Forma e Exegese

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 11

FORMA

E EXEGESE
1935
E

ARIANA,
A MULHER
1936

VINICIUS
DE MORAES

coleção
vinicius de moraes
coordenação
editorial
eucanaã ferraz
Copyright © 2011 by V. M. Empreendimentos Artísticos e Culturais Ltda.

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa


de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

Capa e projeto gráfico


warrakloureiro
Imagens de capa
Homens © Herbert List/ Magnum Photos/ LatinStock. Alemanha, 1933
Manequim de costura © Herbert List/ Magnum Photos/ LatinStock,
Londres, Inglaterra, 1936
Pesquisa
Eucanaã Ferraz
Daniel Gil
Preparação
Márcia Copola
Revisão
Jane Pessoa
Huendel Viana

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)


(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Moraes, Vinicius de, 1913-1980.


Forma e exegese e Ariana, a mulher / Vinicius de Moraes. —
São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

isbn 978-85-359-1890-8

1. Poesia brasileira i . Título. ii . Título: Ariana, a mulher.

11-06160 cdd -869.91

Índice para catálogo sistemático:


1. Poesia: Literatura brasileira 869.91

[2011]
Todos os direitos desta edição reservados à
editora schwarcz ltda.
Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32
04532-002 — São Paulo — sp
Telefone: [11] 3707 3500
Fax: [11] 3707 3501
www.companhiadasletras.com.br
www.blogdacompanhia.com.br
sumário

FORMA E EXEGESE 9

I
O olhar para trás 17
Sursum 21
Ilha do Governador 23
O prisioneiro 25
O bom ladrão 26
Ausência 28

II
O Incriado 31
A volta da mulher morena 38
A queda 39
O cadafalso 40
A mulher na noite 42
Agonia 43

III
A Legião dos Úrias 47
A última parábola 51
Alba 53
Uma mulher no meio do mar 55
O escravo 56
O outro 59
A música das almas 62
IV
O bergantim da aurora 65
A impossível partida 70
Três respostas em face de Deus 72
Variações sobre o tema da essência 74
A lenda da maldição 80

V
Os malditos 83
O nascimento do homem 87
A criação na poesia 92
Ariana, a mulher
Ariana, a mulher 97

posfácio
Uma poesia subjuntiva,
por Noemi Jaffe 109

arquivo
A transfiguração da montanha,
por Otávio de Faria 117

Duas constantes de Forma e exegese,


por Thiers Martins Moreira 126

cronologia 135

créditos das imagens 143


O OLHAR PARA TRÁS

Nem surgisse um olhar de piedade ou de amor


Nem houvesse uma branca mão que apaziguasse minha
[fronte palpitante…
Eu estaria sempre como um círio queimando para o céu
[a minha fatalidade
Sobre o cadáver ainda morno desse passado adolescente.

Talvez no espaço perfeito aparecesse a visão nua


Ou talvez a porta do oratório se fosse abrindo misteriosamente…
Eu estaria esquecido, tateando suavemente a face do filho morto
Partido de dor, chorando sobre o seu corpo insepultável.

Talvez da carne do homem prostrado se visse sair uma sombra


[igual à minha
Que amasse as andorinhas, os seios virgens, os perfumes
[e os lírios da terra
Talvez… mas todas as visões estariam também em minhas
[lágrimas boiando
E elas seriam como óleo santo e como pétalas se derramando
[sobre o nada.

Alguém gritaria longe: — “Quantas rosas nos deu a primavera!…”


Eu olharia vagamente o jardim cheio de sol e de cores noivas
[se enlaçando
Talvez mesmo meu olhar seguisse da flor o voo rápido de um
[pássaro
Mas sob meus dedos vivos estaria a sua boca fria e os seus
[cabelos luminosos.

17
Rumores chegariam a mim, distintos como passos
[na madrugada
Uma voz cantou, foi a irmã, foi a irmã vestida de branco!
[— a sua voz é fresca como o orvalho…
Beijam-me a face — irmã vestida de azul, por que estás triste?
Deu-te a vida a velar um passado também?

Voltaria o silêncio — seria uma quietude de nave em


[Senhor Morto
Numa onda de dor eu tomaria a pobre face em minhas mãos
[angustiadas
Auscultaria o sopro, diria à toa — Escuta, acorda
Por que me deixaste assim sem me dizeres quem eu sou?

E o olhar estaria ansioso esperando


E a cabeça ao sabor da mágoa balançando
E o coração fugindo e o coração voltando
E os minutos passando e os minutos passando…

No entanto, dentro do sol a minha sombra se projeta


Sobre as casas avança o seu vago perfil tristonho
Anda, dilui-se, dobra-se nos degraus das altas escadas
[silenciosas
E morre quando o prazer pede a treva para a consumação
[da sua miséria.

18
É que ela vai sofrer o instante que me falta
Esse instante de amor, de sonho, de esquecimento
E quando chega, a horas mortas, deixa em meu ser uma
[braçada de lembranças
Que eu desfolho saudoso sobre o corpo embalsamado
[do eterno ausente.

Nem surgisse em minhas mãos a rósea ferida


Nem porejasse em minha pele o sangue da agonia…
Eu diria — Senhor, por que me escolheste a mim que sou
[escravo
Por que me chagaste a mim cheio de chagas?

Nem do meu vazio te criasses, anjo que eu sonhei de


[brancos seios
De branco ventre e de brancas pernas acordadas
Nem vibrasses no espaço em que te moldei perfeita…
Eu te diria — Por que vieste te dar ao já vendido?

Oh, estranho húmus deste ser inerme e que eu sinto latente


Escorre sobre mim como o luar nas fontes pobres
Embriaga o meu peito do teu bafo que é como o sândalo
Enche o meu espírito do teu sangue que é a própria vida!

Fora, um riso de criança — longínqua infância da hóstia


[consagrada
Aqui estou ardendo a minha eternidade junto ao teu corpo
[frágil!
Eu sei que a morte abrirá no meu deserto fontes maravilhosas
E vozes que eu não sabia em mim lutarão contra a Voz.

19
Agora porém estou vivendo da tua chama como a cera
O infinito nada poderá contra mim porque de mim quer tudo
Ele ama no teu sereno cadáver o terrível cadáver que eu seria
O belo cadáver nu cheio de cicatriz e de úlceras.

Quem chamou por mim, tu, mãe? Teu filho sonha…


Lembras-te, mãe, a juventude, a grande praia enluarada…
Pensaste em mim, mãe? Oh, tudo é tão triste
A casa, o jardim, o teu olhar, o meu olhar, o olhar de Deus…

E sob a minha mão tenho a impressão da boca fria murmurando


Sinto-me cego e olho o céu e leio nos dedos a mágica lembrança
Passastes, estrelas… Voltais de novo arrastando brancos véus
Passastes, luas… Voltais de novo arrastando negros véus…

20
SURSUM

Eu avanço no espaço as mãos crispadas, essas mãos juntas


[— lembras-te? — que o destino das coisas separou
E sinto vir se desenrolando no ar o grande manto luminoso
[onde os anjos entoam madrugadas…
A névoa é como o incenso que desce e se desmancha
[em brancas visões que vão subindo…
— Vão subindo as colunas do céu… (cisnes em multidão!)
[como os olhares serenos estão longe!…
Oh, vitrais iluminados que vindes crescendo nas brumas da
[aurora, o sangue escorre do coração dos vossos santos
Oh, Mãe das Sete Espadas… Os anjos passeiam com pés
[de lã sobre as teclas dos velhos harmônios…
Oh, extensão escura de fiéis! Cabeças que vos curvais
[ao peso tão leve da gaze eucarística
Ouvis? Há sobre nós um brando tatalar de asas enormes
O sopro de uma presença invade a grande floresta
[de mármore em ascensão.
Sentis? Há um olhar de luz passando em meus cabelos,
[agnus dei…
Oh, repousar a face, dormir a carne misteriosa dentro
[do perfume do incenso em ondas!

21
No branco lajedo os passos caminham, os anjos farfalham
[as vestes de seda
Homens, derramai-vos como a semente pelo chão!
[O triste é o que não pode ter amor…
Do órgão como uma colmeia os sons são abelhas eternas
[fugindo, zumbindo, parando no ar
Homens, crescei da terra como as sementes e cantai velhas
[canções lembradas…
Vejo chegar a procissão de arcanjos — seus olhos fixam
[a cruz da consagração que se iluminou no espaço
Cantam seus olhos azuis, tantum ergo! — de suas cabeleiras
[louras brota o incêndio impalpável da destinação
Queimam… alongam em êxtase os corpos de cera,
[e crepitando serenamente a cabeça em chamas
Voam — sobre o mistério voam os círios alados cruzando o ar
[um frêmito de fogo!…
Oh, foi outrora, quando nascia o sol — Tudo volta, eu dizia —
[e olhava o céu onde eu não via Deus suspenso
[sobre o caos como o impossível equilíbrio
Balançando o imenso turíbulo do tempo sobre a inexistência
[da humana serenidade.

22

Você também pode gostar