Problemas Associados Ao Uso Irracional D

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Revista Científica da FHO | Fundação Hermínio Ometto v. 9, n.

1: 2021

PROBLEMAS ASSOCIADOS AO USO


IRRACIONAL DE NAFAZOLINA PRESENTE EM
DESCONGESTIONANTES NASAIS.
PROBLEMS ASSOCIATED WITH THE IRRATIONAL USE OF NAFAZOLINE PRESENT IN
NASAL DECONGESTANTS

Julia Helena BERTINI¹; Mirella Oliveira RODRIGUES¹; Ismar RODRIGUES².


¹ Centro Universitário Hermínio Ometto – FHO.
² Docente.
Autora responsável: Mirella Oliveira Rodrigues. Endereço: Av. Dr Maximiliano Baruto , 500 –
Jardim Universitário, Araras – SP. CEP 13607-339, e-mail: mirella070297@gmail.com.

RESUMO they have been widely indicated for the symptomatic


A nafazolina é vasoconstritora adrenérgica, indicada para treatment of allergies and the inflammatory process
o alívio da congestão nasal em processos inflamatórios de responsible for the turgiding of nasal shells. In Brazil,
origem alérgica ou viral. No Brasil, os descongestionantes these drugs are for free use, in general, by self-medication
nasais são, em geral, usados por automedicação. and without the necessary pharmaceutical guidance at the
Protocolos clínicos sugerem que esses medicamentos não time of dispensing. The IV Brazilian Consensus on Rinitis
sejam usados por mais de sete dias consecutivos, devido suggests that these drugs should not be used for more than
ao risco de reações adversas, de desenvolvimento de 7 consecutive days, due to the occurrence of adverse
dependência e do agravamento da congestão nasal de reactions, the risk of developing dependence and the
rebote. Efeitos psicoestimulantes podem ocorrer na worsening of congestion related to rebound drug rinitis.
associação com fármacos simpatomiméticos e The present work was developed through an online
antidepressivos. O presente trabalho foi desenvolvido por questionnaire of objective questions applied to 91
meio de um questionário on-line composto de perguntas volunteers over 18 years of age using nasal decongestants.
objetivas, aplicado a 91 voluntários maiores de 18 anos, The data were statistically analyzed (t-test, Wilcoxon, p <
usuários de descongestionantes nasais. Os dados foram 0.05) for the study of the correlation between the time of
analisados estatisticamente (teste t, Wilcoxon, p < 0,05) use of the drug and the potential for the development of
para o estudo da correlação entre o tempo de uso do tolerance and compulsion to use. The statistical analysis
medicamento e o potencial para o desenvolvimento da showed significance between the time of continuous use
tolerância e compulsão pelo uso. A análise estatística of nafazoline, the need to adjust for above dosage (p <
mostrou significância entre o tempo de uso contínuo da 0.0129) and the difficulty of interrupting the use of the
nafazolina à necessidade de ajuste de dose para cima (p < drug (p < 0.007), consistent with previous reports of risk
0,0129) e à dificuldade de interromper o uso do of tolerance development and its compulsive use.
medicamento (p < 0,007). Neste cenário, o farmacêutico Nafazoline has a narrow therapeutic window, which
apresenta relevante papel de educador em saúde, no que allows an even higher risk of intoxication by abusive
tange aos riscos decorrentes do uso indiscriminado da doses. Associations of nafazoline with other medications
nafazolina. such as pathomimetics and antidepressants can cause
Palavras-chave: descongestionante nasal; serious problems of potentiating its effect and endanger
vasoconstrição; uso irracional de nafazolina. the user's life. The pharmacist plays a very important role
in providing information about possible health problems
ABSTRACT resulting from their indiscriminate use, being in the act of
Nasal decongestants are drugs of adrenergic stimulating dispensing and in the follow-up of the patient.
action on the nasal blood vessels, whose vasoconstrictive Key words: nasal decongestant; vasoconstriction;
action results in the relief of local congestion. Therefore, irrational use.

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INTRODUÇÃO catecolaminas (epinefrina, efenadrina e fenilefrina),


A congestão nasal é uma condição com ação vasoconstritora pela liberação endógena
caracterizada por afecções inflamatórias do nariz e da noradrenalina, a qual age estimulando os
dos seios paranasais mais prevalentes na população receptores alfa presentes no endotélio vascular
em geral (MELLO JUNIOR et al., 2013 apud nasal (CORBOZ et al., 2008 apud DOMINIK et al.,
RODRIGUES; PILOTO; TIYO, 2017). Entre as 2011). A ação alfa-1 agonista da nafazolina reduz o
doenças que se encaixam nessa condição, estão as fluxo sanguíneo local e o edema da mucosa nasal,
rinites alérgicas e não alérgicas, e outras doenças promovendo a desobstrução e a livre passagem do
do trato respiratório superior, responsáveis por ar (SMITH; ARONSON, 2004 apud DOMINIK et
afetar diretamente a qualidade de vida do paciente al., 2011; YOSHIMATSU et al., 2017). Sendo um
(BRANCO et al., 2007 apud RODRIGUES; derivado imidazólico, a nafazolina interage de
PILOTO; TIYO, 2017). Somente a rinite alérgica forma rápida e prolongada com os seus receptores
está presente em cerca de 10 a 20% da população farmacológicos, podendo desencadear o fenômeno
mundial, sendo que 15 a 25% são crianças e da dessensibilização ao estímulo químico causado
adolescentes (CASTRO, 2003 apud DOMINIK et por esta classe de fármacos. (CAVALCANTE et
al., 2011). O uso de descongestionantes nasais tem al., 2018).
sido uma prática frequente por parte dessa A literatura tem reportado casos de reações
população, para o alívio do desconforto respiratório adversas e de intoxicação por nafazolina,
resultante do processo inflamatório e do decorrentes do seu uso em frequência e doses acima
surgimento das conchas nasais, dificultando a da recomendada (0,05 mg/kg). Os primeiros
passagem do ar pelo trato respiratório superior. sintomas aparecem já nas primeiras horas após o
Os descongestionantes nasais são medica- uso do medicamento e, embora seja rara a sua ação
mentos tópicos com atividade adrenérgica, tóxica sistêmica, eles devem ser revertidos
responsáveis pela constrição dos vasos sanguíneos rapidamente, considerando a possibilidade de
que irrigam as conchas, com o consequente alívio agravamento, incluindo vasoconstrição periférica
desses sintomas (WESTFALL et al., 2012 apud sistêmica e efeitos sobre o sistema nervoso central
CAVALCANTE et al., 2018). No Brasil, esses me- (SALGADO et al., 2017).
dicamentos são de venda livre (Resolução Anvisa Segundo Carvalho (2017), em 2014, o
RDC nº 98/2016), em geral, por automedicação e relatório anual de atendimentos do Centro de
sem a necessária orientação farmacêutica no ato da Informação Toxicológica do Rio Grande do Sul
dispensação (LAGUE et al., 2013 apud BORGES; (CIT/RS, 2014) informou que, dentre os fármacos
CARVALHO; MAGALHÃES, 2019). O fácil que atuam no sistema respiratório, a nafazolina
acesso, associado à falta de entendimento da toxici- representou uma prevalência de casos de
dade e efeitos adversos, reflete na ignorância e intoxicação de 48,9%, sendo 3,8% somente em
imprudência das pessoas, justificando o uso crianças menores de seis anos. Nessa população, os
irresponsável desses medicamentos, no que tange à sinais e sintomas, decorrentes do estímulo dos
frequência de uso e à dose administrada (ARRAIS, receptores alfa-2 pré e pós-sinápticos,
1997 apud FERNANDES, 2017), e ao consequente caracterizam-se pela deterioração sensorial,
agravamento dos problemas respiratórios, hipotonia, hipotermia e bradicardia em grau
intoxicações e mortes (BORGES; CARVALHO; variável de comprometimento clínico (SALGADO
MAGALHÃES, 2019). Dados da literatura apon- et al., 2017; DÍAZ et al., 2018), podendo evoluir
tam que, no Brasil, a venda desses medicamentos para náuseas, vômitos, letargia, hipotensão,
representa cerca de 7% dos casos envolvendo depressão do sistema nervoso central e coma
automedicação, contribuindo para o grave problema (MUSSHOFF; GERSCHLAUER; MADEA, 2003
de saúde pública no país (LANGUE; apud CARVALHO, 2017).
ROOITHMANN; AUGUSTO, 2013 apud O IV Consenso Brasileiro sobre Rinites
CAVALCANTE et al., 2018). (SAKANO et al., 2017) sugere que esses
Os princípios ativos com ação medicamentos não sejam usados por mais de sete
vasoconstritora são derivados da imidazolina dias consecutivos, em função da ocorrência de
(nafazolina, oximetazolina e xilometazolina) e das reações adversas, incluindo o risco de
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desenvolvimento de dependência e do agravamento mulheres, distribuídos nas faixas etárias de 18 a 40


da congestão relacionado à rinite medicamentosa de anos e acima de 40 anos. Todos os voluntários
rebote. O mesmo documento contraindica o uso foram orientados sobre os objetivos da pesquisa e
desses medicamentos por crianças menores de 6 assinaram eletronicamente um Termo de
anos de idade e idosos, grupo populacional com Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
maior incidência de hipertensão e dificuldade de Os dados foram analisados estatisticamente
micção. Cavalcante et al (2018) relata que os efeitos (teste t, Wilcoxon, p < 0,05) para o estudo da
maléficos da utilização desses vasoconstritores correlação entre o tempo de uso do medicamento e
tópicos ocorrem após sete dias de uso consecutivos, o potencial para o desenvolvimento da tolerância e
pois a vasoconstrição nasal pode causar lesões de compulsão pelo uso.
mucosa e o efeito rebote. Na mesma linha, a Anvisa
(2016) sugere que o tempo máximo de tratamento RESULTADOS
não ultrapasse três dias consecutivos, ao passo que O questionário on-line foi disponibilizado
emite alertas baseados em dados de no período de 8 de dezembro de 2020 a 9 de janeiro
farmacovigilância sobre o uso indiscriminado de 2021, sendo que todos os participantes
dessas substâncias, sob o risco de desenvolvimento responderam estar de acordo com as condições
de rinite medicamentosa, congestão nasal de rebote previstas no TCLE. De um total de 108
e taquifilaxia. Em 2003, a Anvisa publicou a participantes iniciais, 17 foram excluídos do estudo
Resolução RDC nº 138/2003, que restringe a venda por não cumprirem todos os critérios estabelecidos
dos descongestionantes nasais vasoconstritores sem no TCLE. A pesquisa abrangeu 91 voluntários
a prescrição médica, conforme descrito na lista de finais, entre homens (23,1%) e mulheres (76,9%),
Grupo de Indicações Terapêuticas Especificadas distribuídos nas faixas etárias de 18 a 40 anos
(CAVALCANTE et al., 2018). (89,0%) e maiores de 40 anos (11,0%). Todos os
Nesse cenário, destaca-se a função social do respondentes declararam que usam o fármaco
farmacêutico, na promoção da educação em saúde nafazolina para o tratamento da congestão nasal.
por meio da orientação quanto ao uso seguro de Questionados sobre a necessidade de troca
medicamentos (BORGES; CARVALHO; do medicamento por inefetividade terapêutica,
MAGALHÃES, 2019). A partir dessa premissa, o 61,5% dos voluntários declararam nunca terem
presente projeto foi criado tendo por objetivos realizado essa prática, enquanto 17,6% declararam
estimar o grau de abuso pelo tempo de uso desses já terem realizado a troca mais de uma vez; e os
medicamentos em uma população definida, e o seu demais (20,9%) fizeram a troca apenas uma vez ao
grau de conhecimento sobre os riscos associados longo do tratamento. Quanto ao regime posológico,
aos descongestionantes nasais, além de propor cerca de um terço relatou o uso, no mínimo, quatro
ações de educação em saúde, no que tange ao uso vezes ao dia e há mais de um ano. Os que relataram
seguro desses fármacos. o uso há menos de um ano (até 4 vezes/dia)
somaram 35,2% dos entrevistados. Quando
MATERIAL E MÉTODOS comparados aos usuários da nafazolina há mais de
Este estudo foi submetido e aprovado pelo um ano contínuo, observou-se que o tempo de uso
Comitê de Ética em Pesquisa sob o CAAE nº mostrou correlação com o número de doses. A
40480620.3.0000.5385 e parecer nº. 4.439.352. figura 1 mostra a média (± desvio-padrão) do
Trata-se de uma pesquisa realizada a partir das número de doses diárias de ambos os grupos, em
respostas de voluntários que fazem uso de função do tempo de uso. Os números médios de
descongestionante nasal, por meio da plataforma doses diárias para ambos os grupos foram,
on-line Google Forms. O questionário foi respectivamente, 2,888 (± 1,453) e 4,105 (±1,247).
composto por 14 perguntas objetivas, das quais 13 A análise estatística dos dados (teste t, Wilcoxon)
sobre indicadores do comportamento do voluntário mostrou diferença significativa entre ambos os
em relação ao uso do descongestionante nasal e valores (p < 0,0042), para um valor de p < 0,05.
uma questão referente ao termo de consentimento Figura 1 – Valores das médias (± desvio
livre e esclarecido (TCLE). A pesquisa foi padrão) do número de doses diárias reportadas
respondida por 108 voluntários, entre homens e
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pelos usuários de nafazolina há menos de um ano e Quando questionados se já tentaram deixar


mais de um ano. de usar a nafazolina, apenas 12,1% dos usuários
contínuos há menos de um ano declararam que sim,
contra 46,2% dos usuários há mais de um ano. Os
demais voluntários relataram nunca terem tentado,
independentemente do tempo de uso. Para o estudo
da possível correlação entre o tempo de uso e a
dificuldade encontrada para suspendê-lo, foi criada
uma escala de valores aleatórios de 1 (nunca tentou
interromper), 2 (tentou interromper uma vez, mas
não conseguiu) e 3 (tentou interromper várias
vezes, mas não conseguiu). A partir dessa escala,
foram obtidos os valores médios de 1,563 (±
0,8400) e 2,254 (± 0,8827) para os usuários
Quando questionados sobre a necessidade contínuos há menos e há mais de um ano,
de aumentar as doses para manter a efetividade respectivamente. A análise estatística desses
descongestionante do fármaco, apenas 14,3% dos valores (teste t, Wilcoxon) mostrou diferença
usuários contínuos há menos de um ano declararam significativa entre ambos os grupos (p < 0,007),
que sim, contra 47,3% dos usuários há mais de um para um valor de p < 0,05 (figura 3).
ano. Os demais voluntários relataram nunca terem Figura 3 – Correlação entre o tempo de uso
aumentado a dose, independentemente do tempo de da nafazolina e a dificuldade de interrupção do
uso. Para o estudo da possível correlação entre o tratamento. Os dados foram expressos como a
tempo de uso e a necessidade de aumento da dose, média (± desvio-padrão) das respostas convertidas
foi criada uma escala de valores aleatórios de 1 para uma escala variável de 1 a 3.
(nunca aumentou a dose), 2 (aumentou a dose, mas
retornou à dose original) e 3 (aumentou a dose e
permaneceu elevada). A partir dessa escala, foram
obtidos os valores médios de 1,625 (± 0,8328) e
2,051 (± 0,7751) para os usuários contínuos há
menos e há mais de um ano, respectivamente. A
análise estatística desses valores (teste t, Wilcoxon)
mostrou diferença significativa entre ambos os
grupos (p < 0,0129), para um valor de p < 0,05
(figura 2).
Figura 2 – Correlação entre o tempo de uso
da nafazolina e a necessidade ou não de aumento
da dose. Os dados foram expressos como a média
No que tange às reações adversas relatadas
(± desvio-padrão) das respostas convertidas para
pelos voluntários, a maioria referiu cefaleia,
uma escala variável de 1 a 3.
taquicardia, taquipneia e dificuldade respiratória,
seguido de ansiedade, agitação, pico hipertensivo,
sonolência, tremores, náuseas e vômitos, indepen-
dentemente do tempo de uso. Poucos voluntários
relataram o uso concomitante de outros fármacos,
como corticosteroides, anti-histamínicos H1,
antidepressivos, anti-hipertensivos e hormônios
sexuais. Quando questionados sobre a leitura da
bula do medicamento descongestionante, 47,3%
afirmaram positivamente.

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Assim como a necessidade de doses


DISCUSSÃO maiores, quanto maior o tempo de uso, maior é
Segundo dados da literatura dificuldade de interrupção (Figura 3).
(CAVALCANTE, 2017) e do IV Consenso Questionando os voluntários sobre essa tentativa,
Brasileiro sobre Rinites (SAKANO et al., 2017) o 46,2% dos que fazem uso há mais de um ano
uso contínuo de descongestionantes nasais não declararam que já tentaram interromper o uso do
deve ultrapassar sete dias. O Conselho Regional de descongestionante. A busca pela falsa sensação de
Farmácia (CRF-SP) sugeriu, em uma de suas alívio no desconforto causado pela vasodilatação
publicações, que o efeito rebote da congestão nasal de rebote gera uma compulsão pelo fármaco,
ocorre quando utilizado por mais de quatro ou tornando sua interrupção inacessível.
cinco dias (CRF-SP, 2015). Já a Anvisa (2016) A exposição a doses excessivas da
sugere que o tempo máximo de tratamento deve ser nafazolina aumenta os efeitos da atividade
ainda menor: de três dias. Quando comparados, na simpática, relacionada às suas reações adversas.
pesquisa, os usuários que fazem uso da nafazolina Esse fármaco também apresenta uma estreita janela
há menos de um ano e aqueles que usam há mais terapêutica o que permite um maior risco de
um ano, houve uma relação significativa entre o intoxicação (ALVAREZ-PITTI, 2006 apud
tempo de uso e o aumento no número de doses FERNANDES, 2017). Nessas condições,
(Figura 1), demonstrando que quanto mais considerando o prolongamento e uso de doses
prolongado é o uso do fármaco, maior é o número excessivas, sua ação vasoconstritora pode afetar
de doses administradas diariamente. outros vasos sanguíneos do organismo,
A nafazolina é um fármaco agonista alfa- desencadeando reações adversas como arritmias
adrenérgico, que age seletivamente nos vasos da cardíacas e desenvolvimento de hipertensão arterial
mucosa nasal (SOUZA; BATISTA; ASSIS, 2017) (FERNANDES, 2017), sintomas que foram citados
desencadeando, assim, um estímulo da atividade entre os voluntários da pesquisa, sendo eles
simpática. Sendo local, produz vasoconstrição e taquicardia, taquipneia, dificuldade respiratória e
diminuição da mucosa edemaciada, melhorando a pico hipertensivo. A nafazolina tem ação
ventilação (WELLS et al., 2016), o que causa a vasoconstritora pela liberação endógena de
falsa sensação de conforto ao respirar. Entretanto, noradrenalina (CORBOZ et al., 2008 apud
seu uso a longo prazo pode resultar na DOMINIK et al., 2011), o uso de doses acima da
dessensibilização dos receptores adrenérgicos alfa posologia foi notório entre os voluntários da
1 (SOUZA; BATISTA; ASSIS, 2017), causando a pesquisa, uma vez que esse ato ocasiona o aumento
necessidade de doses maiores para alcançar o efeito da atividade simpática e está relacionado com os
desejado e, consequentemente, a congestão nasal sintomas relatados como ansiedade, agitação,
de rebote característica da rinite medicamentosa. tremores, náuseas e vômitos. Esse fármaco também
Os pacientes com essa condição utilizam o tem a possibilidade de estimular os receptores alfa-
descongestionante com uma frequência maior, 2-adrenérgicos pré-sinápticos dos centros de
porém, com uma menor resposta de ação. controle cardiovascular no SNC, o que pode
Na pesquisa, quando questionadas sobre a ocasionar a inibição da atividade simpática
necessidade do aumento da dose, 47,3% das cerebral, situação que pode levar o indivíduo à
pessoas que fazem uso há mais de ano relataram já depressão neurológica e respiratória, bradicardia e
terem aumentado a dose para manter a efetividade hipotensão arterial (BUCARETCHI;
do descongestionante, contra 14,3% das que fazem DRAGOSAVAC; VIEIRA, 2003).
uso há menos de um ano, indicando que o tempo de As associações da nafazolina com outros
uso está diretamente relacionado a uma medicamentos, como simpatomiméticos e
necessidade de doses diárias maiores (Figura 2). antidepressivos, pode causar problemas graves de
Outro efeito do uso prolongado, consiste na potencialização de seu efeito e colocar em risco a
irritação, ardência, espirros e ressecamento da vida do paciente. A bula do fármaco (da EMS) não
mucosa nasal (WELLS et al., 2016), efeitos que recomenda seu uso concomitante com antidepres-
também causam a constrição nasal e a consequente sivos tricíclicos, e orienta a cautela para pacientes
piora do quadro. que fazem uso de antidepressivos inibidores da
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enzima monoaminoxidase (IMAO), pacientes com deve ser realizada por um profissional farmacêu-
problemas cardiovasculares e que apresentem forte tico no momento da dispensação. Além da
reação a agentes simpatomiméticos (sinais eviden- orientação, o acompanhamento farmacoterapêutico
ciados por insônia e vertigem). feito pelo profissional é uma prática dentro da
Os antidepressivos tricíclicos (ADTs) Atenção Farmacêutica, utilizada para diminuir
bloqueiam a recaptura de monoaminas, como a no- internações ou tempo de permanência em hospitais,
repinefrina (MORENO et al., 1999), ocasionando constituindo uma intervenção terapêutica mais
o seu aumento na fenda sináptica. Os efeitos da custo efetiva, ou seja, que apresenta maior
atividade simpática desencadeada pelo uso de benefício e melhor custo incremental.
nafazolina leva à produção de noradrenalina. Dessa Nesse modelo de prática farmacêutica, o
maneira, a administração de nafazolina associada profissional traça o perfil do paciente e procura
com ADTs ocasiona um efeito sinérgico, aumen- conhecer as medicações utilizadas, as dificuldades
tando o tônus simpático (MORENO et al., 1999). que acompanham a farmacoterapia, as interações
Da mesma maneira, seu uso concomitante com medicamentosas e os problemas relacionados aos
outros agentes simpatomiméticos pode aumentar o medicamentos presentes (YOKOVAMA et al.,
risco de toxicidade. 2011 apud LIMA DE SÁ; FORTES, 2014). O
Outra classe de antidepressivos contraindi- acompanhamento farmacoterapêutico preconiza
cada para essa associação são os inibidores da um atendimento mais humanizado, incluindo maior
enzima monoaminoxidase (IMAO), que atua na tempo de atenção ao paciente a fim de investigar a
metabolização da nafazolina (CRF-SP, 2015). O posologia, aspectos relacionados ao acesso, à
uso concomitante ao IMAO pode elevar suas doses adesão, à administração e ao armazenamento de
no organismo e resultar em uma crise hipertensiva. medicamentos; identificar reações adversas e
Quando questionado sobre a leitura da bula dificuldades que o paciente apresente para seguir a
do descongestionante, 47,3% dos voluntários prescrição médica (HOLBACH et al., 2006 apud
responderam positivamente. A leitura da bula é LIMA DE SÁ; FORTES, 2014).
fundamental para garantir que todo cuidado em seu
uso seja tomado, pois é um instrumento educativo, CONCLUSÃO
que auxilia o paciente no melhor entendimento Durante a pesquisa, os voluntários
quanto à utilização do medicamento, e efeitos que demonstraram possuir pouco conhecimento sobre
ele possa causar (BRASSOLATTI, 2014 apud os riscos em potencial que o uso excessivo de
LIMA; BELATO JUNIOR; TERRA J'NIOR; nafazolina, presente em descongestionantes nasais,
2018). A bula é o principal material de caráter podem causar. O que evidência isso é que nem 50%
informativo destinado aos pacientes, contendo dos participantes fazem a leitura da bula do
informações importantes como a composição, medicamento, deixando de obter informações
posologia, indicações e efeitos colaterais, e deve importantes para um tratamento seguro e eficaz, e
acompanhar todo medicamento conforme determi- acabam ficando expostos aos riscos de reações
nado em legislação própria. (BRASSOLATTI, adversas causadas pelo medicamento. A pesquisa
2014 apud LIMA; JUNIOR; JUNIOR; 2018). Os demonstrou que uma porcentagem significativa de
problemas que surgem para saúde, devido à má usuários de nafazolina já fez a troca do
administração do medicamento pelo usuário, medicamento por inefetividade terapêutica, e que
podem ser evitados se a bula for lida antes do seu há uma relação entre “aumento de dose” para
uso (HOME, 2016 apud RIGOTTO et al., 2016). manter essa efetividade e “tempo de uso”, em
Embora essas informações contidas na bula possam específico para os casos há mais de um ano, em que
ser complexas para pessoas que não possuem ambos os parâmetros se demostraram
familiaridade com alguns termos e dados técnicos, predominantes. Embora poucos usuários tenham
é um direito do usuário buscar ajuda, se necessário, relatado fazer uso concomitante com outros
para que toda a informação e dúvida sejam fármacos, devido às reações adversas de maior
esclarecidas. Essa orientação sobre o uso do frequência como cefaleia, taquicardia, taquipneia e
medicamento para o paciente é imprescindível e dificuldade respiratória, seguido de outros
problemas, uma porcentagem significativa de
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usuários declarou que já tentou interromper o uso https://revista.uniabeu.edu.br/index.php/RU/article


do medicamento e possui dificuldades para isso. /view/3497/pdf. Acesso em: 20 jan. 2021.
Nesse sentido, torna-se necessário e
importante o papel do farmacêutico no momento da BUCARETCHI, F; DRAGOSAVAC, S; VIEIRA,
dispensação para orientar e informar o paciente R. J. Exposição aguda a derivados imidazolínicos
sobre a utilização da forma correta do medicamento em crianças. Jornal de Pediatria, Sociedade
e seus riscos, além de fazer o acompanhamento Brasileira de Pediatria, São Paulo, v. 79, n. 6, p.
farmacoterapêutico do mesmo, enquanto sua venda 519-524, ago. 2003. DOI:
ainda é feita sem prescrição médica. Essa realidade, https://doi.org/10.1590/S0021-
porém, pode mudar em breve, pois vem sendo 75572003000600010. Disponível em:
discutido, na Câmara dos Deputados, o projeto de lei https://www.scielo.br/j/jped/a/xLS39xd4jvTdBBt
1478/21 que determina que os descongestionantes GztgKLnP/?lang=pt. Acesso em: 14 jul. 2021.
nasais sejam vendidos com retenção de receita
médica, a fim de reduzir a automedicação com CARVALHO, A. F. Perfil Epidemiológico dos
substâncias que podem ter efeito viciante e tragam casos de intoxicação por medicamentos
riscos de aumento da pressão arterial. Em termos registrados no centro de informação e
legais, o projeto estabelece que os medicamentos assistência toxicológica do Distrito Federal
que contenham substâncias com ação entre 2011 e 2016. 2017. Trabalho de Conclusão
vasoconstritora de uso nasal serão sujeitos a controle de Curso (Bacharelado em Farmácia) –
sanitário especial (VALADARES, 2021). Universidade de Brasília, Brasília, 2017.
Disponível em:
https://www.bdm.unb.br/bitstream/10483/18678/1
REFERÊNCIAS /2017_AlineFernandesDeCarvalho_tcc.pdf.
Acesso em: 15 jun. 2020.
ANVISA. Agência Nacional de Vigilância
Sanitária. Medicamentos Vasoconstritores CAVALCANTE, R. M. A. et al. Nasal
utilizados no tratamento da congestão nasal: Decongestants and Self-Medication. Open
Risco de Eventos adversos e Journal of Statistics and Probability, Ae Pub
Farmacodependência. n. 12.016, 2016. Disponível LLC, Houston, TX USA, p. 1-6. 2018. Disponível
em: http://antigo.anvisa.gov.br/informacoes- em: https://aepub.com/wp-
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