ARTIGOS
ARTIGOS
ARTIGOS
O teólogo holandês define teologia bíblica como “o ramo da teologia exegética que
lida com o processo da autorrevelação de Deus registrada na Bíblia” (VOS, 2019, p.
16). Assim, estudar essa disciplina é deparar-se com a realidade de que “a Bíblia é
mais do que uma coleção de dizeres sábios dos quais obtemos nossa orientação, é uma
história unificada que abrange toda uma realidade” (VANHOOZER, 2022, p. 151).
Entretanto, Deus não se revelou de uma única vez, em forma enciclopédica, ditando
todo o conhecimento sobre si de forma ordenada, metódica ou temática. O processo de
revelação se deu através da história, de forma que os próprios fatos e
acontecimentos possuem importância revelacional. Isso aconteceu de forma orgânica,
progressivamente, de modo que foi do estado germinal até atingir o crescimento
pleno.
Assim, Deus deseja que o conhecimento d’Ele ocorra não apenas intelectualmente, mas
no entrelaçamento entre a sua autorrevelação e a vida íntima das pessoas. Isso é o
que o teólogo Geerhardus Vos chama de adaptabilidade prática da revelação (VOS,
2019, p. 19). Nas palavras de Kevin Vanhoozer: “Não basta afirmar a verdade do
ensino bíblico ou mesmo viver pelas metáforas bíblicas. (…) Os discípulos precisam
aprender a habitar a história da Bíblia” (VANHOOZER, 2022, p. 151).
Desse modo, com a teologia bíblica, compreendemos como todas as peças se conectam e
culminam naquilo que o Pai estava fazendo no Filho, por meio do Espírito, para
renovar e reconciliar a humanidade e toda a criação (VANHOOZER, 2022, p. 151). Com
o nascimento de Cristo, a segunda pessoa da Trindade eterna entra na história,
concretizando de forma tangível as esperanças geradas pela revelação anterior.
Segundo Igor Miguel: “Jesus Cristo é o ‘discurso divino’ presente na forma humana,
a Sabedoria Encarnada. Sua biografia dramatiza a vida do Reino, a nova humanidade e
a retomada do destino humano em direção ao que significa ser a imagem de Deus”
(MIGUEL, 2021, p. 164).
O livro de Hebreus exalta a pessoa e obra de Jesus Cristo como a revelação plena e
final de Deus ao seu povo e como o Mediador da nova aliança. Nos primeiros
versículos, o autor mostra a extensão e a amplitude da Palavra de Deus: na época do
Antigo Testamento, Deus falou por meio de seus profetas; no Novo Testamento, Ele
falou por meio de seu Filho (KISTEMAKER, 2013, p. 21). Ele é a culminação da obra
salvadora de Deus na História. Realizou a plena expiação pelo pecado sendo superior
a todas as administrações anteriores:
Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais, pelos
profetas, nestes últimos dias, nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de
todas as coisas, pelo qual também fez o universo. Ele, que é o resplendor da glória
e a expressão exata do seu Ser, sustentando todas as coisas pela palavra do seu
poder, depois de ter feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da
Majestade, nas alturas, tendo-se tornado tão superior aos anjos quanto herdou mais
excelente nome do que eles (Hebreus 1.1-4).
Após ressurgir dos mortos, Cristo afirma que enviaria o Consolador para guiar o seu
povo em toda a verdade. Kevin Vanhoozer afirma que “esse drama é uma história que
se fez carne: primeiro, por Jesus Cristo, em quem a história atinge seu clímax;
depois, por seus discípulos que continuam a corporificar e encenar a história no
poder do Espírito de Cristo” (VANHOOZER, 2022, p. 170). Portanto, o estudo da
teologia bíblica produz não somente conhecimento intelectual, mas nos ajuda a
compreender a nós mesmos e a nos conscientizar da nossa função nesta grande
história da redenção: “manifestar a nova vida em Cristo na liberdade do Espírito e,
assim, glorificar o Pai” (VANHOOZER, 2022, p. 174).
A cada página de estudo de teologia bíblica, nos maravilhamos com um Deus soberano
em todas as instâncias, conduzindo metanarrativas e detalhes íntimos da mente
humana, até atingir todos os seus propósitos e cumprir todas as suas promessas. Não
há como manter-se altivo diante de uma fonte inesgotável de conhecimento. A
finalidade principal das Escrituras não consiste em fornecer informações
teológicas, mas, sim, em promover a transformação do coração e da vida. Quanto mais
conhecemos a Deus, percebemos a infinitude de sua grandeza e impossibilidade de
conhecê-lo plenamente. Isso nos humilha e escancara a verdade de que Ele só pode
ser conhecido porque se revela e opera em nós, através de sua Palavra e da
iluminação de seu Santo Espírito.
Diz a Bíblia em Tiago 4.6: “Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes”.
Assim, sujeitemo-nos a Deus e estudemos teologia bíblica, de joelhos, com oração e
súplica, diante do Senhor, para que Ele nos guie na vida e nos pensamentos.
KAISER, Walter C.; SILVA, Moisés. Introdução à Hermenêutica Bíblica: como ouvir a
Palavra de Deus apesar dos ruídos de nossa época. Tradução: Paulo C. N. dos Santos,
Tarcízio J. F. de Carvalho e Susana Klassen. 3ª ed. São Paulo: Cultura Cristã,
2014. 288 p.
MADUREIRA, Jonas. Inteligência Humilhada. 1ª ed. São Paulo, SP: Vida Nova, 2017.
336 p.
MIGUEL, Igor. A escola do Messias: fundamentos bíblico-canônicos para a vida
intelectual cristã. 1a ed. Rio de Janeiro, RJ: Thomas Nelson Brasil, 2021. 208 p.
VANHOOZER, Kevin J. Discipulado para a glória de Deus: um guia pastoral para fazer
discípulos por meio das Escrituras e doutrina. Tradução: Francisco Wellington
Ferreira. São Paulo, SP: Vida Nova, 2022. 320 p.
**************************************************
Vestígios da Trindade no Antigo Testamento
POR ESTUDANTE DO INC
EM 03/04/2024
Escrito por Yvis Freire Santos, estudante do Pocket Essencial 2023
Introdução
Geralmente, uma das críticas à doutrina da Trindade aponta para uma suposta
descontinuidade em relação ao que é apresentado na Bíblia Hebraica. Argumenta-se
que esta doutrina seria uma quebra do monoteísmo judaico, uma inovação posterior ou
um reflexo da influência da filosofia grega. Diante disso, este artigo visa
elucidar e discutir os sinais de diversidade na unidade da natureza divina,
destacando a unidade e continuidade da autorrevelação de Deus nos dois Testamentos.
O Shemá
O Anjo de Yahweh
O “Anjo do Senhor”, ou “Anjo de Yahweh”, é uma das figuras mais proeminentes dentre
as teofanias no Antigo Testamento. O Anjo de Yahweh é um representante/mensageiro
de Deus que tem um papel de destaque ao longo da narrativa veterotestamentária. Ele
tanto se distingue de Yahweh, falando dele na primeira pessoa3, como também se
identifica com YHWH, falando dele na primeira pessoa, além de compartilhar de seus
atributos e receber adoração4. Portanto, como Geerhardus Vos sugere: “nós devemos
assumir que, por trás da dupla representação, existe uma multiplicidade real na
vida interior da deidade” (VOS, 2010, p. 97).
Uma leitura trinitária das Escrituras
Conclusão
*****************************************************************
(Lucas 24:27)
Durante o trajeto entre Jerusalém e Emaús, caminhando com dois de seus discípulos,
Jesus Cristo ensinou a respeito de si próprio nas “páginas” descritas naquilo que
hoje chamamos de Antigo Testamento. Foram nitidamente impactantes os efeitos de tal
experiência na vida daqueles discípulos: “Não estava queimando o nosso coração,
enquanto ele nos falava no caminho e nos expunha as Escrituras?” (Lucas 24:32).
Ainda assim, e com certa facilidade, por diversas vezes vemos e ouvimos — quando
não mesmo praticamos — a leitura da Bíblia como um conjunto de livros com uma
“clara” separação: Enquanto o Novo Testamento fala de Cristo, o Antigo possui, no
máximo, uma citação aqui e outra ali sobre Ele.
(1) o Antigo Testamento faz parte do cânon cristão; (2) ele revela a história da
redenção que conduz a Cristo; (3) ele proclama verdades não encontradas no Novo
Testamento; (4) ele nos ajuda a entender o Novo Testamento; (5) ele evita uma
compreensão errada do Novo Testamento e (6) ele oferece uma compreensão mais
completa de Cristo (GREIDANUS, 2019, p. 52).
Além disso, a Bíblia que Jesus e os apóstolos possuíam até então era, de fato, o
Antigo Testamento, uma vez que o Novo ainda não havia sido escrito. Cristo se via
nas Escrituras, os seus discípulos o viam nas Escrituras. Assim, por que deveria
ser diferente para nós? Ao olhar os Evangelhos no Novo Testamento, particularmente
nos chama muito a atenção o fato de como João inicia seus relatos: “No princípio
era aquele que é a Palavra. Ele estava com Deus, e era Deus” (João 1:1). É como se
o mesmo quisesse deixar bem claro que o que se seguiria dali para frente teria como
base o início de tudo, e que lá estava Jesus, o Cristo, o Verbo, a Palavra.
Não encontramos esse longo histórico dos atos salvíficos de Deus no Novo
Testamento, que simplesmente assume essa história como fato e constrói sobre ela.
Como somente o Antigo Testamento revela essa história da redenção, ele é
indispensável para a igreja cristã (GREIDANUS, 2019, p. 54).
Por fim, não temos a intenção de esgotar todas as evidências de que nosso Senhor
Jesus está presente e atuante também nos relatos do Antigo Testamento, não teríamos
sequer tal capacidade; mas certamente podemos concluir que uma leitura,
interpretação e pregação de Cristo inevitavelmente precisam passar por toda a
Escritura – Antigo e Novo Testamentos. Abra os olhos e veja, Ele sempre esteve lá.
BÍBLIA DE ESTUDO NVI. Nova Versão Internacional. São Paulo. Editora Vida. 2003.
2424 p.
***************************************************************************
Quando eu digo isso, me refiro à forma comum – e até mesmo contraditória – com a
qual os evangélicos normalmente lidam com as Escrituras.
No terceiro nível, que considero mais sutil e sobre o qual quero dar mais ênfase, é
dissociando o Antigo Testamento, do Novo Testamento, como se fossem duas coisas
distintas. Nesse sentido, o autor Michael Horton (2000, p. 20) nos alerta:
“O Antigo Testamento não é apenas a parte de nossa Bíblia que predisse a vinda de
um Messias e que passou a ser irrelevante quando o Messias veio; é parte de um
drama completo de redenção em curso, e começar com o Evangelho de Mateus é como
começar a assistir a um filme no meio da história. É como pensar que você está
contando uma boa piada quando tudo de que se lembra é o auge da mesma.”
O que o autor nos diz é que quando pensamos que o cânon bíblico é composto de dois
livros diferentes, um antigo e outro novo, como se fossem duas histórias diferentes
de uma mesma franquia de filmes, nós cometemos um grande erro.
Ele continua enfatizando essa continuidade ao apresentar que a diferença não está
na forma da revelação divina, ou seja, o Deus do Antigo Testamento não é um Deus
diferente do Novo. É equivocado pensarmos assim, como se no primeiro houvesse um
Deus vingativo, sanguinário e justiceiro, enquanto no segundo houvesse um Deus
amoroso, gracioso e compassivo.
“Deve-se notar ainda que o contraste estabelecido aqui não é, em primeiro lugar, de
revelação. As palavras falam de uma nova era em termos de acesso religioso a Deus.
Elas não falam de um novo período de autorrevelação divina, apesar de que, é claro,
está pressuposto sob a Lei geral de que o progresso na religião segue o progresso
na revelação.” (Vos, 2019, p. 363)
Vos enfatiza que a mudança testamentária não está relacionada com uma nova forma de
revelação da parte de Deus, como se Ele se revelasse de duas formas distintas. A
mudança se encontra no acesso religioso a Deus, que agora é intermediado pela obra
redentora de Cristo.
Assim, olhando para as próprias atitudes de Jesus em relação às Escrituras do
Antigo Testamento, vemos mais uma vez a confirmação dessa continuidade. O Messias
não apenas fez citações diretas dele ao longo dos evangelhos, como também seus
ensinamentos estavam em plena conformidade.
Obviamente, é claro, que existem leis e ordenanças no Antigo Testamento que eram
específicas para aquele povo e naquele contexto, não se aplicando a nós hoje. Um
bom estudo hermenêutico irá nos evidenciar isso.
Não passe sua Bíblia por uma fragmentadora de papel – seja ela física, ou a nível
interpretativo. Considere a Palavra de Deus por inteiro!
HORTON, Michael. A Lei da Perfeita Liberdade: a ética bíblica a partir dos dez
mandamentos. Tradução: Denise Meister – São Paulo: Cultura Cristã, 2000.
*****************************************************************************