Cic DC
Cic DC
Cic DC
Portugal
Beatriz Ramirez
p. …………………………………………………………………………………. Página
Introdução ……………………………………………………………………………… 5
Bibliografia ………………………………………………….………………………... 24
I (Introdução)
Dada a amplitude do instituto da CIC, irei cingir-me à sua essência nos 3 países
em questão, abordando posteriormente a jurisprudência e doutrina2, respetivamente.
II (Análise Comparativa)
A óbvia influencia de Jhering neste instituto não pode ser ignorada, todavia, há que
fazer referência a um dos momentos pioneiros da codificação deste mesmo: Allgemeines
1
Miranda Barbosa, Mafalda, “A Reforma Francesa da Responsabilidade CIivl— Breves Considerações
em Sede Extracontratual”, 2018
2
Neste sentido, a temática da natureza da responsabilidade (aquiliana/extracontratual), será apenas
brevemente mencionada.
Bürgerliche Gesetzbuch3. Este código e o prussiano de 1794, foram as primeiras
codificações a estipular ditames referentes à responsabilidade pré-contratual. O ponto
crucial de ambos passou pela referência à seguinte norma: “fica obrigado à reparação dos
danos que causasse, aquele que enganasse outrem no processo negocial, através de
expressões obscuras ou atos simulados, bem como quem recorresse a temor injusto ou
dolo”4.
Através de fontes romanas, constata que a tutela da parte prejudicada se daria por
uma ação contratual, pela qual poderia obter indemnização por interesse negativo.
Invocou fontes relacionadas com a venda de uma herança inexistente, tutelada pela
3
Código Civil Austríaco 1812; passados 40 anos de trabalho preparatório, o código civil, também
denominado de ABGB, entrou em vigor no país.
4
Vicente, Dário Moura, “Da Responsabilidade Pré-Contratual em Direito Internacional Privado”,
Almedina, 2001, p. 242.
5
Jhering, Rudolph Von, “Culpa in Contrahendo ou indemnização pelos contratos nulos ou não chegados
à perfeição”, 1861.
6
Segundo a qual eram inválidos os contratos nos quais a vontade fosse proferida em erro, o que impediria
a parte lesada de obter compensação pelos danos oriundos dessa situação.
7
Bürgerliches Gesetzbuch – Código Civil Alemão, em desenvolvimento desde 1881, entrando em vigor a
1 de janeiro de 1990.
digesta e pelas institutiones iustiniani. A culpa foi o elemento unificador da sua tese, a
partir de uma generalização das hipóteses enunciadas nas fontes 8. Onde mais tarde se
apercebeu que era um fundamento falível, já que existem casos onde a falta de culpa
resulta também em responsabilidade, gerando o dever de indemnizar. Reiterou que a
nulidade contratual não significa necessariamente a ausência de produção de quaisquer
efeitos, apenas dos principais da obrigação (como a entrega da coisa), permanecendo a
ação contratual para ressarcimento dos danos. Largando a resposta até então dominante
na Alemanha, as partes abandonariam o campo dos meros deveres negativos
extracontratuais9.
8
Que demonstravam que era concedida ação de natureza contratual nos casos em que o comprador fosse
enganado (deceptus) quanto à característica prejudicial do bem que adquiria, mesmo que o contrato fosse
inválido na íntegra
9
Cordeiro, António Menezes, “Da Boa Fé no Direito Civil”, Almedina, 1997, p. 530
10
Tene, Omer, “Good Faith in Precontratual Negotiations: A Franco-German-American Perspective”,
2006
preceito da responsabilidade do devedor11. Dado o desenrolar da situação, é de frisar duas
ordens nucleares de fatores, como identifica o Professor Dário Moura Vicente12:
A aceitação plena e generalizada do instituto acaba por só dar inicio na década de 20,
estabelecendo que as partes ficavam adstritas a uma relação de confiança e lealdade,
análoga à própria relação contratual, acarretando deveres de diligência, sendo estes
correspondentes ao tráfico normal13. É então conclusivo, que a evolução deste instituto
(sendo que extrai integralmente princípios alusivos à boa fé), influenciou posteriormente
outros ordenamentos de Civil Law, alargando assim o âmbito de deveres passíveis de
serem extraídos desse mesmo instituto.
Ao contrário do caso alemão, a CIC teve uma evolução bastante díspar em França,
caracterizada por um apreciamento pouco favorável por parte da jurisprudência e da
doutrina14. Primeiramente por não existir tutela da responsabilidade pré-contratual e mais
11
Também conhecido como o “caso do linóleo”, este caso marca a primeira forma de aplicabilidade
jurisprudencial da responsabilidade pré-contratual. Onde uma potencial cliente, ao ser assistida por um
funcionário do estabelecimento, sofreu danos físicos resultantes da queda de um tapete de linóleo.
12
Vicente, Dário Moura, 2013, p. 56
13
Vicente, Dário Moura, “Da Responsabilidade Pré-Contratual em Direito Internacional Privado”,
Almedina, Coimbra, 2001, p. 244
14
Cordeiro, António Menezes, “Teoria Geral do Direito Civil II, Negócio Jurídico”, 2021, p. 332
propriamente pelo facto da jurisprudência francesa ter vindo desde sempre a rejeitar a
conceção do instituto (mais propriamente a convenção alemã)15.
Mais propriamente, no artigo 1382º Code Civil, encontra-se a sua disposição geral,
apoiada num conceito chave: a faute. Incluindo-se no âmbito de culpabilidade, não deve
ser confundida com “culpa” propriamente dita, consagrada no nosso ordenamento. Esta
noção pressupõe dois elementos (um objetivo e um subjetivo), a violação de um dever e
a imputabilidade, respetivamente19. É constatável assim, que no caso francês os elementos
subjetivos e objetivos consagram-se num único intuito. Dado isto, a responsabilidade civil
tem de ser atendida por via dos critérios introduzidos pela doutrina e jurisprudência,
designadamente pelo nexo de causalidade. O que faz com que muito dificilmente sejam
indemnizados todos os danos em causa, excluindo a indemnização pelo carácter indireto
e não certo do dano. Gerando assim, problemas relativos à indemnização ou a falta dela
15
Cordeiro, António Menezes, “Teoria Geral do Direito Civil II, Negócio Jurídico”, 2021, p. 689
16
Atendendo aos artigos 1240º e 1241º do Code Civil – “Qualquer atuação, que causa danos a outro,
obriga o culposo a repará-los”; “Todos são responsáveis pelos danos que causem, não só pela sua própria
atuação, mas também pela sua negligência ou imprudência”.
17
Fine, Edith e Kessler, Friedrich, “Culpa in contrahendo, Bargaining in Good Faith, and Freedom of
Contract: A Comparative Study”, Harvard Law Review, volume 77, número 3, 1964, p. 407
18
Referência ao Acórdão da Cassação de 20 de março de 1972, decisão essa que faz referencia ao dever
de indemnizar um propenso comprador, pela desistência de negociações feita por um vendedor
americano, no âmbito de abuso de direito.
19
O desenvolvimento da noção puramente objetiva do fait fautif acompanha o aumento das preocupações
com a posição da vítima e conduz quase a uma ideia de ilicitude – Cfr. Warembourg, Auque,
Irresponsabilité ou responsabilité civile de l’infans”, 332 e 337. No centro da controvérsia entre os
adeptos da faute subjetiva e da faute objetiva encontra-se o artigo 489º-2 do Code Civil, ligando-se a
problemática, diretamente, à possibilidade de um demente ser civilmente responsabilizado.
dos danos puramente patrimoniais são desconhecidos nesta latitude. Há contudo que fazer
uma célere distinção: Responsabilidade contratual→ dá-se apenas nos casos da conclusão
efetiva de um contrato, que tenham sido caracterizados por danos decorridos na fase pré
negocial; e a Responsabilidade extracontratual/aquiliana→ Dá-se nos casos em que haja
um rompimento súbito e brutal na fase das negociações (pourparlers).
20
Cfr. a célebre frase de Jean Carbonnier: “pas de contrat vaut mieux qu’un mauvais contrat”.
21
Miranda Barbosa, Mafalda, “A Reforma Francesa da Responsabilidade CIivl— Breves Considerações
em Sede Extracontratual”, 2018
22
Idem
de la responsabilité civile d’une dette de responsabilité à une créance d’indemnisation “,
Revue Trimestrielle de Droit Civil, année 1987, 2-3.
Aqui é notável que o conceito de faute demanda dois aspetos: a conduite fautive, que
pressupõe a comparação da conduta a um referente non fautive e a imputabilidade desse
comportamento ao responsável, entendida como a consciência suscetível de discernir o
fautif do non fautif.
Em Portugal, presa-se a primeira vez23 que o instituto foi mencionado por Guilherme
Moreira, na sua obra: Instituições do Direito Civil Português, de 1911, abordando assim
a conceção de Jhering. No ano em questão, vigorava o Código de Seabra, no qual não
havia qualquer tipo de disposições relativas à CIC. O jurista português veio a admiti-la
em determinados contratos nulos, mais propriamente nos casos de venda de coisa alheia
de má fé. Contudo, só com a conceção de José Tavares, é que a rutura injustificada das
negociações (não atendendo aos preceitos da boa fé), passaria a ter tutela por parte do
instituto24.
A adoção da CIC em Portugal não foi integralmente pacifica. Não obstante uma forte
corrente doutrinária que a elogiou, como foi o caso de Cunha Gonçalves e Belesa dos
Santos, existia contudo, uma corrente mais conservadora como Jaime de Gouveia25 que
vem afirmar que toda a doutrina da CIC seria arbitrária e sem fundamento pragmático. O
professor Menezes Cordeiro, em confronto com as primeiras conceções do instituto por
parte do jurista alemão, não delimita a CIC ao interesse negativo: “Já se pretendeu
delimitar o dever de indemnizar ao interesse negativo. Não vemos base para isso. A
mensagem legislativa foi a de cobrir todo o período anterior ao contrato: não o de operar
distinções.”.
23
Segundo o Professor Menezes Cordeiro, onde o afirma na sua obra na p. 333.
24
Leitão, Luís Menezes, “Direito das Obrigações”, 2021 (13ª edição)
25
Gouveia, Jaime de, “Da Responsabilidade contratual”, 1932, p. 293/294
que derivaria do contrato (interesse positivo), mas apenas com as despesas e as perdas
provocadas pelas negociações feitas, ainda que alargado aos lucros cessantes, mercê
dessas mesmas negociações. Esta construção tem como subjacente a ideia de que, na CIC,
se violaria um hipotético “contrato pré-contratual”. A determinação do âmbito da
indemnização deve fazer-se de acordo com as regras próprias da causalidade normativa
e, em especial: perguntando quais os bens protegidos pela boa fé violada.
1. Alemanha
26
Vicente, Dário Moura, “Direito Comparado – Obrigações”, 2013, p. 96
A complexidade dos casos apenas permite o estabelecimento das linhas nucleares e
princípios gerais do instituto. Dado isto, o artigo 311º, II, BGB apenas dispõe uma ideia
fundamental de responsabilidade pré-contratual por violações dos deveres de
consideração, os quais, por seu turno, têm base legal agora oficialmente no artigo 241º,
II, BGB. Atendendo a ratio do artigo 311º, II, BGB, surge uma relação obrigacional com
os deveres de consideração do 241º, II, BGB no âmbito do início das negociações, da
reparação do contrato ou de proximidades negociais. É de frisar ainda, em prol das
familiaridades negociais27.
Estes deveres relevam no caso concreto. O legislador optou por não especificá-los,
nem no 311º, II, nem no 241º, II, BGB, onde está claramente consagrada a categoria geral
dos deveres de consideração, autónomos no que toca aos deveres de prestação (241º, I ,
BGB) e ao dever do neminem laedere, conhecido na ordenamento jurídico alemão sob a
denominação de “deveres de segurança do tráfico” ou Verkehsicherungspflichten (823º,
BGB)28. Segundo o artigo 241º, II, BGB, uma relação obrigacional pode, atendendo o seu
conteúdo, obrigar as partes – além dos deveres de prestação do 241º, I, BGB – a ter em
consideração os direitos, bens e interesses da contraparte. É de frisar que no 241º, II,
BGB não existe qualquer tipo de referência aos principais deveres de lealdade, proteção,
27
“Artigo 311º (...) Uma relação obrigacional, com os deveres decorrentes do 241º, alínea 2, surge ainda
através:
1. do início de negociações contratuais;
2. da preparação de um contrato, através do qual uma parte, com vistas a uma eventual relação negocial,
permite à outra parte a possibilidade de atuar sobre seus direitos, bens jurídicos e interesses, ou confia-lhe
os mesmos;
3. de contatos negociais semelhantes.
(3) Uma relação obrigacional, com os deveres decorrentes do artigo 241º alínea 2, pode surgir ainda para
pessoas que não deverão ser parte no contrato. Tal relação obrigacional surge mais propriamente quando
o terceiro toma para si confiança, na medida considerável, e, com isso, influencia significativamente as
negociações contratuais ou a conclusão do contrato.”
28
Fritz, Nunes Karina, “A Culpa in Contrahendo no Direito Alemão: Um Contributo para Reflexões em
Torno da Responsabilidade Pré-Contratual”, 2017
informação/esclarecimento, sigilo e diligência. Existe apenas uma menção aos deveres de
consideração enquanto categoria geral.
Os efeitos jurídicos decorrentes da ofensa aos deveres de conduta devem, por sua vez,
ser atendidos no artigo 280º, BGB – cláusula geral do direito da perturbação da prestação
(Leistungsstörungsrecht) – que seira melhor titulado de direito da perturbação da relação
obrigacional, uma vez que nem todas as perturbações lá presumidas manifestam um
distúrbio na prestação em si29. Como é o caso das ofensas aos deveres pré-contratuais,
que na sua grande maioria, não afetam a prestação do contrato, podendo até este nem
chegar a formar-se. Quanto ao artigo 280º, I, BGB, o legislador afirma que a consequência
da violação de um dever é, ao que tudo indica, o surgimento de uma presunção
reparatória.
29
Brox, Hans; Walker, Wolf-Dietrich, “Allgemeines Schuldrecht”, p. 206 e ss.
30
Brox, Hans; Walker, Wolf-Districh, “Allgemeines Schuldrecht” — que formam o chamado “direito dos
danos” (Schadensrecht), um sistema de regras destinadas à determinação e apuração do dano.
31
O princípio da reposição natural está implicitamente disposto como o princípio geral de reparação civil,
tanto contratual (artigo 798º/1 CC português), quanto extracontratual (artigo 483º CC português) e é
consagrado na doutrina. Cfr. Gomes, Orlando “Obrigações” ,p. 285: “A relação obrigacional entre o agente
e a vítima tem como conteúdo a pretensão do prejudicado à reparação do dano. Pode ser satisfeita mediante
reposição natural, que importa restituição do bem danificado ao seu estado anterior, ou indemnização
propriamente dita, consistente no pagamento de determinada quantia.”
que a parte lesada mantenha o interesse em concluir o negócio, adaptando-se a outras
disposições32.
2. França
Em 2016, o Code Civil sofreu uma reforma, reforma essa motivada pela necessidade
de modernização do direito dos contratos. O preceito nuclear em matéria de
responsabilidade civil extracontratual passa a ser o artigo 1240º CC, que determina que
“tout fait quelconque de l'homme, qui cause à autrui un dommage, oblige celui par la
faute duquel il est arrivé à le réparer”, acrescentando o artigo 1241º CC que cada um é
responsável pelo dano que causa, não só pelo seu facto, mas também pela sua negligência
ou imprudência. Tal responsabilidade delitual, que se distingue claramente da sua génese
contratual, prevista nos artigos 1231º e ss do Code, pode ainda provir de um facto de
terceiro, nos termos do artigo 1242º CC, ou de um facto não humano (v.g. artigo 1243º e
1244º).
32
Exemplo disso mesmo são os casos de aquisição de uma empresa, em que posteriormente o adquirente
vem a concluir que esta se encontrava com os balanços financeiros adulterados. Mesmo atendendo a difícil
situação patrimonial do bem, o adquirente pode já ter investido muito tempo e capital, podendo assim
continuar a ser viável, a compra do mesmo.
33
No sistema jurídico francês, as hipóteses de responsabilidade pré-contratual são reconduzidas ao
instituto da responsabilidade extracontratual. Cfr. Cordeiro, António Menezes. “Tratado de direito civil,
vol. II – Parte geral”, p. 212; Vicente, Dário Moura, “Da responsabilidade pré-contratual em Direito
Internacional Privado”, p. 256-25.
responsável por um prejuízo ecológico tem de o reparar, acrescentando o artigo 1247º34,
e o artigo 1248º35. Pelo supramencionado, é notável que a lesão cujo ressarcimento se
permite no quadro do Code Civil deixa de estar singularizada num sujeito
individualizado, passando assim a assumir a forma de omissão de um interesse coletivo.
3. Portugal
34
“Le préjudice écologique consistant en une atteinte non négligeable aux éléments ou aux fonctions des
écosystèmes ou aux bénéfices collectifs tirés par l'homme de l'environnement”, in Code Civil
35
“L'action en réparation du préjudice écologique est ouverte à toute personne ayant qualité et intérêt à
agir, telle que l'Etat, l'Agence française pour la biodiversité, les collectivités territoriales et leurs
groupements dont le territoire est concerné, ainsi que les établissements publics et les associations
agréées ou créées depuis au moins cinq ans à la date d'introduction de l'instance qui ont pour objet la
protection de la nature et la défense de l'environnement”, in Code Civil
36
Concretiza-se em 5 institutos, todos eles de filiação germânica. São eles o abuso de direito (334º); a
integração de negócios (239º); a modificação dos contratos por alteração das circunstâncias (437º, nº1); a
complexidade das obrigações (762º, nº2); e por fim evidentemente a CIC tutelada pelo artigo 227º, nº1. A
BFO remete para princípios, regras, ditames ou limites por ela comunicados ou, simplesmente, para um
modo de atuação dito “de boa-fé”; atua como uma regra imposta do exterior e que as pessoas possam
observar, sendo consideravelmente mais palpável que a subjetiva.
fundamentada provoca responsabilidade e gera o dever de indemnizar. Ainda no âmbito
da tutela da confiança, há que atender a alguns pressupostos: tem que ser criada uma
relação; a confiança tem de ser justificada e tem de haver um investimento na mesma; e
por fim tem de ser imputável à outra parte. Por outro, falando agora da primazia da
materialidade subjacente, é verdade que o principio da liberdade contratual37 reconhece e
faculta às partes a possibilidade de negociar livremente, interrompendo assim as
negociações quando o entenderem. Trata-se porem de um valor a aproveitar em sentido
material: a busca livre de um eventual consenso (e não apenas uma conformidade exterior
com o Direito). Qualquer tipo de negociação estranha à autonomia privada é contrária à
boa fé, assim sendo, o Direito procura a obtenção de resultados efetivos, não se
satisfazendo com comportamentos que embora formalmente correspondam a tais
objetivos, falhem em atingi-los substancialmente. Para este preceito, há ainda que atender
a alguns pressupostos; são eles: a presença de um sentido psicológico (estado subjetivo),
onde é irrelevante a necessidade de saber e o sentido ético, onde o dever saber é relevante.
37
Consagrado no artigo 405º
38
Cfr. artigo 11º, 12º, 15º, 16º, 18º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro no âmbito das Cláusulas
Contratuais Gerais, in Código Civil
Menezes Cordeiro, são de frisar os deveres de segurança e proteção. No fundo, são
condições necessárias que tem de ser reunidas para se realizar o negócio. Em ambiente
pré-contratual, ambas as partes devem proteger a contraparte, criando assim o melhor
ambiente possível para o posterior contrato definitivo atingir a sua perfeição.39
1. A jurisprudência alemã
O Professor invoca ainda um outro caso. BGH 8 de junho de 1978: uma comuna foi
condenada por se ter verificado a partilha de informações falaciosas à contraparte. O caso
consiste na venda de certo terreno, contrato este com um particular, onde, posteriormente
se deparou com informações inexatas quanto ao plano de construção que depois veio a
modificá-lo. Quanto a este caso, Menezes Cordeiro afirma que neste caso, estamos
perante uma violação dos deveres de lealdade, já que as partes não podem, in contrahendo,
adotar comportamentos que venham a deturpar a finalidade das negociações: a celebração
39
Cordeiro, António Menezes, “Teoria Geral do Direito Civil”, 1999
40
Idem p. 337
do contrato definitivo. Estes deveres são contudo separáveis dos deveres de informação,
já que a lealdade se cinge pela atuação e a informação pela comunicação.
2. A jurisprudência francesa
41
Cordeiro, António Menezes, “Teoria Geral do Direito Civil”, 1999, p. 505
42
Ao contrário de Portugal (artigo 227º), o sistema francês não tem qualquer disposição conreta atendente
à responsabilidade pré-contratual
43
Serra, Adriano Vaz, “Abuso do Direito”, in boletim do Ministério da Justiça, 1959
44
Cordeiro, António Menezes, “A Boa Fé nos Finais do Século XX”
45
Idem; Jurisprudence française en mantière de doit civil / Obligations et contrats spéciaux: RDTCiv 94
(1995), 618-626
O Professor46 no seu artigo destaca ainda casos atendentes ao conceito de faute, já
anteriormente explicitado, como foi o caso CssFr de 28 de junho de 1994, apud Jacques
Mestre. Em que uma sociedade tinha como objetivo inicial assegurar a continuação duma
outra, através da sua retoma interna, adquirindo a totalidade das suas participações, por
um preço simbólico; através de atuações repetidas, ela deixou pensar, aos que concederam
crédito à empresa em dificuldades, que eles seriam integralmente pagos. Surge então, na
decisão judicial a constatação que foi criada e assegurada uma confiança legítima, da
parte dos credores que, através da responsabilidade civil, adquiriram posteriormente
direito ao reembolso.
Por fim, Cfr, que já foi estipulada uma indemnização de 4.000.000 francos por quebra
injustificada de negociações (CApp Versailles de 21 de setembro de 1995, apud Jacques
Mestre). Outra importante decisão judicial a frisar: segundo a qual uma cláusula abusiva
não deixa de o ser, só por ter um uso frequente (CssFr de 31 de janeiro de 1995, apud
Jacques Mestre).
3. A jurisprudência portuguesa
O caso em questão opõe duas partes: a autora era uma cooperativa de produtores de
utensílios de pesca, onde se dedicava ainda a trabalhos de reparação e construção naval;
o réu tratava-se de um armador que entrou em contacto com a autora em vias desta
construir uma embarcação de pesca para si. Com esse propósito, a autora procedeu à
realização de estudos, pareceres e projetos, tendo por isso, feito diversas deslocações e
contratado pessoal para auxiliar na empreitada da embarcação, à sua custa. As
negociações deram-se dentro das regularidades, sem que nunca o réu tivesse dado algum
tipo de indicação de que as negociações podiam vir a cessar a qualquer momento. De
facto, o réu acabou por cessar as negociações, alegando que tinha uma melhor e mais
eficiente proposta de um outro construtor. O STJ expandiu este caso à possibilidade de
46
Idem
os preliminares do negócio se configurarem num caso passível de indemnização pela CIC.
Os juízes vêm então a afirmar que atenta a matéria de facto, concluindo que deram lugar
negociações entre o réu e a autora e que estas levaram a autora a formar uma base de
confiança e expectativa na futura celebração do contrato. Reiteraram ainda que o réu
deveria ter prevenido a autora para a hipotética possibilidade de negociações paralelas,
atendendo aos deveres de informação. Se estes deveres tivessem sido respeitados a
contraparte podia ter medido o seu esforço de forma a que os gastos não fossem de
tamanha importância.
Menezes Cordeiro47, neste caso que evidencia apenas a simples referência ao instituto,
reitera que se trata de um fenómeno importante que recorda a estrutura decisória que
dispõe a aplicação do Direito e a natureza de argumento assumida pelos atores jurídico-
legais que orientavam a vontade humana. A adoção do instituto da CIC nos modelos de
decisão contribuirá certamente para o enraizamento dos seus preceitos na cultura jurídica.
47
Cordeiro, António Menezes, “Teoria Geral do Direito Civil”, 1999, p. 342-343
48
Vicente, Dário Moura, “Direito Comparado – Obrigações”, 2013, p. 127
Quais os pressupostos 1. culpa do agente (487º) 1. dano
requeridos para o dever 2. imputabilidade (488º) 2. o dano sofrido in 1. dano
de reparar os danos 3. dano (564º e 566º) contrahendo tem de 2. faute
causados? 4. facto voluntário e resultar da infração de 3. imputabilidade
ilícito (previsto na 1ª algum dever jurídico, em (foram abertas discussões
parte do próprio 483º) prol de ser indemnizável no que toca ao nexo de
5. nexo de causalidade 3. ocorrência de uma causalidade)49
(563º) diminuição patrimonial
Conclui Dário Moura Vicente50 que, atendendo aos sistemas jurídicos considerados,
existem 3 tipos nucleares de soluções normativas para a questão da ressarcibilidade dos
danos causados por atos ou omissões ocorridos nos preliminares e na formação dos
contratos e do regime a que ela se encontra submetida.
Podemos começar por abordar a primeira corrente defendida pelo professor: onde a
responsabilidade pré-contratual é entendida como uma responsabilidade obrigacional,
atendendo a deveres de conduta e aos preceitos da boa fé; nesta primeira categoria, em
traços gerais, enquadra-se o sistema alemão.
A segunda corrente concretizada por Dário Moura Vicente é onde se enquadra o sistema
francês, entre outros, como os países de Common Law. Esta segunda corrente, da
responsabilidade pré-contratual assume a feição de uma responsabilidade
extraobrigacional: rejeitando a existência de um vinculo obrigacional entre as partes que
ambicionam a conclusão do contrato, admitindo antes e apenas a imputação dos danos
causados in contrahendo nos termos das normas da responsabilidade extracontratual.
Dado o supramencionado aquando do descrito do ordenamento francês, é-nos sabido que
dada a amplitude da cláusula geral da responsabilidade extracontratual; a compreensão
da própria violação de obrigações; e pelo entendimento que sem contrato, não há
49
Cfr. Hassen, Aberkane, “Du dommage causé par une personne indéterminée dans un groupe déterminé
de personnes”, Revue Trimestrielle de Droit Civil, tome cinquante-sixième, 1958, p. 518-519
50
Vicente, Dário Moura, ”Direito Comparado – Obrigações”, 2013, p. 126-128
responsabilidade contratual, este país, em relação aos restantes, é consideravelmente mais
conservador e tradicional no que toca a conceitos um quê de ultrapassados do Código
Napoleónico.
Por fim, o professor aborda ainda uma terceira categoria: a responsabilidade pré-
contratual é uma figura híbrida. Ou seja, atende aos preceitos da boa fé e ao cumprimento
dos deveres pré-contratuais, contudo, o que a distingue do sistema alemão é que nem
sempre o dever de indemnizar e um posterior ressarcimento dos danos advêm das regras
de responsabilidade contratual. É então possível neste terceiro entendimento, estando
Portugal incluído, que para além da conceção germânica, ainda são atendidas normas de
uma ou de outra das duas espécies fundamentais de responsabilidade, consoante a
natureza do respetivo facto indutor e do caso concreto.
Deste modo, pode concluir-se que a Alemanha e Portugal apresentam ordenamentos que
têm em comum a permeabilidade necessária às exigências de índole ética e social, que se
traduzem exatamente na delimitação do maior principio do Direito Civil: a autonomia
privada. Ambos atentam vivamente ao principio da boa fé e a todas as suas nuances, o
que resulta não só na estipulação de um contrato querido pelas partes, mas também num
contrato socialmente aceitável. Este instituto veio a dar a devida relevância às requeridas
circunstâncias e comportamentos no ambiente pré-contratual, por ambas as partes. O que
nos levou a constatar o seguinte: a rutura das negociações pode e deve dar azo a uma
situação de responsabilidade, aquando o principio “pactum de tratando” fosse violado.
Mota Pinto explicita o princípio da seguinte forma: “trata-se dum facto, surgido no
decurso das negociações, gerador de confiança de que a outra parte preserve nelas até ao
acordo negocial ou até que, pela troca de pontos de vista e pelo exame conjunto do projeto,
o acordo se afigure impossível”.
É de frisar que França tem vindo a manter como ponto de partida e de chegada o conceito
de faute. Não obstante, as referências não muito felizes aos fundamentos consensuais da
responsabilidade (ilicitude e culpa), o ordenamento francês opta por uma notória linha de
continuidade entre as construções da doutrina e da jurisprudência. Dito isto, os tribunais
franceses procuram manter-se fieis à tradição doutrinal e jurisprudencial, não obstante
alguns momentos de cedência, conduzidos pela influência da família germânica.
Bibliografia
Jurisprudência
→ https://dejure.org/