Caderno de Poesia Alfredo Atualizado

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CADERNO DE

POESI
A
Poemas (Amor)

Caderno integrante do projeto “Um artefato, um poema, uma


bandeira”
Curso de Letras – Língua Portuguesa e Literaturas de Língua
Portuguesa (CCHSL – UEMASUL)
Disciplina: Poesia Brasileira III
Idealizadora: prof° Brenda da Silva Dias Rocha (PPGLe –
UEMASUL)
Criador do Caderno: Alfredo de Sousa Medrado Neto
Imperatriz- MA, 2024.

Sumário

INTRODUÇÃO 4

AMAR VOCÊ É COISA DE MINUTOS...– LEMINSKI 6

A DONA BRANCA CLARA – OSWALD DE ANDRADE 10

DITIRAMBO – OSWALD DE ANDRADE 11

ACEITARÁS O AMOR COMO EU O ENCARO?... – MÁRIO DE ANDRADE 12

DE LONGE TE HEI DE AMAR - CECÍLIA MEIRELES 13

NUNCA NINGÉM VIU NINGUÉM - CECÍLIA MEIRELES (TRECHO DE "CANÇÃO")


14

PERSONAGEM – CECÍLIA MEIRELES 15

IMPROVISO DO AMOR-PERFEITO - CECÍLIA MEIRELES 17

ARTE DE AMAR – MANUEL BANDEIRA 18

A VIGÍLIA DE HERO – MANUEL BANDEIRA 19

CANTIGA PARA NÃO MORRER – FERREIRA GULLAR 20

AQUELA – HILDA HILST 21

SONETO DO AMOR TOTAL – VINÍCIUS DE MORAES 22

RONDÓ DE MULHER SÓ - PAULO MENDES CAMPOS 23


INTRODUÇÃO

Este livro fala de amor e das diversas formas de expressá-lo. Aqui, você caro(a)
leitor(a), irá se deparar com a imensidão da fonte que a ação de amar proporciona a
quem se permite corre o risco de sustentar, alimentar, nutrir e viver um amor. Espero
que sua experiência seja esplêndida assim como os diversos eixos que o amor nos
proporciona, sem mais delongas, deixe-se embriaga de amor.
Camões, O poema de Camões descreve o amor na sua forma mais profunda,
sutil e delicada. No trecho “Amor, que o gesto humano n’alma escreve/vivas faíscas me
mostrou um dia” remete a ideia de que o amor, separado por vírgula e com inicial
maiúscula, se refere a um amor específico, aquele amor que ultrapassa os gestos
humanos e atinge a profundidade da alma. Diante disso, o termo “n’alma escreve”
designa a ideia de que o amor profundo se caracteriza nas ações do eu lírico, a utilização
do verbo de ação “escrever” submete a ideia desse amor que foge do superficial, sendo
demonstrado nas ações de quem o remete. Diante disso, no fragmento “vivas faíscas me
mostrou um dia” remete a compreensão de que esse amor é forte, vivo e que se permitiu
ser demonstrado, o termo “faíscas” se refere ao fogo, que é vivo, forte, ardente.
Diante dessa acepção, “donde um puro cristal se derretia/por entre vivas rosas e
alva neve” permite o entendimento de que o amor forte, puro, profundo e sólido se
permitiu ser moldado, maleável, derretido, encontrado, vivido. Destarte, o trecho “por
entre vivas rosas e alva neve” evidencia a ideia da vida/existência desse amor, o termo
“rosas” remete a delicadeza, beleza, sutileza que se referem as características desse
amor específico de que o eu lírico descreve, além disso, o termo “alva neve” remete a
ideia de clareza, branquidão, transparência, justificando a conclusão do amor que se
permitiu ser encontrado, demonstrado, vivenciado.
Outrossim, no fragmento “A vista, que em si mesma não se atreve/por se
certificar do que ali via” refere-se a visão do amor, que por permitir ser acessado,
moldado, vivido, se torna algo surreal, que há uma necessidade de “certificar” sua
existência, o verbo também se refere a certeza do sentimento presenciado. Diante disso,
no fragmento “foi convertida em fonte, que fazia/a dor ao sofrimento doce e leve”
remete a ideia de mudança de estado do amor que outrora era forte, duro, concreto,
imutável, e que por ser vivenciado, se permitiu ser moldado, transformado, maleável,
derretido e que por não poder ser consumado trouxe a dor e o sofrimento, no entanto,
por se tratar de um amor profundo e mutável, possibilitou que suavizasse os sentimentos
de dor e sofrimento em doçura e leveza.
Consoante ao exposto, em seguida, no trecho “Jura Amor que brandura de
vontade/causa o primeiro efeito; o pensamento/endoudece, se cuida que é verdade”
remete a bondade e leveza do amor, consoante ao que o autor descreve anteriormente, e
que estabelece a vontade de consumá-lo, mas tudo isso causa um “efeito”, este termo
refere-se a consequência desse amor, que se caracteriza como a loucura, perda dos
sentidos e da razão quando se vive um amor profundo que se permite ser moldado,
transformado, visível.
Em subsequência, no último terceto “Olhai como Amor, gera num momento/de
lágrimas de honesta piedade/lágrimas de imortal contentamento” enfatiza a ideia do
sofrimento, da dor que o amor por não poder ser consumado proporciona, o termo
“honesta piedade” remete ao ato de se colocar no lugar do outro – alteridade –, diante
disso, o último verso “lágrimas de imortal contentamento” justifica a ideia de que o
amor que não pode ser consumado e que por essa razão trouxe consigo lágrimas, dores,
sofrimentos, por mais que sejam doces e leves não conseguiu sobreviver eternamente,
expressando a ideia de que esse amor impedido, não morre mas se transforma, no caso
do eu lírico, seu amor se transformou em dores de “imortal contentamento”.
O poema de Camões trouxe em sua composição, as esferas e camadas da ação
de amar. Nesse sentido, o autor descreve um amor específico, um amor que remete ao
romance cortês, na primeira estrofe pode-se perceber essa relação quando o autor
descreve “Amor, que o gesto humano n’alma escreve”, o verbo “escrever” além de
remeter a ação do ato de amar em si, também enfatiza a ideia do amor de cortesia,
fazendo menção às cartas de amor daquela época. Ao longo do poema pode-se observar
que esse amor há diversas camadas, o amor banal, carnal que conversa com a teoria de
Platão em relação ao amor de Afrodite Pandêmia, enfatizando que: “Ora pois, o Amor
de Afrodite Pandêmia é realmente popular e faz o que lhe ocorre; é a ele que os homens
vulgares amam. E amam tais pessoas, primeiramente não menos as mulheres que os
jovens, e depois o que neles amam é mais o corpo que a alma, e ainda dos mais
desprovidos de inteligência, tendo em mira apenas o efetuar o ato, sem se preocupar se é
decente-mente ou não; daí resulta então que eles fazem o que lhes ocorre, tanto o que é
bom como o seu contrário.”. Consoante a isso, pode-se identificar essa outra esfera do
amor e do ato de amar em si, que por ser algo raso e carnal se torta popular, no entanto,
o poema traz outra versão, a versão do amor puro, verdadeiro, profundo, maleável e
incapaz de morrer.

AMAR VOCÊ É COISA DE MINUTOS...– Leminski

Amar você é coisa de minutos...


Amar você é coisa de minutos
A morte é menos que teu beijo
Tão bom ser teu que sou
Eu a teus pés derramado
Pouco resta do que fui
De ti depende ser bom ou ruim
Serei o que achares conveniente
Serei para ti mais que um cão
Uma sombra que te aquece
Um deus que não esquece
Um servo que não diz não
Morto teu pai serei teu irmão
Direi os versos que quiseres
Esquecerei todas as mulheres
Serei tanto e tudo e todos
Vais ter nojo de eu ser isso
E estarei a teu serviço
Enquanto durar meu corpo
Enquanto me correr nas veias
O rio vermelho que se inflama
Ao ver teu rosto feito tocha
Serei teu rei teu pão tua coisa tua rocha
Sim, eu estarei aqui
A RESPEITO DO AMOR – MACHADO DE ASSIS

A respeito do amor, amo loucamente, como se pode amar aos vinte e dois
anos, com todo o ardor de um coração cheio de vida. Na minha idade o
amor é uma preocupação exclusiva, que se apodera do coração e da cabeça.
Experimentar outro sentimento, que não seja esse, pensar em outra coisa,
que não seja o objeto escolhido pelo coração, é impossível.
AMOR E SEU TEMPO – CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Amor é privilégio de maduros


Estendidos na mais estreita cama,
Que se torna a mais larga e mais relvosa,
Roçando, em cada poro, o céu do corpo.

É isto, amor: o ganho não previsto,


O prêmio subterrâneo e coruscante,
Leitura de relâmpago cifrado,
Que, decifrado, nada mais existe

Valendo a pena e o preço do terrestre,


Salvo o minuto de ouro no relógio
Minúsculo, vibrando no crepúsculo.

Amor é o que se aprende no limite,


Depois de se arquivar toda a ciência
Herdada, ouvida. Amor começa tarde

Logo I heart NY – Milton


Glaser (1977)
A DONA BRANCA CLARA – OSWALD DE ANDRADE

Tome-se duas dúzias de beijocas


Acrescente-se uma dose de manteiga do Desejo
Adicione-se três gramas de polvilho de Ciúme
Deite-se quatro colheres de açúcar da Melancolia
Coloque-se dois ovos
Agite-se com o braço da Fatalidade
E dê de duas em duas horas marcadas
No relógio de um ponteiro só!
DITIRAMBO – Oswald de Andrade

Meu amor me ensinou a ser simples


Como um largo de igreja
Onde não há nem um sino
Nem um lápis
Nem uma sensualidade...
ACEITARÁS O AMOR COMO EU O ENCARO?... – Mário de
Andrade

Aceitarás o amor como eu o encaro?...


...Azul bem leve, um nimbo, suavemente
Guarda-te a imagem, como um anteparo
Contra estes móveis de banal presente.

Tudo o que há de melhor e de mais raro


Vive em teu corpo nu de adolescente,
A perna assim jogada e o braço, o claro
Olhar preso no meu, perdidamente.

Não exijas mais nada. Não desejo


Também mais nada, só te olhar, enquanto
A realidade é simples, e isto apenas.

Que grandeza... a evasão total do pejo


Que nasce das imperfeições. O encanto
Que nasce das adorações serenas.
DE LONGE TE HEI DE AMAR - Cecília Meireles

De longe te hei de amar


– da tranquila distância
em que o amor é saudade
e o desejo, constância.

Do divino lugar
onde o bem da existência
é ser eternidade
e parecer ausência.

Quem precisa explicar


o momento e a fragrância
da Rosa, que persuade
sem nenhuma arrogância?

E, no fundo do mar,
a Estrela, sem violência,
cumpre a sua verdade,
alheia à transparência.
NUNCA NINGÉM VIU NINGUÉM - Cecília Meireles (Trecho
de "Canção")

Nunca ninguém viu ninguém


que o amor pusesse tão triste.
Essa tristeza não viste,
e eu sei que ela se vê bem...
.
PERSONAGEM – Cecília Meireles

Teu nome é quase indiferente


e nem teu rosto mais me inquieta.
A arte de amar é exactamente
a de se ser poeta.

Para pensar em ti, me basta


o próprio amor que por ti sinto:
és a ideia, serena e casta,
nutrida do enigma do instinto.

O lugar da tua presença


é um deserto, entre variedades:
mas nesse deserto é que pensa
o olhar de todas as saudades.

Meus sonhos viajam rumos tristes


e, no seu profundo universo,
tu, sem forma e sem nome, existes,
silêncio, obscuro, disperso.

Teu corpo, e teu rosto, e teu nome,


teu coração, tua existência,
tudo - o espaço evita e consome:
e eu só conheço a tua ausência.

Eu só conheço o que não vejo.


E, nesse abismo do meu sonho,
alheia a todo outro desejo,
me decomponho e recomponho.
Cantigas de Amor Trovadoresca
– autor desconhecido
IMPROVISO DO AMOR-PERFEITO - Cecília Meireles

Naquela nuvem, naquela,


mando-te meu pensamento:
que Deus se ocupe do vento.

Os sonhos foram sonhados,


e o padecimento aceito.
E onde estás, Amor-Perfeito ?

Imensos jardins da insônia,


de um olhar de despedida
deram flor por toda a vida.

Ai de mim que sobrevivo


sem o coração no peito.
E onde estás, Amor-Perfeito ?

Longe, longe, atrás do oceano


que nos meus olhos se alteia,
entre pálpebras de areia...

Longe, longe... Deus te guarde


sobre o seu lado direito,
como eu te guardava do outro,
noite e dia, Amor-Perfeito.
ARTE DE AMAR – Manuel Bandeira

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.


A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus - ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.


Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
A VIGÍLIA DE HERO – Manuel Bandeira
Tu amarás outras mulheres
E tu me esquecerás!
É tão cruel, mas é a vida.
E no entretanto
Alguma coisa em ti pertence-me!
Em mim alguma coisa és tu.
O lado espiritual do nosso amor
Nos marcou para sempre.
Oh, vem em pensamento nos meus braços!
Que eu te afeiçoe e acaricie...

Não sei porque te falo assim de coisas que não são.


Esta noite, de súbito, um aperto
De coração tão vivo e lancinante
Tive ao pensar numa separação!
Não sei que tenho, tão ansiosa e sem motivo.
Queria ver-te... estar ao pé de ti...
Cruel volúpia e profunda ternura dilaceram-me!

É como uma corrida, em minhas veias,


De fúrias e de santas para a ponta dos meus dedos
Que queriam tomar tua cabeça amada,
Afagar tua fronte e teus cabelos,
Prender-te a mim por que jamais tu me escapasses!

Oh, quisera não ser tão voluptuosa!


E todavia
Quanta delícia ao nosso amor traz a volúpia!
Mas faz sofrer... inquieta...
Ah, com que poderei contentá-la jamais?
Quisera calmá-la na música...
Ouvir muito, ouvir muito...
Sinto-me terna... e sou cruel e melancólica!

Possui-me como sou na ampla noite pressaga!


Sente o inefável!
Guarda apenas a ventura
Do meu desejo ardendo a sós
Na treva imensa...
Ah, se eu ouvisse a tua voz!
CANTIGA PARA NÃO MORRER – Ferreira Gullar

Quando você for se embora,


moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa


me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa


por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa


por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.
AQUELA – Hilda Hilst

Aflição de ser eu e não ser outra.


Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.

Aflição de não ser a grande ilha


Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)

Aflição de ser água em meio à terra


E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel

Não saber se se ausenta ou se te espera.


Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.
SONETO DO AMOR TOTAL – Vinícius de Moraes

Amo-te tanto, meu amor… não cante


O humano coração com mais verdade…
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,


E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,


De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim muito e amiúde,


É que um dia em ter corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
RONDÓ DE MULHER SÓ - Paulo Mendes Campos

Estou só, quer dizer, tenho ódio ao amor que terei pelo desconhecido
que está a caminho, um homem cujo rosto e cuja voz desconheço.

Sempre estive duramente acorrentada a essa fatalidade, amor. Muito


antes que o homem surja em nossa vida, sentimos fisicamente que
somos servas de uma doação infinita de corpo e alma.

O homem é apenas o copo que recebe o nosso veneno, o nosso


conteúdo de amor. Não é por isso que o homem me atemoriza,
quando aqui estou outra vez, só, em meu quarto: o que me arrepia de
temor é este amor invisível e brutal como um príncipe.

Quando se fala em mulher livre, estremeço. Livre como o bêbado que


repete o mesmo caminho de sua fulgurante agonia.

A uma mulher não se pergunta: que farás agora da tua liberdade? A


nossa interrogação é uma só e muito mais perturbadora: que farei
agora do meu amor? Que farei deste amor informe como a nuvem e
pesado como a pedra? Que farei deste amor que me esvazia e vai
remoendo a cor e o sentido das coisas como um ácido? É terrível o
horror de amar sem amor como as feras enjauladas.

É quando o homem desaparece de minha vida que sinto a selvageria


do amor feminino. Somos todas selvagens: são inúteis as fantasias que
vestimos para o grande baile. Selvagem era a romana que ficava em
casa e tecia; selvagens eram as mulheres do harém, as mais depravadas
e as mais pudicas; selvagem, furiosamente selvagem, foi a mulher na
sombra da Idade Média, na sua mordaça de castidade; mesmo as
santas - e Santa Teresa de Ávila foi a mais feminina de todas - fizeram
da pureza e do amor divino um ato de ferocidade, como a pantera que
salta inocente sobre a gazela. E selvagem sou eu sob a aparência sadia
do biquíni, olhando a mecânica erótica de olhos abertos, instruída e
elucidada. Pois não é na voluntariedade do sexo que está a selvageria
da mulher, mas em nosso amor profundo e incontrolável como loucura.
O sexo é simples: é a certeza de que existe um ponto de partida. Mas o
amor é complicado: a incerteza sobre um ponto de chegada.
Aqui estou, só no meu quarto, sem amor, como um espelho que
aguarda o retorno da imagem humana. O resto em torno é
incompreensível. O homem sem rosto, sem voz, sem pensamento, está
a caminho. Estou colocada nesse caminho como uma armadilha
infalível. Só que a presa não é ele - o homem que se aproxima - mas
sou eu mesma, o meu amor, a minha alma. Sou eu mesma, a mulher, a
vítima das minhas armadilhas. Sou sempre eu mesma que me aprisiono
quando me faço a mulher que espera um homem, o homem. Caímos
sempre em nossas armadilhas. Até as prostitutas falham nos seus
propósitos, incapazes de impedir que o comércio se deixe corromper
pelo amor. Quantas mulheres traçaram seus esquemas com fria e bela
isenção e acabaram penando de amor pelo velhote que esperavam
depenar. Somos irremediavelmente líquidas e tomamos as formas das
vasilhas que nos contêm. O pior agora é que o vaso está a caminho e
não sei se é taça de cristal, cântaro clássico, xícara singela, canecão de
cerveja. Qualquer que seja a sua forma, depois de algum tempo serei
derramada no chão. Os vasos têm muitas formas e andam todos eles à
procura de uma bebida lendária.

Li num autor (um pouco menos idiota do que os outros, quando falam
sobre nós) que o drama da mulher é ter de adaptar-se às teorias que
os homens criam sobre ela. Certo. Quando a mulher neurótica por
todos os poros acaba no divã do analista, aconteceu simplesmente o
seguinte: ela se perdeu e não soube como ser diante do homem; a
figura que deveria ter assumido se fez imprecisa.

Para esse escritor, desde que existem homens no mundo, há inúmeras


teorias masculinas sobre a mulher ideal. Certo. A matrona foi inventada
de acordo com as idéias de propriedade dos romanos. Como a mulher
de César deve estar acima de qualquer suspeita, muito docilmente a
mulher de César passou a comportar-se acima de qualquer suspeita.
Os Dantes queriam Beatrizes castas e intocáveis, e as Beatrizes castas e
intocáveis surgiram em horda. A Renascença descobriu a mulher culta,
e as renascentistas moderninhas meteram a cara nos irrespiráveis
alfarrábios. O romancista do século passado inventou a mulherzinha
infantil, e a mulherzinha infantil veio logo pipilando.

O tipos vão sendo criados indefinidamente. Médicos produzem


enfermeiras eficientes e incisivas como instrumentos. Homens de
negócios produzem secretárias capazes e discretas. As prostitutas
correspondem ao padrão secreto de muitos homens. Assim somos.
Indiquem-nos o modelo, que o seguiremos à risca. Querem uma
esposa amantíssima - seremos a esposa amantíssima. Se a moda é
mulher sexy, por que não serei a mulher sexy? Cada uma de nós pode
satisfazer qualquer especificação do mercado masculino.

Seremos umas bobocas? Não. Os homens são uns bobocas. O homem


é que insiste em ver em cada uma de nós - não a mulher, a mulher em
estado puro ou selvagem, um ser humano do sexo feminino - o diabo,
a vagabunda, a lasciva, o anjo, a companheira, a simpática, a
inteligente, o busto, o sexo, a perna, a esportista... Por que exige de nós
todos os papéis, menos o papel de mulher? Por que não descobre,
depois de tanto tempo, que somos simplesmente seres humanos
carregados de eletricidade feminina?
A
fr o
di t
e

Deusa do Amor – Site Fandom (2018)

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