Alice No Espelho GL 2ed

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Alice no espelho

Laura Bergallo
Ilustrações Edith Derdyk
Temas Anorexia / Bulimia / Amadurecimento

GUIA DE LEITURA
PARA O PROFESSOR

2ª edição
184 páginas

O livro O livro conta a história de uma Alice Complexidade do texto a partir de


contemporânea. Espelhada na mãe, que cultua a 12 anos. Texto fluente, desenvolvido
em capítulos curtos, em que uma
aparência, e marcada por uma separação familiar
adolescente anoréxica intercala suas
traumática aos oito anos, que levou à perda do convívio experiências com lembranças do pai
com o pai, Alice repete no seu corpo adolescente, e trechos de Alice no País das
por meio de uma anorexia, o vazio dramático de sua Maravilhas. O tema é árduo, mas
existência emocional. que urge ser abordado, sem tabus,
com os adolescentes – justamente
São os fragmentos da lembrança prazerosa do
o que a autora promove durante a
pai contando histórias para embalar seu sono – narrativa.
especialmente as de Alice no País das Maravilhas – que
lhe dão forças para imaginar que atravessa o espelho e
enfrenta suas desconhecidas dificuldades, fazendo parte
de um mundo estigmatizado, em que todas as pessoas
são iguais e seguem o mesmíssimo padrão de beleza.
Alice no espelho Laura Bergallo

POR QUE ESTE LIVRO?

O transtorno alimentar da anorexia, diagnosticado no final


do século XIX, tem seus primeiros registros datados do século
XIII, quando era associado ao ascetismo e praticado por grande
número de mulheres beatificadas pela Igreja Católica. Duas de-
las, Santa Catarina e Santa Liberata, lançaram mão desse recurso
para fugir de casamentos arranjados por suas famílias. Depois de
constituir um verdadeiro surto nos séculos seguintes, a “anore-
xia santa” declinou com o advento da Reforma, no século XVI,
quando passou a ser encarada como heresia ou obra do diabo.
Hoje, cerca de quinhentos anos depois, a anorexia reaparece
como uma patologia peculiar ao nosso tempo e como expressão
sintomática da narcísea cultura contemporânea. Sua incidência é
crescente, cerca de 90% dos casos ocorrem em mulheres e geral-
mente aparecem no período da adolescência.
Apesar das evidentes diferenças entre o cenário cultural da
Idade Média e o dos tempos atuais, trata-se da busca ilusória
de um ideal de santidade, beleza, sucesso, isto é, daquilo que é
sublime, da perfeição, da plenitude. Trata-se também, em ambos
os casos, do drama de grande quantidade de mulheres travando
uma heroica batalha de vida e morte com relação aos destinos da
sua feminilidade.
Alice no espelho conta a história de Alice e de sua perigosa ano-
rexia, lançando mão de um recurso literário – o de transitar en-
tre a protagonista e a Alice do País das Maravilhas – que dá vida
e movimento ao texto. Recurso que gera efeito semelhante na
personagem ao produzir brechas no estéril transtorno alimentar,
rigidamente congelado no seu corpo, por meio da fantasia, do
devaneio e dos sonhos.
Convidar os adolescentes à leitura e à discussão deste livro
pauta o debate sobre o tema da anorexia e seus riscos, sobre a
gravidade desse transtorno e sobre a necessidade de ajuda e de
tratamento que ele demanda. Mas, principalmente, torna essa
reflexão mais apetecedora ao oferecer um texto temperado com
os ingredientes da imaginação e da fantasia, que são os protóti-
pos da nossa capacidade de simbolização e se apresentam como
pontes para Alice representar e transformar em pensamento o
que se revela como ato na sua conduta anoréxica.

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O TEXTO EM FOCO
TEMAS EM DISCUSSÃO

Os transtornos alimentares são construídos na fronteira entre


o corpo e a psique, o individual e o social, a infância e a idade
adulta. Essa configuração de encruzilhada aponta para sua ín-
tima associação com os processos de mudança. Não é por acaso
sua emergência se dar, prioritariamente, no período da adoles-
cência.
Alice, a protagonista da história, sente falta de uma mãe que
possa olhar para além de si mesma e, desde os oito anos de idade,
da presença viva e calorosa do pai. Não sabe o que fazer com
a falta que sente dele desde então e, intimidada pelo ódio que a
separação conjugal produziu em sua mãe, engole o desamparo e
o desejo de conviver com ele.
Ao não ter satisfeitas suas necessidades emocionais mais bá-
sicas, nem espaço para expressar seus desejos e suas angústias,
criam-se verdadeiros buracos psíquicos no mundo interno de
Alice. Aos quinze anos, essas experiências traumáticas tornam
difícil para ela reconhecer o próprio corpo na puberdade ou sus-
tentar seus afetos e pensamentos conflitantes. A relação da ado-
lescente anoréxica com os alimentos repete a maneira como ela
lida com tudo aquilo que necessita e deseja. Luta para controlar
sua fome e vontade de comer, buscando assim afirmar que não
precisa de nada nem de ninguém. A recusa em alimentar-se dá a
ela a ilusão de ter domínio sobre sua situação. Por trás da recusa
da necessidade do alimento está o temor de um apetite insaciá-
vel. Apesar de pouco mais de 50% das anoréxicas se tornarem
bulímicas como a personagem desta história, esse é um medo
recorrente em tais pacientes.
A conduta alimentar das anoréxicas expressa o paradoxo em
que vivem: aquilo que mais necessitam é o que precisam evitar,
pela ameaça que representa. Apesar de arriscarem a vida deixan-
do de se alimentar, o que essas pessoas buscam, para além de
destruir-se, é controlar a si mesmas, tomar em suas mãos, como
nunca fizeram, o próprio destino.
A propensão das pacientes com transtornos alimentares a só
se permitirem ter prazer às escondidas, como nos secretos ata-
ques bulímicos, aponta para a dificuldade que essas adolescen-
tes encontram em se autorizar a existir como seres singulares,
sujeitos de sua vida e de seu espaço. Não é de estranhar que os

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desafios da adolescência se tornem para elas tão assustadores a


ponto de deterem o crescimento de seu corpo.
Para se transformar de peão em rainha, a Alice do País das
Maravilhas sonhou que atravessava o espelho e sentia mais curio-
sidade do que medo no bosque desconhecido. Precisou também
enfrentar a ira da despótica Rainha de Copas. Antes disso, ela
já tinha caído na toca do coelho e experimentado ter todos os
tamanhos, além de ter convivido e trocado ideias com os seres
mais esquisitos.
Nossa protagonista reencontra algo de sua vontade e de seus
sentimentos ao fazer de conta, com muita força, como a Alice do
País das Maravilhas, que também é capaz de fazer essa travessia.
Numa situação-limite, apesar de não identificar sua coragem,
percebe que precisa tê-la.
Em seu sonho, a transformação para a vida adulta torna as
pessoas transgenicamente lindas, monotonamente iguais e con-
geladas no tempo. Também no sonho, é na figura do pai e dos
livros, assim como na figura de Ecila – sua imagem especular, até
no nome –, que Alice encontra a chave para religar-se com seu
mundo interno e suas emoções. A fantasia e a leitura são a senha
para a descoberta de si mesma e para a afirmação da própria
subjetividade.
Ao acompanhar a entrada de uma Ecila contrariada no mundo
adulto, é a percepção dos próprios sentimentos o que preenche
seu solitário desamparo, acalma sua aflição e o ataque bulímico.
Nutrida e grata por essa experiência, pondera que os pensamen-
tos podem causar problemas, mas que é preferível ter problemas
a não ter pensamentos.

EM TEMPO

Antinarcisismo
A cultura contemporânea, que também foi nomeada de “so-
ciedade do espetáculo” por seus imperativos de sucesso e eficá-
cia, caminha na direção oposta do percurso iniciado por Alice no
final do livro.
Seus impactos sobre o psiquismo dos indivíduos produzem
patologias que são, ao mesmo tempo, sintoma e defesa ante a ilu-
são de que existir é “estar sempre em cartaz” e de que consumir é
o passaporte para a felicidade.

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Os transtornos contemporâneos, cuja privilegiada via de ex-


pressão se concretiza no corpo, como bem demonstram a sín-
drome do pânico, a anorexia e a bulimia, denunciam a falta de
vínculo com o outro. E saber do outro é, sem dúvida, dar sentido
à história singular de cada um de nós.

REFLETINDO COM OS ALUNOS

A abordagem dos temas tratados neste livro pode se realizar


por variados caminhos.
• No que se refere aos transtornos alimentares, a conversa pode
contemplar os aspectos históricos, culturais, médicos, psico-
lógicos, éticos e estéticos envolvidos nessa questão, refletindo
com os alunos se esse é um padrão da modernidade ou se o
culto à aparência já vem de muito longe. Um bom gancho
pode ser falar da estética clássica, dos artistas renascentistas,
que preza um encontro entre a essência e a aparência. Tal as-
sunto é discutido com mais vagar na seção “Quer saber?”, no
final do livro. Assim, a leitura do anexo e a posterior discussão
podem ser um mote para entrar no assunto da anorexia.
• Posta a discussão, começada na época do Renascimento, seria
interessante falar um pouco sobre os dias atuais. Há, realmente,
essa busca pelo corpo perfeito? Como os jovens sentem e lidam
com esse culto à aparência? Ele acaba deixando de lado valores
mais importantes, como a leitura, o conhecimento? Uma boa
maneira de fazer os alunos perceber o mundo em que vivem
é questionando-os sobre suas ações cotidianas: eles se preocu-
pam com a aparência? O que rege suas escolhas de roupas, em
quem eles se espelham? Ou ainda pedir que digam o que mais
valorizam nos outros e em si mesmos, e por qual razão.
• Pedir aos alunos que tragam revistas de moda e de entrete-
nimento: quem aparece nessas revistas? Todas as pessoas se-
guem, além da moda, um padrão de estética e comportamen-
to? Analisar a quantidade de imagens em relação à quantidade
de texto. “Lemos” mais imagens do que texto, propriamente?
E o que elas nos dizem?
• No que se refere ao texto literário, as histórias das duas Alices
e de Ecila conferem à leitura a função de passaporte para o
imprescindível mundo da imaginação. Trata-se de uma opor-
tunidade preciosa para conversar com os alunos sobre o lugar

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que os livros têm, tiveram e terão em suas vidas: que tipo de


histórias gostavam de ouvir ou gostam agora de ler, se leram
ou não Alice no País das Maravilhas e que lembranças ficaram
caso conheçam essa história.
• Seja no debate sobre a anorexia, seja na reflexão sobre a re-
lação dos alunos com a leitura, a conversa será sempre mais
produtiva se partir das dúvidas e questões que eles elejam
como pertinentes. Assim, como a ideia é discutir os distúrbios
alimentares e algumas características literárias da narrativa,
uma boa ideia pode ser deixar um tempo de aula para um de-
bate, que seja organizado, mas livre, em que os alunos possam
expor suas opiniões.

DICAS DE LIVROS

PARA O PROFESSOR
Anorexia e bulimia nervosa – uma visão multidisciplinar, Hen-
riette Abramides Bucaretchi (Org.), São Paulo, Editora Casa do
Psicólogo, 2003.

PARA O ALUNO
Alice: edição comentada – Aventuras de Alice no País das Mara-
vilhas e Através do espelho, Lewis Carroll e Martin Gardner, Rio
de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2002.

Elaboração Maria Aparecida Barbirato, psicóloga


do Grupo de Trabalho e Pesquisa em Orientação

Sexual; preparação Laura Bacellar; revisão Márcia


Menin e Carla Mello Moreira

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