilou durante ou após a prática de atividades física 22 41,5 42 71,2 0,002
O escolar sibilou em repouso, sem ter praticado atividade física 19 35,8 37 61,7 0,006
IP: inalador pressurizado (bombinha/spray). *Teste do qui-quadrado.

que exige mudanças de estratégias governamentais densidade mineral óssea em crianças/adolescentes.(13)


nos programas de asma. A revisão das diretrizes de GINA de 2014 menciona
O desconhecimento da asma em crianças/adolescentes a segurança dos β2-agonistas de curta duração em
pelos pais parece ser importante, particularmente em adultos e crianças/adolescentes e recomenda o uso
países em desenvolvimento. Zhang et al.,(12) em estudo restrito de corticoide oral para episódios agudos mais
realizado no sul do Brasil, mostraram que mais de 90% graves ou complicados, que apresentaram resposta
dos pais de asmáticos apresentam conhecimento insu- incompleta ou piora dos sintomas após a utilização de
ficiente sobre a doença. Esse é um cenário preocupante β2-agonistas de curta duração.(1)
em países em desenvolvimento e deve ser mais bem Outro achado interessante no nosso estudo é o
estudado. Um maior número de pais de asmáticos no fato de a grande maioria dos pais de asmáticos se
nosso estudo, quando comparado aos pais de crianças/ sentirem mais confiantes e atuantes no tratamento da
adolescentes saudáveis, acredita que o uso de IP pode asma com a utilização de nebulizadores. Além disso,
fazer mal para a saúde de forma significativa, e quase muitos relataram sentir maior segurança pelo fato de
metade (48%) acredita que “a bombinha vicia” (sem o tratamento ser mais “natural”, não agredindo tanto
diferença significativa na comparação com o grupo a saúde das crianças/adolescentes como no caso do
controle). Muitos pais/responsáveis de asmáticos têm broncodilatador. Em um estudo de Zhang et al.,(12) o
receio de usar medicação para asma em suas crianças/ nebulizador mostrou ser a forma de tratamento mais
adolescentes. Em contrapartida, a minoria desses prescrita pelos médicos não especialistas em crianças/
(13%), em ambos os grupos, tem receio em administrar adolescentes com asma. Apesar da facilidade técnica
corticoide oral como forma de tratamento para asma de do uso, foi mostrado que 80,6% dos pais costumavam
suas crianças/adolescentes, sendo que quase metade cometer erros na realização da nebulização domiciliar,
do grupo de asmáticos fez uso do medicamento nos como, por exemplo, a aplicação de nebulização durante
últimos 12 meses. Atualmente, nas exacerbações, o o sono e a colocação inadequada da máscara no rosto
corticoide oral tem sido restrito somente a casos de da criança/adolescente. Há quase duas décadas o
exacerbações mais graves. Seu uso mais frequente nebulizador não é mais a primeira escolha para a
parece estar associado a alterações em longo prazo de administração de medicamentos inalatórios em asma

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Roncada C, Oliveira SG, Cidade SF, Rafael JG, Ojeda BS, Santos BRL, Gustavo AS, Pitrez PM

na criança/adolescentes, independentemente da faixa cuidadores tem receio da aderência ao tratamento por


etária.(14) Assim, o uso de IP com espaçador deve ser IPs como forma preventiva, usando como justificativa
incentivado, com contínuo treinamento dos pais e o fato de que o medicamento pode causar problemas
pacientes em relação ao seu uso. no coração e sendo amplamente aplicado na forma
No que diz respeito à prática regular da atividade de resgate em crianças/adolescentes com a asma não
física, a maioria, e em especial no grupo de asmáticos, controlada (Tabela 2).
considera que a prática regular dessa pode contribuir Quanto à aquisição dos medicamentos para o
com o tratamento, melhorando o condicionamento físico tratamento da asma, a maioria de nossa amostra
e respiratório. Esse é um achado positivo em relação demonstrou adquiri-los de forma gratuita. Esse é um
à potencial preocupação que poderia existir dos pais dado indireto que mostra que o fornecimento gratuito
em relação ao risco de asma induzida pelo exercício, de medicações pelo governo pode não ser suficiente
pois a atividade física pode auxiliar o desenvolvimento para a manutenção da saúde de uma população.
de hábitos saudáveis para o combate ao sedentarismo Políticas públicas eficientes de educação, diagnóstico
na asma.(1) Mesmo assim, aproximadamente um terço e seguimento de crianças/adolescentes com asma,
dos pais de asmáticos acredita que a atividade física com um programa estruturado que capacite não só
pode não ser benéfica para o paciente. profissionais em saúde mas também os portadores da
Os resultados sobre o tratamento utilizado pelas doença e seus responsáveis, contribuem para desmiti-
crianças/adolescentes com asma no presente estudo ficar conceitos inadequados que muito provavelmente
não são animadores. Como mostrado na Figura 2, prejudicam a adesão ao tratamento, que é essencial
somente um terço das crianças/adolescentes com asma para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes.
faz uso de profilaxia ou tem uma receita médica para Uma das limitações do nosso estudo foi a grande perda
um plano de tratamento da doença, quase metade de pacientes na fase III do estudo: dos 605 escolares
utilizou corticoide oral pelo menos uma vez nos últimos da fase anterior, apenas 251 participaram dessa etapa.
12 meses, e três quartos dos pais admitem esquecer- Tal perda deveu-se ao fato de os escolares realizarem
-se de dar a medicação de forma contínua para suas os testes em unidades básicas de saúde, em horário
crianças/adolescentes. Em relação aos mitos populares, inverso ao de seu período escolar, necessitando da
comparando-os com os tratamentos utilizados, não presença dos pais ou responsáveis, o que dificultou
foram encontradas associações significativas. Quando a vinda desses pacientes por motivos pessoais ou
o grupo asma foi estratificado entre asma controlada profissionais dos responsáveis. Esse viés do estudo
e asma não controlada, também não evidenciamos pode ter selecionado, durante essa fase, pacientes com
diferenças entre os mitos e os tratamentos utilizados, maior gravidade da doença; entretanto, acreditamos
com exceção do uso de IP nos últimos 12 meses, que os resultados levantados não prejudicam a validade
demonstrando que crianças/adolescentes com asma não interna do estudo se entendermos que essa amostra
controlada fazem seu uso com maior frequência. Além poderia ter selecionado crianças/adolescentes com
disso, quando comparadas as variáveis entre consultas asma mais grave. No entanto, a ausência de dados
médicas por sintomas de asma e sintomas da doença publicados sobre mitos populares em asma, tão
em repouso ou durante a prática de atividades físicas, presentes em países em desenvolvimento, justificam a
os valores se mostraram significativamente maiores importância da apresentação dos nossos resultados, o
para o grupo asma não controlada em comparação que pode resultar em novos estudos mais detalhados
ao grupo asma controlada (Tabela 2). sobre esse tema com o objetivo de nortear programas
Recentemente, um estudo realizado na Arábia públicos de manejo da asma na criança/adolescente.
Saudita(15) comparou o nível de conhecimento em asma Concluindo, nosso estudo mostra que os mitos
de pais de crianças com asma com a prevalência de populares em asma são frequentes nas famílias de
asma controlada e não controlada, sendo evidenciadas crianças/adolescentes com asma em uma cidade no
diferenças significativas entre os dois grupos quanto sul do Brasil. Alguns desses mitos podem impactar no
ao uso prolongado de IP, na justificativa que os IPs tratamento e na qualidade de vida desses pacientes.
podem afetar ou prejudicar o coração, devendo ser Dessa forma, a ausência de associação entre os
administrados apenas no período intercrise. Como frequentes mitos populares e o uso de medicamentos
conclusão, o estudo encontrou uma lacuna substancial específicos encontrada no presente estudo aponta para
nos aspectos avaliados de conhecimento sobre a doença a necessidade de estudos com amostras maiores. O
por parte dos pais, sendo que a incompreensão da desenvolvimento continuado de programas educativos
doença, equívocos sobre inaladores para a asma e o com pacientes e com a população em geral pode cons-
uso de medicação estavam entre os principais fatores tituir em uma estratégia para ampliar os conhecimentos
identificados. Tais resultados não diferem dos relatos sobre a asma na infância e a melhoria do controle
em nossa amostra, pois uma grande parte dos pais/ dessa doença na saúde pública em muitos países.

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