Experiencia Materna Nos Casos Gemelares
Experiencia Materna Nos Casos Gemelares
Experiencia Materna Nos Casos Gemelares
Resumo: Este trabalho tem por objetivo trazer uma reflexão acerca da experiência da
maternidade exercida com mais de um bebê ao mesmo tempo, ou seja, nos casos gemelares.
Fundamentados na teoria winnicottiana, buscaremos compreender como o estado de
preocupação materna primária é vivenciado pelas mães de gêmeos, tendo em vista as
peculiaridades do processo de subjetivação desses bebês. Se o fato de ser possível para a mãe
responder às necessidades iniciais das crianças através da construção de um olhar
singularizado para cada filho, evitando-se, assim, o risco de tomá-los em seu psiquismo de
forma indiferenciada, configura-se um espaço propício à subjetivação. Trata-se de um espaço
intersubjetivo que se configura a partir de um estado de abertura à afetação pelo outro, o que o
conceito de experiência de Walter Benjamin aborda com maestria.
Palavras-chaves: maternidade; gêmeos; preocupação materna primária; singularidade.
Abstract: This work aims to bring a reflection on the experience of motherhood exercised
with more than one baby at the same time, that is in twin cases. Based on Winnicott’s theory,
we will seek to understand how the state of primary maternal preoccupation is experienced by
mothers of twins, considering the peculiarities of the subjective process of these babies. If
initial needs of children, which requires full maternal dedication, it is possible for the mother to
respond by building a singled look at each child, avoiding the risk of taking them into your
psyche an undifferentiated way, configures itself a favorable space to subjectivity. This is an
inter-subjective space that is configured from a state of openness to the other affectation,
which the concept of experience described by Walter Benjamin covers masterfully.
Keywords: maternity; twins; primary maternal preoccupation; singularity.
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1) Introdução
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mãe tem deste estado tende a ser reprimida. (Winnicott, 1958n/1993,
p. 493)
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Experimentar, portanto, é um modo de produção de saber sobre a condição humana
desvinculado do saber mental (Safra, 2006). Como nos primeiros tempos a criança
ainda não tem um estatuto puramente objetivo para a mãe, ainda sendo, em grande
medida, um objeto narcísico e subjetivo para ela, o mergulho materno é, ao mesmo
tempo, em seu ser e no ser incipiente da criança. Assim, lançar-se nesse movimento em
direção ao outro é, paradoxalmente e ao mesmo tempo, apoiar-se numa profunda
ancoragem em si mesma, nesse mergulho interior que faz a mãe entrar em contato com
o seu lado infantil, com a criança que ainda vive nela.
Para se entregar, então, à busca por um conhecimento que emerge de sua
experiência na relação com o bebê – uma experiência mimética (Benjamin, 1987) –, a
mãe precisa, em sua experiência de si, deixar-se levar por um movimento centrífugo
em direção a seu bebê, o que implica um apagamento de si enquanto sujeito à medida
que, de certo modo, ela se descentra de sua própria subjetividade. Esse silêncio da
dimensão subjetiva da mãe é requerido para que ela possa sintonizar-se finamente com
o bebê, sentindo com e a partir de um campo intersubjetivo e transicional no qual os
dois se misturam, tal como o menino Benjamin ao caçar borboletas durante sua
infância em Berlim. No artigo “A arte de caçar borboletas”, Castro (2009) procura
traduzir poeticamente a experiência sensorial de uma criança que ansiava dissolver-se
em luz e ar, como parece-lhe fazer a borboleta, para assim aproximar-se dela sem ser
percebido. Viver a essência da borboleta era o objetivo almejado a partir de
comportamentos miméticos nos quais o sujeito abre-se ao seu objeto de forma que nele
possa penetrar o espírito da borboleta. Trata-se de um
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assim, absolutamente pautada na sensorialidade, é produtora de um conhecimento
extrassensível que é, por isso mesmo, profundamente pessoal e essencialmente
verdadeiro, na medida em que se ancora no campo da experiência. O filósofo traz aqui
a ideia de uma interioridade paradoxal: é o apagamento do sujeito, sua retração,
regressão ou involução que permite a mistura entre o de dentro e o de fora, em seu
“devir-borboleta”. O conceito deleuziano de devir, nesse sentido, é bastante útil como
representação de um “espaço liso” que permite as passagens de um a outro, tal como as
ondas do mar que vêm e vão.
O espaço onde se dá a experiência é intenso e não extenso. É um espaço de
intensidades e de afetação, comportando a dimensão temporal do instante e do agora,
em que a semelhança pode ser experimentada. Esse processo traz como exigência um
sujeito elástico o suficiente para elevar-se ao cume do tempo, ao tempo suspenso, livre
da linearidade, da causalidade e da cronologia: o tempo da criação (Castro, 2009). A
ideia de infância em Benjamin, opondo-se à de sujeito formado ou de interioridade
subjetiva constituída, retrata essa característica de abertura e elasticidade que
possibilita a troca viva entre o interior e o exterior, entre envolvido e envolvente. Essa
disposição subjetiva da criança que, “com seu olhar inconsciente e curioso” (Castro,
2009, pp. 214-215), assume a essência da borboleta e, ao mesmo tempo, nela se
reconhece, é o protótipo de uma subjetividade aberta à experiência, ao campo
intersubjetivo em que as fronteiras são tênues. Despojar-se de cristalizações que
impeçam a expressão do potencial criativo, tonando-se, para Benjamin, uma criança, é
o pré-requisito para embarcar nessa experiência transcendental do espaço, do tempo e
da linguagem. É esse o percurso da mãe ao entrar em preocupação materna primária,
impulsionada pelo contato com seu bebê.
A mimese, nesse sentido, é precisamente uma maneira de se comunicar com o
objeto no registro do sentir, da afetação, do sensível, do não verbal. Deixar-se tomar
pelo arrebatamento, pela convocação de conhecer o outro, é condição para a
experiência mimética, que advém da capacidade inata do homem de conhecer o mundo
buscando produzir (mais do que encontrar) semelhanças a partir da aventura de lançar-
se ao encontro do outro, despojando-se de toda bagagem prévia, para assim permitir
uma experiência de mistura, de fusão criativa. Trata-se, desse modo, de uma busca
extrassensível em que, conectado com a experiência do próprio espírito, abre-se à
afetação pelo espírito do outro que se apresenta nesse encontro, de onde brota ou
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irrompe algo absolutamente novo e autêntico, que não é nem de um, nem do outro, mas
sim proveniente do campo intersubjetivo que se criou nessa experiência compartilhada.
A mãe devotada, na relação com seu bebê, perde-se nele, como Benjamin
menino perdeu-se na borboleta, entregando-se a um balé sensorial em que se torna
possível conformar-se ao movimento do outro, ou seja, produzir em si mesmo a
mesma forma, sempre, no entanto, originando o novo. Assim, apropriando-nos das
contribuições da filosofia ao estudo do estado de preocupação materna primária,
podemos dizer que, pela via da mimese, a mãe entra em contato com a experiência
sensível de seu bebê, tomando conhecimento, a partir do que sente em si mesma, das
intensidades que atuam no bebê e, então, nesse espelhamento, produz semelhanças que
aproximam os dois seres num nível muito profundo de comunicação, de afeto e de
identificação.
Embora, obviamente, de acordo com Ogden (2010), essa tarefa não seja
executada senão com algum (ou com grande) custo psíquico para a mãe em
preocupação materna primária, há muito prazer em dedicar-se integralmente à sua
criança, uma vez que ela ainda não possui propriamente um estatuto de objeto externo,
completamente separado. Mais do que uma alteridade, a criança é reconhecida nos
primeiros tempos de vida como parte da mãe, carregando, até certo ponto, o estatuto de
objeto interno (Missonier, 2004), nutrindo a mãe narcisicamente.
Desse modo, é somente o conhecimento profundo que brota do espírito da mãe
a partir de sua experiência com a criança que tem o potencial de ser exato e preciso
para aquela dupla em particular, pois leva em conta as disposições mais profundas da
mãe, toda sua história, todo seu ser e sua bagagem espiritual, nos termos de Benjamin,
que se atualizam no tempo do agora. É necessariamente a partir dessa profunda
experiência de si no encontro com seu bebê que uma mãe poderá se relacionar
genuinamente com ele. Desse modo, identificamos no processo de se tornar mãe uma
oportunidade ou, mais precisamente, uma convocação para a experiência, para essa
busca de si mesmo, fundamental para que se desperte o saber materno intuitivo de
Winnicott ou o conhecimento extrassensível de seu bebê, conforme Benjamin.
Tendo em vista essas considerações, que demonstram a relevância da entrega
materna para o desenvolvimento psíquico do bebê, este trabalho pretende discorrer
acerca da seguinte indagação: como a experiência da maternidade ocorre em casos de
gêmeos, nos quais a entrega materna deverá acontecer em relação a dois ou mais bebês
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simultaneamente? Apresentaremos, desse modo, algumas reflexões respaldadas na
teoria winnicottiana, a fim de compreender as peculiaridades relativas a esses casos.
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permitindo a ela a experiência de onipotência, na qual a criança tem a ilusão de criar o
objeto encontrado conforme sua vontade. Essa experiência tem o valor de ser e é a base
para a confiança no ambiente.
Em seu trabalho A capacidade de estar só (Winnicott, 1958g/1983), Winnicott
trata de como o encontro do bebê com sua mãe propicia que ele possa, na realidade,
ficar só consigo mesmo, pois será através dessa atmosfera de segurança que o bebê
conseguirá relaxar e entrar em contato com seu self verdadeiro. Essa conquista do
desenvolvimento demonstra, mais uma vez, a importância fundamental dessa relação
primordial para a constituição psíquica do bebê: será na presença da mãe que o bebê
conseguirá atingir a capacidade de estar só. Na passagem seguinte, Winnicott descreve
a importância desses momentos para a criança:
A respeito dessa dedicação que a criança pequena exige de sua mãe, Winnicott
(1957s/1945) afirma que se trata de um egoísmo primário absolutamente essencial para
a consolidação do sentimento de ser. Essa experiência de ter uma mãe completamente
devotada a atender a suas necessidades, que são urgentes e implacáveis sem a ajuda de
um cuidador sensível e disponível, é condição para que, no futuro, o bebê possa
naturalmente prescindir dessa dedicação exclusiva, compreendendo e permitindo que a
mãe tenha outros interesses e investimentos.
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posse e a sensação de que exerce controle sobre ela, de que a mãe foi
criada para a ocasião. Sua própria vida privada não é inicialmente
imposta ao bebê. Com a experiência do egoísmo primário
impregnada até os ossos, o bebê está capacitado a ser mais tarde
desinteressado e desprendido sem demasiado ressentimento.
(Winnicott, 1957s/1945, pp. 155-156)
É preciso, então, permitir ao bebê levar o tempo que precisar para reconhecer o
direito da mãe a outros interesses. Ora, no caso de irmãos gêmeos, esse estado de
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coisas não é possível, pois desde sempre há um outro que também chora e solicita a
mãe ao mesmo tempo. Tendo em vista essa constatação, abordaremos a seguir como
seria, para a mãe de gêmeos, a experiência de fazer dois mergulhos intersubjetivos
dessa natureza simultaneamente, entrando em preocupação materna primária em
relação a dois ou mais bebês ao mesmo tempo. Seria isso possível?
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formavam um par de crianças e deixavam a terceira sobrando, como se fosse uma
extra.
Refletindo acerca dessas considerações, Ribeiro (2014) levantou a hipótese de
que poderia haver um limite subjetivo em relação ao número de bebês que as mães
conseguem dar conta simultaneamente, hipótese essa embasada pela constatação do
estudo de Garel, Salobir e Blondel (1997) de que o terceiro bebê era percebido como
excluído pelas mães. No referido trabalho, a eminente dificuldade de elaboração de
uma gestação gemelar foi percebida como um estado de com fusão, no qual apareceu
uma dificuldade eminente das mulheres grávidas de gêmeos de abrirem espaço
psíquico para receber seus dois bebês. Essa percepção surgiu a partir da observação da
pesquisadora de fatos tais como uma mãe comprar dois armários e dois bercinhos para
seus filhos, mas ocupar apenas um; de outra mãe colocar seus bebês para dormirem
juntos no mesmo berço; assim como a presença de atos falhos, como “nós dois, nós
três, né”, quando uma mãe se referia a ela e a seus dois bebês. Esses dados foram
compreendidos como uma dificuldade de assimilação inconsciente da chegada de seus
dois bebês, de forma que essas mães os uniam em apenas um, como apareceu nessas
atitudes e falas.
Contudo, o fato é que as mães de gêmeos conseguem dar conta dessa situação,
afinal, não há registros de que filhos gêmeos apresentem maiores problemas psíquicos
ou interpessoais. De alguma forma, parece que as mães conseguem se entregar a esse
processo de preocupação materna primária simultaneamente com dois bebês. Pode-se
levantar a hipótese de que um dos grandes segredos para que essa entrega se torne
possível seja a construção de relações distintas com cada um dos sujeitos, percebidos
como singulares e reconhecidos em suas individualidades, despertando, assim, na mãe,
expectativas e projeções diferenciadas.
A construção da relação da mãe com seu filho, como sujeito singular, é um
processo gradual em que a mãe inicialmente percebe seu filho como parte dela mesma,
como explica a psicanalista Monique Bydlowski, referindo-se ao objeto interior da
mãe, que diz respeito ao bebê que ela foi outrora e que lhe dá bases para fantasiar o seu
bebê (Bydlowski, 2002). Após o nascimento de seu filho, Bydlowski acredita que a
mãe se relacionará com esse bebê que está então do lado de fora através de traços
mnemônicos ativados pelo bebê que a mãe fora no passado, ainda relacionado à sua
própria vivência. Só mais tarde a mãe poderá investir seu bebê como um verdadeiro
objeto externo, e não apenas como um representante de um objeto interno.
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A psicanalista Regina Aragão (2007), partindo dessa teorização de Bydlowski,
propõe que a gestação seria o tempo em que se dá esse trabalho de preparação da
relação objetal por parte da mãe. A autora explica que o que está em questão é a
capacidade materna de erotizar uma parte ainda interna de si mesma. O bebê
inicialmente é um outro dentro do corpo da mãe e pode ser percebido por ela como um
invasor. Dessa forma, para que a mãe seja capaz, em um segundo momento, de
perceber seu bebê objetivamente, é necessário que haja no período gestacional um
deslizamento da percepção de seu feto como uma parte integrante de seu próprio
corpo. Posteriormente, então, chegaria o momento em que o bebê vem a se constituir
como um outro para a mãe e, assim, se configurar como um objeto alvo de suas
projeções e de seu decorrente investimento. Assim, ao longo da gestação, espera-se
que o bebê possa se tornar cada vez mais familiar através das projeções e idealizações
maternas que estarão ancoradas na sua própria história infantil, ao mesmo tempo em
que o bebê passa a ser reconhecido em sua dimensão de alteridade.
Tendo em vista essa concepção de que a percepção objetiva do bebê por parte
da mãe é uma construção, pode-se inferir que esse processo será mais custoso
psiquicamente para a mãe de gêmeos, que passará por tudo isso com dois bebês.
Contudo, conforme vai se construindo a percepção objetiva de cada bebê, a mãe
poderá mergulhar na relação total com cada um deles, tornando-se também, dessa
forma, uma mãe distinta para cada um deles.
Alguns achados do estudo de Tavares (2007) podem nos auxiliar a
compreender as reflexões aqui propostas. A autora buscou compreender as relações
triangulares em gêmeos. Para tanto, ela acompanhou cinco pares de gêmeos durante o
primeiro ano de suas vidas. Entre seus relatos e discussões, Tavares trouxe uma
constatação curiosa: os gêmeos permaneciam quietos enquanto a mãe fazia a higiene
do irmão ou o alimentava. No entanto, se, após finalizar a tarefa, a mãe seguisse sua
interação com o irmão, o outro gêmeo começava a reclamar. Perante essas
observações, a autora levantou a hipótese de que os gêmeos parecem ser capazes de
compreender as necessidades de cuidados dos seus irmãos e, por isso, conseguiam
aguardar alguns minutos para receber a atenção materna.
Tavares (2007) também chamou a atenção para os revezamentos entre os
irmãos de ciclos sono-vigia, visto que muitas vezes eles eram tão sincronizados que
chegavam a parecer que eram combinados pelos gêmeos. A pesquisadora relatou que,
após serem cuidados, os bebês muitas vezes adormeciam e permitiam que a mãe
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cuidasse do irmão. Contudo, quando esses revezamentos não ocorriam, Tavares
percebeu que as mães estavam quase sempre envolvidas em situações triádicas
cuidando dos dois filhos ao mesmo tempo, visto que a presença dos pais nos casos
observados era rara. A partir desse relato, a autora refletiu a respeito da
impossibilidade de o bebê gêmeo estar a sós com sua mãe, pois, mesmo na ausência
física do irmão, quando este adormecia, por exemplo, ele permaneceria presente na
mente materna.
Dentre os achados de Tavares (2007), surge o paradoxo de haver momentos em
que os gêmeos aceitavam aguardar o irmão ser atendido e outros em que esta espera
não era facilmente tolerada, normalmente em situações nas quais a mãe já havia
terminado o cuidado com o irmão, mas seguia interagindo ludicamente com ele.
Nesses momentos, os bebês chamavam a atenção das mães muitas vezes através de
expressões faciais que demonstravam desagrado, as quais eram frequentemente
serenadas com olhares, sorrisos e palavras maternas. Pode-se inferir que, nessas
ocasiões, não é a questão da previsibilidade ou de sua falta que está em questão, mas o
desejo do bebê de que a mãe interaja ludicamente apenas com ele, pois, como vimos
anteriormente, existe uma necessidade de o bebê entender que tem poder sobre sua
mãe e de que possui controle sobre ela, algo que Winnicott chamou de egoísmo
primário (Winnicott, 1957s/1945).
Nesse sentido, Winnicott havia proposto que as mães de gêmeos verificariam
que sua finalidade não é tratar cada filho de maneira idêntica, mas justamente “tratá-lo
como se fosse um único” (Winnicott, 1957s/1945, p. 157), e que, assim, a mãe tentará
descobrir as diferenças de cada bebê. A mãe poderá desenvolver com cada um uma
relação total e irá compreender que seus filhos vivenciam experiências paralelas e
possuem diferentes temperamentos, principalmente nos casos em que há uma extrema
semelhança física entre eles. Nesses casos, a identificação das diferenças e o
reconhecimento do sujeito que existe em cada um dos filhos se torna ainda mais
primordial.
Winnicott (1957s/1945) inferiu que uma grande parte das dificuldades
vivenciadas pelos gêmeos decorre do fato de eles nem sempre serem reconhecidos
como diferentes um do outro, mesmo naquilo em que são realmente diferentes. Esse
seria um desafio para os gêmeos, pois, para Winnicott, seria muito mais fácil tornar-se
uma pessoa integral estando sozinho do que na companhia do próprio irmão gêmeo.
Assim, a relevância da mãe em reconhecer a individualidade de cada filho estaria
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presente pelo fato de, a partir desse reconhecimento, ela poder se relacionar
distintamente com cada um de seus filhos e, também, possibilitar que eles, por sua vez,
possam se reconhecer como indivíduos distintos.
Há de se considerar, no entanto, outro fator mencionado anteriormente: a
dedicação redobrada às tarefas que as mães de gêmeos precisam cumprir, o que,
segundo Winnicott (1957s/1945), exigiria um esforço ainda maior da mãe no contexto
de gemelaridade. Nesse sentido, torna-se relevante ressaltar que, além do apoio
ambiental que dá suporte à mãe – função paterna –, é preciso haver da parte das mães
uma aposta na capacidade de espera de seus bebês, o que só poderá surgir a partir da
possibilidade de previsibilidade do que irá acontecer em seu ambiente. Conforme o
tempo passa e a mãe estabelece determinados ritmos que perpassam suas reações e
atividades com os bebês, constrói-se uma trama de continência que capacita cada um
dos irmãos a antecipar os movimentos do ambiente e vivenciar, assim, uma experiência
de continuidade, conforme exposição do psicanalista Alberto Ciccone (2015). Por
exemplo, se o bebê compreender que sempre que a mãe se afastar com o irmão e ele
escutar um barulho (o do banho sendo preparado), depois de alguns instantes ela
retornará para buscá-lo, com o tempo ele irá cada vez mais permanecer tranquilo na
ausência da mãe, pois pode prever seu retorno. Desse modo, percebe-se que é
estabelecido um vínculo de confiança em que o bebê compreende as ausências
maternas e a mãe, por sua vez, compreende que seu bebê poderá lhe esperar, o que
possibilitará que ela se dedique totalmente ao filho que está com ela naquele momento,
oferecendo-se, portanto, integralmente a cada um deles.
Contudo, ainda que possamos inferir que a dedicação integral materna a cada
gêmeo aconteça, é preciso reconhecer que essa dedicação será intermitente, visto que
os cuidados ocorrerão de forma alternada para cada bebê. Os gêmeos parecem
sustentar o tempo de espera da mãe a partir das possibilidades de previsibilidade e
antecipação descritas acima, construindo dessa forma vivências de continuidade. A
experiência materna, porém, caracteriza-se, certamente, por uma maior exigência
psíquica da mulher convocada a construir em cada relação filial uma riqueza simbólica
e afetiva que demanda seu total envolvimento pessoal.
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4) Considerações finais
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ocupar-se do irmão, ela voltará em breve. Dessa forma, a mãe também, por sua vez,
poderá confiar na capacidade de espera de seu filho para, então, poder se entregar ao
irmão gêmeo, estando inteira nesse mesmo processo. Assim, o balé dessas duas díades
encontra sua coreografia sincronizada.
Referências
Corrêa Filho, L., Corrêa Girade, M. H. & França, P. (Orgs.). (2002). Novos olhares
sobre a gestação e a criança até 3 anos: saúde perinatal, educação e desenvolvimento
do bebê. Brasília: L. G. E. Editora.
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Klock, S. C. (2004). Psychological adjustment to twins after infertility. Best Practice
and Research Clinical Obstetrics and gynaecology , 18, 645-656.
Ogden, T. (2010). Esta arte da psicanálise: sonhando sonhos não sonhados e gritos
interrompidos. Porto Alegre: Artmed.
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Winnicott, D. W. (1983). A capacidade para estar só. In D. Winnicott (1983/1965b), O
ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho
original publicado em 1958g).
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