Antônio Renato Gusso - Como - Entender - A - Biblia

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ANTÔNIO RENATO GUSSO

COMO
ENTENDER A
BÍBLIA ?
ORIENTAÇÕES PRÁTICAS PARA MELHOR
COMPREENDER AS ESCRITURAS SAGRADAS

CURITIBA - PR
1998
Todos os direitos reservadds Copyright © 1998
A.D. SANTOS EDITORA

COMO ENTENDER A BÍBLIA?


Orientações para melhor
compreender as E crituras Sagradas.

GUSSO, Antônio Renato

A. D. SANTOS EDITO RA LTDA


1998
108 Páginas

Revisão: Sandra C. RJ Freier, H.D.Silva.


Diagramação e Arte: ndré P. Santos

1. Hermenêutica Bíbli a

a Edição - 3.000 exemplares - Mái/98


Código 0009862

Edição e Distribuição:

Al. Dr. •anos de Carvalho. 111 Lj. 1 Centro - Curitiba - PR - 80410-180


CGC 76 413.178/0001-26 - SEDE PRCI R A - Fone/Fax (041) 223.0801 223.6743
E-Mail: adsaritos@per.com.br
DEDICATÓRIA

A nosso Deus Todo-poderoso que, por meio


de homens inspirados pelo Espírito Santo, nos le-
gou a Bíblia Sagrada, objeto principal do interesse
desta pequena obra que aqui apresento.

A todos os membros da minha querida Igre-


ja, irmãos amados, para os quais, primeiramente,
foi preparado este estudo com a intenção de capa-
citá-los, ainda mais, para uma boa interpretação
bíblica.

A todos aqueles que foram, são ou serão


meus alunos. Pessoas maravilhosas que gastam as
suas vidas na nobre tarefa de desenvolver a capa-
cidade própria de compreensão das mensagens
das Escrituras.

Aos pregadores e irmãos em Cristo, em ge-


ral, que amam a Bíblia e zelam pela pureza de
seus ensinos.

iii
AGRADECIMENTOS

À minha querida esposa Sandra que, nestes


quinze anos de casados, tem sido uma companhei-
ra e incentivadora sem igual.

Aos meus filhos, Ana Cláudia e Francisco


Benvenuto pela paciência e colaboração durante
as minhas horas de estudos e trabalho em casa.

Aos meus colegas, professores do S.T.B.P.:


Pr. Lauro Mandira e Pr. Jaziel Guerreiro Martins,
pelas boas sugestões dadas em relação a este livro,
e à professora Sandra Ciasca Rufca Freier pelo
trabalho de revisão do texto deste escrito.

Que Deus, na sua infinita graça, esteja re-


compensando a cada um destes que colaboraram,
direta ou indiretamente, com esta produção.
APRESENTAÇÃO

Foi com satisfação que recebi o convite para


apresentar o trabalho do Pastor e professor Renato
Gusso.

Satisfação, porque as maiores aberrações que


se têm verificado no ensino e na pregação da Bí-
blia devem-se, em grande parte, ao desconheci-
mento de regras elementares e de cuidados bási-
cos em relação à leitura e interpretação das Es-
crituras Sagradas.

Com a preocupação do Pastor e a experiência


do professor, Renato Gusso consegue apresentar,
em termos simples e sem os tecnicismos de com-
pêndios especializados em Hermenêutica Bíblica,
noções básicas que muito ajudarão, igualmente,
ao pregador e ao professor da Bíblia, pastor ou
"leigo" e com certeza lhes abrirão o apetite para
textos mais alentados, nesse campo da teologia.

Espero que os leitores muito aproveitem da


leitura e do estudo do opúsculo que tem em suas
mãos, inclusive fazendo os exercícios que o autor,

vii
com boa didática, está sugo ndo em alguns dos
capítulos.

Boa leitura, pois, e m o proveito, lembra-


dos da atitude bereana que ve caracterizar todo
bom estudante do Livro de D s.

Pastor Irland Pereira de Azevedo


SUMÁRIO
Pág.
1. INTRODUÇÃO 01
2. PEDIR CONSTANTEMENTE A ORIENTAÇÃO DIVINA 05
3. ABORDAR TODAS AS PASSAGENS COM HUMILDADE 11
4. OBSERVAR O TEXTO COM MUITA ATENÇÃO 19
5. OBSERVAR O CONTEXTO COM MUITO CUIDADO 25
6. DESCOBRIR O PANO DE FUNDO DA PASSAGEM 35
7. IDENTIFICAR OS TIPOS DE LITERATURA 41
8. NÃO INTERPRETAR PASSAGENS FIGURADAS COMO
LITERAIS E VICE-VERSA 53
9. DESCOBRIR OS DIVERSOS SIGNIFICADOS DE UMA
PALAVRA 61
10. BUSCAR O SIGNIFICADO PARA O RECEPTOR
ORIGINAL 71
11. TIRAR IDÉIAS DO TEXTO E NÃO BUSCAR TEXTOS
PARA AS IDÉIAS 77
12. LEMBRAR QUE A BÍBLIA É LIVRO DE RELIGIÃO
E NÃO DE CIÊNCIAS 83
13. NÃO VALORIZAR EM DEMASIA AS DIVISÕES
OFERECIDAS PELAS VERSÕES 89
14. INTERPRETAR TEXTOS DIFÍCEIS À LUZ DE TEXTOS
FÁCEIS 97
15. CONCLUSÃO 103
REFERÊNCIAS CITADAS 105
ÍNDICE REMISSIVO 107

ix
1.
INTRODUÇÃO

É um princípio defendido por nós, evangéli-


cos, o direito de todas as pessoas interpretarem
por si mesmas o significado do conteúdo da Bíblia
Sagrada. Isto, apesar de trazer consigo alguns ris-
cos, é uma atitude sadia, dando a cada um a
oportunidade de descobrir qual é a verdade de
Deus para o seu povo, sem o perigo de ser influ-
enciado nessa descoberta por pessoas mal inten-
cionadas, que procuram impor o seu próprio
ponto de vista, com a intenção de prender seus se-
guidores sob esta ou aquela doutrina humana,
apresentada com uma roupagem aparentemente
divina.

Essa liberdade, contudo, não nos dá o direito


de interpretá-la da maneira que quisermos ou que
mais nos agrade. Como não queremos ver a Bíblia
sendo usada para este ou aquele interesse, nós
também não podemos usá-la conforme os nossos
interesses. Havemos de ter, constantemente, em
nosso pensamento, ao nos aproximarmos do Li-
vro de Deus para interpretá-lo, a verdade clara de
que se trata de algo mais do que simples literatura

1
antiga; ela é, para nós, a M sagem de Deus en-
tregue ao seu povo.

Como mensagem ou Pai . vra de Deus, deve


ser respeitada e ouvida, ou lcs com temor, aten-
ção, cuidado e muita revere ia, pois ao desco-
brirmos o seu real significado, , nela encontramos a
vontade de Deus para as nosslas vidas.

A importância da boa interpretação não pode


ser exagerada: dela depende o fazermos ou não
aquilo que Deus espera de nós. Não é difícil de se
concluir que, ao interpretarmos de forma errada, a
nossa mensagem, mesmo báseada na Bíblia, não
é a Palavra de Deus, mas sim, nossa opinião,
equivocada, a respeito de alguma porção da Pala-
vra de Deus.

A responsabilidade cresce ainda mais quando


percebemos a nossa missão profética no mundo
atual. Está sobre nós o encargo de anunciar aos
outros a mensagem de Deus que nos foi revelada,
e a mensagem não é outra Senão aquela que está
de acordo com a Bíblia. Ao lensinarmos o conteú-
do da Bíblia estamos agindo, de fato, como se fos-
semos profetas do Deus ve adeiro e estaremos
falando, com certeza, em n e dele se entregar-
mos fielménte a sua mensag . Por outro lado, se
falarmos em nome de Deus aquilo que Ele não

2
disse, talvez até sem pensar, estaremos agindo
como falsos profetas. Estaremos anunciando
aquilo que Ele não anunciou: a nossa própria pa-
lavra e não a de Deus.

O Dr. Carson, escritor e professor de Novo


Testamento, está com toda a razão quando diz não
haver grande importância o fato de alguém errar
na interpretação de Shakespeare ou na recitação
de algum poema, pois isto não trará conseqüênci-
as eternas. Mas, por outro lado, que não se pode
aceitar com a mesma facilidade os erros na inter-
pretação da Bíblia. Estamos trabalhando, neste
caso, com matéria divina e temos a obrigação de
nos esforçarmos ao máximo, tanto para entender
como para ensinar estes conceitos.'

Sejamos zelosos. Não podemos interpretar a


Bíblia de forma irresponsável. Ela contém mate-
rial muito sério, não pode ser tratada com levian-
dade. Estejamos atentos para descobrir o real si-
gnificado da mensagem bíblica para que não ve-
nhamos a ouvir, nós mesmos, a seguinte repreen-
são ouvida por alguns profetas contemporâneos
de Jeremias: " Eis que eu sou contra esses profe-

1 D. A. CARSON. A Exegese e suas Falácias - perigos na in-


terpretação da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1992, pp. 13,14.

3
tas, diz o Senhor, que prega a sua própria pala-
vra, e afirmam: Ele disse." ( 31).

A se ir serão aprese das, de forma sim-


pies, algu as sugestões de tudes que considero
básicas para se obter uma b 0 • interpretação bíbli-
ca. Não pretendo, de forma lguma, neste peque-
no trabalho, ditar normas flexíveis, mas, sim,
oferecer algumas ferrament s de fácil manuseio,
as quais poderão ser utilizadas pela grande maio-
ria dos cristãos interessados na busca dos signifi-
cados reais dos textos bíblicós.

Para facilitar o estudo, sempre que necessá-


rio, as passagens bíblicas estarão impressas no
texto do trabalho. A versão Utilizada, em todas as
citações, será a Revisada da Tradução de João
Ferreira de Almeida, de Acordo com os Melhores
Textos em Hebraico e Grega, da Imprensa Bíblica
Brasileira.

4
2.
PEDIR CONSTANTEMENTE
A ORIENTAÇÃO DIVINA

Podemos observar que, nos dias atuais, as


opiniões se dividem em relação à dificuldade
existente ou não, para que pessoas comuns, isto é,
sem treinamento especializado, possam chegar a
um aceitável entendimento da Bíblia. Notam-se
pelo menos três correntes de pensamento em rela-
ção a isto. Uma defende que a Bíblia só pode ser
interpretada por estudiosos de sua problemática
lingüística, histórica e textual; ou seja, somente
por peritos na questão.

Outra opinião, radicalmente oposta, aceita


que todas as pessoas estão automaticamente, sem
preparo anterior, prontas para discernir toda e
qualquer passagem bíblica. E outra, ainda, possi-
velmente mais sensata, observa que existem textos
dificílimos, os quais, até o momento, ninguém,
nem mesmo os especialistas, conseguiram expli-
car de forma satisfatória; outros que podem ser
entendidos, tendo-se alguns conhecimentos bási-
cos das questões fundamentais que as envolvem e,

5
ainda, outos claríssimos, q podem ser entendi-
dos por qii[alquer criança.

Já c ue existem textos 11 ficeis, é só começar


a ler a Bíblia para perceber so. Não é má idéia
lançar mão de todos os rec usos, possíveis e dis-
poníveis, que possam oferecer alguma ajuda na
tarefa da interpretação. Inclusive, é muito bom
ouvir a opinião de outros, mais experientes no as-
sunto, a respeito de detérminadas passagens,
como foi o caso do etíope em relação a Filipe,
como pode ser observado en Atos 8.26-40.

O etíope estava lendo uma passagem muito


difícil de se compreender dó Antigo Testamento,
que ele não teria condições de interpretar correta-
mente sem a ajuda de alglém que conhecesse,
além do texto em si, aquele de quem o texto fa-
lava de forma profética.

Veja como aconteceu o fato:

26 Mas um anjo do Senhr falou a Filipe, dizendo:


Levanta-te, e vai em direção do ¡til pelo caminho que des-
ce de Jerusalém a Gaza, o qual e tã deserto.
27 E levantou-se e foi; e is que um etíope, eunu-
co, mordomo-mor de Candace, inha dos etíopes, o qual
era superintendente de todos os u tesouros e tinha ido a
Jerusalém para adorar,

6
28 regressava e, sentado no seu carro, lia o profeta
Isaías.
29 Disse o Espírito a Filipe: Chega-te e ajunta-te a
esse carro.
30 E correndo Filipe, ouviu que lia o profeta Isaías,
e disse: Entendes, porventura, o que estás lendo?
31 Ele respondeu: Pois como poderei entender, se
alguém não me ensinar? e rogou a Filipe que subisse e
com ele se sentasse.
32 Ora a passagem da Escritura que estava lendo
era esta: Foi levado como a ovelha ao matadouro, e, como
está mudo o cordeiro diante do que o tosquia, assim ele
não abre a sua boca.
33 Na sua humilhação foi tirado o seu julgamento;
quem contará a sua geração? Porque a sua vida é tirada da
terra.
34 Respondendo o eunuco a Filipe, disse: Rogo-te,
de quem diz isto o profeta? De si mesmo, ou de algum
outro?
35 Então Filipe tomou a palavra e, começando por
esta escritura, anunciou-lhe a Jesus.
36 E indo eles caminhando, chegaram a um lugar
onde havia água, e disse o eunuco: Eis aqui água; que im-
pede que eu seja batizado?
37 [ E disse Felipe: É lícito, se crês de todo o cora-
ção. E, respondendo ele, disse: Creio que Jesus Cristo é o
Filho de Deus.]
38 Mandou parar o carro, e desceram ambos à
água, tanto Filipe como o eunuco, e Filipe o batizou.
39 Quando saíram da água, o Espírito do Senhor
arrebatou a Filipe, e não o viu mais o eunuco, que jubiloso
seguia o seu caminho.

7
40 Mas Filipe achou-se m Azoto e, indo passan-
do, evangelizava todas as cidade , até que chegou a Cesa-
réia.

Perceba que o etíope, o versículo 31, de-


clara a sua incapacidade dei tender o texto sem
ajuda, faltava-lhe algumas i ormações, e pede
auxílio a Filipe. Na continuação do texto nota-se
que ele chegou a uma compreensão e, a partir
dela, tomou a decisão de ser batizado (v.36).

Fico imaginando quais teriam sido os pen-


samentos do etíope enquanto lia aquela passagem
tão dificil. Não temos comó confirmar isto, mas
tenho a impressão de que ele estava em uma situ-
ação que muitas vezes eu mesmo já enfrentei,
olhando para o texto, querendo saber qual é o si-
gnificado e não tendo condições para tal. Quem
sabe se naquela hora ele não elevou os seus pen-
samentos ao Senhor, em oração, e pediu a inter-
pretação daquela porção da Palavra de Deus.
Nunca saberemos se isso ocorreu assim ou não,
mas sabemos que Deus estava interessado em es-
clarecer o significado daquele texto ao etíope, e
foi Deus mesmo quem, de forma milagrosa, atra-
vés de um anjo (v.26) e do spírito Santo (v.30),
providenciou o encontro e e aqueles homens
para que houvesse a come ensão desejada por
Ele. E note-se que Deus usou pessoas humanas

8
para ajudar outros, na compreensão de Sua Pala-
vra.

Deus não teria deixado a sua Palavra aos


homens se, porventura, desejasse escondê-la da
humanidade. Isto não teria nenhuma lógica. Deus
nos deu a sua Palavra, a Bíblia, para que conhe-
çamos os seus planos para as nossas vidas. Desta
forma, ninguém mais apropriado para explicar o
significado da Palavra de Deus do que o próprio
Deus.

Sendo assim, é inconcebível que o cristão


venha a procurar entender a Bíblia sem pedir, em
todas as vezes que tentar isto, a orientação divina.
Ao nos aproximarmos de Sua Palavra, devemos
fazer em oração, para que leiamos nela exata-
mente aquilo que ela diz.

Para explicar o sentido de algum escrito,


ninguém melhor do que o próprio autor deste es-
crito. Para esclarecer a Palavra de Deus, ninguém
melhor do que o próprio Deus. Isto deve estar na
mente do intérprete o qual fará bem se permane-
cer em oração antes, durante e depois do estudo
de qualquer passagem. Se for da vontade de Deus
dar-lhe o privilégio de entendê-la, Ele providenci-
ará uma maneira para isto. Inclusive poderá pro-

9
videnciar essoas mais cap s e experietes para
ajudá-lo e - sta tarefa.

10
3.
ABORDAR TODAS AS
PASSAGENS COM HUMILDADE

Humildade, ainda que não esteja em moda na


atualidade, se é que já esteve algum dia, é apre-
sentada na Bíblia como uma virtude, a qual deve
ser cultivada para o nosso próprio bem.

O conselho bíblico é claro: seja humilde,


porque "adiante da honra vai a humildade"(Pv
15.33b), da mesma forma que "a altivez do espí-
rito precede a queda"(Pv.16.18b).

Esses conselhos práticos devem ser utiliza-


dos em todas as áreas de nossa vida, e, mesmo na
hora de interpretarmos a Bíblia, assim devemos
agir. Posso perceber no decorrer dos anos que a
humildade é companheira inseparável daqueles
que conseguem entender melhor as Escrituras Sa-
gradas. Provavelmente eles são humildes porque
têm entendido a verdade bíblica mas também, têm
entendido melhor porque são humildes.

11
Esta atitude de humild e é muito importante
para a boa interpretação, n pode ser menospre-
zada. Lund viu nela tanta ortância que a desta-
cou, em seu livro sobre he nêutica, como sendo
o requisito principal para o terprete, o qual deve
agir como um discípulo h ilde, buscando a luz
do Espírito de Deus para a compreensão dos tex-
tos bíblicos.2

Notamos muitas vezes que passagens bem


familiares da Bíblia são interpretadas de forma er-
rada, simplesmente porque o intérprete está acos-
tumado com elas. Talvez até as conheça de cor, só
que não percebeu o significado verdadeiro. Trata-
as com descuido, na ilusão de que já as conhece
muito bem, não precisa se esforçar para aprender
mais nada a respeito delas.

Não é bom para o intérprete agir assim. Ao


pensar que já sabe tudo, de forma arrogante, acaba
por não enxergar as verdades ainda não descorti-
nadas para a sua mente.

Ao tratar com a Palavra de Deus, seja humil-


de, esteja consciente de que dificilmente alguém
atinge um completo conh (Âento de qualquer

2 E. LUND. Hermenêutica - Regras de interpretação das Sa-


gradas Escrituras. Deerfield, Flórida: Vida, 1995, p. 67.

12
texto bíblico. Sempre pode haver mais alguma
coisa que Deus deseja mostrar através dele, e você
só aprenderá quando concluir que existe a possi-
bilidade de desconhecer alguma parte. Em suma,
só aprendemos quando sabemos que não sabemos.

Um bom exemplo de como passagens bíbli-


cas bem conhecidas, são abordadas sem a devida
humildade é o texto de Mateus 6.25-34. Leia, a
seguir, o que a Bíblia está dizendo:

25 Por isso vos digo: Não estejais ansiosos quanto


a vossa vida, pelo que haveis de comer, ou pelo que haveis
de beber: nem, quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de
vestir. Não é a vida mais que o alimento, e o corpo mais
que o vestuário?
26 Olhai para as aves do céu, que não semeiam,
nem ceifam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celesti-
al as alimenta. Não valeis vós muito mais do que elas?
27 Ora, qual de vós, por mais ansioso que esteja,
pode acrescentar um côvado à sua estatura?
28 E pelo que haveis de vestir, por que andais an-
siosos? Olhai para os lírios do campo, como crescem; não
trabalham nem fiam;
29 contudo vos digo que nem mesmo Salomão em
toda a sua glória se vestiu como um deles.
30 Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que
hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a
vós, homens de pouca fé?
31 Portanto, não vos inquieteis, dizendo: Que ha-
vemos de comer? Ou: Que havemos de beber? Ou: Com
que nos havemos de vestir?

13
32 ois a todas estas coi a os gentios procuram.)
Porque voss Pai celestial sabe q e precisais de tino isso.
33 as buscai primeiro o u reino e a sua justiça,
e todas esta coisas vos serão acr s entadas.
34 ão vos inquieteis, p s, pelo dia de amanhã;
porque o dia. de amanhã cuidar e si mesmo. :Basta a
cada dia o seu mal.

Existe um cântico mu to utilizado em nos-


sas igrejas, baseado nesta paSsagem. Ele diz o se-
guinte:

Buscai primeiro o reino de Deus


e toda a sua justiça,
e todas as coisas vos serão acrescentadas,
aleelu aleluia.

Aparentemente este cântico é cópia de parte


do texto acima citado. Poréjn, ele tem uma dife-
rença fundamental. O texto bíblico não contém a
frase "e todas as coisas vos serão acrescentadas"
mas, sim, "e todas estas colisas". Ou seja, Jesus
não está prometendo tudo fiara seus seguidores,
todas as riquezas, ou mesm todas as coisas que
desejamos ou até mesmo q e necessitamos. Afi-
nal, você deve conhecer al m bom cristão que
tem busca o o reino e a jus a de Deus mas que
ainda não tem, por exemp casa pró0a para
morar, ou tem dificuldades ara obter algo que
deseja e até mesmo necessi ta, para desenvolver

14
melhor o seu trabalho. Jesus está prometendo aos
seus seguidores as condições básicas de sobrevi-
vência. De fato aquilo que é essencial para o ser
humano.

Lendo o texto todo, desde o versículo 25


até o 34, percebemos que a conversa é em torno
do que comer, beber e vestir, nada mais do que
isto, e Jesus está dizendo que seus discípulos não
devem ficar ansiosos por estas coisas. Devem é
buscar em primeiro lugar, o seu reino e também a
justiça, confiantes que todas estas coisas: comida,
bebida e vestuário serão acrescentadas.

Um outro exemplo claro do que perdemos


ao abordarmos uma passagem sem a devida hu-
mildade de nossa parte, pensando que a conhe-
cemos suficientemente, é o texto de Apocalipse
3.20, o famoso apelo de final de sermão para que
o incrédulo abra seu coração para Jesus. Nele está
escrito: "Eis que estou à porta, e bato; se alguém
ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua
casa, e com ele cearei, e ele comigo".

Muitas pessoas, membros de nossas igrejas,


ao lerem este texto, acostumados com o seu mau
uso durante os apelos para a conversão dos incré-
dulos, imediatamente o aplicam a alguma pessoa
não conhecedora do Evangelho. Bastaria, porém,

15
um olhar humilde para toda passagem, desde o
versículo L 4 até o 21, para 11 rceber a incoerência
de tal interpretação, para ar que, nela, Jesus
está se dirigindo a membros e uma igreja e não a
pecadores que desconhece sua pessoa. Leia o
texto:

14 Ao anjo da igreja em Laodicéia escreve: Isto diz


o Amém, a testemunha fiel e verdadeira, o princípio da
criação de Deus:
15 Conheço as tuas obras, que nem és frio nem
quente; oxalá foras frio ou quenté!
16 Assim, porque és moino, e não és quente nem
frio, vomitar-te-ei da minha boca
17 Porquanto dizes: Rico sou, e estou enriquecido,
e nada tenho falta; e não sabes que és um coitado, e mise-
rável, e pobre, e cego, e nu;
18 aconselho-te que de intn compres ouro refinado
no fogo, para que te enriqueças; e vestes brancas, para que
te vistas, e não seja manifesta a vergonha da tua nudez; e
colírio, a fim de ungires os teus olhos, para que vejas.
19 Eu repreendo e castigo a todos quantas amo; sê
pois zeloso, e arrepende-te.
20 Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir a
minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele
cearei, e ele comigo.
21 Ao que vencer, eu lhe concederei que se assente
comigo no meu trono; assim comd, eu venci, e me assentei
com meu Pai no seu trono.
22 Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às
igrejas.

16
Como é possível notar facilmente, se ler-
mos a passagem toda, a mensagem é para crentes
e não para incrédulos, como normalmente tem
sido entendida em muitos de nossos púlpitos. Se
isto não for levado em consideração, além de en-
sinarmos coisas erradas, perdemos a possibilidade
de ouvir a voz de Deus a respeito do problema
aqui abordado.

Por esses e outros exemplos, que poderiam


ter sido citados, nota-se a necessidade de abordar
toda e qualquer passagem bíblica com humildade,
querendo aprender, ciente que ainda pode haver
algo desconhecido, para então se chegar à mensa-
gem de Deus dirigida a nós.

17
4.
OBSERVAR O TEXTO
COM MUITA ATENÇÃO

A falta de atenção é um dos principais fato-


res que levam à má interpretação bíblica no meio
do povo de Deus. Os membros das igrejas, em
muitos casos, fazem uma leitura rápida do texto e
tiram conclusões mais apressadas ainda, baseados
não naquilo que está escrito, mas sim naquilo que
eles acham estar escrito. O resultado só pode ser
altamente negativo, para o próprio intérprete e
para aqueles que por ventura venham a ouvi-lo
sem a devida crítica, tão necessária para se evita-
rem erros.

Se cremos, como professamos, ser a Bíblia


a Palavra de Deus, nossa única norma de fé e con-
duta, temos que dar a ela toda a nossa atenção.
Temos que procurar ouvir cada pormenor da for-
ma mais clara possível, buscando sempre o signi-
ficado exato para a época em que foi escrita e,
ainda, para os nossos dias.

Esta observação atenciosa envolve muito


mais do que alguém sentar-se em frente ao texto e

19
passar horas estático a co mplá-lo. Além de
exigir a le!itura correta do :to que está sendo
analisado, e isto várias veze em várias versões,
se possível também na língu riginal do escrito, é
preciso esclarecer cada uma s palavras e termos
difíceis ou desconhecidos qu ossam surgir.

Quem quer saber exat ente o que a Bíblia


está dizendo, não pode contentar-se com apenas
uma versão da mesma, 'e em hipótese alguma pode
deixar de consultar um bom dicionário ao encon-
trar alguma palavra dificil ou desconhecida, além
de mapas e outros auxílios, para a boa compreen-
são.

O texto deve ser obsei4ado de todos os ân-


gulos, buscando-se as palavras-chave, aquelas que
mostram a base central do assunto, e o significado
da passagem como um todo.

Para que se perceba a' importância de uma


observação atenta, detalhada e de vários ângulos,
de alguma coisa, aqui é proposto um pequeno
exercício, o qual foi inspira4 no filme Sociedade
dos Poetas Mortos. O leitor ve escolher um dos
ambientes da sua própria c Quem sabe o tão
conhecido quarto de dormir, u a sala, ou a cozi-
nha, um dós lugares mais c ecidos. Depois de
escolhido, deve relembrar tudo aquilo que nor-

20
malmente tem observado nesse lugar tão familiar
e passar, por escrito em uma folha de papel o re-
sultado da observação normal do dia-a-dia. Em
seguida deve observar de outros ângulos, diferen-
tes dos quais geralmente tem observado. Por
exemplo: se o ambiente tem sido observado, ge-
ralmente, estando o observador em pé, agora deve
ser observado de outra posição, como deitado,
sentado, ou, ainda, do alto de uma mesa, escada
ou cadeira. Feito isto o observador ficará impres-
sionado com a nova visão que terá do seu "tão co-
nhecido" ambiente. Certamente, muitas coisas no-
vas, então desapercebidas, se mostrarão de forma
surpreendente. Tudo já estava lá, quem sabe há
anos, mas estavam fora do seu ângulo normal de
observação.

É claro que aqui não está sendo sugerida a


mudança de uma posição física durante a leitura
da Bíblia (pensar assim seria interpretar mal o que
foi escrito acima), está sendo demonstrada a ne-
cessidade de se abordar o texto de todas as formas
possíveis e imagináveis, com toda a atenção. Isto
fará com que realidades ocultas, do ponto de vista
costumeiro de observação, passem a revelar-se
naturalmente.

Cada intérprete deve ter a liberdade para


buscar e encontrar os ângulos de observação ide-

21
ais, pois eles não são fixol e podem variar de
texto para texto. Contudo, ui será apresentado
um possível exemplo, utili do pelo autor desta
obra, baseado na própria Bi 1 a.

Sugerimos, inicialme te, que o leitor faça


uma leitura corrida dos três1 últimos capítulos do
livro de Zacarias e procure descrever em uma fra-
se curta o seu conteúdo, a iiterpretação do texto,
do ponto de vista do ângulo observado. Não se
preocupe com a dificuldade Esse texto tem dado
muita dor de cabeça a grandes estudiosos do as-
sunto. Só estamos fazendo utn exercício.

Em seguida, depois da observação feita a


partir do ângulo sugerido, fina outra leitura mais
cuidadosa. Mas, agora, com lápis cera ou canetas
coloridas, vá marcando, cori as mesmas cores, as
expressões que se repetem ho texto. Esta é uma
leitura feita de outro ângulo.

Ao término dessa leitura poderá ser obser-


vado que a expressão "naqUele dia" foi escrita 17
vezes pelo autor, de acordo com a versão que es-
tamos utilizando, além de a vez aparecer a ex-
pressão "dia do Senhor" ( 1). Isto pode estar
mostrando que o assunto b ico desses três capí-
tulos, tão difíceis, não é ou senão os aconteci-
mentos daquele dia. O que vem a ser isto já é

22
outro assunto e dificuldade, mas, chegando-se a
essa conclusão, ainda que parcial, estamos no ca-
minho certo para a interpretação correta e fmal.

Como não é possível ter certeza de que o


leitor foi até o texto de Zacarias como pedido para
este exercício, será apresentado a seguir, como
exemplo, ao menos os nove primeiros versículos
do capítulo 12.

O texto é o seguinte:

1 A palavra do Senhor acerca de Israel: Fala o


Senhor, o que estendeu o céu, e que lançou os alicerces da
terra, e que formou o espírito do homem dentro dele.
2 Eis que eu farei de Jerusalém um copo de atordo-
amento para todos os povos em redor, e também para Ju-
dá, durante o cerco contra Jerusalém.
3 NAQUELE DIA farei de Jerusalém uma pedra
pesada para todos os povos; todos os que a erguerem, se-
rão gravemente feridos. E ajuntar-se-ão contra ela todas as
nações da terra.
4 NAQUELE DIA, diz o Senhor, ferirei de es-
panto a todos os cavalos, e de loucura os que montam ne-
les. Mas sobre a casa de Judá abrirei os meus olhos, e fe-
rirei de cegueira todos os cavalos dos povos.
5 Então os chefes de Judá dirão no seu coração: Os
habitantes de Jerusalém são a minha força no Senhor dos
exércitos, seu Deus.
6 NAQUELE DIA porei os chefes de Judá como
um braseiro ardente no meio de lenha, e como um facho
entre gavelas; e eles devorarão à direita e à esquerda a to-

23
dos os pov s em redor; e Jerus 'm será habitada outra
vez no seu róprio lugar, mesmo e Jerusalém.
7 T mbém o Senhor sal a á primeiro as, tendas de
Judá, para que a glória da casa Davi e a glória dos ha-
bitantes de Jerusalém não se eng deçam sobre Judá.
8 NAQUELE DIA o S or defenderá os habi-
tantes de Jerusalém, de sorte q o mais fraco déntre eles
NAQUELE DIA será como D. , e a casa de Davi será
como Deus, como o anjo do Se or diante deles.
9 E NAQUELE DIA, tratarei de destruir todas as
nações que vierem contra Jerusalém.

Terminando este porito, nunca é demais


alertar para o fato de que o basta ler o texto.
Isto tem que ser feito com uita atenção e de to-
dos os ângulos possíveis, na esperança de não
deixar que se perca nem u dos preciosos ensinos
e, menos ainda, que venha a ser deturpados pela
má interpretação, o que pode ser considerado ain-
da pior, pois com ela se acába dizendo que Deus
disse aquilo que Ele jamais¡disse.

24
5.
OBSERVAR O CONTEXTO
COM MUITO CUIDADO

Outro ponto fundamental para uma boa in-


terpretação é a observação do contexto, ou seja, a
unidade completa onde está localizado determina-
do versículo ou versículos.

Isto pode parecer tão simples que alguns


chegam a pensar ser tolice gastar tempo para ex-
plicá-lo, mas tem sido a causa da maioria dos er-
ros de interpretação cometidos, digamos, pelos
leigos e mesmo por vários pregadores com forma-
ção teológica.

No momento em que voltamos a nossa


atenção para este ou aquele versículo isolado e
nos esquecemos daquilo que vem antes ou vai de-
pois dele, no mesmo texto, corremos o risco de
interpretar o texto de forma errada. É algo que
tem acontecido, inclusive, com versículos muito
conhecidos, aqueles que repetimos e decoramos
para que sirvam de ajuda em ocasiões especiais. O
perigo das chamadas "Caixinhas de Promessas",

25
tão conhecidas em nosso eio, neste campo, é
evidente. São sempre versí p los desvinculados de
seus contextos, e levam a terpretações erradas,
em muitos dos casos.

Sempre que possível o t xto a ser interpreta-


do deve ser lido dentro de seu contexto literário.
De preferência, faça a leitura do livro todo onde
se encontra o texto em foco; para que seja evitada
a interpretação parcial ou incorreta. Inclusive,
uma atenção especial deve ser dada às Cartas do
Novo Testamento. Como disseram Fee e Stuart,
elas devem ser lidas como você costuma ler qual-
quer outra carta, de uma só vez e não em partes, o
que dificultaria ou impossibilitaria a interpretação
correta.3

Certa vez, ministrando a um grupo de jovens,


em uma igreja que estava visitando, o autor, veri-
ficou na sala deles, decorando a parede, um cartaz
bastante interessante. Nele havia uma pequena
formiga a qual carregava uma enorme maçã,
como se isto fosse possível, e podia-se ler em al-
guma parte da gravura o texto de Filipenses 4.13:
"Posso todas as coisas naq elle que me fortalece".

3 Gordon D. PEE / Douglas S T. Entendes o que Lês? -


Um guia para entender a Bíblia com o auxílio da exegese e da her-
menêutica. São Paulo: Vida Nova, 1984, p. 33.

26
A versão pode ter sido outra mas o texto, sem dú-
vidas, era este.

A mensagem que estava sendo passada era


muito clara, mas totalmente fora da realidade e até
mesmo contrária à Palavra de Deus. Assim como
a gravura continha uma formiga carregando uma
maçã, talvez fosse possível usar outra, semelhan-
te, com um ser humano debaixo de um tanque de
guerra a carregá-lo, ou, quem sabe, outra pessoa
saltando de um prédio de vinte andares, sem ajuda
de pára-quedas e afirmando a mesma coisa: "Pos-
so todas as coisas naquele que me fortalece".
Contudo, o texto bíblico não está dizendo isto.
Essa forma de utilização do texto fora do contexto
não passa de um pensamento positivo, sem base
bíblica aceitável.

Para que se compreenda a mensagem bíbli-


ca, por meio da afirmação "Posso todas as coisas
naquele que me fortalece" é necessário que o in-
térprete leia, pelo menos, mais os três versículos
anteriores a este. No texto completo está escrito:
10 Ora, muito me regozijo no Senhor por terdes fi-
nalmente renovado o vosso cuidado para comigo; do qual
na verdade andáveis lembrados, mas vos faltava oportuni-
dade.

27
11 ão digo isto por cau de necessidade, porque
já aprendi contentar-me com circunstâncias em que
me encontr .
12 ei passar falta, e se ambém ter abundância;
em toda maneira e em todas as isas estou experimenta-
do, tanto em ter fartura, como passar fome; tanto em
ter abundância, como em padece ecessidade.
13 Posso todas as coisas quele que me fortalece.

Não é dificil de notai que nele, Paulo está


falando da capacidade recel ida de Deus para sa-
ber portar-se em qualquer ituação. Ele sabia vi-
ver na escassez da mesma f rma que na abundân-
cia. Deus deu a ele a caç acidade de suportar
qualquer situação.

Convenhamos: o que 'sai dito até aqui é bem


diferente daquilo que se transmite ao apresentar
uma formiga carregando uma maçã. Essa figura
dá a entender que podemos fazer qualquer coisa.
O texto bíblico, dentro de seu contexto, mostra
que Paulo podia, ou estava acostumado, a supor-
tar qualquer situação, fosse ela de fartura ou de
escassez, o que é muito dife ente de poder fazer o
que quiser. E sem dúvida, o aplicarmos para os
nossos dias, se desejamos r fiéis à mensagem
bíblica, nossa interpretação t rá que soar bem di-
ferente da forma tão usada, orno simples pensa-
mento positivo, o qual inceri t va as pessoas a con-
quistarem alguma coisa, a fazerem e não a supor-

28
tarem as situações diversas e adversas de seu vi-
ver.

Se vamos aplicar este texto, façamo-lo de


forma correta, partindo do significado real. Assim
como Deus deu a Paulo condições para suportar
todo tipo de adversidade, também a nós Ele pode
dar, se assim for da sua vontade.

Tenha cuidado, porque este tipo de inter-


pretação, desconsiderando o contexto, é muito
pernicioso e acaba enganando o intérprete, que
pensa estar sendo bíblico, simplesmente pelo fato
de se utilizar de porções da Bíblia.

A observação do contexto é um princípio


básico para a boa interpretação. Em qualquer tra-
balho de interpretação devemos levar em conta o
contexto:
a) Imediato - Capítulo ou passagem completa;
b) Próximo - O livro bíblico que se encontra;
c) Geral - A Bíblia como um todo.

Há alguns anos passados tive uma conversa


muito interessante com um jovem idealista, en-
cantado, na época, pela Teologia da Libertação.
Eram os anos dourados desta teologia e o jovem,
pensando ter base bíblica, defendia a idéia de que
todos os verdadeiros pregadores da mensagem de

29
Cristo deveriam partir para n campos missionári-
os sem levar nada para a pria sobrevivência.
Deveriam partir apenas co a roupa do corpo,
sem dinheiro ou provisões, ependentes única e
exclusivamente da boa vorá de daqueles que o
haveriam de receber no seu aminho de peregri-
nação. Para ele, o pregador e não agisse desta
forma, não era um mensage o, de Jesus, pois esta-
va indo de maneira diferente da ordenada pelo
Mestre.

Ele achava ter inclusive, base bíblica para


tal argumento. Usava o texto ide Lucas 10.4-7, que
diz:

4 Não leveis bolsa, nem alforje, nem alparcas; e a


ninguém saudeis pelo caminho.
5 Em qualquer casa em que entrardes, dizei primei-
ro: Paz seja com esta casa.
6 E se ali houver um filho da paz, repousará sobre
ele a vossa paz; e se não, voltará pára vós.
7 Ficai nessa casa, comendo e bebendo do que eles
tiverem; pois digno é o trabalhador do seu salário. Não
andeis de casa em casa.

A sua base, porém, er falsa. Não que al-


guma parte da Bíblia seja f a, mas, sim, a ma-
neira como ele lançava mã ela para utilizá-la
como base ide suas idéias.

30
Para ele notar que a base utilizada era falsa,
bastaria fazer uma leitura um pouco mais abran-
gente, iniciando no versículo 1 desse capítulo 10,
indo até o versículo 12. Ela seria suficiente para
mostrar que Jesus não estava dando uma fórmula
fechada de como devem comportar-se os missio-
nários de todos os tempos e, sim, passando orien-
tações para apenas um pequeno grupo que deveria
ir adiante dele nos lugares e cidades por onde Ele
mesmo passaria em seguida.

Leia o texto todo, como está na Bíblia:

1 Depois disso designou o Senhor outros setenta, e


os enviou adiante de si, de dois em dois, a todas as cidades
e lugares aonde ele havia de ir.
2 E dizia-lhes: Na verdade, a seara é grande, mas
os trabalhadores são poucos; rogai, pois, ao Senhor da sea-
ra que mande trabalhadores para a sua seara.
3 Ide: eis que vos envio como cordeiros ao meio de
lobos.
4 Não leveis bolsa, nem alforje, nem alparcas; e a
ninguém saudeis pelo caminho.
5 Em qualquer casa em que entrardes, dizei primei-
ro: Paz seja com esta casa.
6 E se ali houver um filho da paz, repousará sobre
ele a vossa paz; e se não, voltará para vós.
7 Ficai nessa casa, comendo e bebendo do que eles
tiverem; pois digno é o trabalhador do seu salário. Não
andeis de casa em casa.

31
8 T bém, em qualquer dade em que entrardes,
e vos receb rem, comei do que p erem diante de vós.
9 C rai os enfermos que la houver, e 1 zei-lhes:
É chegado vós o reino de Deus.
10 Mas em qualquer ci e em que entrardes, e
vos não receberem, saindo pelas as, dizei:
11 Até o pó da vossa cid e, que se nos pegou aos
pés, sacudimos contra vós. Con do, sabei isto: que o rei-
no de Deus é chegado.
12 Digo-vos que naquel dia haverá menos rigor
para Sodoma, do que para aquela cidade.

Se aquele jovem tives e levado em conside-


ração ao menos o contexto ediato, o capítulo ou
passagem completa, teria e tado a má interpreta-
ção; e, se conhecesse o cont xto próximo, então, o
livro da Bíblia em que se eu ontra o texto, não lhe
restariam muitas dúvidas so re a passagem.

Leia Lucas 22.35-3 perceba o que o


texto diz:

35 E perguntou-lhes: Qu ndo vos mandei sem bol-


sa, alforje, ou alparcas, faltou-vps porventura alguma coi-
sa? Eles responderam: Nada.
36 Disse-lhes pois: Mas agora, quem tiver bolsa,
tome-a, como também o alforje quem não tiver espada,
venda o se manto e compre-a .1
37 orquanto vos digo importa que se cumpra
em mim i o que está escrito: com os malfeitores foi
contado. P is o que me diz resp ito tem seu cumprimento.

32
38 Disseram eles: Senhor, eis aqui duas espadas.
Respondeu-lhes: Basta.

Fica bem claro que Jesus está se referindo à


ocasião, ou ocasIOO, nas quais enviou os seus
discípulos a realizarem missões especiais e em
condições especiais. O que foi dito aos setenta
discípulos, em Lucas 10.1-12, e também aos doze,
em Lucas 9.1-6 e Mateus 10.5-15, não são regras
fixas para todos os pregadores em todos os tem-
pos. Eram instruções para tarefas imediatas e bem
definidas.

Se além do contexto imediato e próximo, o


jovem mencionado neste exemplo, conhecesse
melhor o contexto geral, a Bíblia como um todo,
saberia que não há nenhum lugar nela onde Jesus
tenha dado uma ordem para que os pregadores
atuais partam para os campos missionários, ape-
nas com a roupa do corpo. O contexto geral tira
qualquer dúvida. Inclusive, é bom lembrar que se
porventura nossos missionários atuais estão pas-
sando por dificuldades materiais, nós que os envi-
amos, cumprindo as ordens de Deus, é que somos
culpados. A igreja que envia deve manter de for-
ma digna seu obreiro por uma questão de amor e
para que o Evangelho de Cristo não venha a ser
envergonhado. Mandemos missionários, nossos
enviados, arautos de Deus, e não mendigos às na-

33
ções. Tenhamos sempre em ente os ensinos de I
Coríntios 9.7-14, quanto ao stento dos que pre-
gam o evangelho.

Só para terminar este p to, será colocado de


forma um pouco mais deta da, a maneira cor-
reta de se abordar uma passagem como esta que
foi apresentada acima, dentro do seu contexto. Os
passos apresentados são os seguintes:

1 - Lucas 10.4 - base falsa - (falsa por ter


sido isolada do todo);
2 - Lucas 10.1-12 - contexto imediato - es-
clarece o texto;
3 - Lucas 22.35-38 - contexto próximo -
esclarece ainda mais o texto em foco;
4 - A Bíblia toda, principalmente, neste
caso, João 13.21-30; texto que mostra a presença
de um tesoureiro no próprio grupo de Jesus - con-
texto geral - ele tira qualquer dúvida.

Se este esquema tiveSse sido levado em


conta, o "intérprete" citad9 teria percebido sem
grande dificuldade que em enhum lugar da Bí-
blia, Jesus, ou o Pai, dá tais i struções para todos
os pregadores de todos os t pos. A observação
dos contectos, ainda que s a algo tão simples,
precisa ser levada muito a s o. Dela depende em
grande parte a boa interpretação.

34
6.
DESCOBRIR O
PANO DE FUNDO
DA PASSAGEM

Descobrir qual é o pano de fundo da passa-


gem a ser interpretada é de suma importância para
um bom entendimento. Não é possível captar todo
o significado das palavras, se não soubermos, ao
menos um pouco a respeito das condições nas
quais foram proferidas.

Não devemos esquecer-nos do fato de ter


sido, cada passagem bíblica, produzida em um
momento diferente e em local diferente para tratar
de questões diferentes. Em outras palavras, cada
caso é um caso.

Não basta conhecermos o texto em si. Preci-


samos conhecer muito daquilo que não está no
texto, mas, sim, por trás do mesmo, na tentativa
de interpretá-lo corretamente.

35
Quan o mais pormenor • o intérprete conse-
guir do pa o de fundo da pa agem, maior a pos-
sibilidade e um bom enten II I ento. Para que isso
seja possível deve-se procur determinar, no mi-
nimo, quem foi o autor da p sagem, em que oca-
sião a proferiu ou produziu, - m que época vive-
ram os personagens envolvi os, em que época foi
escrito, qual a localização geográfica, qual a situ-
ação econômica, social, religiosa e política da
época dos acontecimentos e/ou da escrita, além de
outros itens esclarecedores.

Uma relação de itens necessários para se


compreender melhor o pano de fundo, como a
apresentada acima, pode assustar e desanimar o
não especialista, aquele que não está acostumado
a lidar com estas questões. contudo, não há moti-
vo para pânico. Graças a Deus, muitos estudiosos
têm gasto as suas vidas na tentativa de esclarecer
essas questões tão maçante para alguns, porém
tão importantes para todos os que desejam a boa
interpretação.

O que devemos fazer é buscar o resultado


dessas pesquisas nos dici ários bíblicos, co-
mentários disponíveis na alidade e nas boas
introduções, já publicadas.

36
O intérprete da Bíblia, embora se dedique à
Bíblia, precisa ter uma boa biblioteca de apoio
para recorrer no momento apropriado de esclare-
cer essas questões.

Como exemplo da importância do conheci-


mento do pano de fundo de uma determinada pas-
sagem, procure pensar em que atitude deveria ser
tomada ao ouvir, por exemplo, o seguinte diálogo,
digamos em um quarto de hotel, ao lado daquele
que você mesmo está hospedado:

- Vamos depressa, apronte as malas, temos que


sair urgente.
- O que aconteceu? Por que tanta pressa?
- Não tive outra alternativa, ele sabia demais, pre-
cisei matá-lo.
- Calma, fale baixo, alguém pode nos ouvir...

Depois destas poucas frases, os ocupantes


do quarto ao lado passam a falar em tom normal
de voz e você já não consegue mais ouvir o que
dizem. Que atitude tomar diante daquilo que se
ouviu?

Não seria surpresa se você corresse até o te-


lefone e chamasse imediatamente a polícia. As
poucas frases ouvidas, realmente, dão a entender
que houve um assassinato e que o assassino e seu

37
cúmplice estão procurando gir. Provavelmente,
qualqueressoa tomaria um atitude semelhante a
esta e frustrar os os dos marginais.

Se conhecêssemos, po , o pano de fundo


desse episódio, a história deria ser outra bem
diferente. Se pudéssemos nhecer algo sobre o
ambiente do quarto ao lado, e descobríssemos
que era um ambiente de muita tranqüilidade, onde
dois homens bem vestidos e educados estavam as-
sentados em poltronas confortáveis, de frente um
para o outro, enquanto seguravam folhas de papel
na mão e liam suas partes escritas nelas, procu-
rando dar vida e sentimento às suas leituras, cer-
tamente tiraríamos outras conclusões, e tomaría-
mos outra, ou nenhuma atitude.

Se soubéssemos, ainda que nossos vizinhos


de quarto eram dois artistas de teatro, e que esta-
vam na cidade para apresentar uma peça chamada
"Queima de Arquivo", não teríamos dúvidas em
permanecer tranqüilos.

O conhecimento, ou não, do pano de fundo


por trás do texto em estud pode determinar o
rumo de nossa interpretaçã a qual pode ser to-
talmente falsa como acab os de ver. Tenney
chega a afirmar que, em al s casos, só é possí-
vel obter o significado verdadeiro de uma peça

38
literária se esta for observada dentro da situação
histórica onde foi produzida.4

Um exemplo bíblico da utilidade de se co-


nhecer o pano de fundo da passagem estudada
pode ser tirado de Amós 4.1. No texto está escrito:
"Ouvi esta palavra, vós, vacas de Basã, que estais
no monte de Samária, que oprimis os pobres, que
esmagais os necessitados, que dizeis a vossos ma-
ridos: dai cá, e bebamos".

Não é dificil de se perceber pelo contexto


imediato da passagem, que Amós está dirigindo a
palavra às mulheres de Samária. O problema é
descobrir o por quê dele as tratar pelo título "Va-
cas de Basã". Seria isto uma forma de xingamen-
to, ou algo desconhecido dos nossos costumes?
Pesquisando o pano de fundo, nota-se que, a se-
gunda alternativa é a correta.

Amós escreveu no oitavo século da era pré-


cristã em um período de paz internacional, em um
momento em que Israel, o conhecido Reino do
Norte, gozava de um ótimo período de cresci-
mento econômico. Crescimento esse que benefici-
ava alguns, a classe nobre, mas que oprimia cada

4 Merrill C. TENNEY. Gálatas - escritura da liberdade cristã.


São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 116.

39
vez mais Os pobres, por cauí da concentração de
rendas nas mãos da minoria:

Amós não estava envi do sua mensagem a


todas as mulheres de Sam , mas às que faziam
parte da classe alta, e que uniam o pobre cada
vez mais, com a intenção d anter intacta a pró-
pria situação social que era extremamente vanta-
josa para elas.

Quando descobrimos ainda, por outros tex-


tos, que Amós era boieiro antes de ter sido cha-
mado por Deus para ser profeta, e que Basã era
uma região conhecida em Israel como excelente
para a criação de gado, fica mais fácil de se en-
tender o apelido. Ele estava se referindo às mulhe-
res bem tratadas de Samárja, aquelas que se ali-
mentavam do bom e do melhor e conseguiam com
isto uma aparência exuberante, na mente de
Amós, o boiadeiro, semelhantes às vacas criadas
na região de Basã.

Pode ser UM pouco cansativo recorrer a li-


vros de Introdução ou Comentários Bíblicos,
quando estudamos a Bíbliaas é importante fa-
zermos isto no intuito de d cobrirmos o máximo
de informações a respeito pano de fundo das
passagens estudadas. Esse sforço resultará em
mais qualidade em nossa interpretação.

40
7.
IDENTIFICAR OS TIPOS
DE LITERATURA

Não se pretende neste ponto discorrer sobre


cada um dos tipos de literatura encontrados na Bí-
blia; a tarefa deve ficar para obras especializadas.
O objetivo aqui é chamar a atenção do leitor para
a grande quantidade de diferentes tipos literários,
e mostrar, de forma breve, a importância de co-
nhecer essas diferenças para se chegar a uma in-
terpretação mais próxima possível da realidade.
Como diz Zuck: "A atenção ao gênero literário
impede-nos de transformar uma passagem no que
ela não é, tanto para mais quanto para menos".5

O intérprete da Bíblia deve ter sempre em


mente que ela é a Palavra de Deus, ou seja, a
mensagem de Deus a seu povo, e que a variação
nos métodos de transmissão não altera a qualidade
e a procedência da mensagem. Não existe diferen-
ça de valor entre um texto, digamos, escrito em
forma de relato histórico e outro em forma de po-

5 Roy B. ZUCK. A Interpretação Bíblica -Meios de descobrir


a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova, 1994, p. 157.

41
esia. A mensagem de um, im como a do outro,
é a Palavia de Deus dirigida nós.

Entre a grande varied de formas literárias


diferentes que fazem parte a Bíblia temos: poe-
sia; relatos históricos; alego a; provérbios; pará-
bolas; leis; oráculos; sermõés; orações; cartas; li-
teratura apocalíptica; cânticos; visões, e outras
que você certamente encoitrará a partir do mo-
mento em que atentar para á importância disto na
interpretação saudável.

Um exemplo prático da importância do que


foi escrito até aqui pode áer comprovado ao se
interpretar um texto como b de Ezequiel 37.1-10
como sendo uma narrativa histórica, coisa que ele
não é. Leia o texto seguir:

1 Veio sobre mim a mão do Senhor; e ele me levou


no Espírito do Senhor, e me pôs no meio do vale que esta-
va cheio de ossos;
2 e me fez andar ao redor deles. E eis que eram
muito numerosos sobre a face do vale; e eis que estavam
sequíssimos.
3 Ele me perguntou: Filhó do homem, poderão viver
estes ossos? Respondi: Senhor us, tu o sabes.
4 Então me disse: Profef sobre estes ossos, e dize-
lhes: Osso secos, ouvi a palavr o Senhor.
5 Assim diz o Senhor s a estes ossos: Eis que
vou fazer entrar em vós o fôlego da vida, e vivereis.

42
6 E porei nervos sobre vós, e farei crescer carne so-
bre vós, e sobre vós estenderei pele, e porei em vós o fôle-
go da vida, e vivereis. Então sabereis que eu sou o Senhor.
7 Profetizei, pois, como se me deu ordem. Ora en-
quanto eu profetizava, houve um ruído; e eis que se fez um
rebuliço, e os ossos se achegaram, osso ao seu osso.
8 E olhei, e eis que vieram nervos sobre eles, e cres-
ceu a carne, e estendeu-se a pele sobre eles por cima; mas
não havia neles fôlego.
9 Então ele me disse: Profetiza ao fôlego da vida, ó
filho do homem, e dize ao fôlego da vida: Assim diz o
Senhor Deus: Vem dos quatro ventos, ó fôlego da vida, e
assopra sobre estes mortos, para que vivam.
10 Profetizei, pois, como ele me ordenara; então o
fôlego da vida entrou neles e viveram, e se puseram em
pé, um exército grande em extremo.

Se interpretado como narrativa histórica,


chegaremos à conclusão de que Deus, em deter-
minada época, pela instrumentalidade de Ezequi-
el, ressuscitou em uma única vez, um grande
exército de pessoas que haviam morrido já há
muito tempo, de tal modo que não passavam de
um amontoado de ossos sequíssimos.

Ninguém de sã consciência duvidaria do


poder de Deus para realizar tamanha proeza.
Contudo, não é esta a informação fornecida pelo
texto. Está muito claro, neste caso, que não se
trata de uma narrativa histórica e, sim, de uma vi-

43
são; algo que aconteceu ap as na mente do pro-
feta, ou nr esfera espiritual,' ão material.

Continuando a leitur de Ezequiel, do ver-


sículo 11 até o 14, temos a nclusão dessa visão,
o que nos fornece a verda ira interpretação da
primeira parte. Ali está:

11 Então me disse: Filho do homem, estes ossos


secos são toda a casa de- Israel. Eis que eles dizem: Os
nossos ossos secaram-se, e pereceu a nossa esperança; es-
tamos de todo cortados.
12 Portanto profetiza, e dize-lhes: Assim diz o
Senhor Deus: Eis que eu vos abrirei as vossas sepulturas,
sim, das vossas sepulturas vos farei sair, ó povo meu, e
vos trarei à terra de Israel.
13 E quando eu vos abrir as sepulturas, e delas vos
fizer sair, ó povo meu, sabereis que eu sou o Senhor.
14 E porei em vós o meu Espírito, e vivereis, e vos
porei na vossa terra; e sabereis que eu, o Senhor, o falei e
o cumpri, diz o Senhor.

Os ossos secos représentavam Israel total-


mente abatido, e a nova situação, a ressurreição
dos ossos, mostrava aquilo que Deus iria fazer ao
seu povo, reconduzi-lo noVamente do cativeiro,
onde se encontrava, na Ba lônia, sem nenhuma
esperança, para a terra de o c e fora levado.

Vejamos agora um outro tipo de forma lite-


rária, a alegoria. Na opinião deste autor, esta é

44
uma das formas literárias mais difíceis de inter-
pretar, até mesmo impossível, se não tivermos
uma ajuda daquele que o criou. Nela é dito uma
coisa mas que significa outra, o que torna dificí-
lima a sua interpretação.

Temos um exemplo de alegoria na chamada


Parábola do Semeador, contada por Jesus. Ela
apresenta o seguinte, em Lucas 8.4-8:

4 Ora ajuntando-se uma grande multidão, e vindo


ter com ele gente de todas as cidades, disse Jesus por pa-
rábola:
5 Saiu o semeador a semear a sua semente. E
quando semeava, uma parte da semente caiu à beira do
caminho; e foi pisada, e as aves do céu a comeram.
6 Outra caiu sobre pedra; e, nascida, secou-se por-
que não havia umidade.
7 E outra caiu no meio dos espinhos; e crescendo
com ela os espinhos, sufocaram-na.
8 Mas outra caiu em boa terra; e, nascida, produziu
fruto, cem por um. Dizendo ele estas coisas, clamava:
Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.

Como é possível observar, ele contou uma


história aparentemente simples e de fácil compre-
ensão. Só que ela diz uma coisa e significa outra.
Nem mesmo os discípulos, acostumados a convi-
ver com Jesus, conseguiram entender o significa-
do. Dou graças a Deus pela curiosidade dos discí-
pulos que levou Jesus a explicar esta parte tão di-

45
ficil da > íblia. Do contrár nunca saberíamos,
com certe a, o que realment la diz.

Leia, a seguir, a expl ação dada pelo pró-


prio autor, em Lucas 8.11-1 e perceba a dificul-
dade que seria para nós che os a essas conclu-
soes, pelos nossos próprios i esforços . A explica-
ção de Jesus é esta:

11 É, pois, esta a parábola: A semente é a palavra


de Deus.
12 Os que estão à beira d caminho são os que ou-
vem; mas logo vem o Diabo e tira-lhes do coração a pala-
vra, para que não suceda que, crendo, sejam salvos.
13 Os que estão sobre a pedra são os que, ouvindo
a palavra, a recebem com alegria{'; mas estes não têm raiz,
apenas crêem por algum tempo, }nas na hora da provação
se desviam.
14 A parte que caiu entro os espinhos são os que
ouviram e, indo seu caminho, sãO sufocados pelos cuida-
dos, riquezas, e deleites desta vida e não dão fruto com
perfeição.
15 Mas a que caiu em boà terra são os que, ouvin-
do a palavra com coração reto e bom, a retêm e dão fruto
com perseverança.

Um outro cuidado q deve ser tomado,


pensando ainda na alegoria e acabamos de ver,
é não tratar todas as paráb as como se fossem
alegóricas Isto é um erro m to comum e tem le-
vado muitos intérpretes à onclusões totalmente

46
diferentes daquilo que o texto verdadeiramente
diz. Não é pelo fato dessa alegoria ser chamada de
parábola no próprio texto, Lucas 8.4-11, que todas
as parábolas devem ser tratadas como se fossem
alegorias.

Deve ser levado em conta que a "Parábola


Alegórica", assim vamos chamar este tipo de lite-
ratura na tentativa de tornar clara a questão, pos-
sui significados ocultos nos vários detalhes de su-
as partes. Por outro lado, a "Parábola não Alegó-
rica", os outros tipos de parábolas, pode possuir
alguns significados ocultos; mas seria um grande
erro se tentássemos explicar todos os seus deta-
lhes, pois a ênfase está na sua verdade central.

Assim, o estudante da Bíblia fará bem em


seguir os conselhos de Henrichsen. Este experi-
ente autor aponta para a necessidade de se desco-
brir o ponto principal da parábola, tomando-se, ao
mesmo tempo, cuidado para não ser enganado
pela imaginação, que pode levá-lo à conclusões
diferentes daquelas tencionadas pela história.6

6
Walter A. HENRICHSEN. Métodos de Estudo Bíblico. São
Paulo: Mundo Cristão, 1993, p. 67.

47
PreSte atenção no te► o a seguir, e veja
como Jesus usava Parábola: ão Alegóricas para
ensinar uma verdade.

1 Então o reino dos céus =rá semelhante a dez vir-


gens que, tomando as suas lâm as, saíram ao encontro
do noivo.
2 Cinco delas eram insen as, e cinco prudentes.
3 Ora, as insensatas, tomándo as lâmpadas, não le-
varam azeite consigo.
4 As prudentes, pcirém, levaram azeite em suas va-
silhas, juntamente com as lâmpadas.
5 E tardando o noivo, cochilaram todas, e dormi-
ram.
6 Mas à meia-noite ouviu-se um grito: Eis o noivo!
Saí-lhe ao encontro!
7 Então todas aquelas irirgens se levantaram, e
prepararam as suas lâmpadas.
8 E as insensatas disseram às prudentes: Dai-nos
do vosso azeite, porque as nossás lâmpadas estão se apa-
gando.
9 Mas as prudentes re4onderam: Não; pois de
certo não chegaria para nós e vós; ide antes aos que o ven-
dem, e comprai-o para vós.
10 E, tendo elas ido comprá-lo, chegou o noivo; e
as que estavam preparadas entream com ele para as bo-
das, e fechou-se a porta.
11 Depois vieram també as outras virgens, e dis-
seram: Senhor, Senhor, abre-nos' porta.
12 Ele, porém, respond Em verdade vos digo,
não vos conheço.
13 Vigiai pois, porque n sabeis nem o dia nem a
hora.

48
Toda a parábola foi contada para enfatizar a
verdade central contida no último versículo: a ne-
cessidade de se estar preparado para a volta de
Cristo. Os pormenores, ainda que interessantes,
não são, neste caso em especial, de grande im-
portância para a interpretação e podem mesmo até
se tomar em obstáculos para o intérprete descui-
dado.

Em certa ocasião foi pregada uma mensa-


gem, baseada nesta passagem, por um jovem que
estava começando na arte de pregar. Após a leitu-
ra do texto, seguiu-se uma "explicação" detalhada
de cada parte da parábola.

Ele conseguiu, em sua interpretação, des-


cobrir quem eram as virgens néscias, quem eram
as prudentes, o significado do óleo, das lâmpadas
e de outros detalhes. Só não descobriu, ou ao me-
nos não quis falar, a verdade central, aquilo que
Jesus ensinou ao utilizar esta parábola.

Provavelmente isto aconteceu por ter o intér-


prete entendido que se tratava de uma Parábola
Alegórica e não de uma Parábola não Alegórica, a
qual contém uma verdade central.

49
Uint. olhada, ainda q rápida, no contexto
onde se encontra o texto, t ém poderia ter sido
útil para uma interpretação lhor. As duas para-
bolas anteriores a esta gir em torno do mesmo
assunto. Veja o que dizem guns dos textos que
antecipam esta parábola:

"Daquele dia e hora, porém, ninguém


sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, senão
só o Pai." (Mt 24.36);

"Vigiai, pois, porque não sabeis em que


dia vem o vosso Senhor;" (Mt 24.42);

"Por isso ficai também vós apercebidos;


porque numa hora em que não penseis, virá o
Filho do homem." (Mt 24.44);

"Virá o senhor daquele servo, num dia


em que não o espera, e numa hora de que não
sabe," (Mt 24.50).

Agora, leia novamente o versículo 13 de


Mateus 25 e note a semelhança da verdade central
da passagem toda: "Vigiai is, porque não sa-
beis nem o dia nem a hora!

Sãd pequenos detalh , mas que mudam


completamente o entendimento das mensagens da

50
Bíblia. Vale a pena esforçar-se e procurar com
zelo o significado correto, aquilo que Deus mes-
mo tem a nos dizer, seja nesta ou naquela forma
literária.

51
8.
NÃO INTERPRETAR PASSAGENS
FIGURADAS COMO LITERAIS
E VICE-VERSA

Este ponto, embora esteja intimamente liga-


do ao anterior, possui alguma diferenças daquele.
É preciso estar alerta quanto ao perigo de duas
atitudes extremadas que podem ser tomadas por
alguns intérpretes menos esclarecidos: aqueles
que fecham seus olhos para a realidade da diver-
sidade da literatura bíblica, como apresentada no
capítulo anterior, e analisam praticamente todas as
partes das Escrituras do mesmo modo, tratando-as
como literais ou como figuradas. Quem opta de
antemão por um, tende automaticamente a excluir
ou ser adverso ao outro.

Aquele que escolhe interpretar antecipada-


mente, sem um estudo detalhado da passagem,
como sendo literal, provavelmente, pensa que o
literal tem mais importância do que o figurado.
Isto porém não passa de um engano. Ele está des-
cartando, pensando em preservar a verdade, a pos-

53
sibilidade de uma mensage ser transmitida por
mais de uma forma. Está s esquecendo que po-
demos ensinar a mesma ve ade através de poe-
sia, narrativa histórica, c ões, parábolas etc.,
descrevendo-a literalmente mo é ou de forma
figurada, sem com isso dim ir o seu valor.

Aquele que parte para o outro lado, abor-


dando praticamente todas as partes da Bíblia
como sendo formas figuradas de expressão, pode
estar tentando fugir daquilb que dentro de seu
próprio paradigma não poderia fazer parte deste
texto em especial. É uma maneira de aliviar o
impacto criado por passagens, a seus olhos, in-
compatíveis com a pessoa dç Deus.

As intenções podem ser as melhores, mas o


estrago é grande. Todas as vezes que interpreta-
mos passagens figuradas como se fossem literais,
e literais como se fossem figuradas, com certeza
não estamos dizendo aquilo que a Bíblia diz. Po-
demos até pensar que somos bíblicos, estamos nos
utilizando de porções da Bíblia, mas não estare-
mos captando nem transmitido a mensagem que
ela transmite

Uma atenção especi 1 deve ser dada ao


problema dos números na iblia. Nem sempre é
fácil descobrir o significado real deles. Números

54
como o 4, 7, 12, 40 e seus múltiplos, podem ser,
dependendo do contexto, literais, literais e simbó-
licos, ou apenas simbólicos; como é o caso dos 7
olhos de Deus em Zacarias 4.10. Veja o texto a
seguir:

"Ora, quem despreza o dia das coisas pe-


quenas? Pois estes sete se alegrarão, vendo o
prumo na mão de Zorobabel. São estes os sete
olhos do Senhor, que discorrem por toda a ter-
ra".

Seria um absurdo, a partir desta passagem


de Zacarias, descrever Deus como um ser mons-
truoso, possuidor de sete olhos; o texto não afirma
isto. O que ele está mostrando é a capacidade di-
vina de observar toda a terra.

Também na passagem de Lucas 17.3-4,


onde Jesus mesmo utiliza um número de forma
simbólica, devemos tomar cuidado para não inter-
pretar de forma literal. Ele disse aos discípulos:

3 Tende cuidado de vós mesmos; se teu irmão pe-


car, repreende-o; e se ele se arrepender, perdoa-lhe.
4 Mesmo se pecar contra ti sete vezes no dia, e sete
vezes vier ter contigo, dizendo: Arrependo-me; tu lhe per-
doarás.

55
Como bem argume a Morris, "Quando
Jesus fala de sete vezes no a não quer dizer, na-
turalmente, que uma oitav. fensa não será per-
doada (...). Está dizendo • o perdão deve ser
habitual". Uma interpretaç literal dessa passa-
gem iria contra o ensino g 1 de Jesus e não re-
fletiria a verdade do texto.

Do mesmo modo, em Mateus 18.21-22,


quando o apóstolo Pedro pergunta a Jesus quantas
vezes deveria perdoar a um irmão que viesse a pe-
car contra ele, não devemo entender de forma li-
teral nem a pergunta de PeOro (Até sete?) nem a
resposta de Jesus (Não te qligo que até sete; mas
até setenta vezes sete.). De'emos buscar o sentido
figurado de ambas as expresões.

Pedro, ao perguntar e deveria perdoar sete


vezes, de fato está pergunta do se deveria perdoar
sempre. Jesus, em sua resp sta, setenta vezes sete,
não está dizendo que Perla o deveria perdoar até
quatrocentas e noventa vez es. Ele está enfatizan-
do, ainda mais, aquilo que Pedro já sabia; o seu
seguidor deve estar pronta para perdoar quantas
vezes for necessário mesm , de forma completa.

Leon L. MORRIS. Lucas: Introdução e Comentário. São


Paulo: Vida Nova, 1983, p. 241.

56
Para ficar mais claro ainda, é bom enfatizar
que Pedro perguntou se deveria perdoar sempre e
Jesus respondeu que Pedro deveria perdoar "mais
do que sempre".

Na cultura brasileira também é possível en-


contrar exemplos do uso de números de forma
semelhante a esta. Certamente, aqueles que não
conhecem bem a maneira dos brasileiros se co-
municarem, terão dificuldades para entender al-
gumas das expressões mais corriqueiras como, por
exemplo: "é oito ou oitenta", que significa: é tudo
ou nada; ou, ainda, "eu já te falei mais de mil ve-
zes", para dizer que já falou várias vezes sobre
aquele assunto.

Assim como em nossa cultura estaríamos


entendendo de forma errada ao tomarmos estas
expressões como se fossem literais, também esta-
remos interpretando de forma incorreta as passa-
gens bíblicas que tratam de números simbólicos,
se as tomarmos como literais. Um pouco de cui-
dado sempre é bom quando tratarmos de números
na Bíblia.

Um outro perigo a ser evitado, neste campo


das passagens figuradas, é a tendência de se pen-
sar que aquilo que é figurado também é alegoria.

57
Tome cuidado com isto. S coisas diferentes e
devem ser manuseadas de neiras diferentes.

Uma afirmação de Jes proferida de forma


figurada, que tem sido util da, freqüentemente,
de maneira incorreta, com e fosse alegoria é a
de Lucas 19.40: "...Digo-vo que, se estes se cala-
rem, as pedras clamarão".

A maioria das pessoa que participam regu-


larmente dos cultos nas igrejas evangélicas, já ou-
viram alguma pregação onde esta passagem foi
utilizada de forma alegórica, identificando as pe-
dras com este ou aquele grupo de pessoas, as
quais de uma forma ou de outra, na concepção do
intérprete, estão sendo utilizadas para a pregação
do evangelho, cumprindo assim estas palavras de
Cristo.

O pensamento gerahnente é este: Aqueles


que deveriam naturalmente transmitir as boas no-
vas não o estão fazendo. Na falta destes, outros,
no caso os identificados com as pedras, têm pas-
sado a clamar, ou seja, a pregar no lugar daqueles
que o deveriam fazer.

Esta mensagem pode cionar muito bem


para acordar alguns cristão dorrnecidos que es-
tão acomodados, não se preocupando com a evan-

58
gelização. Pode também funcionar de forma con-
trária, e dar a impressão de que, se nós não evan-
gelizarmos "as pedras irão fazer isto", não haverá
graves conseqüências resultantes desta nossa falta.

Funcione bem ou mal, isto não importa. A


verdade é que o texto não está dizendo nada da-
quilo que foi exposto acima. Ele não é um texto
alegórico, nem se refere à evangelização. Se nós
não fizermos esse trabalho, que nos foi confiado,
as "pedras" é que não farão. Jesus não disse nada
disto.

No contexto notamos que os discípulos es-


tavam louvando a Deus pelos milagres que havi-
am presenciado e também aclamando Jesus como
aquele que vinha em nome de Deus, fato este que
incomodou sobremaneira alguns dos fariseus, a
ponto de pedirem a Jesus que repreendesse a seus
discípulos pelo suposto exagero nas manifesta-
ções.

Jesus simplesmente lhes disse que era im-


possível fazê-los calar, da mesma forma como era
impossível que as pedras clamassem. Eles haviam
presenciado o poder de Deus. Eram testemunhas
de quem era Jesus, e, naquele momento, nada po-
deria impedi-los de louvar. Seria tão absurdo
quanto pedras clamarem.

59
De do o que foi dit até aqui, o mais im-
portante que você não es lha, de antemão, se
vai tratara Bíblia como se sse compoáta quase
que completamente por pas ens literais ou figu-
radas. Esteja com a ment berta para analisar
cada situação. Procure de eira sensata e res-
ponsável descobrir, em cad exto, a forma de ex-
pressão correta, lembrand sempre que nosso
Deus é todo poderoso e q não está limitado a
esta ou aquela forma de co cação.

60
9.
DESCOBRIR OS DIVERSOS
SIGNIFICADOS DE
UMA PALAVRA

Este item não é um grande causador de difi-


culdades para o intérprete, mas também pode le-
var a uma falsa interpretação, se tratado de forma
descuidada.

O perigo pode ser maior quando pessoas


que lidam com o texto nas línguas originais bus-
cam o significado desta ou daquela palavra, tirada
de outro contexto, para explicar o sentido dela no
texto em estudo. Pode acontecer que a mesma
palavra, em contextos diferentes, possua signifi-
cados bem diferentes, até mesmo contraditórios.

A seguinte historieta ilustra bem este ponto:


Conta-se que, certo homem, morador em cidade
grande, foi passar férias em pequena cidade de
interior. Lá chegando, não tinha muita coisa para
fazer e, principalmente, não encontrava nenhuma
casa lotérica naquela localidade onde pudesse
apostar alguma coisa, já que era viciado em jogos.

61
Passados alguns dias, ele fi u sabendo que havia
na cidade uma rinha, loca onde se apresentam
brigas de galos, e se enca ou para lá com a
intenção de ganhar algum nheiro nas apostas.
Ele não entendia muito do ssunto e procurou a
ajuda de um bom conheced de galos. Fez algu-
mas perguntas aos presente e conseguiu desco-
brir, para sua alegria, quem éra o criador da maio-
ria dos galos que se encontravam no local. Não
teve dúvidas. Dirigiu-se ao matuto e contratou os
serviços dele. A conversa foi assim:

- Olha, eu só quero saber urna coisa e lhe dou todo


este dinheiro, se você me responder.
- Ora! É só falá, moço.
- Você está vendo aqueles dois galos que vão bri-
gar?
- Craro, criei os dois, são do meu quintar.
- Ótimo! Só me diga qual deles é o bom e este di-
nheiro será seu.
- O Bão é o branquinho.
- Obrigado, aqui está o dinheiro.
- Eu é que agardeço.

Terminada a consulto o homem da cida-


de grande foi e apostou toda restante de seu di-
nheiro, confiantemente, no lo branquinho. Afi-
nal, estava seguindo as orie t çOes de um especi-
alista no assunto. Não demorou muito e ele viu o

62
outro galo, um vermelho, arrasar com o branco
no qual havia apostado as economias. Indignado,
voltou ao matuto e lhe disse:

- Como que você me faz isto? Seguindo a


sua orientação apostei todo o meu dinheiro no
galo branco, e ele foi facilmente derrotado!
- Mas eu te disse (respondeu o homem do
interior): O bão é o branquinho, o vermeio é
ruuuiiimm que é um demo!

O homem da historieta foi prejudicado, sim-


plesmente por não ter levado em conta a possibi-
lidade de haver outro significado para a palavra
bom, além daquele que ele mesmo já imaginava
como sendo o correto.

Nunca é demais lembrar que, em última


análise, uma palavra isolada não possui um signi-
ficado seguro; necessita de um contexto para es-
clarecê-la, ou melhor ainda, para determinar o seu
sentido exato.

Tomemos como exemplo a palavra manga,


em português. Ela isoladamente não diz de forma
clara ao que se refere. Se a verificarmos, contudo,
dentro de determinados contextos, poderemos
descobrir os seus significados.

63
Ele , os contextos, o onjunto de i)alavras,
ou frases que as acomp , estarão &tenni-
nando o s ntido e poderemo verificar se, tio caso,
descreve uma fruta, uma ore, uma ¡arte do
vestuário, tromba de água um filtro afunilado
para líquidos, ou outra cois ualquer.

Também é bom lemb ar que a palavra só


pode ter um significado c rreto dentro do con-
texto que ocorre. Seria um ande erro atribuir-lhe
outros sentidos, ainda que erdadeiros em outros
locais. Isto parece óbvio, as muitos intérpretes
têm falhado neste ponto.8

Um exemplo bíblic de como a palavra


pode tomar, inclusive, se idos opostos, depen-
dendo do seu contexto, é o ermo hebraico barak,
o qual aparece 328 vezes n Antigo Testamento.9
Seu significado mais co um está relacionado
com bênção, adoração e lo vor, mas aparece três
ou quatro) vezes no Livro d Jó, e duas vezes em
1Rs, com o significado de asfemar ou amaldiço-
ar. o

8 LouiS BERKHOF. Princípios e Interpretação Bíblica. Rio


de Janeiro: Ji ERP, 1981, p.'79.
9 Larr A . MITCHEL. Estudos Vocabulário do figo
Testamento. ão Paulo: Vida Nova, 19 , p. 48.
io Ant nio Renato GUSSO. As precações no LíM) de Sal-
mos - o uso de imprecações no Livro d Salmos como armas contra os
inimigos, Dissertação. Rio de Janeiro: TBSB, 1996, p. 20.

64
Veja os versículos a seguir:

Mas estende agora a tua mão, e toca-lhe em tudo


quanto tem, e ele blasfemará (barak) de ti na tua face! (Jó
1.11)

Então sua mulher lhe disse: ainda reténs a tua inte-


gridade? Blasfema (barak) de Deus, e morre. (Jó 2.9)

Algumas traduções preferiram optar pelo


sentido de amaldiçoa a Deus e morre, no segundo
versículo aqui apresentado.

Como é possível notar, mais de 300 apari-


ções no texto bíblico com o sentido de bênção,
adoração e louvor, não foram suficientes, como
mais de 1000, ou milhares não seriam, para impor
um significado semelhante nas passagens aqui
abordadas. As palavras não possuem sempre o
mesmo sentido e devemos levar isto em conside-
ração para não cometermos erros de interpretação.

Fountain, por exemplo, tratando da palavra


"Lei" em diversos contextos da Bíblia, encontra
para ela, pelo menos, oito significados. São eles:
1) o conjunto dos cinco primeiros livros do Anti-
go Testamento; 2) Todo o Antigo Testamento; 3)
os Dez Mandamentos; 4) as leis civis de qualquer
nação; 5) o casamento; 6) o poder do pecado; 7) o

65
evangelho] de Cristo; 8) o pra cípio da lei em con-
traste com a graça. H

Para que isto fique be laro e fixo na mente


de todos os leitores, a segu , serão apresentados
alguns dos significados da, alavra Israel, nome
tão constante na Bíblia. Os textos dentro de seus
contextos falarão por eles mesmos; basta observar
como se apresentam:

1) Partiu, pois, Israel dom tudo quanto tinha


e veio a Beer-Seba, onde ofereceu sacrifícios ao
Deus de seu pai Isaque.
Falou Deus a Israel em visões de noite, e
disse: Jacó! Jacó! Respondeu Jacó: Eis-me aqui
(Gn 46.1-2).

Está bem claro que é 'lin outro nome para Ja-


có, um dos filhos de Isaque.

2) Depois foram Moisés e Arão e disseram a


Faraó: Assim diz o Senhor, o Deus de Israel:
Deixa ir o meu povo, para que me celebre uma
festa no deserto.
Mas Faraó respondeu Quem é o Senhor,
para que eu ouça a sua voz ara deixar ir Israel?

11 Thomas FOUTAIN. Claves de Interpretacion Bíblica, 2. Ed.


El Paso: Casa Bautista de Publicaciones, 1975, p. 34.

66
Não conheço o Senhor, nem tampouco deixarei ir
Israel (Ex. 5.1-2).

Nome dado ao povo de Deus, os descenden-


tes de Jacó que estavam cativos no Egito.

3) Depois Josué reuniu todas as tribos de Is-


rael em Siquém, e chamou os anciãos de Israel,
os seus cabeças, os seus juízes e os seus oficiais; e
eles se apresentaram diante de Deus (Josué 24.1).

Nome que descrevia o conjunto de todas as


tribos, quando entraram com Josué na Terra Pro-
metida.

4) Quarenta anos tinha Isbosete, filho de


Saul, quando começou a reinar sobre Israel, e rei-
nou dois anos. A casa de Judá, porém, seguia a
Davi ( 2Sm 2.10).

O conjunto das tribos leais a Is-Bosete filho


de Saul. Perceba, no versículo, que o nome Israel
está descrevendo um grupo do qual Judá está de
fora.

5) Sucedeu, pois, que no ano quatrocentos e


oitenta depois de saírem os filhos de Israel da
terra do Egito, no quarto ano do reinado de Sa-
lomão sobre Israel, no mês de zive, que é o se-

67
gundo m s, começou-se edificar a casa do
Senhor (1 s 6.1).

Neste versículo apare u duas vezes a pala-


vra Israel, a qual pode ter a pequena diferença
de significado. A primeira, ez descreve os des-
cendentes de Jacó que s do Egito e na se-
gunda, todas as tribos, inchiindo Judá, debaixo do
govemo de Salomão.

6) Sucedeu então que, ouvindo todo o Is-


rael que Jeroboão tinha voltado, mandaram cha-
má-lo para a congregação, e o fizeram rei sobre
todo o Israel; e não houve ninguém que seguisse
a casa de Davi, senão sometite a tribo de Judá.

Tendo Roboão chegado a Jerusalém, con-


vocou toda a casa de Judá e a tribo de Benja-
mim, cento e oitenta mil homens escolhidos, des-
tros para a guerra, para pelejarem contra a casa
de Israel a fim de restituírem o reino a Roboão,
filho de Salomão (1Rs 12.2Q-21).

O assim chamado R mo do Norte, ou seja,


a parte que se rebelou co t a as atitudes do rei
Roboão, filho de Salomão, os a morte do famo-
so rei. Era um grupo comp s o por todas ias tribos,
menos as, de Judá e Benj m as quais permane-
ceram fiéis ao descendente de Davi, e formaram o

68
Reino de Judá, ou Reino do Sul, com a capital em
Jerusalém.

7) Ouvi a palavra que o Senhor vos fala a


vós, ó casa de Israel. (Er 10.1).

Nesta época o Reino do Norte não existia


mais, já havia sido levado cativo pela Assíria.
Sendo assim, Israel é, sem dúvida, outro nome
para Judá, o Reino do Sul, onde o profeta Jeremi-
as estava profetizando.

8) Agora, pois, ouve as palavras do Senhor:


Tu dizes: Não profetizes contra Israel, nem fales
contra a casa de Isaque (Amos 7.16).

Novamente se referindo ao Reino do Norte,


mas, também, neste caso, funcionando como um
sinônimo para Isaque, que aparece no final do
versículo em paralelo com Israel.

9) Pois nem a circuncisão nem a incircunci-


são é coisa alguma, mas sim o ser uma nova cria-
tura.
E a todos quantos andarem conforme esta
norma, paz e misericórdia sejam sobre eles e so-
bre o Israel de Deus (01 6.15-16).

69
A clomunidade de cre es em Jesus formada
por judeus ou, talvez, por tios e judeus, o que
parece ser mais viável à luz e todo o Novo Tes-
tamento.

Creio não ser difícil e se perceber, pelos


exemplos aqui apresentado , que as palavras po-
dem possuir uma vasta gania de significados, de-
terminados, todos eles, pelos contextos em que
elas se encontram.

O bom tradutor sabe destas coisas e nunca


parte para o texto com a certeza absoluta de que
"pau é pau e pedra é pedra'; sabe que o contexto
revelará o sentido de cada termo. Estejamos nós,
intérpretes da Palavra de Deus, também atentos,
lembrando sempre que as palavras não possuem
sempre o mesmo significada.

70
10.
BUSCAR O SIGNIFICADO PARA
O RECEPTOR ORIGINAL

São muitos os erros de interpretação cometi-


dos por se buscar uma mensagem para os nossos
dias nos textos da Bíblia, desprezando-se a sua
mensagem para o receptor original; aquele que
ouviu de primeira mão a ordem ou orientação di-
vina para um momento específico.

Virkler, tratando deste assunto, diz que a


nossa tendência é abordar o texto a ser interpreta-
do fazendo-lhe a seguinte pergunta: "Que é que
isto significa para mim?" Quando, na verdade,
deveríamos perguntar: "O que isto significava
para o próprio autor?". Para ele, só com uma res-
posta adequada à segunda pergunta poderemos
encontrar uma interpretação válida.12

Não devemos esquecer que a Palavra de


Deus veio a seus receptores originais em um mo-
12
Henry A. VIRKLER. Hermenêutica - Princípios e Processos
de Interpretação Bíblica. Miami: Vida, 1987, p. 60.

71
mento hiStórico determinad e com um propósito
bem definido. Ao descobrir os qual foi o sentido
exato dáiuelas palavras p quem as recebeu,
estaremos prontos para apli de forma correta a
sua mensagem para os dias e hoje. Em primeiro
lugar, a mensagem foi dad ele, o receptor ori-
ginal, e não a nós, crentes a era moderna. Sendo
assim, cabe a cada um, en nossos dias, a tarefa
de: entender a mensagem no seu contexto antigo
ou próprio em que foi revelada, e de separar
aquilo que é a vontade de Deus para todos os
tempos daquilo que dizia respeito somente ao re-
ceptor original.

Pode extrair-se um exemplo muito claro so-


bre isto do encontro de Jesus com certo jovem
rico. Leia o texto a seguir e perceba aquilo que era
somente para o jovem e o que é possível, a partir
deste episódio, aplicar para as nossas vidas, hoje.

18 E perguntou-lhe um dos principais: Bom Mestre,


que hei de fazer para herdar a vida eterna?
19 Respondeu-lhe Jesus: Por que me chamas bom?
Ninguém é bom, senão um, que é Deus.
20 Sabes os mandamentOs: Não adulterarás; não
matarás; não furtarás; não dirás falso testemunho; honra a
teu pai e a tua mãe.
21 Replicou o homem: '11( o isso tenho guardado
desde a minha juventude.

72
22 Quando Jesus ouviu isso, disse-lhe: Ainda te falta
uma coisa; vende tudo quanto tens e reparte-o pelos po-
bres, e terás um tesouro no céu; e vem, segue-me.

Seria um grande erro, a partir desta passa-


gem, concluirmos que para herdar a vida eterna é
preciso vender tudo o que temos e dar aos pobres.
Jesus não estava ensinando isso para todas as pes-
soas em todos os tempos. Ele viu, naquele caso
específico, a necessidade de o jovem desprender-
se das riquezas, e assim propôs-lhe um grande
negócio: desfazer-se de tudo aquilo que o estava
atrapalhando e investir a sua vida naquilo que re-
almente tem valor; o Reino de Deus.

Embora a ordem para vender tudo tenha sido


dada somente àquele jovem, a mensagem do valor
do Reino de Deus, o qual ultrapassa qualquer ri-
queza, e vale mais do que tudo que venhamos a
perder ou ter que deixar, é para todos, em todos os
lugares e em todos os tempos; é um princípio que
Jesus legou à humanidade, por meio daquele ensi-
no particular.

Um outro texto que pode levar-nos a inter-


pretações equivocadas, se não for considerado o
que, de fato, significou para os receptores origi-
nais, é o de Atos 5.33-39. Nele temos a palavra de
Gamaliel a respeito do que deveria ser feito aos

73
apóstolos que haviam sid presos e, milagrosa-
mente, libertos por um anj durante a noite.

Nota-se, pela passa m, que os apóstolos


estavam correndo risco de 'da quando esse ho-
mem, Gamaliel, certamen e, pessoa de destaque
no Sinédrio, conseguiu uma mudança na situação,
ao dizer o seguinte.

35 ...Varões israelitas, aa.utelai-vos a respeito do


que estais para fazer a estes honiens
36 Porque, há algum tempo, levantou-se Teudas,
dizendo ser alguém; ao qual se ajuntaram uns quatrocentos
homens; mas ele foi morto, e todos quantos lhe obedeciam
foram dispersos e reduzidos a nada.
37 Depois dele levantou-se Judas, o galileu, nos dias
do recenseamento, e levou muitos após si; mas também
este pereceu, e todos quantos lhe obedeciam foram disper-
sos.
38 Agora vos digo: Dai de mão a estes homens, e
deixai-os, porque este conselho ou esta obra, caso seja dos
homens, se desfará;
39 mas, se é de Deus, não podereis derrotá-los; para
que não sejais, por ventura, achados até combatendo con-
tra Deus. (Atos 5.35-39)

O resultado imediat das palavras desse


membro do Sinédrio, Sup ior Tribunal dos Ju-
deus, está no versículo 4 Os outros membros
concordaram com ele e ltaram os apóstolos,
mas não sem antes açoitá-los e adverti-los para

74
que não mais falassem, naturalmente ao povo, em
nome de Jesus.

Os primeiros ouvintes desta história tão ma-


ravilhosa que descreve como os apóstolos foram
salvos, não devem ter encontrado dificuldades
para entenderem o seu ensino. Pelo relato perce-
beram, entre outras coisas, que Deus estava ao
lado dos discípulos; que Ele tem poder para livrar
e que os próprios discípulos eram um grande
exemplo de obediência ao Senhor, a qualquer pre-
ço.

Em nossos dias, porém, alguns têm fechado


os olhos para estes ensinos tão claros que os re-
ceptores originais receberam, e têm procurado
aplicar para situações atuais as palavras de Gama-
liel nos versículos 38 e 39, com o sentido de que,
em matéria de religião, a obra procedente de Deus
prospera e a que não procede dEle não prospera.

Não há no texto nenhum indício de que os


primeiros cristãos criam nisto ou que o autor está
querendo ensinar isto. Está somente relatando o
ocorrido. O que há apenas é uma informação a
respeito da opinião de um mestre judeu, sem
mostrar se está correta ou não. Eles não entende-
ram, a partir deste episódio, que toda obra que não
procede de Deus não prosperaria, e as evidências

75
da história mostram que a eles que assim inter-
pretam esta passagem est equivocados. Não é
dificil de se perceber, incl ive em nosso país, o
quanto estão prosperando sas seitas, como, por
exemplo, o Espiritismo, e t e outras, totalmente
contrárias à Bíblia e, send1 ssim, não proceden-
tes de Deus.

Chegando-se ao significado correto para o


receptor original, do escritd ou ensino, estaremos
no caminho certo para as diversas possíveis apli-
cações da mensagem para a atualidade.

Por outro lado, se não descobrirmos o senti-


do primário, não teremos Como aplicar o ensino
de forma correta; estaremos ensinando ou ouvindo
ensinos que não são bíblicds, ainda que se basei-
em, de forma errada, nos teXtos da Bíblia.

76
11.
TIRAR IDÉIAS DO TEXTO
E NÃO BUSCAR TEXTOS
PARA AS IDÉIAS

A função do intérprete é descobrir o signifi-


cado dos textos bíblicos para poder aplicá-los,
com segurança, a cada caso que se apresente nos
dias atuais.

Os pregadores são os que mais praticam


este trabalho. Semana após semana estão procu-
rando a mensagem de Deus para ser apresentada
às suas "ovelhas" , aos domingos e outros dias de
culto. São eles, também, os pregadores, embora
não os únicos, os que mais correm o risco de apre-
sentar suas próprias idéias como se fossem da Bí-
blia.

Isto ocorre quando a pessoa já tem uma


idéia ou mensagem preparada em sua mente, e vai
ao texto bíblico buscar respaldo para a mesma.
Sem perceber, creio eu, na maioria dos casos, ele
acaba adaptando este ou aquele texto, muitas ve-

77
zes desconsiderando o seu co.texto, à sua idéia ou
mensageM, e acaba por apr entá-la como se fos-
se a mais pura verdade da B •lia.

Basta ligarmos o rádi • ou a televisão e sin-


tonizarmos em algum dos c ais ou das estações
chamadas "evangélicas", ara percebermos o
quanto isto é praticado em Ossos dias. São men-
sagens e mais mensagens que apresentam opini-
ões da filosofia, sociologia psicologia e outras
mais, além das pessoais daquele pastor ou grupo
religioso, respaldadas em te tos que nem de longe
dizem o que o locutor está di endo.

Paulo, Pedro e os outros escritores da Bíblia


ficariam assustados ao ouvirem o que alguns pre-
gadores, com tanta eloqüência, afirmam que eles
disseram no passado.

Certa ocasião, o autor destas notas foi procu-


rado por um pregador iniciante. Este lhe apresen-
tou o esboço de uma mensagem a ser pregada em
um futuro próximo e pediu-lhe que emitisse uma
opinião avaliadora a respeito do mesmo. O pedido
foi acatado e o esboço foi li com muita atenção.
Ele tinha um bom título; co nha uma introdução
interessante; contava com ários tópicos, sub-
tópicos e tuna conclusão. El ava pronto para ser
pregado. Só não foi encontrado no esboço ne-

78
nhum texto bíblico que servisse de base para a
mensagem. Questionado quanto a esta falta, o
autor do esboço respondeu, com naturalidade, que
ele ainda os iria procurar. Já estavam todos, se-
gundo ele, em sua cabeça, só faltava agora procu-
rá-los e relacioná-los com cada ponto de seu es-
boço.

Ele não tinha má intenção; sem perceber,


havia deixado a Bíblia de lado ao preparar a sua
mensagem e agora ia buscar textos bíblicos para
dar suporte às suas próprias idéias.

Isso não acontece só com iniciantes e nem


só por maldade, como já vimos acima. Pode
acontecer com as pessoas mais bem intenciona-
das, verdadeiros servos de Deus; é um problema
de método.

Conta-se, inclusive, a história de um missio-


nário, evangelista nato, o qual tinha a capacidade
de pregar um sermão evangelístico em qualquer
dos capítulos da Bíblia. Ninguém pode colocar em
dúvida suas boas intenções. Seu ardor evangelísti-
co só merece elogios, mas sua forma de interpre-
tação não é aconselhável. Qualquer pessoa escla-
recida pode notar que nem todos os capítulos da
Bíblia falam de evangelização e, agir desta manei-
ra, ainda que seja um belo ideal, é fazer a Bíblia

79
dizer aquilo que ela não diz; colocar nossas idéi-
as, ou idéias de outras pass ens, na que está em
foco.

Não pense o leitor qu qui está sendo afir-


mado que todas as vezes 1 alguém vai para a
Bíblia, já com idéias a respeito da mensagem a ser
pregada, fatalmente, interpretará a passagem de
forma errada. Isto não. Sabemos que é possível
para um bom conhecedor dá. Bíblia preparar uma
mensagem mentalmente, para uma determinada
ocasião e, mais tarde, confirmar na Bíblia que es-
tava correto. Contudo, todos devem estar atentos
pois, quando são procurados textos para confirmar
nossas idéias, temos a tendência de não perceber
neles aquilo que não nos interessa, e menos ainda
aquilo que vai contra o nbsso pensamento. Os
olhos e a mente predisposta podem enganar-nos
com facilidade.

Exemplo claro de como isso pode acontecer,


até mesmo com pregadores experientes, é citado
por James D. Crane em seu livro "O Sermão Efi-
caz". Ele conta de um pr gador americano que
procurou confortar sua con gação na ocasião da
entrada dos Estados Unid da América na Se-
gunda Guen-a Mundial, pre ndo uma mensagem
tendo como texto base a se finte frase: "nas mãos
do Deus vivo"; e que procurava fortalecer o povo

80
afirmando que suas vidas estavam nas mãos de
Deus e, portanto, deveriam confiar no seu poder e
proteção.13

A mensagem até foi bíblica, mas não estava


no texto escolhido. A frase encontra-se em He-
breus 10.31 que diz• "Horrenda coisa é cair nas
mãos do Deus vivo". Ela está, de certa forma,
ameaçando a alguns cristãos, prestes a abandona-
rem a fé, desejosos de voltar ao judaísmo.

Veja uma porção maior da passagem em que


se encontra o texto base deste pregador e perceba
a total incoerência de seu uso para o conforto de
uma congregação temerosa:

26 Porque se voluntariamente continuarmos no pe-


cado, depois de termos recebido o pleno conhecimento da
verdade, já não resta mais sacrificio pelos pecados,
27 mas uma expectativa terrível de juízo, e um ardor
de fogo que há de devorar os adversários.
28 Havendo alguém rejeitado a lei de Moisés, morre
sem misericórdia, pela palavra de duas ou três testemu-
nhas;
29 de quanto maior castigo cuidais vós será julgado
merecedor aquele que pisar o Filho de Deus, e tiver por

13 James D. CRANE. O Sermão Eficaz. 3. Ed. Rio de Janeiro:


JUERP, 1994, p.54.

81
profano o sangue do pacto, com e foi santificado, e ul-
trajar ao Espírito da graça?
30 Pois conhecemos aquei que disse: Minha é a
vingança, eu retribuirei. E outra z: O Senhor julgará o
seu povo.
31 Horrenda coisa é cair s mãos do Deus vivo.
(Hebreus 10.26-31)

O pregador foi para o texto com o nítido de-


sejo de encontrar base para uma mensagem já
pronta. Encontrou. Mas, paia isto, teve que des-
prezar totalmente o contexto imediato da porção
bíblica e fazer com que a bíblia dissesse aquilo
que ela não diz, ao menos nesta passagem.

O perigo existe. Fiquemos atentos! O que


deve interessar ao intérprete é o significado cor-
reto das Escrituras SagradaS e não suas próprias
"belas" idéias. Busquemos diligentemente os en-
sinos da Bíblia e tenhamos iodo o cuidado possí-
vel para não fazer dela um instrumento de apoio
para as nossas próprias mensagens, as quais, por
mais belas que sejam, só serão Palavra de Deus se
falarem segundo o verdadeiio Deus. Não fale em
nome dEle aquilo que Ele não disse. Isso pode
render-lhe o desonroso títul e falso profeta e as
conseqüências dele decorren s.

82
12.
LEMBRAR QUE A BÍBLIA
É LIVRO DE RELIGIÃO
E NÃO DE CIÊNCIAS

Não são poucos os cristãos que ficam alar-


mados ao ouvirem a notícia sobre uma nova hi-
pótese a respeito da origem do universo, do ho-
mem, ou de descobertas arqueológicas que pos-
sam confirmar ou não os relatos da Bíblia. Parece
que imediatamente é ligado, ou ativado, dentro
deles, um dispositivo de autodefesa que os predis-
põe para aceitar tudo aquilo que, a seu ver, con-
corde com os textos bíblicos, e rejeitar tudo o que
aparente alguma contradição.

Isso é fruto de um erro básico: tratar a Bí-


blia como se fosse um livro de ciências, e, mais
ainda, um livro de ciências que está sempre atua-
lizado, sem necessidade de nenhum acerto, inde-
pendentemente da época e do local em que está
sendo utilizado. É claro que a Bíblia não necessita
de nenhum acerto, mas se ela fosse um livro de
ciências, seriam necessários acertos e atualiza-
ções.

83
Senipre digo aos meu lunos que dou gra-
ças a Deus por não ser a Bi 1 a um livro de ciên-
cias, pois se assim fosse sen um livro ultrapassa-
do, da mesma forma como o livros antigos de ci-
ências em sua maioria o são, s descobertas cien-
tificas, principalmente em n sa era, vêm aconte-
cendo de forma espantosa, e . I uilo que há poucos
anos atrás era considerado orno a pura verdade
pode, em nossos dias, toniar-se motivo de riso
para estudiosos mais atualizados.

Portanto, não fique muito alegre quando


esta ou aquela passagem bíblica está, aparente-
mente, de acordo com esta ou aquela tese científi-
ca e, ao mesmo tempo, não se aborreça se entre as
teses e os textos não for posivel encontrar algu-
ma relação viável; são coisas diferentes e não pre-
cisam, necessariamente, estar de acordo. Mesmo
porque a Bíblia fala a linguagem dos homens a
que originalmente foi escrita.

A Bíblia é livro de religião e nessa matéria


não há nela nenhum equivoco ou afirmação erra-
da. Isto deve bastar-nos. Qu os livros de ciências
falem de ciências, de relig verdadeira fala a
Bíblia.

Sendo assim, por exe plo, ninguém deve


preocupar-se com a possibilidade da narrativa da

84
criação em Gênesis estar ou não de acordo com as
hipóteses científicas modernas. Devemos, sim,
buscar nestes relatos a mensagem religiosa para
nós. O autor humano não era nenhum cientista e
não pretendia dar-nos um relato pormenorizado
de como tudo foi feito. Ele procura mostrar, e o
faz de forma brilhante, quem é o criador do uni-
verso.

Também o relato de Levítico 11.13-19 não


deve ser motivo de preocupação para o crente.
Leia o texto como segue:

13 Dentre as aves, a estas abominareis; não se co-


merão, serão abomináveis: a águia, o quebrantoso, o xo-
frango,
14 o açor, o falcão segundo a sua espécie,
15 todo corvo segundo a sua espécie,
16 o avestruz, o mocho, a gaivota, o gavião segun-
do a sua espécie,
17 o bufo, o corvo marinho, a coruja,
18 o porfirião, o pelicano, o abutre,
19 a cegonha, a garça segundo a sua espécie, a
poupa e o morcego.

É uma relação de aves consideradas, se-


gundo a Lei Cerimonial, imundas, as quais não
deveriam servir de alimento.

85
Se a sua leitura do te acima foi feita com
um mínimo de atenção vo deve , sem dúvida,
ter notado que nesta lista de aves se encontra tam-
bém o morcego, o último d relação, animal clas-
sificado de maneira lógica ela ciência moderna
como mamífero e não ave, omo foi considerado
pelo escritor de Levítico. À primeira vista isto pa-
rece ser um erro grosseiro da Bíblia, mas não é
nada disso. Ela foi escrita em uma época na qual
se considerava o morcego cimo se fosse ave. Afi-
nal ele também voa, e só poderia apresentá-lo,
mesmo, em uma relação de aves, pois o autor es-
crevia de acordo com os conhecimentos de sua
época e, primeiramente, para a sua época.

O fato de que, em nossos, dias não se clas-


sifica o morcego como ave não muda em nada a
verdade religiosa do texto bíblico. Nem mesmo se
ele tivesse sido classificadq de forma errada para
o seu tempo mudaria. Ele faz parte, e continuaria
fazendo da mesma forma, de uma lista de animais
imundos, ou seja, proibidqs para a alimentação
humana, em qualquer época, e assim continuará,
mesmo que esteja fora da classificação científica,
seja do passado, atual ou fut ra.

Em Jó 38.29 também contramos um texto


interessante para o ponto q el estamos apresentan-
do. Nele o próprio Deus diz a Jó:

86
"Do ventre de quem saiu o gelo? E quem ge-
rou a geada do céu?".

O que chama a atenção é a afirmação de


que a geada vem do céu, como neve, quando se
sabe perfeitamente, em nossos dias, que ela se
forma no próprio local em que a notamos quando
pronta.

Estaria Deus equivocado quanto à forma do


surgimento da geada? A resposta só pode ser não.
O próprio texto em questão é contra isto. Ele esta-
va falando a Jó de uma maneira compreensível,
dentro dos conhecimentos da época, e o seu obje-
tivo não era mostrar a Já, à sua geração, ou a nós
na atualidade, o processo de formação da geada,
mas apenas demonstrar que ela, como tantas ou-
tras coisas incríveis, procedem dEle mesmo.

Daqui para a frente ao ouvir notícias cha-


mativas a respeito de descobertas científicas con-
tradizentes com a Bíblia, não fique inquieto, per-
maneça em paz, sabendo de antemão que nenhu-
ma nova hipótese poderá abalar a verdade religio-
sa absoluta da Palavra de Deus.

Lembre-se sempre que a Bíblia é livro de


religião e não de ciências. Esteja de acordo ou não

87
com as ciências modernas futuras, ela continua
sendo a mesma em matér de religião Ela é a
verdade, e as ciências, tam m, podem Ser verda-
deiras, cada uma em seu c po especifico de atu-
ação.

88
13.
NÃO VALORIZAR EM DEMASIA
AS DIVISÕES OFERECIDAS
PELAS VERSÕES BÍBLICAS

Todos sabem da importância que tem a


pontuação correta em um texto para expressar de
forma clara o seu significado. Isto é imprescindí-
vel para uma boa leitura e, consequentemente, in-
dispensável para a compreensão da mensagem.
Contudo, os textos originais da Bíblia, quer sejam
os gregos, do Novo Testamento ou os escritos em
hebraico e aramaico do Antigo Testamento, não
contavam com esta grande ajuda. Neles não se en-
contravam pontos nem vírgulas ou outros sinais
auxiliares, o que pode causar ao intérprete um
grande problema na hora de captar o significado
original da mensagem.

Não devemos lançar suspeitas sobre as


pontuações utilizadas em nossas versões moder-
nas, mas precisamos alertar a todos os que preten-
dem entender os significados legítimos dos textos
originais, que a pontuação não deve ser valorizada

89
em demaSia pois, como be sabemos, não faziam
parte dos mesmos e de ce forma, já são o pro-
duto da interpretação de al s estudiosos.

Sendo assim, não e sábio basear nossas


doutrinas em passagens qu3, : ceitem outro tipo de
pontuação que não seja a já adotada, a não ser
que outras partes da Bíblia a confirmem com se-
gurança.

Um exemplo clássi0o da divergência de


pontuação podemos encontrar no texto de Lucas
3.43. Nele, segundo a versão que estamos usando
neste trabalho, está escrito: `1Zespondeu-lhe Jesus:
Em verdade te digo que hóje estarás comigo no
paraíso". Na versão utiliz4da oficialmente pela
seita Testemunhas de Jeová impressa em 1967, o
texto é o seguinte: "E ele lhe disse: 'Deveras eu te
digo hoje: Estarás comigo nó Paraíso'".

Como é possível notar, a grande diferença


entre as duas traduções, aléin de outras pequenas,
é o uso de dois pontos na segunda, logo após a
palavra hoje, o que faz o sentido do texto mudar
completamente em relação primeiro aqui apre-
sentado.

Tarto um quanto o ultro, gramaticalmente


falando, podem estar corret s. Se você quer con-

90
firmar o sentido real deste texto terá que procurar
outros, em outras partes da Bíblia, que compro-
vem ou não o que eles dizem. Não dê grande va-
lor, sem antes confirmar o sentido real com outras
passagens, a esta ou àquela pontuação apresenta-
da.

Graças a Deus, cada vez mais, homens ca-


pacitados têm sido levantados para aprimorar a
qualidade de nossas versões, revisando-as cons-
tantemente na busca do sentido exato do escrito
original.

Mais do que a pontuação, outro fator de di-


ficuldade para a interpretação correta é a divisão
do texto bíblico em capítulos e versículos. Ela é
de grande utilidade para os estudiosos da Bíblia,
ajudando-os a encontrarem os textos com facili-
dade e até mesmo a memorizarem determinadas
passagens limitadas por ela. Contudo, nem sempre
as divisões estão nos lugares onde deveriam, e isto
pode desviar a atenção do intérprete, o qual, au-
tomaticamente, tende a seguir a divisão proposta.

Algumas divisões incoerentes são desco-


bertas com muita facilidade, outras, porém, se
mostram mais difíceis e pedem a máxima atenção
do intérprete para que não cometa erros, dividindo
uma passagem onde não deveria, entendendo as-

91
sim parci lmente a sua me agem ou, pior ainda,
de manei a totalmente dive

Um exemplo simple de divisão de versi-


culo em lugar errado pode r encontrado em Jó
3.1-3. Assim diz o texto:
1 Depois disso abriu Jó ua boca, e amaldiçoou o
seu dia.
2 E Jó falou, dizendo:
3 Pereça o dia em que nasci, e a noite que se disse:
Foi concebido um homem!

Não é difícil de se perceber que o versículo


dois está incompleto, não te ido sentido se for lido
separadamente do três. Na verdade, os dois juntos
deveriam formar apenas urn, como o conteúdo
deles bem mostra.

Outra divisão defeituosa, agora causada


pela separação do texto em capítulos, podemos
encontrar entre o primeiro e o segundo capítulo de
Gênesis. O primeiro se ene erra com o versículo
trinta e um, falando do sex o dia da criação, dei-
xando, arbitrariamente, de ora o sétimo dia que
vem logo em seguida.

Para manter a unida da mensagem, a di-


visão devéria ser feita após versículo três do se-
gundo capítulo. Observe o texto de 1.31-2.3:

92
1.31 E viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era
muito bom. E foi a tarde e a manhã, o dia sexto.
2.1 Assim foram acabados os céus e a terra, com
todo o seu exército.
2.2 Ora, havendo Deus completado no dia sétimo
a obra que tinha feito, descansou nesse dia de toda a obra
que fizera.
2.3 Abençoou Deus o sétimo dia, e o santificou;
porque nele descansou de toda a sua obra que criara e fize-
ra.

Aqui deveria começar o capítulo dois de


Gênesis. Veja como os próximos versículo não
dão seqüência aos anteriores, mas iniciam um
novo assunto:

2.4 Eis as origens dos céus e da terra, quando fo-


ram criados. No dia em que o Senhor Deus fez a terra e os
céus
2.5 não havia ainda nenhuma planta do campo na
terra, pois nenhuma erva do campo tinha ainda
brotado; porque o Senhor Deus não tinha feito chover so-
bre a terra, nem havia homem para lavrar a terra.

Outra divisão fora de lugar, que pode levar


o intérprete a entender o texto de forma errada,
encontra-se nos salmos 42 e 43. Não são dois
salmos como a divisão sugere, mas apenas um14,

14
Derek KIDNER. Salmos 1-72: introdução e comentário,
2. Ed. São Paulo: Vida Nova, 1981, p. 185.

93
como vo ê bem perceber se o observar com
atenção.

Primeiramente leia o imo como segue:

42 Como o servo anseia las correntes das águas,


assim a minha alma anseia por ti ó Deus!
2 A minha alma tem sed- de Deus, do Deus vivo;
quando entrarei e verei a face de Deus?
3 As minhas lágrimas têM sido o meu alimento de
dia e de noite, porquanto se me diz constantemente: Onde
está o teu Deus?
4 Dentro de mim derramo a minha alma ao lem-
brar-me de como eu ia com a multidão guiando-a em pro-
cissão à casa de Deus, com brades de júbilo e louvor, uma
multidão que festejava.
5 Por que estás abatida, á minha alma, e por que te
perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o
louvarei pela salvação que há na pua presença.
6 O Deus meu, dentro de mim a minha alma está
abatida; portanto me lembrarei de ti desde a terra do Jor-
dão, e desde o Hermom, desde o inonte Mizar.
7 Um abismo chama outro abismo ao ruído das
tuas catadupas; todas as tuas ondas e vagas têm passado
sobre mim.
8 Contudo, de dia o Se or ordena a sua bondade,
e de noite a sua canção está co i o, uma oração ao Deus
da minha vida.
9 A Deus, a minha roch digo: Por que te esque-
ceste de mim? Por que ando em nto por causa da opres-
são do inimigo?

94
10 Como com ferida mortal nos meus ossos me
afrontam os meus adversários, dizendo-me continuamente;
Onde está o teu Deus?
11 Por que estás abatida, ó minha alma, e por que
te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o
louvarei, a ele que é o meu socorro, e o meu Deus.
43 Faze-me justiça, á Deus, e pleiteia a minha cau-
sa contra uma nação ímpia; livra-me do homem fraudu-
lento e iníquo.
2 Pois tu és o Deus da minha fortaleza; por que me
rejeitaste? Por que ando em pranto por causa da opressão
do inimigo?
3 Envia a tua luz e a tua verdade, para que me gui-
em; levem-me elas ao teu santo monte, e à tua habitação.
4 Então irei ao altar de Deus, a Deus, que é a mi-
nha grande alegria; e ao som da harpa te louvarei, ó Deus,
Deus meu.
5 Por que estás abatida, ó minha alma? E por que
te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o
louvarei, a ele que é o meu socorro, e o meu Deus.

Feita esta leitura, longa mas necessária para


o nosso exemplo, volte a ler o versículo 9 do Sal-
mo 42 e compare-o com o versículo 2 do Salmo
43. Com certeza encontrará neles grande seme-
lhança, o que está apontando para um mesmo as-
sunto geral entre as duas partes que foram separa-
das pelos capítulos.

Mais marcante ainda é o estribilho que apa-


rece por três vezes no poema. Leia e, de preferên-
cia, sublinhe ou pinte de alguma cor chamativa,

95
como o vermelho, os versíc os 5 e 11 do Salmo
42 e o 5 40 Salmo 43. Salt a seus olhos a uni-
dade deste texto, mostrandi inclusive, que o es-
tribilho está colocado entre paços relativamente
da mesma extensão dentro a obra poética em
foco.

Não é difícil de se co cluir que, se o intér-


prete ficar aferrado às divi ões tradicionalmente
impostas a este texto, haver de chegar à conclu-
sões parciais ou diferentes aquelas que o poema
apresenta. Por isso, em cas s como este, o intér-
prete deve desconsiderar a divisão proposta e bus-
car diligentemente encontrar a unidade completa
do texto. Só assim poderá e tender todo o conse-
lho de Deus apresentado na assagem.

Pontos, vírgulas, versículos e capítulos, as-


sim como vários títulos de passagens, estão no
texto bíblico para ajudar n sua compreensão e
são muito úteis para isto; más, também podem le-
var o intérprete à concluses erradas. Portanto,
não valorize em demasia, esses itens, e busque
sempre, pelos seus próprios esforços, com toda a
ajuda disponível, a unida e o significado de
cada porção da Palavra de eus.

96
14.
INTERPRETAR TEXTOS DIFÍCEIS
À LUZ DE TEXTOS FÁCEIS

Como já foi dito em outra parte deste tra-


balho, existem, na Bíblia, textos difíceis de serem
interpretados. Alguns são até mesmo impossíveis
de serem entendidos em sua plenitude, devido à
falta de informações básicas que os esclareçam.

Isto não deve desanimar o intérprete, pelo


contrário, deve desafiá-lo a trabalhar ainda com
mais afmco, na esperança de compreender melhor
a mensagem contida na passagem, descobrindo as
riquezas que nela se ocultam, devido à nossa falta
de informações mais precisas.

Também existem passagens na Bíblia que


são de facílima compreensão. Qualquer pessoa,
com um mínimo de conhecimentos, pode ver ne-
las o significado da mensagem de Deus. Sendo
assim, por que não aproveitá-las (as passagens fá-
ceis) como um ponto de apoio para o entendi-
mento das outras que são tão dificeis? Isto é bem
possível! Leve sempre em consideração que a Bí-
blia, como Palavra de Deus que é, não possui

97
contradiç "es, apesar de em uns casos, à primei-
ra vista, dar essa impressão.

Se la não possui coe radições, como é o


caso, as passagens aparent' ente contraditórias
não são contraditórias; estã 11 sendo mal interpre-
tadas. É um problema de 1- rpretação, falha do
intérprete, por variadas ca sas, e não do Texto
Sagrado, como muitos procuram alegar.

Para solucionar esse problema, o das apa-


rentes contradições, ou dos textos de dificil com-
preensão, devemos ter sempre em mente os textos
fáceis e claros, para então interpretarmos os difi-
ceis, de forma harmoniosa, iluminados pela luz
dos já compreendidos. Com diz Viertel, "os ver-
sos obscuros devem ser interpretados à luz das
passagens das Escrituras qué possuam um signifi-
cado claro e inconfundível".1s

Como exemplo, peço que você leia o texto


a seguir de Lamentações 2.116:

1 Como cobriu o Senhoz1 de nuvens na sua ira a


filha de Sião! Derrubou do céu lerra a glória de Israel, e
no dia da sua ira não se lembrou escabelo de San pés.

15 Weldon E. VIERTEL. A Interpretação da Bíblia. Rio de Ja-


neiro: JUERP. 1989, p. 189.

98
2 Devorou o Senhor sem piedade todas as moradas
de Jacó; derribou no seu furor as fortalezas da filha de
Judá; abateu-as até a terra. Tratou como profanos o reino
e os seus príncipes.
3 No furor da sua ira cortou toda a força de Israel;
retirou para trás a sua destra de diante do inimigo; e ardeu
contra Jacó, como labareda de fogo que tudo consome em
redor.
4 Armou o seu arco como inimigo, firmou a sua
destra como adversário, e matou todo o que era formoso
aos olhos; derramou a sua indignação como fogo na tenda
da filha de Sião.
5 Tornou-se o Senhor como inimigo; devorou a Is-
rael, devorou todos os seus palácios, destruiu as suas for-
talezas, e multiplicou na filha de Judá o pranto e a lamen-
tação.
6 E arrancou a sua cabana com violência, como se
fosse a de uma horta; destruiu o seu lugar de assembléia;
o Senhor entregou ao esquecimento em Sião a assembléia
solene e o sábado; e na indignação da sua ira rejeitou
com desprezo o sacerdote.

Na opinião de alguns, este texto se mostra


simples e de fácil compreensão; para outros, tal-
vez a maioria, é uma passagem muito dificil, e
para outros, ainda, impossível de se decifrar, na
totalidade dos detalhes, pois dá a entender, ao
tratar da ira de Deus contra Jerusalém, que o
Senhor não é, assim, tão bom quanto tem sido
apresentado, geralmente, nas pregações atuais.

99
For m destacadas ias palavras deste
texto, util zando o negrito • itálico, para que o
leitor per eba, com mais fac4 idade ainda mani-
festação 1a ira de Deus n passagem. Õ ideal,
nesta altura da leitura, para ma visão melhor de
como Deus agiu, é voltar e er as palavras desta-
cadas.

Infelizmente, quando se fala em ira, logo o


assunto é ligado à maldade. tis./Ias, quando se fala a
respeito de Deus, isto está otalmente fora de co-
gitação. Se assim não fosse, realmente, a Bíblia
seria incoerente e contraditória, pois mostra, cla-
ramente, que Deus é perfei amente bom ao mes-
mo tempo em que exerce sua ira em ocasiões
apropriadas.

Nas linhas seguintes não há o objetivo de


interpretar esta passagem, pelo menos não de
forma completa. Essa tarefa fica para cada um dos
leitores, após analisarem as considerações aqui
expostas. Contudo, é bom dizer que para uma in-
terpretação lógica deste te d o, tão profundo, não
se pode colocar de lado as a alavras que se encon-
tram no mesmo livro, no c. • ítulo seguinte, versí-
culos 22-26:

22 benignidade do Seu or jamais acaba, as suas


misericórdias não têm fim;

100
23 renovam-se cada manhã. Grande é a tua fideli-
dade.
24 A minha porção é o Senhor, diz a minha alma;
portanto esperarei nele.
25 Bom é o Senhor para os que esperam por ele,
para a alma que o busca.
26 Bom é ter esperança, e aguardar em silêncio a
salvação do Senhor.

Esses versículos não deixam dúvidas de


que, para o autor de Lamentações, Deus continua
sendo bom, mesmo derramando sua ira sobre o
povo de Jerusalém. Como se nota, para ele, ira e
bondade, no caso de Deus, não são coisas contra-
ditórias, mas características de sua perfeita natu-
reza.

Devem ser levados em consideração, ainda,


as palavras de Jesus em Lucas 18.19, que mos-
tram ser a bondade, em sua plenitude, um atributo
pertencente somente a Deus. Ao responder a uma
saudação feita a Ele mesmo, não em termos con-
vencionais, já que ela "não era empregada entre os
rabinos, porque atribuía ao homem um atributo
que somente Deus possuía"16, Jesus disse: "Nin-
guém é bom, senão um, que é Deus". Ou seja,
Deus não é apenas bom, Ele é perfeitamente bom

16 Leon L. MORRIS. Lucas: Introdução e Comentário. São


Paulo: Vida Nova, 1983, p. 250.

101
e, a main estação de sua ir ao contrário da hu-
mana, não interfere nessa b ade perfeita.

Desta forma, o estuda e da Bíblia fará bem


em interpretar as palavras d amentações 2.1-6 à
luz do que está escrito de a tão clara no ca-
pítulo 3 versículos 22-26 do mesmo livro, e do
ensino geral da Bíblia, Anti o e Novo Testamen-
to, para não cair em contra ição. Uma interpreta-
ção, para este texto, que não leve em consideração
a bondade de Deus, deve ser considerada, imedi-
atamente, como inadequada Está contra o ensino
claro das Escrituras.

Do mesmo modo, como foi feito aqui, ou-


tras passagens difíceis, com termos raros, ou apa-
rentemente contraditórios, devem ser interpretadas
à luz de outros textos mais abundantes e claros,
nos quais se percebam facilinente os ensinos ge-
rais da Bíblia.

102
15.
CONCLUSÃO

Como foi visto nestas breves linhas, a tarefa


de interpretar a Bíblia requer alguns cuidados bá-
sicos, que não podem ser negligenciados sob pena
de desfigurarmos e, o que é ainda pior, até mesmo
modificarmos o sentido verdadeiro de uma passa-
gem da Palavra de Deus.

Para se descobrir a mensagem real é neces-


sário que o intérprete esteja atento, ao menos, às
sugestões rudimentares aqui apresentadas. Elas
não são a garantia total de uma interpretação per-
feita, mas, se levadas a sério, ajudarão em muito
àquele que está iniciando o seu trabalho nesta
área.

O autor pode dizer baseado na experiência


pessoal, sem muito medo de errar, que uma ob-
servação inteligente destes critérios levará o leitor
a uma melhor compreensão das mensagens de
nosso Deus, por meio da Bíblia.

103
O que não pode ha r é uma atitude de
acomod4ão por parte dos itores, achando que a
matéria aqui apresentada s ve de subsídios sufi-
cientes para se entender t e os os textos das Es-
crituras. Isto seria, no mín o, incoerência, pois
muitos eruditos têm gasto suas vidas trabalhan-
do há anos nesta gloriosa tarefa e ainda não se de-
ram por satisfeitos.

Que este livro venha a servir de motivação


para uma busca ainda maiór e mais sensata dos
melhores métodos e formai de interpretação. Que
os leitores, pelos próprios esforços combinados
com a graça do Senhor, cheguem aos verdadei-
ros significados de cada porção da Bíblia, desco-
brindo, desta forma, aquilo que Deus tem a dizer
para a sua vida.

104
REFERÊNCIAS CITADAS

BERKHOF, Louis. Princípios de Interpretação Bíblica. 2.


ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1981.
CARSON, D. A. A Exegese e Suas Falácias, perigos na
interpretação da Bíblia. São Paulo: Sociedade Reli-
giosa Edições Vida Nova, 1992.
CRANE, James D. O Sermão Eficaz. 3. ed. Rio de Janeiro:
JUERP, 1994.
FEE, Gordon D. & STUART, Douglas. Entendes o que
Lês?, um guia para entender a Bíblia com o auxílio
da exegese e da hermenêutica. São Paulo: Sociedade
Religiosa Edições Vida Nova, 1984.
FOUNTAIN, Thomas. Claves de Interpretación Bíblica.
2. ed. El Paso: Casa Bautista de Publicaciones,
1975.
GUSSO, Antônio Renato. As Imprecações no Livro de
Salmos: o uso de imprecações no Livro de Salmos
como armas contra os inimigos. Rio de Janeiro: dis-
sertação de mestrado, S.T.B.S.B., 1996.
HENRICHSEN, Walter A. Métodos de Estudo Bíblico. 5.
ed. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1993.
KIDNER, Derek. Salmos 1-72, introdução e comentário.
2. ed. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida
Nova, 1981.
LUND, E. Hermenêutica, regras de interpretação das Sa-
gradas Escrituras. Deerfield, Flórida: Editora Vida,
1995.

105
MITCHEL, Larry A. Estudos do ocabulário do Antigo
Testamento. São Paulo: So dade Religiosa Edições
Vida Nova, 1996.
MORRIS, Leon L. Lucas, intro• ão e comentário. São
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1983.
TENNEY, Merrill C. Gálatas, E itura da liberdade
cristã. 2. ed. São Paulo: So iedade Religiosa Edi-
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VIRKLER, Henry A. Hermenêu ca, princípios e proces-
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1987.
WELDON, E. Viertel. A Interpretação da Bíblia. 4. ed.
Rio de Janeiro: JUERP, 199.
ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica, meios de desco-
brir a verdade da Bíblia. São Paulo: Sociedade Re-
ligiosa Edições Vida Nova 1994

106
ÍNDICE REMISSIVO

adoração 64, 65 Exegese 3


alegoria.. 44, 46, 47, 48, 57, 58
alma 94, 95, 101 fariseus 59
altar 95 fé 13, 19, 81
amor 34 Filho de Deus 7, 81
anjos 52 filho do homem 45
Antigo Testamento 6, 64, 65, Filho do homem 44, 46, 52
89 filosofia 78
Apocalipse 15
apóstolo Pedro 56 Gamaliel 73, 74, 75
Assíria 69 gentios 13, 70
graça 66, 81, 104
Babilônia 46
bondade de Deus 102 Hebreus 81, 82
homem 23, 61, 62, 63, 72, 74,
casamento 65 83, 92, 93, 95, 101
céu 13, 23, 47, 52, 73, 86, 87,
98 igreja 16, 26, 30, 34
circuncisão 69 Imprensa Bíblica Brasileira .... 4
conhecimento .... 12, 39, 40, 81 Isaías 7
consciência 45 Israel 23, 41, 42, 46, 66, 67,
conversão 15 68, 69, 70, 98, 99
criação 16, 42, 84, 92
cristão 9, 14 Jeremias 3, 69
Cristão 49 Jerusalém 6, 23, 24, 68, 69, 99,
Cristo 29, 34, 51, 58, 66 101
Jesus Cristo 7
desejo 82 Já 64, 65, 86, 87, 92
Dez Mandamentos 65 judaísmo 81
dia do Senhor 22 judeus 70
Diabo 48 Judeus 74
juízo 81
Egito 67, 68 justiça 14, 15, 95
esperança 24, 46, 97, 101 justiça de Deus 14
Espírito Santo 8
Estados Unidos da América. 80 lei 66, 81
exegese 26 Lei 65, 85

107
liberdade 1, 21, 41 rfeição 48
liberdade crista 41 rseverança 48
literatura a 'ptica 44 de Deus 45, 59
Lucas 30, 32, 3, 34, 47, 48, sia 44, 54
49, 55, 56, 58, 90, 101 gação 58
luz 12, 70, 95, 98, 102 'ssão 94
feta 7, 42, 46, 69, 82
mal 1, 14, 21, 59, 98 messas 25
Mateus 13, 33, 52, 56 ovação 48
milagres 59
missionários 30, 31, 33 eino de Deus 73
Moisés 66, 81 reino dos céus 50
morte 68 teligião 75, 84, 87
mundo 2 responsabilidade 2
Mundo 49 ressurreição 46
Rio de Janeiro 64, 81, 98
obrigação 3
oração 8,9,94 Sábado 99
oráculos 44 Sacrificios 66
alomão 13, 68
palavra de Deus 48 Salvação 94, 101
Palavra de Deus 2, 8, 9, 12, 19, São Paulo 3, 26, 41, 43, 49,
27, 43, 70, 71, 82, 87, 96, 56, 64, 94, 101
97, 103 Segunda Guerra 80
parábola. 47, 48, 49, 50, 51, 52 Shakespeare 3
Parábola 47, 49, 51
parábolas 44, 48, 49, 51, 54 Testemunhas de Jeová 90
Parábolas 49 trabalho 4, 14, 29, 59, 77, 90,
paraíso 90 97, 103
Paraíso 90
Paulo 28, 29, 78 Universo 83, 85
pecado 65, 81
Pedro 56, 78 ia eterna 72, 73
perdão 56 VOntade de Deus 2, 9, 72

108

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