E-Book Manual SAVA 1 Ed 2022
E-Book Manual SAVA 1 Ed 2022
E-Book Manual SAVA 1 Ed 2022
MANUAL
1ª EDIÇÃO
SBA
Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Rio de Janeiro
2022
SUPORTE AVANÇADO DE VIDA EM ANESTESIA - MANUAL - 1ª EDIÇÃO
Copyright© 2022, Sociedade Brasileira de Anestesiologia
Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer sistema, sem prévio consentimento da SBA.
Diretoria
Marcos Antonio Costa de Albuquerque Diretor-Presidente
Maria Angela Tardelli Diretora Vice-Presidente
Antonio Carlos Aguiar Brandão Diretor Secretário-Geral
Vicente Faraon Fonseca Diretor Financeiro
Catia Sousa Govêia Diretora do Departamento Administrativo
Luis Antonio dos Santos Diego Diretor do Departamento de Defesa Profissional
Jedson dos Santos Nascimento Diretor do Departamento Científico
Plínio da Cunha Leal Vice-Diretor do Departamento Científico
Luiz Fernando dos Reis Falcão Diretor de Relações Internacionais
Coordenação do livro
Antonio Carlos Aguiar Brandão - Coordenador
Marcos Antonio Costa de Albuquerque
Matheus Fachini Vane
Capa e diagramação
Marcelo de Azevedo Marinho
Supervisão
Maria de Las Mercedes Gregoria Martin de Azevedo
Revisão Bibliográfica
Teresa Maria Maia Libório
Revisão de textos
Andrea Bivar
Ficha catalográfica
S678s Suporte Avançado de Vida em Anestesia - Manual – 1ª Edição / Editores: Marcos Antonio Costa de Albuquerque, Jed-
son dos Santos Nascimento, Plínio da Cunha Leal e Antonio Carlos Aguiar Brandão.
Rio de Janeiro/RJ: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA, 2022.
104 p.; 28cm.; ilust.
ISBN nº 978-65-88139-08-0
Vários colaboradores.
1. Anestesiologia – Estudo e ensino. I. Sociedade Brasileira de Anestesiologia. II. Albuquerque, Marcos Antonio
Costa de. III. Nascimento, Jedson dos Santos. IV. Leal, Plínio da Cunha. V. Brandão, Antonio Carlos Aguiar.
CDD - 617-96
Produzido em Maio/2022
AUTORES/COAUTORES
Capítulo 02
Suporte Avançado de Vida no Adulto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
Antonio Carlos Aguiar Brandão, Matheus Fachini Vane e Thaína Alessandra Brandão
Capítulo 03
Parada Cardíaca em Anestesia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
Antonio Carlos Aguiar Brandão, Leonardo de Andrade Reis, Rodrigo Moreira e Lima, Matheus Fachini Vane e
Felipe Souza Thyrso de Lara
Capítulo 04
Ressuscitação Cardiopulmonar (RCP) em Pacientes Pediátricos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
Antonio Carlos Aguiar Brandão, Fábio Luis Ferrari Regatieri, Lais Helena Navarro e Lima, Matheus Fachini
Vane e Vinícius Caldeira Quintão
Capítulo 05
RCP na Gestante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
Ana Claudia Aragão Delage, Ana Paula Rocha Cronemberger, Antonio Carlos Aguiar Brandão, João Henrique
Zucco Viesi e Matheus Fachini Vane
Capítulo 06
Cuidados Pós-ressuscitação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
Antonio Carlos Aguiar Brandão e Matheus Fachini Vane
Capítulo 07
Arritmias Cardíacas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
Antonio Carlos Aguiar Brandão e Matheus Fachini Vane
CAPÍTULO
01
SBV no Adulto e na Criança
Antonio Carlos Aguiar Brandão
Indara Mattei Dornelles
Matheus Fachini Vane
Márcio de Pinho Martins
Em 2015, pela primeira vez, a AHA (American Heart Association) e o ILCOR (International Liaison
Committee on Resuscitation), depois de reconhecerem as particularidades da parada cardiorres-
piratória (PCR) que ocorrem nos ambientes intra e extra-hospitalar, elaboraram diferentes reco-
mendações para o Suporte Básico de Vida (SBV) na PCR extra-hopitalar (PCREH) e intra-hospitalar
(PCRIH), com a elaboração de duas cadeias de sobrevivência distintas, o que é útil para ressaltar
as diferenças entre elas.
O Suporte Básico de Vida no adulto (SBV) é composto pelas recomendações da AHA e constitui a pri-
meira e principal etapa no atendimento às vítimas de parada cardiorrespiratória (PCR).
• A vítima deve estar apoiada em uma superfície rígida para que a força da compressão seja total-
mente transmitida para o tórax. Posicionar uma tábua rígida no dorso se necessário.
• A posição ideal do reanimador é de joelhos, ao lado da vítima, com os braços totalmente esten-
didos (Figura 3). Caso a vítima esteja no chão ou numa posição paralela à maca ou à mesa, pode-
-se usar uma tábua rígida colocada na região dorsal do paciente. Os braços do reanimador devem
estar totalmente estendidos, num ângulo de 90º em relação ao tronco do paciente; se necessário,
deve-se utilizar um estrado ou uma escada para melhorar o posicionamento do reanimador diante
da vítima.
Nos pacientes com suspeita de trauma cervical, a desobstrução da via aérea é realizada pela eleva-
ção do ângulo da mandíbula, sem a extensão da cabeça (Figura 5).
DESFIBRILAÇÃO PRECOCE
Os ritmos mais comuns de PCREH em adultos são os ritmos chocáveis: Fibrilação Ventricular (FV) e a
Taquicardia Ventricular sem Pulso (TVSP). Esses ritmos são corrigidos com a desfibrilação elétrica
(choque não sincronizado) precoce.
→ Os índices de sobrevivência aumentam quando a testemunha aplica o choque o mais rápido pos-
sível, isto é, de 3 a 5 minutos após o colapso.
• O DEA deve ser solicitado imediatamente diante de uma PCR.
• Na vigência imediata do DEA, ele deve ser instalado. O reanimador deve seguir os comandos dispa-
rados pelo DEA.
• O DEA, na presença de ritmo chocável, vai solicitar que todas as pessoas se afastem da vítima e
indicar a administração do choque.
• Depois do choque, o reanimador deve iniciar imediatamente as CTs.
Na presença de um desfibrilador manual, deve-se determinar seu tipo: monofásico ou bifásico:
• monofásico – carga preconizada de 360 J para o primeiro e os demais choques;
• bifásico – carga preconizada de 120 a 200 J (utilizar a maior carga disponível quando não se co-
nhecem as recomendações do fabricante) para o primeiro e os demais choques.
→ A partir do momento em que o DEA esteja disponível, este deve ser imediatamente aplicado
(independentemente do momento do ciclo de reanimação).
Se estiver presente apenas um reanimador, este, depois de fazer o diagnóstico de PCR na criança, por
meio da avaliação de ausência de resposta, com estímulo dos ombros e dos calcanhares e gritanto
“você está bem?”, imediatamente deve se comunicar com o serviço médico de emergência e solicitar
o DEA/desfibrilador. Em seguida, deve avaliar sinais de respiração ausente ou presença de gasping e de
pulso arterial por, no mínimo, 5 segundos e, no máximo, 10 segundos. Em crianças menores de 1 ano,
deve-se verificar o pulso braquial; naquelas com mais de 1 ano, o pulso femoral ou carotídeo pode ser
alternativa viável (Figura 8).
Figura 9 – Abertura das vias aéreas: extensão da cabeça e elevação da mandíbula (A); tração da mandíbula –
suspeita de traumatismo cervical (B).
Caso a palpação do pulso seja duvidosa, difícil ou a frequência cardíaca esteja abaixo de 60 batimentos
por minuto (bpm), com sinais de perfusão periférica ruim (extremidades frias, alteração do nível de
consciência, palidez ou cianose), mesmo depois de ventilação e oxigenação adequadas, deve-se consi-
derar ausência de pulso, e as manobras de RCP devem ser iniciadas (Fluxograma 1, anterior).
As características da RCP no paciente pediátrico, com especial atenção às compressões torácicas (CTs),
estão sumarizadas na Tabela 1 e na Figura 11.
Figura 12 – Exemplos: pás descartáveis pediátricas com atenuador de cargas (A); pás descartáveis tamanho adul-
to (B); pás manuais com tamanho pediátrico (C).
Figura 13 – Manobra de Heimlich – o socorrista envolve a vítima por trás e contorna com os braços o abdome
dela. Uma mão fechada é posicionada sobre o epigástrio, logo abaixo do esterno; a outra mão, espalmada,
é sobreposta à primeira. Os movimentos de compressão abdominal no sentido anteroposterior e cefálico
(movimento em “J”) provocam aumento na pressão intratorácica, possibilitando a expulsão do corpo estranho.
Figura 15 – Posição de recuperação: decúbito lateral, perna superior flexionada para a estabilização do corpo e
antebraço superior flexionado para prevenção da rotação anterior do corpo.
REFERÊNCIAS
1. Berg RA, Hemphill R, Abella BS et al. Part 5: Adult basic life support: 2010 American Heart Association guidelines for
cardiopulmonary resuscitation and emergency cardiovascular care. Circulation. 2010; 122 (18 suppl 3): S685-705.
2. Kleinman ME, Brennan EE, Goldberger ZD et al. Part 5: Adult basic life support and cardiopulmonary resuscitation quali-
ty: 2015 American Heart Association guidelines update for cardiopulmonary resuscitation and emergency cardiovascular
care. Circulation. 2015; 132 (18 suppl 2): S414-35.
3. Kronick SL, Kurz MC, Lin S et al. Part 4: Systems of care and continuous quality improvement: 2015 American Heart
Association guidelines update for cardiopulmonary resuscitation and emergency cardiovascular care. Circulation. 2015;
132 (18 suppl 2): S397-413.
4. Lavonas EJ, Drennan IR, Gabrielli A et al. Part 10: Special circumstances of resuscitation: 2015 American Heart Associa-
tion guidelines update for cardiopulmonary resuscitation and emergency cardiovascular care. Circulation. 2015; 132 (18
suppl 2): S501-18.
5. Link MS, Berkow LC, Kudenchuk PJ et al. Part 7: Adult advanced cardiovascular life support: 2015 American Heart Asso-
ciation guidelines update for cardiopulmonary resuscitation and emergency cardiovascular care. Circulation. 2015; 132
(18 suppl 2): S444-64.
6. Neumar RW, Shuster M, Callaway CW et al. Part 1: Executive summary: 2015 American Heart Association guidelines
update for cardiopulmonary resuscitation and emergency cardiovascular care. Vol. 132, Circulation. 2015; 132 (18 suppl
2): S315-367.
7. Travers AH, Perkins GD, Berg RA et al. Part 3: Adult basic life support and automated external defibrillation: 2015
international consensus on cardiopulmonary resuscitation and emergency cardiovascular care science with treatment
recommendations. Circulation. 2015; 132 (16 suppl 2): S51-83.
INTRODUÇÃO
O Suporte Avançado de Vida (SAV) consiste na utilização de dispositivos que permitem melhorar a
sequência mnemônica do CAB (Quadro 1) do Suporte Básico de Vida (SBV). O sucesso do SAV é total-
mente dependente da realização de uma reanimação cardiopulmonar (RCP) de qualidade iniciada no
SBV (Quadros 1 e 2 do Captulo 1, “SBV no Adulto e na Criança”). A RCP pode ocorrer em ambiente
extra-hospitalar (RCPEH) ou intra-hospitalar (RCPIH), criando duas cadeias de sobrevivência distintas
(Figura 1). Os resultados da RCPIH mostram melhores desfechos de alta hospitalar em comparação
com a RCPEH.
A cada cinco ciclos de 30 CTs:2 ventilações ou 2 minutos deve-se reavaliar o paciente e realizar a troca
dos reanimadores. Essa sequência deve ser mantida até a chegada do SAV. O início do SAV consiste na
chegada do médico, de outros recursos e dispositivos na cena da PCR (Quadro 2).
• Presença do médico
• Fonte de oxigênio (O2)
• Uso do desfibrilador manual
• Acesso intravenoso (IV) ou intraósseo (IO)
• Administração de fármacos
• Acesso à via aérea (VA) avançada
• Parâmetros de avaliação da qualidade das CTs
• Determinação das causas
PRESENÇA DO MÉDICO
A presença do médico determina o início do SAV. Vários procedimentos (obtenção da via aérea
avançada e uso de desfibrilador manual) realizados durante o SAV podem ser executados somente
pelo médico.
FONTE DE OXIGÊNIO
A administração de concentrações mais altas de O2 é benéfica durante a ventilação dos pacientes ví-
timas de PCR. Recomenda-se começar o procedimento com a administração de O2 a 100% durante a
ventilação sob máscara iniciada no SBV.
A carga selecionada para a correta execução da desfibrilação vai depender do tipo de aparelho utiliza-
do. Os desfibriladores manuais são classificados de acordo com os tipos de onda gerada (monofásica e
bifásica). Os desfibriladores bifásicos requerem menor nível de energia (Figura 4).
Figura 4 – Tipos de onda dos desfibriladores manuais (reproduzido do livro Suporte Avançado de Vida em Anes-
tesia, 2ª edição).
ACESSO VASCULAR
Acesso Intravenoso Periférico (IV)
O acesso preferencial para a administração de fármacos durante a RCP é o acesso intravenoso periféri-
co no membro superior na região antecubital, como as veias basílica ou cefálica. Devemos lembrar que,
durante a PCR, o débito cardíaco do paciente depende das CTs realizadas pelo reanimador; durante a
RCP, ele diminui a 30%, reduzindo, assim, a velocidade do fluxo sanguíneo.
A administração da droga deve ser feita em bólus, seguida da infusão de 20 mL de água destilada ou
salina a 0,9% e elevação do membro por 20 segundos para promover uma chegada mais rápida e segura
do fármaco ao compartimento central. Sempre que aplicarmos um fármaco de acordo com essa reco-
mendação, devemos dizer em voz alta e clara: “Feita a droga, membro lavado e elevado.”
Outros Acessos
O acesso venoso central deve ser sempre de exceção por causa da necessidade de interrupção da RCP,
que pode comprometer o prognóstico do paciente. Porém, quando presente previamente à PCR, ele
deve ser utilizado. Uma grande vantagem dessa via é permitir a determinação da saturação venosa
central de O2 (SvCO2), que é um parâmetro fisiológico de avaliação da qualidade das CTs.
O acesso intratraqueal é utilizado em situação especial, porém, está associado a uma absorção sistê-
mica imprevisível pela diminuição da perfusão pulmonar durante a RCP. Assim, se optarmos por essa
via, devemos aumentar a dose dos fármacos utilizados em 2 a 2,5 vezes, diluídos em um volume de 5
a 10 mL de salina a 0,9% para melhor absorção sistêmica. As drogas que podem ser utilizadas por essa
via são vasopressina, adrenalina, lidocaína, naloxona e atropina (Quadro 3).
• Vasopressina
• Adreanalina
• LIdocaína
• Naloxona
• Atropina
ADMINISTRAÇÃO DE FÁRMACOS
A administração dos fármacos durante o SAV tem por finalidade facilitar o retorno da circulação espon-
tânea (RCE) e, dessa maneira, manter a perfusão cerebral e coronariana. Os fármacos administrados
basicamente se resumem a duas classes: vasopressores e antiarrítmicos. Nesse contexto, as evidências
científicas mostram aumento do número de pacientes com RCE, mas não mostram quando comparado
com grupos controle, aumento na alta hospitalar sem sequelas neurológicas ou sobrevida a longo prazo.
VASOPRESSORES
Adrenalina
Atualizações feitas em 2019 em relação ao uso da adrenalina demonstram que houve uma pequena
modificação, na qual preconiza-se a administração do fármaco o mais rápido possível em pacientes
com ritmo não chocável (assistolia ou AESP). Para que isso seja possível, recomenda-se acesso venoso
precoce em pacientes com ritmo não chocável. A dose IV ou IO de adrenalina é de 1 mg (uma ampola)
Antiarrítmicos
O uso dos antiarrítmicos está indicado em situação de ritmos chocáveis (FV e TVSP) refratários, sendo
administrados depois do terceiro choque. Podemos repetir uma segunda administração utilizando me-
tade da dose inicial depois de 3-5 minutos. Os antiarrítmicos usados são amiodarona, na dose inicial IV
ou IO de 300 mg (duas ampolas) e a segunda dose de 150 mg (uma ampola), ou lidocaína, na dose inicial
IV ou IO de 1 a 1,5 mg/kg na primeira dose e 0,5 a 0,75 mg/kg na segunda dose.
O sulfato de magnésio é uma droga que pode ser utilizada na Torsades de Pointes, com intervalo QT
longo, na dose IV ou IO de 1 a 2 g, diluído em 10 mL de soro glicosado a 5% (SG5%).
Figura 6 – Representação esquemática das recomendações do ACLS para o uso das vias aéreas avançadas durante
a RCP.
Recomenda-se que, depois da obtenção de uma via aérea avançada, por meio de tubo traqueal, seja
feita a checagem com ausculta com o auxílio de estetoscópio na região epigástrica e nas bases e ápices
pulmonares. O uso da capnografia e capnometria é recomendado para a confirmação da correta intu-
bação e para a avaliação da qualidade das CTs.
5Hs 5Ts
Hipóxia Trombose pulmonar
Hipovolemia Trombose coronariana
Acidose (H+) Toxinas (fármacos ou drogas)
Hiper/Hipocalemia Tamponamento cardíaco
Hipotermia Pneumotórax (Tensão no tórax)
CUIDADOS PÓS-PCR
Vários fatores, como hipoxemia, isquemia e reperfusão associados à PCR, podem gerar danos a órgãos
e sistemas. Uma das finalidades da RCP é a precocidade no tratamento para evitar ou atenuar lesões
de isquemia e reperfusão. Caso o paciente tenha RCE, devemos implantar os cuidados pós-PCR.
• Reavaliação clínica do paciente: checar o ABC do paciente.
• Realizar ECG de 12 derivações e exames laboratoriais: eletrólitos, marcadores metabólicos e de
necrose miocárdica e gasometria.
• Avaliar a necessidade de cateterismo cardíaco se sugestivo de coronariopatia.
• Parâmetros hemodinâmicos: manter PAS > 90 mmHg ou PAM > 65 mmHg por meio de reposição
volêmica ou fármacos vasopressores.
• Parâmetro de oxigenação: manter SaO2 > 94% com a menor fração de O2 (FiO2) possível.
• Parâmetro de ventilação: manter normocapnia, ETCO2 entre 30 e 40 mmHg.
• Parâmetro metabólico: manter glicemia entre 144 e 180 mg/dL.
• Controle direcionado de temperatura de 32 ºC a 36 ºC em pacientes comatosos com RCE depois
da RCP. A hipotermia pode estar associada a aumento de infecção, coagulopatias e arritmias car-
díacas. O fator mais importante é evitar a hipotermia e os antitérmicos.
• Considerar monitorização eletroencefalográfica em pacientes comatosos após o RCP.
INTRODUÇÃO
Os eventos adversos relacionados com a anestesia têm incidência estimada de 3% a 16%, com morta-
lidade entre 58,4% e 70%. O rápido reconhecimento dos pacientes de risco, a adoção de medidas pre-
ventivas, a vigilância atenta e o início precoce das manobras de reanimação são fundamentais para o
desfecho do caso, minimizando as sequelas e diminuindo as chances de óbito. Embora a parada cardior-
respiratória (PCR) em anestesia seja um evento raro, esse cenário é um dos mais angustiantes e desa-
fiadores para o anestesiologista e equipe, exigindo pronta atuação, bem como adequada coordenação
entre os diversos membros da equipe de reanimação. Desse modo, a identificação dos pacientes de
risco, a presença constante e atenta do anestesiologista e o treinamento da equipe são fundamentais.
Define-se como PCR perioperatória qualquer PCR decorrente de doença, condição clínica, complicação
cirúrgica ou anestésica. A definição de PCR em anestesia corresponde aos eventos para os quais o ato
anestésico contribuiu total ou parcialmente, associados ou não a outro fator. Tal definição muitas vezes
tem caráter subjetivo, diferindo na literatura, o que explica a variação na incidência.
Nos últimos anos, a ocorrência de PCR em anestesia vem diminuindo, sendo estimada de 7 a 25,2:10.000
PCRs perioperatórias e 1,6:10.000 PCRs de causas anestésicas. Porte cirúrgico, gravidade dos pacien-
tes, intervenções eletivas ou de urgência influenciam na ocorrência, levando à variabilidade nas inci-
dências reportadas.
Entre as causas de PCR perioperatória destacam-se os 8T e 8H (Tabela 1), que devem ser sempre lem-
brados no atendimento à PCR.
Tabela 1 – 8T e 8H
8H 8T
Hipóxia Toxinas
Hipovolemia Tensão tórax (pneumotórax)
Hipo/Hipercalemia Trombose pulmonar
H (acidose)
+
Trombose coronariana
Hipotermia Tamponamento cardíaco
Hipervagal qT longo
Hipertermia maligna HiperTensão pulmonar
Hipoglicemia Trauma
Depois do controle das variáveis do paciente e do procedimento, concluímos que uma parada cardíaca
durante a anestesia neuroaxial está ligada a uma probabilidade igual ou maior de sobrevida em com-
paração com a parada cardíaca durante a anestesia geral.
A vasodilatação e a consequente diminuição no retorno venoso, principalmente em pacientes vagotô-
nicos, levam à queda da pressão do átrio direito de até 36% para bloqueios abaixo de T4 e de 56% para
bloqueios acima desse nível, comprometendo o débito cardíaco. Reflexos que envolvem receptores de
estiramento no arco aórtico e seio carotídeo, barorreceptores no átrio direito e na veia cava e mecano-
ceptores no ventrículo esquerdo (reflexo de Bezold-Jarisch) podem levar a bradicardia, vasodilatação
com diminuição do retorno venoso, efeito inotrópico negativo e queda na resistência vascular peri-
férica, agravando o baixo débito. Sintomas como náuseas, sudorese, síncope, perda de consciência e
cianose indicam essa situação e requerem imediata atenção do anestesiologista. Pacientes vagotônicos
podem corresponder a 7% da população e podem desenvolver PCR quando submetidos à raquianeste-
sia e a estresse físico e emocional, sobretudo naqueles em que a frequência cardíaca está abaixo de
60 batimentos por minuto. São fatores de risco para a bradicardia (< 50 bpm) em anestesia espinhal:
frequência cardíaca basal menor que 50 bpm; status físico ASA I; uso de betabloqueadores; bloqueio
sensorial acima de T6; idade menor que 50 anos e intervalo PR prolongado; em metade dos casos havia
dois fatores de risco.
Atualmente, não há consenso na literatura quanto à melhor conduta a ser empregada antes e durante
os bloqueios do neuroeixo, com discussão do uso da pré-administração de volume e vasopressores. Tais
medidas fogem do escopo deste capítulo. No entanto, a rigorosa vigilância e rápida intervenção nos
pacientes bradicárdicos e/ou hipotensos são obrigatórias. Medidas como oxigenação, decúbito em cefa-
lodeclive, uso de vasopressores, atropina e administração de fluidos não devem ser retardadas quando
indicadas. Do mesmo modo, não há recomendação quanto ao limite de segurança da bradicardia. No
algoritmo de bradicardia do SAVA, verifica-se a indicação de observação nos casos de pacientes com
bradicardia que não apresentam sinais de má perfusão, como alteração do nível de consciência, dor
precordial e sinais de choque. Já nos casos sintomáticos, a recomendação é a administração de 0,5 mg
de atropina e, se não houver resposta, administra-se epinefrina ou dopamina.
Com base em dados do estudo POISE-2, uma grande pesquisa multicêntrica que randomizou pacientes
cirúrgicos de alto risco não encontrou associação estatisticamente significativa entre o recebimento de
qualquer bloqueio neuroaxial intraoperatório e as chances de morte, infarto do miocárdio ou acidente
vascular cerebral em 30 dias, embora tenha observado apenas a raquianestesia associada a chances
menores de morte ou infarto do miocárdio não fatal em relação apenas à anestesia geral.
A raquianestesia é uma técnica anestésica segura. No entanto, as complicações demandam reconheci-
mento e tratamento precoces. O conhecimento deles e a necessidade de tomar medidas para evitá-los
são necessários. A adequação da técnica à capacidade funcional do paciente se torna o grande fator
prognóstico nesse método.
40 | Suporte Avançado de Vida em Anestesia - SAVA
Se, apesar das medidas empregadas, o paciente evoluir com PCR, devem-se seguir os mesmos algorit-
mos descritos neste livro.
ANAFILAXIA
A anafilaxia é uma reação de hipersensibilidade grave com potencial risco à vida. Sua incidência é
estimada em 1:10.000 a 1:20.000 casos, com mortalidade entre 3% e 9%. A condição afeta mais fre-
quentemente as mulheres que os homens (3:1) e pode ser desencadeada por qualquer antígeno. Em
anestesias, a anafilaxia representa 5% a 7% dos óbitos, sendo fundamental seu reconhecimento e tra-
tamento adequado. Ela decorre da liberação maciça de mediadores inflamatórios na circulação, tendo
causa imunológica ou não.
Neste capítulo, não discutiremos os mecanismos que levam à liberação dos mediadores, tampouco clas-
sificaremos as reações pelo tipo de mediador liberado ou mecanismo celular envolvido. Entendemos
que tal definição deve ser pesquisada depois do atendimento primário. O diagnóstico definitivo pode
demorar muitos meses, depois que se investiga o quadro. No entanto, tais reações devem ser gradua-
das de acordo com a gravidade, permitindo a determinação do tratamento.
Ring e Messmer desenvolveram, em 1977, com revisão em 2001, uma classificação baseada na gravidade
dos sintomas, a qual pode ser empregada para direcionar o tratamento (Tabela 3).
4 Parada cardiorrespiratória
Diversas substâncias podem causar anafilaxia, sendo os coloides, os corantes azuis, a heparina e a pro-
tamina as menos frequentes. Embora não seja comum (menos de 10% dos casos), devemos lembrar que
a clorexidina, antisséptico amplamente empregado em nosso meio, pode causar anafilaxia. O látex tem
sido implicado, com aumento da incidência ao longo dos anos. O Royal College of Anaesthetis publicou,
em 2018, o NAP6, estudo que envolveu mais de 3 milhões de atos anestésicos no Reino Unido, onde a
incidência reportada de anafilaxia foi de 1:10.000 anestesias, sendo a hipotensão o principal sintoma
presente em todos os casos. A PCR ocorreu em 15% dos casos e a causa da reação foi relacionada com
antibióticos (47%), relaxantes musculares (33%), clorexidina (9%) e azul patente (5%). Mertes reportou
a anafilaxia relacionada com bloqueadores neuromusculares (54%), látex (22,3%), antibióticos (14,7%),
coloides (2,8%), opioides (2,4%) e hipnóticos (0,8%), distribuição que se alterou desde 1984.
É fundamental o diagnóstico precoce, com remoção dos possíveis agentes causadores. Tais medidas
incluem a interrupção da cirurgia, se possível, e das medicações e substâncias que estão sendo admi-
nistradas (as medidas terapêuticas estão resumidas na Tabela 4). Caso a clorexidina tenha sido usada,
deve-se promover sua remoção das superfícies cutâneas e mucosas com compressa úmida. Deve-se
suspeitar também do látex e eliminar da sala todos os produtos que contêm a substância, trocando-os
GRAU TRATAMENTO
1. Medidas gerais – informar ao cirurgião o fato, solicitar ajuda, interromper fármacos, co-
loides, hemoderivados, látex. Retirar a clorexidina e qualquer possível alérgeno.
2. Administrar O2 a 100%; desconectar o paciente do respirador para evitar auto-peep.
3. Elevar as pernas do paciente.
1 4. Infundir cristaloides, 10-30 mL.kg-1, ou coloides, 10 mL.kg-1 (depois dos cristaloides, se
necessário).
5. Anti-histamínicos – difenidramina (antagonista H1), 0,5-1 mg.kg-1, IV, + ranitidina, 50 mg,
IV.
6. Corticosteroides – hidrocortisona, 250 mg, IV, ou metilprednisolona, 80 mg, IV.
As mesmas medidas da reação grau 1 acrescidas de epinefrina, 10-20 mcg, IV, a cada 1-2
2
minutos.
As mesmas medidas da reação grau 1 acrescidas de epinefrina, 100-200 mcg, IV, a cada
3
1-2 minutos.
4 Protocolo de PCR.
Observações:
1. Administração de epinefrina deve ser prioridade quando indicada em relação aos outros medi-
camentos, sendo droga na terapia inicial de anafilaxia
2. Se altas doses de epinefrina forem necessárias, pode-se optar pela infusão contínua de 0,05-
0,1mcg.kg-1.min
3. Corticosteroides e antagonistas H1 e H2 não fazem parte do tratamento inicial, são medicações
de segunda ou terceira linha, as quais recomenda-se sejam administradas apenas após estabiliza-
ção do paciente, visto que não alteram o desfecho
4. Beta-2 agonistas podem ser usados para o tratamento do broncoespasmo nos casos grau 2.
Como alternativa pode-se fazer nebulização com Adrenalina 5ml 1:1000
5. Nos casos de choque refratário pode-se administrar Norepinefrina 0,05-0,1mcg.kg-1.min, Vaso-
pressina 2-10Ui até resposta, Glucagon 5-15mcg.min
6. Considerar via aérea avançada nos pacientes com grau 2 ou maior
7. Considerar encaminhar o paciente para UTI nos casos grau 2 ou maior
8. Coletar triptase para investigação
2 Peça ajuda
→ Considerar a terapia com emulsão lipídica ao primeiro sinal de ISAL.
→ Avisar o time de circulação extracorpórea (se tiver disponível).
3 Oxigenação e ventilação
→ Ventilar com oxigênio a 100%.
→ Evitar a hiperventilação.
→ Realizar via aérea avançada, se necessário.
5 Controle as convulsões
→ Preferir os benzodiazepínicos.
→ Evitar altas doses de propofol, principalmente em pacientes
hemodinamicamente instáveis.
6 Reanimação cardiopulmonar
→ Adotar protocolo ACLS – doses usuais de adrenalina, 1 mg.
→ Adotar protocolo ASRA – redução das doses individuais de adrenalina
para bólus ≤ 1 mcg/kg.
Figura 2 – Checklist para tratamento da Intoxicação Sistêmica por Anestésicos Locais (ISAL).
TRATAMENTO
HIPERTERMIA MALIGNA
A hipertermia maligna (HM) é uma doença farmacogenética latente caracterizada por alterações no
funcionamento dos canais de cálcio do retículo sarcoplasmático, que se dão por meio de mutações no
receptor de rianodina (RyR). A incidência reportada na literatura varia de 1 a cada 10.000 a 250.000
indivíduos, dependendo da idade e região geográfica, apesar de a mutação genética estar presente
em 1 a cada 2.000 a 3.000 indivíduos. O padrão é autossômico dominante, com penetrância variável,
que acomete mais homens que mulheres, tendo sido identificadas 400 mutações genéticas, das quais
34 são relacionadas com o quadro de HM. Também foram identificadas mutações nos canais de cálcio
voltagem-dependentes (CACNA1S) relacionadas com a doença.
Indivíduos suscetíveis expostos aos agentes desencadeantes (Tabela 6) desenvolvem uma liberação
descontrolada de cálcio (Ca2+) citoplasmático, cursando com um quadro hipermetabólico potencial-
mente fatal. Felizmente, o conhecimento da doença e o tratamento levaram à redução da mortalidade
de 70% para 5% a 20% na última década.
Após a exposição ao(s) agente(s) desencadeante(s), ocorre liberação anormalmente alta de Ca2+ cito-
plasmático, que produz um quadro hipermetabólico com alto consumo de ATP e oxigênio associado à
alta produção de CO2 com rápido estabelecimento de hipóxia celular. A hipercarbia pode ser o primeiro
sinal da HM e não responde ao aumento do volume minuto respiratório, geralmente acompanhado de
acidose mista severa. O hipermetabolismo produz ainda aumento da frequência cardíaca, que pode
ser acompanhada de arritmia cardíaca e PCR. O Ca2+ interage com a troponina, levando à interação
entre actina e miosina, com consequente contratura muscular, podendo ocorrer rigidez generalizada
ou apenas rigidez de masseter. O quadro causa dano celular, com lise e liberação maciça de potássio
(K+), rabdomiólise e hipertermia. Lesão renal aguda, coagulação intravascular disseminada, edema pul-
monar, insuficiência hepática, isquemia miocárdica e intestinal, bem como síndrome compartimental
de membros, podem acompanhar os quadros mais graves.
Os exames laboratoriais mostram hipercalemia, acidose, hipoxemia, mioglobinúria e aumento dos ní-
veis de CPK.
Diagnóstico diferencial
• Sepse com peritonite
• Anafilaxia
• Plano anestésico inadequado ou analgesia insuficiente
• Mau funcionamento do equipamento de anestesia
• Doenças com hipermetabolismo
• Tireotoxicose
• Feocromocitoma
• Síndrome neuroléptica maligna
• Síndrome serotoninérgica
• Intoxicação por drogas (cocaína)
• Infarto do miocárdio
• Hipertermia iatrogênica
A sala cirúrgica deve ser previamente preparada, e o aparelho de anestesia, “lavado” com alto fluxo
de O2 (maior que 10 litros por minuto) durante, pelo menos, 10 minutos para a retirada de quaisquer
resíduos de anestésico inalatório, segundo determina o Projeto Diretriz da Associação Médica Brasileira
(AMB) para anestesia nos pacientes com HM. Os bloqueios locorregionais e a anestesia venosa total
podem ser realizados com segurança, mas a despeito de todos esses cuidados, a Resolução CFM nº
2.174, de 2017, estabelece a obrigatoriedade de dantrolene em todas as instituições. O uso de filtros de
carvão ativado parece fornecer proteção extra, embora não dispense os cuidados acima.
CONDUTAS PRÉ-PCR
Pacientes pediátricos, na maioria das vezes, não desenvolvem parada cardiorrespiratória (PCR) repen-
tinamente. Geralmente, a PCR é resultado da progressão de hipóxia e acidose tissular secundárias à
falência respiratória e/ou ao choque de qualquer origem. Assim, esses pacientes evoluem com deterio-
ração das condições de saúde, e cabe aos profissionais médicos e aos cuidadores da criança notar esses
sinais de alerta e intervir o mais precocemente possível para evitar piores desfechos.
No período perioperatório, a incidência de PCR relacionada com a anestesia na faixa etária pediátrica
é de cerca de 5 casos a cada 10.000 anestesias, sendo as alterações respiratórias (obstrução de vias
aéreas, incluindo laringoespasmo e broncoespasmo), cardiovasculares (hipovolemia) e medicamentosas
(erro de dose) as principais causas.
Há vários escores de sinais de alerta pediátricos, mas a maioria deles coincide com três componen-
tes fundamentais: comportamento, sinais cardiovasculares e sinais respiratórios. Apesar de não haver
evidências robustas em relação à aplicação de escores de sinais de alerta pediátricos na redução da
mortalidade nessa população, seu emprego pode ser considerado.
A Tabela 1 apresenta o primeiro Paediatric Early Warning Score (PEWS), introduzido em 2005 em Brighton,
UK. Recomenda-se o uso desses escores de deterioração clínica para a prevenção de PCR na criança.
Tabela 1 – Escore de sinais de alerta pediátricos (Hospital Royal Alexandra, Brighton)
Sinais 0 1 2 3 Escore
Cardiovasculares Pele rosada ou enchi- Pele pálida ou enchi- Pele acinzentada ou Pele acinzentada, mos-
mento transcapilar mento transcapilar 3 enchimento transca- queada ou enchimento
1-2 segundos segundos pilar 4 segundos transcapilar 5 segundos
Respiratórios Dentro dos parâme- > 10 acima dos parâ- > 20 acima dos parâ- < 5 abaixo dos parâ-
tros normais para a metros normais para metros normais para metros normais para a
idade, sem sinais de a idade, com empre- a idade, com tiragem idade, com tiragem in-
esforço respiratório go de musculatura intercostal, necessi- tercostal, traqueal ou
acessória e necessi- dade de suplementa- respiração agônica e ne-
dade de suplementa- ção de O2 (FiO2 ≥ 40%) cessidade de suplemen-
ção de O2 (FiO2 ≥ 30%) ou > 6 L/min tação de O2 (FiO2 ≥ 50%)
ou > 4 L/min ou > 8 L/min
Acrescentar 2 pontos para necessidade de nebulizadores por, pelo menos, 15 minutos/hora ou vômitos persistentes pós-
operatórios
Figura 2 – Abertura das vias aéreas: extensão da cabeça e elevação da mandíbula (A); tração da mandíbula –
suspeita de traumatismo cervical (B).
Figura 3 – Ordem de atendimento em caso de um socorrista e colapso não presenciado (A); um socorrista e co-
lapso presenciado (B); dois socorristas (C).
A atualização de 2020 alterou a frequência das ventilações de resgate na criança com pulso, mas com
respiração ausente ou ineficiente, e em crianças com PCR e com via aérea avançada. Nesses dois casos,
a frequência passou a ser uma ventilação a cada 2 ou 3 segundos (20 a 30 ventilações por minuto).
Caso a palpação do pulso seja duvidosa, difícil ou a frequência cardíaca esteja abaixo de 60 batimentos
por minuto (bpm), com sinais de perfusão periférica ruim (extremidades frias, alteração do nível de
consciência, palidez ou cianose), mesmo depois de ventilação e oxigenação adequadas, deve-se consi-
derar ausência de pulso, e as manobras de RCP devem ser iniciadas (Fluxograma 1).
Frequência Não menos que 100 e não mais que 120 CTs por minuto
Dois socorristas: 15 CTs seguidas de duas ventilações
Um socorrista: 30 CTs seguidas de duas ventilações
Técnica Um socorrista: dois dedos Região hipotenar e tenar de uma mão ou com a região
de uma única mão hipotenar e tenar das mãos sobrepostas
Dois socorristas: dois
polegares e mãos no dorso
Figura 4 – Técnicas de compressões torácicas em menores de 1 ano com um socorrista (A) e dois socorristas (B);
compressões torácicas em crianças maiores de 1 ano (C).
A qualidade da RCP está associada aos resultados depois da PCR. A capnografia deve ser utilizada du-
rante a RCP nos pacientes pediátricos para monitorar tanto o retorno da circulação espontânea (RCE)
quanto a qualidade da RCP. Entretanto, os valores de referência do EtCO2 durante a RCP nos pacientes
pediátricos ainda não foram claramente estabelecidos. As características da RCP no paciente pediátri-
co, com especial atenção às CTs, estão sumarizadas na Tabela 3. Além disso, um resumo das informa-
ções mais relevantes sobre a RCP pediátrica pode ser visto a seguir:
• Via aérea avançada: intubação traqueal ou dispositivos supraglóticos.
• Duas a três ventilações por segundo (20 a 30 ventilações/minuto) não sincronizadas com CT.
• Evitar hiperventilação: reduzir o retorno venoso.
• FiO2 100%.
• Capnografia: parâmetro de qualidade das manobras de RCP.
A identificação do ritmo de PCR deve ser obtida (Tabela 3). A incidência de ritmo chocável no pacien-
te pediátrico – isto é, fibrilação ventricular (FV) ou taquicardia ventricular sem pulso (TV) – é pouco
frequente, visto que a maioria das causas de PCR em crianças não está relacionada com doenças car-
diovasculares. De qualquer maneira, caso se depare com a PCR em ritmo chocável, a desfibrilação é
prioritária. A terapêutica deve se iniciar com 2 J.kg-1 no primeiro choque e, pelo menos, 4 J.kg-1 nos
choques subsequentes, até o limite de 10 J.kg-1 ou a carga máxima do aparelho.
A Tabela 4 mostra as características, vantagens e desvantagens do uso do DEA e do desfibrilador ma-
nual em pediatria e a Figura 5, os tipos de pás utilizados para desfibrilação.
Os ritmos não chocáveis (assistolia ou atividade elétrica sem pulso – AESP), portanto, são os motivos
mais comuns de colapso cardiovascular entre os pacientes infantis com cerca de 80% dos casos, pois,
na maioria das vezes, a PCR é consequência de distúrbios respiratórios ou choque. Depois da confirma-
ção de um ritmo não chocável, as manobras de RCP devem ser imediatamente reiniciadas e potenciais
causas reversíveis devem ser pesquisadas (5Ts e 6Hs) (Figura 7) e tratadas. Nos pacientes pediátricos
submetidos à anestesia, outras causas reversíveis de PCR precisam ser lembradas (8Ts e 8Hs), princi-
palmente hipoglicemia e hipertermia maligna.
62 | Suporte Avançado de Vida em Anestesia - SAVA
Tabela 3 – Ritmos de PCR
Figura 6 – Exemplos: pás descartáveis pediátricas com atenuador de cargas (A); pás descartáveis tamanho adulto
(B); pás manuais com tamanho pediátrico (C).
Durante a PCR, vasopressores são utilizados para restaurar a circulação espontânea, pois otimizam a
perfusão coronariana e ajudam a manter a perfusão cerebral. Durante a RCP de pacientes pediátri-
cos, a epinefrina deve ser o vasoconstritor de escolha. Nos ritmos chocáveis, fármacos antiarrítmicos
4- Ressuscitação Cardiopulmonar (RCP) em Pacientes Pediátricos | 63
também devem ser utilizados. Amiodarona ou lidocaína devem ser os fármacos de escolha (Figura 7 e
Tabela 5). Figura 7 – Algoritmo de RCP em pediatria.
Intervenção Objetivo
Monitorização Oximetria de pulso Ajustar FiO2 para SpO2 entre 94% e 99%
Cardioscopia Detectar arritmias cardíacas
Pressão arterial Manter a pressão arterial sistólica acima do P5% ou P50%?
Capnografia Ajustar ventilação para manutenção de normocapnia
Termômetro central Identificar febre e guiar tratamento em caso de
hipotermia terapêutica
Sonda vesical de demora Verificar ritmo de diurese e perfusão renal
Exames Gasometria Ajustar ventilação mecânica e detectar distúrbios
complementares acidobásicos
Hemograma Verificar necessidade de transfusão para melhoria do
conteúdo arteriolar de O2
Eletrólitos Verificar necessidade de correção de distúrbio
eletrolítico
Glicemia Evitar hipoglicemia ou hiperglicemia
Raios X tórax Verificar possíveis alterações pulmonares
(consolidação, pneumotórax), cardíacas (aumento área
cardíaca) e posicionamento tubo traqueal
Eletrocardiograma Identificar arritmias cardíacas
INTRODUÇÃO
A PCR na gestante é o único cenário clínico que envolve dois pacientes, mãe e feto. Existe uma necessi-
dade de abordagem multidisciplinar composta por anestesiologista, obstetra e auxiliar, neonatologista
e equipe de enfermagem. Deve-se prontamente acionar o “Código Azul Materno”, o qual inclui rotinas
institucionais padronizadas de SBV e SAV.
Há algumas pequenas modificações dos algoritmos de SBV e SAV decorrentes de alterações anatômicas
e fisiológicas da gestação, as quais incluem:
• aumento uterino a partir da metade da gestação (fundo uterino ≥ cicatriz umbilical);
→ compressão da veia cava inferior (VCI) e da aorta pelo útero gravídico;
→ redução do retorno venoso, diminuição DC e perfusão uteroplacentária;
• diminuição da capacidade residual funcional associada ao aumento do consumo de O2 e do
shunt intrapulmonar;
→ risco aumentado de hipóxia durante períodos de apneia;
• aumento da vascularização nas vias aéreas (VA), o que leva ao risco de congestão e edema;
→ necessidade de tubos traqueais de menor calibre;
→ risco de falha de intubação traqueal;
• diminuição do tônus do esfíncter esofágico inferior (EEI), alteração da motilidade gástrica e au-
mento da pressão intragástrica (obesidade, uso de opioides IV ou neuroaxial e jejum inadequado);
→ risco de refluxo gastroesofágico/broncoaspiração;
• estado de hipercoagulabilidade;
→ alto risco para eventos trombóticos.
A RCP da gestante segue os mesmos algoritmos do SBV e SAV de um adulto não gestante com algumas
considerações relacionadas com as alterações anatômicas e fisiológicas da gestação:
• deslocamento uterino para a esquerda;
• equipe especializada;
• acesso venoso acima do diafragma;
• manejo mais agressivo das vias aéreas;
• consideração precoce de cesárea perimortem;
• tratamento das causas reversíveis.
5- RCP na Gestante | 71
SUPORTE BÁSICO DE VIDA (SBV) (FIGURA 1)
• Prioridades simultâneas:
1. RCP imediata e de alta qualidade (mínimo de quatro socorristas);
2. alívio da compressão aortocava (deslocamento uterino para a esquerda);
3. desfibrilador externo automático (DEA);
4. anotar o momento exato da ausência de pulso/PCR (programar cesárea perimortem).
• Desobstruir a VA com inclinação da cabeça e elevação do mento (se não for trauma).
• 100% O2; > 15 L.min-1.
• Quando disponível, ventilação com bolsa e máscara.
• Garantir selo da máscara facial – ventilação com ambas as mãos.
• Cada ventilação em 1 segundo.
• Aplicar 2 ventilações a cada 30 CTs.
• Fornecer volume corrente suficiente para causar elevação evidente do tórax.
• Se a elevação do tórax não for visualizada, reabrir a VA e aumentar a vedação da máscara. Consi-
derar cânula orofaríngea.
• Evitar ventilação excessiva.
A B
Figura 2 – Deslocamento uterino manual para a esquerda. A) Técnica realizada com uma das mãos; B) técnica
realizada com ambas as mãos.
3- Desfibrilação:
• As mesmas recomendações para quem não é gestante.
• Posicionamento anterolateral das pás.
→ Pá lateral sob o tecido mamário (reduzir impedância).
• Considerar o uso de placas adesivas.
5- RCP na Gestante | 73
• A mesma carga de choque.
→ Bifásico: 120-200 J.
→ Monofásico: 360 J.
• Remover equipamentos de monitorização fetal.
→ Evitar lesão por eletrocussão.
• Reiniciar as compressões torácicas imediatamente depois da desfibrilação.
Figura 3 – As intervenções maternas são relacionadas com as alterações fisiológicas da gravidez e as causas re-
versíveis de parada cardíaca materna.
5- RCP na Gestante | 75
9- Foco na ressuscitação materna: o prognóstico sobre a condição de saúde do feto
depende da mãe.
→ Remover os monitores fetais.
Figura 4 – As intervenções obstétricas são aquelas orientadas para otimizar as manobras de RCP e preparar para
a cesárea perimortem.
INTERVENÇÕES ADICIONAIS
• Massagem cardíaca direta: depois de 15 minutos de RCP sem sucesso – toracotomia ou por meio
do diafragma (via abdominal).
• Ecocardiografia: identificar potenciais causas de colapso cardiovascular.
• Intervenção coronária percutânea: estratégia de reperfusão de escolha para infarto agudo do
miocárdio com elevação do segmento ST; os fibrinolíticos são relativamente contraindicados
na gestação.
• Trombólise sistêmica: tratamento de embolia pulmonar maciça ou acidente vascular cerebral
isquêmico; risco aumentado de sangramento durante o parto e o pós-parto.
• Checklists auxiliam na adoção de todas as ações importantes (Quadro 4).
5- RCP na Gestante | 77
Quadro 4 – Checklist para RCP na gestante
Chame por ajuda e inicie □ Acione o “Código Azul Materno” (equipe para atendimento PCR em
a RCP gestante) (hora _____)
□ Superfície rígida
□ Início imediato do SBV
□ DEA/Desfibrilador
□ Equipamento para via aérea materna
□ Material para cesariana de emergência
□ Responsável pelo controle do tempo e de registros
□ Documente o momento da PCR (hora _____)
□ Responsável pela leitura do checklist
C □ Deslocamento uterino manual para a esquerda (hora __)
Circulação
□ Posicionamento correto das mãos
Compressões torácicas
□ 100-120 compressões.minuto-1 (hora _____)
□ PUSH HARD-PUSH FAST
□ Troque o responsável pelas CTs a cada dois minutos
□ Obtenha acesso venoso acima do diafragma (hora __)
A (Airway) □ Minimize interrupções das CTs
Vias aéreas
□ Posicione a cabeça se não for vítima de trauma
□ O2 a 100% > 15 L.min-1 (hora _____)
□ Use VBM
□ Cânula orofaríngea
□ Se profissional habilitado, intubação traqueal com tubos 6 a 7 mm de
diâmetro interno (hora _____)
□ Dispositivos supraglóticos
B (Breathing) □ Se não intubada: 30 CTs para 2 ventilações
Respiração
□ Se intubada: 8 a 10 ventilações.min-1
□ Administre cada ventilação em 1 segundo
D □ Pás frontal e lateral
Desfibrilação
□ DEA: Analise ritmo/desfibrile a cada 2 minutos
□ Reinicie imediatamente as CTs por 2 minutos
□ Prepare para o parto
E □ Inicie a cesariana perimortem (hora _____)
Extração Fetal
□ Retirada do feto (hora _____)
Pontos-chave
• Prevenção da PCR: identificação de gestantes de alto risco.
• Equipe de emergência multidisciplinar (anestesiologista, obstetras, neonatologistas etc.).
• Os esforços de ressuscitação devem se concentrar na mãe.
• Documentar o momento exato da ausência de pulso.
• Indicação de cesárea perimortem até o quarto minuto com retirada do feto até o quinto minuto
depois do início da PCR materna.
• Deslocamento manual uterino contínuo para a esquerda (fundo uterino acima da cicatriz umbili-
cal) durante a RCP e cuidados pós-PCR.
• Compressões torácicas, desfibrilação e medicações semelhantes ao SAV de pacientes não gestan-
tes: as mesmas doses e indicações.
• Acesso venoso acima do diafragma.
• Considere via aérea difícil (disponibilidade de equipamentos).
• Toxinas (ex.: sulfato de magnésio, ocitocina).
REFERÊNCIAS
1. Jeejeebhoy FM, Zelop CM, Lipman S et al. Cardiac arrest in pregnancy: A scientific statement from the American heart
association. Circulation. 2015;132:1747-1773.
2. Lavonas EJ, Drennan IR, Gabrielli A et al. Part 10: Special circumstances of resuscitation: 2015 American Heart Asso-
ciation guidelines update for cardiopulmonary resuscitation and emergency cardiovascular care. Circulation. 2015;132
(18 suppl 2):S501-518.
3. Soar J, Perkins GD, Abbas G et al. European Resuscitation Council guidelines for resuscitation 2010 Section 8. Cardiac
arrest in special circumstances: Electrolyte abnormalities, poisoning, drowning, accidental hypothermia, hyperthermia,
asthma, anaphylaxis, cardiac surgery, trauma, pregnancy, electrocution. Resuscitation. 2010; 81:1400-1433.
5- RCP na Gestante | 79
80 | Suporte Avançado de Vida em Anestesia - SAVA
CAPÍTULO
06
Cuidados Pós-ressuscitação
Antonio Carlos Aguiar Brandão
Matheus Fachini Vane
A ocorrência de parada cardiorrespiratória (PCR) no período perioperatório possui ampla faixa de inci-
dência, variando de 1 a 44 casos de PCR em 10.000 procedimentos. No entanto, a mortalidade depois
de 30 dias pode atingir até 70%. Quando esse dado é analisado em pormenores, tem-se que, aproxi-
madamente, 35% dos pacientes com PCR durante uma anestesia não apresentam retorno à circulação
espontânea (RCE), 30% dos que tiveram RCE vão evoluir para óbito em 24 horas e 72% evoluem para
óbito em até um ano.
Entre os principais fatores de risco envolvidos na sobrevida e na alta hospitalar estão o estado físico
prévio; a falência de múltiplos órgãos; a presença de diabetes melito; o tipo de cirurgia; se o procedi-
mento foi uma cirurgia de emergência; caso de hipotensão arterial durante a cirurgia; causa e duração
da PCR, além do ritmo cardíaco inicial.
Outros aspectos apontados como fatores de risco para óbito intra-hospitalar do paciente que sofreu
PCR foi seu horário de ocorrência – pacientes cuja PCR ocorreu no período noturno ou em finais de
semana apresentaram maior índice de óbito.
Como o tempo de parada está diretamente correlacionado com o tempo de anóxia, a duração da PCR
tem sido apontada como um dos fatores determinantes da mortalidade e do aparecimento de sequelas
pós-PCR. Um estudo clínico evidenciou que o tempo médio de anóxia de apenas 4,1 minutos é suficiente
para desencadear uma lesão neurológica. Quando é feita a reanimação, esse tempo pode se prolongar
por até 17 minutos sem que haja lesão. Apesar disso, uma análise com crianças em PCR mostrou que
quando o tempo de PCR com RCP esteve entre 1 e 15 minutos, a probabilidade de sobrevida diminuiu
linearmente em 2,1% por minuto, com queda nas taxas de desfecho neurológico favorável em 1,2% por
minuto. Assim, há evidências suficientes para dizer que o tempo de PCR e, consequentemente, de RCP
exerce efeitos diretos no desfecho neurológico do paciente.
A qualidade da compressão cardíaca também tem sido questionada como influente no desfecho do pa-
ciente. No consenso sobre RCP da AHA, foram estabelecidas metas específicas de CO2 expirado e pres-
são arterial diastólica que devem ser alcançadas durante a RCP. Além disso, tem sido dada grande ênfa-
se para que se evitem pausas superiores a 10 segundos. Entretanto, poucos estudos randomizados têm
demonstrado superioridade dessas metas nos desfechos neurológicos e na probabilidade de sobrevida.
Estudos observacionais apontam que, quando a reanimação é feita corretamente, a probabilidade de
alta hospitalar é maior. Contudo, raros casos se referem ao estado neurológico do paciente reanimado.
A principal consequência da PCR é a sequela neurológica, manifestada inicialmente pela inconsciên-
cia. Essa alteração pode ser decorrente de lesão neurológica permanente ou apenas consequência de
distúrbio metabólico. A AHA considera esse desfecho neurológico um elemento crucial a ser evitado
durante o esforço da reanimação. Desde 2000, o consenso das alianças internacionais de emergências
SBV no Adulto e na Criança | 81
atenta especificamente para essa situação: “O córtex cerebral, tecido mais suscetível à hipóxia, é
danificado irreversivelmente, resultando em morte ou lesão neurológica grave. A necessidade da pre-
servação da vitalidade cerebral deve ser instigada em pesquisas e intervenções práticas.” Com isso,
foi cunhada a expressão “ressuscitação cardiopulmonar e cerebral” para enfatizar essa necessidade.
SÍNDROME PÓS-PCR
A síndrome pós-PCR (SPPCR) é caracterizada por lesão cerebral anóxica, disfunção miocárdica pós-
-ressuscitação (DMPR) e lesão de isquemia-reperfusão (I/R) sistêmica. Na SPPCR, o processo lesivo de
isquemia se junta à reperfusão, com ambos contribuindo para o aumento da formação de subprodutos
do metabolismo oxidativo, com consequente potencialização da lesão celular. Além disso, durante a
isquemia, ocorre aumento da taxa de consumo de glicose pelo metabolismo anaeróbio, acarretando
acúmulo tecidual de metabólitos e acidose sistêmica. No entanto, a restauração da oxigenação não faz
com que o metabolismo anaeróbio decorrente da isquemia retorne ao processo de aerobiose imedia-
tamente. Mesmo com grande oferta de oxigênio, somente depois de 90-180 minutos da restauração da
respiração e da atividade cardíaca é que a compensação da acidose metabólica se inicia.
Com a restauração do fluxo sanguíneo no período pós-PCR, ocorre também a resposta inflamatória
sistêmica desencadeada pela lesão endotelial secundária à isquemia e reperfusão, com a formação
intensa de óxido nítrico. Esse processo inflamatório acarreta vasodilatação sistêmica, sendo um dos
efeitos que contribuem para a hipotensão, que é marcada nessa fase.
A reperfusão também ocasiona a liberação de hormônios de estresse, como catecolaminas e cortisol,
a ativação da inflamação sistêmica e a translocação bacteriana do intestino.
Com relação às lesões orgânicas, o dano cerebral é um dos mais comuns, acometendo 10%-40% dos
pacientes pós-PCR. Dentre os mecanismos propostos, os principais incluem:
• excitotoxicidade;
• alteração na homeostase do cálcio;
• disfunção mitocondrial;
• formação de radicais livres;
• ativação das vias de sinalização referentes à morte celular;
• ativação de proteases.
O processo de isquemia cerebral causa, inicialmente, hiperemia cerebral e, com a reperfusão, há lesão
da barreira hematoencefálica (BHE). A lesão da BHE causa extravasamento de albumina para o espaço
extracelular, ocasionando edema cerebral e, posteriormente, alteração da perfusão cerebral. Todos
esses mecanismos ocorrem principalmente pela formação de NO, radicais livres e de espécies reativas
de oxigênio.
A DMPR também é um fenômeno presente e bem reconhecido no período pós-PCR. A DMPR é caracteri-
zada pelo aumento nas pressões de enchimento ventricular e queda no débito cardíaco no período pós-
-ressuscitação. Essa tendência a baixo fluxo sanguíneo ocasiona mais lesões sistêmicas, demandando
suporte hemodinâmico nessa fase inicial. Ela se dá por causa de diversos fatores: formação de radicais
livres; disfunção no metabolismo do óxido nítrico; apoptose; resposta inflamatória; microembolizações
por agregação plaquetária e efeito deletério da adrenalina.
Sugere-se que, na DMPR, haja um importante componente de atordoamento miocárdico, e a recupera-
ção se faz, em modelos animais, em até 48 horas, podendo ser completa ou parcial. A lesão pela PCR
pode ocorrer de forma focal ou difusa, sendo, nesse último caso, em razão de focos de embolia pelo
miocárdio. As regiões tipicamente mais acometidas são o ápice cardíaco e a camada subendocárdica do
6- Cuidados Pós-ressuscitação | 83
coronariana. Além da elevação do segmento ST, choque cardiogênico instável ou necessidade de
suporte com circulação extracorpórea também demanda a necessidade de avaliação interven-
cionista de urgência. É aconselhável sua realização em pacientes com instabilidade elétrica ou
hemodinâmica, mas com suspeita de PCR com origem cardíaca sem elevação de ST.
• D – Neurológico – no início dessa fase, deve-se checar a capacidade do paciente de responder a
comandos. Caso ele esteja comatoso, iniciar o controle direcionado de temperatura o mais rápido
possível (no máximo até seis horas). Deve-se ter como objetivo a temperatura sistêmica entre
32 ºC e 36 ºC por 24 horas monitorizada por via retal, vesical ou esofágica (Quadro 1). Nessa
fase deve ser solicitado um eletroencefalograma, uma vez que convulsões não generalizadas
são comuns depois da PCR. As crises convulsivas que estão presentes nesse momento devem ser
tratadas com fenitoína, valproato ou levetiracetam, sem nenhuma superioridade de nenhum. É
importante salientar que, no entanto, nenhum estudo é capaz de mostrar que o tratamento das
crises convulsivas melhora o desfecho neurológico do paciente. Não é claro se a monitorização
intermitente versus contínua do EEG exerce algum benefício para o paciente. Quanto à tomogra-
fia cerebral, deve ser solicitada nas primeiras 24 horas (máximo 72 horas) para avaliar a razão
branco-cinza (GWR). A redução da GWR tem uma especificidade entre 85% e 100% para avaliar o
desfecho neurológico do paciente.
A realização de técnicas de hipotermia também tem sido apontada como um fator que auxilia na pre-
servação cerebral de pacientes que sofreram PCR. O resfriamento leva à diminuição do consumo de
oxigênio, que aumenta a tolerância da célula neuronal à isquemia e reduz a expressão de fatores de
transcrição relacionados com a apoptose e o estresse oxidativo, permitindo melhor desfecho neurológico.
• E – Cuidados Gerais – deve-se manter a normóxia, normocapnia e euglicemia. É fundamental checar,
constantemente, 5Hs e 5Ts e solicitar apoio de equipe especializada para o manuseio continuado.
Neuroprognóstico
Existem diversos fatores relacionados com o desfecho neurológico do paciente. Além dos já menciona-
dos com relação à PCR, outro fator aparentemente associado ao desfecho do paciente depois da PCR é
o tempo em coma. Estima-se que 80% dos pacientes se apresentam comatosos após a PCR, e daqueles
que vão despertar, 90% o fazem antes de 72 horas e menos de 5% dos pacientes que despertam depois
de 24 horas se recuperam sem déficits neurológicos. Entre os fatores preditores de desfecho negativo,
incluem-se ausência de reflexo pupilar e córneo após 72 horas e de reflexo vestíbulo-ocular após 24
horas e escala de Glasgow menor que cinco após 72 horas.
Quanto a exames clínicos e ao tempo para sua realização, uma metanálise de 37 estudos evidenciou
que poucos parâmetros clínicos teriam acurácia na predição de um desfecho ruim, e a ausência de
reflexo pupilar em 72 horas já estaria associada a um mau prognóstico. Esse longo período de espera
(72 horas) se faz necessário para a confirmação da ausência de reflexo pupilar pelo estado comatoso
induzido pela sedação utilizada, de modo que poucas variáveis clínicas poderiam estar prontamente
disponíveis para o prognóstico precoce de pacientes depois da PCR. Além de parâmetros clínicos, esse
estudo também avaliou achados no potencial evocado somatossensitivo. A não reatividade e/ou a
ausência de ondas N20 no potencial evocado somatossensitivo depois de 72 horas implica lesão neuro-
lógica grave, com taxa nula de falso-positivo. Outros achados, como ausência de reflexo corneano 24
horas/48 horas após a PCR e respostas motoras como decorticação e mioclonia ou a ausência destas em
72 horas, também estiveram relacionados com mau prognóstico neurológico com boa acurácia.
Deve ser dado destaque para a área motora, visto que a AHA recomenda que este pode ser um método
seguro para a detecção de mau prognóstico neurológico, principalmente após 72 horas da PCR.
Quanto aos marcadores sanguíneos que possam ter relação com prognósticos da PCR, ainda não há con-
fiabilidade em nenhum destes 48-72 horas antes do diagnóstico de PCR, e há apenas uma fraca recomen-
dação para o uso da enolase específica de neurônios, uma vez que sua precisão ainda é questionada.
6- Cuidados Pós-ressuscitação | 85
Já a ressonância magnética pode também ser considerada entre o segundo e o sétimo dia, com a busca de
áreas de difusão extensas para confirmar o mau prognóstico em pacientes que permanecem comatosos.
Assim, sugere-se que seja utilizada a Figura 2, abaixo, para a avaliação do período pós-PCR, lembrando
que os exames diagnósticos devem ser incorporados para prognóstico apenas 72 horas após a normotermia.
CONCLUSÃO
O paciente pós-PCR demanda uma abordagem multimodal complexa, de modo que, idealmente, de-
ve-se ter na instituição uma equipe especializada de cuidados pós-PCR. É importante sempre ter em
mente medidas para a reabilitação desse paciente em curto, médio e longo prazos para sua reinserção
e retomada das atividades rotineiras.
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ANÁLISE DO ECG
Em um ECG padrão, o papel tem uma velocidade de 25 mm/s, portanto, 1 mm horizontal equivale a
0,04 s (40 ms) e um quadrado grande equivale a 0,20 s (200 ms); na vertical, o padrão de 1 mm equi-
vale a 0,1 mV. Esses parâmetros devem ser configurados na tela do monitor durante o ato anestésico.
O ECG possui ondas, segmentos e intervalos, que estão discriminados na Figura 1.
Além das avaliações dos parâmetros no ECG da Figura 1, é fundamental verificar a frequência cardíaca
ventricular e atrial do paciente, que pode ser feito da seguinte maneira:
• Em um eletrocardiograma normal, cada segundo equivale a cinco quadrados grandes, então, um
minuto equivale a 300 quadrados grandes. Sabendo isso, podemos calcular a frequência cardía-
ca por meio da medição do intervalo RR, desde que o ritmo seja regular. Basta dividir 300 pelo
número de quadrados grandes entre duas ondas R. Assim, se encontrarmos um quadrado entre
duas ondas R, será 300; se forem dois quadrados, será 150; se três quadrados, será 100 e assim
por diante (Figura 2).
• FC = 300/nº de quadrados grandes entre duas ondas R.
Figura 2 – Regra prática para o cálculo da frequência atrial e ventricular por meio do eletrocardiograma. Assim,
nota-se, pela figura, que o paciente se encontra com frequência atrial e cardíaca próxima de 150 bpm.
TAQUIARRITMIAS OU TAQUICARDIAS
As taquicardias podem ser classificadas de acordo com a duração do QRS em taquicardias de QRS es-
treito (QRS < 120 ms) e de QRS alargado (QRS > 120 ms). As taquicardias também podem ser agrupadas
em regulares ou irregulares. As taquicardias regulares apresentam a mesma distância entre as ondas R
e as irregulares apresentam distância diferente entre as ondas R. As taquicardias de QRS alargado po-
dem ser do tipo monomórficas, quando apresentam a mesma morfologia do QRS, e polimórfica, quando
apresentam o QRS em formatos diferentes (Figura 3).
90 | Suporte Avançado de Vida em Anestesia - SAVA
* TSVP: taquicardia supraventricular paroxística
TRN: taquicardia por reentrada nodal
TRAV: taquicardia por reentrada atrioventricular
BAV: bloqueio atrioventricular
TV: taquicardia ventricular
Para um melhor desfecho terapêutico, podemos analisar se a arritmia tem dependência do NAV para
seu início e manutenção. A TRN, TRAV e taquicardia juncional utilizam o NAV e a taquicardia sinusal,
taquicardia atrial multifocal, FA e flutter atrial não utilizam.
Taquicardia sinusal
É definida com frequência acima de 100 bpm, com ondas p positivas em DI, DII e aVF (Figura 4). Pode
ser de origem fisiológica (secundária a estresse, medicamentos, drogas lícitas ou ilícitas ou processos
patológicos) ou inapropriada (quando ocorre fora de proporção ao esforço realizado). Geralmente, a
frequência cardíaca encontra-se abaixo de 150 bpm.
A conduta, nesses casos, é a resolução da causa base.
7- Arritmias Cardíacas | 91
Figura 4 – Taquicardia sinusal, na qual são observadas ondas p positivas em DII; toda onda p gera um QRS. Pela
regra prática, ela apresenta uma frequência atrial e ventricular entre 100 e 150 bpm.
A maior parte das taquicardias com reentrada atrioventricular é considerada ortodrômica, quando o
impulso reentrante é conduzido do átrio para o ventrículo pelo sistema do nó atrioventricular e do
feixe de His-Purkinje, formando o circuito anterógrado. A via acessória funciona com a condução do
estímulo do ventrículo para o átrio, o que perpetua a arritmia. No geral, a taquicardia com reentrada
atrioventricular ortodrômica se manifesta como uma frequência cardíaca elevada (150-220 bpm), com
intervalo RP constante e QRS estreito, de modo que pode ter bloqueio de ramo funcional, em geral,
associado à via acessória ipsilateral, ao ramo bloqueado e à depressão do segmento ST. Já na antidrô-
mica, o impulso viaja em sentido oposto, apresentando um QRS largo (com pré-excitação), intervalo RP
de difícil averiguação, com onda p geralmente entalhada no segmento ST-T (Figura 6).
7- Arritmias Cardíacas | 93
Flutter atrial com condução AV fixa
Na forma mais comum, apresenta frequência atrial entre 250-330 bpm, com ondas dentilhadas nega-
tivas nas derivações inferiores e positivas em V1 (Figura 7). Quando a condução é fixa, diz-se que o
flutter apresenta bloqueio 1:1, 2:1, 3:1. Em casos de bloqueio 2:1 ou 1:1, o diagnóstico se torna difícil
e pode ser usada adenosina para tentar aumentá-lo, a fim de facilitar o diagnóstico. No entanto, faz-se
a ressalva de que a adenosina pode ter efeito rebote, com elevação da condução até precipitar a fi-
brilação atrial. Assim, em casos de estabilidade hemodinâmica, o controle da frequência cardíaca com
betabloqueador ou diltiazem é indicado como primeira escolha, seguido por cardioversão sincronizada
com baixa energia, conforme tratamento na cardioversão pelo risco embólico.
Pela sua morfologia de serrilhado, pode, no entanto, ser de difícil diferenciação da taquicardia atrial.
A presença de uma linha isoelétrica entre as ondas p pode facilitar a diferenciação entre o flutter e a
taquicardia atrial focal.
Fibrilação atrial
Apresenta-se como um ritmo completamente irregular, sem ondas p visíveis, e tem duração superior a
30 s (Figura 9). Na maioria das vezes, apresenta-se com QRS estreito, no entanto, pode se apresentar
com QRS largo, quando há bloqueio atrioventricular variável ou aberrância de condução e em casos
com pré-excitação. É a causa mais frequente de irregularidade de RR no cenário perioperatório.
A fibrilação atrial pode ser, muitas vezes, assintomática e levar a episódios de acidente vascular cere-
bral e morte. Assim, pacientes com fibrilação atrial crônica devem ser anticoagulados. Nos casos agu-
dos, o manejo deve incluir a cardioversão elétrica sincronizada, se houver instabilidade hemodinâmica,
a normalização do balanço de fluidos, o controle da frequência cardíaca e a inibição do sistema reni-
na-angiotensia-aldosterona. Define-se como fibrilação atrial aguda aquela cujo início possui menos de
48 horas. Para mais de 48 horas de duração, em pacientes estáveis hemodinamicamente, recomenta-se
a anticoagulação por três semanas antes da cardioversão e sua manutenção por até quatro semanas.
No entanto, essa recomendação está sendo revista pelo risco embólico que oferece. Alguns autores já
sugerem que esse período seja encurtado para 12 horas.
Figura 9 – Fibrilação atrial; ver a ausência de ondas p, mas com uma linha de base irregular e RR variável.
Taquicardia multifocal
É definida como um ritmo rápido, irregular, com, pelo menos, três morfologias distintas de ondas p
(Figura 10). Em geral, está associada a patologias precipitantes, como doença pulmonar, hipertensão
pulmonar, doença coronariana, hipomagnesemia, uso de teofilina e doença cardíaca valvar. Às vezes,
é de difícil distinção da fibrilação atrial quando é analisada apenas uma derivação, mas a presença de
um período isoelétrico entre as ondas p pode facilitar o diagnóstico.
Figura 10 – Taquicardia multifocal: taquicardia irregular, de QRS estreito e com, pelos menos, três ondas p de
morfologias diferentes.
Figura 11 – Flutter atrial; ondas serrilhadas (onda f), irregulares e de QRS estreito.
7- Arritmias Cardíacas | 95
Taquicardia de QRS alargado (> 120 ms)
É uma arritmia cuja origem se inicia abaixo do nó atrioventricular. Sua característica principal é o
alargamento do QRS acima de 120 ms. Essa taquicardia, normalmente, é denominada ventricular. Deve
ser diferenciada de uma taquicardia supraventricular com uma aberrância de condução.
A taquicardia de QRS alargado é uma arritmia que consiste em mais de três complexos QRS alargados
e consecutivos, com uma frequência acima de 100 bpm (Figura 11).
A taquicardia ventricular se classifica em:
• sustentada – tem duração maior que 30 segundos ou apresenta deterioração clínica que neces-
sita de intervenção imediata;
• não sustentada – ≥ três batimentos, com término espontâneo;
• monomórfica – a morfologia do QRS é mantida em todos os batimentos;
• polimórfica – mudança conformacional ou de múltiplos formatos do QRS ao longo dos batimentos.
7- Arritmias Cardíacas | 97
Quanto à manobra vagal, recomenda-se o uso da manobra de Valsalva, que deve ser completada em
posição semirreclinada, com reposicionamento em supino e elevação passiva da perna depois de ela
ser realizada. Um método para saber se a força está adequada é pedir para o paciente colocar força o
suficiente para movimentar o êmbolo de uma seringa de 10 mL.
Já a manobra do seio carotídeo deve ser realizada com o pescoço do paciente estendido e virado para
o lado oposto. Esta sempre deve ser feita unilateralmente e ser evitada em pacientes com histórico de
acidente vascular cerebral, sopro carotídeo e manifestação de doença aterosclerótica.
A adenosina age bloqueando a condução no nó atrioventricular, o que leva a um bloqueio atrioventricu-
lar transitório. A dose média requerida para o término da arritmia é de 6 mg, que deve ser seguida por
um flush de soro fisiológico por meio de um acesso de grosso calibre, preferencialmente, em uma veia
nos membros superiores. Caso haja falha na primeira dose, em adultos, esta pode ser aumentada para
12 mg. Se houver falha, pode-se cogitar uma nova dose de 18 mg, considerando os potenciais efeitos
colaterais e a resistência do paciente. Um minuto de intervalo é considerado seguro entre as doses. O
uso de dipiridamol, teofilina ou bebidas com alto teor de cafeína pode afetar a dose necessária para
a reversão. É esperado, em resposta à adenosina, a presença de rubor facial, dispneia, dor torácica e,
eventualmente, bradicardia. Essa última raramente é prolongada, mas demanda cuidado em pacientes
com doença do nó sinoatrial. A adenosina pode causar broncoconstrição, assim, deve ser usada com
cautela em pacientes com hiperatividade brônquica. Ela também pode ser indicada para auxílio no
diagnóstico da arritmia (Fluxograma 2).
Para o controle da frequência, recomenda-se o uso de betabloqueadores endovenosos (p. ex., esmolol
e metoprolol) ou bloqueadores do canal de cálcio (p. ex., verapamil e diltiazem) (Tabela 3). Ressalta-se
que há um potencial para hipotensão em todos esses medicamentos, de modo que devem ser evitados
em instabilidade hemodinâmica, fração de ejeção < 40%, suspeita de taquicardia ventricular ou fibri-
lação atrial com pré-excitação.
Para pacientes com fibrilação atrial aguda, manobra vagal e adenosina apresentam baixa eficácia na
reversão, sendo o controle da frequência cardíaca a primeira estratégia em pacientes estáveis hemo-
dinamicamente. Em seguida, deve-se tentar a reversão do ritmo. Antes pensava-se que, se a fibrilação
tivesse início antes de 48 horas, ela poderia ser revertida sem o risco de tromboembolismo. No entan-
to, o perigo embólico é estimado entre 0,7% e 1,1% quando feito em até 48 horas. Assim, alguns estudos
sugerem o período de 12 horas apenas.
A reversão de ritmo pode ser farmacológica (p. ex., amiodarona) ou elétrica (cardioversão elétrica
sincronizada), que deve ser discutida com o cardiologista se o paciente estiver hemodinamicamente
estável. O cardiologista também será fundamental para analisar a possibilidade de anticoagulação de
longo prazo (Fluxograma 3).
Fluxograma 3 – Algoritmo de tratamento das taquicardias supraventriculares (adaptado de Neumar et al., 2010).
7- Arritmias Cardíacas | 99
Tratamento da taquicardia de QRS alargado (Tabela 4)
Para pacientes instáveis com taquicardia de QRS alargado, o tratamento elétrico sincronizado deve ser
a primeira escolha (Fluxograma 4). No caso de complexo alargado e regular (monomórfico), aplica-se
uma carga de choque sincronizado (cardioversão sincronizada) de 100 J. Se o complexo QRS for alar-
gado e irregular, aplica-se choque não sincronizado (desfibrilação). Considera-se que, depois da carga
máxima, se ainda houver persistência da arritmia ventricular, uma dose de amiodarona endovenosa
pode ser administrada na tentativa de obter um ritmo estável no próximo choque. A carga preconizada
é a recomendada pelo fabricante do equipamento com o objetivo de maximizar a reversão no primeiro
choque. Caso não esteja disponível, recomenda-se iniciar com as cargas presentes na tabela 4.
Caso o paciente se encontre estável hemodinamicamente, pode ser cogitada adenosina somente se o QRS
for regular e monomórfico. Essa alternativa deve ser considerada, principalmente, se houver suspeita de
taquicardia supraventricular com aberrância de condução, mas não deve ser utilizada em casos de taqui-
cardia antidrômica ou com pré-excitação pelo risco de degeneração da fibrilação ventricular.
Ainda deve ser considerada uma infusão de antiarrítmico, por exemplo, amiodarona (dose inicial de
150 mg; pode ser repetida mais uma vez) ou procainamida (15-18 mg/kg em 25-30 minutos). No caso
de taquicardia ventricular polimórfica secundária à isquemia miocárdica, uma dose de betabloqueador
pode ser tentada.
No caso da torsades de pointes, a amiodarona está contraindicada, uma vez que pode causar prolon-
gamento do QRS. Assim, deve-se optar pela utilização de sulfato de magnésio, 1-2 g, sob infusão lenta.
Fluxograma 4 – Algoritmo de tratamento para taquicardias (Adaptado de Panchal et al. Part 3: Adult Basic and
Advanced Life Support: 2020 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and
Emergency Cardiovascular Care. Circulation. 2020;142:S366–S468).
Sinusal
É definida como uma frequência abaixo de 60 bpm com ondas p positivas em DI, DII, aVF bifásicas ou
negativas em V1 (Figura 15). A bradicardia sinusal é comum em atletas de alta performance e é se-
cundária a medicamentos (p. ex., betabloqueadores), doenças endócrinas ou reumatológicas (p. ex.,
hipotireoidismo), apneia do sono ou doença do nó sinoatrial.
Figura 15 – Bradicardia sinusal; nota-se a presença de ondas p antes do QRS com uma frequência entre 50 e 60 bpm.
Bloqueio atrioventricular
Diversas possíveis etiologias podem levar o paciente a ter um bloqueio atrioventricular (BAV) (Tabela 5).
Tabela 5 – Etiologias dos bloqueios atrioventriculares (adaptado de Kusumoto et al., 2019)
Congênitas Genéticas/defeitos cardíacos congênitos
Infecciosas Miocardite de Lyme; endocardite; febre reumática; doença
de Chagas
Inflamatórias Miocardites; amiloidose; sarcoidose; doença reumática
Isquêmicas Infarto agudo do miocárdio; isquemia miocárdica sem infarto;
miocardiopatia isquêmica crônica
Degenerativas Doenças de Lev Lenegre
Aumento do estímulo vagal Apneia do sono; atletas de alta performance; síncope
neurocardiogênica
Metabólicas Distúrbios hidroeletrolíticos; envenenamento (p. ex.,
mercúrio, cianeto, monóxido de carbono); doença
tireoidiana; adrenalopatias (p. ex., feocromocitomas)
Iatrogênicas Betabloqueadores; ablação por cateter; cirurgia cardíaca
Outras Doenças neuromusculares (p. ex., distrofia de Erb, distrofia
miotônica etc.)
Considera-se um bloqueio de alto grau ou avançando quando duas ou mais ondas p consecutivas com
frequência normal não são conduzidas sem a perda completa da condução atrioventricular. Bloqueios
de alto grau são infra ou intra-hisianos e tratados com marca-passo. Em circunstâncias não usuais (p.
ex., período noturno acompanhado de desaceleração sinusal), um bloqueio de alto grau pode ser con-
siderado de etiologia vagal, especialmente se o QRS for estreito.
Figura 18 – BAV de terceiro grau; nota-se frequência regular do átrio e do ventrículo, porém, com completa
independência.
Tratamento
O algoritmo de tratamento está presente no Fluxograma 5.
Fluxograma 5 – Tratamento de bradicardias (Adaptado de Panchal et al. Part 3: Adult Basic and Advanced Life
Support: 2020 American Heart Association Guidelines for Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardio-
vascular Care. Circulation. 2020;142:S366–S468).
Em pacientes com BAV de segundo e terceiro graus, a atropina pode ser administrada como tentati-
va de melhora hemodinâmica, uma vez que pode otimizar a condução atrioventricular e aumentar
a frequência ventricular. Em pacientes com BAV de segundo e terceiro graus com baixa probabili-
dade de isquemia miocárdica, beta-agonistas podem ser considerados para a melhora hemodinâmi-
ca (Tabela 6). No caso de infarto agudo do miocárdio, aminofilina pode ser tentada para melhorar
a condução atrioventricular.
7- Arritmias Cardíacas | 103
Tabela 6 – Doses para inotropismo e cronotropismo
Medicamento Dose
Dopamina 2-20 mcg/kg/min
Adrenalina 2-10 mcg/min
Nos casos refratários, deve ser instituído o marca-passo transcutâneo como ponte para o marca-passo
transvenoso, e o cardiologista deve ser consultado. Para o ajuste do marca-passo transcutâneo, deve-se
regular uma frequência capaz de gerar débito (> 60 bpm) e intensidade da corrente de saída até que
haja o completo acoplamento elétrico do miocárdio.
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