Ebook Crise Capitalista v2
Ebook Crise Capitalista v2
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VOLUME 2
2021
Marília/SP
Projeto Editorial Praxis é um selo da Canal 6 Editora e o projeto editorial da
RET – Rede de Estudos do Trabalho (www.estudosdotrabalho.org),
dedicado a livros na área de Trabalho e Economia Política da Globalização.
Vários autores.
ISBN 978-65-995130-8-4
21-74675 CDD-335.412
Índices para catálogo sistemático:
Este é volume 2 dos Anais das Comunicações de Pesquisa do XII Seminário do Trabalho – Crise
capitalista, Precarização do Trabalho e Colapso Ambiental, promovido pela Rede de Estudos do
Trabalho (RET) e realizado na Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Campus de Marília, de 22 a 27
de novembro de 2020. O evento foi realizado por meios virtuais com a live sendo transmitidas para o canal
da RET no You Tube e a página da RET no Facebook.. Os artigos científicos enviados pelos inscritos do
Seminário do Trabalho estão distribuídos pelos 3 volumes de forma livre, não obedecendo a ordem dos
GT´s. A recepção dos artigos científicos foi feita com os critérios mínimos exigidos pela comissão organi-
zadora. A riqueza dos material enviado diz respeito à diversidade de importantes temáticas que comõem o
mundo social do trab alho no capitalismo global.
Apesar das dificuldades decorrentes da pandemia e dos recursos tecno-operacionais limitados, con-
seguimos organizar o evento e inovar no que diz respeito às sessões de comunicações de pesquisa, tendo
em vista a impossibilidade de faze-las presencialmente. Deste modo, os inscritos que queriam apresentar
sua comunicação de pesquisa nos Grupos de Trabalho, deveriam enviar um artigo científico à título de
comunicação de pesquisa. O artigo científico deveria ser publicado num livro que seria registrado pelos
pesquisadores como publicação de capítulo de livro. Foi o que ocorreu. Esta experiencia de comunicação
de pesquisa é bastante inovadora. Ao invés da comunicação oral da pesquisa, a comunicação seria escrita
por meio de um artigo científico publicado em livro (ebook e físico), de acordo com as devidas especifica-
ções técnicas. A vantagem da publicação do artigo científico é que a sua publicização seria muito maior do
que aquela que ocorreria, caso o pesquisador tivesse que apresentar presencialmente sua comunicação de
pesquisa.
A Rede de Estudos do Trabalho tem como objetivo, desburocratizar a exposição de resultados de pes-
quisas pelos jovens pesquisadores do mundo do trabalho. A publicização dos resultados de pesquisa é fun-
damental para que a sociedade brasileira possa tomar conhecimento do que está sendo pesquisado pelas
ciências sociais que investigam o mundo do trabalho. O compromisso ético-político da RET é com a pes-
quisa crítica e interdisciplinar capaz de dar visibilidade social às problemáticas relevantes do mundo do
trabalho. Nosso objetivo desde 2008 nos Seminários do Trabalho é dar oportunidade de manifestação e
discussão aos jovens pesquisadores da Iniciação Científica e pós-graduação (mestrado e doutorado) que
estudam o trabalho no Brasil e no mundo.
Cada volume dos Anais do XII Seminário do Trabalho contém a riqueza de temas pesquisados pelos
participantes, reunindo uma variedade de perspectivas disciplinares tratando do mundo do trabalho no
Brasil. Agradecemos a todos que acreditaram na possibilidade de realização virtual do XII Seminário do
Trabalho.
Resumo: Este trabalho tem como objetivo investigar a mobilização política dos marinheiros da Marinha de Guerra do Brasil que atua-
ram no contexto da Guerra da Coreia (1950-1953), quando se debatia no país, se o Brasil deveria participar do conflito asiático. Esta
abordagem tem como ponto de partida o pós-guerra e o desencadeamento da Guerra Fria, momento em que este confronto ideológi-
co e multifacetado politicamente ganha contornos de um conflito entre capitalismo x comunismo, e que na ocasião esteve próximo
de uma guerra nuclear. Se o perigo comunista havia sido a justificativa do presidente Getúlio Vargas para instaurar a ditadura do
Estado Novo; na Guerra da Coreia, o inimigo continuava sendo o mesmo, mas agora na península coreana em que se confrontavam
militarmente o norte comunista e o sul capitalista. Esta abordagem tem como objetivo central verificar a hipótese de que um grupo
de marinheiros de esquerda e muitos deles pertencentes ao Antimil (Setor Militar do PCB) atuaram e desenvolveram sua ação po-
lítica com a finalidade de impedir que o governo brasileiro enviasse uma força expedicionária para combater na Guerra da Coreia.
Em suma, buscaremos entender o processo de luta e mobilização bem como o mecanismo de repressão institucional que se abateu
contra os marinheiros na Marinha de Guerra Brasileira, assim como analisar as graves violações aos direitos humanos que lhes foi
infligidas como desdobramento de seu posicionamento político da não-participação das Forças Armadas na Guerra da Coreia.
Palavras-chave: Marinheiros. Esquerda Militar. Guerra da Coreia.
INTRODUÇÃO
A Guerra Fria, como é de conhecimento de muitos pesquisadores da área das Ciências Humanas e da
Teoria Social, engloba diferentes atores, assim como são diversas as versões. O historiador Eric Hobsbawm
trata da Guerra Fria em um dos capítulos de uma de suas obras, a saber, ‘Era dos Extremos: O breve século
XX (1914-1991)1 ao indicar que tal conflito envolveu os Estados Unidos da América (EUA) e a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), e que teve início em 1947, logo após o fim da Segunda Guerra
Mundial1. Desse modo, pontua no contexto da Guerra Fria que uma das características das superpotências,
vencedoras da Guerra Mundial, foi a escalada retórica do confronto, ocasião em que aceitaram a distribui-
ção desigual de poder, o que equivalia a um equilíbrio desigual de poder, mas que não era contestado na
sua essência. De acordo com o historiador, a URSS passou a controlar uma parte do globo onde exercia as-
cendência – nas áreas ocupadas pelo Exército Vermelho, tendo influência nas Forças Armadas comunistas
após o fim da Guerra; e os EUA passaram a controlar e ter predominância sobre os demais países capitalis-
tas, ou seja, o hemisfério norte, oceanos e “o que restava da velha hegemonia imperial das antigas potências
coloniais”, além de não intervir na zona de hegemonia soviética (HOBSBAWM, 1995, p. 224).
Numa outra vertente da Teoria Social, desenvolvida pelo pesquisador brasileiro Paulo Vizentini, autor
de diversos estudos e publicações, nos apresenta o litígio da Guerra da Coreia dentro do contexto da Guerra
Fria. Nesse aspecto, ele aponta os EUA como o principal responsável pela grande escalada e proporção do
conflito. Após se estabelecerem como um “exército de ocupação” nas áreas limítrofes do território coreano,
os EUA tomaram para si a incumbência de desmantelar a guerrilha esquerdista antijaponesa dos coreanos,
e ao estabelecer uma divisão com os soviéticos sobre a partilha do território, colocou no poder um dirigente
1 Hobsbawm (1995) assinala que a escalada da Guerra Fria em 1947 por parte dos EUA levou a URSS a mudar os planos de des-
mobilizar o seu efetivo militar.
2 Como é o caso do livro A guerra da Coreia: nem vencedores nem vencidos da autoria de Stanley Sandler que foi publicado pela
Editora Bibliex (Biblioteca do Exército) em 2009.
3 No dia 25 de junho de 1950, os norte-americanos conseguiram passar uma resolução no Conselho de Segurança das Nações
Unidas que configurava a ação norte-coreana como agressão, e dois dias depois, no dia 27, uma nova resolução pedia que os
países-membros da ONU usassem todos os meios possíveis para reverter a situação na península ao status quo anterior ao ata-
que norte-coreano. O governo norte-americano, assim, instrumentalizava a bandeira da referida organização visando combater
o comunismo (ALVES, 2007, p. 135).
4 Maurício Gomes da Silva trata do debate entre os praças das Forças Armadas ao trabalhar o debate que se realizava na Casa
dos Sargentos do Brasil. Para maiores detalhes consultar: Foices, Martelos e Fuzis: A Militância Comunista na Casa do Sargento
do Brasil (1949-1950). 2009. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História) - Centro Universitário Fundação Santo
André.
5 Sodré (2010) afirma que antes das eleições no Clube Militar em 1950, já haviam discussões e debates versando sobre pontos
de interesse estratégico nacional como o problema do petróleo e das demais riquezas nacionais que eram alvos da cobiça
internacional.
6 Alves (2007) aponta que com a eleição de Getúlio Vargas para a Presidência da República em outubro de 1950, a escolha do
ministro da Guerra acabou se inclinando para o presidente do Clube Militar – Estillac Leal – que venceria a chapa oposicionista
de Cordeiro de Farias/Ribas Júnior.
Tal intervenção, um dos atos mais caracterizadores de brutalidade imperialista na sequência dos
muitos da “guerra fria”, vinha servindo como motivo de pressão sobre os países americanos, no
sentido de que enviassem tropas à Coreia. Claro que os Estados Unidos não necessitavam de
reforço militar. Pretendiam usar o conflito para submeter à sua vontade os países de sua órbita
em que surgiam resistências à ação imperialista. No nosso caso, uma das formas de pressão con-
cretizou-se no alarma geral, compelindo-nos a malbaratar as divisas penosamente acumuladas
durante a Segunda Guerra Mundial pelas restrições à importação. (SODRÉ, 2010, p. 379)
O celeuma sobre a publicação do artigo em questão entre os militares foi grande, e gerou uma reação
conservadora e de oposição à diretoria do Clube Militar. Ali se confrontaram de um lado, os assim chama-
dos “nacionalistas”, à esquerda do espectro ideológico e contrários à participação brasileira na Guerra da
Coreia, e; de outro, os “liberais” ou “conservadores” que eram favoráveis ao envio de soldados brasileiros
ao conflito em questão. Estes últimos faziam parte ou eram simpatizantes da Cruzada Democrática7, fac-
ção alinhada aos interesses norte-americanos. Deste modo, os pleitos no Clube Militar se refletiram nos
debates realizados na imprensa brasileira, onde se tomaram posições, muitas vezes extremas e apaixonadas
sobre a participação do país no conflito asiático.
O confronto entre as agendas da oposição e da situação no Clube Militar seria alçado a outro patamar
com a eleição e posse de Getúlio Vargas para a Presidência da República. Contudo, era bom lembrar, que
houve uma repressão do governo Dutra contra membros e simpatizantes alinhados aos nacionalistas na re-
ferida associação, ocasião em se fizeram transferências de militares para lugares distantes. Quando Estillac
Leal tomou posse como ministro da Guerra, o mesmo não teve força suficiente para cancelar ou impedir as
mudanças realizadas no Gabinete anterior. Nelson Werneck Sodré assim relata que as posições do ministro
da Guerra em 1951 já estavam se enfraquecendo “na medida em que o dispositivo militar lhe permanecia
estranho e em que o governo cedia às pressões internas e externas, recuando excessivamente” (SODRÉ,
2010, p, 387). Para ele, essa disputa entre à esquerda e à direita militar no Clube Militar seria mantida nos
anos seguintes e, em 1952, já com a questão do envio de uma força expedicionária asiática resolvida com a
decisão de não ir à guerra, a Cruzada Democrática, organizada em março de 1952, vence o pleito e impede
à reeleição da chapa Estillac Leal-Horta Barbosa8.
DESENVOLVIMENTO
O debate sobre a participação ou não dos brasileiros no teatro de guerra coreano também aconteceu nas
associações de classe que reuniam praças como as que ocorriam principalmente na Casa dos Sargentos do
Brasil. Os trabalhos do pesquisador Paulo Ribeiro da Cunha e de Maurício Gomes da Silva oferecem pistas
sobre a atuação política dos subalternos e apresentam ao público um grupo de militares de esquerda e co-
munistas que atuavam nas principais corporações militares do Brasil e, mais especificamente, na Marinha
de Guerra brasileira, que se reuniam em torno do Antimil, objeto de estudo do Projeto de Doutoramento.
Tal organização, segundo Cunha (2014) foi fundada em 1929 e pertencia ao Partido Comunista Brasileiro
7 Cunha (2014) explica que a Cruzada Democrática era um grupo militar de extrema-direita vinculado a UDN, organizado em 1952
com o objetivo de combater o setor nacionalista e de esquerda no Clube Militar.
8 8 Para Sodré (2010) a derrota da chapa nacionalista fazia parte de uma agenda em que o debilitamento de Getúlio Vargas e a
mudança de governo passavam pelas eleições no Clube Militar. “Dominando os meios de comunicação, a imprensa, o rádio, a te-
levisão, dominando a estrutura econômica e financeira e extensas áreas do poder, restava apenas extinguir o foco de resistência
militar, completando tarefa que vinha sendo metodicamente executada” (SODRÉ, 2010, p. 396).
[...]. Naquela ocasião, houve inclusive uma deliberação do setor Antimil junto aos marujos para que
os cruzadores Tamandaré e Barroso, recém-adquiridos e prontos a serem incorporados a armada,
não seguissem dos Estados Unidos diretamente para o teatro de guerra coreano, como suspeita-
va-se acordado na época entre ambos os governos. Em face das fortes pressões internas contra
a intervenção brasileira no conflito, abortou-se aquela possibilidade de implementação do acordo.
Tudo indica que haveria uma sublevação organizada em contrário daquela ação, se prevalecesse o
acordo denunciado para a intervenção. (CUNHA, 2002, p. 249)
Nelson Werneck Sodré indica que após a decisão tomada pelo governo brasileiro de não enviar uma for-
ça expedicionária para a Guerra da Coreia foi iniciado um processo de repressão aos militares nacionalistas
e de esquerda, e que se voltou contra a tropa e os quartéis acabaram se modificando, tornando-se locais
de torturas, oficiais transformaram-se em carrascos e tudo com a conivência dos comandantes militares,
e que também atingiu os subalternos e os praças da “ultraconservadora” Marinha de Guerra brasileira9. As
violências contra os militares, portanto, acabaram se espalhando pelas três forças militares, especialmente
as direcionadas contra os marinheiros ligados aos grupos de esquerda. Muitos desses relatos constam em
processos cujas minutas chegaram ao conhecimento do público como forma de denúncia no documento
Depoimentos Esclarecedores sôbre os Processos dos militares publicados em dois volumes no ano de 1953·.
Uma das hipóteses desse trabalho, é que, face a intervenção dos marinheiros, entre outros militares, de-
corre o posicionamento do governo brasileiro de não enviar uma força expedicionária para lutar no “teatro
de guerra” coreano. Porém, a hipótese maior que orienta esta proposta de pesquisa é de que foi este grupo
de marinheiros de esquerda pertencentes ao Antimil, que atuaram e desenvolveram sua ação política com a
finalidade de impedir que o governo brasileiro enviasse uma força expedicionária para combater na Guerra
da Coreia, tendo ainda, entre os demais objetivos da pesquisa:
* Identificar como os grupos de marinheiros de esquerda se mobilizaram politicamente no contexto do
debate da Guerra da Coreia.
* Investigar as torturas e violações aos direitos humanos cometidas contra os marinheiros punidos
entre os anos de 1950-1953.
Nos últimos anos foram produzidos alguns trabalhos acadêmicos de boa qualidade que tem a Guerra
da Coreia como objeto de pesquisa. Dentre esses, temos o da autoria de Jayme Lucio Fernandes Ribeiro
(2003) que se debruçou sobre a “Campanha pela Proibição das Armas Atômicas” articulada pelo PCB no
ano de 1950. O pesquisador indica que tal movimento foi gestado nos encontros dos “Partidários da Paz”,
em Estocolmo – Suécia – e, seguiu a linha pacifista do Partido Comunista da União Soviética que buscou
9 Paulo Ribeiro da Cunha (2002) aponta que cerca de 1000 militares chegaram a ser presos e, muitos deles, expulsos. Maurício
Gomes da Silva (2009) informa com base em entrevistas concedidas por ex-militares que a repressão aos militares se acentuou
em 1952.
[...] Manifesto pela Paz na cidade de São Paulo (1949), o movimento Nacional pela Proibição das
Armas Atômicas (1950-1951), o Segundo Congresso Brasileiro pela Paz (1950), o Congresso do
Movimento Brasileiro dos Partidários da Paz, a coleta de assinaturas para a Campanha em Prol
do Conselho Mundial pela Paz (1951 e 1952), o Movimento Carioca pela Paz (1953), a campanha
contra a Guerra na Coréia e a atuação dos inúmeros Comitês Pró-paz, como o da cidade de Santos
(1952).
As atividades dos comunistas brasileiros na luta pela paz ganharam pouco espaço na imprensa escrita
nacional (SOTANA, 2010, p. 226).
No entanto, apesar dessa “suposta invisibilidade” dos comunistas na imprensa brasileira, percebe-se
que entre as poucas publicações que davam algum tipo de destaque para o envio ou não de marinhei-
ros para o front coreano, estavam publicações comunistas como a Voz Operária, e um jornal clandestino
que circulava nas embarcações da Marinha denominado de Marinha Vermelha11, sem maiores referências.
Apesar da importância do tema para a compreensão da conjuntura do pós-guerra, percebe-se que há muito
que ser levantado e pesquisado.
Inicialmente, tendo ainda a finalidade de justificar a proposta do Projeto de Pesquisa, nos amparamos
na constatação de Antônio Carlos Peixoto sobre os estudos até então realizados sobre a temática dos fenô-
menos e das intervenções militares ao lado do papel político das Forças Armadas:
[...] os trabalhos que tendem a fornecer uma explicação da intervenção militar são poucos nu-
merosos, sobretudo se considerarem a importância e a complexidade do problema. Seu poder
explicativo é desigual e sob muitos aspectos insuficientes. Nenhum deles conseguiu reunir ele-
mentos suficientes para esclarecer, simultaneamente, a natureza e as características intrínsecas
da instituição militar brasileira, de seu desenvolvimento histórico e de suas manifestações políti-
cas. Todos esses trabalhos indicam certamente a necessidade de maior abrangência nesse tipo
de pesquisa, através do aprofundamento dos esquemas explicativos em referência a situações
históricas concretas em que a intervenção militar, qualquer que tenha sido seu nível, aparece de
forma nítida. [...] Na realidade carecemos de estudos históricos capazes de servir à elaboração de
modelos mais consistentes. Isso aponta evidentemente para necessidade de desenvolver a pes-
quisa histórica, ainda que limitada a momentos e aspectos circunstanciais e parciais do fenômeno
militar. (PEIXOTO, 1980, p. 27-28).
Este objeto de estudo procura resgatar a projeção política dos movimentos de grupos militares de es-
querda nas Forças Armadas, em especial os marinheiros. Nesse sentido, ao analisar a produção de estudos
acadêmicos, Antônio Carlos Peixoto ainda assinala que, o estudo das sucessivas intervenções militares e
do papel das Forças Armadas como ator político, levou a construção de um certo número de modelos que
procuraram apresentar quadros analíticos explicativos do fenômeno militar. O autor indica que, a despeito
das diferentes contribuições, as interpretações realizadas “revela muitas lacunas; ao mesmo tempo, certas
questões de primeira ordem foram deixadas de fora do conjunto da reflexão e do quadro analítico propos-
to” (PEIXOTO, 1980, p. 27).
10 Dentre os trabalhos consultados, Ribeiro (2003) parece ter sido o único pesquisador que utilizou, até o momento em se redige
esse projeto de pesquisa, os jornais comunistas como fonte de pesquisa.
11 Quem oferece maiores detalhes sobre essa publicação é Cunha (2002).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Guerra da Coreia (1950-1953) está inserida no rol dos grandes conflitos do século XX e que con-
tou com oponentes militares, políticos e ideológicos que representavam visões antagônicas sobre a geo-
política mundial. Neste aspecto, compreender a dinâmica que envolveu a agenda de enviar uma força
12 Há outras leituras que talvez sejam derivadas das concepções Institucional/Organizacional e Instrumental. Assim, a concepção
notadamente defendida por Alfred Stepan afirma que os militares exercem o Poder Moderador. A variante defendida por Oliveiros
Ferreiros desenvolve o conceito de Partido Fardado, fazendo analogia com a ação unificada da Instituição Militar; a Esquerda
Militar e o Partido Militar.
13 Pesquisa documental.
REFERÊNCIAS
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ALVES, V. C.; AMARAL, P. A. O processo decisório em política externa: a decisão de enviar tropas à Guerra da Coréia. XXVII Simpósio Nacional
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São Paulo: FAPESP, 2002.
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Depoimentos esclarecedores (Sôbre as prisões de militares). Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Defesa dos Direitos do Homem, 1952.
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HOBSBAWN, E. A era dos extremos. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
PEIXOTO, A. C. O Clube Militar e os confrontos no seio das Forças Armadas (1945-1964). In: ROUQUIÉ, Alain (Org.). Os partidos militares no
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RIBEIRO, J. F. Os “Combatentes da Paz”: a participação dos comunistas brasileiros na Campanha Pela Proibição das Armas Atômicas (1950). 2003.
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Curso (História), Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Centro Universitário Fundação Santo André, Santo André.
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SOLANA, E. C. A paz sob suspeita – representações jornalísticas sobre a manutenção da paz mundial, 1945-1953. 2010. 272f. Tese de Doutorado
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Zenha (Orgs.) Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, pp. 195-225. (O século XX; v. 2).
Resumo: No final da década de 1960, a lógica de autorreprodução expansiva do capital começa se esgotar, e mais precisamente a
partir de 1973, as taxas de lucro do sistema como um todo passaram a decrescer de forma contundente. Entre outros fatores, esse
decréscimo gerou uma crise sem precedentes na história do capitalismo (distinta de todas as demais), que conforme Mészáros
(2002), trata-se de uma crise de natureza estrutural. Chesnais (1996) descreve esse novo momento como de “mundialização do ca-
pital” e de “finança mundializada”; etapa do sistema capitalista marcada pela financeirização da economia, em que há a passagem
de um regime de acumulação do capital centrado na esfera da produção para um regime com hegemonia financeira. Neste sentido,
este trabalho trata-se de um estudo bibliográfico baseado na perspectiva histórico-materialista, que teve como principal aporte teó-
rico as contribuições de Chesnais (1996, 2001, 2005, 2015); Mészáros (2002, 2007, 2011); Alves (2016), entre outros.
Palavras-chave: Crise Estrutural. Mundialização do Capital. Financeirização.
INTRODUÇÃO
É por entendermos que a base de sustentação da dinâmica capitalista contemporânea envolve a interre-
lação entre crise estrutural, movimento de mundialização do capital e financeirização, que se coloca como
premente reconhecer que esse debate não pode estar apartado das particularidades da referida dinâmica
capitalista.
E como hoje há um protagonismo da forma financeira do capital, que está atrelado a uma transforma-
ção estrutural do capitalismo e a um movimento de mundialização do capital, este artigo buscará com-
preender a articulação entre esses fenômenos.
Para tanto, inicialmente, caracterizaremos o processo de desregulamentação do sistema financeiro; na
sequência, analisaremos os elementos constitutivos da crise estrutural do capital; e por fim, daremos des-
taque ao movimento de mundialização do capital e à marca da financeirização.
Entre 1944 e 1971, vigorou o acordo de Bretton Woods ou as regras para as relações comerciais e finan-
ceiras entre os países mais industrializados do mundo (44 nações aliadas). Processo esse que ficou conhe-
cido como o de uma “nova ordem mundial”, foi o primeiro exemplo na história, de uma ordem monetária
totalmente negociada, a partir do final da Segunda Guerra Mundial. Bretton Woods definiu o “padrão-
-dólar” ou um sistema fixo (porém ajustável), em que a moeda americana era fixada em ouro, enquanto as
outras moedas corrigiam sua paridade em relação ao dólar, com possibilidade de haver paridades cambiais
(ajustes consentidos, majoritariamente, pelos EUA). Na época (fins da Segunda Guerra), os EUA eram a
economia credora de praticamente todos os países aliados:
O sistema de Bretton Woods foi baseado na convicção de que era necessário restabelecer, da for-
ma mais completa possível, a existência de uma moeda internacional com todos os seus atributos
[do ouro]. O sistema adotado conferia ao dólar um papel central, ao lado do ouro e, por assim dizer,
representando a este. O dólar estava atrelado ao ouro por uma taxa de conversão fixa, negociada in-
ternacionalmente. Por sua vez, as taxas de câmbio de todas as outras moedas eram determinadas
Além dessa obrigação de os países adotarem uma política monetária de câmbio de suas moedas inde-
xada ao dólar, outra estratégia fruto de Bretton Woods foi a criação do Banco Mundial, do FMI - Fundo
Monetário Internacional, do BIRD - Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento e da
ONU - Organização das Nações Unidas; Outros importantes organismos internacionais foram criados no
pós-segunda guerra (sob a liderança ou forte influência dos EUA) com os objetivos principais de tirar esse
país da crise, reerguer o sistema do capital, reconstruir a Europa e lutar contra a ameaça do chamado socia-
lismo real (Guerra Fria): GATT (hoje OMC) - Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio; do Plano
Marshall - Programa de Recuperação da Europa Ocidental; da OCDE - Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico; da OEA - Organização dos Estados Americanos; da Cepal - Comissão
Econômica para a América latina e o Caribe; do BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento; da
Aliança para o Progresso; da Otan - Organização do Tratado do Atlântico Norte.
O acordo de Bretton Woods durou até 15 de agosto de 1971, quando os EUA, unilateralmente, acabaram
com a conversibilidade do dólar em ouro, momento em que o país entrou em uma nova recessão. O objetivo
era propiciar uma tentativa de recuperação da economia norte-americana, passando-se a adotar o sistema
de taxas de câmbio flutuantes (quando as operações de compra e venda de moedas funcionam sem controle
sistemático do governo e o valor das moedas estrangeiras flutua de acordo com a oferta e a demanda no
mercado). Conforme indicado por Ribeiro (2019):
Durante os anos de ouro do capitalismo – fim da Segunda Guerra Mundial até começo dos anos
1970 – a regulação das operações financeiras esteve ligada a políticas estatais indutoras da de-
manda nos países de capitalismo desenvolvido, assim como nos países dependentes. Essas vias
de valorização foram essenciais para lucros estrondosos, crescimento econômico e taxas de pro-
dutividade crescentes [...] Foi somente na década de 1970 que os freios que regulamentavam o
mundo das finanças foram soltos e uma nova onda expansiva do sistema de crédito empreendeu
o processo de mundialização e financeirização do capital [...] (RIBEIRO, 2019, s/p).
Ao término de uma evolução de vinte anos, são as instituições constitutivas de um capital financei-
ro possuindo fortes características rentáveis que determinam, por intermédio de operações que se
efetuam nos mercados financeiros, tanto a repartição da receita quanto o ritmo do investimento ou
o nível e as formas do emprego assalariado. As instituições em questão compreendem os bancos,
mas sobretudo as organizações designadas com o nome de investidores institucionais: as compa-
nhias de seguro, os fundos de aposentadoria por capitalização (os Fundos de Pensão) e as socie-
dades financeiras de investimento financeiro coletivo, administradoras altamente concentradas
de ativos para a conta de cliente dispersos (os Mutual Funds), que são quase sempre as filiais fidu-
ciárias dos grandes bancos internacionais ou das companhias de seguro (CHESNAIS, 2001, p. 8).
O autor concebe as finanças como algo não autonomizado, isto é, que possui alguma relação com a
produção. Além disso, também aponta que o capital financeiro, enquanto uma dimensão contemporânea,
não é fruto de um movimento próprio. O Estado teve e tem papel preponderante nas ações de liberalização
e desregulamentação do sistema financeiro: “Sem a ajuda ativa dos Estados [...] os investidores financeiros
institucionais não teriam chegado às posições de domínio que sustentam hoje e não se manteriam tão à
Chesnais (2001), observa que apesar de não ser nova a capacidade de acumulação capitalista no setor
financeiro, esta nunca foi tão grande como na referida etapa de mundialização do capital e globalização2.
Os novos “operadores financeiros” são os mais favorecidos nesse processo. Eles não deixam de se interessar
pelos ativos industriais, mas enfatizam os esforços na rentabilidade de seus ativos financeiros. Ademais,
chama atenção para a figura do rentista, que cresce muito mais a partir da década de 1970 e cuja prioridade
está em aplicações de curto prazo (como papéis, títulos de dívida pública, ações e outros mecanismos desta
natureza), que desviam recursos da esfera produtiva, para operar na esfera financeira. Assim como nos
alerta para o fato de que as formas assumidas pelo movimento de mundialização e a força do capital mo-
netário deixam pouca “margem de manobra” para soluções reformistas, tanto no tocante a medidas sociais
em geral quanto em relação ao desemprego.
Para Chesnais (2001), a extinção do acordo de Bretton Woods em 1971 e a consequente liberalização do
setor das finanças, fundam a formação de um novo período no regime de acumulação. Ter isso como ponto
de partida é fundamental para o entendimento da dominância financeira contemporânea. Segundo o eco-
nomista, trata-se do primeiro grande momento da mundialização do capital, este da desregulamentação
ou liberalização monetária3.
A década de 1970 significou, portanto, o que também ficou conhecido como processo de financeiriza-
ção ou a tentativa do capital financeiro remediar a queda da taxa de lucro e a crise estrutural do sistema.
Assim, nos alerta Alves (2016):
Temos salientado que, sob o capitalismo global [...], a crise estrutural de valorização do capital,
que se manifestou com vigor na crise de 1973/1975, e que aparece como pressuposto fundante e
fundamental das crises de hegemonia financeira do capitalismo global nos últimos 30 anos – pelo
menos desde 1986 – pode ser explicada pelo movimento contraditório da ‘lei’ tendencial de queda
da taxa média de lucro no plano do mercado mundial, originalmente exposta por Karl Marx no Livro
III de ‘O capital – Crítica da Economia Política’ (ALVES, 2016, p. 33, grifos do autor).
1 O fim dos “30 anos gloriosos” (Estado de bem-estar social ou Welfare State) significou o fim do período de crises cíclicas e a
eclosão da crise estrutural do capital (a ser abordada no próximo tópico). Portanto, o deslocamento de investimentos da esfera
da produção industrial para a esfera das finanças teve essa causalidade fortemente objetiva e material.
2 “Nada é mais seletivo que um investimento ou um investimento financeiro que procura rentabilidade máxima. É por isso que
a globalização não tem nada a ver com um processo de integração mundial que seria um portador de uma repartição menos
desigual das riquezas” (CHESNAIS, 2001, p. 12).
3 Até a entrada dos anos de 1970, esse setor era regulado pelo Estado em todas as economias de mercado. Dessa forma, desde
a crise de 1929 (Quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque), os mercados financeiros encontravam-se presos a essa lógica
regulatória.
Até o final dos anos 1960, o que se tinha era a ocorrência de crises parciais, a produção e autorreprodu-
ção ampliada do capital, a expansão do consumo e a conquista de novos territórios ou espaços de mercado.
Com a entrada dos anos 1970, o que há é uma crise sem precedentes na história do capitalismo, distinta de
todas as demais, conforme Mészáros (2002):
Em termos simples e gerais, uma crise estrutural afeta a totalidade de um complexo social em
todas as relações com suas partes constituintes ou subcomplexos, como também a outros com-
plexos aos quais é articulada. Diferentemente, uma crise não-estrutural afeta apenas algumas
partes do complexo em questão, e assim, não importa o grau de severidade em relação às partes
afetadas, não pode pôr em risco a sobrevivência contínua da estrutura global (MÉSZÁROS, 2002,
p. 797, grifo do autor).
Na esteira de Mészáros (2002), Antunes (2003), reúne o conjunto de fatores, uns característicos do
contexto de inserção da crise estrutural e outros, como tentativa de respostas do Estado: 1- decréscimo da
lucratividade do capital global (ou queda das taxas de lucro); 2- esgotamento do modelo produtivo taylo-
rista-fordista; 3- hipertrofia da esfera financeira (em detrimento dos padrões de produtividade centrados
nos parques industriais) ; 4- alta concentração de capitais e necessidade de abrir novos nichos de mercado;
5- crise do Estado de bem-estar social e crise fiscal; 6- acentuação no processo de privatizações (além da
desregulamentação das leis trabalhistas e da flexibilização das relações de trabalho). Trata-se de um con-
junto de ações e reações das forças do capital para tentar mitigar os efeitos de sua crise estrutural.
Ao longo de seu processo de acumulação, a autorreprodução ampliada do capital, por meio da produção
abundante, correspondeu ao período de ascendência do sistema. Na concepção de Mészáros (2002), nesse
período, houve uma enorme ampliação da riqueza da sociedade como um todo. Totalmente ligada à sua
lógica expansiva, significou a fase “civilizatória” do capitalismo:
4 Assentados em Mészáros, também utilizaremos as análises de Antunes (2003), Paniago (2000) e Alves (2016).
5 György Lukács nasceu na Hungria em 1885 e faleceu em 1971. Filósofo influente e militante, produziu durante cerca de 50 anos,
sendo muito conhecido na Europa. Suas obras da maturidade tardia são A Estética e Para a Ontologia do Ser Social.
6 Ou seja, acerca da natureza e da gênese do capitalismo (na esteira de Lukács e sua ontologia do ser social).
O bloqueio de novos territórios sobre os quais o capital poderia estender seu domínio e aos quais
poderia ‘exportar’ suas contradições, ativa os limites absolutos e a simultânea crise estrutural do
sistema. Consequentemente, a necessidade inevitável de assegurar a administração sustentável
das condições de controle sociometabólico e da produção no contexto global adequado, se revela
como algo irremediavelmente além do alcance do capital, não importa até onde e quão perigosa-
mente se extralimite o sistema. É assim que desde o início, a incontrolabilidade estrutural inerente
do capital, como modo de controle, fecha o seu círculo [...] (MÉSZÁROS, 2002, p. 259, grifos do
autor).
Foi assim, com a entrada dos anos 1970, que se esgotou a referida fase expansiva e abriu-se espaço para
a crise estrutural do capital, em que o intervencionismo estatal choca-se com: a queda crescente da taxa
de lucros, a crise fiscal/financeira do Estado e a alta inflação7, o que se soma aos dois choques petrolíferos
(aumento dos preços em 1973 e 1979, e o fato de os árabes terem embargado a exportação dessa matéria-
-prima para o Ocidente). Processo fruto de um período em que há um profundo conflito entre a capacidade
de acumulação e exploração do capital. Acerca da responsabilização da referida crise, Paniago (2000) tece
essas pertinentes considerações:
O Estado passou [...] a ser responsabilizado sobremaneira pela eclosão da crise, ou seja, por ter se
envolvido demasiadamente com os gastos sociais, que acabaram por produzir uma crise fiscal e
uma incapacidade estatal de sustentar o grau alcançado de envolvimento com a economia e com
o fornecimento de benefícios sociais indiretos aos trabalhadores (PANIAGO, 2000, p. 126).
Contudo, fundamentada em Mészáros (2002) e com base no tripé de sustentação do capitalismo (ca-
pital-Estado-trabalho assalariado), a autora nos lembra da relação de complementariedade entre Estado e
capital (uma verdadeira relação ‘simbiótica’); sendo, portanto, equivocada essa análise liberal que atribui ao
Estado a culpa pela eclosão da crise dos anos 1970:
7 O aumento do preço do petróleo conduziu a um aumento da inflação e a Europa entra numa fase denominada de estagnação
(combinação de recessão com aumento da inflação). Outro agravante daquele contexto e que precedeu a alta do petróleo em
1973, foi a desvalorização do dólar americano (que serviu de referência a todas as economias ocidentais entre 1944 e 1971),
quando perdeu a sua paridade relativa ao ouro (CANO, 2000).
Nesse sentido, nos termos do teórico húngaro Mészáros, um dos fundamentos da crise estrutural é o
esgotamento das medidas corretivas que o sistema do capital sempre promoveu para responder suas con-
tradições imanentes. Trata-se da ‘tríplice contradição’ ou do trio de dimensões fundamentais8 do capital
em relação à produção: controle, consumo e circulação/distribuição/realização; as quais sempre exigiram
(durante a expansão do sistema) ‘remédios’ que restabelecessem o equilíbrio ameaçado a cada crise parcial.
Nesse sentido, o modo do sistema do capital
“[...] de lidar com contradições é intensificá-las, transferi-las para um nível mais elevado, deslocá-
-las para um plano diferente, suprimi-las quando possível, e quando elas não puderem mais ser
suprimidas, exportá-las para uma esfera ou um país diferente. É por isso que o crescente bloqueio
no deslocamento e na exportação das contradições internas do capital é potencialmente tão peri-
goso e explosivo (MÉSZÁROS, 2002, p. 800).
De crise em crise cíclica, o conjunto de ações saneadoras e deslocadoras da ‘contradição tríplice’ foi
perdendo força e ficando insuficiente ou mesmo inviável, a exemplo de guerras mundiais e da expansão do
capital para países da periferia capitalista. Ademais, diferentemente das crises cíclicas, que, enquanto crises
apenas parciais, facilmente adiavam as contradições próprias do capital, a partir da crise estrutural,
significa simplesmente que a tripla dimensão interna da auto expansão do capital exibe pertur-
bações cada vez maiores [...] quando os interesses de cada uma deixam de coincidir com os das
outras, até mesmo em última análise. A partir deste momento, as perturbações e ‘disfunções’ an-
tagônicas, ao invés de serem absorvidas/dissipadas/desconcentradas e desarmadas, tendem a se
tornar cumulativas e, portanto, estruturais, trazendo com elas um perigoso bloqueio ao complexo
mecanismo de deslocamento das contradições [...] (MÉSZÁROS, 2002, p. 799-800, grifos do autor).
Ainda segundo Mészáros, o sistema do capital, que é orientado para a expansão e movido pela acumu-
lação, não admite restrições e limites impostos ao curso de sua trajetória; apenas aceita ajustes, mudanças
provisórias, que não impeçam essa lógica expansiva. As contradições que lhe são inerentes sempre foram
postergadas, principalmente durante sua fase de forte expansão.
Todavia, em fins dos anos 1960, mesmo diante de um equilíbrio provisório, fruto das políticas do
Welfare State, a lógica de autorreprodução iminentemente expansiva do capital começa a esbarrar nos
limites do mercado consumidor, do próprio esgotamento de continentes a explorar e, principalmente, do
desemprego crônico. O que passa a ocorrer a partir daí, é o abalo na funcionalidade da estrutura do sistema
do capital (colocando em risco sua própria existência sóciometabólica). Nessa perspectiva, o filósofo hún-
garo alerta para a ‘novidade histórica’ dessa crise, reunida em quatro elementos fundamentais:
1) seu caráter é universal, em lugar de restrito a uma esfera particular [...]; 2) seu alcance é verda-
deiramente global [...] em lugar de limitado a um conjunto particular de países [...]; 3) sua escala
de tempo é extensa, contínua, se preferir, permanente, em lugar de limitada e cíclica [...]; 4) em
contraste com as erupções e os colapsos mais espetaculares e dramáticos do passado, seu modo
de se desdobrar poderia ser chamado de rastejante [...] (MÉSZÁROS, 2002, p. 796, grifos do autor).
8 Conjunto de defeitos estruturais ou no dizer de Mészáros (2002), a contradição entre produção/controle, produção/consumo e
produção/circulação. O filósofo marxista húngaro analisa mais detalhadamente essa questão no capítulo 2/parte 1, de sua obra
Para Além do Capital.
Uma dimensão crucial da crise estrutural de valorização do valor é que ela se manifesta no plano
da aparência sistêmica, como crise crônica de superprodução – não se trata de mais uma crise
histórica de superprodução que caracteriza ininterruptamente a evolução histórica do capitalismo
moderno, mas sim, a crise estrutural – crônica e rastejante de superprodução do capital, que lança
a sociedade a um estado de barbárie social (crise de civilização) (ALVES, 2016, p. 37).
Voltando a tratar da ‘tríplice contradição’ interna da auto expansão do capital, a disjunção entre pro-
dução e controle está na base fundamental desse sistema, uma vez que ela se dá com a perda do controle do
trabalhador (produtor real) sobre o processo e o produto do seu trabalho. Acerca disso, Mészáros (2002),
assentado em Marx (2013), chama atenção para a separação direta entre quem produz e quem controla a
produção, já que os produtores apenas executam e em nada concebem ou planejam sobre o que e o como
será produzido. Essa ruptura permitiu ao sistema do capital que suas forças produtivas se desenvolvessem
de forma nunca antes vista em nenhum outro modo de produção:
[...] uma vez realizada a separação forçada do trabalhador de seus meios de produção (e autor-
reprodução), foi aberto o caminho para um desenvolvimento incomparavelmente mais dinâmico.
Dessa forma, os objetivos da produção não mais estão diretamente atados (e subordinados) às
limitações do consumo dado, mas podem antecipar-se significativamente a ele, estimulando,
na forma de sua nova reciprocidade, tanto a produção como a ‘demanda conduzida pela oferta’
(MÉSZÁROS, 2002, p. 660, grifo do autor).
A partir do momento em que houve a separação radical entre quem produz e quem controla a produ-
ção, a decisão do que é produzido passou a ser orientada pela lógica do capital ou pela subordinação do
valor de uso dos produtos (úteis às necessidades humanas) ao seu valor de troca. Um outro problema dessa
cisão é o fato de que a produção no capitalismo assume uma lógica reprodutiva com ausência de sujeitos au-
todeterminados, pois ambas as classes (trabalhador e capitalista) estão sujeitas aos imperativos dessa lógica,
apesar de exercerem papeis distintos no sistema como um todo. Ou seja, o trabalhador/produtor/sujeito real
é alienado (do processo produtivo) e capitalista/dono da produção/sujeito alienador não pode se constituir
como sujeito de fato, como bem explica Mészáros:
O sistema do capital se baseia na alienação do controle dos produtores. Nesse processo de alie-
nação, o capital degrada o trabalho, sujeito real da reprodução social, à condição de objetividade
reificada – mero ‘fator material de produção’ [...] Para o capital, entretanto, o problema é que o
‘fator material de produção’ não pode deixar de ser o sujeito real da produção. Para desempenhar
suas funções produtivas [...] o trabalho é forçado a aceitar um outro sujeito acima de si, mesmo
que na realidade este seja apenas um pseudo-sujeito [...] (MÉSZÁROS, 2002, p. 126, grifo do autor).
Assim, o capitalista comanda todo o processo produtivo e reprodutivo do sistema do capital, o que
significa que há o controle desse metabolismo social por parte de suas personificações; mas ao mesmo
tempo, o capitalismo não consegue resolver suas contradições vitais de forma duradoura, muito menos eli-
miná-las. Daí decorre uma segunda ruptura, não menos importante, qual seja, entre produção e consumo.
Ao não ser guiado pelo atendimento das reais necessidades humanas, no capitalismo, produção e consumo
podem ser inteiramente separados, pois, o que simplesmente importa é a lucratividade. Com a “[...] mais
desumana negação das necessidades elementares de incontáveis milhões de pessoas” (MÉSZÁROS, 2002, p.
105), o consumo passa a ocupar lugar determinante no conjunto do ciclo de reprodução do capital.
Dessa forma, a necessidade de dominação e subordinação prevalece [...] por meio da atuação de
cada uma das ‘personificações do capital’ – mas também fora de seus limites, transcendendo não
somente todas as barreiras regionais, mas também todas as fronteiras nacionais. É assim que
a força de trabalho total da humanidade se sujeita [...] aos imperativos alienantes do sistema do
capital global” (MÉSZÁROS, 2002, p. 105, grifos do autor).
Dentro do sistema do capital global, os Estados nacionais em suas fronteiras também nacionais se
distribuem em dois padrões, quais sejam, nações metropolitanas/centrais e a periferia subdesenvolvida.
Isso significa que se estabelece uma hierarquia que corresponde a um sistema internacional de dominação,
exploração e subordinação entre ambos os padrões. Ou no dizer de Mészáros “em casa [nos países centrais]
um padrão de vida bem mais elevado para a classe trabalhadora – associado à democracia liberal – e, na
‘periferia subdesenvolvida’, um governo maximizador da exploração [...]” (MÉSZÁROS, 2002, p. 111, grifo
do autor).
Nesses níveis de problema, constata-se o que Mészáros chama de defeitos estruturais do capital: an-
tagonismos que não podem ser eliminados (são insanáveis ou inrreformáveis), justamente porque são es-
truturais, a não ser pela eliminação da raiz do problema – a relação social capital-trabalho. Fato também
destacado por Mészáros é que há uma completa falta de unidade entre as três contradições supracitadas
– produção/controle, produção/consumo e produção/circulação – e que nos três casos, o Estado moderno
sempre tenta corrigir essa ausência, cumprindo seu papel totalizador de complementariedade em relação
ao sistema do capital.
Ainda acerca da ‘tríplice contradição’, Mészáros chama atenção para a tendência da ‘taxa de utilização
decrescente do capital’, cuja lei atinge de forma negativa as três dimensões principais da produção e do
consumo no capitalismo: bens e serviços, instalações e maquinaria e a própria força de trabalho. Sobre
a primeira delas, uma das faces dessa dimensão destrutiva do capital é a ‘obsolescência planejada’ das
mercadorias:
[...] as mercadorias destinadas ao ‘alto consumo de massa’ deixam de ser suficientes [...] Torna-se,
desse modo, necessário divisar meios que possam reduzir a taxa pela qual qualquer tipo particular
de mercadoria é usada, encurtando deliberadamente sua vida útil, a fim de tornar possível o lança-
mento de um contínuo suprimento de mercadorias superproduzidas no vórtice da circulação que
se acelera. A notória ‘obsolescência planejada’, em relação aos ‘bens de consumo duráveis’ produ-
zidos em massa; a substituição, o abandono ou o aniquilamento deliberado de bens e serviços que
oferecem um potencial de utilização intrinsecamente maior (por exemplo, o transporte coletivo)
em favor daqueles cujas taxas de utilização tendem a ser muito menores, até mínima (como o au-
tomóvel particular) e que absorvem uma parte considerável do poder de compra da sociedade [...]
(MÉSZÁROS, 2002, p. 126, grifo do autor).
Ao reduzir a vida útil de um produto ou fabricá-lo de maneira mais frágil, a lógica consumista do capi-
tal obriga que os indivíduos comprem (por mais de uma vez) um mesmo tipo de mercadoria (a exemplo de
eletrodomésticos); ou nos valendo do forte exemplo dos aparelhos celulares, essa lógica influencia o consu-
mo de modelos mais modernos/tecnológicos; e para cada nova produção de um objeto desse, se extrai ou se
destrói mais matéria-prima na natureza.
Isto é, o que existe é a sobreposição das “necessidades da lógica produtiva/destrutiva do capital” às
necessidades humanas, a mais desumana negação da satisfação das necessidades reais em nome de um
[...] que se refere ao uso ou ao não-uso da força de trabalho socialmente disponível, vem a ser a
contradição potencialmente mais explosiva do capital. Pois [...] o trabalho não é apenas um ‘fator
de produção’, em seu aspecto de força de trabalho, mas também a ‘massa consumidora’ tão vital
para o ciclo normal da reprodução capitalista e da realização da mais-valia [...] a taxa de utilização
decrescente da força de trabalho (que se manifesta na forma de desemprego crescente) não pode
ser revertida por fatores e medidas conjunturais. De forma desconcertante para o capital, não se
pode tratar indefinidamente o trabalho como um mero ‘fator de produção’, nem mesmo explorando
ideologicamente a oposição fictícia entre trabalhador e consumidor, de modo a submeter o traba-
lhador em nome da mítica do ‘Consumidor’, com maiúscula. Pois, em última análise [...] ambos são
basicamente o mesmo [...] (MÉSZÁROS, 2002, p. 672-673, grifos do autor).
O filósofo húngaro destaca que quando as ações para afastar as contradições da taxa de utilização de-
crescente referentes às duas primeiras dimensões não surtirem o efeito desejado, “[...] somente então será
ativado o mecanismo de expulsão em quantidades maciças de trabalho vivo do processo de produção. Isto
assume a forma de desemprego em massa, mesmo nos países mais avançados [...]” (MÉSZÁROS, 2002, p.
674).
Na visão do autor de Para além do capital, um dos principais aspectos que torna essa crise diferente
de todas as demais, é justamente a substituição do trabalho vivo por máquinas, como nunca visto an-
tes. Segundo Mészáros (2002), o desemprego é uma das expressões dos limites absolutos9 do capitalismo.
Diante de sua crise estrutural, a reprodução do capital se realizou e se realiza à custa de um vertiginoso au-
mento desse fenômeno do desemprego, que passou a assumir um caráter crônico. Isto é, não mais limitado
a um “exército de reserva” como na época de sua ascensão:
Limitado a um ‘exército de reserva’ à espera de ser ativado para o quadro da expansão produtiva
do capital, como aconteceu durante a fase de ascensão do sistema, por vezes numa extensão
prodigiosa. Agora, a grave realidade do desumanizante desemprego assumiu um caráter crônico,
reconhecido até mesmo pelos defensores mais acríticos do capital como ‘desemprego estrutural’
[...] (MÉSZÁROS, 2003, p. 22, grifos do autor).
Dessa forma, Mészáros chama a atenção para o fato de a acumulação do capital não estar diretamente
dependente do consumo dos trabalhadores supérfluos. Por meio da produção descartável, o capital enca-
minha a contradição de ter que excluir do mercado de trabalho uma grande massa de trabalhadores, ao
mesmo tempo em que necessita do consumidor. Há, portanto, uma contradição insolúvel, uma vez que o
referido sistema precisa manter desemprego e consumo, simultaneamente:
9 Assim, com o domínio universal que o capital assumiu e com o advento de sua crise estrutural, as contradições imanentes ao
sistema do capital são agravadas e repostas sob o que Mészáros chama de limites absolutos/estruturais. Sobre eles, o autor
alerta que “Em primeiro lugar, deve-se enfatizar que a expressão ‘limites absolutos’ não implica algo absolutamente impossível
de ser transcendido, como os apologistas da ‘ordem econômica ampliada’ dominante tentam nos fazer crer para nos submeter
à máxima do ‘não há alternativa’. Esses limites são absolutos apenas para o sistema do capital, devido às determinações mais
profundas de seu modo de controle sociometabólico” (MÉSZÁROS, 2002, p. 220, grifos do autor). Conforme o autor, esses limi-
tes estão expressos num conjunto de quatro antagonismos interligados: o capital transnacional/Estados nacionais, a questão
ecológica/ambiental, a emancipação feminina e o desemprego crônico.
Nesse contexto, em sua incessante busca pelo lucro, o sistema do capital mantém ou aumenta sua pro-
dutividade, mas às custas da redução quantitativa de força de trabalho empregada. Outra característica
dessa realidade catastrófica é que se trata de um problema que atinge o mundo do trabalho em todos os
lugares, não sendo novidade o desemprego nos países de capitalismo avançado, por exemplo.
Mészáros (2011), em sua visão histórica e sistêmica acerca da crise maior do capital (cada vez mais acir-
rada), argumenta que, por ser estrutural, ela é cumulativa, crônica e permanente. Indica ainda, como suas
expressões mais gritantes, o desemprego estrutural (que atinge a todos os países, mesmo os desenvolvidos),
a destruição ambiental (extinção dos recursos naturais e produção excessiva de lixo no planeta) e as guerras
(quando fracassam os métodos “normais” de expansão). Assim, o autor evidencia que, no interior de uma
crise estrutural, o capital enfrenta seus próprios limites.
Como o sistema do capital não pode admitir as causas das crises (pois teria que questionar sua própria
lógica reprodutiva-destrutiva), apenas consegue tentar remediar seus efeitos, assim como ajustar de forma
restrita, os problemas gerados por suas próprias contradições.
A incontrolabilidade que tanto empurrou o sistema do capital para o desenvolvimento de suas forças
produtivas no passado, dos anos 1970 em diante, e nos tempos atuais, de modo mais agudo, não pode mais
encontrar soluções duradouras para as suas próprias contradições. Isto é, houve o esgotamento da fase de
ascendência histórica do capital e as implicações não são nada animadoras para o próprio sistema.
Nessa etapa, os bancos perdem totalmente a predominância, frente às novas instituições financeiras
como os fundos de pensão e fundos mútuos. Estas instituições passam a ser as grandes concorrentes dos
bancos (elemento esse chamado de desintermediação). Consequência das medidas tomadas a partir de
1979, as quais “escancararam” os sistemas financeiros nacionais. Nesse sentido, de 1980 em diante, o
processo de mundialização avançou ainda mais rapidamente e conforme Chesnais, foram três os seus
elementos constitutivos: a desregulamentação monetária, a desintermediação e a abertura dos mercados
financeiros nacionais. Por meio da desintermediação também são favorecidos os mercados de poupança
de clientes que passaram a transferir suas reservas ou apólices de seguro para fundos que oferecessem
mais rentabilidade.
Outra inovação financeira dessa época diz respeito ao processo de “titularização” ou “secutirização”,
que está ligado ao mercado comercial de papéis, cujas operações requerem a emissão de títulos de crédito;
isto é, técnicas de financiamento mediante emissão de títulos. Trata-se de uma prática financeira que con-
siste em agrupar vários tipos de ativos financeiros, convertendo-os em títulos padronizados negociáveis
no mercado de capitais interno e externo. A dívida é, portanto, transferida/vendida, na forma de títulos,
para vários investidores. Em outros termos, “[...] a securitização consiste em transformar os créditos de
posse [uma dívida] das instituições financeiras em títulos negociáveis[...]” (COGGIOLA, 2012, p. 37); tí-
tulos esses que podem ser adquiridos diretamente por Bancos, Distribuidoras de Valores ou Fundos de
Investimento, como forma de rentabilizar o capital investido. Em relação à terceira etapa da mundialização
financeira, o autor destaca que:
10 O Consenso de Washington foi uma recomendação internacional elaborada em 1989, que visou propagar a política econômica
neoliberal (a ser tratada no segundo capítulo desta tese) com a intenção de combater a crise econômica dos países subdesen-
volvidos, sobretudo os da América Latina. As referidas medidas ficaram conhecidas por terem se tornado a base do neolibera-
lismo na periferia do capitalismo, uma vez que depois do Consenso de Washington, os EUA e, posteriormente, o FMI adotaram
tais medidas como obrigatórias para negociar as dívidas externas daqueles países. Os ajustes estruturais principais foram os
seguintes: reforma fiscal; abertura comercial; política de privatizações; redução fiscal do Estado. Tratou-se de uma espécie de
preparação necessária para que os referidos países pudessem vir adotar, na prática, toda a agenda neoliberal (BATISTA, 1995).
11 Os EUA se valeram de sua enorme influência em organismos financeiros multilaterais, como o FMI, para forçar um inédito pro-
cesso de abertura de mercados e de desregulamentação econômica ao redor do globo.
12 Títulos da Dívida Pública são uma das formas de investimento financeiro. Quando o governo (federal, estadual ou municipal)
emite um título, ele está contraindo uma dívida por meio do mercado de capitais. Na prática, é como se o governante estivesse
pegando dinheiro emprestado e dando uma garantia de que vai pagar, com o objetivo de levantar dinheiro. Qualquer pessoa pode
comprar um desses títulos e ao comprar, será remunerado através de juros, enquanto mantiver a posse desse título.
13 “[...] O equilíbrio financeiro desses fundos está na dependência de um comportamento das variáveis-chave macroeconômicas
que é perverso do ponto de vista do crescimento e do emprego, pois joga no sentido da elevação dos juros básicos, da redução
da mão-de-obra formalmente empregada e da queda do rendimento médio dos trabalhadores. A perversidade desse comporta-
mento é parte das contradições inerentes a um sistema que vê diminuir o capital produtivo – que gera renda real – enquanto
engorda o capital financeiro – que extrai renda real do sistema e incha ficticiamente nos mercados secundários, exigindo ainda
mais renda” (PAULANI, 2006, p. 93).
O autor indica que na década de 1990, no que concerne aos capitais mundiais, os mercados emergentes
asseguravam apenas cerca de 15% de aplicações com alto grau de liquidez. Sendo os EUA, por meio do FMI
– Fundo Monetário Internacional – os responsáveis pela abertura desses pequenos mercados domésticos
subordinados aos grandes mercados (dos países centrais).
Ainda acerca da desregulamentação dos mercados financeiros, Iamamoto (2015), a divide em duas
grandes etapas. A primeira delas, entre 1982 e 1994, teve na dívida pública seu principal fator: “O poder
das finanças foi construído com o endividamento dos governos, com investimentos financeiros nos Títulos
emitidos pelo Tesouro, criando-se a indústria da dívida [...] (p. 117, grifo da autora). Um segundo momento,
a partir de 1994, tem como seu principal elemento as bolsas de valores: as instituições financeiras com-
prando ações dos grupos industriais, para apostar na lucratividade futura dessas grandes empresas. E nessa
mesma linha de raciocínio, para Alves (2016), a década de 1980 representou uma reação do capitalismo, no
seguinte sentido:
O sistema do capital reagiu na década de 1980 com uma das mais profundas Reestruturações
Capitalistas desde a Primeira Revolução Industrial. Primeiro, a ‘globalização’ como mundialização
do capital em sua dimensão de mundialização produtiva – o que ocorria desde fins da II Guerra
Mundial; e a mundialização do capital como mundialização financeira, o fenômeno histórico efeti-
vo da nova era do capitalismo global [...] No bojo da mundialização do capital manifesta-se a finan-
ceirização da riqueza capitalista com desregulamentação financeira e a explosão de inovações de
produtos financeiros capazes de impulsionar o poder do capital fictício na lógica de acumulação
da riqueza abstrata (ALVES, 2016, p. 35, grifos do autor).
O economista Chesnais também ressalta que dos anos 1990 em diante, as referidas inovações finan-
ceiras decorrem, em sua maioria, de mercados de caráter exclusivamente financeiro. Ou seja, quando um
mesmo crédito pode gerar ganhos ou perdas financeiras em vários mercados, como crédito principal e
como derivativo desse crédito. Em uma outra obra, desta vez tendo Chesnais (2005) como organizador,
alguns autores (ainda que com sutis diferenças), apresentam um traço em comum ao tratar do tema central
e defendido pelo economista francês na década de 1990: atualmente, o sistema capitalista ainda se encontra
em sua etapa monopolista/imperialista (assim como Lênin asseverou no início do século XX), mas com
uma mudança, qual seja, em uma fase acentuadamente financista.
Chesnais, junto com os demais colaboradores de A Finança mundializada, procuram dar destaque à
recente alteração no regime de acumulação capitalista e ao forte controle que o capital financeiro tem hoje
sobre várias atividades, entre as quais, as que produzem conhecimento, informação e ciência. É por esta
razão que o autor aposta na “hipótese da insaciabilidade da finança”, a qual denota o impulso desmedido
da esfera de valorização financeira em conflito com a valorização real ocorrida na esfera da produção de
mercadorias (CHESNAIS, 2005). Um outro autor que sintetiza magistralmente a hegemonia do sistema
financeiro e essa insaciabilidade da finança, é David Harvey (2005):
A forte onda de financialização, domínio pelo capital financeiro, que se estabeleceu a partir de
1973, foi em tudo espetacular por seu estilo especulativo e predatório. Valorizações fraudulentas
de ações, falsos esquemas de enriquecimento imediato, a destruição estruturada de ativos por
meio da inflação, a dilapidação de ativos mediante fusões e aquisições [...] para não dizer nada da
fraude corporativa e do desvio de fundos (a dilapidação de recursos de fundos de pensão e sua
dizimação por colapsos de ações e corporações) decorrentes de manipulações do crédito e das
ações – tudo isso são características centrais da face do capitalismo contemporâneo (HARVEY,
2005, p. 122-123).
A financeirização é resultado da queda das taxas de lucro dos investimentos na produção e no co-
mércio, o que produziu uma disponibilização de capital na esfera da circulação sob a forma de ca-
pital-dinheiro ou capital monetário. Esse capital-dinheiro é remunerado através dos juros (bancos,
companhias de seguros, fundos de pensão) e não é investido na produção, passando a constituir
a fonte crescente de riqueza dos capitalistas rentistas. A financeirização do capitalismo contem-
porâneo também se sustenta no capital fictício (mercado acionário das empresas, propriedade de
cotas de fundos de investimento e de títulos de dívidas públicas). O crescimento dos rendimen-
tos advindos desses títulos de propriedade é de caráter nitidamente especulativo (não se aplica
na produção, mas circula por onde mais conseguir se valorizar, captando mais juros (MONTAÑO;
DURIGUETTO, 2011, p. 185-186, grifos dos autores).
O capital excedente que não lograva valorização no modelo tradicional (produção de mais-valia) preci-
sou buscar outro campo (o financeiro). Essa transferência ou deslocamento de riqueza do setor produtivo
para o financeiro, com aumento da especulação, parece ser uma tendência em tempos de crise.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Crise estrutural, mundialização do capital e financeirização são processos que somente devem ser ana-
lisados entre si e de forma articulada à totalidade da relação entre capital e trabalho. A necessidade de
mais-valia crescente, cuja origem se dá na esfera da produção, dos anos 1970 em diante, promove uma des-
valorização e precarização ainda maior sobre o trabalho. E em função da ligação entre o capital produtivo
e o capital financeiro, a este último, também interessa recuperar as taxas decrescentes de lucratividade do
sistema como um todo.
As alternativas que o sistema do capital vinha se utilizando para remediar as crises de superprodução
envolviam ações que se expressavam por meio de guerras mundiais, destruição do excedente e expansão
de mercados; mas desde a década de 1970, essas tentativas vêm se dando mediante novos métodos, como
é o caso da utilização predominante do capital financeiro: “A financeirização da riqueza capitalista é uma
construção política do capital visando responder à crise estrutural de valorização do valor” (ALVES, 2016,
p. 40).
É desse modo que a época hodierna passa por agudas e recorrentes crises financeiras e, nesse processo,
a relação entre capital e trabalho é parte ativa, uma vez que a lógica da especulação financeira rebate dire-
tamente sobre a produção exigindo: “[...] alta rentabilidade das empresas, demissões que agradam investi-
dores, cortes de gastos para pagamento da dívida pública, facilidade de crédito bancário e aumento de juros
aos empréstimos a trabalhadores, dentre outros” (ANTUNES et al, 2017, p. 441). Como parte da mais-valia
que se multiplica sem base real e se autovaloriza na especulação de papéis e derivativos, o capital fictício
pode levar ao colapso do sistema financeiro, pois se distancia cada vez mais da economia real.
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Resumo: A generalidade dos movimentos sindicais vem enfrentando uma crise profunda desde os anos 70. As suas causas são múl-
tiplas, nelas se mesclando fatores que lhes são exógenos com outros endógenos, remetendo para a sua burocratização. Visando
revitalizar-se, eles têm vindo a implementar ações diversificadas, onde se conta a adoção das Tecnologias da Informação e da
Comunicação e da Internet. Este artigo apresenta os resultados de um estudo sobre a adoção e os usos da Internet pelos sindicatos
dos professores em Portugal. Visou-se compreender se esses usos estão a permitir o aprofundamento da democracia organizacio-
nal, fator essencial para a revitalização. Concluiremos afirmando que, atendendo ao carácter estático e à escassa interatividade que
caracterizam os websites oficiais destes sindicatos e ao modo como as plataformas da Web 2.0 são usadas, se está perante o des-
perdiçar de uma oportunidade de contribuir para aprofundar as formas democráticas de governo associativo e, por conseguinte, de
fortalecer o sindicalismo.
Palavras-chave: Sindicalismo, Crise, Internet, Democracia digital.
INTRODUÇÃO
A generalidade dos movimentos sindicais nacionais vem enfrentando uma profunda crise desde os anos
70, a qual se manifesta sobretudo, mas não só, no refluxo do número de aderentes, expresso no decréscimo
das taxas de sindicalização, e na perda de influência social e política dos sindicatos, indiciada, entre outros
aspetos, pela perda de poder na negociação coletiva e de influência junto do poder político (ALVES, 2009).
As causas da crise são múltiplas e profundas e as organizações sindicais têm vindo a tentar ultrapassar
a situação implementando ações diversificadas visando revitalizar-se (FREGE; KELLY, 2003). Entre elas
conta-se a adoção da Internet, uma ferramenta que para alguns autores é essencial para contribuir para
a desburocratização dos sindicatos e para romper com as tendências oligárquicas a que não são imunes.
Argumenta-se que as suas funcionalidades potenciarão o incremento dos níveis de transparência organi-
zacional e promoverão oportunidades efetivas de participação dos associados, dois pilares essenciais para
aprofundar a democracia organizacional.
Após um estudo realizado com os sindicatos com jurisdição no sector da saúde (ALVES, 2015) em que
se detetou que, atendendo ao carácter estático e à escassa interatividade que caracterizam os respetivos
websites e ao modo como as novas plataformas são usadas, esses sindicatos não estavam a trabalhar no
sentido de aprofundar as formas democráticas de governo associativo, realizámos um outro estudo, agora
entre os sindicatos dos professores, para compreender se este padrão se mantém ou não. As questões colo-
cadas são as mesmas de há cinco anos: estarão estes sindicatos a utilizar a Internet no sentido de conferir
uma maior transparência à sua governação? Estarão a possibilitar a participação ativa dos sócios? Numa
palavra, estará esse uso a permitir ou não o aprofundamento da democracia interna?
Concluiremos afirmando que a utilização da Internet por este conjunto de sindicatos segue o padrão
detetado anteriormente, pelo que também neste caso estamos perante a perda de uma oportunidade de os
sindicatos aprofundarem a democracia organizacional, assim contribuindo para a sua revitalização.
No início da década de 70, os alicerces do poder sindical começaram a ser erodidos, pelo que o sindi-
calismo entrou numa crise na qual ainda se mantém. Analisando os dados disponíveis para alguns países
referentes à evolução da sindicalização a nível agregado entre 1960 e 2017 (ICTWSS, 2019), constata-se a
existência de uma tendência contraditória entre as décadas de 70 e de 90, período durante o qual diversos
movimentos não só conseguiram resistir como até mesmo crescer enquanto outros já regrediam de uma
forma mais ou menos acentuada, a que se seguiu a partir desta última década uma tendência convergente no
sentido do declínio, ainda que este seja desigual, ao ser pautado por ritmos e intensidades muito distintos.
Portugal acompanha esta tendência geral, tendo sofrido uma das maiores quebras da sindicalização a
nível mundial. Depois de um período de 48 anos de ditadura, durante a qual a sindicalização era obriga-
tória, com a revolução do 25 de Abril de 1974 entrou-se numa nova fase de sindicalismo livre. Em 1978 a
taxa de sindicalização situava-se nos 60,8%, tendo caído para 15,3% em 2016 (ICTWSS, 2019), valor que é
idêntico ao de países como a Alemanha, a Austrália, a Holanda, a Espanha ou o Japão e que coloca Portugal
uma posição intermédia no contexto dos países do sul da Europa. Entre os dois anos considerados, a taxa
de sindicalização caiu 45,5 pontos percentuais, tendo-se perdido 66,7% dos efetivos sindicais. Ainda que a
educação continue a ser dos setores mais sindicalizados, não ficou à margem deste refluxo.
Em 1999, o Ad-Hoc Committee on Labor and the Web, afirmava que os sindicatos só muito tardia-
mente haviam reconhecido o potencial das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC), o que
não deixará de refletir a atitude inicial de suspeição, em alguns casos mesmo de rejeição destas tecnologias
por parte de muitos dirigentes sindicais (ALVES, 1994), o que poderá ser explicado por um baixo nível de
literacia digital; pela consideração de que estes instrumentos são uma das principais causas do desemprego;
e pelo receio da ação em tempo real, da possibilidade de substituição do modelo verticalizado de comuni-
cação pela comunicação em rede e da alteração das estruturas de poder nas organizações.
Apesar das resistências iniciais, as vantagens oferecidas por estas tecnologias, baseadas na velocidade,
na flexibilidade, no custo e no seu maior alcance por comparação com os meios tradicionais de comunica-
ção acabaram, no entanto, por impulsionar os sindicatos a utilizá-las.
Uma vez assumida a importância das TIC, estas encontram-se hoje amplamente disseminadas no mun-
do sindical, existindo diferenças significativas no que concerne ao modo como são usadas e aos domínios
da atividade sindical onde são aplicadas (FIORITO; JARLEY; DELANEY, 2002), dado que podem ser em-
pregues em diversos campos e com objetivos múltiplos. Na comunidade científica existe um amplo con-
senso sobre a relevância da sua utilização, se bem que estes autores demonstrem que o seu impacto é mais
positivo nas questões organizativas do que em termos da eficácia geral.
No caso específico da Internet, as redes de computadores, contrariamente aos media tradicionais, não
só possibilitam a informação (cognição) e a comunicação, como potenciam igualmente a produção coope-
rativa de informação (FUCHS, 2014). Desta forma, os sindicatos podem utilizar a Internet segundo estas
três dimensões, para tal recorrendo tanto a plataformas comerciais como a outras alternativas de carácter
não comercial.
Na primeira dimensão, através dos respetivos sítios, das plataformas de notícias online, ou das des-
tinadas à partilha de vídeos ou de fotografias, bem como das redes sociais online, os sindicatos podem
difundir livremente os seus pontos de vista sem qualquer tipo de mediação ou constrangimento (AD HOC
COMMITTEE, 1999; DARLINGTON, 2000); informar sobre a sua atividade numa perspetiva de transpa-
rência organizacional; reforçar os serviços que já prestavam aos seus aderentes, de onde se destaca a difusão
METODOLOGIA
Em Portugal, as escolas públicas de ensino não superior perderam quase mais de 46 mil professores
no período entre os anos letivos de 2004/2005 e de 2018/2019), sendo que a maioria dos docentes (31 mil)
saiu do sistema durante o período da intervenção da troika1. Paralelamente tem-se vindo a assistir a uma
1 A troika foi constituída pelo FMI – Fundo Monetário Internacional, pelo BCE – Banco Central Europeu e pela CE – Comissão
Europeia. A intervenção deu-se entre 2011 e 2014, com a imposição de políticas de austeridade que tiveram como consequência
uma forte desvalorização do trabalho consubstanciada no corte de salários na administração pública, onde a jornada de trabalho
também aumentou de 35 para 40 horas semanais, ou no corte de dias de férias e de feriados, abrangendo tanto os trabalhadores
do sector público, como do privado.
2 No ano letivo de 2014/2015, 39,5% dos docentes dos níveis 0-4 da ISCED tinha 50 ou mais anos e apenas 1,4% tinha menos de
30 anos. De então para cá a situação agravou-se ainda mais. No ano letivo de 2018/2019, a idade média destes docentes era de
50 anos.
3 As divergências fruto das diferentes linhas político-sindicais e dos estatutos diversos não tem impedido, no entanto, a conver-
gência da maioria das organizações em alguns processos de ação coletiva, como vem sucedendo naquele que visa a recupera-
ção integral do tempo de serviço. Para o efeito foi constituída uma plataforma que agrupa 22 dos 28 sindicatos existentes.
4 Ao longo dos 45 anos de sindicalismo livre, outros sindicatos se formaram, mas foram, entretanto, extintos. A federação mais
representativa é a FENPROF – Federação Nacional dos Professores, que engloba oito sindicatos exclusivamente de docentes
com uma base regional, sendo filiada na CGTP-IN – Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses-Intersindical Nacional.
Apesar de ter perdido cerca de 10 mil sócios nos últimos anos, o maior sindicato no sector continua a ser o SPGL – Sindicato dos
Professores da Grande Lisboa, que é filiado na FENPROF e na CGTP-IN. A CGTP-IN foi fundada em 1970 numa situação de semi-
clandestinidade, sob dinamização de militantes comunistas, católicos progressistas e outros antifascistas, sendo defensora de
um sindicalismo de classe, A segunda maior federação é a FNE – Federação Nacional da Educação, composta por dez sindicatos
(sete de docentes e três de trabalhadores não docentes), sendo filiada na UGT – União Geral de Trabalhadores, confederação de-
fensora de um sindicalismo de tipo reformista e que foi fundada em 1978 com base num acordo político firmado entre o Partido
Socialista, partido filiado na Internacional Socialista, e o PSD – Partido Social-Democrata, um partido liberal.
5 INE – Instituto Nacional de Estatística. O INE apura os dados referentes à utilização de computadores e Internet pelos indivíduos
com idades compreendidas entre os 16 e os 74 anos através do Inquérito à Utilização de TIC pelas Famílias. Os indicadores que
aqui foram mobilizados são os seguintes: Proporção de indivíduos com idade entre 16 e 74 anos que utilizaram computador
nos primeiros 3 meses do ano (%) por Local de residência e Sexo e Proporção de indivíduos com idade entre 16 e 74 anos que
utilizaram Internet nos primeiros 3 meses do ano (%) por Local de residência e Sexo. No que se refere à utilização da Internet,
existem dados mais recentes, remontando a 2019, que nos indicam uma proporção de utilizadores global na ordem dos 75,3%,
ascendendo a 76,8% nos homens e a 74,1% nas mulheres.
Os sindicatos de professores estão presentes na Internet em larga escala. 82,1% têm um website e/ou
encontram-se nas redes sociais online. O mesmo sucede com 40,0% das federações. Dadas as elevadas
qualificações dos docentes e a feminização da profissão (no ano letivo de 2018/2019, 78,1% dos docentes
dos níveis 0-4 da ISCED eram mulheres (os valores variavam entre um máximo de 99,1% no nível 0 e um
mínimo de 71,9% no nível 3), percentagem que se reduzia para 45,1% nos níveis 5-8 desta classificação) é
expectável que se verifiquem baixos níveis de infoexclusão e elevados níveis de acesso, atendendo a que a
informação estatística evidencia que a utilização de computador e o acesso à Internet crescem à medida
que a escolaridade aumenta e que, segundo Greene e Kirton (2003), são os trabalhadores com limitações de
tempo, sobretudo as mulheres, quem mais beneficia com a sua utilização.
6 A CGTP-IN conta atualmente com dez federações de sindicatos e vinte e oito estruturas de âmbito territorial (uniões distritais,
uniões locais e coordenadoras regionais).
7 A UGT tem atualmente sete federações sindicais e vinte estruturas territoriais.
8 A amostra foi constituída pelos 105 sindicatos que constituem o “universo da CGTP-IN”, os 76 que integram o “universo da
UGT” e os 14 que são filiados na USI – União de Sindicatos Independentes, uma confederação sindical que se situa à direita do
espectro político e que não é reconhecida pelo Estado português como parceiro social, pelo que não tem assento na concertação
social a nível nacional, se bem que o tenha na Região Autónoma da Madeira. O “universo da CGTP-IN” e o “universo da UGT” refe-
re-se aos sindicatos diretamente filiados nestas duas confederações sindicais, bem como aos que não sendo nelas diretamente
filiados, o são de forma indireta por via da sua adesão a federações filiadas nas confederações ou por dirigentes seus integrarem
órgãos confederais, ainda que as estruturas a que pertencem e onde são dirigentes não estejam formalmente filiadas.
9 De notar que o facto dos sindicatos não terem website não significa que não tenham presença na Internet. Ela pode verificar-se
através do Facebook e/ou da existência de uma subpágina no website de uma federação onde o sindicato se encontre filiado.
Quadro 1: Classificação da presença dos sindicatos docentes nos social media de carácter comercial por tipo de uso (%), em junho de 20201
Notas: 1 Adaptado de Fuchs (2014). Antes do encerramento do Google+, três sindicatos possuíam contas ativas nesta plataforma. 2 Para além dos
sindicatos também a FENPROF e a FNE estão presentes nestas plataformas. Nenhuma organização está presente em plataformas com carácter
não comercial e alternativo, do tipo Diaspora* ou Riseup.
Democracia digital?
A transparência do governo organizacional e a participação dos membros constituem dois pilares essen-
ciais de uma democracia organizacional baseada na tomada coletiva de decisões.
As funcionalidades da Internet permitem fomentar a transparência, ao possibilitarem que os sindicatos
deem a conhecer as normas que regulam a sua atividade, através da publicitação dos respetivos estatutos;
forneçam informações sobre o modo como se processa o seu governo; ou disponibilizem documentação
detalhada que proporcione aos associados ou aos potenciais sócios a oportunidade de discutirem e delibe-
rarem de modo informado.
A análise dos websites10 oficiais permite concluir pela existência de níveis muito baixos de transparência
organizacional, que são evidentes no Quadro 2, onde se encontram elencados alguns aspetos fulcrais rela-
tivos ao modo de governação dos sindicatos.
10 A comunicação nos websites de todos os sindicatos é unidirecional. Na sua maioria, eles acolhem unicamente conteúdos cen-
trados na atividade do sindicato (83,3%). Maioritariamente a forma adotada é extremamente simples (62,5% dos casos), com
ausência, por exemplo, do áudio ou do vídeo.
Desde logo, somente 43,5% publicitam quem são os dirigentes sindicais11, na maior parte dos casos
através de uma simples relação de nomes, que pode ou não ser acompanhada de fotografias. Apenas o
SPGL, que procede à indicação dos responsáveis pelo acompanhamento de cada uma das escolas da sua
área geográfica de jurisdição; o SPZN12 e o SPM13, que indicam quais são os pelouros dos membros dos
seus órgãos mais restritos de direção (Comissão Permanente e Comissão Executiva, respetivamente); e o
SNESUP14, que acompanha os nomes dos integrantes dos seus órgãos sociais com um pequeno Curriculum
Vitae disponibilizam uma informação mais detalhada, a qual é relevante para que se possa saber quem é
quem no interior da organização sindical..
Por outro lado, nenhum dos websites fornece informação sobre a forma como a organização se estrutu-
ra nem é publicitado o agendamento das reuniões das direções sindicais. Em relação às assembleias gerais
ou outras reuniões associativas, somente pouco mais de um quinto publicita a sua convocatória.
Esta tendência para uma profunda opacidade manifesta-se igualmente na não disponibilização de do-
cumentos relevantes para o governo associativo, que remetem para uma prestação de contas aos sócios
(Quadro 3).
Quadro 3: Proporção dos websites dos sindicatos dos professores que fornecem
documentos relevantes sobre o governo das organizações (%), 2020
Documentos relevantes %
Atas das reuniões de direção 0,0
Atas das Assembleias Gerais 3,6
Atas dos processos eleitorais 7,1
Programas de Ação 0,0
Relatórios de Atividades 3,6
Orçamento 0,0
Relatórios de contas 0,0
Estatutos 52,2
11 No caso do SIPE – Sindicato Independente de Professores e Educadores, apenas é referida a Presidente da Direção, com
fotografia.
12 SPZN – Sindicato dos Professores da Zona Norte, filiado na FNE.
13 SPM – Sindicato dos Professores da Madeira, filiado na FENPROF.
14 SNESUP – Sindicato Nacional do Ensino Superior, sindicato não filiado confederalmente.
Quadro 4: Proporção de websites dos sindicatos dos professores que possuem ferramentas que permitem a interatividade (%), 2020
%
Blogue 0,0
Ligações às redes sociais online 60,9
Chat 0,0
Forum 0,0
Feeds/RSS 13,0
E o que sucede nas plataformas que configuram os social media? A principal conclusão que se pode
retirar da análise do Facebook é que os sindicatos que o utilizam fazem-no com objetivos diferenciados.
Para uns, como as estruturas filiadas na FENPROF e o STOP, esta plataforma é usada principalmente com
intuitos de mobilização, embora não se descure igualmente a dimensão de informação sobre a profissão
ou a envolvente em que é exercida, a denúncia de situações, podendo também ser encontradas publicações
sobre questões que extravasam o domínio laboral. No caso de outros, em particular os sindicatos da FNE
e restantes não filiados, não se descurando a mobilização, nomeadamente em momentos como os da luta
contra o congelamento da carreira, a lógica subjacente é fundamentalmente institucional e de fornecimento
de serviços. Estas duas lógicas de utilização podem ser igualmente encontradas nos websites oficiais.
A participação nesta plataforma é muito escassa e a interatividade muito reduzida, não se verificando
da parte dos sindicatos qualquer preocupação em incentivá-las. Por exemplo, não existem inquéritos de
opinião – nem sequer para avaliar o grau de satisfação com o conteúdo da página –, assim como não são
introduzidas questões que fomentem o debate nem se reage às dúvidas ou às críticas que são formuladas nas
caixas de comentário, as quais ficam invariavelmente sem resposta, excepto no caso do STOP, sindicato que
tem a preocupação de responder. É igualmente extremamente raro um sindicato reagir a um comentário
feito. Uma vez mais o STOP é a exceção.
Uma participação com um carácter ainda mais restrito ocorre no You Tube, plataforma onde as duas
federações e sete sindicatos possuem canais próprios, havendo ainda três vídeos carregados por dois outros
sindicatos. O número de subscritores dos canais varia entre dois (SPGL e SDPA20) e 944 (FENPROF), e o
número de visualizações entre 56 no caso do único vídeo do SPLIU21 e 346 875 para o conjunto dos 1 272
vídeos existentes no canal da FENPROF. O único vídeo do SPLIU não suscitou qualquer reação, enquanto
os quatro do SPGL suscitaram três reações de aprovação (todas concentradas num único vídeo), os doze
do SDPA suscitaram oito reações também de aprovação e os 35 do SNESUP, vistos 5 585 vezes, originaram
apenas 52 gostos e um não gosto e nenhum comentário. Uma participação idêntica de baixa intensidade
regista-se nos restantes canais.
CONCLUSÃO
Por todo o mundo em geral, com particular acuidade em Portugal, os sindicatos chegaram tardiamente
à era digital. Contudo, as TIC e a Internet encontram-se hoje amplamente difundidas no movimento sindi-
cal português, ainda que no quadro de algumas assimetrias.
Como detetado anteriormente, o que o presente estudo reforçou, o movimento sindical português não
está a tirar todo o partido das potencialidades da Internet, o que se expressa logo claramente nos seus
websites. Estes possuem, no essencial, um carácter estático, restringindo-se a um repositório de informa-
ção oficial da organização, enquanto predomina a unidirecionalidade em detrimento da bidirecionalidade
promotora de participação.
Simultaneamente, a transparência organizacional assume níveis muito baixos, dado que os documen-
tos relevantes ou as decisões tomadas nas reuniões dos diversos órgãos quase não são divulgados ou não
o são de todo. E se os sócios poderão ter, eventualmente, acesso a essas informações por outras vias, os
potenciais associados não o têm.
Por outro lado, no caso das redes sociais online, em particular o Facebook, a participação também não
é incentivada, daí que acabe por ser escassa. Acresce que a lógica com que ele é utilizado obedece no caso
de vários sindicatos ao que Dijk (2000) denomina de “modelo de marketing”, ou seja, essas organizações
limitam-se a divulgar os serviços que oferecem ou a fornecer informação considerada pertinente sobre a
profissão (por exemplo, os concursos) e a sua envolvente, em detrimento de promoverem a mobilização dos
docentes.
O que os websites e a utilização de outras plataformas comprovam é que o modelo burocrático de or-
ganização acabou por se estender ao mundo virtual, originando uma “infocracia” (ZUURMOND, 1994)
assente no reforço dos padrões de comunicação existentes, apenas se procedendo à alteração da forma
como se transmite a informação. Esta assume um carácter restrito e não incide sobre aspetos centrais do
governo dos sindicatos. Simultaneamente, não se verifica o acréscimo das oportunidades de debate ou do
número de participantes ativos e o voto eletrónico não é implementado, ainda que consideremos que este
não constitui a panaceia para o renascimento do sindicalismo, como muitos entendem ser.
Numa palavra, a presença destes sindicatos na Internet não está a contribuir nem para um aprofunda-
mento da transparência organizacional nem da participação dos membros. Por conseguinte, a rede ao invés
de estar a propiciar a abertura das organizações, está antes a perpetuar o seu fechamento.
Refuta-se assim o determinismo tecnológico subjacente às teses dos autores que, imbuídos de uma
“tecno-euforia” (FUCHS, 2014), enfatizam que a Internet por si só permite a ampla difusão de informa-
ção, fazendo acrescer a responsabilização dos dirigentes, ao mesmo tempo que faculta a oportunidade de
aprofundar a deliberação democrática; que a bidireccionalidade proporcionada por funcionalidades como
22 SEPLEU – Sindicato dos Educadores e Professores Licenciados pelas Escolas Superiores de Educação e Universidades. Sindicato
não filiado confederalmente.
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Tatiane Martins
Assistente Social, mestranda da Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE - Campus de Toledo.
Resumo: O presente trabalho compreende uma aproximação ao objeto de pesquisa, sendo base da dissertação a ser apresentada no
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – Mestrado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Campus de Toledo. Tem
como objetivo analisar as determinações apresentadas no processo decisório de suspensão das atividades sindicais do Sindicato
dos Assistentes Sociais, caracterizado por sua natureza corporativa e a adesão à tese do sindicato por ramo de atividade, reafirman-
do as lutas gerais da classe trabalhadora no contexto do novo sindicalismo. Tendo como fundamento teórico-metodológico a aná-
lise marxiana e a tradição marxista, o estudo se baseou na pesquisa bibliográfica de produções e autores que discutem a temática.
Sustentando a importância para o Serviço Social da organização e fortalecimento dos sindicatos por ramo de atividade, considera-se
que a suspensão das atividades sindicais naquele período deixou uma lacuna no movimento de transitoriedade atravessada por al-
terações na forma de organização da classe trabalhadora cada vez mais precarizada e flexibilizada em detrimento dos interesses do
capital. A perspectiva coletiva de incorporação das categorias profissionais nos espaços sindicais de luta geral da classe trabalhado-
ra, apresentada e defendida pela CUT (1986), permaneceu inconclusa, não sendo sustentada em seu desdobramento sócio-histórico
no Brasil.
Palavras-chave: Classe Trabalhadora, Serviço Social, Organização político-sindical, Novo sindicalismo, Ramo.
INTRODUÇÃO
Este trabalho compreende um estudo preliminar e de aproximação com o objeto de estudo sobre a or-
ganização político-sindical dos assistentes sociais a partir do novo sindicalismo no Brasil. Esta proposição
de pesquisa no âmbito do mestrado em Serviço Social do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social–
Mestrado da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Campus de Toledo, além do aprofundamento nos
processos de orientação da dissertação, parte das experiências vivenciadas em diferentes espaços coletivos
de discussão e organização coletiva da categoria profissional no âmbito da defesa do exercício profissional.
No cotidiano, percebe-se o desconhecimento por parte de uma fração dos profissionais sobre a tomada de
decisão dos assistentes sociais em suspender as atividades sindicais da categoria e incorporar as lutas gerais
da classe trabalhadora no contexto do novo sindicalismo. Sendo assim, o problema da pesquisa visa res-
ponder a seguinte questão: no contexto de emergência do “novo sindicalismo”, quais foram as determina-
ções apresentadas no processo decisório de suspensão das atividades sindicais do Sindicato dos Assistentes
Sociais?
A partir de pesquisa bibliográfica (GIL, 2007), e do levantamento bibliográfico preliminar, a pesquisa
é um estudo exploratório, buscando nas produções, autores e documentos que abordam a temática. Num
primeiro momento buscou-se a historicidade da organização sindical da classe trabalhadora e depois na
especificidade da profissão que rompe com o conservadorismo e constrói um movimento histórico de
organização político-sindical hegemônico de incorporação às lutas gerais da classe trabalhadora. Desta
aproximação nasceu uma hipótese de trabalho: a organização político-sindical dos assistentes sociais teve
um papel fundamental no contexto do novo sindicalismo no Brasil e materializa a perspectiva coletiva
A década de 1970 e 1980 na conjuntura nacional brasileira é marcada por alterações significativas nas
formas de produção e reprodução das relações sociais na sociedade capitalista, provocando a reação do sin-
dicalismo no país França (2013). Para enfrentar suas crises, busca manter um nível cada vez maior de acu-
mulação em detrimento da exploração sobre o trabalho. Este processo gera um intenso movimento de lutas
e resistências da classe trabalhadora contra esta forma de sociabilidade e por melhores condições de vida
e de trabalho. Nesta breve análise, buscou-se dialogar com interlocutores da tradição marxista que contri-
buem na discussão das determinações históricas que fundamentam a organização e resistência da classe
trabalhadora e o enfrentamento da ofensiva do projeto das classes dominantes sobre as forças produtivas.
Para Motta e Amaral (1998) o contexto econômico, social e político na década de 1970 está abalado com
as consequências da crise do Capital também a nível mundial, o qual apresenta um alto índice de desempre-
go, evidenciando a precarização do trabalho, de salários e da proteção social. Estratégias de flexibilização2
da produção e da produtividade no trabalho são implementadas, distanciando cada vez mais as relações
entre patrões e empregados. Neste período também vai se consolidando o processo de industrialização aca-
bando por gerar um alto índice de urbanização, fazendo com que grande parte da população migre para as
cidades, marcando um período de “quebra dos salários, problemas inflacionais, aumento da dívida externa
e falta de mercado de trabalho suficiente para sua absorção”. (SILVA e SILVA. 1994, p. 22).
Para os trabalhadores, estas alterações causam perdas irrecuperáveis, enfraquecendo e fragmentando
as formas de organização da classe trabalhadora, colocando os sujeitos da história em situação de dificul-
dades para organizarem-se. A crise trouxe um intenso descontentamento das camadas sociais, tanto no
espaço urbano como também no trabalhador rural, que não possuía nenhum amparo legal. Amplia-se as-
sim, o poder reivindicatório dos trabalhadores, estudantes, professores, intelectuais e artistas que lutavam
também contra a repressão desenfreada. Neste período, a população, de forma heterogênea, por meio dos
sindicatos, das lideranças políticas, dos partidos políticos, movimentos sociais e outras frações representa-
tivas da classe trabalhadora passaram a reivindicar o fim da ditadura e a redemocratização do país.
Abramides e Cabral (2005) apontam que a concepção geopolítica de Segurança Nacional difundida, no
modelo de desenvolvimento nacionalista, promovida pela ditadura civil-militar, passa a isolar a população
dos processos decisórios da vida política e econômica do país. Este enquadramento reduziu drasticamente
1 “Compreende o Novo Sindicalismo, no final dos anos 1970, advinha da contraposição ao sindicalismo pelego, de sustentação da
ordem do capital e da ditadura. […] Essa designação passa a ter influência na teoria dos chamados ”novos movimentos sociais”,
que questionam os movimentos clássicos da classe, o sindicato e o partido.” (ABRAMIDES, 2016, p.463)
2 Ver especificamente Netto (1996, p.91)
Com relação a crise econômica, a proposta dos trabalhadores aprovada no CONCLAT assim se
define: fim da política econômica do governo; rompimento com os acordos com o FMI; liberdade
e autonomia sindical; reforma agrária sob o controle dos trabalhadores; não pagamento da dívida
externa; fim da lei de segurança nacional; fim do regime militar e um governo controlado pelos tra-
balhadores; eleições diretas para presidente da república. (ABRAMIDES e CABRAL, 1995, p.77-78)
As autoras ressaltam ainda que, a partir do resultado das lutas e pressões populares reivindicando a
redemocratização do país através das “Diretas Já”4 e com apoio de oposições advindas das classes domi-
nantes, estas já não tinham mais interesse em manter o modelo ditatorial no país frente ao esgotamento de
ações ineficientes do governo no enfrentamento da crise estrutural no país.
Ocorre então um período de transição para Nova República, que ainda mantêm uma política governa-
mental conservadora e submissa aos interesses do Fundo Monetário Internacional – FMI, levando a con-
sequências desastrosas no baixo ou nenhum investimento público nas áreas de saneamento básico, saúde,
educação, serviços públicos estes essenciais para toda a população. Ocorreu a implantação da medida de
“arrocho salarial” aos trabalhadores tanto em âmbito privado quanto público sob a compreensão de uma
política salarial onde os reajustes não acompanhavam a inflação, deixando a desigualdade entre classes
cada vez mais profunda e irreversível nesta forma de sociabilidade.
3 [...] Os sindicatos sob a direção pelega são instrumentos importantes de controle do Estado, que representa os interesses das
classes dominantes da sociedade.” (ABRAMIDES e CABRAL, 1995, p.97)
4 Sobre Diretas Já: foi um movimento civil de reivindicação por eleições presidenciais diretas no Brasil ocorrido entre 1983 e
1984. A possibilidade de eleições diretas para Presidência da República no Brasil. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/
Diretas_J%C3%A1>. Acesso em: 27/10/2020
O cenário pós-ditadura deixou marcas profundas de recessão econômica na sociedade brasileira, dívida
externa, crise do padrão industrial de acumulação em detrimento a superexploração da força do trabalho,
trazendo uma nova consciência de classe com maior repercussão a partir de 1978. Tal conjuntura impul-
siona a organização dos trabalhadores de forma mais combativa e independente do Estado, mobilizando-se
“sob a direção da CUT, com campanhas unificadas para recuperação das perdas salariais, em defesa do
salário e do trabalho.” (ABRAMIDES e CABRAL, 1995, p.95)
Na efervescência da organização política, a inserção como classe trabalhadora permitiu ao Serviço
Social, questionar suas bases conservadoras, passando a se reconhecer como trabalhador especializado,
na condição de assalariado, inserido na divisão social e técnica do trabalho (Iamamoto, 1982), sofrendo os
mesmos impactos de precarização e exploração do trabalho como classe trabalhadora, acompanhado de
outras categorias profissionais, enfermeiros, sociólogos, arquitetos, reconhecidas pelo Estado como profis-
sionais “liberais”5. De forma organizada, as e os assistentes sociais passaram a avançar nas pautas de luta
e resistência contra o capital e sua forma de sociabilidade. É importante considerar que uma grande fração
destes profissionais historicamente está vinculada ao serviço público e que tiveram um protagonismo im-
portante na criação, organização e fortalecimento da CUT. Deste modo podemos afirmar que:
5 “Os trabalhadores em serviço público eram proibidos por lei de ter seus sindicatos. Assim, organizavam-se em associações,
mas com pouco poder de negociação face ao Estado. A estrutura sindical previa a organização de sindicatos de categorias, dos
chamados “ profissionais liberais”, aqui entre aspas, posto que, longe de serem liberais, constituem-se fundamentalmente como
assalariados; a maioria se encontrava entre os assistentes sociais.” (ABRAMIDES, 2016, p.464)
A partir de 1977 os profissionais assistentes sociais, realizam um intenso trabalho para reativar suas
entidades pré-sindicais e sindicais em todo o país, até então desativadas pelo governo ditatorial e repressor.
Abramides e Cabral (2019) esclarecem que em 1979 já haviam 22 entidades sindicais e pré-sindicais, as
denominadas Associações dos Profissionais Assistentes Sociais - APAS. Através do III Encontro Nacional
das Entidades Sindicais de Assistentes Sociais, que aconteceu nos dias 21 a 23 de setembro de 1979 em São
Paulo, foi criada a Comissão Executiva Nacional de Entidades Sindicais de Assistentes Sociais – CENEAS
(1978-1983), como fórum máximo de deliberações, pois “não era mais possível dar continuidade aos en-
contros sem criar um mecanismo de articulação que encaminhasse e unificasse as lutas nacionais deli-
beradas no Encontro das Entidades.” (ABRAMIDES e CABRAL, 1995, p.128). Neste mesmo encontro foi
construído um documento crítico à organização extremamente conservadora do III Congresso Brasileiro
de Assistentes Sociais - CBAS, realizado no Anhembi em São Paulo, sendo um marco no processo organi-
zativo da categoria é conhecido como “Congresso da Virada”.
O Serviço Social, como profissão inserida no modo de produção capitalista é constituído e determina-
do historicamente por contradições e disputas de projetos profissionais e societários divergentes. Nascendo
de um projeto conservador, o Serviço Social historicamente possui uma considerável fração da categoria
com orientação político-ideológica conservadora e tecnocrata, em consonância com as propostas oficiais
daquele momento, na contramão de um projeto profissional de cunho combativo e crítico. Estes profissio-
nais representavam a defesa do exercício profissional nos CRAS e CFAS6, sendo estes responsáveis pela
organização do III Congresso Brasileiros de Assistentes Sociais7, marcado pela oficialidade do governo di-
tatorial e distanciado da representatividade ampla da categoria profissional, dos estudantes e dos sindicatos
dos trabalhadores e das necessidades reais da classe trabalhadora.
Com a insatisfação de um grupo considerável da categoria e sob a direção do CENEAS, como estratégia
política, foi construído um documento expressando a insatisfação e denunciando o caráter conservador do
III CBAS o que foi percebido pelo número restrito de participantes insatisfeitos com a estrutura burocrática
e principalmente a presença de militares na mesa de abertura. Os dirigentes sindicais coordenados pelo
CENEAS alteraram a lógica estabelecida e assumiram a organização do Congresso, expressando de forma
pública a direção escolhida pela profissão de ruptura com o conservadorismo, assumindo um projeto pro-
fissional comprometido com a classe trabalhadora. O marco do “congresso da virada”, deu-se pela delibera-
ção pela deposição da comissão de honra, sendo eleita uma mesa substituta com a presença de trabalhado-
res e homenagem àqueles que morreram e lutaram pelas liberdades democráticas no país. Deliberaram que
os próximos CBASs seriam organizados de forma conjunta com a participação do CENAS, CFAS/CRAS
e ABESS8, transformando o Congresso em assembleias de deliberação política da categoria (Abramides e
Cabral, 2005, 2016, 2019).
Deste modo o “Congresso da Virada” marca a direção social da profissão,
6 A lei vigente desde 1962, ao regulamentar a criação dos Conselhos Profissionais, denominou esta instância de Conselho Regional
e Federal de Assistentes Sociais, respectivamente CRAS e CFAS. Com a Lei de Regulamentação da Profissão nº 8.662/93, as
siglas CFAS e CRAS foram substituídas pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e pelo Conselho Regional de Serviço
Social (CRESS).
7 I - CBAS (RJ/1974) e II CBAS (PE/1977)
8 ABESS - Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social foi criada em 1946 e em 1998 passa ser denominada como ABEPSS
- Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social, justificada em função da defesa dos princípios da indissociabili-
dade entre ensino, pesquisa e extensão e da articulação entre graduação e pós-graduação, aliada à necessidade da explicitação
da natureza científica da entidade. Disponível em: <http://www.abepss.org.br/historia-7>, acesso em 01/11/20.
Em setembro de 1982 ocorre a IV CBAS, que diferentemente de outros congressos sua pauta de dis-
cussão é basicamente sindical sendo deliberado pela realização da primeira Assembleia Nacional Sindical
dos Assistentes Sociais que acontece em 1983, sendo fórum máximo de deliberação de ordem sindical da
categoria, e neste evento, foi fundada a Associação Nacional dos Assistentes Sociais - ANAS (1983-1994),
como espaço político-sindical de pró-federação e de abrangência nacional, representando um salto na orga-
nização político-sindical da categoria profissional, neste momento vinculada à CUT. Cardoso (2003) afir-
ma que a CUT até 1989 tinha mais de 8 milhões de trabalhadores filiados de todos os setores econômicos,
sendo sua atuação hegemônica junto a classe trabalhadora em âmbito nacional.
Mudanças significativas estavam a caminho, como aponta Rodrigues (1990) com o II CONCUT -
Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores que aconteceu em Julho de 1986, sendo instância
máxima de deliberação da CUT, o Congresso aprovou a campanha nacional de lutas e dentre outras teses,
cria uma nova estrutura sindical de classe em substituição a estrutura corporativista onde os sindicatos
seriam substituídos por ramo de atividade ou produção econômica e substituiriam os sindicatos por ca-
tegoria, mudando deste modo totalmente seu perfil de organização rompendo com o corporativismo e
buscando a autonomia sindical. Nesse contexto a tarefa de implantação de uma nova estrutura sindical de
classe cabia aos trabalhadores desde suas bases até as instâncias superiores.
No contexto do Serviço Social, Abramides e Cabral (1995) esclarecem que a tese defendida e orientada
pela CUT foi debatida pela categoria profissional na IV ANAS em 1987. Nesta estavam presentes entidades
sindicais e pré- sindicatos, as APAS, sendo deliberado por unanimidade a opção em aderir e assumir a
grande e complexa tarefa de articular e estabelecer os caminhos para amplo debate e (re)organização em
âmbito nacional do processo de transição que significa “implantar a nova estrutura sindical da CUT por
ramo de atividade econômica onde a inserção majoritária da categoria se dá no serviço público”. (IV ANAS,
1989, apud ABRAMIDES E CABRAL, 1995, p.184).
Assim, foi deliberado, de forma unânime, na IV ANAS, que:
O processo de transitoriedade deve ser marcado por: - participação nas lutas específicas dos traba-
lhadores no serviço público (campanhas salariais, reivindicações, greves, eleições, congressos);-
apoiar e estimular os assistentes sociais a participar, construir e se inserir no movimento sindical
dos trabalhadores do serviço público; (IV ANAS, 1989, apud ABRAMIDES E CABRAL, 1995, p.185).
Deste modo sob o ponto de vista de Cardoso (2016), esta discussão e orientação foi levada para os espa-
ços de discussão da categoria profissional em todo território nacional sob a compreensão das necessidades
de espaços que defendem as condições de trabalho e salário, como também articularem-se às lutas do con-
junto da classe trabalhadora, que envolve a conjuntura política nacional e internacional. Este movimento
representou um giro na organização político-sindical dos assistentes sociais, que em sua maior parte têm
seus vínculos formais de trabalho no serviço público, porém não só, passando a contribuir para criação e
fortalecimento da inserção profissional em representações sindicais vinculados à sua área de contratação,
9 FENAS – Federação Nacional dos Assistentes Sociais. Disponível em: http://www.fenas.org.br/. Acesso em 27/07/20
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Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar a política de formação docente no Brasil nos governos Michel Temer (2016-2018) e
Jair Bolsonaro (2019-2023), em particular as bases/diretrizes nacionais curriculares construídas e dirigidas pelos setores privados.
Considerando a dialética materialista histórica e abordagem do ciclo da pesquisa, investigamos os nexos entre o movimento de re-
formulação curricular, dos reformadores empresariais da educação e de mercantilização da educação. Os resultados apontam para
um processo de desqualificação da formação docente, de disseminação da concepção empresarial na educação, através das compe-
tências, e mercantilização e privatização de produtos educacionais.
Palavras-chave: Políticas Educacionais. Formação de Professores e Currículo. Recuo da Teoria. Mercantilização da Educação.
Liberalismo Conservador.
INTRODUÇÃO
1 Moraes (2003; 2003a; 2003b; 2004), Moraes e Torriglia (2003), Shiroma (2003), Shiroma, Moraes e Evangelista (2003), Evangelista
e Triches (2012; 2014) e Triches (2010; 2016).
2 Intelectuais cuja função é a de organizar uma visão de mundo e sobre ela construir um consenso tendo em vista dirigir uma
classe em detrimento da política e da orientação de outras classes em presença.
Após a destituição de Dilma Rousseff em 2016, através do golpe midiático, jurídico e parlamentar,
houve a produção ativa de “novos” consensos ou aquilo que Pablo Gentili (1998) chama de “falsificação do
consenso”. Como apresentou Silva (2016), o governo Temer põe em marcha uma ação liberal conservadora
que articula a produção do consenso – grande mídia – e da coerção – jurídico-policial –, impondo um “pro-
grama de reformas [...] centrado na destruição de direitos trabalhistas e na privatização de serviços públicos
essenciais como a previdência social, a saúde e a educação” (n. p).
Segundo Freitas (2018), neste contexto entra em cena uma “nova direita” com velhas ideias, isto é, um
bloco composto por uma coalizão centro-direita que remonta a fusão realizada na década de 1990 entre o
Partido da Social-Democracia Brasileira – PSDB, e o Partido da Frente Liberal – PFL, hoje denominado de
Partido Democratas – DEM. Semelhante ao que aconteceu naquela época, o bloco no poder que entrou com
o golpe também reivindica, de forma sistemática e oficial, um programa de reformas que fundamenta-se
em “novas” referências ou bases nacionais curriculares.
Porém, elucida Freitas (2018) que diferente da década de 1990, cuja finalidade repousava na questão da
consolidação de novas orientações educacionais no mundo, as discussões em relação às referências curri-
culares nacionais “agora tem lugar em vários países sob a forma de ‘bases nacionais comuns curriculares’,
no interior de um movimento global de reforma da educação que pede mais padronização, testes e respon-
sabilização (accountability) [...]”. (p. 11).
Segundo Albino e Silva (2019), após o golpe de 2016 houve o retorno da agenda educacional do governo
peessedebista de “formação por competências e da criação de um sistema de certificação dos professores da
educação”, tendo em vista superar o “modelo de formação pautado na qualificação profissional, centrado
em títulos e diplomas [...] para o da formação por competências que teriam que ser adquiridas, validadas e
constantemente atualizadas” (p. 145).
Tal configuração, observam Albino e Silva (2019, p. 146), é orientada pela reafirmação e atualização dos
princípios “constantes da Resolução nº 1/2002 e na assimilação de estratégias constantes nas Metas 13, 15,
16 e 18 do PNE (2014-2024) relativas a instrumentos de avaliação e processos de certificação”, recontextua-
lizando, assimilando e ressignificando um princípio fundamental, a saber: a proposta de uma base comum
nacional para a formação de professores do magistério da educação básica.
De acordo com Albino e Silva (2019), ainda merece destaque o fato de o PSDB e o DEM terem gran-
de participação e influência no governo Temer, ocupando cargos e pastas estratégicas como a do MEC.
Todo esse movimento trouxe novamente ao governo “profissionais que tinham atuado na definição das
políticas de formação do Governo de FHC, como as professoras Guiomar Namo de Mello e Maria Helena
Guimarães Castro” (op. cit.).
O retorno desses profissionais e da agenda educacional do governo de Fernando Henrique Cardoso
– FHC (1995-2002) está intimamente relacionado com a revisão da Resolução CNE/CP Nº 2, de 1 de ju-
lho de 2015, que institui as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada dos
Profissionais do Magistério da Educação Básica” (2015), e com a construção de uma Base Nacional Comum
da Formação de Professores cujos princípios são definidos pelas competências.
Para Bazzo e Scheibe (2019), as Diretrizes Curriculares Nacionais – DCNs, para formação de profes-
sores, aprovadas em 2015, representam um importante avanço para os profissionais da educação, haja
vista que seu conteúdo foi amplamente discutido pela comunidade educacional e entendido como uma
elaborada síntese das lutas históricas da área. Além disso, as autoras apontam que no documento em tela
A BNCC, portanto, determinada pela agenda global da manutenção do capitalismo, passou a con-
duzir e a dominar as discussões e o debate a respeito da formação dos professores para a edu-
cação básica. O professor deveria ser formado para atender aos ditames dessa base curricular,
[...] modelo de currículo padrão para todo o país, elaborado de acordo com uma visão tecnicista/
instrumental, favorável às orientações dos grupos empresariais, interessados em formar um traba-
lhador que lhes fosse submisso”. (p. 672).
A proposta de novas DCNs e da BNC para a formação de professores, segundo Evangelista, Fieira e
Titton (2019), é apresentada no final do governo Temer em 2018 a partir de uma “versão preliminar” inti-
tulada “Proposta para Base Nacional Comum da Formação de Professores da Educação Básica”. Em 2019,
já no governo Bolsonaro, foi apresentada uma “terceira versão”, assinada por uma Comissão Bicameral,
designada pelo Conselho Nacional de Educação – CNE, composta por vários membros, dentre eles, os que
mais se destacam são Maria Helena Guimarães Castro – presidente –, Mozart Neves Ramo – relator –,
Antônio Carbornari Netto e Luiz Roberto Liza Curi.
Evangelista, Fieira e Titton (2019) mostram através de um mapa – sociograma – os elos de uma vas-
ta rede de influência cuja maioria dos conselheiros são os representantes institucionais, diretos ou indi-
retos, do setor privado. Merece destaque alguns desses setores, quais sejam: “[...] Aparelhos Privados de
Hegemonia (APH); instituições de ensino superior privado; Aparelhos de Estado; empresas educacionais
de capital aberto; Sistema S; movimentos empresariais; Organização Social (OS) [...]” (n.p).
Os autores também apontam para uma permanência de alguns atuais conselheiros no aparelho de
Estado desde o governo Cardoso, indicando que isso se deve a sua presença e atuação em vários movimentos
empresariais, merecendo destaque o movimento Todos Pela Educação – TPE, que possui cinco conselhei-
ros no CNE, e o Movimento pela Base – MPB, o qual possui oito conselheiros no mesmo (EVANGELISTA;
FIEIRA; TITTON, 2019).
Para Evangelista, Fieira e Titton (2019), existe uma clara convergência entre o movimento TPE e o MPB,
resultando na centralidade da BNCC, nas DCNs e BNC da Formação de Professores, “orientação que con-
fluirá para a organização do mercado privado das escolas superiores e de materiais didáticos, tecnologias e
soluções digitais ligadas à produção da hegemonia burguesa pela via da escolarização” (n.p).
Macedo (2019) ressalta que, a despeito dos conflitos entre as propostas curriculares no processo de
construção da BNCC, há um movimento articulado de políticas construídas e dirigidas por vários atores
e instituições, sobretudo burocratas do governo e fundações privadas, buscando hegemonizar os sentidos/
significado3 para conceitos relacionados à qualidade da educação. Isto porque os conceitos de qualidade
educacional, justiça social e equidade agora fazem parte da bandeira defendida pela perspectiva hegemôni-
ca neoliberal de perfil técnico.
Nas palavras de Macedo (2019), guardadas as ressalvas da influência conservadora na BNCC, tanto a
construção como a sua implementação estão sendo gestadas por gestores das secretarias de educação dos
estados e municípios brasileiros, bem como pelas suas instituições representativas “com forte participação
de fundações, think tanks e grupos educacionais ligados ao setor privado, assim como de movimentos
Por meio de propaganda bem estruturada, a OCDE vem difundindo, de forma ‘global, um tipo de
racionalidade técnica weberiana como uma demonstração de modernidade de qualquer nação’ [...]
Independentemente da importância dos dados obtidos na avaliação para a formulação das políti-
cas nacionais, a participação no Pisa tem ‘legitimando a nova agenda educacional a favor de mais
reformas escolares’ [...]. (p. 48).
Complementando esta direção, Neves e Piccinini (2018) mostram que a construção e implementação da
“nova” BNCC é a prova da entrada de “um novo conglomerado de forças econômicas para a educação – o
Movimento pela Base (MPB) – que inclui, mas transcende o Todos Pela Educação, e é composto por grupos
monopolistas de capital financeiro, frações da grande burguesia brasileira”, que objetivam “participar da
partilha do mercado interno e do mercado mundial, para o que reformas educacionais, além de outras, são
vitais” (p. 190).
A BNCC está no centro dos interesses mercantis desta nova fase de acumulação de capital, conforme
aponta Hypólito (2019), visto que, nos dias de hoje, o objetivo repousa no “controle sobre o conhecimento”.
Em suas palavras, existe uma agenda globalmente estruturada implicando localmente através de “grupos
hegemônicos, nem sempre coesos [...] mas que têm obtido sucesso em impor sua agenda que assume formas
múltiplas de atender os ditames do mercado e dos interesses conservadores” (p. 199).
Também aponta Hypólito (2019) que a centralização no controle desse saber visa flexibilizar o trabalho
e a formação docente “feita em cursos universitários, baseada no ensino e na pesquisa”, colocando-a em
permanente ameaça, uma vez que “poderá ser substituída por outra, realizada em cursos de fato aligeirados
e baratos” (op. cit.). Para o autor, “A irresponsabilidade dessas políticas é imensa, pois, diferentemente do
que apregoam os reformistas, tais políticas não são baseadas em evidências” (op. cit.).
Para Hypólito (2019) estamos diante de um processo de mercantilização da educação através das “[...]
políticas de controle sobre os livros didáticos e uso de variados tipos de materiais de ensino”, que “passam
a ser exigidos em escala, a fim de tornar objeto de mercado todos os materiais, inclusive aqueles que são
distribuídos pelas redes públicas”. Esta mercantilização dos produtos educacionais se coloca como uma
das estratégias de manutenção da taxa de lucro do capital, uma vez que “[...] tais políticas incluem sistemas
de gestão que estão muito em uso e são significativamente rentáveis, pois muitos cobram pelo número de
senhas utilizadas no sistema” (SILVA apud HYPÓLITO, 2019, p. 195).
Foster (2013), ao analisar o sistema educacional dos Estados Unidos a partir da crise estrutural do
capital, identifica que o processo de mercantilização da educação ocorre em um cenário de rápida con-
centração e monopolização de capital em uma escala global, de financeirização como meio de expansão
econômica através das “bolhas especulativas” e de estagnação econômica, sobretudo nos países capitalistas
centrais, como também é resultante do próprio movimento de reforma conservadora. Tal estratégia é con-
dição imposta pela recomposição das taxas de lucro frente à crise estrutural do capital, onde “as grandes
3 De acordo com Hypólito (2019), accountability designa o processo pelo qual atores da educação são “responsabilizados por suas
ações e resultados por meio de algum tipo de avaliação com consequência” (p. 190).
Alguns dos mecanismos da acumulação primitiva que Marx enfatizou foram aprimorados para
desempenhar hoje um papel bem mais forte do que no passado. O sistema de crédito e o capital
financeiro se tornaram [...] grandes trampolins de predação, fraude e roubo. A forte onda de finan-
cialização, domínio pelo capital financeiro, que se estabeleceu a partir de 1973 foi em tudo espeta-
cular por seu estilo especulativo e predatório. (HARVEY, 2014, p. 122).
Marx não chegou a antever com que rapidez e quão próximo o capitalismo chegaria dessa sua pos-
sibilidade e como as forças que o detonariam se converteram em instrumentos da sua dominação.
Nesse estágio, a contradição entre forças produtivas e relações de produção se tornou tão ampla
e tão manifesta que não mais podia ser dominada racionalmente, não mais podia se expressa. Não
há véu tecnológico, não há véu ideológico que possa continuar a encobri-la. O único modo de ma-
nifestar-se que lhe resta é a contradição nua e crua, a irracionalidade convertida em racionalidade;
só uma ciência falsa pode ainda suportá-la, uma consciência que se tornou indiferente à própria
diferença entre verdadeiro e falso. [...] Nela fundem-se política e publicity [publicidade], negócio e
filantropia, informação e propaganda, bom e ruim, a moral e sua eliminação. (MARCUSE, 2011, p.
14-15).
4 De acordo com Marx citado por Marcuse no Prólogo da obra “O 18 de brumário de Luís Bonaparte” (2011, p. 11), “A classe do-
minante se mobiliza para liquidar não só o movimento socialista, mas também as suas próprias instituições, que entraram na
contradição com o interesse da propriedade e do negócio: os direitos civis, [...] foram sacrificados a esse interesse para que a
burguesia pudesse ‘sob a proteção de um governo forte e irrestrito, dedicar-se aos seus negócios privados [...]’”.
A apropriação dos saberes e a proteção do monopólio desses saberes torna-se, portanto, o princi-
pal desafio das legislações sobre o novo estatuto da propriedade intelectual. [...] A privatização da
pesquisa e dos conhecimentos resultantes, o sequestro desses conhecimentos em prejuízos dos
concorrentes, a cultura do sigilo e da busca do monopólio freiam a difusão dos saberes socializa-
dos que poderiam beneficiar a maioria da população (BENSAÏD, 2017, p. 51).
Segundo o autor, “A multiplicação espetacular de patentes dos mais diversos tipos faz com que se aven-
turar num campo de pesquisa seja se arriscar num campo minado de patentes solicitadas para esquadri-
nhar e cercar não só as descobertas, mas também os campos de pesquisa e as descobertas que possam ser
realizadas: ‘Private property! No entrance!’” (p. 51-52). Nesse sentido, “As universidades, por intervenção
dos financiamentos privados serão cada vez mais restringidas ao papel de subcontratadas a serviço desses
novos cartéis do saber”, uma vez que experiências já consolidadas nas universidades dos Estados Unidos e
do Canadá mostram que, a partir das cláusulas de confidencialidade, “a empresa que paga “a pesquisa uni-
versitária assegura a exclusividade dos conhecimentos produzidos, em prejuízo da livre circulação dentro
da comunidade científica” (p. 52).
Bensaïd (2008) mostra que esta “nova” conjuntura expressa na superexploração do trabalho, privatiza-
ção do conhecimento ou na corrida ao organismo vivo por patentes, possui como imperativo “uma ofensiva
planetária do capital contra todas as formas de garantias e de proteção social, em matéria de salário, empre-
go, habitação, aposentadoria, educação e saúde pública” (p. 17). Ao analisar questões relativas à privatização
do saber, à obliteração da posição real dos trabalhadores e à fragmentação do conhecimento disseminada
pelo “ceticismo epistemológico” e “ironia complacente” da pós-modernidade, o autor aponta que a sistemá-
tica de privatização no globo
[...] não visa mais apenas os recursos naturais ou os produtos do trabalho. Ela cobiça cada vez
mais os conhecimentos e os saberes. Desde o início dos anos 1980, impôs-se a necessidade de
legislar práticas científicas (como a manipulação de organismos vivos) em contradição com as
definições em vigor no âmbito dos direitos de propriedade. Nessa ‘nova economia’, a primeira uni-
dade criada pelos laboratórios de pesquisa e desenvolvimento custa, muitas vezes, bem mais em
capital investido do que a reprodução em série do produto. (BENSAÏD, 2017, p. 50).
Moraes (2003b) observa que as causas aparentes e imediatas indicam efetivação de políticas nacionais e
internacionais que incentivam uma prática desprovida de reflexão, respondendo às demandas do mercado
e se mostrando pragmaticamente eficazes. Entretanto, em sua gênese estas “propostas que desqualificam
a teoria têm origem na convicção da falência de uma determinada concepção de razão: a chamada razão
moderna [...]”5 (p. 155).
5 De acordo com Moraes (2003b), a razão moderna iluminista é “emblemática das culturas liberais do ocidente, produto de uma
burguesia ainda em luta por sua definição e consolidação em face de seu “outro”, feudal, aristocrático. A racionalidade iluminista
abrangia e baliza um conjunto de princípios, ideias e práticas reguladoras que lhe permitia auto-representar-se, possuindo as
condições para estabelecer ‘a nítida demarcação entre racional e irracional, entre episteme e doxa, entre verdade e erro, entre
ciência e não-ciência (p. 155).
As funções exercidas pelos intelectuais enquanto comissários ‘do grupo dominante para o exer-
cício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político’ [...] são, por um lado, a
tentativa de obter o consenso ‘espontâneo que as massas dão à política impressa pelas classes
dominantes e, por outro, o uso da coerção estatal para assegurar legalmente a disciplina daqueles
“que não ‘consentem’ nem ativa nem passivamente, mas que é constituído por toda a sociedade na
previsão de momentos de crise no comando e na direção, quando fracassa o consenso espontâ-
neo. (GRAMSCI apud DIAS, 1996, p. 25).
Esta forma de inserção dos intelectuais no mundo moderno, em si mesmo, já reproduz uma dominação
da classe, desqualificando o “saber” e o “fazer” da classe trabalhadora enquanto que se apropria deles. Ao
caracterizar o saber das classes subalternas como “prático”, “experiencial”, “empírico”, este é transformado
por um saber codificado por outra racionalidade ou irracionalidade onde, na maioria das vezes, não esta-
belece grandes modificações em termos de progresso científico e tecnológico (GRAMSCI apud Dias, 1996,
p. 36).
Para Dias (1999, p. 36), a desqualificação do trabalho cognitivo das classes subalternas, pensando suas
criações como “práticas empíricas”, significa negar a quem produz conhecimento, cultura, a identidade
intelectual. Ao analisar as políticas de formação de professores nos governos Temer e Bolsonaro, especi-
ficamente a BNC da Formação de Professores, observa-se um recuo da teoria sócio-histórica em relação a
aquisição do saber e uma propagação e internalização da ideologia empresarial na formação docente com
vista na mercantilização da educação e na privatização da oferta, currículo, gestão e pesquisa.
6 “Conjunto articulado e sobredeterminado das contradições existentes em um dado momento histórico” (GRAMSCI apud DIAS,
1996, p. 12).
Devemos destacar em primeiro lugar a notável atuação de intelectuais das instituições e fundações
privadas na construção e implementação da “nova” BNCC e da BNC da Formação de Professores. Em
particular o movimento Todos pela Educação e o Movimento pela Base, assimilando e contextualizando as
diretrizes dos organismos multilaterais, vêm orientando uma contrarreforma curricular no Brasil as quais
remontam a década de 1990.
Nesse sentido, a produção destes documentos novamente carrega as competências ou “germe da com-
paração” (MACEDO, 2019) como princípio fundamental. Esta perspectiva representa uma visão “tecnicista
e instrumental” de formação, como apontou Moraes e Torriglia (2003), fundamentada em um perfil tópico
e empirista das modalidades de aprendizagem – usar, fazer e interagir –, reduzida a produção e consumo
de atalho imediato e superficial.
Além disso, a “nova” BNCC e a BNC da Formação propõem uma requalificação, revisão da BNCC –
1ª e 2ª versão – e das DCNs construídas e aprovadas no governo Dilma. A BNCC vem sendo mobilizada,
sobretudo, pelo Instituto Inspirare e pela Fundação Lemann as quais substitui o longo debate sobre os
“direitos de aprendizagens”[16] pelas competências. Macedo (2019) explica que essa mobilização em torno
do currículo e da formação docente deixa explícito os vínculos com “um movimento internacional sob a
governança da OCDE, vem pondo em práticas avaliações internacionais comparativas” (p. 47).
Já a BNC da Formação de Professores que atualiza os princípios da formação por competências insti-
tuídos pela Resolução CNE/CP Nº 1, de 18 de fevereiro de 2002, propõe um “ser” docente dócil, adaptável
que responda às demandas do cotidiano, além de ser coparticipante do processo que oblitera sua própria
prática social gerando uma disciplina em relação à força de trabalho cuja finalidade repousa na introjeção
do “controle do controle”7.
Tais movimentações ligadas aos organismos multilaterais e instituições e fundações privadas, apontam
para a condução de políticas curriculares e de formação de professores que estabelecem maiores padroni-
zações, descentralizações e responsabilizações ou accountability. Cabe ressaltar que estas orientações ou
recomendações impregnam os governos de vários países do globo e, em particular o do Brasil, a pelo menos
três décadas.
Partimos do entendimento que a construção e direção hegemônica nas políticas de formação no Brasil
após 2016 possui como finalidade última a mercantilização de produtos educacionais. Como aponta
Hypólito (2019), o objetivo é “tornar objeto de mercado todos os materiais, inclusive aqueles que são dis-
tribuídos pelas redes públicas” (p. 195). Os grupos monopolistas de capital financeiro que orientam as re-
formas educacionais no Brasil, afirmam Neves e Piccinini (2018), objetivam participar da partilha do vasto
mercado interno e mundial da educação.
Como observamos em Foster (2013), a estratégia de mercantilização da educação é resultante da crise
que se arrasta desde 1970 – intensificação da competição internacional condicionando novas relações pro-
dutivas como o toyotismo – ampliada e aprofundada pelas crises de 2008 e de 2014. A partir disso, frações
burguesas do capital financeirizado no Brasil e no mundo têm mobilizado uma agenda globalmente estru-
turada visando tornar os direitos essenciais – no caso a educação – em serviços.
Particularmente as reformas educacionais, implementam essa agenda neoliberal que promove tanto a
transformação do público em detrimento do privado – privatização –, como também hegemoniza o para-
digma liberal ultraconservador e autoritário no plano político e moral. Tal pressuposto é confirmado por
7 Para Freitas (2012), o “controle do controle” representa um tipo de racionalidade técnica ou neotecnicista a partir de “expecta-
tivas de aprendizagens medidas em testes padronizados, com ênfase nos processos de gerenciamento da força de trabalho da
escola (controle pelo processo, bônus e punições), ancorada nas mesmas concepções oriundas da psicologia behaviorista, for-
talecida pela econometria, ciências da informação e de sistemas, elevadas a condição de pilares da educação contemporânea”
(p. 383).
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Michelangelo Torres
professor doutor efetivo do IFRJ
Resumo: Assumindo-se que vivenciamos um complexo processo de reestruturação produtiva do capital que articula a crise do sin-
dicalismo contemporâneo com elementos do ideário neoliberal, da fragmentação da classe trabalhadora e da ofensiva reacionária
que se projetou no Brasil nos últimos anos, a qual se consolidou com a combinação de políticas econômicas ultra-neoliberais com
um autoritarismo obscurantista reacionário, procede-se neste texto a problematização dos impasses e desafios para o movimento
sindical no limar deste século. Ao considerar os limites e as potencialidades da forma-sindicato, busca-se tecer algumas considera-
ções fundamentais para se recuperar e revitalizar o sindicalismo classista na era da devastação dos direitos sociais e da legislação
social protetora do trabalho, situação desfavorável à luta dos trabalhadores, mas que coincide com um movimento de reorganização
da esquerda no Brasil.
Palavras-chave: Sindicalismo; Classe Trabalhadora; Precariedade Laboral; Sociologia do Trabalho.
INTRODUÇÃO
1 Este artigo articula questões desenvolvidas no livro “Trabalho, Sindicalismo e Consciência de Classes”, cf: Torres (2020).
O sindicalismo brasileiro passou por uma verdadeira metamorfose entre a década de 1980 e os dias
atuais. Mudanças estratégicas nas práticas sindicais vêm sendo operadas desde a explosão do chamado
“novo sindicalismo”2, perpassando por estratégias sindicais propositivas e neocorporativas, transitando
do plano da “confrontação à cooperação conflitiva” (RODRIGUES 1995), atingindo um estágio ora de
acomodação (direções majoritárias), ora de ultraesquerdismo (setores minoritários). Simultaneamente ob-
servamos mudanças estruturais no mundo do trabalho, de um mercado relativamente estruturado e regu-
lamentado para um novo processo de precarização laboral na etapa flexível de acumulação capitalista. Mas
também mudanças táticas no campo sindical vêm sido operadas. Diante de um novo cenário conjuntural
desfavorável, como devem atuar os sindicatos?
As transformações sociais oriundas das últimas décadas são de grande monta. O complexo social do
mundo do trabalho em seu novo patamar histórico de flexibilidade e corrosão de direitos sociais decorre
da ofensiva do capital em desmontar o trabalho enquanto força social resistente e dotada de proteção social
e solidariedade de classe. Para tanto, emerge o ideário neoliberal (com estímulo a “eficiência” das metas in-
dividuais e da meritocracia3), como o individualismo exacerbado e a fragmentação de classe (BERNARDO
2000) enquanto dimensões subjetivas. A política do sindicalismo de massas, tal como se constituiu ao
longo do século passado, está em evidente crise. O movimento tendencial que se verifica nos últimos anos
aponta para o sindicalismo com abandono progressivo de estratégias sindicais de classe, com predomínio
de interesses setoriais e corporativos, apresentando posturas sindicais neocorporativas de cariz proposi-
tivo (ALVES 2000). Essa crise do sindicalismo moderno, em tempos de mundialização do capital, não se
revela apenas pelo abandono de buscas de organização coletiva para problemas sociais, como o declínio de
representação sindical e esvaziamento de fóruns e assembleias ordinárias, mas sim tanto em seus aspectos
socio-institucionais quanto em elementos político-ideológicos.
Conforme lembra Rodrigues (1992), existem diversas variáveis que contribuem nesse sentido: a dis-
persão industrial e desconcentração de trabalhadores no local de trabalho ou região, novas tecnologias
poupadoras de força de trabalho, novas modalidades de gestão empresarial, acirrada competitividade no
local de trabalho, flexibilização, terceirização e outras modalidades precarizadas de trabalho, alta taxa de
rotatividade, individualização dos salários, promoções e benefícios, nova composição do setor operário e
de serviços, fim dos regimes do Leste Europeu e crise das políticas do tipo Estado de Bem-Estar, declínio
de valores igualitários e coletivistas, avanço das ideologias individualistas, desgaste de lideranças sindicais,
descrença e desinteresse, burocratização das organizações sindicais e distanciamento das direções de suas
bases, além da dificuldade de representar a heterogênea composição do proletariado atual.
O sindicalismo tem encontrado profunda dificuldade em mobilizar os novos setores do proletariado
de serviços e os precarizados (ANTUNES 2018). Conforme aponta Antunes (1995 p.62), “a fragmentação,
heterogeneização e complexificação da classe-que-vive- do-trabalho questiona na raiz o sindicalismo tra-
dicional e dificulta também a organização de outros segmentos que compreendem a classe trabalhadora”.
Nesse contexto de crise, o sindicalismo tem se limitado claramente ao estreito horizonte da mercadoria,
procurando assegurar o melhor preço da venda de força de trabalho, com dificuldade em mobilizar e
2 Os dados quantitativos de greve impressionam: “Em 1978 foram deflagradas 118 greves, e dez anos depois elas passaram a
somar 2.188. O número anual de grevistas aumentou sessenta vezes e, entre esses mesmos anos, o número de jornadas não
trabalhadas (o indicador síntese de greves) pulou de 1,8 milhão para 132 milhões” (NORONHA 1991 p.95).
3 A meritocracia, neste contexto, projeta um ideário segundo o qual a saída para os problemas sociais está na ação individual. Um
conjunto de “valores, expectativas e utopias de mercado” (ALVES 2011) têm orientado o novo “espírito” do sistema do capital,
exigindo valores existenciais ao indivíduo. Não é a toa que a literatura de auto-ajuda impregnou o discurso empresarial. O capi-
talismo manipulatório tem operado por meio de um processo de manipulação da subjetividade alinhada ao ideário do capital e
da flexibilização, compatíveis com a ideologia neoliberal de rechaço ao sindicalismo ou associativismo.
Se pudermos traçar, em termos didáticos, um panorama dos ciclos históricos do movimento operário-
sindical no Brasil, pode-se dizer que no início do século passado a força política dirigente dos sindicatos
livres e autônomos foi representada pelos anarquistas, com epicentro na greve geral de 1917 e arrefecimento
nos anos 1920. A partir da década de 1930, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi o principal articula-
dor, até os anos 1960, do movimento sindical, tendo o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) seu ponto
alto, e diluição com o regime militar. A reorganização do movimento se deu no final de 1970 e início de
1980, capitaneada pela direção do PT/CUT. A hegemonia lulista passa a entrar em crise nas primeiras duas
décadas dos anos 2000, ainda que seu ciclo histórico ainda não tenha se findado. Atualente, o país vivencia
um processo de reorganização da esquerda e do movimento sindical, ainda em aberto, cujos traços mais
evidentes apenas começam a se contornar.
A atualidade do presente debate se justifica devido a relação entre a subjetividade da esquerda e o
impacto da ofensiva reacionária no plano das consciências. Em tempos duros, de crise e turbulência nas
alturas, em que elementos reacionários se intensificam na realidade política nacional, as incertezas emer-
gem no horizonte de cada sindicalista. No último período, vivenciamos a transição para uma conjuntura
reacionária, com elementos bonapartistas no regime, escalada autoritária e retirada de direitos historica-
mente constituídos. No limite, as forças reacionárias buscarão impor uma derrota histórica na classe traba-
lhadora, com destruição de todas as formas de organização partidária, sindical e social independente. As
ameaças às liberdades democráticas e à própria democracia se coloca em risco diante do perigo da ameaça
neofascista5: nas urnas e nas ruas. A pergunta que não quer calar: como fortalecer o sindicalismo e desen-
volver a consciência de classe em condições tão adversas?
Apoiados na interessante síntese de Arcary (2019), as atuais táticas de atuação diante do governo
Bolsonaro que dividem as direções sindicais localizadas no campo político da esquerda podem ser re-
sumidas em três fórmulas, com nuances: A) a tática quietista consiste apoiar o discurso de oposição no
Congresso a fim de disputar o espaço de oposição e, sem apostar na mobilização popular, aguardar as
eleições 2022. Até lá, não há como realizar qualquer política de enfrentamento político direto à influência
de Bolsonaro, que apesar de ter um mandato legítimo poderia a qualquer momento assumir tendências
bonapartistas. Por isso, é cabível unidade e alianças com partidos do centrão a partir de pontos comuns;
B) a tática da ofensiva permanente nega a existência da abertura de uma situação reacionária e identifica
Bolsonaro como mais um governo burguês como os precedentes, sustentando que há amplos movimen-
tos de resistência, tendo a consigna “Fora Bolsonaro” na ordem do dia, uma vez que, nesta caracteriza-
ção, há condições reais de derrubada do governo à esquerda a partir da organização progressiva da classe
4 Referência ao processo político em que a burla jurídica denominou por impeachment, o qual, em verdade, pode ser interpretado
como um golpe de novo tipo, em que as classes dominantes (internacionalizadas e financeirizadas) descartaram o governo
Dilma e romperam com o ciclo de conciliação do PT iniciado por Lula.
5 Exemplo emblemático foi a política de paralisia de sua direção majoritária diante dos desdobramentos do impedimento da con-
tinuidade do mandato de Dilma Rousseff na Presidência da República, processo transitado entre dezembro de 2015 e agosto de
2016, sequer caracterizado como golpe parlamentar por esta entidade.
O sindicato tem o papel político de mobilizar os trabalhadores e de elevar sua consciência classista, ao
mesmo tempo de representa-los diante do governo e dos patrões, prestando-lhes todo auxílio disponível.
Em termos organizacionais, o desafio do sindicalismo está em combater o burocratismo e se enraizar nos
locais de trabalho, fomentando espaços democráticos de funcionamento interno.
É sabido que a assessoria jurídico-sindical e a negociação com as instâncias decisórias governamentais
e institucionais são importantes. Mas o atendimento da entidade sindical não deve se limitar às importan-
tes demandas corporativas e assistenciais da categoria setorial que representa em termos imediatos. Deve,
simultaneamente, conectar-se com as lutas mais abrangentes da classe trabalhadora e colocar-se contra
toda forma de exploração e de opressão em todas as partes do mundo. É oportuno posicionar-se e articular-
-se intersetorialmente com outros sindicatos e outras lutas da classe trabalhadora em geral e do movimento
popular autêntico, prestando apoio e solidariedade internacionalista.
Um dos perigos do sindicalismo é a adaptação social de seus dirigentes. O controle sobre a imprensa
operária, a administração do aparato, das finanças e de seus funcionários, assim como a possibilidade do
exercício de privilégios políticos, exercem pressões alheias a nossa classe e podem representar o perigo da
burocratização e adaptação social (desde o uso de telefones corporativos e de carros oficiais ao distancia-
mento da base por parte dos dirigentes, e demais vantagens sindicais ou materiais)6. Igualmente é impor-
tante se combater as práticas de aparelhamento político de seus dirigentes para suas organizações políticas.
Para tanto, medidas concretas de combate aos desvios burocráticos das entidades devem ser tomadas,
como controlar os privilégios políticos e restringir os privilégios materiais dos dirigentes, uma fraterna
discussão com os setores que negam qualquer atividade “política” dentro dos sindicatos, reflexão constante
sobre a vinculação estrutural do aparelho sindical com o Estado, construção de forte organização nos lo-
cais de trabalho, zelar pelo funcionamento democrático das tomadas de decisão e controle da base sobre as
direções, dentre outros.
O combate ao machismo deve assumir centralidade e ser outro elemento de contraponto cotidiano
aos velhos vícios sindicais, como o personalismo de figuras masculinas nas direções ou nas assembleias. A
formação permanente de quadros feministas não é secundária se quisermos revitalizar os sindicatos. Os
sindicatos devem igualmente reconhecer que a luta contra as opressões é parte da luta contra a explora-
ção rumo à emancipação social. O combate ao machismo, ao racismo, a LGBTfobia e a xenofobia devem
ser princípios, as bases sobre as quais uma organização sindical se constrói. Deve-se ampliar a discussão
sobre o tema das opressões em perspectiva transversal em sua própria prática política, incentivando-se o
protagonismo de mulheres, negros e negras e pessoas LGBT nos espaços sindicais. Isto é, o sindicalismo
classista precisa compreender a importância das clivagens entre gênero, raça e etnia no mundo do trabalho
contemporâneo brasileiro, ainda que sem abandono do corte de classe que os estruturam.
O sindicalismo combativo deve estar sob controle ativo da classe trabalhadora. Para tanto, deve preser-
var sua independência de classe diante de governos ou entidades patronais, combatendo-se qualquer forma
de aparelhismo artificial ou mal funcionamento dos organismos da estrutura sindical. Suas direções devem
zelar pela transparência financeira e controle patrimonial pela base, por meio de uma política financeira
claramente definida e votada pela categoria, preservando a democracia proletária nas instâncias decisórias
de seu funcionamento. Por democracia proletária na instância sindical, entendemos a luta contra o fun-
cionamento burocrático e monolítico, sob a garantia da ampla democracia interna e participação da base.
6 A adaptação social refere-se à utilização de recursos materiais do sindicato em proveito próprio pelo dirigente da entidade bem
como as consequências desses privilégios, ou seja, o estabelecimento de relações materiais entre o dirigente e a entidade tra-
zem, quando não contidos, o distanciamento da direção em relação à base, acarretando adaptação nas negociações patronais.
Trata-se do sindicalismo adaptado aos aparatos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste tenso período histórico que estamos vivendo, de avanço das pautas reacionárias e de escalada
autoritária do regime, o projeto político dos setores de extrema-direita no país é de tentar impor uma der-
rota histórica à classe trabalhadora e seus organismos de representação. Com a reflexão levada a cabo neste
artigo, nos esforçamos em iluminar a nebulosa indagação: haverá espaço para o sindicalismo?
Conforme expusemos, a ferramenta sindical, criada pelas forças sociais do trabalho no período da
Revolução Industrial precessada na Inglaterra dos séculos XVIII/XIX, ainda é imprescindível na defesa
de direitos. No Brasil, a despeito de suas deformações históricas e descaminhos, ainda constitui a maior
organização coletiva dos trabalhadores na luta por seus direitos. Apesar de reconhecermos a crise do sin-
dicalismo brasileiro não estamos entre aqueles que defendem o descarte sindical, concebendo-os como
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Resumo: O presente trabalho visa estudar e analisar a origem e as consequências da Reforma Trabalhista de 2017. Partindo da hi-
pótese de que as alterações promovidas pela Lei nº 14.367/2017 atendem os interesses da classe empresarial e sua implementação
está diretamente vinculada à queda da taxa de lucro, busca relacioná-la às contratendências da queda da taxa de lucro apresentadas
por Marx. Com o intuito de qualificar a compreensão deste conjunto de medidas, é realizado uma breve retrospectiva das modifica-
ções nas relações trabalhistas a partir da década de 1990 no Brasil, momento em que a flexibilização do trabalho e o neoliberalismo
ganham força no país. Através de uma revisão da literatura que versa sobre o tema, é explorado às raízes do neoliberalismo e da
acumulação flexível, bem como a conjuntura mundial de 1970, momento em que estes dois fenômenos ganham espaço no cenário
mundial. Conclui-se que a contrarreforma de 2017 está inserida em uma tendência histórica de retirada de direitos trabalhistas, de
flexibilização do trabalho que, na prática, representa uma precarização do trabalho, com intuito de elevar os lucros dos empregado-
res em detrimento da diminuição da remuneração e dos direitos trabalhistas que garantem maior estabilidade e segurança para os
trabalhadores.
Palavras-chave: Reforma Trabalhista. Reestruturação produtiva. Flexibilização do trabalho.
INTRODUÇÃO
O presente artigo é uma adaptação do trabalho de conclusão de curso (TCC) do autor e, tem como ob-
jetivo, analisar a relação da Lei nº 13.476/2017 com a queda da taxa de lucro no Brasil e a tendência histórica
— a nível mundial — de flexibilização do trabalho, a qual ganhou força com a reestruturação produtiva na
década de 1970 (HARVEY, 2008). De acordo com Carcanholo (2010), a crise mundial daquela década está
relacionada à queda da taxa de lucro e a superprodução de capital. Concomitantemente à reestruturação
produtiva, o neoliberalismo se apresenta como uma nova ideologia que defende organicamente a: flexibili-
zação do trabalho, abertura comercial, desregulamentação financeira, privatizações, etc. No Brasil, este du-
plo movimento, referente à reestruturação da produção (NAVARRO, 2010) e o avanço neoliberal (KREIN,
2013), ganhou contornos mais nítidos a partir da década de 1990.
A reforma das leis trabalhistas, realizada através da implementação da Lei 14.367/2017, é analisada a partir
do contexto histórico mundial acima apresentado e das particularidades que o desenvolvimento deste pro-
cesso irá possuir na conjuntura socioeconômica brasileira. Seus gérmens são encontrados na década de 1990,
como aponta o documento da Confederação Nacional da Indústria (1994, p. 36) citado por Filgueiras (2019,
p. 18, grifo do autor) “a criação de empregos requer ações em várias frentes (...). A primeira é a flexibilização
do mercado de trabalho brasileiro, criando, ao contrário do que existe hoje, incentivos para a contratação de
mão-de-obra.”. A demanda dos empresários permaneceu viva, e é reforçada em um “novo” documento da
CNI, intitulado 101 Propostas Para Modernização Trabalhista, publicado em 2012, onde é apontado que
[…] o sistema trabalhista do país não atende às necessidades da sociedade brasileira contemporâ-
nea. Calcada em um regime legalista rígido e com pouco espaço para negociação, a regulação tem
escassa conexão com a realidade produtiva. (CNI, 2012, p. 11).
É possível notar que o discurso utilizado para defender as modificações nas leis trabalhistas em 2017
já existia de modo semelhante na década de 1990. Entretanto, Krein (2007) afirma que a realidade do país,
A predominância da forma fordista de produção que, de acordo com Harvey (2008), atingiu sua matu-
ridade em 1945, começou a demonstrar alguns sinais de esgotamento ao longo da década de 1960, sendo
colocada em xeque com a crise do petróleo. A partir deste momento é intensificado o processo de reestru-
turação produtiva, hegemonizado pelo método toyotista de organização da produção. Alves (2011) afirma
que o Sistema Toyota de Produção, no seu processo de mundialização, assumiu um novo significado, para
além daquele específico relativo ao seu desenvolvimento no Japão (que estava restrito às particularidades
sócio-históricas daquele país), alcançando um valor universal para a acumulação de capital.
Os problemas encontrados pelo fordismo que se tornaram mais evidentes a partir da metade década
de 1960, foram escancarados pela crise de 1973, são resumidos por Harvey (2008, p. 135) em uma palavra,
“rigidez”. De acordo com o autor, a superação desta questão esbarrava “na força aparentemente invencível
do poder profundamente entrincheirado da classe trabalhadora - o que explica as ondas de greve e os pro-
blemas trabalhistas do período 1968-1972.”. A taxa de lucro calculada por Shaikh (2018) para as empresas
americanas não financeiras caiu de aproximadamente 18% em 1966, para um pouco menos de 9% em 1982
(ver gráfico 1), o que significa uma queda próxima de 50%. Para além disto, quando estourou a crise (com
o aumento de 300% no preço do petróleo entre outubro/1973 e março/1974) a capacidade excedente não-u-
tilizada da indústria americana cresceu consideravelmente (ver gráfico 2). A articulação da queda da taxa
de lucro e o aumento da capacidade não-utilizada intensificou o ambiente de competição entre as empresas
e “isso as obrigou a entrar num período de racionalização, reestruturação e intensificação do controle do
trabalho (caso pudessem superar ou cooptar o poder sindical)” (HARVEY, 2008, p. 137, grifo do autor).
Desde 1967 a taxa de lucro apresentou uma nítida tendência de queda que perdurou até 1982/83, quan-
do se estabilizou. Assim, deve-se questionar o que sucedeu para reverter esta tendência. De acordo com
Shaikh (2018), a recuperação está assentada na elevação da produtividade do trabalho acima do aumento
dos salários reais. A reestruturação produtiva e o neoliberalismo possibilitaram a ampliação do grau de
exploração dos trabalhadores, impactando diretamente a taxa de lucro, o que só foi possível, de acordo com
o autor, por causa do abrandamento da evolução dos salários, principalmente a partir da década de 1980,
quando a trajetória de crescimento dos salários deixou de acompanhar os ganhos de produtividade.
Shaikh (2018, p. 63) conclui que “[...] a repressão dirigida contra os trabalhadores, iniciada na época
de Reagan, teve um propósito claro: alimentou a expansão na parte final do século vinte.”. Esta mudança
demonstra uma transformação que está ocorrendo na correlação de força entre o capital e o trabalho. A
reestruturação que ganhou força a partir da década de 1970, através da universalização do toyotismo para
outros setores e países, está diretamente relacionada às problemáticas apresentadas por Shaikh sobre a re-
cuperação da taxa de lucro, assentada no aumento da exploração da classe trabalhadora.
[...] o mercado de trabalho, por exemplo, passou por uma radical reestruturação. Diante da forte
volatilidade do mercado, do aumento da competição e do estreitamento das margens de lucro, os
patrões tiraram proveito do enfraquecimento do poder sindical e da grande quantidade de mão-de-
-obra excedente (desempregados ou subempregrados) para impor regimes e contratos de trabalho
mais flexíveis. [...] Mesmo para os empregados regulares [...] jornadas de trabalho que têm em
média quarenta horas semanais ao longo do ano, mas obrigam o empregado a trabalhar bem mais
em períodos de pico de demanda, compensando com menos horas em períodos de redução de
demanda, vêm se tornando mais comum (HARVEY, 2008, p. 143).
O nível de emprego impacta diretamente o tamanho do exército industrial de reserva que, de acordo
com Marx (2013), é um dos principais determinantes do nível salarial dos trabalhadores, pois, interfe-
re diretamente na correlação de força da classe trabalhadora com o capital, já que um número maior de
desempregados ou subempregados, influencia a capacidade de reivindicação dos trabalhadores. O antigo
conselheiro de Margaret Thatcher, Alan Budd, afirmou que a política econômica adotada pela Inglaterra
nos anos 80 para combater a inflação era uma maneira de aumentar o desemprego e reduzir a força dos
trabalhadores, de acordo com ele, “o que foi construído, em termos marxistas, foi uma crise para recriar
um exército industrial de reserva (reserve army labour), que possibilitou os capitalistas lucrarem mais do
que nunca.”1 (HARVEY, 2000, p.7).
1 No original, “What was engineered, in ‘Marxist’ terms - was a crisis in capitalism which re-created a reserve army of labour, and
has allowed the capitalists to make high profits ever since” (HARVEY, 2000, p.7).
2 Por correlação de força, compreende-se a capacidade de uma classe ou força social em impor seus interesses em uma determi-
nada conjuntura (HARNECKER, 2012).
Por outro lado, também é possível identificar ações do governo Lula que beneficiaram a regulação
pública do trabalho. Acerca destas medidas, é possível citar a valorização do salário mínimo, a ampliação
do seguro-desemprego na crise de 2008/2009, o aumento da formalização do trabalho e o estímulo para
incluir o autônomo na seguridade social. A valorização do salário mínimo certamente merecesse ser desta-
cada, essencialmente por dois motivos: o aumento real de aproximadamente 45% entre 2003-2010 e o forte
impacto disto para o reajuste dos salários do conjunto da classe trabalhadora. De acordo com Krein, et. al.
(2011, p. 13),
A política de valorização do salário mínimo foi a medida mais importante pelo papel na estrutura-
ção do mercado de trabalho, no combate à pobreza e na melhora dos rendimentos dos trabalha-
dores com menores salários, dos aposentados e dos beneficiários dos Benefícios de Prestação
Continuada. Ela é responsável por parte expressiva da melhora de indicadores sobre distribuição
pessoal da renda e tem relação com o aumento real do salário mínimo. O salário mínimo também
é extremamente importante para determinar a elevação das remunerações de base e influencia as
negociações dos pisos salariais das categorias profissionais.
O movimento da taxa de lucro mostra duas direções distintas ao longo dos governos petistas, o primei-
ro, de ascensão, atingindo o pico em 2007 (início da crise mundial) e, a partir deste mesmo ano, entra em
queda, chegando ao vale em 2014. Tanto as desonerações fiscais praticadas por Dilma, como a implemen-
tação das MPs 664 e 665 devem ser compreendidas a luz destes fatos.
Em 2012, a Confederação Nacional da Indústria (uma organização que representa os interesses da
burguesia industrial brasileira) organizou um documento intitulado 101 Propostas para Modernização
Trabalhista, propondo a modificação de diversas leis, ou seja, a realização de uma reforma nas leis traba-
lhistas, pois, “o sistema trabalhista do país não atende às necessidades da sociedade brasileira contemporâ-
nea. Calcada em um regime legalista rígido e com pouco espaço para negociação, a regulação tem escassa
conexão com a realidade produtiva.” (CNI, 2012, p. 11). Assim, o documento propõe, dentre outras coisas:
fortalecer a negociação coletiva; ampliar a negociação individual para os trabalhadores com altos salários
(que não sejam “hipossuficientes”); redução do intervalo intrajornada; alteração do entendimento das ho-
ras-extras; permitir, através das negociações coletivas, jornadas de 12 horas diárias (respeitando o intervalo
legal mínimo inter-jornada); negociação individual sobre o banco de horas; permitir o trabalho aos do-
mingos e feriados para todas as categorias, via de acordo coletivo; tornar legal a realização de horas-extras
nos contratos de regime sob tempo parcial (até 25 horas por semana); definir que o tempo de deslocamento
entre a portaria e o local de trabalho não configure como tempo de trabalho; extinção do regime de sobrea-
viso; regulamentar a contratação de pessoas físicas sem vínculo empregatício; ampliação da terceirização
para atividades fim; fracionamento do PLR em 4 parcelas, etc.
É válido destacar que as 101 propostas têm um elemento em comum: reduzir o custo do trabalho, através da
diminuição da remuneração (salários) e com a retirada de direitos trabalhistas. O objetivo, portanto, parece ser
reverter a queda da taxa de lucro, através do aumento do grau de exploração dos trabalhadores. Estas medidas
só foram implementadas em 2017, deste modo, é possível ampliar o entendimento de Krein et. al. (2011) sobre
a tendência contraditória da flexibilização do trabalho no governo Lula para o governo Dilma, pois, segundo
o autor, a principal atuação por parte do governo (Lula) contra a ampliação da flexibilização do trabalho foi
através do veto de certos pontos e com a retirada de determinados projetos que ampliassem ainda mais a fle-
xibilização do trabalho; de modo semelhante, isto seguiu com Dilma até o final de 2014, momento em que a
tendência de flexibilização do trabalho ganha mais corpo no governo, ficando nítido a partir de 2015, quando é
realizado uma política de ajuste fiscal e ocorre a implementação das medidas provisória 664 e 665.
Em 2015, para dimensionar o impacto das MPs para o conjunto dos trabalhadores, é importante des-
tacar que elas vieram em conjunto com o ajuste fiscal do governo. Além da desaceleração econômica que
já era perceptível, o governo atuou com a implementação de um ajuste fiscal, contribuindo para a piora do
A alta rotatividade no emprego não permitirá que uma proporção razoável de trabalhadores cum-
pra as exigências para o primeiro acesso ao Seguro-Desemprego, uma vez que quase metade
(43,4%) da mão de obra é demitida antes de seis meses no mesmo emprego.
O ajuste fiscal realizado por Dilma e a retirada dos direitos trabalhistas discutidos acima, não foram
suficientes para acalmar os ânimos das classes dominantes, nem reverter a tendência de queda da eco-
nomia. Em 2015, com a aplicação de uma política pró-cíclica, a retórica defendida pelo governo e pelo
mercado, era da necessidade de um ajuste fiscal que, de acordo com as expectativas do governo, ocorreria
uma retração econômica nos primeiros trimestres do ano, com recuperação a partir do último trimestre4.
Entretanto, com a aproximação do último trimestre, as expectativas de recuperação econômica tiveram de
ser reajustadas.
Ainda em 2015, o ajuste fiscal realizado pelo governo já era criticado e colocado como insuficiente para
retomada do crescimento econômico. Em outubro do mesmo ano, é lançado o documento “Uma ponte
para o futuro”, produzido pelo MDB (na época PMDB, partido do vice-presidente) e pela Fundação Ulysses
Guimarães, com um diagnóstico sobre a situação da economia brasileira e um conjunto de propostas para
a estabilização econômica. No documento, é reforçado a necessidade de um ajuste fiscal, pois
Essas reformas legislativas são o primeiro passo da jornada e precisam ser feitas rapidamente,
para que todos os efeitos virtuosos da nossa trajetória fiscal prevista produzam plenamente seus
efeitos já no presente. Será uma grande virada institucional e a garantia da sustentabilidade fiscal,
que afetarão positivamente as expectativas dos agentes econômicos, a inflação futura, o nível da
taxa de juros e todas as demais variáveis relevantes para a estabilidade financeira e o crescimento
econômico. (PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO, 2015, p. 16).
A Lei 14.367/2017 foi colocada para a sociedade brasileira em uma momento de conjuntura econômi-
ca recessiva, problemas fiscais nas contas do Estado, enfraquecimento dos sindicatos, elevado índice de
desocupação e subutilização da força de trabalho. A proposta defendida pelo governo Temer e o conjun-
to da classe empresarial, propagandeada pela grande mídia, apontava que as leis trabalhistas tornaram o
mercado de trabalho brasileiro demasiadamente rígido, motivo pelo qual a economia não saia do lugar e o
desemprego permanecia tão elevado.
Ela estaria também ultrapassada à luz das mudanças promovidas na dinâmica do capitalismo
internacional a partir das últimas décadas do século XX: a difusão de um novo padrão de indus-
trialização baseado em empresas enxutas, em novas formas de organização e gestão da força de
trabalho, em um processo de fragmentação das cadeias produtivas e no acirramento da concor-
rência internacional exigiria a adaptação da regulação estatal às condições de um mercado cada
vez mais ‘globalizado’. Nesse contexto, a regulação estatal teria que perder sua rigidez excessiva,
para se tornar mais ágil e flexível. (CESIT, 2017, p. 40).
Em resposta aos problemas da sociedade, a flexibilização das leis trabalhistas atenderia um suposto
interesse comum à classe trabalhadora e ao conjunto dos empresários, fornecendo maior liberdade e auto-
nomia para a negociação entre as duas classes e, inclusive, entre o empregado (indivíduo) e o empregador.
Desta forma, com a aprovação da reforma, seriam gerados mais de 6 milhões de empregos e a economia vol-
taria a apresentar um crescimento econômico consistente6, como consta na fala do ministro da Fazenda,
Henrique Meirelles que, na época, disse que não seria uma surpresa se a economia brasileira crescesse
acima dos 3% em 2018.
Um ano depois, o desemprego permaneceu praticamente o mesmo, enquanto a contratação de traba-
lhadores intermitentes aumentou, de 61 mil em 2018, para 156 mil em 2019, e em tempo parcial, de 175 mil
para 417 mil, no mesmo período, conforme o Relatório Anual de Informações Sociais (RAIS) de 2019. Para
além disto, também resultou no enfraquecimento dos sindicatos e reduziu o número de ações na Justiça do
Trabalho.
As alterações promovidas pela contrarreforma trabalhista resultaram na modificação de mais de 200
artigos da CLT, os quais, de acordo com Cesit (2017, p. 61-62) podem ser resumidos em seis pontos:
1. novas formas de contratação mais precárias (terceirização, temporário, intermitente, autônomo,
parcial);
2. flexibilização da jornada de trabalho (ampliação do banco de horas, diminuição do intervalo de
almoço, parcelamento das férias, extensão da jornada de 12 horas por 36 para todas as categorias);
3. rebaixamento da remuneração;
4. alteração das normas de saúde e segurança, restrição a fiscalização;
Ou,
Marx (2017, p. 232-240) elenca seis contratendências à queda da taxa de lucro; destas, duas estão direta-
mente relacionadas à contrarreforma. A primeira, diz respeito ao aumento do grau de exploração da classe
trabalhadora, alicerçado na elevação da jornada de trabalho e na intensificação do trabalho; a segunda
está relacionada ao exército industrial de reserva que, “a grosso modo”, como Marx (2013, p. 864) afirma,
as variações salariais ao longo do ciclo industrial são causadas pelas variações no exército industrial de re-
serva. Por exemplo, quando diminui o tamanho da superpopulação relativa em momentos de expansão do
ciclo, os salários tendem a subir, o contrário também verdadeiro, pois, quando os trabalhadores liberados
superam numericamente aqueles que estão sendo absorvidos, alargando a camada do exército industrial de
reserva, os salários tendem a ser pressionados para baixo. Dessa forma, o aumento do exército industrial de
reserva é um elemento que indiretamente pressiona os salários para baixo.
A partir da síntese da contrarreforma em seis pontos, demonstrada acima, fica nítida a sua relação com
o aumento do grau de exploração da classe trabalhadora. Pois possibilita o aumento da jornada de trabalho,
a redução da remuneração de forma direta ou indireta, através da retirada de direitos, da restrição ao acesso
à Justiça do Trabalho, às modificações na segurança do trabalho. Em relação as reclamações trabalhistas,
é perceptível o “sucesso” da reforma, pois, de acordo com o Tribunal Superior do Trabalho, entre janeiro e
setembro de 2017, foram recebidas aproximadamente 2 milhões, enquanto entre janeiro e setembro de 2018
foram recebidas 1,3 milhão de reclamações, uma queda próxima de 35%7.
A relação da reforma com a superpopulação relativa também é evidente, pois, Marx (2013) aponta que
o exército industrial de reserva pode se materializar em três estratos distintos, dos quais dois guardam
relação direta com a contrarreforma: a) superpopulação flutuante, composta pelos trabalhadores dos dife-
rentes ramos de produção que, ora estão empregados, ora estão desempregados, flutuando de acordo com
o ciclo do capital; b) superpopulação estagnada, formada pela força de trabalho ativa, entretanto, com uma
ocupação instável e precária, marcada por jornadas de trabalho com uma grande quantidade de trabalho,
baixíssima remuneração com pouca estabilidade no emprego.
As novas formas de contratação estabelecidas pela reforma, denominadas de “cardápio de contratos
precários” pelo DIEESE (2017, p. 2), irão fomentar a expansão da superpopulação flutuante e estagnada.
Isto se deve, em grande medida, pela relação dos contratos mais precários com uma maior taxa de rotativi-
dade do trabalho, trabalhos com pior remuneração e carga de trabalho mais alta.
7 Conforme matéria elaborada pelo Tribunal Superior do Trabalho, disponível em: http://www.tst.jus.br/noticias/-/
asset_publisher/89Dk/content/primeiro-ano-da-reforma-trabalhista-efeitos
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Odair Furtado
Doutor em Psicologia Social pela PUC-SP. Professor associado da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, no PPG em Psicologia Social. Email: odairfurtado@pucsp.br.
Resumo: Neste capítulo ressaltaremos o fato de que serviços como o Facebook são mercadorias. Como tais, independentemente
de suas desafiantes peculiaridades, podem ser compreendidas pelo materialismo histórico-dialético e pela teoria do valor-trabalho.
Mas, para isso, argumentaremos ser preciso trazer os estudos materialistas da subjetividade para dentro desse debate. Faremos isso
nos apoiando na categoria da dimensão subjetiva da realidade e na teoria marxista das necessidades, e reforçando o papel dos fe-
nômenos psicossociais da reificação, do estranhamento e do fetiche da mercadoria nesse contexto. Também analisaremos teorias
do neuromarketing e pesquisas empíricas sobre as motivações do uso do Facebook, apontando o caráter ideológico de suas aborda-
gens e conclusões. Ao mesmo tempo, lhes extrairemos insights úteis e sintetizaremos esses tópicos em hipóteses preliminares que
apontam a necessidade de uma agenda de pesquisa interdisciplinar sobre psicotecnologias digitais e a subjetividade.
INTRODUÇÃO
O controle da subjetividade que perpassa as relações entre os serviços de rede sociais (SRS) como o
Facebook e seus usuários é hoje um tema de debate incontornável. A que tipos de necessidades esses servi-
ços se relacionam, o que somos capazes de fazer para satisfazê-las, como justificamos esse processo e que
tipo de transformações subjetivas e objetivas ocorrem a partir da nossa relação com essas mercadorias?
Mudanças nas formas de produção, apropriação e concentração de riquezas, transformações no compor-
tamento e no sociometabolismo, além da polarização, persuasão e controle social, acentuação do indi-
vidualismo e da reificação da sociabilidade, alterações na capacidade de interpretar a realidade e certos
sofrimentos psíquicos são alguns dos principais exemplos dessa discussão.
Embora esse debate não seja recente, há muito ainda a ser revelado e compreendido. Neste capítulo, dis-
cutiremos alternativas de análise e propostas de uma agenda de pesquisa possível a partir de um conjunto
de categorias oferecidas pelo e desenvolvidas através do método materialista histórico-dialético e da teoria
do valor-trabalho. Partiremos da abordagem da cisão do trabalho e suas consequências sob a perspectiva da
dimensão subjetiva da realidade, desenvolvida pela psicologia social sócio-histórica, articulada com e pelas
categorias da alienação e estranhamento, ideologia, pseudoconcreticidade, significado e sentido, base e
superestrutura, materialidade social e necessidades humanas dentre outras. Esse exercício nos possibilitará
avançar sobre o debate proposto para além dos despistamentos e mistificações do liberalismo, da sociofísi-
ca, do neobehaviorismo e seu solucionismo tecnológico (MOROZOV, 2018). Junto a isso e em aproximação
ao tema específico do capítulo, pretendemos também fazer um diálogo com outras investigações críticas da
relação entre SRS e subjetividade.
A partir dessa contextualização, buscaremos reforçar o fato de que o Facebook é uma mercadoria e que
por isso (e independente das peculiaridades dos serviços-mercadoria digitais aparentemente gratuitos), ele
se estrutura psicossocialmente a partir do seu fetiche. Nele, a plataforma se apresentaria como um objeto
externo útil, desvencilhado da história das suas relações de produção, com um valor de troca implícito e
Em O Capital, Marx (2011; 2017) nos deixa pistas de que os nexos sociais presentes no modo de produ-
ção capitalista não existem exclusivamente na sua objetividade. Ele se apoia em expressões como “se apre-
senta”, “se representa”, “assume a forma”, “objetividade fantasmagórica”, “sensível suprassensível”, “meta-
morfoses”, “mera ‘existência social’” e “modo de representação capitalista” dentre outras, cujos significados
nem sempre são objeto de discussão aprofundada. Por certo, esses nexos ocorrem cotidianamente a olhos
nus, na concreticidade social – dirigindo as formas como o ser social transforma a natureza – e, por isso,
não são fenômenos mera e exclusivamente mentais.
Mas, olhando mais atentamente, podemos observar que o ser-em-si da materialidade do ser social parte
das causalidades por ele objetivadas, cujo movimento é convertido de forma limitada pela consciência dos
indivíduos em representações nas quais eles projetam alternativas para transformá-la de acordo com suas
necessidades; que essas abstrações (signos, significados, apresentações, representações etc.) são matéria
social – pois, mesmo limitadas, elas ganham crescente complexidade, precisão e autonomia, tanto por meio
das extensões da consciência (régua, inteligência artificial, big data), quanto pelo “lado ativo” do ser social,
o poder intencional e imaginativo de modelar o real adquirido por ele neste processo; que o ser social in-
tentará pôr essas alternativas em prática a partir da atividade pensada – o trabalho; que este pode mesmo
operar como mediação do pôr-do-fim de outro ser social – classes e a divisão social do trabalho; que o
seu resultado é outra objetivação (machado, algoritmo, lei, obra de arte) que, por sua vez, se incorporará à
rede de mediações com as quais o ser social se relaciona com o concreto, criando novas significações num
fluxo ininterrupto. Portanto, a materialidade humano-social existe biunivocamente na objetividade e na
subjetividade; pensamento, atividade e externalização são tanto mediações quanto formas de ser do ser social
(VYGOTSKY, 2001; LUKÁCS, 2018; LESSA, 2012; TONET, 2013; FURTADO, 2011; GONÇALVES, 2020).
E, por fim, podemos observar que a reificação, o fetiche da mercadoria, o estranhamento e a ideologia são
formas e consequências necessárias aos processos de subjetivação racionais-formais dessas/nessas relações
sociais sob o capitalismo. Como máscaras conceituais, elas acrescentam e substituem significados sobre o
que se faz, o que se vê e o que se sente, normalizando e reproduzindo as relações de exploração capitalista.
(LUKÁCS, 2018; MÉSZÁROS, 2011; KOSIK, 2002; ATAIDE, 2020).
Dito isso, podemos adentrar numa breve discussão sobre as cisões do trabalho no capitalismo. A aliena-
ção é o resultado do processo de cisão do trabalho em dois significados, duas formas sociais contraditórias
– a sobrevivência e o valor – que, entretanto, andarão sempre juntas. Nelas, a venda da força de trabalho
para a produção de mercadorias se apresentará como a única condição da sobrevivência dos trabalhado-
res. E a sobrevivência, ou as condições “para manter o indivíduo trabalhador como tal em sua condição
normal de vida” (MARX, 2011), se representará, em cada nexo da produção, em diferentes abstrações reais
(SOHN-RETHEL, 1978) como capital-variável, tempo de trabalho socialmente necessário e o salário na
forma-dinheiro1.
1 Para Marx (2011 [1957]), “O caráter social da atividade, assim como a forma social do produto e a participação do indivíduo na
produção, aparece aqui diante dos indivíduos como algo estranho, como coisa; não como sua conduta recíproca, mas como sua
subordinação a relações que existem independentemente deles e que nascem do entrechoque de indivíduos indiferentes entre
si. A troca universal de atividades e produtos, que deveio condição vital para todo indivíduo singular, sua conexão recíproca,
aparece para eles mesmos como algo estranho, autônomo, como uma coisa” (p. 105-106).
O Facebook é um serviço de redes sociais (SRS) que oferece ao menos três principais utilidades: a co-
nectividade dos usuários propriamente dita, a publicidade a eles dirigida e, por trás dela e determinando
todo o circuito, a aceleração da circulação de capital (DANTAS, 2019). A luta concorrencial entre capitalis-
tas que investem na produção e comercialização de mercadorias tanto contribui para a queda tendencial da
taxa de lucro, como também desenvolve formas contratendenciais e fundamentais de circulação do capital,
em especial através da sua aceleração (MARX, 2017). A busca ativa pelos consumidores dessas mercadorias
por meio da publicidade é, dentre outros, o exemplo dessas formas de aceleração e a que aqui nos interessa.
Até o final da década de 1990, em geral, a publicidade convencional era de massas, com os portadores
de mercadorias pagando pelo uso de espaços e tempos de veículos de comunicação para anunciá-las em
busca de consumidores potenciais. Apesar dos esforços mitigadores e otimizadores do setor, o investimento
em publicidade de massas incorre na aceitação de grandes perdas financeiras por parte dos anunciantes.
4 De acordo com o site Zoom, o Xiaomi Redmi Note 8 foi o celular mais vendido no Brasil até julho de 2020. Disponível em: https://
mobizoo.com.br/opiniao/celulares-mais-vendidos/. Acesso: 10/11/2020.
5 Projeções do Relatório Insider Intelligence, eMarketer. Disponível em: https://www.emarketer.com/ content/global-digital-ad-s-
pending-update-q2-2020. Acesso: 10/11/2020.
6 Receita de publicidade do Google (2001 a 2019). Disponível em: https://bit.ly/3sYjB6C. Acesso: 10/11/2020. A receita de publi-
cidade do Facebook (2001 a 2019). Disponível em: https://bit.ly/2YpVoIl/. Acesso: 10/11/2020.
7 Fonte: AppBrain. Disponível em: https://www.appbrain.com/apps/popular/paid/. Acesso em 20/11/2020.
8 Segundo The Washington Post Journal (2019), empresas como Azumio Inc., Flo Health, Move/News Corp compartilharam dados
de milhões de usuários com o Facebook. Disponível em: https://bit.ly/3pl2ols. Acesso em: 1/10/2020.
9 Anunciantes no Facebook (1º trimestre, 2016 ao 2o trimestre, 2020). Disney, Trump e Candy Crush estão entre os 10 maiores do
Facebook no período. Disponível em: https://bit.ly/3iL0V5m/ Acesso em: 20/11/2020.
(...) o conteúdo que você compartilha (...), pode ser protegido por leis de propriedade intelectual.
(...) No entanto, para fornecer nossos serviços, precisamos que você nos conceda algumas per-
missões legais (conhecidas como “licença”) para usar esse conteúdo. (...) Especificamente, quando
você compartilha, publica ou carrega conteúdo protegido por direitos de propriedade intelectual
em nossos Produtos ou em conexão com nossos Produtos, você nos concede uma licença não
exclusiva, transferível, sublicenciável, isenta de royalties e válida mundialmente para hospedar, usar,
distribuir, modificar, veicular, copiar, executar publicamente ou exibir, traduzir e criar trabalhos deri-
vados de seu conteúdo (...). (FACEBOOK, 2020; grifos nossos).
O que queremos suscitar com isso é uma premissa e uma hipótese que delineiam a agenda de pesquisa
que este capítulo propõe. A premissa é a de que o Facebook é “um objeto externo”, resultado do trabalho
previamente idealizado e socialmente combinado e que, “por meio de suas propriedades, satisfaz necessi-
dades humanas”, provenham elas “do estômago ou da imaginação” (MARX, 2011). Ou seja, ressaltamos
que o Facebook é, num sentido marxiano, uma mercadoria, ainda que seja consumida como um serviço,
que “nada mais é do que o efeito útil de um valor de uso, seja da mercadoria, seja do trabalho” (op. cit.). No
passado, softwares como o Microsoft Office eram mais perceptíveis como mercadorias porque os “comprá-
vamos” numa loja, vinham em CD, dentro de caixas que projetavam todo o seu fetiche. Entretanto, confor-
me descrito nos contratos que nunca lemos11, a mercadoria não era propriamente o CD, que apenas era o
suporte físico de uma cópia (não editável) do software em questão. O que na verdade adquiríamos, tal qual
fazemos hoje com o Facebook, era uma licença de uso de uma propriedade intelectual, um estado jurídico
distinto que a informação pode assumir no capitalismo (DANTAS, 2014; 2019). De forma mais ou menos
clara para nós usuários, Microsoft Office, Duolingo, Photoshop ou Facebook são diferentes tipos de fer-
ramentas digitais que satisfazem distintas necessidades humanas, seja “como meio de subsistência, isto é,
como objeto de fruição, ou indiretamente, como meio de produção” (op. cit.). Entretanto, a forma de acesso
a tais objetos mudou com o tempo. Eles saíram dos CDs e suas caixas e agora se encontram nas metafóricas
10 Detalhamos este debate em “The fake simple exchange between Facebook and its prosumers” (GONÇALVES e FURTADO, 2021).
11 Para mais informações: Bakos et al (2009), Marotta-Wurgler (2011); Obar e Oeldorf-Hirsch (2018).
Para que o Facebook seja útil para o capital nos termos aqui indicados, é preciso que antes ele seja útil
aos seus usuários. Para investigarmos essas possibilidades, vamos contextualizar aqui (de modo simplifica-
do) a forma como empregamos a categoria necessidade13.
Segundo Heller (1976), “a satisfação da necessidade material não é apenas a primeira condição da vida
fundamental do homem; o refinamento dessas necessidades também é um sinal do [seu] ‘enriquecimen-
to.’”14 Isso porque, o capitalismo contraditoriamente “impele o trabalho para além dos limites de sua ne-
cessidade natural e cria assim os elementos materiais para o desenvolvimento da rica individualidade”
(MARX, 2011). Além disso, para a autora, “a necessidade do homem e o objeto da necessidade estão em
correlação”; “a necessidade e seu objeto são ‘momentos’, ‘lados’ do mesmo conjunto”, cuja “primazia corres-
ponde ao momento da produção: é a produção que cria novas necessidades” (HELLER, 1976).
Como já apontado, isso torna a sociedade cada vez mais exigente e complexa, pois a própria noção de
necessidade se expande, desde o metabolismo com a natureza até um campo de possibilidades inteiramente
humano-social. Assim, o “pressuposto da riqueza ‘humana’ constitui apenas a base para o livre fluxo de
todas as capacidades e sentimentos humanos (...). A necessidade como categoria de valor não é nada além
da necessidade dessa riqueza” (MARX, 2004); “o homem rico é, ao mesmo tempo, o homem ‘necessitado’
de uma totalidade da exteriorização vital humana”; e tais necessidades e seus produtos detém “qualidades
heterogêneas”, diversificando nosso campo de possibilidades, nos enriquecendo. Um exemplo contrário
(qualidades homogêneas) pode ser observado nos algoritmos do Facebook, Google ou Amazon que, usando
(...) se algo provocar um estado de carência no trabalhador ao ponto de determinar sua condição
normal de vida (independente da sua consciência e do grau de objetividade dessa necessidade), e
se sua satisfação for significada na forma do valor de uso de uma mercadoria, esta poderá integrar
o conjunto de itens que expressam o valor da força de trabalho média num dado contexto sócio-
-histórico numa sociedade capitalista (GONÇALVES e FURTADO, 2021).
Por sua vez, na medida em que “produzir valor é, em parte, subsumir e produzir necessidades para me-
dia-las através das mercadorias” (op. cit.), as necessidades artificiais (HELLER, 1976), são aquelas desconexas
tanto ao metabolismo indivíduo-sociedade-natureza, quanto à “exteriorização vital humana”. E, ao mesmo
tempo em que essas necessidades, que demandam a produção dos seus respectivos objetos, são externas a
tais determinações (correspondendo, na verdade, à necessidade de valorização do valor), esses produtos se
fixam e se generalizam na sociedade – bem como necessidade por eles. Ou seja, temos aqui uma situação
contraditória na qual pouco importaria se uma análise crítica identificasse uma necessidade como “artifi-
cial”, se, distorcida pela reificação e o fetichismo, ela passasse a ser significada como “necessária’’. Assim, não
é incomum que o(a) trabalhador(a) nos diga “eu não vivo sem carro”, “eu não sou ninguém sem maquiagem”,
ou que assistir filmes por streaming em modo acelerado “é a única forma que eu tenho para dar conta do que
está sendo lançado. É questão social.”17 Aqui, “as necessidades qualitativas são quantificadas; as necessidades
como fins são transformadas em necessidades como meios e vice-versa”. E, por fim, para a autora, na neces-
sidade de possuir (sobretudo com intenção de distinção social, caso de um iPhone que custa R$14.000,0018), o
que prevalece não é a necessidade “do uso e do gozo imediato”; a posse implica na sua insaciabilidade como
necessidade, é indiferente às qualidades concretas do objeto; e “o que possuo não ‘desenvolve’ nenhum tipo
novo e heterogêneo de necessidade em mim, mas, pelo contrário, as mutila” (op. cit.).
REIFICAÇÕES DIGITAIS
É importante ressaltar que essas diferentes formas de necessidade são ainda mediadas por fenômenos
decorrentes da reificação: o fetichismo da mercadoria, a pseudoconcreticidade, o estranhamento, além da
ideologia dentre outros. No caso do smartphone, eu toco em imagens num retângulo de metal e vidro e um
19 Segundo o Google, “Hoje, a batalha pela conquista de corações, mentes e dinheiro é vencida ou perdida em micro-momentos
- minúsculos momentos de intenção de tomada de decisão e formação de preferências que ocorrem durante a jornada do con-
sumidor”. Disponível em: https://bit.ly/3a1ozqf. Acesso: 12/1/2021.
No modo de produção capitalista, como expressão da unidade contraditória entre valor de uso e valor,
todas as diferentes formas de necessidades acima citadas coexistem, se sobrepõem e disputam espaço nas
mesmas mercadorias. No caso do Facebook, por exemplo, seus recursos nos permitem a emoção do contato
com parentes e amigos distantes, obtenção de trabalho e reputação e a expressão da livre de opinião, tanto
quanto, em busca de audiência lucrativa, seus algoritmos podem polarizar os usuários, causando efeitos
exatamente contrários.
Ainda assim, somos cerca de 2,74 bilhões de usuários dessa rede social.20 Então, quais necessidades
buscamos saciar no consumo dessa mercadoria? Em sua própria definição, a plataforma “cria tecnologias e
serviços para que as pessoas possam se conectar umas às outras, criar comunidades e expandir seus negó-
cios” (FACEBOOK, 2020). Além disso, muitas pesquisas e suas revisões vêm sendo feitas e, mesmo consi-
derando seus limites21 (e considerando que apenas iniciamos esses estudos), elas nos fornecem informações
e insights que, analisados criticamente, estão alinhados com as reflexões anteriores.
Nadkarni e Hofmann (2012) desenvolveram uma revisão de literatura de referência no assunto, con-
cluindo que as pessoas buscam o Facebook principalmente pelas necessidades de pertencimento e autoapre-
sentação. Segundo os autores, “fatores demográficos e culturais contribuem para a necessidade de perten-
cimento, enquanto neuroticismo, narcisismo, timidez, autoestima e autovalorização contribuem para a
necessidade de apresentação pessoal”. Já a metapesquisa de Gadekar (2017), além de se aproximar dessas
conclusões, também observou outras motivações, tais como entretenimento e tédio, mercado (de produtos
e trabalho), comparação social, atração sexual, além da natureza amigável do aplicativo.
As revisões de Aljasir et al. (2017), Yushi (2020), também não fugiram significativamente das mesmas
conclusões, mas ressaltam marcadores metodológicos interessantes ao debate. Dentre uma variedade de
teorias psicológicas utilizadas, as pesquisas por eles avaliadas buscaram avaliar as motivações dos usuários
a partir da chamada Teoria dos Usos e Gratificações22. De pronto, observa-se que essa abordagem reflete
tanto um objeto, quanto um olhar estranhado sobre ele. Isso porque, por um lado, ela desconhece as pos-
sibilidades do “homem ‘necessitado’ de uma totalidade da exteriorização vital humana”. Por outro, nela
só cabem as necessidades homogêneas, necessárias, artificiais e quantificadas. Reproduzindo o mundo
pseudoconcreto, tal teoria reflete e normaliza o ser social estranhadamente gratificado, que estabelece com
a mídia e seu conteúdo uma relação pragmática e efêmera de um cliente em busca de uma troca razoável
(audiência e dados em troca da gratificação de um valor de uso mercadorizado).
De qualquer modo, em busca de pertencimento e autoapresentação, o usuário interagiria com pessoas
e grupos com as quais quer (ou precisa) se sentir integrado e, na medida em que estes interagem com ele (ao
menos de forma não negativa), essa expectativa poderia ser realizada. Por exemplo, se a obtenção do per-
tencimento pode oferecer desafios aos mais tímidos em interações mais diretas, o Facebook apresenta-se
como uma mediação na qual há recursos para uma interação controlada. Ao invés dele apresentar-se ape-
nas presencialmente e sem necessariamente possuir um gancho favorável, ou ter de disputar a atenção no
grupo, na plataforma ele pode “editar” a forma como será percebido. (NADKARNI E HOFMANN, 2013).
Nesse sentido, a revisão de Yushi et al. (2020), ao medir a sociabilidade com a régua do “capital social”, re-
lata que “pessoas com baixa autoestima obtêm mais benefícios do Facebook”. Já os mais “ricos” em capital
23 Segundo o site assuperlistas.com, em fevereiro de 2020, Neymar tinha 60.026.019 seguidores no Facebook, enquanto, por
exemplo, Bolsonaro teria 9.981.148. Disponível em https://assuperlistas.com/2020/02/18/os-50- brasileiros-com-mais-likes-
-no-facebook/. Acesso: 10/6/2020.
24 Optamos, por hora, não considerar pesquisas focadas nos chamados “usos problemáticos” do Facebook. Primeiro, porque a
própria definição de usos problemáticos é problemática, dadas as críticas aqui discutidas. Segundo que, mesmo se as consi-
derássemos válidas, as pesquisas apoiadas pelo Facebook (mais precisas experimentalmente) afirmam que essas ocorrências
são minoritárias e transitórias (BURKE et al., 2020; ERNALA et al., 2020). Como desconfiamos desses resultados e seus pres-
supostos, voltaremos a esta questão em estudos posteriores, mesmo correndo o risco de apresentar aqui aspectos parciais e
preliminares do debate.
25 Refere-se aos “usuários que afirmam estar preocupados com sua privacidade online, mas ainda divulgam uma quantidade con-
siderável de informações pessoais em seus perfis” (ALJASIR et al.,2017).
26 Ver “Building a Better News Feed for You”, disponível em: https://bit.ly/3ogsKUg. Acesso em 20/11/2020.
27 Conforme citado pelo autor em seu site. Disponível em: https://www.bjfogg.com/. Acesso em 15/10/2018.
(...) como ‘retenções terciárias’ ou ‘tecnologias mnemotécnicas’ que concretizam modos de ‘psi-
co-poder’ afetando a relação do self com o self e do self com os outros. Atenção é o nome dessa
relação entre ‘retenções’ e ‘protenções’, isto é, entre o movimento da consciência que retém o
traço do que acaba de passar e sua expectativa do que está por vir. Para Stiegler, nas sociedades
modernas, a relação entre retenções e protenções é mediada por aquelas instâncias específicas
de retenções terciárias que são as mídias como psicotecnologias.
Por sua vez, Steve Jobs sintetiza a complexidade psicossocial da interface do usuário, ao afirmar que o
“design não é apenas a aparência e a sensação. Design é como a coisa funciona”29. Ou seja, a interface do
usuário operaria como um novo outro meio de sociabilidade, trabalho, construção da realidade e de di-
mensões subjetivas e externalidades do ser social; como campo e pletor de signos, significados e ideologias
de reprodução social. E esses cientistas, psicólogos e marketeiros “atuariam como intelectuais orgânicos
das ciências cognitivas, força de trabalho cuja habilidade seria a de coproduzir mercadorias digitais que
28 A Taurus afirma ter vendido 102 mil armas no primeiro semestre de 2020 no Brasil, mais do que o dobro das 50 mil unidades
vendidas no mesmo período de 2019, sendo as mais vendidas as pertencentes ao chamado grupo G2 (pistolas ponto 40 e 9mm).
Fonte: https://glo.bo/39hWUCk. Acesso: 18/11/2020.
29 Livre-tradução do autor para “Design is not just what it looks like and feels like. Design is how it works”. Disponível em: https://
www.goodreads.com/author/quotes/5255891.Steve_Jobs. Acesso: 20/11/2020.
Por fim, podemos agora fazer uma breve conclusão que aponte para os próximos passos dessas in-
dagações. Especificamente, no sentido do mapeamento e estudo dos elementos mais determinantes da
totalidade da mercadoria Facebook e seus similares – e, ainda mais, que contribua com a iluminação das
totalidades nas quais elas se inserem. Assim, neste trabalho apontamos que as capacidades do método
materialista histórico-dialético para o enfrentamento da relação-mercadoria na era digital, como em todas
as outras, depende, em boa parte, da compreensão de que o nexo do mundo humano-social se dá na rela-
ção biunívoca entre sua objetividade e sua subjetividade. De forma introdutória e exploratória, buscamos
trazer a subjetividade para dentro do debate sobre os SRS, problematizando a categoria necessidade e seus
desdobramentos no modo de produção e representação capitalista. E reforçamos o papel dos fenômenos
30 Uma boa discussão sobre tecnologias digitais e intelectualidade orgânica pode ser conferida em Alves, Gonçalves e Casulo
(2020).
31 Como exemplo dado pelo próprio Facebook, conferir: “Experimental evidence of massive-scale emotional contagion through
social networks” (KRAMER et al., 2013).
32 Em 1980, Alvin Toffler cunhou o amplo termo prosumers para os consumidores que, de alguma forma, coproduziam o valor de
uso que consumiam.
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Juliana Martins
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Política Social e Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Resumo: Esse artigo aborda as refrações do atual processo de acumulação do capital para o trabalhador com formação superior.
Evidencia características das novas formas de acumulação que incidem na precarização do trabalho, bem como demonstra aspec-
tos da mercantilização e precarização do trabalhador com formação superior na intrínseca relação da educação como mercado-
ria. Aponta que o atual contexto torna-se exponencialmente agravante para todos os trabalhadores, em especial os inseridos de
forma precarizada no mercado de trabalho. Bem como, quando essa realidade se particulariza nos trabalhadores com formação
superior constata-se a dupla forma de acumulação do capital, quer seja na venda da educação com mercadoria quanto na subsun-
ção desse trabalhador à precariedade do mercado de trabalho, que não absorve esse contingente de trabalhadores qualificados.
Exponenciando dessa forma, a degradação das condições de trabalho, de vida e de sociabilidade humana.
Palavras-chave: Precarização do Trabalho, Formação Superior, Saúde do Trabalhador.
INTRODUÇÃO
A reestruturação produtiva, que iniciou na década de 70, com a imposição do toyotismo e de novos
modelos de gestão, incidiu diretamente nas relações de produção e de determinação da vida humana com
a “captura” objetiva e subjetiva do trabalhador. Transformando também as formas de precariedade, que se
converte em precariedade salarial e precarização a qual se configura enquanto precarização existencial.
A flexibilização das relações de trabalho e o acirramento da precarização do trabalho, ganhou força
a partir da década de 1990, com a hegemonia do neoliberalismo que acirra as contradições impostas pelo
capitalismo global e naquele momento o discurso governamental era de que havia
[...] o sujeito que colabora se estressa com a intensificação da manipulação visando à produção
de necessidades supérfluas (vida “capturada”), sendo interpelado, com recorrência, para aquisiti-
vidade de mercadorias. O tempo de vida torna-se perversamente tempo de consumo manipulado
como consumismo. (ALVES, 2013, p.242)
Assim, o capitalismo reivindica toda a energia do trabalhador na medida em que exige trabalhadores
qualificados, polivalentes e disponíveis às suas imposições. Na era da flexibilidade e do acirramento da
individualidade, concorrência e da descartabilidade, torna-se simples ao capital a substituição de um traba-
lhador por outro. Assim, os trabalhadores são regidos pelo medo e a precarização do trabalho se constitui
como precarização existencial.
O relatório do IBGE de 2018, que sintetiza os indicadores sociais da PNAD realizada entre os anos
de 2012 a 2017 traz que “[...] o nível de instrução é uma das características que contribuem para diferen-
ças na inserção na força de trabalho”, pois quanto maior o nível de instrução, maior também é o nível de
participação no mercado de trabalho. Porém revela que a partir de 2014 houve um aumento das taxas de
desocupação e subutilização da força de trabalho, inferindo que grande parte do contingente de trabalha-
dores que estavam inseridos no mercado de trabalho passaram a fazer parte da população desempregada
ou subutilizada.
Assim, também indica que esse fator influenciou a degradação das condições de trabalho daqueles que
se mantiveram vinculados ao mercado de trabalho. Ainda de acordo com a pesquisa, as pessoas com ensino
superior foram as menos afetadas, porém o rendimento habitual do trabalho das pessoas mais escolariza-
das decaiu a partir de 2015. O que sugere que as “[...] vagas que requerem maior qualificação tendem a ser
mais preservadas em cenário de crise econômica, mas também que há mais pessoas escolarizadas ocupan-
do vagas com pior remuneração”. (IBGE, 2018, s/p.)
Ou seja, para manter-se “úteis” e ativas economicamente, o trabalhador termina por submeter-se a
qualquer trabalho, mesmo que esse não seja a sua área de formação. Pois “a ocupação, uma arte quase
instintiva da humanidade, em si e para si irrepreensível, torna-se, em virtude do excesso de trabalho, des-
truidora do homem” (MARX, 1996, p. 370)
Tem-se observado, portanto, que os trabalhadores que foram “descartados” pelo mercado formal de
trabalho, procuram alternativas para manterem-se ativos, evidenciado pelo aumento da informalidade e
pela diminuição de trabalhos com carteira assinada, conforme o gráfico a seguir.
Cabe ressaltar que as transformações nas configurações do trabalho, impostas pela reestruturação pro-
dutiva, associadas ao contexto neoliberal faz com que o contexto atual seja marcado pelo o aumento da
concentração de renda e, consequentemente, as desigualdades sociais (WÜNSCH; MENDES, 2014). Dessa
forma, há uma reconfiguração nessas desigualdades sociais, que se apresentam como fatores econômicos,
sociais, culturais e de saúde.
Da mesma forma, ampliam-se as exigências do trabalhador, o qual necessita ser cada vez mais poli-
valente, multifuncional, o que pode impactar na sua saúde dos mesmos tendo em vista essa hipersolicita-
ção dos serviços. Assim, além de ter o acúmulo de trabalho, tem-se a necessidade de responder ao maior
número de demandas em menor tempo, sujeitando a realização de um trabalho mecanizado, alienado e
fragmentado.
Essa “nova” realidade torna-se exponencialmente maior aos trabalhadores que realizam atividades sem
vínculos trabalhistas ou como autônomos, pois a precarização das condições de trabalho é mais evidencia-
da nesses contextos. Nessas “modalidades” o trabalhador geralmente está desprotegido socialmente, possui
salários reduzidos e são absorvidos pelo sistema como “coisas”. Para o sistema capitalista, essas pessoas
possuem a força de trabalho com menor valor de mercado e estão ainda mais sujeitos às artimanhas e exi-
gências impostas pelo contexto do mundo do trabalho.
Bem como esses trabalhadores estão expostos a uma ampliação do processo de alienação, que pode ser
demonstrado, por exemplo, pelos trabalhadores que prestam serviços através dos aplicativos de entrega,
que são obrigados a comprar a bag própria da empresa, muitas vezes precisam alugar o meio de transporte
(bicicleta ou motocicleta) e ainda são submetidos a várias viagens carregando peso nas costas. Esses traba-
lhadores possuem condições de trabalho extremamente precarizadas. Uma vez que não possuem salários,
ganham conforme a quantidade de entregas que realizam. Não obstante, ainda realizam esse trabalho sem
condições humanas, assim como condições materiais disponibilizadas pelas empresas no que condiz a um
local onde possam descansar, usar banheiro, comer.
Essa organização do modo de produção com suas novas e velhas formas de degradação humana, causa
impactos nos modos de vida e consequentemente na saúde do trabalhador uma vez que as condições de
trabalho são cada vez mais precarizadas e a exigência do sistema, no que condiz ao trabalho e a necessidade
de produção dos sujeitos, faz com que não se tenha mais separação do tempo de vida e tempo de trabalho. O
nível de precarização evidenciado pela barbárie social exposta, reflete no processo saúde-doença dos traba-
lhadores onde o nexo causal entre o adoecimento e o trabalho deve ser evidenciado. Sobre isso Marx reflete:
Ou seja, qual é o interesse do capital em reconhecer o nexo causal entre adoecimento e trabalho quando
esse fator impacta diretamente no seu lucro? Ora, vivemos na era da descartabilidade dos trabalhadores. A
máxima aqui é a (re)produção, a exploração e a mais-valia. O trabalhador só atinge patamar de importância
enquanto peça fundamental para esse processo, ademais considerando outras condicionalidades, a futili-
dade do capitalismo o torna descartável.
Antunes refere que o exponencial crescimento do “[...] processo tecnológico-informal-organizacional
eliminará de forma crescente uma quantidade incalculável de força de trabalho que se tornará supérflua e
sobrante, sem empregos, sem seguridade social e sem nenhuma perspectiva de futuro”. (ANTUNES, 2018,
p.43). Isso se torna evidente a partir do gráfico a seguir que mostra o aumento da taxa de desocupação e da
taxa de subutilização nos últimos anos.
Essas novas configurações do trabalho, atingem todos os trabalhadores incluindo os que possuem for-
mação superior uma vez que, com as novas leis trabalhistas, há um aumento no processo daquilo que
Antunes (2018) chama de “pejotização das profissões”, como por exemplo, médicos, advogados, psicólogos,
entre outras que atuam como autônomos na prestação do serviço.
Denota-se uma era de intensos retrocessos, onde a precarização do trabalhador, no que condiz sua vida,
seu trabalho e proteção social, expande-se para uma precarização social e que incide em outras instâncias
a favor do capital.
Como já assinalado, vive-se um período de grande retrocesso social no que tange às políticas públicas
essenciais para o desenvolvimento do país. São medidas que assolam a seguridade social e que também
atravessam o trabalho e a educação refletindo processos de precarização em todas as instâncias. Da mesma
forma, demonstra a tensão entre os projetos societários em disputa e evidencia um projeto de governo que
vai ao encontro dos interesses das classes dominantes.
Denotando o exposto acima, Maciel (2019) realizou um compilado de medidas e posições tomadas pelo
governo atual que vão desde a educação infantil até a educação superior, as quais corroboram com o pro-
cesso de intensificação da precarização da educação. Entre elas estão:
[...] redução do financiamento da educação [...] 2) retração dos recursos das agências de fomen-
to [...]; 3) recolhimento de bolsas no âmbito da pós- graduação stricto sensu seguido da devolução
de parte delas, a partir de um critério exclusivamente meritocrático, ou seja, para os Programas
com notas mais elevadas; 4) desmonte institucional de órgãos e políticas educacionais (com des-
taque para os que se propunham a enfrentar as desigualdades e assimetria s educativas); 5) pro-
moção e valorização de programas e iniciativas com conteúdo ideológico conservador [...]; 6) e
desconsideração pelos órgãos que se destinam a diagnosticar e monitorar os indicadores educa-
cionais do país [...] (MACIEL, 2019,p. 01)
Essas ações denunciam o momento conservador em que estamos vivendo e a tentativa de desmonte das
políticas e instituições públicas, uma vez que o sucateamento delas “justificaria” a ascensão do privado sob
o público. Com relação à educação superior não é diferente, são tempos obscuros em que há uma ameaça
constante à universidade pública, gratuita e de qualidade. São tempos em que os projetos como o Future-se,
que possibilita as parcerias de organizações sociais com as instituições de ensino públicas, colocam em xe-
que a liberdade didática com que se desenvolve a integração entre ensino, pesquisa e extensão na produção
e difusão dos conhecimentos construídos. Iamamoto (2012) defende a preservação de
[...] uma universidade que seja um centro de produção de ciência, de tecnologia, do cultivo de
artes e das humanidades; também uma instituição voltada à qualificação de profissionais com
O que se observa é um relativo aumento da oferta de cursos em EAD e a diminuição da oferta de cursos
presenciais. A mercantilização do ensino superior possibilita o aumento do número de pessoas que conse-
guem acessar o ensino superior, o que pode ser um avanço no desenvolvimento do país. O que se critica são
as condições e a qualidade dessa educação ofertada. Bem como, a lógica para que/quem ela está servindo?
Observamos um aumento no número de cursos ofertados pelas instituições, que contribuem para a eleva-
ção de pessoas com nível superior na sociedade, mas será que o mercado de trabalho consegue absorver
essas pessoas? Quais tipos de qualificações interessam ao mercado de trabalho? E ainda, qual é a relação de
trabalho que as pessoas com formação superior estão estabelecendo dentro do mercado?
Essas questões denotam que o surgimento dessa nova camada social de precariados também é reflexo
desse período de grande retrocesso social que vivemos e que assola as políticas públicas essenciais para o
desenvolvimento do país. São medidas que devastam a seguridade social e que atravessam o trabalho e
a educação refletindo processos de precarização em todas as instâncias. Da mesma forma, demonstra a
tensão entre os projetos societários em disputa e evidencia um projeto de governo que vai ao encontro dos
interesses das classes dominantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Resumo: O presente trabalho trata-se de uma pesquisa qualitativa, de natureza teórica, em andamento, no âmbito do programa de
Doutorado na Universidade Federal de Uberlândia. Busca analisar as políticas de Avaliação externa e Avaliação do Desempenho
Individual docente, como novas formas de regulação e controle do trabalho docente na Educação Básica da rede pública de Minas
Gerais, na cidade de Uberlândia/MG. O objetivo é compreender como se materializam essas ferramentas avaliativas no trabalho dos
docentes da Rede estadual. A partir desses processos avaliativos o governo tem imposto diferentes demandas e intenso controle
sobre o fazer docente, promovendo muitas interferências no seu cotidiano pedagógico e nas condições de trabalho. Realiza-se uma
aproximação com relação ao tema trabalho e as novas formas de controle sobre o trabalho docente na educação básica da rede
pública. Recorre-se às pesquisas bibliográfica – recuperação e análise de produções científicas (teses, dissertações e artigos cien-
tíficos) – e documental. Faz-se a análise dos documentos governamentais e institucionais encontrados no site oficial da SEE/MG e
órgãos relacionados, legislações estaduais e nacionais que regem a área de educação no Brasil e demais textos de suporte teórico
à pesquisa. Tem-se como tese que as exigências postas pelo Estado frente às reformas educacionais ocorridas, a partir dos anos
1990, tem implicado em acréscimo de funções e maior controle do capital sobre o trabalho do professor, gerando efeitos negativos
sobre o seu fazer docente e a dinâmica escolar. Estabeleceu-se como hipótese que a partir da expansão das avaliações da qualidade
do ensino básico e das avaliações do desempenho profissional docente, enquanto ferramentas de controle tem conduzido à precari-
zação e à intensificação do trabalho docente. Nesse viés, pretende-se analisar as novas configurações que o trabalho docente vem
assumindo a partir das transformações no mundo do trabalho, em consequência de fatores econômicos, políticos, sociais e culturais
que se processam nos últimos anos. Tem como premissa instigar debates sobre o tema e suscitar mais reflexões à medida que apon-
tará elementos em torno das condições de trabalho atuais, do grau de expropriação e a precarização do trabalhador em geral, e dos
docentes, num contexto de grande controle gerencial sobre o trabalho docente.
Palavras-chave: Trabalho docente. Avaliação de desempenho individual. Reformas educacionais.
INTRODUÇÃO
A partir dos anos 1990 a agenda política passou a ser mundializada, portanto, houve a incorporação
de reformas educacionais voltadas à lógica gerencial, em busca de um modelo a partir do qual os processos
regulatórios de controle do trabalho, usados no mercado, seriam implementados no setor educacional.
Face ao excesso de cobranças nos processos de avaliação do docente, a organização e o trabalho docente
na escola pública do estado de Minas Gerais têm sido reconfigurados, sobretudo a partir da instalação de
programas de avaliações padronizadas, gerando um processo de intensificação, na medida que os profis-
sionais acumulam frequentemente mais responsabilidades quanto ao cumprimento de metas, incentivadas,
algumas vezes, por premiações e bonificações. Diante disso, parte do trabalho tem sido realizado fora do
horário de trabalho, tais como: planejamento de aulas, preparo, execução e participação em reuniões ad-
ministrativas e de pais, treinamentos, entre outras demandas de caráter burocrático e/ou administrativo.
Ressalte-se que avaliação docente na Educação básica vem se transformando no fio condutor das po-
líticas educacionais, por meio das quais se exerce o controle do trabalho de professores, gestores e escolas.
As transformações observadas no mundo do trabalho, nos últimos anos, associadas às mudanças tec-
nológicas e à reestruturação produtiva, têm produzido efeitos nas instituições escolares da rede pública de
educação básica. O processo de reestruturação produtiva promoveu diversas mudanças na esfera social
e, a partir da imersão do trabalho docente na rede pública nesse contexto, sofre significativas mudanças,
sobretudo estruturais uma vez que se insere no âmbito do setor público.
Nesse viés, Charlot (2005) aduz que a sociedade passa por mudanças e rupturas advindas da globaliza-
ção neoliberal que implicam em transformações no sujeito e influenciam também a educação, que passa a
ser articulada sob a lógica econômica e de preparação para o mercado de trabalho, propondo currículos e
investimentos adaptados à demanda do mercado. Nessa perspectiva, o trabalho ganha uma configuração
negativa.
O cenário encontrado é tecido pelo processo de precarização das condições de trabalho dos trabalhado-
res em geral e dos docentes, aqui compreendidos na categoria geral de trabalhadores. Tais processos afetam
a organização do trabalho escolar e as condições sob as quais ele se realiza, com possíveis desdobramentos
na saúde física e mental dos docentes.
Tendo em vista tais questões, o debate sobre a relação entre trabalho e saúde docente tem sido ampliado.
Estudiosos que abordam essa questão argumentam sobre motivos que podem levar os professores a adoe-
cerem no exercício da profissão. Assis (2006), por exemplo, em recente estudo sobre o adoecimento docente
na educação básica, afirma que a sala de aula em escolas públicas é um ambiente insalubre. Essa autora
argumenta que os professores têm sido acometidos pela Síndrome de Burnout resultante do desgaste físico,
emocional e psicológico entre o indivíduo e o seu trabalho. Vários docentes apontaram, durante a pesquisa
da referida autora, grande desinteresse pela profissão, além de faltas constantes ao trabalho por conta de
problemas ligados à saúde. Entretanto, grande parte dos adoecimentos são escamoteados.
Por meio de levantamento estatístico acerca da saúde ocupacional e de afastamentos de docentes em
Uberlândia, em 2011, já sinalizava para um grande percentual de professores afastados em razão de doen-
ças ligadas ao trabalho, como transtornos psicológicos, sendo que mais de 90% dos servidores licenciados
são ligados à área da educação. Face a esse levantamento, as doenças que comumente afetam os docentes
são: Lesão por Esforços Repetitivos (LER); Doenças Osteoarticulares Relacionadas ao Trabalho (DORT),
equiparada à LER; disfonia; e Síndrome de Burnout (CORREIO DE UBERLÂNDIA, 2011).
METODOLOGIA DA PESQUISA
Com o objetivo realizar uma aproximação com relação ao tema trabalho e as novas formas de controle
sobre o trabalho docente na educação básica da rede pública, recorreu-se às pesquisas bibliográfica – re-
cuperação e análise de produções científicas (teses, dissertações e artigos científicos) – e documental. A
pesquisa bibliográfica se deu no Brasil, em Portugal e Espanha no período compreendido entre 2007 a 2017.
Destaque-se que a escolha de Portugal e Espanha, para fins da referida pesquisa bibliográfica, deu-se
pelo fato de serem países no norte europeu, membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE). E, assim como o Brasil, implementaram a reforma de Estado introduzindo os princípios
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entendemos que a presente pesquisa, por meio da pesquisa documental e bibliográfica com vistas a re-
cuperar a produção acadêmica nacional e internacional (Brasil, Portugal e Espanha) contribuirá no sentido
de suscitar um aprofundamento das produções em torno do tema, apontando caminhos para superação do
atual cenário educacional no contexto de regulação e foco nos resultados qualitativos e direcionar algumas
lacunas no conhecimento e propostas consubstanciadas na melhoria do cenário em curso.
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Hubert Cavalca
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da
Faculdade de Filosofia e Ciências UNESP/Marília.
Resumo: A década de 1990 foi marcada pela recessão, mudança de moeda, planos econômicos abusivos, alta inflação, fortaleci-
mento da política neoliberal com a abertura da economia e pelo início da flexibilização dos direitos trabalhista como forma de atrair
empresas interessadas na mão-de-obra barata, aumentando a produtividade para recuperação econômica. Nesta pesquisa, utiliza-se
a metodologia revisão bibliográfica. Conclui-se, que a flexibilização do direito do trabalho se ampara na forma de reduzir direitos e
garantias trabalhistas, implicando no trabalho precário, agravando ainda mais as desigualdades sociais, retrocessos descredibilizan-
do a classe trabalhadora, acarretando sérios prejuízos aos trabalhadores e, consequentemente, à economia como um todo. Os resul-
tados foram percebidos com índices crescentes de desemprego, queda salarial e a geração de novos empregos ainda mais precários
do que os que deixaram de existir, culminando em um grande retrocesso e desproteção social.
Palavras-chave: Flexibilização trabalhista; direito do trabalho, década de 1990, capitalismo e neoliberalismo econômico.
INTRODUÇÃO
O presente texto tem como objetivo demonstrar como as relações do trabalho, seus direitos e suas
garantias - tão fundamentais para o equilíbrio das desigualdades, para a dignidade e função social do tra-
balhador - vem sendo flexibilizada e atacada desde sua Consolidação, destacando a década de 1990 com a
política econômica de abertura comercial, privilegiando mudanças para favorecer a produtividade aumen-
tando a competitividade no cenário internacional, com o início do neoliberalismo econômico no Brasil.
A legislação trabalhista brasileira tem sido apontada por parte dos especialistas em questões de
mercado de trabalho como um empecilho à maior absorção de mão-de-obra pelas empresas no
Brasil. O diagnóstico é que a combinação de custos extra-salariais elevados com a influência da
Justiça do Trabalho na vida das empresas desencoraja a contratação de empregados, fazendo
com que as empresas procurem se ajustar a aumentos de demanda mediante a contratação de
horas extras ou o crescimento da produtividade por hora trabalhada. Sem querer negar a importân-
cia dessa discussão, cabe salientar, contudo, que, em primeiro lugar, isso afeta mais o mercado de
trabalho formal que o nível de emprego como um todo e, em segundo, que a legislação trabalhista
não se tornou mais rígida nos últimos anos, motivo pelo qual é pouco provável que ela seja a causa
principal do aumento do desemprego depois de 1995 (RAMOS E REIS, 1997).
Para compreendermos melhor a importância destas alterações, quais sejam, a flexibilização das nor-
mas laborativas, faz-se necessário um breve apanhado histórico sobre como se deu a Consolidação das Leis
Trabalhistas no Brasil durante a chamada Era Vargas.
A Era Vargas foi marcada por conquistas no direito do trabalho, com a criação do Ministério do
Trabalho, que gerou as reformas que garantiam aos trabalhadores direitos antes inexistentes. As conjec-
turas deste período (1930-1945) culminaram em avanços e retrocessos. Considerando-se as várias fases e
problemáticas apresentadas antes deste período, desde o término da escravatura em 1888, onde as relações
laborais sofreram e clamaram por uma organização, passando pela industrialização do país, organização
dos trabalhadores refletida nos movimentos sindicais contra a exploração e clamor pelas questões sociais
vieram a finalmente culminar em 1943 com o arcabouço da Consolidação das Leis Trabalhistas.
DÉCADA DE 1990
Como dito anteriormente, a década de 1990 ficou marcada como o período de avanço da política neo-
liberal no Brasil.
Conforme Fernandes (2009), surgiu como modelo de desenvolvimento do mundo capitalista e foi radi-
calizado como projeto societário nas sociedades periféricas, onde assumiu o discurso, e obviamente a ação,
de “desregulamentação” das relações sociais, fundamentando a sua ação política, em relação ao Mundo do
Trabalho, na brutal intervenção, embora seu discurso fosse de “soltar as amarras que impedem o desen-
volvimento”, que se traduziu, e se traduz na retirada de direitos dos trabalhadores e em um processo de
transformação do papel de sujeito, em papel de ator.
A política neoliberalista alcança o cenário nacional no Brasil a partir do final do governo de José Sarney
(1985 - 1990). Contudo, foi na década de 1990, após a posse do governo de Fernando Collor, implantou-se
uma política econômica de inserção subordinada na globalização que, entre outras medidas, marcaram a
introdução de um projeto neoliberal em nosso país. O cenário era devastador, na economia, a recessão era
sentida de forma violenta. Não diferente estavam os âmbitos sociais, de saúde e educacional.
O progressivo avanço dos preceitos neoliberais foram interrompidos com o impeachment do então pre-
sidente Collor, somente retomado no governo de Fernando Henrique Cardoso (SILVA, 2019; BUSNELLO,
2013).
A década de 90 se inicia com o Plano Collor, que se utilizou da sistemática de bloqueio de ativos fi-
nanceiros poupados para controle inflacionário, agravando mais ainda a já problemática incerteza
sobre os rumos da economia brasileira. O Plano Collor II, em 1991, adotou novamente o instrumen-
tal do congelamento de preços e salários e extinguiu o referencial de indexação de preços, o Bônus
do Tesouro Nacional fiscal, utilizando a Taxa Referencial Diária. O instrumental usado conduziu à
substituição do Presidente (AOUN, 2004).
Ao longo das duas últimas décadas do século XX, o Brasil utilizou instrumentos de política econômica
compatíveis com os objetivos propostos. Na década de oitenta, a atenção foi marcada principalmente no
aspecto interno da economia, com a preocupação de reduzir os problemas do emprego, diante de crise ex-
terna severa. Na década de 1990, ênfase maior foi dada aos aspectos externos da economia e aos impactos
internos sobre a estabilidade. De comum às duas décadas foi o crescimento moderado à espera de um novo
modelo de desenvolvimento.
Durante quatro meses, a taxa de câmbio, os preços básicos, os salários dos funcionários públicos, salá-
rio mínimo, pensões e tarifas públicas foram compulsoriamente convertidos em URVs. O setor privado foi
adaptando seus preços a essa sistemática. Após os 4 meses, foi convertida na nova moeda, o Real. Toda base
monetária da velha moeda foi substituída por novas cédulas e moedas.
Aoun (2004), explica que houve firme determinação em manter baixa a taxa de inflação, até que em
fins da década de noventa foi implementada a sistemática de metas de inflação, um instrumento de controle
de preços, que substituíram as metas cambiais. Para fixar as metas de inflação, utiliza-se uma medida que
procura captar a tendência dos preços, desconsiderando os distúrbios temporários de choques de oferta,
como os resultantes de fatores climáticos ou sazonais. Sua utilidade é a de orientar a política monetária a
identificar e diagnosticar os choques que afetam a inflação.
Busnello (2013), diz que como parte da nova política econômica, o governo Fernando Henrique Cardoso
propõe mudança do sistema nacional de relações de trabalho, a fim de permitir maior liberdade e autono-
mia no estabelecimento das condições de trabalho. O conjunto das medidas adotadas e propostas contém
uma alteração significativa dos direitos inscritos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e em outras
leis trabalhistas, possibilitando assim que os mesmos sejam objeto de negociação entre as partes (os atores
sociais) envolvidas.
Para Silva (2019), os impactos trazidos pelas reformas neoliberais no governo de FHC intensificam-se
nos fatores desencadeados pela diminuição dos gastos sociais e a eliminação dos direitos sociais, o que
afirmou os princípios neoliberais que já estavam presentes, como na desregulamentação da disciplina fis-
cal e do enxugamento dos gastos públicos. Cresce nesta época o emprego informal reflexo dos reportes da
política econômica que simplesmente buscava reduzir o número de trabalhadores.
1 Foi o 21.º Vice-presidente do Brasil durante o governo de Fernando Collor e, após o titular ter sido afastado da presidência por
um processo de impeachment, assumiu como o 33.º presidente do Brasil, tendo governado entre 1992 e 1995.
2 A reestruturação produtiva é o processo de consolidação do modelo flexível do trabalho industrial. A Reestruturação Produtiva
emergiu a partir da década de 1970, em função da grande crise do capitalismo e da derrocada do paradigma fordismo/taylorismo
em meio ao processo de produção e acumulação industrial (PENA, 2020).
Permitir-se a flexibilização na sua forma mais gravosa é admitir que uma única medida legislativa ou
administrativa extinga a conquista de séculos. É aceitar o assolamento da dignidade da pessoa humana –
através da destruição de direitos sociais – pelo simples discurso da necessidade de crescimento econômico,
sem que isso seja garantido na prática (NASIHGIL e DUARTE, 2015).
Segundo Martins apud Ghisleni (2015), várias causas podem ser determinantes na flexibilização das
condições de trabalho, entre elas: desenvolvimento econômico, globalização, crises econômicas, mudanças
tecnológicas, encargos sociais, aumento de desemprego, aspectos culturais, economia informal e outras
causas sociológicas.
A globalização, determina a competição econômica internacional, empresas são levadas para o espaço
geográfico que lhes proporcionar mais lucros e menos empecilhos legais na contratação de mão-de-obra,
não havendo fronteiras como limites, mas a busca pelo melhor retorno. “O próprio desenvolvimento natu-
ral do capitalismo, em face da constante necessidade de maximização dos lucros, empurrou o sistema para
além das fronteiras nacionais”(GHISLENI, 2015).
A globalização gera uma competitividade inversa, em proporcionar mão-de-obra mais barata, o que
exige flexibilidade nas normas trabalhistas, menor rigor no cumprimento de leis, menos compromissos
por parte dos aplicadores externos. O objetivo das empresas que investem em um país periférico é sempre
maior lucratividade, maior ganho de capital, sem nenhuma garantia, pois ela é livre para sempre buscar o
que mais lucro lhe oferecer.
Segundo Arruda apud Ghisleni (2015), essa forma de economia corrói a identidade dos povos, a sobera-
nia das nações, o princípio de autoridade, a Constituição, os direitos sociais, a nacionalidade da empresa, a
indústria, o mercado, a informação livre, a consciência, a liberdade, a cidadania, a legitimidade da opinião,
a base do contrato social, o fundamento da segurança jurídica.
Essa forma de vislumbrar o “desenvolvimento econômico” é justificada por alguns, que veem as nor-
mas de proteção do trabalhador como economicamente “pesadas” e “inflexíveis”; fator que, segundo os
empresários, aumenta o “custo” da produção, inviabilizando a competitividade das empresas e a própria
manutenção de postos formais de trabalho, dada a suposta “alta” carga tributária e para-fiscal (KRIEGER
e HASSON apud NASIHGIL, 2015).
Já os que contestam a flexibilização das leis trabalhistas entendem que as relações de emprego são um
ponto essencial para o crescimento interno, desenvolvimento e segurança jurídica do país. A Consolidação
das Leis do Trabalho uma conquista dos trabalhadores e constituída com base em suas reais necessidades,
a fim de atender a todos os seus ideais. O que há de ser esclarecido é que o trabalho não pode ser mais um
objeto de comercialização, ou seja, não podemos admitir que a classe trabalhadora brasileira, passe a ser
objeto de barganha e negociações, que não levem em consideração as verdadeiras necessidades e os reais
direitos do trabalhador. (KRIEGER e HASSON apud NASIHGIL, 2015).
Vale destacar que os direitos trabalhistas são afetados também pela eventual emergência de um novo
paradigma produtivo. Segundo Busnello (2013), devemos pensar as estratégias de reestruturação produtiva,
que são guiadas para a obtenção da maior flexibilidade na utilização do capital e do trabalho com vistas à
redução máxima dos custos, da ociosidade dos meios de produção e dos riscos determinados pela instabi-
lidade e manutenção dos mercados.
No Brasil, as medidas macroeconômicas em curso desde 1990 mostraram-se, até o momento, muito
mais eficazes na desestruturação de parte significativa da estrutura produtiva. Na verdade, a abertura co-
mercial não foi acompanhada de uma política industrial que preparasse a indústria nacional para a con-
corrência internacional. Pode-se dizer, sucintamente, que a desarticulação no interior de várias cadeias
produtivas tem levado à maior desestruturação do parque produtivo, com a reestruturação produtiva das
empresas de setores de ponta e o retraimento ou fechamento de outras.
Assim como buscam flexibilizar a forma de remuneração e do uso do tempo do trabalho, por meio
de: a) Flexibilidade da jornada e das funções, que permite sincronizar o nível de produção com a
demanda de trabalho e fazer ajustes para uma administração dos horários, da modalidade das
tarefas e evolução das responsabilidades, tendo presentes os objetivos da empresa. Com isso, a
empresa procurar livrar-se das horas extraordinárias e racionalizar a utilização do tempo de tra-
balho durante uma jornada anualizada; b) Flexibilidade salarial, que permite a flutuação do salário
em função da produtividade do trabalho e de outros mecanismos (prêmios, sugestões etc.), com
tendência de descentralização e individualização de sua determinação. Geralmente procura-se
estabelecer uma remuneração fixa mais baixa, ficando uma parte importante dos vencimentos na
dependência do cumprimento de metas pré-estabelecidas.
No caso atual, são classificadas como de flexibilidade funcional as medidas que mexem na de-
terminação do tempo de trabalho (banco de horas e liberação dos trabalhos aos domingos) e na
Após quase três décadas da reestruturação produtiva3 nos países capitalistas de industrialização avan-
çada, onde as mudanças produtivas e organizacionais ainda se fazem sentir com certa intensidade, obser-
va-se a deterioração crescente das condições institucionais do mercado de trabalho. Há um conjunto de
fenômenos que continua presente em quase todos eles. Acentuou-se a tendência ao desemprego estrutural,
ao desemprego de longa duração, ao aprofundamento das desigualdades sociais e à precarização do empre-
go (trabalho sem carteira assinada, em tempo parcial, em tempo determinado, elevada rotatividade etc).
Esses fenômenos geraram, entre outros efeitos, um forte dualismo entre trabalhadores que ainda contam
com garantias legais e aqueles que estão sujeitos a relações precárias, além do declínio do emprego no setor
industrial, afetando assim o movimento sindical4.
Mostrando coerência com o programa de governo de FHC, que pretende buscar uma “modernização”
da sociedade e da economia brasileira através de uma inserção competitiva no mercado global, estas me-
didas estão no bojo de um programa mais geral de reformas (do Estado brasileiro, da economia, da pre-
vidência, etc). Além disso, a necessidade da flexibilização é defendida pelas entidades empresariais como
parte do processo de mudanças tecnológicas e organizacionais das empresas, em um contexto de maior
competitividade.
Especialmente durante o Plano Real, tornam-se evidentes os indícios de um aprofundamento da desre-
gulação das normas do trabalho e uma flexibilização das relações de trabalho no Brasil, o que se expressa
tanto pelas mudanças institucionais como pela dinâmica dos atores sociais em um contexto marcado pela
desregulação comercial e financeira, pelas inovações tecnológicas e organizacionais, pelo medíocre e ins-
tável desempenho da economia, pela crescente elevação do desemprego e pelo crescimento da precarização
do trabalho. Neste contexto de reorganização econômica e produtiva, o conceito de flexibilidade, segundo
ForreIster (1996 apud KREIN, 2000), que poderia soar como algo agradável, na verdade, para os trabalha-
dores, se torna qualquer coisa feroz, inflexível, sinônimo de livre demissão. Em outros termos, na prática,
a “flexibilização” tem se constituído em sinônimo de aumento da precarização do trabalho (Uriarte, 2000
apud KREIN, 2000).
Segundo Dedecca (1999), a estabilização das relações de trabalho não pôde mais ser sustentada quando
a instabilidade dos mercados, o acirramento da concorrência intercapitalista e a incorporação mais rápida
do progresso técnico passaram a exigir das empresas uma flexibilidade produtiva compatível com as novas
condições de acumulação capitalista. A discussão da alteração do sistema brasileiro de relações de trabalho,
3 No Brasil, o processo de reestruturação produtiva vislumbra no final dos anos 1970, com a crise do modelo de desenvolvimento
baseado na “substituição das importações” e se intensifica nos anos 1990, com a política neoliberal e a abertura econômica,
acarretando transformações no processo produtivo, na gestão e organização do trabalho, bem como no espaço, produzindo
“novos espaços industriais”(GOMES, 2007).
4 A experiência recente de alguns países que buscaram a maior flexibilização e desregulamentação dos direitos trabalhistas,
rompendo, portanto, com o caráter heterônomo, isto é estatal, do sistema nacional de relações de trabalho, não aponta resulta-
dos positivos quanto à geração de empregos. A Espanha e a Argentina, por exemplo, que promoveram importantes reformas na
legislação trabalhista, no início dos anos 90, ainda convivem com elevadas taxas de desemprego. No caso da Espanha, o desem-
prego, atualmente, se encontra na faixa dos 22% da força de trabalho. Já na Argentina, mesmo com as alterações promovidas
nos contratos de trabalho, o desemprego atinge cerca de 17% da população economicamente ativa (DIEESE apud BUSNELLO,
2013).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não há contradições em concordar com medidas que satisfaçam o capitalismo em discursos neoliberais
que buscam o desenvolvimento econômico, geração de empregos, geração de renda e estabilidade. Porém
não é salutar nem admissível que continuemos buscando estes objetivos utilizando ferramentas que des-
troem direitos dos trabalhadores, conquistas sociais e valorizam a desigualdade como resultado aceitável
na busca do bem de um País.
Por meio desta pesquisa, foi possível a análise da conjuntura em que se deu a Consolidação das Leis
Trabalhista, a marcante presença da política neoliberal na década de 1990 no Brasil, utilizando-se da fle-
xibilização dos direitos trabalhistas como estratégia de crescimento econômico e geração de emprego, em
tempos de crise econômica. Foi demonstrado que embora pese sobre a CLT o discurso de que ela colabora
para a crise econômica, nenhuma medida de flexibilização e desregulamentação de direitos trouxe reflexos
positivos, pois o fenômeno da crise econômica é parte do sistema de produção capitalista, pautado no au-
mento ilimitado de produção e lucro sacrificando a proteção social e direitos trabalhistas da classe menos
favorecida em uma sociedade, produzindo desigualdade e insegurança para a sociedade.
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Resumo: O presente artigo é fruto dos debates teóricos e pesquisa de campo realizada junto aos sindicatos e empresas na produ-
ção de calçados na região do Vale dos Sinos/RS. O foco desta investigação voltou-se às principais conexões econômicas e políticas
existentes entre as grandes empresas, as médias e pequenas empresas (MPEs) e os sindicatos de trabalhadores. Os resultados da
pesquisa nos levam a reflexões sobre os impactos da reestruturação produtiva nas relações de produção locais, principalmente no
que tange às manifestações da questão social frente à interiorização e descentralização da produção. Partimos do pressuposto mar-
xiano de que a análise do capitalismo não é somente o estudo das leis tendenciais do seu modelo econômico, mas também das rela-
ções sociais que o conformam e que lhe dão sustentação, o que inclui desafios para organização sindical na atualidade.
Palavras chave: reestruturação produtiva, micro e pequenas empresas, questão social, sindicato.
INTRODUÇÃO
O presente artigo é fruto de acúmulos teóricos e empíricos de pesquisa realizada junto aos sindicatos
e empresas na produção de calçados na região do Vale dos Sinos, localizada no estado do Rio Grande do
Sul (RS). O foco desta investigação voltou-se às principais conexões econômicas e políticas existentes entre
as grandes empresas, as médias e pequenas empresas (MPEs) e os sindicatos de trabalhadores. É consenso
na literatura acadêmica que o atual estágio do desenvolvimento do capitalismo tem cada vez mais acirrado
as contradições entre classes, refletindo as principais expressões da questão social1, tanto em seus aspectos
econômicos, sociais e culturais2. Uma das consequências de expansão do capital tem se voltado à flexibi-
lização da produção, através das Micro e Pequenas Empresas (MPEs) que, por sua vez, impõe desafios à
resistência dos trabalhadores, em um contexto de aprofundamento das formas da terceirização e subcon-
tratação da força de trabalho no Brasil.
Nossos estudos têm como base a teoria marxiana que parte do pressuposto teórico-metodológico de
que a análise do desenvolvimento do capitalismo não é somente o estudo das leis tendenciais do seu modelo
econômico, mas também das relações sociais que o conformam e que lhe dão sustentação. Marx (1979) nos
ensina que para apreensão dos fenômenos e do seu movimento é necessário partir do concreto, porque o
concreto é a síntese de múltiplas determinações e, portanto, a unidade do diverso. Torna-se o concreto o
1 A questão social aqui compreendida enquanto “[…] as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operá-
ria e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento enquanto classe por parte do empresariado
e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a
exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão. O Estado passa a intervir diretamente nas relações entre
empresariado e a classe trabalhadora, estabelecendo não só uma regulamentação jurídica do mercado de trabalho, através da
legislação social e trabalhista específicas, mas gerindo a organização e prestação de serviços sociais, como um novo tipo de
enfrentamento da questão social” (IAMAMOTO, 2005, p. 77).
2 Os debates centrais sobre os impactos do desenvolvimento do capitalismo e o aumento das desigualdades sociais vamos en-
contrar entre os principais pesquisadores reconhecidos nacional e internacionalmente, de diversas áreas do conhecimento, a
exemplo de Alves (2010), Antunes (2006; 2005, 2002), Chesnais (1996), Chossudovsky (1999), Harvey (2014), Iamamoto (2007),
Mészáros (2011; 2009), Mota (2008), Pochmann (2012), entre outros.
O sistema capitalista, ao longo de seu desenvolvimento, vivencia e supera crises que não possuem uma
única causa, sendo se tratar do resultado da dinâmica contraditória do modo de produção capitalista.
Existem diversas possibilidades de ocorrência de crises, e que há a propensão em produzir graves tensões
no processo de acumulação. Tendem a ter o efeito de expandir a capacidade produtiva e de renovar as con-
dições de acumulação.
Embora saibamos que tenham ocorridos crises em diferentes países nas últimas décadas, há de se des-
tacar que a crise do capital vivenciada desde os anos de 1970 é fundamentalmente uma crise estrutural que
atingiu de forma particular as relações políticas e econômicas mundiais (MÉSZÁROS, 2011). Manifestou-
se em quatro aspectos fundamentais:
a) Seu caráter universal. Ou seja, a crise atual não está restrita a uma esfera particular, mas ao capital
em sua totalidade.
b) Sua abrangência é global, pelas próprias características contemporâneas do capitalismo, em lugar
de restringida a um conjunto particular de países.
c) Sua “escala de tempo” é extensa, contínua, permanente, em lugar de limitada como foram todas as
crises anteriores.
O incentivo à criação do mercado mundial, para a redução das barreiras espaciais e para a ani-
quilação do espaço através do tempo, é onipresente, tal como é o incentivo para racionalizar a
organização espacial em configurações de produções eficientes (organização serial e a divisão
detalhada do trabalho, sistemas de fábrica e de linha de montagem, divisão territorial do trabalho e
aglomeração em grandes cidades), redes de circulação (sistemas de transportes e comunicação)
e de consumo (formas de uso de manutenção das residências, organização comunitária, diferen-
ciação residencial, consumo coletivo nas cidades) (HARVEY, 2014, p. 212).
Notemos que há a necessidade de criar aglomerados produtivos que visem minimizar os custos de cir-
culação e o tempo de giro do capital a partir da descentralização produtiva e de uma maior racionalização
da produção territorial. Viabilizando com maior rapidez os tempos de giro de produção, na troca e no con-
sumo, a partir da ruptura das barreiras espaciais para maior exploração por parte do capital, possibilitando
o aproveitamento de diferenciações locacionais.
E isso ocorre porque “a crise afeta o processo de trabalho e eleva seu grau de intensidade, constituin-
do-se assim num mecanismo imprescindível para a recomposição do crescimento e a acumulação do va-
lor” (DAL ROSSO, 2013, p. 44). Portanto, a diminuição do tempo de ciclo do capital é fundamental para a
aceleração da produção, o que é mais vantajoso quando há a concentração da produção em determinadas
localidades que se especializam na produção de mercadorias específicas.
As estratégias para a superação da crise estrutural articularam medidas políticas e econômicas que
tanto no âmbito da reestruturação produtiva, financeirização da economia e políticas neoliberais. Tais
medidas não espantaram a “onda longa recessiva”, que mesmo retomando as taxas de lucratividade não
conseguiu retomar o crescimento das décadas anteriores. Também elas não se deram de forma linear e se-
quencial, mas compuseram, ao longo das últimas décadas, uma série de ações de cunho social, econômico
e político a depender das particularidades das relações de classes de cada país.
As medidas decorrentes da liberalização financeira e reformas do Estado, principalmente via medidas
neoliberais, comprometeram os gastos públicos com o capital financeiro em detrimento do investimento
público. As estratégias de reestruturação produtiva que marcaram a fase de internacionalização dos merca-
dos produziram, de forma ágil e rápida, a mundialização e externalização das etapas do processo produtivo
O gado existia em larga quantidade na província, iria fornecer a matéria-prima para fabricação
de artigos de couro, cuja demanda, numa época em que não se produziam sintéticos, era muito
grande. Do couro (matéria-prima disponível), da habilidade dos colonos (mão-de-obra qualificada)
e das necessidades da população (mercado existente) surgiria a produção organizada do couro
curtido e de seus artefatos no Rio Grande do Sul (CARNEIRO, 1986, p. 20).
3 O salário por peça é rebaixado na mesma proporção em que cresce o número de peças produzidas durante o mesmo tempo,
isto é, em que diminui o tempo de trabalho empregado na mesma peça. Essa variação do salário por peça, enquanto puramente
nominal, provoca lutas contínuas entre capitalista e trabalhador. Ou porque o capitalista aproveita o pretexto para rebaixar real-
mente o preço do trabalho, ou porque o aumento da força produtiva do trabalho é acompanhado de um aumento da intensidade
do mesmo. Ou porque o trabalhador toma a sério a aparência do salário por peça, como se lhe pagassem seus produtos não sua
força de trabalho, e por isso se opõe a um rebaixamento do salário, que não corresponde ao rebaixamento do preço da venda da
mercadoria (MARX, 1988, p. 138).
4 A ABICALÇADOS é a entidade que representa a indústria calçadista nacional atuando na esfera comercial. Foi fundada em 1983
e se encontra sediada em Novo Hamburgo (RS). Possui em seu quadro de associados empresas calçadistas de todos os portes
e estados brasileiros. Fonte: www.abicalcados.com.br, acesso em 24/04/2018.
5 O Vale dos Sinos abrange os seguintes municípios do estado do Rio Grande do Sul: Capela de Santana, Campo Bom, Estância
Velha, Esteio, Nova Hartz, Novo Hamburgo, Parobé, Portão, Riozinho, Rolante, São Leopoldo, Sapiranga, Sapucaia do Sul e
Taquara.
Do ponto de vista industrial, o calçado de plástico apresentava algumas vantagens: era produzi-
do em série, com custos mais baixos, e utilizava pouca mão-de-obra, permitindo lucros maiores.
Inicialmente, sua produção seria destinada ao mercado interno, mas nos anos de 1980 começou a
atingir também o mercado internacional (CARNEIRO, 1987, p. 141)
6 O trabalho artesanal é uma característica que ainda compõe a produção de calçados também na atualidade, só que sob o co-
mando das grandes empresas e não mais como trabalho do artesão individual.
A subcontratante (em geral, representada por uma empresa de grande porte), solicita à outra, a
subcontratada (representada às vezes por empresas pequenas, às vezes por indivíduos isolados
ou conjunto deles), a elaboração ou beneficiamento de um produto inteiro ou de parcela dele, sob
7 Na linguagem local, os “ateliês” são chamados os lugares onde se realiza a costura e as “fabriquetas” onde produzem todo o
sapato.
A reestruturação produtiva no ramo dos calçados assumiu características heterogêneas, mesclando mé-
todos tayloristas-fordistas com criação de unidades flexíveis horizontalizadas. Ampliando a formação de
redes de subcontratação, principalmente no incentivo à promoção de Micro e Pequenas Empresas (MPEs)
para o fornecimento de insumos e produtos às grandes empresas.
O processo de terceirização, em muitos dos casos, passa também pela quarteirização, em que a pré-fa-
bricação é transferida para as MPEs que por sua vez, deslocam parte das tarefas para os ateliês de menor
porte ou para o trabalho nos domicílios. Um dos impactos sociais mais expressivos desse processo foi o re-
forço ao ocultamento das situações de trabalho infantil historicamente já existentes, além do envolvimento
de idosos na produção.
Esses ateliês (que tanto podem ser domésticos ou dentro das MPEs) realizam as atividades de costura,
a pré-fabricação, a forração dos saltos e palmilhas, os enfiados e de cartonagem (caixa de sapatos) além da
costura do cabedal (SCHNEIDER, 2004).
A interiorização da produção permitiu a contratação precária de trabalhadores das zonas rurais, pois a
característica econômica e social da região é marcada pela forte presença da agricultura familiar de origem
colonial e sem histórico de organização sindical (SCHNEIDER, 2004). Além de ser possível a remuneração
desses trabalhadores por peça/produção. Condições que contribuem para a informalização do setor.
A parcialização da produção só pode ser realizada dessa maneira porque no ramo dos calçados as vá-
rias etapas do processo produtivo podem ser executadas de forma independente umas das outras. Além do
que necessitam de poucos investimentos em capital fixo; demandam contratação de força de trabalho em
abundância que em geral é de baixa qualificação; possibilita a fragmentação do processo produtivo, favore-
cendo o surgimento de empresas especializadas em um ou mais partes da produção. Portanto, é um setor
que possibilita a coexistência de empresas modernas de grande porte com pequenas empresas de produção
artesanal (SOUZA, et. al., 2012).
O trabalho artesanal é uma característica do ramo de calçados desde suas origens e que permanece
até hoje. Embora atualmente exista a tecnificação de etapas do processo produtivo, o trabalho artesanal
não deixou de existir e inclusive se intensificou a partir da interiorização dessas empresas, principalmente
através do trabalho em domicílio:
A associação do trabalho em domicílio com a cultura de desmobilização política nas zonas rurais en-
fraquece a capacidade de luta, resistência e organização dos trabalhadores em defesa do seus direitos. O
trabalho em domicílio traz como resultado o isolamento e individualização dos trabalhadores já que não
estão mais reunidos no mesmo espaço produtivo. A principal consequência é a submissão dos trabalhado-
res às necessidades imperativas das empresas pelas quais prestam serviços. Torna-se elemento fundamen-
tal para o desenvolvimento do capitalismo uma vez que um dos objetivos da gestão do trabalho a partir
da reestruturação produtiva foi a tentativa de eliminação do poder de contestação da classe trabalhadora
(MATOS, 1993).
Essas precárias condições de trabalho também impactam a saúde desses trabalhadores e suas famí-
lias. Quando ocorre o trabalho em domicílio é o constante cheiro da cola no ambiente, o pó do couro,
8 Uma leitura mais aprofundada sobre a formação histórica dos sindicatos no Brasil indicamos os pesquisadores Badaró (2009),
Carvalho (2011) e Gomes (1979).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pudemos perceber, ao longo da explanação, que as estratégias de superação da crise do capital impactaram
sobremaneira as condições materiais e subjetivas dos trabalhadores, principalmente no que se refere à capaci-
dade organizativa dos mesmos para a garantia dos seus direitos sociais. Na produção de calçados na Região do
Vale dos Sinos/RS também não foi diferente, pois tais medidas intensificaram a subcontratação já existente e
ampliaram parte considerável da produção para a modalidade de trabalho em domicílio nas zonas rurais.
Embora o sindicato tenha conseguido manter, apesar das diferentes conjunturas, o espaço da nego-
ciação coletiva com o segmento patronal, prevalecem constantes ataques do capital à classe trabalhadora,
ainda que sob formas veladas ou dissimuladas, configurando-se em formas contemporâneas de expressão
da questão social. Exemplo disto, mencionamos que as ações dos sindicatos junto às MPEs é restrita, pois
possibilita a violação de garantias contidas nas negociações dos acordos coletivos sob o argumento de ga-
rantia de empregos.
Portanto, é necessário resgatar a luta histórica da classe trabalhadora para recompor as estratégias de
luta e mobilização social com o intuito de ampliação da consciência de classe frente à conjuntura adversa,
o que do nosso ponto de vista deve incluir a participação dos trabalhadores informais.
A manutenção do espaço das negociações coletivas é uma conquista histórica para os trabalhadores,
mas devem ampliar a pauta política tanto para incluir as desigualdades de gênero de forma mais contun-
dente, quanto avançar em demais pautas que possam barrar os processos de terceirização que intensificam
as formas de precarização da força de trabalho.
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10 As entrevistas com os sindicatos dos sapateiros foi realizada no início de 2018 quando estava sendo incialmente implementada
a Lei 13.467, de 13 de Julho de 2017, que alterou a Consolidação das Leis Trabalhistas. Ainda não havia entre os sindicatos uma
avaliação mais contundente sobre os impactos desta Lei para os trabalhadores na região por se constituir em processo recente.
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Resumo: Entender as transformações do trabalho, identificando o que é um “bom trabalho”, “trabalho ruim” ou “trabalho precário”
é fundamental para a regulamentação e proposição de direitos que garantam cada vez mais uma vida digna, numa perspectiva de
direitos humanos do trabalho e consequentemente a valorização do “trabalho decente”, conceito da Organização Internacional do
Trabalho. O objetivo deste artigo científico é uma discussão teórico-bibliográfica de autores nacionais e internacionais que definem
socio-juridicamente os atributos do trabalho na sociedade contemporânea que tem a tecnologia como um dos elementos funda-
mentais de transformações sofridas neste mercado nos últimos anos. Assim surge a pergunta central da pesquisa: como os direitos
humanos do trabalho pode garantir um “trabalho decente” em um mundo de tecnologia e trabalho precário? Para isso, num primeiro
momento haverá uma reconstrução histórica dos direitos humanos até a ideia dos direitos humanos do trabalho, englobando o “tra-
balho decente” e suas características. Num segundo momento, uma construção bibliográfica dialogando com os conceitos de traba-
lho “bom”, “ruim” e “decente”, fazendo um contraponto ao “trabalho precário” (forma de atividade remunerada com piores condições
para o trabalhador), para assim finalizar, sustentando a tese central de que a regulamentação dos direitos humanos do trabalho, den-
tro de uma sociedade globalizada, é um instrumento para alcançar uma sociedade mais justa através do “trabalho decente”, afastan-
do os impactos ruins da tecnologia que muitas vezes gera o “trabalho precário”. Metodologicamente a pesquisa parte de um estudo
bibliográfico, apresentando alguns dados qualitativos e quantitativos de relatórios da OIT, como forma de construir melhor o objeto
e argumentação lançada a debate. Os resultados leva-nos a compreender que diante do desafio das transformações das relações
de trabalho pela tecnologia, a regulamentação do direito do trabalho, afinada com os princípios da promoção dos direitos humanos
do trabalho, numa perspectiva internacional, atentando-se para o “trabalho decente”, se apresenta como solução para a busca da
justiça social, diminuição das desigualdades econômicas e sociais, além de proporcionar garantias mínimas aos trabalhadores. Este
trabalho faz parte da tese doutoral da autora, ainda em andamento, que discute mais profundamente as mudanças e regulamenta-
ção do mercado de trabalho.
Palavras-chave: Direitos Humanos -Trabalho Decente-Trabalho Precário-Tecnologia-Relações de Trabalho
INTRODUÇÃO
Este paper surge da investigação doutoral da autora na temática das reformas trabalhistas no mundo e
a precariedade no trabalho, principalmente impactando os salários, jornadas de trabalho e direitos sociais
e trabalhistas do empregado num contexto social em que a tecnologia é um elemento cotidiano do mercado
de trabalho.
Baixo uma análise das bibliografias e documentos foi encontrado o Informe Mundial sobre Salários
da OIT de 2017, atualizado a cada ano, de que no ano de 2017 houve uma diminuição nos salários no ní-
vel global porém em contrapartida os países do G20 tiveram um taxa de aumento salarial maior que nos
últimos 10 anos (OIT, 2017). Como conclusão dos dados o relatório afirma aqui essa desigualdade salarial
acontece por três fatores sociais: a pressão do mercado financeiro para transferir os lucros das empresas
para investimentos e não na produção, a debilidade das instituições trabalhistas e a tecnologia dentro de
um mercado globalizado (OIT, 2017).
Encontrar afirmação de que os problemas de desigualdade são fundamentados e sustentados pelos três
fatores anteriores fez surgir a pergunta deste trabalho de investigação: como os direitos humanos do tra-
balho pode garantir um “trabalho decente” em um mundo de tecnologia e trabalho precário? Os direitos
humanos do trabalho como proposta de regulamentação e instituição trabalhista, capaz de normatizar,
regulamentar e fiscalizar o cumprimento em prol da diminuição da desigualdade no mercado de trabalho
No final do século XVIII, com as ideias da Revolução Francesa e o surgimento do pensamento jurídi-
co-filosófico do iusnaturalismo, é reconhecido um rol de direitos denominado “Declaração dos Direitos do
Homem e dos Cidadãos”. 1 Há uma elucidação das categorias legais entendidas como fundamentais para o
desenvolvimento humano. (GHAI, 2003; GIL 2017).
O advento dos pensamentos revolucionários de igualdade, liberdade e fraternidade foram as bases para
as lutas por reconhecimentos de direitos dos séculos seguintes, com a formação da ideia de cidadania na
evolução da demanda por direitos civis, políticos, sociais e coletivos (MARSHALL, 2001).
O reconhecimento e o avanços de demandas por mais direitos foi fundamental para a percepção de
que independente de nacionalidade, idioma, cultura, religião, cor da pele, idade, etnia, estado civil, posição
política, gênero, sexualidade, patrimônio, há um núcleo mínimo de direitos que devem ser promovidos
e preservados pela comunidade internacional, que foi também regulamentado pelos Direitos Humanos
(MONTEJO, 2006).
Os direitos trabalhistas surgindo de demandas sociais das greves e participações políticas (MARSHALL,
2001), positivados em diversas constituições ao redor do mundo no início do século XX como direitos
1 Declaración de los Derechos del Hombre y del Ciudadano de 1789. Francia: Asamblea Nacional Francesa, Disponible en: <ht-
tps://www.conseil-constitutionnel.fr/es/declaracion-de-los-derechos-del-hombre-y-del-ciudadano-de-1789>. Acceso em:
(15/01/2020)
2 “[...] os princípios relativos aos direitos fundamentais que são objeto destas convenções, nomeadamente: (a) a liberdade de
associação e o reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva; (b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado
ou obrigatório; (c) a abolição efetiva do trabalho infantil; e (d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e profissão.
(OIT, 1998).
Outra conclusão do Relatório Salarial Mundial Global de 2017 é que a estagnação dos salários devido à
questão social, a diferenciação entre crescimento econômico e o não crescimento dos salários, implica uma
insatisfação da sociedade, pois o trabalhador não percebe melhorias em sua vida e em sua família (OIT,
2017). Além disso, na questão econômica, não aumentar os salários significa que os trabalhadores consu-
mirão menos, e que o crescimento econômico diminuirá (OIT, 2017).
O relatório conclui com sugestões de políticas públicas para tentar reduzir as diferenças salariais entre
trabalhadores com diferentes funções, gênero, etnia e capacidade, mas acima de tudo a ideia é central para
a importância da regulamentação estatal, além de os países também observarem as regulamentações e pro-
postas feitas pela OIT sobre questões trabalhistas, redução da desigualdade e logo a promoção do trabalho
decente.
Neste olhar para as mudanças das características do trabalho no mundo contemporâneo existem di-
versos autores e instituições que procuram tratar o tema com conceitos diferentes, como é o caso da cate-
goria “Trabalho Decente” que foi desenvolvida pela Organização Internacional do Trabalho e tem como
finalidade apresentar fatos sociais que devem ser o objetivo de cada Estado-nação para proporcionar um
desenvolvimento econômico igual digno de condições de vida para os trabalhadores.
Quando a OIT estabelece o trabalho decente como um quadro jurídico fundamental, o reforço dos
direitos humanos no trabalho (GHAI, 2003), seus princípios e normas a serem implementados pelos países,
é mais uma das formas de alcançar a justiça social.
Um dos atributos de organizações internacionais como a OIT é a criação de normas que permitam o
estabelecimento de condições mínimas de um nível de trabalho de qualidade, o que se reflete no conceito
de “trabalho decente”. Isto tem sido utilizado para definir o objetivo das normas e políticas públicas que
devem ser seguidas pelos Estados nacionais.
Este conceito é suficiente para definir condições mínimas ou mais simples que todos os trabalhadores
devem ter, incluindo aqueles que são informais, autônomos, assalariados ou temporários, em outras pala-
vras, todos eles.
O conceito de trabalho decente baseia-se num conjunto de atributos que permitem identificar um ní-
vel mínimo de dignidade em termos de condições de trabalho. Há seis atributos de trabalho decente: (1)
empregabilidade; (2) emprego remunerado; (3) condições de trabalho (remuneração, horário de trabalho,
férias, saúde e segurança, etc.); (4) segurança social; (5) direitos humanos (liberdade e democracia dos sin-
dicatos, não discriminação); (6) diálogo social (negociação coletiva, democracia econômica) (GHAI, 2003).
Preocupados em determinar critérios mais objetivos para a identificação empírica de condições de
trabalho decente, Anker et al (2003) consideram que os pontos da busca por trabalho decente podem ser
mais claramente definidos nos seis pontos: a) oportunidades de trabalho; b) trabalho em condições de
liberdade; c) trabalho produtivo; d) equidade no trabalho; e) segurança no emprego; e f) dignidade no tra-
balho. Mas, como se pode ver, estes são ainda muitas vezes factos sociais muito amplos e difíceis de medir.
Por isso, foi estabelecida uma medição do conceito de trabalho decente com nove categorias de análise: (a)
oportunidades de emprego; (b) trabalho inaceitável (esta é a ideia de trabalho em condições de liberdade);
(c) remuneração adequada e trabalho produtivo (isto dá a ideia de trabalho produtivo); (d) tratamento
A primeira observação a ser feita é sobre o atual sistema econômico neoliberal, no qual o livre comércio
é um valor fundamental, irrevogável e imbatível. Ou seja, reconhecemos que estamos sob “regras” econô-
micas de mercado sem regras, que para funcionar ocupa a desigualdade e a acumulação de capital, mas
que já apresenta os sinais de exaustão, então, para que não haja um colapso na economia, é importante que
as instituições intervenham para regular esse mercado, que a desigualdade exista para que o capitalismo
liberal funcione, mas não tanto que invalide o próprio sistema. Assim, o papel da regulamentação do di-
reito do trabalho é fazer uma tentativa de diminuir a desigualdade social entre os atores do mercado, os
trabalhadores e os empregadores.
A ideia de limitar o Estado Neoliberal no sentido de regular as condições mínimas de trabalho
(VASAPOLLO, 2003) tem três objetivos importantes: A primeira é garantir aos empregadores que todos
cumpram a lei e os direitos dos trabalhadores, porque assim, todos terão o mesmo custo na produção e
assim a concorrência no mercado entre as empresas não será injusta (GIL, 2017); a segunda é garantir
que o próprio trabalhador tenha condições para comprar e movimentar o mercado consumidor, “virar” a
economia; e o terceiro ponto é a própria competição entre as empresas de diferentes países, que, mais forte
após a globalização, metade do século XX até agora, em que a legislação entre diferentes países gera custos
diferentes para os empresários, portanto, eles competem de forma “desigual”, por essa razão a ideia de uma
legislação “comum” ou similar para facilitar o próprio poder do capital (VALENCIA, 2015).
A regulação dos mercados pelo Estado está a diminuir face ao crescimento da acumulação de capital
pelo mercado, pelas elites económicas nacionais e internacionais que cada vez mais influenciam as políti-
cas do Estado para reduzir a intervenção na economia e especialmente em relação à regulação do trabalho
(VASAPOLLO, 2003).
A tecnologia por tanto é utilizada também como instrumento do Estado neoliberal para acumulação
de capital por diminuir os postos de trabalho e como ferramenta do discurso empresarial de necessidade
da flexibilização dos direitos.
Assim a tecnologia muitas vezes passa a ser vista neste mundo globalizado como algoz ou causadora
do desemprego, pois é usada contra o trabalhador numa regulamentação neoliberal e não como propulsora
de um trabalho mais eficiente, digno, em que há maior chances de trabalho, por todos trabalharem menos
horas. Parafraseando Paul Lafargue, que haja possibilidade de que trabalhem menos para trabalhar todos.
Obviamente com regulamentação para que este trabalho seja decente e garantidor dos direitos humanos
laborais.
A questão do trabalho precário começa por reconhecer que existem diferentes ideias e características
que devem existir em uma atividade de trabalho, o que pode torná-la um bom emprego (Kallenberg, 2011),
decente ou digno, mesmo um trabalho com más características, tornando-o precário.
Assim, a tecnologia no mercado de trabalho globalizado dentro do contexto neoliberal não é utilizada
como promotora do trabalho decente no sentido de gerar qualidade, eficiência e capacidade de aumento do
emprego, mas pela escolha política do sistema para acumulação do capital, é ferramenta para aumento de
trabalhos mal pagos, com jornadas pequenas ou exaustivas, diminuição de benefícios e direitos sociais, na
chamada flexibilização trabalhista.
Os resultados leva-nos a compreender que diante do desafio das transformações das relações de traba-
lho pela tecnologia, a regulamentação do direito do trabalho, afinada com os princípios da promoção dos
direitos humanos no trabalho, numa perspectiva internacional, é a possibilidade de atender a demanda so-
cial por um trabalho decente, pela justiça social, diminuição das desigualdades econômicas e sociais, para
proporcionar garantias mínimas aos trabalhadores.
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Resumen: La crisis del trabajo abstracto en el capitalismo del siglo XXI, pone de relieve la vigencia y expansión de la ley del valor.
La superación de la sociedad capitalista cuyo fundamento es la apropiación privada del plustrabajo, implica la construcción de una
sociedad que erradique la división jerárquica del trabajo, esto implica una ruptura con el orden social y una construcción social
democrática.
Palabras clave: ley del valor, trabajo abstracto, transición.
INTRODUCCIÓN
La sociedad capitalista tiene como fundamento la apropiación privada del excedente del valor creado
por la fuerza de trabajo. De ahí que las relaciones sociales capitalistas lleven esta impronta y configuren al
conjunto de formas jurídicas, políticas y culturales que integran la vida social. De esta cuestión fundamen-
tal, la apropiación privada del plustrabajo, se deriva el conflicto y antagonismo inherente a una sociedad
dividida en clases con intereses radicalmente distintos. Por ello, la reflexión entorno del antagonismo ca-
pital-trabajo en el que entran en confrontación el trabajador colectivo y el capital social es relevante en la
sociedad actual.
A pesar de que las tendencias del mundo del trabajo actual muestran que el capital pretende sortear
su propensión a la crisis a través de distintas formas de apropiación de trabajo impago, estas tendencias
han sido interpretadas como el “fin del trabajo” y la “desaparición del sujeto revolucionario”, como con-
secuencia teórica, se niega la vigencia de la ley del valor. En el presente ensayo se exponen algunas notas
para reflexionar acerca de la vigencia de la ley del valor en el capitalismo del siglo XXI, y recupera algunos
de los debates entorno a su superación. El interés por la cuestión está en la convicción de que el sostén de
las relaciones de producción capitalistas está en la dominación del trabajo por el capital, y, por tanto, en el
hecho de que sin el trabajo abstracto, sustancia de valor, éste no podría sostenerse.
En ese sentido, la presente exposición se divide en dos partes, en la primera se recuperan algunas anotas
acerca de la realidad actual y la vigencia de la ley del valor, en la segunda se sintetizan algunos elementos
del debate acerca de la superación del trabajo abstracto y la ley del valor.
El desarrollo científico y tecnológico que deriva de la competencia entre capitales por la apropiación
de ganancias extraordinarias, genera el aumento en la composición orgánica del capital, esto es, disminuye
el capital variable en términos relativos mientras el capital constante aumenta, por tanto, disminuye en
términos relativos la fuerza de trabajo necesaria para tornar operativas a las empresas, lo que tiene como
consecuencia una disminución de la tasa de ganancia.
El proceso tiende a su profundización en tanto que la competencia capitalista reduce el tiempo du-
rante el cual las innovaciones tecnológicas orientadas hacia la apropiación de plusvalía extraordinaria por
un capitalista individual pueden permanecer limitadas a un capitalista antes de que se socialice con el
resto (Marini, 1996). Para compensar sus pérdidas, los capitalistas recurren a mecanismos a través de los
1 Crisis capitalista y desmedida del valor, enfoque desde los Grundrisse. México: UNAM/ITACA, 2010, 56-61
La superación del trabajo abstracto implica la ruptura radical con el orden existente por lo que uno de
los desafíos mayúsculos implica la superación de la división jerárquica del trabajo. Esto ha sido planteado
por Mézsáros en crítica a los procesos del denominado “socialismo realmente existente” y la concepción
ahistórica de la ley del valor. Mészáros aporta un elemento relevante al debate acerca de la transformación
de las relaciones sociales del capital, explica que se trata de un proceso largo y profundo porque implica
transformar el sistema del metabolismo social del capital, en ese sentido, no basta con transformar los
mecanismos económicos para superar al capital, sino que como modo de reproducción metabólica social
multifacético y omniabarcante, éste se encuentra presente en todas las esferas de la vida social, política, y
cultural (Mészáros, 2009, p.256).
En los años sesenta, con la revolución cubana, se debatía acerca de la posibilidad de hacer un “uso inte-
ligente de la ley del valor”, así, mientras para algunas corrientes del pensamiento esto era fundamental para
elevar la productividad y sostener la revolución, para otros autores esto no es posible porque el socialismo
no solo es lo contrario al capitalismo sino que es un sistema radicalmente opuesto, por ello, es necesario
romper con las diversas expresiones del capital presentes en la vida social, de ahí la necesidad de aniquilar
la ley del valor a fin de poner los cimientos de la nueva cultura de la sociedad.
El denominado socialismo realmente existente ,2 operó bajo la configuración de la ley del valor, no solo
explotó por medios políticos la fuerza de trabajo existente, sino que al mantener la división jerárquica del
trabajo y la disciplina fomentada por el capital, se mantuvo el dominio del capital, obstruyó su propuesta,
y construyó el camino para el retorno capitalista propiamente dicho. La escasa participación democrática
de la clase trabajadora en los procesos fundamentales de producción y la planificación no permitió generar
en ellos una experiencia que los formara en la producción con los nuevos valores de la sociedad como la
conciencia y responsabilidad en el trabajo, a esto se opusieron las decisiones impuestas por la burocracia.
Para Mészáros, (2009) mantener las estructuras heredadas del sistema jerárquico del capital, fue uno
de los grandes errores del socialismo del siglo XX, pues se mantuvo también el imperativo del tiempo del
capital en la temporalidad del proyecto socialista; se mantuvo la extracción de plustrabajo, ahora no por
medios dados solo por el mercado sino por medios políticos, lo que no permitió transformar la estructura
de mando jerárquica, explotadora y alienante del capital, este elemento ha sido fundamental en su fracaso, y
en la reestructuración del orden existente a favor del capital, y de esta forma, el capital continúo dominando
la reproducción social.
De esta experiencia se deriva el aprendizaje que explica que es una necesidad imperante la mediación
dinámica entre “la inmediatez del orden establecido y el futuro que se desenvuelve”, pues no puede darse
una transformación socialista exitosa sin una reestructuración radicalmente distinta; en caso contrario,
el proyecto será “subvertido por la inercia del pasado y las determinaciones del presente”. Por ello, para
Mészáros, lo central en el proyecto socialista es la “restitución de las alienadas fuerzas de control metabóli-
co social a los productores asociados” El proyecto socialista necesita del control del metabolismo social me-
diante el agente humano consciente y autodeterminante y para ello es necesario salir del marco estructural
del capital y sus determinaciones en la vida social (Mészáros, 1995, p.114-115).
2 Para el autor, no es posible denominar como “sociedades de socialismo realmente existente “ a los procesos que se dieron bajo
la permanente “emergencia” y estado de emergencia”, porque “el futuro compatible con su temporalidad decapitada es la tempo-
ralidad restauradora del capital” (Mészáros, 1995, p.115)
Para resumir nuestras divergencias: consideramos la ley del valor como parcialmente existente,
debido a los restos de la sociedad mercantil subsistentes, que se refleja también en el tipo de cam-
bio que se efectúa entre el estado suministrador y el consumidor; creemos que, particularmente
en una sociedad de comercio exterior muy desarrollado, como la nuestra, la ley del valor en escala
internacional debe reconocerse como un hecho que rige las transacciones comerciales, aun den-
tro del campo socialista y reconocemos la necesidad de que este comercio pase ya a formas más
elevadas en los países de la nueva sociedad, impidiendo que se ahonden las diferencias entre
países desarrollados y los más atrasados por la acción del intercambio. Vale decir, es necesario
hallar fórmulas de comercio que permitan el financiamiento de las inversiones industriales en los
países en desarrollo, aunque esto contravenga los sistemas de precios existentes en el mercado
mundial capitalista, lo que permitirá el avance más parejo de todo el campo socialista, con las na-
turales consecuencias de limar asperezas y cohesionar el espíritu del internacionalismo proletario
(el reciente acuerdo entre Cuba y la URSS, es una muestra de los pasos que se pueden dar en este
sentido). Negamos la posibilidad del uso consciente de la Ley del valor, basado en la no existencia
de un mercado libre que exprese automáticamente la contradicción entre productores y consumi-
dores; negamos la existencia de la categoría mercancía en la relación entre empresas estatales, y
consideramos todos los establecimientos como parte de la única gran empresa que es el Estado
(aunque, en la práctica, no sucede todavía así en nuestro país). La ley del valor y el plan son dos tér-
minos ligados por una contradicción y su solución; podemos decir que la planificación centralizada
es el modo de ser de la sociedad socialista, su categoría definitoria y el punto en que la conciencia
3 Mézsaros considera a Guevara como “un gran ser humano del siglo XX”, recupera su visión antiimperialista y su pensamiento
acerca de necesidad de combatir los antivalores del capital, así el llamado a la conciencia de la humanidad , dice: “Guevara no
vaciló en proclamar con gran claridad su desacuerdo principista con el curso de la acción seguido en la Unión Soviética —indi-
cando proféticamente que apuntaba en dirección a la restauración capitalista— aunque ese desacuerdo en voz alta acarreó que
se le tildara de hereje y hasta de aventurero” .
Mandel coincide en que no se trata de negar de la ley del valor porque esta sigue operando en la transi-
ción, pero considera que durante el periodo de transición se presenta una “lucha tenaz y a largo plazo entre
el principio del plan consciente y el juego ciego de la ley del valor”, y considera que durante esta lucha, el
planificador “puede y debe utilizar conscientemente la ley del valor” pero a diferencia de las posturas que
consideran que en el socialismo ésta debe permanecer , para Mandel, el uso de esta es solo parcial y con un
claro fin: “combatirla mejor en forma global” (Mandel, 2013, p.374). Advierte acerca de los riesgos del uso
de la ley del valor para guiar las inversiones ya que esto haría que se conserve en lo esencial la estructura
económica desequilibrada heredada del capitalismo.
Para Mandel , si bien se puede avanzar en la producción por estos medios, también es posible que
se presenten injusticias en el sistema de racionamiento dada; se generen distorsiones y especulación que
amenazarían la producción y desorganizarían el plan; de la generación de dos sistemas de precios se deri-
varían perturbaciones adicionales que no permitirían el funcionamiento armonioso porque se generaría
una tentación permanente para las empresas por desviar una parte de la producción destinada al mercado
racionado hacia el “mercado libre (Mandel, 2013, p.377). La lógica de precios “libres” que se determinan por
la oferta y la demanda presionarán a que la prioridad de las inversiones se determinen por la amplitud de la
demanda insatisfecha, lo que recrea la lógica económica del capitalismo, esto es, inversiones determinadas
por la ganancia derivada de la demanda solvente; mientras en el socialismo, las inversiones deben determi-
narse por prioridades “conscientemente elegidas según los criterios socioeconómicos socialistas”, a partir
de la planificación socialista, en donde el cálculo no se limita a la rentabilidad de cada unidad financiera
sino que la rentabilidad está pensada a escala de la nacional(Mandel, 2013, p.378).
Para Mandel, en la construcción de una economía que favorezca el aumento de la productividad del
trabajo en el marco de un sistema que determina centralmente los precios, salarios, inversiones y el plan
socialista, pueden conjugarse la organización interna del trabajo en la empresa y la cuestión del estímulo
material y moral, individual y colectivo. En el primer caso, el autor considera fundamental “perseguir el
fin” de colocar la dirección en manos de los trabajadores, ya que no se puede concebir el socialismo – y
mucho menos el comunismo – sin este “ejercicio de las funciones dirigentes por todos los trabajadores”, de
ahí la necesidad de determinar las etapas que conducirán a esto teniendo en cuenta el nivel de conciencia
y de calificación técnica de los trabajadores. Siguiendo a Lenin, el autor considera la necesidad de que los
sindicatos “se transformen en órganos de educación, de trabajo socialista, de toda la masa trabajadora , sin
excepción, de modo tal que la experiencia práctica de la participación en las funciones administrativas se
extienda , bajo el control de la vanguardia obrera, a las capas obreras más atrasadas”. En cuanto a la segunda
cuestión, Mandel manifiesta su confianza en que a partir de la práctica es posible maximizar la “capacidad
creadora y organizativa de la clase obrera” la que constituye una “fuente de aumento de la productividad
del trabajo de la clase obrera asociada(Mandel, 2013, p.378).
Respecto al debate entre estímulos materiales y morales, Mandel resuelve pensando a partir de la
dialéctica de fines y de medios, rechaza el uso de estímulos que no conducen al fin pero considera útil el
uso de estímulos materiales que son de naturaleza educativa y permiten elevar y no reducir la conciencia
socialista de los trabajadores, tal es el caso del estímulo al esfuerzo por el estudio a través de escalas sucesi-
vas o el estímulo material colectivo de distribución entre todos los trabajadores de una parte de los recursos
suplementarios obtenidos por mejorar rendimientos (Mandel, 2013, p.378).
Con respecto de estos debates, y recuperando la experiencia chilena, Theotonio Dos Santos se pregunta:
¿Cuándo comienza la transición al socialismo? Para Dos Santos, solo se habla de transición al socialismo
desde el momento en que “el poder pasa a la clase obrera”4. Explica que en Chile, durante el gobierno de
4 “Es un periodo excepcionalmente democrático en que se crean las condiciones para una democracia total”. (Dos Santos, 2009,
p.79)
El socialismo económico sin la moral comunista no me interesa. Luchamos contra la miseria, pero
luchamos al mismo tiempo contra la alienación. Uno de los objetivos fundamentales del marxismo
es eliminar el interés, “interés individual” y el lucro de las motivaciones psicológicas. Marx se preo-
cupa tanto de los factores económicos como de su repercusión en el espíritu, llama a esto “hecho
de conciencia”. Si el comunismo se desinteresa de los hechos de conciencia, podrá ser un método
de distribución, pero no será jamás una moral revolucionaria. (énfasis propio). (Guevara, 2013b,
p.243)
Para tornar esta noción operativa, refiere la necesidad de fomentar en los trabajadores el interés por
el trabajo a través de la formación técnica y política, invita a quienes trabajan en las empresas a aprender
a conocer lo que “tiene de interesante” o lo que “tiene de creador” su trabajo, a “conocer el más mínimo
secreto de la máquina o del proceso en el que nos toca trabajar” (Guevara, 2009, p.93). La importancia que
tiene cada persona en el campo y la ciudad en la lucha por sostener la revolución y transformar la realidad
es fundamental, por ello, el trabajo de cada uno es una “trinchera de la revolución”, el trabajo y la formación
técnica y política son las armas de defensa de la revolución y “el laboratorio experimental en donde la clase
obrera se prepara para las grandes tareas futuras de la conducción integral del país” (Guevara, 2009, 175).
Guevara restituía a los factores subjetivos, a la conciencia y a la voluntad de las mujeres y hombres
políticamente organizadas/os y de diversas luchas sociales, el carácter dinámico que les corresponde en la
transformación social (Suárez, 2013, p.42).Para Guevara, las esperanzas del sistema cubano están “apun-
tadas hacia el futuro, hacia un desarrollo más acelerado de la conciencia y, a través de la conciencia de las
fuerzas productivas” (Guevara, 2004, p.335).Esta es una de las grandes aportaciones al pensamiento lati-
noamericano por parte de Guevara, posicionar la importancia del sujeto en la historia y la importancia del
sujeto en la lucha de clases.
Para Guevara la conciencia del sujeto es fundamental en la construcción del comunismo, porque al fin
y al cabo, son hombres y mujeres quienes hacen la historia, de ahí la importancia de la nueva cultura en el
socialismo y la indisoluble relación entre el «El socialismo y el hombre nuevo». Este elemento está presente
EPÍLOGO:
Como se ha expresado a lo largo de esta exposición, el trabajo abstracto es una construcción histó-
ricamente determinada y por tanto históricamente superable. Su aniquilación supone la transformación
radical de la sociedad, lo que implica un proceso social en el que la participación social democrática es fun-
damental. En ese sentido, recuperado la frase de Ernesto Guevara “El socialismo económico sin la moral
comunista no me interesa”.
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Resumo: Este artigo tem o intuito de abrir novas frentes de investigação sobre a temática da violência na sua relação com o capital,
a partir dos princípios da historicidade, totalidade e a multideterminação. Neste sentido, parte-se do fenômeno na realidade, como
ele se apresenta na ordem do dia, para em seguida demonstrar que para além da aparência, existe uma base, historicamente, cons-
tituída que fundamenta essa expressão do real, ao mesmo tempo em que é por ela determinada. A partir destes pressupostos, com-
preende-se que a violência é um evento complexo, de difícil conceituação e que percorre a história da humanidade. Sendo assim,
entre outros aspectos, buscou-se apresentar uma concepção de violência que compactue com os princípios anteriormente apresen-
tados, relacionando violência, sistema do capital e trabalho assalariado.
Palavras-chave: Violência, sistema do capital, trabalho assalariado.
INTRODUÇÃO
Os eventos e fatos considerados violentos já viraram rotina no nosso dia a dia. Devido a isto, entre
outros fatores, é muito difícil conceituar o que é violência, principalmente, quando se considera a forma
como ela se apresenta e muitas vezes pelo fato de seu aspecto corriqueiro, ela acaba passando despercebida,
normalizada, naturalizada e banalizada. Neste contexto, o que se manifesta a todo momento é o líder indí-
gena assassinado por grileiros, mulheres violentadas, repressão policial na periferia, extermínio dos negros,
atuação de grupos milicianos, brigas entre alunos na porta da escola e por aí vai-se construído nossas ex-
periências em relação ao cotidiano violento do capitalismo tardio pandêmico2.
Apesar desta nossa proximidade com o fenômeno, poucas são as oportunidades em que se aprofunda
na discussão sobre o tema, explicitando suas características, fundamentos, relações, nexos causais e deter-
minantes, principalmente nos dias atuais, em que, ao mesmo tempo, vários fenômenos podem ser consi-
derados violentos e outros, que o são de fato, acabam passando despercebidos ou mesmo, escamoteados.
Neste sentido, compreende-se que, ao imergir neste objeto de análise, parte-se de uma estrutura social,
em que o real se apresenta e se organiza de maneira a ocultar a essência da realidade. Partindo deste pres-
suposto, acredita-se na coerência de um proceder científico, pautado em uma “totalidade rica de muitas
determinações e relações” (Marx, 2011, p.54), na historicidade e na ontologia, que possibilite a constituição
de uma epistemologia que procure elucidar a trama, que apresenta a realidade de uma maneira em que o
1 Este artigo se constitui em um extrato de uma pesquisa que está em desenvolvimento no Programa de Pós-graduação em
Psicologia da Faculdade de Educação na Universidade Federal de Goiás, na linha Processos Psicossociais e Educacionais, sob o
título “Violência e trabalho: possibilidades e implicações na subjetividade do trabalhador docente”.
2 Neste contexto, em que estas linhas estão sendo escritas, a banalização da violência faz com que ela se torne ainda mais im-
perceptível, já que, todas as tensões perpetradas pelo modo de vida desenvolvido pelo sociometabolismo do sistema capitalista
são escancaradas e legitimadas, em nome da máxima de que a economia não pode parar. Sendo assim, a partir de um olhar mais
atencioso, as desumanidades que nos deparamos neste momento, no Brasil, só encontram ressonância no capitalismo europeu
do século XIX. Ou seja, um período em que todo processo violento de exploração do capital é amplamente escancarado.
As relações de violência têm se tornado tão comuns, que já se tornaram um problema de saúde pú-
blica mundial (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 2014). No Brasil, além de você se deparar com
situações de violência na sua casa, no seu setor ou na sua cidade, existe todo um aparato jornalístico que
se beneficia de páginas “manchadas de sangue”, marcadas por homicídios, latrocínios, agressões, estupros,
atropelamentos, assaltos, entre outros. Deste modo, o que não falta é pauta para essa temática e o públi-
co, aparentemente, se deleita com esse tipo de notícia. Inclusive, as manhãs, tardes e noites da Tv aberta
no Brasil, estão recheadas desta programação, seja no âmbito regional ou nacional, com altos índices de
audiência.
[...] trata-se de um conjunto de programas que dão extrema visibilidade à violência presente em
nossa sociedade. Alguns dos programas mais característicos que seguem essa linha seriam, por-
tanto, o Brasil Urgente, da Rede Bandeirantes, o Cidade Alerta e o Balanço Geral da Rede Record,
e os extintos Repórter Cidadão da Rede TV!, Linha Direta da Rede Globo, Cadeia Alborgheti, da TV
Gazeta e Aqui Agora do SBT (Romão, 2013, p.32).
Nestes programas, apresentadores que mais parecem caricaturas (personagens grotescos), apresentam
noticiários policiais permeados por discursos com bordões espetaculares e sensacionalistas, que resolve-
riam o dilema da violência com mais violência e o que balizaria estes jargões seria a cultura do medo que
foi construída na contemporaneidade (OLIVEIRA, 2016). Segundo Teixeira (2016), edificou-se um mito
3 A ideia de fetiche da mercadoria ou reificação, em linhas gerais, no pensamento marxiano, seria o fato de os homens diante
das relações de produção capitalistas e da vida, se veem como valores, que se equiparam somente nas trocas, porque na vida
real o dispêndio de força de trabalho, qualitativamente e quantitativamente, jamais se igualaria entre um pedreiro e um padeiro.
Nesse quiproquó, os produtores de mercadorias (trabalhadores) se encontram cada vez mais perdidos na produções destas, pois
entre outros fatores, não dominam toda a produção, nem o planejamento do processo, ficando cada vez mais reféns de como
as mercadorias e a produção se apresentam na realidade imediata. Neste contexto, assim como, os homens desaparecem ou
se reconfiguram em outras coisas, nas relações reificadas, tem-se a ressignificação e a existência de seres humanos que são
subjugados a elas.
4 Nas críticas proferidas por Marx e Engels a seus adversários, seja no campo da filosofia ou da economia política, a expressão
“robinsonada” é usada em várias obras, no sentido de dizer que eles estão desenvolvendo análises equivocadas, que não com-
preenderiam a realidade como ela é, que estavam incorrendo em idealismo, na perspectiva de a realidade só existir na cabeça
dos indivíduos, ou seja, não condiz com a realidade objetiva.
5 Segundo Lukács (2013, p.43), ao vislumbrar desenvolver um estudo a partir do método marxiano, não se pode perder de vista que
“a anatomia do homem fornece a chave para a anatomia do macaco e para o qual em estágio mais primitivo pode ser reconstruí-
do – intelectualmente – a partir do estágio superior, de sua direção de desenvolvimento, das tendências de desenvolvimento”.
Disse em público que preferia um filho morto do que um filho gay. Exortou o encarceramento
e a morte de seu adversário de campanha; fez gestos simulando “fuzilar a petralhada” durante
um comício. Seu símbolo de campanha foi a morte: o gesto apontando arma de fogo (paginação
irregular).
Partido desta realidade, ao que tudo indica, esta violência não fica só nos programas televisivos, nos
discursos, pois, existem levantamentos que apontam o quanto é violenta a sociedade brasileira. Pois, o
Brasil é um país que se localiza na região considerada a mais violenta do planeta, que é a América Latina, e
não por acaso é o 9º colocado neste quesito7 a nível mundial. Para tentar compreender esta colocação basta
levantar apenas a taxa de pessoas que perderam suas vidas por mortes violentas (homicídios, suicídios e
acidente de trânsito) no país, em que os dados de 2018, apontam para um quantitativo equivalente a países
que estão em estado de guerra (Folha de São Paulo, 2018). Segundo a mesma matéria, 553 mil pessoas tive-
ram suas vidas interrompidas por esse motivo no últimos 11 anos, superando os 500 mil mortos da guerra
da Síria nos últimos 07 anos. O Atlas da Violência 2016, registrou uma elevação na taxa de homicídios no
país, batendo um recorde com 62.517 mortes, o que caracteriza 30,3 mortes para cada 100 mil habitantes.
Já o Atlas da Violência de 2020, apresenta uma queda no números de mortes por motivos violentos, no
entanto, o próprio documento destaca que alguns fatores podem contribuir para esta diminuição, entre eles
está a elevação de não detecção das causas das mortes por parte do Estado, ou seja, nos últimos dois anos
aumentaram o número de pessoas que não tiveram as causas das mortes registradas. Outro fator é a política
manipulação ou não fornecimento da dados oferecidos pelas secretarias de segurança públicas dos estados
federados. Inclusive o próprio estado de Goiás, de onde se fala, desde o início de 2019, é o único ente que se
nega a divulgar os dados relativos ao número de mortos pela polícia.8
Até aqui, incialmente, falou-se de apenas um tipo de violência, a tipicamente física. Outros tipos de vio-
lência são mais difíceis de se obter levantamentos, pois muitas vezes não são registradas, nem classificadas
6 Segundo Cioccari e Persichetti (2019), o congresso brasileiro, bom como as assembleias estaduais, de 2014 para 2018, carac-
terizou-se pela inserção de políticos com discursos conservadores, permeados por ódio aos seus opositores, bem como, a ideia
de resolução prática do problema da violência, “houve aumento de 25% no número de ex-policiais eleitos como deputados esta-
duais ou federais. O Diap mostra um aumento, na nova composição do Congresso Nacional, no número de parlamentares ligados
a segmentos mais conservadores – entre eles, militares, policiais, religiosos e ruralistas. Esses parlamentares defenderam, em
sua grande maioria, a revisão do Estatuto do Desarmamento, a redução da maioridade penal e a criação de leis mais rígidas para
punir crimes” (Cioccari e Persichetti, 2019, p.202).
7 Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (2019).
8 O Estado de Goiás, desde o início de 2018 não tem atualizado o número de pessoas mortas por violência policial e ainda se
recusa a divulgar os dados atualizados de 2019 (G1, 2020).
É comum que, convivendo-se durante várias horas por dia e fazendo atividades, nem sempre pra-
zerosas para todas as partes, algumas relações se tornem mais complicadas. Tal fato não é em si
um problema, mas pode se tornar caso o conflito gere relações violentas. A escola é um local onde
indivíduos são obrigados a conviver todos os dias, obedecendo a horários e a normas em comum
(Idem, p. 08).
No início a escola era “lugar de prazer”, agora, nem sempre tão prazerosa. E, ela vai além, pois, afirma
que tipos de violência relacionadas ao racismo e homofobia são causadas por conta da omissão da escola.
“A discriminação na escola não é apenas uma prática individual entre os alunos. São, principalmente, ações
e omissões do sistema escolar que podem contribuir para prejuízos na aprendizagem do aluno, influen-
ciando negativamente seu processo de construção” (Idem, p.10). Está aí, a ideia de que se criar um sistema
mais punitivo inibe a prática da violência. Ela está sendo influenciada pelo mito da violência apontado,
anteriormente, por Oliveira (2016), “A ampliação das penas reduz a violência”.
Mais adiante ela descobre a roda: “A discriminação a que são submetidas as pessoas em situação de
maior pobreza compromete a construção de um sistema educacional igualitário no sentido amplo” (Idem,
p.12). Aqui, ela atribui à discriminação social, ou seja, o fato de os filhos da classe trabalhadora serem
excluídos por serem pobres e não pelas condições objetivas reais (ter que trabalhar pra ajudar a família,
passar fome, não ter dinheiro pra comprar roupa, caderno, chinelo ou tênis, pra ir pra escola, não ter acesso
à internet, etc.), como se a discriminação social, a exclusão, o preconceito de classe, a qual estão sujeitos os
indivíduos da periferia do sistema, não partissem das próprias condições reais em que eles sobrevivem. E
ainda, a perspectiva de sistema educacional da autora esbarra no reformismo, pois como criar um sistema
educacional igualitário se a sociedade em que os sujeitos estão inseridos é desigual?
Para a autora, todas as formas de violência que ocorrem na escola acabam favorecendo a construção de
uma “cultura da violência”. Parece que quando não se quer aprofundar, esmiuçar ou explorar um situação,
e apresentar a realidade como ela é, não como aparenta, ou seja, escamoteá-la, é só colocar a palavra “cul-
tura” na frente da questão e está resolvido. Desta forma tem-se a “cultura do pobre”, “cultura da periferia”,
“cultura da violência” como se a cultura se explicasse por si só, abdicando assim, de toda a situação real
objetiva que constrói a vida. Como se a cultura determinasse a produção da vida em sua totalidade. Essa
forma de conceber a realidade, seria como construir uma casa começando pelo telhado, não compreendo
O caçador e o pescador, singulares e isolados, pelos quais começam Smith e Ricardo, pertencem
às ilusões desprovidas de fantasia das robinsonadas do século XVIII, ilusões que de forma alguma
expressam, como imaginam os historiadores de cultura, simplesmente uma reação ao excesso de
refinamento e um retorno a uma vida natural mal-entendida. Da mesma maneira que o contrato
social de Rousseau, que pelo contrato põe em relação e conexão sujeitos por natureza indepen-
dentes, não está fundado em tal naturalismo. Essa é a aparência, apenas a aparência estética das
pequenas e grandes robinsonadas. Trata-se, ao contrário, da antecipação da “sociedade burgue-
sa”, que se preparou desde o século XVI e que, no século XVIII, deu largos passos para sua maturi-
dade. Nessa sociedade da livre concorrência, o indivíduo aparece desprendido dos laços naturais
etc. que, em épocas históricas anteriores, o faziam um acessório de um conglomerado humano
determinado e limitado (Idem, 2011, p.39).
Partindo desta maneira de conceber a cultura, quando se fala em “cultura da violência”, dentro deste
contexto, proposto pela autora, o que nos vem à mente é sua “contraposição”, a “Cultura de Paz”. A “Cultura
de Paz” foi apresentada como um projeto da ONU (Organização das Nações Unidas), que é uma institui-
ção internacional, que surgiu no período pós-Segunda Guerra Mundial, no intuito de promover a paz, em
contraposição à barbárie praticada no referido conflito. Sua sede é nos Estados Unidos, bem com, o peso
de suas decisões e seus interesses circunscrevem aos ditames do capital.15 Através da UNESCO (sigla em
inglês para Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), a “cultura de paz” é
propagandeada pelo mundo através de projetos educacionais que visam a promoção desta concepção de
paz (UNESCO, 2003), (DEBARBIEUX & BLAYA, 2002). Inclusive a própria Abramovay, tem trabalhos
financiados por estes programas da ONU (ABRAMOVAY, 2002; ABRAMOVAY, 2006) e foi consultora do
Banco Mundial e do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD).
Neste contexto, este é o ponto de partida em que vão se delineando os conceitos de violência e de paz
que é proposta pela autora no seu manual contra violência. Concepção esta que é a expressão real de como
a questão se põe na ordem do dia. No entanto, quando se examina com critérios que vão para além da apa-
rência imediata, percebe-se que a realidade proposta pela autora tem um viés de falseamento, ocultamento
das determinações mais determinantes, pois parte de um realidade que está na cabeça dos seres humanos e
na aparência da realidade. Por isso, para compreendê-la é preciso distorcer a inversão que está na represen-
tação do real. E não pura e simplesmente na cabeça dos homens. Pois, ela propõe o fim da violência a partir
da cultura, ou seja, criando uma nova cultura, cria-se uma nova forma de delinear a realidade. Quando
Marx (2011), discute a relação entre produção, consumo, distribuição e troca, ele procura enfatizar que a
realidade se constitui de uma totalidade que possui meios ou elementos que não são idênticos em questão
de importância, mas são fundamentais na estruturação do todo. Sendo assim, dentro desse aglomerado,
existem elementos que são mais determinantes e preponderantes, ou seja, “diferenças dentro de uma uni-
dade” (Idem, p.53).
15 Incoerentemente, a cultura de paz é proposta pela UNO e seu nomeado Conselho de Segurança é composto por EUA, China,
Rússia, Reunido e França. Estes países, sob a hegemonia norte-americana concorrem entre si o direito de dominar e subjugar
econômica e belicamente os países que estão na periferia do sistema. Para Lindgren-Alves (2019), é uma piada de muito mau
gosto acreditar que a promoção dos princípios dos Direitos Humanos sejam propagados pelos EUA.
Dando continuidade às “robinsonadas” da autora, analisemos a sua ideia de “furto”, que para ela, está
relacionado ao “fruto do desejo”, “desordem pública”, “impunidade”, “quebra da cidadania”, com estas
denominações, pode-se entender que a violência dentro da escola não tem as mesmas motivações que ocor-
rem fora dela. Nesta ótica, a violência incorre de maneira individualizada, em que a culpa de todo o proces-
so, cai no sujeito. Como se todos os indivíduos da escola fossem ladrões potenciais e estivessem esperando
a oportunidade para que o sistema falhasse. Na visão hobbesiana da autora, o homem é mal por natureza16.
A violência seria um produto da subjetividade estática e naturalista do ser humano.
Quando a autora traz a discussão para o campo da cidadania, em que a violência romperia com vida
coletiva permeada pelo conceito: “quebra a cidadania”, ruptura com “convivência cidadã”, intencional ou
não, o conceito de cidadania, escorre pelo ralo, pois a condição de cidadão já existe desde o nascimento de
qualquer indivíduo, no entanto, ele não garante a apropriação do que é construído coletivamente, já que,
vive-se em um modelo social de classes, que excluem os sujeitos da apropriação do que é construído pelo
homem como ser genérico. Portanto, o fato de existência de uma escola que garantisse o exercício pleno da
cidadania burguesa, não garantiria o que Marx (2009), chamou de “emancipação humana” em contradição
à “emancipação política”, que se restringe à manutenção do direito à propriedade privada. Assim sendo, a
cidadania representa os interesses da emancipação política, carrega a ideia abstrata de coletivo, mas, na ver-
dade, garante valorização do homem individualizado, do homem egoísta que é “membro de uma soberania
imaginada, é roubado de sua vida individual real e repleto de uma universalidade irreal” (Marx, 2009, p.
51).
Em outras palavras esta cidadania que a autora vislumbra, e que segundo ela mesma, não se efetiva pela
violência na qual a escola se encontra submersa, é a garantia de efetivação da democracia burguesa, em que
o
[...] homem (não só um homem, mas cada homem) passa por ser soberano, por ser supremo, mas
é o homem no seu fenômeno insocial, incultivado, o homem na sua existência contingente, o ho-
mem tal como anda e está, o homem tal como (por toda a organização da nossa sociedade) está
corrompido, perdeu a si mesmo, se alienou, se encontra dado sob a dominação de relações e de
elementos inumanos – numa palavra, o homem que ainda não é um ser genérico real (Marx, 2009,
pp.58-59).
Diante deste homem individualista, egoísta, ela ainda ousa falar em uma educação que acaba desvian-
do seus sentidos de “implicações éticas”. Como é possível, falar de ética pra que está passando fome? Para
quem está sofrendo despejo de sua casa porque não tem condição de pagar o aluguel? Falar em ética para
um sujeito que puxa a carroça de materiais para a reciclagem no lugar do cavalo, numa sociedade em que
ele é tido como inferior ao cavalo? Neste caso, edifica-se a casa a partir do telhado, pois desconsidera as
premissas da existência humana, “[...] a saber, o pressuposto de que os homens têm de estar em condições
de viver para poder “fazer história”. Mas, para viver, precisa-se, antes de tudo, de comida, bebida, mora-
dia, vestimenta e algumas coisas mais” (Marx, 2007, pp.32-33). Portanto, para se chegar, a questionar uma
postura ética dos alunos, tem-se que aspirar, ao menos, a construção de uma trajetória histórica que rompa
com a “pré-história” em que estes sujeitos se encontram, inclusive os que já têm essas condições mínimas de
sobrevivência, do contrário, estar-se-á diante de uma situação “[...] na qual o filho gera o próprio pai – coisa
que já acontecia em Hegel” (Marx & Engels, 2011, p.22).
16 Thomas Hobbes, teórico europeu da segunda metade do século XVI, que na sua obra “Leviatã”, apresentou suas ideias que jus-
tificava o Estado Absolutista, pois, acreditava que os seres humanos eram naturalmente maus e que só um Estado autoritário e
absoluto poderia ordenar os interesses egoístas dos homens, através de um contrato social no qual os interesses dos homens
seriam administrados pelo Estado, evitando assim a guerra entre eles (Hobbes, 2003).
Partindo dos elementos da violência apontados anteriormente, tentaremos demonstrar que eles se so-
lidificaram a partir uma base fundada, desde sua gênese, em relações violentas. Neste sentido, na perspec-
tiva de apreender esta realidade, a sua dinâmica, bem como os determinantes mais determinantes deste
fenômeno, nos deparamos com os estudos históricos e antropológicos de Engels (2015), em que o autor
apresenta uma concepção de violência com base nos princípios do materialismo histórico-dialético. Assim
sendo, o pensador alemão (prussiano) efetiva sua elaboração a partir, da discussão de poder, tomando a
violência como um meio. Na verdade, o que ele almeja é provar e evidenciar o papel da violência na história
do ser humano, em detrimento da não centralidade do poder político como determinante dos rumos da
humanidade, noção essa que “dominou a concepção passada de história” (Engels, 2015, p.188), portanto,
sua pretensão é apresentar uma nova concepção de história que conceba os fatos históricos como produto
Assim pois, antes de se instituir a escravidão, para que seja mesmo possível, é essencial que a
produção tenha alcançado já um certo grau de progresso e que, na distribuição, tenha sido atin-
gido um certo grau de desigualdade. E, para que o trabalho dos escravos possa converter-se em
regime de produção predominante em toda sociedade, é preciso, que nesta, a produção, o co-
mércio e produção de riquezas tenham se desenvolvido num grau muito superior. Nas primitivas
comunidades naturais, organizadas sobre o regime da propriedade coletiva do solo, ou não pôde
a escravidão existir, sob nenhuma forma ou, então, desempenhou esta instituição papel muito
secundário. Acontecia o mesmo na antiga Roma, quando esta era uma cidade de camponeses.
Mais tarde, ao converter-se em uma “cidade universal”, e ao concentrar a propriedade privada do
solo da península itálica, cada vez mais intensamente nas mãos de uma classe pouco numerosa
de proprietários de terra riquíssimos, a primitiva população de camponeses cedeu lugar a uma
população de escravos (Engels, 2016, p.21).
Após esta afirmação, no intuito de não cair em uma análise determinista, primeiramente, deve-se con-
siderar que, assim como, a economia põe outras instâncias da vida, a vida põe a economia, sem deixar de
ressaltar que o aspecto econômico que constitui determinada sociedade, no âmbito do pensamento mar-
xiano, compreenderia as formas pelas quais os sujeitos se organizam nesta, para produzir os bens materiais
e imateriais necessários a sua sobrevivência, bem como, a produção e reprodução do sistema em que estes
estão inseridos.
A partir do que foi apresentado, compreende-se que a violência possui um caráter, exclusivamente
humano (Vásquez, 2011), e, é produto das relações homem-natureza e homem-homem, não se limitando
a subjetividade ou objetividade, ou seja, em sua constituição existe uma relação de inerência, entre estes
elementos. Pois, acredita-se que o que é da subjetividade, é determinado pela objetividade, assim como, o
que é objetivo é produto da subjetividade. Partido desta lógica, acredita-se que a violência do homem para
com outro homem não é algo intrínseco à natureza do ser humano especificamente, visto que, considera-se
a constituição do homem na sua integração entre natureza e sociedade, biológico e social (cultural).
17 A concepção de ideologia que se trabalha aqui é a apresentada por Marx e Engels (2007), (2010), em textos como “A sagrada fa-
mília” e “A ideologia alemã”, em que, os autores apresentam uma relação entre ciência e ideologia, na qual, esta última apresenta
a realidade naturalizando-a no sentido de ocultamento de sua essência, em um processo de falseamento do real, que é concreto
e objetivo, mas devido a este caráter se apresenta disforme. Já a ciência, teria um compromisso com a verdade apanhando todo
o desenvolvimento histórico da realidade, verificando seus nexos causais e suas tendências de desenvolvimento, buscando
apresentar a realidade como ela realmente é.
A procura por homens regula necessariamente a produção de homens assim como de qualquer
outra mercadoria. Se a oferta é muito maior que a procura, então uma parte dos trabalhadores cai
na situação de miséria ou na morte pela fome. A existência do trabalhador é, portanto, reduzida à
condição de existência de qualquer mercadoria. O trabalhador tornou-se uma mercadoria e é uma
sorte para ele conseguir chegar ao homem que se interesse por ele. E a procura, da qual a vida do
trabalhador depende, depende do capricho do rico capitalista (Idem, p.24).
Desdobrando esse entendimento, pode-se afirmar que a relação social do assalariamento, aliena o su-
jeito da condição humana, subtrai sua forma de ser, obriga-o a levar a vida para obter um salário, seja no
fim do mês, por semana, por hora, por entrega ou corrida, como é mais comum hoje em dia, se torna um
sacrifício, um morticínio parcelado. Segundo Marx (2010), na relação de trabalho assalariado “O trabalha-
dor sofre em sua existência” (p.25).
Dessa peleja em que o trabalhador se enrosca, surge uma relação de dependência em que quando a con-
dição é favorável ao capital, ou seja, maior ganho deste, o trabalhador disfruta sofrimento, quando a coisa
aperta e os ganhos do capital reduzem, o que sobra pra ele é miséria.
E isto é real, no entanto, o emaranhado deste contexto não é evidenciado ou desvelado. O que acaba não
transparecendo a realidade como ela realmente é, o que representa um momento do processo de domina-
ção que compõe o aparato ideológico.
A partir deste mecanismo, muitas vezes, a violência tem sido dissimulada, pois, segundo Vásquez
(2011), em uma sociedade de classes, como a capitalista, a violência pode se manifestar de modo real e
18 Para não incorrermos em um anacronismo histórico, deve-se considerar os contextos em que se constituíram a escravidão na
antiguidade, na era moderna e nos dias atuais.
Na história da acumulação primitiva, o que faz época são todas as revolucionamentos que servem
de alavanca à classe capitalista em formação, mas acima de tudo, os momentos em que grandes
massas são despojadas súbita e violentamente dos seus meios de subsistências e lançadas no
mercado de trabalho como proletários absolutamente livres (Idem, p.787).
A violenta expropriação e expulsão dos camponeses de terras que não tinham escrituras (comunais)
ou endividadas, no chamado processo de cercamentos e clareamentos19 contribuiu diretamente para que
um excedente de mão de obra se constituísse nos meios urbanos. Este evento “fez da Grã-Bretanha um país
de alguns grandes proprietários, um número moderado de arrendatários comerciais e um grande número
de trabalhadores contratados (...)” (Hobsbawn, 2017, p. 89). Depois de sair da opressão do Ancien Régimen,
os servos, agora transformados em trabalhadores livres, são introduzidos em uma sociedade, na qual, as
formas de violência, na realidade são muito mais incisivas na perspectiva da subjugação.
Estes fatos, contribuíram diretamente para a constituição de um exército de reserva, do qual, os capita-
lista poderiam disfrutar a seu bel-prazer, explorá-los e acumular capital. Para a sua efetivação, foram imple-
mentadas violentas condições históricas de exploração, no intuito de perpetuar do movimento do capital,
uma delas é chamada de “lei geral da acumulação do capital”, que se baseia no fato de quanto mais o capital
se acumula, mais trabalhadores pobres e empobrecidos se verifica. Num movimento que tende a expandir
o próprio capital, consequentemente, o capital variável20 e a “superpopulação relativa” de potenciais traba-
lhadores. No entanto, a implementação do capital variável não representa proporcionalmente o aumento de
trabalhadores empregados, e sim a intensificação da exploração dos que já estão nos postos de trabalho e a
19 Esses movimentos foram formas de expulsar os camponeses da terra, incialmente, estes eram violentamente expulsos das
terras, que do dia para noite eram cercadas e através de esquemas “legais” eram apropriadas por pessoas abastadas. Os cla-
reamentos como diria Marx (2013), foram uma forma de varrer os seres humanos do campo, e substituí-los por ovelhas. Ambos
foram muito comuns na Inglaterra dos séculos XVI ao XIX.
20 Segundo Marx (2013), o capital no seu movimento de reprodução, especificamente, no momento da produção ele se converte em
meios de produção (matéria-prima, instrumentos, maquinas), esta parcela ele denominou capital constante, pois, “não altera sua
grandeza de valor no processo de produção” (Idem, p.286). Uma outra parte do capital se metamorfoseia em força de trabalho.
Esta parcela “não só reproduz o equivalente do seu próprio valor, como produz um excedente, um mais-valor, que pode variar
sendo maior ou menor de acordo com as circunstâncias” (Idem, p.286). Daí a ideia de capital variável.
O que é verdadeiro para Londres também é para Manchester, Birmingham e Leeds – é verdadeiro
para todas as grandes cidades. Em todas as partes, indiferença bárbara e grosseiro egoísmo de
um lado e, de outro, miséria indescritível; em todas as partes, a guerra social: a casa de cada um
em estado de sítio; por todos os lados, pilhagem recíproca sob a proteção de lei; e tudo isso tão
despudoramente e abertamente que ficamos assombrados diante das consequências das nossas
condições sociais, aqui apresentados sem véus, e permanecemos espantados com o fato de este
mundo enlouquecido ainda continuar funcionando (Engels, 2010, p.68).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir deste contexto, da história, o que se sabe, com o estabelecimento da burguesia como classe do-
minante, é violência para se manter no poder e para a realização do violento ciclo do capital e o que temos é
a continuidade da “pré-história da humanidade”. Fundamentado nesta base violenta, a partir do século XX,
esse “homem pré-histórico” será submetido e cometerá uma série de atrocidades, em que o fim é exclusiva-
mente a manutenção da sociedade do capital. Entre outros eventos pode-se destacar duas grandes Guerras
Mundiais, Revolução Russa, Cubana, Guerra Fria, implantação de ditaduras na América latina, África,
Oriente Médio, etc. Tudo isso, acompanhado de crises cíclicas do sistema, onde o fardo mais pesado está, na
maioria das vezes, no lombo da classe trabalhadora. Além do mais, para o sistema se restabelecer, métodos
e modelos de ampliação de mais-valia21 são implantados e implementados como Taylorismo, Fordismo,
Toyotismo e neoliberalismo.
Essas formas de violência mais recentes do capital (Toyotismo e Neoliberalismo)22 serão responsáveis
pela constituição de um “novo homem produtivo”, produto de uma ideologia orgânica do capital, “capaz de
21 A mais-valia, segundo Marx (2013), se compõe da parte do valor produzido pelo trabalhador que é usurpada pelo capitalista, ou
seja, no processo produtivo, de tudo que é criado pelo produtor da riqueza (trabalhador), apenas o valor mínimo, suficiente para
a subsistência (trabalho necessário) é devolvido ao produtor da riqueza. Ou seja, pago ao trabalhador na forma de salário. O
restante é apropriado pelo proprietário dos meios de produção na figura do capitalista. Não obstante, Marx (2013), afirmar que
a mais-valia se configura em um roubo, portanto, violência.
22 A partir da lógica de reconfiguração do capital, ou seja, esse sistema que, diferentemente dos modos de produção que o ante-
cederam, diante de uma crise, até agora, tem conseguido se reestruturar, com a crise do modelo de produção taylorista-fordista
entre os anos 1960-1970, um novo modelo de gestão da produção, mais eficaz, no sentido da exploração, passou a ser imple-
mentado com o toyotismo e suplementado político-ideologicamente, com as medidas neoliberais.
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Resumo: O presente texto apresenta elementos teórico-analíticos sobre o orçamento das políticas da seguridade social como forma
de subsidiar a reflexão no campo particular da saúde. Assim, levantamos reflexões sobre o padrão de financiamento público e os
gastos com serviços sociais. Pode-se observar que cada vez mais o Estado tem drenado receitas da saúde, previdência e assistência
para honrar o pagamento com serviços da dívida pública, ocasionando abalos catastróficos na proteção social. O artigo está dividido
em três partes: a primeira tratará sobre a categoria fundo público e as disputas pelo orçamento estatal; a segundo discorrerá sobre
os impactos da financeirização sobre os direitos da seguridade social; e, por último, a terceira visa expor o quadro crônico de subfi-
nanciamento estrutural do sistema único de saúde. Argumenta-se que o sistema único de saúde no Brasil tem ficado cada vez mais
refém das ofensivas privadas, abalando fortemente o Projeto de Reforma Sanitária e invertendo a lógica entre o campo público e
privado: o segundo deixa de ser complementar e passa a ocupar o lugar do SUS na provisão dos serviços relativos à atenção a saúde
da população. Defendemos, todavia, que um SUS 100% público, estatal e de qualidade é possível, razão pela qual não caímos no dis-
curso falacioso neoliberal de que os recursos disponíveis são incompatíveis com os direitos sociais universais.
Palavras-chave: Fundo Público. Orçamento Público. Seguridade Social. Sistema Único de Saúde.
INTRODUÇÃO
Vivemos em um contexto histórico de grandes desafios para a universalização dos direitos sociais em
todo o planeta. Trata-se de um período marcado pela entrada do capitalismo em uma onda longa de caráter
recessivo (Mandel, 1982) que impõe sobre a sociedade medidas regressivas, conservadoras e contrarrefor-
mistas. Desde os anos 1970, esse fenômeno tem ficado cada vez mais evidente, levando-se em consideração
a queda das taxas de lucro, em especial dos países do centro capitalista1, e de uma tímida elevação das taxas
de crescimento nos anos posteriores. Tal fato desencadeou reações das burguesias que, atemorizadas pelo
receio de perder seu poder de dominação, direcionaram sua atuação na reestruturação produtiva, valendo-
-se da ideologia neoliberal e garantindo os meios para financeirizar a economia (Netto; Braz, 2012), o que
tem gerado fortes impactos sobre os direitos sociais e as condições de vida da classe-que-vive-do-trabalho
– na expressão de Antunes (2015)
Evidentemente, a classe trabalhadora não se manteve passiva diante das consequências abertas pelas
chamadas medidas de “ajuste estrutural”. Aqui, “[...] nos encontrávamos em uma correlação de forças não
1 Os dados apresentados por Netto e Braz (2012, p. 225) entre os anos 1968 e 1973 relativos a taxa de lucro das principais
potências capitalistas são figurativos nesta direção: entre esses anos “ela cai, na Alemanha Ocidental, de 16,3 para 14,2%, na
Grã-Bretanha, de 11,9 para 11,2%, na Itália, de 14,2 para 12,1%, nos Estados Unidos, de 18,2 para 17,1% e, no Japão, de 26,2 para
20,3%”.
A Constituição Federal de 1988, além de determinar que o orçamento fiscal também financiará as
políticas de previdência, saúde e assistência, assegurou receitas vinculadas para a seguridade social prove-
nientes de tributação específica sobre receitas e sobre faturamento de empresas, as chamadas contribuições
sociais. Em nossa acepção, isso é um avanço em relação a lógica securitária que prevalecia anteriormente,
pois permitiu que os recursos para a seguridade social não ficassem a depender única e exclusivamente da
folha salarial, abrangendo maior números de pessoas, visto que no Brasil o emprego nunca foi a regra no
que diz respeito o mercado de trabalho (Boschetti, 2008).
Entretanto, estudos têm apontado que a política fiscal conduzida pelo Estado desde os anos 1990 tem
causado efeitos perversos sobre o financiamento da seguridade social (Salvador, 2010, 2012; Gentil, 2019,
Boschetti e Teixeira, 2019). Em outras palavras: há um intenso processo de desfinanciamento deste sistema
de proteção social a partir de políticas de ajustes fiscais que priorizam o pagamento dos serviços da dívida
pública (juros + principal), tanto interna quanto externa.
No campo da administração orçamentária e financeira, a dívida pública compõe as despesas financei-
ras do Estado, que se refere a todos os encargos relativos às finanças, canalizando a maior parte da execução
de verbas na totalidade do Orçamento Geral da União (OGU). No campo das despesas primárias, está todo
o rol de encargos que possibilita a oferta de serviços públicos à população, com destaque para as políticas
sociais. O governo realiza essa divisão para organizar, planejar e fiscalizar as contas públicas com maior
eficiência, efetividade e eficácia. Em nosso país a esfera orçamentária está determinada da seguinte manei-
ra: Orçamento Fiscal - Orçamento da Seguridade Social - Orçamento de Investimento.
O fundo público se forma a partir de uma punção compulsória – na forma de impostos, contribui-
ções e taxas – da mais-valia socialmente produzida, ou seja, é parte do trabalho excedente que se
metamorfoseou em lucro, juro ou renda da terra e que é apropriado pelo Estado para o desempe-
nho de múltiplas funções. [Assim], atua na reprodução do capital [...], e na reprodução da força de
trabalho. (BEHRING, 2010, p. 20)
Na esteira da reflexão apresentada por Behring (2010) e Oliveira (1988), entendemos que o fundo pú-
blico envolve relações sociais e disputas, tanto em sua conformação (extração) quando em sua distribuição
(alocação), o que envolve lutas de classes. Na medida em que o orçamento é a manifestação mais visível do
fundo público, ele deve ser compreendido não apenas como mecanismo de “[...] estruturação contábil, [pois
reflete] a correlação de forças sociais e os interesses envolvidos na apropriação dos recursos públicos, bem
como a definição de quem vai arcar com o ônus do financiamento dos gastos orçamentários.” (Salvador,
2012).
A ferramenta da punção compulsória é o sistema tributário e não diz respeito apenas ao mais-valor ma-
nifesto na forma trinitária (lucro, juro e renda da terra), mas também o quantum de trabalho socialmente
necessário declarado no salário. Em sistemas onde prevalecem a tributação sobre os produtos e serviços,
isto é, com incidência no consumo, o fundo público é majoritariamente composto pelo trabalho necessá-
rio. Este tipo de tributação regressivo permite com que o capitalista transfira o ônus para os trabalhadores
na ponta da comercialização, elevando o preço relativo de suas mercadorias, ou seja, há uma insidiosa
“exploração tributária” dos trabalhadores (O’Connor, 1977). Cabe destacar que, inobstante os generosos
abatimentos, dividendos e gastos tributários concedidos largamente pelo Estado ao setor privado, inexiste
no Brasil a tributação sobre grandes fortunas que, embora esteja prevista constitucionalmente, mofa no
Congresso Nacional há mais de 30 anos.
Buscamos apresentar elementos fundamentais para o conhecimento do financiamento das políticas
sociais brasileiras a partir do fundo público e de sua principal expressão: o orçamento. Fica claro que este
envolve disputas que perpassa os interesses das classes sociais. Ao passo que as forças ligadas ao trabalho
reivindicam o orçamento para a atenção de suas necessidades humanas, os grupos ligados ao capital visam
canalizar vultosos recursos para sustentar a acumulação de capital, com destaque para o capital portador
de juros que assume a forma fictícia buscando “[...] ‘fazer dinheiro’ sem sair da esfera financeira” (Chesnais,
2005). A seguir, vamos expor os principais mecanismos de ajuste fiscal, sustentáculos da atividade rentista
que retiram recursos da seguridade social brasileira. Logo após, vamos nos debruçar sobre os impactos no
sistema único de saúde (SUS).
Desde os anos 1990 o Brasil tem priorizado o pagamento com os serviços da dívida pública, compro-
metendo-se a realizar constantes superávits primários no orçamento fiscal brasileiro, onde os governantes
têm maior maleabilidade administrativa. Desta forma, todos os governos de lá para cá têm imposto sobre
os direitos sociais “ajustes fiscais” que visam equilibrar as contas públicas. Entretanto, defendemos que tais
políticas de austeridade visam, na verdade, sustentar a atividade rentista 2que, desde a década de 1970, está
“[...] localizado no centro das relações econômicas” (Chesnais, 2005, p. 36).
Um dos mais relevantes mecanismos de extorsão das receitas da seguridade social tem sido a
Desvinculação de Receitas da União (DRU). Antigo Fundo Social de Emergência (1993) e, depois, Fundo de
Estabilização Fiscal (1996), a DRU recebeu este nome no ano 2000, tendo sido prorrogada sucessivas vezes
com algumas modificações. Em 2016 houve a aprovação da, agora, Emenda Constitucional nº 93 que adia o
fim da DRU até 2023 e aumenta alíquota de 20% do total de receitas para 30%, passando a incidir também
em taxas. São recursos que deixam de compor o orçamento da seguridade social e que, uma vez desvincu-
ladas, são direcionadas para os detentores dos títulos da dívida pública.
O gráfico 1 a seguir foi elaborado por nós com base nos dados do relatório o divulgado anualmente
pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais (ANFIP, 2018) sobre a seguridade social no Brasil. Os dados
estão deflacionados pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor – INPC, a preços de dezembro de 2018.
Entre os exercícios de 2007 a 2009, o montante de verbas drenado para o orçamento fiscal permaneceu
em queda, com um aumento tímido em 2010, que totalizou 74,5 bilhões. De 2011 a 2014, a média foi de 83
bilhões em receitas desvinculadas, com uma queda expressiva no montante em 2015, que neste ano somou
72,5 bilhões. Contudo, fica visível o aumento da rapinagem de receitas a partir de 2016 que, entre este ano
e 2018, totalizou uma média de aproximadamente 116 bilhões de recursos surrupiados.
Gráfico 01
O que contribuiu para a pilhagem das receitas que deveriam subsidiar as políticas sociais da seguridade
social, além da prorrogação da DRU, foi a aprovação do Novo Regime Fiscal – NRF instituído pela Emenda
2 Diante da queda de rentabilidade do capital investido na indústria por conta da crise capitalista desenfreada nos anos 1970, os
capitalistas se lançaram a caça de nichos de valorização para o capital retido em caixa. Estes capitalistas, denominados “inves-
tidores institucionais”, utilizaram o lucro não reinvestido e a poupança disponível em aplicações financeiras que rendiam juros
e dividendos a partir do êxito da especulação financeira.
Gráfico 02
A dívida pública brasileira não tem diminuído nos últimos anos. Pelo contrário, ela tem aumentando
significativamente e, neste movimento, tem exigido por parte do Estado mais recursos. Segundo os dados
do gráfico, a função previdência social consumiu 25,25% do montante, sendo o segundo maior dispêndio
dos cofres públicos. Isso se deve ao fato de ser uma política de caráter contributiva regida por legisla-
ções mais rígidas, o que a coloca no centro das contrarreformas. Ainda segundo o gráfico, nota-se que as
transferências aos entes subnacionais tem consumido 10,44% do orçamento, isso porque o pacto federativo
brasileiro prevê a descentralização fiscal de recursos visando garantir maior democratização da gestão
pública e melhor fornecimento de serviços. No que se refere a assistência social, vemos que das políticas de
seguridade ainda é a que possui menos recursos. Com 3,42%, ela continua se afirmando como uma polí-
tica focalizada cujos efeitos sobre os usuários têm fomentado procedimentos vexatórios para o acesso aos
benefícios, seja de transferência de renda condicionada ou serviços sociais. O caso da saúde, com 4,21% é
Uma das grandes conquistas da classe trabalhadora na Constituição Federal de 1988, foi a institucio-
nalização de um sistema único de saúde público, universal e gratuíto. Este sistema, o SUS, traz proposta
para a universalização dos serviços de saúde, sendo radicalmente distinto do que tínhamos anteriormente.
Nesse sentido, foi fundametal o papel do movimento de Reforma Sanitária que, gestado no seio da ditadura
empresarial-militar, questionou a natureza da política de saúde no Brasil, à época vinculada as contribui-
ções previdenciárias.
Segundo Áquilas Mendes e Leronardo Carnut (2020), a traajetória do SUS no Brasil tem sido marcada
pela persistência em reduzir os montantes de seus recursos, levando-os a concluir que existe um subfinan-
ciamento estrutural deste sistema. Os autores nos lembram que o art. 55 das Disposições Constitucionais
Transitórias da CF de 1988 assegura a aplicação de 30% das receitas destinadas a seguridade social para a
saúde, infelizmente nunca concretizado no país.
Trata-se de reconhecer a histórica fragilidade financeira do SUS, de forma mais ampla, por meio
de insuficiência de recursos e do baixo volume de gastos com recursos públicos; de indefinição
de fontes próprias para a saúde; de ausência de maior comprometimento do Estado brasileiro
com alocação de recursos e com melhor distribuição de recursos no interior do Orçamento da
Seguridade Social (saúde, previdência e assistência social); das elevadas transferências de re-
cursos ao setor privado via recursos direcionados às modalidades privatizantes de gestão (OSs,
Oscips, Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) e Fundações Estatais Públicas de
Direito Público/Privado com contratos celetistas). Todas incentivadas pela implementação da Lei
de Responsabilidade Fiscal 3(em vigor há 19 anos) que limita o aumento do gasto com pessoal, fa-
vorecendo o incremento das despesas com serviços de terceiros. (MENDES; CARNUT, 2020, p. 24)
De acordo com Bravo, Pelaez e Pinheiro (2018, p. 9 - 10), existem disputas que visam direcionar os
caminhos da saúde pública no Brasil. Os autores identificam três projetos que tem travado lutas pela he-
gemonia neste campo da proteção social: 1) o Projeto de Reforma Sanitária, edificado a partir das bases de
lutas populares sindicais “[...] pelo direito à saúde, [com] posicionamentos críticos às limitações do modelo
médico assistencial previdenciário”; 2) o Projeto Privatista, que brotou do regime empresarial-militar que
perdurou durante 21 anos, “[...] tem sua lógica orientada pelas regras de mercado e fundamentada na ex-
ploração da doença como sua principal fonte de lucros”; e, por último, 3) o Projeto de Reforma Sanitária
Flexibilizada que, orientado pela política fiscal macroeconômica das agências multilaterais, como o Banco
Mundial, “[...] adquire contornos próprios em meio às contradições inerentes à implementação do SUS no
contexto de reconfiguração do Estado brasileiro e progressivo desmonte e subfinanciamento das políticas
públicas.”
Os autores destacam que este último projeto tem ganhado fôlego nos últimos anos, o que tem in-
vertido o papel do SUS pela sua subsunção total ao mercado. Este fenômeno tem sido denominado
3 A controversa Lei Complementar nº 101 de 2000, Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, tem divido opiniões entre os analistas
das finanças públicas e das ciências humanas. Na impossibilidade de discorrermos sobre este importante mecanismo de contro-
le dos gastos em todas as esferas da gestão pública, destacamos apenas que se trata de uma ferramenta que visa a realização
de poupança com o objetivo de honrar os serviços da dívida pública, tendo sido criada no governo Fernando Henrique Cardoso
no contexto de ajuste fiscal sob tutela do Fundo Monetário Internacional. Assim, a LRF condiciona a direção do orçamento geral
da união desde sua vigência elencando o que deve ou não ser priorizado.
Nosso objetivo ao longo do texto foi apresentar elementos que pudessem subsidiar reflexões acerca do
padrão de financiamento público e os gastos com a política sociais e como estes têm sido drenados para os
serviços da dívida. Além de se extrair recurso de forma desigual da sociedade pela via do sistema tributário
regressivos que temos – embora esta não seja a única, mas a principal – a distribuição desses recursos não
tem sido direcionados para suprir as necessidades da classe trabalhadora.
Embora tenhamos conquistado um sistema de seguridade social que avança na lógica de seu financia-
mento, e que inscreve em seu interior três políticas sociais: saúde, previdência social e assistência, estudos
tem demonstrado que a política de ajuste fiscal conduzida pelos governantes tem causado a ruína da pro-
teção social brasileira. Contudo, como buscamos aludir, a política de ajuste fiscal não visa equilibrar as
contas públicas, mas diminuir a ação estatal junto as necessidades do campo do trabalho e, assim, garantir
largo terreno para atuação rentista. Tal atividade ganhou proporções gigantescas diante da crise do capital
detonada nos anos 1970, favorecida pela liberalização financeira. Esta conjuntura, colocou países inteiros
na mão dos chamados “investidores institucionais”, capitalistas que vivem de aplicações financeiras, em
especial nos títulos de propriedade do Estado.
O impacto da atividade rentista tem tido efeitos devastadores para os direitos sociais e na vida de con-
tingentes populacionais inteiros, determinando a vida de milhões de pessoas que vivem da venda de sua
força de trabalho. No campo da saúde brasileira, vemos crescer o espaço de atuação dos seguros privados
de saúde que, não obstante vender os serviços que deveriam ser gratuitos pelo SUS, também se utilizam
dos recursos retidos em caixa em aplicações financeiras de todo o tipo na busca incessante por liquidez e
valorização de seu capital.
Como não é objetivo do grande capital dar fim ao SUS, mas inverter a lógica da complementaridade.
Os últimos governos têm apresentados propostas módicas de planos de saúde para a população de baixa
renda, além dos diversos tipos de microcrédito. O governo ilegítimo de Michel Temer, por exemplo, que
subiu ao poder a partir de um golpe jurídico, midiático e parlamentar, apresentou os planos de saúde aces-
síveis, direcionados para famílias de menor poder aquisitivo, incentivando o descrédito do SUS e seu papel.
Destacamos também a revisão da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) que excluiu a participação
do Conselho Nacional de Saúde e a sociedade civil dos espaços de decisão4.
Tamanho ataque a saúde pública, em especial ao seu orçamento, levou o Consellho Nacional de Saúde –
CNS a reprovar o Relatório Anual de Gestão – RAG, do exercício de 2016. As razões que levaram a inédita
ação dizem respeito ao descumprimento da aplicação mínima de 15% da RCL, não pagamento dos restos a
pagar de 2015, além de outros itens. No que tange a EC 95, o CNS estima que a saúde perdeu 20 bilhões de
recursos em 20195 decorrentes da limitação estabelecida pelo teto de gastos.
O governo Bolsonaro não rompe com a tendência descrita acima. Lembremos que em 2019 a cúpula
tentou manobrar os repasses de recursos fundo-a-fundo para os municípios com base na população cadas-
trada pelas equipes de Saúde da Família e de Atenção Primária6. Poderíamos citar inúmeras outras me-
didas que visam atacar o direito a saúde pública universal garantida pelo SUS. No entanto, o que estamos
evidenciando é que o desmonte deste importante sistema é, sem dar lugar a dúvida, um projeto. Trata-se,
do projeto privatista que, nas artimanhas da política, visa no máximo conciliar com propostas flexíveis. O
cerne está em transferir a responsabilidade em atender a população com equidade, igualdade e gratuidade,
4 Para um balanço das contrarreformas na política de saúde no governo Temer, ver (BRAVO; PELAEZ; LIMA; SOUZA, 2019) e
(BRAVO; PELAEZ; PINHEIRO, 2018)
5 Ver: <https://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/1044-saude-perdeu-r-20-bilhoes-em-2019-por-causa-da-ec-95-2016>
Acesso em 07.09.2020.
6 Ver: < https://www.redebrasilatual.com.br/saude-e-ciencia/2019/12/nao-e-boato-bolsonaro-corta-recursos-sus/> Acesso em
07.08.2020.
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Patrícia Maeda
Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região
Elinay Ferreira
Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região
Resumo: O neoliberalismo e a reestruturação produtiva conformam as relações de trabalho como um todo, que se tornam tempo-
rárias, precárias, com a lógica de competição em detrimento da cooperação. O stress ocupacional foi cientificamente constatado
no início dos anos 2000 para juízes do trabalho. O neoliberalismo e a reestruturação produtiva impactam na forma de organizar o
serviço público à superposição de princípios da celeridade e da eficiência sobre princípios como acesso à justiça e direito de ação
constitucional. Assim, para muitos, a atividade jurisdicional deixa de ser criativa e realizadora para se tornar algo mensurável quan-
titativamente. A ideologia da produtividade numérica, o controle constante por meio eletrônico e a concorrência entre unidades judi-
ciárias são fatores da nova organização do Poder Judiciário Trabalhista que propiciam um ambiente favorável ao assédio moral e ao
adoecimento de juízes e servidores.
CONTEXTO HISTÓRICO
A violência moral no trabalho sempre existiu. No entanto, os primeiros estudos específicos sobre assé-
dio moral no trabalho surgiram na década de 1990, quando Leymann conceituou-o como sendo um terror
psicológico no local de trabalho (Barreto, 2013). Nossa hipótese é a de que as transformações nas formas de
organização do trabalho nas últimas décadas no contexto global potencializaram a propagação do assédio
moral.
No período pós-Segunda Guerra Mundial até meados da década de 1970, o capitalismo experimentou
uma fase de quase pleno emprego e crescente taxa de lucro, chamada de “Trinta anos Gloriosos”. Por di-
versos motivos, cuja explanação extrapola este capítulo, a taxa de lucro passou a diminuir e um marco his-
tórico dessa crise do capitalismo foi a crise do petróleo iniciada em 1973. As transformações no mundo do
trabalho nessas três últimas décadas refletem justamente a ofensiva do capital mundial em retomar a taxa
de lucro no movimento que conhecemos como neoliberalismo, ditado pelas recomendações do Consenso
de Washington.
A ideologia neoliberal tomou força no Brasil a partir dos anos 1990, trazendo consigo as propagandas
da modernidade e da flexibilização como fundamento para “repensar o direito do trabalho”, o que, no con-
creto, significava destruir a ideia de proteção do trabalhador como se fosse algo necessário ou até mesmo
inevitável para o aumento de produtividade ou de competitividade no cenário global. Além disso, o papel
do Estado também é colocado em xeque para promover a ideia de um “Estado enxuto” e eficiente. Essa,
digamos, reforma do Estado social para o Estado neoliberal privilegia a questão fiscal sobre a social e o
interesse do capital financeiro sobre os interesses e necessidades da população.
Dentro dessa lógica mercantil, em 1996, o Banco Mundial chegou a fazer propostas para a Reforma
do Judiciário aos Estados da América Latina e Caribe “para aprimorar a qualidade e eficiência da Justiça,
fomentando um ambiente propício ao comércio, financiamentos e investimentos”, alegando que “O Poder
Judiciário, em várias partes da América Latina e Caribe, tem experimentado em demasia longos processos
judiciais, excessivo acúmulo de processos, acesso limitado à população, falta de transparência e previsibili-
dade de decisões e frágil confiabilidade pública no sistema. Essa ineficiência na administração da justiça é
1 Ver em Relatório Geral ao PL nº 7, de 2015 (PLOA 2016), p. 19. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/
prop_mostrarintegra?codteor=1427235&filename=RLF+1+CMO+%3D%3E+PLN+7/2015+CN>. Acesso em: 16 mai 2017.
Freitas, Heloani e Barreto (2008, p. 37) conceituam assédio moral como sendo “uma conduta abusiva,
intencional, frequente e repetida, que ocorre no ambiente de trabalho e que visa diminuir, humilhar, vexar,
constranger, desqualificar e demolir psiquicamente um indivíduo ou um grupo, degradando as suas condi-
ções de trabalho, atingindo a sua dignidade e colocando em risco a sua integridade pessoal e profissional”.
Dito de outra forma, assédio moral é forma de abuso do poder do empregador e decorre de políticas
nocivas de gestão empresarial. O sofrimento psicológico no trabalho e o abuso emocional são fenômenos
sociais que sempre existiram, mas foram recentemente intensificados em razão das crises econômicas.
Verificam-se distúrbios da saúde mental de trabalhadores relacionados com as condições de trabalho nas
mais diversas atividades e nos mais diferentes níveis sociais. O modo de agressão à dignidade do trabalha-
dor pode variar, desde as formas mais explícitas até as mais veladas, sutis, silenciosas e mascaradas.
Barreto (2013) ressalta que no assédio moral no trabalho sempre há a interação entre o meio ambiente
de trabalho e as pressões, ameaças, constrangimentos, discriminações, que podem ocasionar uma situação
de ansiedade, de estresse e adoecimento em atividades prolongadas e extenuantes, além do medo de perder
o emprego. São fatores de risco que potencializam o assédio moral: prazos rigorosos, aumento do ritmo
de trabalho, atividades extenuantes, diminuição de número de trabalhadores, rotatividade, afastamentos e
adoecimentos, entre outros.
O assédio moral exterioriza-se de várias formas (NUNES et al, 2013), a saber: por meio da deterioração
das condições de trabalho; isolamento e recusa de comunicação; atentado contra a dignidade ou violência
verbal, física ou sexual. Além disso, os mesmos autores afirmam que o assédio moral pode se dar em vá-
rios níveis: vertical descendente (praticado pelo superior hierárquico); vertical ascendente (praticado pelo
subordinado em face do superior hierárquico); horizontal ou paritário (praticado pelos pares, pelos colegas
sem relação hierárquica), sendo a forma combinada destes denominada de assédio misto. Pontuam ainda
que o assédio moral é expressão das relações competitivas, que são estimuladas em detrimento das relações
solidárias. Contudo, destacam que o assédio não está relacionado única e exclusivamente à produtividade,
mas também às disputas de poder, porque é utilizado para manter-se no poder ou obter mais poder. Fazem
também uma distinção entre o assédio no setor privado e no setor público. No primeiro, apesar de mais
fácil de identificar, tende a cessar mais rapidamente, com a demissão do empregado, enquanto que no setor
Em estudo recente sob a perspectiva da sociologia do trabalho acerca da saúde e qualidade de vida dos
magistrados trabalhistas no Brasil, Alves (2015) destaca que a precarização do trabalho não é apenas um
fenômeno mundial, mas um fenômeno universal que permeia em sua tríplice dimensão - precarização
salarial, precarização existencial e precarização da pessoa que trabalha - a totalidade viva do mundo do tra-
balho no Século XXI. De modo que não apenas operários ou empregados assalariados propriamente ditos,
mas também trabalhadores públicos altamente qualificados, como os magistrados, tornam-se suscetíveis
à precarização laboral em decorrência da proletarização das condições de trabalho e, consequentemente,
vítimas do assédio moral e organizacional.
Antes mesmo de pensarmos o assédio moral organizacional na Justiça do Trabalho, o stress e a quali-
dade de vida dos magistrados já haviam sido objeto de pesquisas. O trabalho seminal de Lipp e Tanganelli
(2002) constatou o stress ocupacional para os juízes do trabalho, ou seja, com nexo de causalidade com o
exercício da atividade judicante. O stress é definido nessa pesquisa como “uma reação muito complexa,
composta de alterações psicofisiológicas que ocorrem quando o indivíduo é forçado a enfrentar situações
que ultrapassem sua habilidade de enfrentamento” (LIPP; TANGANELLI, 2002, p. 538). Trata-se, portan-
to, de um conceito bem abrangente e cujo processo se divide em três fases: alerta ou alarme, resistência e
exaustão, sendo que os sintomas se diferenciam dependendo da seriedade do stress.
Uma das conclusões da pesquisa foi a de que 71% dos magistrados tinham sintomas significativos de
stress, sendo que 68% foram avaliados na fase de resistência, caracterizada pelo “cansaço físico e mental,
dificuldades com a memória e uma maior vulnerabilidade a que doenças geneticamente programadas ou
infecciosas ocorram devido à baixa no funcionamento do sistema imunológico. A produtividade pode tam-
bém ser reduzida devido aos sintomas que aparecem. Se o organismo não consegue reverter o processo, a
pessoa entra na fase de exaustão quando ela fica quase que impossibilitada de exercer suas funções”. (LIPP;
TANGANELLI, 2002, p. 543)
Na fase de resistência, as juízas (81,6%) representaram percentual bastante superior aos juízes (55,6%),
o que revela um forte componente de gênero nessa condição, ao que as pesquisadoras atribuem a tripla
2 AMATRA é a sigla para Associação de Magistrados da Justiça do Trabalho. A Justiça do Trabalho é constituída de 24 Tribunais
Regionais do Trabalho (TRT), existindo uma AMATRA para cada TRT.
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Resumo: Dentre as várias áreas da atuação sindical no Brasil, a luta em defesa da saúde do trabalhador e da segurança no trabalho
é particularmente contundente em algumas categorias trabalhistas. No ramo químico, os trabalhadores enfrentam diariamente as
péssimas condições do ambiente de trabalho, marcados por insalubridade e pela presença de agentes químicos que produzem into-
xicação e danos gerais à saúde. Nesse contexto, o movimento sindical se utiliza de várias estratégias para denunciar a precariedade
dessa realidade, bem como para orientar e mobilizar os trabalhadores para a luta em defesa da saúde e da própria vida; dentre essas
estratégias, destacamos a produção comunicativa e, nela, a utilização do humor gráfico. O objetivo desse artigo é analisar a produ-
ção chárgica referente à luta em defesa da saúde do trabalhador e contra as péssimas condições do ambiente de trabalho - particu-
larmente, no ramo químico - utilizando como metodologia a análise do discurso chárgico. Por sua natureza crítica e dissertativa, as
charges contribuem de maneira decisiva para a promoção de reflexão por parte dos trabalhadores quanto às suas reais condições de
trabalho, aos riscos a que estão expostos e às ações necessárias na luta em defesa da saúde e da vida.
Palavras-chave: Saúde do trabalhador; luta sindical; humor gráfico; charge.
INTRODUÇÃO
A área da saúde do trabalhador e segurança no trabalho se constituiu como uma das principais frentes
da luta sindical no Brasil, principalmente, após a retomada do movimento sindical combativo em fins da
década de 1970 com a emergência do “novo sindicalismo” (ANTUNES, 1995; BOITO JR., 1999; MARQUES,
2005).
Mesmo com a crise do “novo sindicalismo” (ALVES, 2000; CRUZ, 2000; FRANÇA, 2013) que, segundo
Giovanni Alves (2002, p.6), implicou na “perda de um horizonte de classe, no sentido de consciência ne-
cessária, para além do capital”, algumas importantes lutas específicas permaneceram vigorosas, dentre as
quais destacamos a luta em defesa da saúde do trabalhador.
No contexto da reestruturação produtiva no mundo do trabalho e da intensificação dos processos de
acumulação flexível baseado no toyotismo (ALVES, 1999; MIANI, 2005), as condições de trabalho foram
profundamente alteradas, tanto em relação às “novas” conformações estabelecidas para as relações de tra-
balho (trabalhadores estáveis, informais, terceirizados, temporários, “uberizados”) e às formas de remune-
ração que se tornaram mais flexíveis (principalmente, pela intensificação das estratégias de bonificação por
produtividade com as políticas de participação nos lucros e resultados), quanto em relação às condições do
ambiente de trabalho que, além de permanecer insalubre e perigoso para os trabalhadores em vários setores
produtivos, ainda sofreu os impactos de um avanço progressivo da precariedade no ambiente ocupacional
e de uma degradação generalizada nas relações sociais de produção.
Tudo isso implicou em uma realidade ainda mais perversa para os trabalhadores em relação aos im-
pactos produzidos em sua saúde, tanto física quanto mental. As consequências decorrentes dessa realidade
ainda devem ser consideradas em sua extensão mais ampla, afinal os agravos à saúde do trabalhador - em
Se tomarmos as estatísticas referentes aos acidentes de trabalho - que incluem, para fins previdenciá-
rios, os acidentes envolvendo os trabalhadores no exercício de suas funções cotidianas, os acidentes sofridos
no trajeto entre a residência e o local de trabalho e as doenças ocupacionais contraídas durante o desempe-
nho das atividades laborais - os números são ainda mais assustadores. Érico Ramos (2020) nos apresenta
uma boa radiografia dessa realidade:
No Brasil, a cada minuto que passa, um trabalhador sofre um acidente enquanto desempenha as
funções para as quais foi contratado. Em 2018, a Previdência Social registrou 576.951 acidentes de
trabalho, mas essa marca abrange apenas os empregados com carteira assinada, já que a definição
legal de acidente de trabalho se restringe à ocorrências que envolvem os segurados do Regime Geral
de Previdência Social. Porém, um estudo realizado pela Fundacentro - fundação ligada ao Ministério
da Economia especializada na pesquisa sobre questões de segurança do trabalho - estima que, se fo-
rem considerados os trabalhadores informais e os autônomos, esse número pode ser até sete vezes
maior, se aproximando de 4 milhões de acidentados todos os anos (RAMOS, 2020, p.1).
Para que possamos dimensionar a gravidade dessa realidade que representa os acidentes de trabalho no
Brasil, a partir de referenciais que se tornaram balizadores dos tempos atuais, Ramos apresentou um com-
parativo entre o número de acidentes em relação ao total de trabalhadores com emprego formal no Brasil
(estimado em 38 milhões em 2018) com a incidência de contaminação pelo novo coronavírus na Itália, um
dos países mais afetados pela pandemia; o referido autor chegou à seguinte constatação:
Ao confrontar esses dados [38 milhões de empregados formais no final de 2018] com o número
de acidentes, chegamos a uma relação de 15 mil casos para cada milhão de trabalhadores. Para
se ter uma ideia do que isso representa, na Itália, um dos países mais afetados pela pandemia de
Covid-19, a incidência da doença na população foi de aproximadamente 3 mil pessoas infectadas
para cada milhão de habitantes. Isto é, se os acidentes de trabalho no Brasil fossem uma doença
infecciosa, sua capacidade de contágio seria cinco vezes maior do que a do coronavírus (RAMOS,
2020, p.1).
Diante de estatísticas como essas, mesmo que as lutas sindicais atualmente no Brasil estejam longe de
representar uma perspectiva de ruptura com a lógica sistêmica do capitalismo - lutas essas levadas a cabo
por um movimento sindical neocorporativista e de concertação social (ALVES, 2000) -, a defesa da saúde
do trabalhador e as reivindicações por segurança no trabalho como expressões de lutas por cidadania se
revelam vitais diante de uma realidade que flerta com a barbárie.
Nesse sentido, apresentamos como objetivo principal para este artigo analisar a produção chárgica e
demais modalidades do humor gráfico no âmbito da comunicação sindical no contexto do sindicalismo
operário do ramo químico, com o propósito de refletir sobre como são retratadas e denunciadas as péssi-
mas condições do ambiente trabalho que afetam os trabalhadores do referido ramo industrial, permeadas
Para iniciar essa breve reflexão referente à saúde do trabalhador, consideramos necessário apresentar a
conceituação que irá subsidiar toda a nossa compreensão do referido campo de conhecimento. Nesse senti-
do, tomamos como referência as contribuições de Carlos Minayo Gomez, Luiz Carlos Fadel de Vasconcellos
e Jorge Mesquita Huet Machado (2018) que apresentam a seguinte definição:
Partimos dessa perspectiva conceitual, porém reafirmamos a ênfase que se deve atribuir à “interlocu-
ção com os próprios trabalhadores - depositários de um saber emanado da experiência e sujeitos essenciais
quando se visa a uma ação transformadora” (GOMEZ, VASCONCELLOS, MACHADO, 2018, p.1964),
reconhecida pelos próprios autores como uma “premissa metodológica” e, portanto, constitutiva da práxis
do movimento político dos trabalhadores, representado, principalmente, pelo movimento sindical.
Nesse sentido, em se tratando do debate e das lutas referentes à saúde do trabalhador no contexto do
sindicalismo faz-se necessário retroagir historicamente às primeiras ações caracterizadas como manifesta-
ções de luta em prol da defesa do direito de um ambiente de trabalho mais seguro e menos insalubre. Como
ressaltam Kátia Reis de Souza e Jussara Cruz Brito (2012), as organizações e movimentos de trabalhadores
ganharam força a partir da Revolução Industrial, especialmente na Inglaterra, que se consolidou como
um marco na transformação da sociedade moderna, produzindo mudanças nos sistemas de produção, na
formação do pensamento do trabalhador e provocando o surgimento do proletário como classe social e do
operário como sujeito político e socioeconômico.
A partir da crescente difusão de reivindicações políticas e econômicas, os operários passaram a se opor
às complexas (e já precárias) condições de trabalho e de vida, intensificando os processos de sindicalização
e adotando formas de resistência, como a greve. Algumas das reivindicações que prezavam por condições
mais adequadas e suportáveis de trabalho incluíam melhores condições de higiene e de prevenção contra
doenças e acidentes. Segundo René Mendes e Elizabeth Costa Dias (1991) é também nesse contexto que
surge a Medicina do Trabalho como especialidade médica.
É notório que desde a Revolução Industrial o trabalhador tem sido exposto a condições precárias e pou-
co dignas de trabalho que, de uma forma ou de outra, acaba afetando sua integridade. Desde aquela época
é comum que os acidentes de trabalho resulte na perda de membros ou que provoque alguma sequela nos
trabalhadores, isso quando não ocasiona a sua própria morte; além disso, as péssimas condições higiênicas
Os anos 1980 trazem significativa mudança de rumos na política de saúde brasileira, quando, na
VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, consolida-se a proposta de criação do SUS com
atributo de coordenar as ações de saúde, agora alçada à condição de direito social e de cidadania,
ações estas que englobam, como tendência mundial, a saúde dos que trabalham (grifos do autor).
Todo esse processo de organização e de luta, de alguma forma, culminou em importantes avanços e
conquistas, principalmente, quando da promulgação da Constituição Federal de 1988; nesse contexto, a área
da saúde do trabalhador ganhou destaque no Sistema Único de Saúde (SUS). O artigo 200 da Constituição
estabelecia que a ampliação do atendimento do SUS deveria ir além da prevenção ao corpo ou suas partes,
evoluindo para intervenção nas causas e nos ambientes de trabalho.
Como podemos perceber, a década de 1980 foi marcada por diversas e importantes iniciativas nas lutas
sindicais em defesa da saúde do trabalhador e da segurança no trabalho, resultando em transformações
significativas no cotidiano dos trabalhadores no “chão da fábrica”. Contudo, a década de 1990 não seguiu
exatamente a mesma toada; algumas situações conjunturais enfraqueceram o movimento dos trabalhado-
res e as ações voltadas para a saúde do trabalhador acabaram sofrendo alguns impactos.
A partir de 1990, com a implantação do projeto neoliberal no Brasil impulsionado pelo governo Collor
(1990-1992) e da ofensiva neoliberal levada a cabo pelo governo FHC (1995-2002), o país passou a viver
períodos turbulentos como decorrência das políticas neoliberais que, dentre outras consequências, desen-
cadeou o aumento do desemprego, da informalidade e da terceirização. Como desdobramentos junto ao
movimento sindical, houve uma diminuição nos índices de sindicalização e um enfraquecimento político
dos sindicatos que repercutiu diretamente nas atividades desenvolvidas pelas organizações específicas do
campo da saúde do trabalhador; no caso do DIESAT, apesar de manter algumas atividades formativas de
estudos e pesquisas sobre condições de trabalho, houve uma redução significativa em sua capacidade de
ação em defesa da saúde do trabalhador e da segurança no trabalho.
De modo geral, o neoliberalismo atingiu de maneira comprometedora os processos de organização e de
luta do movimento sindical brasileiro (BOITO JR., 1999). Apesar de muitos trabalhadores - e de algumas
entidades sindicais - continuarem resistindo e lutando firmemente em defesa dos interesses e dos direitos
da classe trabalhadora, a CUT - principal organização política sindical no Brasil - passou a aderir a concep-
ções e práticas de um sindicalismo neocorporativista e de “concertação social” (ALVES, 2000), produzindo
contradições e ambiguidades em relação às políticas voltadas para a saúde pública e, particularmente, para
Já nos anos 90, o quadro é outro e a tendência tem se dirigido em sentido contrário. As negocia-
ções coletivas têm se caracterizado por sua natureza particularista e descentralizada, reforçada
pela iniciativa do governo federal em introduzir temas cuja negociação restringe-se ao âmbito das
empresas, como a participação nos lucros e resultados e sobre flexibilização da jornada de tra-
balho, processo que se intensifica a partir da segunda metade da década de 1990. Parcela consi-
derável dos sindicatos da CUT assumiram a diversidade entre setores e empresas como critério
determinante para a negociação. Manifesta-se, assim, um corporativismo não mais por referência
ao Estado, mas um certo insulamento de grupo em torno de si mesmo, priorizando suas demandas
salariais e sociais em negociação direta, setorial ou com cada empresa separadamente, isolando-
-se ou se contrapondo não de um suposto interesse geral da sociedade, mas da luta reivindicativa
e política mais ampla em torno de uma plataforma comum dos trabalhadores.
Esses embates também permearam os congressos da CUT a partir da década de 1990 que passou a dar
maior centralidade ao debate das políticas públicas de saúde, Por exemplo, no V Congresso Nacional da
CUT (V Concut), realizado em 1994, dentre as suas resoluções, destacamos a decisão de atuar em conjunto
com o poder público para garantir a conquista dos direitos para o conjunto dos trabalhadores, inclusive, no
âmbito da saúde do trabalhador. Como se pode perceber, a lógica de um sindicalismo propositivo passava a
vigorar sobre a concepção de um sindicalismo classista, autônomo, combativo e de resistência.
No VI Congresso Nacional da CUT (VI Concut), realizado em 1997, o debate até envolveu uma dis-
cussão crítica referente à prática histórica dos sindicados de optarem por convênios médicos privados em
processos negociais. Porém, nos congressos seguintes, nenhum relatório ou resolução foi apresentado em
relação a essa questão, nem houve criticidade diante das contradições que marcavam a luta sindical na área
da saúde do trabalho, apenas posicionamentos genéricos sobre apoio à universalização e descentralização
no SUS (PINA; CASTRO; ANDREAZZI, 2006).
Seguindo nessa direção do estabelecimento de “parcerias” do movimento sindical com o poder público,
durante o VIII Congresso Nacional da CUT (VIII Concut), realizado no ano de 2003, foi ressaltada a inde-
finição sobre a implantação de uma Rede Nacional de Atenção à Saúde do Trabalhador no SUS; por sua vez,
no Fórum de Saúde Suplementar - que foi organizado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)
- a diretoria da CUT solicitou que a agência lidasse com os problemas de reajustes crescentes nos planos
de saúde, de descredenciamento e insuficiência da rede de operadores, de diminuição de acesso a serviços
tecnológicos, da garantia da cobertura integral a todas as doenças. Nesse contexto, até houve menção ao
atendimento pelos planos de saúde ao trabalhador acidentado, porém não havia menções em relação às
possíveis limitações da situação (PINA; CASTRO; ANDREAZZI, 2006).
Por sua vez, da perspectiva da atuação dos órgãos públicos em relação a essas parcerias no campo da
saúde do trabalhador, vale ressaltar a realização de diversas discussões por parte de alguns Conselhos de
Saúde do Sistema Único de Saúde, além de ações e debates relacionados à fiscalização dos ambientes de
trabalho realizados pelo Ministério do Trabalho, em conjunto com as entidades sindicais, do acompanha-
mento na implantação das Normas Regulamentadoras (NRs) relacionadas à saúde e segurança nos ambien-
tes de trabalho em empresas do ramo químico e da participação da Fundação Jorge Duprat e Figueiredo
(Fundacentro) no financiamento de algumas ações de orientação e de educação ao trabalhador em relação
à saúde e segurança no trabalho.
A partir dessa contextualização, reconhecemos que a trajetória do movimento sindical em relação à
saúde do trabalhador e segurança no trabalho - a partir da década de 1990 e como decorrência das trans-
formações econômicas e sociais que ocorreram no país à época - apresentou importantes contradições.
Houve certo enfraquecimento em relação à proatividade que marcou o conjunto de ações do período an-
terior. Também se intensificaram os conflitos e divergências em relação a qual deveria ser a posição dos
sindicatos em relação ao atendimento às questões de saúde do trabalhador, se fazer uso de planos de saúde
Para Cláudia Santiago e Vito Giannotti (1997, p.113) “a comunicação é o coração dos sindicatos. Sem
coração, o corpo não funciona. Sem comunicação, o sindicato não consegue se mexer. Não consegue pôr
em marcha nenhuma ação”. Corroborando com essa convicção, vamos apresentar algumas importantes
experiências no âmbito da comunicação sindical voltadas para o fortalecimento das ações em defesa da
saúde do trabalhador e segurança no trabalho - particularmente, no movimento sindical operário do ramo
químico - e analisar a presença da charge - e demais modalidades do humor gráfico - como importante
estratégia comunicativa.
Antes, porém, vale registrar uma das primeiras e mais significativas experiências de produção comu-
nicativa sindical no âmbito da saúde do trabalhador - e que se utilizou fartamente dos recursos do humor
gráfico - que foi o “Gibi dos trabalhadores” (figura 1).
Figura 1
Toda essa produção comunicativa no contexto do “novo sindicalismo” também deve ser compreendida
em sua especificidade. De modo particular, em se tratando de comunicação impressa, ela foi denominada
por Valdeci Verdelho (1986) de “nova imprensa sindical”. Para o referido autor, trata-se de uma comuni-
cação que, a partir do trabalho e da ação sindical, “enseja uma ação transformadora da realidade política,
econômica, social e cultural. Resumindo: uma comunicação, sob todos os aspectos, instrumento dos traba-
lhadores na luta contra a exploração econômica e a opressão política” (VERDELHO, 1986, p.81-82).
Nesse sentido, de fato, a comunicação sindical acabou cumprindo um papel estratégico da mais absolu-
ta importância. E mesmo considerando a guinada política e ideológica sofrida pelo movimento sindical nas
últimas décadas, que fez sucumbir a experiência do “novo sindicalismo” como a expressão de um sindica-
lismo classista e combativo e, por conseguinte, fez emergir as bases de um “sindicalismo cidadão” (MIANI,
2005; OLIVEIRA, 2011), a comunicação seguiu sendo, para alguns sindicatos que ainda preservaram al-
gum espírito de combatividade, uma estratégia política e um instrumento de luta vital para a ação sindical.
De modo particular para os objetivos desse artigo, apresentaremos e analisaremos uma publicação
produzida pelo Sindicato Químicos Unificados 2 que trata especificamente do problema da intoxicação no
local de trabalho. Estamos nos referindo à segunda cartilha da coleção “Doenças e acidentes de trabalho”
(figura 6), publicada no ano de 2009 e que apresentou como objetivo “divulgar junto à categoria informa-
ções e orientações sobre como bem defender a saúde no local de trabalho” (SINDICATO..., 2009, p.3). Com
esta cartilha, o sindicato ofereceu à categoria um material fartamente ilustrado que apresentava e denun-
ciava a precária realidade enfrentada pelos trabalhadores do ramo químico em seus locais de trabalho, bem
2 O Sindicato Químicos Unificados é o resultado de uma decisão política de unificação envolvendo os sindicatos dos químicos de
Campinas, de Osasco e de Vinhedo a partir de um plebiscito realizado em ambas as categorias em julho de 2001 e referendada
no 1º Congresso de Base ocorrido em março de 2002.
Figura 6
Fonte: Cartilha Intoxicação no local de trabalho. Sindicato dos Químicos Unificados, 2009, capa.
Desde as primeiras páginas da publicação o leitor poderá constatar que se trata de um material farta-
mente ilustrado. Todas as imagens foram produzidas pelo chargista Bira Dantas, que sempre atuou com
a imprensa sindical, inclusive, tendo colaborado com a oposição sindical química no início da década de
1980 e acabou contratado pelo Sindicato dos Químicos de São Paulo quando a referida oposição sindical
venceu as eleições sindicais em 1982 e recolocou o sindicato no caminho da luta sindical classista. E a pri-
meira charge que aparece na cartilha é uma representação dos agentes químicos presentes no ambiente de
trabalho das empresas do ramo químico (figura 7).
Figura 7
Fonte: Cartilha Intoxicação no local de trabalho. Sindicato dos Químicos Unificados, 2009, p.2.
Figura 8
Fonte: Cartilha Intoxicação no local de trabalho. Sindicato dos Químicos Unificados, 2009, p.4-5.
No centro da imagem vemos um patrão sorridente, sentado sobre o seu lucro, enquanto ao seu redor
os trabalhadores, vítimas da exploração capitalista, ficam expostos às substâncias químicas presentes no
ambiente de trabalho que produzem todo tipo de intoxicação e contaminação, comprometendo sua saúde
e colocando em risco sua própria vida. Não bastasse isso, por outro lado, o descarte de produtos químicos
utilizados ou produzidos pelas indústrias do ramo químico polui os rios e compromete todo o seu ecossis-
tema e que, invariavelmente, reverbera em todas as outras dimensões de nossa vida.
Ainda a esse respeito, outra charge publicada na cartilha (figura 9) explicita de modo contundente os
problemas decorrentes da contaminação provocada pelo modo irresponsável no tratamento dos produtos
utilizados pelas indústrias químicas e que produzem graves danos à saúde do trabalhador e à saúde da po-
pulação de modo geral. Na imagem vemos um trabalhador que se encontra debilitado pelas péssimas con-
dições de trabalho e reconhecendo que os impactos da tal contaminação provocam graves consequências a
todas as pessoas e ao meio ambiente.
Figura 9
Fonte: Cartilha Intoxicação no local de trabalho. Sindicato dos Químicos Unificados, 2009, p.12-13.
Figura 10 Figura 11
Fonte: Cartilha Intoxicação no local de trabalho. Sindicato dos Químicos Unificados, 2009, p.7/9.
Por fim, apresentamos um conjunto de charges que retratam momentos distintos no processo de refle-
xão e de ação em relação à luta em defesa da saúde do trabalhador e segurança no trabalho (figuras 12, 13,
14 e 15). Conhecer e reconhecer a realidade que afeta o ambiente de trabalho, construir uma compreensão
coletiva da necessidade de implementar medidas de controle e de ação preventiva, mobilizar todas as forças
políticas para a denúncia e o combate às péssimas condições de trabalho - em especial, as CIPAs, comissões
de fábrica e o sindicato da categoria - e manter a mobilização para garantir a existência de um ambiente de
trabalho sem riscos foram retratados por meio de charges publicadas em vários pontos da cartilha.
Figura 12 Figura 13
Figura 14 Figura 15
Fonte: Cartilha Intoxicação no local de trabalho. Sindicato dos Químicos Unificados, 2009, p.19/21/25/35.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As lutas sindicais em defesa da saúde do trabalhador e segurança no trabalho se apresentam como uma
das principais frentes de ação do movimento sindical desde a emergência do “novo sindicalismo”. Mesmo
com a guinada política e ideológica que se abateu sobre o movimento sindical combativo, as lutas em defesa
da saúde e segurança no trabalho permaneceram como uma importante bandeira de luta no contexto do
sindicalismo.
Ainda em relação ao movimento sindical, a comunicação deve ser compreendida como “o coração do
sindicato” e, nesse sentido, cumpre um papel estratégico. Dentre as várias produções comunicativas desen-
volvidas no âmbito da comunicação sindical, destacamos aquelas que se utilizam de recursos visuais, na
medida em que exploram a ludicidade e o humor para favorecer os processos de formação e informação
dos trabalhadores.
Esse foi o caso da cartilha Intoxicação no local de trabalho, produzida pelo Sindicato Químicos
Unificados, que ofereceu à respectiva categoria um material fartamente ilustrado que contribuiu de ma-
neira importante para levar informações fundamentais aos trabalhadores com o propósito de que eles pu-
dessem conhecer os riscos presentes nos ambientes de trabalho em razão da presença de agentes químicos
causadores de intoxicações e contaminações e, por meio da ação coletiva, pudessem se organizar e se mo-
bilizar para lutar em defesa da saúde e segurança no trabalho.
A presença da charge e demais modalidades do humor gráfico no contexto da comunicação sindical é
muito significativa e, portanto, digna de ser alçada à condição de objeto de estudo privilegiado por parte
de estudiosos do movimento sindical e do mundo do trabalho. Nossa contribuição aqui é bastante mo-
desta, mas reafirma a necessidade de que precisamos investir mais esforços para compreender a grande
importância que o humor gráfico desempenha no contexto da comunicação sindical e esta, por sua vez, no
contexto do movimento sindical e demais organizações políticas da classe trabalhadora.
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INTRODUÇÃO
O processo de transformação da realidade se faz presente através da luta constante contra as contradi-
ções sociais que perpetuam o sistema capitalista. Mediante as dificuldades para se reproduzir socialmente,
o campesinato busca na luta pela e na terra formas de enfrentamento ao capital.
Nesse aspecto, elucidar a relação entre o uso de tecnologias em assentamentos e a reprodução social dos
assentados no espaço agrário sergipano, nos faz refletir sobre a luta dos camponeses pela sobrevivência no
sistema capitalista.
Considera-se que a conquista da terra e a consolidação do assentamento rural é produto direto da luta
pela terra e se refletem em transformações territoriais. A presença dos assentados pela reforma agrária em
determinadas regiões promove alterações no em pequenas frações do território nacional. Os assentamentos
rurais representam possibilidades de transformações socioterritoriais à medida em que negam a concentra-
ção fundiária e a terra improdutiva como reserva de valor.
Podemos afirmar que o primeiro rebatimento socioterritorial refere-se à ruptura do latifúndio para a
territorialização dos assentamentos. Essa ruptura foi construída historicamente pelos trabalhadores sem-
-terra e deve ser compreendida pelas mobilizações das sociais luta pela terra, especificamente, através da
atuação do MST, vinculado às ocupações de terra. Por sua vez, a realidade muda depois da territorialização
dos assentamentos, já que a partir do processo de constituição, implantação e consolidação, novas reivin-
dicações surgem, como por exemplo: infraestrutura social (saúde, educação, transporte, moradia, cultura),
produtiva (terras férteis, assistência técnica, eletrificação, estradas, apoio creditício e comercial, renda) e
organizativa (núcleos de base, cooperativismo, ocupações de prédios públicos, participação política).
Esse quadro é importante, por que revela as demandas por parte dos assentados. Pode-se dizer que de
uma terra vazia, sem ninguém, passa-se para uma terra em que ao se plantar, se diversifica o território,
tornando a terra alimento para o homem.
A consolidação do assentamento leva os assentados a produzirem alimentos. Dessa forma, o uso de
“tecnologia é o resultado de relações sociais de produção dentro da sociedade”2, e está sujeita ao conflito
histórico entre os detentores dos meios de produção e os trabalhadores. É por esse motivo, que quando o
MST defende a adoção de tecnologia em assentamentos rurais o movimento pressupõe um uso diferencia-
do desse recurso. Para o movimento dos trabalhadores rurais sem-terra, cada assentado deve utilizar as
tecnologias em interação com os demais assentados para produzir alimentos mais saudáveis.
Nos assentamentos rurais a construção de uma socialização entre os assentados, com a criação de coo-
perativas na implantação de unidades processadoras, articulando redes de comercialização e de experiên-
cias comunitárias de desenvolvimento econômico, social e cultural amplia a capacidade de resistência do
campesinato. Os camponeses podem se tornar mais autônomos em relação a certos capitalistas individuais,
1 Este artigo é parte das pesquisas realizadas para a dissertação de mestrado intitulada “O fetiche da tecnologia no espaço agrá-
rio: o caso dos assentamentos rurais Jacaré Curituba e Edmilson de Oliveira no estado de Sergipe”, defendida no ano de 2013,
sob a orientação da Profª drª Josefa de Lisboa Santos.
2 Ver em: NOVAES, Henrique. O fetiche da tecnologia: a experiência das fabricas recuperadas. São Paulo: Expressão Popular,
2007.
O município de Canindé de São Francisco (SE) é exemplar no que se refere ao domínio territo-
rial das famílias assentadas. As margens do Rio São Francisco e próximo a Usina Hidrelétrica de
Xingó, Canindé de São Francisco possui em seu perímetro municipal a presença de 25 (vinte e
cinco) assentamentos rurais, realidade que evidentemente alterou a dinâmica social, econômica,
demográfica e territorial do município. O domínio dessa população assentada das terras conquis-
tadas/concedidas e sua influência no cotidiano municipal são eminentes, porém não se faz sem
contradições. (MITIDIERO, 2011, p. 14/15)
A referida região destaca-se pelo baixo índice de pluviosidade e elevadas temperaturas anuais, que
influenciam as constantes secas da região e por diversos problemas de abastecimento de água para os mu-
nicípios no Alto Sertão sergipano. A variação climática na região deve ser destacada, pois o clima interfere
constantemente na produção agrícola do assentamento e da região do Alto Sertão sergipano e contribui
para a insolação do solo e perdas na produção, uma vez que em algumas localidades, o abastecimento de
água está sendo irregular, obrigando a população a pagar água dos carros pipas para abastecer suas casas
e encher os reservatórios para irrigar a plantação. Apesar de haver irrigação em lotes do assentamento, o
processo de produção de alimentos vem sofrendo gradativamente com a diminuição do escoamento de
água. Todavia, abordaremos com mais clareza a questão da irrigação logo a seguir, quando formos analisar
o uso de tecnologia na agricultura do assentamento Jacaré Curituba.
Mesmo com inúmeras dificuldades para o plantio e cultivo de alimentos, o assentamento rural Jacaré
Curituba se destaca pelo seu dinamismo, o que pode ser evidenciado no desenvolvimento agrícola. Nos úl-
timos anos, por exemplo, esse assentamento vem intensificando a utilização de irrigação, tratores, insumos
químicos, máquinas colhedeiras e etc., fruto da coletividade dos assentados na aquisição de equipamentos
agrícolas para melhorar o grau de produtividade na região. Todavia, nem todos os assentados estão inseri-
dos no processo de tecnificação agrícola, o que nos permite desvelar contradições inerentes à implantação
de tecnologias nesse território.
Umas das diferenciações que está nitidamente explícita é o fato de que existem assentados que fa-
zem parte da cooperativa, COOPRASE (Cooperativa Regional de Assentados de Reforma Agrária do Alto
Sertão de Sergipe) e outros que não estão inseridos na cooperativa. Esse fato foi fundamental, pois, os as-
sentados da cooperativa receberam financiamento para a aquisição de equipamentos e máquinas agrícolas,
Figura 01: Trator, assentamento jacaré Curituba, Canindé do são Francisco – SE.
O processo de preparação da terra pela máquina garante ao assentado um preparo rápido da terra e
uma diminuição no tempo de trabalho que levaria para arar a terra através do trabalho manual com a
enxada. Além do arado e do trator, a figura apresenta ainda a plantadeira, equipamento que serve para o
plantio, por que distribui a semente de grãos no solo, além de fazer ao mesmo tempo, a adubação. Existem
vários tipos de tratores, entre esses, o de moer os bagaços do milho que serve de alimento para os rebanhos
bovinos, caprinos e equinos, do assentamento.
Entre as tecnologias vislumbradas no trabalho de campo está a irrigação. Contudo, antes de mostrar a
importância da irrigação para a produção de alimentos, destacamos que o assentamento Jacaré Curituba,
depois de 15 anos, recebeu, via política pública, os equipamentos para formar o seu perímetro irrigado.
De acordo com um dos assentados, “o Projeto Califórnia beneficiou apenas latifúndios da região. A
gente pobre do assentamento passou 15 anos esperando chegar água para ajudar na plantação” (Entrevista
c/ J. P., outubro de 2012). A figura 2 ilustra a irrigação em um dos lotes do assentamento:
Figura 02: Irrigação por aspersor médio, Assentamento Jacaré Curituba, Canindé do São Francisco – SE.
Pode-se ver que a irrigação é importante para os cultivos no assentamento rural Jacaré Curituba, uma
vez que o clima faz interferência direta no cultivo de diversos produtos. Os três tipos de irrigação são utili-
zados em diferentes plantações, por exemplo, a irrigação por aspersor pequeno, conhecido como doidinho,
é utilizada no plantio de hortaliças, pomar, jardim e estufas. Já a irrigação por aspersor médio é utilizada
no cultivo do feijão, batata, quiabo, tomate, cenoura, etc. E a irrigação por aspersor grande ou canhão é
utilizada geralmente em culturas resistentes ao impacto de gotas (cana, capim, milho, mudas de laranja,
mangueiras, etc.).
Outras formas de inserção do campesinato na lógica do mercado são recorrentes nos assentamentos de
reforma agrária, como é o caso do plantio do girassol para a produção do biocombustível, que está sendo
ocorrendo no assentamento Jacaré Curituba, através do Programa de biodiesel de Sergipe3.
3 RODRIGUES, Jamile Oliveira. Da energia que se planta à sujeição camponesa: O programa Nacional de uso e produção do biodie-
sel e seus rebatimentos no Alto sertão sergipano. Dissertação de mestrado: Universidade Federal de Sergipe/NPGEO, 2013. Em
O programa PROBIOSE vem atuando em diversas áreas do estado de Sergipe, contudo, é na região do
Alto sertão sergipano que ele vem sendo desenvolvido com mais força. Não podemos deixar de enfatizar
que dentro do programa há exigências, como a existência de cooperativa ou associação para firmar o con-
trato com as empresas que beneficiam a produção do biodiesel6 e a vinculação a uma dessas formas de
organização por parte dos assentados.
No assentamento rural Jacaré Curituba a produção do girassol ocorre através do convênio Petrobrás e
COOPRASE, no qual os assentados filiados à cooperativa recebem da Petrobrás as sementes para o plantio.
A figura 4 ilustra a produção do girassol encontrada no assentamento no ano de 2013.
Figura 04: Plantação de girassol, Assentamento Jacaré Curituba, Canindé do São Francisco – SE.
sua dissertação, a autora nos mostra que a produção de energia através do convenio PROBIOSE com assentados vem corroborar
com a sujeição da renda da terra capitalista e a subordinação do camponês ao capital. Embora, a produção do girassol promoveu
significativas transformações no território, a comercialização das sementes se faz de forma desigual que tende a subjugar o
camponês ao capitalismo.
4 Dentre os defensores da política de incentivo à produção e uso dos biocombustíveis estão Abramovay e Magalhães (2007), que
mostram que “A pedra de toque do interesse empresarial no PNPB está na determinação de que uma porcentagem crescente
(começando com 2% em 2008 e passando a 5% em 2013) de matérias-primas de origem não fóssil entre na composição do óleo
diesel. Para que esta meta seja atingida, o Conselho Nacional de Políticas Energéticas supervisiona a mistura e a qualidade do
combustível. E é aí que entra o conteúdo social das medidas recentes: para que as empresas possam participar dos leilões em
que a PETROBRÁS compra de maneira antecipada a produção do biodiesel – e, portanto estabiliza o mercado para as empresas
- elas precisam apresentar um selo social. Este é concedido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, sobre a base de um
minucioso exame do contrato que as empresas formulam com os agricultores, com assinatura do sindicato de trabalhadores
rurais do município onde a produção será levada adiante. (ABRAMOVAY; MAGALHÃES 2007, p.18)
5 Disponível em http://www.sergipetec.org.br/probiose/233/Probiose.htm. Acessado no dia 16/05/2013.
6 Dentro do programa, percebemos que a produção do girassol é voltada para a agricultura familiar, como uma forma de gerar ren-
da e emprego para o pequeno agricultor. Quero deixar claro que não adotamos a concepção de agricultura familiar para nossas
pesquisas, contudo, os programas de produção de biocombustíveis adotam o termo agricultura familiar.
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) foi criado em 1979, mas somente com a
promulgação da Constituição Cidadã em 1988, foi assegurado o direito à alimentação escolar a
todos os alunos do ensino fundamental, como programa suplementar a política educacional. Logo
na primeira metade da década de 1990, os formulados foram totalmente abolidos dos cardápios.
(CARVALHO; CASTRO, 2009, p.3)
O PNAE é também conhecido como o Programa Merenda Escolar e “consiste na transferência de re-
cursos financeiros do Governo Federal, em caráter suplementar, aos estados, Distrito Federal e municípios,
para a aquisição de gêneros alimentícios destinados à merenda escolar (CONTROLADORIA-GERAL DA
UNIÃO, p.2, 2006) ”.
Nesse âmbito, percebe-se que
7 Uma verdadeira falácia nas cláusulas básicas dos contratos entre os produtores e empresas, pois o que ocorre é um preço
estipulado pela empresa beneficiadora, no caso do assentamento Jacaré Curituba, a Petrobrás, e que beneficia do acordo com
os produtores para extrair a renda da terra, além da falta de assistência técnica para os camponeses, rompendo assim com as
cláusulas previstas entre agricultores e empresa.
8 Alguns autores nos dão suporte teórico nas análises do PNAE, como: Carvalho (2009), Belik (2003 e 2006), Coimbra (1982),
Fialho (1993), Costa (2001), Sturion (2003), entre outros, que nos mostram que o Programa Nacional de Alimentação Escolar tem
possibilitado aos camponeses a permanência na terra. Para esses autores, o PNAE se constitui uma política pública importante
para a reprodução do campesinato, uma vez que os produtos aderidos da produção camponesa são comercializados via compra
pelos Estados e municípios.
O PNAE constitui-se no âmbito da política educacional através da alimentação escolar. Dessa forma, a
alimentação escolar conhecida como merenda escolar é importante para os estudantes durante o período
em que estão na escola.
o PNAE é um Programa socioeducacional, coordenado pelo FNDE/MEC, responsável por sua nor-
matização, coordenação, monitoramento e controle; definindo suas diretrizes, princípios e objeti-
vos; financiando os programas estaduais e municipais em caráter suplementar; e fiscalizando com
outros órgãos federais e locais, a aplicação dos recursos. (ibid., p.7)
Todavia, devemos destacar que o PNAE faz parte de um dos eixos de acesso aos alimentos, o qual está
inserido dentro da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN) desde o ano de 2005.
O PNAE vincula-se como um programa suplementar a política educacional, uma vez que direciona a pro-
dução de alimentos da agricultura para a alimentação escolar.
Em Sergipe, o PNAE atua consorciado com as cooperativas de abastecimento de alimentos da agricul-
tura. Uma das cooperativas é a COOPRASE, que comercializam os alimentos produzidos no assentamento
rural Jacaré Curituba para a alimentação escolar, em diversos municípios do Estado, distribuindo-os nas
escolas estaduais e municipais. A figura 5 expõe os fluxos de comercialização da produção de assentamen-
tos para o PNAE:
Figura 05: Fluxos de Comercialização da Produção de Assentamentos para o PNAE através da COOPRASE, 2013.
A diversidade de produtos é um fator importante a se destacar uma vez que a cooperativa reúne um
grande número de associados para produzir alimentos direcionados ao PNAE. Percebemos na figura 6,
Figura 06: Produtos empacotados, assentamento Jacaré Curituba, Canidé do Cão Francisco – SE.
Assim, o que está explícito na utilização de tecnologia no assentamento Jacaré Curituba é uma neces-
sidade de produção. Isso impõe aos assentados aceitarem os financiamentos, os pacotes tecnológicos, e as
políticas públicas para o campo. Ao mesmo tempo em que melhoram as condições de reprodução social das
famílias, os assentados se submetem ao uso financiamentos, que corroboram com a lucratividade do capital
financeiro. Trata-se de um movimento contraditório e combinado, em que o capital demonstra que para se
reproduzir, necessita subordinar o trabalho camponês.
Os avanços das forças produtivas desde a primeira revolução industrial até os dias atuais são incontes-
táveis. Contudo, se antes das revoluções industriais os problemas da sociedade se direcionavam para a falta
de alimentos e a consequente fome e pobreza, a partir da primeira revolução industrial e do surgimento
do capitalismo essas questões não foram solucionadas, ao contrário, apesar dos artefatos tecnológicos ace-
lerarem a produção de manufaturas e contribuírem para o aumento da produção, o desenvolvimento do
sistema capitalista aumentou a produção dos espaços desiguais.
O processo industrial forneceu meios para o aumento da produção de manufaturas. No campo, essas
mudanças foram também ocorrendo gradativamente através das máquinas, insumos químicos e etc. A re-
volução verde na década de 1950, encadeou uma série de transformações no sistema produtivo agrícola que
gerou um aumento substancial na produção de alimentos. Todavia, nem todos os países foram inseridos
nesse processo de modernização agrícola, o que alastrou ainda mais as desigualdades no campo.
O papel significativo dos movimentos sociais na década de 1980 na luta pela terra e, também na luta na
terra foi importante para o campesinato. Não podemos deixar de frisar que a luta nos acampamentos pelos
sem-terra vinculados ao MST é essencial para que a reforma agrária possa ocorrer. Os impactos socioterri-
toriais podem ser vistos antes e depois do processo de luta pela terra, pois já no acampamento percebem-se
algumas mudanças sociais na região e com os assentamentos de inúmeras famílias no campo, os rebati-
mentos socioeconômicos no território passam a ser nitidamente vislumbrados.
No estado de Sergipe, vimos o acesso à tecnologia no assentamento rural Jacaré Curituba é uma práti-
ca que subordina o camponês, ao tempo em que através de programas como o PROBIOSE e o PNAE vêm
permitindo sua reprodução imediata, o que dificulta negá-los.
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Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar a juventude brasileira na sua relação com o trabalho e a educação no contexto da
reestruturação produtiva e crise do modo de produção capitalista. Para isso, identificamos as características gerais da população
jovem com base nas pesquisas produzidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísitca (IBGE) com o intuito de compreender
alguns elementos estruturantes dessa categoria social. Em seguida, analisamos como o processo de reestruturação produtiva e o
ideário neoliberal, ao demandarem a formação de um trabalhador de novo tipo, provocam uma mudança na forma de ser e pensar
dos indivíduos a partir do “espirito toyotista”. Apontamos por fim que a juventude é uma categoria central de análise, pois os jovens
brasileiros, que são em sua maioria da classe trabalhadora, se tornam o grupo mais afetado pelos profundos processos de precari-
zação do trabalho e subordinação ao padrão de acumulação flexível. As políticas públicas para a juventude aliadas à formação para
empregabilidade e para o empreendedorismo tendem a reforçar a ideologia dominante e ocultar a intensa condição de precarização
a que estes jovens estão submetidos, em uma dimensão concreta mas que afeta e forma a sua constituição subjetiva.
Palavras-chave: Trabalho; Reestruturação produtiva; Juventude Brasileira; Educação.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Para analisarmos a juventude brasileira, ou as juventudes teremos como ponto de partida a compreen-
são de que juventude é uma categoria social permeada pelas contradições da nossa sociedade que também é
expressão das relações sociais constituídas historicamente. As pesquisas sobre juventude não se restringem
apenas às áreas das ciências humanas, pois diversas outras áreas do conhecimento tentam compreendê-la e
determiná-la a partir de critérios históricos, culturais e também biológicos.
Nas ciências sociais a juventude é estudada desde o que é considerado a sua pré-história, nos séculos
XVIII e XIX, em que a revolução industrial impulsionou diversas mudanças no modo de vida dos indi-
víduos, como a reestruturação da organização familiar, a formação de centros urbanos, e, sobretudo, as
transformações do mundo do trabalho que gerou diversos problemas sociais para o “funcionamento ideal”
da sociedade (GROPPO, 2016a).
A idade cronológica é um dos elementos determinantes da concepção de juventude para os estudos das
teorias sociológicas tradicionais. Embora este seja um dos principais marcadores dessa categoria que orien-
ta documentos oficiais e políticas públicas, o agrupamento de indivíduos que teriam interesses em comum
a partir de uma faixa etária específica cria uma categoria social que é universalizada, mas abstrata.
No Brasil, a Lei Nº 12.852/13 institui o estatuto da juventude que considera jovens as pessoas de 15 a
29 anos. A lei dispõe sobre os direitos da população jovem, os princípios e diretrizes das políticas públicas
de juventude e o sistema nacional de juventude-SINAJUVE (BRASIL, 2019). Antes da criação estatuto da
juventude em 2012, já existiam políticas públicas direcionadas à população jovem.
A Lei nº 11.129/05 criou a secretaria nacional de juventude (SNJ) e o conselho nacional de juventude
(Conjuve); a primeira política pública direcionada aos jovens no Brasil foi o programa ProJovem, que aten-
dia jovens que não concluíram o ensino fundamental, ofertando-lhes qualificação profissional e condições
de acesso à cidadania (BRASIL, 2018). Nestes documentos está contida essa compreensão do jovem como o
sujeito social que deve ser protagonista no processo de desenvolvimento do país. Estes termos que se refe-
rem ao papel do jovem expressam para Groppo (2016b, p. 394)
Desse modo, para compreendermos a juventude brasileira precisamos apreender não só as teorias que
analisam essa categoria, mas principalmente confrontar as formulações teóricas com a realidade objetiva
para identificar as contradições existentes. Corroboramos com Groppo (2016a) ao admitir que essas con-
tradições que permeiam a categoria da juventude faz com que ela se estabeleça como uma categoria dialé-
tica e um elemento estrutural para compreender a sociedade atual. Na sua análise,
Ou seja, existe uma condição juvenil que é marcada por diferentes grupos de jovens que formam
diferentes constituições de juventudes, mas que surgem justamente de um processo que tende para sua
homogeneização.
A corrente funcionalista ignora as múltiplas determinações que constituem a totalidade da categoria
juventude, e que o “padrão de juventude” disseminado não é vivenciado pelos jovens de mesma faixa etária,
pois estes passam por processos de socialização diferentes. Ao mesmo tempo, as teorias pós-modernas que
valorizam as diferentes vivências estabelecem pautas identitárias e individualistas que mascaram as deter-
minações históricas e estruturais desta categoria.
O que queremos destacar é que os elementos que constituem essas contradições se aglutinam naquilo
que os coloca em uma “condição juvenil”, isto é, o fato de vivenciarem “uma relação experimental com
valores e estruturas sociais. Ela é experimental no sentido de significar um primeiro contato do indivíduo
como protagonista desses valores – papel que pode ser rejeitado ou sabotado durante tal fase “experimen-
tal” (GROPPO, 2016a, p. 18).”
Concordamos com Foracchi (1977, p. 302) que
a juventude é, ao mesmo tempo, uma fase da vida, uma força social renovadora e um estilo de
existência. Se a concebermos como uma etapa que antecede a maturidade e que apresenta carac-
terísticas singulares, notaremos que ela corresponde a um momento definitivo da descoberta da
vida e da história e a uma fase dramática da revelação do eu. Sob este aspecto, é uma experiên-
cia particular que se universaliza como componente indispensável da formação da pessoa, como
afirmação dos seus recursos e das suas potencialidades humanas. Os quadros desta experiência
particular e os caminhos da sua universalização são, no entanto, socialmente estabelecidos. Isto
quer dizer que cada sociedade constitui o jovem à sua própria imagem. As representações que
valoriza e as manipulações que estimula tendem, no geral, a fazê-lo agir dentro de limites que ela
mesma estabelece e que são os limites da sua preservação.
Compreender a juventude enquanto categoria social é buscar apreender as representações sociais que a
constituem e, para além disso, apreender as condições subjetivas que se materializam a partir das relações
sociais estabelecidas. Sendo assim, abordaremos a seguir algumas características sociais em que se inserem
a juventude brasileira.
Inicialmente salientamos que a história do modo capitalista de produção se constitui a partir de uma
estrutura de exploração e acumulação, em que a classe trabalhadora, ao ser expropriada, tem que vender
sua força de trabalho em troca de salário para os donos dos meios de produção. “Por isso mesmo, é a histó-
ria da acumulação do capital e da apropriação da mais-valia, que acontece tendo como pano de fundo a luta
de classes intrínseca e permanente às relações de produção (GOMEZ, C. M. et al., 2012, p. 66)”.
Essa relação fundamental produz desigualdades sociais e se beneficia da manutenção de desigualdades
de gênero, cor e raça. Nos países em que o capitalismo se desenvolveu tardiamente essas desigualdades são
ainda mais necessárias ao funcionamento dessa lógica de exploração global. E é importante pontuar essa
condição estrutural, pois os jovens brasileiros se formam no seio dessas desigualdades.
Os dados da pesquisa “Agenda juventude Brasil”, realizada em 2013 pelo observatório participativo
da juventude, trazem as características gerais da juventude brasileira que permitem uma análise ampla
da população jovem. Contudo, antes faremos uma breve digressão para explicitar o contexto em que essa
pesquisa foi realizada. O “participatório” surgiu logo após as jornadas de junho de 2013 que mobilizaram
milhares de jovens em manifestações de rua impulsionadas principalmente pelo aumento da passagem de
ônibus em várias cidades do país1.
A intenção dessa política era justamente criar uma rede de participação dos jovens e observação de
pesquisadores para integrar políticas para a juventude e ações de governo com o segmento juvenil da so-
ciedade. Nos documentos oficiais fica explícito o reconhecimento dos jovens como sujeitos de direitos e
atores sociais de modo que “A SNJ reconhece esse lugar de empoderamento juvenil, que se contrapõe aos
discursos que pregam que a juventude ainda está em processo de transição e não pode ter incidência polí-
tica relevante (BRASIL, 2014, p. 7).”
Cabe destacar também que essas iniciativas entorno do “participatório” contaram com o apoio da
Unesco e diversas organizações da sociedade civil na sua elaboração. Isso coloca em evidência a discussão
realizada no tópico anterior que ressalta que a incorporação do jovem como ator social carrega por trás
uma intencionalidade política de controle e monitoramento desse segmento. Para Groppo (2016b, p. 398),
há uma distância entre o discurso (jovem como cidadão ativo ou mesmo protagonista) e a prática
(mais assistencialista, adultocêntrica e com base no imaginário do jovem problema). Entretanto,
as instituições universitárias de pesquisa, a dita academia, têm adotado amplamente as noções,
categorias e ideologias disseminadas pelos que pautaram a atual feição das PPJ e do discurso
legitimador delas, como BM, UNESCO, CEPAL e a OIJ. Por vezes, adotando termos mais refinados,
se fazem presentes as noções disseminadas pelas comunidades epistêmicas internacionais, com
fortes reverberações no chamado Terceiro Setor e nos governos federal e locais, noções como pro-
tagonismo juvenil, voluntariado, inclusão social, desenvolvimento social, ação social, jovem como
solução etc. Isto não significa negar a importância de pesquisas sobre as PPJ e mesmo sobre
estas categorias e ideologias. Ao contrário, isto é fundamental, mas, para tanto, é necessário a
capacidade de se distanciar criticamente, o que pode permitir posterior reaproximação propositiva
para a transformação da realidade, em vez da aceitação passiva ou disfarçada do discurso oficial.
Essa contradição entre o discurso e a prática como elemento de efetivação da ideologia dominante ob-
jetiva silenciar e ressignificar o verdadeiro potencial de engajamento dos movimentos de juventude que se
formam fora dos ambientes institucionalizados (FORACCHI, 1977).
O descontentamento e as revoltas sociais não aconteceram por falta de escuta das necessidades da po-
pulação jovem, mas por uma falta efetiva de condições de acesso à educação, trabalho, transporte, saúde e
1 Para saber mais sobre as jornadas de junho ver: MARICATO, E. et al. Cidades Rebeldes: Passe Livre e as manifestações que
tomaram as ruas do Brasil. 1 ed. São Paulo, Boitempo: Carta Maior, 2013.
37,9% das pessoas brancas de 18 a 24 anos estavam estudando, sendo 29,7% no ensino superior,
frente a uma taxa de escolarização de 28,8% das de cor preta ou parda, com apenas 16,1% cur-
sando uma graduação. Adicionalmente, 6,0% dos jovens brancos nessa faixa etária já tinham um
diploma de graduação, enquanto, entre os pretos e pardos, 2,8% (IBGE, 2020, p. 9).
Considerando que a população negra detém menores rendimentos que a população branca, o processo
de exclusão, não só da educação, mas da vida social, é intensificado para esses sujeitos e mesmo os avanços
promovidos pelas políticas de cotas não são capazes de modificar uma questão coletiva pois elas funcionam
a partir de uma perspectiva de um esforço individualista que não altera as estruturas de poder. A interrup-
ção dos estudos também é um fator que contribui para a situação de desocupação dos jovens com 18 anos
ou mais. Para Sposito et al. (2018, p. 12),
se é verdade que os jovens de mais baixa renda tendem a se inserir de modo mais precoce no
mercado de trabalho, os 18 anos parecem ser a idade em que grande parte desses segmentos,
até mesmo os de melhor condição de vida, buscam uma ocupação; e, a partir desse momento, as
desigualdades sociais se manifestam de maneira mais contundente nas chances dos indivíduos
em encontrar trabalho e na qualidade do trabalho encontrado. Entre os jovens que trabalhavam
em 2014, eram os mais pobres, os negros e as mulheres que estavam submetidos a trabalhos de
menor remuneração e com vínculos informais. Independentemente do período considerado, era
entre os jovens negros e do sexo feminino que se destacava com maior relevo percentual o grupo
de jovens que não estudava e não trabalhava.
Esses dados apresentados pelas autoras em 2014 ainda permanecem presentes nas pesquisas mais re-
centes (IBGE, 2019b, 2020). O grupo de jovens que estão fora da escola ou de algum curso de qualificação e
não conseguem se inserir no mercado de trabalho por diversos motivos se enquadram na condição chama-
da de “nem nem”, no Brasil o percentual de jovens nessa condição era de 23% em 2018 com índices maiores
para os jovens acima dos 18 anos (IBGE, 2019b).
Diferentemente da compreensão de que esses jovens são um “problema social” a população na condição
de “nem nem” é um produto e uma necessidade do modo capitalista de produção. Isso porque a maior de-
manda de empregos existentes exigem pouca qualificação e oferecem condições altamente precárias, o que
eleva as taxas de exploração, e extração de mais-valia (CARVALHO, 2019). Os jovens que não se inserem
no mercado e que ao mesmo tempo abandonam a escola acabam expostos a maiores situações de vulnera-
bilidade social e violência.
De acordo com o Atlas da violência, a maior causa de morte da juventude brasileira são os homicídios.
A taxa em 2018 era de 60,4 homicídios para cada 100 mil jovens e é importante destacar que esses números
A crise do sistema capitalista desencadeada em meados da década de 1970 pela queda da produção, im-
pulsionou o fracasso do estado de “bem estar social” e acirrou a luta de classes que engendrou também uma
crise hegemônica do capitalismo. Como alternativa à crise, a ideologia neoliberal se estabeleceu através de
um profundo processo de transição do modo de acumulação do capital, bem como na reorganização do
Estado e elaboração de uma base cultural do capitalismo contemporâneo.
A esfera da produção, que antes se pautava pela produção padronizada e em larga escala, perpassa por
um processo de reestruturação produtiva que tem como base a lógica da acumulação flexível. Esta, aliada
à globalização e aos avanços tecnológicos demarcaram uma nova organização dos modos de trabalho. Para
Harvey (2008, p. 140) a acumulação flexível
se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e
padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos,
novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo taxas alta-
mente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional.
O marco da reestruturação produtiva se instaura com o chamado modelo “toyotista”, que surgiu com
a criação da fábrica da Toyota no Japão, a partir da década de 1950, foi desenvolvido e aplicado em outros
setores industriais e também em outros países. O modus operandi desse modelo se fundamentou na des-
concentração da produção - via terceirização, inserção da tecnologia no processo produtivo e no setor de
serviços, horizontalização da estrutura organizacional e novas técnicas de gestão da força de trabalho.
A partir de tais mudanças podemos compreender que a reconfiguração do mundo do trabalho estabe-
leceu novas estruturas no controle dos processos de trabalho que modificou a base social do capitalismo
contemporâneo e exigiu também adequar os trabalhadores aos novos padrões estabelecidos. Cabe aqui
ressaltar que as mudanças ocorreram no padrão de acumulação e não no modo de produção (ANTUNES,
2009).
Com efeito, a base do modo capitalista de produção continua sendo a exploração do trabalho vivo,
isto é, mesmo com o desenvolvimento das forças produtivas e avanço tecnológico, para que o capital
mudanças de atitudes dos jovens em relação ao trabalho, principalmente para as classes popula-
res, [que] se dá primeiramente através de uma ruptura da transmissão intergeracional que ocorre
no seio da própria família. Durante os anos de 1990, a relativa ausência de perspectiva de futuro
profissional operário levou as famílias, principalmente aquelas cujos pais eram operários especia-
lizados, a orientar os filhos a prolongar os estudos. Se até então o destino dos filhos dos operários
era fábrica, agora se estabelecia uma nova configuração que transformaria profundamente as
relações entre as gerações e o trabalho.
O autor ainda destaca que esse prolongamento e investimento no processo de escolarização promoveu
uma ruptura dos jovens com sua cultura de origem e a relação com a profissão se estabelece de maneira
diferente, não há mais um orgulho e um desejo de seguir a profissão dos pais, já que a condição de operário,
antes almejada no modelo do “welfare state”, passa a expressar a degradação do trabalho. E isso provoca
novas formas de representação do trabalho para esses jovens.
Outrossim, as novas exigências da produção estavam voltadas para a contratação de profissionais mais
qualificados e especializados, no sentido de que o trabalho manual simples passa agora a ser executado
pelas máquinas e a necessidade é de que os trabalhadores se tornem aptos a controlar as máquinas de alta
tecnologia e que tivessem múltiplas competências para lidar com diferentes tipos de trabalho. Para Frigotto
(2010b, p. 82),
Nesta nova organização social da produção em que os mecanismos de coerção agora se estabelecem
como normas e valores que vão sendo interiorizados pelos indivíduos, os processos de alienação do traba-
lho se desenvolvem de maneira muito mais complexa e provocam o envolvimento subjetivo e psicológico
para atender as demandas da organização. Para Heloani e Piolli (2014, p. 124) a manipulação do incons-
ciente fica fundada em expectativas de reconhecimento dos trabalhadores pelo seu trabalho.
o ‘pensamento neoliberal’ não se restringe a uma mudança ou mudanças do discurso político libe-
ral, nem aos diversos aspectos da formação de consenso veiculados pela mídia ou pelo discurso
governamental, ou mesmo pelo discurso dos diversos sujeitos políticos coletivos que fazem sua
apologia. Dizer que é um ideário, ou uma ‘doutrina’, não está incorreto, mas pode fazer pensar que
o neoliberalismo é uma falácia, uma fraude, um discurso enganoso, provocador de uma falsa cons-
ciência; ou, por outro lado, ser um mero discurso de professores de economia sem compromisso
científico, produtores de panfletos sem importância ou embasamento teórico. [...] Pensar desta
forma é subestimar, ou mesmo desconsiderar a força ideológica que imprime ao neoliberalismo
uma materialidade, e desconsiderar também a historicidade de sua consolidação (MELO 2004,
p.4-5 apud NEVES, 2004, p. 2).
Como já mencionado, a lógica inerente do sistema capitalista de produção é que, para se reproduzir, o
capital precisa explorar a força de trabalho por meio da extração de mais-valia. O consumo das mercado-
rias produzidas é o que viabiliza a circulação do capital, de modo que o salário pago ao trabalhador serve
para comprar mercadorias que assegurem suas condições mínimas de sobrevivência. Nesse sentido, a ven-
da da força de trabalho em troca de salário transforma o próprio trabalho em uma mercadoria, que adquire
um valor de troca nesse processo de circulação.
Uma das contradições presentes nessa relação é que à medida que o aumento da exploração representa
uma redução no valor de troca do trabalho, diminui-se também o consumo de mercadorias. Assim sendo, a
lógica metabólica do sistema se estrutura a partir de crises cíclicas de superprodução que são consequências
de uma crise estrutural do modelo de produção. Segundo Meszáros, apud Antunes (2011, p. 11),
o sistema do capital, por não ter limites para a sua expansão, acaba por converter-se numa proces-
sualidade incontrolável e profundamente destrutiva [...] a produção e o consumo supérfluos acabam
gerando a corrosão do trabalho, com a sua consequente precarização e o desemprego estrutural,
além de impulsionar uma destruição da natureza em escala global jamais vista anteriormente.
É nesse contexto que a eterna necessidade de expansão do capital suscita crises que evidenciam a con-
tradição entre capital e trabalho tornando mais acirrada a luta de classes. Por isso, para que os conflitos
sejam amenizados, o sistema precisa desenvolver estruturas de controle social que permitam a continui-
dade da lógica vigente. É por meio da ideologia que a classe dominante transforma os seus interesses em
interesses universais, ocultando a relação antagônica entre as classes. Conforme explicitam Marx e Engels
(1998, p. 48),
Nesse sentido, a ideologia, como expressão ideal da relação de dominação, naturaliza essas relações
tornando as ideias da classe que detém os meios de produção hegemônicas e buscando produzir consenso
entre as classes. Marx e Engels (MARX; ENGELS, 1998) ao tratarem da divisão do trabalho na sociedade
capitalista apontam que a divisão entre o trabalho material e o intelectual aparece também dentro da classe
dominante, e as ideias propagadas por essa classe têm de ser assimiladas como ideias pertencentes a todo o
conjunto da sociedade, para que elas assumam um caráter de universalidade.
Para Gramsci (1982), todos os seres humanos são intelectuais, mas existem indivíduos que elaboram as
teorias e ideias que representam os interesses de sua classe e são responsáveis pela função do trabalho inte-
lectual, eles são categorizados pelo autor de intelectuais orgânicos e exercem suas funções a partir de uma
relação que é mediada pelas superestruturas da sociedade, sendo elas a sociedade civil e o Estado.
É a partir dessas estruturas que se opera a disseminação da ideologia dominante. Cabe ressaltar aqui
que, na sociedade capitalista, o Estado surge como uma instituição mediadora dos conflitos de classe, que
opera por meio das leis para defender, sobretudo, a propriedade privada. Portanto, para a classe burguesa
não basta o domínio dos meios de produção, é preciso também dominar ideologicamente todas as esferas
da vida social e individual. Isso significa estabelecer um poder hegemônico de direcionamento da cultura,
moral, educação e política de acordo com os seus interesses para toda a sociedade.
A educação na sociedade capitalista não tem como papel central formar os trabalhadores para o tra-
balho, já que essa formação ocorre no próprio trabalho, mas formar intelectuais urbanos que atuem para
assegurar a hegemonia burguesa. Kuenzer (1985, p. 55) chama esse processo de pedagogia do trabalho e
aponta que ela
Contudo, um dos pressupostos da contradição inerente ao modo de produção capitalista é que a hege-
monia se dá pela a formação de consenso, mas as bases em que ela se estrutura permitem a possibilidade de
organização da classe que é explorada, ou seja, é no seio das contradições do capitalismo que se estabelecem
as bases para a sua superação.
Os valores neoliberais da meritocracia, individualismo e política do Estado mínimo passaram a con-
duzir os projetos políticos, econômicos e sociais que são direcionados principalmente para os países “me-
nos desenvolvidos” (NEVES, 2004). No Brasil, o projeto neoliberal se desenvolve tardiamente, a partir da
década de 1990, com o Plano Real e as políticas de privatização e “modernização” implementadas pelo
a ampliação da escolarização serviria, então, a um mesmo tempo, para que o capital pinçasse de
seu bojo tanto aqueles necessários à produção imediata como aqueles que se alocam nos servi-
ços – criando, dentro desse âmbito, a elevação constante dos requisitos educacionais, e também
funcionando como justificativa de prolongamento da escolaridade e consequente retardamento
do ingresso dos jovens no mercado de trabalho, fazendo da própria escola um mercado improduti-
vo. Esse processo, nada teria a ver com oferta e demanda de mão de obra qualificada (FRIGOTTO,
2010a, p. 115).
Nesse sentido, o aumento da escolarização e a demanda por qualificação não significa necessariamente
melhorar a formação da classe trabalhadora, mas atender as demandas da esfera produtiva. A qualificação
As ações governamentais a partir dos anos de 1990 perseguem este fim e a teoria das compe-
tências vem se constituindo em instrumento teórico para a sua viabilização [...] pode-se inferir
que esta teoria caracteriza-se pela supervalorização do saber da experiência vivida e pelo subdi-
mensionamento do conhecimento teórica e historicamente produzido, reforçando, deste modo, o
irracionalismo.
Assim, a demanda educacional se volta para um tipo de conhecimento que está muito mais relaciona-
do à formação do comportamento do que a socialização do conhecimento sistematizado historicamente,
proporcionando uma formação mínima para a execução do trabalho e máxima para a submissão da lógica
de exploração.
As reformas educacionais implementadas teriam como função aumentar a qualidade da educação por
meio de ferramentas de controle idênticas às aplicadas nas fábricas e empresas, ao mesmo tempo em que
formariam os indivíduos para a competição, flexibilidade, excelência e eficiência, o que significaria reduzir
as mazelas sociais e desenvolvimento não só individual, mas da sociedade como um todo. Contudo, a base
determinante da produtividade do capital não depende diretamente dessa qualificação, mas de outras de-
terminações como as próprias “leis” que regulam o mercado (COAN, 2011).
A crítica de Oliveira ( 2013, p. 111)não sendo, portanto, nenhum truísmo qualificá-la como juventude
trabalhadora brasileira. Dadas às especificidades históricas da realidade brasileira, a juventude não pode
ser caracterizada como moratória em relação ao trabalho, mas antes a condição juvenil só é vivida porque
trabalham. A partir dos anos de 1990 houve mudanças significativas no padrão brasileiro de transição
escola-trabalho provocadas pela expansão do sistema educacional e pela reestruturação produtiva que im-
plicaram o adiamento da entrada no mercado de trabalho; o desemprego no início das trajetórias de vida,
e consequentemente, a constituição de um mercado de trabalho altamente competitivo, onde as vagas (es-
cassas é que a falácia do discurso neoliberal se expressa em uma situação em que as sociedades capitalistas
não foram capazes de oferecer às novas gerações um trabalho condizente com as expectativas e a
titulação escolar obtida, e ao desvincularem o sistema educativo do sistema produtivo, contrapon-
do-os ao invés de harmonizá-los, contribuíram para que os jovens estabelecessem uma relação
cada vez mais complexa com o trabalho.
Desse modo, responsabilizar a educação pelas mazelas sociais tem como função ideológica ocultar o ce-
nário de desemprego estrutural que prevalece no modo de produção capitalista. Como já apresentado, nos
momentos de crise, a saída momentânea se dá pelos processos de superexploração do trabalho e a falta de
qualificação passa a ser a justificativa dos processos de precarização. É nesse contexto que também ganha
força a formação para o empreendedorismo. Coan ( 2011, p. 51), salienta que
Oferecer uma formação que estimule os indivíduos a serem empreendedores, nessa lógica, significa
muito mais formar um comportamento específico necessário ao capital do que formá-los para serem “ho-
mens e mulheres de negócios”, como representa o significado primário do termo. É também uma estratégia
para justificar cada vez mais a inserção das grandes corporações e dos interesses do mercado nas institui-
ções educacionais.
A presença dos organismos multilaterais e das empresas na constituição dos currículos e reformas da
educação bem como nas políticas públicas para a juventude são determinantes para a inserção da pedago-
gia empreendedora na formação de crianças e jovens, com o intuito de ensinar os indivíduos a desenvolve-
rem um comportamento específico, um “perfil empreendedor”, como forma ideal de se alcançar o sucesso.
Em virtude disso, a formação dos jovens é direcionada principalmente para a sua inserção no mercado de
trabalho, visto que esse grupo representa grande parte do exército de reserva e público consumidor na so-
ciedade brasileira (CARVALHO, 2019).
Contudo, essa realidade não é característica apenas da população jovem menos escolarizada, de modo
que tornam-se crescentes os índices de desemprego e subqualificação de jovens com altos níveis de esco-
larização. Dado o cenário de crescimento do desemprego e, sendo a população jovem a mais atingida, as
políticas públicas se voltam para estratégias de inserção do jovem na sociedade pelo empreendedorismo.
Além da qualificação, é imputado ao jovem desenvolver um perfil empreendedor como última alternativa
de conseguir sustentar-se em uma sociedade devastada pelo desemprego.
Andam de mãos dadas os argumentos de que tanto a maior qualificação quanto o empreendedorismo
possibilitarão o desenvolvimento econômico e social nos próximos anos mesmo que na materialidade a
crise esteja tomando formas catastróficas. Isso porque, “esse aspecto da maior gravidade simplesmente
precisa ser ignorado, posto que seu reconhecimento é radicalmente incompatível com a continua aceitação
das perspectivas capitalistas do controle social” (MÉSZÁROS, 2011, p.68).
É a partir desse aspecto que a intensificação do processo de alienação oculta a situação real de explora-
ção da classe trabalhadora e a crise em que o modo de produção capitalista se encontra. Torna-se necessário
elucidar que “sem se reconhecer a determinação das ideologias pela época como a consciência social prática
das sociedades de classe, a estrutura interna permanece completamente inteligível” (MÉSZÁROS, 2014,
p.67). Nesse sentido, compreendemos que a formação para o empreendedorismo, para além de um discurso
ideológico, tem um respaldo na materialidade que o sustenta.
Tomando a figura do indivíduo empreendedor como necessário ao sistema capitalista de produção
podemos perceber que ela só se constitui por meio de relações sociais determinadas pelo próprio modo de
produção e reprodução da vida material. Isso quer dizer que a construção do ideário do sistema capitalista
como o único modo de produção possível, que não fracassa e tem possibilidades de se desenvolver e me-
lhorar cada vez mais, exige formar jovens que acreditem e, sobretudo, construam relações sociais em prol
desse ideário. Desse modo,
a ênfase do novo capitalismo na juventude não se restringe apenas a uma questão de rebaixamen-
to do valor da força de trabalho, mas diz respeito a certos atributos e qualidades considerados
inerentes à juventude que são positivados nas organizações flexíveis como sintoma de uma nova
cultura do trabalho. A juventude se converte em sinônimo de flexibilidade em oposição à rigidez
da idade dos trabalhadores mais velhos com esquemas mentais inflexíveis e com aversão a correr
riscos. Trata-se de um “culto institucional” da juventude cuja lógica política e simbólica se circuns-
crevem no âmbito de uma nova cultura de trabalho sustentada em valores que apelam para o enga-
jamento pessoal do trabalhador no processo de trabalho e na desconstrução da noção de trabalho
assalariado, e protegido, e no seu lugar o binômio empregabilidade/empreendedorismo ocupa o
núcleo central da moderna forma de trabalho do capitalismo flexível (MACHADO DA SILVA, 2003;
OLIVEIRA, L.P., 2005 apud OLIVEIRA, 2013, p. 111–112)não sendo, portanto, nenhum truísmo qua-
lificá-la como juventude trabalhadora brasileira. Dadas às especificidades históricas da realidade
brasileira, a juventude não pode ser caracterizada como moratória em relação ao trabalho, mas an-
tes a condição juvenil só é vivida porque trabalham. A partir dos anos de 1990 houve mudanças sig-
nificativas no padrão brasileiro de transição escola-trabalho provocadas pela expansão do sistema
educacional e pela reestruturação produtiva que implicaram o adiamento da entrada no mercado
de trabalho; o desemprego no início das trajetórias de vida, e consequentemente, a constituição de
um mercado de trabalho altamente competitivo, onde as vagas (escassas.
REFERÊNCIAS
ABRAMO, Helena Wendel. Identidades juvenis: estudo, trabalho e conjugalidade em trajetórias reversíveis. In: PINHEIRO, Diógenes; et al.
(org.). Agenda Juventude Brasil : leituras sobre uma década de mudanças. Rio de Janeiro: Unirio, 2016. p. 19–60.
ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho?: Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 15. ed. São Paulo: Cortez,
2011.
ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2009.
BRASIL. Agenda juventude Brasil - Pesquisa nacional sobre o perfil e opiniãodos jovens brasileiros 2013. Brasília: Secretaria Nacional de
Juventude, 2013. Disponível em: https://bibliotecadigital.mdh.gov.br/jspui/handle/192/91. Acesso em: 24 set. 2020.
BRASIL. Lei No 12.852, de 5 de Agosto de 2013. Institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e dire-
trizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude - SINAJUVE. Brasília: Ministério da Mulher, da Família e dos
Mateus Castilho
(mateus.castilho12@hotmail.com)
Resumo: Com o acirramento da precarização das condições de trabalho, a categoria profissional dos motoboys vem sendo uma das
mais afetadas; seja por seu histórico marcado pela perda de direitos trabalhistas ou pela reorganização produtiva do capital, que
impôs à classe-que-vive-do-trabalho a agenda da flexibilização e a introdução das tecnologias da informação e da comunicação
(TICs). Este artigo parte do entendimento de que a categoria motoboy se formou e se consolidou no bojo do processo de precariza-
ção da indústria de transportes rápidos, pela terceirização, pejotização e uberização do trabalho. O escrito analisará algumas formas
de organização e ações coletivas que surgiram desde a regulamentação da profissão motoboy em 2009 e que se intensificaram na
atualidade, tais como os sindicatos, as greves, as cooperativas e as associações profissionais. As análises sugeridas acerca da in-
tensificação da informalidade e da gestão maquínica-algorítmica do trabalho motoboy, bem como sobre suas práticas coletivas de
enfrentamento da precarização, foram subsidiadas por pesquisa bibliográfica, entrevistas realizadas com um grupo de motoboys
inseridos no contexto dos anos 2010/2011, entrevistas realizadas em 2020 com membros da direção da Associação dos Motoboys,
Motofrentistas e Entregadores de Indaiatuba (AMEI), levantamento de documentos sindicais e reportagens.
Palavras-chave: trabalho, motoboy, terceirização, pejotização, uberização, organizações coletivas.
INTRODUÇÃO
Há cerca de dez anos, os estudos que se debruçaram sobre a categoria motoboy, se depararam com um
contingente de trabalhadores jovens, majoritariamente masculino, sem qualificação profissional específica
(técnica ou superior), calejados pela dureza do asfalto e da precarização do trabalho, sem tradição sindical,
mas com uma postura combativa baseada na experiência de ser periférico. No primeiro decênio deste sé-
culo assistimos esse contingente tornar-se um “continente”. Esse exército de motoboys que cobre a cidade
é uma tecnologia do capital, conexões em uma poderosa rede rodoviária de circulação, talvez comparável
apenas ao sistema de eletrificação, em sua capilaridade e extensão.
Trata-se de uma categoria profissional que, embora já existisse incipiente desde os anos 1980, em parte
por conta da popularização do uso de motocicletas, tornou-se presença marcante no mundo do trabalho
com o processo de flexibilização. A flexibilização foi o eufemismo encontrado pelo capital, para dar ares de
laissez-faire à precarização do trabalho e da vida nas grandes cidades.
O contexto da pandemia do novo coronavírus (Covid-19) intensificou ainda mais essa tendência
de crescimento do transporte rápido de pequenas cargas. De acordo com o Sindicato dos Mensageiros
Motociclistas, Ciclistas e Mototaxistas Intermunicipal do Estado de São Paulo (SindimotosSP), o setor cres-
ceu cerca de 20%, totalizando hoje aproximadamente 280 mil entregadores com moto na região.
Os estudos realizados à época da regulamentação da atividade motoboy retrataram o início de um
acentuado processo de precarização das condições de trabalho na indústria de transporte – longas jorna-
das, pagamentos por produção e contratos atípicos. Ou seja, no final da primeira década do século XXI, as
condições para o avanço da flexibilização do trabalho já estavam estabelecidas. A Reforma Trabalhista (lei
Nº 13.467 de 2017) e a Lei da Terceirização (lei Nº 13.429/2017) consolidam, no plano formal, o processo de
precarização que já estava em curso (LIMA, 2017).
As mudanças globais no mundo do trabalho desde a reestruturação produtiva do capital, ainda podem
ser sentidas no mundo contemporâneo: desemprego estrutural, intensificação do ritmo do trabalho, flexi-
bilização de contratos, enfraquecimento do movimento sindical etc. Acerca desses elementos de ruptura
com a ordem social que caracterizou o capitalismo industrial de meados do século XX, Postone (2008)
afirma que:
Segundo Chesnais (1996) esse processo de mudança foi impulsionado pela mundialização do capital,
fazendo com que toda a sociedade se adequasse às suas necessidades de lucro a curto prazo, com concen-
tração e centralização de capitais. Assim, o que a literatura acadêmica convencionou chamar de reestrutu-
ração produtiva do capital, cobre uma série de transformações tecnológicas e organizacionais empregadas
globalmente com vistas à continuidade da reprodução social do sistema capitalista.
Entretanto, Krein (2007) alerta para o fato de que no contexto do capitalismo tardio brasileiro, essa
regulação social do trabalho nunca alcançou o mesmo grau de proteção do que nos países centrais, de tal
modo que no Brasil não se tratou propriamente de “desregulamentar” os direitos do trabalho, porque o
mercado de trabalho aqui sempre foi flexível. Neste sentido, para esse autor, ao se referir a essas transfor-
mações estruturais da regulação e gestão do trabalho no Brasil, após a crise estrutural do capital, é mais
adequado utilizar o conceito de “flexibilidade”, uma vez que a partir da década de 1990 é que se passa a
introduzir na realidade brasileira regulamentações que ampliaram a flexibilidade já existente em certos
elementos centrais das relações de emprego.
Deste modo, em última instância, o que se coloca em questão com a agenda da flexibilização foi o
avanço da “mercantilização” da força de trabalho, como mercadoria cada vez mais barata e descartável. Ou
seja, em outros termos, trata-se de “reconstituir junto com o neoliberalismo, o neocontratualismo, o que
significa uma busca de aproximação, ao máximo possível, entre regulação e leis de mercado (auto-regulá-
vel)” (KREIN, 2007, p. 5).
Neste sentido, pode-se afirmar que, ainda que no Brasil já se pudesse falar de um mercado de trabalho
flexível antes da crise global de fins dos anos setenta, por conta das características estruturais de seu mer-
cado de trabalho, não se pode afirmar que estivesse em jogo uma apropriação ideológica da noção de flexi-
bilização antes da década de 1990. Por sua vez, no cenário atual de acumulação flexível, a flexibilização se
emprega como um eufemismo para a precarização do trabalho, fazendo-se válida a afirmação de Mészáros
(2006, p.27-8) de que “o mito da ‘flexibilidade’ é uma maneira de dourar a pílula”.
Graças à terceirização, a informalidade se torna uma forma adequada ao capital, porque participa
efetivamente da produção sem implicar os custos do trabalho formal, e porque, aparentemente,
não se configura como uma relação entre opositores.
Além do motoboy autônomo e terceirizado, observou-se também outra forma de flexibilização do mer-
cado de trabalho, designada por Krein (2007) como “pejotização”, ou seja, uma forma atual de subsunção
ao capital em que o trabalhador aparece como capitalista de si mesmo.
A trajetória de vida de alguns entrevistados ilustra bem a situação em que a terceirização possibilitou o
nascimento de um novo negócio, como subcontratação organizada em modelo empresarial. Entusiasmados
com a possibilidade de ser um micro ou pequeno empresário, um grande número de trabalhadores insa-
tisfeitos com suas condições de trabalho precarizadas, se arriscaram como “patrões-de-si-mesmo”, como
mostra o trecho do relato abaixo:
Eu fiquei dois anos só trabalhando para mim, (...) eu trabalhava na rua também, mas tinha mais oito
motoboys que eu tinha empregado. Eu comecei com a cara e a coragem. Eu não tinha nem possi-
bilidade de abrir crédito nenhum! Fui ao Santander tentar pegar um dinheiro: ‘Não. Não pode’. Aí o
que aconteceu? Vai tocando desse jeito, contratos mal feitos... Ou seja, pagava só o motoboy, não
sobrava mais nada. Aí eu resolvi montar a cozinha industrial (...) para salvar a outra. (...) Quando eu
montei a cozinha, o Banco do Brasil me abriu o crédito pelo BNDES de 100 mil. Mas eu só saquei
15 mil. (...) Desses 15, hoje está em 30. (...) Se eu não começar a pagar, o negócio vai ficar [difícil].
(...) Eu procuro falar que não me arrependo do que faço, mas disso eu me arrependo. (relato de
Fernando apud Godoi, 2012)
Deste modo, a despeito dos motivos específicos que interferem para o sucesso ou a falência destas
empresas de entregas rápidas, eles estão relacionados com o fato de uma empresa capitalista só existir, de
acordo com Marx (1985, p. 129):
Neste sentido, a despeito da existência da situação em que a abertura de firma resultou numa organiza-
ção produtiva capitalista, a pesquisa demonstrou que a “pejotização” foi um meio de descaracterização de
relações trabalhistas e transferência do custo e risco das operações para o próprio trabalhador. Na tentativa
de assegurar uma vida material dentro dos padrões médios de conforto, bem como, na esperança de dimi-
nuir sua jornada de trabalho, muitos motoboys se arriscaram como “patrões-de-si-mesmos”. A história de
José, informante da pesquisa, é emblemático. Esgotado com os sucessivos golpes levados no interior deste
mercado da terceirização, José resolveu abrir sua própria empresa, encorajado pela garantia de serviço dada
por um gerente do Banco Itaú, empresa para a qual já trabalhava como mão-de-obra terceirizada:
O quê que aconteceu? Eu abri a firma, fui ao Banco, levei os papéis. O gerente falou: ‘você já abriu
conta num banco?’. Falei: ‘não’. ‘Então vem cá, vamos abrir a conta, jurídica e tal.’ (...) Daí quando foi
na segunda-feira eu já comecei a trabalhar. Isso já está fazendo 10 meses. (...) Só que está muito
pouco. Diminui bastante nessa crise. [Inclusive] eu estava com um funcionário e dispensei. Agora
estou sozinho porque não compensa. (...) A minha mulher chega a chorar. Eu falo: ‘não esquenta
a cabeça, (...) quando as coisas começarem a melhorar eu pago [as dívidas]’. Tem que melhorar!
(...) Ou eu vou melhorar, ou eu vou piorar de vez agora (...) [porque] eu não trabalho de graça para
mais ninguém. Eu prefiro entrar em dívida, mas de graça eu não trabalho mais. (relato de José apud
Godoi, 2012)
O relato acima deixa claro, então, a diferença qualitativa entre o capitalista, como a personificação do
capital, e o trabalhador pejotizado. Apesar do estatuto jurídico-formal de empresário, muitos destes traba-
lhadores continuam sendo força de trabalho “livre como os pássaros”, como mostra a experiência de outro
entrevistado da pesquisa, que foi persuadido a abrir firma e comprar o meio de trabalho que seria utilizado
para a entrega de uma nova tiragem de jornal de Campinas:
No Jornal, (...) eles me ofereceram uma oportunidade para trabalhar com uma microempresa (...).
Mas na realidade eles me propuseram uma coisa, me disseram que ia ser uma coisa, e foi outra.
(...) Eu achei que seria melhor, que eu iria trabalhar menos, que eu iria ter tempo para dormir. Mas
foi a mesma coisa, aliás, foi um problema maior. Foi pior porque eu não conseguia me manter.
Eu tinha contador, combustível, imposto para pagar e não valia a pena. Eu resolvi parar. (...) Eles
falaram: ‘Veja o que é melhor para você, procure o que é melhor para você’. E foi assim. (relato de
Gilberto apud Godoi, 2012)
Assim, o relato acima revela que a pejotização foi uma prática social de precarização do trabalho que,
articulada ao processo de terceirização, foi determinante para a formação da categoria motoboys. O traba-
lhador autônomo, terceirizado ou pejotizado foi o preâmbulo da uberização do trabalho motoboy.
Analisando os resultados das pesquisas desenvolvidas há dez anos, no bojo do processo de regulamen-
tação da profissão, pode-se afirmar que a categoria atraía um contingente de trabalhadores urbanos desem-
pregados ou informalizados. Em sua maioria exerciam o trabalho de motofrete para o comércio, indústria
e bancos, através da interposição de empresas de transporte terceirizadas. Entretanto, com a uberização
do trabalho, agrava-se esse processo de precarização vivenciados pelos trabalhadores sob duas rodas. É
como se aquelas relações de trabalho mais precarizadas, que atingia o menor contingente de motoboys
(...) ao contrário da maior parte dos exemplos e dados presentes no livro, cujo foco recai sobre as
relações trabalhistas em países de capitalismo avançado, comentarei a obra da perspectiva de
alguém que estuda as metamorfoses do capitalismo e da classe trabalhadora no chamado “Sul
global”. (...) De certa maneira, o precariado seria o filho indesejado do casamento do neolibera-
lismo com a globalização do capital. (...) Em suma, o autor identificou uma postura socialmente
ressentida e politicamente antisindical por parte do precariado europeu. A razão da hostilidade ao
movimento trabalhista dever-se-ia, sobretudo, ao fato de os trabalhadores jovens, politicamente
inexperientes e submetidos à precarização do emprego considerarem praticamente impossível
organizar-se sindicalmente nos locais de trabalho (...) Ao elaborar seu diagnóstico sociológico e
sua agenda política, Standing optou por afastar o precariado tanto dos demais grupos da classe
trabalhadora quanto do movimento sindical. Se, como afirma o autor, os sindicatos estão conde-
nados ao desaparecimento, é evidente que eles não podem propor soluções capazes de fortalecer
a universalização dos direitos sociais e enfrentar a precarização do trabalho. Mas até que ponto
a desconstrução analítica da relação entre o precariado, a classe trabalhadora e os sindicatos é
empiricamente consistente? Como o precariado no Sul global tem se comportado em relação aos
direitos sociais e ao sindicalismo? (BRAGA, 2014, p. 38, 39, 41, 44)
Para Braga (2014) não só a abordagem sociológica de Standing (2011) é problematicamente eurocentra-
da, por compreender o avanço da nova informalidade como impulso para a formação do precariado como
uma nova classe, separada da classe trabalhadora, mas suas conclusões sobre a agenda política cabível ao
precariado também guardam problemas1.
Analisando os movimentos recentes de motoboys e entregadores de aplicativos, observamos que a frag-
mentação ocupacional dentro da categoria e a interposição de empresas na relação capital/trabalho – seja
as empresas terceirizadas ou as empresas de plataformas de aplicativos – dificultam a constituição de uma
agenda de luta contra a informalidade que gere engajamento massivo e continuado. O terceiro ato convoca-
do pelo “Breque dos Apps” é emblemático ao observar os “rachas” internos.
O movimento denominado “Breque dos Apps” não foi organizado inicialmente pelo Sindicato
(Sindimotos), que só aderiu depois. Esse dado mostra preliminarmente que existem movimentos e proces-
sos de auto organização que operam em paralelo aos sindicatos, ainda que em alguns casos com relativo
1 Em Godoi (2012), o conceito de classe-que-vive-do-trabalho desenvolvido por Antunes (2000) foi empregado com a intenção de
demonstrar o pertencimento dos motoboys à classe trabalhadora: “Uma noção ampliada de classe trabalhadora inclui, então,
todos aqueles e aquelas que vendem sua força de trabalho em troca de salário, incorporando, além do proletariado industrial,
dos assalariados do setor de serviços, também o proletariado rural, que vende sua força de trabalho para o capital. Essa noção
incorpora o proletariado precarizado (...) os trabalhadores assalariados da chamada ‘economia informal’, que muitas vezes são
indiretamente subordinados ao capital.” (Antunes (2000, p. 103-4)).
O saldo de quase dez anos de mandato do presidente anterior foi o esvaziamento do patrimônio e
um monte (literalmente falando) de dívidas. Vários dirigentes de entidades sindicais de inúmeras
cidades deram suporte e apoio, principalmente jurídico, para que o SindimotoSP estivesse com
quem realmente trabalha pelo setor. Agora, o desafio maior é reconstruir a “casa” e com a deter-
minação da nova diretoria presidida pelo companheiro Gil e o engajamento de toda a categoria, o
SindimotoSP iniciará uma nova fase. As vitórias estão chegando e prova disso é a Regulamentação
que foi aprovada e já está em vigor e a obtenção da Carta Sindical que nos dá o título de represen-
tantes oficiais (e legítimos) da categoria. Outras reivindicações também já estão sendo atendidas
e em breve, você motoboy terá o que sempre sonhou: uma profissão reconhecida e respeitada
(direção do Sindimotos-SP in http://sindimotosp.com.br/menu/quemsomos.html).
Ou seja, mais do que uma agenda política ampla que incorpore outras bandeiras e estratégias confron-
tacionais, o perfil público de atuação do Sindimotos-SP3 parece circunscrevê-lo a uma prática sindical
negocial, característica dessas entidades de classe depois dos “descaminhos do novo sindicalismo” mais
combativo (Antunes, 2018).
Outra questão que parece pertinente destacar para analisar as formas de ação coletiva entre os moto-
boys e entregadores de aplicativos é o fato de que o esvaziamento dos últimos atos do “Breque dos Apps” es-
tar relacionado também a oposições internas em torno da questão da informalidade e da política nacional.
De acordo com matéria “Nova greve dos motoboys tem baixa adesão pelo País”, de Jakitas (2020), publicado
pelo jornal Estadão, no terceiro dia de greve convocada pelo Breque dos Apps:
No final do dia, os motoboys confessavam frustração com o movimento nos grupos de WhatsApp.
Para eles, após surgir com uma pauta forte, destinada a garantir melhor remuneração e melhores
condições de trabalho, o movimento rachou entre grupos distintos. Uma parte com ambições po-
líticas e a outra parte alinhada aos sindicais, que defendem o reconhecimento de vínculo empre-
gatício dos entregadores com os aplicativos - tema que não é consenso entre os trabalhadores já
que, em sua maioria, eles prestam serviços para mais um de aplicativo.
2 THE INTERCEPT BRASIL. 1 Vídeo (5:44). Conheça Paulo Lima, o entregador de aplicativo antifascista que or-
ganiza a categoria. Publicado pelo canal The Intercept Brasil, 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=iTVhpgxH8dY&ab_channel=TheInterceptBrasil.
3 O Sindicato dos Mensageiros Motociclistas, Ciclistas e Mototaxista Intermunicipal do Estado de São Paulo (SindimotoSP), foi
fundado em 1991 e constituiu nova diretoria em 17 de agosto de 2007, elegendo Gilberto Almeida dos Santos, o Gil.
Eu não sou de reparar na casa dos outros, né mano. Nunca fui de reparar na casa dos outros, minha
casa sempre foi uma casa humilde, mas naquele dia eu senti a necessidade de reparar, mano. Eu
perguntei pra ele: “Ô fulano, me dá um copo da água gelado ai!”. Pra ele abrir a geladeira que eu
queria reparar na geladeira dele memo, se tinha alguma coisa, se não tinha alguma coisa. Ele abriu,
mano! Só tinha água na geladeira do cara. Ai eu falei: “Ô mano, e como tá ai pra comer, pras contas,
como que tá?”. Ele falou: “É Murilo... tá foda, mano. Tá foda! Tô com dois aluguéis atrasados. E
mano... minhas criança estão até passando fome” (relato de Murilo, 2020.)
Ainda que esteja previsto na Convenção Coletiva de Trabalho (Sindimotos-SP, 2020-2021) cláusulas
que preveem a “reposição do custo da utilização do equipamento do empregado e seus acessórios”, bem
como o direito do funcionário à “seguro de saúde complementar”, esses direitos não atingem grande parte
Mano, eu chamei dez, quinze motoboy que não ia afinar naquela hora: “Me arruma cem conto ai”.
Nós fizemos uma catança e eu lembro que conseguimos levantar dois conto. Fui lá (...) pagamos
os dois alugueis, fizemos uma puta duma compra e deixamos lá pro cara. Ai eu inventei uma tal de
poupança. Falei pros caras: “Ô, vamos inventar uma poupança. Dez reais cada um por mês. Nós
fazemos uma poupança e se acontecer alguma coisa [por exemplo] com o ‘Gordão’, nós ajudamos
ele…”. Mano, no primeiro mês vieram (...) cento e três pessoas. (...). [Em] novembro, o Rick caiu. Ai
esse cara caiu, só que ele deu dez reais só no primeiro mês, não tinha dado mais [nada]. Mas mes-
mo assim ele participou, não participou? (...) Fui lá na casa dele fazer uma visita pra ele. (...) Na hora
que eu tava saindo eu saquei de quinhentos conto e falei: “Tó”. Ele falou: “O que que é isso?”. Eu
falei: “A [nossa] poupança tá dando quinhentos reais pra você arrumar sua moto e comprar algum
medicamento que você precisar ai e depois se você quiser devolver pra poupança você devolve... E
bola pra frente” (relato de Murilo, 2020).
O relato acima deixa evidente que o projeto de formar a Associação (AMEI) iniciou-se a partir da per-
cepção de que o desamparado acarretado pela informalidade poderia ser enfrentado coletivamente.
Como forma de amortecer os impactos causados pela precarização da profissão motoboy e a inserção
da uberização do trabalho, a associação fundada por Murilo, irá influenciar, segundo ele: “na união, porque
todo mundo vai estar no mesmo barco” (relato de Murilo, 2020).
Outra agenda de luta que a AMEI está encampando guarda relação com a questão da mobilidade urba-
na. Sabe-se que o tempo é elemento fundamental para a categoria motoboy dada a relação direta com a sua
produtividade, já que não tendo nenhuma certeza em relação ao seu salário, os entregadores, desprovidos
de seguridades básicas, se arriscam em cima de duas rodas, procurando cada vez mais diminuir o tempo
de suas entregas. Esta situação é descrita na fala de Murilo:
(...) Você pára na portaria de um condomínio, tem uma fila de dez carros. Mano, é dez pessoas pra
fazer o cadastro pra entrar. E você lá, com dez entregas [pra fazer e só] uma no condomínio, o resto
pra fora. A hora que você sai do condomínio, [como] você vai recuperar aquele tempo [em] que você
estava [preso na portaria]? (relato de Murilo, 2020)
Por esse motivo, a associação tem em vista um projeto de lei para facilitar o acesso dos motoboys nos
condomínios fechados da cidade. Segundo Alberto, outro entrevistado, “A Associação está em prol dessas
coisas. O que a gente vai tentar? A gente vai tentar (...) pedir pra prefeitura obrigar os condomínios a pôr
uma cancela só para os motoboys, para facilitar a [nossa] entrada e saída”.
Deste modo, as entrevistas com os membros da AMEI levantam a hipótese de que a agenda política des-
ses trabalhadores que compõem o precariado do Sul Global está atravessada tanto por questões trabalhis-
tas, tradicionalmente encampadas pelas entidades sindicais, quanto por questões ligadas aos movimentos
sociais urbanos, tais como a reivindicação dos motoboys de Indaiatuba por diminuir as barreiras para a
circulação dentro dos condomínios fechados.
Toda a economia para o capital é economia de tempo. O processo de subsunção do trabalho ao capital
passou pelo avanço da sincronização dos tempos e aumento da mobilidade, de modo que os horizontes das
tomadas de decisão privadas se estreitassem e a difusão dessas decisões se propagasse mais rápido e por
áreas cada vez mais amplas e variadas.
Por sua vez, esses poderes aumentados em termos de flexibilidade e mobilidade implica numa atenção
redobrada com a logística da produção-circulação do excedente, produzido pelos trabalhadores e conti-
nuamente apropriado, consumido e investido pelos capitalistas. Essa necessidade de eficiência no processo
de circulação implica no acionamento de um exército de trabalhadores ligados ao transporte, ao sistema
financeiro e às comunicações. Deste modo, um personagem polêmico se destaca no cenário urbano. Uma
categoria de trabalhadores precarizada que viabiliza essa nova dinâmica da acumulação: os motoboys.
Neste ano, o serviço de entregas rápidas realizado pelos motoboys e entregadores de aplicativos ganhou
enorme centralidade. Durante o período de isolamento social na pandemia do Covid-19, enquanto as ruas
foram esvaziadas de carros e pedestres, os trabalhadores precarizados sob as “rodas da liberdade” ocupa-
ram o palco das cidades, evidenciando a vulnerabilidade e risco que marcam a profissão motoboy.
Nesse escrito buscamos demonstrar que, se a terceirização do transporte e a pejotização do trabalhador
foram elementos determinantes para a formação da categoria motoboy, a uberização foi responsável pela
intensificação do processo de precarização. Sem vínculos e direitos trabalhistas, as plataformas de aplica-
tivos combinaram as condições de trabalho mais desprotegidas socialmente com a gestão maquínica-al-
gorítmica da força de trabalho, que derreteu os espaços clássicos de confronto da relação capital/trabalho.
Analisamos, entretanto, a precarização do trabalho motoboy - da terceirização à uberização - atentan-
do também para as formas de ação desenvolvidas por esses trabalhadores, no âmbito das suas entidades
sindicais, cooperativas e associações. Buscamos salientar que, a despeito da existência de várias fraturas
internas à categoria, que conspiraram contra um maior e mais duradouro engajamento no “Breque dos
Apps”, a experiência da própria desproteção social mobiliza um sentimento político de “união”, porque
estão todos “no mesmo barco”. O barco que carrega o precariado do Sul Global.
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Resumo: O presente artigo estuda o capitalismo e os seus métodos ideológicos de conduzir as relações de trabalho. Assim, inicia
por descrever a realidade do sistema econômico e aponta os efeitos do capitalismo nas relações de trabalho. Além disso, verifica
as desigualdades sociais e a relação com o mercado de trabalho, bem como analisa o princípio constitucional da dignidade da pes-
soa humana. Por fim, examina a doutrinação ideológica implícita no sistema capitalista e as condições necessárias para a mudança
emancipatória. Conclui que o sistema capitalista está aprofundando as desigualdades sociais e precarizando as condições de tra-
balho, bem como manipulando e empobrecendo a vida dos trabalhadores em prol do enriquecimento das elites. A metodologia ado-
tada é do tipo teórica. Utilizou-se revisão bibliográfica através de resumos e fichamentos sobre doutrina e legislação. O método de
abordagem presente é o hipotético-dedutivo e o procedimento é o monográfico, vinculando-se às bases do materialismo histórico. A
natureza qualitativa da abordagem deve-se ao fato de buscar reflexões jurídicas, sociológicas e filosóficas relativas ao capitalismo
e à sua ideologia nas relações de trabalho.
Palavras-chave: Capitalismo; Trabalhadores; Ideologia; Alienação; Emancipação.
INTRODUÇÃO
Os acontecimentos recentes tem demonstrado que o sistema capitalista permanece dominante. A sua
hegemonia é sólida e imponente, pugnando incessantemente pelo enriquecimento das elites e por uma pau-
perização das camadas mais baixas da sociedade. A classe trabalhadora, por sua vez, se vê, a cada ano, mais
fragilizada, desmontada e submissa ao poder-dinheiro, vivendo um verdadeiro individualismo de “salve-se
quem puder”. Reformas, como a trabalhista buscam a desestruturação da organização dos trabalhadores,
afetando-lhes a união e o sentimento necessário enquanto classe profissional, na defesa de seus direitos,
segregando e ruindo com tais propósitos.
Dando prosseguimento ao seu ideal de desigualdade, o capital redesenha a vida em sociedade, afetando
os padrões de união, solidariedade e bem comum, guiando as determinações civilizatórias em benefício
próprio, sempre no intento da acumulação e concentração do poder econômico nas mãos do seleto grupo
hegemônico global. Desse modo, as estratégias para a sua manutenção no comando das relações econô-
micas se dão por intermédio dos artifícios ideológicos ou falaciosos, conforme restou constatado com os
efeitos colaterais sendo sofridos na pele da classe trabalhadora no período pós reforma trabalhista.
A partir do nebuloso e complexo contexto vivido pela classe trabalhadora hoje, é pertinente debater e
refletir sobre alguns questionamentos que se insurgem nesse ambiente. A imponência do capitalismo sobre
as relações de troca está aprofundando as desigualdades sociais e favorecendo o acúmulo do capital, de um
lado, e ruindo com a organização e defesa da classe trabalhadora na luta por seus direitos e seus ideais, de
outro. Os meios de manipulação da realidade estão alienando o trabalhador, ceifando com as possibilidades
emancipatórias da classe desfavorecida. Portanto, surge um questionamento para a análise em tela: quais
são os limites e as possibilidades de libertação do trabalhador quanto ao capitalismo e aos seus artefatos
ideológicos?
Para tanto, o texto foi dividido em duas partes que contemplam essa realidade. No início, é estudado o
capitalismo e as decorrentes relações de trabalho, além de uma breve análise sobre o princípio da dignida-
de da pessoa humana, notadamente correlato. Ao final, é abordada a doutrinação ideológica implícita no
Karl Marx foi e continua sendo uma importante referência para o debate sobre o sistema capitalista. As
suas palavras refletiram, essencialmente, sobre o conflito entre classes existente na sua época (século XIX),
no entanto, são plenamente aplicáveis à realidade do século XXI, tamanha é a atualidade de suas obras. Isto,
pois mesmo com toda a evolução da vida, da tecnologia e das relações, de sobremaneira quanto às relações
sociais e econômicas, as críticas de Marx não perderam sua validade e pertinência, propagando-se pelos
séculos e, ainda sem a necessária atenção.
O seu posicionamento contempla toda uma gama de reflexões atinentes às relações de trabalho e à
compra e venda da força de trabalho. Neste cenário, o empregador (ou patrão) é o detentor do capital e dos
meios de produção, e o empregado é aquele que nada possui (despossuído), levando ao mercado de trabalho
a própria força, energia, vitalidade e tempo de vida em troca do seu sustento e de sua família. O trabalhador,
na essência, entrega a própria pele para o capitalista, arriscando-se em prol de uma remuneração. Marx
adverte a seguir:
Pode-se observar a iminente fatalidade existente a partir do conflito entre os capitalistas e os vende-
dores de força de trabalho, bem como as invenções e os aparatos tecnológicos criados para agravar essa
disparidade recorrente, conforme será mencionado ao longo do estudo. E mais: não é apenas o homem que
é prejudicado, na sua existência precipuamente humana, mas, igualmente, na sua formação enquanto ser
afetivo, social e politicamente constituído. O trabalhador vive, portanto, sobre uma corda-bamba, tentando
manter-se vivo, ativo, alimentado e com saúde, mas tem plena consciência de que está suscetível ao risco
iminente de se desequilibrar e perder o emprego ou pior, sofrer algum dano à saúde ou mesmo perdendo a
própria vida. Amartya Sen concorda com tal crítica, asseverando que “se o desemprego arruína vidas, isso
deve, de algum modo, ser levado em consideração na análise da desigualdade econômica”. (SEN, 2010, p.
131).
Um dos momentos históricos vividos pelo Brasil que enraizou as desigualdades entre as camadas da
população foi a escravidão, massivamente praticada durante os períodos de colônia e império, entre o sé-
culo XVI e o final do século XIX. Apesar da violência cometida de diversas formas contra os escravos, o
legado do período pós-abolicionista reside no grande desafio da recolocação dos seus descendentes no seio
da sociedade, visto que são recorrentes as diversas formas de segregação, marginalização e exclusão social
das quais eles ainda são alvos. “O abismo criado entre o povo negro e mestiço, de um lado, e as elites da
sociedade brasileira do séc. XIX, de outro, em forma crescente, jogou sobre aqueles segregados a responsa-
bilidade da germinação de uma nova sociedade [...]” (KRÜGER, 2019, p. 50), cenário este onde as elites não
assumiram o compromisso de uma sociedade melhor.
Neste espectro, igualmente merece atenção o resguardo do princípio da dignidade da pessoa humana.
Este é outro ponto diretamente atingido pelas relações desiguais de trabalho e produção de bens. Traduz-se
pelas condições humanas da população quanto à sua essência, isto é, aos parâmetros que deveriam ser res-
peitados e servir de limites para frustrar qualquer abuso. O princípio da dignidade da pessoa humana, nes-
se sentido, é constantemente posto em xeque, em função da prevalência irrestrita do capital sobre a condi-
ção sumamente humana, perfazendo uma balança economicamente desequilibrada. No entanto, conforme
Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento podemos encontrar referências no sentido de que o
ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, premissa da qual o cristianismo extraiu a
consequência [...] de que o ser humano é dotado de um valor próprio, não podendo, por tal razão,
ser transformado em mero objeto ou instrumento da ação alheia. (SARLET, 2015, p. 32).
Em reforço quanto à incumbência legislativa sobre o princípio em tela, cabe destaque o necessário re-
conhecimento da eficácia dos Direitos Fundamentais, onde a dignidade da pessoa humana está inserida. O
viés normativo é complementado pelas dimensões histórica, sociológica e filosófica que também envolvem
o referido termo. Ou seja, é insuficiente o vislumbre exclusivamente sob a ótica normativa para a garantia
de tal proteção, apesar de fundamental na sociedade civilizada e democrática de Direito. O retrospecto
histórico para essa conquista humana é acalentador, bem como os caminhos filosóficos e sociológicos dei-
xaram legados de reconhecimento do valor ímpar e de combate a possíveis retrocessos nesse sentido.
Verificando a relação entre Estado e indivíduo, Sarlet e Fensterseifer pontuam que, devido à condição
ímpar do ser humano, “é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o
ser humano consiste finalidade precípua, e não meio da atividade estatal.” (SARLET, FENSTERSEIFER,
2014, p. 45). A ideia, portanto, é de que o ser humano surgiu antes da estrutura estatal, precisando dela
para organizar a vida em sociedade. Assim, o Estado deve propiciar um ambiente no qual se viva de forma
civilizada, adequada e próspera. O propósito da máquina pública, portanto, deve ser de estabelecer as con-
dições sociais para que se reconheça e se respeite a dignidade da pessoa humana em cada cidadão, em cada
indivíduo, em cada humano.
Entrando na esfera do dinheiro como moeda de troca a partir do trabalho dos humanos, Marx também
critica veementemente a posição que esta forma de valor ocupa. Embora já não seja mais novidade para
os dias de hoje, o papel-moeda continua sendo uma das faces mais perversas do sistema capitalista, na
medida em que centraliza e atribui os valores mediante determinação monetária, não levando em conta a
saúde nem o tempo de vida que do trabalhador foram consumidos. Por ser o instrumento mais eficaz para
concretizar as relações comerciais, a sua capacidade de incorporação dos demais tipos de valores tende a
ser ilimitada.
O dinheiro, na medida em que possui o atributo de tudo comprar, na medida em que possui o atri-
buto de se apropriar de todos os objetos, é, portanto, o objeto em possessão eminente. A universa-
lidade de seu atributo é a onipotência de seu ser; ele vale, por isso, como ser onipotente. (MARX,
2004, p. 157).
O dinheiro, além disso, é um elemento base para a divisão da sociedade em classes, em virtude de estar,
preponderantemente, nas mãos da elite. A posse da moeda e a decorrente aplicação em bens móveis, imó-
veis, contas bancárias ou ações mercantis, por exemplo, são notadamente práticas identificadas em extratos
sociais mais elevados. Estas práticas, geralmente, tendem a restringir-se em capital especulativo, inibindo
qualquer possibilidade de produção de bens e serviços que poderiam alcançar os setores mais baixos da
sociedade e, por consequência, a grande massa populacional de trabalhadores. Neste sentido, a existência
de uma gama da sociedade como abastada é uma das críticas de Marx.
Uma parcela elitizada da sociedade vive, hoje, consideravelmente sobre o capital especulativo, o qual
não gera trabalho, renda ou produtividade, mas sim incrementa o seu nível socioeconômico através do
O trabalhador sabe por instinto que cada hora a mais, depois de haver produzido o equivalente a
seu próprio salário, é uma hora de trabalho da qual é abusivamente espoliado. Ele guarda em seu
corpo, gravadas em sua carne, as provas desse abuso. [...] O trabalhador, por sua vez, luta por sua
saúde: por arrancar mais um par de horas de descanso por dia, nas quais poderá sentir-se humano,
e não um animal nascido para trabalhar, comer e dormir. (BENJAMIN, 2003. p. 22-23).
A realidade escancarada, conforme trazida à tona por Benjamin, é o resultado do sistema produtivo
para o trabalhador. O sofrimento, o cansaço, as mutilações, as doenças, a invalidez temporária e perma-
nente e, até mesmo, a morte são os frutos desse sistema perverso e avassalador, onde o ser humano, antes de
ser trabalhador, tem o direito à vida e às limitações naturalmente dela decorrentes. E, são estas limitações
que permitem ao trabalhador exercer atividade laboral a cada dia, em função de lhe recuperarem o estado
regular de vigor físico e mental através dos períodos diários e semanais de repouso.
Do contrário, não existiria um mercado de trabalho regulado pela Legislação Trabalhista (BRASIL,
1943), mas uma afronta do tipo escravocrata, onde o escravo não tinha direitos e era, literalmente, sugado
até a morte. O Estado-mínimo, nesse sentido, flerta com as ideias liberais do capitalismo, onde não se bus-
ca o bem comum e nem o bem-estar social, mas a sobrevivência individualizada, apenas. Nesse cenário,
nem o Estado e nem os empregadores precisariam direcionar recursos financeiros para custear os direitos
trabalhistas, sociais e previdenciários de seus trabalhadores. Além disso, esse ímpeto de selvageria contra
os trabalhadores cria um ambiente debilitado, sem o resguardo de parâmetros mínimos para o adequado
desempenho das atividades e ilustrando a precarização do trabalho.
Quanto à perversidade do sistema do capital, é interessante trazer à tona o ponto da precarização das
relações de trabalho, notadamente romantizado como “flexibilização”. Nesta abordagem, Luci Praun é
precisa.
Do ponto de vista do seu impacto nas relações de trabalho, a flexibilização se expressa na diminui-
ção drástica das fronteiras entre atividade laboral e espaço da vida privada, no desmonte da legis-
lação trabalhista, nas diferentes formas de contratação da força de trabalho e em sua expressão
negada, o desemprego estrutural. [...] Quanto ao impacto da flexibilização no mundo do trabalho,
não se trata de característica contingencial, mas intrínseca às engrenagens da acumulação de
capital. (PRAUN, 2016, p. 139).
1 A reforma trabalhista, implantada através da lei 13.467/2017, prometeu uma onda de modernização das relações de trabalho,
com geração de emprego e melhoria das condições de trabalho, dentre outras ações benevolentes. No entanto, este foi um dos
maiores discursos falaciosos da história, no qual os propósitos eram diametralmente opostos à ilusória propaganda. Proposta
durante um governo de legitimidade duvidosa, a reforma trabalhista foi aprovada pelo Congresso Nacional sob um regime de
celeridade anômala, sem o debate amplo e necessário com todos os setores diretamente interessados da sociedade, bem como
sancionada com uma rapidez recorde. Em resumo, os efeitos evidenciados após a sua entrada em vigor foram de precarização
das relações de trabalho, redução de direitos da classe trabalhadora, desmonte sindical, prevalência da negociação desigual
entre empregador e empregado sobre a legislação, queda no poder aquisitivo dos trabalhadores e pauperização da sociedade,
bem como o surgimento de bolsões populacionais restritos ao subemprego, aos empregos precários, temporários, intermitentes
e a decorrente miséria generalizada, pobreza, desemprego em níveis alarmantes e o retorno do país ao mapa da fome.
[...] O desemprego é gerado e a remuneração do emprego se torna cada vez pior, ao mesmo tem-
po em que o poder público se retira das tarefas de proteção social [...]. A ausência deliberada do
Estado e de sua missão social de regulação está contribuindo para uma produção científica, glo-
balizada e voluntária da pobreza. [...] Uma pobreza pervasiva, generalizada, permanente, global. [...]
Existe como algo racional, um resultado necessário do presente processo, um fenômeno inevitá-
vel, considerado até mesmo um fato natural. Alcançamos, assim, uma espécie de naturalização
da pobreza, que seria politicamente produzida pelos atores globais com a colaboração consciente
dos governos nacionais [...]. (SANTOS, 2020, p. 72).
Milton Santos, oportunamente, alude ao desemprego e a relação com o salário. A flexibilização da re-
muneração ocorre a partir de diversos fatores, imbricados com o poder hierárquico e capitalista do empre-
gador. Considerando válida a ponderação de Giovanni Alves, “entendemos a ‘nova precariedade salarial’
[...] como sendo caracterizada pela adoção das novas tecnologias informacional, gestão toyotista e relações
de trabalho flexíveis (contrato salarial, jornada de trabalho e remuneração flexível).” (ALVES, 2014, p. 91).
A precarização do salário acarreta na precarização do trabalho, sendo o status anterior ao rebaixamento
para a informalidade ou para o desemprego. A corrosão do poder aquisitivo da classe trabalhadora e de sua
dignidade laboral, portanto, desencadeia um retrocesso do Estado social e com efeitos no próprio sistema
econômico, ampliando os bolsões de pobreza.
Nesse ínterim, é vital o dever do Estado em buscar políticas sociais de promoção do pleno emprego,
do aperfeiçoamento profissional, do chamamento a empresas e de fertilização de nichos de mercado para
favorecer a empregabilidade por diversas frentes. Concomitantemente, o Estado deveria manter a guarda
sobre o Direito do Trabalho, permitindo uma remuneração justa e relações empregatícias estáveis com o
respeito para a posição hipossuficiente do trabalhador. Com esta postura, o Estado se libertaria das en-
tranhas do sistema econômico em voga, qual seja, o parasitismo sobre a classe trabalhadora, bem como a
decorrente não intervenção estatal na economia. “Uma das determinações histórico-ontológica do trabalho
vivo é constituir formas de resistência à voracidade do capital.” (ALVES, 2007, p. 114). (Grifos no original).
No entanto, o que mais se vê é a postura de Estado-mínimo, ignorando a necessidade do emprego para
a sobrevivência da população e acarretando na incidência da naturalização da pobreza. Como ela não é
plenamente eliminada, resta evidenciado que a pobreza é um efeito natural do capitalismo, pois decorre da
acentuação das desigualdades sociais e retroalimenta o próprio sistema. Além disso, a espinhosa ascensão
social e a massificação da miséria em diversos países decorrem, em grande medida, da falta de efetividade
das políticas sociais dos governos e da invasão de grandes empresas transnacionais e conglomerados cor-
porativos que buscam, apenas, mão-de-obra barata e incentivos fiscais abundantes.
2 Especificamente quanto ao desemprego, Amartya Sen tem uma condução característica do tema. “Há provas abundantes de que
o desemprego tem efeitos abrangentes além da perda da renda, como dano psicológico, perda de motivação para o trabalho,
perda de habilidade e autoconfiança, aumento de doenças e morbidez (e até mesmo das taxas de mortalidade), perturbação das
relações familiares e da vida social, intensificação da exclusão social e acentuação de tensões raciais e das assimetrias entre
os sexos.” (SEN, 2010, p. 129-130).
O modelo civilizatório da sociedade, em seu estágio mais recente, foi abduzido pelo capitalismo, depois
de passar por sistemas econômicos nos quais já germinavam características essenciais do atual, tais como a
propriedade privada3 e a banalização das diferenças entre ricos e pobres. O sistema capitalista não admite a
existência de alternativas, pois o seu vigor depende da continuidade da relação de exploração no ambiente
de trabalho.
A luta pela emancipação humana contra as algemas do capitalismo foi originalmente assumida por
Marx, que, dentre outros, dirigiu severas críticas a esse modelo de sistema de caráter desigual, do início ao
fim. Dentre os efeitos catastróficos deste modelo perverso, é destaque a desigualdade social, fazendo com
que os detentores do capital acumulem mais riqueza e de forma incessante, enquanto que os trabalhadores
são destinados a viver à míngua, padecendo em dificuldades de sobrevivência, se entrincheirando nas vie-
las da crescente ocupação urbana desigual e marginal, dificultando-lhes até mesmo o acesso ao alimento,
ao sono e à vida.
István Mészáros corrobora a compreensão de que o desafio maior da atualidade é romper com essa na-
turalização do sistema e de seus efeitos irrestritos de desigualdade, edificando um aporte limitador de suas
atrocidades e tragédias, mudança esta que não é apenas uma ideia, mas uma necessidade. “[...] O sistema de
capital, por não ter limites para a sua expansão, acaba por converter-se numa processualidade incontrolável
e profundamente destrutiva.” (MÉSZÁROS, 2011, p. 11). (Grifos no original).
Tarso Genro também visualiza tamanho cenário. A tomada como algo “natural” ou inquestionável a
respeito da sistemática capitalista coloca “vendas” na sociedade, bloqueando o raciocínio questionador e
inibindo o espírito emancipatório. Genro contribui para este diálogo dizendo que há “[...] um conformismo
cínico, ou, quando muito, um “melhorismo” resignado, posturas que, em última instância, consagram o
capitalismo como algo “natural”, como um destino fatal da humanidade.” (GENRO, 2004, p. 7).
Marx supõe que há uma base econômica sobre a qual se erguem os arcabouços do pensamento,
assim como uma superestrutura política e legal que define coletivamente como tomamos cons-
ciência dos problemas e os enfrentamos. [...] Há alianças de classe, possibilidades conjunturais,
mudanças discursivas nos sentimentos, e o resultado jamais é seguro. (HARVEY, 2013, p. 196).
Harvey, novamente, resgata uma postura de Marx. Agora, com um viés ideológico, a crítica vem a
agregar na construção teórica erigida até o momento. Os arcabouços do pensamento, que também são um
3 Quanto às origens da propriedade privada, é valiosa a contribuição de Friedrich Engels. “A diferença entre ricos e pobres veio
somar-se à diferença entre homens livres e escravos; a nova divisão do trabalho acarretou uma nova divisão da sociedade em
classes. A diferença de riqueza entre os diversos chefes de família destruiu as antigas comunidades domésticas comunistas, em
toda parte onde estas ainda subsistiam; acabou-se o trabalho comum da terra por conta daquelas comunidades. A terra cultiva-
da foi distribuída entre as famílias particulares, em princípio por tempo limitado, depois para sempre; a transição à propriedade
privada completa foi-se realizando aos poucos, paralelamente à passagem do matrimônio sindiásmico à monogamia. A família
individual principiou a transformar-se na unidade econômica da sociedade.” (ENGELS, 2012, p. 206).
Separação ou dissociação dos seres humanos de algum aspecto essencial de sua natureza ou da
sociedade, muitas vezes resultando em sentimentos de impotência ou desamparo. [...] Impacto do
4 Para ilustrar o viés político-ideológico de direita, Norberto Bobbio é cirúrgico quando afirma sobre a existência de “doutrinas
e movimentos inigualitários, entre os quais se inserem os partidos conservadores”, como viés de centro-direita, e “doutrinas e
movimentos anti-igualitários, dos quais creio ser supérfluo indicar exemplos históricos bem conhecidos, como o fascismo e o
nazismo” (BOBBIO, 2011, p. 135). Portanto, a direita busca o Estado-mínimo, com as precárias ou inexistentes políticas sociais e
pugna pela proteção indiscutível à propriedade privada, bem como à promoção do capital e das grandes empresas. O conserva-
dorismo vem, nesse sentido, a manter (conservar) os privilégios das classes dominantes em detrimento de um eficaz combate
às desigualdades sociais, bem como a continuidade da existência do abismo historicamente construído entre ricos (senhores
feudais, colonizadores, capitalistas) e pobres (escravos, migrantes, trabalhadores, desempregados, marginalizados). Este é o as-
pecto inigualitário (não se admitindo a igualdade de acesso aos bens, serviços e às oportunidades para todos), na forma amena,
e anti-igualitário (combatendo-se essa busca por justiça social), na forma severa, como são precisos os exemplos de nazismo e
fascismo, onde não havia espaço para a pluralidade, para o diálogo, para a busca do bem comum.
Com o aprofundamento do termo em análise, Giddens converge com Marx e com a análise deste estu-
do. A alienação retira algo dos trabalhadores que lhes é inerente, mas que lhes afeta de maneira mais ampla,
isto é, enquanto seres humanos. Desafiados, eles são afastados da verdade, sendo-lhes incutida e repetida-
mente afirmada uma visão de mundo que refute qualquer possibilidade de insurreição ou de detecção de
alguma anomalia social ou, ainda, de incompatibilidade racional nessa realidade criada.
A partir da Revolução Industrial, “algumas crenças religiosas faziam parte do controle ideológico que
incentivava os trabalhadores a aceitarem sua sina [...]”. (GIDDENS, 2017, p. 74). Giddens, do mesmo modo,
compreende que a doutrinação capitalista induzia a mente dos trabalhadores (e o faz até os dias de hoje)
para que não se opusessem ao sistema, mas que se submetessem e aceitassem mansamente a condição de
subordinados, hipossuficientes, despossuídos e meros (e substituíveis) elementos da ampla engrenagem da
maquinaria predatória capitalista. A igreja, em algumas denominações religiosas, evitava (e ainda evita)
conflitar com as elites do sistema, se abstendo de manifestar posição humanitária e social ou pior, se dedi-
cando a propagar esse cenário de evidente desigualdade e de exploração.
Outro pensador que converge para tal reflexão é Alysson Mascaro. O seu ideal compreende que é ine-
rente ao sistema econômico em voga a construção do aparato legal existente na atualidade, e que tanto o
capitalismo quanto o Direito trabalham em conjunto, de forma harmônica, coesa e sem possibilidades de
rompimento, ao que as circunstâncias indicam. “A perspectiva crítica, representada pelo marxismo, enxer-
ga os fios ocultos que especificamente constroem o direito no capitalismo.” (MASCARO, 2013, p. 64). Esse
liame é complexo, e possui raízes profundas. Reconstruir o Direito sobre nova formação socioeconômica é
uma provocação instigante.
O trabalho produz obras maravilhosas para os ricos, mas produz privação para o trabalhador.
Produz palácios, mas cavernas para o trabalhador. Produz beleza, mas mutilação para o traba-
lhador. [...] Produz espírito, mas produz idiotice, cretinismo para o trabalhador. (MARX, 2015, p.
307-308).
Florestan Fernandes é perspicaz em sua crítica. De fato, faz-se necessária uma construção ideológica
no seio da classe trabalhadora que dê o fôlego para os desafios que se apresentam nessa mudança de ce-
nário idealizada em longo prazo. Somente quando a classe que sustenta a sociedade compreender que o
poder está em suas mãos é que a construção dos demais fatores emancipatórios poderá ocorrer. Inclusive,
Tamanha é a submissão atual dos diversos setores da sociedade ao poderio do capital que novas
indagações são necessárias sobre as suas consequências. [...] De fato, é indigna a postura do
poder do capital, personificado pelos seus grandes nomes que promovem o crescimento do bem
material, que simplesmente desconsidera a condição essencialmente humana do trabalhador.
(KRÜGER; BEDIN, 2016, p. 143).
Neste sentido, pode-se verificar a distância existente entre a liberdade nata do ser humano e o “cabres-
to” colocado pelo poder hegemônico. Carlos Eduardo Krüger e Gilmar Antonio Bedin destacam que o
sistema econômico continua pujante, forte e impiedoso. O trabalhador, por sua vez, segue submetido aos
tentáculos capitalistas, onde a sua liberdade é ceifada, inclusive de pensamento. “[...] A dominação, sem po-
der assim se assumir, é obrigada a recorrer a categorizações que excluem, ainda hoje, populações inteiras do
direito de ter direitos, até mesmo do próprio conceito de humanidade.” (VARIKAS, 2014, p. 154). (Grifos no
original). A dignidade da pessoa humana, assim, está alheia à populações inteiras, as quais simplesmente
desconhecem os próprios direitos, que lhes são abruptamente sonegados.
Mas, para um novo horizonte se lançar, faz-se necessário provocar esta reflexão, questionar o caráter
desse método de criação de riquezas e a sua atual forma de distribuição. Há que se considerar a caracte-
rística humana que une a todos, indistintamente. Pois, alheios das posses materiais, em regra geral, todos
os indivíduos possuem a mesma constituição física e idênticas condições intelectuais de transformar esse
método, no qual estas tragédias sociais podem desembocar em uma metamorfose profunda, em um “catas-
trofismo emancipatório”, conforme o resgate de Beck (2018, p. 35).
Nesse espectro, a sociedade necessita lançar mão de instrumentos que a permitam deslocar esse mundo
como está, reconfigurando os seus pontos cardeais do desenvolvimento e levando à um “chacoalhar glo-
bal”, estremecendo as bases da zona de conforto do capital. Boaventura de Sousa Santos adverte sobre essa
onda contra hegemônica e as ferramentas que a população precisa constituir.
Que instrumentos temos? Na realidade, contamos só com instrumentos hegemônicos para ten-
tar enfrentar tudo isso, porque os conceitos para enfrentar o novo, a descontinuidade, a ruptura,
a revolução, hoje nós não temos. Os instrumentos hegemônicos que temos são as semânticas
legítimas da convivência política e social: a legalidade, a democracia, os direitos humanos. Isso é
realmente o que temos hoje para enfrentar todos esses desafios. (SANTOS, 2007, p. 84).
O percurso histórico do ser humano o fez viver uma evolução em termos de organização social e do
sistema econômico de trocas. O transcorrer dos tempos fez a ambição e o egocentrismo transformarem a
maneira de ver o mundo e as relações entre os indivíduos, de modo que criaram de uma moeda que lhes
propiciou a acumulação de riquezas. Concomitantemente, primou-se pela defesa da propriedade privada
e do trabalho alheio, que posteriormente passou a ser remunerado, mas jamais deixou de ter o caráter de
exploração, inaugurando a instituição da mais-valia e enraizando o sistema econômico do capitalismo.
A evolução desse método de produção teve diversas fases, desembocando nas liberdades exacerbadas
da economia sobre a vida e, como um leão, rugindo contra aqueles que defendiam o Estado de bem-estar
social e as políticas públicas de promoção e igualdade social. Tal contexto atribuiu ao poder do capital
cada vez mais poder, controle e influência sobre a sociedade, utilizando-se das mais diversas formas de
doutrinação ideológica e manipulação do pensamento da sociedade em prol do benefício exclusivo dos
capitalistas.
Portanto, a elite do capital vem conduzindo a sociedade para a manutenção da dita “ordem”, onde
muitos trabalhadores sustentam o pequeno grupo de detentores do capital, de forma inquestionável. O
controle ideológico é reforçado dia-a-dia, a fim de evitar levantes emancipatórios, implicando na passivi-
dade e alienação da população, em especial à classe trabalhadora. A liberdade econômica é mantida pela
garantia da acumulação das riquezas pelos dominantes, e a permanência de tal “ordem” coíbe qualquer
instinto de revolução.
Desse modo, o pensamento deve afastar-se da doutrinação imposta pelo capital, perfazendo a nega-
ção da ordem, permitindo que surjam questionamentos e enfrentamentos à realidade imposta. A união
na consciência de classe é uma ferramenta potente, bem como a defesa de seus interesses, a decorrente
criação de uma ideologia contra hegemônica e a atenção sobre possíveis ataques nocivos à legislação. A
finitude da vida humana na Terra é evidente, mas drasticamente antecipada em caso de permanência do
contexto de poder ilimitado do capital e do seu condão de deterioração da classe trabalhadora.
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Solange Martins
Lourival José de Oliveira
Walkiria Martinez Heinrich Ferrer
Universidade de Marília – PPGD UNIMAR
Resumo: A mudança no comportamento social durante a pandemia causada pela COVID -19 trouxe alterações em diversas áreas, até
mesmo na educação em todas as modalidades. Em relação à educação superior, a implantação da educação a distância como forma
de manutenção e continuidade do ensino remete a uma análise referente à teoria do biopoder. Cabe refletir o impacto do desempre-
go para a categoria de profissionais atuantes no ensino superior. Urge apresentar que a adoção do ensino na modalidade a distância
pode causar uma redução de ofertas de emprego para os docentes, possivelmente freando o desenvolvimento econômico pelo au-
mento do desemprego nesta área. Como resultado, entende-se que a biopolítica poderia ser uma saída, uma vez que para manuten-
ção do emprego, o docente precisaria se reinventar, adotando as ferramentas tecnológicas em consonância às formas tradicionais
de ensino. A metodologia aplicada foi o método dedutivo, seguindo a vertente jurídico sociológica, adequando-se ao tipo propositivo.
Palavras-chave: Biopolítica e Biopoder, desemprego estrutural, educação a distância.
INTRODUÇÃO
As transformações que ocorrem na sociedade trazem a necessidade de uma dinâmica tanto dos indi-
víduos que atuam como agentes que colaboram com as mudanças ou que sofrem com os impactos por elas
causados, do Estado e das empresas, na busca por uma solução para os problemas. O mundo globalizado
desencadeou uma série de avanços, dentre eles, o tecnológico.
Cabe ressaltar que a biopolítica e o biopoder são teorias que possibilitam a compreensão de diferentes
cenários que a sociedade apresenta, devido ao intenso universo de ocorrências que acabam fomentando
uma série de discussões doutrinárias, na esfera econômica, política e social. Para embasamento teórico
relacionados a estas teorias, destaca-se o autor que aborda de forma mais singular: Michel Foucault.
Assim, o estudo aponta para diversos eixos, iniciando em um panorama geral sobre a educação a dis-
tância no Brasil, para que seja mais fácil compreender o marco inicial e o desenvolvimento desta forma
educacional. Delimitando o estudo e direcionando à esfera da educação superior, demonstrou-se alguns as-
pectos das inovações decorrentes do cenário atual, em que o mundo vive uma situação de isolamento social
devido à pandemia de Covid-19. A expansão da educação a distância nesta fase possibilitou a ininterrupção
dos estudos e as tecnologias foram ampliadas em uma velocidade surpreendente, assim como a reestrutu-
ração das atividades presenciais para aulas e reuniões a distância com o uso de tecnologias de informação.
Por fim, a demonstração de que o desemprego estrutural na área acadêmica trouxe muitos transtornos
e preocupações para os profissionais que atuam nesta seara, tendo em vista a redução de docentes pelo
esgotamento da necessidade da atuação presencial que por ora, está sendo substituído pela EaD. O texto
também apresenta uma reflexão da importância do emprego para o desenvolvimento econômico, apresen-
tando amparo legal pertinentes à matéria abordada no artigo 170 da Constituição Federal. A metodologia
aplicada foi o método dedutivo, seguindo a vertente jurídico sociológica, adequando-se ao tipo propositivo
Doravante, as discussões acerca dos reflexos da pandemia em relação à empregabilidade na área docen-
te tendem a evoluir ou modificar até o fim deste período atípico para a sociedade, sendo passível de novos
estudos e atualizações.
Esse sistema, como descrito, foi considerado um plano que visava diminuir as formas desiguais de
acesso ao Ensino Superior, e sendo assim, pode-se afirmar que a EaD apresenta-se como uma modalidade
educacional relativamente recente no Brasil e, ao mesmo tempo, coloca-se como um amplo campo de estu-
do. (QUARTIERO, SILVA, 2014, p. 316).
A transformação da educação, que até então era aplicada de forma tradicional (professor e aluno de for-
ma presencial em uma sala de aula) para uma modalidade a distância (EaD) pelo Ministério da Educação
(MEC) passou por diversas alterações legais. O conceito de Educação a Distância no Brasil é definido ofi-
cialmente no Decreto nº 5.622 de 19 de dezembro de 2005:
Art. 1o Para os fins deste Decreto, caracteriza- -se a Educação a Distância como modalidade edu-
cacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre
com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação com estudantes e profes-
sores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos. (BRASIL, 2005).
A Educação a Distância é uma “forma educacional”, e não uma modalidade ou concepção de edu-
cação. Tamanhas são as imprecisões nas definições sobre a EaD, que existem normas legais chegando a
descrevê-la erroneamente como “uma modalidade educacional que poderá ser aplicada a diversos níveis e
modalidades de ensino” (LEMGRUBER, 2008, p. 4). Embora sejam diversos os conceitos sobre Educação a
Distância, as teorias atualmente se fundem na ideia central, e dispõem:
A Educação a Distância, ou EAD, é uma forma de educação em que os alunos e professores não
necessitam compartilhar o mesmo espaço físico ou interagir ao mesmo tempo. A maior parte
da comunicação professor/aluno é realizada por meio de uma tecnologia de comunicação, tor-
nando-se essencial a existência de uma interação de qualidade entre todos os atores envolvidos.
(PAVANELO, KRASILCHIK, GERMANO, 2018. p. 3).
São inúmeras as pesquisas que trazem diferentes definições sobre a essência do significado dos termos que
envolvem o ensino a distância. Com relação ao uso do termo “distância”, Vilaça (2010) destaca que não existe
apenas uma compreensão de distância na EAD, apesar de a mesma ser um conceito-chave. Segundo o autor,
Não restam dúvidas de que as tecnologias da informação e comunicação (TIC) possibilitam novos
cenários de ensino e aprendizagem em que a tradicional comunicação bidirecional entre estudan-
te-professor no espaço físico da sala de aula transforma-se em multidirecional, isto é, entre estu-
dante-estudante, estudante-professor e estudante-conteúdos por meio dos ambientes virtuais de
aprendizagem (AVA) e de outros cenários digitais, que possibilitam interação contínua entre os
protagonistas do processo de ensino e aprendizagem. (SANTO, COLVARA, 2019. p. 3).
Portanto, percebe-se que o sistema de ensino passa por um processo de alterações constantemente, não
sendo o foco delimitar todos os períodos e ocorrências que perpassaram as legislações educacionais e polí-
ticas públicas nesta seara. Contudo, vale destacar que em 2004, o MEC regulamentou através da Portaria nº
4.059, de 10 de dezembro de 2004, o percentual de 20% para que as instituições de ensino superior implan-
tassem a forma de educação a distância nos cursos presenciais. Sendo assim, os cursos presenciais podem
utilizar o ensino a distância como parte da carga horária do curso.
Art. 1o. As instituições de ensino superior poderão introduzir, na organização pedagógica e cur-
ricular de seus cursos superiores reconhecidos, a oferta de disciplinas integrantes do currículo
que utilizem modalidade semipresencial, com base no art. 81 da Lei n. 9.394, de 1.996, e no dis-
posto nesta Portaria. § 1o. Para fins desta Portaria, caracteriza-se a modalidade semipresencial
como quaisquer atividades didáticas, módulos ou unidades de ensino-aprendizagem centrados na
autoaprendizagem e com a mediação de recursos didáticos organizados em diferentes suportes
de informação que utilizem tecnologias de comunicação remota. § 2o. Poderão ser ofertadas as
disciplinas referidas no caput, integral ou parcialmente, desde que esta oferta não ultrapasse 20 %
(vinte por cento) da carga horária total do curso.
Como em todos os processos envolvendo o ensino, educação, há contextos que envolvem sua
formação, significação e ressignificação e suas funções. Houve várias formas de processos de
ensino e educação. Por demandas várias, houve a necessidade de que a educação ocorresse a
distância, seja por meio de cartas, rádio, televisão, internet e outros meios digitais. Cada uma das
gerações apresentadas se coloca em contextos históricos distintos. Nesse sentido, cada um des-
tes períodos apresenta ferramentas e recursos diferentes, próprios de cada época. Além disso,
cada década – ou período – tem um contexto específico, o que deve ser levado em consideração
no momento de estudar os conceitos de EAD. A trajetória histórica desta modalidade deve ser ana-
lisada para melhor entender os processos que levam a estruturação na nomenclatura, definição,
No entanto, em março de 2020, ocorrem alterações e o MEC flexibiliza as normas para ofertar os
cursos presenciais em forma de EaD, de forma a utilizar o biopoder - que será abordado nos capítulos se-
guintes - que se revela na ação de inserir tecnologias até mesmo nos cursos onde a modalidade de ensino
era presencial.
Nesse sentido, muitas instituições readequaram seus programas de modo a reorganizar o currículo de
acordo com as novas possibilidades de uso de novas tecnologias na educação superior. Porém, essas alterna-
tivas eram para os cursos de graduação presencial, não abrangendo as modalidades de pós graduação lato
ou strictu sensu, que continuaram com a carga horária cumprida de forma presencial.
No cenário atual, uma crise sanitária se propagou em diversos países. A Síndrome respiratória aguda
grave por coronavírus 1 (SARS-CoV-1) e SARS-CoV-2, as quais foram responsáveis pela epidemia de SARS
de 2002 a 2004 e pela mais recente pandemia da doença de coronavírus em 2019, SARS-COV2 (Covid-19),
tem causado muitos transtornos e uma situação grave de pandemia anunciada pela OMS (Organização
Mundial de Saúde).
Essa pandemia, que surgiu no final de 2019 e início do ano de 2020 no mundo e posteriormente no
Brasil, fez com que muitos responsáveis pela educação repensassem os métodos de ensinos pouco tradicio-
nais, diante da problemática do isolamento social.
A abundância de recursos e de conte dos físicos e digitais, aliada ampliação dos serviços de cone-
xão móvel com a Internet, de armazenamento em nuvem e a evolução da telefonia celular, promo-
veram o surgimento de uma nova modalidade de educação, a Aprendizagem Móvel. (CONFORTO
E VIEIRA. 2015, p. 45)
Com praticamente todas as instituições de ensino fechadas, milhares de alunos no país ficaram sem
aulas presenciais, o que de fato dificultou o cumprimento dos 200 dias letivos conforme a Leis de Diretrizes
e Bases no artigo 31 (BRASIL,1996). Mas, para isso, foi decretado a Medida Provisória nº 934, de 1º de abril
de 2020, em que “estabelece normas excepcionais sobre o ano letivo da Educação Básica e do ensino supe-
rior” (BRASIL, 2020).
Em razão do contexto pandêmico, houve crescente demanda em relação a educação a distância. As
medidas relacionadas à educação, considerando a necessidade de manter o isolamento social, foram de-
liberadas pelo MEC através da Portaria nº 343, de 17 de março de 2020, estabelecendo: “Dispõe sobre a
substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do
Novo Coronavírus - COVID-19”:
Outro ponto em comum entre os autores que tratam das alterações no trabalho docente mediado
pelas TIC é a relevância do professor nesse contexto. Em nenhum momento esses autores estabe-
lecem uma posição secundária ao professor que atua na EaD, ainda que considerem que ele tenha
suas funções desdobradas no coletivo de trabalho. Ao chamar a atenção para a possibilidade de
ocultação do professor, destacam sua importância enquanto responsável pelo processo pedagó-
gico, pois, ao diluir sua função no grupo de trabalho, o professor também introduz, ainda que de
modo inconsciente, sua compreensão sobre o processo didático-pedagógico. (QUARTIERO, SILVA,
2014. P. 319).
O papel do docente não foi racionalizado com a substituição do ensino a distância, no aspecto de substi-
tuição do homem pela máquina. As práticas pedagógicas continuam sendo necessárias para contribuir com
o aprendizado discente, e por isso, toda a comunidade escolar tem realizado projetos, seminários, debates,
para engajar os alunos e manter o atendimento com a mesma qualidade que de forma presencial.
Diante dessa situação, é importante que os professores também devem compreender o papel de-
les diante do processo educacional, não só usando tecnologias, mas permitindo que o recurso uti-
lizado posso incluir todos os alunos, de forma a atender às necessidades educacionais específicas
de cada um. (SANTOS JUNIOR, MONTEIRO, 2020. p. 11).
O uso de plataformas digitais que possibilitam reuniões virtuais (videoconferências) ganhou espaço
nos cursos de graduação e pós graduação de forma veloz e eficaz. Os programas de mestrado, doutorado e
graduação de diversas universidades e escolas públicas e privadas adotaram as plataformas disponíveis em
aplicativos, como Zoom, Google Meet, Skype, Google Classroom, entre outros, para que o contato com os
alunos e a realização de aulas virtuais pudessem ocorrer em tempo real.
As videoconferências no Zoom são exemplos claros de aulas remotas em ferramentas síncronas, pois
acontecem com horário marcado via transmissão em tempo real. O aluno é convidado para participar da
aula por meio de um link, que o direciona para o encontro virtual no exato momento em que é transmitido
(ZOOM, 2020).
É possível nitidamente observar o esforço dos docentes em atender e realizar as atividades e aulas com
o mesmo empenho que na forma presencial. Além disso, uma nova oportunidade surge para os discentes:
assistir aulas e palestras promovidas com professores e diferentes profissionais estrangeiros, que partici-
pam de forma virtual e contribui com o enriquecimento do conteúdo abordado pelo docente titular da
disciplina.
Porém, a abordagem econômica em relação às atividades das universidades privadas torna-se preocu-
pante devido à crescente inadimplência. Por este motivo, muitas instituições reduziram seu corpo docente,
gerando uma crise de desemprego entre os profissionais da educação. Este é um fator relevante, uma vez
que há uma preocupação com este novo cenário que emerge durante esta crise: serão os docentes substituí-
dos após a pandemia, por não existir vagas disponíveis para atuação presencial? Será o início do desempre-
go estrutural na atividade docente?
A sociedade contemporânea tem uma estrutura de poder muito diferente daquela que imperou em tem-
pos mais remotos, que se utilizava fundamentalmente da disciplina (como força e imposição) sobre o corpo
individual. Hoje, a organização da vida social incide sobre “corpos em multidão”, denominada por biopolí-
tica - ou seja, a força que regula populações. (MENDES, BONILHA, ISHIKAWA, SACHUK, 2015. p. 688).
O biopoder ou biopolítica consistem na adoção de mecanismos de controle que, incidindo sobre o
conjunto da população, induzem para que ela adote esta ou aquela postura, tudo para atingir objetivos
previamente definidos. (FOCAULT, 1979, p. 146).
Os mecanismos de controle, na maioria das vezes, são caracterizados como projetos, programas, cam-
panhas, pesquisas, estatísticas etc., com o objetivo de impor à coletividade atendida essa ou aquela conduta,
em relação aos mais diversos temas. No entanto, se adotada a divisão criada por Aristóteles, incidiriam tan-
to sobre a “bios”, ou seja, a vida da população qualificada politicamente, quanto sobre a “zoé”, vida natural
que é comum a todos os animais, inclusive os humanos (SERVA, DIAS, 2016 p. 427).
Na construção destes termos (bios e zoé), Agamben (2010) remete à antiga divisão utilizada pelos gregos
na identificação da vida, conforme seus aspectos: utilizavam zoé para se referir à vida biológica, uma vida
necessária, mas pré-política, e bios para designar a vida qualificada e politicamente considerada. Agamben
demostrando que a encarnação da zoé ou vida nua na política é um acontecimento crucial para a moderni-
dade, constituindo seu “núcleo originário” (AGAMBEM, 2010, p. 14).
A única vida que fazia parte da polis era a vida política, bios, enquanto a vida biológica era confinada
nos aspectos privados, sob o comando do chefe de família. “A política na polis era feita na medida mesma
em que se conseguia separar a vida privada da vida pública; o cidadão do não cidadão. Neste sentido, es-
tabelecer que a diferença entre homens e não homens significava a possibilidade mesma de participação
política”. (CÂMARA, 2011, p.96).
É certo que atualmente tem prevalecido a primeira posição, com a adoção da biopolítica como
um conjunto de biopoderes que são exercidos sobre as pessoas com o fim de convencê-las a
adotarem esta ou aquela prática social, sem a preocupação com a emancipação da sociedade ou
o desenvolvimento das potencialidades das pessoas. A título de exemplo, as pessoas são conven-
cidas a comprarem determinado produto e trocá-lo assim que uma nova versão é lançada, como
se a propriedade de tal bem fosse a única forma de garantir a satisfação pessoal. (SERVA, DIAS,
2016 p. 429).
Se o termo biopolítica não foi inventado por Foucault, sua contribuição foi fundamental para o desen-
volvimento dos estudos relacionados a este tipo de poder – e suas consequências. (DIAS, 2007, p. 118).
O surgimento do termo população e sua apreensão pela política – já que a biopolítica é justamente o
controle e administração da população – são de extrema importância para pensar este poder centrado nos
aspectos biológicos:
Uma das grandes novidades nas técnicas de poder, no século XVIII , foi o surgimento da ‘população’,
como problema econômico e político: (...).Os governos percebem que não têm que lidar simples-
mente com sujeitos, nem mesmo com um ‘povo’, porém com uma ‘população’, com seus fenôme-
nos específicos e suas variáveis próprias: natalidade, morbidade, esperança de vida, fecundidade,
Biopolítica é o termo utilizado por Foucault para designar a forma na qual o poder tende a se modificar
no final do século XIX e início do século XX. As práticas disciplinares utilizadas antes visavam governar
o indivíduo. A biopolítica elege a população e as preocupações com sua manutenção como critério político
principal, passando de um homem-indivíduo para um homem-espécie. Com isso provoca-se uma mudança
no direito do soberano: “O direito de soberania é, portanto, o de fazer morrer ou de deixar viver. E depois,
este novo direito é que se instala: o direito de fazer viver e de deixar morrer” (FOUCAULT, 2002, p. 287).
Ao assumir como aspecto político a vida biológica do cidadão, ou melhor, da população, há um racismo
de Estado. Racismo aqui é entendido não como discriminação em termos de cor, mas uma forma de “ex-
trapolação biológica do termo inimigo político” (FOUCAULT, 2002, p. 308), ou seja, o Estado utiliza-se de
aspectos biológicos para eliminar a raça considerada prejudicial à sua sobrevivência.
Nesse processo de controle da vida biológica da população, são usados expedientes calcados
em dados como nascimento, expectativa de vida, quantidade de doenças, entre outros. Portanto,
a estatística é de fundamental importância para esse gerir biológico das populações. É essa ges-
tão econômica da população – em termos de planejamento da previdência, controle de doenças,
ligação entre hábitos individuais e doenças “coletivas” – que só pode ser feita quando o Estado
começa a ter por parâmetro não mais a “velha” soberania do príncipe, mas a preocupação com o
que Foucault nomeia como “governamentabidade”, que é justamente a inclusão de critérios econô-
micos na lógica de governo. (CÂMARA, 2011. p. 100).
Nesta perspectiva, a biopolítica tem como alvo o conjunto dos indivíduos, a população, sendo notória a
prática de biopoderes locais, segundo o autor.
Por fim, é possível observar que ao implantar o ensino a distância, há uma adoção do biopoder, pois
a decisão foi adotada e imposta como uma saída para resolução de uma situação emergencial. Porém, não
há uma opção em que os indivíduos possam aderir ou não, ou seja, não houve escolha aos estudantes e aos
docentes.
É possível compreender as políticas educacionais como ações direcionadas para a população, de for-
ma racional, onde há uma série de técnicas utilizadas como forma de controle das condutas individuais e
coletivas. Porém, antes de adentrar a uma análise sobre educação e seu papel na sociedade, é necessário
compreender a diferença que se estabelece entre a biopolítica e os mecanismos de disciplina que agem sobre
o corpo individual dos sujeitos.
Nas análises educacionais que assumiram o ponto de vista genealógico, a educação, a pedagogia, as prá-
ticas escolares e o currículo foram tomados como artefatos disciplinares do processo de disciplinarização
de corpos e saberes (VEIGA-NETO, 1998, p. 101). A emergência do biopoder só se dá a partir da firmação
da governamentalidade:
A partir desse ponto de vista teórico, a educação, a pedagogia, o currículo e os mais variados ar-
tefatos disciplinares, como exames, arquitetura, legislações, entre outros, puderam ser tomados
como objetos relativos à governamentalidade, isto é, como um instrumento relativo ao governo,
ou, mais precisamente, como uma peça importante do aparato disciplinar e biopolítico relativo ao
governo dos corpos de crianças e jovens. (FOUCAULT, 1984c, p. 280)
No biopoder, a população é tanto alvo como instrumento em uma relação de poder. Os discursos so-
ciais de desenvolvimento atuam intensivamente como biopoder, e estabelecem o conceito de biopoder para
designar o poder de administrar e controlar as populações, e esse poder é colocado em funcionamento,
sobretudo, em paralelo à emergência do Estado de bem-estar social. (MENDES, BONILHA, ISHIKAWA,
SACHUK, 2015. p. 688).
Foucault demonstrou como, no século XIX, a constituição do discurso biológico da vida sustentou a
emergência de uma forma específica de poder, denominada biopoder, e o desenvolvimento do capitalismo.
Este biopoder, sem a menor dúvida, foi elemento indispensável ao desenvolvimento do capita-
lismo, que só pôde ser garantido à custa da inserção dos corpos no aparelho de produção e por
meio de um ajustamento dos fenômenos da população aos processos econômicos. Mas, o capi-
talismo exigiu mais do que isso, foi-lhe necessário o crescimento tanto de seu reforço quanto de
sua utilizabilidade e sua docilidade; foram-lhe necessários métodos de poder capazes de majorar
as forças, as aptidões, a vida em geral, sem por isto torná-las mais difíceis de sujeitar; se o desen-
volvimento dos grandes aparelhos de Estado como instituições de poder, garantiu a manutenção
das relações de produção, os rudimentos de anátomo e de biopolítica, inventados no século XVIII
como técnicas de poder presentes em todos os níveis do corpo social e utilizadas por instituições
bem diversas (a família, o Exército, a escola, a polícia, a medicina individual ou a administração
das coletividades), agiram no nível dos processos econômicos, do seu desenrolar, das forças que
estão em ação em tais processos e os sustentam; operaram também, como fatores de segregação
e de hierarquização social, agindo sobre as forças respectivas tanto de uns como de outros, garan-
tindo relações de dominação e efeitos de hegemonia; o ajustamento da acumulação dos homens
à do capital, a articulação do crescimento dos grupos humanos à expansão das forças produtivas
e a repartição diferencial do lucro, foram, em parte, tornados possíveis pelo exercício do biopoder
com suas formas e procedimentos múltiplos. O investimento sobre o corpo vivo, sua valorização
e a gestão distributiva de suas forças foram indispensáveis naquele momento. (FOUCAULT, 1988,
pp. 153- 154)
A arte de governar guarda aspectos do biopoder e tem por meta propiciar condições de subsistência à
população. Para que seja concretizada, ela necessita de um dispositivo técnico e, dessa forma, observa-se
que uma das empreitadas se dá no âmbito das instituições escolares. As escolas tornam-se, nessa perspec-
tiva, alvos de investimentos biopolíticos que contribuem para a defesa da sociedade. (OLIVEIRA, 2016. p.
43).
De fato, desde o final do século XVIII a escola se configurou como um conjunto de práticas e
discursos dirigidos ao indivíduo, tendo em vista a produção de corpos dóceis. No interior da insti-
tuição escolar, levando em consideração as variáveis de tempo e espaço, as práticas e os discur-
sos escolares organizaram, excluíram, separaram, classificaram, examinaram, hierarquizaram e
moralizaram tanto os corpos como também os saberes, os quais, ao serem ordenados, também
receberam o nome de disciplinas. (CÉSAR, 2010. p. 234).
Dessa forma, é possível observar a biopolítica no trabalho docente, em que os profissionais da área da
educação devem se reinventar e descobrir novas formas de atuação com o uso das tecnologias, pois o cená-
rio possivelmente não será mais o mesmo que era antes da pandemia.
Portanto, na análise das novas políticas educacionais, os conceitos de biopolítica e governamentalidade
são ferramentas importantes porque demonstram as descontinuidades do projeto disciplinar, indicando
novas configurações das políticas educacionais contemporâneas.
No processo de mundialização da economia, o Brasil, enquanto país periférico, assume um papel essen-
cial na divisão internacional do trabalho, favorecendo a reprodução capitalista por meio da entrega de suas
riquezas em prol de uma tão sonhada “modernização”. Ao contrário das expectativas criadas “[...] consta-
ta-se uma tendência ao empobrecimento, um debilitamento dos sistemas de apoio social, crescimento das
desigualdades, insegurança em relação ao futuro e o crescimento da violência” (BAQUERO, 2008, p. 387).
Em relação a estas transformações sociais, destaca-se o cenário econômico que o país se encontra neste
momento: uma crise sanitária devido à uma pandemia a nível mundial e que tem causado muitas alterações
nos ambientes de trabalho e, consequentemente, uma crescente taxa de desemprego. Dessa forma, houve a
expansão da realização de trabalhos realizados como home office, reconhecido legalmente como teletraba-
lho através da Reforma Trabalhista de 2017.
Juntamente com o avanço dos anos, a era digital adentrou o campo laboral impactando e modi-
ficando a forma de se enxergar os vínculos trabalhistas, as formas de prestação de serviço, de
controle e exercício dos poderes pelo empregador, a maneira de se relacionar com o cliente e de
auferir lucros. (MACHADO, CORTÊS. 2020. p.142)
O Direito individual do Trabalho tem caráter majoritariamente privado, classificação que se tornou
ainda mais evidente após a chamada “reforma trabalhista”, Lei nº 13.467/17, a qual trouxe ampliação da au-
tonomia das partes para formular regras para o contrato. Nesse sentido, os contratos podem ser negociados
pelo empregado e empregador, ou seja, há prevalência do negociado sobre o legislado.
A prevalência do negociado sobre o legislado existia antes no ordenamento jurídico, contudo, era vis-
lumbrado depois de estabelecidos patamares superior ao direito mínimo estabelecido em Lei, tornando-se
tal condição favorável ao trabalhador.
A questão do negociado sobre o legislado foi um dos pontos polêmicos da denominada moderni-
zação das relações trabalhistas, pois se por um lado a flexibilização contratual serviria como uma
forma de modernizar as relações de trabalho e permitir aumento na oferta de empregabilidade por
outro lado significaria um retrocesso em termos de direitos trabalhistas, pois há que se considerar
que o trabalhador, por ser a parte mais frágil da relação, deveria ser considerado hipossuficiente.
De forma contrária, partiu-se de uma realidade inexistente, ou seja, que empregador e empregado
estariam economicamente em condições de igualdade. Ou, que pela negociação coletiva, compos-
ta principalmente com a participação do sindicato representante da categoria profissional, deixa-
ria de haver qualquer desigualdade entre categoria profissional e econômica. (FERRER, OLIVEIRA,
2019, p. 131).
Deve-se frisar, outrossim, que a adoção cada vez maior de modelos de trabalho decorre também
do próprio biopoder e do estímulo à mecanização. O trabalhador se fará sempre necessário, mes-
mo nos sistemas mais mecanizados, e ainda que em menor quantidade. Mas a sua presença física
não. Dispensada a sua materialidade, o trabalhador passa a ser estimulado a trabalhar a distância
e é justamente nesse ponto que a legislação trabalhista brasileira se mostrou frágil, pois o sistema
de home office pode se mostrar perverso no tocante às questões econômicas da relação trabalhis-
ta. [...]. Logo, no Brasil, embora seja precoce tal conclusão, o biopoder pode conduzir não apenas
à diminuição das relações de trabalho, mas também a uma precarização das vagas que ainda
restarem. (DIAS, OLIVEIRA. 2017. p. 263-264)
Dentro do contexto do mercado de trabalho e a relação com o emprego, encontramos também o de-
semprego, pois este tem sido um dos maiores problemas sociais atualmente enfrentados pela humanidade.
O emprego é uma consequência específica do capitalismo, constituindo o elo formal entre o trabalhador e
o modo de produção capitalista (REINERT, 2001, p. 45-46).
O desemprego, por sua vez, possui algumas classificações e formas, dentre os principais estão o
desemprego conjuntural e o desemprego estrutural. O desemprego conjuntural é gerado pelas os-
cilações da economia, decorrentes das indústrias que produzem produtos sazonais, ou seja, cujo
consumo é maior em determinadas épocas do ano. O desemprego dito conjuntural está ligado a
fases de recessão da atividade produtiva. A experiência da década de 1980 ensinou claramente
que o desinvestimento provoca um desemprego duradouro, podendo haver conflito entre objetivos
de curto e de longo prazos. Mas a forma mais resistente de desemprego está ligada a um descom-
passo entre a estrutura qualificada da mão-de-obra necessária e da força de trabalho disponível.
(ROSSI; OLIVEIRA. 2005, p. 1007)
Neste sentido, com a implantação destas mudanças no modus operandi, algumas instituições de ensino
superior fizeram uma reestruturação no quadro de docentes, desencadeando um processo de demissões
em massa. Dessa forma, foi possível perceber que a dinâmica ocorreu da seguinte forma: se 3 docentes
atendiam de forma presencial 3 turmas, lecionando a mesma disciplina, com as aulas gravadas por 1 deles
poderiam ser replicadas as 3 turmas simultaneamente, sem ter a necessidade de manter todos; haveria de-
missão de 2 docentes.
Portanto, o contexto pandêmico tornou possível a integração do ensino a distância em todas as moda-
lidades de ensino, no entanto, o desemprego entre professores de diferentes esferas no setor privado foi de
grande vulto. Assim, cabe ressaltar que o desemprego freia a economia, pois o desenvolvimento econômico
depende da circulação de bens e serviços que, em um momento de desemprego estrutural, tende a ser ra-
cionalizado pela carência de recursos financeiros que fomentam o mercado consumerista.
Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa juntamente com a dignidade da pessoa humana e a
cidadania são fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito. Dessa maneira, o intérprete e apli-
cador da Constituição deve sempre ter em mente a posição privilegiada desses três conceitos ao analisar
qualquer situação real.
Assim, no que diz respeito à temática da proteção em face à automação, o fenômeno da cons-
titucionalização do Direito do Trabalho recebeu maior destaque a partir do art. 7º, XXVII, CRFB,
que tratou expressamente do direito fundamental do trabalhador de ser resguardado em decor-
rência dessa realidade. Este inciso teve particular inspiração na Declaração Universal dos Direitos
Assim, a alteração da legislação trabalhista trouxe várias discussões acerca do teletrabalho, ou home
office. Conforme CLT: Art. 75-B. “Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente
fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação
que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo”. O que ocorre no trabalho docente é con-
siderado teletrabalho, uma vez que o professor, que é empregado, realiza as tarefas fora das dependências
da instituição de ensino.
Há uma relação entre o biopoder e o teletrabalho, em que aparentemente é asseverado como uma mo-
dalidade de trabalho perfeita, mas que na verdade, não é:
Nessa seara, o biopoder estimula essas formas de relação de trabalho como extremamente bené-
ficas ao trabalhador, sempre no intuito de que em sistemas de home office – e outras formas de
teletrabalho - o empregado poderá ter maior tempo de lazer, descanso e proximidade da família.
Vende-se uma imagem de relação de trabalho perfeita. Todavia, da forma como passa a ser previs-
to, o sistema naturalmente trará implicações de custos ao empregador, que antes não existiam nas
relações de trabalho presencial. Mais do que isso, esses custos seriam apenas teoricamente nego-
ciados entre as duas partes, pois, bem se sabe, com raras exceções, o empregado não possui con-
dições materiais para equilibrar sua vontade com a do empregador. Em consequência, o incentivo
à mecanização do trabalho pode não conduzir, nos termos da legislação atual, a um modelo que
trará necessariamente melhorias às relações sociais e do trabalho. (DIAS, OLIVEIRA. 2017. p. 263).
No tocante à esfera da educação superior, embora seja possível perceber um momento de desemprego
estrutural, a presença física do docente pode parecer não relevante para a concretização do trabalho e aten-
dimento aos alunos, que se faz através de sistema remoto ou online. Todavia, mesmo que haja um estímulo
à continuidade do ensino a distância no período pós-pandemia, o papel do docente é imprescindível na
continuidade das atividades institucionais de ensino e aprendizagem.
O art. 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal de 1988, reconhece a validade dos Acordos e das
Convenções Coletivas de Trabalho. Assim, são encaradas em razão da disparidade entre capital e trabalho,
isto é, entre empregador e trabalhador. Entendimento diverso poderia implicar a possibilidade de o em-
pregador, mais forte na relação jurídica, impor sua vontade, afastando a legislação trabalhista estatal que
foi elaborada com o viés protetivo, justamente em razão da hipossuficiência do trabalhador. Dessa forma,
Sussekind explica que:
O princípio da proteção ao trabalhador resulta das normas imperativas, e, portanto, de ordem pú-
blica, que caracterizam a intervenção básica do Estado nas relações de trabalho, visando a opor
obstáculos à autonomia da vontade. Essas regras cogentes formam a base do contrato de traba-
lho - uma linha divisória entre a vontade do Estado, manifestada pelos poderes competentes, e a
dos contratantes. (SUSSEKIND, 2001, p.52).
Com base no artigo 170 da Carta Magna, torna-se possível construir uma análise sobre a função social
da empresa em relação aos direitos trabalhistas, dialogando com a Consolidação das Leis do Trabalho que
recentemente obteve uma reestruturação, onde ficou conhecida na mídia pelo título de “Nova Reforma
Trabalhista”.
O Direito do Trabalho por meio de suas medidas protecionistas ou tutelares desempenha enorme papel
na vida de todos os seres humanos, uma vez que o texto da Constituição estabelece no seu artigo 1º, inciso
IV, como fundamentos” os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” e também no artigo 170, “caput”,
importante pressuposto essencial: a dignidade da pessoa humana e a valoração do trabalho.
Dispõe o inciso III do artigo 1º da Constituição da República de 1988, que a dignidade humana é um
dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, devendo o mesmo ser observado
A dignidade da pessoa humana é um dos princípios de maior importância axiológica na ordem jurídi-
ca contemporânea nacional e internacional, devendo nortear a interpretação e aplicação das normas, em
especial no âmbito do Direito do Trabalho. Somente com a valorização do ser humano, enquanto ser que
sobrevive, trabalha e interage com outros e com o respeito de suas diferenças pelo Direito, pela Sociedade e
pelo próprio Estado, será possível apreender a dignidade do trabalhador.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mediante os argumentos apresentados, é importante frisar que este estudo tende a provocar uma refle-
xão acerca da realidade que a sociedade perpassa na atualidade. A crise sanitária decorrente da pandemia
trouxe inovações e a necessidade de mudança repentina na forma de interação entre as pessoas.
Urge ratificar que medidas de isolamento são essenciais, os impactos econômicos para a sociedade
são evidentes, e a continuidade dos serviços prestados através do uso de tecnologias da informação foram
essenciais para o atendimento às necessidades humanas. Assim, é de grande relevo destacar que a arte de
governar guarda aspectos do biopoder, e tem por meta propiciar condições de subsistência à população.
Lembrando que a governamentalidade refere-se a conjunto de instituições, práticas e formas de pensa-
mento próprias desta forma de exercer o poder, em que temos a população como alvo principal, a economia
política como saber mais importante e os dispositivos de segurança como instrumento técnico essencial.
A preocupação com o desemprego estrutural é um fator preocupante, pois como demonstrado, pode-
rá ser drasticamente reduzido os postos de trabalho para os docentes, uma vez que o ensino a distância
apresentou um desempenho eficaz no que se refere ao atendimento aos alunos. A adaptação do mercado a
frente do uso de novas tecnologias em um tempo reduzido foi aceita e adaptada à vida das pessoas, que aos
poucos, foram se reinventando e desenvolvendo seus trabalhos no regime de teletrabalho.
É precipitado concluir ou buscar uma definição de como será a rotina dos trabalhos que hoje estão
sendo executados em home office, em um mundo pós-pandemia. Até mesmo porque não há como prever
quando irá acabar, e como estará a sociedade, como serão os planos de recuperação econômica e as possí-
veis estratégias para a recomposição do desenvolvimento do país.
Vários estudiosos e cientistas referem-se ao estágio de pós-pandemia com a expressão “novo normal”,
como sendo o período seguinte ao qual a sociedade deverá se adequar aos novos parâmetros de comporta-
mento social e alguns arriscam até apontar que a sociedade não será mais a mesma que antes.
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Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar a precarização do trabalho dos/das trabalhadores/as em plataformas di-
gitais no contexto das transformações do mundo do trabalho e a destituição dos direitos sociais. Para alcançar o objetivo proposto,
foi realizada uma reflexão teórica a partir da literatura nacional e de documental a partir de dados oficiais do IBGE e de pesquisas
realizadas acerca do tema. Na cena contemporânea, identifica-se um aprofundamento e ampliação do fenômeno da uberização, com
destaque para os entregadores e motoristas de aplicativos, que estão submetidos a intensificação e precarização do trabalho em um
contexto de desemprego estrutural, tais como: alta jornada de trabalho de trabalho, baixos salários, desproteção trabalhista e adoe-
cimento da saúde mental e física dos trabalhadores.
Palavras-chave: Trabalho; Uberização; Precarização do Trabalho.
INTRODUÇÃO
O trabalho em tela apresenta uma reflexão teórica acerca das transformações do mundo do trabalho e
da destituição dos direitos sociais na contemporaneidade, tendo como lócus de analise o fenômeno da ube-
rização e a precarização do trabalho que estão submetidos os trabalhadores/as entregadores e motoristas
de aplicativos na contemporaneidade. Nos últimos anos, essa modalidade de trabalho, cada vez mais, vem
expandindo no Brasil e no mundo, em um contexto em um contexto de crise do capital e da expansão do
desemprego estrutural.
O interesse pelo tema, foi impulsionado a partir das reflexões teóricas a necessidade de revisitar a par-
tir da teoria social crítica as análises acerca do trabalho no contexto da crise estrutural do capital que tem
como base de sua recuperação de lucro a reestruturação produtiva e as políticas neoliberais que intensifi-
cam a precarização laboral e as novas modalidades de gestão da força de trabalho via aplicativos. Destaca-
se, também, que a escolha pelo tema desse estudo, partiu de observações do cotidiano dos/as trabalhadores/
as, a partir de diálogos com os motoristas e entregadores, os quais pontam no seu cotidiano de trabalho
para inúmeras expressões da precarização do trabalho, tais como: a intensificação e lata jornada de traba-
lho, a insegurança, o medo da violência, etc.
A análise tema ora proposto se deu através da teoria social crítica e do método materialismo históri-
co-dialético. Sob este entendimento, o método histórico-dialético foi utilizado para compreender o objeto
de estudo, possibilitando compreender a realidade e os seus complexos sociais, para além da aparência do
fenômeno, a partir da totalidade da vida social. Sendo assim, para alcançar o objetivo deste trabalho foi
realizado uma revisão teórica por meio da pesquisa bibliográfica e a partir de reportagens jornalística e
documentários acerca das condições de trabalho dos trabalhadores por aplicativos, o que possibilitou uma
aproximação a partir das vivencias dos motoristas e entregadores de aplicativos.
Neste sentido, faz-se necessário analisar as profundas mudanças no âmbito econômico, social, político
e cultural e as repercussões nas relações e condições de vida/trabalho (objetivas e subjetivas) de ser e existir
da sociabilidade humana. Assim como, as contradições e os conflitos de classes presentes na sociabilidade
do capital ao ampliar e aprofundar as desigualdades sociais e a exploração desenfreada da natureza e do
trabalho humano. Há neste sentido, a necessidade de aprofundar os debates a respeito desta temática, ao
considerar a sua relevância tanto para a academia quanto para a sociedade.
Nas últimas décadas do século XX e início do século XXI, o processo de produção capitalista tem pas-
sado por profundas transformações que têm repercutido no mundo do trabalho. Com efeito, a sociedade
contemporânea vem passando por profundas, o repercute nas condições de vida e no trabalho dos/das
trabalhadores/as, ou seja, nas esferas materiais e subjetivas das relações de ser e existir da sociabilidade hu-
mana. Em tempos de crise sistêmicas do sistema capitalista a exploração e a alienação do trabalho tendem
a se atenuar.
Para Braz e Netto (2006, p.157), a crise é “constituída do capitalismo” e afirma que não existiu, não
existe e não existirá capitalismo sem crise. Ou seja, as crises que se desenvolvem no modo de produção
capitalista, sejam elas de duração e intensidades variadas, fazem parte da sua existência e do seu desen-
volvimento. Segundo Mészáros (2011, p.795) é por meio das crises que o capitalismo tem a possibilidade
de “progredir para além de suas barreiras imediatas” e de “estender com dinamismo cruel sua esfera de
operação e dominação”. Desta forma, há uma maior intensificação da exploração da natureza e do trabalho
humano, e da ampliação da dominação em nível global, com o objetivo da ampliação do lucro.
Como esclarece Mészáros (2011, p.795) a crise contemporânea do capital é fundamentalmente uma
“crise estrutural”, apresentando características diferentes das crises cíclicas anteriores , sendo o seu caráter:
universal, isto é, não atinge apenas uma esfera particular de acumulação de capital (financeira ou comer-
cial) e nem apenas em uma área da produção, alcança assim, todos os tipos de trabalho (relações/condições
de trabalhos, as habilidades e a produtividade); tem alcance global, repercutindo em diferentes regiões e lo-
calidades do globo, e não se limita a alguns países como as crises cíclicas; é extensa, continua e permanente
e se desdobra de forma rastejante.
Nesta perspectiva, Antunes (2009) pontua que o sistema socio-metabólico capitalista, apresenta-se de
forma expansionista, destrutivo e incontrolável, sendo tudo controlado pela valorização do capital. De
tal modo, não são consideradas as condições indispensáveis e essenciais para a sobrevivência humana em
sociedade, resultando na destruição maciça da natureza em escala global e a corrosão do trabalho, com
acrescente precarização do trabalho e o desemprego estrutural.
A crise do padrão de acumulação de capital Taylorista/Fordismo é expressão fenomênica da crise es-
trutural do capital. A partir da década de 70 do século XX, o padrão de acumulação de capital Taylorista/
Fordista entra em crise, após um longo período de crescimento econômico conhecido como “anos de ouro”
ou os 30 anos gloriosos. De acordo com Harvey (2008a), o período de 1965 a 1975, tornou-se cada vez mais
evidente a incapacidade do taylorismo/fordismo e do estado de bem-estar social de conter as contradições
inerentes ao capitalismo, em uma conjuntura de uma forte tendência de inflação e do aumento dos preços
do petróleo com a decisão árabe de embargar as exportações para o ocidente durante a guerra árabe-is-
raelense de 1973, que ocasionou em uma longa e profunda resseção combinando baixa datas de crescimen-
to e altas inflação.
Os principais traços dessa crise podem ser expressos pela tendência decrescente da taxa de lucro, o au-
mento do desemprego estrutural, hipertrofia da esfera financeira e a concentração de capitais (monopólios
e oligopólios), o que dificultou a ampliação da acumulação e dos processos de produção. Em consonância,
ocorreu a crise do Welfare State ou do “Estado do bem-estar social”, acarretando na crise fiscal do Estado
No século XXI, como destaca Antunes (2018), a economia está sob comando e hegemonia do capital
financeiro e das empresas que buscam garantir cada vez mais os seus altos lucros, especificamente, a partir
da superexploração e intensificação do trabalho que são transferidas aos trabalhadores/as por meio da pres-
são pela ampliação do tempo de trabalho, altas taxas de produtividade e a redução dos custos com à força
de trabalho como, por exemplo, a “flexibilização” crescente dos contratos de trabalho.
Neste sentido, segundo o autor, “estamos vivenciando o crescimento exponencial do novo proletariado
de serviços, uma variante global do que se pode denominar escravidão digital.” (ANTUNES, 2018, p.35).
Há um novo proletariado da era digital que ganharam notoriedade com as Tecnologias da Informação e
Comunicação (TICs) que impulsionaram nas mais distintas modalidades de trabalho ao conectarem os/as
trabalhadores/as pelos celulares e outras mídias digitais na atualidade – o fenômeno da uberização – uma
relação de trabalho intermitente via aplicativos (UBER, 99POP, Cabify, Uber, iFood e outros), a qual o/a
trabalhador/a realiza a atividade “eventualmente” e/ou “diariamente” e a sua remuneração está vinculada
ao período de execução do trabalho.
[...] o aplicativo é uma empresa privada global de assalariamento disfarçado sob a forma de traba-
lho desregulamentado – apropria-se do mais valor gerado pelo serviço dos motoristas, sem preo-
cupações com deveres trabalhistas historicamente conquistados pela classe trabalhadora. Em
pouco tempo, essa empresa se tornou global, com um número espetacularmente grande de moto-
ristas que vivenciam as vicissitudes dessa modalidade de trabalho instável. (ANTUNES, 2018, 40)
Tal modalidade de trabalho vem se expandindo, a partir da crise do capitalismo que tensiona/tensionou
um aumento descontrolado do desemprego. Segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
no ano de 2020, tem-se mais de 11, 9 milhões de pessoas desempregadas e 87,1% dos trabalhadores que en-
traram no mercado estão sob condições de informalidade. Nesse sentido, os trabalhadores estão, cada vez
mais, submetidos ao desemprego, a instabilidade e a insegurança que são traços constitutivos do trabalho
na contemporaneidade, com as novas modalidades de relações e contratos de trabalho, especificamente, a
partir do trabalho sem contrato ou por tempo determinado, sem previsibilidade de horas a cumprir e sem
direitos assegurados, como é o caso dos trabalhadores/as de aplicativos.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE (2019), há 3,8 milhões
de brasileiros trabalham com as plataformas online. No que se refere ao perfil dos motoristas de aplicativos,
a pesquisa destaca que: 94% são homens e 6% mulheres; mais de 57% são pretos ou pardos com a idade 30
– 49 anos que corresponde a 52%; e a maioria 54% tem o ensino médio completo. Com relação a renda, 62%
informaram a renda mensal de 1 a 3 salários mínimos e a jornada de trabalho semanal de 65% é entre 40 h
e 49h, seguindo de 31% mais de 49h e 4% menos de 40h por semana.
Essa realidade não é diferente do entregador de aplicativos, segundo os dados do IBGE (2019): 94,7%
são homens e 2,6% são mulheres, em sua maioria são jovens até 25 anos (36,3%) e de 26 a 35 anos (44,7%),
tem o ensino médio completo (74,3%), ensino fundamental (13%), ensino superior (10,9%) e outros (1,8%) e
com relação a renda mensal, observou-se que 61% recebe até 2.000. Como destaca o autor os trabalhadores
“oscilarão entre o desemprego completo e, na melhor das hipóteses, a disponibilidade para tentar obter o
privilégio da servidão” (ANTUNES, 2018, p. 39). Tal privilegio, como destaca o autor supracitado, é a sub-
sunção do trabalhador em empregos precarizados e com baixo ou ausente de direitos trabalhistas.
[...] já não é mais necessário o controle dentro da fábrica, tampouco a subordinação a agentes
específicos ou a uma jornada rígida. Muito mais eficaz e repressor é o controle difuso, realizado
por todos e por ninguém. Neste novo paradigma, os controladores, agora, estão espalhados pela
multidão de usuários e, ao mesmo tempo, se escondem em algoritmos que definem se o motorista
deve ou não ser punido, deve ou não ser “descartado”. (CASTILHO, 2017, p. 389)
O trabalho passa a ser mais flexíveis, de acordo com os ritmos produtivos das empresas, passando
assim, a ter consequências profundas para os trabalhadores, no seu tempo de trabalho e de vida, em seus
direitos, nas suas condições de saúde etc. Os próprios trabalhadores informam que o retorno financeiro é
baixo e a pressão realizada pela empresa, como exposto nas entrevistas concedidas para o jornal Estadão1,
em São Paulo/SP.
É pura ilusão. O Uber engana o trabalhador. Promete que você vai ganhar R$ 7 mil, então você se
mata, trabalha 12 horas por dia e não ganha R$ 3 mil. Se dependesse disso, estava passando fome.
(Amauri Pereira, 52 anos)
Meu propósito era tirar R$ 250 por dia. Não passei da metade. Ficar dependendo do Uber traz sé-
rios danos para a sua vida financeira e pessoal. Não volto nunca mais. (Marcelo Eduardo de Sousa,
de 41)
[...] por ela, concede-se certa liberdade aos trabalhadores, como ‘você decide a hora e quanto vai
trabalhar’, que é imediatamente negada pelo dever de aliança e de cumprimento dos objetivos
traçados na programação, que é realizada de forma unilateral pelas empresas (OITAVEN; CARELLI;
CASAGRANDE, 2018, p.36).
Os serviços por aplicativos estão absorvendo diferentes trabalhadores/as, sendo para eles/as a única e/
ou complemento da renda básica familiar. Contudo, para obter tal renda, os mesmos estão submetidos a
superexploração e intensificação do trabalho, especificamente, a partir da intensa erosão dos direitos tra-
balhistas, altas jornadas, baixos salários, adoecimentos e desgastes do corpo e da mente, que são que são
expressões da precarização do trabalho sob as novas modalidades de trabalho intermitente.
A uberização traz um tipo de utilização da força de trabalho que conta com a disponibilidade do
trabalhador mas o utiliza apenas quando necessário, de forma automatizada e controlada. A em-
presa-aplicativo detém o controle e a possibilidade de mapear e gerenciar a oferta de trabalho e
sua demanda, a qual também está mediada pelo aplicativo e subordinada a ele. Como dito, o traba-
lhador está disponível, mas não tem qualquer possibilidade de negociação ou influência na deter-
minação da distribuição de seu próprio trabalho nem sobre o valor do mesmo. (ABILIO, 2019, p.03)
Neste sentido, no mundo do trabalho as virtudes e princípios da flexibilização do trabalho tem como
objetivo obter a máxima intensidade e rendimento do trabalho e dos/as talhadores/as. Neste sentido, para a
classe trabalhadora, há constantes formas agressivas e brutais para aumentar a produtividade do trabalho,
com base nas clássicas e “novas” modalidades de extração e apropriação de mais-valia (absoluta e relativa),
aliados a isso, há os crescentes níveis de desempregos que expressão a subsunção do trabalhador/a à lógica
capitalista. Acresce-se a isso o que Alves (2013) ressalta, sendo que o trabalho flexível conduz,
[...] não apenas à precarização salarial, mas principalmente à precarização do homem- que- traba-
lha; isto é, a nova morfologia social do trabalho flexível tem um impacto diruptivo no metabolismo
social do homem-que-trabalha, atingindo irremediavelmente a vida cotidiana de homens e mulhe-
res trabalhadores, disseminando sentimento de insegurança e descontrole pessoal (p.179, grifo do
autor).
Como destaca Alves (1999, 2013) é da essência do capitalismo global a intensificação da precarização
do trabalho em suas múltiplas dimensões (objetiva e subjetiva), assim, a análise da precarização vai para
além do salário e emprego, sendo necessário compreender as relações de trabalho e a saúde do/da trabalha-
dor/a. O aumento da insegurança, a competição e medo do desemprego, vem resultando em adoecimen-
tos, desgastes físicos e mentais e em recorrentes acidentes fazem parte do cotidiano do trabalho, com os
Quem tem disposição realmente consegue ganhar dinheiro. Mas tudo o que acontece depende
de você: se cair e se machucar, você está sozinho; se chover e não trabalhar, não ganha nada. Se
morrer, ninguém vai pagar o seguro para sua família, ninguém vai ligar para sua mulher. (André dos
Santos, 30 anos)
Sábado à noite a gente dorme na praça Victor Civita. Não vale a pena voltar para casa e depois vir
para cá de novo, de manhã (Gabriel de Jesus, 22 anos)
A gente reveza: um dorme no banco e outro fica acordado para proteger dos roubos (Robert dos
Santos)
Com a pandemia vive-se um cenário de catástrofe social e sanitária, com o constante aumento do nú-
mero de pessoas infectadas e de mortes em decorrência do vírus Sars-Cov-2 - o novo Coronavírus. Desde o
primeiro caso registrado em fevereiro de 2020 já são mais de 5 milhões de pessoas infectadas e mais de 155
mi mil mortes, sendo o consocio de empresa3. A pandemia revelou as desigualdades de classe e acentuou
as diferenças sociais, econômicas, sanitárias e regionais vividas pela população pobre do país. É notório
que, o avanço da pandemia repercute com mais intensidade na população pobre, preta da periferia das ci-
dades brasileiras, que vivenciam situações precárias de saneamento, de habitação e trabalho e renda e estão
vinculadas a trabalhos informais.
No que tange ao trabalho por aplicativos, a pandemia intensificou a precarização do trabalho, tal rea-
lidade é vivenciada por trabalhadores/as em diferentes cidades brasileiras como, por exemplo, em Belém/
PA4 e São Paulo/SP5, que reivindicam o aumento nas taxas de entrega; pagamentos de taxas de deslo-
camento para retirada dos pedidos, com a finalidade de aumento o valor da renda; o fim de retaliações e
bloqueios indevidos nas plataformas; e a igualdade no pagamento entre os/as profissionais e distribuição de
Equipamentos de Proteção Individual (EPIs).
Nossas vidas não têm importância nenhuma para essas empresas. O que interessa para elas é
o cliente. Somos descartáveis. Nós nos matamos de trabalhar, mas não conseguimos pagar as
contas. (Alessandro da Conceição Calado, São Paulo/SP)
Isso é uma vergonha. A distância é uma vergonha. Se nós vamos fazer uma entrega a 5,5 km de
distância no valor de R$ 4,50 nós temos que voltar 5,5km de graça. Nós queremos que isso seja
reparado. (Carlos Siqueira, Belém/PA)
O trabalho é envolto de contradições, pois, ao mesmo tempo que pode atender às necessidades básicas
de reprodução dos homens, também representa o seu inverso, próprias das condições destrutivas da or-
ganização trabalho na lógica do capital, que pode determinar a produção de doenças e mortes. Essas mu-
danças no mundo trabalho incidem, diretamente, nos trabalhadores – intensificação, controle do trabalho;
introdução de tecnologias; exigências de comportamentos; mudanças na forma de contrato, organização e
condições de trabalho; flexibilização, polivalência e a instabilidade são constantes; etc.
Como destaca Marx,
O trabalhador só se sente, por conseguinte e em primeiro lugar, junto a si [quando] fora do trabalho
e fora de si [quando] no trabalho. Está em casa quando não trabalha e, quando trabalha, não está
em casa. O seu trabalho não é, portanto, voluntário, mas forçado, trabalho obrigatório. O trabalho
2 https://epocanegocios.globo.com/Empresa/noticia/2019/05/dormir-na-rua-pedalar-30-km-e-trabalhar-12-horas-por-dia-rotina-
-dos-entregadores-de-aplicativos.html
3 https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/10/21/total-de-mortes-por-covid-19-no-brasil-passa-de-155-mil-aponta-consorcio-
-de-imprensa.ghtml
4 https://www.romanews.com.br/cidade/entregadores-de-aplicativos-fazem-greve-e-reivindicam-melhorias-de/84308/
5 https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/07/10/pandemia-precariza-ainda-mais-o-trabalho-de-entregadores-de-
-aplicativos.htm?cmpid=copiaecola
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste estudo, no primeiro momento, buscou-se compreender, no atual contexto, as implicações da cri-
se estrutural capitalista, da reestruturação produtiva e a expansão das políticas neoliberais no mundo do
trabalho, para a partir disso, analisar o trabalho por meio de plataformas digitais com destaque para os/as
motoristas e entregadores/as de aplicativos, com base em autores/as que vem contribuindo para as análises
de reflexões e críticas da sociabilidade capitalista, em tempos de crises do capital, que expressão em uma
reorganização na economia, na política, no trabalho, na cultura e outras áreas da vida humana.
Neste sentido, homens e mulheres que dependem de forma exclusiva do trabalho para sobreviver, en-
contram-se constantemente em situações instáveis, precárias ou vivenciam diretamente com o desempre-
go. Em escala global, observa-se a redução de empregos e a superexploração e intensificação do trabalho
daqueles que estão trabalhando, especificamente, a partir da intensa erosão dos direitos sociais e das novas
modalidades de trabalho (informal, intermitente, “flexível” e com baixo salário).
No âmbito do trabalho por aplicativos, observou-se que tal modalidade de trabalho ampliou o trabalho
precário e sem proteção trabalhista. As empresas de aplicativos, que tem como objetivo a acumulação de
capital, utilizam variadas técnicas para exploração do trabalho – intensificação, pressão, medo, etc., que
tem impacto nas condições de trabalho e vida do trabalhador/a com o aumento de acidentes e adoecimento
físico e mental, que são expressões da precarização do trabalho que a classe trabalhadora está submetida
cotidianamente.
Por fim, a reflexão apresentada aqui, sem a pretensão de esgotar o tema e aprofundar as análises teóri-
cas, possibilitaram uma aproximação com os/as autores/as que estão realizando estudos e pesquisas acerca
do tema, ampliando o campo teórico do pesquisador e indicar a necessidade da ampliação das discussões
e pesquisas teóricas-empíricas com trabalhadores/as de aplicativos a partir da realidade de cada região
brasileira.
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Fabiana Scoleso
Pós-doutoranda em Sociologia do Trabalho no IFCH-UNICAMP, professora adjunta do curso de Relações
Internacionais da Universidade Federal do Tocantins, coordenadora do projeto de extensão Observa-
TO e membro do GT Clacso Frontera, Regionalización e Globalización. fscoleso@uft.edu.br
Resumo: Este texto tem como objetivo apontar a reconfiguração do neoliberalismo na sua vertente neoextrativista e transnacional
no atual contexto do agronegócio instituído no Brasil, que se replica por toda a América Latina, embora repleto de particularidades,
especialmente sobre seus impactos no mundo do trabalho, no campo e no campesinato. O “Consenso das Commodities”, protago-
nizado pela América Latina nas últimas duas décadas, colaborou com a tendência mundial de inserção das corporações transna-
cionais contribuindo com novas concentrações de terra e com o domínio dos vários elos da cadeia de valor do agronegócio, o que
demonstra a versatilidade do capital neste setor. A agricultura de precisão conhecida como Agricultura 4.0 é um novo modo de pro-
dução global que em síntese é um profundo salto tecnológico no mundo produtivo dando à reestruturação produtiva caráter perma-
nente. A adoção de seus princípios sobre os territórios e sobre o mundo do trabalho têm se valido da morfologia laboral produzida
pelo estado neoliberal, aprofundado o uso do trabalho morto em relação ao trabalho vivo sem prescindir do setor de serviços, tercei-
rizados, flexíveis e informais. Na cadeia de valor do agronegócio, alterada significativamente por essas novas formas produtivas, o
trabalho continua como categoria central, embora cada vez mais sujeito à precarização.
Palavras-chave: transnacionalismo; neoextrativismo; agronegócio; agricultura 4.0; precarização;
INTRODUÇÃO
No período onde se revela o grau de letalidade do capitalismo a hegemonia do capital financeiro conti-
nua fazendo fortuna. Dentre as 10 pessoas mais ricas do mundo estão Jeff Bezos, Bill Gates, Warren Buffett,
acionistas das empresas Amazon, Microsoft, Berkshire Hathaway e Oracle todas ligadas à tecnologia e
também ao importante jogo financista da Bolsa de Valores Nasdak. Não há a menor sombra de dúvidas que
durante esses meses em que a pandemia da COVID-19 assombrou as vidas de trabalhadoras e trabalhado-
res de modo strictu sensu, esses grandes e poderosos empresários tiveram seus lucros ainda mais potencia-
lizados. Todos os governos do mundo, com raras exceções, são dependentes do capital financeiro, seja ele
nacional ou internacional e que o transnacionalismo tem sido o fio condutor e subordinador das relações
econômicas e dos princípios de integração da economia global. O ideário neoliberal do pós-II Guerra foi
passo-a-passo consolidando uma nova rede de relações políticas e econômicas com a adição de novos or-
ganismos internacionais e instituições supranacionais. Era necessário também projetar a noção de que o
socialismo era um entrave ao desenvolvimento ao mesmo tempo em que construíam o discurso de que o
sindicalismo era inimigo das corporações, como foi o caso de Friedrich Hayek1.
A pandemia escancarou a destruição do sistema universal de saúde pública em todo mundo. O pesadelo
americano no princípio da pandemia foi o de descobrir que não havia possibilidade real de se fazer testes
rápidos e que o sistema público era (e continua sendo) incapaz de atender a demanda, especialmente dos
mais vulneráveis. Já morreu mais gente do que na queda das Torres Gêmeas e na Guerra do Vietnã soma-
dos. No Brasil a grotesca figura à frente da presidência da república nega desde o primeiro dia a pandemia
e os efeitos nocivos do coronavírus, tratou e continua tratando a vida das brasileiras e brasileiros com des-
caso na medida em que o Ministério da Saúde não tem uma política efetiva de combate ao problema e não
dialoga de maneira integrada e coesa com estados e municípios.
1 HAYEK, Friedrich. O caminho da servidão. São Paulo: Instituto Ludwig von Misses Brasil, 2010.
É notório que a crise instalada no mundo pré-pandemia estava diretamente relacionada com a crise
de sobreacumulação. Nos últimos anos ela foi responsável por desencadear uma nova e violenta expansão
capitalista em busca de oportunidades e territórios para decantar seu excedente de capital e evitar sua pa-
ralisia o que demonstra sua incontrolabilidade e versatilidade. Inseridos nesta nova dinâmica das políticas
de mundialização capitalista estão vários países da América Latina. Em seu conjunto representam, nos últi-
mos anos, em especial na virada conservadora do continente, o adensamento das políticas e práticas neoli-
berais de integração subordinada a uma nova geração de elites transnacionais responsáveis por revitalizar a
hegemonia neoliberal atuando decisivamente na ampliação dos programas de privatizações, liberalizações,
desregulamentações e consequente programas de austeridade agravando a pobreza, a miséria, produzindo
renovadas formas de expulsão e exclusões.
O mundo do trabalho foi corroído e devastado em seus direitos e a classe trabalhadora, desprovida de
proteção social transita entre a formalidade e a informalidade, expressão do processo de proletarização dos
assalariados e da nova fase do processo de subsunção, degradação e precarização embora permeada de uma
ideologia empreendedorista e meritocrática que tem servido para mascarar sua verdadeira faceta.
2 Para mais ver https://www.oxfam.org.br/quem-paga-a-conta/ - Quem paga a conta? - Taxar a Riqueza para Enfrentar a Crise da
Covid na América Latina e Caribe.
3 De acordo com o Relatório da OIT de 2018 sobre trabalho informal, nas zonas rurais, o emprego informal representa 80% do
total, quase o dobro do índice verificado nas regiões urbanas (43,7%). Na agricultura, chega a atingir 93,6% dos trabalhadores,
enquanto na indústria e nos serviços os percentuais caem, respectivamente, para 57,2% e 47,2%. A informalidade está vinculada
também a determinadas modalidades de contratação. O fenômeno é mais comum em vagas de tempo parcial (44%), temporárias
(60%) e na combinação dessas duas características (64%). Já em atividades de tempo integral, o índice cai para 15,7%. Para
mais ver https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_627643/lang--pt/index.htm
A crise estrutural do capital não constituiu na América Latina uma nova classe trabalhadora e sim
a representação da ampliação da superexploração de sua força. Aumentou o desemprego, a informali-
dade, a terceirização e a flexibilização, redesenhou e a recolocou os mundos do trabalho sob distintas
configurações, o que foi denominado pelo sociólogo Ricardo Antunes como uma nova morfologia da
classe-que-vive-do-trabalho:
“A classe trabalhadora, em sua nova morfologia, participa cada vez mais do processo de valo-
rização do capital e da geração de mais-valor nas cadeias produtivas globais. As formas de in-
tensificação do trabalho, a burla dos direitos e a superexploração, a vivência entre a formalidade
e a informalidade, as exigências de metas, a rotinização do trabalho, o despotismo dos chefes,
coordenadores e supervisores, os salários degradantes , os trabalhos intermitentes, os assédios,
os adoecimentos, padecimentos e mortes decorrentes das condições de trabalho indicam claro
processo de proletarização dos assalariados de serviços que se encontram em expansão pelo
Brasil e em várias partes do mundo, dada a importância das informações no capitalismo financeiro
global. Constitui, portanto, numa nova parcela que amplia e diversifica a classe trabalhadora”5.
Vale destacar que o mundo do trabalho hoje tem um léxico bastante amplo que multiplica sua aparên-
cia embora na essência estejam sempre presentes a lógica destrutiva do capital e seu vigoroso processo de
precarização estrutural do trabalho. A precarização faz parte da gênese do capitalismo. Combatê-la está
diretamente relacionado com a capacidade de organização e resistência da classe trabalhadora que nos últi-
mos anos têm sido solapada (também, mas não apenas) no que diz respeito ao sindicalismo, ao surgimento
de categorias profissionais que não contam com órgãos de defesa de seus interesses e que já nascem sem
proteção social. O processo de precarização do trabalho, sua morfologia, as distintas formas de assala-
riamento e seus mecanismos sofisticados de regulação político-jurídico-econômico correspondem a uma
forma ampliada de acumulação de capital.
O poder estrutural do capital, caracterizado hoje pela classe capitalista transnacional6 e seus mercados
financeiros globais, estão intrinsecamente ligados e exercem forte influência nos fatores de produção que
correspondem a sua nova lógica de acumulação. É sobre a governança, sobre as tecnologias, sobre os ter-
ritórios e suas questões ambientais e sobre o trabalho, no sistema de metabolismo social do capital, que se
assentam os princípios que tornam realizáveis sua cadeia global de extração de valor.
A expansão dos megaprojetos de mineração sobre a Amazônia Legal e o agronegócio sobre o bioma do
cerrado são provas do poder estrutural dos mercados globais que se acentuam exponencialmente com o
retorno da direita conservadora e seu pacote de reformas ultraneoliberais e tentativas de novos golpes na
América Latina.
A expansão da acumulação neoextrativista diz respeito também a reestruturação produtiva como pro-
cesso permanente fruto de um capitalismo multiforme que cria de forma constante mecanismos para a
preservação e ampliação de valor, assim como a expropriação violenta e intermitente da terra ajustando
4 MÉSZÁROS, István. Para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2002. p. 99.
5 ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. 2 ed. São Paulo: Boitempo, 2020. p.
66.
6 SKLAIR, Leslie. The transnational capitalista class. Oxford: Blackwell, 2001.
“É importante observar, contudo, que com o processo de modernização agrícola existe a preocupa-
ção decorrente da realocação da mão de obra existente e das desigualdades salariais no campo.
Por isso, é importante fornecer meios para que as comunidades rurais tenham acesso a um maior
nível de escolaridade, pontos de assistência técnica e extensão rural, bem como de escolas técni-
cas agrícolas, a fim de contribuir para o combate da informalidade e da desigualdade salarial, uma
vez que trabalhadores rurais com maior escolaridade tendem a receber maiores salários. Essa
constatação fica evidente ao se perceber uma associação positiva entre nível de escolaridade e
trabalho formal, e negativa entre nível de escolaridade e número de ocupações totais.”9
“Em relação ao nível médio de instrução, dados do Cepea mostram que houve redução do núme-
ro de trabalhadores sem instrução ou com ensino fundamental (completo ou não) e aumento do
número de trabalhadores com ensino médio ou superior (completo ou não). Esses movimentos
refletem, entre outros fatores, o processo de modernização da produção agropecuária, que impõe
o aumento gradativo da mão de obra qualificada, e uma mudança na composição da mão de obra
do setor, com elevações de representatividade das ocupações industriais e de serviços em com-
paração com as agropecuárias.”10
A maior parte das vagas em atividades que requer maior nível de qualificação são ocupadas por pessoas
que vem de outros estados ou substituídos por tecnologias digitais, as agrotechs, que cumprem a função de
7 Expressão adotada pelo sociólogo do trabalho Ricardo Antunes, especialmente em seu livro “Os sentidos do trabalho”.
8 https://exame.com/negocios/como-a-alta-informalidade-no-brasil-pode-frear-a-produtividade/
9 BERNARDELLI, Luan Vinicius, CASTRO, Gustavo Henrique Leite de, GOBI, José Rodrigo, MICHELLON, Ednaldo, VIEIRA FILHO, José
Eustáquio. Texto para discussão 2561: Formalidade do mercado de trabalho e produção agrícola no Brasil. Rio de Janeiro, maio
de 2020. Disponível em https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2561_sumex.pdf
10 Para mais ver Pesquisa CEPEA-Esalq/USP https://www.cepea.org.br/br/releases/mercado-de-trabalho-cepea-populacao-ocupa-
da-no-agro-inicia-2020-estavel.aspx?pagina=7
A mundialização do capital, a exploração e o empobrecimento das massas populares são parte inte-
grante deste processo onde o Estado cumpre papel ativo na regulação fundiária e “estrangeirização” da terra
(que pode se dar de forma direta ou indireta) para o manejo do Agro, além de toda destruição dos direitos
sociais que colocam mais uma vez mulheres e homens em posição servil diante do sistema capitalista. De
acordo com a socióloga Saskia Sassen,
11 SCOLESO, Fabiana. Agricultura Familiar na Mira do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Boletim GMarx. Ano 01
nº 45/ 2020. Disponível em http://gmarx.fflch.usp.br/boletim45
12 https://ipam.org.br/cerrado-perdeu-quase-30-milhoes-de-hectares-em-vegetacao-nativa-em-35-anos/
13 TÓTORA, Silvana. A questão democrática em Florestan Fernandes. Lua Nova: Revista de Cultura e Política. n° 48, São Paulo,
dezembro, 1990. pp. 110-126.
14 Para mais ver https://ipam.org.br/cerrado-perdeu-quase-30-milhoes-de-hectares-em-vegetacao-nativa-em-35-anos/
De acordo com dados da organização Grain referentes ao ano de 2016, pelo mundo, mais de 30 milhões
de hectares foram adquiridos por apenas 490 proprietários. O Brasil é um dos principais protagonistas: o
total de terras controladas no Brasil pelos 20 grupos estrangeiros: 2,74 milhões de hectares. Um Haiti. Ou
metade da Croácia. São os 20 grupos:
“1) A BrasilAgro, com capital da argentina Cresud (que já foi um investimento de George Soros e
também tem aporte chinês), possui 166 mil hectares para cana, grãos e pecuária.
2) O fundo canadense Brookfield Asset Management possui 97.127 hectares para produção de
soja e cana de açúcar em terras brasileiras. E está de olho na aquisição de mais usinas.
3) A empresa Universo Verde Agronegócios também atende pelo nome de Chongqing Grain Group,
a maior empresa estatal chinesa do setor de grãos. No Brasil, segundo o relatório da Grain (a ONG,
não a empresa), o grupo possui 100 mil hectares, mais da metade deles “como se fossem de bra-
sileiros”. O MST ocupou em 2015 uma área de 75o hectares em Porto Alegre, definindo-a como
improdutiva.
4) Outra empresa estatal chinesa, a Cofco, aparece com 145 mil hectares de cana no relatório.
Com direito a capital de Singapura, do fundo de private equity Hopu Investment Management e do
Banco Mundial.
5) A francesa Louis Dreyfus Commodities comparece ao relatório sobre land grabbing com nada
menos que 430 mil hectares no Brasil. Para cana, arroz, laranjas e laticínios. E ainda opera mais
500 mil hectares, sem direito de propriedade. O grupo controla 10% do mercado mundial de maté-
rias primas agrícolas, informa a Grain. O grupo está em 12 estados brasileiros.
6) A Índia também já se faz presente no Brasil. A Shree Renuka Sugars – aqui, Renuka do Brasil
– possui 139 mil hectares de cana de açúcar, a partir da compra, nos últimos anos, de usinas bra-
sileiras. O grupo Equipav possui 49,7% das ações.
7) A japonesa Mitsubishi atua em terras brasileiras pela Agrex do Brasil. São 70 mil hectares de
soja nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Goiás. O brasileiro Paulo Fachin tem 20% de
participação no grupo.
8) Mais duas empresas japonesas estão no relatório da Grain. A Sojitz Corporation (aqui, Contagalo)
produz 150 mil hectares de soja, milho e trigo. Os planos são de triplicar a produção e adquirir mais
200 mil hectares.
9) A outra empresa japonesa é a Mitsui & Co, com 87 mil hectares de grãos na Bahia, no Maranhão
e em Minas Gerais. A face brasileira do grupo é a SLC-MIT Empreendimentos Agrícolas.
10) A Holanda entra na lista com o Grupo Iowa, na matriz BXR Group. São 12 mil hectares de grãos
na Bahia. O BXR pertence ao checo Zdenek Bakala (estamos falando de globalização, afinal), em
parceria com o Credit Suisse.
11) A Nova Zelândia aparece com discretos 850 hectares em Goiás. Maior exportadora mundial de
produtos lácteos, ela abastece com essa atividade a Dairy Partners America, parceria com a suíça
Nestlé.
12) A antiga metrópole também faz parte dessa nova colonização: Portugal está na lista brasileira
de land grabbing com a Nutre, ou Prio Foods no Brasil, com 29.528 hectares. Um terço dessa área
fica no Maranhão, onde a empresa pretende adquirir mais 14 mil hectares.
13) Outro país marcado pelo histórico de metrópole, o Reino Unido, compõe esse cenário com o
fundo de investimentos Altima Partners (ou, regionalmente, El Tejar), com 130 mil hectares para
pecuária e grãos, principalmente no Mato Grosso.
14) E, falando em investidores estrangeiros, que tal, novamente, o nome de George Soros? O esta-
dunidense controla 127 mil hectares no Brasil, segundo a Grain, por meio da Adecoagro, em parce-
ria com um fundo de pensão holandês. O leque de culturas é variado: café, cana, grãos, pecuária.
15 SASSEN, Saskia. Expulsões: brutalidade e complexidade na economia global. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2016. p. 99.
A classe capitalista transnacional fica bastante evidente nos exemplos mencionados acima. Um dos
fatores que explicam essa expansão é a demanda internacional crescente por biocombustíveis e por ali-
mentos. No que tange a propriedade da terra esta tem papel chave na nova acumulação e se transformou
em ativo financeiro desejado pela classe capitalista transnacional. A escalada da aquisição de terras por es-
trangeiros ou através do arrendamento e a implantação de um processo de produção provoca expulsões ou
submete parte da população aos seus sistemas, a novas formas de subordinação. É o caso do município de
Tocantinópolis, ao norte do Tocantins, chamado em seu conjunto de Bico do Papagaio. Lá historicamente
as quebradeiras de coco babaçu, grupo extrativista que representa as comunidades tradicionais da região,
tiveram ao longo dos últimos anos suas atividades questionadas e inúmeras tensões e conflitos, principal-
mente no que diz respeito aos direitos territoriais de extração de recursos naturais18. A convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) integrada ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do
decreto nº 5051/2004, define como territórios tradicionais aqueles necessários para a reprodução cultural,
social e econômica dos povos e comunidades tradicionais19. Mesmo com a criação da Reserva Extrativista
do Extremo Norte do Estado do Tocantins20, a Resex, por meio do decreto 535/1992 a área ficou por anos
nas mãos de latifundiários para tempos depois receber regularização fundiária. Nos últimos 20 anos cres-
ceu na região dos Babaçuais (Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins) a expansão das atividades da bioindus-
triais e siderúrgicas e os interesses econômicos avançaram no sentido de contestar a extração do coco pelas
quebradeiras defendendo assim o sentido da propriedade privada. A Lei do Babaçu Livre21, forma legal
de proteger a atividade tradicional de inúmeras mulheres quebradeiras de coco e não as transformar em
criminosas, continua sendo contestada e a inexistência de um zoneamento ecológico-econômico adequado
16 Acesse: https://deolhonosruralistas.com.br/2016/10/06/fundo-americano-de-professores-passa-controlar-270-mil-hectares-
-no-brasil/
17 Para mais ver: https://deolhonosruralistas.com.br/2017/01/09/20-grupos-estrangeiros-tem-3-milhoes-de-ha-de-terras-no-bra-
sil/ e https://www.grain.org/es/article/entries/5607-el-acaparamiento-global-de-tierras-en-el-2016-sigue-creciendo-y-sigue-
-siendo-malo
18 Para mais ver http://actionaid.org.br/wp-content/files_mf/1493418575quebradeiras_actionaid_port_rev1.pdf - Acesso à terra,
território e recursos naturais: a luta das quebradeiras de coco babaçu.
19 BRASIL. Decreto no 5.051, de 19 de abril de 2004. Promulga a Convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT
sobre povos indígenas e tribais. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 abr. 2004. p. 1.
20 Possui uma área que corresponde a 9.280 hectares, localizada na região do Bico do Papagaio, especificamente no Estado do
Tocantins - Brasil, entre os municípios de Carrasco Bonito (97% da área da Reserva), Buriti do Tocantins (2% ) e Sampaio (1%).
Para mais informações acessar: https://porlatierra.org/docs/ce1ed5942522a66ffcd7a750831ca1f9.pdf
21 Para mais ver http://publicadireito.com.br/artigos/?cod=e93028bdc1aacdfb
“Não podemos forçar alguém a acreditar que há crime onde não há crime, os senhores vão trans-
formar o próprio crime em ato legal. Os senhores borraram os limites entre uma coisa e outra, mas
estão enganados se acreditam que eles foram borrados somente no seu interesse. A população vê
a pena, mas não vê o crime onde houver a pena. Ao aplicar a categoria de furto onde ela não pode
ser aplicada, os senhores a abrandam onde ela tem de ser aplicada. E acaso esse ponto de vista
brutal, que registra apenas uma determinação comum em atos diferentes e ignora a diferença, não
revoga a si próprio? Se todo atentado contra a propriedade, se qualquer distinção, sem determi-
nação mais precisa, for considerada furto, não seria furto também toda propriedade privada? Não
estou, portanto, violando seu direito à propriedade?”22.
O direito sobre o uso da terra e a propriedade fundiária continuam como questões fundamentais do
impulso da expansão capitalista da nossa época. A lógica neoextrativista e a expansão das fronteiras do
agronegócio e suas formas de produção e acumulação têm desempenhado papel chave nas despossessões,
exclusões e substancialmente no que diz respeito ao envenenamento das águas, dos solos e uso indiscrimi-
nado de agrotóxicos, incutindo uma disciplina de uso do território e da força de trabalho.
A filósofa e economista marxista Rosa Luxemburgo contribuiu muito para esse debate quando desen-
volveu a teoria do imperialismo. Para ela a despossessão era a incorporação de regiões ainda não penetra-
das pelas relações capitalistas. No pensamento atualizado por David Harvey tanto em seu livro A produção
capitalista do espaço23 como no O Enigma do Capital24 , afirmando que a globalização capitalista chegou
a uma era de “acumulação por despossessão”, caracterizada pela mercantilização imposta pelo neolibera-
lismo, que reforça o controle social e institui a disciplina do trabalho flexível que é própria também das
atividades neoextrativista e do agronegócio.
A agricultura 4.0 também é depopulating25, ou como indicam Rosa Luxemburgo e David Harvey, pro-
motora de “acumulação por despossessão”, responsáveis por conflitos de ordem territorial que provoca
despovoamento, novas expulsões e a subordinação municípios e microrregiões e de trabalhadoras e traba-
lhadores a sua lógica de produção, fundamentos teóricos e metodológicos para a produção da análise sobre
o desenvolvimento desigual, combinado e contraditório do modo de produção capitalista.
A usurpação da terra por meio da grilagem, os desmatamentos e as queimadas também são parte inte-
grante de agronegócio e dos mega projetos de mineração em andamento na Amazônia Legal. Violações e
atos de violência marcam a história dos movimentos sociais e comunidades originárias que vivem e lutam
pela terra26.
Dados recentemente atualizados pelo IBGE revelam que hoje são mais de 40 milhões de trabalhadoras
e trabalhadores brasileiros que vivem da informalidade27. Só no primeiro trimestre de 2020 o desemprego
atingiu a marca de 12, 9 milhões de pessoas. O trabalho, embora reduzido ao máximo por muitas tecnolo-
gias, é imprescindível para os elos produtivos que compõem as cadeias globais de valor. Não fosse assim o
governo brasileiro não teria utilizado de toda sua retórica e instrumentos legais para considerar mais de 60
atividades laborativas como essenciais no período de pandemia de COVID-19. A maior parte delas corres-
ponde a cadeia de valor do agronegócio que vai desde a produção (considerada estratégica na “segurança
alimentar”) e toda logística de armazenagem, circulação, atividades portuárias, exportação. Não à toa da-
dos da CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) demonstram que a produção de soja no Brasil e
Não é de hoje que a maneira como produzimos e como vendemos mercadoria se transforma. Também
não é de hoje que algumas poucas empresas no ramo de sementes e agrotóxicos dominam a produção e
controlam sua dinâmica no mundo. Empresas como Cargil, Monsanto-Bayer, Basf, Dupont, Dreyfus há
tempos ocupam este lugar preferencial na modificação e produção de sementes ramificando suas ativida-
des nos diversos países, espacialmente na América Latina e particularmente no Brasil que se transformou
em Zona Específica de Intensa Acumulação e que entrelaçam seus modos de produção e seus elos produti-
vos numa intensa cadeia de acumulação e de múltiplas devastações30.
As empresas transnacionais agrícolas e a classe capitalista transnacional atuante direta e indiretamente
nela forjaram nos últimos anos um verdadeiro ecossistema agrotecnológico fruto de parcerias governa-
mentais e norteados por inúmeros fóruns e relatórios. A agricultura 4.0 é a soma de uma indústria compu-
tacional e de um conjunto de instrumentos de telecomunicação que absorve e converge dados massivos (Big
Data) com a Inteligência Artificial (AI). O resultado disso é um sistema complexo que monitora e fornece
dados sobre questões climáticas, umidade do solo, melhor uso dos recursos hídricos etc, que efetive uma
agricultura de precisão. Mas não se limita a isso: o uso de dados se converte em novos negócios. Eles criam
um “sistema de preferências”. Surge de fato uma ramificação de sistemas informacionais para tornar todos
os elos da cadeia de produção do agronegócio vantajosos e de fato integrados.
É fundamental destacarmos que os Estados exercem importantes funções neste processo. Eles são res-
ponsáveis por regular a atuação dessas empresas em seus territórios pois há uma tendência importante ao
monopólio de algumas delas sobre decisões da agricultura global e que impactam sobremaneira todas as
sociedades.
Em 2018 foi lançado na Cúpula Mundial de Governos em 2018 o relatório “The future of farming te-
chnology” onde foram apontados alertas importantes sobre a questão climática, suas secas prolongadas, o
empobrecimento do solo, a redução da produtividade, o desperdício de alimentos e a demanda crescente
por eles no mundo. Concluíram também que há forte tendência à fome. A solução apontada no relatório é
a expansão da Agricultura 4.031.
Ao mesmo tempo que governos se reúnem para discutir a tecnologização da agricultura e os investi-
mentos necessários para evitar que a crescente demanda por alimentos desencadeie a fome, Pat Mooney em
parceria com o ETC Group, Glocon, Inkota e Rosa Luxemburg Stiftung elaboraram relatório cujo título é
“Sin embargo, impacto de esta nueva plataforma Big Data en la cadena alimentaria industrial pue-
de ser muy directo y devastador. Si Nestlé se fusiona con Carrefour o si la empresa fusionada
Bayer-Monsanto se junta con Yara (corporación noruega de fertilizantes, la segunda más grande
del mundo), la cadena alimentaria industrial podría reducirse a un duopolio de empresas de insu-
mos y productos, apostando todo a una plataforma tecnológica que puede no llegar a funcionar.
Es tan ingenuo para los reguladores de competencia juzgar hoy en día las fusiones y adquisiciones
intersectoriales de la cadena alimentaria de manera aislada de otros sucesos en la plataforma Big
Data como lo fue hace 40 años ignorar la toma de control de los fitomejoradores por parte de los
fabricantes de pesticidas. Lo trágico es que, en los últimos 40 años, las empresas y las tecnologías
han cambiado mucho, pero los reguladores no. La integración vertical y horizontal continúa, pero
los reguladores siguen sin tener la capacidad de monitorearla ni las herramientas legales para
controlarla.”33
A tendência de concentração de poder no uso de dados agrícolas e a falta de controle público e atuação
direta dos governos impactam as populações e a segurança alimentar, como fica bastante evidente nos da-
dos apresentados no relatório.
Um exemplo da velocidade das iniciativas é a da empresa Huawei, empresa chinesa das telecomuni-
cações que se uniu a outras empresas agrícolas e de informática estadunidenses e europeias na disputa
pelo terreno da agricultura 4.0. Outro exemplo foi a parceria da China Telecon com a Yinchuan Aotoso
Information Technology Co. Ltda que executou projeto piloto na cidade chinesa de Yinchuan onde pendu-
rou um dispositivo de internet em 50.000 vacas para monitorar seus movimentos e condições de saúde – a
“internet das vacas”. Em 2017 a Telefônica e a Huawei anunciaram a criação de um laboratório no Chile
para promover a plataforma na região. A Microsoft desenvolveu as chamadas “Farmbeats” um sistema
de monitoramento permanente das condições do solo e umidade de água. A Microsoft se uniu à Global
Hitss que tem uma filial mexicana da América Móvil (propriedade de Carlos Slim, o homem mais rico do
México) e tem se expandido como empresa transnacional no campo agrícola. Muitos desses novos negócios
que têm chegado ao México são frutos também de programas de fomento à agricultura lançado em 2019 e
que configura o respaldo governamental a Agricultura 4.034.
Após amplo debate sobre a nova configuração do poder global, a articulação entre estados e seus pro-
cessos desiguais e combinados, é preciso analisar a versatilidade do capital na agricultura e como isso tem
colaborado com a expansão da fronteira agrícola na Amazônia Legal, em especial na adoção de um modo
de produção presente em todos os elos da cadeia de valor do agronegócio, assim como também é importan-
te mencionar que nenhum processo ou aprofundamento se dá sem perspectiva histórica.
As condições de desenvolvimento desigual e combinado, a compreensão da geopolítica do capitalismo
e a lógica do poder transnacional sobre as territorialidades são resultados das relações históricas entre os
estados, das relações dadas na mundialização e que configuram o desenvolvimento capitalista desigual e
combinado, sua expressão espacial e territorial. Assim se asseguram as novas formas de produção e acumu-
lação capitalista uma vez que o capital continua a ser uma força que ocupa preferencialmente as intercone-
xões jurídicas políticas distintas, como afirma Van Der Pijl35.
32 http://www.etcgroup.org/sites/www.etcgroup.org/files/files/la_insostenible_agricultura_4.0_web26oct.pdf
33 Idem Ibidem p. 7-8.
34 Para mais ver https://dialogochino.net/pt-br/agricultura-pt-br/32645-a-batalha-tecnologica-pela-agricultura/
35 VAN DER PIJL, K. A lockean Europe? New Left Review. London, n. 37, 2006, p. 9-37.
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Resumo: O objetivo do presente artigo é analisar as relações de trabalho no capitalismo da era digital, sob o avanço do neolibera-
lismo e das reformas do Estado, com especial atenção ao caso brasileiro, mas considerando-se também o contexto internacional,
em particular, países da Europa sob ainda forte presença do Estado de Bem-Estar. No Brasil, a ênfase recai sobre os impactos da
aprovação da Reforma Trabalhista, Lei Nº 13.467/2017 no governo Temer (2016-2018). A pesquisa se valeu de estudo bibliográfico,
documental, relatórios da ILO e ODEC e análise dos dados do IBGE no período 2012 a 2020. Atentando para as particularidades histó-
rico-sociais dos países analisados, bem como a posição que ocupam na divisão internacional do trabalho, os resultados demonstram
o aprofudamento da precarização do trabalho nos períodos considerados, mesmo sob taxas crescentes de empregabilidade.
Palavras-chave: Precarização, Neoliberalismo, Europa Ocidental, Brasil.
INTRODUÇÃO
1 Pesquisa desenvolvida no âmbito do Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Sociedade – GPTES/INCIS/UFU. Agradecemos a
todos os/as colegas pelo debate e considerações sobre o artigo ora apresentado.
Antunes (2018), considera que o trabalho é, em seu sentido mais geral, ponto de partida do processo de
humanização, mas, contraditoriamente, sob o capitalismo torna-se trabalho humano abstrato, alienado e
estranhado, criador de riqueza para o capital e de empobrecimento para os que vivem do trabalho. Para o
autor:
O sentido do trabalho que estrutura o capital (o trabalho abstrato) é desestruturante para a huma-
nidade, enquanto seu polo oposto, o trabalho que tem sentido estruturante para a humanidade (o
trabalho concreto que bens socialmente úteis), torna-se potencialmente desestruturante para o
capital. Aqui reside a dialética espetacular do trabalho (ANTUNES, 2018, p. 26).
Para Antunes (2018), o processo de produção e reprodução do capital, com ênfase no dinamismo cientí-
fico-tecnológico para a produção de valores de troca é destrutivo da classe trabalhadora, não no sentido de
sua emancipação do trabalho, mas de sua maior subsunção ao capital, quando se ampliam e intensificam-se
os mecanismos de exploração e precarização numa crescente imbricação entre trabalho vivo e trabalho
morto, trabalho manual e trabalho intelectual.
Observando-se os intervalos de tempo entre as revoluções técnico-científicas, tem-se que da Primeira
Revolução Industrial (Indústria 1.0), em 1750 para a Segunda Revolução Industrial (Indústria 2.0), em 1880
são transcorridos 130 anos. Da Indústria 2.0 para a Terceira Revolução Industrial (Indústria 3.0), já no sé-
culo XX, em 1970, são transcorridos 90 anos e desta última para a Quarta Revolução Industrial (Indústria
4.0) datada, conforme consenso em 2011, são transcorridos 41 anos. Ou seja, há uma significativa e ten-
dencial redução dos intervalos de tempo decorridos entre as revoluções o que expressa o intenso processo
destrutivo das forças produtivas.
O capital não pode eliminar o trabalho vivo, pois este é a fonte do valor, mas tem buscado, não sem re-
sistências, intensificá-lo e desprovê-lo de todos os direitos de garantia de uma vida digna, ainda que no seio
da sociedade capitalista. Nesse quadro, Antunes (2018, p. 55) argumenta que o que se verifica atualmente
é um processo “sistêmico e estrutural” de precarização da classe-que-vive-do-trabalho, transversalizado
pelas relações de gênero, raça/etnia, idade e qualificação profissional, definido, por um lado, pelas par-
ticularidades histórias das lutas de classe de cada país, mas também e, por outro lado, pela configuração
mundial das lutas sociais.
Deve-se destacar que o fenômeno da precarização não é recente. Na verdade, o trabalho é, por defini-
ção, precário, na medida em que o trabalhador/a está alienado/a de si mesmo/a no e pelo trabalho na sua
dimensão abstrata (BRAVERMAN, 1981). Mas, se a precarização não é um fenômeno essencialmente novo,
ela assume novas características na acumulação capitalista do século XXI e atinge de forma particular os
mais jovens e com qualificação profissional. Estes, que viam na educação escolar e na escolha profissional
Gráfico 1: Emprego na Administração Pública como Porcentagem do Emprego Total por País Membro da OCDE em 2007, 2009 e 2017.
Numa aparente contradição, enquanto as condições de trabalho pioram, a classe trabalhadora, espe-
cialmente os/as jovens, tende à maior qualificação profissional. Esse fenômeno se deve em grande medi-
da, ao novo patamar tecnológico que exige um novo conjunto de conhecimentos cognitivos e habilidades
É preciso considerar também que a qualificação não traz consigo a empregabilidade. Ao contrário, sob
o desemprego estrutural e das políticas neoliberais, ela possibilita ao capital maior controle sobre o traba-
lho, contribuindo para o achatamento do valor da força de trabalho qualificada (FAGIANI e PREVITALI,
2019).
No Brasil, a precariedade laboral, traço contínuo da classe trabalhadora (ANTUNES, 2018) é agravada
com reformas do Estado, como vistas a torná-lo enxuto, conforme o jargão neoliberal, sob a NGP. Para
Previtali e Fagiani (2017), a NGP assume caráter sistêmico no governo de Fernando Henrique Cardoso, com
a criação do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), em 1995, levando à precarização
dos serviços públicos com as privatizações e terceirizações. Sob os governos do Partido dos Trabalhadores
(Lula: 2003-2010 e Dilma Rousseff: 2011-2016) o Estado assume um viés menos privatista e de feição social
liberal (ANTUNES, 2018).
Entretanto, a partir do governo de Michel Temer (2016-2018), o qual chegou ao poder com caracte-
rísticas golpistas, tem-se a retomada, bastante expressiva, das políticas neoliberais com a aprovação da
Proposta de Emenda Constitucional n. 556 em 2016, a qual limita e mesmo reduz os investimentos pú-
blicos, impactando negativamente nas áreas estratégicas da saúde, educação, ciência e tecnologia por um
período de vinte anos. Tem-se ainda em 2016 a aprovação da Lei Nº 13.467/2017 da Reforma Trabalhista
que regulamenta o trabalho precário não apenas nas atividades meio, mas também nas atividades fim, im-
pactando desfavoravelmente na classe trabalhadora. E, em 2019, já no governo de direita de Jair Bolsonaro,
é aprovada a Reforma da Previdência, alterando duramente as regras de aposentadoria e seguridade social
da classe trabalhadora, tornando-a ainda mais exposta e vulnerável aos ditames do capital.
A Reforma Trabalhista cumpre o papel salutar para o capital de aprofundar e expandir o trabalho
precário, contribuindo para o desemprego e para a queda nos rendimentos da classe trabalhadora. Um de
seus itens mais degradantes e que contribui para camuflar as taxas de emprego/desemprego formal, está na
regulamentação do trabalho intermitente, aquele em que a empresa registra em carteira o/a trabalhador/a,
mas sem estabelecer salário ou jornada fixa. O trabalhador/a ganha por hora trabalhada, portanto sem
garantias de jornada ou remuneração mínima por mês, ficando vulnerável e disponível o tempo todo para
o trabalho, podendo ser convocado por alguns dias ou mesmo horas, a depender da demanda. Ou seja, é a
institucionalização do “bico” (ANTUNES, 2018).
Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED, 2019), das 644.079 vagas de
trabalho formal criadas em 2019, 21,63% a mais que em 2018, 16,5% (106 mil) foram nas modalidades de
trabalho intermitente ou de regime de tempo parcial, sendo que das 106 mil vagas, 85.716 vagas foram re-
lativas ao trabalho intermitente (CAGED, 2020). Ainda, segundo o CAGED (2019), o setor que mais gerou
empregos em 2019 foi o de serviços, que teve 6.966.824 admissões e 6.584.299 desligamentos, implicando
saldo de 382.525 postos de trabalho e crescimento de 2,22% sobre o ano anterior. Em contrapartida, o setor
que menos apresentou crescimento do emprego foi a administração pública, totalizando 822 empregos e
aumento de 0,10% em relação ao ano anterior.
Analisando-se as admissões e as demissões, é possível inferir sobre a alta rotatividade do setor de ser-
viços que inclui atividades, como locação e administração de imóveis, médicos, odontológicos e veteriná-
rios, transporte e comunicação, alojamentos, instituições de ensino e de créditos, cujos vínculos tendem à
precarização dos contratos da classe trabalhadora em nome da flexibilidade para o capital. Chama atenção
ainda o recrudescimento do setor público, o que pode ser atribuído às medidas a partir do governo Temer.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020a e b) a taxa de desocupação ficou
em 11,0% na divulgação mensal dos meses outubro, novembro e dezembro de 2019, sendo 11.680.240 pes-
soas desocupadas de um total de 106.184 mil pessoas na força de trabalho. Essa taxa foi menor que em 2017,
6 A aprovação da Proposta de Emenda Constitucional n. 55 gerou a Emenda Constitucional (EC) nº 95, que prevê que, durante
20 anos, as despesas primárias do orçamento público ficam limitadas à variação inflacionária, isto é, no período, não ocorrerá
crescimento real das despesas primárias, que envolvem as despesas de custeio e com investimentos, o que não apenas congela,
mas reduz os gastos sociais em porcentagem per capita e em relação ao PIB.
De todo modo, se houve aumento da taxa de ocupação, é necessário qualificá-la. Quais os tipos de em-
prego estão surgindo? Segundo o IBGE (2020c), o que tem crescido a partir de 2017 é o trabalho informal,
que inclui os/as trabalhadores/as sem carteira, domésticos/as sem carteira, empregadores/as sem CNPJ,
trabalhadores/as por conta própria sem CNPJ e trabalhadores/as familiar auxiliar, atingindo 41,1% da po-
pulação ocupada em 2019, o equivalente a 38,4 milhões de pessoas, o maior contingente desde 2016, apesar
de estabilidade em comparação a 2018.
Entre os informais, houve expansão de 4% em relação a 2018 (11,6 milhões) de trabalhadores/as sem
carteira assinada7, alcançando o ponto mais alto da série histórica (2012-2020) e o número de trabalha-
dores/as por conta própria subiu para 24,2 milhões, sendo 19,3 milhões sem CNPJ, o que representou um
acréscimo de 3,9 milhões de pessoas desde 2012, e de 4,1% (958 mil) em relação a 2018 (IBGE, 2020c).
Apesar da ligeira melhora no emprego a partir de 2017 ela não foi acompanhada pela redução na informali-
dade na passagem de 2018 para 2019. Do acréscimo de 1,8 milhão no número de ocupações, 446 mil foram
vagas sem carteira assinada e a maior parte, 958 mil, foram de ocupações de trabalhadores/as por conta
própria, dos quais 586 mil sem CNPJ (IBGE, 2020c).
A Reforma Trabalhista, segundo seus defensores, seria fundamental para a retomada dos níveis de em-
pregos. Essa visão não se confirmou, sendo o crescimento ínfimo e no caminho da precarização do traba-
lho e da vida da classe trabalhadora. A precarização pode ser verificada ainda ao se analisar os rendimentos
de todos/as os trabalhadores/as, conforme Gráfico 4.
Analisando-se o período entre 2012 e 2020, pode-se observar três momentos diferentes na evolução
do rendimento médio da classe trabalhadora. O primeiro apresenta a elevação do rendimento médio entre
janeiro de 2012 a setembro de 2014 de 4,62 reais/mês num total de 148 reais em 32 meses. Já no segundo
momento, entre setembro de 2014 a junho de 2016, ocorre a queda do rendimento médio de 5,48 reais/
mês num total de 115 reais em 21 meses. No terceiro momento, junho de 2016 a janeiro de 2020, ocorre
a recuperação do rendimento médio de 3,22 reais/mês num total de 119 reais em 37 meses. Convém um
detalhamento desse momento de recuperação em relação aos momentos anteriores pois, tal qual mostra o
gráfico, ela parece ser significativa. Entretanto, como já afirmava Marx, se a aparência fosse igual a essência
não seria necessária a pesquisa.
Na redução da renda média, tem-se um período de 21 meses e uma média de 5,75 reais/mês e na recu-
peração observa-se um período de 37 meses e uma média de 3,22 reais/mês. Ou seja, foram 16 meses a mais
para o trabalhador/a recuperar o maior patamar do rendimento médio alcançado no primeiro momento.
Ainda, quando comparada a velocidade de aumento da renda observa-se um período de 5 meses a mais
de acréscimo no terceiro momento do que no primeiro momento, demostrando uma menor velocidade na
obtenção do aumento da renda média.
Ao se analisar a recuperação com mais detalhe, observa-se uma redução de 41% mensal no terceiro
momento em relação às perdas mensais do segundo momento. O trabalhador/a, portanto, perdeu mais em
menor tempo e demorou mais para recuperar seus rendimentos médios.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O novo modelo produtivo neoliberal e informacional traz consigo a nova classe trabalhadora precária.
Se esse novo modelo tem gerado emprego, verifica-se que estes estão sujeitos a um processo de crescente
precarização. As reformas promovidas pelo Estado expressam, não sem contradições, a natureza estrutural
deste sob a acumulação do capital, isto é, de gestão dos negócios da burguesia.
Nesse sentido, sob determinação da base material, o Estado age na superestrutura político-jurídica,
na (des)regulamentação do trabalho e regulamentação da precarização. Essas mudanças contribuem para
a configuração de uma nova subjetividade da classe trabalhadora, especialmente em seus estratos mais
jovens e qualificados, concernente à maior naturalização e aceitação das novas formas de controle. A edu-
cação escolar também contribui para a construção dessa nova subjetividade na medida em que imprime
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Resumo: O cultivo da cana-de-açúcar está diretamente entrelaçado com o desenvolvimento do Brasil, desde o período colonial onde o
cultivo da mesma serviu de base para e a economia da colônia até os dias atuais, onde somos referência mundial no cultivo da mes-
ma, constituindo um dos setores mais representativos na economia brasileira, sobre tudo por seu papel no processo de internaciona-
lização econômica do Brasil no setor, no setor do capitalismo monopolista. Sendo assim, o setor recebeu e ainda tem recebido uma
torrente de investimentos públicos e privados que impulsionam o desenvolvimento tecnológico do mesmo, desenvolvimento esse que
se restringe predominantemente a uma parte da cadeia produtiva. Pode-se perceber que as frentes de trabalho da base da cadeia pro-
dutiva são aquelas que recebem menos investimentos tecnológicos, ou seja, os trabalhadores que lidam diretamente com o corte da
cana não são beneficiados por tais incentivos ao setor. Verifica-se então uma enorme contradição dentro dessa cadeia, sendo ela uma
das que mais tem se desenvolvido e recebido investimentos, o trabalhador das bases que o responsável por manter a mesma funcio-
nando tem condições de trabalho degradantes. Ainda, trabalho a utilização de trabalho análogo à condição de escravidão no processo
da colheita da cana-de-açúcar, sobretudo na região do triângulo mineiro, ademais, procuraremos investigar as recentes modificações à
legislação trabalhista e inferir sobre suas motivações que levaram a tais modificações. Para o desenvolvimento da pesquisa será rea-
lizada uma pesquisa bibliográfica e de fontes primárias junto ao governo e entidades de classe, bem como a leitura e análise de fontes
secundárias. Foi possível concluir que mesmo com a redução do número de denúncias de trabalho escravo na região do sudeste em
especifico o triangulo mineiro, a presença das mesmas se mostra superior a das demais regiões do Brasil, fator esse que exemplifica
mais uma das contradições do sistema capitalista, uma vez que a região sudeste é historicamente conhecida como a mais desenvol-
vida do país, foi possível comprovar também que as modificações na legislação trabalhista têm dois fatores principais como motiva-
ções, o primeiro deles sendo a maciça presenta de determinadas coligações politicas diretamente relacionadas ao agronegócio que
promovem tais mudanças e a segunda sendo a alienação da sociedade quanto à existência de trabalho análogo a escravidão e quais
são suas características principais. Recomenda-se que seja realizada uma pesquisa subsequente para verificar os fatores que influen-
ciam a alienação por parte da população no que tange ao conhecimento sobre trabalho análogo a escravidão.
Palavras-chave: Cana-de-açúcar. Investimentos tecnológicos. Modificações à legislação trabalhista.
INTRODUÇÃO
OBJETIVOS
O presente trabalho tem como objetivo geral discutir a produção da cana-de-açúcar e sua relação com
a utilização de trabalho análogo a escravidão desde sua chegada ao Brasil até o panorama geral no que con-
cerne a esse aspecto na atualidade.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
REFERENCIAL TEÓRICO
Escravidão
Tabela 1.
Custo de aquisição de Alto. A riqueza de uma pessoa podia ser medida pela Muito baixo. Não há compra e, muitas vezes, gasta-se
mão-de-obra quantidade de escravos. apenas o transporte.
Escassa. Dependia de tráfico negreiro, prisão de índios Descartável. Um grande contingente de trabalhadores
Mão-de-obra ou reprodução. Bales afirma que, em 1850, um escravo desempregados. Um homem foi levado por um gato por
era vendido por uma quantia equivalente a R$ 120 mil. R$ 150,00 em eldorado dos carajás, sul do Pará
Longo período. A vida inteira do escravo e até de seus Curto período. Terminado o serviço, não é mais
Relacionamento descendentes necessário prover o sustento.
Ameaças, violência psicológica, coerção física, punições Ameaças, violência psicológica, coerção física, punições
Manutenção da ordem exemplares e até assassinatos. exemplares e até assassinatos.
Cana-de-açúcar
Foi na primeira metade do século em que os portugueses chegaram ao Brasil que o nobre e militar
Martim Affonso de Souza trouxe a cana-de-açúcar para o Brasil e deu inicio ao seu cultivo na Capitania de
São Vicente, onde ele fundou o primeiro engenho de açúcar do país (MACHADO, 2004). Mas foi na região
nordeste onde se verificou a maior receptividade para esse cultivo, uma vez que a cana conseguiu se desen-
volver bem no solo e se adaptar ao clima. Dada essa alta adaptação da cana-de-açúcar para com a região
nordeste o grande apreço dos europeus pelo açúcar e outros produtos originários da cana, fez se necessário
uma intensificação da produtividade, de forma que fosse possível atender as demandas e aumentar a gera-
ção de riquezas para os proprietários dos engenhos (PREVITALI; FRANÇA; FAGIANI, 2012).
Como passar dos anos o Brasil começou a realizar um monopólio na produção do açúcar, Portugal e a
Holanda foram os países que mais se beneficiaram com tal, uma vez que realizaram toda a comercialização
e ficam com os lucros. A Europa foi se tornando cada vez mais rica com os minérios extraídos do Novo
Mundo e concomitantemente consumia ainda mais açúcar e as cidades brasileiras como Salvador e Olinda
progrediam (MACHADO, 2004).
Diante das altas demandas do mercado externo por açúcar e derivados da cana, foi que os portugueses
optaram pela utilização de trabalho escravo para seu cultivo o que perdurou por mais de três séculos, tor-
nando-se assim a base da força de trabalho necessária para a efetivação dos engenhos e por consequência
um elemento fundamental da sociedade escravista brasileira (PREVITALI; FRANÇA; FAGIANI, 2012).
As relações de trabalho no processo produtivo no setor canavieiro brasileiro pode ser dividido em qua-
tro fazes ao longo dos anos vejamos a seguir: primeira desrespeito a fase de introdução da cana-de-açúcar
no Brasil em seu período colonial indo até as proximidades do Brasil imperial, essa fase se caracteriza pela
intensificação do trabalho escravo. A segunda fase passa pela mudança do modo de produção manufaturei-
ro dos engenhos para a produção industrial tendo como principal característica os engenhos centrais, essa
fase vai do final do século XIX até o início do século XX. Já na terceira fase temos a intensificação maciça
da industrialização do Brasil, essa fase durou dos anos de 1930 até 1970. Por fim temos a quarta fase que se
origina no final do século XX, essa fase é caracterizada pela inserção de tecnologias nos processos produti-
vos e associada a reestruturação produtiva do capitalismo, temos a transferência do trabalho exercido por
pessoas para as máquinas (NASCIMENTO, 2012).
Sendo cultivada em mais de 100 países ao redor do mundo a cana-de-açúcar corresponde a umas das
culturas mais importantes do mundo, sendo responsável por uma grande parte da mão de obra rural nos
países em que é cultivada. No Gráfico 1 é possível observar que cerca de 80% da produção da mesma seta
centralizada em apenas dez países. Além disso, os dois maiores produtores, Brasil e Índia respectivamente,
corresponderem a mais de 50% da cana-de-açúcar que é produzida em todo o mundo (NOVACANA, 2017).
Gráfico elaborado pelos autores com base em dados disponíveis em Novacana (2017) referentes ao ano de 2008.
Nos últimos anos, o mundo tem voltado à atenção para a produção do etanol combustível extraído da
cana-de-açúcar devido à busca de fontes alternativas de combustível devido à insegurança sobre a produ-
ção futura de petróleo e questões ambientais envolvendo o aquecimento global.
De acordo com Duarte (S/d) nosso país tem ganhado grande destaque no que tange a produção de eta-
nol e álcool, tendo a possibilidade de algum dia se tornar uma das maiores potenciais no setor energético
do mundo.
A seguir podemos ver o Gráfico 2, elaborado pela ÚNICA (2017), onde é apresentado a matriz energéti-
ca do Brasil, no mesmo é possível identificar que em nosso país temos 8 fontes energéticas principais. Sendo
que o petróleo e seus derivados representam 37% desse percentual, sendo seguido pela cana-de-açúcar com
16%; hidrelétricas 15%; outras fontes de biomassas 12%; gás natural correspondente a 9%; carvão 6%; ou-
tras fontes renováveis 3% e cerca de 2% em urânio. Essa perspectiva nos monstra o quão relevante o setor
sucroalcooleiro é para a produção de energia em no Brasil, sendo assim um setor de uma movimentação
monetária altíssima.
Gráfico 2
M atriz E nergética
3% 2%
Gráfico 3
P ar ti ci p ação R egi on al
2%
8%
10% Sudeste
Nordeste
13% C entro-Oeste
Sul
69% Norte
Como visto anteriormente, a região sudeste é a maior produtora de cana-de-açúcar em nosso país. Na
Figura 1, é possível observar o mapa com a distribuição geográfica das usinas bem como as áreas de plantio
do ano de 2014.
Figura 1
Gráfico 4
19%
São Paulo
Minas Gerais
E spirito Santo
R io de Janeiro
76%
Como foi elucidado nos parágrafos superiores a agroindústria da cana-de-açúcar desempenha um pa-
pel importante em nosso país desde períodos coloniais, atualmente sendo responsável por uma alta rentabi-
lidade e pela produção de energia para o país. Sabendo disso, fica evidente que tal setor, assim como tantos
outros, é vítima de conflitos e contradições inerentes ao capitalismo, sendo a maior delas a luta de classes
entre o proletariado e os donos dos meios de produção.
Legislação
O combate ao trabalho escravo no Brasil, remota a mais de 130, sendo consolidado com assinatura da
Lei Aurea em maio de 1888. Deste momento histórico até hoje, nosso país conseguiu grandes avanços em
sua legislação, ressaltando-se a Consolidação das Leis do Trabalho de 1943 e a Constituição da República
Federativa do Brasil, sendo essas importantes conquistas dos trabalhadores brasileiros.
Nos últimos anos muito tem se falado sobre o trabalho análogo a escravidão, seja por movimentos
que buscam o combate dessas praticas ou então por modificações legislativas que questionam a tipifica-
ção acerca desse tema, tendo ambas as abordagens, ganhado amplo destaque em meios de comunicação
(TRABALHO... 2010) (SENADO, 2014) (COSTA, 2016) (FREITAS, 2016) (PROJETO... 2017).
De acordo com um levantamento feito pela CTP, nos últimos três anos o Brasil tem tomado atitudes que
podem estar nos levando a uma regressão para com as práticas de combate ao trabalho escravo (XAVIER
PLASSAT, 2017).
No ano de 2014 tivemos a suspensão da publicação da Lista Suja daqueles empregadores que são flagra-
dos usando de trabalho escravo, tal feito se deu pelas fortes pressões que grandes empresários fizeram no
governo, o ano seguinte foi marcado por disputas dentro do congresso para a provação de uma modificação
na legislação que visa retirar os termos jornada exaustiva e condições degradantes como características de
trabalho escravo (XAVIER PLASSAT, 2017).
Tabela 2
1995 Brasil reconhece diante da Organização das Nações Unidas a existência de trabalho escravo.
1997 Grupo Especial de Fiscalização Móvel foi criado, sendo responsável por visitar locais denunciados e libertar trabalhadores.
Medida provisória que garante seguro-desemprego aos trabalhadores libertos de situação análoga à escravidão é
2002
aprovada.
A chamada Lista Suja, cadastro com nomes de empregadores flagrados usando trabalho escravo é criada.
2003 Artigo 149 do Código Penal passa a incluir uma nova definição para trabalho análogo a escravidão, tendo como definição:
trabalho forçado, servidão por dívidas, jornada exaustiva e condições degradantes.
2010 Conselho Monetário Nacional proíbe empresas que fizeram uso de trabalho escravo de contratar crédito rural.
Assembleia Legislativa no estado de São Paulo aprova lei que caça o registro das empresas que utilizem de trabalho
2012
escravo e proíbe sócios de abrirem novas empresas do mesmo setor num período de 10 anos.
PEC 81 é aprovada, propriedades rurais e urbanas onde houver flagrante de trabalho escravo passam a ser confiscadas.
2014
Lista Suja é suspensa pelo Supremo Tribunal Federal.
Lista Suja volta a ser publicada seguindo por amparo da Lei de Acesso à Informação.
2015 Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural aprova projeto de lei que solicita mudança na
definição de trabalho escravo.
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados analisa outro projeto de lei que visa mudança na
2016
definição de trabalho escravo.
Como é possível perceber o Brasil conseguiu grandes avanços no que tange a erradicação ao trabalho
escravo, todavia, nos últimos anos esses avanços têm dado lugar a mobilizações que visam uma reinter-
pretação de trabalho escravo, situação esta que pode dar precedente para o aumento de casos de trabalho
escravo.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O presente artigo em sua fase inicial teve como atividade principal a revisão bibliográfica, realiza-
da por meio de um levantamento teórico em periódicos, sites, revistas e pesquisas relacionadas ao tema.
Verificam-se como principais fontes de dados a Comissão Pastoral da Terra, a União das Indústrias de
Cana-De-Açúcar, além de associações de classe.
Para realizar a análise dos dados coletados foi utilizada a análise de conteúdo, que segundo Bardin
(2010), é um conjunto de técnicas de análise da comunicação que utilizando de procedimentos sistemáticos
RESULTADOS
Dentro dessa perspectiva quando analisamos mais de perto as bases da cadeia produtiva da cana-de-
-açúcar, ou seja, a colheita da mesma deparamo-nos com a realidade de um setor que por mais rentável,
grandioso e tecnológico que seja ainda se utiliza de trabalho análogo à escravidão, como poderemos ver a
seguir.
Existem diversos ramos do setor rural em que o trabalho análogo a escravidão ainda se faz presente. A
criação de bovinos, cultivo de cana-de-açúcar, a produção de carvão vegetal e o cultivo de café, são algumas
atividades que fazem com que as fazendas em São Paulo, Minas Gerais e outros estados, sejam autuados por
apresentarem esse tipo de violação às leis trabalhistas.
Prova de que o trabalho análogo à escravidão se faz presente ainda nos dias de hoje, são os recorrentes
casos que são identificados como podemos ver nos dados apresentados pela CPT (2014) referente aos anos
de 2012 e 2013 como pode ser visto no Gráfico 5.
Gráfico 5
Como podemos ver a região sudeste é a que apresenta o maior número de casos identificados de traba-
lho análogo à escravidão, ademais outro fator alarmante é que a região sudeste e a região nordeste tiveram
um aumento de 4,06% e 26,19% respectivamente na identificação de casos de trabalho análogo a escravidão.
Além do crescente fator econômico relacionado ao setor sucroalcooleiro, as questões sócias relaciona-
das ao mesmo têm ganhado destaque, sobretudo pela divulgação da chamada “Lista Suja” publicada pelo
Ministério do Trabalho, na qual são apresentadas as usinas e fazendas onde o trabalho análogo à escravidão
é encontrado (SPECIAN E FIGUEIREDO, 2010).
Por servir de base para introdução e intensificação do cultivo da cana no Brasil, o trabalho escravo, tem
papel central nessa indústria. Mesmo após a abolição da escravatura e com a consolidação das leis traba-
lhistas em 1943, o trabalho análogo escravo na agroindústria canavieira continuou a ainda hoje é utilizado
(NASCIMENTO, 2012).
Gráfico 6
Cabe ressaltar que nos últimos anos quatro anos, sobretudo após o início das discussões concernentes
ao projeto Lei do Senado 432 de 2013, as discussões acerca da modificação do que se caracteriza como tra-
balho análogo a escravidão tem se intensificado.
São muitos os posicionamentos no que diz respeito a essa proposta, tanto favoráveis que buscam a revi-
são da legislação para determinar-se e reduzir-se quais são especificamente as condições que caracterizam
trabalho análogo à escravidão em nosso país, bem como posições opositoras ao projeto que veem nele um
meio para propagação da impunidade daqueles que se utilizam de trabalho escravo e também uma forma
de retroceder as conquistas para a erradicação desse tipo de pratica (FREITAS, 2016).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo o Brasil sendo um dos países considerados como referência na produção de cana-de-açúcar e
na exportação da mesma e de seus derivados e pela alta tecnologia empregada nesse setor, evidencia-se que
este, mesmo sendo um dos mais rentais para nossa economia ainda se utiliza de condições degradantes de
trabalho. Cabe dizer também que as distinções da velha escravidão colonial para o atual trabalho análogo
a escravidão culmina em um constrangimento tão grande ou até mesmo superior àquele existente no pas-
sado, uma vez que na atualidade o trabalhador se vê obrigado a vender sua força de trabalho ao preço que
é estipulado pelo proprietário dos meios de produção.
Outra perspectiva interessante sobre o trabalho análogo à escravidão no setor sucroalcooleiro se mostra
ao confrontarmos os altos investimentos tecnológicos que o setor recebe e a região onde se verifica o maior
número de incidência de casos identificados de trabalho análogo à escravidão evidenciando assim mais
uma clara contradição, onde tais investimentos não se refletem em melhorias na qualidade de trabalho
para os funcionários que efetivamente garantem que a cadeia continue sendo abastecida.
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ferencia-no-combate-ao-trabalho-escravo>. Acesso em: 22 abr. 2017.
Resumo: O presente artigo tem por escopo o estudo do trabalhador por plataforma digital com base na web e a regulação laboral
desses trabalhadores no Brasil. A pesquisa aponta a ausência de regulação específica para essa relação de trabalho, a utilização da
figura do trabalhador autônomo no sistema jurídico a partir do discurso neoliberal de flexibilidade e desproteção ao trabalhador, e a
precarização do trabalho. Para tanto, foi utilizada a perspectiva do Materialismo Histórico e do Método Dialético para responder aos
questionamentos sobre essa forma de trabalho. A pesquisa realizou uma revisão bibliográfica, com análise de documentos, legisla-
ção e doutrina jurídica. Destaca-se assim a importância do Direito do Trabalho na busca pela proteção ao trabalhador, no equilíbrio
das relações assimétricas de trabalho e na construção de uma justiça social.
Palavras-chave: Plataforma Digital com Base na Web. Direito do Trabalho. Precarização. Regulamentação.
INTRODUÇÃO
O artigo trata sobre a relação entre o desenvolvimento tecnológico e o surgimento de novas formas de
trabalho, em específico com o trabalho através de plataformas digitais com base na web e a regulação labo-
ral desses trabalhadores no Brasil.
As mudanças tecnológicas estão cada vez mais presentes na sociedade, no mundo do trabalho e em
nossas vidas. Em cada aspecto da vida humana a tecnologia começa a se inserir. Não há mais como pensar
a sociedade, sua estrutura e seus problemas sem pensar em tecnologias.
E o mundo do trabalho? É possível visualizar como será no ano de 2050? Para Harari (2018) não é
possível ter uma ideia de como será o mercado de trabalho em 2050 em virtude do avanço tecnológico, em
especial, da incorporação da inteligência artificial nos processos produtivos.
Para Harari (2018) o ser humano é dotado de dois tipos de habilidades: a física e a cognitiva. Na disputa
com as máquinas, em especial, após a Revolução Industrial, o ser humano competia de forma mais direta
com suas habilidades físicas; mas agora as variadas tecnologias, inteligência, em específico, a inteligência
artificial está começando a superar os humanos também nas habilidades cognitivas de aprender, analisar,
comunicar e até compreender as emoções.
Apesar de parecer muitas vezes tão distante, as tecnologias incorporadas no mundo do trabalho já são
uma realidade para muitos trabalhadores. Para Pereira Filho (2020) as mudanças tecnológicas, possibili-
tam a criação de novas formas de trabalho, criando novas estruturas organizacionais e novas maneiras
de organizar o trabalho, propiciando vínculos de trabalho flexíveis e a contratação de profissionais via
plataformas digitais. Compartilha desse entendimento, Oliveira, Assis, Costa (2019, p. 255) ao afirmar que
ao mesmo tempo que a tecnologia potencializa o “surgimento de novas relações de trabalho, fomentando o
desenvolvimento das múltiplas tarefas demandadas socialmente, criando novas ocupações em um cenário
de recorrente desemprego”, também fragiliza a proteção dos novos contratos laborais.
Muito se tem debatido sobre os empregos que serão substituídos, ou deixaram de existir, em virtude das
novas tecnologias, ao mesmo tempo, novos empregos, novas formas de trabalho e novas profissões estão e
estarão surgindo em conjunto com as novas tecnologias, o presente trabalho analisa uma dessas novas for-
mas de trabalho no contexto brasileiro. Buscando responder a algumas questões como: O que é o trabalho
por plataforma com base na web? Há regulação na legislação nacional sobre o trabalho nessas plataformas?
Há proteção aos trabalhadores nelas? O trabalho nessas plataformas digitais é precário?
O trabalho por plataformas digitais, de acordo com a OIT (2020) surge nos anos 2000 como consequên-
cia do desenvolvimento da internet e da necessidade da melhoria das indústrias baseadas na web.
Nas últimas quatro décadas, o avanço da tecnologia tem provocado mudanças profundas nas
características do trabalho e a recente evolução das áreas de inteligência artificial, comunicação
e computação quântica sugere que nas próximas décadas tais transformações serão ainda mais
profundas. (PEREIRA FILHO, 2020, p. 22).
Para Tapscott e Williams (2007) as empresas do século XXI são definidas por quatro princípios: a aber-
tura, o peering, o compartilhamento e a ação global. Ser uma empresa aberta, significa que suas fronteiras
são permeáveis as ideias e ao capital humano externo, tendo um desempenho superior ao próprios recursos
e capacidades externos. O peering é “uma maneira de produzir bens e serviços que depende totalmente de
comunidades auto organizadas e igualitárias de indivíduos que se unem voluntariamente para produzir
um resultado compartilhado.” (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007, p. 89). Essas atividades produtivas podem
ser voluntárias, com o exemplo da Wikipédia e do Linux. O terceiro princípio é o compartilhamento, que
é uma forma das empresas construírem ecossistemas empresariais dinâmicos construindo uma estrutura
partilhada de tecnologia e conhecimento com vistas a intensificar o desenvolvimento e a inovação. E por
fim, a ação global, as empresas devem não apenas conhecer o mundo onde atuam, mas agir de forma glo-
bal, não ter fronteiras físicas ou regionais, ter capacidades globais (mão-de-obra, processos, plataforma
1 Em sua tese de doutoramento Zanatta (2018) apresenta recomendações para trabalhadores na multidão superarem barreiras em
projetos de software crowdsourcing.
Assim, os profissionais que gozam de alta autonomia e baixa dependência da plataforma tendem
a construir identidades mais associadas a conceitos de empreendedorismo, liberdade de ação e
auto realização, enquanto profissionais com baixa autonomia e grande dependência das plata-
formas tendem a construir identidades que são mais associadas ao trabalhador temporário ou
subempregado.
As plataformas digitais podem assumir dois formatos: com base na web e plataformas locais. As pla-
taformas digitais baseadas na web, constituem-se por tarefas dirigidas a pessoas específicas. Podendo as
tarefas serem direcionadas a mercados de trabalho freelance (por exemplo: Upwork), execução de micro ta-
refas (por exemplo: AMT) ou trabalhos criativos baseados em concursos (por exemplo: 99designes). As pla-
taformas digitais também podem funcionar a partir de plataformas locais, dirigidas a multidão de pessoas
para a realização das tarefas específicas de cada plataforma, podendo ser divididas em: alojamento (por
exemplo: Airbnb); transporte (por exemplo: Uber); entregas (por exemplo: Deliveroo); serviços domésticos
(por exemplo: Taskrabbit) e micro tarefas locais (por exemplo: Streetspotr). (OIT, 2020).
Antunes (2018) faz uma análise crítica dessa expansão do setor de trabalho on-line, através de platafor-
mas e aplicativos, afirmando ser uma estratégia dessas empresas de invisibilização, além da expansão da
precarização do trabalho, com a perda de direitos trabalhistas. Apesar dessas empresas que atuam por pla-
taformas e aplicativos, denominarem-se com expressões como “compartilhada”, “colaborativa”, a relação
entre capital e trabalho permanece sendo uma relação de exploração. Para Beltrão (2019) essas não são boas
terminologias, posto que pressupõem a gratuidade e colaborações em iguais condições, o que não ocorre no
plano concreto, já que tais plataformas digitais são empresas capitalistas que visam o lucro. Assim, o verbo
compartilhar seria um eufemismo para o verbo vender, já que o que ocorre na realidade objetiva é a venda
da força de trabalho pelo trabalhador à empresa que se expressa como plataforma digital.
A Uber é outro exemplo mais do que emblemático: trabalhadores e trabalhadoras com seus au-
tomóveis, isto é, com seus instrumentos de trabalho, arcam com suas despesas de seguridade,
com seus gastos de manutenção dos veículos, de alimentação, limpeza, etc., enquanto o “apli-
cativo” – na verdade, uma empresa privada global de assalariamento disfarçado sob a forma de
trabalho desregulamentado- apropria-se do mais-valor gerado pelos serviços dos motoristas, sem
preocupação com deveres trabalhistas historicamente conquistados pela classe trabalhadora.
(ANTUNES, 2018, p. 34-35).
Desta forma, fica evidenciado que as plataformas digitais são organizações empresariais e que não estão
descoladas da realidade objetiva, estando inseridas em setores econômicos, impactando-os a partir de sua
atuação.
Desta forma, tem-se que o trabalho nas plataformas é, apesar das inovações tecnológicas envolvi-
das, uma continuidade da lógica capitalista que busca o lucro e, para tal, tenta resistir ou destruir
as ações e instituições que se colocam como obstáculos, em termos de proteção social e traba-
lhista. E, como continuidade, ela acentua a precariedade a partir da ideologia da autonomia e de
uma prática de intenso controle e dependência. (CARDOSO; ARTUR; OLIVEIRA, 2020. p. 226).
O presente estudo, tem por escopo a análise do trabalhador por plataforma digital pela web.
De acordo com a OIT (2020) essas plataformas não são regulamentas pelos Estados, há uma “auto-re-
gulamentação” pelas próprias plataformas que definem suas políticas particulares de contratação: quais ta-
refas, quais horários, para quais trabalhadores serão dirigidas, a frequência do trabalho, prazos de entrega,
formas de remuneração e de aceite do trabalho. “Essa situação é problemática, pois mesmo a plataforma
mais bem-intencionada tem de dar prioridade aos seus interesses comerciais, sob pena de perder a sua quo-
ta de mercado para os concorrentes.” (OIT, 2020, p. 95).
Nesse sentido, esse processo de expansão incontrolável das tecnologias disruptivas nas relações
laborais confronta o próprio sistema legal do ordenamento jurídico, uma vez que muitas platafor-
mas digitais são desenvolvidas a partir de preceitos neoliberais guiados pela política de livre mer-
cado. Tais preceitos são orquestrados de forma independente dos pressupostos principiológicos
historicamente delineados pelo Direito do Trabalho, pois há uma forte tendência de desvirtuar os
encargos patronais que contornam a própria natureza da relação empregatícia em prol da maximi-
zação de lucros devido ao barateamento da mão de obra. (BELTRÃO, 2019p.12).
O trabalho por plataformas digitais com base na web, apesar de serem uma oportunidade de trabalho,
apresenta uma série de dificuldades para o trabalhador, podendo relacionar algumas delas: a) muitas vezes
mal remunerado2; b) pouca comunicação entre o trabalhador e a plataforma e ou o cliente, o que dificulta
o entendimento sobre o trabalho a ser realizado, gerando, algumas vezes injustiças e tratamento desmo-
ralizador; c) as condições de trabalho definidas unilateralmente, d) não aceitação do trabalho entregue,
ficando o trabalhador sem remuneração e muitas vezes sem justificativa da recusa do trabalho. (OIT, 2020).
Constata a OIT (2020) que como forma de melhorar as condições de trabalho, os trabalhadores têm se
organizado coletivamente ou através de organizações de defesa dos direitos para buscar o cumprimento
mínimo das regras de prestação dos serviços por parte das plataformas e dos clientes.
No que trata da realidade brasileira, de acordo com Pereira Filho (2020) é possível relacionar o cresci-
mento das plataformas de trabalho à crise econômica e às altas taxas de desemprego, sendo que para muitos
trabalhadores, que não encontram uma inserção formal no mercado de trabalho, o trabalho através das
plataformas digitais passou a ser uma oportunidade imediata de gerar renda.
Pereira Filho (2020) em seu estudo fez um levantamento, não exaustivo, das plataformas digitais para
trabalhadores autônomos3, que estão operando, são: Alstra, 99Freelas, Fiverr, Freelancer, GetNinjas,
GigNow, Guru, Maturi Services, dentre outras.
No Brasil, não há ainda estatísticas oficiais da quantidade de trabalhadores que trabalham nas plata-
formas digitais com base na web. De acordo com o Projeto ILabour (2020) que desenvolveu o índice de
2 OIT Relatório tem um capítulo específico que trata da remuneração dos trabalhadores.
3 Como o autor denomina essas plataformas, no presente trabalho, optamos pela nomenclatura utilizada pela OIT (2020).
Apesar dessa modalidade de trabalho se apresentar como nova, a novidade está apenas em seu aspecto
exterior, posto que em sua essência, a relação de trabalho existente, não mudou, permanece uma relação
conflituosa entre trabalho e capital.
Para Beltrão (2019) a realidade concreta demonstra uma situação jurídica diferente da subordinação
clássica, denominada de subordinação por algoritmo, posto que é claro o poder fiscalizatório das platafor-
mas digitais através comandos pré-ordenados e mutáveis por aquele que comanda a prestação do serviço,
além “do escancaramento de uma flagrante condição de hipossuficiência, nitidamente expressada nos bai-
xos salários e extensas jornadas de trabalho. (OLIVEIRA, ASSIS, COSTA, 2019, p. 256).
Decorrente desse enquadramento legal, os trabalhadores por plataforma digital na web não estão pro-
tegidos pela legislação trabalhista, sendo o contrato de prestação de serviços um contrato regulado pelo
Código Civil, a partir da paridade entre as partes. Para Beltrão (2019) a utilização do aparato legal mais
flexível do Direito Civil, permite as empresas de plataforma digital esquivar-se da aplicação das leis pro-
tetivas do Direito do Trabalho. Dutra e Coutinho (2020, p. 206) compartilham do entendimento que o
discurso neoliberal que fomenta o empreendedorismo como a melhor forma de trabalho, conjuga-se muito
bem com as tecnologias que permitem a execução das plataformas digitais, e no campo jurídico apresen-
ta-se “o discurso de que o prestador de serviço é um empresário autônomo, de modo que a relação entre a
4 Online Labor Index é o primeiro indicador econômico que fornece uma economia de gig on-line equivalente às estatísticas con-
vencionais do mercado de trabalho. Ele mede a oferta e a demanda de mão de obra freelance on-line em vários países e ocupa-
ções, monitorando o número de projetos e tarefas em várias plataformas em tempo real. Os dados são construídos monitorando
todos os projetos / tarefas postados nas cinco maiores plataformas de trabalho on-line em inglês, representando pelo menos
70% do mercado por tráfego. (PROJETO ILABOUR, 2020).
Dessa forma, defender os direitos fundamentais por vislumbrar uma relação tipicamente empre-
gatícia expressa com roupagens distintas é ser capaz de ler que no fenômeno “novo”, há espaços
de ruptura e também de continuidade em relação ao “velho”. Retrógrado seria, por incapacidade
de compreender a complexidade do novo, deixa-se iludir por ele, permitindo que as relações do
trabalho sejam conduzidas àquilo que há de mais superado: a exploração sem medida, a servidão
e a degradação do trabalho humano. (DUTRA; COUTINHO, 2020 p. 212).
Cardoso, Artur e Oliveira (2020) destacam que tratar as plataformas apenas como algo novo, impede
os atores de atuarem sobre os problemas de regulação que elas trazem para toda a economia, já que essas
empresas estão inseridas em setores econômicos, influenciando-os a partir do exercício de sua atividade
empresarial.
Para Oliveira, Assis, Costa (2019) o cenário contemporâneo das plataformas digitais encontra-se pouco
consolidado em termos de classificação e doutrinas, as ideias de gig economy, sharing economy e trabalho
sob demanda estão presentes na denominada economia digital, no entanto, há um descompasso com as
regulações existentes na legislação, situando essas atividades em um campo da desregulação do Direito.
A ausência de regulamentação para essa relação de trabalho entre as plataformas digitais com base
na web e a multidão, isto é, os trabalhadores, suscita a desproteção aos trabalhadores pelas normas cons-
titucionais, trabalhistas e cíveis contidas no ordenamento jurídico nacional “alocando-os numa condição
de precariedade social. Essa precariedade é a consequência da forma jurídica de autonomia em que são
envoltas tais relações de trabalho.” (OLIVEIRA, ASSIS, COSTA, 2019, p. 255). Ressalta ainda o autor que a
transferência dos riscos da atividade para os trabalhadores é mais um elemento que aponta a precariedade
dessas atividades laborais.
Pereira Filho (2020) citando diversos autores, Kochan, 2016; Pastore, 2019; Duggan, 2020; destacam
que se por um lado os novos arranjos de trabalho, apresentam características de flexibilidade e rapidez, por
outro colocam os trabalhadores em situação de maior exposição aos riscos do mercado, gerando um debate
sobre a necessidade de compreensão das novas formas de relações trabalhistas, de regulamentação dessas
formas de trabalho e de novos mecanismos de proteção social buscando superar os desafios contemporâ-
neos e futuros da sociedade.
As empresas que atuam através das plataformas digitais, sabem e beneficiam-se da “clara zona de des-
regulação” existente, por esta razão, se faz imprescindível a criação de uma regulação jurídica ampla, como
forma de proteger esses trabalhadores, que hoje prestam seus serviços em relações de trabalho precariza-
das. “Como visto, o Direito do Trabalho segue desconectado das plataformas digitais, as quais estabelecem
condições fáticas da atividade laboral dos usuários parceiros em uma zona cinzenta.” (OLIVEIRA, ASSIS,
COSTA, 2019, p.264). Para Dutra e Coutinho (2020, p. 7) o sucesso dessas plataformas digitais acontece pela
divulgação da “novidade de seu formato como algo não assimilável pela legislação trabalho e até então não
especificamente regulamentado.”
A questão central que se impõe, ao final é: como proteger esses trabalhadores? É possível criar novas
regulações para essa relação de trabalho?
As considerações finais refletem que, com o avanço da tecnologia, novas formas de trabalho têm surgi-
do no Brasil e no mundo, no presente trabalho, foi analisado o trabalho por plataformas digitais com base
na web, verificando a ausência de regulação específica para essa relação de trabalho, destacando a impor-
tância do Direito do Trabalho como forma de justiça social.
A OIT (2020) após estudar o trabalho dos trabalhadores por plataforma on-line apontou dezoito critérios
para um trabalho mais justo. São os critérios: 1) classificar os trabalhadores como trabalhadores por conta
de outrem e não como trabalhadores por conta própria; 2) disponibilização de meios jurídicos vinculativos
para que os trabalhadores possam dar a conhecer suas necessidades, inclusive por via da sindicalização; 3)
como trabalhadores por conta de outrem, terem direito ao salário mínimo; 4) transparência na remuneração
e pagamento em moeda real; 5) não penalização pela recusa de determinadas tarefas ou de determinados
horários; 6) não desconto do tempo de execução da tarefa quando de falha na plataforma ou com a própria
tarefa; 7) regras rigorosas para os casos de não pagamento da tarefa; 8) condições contratuais claras e de fácil
compreensão; 9) dever de informar o trabalhador das avaliações negativas e não vincular essas avaliações e
recusas para a classificação dos trabalhadores; 10) estabelecimento de código de conduta claro e público; 11)
poder aos trabalhadores de contestar o não pagamento e as avaliações negativas; 12) trabalhadores deveriam
poder avaliar os clientes; 13) plataformas deveriam rever as instruções antes da publicação aos trabalhadores;
14) acesso aos trabalhadores das avalições e histórico das tarefas executadas; 15) direito a uma relação pro-
fissional com os clientes; 16) clientes e plataformas deveriam ter a obrigação de responder às comunicações
dos trabalhadores de forma rápida, educada e substantiva; 17) direito aos trabalhadores de conhecer seus
clientes e o objetivo das tarefas e 18) identificação clara das tarefas para não gerar stress ou dano psicológico.
A descrição dos critérios que deveriam ser adotados pelas plataformas digitais em relação aos seus
trabalhadores permite uma visão bastante real das condições de trabalho a que estão sujeitos esses traba-
lhadores, apresentando inúmeras situações de dificuldade e desrespeito pelas plataformas e clientes com
o trabalhador. O discurso de autonomia e liberdade que é propagado e que atrai diversos trabalhadores,
se mostra na realidade concreta como um trabalho precário, com inúmeras dificuldades na sua execução,
além da desproteção legal. Para Dutra e Coutinho (2020) a flexibilidade está no cerne do pensamento
hegemônico neoliberal no que tange a exploração da força de trabalho, reacendendo a discussão do papel
protetivo do Direito do Trabalho.
As inovações e as novas tecnologias são profundamente importantes no desenvolvimento e na melhoria
das condições de vida no planeta, não podendo enquanto, sociedade, permitir que as novas tecnologias se
instalem na sociedade e prejudiquem as pessoas. É preciso uma forma de organização para a construção
de normas legais para a proteção das pessoas, é preciso ter um padrão civilizatório também nas relações de
trabalho, as quais são essenciais para uma sociedade.
Para Dutra e Coutinho (2020) é importante não esquecer que o Direito do Trabalho é fruto de uma
construção histórica e que suas normas estão em constante adequação com a realidade em virtude do
trabalho ser uma categoria ativa no meio social. O Direito do Trabalho não quer impedir as mudanças no
mundo do trabalho, mas quer a proteção da vida e da dignidade do trabalhador.
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Resumo: O presente artigo analisa o trabalho doméstico nas charges da coletânea Tribuna Metalúrgica: 20 anos ilustrada. Da referida
coletânea, selecionamos as charges que retratam a presença da mulher no ambiente doméstico; as imagens foram organizadas a
partir de três eixos temáticos centrais: as que tratam das horas extras, aquelas que tratam do desemprego e outras que tratam da
inflação e da desvalorização/diminuição dos salários. Nas análises, abordamos o debate de gênero ancorado pelo entendimento de
que as entidades sindicais devem primar por uma comunicação que entenda a classe trabalhadora como heterogênea (CISNE, 2015),
com homens e mulheres, brancos e negros e que essas categorias são coextensivas (KERGOAT, 2010) na sociedade. Constatamos
que as charges que retratam o universo dos lares da família metalúrgica associam a atividade de cuidado e de trabalho doméstico à
figura feminina e à figura da esposa metalúrgica. Com isso, as charges presentes na coletânea reproduziram o machismo estrutural
presente até hoje nas dinâmicas familiares e no sistema capitalista e que o sindicato foi pouco combativo, transgressor ou inovador
na forma de conduzir as relações de sexo e a divisão sexual do trabalho.
Palavras-chave: Trabalho doméstico; imprensa sindical; charge; divisão sexual do trabalho
INTRODUÇÃO
Este artigo é parte de uma pesquisa mais ampla que pretende analisar a presença da mulher nas charges
sindicais do jornal Tribuna Metalúrgica, do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC durante a década de 1990.
A análise total envolve duas figuras genéricas e centrais que aparecem nas charges da referida década: a es-
posa do metalúrgico e a trabalhadora metalúrgica. Para viabilizar a divulgação em formato de artigo, nes-
tas etapas iniciais da pesquisa reduzimos nosso objeto para as charges da coletânea Tribuna Metalúrgica: 20
anos ilustrada. Seguindo esses mesmos parâmetros, focamos o estudo na figura das mulheres presentes nas
charges, a partir dessa mesma categorização: as charges que circundam o lar do metalúrgico e, portanto,
apresentam sua esposa e seu ambiente familiar em paradoxo com as charges que apresentam a figura da
trabalhadora metalúrgica.
Em outra oportunidade já realizamos uma análise comparada de charges publicadas na referida cole-
tânea entre essas duas figuras centrais, a esposa e a trabalhadora metalúrgica, pautada por alguns pontos
que são discutidos pelas teorias feministas, tais como: o patriarcado, a desigualdade nos cargos e salários
no mundo do trabalho e a tripla jornada (a questão da maternidade). Para o trabalho que se segue, a análise
será ainda mais especificada na figura da esposa metalúrgica e nas retratações do universo doméstico nas
charges sindicais publicadas nessa mesma coletânea.
A partir do final da década de 1970, o sindicalismo brasileiro experienciou um período de muita vita-
lidade das lutas sindicais como parte dos processos de mobilização popular contra a ditadura civil-militar
(1964-1985). Esse período - que foi iniciado com as greves de trabalhadores e trabalhadoras nas indústrias
metalúrgicas da região do ABC paulista - ficou conhecido como “novo sindicalismo” (ANTUNES, 1995;
MIANI, 2000; FRANÇA, 2013) e marcou a emergência de um movimento sindical combativo e classis-
ta que assumiu o compromisso de lutar efetivamente para melhorar as condições de vida e de trabalho
da classe trabalhadora, guiados pelos ideais socialistas e pela construção de uma sociedade mais justa
(GIANNOTTI, 2014).
Dentre as mais importantes e representativas entidades sindicais signatárias do “novo sindicalismo” es-
tava o Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema que assumiu uma
posição de vanguarda nos processos de mobilização de massa e de organização política dos trabalhadores
- principalmente, por meio da condução política das greves operárias entre 1978 e 1980 na região do ABC
paulista e pelo protagonismo na criação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) - e que, além de ter sido
decisivo para a consolidação do referido sindicalismo combativo e classista, também foi fundamental para
impulsionar o movimento sociopolítico nacional que culminou com o fim dos governos militares e o início
do processo de redemocratização no país em meados da década de 1980.
Como desdobramento da “nova” concepção de pensar e fazer sindicalismo derivado do “novo sindica-
lismo”, também se estabeleceu uma “nova imprensa sindical” (VERDELHO, 1986) que trazia como prin-
cipais características: a necessidade da participação direta dos trabalhadores na produção comunicativa
dos sindicatos; a utilização de múltiplos meios comunicativos (não apenas a produção impressa de jornais
e boletins, mas também de cartazes, gibis e cartilhas, bem como de produção audiovisual, radiofônica,
estamparia etc.); a ampliação da utilização de recursos visuais na produção impressa, como fotografias,
quadros esquemáticos, charges e ilustrações em geral; a atuação de “técnicos” (profissionais de comuni-
cação) com o propósito de garantir maior qualidade profissional na produção comunicativa sindical; de-
senvolvimento de uma linguagem própria, a “linguagem do trabalhador”; e produção de uma imprensa
1 A conjuntura política do movimento sindical, particularmente, na primeira metade da década de 1990, na região do ABC paulista,
levou à unificação no ano de 1993 do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema com o
Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Santo André, surgindo o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e, com ele, a Tribuna
Metalúrgica do ABC (MIANI, 2005).
[...] a charge pretende não somente dissertar sobre um determinado assunto, mas levar o seu
receptor ao convencimento, objetivando inclusive uma mudança de consciência e de atitude. A
charge se converte, por influência da instituição que a produz e dissemina, num verdadeiro discur-
so de convencimento (MIANI, 2005, p.33).
Por esse aspecto persuasivo e, ao mesmo tempo, de registro histórico é que podemos traçar dois tipos
de abordagem crítica sobre estas charges que retrataram esse universo familiar nos anos 1990: uma delas é
que a comunicação do sindicato dos metalúrgicos pouco buscou convencer os trabalhadores sobre outros
modos de organização familiar e outras maneiras de dividir o trabalho na esfera doméstica. Por outro
lado, ao reproduziu mais do mesmo, as charges desse período serviram também como importante registro
histórico do que era a família operária e do que representou os anos 90 para as mulheres.
O fato é que, desde o período de sua consolidação em fins da década de 1970 e, pelo menos, durante
as duas décadas seguintes, o jornal Tribuna Metalúrgica publicou mais de mil ilustrações, entre charges
e demais modalidades do humor gráfico. Em 1998, ao comemorar 20 anos dessa etapa do jornal Tribuna
Metalúrgica, a diretoria do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos do ABC decidiu produzir uma co-
letânea de charges e ilustrações organizada no formato de um livro comemorativo. Essa coletânea, intitu-
lada Tribuna Metalúrgica: 20 anos ilustrada (figura 1), foi organizada pelo chargista Paulo Cesar Rocha,
o Pecê, que também foi autor de centenas de charges que compõem o livro, e se soma a um contexto de
produção de coletâneas de charges e ilustrações publicadas por diversos sindicatos durante as décadas de
1980, 1990 e 2000 (MIANI, 2016).
A publicação desse tipo de coletânea permitiu a organização e o acesso a um vasto repertório de char-
ges sindicais, bem como possibilitou a apropriação dessa produção visual nos processos de organização e
de produção da memória da imprensa sindical e dos próprios sindicatos, se constituindo como rica fonte
histórica. Miani (2016), ao tratar dessa questão, afirma:
Fonte: Tribuna Metalúrgica: 20 anos ilustrada. Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, 1998, capa.
Nessa mesma perspectiva, a coletânea Tribuna Metalúrgica: 20 anos ilustrada possibilita, por meio das
charges, revisitar a história do país e do próprio sindicato, retratando duas décadas (1978-1998) de resis-
tência, lutas e conquistas da classe trabalhadora, passando pelos períodos da abertura política, da “Nova
República” e da retomada da democracia no país. O referido livro comemorativo é composto por ilustra-
ções de vários artistas e foi assim apresentado aos seus leitores:
“Tribuna metalúrgica, 20 anos, ilustrada” é um livro que tem valor comemorativo e histórico. Festeja
os 20 anos de luta pela democracia e, ao mesmo tempo, organiza trabalhos de artistas e ilustrado-
res que, nestas duas décadas, deram a sua “mãozinha” na resistência à ditadura militar. Henfil, Élio
Vargas Jr., Laerte, Pecê, Gilmar e tantos outros, ajudaram a categoria a desenhar a esperança em
um país melhor. Com a sátira, a ironia e quase sempre com o humor, colocaram a crítica e ousadia
na cabeça dos trabalhadores. Neste livro organizado por Pecê, está uma parte dessa história, que
todos devem conhecer (SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO ABC, 1998, p.4).
A coletânea conta com 150 páginas repletas de charges e demais ilustrações. A publicação é dividida
por seções que correspondem a cada um dos vinte anos da história retratada. As charges, além de serem
organizadas de acordo com seu ano de publicação, também foram selecionadas de forma a registrarem os
principais acontecimentos para o país e para a categoria de cada respectivo período. Por exemplo, em 1978
(primeira seção da obra), as principais temáticas das ilustrações são as greves da categoria - consideradas
o estopim do “novo sindicalismo” no Brasil -, a reabertura política do país e as lutas sindicais pelo fim do
arrocho salarial e em defesa da autonomia para os sindicatos. As seções sempre iniciam com um breve re-
sumo dos acontecimentos do ano para contextualizar o leitor e, na sequência, são apresentadas as charges,
com legendas específicas ou comentários gerais das imagens em cada página.
Nossa análise ficará centrada na percepção de como é retratado um dos estereótipos femininos, previa-
mente identificado na coletânea, qual seja, a figura da esposa do operário metalúrgico. Por reconhecermos
que a charge se constitui como uma importante estratégia comunicativa no contexto da imprensa sindical
(MIANI, 2005), pretendemos verificar como as condições e características da mulher pertencente à classe
trabalhadora (como integrante de uma família operária) foram retratadas nas charges publicadas na cole-
tânea Tribuna Metalúrgica: 20 anos ilustrada.
Nesse sentido, diante desse rico material, definimos como foco específico e objetivo para este artigo
realizar uma análise das representações da mulher e do trabalho doméstico produzidas pela imprensa
sindical por meio das charges publicadas na coletânea Tribuna Metalúrgica: 20 anos ilustrada. No estudo
exploratório realizado encontramos cerca de 30 charges ou demais tipos de ilustrações em que aparece a
figura da mulher.
Observa-se nas últimas décadas uma retomada do movimento feminista que, via internet, alcança mu-
lheres cada vez mais jovens em todo país. Diante desse contexto, o debate de gênero tem suscitado cada
vez mais pesquisas no meio acadêmico em diversas áreas de conhecimentos - dentre elas, o campo da
Comunicação, com pesquisas em análise das mídias e comunicação organizacional - e também uma am-
pliação de produções por parte dos movimentos sociais. Recentemente, com a necessidade de isolamento
social, em razão do avanço da pandemia causada pelo novo coronavírus, observa-se um aumento da so-
brecarga das atividades domésticas que atinge, principalmente, as mulheres. Várias pesquisas 2 indicam
que essas mulheres estão acumulando atividades de trabalho em home office com o cuidado dos filhos e
familiares que se enquadram no grupo de risco e que não podem sair de casa.
Nesse sentido, trazemos um debate e uma problematização importante - pautado nessa discussão da
atualidade - ao revisitar as charges do jornal Tribuna Metalúrgica, do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC,
para refletir sobre como o patriarcado é estrutural em nossa sociedade (DELPHY, 2009), sendo reproduzido
até mesmo por instituições políticas que, pelo menos em seu discurso institucional, afirmam se preocupar
em quebrar certos paradigmas, mas que acabam por reproduzi-los, reforçando o ambiente doméstico como
algo feminino ou retratando um tempo histórico em que a mulher estava ainda mais relegada a essa esfera.
Podemos afirmar que o ingresso tardio das mulheres no mercado de trabalho (não doméstico) refletiu
e reflete até a atualidade na sua baixa participação no movimento sindical. As mulheres, desde muito cedo,
vão sendo colocadas ou treinadas para o trabalho doméstico e para a criação dos filhos na esfera privada.
E, apesar de seu trabalho na esfera doméstica não ser remunerado, vai ser elemento indireto de valor não
só para o homem, que ficará isento das responsabilidades domésticas e, portanto, livre para atividades re-
muneradas no mundo do trabalho, mas também para o Estado, que vai deixar a cargo dessas mulheres suas
demandas de políticas públicas sobre o cuidado, principalmente, em relação às crianças aos idosos. A esse
respeito, Cristina Bengoa (2018, p.26), afirma:
[...] Marx nunca considerou todo o trabalho realizado nos lares, basicamente pelas mulheres e ab-
solutamente necessário para reproduzir a força de trabalho. Somente incluía os bens adquiridos
no mercado e, portanto, a força de trabalho aparecia se auto reproduzindo automaticamente com
o salário (Marx, 1976). Como consequência, o trabalho doméstico e de cuidados tampouco estava
incluído em seu conceito de mais-valia. Dessa maneira, esse trabalho que está fora do espaço
mercantil - ficará invisível não somente aos olhos da sociedade, não somente no imaginário social,
mas desaparecerá do processo de acumulação. A força de trabalho reproduzida nos lares e entre-
gue ao capital por um valor menor do que de fato vale oculta assim uma enorme quantidade de
trabalho realizado pelas mulheres, que passa a formar parte da acumulação contínua do capital.
2 Uma dessas pesquisas pode ser conferida no site do ANDES-SN (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino
Superior) no link: https://andes.org.br/conteudos/noticia/mulheres-estao-ainda-mais-sobrecarregadas-durante-a-pandemia-
-aponta-pesquisa1
A partir da década de 1980 o termo “gênero” passou a ser utilizado em detrimento do termo “sexo”
por várias feministas de maneira indiscriminada, sem uma análise profunda do que significaria de fato
a troca de uma palavra pela outra. Apesar da ausência de um estudo mais aprofundado sobre o conceito,
um motivo foi determinante para que esse processo de substituição ocorresse: a necessidade de encontrar
uma palavra que tratasse da diferenciação entre o feminino e masculino calcado em bases sociais, tendo em
vista que o termo “sexo”, ou a utilização da expressão “estudos da mulher”, designavam uma diferenciação
de base biológica entre homens e mulheres, uma teoria que se opunha ao pensamento de várias feministas
daquele tempo e que, de certa forma, perdura até a atualidade (LOURO, 1996).
A utilização do termo “gênero” trazia consigo uma bagagem teórica que defendia o social - em detri-
mento do biológico como único elemento da diferenciação entre homens e mulheres -, recusando a pers-
pectiva da diferenciação fundada no biológico. No entanto, apesar de representar essa rejeição, tão impor-
tante para as feministas daquele tempo, o termo também trazia consigo problemas linguísticos de tradução
e implicava em assumir uma neutralidade, um ocultamento do feminino, visto que a palavra “gênero”
- diferente do termo “mulher” ou “feminino” - contempla o feminino e masculino (LOURO, 1996).
Apesar de entender a diferenciação sexual como uma construção histórica e social - que se articula em
um complexo sistema de aparelhos ideológicos e hábitos culturais -, os estudos mais atuais, diferentes da-
queles que, na década de 1980, descartavam o fator biológico, reconhecem que o corpo é também um com-
ponente importante dessa diferenciação. Tal análise não perde de vista o fator cultural como um aspecto
3 A inserção das mulheres no mercado de trabalho não as isentará das responsabilidades com o trabalho doméstico, pelo contrá-
rio, sua trajetória profissional, acadêmica e militante, em geral, será marcada pela conciliação com as atividades domésticas.
Há, então, uma estreita e contínua imbricação do social e do biológico, e nossa compreensão de
gênero provavelmente deve supor tal imbricação. Embora continuemos afirmando que a constru-
ção dos gêneros é, fundamentalmente, um processo social e histórico, temos de admitir que esse
processo, sem dúvida, envolve os corpos dos sujeitos.
Tomando como parâmetro essa interação que ocorre entre o biológico e o social, Maria José Izquierdo
(1990) vai afirmar que as diferenças de sexo (homem e mulher) estão calcadas apenas em sistemas biológi-
cos para os animais; para os seres humanos devemos partir de três categorias de análise. A primeira delas
está justamente calcada no fator biológico, baseada na definição macho/fêmea; a segunda categoria está ba-
seada na definição psicológica e social que define o gênero; e a última categoria se estabelece na identidade
psicossexual: heterossexual, bissexual e homossexual (IZQUIERDO, 1990).
Para tratar especificamente das bases biológicas que fundamentam as diferenças sexuais, Izquierdo
(1990) amplia o debate e destaca as diferenças que nós, humanos, temos em relação a outras espécies, pon-
tuando que somos os indivíduos mais complexos tanto na nossa genética quanto na nossa forma de entrar
em contato com nosso meio social, o que nos faz ter características bem diversas e sermos bem diferentes
uns dos outros. Ainda em relação ao aspecto biológico, três pontos serão determinantes: somos imaturos ao
nascer e nos moldamos em contato com o meio; reconhecemos a complexidade e maleabilidade do nosso
sistema nervoso; e desenvolvemos a possibilidade de habitar qualquer lugar devido a nossa capacidade de
transformação do meio (construção de moradia, produção do próprio alimento).
Dentro dessas categorias de análise existe a manifestação do sistema dominante que é aquele em que a
identidade psicossocial e o gênero se manifestam em acordo com o sexo biológico. Então, por exemplo, o
esquema dominante é definido pela fêmea (categoria biológica) do gênero feminino (categoria psicológico/
social) e heterossexual (categoria de identidade psicossocial) (IZQUIERDO,1990). A interação entre esses
três pilares é bastante confusa porque as manifestações que quebram com o padrão dominante, exempli-
ficado acima, colocam em discussão comportamentos sócio-culturais que estão disseminados de forma
bastante estrutural na sociedade.
Neste sentido, podemos partir para uma análise também dos fatores sociais e culturais que são respon-
sáveis por determinar o nosso gênero. “Cada um dos gêneros representa uma particular contribuição para
produzir e reproduzir a existência” (IZQUIERDO, 1990, p.4). A análise, portanto, reconhece que são deter-
minados fatores sociais que nos fizeram ter determinadas manifestações físicas porque a condição de gêne-
ro é determinada por diferentes tarefas sociais que nos são atribuídas desde o nascimento. Ao homem será
destinada a esfera da transcendência e à mulher será destinada a esfera da sobrevivência (IZQUIERDO,
1990).
4 Os altos índices de obesidade revelam isso. O consumo de comidas prontas, altamente processadas, repercutem no peso dos
indivíduos e está relacionado a novas dinâmicas sociais e de percepção de tempo.
No entanto, uma teoria marxista que abarque esses movimentos sociais recentes ainda carece de mais
pesquisas e estudos aprofundados visto que, no geral, os teóricos marxistas se dedicaram a analisar as for-
mas mais tradicionais de organização, que são os sindicatos e os partidos (GALVÃO, 2011). Diante desse
contexto de análise dos partidos e dos sindicatos o elemento central da discussão da maioria dos marxistas
será a disputa entre capital e trabalho. Neste sentido, os movimentos sociais, compreendidos como um
coletivo de pessoas de uma classe social explorada pelo capitalismo, estão ancorados em dois princípios:
condições melhores de trabalho, de salários e de vida e a superação do próprio sistema capitalista.
Tal cenário teórico não vislumbrou um desdobramento da teoria marxista para outras formas de luta,
as que extrapolam a relação capital x trabalho e, de certa forma, chegamos ao ponto de ter diversos tipos de
coletivos e manifestações políticas na atualidade que as teorias marxistas ainda não explicaram completa-
mente visto que tais fenômenos, ainda latentes, são tratados de forma muito segregada e carecem de uma
análise teórica mais profunda, que façam diálogo com as relações sociais e as condições materiais desses
indivíduos.
Nessa discussão, podemos imaginar hipoteticamente a seguinte situação: um trabalhador metalúrgico
que é explorado no ambiente de trabalho pelo patrão pode reproduzir, no ambiente doméstico, formas
semelhantes (ou mais graves, envolvendo violência física/sexual) de exploração sobre sua esposa. A esposa,
por sua vez, pode ter uma serviçal negra para lavar as roupas da família e reproduzir, na relação com a ser-
viçal, formas semelhantes de exploração se comparado à figura do esposo ou do patrão. Todas estas pessoas
- metalúrgico, esposa do metalúrgico e serviçal - estarão enquadradas dentro de uma mesma classe social,
no entanto, algumas serão mais ou menos exploradas do que as outras. A esposa além de ser explorada no
ambiente doméstico pode ter um emprego remunerado e sofrer explorações semelhantes à de seu esposo no
ambiente de trabalho. A serviçal negra pode ser explorada pela esposa do metalúrgico só que em condições
de trabalho muito piores do que as dele (ausência de carteira assinada, sem direito a fundo de garantia, in-
segurança no trabalho) e ainda por cima ter um esposo que a explore, assim como a esposa do metalúrgico.
No contexto da coletânea Tribuna Metalúrgica: 20 anos ilustrada definimos como primeira etapa da
pesquisa selecionar as charges que apresentavam personagens femininas. Nesse momento, foram cataloga-
das todas as charges que traziam alguma figura feminina, independente de as charges tratarem ou não de
debates específicos relacionados às teorias feministas. Catalogamos esse material e percebemos que havia
dois estereótipos femininos mais recorrentes nas charges: a figura da trabalhadora metalúrgica e a figura
da esposa metalúrgica. Nesta análise inicial encontramos cerca de 30 charges ou demais tipos de ilustrações
em que aparece a figura da mulher.
Na referida coletânea a figura da mulher trabalhadora aparece em menor proporção do que a figura da
esposa. De 32 charges e ilustrações identificadas, oito retrataram a mulher metalúrgica. As demais charges
com presença feminina apresentaram mulheres em situações diversas (que não estão no ambiente da fábri-
ca ou que, pela nossa análise, não são trabalhadoras metalúrgicas). Nessas charges, não fica explícito se elas
se referem a uma esposa de trabalhador metalúrgico, porém em várias situações vemos a mulher esperando
o esposo chegar do trabalho, ou está deitada na cama com ele.
Desse universo de charges com figuras femininas que não são operárias metalúrgicas ou de mulheres
fora do ambiente das fábricas, em pelo menos 16 delas as mulheres estão na condição de esposa e/ou mãe
numa família operária. Em 10 charges as mulheres aparecem associadas a algum tipo de atividade domés-
tica e/ou cuidado com os filhos ou esposo. Por sua vez, em sete imagens a mulher aparece em situações de
lazer, jantando com o esposo ou na cama com ele. Por fim, em duas charges há uma “inversão” nas ativi-
dades e o homem aparece lavando louça ou cozinhando (inclusive, em uma dessas charges, o homem está
de avental).
Percebemos uma construção caricata e estereotipada da esposa metalúrgica nas charges e/ou tiras cô-
micas selecionadas; em muitas delas, além de estar inserida em atividades domésticas ou em ambientes
como cozinha ou lavanderia, ela usa avental, como constatamos em pelo menos cinco charges, ou tem um
pano de prato na mão ou nos ombros (figura 2).
Fonte: Tribuna Metalúrgica: 20 anos ilustrada. Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, 1998, p.129.
Conforme relatado acima, nossa análise selecionou todas as charges da coletânea que apresentam a
figura feminina e pudemos verificar que, raramente, essas charges ou tiras cômicas tratam do debate de
igualdade de gênero. Pelo contrário, a partir de algumas situações ou vestimentas das personagens essas
charges vão reforçar o estereótipo da mulher que é ‘dona de casa’ e vão utilizar esses espaços domésticos
para criar situações cômicas que vão tratar, denunciar ou ‘convencer’ sobre outros assuntos do cotidiano
do sindicato que, contraditoriamente, acabam por reforçar as condições da divisão sexual do trabalho. As
charges retratadas nesse ambiente doméstico, no geral, estão enquadradas em três grandes eixos temáticos
5
: charges que tratam de uma sobrecarga de horas extras praticadas pelos trabalhadores metalúrgicos (6
charges) 6, charges que tratam de situações de desemprego (7 charges), e charges que criticavam os baixos
salários em detrimento do aumento da inflação e das despesas familiares (6 charges).
No primeiro eixo temos charges que tratam do acúmulo de horas extras praticadas pela categoria nos
anos 80. Nessa proposta, boa parte do desfecho cômico das charges apresenta a esposa em casa aguardan-
do o marido metalúrgico chegar do trabalho, ou com o metalúrgico dormindo na cama, cansado de tanto
fazer horas extras, enquanto a esposa revela alguma expectativa de poder ter relações sexuais com ele. Em
uma dessas charges temos a figura da esposa ligando para o metalúrgico no trabalho e pedindo para ele não
fazer hora extra porque ela o está esperando em casa com o jantar pronto. Em outra charge, temos um casal
jantando juntos em um restaurante, depois de muitas noites de horas extras. Em outras duas charges dessa
categoria o desfecho cômico se dá quando a criança já não reconhece mais o pai porque ela quase não o vê,
já que ele faz muitas horas extras (figura 3).
5 O enquadramento das charges em eixos temáticos é uma proposta nossa para facilitar a análise. Conforme já mencionado no de-
correr do trabalho, as charges, tiras cômicas e demais imagens são catalogadas no decorrer da coletânea por ano de publicação.
6 Algumas charges podem se enquadrar em dois eixos temáticos. É comum, por exemplo, charges se enquadrarem no debate
das horas extras e também do desemprego porque são situações bastante conectadas no mundo do trabalho. Nesse caso, para
facilitar e estruturação do artigo, optamos por catalogar a figura de acordo com o tema que se revelou mais relevante no enredo
das charges.
Fonte: Tribuna Metalúrgica: 20 anos ilustrada. Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, 1998, p.70
As charges e tiras cômicas desse eixo temático colocam a esposa metalúrgica, dentro do núcleo da fa-
mília operária, quase sempre como aquela que é a principal responsável pela educação dos filhos, devido
à quantidade de horas extras que o trabalhador faz, bem como aquela que está sempre disponível para o
esposo, com o jantar pronto quando ele chega cansado das horas extras do trabalho. Entendemos que essa
abordagem faz uma crítica interessante porque coloca o metalúrgico como aquele que nunca tem tempo
pra família, por fazer horas extras demais. Além disso, a dinâmica no seio familiar revela uma relação bas-
tante antagônica, em relação às responsabilidades familiares, e reforça uma ideia bastante disseminada na
sociedade de que as mulheres pertencem à esfera privada, e são as responsáveis pelo trabalho doméstico e
a educação dos filhos.
Outro eixo temático trata da questão do desemprego em diversas situações que abordam a esfera do-
méstica, já que o metalúrgico está em casa, sem trabalhar. Nesse sentido, temos charge em que a mulher
conversa com o marido sobre o que fazer para pagar as despesas e ele pede que ela faça um café. Numa outra
charge, a mulher está com o esposo fazendo compras e vendo várias promoções no mercado; quando eles
saem do estabelecimento, comentam que teriam comprado muito mais coisas se ele estivesse empregado.
Outra situação retratada mostra o trabalhador chegando em casa mais cedo e, ao ser questionado pela es-
posa, ele revela que foi demitido. Por fim, uma última charge explora a seguinte situação cômica: a esposa
lavando o uniforme sujo do metalúrgico porque ele levou um “pé na bunda” do patrão (figura 4).
Figura 4
Fonte: Tribuna Metalúrgica: 20 anos ilustrada. Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, 1998, p.71.
Essa situação de desemprego acaba por gerar algumas charges que naturalizam a mulher na esfera
doméstica e trata o homem metalúrgico, nessa esfera, como algo diferente, que foge à normalidade. Nesse
ambiente, na maioria das vezes, é a mulher que está lavando as roupas, preparando o café ou com a lista do
Figura 5
Fonte: Tribuna Metalúrgica: 20 anos ilustrada. Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, 1998, p.122.
Apesar da inversão dos papéis, o desfecho cômico acontece justamente porque coloca o homem como
alguém sem habilidades para lavar ou cozinhar; a própria esposa reforça sua suposta falta de aptidão e ele,
então, já que não sabe lavar e nem cozinhar, diz que vai ficar ali plantado na cozinha para ela poder utilizá-
-lo como suporte para pendurar pano de prato.
Outra charge que aborda essa inversão, nesse mesmo eixo temático do desemprego, coloca a mulher
como trabalhadora, enquanto um homem desempregado realiza as atividades domésticas em casa. Na ima-
gem, ela chega do trabalho cansada e se alimenta da comida que ele preparou; na sequência, ele lava a louça
e depois vão juntos para a sala assistir televisão. O humor acontece porque ele, apesar de realizar diversas
atividades domésticas, mostra que é ele que “manda na casa” monopolizando a televisão e o controle remo-
to (figura 6).
Figura 6
Fonte: Tribuna Metalúrgica: 20 anos ilustrada. Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, 1998, p.133.
A dinâmica da inversão dos papéis presente nestas duas charges parece ser uma iniciativa interessante
porque questiona alguns padrões; no entanto, a situação é abordada como algo que foge à normalidade -
já que se trata de uma situação de desemprego. Por fim, acaba por ressaltar dois estereótipos: aquele que
reforça que o homem não teria habilidades com atividades domésticas e outro que coloca o homem como
autoridade máxima e que, apesar de não prover o sustento da família e estar na esfera doméstica, ainda
“manda na casa”.
O último eixo temático que categorizamos para a análise das charges são aquelas que tratam dos baixos
salários, do aumento das despesas e da alta da inflação. Duas dessas charges abordam situações em que a
mãe cuida do filho; numa delas há uma comparação entre o salário baixo da professora e o salário baixo do
pai metalúrgico. Em outra charge, o pai metalúrgico aparece desmaiado no chão porque viu o aumento na
conta de água enquanto a esposa e o filho tentam acordá-lo. As duas situações mostram a mulher em sua
Figura 7
Fonte: Tribuna Metalúrgica: 20 anos ilustrada. Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, 1998, p.105.
Partimos do pressuposto de que durante a década de 1990, nos tempos de sindicalismo cidadão, o sin-
dicato passou a oferecer uma gama maior de serviços aos seus associados - que se estendia a toda família
metalúrgica - e que, portanto, esse aspecto passou a permear também as produções comunicativas sindicais
e as charges passaram a também retratar o mundo familiar do trabalhador. Essa hipótese pode ser uma boa
tentativa para compreender essa construção comum e estereotipada do que seria a divisão de tarefas numa
família operária.
Por outro lado, apesar de considerarmos que a lógica do sindicalismo cidadão pode ter sido a justifica-
tiva para a incidência de charges com figuras femininas retratadas no ambiente doméstico, nessa coletânea
encontramos algumas temáticas que nortearam nossas análises e que podem estar mais associadas à esfera
do lar, tais como: o desemprego, o acúmulo de horas extras e o aumento da inflação e diminuição dos
salários. Catalogamos essas charges e concluímos que, nessa amostragem, a presença da mulher esteve pre-
dominantemente relacionada às atividades domésticas. Em pelo menos cinco charges a mulher apareceu
usando avental; em outras cinco charges a mulher está em ambientes como cozinha ou lavanderia; além
disso, em uma charge ela lava roupa, em três charges ela faz compras no supermercado, em quatro charges
ela lava louça ou cozinha e em seis charges ela aparece, de alguma forma, associada ao cuidado dos filhos.
Concluímos, portanto, que as charges - aquelas que não se propuseram a debater as relações de gênero no
universo das fábricas e dos sindicatos -, ambientadas na esfera do lar, reproduziram uma figura feminina,
da esposa metalúrgica, bastante associada à esfera doméstica e como a principal responsável pelo trabalho
doméstico na esfera reprodutiva e nos lares da família metalúrgica.
Neste artigo, analisamos o trabalho doméstico na coletânea de charges Tribuna Metalúrgica: 20 anos
ilustrada. Após breves considerações a respeito do movimento sindical e da comunicação sindical, bem
como da charge como um importante instrumento de comunicação para o período, apresentamos os refe-
renciais teóricos no âmbito das teorias feministas que embasaram nossas reflexões e análises.
Após a seleção das charges a serem analisadas, definimos como eixos temáticos o desemprego, as horas
extras e o aumento da inflação e a redução de salários. Consideramos que em todas essas temáticas foi pos-
sível criar situações engraçadas em que o lar metalúrgico se apresentou como o centro do desfecho cômico
e que, por isso, a esposa metalúrgica passou a ser uma figura recorrente no enredo temático das charges.
Pelas análises, verificamos que as mulheres estiveram, predominantemente, associadas ao trabalho domés-
tico, seja pelo uso de avental, pelas atividades que realizavam ou pelo ambiente que ocupavam nas cenas
retratadas.
A título de conclusão, podemos nos questionar se a vida imita a charge ou se a charge imita a vida.
E, dessa reflexão, podemos depreender dois fatores importantes: primeiro, que as charges eram reflexo
daquilo que boa parte das famílias e esposas metalúrgicas vivenciavam em suas casas e, segundo, que as
charges sindicais da coletânea (exceto aquelas que trataram prioritariamente do debate de gênero) rara-
mente buscaram retratar outras formas de divisão social do trabalho ou outros formatos de relações de
sexo e organização das tarefas, ou até mesmo outras composições familiares. Nesse sentido, o Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC, no respectivo tempo de publicação das charges, apesar de seu caráter combativo e
comprometido com o debate de gênero, acabou por reproduzir o machismo estrutural e natural da socie-
dade capitalista, funcionando, em parte, como um reflexo do próprio sistema.
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Resumo: Este texto tem como objetivo refletir sobre as transformações históricas do trabalho no século XX, afim de compreender
como tais transformações foram impulsionadas pelos desenvolvimentos tecnológicos e pela crise estrutural do próprio capitalismo,
produzindo impactos na sociabilidade humana e na concepção de homem, especialmente com os avanços da reestruturação produ-
tiva e com o apoio do Estado neoliberal para garantir o controle ideológico e político sobre o trabalho e a educação. Trata-se de um
ensaio teórico, fundamentado em autores que se vinculam ao pensamento marxista, e que colaboram para compreensão do trabalho
tecendo análises críticas acerca do sistema produtivo capitalista e sua capacidade de se reestruturar para garantir o controle sobre
as formas de exploração no trabalho e sobre a alienação humana. A partir de tais fundamentos, este texto busca produzir reflexões
que partem da análise sobre o desenvolvimento do sistema produtivo por meio da consolidação da indústria no século XX; passando
pelo entendimento acerca os impactos da reestruturação produtiva sobre as relações sociais de trabalho, destacando como favore-
ceram o desenvolvimento da uma nova concepção de homem no capitalismo; avançando ainda para a compreensão sobre o exercí-
cio permanente do capital para impor o controle sobre o trabalho e sobre o homem, garantindo processos cada vez mais aprofunda-
dos de adequação do trabalhador ao mercado e aos interesses da ideologia dominante.
Palavras-chave: Trabalho. Reestruturação produtiva. Concepção de Homem.
INTRODUÇÃO
Partimos do entendimento de que o trabalho não é somente a condição de origem do ser, mas também
de continuidade para sua existência. Como é explicado por Antunes (2016, p. 51), a origem dos seres huma-
nos, bem como o desenvolvimento e a complexificação destes, ocorre por meio do trabalho, e, por isso, só
podem ser compreendidos como parte de um processo histórico e social, em plena continuidade e movi-
mento, uma vez que os homens vivem “[...] produzindo e reproduzindo a si próprios na esfera do trabalho”.
Conforme a ideia do autor (ANTUNES, 2016), o trabalho se revela como atividade por meio da qual
os homens encontram os meios para recriar a própria vida, possibilitando o seu desenvolvimento, num
processo que culmina em transformação, elaboração contínua de objetos e produtos, para satisfação de
necessidades e desejos humanos. Da mesma forma, o desenvolvimento das relações sociais também é de-
corrente dos avanços e transformações do próprio trabalho. Pelo trabalho, os homens desenvolvem-se e,
articuladamente, tomam distância de práticas e atividades individuais, cuja realização os restringia origi-
nariamente às intervenções singulares estabelecidas unicamente através do metabolismo entre homem e
natureza (MARX, 2010).
Na perspectiva marxiana a análise do trabalho pelo seu movimento histórico, considerando seu desen-
volvimento e sua determinação na produção e evolução da sociabilidade humana, significa situá-lo em sua
totalidade, ou seja, para além da sua forma positiva – aquela que o toma como essência humana no sentido
ontológico. Isso implica assumi-lo como categoria que produz continuadamente “[...] mediações concretas
que se estabeleceram e se estabelecem de maneira diferente em momentos específicos do desenvolvimento
constitutivo da humanidade do homem” (RESENDE, 2004, p. 51).
Com o apoio em autores que se dedicaram a esta análise histórica, especialmente Alves (2014), Antunes
(2005; 2011), Frigotto (2010), Harvey (2008), Pinto (2013) e Saviani (2005), destacamos inicialmente que
o capitalismo industrial veio se desenvolvendo em função do acúmulo de conhecimentos experienciais,
1 A acumulação flexível marca “[...] um confronto direto com a rigidez do fordismo. Se apoia na flexibilidade dos processos de tra-
balho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção
inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente in-
tensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões
de desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento de
emprego no chamado “setor de serviços”, bem como conjuntos industriais complementares novos em regiões até então subde-
senvolvidas [...]. Ela também envolve um [...] movimento [...] de “compressão do espaço-tempo” [...] no mundo capitalista – os
horizontes temporais da tomada de decisões privada e pública se estreitaram, enquanto a comunicação via satélite e a queda
dos custos de transporte possibilitaram cada vez mais a difusão imediata dessas decisões num espaço cada vez mais amplo e
variegado” (HARVEY, 2008, p. 140).
2 Os avanços das medidas neoliberais foram iniciados no Brasil com o governo do então presidente Fernando Collor de Mello
(1990-1992), posteriormente aprofundadas nos governos do final do século XX e início do século XIX, especialmente com os
dois mandatos de governo de Fernando Henrique Cardoso – FHC (1995-1998/1999-2003), e com os governos de Luiz Inácio Lula
da Silva – Lula (2003-2006/2007-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014/2015-2016). Com o segundo mandado de Dilma Rousseff
interrompido no seu segundo ano, em função de uma articulação política e econômica que culminou num golpe de Estado (de
caráter jurídico-parlamentar-midiático) a partir do seu Impeachment, o objetivo foi atender aos projetos de aprofundamento das
reformas neoliberais, levando ao cargo o então vice-presidente Michel Temer (2016-2018), fortemente caracterizado pelas defe-
sas de políticas neoliberais e conservadoras. Já no atual contexto, o aprofundamento das medidas neoliberais é revelado num
cenário ainda mais devastador, em função da união das forças conservadoras e burguesas que conseguiram eleger em 2018 o
atual presidente Jair Bolsonaro, que, estrategicamente favorece a instabilidade política do país e a elite brasileira representada
pelos grandes empresários, com a aprovação de reformas políticas ligadas à redução dos gastos públicos, às medidas de priva-
tização e à desvalorização dos direitos do trabalhador.
Segundo Neves (2013) as políticas neoliberais brasileiras, implementadas especialmente até o governo
que antecedeu ao que se encontra em vigência, são associadas à lógica que ficou conhecida como capita-
lismo neoliberal de Terceira Via. Isso porque nestas políticas foram apropriados os princípios sociais de-
mocráticos, com a finalidade de garantir um discurso ideológico de aparente “justiça social” ao regime de
acumulação flexível capitalista, funcionando como estratégia de maior controle da população, visando a
adesão de homens e mulheres aos valores difundidos com o novo regime flexível de acumulação.
O neoliberalismo de Terceira Via avançou no Brasil no sentido de cooptar os sujeitos à valorização de
atividades voluntárias e filantrópicas, porque estas contribuem com a redução dos investimentos do Estado
nos serviços públicos. Além disso, tratou de solidificar práticas e discursos que conduzissem os trabalha-
dores à produção de iniciativas individuais e/ou coletivas que corroboram com os processos de exploração
e intensificação do trabalho, sem que houvessem contra isso medidas políticas de contestação e práticas
específicas de enfrentamento e reinvindicação.
Estas ações cooptativas foram entendidas como necessárias enquanto medidas educativas, capazes de
exercer o controle da classe trabalhadora num contexto de reestruturação da burguesia e reorganização das
suas forças produtivas. O que exigiu do Estado brasileiro a adoção de uma nova “pedagogia da hegemonia”
(NEVES, 2013, p. 2), com vistas a combater às forças contra hegemônicas, políticas e sindicais, ainda laten-
tes e advindas da própria classe trabalhadora organizada. Uma pedagogia movida por meio de ações educa-
tivas positivas, voltada a “repolitização da política”, produtora de consensos, que forma homens e mulheres
politicamente adeptos às ações neoliberais, ao compromisso subjetivo com o desenvolvimento econômico
e com o padrão de sociabilidade burguês (NEVES, 2013).
Nas palavras de Miranda (2005, p. 4), as medidas educativas das reformas neoliberais brasileiras trou-
xeram, na verdade, “[...] novos contornos à velha exploração da condição objetiva da classe trabalhadora
associada à intensificação da exploração subjetiva”. Por isso, foram ocupadas ideologicamente por um dis-
curso empreendedor, próprio do toyotismo e da acumulação flexível, carregado de sentidos motivacionais
e de um otimismo individual, bem adequados à estrutura de mercado, em defesa da meritocracia, da fle-
xibilidade e da qualidade total, legitimando as regras de exploração da classe trabalhadora, subsumindo o
homem aos mecanismos mais perversos de alienação e controle produtivista.
O propósito da “pedagogia da hegemonia” exercida pelo Estado brasileiro foi adequar as ações dos
homens aos interesses do mercado consumidor, ativando o consenso entre os próprios trabalhadores e o
consenso na relação destes com o capital, garantindo acordos em torno de conceitos, políticas e concepções
ideológicas que, na essência, contribuem para a manipulação da classe operária de um modo geral, condu-
zindo-a a valorizar o próprio processo de exploração ao qual ela mesma está submetida.
As ações voltadas para a produção do consenso foram incisivas na direção de enfraquecer e desestabi-
lizar os sindicatos e as associações de classe, por meio de políticas opressoras e punitivas. Deste modo, as
intervenções do Estado neoliberal brasileiro, não só avançaram na flexibilização e controle dos trabalhado-
res, como também, ao mesmo tempo, buscou amarrar as ações coletivas, dirigindo-as à adesão dos interes-
ses empresariais, sob o discurso de cooperação e responsabilização no trabalho, para estimular a produção
e o acumulo do capital, associando estes ganhos à manutenção e garantia do emprego ao trabalhador.
Shiroma e Santos (2014, p. 22) explica que a lógica neoliberal da produção de consensos acabou condu-
zindo a classe trabalhadora ao seu próprio condicionamento e à adesão a um movimento ainda mais pro-
fundo e alienante, concebido como “consentimento ativo”. Representado pela aceitação e naturalização do
trabalhador acerca da ideia de que o Estado brasileiro não poderia se responsabilizar pelo atendimento a to-
das as necessidades sociais, e que tornava-se necessário que cada homem e a própria sociedade organizada,
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Tendo buscado destacar, pelo movimento histórico do trabalho e pela análise do avanço da reestru-
turação produtiva aliada ascensão neoliberal, o processo de transformação das formas de organização do
trabalho e seus impactos sobre a concepção de homem no capitalismo, concluímos este texto reforçando
a reflexão sobre a importância direcionada pelo capital ao aprofundamento do controle sobre o trabalho,
mas também sobre a educação de um modo geral. Isso porque têm sido entendidos como medidas indis-
pensáveis para a reprodução do próprio sistema econômico, e para a formação de homens/trabalhadores
adequados aos diversos processos produtivos criados e desenvolvidos historicamente.
Como já foi mostrado por Frigotto (2010), não é de hoje que tanto o trabalho, como a educação, são
apropriados pela classe dominante como recursos indispensáveis para direcionar a produção e as relações
humanas, para estabelecer um modelo de homem e intensificar a promoção da ideologia capitalista, reade-
quando e reestruturando suas práticas e seus conteúdos, sempre que preciso, e de acordo com as necessida-
des que emergem com a própria transformação da ordem burguesa.
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Resumo: O presente trabalho é resultado da Pesquisa “Trabalho, Precarização e Resistência: uma análise nas telecomunicações do
Rio de Janeiro”, realizada no período de agosto de 2018 a setembro de 2020, tendo como objetivo central analisar as condições de
precarização do trabalho nas telecomunicações do Rio de Janeiro, assim como as formas de resistência empreendidas pelos(as)
trabalhadores, considerando especialmente o cenário pós aprovação/implantação da Reforma Trabalhista no país, em novembro de
2017.
Palavras-chave: Reforma Trabalhista; Precarização; Sindicato; Resistência.
INTRODUÇÃO
A precarização é, concretamente, o que predomina nas relações de trabalho no Brasil com a Reforma
Trabalhista. E se não é possível dizer que essa precarização teve início a partir das últimas mudanças no
arcabouço legal de proteção ao trabalho, por outro, não há dúvida que a reforma aprofunda e agudiza es-
sas péssimas condições. Os estudos nos quais nos referenciamos (TEIXEIRA et al, 2017; QUEIROZ, 2017;
ALENCAR, 2017; KREIN, 2018; KREIN et al, 2019) indicam que a Reforma Trabalhista se constitui, no
Brasil e no mundo, como uma legalização (ou regulamentação) de práticas e relações de trabalho que, desde
os anos 1990 vêm impondo um aviltamento das condições de trabalho e de vida de um segmento significa-
tivo da população que depende unicamente da venda de sua força de trabalho para existir.
No caso das Telecomunicações, objeto do nosso estudo, estas medidas podem ser associadas, em es-
pecial, ao processo de privatização, ocorrido em 1998. O modelo estatal que vigorava desde a década de
1960 é posto em xeque em 1995, quando o governo Fernando Henrique Cardoso encaminha ao Congresso
Nacional a proposta de Emenda Constitucional que suprime o monopólio estatal, proposta que é aprovada
em 15 de agosto daquele mesmo ano. E nos três anos que compreendem o período entre a quebra do mo-
nopólio estatal e a privatização das empresas estatais, em julho de 1998, o governo FHC fez um forte ajuste
no setor, de forma a prepará-lo para a privatização. Segundo o DIEESE (2009, p. 09) esta foi a maior priva-
tização realizada no mundo no final do século passado, envolvendo um montante próximo a R$19 bilhões
e um ágio médio de 63,6%.
Dentre os ajustes no setor – tanto no período pré, mas principalmente no pós privatização – as mu-
danças nas relações de trabalho também assumiram um caráter radical. Como vem sendo apresentado em
inúmeros estudos sobre o setor de telecomunicações, especialmente a partir dos anos 2000 (ANTUNES:
2006; WOLF; CAVALCANTE: 2006; NOGUEIRA: 2006; VENCO: 2009; ROSENFIELD: 2009; BRAGA:
Ao longo de todo o percurso da pesquisa, nos propusemos a analisar a Reforma Trabalhista implantada
em 2017 sob um ponto de vista crítico, entendendo-a, como apontam Teixeira et al (2017, p.27), como parte
do desmonte de direitos que desestrutura a vida social, favorecendo apenas um único ator social – os em-
pregadores. Para tanto, considerando a particularidade dos trabalhadores em Telecomunicações, recupe-
ramos alguns materiais e dados de pesquisa anterior (RODRIGUES, 2016), atualizando-os e colocando-os
3 De 2010 a 2019 foram mais de 20 mil mensagens recebidas, tendo como remetentes principais os trabalhadores e trabalhadoras
das empresas terceirizadas. No presente trabalho não daremos destaque a essa primeira fase da pesquisa, priorizando a análise
dos Acordos e Convenções Coletivas e as ações desenvolvidas no enfrentamento das medidas para a pandemia do coronavírus.
4 Esse vídeo foi um dos produtos da pesquisa e, além de sistematizar reflexões a partir dos dados levantados, teve como propósito
principal fazer uma devolução da mesma ao sindicato, na perspectiva de contribuir para a ampliação do debate com a categoria.
5 Por conta das medidas de isolamento social em função da covid-19, a última vez em que estivemos presencialmente no sindi-
cato foi no dia 13 de março. A partir dessa data, os contatos com os dirigentes se deram por e-mail (na realização de entrevis-
tas), ou em alguns debates (lives) pelas redes sociais, com destaque para as temáticas da Reforma Trabalhista e a Pandemia
e a organização dos trabalhadores. Tal limitação do contato presencial impactou, portanto, o acesso à totalidade dos Acordos
e Convenções Coletivas que pretendíamos analisar, uma vez que o Arquivo foi um dos departamentos que foi fechado pelo
Como salientado em todo o conjunto de textos críticos à Reforma, a negociação coletiva e o próprio
papel dos sindicatos foram bastante afetados após a implantação da Reforma Trabalhista de 2017. Scherer
(2020), em artigo intitulado Diálogo e proteção social – a negociação coletiva após a Reforma Trabalhista,
destaca os pontos principais destas medidas: prevalência do negociado sobre o legislado, em uma lista aber-
ta de temas (Artigo 611-A da nova CLT); alteração da hierarquia das normas regulamentadoras entre acor-
do individual, acordo coletivo, convenção coletiva e lei; proibição da ultratividade das cláusulas negociadas;
e ampliação das possibilidades de negociação individual entre empregador e empregado. (SCHERER, 2019,
183).
Quando tomamos a realidade dos trabalhadores em telecomunicações do Rio de Janeiro, verificamos
que os dirigentes sindicais também destacam alguns desses itens como ofensores nas negociações com as
empresas. Em entrevista concedida à equipe de pesquisa6, o presidente do Sinttel-Rio aponta três pontos,
que em sua avaliação, são os mais importantes: o fim do imposto sindical, principal fonte de arrecadação de
fundos do sindicato; a prevalência do negociado sobre o legislado; e a possibilidade de realização de acor-
dos individuais com trabalhadores(as). Ele destaca, no entanto, que o sindicato, assim como o conjunto do
movimento sindical, tem empreendido esforços para enfrentar esses ataques. E relembra a luta em relação à
adoção da Participação nos Lucros e Resultados (PLR), ainda nos anos 1990, como estratégia das empresas
para acabar com os reajustes salariais:
Por exemplo, quando foi instituída a PLR (no governo FHC) esse programa veio para acabar com
os reajustes salariais pela inflação; então, com a luta dos trabalhadores e seus sindicatos essas
questões foram sendo incorporadas nas negociações coletivas (como acordo à parte do acordo
coletivo) e mantivemos toda a luta por reajustes salariais. (Luis Antônio Silva)
A fala do presidente do Sinttel-Rio, mais uma vez, também coincide com a análise apresentada por
Sherer (2020), quando o autor destaca que frente a essas medidas dificultadoras da negociação coletiva pós
reforma trabalhista, houve reação do movimento sindical, inclusive com realização de paralisações e gre-
ves. Nossas análises sobre os Acordos Coletivos assinados pelo Sinttel-Rio também nos permitem identifi-
car essa movimentação e mobilização do sindicato em defesa da manutenção dos benefícios anteriormente
conquistados por cada um dos três segmentos que compõem o setor de telecomunicações na atualidade
– operadoras; prestadoras de serviço e teleatendimento.
Para efeito da análise comparativa, tomamos os Acordos assinados pelo Sinttel-Rio com a Oi (opera-
dora); as Convenções coletivas com o sindicato patronal Sinstal (prestadoras de serviço); e os Acordos da
Atento (teleatendimento).
Sindicato. Dessa forma, apenas os documentos que estavam na página do Sindicato puderam ser incorporados à análise. O que
procuramos minorar através das entrevistas com os dirigentes.
Acordos Atento
Quando comparamos os três segmentos que constituem as Telecomunicações, o Teleatendimento é o
que apresenta os Acordos mais frágeis, uma vez que é neste segmento também que estão as mais precárias
condições e relações de trabalho, como pudemos perceber a partir dos dados levantados e também a partir
dos próprios depoimentos dos trabalhadores.
Desde o primeiro Acordo que analisamos, do ano 2000 até o último, referente ao período 2020-2021,
vimos que eles têm a mesma estrutura (Remuneração, Benefícios, Jornada, Relações Sindicais, etc) que os
Acordos das Operadoras e das Prestadoras de Serviço. No entanto, quantitativa e qualitativamente, os da
Atento ainda apresentam menos benefícios.
Por exemplo, no Acordo de 2010, o valor do VR era R$6,50, enquanto o da Oi, era R$30,00; na Serede
(prestadora de serviço), R$19,00. No novo Acordo assinado (2020-2021) ainda se mantém tal diferença: o
valor do VR para os trabalhadores de 220h mensais é de R$17,60, enquanto na Oi os trabalhadores recebem
um VR no valor de R$34,00, e na Serede, R$28,00. Mas não é só isso: no Acordo atual a empresa não pagou
o reajuste de salário, alegando o impacto da crise com a pandemia. Foi garantido um abono, não computa-
do para fins previdenciários e a indicação de que em 2021 o reajuste será acumulado.
No caso da PLR (Participação nos Lucros e Resultados) a mesma “diferença desigual” é percebida entre
os três segmentos: enquanto nas operadoras o valor pago fica entre 2 e 3 salários a cada ano, na Atento esse
valor nunca chegou a 1 salário, desde a sua adoção, no Acordo 2001/20029.
Os demais benefícios vêm sendo implementados também bem lentamente. Um deles, que nos chamou
bastante atenção, já que este é um segmento marcadamente feminino, é o Auxílio Creche: no 1º Acordo em
que ele foi incluído, em 2000/2001, ele equivalia a “20% do piso salarial da trabalhadora e seria pago até a
criança completar 6 meses de vida, inclusive”. Foi sendo sucessivamente aumentado no tempo de vida da
criança e no acordo de 2008/2009 ele foi estendido até os 48 meses da criança e o valor, para R$95,00. No
Acordo atual, há uma mudança para 50 meses e extensão também para os empregados (e não apenas para
as mulheres).
Ao mesmo tempo, foram incluídos alguns outros itens que parecem dialogar bem com o tipo de tra-
balho desenvolvido e o perfil das pessoas que acabam trabalhando no segmento: desde o primeiro Acordo
7 A intenção da equipe de pesquisa era trabalhar com os Acordos e Convenções Coletivas dos anos imediatamente anteriores à
implantação da Reforma Trabalhista (2016-2017), o que não foi possível. Então, nos referenciamos nos quadros de Acordos ana-
lisados por Rodrigues (2016), que reuniram o período de 1990 a 2010 (no caso da Telerj/Oi) e de 2000 a 2012 no caso da Atento
e das prestadoras de serviço.
8 Nesse caso, este é mesmo o último Acordo, uma vez que a data base é 1 de novembro, ocasião em que o Sindicato apresentará
nova pauta de reivindicações.
9 Enquanto nas prestadoras de Rede só na Convenção 2010/2011 é que é incluída, pela primeira vez, e prevalece a mesma lógica
das empresas Contax e Atento.
Acordos OI
A partir da análise dos acordos coletivos mais recentes, percebe-se que este segmento da categoria é,
dentre os três, aquele que reúne as melhores condições nos Acordos Coletivos assinados pelo Sinttel-Rio. A
começar pela sua própria duração de 2 anos (2018-2020), enquanto nas empresas terceirizadas a vigência é
de apenas 1 ano. A avaliação dos dirigentes sindicais é que o período de vigência de dois anos é um meca-
nismo fundamental para barrar o impacto de alguns retrocessos num cenário de ascenso exponencial da
flexibilização do trabalho que se aprofunda nesse estágio de acirramento da luta do capitalismo. Tanto é
10 Segundo o diretor do SINTTEL, Ricardo Pereira, membro da Comissão Nacional dos trabalhadores do Teleatendimento, essa
cláusula fez parte do Acordo até 2009/2010 (quando passou a constar em Manutenção dos Direitos Adquiridos), mas nunca teve
muito apelo entre os trabalhadores, uma vez que a empresa, no Rio de Janeiro, não tem um contingente expressivo de deficien-
tes físicos que lá trabalhem.
11 Entrevista realizada por Maria Cristina Rodrigues, por e-mail, no dia 25/08/20.
Do dia 16/03 até 24/04/20, duzentos e treze (213) mensagens chegaram ao e-mail de denúncia13 do
SINTTEL-Rio, todas com a temática da covid-19. Este rico material nos diz muito sobre o medo e a angústia
que se instalaram nas pessoas, à medida que as informações sobre a pandemia que se abateu sobre todas as
partes do mundo iam se tornando mais numerosas e detalhadas, nas redes sociais e na mídia oficial.
Mas, para além do temor generalizado, estas mensagens também nos informam sobre as condições de
trabalho predominantes para uma parcela considerável dos(as) trabalhadores(as) brasileiros(as), em espe-
cial aqueles(as) que já há algumas décadas encontram-se submetidos(as) a relações de trabalho precariza-
das, condição que se agravou ainda mais a partir da reforma trabalhista e da lei da terceirização, aprovadas
e implantadas no ano de 2017, no governo Temer. Seguidas pelas medidas deste desgoverno Bolsonaro, que
inclui desde a MP 905, da Carteira de Trabalho Verde e Amarela (aprovada na Câmara dos Deputados, mas
que caducou pois o Senado não a apreciou no prazo de 20/04), até as MPs 936 e 927, estabelecidas para o
enfrentamento da pandemia da covid-19.
Todas estas medidas expõem claramente as condições em que se estabelece a relação capital/trabalho,
e que, na atualidade, tem imposto derrotas significativas para o campo do trabalho. Nesse sentido, as men-
sagens dos trabalhadores em telecomunicações tanto podem ser lidas a partir das suas particularidades,
quanto também nos ajudam a entender as condições e relações de trabalho no atual estágio do capitalismo.
13 Como já exposto em outro relatório de pesquisa, esta é uma ferramenta de comunicação criada em 2010 pelo SINTTEL-Rio e
desde esse período até à atualidade, mais de 20 mil mensagens foram enviadas pelos trabalhadores ao sindicato.
14 Em pesquisa anterior, esta mesma distribuição desigual dos e-mails de denúncia para o SINTTEL-Rio entre operadoras e tercei-
rizadas também pode ser verificada. Sobre isso, ver Rodrigues, 2016; 2019.
15 Pelo que o SINTTEL-Rio tem acompanhado, 4 mortes de trabalhadores(as) foram registradas neste período: duas na Atento; uma
na Serede; uma quarta, na PLansul. Pelo registro dos e-mails, pelo menos mais uma morte, em outra empresa de teleatendimen-
to também aconteceu.
CONCLUSÕES
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Resumo: Surgidos na sequência da emergência da sociedade capitalista, os sindicatos viram os seus recursos de poder começarem
a ser erodidos a partir da década de 70, entrando numa crise profunda, a qual constitui atualmente uma sua característica dominante
à escala internacional. As suas causas são múltiplas, nelas se mesclando fatores exógenos ao movimento com outros que lhe são
endógenos, muitas vezes olvidados, e aos quais daremos especial enfoque. Por todo o mundo, o sindicalismo só muito tardiamente
enfrentou a situação, implementando desde então um conjunto de ações diversificadas, mas com um carácter extremamente limita-
do. Porém, a crise não representa necessariamente uma decadência inexorável do sindicalismo conducente ao seu desmoronamento
definitivo. Este cenário só poderá ocorrer se o sindicalismo não adotar uma perspetiva radicalmente transformadora em termos de
organização e de práticas sindicais.
Palavras-chave: Sindicatos, Recursos de poder, Crise, Transformação radical.
INTRODUÇÃO
As revoluções ocorridas na viragem do século XVIII para o XIX e ao longo deste operaram uma rutura
fundamental que possibilitou a emergência de uma nova sociedade. O sindicalismo está indissoluvelmente
ligado a esta transformação.
Inicialmente sujeitos a uma forte repressão, em nome da defesa dos princípios de um liberalismo puro,
da negação dos corpos intermédios típicos do Antigo Regime e do receio da união do proletariado nascente,
os sindicatos integraram um movimento mais amplo em prol da liberdade associativa, tendo vindo a ser
legalizados, com maiores ou menores limitações à sua atuação, ao longo do século XIX: 1824, no Reino
Unido; 1884 em França; 1891 em Portugal.
O sindicalismo vive “tempos difíceis” (CHAISON, 1996) desde meados da década de 70 do século XX, altura
em que os seus recursos de poder começaram a ser erodidos. Após décadas de crescimento, quer em termos
de associados quer de influência, inicia-se uma época de refluxo. A crise desta forma associativa instala-se,
tendo-se vindo a agravar e constituindo atualmente uma característica dominante do sindicalismo à escala
internacional.
É sobre esta crise e sobre como dela se poderá sair que focaremos a nossa atenção. Depois de realizarmos
um breve excurso sobre os recursos de poder dos sindicatos, abordaremos a crise, analisando as suas cau-
sas e os seus contornos, bem como o modo como ela vem afetando o movimento sindical. Interpelaremos
igualmente as ações diversificadas, mas com um carácter extremamente limitado, que os sindicatos têm
vindo a implementar no sentido de reverter a situação. Concluiremos afirmando que a crise não represen-
ta necessariamente uma decadência inexorável do sindicalismo que conduzirá ao seu desmoronamento
definitivo. Este cenário só se verificará se ele não adotar uma perspetiva radicalmente transformadora em
relação ao seu modo de organização e às suas práticas.
Para defesa dos interesses dos trabalhadores, no quadro das relações sociais de trabalho existentes no
capitalismo, os sindicatos mobilizam vários recursos de poder relativamente interdependentes, embora a
A CRISE DO SINDICALISMO
Os contornos da crise
Se os “trinta gloriosos” foram anos de florescimento para o sindicalismo e lhe conferiram um poder im-
portante, “when the bill became too high”, as classes dominantes decidiram abandonar “the road of appea-
sing the working classes by the institution of a liberal state combined with doses of economic concessions”
(WALLERSTEIN, 1995, p. 26) seguida desde 1848, o que ocorreu nos finais da década de 60. Os alicerces do
poder sindical começaram a ser erodidos, com particular ênfase para o recurso de poder crucial. A situação
acabou por alastrar à generalidade dos movimentos sindicais. O sindicalismo entra numa era de declínio.
Gráfico 1: Evolução das taxas de sindicalização nos vários polos do sistema capitalista mundial (%), 1960-2018
Fonte: ICTWSS
No interior dos vários sistemas de relações sociais de trabalho também se verificam disparidades nos
níveis de sindicalização que importa realçar, as quais mostram ser muito mais significativas do que os di-
ferentes patamares de desenvolvimento económico ou do que as diferenças em termos de estrutura social
deixariam antever (Quadro 1).
1 Para a medir, podem ser ainda utilizados outros indicadores: o decréscimo do número de indivíduos dispostos a militar; a quebra
dos níveis de mobilização; a procura de outras formas organizativas; a desativação de estruturas sindicais e a inoperacionali-
dade de outras; a diminuição do número de greves e de grevistas ou o aparecimento de movimentos grevistas fora do quadro
sindical; a perda de poder negocial na contratação coletiva; a perda de influência política do sindicalismo; etc..
2 Na Ásia inclui-se o Japão, na Oceânia, a Austrália e a Nova Zelândia; na América do Norte, o Canadá e os EUA. A nível da Europa
considerámos os vários sistemas de relações sociais de trabalho existentes, à exceção do do Leste europeu: anglo-saxónico
(Irlanda e Reino Unido); renano (Alemanha, Áustria, Países Baixos e Suíça); nórdico (Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia);
mediterrânico (França e Itália). Os valores presentes no gráfico correspondem às médias simples apuradas para cada grupo de
países.
Nova Zelândia 45,8 69,1 50,87 22,4 -67,58 18,8 -16,07 -58,95
América do Norte
Canadá 29,2 34 16,44 31,2 -8,24 25,9 -16,99 -11,3
Renanos
Alemanha 34,7 34,9 0,58 24,6 -29,51 16,5 -32,93 -52,45
Áustria 60,1 51,7 -13,98 36,9 -28,63 26,3 -28,73 -56,24
Anglo-saxónicos
Irlanda 45,3 57,1 26,05 36 -36,95 24,1 -33,06 -46,8
Reino Unido 40,5 52,2 28,89 29,7 -43,1 23,4 -21,21 -42,22
Nórdicos
Finlândia 31,9 69,4 117,55 74,3 7,06 60,3 -18,84 89,03
Mediterrânicos
França 18,9 18,7 -1,06 9,5 -49,19 8,8 -7,37 -53,44
Veja-se o caso do Canadá, cujo movimento sindical tem resistido melhor à crise do que o dos EUA.
Veja-se a França e a Itália, com evoluções opostas se tomarmos os dois anos polares para análise, pois
enquanto o movimento sindical italiano cresceu nestes 60 anos – ainda que muito em virtude dos refor-
mados – o francês afundou-se. Veja-se ainda os dois países nórdicos considerados, com o crescimento a ser
residual na Suécia e muito intenso na Finlândia.
Portugal acompanha esta tendência. Entre 1978 e 2016, a taxa de sindicalização caiu 45,5 pontos per-
centuais, tendo sido perdidos cerca de três quartos dos efetivos sindicais, o que constitui um dos refluxos
mais pronunciados a nível mundial. A taxa era de 60,8% em 1978, quedando-se nos 15,3% em 2016, o valor
mais baixo de sempre. O movimento sindical português ocupa uma posição intermédia no contexto dos
países do sul da Europa e o valor de 2016 é idêntico ao de países como a Alemanha, os Países Baixos, a
Austrália ou o Japão.
O mesmo se passa no sul do continente americano. No México a taxa de sindicalização caiu de 40,7% em
1975 para 12,7% em 2016; na Colômbia, de 13,7% em 1981 para uns residuais 6,5% em 2017; na Argentina,
de 40,0% em 1962 para 31,9% em 2014 e no Chile, de 22,0% em 1964 para 17,8% em 2016, o que representa
uma recuperação face à situação existente durante o consulado de Pinochet. Com uma série estatística mais
curta, o Brasil surge como uma relativa exceção neste panorama de declínio, com a taxa de sindicalização a
variar entre um mínimo de 18,7% em 1990 e um máximo de 21,9% em 2015 (ICTWSS, 2019).
Porém, para uma boa delimitação dos contornos da crise, não nos devemos ater exclusivamente aos
dados agregados, sendo necessária uma análise mais fina.
Fonte: Unionstats, para os EUA; Mercer e Notley (2008) e DBI&S, para o Reino Unido
QUE FAZER?
3 Não compartilhamos a visão pessimista e determinista de Michels e outros autores segundo a qual a lei de ferro da oligarquia
será inultrapassável, dado a tendência ser para um contínuo e irreversível aprofundamento da burocratização e oligarquização
das organizações, ideia que tem subjacente a consideração de que ao registar-se uma tendência para um crescimento da sua
dimensão, este impossibilita a participação de todos os membros.
CONCLUSÃO
Organizações duplamente centenárias, os sindicatos estão confrontados atualmente com enormes desa-
fios de vária índole, que os fazem navegar em “águas agitadas” (LEHNDORFF; DRIBBUSCH; SCHULTEN,
2018). Desafios externos e desafios internos, que têm induzido uma crise que constitui uma característica
dominante do movimento sindical à escala global e que não pode ser negada, mas cujos contornos convém
delimitar com precisão. Face a esta situação, os sindicatos só muito tardiamente a enfrentaram, imple-
mentando desde então um conjunto de ações diversificadas que se encontram essencialmente imbuídas de
“motivações defensivas”, como referimos.
Mas ao falar-se de crise, convém perceber do que falamos. Trata-se de uma crise que denuncia uma
decadência inexorável do sindicalismo que conduzirá ao seu desmoronamento definitivo como profetizou,
por exemplo, Rodrigues (1999) na sua perspetiva pessimista? Ou trata-se antes de um recuo conjuntu-
ral? Ou será que a crise representa o sinal de uma mutação do sindicalismo no sentido de se tornar uma
4 A título exemplificativo refiram-se os casos dos detentores de órgãos de soberania, professores universitários, médicos, en-
fermeiros, polícias, militares, guardas prisionais, guardas costeiros, clérigos ou trabalhadores do sexo. Refiram-se ainda as
recentes movimentações dos trabalhadores “uberizados”, como o “Breque dos Apps” de junho de 2020 no Brasil e um pouco por
toda a América do Sul; as marchas lentas em Lisboa, em janeiro e novembro de 2020; outras ações diversificadas que têm vindo
a ocorrer em vários países, bem como a constituição em junho de 2020 da TWN – Transnational Workers Network, englobando
vários coletivos de trabalhadores de plataformas e o SEIU – Service Employees International Union, que organiza trabalhadores
nos EUA e Canadá.
5 Os sócios, mobilizados e não apáticos, constituem o principal recurso de poder dos sindicatos. E é sobre a quotização dos só-
cios que deve repousar a saúde financeira de um sindicato e não nos subsídios e outras prebendas estatais, que coartam a sua
independência, ou nos negócios, incluindo os imobiliários, que enformam o “capitalismo sindical” de que falam João Bernardo e
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Resumo: Neste estudo analisamos, por meio de uma revisão de literatura, as produções acadêmico-científicas que tratam da relação
entre trabalho e educação na Indústria 4.0 objetivando identificar e analisar os mecanismos, dispositivos e valores concebidos pelo
projeto pedagógico industrial para conformar a subjetividade de trabalhadores e trabalhadoras com as novas exigências do mundo
produtivo. Em síntese, o que pudemos observar, até o momento, é que na particularidade histórica da Indústria 4.0 há a intensifica-
ção dos mecanismos educacionais mediativos da reestruturação produtiva, não havendo elementos suficientes para indicar a emer-
gência de novas configurações pedagógicas próprias.
Palavras-chaves: Indústria 4.0. Educação. Trabalho. Subjetividade.
INTRODUÇÃO
Partimos do pressuposto de que a pedagogia do capital se utiliza de estratégias educacionais bem de-
finidas de formação por meio de mecanismos, dispositivos e valores que são elaborados e utilizados com
vistas à desenvolver um tipo de subjetividade, com características específicas e conformada à lógica produ-
tiva. O fato que se impõe, portanto, é que é fundamental questionar essa realidade na medida em que essa
organização social impede o livre desenvolvimento do sujeito em todas as suas dimensões, do indivíduo
singular à sua totalidade genérica.
É certo que as relações entre educação e formação para o trabalho frequentemente permearam a pro-
dução de conhecimentos no campo da educação, contudo, quando se problematiza a questão da formação
de trabalhadores para além das suas formas aparentes imediatas é possível apreender sua dinâmica e seus
elementos constitutivos no interior de um complexo de determinações que comportam sua existência ob-
jetiva (MARTINS; LAVOURA, 2018). Em contrapartida, é possível observarmos que as elaborações sobre a
problemática trabalho-educação partem de eixos analíticos que, apesar de distintos, em sua maioria, com-
põem uma perspectiva acrítica que naturaliza os fenômenos sociais e limita a compreensão da realidade.
Nesse sentido, para além da imediaticidade aparente do fenômeno educativo, é necessário compreender
quais outros elementos determinam e moldam os processos educacionais, tanto em relação ao seu conteúdo
quanto à forma em que são ofertados. No entanto, o que vemos são premissas pedagógicas elaboradas com
base em fragmentos da realidade, que apesar de comporem a realidade concreta, não compreendem a sua
processualidade histórica no interior das relações de produção e reprodução da vida material.
Assim, com o intuito de dar mais tangibilidade à compreensão das pedagogias industriais, analisa-
mos as produções acadêmico-científicas que se referem aos processos educacionais impulsionados pela
Indústria 4.0 e colocamos o seguinte problema para investigação: Quais os mecanismos, dispositivos e
valores concebidos pelo projeto pedagógico industrial, na forma de processos educacionais impulsionados
pela Indústria 4.0, para conformar a subjetividade de trabalhadores e trabalhadoras com as novas exigên-
cias do mundo produtivo?
[...] estudos que não levam em conta os meandros da dominação exercida pelo capital sobre o
trabalho. Pelo contrário, tem por dadas as relações sociais de produção tais como se manifestam.
São quase sempre abordagens embasadas em teorias funcionalistas que se limitam a compreen-
der o sistema existente e propõem seu melhor desempenho. (GOMEZ, 2012, p. 63)
Os estudos que apresentam discursos adaptativos, legitimando a ordem de produção atual expressada
pela forma da indústria 4.0, se restringem a identificar, examinar e/ou sugerir processos educativos, além
de outros elementos, que atendam às novas exigências do mundo produtivo. Nesse sentido, a questão didá-
tico-metodológica é a que mais prevalece, aparecendo em 18 dos trabalhos selecionados; na sequência estão
os estudos que tratam das questões educacionais que contemplam a função do estado com 16 resultados. A
responsabilização individual pela formação aparece em 12 dos estudos e a ênfase nas estratégias empresa-
riais como foco da educação na quarta revolução industrial foi observada em 7 dos textos analisados.
Quanto ao pensamento educacional crítico, apenas cinco pesquisas que se dedicaram, em algum nível,
a examinar a organização sócio-reprodutiva decorrente da configuração industrial 4.0 a partir de análises
sobre as contradições e crises do capitalismo, suas implicações na organização do trabalho, nos processos
educativos e no modo de vida dos sujeitos.
Mecanismos
Nos estudos que dispomos como de discurso adaptativo, levantamos, sob o aporte teórico-metodoló-
gico da teoria marxiana e da tradição marxista, elementos que podem ser classificados como mecanismos,
dispositivos ou valores da pedagogia industrial no contexto da indústria 4.0.
Fleury e Fleury (2001) destacam que, tanto na literatura acadêmica quanto nos fundamentos da prática
administrativa, o conceito de competência esteve sempre relacionado à gestão administrativa e observam
a incorporação do termo à prática organizacional, como base de um modelo de gerenciamento de pessoas
diretamente relacionado às novas formas de controle do desempenho dos trabalhadores, postas pelo padrão
de acumulação capitalista flexível. Para Duarte (2001) há uma grande correspondência entre as concepções
pedagógicas adaptadas aos interesses da burguesia às pedagogias centradas no lema “aprender a aprender”
que, segundo o autor, se estruturam com base na tarefa de descaracterização da escola como espaço de
transmissão do conhecimento objetivo, impossibilitando aos sujeitos o acesso à verdade, “pois a verdade é
sempre revolucionária” (DUARTE, 2001, p. 25).
No interior desses processos surge a contradição a respeito do acesso ao conhecimento, na medida em
que este, ao mesmo tempo em que é necessário ao desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, tam-
bém implica no desenvolvimento intelectual daqueles que atuam no processo produtivo. Nesse contexto,
Frigotto (2005) destaca que a flexibilização do trabalho, apesar de permitir uma oferta mais generalizada
de educação, não acarretou benefícios civilizatórios significativos, pelo contrário, “representa seu esgo-
tamento, destruindo aos poucos os direitos que a classe trabalhadora conquistou ao longo se suas lutas.”
(FRIGOTTO, 2005, p.69)
Uma das estratégias, senão a mais importante, de manutenção da hegemonia é a de obtenção da ade-
são dos sujeitos à ideologia dominante, o que se dá por duas vias de intervenção: pelo uso da força e pela
produção do consentimento ativo (GRAMSCI, 2001; SILVA,2020) ao projeto político e social existente; um
processo educativo que objetiva produzir consciências adequadas às necessidades burguesas, tanto na esfe-
ra da produção quanto na dimensão sócio-reprodutiva da ordem do capital.
Nesse sentido, as pedagogias firmadas no lema “aprender a aprender” são uma expressão precisa das
presunções educacionais do projeto neoliberal de “adequação das estruturas e instituições sociais às carac-
terísticas do processo de reprodução do capital no final do século XX.” (DUARTE, 2001, p. 24); e consistem
no esvaziamento da escola como espaço de socialização do saber construído historicamente pela humani-
dade atribuindo à ela a tarefa de preparar os sujeitos para aprenderem o que for demandado pelas estrutu-
ras capitalistas em suas estratégias de manutenção e recomposição da hegemonia.
Enquanto a escola do trabalhador é enfraquecida de conteúdo, à uma outra classe de sujeitos é ofertada
uma educação voltada para os mais altos níveis de formação e para o alto padrão de desenvolvimento cien-
tífico e tecnológico necessários à direção da sociedade contemporânea. Tal situação torna mais evidente a
estrutura dual de formação decorrente de um projeto social que demanda a formação precária, uma pro-
posta de educação rebaixada, intelectual e moralmente, para a classe trabalhadora em detrimento de uma
formação para o desenvolvimento livre e igualitário.
Há relações evidentes entre as propostas e estratégias pedagógicas para a Indústria 4.0 e a noção de edu-
cação voltada para a adaptação dos sujeitos. Dentre as perspectivas e estratégias pedagógicas levantadas,
destacam-se a “Educação adaptativa” (VILLASOL, 2019; FLORES, 2018) e a “Educação que corresponda às
necessidades econômicas” (FELLMAN, 2019); como é possível verificar na literatura, a concepção de edu-
cação para a adaptação aparece na própria noção conceptual que indica o modelo educativo pressuposto
pela pedagogia industrial renovada pela assim chamada Quarta Revolução Industrial.
Os “Modelos configurativos de itinerários de treinamento on-demand” (FLORES, 2018), assim como o
“Modelo Just in Time” (FLORES, 2018), também refletem perspectivas educacionais adaptativas dos sujei-
tos, na medida em que os conteúdos e processos educacionais são ofertados e direcionados de acordo com
as exigências imediatas do mundo produtivo. O projeto educativo suposto na plataforma da indústria 4.0
não corresponde a nenhuma novidade face àquelas sustentadas no pilar do Sistema Toyota de Produção,
que propõe, além da eliminação de todo e qualquer desperdício na produção, exige também uma “contrar-
revolução na consciência operária” (ALVES, 2011). É nesse espaço, isto é, na campo de disputa pela subjeti-
vidade dos trabalhadores, que essas perspectivas pedagógicas operam.
A dominância da forma em relação ao conteúdo se torna evidente quando técnicas e modos de ensino
são colocados como alvo do processo educativo, o que reflete mais uma característica adaptativa da edu-
cação no processo de reestruturação da produção denominado Indústria 4.0, na medida em que a subjeti-
vidade demandada é a que é capaz de atender às demandas produtivas e sócio-reprodutivas do capital no
momento em que elas surgem.
Se antes a discussão era sobre o que seria ensinado na escola, hoje a pergunta é sobre como os indi-
víduos podem aprender a aprender, de forma permanente e de acordo com as demandas pragmáticas da
ação em determinados postos de trabalho. A definição dos saberes, habilidades, conhecimentos e tecno-
logias que devem ser aprendidos nos processos educativos são determinados pela chamada pedagogia das
competências, que têm sua gênese no interior das empresas e seus fundamentos em registros psicológicos
normativos.
O conteúdo a ser aprendido não diz respeito às formas mais desenvolvidas da riqueza produzida pelo
gênero humano por meio do trabalho social acumulado historicamente. Ao contrário, trata-se de aprender
Dispositivos
[...] a produção ampliada do valor, ainda que empregue máquinas, ferramentas, técnicas e tecnolo-
gias avançadas, depende sempre do trabalho vivo, pois é este que coloca em ação a atividade pro-
dutiva. O trabalho vivo é responsável pela articulação e ativação dos meios e objetos de produção
para produção de mercadorias. A máquina, abandonada a si mesma, não produz trabalho, logo,
não efetiva mercadorias e não pode ativar o processo de realização do capital. (SILVA, 2020, p.138)
Assim, na tentativa de desfazer as tramas que ocultam as reais determinações do discurso educacional
limitado à questão das tecnologias, é imperativo que nos dirijamos perguntas como: Tecnologias para que?
Para quem? Com vistas a quais objetivos? Para atender a quais interesses? E de quem?
O discurso observado por meio da análise dos estudos que tratam das relações entre trabalho e educa-
ção na quarta revolução industrial revela também uma crença na neutralidade da tecnologia, que é tomada
como saída para todos os problemas educacionais que, inclusive, extrapolam a instituição escola. No en-
tanto, não são desenvolvidas reflexões sobre questões que são próprias da estrutura sócio-reprodutiva do
capital, atribuindo às tecnologias o poder de sanar esses problemas.
Os trabalhos que expressam concepções educativas de caráter adaptativas, no geral, se dedicaram a
apresentar diferentes dispositivos tecnológicos e suas funções educativas para a Indústria 4.0. É possível
observar, por meio do levantamento que realizamos, uma extensa lista de tecnologias aplicáveis a processos
educacionais. Entretanto, não tratamos de examinar cada uma delas, pois compreendemos que represen-
tam apenas uma dimensão sobre a qual pretendemos nos deter, destacando seu núcleo ideológico comum:
há o ocultamento da base social que sustenta esse discurso ao apresentarem as tecnologias como soluções
de problemas que são estruturais no sistema capitalista. As promessas de inclusão social por meio da de-
mocratização do acesso à educação e ao conhecimento (FERREIRA; SÁ, 2018) não se cumprem quando os
processos de exclusão são necessários ao funcionamento e à hegemonia da sociedade burguesa.
Nesse contexto, a educação assume a função de instruir para a produção de força de trabalho sob as
demandas específicas de subjetividades adequadas à ordem produtiva. Em uma análise mais profunda,
Saviani (2012) alerta para o fato de que o saber objetivo na sociedade capitalista, em que tudo assume a
forma mercadoria, também se constitui como parte dos meios de produção. Nesse sentido, Silva (2020)
esclarece:
Nesse contexto, a exploração do trabalho vivo coexiste com a expansão do trabalho morto e ma-
terializa-se uma subsunção cada vez maior da classe trabalhadora ao capital, por meio do de-
senvolvimento técnico- -científico estranho ao trabalhador coletivo; a tecnologia empregada na
produção subordina e controla os trabalhadores sob a aparência da neutralidade dos dispositivos
tecnológicos, que comparecem na produção como resultantes de um progresso científico natural
e inevitável. Tal qual o fetichismo na mercadoria, expande-se atualmente o fetichismo tecnológico
que se oculta no necessário uso de ciência e tecnologia na produção. (SILVA, 2020, p.210)
A redução do tempo de formação também foi uma questão que se sobrepôs em alguns dos estudos
analisados. Notamos que a justificativa adotada se ligava sempre à flexibilidade do mundo do trabalho e às
exigências produtivas, o que nos remeteu à reflexão do Saviani (1995) a respeito da falácia revolucionária
burguesa sobre a importância escola:
[...] os teóricos da economia política localizavam com mais realismo a questão da escola. Alguns
deles chegavam a afirmar que a escola era totalmente dispensável para os trabalhadores, que a
instrução escolar era tempo roubado à produção, que enquanto as crianças estavam nas escolas,
não estavam colaborando com a produção e, portanto, com o crescimento da mais-valia, ou seja,
com o crescimento e acumulação do capital (SAVIANI, 1995, p.160)
Valores
Quanto aos valores cunhados pela pedagogia industrial na reprodução da força de trabalho na indús-
tria 4.0, outra dimensão de análise que propusemos, nós os compreendemos como os elementos linguísti-
cos e afetivos de controle, coerção e manutenção da ordem burguesa, que aparecem na forma de discurso
valorativo e autorregulador nos níveis do pensamento, dos afetos e do comportamento.
Não há reflexão crítica nos trabalhos analisados sobre como a realidade se configura e como se dá a
vida sob ela, apenas são discutidas as formas de inserção e participação no aparelho econômico. Assim,
naturaliza-se uma sociedade e um modo de vida em que a aparência é tomada como a realidade mesma,
em que o indivíduo é levado a se sujeitar às condições que a sociedade impõe e a crer que essa é a única
configuração possível; a rendição à realidade imediata é induzida por meio de processos formativos e coer-
citivos cada mais sutis e velados. No entanto, quando, nas respostas aos movimentos de crise do capital, as
promessas de sociedade dadas não se cumprem e as contradições do sistema são evidenciadas, as estratégias
de recomposição da ordem são refinadas, atuando sobre a subjetividade para a sua adequação à organiza-
ção social. “Portanto, a produção não cria somente um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para
o objeto” (MARX, 1978, p.110)
A inserção da subjetividade na produção é intrínseca à própria subsunção ao capital, contudo é no
regime de acumulação flexível que busca-se desenvolver um comprometimento operário que aumenta o
controle pelo capital da dimensão subjetiva como evidencia Alves (2011):
O que se coloca não é apenas a constituição de uma disciplina ou autodisciplina, mas de “atitudes
pró-ativas” de comportamento capazes de significar a participação ativa da inteligência, da fanta-
sia e da iniciativa do trabalho (o que não era exigido no fordismo – taylorismo). (ALVES,2011, p.117)
Nesse sentido, elencamos os valores demandados pela indústria 4.0 apontados em trabalhos que fazem
menção, em algum momento, a qualquer conhecimento, habilidade, crença e comportamento relacionan-
do-os às premissas da quarta Revolução Industrial.
Pudemos perceber uma notável diferença na quantidade de habilidades técnicas mencionadas em re-
lação à chamadas habilidades sociais, sendo que essas últimas aparecem muito mais frequentemente e em
maior número nos trabalhos que abordaram as relações entre trabalho e educação na Indústria 4.0. O que
nos leva a pensar que a dimensão subjetiva continua assumindo uma posição majoritária no que diz respei-
to às estratégias de conformação social à racionalidade produtiva do capital flexível. Como é demonstrado
na tabela abaixo:
Por maior que seja a lista de propostas pedagógicas e de dispositivos tecnológicos educacionais da
Indústria 4.0, no cerne do processo educativo da classe trabalhadora a tecnologia não é acessada, pois, no
nível do conteúdo, não há substância suficiente para apreendê-la e, quanto ao seu domínio operacional,
nem sequer há, materialmente, a possibilidade de uma experiência pedagógica com essas tecnologias.
Em vista da manutenção do status quo, sujeito e tecnologia são imbricados em uma relação em que a
subjetividade se torna um elemento fundamental para as estratégias de coerção e conformação social. Nesse
sentido, o conteúdo tecnológico, em si, não é o foco dos processos educacionais, mas sim, a sua função fe-
tichizante que promove uma promessa de futuro que não se cumprirá nessa configuração de sociedade.
Sem a possibilidade de apropriação da tecnologia pela classe trabalhadora, surge a necessidade de criar
nos sujeitos o sentimento de colaboração para a reprodução de uma sociabilidade marcada pela produção e
reprodução do capital. Isso torna compreensível a maior quantidade de exigências de habilidades compor-
tamentais e sociais em relação às competências técnicas.
Com o processo de restruturação produtiva e, mais recentemente, na era 4.0, as mais íntimas emoções
do indivíduo são atingidas, não mais apenas na esfera do trabalho, mas em todas as dimensões da vida
humana. A subjetividade moldada às tendências do modo de produção de mercadorias que, no momento
atual, é marcado pelo alto grau de fetichização da tecnologia, reflete um movimento em que o foco não se
trata do objeto, mas da relação do indivíduo para com o objeto, ou seja, “o momento predominante não se
localiza na técnica em si, mas nas relações sociais que a determinam” (LESSA, 2007, p. 257).
Diante disso, afirmamos que as habilidades sociais, sobretudo as que se referem à dimensão afetiva da
subjetividade humana, são a maior expressão das demandas produtivas da Indústria 4.0 e cumprem com
maestria um papel regulador dentro do movimento sociometabólico do capital na contemporaneidade.
Para Antunes (2018, p.44) essa nova configuração produtiva tem como consequência a agudização dos
processos de precarização do trabalho decorrentes da reestruturação produtiva; “o que temos é mais preca-
rização, mais informalidade, mais subemprego, mais desemprego, mais trabalhadores intermitentes, mais
eliminação de postos de trabalho, menos pessoas trabalhando com os direitos preservados”.
Alves (2018) aponta o empreendedorismo como uma das maiores expressões desse fenômeno, pois se
trata do ocultamento da forma de trabalho assalariado que possibilita a maior exploração da força de traba-
lho por meio da destruição dos direitos trabalhistas e da flexibilização salarial, do tempo e da intensidade
de trabalho. É por meio da cultura do empreendedorismo, situada no ideário neoliberal, que se cria a falsa
Essa criatividade não deve ser confundida com busca de transformações radicais na realidade
social, busca de superação radical da sociedade capitalista, mas sim criatividade em termos de
capacidade de encontrar novas formas de ação que permitam melhor adaptação aos ditames do
processo de produção e reprodução do capital. (DUARTE, 2001, p.67)
Nesse cenário, dêmos um destaque especial para o conceito de “Propósito Transformador Massivo” –
MTP, presente no estudo de Sartori, Zanotto e Fachinelli (2018), que sintetiza bem o tipo de envolvimento
e em que nível a subjetividade dos trabalhadores deve ser envolvida no processo produtivo.
O MTP é único, deve inspirar a todos, destinado ao coração e à mente, com sinceridade e confiança
deve ser abrangente, no sentido de não ser ligado a uma tecnologia específica. Aliar a razão com
a emoção é o fator crítico de sucesso nesse processo, visto que um bom proposito transforma-
dor massivo não é destinado apenas ao cérebro das pessoas, mas, principalmente, ao coração.
(SARTORI; ZANOTTO; FACHINELLI, 2018, p. 11)
Essa revolução contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agi-
tação e insegurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes. (...) Tudo o que era
sólido e estável evapora-se, tudo o que era sagrado é profanado e os homens são, finalmente, obri-
gados a encarar com serenidade suas condições de existência e suas relações. (MARX; ENGELS,
2005, p.43)
Nesse sentido, o discurso da mudança, nada tem além do conteúdo fetichizado da mercadoria que se
imprime na vida cotidiana, nas relações sociais e na subjetividade, restringindo, também, a inconformida-
de humana à questões da vivência imediata. O pensamento crítico, apropriado pelo capital, toma a forma
de coisa que, dotada de certa autonomia, se volta contra o próprio indivíduo que, no lugar de observar cri-
ticamente as relações sociais de produção às quais está submetido, limita-se a encontrar meros problemas
administrativos e operacionais, dentro e fora da empresa, que possam afetá-la.
A capacidade de julgar e o olhar crítico do sujeito são direcionados apenas à comunidade dos indiví-
duos que, na forma de adversários, devem ser eliminados na concorrência pelo lugar no mercado de traba-
lho; assim, a partir do julgamento e da crítica concorrencial, eles mesmos, entre si, são levados a oferecerem
ao capital mais formas de exploração transfiguradas de soluções para a empresa.
As chamadas softskills, ou competências transversais, também invadem a visão pedagógica corporativa
sobre o perfil ideal de trabalhador para a Indústria 4.0 e representam plenamente o movimento de “captura
da subjetividade” (ALVES, 2011) pela lógica do capital. São demandadas competências como “imaginação”,
“atitude positiva”, “empatia”, “habilidades interpessoais”, “inteligência emocional”, “curiosidade”, dentre
outras capacidades humanas que demonstram claramente as novas estratégias de controle para reprodução
e manutenção da hegemonia burguesa. Como evidencia Pelbart (2003, p.99) “De repente os aspectos mais
humanos do homem, seu potencial, sua criatividade, sua interioridade, seus afetos, tudo isso que ficava de
fora do ciclo econômico produtivo, [...] torna-se a matéria-prima do próprio capital”.
No estudo “As necessidades de qualificação de mão de obra da Indústria 4.0” (SILVA; FRARE; GIANINI;
BOTELHO; QUINTINO; MENEGATTI, 2019) destacamos o conceito “cultura ownership” que, para os au-
tores, é uma das principais competências a serem desenvolvidas nos trabalhadores e significa, basicamente,
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No cerne da sociabilidade capitalista, com formas cada vez mais extensas e intensas de exploração do
trabalho, emergem elementos do movimento sócio-reprodutivo do capital que implicam na gênese e na
constituição da individualidade, “buscando impedir, anular, incorporar ou mesmo destruir a subjetividade
antagônica dos trabalhadores por meio de estratégias de captura/manipulação da sua vontade, produzin-
do formas multideterminadas de consentimento ativo na produção e nas demais esferas da vida social”
(SILVA, 2020).
Nesse sentido, Silva (2018, p. 244), ao indagar sobre a razão pela qual o trabalhador se mantém produ-
tivo mesmo em meio “à tamanha precarização da sua atividade e de si mesmo”, revela que há na subjetivi-
dade desse “novo tipo de trabalhador” “a precariedade como modo de ser”, o que torna evidente a função
mediadora da educação na formação de subjetividades que correspondam às demandas produtivas, na
medida em que a ação educativa, nos marcos da sociedade da mercadoria, tende a servir à reprodução e ma-
nutenção da lógica exploratória do capital, sobretudo, no âmbito das relações sociais. Nas palavras do autor:
Esse questionamento põe evidência a problemática da educação como processo de reprodução das re-
lações de produção, isto é, de que nas relações produtivas e sociais ocorrem práticas intencionais e sistema-
tizadas de formação humana com a finalidade de desenvolver as subjetividades demandadas pelo projeto
hegemônico de reprodução do capital sob as condições de sua crise estrutural, uma nova pedagogia da
hegemonia, conforme Neves e Sant’Anna (2005). (SILVA, 2018, p.244)
O que podemos concluir até esse momento, suscitado pelas análises acerca dos mecanismos, dispositi-
vos e valores da pedagogia industrial no contexto da indústria 4.0 para a conformação de trabalhadores e
trabalhadores à lógica do capital, é que não há uma desconexão com o padrão toyotista de produção, apesar
de acarretar em grandes transformações na vida dos trabalhadores. Dessa forma, é primordial ressaltar
que trata-se de um processo de amoldamento de subjetividades, sobretudo, pedagógico (SILVA, 2020), ou
educativo (DUARTE, 2013), que acompanha o movimento de acumulação do capital e compreender como
esse processo se dá, é de fundamental importância para o desvelamento da realidade que permite ir além
do que a imediaticidade da vida cotidiana na chamada quarta Revolução Industrial nos apresenta.
A Indústria 4.0, assim como o Taylor-fordismo e o regime de acumulação flexível, exige que haja tipos
de trabalhadores específicos para atenderem às demandas produtivas dessa particularidade histórica, dian-
te disso finalizamos esse texto com a indagação: Exige-se, na quarta revolução industrial, uma subjetivida-
de diferente daquela demandada pelo padrão de produção toyotista?
Em síntese, após as análises sobre os mecanismos, dispositivos e valores da pedagogia industrial para
a conformação de trabalhadores ao modus operandi do capital, quando buscamos compreender como as
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Resumo: O referido artigo trata dos impactos da reestruturação produtiva, da terceirização e da uberização como uma nova forma de
organização e controle do trabalho inerente a Economia Compartilhada, diante do avanço tecnológico, das grandes empresas-aplica-
tivo e do desemprego crônico que atinge todos os países do mundo e é sinônimo da precarização do trabalho. Inseridos nessa mo-
dalidade encontram-se os entregadores por aplicativo, ou seja, motociclistas e ciclistas subordinados aos algoritmos, sem garantias
ou direitos que os assegurem sob a justificativa dos aplicativos de serem “patrões de si mesmos”. Destaca-se também a mobilização
realizada pelos entregadores em julho de 2020.
Palavras-chave: Trabalho. Reestruturação produtiva. Terceirização. Entregadores por aplicativo.
INTRODUÇÃO
No cerne do modo de produção capitalista, as crises possuem uma característica ineliminável, ou seja,
não há como evita-las. As crises cíclicas são comuns ao sistema capitalista, cuja natureza é temporária e
afetam algumas esferas econômicas, interferindo no processo de produção e de acumulação (como a co-
nhecida crise de superprodução em 1929-30) 1.
Entretanto, em meados de 1970, o sistema capitalista experimenta uma das maiores crises, não só no
contexto econômico, mas alcançou também a esfera política e social, denominada de crise estrutural, e veio
para demonstrar os limites do capital na preservação da sua reprodução.
A crise estrutural no ano de 1970, de acordo com Mészáros (2011), não se origina de um desarranjo em
determinada dimensão do sistema do capital, sendo estas: produção, circulação e consumo. Ou seja, essa
crise atinge essas dimensões de forma integrada, corrobora os limites da reprodução do capital num dos
estágios mais avançados do desenvolvimento capitalista, o agravamento de suas contradições. Ela expres-
sa seu agravamento em 1970, e “não apenas tende a romper o processo normal de crescimento, também
pressagia uma falha na sua função vital de deslocar as contradições acumuladas do sistema” (MÉSZAROS,
2011, 799).
O sistema do capital é impossibilitado de afastar as contradições que atingem o núcleo de seu sistema
sócio metabólico, afetando, sobretudo, a sua dinâmica desenfreada de acumulação e de expansão do ca-
pital. Todos os países do mundo são afetados com essa crise (centrais e periféricos) e torna-se constante,
rastejante, interrupta e permanecerá enquanto o sistema do capital resistir, mesmo com tentativas falhas
de reconstrução.
Essa crise estrutural demonstrou de forma fenomênica o desgaste do sistema taylorista-fordista e do
Welfare State ou Estado de Bem-Estar Social. Na economia, ela se expressou na queda tendencial da taxa de
lucro e na crise de superprodução de mercadorias, bem como, o desemprego estrutural e a crise do petróleo.
Entretanto, a resposta do capitalismo para tentar conter essa crise estrutural e controlar também as
lutas sociais oriundas desta, ocorreu com um processo de reorganização do capital, do sistema econômico,
ideológico e político, denominado como reestruturação produtiva. Essa reestruturação tem como base a
produção flexível, do downsizing – redução de gastos – inspirado no modelo produtivo japonês – toyotis-
mo – e ideologicamente inspirado no neoliberalismo. Tal reorganização resultou na privatização estatal,
no retrocesso dos direitos trabalhistas, no desemprego estrutural e na desarticulação do setor produtivo.
Enfatiza-se nesse período, a ofensiva generalizada do capital e do Estado contra a classe trabalhadora.
Também, esse processo “[...] tinha um de seus polos centrais localizado no setor financeiro, que ganhava
autonomia [...] dentro das complexas interrelações existentes entre a liberação e a mundialização dos capi-
tais e do processo produtivo” (ANTUNES, 2009, p. 34).
Nesse período, evidencia-se a expansão de capitais, da tecnologia mediante da utilização massiva da in-
formática e da microeletrônica, para regredir a queda tendencial da taxa de lucratividade e por outro lado,
destaca-se a precarização da força de trabalho. O processo de inserção tecnológica na produção provoca
irremediavelmente o avanço do fenômeno obsolescência programada, cuja resultante é o crescimento da
taxa decrescente do valor de uso dos objetos – desgaste acelerado das mercadorias para ativar um novo ciclo
de produção das mercadorias e resgatar a composição orgânica do capital.
Além disso, evidencia a reorganização das formas de gestão organizacional e da intensa concentração
de capitais, mediante o braço do capital financeiro, com o objetivo de não regredir a dinâmica da competi-
ção intercapitalista, bem como controlar a reação política organizada da classe trabalhadora.
desregulamentação enorme dos direitos do trabalho, que são eliminados cotidianamente em qua-
se todas as partes do mundo onde há produção industrial e de serviços; aumento da fragmentação
no interior da classe trabalhadora; precarização e terceirização da força humana que trabalha;
destruição do sindicalismo de classe e sua conversão num sindicalismo dócil, de parceria (partner-
ship), ou mesmo em um “sindicalismo de empresa” [...]. (ANTUNES, 2009, p. 55).
2 As origens e expressões iniciais da terceirização aparecem com a vigência da grande indústria capitalista. Em particular, é
no contexto da Revolução Industrial (século XVIII), nas origens do capitalismo concorrencial, que se constitui uma relação de
terceirização entre a grande indústria e as mistresses houses, esta última é uma unidade produtiva “informal” que concretiza tra-
balho doméstico ou domiciliar. Portanto, na Revolução industrial, já demonstram as primeiras formas de trabalho terceirizado,
comprovando que as formas precarizadas de trabalho no capitalismo nascem articuladas as formas mais avançadas de trabalho
na indústria moderna.
I. é a prática que mais tem se difundido na atividade industrial e também em outras áreas (servi-
ços, comércio, setor público e outros) nestes últimos anos; II. além da rapidez no seu crescimen-
to, detecta-se uma mudança qualitativa fundamental, qual seja: intensifica-se a terceirização não
somente de serviços de apoio, considerados como atividades periféricas (alimentação, transpor-
te, vigilância etc.), mas também atingindo as atividades nucleares/centrais da empresa, como a
produção e a manutenção; III. é o processo que torna mais visíveis as transformações do espaço
fabril e na cultura fabril, através de um movimento de desintegração dos coletivos de trabalho;
IV. as implicações para o mercado de trabalho já começam a ser observadas, agravando as suas
características estruturais, como segmentação, fragmentação, desorganização, informalização;
V. as consequências políticas, no plano da ação coletiva, principalmente dos sindicatos, têm sido
a de fragilizar cada vez mais as representações e as práticas sindicais, reforçando as identidades
corporativas em prejuízo das identidades de classe, enfraquecendo os laços de solidariedade
entre os trabalhadores, estimulando a sua desunião, a sua dispersão e a concorrência entre eles;
[...] (DRUCK, 1999, 128-129).
A terceirização no contexto atual, embora seja um fenômeno que alcançou países centrais e periféricos
no cenário mundial, em cada localidade possui uma regulamentação e características diferenciadas. De
acordo com estudo realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
– Dieese (2007), a denominada empresa-mãe/contratante, contrata outra empresa ou prestação de serviços
desta. Assim, a atividade é terceirizada e a empresa terceira tem a responsabilidade de contratar o traba-
lhador sob a forma de subcontratação. Ainda conforme o Dieese (2009, p. 06): “Atividade-fim é aquela que
faz parte do processo específico de produção do bem ou do serviço que é a razão de ser da empresa. [...]
Atividade-meio é aquela que faz parte do processo de apoio à produção do bem ou do serviço que é a razão
de ser da empresa”, ou seja, atividade-fim é caracterizada pela atividade central da empresa e a atividade-
-meio, são atividades que são necessárias para a continuidade da atividade central da empresa. Esta última
pode ser realizada pela própria empresa ou por via terceirizada.
O processo de terceirização no Brasil, conforme Duarte (2019) é legitimado por via da legislação foi
sendo constituído a partir da Administração Pública desde a década de 1970, com a finalidade de enxugar
custos e maximizar as competências. Após dez anos, com a sanção da Lei 7.102/1983, a terceirização é inse-
rida também no setor privado, permitindo a contratação de serviços como segurança e vigilância, mas não
faz menção ao termo “terceirização”.
Porém, é no ano de 2017 que ocorrem alterações na legislação, ao regulamentar a Lei N° 13.429, sancio-
nada em 31 de março de 2017 no governo Temer, que se altera significativamente a contratação de traba-
lhadores. A denominada Lei da terceirização trata do trabalho temporário em empresas urbanas e dispõe
acerca das relações de trabalho temporário nas empresas que prestam serviços a terceiros. Com a sanção
dessa Lei nº 13.429/17, traz uma nova forma de flexibilização das relações trabalhistas, a permissão da
terceirização ampliada e irrestrita, redução ou omissão das garantias trabalhistas para os trabalhadores
terceirizados, enfraquecendo a organização dos trabalhadores, precarizando as condições de trabalho e
fragmentando os sindicatos.
Ademais, há a PLC 30/2015 (antiga PL 4330/2004) que ainda está em tramitação, se sancionada, agrava-
rá ainda mais as condições de trabalho da classe trabalhadora, permitindo terceirização indireta no serviço
público, podendo interferir na contratação via concurso público, além de possibilitar a “pejotização” que é
uma prática ilegal, mas poderá ser legitimada.
Existem várias formas de subcontratação, como o trabalho a domicílio, na indústria automobilística
– especificamente na rede de fábricas fornecedoras de autopeças para as montadoras de automóveis. Um
terceiro exemplo do processo de terceirização é sua ampliação na rede dos “serviços de apoio” – limpe-
za, restaurante, jardinagem, transporte, vigilância. Outro modelo de terceirização é nas áreas produtivas
ou na atividade-fim das empresas do setor industrial (realização das atividades no interior da planta da
Diante das transformações ocorridas desde a década de 1970 e o avanço tecnológico, percebe-se que
não há a eliminação completa do trabalho pelo maquinário informal-digital, mas observa-se a constitui-
ção da inserção dessa tecnologia no âmbito dos serviços, local esse que os trabalhos tendem a tornarem-se
intermitentes, e sendo impulsionados com as TICs (Tecnologias da informação e comunicação), conectam
mediante smartphones, variadas modalidades de trabalho, expande o trabalho on-line e utilizam-se dos
aplicativos – mascarando as grandes empresas globais – para influenciar trabalhadores e trabalhadoras,
desempregados a serem “patrões de si mesmo” 3. De acordo com Antunes:
3 Mas ainda há aqueles trabalhadores que se reconhecem como classe explorada e criam espaços de resistência e luta por melho-
res condições de trabalho dentro dos espaços laborais.
As TICs, presentes de modo cada vez mais amplo no mundo da produção material e imaterial e que
tipificam também os serviços privatizados e mercadorizados, configuram-se como um elemento
novo e central para uma efetiva compreensão dos novos mecanismos utilizados pelo capital em
nossos dias (ANTUNES, 2018, p. 33).
“[...] a uberização do trabalho resulta de processos globais em curso há décadas e que envolvem
transformações no controle, gerenciamento e organização do trabalho. Desse modo as platafor-
mas são reconhecidas como um resultado, ao mesmo tempo que materializam um novo estágio
desse processo. O elemento central catalizado pelas plataformas são as novas formas de disper-
sar o trabalho sem perder o controle sobre ele. [...] Entretanto, a dispersão/centralização agora se
concretiza em uma multidão de trabalhadores subordinados a uma única empresa (ABÍLIO, 2019,
p. 02).
A estratégia de dispersão dos trabalhadores sem a perda do controle sobre o trabalho é característico
também do trabalho subcontratado, terceirizado. Consequentemente, pode-se também caracterizar essa
nova relação de trabalho como uma adesão terceirizada, em que o trabalhador torna-se “autogerente-su-
bordinado” que entra na plataforma para “vender” sua força de trabalho a uma grande empresa tecnológica
de forma não contratual e presta serviço a uma microempresa/empresa solicitante ou a um usuário dessa
força de trabalho.
Outra característica que se pode identificar nessa nova forma de organização do trabalho é que o tra-
balhador fica disponível para exercer o serviço e é utilizado somente quando solicitado subordinado pelo
controle da demanda pela empresa-aplicativo. E há a estimulação da produtividade, mediante bonificações,
premiações, porém, sem garantias, riscos de não concluir a tarefa e muitos desafios podem durar mais de
12 horas de jornada para conquistar.
Ou seja, na uberização do trabalho não há uma relação contratual, o trabalhador que é inserido na
plataforma das empresas-aplicativo, são controlados e subordinados a programações algorítmicas, sem di-
reitos e garantias trabalhistas, sem a possibilidade de negociar sua remuneração, sem segurança, – princi-
palmente no que se refere a acidentes de trabalho – além das despesas que o mesmo é responsabilizado em
relação ao instrumento de trabalho – motocicleta, automóvel, bicicleta, dispositivo móvel, seguro e dentre
7 A maioria delas se encontra no conhecido Vale do Silício, local onde se concentram as maiores multinacionais no ramo da tec-
nologia e informática como a Uber, Microsoft, Google, Apple, Netflix, Facebook, dentre outras.
8 Abílio (2019) propõe a definição de “gerente de si subordinado”, substituindo o “patrão de si mesmo” ou “empreendedor”, pois é
um termo mais adequado diante das novas formas de gerenciamento do trabalho e subordinação.
9 (SLEE, 2017).
10 Abílio (2019 apud ABÍLIO, 2017, 2018a).
i) é a empresa que define para o consumidor o valor do serviço que o trabalhador oferece, assim
como quanto o trabalhador recebe e, não menos importante, iii) a empresa detém total controle
sobre a distribuição do trabalho, assim como, sobre a determinação e utilização das regras que
definem essa distribuição (ABÍLIO, 2019, p. 3).
Presenciar, motofrentistas ou ciclistas com bags nas costas com identificação das empresas-aplicativo
tornou-se uma rotina diária nas cidades do Brasil. Pode-se afirmar que com a entrada da empresa Uber em
2014, com a copa do mundo, abriu o acesso para a entrada de várias empresas-aplicativo, com ela a uberiza-
ção do trabalho. E diante do desemprego, muitos homens e mulheres se depararam com essa oportunidade
de ocupação informal, como uma forma de sobrevivência. O que era para ser uma “renda extra” segundo
a proposta dessas grandes empresas, torna-se a remuneração principal para várias famílias, um sinônimo
de sobrevivência.
De acordo com o levantamento sobre o trabalho dos entregadores por aplicativos no Brasil, realizado
pela Faculdade de Economia - Projeto Caminhos do Trabalho – da Universidade Federal da Bahia (2020),
nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD – contínua, nos primeiros trimestres
do ano de 2015 e 2020 a quantidade de motociclistas ocupados atingiu a marca de 459 mil para 693 mil. E
com a pandemia do Covid-19, a demanda por entregadores e motociclistas aumentou devido o isolamento
social, na PNAD Covid o número de postos de entregadores e motociclistas foi de 917 mil postos, no mês
de maio deste ano.
‘[...] Mas só que, tem aí entre em contato com o suporte, né. Mas só que não tem, não dá para, não
tem número para a gente falar, e aí, você manda um e-mail e ele simplesmente manda uma mensa-
gem automática também, da mesma coisa, mas não fala o porquê você foi bloqueado.’
11 Conforme Abílio (2019) o trabalho amador tornou-se uma característica dessa nova modalidade de trabalho, ou seja, não é ne-
cessário ser um profissional para ingressar na plataforma.
12 METEORO BRASIL. A greve dos entregadores. 2020 (10m02s). Disponível em: <https://youtu.be/Zhpy6D0pS2k>. Acesso em: 15
nov. 2020.
‘Se a gente pega coronavírus agora na pandemia, para ter direito a algum auxílio-doença, tem que
tem feito uma quantidade “x” de entregas durante um determinado período de tempo. O mesmo
acontece em relação a outras doenças. Se sofre um acidente, a mesma coisa. Tem que cumprir
vários requisitos para conseguir o suporte. São vários entraves. Eu conheço pelo menos um caso, de
um entregador que sofreu um acidente fazendo uma entrega e que cumpria todos os requisitos, mas
simplesmente ignoraram e ele foi bloqueado da plataforma permanentemente. É surreal. Os caras
acham que a gente é só um lixo descartável.’
‘[...] Você sabe o quanto é tortura um motoboy com fome tendo que carregar comida nas costas? E
a logo deles nas costas, porque o que tem feito esses aplicativos crescerem é o tanto de motoboy
divulgando esses aplicativos por SP. E a gente não recebe por isso. A gente, motoboy, tem se sentido
os músicos do Titanic: está vendo o barco afundar, e tem que continuar tocando a música [...].’
Dentre as reinvindicações que os entregadores evidenciaram nessas mobilizações é a busca por me-
lhores remunerações, denominado “frete” 15 e a solicitação da majoração da tarifa quilométrica e do valor
13 O movimento dos Entregadores Antifascistas surgiu durante os protestos antirracistas e antifascistas que ocorreram em Junho
de 2020, o líder do movimento é o motoboy e entregador Paulo Lima, conhecido como ‘Galo’ que se tornou conhecido após dis-
cursar sobre as condições precárias de trabalho no ato que ocorreu em São Paulo. Os integrantes desse movimento, compreen-
dem que “esses aplicativos são uma ferramenta de exploração que acontece dentro da lógica do sistema capitalista” (TIRZA,
2020 apud RADIS , 2020).
14 THE INTERCEPT BRASIL. Coronavírus: como é entregar comida por aplicativos em tempos de pandemia. 2020 (1min52s).
Disponível em:<https://youtu.be/rMF3ruk6ivE>. Acesso em 15 de nov. de 2020.
15 DELGADO, Gabriela N. CARVALHO, Bruna V. Breque dos Apps: direito de resistência na era digital.Diplomatique.org.br [2020].
Disponível em: <https://diplomatique.org.br/breque-dos-apps-direito-de-resistencia-na-era-digital/> Acesso em 16 de nov. de
2020.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da exposição realizada ao longo do artigo, apreende-se que diante da crise estrutural capitalista,
que expressou fenomenalmente o desgaste do sistema taylorista-fordista e a lei de tendência decrescente da
taxa de lucros, a resposta do sistema do capital para amenizar os impactos dessa crise, foi o processo de
reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação e em específico a restrutura-
ção produtiva e trabalhista. O objetivo da reestruturação produtiva é a redução de custos, incluindo a força
de trabalho. Dentro da reestruturação produtiva há a inserção do modelo flexível de produção e também
organização do trabalho, mediante a subcontração e a terceirização.
A aplicação das novas tecnologias no processo de trabalho (microeletrônica e informática), requerida
pela flexibilidade produtiva, para inovar a produção de mercadorias produziu um excedente de trabalha-
dores desempregados, uma instabilidade social, a desterritorialização de plantas industriais, o enfraque-
cimento do poder sindical que facilitou a expansão de modalidades de trabalho de natureza terceirizado
em diversos setores - do produtivo ao setor de serviços -, o que era exceção virou regra no capitalismo con-
temporâneo, pós 1980, mundialmente. O emprego regular perde em relação ao temporário, terceirizado.
Mudam-se os vínculos, contratos, relações e condições de trabalho, cresce assustadoramente a terceiriza-
ção. A falácia da urgência da redução dos custos de produção e com recursos humanos em face da crise sis-
têmica do capital virou o discurso do projeto dominante burguês, que entronizou a terceirização como uma
das alternativas viáveis para a retomada do crescimento econômico, da recomposição orgânica do capital.
Entende-se que o trabalho terceirizado, uberizado em suas novas configurações transforma substanti-
vamente relações e vínculos de trabalho, quando torna o trabalho temporário a regra geral, pois generaliza
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Resumo: O objetivo deste estudo científico é entender as transformações na categoria “trabalho” em diferentes momentos históricos
e identificar o que é um “bom trabalho”, um “trabalho decente”, um “trabalho ruim” e “trabalho precário”. A questão da pesquisa é: o
trabalho precário é um produto do neoliberalismo? Para isso faremos uma análise histórico-bibliográfica para apresentar as caracte-
rísticas dos Estados Sociais, de Bem-Estar Social e neoliberais, construindo o espaço social contemporâneo e, em seguida, elucidar
as diferentes percepções do “trabalho” atual. “Trabalho decente” é um conceito fundamental para o desenvolvimento humano segun-
do a Organização Internacional do Trabalho, enquanto o “trabalho precário” é a forma de atividade com piores condições de trabalho.
O resultado desta pesquisa é que o trabalho precário piorou com o neoliberalismo devido à diminuição das garantias legais, formais
e institucionais do trabalhador, portanto, a precariedade é um atributo do trabalho no sistema capitalista.
Palavras-chave: Neoliberalismo- Trabalho Decente-Trabalho Precário-Bom Trabalho-Trabalho Ruim
INTRODUÇÃO
As mudanças no Estado ao longo da história geraram várias transformações nas características do “tra-
balho”, que deixou de ser um instrumento de desenvolvimento social, laboral e económico e se tornou um
espaço de insegurança para o trabalhador (Standing, 2014, 2015; Kallenberg, 2009; Wright, 2015).
A questão do trabalho precário como estressante, degradante para a individualidade do ser humano
não é nova na história da humanidade (Ramos, 2009), mas após um período histórico de bem-estar social
(Bobbio, 1998) com o avanço do modelo neoliberal de desregulamentação e flexibilidade laboral houve o
agravamento das condições de trabalho para com os trabalhadores.
É por isso que os teóricos começam a elucidar os conceitos de «trabalho precário» (Standing, 2014,
2015), reconhecem características de empregos como bons ou maus (Kalleberg, 2011) e normas internacio-
nais como as relatadas pela Organização Internacional do Trabalho para promover o “trabalho decente”
(Abramo, 2006; Ghai, 2003) como um objetivo de todo e qualquer Estado. O aumento do trabalho precário
é também um produto da globalização, da interdependência económica e da expansão do neoliberalismo
(Kallenberg, 2009).
Então a questão de investigação que se coloca neste contexto é: o trabalho precário é um produto do
neoliberalismo?
Para responder a essa questão através de uma análise histórico-bibliográfica, passaremos por quatro
momentos diferentes: 1) apresentar as características do Estado Social, do Bem-Estar Social e da construção
neoliberal do espaço social contemporâneo, e depois, 2) esclarecer as diferentes percepções do “trabalho”
atual, diferenciando o que é reconhecido como um “bom trabalho” e um “mau trabalho”, 3) apresentar em
conceito de “trabalho digno” da OIT, fundamental para o desenvolvimento humano, e, finalmente, 4) as
diferenças entre “trabalho precário”, “precarização do trabalho” e “precarização do trabalho”, fenómeno de
agravamento das condições de trabalho em relação ao neoliberalismo.
O mundo europeu antes dos anos 80 caracterizou-se como um espaço estável (Santos, 1989), no qual
havia segurança nas relações sociais e laborais não é o mesmo que no mundo contemporâneo (Santos &
Ferreira, 2001; Santos, 1992; Sassen, 2010; Sen, 2000).
O Estado Social surge como aquele que desenvolve políticas sociais (Blank, 2012), é o Estado que in-
tervém na economia, através de leis, regulando as relações laborais, propondo políticas públicas sociais. O
Estado Social é um género do qual o Estado Providência pode ser uma espécie, uma variedade do primeiro
(Blank, 2012).
Estes direitos sociais alcançados e tornados efetivos pelo Estado Social foram o resultado de fortes lutas
sociais (Marshall, 2001), marchas, greves, movimentos sociais, representados pelos sindicatos (Marshall,
2001), ou seja, as mudanças nas características sociais do “trabalho” são o resultado de fortes ações sin-
dicais, mobilizações e demonstrações desta organização social que permitiram o reconhecimento social
e garantias legais para os trabalhadores, confirmando a teoria que apoia esta investigação (Ramos, 2009).
A força dos sindicatos tem sido as greves e manifestações sociais de massas (Marshall, 2001). O instru-
mento utilizado continua a ser a negociação coletiva dos direitos e a valorização dos salários, utilizando
sempre as greves como um forte poder de negociação (Stein, 2009). O poder de negociação que parte dos
sindicatos de trabalhadores para os empregadores, grupo de empregadores de um sector económico ou
mesmo para o governo, utilizando as greves, tem sido historicamente um elemento eficiente para alcançar
as suas exigências laborais, uma vez que antes de todo um espaço geográfico comum, seja empresa, cidade,
órgão público, instituições públicas ou privadas, tinha um corpo de trabalhadores ligado ao mesmo órgão
empregador e depois ao sindicato, ou seja, quando entraram em greve tinham força porque todo um espaço
de produção de prata, órgão público, trabalho suspendeu as suas atividades.
O Estado de direito é um garante da formação capitalista liberal (Mascaro, 2005), ou seja, o núcleo forte
e petrificado da Constituição são os direitos de liberdade, civis e políticos (Marshall, 2001), e não os direitos
de igualdade, que seriam os direitos sociais, que exigem a intervenção do Estado, políticas públicas ativas,
dinheiro para os aplicar. Os direitos sociais são desenvolvidos por legislação infraconstitucional e para os
aplicar precisamos do aparelho administrativo do Estado (Bobbio, 1998).
Segundo Norberto Bobbio (1998), a diferença entre o Estado Social para o Estado de Direito é a estru-
tura formal do Estado burguês onde contém na Constituição os direitos fundamentais, que fazem parte,
os direitos de liberdade (Bobbio, 1998), esta é a união dos direitos civis, das manifestações religiosas, do
pensamento, das eleições, com os direitos políticos, do voto, da candidatura, da participação nos partidos
políticos (Marshall, 2001).
Por essa razão, para os trabalhadores tem sido uma grande conquista ter direitos sociais nas Constituições
(Castell, 1997; Boyer & Saillard, 2005; Gajst, 2010), para que haja uma mudança na sociedade para diminuir
a diferença entre capitalistas e trabalhadores, as leis laborais, a Justiça Laboral e o aparelho administrativo
do Estado são necessárias para serem cumpridas.
Por outro lado, o Estado “Providência Social” (Bobbio, 1998) é aquele que tem como objetivo garantir
aos seus cidadãos uma condição de vida mínima digna, isto é, na concepção do Estado entende-se que deve
promover o emprego, a segurança social, a saúde, a educação, um rendimento básico para os desempre-
gados ou para os incapazes de trabalhar, entre outras prestações (Bobbio, 1998). Por outras palavras, visa
Categoria social da
Estado Características da Categoria Social Trabalho
investigação
Trabalho livre, operário moderno, greves e manifestações
Estado Social para garantir e conquistar os direitos sociais, trabalhistas e
previdenciários.
Legislação que garante nas constituições os direitos sociais
Estado Democrático de Direito
Trabalho dos trabalhadores.
O operário, trabalhador livre, consegue viver, buscar e
Estado de Bem Estar Social
demandar seus direitos sociais, trabalhistas e previdenciários.
Flexibilidade das leis trabalhistas, insegurança no emprego,
Estado Neoliberal
direitos, jornada, condições e salário.
A questão do trabalho precário começa por reconhecer que existem diferentes ideias e características
que devem existir numa atividade de trabalho, o que pode torná-la um bom emprego (Kallenberg, 2011),
decente ou digna, mesmo um emprego com más características, tornando-a precária.
Para Howell, D. R., & Kalleberg, A. L. (2019) a qualidade do emprego1 é muito difícil de quantificar em
atributos, uma vez que depende, acima de tudo, do contexto económico de cada país, das oportunidades de
emprego, segurança social e benefícios, e das leis laborais locais, mas uma questão fundamental é a com-
pensação financeira2, que também será diferente em cada país, mas é um dos fatores mais importantes
para identificar um emprego qualificado como bom.
O salário é, portanto, um dos primeiros fatores na qualificação de um emprego como bom ou mau
(Kallenberg, 2009; Standing, 2014, 2015). Obviamente, quanto maior for a capacidade de consumo, melhor
será o trabalho, mas é necessário promover condições dignas de consumo, tornando possível fornecer alo-
jamento, alimentação, saúde, formação/educação, actividades de lazer, vestuário, transporte, e manutenção
doméstica.
Mas para além da questão económica, qualificar um emprego como bom é reconhecer que existe uma
limitação temporal na jornada de trabalho que está relacionada com a quantidade suficiente de rendimento
que será recebido diariamente, ou seja, um dia diário que proporciona ao trabalhador outras atividades de
interesse, tais como família, desporto, lazer criativo, e o salário destas horas diárias é suficiente para uma
vida familiar digna.
É também importante que os trabalhadores tenham estabilidade no trabalho, que sintam que podem
fazer planos a longo prazo para o consumo familiar, uma vez que terão perspectivas de trabalho e econó-
micas. Por outras palavras, é o trabalhador que se sente seguro no trabalho, mesmo que não o tenha ou se,
por desgraça ou crise económica, o perca, que o Estado lhe forneça segurança social temporária.
Mesmo com a ideia da responsabilidade do Estado para com os trabalhadores e a qualidade do traba-
lho, o seguro de saúde é importante para todos, trabalhadores formais e informais e suas famílias, porque é
também um fator de segurança emocional e uma condição mínima de dignidade no trabalho.
A segurança social acrescenta a ideia de despedimento, a proteção da saúde do trabalhador e dos mem-
bros da família, bem como a questão de um sistema de reforma decente, para que, desde o início da vida
ativa, o trabalhador conheça as condições de reforma, que devem ser asseguradas e garantidas pelo Estado,
com um salário capaz de manter a mesma qualidade de consumo.
Outra característica de um bom trabalho é que é possível alcançar melhores oportunidades de conhe-
cimento, estudo, bem como promoções e reconhecimento no sentido de estimular e recompensar a força
de trabalho.
1 “Defining whether a job is good for a person depends in part on individuals’ motivations for taking one (for example, whether
mainly for the money, to make contributions to society or par-ticular groups, or to obtain intrinsic meaning and accomplishment).
In general, a good job is likely to be harder to define than a bad one: what we consider to be a good job depends not only on
economic benefits—wages and nonwage benefits such as health and pension cov-erage—but also on having control over one’s
schedule and autonomy over the content of work (Kalleberg 2011, 2016). Some good jobs can also be considered better than
others, and so we distinguish good from merely decent jobs. By contrast, it is easier to define certain types of jobs as bad if they
have extremely low levels of earnings and benefits that are not enough for full- time workers to achieve a minimal stan-dard of
living and allow workers little control over the scheduling and conditions of their wor.” ” (Howell, D. R., & Kalleberg, A. L.,2019:5)
2 “The core dimensions of job quality certainly include economic compensation such as earnings and (especially in the United
States), benefits such as health insurance and pensions, as well as the degree of job security and opportunities for advancement
to better jobs, the extent to which people are able to exercise control over their work activities and to experience their jobs as
interesting and meaningful, and whether people are able to exercise control over their work schedules so as to permit them to
spend time with their families or engage in other, nonwork activities they enjoy” (Howell, D. R., & Kalleberg, A. L.,2019:4)
Elaboração própria.
Assim, reconhecendo as características do trabalho como bom ou mau, de acordo com seis pontos
diferentes, participação sindical, salário, horário de trabalho, segurança social, oportunidade de desenvol-
vimento profissional e ambiente de trabalho, é tempo de conceptualizar o trabalho decente tal como visto
pela Organização Internacional do Trabalho.
Neste olhar para as mudanças das características do trabalho no mundo contemporâneo, especial-
mente depois do neoliberalismo, há diversos autores e instituições que procuram tratar o tema com con-
ceitos diferentes, como é o caso da categoria “Trabalho Decente” que foi desenvolvida pela Organização
Internacional do Trabalho e tem como objetivo apresentar factos sociais que devem ser o objetivo de cada
Estado-nação para proporcionar um desenvolvimento econômico igualitário e digno de condições de vida
para os trabalhadores.
(...) Hoje podemos observar o declínio do governo público da economia. A relação entre o mercado
e o Estado foi invertida. Não é o Estado que controla o mercado, mas os mercados que limitam as
decisões dos Estados. Basta pensar, por exemplo, no poder das agências de classificação. Existe
assim uma crise do carácter estatal da lei (GIL, 2017:26).
Assim, como uma responsabilidade das instituições da OIT, há a criação do conceito de trabalho digno
para definir o objetivo das normas e políticas públicas que devem ser a procura dos Estados nacionais. Este
conceito é suficiente para definir condições mínimas ou mais simples que devem ter todos os trabalhado-
res, incluindo os informais, autônomos, assalariados, temporários, ou seja, todos.
Por tanto um mercado de trabalho, que oferte um trabalho decente, deve ter as seguintes característi-
cas, segundo Ghai (2003): possibilidade de emprego/empregar-se, um emprego que seja remunerador, con-
dições de trabalho estabelecidas em lei (jornada, salubridade, férias, 13º, etc.), seguro social (previdência),
respeitos aos direitos humanos (liberdade sindical, não discriminação), diálogo social (negociação coletiva,
democracia econômica).
No final podemos ver que existem três conceitos fundamentais que estão próximos da questão do tra-
balho, que é trabalho digno, trabalho decente e trabalho precário em sentido inverso. O que se pode ver é
a diferença de perspectiva em relação ao trabalho, uma vez que o trabalho digno (um conceito patrocinado
pela OIT) está relacionado com indicadores macrossociais, que podem mesmo ser utilizados para medir e
comparar países (Ghai, 2003; Gil, 2017).
Para Anker et al (2003), os pontos da procura de trabalho decente podem ser definidos mais claramente
nos seis pontos: a) oportunidades de trabalho; b) trabalho em condições de liberdade; c) trabalho produti-
vo; d) equidade no trabalho; e) segurança no emprego; e f) dignidade laboral. Mas, como se pode ver, estes
são factos sociais muito amplos que são difíceis de medir. É por isso que é estabelecida uma medição do
conceito de trabalho digno com 9 (Anker, ,2003) categorias de análise: 1) oportunidades de emprego; 2) tra-
balho inaceitável (dá a ideia de trabalho em condições de liberdade); 3) remuneração suficiente e trabalho
O termo “precário”, “trabalho precário”, entre outros sinónimos, tem sido utilizado para descrever as
transformações que o “mundo do trabalho” tem sofrido durante toda a legislação mundial, na América
Latina, México, com a retirada do Estado e o avanço das políticas e agendas de mercado, especialmente
depois dos anos 90 (Standing, 2014, 2015; Kalleberg, 2009; Braga, 2012).
O trabalho precário começou a ser uma preocupação na década de 1970, segundo o sociólogo Arne
Kalleberg (2009). Para o autor, a obra precária é essa,
(...) incertos, imprevisíveis, e onde os riscos são principalmente assumidos pelo empregado, e não
pelos empregadores ou pelo governo. Exemplos de atividades incluem o trabalho precário no sec-
tor informal e o emprego temporário no sector formal. O trabalho precário não é novo e já existe
desde o início do trabalho assalariado. No entanto, as forças sociais, económicas e políticas que
têm funcionado durante várias décadas tornaram as mais precárias do mundo (Kalleberg 2009, p.
21).
O trabalho, como precário causou insegurança aos trabalhadores, o que constitui um problema na
concepção subjetiva, ou seja, nas relações interpessoais, quer no aspecto familiar, quer mesmo nas relações
entre os próprios trabalhadores não são mais amizade e afinidade do que competição, e, além disso, a rela-
ção objetiva com a instabilidade política estabelece uma relação de emprego.
De acordo com Guy Standing (2014, 2015), o conceito marxista do proletariado não é suficiente para
conter todas as categorias sociais e características do trabalho globalizado contemporâneo (Standing, 2015).
Para o sociólogo André Gorz (1998) os atributos da classe social marxista: identidade ocupacional,
retirada do poder pela revolução, minoria alienada ao sistema de emprego, mas com segurança e bem re-
munerada, compromisso histórico com a revolução e as mudanças.
O precário é uma parcela da sociedade que difere do proletariado porque este tem direitos garantidos
por lei, sindicatos que os representam, segurança e benefícios sociais, são reconhecidos pelos empregos ou
funções que desempenham; já o primeiro, precário, não trabalha na função que é formada, se tem forma-
ção, é uma classe politicamente conservadora, não tem sindicatos que os representam, nem direitos que
lhes garantam emprego, despedimento arbitrário, não têm horas de trabalho fixas, nem salário garantido,
continuam sem identidade profissional (Standing, 2015).
Também para o sociólogo Ruy Braga (2012) o objeto que entende como o “precariado” é o mais excluído
da sociedade, não é o “lumpemproletariado” de Marx, porque tem trabalho, entretanto é o mais mal pago,
com a maior exploração no dia de trabalho urbano e rural, sem contrato de trabalho formal, sem seguro
social, é a parcela da população mais desprotegida socialmente.
É por isso que Standing (2015) identifica uma nova classe social, estrutural e socialmente diferente da-
quelas propostas por Marx. O proletariado ou classe trabalhadora em Marx tinha → Trabalhos duradouros;
3 “Para efectos de medición se han considerado las cuatro dimensiones principales del concepto de precariedad laboral antes
señaladas: inseguridad sobre la continuidad de la relación laboral, degradación y vulnerabilidad de la situación del trabajo, in-
certidumbre e insuficiencia de los ingresos salariales y desprotección social del trabajador. Se ha introducido un pequeño matiz,
pues se ha agregado una quinta dimensión que aludió a la desregulación de la jornada laboral para intentar captar un factor
temporal en materia de precarización laboral resultado del cambio en las estrategias de gestión del tiempo de trabajo inducidas
por la flexibilidad laboral” (Mora Salas, 2012:96)
É evidente que os conceitos de «precaridade”, “precarização” do trabalho e “trabalho precário” não são
a mesma coisa. A precariedade laboral é um fator externo da sociedade e da economia, é o espaço social,
que fornece certos atributos, características para o trabalho contemporâneo. A precarização do trabalho é
o fenómeno social de agravamento das condições de trabalho, é um processo ao longo do tempo, não é algo
fixo. Aqui é a ideia de Marx que “trabalho precário” outra categoria de análise é a qualidade, qualificação,
atributo que especifica um tipo de trabalho.
4 “(…) los tipos de precariedad se siguen expandiendo a medida que los empleadores descubren nuevas formas de evadir regu-
laciones o encuentran resquicios legales en ellas que les permiten incrementar la rentabilidad de su empresa a costa de sus
empleados.” (ILO, 2011:35)
O argumento central do artigo é que a precariedade laboral é mais forte no Estado Neoliberal devido a
uma questão de diminuição das garantias legais, formais e institucionais do trabalhador, mas, a exploração
e depois a precariedade é um atributo do trabalho no sistema capitalista.
Sob a questão da investigação: o trabalho precário é um produto do neoliberalismo? Procurámos res-
ponder através de uma análise histórico-bibliográfica, as características do Estado Social, que é acima de
tudo a regulação dos direitos sociais na Constituição do país, para continuar no período da Previdência
Social, que tem procurado cumprir as determinações legais nacionais e internacionais para gerar segurança
e distribuição de rendimentos, para garantir uma melhor condição de vida aos trabalhadores. Finalmente,
após as crises dos anos 70, o discurso vencedor do declínio do Estado, a desregulamentação, a flexibilidade
laboral, a construção do espaço social contemporâneo do Estado Neoliberal.
Reconhecendo o espaço social, tentou-se apresentar os conceitos de “bom trabalho” e “mau trabalho”,
de “trabalho decente” da OIT, e finalmente, as diferenças entre “trabalho precário”, “precariedade do traba-
lho” e “precarização do trabalho”, um fenómeno de agravamento das condições de trabalho do neolibera-
lismo, pelas formas generalizadas de desregulamentação e flexibilização do trabalho com o discurso e ação
política neoliberal é o que constrói o espaço social contemporâneo da precarização do trabalho, ou seja, um
processo contínuo de flexibilidade do trabalho, enfraquecendo as instituições de trabalho, agravando então
as condições de trabalho, emergindo o trabalho precário.
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