Esquenazi, Jean-Pierre As Séries Televisivas
Esquenazi, Jean-Pierre As Séries Televisivas
Esquenazi, Jean-Pierre As Séries Televisivas
LIV - 440835
'Ili l 1 1 11 1 11 1 1
' 833 909
Ouvrage publié avec le soutien du Centre N ational du Livre
- Ministere Français Chargé de la Culture.
Cet ouvrage a bénéficié du soutien des Programmes d'aide à la publication
de l'Institut français.
Impressão e acabamento:
Papelmunde, SMG, Lda.
1.ª edição, junho de 2011
ISBN: 978-989-8285-42-3
_Depósito Legal n. 0 329100/11
Esta obra está protegida pela lei. Não pode ser reproduzida
no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado,
sem a autorização do Editor.
Qualquer transgressão à lei do Direito de Auto,;,
será passível de procedimento judicial.
INTRODUÇÃO
7
AS SÉRIES TELEVISIVAS
o interesse é geral, ou quase: as séries ainda não são levadas a sério pela
imprensa cultural ou pelos estudiosos. Não existe em França qualquer verdadeira
crítica de séries televisivas que se assemelhe de algum modo à crítica americana.
A Les Jnrockuptibles, revista ao serviço de artes médias como o cinema ou o rock,
não tema uma rubrica sobre «séries»; os artigos do Libération que tratam das
séries continuam a ser mal informados, breves e superficiais. Face aos artigos
de fundo do New York Times, que, em 1995 (Weiraub, 1995), escreve que as
séries televisivas se tornara m mais criativas e interessantes do que o ci nema,
os jornais franceses fazem fraca figura. Os académicos não se interessam pelas
séries, à exceção de alguns especialistas de cinema como Genevieve Sellier e
Pierre Beylot, organizadores do primeiro colóquio dedicado ao género, realizado
em 2002; no entanto, os seus alunos, em muitos casos fanáticos das séries,
adorariam verem ilustradas as questões de escrita audiovisual ou de economia
dos media com exemplos retirados da produção das séries.
Acrescentemos que existem muito poucas obras que tratam da questão das
séries televisivas; a maioria adota um tom arrogante e· condescendente. Num
livro publicado em 2006, na editora suíça Peter Lang, Danielle Aubry (2006:
p. 195) escreve, a propósito de Twín Peaks (série criada, escrita e produzida por
David Lynch), sem procurar sequer justificar a sua opinião: «Os maneirism os
formais e estilísticos que parecem tão surpreendentes, tão audaciosos e origi
nais à primeira vista[...] não conseguem camuflar a inanidade profunda do
conteúdo ou, pior, a sua misoginia complacente, aviltante, o seu sentimenta
lismo que, por vezes, roça a pieguice». A série é um género que suscita ainda
esta forma de juízo categórico, completamente contraditório com tudo aquilo
que se poderia escrever e que, por certo, nunca seria tolerado a propósito de
um filme desse mesmo cineasta. Face a uma produção académica americana
ou inglesa exuberante e apaixonada, a ausência francesa parece ainda mais
assombrosa. Só alguns amadores e conhecedores, no verdadeiro sentido do
termo, como Martin Winckler (2002) ou Alain Carrazé (2007), defendem e
analisam com energia o universo das séries, em particular através da nod.vel
e erudita introdução ao fenómeno proposta por Carrazé na obra Les Séries
télé, publicada na Hachette.
Faltam até as palavras para falar das séries. Pelo menos duas fizeram-me
muita falta nos artigos que escrevi sobre o tema: em primeiro lugar, um equi
valente ao termo de leitura para a televisão. Fala-se de «audiência», mas esta
designação denota meramente a presença de um público. Apercebi-me então
de que alguns autores canadianos utilizam o termo «telespetaleitura» *, que
penso ser excelente e que, com gratidão, lhes tomo de empréstimo. De resto,
o francês encontra-se cruelmente desmunido para descrever a competência
mediática, o saber que adquirimos progressivamente pela familiarização com
os programas de televisão. O inglês propõe vários termos que associam uma
competência e a capacidade de agir por ela autorizada: policy (a conduta da
_j
INTRODUÇÃO
política), agency (o poder de agir), literacy (o saber ler e, por extensão, o saber
ler literário). Utilizarei nesta perspetiva o neologismo «mediada», derivado
do inglês mediacy, que vários autores utilizam para designar os nossos saberes
adquiridos sobre a televisão.
É tempo, se não de acompanhar, pelo menos de tentar compreender um
movimento popular que percorre, como veremos, todas as classes sociais e todas
as faixas etárias. Este livro constitui uma tentativa de introdução ao universo
serial, destinada aos apreciadores de séries e, ao mesmo tempo, aos universi-
tários interessados nas questões da produção televisiva, da narrativa popular
e da sua receção, ou nos novos problemas narratológicos trazidos pelas séries:
com efeito, podemos «entrar» de várias maneiras no mundo das séries. Deste
ponto de vista, a obra é também um catálogo de abordagens metodológicas
possíveis para tratar de um género vasto e proteiforme.
É por isso que este livro não se intitula «História das Séries Televisivas» e
não tem uma vocação de recenseamento. Foi necessário proceder a algumas
escolhas, que, por certo, não agradarão aos apreciadores de algumas séries de
que não falaremos. Questões de opção pessoal e também de disponibilidade
guiar-nos-ão para delimitar o campo deste estudo, ainda que o critério prin-
cipal seja a necessidade de ilustrar o melhor possível o desenvolvimento atual
do género. Nesta perspetiva, tivemos de privilegiar o domínio americano, isto
por muitas razões convergentes. A primeira, que não é fútil, é o veredicto do
público, nunca desmentido, particularmente em França. No momento em
que escrevo estas linhas, leio no TélécâbleSat Hebdo • (7 de fevereiro de 2009):
«As séries CSI continuam a ganhar audiência em França . Este gosto pelas
séries americanas é um fenómeno em todas as televisões francesas. No canal
France 2, a série Sem Rasto voltou a bater a ficção francesa de segunda-feira
no canal TFl.» Só algumas séries britânicas e, pelo menos em certas partes do
mundo como a África , as telenovelas sul-americanas (Thomas, 2003) fazem
concorrência aos produtos americanos. A não ser que se pense, como alguns
iluminados, que a televisão está nas mãos de manipuladores políticos e que o
seu público é um exército de parvos embrutecidos, temos de reconhecer que
um sucesso assim tão generalizado assenta em algumas qualidades.
É verdade que os Americanos compreenderam rapidamente que a noção de
«série» se adapta perfeitamente às formas de difusão da televisão. 1 Love Lucy
e Dragnet, séries que anteciparam e influenciaram fortemente os dois grandes
géneros da sitcom e da série policial, começaram a sua programação em 1951. A
França, singularmente, nunca acreditou nem refletiu numa verdadeira política
de produção de séries. Contudo, não foi por falta de antecedentes históricos:
os romances de folhetim do século XIX ou os seriais cinematográficos dos anos
1910-1920 tiveram um sucesso enorme. No domínio da ficção televisiva, a
lógica que começou por se impor foi a das antologias. En votre âme et conscience
ou La Caméra explore le temps (cujas primeiras difusões datam de 1956 e de
1957) apresentam argumentos e personagens diferentes no seio de quadros
* O Té/écâble
Sat Hebdoé um semanário francês dedicado à programação televisiva. [N.T.]
9
AS SÉRIES TELEVISIVAS
10
INTRODUÇÃO
11
AS SÉRIES TELEVISIVAS
12
INTRODUÇÃO
13
Primeira Parte
Difusão televisiva,
séries e públicos
• A série, género dominante da televisão
•
Capítulo 1
17
AS SÉRIES TELEVISIVAS
18 ,1
1. A SÉRIE, GÊNERO DOMINANTE DA TELEVISÃO
mais que se verifica que são sobretudo os programas para adultos que atraem
a juventude.
Estas diferentes problemáticas que agitam o campo mediático americano
demonstram como a televisão está agora associada à família e, mais ainda,
..
à vida doméstica. E evidente que a indústria dos programas está totalmente
consciente desse facto. Rapidamente, começa a dirigir-se sobretudo às donas
de casa, símbolos incontestáveis do lar, ao ponto de a imprensa se agitar:
surgem críticas às representações emascu1adas dos homens nas primeiras fic
ções, daí resultando uma telefobia inevitavelmente misógina (pp. 62-65). É
verdade que os anunciantes se dirigem sobretudo às mulheres para venderem
eletrodomésticos e... televisores.
Quanto aos programas, inscrevem-se naturalmente na principal tradição
do entretenimento americano, o espetáculo de vaudeville nascido em finais
do século XIX. Note-se que aquilo a que os Americanos chamam «vaudeville»
é um espetáculo composto de sequências curtas e variadas: ao malabarista
sucede um cantor, depois vêm domesticadores de animais ou cómicos (Portes:
pp. 82-83). Para muitos historiadores (por exemplo, Snyder, 1989), este tipo de
espetáculo marca a entrada dos americanos na era da cultura popular moderna.
Evidentemente, é adaptado ao novo meio de comunicação e, sobretudo, à sua
localização familiar: «Ao misturarem as tradições do entretenimento vivo
com narrações a propósito de sensatas famílias americanas» (Spigel: p. 151),
as grandes redes encontram uma primeira solução para reunirem as famílias
frente ao pequeno ecrã. O Texaco Star Theatre, animado por Milton Berle,
já um clássico da programação radiofónica da NBC, passa na televisão com
tal sucesso que muitos restaurantes resolvem encerrar durante o programa: as
«macaquices» do ator, associadas aos números apresentados pelos convidados
e inseridos numa narrativa muito indolente, fazem deste programa a primeira
vedeta da televisão.
No entanto, rapidamente os críticos exigem uma maior continuidade
narrativa. Assim, as comédias familiares esquecem as suas origens do espe
táculo de variedades: procura-se um novo equilíbrio narrativo que privilegie
as articulações da história. As novas vedetas são famílias televisivas, como
os Ruggles, sem dúvida uma das primeiras sitcoms (a série estreia em 1949).
Esta série desenrola-se quase totalmente na sala· de estar familiar, imitando
assim a situação dos telespetadores: as aventuras da família Ruggles erani
semelhantes às dificuldades vividas pelo seu público. Assim, desde inícios dos
anos 1950, a televisão americana abre caminho a uma maior narrativização
dos seus programas de entretenimento, de que a passagem de testemunho do
palhaço Milton Berle para o humorista Charlie Ruggles é um símbolo reve
lador. Os vestígios do espetáculo de variedades, ainda presentes nas sitcoms,
por exemplo através da interpelação direta dos telespetadores (Spigel, p. 159),
desaparecem de um género que nasce por volta de 1951: os dramas produzidos
no interior de antologias por um patrocinador específico constituem outro
índice da procura de narrativa pelos públicos. São o equivalente da nossa era
dos «dramas», estudada por Gilles Delavaud (2005): filmados em direto, são
19
AS SÉRIES TELEVISIVAS
_J
20
1. A SÉRIE, GÉNERO DOMINANTE DA TELEVISÃO
21
AS SÉRIES TELEVISIVAS
22
1. A SÉRIE, GÉNERO DOMINANTE DA TELEVISÃO
23
AS SÉRIES TELEVISIVAS
24 l
j
1
1
.....,.,
-----------------·-
25
AS SÉRIES TELEVISIVAS
26
..
1. A SÉRIE, GÉNERO DOMINANTE DA TELEVISÃO
27
AS StRIES TELEVIS
IVAS
28
1. A SÉRIE, GÉNERO DOMINANTE DA TELEVISÃO
lançada, uma série pode ter dificuldade para acabar. Recordemos o estratagema
de Alan Ball, que, para ter a certeza de que a sua série Sete Palmos de Terra (Six
Feet Under) acaba no fim da quinta temporada, realiza um episódio final que
apresenta a morte futura de cada uma das suas personagens. De uma forma
mais geral, as séries só acabam com o desinteresse do público, o que confirma
a dependência da produção televisiva relativamente às reações dos públicos.
Nesta perspetiva, aquilo a que os Americanos chamam miniseries, que
são ficções desenvolvidas e terminadas em poucos episódios, surgem como
produtos que se situam apenas no limite do universo das séries: o desfecho
anunciado, a unidade de uma história mesmo que contada em várias histórias
parecem incompatíveis com o projeto tanto cultural como económico das
séries televisivas.
Chegamos então a uma conclusão inevitável: nas circunstâncias que
rodearam o desenvolvimento do meio televisivo, era inevitável que a série se
tornasse um dos géneros favoritos do sistema. Adotada pelos telespetadores,
que nela encontram uma espécie de conforto e segurança nas suas vidas
quotidianas, foi também progressivamente acarinhada tanto pelas grandes
redes de difusão como pelas casas de produção, na medida em que o género
lhes assegura benefícios substanciais. Atraiu logicamente, como veremos nos
capítulos seguintes, personalidades ambiciosas que, a pouco e pouco, inven
taram um novo ofício, o de «criador» de série. Este, que deve possuir grandes
competências culturais, de escrita, económicas e de gestão, afirmou-se com
fortes personalidades, como Rod Serling, Patrick McGoohan, Steven Bochco,
Dick Wolf, etc. Se estamos no caminho certo, se a importância atual das séries
resulta do lugar dos televisores na sala familiar, temos de encontrar provas
disso tanto no conteúdo como no pormenor dos modos de receção das séries.
É o que tentaremos verificar no capítulo seguinte.
29
Capítulo 2
A cumplicidade entre
públicos e séries
1. Estudos
O espetáculo televisivo afirmou-se então como um espetáculo doméstico: vai
procurar os seus públicos onde estes privilegiam comportamentos característicos
daquilo a que se chama vida privada. Na medida em que as séries constituem
o produto televisivo mais completo desta forma de difusão, a telespetaleitura
das séries devia ser influenciado por ela. Podemos pensar, por exemplo, que
as apreciações dos telespetadores serão geralmente mais afetivas do que o são
relativamente a outros produtos culturais ficcionais. As investigações sobre os
públicos de séries começam a ser muito numerosas, particularmente no mundo
anglo-saxónico, e iremos interessar-nos por algumas delas, que se tornaram
clássicos do estudo dos públicos de televisão: permitir-nos-ão aperfeiçoar as
nossas expectativas e constituir aquilo a que poderíamos chamar um modelo
da telefilia serial.
Seria difícil não começar por um dos estudos pioneiros, o de Ien Ang (1991),
publicado pela primeira vez em 1982, Watching Da/las. A autora começa por
constatar o sucesso da série junto da população holandesa: «Deixava de ser
possível», escreve Ang, «evitar discutir a popularidade da série quando todos
começavam a interpretar as suas próprias vidas através dela» (p. 5). A socióloga
coloca então um anúncio numa revista feminina de grande audiência, a Viva,
pedindo às apreciadoras da série que lhe escrevam a fim de lhe explicarem
por que razão gostam da série ou por que a detestam. Ang recebe 42 cartas,
a maioria muito pormenorizada, que descrevem experiências, hábitos e senti
mentos de telespetadoras interessadas ou intrigadas pela série. Na sua maioria,
as cartas provêm de mulheres cultas e capazes de reflexividade (pp. 10-12)�
Estes documentos constituem um testemunho apaixonante da relação fre
quentemente íntima entre as telespetadoras e a série.
Depois de se ter desembaraçado de alguns estereótipos sobre a receção
televisiva (como o da suposta passividade dos telespetadores), Ien Ang veri
fica que as mulheres que lhe escrevem se mostram envolvidas ou compro
metidas com a série. As razões invocadas são diversas: diferentes episódios
ou personagens podem desempenhar aí um papel primordial. No entanto,
31
AS SÉRIES TELEVISIVAS
32
2. A CUMPLICIDADE ENTRE PÚBLICOS E SÉRIES
a sua discussão (pp. 171, 80): o longo tempo da narração serial permite o
desenvolvimento do seu universo específico e dos diferentes pontos de vista
que o balizam.
O estudo de Dominique Pasquier (1999) sobre três jovens (sobretudo)
apaixonadas pela série Hélene et les garçons, realizado essencialmente a partir
de cartas enviadas por essas telespetadoras para a produção, revela a afeição
de um público muito jovem pela série. Neste estudo, que hoje é considerado
um clássico entre os trabalhos franceses sobre a receção em torno dos pro
dutos da cultura industrial, a autora não tem dificuldade em mostrar como
as jovens fãs da série conhecem os arcanos da produção audiovisual. Sabem
que, ao escreverem para a AB Productions, que produz Hélene et les garçons, se
dirigem mais a atores do que a personagens de ficção (p. 28): por conseguinte,
distinguem perfeitamente o ficcional do real, ao mesmo tempo que compre
endem esta fronteira mais como maleável do que como rígida. As�im, veem
os comportamentos das personagens como modelos que podem comentar
segundo os critérios aplicáveis à realidade e que até podem seguir (p. 107).
Vejamos um exemplo de uma· mistura deste tipo, cuja autora é uma jovem
de 13 anos: «Hélene, sabes que por vezes te invejo. Fazes um belo casal com
Patrick [desempenhado por Nicolas] (... ). Pergunto-te como é ter de beijar um
rapaz que mal conheces? Namoras com alguém? Eu não, mas gostava muito
de namorar com um amigo» (p. 104).
Estas cartas mostram também até que ponto ver a série constitui uma ati
vidade: as jovens telespetadoras parecem nunca parar de pensar e de imaginar
o universo no qual vivem Hélene e os seus amigos Nicolas, Laly, Sébastien e
todos os outros; discutem-no com as mães (quando estas o permitem) e com as
amigas e até escrevem aos seus heróis favoritos, pesando cuidadosamente cada
palavra nas suas cartas. Por exemplo, uma criança de dez anos escreve: «Hélene,
penso que, neste momento, as coisas não estão bem para Laly, Sébastien e
Linda, tenho pena que a Laly e o Sébastien se tenham separado, pois ficavam
bem juntos, mas a Laly disse que ela e o Sébastien seriam apenas amigos e que,
para o Sébastien, isso não o impede de sair com a Linda» (p. 110).
Podemos dizer, com Dominique Pasquier, que a série soube mobilizar o
seu jovem público e permitiu inscrever o universo ficcional de Hélene et les
garçons no interior do quotidiano familiar e escolar das crianças. Em particular,
a socióloga mostra como as mães mais disponíveis (em muitos casos oriundas
dos meios populares), as que aceitam ver uma ficção que não foi pensada real
mente para elas, ganham assim uma nova intimidade com os filhos (p. 163).
Os fóruns na Internet são outra fonte interessante que, atualmente, dá
acesso às reações dos telespetadores. Consideremos o exemplo dedicado à
série Clara Sheller, disponível no site da França 2. Ao lermos as mensagens aí
deixadas, não podemos deixar de reparar o quão se assemelham às cartas das
raparigas reunidas por Dominique Pasquier: o mesmo interesse pelos atores por
detrás das personagens, os mesmos comentários gerais sobre o valor exemplar
de determinado comportamento, as mesmas adesões ao universo ficcional e
às suas peripécias:
l 33
--
AS SÉRIES TELEVISIVAS
De resto, não é absurdo pensar que algumas das raparigas que escreviam
cartas sobre Hélene et les garçons se tornaram, 15 anos depois, participantes no
fórum de Clara Sheller. .. Algumas mensagens que operam uma transferência
de parte do universo ficcional para a vida privada dos interhautas são parti
cularmente notáveis: mostram investimentos afetivos totalmente comparáveis
aos dos fãs de Da/las ou de Hélene et les garçons. Vejamos dois exemplos:
«Eu sei que tive a sorte de encontrar a minha Clara, há já dez anos (e tenho apenas
vinte). Aliás, devia pedir direitos de autor por essa série: Clara e JP somos nós,
estão tão enamorados como nós, ou até menos. »
«Sou perdida, egocêntrica, desvairada no amor, terrivelmente insensível quando
penso no meu futuro ... e agradeço aos argumentistas por terem feito destes
defeitos qualidades em Clara ... Sei que se trata de uma ficção ... mas sinto-me
menos triste esta noite e mais original uma "insuportável. .. adorável"!»
A série suscita também polémicas que resultam das audácias dos autores a
respeito da representação da sexualidade. Algumas reações aos ataques contra
imagens de alguns episódios consideradas inconvenientes manifestam a cum
plicidade participante de internautas que percebemos sentirem-se ofendidos
por esta hipocrisia descabida:
Uma série muito diferente como Os Simpson suscita uma implicação com
características análogas às já mencionadas. O estudo recente de Jonathan Gray
(2005) é particularmente interessante, uma vez que associa um estudo da
semântica da série a um estudo da receção. Esta é limitada: 0 autor interrogou
35 estudantes de uma universidade londrina sobre as suas relações com a famosa
34
2. A CUMPLICIDADE ENTRE PÚBLICOS E SÉRIES
35
AS SÉRIES TELEVISIVAS
36
2. A CUMPLICIDADE ENTRE PÚBLICOS E SÉRIES
37
AS SÉRIES TELEVISIVAS
38
2. A CUMPLICIDADE ENTRE PÚBLICOS E SÉRIES
Esta mediada aparece sob muitas outras formas frequentemente subtis; por
exemplo, na análise do papel das personagens femininas Pamela e Sue Ellen,
em particular do alcoolismo desta última, pelas telespetadoras de Da/las (Ang,
1991: PP· 43-44). O grupo de telespetadoras questionado por Mary Ellen
Brown (1994: PP· 84-92) mostra a sua capacidade de articular os diferentes
fios narrativos de Days ofour Lives. Quanto aos estudantes interrogados por
Jonathan Gray (pp. 149-150), encontram quase naturalmente um estilo refletido
para descreverem os diferentes modos paródicos utilizados por Matt Groening
e os seus acólitos para construírem as várias personagens de Os Simpson. Nos
comentários dos fóruns de Internet encontramos facilmente intervenções que
tentam fazer uma análise geral dos valores da série. Citemos uma descrição
de Clara Sheller, da qual retiramos o seguinte excerto: «O ritmo da série e
os planos sobre Paris: nada a acrescentar! O argumento está numa forma
romanceada e ficcional, muito realista quanto às angústias da solidão afetiva
e à dificuldade de exprimir os sentimentos dos "perversos", dos "desviantes",
dos "anormais", tal como os definimos.»
Quando se insiste nas entrevistas aos verdadeiros fãs, obtêm-se análises
formais muito interessantes, quer se trate das estruturas narrativas, do papel
da música ou dos estilos de realização. Parece então indiscutível que a mediá
eia serial leva os verdadeiros conhecedores a adquirirem um autêntico saber
analítico. Este baseia-se em comparações com outras séries ou com antigas
leituras, em discussões com outros fãs ou, por vezes, em informações obtidas
na Internet: a telespetaleitura de uma série (como, de resto, de qualquer outro
objeto simbólico) só pode ser coletiva, quanto mais não seja porque, para a
compreender, cada um utiliza saberes comuns. Assim, uma pessoa nunca
se sente um telespetador solitário frente ao pequeno ecrã, mas membro de
·um vasto coletivo para o qual ver determinada série é um ato perfeitamente
compreensível e justificável. Como as séries não são objeto de uma crítica
pública, porque não há espaço comum onde essas ficções televisivas possam
ser discutidas, a necessidade de uma comunidade interpretativa faz-se sentir
de forma particularmente forte. Além disso, os universos ficcionais seriais têm
a hipótese de se desenvolverem longamente, em muitos casos durante anos:
as comunidades interpretativas seriais beneficiam disso para se conservarem,
para crescerem mais do que as outras. As retransmissões aumentam esse poder,
permitindo que as comunidades de interpretações mantenham vivas as séries
favoritas durante muito tempo após terem sido transmitidas.
39
AS SÉRIES TELEVISIVAS
40
2. A CUMPLICIDADE ENTRE PÚBLICOS E SÉRIES
são duas jovens envolvidas nos movimentos feministas liberais dos anos 1970.
Começam por preparar o projeto de um filme dedicado à amizade de duas
mulheres que se lhes assemelham, mergulhadas num meio duro e masculino,
usando �m arquétipo da ficção popular, o par de polícias. Passam uma dezena
de dias com as agentes policiais de Nova Iorque: Avedon e Corday querem fazer
das suas heroínas personagens realistas e credíveis. Cagney & Lacey constitui
um argumento cuidado, documentado e muito informado sobre os problemas
enfrentados pelas mulheres nos seus locais de trabalho. O produtor Barney
Rosenzweig, seduzido, não consegue convencer uma grande produtora a finan
ciar o filme. Será necessário esperar alguns anos para que a CBS se convença a
rodar um telefilme a partir do argumento de Avedon e Corday. No contexto de
inícios dos anos 1980, em que as grandes redes se preocupam com o público
das classes médias e abastadas, parece possível apresentar mulheres de forma
não convencional, na condição, certamente, de não se ultrapassarem certos
limites. O filme é rodado com uma vedeta então glamorosa, Loretta Swift, e
uma atriz menos conhecida, Tyne Daly. O meio feminista publicita a difusão.
A Senhora Steinem, diretora da prestigiada revista MS, organiza uma receção
com as duas atrizes: os números das audiências são notáveis: Cagney & Lacey
obtém 42 o/o das frações do mercado. Nasce então a ideia de produzir uma
série que perpetue as personagens pelo menos durante algum tempo. Dá-se
início a uma gigantesca negociação, descrita por Julie D'Acci (1994), entre os
representantes da CBS, a produção, os meios feministas, o público e a imprensa
sobre aquilo que pode ou deve ser mostrado na televisão acerca dos problemas
das mulheres. Ano após ano, a série é posta em causa, celebrada, criticada e
modificada: a comunidade interpretativa da série mobiliza-se regularmente
durante toda a difusão. O primeiro episódio é transmitido em março de 1982
e o último em maio de 1988. Entretanto, foram transmitidos 123 episódios.
Dos momentos mais calorosos da discussão, devemos reter o afastamento da
primeira intérprete de Cagney na série, Meg Foster. Esta, que sucedera a Loretta
swift, é considerada demasiado agressiva pelos responsáveis da CBS: para que
fosse encomendada uma segunda temporada, exigem que seja substituída por
Sharon Gless, uma mulher loura e bonita. As insinuações segundo as quais Meg
Foster daria à personagem de Cagney um tom homossexual têm algo a ver com
esta exigência, sobretudo porque as ligas da virtude começam a intrometer-se
no assunto. Sharon Gless, inicialmente mal recebida pelos primeiros fãs, acaba
por dar uma volta paradoxal à sua personagem, que satisfaz a rede CBS e as
observadores feministas de uma série que, ao misturar investigações policiais
e discussões feministas, consegue ganhar um público fiel.
O episódio «Escolha», transmitido na primavera de 1984, ocasionou outra
discussão. Cagney poderia estar grávida e estava previsto que tencionasse
abortar. No entanto, a CBS protesta e, após negociações sobre o que pode
ser dito em relação à conceção, a� controlo de natalidade e ao aborto, Terry
Louise Fisher, então responsável pela produção, é obrigada a aceitar algumas
modificações que enfraquecem singularmente o proj:t�. De u?1.ª forma �eral,
o feminismo explícito do início dá lugar a um femm1smo tac1to, seguindo,
41
AS SÉRIES TELEVISIVAS
aliás, o movimento de reação dos anos Reagan. Para os nossos fins, imp orta
verificar como, neste país culturalmente distante da França, uma série televisiva
policial e melodramática foi uma questão importante na discussão pública,
ocupando não só a empresa responsável pela difusão, mas também revistas de
imprensa, grupos de pressão, escritores, argumentistas e atrizes.
Cito estes exemplos, entre muitos outros, para mostrar até que ponto as
séries fazem parte da vida cultural americana. A época atual não foge à regra:
Twin Peaks, A Balada de Nova Iorque, Oz, Lei e Ordem (Law & Order), Os
Sopranos, Buffy, Caçadora de Vampiros, etc., foram objeto de debates muitas
vezes inflamados que, e isto é uma novidade, constituíram temas de estudos
académicos; todas estas séries geraram conjuntos de ensaios ou de trabalhos
universitários. Em França, faltam ainda locais que permitam a discussão sobre
as séries televisivas. O exemplo de lhe Prisoner (o de McGoohan) ilustra, a
contrario, esta falta: o cenário onde esta série foi rodada é uma aldeia do País
de Gales destinada a abrigar turistas, Portmeirion. Esta aldeia subsiste após a
rodagem, o que permite que os fãs, muitos deles franceses, aí se encontrem em
datas fixas. Surgiu um clube de fãs, que conserva zelosamente a integridade
da série (Le Guern, 2002). Os atrasos franceses nesta matéria são gritantes,
ainda que os fóruns e blogues da Internet permitam acalentar algumas
esperanças. Isto não impede que inúmeros fãs «silenciosos» (pelo menos no
espaço público, porque, quando interrogados., tornam-se geralmente muito
faladores) vejam as séries.
42
2. A CUMPLICIDADE ENTRE PÚBLICOS E SÉRIES
43
AS SÉRIES TELEVISIVAS
44
Segunda Parte
Produção das
séries televisivas
• Produção das séries
47
AS SÉRIES TELEVISIVAS
48
3. PRODUÇÃO DAS SÉRIES
49
AS SÉRIES TELEVISIVAS
2. O exemplo americano
Parece-nos necessário descrever pormenorizadamente o caso americano
para compreendermos em que contextos sucessivos foram elaboradas as séries
de sucesso. Estas diferentes situações têm, porém, um ponto em comum: a
procura de um equilíbrio entre a convenção e a inovação parece guiar sempre
os agentes e as suas discussões.
Os historiadores da televisão americana concordam na existência de três
períodos distintos (Marc, 1984; Thompson, 1996; Brown, 1998; Gomery,
2008). A «idade de ouro>> confunde-se com a época do domínio dos anun
ciantes. Estes negoceiam com as quatro grandes redes (CBS, NBC, ABC e
DuMont) as grelhas de horário em que poderão colocar os programas que eles
próprios escolhem. Possuem os seus próprios estúdios, na maioria localizados
em Nova Iorque, e assumem assim toda a responsabilidade da produção. Esta
estrutura assegura grande liberdade aos produtores executivos: se o êxito for
uma realidade, podem realizar os seus projetos de acordo com os seus desejos.
Os grandes programas apresentados por Milton Berle ou Ed Sullivan sabem
mostrar-se inventivos, variados e geralmente ambiciosos e até reflexivos; graças
a eles, assiste-se a um renascimento da tradição do espetáculo de variedades
(Body, 1998: p. 29). Florescem também antologias como a Philco Television
Playhouse, que têm muitos pontos em comum com as grandes séries dramá
ticas da primeira televisão francesa: temas ambiciosos e atores experientes
asseguram-lhes grande qualidade. A única diferença é que os autores não são
grandes «clássicos» como em França, mas alguns dos mais importantes escritores
contemporâneos (Stempel, 1996: pp. 44-56). Durante este período, existem
muito poucas séries, no sentido que demos a este termos, ainda que surjam
nos ecrãs algumas soap-operas derivadas frequentemente da rádio, como 1he
Goldberg ou Burns and Allen's. No entanto, como vimos, é nesta época que
nascem 1 Love Lucy e Dragnet, que mostram como se pode continuar a fazer
cinema na televisão, passando do filme para a série. A era da transmissão em
direto termina em finais dos anos 1950 e começa então o reinado do suporte
filme para a produção de ficção televisiva.
O êxito de J Love Lucy e de Dragnet prova aos grandes estúdios de
Hollywood que o seu próprio futuro passa pelo produto televisivo e, em
particular, pela série, digna sucessora da produção genérica. O escândalo dos
jogos falseados acelera a revolução. Estes jogos eram programas patrocinados
e produzidos pelos anunciantes: após ter verificado os prejuízos provocados
pelo monopólio dos anunciadores sobre a produção televisiva, a organização
de controlo da televisão (FCC) decide que a produção de programas passará
a ser controlada pelas redes. Depressa florescem os acordos entre estas e os
grandes estúdios: começa aquilo a que Douglas Gomery (p. 129) chama a
«hollywoodizaçáo>> da televisão. O circuito de produçã o transforma-se. Um
produtor independente ou que trabalha para um grande estúdio concebe um
projeto. Este é proposto a uma rede pelo estúdio, que o pode fabricar. A rede
sonda os anunciantes e decide eventualmente financiar um «piloto» e, depois,
50
3. PRODUÇÃO DAS SÉRIES
51
AS SÉRIES TELEVISIVAS
52
3. PRODUÇÃO DAS SÉRIES
53
AS SÉRIES TELEVISIVAS
54
--
3. PRODUÇÃO DAS Sl:Rf ES
produ ção �e �ma série que implica reunir e dirigir equipas frequente
�
mente vanave1s, organizar o trabalho delas, manter a continuidade da
série e enfrentar as exigências das redes, é uma tarefa pesada.
55
--
AS SÉRIES TELEVISIVAS
ou a Invasão dos Violadores (lnvasion ofthe Body Snatchers, Don Siegel, 1955),
uma fábula anticomunista.
Solow vê no projeto de Roddenberry uma oportunidade para introduzir
na televisão uma problemática familiar à literatura ou ao cinema. Conseg uem
convencer a NBC e o seu patrão, Grant Tinker, a realizarem um episódio
piloto. Roddenberry e Solow reúnem alguns antigos técnicos de cinema de
ficção científica, operadores ou especialistas de efeitos especiais como Byron
Haskin, para rodarem no pequeno estúdio uma primeira aventura da nave
Enterprise, desenhada a partir de antigas capas de revistas de pulpfiction. Este
primeiro piloto é considerado demasiado cerebral e demasiado erótico pela
NBC, que, porém, encomenda um novo piloto; no estúdio Desilu, tomam
precauções e preparam três episódios. Esta nova tentativa revela-se decisiva e
o estúdio Desilu envolve-se durante três anos na realização de 80 episódios
de 52 minutos. Trata-se de um desempenho extraordinário para o pequeno
estúdio, que, todas as semanas, tem de «inventar» um novo planeta, ou seja,
um novo cenário, e resolver inúmeros problemas. Alguns destes marcarão
criações memoráveis, como o do «teletransporte», que permite evitar fazer
aterrar a Enterprise, operação financeiramente muito dispendiosa.
Entretanto, Roddenberry multiplica-se, absorvendo e apropriando-se das
ideias de todos aqueles que passam pelo Desilu, impondo uma atriz negra e
outra oriunda da União Soviética para desempenharem papéis recorrentes,
fazendo com que o espírito de tolerância guie as pesquisas e as ações do capitão
Kirk e do tenente Spock, os protagonistas da série. A história de O Caminho
das Estrelas está muito longe de se parecer com a representação de um indústria
hollywoodesca apenas interessada nos resultados financeiros e especialista
na manipulação. O impacto de um «intruso» como Gene Roddenberry na
indústria americana e o seu lugar na cultura política e cultural do país só é
surpreendente se admitirmos esta imagem cómoda.
Quase ao mesmo tempo e nos mesmos lugares, nasce outro projeto original,
levado a cabo por Bruce Geller. Filho de um juiz do Supremo Tribunal, Bruce
Geller obtém em 1952 um diploma da universidade de Yale. É rapidamente
contratado para o departamento de argumentos da firma Warner, torna-se
escritor independente e redige episódios de séries, folhetins, canções e libre
tos de comédias musicais. Esta passagem por diferentes géneros e diferentes
tipos de escrita aperfeiçoa e diversifica o seu talento de escritor. Em finais dos
anos 1950, ingressa numa pequena casa de produção dirigida pelos atores de
Hollywood Dick Powell, Charles Boyer e David Niven, onde trabalha com
Sam Peckinpah em The Westerner, série cujo título é expressão manifesta do
género. Dirige a produção do Dick Powell Show, antes de assu_mir a direção
da sexta temporada da série que dá a conhecer Clint Eastwood, Rawhide
e
(Liardet, 1996: pp. 8-9). Neste resumo, podemos observar a existência d
vo,
interações características entre o mundo cinematográfico e o mundo televisi
mes
entre «autores» de cinema e «produtores» de séries. Impressionado pelos fil
eller
europeus de Jules Dassin (Du Ri.fifi chez les hommes, Topkapi), Bruce G
z, os
propõe à produtora decisivamente prolífica de Lucille Ball e Desi Arna
56
3. PRODUÇÃO DAS SÉRIES
57
AS SÉRIES TELEVISIVAS
58
3. PRODUÇÃO DAS SÉRIES
59
AS SÉRIES TELEVISIVAS
60
Capítulo 4
Percurso de um inventor
de séries: Steven Bochco
1. A aprendizagem
Steven Bochco é, sem qualquer dúvida, um dos mais prestigiados cria
dores de séries televisivas da paisagem cultural americana. Construiu a sua
notoriedade resistindo às injunções dos responsáveis das redes ou dos estúdios,
beneficiando também da sabedoria dos conselhos dos diferentes responsáveis
que conheceu, como Grant Tinker ou Brandon Tartikoff Além dos seus vários
êxitos, a grande influência que lhe é reconhecida, a ponto de ser considerado
uma lenda da televisão americana (Longworth, 2000: p. 193), deve-se tam
bém à forma como soube escolher e formar os seus colaboradores. Muitos são
os grandes nomes da criação de séries americanas que com ele começaram
a carreira: Dick Wolf (Lei e Ordem), David Kelley (Ally McBeal) ou David
Milch (Deadwood) foram argumentistas e produtores de A Balada de Hill
Street ou de L.A. Law.
O percurso de Bochco, ainda que notável, não é excecional: é até perfei
tamente exemplar. Quando Richard Levinson e William Link (1986: p. 25),
também eles criadores de numerosas séries, lhe perguntaram se a televisão
é o meio do produtor, Steven Bochco respondeu: «A televisão é o meio do
escritor, o que explica por que os escritores se tornam produtores. » O seu
percurso pessoal é uma forte ilustração desta transformação obrigatória para
todos os escritores de televisão que desejam controlar minimamente o futuro
dos seus argumentos. Quase todos os grandes criadores da televisão americana
seguiram o mesmo percurso: em primeiro lugar, uma formação de escritor
e, depois, a aprendizagem da produção e da sua organização. As inflexões
da carreira de Steven Bochco são também, para nós, um perfeito exemplo
daquilo que é um inventor de televisão, dois termos que ainda temos alguma
dificuldade em associar.
Nascido em 1943, Bochco faz um bacharelato em Belas-Artes, com
especialização no domínio da escrita para teatro. Beneficia de uma bolsa de
estudo atribuída pelo MCA a jovens escritores. Graças ao seu padrasto, faz
um estágio na Universal. Empregado no departamento de ficção, aprende a
materialidade do trabalho de escrita para a ficção audiovisual. Acaba por ficar
61
AS SÉRIES TELEVISIVAS
uma dezena de anos neste departamento, posto pela sua direção à disposição
de diferentes produtores. Trabalha como argumentista e como direto r de
escrita. Escreve, por exemplo, complementos narrativos para argumentos
demasiado curtos: o exercício é, por um lado, difícil, pois trata-se de seguir
os passos de um autor e as suas preocupações, e, por outro, característico do
argumentista de séries, que tem de se ajustar a uma fórmula semântica muito
rigorosa (Levinson e Link: pp. 17-18). Conhece um primeiro grande sucesso
quando trabalha numa série criada por Richard Levinson e William Link,
Columbo. A série começa por ser uma peça de teatro cujo papel secundário, o
de um inspetor andrajoso, desempenhado por Thomas Mitchell (o bêbedo de
A Cavalgada Heroíca/Stagecoach), rouba o protagonismo ao papel principal, o
de um criminoso, interpretado por Joseph Cotten. O êxito da peça convence
a Universal a propor à NBC a realização de um telefilme. O diretor de pro
dução, Don Siegel, aceita e escolhe Peter Falk para substituir Mitchell, que
entretanto falecera. Quando o sucesso leva a NBC a fazer de Columbo uma
série para a temporada de 1972-1973, Siegel escolhe Bochco para supervi
sionar a escrita dos argumentos. A sua função é verificar a conformidade de
tudo o que é escrito pelos diferentes autores ao espírito e à forma da série. O
supervisor da escrita é então, se assim podemos dizer, o guardião do templo;
Bochco tinha uma tarefa particularmente temível na medida em que Levinson
e Link, de um lado, e Falk, do outro, eram particularmente exigentes. Além
disso, Bochco reserva para si a escrita de certos episódios, alguns dos quais se
tornaram famosos (Dawdiziak, 1991).
Mais tarde, Bochco colabora na escrita de outras séries, como a NBC
Mystery Movie, e depois a Universal dá-lhe a tarefa de preparar «pilotos», ou
seja, telefilmes suscetíveis de se tornarem séries. Esta função é importante,
pois trata-se de convencer o difusor, os anunciantes e o público a fazer de um
telefilme o modelo de um universo serial. Os seus sucessos são reduzidos e
alguns projetos falham. No entanto, Bochco sabe como se distribuem as relações
de força no mundo da produção de ficções televisivas e aprende a conhecer
os processos particulares da permuta televisiva, onde se trocam o cultural e
o económico. Progressivamente, a Universal encarrega-o de «produzir», ou
seja, de organizar rigorosamente o fabrico de episódios de uma ou várias
temporadas de uma série. O papel do produtor corresponde ao do pro dutor
executivo dos grandes anos de Hollywood: o método do «producer-unit system»,
estudado por Bordwell, Staiger e Thompson (1988), é aplicado pelos estúdios
às séries televisivas; contudo, o produtor de séries tem mais responsabilidades,
na medida em que é o garante da continuidade artística. Bochco descobre
que a sua experiência de autor não o preparara realmente para a função, �as
compreende que velar pela continuidade de uma série é uma função essencial
e que um argumentista não está em má posição para a realizar.
Em 1976, escreve e produz uma série policial que durará apenas uma
temporada, Delvecchio. Bochco conhece então vários futuros colaboradores
de A Balada de Hill Street, como o escritor Michael Kozoil e os atores Charles
Haid e Michael Conrad. A fidelidade aos talentos que conheceu ao longo do
62
1-:' ..
seu percurso será uma das suas grandes forças. Como escreve Todd Gittlin
(1994: p. 276), Bochco domina o seu ofício na perfeição, pacientemente
aprendido no seio dos estúdios da Universal. Nesta época, decide trocar
a Universal por uma firma independente, que afirma cada vez mais a sua
influência sobre a produção televisiva, a MTM. Esta empresa é dirigida
por um antigo diretor da NBC, Grant Tinker, que professa a separação
de tarefas: os financeiros têm a missão de tratar dos acordos comerciais,
os produtores e escritores são responsáveis pela confeção das séries. Estes
encontram na MTM uma liberdade criativa inédita no domínio televisivo.
A pouco e pouco, o método fará escola.
Os seus inícios não são inteiramente coroados de sucesso. Prova disso é a
vida breve da série Paris, de excelente qualidade, segundo o museu da tele
visão de Los Angeles (http://museum.tv/archives/, 2009), que põe. em cena
um capitão da polícia e criminologista afro-americano com vários problemas
pessoais. Bochco aprecia a direção de Grant Tinker, de quem dirá mais tarde
que sabe construir o ambiente necessário à criação (Longworth: p. 198). Tudo
está pronto para o nascimento de uma ficção de grande importância; basta
que as circunstâncias se prestem a isso, o que acontecerá no início dos anos
1980. São estas circunstâncias que passamos a descrever.
63
AS SÉRIES TELEVISIVAS
64
---
4. PERCURSO DE UM INVENTOR DE SÉRIES: STEVEN BOCHCO
aliança: uma situação económica (por vezes política) inédita e um vazio cultural
que reclama «uma nova arte de inventar» (Bourdieu: p. 377). Acontece então
que um artista (pintor, escritor, cineasta, escritor-produtor, etc.) se apodera
da situação e propõe uma solução. No caso que nos ocupa, esse artista será
Steven Bochco. É verdade que nem todos os impulsos vêm dele, mas será ele
quem fará a maior parte do trabalho.
Devemos ao sociólogo Todd Gittlin (1994: pp. 273-324) e ao historiador
Robert Thompson (1996: pp. 59-74), bem como a dois agentes importantes
desta época, o patrão da NBC Brandon Tartikoff (1993: pp. 159-167) e o do
Studio MTM Grant Tinker (1994: pp. 123-131) quatro descrições precisas
e convergentes da elaboração da série. O impulso vem de Fred Silverman,
então responsável pela NBC. Impressionado com o êxito do filme Fort
Apache, The Bronx, realizado em 1980 por Daniel Petrie, Silverman pede a
Brandon Tartikoff, diretor do departamento de ficção, que prepare uma série
análoga à intriga do filme: interessou-se por esta história de uma esquadra
de polícia num bairro difícil de Nova Iorque um pouco abandonado pelas
autoridades. Tartikoff recorre à MTM e a Steven Bochco para executarem
o projeto. No entanto, Bochco não tem qualquer vontade de refazer um
cop show: com Michael Kozoll, prepara uma série centrada num hotel,
«que [seria] como uma pequena cidade, onde entram e saem pessoas que
enfrentam dificuldades e situações variadas» (Gittlin: p. 279). Contudo, a
rede insiste na sua história de polícias. Tartikoff condescende: não seria um
cops-and-robbers clássico, mas sim o retrato de uma comunidade que enfrenta
múltiplos problemas pessoais e profissionais, inserida num contexto social
muito marcado: uma esquadra.
Bochco e Kozoll começam por ficar desiludidos com a proposta de
Silverman; no entanto, Bochco encontra no projeto algumas semelhanças
com Delvecchio ou Paris, as suas séries anteriores. Avalia também as enormes
dificuldades que se anunciam: tal série iria contra todos os hábitos das redes.
Apoiado por Grant Tinker, pede à NBC total autonomia criativa e reuniões
sucessivas com o departamento das normas e padrões, que define o que se
pode e o que não se pode fazer na rede. Como relata a Levinson e a Link
(pp. 22-23), obtém, para sua grande surpresa, tudo o que pede no plano cria
tivo (o primeiro episódio será transmitido em janeiro de 1981). A discussão é
mais difícil com a censura interna da NBC, quando anunciam o que será a
esquadra, «medonha, dura e grosseira», segundo a descrição de Gittlin (p. 281).
De facto, o ecrã não será preenchido por um bom polícia íntegro, mas sim
por uma larga amostra de polícias diferentes, por vezes estranhos e muitas
vezes imperfeitos. Além disso, a presença de uma advogada mais que sensu al,
de um hispânico e de um afro-americano entre os responsáveis da esquadra,
já para não falar do carácter ridículo do chefe dos serviços de intervenção,
provocam a ira dos diretores da NBC. Alguns argumentos, como aquele em
que os agentes descobrem um homem que parece ter relações sexuais com
uma cabra, cristalizam particularmente a atenção. Mas Bochco não cede; as
intervenções musculadas de Grant Tinker (Tinker: p. 99), que exige que se
65
..
AS SÉRIES TELEVISIVAS
66
-
... c---------------------------------------
1
67
--
AS SÉRIES TELEVISIVAS
um subúrbio: este torna-se uma «família» por vezes desesperante, mas que
continua a ser o único elemento de união. Além disso, as autoridades «fami
liares» parecem ter comportamentos mais oriundos das universidades de maio
de 1968 do que das casas burguesas: a noção de «comunidade» sentimental
parece revisitada pelos herdeiros da contestação política. Este ponto de vista
inspira uma visão crítica das instituições americanas, políticas, judiciárias e
policiais, cuja representação oferecida na série não é muito lisonjeira.
A Bala.da de Hill Street mostra perfeitamente a amálgama entre vida pro
fissional e vida privada, investigações policiais e problemas conjugais, abrindo
assim caminho às narrativas de séries atuais tão diferentes como Serviço de
Urgência, Sete Palmos de Terra ou Nip/Tuck: se há crimes e investigações é,
essencialmente, para ilustrar as dificuldades da esquadra e do seu pessoal.
Reciprocamente, os problemas privados mais não fazem do que prolongar
os problemas encontrados durante as investigações. Os autores conseguem
desdobrar a vida diversa de uma comunidade cujos guardiães ajuramentados
parecem muito próximos. Encontra-se assim finalmente um compromisso
entre a soap-opera e o cop-show. Se a investigação, sem perder o seu interesse
específico, está ao serviço da descrição de um grupo de homens e mulheres,
deixa de haver antinomia entre os dois géneros e passa a existir complementa
ridade. Esta fusão efetiva, típica da prática da escrita popular, dará o exemplo
e origem a numerosos e felizes casamentos genéricos nos anos seguintes. Para
que Jacques Derrida (citado in Gere, 2007: p. 129) possa escrever que os
géneros literários são aquilo que não se mistura, tinha de ignorar realmente
toda a ficção popular ...
O piloto e os primeiros episódios de A Bala.da de Hill Streetchocam algumas
plumas virtuosas e não obtém grande sucesso. Os primeiros telespetadores
sentem-se incomodados. Na Grã-Bretanha, por exemplo (Jenkins, 1984),
embora considerem o programa interessante, os críticos ficam perturbados:
não sabem o que chamar à série. Será um cop-show com passagens semelhan
tes a uma soap ou a uma soap-opera que finge ser um policial? No entanto,
Silverman e Tartikoff vêm nisto uma vantagem e apoiam a série: após a trans
missão dos 13 primeiros episódios, a NBC volta a passar os dois primeiros e,
uma semana depois, o terceiro e o quarto, e os seguintes à razão de dois por
semana. Durante o verão, uma retransmissão completa terá grande sucesso
graças ao passa-a-palavra e a uma crítica cada vez mais entusiasta (Gerrold,
. 2004: p. 75). O público acaba então por se habituar e faz da série um sucesso
relativo. Além disso, A Balada de Hill Street coleciona os prémios atribuídos
tanto aos autores como aos produtores. A NBC, pouco habituada aos elogios
críticos, fica satisfeita com o prestígio que lhe dá a série e resolve apoiá-la
durante alguns anos. A série torna-se também um ponto de referência muito
importante dos escritos académicos. Poucos deixam de fazer referência à sua
1
elaboração, ao seu êxito e às mudanças que induz. As interpretações não são
�
unânimes. Citemos, por exemplo, Todd Gittlin (1994), para quem o êxito da 1
68
4. PERCURSO DE UM INVENTOR DE SÉRIES: STEVEN BOCHCO
69
AS SÉRIES TELEVISIVAS
70
r 4. PERCURSO DE UM INVENTOR DE SÉRIES: STEVEN BOCHCO
1
71
AS SÉRIES TELEVISIVAS
72
Terceira Parte
Séries televisivas
e narr�çao
• A inscrição da série na história da ficção popular
• As séries «imóveis»
• As séries «evolutivas»
-
Capítulo 5
A inscrição da série na
história da ficção popular
1. Uma herança
Qualquer produção cultural se situa na confluência de dois fluxos. O
primeiro resulta da história económica, social e política das instituições de
produção; o segundo decorre da história dos géneros e modelos simbólicos. Por
exemplo, foi a forma como se articularam estas duas dimensões, económico
-social e cultural, que «produziu» a tragédia clássica (Viala, 1985). Do mesmo
modo, a produção de séries não é um mero fenómeno económico e social. É
também herdeira de géneros narrativos criados pouco a pouco desde inícios
do século XIX. Os produtores de séries são os descendentes dos romancistas
e dramaturgos, criadores de aventuras e de romances: é a importância desta
herança que desejo ilustrar neste capítulo.
A evolução das conjunturas de produção e o desenvolvimento das transfor
mações genéricas possuem as suas temporalidades específicas: as acelerações
económicas nem sempre estão em sintonia com as dinâmicas simbólicas. É
pouco provável que os modos de produção habituais na indústria da televisão
procedam diretamente da economia da primeira metade do século XIX. Em
contrapartida, é certo que os formatos narrativos utilizados e desenvolvidos pelos
criadores de séries decorrem da escrita romanesca e teatral nascida entre 1800
e 1840. Para termos uma ideia da intensa criatividade dos produtores atuais,
devemos começar por avaliar o capital simbólico que herdaram. É claro que
não podemos fazer aqui uma descrição rigorosa ou até suficiente dessa herança.
Por isso, limitar-nos-emos a sublinhar algumas das suas articulações decisivas.
A herança de que falamos poderia ser chamada «ficção popular», que é um
termo menos desvalorizador do que «paraliteratura» ou «cultura de massas»,
entre aqueles que são ou foram utilizados: designa o tipo de enunciação tratada e
o público visado pelos objetos produzidos, sem levar em conta o meio utilizado
(a literatura, o cinema, a banda desenhada e a televisão contribuíram para a
sua prosperidade). Poucas obras tentaram apreendê-lo de forma global. Marc
Angenot (1975), entre outros, mostrou como a ficção popular está ligada à «era
industrial», ou seja, de facto, à emergência de um público alfabetizado, que
dispõe de algum tempo e de algum dinheiro, e apreciador de literatura e de
75
AS SÉRIES TELEVISIVAS
-
76
,_.......,.-------------------------------�
77
AS SÉRIES TELEVISIVAS
ser. As c�nas de declaração não faltam então nem em Scott nem em Coop
er.
Ambos situam o melodrama num quadro aventuroso em que os heróis já não
são seres imobilizados pela sua inocência, antes tendo aprendido agir e a reagir
_
para suscitarem o restabelecimento do bem.
Assim, os três grandes géneros literários vistos como as origens genéricas
da ficção popular parecem partilhar preocupações cuja importância no melo
drama teatral é mostrada por Peter Brooks.
Por conseguinte, podemos avançar a hipótese de que toda a literatura
popular modern a consiste em apropriações variadas da estrutura e das
p ersonagens melodramáticas (não é certo que a literatura clássica moderna
decorra do mesmo quadro: Brooks mostra como ele impregna dois escritores
clássicos como Balzac e James). O caso da ficção popular e do seu desenvol
vimento a partir dos anos 1830 na imprensa industrial e depois na edição
especializada interessa-nos particularmente. Sem nos determos demasiado
na sua evolução, podemos dizer, sem risco de nos enganarmos, que esta
ficção é plenamente melodramática. Eugene Sue é então, sem dúvida, um
dos melhores símbolos dos autores que tentam conjugar a veia do teatro
melodramático francês com o modelo aventuroso explorado por Walter
Scott ou pelo romance gótico.
As segmentações sociais e culturais, por um lado, e o desenvolvimento
económico que permite o aumento do número dos leitores, por outro, susci
tam a partir de 1860 uma divisão genérica determinante. Os grandes géneros
da ficção popular que hoje conhecemos emergem de forma muito rápida. A
estabilização de uma sociedade burguesa com contradições manifestas e a
distinção cada vez mais clara entre vida privada e vida pública, entre outros
fatores menos decisivos, geram duas grandes tensões no interior dos géneros
ficcionais populares: a divisão entre géneros femininos e masculinos será
ainda mais radical do que a divisão entre géneros baseados na ilusão e géneros
realistas. Por um lado, o policial, o fantástico e a ficção científica e, por outro,
o romanesco e o sentimental, etc., terão as suas próprias normas e critérios e
serão associados a públicos relativamente especializados. Não se trata apenas
de dispersão, mas também de hierarquização: os géneros realistas e masculi
nos, frequentemente associados, serão valorizados em detrimento dos géneros
femininos e sentimentais (ainda que todos os géneros populares conservem
traços da sua origem melodramática, como mostrou Linda Williams [1998]
no caso do cinema).
As diferenças genéricas não devem disfarçar três factos primordiais quanto
ao desenvolvimento comum da ficção popular. O primeiro é o seu sucesso
realmente extraordinário, cuja dimensão supera todos os fenómenos culturais
da nossa história (da história da humanidade?). Em inícios dos anos 1970, Ray
mond Williams (1974),· um dos pais fundadores dos culturalstudies, escrevia:
«Desde os últimos 50 anos que nunca a maioria da população teve acesso tão
e a
regular e constante à ficção dramática. » O gosto insaciável (a «procura») p �
ficção popular levou à formação de indústrias poderosas nos domínios da edi
ram
ção, do cinema e da televisão. Esta produção e a sua apropriação aumenta
78
5. A INSCRIÇÃO DA SÉRIE NA HISTÓRIA DA FICÇÃO POPULAR
79
AS SÉRIES TELEVISIVAS
2. O género e a fórmula
80
5. A INSCRIÇÃO DA SÉRIE NA HISTÓRIA DA FICÇÃO POPULAR
81
AS SÉRIES TELEVISIVAS
82
rtd
5. A INSCRIÇÃO DA SÉRIE NA HISTÓRIA DA FICÇÃO POPULAR
83
AS SÉRIES TELEVISIVAS
3. Um exemplo: as metamorfoses
contemporâneas do melodrama
Deixámos o melodrama no momento em que, sob a ação de forças sociais
modernas, deixava de ser o representante exemplar da ficção popular para se
tornar apenas uma das suas duas facetas. O melodrama teatral de inícios do
século XIX mistura conflitos do espaço público e dramas do espaço privado.
No entanto, a divisão entre esfera pública e esfera privada tornou-se uma
doutrina social importante da sociedade burguesa. A ficção popular do fim
do século acompanha este movimento: a cisão entre aventuras no domínio .
público e desventuras sentimentais privadas alarga-se a partir de 1880 e a
combinação dos dois géneros torna-se cada vez mais difícil. O género aven
turoso fragmenta-se: história de aventuras, história policial ou história de
espionagem correspondem, respetivamente, ao espaço natural, à vida urbana
e ao confronto entre Estados. O melodrama privado tende a centrar-se na
casa e na família; o lar constitui rapidamente o ponto focal do género. O
melodrama clássico, ligado ao espaço público, fazia do afastamento da jovem
a regra: as atribulações num mundo social hostil de uma personagem que não
foi feita para ele estarão na base da maioria dos romances melodramáticos
do século XIX e de muitos filmes decorrentes deste género (Andrin, 2005).
O regresso a casa e o perdão do pai, que constituem o desfecho feliz do
melodrama clássico, dão cada vez mais lugar à conquista de um marido e,
portanto, à construção de um novo lar.
Hoje, é sobretudo o romance que atesta a persistência do melodrama da
jovem inocente: o estudo de ]anice Radway (1991) sobre as leitoras dos livros
da Harlequin • dá mostras da vitalidade das narrativas articuladas em torno
dessas personagens. No entanto, o cinema, sobretudo a rádio e depois a tele
visão contribuíram para definir outra forma de narrar o privado: o próprio
lar torna-se o eixo da narração. As dificul dades da sua preservação e da sua
proteção são o centro narrativo da história e, logicamente, a mãe desempen�a
o papel principal. De forma progressiva, impõe-se como uma figura essencial
do melodrama. O género do melodrama maternal será ilustrado nomeada�
mente graças à soap-opera. Robert Allen (1985: pp. 107-112), historiador �o
'
genero, exp1·1ca como a a1·1ança com a publicidade e, portanto, as exig· eAnctas
comerc1a1
• • s 1avorec
r:. eram a msta
• Iação do melodrama maternal: a soap-opera foi
o nome ironicamente dado a esta aliança.
84
5. A INSCRIÇÃO DA SÉRIE NA HISTÓRIA DA FICÇÃO POPULAR
85
AS SÉRIES TELEVISIVAS
86
5. A INSCRIÇÃO DA SÉRIE NA HISTÓRIA DA FICÇÃO POPULAR
87
AS SÉRIES TELEVISIVAS
88
5. A INSCRIÇÃO DA SÉRIE NA HISTÓRIA DA FICÇÃO POPULAR
89
1
AS SÉRIES TELEVISIVAS
90
Capítulo 6
As séries <<imóveis>>
1. Classificar as séries?
91
l
AS SÉRIES TELEVISIVAS
a : s
do contexto político do maccarthysmo. A mecânica narrativ domina o
iente. Assim, o
investigadores são engrenagens numa máquina oleada e efic
realismo da série B de Hollywood contemporânea posto ao serviço de polícias
que se assemelham aos detetives privados d os anos 1920 constitui a primeira
apropriação televisiva do património da história policial.
m n s
Outra maneira de classificar as séries poderia consistir e difere ciar o
modos genéricos em função das idades da televisão. Este formato de análise
permitiria destacar as especificidades gerais da expressão do económico pelo
cultural em cada época. Neste sentido, dever-se-iam delimitar os princípios
genéricos correspondentes à economia particular de cada contexto de produção.
Por exemplo, a divisão clara entre séries de aventuras, em que cada episódio
possui a sua própria unidade narrativa, e as comédias e soap-operas ligadas
às narrativas abertas sem verdadeiro desfecho (a que se refere o estudo de
Stéphane Benassi, 2002) é característica das décadas de 1960 e 1970. Nesta
época, os responsáveis pelas grandes redes estavam ainda convencidos de que
os programas destinados às mulheres deviam ser diferentes dos dirigidos aos
homens: daqui resulta a divisão entre séries masculinas e séries femininas, de
acordo com a herança da ficção popular: a sucessão de narrativas fechadas,
construídas de forma idêntica segundo um encadeamento inevitável, inspira-se
em modelos como As Aventuras de Sherlock Holmes; e o folhetim «puro», em
que cada episódio se conclui com um suspense e uma questão («Que acontecerá
aos nossos heróis? Conseguirão escapar ao perigo que os ameaça? Saberá na
próxima semana»), era perfeitamente dominado por Dumas filho quando o
jornal Le Siecle publicava diariamente Os Três Mosqueteiros. A «série-folhetim»
e a «série-série» foram, portanto, instrumentos imediatamente disponíveis
para os primeiros produtores de séries e é fácil compreender porque depressa
se apoderaram deles.
Mas são raras as séries que se limitam a apresentar apenas uma história
dividida em parcelas ou uma sequência de histórias autónomas em torno de
um mesmo protagonista. Até uma série como O Caminho das Estrelas contém
uma evolução folhetinesca, que tem a ver com as relações entre as diferentes
personagens. «Série-série» e «série-folhetim» são limites nunca alcançados que
não descrevem a diversidade serial.
As perspetivas que esboçámos não oferecem uma solução simples para o
problema da taxinomia das séries. Como nenhum princípio se impõe a priori,
optarei por propor um princípio de classificação baseado na adaptação da série
à sua função. Definimos a série como o formato ficcional melhor adaptado à
programação televisiva: é concebida para ser difundida regularmente e para
instituir uma temporalidade do encontro com os públicos. O tempo ou, mais
exatamente, a construção de um tempo ficcional adaptado a esta obrigação
prag�ática é, portanto, uma condição determinante para qualquer série. Mais
prec1sa ente, a forma narrativa com que uma série �umpre a sua promessa
�
pragma�tca de regressar t�das as semanas ao mesmo lugar da grelha horária
1
92
6. AS SÉRIES «IMÓVEIS»
princípio pragmático que as define como «séries». Algumas preferem fazer dos
seus encontros com os públicos reiterações de uma mesma estrutura, negando
assim a passagem do tempo histórico. Nestas séries, as personagens são sempre
iguais a si mesmas e o universo ficcional não evolui. Maggie, a bebé Simpson,
chupa a sua eterna chucha hoje como há 18 anos. O tenente Columbo nunca
passa à reforma e faz as suas investigações há quase 30 anos sempre da mesma
maneira. Outras séries, pelo contrário, aceitam utilizar o tempo cronológico
como uma passadeira entre o pragmático e o narrativo: o universo pessoal da
série envelhece um pouco em cada um dos seus encontros com o público, ou
seja, com cada episódio. A série acompanha o movimento do tempo que ritma a
vida humana, fazendo dele um dado narrativo. O detetive Sipowicz (A Ba/a,da
de Nova Iorque) vê connosco o seu primeiro filho a morrer e o seu segundo
filho a nascer e a crescer. Os seis amigos solteiros de Friends apaixonam-se,
zangam-se, reconciliam-se e acabam todos por se casar.
Por conseguinte, teríamos as séries imóveis e as séries evolutivas. Ou, mais
exatamente, séries essencialmente imóveis e séries essencialmente evolutivas:
os Simpson permanecem iguais a si mesmos, mas o seu universo acompanha
a atualidade da sociedade americana. E as personagens de Friends conservam
os mesmos traços de caráter e as mesmas atitudes ao longo de todas as dez
temporadas de presença.
Esta oposição servir-nos-á de guia para esboçarmos uma classificação
narrativa do género. Esta não terá qualquer carácter sistemático e exclusivo:
os territórios de cada classe sobrepõem-se e os casos «puros» são raros. Além
disso, há maneiras muito diferentes de construir séries imóveis e maneiras
ainda mais numerosas de criar séries evolutivas. No entanto, parece possível
distinguir as duas grandes categorias de séries respetivamente «imóveis»
e «evolutivas»: as primeiras garantem ao telespetador que regressam a um
universo ficcional com regras invariáveis; as segundas fazem corresponder à
sucessão dos episódios uma evolução dos seus universos ficcionais. As primei
ras afirmaram a sua preponderância até 1980 e as segundas desenvolveram-se
principalmente a partir desta data. Neste capítulo, dedicar-nos-emos às séries
imóveis e aos seus paradoxos, antes de, no capítulo seguinte, examinarmos as
diversas espécies de séries evolutivas.
2. As séries nodais
O tipo mais evidente das séries imóveis é composto pelas produções em
que cada episódio narra uma aventura com a sua abertura e a sua conclusão
segundo uma fórmula imutável. O seu desenrolar narrativo está associado a
uma ordem invariável com um esqueleto fixo: as suas personagens recorren
tes são inalteráveis e até as suas personagens episódicas seguem um modelo
determinado (para Columbo, é evidentemente impossível investigar um
crime mafioso). A fórmula destas séries constitui uma espécie de núcleo
narrativo constante: «um homem comete um crime e monta o seu álibi; o
93
AS SÉRIES TELEVISIVAS-------------.-
������:..::.:::
tenente Columbo persegue o assassino, destrói progressivamente o seu álibi e
entrega-o à justiça» é o núcleo narrativo constitutivo de _Columbo. Em topo
grafia, é considerado nodal um lugar onde todos os c�m1nho� se encontram:
0 núcleo narrativo de uma série como Columbo
consiste precisamente numa
sequência de pontos nodais que são também pontos de passagem obrigatória
para cada episódio. Proponho designar este género serial pela expressão séries
nodais, de que Dragnet é historicamente o primeiro exemplo, imediatamente
realizado e eficaz.
Ainda que as séries imóveis nodais pareçam hoje um tanto antiquadas,
constituíram grandes êxitos do pequeno ecrã desde 1950 até à década de 1980.
E podem ainda ser eficazes, como demonstra o exemplo de CSl Quase to das
encontram o princípio da sua imobilidade na associação entre um protagonista,
na maioria dos casos insubstituível (Monk, McGyver, Perry Mason, etc.), e
uma fórmula narrativa implacável. O carisma do intérprete é geralmente o
principal argumento do género; daí procedem diretamente o seu sucesso e
os seus limites. As mais interessantes souberam conjugar a repetibilidade das
suas receitas com uma exploração contínua dos seus próprios postulados. As
personagens contemporâneas de Spooks ou de Dr. House são disso exemplos:
sempre no limite da loucura, propõem heróis que são também anti-heróis
e que poderiam abalar a imobilidade da série numa evolução imprevisível.
Algumas séries imóveis nodais assentam em fórmulas rigorosamente tão
notáveis que podem dispensar o herói carismático. Em cada um dos seus 440
episódios, Lei e Ordem conta uma história diferente segundo uma fórmula
idêntica. No entanto, permitiu-se renovar várias vezes todos os intérpretes das
suas personagens recorrentes. Certos papéis importantes, como o assistente
do procurador, foram desempenhados por seis atores diferentes: é certo que
cada uma das personagens aparece muito mais como uma engrenagem nar
rativa indispensável num dispositivo perfeitamente organizado do que como
uma personalidade original ou decisiva. No final desta parte, regressaremos
a este exemplo, depois de termos comentado a utilização impressionante da
imobilidade narrativa proposta por duas séries quase contemporâneas: Missão
Impossível e The Prisioner.
A primeira foi uma das séries que mais explicitamente conduziu a sua
narração com uma fórmula repetitiva e que fez disso mesmo o seu emblema.
Já contámos de forma breve a história do seu criador, Bruce Geller, e da
invenção da série. A sua produção desenrolou-se sempre numa atividade febril
e num ambiente conflituoso: as exigências da sua escrita e da sua realização
foram certamente responsáveis por isso. Nem todas as temporadas alcançam
a perfeição formal da segunda e terceira; mas estas, às quais se deveriam acres-
centar alguns episódios isolados, constituem uma das melhores explorações
da estrutura nodal.
Nenhuma série parece tão «repetitiva» como Missão Impossível. Podemos
até dizer que a repetição é nela exposta ou afixada. Esta característica é tã o
evidente que foi destacada por todos os comentadores: Carrazé e Winckler
(1993: p. 59) escrevem que muitos episódios - quase todos durante as qu atro
94
...
6. AS SÉRIES «IMÓVEIS»
95
AS SÉRIES TELEVISIVAS
el (1966-1973)
Missão Impossív a s aparên
cias
c omédia d
Martin Landau e a
The Prisioner (1967-1968)
Um funcionário da vigilância: o n.0 2
THE
MA
RY
TY.lER
MOORE
SHOW
Oz (1997-2003)
A verdadeira vida na prisão
Buffy-Caçadora de Vampiros (1997-2003)
A jovem que desafia os vampiros, a morte e os homens
O Protetor (2002-2009)
A corrupção generalizada dos polícias de Los Angeles
Donas de Casa Desesperadas (2004-)
Donas de casa de luto pela amiga e pelos seus estatutos
6. AS SÉRIES «IMÓVEIS»
97
AS SÉRIES TELEVISIVAS
3. Soap-operas e sitcoms
Se o equilíbrio imóvel das séries nodais é fácil de perceber, o das soap
-operas parece mais delicado e frágil. De forma surpreendente, a experiência
prova que esse equilíbrio se mostra mais eficaz do que o das séries nodais:
algumas soap-operas, como The Young and the Restless, produzida desde 1973
até hoje à razão de 36 episódios por temporada, parecem, de facto, eternas.
No entanto, qualquer narrativa parece admitir leis de abertura e de fecho que
não permitem que a soap-opera se imobilize ou continue indefinidamente.
Mas consegue «contrariar» a sua narração para suspender indefinidamente a
história e obedecer idealmente às regras da programação televisiva: a soap-opera
representa o paradoxo de uma narrativa suspensa, interminável, em perpétuo
devir, mas que opera uma repetição contínua do passado: talvez pelo facto
de o presente nela fazer apenas breves aparições, a soap-opera constitui uma
aporia narrativa realizada, que concretiza de forma perfeita a estrutura do
melodrama maternal.
É também o género televisivo mais estudado pelos investigadores anglo
-saxónicos, devido às suas extravagâncias narrativas e ao interesse que os gender
studies lhe atribuem. Todos os autores insistiram nas antilogias da narrativa
«soapiana». Robert Allen (1985: p. 69) insiste, por exemplo, no facto de a his
tória não contar; só os múltiplos incidentes ou, mais exatamente, a expetativa
e o comentário destes constituem a sua substância narrativa. Ien Ang (1991:
p. 54) ou Tania Modleski (1984: p. 88) deduzem daí o carácter infindável ou
interminável da narrativa: como nenhum acontecimento marca um momento
importante ou é capaz de agir como uma causa, a comunidade dos protago
nistas perdura indefinidamente. Qualquer conflito, qualquer rivalidade entre
personagens é infinitamente adiado ou encontra uma resolução meramente
temporária (Geraghty, 1981: pp. 11-15). A tagarelice adquire uma importância
determinante: com a ação infinitamente suspensa, restam os comentários, as
confissões, as maledicências, as disputas, as paráfrases, etc., em suma, todos
os géneros de conversa: a soap-opera é um género profundamente oral (Brown,
98
6. AS SÉRIES «IMÓVEIS»
------------�--------=::.:...:..:=...:::::=�����'.-=.!:!::..
4: . 59). A suspen sã cons a nt mente reiterada
199 p _ � � � da ação só é possível por
u
q ea so ap-op era m ult1 �hca as 1 �tngas e assa incessantemente de uma para
, �
ou tra: estas deslocaçoes autonzam replicas e repetições, que permi
a tem aos
telesp etadores reconhecerem-se no interior da sobreposição das tramas, sem
que elas efetivamen�e avancem (Geraghty: p. 11). Deste modo, as diferentes
narrativas ricocheteiam u mas nas outras, contribuindo para baralhar as pistas
99
AS SÉRIES TELEVISIVAS
AS SÉRIES TELEVISIVAS
necessário e a sua falta não dificulta (ou dificulta muito pouco) a compreensão
dos episódios seguintes. No entanto, atualmente, a sua importância está a
diminuir no universo serial e tendem a dar lugar a outros tipos de jogos com
o tempo, que reunimos sob o nome de séries evolutivas.
102
Capítulo 7
As séries <<evolutivas>>
103
AS SÉRIES TELEVISIVAS
104
7. AS Sl:RIES «EVOLUTIVAS
coral, apresenta também folhetins lentos, que se estendem durante toda uma
, .
temporada ou até varias temporadas. Cada um deles avança graças a cenas
curtas, frequentemente cortadas de forma abrupta• o
rolhe t'1m mtro
11 · duzm-se
·
cada vez mais noutros géneros: algumas séries corais contêm folhetins mais
amplos e complexos �o q�� os folhetins com cliffhanger. Estas séries entre
laçam de certa maneua varias temporalidades e, portanto, várias formas de
telespetaleitura. Compreende-se que a nossa distinção não divide estritamente
dois territórios mutuamente exclusivos. Muitas são as séries que participam
nos dois modos; contudo, distinguimo-las a fim de melhor exemplificar as
estratégias temporais das séries.
2. As séries corais
É verdade que as séries corais existem há muito tempo. O western serviu
inicialmente de veículo a este tipo de série: Cheyenne (emitida a partir de 1955)
eMaverick (1957-1962), criada e produzida por Roy Huggins, constituem, para
os historiadores americanos, os maiores êxitos na matéria (Marc e Thompson
R., 1995: pp. 141-146). Mas as séries crónicas contemporâneas souberam dar
-lhes novas dimensões e abrir-lhes caminhos inexplorados.
Já mostrámos como a primeira destas séries, A Balada de Hill Street, é o
produto da combinação de dois tipos de séries imóveis, as séries nodais e as
soap-operas. Os polícias da esquadra de Hill Street abrem um novo caminho,
por onde seguirão St. Elsewhere, L.A. Law, Serviço de Urgência, A Balada de
Nova Iorque, etc.; i nscrevem também a mistura genérica como um recurso
para os produtores de séries, que, doravante, não param de misturar os géneros
tradicionais, muitas vezes de forma extremamente inesperada: por exemplo,
Buffy- Caçadora de Vampiros resulta da aliança impressionante entre a soap
-opera, a escola e o fantástico. No seu notável Textual Poachers, Henry Jenkins
(1992: pp. 133-134) mostra que a série de culto Beauty and the Beast pode
bem ser vista como um romance trágico ou como um romance moderno oti
mista, como uma história de aventuras ou ainda como a saga de um mundo
marginal subterrâneo. A mistura dos géneros, a transferência de um género
para outro, bem como o cruzamento dos géneros tornam-se moeda corrente
no domínio das séries e, neste sentido, A Balada de Hill Street constitui um
golpe de mestre. Daí resultarão várias formas de séries corais.
Que tipo de temporalidade constrói a primeira grande série de Steven
Bochco e, na sua sequência, as outras séries corais? Estas séries apresentam uma
comunidade, como acontece na soap-opera ou na sitcom, mas esta comunidade
t
não é sentimental como na soap-opera, ou burlesca como na sitcom. Em mui os
casos, é profissional: trata-se então de uma equipa de polícias ou de um serviço
hospitalar (daí O nome profissional drama dado pela crítica americana a estas
�éries). Os membros da comunidade protagonista têm tarefas profissionais que
são objeto de narrativas fechadas. Têm também relações de trabalho, que podem
tornar-se relações pessoais ou que podem interferir com as suas vidas privadas.
105
AS SÉRIES TELEVISIVAS
106
7. AS SÉRIES «EVOLUTIVAS»
107
AS SÉRIES TELEVISIVAS
108
?. AS Sl:RIES «EVO
LUTIVAS»
- Meritíssima, um advogado tem de saber pôr o seu país acima do seu cliente.
É por isso que, contra todos os hábitos, peço o indeferimento do requerimento
do meu cliente!
_ Não é verdade! Nada tenho a fazer! O problema é do meu cliente. Olhe para ele,
é um choramingas. Bateram-lhe um pouco, foi um pouco amordaçado, um pouco
sexualmente agredido [...].Queria ser ouvido, ter um processo, um advogad_o: �u
Ih e provassem que e, culpado'. Mas estamos em guerra, é preciso fazer sacnf1c1os. �
. ,
Comecemos por um pormenor: os Direitos Humanos. Admito tambem que o
·
governo seja especialista na matena. • · É extremamente brilhante. Chamar «com-
. _
batentes inimigos» aos prisioneiros de guerra evita ter de resp�1�ar a� conven çoes
de Genebra contra a tortura! Bnl · h ante., B asear o campo de pns1one1ro.s em c ub a
.
· · - ., B n·1hante.I E' segundo as novas
evita ter de respeitar a Constituiçao diretivas do
, . , .
t
, . tambem a Ment1ss1 ma, temos
Pentagano, � isto _é o que eu refiro penso que
ser preso
pequenos tribunais em Guan anamd que dão ao suspeito o direito de
. d eradas inadmis síveis num
para toda a vida e até executado graças a provas cons'i
. de condenar à morte por
tribunal civil ou militar! Imagine! Ter a poss1'bilidade
- 0 btidas sob coerçao - .' B n'lhante'
ouvir dizer ou por confi ssoes
.
� imp
As misturas e as ruturas nao edem ue Kelley realize empreendimentos
e .
q
L eual cada inter-
de 1ongo alcance. ontmuan do com o exemplo de Boston ó' '
. . f:az parte de uma discussão paródica
venção de um dos membros do escnt ó no
109
AS SÉRIES TELEVISIVAS
n
e séria sobre as leis os hábitos ou as mentalidades americanas. Deste po to
O iberal Shore, sempre
de vista, as conver�as entre o republicano Crane e l
engraçadas, prosseguem uma controvérsia constante sob:e O eStado do, país,
as suas loucuras, as suas inconsequências, as suas corrupçoes, mas tambem os
s eus fundamentos mais íntimos. Todos são afetados pela lo ucura ambiente,
ao ponto de o comportamento sério ou normal parecer uma mascarada: em
Boston Legal, o grotesco é portador da verdade. , .
Serviço de Urgência não tem as mudanças de tom caractensttcas de Ally
McBeal ou de Boston Legal. A sua atmosfera é uniforme, mas comp õe a mais
célebre das séries corais, cujo êxito lançou o género em França. Este êxito
dissimulou por vezes a obstinação de Michael Crichton, autor de um argu
mento exigente sobre a vida dos serviços de urgência dos hospitais americanos
nos anos 1970, que esperou duas décadas para ver o seu projet o realizar-se.
Durante todo este tempo, nunca cedeu em nada sobre as ambições do projeto,
que acabaram por ser transmitidas ao produtor John Wells: este, já produtor
d e uma anterior série coral, China Beach, soube compreender e traduzir em
imagens sonoras o audacioso projeto de Crichton. A fim de mostrar, da forma
mais precisa e exata, o ritmo frenético a que está sujeita a comunidade de
trabalhadores de um grande hospital de Chicago, construiu-se um est údio no
qual se conservaram os tetos para dar profundidade aos longos travellings, que
são uma das marcas de fábrica da série. Wells dá grande atenção à formação
médica dos atores; manda comprar material médico, contrata médicos como
consultores e argumentistas e encarrega uma rede de enfermeiras hospitalares
de alimentar com casos reais as estórias narradas pela série (Pourroy, 1996).
Wells opta por planos longos e incessantemente móveis. Uma câmara na
mão, graças ao processo da steadycam, dá à série o seu estilo característico: o
congestionamento horizontal do quadro, os corredores estreitos, as múltiplas
personagens que tentam abrir caminho e os gritos dos socorristas que expõem a
condição dos recém-chegados são apenas equilibrados pelo ligeiro contrapicado,
pelos tetos altos e pelos raríssimos grandes planos: estes fixam (enfim, temos
vontade de dizer) um instante de emoção. Estas opções de realização fornecem,
ao mesmo tempo, o princípio narrativo da série: a narrativa é fragmentada em
cenas de alguns segundos, cada uma dedicada a uma das histórias do episódio
e literalmente cruzadas pela câmara. Um mesmo travelling pode conter três ou
quatro cenas, atravessando os casos como os socorristas circulam de um doente
para outro. Durante o episódio «Make ofTwo Hearts» da primeira temporada,
passamos em poucos instantes do caso de uma criança com febre para o de
um cão atropelado por um camião, do caso de jovens que involu ntariamente
tomaram LSD para o de um jovem com as pernas esmagadas. Passaram-se
apenas dez minutos. A própria câmara parece ultrapassada: alguns casos são
_
esquecidos, enquanto outros beneficiam de sete ou oito
. «cenas» ' no sentido
preciso ue o termo tem em Serviço de Urgência.
� As relações entre O pessoal
do hosp ta� confund m-se no curso da ação e segu
� � em a mesma lógica: as con
versas sao mterrom p1das e depois retom a
das, ca da diálogo não dura mais do
que 15 segundos. As emoções sucedem às m
e oções, cada uma imediatamente
110
1
1
1
1
7. AS SÉRIES «EVOLUTIVAS»
3. As séries folhetinescas
Todas as séries corais têm também aspetos folhetinescos e seria certamente
possível analisá-los nesta perspetiva. No entanto, não são determinadas tão
claramente quanto as séries folhetinescas pelo seu encadeamento. Estas
assentam em formas de causalidade mais rigorosamente ligadas à sucessão
ll2
7. AS SÉRIES «EVOLUTIVAS»
113
AS SÉRIES TELEVISIVAS
114
7. AS SÉRIES «EVOLUTIVAS»
115
AS SÉRIES TELEVISIVAS
116
7. AS SÉRIES «EVOLUTIVAS»
gradual mas inevitável, a sua presa. A amálgama das temp oralidades, a sua
penetração mútua e contínua, permitem que a série desenvolva em simultâneo
as suas diferentes histórias folhetinescas até ao seu termo.
117
AS SÉRIES TELEVISIVAS
quebrado num ponto qualquer, mas prossegue seguindo uma das suas linhas
e seguindo outras linhas» (p. 16), parecem sistematicamente aplicadas pelos
produtores, quer porque são forçados pelas vicissitudes da pro dução, quer
porque o tempo serial assim o exige.
Como observámos no início deste capítulo, o talento temporal das séries
explica sem qualquer dúvida a persistência dos seus imaginários no espírito dos
públicos. Nos seus trabalhos sobre os «Quadros Sociais da Memória», Maurice
Halbwachs ( Cadres sociaux de la mémoire, 1944) mostra que são necessárias duas
condições para que uma recordação reapareça na nossa memória. A primeira
é que essa recordação possa imiscuir-se entre as nossas preocupações atuais;
além disso, e esta é a segunda condição, devemos ver essa recordação através
da perspetiva do grupo social para a qual faz sentido (pp. 141-143). Estas duas
condições são facilmente preenchidas pelas séries: qualquer novo episódio faz
lembrar pela sua própria estrutura os que o precederam, de tal modo que lhes
confere nova vida através das nossas recordações. As repetições de emissões, as
compras de DVD ou os descarregamentos ilegais são outra forma de reatualizar
continuamente a nossa memória. Por outro lado, os públicos das séries sabem
-se hoje numerosos e diversos. É fácil encontrar outros apreciadores, mesmo
que não se pertença a uma comunidade de fãs. Aqueles que partilham aquilo
a que poderíamos chamar «cultura das séries» ou, talvez, «telefilia em séries»,
formam uma comunidade interpretativa numerosa, desenvolvida e ramificada.
A arte serial não pode deixa r de ser uma arte do tempo e da memória; a sua
apropriação por comunidades de telespetadores fornece-lhes as bases dos seus
recursos e da sua perenidade.
118
Quarta Parte
A arte (narrativa)
das séries
• Estilos e formas
• O pleno, o íntimo
Capítulo 8
Estilos e formas
1. Virtuosidade estilística
A crítica francesa, como Serge Daney (1988), por exemplo, insistiu muito
no «facto» de a televisão não ter a ver com a «imagem», no sentido em que este
meio seria, depois de analisado na sua totalidade, incapaz de inventividade
(áudio) visual, inc�paz de inovação e incapaz de construir uma organização
visual expressiva. E um discurso lancinante sobre a «torneira de imagens», a
«ditadura do índice de audiências», um público «próximo da abj eção». Nada
a censurar, tudo a rejeitar: é um raciocínio que permite misturar no mesmo
saco Ally McBeal e Big Brother, programas herdeiros do «ignóbil» Janela
Indiscreta (Rear Window). Longe de ser isolado, o discurso de desprezo de um
Ignacio Ramonet junta-se ao do último congresso da Associação Francesa dos
Investigadores do Audiovisual Francês (2008), onde se podia ainda contestar
qualquer alcance significativo do termo «telefilia».
Até os historiadores americanos, entre os que abriram caminho a um
estudo científico da produção televisiva, parec em possuídos por contradições
semelhantes. Horace Newcomb (1974), o primeiro desses historiadores, pensou
poder dividir o domínio entre uma televisão largamente maioritária e sem
interesse e alguns programas de qualidade. Ora, como lembra fortemente
Jane Feuer (2007), qualquer abordagem académica baseada numa definição a
priori da qualidade relativiza consideravelmente o estudo (sobretudo quando
essa definição vem de outro domínio). Em Television's Second Golden Age,
uma das obras que, hoje em dia, constitui autoridade no estudo da televisão,
Robert Thompson (1996) faz de Steven Bochco o primeiro verdadeiro «autor»
da televisão, aquele que mostrou que a produção tele visiva podia alcançar o
nível da arte. A Balada de Hill Street (1981-1987) seria a primeira «obra» da
televisão. No entanto, quando se analisa a produção televisiva das origens ,
encontramos ambições e sucessos us ualmente qualificados de «artísticos».
Gilles Delavaud (2005) demonstrou-o brilhantemente em relação à França.
Quanto à produção americana, perguntamo-nos por que razão os mes_mos
críticos que se deleitam com as projeções dos grandes filmes negros de Wilder
ou de Preminger não apreciam pelo seu justo valor os episódios de Os Intocáveis
121
AS SÉRIES TELEVISIVAS
122
8. ESTILOS E FORMAS
123
- 1
AS SÉRIES TELEVISIVAS
encenação; e, tal como os vilões, não sabe exatamente o que se está a tramar.
O rigor e a intensidade da montagem, pontuada pelos acordes célebres de Lalo
Schifrin, são os elementos constitutivos deste olhar duplo.
É a discrição que marca a arte audiovisual de Missão Impossível. Pelo
contrário, é difícil não notar o estilo de A Balada de Nova Iorque. Como
ponto de comparação, vemos apenas o cinema experimental dos anos 1960
e a sua câmara titubeante. O estilo da série baseia-se na generalização do
desenquadramenco, que é declinado de várias maneiras; confere uma insta
bilidade generalizada a todo o universo de A Balada de Nova Iorque. A mais
manifesta é um sobressalto lateral da câmara, que afeta quase todos os planos
fixos (contudo, pode ser substituído pela troca muito rápida dos campos
-contracampos). Outra forma de desenquadramento resulta de uma espécie
de tique que afeta cada personagem da série: assim que aparecem na imagem,
viram a cabeça, como se o interesse estivesse sempre noutro lado, fora de campo.
O equilíbrio da imagem é assim alterado: parece oscilar permanentemente
ou hesitar entre várias saídas. Outro hábito da série consiste em contradizer
qualquer movimento da câmara por um movimento contrário ou diferente:
as montagens contrastadas de vistas da cidade que permitem encadear as
sequências resultam deste princípio de encadeamento por sacudidela. Do
mesmo modo, uma personagem que sai de uma sala é imediatamente «con
tradita» pelo movimento inverso de outra personagem. Acrescentemos que
o desempenho de Dennis Franz, que interpreta a personagem principal da
série, representa uma encarnação desta lógica do desenquadramento: todos os
seus tiques e manias marcam a sua personagem com o tremor incontrolável
que impregna A Balada de Nova Iorque.
No cinema de ficção, poderíamos evocar os filmes de John Cassavettes
ou de Miklos Jancso, que também utilizam sistematicamente o desenqua
dramento. Contudo, os desequilíbrios contínuos da câmara em A Balada de
Nova Iorque obedecem a necessidades diferentes das destes dois cineastas: são
um equivalente visual da instabilidade dos protagonistas, de todo o mundo
dos polícias e até da comunidade nova-iorquina, que são objeto da ficção.
A identidade visual de A Balada de Nova Iorque visa exprimir o turbilhão
dos níveis narrativos descritos no capítulo anterior: a visibilidade dos efeitos
visuais da série não procura celebrar ou manter uma política de autor baseada
na «mise en scene», mas sim intensificar a credibilidade do seu universo
ficcional. É importante compreender o estatuto da encenação no domínio
serial; não é menos pensada, moldada e refletida do que no cinema. Mas, da
mesma maneira que as encenações complexas do clipe de vídeo pretendem
apenas exprimir o universo musical pessoal do cantor, as encenações estéreis
constituem a marca identitária de um universo ficcional e não de um autor
-realizador. Se o realizador dos episódios iniciais da série desempenha um
papel importante (menor, porém, do que o primeiro produtor executivo) na
concretização do seu estilo visual, os realizadores que lhe sucedem adaptam
essa marca aos argumentos dos novos episódios. A
arte da encenação no
sentido cinematográfico do termo está presente na
televisão; mas já não está
124
8. ESTILOS E FORMAS
125
AS SÉRIES TELEVISIVAS
126
J
1 ,,....• -
8. ESTILOS E FORMAS
127
AS SÉRIES TELEVISIVAS
m
entre os planos e, por outro, devido à variedade da_ convers�, produ_z u a
cena abstrata, artificial, que pertence apenas aos detetives da brigada criminal
de Baltimore. As dificuldades que sentem em assumir o seu ofício e as suas
tentativas de fazerem deste um trabalho como os outros tornam-se os pontos
essenciais da narração, muito para além da capt�ra eventual dos criminosos.
O cúmulo teatral em Departamento de Homicídios reside nas cenas de
interrogatório no interior da «caixa». Estas revelam o que está verd adeira
mente em causa, ou seja, o confronto entre o trabalho de polícia e a justiça.
Os detetives tentam fazer com que os suspeitos confessem, utilizando todos
os recursos dramáticos dos seus papéis. Uma demonstração exemplar disto
é dada por Pembleton para proveito do novato Bayliss no episódio inicial.
Pembleton puxa Jonathan pelo nariz, jovem prostituto que estrangulou um
cliente mais repugnante do que os outros. Nesta ocasião, a câmara estabiliza
-se. Só os recursos do campo-contracampo são utilizados, que permitem
que a ordem espacial do quadro se constitua numa disposição hierarquizada
ajustada à narração. Através da pressão exercida, Pembleton consegue que o
jovem não peça explicitamente um advogado, que confesse ter estado presente
no momento da morte da vítima e que admita finalmente tê-lo estrangulado.
Bayliss desempenha o papel de testemunha, inicialmente desconcertado e,
depois, indignado pela artimanha de Pembleton e pelo seu sucesso. Se a caixa
é o lugar de um ordenamento do mundo, onde a maioria dos culpados começa
a ser punida, ela é o resultado de um mercado de patetas em que o talento de
atores chamados «detetives» se pode exprimir.
O mundo dos detetives parece inicialmente fechado sobre si mesmo, imper
turbável e indiferente. Como explica o detetive Munch no fim do episódio,
enquanto, com Crosetti e Lewis, vigia sob uma chuva forte e numa noite escura
um assassino improvável, o crime é para eles como um «relvado: cortamos a
relva e, na semana seguinte, é preciso recomeçar». Mas, rapidamente, a taga
relice sempiterna e volúvel dos polícias surge como uma espécie de manto de
proteção, uma maneira de evitar a materialidade do crime. Departamento de
Homicídios acaba por ser uma mistura curiosa: a sua ascendência «Nouvelle
Vague» é clara e evidente. A mistura de documentário e de teatralizaçáo ini
ciada por Jean Rouch e prosseguida por Jean-Luc Godars em O Acossado dá o
seu tom a uma saborosa expressão da «vida de esquadra», à qual os romances
de Ed Mac Bain sobre o 87.0 distrito haviam oferecido uma primeira figura
ção. Ainda que a estrutura narrativa da investigação não esteja tão presente
como noutras narrativas policiais, a vida policial é aqui, em contrapartida,
brilhantemente representada.
2. Virtuosidades rítmicas
Os ritmos das narrações seriais são extremamen
te variados. Os ritmos
lentos abundam alguns deles de um modo , ·
, : quase parod1co, como em certas
soa»
-r -o»e
r ras: a log1ca do comentáno
· sobrepo, e-se de rorma
r tão evidente em certos
128
8. ESTILOS E FORMAS
episódios de Ihe �
oung a�d t�e Restless que a ação fica pendente. Várias séries
,
m p ortan tes nascidas em m1c1os dos anos 1990 privilegiaram, pelo contrário,
i
a velocidade e até a impetuosidade nas suas fórmulas narrativas: Serviço de
Urgência ou A Balada de Nova Iorque, atrás descritas, são disso exemplos. Um
grande sucesso da adoção de um ritmo endiabrado por uma série «imóvel»
é Lei e Ordem, cujo núcleo narrativo imóvel não o impede de manter uma
cadência desenfreada, como já refe�i mos.
Contudo, falarei aqui apenas da inteligê?cia excecional da narração lenta
desenvolvida por algumas séries policiais. E verdade que o tempo não lhes
é contado: aproveitam-no para apresentar ou desenrolar tranquila e pausa
damente as suas narrações. Mesmo uma série veloz como A Balada de Nova
Iorque po de ser vista como um imenso fresco da decência e da educação num
mundo indecoroso e grosseiro, um grande romance de aprendizagem de um
homem maduro e desesperado. Gostaria de considerar três exemplos muito
diferentes, dos quais dois nos farão sair da paisagem americana: a produção
europeia, sobretudo inglesa, tem uma longa familiaridade com a lentidão, à
qual devemos prestar homenagem.
Na paisagem serial, uma série serve de forma quase mecânica de contraste
a qualquer discurso avaliador: a série alemã Derrick, de enorme sucesso inter
nacional e de uma longevidade excecional, é universalmente ridicularizada
pelo seu peso e mofeza narrativa. Os seus 281 episódios não têm uma quali
dade uniforme; no entanto, muitos episódios atingem uma perfeição estática
execional, em que a investigação policial, transformada em demanda moral, é
transcendida por uma emoção literalmente ética. A fórmula destes episódios é
a ·seguinte: um crime é cometido; alguém sente-se responsável por esse crime.
O inspetor Derrick encontra-o e deixa-o conduzir a investigação. Essa pessoa
coloca-se diante do culpado e espera. O culpado debate-se, pede a Derrick
que o liberte desse intruso. Mas o inspetor resiste e impõe a presença teimosa
dessa pessoa. O facto da responsabilidade moral do crime acaba por vir ao
de cima e conduz ao desfecho. O crime e a culpa bastam: um dia, alguém
terá de os assumir efetivamente. Neste esquema, a investigação deve manter
-se perfeitamente imóvel. Quando se aceita não a ver já como uma narrativa
policial, mas antes como uma investigação aprofundada sobre o significado
do sentimento de culpa, a narração em Derrick não só é lenta, como também
está repleta de uma veemência quase comovente. Se quisermos explicar a
invenção desta estranha forma narrativa, temos certamente de lembrar que
todos os episódios da série são escritos por um único homem, Herbert Reine
cker. Este, durante muito tempo membro do partido nazi, refugia-se após a
guerra numa casa durante uma dezena de anos. A culpa não lhe era estranha
(Sandoz, 1999: pp. 44-51).
ência entre
Na Grã-Bretanha, os anos 1980 as�istem a uma nova concorr
nspirada
ª BBC e a ITV. A produção de Inspector Morse é disso exemplo. I
e em 1987
nos romances brilhantes e subtis de Colin Dexter, a série nasc
po r impulso de um . O pró
_ jovem produtor, Kenny McBain Este co?vence
prio Colin De da
xter e Ted Childs, diretor de programas de .ficçao na ITV,
129
AS SÉRIES TELEVISIVAS
130
8. ESTILOS E FORMAS
131
AS SÉRIES TELEVISIVAS
132
8. ESTILOS E FORMAS
3. Virtuosidades genéricas
Já vimos como a história das séries é marcada por um conhecimento dos
géneros que permitiu misturas notáveis: A Balada de Hill Street, evidentemente,
mas também O Sexo e a Cidade, que se afasta deliberadamente do melo drama
para fabricar uma sitcom, ou Boston L ega l, sitcom e série coral. Parece que,
também deste ponto de vista, o início dos anos 1990 marcou uma viragem.
A mistu ra dos ,géneros, s em se tornar uma palavra de ordem, passou para os
meios ser iais. E difícil arriscarmos uma razão geral para este movimento. No
entanto, não há dúvida de que a difusão familiar da televisão, que junta os . ·
cas ais em frente do pequeno ecrã, facilitou o melting-pot genérico . De resto,
como observa Henry Jenkins (1992: p. 4), o interesse novo e frequentemente
crítico dos públicos femininos pelos géneros da aventura precipitou as coi
sas: daí re s ultaram a introdução de problemáticas femininas nos géneros da
aventura e, depois, o alargamento dos géneros feminin os a estes últimos. A
verdade é que, atualmente, as divisões dos géneros se desvanecem cada vez mais.
Ilustraremos este fenómeno com duas séries da última década do século XX e
com um a sé rie mais recente.
Twin Peaks não misturou apenas os géneros: misturou também escandalo
samente os estatutos. Pela primeira vez de uma forma tão retumbante, é dada
carta b ra nca a u m homem que representa a elite artística para fabricar urna
série televisiva . Em bu sca de respeitabilidade, a ABC aceita com entusiasmo
um projeto de David Lynch e de M ark Frost, brandindo junto dos media o
nome do primeiro, conhecido pelos seus filmes apreciados, mas relativamente
desconhecidos (Thompson R., 1996: pp. 152-155). Embora outros cineastas,
corno Mich ael M ann ou Steven Spielberg, já tivessem produzido para a tele
visão, Lynch era o primeiro «artista» de cinema reputad� a faz�r. urna série
televisiva . Twin Peaks não iria frustrar as expetativas . Mmtos cnt1cos falam,
ão
como seria de esperar, d a novidade absoluta; porém, � �ue cham� a atenç
ue sao as soap
é a dívida da série para com os grandes géneros telev1s1vos q
003:
-operas e as histórias de detetives. Como observa Kris tin Thompson (2
esta mistura compõe também a
subs tância de alguns filmes
PP· 129 -13 0),
re alizados por Lynch na mesma época, corno Veludo Azul (Blue
Velvet): ao
· d r.
acre s centar-lhe a suspeit
, ·
a e 1antast1co a qu
· P,e-aks se dedicará cada vez
1. wtn
e --r.
mais, é a inspiração primordial do criador Lynch ne sta época.
133
AS SÉRIES TELEVISIVAS
134
8. ESTILOS E FORMAS
135
--
AS SÉRIES TELEVISIVAS
136
Capítulo 9
O pleno, o íntiino
1. Especificidades seriais
137
AS SÉRIES TELEVISIVAS
138
9� O PLENO, O ÍNTIMO
140
J 9. O PLENO, O ÍNTIMO
141
AS SÉRIES TELEVISIVAS 1
extensão não como uma dilatação à maneira das soap-operas, mas antes como
um crescimento por partes: um dos pontos da série começa a crescer e este
aumento afeta cada vez mais todo o mundo ficcional. Em Causa justa (The
Practice), um dos advogados tem como especialidade a destabilização das tes
temunhas: a prática de Eugene Young (Steve Harris) acaba por afetar o próprio
escritório e tornar-se tema de conversa para as outras personagens, mesmo que
nunca tenham estado presentes durante os seus interrogatórios. A memória
da série, que passa certamente pela dos públicos, engloba progressivamente
esse traço particular no interior do universo de Causa justa. Como sucede nas
soap-operas, a conservação e a renovação da memória da série constituem o
objetivo principal da sucessão dos episódios: trata-se de juntar ao encadeamento
sincrónico o património mais denso e mais intenso possível. Disto depende
a particularidade da telespetaleitura das séries.
As séries de mistério como Perdidos têm muitos pontos em comum com
as soap-operas. Grande parte das suas estruturas narrativas é, aliás, análoga: o
universo da série enriquece-se incessantemente com as relações que se criam e
se desfazem entre as personagens. O tecido relacional constitui, de certa forma,
o quotidiano da série. Ao contrário da soap-opera, as séries de mistério possuem
desde o primeiro episódio um passado memorial que o público vai conhecendo
a pouco e pouco. O alegado rapto da irmã exerce peso sobre o passado e o
presente de Fox Mulder, herói de Os Ficheiros Secretos; e a conspiração que
serve de fio narrativo a esta série começou muito antes do seu episódio inicial.
A primeira temporada de Perdidos é parcialmente consagrada à apresentação do
passado das principais personagens entre os sobreviventes do desastre aéreo. As
temporadas seguintes estão repletas de hipóteses sobre o passado da ilha que
poderiam explicar os seus enigmas atuais. Por conseguinte, este género de série
não vive apenas do seu mundo «real». A este, acrescentam-se mundos virtuais,
ecos de alegadas significações do mundo de base: os universos funcionais das
séries de mistério são mundos folhados, sequências de mundos possíveis mais
ou menos compatíveis. As interpretações e os sonhos dos públicos, muito
solicitados pelo género, contribuem para o folhado e, portanto, para a riqueza
do universo ficcional. Por isso, como observa Matt Holls (2005), não é de
admirar que as séries de «culto» sejam, em muitos casos, séries de mistério.
Alguns projetos seriais distinguem-se pela sua originalidade, dificilmente
redutível à de outros. Casos Arquivados (Cold Case) é um desses casos parti
culares. O prolífico produtor Jerry Brukheimer pediu à jovem argumentista
e produtora Meredith Stiehm que adaptasse uma série canadiana sobre casos
pendentes que são depois resolvidos por uma nova investigação. É fixada uma
fórmula: a irtvestigação consistirá em encontrar testemunhas ainda vivas e em
obter os seus testemunhos. Cada contacto leva a outra testemunha e, portanto,
a uma nova recordação. A reunião das memórias das personagens permite dar
uma solução ao enigma. A partir desta fórmula muito convencional, Stiehm
adota um sistema que é frequente nas histórias policiais, mas utilizado de
forma muito original. Cada entrevista dá origem a um ftash-back que faz
reviver o passado; a série divide-se entre o tempo da investigação - a busca
142
9. O PLENO, O ÍNTIMO
143
AS SÉRIES TELEVISIVAS
3. Formas do íntimo
Definimos a intimidade como a diferença entre a pessoa e o papel, para
utilizarmos o vocabulário de Erving Goffman (1991); a consciência da nossa
participação na vida social choca com a consciência da nossa unidade e produz
o sentimento de si ou intimidade. O espetáculo da intimidade é um privilégio
da ficção: a realidade nunca nos dá acesso à intimidade dos outros nem repre
senta a nossa própria intimidade senão por projeção. Mas a narrativa ficcional
não é travada por estas limitações.
Qualquer personagem de ficção tem uma dupla função narrativa: é, em
simultâneo, objeto e sujeito da narrativa, aquele a quem acontece qualquer
coisa e aquele graças a quem interpretamos o que acontece. Corno mostrou
Kate Hamburger (1986), a personagem (central) da narrativa ficcional é
também um representante da atividade enunciativa: por não poder aparecer
no universo ficcional, o autor delega os seus poderes numa personagem,
como faz, por exemplo, Conan Doyle com o Dr. Watson. Por vezes, o autor
prefere tornar anónima essa personagem que vê e interpreta a ação: chamou
-se-lhe «narrador extradiegético», o que é inapropriado, uma vez que tem de
pertencer ao mundo ficcional se o quiser interpretar (Martinez-Bonati, 1981).
Deste ponto de vista, qualquer ficção assenta numa diferença no interior da
personagem entre a sua existência descrita como a de um dos protagonistas da
ficção e essa mesma existência que se tornou um ponto de vista geral sobre o
universo ficcional (nem todas as figuras que aparecem na narrativa oferecem,
ao mesmo tempo, um ponto de vista; neste sentido, devemos distinguir as
personagens das figuras ficcionais). Por conseguinte, a ficção está constituti
vamente ligada à apresentação da intimidade (Esquenazi, 1994). Enquanto
a narração «clássica» tende a ocultar esta diferença constitutiva, as séries
representam claramente o íntimo, por razões que já aqui assinalámos. Pode
até dizer-se que expõem frequentemente a diferença da personagem para dela
fazerem o tema principal: a intimidade torna-se o tema essencial da narrativa.
A exploração meticulosa das personagens pelas séries, de que falaremos mais
144
9. O PLENO, O ÍNTIMO
145
AS SÉRIES TELEVISIVAS
queStão essen�ial
anularem. As diferenças íntimas multiplicam-se e tornam-se a
ra narrativ a
da n a rrativa. O fio policial permanece linea r, enqua nto a espessu
aumenta: ao longo dos episódios, a intimidade das personagens parece c a� a
vez mais dividida ou até quebrada. A personalidade do procurador McNorns,
inicia lmente homem forte da narrativa, degrada-se quando se revela m as suas
contradições . É pena que Boomtown não tenha sido produzida por um canal
de cabo, onde teria certamente encontrado o seu público.
Num estilo diferente, Ally McBeal propõe também uma forma i�s?lita de
representação da intimidade da person agem. Trata-se da segunda sene sobre
escritórios de advogados de Boston criada por David Kelley. Este, argumentista
e produtor muito prolífico, confere à s érie um tom excêntrico e a té demente
que exacerba os sentimentos das personagens para melhor as ridicula rizar. As
situações resultam sempre de emoções fortes sentidas por um dos protagonistas.
A série diverte-se então a dar-lhes representações truculentas: por exemplo,
após a passagem de uma figura sedutora, homens e mulheres ficam com as
línguas fora , à semelhança do famoso lobo de Tex Avery quando olh a p a ra as
pin-ups que abrilhantam os seus desenhos animados. As varia ções sobre este
tema são numerosas: por exemplo, a cabeça da secretária que cresce indefi ni
damente, ou uma mão que de repente se torna extremamente flexível para dar
um gigantesca bofetada num interlocutor. No episódio 1/19, quando se ouve
a voz off de Ally pronunciar «Comia-se... » à vista de um belo advogado, o
seu rosto transforma-se numa boca de cão com a língua de fora : David Kelley
exibe com prazer as suas dívidas para com o cartoon.
A invenção pode seguir ta mbém novos caminhos, como os reflexos de
Ally (Calista Flockart) que dançam no vidro, enquanto observa um homem
que lhe agrada (1/17). O gagpode também necessitar de uma re a lização com
plexa, como a fuga de Ally de uma discussão demasiado ac erbada : começa
a nadar no escritório, que s e transformou num enorme aquário (1/16). Josh
Levine (1999: p. 104), na obra que dedica a David Kelley, descreve a cena da
s eguinte maneira: «Cazin [um dos produtores] e nche o cenár io com fumo
e filma-o; ao colorir a imagem, pode dar ao fumo o aspeto de água . Calista
Flockart é então filmada a nadar frente a um ecrã azul. No computa dor,
Most [diretor dos efeitos especiais] mistura os dois filmes num só.» O bebé
dançarino que acomp anha Ally durante muitos episódios da primeira e
da s egunda temporada é, sem dúvida, a ide ia mais brilhante da série no
género. O diálogo gestual, reple to de cabriolas e de saltos, estabel ecido entre
a advogada e o bebé fantasmagórico mima de forma excele nte a relação da
jovem consigo própria.
Que acrescentam à s érie as brincadeiras de David Kelley? O comporta
mento de uma personagem numa determinada situação e a sua reação a essa
situação são-nos semp�e revela dos. O modo dJvertido utilizado pela produção
,º
para ay�esentar _sentim��to de uma personagem priva-a de qualquer carcter
dramat1co ou seno: part1c1pamos, sem nos comovermos, na emoção de All
y
ou de John. A intimidade é simultaneamente revelada e frustrada. Não se
pode dizer que, em Ally McBeal, as emoções sejam ridículas: aquilo que é
146
9. O PLENO, O ÍNTIMO
147
AS SÉRIES TELEVISIVAS
2/6, Ruth, a mãe da família Fisher, deambula pela sua casa totalmente vazia
de móveis. Depois, descobre uma pessoa que dorme num sofá. Abana-a para
a acordar. Então levanta-se Ruth, que sonhava com Ruth a acordar Ruth,
como se a própria personagem tivesse de se arrancar do seu torp or �a�iliar.
_
Por vezes, são utilizados outros meios menos ortodoxos: no mesmo episodio, o
computador de Brenda, a amante de Nathaniel, começa a dirigir lhe �rí�icas e
�
a discutir as suas reações. Até O mero diálogo, o instrumento mais classico da
narrativa audiovisual para apresentar a intimidade, encontra uma utilização
original: parece que um dos seus princípios consiste no facto de as personagens
só dirigirem aos outros observações ou críticas que se poderiam aplicar a si
próprias, marcando assim uma lucidez paradoxal, porque inconsciente. Ruth
diz: «Não se pode ser íntimo com alguém sem ficar dependente» (2/11). E, no
mesmo episódio, Brenda, que dormira com dois estudantes, diz a Nathaniel:
«As pessoas cometem erros. Nem sempre sabem porquê. » Nathaniel pensa que
Brenda está a falar dele, mas o duplo sentido é flagrante para a telespetaleitura.
O produtor e os argumentistas de Sete Palmos de Terra fazem viver lado a lado
personagens que se ocupam sobretudo em controlar os seus próprios trajetos:
os diferentes processos narrativos utilizados compõem uma arte frágil da
representação de almas dilaceradas digna dos mestres Antonioni ou Dreyer.
4. O aprofundamento da personagem
A personagem das séries é, com frequência, contraditória: na maioria
dos casos, o seu comportamento é previsível, mas, por vezes, inesperad o. As
suas transformações, quando ocorrem, são geralmente surpreendentes. Os
acidentes de produção são uma das primeiras razões desses compor tamentos
sur preendentes: não há dúvida de que os projetos profissionais dos intér pretes
influenciam o futuro das suas personagens. As relações mutáveis entre diferentes
personagens, a posição subitamente mais impor tante que um dos atores e a
sua personagem adquire na ficção podem também influenciar a evolução da
narração. Por exemplo, na primeira série de A Balada de Nova Iorque, estava
previsto que o protagonista seria o detetive John Kelly, papel desempenhado
por David Caruso; mas, rapidamente, foi o detetive Sipowicz quem mais
se notabilizou e quem empurrou o parceiro para fora da série. Este tipo de
incidentes pode adquirir grandes proporções: para conservar e desenvolver
a personagem de Alan Shore, interpretada por James Spader, David Kelley
decide «suicidar» a série que até então estava a produzir, Causa justa, para
iniciar outra série que a continuaria, intitulada Boston Legal.
Contudo, não são estes incidentes brutais que formam o tecido principal da
pe�s�nagem. A �rin�ipal res��nsável pela sua constituição complexa é a escrita
,
mult1pla dos episodios das senes. Se analisarmos os genéricos dos 63 episódios
de S�te Pal": os1e Te;ra, descob�imos 11 autores, 8 dos quais escreveram mais
de cmco episódios. E claro que isto não significa que estes autores sejam aban
donados a si próprios. Todos os testemunhos de autores e de produtores provam
148
9. O PLENO, O ÍNTIMO
149
AS SÉRIES TELEVISIVAS
. 150
9. O PLENO, O ÍNTIMO
151
--
AS SÉRIES TELEVISIVAS
152
9. O PLENO, O ÍNTIMO
��i�·
contra a violência te lev isiv r ar
n e.
frer u ma reprimen d a , de mi t e -se a se
de igual para igual. D e p o is de so el e
t r Pe t e r F a lk po de ria t a
mb�m ser � !� :��:�::
im pli aç ão do a o
i e
chard Levmson e i iam
c
rs na ge m cri ad a po r Ri
modela r a pe se tornar o produt
o or
l d c idi ra «s er», a ponto de
do tenente C olumbo que e e e
timorato. Ao contrári o d e S 1p
153
AS SÉRIES TELEVISIVAS
154
-;_- ... -
Quinta Parte
Séries e crítica
social
• Atualidade das séries
157
AS SÉRIES TELEVISIVAS
158
10. ATUALIDADE DAS SÉRIES. 1
1
,i
sabem fazer parte da cultura nacional. A constituição do weste
rn e a evolução,
1
''
p o r exemplo, da obra de John Ford (McB ride, 2007) manifestam :/
a atenção li
à lenda norte-americana e à sua crítica. Bradford Wright mostra, de resto, [;
a '1
1
que p onto a política dos super-heróis, Super-homem ou Capitão América,
está ligada à do país. Quanto aos públicos, as suas tentativas recorrentes de
�nfl�enciarem os produto res culturais e a violência das suas reações por vezes
1nd1gnadas, outras vezes entusiásticas, revelam a convicção da sua atenção à
produção cultural. A etno grafia dos públicos explorou cuidadosamente esta
disposição e mostrou o quão enraizada está nos espíritos (Pustz, 1999).
Um autor francês, a quem devemos prestar forte homenagem, fez um
retrato admirável Da Cultura na América: Frédéric Manel (De la culture en
Amérique, 2006) expõe, por exemplo, a lógica complexa do financiamento da
cultura nos Estados Unidos, que envolve inúmeras instituições e organismos.
Descreve também a intensidade das «guerras culturais» que se desenrolam desde
1990 (pp. 221-286): os subsídios atribuídos pela instituição federal encarre
gue da cultura a certas exposições, como a de fotografias de Mapplethorpe,
que mostram homossexuais que sofrem de SIDA (pp. 241-242, 266-267),
começam por suscitar essas guerras ao provocarem a ira da nova direita. Os
apoiantes desta direita querem «recuperar» a cultura a todo o custo, mas os
artistas e as associações organizam-se e a imprensa divide-se. Devemos lembrar
que a desconfiança relativamente aos subsídios estatais não é apanágio dos
conservadores. A tradição americana é a da fundação e do donativo: «Hoje,
os Americanos doam em média mais de 250 mil milhões de dólares por ano
às organizações sem fins lucrativos» (p. 307). As polémicas encontram então
um terreno extremamente favorável, como demonstra a que rodeia os inícios
.de A Balada de Nova Iorque já aqui referidos. A presidência Clinton, emblema
das culturas multirraciais e pluralistas, exacerba as tensões. Os atentados do 11
de setembro interrompem provisoriamente os debates, mas o extremismo da
nova direita no poder volta a deitar achas na fogueira e inflama os liberais: mais
atrás, citámos o extraordinário discurso de Alan Shore, personagem principal
da série Boston Legal, a propósito de Guantánamo. Recorde-se que o episódio
foi emitido durante a presidência Bush, e devíamos tentar imaginar uma série
francesa de «grande audiência» que falasse desta maneira, por exemplo, das
expulsões de estrangeiros ilegais pelo governo de Sarkozy para tomarmos
consciência da liberdade de expressão da cultura americana, comercial ou não.
Nos Estados Unidos, dado que uma produção é portadora de ideias,
valores e princípios americanos, é vista com seriedade e atenção, mesmo que
se destine inicialmente ao prazer. Não é de admirar que a representação que
propõe possa ser analisada sob o ângulo do seu rigor, da sua pertinência ou da
sua recetividade. Como vimos desde o início do nosso percurso, as séries não
são exceção à regra. Recordemos alguns dos nossos exemplos. Nos anos 1960,
a comunidade da ficção científica ergueu-se para defender a série O Caminho
das Estrelas, que corria o risco de ser anulada pela sua rede di�usora. Depois, a
que uma
série esteve na origem de outras séries, filmes, romances e fanzmes, em
a se inte,
imaginação geralmente liberal transborda de criatividade. Na décad gu
159
AS SÉRIES TELEVISIVAS
2. As séries e o feminino
Um mundo é apresentado, no interior do qual os públicos encontram uma
representação dos seus próprios interesses, preocupações e interrogações: este
modo de apresentação é aquele através do qual a realidade é representada
160
10. ATUALIDADE DAS SÉRIES
pela ficção (Esquenazi, 2009: pp. 155-164). As séries televisivas, mais do que
outros géneros ficcionais, são levadas a apresentar os seus mundos ficcionais
como paráfrases da realidade: dependentes do médium televisivo, estão, com
efeito, condenadas a mostrar uma sensibilidade aguda em relação à vida con
temporânea. Para ultrapassarem a concorrência e obterem sucesso, os difusores
exigem que estejam no centro da atualidade, que participem no gosto tele
visivo pelo presente. Assim, não é de admirar que as ficções propostas pelas
séries sigam as mínimas modulações da realidade dos públicos. A temática
feminina não é a única que nelas aparece. A questão do exercício da justiça
é, evidentemente, uma temática constantemente explorada pelo cinema ou
pela televisão americana. Seria apaixonante descrever as suas manifestações
e evoluções, particularmente contemporâneas. No entanto, para esclarecer
aqui o diálogo estabelecido pelas séries americanas com a realidade, iremos 1!
descrever uma pequena história do feminismo serial, um tema talvez menos t
!!
frequentemente abordado.
Se compreendermos o feminismo como a tomada de consciência feminina
da situação culturalmente minoritária das mulheres, há duas maneiras possíveis
de descrever a sua história. Em primeiro lugar, há uma história do feminismo
explícito, conduzida por mulheres que· tomam partido no espaço público. Este
passa, por exemplo, em França por personalidades como Marguerite Durand,
que anima um jornal diário inteiramente escrito por mulheres entre 1897 e
1905 e que reivindica um «espaço de criatura livre na sociedade» (citado por
Bonvoisin e Magnien, 1986: p. 17). Esta história tem as suas heroínas, como
Simone de Beauvoir, que marcam uma época. O brilho das grandes figuras
eclipsa quase sempre o avanço, lento e sinuoso, de um «povo» feminino mais
subterrâneo e sem acesso ao universo da tomada de palavra pública. Alem disso,
parece que os dois mundos se ignoram ou têm dificuldade em se compreen
der. Os malentendidos são frequentes: o feminismo público costuma criticar
ferozmente o mundo das lantejoulas, das estrelas e das indústrias culturais,
enquanto certos trabalhos sobre o mundo feminino lhe atribuem um benefício
feminista. Os grandes estudos realizados em finais dos anos 1950 mostram,
por exemplo, a associação entre desejo feminino de independência e fascínio
face a essas mulheres que parecem (sem dúvida erradamente) perfeitamente
independentes, as estrelas (Giroud, 1958; Chombart de Lauwe, 1964).
Neste âmbito, as interpretações divergem quando se trata de apreender o
papel da ficção popular no desenvolvimento de uma consciência feminina.
Lamenta-se a valorização pelo melodrama dos papéis femininos tradicionais; no
entanto, admite-se que o melodrama valorize as mulheres enquanto heroínas de
ficções em que as contradições femininas são patentes. Tania Modleski (1984)
ou ]anice Radway (1991) expuseram com clareza esta condição paradoxal do
melodrama, forma feminina e fonte de uma reflexão feminista. Os autores
da série L Word, dedicada a heroínas que, na sua maioria, são lésbicas, não
hesitaram em apresentar as suas personagens como provocadoras no interior
de uma forma melodramática tradicional. Não quero dizer aqui que as séries
desempenharam um papel decisivo no aparecimento de uma reflexão feminista,
161
AS SÉRIES TELEVISIVAS
mas sim obser var que souberam apresentar heroínas e situações capazes de
espelhar contradições em que as mulheres nor malmente se encontram.
A série I Love Lucy, emitida entre 1951 e 1957, foi certamente um dos
primeiros grandes êxitos da televisão americana. A sua protagonista é i nter
pretada por Lucille Bali, vedeta do cinema habituada aos papéis de comédias.
Na série, com O marido Ricky, interpretado pelo seu verdadeiro marido Dezi
Arnaz, forma uma família bastante representativa das novas classes médias
americanas. Lucy desempenha O papel da pertu rbadora: as suas ações geral
mente «loucas» ameaçam O bom funcionamento familiar calculado segundo
as normas sociais usuais. As suas tentativas de escapar àquilo que o marido e
a sociedade definem como o seu lugar no lar «tran sformam-se numa comédiá
que constitui o centro do espetáculo» (Marc, 1984: pp. 16-17). Lucille Ball não
hesita em utilizar os disfarces mais variados e menos esperados, que a colocam
muitas vezes em situações profissionais surpreendentes, para revelar os apetites
da sua personagem (Spigel, 1992: p. 154). A comédia desvela aspirações que
não são satisfeitas pela ficção (o final feliz vê sempre o regresso a casa da esposa
reconciliada), mas que continuam a ser a principal alavanca narrativa. São
também expostas ao olhar de um público popular que aprecia sem qualquer
dúvida essa personagem cheia de esperança e dinamismo. I Love Lucy representa,
ao lado da soap-opera, o outro grande modelo narrativo da representação das
heroínas femininas, o da comédia. Continuará a ser muito utilizado até aos
dias de hoje e também largamente desprezado pelos observadores.
Os anos 1960 não são muito propícios à exposição dos problemas relativos
aos costumes, à moral ou às desigualdades entre os sexos. A Guerra Fria, o
assassinato dos Kennedy e a guerra do Vietname ocupam os espíritos sem
ocuparem o pequeno ecrã. O momento é de mudança e de virilidade: os anos
1960 são dominados pelos westerns, como \Vagon train, Rawhide e Bonanza.
Só algumas séries fantasistas ou paródicas ( Casei com uma Feiticeira/Bewitched,
lhe Adams Family, Batman) fazem aparecer outras preocupações (Stempel,
1992: pp. 95-96). Contudo, os anos 1970 são mais abertos às inquietações e
às reivindicações. lhe Mary Tyler Moore Show mostra o exemplo, como conta
de forma precisa Serafina Bathrick (1984).
A série baseia-se na popularidade de Mary Tyler Moore, vedeta de uma
sitcom da década anterior, em que representava uma personagem semelhante à
de Lucille Bali. James Brooks e Alan Burns, promotores da ftura
u
série, querem
agora fazer dela uma mulher divorciada que trabalha numa estação de televisão
de Mineápolis. No entanto, a produção da CBS prefere que a personagem
de Mary Richards tenha vivido uma rutura difícil em vez de ser oficialmente
divorciada. A série tem então·como protagonista uma mulher que vive sozinha
e que trabalha. As si coms nunca haviam corrido o risco de apresentar mulheres
:
trabalhadoras: por isso, era preciso minimizar as provocações. Com efeito,
Mary Richards desempenha o papel de mediadora no interi
or da redação da
WJM-TV, cumprindo profissionalmente a tarefa tradi
cional reservada às mães
de famí i , a de con iliadora. Poder-se-ia aleg
�� � ar, como Bathrick (1984: p. 105),
_
que a sene mais nao faz do que deslocar e desenvolve
r a ideologia familiar
162
10. ATUALIDADE DAS SÉRIES
nos locais ele trabalho. Contudo, a modernidade dos temas abordados, como
a educação sexual (p. 117), bem como o retrato das relações de uma mulher .1
í
i
com homens numa situação profissional, faz da série uma testemunha da
mudança profunda nas mentalidades norte-americanas: entre 1950 e 1970,
o número de mulheres casadas trabalhadoras duplicou e a percentagem de
mulheres no mundo assalariado passou de 34 o/o para 43 %. O tema torna-se
natural: prova disso é o êxito da série junto dos públicos.
Ainda que de maneira menos concertada, há outra série que manifesta esta
transformação. Os Anjos de Charlie (Charlie's A ngels) é uma série glamorosa,
onde a beleza das atrizes é decisiva. São também detetives e prendem os vilões.
A ideia de deixar de confinar as mulheres aos papéis tradicionais e de as tornar
heroínas de uma série de ação estava no ar: é muito sintomático que a ideia
tenha tido origem na mente de um produtor como Aaron Spelling, cujo obje
tivo não era certamente participar numa reflexão sobre a sociedade. Embora
os anjos de Charlie vençam normalmente ao seduzirem os seus adversários,
utilizam também armas mais viris. E abrem caminho a outras mulheres de
ação menos encantadoras. A década termina com uma série inicialmente pouco
apreciada: Dallas, hoje qualificada como série «essencialmente moderna», põe
em cena mulheres elegantes e ricas. Contudo, Pamela ou Sue Ellen não são
realmente felizes. No melhor dos casos atormentadas, no pior refugiadas no
álcool (Coward, 2006), comovem um largo público feminino, como mostra a
obra de len Ang (1991). As confissões de um público de mulheres holandesas
apaixonadas pelas mulheres de Dallas e por estas sensibilizadas designam uma
proximidade entre heroínas e públicos femininos, comovidos pelo seu «rea
lismo emocional» (Ang, 1991, pp. 41-46). Os públicos femininos consideram
plausíveis e facilmente identificáveis os sentimentos vividos pelas personagens
face à incompreensão e à dureza masculinas.
A personagem de Joyce Davenport, interpretada por Verónica Hamel,
constitui uma autêntica viragem na história do feminino televisivo. Tanto
neste domínio como noutros, A Balada de Hill Street é uma série precursora.
Davenport, advogada que trabalha para o procurador da cidade, é retratada
«com uma força e uma profundidade atípicas em personagens femininas na
televisão contemporânea» (Thompson, 1996: p. 69). Contrariamente às mulhe
res de Da/las ou de Os Anjos de Charlie, Davenport enfrenta frontalmente os
homens tanto na sua vida profissional como na sua vida sentimental. As suas
relações com o capitão Furillo, o seu parceiro amoroso e também seu colega,
são marcadas pela vontade de fazer respeitar as suas opiniões e desejos. Nem
todas as séries dos anos 1980 introduzem personagens femininas tão autên
ticas: Miami Vice, por exemplo, que tem outras qualidades, continua presa
ao gancho do sexismo. Mas L.A. Law, herdeira direta de A Balada de Hill
Street, ou Modelo e Detetive (Moonlightning) apresentam também mulheres
complexas com personalidades originais. China Beach, uma das séries que faz
a ligação entre as duas décadas, celebra explicitamente a coragem e o ceticismo
das enfermeiras durante a guerra do Vietname. Segue-se uma visão da guerra
deliberadamente sombria. A série está repleta de «cadáveres ensanguentados,
!:
163
--.. ,
AS SÉRIES TELEVISIVAS
164
----·--- -- - --------- ---
J�
10. ATUALIDADE DAS SÉRIES
165
AS SÉRIES TELEVISIVAS
naturalidade p erfeita
atribu ídos aos comportamentos femininos com uma
crescentemos que ela
e volta-os com elegância contra os seus depositários. A
Hol�es: Tal com� o
pertence à rica linhagem dos descendentes de Sherlo ck
on e uma obsessiva
Dr. House (ou Monk, num estilo menos ambicioso), Johns
esol er os crimes
dependente de uma droga (aqui, o chocolate), capaz de r :
uff perm ite p erceber a
mais difíceis. O registo paródico da série de James D
posteriori a feminilidade do herói de Conan Doyle .
como
As séries americanas (poderíamos juntar-lhes várias séries britânicas,
Silent W'itness, com Amanda Burton) souberam apresentar regularmente, desde
1950, problemáticas e personagens femininas contemporâneas. Podiam parecer
simplesmente seguidoras; fala-se delas, elas falam disso. A infelicidade das
mulheres é amplamente descrita por Be tty Friedman e outros nos anos 1960.
Dalias chega muito mais tarde . No entanto, é atrav és de um meio concreto
e direto que a mensagem chega efetivamente a uma população importante.
Desde há algum tempo que parece que as séries adquiriram outra dimensão ao
participarem na reflexão sobre os problemas femininos, expondo- os, gozando
com os homens (sobretudo), com as mulheres e as suas relações. A acuidade do
ponto de vista televisivo, que é constitutivamente levado à renovação, parece
mais do que nunca ajustar-se perfeitamente à reflexão contemporânea: enquanto
as feministas se reviam em Cagney & Lacey, hoje discutem apaixonadame nte
a exemplaridade eventual de Buffy, de Ally McBeal, de Carrie Brashaw, de
Bree Van de Kamp, etc., todas elas protagonistas de séries. A «realidade» destas
personagens· parece de tal forma convincente que pode servir de modelo ou
de contramodelo à nossa «verdadeira» realidade.
3. Realismos seriais
A maneira mais segura de ser «autêntico» no domínio audiovisual consistiu
sempre em eliminar o mais claramente possível o espetáculo e O espetacular.
_
O ne orre alismo italiano do pós-guerra, por exemplo, rejeitou o estúdio, o
ator profissional, suspeito de «representar em excesso», e todos os efeitos de
câ�ara que não serviam a ação: a produção «invisível» é essencial a qualquer
realt�mo. A c?nsequên�ia desta invisibilida de seria a maior aproximação
posstv�l do u�1;erso ficcional a um mundo real. Evidentemente, há aqui uma
ar�adi�ha te o:tc�: nada ver d produção não significa ausência de produção.
�
Alem disso, nao e por um universo ficcional se assemelhar a um mun o rea 1
, . d
que o publico dele se apropria e o interpreta c omo proximo
. ,. . ' · daqui·1o que
considera real ou autent1co. No entanto, a e'tiº ca do rea 1·
, . , . ismo de fi m·da pe1o
cnt1co Andre Bazm (1975: pp. 48-61) e caracteri'za da
. pela o b ngaçao
· ,., moral
d o re alizador de escolher sempre na sua apresenta .
, . . ,., ,., aqui1o que esta, mais
çao .
prox1mo da situaçao real, guiou muitos cineas r , raros
, . tas, rotog r e, como vere-
mos, pro dutores de sen es. Apesar de diferentes (nao
. ,., se escapa ao paradoxo
. ) , as suas obras são geralmente reco
rea11sta ,., . , .
nhec1"das como versoes ace1tave1s
de realidades partilhadas.
166
--
1 O. ATUALIDADE DAS SÉRIES
167
AS SÉRIES TELEVISIVAS
tas da séne: e destes qu� extr�1mos o nosso primeiro exemplo (12/1). Em Los
Angeles, um casal de simpatizantes neonazis acei'ta guardar em casa um par
.
de enormes p1tbulls. Os cães aterrorizam uma J·ovem v1zm · · ha, que se queixa ao
168
10. ATUALIDADE DAS SÉRIES
porteiro. Certo dia, os cães fogem e reduzem a farrapos a jovem que regressava
do trabalho. Nas entrevistas, os neonazis afirmam que a vítima provocava os
cães. São levados a tribunal e condenados a quatro anos de prisão. Examine
mos agora como trabalham Wolf e a sua equipa, neste caso, os argumentistas
Kathy McCormick e Douglas Stark, bem como o produtor executivo Barry
Schindel, para adaptarem este caso no primeiro episódio da segunda tempo
rada, intitulado «Who Let the Dogs Out?». Em primeiro lugar, transformam
os neonazis em burgueses respeitáveis - um deles é até advogado. Não é
necessário que o episódio se centre na nossa aversão em relação aos neonazis,
mas sim no tema principal, que é o da responsabilidade dos proprietários de
cães. Dão-lhes também um motivo: os cães são criados para participarem em
combates de animais. O próprio crime é situado no Central Park: a pessoa
morta é uma mulher que praticava jogging. Em seguida, introduzem desde o
início do episódio o debate sobre as obrigações dos proprietários de animais:
um dos investigadores gosta dos cães e defende várias vezes a ideia de que tudo
não passa de um acidente. O debate será continuado de forma mais técnica no
seio da equipa de procuradores a fim de definirem o grau de responsabilidade:
será que se trata de um homicídio por negligência, um homicídio involuntário?
Desde a investigação judicial até à audiência pública, torna-se evidente que a
questão a que os jurados devem responder é a seguinte: teriam os proprietários
consciência ou não do perigo representado por esses cães? Para responderem,
têm de enfrentar com os advogados a questão mais geral: «Que responsabi
lidade se tem sobre outrem quando temos em casa uma arma, seja qual for
a forma dessa arma?» O procurador acaba por provar que os proprietários
nada podiam ignorar e conseguir a condenação (ficcional) dos réus. Como
se percebe, a adaptação visa eliminar aquilo que poderia parecer demasiado
singular no caso e suscetível de lhe anular a exemplaridade. Realizada esta
eliminação, os argumentistas esforçam-se por levantar o problema social e a
sua tradução judiciária, as suas dificuldades e ambiguidades; tomam o cui
dado de apresentar as diferentes possibilidades e interpretações, bem como
de defender diferentes pontos de vista. Deste modo, é alcançado outro nível
de generalidade, o do tratamento de tais crimes.
Vemos que o termo «realismo» não é suficiente para compreender a relação
de Lei e Ordem com a realidade contemporânea. A série não apresenta ou
não se limita a apresentar um caso de polícia no qual se inspira para propor
uma situação ficcional análoga: o universo ficcional não é apenas uma repre
sentação de um universo real. Com efeito, o caso de polícia é transformado
a fim de ganhar em generalidade. Por analogia com os hábitos da imprensa
diária, poder-se-ia dizer que passa da rubrica «casos de polícia» para a rubrica
«sociedade»: é tratado desde o início como uma exemplificação de situações
muito mais gerais. A imprensa reúne casos que se assemelham àquele tomado
como ponto de partida para apontar a recorrência de um problema social.
Lei e Ordem tem uma ambição ainda maior; os argumentistas começam por
construir um caso particular capaz de isolar cada uma das dificuldades sociais e
jurídicas que querem tratar. Assim, beneficiam da carga emocional do singular
169
AS SÉRIES TELEVISIVAS
· arem. Em seguida'
e po dem Jogar com a sua exemplan·dade para O generaliz . , .
e pisod10 a proble-
tem o cmdado extremo de apresentar, desde o 1'nício do
A •
170
Capítulo 11
Séries e tradição
do carnaval
171
AS SÉRIES TELEVISIVAS
172
11. SÉRIES E TRADIÇÃO DO CARNAVAL
173
AS SÉRIES TELEVISIVAS
174
11. SÉRIES E TRADIÇÃO DO CARNAVAL
diria não poderem ser separados. Bart é o filho turbulento, mas de tal forma
turbulento que recusa apreender e agir de outra maneira que não brutalmente.
Homer é, por certo, o pai esfomeado e irascível, mas tão esfomeado que é
capaz de devorar o próprio braço e tão irascível que não consegue dominar a
fúria a ponto de estrangular o filho. Quanto a Lisa, é a menina sobredotada
das sitcoms, mas tão sábia que serve de exemplo a todos e parece, por vezes,
representar uma sabedoria universal. Este exagero é exatamente o combustível
dos carnavais trocistas da Idade Média. Bakthine descreve como «se procuravam
as analogias e consonâncias mais superficiais para travestir o sério e obrigá-lo a
adquirir traços cómicos» (p. 95). Travestir o sério e o estereótipo ultrapassando
os seus hábitos e representações usuais constitui precisamente o exagero de Os
Simpson. Assim, qualquer tentativa de se assemelhar a uma família comum
conduz inevitavelmente a uma catástrofe, pois um dos membros da família
ultrapassa limites justamente estabelecidos para esse fim. É verdade que a
desagregação nunca ocorre por completo e que a família se reconcilia no fim
de cada episódio. Mas este desfecho constitui apenas um processo inevitável:
como Homer costuma dizer, que seria de nós se a família se separasse? Com
efeito, a série acabaria imediatamente; em muitos episódios, esta conclu�ão é
explicitamente enunciada (Gray, p. 53).
Não há dúvida de que a personagem de Homer é a mais representativa
da série. É o exagero por excelência, repete sentenciosamente os estereótipos
mais gastos, é capaz de todos os impulsos. Como sugere Turner (pp. 85-125),
Homer é o escravo dócil das paixões mais fúteis do mundo contemporâneo.
A sua capacidade de devorar donuts e de ver televisão é impressionante. Os
autores, porém, atribuem-lhe a capacidade de reagir: quando um cometa
ameaça Springfield (6/14), começa por se refugiar no abrigo do vizinho Flan
ders, antes de expulsar este por falta de espaço. Finalmente envergonhado,
leva a comunidade a juntar-se a Flanders na colina para esperar o cometa.
Esta capacidade permite-lhe não ser apenas um perfil que representa todos
os males do país, mas uma verdadeira personagem, com os sçus exageros e as
suas reações. É verdade que só os seus excessos o conduzem a tais impulsos,
como se não fosse capaz de aprender de outra maneira senão mergulhado nas
consequências dos seus desregramentos. Além disso, esta súbita inteligência é
apenas provisória. Nos últimos momentos desses episódios, Homer mostra a
sua resistência a qualquer memorização. E a série pode continuar...
As características de Os Simpson podem ser também encontradas em
numerosas séries, certamente atenuadas ou dissimuladas, mas bem presentes.
Em séries mais antigas, os traços do carnaval servem de inspiração direta:
M*A*S*H ou Twin Peaks parecem introduzir diretamente as suas persona
gens em situações reais à maneira das cerimónias cómicas da Idade Média. A
inspiração carnavalesca está igualmente patente nas séries contemporâneas.
Uma das personagens mais próximas de Homer Simpson é Dennis Crane,
interpretado por William Shatner em Boston Legal. A mesma segurança, a
mesma fria obstinação em assumir todos os estereótipos norte-americanos, a
mesma tendência para repetir asneiras, Crane é uma versão chique de Homer:
175
AS SÉRIES TELEVISIVAS
176
Bibliografia
Cultura popular
ALLEN Robert C., 1980: Vaudeville and film 1895-1915, Nova Iorque, Arno Press.
ALTMAN Rick, 1999: Film/Genre, Londres, BFI.
ANGENOT Marc, 1975: Le Roman populaire, Montreal, Presse de l'Université du
Québec.
AUBRY Danielle, 2006: Du romanfeuilleton à la série télévisuelle, Berna, Peter Lang.
BAYM Nora, 1978: Woman'.r Fiction: A Guide to Novels by and about Women in
America, Ithaca, Cornell University Press.
BELTON John, 1994: American Cinema!American Culture, Nova Iorque, McGraw-Hill.
BROOKS Peter, 1995: lhe Melodramatic Imagination, New Haven, Yale University
Press.
CAWELTIJohn G., 1977:Adventure, Mystery, andRomance, Chicago, The University
ofChicago.
DECOTTIGNIES, Jean, 2004: La Vte poétique de l 'inspecteur Morse, Grenoble, Ellug.
DEROUARD Jacques, 1989: Maurice Leblanc, Arsene Lupin malgré lui, Paris, Séguier.
DUMASY Lise, 1999: La Querelle du roman feuilleton, Grenoble, ELLUG.
FULLER Kathryn H., 1996: At the Picture Show, Washington, Smithsonian Insti-
tution Press.
HEBDIGE Dick, 2008: Sous-culture. Le sens du style, Paris, La Découverte.
MODLESKI Tania, 1984: Loving with a Vengeance: Mass-Produced Fantasies for
Women, Nova Iorque, Methuen
MORIN Edgar, 1962: L'Esprit du temps, Paris, Grasset.
NASAW David, 1995: lhe Rise and Fali ofPublic Amusements, Londres, Basic Books.
PORTES Jacques, 1997: De la scene à l'écran, Paris, Belin.
RADWAY Janice, 1991: Reading the Romance, Londres, The University of North
Carolina Press.
ROSENZWEIG, Roy, 1985: Eight Hoursfor What We Will, Nova Iorque, Cambridge
University Press.
ROUQUETTE Sébastien, 2001: L1mpopulaire Télévision populaire, Paris, LHarmattan.
SKLAR Robert, 1976: Movie-Made America, Nova Iorque, Vintage Books.
SNYDER, Robert W, 1989: The Voice ofthe Cfty, Nova Iorque, Oxford University Press.
WILLIAMS Linda, 1998: «Melodrama revisited», in Browne N., Refiguring genre,
Berkeley, University of California Press.
ALLEN Robert C., 1985: Speaking of Soap-Operas, Chapei Hill, The University of
North Carolina Press.
BENASSI Stéphane, 2002: Séries etfeuilletons T.V., Liege, Éditions du Céfal.
BEYLOT Pierre e SELLIER Genevieve, 2004: Les séries policieres, Paris, LHarmattan.
177
AS SÉRIES TELEVISIVAS
BOLES David, 2002: «Interview with David Milch», 27 de maio 2002, <http://
goinside.com/02/5/milch.htmb.
CARRAZÉ Alain, 2007: Les Séries télé, Paris, Hachette.
CASETTI Fra ncesco e ODIN Roger, 1990: «De la paléo- à la néo-télévision», Com-
munications n.º 51.
DELAVAUD Gilles, 2005: L:Art de la télévision, Bruxelas, De Boeck/INA.
DUNN Kate, 2003: Do Not Adjust Your Set, Londres, John Murray.
EDGERTON Gary R. e JONES Jeffrey P., 2008: 'lhe Essential HBO Reader, Lexing
ton, The University Press ofKentucky.
FEUER Jane, KERR Paul, VAHIMAGI Tisa, 1984: MTM 'Quality Television',
Londres, BFI.
FEUERJane, 1995: Seeing 'Jhrough the Eighties, Durham/Londres, Duke University Press.
FISKE John, 1987: Television Culture, Londres, Methuen.
GITTLIN Todd, 1994: Imide Prime Time, Berkeley/Los Angeles, University of
California Press.
GOMERY Douglas, 2008: A History ofBroadcasting in the United States, Malden,
Blackwell Publishing.
HILDRED Stafford e EWBANK Tim, 2002:john 'Jhaw: 'lhe Biography 1942-2002,
Londres, André Deutsch.
LEDOS Jean-Jacques, 2007: DÂge d 'or de la télévision 1945-1975, Paris, L'Harmattan.
LÉVENEUR Laurence, 2009: Les Regles dujeu à la télévision, Paris, Presse S orbonne
Nouvelle / DL.
LEVINE Josh, 1999: David E. Kelley: 1he Man BehindAlly McBeal, Toronto, ECW Press.
LEVINSON Richard e LINK William, 1986: OjfCamera, Nova Iorque, Plume Books.
LONGWORTH James L. Jr, 2000: TV Creators, Nova Iorque, Syracuse University
Press.
MARC David e THOMPSON Robert J., 1995: Prime Time, Prime Movers, Nova
Iorque, Syracuse University Press.
MARC David, 1984: Demographic Vistas, Filadélfia, University of Pennsylvania Press.
NEWCOMB Horace, 1974: Tv.; 1he Most Popular Art, Nova Iorque. Anchor Press.
NEWCOMB Horace (org.), 2000: Television: 'lhe Criticai vzew (6.ª ed.), Nova Iorque,
Oxford University Press.
SMITH Anthony (org.), 1998: Television: An lnternational History, Nova Iorque,
Oxford University Press.
SPIGEL Lynn, 1992: Make Roomfor TV, Chicago, The University of Chicago Press.
STEMPEL Tom, 1996: Storytellers to the Nation: A History ofAmerican Television
Writing, Nova Iorque, Syracuse University Press.
TARTIKOFF B. e LEERHSEN C., 1993: 'lhe Last Great Ride, Nova Iorque, Delta.
THOMPSON Kristin, 2003: Storytelling in Film and Television, Cambridge, Harvard
University Press.
THOMPSON Robert J., 1996: Television's Second GoldenAge, Nova Iorque, Syracuse
University Press.
TINKER Grant e RUKEYSER Bud, 1988: Tinker in Television, Nova Iorque, Simon
& Schuster.
TURNER Chris, 2004: Planet Simpsons, Londres, Ebury Press.
WILLIAMS Raymond, 1975: Television: Technology and Cultural Form, Nova Iorque,
Schoken Books (3.ª ed., 2003: Londres, Roudedge).
WINCKLER Martin, 2002: Les Miroirs de la vze: Histoire des séries américaines,
Paris, Le Passage.
178
BIBLIOGRAFIA
Monografias
AKASS Kim e McCABE Janet (org.), 2005: Reading Six Feet Under: TV to Die for,
Londres, I.B. Tauris.
AKASS Kim e McCABE Jane, 2006: Reading Desperate Housewives: Beyond the White
Picket Pence, Londres, I.B. Tauris.
BISHOP David, 2006: The Complete Inspector Morse, Londres, Renolds & Hearn.
BLITRIS, 2007: La filosofia dei Dr House. Etica, logica ed epistemologia di un eroe
televisivo, Milão, Ponte alle Grazie.
CARRAZÉ Alain e OSWALD Hélene, 1989: Le Prisonnier, chefdiEuvre télévision
naire, Paris, Huitieme Art.
CARRAZÉAlain e WINCKLERMartin, 1993:Mission: Impossible, Paris, Huitieme
Art.
COURRIER Kevin e GREEN Susan, 1998: Law & Order, Los Angeles, Renaissance
Books.
DAWIDZIAK Mark, 1991: Dossier Columbo, Amiens, Encrage.
DUPONT Florence, 1990: Homere et Da/las: lntroduction à une critique anthropo
logique, Paris, Hachette.
DWYER Kevin e FIORILLO Juré, 2006: True Stories ofLaw & Order, Nova Iorque,
Berkley Boulevard Books.
DYER Richard (org.), 1981: Coronatíon Street, Londres, BFI..
GRAY Jonathan, 2005: Watchingwith The Simpsons, Nova Iorque/Londres, Routledge.
HOBSON Dorothy, 1982: Crossroads: The Drama ofa Soap-Opera, Londres, Methuen.
JACOBY Henry (org.), 2008: House and Philosophy: Everybody Lies, Londres, Blackwell.
KALAT David P., 1998: Homicide: Life on the Street, Los Angeles, Renaissance Books.
LEVINE Elana e PARKS Lisa (org), Undead tv, Durham, Duke University Press.
LIARDET Denis, 1996: Mission: impossible - Opération intelligence, Paris, DLM
Éditions.
MILCH David e CLARK Bill, 1995: True Blue, Nova Iorque, Morrow.
POURROY Janine, 1996: Urgences, Le Guide Ojficiel, Paris, Éditions La Marcingale.
SANDOZ Thomas, 1999: Derrick. L'Ordre des choses, Grolley, Les Éditions de l'Hebe.
SIMON David, 1993: Homicide: A Year on the Killing Streets, Nova Iorque, Ballantine
Books Edicion.
SOLOW Herbert E. e JUSTMAN Robert E: Inside Star Trek The Real story, Nova
Iorque, Po cket Books, 1996.
YEFFETH Glenn (org.), 2004: What Would Sipowicz Do?, Dallas, Benbella Books.
Públicos de séries
179
AS SÉRIES TELEVISIVAS
Outros
ADAMJean-Michel, 1999: Le Récit, Paris, PUF, «Que sais-j e ?», 6.ª ed.
ANTAL Frederik, 1991: Florence et ses peintres, Paris, Gérard Montfort.
BAKHTINE Mikhail, 1970: L'<Euvre de François Rabelais et la culture populaire au
Moyen Âge et sous la renaissance, Paris, Gallimard.
BAXANDALL Michael, 1985: L'CEil du Quattrocento, Paris, Gallimard.
BAXANDALL Michael, 1991: Formes de l'intentíon, Nimes, Éd. Jacqueline Chambon.
BAZIN André, 1975: Qu'est-ce que le cinéma?, Paris, Éditions du Cerf.
BONVOISIN Samra-Martine e MAGNIEN Michele, 1986: La Presse féminine,
Paris, PUF.
BORDWELL David, STAIGERJanet e THOMPSON Kristin, 1988: The Classical
Hollywood Film, Nova Iorque, Columbia University Press.
BOURDIEU Pierre, 1992: Les Regles de l'art, Paris, Seuil.
BOURGET Jean-Louis, 1998: Hollywood, La Norme et La Marge, Paris, Nathan.
CHARLE Christophe, 1979: La Crise littéraire à l'époque du naturalisme, Paris,
Presses de l'ENS.
CHOMBART DE LAUWE Marie José (org.), 1964: lmages de la femme dans la
société, Paris, Les Éditions ouvrieres.
DANEY Serge, 1988: Le Salaire du zappeur, Paris, Ramsay Poche Cinéma.
DE SINGLY François, 2005: Le Soi, le couple et la familie, Paris, Nathan.
DELEUZE Gilles, 1980: Mille plateaux, Paris, Éditions de Minuit.
DELEUZE Gilles, 1985: L'image-temps, Paris, Éditions de Minuit.
DEWEYJohn, 2005: D4rt comme expérience, Paris, Publications de l'Université de
Pau/Éditions Farrago.
DOLEZEL Lubomir, 1998: Heterocosmica, Baltimore, lheJohn Hopkins. University
Press.
DONNAT Olivier, 1998: Les Pratiques culturelles des Français, Paris, La Doc u men
tation française, 1998
DUBOIS Jacques, 1986: L'institution de la littérature, Bruxelas/Paris, Éd. Labor &
E. Nathan.
DUBOISJacques, 1991: Le Roman policier ou la moderníté, Paris, Nathan.
DUPONT Florence, 1990: Homere et Dai/as. lntroduction à une criti ue anthr
logique, Paris, Hachette.
q r
ono-
180
BIBLIOGRAFIA
Artigos citados
ALVEY Marc, 2000: «The Independants», in Newcomb H., Television: The Criticai
View (6.ª ed.), Nova Iorque, Oxford University Press, pp. 34-52.
ANDERSON Christopher, 2008: «Producing an aristocracy of culture», in Edgerton
G. R. e Jones J.-J., The Essential HBO Reader, Lexington, The University Press
of Kentucky, pp. 23-41.
ANTAL Frederik, 1991: Florence et ses peintres, Paris, Gérard Montfort.
BATHRICK Serafina, 1984: «The Mary Tyler Moore Show: Women at home and at
work;>, pp. 99-131, in Feuer J., Kerr P. Vahimagi T., MTM "Qualité television",
Londres, BFI.
BIGNELLJonathan, 2007: «Seeing and knowing», pp. 158-170, in McCabe J. eAkass
K., Quality TV, Londres, I.B. Tauris.
(o
BODDY William, 1998: «The Beginnings ofAmerican Television», in Smith A. rg.),
Television: An /nternationalHistory, Nova Iorque, Oxford University Press, pp. 23-37.
BOWERS Sharon, 2004: «Watching Jill and Diane: Blue through other eyes», in
Yeffeth G. (org.), What Would Sipowicz Do?, Dallas, Benbella Books, pp. 15-22.
181
AS SÉRIES TELEVISIVAS
182
BIBLIOGRAFIA
JERMYN Deborah, 2006: «Dying to tel1 you something: posthumous narration and
female omniscience in Desperate Housewives», pp. 169-17 9, in McCabeJ. eAkass
K., Reading Desperate Housewives Beyond the whitepicketfince, Londres, I.B. Tauris.
KATZ Elihu e FOULKES David, 1973: «Sur l'utilisation des médias comme moyen
d' évasiom>, in Balle F. e Padioleau G., Sociologie de l1nformation, Paris, Larousse,
pp. 305-317.
KAYE Peter, 2005: «l'm dead, wow, cool: the music of Six Peet Under», ín Akass
K. e McCabe J., Reading Six Feet Under: TV to Die for, Londres, I.B . Tauris,
pp. 192-206.
KERR Paul, 1984: «Drama at MTM: Lou Grant and Hill Street Blues», ín Feuer
J., Kerr R. Vahimagi T., MTM 'Quality Television', Londres, BFI, pp. 132-165.
KÔNIG Anna, 2006: «Sex and the City: a fashion editor's dream?», in Akass K. e
McCabe J., Reading Sex and the City, Londres, I.B. Tauris, pp. 130-143.
LEVINE Elana e PARKS Lisa, 2007: «lntroduction», in Levine E. e Parks L. (org.),
Undead TV, Durham, Duke University Press, pp. 1-15.
LEVIINE Elana, 2007: «Buffy and the "New Girl Order"», in Levine E. e Parks L.
(org.), Undead TV, Durham, Duke University Press.
LOPAT E Carole, 1977: «Daytime Television: You'll Never Want to Leave Home»,
Radical America, 11/1.
LURY Karen, 2007: (<CSI and sound>>, pp. 107-121, in Allen M. (org.), Reading CSI,
Londres, I.B. Tauris.
MALACH Michele, «Oz », in Edgerton G. R. e Jones J.-J., lhe EssentialHBO Reader,
Lexington, lhe University Press of Kentucky, pp. 52-60.
MASCARO Thomas A., «Form and Function», in Edgerton G. R. e Jones J.-J., lhe
Essential HBO Reader, Lexington, lhe Universicy Press ofKentucky, pp. 239-261.
McCABE Janet e AKASS Kim, 2006: «lntroduction: Airing the dircy laundry», in
Akass K. e McCabe J ., Reading Desperate Housewives: Beyond the White Picket
Pence, Londres, l.B. Tauris, pp. 3-14.
McCABE, Janet, 2005: «"Like, whatever": Claire, female identity and growing up
dysfunctional», in Akass K. e McCabe J., Reading Six Feet Under: TV to Die for,
Londres, I.B. Tauris, pp. 121-134.
McCABE, Janet, 2006: «What is it wich that hair? Bree Van de Kamp and policing
contemporary femininicy», in Akass K. e McCabe J ., Reading Desperate Housewives:
Beyond the White Picket Pence, Londres, I.B. Tauris, pp. 74-85.
McCARTHY Anna, 2000: «"The Front row is reserved for scotch drinkers"», in
Newcomb H., Television: lhe Criticai ½ew (6.ª ed.), Nova Iorque, Oxford Uni
versity Press, pp. 451-469.
McCRACKEN Allison, 2007: «At Stake: Angel's Body, Fantasy Masculinity and
Queer Desire in Teen Television», ín Levine E. e Parks L. (org.), Undead TV,
Durham, Duke University Press, pp. 116-144.
MERCK Mandyn, 2005: «American gothic: undermining the uncanny», pp. 59-70, in
Akass K. e McCabe J., Reading Six Peet Under: TV to diefor, Londres, I.B. Tauris.
MESSENGER DAVIES Maire, 2007: «Quality and Creativicy in TV», in Akass K.
e McCabe J., Quality TV, Londres, I.B. Tauris, pp. 171-184.
MIDDLETON Jason, 2007: «Buffy a femme fatale: the cult heroine and the male
spectator», pp. 145, in Levine E. e Parks L. (org), Undead Tv; Du�ham, D�ke t:P.
MILLMAN Joyce, 2004: «Saving Society One Broken Home ata Time: FamilyT1es
in NYPD Blue», in Yeffeth G. (org.), What Would Sipowicz Do?, Dallas, Benbella
Books, 2004, pp. 9-14.
183
AS SÉRIES TELEVISIVAS
MODLESKI Tania, 1979: «Toe Search for Tomorrow in Today's Soap-Opera», Film
Quarterly, 33/1.
O'CONNORJohn, 1993: «NYPD Blue», 1he New York Times, 21 de setembro de 1993.
PATTIE David, 2002, «Mobbed Up: 1he Sopranos and the Modern Gangster Film»,
in Lavery D., 1his 1hingof0urs: Investigating 1he Sopranos, Nova Iorque/Londres,
Columbia University Press/Wallflower Press, pp. 135-145.
PEARSON Roberta, 2007: «Anatomizing Gilbert Grissom», in Allen M., Reading
CS/, Londres, I.B. Tauris, pp. 39-56.
PÉCHEUXJean-Hugues, 1999: «Les deux faces de l'individualisme familiai», Cahiers
de la Sécurité lntérieure, n.º 35, pp. 11-32.
RAMONET Ignacio, 2001: «Un conformisme de l'abjection », Le Monde diploma
tique, junho de 2001.
SANTO Avi, 2008: «Para-Television and Oiscourses of Oistinction», in Leverette M.,
0cc B. L., Buckley C. L., lt's not TV, Londres, Routledge, PP· 19-45.
SIMON Ron, 2008: «Sex and the City», in Edgerton G.R. e Jones J.-J., 1he Essential
HBO Reader, Lexington, The University Press ofKentucky, pp. 193-203.
TURNBULL Sue, 2007: «The Hook and the look», pp. 15-32, in Allen M. (org.),
Reading CSI, Londres, I.B. Tauris.
WEINRAUB Bernard, 1995: «ln the Eyes of Many, TV, Not che Movies, Is the
Higher Calling», 1he New York Times, 14 de fevereiro de 1995.
WILLIAMS Phil, 2000: «Feeding off che past», in Newcomb H., Television: 1he
Criticai View (6.ª ed.), Nova Iorque, Oxford University Press, pp. 52-72.
WILLIS Ellen, 2002: «Our Mobscer, Ourselves», in Lavery D., 1his 1hing of Ours:
lnvestigating 1he Sopranos, Nova Iorque/Londres, Columbia University Press/
Wallflower Press, pp. 2-15.
184
. . ,
.,,.
Indice das séries analisadas
24, 2001, criada por Joel Surnow e Michael Cochran: 12, 53, 104, 113-114, 135,
140,170
Ally McBeal, 1997-2002, criada por David Kelley: 43, 61, 85, 108-110, 121, 146,
164,166,172
Balada de Hill Street (A) (Hill Street Blues), 1981-1987,criada por Steven Bochco e
Michael Kozol: 52,58,61-62,64,66-70,72,79-80, 96,103,105-106,121-122,
125,133,153,160, 163-164, 173
Balada de Nova Iorque (A) (NYPD Blue), 1993-2005, criada por Steven Bochco e
David Milch: 7,11,42,44,54,66,69-72,93,105-107,115,117,124-125, 129-130,
141,144, 148-149, 153-154, 159-160,164,172
Boomtown, 2002-2003, criada por Graham Yost: 145-146
Boston Legal, 2004-2009, criada por David Kelley: 43, 108-110, 114, 133, 148,
159-160,172, 175
Buffy, Caçadora de Vampiros (Bujfy, the Vampire Slayer), 1997-2003, criada por Joss
Whedon:22,42,79,87, 104-105, 134-135,154,164-166,172,176
Cagney & Lacey, 1981-1988,criada por BarbaraAvedon e Barbara Corday: 38,40-41,
160,164,166
Caminho das Estrelas (0) (Star Trek), 1966-1969, criada por Gene Roddenberry: 40,
51,55-56,92, 104,117,138,144,149,159,172
Casos Arquivados (Cold Case), 2003-,criada por Meredith Stiehm: 142-144
Columbo, 1971-1978, 1989-2003, criada por Richard Levinson e William Link: 26,
28,37,43,62,83,93-94,101,117, 153,160, 173
Crossroads, 1964-1988,criada por Hazel Adair e Peter Ling: 10,38, 67, 140
CSJ, 2000-, criada por Anthony E. Zuiker: 7,9, 13,49, 83,94,96, 131-133,149
Departamento de Homicídios (Homicíde, Life on the Street), 1993-1999,criada por Paul
Attanasio e Barry Levinson: 125-128, 167,172
De"ick, 1974-1998,criada por Herbert Reinecker: 129
Donas de Casa Desesperadas (Desperate Housewives), 2004-,criada por Mark Cherry:
54,85-86,88-90,100,139,145,160,165,171,176
Dr. House (House M.D.), 2004-, criada por David Shore: 94,135,165-166, 173
Dragnet, 1951-1958, 1967-1970, 1989-1991, 2003-2 004, criada por Jack Webb: 9,
20-21,42,50,53,91,94,173
EastEnders, 1985-,criada por Julia Smith e Tony Holland: 32,36
Ficheiros Secretos (X-Files), 1993-2002, criada por Chris Carter: 7,54, 142
Friends, 1994-2004,criada por Marta Kaufmann e David Crane: 7,37, 43, 93,101,
164,176
Hélene et les garçons, 1992-1994,criada por Jean-François Porry: 7,33-34, 36,38,140
1 Love Lucy, 1951-1957,criada por Jess Openheimer, Madelyn Pugh e Bob Caroll Jr.:
9,20-21,40,50-51,53,57,85, 122,162,173
Inspector Morse, 1987-2000, criada por Kenny McBain: 129,131
Intocdveis (Os) (The Untouchables), 1959-1963 criada por Quinn Martin: 51,55,121-122
Lei e Ordem (Law & Order), 1990-, criada por Dick Wolf: 42,44, 54, 58, 61, 94,
96-98, 101,103,129,153,157,160, 168-170,172
185
AS SÉRIES TELEVISIVAS
Lou Grant, 1977-1982, criada por Allan Burns, James L. Brooks e Gene Reynolds:
153,172
One Tree Hill, 2003-,criada por Mark Schwahn: 37,149-150
Oz, 1997-2003,criada por Tom Fontana: 42,53, 1 25, 167-168,176
Perdidos (Lost), 2004-, criada por Jeffrey Lieber, J.-J. Adams e Damon Lindelof:
113-115, 117,142,172
Serviço de Urgência (ER), 1994-2006, criada por Michael Crichton: 55, 59,68, 104-105,
110-111,117,129,139,141,149,164
Sete Palmos de Terra (Six Feet Under), 2001-2005, criada por Alan Ball: 29,60,68,
85-89,113,116, 141,147-148,150-152,165,172
Sexo e a Cidade (O) (Sex and the City), 1998-2004, criada por Darren Star: 85-86,
88-89,100,133,145,160,165
Simpson (Os) (1he Simpsons), 1989-, criada por Mat t Groening: 34-35, 39, 72, 93,
100,140,154,174-176
Sob Escuta (1he Wtre), 2002-2008,criada por David Simon: 167-168
1he Closer, 2005-,criada por James Duff: 13,165,173
1he Mary Tyler Moore Show, 1970-1977,criada por Allan Burns e James L. Brooks: 162
1he Prisioner, 1967-1968,criada por Gregory Markstein e Patrick McGoohan: 94, 96
1he Young and the Restless, 1973-, criada por William J. Bell e Lee P. Bell: 26, 98,
129, 139
Twin Peaks, 1990-1991, criada por David Lynch e Mark Frost: 7-8,42,44,53, 100,
115,133-135,175,
186
,,.
Indice
INTRODUÇÃO
Sucesso e desconhecimento das séries .............................. 7
Primeira Parte
Difusão televisiva, séries e públicos
Capítulo 1
A série, género dominante da televisão
1. A instalação da televisão nos lares .. . . .. . ..... . . . .. . . . .... . .. . ... 17
2. Vida familiar e televisão . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . ...... . .. ..... . ... 21
3. Grelhas de programas e encontros televisivos . .. . . . . . . . . . . .. . . . . . . 23
4. A série, ou a adaptação da produção à difusão . . . . . . . . . . . . . . ... . . .. 26
Capítulo 2
A cumplicidade entre públicos e séries
1. Estudos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . .. . . . . . .... . . . . . ... . . 31
2. Comunidades de interpretação de séries . . . ... . . . . . . . . .. . .. . . . . . . . 36
3. Os públicos de séries no espaço público . ... . . . . . . . . . . . ... . . . . . . .. 39
4. Uma cumplicidade mantida . . . . . . . . . . .. . . . . . .. . . .... .... . .. ... . 42
Segunda Parte
Produção das séries televisivas
Capítulo 3
Produção das séries
1. Dupla economia das séries televisivas ....................... · . · . · 47
Capítulo4
Percurso de um inventor de séries:
Steven Bochco
1. A aprendizagem ...................... , . · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · 61
187
AS SÉRIES TELEVISIVAS
Terceira Parte
Séries televisivas e narração
Capítulo 5
A inscrição da série na história
da ficção popular
1. Uma herança ........................... · · · · · · · · · · · · · · ······· 75
2. O género e a fórmula ..................... · · · · · · · · · · · · · ······· 80
3. Um exemplo: as metamorfoses contemporâneas do melodrama ······· 84
Capítulo 6
As séries «imóveis»
1. Classificar as séries? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
2. As séries nodais .................................. · · · · · · · · · · · · 93
3. Soap-operas e sitcoms ........................................ . 98
Capítulo 7
As séries «evolutivas»
1. A emergência do tempo longo . .................. .. .. .. ... . .. .. . 103
2. As séries corais ................ .. . ... ...... . . . . .............. 105
3. As séries folhetinescas ................. . . ...... . . . ..... . . ..... 112
4. Uma arte do tempo ........................................... 117
Quarta Parte
A arte (narrativa) das séries
Capítulo 8
Estilos e formas
1. Virtuosidade estilística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
2. Virtuosidades rítmicas ....................................... . 128
3. Virtuosidades genéricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133
Capítulo 9
O pleno, o íntimo
1. Especificidades seriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
2. Plenitude dos universos :ficcionais seriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140
3. Formas do íntimo . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
" 144
4. O aprofundamento da personagem .............................. 148
188
ÍNDICE
Quinta Parte
Séries e crítica social
Capítulo 10
Atualidade das séries
1. Cultura popular norte-americana e imaginários políticos 157
2. As sédes e o feminino . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160
3. Realismos seriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166
Capítulo 11
Séries e tradição do carnaval
Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177
189