Curandeiros Na República
Curandeiros Na República
Curandeiros Na República
I – Introdução
Este trabalho busca apresentar e analisar dados iniciais da minha pesquisa de
mestrado que está sendo desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação em
História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (PPGHCS/COC/FIO-
CRUZ), na qual buscamos examinar os discursos de periódicos sobre curandeiros
que atuavam no Estado do Rio de Janeiro durante os anos de 1890-1899, com o
objetivo de compreender as definições atribuídas ao exercício do curandeirismo
e as sociabilidades e os espaços de ocupação dos agentes que o praticavam. Para
tal, construímos um banco de dados com relatos sobre a atuação destes cura-
dores identificados nos periódicos entre os anos de 1890-1899, disponíveis na
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.
Neste artigo analisaremos um episódio específico presente em nosso ma-
peamento que teve como personagem central o curandeiro José Francisco Pinto
Breves, terapeuta popular que atuou em Niterói durante os anos de 1887 a 1910.
A partir das informações encontradas nos periódicos2, identificamos que
Breves, também conhecido como Juca Breves, Juca Machinista, Fuão3 Breves e
Curandeiro Breves, residia na Rua Fonseca nº1, no bairro de mesmo nome, que
se localizava na freguesia da Ponte de Pedra em Niterói. Antes de residir em ali,
Breves morou em Itaboraí e Magé, nas quais era procurado por praticar feitiçaria
e curandeirismo. Sua trajetória, é marcada por contravenções corriqueiramente
noticiadas, que denunciavam suas práticas terapêuticas e ações políticas, que ex-
põem a teia de sociabilidade na qual Breves se inscrevia no intuito de continuar
II – Um curandeiro em apuros
Era dia 16 de fevereiro de 1892, cerca de 9 horas da manhã, quando o Sr.
Araújo chegou em uma casinha no centro de um terreno gramado na Ponte da
Pedra, em Niterói. Na porta, havia uma placa que dizia: “Dr. F. da Rocha, médico e
operador”. Ao entrar na casa, o homem se deparou com uma grande quantidade
de pessoas aguardando. Em meio a estas, encontravam-se cidadãos famosos,
matronas, crianças, cavalheiros respeitáveis, brancos, pretos, histéricos e paralí-
ticos. Após essa breve percepção, dirigiu-se ao balcão e pegou seu cartão – este
era o bilhete de ingresso para as consultas e tratamentos ali oferecidos – que
continha no verso: “Dr. F. da Rocha. Número 185.”
Vendo que havia 184 pessoas na sua frente – que chegaram às 4 ou 5 horas
da madrugada para garantir suas consultas – o Sr. Araújo começou a andar pelo
espaço no qual o tal médico fazia as consultas. Ali encontrou câmaras escuras
onde havia espectros, letras de fogo, vozes soturnas, galinhas pretas comendo
milho espalhados sobre cartas de jogos, um corvo de plumas negras como a ave
do desespero, duendes, alçapões e caveiras humanas.
Ao longo da expedição, ele avistou uma mulher que estava tendo um ataque
epilético e, na ocasião, o afamado curandeiro Juca Breves veio ao socorro dela e,
por meio de rezas e passes magnéticos, expulsou uma possível entidade de den-
tro da mulher. Após este episódio, o Sr. Araújo, impaciente com a espera, saiu da
sala de consulta, fez um sinal previamente combinado e bradou: “Salve-se quem
puder!”. Os apitos começaram a soar, e a polícia de Niterói, fardada e até então
secreta, invadiu a casa e deu voz de prisão a todos que ali se achavam, realizando
então 79 prisões.
Dois grandes bondes mal puderam conter os consulentes, que foram trans-
feridos para a delegacia de polícia militar onde o Dr. Militão, o Primeiro Delega-
do, procedeu com o inquérito interrogando devidamente cada uma das pessoas.
Art. 156. Exercer a medicina em qualquer dos seus ramos, a arte dentaria ou a farmá-
cia; praticar a homeopatia, a dosimetria, o hipnotismo ou magnetismo animal, sem
estar habilitado segundo as leis e regulamentos: Penas – de prisão celular por um
a seis meses e multa de 100$ a 500$000. Parágrafo único. Pelos abusos cometidos
no exercício ilegal da medicina em geral, os seus autores sofrerão, além das penas
estabelecidas, as que forem impostas aos crimes a que derem causa.
Art. 157. Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs e carto-
mancias para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de moléstias
curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar a credulidade publica: Penas
– de prisão celular por um a seis meses e multa de 100$ a 500$000.
Art. 158. Ministrar, ou simplesmente prescrever, como meio curativo para uso inter-
no ou externo, e sob qualquer forma preparada, substância de qualquer dos reinos
da natureza, fazendo, ou exercendo assim, o oficio do denominado curandeiro: Pe-
nas – de prisão celular por um a seis meses e multa de 100$ a 500$000.
Se resultar a morte: Pena – de prisão celular por seis a vinte e quatro anos. (BRASIL,
1890: 29)
9 Até o presente momento não conseguimos obter informações sobre os valores cobrados
por médicos em consultas e procedimentos, o que nos impossibilita de comparar os valores co-
brados entre estes e os curandeiros.
em seu artigo 25 que ninguém pode exercer a medicina ou qualquer dos seus ramos
sem título conferido pelas Escolas de Medicina do Brasil, nem pode servir de perito
perante autoridades judiciarias ou administrativas ou passar certificados de molés-
tias para qualquer fim que seja . Trata-se, portanto de um controle ainda mais restrito
de que o da lei de 1832. (MACHADO, 1978: 193-194)
IV – Considerações finais
Como apresentei anteriormente, o fim do episódio narrado se deu com a
soltura do curandeiro Breves apenas dois dias depois do cerco, mediante o paga-
mento de uma multa como previa o Código Penal. Outros fatos a serem analisa-
dos na pesquisa apontam que, após ser solto, Breves retomou suas atividades de
curandeiro, o que provocou manifestações por meio de notícias de alguns jornais
que se mostravam mais uma vez indignados com os “privilégios” que a justiça
concebia a ele. Dois meses depois desta prisão, identifiquei Breves ligado à um
levante na capital da República, cujo objetivo inicial, segundo o periódico Gazeta
de Notícia, havia sido homenagear o ex-presidente Marechal Deodoro da Fonse-
ca. Contudo, a homenagem adquiriu uma outra proporção e culminou em uma
manifestação que reclamava a saída do presidente Marechal Floriano Peixoto e na
instauração do Estado de Sítio na cidade. Posterior a este episódio, em 1896, José
Francisco Pinto Breves é condecorado com o cargo de terceiro suplente da polícia
militar da Freguesia da Ponte da Pedra, ocupando posteriormente o título de sub-
delegado, no qual ficou até 1907, sendo expulso por praticar curandeirismo. Neste
período em que Breves se torna um agente da ordem, o periódico O Fluminense
denuncia práticas de repressão exercidas por ele através de uma milícia, que pos-
suía como um de seus integrantes seu filho mais velho, Nonô Breves.
11 O trabalho da historiadora Tânia Salgado Pimenta (1997) nos apresenta uma análise sobre
os atores das terapias populares e detalha de forma contundente os meandros da burocratização
destas práticas. Pimenta elucida que qualquer indivíduo que possuísse interesse em praticar o
ofício de cura, necessitava de licenças e cartas emitidas pelo cirurgião-mor do Império. Tais cartas
começaram a ser exigidas a partir de 1808 e prevaleceram até 1828. Segundo ela, também no ano
de 1808 foi extinta a antiga Real Junta do Protomedicato, que possuía a função de melhor definir
as atividades destes profissionais de cura, sendo substituída pela Fisicatura-Mor, que estabeleceu
diferentes relações com os praticantes não diplomados, tendo por objetivo condenar e prender
qualquer pessoa que exercesse a arte de cura sem uma carta ou autorização.
Referências:
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