Identidade e Figurino: Análise de Eras Musicais de Lady Gaga Através Do Vestuário

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ESTUDOS EM MODA E DESIGN 93

Identidade e figurino: Análise de


eras musicais de Lady Gaga através
do vestuário
https://doi.org/10.21814/uminho.ed.139.6

João Maria Bezerra Júnior1,


Ítalo José de Medeiros Dantas2, Juan dos Santos Silva3

1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte,
joaobezerrajunior@gmail.com

2
Universidade Feevale, italodantasdesign@hotmail.com

3
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte,
juanfflorencio@gmail.com

Resumo
Este artigo tem por objetivo analisar a formação da identidade visual da artista
Lady Gaga através das eras musicais “The Fame Monster” e “Chromatica” pautado na
construção imagética de seus figurinos. Para tanto, lança-se luz a partir da análise do
discurso, observando o processo de codificação de sentidos desses artefatos. Assim
sendo, é possível compreender de que forma os elementos utilizados por Lady Gaga
formam sua identidade enquanto indivíduo na indústria fonográfica e propõe para
o público diversos significados além da música, potencializando seu trabalho diante
da sociedade contemporânea. Portanto, trata-se de uma pesquisa híbrida ao utilizar
além das bases teóricas da moda e da linguística aplicada, objetivos exploratórios
de abordagem qualitativa, além de ser um estudo de caso com base teórica por meio
da técnica de análise do discurso.

Palavras-chave
Figurino; Indumentária; Música; Discurso; Semiótica.
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1. Introdução
A cultura pop se refere aos produtos midiáticos gerais e contemporâneos, tais como
séries, filmes, músicas, entre outros, mas principalmente elementos observados na
indústria do entretenimento, que se massifica entre a grande população, tornando-
-se mainstream, ou seja, cultura de massa que se torna altamente consumida (Soares,
2014). Embora essa concepção geral consiga definir o âmago do que seria a cultura
pop, nem todo produto cultural que se massifica faz parte deste tipo de paradigma.
Com essa linha de raciocínio, os produtos da cultura pop possuem características
comuns que apontam, de maneira central, para as músicas pop-rock, um gênero mu-
sical artístico que é principalmente consumido entre os jovens, derivado do Rock da
década de cinquenta (Janotti Júnior, 2015).

Neste cenário, a demanda pela construção das experiências dos fãs, faz com que seja
possível gerar uma série de produtos capitalizáveis, tais como bonecos, pelúcias,
livros e artigos de moda, retornando em lucro financeiro no licenciamento e capital
cultural para todas as marcas envolvidas, tendo em vista o valor agregado a esses ar-
tefatos comercializáveis (Soares, 2014). Portanto, ao estudar esses produtos, pensa-
-se nas potencialidades de valor agregado e nos simbolismos que os permeiam. Na
indústria da fonografia pop contemporânea, os cantores e suas equipes de marketing
compreendem essas necessidades, pois, ao lançar os álbuns musicais, preocupam-se
em desenvolver experiências tangíveis e virtuais que vão além de somente ouvir as
músicas ou comprar os álbuns (Ferrari & Zamberlan, 2019). Pode-se observar que es-
ses produtores buscam construir um macroambiente que conecta os fãs aos sentidos
semânticos que permeiam o produto central, potencializando a experiência musical
com o álbum e gerando associações afetivas positivas que ficarão marcadas nas par-
ticularidades individuais e imagéticas destes indivíduos.

A variação nessas experiências artísticas podem ser denominadas, pelos fãs, de “eras”,
fazendo um paralelo com o período histórico que começa com um fato notável e
marcante, ou que origina uma nova ordem de coisas. Portanto, o que se denomina
neste trabalho como “eras”, dentro da perspectiva musical, bem como entre os fãs,
refere-se ao período de lançamento de um produto da indústria musical, mais espe-
cificamente um ou mais álbuns de uma determinada cantora pop que, junto a esse
elemento principal, são desenvolvidos uma série de outros produtos que seguem
a dimensão estético-simbólica do artefato central. Neste caso, analisa-se algumas
das eras musicais de Lady Gaga que referem-se à alguns de seus trabalhos. Dessa
maneira, cada uma dessas eras possui particularidades estéticas e estilísticas espe-
cíficas, comumente relacionada às mensagens que as músicas do álbum em questão
buscam comunicar. A junção desses produtos consegue potencializar uma imersão
mais profunda dos fãs nas obras e lançamentos de um artista.

Nesse contexto, o vestuário, mais especificamente o figurino, utilizado por essas can-
toras, dentro e fora dos shows, podem servir como um potencializador da identidade
e experiência visual pretendida, em especial no desenvolvimento do personagem,
à medida que também se utilizam dos elementos estéticos-simbólicos dos álbuns
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e consegue comunicar seu conceito gerador, ou a história que a cantora deseja co-
municar. Entende-se por figurino todos os trajes cênicos, ou mesmo o conjunto da
indumentária e acessórios, criado ou produzido pelo figurinista/designer, e utilizado
pelo artista para compor determinada comunicação. (Scholl, Del-Vechio & Wendt
2009). Para Miranda (2008), o vestuário enquanto elemento social serve como um
artefato de uma comunicação silenciosa de sentidos, que poderá ser configurado
pelos designers de tal forma que desenvolva a manutenção da experiência de con-
sumo junto aos fãs.

Com o aumento exponencial das plataformas de multimídia, a indústria do entrete-


nimento vem apresentando expressivo crescimento, destacando-se a partir do pla-
nejamento de estratégias de marketing inovadoras, imbricando os entraves culturais.
No contexto da indústria fonográfica, essa necessidade não é diferente. Tendo em
vista que se vive em uma época que a experiência dos usuários/consumidores toma
palco de destaque nas decisões de compra, assim sendo, focar-se em garantir uma
resposta positiva nesta relação se configura como um meio de se destacar dos de-
mais artistas, obtendo mais lucro e capital cultural para a própria marca e seus pa-
trocinadores. Nesse entremeio, o vestuário, na perspectiva do figurino, desempenha
um papel importante, à medida que consegue chocar, comunicar ou chamar atenção
para o seu usuário, chegando aos fãs.

No desenvolvimento de shows musicais, os artistas, especialmente do gênero mu-


sical pop, tendem a possuir uma equipe de criação de vestuário, estes selecionam
figurinos que tenham relação semântica com o álbum e turnê que está sendo apre-
sentada. Portanto, a relevância desta pesquisa se encontra na necessidade de com-
preender as estratégias de artistas musicais no que se refere ao uso de produtos de
vestuário como meio de inovação simbólica para a identidade visual da promoção
dos álbuns, focando-se no marketing de experiência dos fãs. Tendo isso em mente,
o objetivo deste trabalho é entender de quais formas o vestuário, na perspectiva do
figurino, é empregado como potencializador da identidade visual nas era musicais
da cantora Lady Gaga.

Pensando nisso, este artigo tem por objetivo entender e discutir o papel do figurino
na potencialização da identidade de cena em algumas das eras musicais da artista
musical Lady Gaga. Analisar estética, cultural e visualmente a concepção das ima-
gens dos figurinos usados por Lady Gaga em cada era musical de sua carreira, é com-
preender as definições de moda e vestuário e, concomitante, figurino, expressando
seus comportamentos, ideologias, sentimentos.

2. Referencial teórico
A cultura compreende o elemento que distingue os indivíduos nos diferentes contex-
tos socioculturais, trazendo à tona as particularidades de cada sociedade, tais como
vivências, costumes e formas de consumo. Ono (2006, p. 4) compreende a cultura a
partir das “teias de significados tecidas pelo homem nas sociedades, nas quais ele
desenvolve sua conduta e sua análise, e por meio das quais ele dá significado à
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própria vida”. De tal forma, entende-se a cultura como o conjunto de partes que
caracterizam um povo a partir do compartilhamento de sentidos, de suas represen-
tações (Hall, 2016).

Nesse universo, o termo cultura pop cria um paralelo com a palavra “pipoca”, ou até
mesmo com o barulho que os chicletes fazem, isto é, remetendo a algo que não se
consegue parar de mastigar, neste caso, por influência de artifícios das indústrias
culturais; assim, guloseimas que se confundem com a fruição e o entretenimento
pop. No entanto, Janotti Júnior (2015, p. 46) retoma às origens, expressando que
“Cultura pop, termo criado pela crítica cultural inglesa na década de cinquenta para
tentar demarcar, e até certa medida desqualificar como efêmero, o surgimento do
rock’n’roll e o histrionismo da cultura juvenil que ali emergia, está relacionado, pelo
menos nesse primeiro momento, a possibilidades de alta circulação midiática“.

Nesse contexto, a cultura pop, como um derivado da indústria do entretenimento,


costuma ser usada para definir o conjunto de produtos midiáticos de alta circulação,
que se massifica, principalmente entre os jovens (Soares, 2014). Esses produtos cos-
tumam possuir alto apelo de marketing, como meio de comercialização simbólico-
-cultural, investindo na experiência do consumidor, onde o seu âmago produtivo
possui uma base artística e do entretenimento, à medida que se difunde a partir de
filmes, séries e músicas.

Tendo isso em mente, Amaral (2014) explora que a literatura da cultura pop tende,
por vezes, a discutir este fenômeno como uma simples produção de conteúdo para os
fãs, o que não seria o caso. A autora supramencionada (2014, p. 7) conclui que “a cul-
tura pop tanto molda o gosto de seus fãs como é moldada por eles em um processo
de difícil análise enquanto fenômeno, devido a complexidades de ordem econômica,
estética, cultural, sociológica, tecnológica, cognitiva, material, entre outras”. Portanto,
quando se fala na indústria fonográfica, o tópico deste estudo, compreende a mutua-
lidade de sentidos e a troca que existe entre produtor e consumidor.

Adentrando na indústria fonográfica, Soares (2015, p. 18) trata que música pop seria
“as expressões sonoras e imagéticas que são produzidas dentro de padrões das in-
dústrias da música, do audiovisual e da mídia; tendo como lastro estético a filiação
a gêneros musicais hegemônicos nos endereçamentos destas indústrias”. O autor
ressalta ainda a forte conexão com o capitalismo, sendo assim, um produto com
construção orientada ao mercado. Dentro desse ideal, pode-se explorar o conceito
de estética do entretenimento, tendo em vista sua ligação com a cantora Lady Gaga.

No desenvolvimento das ações de um produto da cultura pop, é válido pensar no


holístico, tendo em vista que isso irá tentar garantir uma experiência completa do
receptor. De tal forma, são elementos empregados na publicização de uma peça, ou
de um indivíduo, que fará com que esse produto chame atenção da sociedade, dos
seus consumidores e seja comentado, aumentando suas vendas.

No processo de concepção dessas estratégias, o vestuário pode ser uma dessas fer-
ramentas, tendo em vista seu potencial de comunicar mensagens visuais de maneira
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rápida e não verbal. Assim, Svendsen (2010, p. 49) conclui que "as roupas podem
ser consideradas semanticamente codificadas, mas trata-se de um código com uma
semântica extremamente tênue e instável, sem quaisquer regras realmente inviolá-
veis". Portanto, os cantores e suas equipes se valem dessas estratégias como meio
de gerar a experiência, potencializando as mensagens de um álbum musical ou era.

No contexto da música pop, alguns dos grandes nomes se localizam na indústria


internacional feminina, movimentando bilhões de dólares anualmente nos mais di-
versos segmentos do consumo pop, desde musical, aos perfumes e aos produtos de
vestuário (Berg, 2021). Essas mulheres costumam ser aclamadas como divas e sím-
bolos contemporâneos por uma grande massa de fãs, principalmente da comunidade
LGBTQI+ (Costa, 2020). Sendo alguns desses nomes Beyoncé, Rihanna, Lady Gaga e
Britney Spears. A pesquisa de mestrado de Leal (2017) trouxe à tona a construção da
identidade homossexual masculina a partir dessas cantoras, demonstrando sua rele-
vância sociocultural no desenvolvimento de uma autopercepção e aclamação. Dessa
maneira, o autor supramencionado encontrou, como resultado, duas possibilidades:
a) a legitimação da concepção das cantoras como algo divino; e, b) a percepção de
uma construção de uma identidade gay com o suporte da imagem e discurso apre-
sentados pelas cantoras (Cano, 2017; Leal, 2017).

Esses discursos, conduzidos especialmente por meio de videoclipes musicais, servem


como gatilhos para adoração dos fãs, criando uma conexão inicial através da cultura
visual e das letras das músicas (Cano, 2017). O impacto dessas produções se encon-
tra na concepção artístico-visual de suas obras, como comenta Cano (2017, p. 478,
tradução nossa), “Os interesses das artistas femininas vêm evoluindo desde os anos
oitenta, ampliando as formas de apresentação de conteúdos e identidades e entran-
do em uma indústria tradicionalmente dominada por homens, por meio de propostas
transgressoras, muitas vezes escandalosas”. Assim sendo, observa-se que o emprego
de elementos visuais inovadores mantém os fãs interessados, tornando-se possível
expandir o consumo cultural.

De tal forma, ressalta-se no contexto deste estudo a cantora e compositora Stefani


Joanne Angelina Germanotta, conhecida como a “Lady Gaga”, sendo considerada um
ícone da cultura pop contemporânea. Nasceu em Yonkers, Nova York/EUA, em 28
de março de 1986, e descende de uma família ítalo-americana. Ainda criança, foi
incentivada pela mãe, Cynthia, a ter aulas de piano, estimulando sua afinidade com
a música e a arte. Escreveu, ainda pequena, sua primeira música intitulada de “Dollar
Bills” em alusão à “Money” de Pink Floyd.

O apelido “Gaga” lhe foi conferido pelo produtor musical Rob Fusari, que comparou o
estilo vocal da cantora ao do estrelado Freddie Mercury na canção “Radio Gaga” do
grupo Queen. Em seguida, é a partir de 2008, com o lançamento do primeiro álbum,
“The Fame”, e o relançamento deste como “The Fame Monster”, em 2009, que Gaga
domina o show business mundial. Desde que surgiu na indústria musical, Lady Gaga
apresenta-se com figurinos considerados inovadores, tornando-se uma referência
para a moda e as artes conceituais (Dilonardo, 2011). Diferente de tudo já mostrado
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na cena pop mundial, a cantora construiu sua imagem performática e extravagante


como forma de externar os significados contidos em suas músicas, aliando a isso, tam-
bém, coreografias e videoclipes com as temáticas de cada álbum (Dilonardo, 2011).

Dentro das experiências artísticas, o vestuário é empregado como uma forma de


comunicação, potencializando sentidos simbólicos projetados pela equipe de styling
e criação de figurinos das cantoras pop, de modo que faça sentido com a era em
questão, potencializando a experiência dos fãs, chocando-os e mantendo- os inte-
ressados. Emerenciano (2011, p. 25) trata que “observamos o vestuário como parte
da construção da cultura, o que envolve, também, a construção e permuta de signifi-
cados”. A aplicação do vestuário no contexto de performance nas eras das divas pop
pode ser lida pelo paradigma do figurino de cena, teatral, em que esses artefatos
caracterizam personagens e contribui com a coesão narrativa, tanto para o marke-
ting, quanto para a dimensão estético-simbólico da obra artística/musical entregue
por essas cantoras.

Nisso, embora a questão do figurino seja um amparo geral para a cinematografia, em


que se separa o personagem do ator, Silva Júnior (2011, p. 43) traz que, no caso da
cantora Lady Gaga, tema de estudo deste projeto, “a performer respira moda e usa
o seu corpo para divulgar marcas de grandes estilistas renomados da contempora-
neidade, ao utilizar as suas criações, além de contar com uma equipe criativa para a
confecção dos seus próprios figurinos”. Portanto, entende-se que os indivíduos que
compõem sua equipe podem compreender a necessidade do emprego do vestuário
como intermediador simbólico das relações entre obra, artista e fãs, mas especial-
mente como um artefato da cultura pop, imbricado com valores culturais e mercado-
lógicos. Por isso, tendo em vista sua importância na questão do vestuário conceitual
e da moda enquanto arte e performance, esta pesquisa busca entender as estratégias
de figurinos empregados por esta cantora para potencialização da mensagem de
suas eras musicais.

3. Metodologia
Este artigo se trata de uma pesquisa de natureza básica, por sua finalidade se centrar
na construção de análises e discussões para contribuição do conhecimento teóri-
co da área de criação de figurinos na Moda (Gil, 2008). Com relação aos objetivos,
compreende-se uma pesquisa exploratória, pois busca uma maior familiaridade com
áreas pouco exploradas, neste caso, a aplicação do vestuário na criação de expe-
riências de marketing no setor musical (Gil, 2008). Para consideração dos dados,
será aplicado uma abordagem qualitativa com método interpretativo e discursivo, à
medida que se trata da visão analítica dos pesquisadores envolvidos no projeto para
com o fenômeno estudado (Gil, 2008).

Sobre os procedimentos técnicos, o projeto se trata de uma pesquisa analítica com


base histórica, como explica Santos et al. (2018, p. 152), “O estudo da história no âm-
bito do Design envolve a interpretação do processo de transformação de culturas e
modos de consumo e produção ao longo do tempo, através da coleta de informações
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junto a indivíduos e/ou documentos e/ou artefatos”. Dessa maneira, foca-se na análi-
se da identidade visual geral de álbuns anteriormente lançados por cantores. Junto a
isso, será aplicado ainda o método de estudo de caso (Santos et al., 2018), tendo em
vista que se pretende reverbarar nos fenômenos e experiências especificamente en-
voltos dos lançamentos da cantora Lady Gaga. O figurino é, portanto, parte principal
da análise deste discurso proposto pela artista através das suas músicas.

Sobre o corpus de pesquisa, a cantora Lady Gaga lançou, até 2021, 7 diferentes eras
artísticas, conceito definido no tópico da introdução, que delimita o período e o es-
paço de tempo entre os trabalhos lançados pela artista, neste caso, desde 2008.
Cronologicamente, essas eras são denominadas de “The Fame”, “The Fame Monster”,
“Born This Way”, “Cheek to Cheek”, “Artpop”, “Joanne” e “Chromatica”, cada uma com
sua própria identidade artística. Para esta pesquisa, em específico, serão analisados
o vestuário das eras musicais “The Fame Monster“ e “Chromatica“, por sua contribu-
ção imagética.

Para que seja feita uma análise pertinente, é necessário que sejam estabelecidos
critérios de legitimidade, pois são esses que guiarão os pesquisadores no processo
de decodificação visual dos figurinos de cada era (Orlandi, 2005 [1999]). Para esta-
belecer esses critérios, serão considerados os conceitos de análise do discurso de
Eni Orlandi (2005 [1999], p. 67), em que “começamos por observar o modo de cons-
trução, a estruturação, o modo de circulação e os diferentes gestos de leitura que
constituem os sentidos do texto submetido à análise”. No contexto dessa pesquisa,
o texto a ser submetido ao processo de análise se trata do vestuário de cada álbum
e as relações com a experiência geral e os possíveis discursos evocados pelas peças
de indumentária performadas pela cantora.

4. Discussões e resultados
Em ''The Fame Monster“, Gaga retoma o discurso de seu primeiro álbum “The Fame“
e reforça a exposição da fama com um lado obscuro na vida cotidiana de uma ce-
lebridade e a apresenta como um meio monstruoso na sociedade contemporânea.
Resgatar estas mesmas manifestações do primeiro álbum na continuidade de seu
trabalho, reforça o significado etimológico da palavra discurso, como Orlandi (2005)
apresenta, afirmando que “a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de
curso, de percurso, de correr por, de movimento”. E é, neste sentido, que a cantora pro-
põe expor seu trabalho, reafirmando suas ideologias através da música, explorando
cada vez mais sua identidade através das performances e vestimentas.

É nesta nova era musical que a cantora mescla diversos estilos musicais e surge mais
performática, com a integração maior da moda das passarelas em seus figurinos.
Todo o álbum irá abordar a comparação com o monstro e, logo, suas performances
e vestimentas irão acompanhar esta ideia, surgindo em looks mais góticos, extrava-
gantes e roupas consideradas bizarras, mostrando a desconstrução de um padrão
mostrado até então entre as divas do pop.
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As duas capas veiculadas da era “The Fame Monster” se apresentam com caracte-
rísticas diferentes. A primeira, com Gaga usando uma peruca loira e jaqueta preta
escondendo parte do rosto, e a segunda, com o cabelo liso e os olhos marcados com
um delineador que escorre pelo rosto como lágrimas. Ambas tem em sua capa a letra
“T” de Monster no formato de uma cruz, dando à compreender que o preço da fama
é doloroso (Figura 1).

Figura 1
Capas do álbum ‘’The
Fame Monster“. (https://
pt.wikipedia.org/wiki/
The_Fame_Monster).

As máscaras usadas por Gaga em diferentes videoclipes deste trabalho denotam este
lado obscuro indicado pela essência do álbum. Em “Bad Romance”, por exemplo, onde
se discorre sobre um amor trágico, a cantora surge como uma personagem que emer-
ge de uma cápsula “monster” e tem seu corpo explorado para ser comercializado
sexualmente. Os figurinos passam por transformações durante a narrativa, passando
de um look branco total que cobre todo o corpo e que vai sendo retirado, mostrando
a silhueta do corpo coberta apenas por tramas de correntes prateadas, até o uso de
lingeries em diferentes cores (preta, branca e vermelha), simbolizando a erotização
do momento.

É com “Bad Romance” que Gaga vence o prêmio de clip do ano no VMA 2010 e choca
o mundo pop e a cena fashion ao usar um vestido de carne. A ousadia e a surrealidade
imposta por Gaga naquela noite, marcaram sua carreira e massificaram sua imagem
de uma artista de extrema capacidade criativa e de ícone pop, elevando-a a explorar
um patamar mais monstruoso e grotesco que se vê durante a era The Fame Monster.

Para sua cosntrução de identidade, a cantora utilizou looks da coleção primavera- ve-
rão 2010 do estilista Alexander McQueen que tinha como tema “Plato’s Atlantis”, que
apresentou o conceito de uma mulher mutante num futuro distópico. Gaga escolheu
muito bem as roupas desta coleção para o seu videoclipe, o figurino conseguiu trans-
mitir uma estranheza, sob uma visão distópica do futuro onde é passado um conceito
de algo hiper-real, fugindo da nossa realidade (Silva Júnior, 2011) (Figura 2).

O look branco que cobre todo o corpo de Gaga, além das botas de salto alto e o
acessório de cabeça, trazem referências à figura de monstro. Analogia e inspiração a
Max Wolf – personagem da clássica história infantil do livro de Maurice Sendak de
1963 que acabou virando filme em 2009 – „Onde vivem os monstros“ (Silva Júnior,
2011). O uso de figurinos que trazem referência de outros artistas da cultura pop e
ESTUDOS EM MODA E DESIGN 101

desfiles de moda conceitual, sintetizam o objetivo principal da cantora neste video-


clipe e nos demais deste álbum.

Figura 2
Reprodução do clip
Bad Romance. (https://
portalpopmais.com.br/
bad-romance-11-anos-
de-um-dos-maiores-
marcos-da-musica-e-da-
cultura-pop/).

Após o lançamento de outros álbuns na carreira como “Born This Way”, “Cheek to
Cheek”, “Artpop” e “Joanne”, Gaga se reencontra com seus “antigos monstros” em “Chro-
matica”, lançado no período da pandemia de COVID-19 em maio de 2020 (Figura 3).

Figura 3
Capa do álbum
Chromatica. (https://
www1.folha.uol.com.
br/ilustrada/2020/04/
lady-gaga-divulga-
capa-do-novo-album-
chromatica-nas-redes-
sociais.shtml).

Na capa do álbum, Gaga usa um macacão metálico futurístico preso à uma grade
de metal com o símbolo matemático do som. Diferente do álbum anterior, a cantora
surpreende ao retomar a sua identidade visual característica e a qual foi reconhecida
em seus primeiros trabalhos, como o uso de perucas e looks conceituais carregados
de referências artísticas e com o toque “monstro” já idealizada por ela.

As referências dos artistas da cultura pop, o tempo a qual está inserida e as suas in-
terpretações da sociedade e vida, moldaram a imagem de Lady Gaga como símbolo
transgressor ao formar novas identidades com a ideologia libertadora incluída em
suas letras e performances. E é, desta maneira, de acordo com Prado (2012), que o
discurso de Lady Gaga dialoga com outros discursos, sendo refeito e reafirmado por
palavras, conceitos, contextos, símbolos e signos de outros artistas. Assim, a constru-
ção de sentido ocorre no contexto dessa produção por meio de um conhecimento
prévio de experiências e do repertório tanto de quem pretende produzir sentido,
102 IDENTIDADE E FIGURINO: ANÁLISE DE ERAS MUSICAIS DE LADY GAGA...

como de quem irá recebê-lo, que como interpretante dinâmica, tem condições de
reativar o potencial simbólico imanente dos signos, e desta forma, esta análise dis-
cursiva dialoga com a semiótica ao utilizar-se destes elementos como a imagem e
o figurino para expressar e difundir conceitos e mensagens que a cantora pretende
atingir em seu público.

Assim, pode-se concluir que o caráter performático e a extravagância impetrada na


concepção de seus figurinos desde as primeiras aparições em público, tornaram Lady
Gaga um símbolo contemporâneo da pós-modernidade ao alçar o mesmo patamar
de artistas que a influenciaram musical e culturalmente para a construção da sua
imagem. Para externar as diferentes mensagens contidas em suas músicas, a artista
utilizou-se de signos, símbolos e ícones que remetem a ícones pop como Madonna,
Elton John, David Bowie e Michael Jackson, para reforçar esse equilíbrio entre música
e estética, constituindo dessa forma novas narrativas e discussões para o público.
Para Orlandi (1999), compreender o discurso contido em suas composições, é enten-
der “como os objetos simbólicos produzem sentidos, analisando assim os próprios
gestos e interpretação que ela considera como atos no domínio simbólico, pois eles
intervêm no real do sentido (...) saber como um objeto simbólico (enunciado, texto,
pintura, música, etc) produz sentidos”.

5. Considerações finais
Analisar o vestuário e o discurso da cantora Lady Gaga através das suas eras musi-
cais propostas nesta pesquisa – como exemplo a discussão de “The Fame Monster” e
“Chromatica” – apresenta a reflexão de como um trabalho artístico propõe diversos
significados que são parte da construção identitária de uma celebridade. Do vestuá-
rio às letras musicais, performances e aparições em público, o visual de Lady Gaga se
transforma a cada Era mediante suas constantes mudanças pessoais e vislumbrando
atingir um maior número de pessoas com suas mensagens, tornando-se porta voz de
muitos grupos sociais antes marginalizados. O vestuário, nesta perspectiva, torna-se
símbolo de lutas e apropriação de discursos que podem representar a liberdade de
expressão para vários públicos que se apoderam destas referências.

Agradecimentos
Os autores agradecem ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio
Grande do Norte – campus Caicó, pela bolsa de Iniciação Científica concedida, que
permitiu o desenvolvimento deste estudo.

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