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INTRODUÇÃO
O livro em seu formato impresso jamais experienciara estar sob tantos holofotes
como quando protagonizou, junto de seus autores, espaços nas estantes pertencentes às
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Este artigo traz ao saber os achados provenientes de pesquisa de Mestrado concluído no ano de
2018. Ademais, apresenta algumas constatações oriundas de tese de Doutorado em andamento.
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livrarias físicas e virtuais, aos leitores e aos estandes dos eventos e festivais literários.
Desde a constatação de que a Internet também poderia vir a acrescer à produção livresca
– ainda que apenas no que tange aos números2 –, a Literatura tem sido eloquentemente
celebrada e, nesse ínterim, redescoberta. Afinal, concedera-se voz a sujeitos cuja força de
comunicação lhes era permitida exercer somente no ciberespaço, mas nem mesmo por
essa razão estiveram presos às arestas das telas ou aos layouts das redes sociais.
Quando as primeiras publicações em papel assinadas por produtores de conteúdo
digital foram apresentadas ao público a partir dos anos de 2010, a Literatura Juvenil de
origem nacional encontrava-se ainda representada por alguns poucos nomes que a ela
dedicavam os seus muitos esforços desde anos a fio: de Liliane Prata a Sérgio Klein,
alcançando, mais tarde, Thalita Rebouças e Paula Pimenta, a expressão literária voltada
aos jovens fora solapada por agendas e diários que preconizavam a ficcionalização do
cotidiano certamente vivenciado, dia a dia, por cada um deles. Não empregamos, aqui,
um tom de desprezo, dotado de pouco convencimento quanto à real importância dessas
produções que se tornaram populares entre os leitores adolescentes no início do milênio.
Devemos, aliás, reconhecer o lugar de destaque que obtiveram esses títulos no âmbito
do mercado editorial de livros junto ao seu grupo-alvo, não somente à sua época de luz,
mas também e, em especial, nesta contemporaneidade, na qual os jovens consumidores,
já acostumados a escutar a fala das celebridades virtuais as quais aprenderam a admirar
post após post, vídeo após vídeo, like seguido de like, proporam irromper as fronteiras
das telas de seus dispositivos eletrônicos, estabelecendo-se, enfim, no campo literário,
apesar de hoje imergirem nos produtos textuais da autoria de seus ídolos: adolescentes,
internautas, escritores de Literatura e, às vezes, por que não, também aborrescentes.
Como parte integrante de nossa pesquisa de Mestrado, delineamos uma espécie
de mapa composto por dados relativos aos livros impressos de blogueiros e youtubers
lançados entre janeiro de 2008 e dezembro de 2016. Esse mapear se prestou a nos trazer
uma visão ampla e demasiada geral em relação à produção literária desses internautas,
com especial enfoque nos títulos comercializados sob o formato tradicional de papel.
Por isso, reconhecemos que esse mapeamento, quando manufaturado, não se constituíra
apto a nos demonstrar especificidades sobre este ou aquele título, até mesmo porque o
objetivo de sua feitura fora pautado no princípio de que almejávamos visualizar cenário
de caráter global acerca da absorção dos conteúdos virtuais assinados por celebridades
do meio online por parte do mercado editorial de livros. Logo, a prerrogativa máxima
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Excluímos desse argumento as viabilidades de produção e publicação de narrativas eletrônicas,
as quais, em razão da complexidade que as guarda, merecem um estudo apropriado às suas
especificidades.
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desse levantamento embasou-se em aspectos quantitativos, uma vez que as categorias
de organização utilizadas a fim de listar os dados foram título, autor, editora, ademais,
redes sociais das quais o blogueiro ou o youtuber se originara, não apresentando, essas
tais categorizações, vinculação alguma a um suposto panorama de cunho qualitativo.
Aproveitamos esse ensejo a fim de clarificarmos que alguns livros seguramente
não foram inclusos no mapeamento. Não obtivemos acesso à totalidade dos catálogos de
lançamentos das grandes, médias ou pequenas editoras, porque a pesquisa considerou
como fonte de dados o acesso às diversas mídias sociais administradas por internautas
reconhecidos no meio, dinâmica essa que nos conduziu a contatar a produção literária
de outros produtores de conteúdo, detentores de menor alcance ou popularidade, o que
cooperou à expansão do contingente de obras por fim eleito à análise proposta.
À exemplo disso, apresentamos, a seguir, uma ilustração sistematizada no que se
refere ao montante de livros impressos da autoria dos sujeitos de interesse para o estudo.
A não ser por um breve decrescimento observado nos cinco primeiros anos presentes no
mapeamento, notamos o progressivo crescimento das publicações de papel, atingindo o
seu ápice no último ano da pesquisa, com cento e cinco achados (Gráfico 1).
O diário de Débora (Marco Zero, 2003), de Liliane Prata; A agenda de Carol (Leitura,
2004), de Inês Stanisieri; Poderosa: diário de uma garota que tinha o mundo na
mão (Fundamento, 2006), de Sérgio Klein.
Fonte: Google.
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A oralidade secundária diz respeito àquela sustentada pelo advento das novas tecnologias.
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O adolescente, então, pudera se debruçar e se deleitar nesse microespaço criado
e a ele ofertado, pois a sua voz o jovem sujeito sempre sustentara. Condição de caráter
obrigatório, o nascimento e o reconhecimento da adolescência aconteceu no século XX,
desfazendo-se da terminologia juventude, já que no âmbito dessa ocorrência a velhice
fora desvalorizada, e a idade adulta, então, submetida ao processo de rejuvenescimento
(MORIN, 1997, p. 154). Assim, restou àquele que se equilibra na linha que segrega os
prazeres da infância e os compromissos da adultice, adolescer. A adolescência, por isso,
é entendida enquanto construção sociocultural; moratória cuja conjuntura na qual se faz
existir, assinalada pelo consumo, espetáculo e entretenimento, é protelada e torna-se
interminável (CALLIGARIS, 2000, p. 16). O adolescente brasileiro e contemporâneo,
especialmente o sujeito que crescera e conivera com o fenômeno das novas tecnologias
conectadas a uma inter-rede, o jovem nativo digital de Prensky (2001), viu-se defronte
a ambivalência de seu próprio estado de ser e estar, ora analógico, ora digital, imposto
pela chegada do século XXI, hospedeiro gentil dos blocos de anotações e das abas dos
calorosos e multimodais diálogos empreendidos no meio online, do ICQ ao What’s App.
Transcorreram-se anos, e nesses, as culturas de mídia e massa, intensificadas
pelo sobreviver da rede, alcançaram a arte do manufaturar literário. Como sabemos, este
artigo não pretende discorrer acerca do impacto dos artifícios eletrônicos à prática da
escrita ou da leitura, o que pode ser facilmente verificado a partir de breve vislumbre
em relação às plataformas virtuais de autopublicação, múltiplas no ciberespaço de uma
atualidade na qual a Literatura conquista território, muitos adeptos e ávidos celebrantes.
O fazer literário ao qual nos referimos compreende aquilo o que seu campo de origem,
tradicionalmente sustentado sobre os pilares do suporte físico de papel, demonstrara
estar disposto a abrigar nas páginas de celulose desvirginadas, de gramatura sofisticada.
A Literatura da autoria de internautas adolescentes, os blogueiros e youtubers, é
um sintoma da conectividade de nossos tempos, a cada clique ou toque mais necessária;
imprescindível por natureza na temporalidade corrente, assim como as transfigurações
que a Literatura Eletrônica sugere aos espectadores contemporâneos adoradores ou não
das inovadoras faces da Web, ao menos reconhecedores de que a revolução tecnológica
transfigurou os lugares de existência e coexistência da prática do narrar. Sintomático é,
também, a hibridez que demarca a diversidade das publicações desses jovens autores,
outrora encarregados apenas da manufatura de conteúdos exclusivos aos seus canais de
comunicação no ambiente digital. Convidados por editoras brasileiras para publicarem
livros que levam os seus nomes nas capas e lombadas, os tais navegantes se aventuram
no vasto universo que a Literatura guarda, acima de tudo, no que concerne às muitas
Sob essa redoma, a produção literária impressa de autoria dos jovens blogueiros
e youtubers serve como uma espécie de mola propulsora aos trabalhos outrora iniciados
pelos demais indivíduos que dedicaram suas escritas aos adolescentes. Todavia, agora, o
espirituoso dia a dia desses leitores pode finalmente ser experienciado através dos olhos
daqueles com os quais compartilham além da faixa-etária e características em comum,
também as lembranças de um passado não muito distante, aquilo que os aflige no tempo
presente, ademais, as ansiosas perspectivas para o futuro, no qual ser adolescente já não
lhes cabe, mas assumir os encargos como adulto, os aterrorizam. Entendamos os autores
adolescentes, portanto, enquanto transmissores culturais, responsáveis, de acordo com
Petit (2019, p. 23), por construir e ofertar mundos habitáveis, “[…] poder encontrar ali o
seu lugar e locomover-se; celebrar a vida no cotidiano, oferecer as coisas poeticamente;
inspirar as narrativas que cada pessoa fará de sua própria vida […]” – ler, saber e viver.
Retomando a pauta de discussão sobre a divergência observada entre os gêneros
trazidos por livros impressos de jovens internautas e suas fichas catalográficas, é preciso
ressaltarmos que essa discrepância em relação à categorização de gêneros dos títulos
inclusos na tabela anteriormente colocada em exposição e seus reais teores não deve ser
generalizada, mas somente considerada plausível para eventuais averiguações. Afinal, o
mapeamento de dados confeccionado apresenta contingente de obras muito mais amplo
e, junto a elas, consequentemente, outras tantas informações que demandam adequado
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desbravamento. Existem inúmeros pontos de partida para pensarmos sobre a confecção
das fichas catalográficas. Oficialmente, elas deveriam ser atribuição dos profissionais da
área da Biblioteconomia – os bibliotecários. Entretanto, será que todas essas editoras
puderam contar com a presença de especialistas capacitados em seus quadros técnicos?
E ainda, até que ponto as questões de política ou interesse da editora não influenciaram
o processo de categorização dos conteúdos das obras, refletido nas já referidas fichas?
Essas são algumas inquietações prudentes e viáveis ao contexto de debate apresentado.
Por outro lado, bem como exposto por Soares (2007, p. 77), faz-se relevante reforçar o
argumento de que não necessariamente os livros aos quais nos debruçamos contemplam
aspectos que se referem a um único gênero. É preciso que examinemos os textos sempre
de modo aberto e inconclusivo, respeitando os caminhos que os pertencem a fim de que
nos tornemos capazes de explorar suas trilhas, objetivando alcançar os seus potenciais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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