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UNVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

LÍNGUA E DESENVOLVIMENTO: O CASO DA GUINÉ-BISSAU

JOSÉ AUGUSTO BARBOSA

MESTRADO EM LÍNGUA E CULTURA PORTUGUESA

PLE/PL2

2015
UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE LETRAS

LÍNGUA E DESENVOLVIMENTO: O CASO DA GUINÉ-BISSAU

JOSÉ AUGUSTO BARBOSA

Dissertação orientada por

Professora Doutora Catarina Isabel Sousa Gaspar

MESTRADO EM LÍNGUA E CULTURA PORTUGUESA

PLE/PL2

2015

ii
Dedicatória
A Deus

“ Como posso retribuir ao Senhor por todos os benefícios que me tem feito” ?

( Salmo 116: 12 )

Não seria possível este meu trabalho se não fosse Deus, o meu lugar de refúgio, meu
fiel companheiro, meu animo nos momentos de desânimo, meu socorro na angústia.

A minha mãe:

Pelo amor que me mostrou, a direção correta e me ensinou a ter a fé na vida.

“ O bom filho é aquele que vai a caça e trás a carne.”

“ Si cego pidiu simola, si bu ca pudi djudal

Diçal qui cego bai “ …

Américo Gomes

Se um cego te pedir esmola, se não tens para lhe

ajudar, deixa o cego ir ….

iii
AGRADECIMENTOS
Obrigado a todos os que tornaram possível quebrar o meu silêncio, quando no
silêncio procurava respostas para tantas interrogações.

Os momentos de alegria serviram para me permitir acreditar na beleza da vida, e


os de sofrimento, serviram para um crescimento pessoal único. É muito difícil
transformar sentimentos em palavras, mas serei eternamente grato a vocês, pessoas
imprescindíveis para a realização e conclusão deste trabalho.
Por essa razão, desejo expressar os meus sinceros agradecimentos:
Em primeiro lugar, agradeço a Professora Doutora Catarina Gaspar por
acreditar que eu era capaz. Abriu as portas, como uma mãe que abre os braços para
receber um filho. Nesse mundo, repleto de pessoas ruins, você me fez acreditar que os
bons são a maioria. Só tenho que agradecer aos seus ensinamentos (pessoais e
académicos), orientações, palavras de incentivo, paciência e dedicação. Você é uma
pessoa impar, onde busco inspiração para me tornar melhor em tudo que faço. Orgulho
em dizer que um dia foste a minha orientadora.
Agradeço a minha mãe Maria Augusta Barbosa, heroína que me deu apoio,
incentivo nas horas difíceis, de desânimo e cansaço.
Ao Carlos e a Samatra, que sempre fizeram entender que o futuro é feito a partir
da constante dedicação no presente, ouviram os meus desabafos, presenciaram e
respeitaram o meu silêncio. As alegrias de hoje são também suas, pois seus amores,
carinho e estímulo foram armas para essa minha vitória, não esquecendo a Raissa e o
Cristian (mano).
Ao Instituto Camões, pela Professora Doutora Ana Paula Laborinho pelo apoio
financeiro concedido, através da bolsa de investigação
Aos Professores do Mestrado, em especial Professora Inocência Mata, Professor
Avelar e a Professora Maria José Meira, um muito obrigado.
Ao Onu, e a Milanca Monteiro da Costa obrigado por acreditarem sempre em
mim e naquilo que faço.
E que dizer a você Xangai (Carlos Morato Milaco):
Valeu a pena todo o sofrimento, todas as renúncias … Valeu a pena esperar …
Hoje estamos colhendo, juntos, os frutos do nosso empenho!
Esta vitória é mais sua do que minha !!!

iv
RESUMO
A questão do ensino da língua portuguesa como língua oficial e língua segunda
em África tem merecido críticas, ao mesmo tempo que tem sido objeto de estudo, mesas
redondas e colóquios em áreas diversas, em especial no âmbito do ensino/aprendizagem
de LE/L2 e da sua repercussão na política linguística e na política educativa aí
desenvolvida nas últimas décadas. A língua portuguesa na Guiné-Bissau é a única com
estatuto de língua oficial, idioma de escolarização e da administração pública. Na
verdade, é nessa língua que se processa todo o ensino, desde o ensino básico até ao
ensino superior. Sabemos que a educação é um dos eixos estratégicos do
desenvolvimento, à qual deve ser atribuído um papel de grande importância.
O papel da língua materna na aprendizagem de outras línguas é um dos aspetos
que julgo ser particularmente relevante no caso da Guiné-Bissau, tendo em conta a
diversidade linguística existente no território. A inexistência de uma política educativa
que alie de forma construtiva a presença das línguas maternas africanas e do crioulo
com a língua portuguesa, aliada à situação de diglossia reinante na Guiné-Bissau, são
fatores inibidores do processo de desenvolvimento da qualidade e do sucesso do sistema
de ensino, com repercussões na sociedade guineense e no próprio crescimento do país.
O presente trabalho propõe uma leitura e análise da bibliografia no âmbito da
didática de LE/L2, do ensino bilingue e dos estudos sobre o desenvolvimento
económico e social. São objetivos específicos deste trabalho:
- Abordar o panorama linguístico da Guiné-Bissau;
- Analisar os mecanismos da política linguística na Guiné-Bissau e da política em
geral, tendo em vista a política para o desenvolvimento educativo e social do país;
- Estudar o crioulo guineense, considerando a sua génese e o seu papel entre
diversas línguas africanas no território da Guiné-Bissau;
- Analisar o estatuto da Língua Portuguesa na Guiné-Bissau, em particular o seu
papel no sistema educativo guineense e principais dificuldades no seu
ensino/aprendizagem.
Palavras-chave:
Crioulo, Política Linguística, Política Educativa, Português LE/L2, ensino-
aprendizagem .

v
Abstract
The question of the teaching of Portuguese as official language and as second
language in Africa has received criticism, while it has been the subject of studies,
roundtables, especially in teaching / learning FL/L2 and its repercussion on language
policy and education policy developed there in recent decades.
The Portuguese language in Guinea-Bissau is the only one with the status of
official language, language of schooling and public administration, indeed all the
education from primary to higher education is done in this language. We know that
education is one of the strategic development axes, which must be given a role of great
importance.
The role of mother tongue in learning other languages is one of the aspects that
we must consider to be particularly relevant in the case of Guinea-Bissau, considering
the existing linguistic diversity across the country. The absence of an education policy
that combines constructively in the presence of African mother tongues and Creole with
Portuguese, allied to diglossia that prevails in Guinea-Bissau are inhibiting factors of
the process of quality development and success of the country itself.
This work will be developed by reading and analysing literature within the
didactics of FL/L2, bilingual education and studies on the economic and social
development. The specific aims are:
- Address the linguistic landscape of Guinea-Bissau;
- To analyse the mechanisms of language policy in Guinea-Bissau and politics in
general, in view of the policy for the education and social development of the
country;
- Studying the Guinean Creole, considering its origins and its role among various
African languages spoken within Guinea-Bissau;
- Analyse the status of the Portuguese Language in Guinea-Bissau and, in
particular, its role in the Guinean education system and the major difficulties in
teaching and learning process.

Keywords: Creole, Language Policy, Education Policy, Portuguese as Foreign


Language / Second Language, teaching-learning.

vi
ÍNDICE

Dedicatória ............................................................................................................................. iii


AGRADECIMENTOS................................................................................................................iv
RESUMO ..................................................................................................................................... v
Abstract .....................................................................................................................................vi
Siglas e Acrónimos ................................................................................................................. x
Introdução ................................................................................................................................ 1
Metodologia ..............................................................................................................................4
Capítulo 1 – Situação Linguística da Guiné-Bissau .....................................................5
1.1. Origem do Crioulo .................................................................................................................... 5
1.2. Descriolização ........................................................................................................................... 6
1.3. Crioulos de Base Lexical Portuguesa................................................................................. 6
1.3.1.Crioulo da Alta Guiné (Crioulo de Cabo-Verde e Casamansa) ........................................ 7
1.3.2. Crioulo da Guiné -Bissau ............................................................................................................... 8
1.4. O Crioulo antes da independência ...................................................................................10
1.5. Crioulo, Língua Nacional ......................................................................................................11
1.6. Crioulo, fator de identidade e unidade nacional ........................................................15
1.7. Durante a luta de libertação nacional............................................................................21
1.8. Crioulo depois da independência .....................................................................................23
1.8.1 A Língua Oficial ................................................................................................................................ 25
1.9. As diferentes línguas usadas na Guiné-Bissau.............................................................26
Fonte: O crioulo português da Guiné-Bissau ........................................................................29
1.10. A Questão do Crioulo no ensino......................................................................................29
Capítulo 2 - O desenvolvimento...................................................................................... 34
2.1. Aspetos gerais..........................................................................................................................34
2.2. A língua e desenvolvimento ...............................................................................................36
2.3. Agenda de Desenvolvimento pós 2015 ..........................................................................39
2.4. Princípios Estratégicos da Cooperação Portuguesa ..................................................42
2.5. Objetivos estratégicos da cooperação portuguesa com a Guiné-Bissau ............45
2.6. A Cooperação Portuguesa para o Desenvolvimento no setor da Educação ......48
2.7. Principais países parceiros nos PIC .................................................................................52
2.8. A Guiné-Bissau ........................................................................................................................53
2.8.1. O Instituto Camões ........................................................................................................................ 55
2.8.2. PASEG.................................................................................................................................................. 56
2.8.3. FEC ....................................................................................................................................................... 57
2.8.4. FDB....................................................................................................................................................... 59
2.9. Cooperação, política linguística e política educativa na Guiné-Bissau ...............60
2.9.1. Política linguística e política educativa na Guiné-Bissau............................................... 62
Capítulo 3 – Educação ........................................................................................................ 68

vii
3.1. Sistema Educativo Guineense ............................................................................................68
3.2. A Carta da Política do Setor Educativo (CPE) de 2009 à 2020 ...............................74
3.3. A educação formal e não formal .......................................................................................77
3.4. Evolução do sistema educativo: ........................................................................................82
3.5. Fatores de Estrangulamento do Sistema Educativo ..................................................84
3.6. Educação Bilingue – experiências ....................................................................................86
3.7. A língua portuguesa e desenvolvimento na Guiné-Bissau ......................................88
3.8. Língua Portuguesa no ensino/aprendizagem na Guiné-Bissau ............................92
Conclusões ............................................................................................................................. 97
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................... 100

viii
Índice de Gráficos

Gráfico - I - Principais línguas étnicas da Guiné-Bissau

Gráfico - II - Línguas mais faladas na Guiné-Bissau

Gráfico - III - Regiões com maior percentagem de falantes do crioulo

Gráfico - IV - Evolução da educação na Guiné-Bissau

Índice de Quadros
Quadro – I - Objetivos do Desenvolvimento do Milénio

Quadro - II – Áreas Prioritárias Intervenção

Quadro - III – Ajuda Pública ao desenvolvimento

Quadro - IV- Conferência de Jomtien

Quadro – V - Instituição financiadora no setor da educação

Índice de Anexos
- Inquérito por questionário escrito

- Análise de dados recolhidos

- Questionário por entrevista

ix
Siglas e Acrónimos
APD- Ajuda Pública ao Desenvolvimento OCDE- Cooperação e Desenvolvimento
Económico
APAD- Agencia Portuguesa ao ODM- Objetivos de Desenvolvimento do
Desenvolvimento Milénio
AULP- Associação das Universidades da OECDE- Organização Europa da
Língua Portuguesa Cooperação e Desenvolvimento
CAD- Comité de Ajuda ao ONGD- Organismo Não Governamental
Desenvolvimento de Desenvolvimento
CAPES- Coordenação de PAES- Programa de Apoio ao Ensino
Aperfeiçoamento pessoal nível superior Secundário
CEB- Centros de Estudos Brasileiros PAIEB- Projeto de Apoio à Educação
Básica na Guiné-Bissau
CICL- Instituto Camões da Cooperação PALOP- Países da Língua Oficial
da Língua Portuguesa
CPLP- Comunidade países da Língua PAM- Programa Alimentar Mundial
Portuguesa
DEECCPP- Documento Superior de PMA- Países Menos Avançados
Engenharia e Ciências do Mar
DENARP- Documento de Estratégia PARPA- Plano de Ação para a Redução
Nacional da Redução da Pobreza da Pobreza Absoluta
ED- Educação Escolar PARES- Programa de Apoio ao Reforço
do Ensino Secundário
ENEFD- Escola Nacional Educação PASEG- Programa de Apoio ao Sistema
Física e Desportos Educativo da Guiné-Bissau
FASE- Fundo de apoio ao Ensino Básico PIC- Programas Indicadores de
Cooperação
FCT- Fundação Ciência e Tecnologia PNE- Plano Nacional de Educação
PRODES- Programa para o Desenvolvi-
FDB- Faculdade Direito de Bissau mento do ensino Superior em Benguela
FEC- Fundação Fé e Cooperação TIC- Tecnologias de Comunicação
IDF- Instituto Diocesano de Formação UAC- Universidade Amílcar Cabral
INDE- Instituo Nacional para UCAO- Universidade Católica da África
Desenvolvimento Escolar Ocidental
IPAD- Instituto Português de Apoio ao UCB- Universidade Colinas de Boé
Desenvolvimento
ISECMAR- Instituto Nacional para o UJP- Universidade Jean Piaget
Desenvolvimento de Ciências do Mar
NEPAD- Nova Pareceria para o ULB- Universidade Lusófona de Bissau
Desenvolvimento

x
Introdução

Numa altura em que as teorias em torno do ensino-aprendizagem de línguas


segundas são amplamente divulgadas e em que vão ganhando forma e se vão
desenvolvendo em diferentes partes do globo, o sistema de ensino guineense está no
centro da polémica. Uma vez que o ensino guineense, por variadas razões, se defronta
com imensos problemas e limitações: o fraco nível de formação dos professores, a
necessidade destes serem preparados para o ensino do português, não como língua
materna, mas como língua segunda, na medida que não se trata da mesma pedagogia do
ensino.
Logo a seguir à independência era difícil partir para esse caminho, uma vez que
havia uma necessidade de uma reestruturação do próprio sistema de ensino em cada um
desses países (Guiné-Bissau e Cabo-Verde). Na Guiné-Bissau constatou-se que havia
grandes dificuldades que decorriam não só de recursos materiais e humanos, mas,
sobretudo da fraca proficiência no domínio da Língua Portuguesa. Havia grandes
dificuldades na compreensão e transmissão dos conteúdos em Língua Portuguesa que,
apesar de ser considerada a língua de ensino/aprendizagem, não é a língua materna dos
professores e nem dos alunos, condicionando a sua aprendizagem.
A caminhada para o insucesso começa nas escolas, onde encontramos uma língua
com a qual os alunos não tiveram ainda, na maioria dos casos, possibilidade de criar
laços de identidade, pois, o seu acesso ao saber é dificultado pela falta de domínio da
língua de escolarização. O êxito do processo ensino/aprendizagem, em todas as áreas do
ensino depende, em grande parte, da possibilidade de compreensão e participação na
vida escolar, proporcionada ao aprendente.
A aprendizagem da língua e a integração escolar andam juntas, pelo que promover
o acesso à língua segunda (L2), é concebe-la não apenas como língua de comunicação,
mas sim enquanto língua de escolarização, com características específicas nas diversas
áreas do ensino e apelando ao trabalho de colaboração de todos os professores; aí, a
Língua deixa de ser o objeto exclusivo de conhecimento em si mesma para se converter
em instrumento de aprendizagem, em veículo transmissor do ensino, pois é uma
realidade complexa, na qual intervêm múltiplos fatores, linguísticos e não só, que
contribuem para uma plena integração dos aprendentes de diferentes origens, portadores
de culturas, línguas e vivências variadas.

1
Não deve ser esquecido que o ensino das línguas maternas constitui uma das
recomendações específicas da UNESCO, como se pode ler na Declaração Universal dos
Direitos Linguísticos, este é um desafio a ser perseguido por qualquer País onde existe
bilinguismo.
Segundo as observações da UNESCO, os motivos que afirmam que o emprego
das línguas maternas no ensino “contribui para o desenraizamento psicológico da
criança, aumenta as dificuldades da aprendizagem e diminui a qualidade dos resultados”
Dulce Almada (1998:249), o que deixa subjacente a ideia de que a aprendizagem da
língua materna é fundamental na aquisição de outras aprendizagens. Aliás, o QECR
reforça esta ideia ao defender que os conhecimentos que o aprendente tem da sua língua
materna permitem-lhe aprender com maior facilidade outras línguas.
Com o objetivo de aprofundar e refletir sobre o modo como a questão da
equidade educativa se coloca no que às aprendizagens de língua segunda diz respeito, a
presente investigação procurou:
- Estudar o crioulo guineense, considerando a sua génese e o seu papel entre as
diversas línguas africanas faladas no território da Guiné-Bissau;
- Abordar o panorama linguístico da Guiné-Bissau;
- Analisar os mecanismos da política na Guiné-Bissau e da política em geral,
tendo em vista a política para o desenvolvimento educativo e social do país;
- Analisar o estatuto da Língua Portuguesa na Guiné-Bissau, em particular, o seu
papel no sistema educativo Guineense e principais dificuldades no seu
ensino/aprendizagem;
- Elaborar um elenco e análise dos projetos de cooperação portuguesa com o
sistema educativo guineense.

A presente dissertação desenvolve-se em torno da questão “Língua e


Desenvolvimento: O caso da Guiné-Bissau” e está organizada em três capítulos.
No capítulo 1, trata-se do panorama linguístico da Guiné-Bissau, tendo em conta
o trabalho realizado por Calvét (2007), Naro (1978), Rougé (1986) e a sua ligação ao
sistema educativo; pretende-se também estudar o crioulo guineense, o seu papel entre
as diversas línguas nacionais e, em especial, a sua influência e presença no contexto
social da Guiné-Bissau. É analisada também a importância que estas línguas têm na
valorização das identidades sociolinguísticas e socioculturais, bem como na
compreensão dos processos de construção histórico-social da Guiné-Bissau.

2
No segundo capítulo, pretende-se dar a conhecer a política externa portuguesa na
área da educação no que respeita à cooperação para o desenvolvimento, tendo em conta
os projetos de cooperação portuguesa implementados pelo estado português na Guiné-
Bissau, através do Instituto de Apoio ao Desenvolvimento definido como sendo um
instituto público, dotado de personalidade jurídica, de autonomia administrativa e de
património próprio, cujos fins se destinam : á supervisão, direção e coordenação da
politica de cooperação e da APD, com o objetivo de fortalecer as relações externas de
Portugal e á promoção do desenvolvimento económico, social e cultural dos países
beneficiários da ajuda, com especial para os PALOPS. Esta análise visa perceber em
que medida é que tais projetos promovem, ou não, o desenvolvimento desejado e se
essa cooperação é pensada e posta em prática segundo a perspetiva e a realidade
guineense. Pretende-se também analisar a forma e a eficácia como a cooperação tem
vindo a ser implementada, de modo a percebermos se os objetivos propostos
conseguiram ser atingidos, se promovem o que é estipulado e pretendido – o desejado
desenvolvimento.
Tornou-se imperativo analisar o trabalho que tem vindo a ser realizado no
âmbito da política portuguesa para o desenvolvimento. É necessário definir uma
trajetória clara e objetiva para delinear o caminho a percorrer, para isso enumeram-se
alguns elementos que possibilitam a realização de uma análise mais sólida e concreta –
os projetos de cooperação e instituições neles envolvidos, a saber:
A) PASEG (Programa de Apoio ao Sistema Educativo da Guiné-Bissau);
B) FEC (Fundação Fé e Cooperação);
C) FDB (Faculdade de Direito de Bissau);
D) Camões, IP (Camões Instituto da Cooperação e da Língua, enquanto
Instituto promotor e difusor da Língua Portuguesa).
No terceiro capítulo, analisa-se o sistema educativo guineense, tendo em conta a
política linguística e educativa do país. De facto, numa sociedade, a educação é
fundamental para dotar os indivíduos de competências básicas de literacia e para os
tornar aptos para o exercícios da sua vida ativa, dominando todas as línguas que são
usadas nos diferentes contextos. Ainda no mesmo capítulo, analisaremos a importância
da Língua Portuguesa e o seu desenvolvimento na Guiné, bem como as principais
dificuldades e desafios que se associam ao seu ensino /aprendizagem.
As motivações que levaram à escolha do tema prendem-se com vários fatores;
além das motivações académicas, existem também motivações pessoais, como a minha

3
ligação à Guiné-Bissau e o meu interesse pelas questões que se relacionam com a
promoção do desenvolvimento através da cooperação entre nações.

Metodologia

Num trabalho de pesquisa, pode-se recorrer a vários métodos, nenhum método


deve estar vedado à pesquisa, dependendo da área. O raciocínio é algo ordenado,
coerente e lógico, podendo ser dedutivo ou indutivo. Portanto, a indução e a dedução
são, antes de mais nada, formas de raciocínio ou de argumentação.
Neste sentido, procurámos aliar dois procedentes de abordagem metodológica: o
dedutivo que deriva das leituras que vamos realizando a nível bibliográfico, bem como a
nível das investigações e estudos que foram produzindo anteriormente por outros
autores e que nos permitirão ter uma noção da temática em causa. Este foi um dos
procedimentos cruciais na minha investigação.
Por outro lado, no dizer de Cervo e Berviam (1978:25), a abordagem “pode afirmar
que as premissas de um argumento indutivo correto sustentam ou atribuem certa
verosimilhança à sua conclusão. Assim, quando as premissas são verdadeiras, o melhor
que se pode dizer é que a sua conclusão é provavelmente, verdadeira”. O contato direto
com a realidade que se pretende estudar oferece a possibilidade de se criar novas pistas
de investigação, já que proporciona ao investigador o papel de explorador no meio que
se pretende intervir. Por isso é necessário:
a) Contacto direto com a realidade guineense e a sua sociedade;
b) Análise dos projetos de cooperação portuguesa para o desenvolvimento
implementados na Guiné-Bissau, para assim podermos compreender o seu
desempenho e encontrar uma linha de orientação para a nossa investigação.
c)

4
Capítulo 1 – Situação Linguística da Guiné-Bissau
1.1. Origem do Crioulo

De acordo com (Tarallo e Alkmin, 1987:97-98), a palavra crioulo começou a ser


utilizada em “linguagem corrente” a partir do século XVI, podendo ter origem em duas
palavras do Português: criadouro ou criado, de acordo com o filólogo português José
Leite de Vasconcelos, em sua obra Antroponímia Portuguesa, citado pelos dois autores,
como também por Couto (1996:33). A partir daí, teria sido transferido para outras
línguas como o espanhol, o francês e o inglês.
Couto (1996:33) explica que, ainda hoje, criado significa empregado no Brasil;
na época colonial, os empregados eram negros levados de África como escravos e,
portanto, criado seria sinónimo de negro.
Baltazar Lopes da Silva defende que em relação à palavra em castelhano deve ter
havido uma adaptação fonética da forma portuguesa crioulo. Relativamente à forma
francesa créole, não lhe parece que tenha uma proveniência direta da forma castelhana.
Na sua opinião, a grafia criole pode ser explicada pela influência do francês crêer ou
pela grafia portuguesa creoule. Logo, é bastante provável que a forma francesa créole
tenha provido mais da parte portuguesa crioulo do que do castelhano criollo.
Existem outras teorias sobre o surgimento do crioulo, entre elas: a Eurogénese, a
Afrogénese, e a Neurogénese. A Eurogénese data do século XIX, tendo como percursor
Francisco Adolfo Coelho e por base a simplificação da estrutura da língua europeia-
mãe, cuja complexidade, para alguns defensores desta teoria, ultrapassa a capacidade
analítica dos negros. Enquanto a eurogénese situa a origem dos crioulos
preponderantemente numa língua de base europeia, a afrogénese situa-a,
fundamentalmente, no matrilecto africano. Esta escola é também do século XIX e o seu
percursor é Lucien Adam. Por sua vez, a Neurogénese, baseia-se na existência de
universais linguísticos, é baseada na doutrina da “gramática inata” de Chomsky e
defende que a semelhança estrutural dos diversos crioulos seria devedora dessa
competência inata.
Citando Dulce Pereira (1992:120-125) “o crioulo são línguas naturais, de
formação rápida, criadas pela necessidade de expressão e comunicação plena entre

5
indivíduos inseridos em comunidades multilingues relativamente estáveis. Na verdade,
os crioulos são línguas e não dialetos, muito menos « gírias ridículas», sem regras e sem
gramática e incapazes de expressar ideias abstratas, como era, e por vezes ainda é,
convicção do senso comum” (Andrade, Pereira e Mota, 2000:199).

1.2. Descriolização
Um fenómeno bastante comentado nos estudos sobre o crioulo é a
descriolização. Couto (1996:54) prefere substituir esse termo por “transformação da
língua crioula”, pois segundo ele, o termo descriolização é utilizado para designar a
“evolução das línguas crioulas”.
Couto (ibidem) explica que, nas situações de bilinguismo em que existe diglossia,
assim como em outras situações de comunidades multilingues, “frequentemente há uma
tendência de o crioulo se reaproximar da língua lexificadora, dominante. O resultado
sincrônico desse processo de descriolização é denominado “continuum pôs-crioulo”, de
acordo com DeCamp (1971), citado pelo autor.
Holm (1993:9) refere que, em algumas regiões onde o crioulo permanece em
contato com a língua lexificadora pode ocorrer o processo de descriolização, resultando
num continuum de variedades, sendo que a mais distante da língua de superstrato é
denominada basileto, a mais próxima dessa língua é chamada de acroleto e as
variedades intermediárias, entre as duas variedades citadas anteriormente, são as
mesoletas.

1.3. Crioulos de Base Lexical Portuguesa


De todas as línguas de base lexical portuguesa que surgiram no mundo, os
crioulos africanos são os mais antigos que se conhecem, e, ao mesmo tempo são os que
se caracterizam pela grande viabilidade em relação aos outros, na medida em que
coexistem não só com o Português, mas com múltiplas línguas africanas do território,
das quais recebem constantes influências. Na Guiné-Bissau, o crioulo, língua materna
ou língua segunda da grande parte da população, convive com mais de vinte línguas dos
grupos Oeste-Atlântico e Mande. Os crioulistas costumam classificá-las em: Crioulo da
Alta Guiné (em Cabo-Verde, Guiné-Bissau e Casamansa) e os do Golfo da Guiné (São
Tomé, Príncipe e Ano Bom).

6
Não obstante os progressos alcançados na crioulística ao longo das últimas
décadas, continua aceso o debate sobre a formação destas línguas e sobre a sua afiliação
genética e tipológica. Em particular, diversos autores têm proposto que os crioulos
formam uma classe de línguas tipologicamente distinta de outras línguas. A mais antiga
hipótese de que os crioulos constituíam uma classe genética (ou família linguística)
devido a um conjunto aparente de semelhanças traduz-se na chamada monógenese, uma
teoria que advoga que todos os crioulos teriam na sua origem um único Pidgin
Português, que foi relexificada por outras línguas. Por isso, as tentativas de unificar
todos os crioulos não passa pela genética, mas sim pela tipologia linguística.

1.3.1.Crioulo da Alta Guiné (Crioulo de Cabo-Verde e Casamansa)

Diversos autores têm proposto uma ligação genética entre os Crioulos da Alta
Guiné (Carreira, 1982; Rougé, 1986; Kihm, 1994), que se terão formado do contato
entre o Português, que contribuiu com mais de 90% do léxico, e diversas línguas do
Níger-Congo, particularmente, as línguas do grupo Mande (como o Mandinga,
Bambara, Solinke, etc.) e do grupo Atlântico (como Wolof, Tenne, Fula, etc.). Realça-
se, contudo, que os crioulos falados em Cabo-Verde, na Guiné-Bissau e Casamansa são
duas línguas distintas e não duas variedades da mesma língua.
O crioulo de Cabo-Verde formou-se pelo contato de escravos levados do
continente africano com os Portugueses, seus senhores e mestres. Como havia em Cabo-
-Verde poucas mulheres europeias, o contato com as duas raças tornou-se mais estreito;
com o sentido étnico – o mestiço cabo-verdiano – e o sentido linguístico, o crioulo
cabo-verdiano. Como escreve A. Carreira (1982:13):
Formado nas ilhas de Cabo-Verde pela intensa miscigenação de sangue,
iniciada a partir de 1462, resultante da união do português reinol com a
mulher africana, livre ou escrava, e de que proveio o mestiço – o consa-
grado filho de Cabo-Verde1.

1
Veja-se igualmente, Macedo, P. Donald, A linguistic approach to the Capverdean, University School of
Education, Boston, 1979. “The contact between African and Portuguese gave birth to the pidgin which is
the present Capverdean Language”, p. 20.

7
Casamansa é região sul do Senegal, situada entre a Gambia e a Guiné-Bissau,
fundada em 1645 tem uma superfície de 28.350 km2. A primeira tentativa de
transcrição do crioulo da Casamansa parece datar de 1922, com a publicação do
catecismo intitulado: Petit Catéchisme Créole-Portugais, Katesimu di Dotrina Kristõ.
Eis, na íntegra, o prefácio desse livro que nos revela o conceito que o autor tem do
crioulo que ele situa, define a seu modo:

crioulo é para a Costa-Oeste Africana, o mesmo que o crioulo-francês para as


nossas Antilhas. É a língua de Camões que assimilou inúmeros vocábulos, torneios
e regras próprias às línguas africanas. Tal como é simples e harmoniosa, usa-se
correntemente nas ilhas do Cabo-Verde, na Casamansa, na Guiné Portuguesa e na
Gambia. (Chataigner, 1963:203-221).

Por outras palavras, o autor reconhece que o crioulo da Casamansa provém da


língua de Camões e de línguas africanas.
O património cultural do crioulo da Casamansa é riquíssimo em provérbios,
contos e adivinhas que se podem comparar, embora exista diferença em relação ao
património cultural da Guiné-Bissau.

2
1.3.2. Crioulo da Guiné -Bissau
A Guiné-Bissau foi descoberta em 1446, mas só em 1588 foi fundado Cachéu,
primeira povoação portuguesa, administrativamente dependente de Cabo-Verde,
juntamente com Casamansa (no Senegal), que fez parte da colónia portuguesa da Guiné-
Bissau em 1886. Durante séculos, o território foi um ponto essencial para o comércio de
escravos. As migrações internas e a geografia do país contribuíram para o
plurilinguismo que o país apresenta atualmente, com cerca de diversas línguas
diferentes, quer dizer autêntico mosaico étnico-cultural, onde coabitam mais de duas
dezenas de etnias. O convívio do crioulo da Guiné-Bissau com as línguas africanas faz
com que este crioulo seja mais africano do que o crioulo de Cabo-Verde, porque a
Guiné-Bissau que foi descoberta em 1446, mas só em 1588 foi fundada Cacheu, a

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Ao que parece, a palavra Guiné viria do nome de uma aldeia fundada pelos anos 1040, nas margens do
Alto-Niger. Pela sua situação geográfica, essa aldeia tornou-se a encruzilhada das caravanas que faziam o
comércio do Sudão e da África meridional com os Mandingas e os Árabes do Norte. Daí a sua
prosperidade e a sua reputação que, graças aos mercadores árabes, atingiram os países europeus. No
decorrer dos séculos, a palavra Guiné teve várias grafias. Guiynea, Guinanha, Guinee, Jenni, Genni,
Djenni, etc.

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primeira povoação portuguesa administrativamente dependente de Cabo-Verde,
juntamente com a região de Casamansa (atualmente pertencente ao Senegal). Por vários
séculos, o território da Guiné-Bissau foi um ponto muito importante para o comércio de
escravos. As migrações internas e a geografia do país contribuíram para o
plurilinguismo que o país apresenta hoje, com cerca de vinte línguas diferentes, essas
línguas faladas na Guiné-Bissau correspondem ás etnias presentes no território, como
mandingas, balantas, fulas, manjacos, pepéis e, etc.
Na verdade, a colonização portuguesa na Guiné foi levada a cabo pelos
habitantes do Arquipélago de Cabo-Verde, a quem se concederam facilidades no
comércio a realizar na “Guiné do Cabo Verde”, conforme expressivamente se dizia. No
século XV, mediante uma Carta Régia fora outorgado pelo Rei aos habitantes de Cabo
Verde o exclusivo de comércio no continente fronteiriço, desde o Senegal até à Serra
Leoa, excluindo-se Arguim. Em 1472, outra carta ratifica os privilégios concedidos:
“Os moradores (exclusivamente eles) de Cabo-Verde poderiam ir resgatar às “Costas da
Guiné”, levando apenas os seus navios, ali construídos ou por eles ali fretados, e os seus
géneros e as mercadorias “nadas e criadas” em Santiago, para com eles obter “escravos
e escravas” para os seus serviços próprios e facilidade da sua vida e para o povoamento
do Arquipélago” (Carreira,1472:74). Considera António Carreira que o fato de apenas
poderem utilizar as mercadorias “nadas e criadas” em Cabo-Verde serviu para
“fomentar a corrente de transgressões e, mais do que elas, do aumento do número de
“lançados” ou “tangomaos”, isto é, dos que, fugindo às prescrições estabelecidas nas
ordenações e cartas régias, passaram a exercer um comércio ilegal, via de regra mais em
proveito de estrangeiros”. (Carreira, 1472:75)
Os lançados e seus descendentes tomavam como auxiliares para o comércio
autóctones, sobretudo entre aqueles que se tinham convertido ao cristianismo.
Estes auxiliares acabavam por merecer a confiança dos patrões, que lhes
entregavam embarcações e mercadorias para irem fazer o comércio no interior do país.
Eram assim designados por lançados portugueses, desertores ou aventureiros,
que só tinham uma solução para sobreviverem: exilar-se para o continente africano,
fugindo às sanções régias… (Bull, 1989:69) e dos grumetes (africanos auxiliares dos
lançados.
Os particulares – portugueses na maior parte – só podiam fazer o comércio nas
regiões dos rios de Guiné do Cabo-Verde com a autorização prévia e expressa de
Portugal, o que não era muito fácil de obter, por causa da grande influência das

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Companhias que comerciavam nas referidas regiões, pelo que suscitava, em
contrapartida, a prática do contrabando, por parte dos lançados.
Houve aventureiros, ávidos de fazer fortuna, que, não podendo por várias razões
exercer legalmente o comércio, desprezaram as instruções régias e se lançaram no
negócio no meio dos autóctones, tornando-se clandestinos e marginalizados não
hesitaram, segundo a expressão de africanizar-se.
Os lançados são portugueses pela nascença, e cristãos de batismo. Não se pode
falar de lançados ou tangomaus, sem fazer referência a seus filhos chamados filhos da
terra, ou mestiços, e aos grumetes.

1.4. O Crioulo antes da independência

Logo após as primeiras investidas dos navegadores portugueses pela costa


ocidental africana no século XV, outras nações se lançaram na aventura de conquistar
África. Com isso começaram a surgir conflitos de interesse entre as potências
colonizadoras.
Para dirimir dúvidas sobre esses conflitos, houve a assinatura de alguns acordos,
após uma série de guerras, sobre a divisão do território africano. O mais conhecido entre
estes acordos é a famosa conferência de Berlim, que, entre 1884 e 1885, decidiu quem
ficaria com que território africano. A consequência dessa dominação europeia na África
e a divisão que se lhe impôs foi, o surgimento de “colónias”, “possessões”, “províncias
ultramarinas” com fronteiras artificialmente delimitadas, desrespeitando o domínio das
etnias locais (Couto, 1990).
Por este motivo, o estado da Guiné-Bissau não tem por suporte uma nação
homogénea com um único povo, uma única cultura e uma única língua. Pelo contrário,
nesse país convivem mais de 17 línguas, além do mais, a maioria delas é falada também
em países vizinhos, como mandinga, o fula, o felupe etc.
A definição do atual território da Guiné-Bissau, como nos esclarece Couto
(2009:55), foi imposta pelos colonizadores, desprezando-se o domínio, a presença e a
organização dos nativos locais. Isso gerou estados multiétnicos e multilingues, para os
quais foi preciso encontrar uma base unificadora, que em muitos deles correspondeu à
língua oficial. Desta forma, procurou ultrapassar-se os problemas que poderiam surgir,

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como consequência do facto de que nenhuma etnia aceitaria a língua de uma outra como
língua de todo o país.
Se, como nos dizem os próprios guineenses, “língua e raça” (a língua é etnia), as
diferentes línguas acabariam por dividir o estado. Ter-se-ia que procurar uma outra
língua que servisse de expressão da unidade nacional. Diante desse estado de coisas, foi
inevitável a valorização de uma língua que espelhava a fusão da cultura europeia com a
africana que, desse modo, passou a ser o único princípio unificador da mosaico étnico e
linguístico guineense. Essa língua é o crioulo. Como diz Carlos Ribeiro, “os crioulos
constituíram o eixo embrionário da futura nação guineense em construção, durante o
período colonial” (Ribeiro, 1989:23).

1.5. Crioulo, Língua Nacional

Em África, à multiplicidade étnica corresponde igualmente uma grande e


dinâmica multiplicidade linguística e a Guiné-Bissau é um dos exemplos marcantes
onde as línguas autóctones foram em grande parte conservadas e continuam presentes
no quotidiano da população.
A diversidade linguística da Guiné-Bissau constitui uma grande riqueza e a sua
preservação é merecedora do maior apoio e incentivo. Ao contrário das línguas étnicas
de existência linear, a crioulização é um fenómeno recente e está ligado ao processo de
expansão do colonialismo europeu no mundo, sendo o resultado a necessidade de uma
comunicação em sociedades multilingues.
O crioulo da Guiné-Bissau, hoje em dia é uma língua autónoma, sendo do ponto
de vista gramatical e lexical, uma língua híbrida, mestiça com a função social de língua
veicular, ponte de comunicação entre falantes de origem mais diversas, desde os tempos
coloniais. Ele ter-se-á formado entre o fim do século XVI e início do século XVII. No
entanto, as opiniões divergem quanto ao local onde teria surgido.
Para Naro, (1978:38)
“um pidgin de base portuguesa da costa ocidental africana poderia ter sido criado,
intencionalmente, na Europa antes de ter sido levado e difundido em África, onde
seria usado como língua de reconhecimento. Na verdade, nessa altura existia em
Portugal uma escola de línguas patrocinada pelo infante D. Henrique, que se
destinava a treinar intérpretes para as suas expedições (Chataigner, 1963: 203-

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221). É consensual a necessidade de uma língua de reconhecimento, que facilitasse
os contatos entre europeus e africanos, mas é discutível que a criação intencional
de uma língua seja funcional e produtiva a longo prazo.” Outros estudiosos
defendem que o berço da língua crioula foi Cabo-Verde”.

Autores como Peck (1988:85-86), Kihm (1994) e Rougé (1986:37)


desvalorizaram “a polémica em torno da questão da origem do crioulo de base
portuguesa cujas variantes se falam tanto em Cabo-Verde como na Guiné”.
Houve de fato muitas pessoas vindas de Cabo-Verde para a Guiné, incluindo
funcionários administrativos do Governo português, numa altura em que a denominação
oficial da colónia continental era Guiné de Cabo-Verde e Cabo-Verde era capital.
Segundo Baltazar Lopes Silva (1957: 31), “o crioulo falado na Guiné é, não uma
criação resultante diretamente do contato indígena com o português, mas sim o crioulo
cabo-verdiano de Sotavento levado pelos colonos do arquipélago e que, com o tempo se
foi diversificando e adquirindo carateres próprios sob a influência das línguas nativas” .
Já no decurso do século XVI, em particular nas «praças» que funcionavam como
entrepostos comerciais, tais como Cacheu, Ziguinchor, Geba e Farim, através dos
primeiros contatos de viajantes e navegadores portugueses com as populações locais,
isto é, com os povos da costa da Senegâmbia até Cabo-Verde, se foram formando,
pouco a pouco, os inícios do crioulo guineense, bem como do de Cabo-Verde e o de
Ziguinchor de base lexical portuguesa.
Entretanto, há atestações que confirmam que a língua crioula data do século
XVII, “Quando da sua viagem a Cacheu, em 1685, De la Courbe nos afirma: “há entre
eles, certos negros e mulatos que se dizem portugueses, porque são descendentes de
alguns portugueses que por lá viveram outrora, essa gente, além da língua do país, falam
certa algarvia, que se chama crioulo” (Benjamin Pinto Bull, 1989:83).
Nesta viagem linguística, nasceu o crioulo, que na sua fase inicial era conhecido
por Jargão, em que a comunicação era feito de palavras acompanhadas pelos gestos para
se comunicarem. Mas, como a comunidade dos nativos não tinham oportunidade de
aprender corretamente a língua do colonizador, neste caso o português, desenvolveu o
pidgin, isto é, um sistema linguístico rudimentar com palavras baseadas na língua
portuguesa, que permitia estabelecer minimamente a comunicação, quer entre membros
da mesma comunidade, quer entre estes e os colonos.
Segundo Baxter, (1996: 535-539), crioulo:

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“é um tipo de língua reduzida que se forma quando grupo de falantes de línguas
diversas mantêm um encontro prolongado e precisam dentro de um domínio
restrito: escravidão, comércio, viagens de reconhecimento, as restrições sociais
impedem a aprendizagem de uma segunda língua e nenhum grupo aprende a língua
do outro. Por meio da negociação e da acomodação, os diversos grupos criam uma
língua de emergência”.

Tão rapidamente surge como desaparece, o pidgin pode passar a ser uma língua
materna. Neste momento deixa de ser pidgin e começa a ser o crioulo. Podemos dizer
que o pidgin é uma etapa de criação da língua crioula, uma nova língua, cuja estrutura é
mais complexa do que o pidgin que lhe deu origem (o léxico é expandido, a sintaxe é
complexificada com o surgimento de artigos, preposições, partículas marcadoras do
tempo, aspeto e modo verbal). Por esta razão, frequentemente o pidgin é designado
como protocrioulo. A história da formação da maioria dos crioulos está ligada à
escravidão nas colónias. Os escravos trazidos de África eram divididos pelos seus
donos, para evitar que se juntassem com os outros da mesma tribo, o que criava
necessidades de comunicação entre esses falantes de línguas diferentes.
Esse pidgin usado para comunicação línguas maternas de uma comunidade, em
contato direto tornou-se um crioulo, uma vez formados, passaram a constituir símbolos
de identidade de grupo o que explica a sua resistência ás tentativas assimiladas das
línguas de poder e de maior prestigio social e cultural que com eles se mantiveram em
contato. O processo pelo qual ele se transformou é designado crioulização
(Hall,1962:151-156): processo de mudança cultural resultante de um intricado fluxo de
valores, práticas, saberes, crenças e símbolos que se dá luz a uma entidade social
terceira. Uma unidade internamente heterogénea que emerge do compromisso social e
linguístico alcançado pelas sociedades que participaram do encontro entre sociedades.
Segundo Thomason e Kaufman (1988: 201-212):

“Quase todos os crioulos se formaram a partir de uma língua de superstrato


europeu e do contato (na maioria dos casos criados em contextos que
resultaram da escravatura africana levada pelos europeus para as colónias
para trabalharem em plantações) com as línguas Nigero-Congo como
substrato, nos casos de crioulização abrupta a forma do crioulo emergente
que é o resultado da aquisição incompleto da língua de superstrato e da

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incorporação de itens linguísticos compartilhadas pelas línguas de
substrato”.

Os linguistas definem os crioulos como sistemas linguísticos em que o léxico é


tomado na sua maioria de empréstimos da língua base, a língua do dominador, e as
estruturas são resultados dos substratos das línguas africanas. Implantado sobretudo em
Bissau, o crioulo afirmou-se cada vez :mais, tanto em número de utentes como em
prestígio, hoje em dia é cada vez maior a incidência de falantes do crioulo como – e
mesmo única – língua entre os mais jovens, nos centros urbanos. É comum darem-se
títulos em guineenses a jornais (como Nô pintcha, o jornal mais antigo de país;
Kansaré), revista (Soronda; Tcholona), coleções literárias ou ensaísticas (coleção
Kebur; coleção Lus bin), ou a eventos ou projetos (Firkidja), nomes de estabelecimentos
comerciais (Bantabá), para só dar alguns exemplos.
O Padre Marcelino Marques de Barros foi o primeiro guineense que começou
a listar vocábulos do crioulo da Guiné, o “guineense”, que veio a produzir uma
“hibridização cultural e linguística”, em que os guineenses misturaram as duas culturas
e línguas e criaram uma nova cultura e nova língua que não é portuguesa, mas também
não é genuinamente guineense.
Como notou Filomena Embaló (2008:103):

“ A partir dos anos vinte do século XX [o crioulo] começou a ser


estigmatizado e a sua utilização acabou por ser interdita pelas autoridades
coloniais, o mesmo acontecendo com as línguas etnolinguísticas. O Crioulo
passou a ser visto como uma língua de “não civilizado” e aquele que falasse
português era considerado “civilizado”. Esta situação prevaleceu nas zonas
do território ocupadas pelos portugueses até à independência em 1974.
Entretanto, nas zonas libertadas pelo PAIGC, desde o início da mobilização
das populações para a luta armada, o crioulo conheceu uma enorme
expansão por todo o país. Foi durante a luta de libertação que adquiriu o
estatuto de língua de unidade nacional, serviu de meio de comunicação nas
reuniões, e de veículo de todas as resoluções que eram tomadas, referentes à
emancipação nacional”. Durante a luta armada, um das medidas iniciadas
por Amílcar Cabral, o “pai da nação guineenses”, foi uma alargada
alfabetização, tanto das crianças como dos adultos, feita naturalmente em

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crioulo. Para os adultos organizou-se uma primeira cartilha com o titulo
“Kebur”.

Durante a luta de libertação nacional, o crioulo tornou-se uma verdadeira arma


nas mãos do PAIGC para informar, mobilizar e galvanizar as massas populares, porque
a luta tinha dois objetivos: um político e outro cultural. Por conseguinte, o crioulo foi
utilizado nas escolas volantes nas mensagens do Partido e ao longo desse período
ganhou uma enorme expansão por todas as regiões da Guiné. A rádio clandestina
difundia também poemas e canções em crioulo, cujos temas eram, em geral, a exaltação
da luta, a esperança, a paz no horizonte, a liberdade e a revolta.
O crioulo tornou-se, assim, o cimento que uniu os guineenses, toda essa geração,
vinda de todos os cantos do país. Eis que o crioulo, que era apenas o meio de
comunicação, de convivência e de relações quotidianas, se enriqueceu
consideravelmente com um novo vocabulário. A luta adquiriu, com conhecimento de
causa, vocábulos importados de português que veiculavam um sentido político e social,
que eram tabus na Guiné. Portanto, o crioulo, como aliás todas as línguas vivas, sofreu
uma evolução ao longo dos séculos, o que leva a que o crioulo falado atualmente em dia
seja muito diferente do crioulo do século XV. Ele é hoje a língua de comunicação muito
utilizada pela população guineense e aos poucos vai sendo enriquecida com inúmeros
vocábulos em todas as áreas: política, social, cultural, económica, científica, etc,
importadas de português.

1.6. Crioulo, fator de identidade e unidade nacional

A língua representa uma unidade das características identitárias dos grupos que
habitam um determinado território. Ela reflete, portanto, uma determinada herança
étnico-cultural e é a representação de uma consciência nacional.
Geralmente, essa língua de unidade nacional é a língua materna do indivíduo,
aquela que ele adquiriu em primeiro lugar, quando aprendeu a falar; a língua oficial por
sua vez, não é necessariamente a língua materna.

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A língua materna (LM) é perspetivada como sendo a primeira língua adquirida,
através da qual o individuo se expressa de forma natural e compreende o meio que o
envolve (Ançã, 1999: 15).
Por conseguinte, entende-se o conceito de língua materna como um elemento de
identidade, o qual não só proporciona ao sujeito um conjunto de ferramentas de
comunicação essenciais, como lhe propícia igualmente um sentimento de propriedade e
de pertença a um determinado contexto cultural e social. A este propósito e reforçando
esta ideia, afirma Crispim (1999: 17-21) que: “(…) a língua materna aprende-se na
família e na vizinhança e aprofunda-se, quando isso acontece, na escola.” Ou, como
define Marques (2003:6006), é a “língua apreendida no seio do grupo mais restrito em
que o individuo se inclui: a família. Daí a designação de materna, para a língua de
berço, aquela que usamos e foi adquirida num primeiro tempo, e posteriormente, é
sedimentada num conhecimento e num procedimento formal mais rigoroso”.
Ançã (2005: 62) apresenta os principais critérios que, ao longo dos anos têm sido
apontados numa tentativa de definição de língua materna:
 O afetivo, idioma por um dos progenitores, geralmente a mãe;
 O ideológico, idioma falado no país onde se nasceu e onde supostamente se
vive;
 A primazia, a primeira língua aprendida e a primeira língua compreendida;
 O domínio, a língua que se domina melhor;
 A associação, a pertença a um determinado grupo cultural ou étnico;
Assim, a Língua Materna é percecionada como aquela que utilizamos em primeiro
lugar e através da qual nos inserimos nos contextos imediatos, como o daqueles que nos
são mais próximos.
A sua aprendizagem formal, a nível escolar, poderá, ter lugar posteriormente ou não.
Se tiver, poderá inclusivamente coincidir com a aprendizagem de outras línguas, as
quais denominamos por Línguas Não Maternas (LNM), por serem aquelas que são
adquiridas numa instância subsequente à da língua materna.
Nesse sentido, torna-se relevante distinguirmos dentro da LNM, as noções de língua
segunda e de língua estrangeira. Sendo que, no caso da Guiné-Bissau, a língua
portuguesa ao ter o estatuto de língua oficial é adquirida como língua segunda por uma
parte significativa da população que tem como língua materna o crioulo ou uma das
outras línguas africanas faladas no seu território.

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Nos nossos dias ao falarmos de língua segunda obriga-nos a perceber que a
aprendizagem da língua se faz pelo facto da língua ultrapassar os objetivos unicamente
comunicativos, são as próprias necessidades e os interesses do aprendente como
também a realidade socioeconómica e política-cultural em que se move, do aprendente
ter necessidade dela para poder participar plenamente como “ator social” nos diferentes
domínios de comunicação (profissional, público e privado). Para Grosso (2008) a
“língua ultrapassa os objetivos unicamente comunicativos, são as próprias necessidades
e os interesses do aprendente como também a realidade socioeconómica e político-
cultural em que se move”.
Convém distinguir duas noções de língua segunda, como nos indica Ançã (1999:59-
60), apoiada em Ngalasso (1992:27-38):

“(….) surgem claramente duas definições: uma cronológica, e outra


institucional: a primeira assenta em critérios psicolinguísticos e tem a ver
com a ordem pela qual a língua é adquirida, isto é, língua segunda, língua
adquirida em segundo lugar, a seguir à materna; a segunda definição,
baseada em critérios sociolinguísticos, aponta para uma língua
internacional, que recobre as funções sociais consideradas oficiais, num
dado país.”

Quanto à diferença entre língua segunda e língua estrangeira, Ançã (1999)


esclarece ainda que “o estatuto da língua é o principal aspeto a considerar: língua
segunda é língua oficial e escolar, enquanto língua estrangeira apenas espaço da aula de
língua. Assim, Grosso (2005:608) afirma “na tradição da didática das línguas, o
conceito da língua segunda ocorre frequentemente como a língua que, não sendo
materna, é oficial (ou tem um estatuto especial), sendo também a língua de ensino e da
socialização secundária.
Nos países de expressão portuguesa, como a Guiné-Bissau, o português é a
língua oficial de ensino. Trata-se de uma língua não materna, mas uma língua que
usufrui de um estatuto privilegiado – é oficial e de escolarização – pelo que os seus
aprendentes dela necessitam para a sua melhor integração. Participação social, prestígio
e sucesso académico.
Segundo Leray (2003), a língua é o primeiro vetor identitário que testemunha a
diversidade sociolinguística nas comunidades humanas: a construção identitária não se

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restringe a um território, mas inscreve-se numa história mestiça de línguas e de culturas
(Leray, 2003:120). Portanto, a língua cria identidade e aponta para o condicionamento
social da língua – a estrutura da sociedade está “repleta” na estrutura linguística
(Orlandi, 1996: 98).
Bhabba (1998: 201) secunda este pressuposto, quando afirma “que a língua é
lugar da cultura, de uma cultura que se confunde com a ideologia, lugar em que os
sujeitos se sentem bem, talvez, porque corresponda a seus anseios, às suas expetativas”.
A língua está aliada ao funcionamento sócio-histórico de uma comunidade, o ato de
anunciar, implica colocar uma história, uma cultura em cena. Se partirmos de fato a
língua faz parte da cultura. Em certos contextos ela identifica um povo, uma cultura
numa perspetiva discursiva, a língua está aliada ao funcionamento sócio-histórico de
uma comunidade e as línguas só existem na medida em que acham associadas a grupos
humanos, podemos chegar à conceção de que, na língua, o social e o histórico
coincidem.
Atualmente, as línguas nacionais vêm sendo objeto de pressão internacional,
pensadores da literatura e da linguística permeiam esse debate, defendendo, na maioria
das vezes, a resistência das línguas nacionais como manutenção de traços identitários.
No fundo, a utilização da língua nacional corresponde a um direito fundamental das
pessoas que integram uma comunidade, seja ela qual for. Talvez, seja por essa razão que
a língua constitui o campo de confronto, de negação, da afirmação da identidade e de
colonização.
Produto da convivência da língua portuguesa com as línguas oeste africanas,
desde os primórdios da presença portuguesa em África no século XV, durante muito
tempo o crioulo foi falado essencialmente nos centros urbanos guineenses e muito
pouco utilizado nas zonas rurais. Contudo, como já vimos acima, foi apenas depois da
independência que o crioulo manifestou a sua importância. Com o seu uso, os diferentes
grupos étnicos podiam superar a diversidade linguística prevalecente na Guiné-Bissau,
sendo útil ao projeto da construção nacional.
A distribuição heterogénea das etnias da Guiné-Bissau pelo território, a ausência
de línguas étnicas veiculares, a debilidade económica deste país, entre outros fatores,
não proporcionavam grandes margens de manobra que permitissem a não escolha do
português como língua oficial. É verdade, que as línguas nacionais e a língua de unidade
nacional não estão em condições de poderem ser adaptadas como línguas oficiais e que
o país carece de meios materiais e humanos. Na definição da política educacional após,

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a ascensão do país á independência, um lugar privilegiado á luta contra o analfabetismo
e á adaptação dos programas de ensino ás realidades socioculturais nacionais e africanas
e ás necessidades do desenvolvimento socioeconómico, cientifico e tecnológico.
Assegurar a coexistência entre essas línguas e a língua oficial – o português –
tem sido uma constante da política educacional e cultural dos países de língua oficial
portuguesa, de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique em particular. No caso da Guiné-
Bissau a existência e o reforço do crioulo como língua nacional é prova da permanente
intercomunicação e interação entre a língua europeia herdada do período colonial e os
idiomas africanos. Esta atitude justifica-se plenamente num país onde os utentes das
línguas africanas perfazem mais de dois terços da população, e onde o uso do crioulo
envolve cerca de 44% da população. Neste mosaico linguístico, o lugar do português
equivale sensivelmente ao da língua mandinga ou da língua manjaca, situando-se entre
8 e 11% da população. Evidencia-se uma sensível semelhança das situações em Angola,
Guiné-Bissau e Moçambique devido as analogias existentes em termos de estrutura
étnica. Independentemente da influência dos fatores geográficos, históricos,
demográficos e político-social.
Estas ilustrações permite aperceber-se melhor do real impacto da língua
portuguesa como idioma de comunicação ao nível de cada um desses países e dos
condicionalismos inerentes ao seu desenvolvimento como tal, independentemente do
estatuto de que goza como língua oficial.
Porém, isso não impedirá de modo algum a inclusão do projeto de fixação
escrita do Crioulo, a língua veicular na Guiné-Bissau, no plano global da luta pela
construção nacional, fazendo com que ele possa vir a desempenhar, cabalmente, o papel
que lhe cabe no processo de formação da nação guineense.
Apesar da não existência de uma codificação oficial do crioulo guineense, a sua
presença na cultura guineense tem-se afirmado cada vez mais. Também o imaginário da
tradição oral é contado em crioulo, como notam vários autores, entre eles Tereza
Montenegro (Junbai e Uori); Odete Semedo (Kebur); Adulai Sila (Mistida): Nelson
Medina (Sol na Mansi).
Dessa maneira, de língua comercial passou para língua de resistência, de
libertação e de unidade nacional. Foi, então, declarado língua nacional, falado por todo
o território nacional (Scantamburlo, 1999: 66).
Amílcar Cabral (dirigente máximo do P.A.I.G.C) entendia que o povo, ao pegar
em armas, estava em primeiro lugar a manifestar a sua recusa de uma cultura

19
estrangeira. Só as sociedades que conseguem preservar a sua cultura se podem
mobilizar, organizar e lutar contra a dominação estrangeira.
O povo fazia a última tentativa para a liquidação pacifica da dominação colonial
nas pátrias africanas e que, se o governo português insistisse em não reconsiderar a sua
posição, cumpriria a sua missão histórica, desenvolvendo a luta de libertação nacional.
Há também a reivindicação cultural, reivindicação dos seus valores culturais, da
sua identidade cultural. O guineense estabelecer uma nova hierarquia dos valores
linguísticos: prioridades às línguas africanas, em geral, e, ao crioulo, em particular.
O alcance da afirmação de Amílcar Cabral, durante a luta de libertação nacional,
de que a língua portuguesa era uma das melhores coisas que os tugas nos deixaram, vai
mais longe pelo fato dela permitir aos guineenses comunicarem-se com outros povos
falantes do mesmo idioma, a nossa língua para escrever, para avançarmos aceder ao
conhecimento à ciência e abrirem-se ao mundo, tem que ser em português, até que um
dia em que, tendo estudado profundamente o crioulo, encontrando todas as regras de
fonética boas para o crioulo, possamos passar a escrever o crioulo.
A herança linguística ultrapassa uma simples questão de língua de ciência e de
comunicação internacional, por estar na origem do crioulo, contribuindo para 80% do
seu léxico, a língua portuguesa, à revelia das autoridades coloniais, proporcionou a um
povo multiétnico uma língua comum própria que foi o catalisador na formação da sua
identidade nacional.
A Guiné Bissau é um dos raros países africanos em que uma das língua étnicas
não se impôs como língua franca ou dominante (caso da África do sul, onde os
escritores são livres de escolher entre o inglês, o africanse, o zulo, etc. Um escritor que
opte pelo zulu pode sempre, mais tarde, fazer-se traduzir para o inglês, idioma nacional
e transnacional naquele país). Esse fenómeno deve-se sem dúvida à existência do
crioulo.
Segundo Carlos Lopes (1988:127): “durante a longa noite colonial, o crioulo foi
sistematicamente desprezado, considerado um dialeto redutível ao português, falado por
africanos, proibido no ensino”, tolerado, mas também combatido, viveu lado a lado com
o português, em relação ao qual esteve por muito tempo em situação de diglossia.
Ao servir de língua de comunicação entre os diversos grupos populacionais no
processo da independência o crioulo tornou-se num elemento congregante da
diversidade étnica nacional. A utilização de uma língua comum, outrora que não a do
colonizador e ao mesmo tempo símbolo de resistência cultural, contribuiu, juntamente

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com o objetivo da luta pela libertação do jugo colonial, para a criação de uma unidade
nacional.
Com efeito, unidos pela mesma língua e partilhando um território e uma história
comum, história essa forjada num combate secular de resistência em que a luta de
libertação contribuiu grandemente para uma convergência de valores, povos com uma
identidade cultural própria conseguiram engendrar uma identidade comum que se
sobrepõe às de cada um dos grupos populacionais. É esta identidade comum que faz a
coesão da sociedade guineense, sobretudo nos momentos de crise, evitando que esta
tome proporções maiores.

1.7. Durante a luta de libertação nacional

O território da Guiné-Bissau estava inteiramente ocupado pelos portugueses e,


portanto, inteiramente aculturado quando as guerras de libertação se iniciaram na
década de sessenta. Como observou J. L. Rougé, a formação do crioulo está
intimamente ligado ao processo de urbanização (Rougé, 1986). O mesmo se deu com a
sua expansão para as zonas rurais, isto é, ele foi levado às tabancas (agrupamento de
casas tipicamente africanas) do interior do país a partir das cidades, sobretudo da capital
Bissau.
Os principais responsáveis pelo início da expansão do crioulo pelo interior do
país foram os revolucionários liderados por Amílcar Cabral. Todos os seus principais
comandantes eram citadinos, frequentemente conhecedores da língua portuguesa, mas
que usavam como principal meio de comunicação o crioulo, mesmo quando tinham
como primeira língua uma das línguas étnicas. Como as forças militares portuguesas se
concentravam basicamente nas cidades, os revolucionários tiveram que se instalar no
mato onde, como vimos, viviam as etnias locais, com suas respetivas línguas,
desconhecedoras de qualquer língua falada nas cidades.
Como notou Lino Bacari, no prefácio a Scantanburlo (1981:5), “os cerca de
trinta povos da Guiné começaram a sentir-se um só povo que, por exigência de luta
unitária, escolheu uma língua, o crioulo a língua que nasceu com a colonização mas que
se transformou em “Língua da Libertação”. É bem verdade que o crioulo não era a única
língua que os revolucionários usavam. Durante este período as línguas étnicas da Guiné
eram largamente utilizadas nas reuniões entre os combatentes e as populações, com ou

21
sem intérpretes. Isto dependia da situação linguística de quem usasse da palavra, isto é,
relativamente à língua de tabanca onde estivesse a decorrer a reunião. Através da rádio
libertação, eles enviavam suas mensagens aos guineenses também em português, em
beafada, mancanha, mandinga, fula, etc. No entanto, o meio de comunicação interétnico
por excelência era o crioulo.
Diante do inevitável, “o crioulo tornou-se um elemento de unidade nacional, o
portador das mensagens políticas do PAIGC e, mais tarde, o detentor sociolinguístico
do conceito da independência” (Lopes, 1988:230-231), apesar das reservas de Amílcar
Cabral em relação não só a ele mas também às línguas étnicas. Mas a esfera prática para
se falar e compreender a problemática da utilização das línguas durante o período da
luta armada de libertação nacional é, sem dúvida, a educação. É também importante a
política linguística de edição de documentos oficiais do PAIGC ao longo deste período,
que, como se pode imaginar, era feita em português.
Quando esse partido iniciou a educação nas antigas zonas libertadas da Guiné-
Bissau decidiu adotar o crioulo como língua de ensino. Mas, mais tarde, abandonou esta
decisão ao analisar e ter em consideração de haver necessidade de comunicação com o
exterior, o que exige a utilização de uma língua internacional, as línguas nacionais e de
unidade nacional não dispunha de uma escrita normalizada e de que o país carecia de
quadros especializados capazes de normalizar e fixar esta escrita. Além disso, a própria
metodologia linguística não terá sido considerada, nesse momento, um aspeto
prioritário.
Ao ser utilizado no ensino, rapidamente se veio a constatar que o crioulo estava
a criar embaraços a um processo que se pretendia dinâmico. Após chegar a esta
conclusão optou-se imediatamente pela adoção do português, única língua na Guiné-
Bissau com as qualidades que faltavam ao crioulo. Mas:
“As consequências de um tal uso se fizeram sentir; a limitação na expressão
livre do poder criador; na transmissão do conhecimento adquirido; na
aprendizagem das várias matérias, e no aparecimento de um novo modo de
expressão linguística, e a fruto da proficiência dos transmissores e recetores
do saber ” (C.E.E.N, 1978: 21)3

Contudo, a introdução do português não tirou ao crioulo o seu papel de língua


das relações interpessoais no espaço escolar. Os livros e manuais escolares eram todos
3
Revista educação, nº 4, C.E.E.N., Bissau, Maio de 1978:21

22
redigidos em língua portuguesa, mas o crioulo mantinha-se como instrumento de
comunicação porque a utilização do Português como língua exclusiva nas salas de aula
prejudica muitos alunos que não têm acesso á língua em casa e fora delas, entre o
professor e os alunos e ainda entre estes, mesmo que fossem do mesmo grupo
sociolinguístico.

1.8. Crioulo depois da independência

Os colonizadores europeus criaram um problema para os africanos – países


heterogéneos étnica e linguisticamente, com fronteiras estabelecidas a partir
exclusivamente dos interesses europeus (Couto, 1990), cabendo aos africanos encontrar
uma solução para eles. No caso específico da Guiné-Bissau, além de ter tido sua
configuração atual determinada pela lógica colonial, isto é, em função dos interesses
portugueses na região, era difícil manter a integridade do país – a antiga Guiné
portuguesa – tanto frente aos régulos locais, que sempre faziam guerra aos portugueses
e / ou exigiam deles algum tributo, isto é, a “daxa” (do port. Taxa), quanto frente aos
concorrentes europeus, como a Inglaterra , a Holanda e a França.
Em síntese, a antiga Guiné Portuguesa resultou “do contato direto e permanente
entre a componente euro colonial e a componente etno-africana” de que “resultou um
mestiçamento, tanto a nível biológico como cultural” (Ribeiro 1989: 23). Ou seja, “os
Crioulos constituíram o eixo embrionário da futura nação guineense. Com efeito, “a
formação da Nação a partir de uma população étnica, cultural e socialmente
heterogênea, passa pela substituição dos laços de solidariedade de grupo por laços de
solidariedade nacionais” (Santos 1989: 194-195). Justamente os laços de solidariedade
nacionais que passaram a ser enfatizados no período pós-independência.
Um dos objetivos prioritários das autoridades guineenses foi criar e promover
condições favoráveis para salvaguardar a identidade cultural, para que não haja línguas
dominante nem menos dominada – pretende-se fundamentalmente preservar, defender e
reabilitar o património cultural crioulo cujo espaço é já quase total, como sustentáculo
da consciência e da dignidade nacional, como fator estimulador do desenvolvimento
harmonioso da sociedade. Em Bissau, paralelamente ao estudo e à promoção das outras
línguas africanas do país – para que não haja língua dominante nem menos dominada –

23
pretende-se fundamentalmente preservar, defender e reabilitar o património cultural
crioulo cujo espaço é já quase total.
Após a independência, grandes fluxos de pessoas vieram para as cidades em
busca de melhores condições de vida, trazendo com elas os seus conhecimentos
culturais e linguísticos, Simultaneamente, pessoas das cidades deslocavam-se para o
campo e interior. Estas incluíam professores, oficiais de saúde, seguranças, dirigentes
etc., levando igualmente os seus conhecimentos linguísticos e culturais.
Foi a partir dessa altura que o crioulo guineense viu mais incrementado a sua
função de língua franca e de unidade nacional, pois acompanhou o aumento da
mobilidade dos cidadãos de todas as etnias. Ao mesmo tempo que se difundia, foi
sofrendo influências e interferências de cada língua africana dos falantes. Hoje essa
diferenciação do crioulo é real e pode reconhecer-se a pertença étnica ou a língua
materna do falante através do seu Leto do crioulo. Ao mesmo tempo que essa evolução
se operava, surgiu um interesse pelo crioulo guineense através dos estudos de
especialistas nacionais e estrangeiros.
Aquando da independência existiam (e existem) na Guiné-Bissau línguas
africanas, o crioulo e o português. A situação destas línguas era (e continua a ser), como
se sabe, desigual: as primeiras e o crioulo não são línguas de escolarização, associadas
aos meios da alta cultura, enquanto que o Português o é.
Que fazer nesta situação, uma vez que a eficiência da administração de um
território onde se encontra implantado um Estado moderno com as suas estruturas se faz
apenas com o uso das línguas de escolarização? Fez-se aquilo que, politicamente, se
entendeu ser conveniente: a adoção do Português como língua oficial, passando as
restantes a serem designadas como (apenas) línguas nacionais.
Não há a mínima dúvida de que a política linguística adotada pelo Estado da
Guiné-Bissau tem suscitado polémica. As discussões sobre esta questão têm-se
restringido ao nível oral, a entrevistas e a alguns artigos que se têm publicado em
diversos jornais.
Das conversas e entrevistas delineamos várias hipóteses que terão levado o
Estado da Guiné-Bissau à definição e ao seguimento da atual política linguística. Os
dirigentes políticos, ao optarem pela adoção da língua portuguesa como língua oficial
do Estado da Guiné-Bissau, terão partido dos seguintes pressupostos:

24
- as línguas nacionais (línguas étnicas) e a da unidade nacional (o crioulo) não se
encontram fixadas e não estão munidas de termos científicos para poderem ser
utilizadas no ensino e na investigação científica;
- o país para desenvolver este processo, depara-se com grandes carências de meios
materiais e humanos.
- há necessidade de comunicação com o exterior, o que exige a utilização de uma
língua internacional e é mais económico o uso de uma língua desta categoria.
É verdade que as línguas nacionais e a língua da unidade nacional não estão em
condições de poderem ser adotadas como línguas oficiais e que o país carece de meios
materiais e humanos. Porém, isso não impedirá de modo algum a inclusão do projeto de
fixação escrita do crioulo, a única língua veicular na Guiné-Bissau, no plano global da
luta pela construção nacional, fazendo com que possa vir a desempenhar, cabalmente, o
papel que lhe cabe no processo de formação da nação da Guiné-Bissau. O crioulo já é
um passo na direção da europeização, embora um passo dado pelos próprios africanos,
entre eles muitos dos que o têm como língua materna.
O pai da nação guineense, Amílcar Cabral, já se manifestara abertamente a favor do
uso do português. Tinha uma visão instrumental da língua. Em suas palavras, “muitos
camaradas, com sentido oportunista, querem ir para frente com o crioulo. vamos fazer
isso, mas depois de o estudarmos bem. Agora a nossa língua para escrever é o
português”. Afinal, “o português (língua) é uma das melhores coisas que os tugas nos
deixaram” (https://www.didinho.org/conversaemfamilia.htm ).
Depois da independência, a utilização do crioulo generalizou-se, nas próprias
administrações e conquistou lugares que até aí eram dominados pelo português, como
foi o caso da rádio nacional. Houve tentativas de introduzi-lo como língua de ensino,
mas as experiências levadas a cabo não deram os resultados esperados, certamente
motivadas por uma confluência de causas, entre elas, uma deficiente preparação dos
próprios professores, passando pela falta de materiais didáticos, uma língua oral e sem
grafia única adotada do crioulo faz com que cada um escreva á sua maneira, apesar de
ser língua nacional não ser necessariamente a língua materna de muitos aprendentes.

1.8.1 A Língua Oficial


A língua oficial é a língua usada na escolarização e em contextos
administrativos, oficiais e internacionais dos constituintes de uma sociedade.

25
Segundo Mateus e Villalva (2007), quando constituem essa sociedade ou
comunidade, com grupos de pessoas com línguas maternas diferentes, o Estado
determina qual a língua ou mesmo línguas que deve (m) ser tida (s) como oficiais.
A denominação de língua oficial surge então da necessidade de distinguir entre
as línguas usadas num dado país ou espaço público, quando ou quais dessas línguas são
aceites como válidas na comunicação com as ditas instituições oficiais. Assim, as
comunidades linguísticas têm como objetivo o reconhecimento oficial das suas línguas
de expressão como forma de participar no exercício do poder político.
A língua portuguesa é língua oficial na Guiné-Bissau, como já se mencionou
acima, e é também a língua oficial nos restantes países da CPLP: Brasil, Angola,
Moçambique, Cabo-Verde, São-Tomé e Príncipe e Timor Leste, Portugal e Guiné-
Equatorial.
No entanto, na Guiné-Bissau o português é língua oficial mas não veicular entre
a maioria parte da população. Ela é também a língua de escolarização, apesar de
algumas experiências pontuais de ensino em crioulo ou em algumas das línguas
africanas.

1.9. As diferentes línguas usadas na Guiné-Bissau

Neste país, uma parte de habitantes é monolingue e fala a língua nacional


correspondente ao seu grupo étnico (balanta, manjaco, fula, mandinga, papel entre
outras). Outros são bilingues ou multilingues, falando uma ou várias destas línguas além
do crioulo veicular.
A Guiné-Bissau é um país, como quase todos os países africanos, constituído por
grupos populacionais de origem diversa. O seu mosaico étnico é muito variado, tendo
sofrido no correr dos séculos bastantes alterações. As migrações, as guerras de
conquista e a colonização desempenharam um papel importante na redistribuição e no
entrecruzamento populacionais.
Apesar da pequena extensão do território, ali vivem dezenas de grupos e
subgrupos étnicos muito heterogéneos, com suas culturas próprias, suas línguas, em
grande parte muito diferentes uma das outras. Luigi Scantamburlo refere-se a vinte sete
grupos étnicos, mas os autores não são unânimes nessa qualificação, e isso porque há
grupos, subgrupos e os critérios variam bastante. Aos grupos étnicos corresponde igual

26
número das línguas faladas no território guineense e todas elas já ali estavam antes da
chegada dos europeus (Scantamburlo, 1997: 8). O território que hoje corresponde
geopoliticamente à Guiné-Bissau foi outrora o refúgio de numerosos povos que se
deslocaram, pressionados por sucessivas movimentações de populações no território
africano. Além disso, acrescentam-se as migrações internas e externas, a assimilação, a
mestiçagem; está-se diante de um mosaico complexo e multifacetado, muitas vezes com
algumas centenas de indivíduos. Estas línguas coabitam com o crioulo, língua veicular e
de unidade nacional e com o português, língua oficial, ambas resultantes da colonização
portuguesa.

“ se queremos levar para a frente o nosso povo, durante muito tempo ainda,
para escrevermos, para avançarmos na ciência, a nossa língua tem que
ser o português. (Cabral, 1974b:215-216)

A Guiné-Bissau tem como língua oficial o português, que, em razão disso, é


ensinado nas escolas e torna-se a língua de documentos oficiais, da literatura é nele que
está registado a história da país.
Segundo Couto (2009: 53-4), “não é a língua nativa de nenhum guineense de
ascendência africana como língua primeira”, esse papel, cabe “às línguas étnicas
africanas e ao crioulo”. Os guineenses nunca usam o português entre si, exceto quando
falam com estrangeiros, sobretudo portugueses, só existe para os guineenses como
língua segunda, e, ainda assim, para uma parcela muito pequena da população.
Do ponto de vista linguístico, na Guiné-Bissau prevalece a triglossia ou
diglossia sobrepostas. Trata-se de uma situação linguística que engloba, por um lado,
uma interação entre situações de diglossia do crioulo e as línguas africanas do país, por
outro lado do português e o mesmo crioulo.
Sendo a língua H (high) a língua mais formal e associado ao maior prestigio a L
(Low) a menos formal e de menor prestígio (Ferguson 1972; Fishman 1972) nas
situações de diglossia citadas, no primeiro caso o crioulo corresponde a língua L e o
Português corresponde à língua H.
Apesar da questão do espírito de grupo, de identidade e da consciência que os
guineenses ganham cada vez mais sobre a importância da sua cultura, a realidade é que
as línguas étnicas ocupam um lugar mais baixo, em termos de prestígio na pirâmide das
línguas nacionais. Mas este fato, faz com que nos estabelecimentos de ensino formal

27
não se encoraja o uso (em qualquer situação) das línguas africanas. Não constitui grande
problema, porque todas elas convivem harmoniosamente no território, as suas relações
são geridas pelos seus falantes comuns ou pelas pessoas profundamente ligadas a essas
línguas e bem qualificadas para estreitarem as relações entre os seus falantes.
A maior parte dos guineenses nasceu no seio de uma comunidade, ou em
famílias, nas quais a língua materna é uma língua étnica e a sua aquisição faz-se por via
informal, pela transmissão direta dos pais para filhos. Essas línguas são o elo de ligação
entre os indivíduos da mesma comunidade étnica e são utilizadas no quotidiano das
aldeias, na família, entre vizinhos e amigos, nas cerimónias tradicionais, tais como atos
religiosos, reuniões, e também nos contatos entre os guineenses “urbanos” com as suas
comunidades rurais. Entre todas as línguas étnicas faladas na Guiné-Bissau, nenhuma
delas pode ser considerada como língua maioritária, porque segundo (Robinson
1993:55), “o grau da diversidade linguística não deve basear-se no número absoluto das
línguas faladas ou falantes de uma língua, mas sim , na percentagem da população que a
fala”. Há certas línguas, como são os caso de Balanta e Fula, que gozam de expressão
numérica e cobertura territorial consideráveis, mas mesmo assim nenhuma delas
constitui a língua maioritária.
Diferentemente, o crioulo, reconhecido, mas não oficial, é a língua veicular
interétnica, franca, de mais de 70% da população da Guiné-Bissau. Segundo Callaert
(1995:41), “o crioulo tem um certo prestigio como língua materna das camadas urbanas
e como amplamente utilizado por outros grupos como língua de comunicação
interétnica nos casos em que estes grupos não têm uma tradição local de multilinguismo
interétnico”.
As principais línguas étnicas e sua respetiva percentagem são as seguintes: Fula
(16%), Balanta (14%), Mandinga (7%), Manjaco (5%), Papel (3%), Felupe (1%),
Beafada (0,7%), Bijagó (0,3%), Nalu (0,1%).

28
Gráfico – 1. Principais línguas étnicas da Guiné-Bissau

Fonte: Couto – O crioulo português da Guiné-Bissau

As sete línguas mencionadas não são as únicas que estão presentes na Guiné-
Bissau. Com número pouco significativo de falantes, poderíamos acrescentar ainda o
Baiote, o Banhum, o Badiara (Pajadinca), o Cobiana, o Nalu, o Cunante, o Casanga etc.
Uma outra estatística, com base no recenseamento feito em 1991, apresenta o seguinte
quadro: Fula (25%), Balantas (24%), Mandingas (9%), Papeis (9%), Brames (4%),
Beafadas (3%), Outros (12%).

Gráfico - 2. línguas mais faladas na Guiné-Bissau

Fonte: O crioulo português da Guiné-Bissau

1.10. A Questão do Crioulo no ensino

29
A questão da introdução do Crioulo como língua de alfabetização das crianças
continua a ser atual e, segundo Johannes Augel (1997: 251-254), ela é a “única língua
viável” para essa função, na medida em que “a heterogeneidade populacional não
permite a existência de tabancas (aldeias) homogéneas”.
Se é verdade que a língua de alfabetização tem um peso determinante no sucesso
ou insucesso escolar, não é menos verdade que o insucesso escolar constatado
atualmente na Guiné-Bissau, a todos os níveis, não é alheio ao baixo nível de formação
dos professores. Com efeito, se compararmos com o que se passava na época colonial,
veremos que as crianças dos meios rurais, que não tinham sequer o crioulo como língua
materna, conseguiam fazer os seus estudos com sucesso nas missões católicas ou
mesmo nas escolas oficiais, tendo muitas delas beneficiado de bolsas de estudo para
formação superior no estrangeiro. O artigo 1º da lei que criou a junta das Missões
Católicas Ultramarinas vinculou-a ao Ministério das Colónias, «para desenvolver, (…)
o espirito de colaboração que, em nome dos mais altos interesses coloniais, tem de
presidir ás relações do Estado com as missões».
O curso de «Administração Colonial», ministrado na Escola Superior Colonial,
transmitia «os métodos de educação dos indígenas (partindo, naturalmente, da
etnologia) e especialmente de organização e processo de trabalho das missões religiosas
com quem o funcionário tinha de lidar e colaborar constantemente».
Outro aspeto que dificulta a promoção do idioma nacional como língua de
ensino é o de ela permanecer uma língua sem escrita regulamentada, apesar da
existência de uma proposta para unificação da sua ortografia realizada pelo Ministério
da Educação guineense, em 1987. Nesta proposta a ortografia é fonética e com base no
alfabeto latino, mas recorrendo a empréstimos do alfabeto internacional para expressar
sons do crioulo que não existem na língua portuguesa. A inexistência de uma
regulamentação faz com que cada um escreva o crioulo à sua maneira e o mesmo
vocábulo apareça com diferentes grafias. Este é também apontado como um freio ao
desenvolvimento da literatura em língua guineense.
Na verdade, a elaboração de materiais didáticos para a introdução do crioulo na
educação formal e não formal teve início já há alguns anos. Scantamburlo (1981)
publicou a primeira gramática do crioulo guineense com finalidades pedagógicas. A
gramática contém uma exposição gramatical, textos e glossário. Scantamburlo
notabilizou-se não só por este trabalho, mas por uma série de outras publicações sobre o
crioulo guineense, tendo trazido a público aspetos relevantes do crioulo guineense,

30
percorrendo toda a estrutura da palavra e da frase. Trata-se de uma descrição bilingue
(em Português e em Inglês) da gramática do crioulo guineense e traz a lume vários
aspetos deste crioulo, tais como os idiofones (adjunto de intensidade), questões do
alfabeto e da grafia do crioulo guineense.
Em 1999, o mesmo autor publicou o primeiro volume da sua obra, Dicionário do
Guineense, onde descreve a gramática do guineense e, em 2002, saiu o segundo volume,
desta vez apenas dicionário, mas desenvolvendo alguns dos conceitos propostos em
1999, nas notas introdutórias, tendo acrescentado notas ortográficas e convenções de
escrita. Este autor promove projetos do ensino bilingue em crioulo e português.
Em 1981, o Padre Biasute publicou o dicionário Vocabulari Kriol – Portuguis,
sobre o crioulo guineense, com mais de quinze mil entradas, resultado de cerca de 20
anos de vida na Guiné. Tratou-se do primeiro dicionário conhecido sobre o crioulo
guineense.
Em 1988, surgiu o primeiro curso de crioulo guineense, escrito em francês, por
Donneux e Rougê. O manual contem textos de leitura, notas gramaticais e culturais,
diálogos e algumas explicações em francês. São vinte lições que os autores entendem
não serem suficientes para se poder ganhar um bom domínio do crioulo. Mas o mérito
da obra deve-se ao fato de esta ser uma boa fonte de iniciação aos estudos do crioulo
guineense.
Pinto Bull, guineense de nacionalidade e falante vivo do crioulo guineense,
viveu durante um longo tempo no Senegal, depois em Portugal. Em o Crioulo da Guiné
– Bissau: Filosofia e Sabedoria (1989), discute a história da língua e do povo, a
importância do crioulo e do seu contexto. Dedica algumas páginas aos provérbios,
alcunhas e formulas invocatórias, adivinhas, contos e um glossário trilingue (crioulo,
português e francês) com mais de 2500 entradas. É uma abordagem mais filológico –
literária do que linguística propriamente dita.
O livro do fonólogo guineense (Couto, 1994) é particularmente relevante no que
toca à história, fonologia e outros aspetos da estrutura do crioulo guineense. Aborda a
história do povo e da língua da Guiné-Bissau, aspetos da situação sociolinguística, o
percurso histórico dos estudos sobre o crioulo, a questão do ensino da língua e a
fonologia. Estabelece um quadro dos fonemas vocálicos e consonânticos do guineense e
analisa a sua morfologia. É o primeiro a insurgir-se contra o “eurocentrismo” (Couto,
1994:83) de algumas análises anteriores da morfologia do crioulo, por forçarem as

31
palavras desta língua a entrar no colete de forças das categorias como substantivo, verbo
etc. Trata os mesmos temas, mas de uma forma meramente tipológica e classificatória.
Nos dias de hoje, a discussão continua girando em torno do mesmo assunto. A
nível das autoridades governamentais, a opção pela língua portuguesa continua, sendo
preferida inclusive a outras línguas europeias possíveis, como o francês (Lopes, 1988:
241-243; Couto, 1990: 53-54). A questão do uso do crioulo como ponte para se
atravessar o largo oceano que separa a cultura africana – línguas étnicas – da europeia
(português) continua em curso, mas apenas só a nível de discussão.
Apesar de oficialmente proibido, os professores têm que fazer o uso do crioulo
nos primeiros anos, oralmente, uma vez que se falam em português não serão
entendidos pelas crianças. Nesse caso, como poderiam alfabetizar? Assim, se nos
primeiros anos os professores dessem aulas em crioulo para alfabetizar em português, os
problemas seriam bem menores. Além dos professores dominarem o crioulo como
língua materna, já existe uma incipiente literatura em geral fábulas recolhidas da
oralidade. Dentre as poucas coletâneas existentes contam-se as da autoria de Giusti
(1981), Montenegro / Morais (1979) e Bull (1989). Todos os contos estão escritos em
crioulo tradicional (Couto, 1989 e 1990). Além disso, temos os textos bíblicos
produzidos pelos missionários, tanto católicos quanto protestantes, e as fábulas
publicadas pela Editora Nimba em banda desenhada.
Em 1984, foi levada a cabo uma campanha de alfabetização por um grupo de
jovens dinamarqueses na região de Tombali. Ela falhou “pelas mesmas razões: a
insistência do português como língua de ensino” (Achinger, 1986:16). Em síntese, é
muito difícil alfabetizarem-se crianças numa língua, que não é a sua língua materna; não
obstante, é o que continua sendo feito e as consequências são desastrosas em termos
educativos.
Em outubro de 1989, pela enésima vez o ministro da educação “anunciava a
intenção do crioulo vir a ser introduzida nas escolas primárias, concretamente nos dois
ou três primeiros anos de escolaridade” (Quadé, 1990: 8).
Em setembro de 1990, realizou-se uma mesa-redonda no INDE (Instituto
Nacional para o Desenvolvimento da Educação) para avaliar o desempenho das escolas
rurais e debater também a questão do insucesso escolar.
É claro que o objetivo não é o mesmo da época colonial, durante a qual “a
finalidade era desafricanizar” (Macedo, 1978: 9), o objetivo que se tem agora é “o das

32
relações funcionais com o mundo exterior” (Quadé, 1990:8), ou seja, usa-se o português
por ser a língua que facilita as relações com o resto do mundo.
Somente um em cada 5.000 alunos transita da primeira à décima primeira classe
sem nenhuma repetição. No nível elementar, apenas um em 400 chega ao sexto ano com
sucesso. E 41%dos alunos inscritos na primeira classe não são admitidos na segunda.
Isso tudo, levando-se em consideração que apenas 40% das crianças guineenses se
matriculam em alguma escola. Portanto, não é de admirar que a taxa de analfabetismo
seja de 86%.

33
Capítulo 2 - O desenvolvimento

2.1. Aspetos gerais

A sistematização dos princípios para a conceptualização de desenvolvimento e a


sua ampliação a novas dimensões é um contributo para uma reflexão sobre a sua
importância no mundo, marcado pela bipolarização da riqueza e da pobreza, pelo
agravamento dos conflitos armados, pelas migrações, pela precariedade do emprego e
pela instabilidade social. A importância que passou a ter a erradicação da pobreza, como
grande objetivo do milénio, determinou a inclusão de novas perspetivas, em que as
componentes social e ambiental passaram a ser objeto de uma atenção nunca antes
assumida.
Segundo Cardoso (2005: 33)
“o termo “desenvolvimento” encontra as suas raízes históricas nas grandes
mudanças introduzidas nos últimos 200 anos pela Revolução Industrial. Este
acontecimento foi indutor de um vasto número de transformação nos
instrumentos de trabalho e nos processos produtivos, permitindo um
aumento da produção de bens e serviços até aí nunca verificado,
possibilitando a satisfação de necessidades crescentes e o aparecimento de
sociedade de abundância e de “bem-estar” geral”.

“Foi o período em que se impôs a Escola da Modernização nas suas duas


vertentes, evolucionista e funcionalista. A primeira considerava que o desenvolvimento
se devia fazer por etapas por que todas as sociedades tinham que passar, seria como que
um processo contínuo em que em cada patamar, se atingia um maior nível de
desenvolvimento. Por seu turno, a vertente funcionalista considerava que o processo de
crescimento se fazia por contágio entre estruturas modernas e as tradicionais, apontando
o aumento do poder de compra resultante da disponibilização de rendimentos crescentes
por partes dos grupos sociais ligados ao setor moderno de novos investimentos, da
transferências de mão-de-obra do setor tradicional e do alastramento do setor moderno.
(Furtado, 1971: 265).

34
Nas décadas de 60 e 70 do século XX, uma série de acontecimentos de carácter
político e social – Maio de 68, Primavera em 69, agitação social nos EUA, contestação à
guerra do Vietname - ao traduzirem um certo mal estar social, conduziram ao repensar
do desenvolvimento, de forma mais generalizada. A pobreza passou a ser entendida
como a incapacidade de satisfação de necessidade básicas.
O aparecimento do mundo polarizado pela influência dos Estados Unidos e da
União Soviética e o fim dos impérios coloniais, aliado ao aparecimento de novos países,
acentuaram o problema do subdesenvolvimento. A problemática da pobreza e da
desigualdade começava a colocar-se, dividindo o mundo em países desenvolvidos e
subdesenvolvidos, ou em vias de desenvolvimento.
Na década de 90, o Mundo tornava-se mais complexo, as desigualdades entre
países acentuaram-se e o problema da pobreza passou a apresentar maior relevo. A
industrialização e/ou a urbanização crescentes provocaram a quebra de laços familiares
e sociais, fazendo surgir situações de pobreza e exclusão, a que Robert Castel (1998)
chamou desfiliação total.
O aumento da pobreza, a crise do Estado-providência, com a sua incapacidade
de dar resposta aos problemas do desemprego , da degradação social, da falta de apoio a
crianças, deficientes e idosos, da degradação ambiental, fez surgir o conceito de
desenvolvimento local, conceito esse que tem vindo a ganhar força em termos
internacionais. (Castro Cardoso, 2005:59).
Segundo esta perspetiva, o desenvolvimento terá que se preocupar com o bem-
estar geral das populações, com o aumento das suas capacidades, com a criação de
igualdade de oportunidades, de acesso aos sistemas de educação e saúde, bem como
com a liberdade de circulação, expressão e segurança.
Foi uma época de aprofundamento da problemática do desenvolvimento, na qual
alguns países e instituições fizeram esforços no sentido da sua compreensão e combate.
Mas, as novas tecnologias indutoras da globalização, associadas à liberalização
económica, quebraram os laços de solidariedade e estabilidade, originando desemprego,
bolsas de pobreza nos países ricos e a sua expansão nos países em desenvolvimento.
Segundo Lopes de Oliveira (2006:427-436), cada indivíduo tem o seu
desenvolvimento delineado por inúmeros fatores, reciprocamente interativos, que
variam de acordo com o tempo, o contexto e o processo de desenvolvimento. O autor
acrescenta ainda que a cada etapa desse processo novas possibilidades são geradas para
a próxima geração.

35
Taylor (1965: 53) considera o trabalho a base de toda a riqueza e a liberdade
individual o motor do desenvolvimento das sociedades. A partir daqui foram surgindo
contributos importantes para a busca de um conceito de desenvolvimento, mais
humanista, mais voltado para o bem-estar e realização do homem enquanto pessoa e
para o aumento das suas capacidades.
As cimeiras e as instituições internacionais têm vindo a dar uma importância
crescente a esta problemática, no entanto, ainda não canalizaram meios materiais e
humanos, suficientes para a erradicação da pobreza. Para isso, é necessário o
envolvimento das pessoas e dos governos dos países pobres e ricos, mais democracia e
transparência, num esforço que deve ser mundial. (Castro Cardoso, 2005:70).
O desenvolvimento pode ser encarado como um processo de mudanças de ordem
económica, política e social para satisfazer as necessidades do ser humano como: a
saúde, educação etc. Este conceito viria a ser seguido por todos os países, com diferença
inerente aos respetivos sistemas.

2.2. A língua e desenvolvimento

O Plano Marshall pode ser considerado como o primeiro projeto específico de


cooperação entre um estado soberano e um conjunto de estados soberanos e
independentes4.
O ano de 1948 marca a consagração e o reconhecimento oficial pelas instâncias
internacionais de um desenvolvimento planeado e executado com ajuda externa. Para a
concretização do Plano, os países beneficiários fundaram a Organização para a
Cooperação Económica (OECE). Em 1961, foi reformulada e deu origem à atual
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
Com o seu surgimento, a cooperação para o desenvolvimento assumiu uma
preponderância central no desenvolvimento de uma grande parte dos países em vias de
desenvolvimento. Foi com esse mesmo plano, que os EUA e a Europa conheceram
novas políticas direcionadas para a cooperação. Essas políticas traduziram-se em fluxos
de natureza monetária e foram implementadas por um amplo conjunto de organização,

4
Os motivos subjacentes ao Plano Marshall assentavam na segurança nacional (fortalecer os países
europeus na luta contra a expansão do comunismo) e em considerações comerciais (benefícios da
reconstrução europeia para as empresas americanas).

36
que com o decorrer do tempo o processo de aplicação, vieram a assumir posições e
funções determinadas no domínio da cooperação para o desenvolvimento.
Após a Revolução dos Cravos de 1974, a política de cooperação portuguesa
assumiu uma tipologia descentralizada durante trinta e cinco anos. Apenas em 1985,
quando se criou a Secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, foi
possível observar o início do desenvolvimento de um programa de cooperação.
A cooperação portuguesa permanece muito alicerçada na relação com os Países
da Língua Oficial Portuguesa (PALOP), nas mais diversas áreas e com tipologias
divididas por instituições diferentes.
Em 1999, foi aprovada a resolução do Conselho de Ministros nº 43/99,
intitulada A Cooperação Portuguesa no limiar do século XXI – documento de
orientação estratégica, cujo principal objetivo estratégico apontado, e até hoje
prevalecente, era o de: “(…) saber articular nos planos políticos, económicos e cultural,
a dinâmica de constituição de uma comunidade, estruturada nas relações com os países
e as comunidades de língua portuguesa no mundo, e de reaproximação a outros povos e
regiões (…)”.
Em função desse objetivo, assistiu-se ao surgimento de novos instrumentos de
apoio: os Programas Indicadores de Cooperação (PIC), os programas integrados de
cooperação, as delegações técnicas de cooperação e a Agência Portuguesa de Apoio ao
Desenvolvimento (APAD)5, que passou a ser a principal instituição financiadora da
cooperação portuguesa.
A ideia da criação de uma comunidade de países de língua portuguesa, que tinha
sido recuperada em Novembro de 1989, em S. Luís de Maranhão, por ocasião do
encontro dos Chefes de Estado e de Governo dos países de Língua Portuguesa, era
considerada como uma peça de grande importância no desejado reforço das relações de
solidariedade entre os países que têm a língua portuguesa como idioma oficial, quer no
plano político-diplomático, quer da cooperação em geral.
O dia 17 de Julho de 1996 ficou marcado pela criação da Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa (CPLP), por ocasião da realização em Lisboa da cimeira de
chefes de Estado e de Governo dos Países de Língua Portuguesa.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros da República Portuguesa – que tutela as
políticas da cooperação portuguesa internacional e da promoção da língua e da cultura
de Portugal – anunciou, em Novembro de 2011, a fusão entre o Instituto Português de
5
Que posteriormente veio a tornar-se no Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD).

37
Apoio ao Desenvolvimento (IPAD) e o Instituto Camões. Surgiu assim o atual Camões,
Instituto da Cooperação e da Língua.
O Instituto Camões é responsável pela promoção da cultura portuguesa no
estrangeiro e acompanha as atividades dos Centros Culturais Portugueses, em diferentes
regiões do mundo e nos países da CPLP, em particular, quer na atribuição de bolsas de
estudo para a frequência de cursos de língua e cultura portuguesas, promoção de cursos
de formação a distância e na formação contínua de professores.
O IPAD tinha a responsabilidade da política de cooperação portuguesa e de
coordenação das atividades de cooperação desenvolvidas pelas diversas entidades
públicas, articulando a sua ação com inúmeras ONGs e ONGDs, que atuam um pouco
por todo o mundo, e sendo determinante na prossecução de compromissos
internacionais, como o da afetação de uma percentagem mínima do PIB à Ajuda Pública
ao Desenvolvimento, além do cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do
Milénio.
A cooperação e o desenvolvimento têm sido um suporte importante de
visibilidade e de afirmação de Portugal no mundo. Desde 1991, altura em que Portugal
se tornou doador no quadro da organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Económico (OCDE), foi-se trilhando um caminho, nem sempre fácil, de reforço dos
objetivos e de melhoria da atuação da cooperação portuguesa, no plano bilateral e
multilateral.
O esforço português nesta área tem sido reconhecido quer pelas instâncias
internacionais – como atesta o exame da OCDE realizada em 2010 à cooperação
portuguesa, quer pelos países parceiros desta cooperação, situada essencialmente
situado na área geográfica da lusofonia.
No entanto, as dificuldades inerentes à crise económica atual ameaçam fazer
reverter muito dos ganhos dos últimos anos, menorizando compromissos assumidos em
nome de uma lógica economicista de cortes cegos e de poupança a todo o custo. Pode
assim perguntar-se quais os motivos e interesses, subjacentes à cooperação e
desenvolvimento, se Portugal tem de ajudar os pobres de outros países, quando tem
pobres dentro do seu território?
Um primeiro motivo é o facto da cooperação para o desenvolvimento constituir
um vetor fundamental da política externa de Portuguesa, sendo, nesse contexto, um pilar
da consolidação do relacionamento com países, com os quais se pretende ter relações
económicas e políticas privilegiadas.

38
Um segundo motivo consiste no facto da luta contra a pobreza se assumir como
uma responsabilidade de cada um no quadro da cidadania global, ancorada em
princípios de solidariedade e de responsabilidade partilhada. A política de ajuda ao
desenvolvimento não deve ser encarada como um ato de caridade dos mais ricos para
com os mais pobres, mas como uma necessidade humana e deve ser promovida como
tal à escala mundial. Porém, alguns países parceiros da cooperação portuguesa têm
vindo a registar altas taxas de crescimento, estas taxas partem de bases absolutas muito
baixas e mascaram a persistência de desigualdades e necessidades enormes em termos
de redução de pobreza.
Em terceiro lugar, se os argumentos de solidariedade não bastam, é fácil advogar
a promoção do desenvolvimento global para o beneficio e interesse comum, já que a sua
ausência gera fenómenos de insegurança e migração, entre outros, que facilmente se
detetam num contexto europeu. A interdependência crescente demonstra-nos que os
problemas económicos e de segurança são também problemas de desenvolvimento,
exigindo um esforço de procura de soluções globais.
Os motivos para ajuda ao desenvolvimento variam ao longo do tempo e em
função dos países e atores da cooperação, podendo ou não estar ligados a objetivos de
desenvolvimento dos países receptores.
A cooperação portuguesa para o desenvolvimento é um vetor estratégico com
valor próprio, que não pode, nem deve estar refém de interesses de promoção da
economia nacional ou tornar-se instrumento de internacionalizações das empresas.
(Fonte: http://dn.pt/info/termosdenso.aspx - consultado em: 15/5/2014).
Um dos principais objetivos da cooperação é fortalecer e melhorar as relações
económicas dos países em desenvolvimento, alcançar as metas estabelecidas e
estabelecer parâmetros para o desenvolvimento do nível de vida.

2.3. Agenda de Desenvolvimento pós 2015

Os desafios ao desenvolvimento são cada vez mais globais e interdependentes,


incluindo questões como as alterações climáticas, a segurança, a governação global, o
comércio, as migrações, a sustentabilidade energética, ou a segurança entre outros.
Nesse sentido, a definição de uma agenda de desenvolvimento global pós-2015 terá de
ter em conta três aspetos:

39
O primeiro relaciona-se com a nova agenda dos Objetivos de Desenvolvimento
do Milénio (ODM), definida em 2000. Sabe-se que não serão atingidos até 2015, na
maior parte dos países mais pobres, e que muito dos progressos de desenvolvimento
mundial têm sido impulsionadas pelos crescimento de países como a China e a Índia,
nos últimos anos.
Não obstante os ODM serem fundamentais por constituírem a principal agenda
de desenvolvimento partilhado entre países desenvolvidos e em vias desenvolvimento e
a sua importância ser inegável como fio condutor do desenvolvimento e das estratégias
de cooperação, é preciso reconhecer que são igualmente insuficientes face à
multidimensionalidade dos desafios atuais do desenvolvimento, incluindo questões
relativas à segurança, aos direitos humanos ou à governação.
O segundo aspeto refere-se à alteração profunda na geografia mundial da
pobreza. Há duas décadas, mais de 90% da população pobre vivia em países
classificados como Países Menos Avançados (PMA). Atualmente, calcula-se que a
maior fatia da população abaixo do limiar da pobreza – cerca de 72 – não viva nos
países mais pobres, mas sim em países de rendimento médio e estáveis. Este deriva do
crescimento económico acelerado de vários países muito populosos, particularmente no
continente asiático, onde a avaliação de países de rendimento médio não exprime as
desigualdades internas e a persistência da pobreza em largas camadas da população.
Mais, se os países classificados como menos avançados eram 61 em 2003, hoje são 48,
tendo as Nações Unidas anunciado a intenção de graduar 24 destes países para a
categoria média até 2020 (Fonte:
http://www.plataformaongd.pt/conteudos/Documentos/Publica%C3%A7%C3%B5es/Ef
ic%C3%A1cia_da_Ajuda_e_do_Desenvolvimento.pdf).
Estas alterações levantam questões importantes sobre os modelos atuais de ajuda
ao desenvolvimento, onde o rendimento nacional per capita e as consequentes
classificações dos países são componentes importantes na definição dos volumes e da
composição do auxílio.
O terceiro aspeto diz respeito aos compromissos globais da ajuda pública ao
desenvolvimento (APD) e ao seu contributo efetivo para o desenvolvimento dos países.
O mundo desenvolvido, com exceção de alguns países nórdicos e de outros que
transformaram a ajuda ao desenvolvimento, num objeto estratégico de política externa,
não atingirá a meta dos 0,7% de APD a que se propôs até 2015 (Fonte:

40
http://www.plataformaongd.pt/conteudos/documentos/publica%c3%a7%c3%b5es/efic
%c3%a1cia_da_ajuda_e_do_desenvolvimento.pdf).
Por outro lado, é preciso ter em conta outros fluxos externos de financiamentos
do desenvolvimento, como o investimento direto, o comércio ou as remessas dos
emigrantes, que representam recursos valiosos para os países em desenvolvimento, aos
quais acresce o papel fundamental das políticas internas destes países.
Como tal, a pressão exercida pelos atores do desenvolvimento junto dos países
desenvolvidos (e respetivas organizações regionais, como a EU) deverá, cada vez mais,
incidir não apenas na questão da qualidade da APD, mas na necessidade de mudanças
no sistema económico global, de alteração aos paradigmas de governação mundial e na
reformulação de outras políticas com efeitos globais.
Da parte africana, a Nova Pareceria para o Desenvolvimento de África
(NEPAD6), tornou pública a posição concertada de membros da União Africana,
grupos de sociedade civil e outros grupos de desenvolvimento. Considerando que o
auxílio preserva o seu papel de relevo no financiamento do desenvolvimento, a NEPAD
sublinha os esforços feitos pelos estados africanos para realizarem a sua dependência de
ajuda externa e enfatiza o papel de catalisador que esse auxílio pode ter no
desenvolvimento.
As prioridades elencadas pelo bloco africano estão organizadas em alguns
princípios:
a) A promoção e o reforço da agenda inacabada da eficácia do desenvolvimento,
devendo ser assumidos novos compromissos, tanto por países doadores como
pelos estados africanos, sobretudo tendo em vista a utilização dos sistemas dos
países beneficiários, a eliminação dos condicionalismos à ajuda, as melhorias na
transparência, na previsibilidade do auxílio e na ajuda e responsabilização
mútuas;
b) A superação da dependência dos países africanos em relação à ajuda externa,
através do desenvolvimento das suas capacidades (capacitação dos setores
público e privado);
c) O incremento da cooperação SUL-SUL e a consequente partilha de conhecimento
de laços de solidariedade entre os países africanos emergentes;
d) A identificação e criação de novas parcerias, que promovam uma cooperação
para o desenvolvimento mais equitativa, inclusiva e sustentável.
6
Cf. http://www.nepad.org.

41
e) A assunção das comunidades económicas regionais, do investimento e da
cooperação como sendo essenciais para o alcance dos objetivos do
desenvolvimento africano.
O IV Fórum de Alto-Nível reuniu-se em Busan, na Correia do Sul, no final de 2011,
para discutir sobre a eficácia da ajuda ao desenvolvimento, concluindo que ela é apenas
um contributo entre os fluxos externos e que se deve centrar em propiciar aos países as
condições para aproveitarem e desenvolverem as suas próprias capacidades e recursos
internos. É, assim afirmado que “o futuro de África depende da sua capacidade para
financiar o desenvolvimento de uma diversidade de fontes”. (Fonte:
http://www.plataformaongd.pt/conteudos/Documentos/Publica%C3%A7%C3%B5es/Ef
ic%C3%A1cia_da_Ajuda_e_do_Desenvolvimento.pdf )
Nesse contexto, é feito um apelo à comunidade internacional para repensar a forma
como a ajuda é programada e para centrar o seu apoio em investimentos que
impulsionem o crescimento económico e promovam fontes alternativas de
financiamento do desenvolvimento.

2.4. Princípios Estratégicos da Cooperação Portuguesa

Um dos princípios estratégicos subjacentes à cooperação portuguesa diz respeito


ao empenho na prossecução dos Objetivos do Milénio (ODM), como já foi dito acima.
Os ODM definidos pela ONU foram desde a sua adoção, um objetivo essencial para
Portugal. A consciência de que as metas traçadas seriam bastante ambiciosas não fez
recuar Portugal, quer devido ao seu forte envolvimento em questões de cooperação para
o desenvolvimento, quer pelo pelas metas traçadas estarem acima da realidade da
maioria dos parceiros de Portugal.
Dando prioridade a áreas fundamentais como a saúde e boa governação, os
ODM surgiram como uma oportunidade única para, efetivamente, reduzir o número de
pessoas que vivem em pobreza externa. Ainda assim, é possível afirmar que Portugal
não alterou significativamente a sua estratégia em função dos ODM, uma vez que toda a
estratégia portuguesa já estava focada para atingir objetivos similares. O documento
Uma visão estratégica para a cooperação portuguesa traduz-se, assim o papel
fundamental para uma politica externa portuguesa integrada, que contribua para
valorizar o papel de Portugal no mundo. Exige uma visão de longo prazo e visa a

42
promoção da cidadania global através de processos de aprendizagem e de sensibilização
da sociedade portuguesa para as questões do desenvolvimento, num contexto de
crescente interdependência. Neste sentido, a principal mudança que surgiu com os
ODM, na questão de cooperação para o desenvolvimento, tem a ver com o número de
parceiros institucionais empenhados em objetivos similares e com os quais Portugal
pode lidar. Aliado a esta mudança, deste objetivo figurar na estratégia portuguesa é de
maior importância, dada a grande visibilidade que este compromisso representa para a
sociedade civil. Num país ainda caraterizado por alguma reserva no que diz respeito à
cooperação para o desenvolvimento, esta iniciativa veio dar visibilidade e importância a
objetivos reais e ao papel de Portugal no relacionamento com os seus parceiros
preferenciais.
Um segundo princípio estratégico refere-se à promoção da chamada “segurança
humana”. Portugal cedo se apercebeu que a segurança humana tem que ir muito para
além da cooperação militar e por isso procurou capacitar os órgãos institucionais dos
países com quem se relaciona em matéria de cooperação para o desenvolvimento, de
modo a garantir o controlo territorial e político, de forma a conferir estabilidade nos
territórios. Apenas com um contexto estável se pode perspetivar um crescimento
sustentado um país em desenvolvimento. Partindo desse pressuposto, Portugal tem
procurado, não só em casos de conflito armado, mas também em contextos de
instabilidade social, assegurar que os estado da ajuda conseguem ultrapassar períodos
mais conturbados, sempre na óptica de defender, acima de qualquer pressuposto, a
segurança humana.
Um terceiro princípio estratégico é o de “apoio à Lusofonia”. A lusofonia
constitui vetor estratégico fundamental para Portugal. A língua portuguesa é uma das
principais línguas do mundo e o número de pessoas que utilizam o português,
diariamente tem vindo a aumentar substancialmente, mas mantém-se em parte ligado ao
passado colonial português. A língua assegura ainda uma vantagem de relacionamento
com as ex-colónias, pois é objetivamente mais simples a comunicação e o
entendimento.
Por fim, um quarto princípio diz respeito à promoção de um “Desenvolvimento
Económico e Sustentável”. O surgimento e desenvolvimento dos ditos estados mais
frágeis constitui, teoricamente, a motivação principal dos países doadores. Nesse
sentido, a sustentabilidade económica dos países em desenvolvimento é condição
imprescindível para diminuir a pobreza externa e, simultaneamente, fomentar a coesão

43
social e ambiental. O alinhamento destas prioridades estratégicas define todas as opções
tomadas por Portugal em matéria de cooperação para o desenvolvimento. Aqui
podemos verificar a opção por países que partilham aspetos culturais importantes (como
as (ex-colónias), bem como a definição de áreas preferenciais de atuação como a
educação e um enfoque especial na boa governação. A transição dos anteriormente
chamados territórios ultramarinos para Estados Soberanos não foi pacífica e, ainda hoje,
se fazem sentir problemas decorrentes dessa transição. Portugal e a comunidade
internacional demonstram através de vários documentos produzidos que a boa
governação é fundamental para se ultrapassarem problemas estruturais que, enraizados,
provocam a pobreza estrema, iliteracia e problemas em áreas como o ambiente ou a
saúde.

Quadro I: Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM)

Objetivo 1: Erradicar a pobreza e a fome


Meta 1. Reduzir por metade, entre 1990 e 2015, a proporção de população cujo
rendimento é inferior a um dólar por dia.
Meta 2. Reduzir para metade, entre 1990 e 2015, a população afetada pala fome.
Objetivo 2. Atingir o ensino primário universal.
Meta 3. Garantir que, até 2015, todas as crianças, de ambos os sexos, terminem um
ciclo completo de ensino primário.
Objetivo 3. Promover a igualdade de género e a capacitação das mulheres.
Meta 3. Eliminar a disparidade de géneros no ensino primário e secundário, se possível
até 2005 e em todos os níveis de ensino, o mais tardar até 2015.
Objetivo 4. Reduzir a mortalidade de crianças com menos de 5 anos.
Meta 4. Reduzir em dois terços, entre 1990 e 2015, a taxa de mortalidade de crianças
com menos de 5 anos.
Objetivo 5: Melhorar a saúde infantil.
Meta 5. Reduzir em dois terços, entre 1990 e 2015, a taxa de mortalidade materna.
Objetivo 6: Combater o VIH/SIDA, a malária e outras doenças.
Meta 6. Até 2015, ter detido e começado a inverter a propagação do VIH/SIDA.
Objetivo 7. Até 2015, ter detido a incidência da malária e de outras grandes doenças e
começando a inverter a tendência atual.

44
Meta 7. Integrar os princípios do desenvolvimento sustentável nas políticas e
programas nacionais e inverter a atual tendência para a perda de recursos ambientais.
Objetivo 8. Reduzir para metade, até 2015, a proporção de população sem acesso
duradouro ao abastecimento de água potável.
Meta 8. Até, 2020, melhorar significativamente a vida de pelo menos 100 milhões de
habitantes ao abastecimento de água potável.
Fonte: UNRIC- Centro Regional de Informação das Nações Unidas

2.5. Objetivos estratégicos da cooperação portuguesa com a Guiné-Bissau

A história entre Portugal e a Guiné-Bissau reflete o bom relacionamento político


existente entre os dois países e assenta numa matriz cultural, jurídica e institucional
comum. Além disso, existem competências técnicas específicas em áreas fundamentais
para o desenvolvimento e a língua comum é um elemento facilitador na intervenção da
cooperação portuguesa na Guiné-Bissau.
O importante desafio que se coloca a Portugal é o de saber articular, nos planos
político, económico e cultural, a dinâmica da sua integração europeia com a dinâmica
de constituição de uma comunidade estruturada nas relações com os países e as
comunidades de língua portuguesa no mundo e de reaproximação a outros povos e
regiões, a que nos ligam, nalguns casos, séculos de história. (Diário da República,
documento estratégico1999:2636).
Esta intervenção ao longo do PIC visa obter uma maior eficiência através da
concentração sectorial e geográfica no âmbito da sua atuação. Os PIC constituem uma
orientação estratégica da cooperação portuguesa para cada sector, indicando quais as
principais ações a desenvolver. O período de vigência do presente PIC tem em
consideração a necessidade de alinhar a intervenção da cooperação portuguesa com
período do DENARP.
Os sectores estratégicos da cooperação com a Guiné-Bissau foram definidos
partindo de uma combinação das prioridades estabelecidas pelo governo guineense para
o desenvolvimento do país, com os objetivos e as capacidades financeiras e humanas de
resposta por parte da cooperação portuguesa e as mais-valias existentes em áreas
específicas.
É nesse sentido que a política de cooperação para o desenvolvimento, enquanto
vetor essencial da política externa, adquire um particular significado estratégico,

45
constituindo um elemento de diferenciação e de afirmação de uma identidade própria na
diversidade europeia, capaz de valorizar o património histórico e cultural do País, que o
coloca como ponto de encontro de civilizações e continentes e como nó de
relacionamento da União Europeia com as Américas, a África e a Ásia, tirando partido
da sua posição geográfica e da sua história, para ocupar uma posição mais central e
relevante no contexto europeu. ( Documento estratégico, 1999:2636)
Assim, a qualidade e eficácia do apoio prestado requer um bom enquadramento
político, suportado por políticas adequadas de desenvolvimento da Guiné-Bissau, pelo
que as áreas de intervenção são selecionadas em coerência com o quadro de
desenvolvimento nacional e as perspetivas prioridades, nomeadamente com a
DENARP, que descreve as políticas macroeconómicas, estruturais e sociais do país em
apoio ao crescimento e à redução da pobreza, bem como as respetivas necessidades de
financiamento externo e as principais fontes de recursos.
Por outro lado, a racionalização de meios financeiros postos à disposição da
cooperação portuguesa exige que Portugal assuma critérios de concentração na afetação
de recursos e introduza mecanismos que melhorem a eficácia da sua ajuda. Esta eficácia
pode ser potenciada melhorando a coordenação e a complementaridade. A cooperação
portuguesa poderá participar nos mecanismos de coordenação que o Governo da Guiné-
Bissau e os países doadores ponham em funcionamento para melhorar o impacto da
ajuda nas várias áreas de intervenção.
Uma estratégia que deve passar pela clarificação dos princípios e dos objetivos
da cooperação e por uma mais precisa definição das prioridades, no quadro mais vasto
dos princípios e objetivos da política externa portuguesa e atentas as novas orientações e
conceções teóricas no domínio específico das políticas de desenvolvimento.
(Documento estratégico, 1999:2637)
Relativamente às mais-valias existentes, é consensualmente reconhecido que as
vantagens de Portugal, analisadas à luz das necessidades locais e da possível
complementaridade com outros doadores, se situam essencialmente em duas área na
educação e na formação, dada a comunhão linguística e várias similitudes decorrentes
do passado histórico de relacionamento entre os dois países e na capacitação
institucional em diversas áreas, resultado de matrizes organizacionais e institucionais
semelhantes.
A abordagem privilegiada neste PIC assenta na implementação de projetos
bilaterais de cooperação que: “promovam a educação e a formação da população

46
guineense; apoiem a capacitação institucional nas diversas áreas da administração
pública e em áreas essenciais à boa governação; promovam o desenvolvimento
sociocomunitário e o alívio a pobreza, através de projetos locais integrados, que
permitam criar sinergias entre as diversas áreas sociais e profissionais” (Fonte:
http://www.instituto-camões.pt/guiné-bissau/.../cooperação/cooperação.../guiné...
Na conceção dos instrumentos gerais de cooperação entre os dois países foram
considerados os ODM, os quais visam o envolvimento coletivo em favor do
desenvolvimento durável, da redução da pobreza e a implementação das recomendações
tomadas no âmbito da nova dinâmica gerada pelo lançamento e concretização da União
Africana e da NEPAD (Nova Parceria para o Desenvolvimento Africano).
Apesar da limitação dos recursos, a cooperação portuguesa deve ultrapassar o
ciclo de relação quase exclusiva com os países africanos de língua portuguesa, tomando
cada vez mais em consideração a dinâmica de integração, que todos estes países hoje
conhecem no respetivo contexto regional, e tendo, igualmente, em atenção outros países
e outras regiões, a que estamos, indelevelmente, ligados por laços profundos, em África,
na Ásia e na América Latina. (Documento estratégico, 1999:2637).

Quadro II - Áreas prioritárias de intervenção

Eixo Estratégico 1 Boa Governação, Participação e Democracia


Área de intervenção 1.1 Apoio à Administração do Estado: Segurança, justiça e
Finanças
Área de intervenção 1.2 Cooperação Técnico – Militar
Área Estratégica II Desenvolvimento Sustentável e Luta contra a Pobreza
Área de intervenção 2.1 Educação
Área de intervenção 2.2 Saúde
Área de intervenção 2.3 Desenvolvimento sócio – comunitário
*Fonte: Camões, IP

A escolha destes eixos prende-se com a percepção das vantagens comparativas


que Portugal continua a ter, essencialmente, na área da formação de recursos humanos e
da assistência técnica em várias áreas e que vão ao encontro das necessidades e
prioridades guineenses, expressas no DENARP.

47
Quadro III - Ajuda Pública ao Desenvolvimento bilateral
Portugal/Guiné-Bissau apontam os seguintes valores em euros:

2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

11.517.705 12.370.507 10.361.000 11.868.051 9.634.208 7.400.231 6.054.326

Fonte: Camões, IP (valores em euros)

2.6. A Cooperação Portuguesa para o Desenvolvimento no setor da Educação

A Educação para o Desenvolvimento (ED), sendo uma área onde a atuação


Portuguesa tem registado evolução importantes nos últimos anos7, assume-se como um
instrumento fundamental para promover junto dos cidadãos de diversos sectores da
sociedade civil e das instituições públicas uma compreensão abrangente e aprofundada
das causas e efeitos das questões globais e dos desafios do desenvolvimento para
aplicação de uma cidadania global.
O conceito de desenvolvimento é, no conjunto de conceitos em análise, o que
mais alterações tem registado nos últimos tempos já que se foram criando várias teorias
acerca do mesmo no decorrer da História: desde o seu aparecimento associado ao
capitalismo e a Revolução Industrial, até ao surgimento da noção de desenvolvimento
sugerida pela ONU, mais concretamente pelo PNUD, nos anos 90 que comtempla, a par
dos processos económicos, os processos humanos e sociais. No entanto, com o evoluir
da história, mais concretamente após a II Guerra Mundial e o impulso nacionalista e
independentista dos países colonizados, começamos a assistir a uma nova abordagem do
conceito de desenvolvimento, o qual passou a englobar as múltiplas dimensões do
Homem através dos mais diversos níveis, principalmente económico, social e o cultural.
É a partir dos anos 80/90 que se começa a abordar o conceito do
desenvolvimento numa perspetiva mais ampla através do recurso a novos indicadores
que passam a caraterizar o mesmo.

7
Em 2009, foi aprovado por despacho conjunto do Ministério dos Negócios Estrangeiros e do Ministério
da Educação, a Estratégia Nacional da Educação para o Desenvolvimento (ENED), cuja implementação
está concretizada no plano de Ação desenvolvida para o período 2010-2013.

48
A partir da década de 90 começa a entrar em voga, através de organismos
especializados da ONU, como o PNUD e o Banco Mundial, o conceito de
desenvolvimento humano que introduz a ideia de que “em seu sentido mais amplo, o
desafio do desenvolvimento é melhorar a qualidade da vida. Especialmente nos países
pobres do mundo, uma melhor qualidade de vida geralmente requer uma renda mais
elevada – mas envolve muito mais. Abrange a melhoria da educação, padrões mais
elevados da saúde e nutrição, menos pobreza, um meio ambiente mais limpo, maior
igualdade de oportunidades, maior liberdade individual e uma vida cultural mais rica.
Sempre foram sectores prioritários da cooperação portuguesa as necessidades de
capacitação, formação e valorização dos recursos humanos dos principais parceiros – os
Países Africanos de Língua Portuguesa e, mais recentemente, Timor- Leste, que depois
da independência foram sendo integrados nos Programas – Quadro da cooperação.
A educação é referida como um setor-chave da cooperação, por corresponder a
vantagens comparativas da cooperação portuguesa, relacionadas sobretudo com fatores
linguísticos e históricos.
Nos PIC assinados com os principais países parceiros da cooperação portuguesa
(PALOP e Timor- Leste) a educação tem sido, na grande maioria dos casos, um dos
principais setores de intervenção depois do eixo de boa governação, participação e
democracia; desenvolvimento sustentável e luta contra a pobreza.
A necessidade de maior concentração setorial da ajuda portuguesa, de acordo
com as recomendações internacionais e o reforço da ajuda, não tem prejudicado a
atuação neste setor, já que permanece como setor prioritário nos principais países
parceiros.
Em 2009 e 2010, foram produzidos documentos orientadores para o setor da
educação, destacando-se a elaboração (no âmbito do Fórum da cooperação) e a
aprovação de uma estratégia setorial da cooperação portuguesa para a educação. Nela se
afirmam os seguintes objetivos específicos, onde se incluem entre outros:
- Contribuir para o alargamento do acesso a uma educação de base universal;
- apoiar as reformas dos sistemas educativos, para melhorar a oferta e qualidade
do ensino;
- reforçar o papel de sistemas específicos de ensino enquanto suportes para um
desenvolvimento económico sustentado;
- apoiar a formação e aperfeiçoamento dos quadros docentes.

49
São também abordadas as questões de inovação dos métodos e praticas pedagógicas,
da diversidade cultural, das novas tecnologias da informação e comunicação (TIC) e da
participação das comunidades no processo educativo. Uma das áreas de intervenção
prioritárias, em todos os sistemas, é o ensino e a difusão da língua portuguesa que,
como língua de ensino, integra e serve de suporte aos currículos escolares dos PALOP e
de Timor-Leste, assumindo como fundamental o desenvolvimento de parecerias com
instituições públicas e privadas, ONGD e Fundações.
A abordagem de desenvolvimento de cooperação é essencial para apoiar a
renovação e melhoria dos sistemas educativos dos países parceiros, reforçando a sua
liderança dos processos de desenvolvimento e de mudança.
Resumindo, a maior parte do apoio ao setor da educação, principalmente nos
últimos cinco anos, tem sido concentrada em 4 vetores principais:
a) Programa de reforço do sistema educativo dos países parceiros, onde se
destacam os projetos direcionados principalmente para o ensino secundário
como o “Saber Mais” em Angola (desde 2009), a “Escola + Educação para
Todos” em São Tomé e Príncipe (desde 2009), tendo existido entre 2005 e 2009
o Programa de Apoio ao Ensino Secundário – PAES) ou o Programa de Apoio
ao Ensino Secundário – PADES em Cabo-Verde (terminado em 2009); e outros
que abrangem outras ações para além do ensino secundário como o Programa de
Apoio ao Sistema Educativo da Guiné-Bissau (PASEG) e o Projeto de
Reintrodução da Língua Portuguesa em Timor (denominado, a partir de 2009, de
Projeto de Consolidação da Língua Portuguesa).
b) Ações de reforço de cooperação dos países neste setor, nomeadamente ao nível
legislativo, administrativo e de gestão. Isto traduziu-se em ações de apoio à
produção legislativa neste setor, assistência técnica no âmbito das reformas
curriculares, apoio aos Ministérios da Educação nos países parceiros (Cabo-
Verde) e aos seus agentes educativos ao nível central e local, entre outras.
c) Projetos de cooperação interuniversitários, nomeadamente com Angola (entre a
Faculdade de Medicina do Porto e a Faculdade de Medicina da Universidade
Agostinho Neto), da Agronomia com Cabo-Verde (Centrop) ISA / Universidade
Técnica de Lisboa e com Timor-Leste.
d) Programas de concessão de Bolsas de Estudo que continuam a representar uma
parte significativa da cooperação com alguns países. É o caso de Angola, da
Guiné-Bissau ou de São Tomé e Príncipe, onde as bolsas de estudo,

50
representaram, respetivamente, 16,2%, 14,6% e 14,2% da ajuda portuguesa ao
setor da educação nesses países. Além do ensino pós-secundário geral e público,
que absorve a grande maioria das bolsas, existem ainda bolsas concedidas no
âmbito militar e judiciário.
A estes quatro grandes campos de ação juntam-se outros programas que foram
sendo desenvolvidos de acordo com as mais-valias e as necessidades em cada país
parceiro.
O IPAD financiou também projetos no setor da educação através da linha de
cofinanciamento de projetos de apoio ao desenvolvimento para Organizações Não
Governamentais para o Desenvolvimento (ONGD), em que 26% dos projetos
financiados entre 2002 e 2011 foram destinados ao sector da educação / formação.
(fonte: www.instituto-camoes.pt/projetos/root/cooperacao/sociedade.../projetos).
A Educação Básica é o subsector que regista menor investimento de fundos da ajuda
portuguesa ao desenvolvimento, já que este nunca constitui uma prioridade da
cooperação portuguesa, pois é onde se concentram, normalmente, maior número de
doadores, nomeadamente grandes agências multilaterais (como o Banco Mundial ou as
agências especializadas das Nações Unidas), que apostam em estratégias de
massificação do ensino e em programas padrão aplicadas de forma semelhante na
maioria dos países parceiros.
As principais evoluções conceptuais e estratégicas no sector da educação,
corresponderam a um caminho de transformação decorrente da evolução das
necessidades dos próprios países parceiros e da capacidade de resposta que a ajuda
portuguesa teve em cada momento dessa evolução.
Numa fase inicial, a prioridade era o envio dos professores para os sistemas
escolares de alguns dos países. Mais recentemente, outras medidas têm sido assumidas
como prioritárias para uma maior estruturação e consolidação, entre elas:
a) Do Hardware para Software da Educação - Várias ações de apoio à educação
nos países parceiros incluíram a construção de escolas. Este é o caso de quatro
escolas primárias em Angola, de várias escolas construídas e apetrechadas no
âmbito da ajuda de emergência a Moçambique em virtude das cheias, da
recuperação dos liceus na Guiné-Bissau ou da construção de uma escola para
raparigas na Palestina.
b) O envio de professores tem sido substituído por programas de formação de
professores, o que resulta da avaliação das necessidades da maior parte dos

51
países parceiros e também da alteração da forma como a generalidade dos
doadores encara a abordagem de desenvolvimento de capacidades.
c) O envolvimento cada vez maior de outros parceiros portugueses na conceção e
execução dos programas de educação, quer parceiros específicos na área da
Educação (como é o caso das Escolas Superiores de Educação dos Institutos
Politécnicos do Porto, de Viana do Castelo e de Leiria), quer ONG com mais-
valia de proximidade (Instituto Marquês de Valle Flor em São Tomé e Príncipe,
Fundação Fé e Cooperação na Guiné-Bissau e Angola).
d) Transformação da política de bolsas de estudo redefinida segundo dois
objetivos: uma aposta no retorno dos formandos e um reforço dos sistemas
universitários dos países parceiros.
A generalidade dos projetos da Educação exige um envolvimento continuado e uma
presença a longo-prazo, para que existam impactos visíveis e sustentados. Nesse
contexto, a criação do Fundo da Língua8 veio permitir a aprovação de projetos
plurianuais no setor da educação, por vários ministérios em conjunto, e o
aproveitamento de fundos transitados para o seu financiamento. Houve assim um
aumento dos fundos disponíveis e criou-se um instrumento útil para financiar os
principais projetos de apoio aos sistemas de ensino dos países parceiros.

2.7. Principais países parceiros nos PIC

Os principais parceiros nos PIC são Angola, Brasil, Cabo-Verde, Moçambique,


São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e também a Guiné-Bissau. Tendo em vista um
desenvolvimento sustentável, no âmbito dos PIC são apoiados setores que facilitam a
realização de direitos fundamentais e constituem pressupostos de base no processo de
erradicação da pobreza, criando oportunidades para todos os cidadãos, através do acesso
ao sistema de educação e formação, bem como nos serviços de saúde, qualidade,
promoção de emprego e valorização dos recursos humanos como catalisadores do
desenvolvimento. A educação figura na estratégia de combate à pobreza como uma das
áreas de intervenção prioritárias, incluindo metas e medidas concretas, reforço da
formação de professores por formadores portugueses.

8
Decreto-Lei nº248/2008 de 31 de Dezembro. Visa promover a universalização da Língua Portuguesa
como instrumento de desenvolvimento, de escolaridade e de formação, nos países onde a mesma é
utilizada. Destina-se exclusivamente a atividade de Ajuda Pública ao Desenvolvimento.

52
Tem sido reconhecida a importância em desenvolver e ampliar a cooperação
entre estes países, especialmente, nos domínios da língua e da cultura, das novas
tecnologias e ensino superior, de forma a contribuir para o fortalecimento das relações
entre os povos. Portugal tem ocupado a primeira posição entre os doadores bilaterais, o
investimento no capital humano tem sido um dos elementos preponderantes da
estratégia de desenvolvimento destes países.

2.8. A Guiné-Bissau

A Guiné-Bissau é um dos países mais pobres do mundo, no índice do


desenvolvimento humano do PNUD, considerado internacionalmente como um estado
em situação de fragilidade. A instabilidade política e institucional recorrente tem
afetado o seu processo de desenvolvimento e bloqueado qualquer visão estratégica a
longo-prazo.
A educação apresenta-se neste âmbito como pilar do desenvolvimento e é, por
isso, uma das áreas capitais em qualquer sociedade. Os seus benefícios são a redução
dos efeitos negativos da pobreza, a contribuição para uma sociedade democrática e
liberal, a promoção da paz e da estabilidade, o aumento das preocupações com o
ambiente, bem como o aumento da produtividade (competitividade económica).
(Caleiro, 2007:139).
Apesar de uma expansão muito positiva no acesso à educação durante a última
década, somente 67% das crianças com idade para o ensino básico são efetivamente
escolarizadas. Isto é agravado pela inadequação das estruturas existentes, já que apenas
56,6% das escolas oferecem um ciclo completo de quarta classes, concentrando-se
grande parte dos alunos do ensino primário nos primeiros dois anos desse ciclo9.
A Educação primária continua a ser caraterizada por altas taxas de reprovação e
de abandono escolar, o que se justifica, em muitos casos, pela existência de trabalho
infantil, particularmente nos meios rurais e, no caso das meninas, devido a fatores
ligados a fenómenos socioculturais, nomeadamente, a excisão feminina ou o casamento
precoce.

9
Banco Mundial, (2009) as escolas comunitárias têm vários tipos de modelo de gestão. O modelo de
escolas populares (nos bairros de Bissau), o modelo de autogestão (região de Oio). O modelo de escolas
públicas com intervenção de associação (p.ex. associação manjaca na região de Cacheu), ou de escolas
comunitárias (região de Bafatá).

53
A educação tem igualmente um papel de relevo no âmbito do capital humano
(DENARP II 2011-2015), incluindo objetivos como a expansão e melhoria do acesso à
educação, de forma a atingir a universalização do ensino primário; a melhoria da
eficiência interna do sistema educativo aumentando o rácio das crianças que terminam o
ensino primário e o aumento da percentagem da taxa das raparigas que completam com
sucesso a educação primária.
Este projeto tem sido financiado principalmente pelos doadores multilaterais – o
Banco Mundial, no apoio à educação básica, e a União Europeia através de apoio
orçamental, o Programa Alimentar Mundial nas cantinas escolares e outras agências da
ONU, como a UNICEF e FNUAP, na alfabetização e escolarização das raparigas –
sendo Portugal o principal doador no setor referido.
O apoio à educação tem representado, em média, cerca de um terço da ajuda
portuguesa ao país durante a última década. A formação de recursos humanos, quer em
termos educativos quer de capacitação institucional, tem sido importante nos PIC
assinados entre os dois países.
Fonte:http://www.plataformaongd.pt/conteudos/Documentos/Publica%C3%A7
%C3%B5es/Entre_o_Saber_e_o_Fazer.pdf)
Nesse sentido, pretende-se evocar a importância dos projetos de cooperação para
o desenvolvimento na área da educação levados a cabo pelo estado português na Guiné-
Bissau. Destacamos neste âmbito: a presença do Camões Instituto da Cooperação e da
Língua, enquanto instituto promotor e difusor da língua portuguesa; o Programa de
Apoio ao Sistema Educativo Guineense (PASEG); o Projeto Djunta Mon da Fundação
Fé e Cooperação (FEC) e o Projeto entre a Faculdade de Direito de Bissau e a
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Este trabalho tem vindo a ser realizado
pela cooperação portuguesa para o desenvolvimento no âmbito bilateral na área da
educação, tendo por principal foco ou projetos recentes implantados pelo Estado
português, representados pelo Instituto de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD)10, na
Guiné-Bissau.
Entre as principais intervenções, destacamos quatro grandes projetos: o Centro
de Língua Portuguesa do Camões,IP em Bissau; o Programa de Apoio aos Sistema

10
Este instituto foi extinto a fevereiro de 2002, tendo sido substituído pelo Camões – Instituto da
Cooperação e da Língua (Camões, IP), resultado da fusão entre o IPAD e o IC, IP, com o objetivo de
obter um aumento da eficácia na prestação dos serviços públicos.

54
Educativo da Guiné-Bissau (PASEG); a Fundação Fé e Cooperação (FEC); e a
Faculdade de Direito de Bissau (FDB).

2.8.1. O Instituto Camões

Em Bissau, o Centro da Língua Portuguesa – Instituto Camões (CLP-IC),


encontra-se sediado na Escola Normal “Tchico Té”, inaugurado a 8 de Fevereiro de
2002 – e é o resultado do protocolo de cooperação realizado entre o Instituto Camões e
o Ministério da Educação Nacional da Guiné-Bissau. Tem como missão fundamental
propor e executar a política do ensino e divulgação da língua portuguesa no estrangeiro.
São os seus objetivos centrais: “a consolidação das relações existentes entre as
duas entidades, o reforço do Departamento de Língua Portuguesa, a criação da
Licenciatura em Língua Portuguesa e a promoção de condições conducentes ao reforço
da formação científica e pedagógica do quadro de docentes dos ensinos secundários e
superior11”.(Fonte:http://www.plataformaongd.pt/conteudos/Documentos/Publica%C3
%A7%C3%B5es/Entre_o_Saber_e_o_Fazer.pdf)
São atribuições do Camões,IP:
- Desenvolver programas adequados à difusão da língua e da cultura portuguesa;
- Promover o Português como língua de comunicação internacional;
- Conciliar, desenvolver e gerir a rede de formadores e leitores de língua e da
cultura portuguesa;
- Desenvolver ações culturais em conjugação com os demais serviços externos
do Ministério dos Negócios Estrangeiros;
- Promover e acompanhar a participação portuguesa em ações culturais no
estrangeiro;
- Divulgar no estrangeiro ações culturais que ocorrem em cooperação com o
Ministério da Cultura;
- Conceber apoio financeiro a cidadãos, entidades portuguesas e estrangeiros que
se dediquem ao estudo e a investigação da língua e da cultura portuguesa, visando a
respetiva difusão externa.
- Promover e apoiar a produção de obras de divulgação da língua e da cultura
portuguesas no estrangeiro;

11
Camões – Instituto de Cooperação e da Língua, Centro de Língua em Bissau.

55
- Participar em atividades de organização nacionais, ou internacionais, no quadro
das suas atribuições.
Nesse sentido, o CLP-IC atua em duas áreas essenciais: a formação inicial de
professores de língua portuguesa e a formação contínua, destinada a professores do
Ensino Básico e Secundário, que conta com a coordenação, pela parte do Instituto
Camões, do Leitor12 do Instituto Camões, e pela parte do Ministério da Educação
Nacional da Guiné-Bissau, do Dr. Domingos Gomes. O programa conta também com a
colaboração de 12 formadores que se encontram distribuídos pelas várias Unidades de
Apoio Pedagógico ou Polos da língua portuguesa em várias regiões do país tais como:
Bissau, Bubaque, Buba, Catió, Cantchungo, Mansoa e Quinara.
Também são ministrados Cursos de Português para Objetivos Específicos para
técnicos e funcionários estatais.

2.8.2. PASEG

O Programa de Apoio ao Sistema Educativo da Guiné-Bissau (PASEG) foi


financiado pelo IPAD e teve, numa fase inicial, o apoio científico-pedagógico da Escola
Superior de Viana do Castelo. No seu decurso sofreu alguns ajustamentos, pelo que
podemos falar de PASEG I (2000 a 2001) e PASEG II (2009 a 2012).
Na sua primeira fase, visava minimizar as carências do sistema educativo
guineense, principalmente ao nível dos recursos humanos, através do envio de
professores portugueses para as escolas, uma vez que o número de docentes guineenses
qualificados é ainda bastante reduzido. Além de fortalecer o ensino da língua
portuguesa, esta fase incluiu também o apoio ao nível de material bibliográfico e
didático, a reestruturação curricular, a reabilitação das infraestruturas e formação de
professores do ensino básico por meio de cursos intensivos ou de longa duração.
Os centros de recursos criados em 2001/2002, mais especificamente as Oficinas
de Língua Portuguesa (OFP), foram outras das atividades desenvolvidas – trata-se de
espaços físicos cedidos pelos estabelecimentos de ensino que através de uma
recuperação física com o apoio da PASEG, foram apetrechados com uma variedade de
equipamentos, como computadores e livros, sendo utilizados para o desenvolvimento de

12
Atualmente não há Leitora.

56
atividades extracurriculares e para fortalecer o ensino do português, bem como de outras
disciplinas.
O PASEG II teve como objetivos gerais: contribuir para a qualidade e relevância
da Educação na Guiné-Bissau, no quadro das políticas do desenvolvimento e
desenvolver o uso do português como língua de ensino e conhecimento. Eram seus
objetivos específicos:
“melhorar a qualidade da formação inicial de professores nas quatro
unidades de ensino que integram a Escola Superior da Educação; melhorar a
cobertura e qualidade da Educação de Infância e do Ensino-Escolar;
promover e apoiar os processos da revisão curricular para a relevância da
Educação no contexto das políticas de desenvolvimento nacionais; reforçar
o papel das direções das escolas na promoção da qualidade da Escola e da
Educação; melhorar a capacidade dos núcleos de alfabetização, promover e
apoiar a pôs-alfabetização; promover a Educação para a Cidadania e a
integração sistemática no ensino educativo dos temas de impacto transversal
no desenvolvimento; promover e apoiar a implementação de reformas no
âmbito da Educação para Todos e do Planeamento Setorial da Educação.”
(Fonte:http://www.plataformaongd.pt/conteudos/Documentos/Publica%C3
%A7%C3%B5es/Entre_o_Saber_e_o_Fazer.pdf :).

Os seus beneficiários foram os professores e formadores do Ensino Básico e


Secundário, educadores de infância, membros da direção de escolas, especialistas
envolvidos em programas de alfabetização e outros formadores.
Por outro lado, o PASEG II expandiu o seu campo de intervenção para outras
zonas do país, para além de Bissau, passando o programa a operar em escolas públicas
de outras regiões como Bafatá, Gabú, Cacheu e Bolama.

2.8.3. FEC
A fundação Fé e Cooperação é uma Organização Não Governamental para o
Desenvolvimento (ONGD), com estatuto de utilidade pública, reconhecida pelo
Ministério Português dos Negócios Estrangeiros e pela União Europeia (EU). Foi criada
pela Igreja Católica em Portugal em 1990 e tem como missão: “Promover o
desenvolvimento humano integral através da cooperação e solidariedade entre pessoas,
comunidades e igrejas”. (Plano Estratégico 2010-2011, 2010: 12)

57
Sendo a educação um dos eixos centrais da atuação no âmbito da sua estratégia
de cooperação, esta tem sido promovida em projetos que contemplam melhorias no
acesso, na qualidade, no reforço de competências dos recursos humanos e na criação e
apetrechamento de infraestruturas educativas.
O Projeto de Apoio à Educação da Guiné-Bissau (PAEIB), iniciado em 2001,
Projeto + Escola (2007 – 2008) e Djunta Mon – Ensino de Qualidade em Português (a
partir de 2009) implementados pela Fundação Fé e Cooperação (FEC) com
financiamento da IPAD, dá continuidade a outras intervenções específicas, iniciadas em
2000, de desenvolvimento e consolidação sustentável do ensino de iniciativa
comunitária e de autogestão13 no interior da Guiné-Bissau.
Concebido inicialmente com uma duração de 3 anos, o PAEIB foi implementado
em quatro regiões geográficas – Cachéu, Oio, Bafatá e Tombali. O projeto foi ao
encontro da preocupação crescente da (Comissão Interdiocesana de Educação e Ensino)
no que se refere à educação, nomeadamente através das escolas das missões católicas
espalhadas em todo o território. As razões foram várias: em Cachéu, deu continuidade
às ligações históricas que a FEC sempre manteve com esta região, onde já havia
desenvolvido projetos na área da educação; em Tombali, a sua ação justificou-se porque
o acesso à educação básica era muito limitado; no Oio, o projeto respondeu à dinâmica
rede de escolas apoiadas pela Diocese. A escolha de Bafatá tem a ver com a importância
conferida pela missão local à educação e com a criação na região da segunda Diocese da
Guiné-Bissau.
A ação da FEC abrange três áreas de atividades principais: “formação contínua
de professores do Ensino Básico; formação dos Diretores de Escola e Administração
Escolar e apoio com material e equipamento; sensibilização e apoio ao funcionamento
de Comités Escolares Comunitários para garantir a autonomia e sustentabilidade do
funcionamento das escolas comunitárias”.
(Fonte:http://www.plataformaongd.pt/conteudos/Documentos/Publica%C3%A7%C3%
B5es/Entre_o_Saber_e_o_Fazer.pdf ).
Bambaram di Mindjer foi um programa Formação de Educadores de Infância
implementado pela Fundação Fé e Cooperação desde 2008, tendo como suporte a

13
Na Guiné-Bissau existem cinco tipologias de escolas: as públicas, geridas pelo Estado; as privadas,
criadas e mantidas por iniciativa de entidades privadas; as madraças, escolas confessionais relacionadas
com a região islâmica, as comunitárias, que são escolas onde existe, uma pareceria entre o Estado, as
ONGs e as comunidades; e por fim as de autogestão, apresentam um modelo assente numa cogestão em
que estão implicadas 3 parecerias. A Comunidade, a Missão Católica e o Ministério da Educação.

58
estrutura de ensino da Cáritas, na Guiné-Bissau. Este programa tem por objetivo a
formação inicial de Educadores de Infância que, até 2008, era inexistente na Guiné-
Bissau e a melhoria do funcionamento e qualidade do serviço prestado por alguns
jardins de infância.
Quanto aos seus objetivos específicos, destacamos:
- melhorar a qualidade do ensino básico nas escolas alvo, centrando-se nas áreas
da Língua Portuguesa como língua segunda;
- Sistematizar ações de formação dirigidas a professores, diretores, formadores
locais e bibliotecários;
- Produzir materiais didático-pedagógicos a utilizar pela comunidade educativa a
partir da valorização dos recursos locais e dos saberes tradicionais;
- Constituir uma rede de Bibliotecas/Centros de Desenvolvimento Educativo a
nível regional, setorial e local;
- Fortalecer o sistema de supervisão e acompanhamento de professores,
diretores, formadores locais e bibliotecários;
- Contribuir para que pais/encarregados de educação e comunidade local
participem na gestão e dinâmica de funcionamento das escolas;
- Facilitar a fixação de quadros docentes nas zonas rurais mais desfavorecidas do
país;
- Promover a investigação e a divulgação dos resultados do PAEIB.

2.8.4. FDB

A Escola de Direito de Bissau tem uma história de 24 anos. O projeto nasceu da


vontade expressa pela Guiné-Bissau de reativar a Escola de Direito de Bissau e do
compromisso público assumido pelo Primeiro-Ministro português, em Março de 1989,
aquando da visita à Guiné-Bissau, em apoiar o seu relançamento no ano letivo seguinte
(1989/90). Após negociações, foi assinado, em Bissau, no dia 22 de Julho de 1990, um
protocolo de cooperação entre Portugal e a República da Guiné-Bissau, relativo ao
apoio à Faculdade de Direito de Bissau, entendido como um adicional ao acordo de
cooperação jurídica14.

14
Cf. http://www.gddc.pt/cooperacao/instrumentos-bilaterais/dec-5-dr-14-91.html (consultado em
7/11/2014).

59
Nos primeiros anos do projeto, a maioria do corpo docente da Faculdade do
Direito de Bissau eram portugueses, devido à escassez de quadros guineenses
qualificados para o exercício da profissão de docência, mas a partir de 2006, graças à
formação de Mestres e Doutores em Portugal (através de bolsas de estudo cedida pela
cooperação portuguesa). Em 2010 e 2011, registou-se uma percentagem superior a 50%
de docentes guineenses, o que comprova a sustentabilidade do projeto, já que o número
de docentes portugueses tem vindo a ser gradualmente reduzido, ao contrário dos
guineenses, que têm assumido uma posição de destaque. Além das atividades de
lecionação e de formação do corpo docente nacional, o Projeto assegura ainda o
funcionamento de um Centro de Apoio às Reformas Legislativas, que tem funcionado
como instância de consultoria jurídica dos órgãos de soberania, instituições
internacionais e empresas.
Os principais beneficiários deste projeto são os alunos e professores da
Faculdade. Indiretamente, beneficiam também do projeto a Administração Pública, os
Tribunais, as ONGs e o setor privado. A execução do projeto é da responsabilidade das
duas Faculdades de Direito. O seu objetivo global é apoiar o funcionamento de um
sistema político pluralista, tendo em vista a consolidação do Estado de Direito na
Guiné-Bissau. Entre os seus objetivos específicos, destacam-se:
“contribuir para a consolidação do Estado de direito na Guiné-Bissau,
através da formação de juristas, de quadros especializados e da formação
pós-graduada de um corpo docente guineense capaz de assumir as
responsabilidades científicas e pedagógicas tendo em vista a autonomia da
Faculdade de Direito de Bissau”
(Fonte: http://ns1.ipad.mne.gov.pt/index.php?option=com_content&tast...id)

Além destes projetos existem outras intervenções de ONGD, como as ações


desenvolvidas pelo Instituto Marquês de Valle Flor nos domínios da formação de
professores e a criação de escolas comunitárias, no âmbito de um projeto ligado ao
ambiente nas ilhas de Urok (financiada pelo IPAD/CE).

2.9. Cooperação, política linguística e política educativa na Guiné-Bissau

60
A cooperação para o desenvolvimento tem merecido um lugar de destaque, uma
vez que se enquadra nas prioridades da política externa portuguesa que, não obstante as
dificuldades sentidas, mais concretamente ao nível económico, tem tentado reunir
esforços numa ótica direcionada para o cumprimento dos compromissos assumidos
internacionalmente.
Devemos destacar a importância à formação profissional, uma aposta presente
em todos os âmbitos da cooperação portuguesa, atravessando e consolidando a ligação
entre as quatro área prioritárias, e cujo contributo para a valorização e desenvolvimento
de recursos humanos e do sistema de educação – formação constitui uma significativa
opção estratégica da cooperação portuguesa.
A educação básica, a alfabetização e o acesso a escolaridade estão na primeira
linha da prioridade para a criação de condições para o desenvolvimento económico e
social dos países beneficiários da ajuda.
Com os principais destinatários da cooperação portuguesa, Portugal partilha um
meio de comunicação privilegiada, a Língua Portuguesa, fato que constitui uma mais-
valia fundamental e uma responsabilidade primordial nesta área.
O apoio ao alargamento e melhoria da qualidade do ensino secundário será a
sequencia lógica do esforço que se aplica ao ensino básico.
O ensino superior surge igualmente como uma componente indispensável ao
desenvolvimento no domínio da educação, já que a garantia de bom nível de
qualificação neste grau de ensino é determinante no desempenho e consolidação das
instituições, assumindo-se como sustentáculo do desenvolvimento em geral.
Na área da educação também se destaca o papel do Instituto de Camões,
designadamente no investimento das áreas dos recursos humanos dos diversos países,
na criação da infraestruturas locais no apoio ao funcionamento do departamento de
português.
Foi possível concluir que os esforços da cooperação do Estado Português, no que
tange ao setor da educação, no território guineense, tem sido significativo e tem
contribuído para a melhoria da qualidade do sistema educativo guineense.
A cooperação é uma área sensível que requer a acumulação de esforços tanto da
parte dos doadores como dos beneficiários, com o objetivo de ambas poderem caminhar
juntos no sentido do desenvolvimento.

61
2.9.1. Política linguística e política educativa na Guiné-Bissau

Bamgbose (1990:62), ao escrever sobre a educação, demarca a importância da


questão da língua, uma vez que é principalmente através da linguagem que o
conhecimento é transmitido. “The question of what language to use in education is a
problematic one in any Multilingual country, particularly one that has also been
subjected to the inevitable imposition of a foreign official language arising from
colonialism”.
Para que haja política é necessário, na ótica de vários autores, que existam
referências, valores comuns, compromissos sociais que possam suscitar ações políticas.
A política é por sua natureza uma ação partilhada na busca duma sociedade melhor, do
melhor bem comum desejado. Implica diálogo entre iguais e intercâmbio de ideias. É
por sua vez uma tarefa essencialmente pública, feita por todos em espaços públicos.
A obra política que traduz o desejo das pessoas. Não é possível, nem mesmo
desejável, uma política como instrumento de aceitação da sociedade, do mundo, do
status quo, mas sim como uma ação (política) suscitável de transformar o mundo e
mudar uma sociedade que acreditamos poder ser melhorada (FREIRE, 1990). Os
políticos são atores chamados nos assuntos, que dizem respeito aos cidadãos, que
integram a sociedade em que vivem.
A política linguística, é um domínio importante em qualquer país, pois as suas
bases se alicerçam nas discussões sobre a identidade cultural e linguística de um povo.
Paulo Feytor Pinto definiu a política linguística como “conjunto de tentativas
explicitas e implícitas de regulação das práticas linguísticas de uma comunidade, pode
radicar em iniciativas do respetivo Estado, de grupos, de organização ou de um
individuo”. (2008:31).
Spolsky, por sua vez, define política linguística como:

62
“Language policy, l argue, exists within all speech communities (and
within each domain inside that community), consisting of three distinct but
interrelated components: the regular language practices of the community
(such as choice of varieties); the language beliefs or ideology of the
community (such as the values assigned to each variety by various members
of the community); and any language management activities, namely
attempts by any individual or institution with or claiming authority to
modify the language practices and language beliefs of other members of the
community.”
(Spolsky, 2008:2)

Cooper (1989: 41), por sua vez, observava que “we have not progressed notably
in developing a theory to guide language planning, whether in a non-literate or literate
society. Thus if we confine language planning to theory-based treatments, we may have
need to wait some time to find many examples.”
Temos em Calvet (1996) uma ideia de política linguística como uma relação
imposta pelo Estado a um determinado povo. Dessa maneira, o primeiro passo seria o
de estabelecer uma planificação linguística de modo a que uma maioria fosse obrigada a
adotar a língua de uma minoria, pois, ainda segundo o autor, é o poder político que
privilegia esta ou aquela língua, quando da sua imposição a uma comunidade. Este
conceito de política linguística foi sendo aplicado na época da colonização, período em
que o colonizador impôs sua língua aos conquistados.
Desse modo, podemos asseverar que há uma intenção de preservação da Língua
Portuguesa no espaço lusófono por questões económico-financeiras, além das
linguístico-culturais, uma vez que o mundo se move pelas relações económicas. Em
países como a Guiné-Bissau, a questão está também relacionada com a preservação
cultural de um povo que mantém comuns algumas características linguísticas, de
músicas, de hábitos, de costumes, unidos pela sua história, pela cultura e pela sua
língua.
A língua é uma das mais importantes criações culturais que o homem jamais
realizou. A imperiosa necessidade de comunicação levou-o a criar um instrumento cujo
impacto dificilmente será capaz de conseguir dimensionar, isto é, prever com precisão
os seus efeitos sobre o mundo por ele próprio organizado.

63
Dada a importância do seu papel, torna-se difícil falar de um povo ignorando a
existência da sua língua. Isto porque toda a existência do homem, vista numa perspetiva
sociocultural, se encontra diluída na sua língua, onde tudo é sistematizado e enraizado.
Portanto, a melhor forma de compreender – a sua sociedade, a sua cultura, as suas
concessões filosóficas do mundo que os rodeia, passa pelo conhecimento deste sublime
meio através do qual se exprime e no qual deposita todos os elementos contidos no seu
subjetivo.
Assim, a língua tornou-se uma das mais importantes peças do processo global de
dominação dos povos africanos pelas potências colonialistas europeus. No período da
colonização portuguesa (1446 a 1973), a política linguística era, como nos demais
setores, mera extensão da lusitana; o colonialismo português tentou a todo o custo
impor ao povo dominado os seus valores culturais e a sua língua. As dificuldades com
que o português sempre se deparou na sua luta pela sua presença na Guiné constituíam
um problema que preocupava intensamente os governos e os homens de cultura de
Portugal. Fazia-se de conta que o crioulo não existia. Para (Orlandi, 1990), houve um
“silenciamento” quase total dessa língua. Percorrendo o Boletim da Sociedade de
Geografia de Lisboa (publicado em 1976) e o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa
(1946 a 1978), em geral, não se vêm referências ao crioulo pois, como era de esperar, a
intenção era impor o português ao país.
O silenciamento tem como causa a ideia de que toda mudança linguística é uma
deformação. Um dos efeitos desta atitude é a definição corrente do crioulo como
“português mal falado”, defendida pela ideologia colonialista e assimilada pelos
próprios colonizados, que continuam repetindo que “Criol i português mal falado”. O
ensino era feito exclusivamente em português. Reflexo desta ideologia era também a
definição colonial do “civilizado” como o que sabia falar, escrever e ler a língua
portuguesa (Lopes, 1987: 41). Enfim, o colonizador até admitia a existência e a
legitimidade das línguas nativas, mas não do crioulo. Ele representava uma deformação
do português. Deve ser observado, no entanto, que essa atitude para com as línguas
nativas não significava a sua aceitação. Pelo contrário, o objetivo era devorá-las, no
contexto mais abrangente de assimilação geral à cultura europeia (Calvet 1974). O
reconhecimento da sua existência tinha por objetivo apenas uma melhor delimitação do
objetivo a ser destruído.
Deve-se acrescentar que o Estado Novo confiou à Igreja Católica, em 1940, todo
o ensino especialmente destinado aos africanos «indígenas» da Guiné, com menção:

64
da obrigatoriedade do ensino e uso da língua portuguesa.
Ao passo que o ensino para o «não indígena» da Guiné se faria nas escolas de
ensino primário, onde se estudariam só as disciplinas do programa do ensino primário
de Portugal. Por conseguinte, era assim feita discriminação entre os «indígenas» e os
«não indígenas», todos habitantes de um mesmo país, marginalização total e completa
nos dois sentidos.
O apoio ao ensino da língua civilizadora portuguesa viria a ser retomado em
1946, com a entrada em vigor do estatuto dos indígenas portugueses da província da
Guiné. Este diploma deixava claro que só era português quem falasse a língua
portuguesa, quem apenas falasse línguas étnicas não tinha acesso ao estatuto do cidadão.
Essas condições especiais foram estabelecidas pelo Diploma Legislativo nº
1346, de 7 de Outubro de 1946, segundo o qual eram considerados indígenas todos os
indivíduos de raça negra ou dela descendentes que não reunissem, conjuntamente, as
seguintes condições:
Artigo 1:
a) Falar, ler e escrever a língua portuguesa;
b) Possuir bens de que se mantenham ou exercer profissão, arte ou oficio de que
aufiram o rendimento necessário para o aumento próprio (alimentação, vestuário
e habitação) e, sendo casados, para suas famílias;
c) Ter bom comportamento e não praticar os usos e costumes do comum da sua
raça.
d) Haver cumprido os deveres militares que, nos termos das leis sobre o
recrutamento, lhes tenham cabido.
Artigo 2: Consideram-se para todos os efeitos cidadãos portugueses os indivíduos de
raça negra, ou dela descendentes, que se encontrem em qualquer das seguintes
condições:
a) Ser natural de colónia ou território português, onde não haja indigenato,
gozando, portanto, o status legal de nacionais europeus.
b) Ser mulher, viúva, de cidadão originário ou que haja adquirido essa qualidade;
c) Exercer ou ter exercido cargo publico a que corresponda vencimento de
categoria, sendo indispensável, no segundo caso, que o tenha exercido com as
habilitações mínimas exigidas pelo Decreto nº8, de 24 de Dezembro de 1901.

65
d) Fazer ou ter feito parte de órgãos diretivos de corpos ou corporações
administrativas, das mesas da assembleia geral ou das mesas dos colégios
eleitorais.
e) Ser comerciante matriculado satisfazendo os requisitos do artigo 18º do Código
Comercial ou fazer parte de Sociedades em nome coletivo, anónimas ou por
quotas, exercendo nestas funções de direito ou de gerência.
f) Ser proprietário de estabelecimento industrial legalmente aberto ao público ou
exercer qualquer outra indústria organizada sob a forma de empresa comercial.
g) Possuir, como uma habilitações literárias mínimas, o 1º, ciclo dos liceus ou
outros estudos equivalente.
O objetivo desta legislação era, sem dúvida, impor aos guineenses a língua
portuguesa, a língua do colonizador.
No pós-independência continuou-se a política linguística proposta por Cabral “a
língua é um instrumento que o homem criou…. para comunicar com os outros”. Tendo
em conta este aspecto da comunicação, em particular, no plano externo, ele era
favorável à continuação do seu uso na Guiné-Bissau.
A política linguística nasceu como área de estudo no século XX, aliada à
preocupação da relação entre o poder e as línguas, ou mais propriamente dito, com as
grandes decisões políticas sobre as línguas e os seus usos na sociedade: que línguas
podem ou não ser usadas em determinadas situações, oficiais ou não oficiais; como e
porquê que algumas línguas são promovidas ou proibidas. É muitas vezes a partir de
ações sobretudo do Estado sobre seus falantes que as línguas são instrumentalizadas
para determinados usos. As medidas de política linguística durante muito tempo foram
vistas como uma incumbência quase exclusiva do Estado, aliadas à planificação
linguística ou planeamento linguístico.
A planificação linguística é a implementação das políticas linguísticas; Foi neste
contexto que Paulo Feytor Pinto, (2008:32) definiu a planificação Linguística,
materializa-se em diplomas legais de carater iniciativo ou imperativo que podem ter
diferentes níveis de intervenção geográfica (internacional, nacional, regional) e jurídica
(lei constitucional, lei, decreto, decreto-lei) em países como a Guiné-Bissau podemos
entende-lo como uma ação de vários agentes políticos e/ou agentes da sociedade civil,
preocupados com a existência, a conservação, a não-morte das línguas não oficiais, das
línguas que não são suficientemente consideradas pelo poder de um Estado central, isto
é, criação de programas de revitalização, manutenção, criação de escolas bilingues e de

66
legislação de específica para a questão das línguas. Por essa razão, deve-se desenvolver
estudos com vista à promoção de todas as línguas do país, para que não haja língua
dominante nem dominada, com a preocupação de preservar, defender e reabilitar o
património cultural cujo espaço é já quase total.
Deste modo, com a existência de várias comunidades linguísticas diferentes, a
Guiné-Bissau é considerada um país multilingue e a definição da sua política linguística
torna-se muito delicada; um dos principais problemas com que se depararam os
fundadores do Estado da Guiné foi o de definir que língua deveria ser adotada como
língua oficial.
Assim, as línguas nativas africanas (das etnias locais) só dividem o país (estado)
uma vez que são faladas além das suas fronteiras. Como vimos, de 20 nacionalidades
com as suas respetivas línguas em seu território, nenhuma delas uniria o país, cada etnia
ambiciona que a sua língua seja a língua do país. O português, por seu turno, não tem
legitimidade nenhuma, pois é a língua do colonizador, imposta de fora. A única língua
que representa a união do país é o crioulo, uma vez que ele surgiu justamente da
convergência das diversas línguas locais sob o policiamento do português. Ou seja, o
crioulo é a única língua falada no país à qual os aloglotas (pessoas de línguas
diferentes) aderiram sem a sensação de estarem aceitando a língua de uma potência
invasora ou de outra etnia.
O crioulo é a língua de unidade nacional guineense. A questão prática mais
imediata é que o crioulo “não tem gramática, não tem dicionário, nem escrita”, no
entanto, dada a sua função social, naturalmente a sua própria estrutura torna-se mais ou
menos complexa. Daí a necessidade de se definirem medidas concretas de planeamento
linguístico em relação ao crioulo, o que poderá viabilizar a sua introdução no sistema
educativo, a par da língua portuguesa e de outras línguas africanas. Por isso, a única
língua que sobra para ser a expressão do estado guineense é a língua do colonizador, a
língua portuguesa, assumindo-a como língua oficial da Guiné-Bissau, administração,
justiça, Legislação, de comunicação com o exterior e de educação, regendo-se pela
norma padrão do português europeu.

67
Capítulo 3 – Educação

Desde a Antiguidade a educação foi considerada como um meio de


melhoramento do homem, uma via de superação pessoal, uma possibilidade de elevação
individual a uma esfera de valores superiores e privilégios, um canal de acesso a um
saber muitas vezes fonte de poder. Ao nível coletivo, a educação tem representado
essencialmente um meio de assegurar a reprodução social, graças à transmissão fiel dos
valores consensuais de um grupo.
No sentido mais amplo, a educação é um processo de atuação de uma
comunidade sobre o desenvolvimento do indivíduo, a fim de que ele possa atuar numa
sociedade pronta para a busca da aceitação dos objetivos coletivos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, foi um instrumento que
constituiu um marco importante na legislação internacional sobre os direitos à educação.
No seu artigo 26.1, a Declaração institui o direito de todas as pessoas a uma educação
gratuita e obrigatória, pelo menos ao nível do ensino elementar e fundamental
(http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001394/139423por.pdf).
Assim, em 1950, a Declaração dos Direitos da Criança de 20 de Novembro de
1950, reforçava a Declaração de Genebra, de 1924, e estabelecia no seu artigo 7º o
direito da criança receber uma educação gratuita e compulsória pelo menos no grau
primário, capaz de promover a sua cultura geral e de capacita-la de uma condição de
igualdade de oportunidades, para desenvolver as suas aptidões, a sua capacidade de
emitir opiniões, o seu sentido de responsabilidade moral e social e de a tornar um
membro útil da sociedade.
O direito à educação é amplamente reconhecido, podendo-se afirmar sem
reservas que é uma das mais importantes conquistas do século XX.

3.1. Sistema Educativo Guineense


O sistema educativo é, fundamentalmente, um sistema orientado para
transformar os cidadãos mediante desenvolvimento de valores, de uma cultura, de uma
gama de aptidões profissionais, que contribuem para facilitar a sua inserção
socioprofissional, ajudá-lo a evoluir, social, político e economicamente, e que
contribuem também para preservar e transformar a sociedade.

68
Analisando a situação do atual sistema educativo guineense à luz da definição
adotada – que apresenta o sistema educativo como um conjunto organizado de meios
(estruturas e ações diversificado) orientado para a concretização do direito à educação
através da garantia de um permanente ação formativa que deve favorecer o
desenvolvimento global da personalidade, o progresso social, e a democratização da
sociedade, tendo por âmbito a totalidade do território de um país – arriscamo-nos a
concluir que a Guiné-Bissau ainda não possui um sistema educativo com essas
características.
A educação visa a libertação, a transformação radical da realidade, para
melhorá-la, para torná-la mais humana, para permitir que os homens e mulheres sejam
reconhecidas como sujeitos da história e não como objeto (Gadotti, 1991: 9).
Conforme os dados do INEC (31 de Dez 1999) a taxa de analfabetismo geral é
atualmente estimada em 63,4%; a taxa de analfabetismo na população com mais de 15
anos é de 63,6% com uma predominância no seio da população feminina, (83,3% de
mulheres e de 36,6% de homens).
Falar da educação na Guiné-Bissau, para a maioria dos guineenses, é falar de
problemas como a falta de salas de aulas, de professores qualificados, o que origina uma
alta taxa de insucesso e de abandono escolar.
É ainda falar dos salários baixos e pagos com grande atrasos. Assim, o que
deveria ser um direito elementar – pois proporcionar o direito à educação às crianças é
algo básico e fundamental, porquanto se trata de um alicerce para a participação do
indivíduo no seu exercício da cidadania – passa a ser algo reservado aos que têm
possibilidades económicas e uma grande batalha para os que vivem no limiar da
pobreza. Nas nossas zonas rurais, essas dificuldades acabam por ser maiores.
Em virtude das tentativas isoladas de reforma, sem estudos prévios, sem
orientação firmes e sem uma política educativa clara, associada a uma legislação
correspondente, o sistema educativo guineense entrou numa profunda crise,
apresentando graves limitações: não cobre ainda a totalidade do território nacional, pois
existem ainda zonas desfavoráveis onde não existem escolas ou são mal destruídas em
relação ao agregado populacional, obrigando as crianças a percorrer longas distâncias, a
pé ou de bicicleta, para poderem usufruir do direito à educação garantido pela
constituição do país; limita-se a uma rede escolar deficiente; envolve um número
limitado de professores na sua maioria desmotivados e sem qualificação; dispõe de
escassos meios financeiros e materiais; frequentes conflitos que provocam paralisação

69
prolongada das aulas. Estas limitações mantém-se em grande parte do país, não obstante
todos os projetos e esforços feitos no âmbito da cooperação e do desenvolvimento, que
vimos no capítulo anterior (sub-capítulo 2.8).
Citando D´Hainaud (1980: 2), uma política educativa não nasce do nada,
inscreve-se no quadro mais largo de uma filosofia da educação e é o resultado de
múltiplas influências provenientes dos sistemas sociais, que agem sobre o sistema
educativo, sendo que eles mesmos estão sob a influência do contexto filosófico, do
quadro geográfico, histórico assim como do contexto sociocultural.
Segundo Furtado (2005: 62), a política deve ser entendida como sendo “parte da
política geral e tem por objetivo responder às exigências e necessidades da sociedade
em termos de futuro através da transformação do que existe”.
A política educativa é feita de medidas colocadas em prática por um governo,
com o intuito de mostrar como são operadas as relações entre o Estado e a Sociedade,
na luta pelo reconhecimento da educação como direito, nos desafios da sua oferta,
organização e nos conflitos decorrentes da busca por qualidade.
De acordo com a lei de bases do sistema educativo guineense (2010), no seu
preâmbulo, parágrafo 2º, a organização do sistema educativo do país tem por base o
plano nacional da educação, que terá como objetivos a adoção de um quadro normativo
legal no âmbito da educação, contribuindo para a melhoria e elevação do sistema
educativo nacional. No seu artigo 3º, são referidos objetivos que visam, entre outros, a
liberdade de consciência, a formação moral e cívica dos educandos; uma adequada
formação orientada para o trabalho, levando em conta a vocação, os interesses e a
capacidade de cada um; diversificam, descentraliza as estruturas educativas, de modo
adotá-las às realidades do país. Além disso, a lei de bases refere ainda a importância da
educação contribuir para a salvaguarda e aprofundamento da diversidade do património
cultural. (Baldé, 2013)
Assim, na Guiné-Bissau, a falta de recursos para a educação é um dos grandes
entraves ao seu desenvolvimento e sustentabilidade, tornando incerto o aperfeiçoamento
do sistema educativo, porquanto o recurso afeto à educação, no Orçamento Geral do
Estado, vem baixando fortemente de ano para ano, sendo que entre 1987 e 1995 baixou
de 15% para 10%, e na previsão feita para 2006 está em 7,55. Esta proporção equivale a
0,9% do PIB, comparado com a média na África subsariana que é de 4% do PIB, no
mesmo período (entre 1987/95).

70
Segundo Furtado (2007: 4), a política educativa, enquanto parte da política geral do
país, está sujeita à influência de fatores como as “ideologias e tendências partidárias”.
Entre os factores que condicionam a política educativa do país destaco:
a) os demográficos;
b) os económico-sociais;
c) os culturais e científicos;
d) os pedagógicos;
e) as pressões dos grupos sociais e profissionais;
f) as mudanças políticas.

O ensino básico é gratuito, obrigatório e tem uma duração de seis anos. Ao longo
deste ciclo de estudos o ensino é ministrado em língua portuguesa. O governo da
Guiné-Bissau, em 2000, comprometeu-se alcançar os objetivos e as metas de Ensino
Para Todos, reafirmando os compromissos assumidos na Declaração Mundial da
Educação Para Todos (Jomtien, Tailândia, 1990, in Unesco 1998), na qual se afirma
que cada pessoa, seja criança, jovem ou adulto, deveria ter acesso às oportunidades
educativas direcionadas para a satisfação das suas necessidade básicas de aprendizagem
que consistem na aquisição de instrumentos essenciais para a aprendizagem (leitura,
escrita, expressão oral, cálculo) e os conteúdos básicos de aprendizagem (conhecimento,
habilidades, valores e atitudes) necessárias à sobrevivência e ao pleno desenvolvimento
das potencialidades. Aqui, entra a vontade política e o envolvimento não só do Estado,
mas também dos parceiros de desenvolvimento, da comunidade e da sociedade civil
organizada, de forma a que se possam mobilizar os recursos humanos, materiais e
financeiros necessários. Recorde-se que o estado da Guiné-Bissau, tal como muitos
países do mundo, assinou, subscreveu e ratificou várias convenções e resoluções, entre
os quais a da não discriminação da Mulher, a Declaração Mundial sobre Educação para
Todos (EPT) e a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), que ratificou pela
Resolução 6/90 do Conselho de Estado, de 18 de Abril 1990. A Guiné-Bissau também
procedeu à revisão da sua Constituição, estabelecendo no seu artigo 49º o direito e o
dever da educação para todo o cidadão, atribuindo ao Estado a responsabilidade de
promover gradualmente perante o mundo e perante a comunidade, responsabilidade de
lutar para que esses documentos sejam transformados em ações concretas a favor dos
direitos dos indivíduos.

71
Com base neste pressuposto e consciente da necessidade duma estratégia que
prometa melhores resultados concernentes à educação, elaborou-se o seu Plano
Nacional de Ação (PNE) para a Educação Para Todos.

Quadro IV - Estratégias acordadas na conferências de Jomtien, para


alcançar a meta “Educação para Todos” (EPT)

Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem de todas – crianças,


I jovens e adultos. Porém, sendo as necessidades diferentes, também deveriam
ser os conteúdos, meios e modalidades de ensino e aprendizagem.
Dar prioridade às meninas e mulheres, eliminando toda forma de
II discriminação na educação.
Dar atenção especial aos grupos desamparados e aos portadores das
III necessidades especiais.
Concentrar atenção mais na aprendizagem e menos em aspetos formais, com o
número de escolarização ou de certificados, assegurando que as crianças,
IV jovens e adultos pudessem afetivamente aprender, bem como utilizar sistemas
de avaliação de resultados.
Valorizar o ambiente para a aprendizagem de crianças, jovens e adultos,
responsabilizando cada sociedade pela garantia de condições materiais, física
V e emocionais essenciais para aprender, incluindo nutrição, atenção à saúde
entre outros.
Fortalecer o consenso entre os vários interesses reconhecendo a obrigação do
estado e das autoridades educacionais em proporcionar educação básica e a
VI necessidade de envolver a sociedade, organismos governamentais, não-
governamentais, setor privado, comunidades locais, grupos religiosos e
família. Destaca-se a urgente necessidade de melhorar a situação docente.

72
Ampliar o alcance e os meios da educação básica que começa no nascimento e
VII se prolonga por toda a vida, envolvendo crianças, jovens e adultos,
reconhecendo a validade dos saberes tradicionais e do património cultural de
cada grupo social e que se realizam não apenas na escola, mas também por
meio de modalidade não-formal e informais.
Fonte: UNICEF
No encontro de Jomtien, entre as condições delineadas ou traçadas, foi
notavelmente enfatizado a necessidade de um diálogo permanente entre as instituições
que atuam na área da educação. Estas instituições são destinadas a trabalhar em parceria
com o órgão estatal governamental para a realização conjunta de ações sociais “(…)
pois o que está em risco, segundo o diagnostico dos organismos multilaterais, é nada
mais nada menos que a paz mundial “ (Shiroma, Morais, Evangelista, 2009: 52). Paz
essa, segundo as autoras, indispensável para a humanidade e que deve ser mantido e/ou
assegurada por todos ao países, através do investimento no ensino.
Assim, quem fosse alfabetizado estaria munido das condições para vencer a
pobreza. Por isso, em 1999, surgiram os documentos da Estratégia para a Redução da
Pobreza (PRSPs)15, (Unesco, 2009), exigidas pelo BM/FMI aos países endividados que
queriam perdão das suas dívidas.
O Fórum Mundial sobre a Educação para Todos, realizado na capital senegalesa
Dakar, em abril de 2000, motivou a Guiné-Bissau e os seus vizinhos países da Sahel
(países situados entre o deserto de Sara e as terras mais férteis do sul da África) a
repensarem e adotar novas medidas no processo de alfabetização das populações. No
Fórum, os participantes assumiram seis grandes objetivos, conforme consta no
compromisso de Dakar (EPT, 2000):
a) Desenvolver e melhorar a educação da pequena infância, em especial, a das
crianças mais vulneráveis e desfavorecidas;
b) Até 2015, garantir a educação básica gratuita, em particular, para as crianças
mais vulneráveis (as minorias étnicas), de forma a concluírem com sucesso essa
etapa escolar;
c) Atender às necessidades escolares de todos os jovens e adultos, assegurando
acesso igual e justo aos programas adequados, com vista à aquisição do
conhecimento e de competências necessárias à vida corrente.

15
Uma PRSPs é valida por três a cinco anos. Ao fim deste período avalia-se e revisa-se a sua
implementação.

73
d) Até 2015, melhorar pelo menos 50% da alfabetização de adultos, com destaque
para as mulheres, e assegurar a todos acesso aos programas de educação de base
e de educação permanente;
e) Eliminar as disparidades entre os sexos, no ensino primário e secundário.
Assegurar às meninas acesso sem restrições a uma educação de base de
qualidade.
No documento estão estabelecidas as metas educativas e as do próprio plano, em
consonância com as realidades sociais, económicas e culturais, no entendimento de que
ela deverá ser a mola impulsionadora na solidariedade internacional, na cooperação e
ajuda financeiras, bem com nas parcerias e nos complementos de que necessitará o
plano para atingir os objetivos traçados com sucesso.
Em 1997, foi criado o projeto Firkidja, responsável pela melhoria do ensino e
combate ao analfabetismo. O seu horizonte temporal era de quatro anos, mas devido ao
conflito militar ficou suspenso, tendo sido apenas retomado nos anos 2000 até 2003.
A sua estrutura organizativa estava dividida em:
a) Ampliação gradual da cobertura do ensino básico, removendo os obstáculos ao
acesso à educação e ao sucesso dos alunos;
b) Qualidade e melhoramento dos recursos do sistema educativo bem como das
condições de salas de aulas;
c) Melhoria da gestão dos recursos humanos, financeiros e administrativos da
educação básica.
O projeto Firkidja apoiou a educação básica e centrou a sua promoção num ensino
básico de qualidade, com vista à redução da pobreza e à constituição duma base
possível para erguer melhorias económicas e sociais futuras.

3.2. A Carta da Política do Setor Educativo (CPE) de 2009 à 2020

O Governo guineense elaborou o seu próprio Plano Nacional de Ação, que


contou com apoio técnico e financeiro dos parceiros de desenvolvimento, um
documento de estratégia para a melhoria da oferta da educação a nível nacional, assente
na Declaração de Política Educativa. Entendeu-se ser de extrema importância realçar
estratégias como o aumento do acesso à escolaridade básica, a modernização e

74
reestruturação do sistema educativo e o reforço da capacidade de gestão de recursos
financeiros e humanos.
Quanto à carta política do setor educativo, o governo mostrou a preocupação com o
atual sistema do ensino do país, elegendo politicamente as seguintes prioridades:
a) Efetivar a escolarização de base em 2020, inscrevendo desta forma, o país no
progresso da redução da pobreza e do desenvolvimento económico e social
durável;
b) Promover todos os níveis de ensino, a investigação científica e desenvolver nos
jovens competências apropriadas para a sua inserção na sociedade;
c) Desenvolver programas de alfabetização e educação de adultos, sobretudo de
mulheres e raparigas: a educação / formação de jovens; o ensino e formação a
distância via rádio são apostas bem fundamentadas neste documento e com cariz
de urgência, nomeadamente, a formação de professores. Pretende-se uma
capacitação em serviço com vista à melhoria da performance do professor e
consequente melhoria da qualidade do ensino.
d) Melhorar a gestão de pilotagem do sistema educativo, sobretudo os recursos
humanos, é tida como um dos mecanismos de Surgimento e Avaliação da
Política Nacional de Ação (PNA), sendo que uma das grandes dificuldades do
setor prende-se com a gestão dos recursos educativos, tendo em conta que os
métodos aplicados, até a elaboração do plano, não deram resultados adequados.
e) Promoção da equidade entre géneros, meio geográfico e categorias sociais tem
uma grande ênfase neste documento, atendendo a que se constata-se uma grande
disparidade na participação de meninos e meninas na escola. As últimas são as
mais prejudicadas, pois são chamadas pelas mães para ajudarem nas lides
caseiras, assim como nas atividades geradoras de rendimentos para o sustento da
família. O casamento e a gravidez precoces são também fatores que não
favorecem a participação da mulher na vida política e nas esferas de decisão.
Portanto, preconiza-se a eliminação paulatina das disparidades entre os sexos no
ensino primário e secundário.
f) Promover e melhorar a alimentação e saúde escolar e desenvolver os
comportamentos cívicos relativas à paz e aos direitos humanos (MEN, 2009:2).
g) Pretende-se com a reestruturação da inspeção pedagógica reforçar os serviços de
inspeção escolar e dotá-las de meios indispensáveis ao exercício regular de
supervisão e controlo da atividade docente e de apoio pedagógico ao professor.

75
h) Relativamente aos manuais escolares e à sua produção, preconiza-se um apoio
substancial à Editora Escolar (EE), entidade nacional responsável pela
elaboração e edição de livros e manuais escolares, apoiado pela ASDI
(cooperação sueca).
i) Alterações na organização dos tempos letivos. A insuficiência de salas de aula,
face a uma explosão dos efetivos escolares no ensino básico e secundário, a
partir da segunda metade dos anos oitenta, levou a que as aulas passassem a
desenvolver-se em três turnos, diminuindo o tempo letivo e efetivamente a
possibilidade de cumprimento dos conteúdos programados para cada classe.
Porém, eliminar o triplo turno acarreta meios financeiros de que o país não
dispõe, devendo por isso poder contar com apoios de parceiros.
Portanto, para que a educação seja uma prioridade efetiva, é necessário criarem-
se condições favoráveis para o seu pleno funcionamento e para a materialização dos
objetivos acima mencionados, condições de estudo para alunos e docentes, como por
exemplo, espaços físicos e equipamentos pedagógicos, etc.16 O aluno deve ser colocado
como um dos atores, participantes, no processo ensino/aprendizagem e formação.
Pretende-se assim atingir uma educação que vise o exercício da cidadania e que
pretenda proporcionar ao professor, durante a sua formação e superação, assim como ao
aluno, durante o processo ensino/aprendizagem, o treino para uma educação para a
cidadania.
Quanto ao investimento no setor da educação, ele é assegurado pelas ONGs e
instituições financeiras internacionais, entre elas, o Banco Mundial (BM), o Plan
Internacional (PI), o Programa Alimentar Mundial (PAM) e a Unicef.

Quadro V - Instituições financiadores no setor da educação (2012)

Parceiros do Natureza de Intervenção Montante do Projeto


Desenvolvimento
BM Apoio a educação de base 18,5 milhões (US$)
União Europeia Apoio orçamental 1,3 milhões de FCFA
BAD Reabilitação pós-conflito

16
O ensino pré-escolar e o ensino básico devem ser privilegiadas “enquanto alicerces da qualidade da
educação, assegurando a formação integral de crianças e jovens, considerando a escola como um espaço
privilegiado de educação em liberdade para a cidadania” .

76
educação nas regiões de 1.174 milhões (US$)
Bissau, Tombali e Quinara.
EDU.II/ BAD Apoio a educação de base,
relançamento da formação 9.923 milhões de (US$)
profissional, gestão do
sistema.
Plan Internacional Apoio a educação de base 60 milhões (US$)
na região de Bafatá
UNICEF Alfabetização das escolas
das raparigas, prevenção do Não Declarado
AIDS.
FENUAP Planeamento Familiar Não Declarado
Fonte: Unicef

3.3. A educação formal e não formal

No século XXI, o ritmo rápido e a complexidade das mudanças económicas,


tecnológicas e culturais levou o homem a ter de se adaptar e a reajustar-se durante sua
existência – isto é tanto mais verdade no contexto da globalização.
A era da sociedade do conhecimento – onde a estrutura de turnos de produção
para uma maior produção do conhecimento e de dependência vis-à-vis o capital físico,
fabricação e produção agrícola é cada vez mais difundida pela capacidade de criar,
dirigir, distribuir e inovar no campo da produção de conhecimento.
A educação de adultos emergiu rapidamente como uma das condições para o
fortalecimento da democracia nas nações recém-soberanas. O papel da aprendizagem ao
longo da vida é fundamental para resolver questões globais e desafios educacionais.
Aprendizagem ao longo da vida, “do berço ao túmulo”, é uma filosofia, um marco
conceptual e um princípio organizador de todas as formas de educação, baseada em
valores inclusivos, emancipatórios, humanistas e democráticos, sendo abrangente e
parte integrante da visão de uma sociedade do conhecimento. Reafirmamos os quatro
pilares da aprendizagem, como recomendada pela Comissão Internacional sobre
Educação para o século XXI: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e
aprender a conviver com os outros.

77
O interesse nos métodos de ensino dos adultos e organizações da educação tem
contribuído para o desenvolvimento da educação não-formal de adultos. Sob a
perspectiva de novas nações, a educação não-formal está relacionada, em particular,
com as diferentes políticas de alfabetização de adultos, que têm ajudado a reduzir a
negação do direito à educação.
Neste âmbito, não se pode deixar de referir a alfabetização como uma perspetiva
libertadora, inspirada nos brasileiros Paulo Freire e Camilo Torres. Este tipo de
alfabetização teve enormes repercussões e podemos questionar hoje o peso simbólico
dessas campanhas descritas como epopeias modernas.
O papel fundamental da educação de adultos no projeto de desenvolvimento tem
sido reconhecedor. Em 1976, a Conferência Geral da Unesco aprovou a recomendação
de Nairobi sobre o Projeto de Desenvolvimento da Educação de Adultos (Unesco,
1976), “que estabelece o compromisso de uma promoção de aprendizagem de adultos
como parte integrante do sistema educativo na perspetiva de aprendizagem ao longo da
vida. Ou seja, de oportunidades abertas, flexíveis e pessoalmente relevantes para
desenvolver os conhecimentos, habilidades e serviços necessários para adultos em todas
as fases de suas vidas”.
Costuma-se supor que o crescimento da educação não formal assume a forma de
uma oportunidade. Unindo poucos recursos por um mecanismo de compensação,
crescem sistemas educativos não formais, que se podem traduzir em escolas/aulas
particulares espontâneas.
Carron, Car-Hill e Lintott (1991:19) demostram que países com altas taxas de
escolarização primária têm a maior taxa de participação de adultos em relação a
atividades didáticas não formais. Os mesmos autores afirmam que a taxa de
escolarização elevada leva a uma forte demanda deste tipo de oferta, enquanto que em
países com baixo desenvolvimento socioeconómico, a educação não formal é
particularmente vulnerável.
Bibeau (1989:19) mostrou como no Québec, no Canadá, as atividades didáticas
não formais são organizadas por uma grande diversidade de agentes, desde sindicatos a
igrejas, através de clubes, associações comerciais etc.
A educação não formal também surgiu como questão importante para os países
de alta renda, uma vez que níveis baixos funcional de analfabetismo para viver e
trabalhar em tais países são mais generalizados nas últimas décadas.

78
Mais importante ainda, a educação não formal aparece ligada àqueles que mais
precisam e que sistematicamente excluídos dos lucros. Assim, as baixas taxas de
participação e desigualdade continuam a ser os principais desafios da educação de
adultos hoje.
A educação possui um papel fundamental perante a sociedade. O seu objetivo,
de acordo com Libaneo (1994:17), é (…) promover os indivíduos dos conhecimentos e
experiências culturais que os tornam aptos a atuar no meio social e a transformá-lo em
funções da necessidade econômicas, sociais e políticos da coletividade”.
A educação, seja ela formal ou informal, busca repassar e proporcionar aos
indivíduos conhecimentos e comportamentos que os tornam aptos a atuarem em todos
os setores da sociedade.
Ao nascer, a pessoa é inserida num grupo social onde existe uma cultura e esta
também norteará os rumos que a educação das pessoas deste grupo social deverão
seguir.
Segundo (Read 2001:9), “pressupõe-se, portanto, que o objetivo geral de
educação seja propiciar o crescimento do que é individual em cada ser humano, ao
mesmo tempo em que harmoniza a individualidade assim desenvolvida com a unidade
orgânica do grupo social ao qual o indivíduo pertence”.
A educação humana segue uma evolução histórica, é transmitida de geração a
geração e foi sendo adaptada conforme as necessidades humanas.
Para Osinski (2002:7), “É o homem, com a sua conduta, seus comportamentos e
atos, quem faz a história, a arte e transmite seus conhecimentos por meio do ensino,
formal e informal, perfazendo o caminho de um processo evolutivo e progressivo
denominado educação”. Portanto, a educação formal carateriza-se por ser altamente
estruturada. Desenvolve-se no seio de instituições próprias – escolas e universidades –
onde o aluno deve seguir um programa pré-determinado, semelhante ao dos outros.
A educação não formal processa-se fora da esfera escolar e é veiculada pelos
museus, meios de comunicação e outras instituições que organizam eventos de diversa
ordem, tais como cursos livres, feiras e encontros, com o propósito de ensinar ciência a
um público heterogéneo. A aprendizagem não formal desenvolve-se, assim, de acordo
com os desejos do individuo, num clima especialmente concebido para se tornar
agradável.
Na Guiné-Bissau existem cinco níveis de ensino:
- Ensino pré-escolar;

79
- Ensino básico elementar e ensino básico complementar;
- Ensino secundário geral e ensino secundário complementar;
- Ensino técnico e profissional;
- Ensino superior universitário e ensino superior não universitário;
A educação pré-escolar, ainda em fase embrionária, é ministrada às crianças dos
três aos seis anos de idade não sendo obrigatória para o ingresso no ensino básico.
Da independência até à atualidade a situação do país em matéria da educação da
pequena infância registou poucos progressos. Nos primeiros anos após a independência,
uma das primeiras medidas foi a supressão da classe pré-primária por alegada falta de
docentes e de recursos logísticos e financeiros.
O sistema de ensino formal pode caracterizar-se por:

1- A reforma do ensino básico, consiste na uniformização do ensino básico (da 1ª a


6ª classe), num único ciclo.
2- O ensino básico é obrigatório e gratuito segundo os diplomas em vigor.
3- O ensino básico compreende duas vias: o ensino secundário geral e ensino
técnico e profissional.
4- O ensino secundário geral compreende dois ciclos: primeiro ciclo (7ª e 9ª
classe), o segundo ciclo (10ª e 11ª classe).
5- O ensino técnico profissional encontra-se neste momento inoperacional,
funcionando só em algumas escolas do setor privado.
6- O ensino superior é pouco desenvolvido. A formação da maior parte dos quadros
superiores faz-se no estrangeiro.
7- O ensino superior não universitário, compreende: (a Escola Nacional de Saúde e
a Escola Normal Superior “Tchico Té”.
8- O ensino superior universitário, compreende a Universidade Amílcar Cabral e
Colinas de Boé.

O sistema de ensino não formal é centrado na alfabetização e na Educação de


Adultos, contemplando também as escolas comunitárias.
O ensino guineense é afetado pelos problemas de desigualdade entre ambos os
sexos, relativamente à frequência das instituições escolares. Este é um fenómeno
que afeta todo o continente africano: mais de metade da população guineense é do

80
sexo feminino, mas apenas uma ínfima percentagem de mulheres frequenta e
conclui o ensino superior. Embora, no ingresso inicial a percentagem de rapazes e
raparigas seja quase sempre igual no ensino básico, há um abandono precoce no
secundário e no ensino superior, que se justifica por motivos vários, entre eles:
- a gravidez precoce;
- o casamento obrigatório;
- as dificuldades financeiras para suportar as despesas escolares (matrícula,
propinas, materiais escolares etc.).
Podemos dividir o ensino em três principais etapas de desenvolvimento do sistema
educativo da Guiné-Bissau:
A primeira é a etapa da luta de libertação nacional, isto é, de 1964, com a fundação
da “escola piloto”, a 1974, em que os professores eram poucos. A maioria deles era
formado sobretudo nas antigos países socialistas e alguns em Portugal.
Ainda nesta fase, surgiu a necessidade urgente em instruir a chamada população das
“zonas libertadas”, uma vez que apenas existiam escolas nos grandes centros urbanos,
em especial, na capital, Bissau, onde residiam os representantes do governo de Lisboa.
Estavam neste caso as duas escolas de formação de professores: a escola Posto
“Arnaldo Schulz” e a escola do Magistério Primário, que formavam professores para
suportar o primeiro ciclo.
O segundo e o terceiro ciclo eram suportados pelos professores portugueses e alguns
membros do exército português.
A segunda etapa é o período que vai de 1974 até a liberalização económica do país,
em 1986. Devido à euforia revolucionária dos primeiros tempos da independência,
marcada por forte politização da educação, houve uma explosão dos ingressos nas
escolas, pois, a política era dar a todas as crianças em idade escolar a oportunidade de
irem à escola.
O agravamento da situação económica do país culminou com a liberalização e
privatização dos bens do estado em 1986.
O sistema educativo entra na sua terceira fase do desenvolvimento. Começou a
verificar-se o desaparecimento das escolas anteriormente criadas desde a independência,
até essa data. Hoje em dia, muitas crianças do interior do país estão sem acesso ao
ensino primário.

81
3.4. Evolução do sistema educativo:

a) Em 1982, foi criado o Centro de Formação Administrativa (CENFA), por


decisão do governamental, tendo substituído a Escola Nacional de
Administração (CENFA), pela decisão do governo foi substituída pela Escola
Nacional da Administração (ENA), oferece cursos técnicos e superiores em:
Contabilidade e Administração.
b) Em 1986, foi aberta a Faculdade de Medicina, através da cooperação com a
República de Cuba, mas com a crise financeira foi integrada em 2004 na
Universidade Amílcar Cabral. No mesmo ano, foi criada a Escola Nacional de
Educação Física e Desporto (ENEFD), para formação de professores da
educação física e desporto.
c) Em 1990, abriu-se a Faculdade de Direito de Bissau, (FDB), através da
cooperação com a Faculdade de Direito de Lisboa, oferecendo o curso com
Licenciatura.
d) Em 2001, foi criada o CamõesIP, (ICA), oferecendo o curso de Licenciatura em
Língua Portuguesa para a formação de professores para o ensino secundário e
superior apoiada através do governo português.
e) Em 2003, foi aberta a Universidade Amílcar Cabral (UAC), a primeira
universidade pública do país; porém o governo, alegando a impossibilidade de
sustentá-la, assinou um contrato de cedência com a Universidade Lusófona de
Portugal, surgindo assim a Universidade Lusófona da Guiné-Bissau (ULB) que
tem os seguintes cursos: Economia, Administração e Gestão de Empresa,
Sociologia, Comunicação Organizacional e Jornalismo, Engenharia Informática,
Arquitetura, Pedagogia, Ciências Médicas e Enfermagem.
f) Em 2003, foi criada Universidade Colinas de Boé, (UCB), a primeira
universidade privada do país, que tem os cursos seguintes: Administração
Pública e Economia Familiar, Engenharia Eletrónica e Engenharia Civil.
g) Em 2007, foi aberta a Universidade Católica da África Ocidental (UCAO),
oferecendo o curso de Administração, dentro da capital Bissau.
h) Em 2008, foi criado o Instituto Superior de Gestão de Bissau (ISGB), com os
seguintes cursos: Gestão, Turismo, Contabilidade Economia e de Comércio.

82
i) Em 2009, houve a criação de Sup. Management Instituto Superior de Gestão
Bancária (ISGB), tendo como cursos: Gestão e de Informática. Atualmente não
se encontra em funcionamento.
J) Finalmente, em 2009, surgiu a Universidade Jean Piaget (UJP) com as suas
instalações próprias, oferecendo cursos em: Tecnologias, Saúde e do Ambiente, Ciência
Política, Educação do Comportamento, assim como Ciências Económicas e
Empresariais.

Gráfico IV - Evolução da educação superior de 1974 à 2009: numa


perspetiva do desenvolvimento do país

De acordo com a Direção de Estudos, Planificação e Avaliação do Sistema


Educativo Dr. Alfredo Gomes, o país conta, de 2007 até 2009, com onze instituições de
Formação Superior e três Centros de Formação técnico Profissional.
Em 2003, foi criado o Centro de Formação “São Leonardo Murialdo”, mas que
veio a funcionar só em 2008. O centro de formação é de nível médio, com sede em
Bissau (capital) e com polos de formação em algumas cidades das regiões do país, tais
como Canchungo, Gabú e Buba. Este centro oferece cursos de Secretariado,
Administração, Contabilidade, Gestão Hoteleira e Turismo, Comércio, Marketing, e

83
Jornalismo. De acordo com o seu Diretor daquele centro de formação, “no ano 2012 /
2013, o centro de formação São Leonardo Murialdo conta com 480 alunos.
No ano 2004, foi aberto o Centro de formação “São João Bosco”, centro de
formação técnico e profissional, de iniciativa privada, que oferece os seguintes cursos:
Administração, Contabilidade e Turismo.
No ano 2011/2012, abriu o Centro de formação “Luís Inácio Lula da Silva”,
também de caráter privado, oferecendo os seguintes cursos: Gestão Financeira, Gerência
Executiva em Marketing, Gestão de Recursos Humanos, Estatística Aplicada,
Contabilidade, Administração e Autarquias Locais.
Assim, com uma população de 1,6 milhões de habitantes, estes dados são
encorajadores para o desenvolvimento das Instituições de Formação Superior e Técnica.
Contudo, muitas destas instituições funcionam somente com recursos provenientes das
taxas de matrícula e mensalidades pagas pelos alunos.
Nota-se a concentração das instituições de formação na capital do país, pois não
existem praticamente nas outras regiões. Assim, muitos jovens deixam as suas regiões
de origem à procura de formação na capital e os que não têm condições de permanência
na capital acabam desistindo, correndo o risco de entrar na delinquência juvenil ou
crime organizado, com fortes consequências para a sociedade e o país em geral.
Apesar dos constrangimentos, a educação mostra um futuro encorajador no que
refere ao número das instituições de formação e à crescente oferta de formação, embora
o setor educativo se depare com falta de docentes qualificados para responder à procura
de formação dos jovens, sem contar com falta de infraestruturas ao nível que a esta
exige.

3.5. Fatores de Estrangulamento do Sistema Educativo


a) A qualidade do ensino: verifica-se uma baixa qualidade generalizada do sistema
de ensino, reconhecida pelas altas esferas governamentais bem como pelos
dirigentes do Ministério da Educação Nacional;
b) Carência de manuais escolares que não chegam, em tempo útil, às escolas e que
não cobrem a totalidade do elenco disciplinar;
c) Inadequação dos programas e deficiências técnicas de formulação dos objetivos,
aliadas a lacunas em algumas áreas disciplinares;

84
d) Deficiente domínio da língua de ensino. Apenas 11% da população fala
português, enquanto 44% se exprime em crioulo. Neste contexto, o processo de
alfabetização das crianças entendido como a aquisição e o domínio dos
elementos estruturais da comunicação escrita e oral, produz-se em condições
particularmente difíceis. Em conjunção com a diversidade linguística, afirma-se
uma pluralidade étnica e cultural com implicações evidentes no âmbito da
relação escola/família/tabanca/comunidade. Nesta perspetiva, o sistema de
ensino não está preparado, nem dispõe de maleabilidade para escolher e
assimilar essa diversidade no seu seio, o que pode ser sintomaticamente
constatado em fenómenos de incomunicabilidade ou até rejeição da escola pela
comunidade que serve;
e) Inexistência de material didático básico (caderno, lápis, borracha);
f) Dificuldade de recrutamento e retenção de professores em zonas mais isoladas;
g) Salário baixo e o seu pagamento irregular;
h) Incidência negativa de fatores socioeconómicos adversos, entre os quais o nível
nutricional das crianças, a falta de cobertura sanitária, as condições de habitação
e o meio cultural familiar;
i) Elevada taxa de abandono escolar.
Portanto, podemos dizer que o sistema educativo da Guiné-Bissau não reúne ainda
os meios que permitam uma educação para todos os cidadãos em toda a extensão do
território. A oferta educativa não se adequa à heterogeneidade das caraterísticas dos que
a procuram. Por isso, faltam alunos nas escolas, nas classes terminais não existem
professores em quantidade e qualidade necessária. As infraestruturas, os meios de
ensino, em suma, todo o ambiente escolar é pouco atrativo.
É imprescindível e urgente na Guiné-Bissau um sistema educativo que favoreça e
promova a estabilidade social e a coesão nacionais, promova o desenvolvimento da
personalidade dos alunos e tenha abertura necessária à inovação, à mudança e a
tecnologia, são atributos condimentos necessários para o progresso.

85
3.6. Educação Bilingue – experiências

A educação bilingue desenvolveu-se nos Estados Unidos17 pela presença


marcante de imigrantes na sua população desde o princípio da sua colonização
(Naiditch, 2007:135).
Devido à influência de uma diversidade linguística e, consequentemente, de uma
heterogeneidade de competência linguística na sala de aulas, atualmente, a educação
bilingue tem sido estudado por vários investigadores.
Hamers & Blanc (2000:189) definem a educação bilingue “as a school education
system of simultaneous or consecutive, the statement is planned and taken in at least
two languages”.
Cummings & Swain (1986) postulam que há alguns fatores que contribuem para
resultados positivos e negativos no âmbito da educação bilingue e concluem que o valor
e o prestígio da língua materna (L1) e da língua segunda (L2), em casa e na comunidade
são importantes. Os autores acrescentam ainda que os resultados estão associados às
situações em que a língua materna (L1) e a língua segunda (L2) têm valor social e
económico, isto é, quanto maior for o status-económico das crianças, melhor é a sua
performance.
Seguindo a perspetiva sociolinguística, Fishman e Lovas (1970:4), de acordo
com o seu objetivo, a educação bilingue pode ser constituída por três tipos diferentes de
programas. O primeiro deles é o Programa Compensatório18, no qual a criança é
instruída primeiramente na Língua materna (L1), visando a sua melhor integração no
contexto escolar. O segundo é o Programa Enriquecimento19, de acordo com Cox e
Assis-Peterson (2001), no qual ambas as línguas são desenvolvidas desde a classe da
alfabetização e utilizadas como meio de instrução de conteúdos.
O terceiro, o Programa de Manutenção20 assegura que a língua e a cultura das
crianças pertencentes ao grupo minoritário são preservadas e aprimoradas.
Ainda segundo Hames & Blanc (2000), o fator mais importante na experiência
bilingue é a valorização de ambas as línguas. Ao planear a educação bilingue deve ser

17
Faço aqui uma abordagem histórica com o bilinguismo nos Estados Unidos por este ser o país em
maior número de publicações sobre a educação bilingue segundo nossas pesquisas.
18
Compensatery Program.
19
Enrichment Program.
20
Grupo Maintanence Program.

86
levado em consideração a definição dos objetivos de acordo com os programas que
serão seguidos e como estes serão alcançados.
No que diz respeito à realidade guineense, o ensino bilingue nas escolas tem sido
objeto de discussão desde longa data. Dada a complexa situação linguística na Guiné,
com a coexistência de etnias e línguas diferentes, as crianças têm o primeiro contato
com o português na 1ª classe e são, ao mesmo tempo, alfabetizadas nesta língua. Nas
salas de aula, a língua veicular entre professores e alunos (das classes preliminares) é o
crioulo, apesar de ‘proibido’.
Luigi Scantamburlo, integrante da corrente de defensores do uso do crioulo em
contexto escolar, no seu Dicionário Guineense-Português (2002), argumenta em relação
à regulamentação ortográfica do crioulo, reforçando a ideia da utilização do mesmo
como língua do ensino formal. Este argumento baseia-se no imaginário dos puristas e
legisladores linguistas, que acreditam que dicionários é um dos dos sustentáculos
linguísticos que apontam para a padronização e oficialização de uma língua,
desconhecendo outros valores envolvidos nesta questão.
Porém, devemos considerar as condições económicas na oficialização e no
ensino bilingue, uma vez que publicações, materiais e desenvolvimento de projetos
custariam somas exorbitantes ao Ministério da Educação da Guiné; isto não quer dizer
que não existam produções escritas.
Como primeiro passo da oficialização do crioulo destaca-se a vontade e
empenho políticos para que se possam avaliar com seriedade as condições precárias do
ensino do português como língua materna (L1) e como língua segunda (L2), numa
nação multilingue e multiétnica. Ao mesmo tempo, há que ter em consideração o valor
político do crioulo como língua nacional. O mais importante será assegurar-se que o
ensino do português deve responder aos princípios de ensino de língua segunda, para a
maioria da população, e, para se buscar um modelo igualitário do ponto de vista
linguístico, a aquisição de língua escrita, na Guiné, deve ter no crioulo o seu objetivo
principal.
Para superar as dificuldades, o modelo preconizado por Johannes Augel (1997),
para a futura política linguística do país é o da transição, que implica que as crianças
passem de uma visão da sua língua materna associada a um estatuto social baixo para
uma língua de estatuto social alto, por meio de programas bilingues de ensino.

87
Nesse modelo, a língua materna é considerada apenas um veículo para
desencadear o processo educacional, uma língua instrumental usada com a finalidade de
melhor chegar a dominar a língua-alvo, que é a de status mais elevado.
No caso da Guiné-Bissau, foi realizado em 2001 um projeto de educação
bilingue nas Ilhas dos Bijagós realizado por Luigi Scantamburlo no Projeto de Apoio ao
Ensino Básico do Arquipélago dos Bijagós (PAEBAB), que apostou no ensino bilingue,
com o apoio da União Europeia. O projeto abrangeu cinco escolas com cerca de 200
alunos e compreende as seguintes etapas de ensino:
- 1ªfase – 1ª e 2ª classe: devem iniciar com a oralidade em crioulo, passando
depois a alfabetização em crioulo e a oralidade em português. Ao mesmo tempo são
lecionadas outras disciplinas do ensino oficial (caligrafia, matemática etc.).
-2ª fase – 3ª e 4ª classe: quando são capazes de ler e escrever, inicia-se
progressivamente a aprendizagem da leitura e da escrita do português. Nesta fase, o
professor deve prestar atenção às semelhanças e diferenças entre as duas línguas de
ensino para permitir que os alunos percebam os dois códigos linguísticos.
O objetivo desta fase é os alunos atingirem o nível do português exigidos pelos
programas do ensino.
Há já algum tempo, o crioulo foi ensinado como língua de aprendizagem em
alguns centros. Esta experiência teve sucesso nos dois primeiros anos, no entanto, no
terceiro ano falhou por falta de uma adequada metodologia de transição do crioulo para
o língua portuguesa. Apesar deste desfecho, esta experiência desenvolvida na Ilhas dos
Bijagós pode ser vista como tendo tido resultados animadores e como um bom
indicador para o futuro.

3.7. A língua portuguesa e desenvolvimento na Guiné-Bissau

A língua portuguesa é um dos elos que une povos diversos em todo o mundo,
seja pelo seu significado histórico, seja pela vontade política verificada nas últimas
décadas em oferecer a base para uma relação de irmandade e cooperação entre os povos.
O Português é quinta língua mais falada no mundo, com mais de 240 milhões de
pessoas, se olharmos, é falada em países de diversas regiões do globo, o que implica um
enorme riqueza do seu vocabulário numa relação próxima com o fenómeno da
globalização.

88
Não é por acaso que Portugal é reconhecido mundialmente como um país de
navegadores. Os portugueses empreenderam muitas viagens a diversos continentes com
intuito de domínio e conquista de novas terras; as expedições não se restringiram
simplesmente a explorar as riquezas naturais, buscavam também a expansão do império
português centrado na propagação da fé cristã. Cristóvão (1929: 19), citando António
de Nebrija, afirma que “a língua é companheira do império”. Por essa razão, havia
dominação política, social, económica e linguístico-cultural em todos os territórios a
que chegavam. O domínio português durou muito tempo até que todos os países
tornassem independentes. Mesmo assim, ainda há um elemento que os une, o maior
património imaterial e cultural que Portugal deu de presente a essas nações, a língua
portuguesa, veículo de comunicação de povos de nações diferentes e de povos duma
mesma nação, como é o caso de alguns países africanos.
Tido como idioma oficial na Guiné-Bissau, o português é falado por 13% da
população, sendo praticamente desconhecido por uma grande parcela dos guineenses.
Esse dado pode parecer assustador, mas é importante para que se conheça a real
situação de funcionamento desta língua no país.
A Guiné, como outros países africanos, possui várias outras línguas que
convivem lado a lado com a língua oficial de origem europeia. Após a independência da
Guiné-Bissau, o português tornou-se a língua oficial do país, principalmente no cenário
político. Mas, antes do português ser adotado, havia já mais de duas dezenas de línguas
étnicas distribuídas pelos diversos grupos étnicos (Augel, 1997:76), além do crioulo que
é falado por 90% dos guineenses.
Para os nativos, a questão linguística é inalterável, a língua é o mais valioso
património do povo, ou seja, mexer com a língua é mexer com a identidade de um povo.
Na Guiné-Bissau, a questão da língua é levada tão seriamente, que nenhuma língua
poderia ganhar o estatuto de língua oficial como afirma Couto:

Essa delimitação artificial resultou em estados multiétnicos e


multilingues, para os quais seria difícil encontrar-se um princípio unificador.
Um dos primeiros problemas, se não o primeiro, com que se defrontaram os
fundadores do Estado da Guiné-Bissau constituiu na decisão de que língua
adotar-se como língua oficial. Nenhuma etnia aceitaria que a língua da etnia
vizinha tivesse este privilégio (Couto, 2009: 55).

89
Para os guineenses, mudar de língua é mudar de etnia e identidade. Por essa
razão, o crioulo serve como mediador das línguas étnicas pois é considerado “língua de
ninguém”, ou seja, a língua que pertence a todos os guineenses.
No que diz respeito ao português, cabe-lhe o papel de língua oficial e de ligação
com outros povos mais distantes. Não é por acaso que o fundador da nacionalidade
guineense, Amílcar Cabral proferiu:

“Temos que ter um sentido real da nossa cultura. Português (língua) é


uma das coisas que os portugueses nos deixaram, porque a língua não é
prova de nada, mas senão um instrumento para os homens se relacionarem
uns com os outros, é um instrumento, um meio para falar, para exprimir as
realidades da vida e do mundo (Cabral, 1976 apud Caniato, 2002:134)”.

Devido ao ser a língua oficial, é língua de ensino, usada em toda a


escolarização, com pequenas concessões ao uso do crioulo nas fases iniciais da
alfabetização. Os livros didáticos são todos em português e, frequentemente,
importados de Portugal. As publicações do INEP (Instituto Nacional de Estudo e
Pesquisa) são todas em português e o que se traduziu durante a época colonial também
está, obviamente, em português.
Os discursos oficiais são publicados sempre em português, mesmo quando são
proferidos oralmente em crioulo.
A realidade apresentados até aqui nos autorizam a prever um futuro altamente
promissor para o português na Guiné-Bissau. Para Amílcar Cabral, a posição oficial
sempre foi a de investimento na língua portuguesa e todas as manifestações oficiais
posteriores têm ido na mesma direção, talvez mesmo para se manter uma identidade
luso-africana frente à identidade franco-africana dos países circunvizinhos.
Os programas de ajuda externa ao país (cooperação) são outro chamariz para a
língua portuguesa: bolsas de estudos que são concedidas a jovens guineense para fazer
cursos no Brasil e Portugal.
Entre os diversos fatores que contribuem para um futuro promissor da língua
portuguesa na Guiné-Bissau é importante destacar de Portugal ter voltado a ser uma
referência para os guineenses, pois há um grande desejo de emigrar para Portugal, uma
porta privilegiada para a Europa e um parceiro comercial, ocupando o segundo lugar nas
importações do país, depois da China, e o terceiro nas exportações.

90
A aproximação do crioulo ao português é um processo amplamente conhecido
dos estudiosos de línguas crioulas, que é a descrioulização. Todo o crioulo que continua
convivendo com a língua de superstrato tende a se aproximar dela; além disso, as
línguas étnicas tendem aproximarem-se cada vez mais do crioulo e este do português.
Diversos autores chamaram a atenção para a importância do português sobre o crioulo,
resultando no crioulo ‘leve’ e, por outro, a influência do crioulo sobre o português
chamando-o ‘português acrioulado’.
A formação académica sempre foi vista como algo imprescindível para a
construção desta jovem nação. Após a independência, a preferência dos estudantes
guineenses é fazer a formação superior em Portugal. Portugal abriga uma grande
população de imigrantes de países da África de língua portuguesa, como guineenses,
cabo-verdianos, angolanos etc. Por meio de grandes redes de relações, os estudantes
podem contar com a ajuda de familiares e amigos em Portugal, o que representa um
grande apoio para se estabelecerem melhor financeiramente, além de poderem partilhar
um suporte emocional na nova situação vivida, como estrangeiro. Outro factor
importante na escolha por Portugal para fazerem os seus estudos é a preferência pela
variedade do português europeu.
O mundo globalizado de hoje estreita as relações entre diferentes países, bem como
encurta as distâncias entre os povos e contribui para a difusão das línguas pelo mundo,
devido ao livre trânsito de pessoas, de capitais e mercadorias. Nesse contexto, as
línguas desempenham um papel político decisivo, porque se consolidam, adquirem
prestígio e patenteiam a efetiva difusão da consciência nacional. A internacionalização
das trocas políticas e económicas é feita por meio das línguas oficializadas no âmbito
dos Estados (Faulstich, 2001:105-6).
Neste quadro de política internacional, é o idioma que funciona como suporte da
reunião de povos. É papel do Estado zelar pela unidade e aos usuários compete
preservar a variedade, que existe em toda a nação, assim é necessário adotar políticas
linguísticas condicentes com ações políticas adequadas e com políticas educacionais
estruturadas, com intuito de garantir a comunicação transnacional e promover o
português.
Em virtude das diversas relações políticas, económicas, sociais e linguísticas, que os
países mantêm com os falantes da língua portuguesa ao se comunicarem, essa língua
tem um papel relevante político no contexto de um novo mapa de interação entre as
nações, especialmente, entre as que integram a CPLP, como a Guiné-Bissau.

91
3.8. Língua Portuguesa no ensino/aprendizagem na Guiné-Bissau

Apesar da Guiné-Bissau ser um país da língua oficial portuguesa, apenas uma baixa
percentagem da sua população fala português, menos de 15% tem um domínio aceitável
e apenas uma pequena percentagem da população guineense tem o português como
língua materna. Além disso, em comparação com os outros PALOP a Guiné-Bissau é o
país onde a língua portuguesa é menos usada. Esta situação deve-se à existência duma
grande quantidade de línguas étnicas, à alta taxa de analfabetismo e ao fato da Guiné-
Bissau ser um país encravado entre o Senegal e a Guiné-Conacri, com uma expressiva
imigração dessas comunidades francófonas no país devido à abertura à integração sub-
regional e da grande participação destas populações no comércio guineense.
Assim, podemos concluir como é preocupante o atual sistema de ensino da língua
portuguesa no ensino primário, secundário e superior. Por razões históricas, o português
nunca foi efetivamente implantado no interior da Guiné-Bissau, onde predominam, até
hoje, as línguas étnicas e o crioulo, ainda que o português seja a língua oficial, a língua
de ensino e também a língua da produção literária, da imprensa, da legislação e
administração. O português não se fala, nem ouve, nem em casa, nem nas ruas, estando
restrito o seu uso a uma elite política e intelectual.
Saliente-se que um dos grandes problemas da língua portuguesa neste país, é não
passar da escrita para a oralidade, uma vez que o português está no registo escrito, que
acompanha a oralidade onde é usado o crioulo.
Esta situação, torna ainda mais prementes as dificuldades que o ensino do português
enfrenta no sistema educativo guineense, entre elas:
- Um corpo docente com fracas competências ao nível do domínio da língua
portuguesa e muitos sem formação superior para lecionar;
- Falta de manuais adequados às especificidades do ensino de português como
língua segunda na Guiné-Bissau;
- Número excessivo de alunos por turma, o que torna bastante difícil a execução de
atividades de aperfeiçoamento da língua;
- Insuficiente número de salas de aula e precárias condições de muitas escolas;
- Escassez de material bibliográfico (livros, textos, publicações e laboratórios de
internet.

92
Existem ainda outros fatores que dificultam o avanço e a melhoria do ensino do
português no ensino guineense, tais como as greve dos professores e a própria situação
cultural e económica da Guiné-Bissau.
No entanto, há quem se tenha preocupado com este problema há alguns anos atrás:
o pedagogo brasileiro Paulo Freire que, em meados de 1975, foi para a Guiné-Bissau
explorar o melhor método de alfabetização, defendendo a ideia de que o uso do
português na alfabetização acabaria por aumentar o fosso entre o povo e a elite
dominante. Paulo Freire, envolveu-se na experiência de criar Centros de Educação
Popular Integrada (CEPI-1977/78), onde se lecionava o ensino básico complementar e
formação de professores.
Quando terminou a CEPI, foram criados Centros Experimentais da Educação e de
Formação (CEEF), que tinha como principal objetivo:
a) Formar professores e dar-lhes os elementos necessários para o desempenho das
atividades pedagógicas-didáticas; ensino e formação integrados, formar agentes
para a utilização dos recursos do meio, estabelecendo relação entre a escola e a
vida económica. Ali, a língua de ensino utilizada era o crioulo como meio de
aproximação do aluno com a escola e para melhor facilitar a aprendizagem nas
duas primeiras fases do ensino primário. O português substituía-o na terceira
classe.
Mas, o problema da escolha da língua em que se processasse a alfabetização foi um
dos grandes obstáculos para o êxito do projeto, Freire propunha uma alfabetização na
língua materna, ou na língua mais próxima à língua materna, nesse caso, o crioulo.
O projeto não se realizou plenamente por algumas razões tais como a falta de verbas
e financiamento externo; a diversidade linguística; a opção pela língua em que se
processaria a alfabetização; a falta de pessoal qualificado para a formação de novos
membros; o excesso de formação técnica e pouca prática ligada à realidade concreta em
que o formador deveria trabalhar; e o atraso no pagamento de salários.
Num país onde o multilinguismo e a multietnicidade são uma realidade
incontornável, o processo de ensino/aprendizagem torna-se difícil, causado pela
interferência das línguas autóctones e pela língua nacional – o crioulo.
Note-se que é desaconselhado o uso do crioulo em sala de aula, porém, apesar
disso, os professores têm de fazer uso dele nos primeiros anos, pois se falam em
português não são entendidas pelas crianças.

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Na Guiné, não obstante a presença do crioulo, as línguas étnicas tornam a
questão mais complicada, uma vez que é difícil ter-se uma classe linguisticamente
homogénea, composta por alunos duma mesma etnia. Além disso, mesmo que houvesse
classes homogéneas não haveria um professor qualificado capaz de ministrar aulas na
língua em questão, nem material didático adequado. Porque os professores demostram
ter clara noção sobre a importância da formação dos docentes como garantia de um
trabalho de qualidade no sistema de ensino guineense, ou seja, como sendo um processo
complexo para o qual são necessários muitos conhecimentos e habilidades, ajudando o
professor posicionar-se na sua escola, para transformar a realidade dos seus alunos,
todavia, para que esta possibilidade se concretize, é preciso que o professor tenha
formação adequada que lhe permita assumir os desafios que estão colocados no seu dia-
a-dia. Diante disso, podemos perceber que o ensino do português na Guiné-Bissau não
privilegia o desenvolvimento das competências comunicativas dos alunos, tanto oral,
assim como a escrita, confirmando assim, a pratica do ensino da Língua Portuguesa
através do método da gramática tradicional, sabendo que as competências de leitura e
escrita permitem ao aluno ganhar uma nova consciência do mundo que o rodeia,
facilitando acesso aos mais variados tipos de informação.
No entanto, todo o trabalho pedagógico deverá ter-se em atenção as
necessidades de formação do público-alvo, de modo a que essas ações sejam eficazes.
(Baldé, 20012).
Acrescem outros constrangimentos em relação ao ensino em língua portuguesa
que, em minha opinião, são os principais obstáculos encontrados dentro da sala de aula
de 50 e 70 alunos, entre eles o tempo gasto na fase inicial da aula, que corresponde à
entrada dos alunos na sala, a chamada e a abertura da lição. Em turmas numerosas gera-
-se mais facilmente um descontrolo disciplinar, os alunos mais turbulentos encontram
aqui ocasião para agir e perturbar e os mais ociosos para se fazerem esquecer e não
trabalhar. O envolvimento dos alunos na aula pode acontecer de dois modos: através da
interação social e do empenho académico. O primeiro situa o tipo de interações que o
aluno concretiza na relação com o professor ou com os colegas da turma, ao contribuir
positivamente para o clima de aprendizagem através do respeito pelas regras da sala de
aula e ao colaborar com os outros alunos, O segundo refere o comportamento do aluno
face ao processo de aprendizagem, como a participação e iniciativa nas atividades, a
capacitação de atenção e concentração e o tempo de resolução e cumprimento das
tarefas.

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Este fato levanta vários problemas entre os quais a questão das metodologias do
ensino. O ensino da língua portuguesa na Guiné-Bissau não beneficia de uma didática
de Língua não materna, sendo geralmente realizado no quadro da Língua Materna.
Assim, com o intuito de tornar os alunos competentes nos diferentes domínios de
aprendizagem da língua-alvo, a função do professor não será apenas ajudá-los a
apropriarem-se e aperfeiçoarem a língua, como também incentivar estruturas, hábitos e
esquemas de aprendizagem.
Nas últimas décadas, movimentos de discussão sobre o uso da língua e
desenvolvimento da competência comunicativa do falante têm-se sobreposto à ênfase
que vinha sendo dada à forma e ao ensino da língua.
A razão para tais mudanças é a visão de língua como cultura, fenómeno
fundamental da comunicação entre pessoas ou grupos sociais e culturalmente diferentes,
que pressupõe um ensino/aprendizagem sensível ao ser humano, ao seu momento
histórico de vivência e à relação que estabelece com o mundo e com as pessoas à sua
volta.
Além do objetivo primordial de promover a reflexão intercultural, o ensino
mantém o objetivo de alcançar o desenvolvimento linguístico, o que significa
estabelecer propósitos consistentes para as atividades que buscam o desenvolvimento
das tradicionais “quatro habilidades linguísticas”. É preciso que se desenvolva um
conjunto de habilidades que permitam avaliar criticamente os produtos da língua alvo e
de outras cultura. Possuir competência comunicativa intercultural significa ter, além de
um certo domínio da estrutura formal do sistema linguístico, a capacidade de reconhecer
aquilo que faz sentido para o grupo com o qual interage ao fazer uso da língua.
Desenvolver a competência intercultural significa muito mais do que ser
comunicativamente competente na língua-alvo. Significa integrar língua e cultura, de
modo que o aluno adquira, além de habilidades linguísticas que possibilitam a sua
comunicação com a cultura-alvo ou diferentes culturas, a capacidade de relacionar a sua
cultura (étnica) com as outras culturas.
Sendo assim, as autoridades educativas da Guiné-Bissau deveriam levar com
maior seriedade o ensino da língua oficial na formação dos recursos humanos da nação,
tendo em conta a importância determinante da língua portuguesa no ensino; além de ser
a língua oficial do país, permite um horizonte comunicativo muito amplo, tendo em
conta a sua posição no mundo, pois é através dessa língua que se acede a um amplo
conhecimento, mesmo se mais tarde a formação venha a ser completada no estrangeiro.

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Por isso, o português deve ser ensinado como língua segunda de modo a ser aprendida,
sem nunca pôr em causa o respeito pela diversidade linguística nacional.

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Conclusões

Ao assumir a sua independência, a Guiné-Bissau, tal como as outras ex-colónias


portuguesas, adotou como idioma oficial a língua lusa. No entanto, o português era na
altura falado por uma ínfima percentagem da população, um rico mosaico linguístico-
cultural, compreendendo mais de duas dezenas de etnias para uma população total
estimada na altura em cerca de um milhão de habitantes.
Em tal contexto, a língua portuguesa, herança colonial certo, mas a melhor de
todas no dizer de Amílcar Cabral, além de ser a língua oficial da Guiné-Bissau não deve
ser assumida com complexos como uma das nossas línguas nacionais.
As atividades de promoção do ensino da Língua Portuguesa necessitam ser
reforçadas e alargadas, principalmente num contexto sociocultural em que a língua
portuguesa chega a ser, para muitos guineenses, a segunda ou a terceira língua. Tendo
em conta a dificuldade da sua aprendizagem por não se tratar duma língua materna e de
comunicação diária e ainda pela falta duma metodologia específica de ensino, escassez
de materiais de apoio adequado à realidade guineense, é necessária uma reflexão
profunda e exaustiva que vise a participação de todos a fim de traçar caminhos e rumos
que levarão o país a ter um desenvolvimento significativo sob o ponto de vista
económico, social e cultural.
O desenvolvimento de projetos de ensino bilingue, aliando o Crioulo e o
Português, é um dos caminhos a seguir para a promoção do desenvolvimento de um
sistema educativo de sucesso. Há que ter em conta que milhares de crianças entram para
o ensino formal, transitando diretamente das suas línguas maternas e do crioulo para o
português, sem passar por uma única fase de transição, num país onde não existe uma
rede de sistema de ensino pré-escolar.
O crioulo adquire papel importante, pois se há um idioma majoritário ele é o
crioulo, que é falado por aqueles que vivem na capital e nos centros urbanos, embora
conservem as suas línguas autóctones.
Quanto à literatura que se faz hoje na Guiné-Bissau, Moema Augel afirma que
“constitui, sem dúvida, um dos poucos veículos e, por isso indispensável, para a
demarcação, inclusive dos contornos emocionais, do território dessa comunidade de

97
pensamentos e de afetos para o balizamento das representação manifestadas em
formação da construção da nacionalidade”. Augel, (2007:25).
Marcelino Marques de Barros, que publicou, em 1882 alguns poemas e canções
em crioulo, em 1900 canções e pequenas histórias da tradição oral de diversas etnias, de
qualidade literária incontestável.
Existem algumas obras publicadas em crioulo, entre eles, sobretudo, trabalhos
envolvendo a tradição oral com publicação de cunho religioso, revistas (soronda,
tcholona), etc.
O crioulo é usado por parte das instituições, sempre que existe um interesse
maior em alcançar o povo e fazer-se ouvir. No mundo da política, por exemplo, o seu
uso popularizou-se desde a democracia do país e do pluripartidarismo.
Outra área onde a língua nacional guineense reina é na música, área na qual se
destacam as canções de mandjuandade e a música moderna guineense, cujo percursor
foi José Carlos Schuartz. Do mesmo modo, o teatro e o cinema são encenados em língua
crioula.
A presença do crioulo na comunicação social, na rádio e na televisão é também
uma realidade: 50% entre crioulo e o português. Os dados de 1995 mostram um
aumento dos locutores do crioulo entre locutores das línguas autóctones, revelando que
a função mediadora da língua continua a crescer. Um locutor carismático, Ladislau
Robalo dava noticiários nacionais e internacionais, assim como editoriais em crioulo e
quando confrontado com palavras estranhas ao crioulo, africanizava a pronuncia do
português para criando uma nova palavra em crioulo e empregava perífrases para levar
o crioulo a satisfazer a nova exigência comunicativa, por exemplo:…. “Computador;
Kumputador i kil kusa ku bu ta skirbi nel… / Computador é essa coisa em que se
escreve…”. O crioulo possui mecanismos de auto-enriquecimento, tudo o que é preciso
é pessoas dedicadas a prosseguir esse enriquecimento. O seu emprego no espaço
público está a tornar-se mais uma vez – uma realidade linguística obrigatória que será
impossível reverter. O crioulo ganhou prestígio entre outras línguas nacionais como
código cosmopolita, necessário para viajar pelo país.
Assim, pode-se afirmar que, com a enorme ampliação do uso do crioulo como
veículo intercultural, estamos perante um primeiro elemento de identificação coletiva,
de tomada de posições, de definição do mesmo, o que significa uma contribuição
importante para o sentimento em comum de nacionalidade.

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A formação e preparação dos professores de português é insuficiente por, entre
outras justificações, apenas falarem o Português nas salas de aulas, tal com fazem os
alunos, o fraco nível de formação dos próprios professores, quer do ensino básico, quer
do secundário, que não dominando eles mesmos a língua de ensino, tornam-se em
elementos multiplicadores de uma aprendizagem deficiente da língua portuguesa.
Ainda ligada à formação dos docentes, existe a necessidade destes serem
preparados para o ensino do português, não como língua materna, mas como língua
segunda, na medida em que não se trata da mesma pedagogia de ensino. Outra questão é
a falta de bibliotecas/centros de leitura que possam pôr à disposição dos alunos livros e,
através da leitura, contribuírem para uma maior familiarização com a língua, seu
aprofundamento e um maior gosto pela sua aprendizagem. É fundamental discutir o
papel dos atores locais, em especial professores e diretores de escola, na implementação
e apropriação dos programas/projetos de cooperação e as implicações do paradigma de
cooperação para o desenvolvimento. Desta forma, pode-se contribuir para o
desenvolvimento e aprofundamento da avaliação de impacto e efeitos nos programas e
projetos de cooperação, bem como para o desenvolvimento na área da educação em
contexto de fragilidade.
Parafraseando Amílcar Cabral, a língua portuguesa é o “canivete suíço da
Guiné-Bissau”. Hoje não é apenas a língua da ciência, da cultura e dos documentos
oficiais do país, é também a língua de “prestígio” a par das outras línguas, a língua da
irmandade internacional, a lusofonia.
Neste momento, não se vive nenhum conflito em termos de convivência das
línguas; deve assumir-se como estratégico o ensino da língua portuguesa como língua
segunda, com metodologias de ensino adaptadas ao contexto sociocultural, ao perfis dos
alunos e às finalidades educativas, valorizando também as línguas maternas (étnicas) e
de unidade nacional (crioulo) no processo do desenvolvimento do país.
O progresso da Guiné-Bissau não depende apenas dos números do PIB ou de
indicadores económicos e outros rendimentos do país, mas da sua cultura.

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