Amor Além Da Guerra - L.C. Freitas - Nodrm
Amor Além Da Guerra - L.C. Freitas - Nodrm
Amor Além Da Guerra - L.C. Freitas - Nodrm
Freitas
Todos os direitos reservados. Este ebook ou qualquer parte dele não pode ser reproduzido ou usado
de forma alguma sem autorização expressa, por escrito, do autor, exceto pelo uso de citações breves
em resenhas literárias, sob pena criminais e civis. A violação de direitos autoras é crime estabelecido
na lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Ficha catalográfica:
Revisão: Amanda Marques (@gramaticaperfeita) e Poliana Muffato (@poli.autora).
Betagem: Amanda Marques (@autoramarx), Poliana Muffato (@poli.autora), Myo Afeal
(@autora.myo), Dani Daud (@avidaeaescrita), Luciele Freitas (@autoralcfreitas), Luh Abraham
(@luhabra), Samara Viana (@autorasamaraviana), Pauline Cavalcante (@multianaverso)
Ícones: Flaticon
Ilustrações: Myo (@ilustra_myo)
Capa: Myo (@ilustra_myo) e Pauline Cavalcante (@ppwlneilustra)
Diagramação: Pauline Cavalcante (@ppwlneilustra)
SOBRE A SÉRIE
EPÍGRAFE
MING
MING
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MING
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MING
CAPÍTULO 6 - ATRAÇÃO AO PRIMEIRO SOCO
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MING
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MING
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MING
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MING
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MING
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MING
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MING
MING
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MING
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MING
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MING
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MING
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MING
MING
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MING
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CAPÍTULO 32 - RESTOS MORTAIS
MING
LIAM
MING
MING
MING
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MING
AGRADECIMENTOS
Com sede de vingança, Ming ingressa na força policial como
inspetora na pequena cidade sulista do Brasil, sua mente afiada e desastrosa
atraindo rapidamente a atenção dos seus colegas, que, para o seu desespero,
são todos homens.
Todavia, o caminho da verdade é repleto de obstáculos e perigos, e o
que ninguém esperava, era que o retorno da Ming também traria de volta
um assassino em série que não matava ninguém há oito anos.
Enquanto investiga o caso que pode levá-la até o culpado pela morte
da irmã, ela se vê envolvida em uma trama intrincada, onde nada é o que
parece. Tudo se torna ainda mais complexo ao ver-se constantemente
confrontada pelo maior de todos os obstáculos: seu desejo repentino pelo
charmoso e sedutor Inspetor Liam Machado.
A presença do homem ameaça desestabilizar as defesas
cuidadosamente construídas de Ming, levando-a a questionar suas próprias
convicções.
Atenção, esse livro contém os seguintes gatilhos: violência,
assassinato, menção a espancamento e carnificina, traumas psicológicos,
violência doméstica, traços sutis de psicopatia/sociopatia.
Para todas as princesas do mundo real que já sonharam em viver seu conto de fadas. Lembrem-se que
nem sempre vai existir uma fada madrinha, e que às vezes uma princesa precisa desembainhar sua
espada e ir atrás do seu “felizes para sempre”.
Quando perguntam às garotinhas o que elas mais amam em contos de
fadas, algumas dizem que são os vestidos brilhantes, ou a ideia de o amor
sempre vencer no final. Se perguntarem a uma adulta o que a marcou em
um conto de fadas, ela certamente responderá milhares de motivos, dos
mais diversos, os mais óbvios ou talvez os mais surpreendentes, os quais
não esperamos ouvir, pois a magia pode manifestar-se de formas infinitas.
Pensando no quanto as princesas foram especiais na infância de todos
nós, brasileiros, enquanto éramos somente crianças, nós, Hobbytches, oito
autoras espalhadas em cada cantinho de nosso país, juntamo-nos em um
único objetivo e sonho: em cada um dos oito primeiros meses do ano de
2024, uma princesa escolhida pessoalmente por cada uma de nós renascerá
em uma releitura contemporânea e inédita, explorando ares de nosso país
gigante, trazendo protagonistas fortes e incríveis que buscam por seus finais
felizes com a garra e determinação presente em nosso sangue brasileiro.
E como nós, Hobbytches, somos incrivelmente matadoras e geniais
em nossas particularidades, cada uma teve a sua missão em transformar
todas as referências que nos inspiraram ao longo da vida em uma comédia
romântica de sua própria autoria, mesclando seu talento e suas ideias em
uma jornada esplendorosa, que fará você, leitor(a), mergulhar em uma
viagem magnífica nos mundinhos de nossas princesas.
Agora, você embarcará na releitura da princesa Mulan, a guerreira
que fará de tudo para trazer honra à sua família e vingar a irmã assassinada,
só que dessa vez ela é uma policial durona e uma desastrada em todos os
outros quesitos da sua vida, principalmente no amor. Ming está disposta a
tudo e com ela vamos descobrir que a determinação pode abrir milhares de
portas, mas o desejo de vingança pode fechar muitas mais. Essa princesa
nos ensina a ter coragem e enfrentar tudo de frente, não importa o tamanho
do desafio, mesmo quando se trata da paixão que sente por um certo
inspetor charmoso de quase 1,90 de altura.
Eu imagino meu medo como uma pessoa, então eu grito com ele: eu não tenho medo de você!
— Mulan, Walt Disney Animation, 1998.
MING
Caminho pela estrada de cascalho, continuando com a mesma ideia de
trilhar todos os caminhos aos quais Fang costuma percorrer.
Já faz dois dias que refaço seus passos. Ela sempre utilizava as
mesmas ruas quando ia e voltava da escola, nunca cortou caminho quando
queria ir ao parque ou a cachoeira.
Talvez ela tenha tentado uma coisa diferente e se perdido.
Paro de andar ao escutar o som da cascata de água. Fang ama se
sentar nas rochas perto da cachoeira, talvez tenha passado por aqui.
E esquecido de ir para casa?
Ignoro os pensamentos obscuros ao adentrar a pequena trilha que dá
direto na fonte do som, desviando de alguns galhos de árvores antes de
afundar os chinelos na água.
Subo pelo caminho escorregadio, é impossível não me molhar. Estou
quase saindo das águas cristalinas quando tropeço em algo e caio de bunda
em uma rocha.
Meu olhar se desvia para o causador do meu tombo enquanto escolho
a forma criativa que matarei a Fang quando a encontrar. Agora, estou
encharcada e irritada.
Assim que presto atenção na única coisa que poderia ter me
derrubado, só consigo focar nas unhas arroxeadas e no anel em formato de
coração no dedo anelar.
Meu grito ecoa pela cachoeira, até se transformar no som
inconfundível de um toque irritante. Minhas pálpebras tentam se abrir
conforme busco cegamente pelo meu celular.
— Alô?
— Filha, desculpa se te acordei. — A voz da minha mãe soa chiada
do outro lado da linha e afasto o celular para ver o visor. Acabam de
completar 6h, o horário exato em que ela abre o restaurante chinês.
— Já estava acordada — minto em um bocejo ao me sentar,
esfregando os olhos antes de encarar minha mala no canto do quarto.
— Claro que estava. Você me ligou ontem à noite? Só vi agora.
Meus olhos se fecham e respiro fundo.
— Sim.
Ela espera e quando não digo mais nada, um suspiro chiado soa pela
linha.
— O que aconteceu, Ming? Está me preocupando.
Sei que talvez minhas próximas palavras não sejam exatamente uma
coisa boa para minha família, afinal, é por causa delas que vim para São
Paulo, e por minha mãe ser a única que ainda me liga.
— Eles finalmente me chamaram — faço uma pausa, esperando-a
compreender o que isso significa.
É hora de voltar para casa. É hora de colocar tudo que estudei em
prática e trazer honra à Fang, paz para minha família.
O silêncio se estende por longos segundos.
— Quer dizer que...
— Vou pegar o próximo voo para casa, mamãe.
MING
Minha casa não fica muito longe de onde deixei a Ming, mas antes de
ir para lá, dirijo até o outro lado da cidade. Paro o carro em frente à casa
que passamos a viver depois que minha mãe faleceu.
Lembro que ela sonhava em morar em uma casa como essa,
aconchegante, fofa e com espaço apenas o suficiente para que cada um
tivesse privacidade sem se tornarem completos estranhos.
Não gosto de pensar nela, não gosto de ser triste e é exatamente assim
que fico quando o sorriso bonito da minha mãe aparece em minha mente.
Ela tinha olhos expressivos, grandes e azuis que minha irmã Cass herdou,
ela vivia para suplicar ao meu pai por mais tempo, mais tempo para ela,
para os filhos, para o lar. Ele nunca deu isso a ela, até que foi tarde demais.
Um ano depois que minha mãe se foi, ele simplesmente arrumou as
malas e abandonou o cargo em São Paulo para vir morar em uma cidade
pequena com quase nenhum crime. Eu já tinha dezesseis, mas Cassandra
ainda era uma menininha que precisava da mãe, não que eu não precisasse,
só sinto que tive mais tempo e memórias boas do que a Cass teve.
Saio do carro com as chaves da casa na mão, me preparando
psicologicamente para aguentar a conversa estressante que, com toda
certeza, estava para acontecer.
A porta range quando a abro e isso já é o bastante para pesar em meus
ombros. Se qualquer um pudesse me ver agora, jamais reconheceriam o
homem cansado e mal-humorado.
— Pai? — chamo. A casa está silenciosa, mas iluminada.
Meu pai nunca deixa nenhuma luz apagada.
Fecho a porta atrás de mim no momento em que ele surge na sala de
estar, está carrancudo como sempre. Assim que o vejo, meus dedos coçam
para pegar o celular e mandar uma mensagem para a Cassandra, ele é como
um lembrete constante de que não estive aqui quando a Cass precisou de
mim.
Não sinta raiva do seu pai, Liam. Você sempre tenta agradá-lo,
lembra?
— Você está atrasado.
Quero revirar os olhos, mas não faço isso. Estou meio farto de ele
ligar e eu ter que sair correndo igual um cachorrinho. O que os filhos não
fazem pelos pais, mesmo os que não merecem?
— O senhor está bem, pai? — pergunto, pois sei que não deve ser
fácil para ele viver nessa casa sozinho, e sempre que me liga é um sinal de
que está sentindo saudades e é orgulhoso demais para admitir.
— Fiquei sabendo que uma mulher está fazendo parte do
departamento de homicídios agora. — Ele faz uma careta e começa a voltar
para o escritório, então o sigo, soltando um suspiro.
Hoje ele está indo direto ao ponto, tem dias em que o homem leva
horas para finalmente dizer o que quer, deve estar realmente chateado com
isso, não que qualquer um pudesse evitar, não é como se o delegado
decidisse quem trabalha na delegacia.
— É, hoje foi o primeiro dia dela.
— Espero que não esteja pensando em passar casos para ela. — Ele
se senta na poltrona e pega um charuto na sua caixinha dourada.
Apesar dos seus quase setenta anos, ele está em boa forma, o corpo
ainda carrega músculos de quando trabalhava na delegacia de São Paulo. Os
cabelos estão quase completamente grisalhos e o rosto carrega as rugas que
o fazem parecer estar eternamente mal-humorado. Esse é um dos motivos
por sempre querer ser feliz, pois quando envelhecer, quero parecer um
velhinho fofo, não um velhinho carrancudo.
— Pai, nosso setor é o mais parado. — Me sento ao seu lado. —
Estamos resolvendo casos que não são do nosso departamento só para não
mofarmos em nossas cadeiras, não tem nada para ela fazer e a garota é
inofensiva.
Passo a mão pelo maxilar, sentindo a dor do soco assim que as
palavras saem da minha boca. Não que meu pai precise saber que levei um
soco de uma mulher muito menor que eu.
Pensar nela melhora o meu humor e me pego tentando conter um
sorriso.
— Está com dor de barriga?
— O quê?
— Por que está fazendo essa cara de tapado? — Ele leva o charuto
aos lábios, olhando diretamente para mim.
Às vezes me esqueço de como esse velho é astuto.
— O que estou tentando dizer é que a maioria do meu pessoal passa
as noites encarando o telefone, esperando alguém ligar com algum
homicídio e nós dois sabemos que nessa cidade isso é bem raro de
acontecer. Aposto que ela passou o primeiro dia dela jogando algum jogo
inútil no computador.
— Espero que continue assim.
— Qual o problema de uma mulher estar na delegacia?
— Lugar de mulher é em casa, Liam. — Estou prestes a retrucar
quando ele acrescenta: — Em segurança.
Automaticamente penso na mamãe, me lembro do único dia em que
vi meu pai chorar. Ele estava sozinho no quarto de hospital com a minha
mãe, o homem não sabia que eu estava os olhando pela janela.
Recordo que ele deitou a cabeça no colo dela e soluçou como uma
criança apavorada, acho que a ficha estava caindo de que ela não resistiria
por muito tempo. Assistir meu pai se despedir da minha mãe fez o mundo
se tornar escuro para mim, pois se o homem grande e durão estava rendido
ao pranto, como um adolescente poderia não se render?
— O mundo está avançando, as mulheres estão prontas para lutar suas
batalhas.
Ele solta uma risada sem humor nenhum.
— Um dia você vai entender o que quero dizer, quando encontrar a
pessoa certa.
Ele nunca fala disso comigo, então é uma surpresa quando ele se
recosta em sua cadeira e solta um suspiro cansado.
— Pai, você saiu dessa casa hoje?
— Não continue pensando que essa cidade é inofensiva. — Ele muda
de assunto e estreito os olhos, isso é sinal de que ele não quer dizer que
ficou isolado aqui o dia todo. — Quando você menos esperar, aquele
telefone não parará de tocar.
MING
— Se fosse na minha época, já estaria levando o homem ao altar. —
Vovó Mei me entrega o bule com água quente para servir e se senta. —
Agora as garotas socam os homens para demonstrar interesse?
Perco o equilíbrio do bule quando a xícara do meu pai já está quase
completa, mas ele é ágil e consegue se afastar antes da água quente o
atingir, ou será que ele já estava longe da mesa?
Olho em volta, tanto minha mãe quanto a vovó Mei estão afastadas da
mesa, esperando em segurança até que eu tenha servido todas as xícaras, só
então arrastam suas cadeiras para mais perto.
Estranho demais.
— Eu já disse que não tenho interesse naquele idio... homem.
Naquele homem.
Vovó Mei estreita os olhos.
— Tenho problemas para entender o que te atrai, Ming.
Meu pai arranha a garganta.
— Esse não parece um assunto para o café da manhã.
— Gosto de homens que não me prendem, vovó Mei — respondo ao
pegar a xícara, mas devo ter me mexido demais, já que acabo queimando a
mão. — Droga!
— Ming! — Minha mãe repreende.
— Desculpa.
Meu pai segura minha mão e assopra onde a água caiu.
— Você precisa ser mais cuidadosa, Ming.
Quando olha nos meus olhos, sinto que não está se referindo apenas à
água. É como se meu pai tentasse me dizer para ficar segura, mas talvez eu
esteja imaginando coisas.
Assim que me solta, não dirige mais a palavra diretamente a mim e
mesmo que considere isso um avanço, ainda o sinto longe demais.
— Ele só estava fazendo o trabalho dele. — Vovó Mei defende o
Liam, retornando ao assunto que nem mesmo eu gostaria de falar no café da
manhã.
Apesar de não ter muita empatia pelo homem, ainda me sinto culpada
pelo soco, principalmente por ter me sentido vingada. Quando cheguei em
casa e encontrei os bolinhos primavera em um potinho com o meu nome,
me sentei à mesa sozinha e comi enquanto ria desenfreadamente. Acho que
há anos não acho nada tão engraçado.
Vovó Mei ouviu minha risada e acabei contando a ela sobre o soco.
Na hora que aconteceu, não achei nada engraçado, porém depois só
conseguia me lembrar da expressão de horror no semblante atraente dele,
como se nunca pudesse imaginar que um dia levaria um soco de uma
garota.
— Ele só estava querendo ser um cretino, vó.
— Ming! — Minha mãe repreende novamente, ela detesta esse tipo
de palavreado nas refeições.
Solto um bocejo, não consegui dormir depois que cheguei e esse é um
dos motivos para estar tomando café da manhã com eles agora.
— Devia descansar. — Vovó Mei acarinha meu braço, um sorriso
meigo nos lábios. — Teremos tempo para comer todos juntos mais tarde,
antes de você sair para trabalhar.
Estou mesmo cansada, minhas noites de sono não andam sendo muito
satisfatórias, na verdade, venho tendo insônia desde que recebi a notícia de
que entrei para o departamento de homicídios da Polícia Civil. Pensei que
fosse a empolgação para o trabalho novo que me mantinha acordada, até me
dar conta de que o motivo é o assassinato da minha irmã.
— Está tudo bem, vovó, não estou cansada.
— Você não dormiu desde que chegou, a viagem deve ter te deixado
exausta. — Minha mãe se inclina e segura minha mão. — Também estamos
com saudades, querida, mas pense nas olheiras horríveis que vão marcar seu
rostinho. Como vai encontrar um bom marido assim?
— Liam vai se assustar antes de fisgar o rapaz. — Vovó complementa
e não consigo acreditar no que estou ouvindo.
Realmente estou na família certa? Porque não poderíamos ser mais
diferentes.
Eu não me importo com marido, nem beleza. Enquanto elas acreditam
que é isso que trará honra e orgulho para a família, eu tenho certeza de que
minha vingança é o que fará todos terem paz.
Fang deve estar feliz por eu não esquecer do que lhe fizeram, não que
eles tenham esquecido, sei que estão tentando camuflar a preocupação.
Ao invés de discutir sobre como Liam é a água e eu o óleo, apenas
tomo minha água e escuto minha família falar sobre o homem perfeito para
mim antes de ir me deitar e tentar recuperar o sono perdido.
Sonho com dedos arroxeados, um anel em formato de coração e a
polícia enfiando o corpo sem vida da minha irmã em um saco preto.
Acordo suando frio e arrependida por ter me deitado para dormir.
— Você não sabia que estava morando tão perto da Pamela? Ela me
convidou e você não sabe. — Começo a falar assim que atravesso a rua, ele
está com as mãos nos bolsos da calça e não se preocupou em colocar uma
camisa. — Descobri que...
— Aham. — Ele me interrompe, sorrindo. — Falamos de trabalho no
trabalho.
Minha empolgação morre no mesmo instante e paro de me aproximar.
— O quê?
— Você já comeu?
— Se eu já comi? O que...
— Ótimo, vem.
Ele me puxa para dentro da sua casa. Diferentemente da casa da
Pamela, a do Liam não tem nenhum tom de pastel, a maior parte das
paredes é em um tom de azul fofo, o resto é branco e os móveis são todos
escuros e de couro. É típico de um homem solteiro de bom gosto, eu gosto.
Me aproximo da parede cheia de quadros, a maioria das fotos é dele
mais novo com uma garotinha linda. Algumas são com amigos, Pedro,
Felipe e um outro garoto que não me parece estranho, como se já o tivesse
visto, mas nessa cidade tudo é possível.
Encaro uma foto, uma mulher linda sorri para a câmera, abraçada ao
que imagino ser o pai do Liam, a mesma garotinha das outras fotos também
sorri, abraçada a um Liam adolescente com aparência de nerd. É uma bela
foto de família.
— Essa é minha mãe. — Ele diz baixinho, tocando o rosto da mulher.
— Foi no ano que o câncer a levou de nós.
— Sinto muito.
Meu coração se parte ao reconhecer o olhar de dor no semblante dele,
rapidamente percebo que não gosto nem um pouco de ver esse homem
triste.
— Tudo bem, faz muito tempo.
— Quantos anos você tinha?
— Dezesseis, Cassandra só tinha onze, então quando me sinto triste,
penso que vivi mais tempo com nossa mãe do que ela.
— Desculpa te fazer tocar nesse assunto.
Ele força um sorriso e coloca uma mecha do meu cabelo atrás da
minha orelha.
— Não é culpa sua, eu quero que me conheça.
Suas palavras me fazem sentir mal, pois, ao contrário dele, eu não
quero que alguém me conheça tão inteiramente, tampouco pouco a minha
dor.
— Nós morávamos em São Paulo, mas depois que minha mãe se foi,
ficou difícil viver lá, principalmente para o meu pai. — Ele balança a
cabeça. — Então viemos para cá um ano depois de a enterrarmos.
— Você não precisa me contar se não quiser.
Quando as pessoas falam comigo sobre esse tipo de assunto, sinto
como se quisessem que eu também conte algo relacionado. Não quero
trocar esse tipo de história triste com o Liam, não agora.
Por que ele simplesmente não quis falar do caso?
— Não tem muito mais além disso, vivemos do outro lado da cidade
até eu fazer dezoito. Fiquei alguns anos fora no intercâmbio e foi uma
oportunidade para ficar longe do meu pai controlador e ainda conhecer uma
cultura nova.
— Agora você tem quantos anos? — pergunto, passeando pela sala.
Ele tem uma televisão imensa e mais quadros com fotos por toda
parte. Conheço o Liam bebê, o adolescente com espinhas e óculos
redondos, o Liam do intercâmbio cheio de sorrisos bonitos, e o adulto sem
espinhas e óculos.
— Vinte e nove.
Ele disse que tinha dezoito quando foi embora, eu devia ter só doze,
mas se passou alguns anos fora e ainda não me abordou sobre minha irmã
morta, nem deu os pêsames, é sinal de que ainda estava na China quando a
onda de assassinatos aconteceu.
Então por que ele surtou com aqueles casos?
— Você é velho.
Ele leva uma mão ao peito, fingindo decepção. Seus olhos são os
mais puros e gentis que já vi, se ele tivesse qualquer relação com aqueles
assassinatos, eu saberia.
— Você tem quantos? Doze?
— Vinte e três. — Seguro uma foto dele sorrindo com seu hashi[4] em
um restaurante chinês. — Ainda não acredito que esteve na China.
— Lá é lindo e as comidas são fantásticas.
Coloco o quadro de volta no lugar e me viro para ele. Liam se sentou
no sofá, então o sigo.
— Liam, sobre...
— Você sabia que a China inventou o sorvete? Eles embalaram uma
mistura de leite e arroz na neve e resultou em sorvete.
Estreito os olhos para ele.
— Tudo bem, mas...
— E que existe uma tendência lá de tingir os pelos dos cachorros para
que eles se pareçam com outros animais? Não me pergunte o sentido disso,
ainda não descobri.
Ele está falando sério? Ou só tentando me enrolar?
— Sério isso? Bem legal. Então sobre o caso...
— E o Facebook é proibido lá, mas muitos chineses usam a rede
social.
— Liam, o que isso...
— Ah, e lá em Pequim, um milhão de pessoas vivem no subsolo, em
porões ou abrigos antiaéreos. Você sabia disso?
— Não, mas é claro que você me contou.
Recosto no sofá e ele finalmente faz uma pausa para respirar.
— Só relaxa um pouco, Ming. A gente vai falar do caso no trabalho,
faltam poucas horas pra isso. — Reviro os olhos e ele se aproxima, fazendo
com que eu consiga sentir seu perfume. — Você não consegue tirar a cabeça
do trabalho, não é?
— Não.
— Aposto que eu conseguiria fazer você esquecer do trabalho por um
tempo.
Minha respiração se torna irregular ao me virar para ele, esperando
encontrar malícia em seus olhos, mas ou ele finge inocência muito bem, ou
minha mente precisa ser limpa com urgência.
— Você havia mencionado comida?
Mudo de assunto depressa ao perceber que estou encarando seu
tanquinho outra vez.
— Ah, sim. — Ele se levanta e estende as mãos para mim. — Você
gosta de costelinha de porco?
— Está brincando? — Me encara, parecendo receoso. — Eu amo
costelinha de porco, Liam.
Seu semblante se ilumina com alívio e o sigo até a cozinha muito
organizada. Ele deve ter TOC, ou alguma coisa assim.
Ele realmente já cozinhou nessa cozinha? Difícil acreditar nisso.
— Me conta um pouco sobre sua vida em São Paulo — pede
enquanto traz as comidas para a bancada.
Roubo uma das costelinhas de porco quando ele vira de costas.
— Não tem muito o que contar. Eu estudei Direito e fiz o cursinho
preparatório para a Polícia.
— Você gostava do curso de Direito?
Mordo a costelinha de porco e acho que devo ter feito algum som, já
que ele me encara com olhos arregalados.
— Meu Deus, você realmente gosta disso, não é?
— Está uma delícia. — Lambo um dedo e seus olhos seguem o
movimento antes de engolir em seco.
— Estou vendo — sussurra, paralisado enquanto me assiste como se
estivesse vendo um filme pornô ou algo do tipo.
— O que foi?
— Nada.
Ele desvia o olhar, agarrando uma panela de cima do fogão. Deve
estar pesada, já que ele a põe na frente das calças.
— Precisa de ajuda?
Ele olha para minha boca, para a costelinha na minha mão e nega com
a cabeça.
— Não, continua... o que está fazendo.
Franzo a testa, ele está muito esquisito, não que seja da minha conta,
então volto a morder a costelinha, mais uma vez soltando um som de
apreciação.
— Você devia ser Chef, não um policial.
— Acho que nós dois estamos na profissão errada então.
Olho para ele, que agora nem disfarça que está fitando minha boca.
— Você já experimentou isso?
— Já, só não achei tão incrível assim quanto você achou.
Lambo mais um dedo e tenho certeza de que ele grunhiu, visto que o
som viaja pela minha pele, fazendo o corpo inteiro formigar com uma
sensação quente. Finalmente começo a entender que talvez ele esteja com
tesão, mas quando tento dar uma espiada, ele encosta na bancada, me
impedindo de ver se está com uma ereção.
— Acho que é porque ainda não almocei — explico, ainda presa à sua
calça de moletom.
— Vou continuar pensando que é minha comida, isso faz bem para o
meu ego.
— Ele já não é grande o suficiente?
Seu olhar baixa para onde estou olhando e ele solta uma risadinha.
— Ninguém nunca reclamou.
Meu olhar se desvia das suas calças no mesmo instante, desistindo de
ver o que ele tanto quer esconder.
— Do seu ego?
— É... disso aí. — Sua voz soa provocante e observo seus lábios bem
desenhados antes de me levantar.
— Quer saber, eu acho melhor comer em casa, eu tenho que tomar
banho para o trabalho mesmo.
— Pelo amor de Deus, não coloca banho no meio dessa conversa. —
Ele resmunga e reparo que seus braços estão apertando a bancada, como se
isso pudesse aliviar qualquer coisa que esteja sentindo.
— Você é estranho assim sempre?
— Só perto de você.
Concordo com a cabeça, faz sentido.
— Estou indo.
— Espera!
Acontece muito rápido, ele sai de trás da bancada, meus olhos baixam
para a ereção que ele estava tentando esconder e acho que o choque me faz
tropeçar, já que, de alguma forma, acabo ajoelhada no chão com a mão na
calça dele, bem onde seu pau está extremamente duro.
— Puta que pariu! — Ele exclama e respira fundo, mas não me afasta
e parece que eu perdi as funções de me mover.
Minha mão continua sobre a calça, os lábios entreabertos e os olhos
arregalados. A mente ordena que eu me mova, só que o corpo não obedece.
Liam olha para baixo, ele também parece em choque.
— Eu sabia que você era desastrada, mas não nesse nível, Ming.
Meu nome em sua boca parece reativar meus sentidos e me levanto
num pulo, me perguntando como foi que eu caí dessa vez. A mão que o
tocou está formigando e a fecho em punho.
— Desculpa.
— Porra, não por isso.
— Aí, meu Deus! — As palavras em mandarim escapam pela minha
boca e viro de costas, cobrindo o rosto com as mãos, pelo menos até
recordar que uma delas esteve em cima do pau do Liam, então as abaixo ao
lado do corpo. — Você não poderia ser mais estúpida, Ming?
— Está tudo bem. — Ele diz atrás de mim e sinto seus dedos tocarem
meus braços, o que só piora a situação, já que não sinto nenhuma vontade
de me afastar como sempre acontece quando as pessoas me tocam. — Essas
coisas acontecem.
— Não acontecem, não.
Escuto sua risada e o som é fofo, do tipo que desacelera meu coração
e faz o constrangimento sair correndo pela janela mais próxima.
— Tá, não acontecem mesmo, mas deve ser um sinal divino.
Me viro para ele, estreitando os olhos ao entender a expressão em seu
rosto. Ele está mordendo o lábio inferior, me olhando como se fosse gravar
aquela imagem para sempre na mente.
— Você não pode estar falando sério.
— O quê? Está dizendo que não causo nem uma faisquinha em você?
Minha mente vai para o Eduardo, e mesmo que não estejamos
namorando de verdade, o Liam não sabe disso.
Ele é babaca a esse nível?
— Estou indo embora, Liam.
— Desculpa. — Ele ergue as mãos em sinal de paz. — Não vou mais
brincar com isso, não precisa ir embora.
— Por que quer que eu fique?
— Porque — ele chega mais perto e prendo a respiração — você
gosta de costelinha de porco e tem um montão ali.
Então se afasta e tenho certeza de que não é por isso que ele me quer
na casa dele, mas nem por isso deixo de olhar para as costelinhas de porco
com água na boca.
Ele tem razão, eu adoro costelinha de porco. Isso, e talvez seja
verdade, talvez ele cause uma faisquinha em mim.
LIAM
Quais as chances de uma mulher realmente cair de joelhos e agarrar
meu pau sem ter tido a pretensão?
Isso foi tipo aquele meme que a mulher engravida e diz “escorreguei
e caí no pau”, não dá pra acreditar que foi sem querer, exceto que eu não
duvidaria de nada vindo da Ming, ela é tipo o ser humano mais desastrado
que já conheci na vida, tenho até medo do que ela faria com uma arma.
Solto uma risada ao lembrar da cena e enfio minha cabeça debaixo da
ducha, tirando o shampoo dos cabelos, ignorando a ereção que segue
invicta, apesar do banho gelado.
A mulher foi embora quase que instantaneamente depois de comer
duas costelinhas de porco, faz mais de meia hora e não consigo tirar da
cabeça aquela mão no meu pau, foi como se ela estivesse se preparando
para pagar um boquete, e se antes era fácil fantasiar, agora a imagem está
tatuada na minha mente pervertida.
Olho para baixo, não existe a menor possibilidade de eu ir trabalhar
assim, e mesmo que para mim seja muito idiota alimentar esse tipo de
situação podendo ter qualquer mulher da cidade, levo minha mão direita ao
meu pau e aperto.
Meus olhos se fecham quando o calor se espalha e a primeira coisa
que vejo é o rosto da Ming, ela nem precisa estar de joelhos para me fazer
entrar em combustão.
Por que a mulher teve que ter uma queda dessas e me meter nessa
situação constrangedora?
Minha respiração se torna acelerada, assim como minha pulsação. A
mão se move, subindo e descendo, e apoio a outra mão na parede de
azulejos do meu banheiro, o tempo inteiro imaginando que a chinesa
atrevida está me observando.
Solto um grunhido, o prazer me tornando desesperado. De repente,
não são minhas mãos que me tocam, são as dela e minha mão não se segura
em uma parede, ela envolve os cabelos negros da Ming.
Na minha cabeça, ela está ajoelhada como na cozinha, sua boca
entreaberta exatamente como meia hora atrás, porém, não é de choque. Seus
lábios se preparam para envolverem a cabeça do meu pau e só de pensar
nela assim, gozo gostoso, fazendo minha porra se espalhar pela parede
enquanto finjo que é o rosto perfeito da garota que não me deixa em paz.
Meu corpo fica tenso por um tempo, então relaxa tanto que demoro
para me dar conta de que o boquete nunca existiu e ainda estou sozinho
debaixo da ducha, só então meu sorriso se desfaz.
Pelo menos não estou mais com uma ereção.
Meu pai, minha mãe e a vovó Mei estão sentados na sala quando
entro. Minha mãe com os dedos entrelaçados no colo, vovó Mei com uma
xícara de chá e meu pai com uma mão sobre a bengala.
Ele é o primeiro a se levantar, a expressão carregada de cansaço e
medo, é quase como se tivesse voltado oito anos atrás, quando todos nós
não sabíamos onde a Fang havia se metido.
— Está tudo bem? — pergunto, me aproximando cautelosamente.
Os três me observam com atenção, as duas mulheres estão quietas e
sei que houve uma conversa longa antes de eu chegar, sei também que será
meu pai a tomar a frente da conversa dessa vez, talvez por ser ele a ter algo
a dizer.
Rezo para que seja uma reconciliação, mesmo que sua expressão me
faça enxergar a palavra “briga” em letras vermelhas na sua testa.
— Você não tem nada a dizer? — A voz monótona não combina com
o semblante cheio de emoções e fico incomodada.
— Pai, eu não sei o que está acontecendo.
— Duas mortes, é isso que está acontecendo. — Ele se aproxima de
mim, a bengala fazendo um som agonizante no piso. — Foram duas
vítimas, exatamente nos mesmos lugares de oito anos atrás.
Odeio brigar com meu pai, odeio que tudo isso seja culpa minha.
— Eu sei.
Ele tem razão e recordo o que me disse no seu escritório, a morte do
Vitor pareceu um aviso, mas eu relevei, podia ser apenas uma coincidência
eu ter brigado com o homem e ele aparecido morto, mas agora, depois dessa
nova morte e da mensagem, acredito que há mais nisso do que consigo
enxergar no momento.
— Está brincando com fogo, Ming. Não acha que está gostando
demais do perigo?
— Pai... — Ele espera por uma resposta. Eu não tenho uma.
— Quero que saia da polícia enquanto esse assassino estiver por aí
com esse jogo de avisos.
— Não posso fazer isso.
Ele bate a bengala com força no chão, assustando a Vovó Mei, que
quase derruba seu chá, e minha mãe, que se levanta e vem para perto dele.
Eu apenas o assisto com olhos arregalados e uma vontade incontrolável de
chorar.
— Não vou perder outra filha!
— Querido...
— Se não devolver esse distintivo, não precisa pisar mais nessa casa!
— Ele exclama.
Minha mãe cobre a boca com as mãos, eu dou um passo para trás e a
vovó Mei desiste do chá, se juntando a nós.
— A Ming não sairá dessa casa! — Vovó Mei entrelaça seu braço ao
meu. — Se insistir nisso, botarei você para fora.
Meu pai parece surpreso com suas próprias palavras, mas as aceita
como se não fosse voltar atrás. Lentamente, sinto meu coração se partir.
Sim, comecei essa carreira por causa da Fang e, sim, não vou
descansar até trazer justiça à minha irmã, porém, isso não significa que eu
não ame o meu trabalho, porque amo. Me encantei por esse mundo no
instante em que entrei no cursinho preparatório, nas noites que passei
estudando e assistindo vídeos de casos envolvendo seriais killers no
Youtube, e todas as vezes as quais me debrucei sobre livros do tema.
Meu pai não aceitar minha profissão também me machuca e talvez eu
esteja um pouco magoada com ele também.
— Ela pode fazer a escolha dela! — Meu pai me olha torto. — Se
escolher a polícia, se esqueça que já teve um pai, eu esquecerei que tive
uma filha que não a Fang.
Engulo o caroço na minha garganta, seguro as lágrimas e me afasto da
vovó Mei, a mente buscando uma solução para amenizar o problema.
Quando não encontro, apenas seguro a chave do carro com força e corro
para longe, exatamente como fiz da última vez.
Escuto minha mãe tentando acalmar meu pai enquanto vovó Mei o
chama de idiota em mandarim, o que me deixa mais chateada, estou
causando transtornos na minha família.
Entro no carro mais uma vez e quando o ligo, já não sei para onde ir.
LIAM
— Ela tem ligação com dois assassinatos, já parou para pensar que ela
pode ser a assassina? A mulher chega na cidade e, de repente, dois corpos
aparecem.
Ergo o olhar, abrindo um sorriso debochado, apesar de estar sendo
corroído pela preocupação.
— Não é ela.
— O quê? — Patrick para de andar de um lado para o outro e me
encara, é a primeira vez que refuto um argumento dele e o homem não
parece feliz com isso, tampouco entender o motivo da minha rebeldia
repentina.
Está furioso.
Eu também estou furioso, essa situação está me deixando inquieto,
sinto como se estivesse correndo em círculos, principalmente agora que
meteram minha garota no meio disso.
Ela não é sua.
Mas vai ser. Em breve.
— Ela não é a assassina — respondo calmamente, estudando os
papéis na mesa do delegado. Ele está trabalhando no caso e me pergunto do
motivo por estar se metendo assim quando ele ama ficar sem fazer nada.
— Por que acha isso? Tudo está apontando para ela.
— Você não sabia, Patrick? O culpado é a única pessoa que a gente
jamais suspeita.
Seu rosto empalidece e ele balança a cabeça.
— O que está dizendo?
Dou de ombros.
— Acho que nada por enquanto.
— Volte ao trabalho, se tiver alguma informação útil é só me dizer,
quero estar a par de tudo do caso. — Ele faz a mesma expressão que sempre
me tira do sério.
Meu sorriso é o mais falso do mundo e sei que ele sabe. Patrick sente
raiva quando faço isso e é por esse motivo que toda vez que ele me irrita, eu
dou um jeito de irritá-lo de volta, me faz sentir que estamos quites.
— Acho que aquela garota já está te influenciando. — Ele continua
falando em um tom reprovador.
Meu corpo fica tenso e estreito os olhos.
— Boa noite, delegado.
Ele não responde e saio da sua sala com vontade de esmurrar alguém.
Meu olhar recai sobre o mentiroso do Eduardo e essa vontade só
aumenta, claro que junto com ela vem a satisfação de saber que não estava
enganado, Ming sente mesmo algo por mim, e por mais que tente esconder,
tudo aponta que vamos progredir rápido, vou garantir isso.
Olho sorrindo para a mesa dela e o sorriso desvanece, sua cadeira está
vazia e não há sinal dos itens pessoais.
Franzo a testa e olho para o Pedro, ele está fazendo mímica, tentando
dizer alguma coisa, mas eu sempre fui péssimo nisso, pra mim seus gestos
parecem dizer que ele está com uma puta diarreia.
Me aproximo e indico a mesa da Ming, ele parece decepcionado por
eu não o ter entendido.
— Você sabia que existem amigos que se entendem só com uma troca
de olhares?
— O quê? — Fico ainda mais confuso quando ele cruza os braços.
— Isso acontece em séries. Os amigos se olham e conseguem se
comunicar sem falar nada.
— Agora tenho que ser fluente em ler mentes?
Ele assente.
— Claro!
— Onde está a Ming?
— Se você se esforçasse, teria entendido o que aconteceu com ela.
— Você é péssimo em mímica.
— Não, você que é um péssimo amigo!
Reviro os olhos e eles decaem na cadeira vazia, a preocupação
crescente.
Não vou perdê-la de vista até resolver todas as pontas soltas, ela não
pode me gerar mais problemas.
— Ela disse que precisava ir embora, acho que aconteceu alguma
coisa em casa. — Ele explica quando nota meu olhar para a cadeira.
— Entendi — murmuro, fingindo indiferença ao voltar para minha
mesa.
Me debruço sobre papéis, mas minha mente está no relógio acima da
porta, esperando o turno acabar ou a Ming retornar do que quer que tenha
acontecido.
Ela não volta e as horas passam arrastadas, mesmo que tenhamos
muito serviço para fazer pela primeira vez em anos.
ESTÁ TUDO BEM?
Envio a mensagem para ela e não recebo resposta. Quando o turno
acaba às três da madrugada, saio da delegacia sem me despedir de ninguém.
TÁ ACORDADA? ACONTECEU ALGUMA COISA?
Nenhuma resposta.
Entro no meu carro após abrir a porta do banco de trás para o Trevo
entrar e sei que pode parecer invasão de privacidade, mas depois do que vi
hoje, não penso duas vezes antes de apertar no nome dela.
A ligação inicia e a cada som da chamada me sinto mais e mais
ansioso, ela não atende na primeira e nem na segunda vez. Começo a me
preocupar de algo realmente sério ter acontecido e o medo faz minhas mãos
tremerem.
Odeio o sentimento de impotência e é por isso que faço uma última
tentativa, a qual ela atende no segundo toque.
— Oi, Ming. Está tudo bem?
— Não, acho que ela não está muito bem. — A voz masculina faz
com que eu aperte o volante com força.
— Quem é você? Cadê a Ming?
— Está falando da garota japonesa?
— Chinesa — corrijo e a ligação faz um chiado.
Se o desgraçado tiver tocado em um fio de cabelo dela...
— Tanto faz. — Ele responde, soltando um grunhido. — Ela está
caindo de bêbada, acho que devia vir buscá-la.
Suas palavras me deixam em choque, Ming não parece o tipo de
pessoa que beberia a esse ponto.
— Você a deixou bêbada?
— Eu só sou o barman, não o fiscal da bebida.
Ligo o carro, decidindo que vou dar um soco nesse idiota só pela
insolência.
— Onde ela está?
— No bar do Grilo.
Paro por um instante.
Bar do quê? Que droga de lugar é esse? E o que a Ming faria em um
bar com esse nome?
— Você disse Grilo?
— Sim, por quê?
— Nada, não. Só queria ter certeza.
— Eu sei que o nome é ruim, ainda estamos pensando em um melhor.
— Sem julgamentos da minha parte.
— Sei...
Alguém pede alguma coisa, a ligação fica chiada e o barman do bar
do Grilo desliga.
Sem julgamentos, Liam...
Minha namorada,
Minha princesinha,
Meio atrapalhada,
Menina maluquinha
O homem na minha frente ainda segurando meu rosto sorri e termina
de limpar a bebida da minha pele.
— Meio atrapalhada... — cantarola para que só eu escute em uma voz
sensual quase absurda. — Minha menina maluquinha.
Mais uma vez sinto o coração acelerar e é muito difícil conter o
sorriso.
Esse homem me deixa maluca.
Quero dizer isso a ele, mas aquela loira escolhe esse momento para
esbarrar em nós dois.
Minha expressão se fecha novamente e o Liam olha para a mulher
que daria duas de mim fácil, o que ela tem de perna e bunda eu não teria
nem com ajuda de silicone, não que isso me torne insegura, mas ela é linda
e o Liam tem olhos, ele sabe que ela é gostosa.
— Oi. — Ele cumprimenta a garota quando ela continua parada ao
nosso lado, olhando para ele.
Cruzo os braços quando ela lhe estende um papel com o número do
seu celular.
— Para quando você se cansar de brincar. — Ela diz em meio a um
sorriso sensual e assim que o Liam segura o papel, solto um som esquisito.
Estou furiosa, mais que furiosa, sinto que vou explodir a qualquer
segundo.
Ela sacode os cabelos, pisca um olho para ele e se afasta.
— Está falando sério?
Ele me encara e quando faço questão de ir mostrar para aquela vaca
quem é a criança, ele segura minha cintura.
— Calma, linda.
— Não encosta em mim! — exclamo e ele ergue as mãos, ainda
segurando aquele papel.
Ele é mais imbecil que ela.
Percebo que não vale a pena perder meu tempo com ele, então dou
um tchauzinho para Pedro e Leo e me dirijo à saída.
— Ming!
— Ainda não cansou de brincar? — pergunto, já quase lá fora e ele
estreita os olhos, parece irritado, como se tivesse algum motivo para isso.
— Qual a minha culpa nisso?
— Você podia ter recusado o papel! — exclamo e ele se aproxima,
invadindo meu espaço pessoal.
— Por que eu faria isso? Não foi você quem disse que não está
interessada?
Dou um passo para trás, ele tem razão, mas também sabe que eu
estava mentindo. Ele aceitou esse número porque não quer nada além de
satisfazer seus desejos, e mesmo que não esteja interessada em romance,
acho que mereço mais do que um homem que aceita bebidas de outras
mulheres estando bem do meu lado.
— Estou indo embora, você devia voltar para lá e pegar mais do que
esse papel idiota.
— Eu vou te levar em casa. — Ele responde, ignorando a outra parte.
— Não precisa.
— Precisa. — Ele segura meu cotovelo e apesar das palavras duras,
seu toque é excessivamente gentil. — Enquanto não descobrir quem é o
assassino que deixa bilhetes para a minha garota, eu a levo pra casa tarde da
noite.
— Não sou sua garota!
— Perdão, linda. Esqueci que você é do tipo que quer me agarrar na
minha casa, mas me dispensa em público.
— E você é do tipo que só quer agarrar qualquer uma.
Ele para de andar e amassa o papel que loira o deu, jogando-o para
longe antes de voltar a me encarar.
— Só para você saber, minha intenção nunca foi brincar.
LIAM
Não era assim que eu esperava que essa noite terminaria, a gente
brigou no meio do barzinho, na frente de um monte de desconhecidos e a
culpa, aparentemente, foi minha.
Antes de sair com uma mulher, eu sempre analiso se ela será mais
uma surtada da vida, porque, se for, o sexo não vale por causa da dor de
cabeça. Cometi o erro de sair com uma maluca só uma vez e foi um porre
me livrar dela, mas não é apenas sexo com a Ming, não quando eu fico
encantado com os ciúmes dela, ou me desconfiguro só de ver o biquinho
que ela faz quando está emburrada. Na verdade, quero a cutucar só para ver
seu lado louca se aflorar.
Pedro comentou sobre compromisso e eu não fiquei apavorado de me
imaginar namorando com essa mulher, apesar de que estou confuso e não é
para menos. Primeiro, ela quase me beija, depois ela diz que não gosta de
mim assim. Eu tento descontrair, e então ela volta a ser a garota ranzinza do
primeiro dia em que nós nos vimos.
Tudo bem, já aceitei que ela não é de sorrir muito. Ela é séria,
raramente perde tempo com trivialidades. Acho sexy e tudo mais, só que ela
precisa mesmo agir como se eu fosse um vírus?
O carro está tão carregado de tensão que nem sei como estou
conseguindo dirigir, nenhum de nós diz nada, e às vezes acho que já quebrei
gelo demais, sem mencionar que agora estou começando a pensar que estou
indo longe demais com isso.
Nunca recebo um “não” de uma mulher, e a Ming está fazendo isso
comigo agora. Será que imaginei aqueles sinais? Será que estou assediando-
a? Persistir depois de um “não” é qualificado como assédio, mas ela não me
disse exatamente um “não” assim, disse?
Ela só disse que não gosta de você assim.
É, e depois ferveu de ciúmes e agiu como uma namorada possessiva.
Entro na rua da sua casa e não sei se posso dormir com todas essas
perguntas na minha cabeça, então começo com a mais fácil de todas:
— Está brava comigo?
— Por que acha que me importo o suficiente com você para ficar
brava?
Meu Deus, que bicho picou essa mulher após sairmos daquele bar?
Eu mereci? Claro que sim, quis atiçar a onça mesmo sabendo que não
aguentaria depois, mas não acho que tudo foi culpa minha, ela também
ficou me cutucando com vara curta.
— Definitivamente está brava.
Não a vi trocando a ferradura para estar tão ansiosa para dar coices
assim.
Engulo em seco, juro que não é minha intenção comparar a mulher
com um animal, mas acho que um coice deve doer tanto quanto as palavras
dela.
Na minha mente, condeno minha decisão de ter aceitado aquele
maldito papel e aquela maldita bebida. Nunca tive pretensão de ficar com o
número de telefone, eu nem sequer reparei na mulher, estava mais
interessado em fazer essa chinesa teimosa perceber que não é indiferente a
mim. Acho que me dei mal.
— Não estou. — Ela insiste em dizer, mas só isso justifica suas
atitudes. Ela não estava assim na minha casa, não mesmo.
— Então por que está sendo grossa desse jeito?
— Eu só não sei lidar com homens! — exclama e então olha pela
janela. — Satisfeito?
Ela alega não saber lidar com homens, faz insinuações de que é
inexperiente, e estou começando a acreditar de verdade que talvez ela
seja... Não! Para de supor, Liam!
— Não, não estou entendendo nada.
— Deixa pra lá. — Ela abre a porta do carro assim que estaciono. —
Obrigada pela carona.
Ela é uma fujona e eu já sou velho demais para ficar com esses
rodeios, eu pensei que ela fosse corajosa, mas talvez tenha sido uma
primeira impressão enganosa.
— Ming, espera.
Ela olha para mim, ainda com a mão na maçaneta.
— O quê?
— Desculpa se te desrespeitei, ou vi algo onde não existia nada. Foi
meu erro. — Apesar de você ter dado inúmeros sinais controversos. — Não
precisa ficar brava desse jeito.
Sei que ela ficou com ciúmes, sei que sente atração por mim e sei que
não foi só culpa minha, porém, não acho que vale a pena ficar ressaltando
isso, se ela me quer, precisa me dizer sem que eu me jogue toda hora para
cima dela.
Ela suspira e morde o lábio inferior, um erro a se fazer na frente de
um cara que sente tesão só de olhar para ela.
— Eu sou grossa quando gosto de alguém — solta em um tom de voz
baixo, parece quase envergonhada e minha mente leva um momento para
entender.
— Ufa. Pensei que não fosse admitir nunca.
— Eu não sei como ser carinhosa, fiquei com ciúmes e isso me
deixou nervosa e acabei dando patadas sem parar. — Continua como se eu
não tivesse dito nada e minha respiração se torna irregular. Não consigo
acreditar que ela está admitindo. — É o meu jeitinho, não leve pro lado
pessoal.
Sinto o sorriso nos meus lábios e ele fica cada vez maior ao constatar
a quão fofa ela realmente pode ser.
— Você gosta mesmo de mim, não é? Eu entendo, é difícil resistir a
todo meu charme.
— Ah, supera, Liam!
Ela me encara como se eu fosse um imbecil que não consegue levar
nada a sério e teria razão se eu não estivesse apavorado por levar isso a
sério demais. Ela pode não perceber, mas, por dentro, estou tendo um surto
de felicidade.
— Não consigo. — Seguro seus dedos e percebo como ela está
levemente trêmula, não me engano pensando que é só por reação ao meu
charme, ela também passou raiva e odeio ser esse tipo de cretino. — Eu não
fiquei interessado naquela mulher.
Ela desvia o olhar e prendo uma mecha do seu cabelo atrás da orelha.
— Não me importo se ficou.
— Juro — insisto baixinho. — Eu nem lembro do rosto dela.
— Talvez por ter observado mais os peitos?
Gosto de saber que ela se sente incomodada, isso prova que ela está
interessada por mim, mas não gosto tanto dessa insinuação.
— O seu corpo é lindo — elogio, contemplando-a sem pudor. — E eu
não poderia olhar para ela se não conseguia tirar os olhos de você. — Ela
faz um biquinho fofo e seguro seu queixo, a fazendo me fitar. — Eu nunca
prestaria atenção em outra mulher tendo você.
— Você gosta de me provocar. — Ela supõe, balançando a cabeça.
— Você se vingou bem.
— Eu não gosto de ser tratada assim.
— Me desculpa.
— Você é do tipo que sempre pede desculpas e nunca muda?
— Você é do tipo que quase beija um homem e depois foge?
— Não estou fugindo, eu disse que gosto de você.
Lambo os lábios, sentindo o coração acelerar de um jeito esquisito pra
caralho. Levo uma mão ao peito, me perguntando se meu coração está com
algum problema.
— É, você disse — murmuro, olhando para a boca dela.
— Boa noite, Liam. — Ela sai do carro, ignorando o quanto fiquei
tocado com suas palavras.
Ela é um doce... meio amargo, confesso. Mas ainda um docinho.
Percebo que ela já está quase chegando na porta da sua casa, então
também saio do carro.
Nem fodendo que perderei essa oportunidade.
— Ming?
— Oi?
Ela se vira para mim e deve perceber que talvez estejamos chamando
a atenção da vizinhança pelo horário, já que olha para os lados e se
aproxima de mim outra vez.
— Primeira lição — ergo um dedo e pisco um olho para ela. — Você
não pode dizer que gosta de mim e depois sair do meu carro sem tomar
nenhuma atitude.
Também me coloco em movimento, um friozinho desconhecido se
espalhando pela minha barriga com a loucura que estou prestes a fazer.
— O que quer que eu faça? — Ela questiona, franzindo a testa ao
parar de andar.
— Algo como isso.
Minhas mãos envolvem seus cabelos, a boca encontrando a sua.
Assim que a beijo, o choque paralisa seu corpo por um instante. Minha boca
se move sobre a dela e um arrepio me percorre enquanto espero que
corresponda.
Filha da puta! Ela precisava mesmo ter uma boca tão deliciosa?
Sinto seu gosto me envolvendo, e de repente ela está correspondendo
ao beijo com ardor. Seus dentes puxam meu lábio inferior, minhas mãos
descem por suas curvas, e assim que interrompo o beijo, seu corpo segue o
meu, buscando por mais.
Ela está sedenta, eu estou faminto. Somos dois loucos encontrando a
sanidade um no outro, ou perdendo o restinho que ainda possuímos.
Meu polegar passa pelo lábio inferior avermelhado dela, Ming está
ofegante, me encarando com olhos penetrantes.
— Se continuar me olhando assim, vou te levar pra minha casa de
novo.
Ela fica nas pontas dos pés e me beija novamente, se impulsionando e
envolvendo meus quadris com as pernas.
Inexperiente o caralho, ela é puro fogo! Em pensar que ela quase me
enganou...
Agarro sua bunda com uma mão e me viro com ela nos braços, a
pressionando na porta do meu carro enquanto apoio a outra mão no vidro.
Dessa vez, ao invés de me afastar para que ela não sinta minha ereção,
esfrego meu pau na sua boceta, pressionando o quadril no dela até que sinta
o quanto me deixa fodidamente duro.
Sons baixinhos escapam da sua boca ao mesmo tempo em que passo a
mão pelo seu corpo inteiro. Ela é pequena e amo que seus peitos caibam
perfeitamente nas palmas das minhas mãos.
— Porra, Ming — murmuro, a apertando.
Nossas respirações se misturam e não sei como acabamos assim, ou
como ela consegue me fazer perder o juízo desse jeito. Eu só pretendia
deixá-la em casa, conformado que não teríamos nada além do que, talvez,
uma amizade, mas aqui estamos nós.
Sei que a estou deixando molhada na frente da sua casa, correndo o
risco de que seu pai veja e queira me matar, porém, se essa mulher perfeita
me perguntasse se quero fazer uma loucura nesse carro com ela agora, eu
diria que sim.
Foda-se, eu diria sim mil vezes.
Mesmo que acabasse morto, principalmente se acabasse com um anel
no dedo!
— Eu preciso entrar. — Ela sussurra e a abraço com mais força.
— Eu preciso te beijar de novo.
Ela abre os olhos e poderia ter me posto de joelhos com esse olhar,
ela me pega observando seu rosto e abre um sorriso como o que me deu por
trás das grades de uma cela no primeiro dia em que nos conhecemos. Minha
mão ainda está na sua bunda, ainda assim, é como se ela estivesse muito à
vontade, diferentemente da maneira em que reagiu no bar.
— Eu queria entender como deixo você fazer essas coisas com meu
corpo — confessa, acariciando minha nuca com as unhas.
Ela está me arrepiando inteiro e nem parece saber disso.
— Eu ainda não fiz nada com seu corpo, linda.
Não mesmo, assim que eu te pegar de jeito, você vai saber que isso
não foi nada.
Ela olha por sobre o meu ombro e parece ver alguma coisa, já que
seus olhos se arregalam e um suspiro alto escapa dos seus lábios inchados.
— Preciso entrar.
— Janta comigo?
Ela franze a testa, meu semblante deve parecer esperançoso em
demasia, visto que ela não consegue formular a palavra "não", tampouco
“sim”.
— Por favor — peço, o coração crepitando.
Não existe pessoa no mundo que me faria implorar desse jeito, Ming,
definitivamente, é a mulher que, ou vai me enlouquecer, ou vai me colocar
na coleira.
Seria possível uma pessoa adestrar um cão vadio em dias?
Tá, talvez eu não seja tão difícil assim de adestrar, mas, antes mesmo
de um encontro? Eu nem sei como é estar dentro dela.
Lambo os lábios.
— Deve ser o paraíso.
— O quê? — ela vira a cabeça levemente de lado e percebo que disse
isso em voz alta.
Roubo um selinho dela, uma tentativa de distrair nossas mentes, já
que agora só penso em rasgar suas roupas e lamber cada pedacinho do seu
corpo. Acho que beijá-la não ajudou muito.
— Um encontro — sussurro ainda na sua boca. — Sai comigo em um
encontro.
— Não usa essa palavra.
— Sai comigo para... — Transar? — Fazer alguma coisa.
Mente maliciosa do caralho! É por isso que o Pedro ficou todo
desconfiado.
— Vou pensar.
Ela se desvencilha de mim e já sinto falta do seu corpo colado ao
meu, a mulher se encaixa tão bem em mim que deveria ser considerado um
crime ela ficar longe.
— Pensa com carinho — peço, segurando suas mãos e a olhando com
o que espero ser meu melhor olhar sedutor. — Prometo que não vai se
arrepender, esse vai ser o melhor encontro da sua vida.
— Não usa essa palavra.
— Vai ser a melhor saída da sua vida. — Me corrijo, sorrindo e ela
balança a cabeça.
— Te respondo assim que não estiver influenciada pelos hormônios.
— Deixe-os falarem por você — incentivo, sabendo que nesse
momento sua resposta seria sim para tudo que eu propusesse. — Por que
não assume logo que não dá para controlar essa atração?
Ela dá de ombros.
— Eu não sou uma garota fácil.
— Nunca pensei que fosse.
— E eu também tenho planos que não envolvem distrações.
— Eu sou uma distração?
Não sei bem se gosto disso, mas já é alguma coisa, ser uma distração
é melhor do que ela ser indiferente à minha presença.
Estou surpreso e tentando tirar o melhor da situação, assumo.
— Boa noite, Liam.
Percebo que ela diz isso quando quer escapar, mas, dessa vez, decido
que vou deixá-la ir.
Minhas mãos sobem por suas costas até se infiltrarem nos cabelos
negros e longos, a pressionando no carro enquanto obrigo sua cabeça a ficar
parada.
Ela solta um gemido que é abafado pela minha boca, não antes de
imaginá-la gemendo assim na minha cama, quando estiver enfiando meu
pau bem fundo na sua boceta.
Minhas mãos apertam seus cabelos e beijo sua boca com a mesma
lentidão que usaria para explorar todo o seu corpo. Sei que ela sabe o que
quero mostrar com isso, é apenas uma prévia do que ela vai ter se aceitar
sair comigo, já que, apesar de vagaroso, o beijo é quase devasso.
Suas unhas agarram minha camisa e sinto que seria capaz de gozar
nas calças igual um adolescente só com esse beijo.
— Nossa — sussurro, afastando minha boca da dela antes que isso me
faça delirar. — Se não estivéssemos na frente da sua casa, nem sei o que
poderia fazer com você agora.
Ela está arrepiada, tão entregue e excitada quanto eu estou.
— Qual a possibilidade de ir embora comigo? — pergunto em um
sussurro, fazendo a minha melhor expressão de cachorrinho sem dono.
— Nenhuma. — Ela responde, ficando nas pontas dos pés para beijar
minha bochecha. — Eu vou entrar, dessa vez é sério.
— Você faz ideia de como está me deixando?
Ela solta uma risada que é muito difícil de se escutar, então me delicio
com o som ao soltar seus cabelos, tentando ajeitar os fios que despenteei.
Gosto de ter conseguido fazê-la relaxar no fim das contas, acho que ainda
estava me sentindo mal por ter a alfinetado no bar sobre ser ranzinza, nunca
foi minha intenção ofendê-la, já que eu amo sua carinha emburrada.
— Até amanhã.
Ela passa por mim e me viro para assisti-la se afastar.
— Se lembre disso quando for pensar na sua resposta — peço, antes
que ela entre em casa e ela me lança um sorriso de lado.
Me apoio no meu carro assim que some dentro da casa dos Yang,
levando uma mão ao peito enquanto sinto o coração batendo de maneira
errática. Só então percebo que uma das cortinas está balançando, como se
alguém estivesse espionando a gente lá de dentro.
Foi por isso que ela quis entrar.
Solto uma risada sozinho, só parando de rir ao perceber que para
alguém que sorri o tempo inteiro, esse foi, sem sombra de dúvidas, o riso
mais feliz e verdadeiro que dei em anos.
Puta que pariu, que beijo foi esse? Que mulher é essa? Ela está
realmente me colocando na coleira.
MING
Ele me vendou.
E sim, eu sei que vamos para sua casa. Não, ele não explicou o
motivo da venda.
Tudo que sei é que isso está fazendo um friozinho se espalhar por
minha barriga, uma sensação meio boba ao pensar que ele preparou outra
surpresa para mim, como se aquele jantar não fosse o suficiente.
Assim que o carro finalmente para e escuto o som da garagem se
fechando, já estou quase tirando a venda e correndo para descobrir logo o
que é, só que fazer isso provaria que estou ansiosa e não quero parecer
totalmente leiga em surpresas na frente dele, ser virgem já é o bastante.
— Ming? Você dormiu?
Ele tira o meu cinto de segurança e respiro fundo.
— Estou acordada.
Mesmo sem ver, sei que ele está sorrindo.
— Boa garota.
Meu coração acelera quando ele me ajuda a sair do carro e, assim, o
escuto destrancar a porta.
— Escuta... não sou muito bom nessas coisas e talvez você ache bem
cafona. — Ele faz uma pausa. — Quer saber? Você vai odiar. Fica com a
venda enquanto eu guardo tudo e...
Tarde demais, já estou puxando o pano para baixo e encarando o
homem diante de mim. Ele parece apreensivo, o que é novidade, então o
empurro levemente para o lado.
— A surpresa é minha, eu digo se gostei ou não.
Ele morde o lábio inferior e entro na sala.
Instantaneamente, todo o ar parece fugir dos meus pulmões, não
consigo respirar enquanto contemplo cada detalhe.
Ele acendeu velas aromáticas por toda parte e nem sei se é seguro ter
tanto fogo assim perto de mim, mas, de qualquer forma, estou sorrindo
como uma menina que foi pedida em namoro pela primeira vez, o que não
está muito longe da realidade. Essa é a primeira vez que um cara faz isso
por mim.
Ele também fez uma trilha de velas e pétalas de rosas vermelhas pela
escada, como se quisesse que eu seguisse naquela direção, então é isso que
eu faço.
No primeiro degrau, encontro a palavras “TODA” desenhada pelas
pétalas. No terceiro degrau, a palavra “GUERREIRA”. No quinto, a palavra
“MERECE”.
Ele segue escrevendo palavras e quando chego no topo, me viro para
ler a frase inteira.
“TODA GUERREIRA MERECE SER AMADA COMO UMA
PRINCESA”.
Estou emocionada, mesmo que nunca vá admitir isso para ele, que
ainda me observa perto da porta.
Ao se dar conta de que já subi o lance de escadas, Liam corre em
minha direção, tomando cuidado para não pisar nas pétalas.
Contenho uma risada ao me virar para o corredor e ver mais velas e
pétalas, essas formam corações até a porta do seu quarto.
Sou guiada por essas flores, me perguntando como ele teve coragem
de fazer isso depois de me ouvir reclamar de pessoas que dão flores para
outras, pior, estou adorando essa cafonice.
Empurro a porta do seu quarto e dessa vez estanco de verdade, meu
coração parece um cavalo em uma corrida, galopando como se não
houvesse amanhã.
Velas estão espalhadas pelo quarto e mais pétalas estão no chão e na
cama, formando mais palavras. Então, me demoro ao lê-las.
“ENTÃO, TIRE A ARMADURA POR ESSA NOITE, LINDA”.
A frase está complementando a da escada.
“TODA GUERREIRA MERECE SER AMADA COMO UMA
PRINCESA, ENTÃO TIRE A ARMADURA POR ESSA NOITE,
LINDA”.
Me viro para a porta, Liam está parado no batente. Seus olhos me
estudam como se procurasse por um único sinal de que eu odiei.
— Desculpa, você não gosta de flores, é só que... — Ele não sabe
como continuar. — Foi uma ideia ruim.
— Por que fez tudo isso?
— Eu não permitiria que a sua primeira vez fosse em um sofá, se
soubesse antes, teria adiado o que aconteceu ontem.
— Não estou acreditando que fez tudo isso, Liam.
E não estou mesmo, nem sei como reagir ao seu romantismo.
— Eu teria feito mais, só que o Pedro disse que serenata era brega,
que poemas estavam fora de moda e que eu sou um péssimo escritor. E que
eu não poderia, de forma nenhuma, simular uma invasão pra te deixar
excitada.
— Hmm, o último seria bem sexy.
— Foi o que eu disse!
Acabo rindo e percebo que era essa a intenção dele, suas palavras são
só para disfarçar o quanto nós dois estamos nervosos.
— Tudo bem? — pergunto, dando um passo em sua direção.
— Nunca fiz isso pra ninguém.
— Que bom.
Minha resposta arranca um sorriso dele, que também dá um passo à
frente.
— Eu sei que você talvez não seja romântica, nem goste disso. Mas
queria que você nunca esquecesse dessa noite.
— Eu não poderia esquecer, nem mesmo se você não tivesse feito
nada disso. Você preparou tudo sozinho?
— Sim.
— Rosas — murmuro, observando as pétalas.
— Eu queria te mostrar que rosas não têm a ver com o objeto, com o
ganhar em si. — Ele segura minhas mãos, os polegares acariciando meus
pulsos. — Queria que sentisse como é ter um presente cheio de flores.
Pensando bem, acho que não analisei tanto assim o plano.
Dou risada.
— Liam.
— Ming? — A simples palavra parece ocultar mil segredos.
Ele tem razão, nunca fui do tipo romântica e que gostasse de flores,
inclusive disse isso para ele ontem. Todavia, sinto que essas flores nunca
poderiam murchar, não na minha memória, e pela primeira vez, entendo o
que ele quis dizer com “gesto de carinho”. Não importa se essas pétalas vão
apodrecer daqui uns dias, ou se ele removerá amanhã, o que importa é que
ele provavelmente ficou o dia inteiro preparando tudo isso para mim e eu
jamais poderia não amar isso.
Balanço a cabeça e ele continua me encarando como um menino
esperando a repreensão, mas tudo que faço é jogar meus braços em volta do
seu pescoço e beijar sua boca carnuda.
Ele corresponde o beijo, agarrando minha cintura e me puxando para
perto. Suas mãos são grandes e me abraçam com vontade, o tipo de pegada
que rouba meu juízo.
— Obrigada — murmuro em meio aos beijos. — Isso é... — Ele não
me deixa prosseguir, quando dou por mim, estou com as pernas envolvidas
no seu quadril, prensada contra a parede mais próxima.
Eu amo a maneira como ele beija.
Sinto exatamente o que é ser cobiçada, desejada com toda força e
coração de um homem.
Ele me faz suspirar e entrar em erupção, estou gemendo na sua boca,
arranhando sua camisa, agarrando seus cabelos. Nossas bocas se movendo
em sincronia de um jeito que me faz pensar que existem somente para isso.
Para beijar.
Quando liberta minha boca, seus olhos parecem ensandecidos.
— Então você gostou? — sussurra a pergunta, os dedos apertando
minhas coxas.
— Eu amei.
— A mulher que não vê sentido em ganhar flores porque vão
murchar?
— Para — murmuro, apoiando o rosto no seu pescoço.
Balanço os quadris, na tentativa de chegar mais perto e ele aperta
minha bunda com uma mão, ajudando na proximidade. Deixo escapar um
leve resfolegar ao sentir sua ereção.
Seus lábios estão na minha mandíbula, mordiscando.
— Eu queria que essa noite fosse a mais lenta possível — balbucia,
me colocando no chão, minhas pernas estão meio bambas. — Mas você me
deixa desesperado.
Ele me vira de frente para a parede, a mão na curva do meu quadril,
bem perto de onde mais pulso por ele. Sua ereção se esfrega na minha
bunda.
— Me diz assim que eu começar a te assustar — pede, afastando
meus cabelos com a outra mão.
Agora meu pescoço e nuca estão expostos e ele mordisca o lóbulo da
minha orelha, descendo beijos e chupadas pelo meu pescoço até finalmente
desfazer o laço do meu vestido.
Ao mesmo tempo que é frenético, Liam também é cuidadoso, como
se nunca deixasse de lembrar a si mesmo de que essa é minha primeira vez.
Já fiquei nua na sua frente, ou mais nua do que fiquei com qualquer
outra pessoa, ainda assim, quando seus dedos descem o zíper das minhas
costas e empurram meu vestido, deixando que a roupa deslize até os meus
pés descalços, sinto o corpo estremecer.
Ainda estou de calcinha e sutiã, o que serve de barreira, mas não sei
se estou mais nervosa pela falta de roupas, ou ansiosa pela necessidade que
se espalha por minha pele.
Sua barba faz arrepios e suspiros soarem de mim, empino minha
bunda em sua direção enquanto suas mãos se movem por minhas curvas.
Ele está grunhindo e mordendo minha pele, brincando com a alça do meu
sutiã.
— Ming?
Abro os olhos que não lembro o momento exato em que fechei, ele
está olhando para o meu rosto apoiado em seu ombro, e continua
completamente vestido.
— Oi?
Ele sorri discretamente.
— Você está gostosa — diz baixinho e percebo que essa voz poderia
ser motivo de delírios, eu poderia escutar esse timbre sensual e rouco pelo
resto da minha vida sem reclamar.
Me viro de frente para ele e assisto seus olhos baixarem para os meus
seios.
Ele não diz mais nada, ao invés de palavras, ele demonstra o quanto
gostou da minha lingerie. Em poucos segundos, estou sendo carregada para
a cama cheia de pétalas.
Liam me beija assim que meu corpo toca o colchão e sinto a maciez
das flores abaixo de mim, seu corpo pesa sobre o meu e envolvo minhas
pernas nas suas, desejando sentir a mesma sensação de quando estávamos
no seu sofá.
Sua boca encaixa devastadoramente bem na minha e tudo que penso é
no quanto esse homem me faz sentir coisas que nunca senti antes.
Minhas mãos exploram seu corpo e não gosto que ele ainda esteja
vestido, então começo a desfazer os botões da sua camisa, indo para o da
calça logo em seguida.
Encontro muitos músculos e pele quente por baixo da sua camisa e
arranho suas costas, fazendo com que ele solte um ronronar na minha boca.
Não sei bem o que estou fazendo, ou se está certo, só sei que quero tocar
em toda pele que minhas mãos alcançarem, rezando para que ele goste
disso.
Liam se afasta para arrancar a camisa e a calça, só para voltar a me
pressionar no colchão.
Seu corpo é sensacional, com direito a abdômen trincado e ombros
largos. Ele está em cima de mim e quase não consigo ver mais nada à minha
volta, o homem cobre literalmente toda a minha visão.
— Nossa, eu amo seu corpo. — Ele confessa, apertando minhas
coxas.
Arqueio as costas quando ele pressiona o quadril no meu. Aquele
mesmo calor que senti antes no sofá, está consumindo minha pele
lentamente.
Desejo... excitação...
Pensava que podia viver sem isso, mas acho que era porque nunca o
tinha experimentado, agora não consigo me imaginar sem esse prazer.
Liam começa a descer pelo meu corpo, mas hoje quero experimentar
algo diferente, estou com um pensamento meio pervertido desde que saí de
sua casa, uma dúvida, na verdade. Me lembro de como ele pareceu
envolvido quando me chupou e só quero descobrir se eu sentiria prazer
fazendo o mesmo por ele.
— Liam, espera...
Seguro seus ombros e ele se afasta instantaneamente.
— Rápido demais? — pergunta, e sinto falta do seu calor assim que
ele se ergue, ficando de joelhos no centro da cama, uma perna entre as
minhas, uma ereção molhada dentro de uma cueca branca que não deixa
muito para a imaginação.
Minha boca fica seca e não consigo desviar o olhar.
— Te assustei? — Sua voz soa preocupada e pisco repetidamente.
— Liam...
Eu não havia reparado no tamanho exato dele da última vez, mas só
consigo me lembrar da dor que senti antes de o impedir de continuar.
— Você está meio pálida. — Ele começa a recuar para sair da cama e
seguro seu pulso, o mantendo no lugar.
— Pode... tirar? — pergunto baixinho, a respiração entrecortada.
— O quê?
Ele percebe para onde estou olhando e engancha os dois polegares no
elástico da cueca.
— Está falando disso? — Agora ele está sorrindo, o semblante não
mais tão preocupado.
Concordo com a cabeça, ávida por uma visão completa.
Ele leva seu tempo para remover o restante da roupa e assim que o
vejo totalmente nu, meus olhos parecem saltar das órbitas.
— Meu Deus, isso é normal?
Ele ri.
— Não sei se é normal, mas é o tamanho do meu pau.
É muito... absurdamente grande. Como isso poderia caber em mim?
— Eu posso?
— Ah... — Ele engole em seco. — Claro, fique à vontade.
Me ergo do colchão e engatinho até ele, que me observa com
pálpebras pesadas. Assim que fecho uma mão na base, ele respira de
maneira ruidosa. Fecho a outra mão em cima da primeira e escuto um
grunhido baixinho.
Estou boquiaberta ao perceber que a cabeça avermelhada do pau dele
ainda está para fora das minhas mãos e que elas mal se fecham ao redor
dele.
Olho para cima, o corpo inteiro do Liam está tenso e sua expressão
está esquisita, como se estivesse tentando se conter enquanto eu exploro.
— Isso te faz sentir dor?
Nunca imaginei que olhos poderiam recriar a sensação de labaredas
de fogo dançando, mas é assim que sinto, como se seu olhar fosse chamas
me aquecendo.
— Não sinto dor — diz em uma voz grave e rouca. — O que sinto é...
diferente.
— Descreva pra mim — peço e seus lábios se contorcem, a testa se
franze quando meus dedos o apertam. — Isso é bom?
Ele solta um gemido ruidoso e estremece.
— Si-sim, Ming... porra, é quase bom demais.
— Me conta — peço novamente e ele lambe o lábio inferior.
— Sinto como se estivesse ligado na tomada — murmura e subo e
desço as mãos, fazendo-o jogar a cabeça para trás. — Caralho...
— Continua falando.
Sua mão cobre as minhas e ele aperta ao mover nossas mãos juntas,
colocando ainda mais pressão.
— Não dói? — questiono, ao percebê-lo tremer de leve.
— Não, eu gosto forte.
Ele volta a me olhar nos olhos e sua expressão safada me deixa com
vontade de fazer mais do que só tocar com as mãos.
— Do que mais você gosta?
— Boquete — grunhe. — Gosto de socar meu pau até a garganta, de
sentir a boquinha babando nele inteiro.
Minha boceta pisca e estranho o calor que suas palavras me fazem
sentir, achei que o prazer estivesse mais envolvido com o toque, só que
desde que conheci o Liam, me dei conta de que vai muito além disso.
— Você quer que eu faça isso?
— Porra, Ming! — Ele se inclina e beija minha boca, um beijo rápido
e de tirar o fôlego. — Você está me torturando aqui.
— Eu nunca fiz isso antes.
— Torturar alguém?
— Chupar alguém — corrijo e ele morde o lábio inferior.
— Graças a Deus.
Franzo a testa.
— Por que diz isso? Pensei que os homens gostassem de mulheres
experientes.
— Não este, na verdade, amo a ideia de ser seu primeiro em tudo, de
te apresentar esse mundo obsceno. — Sorri de um jeito que nunca fez antes,
como um devasso. — Você quer saber como é?
— Como é o quê? — pergunto, meio hipnotizada por seus olhos
escurecidos e suas palavras sensuais.
Isso o faz rir mais uma vez.
— Chupar alguém.
Olho para o pau imenso nas minhas mãos, nunca pensei que um pênis
pudesse ser bonito, mas é, pelo menos o do Liam é. Ele tem veias ao redor e
a cabeça é bem vermelhinha, minha boca está salivando de vontade de
descobrir se o gosto é tão bom quanto a aparência.
Me inclino para a frente, assentindo.
— Me conta qual é a sensação — peço e passo a língua timidamente
pela glande.
Ele fica ainda mais tenso e os gominhos da barriga realçam ainda
mais, só sei disso porque estou olhando para cima, atenta à reação do
homem diante de mim.
Ele morde o lábio inferior com força e grunhe como um animal, e eu
nem fiz nada demais.
Passo a língua mais uma vez, sentindo o gosto levemente salgado da
sua pele e percebo que gosto disso, de como isso soa sujo e sexy, é uma
cena depravada e eu quero gravar cada segundo na minha memória.
— Você precisa me falar — murmuro e ele impulsiona o quadril em
minha direção, como se pedisse por mais.
Não sabia que seria do tipo ousada na minha primeira vez, mas adoro
como tenho poder sobre ele.
— Sinto calor. — Ele sussurra, a voz tão máscula que tenho a
sensação de que está percorrendo meu corpo. — Sua língua é malditamente
quente e... porra, quero mais.
Ele respira com dificuldade.
— Sinto que toquei em um fio desencapado e agora correntes de
eletricidade se espalham — balbucia e estou cada vez mais admirada por
fazer isso com ele.
Liam fecha os olhos quando envolvo a glande com meus lábios e faço
uma pequena sucção, testando o que ele parece gostar mais.
— Caralho...
— Gosta?
Seus dedos envolvem meus cabelos, me guiando de volta para o seu
pau.
— Não para... — pede, a cabeça caindo para trás. — Faz de novo.
Eu faço e ele estremece, os dedos se apertando na minha cabeça.
— Eu quero ir com calma, Ming — confessa, não pela primeira vez
em um fio de voz. — Deixar você explorar e tudo mais, mas não aguento
muito disso.
— Você disse que gosta.
Ele olha nos meus olhos e, de fato, não há como negar que ele não
esteja adorando tudo isso.
— Eu não quero gozar agora, linda.
Ele não quer gozar e eu não quero me apressar para o momento que
sentirei dor, porque sei que haverá dor, todo mundo fala que a primeira vez
é horrível para a mulher. E eu estou gostando dessa parte, até demais. Não
me importaria se ele gozasse agora.
Subo e desço minha mão por sua pele, um vai e vem que o faz abafar
um gemido.
Ele está duro como uma rocha e um líquido escorre da ponta da sua
glande, lubrificando o pau e fazendo com que o movimento das minhas
mãos deslize por toda sua extensão.
Meus lábios se entreabrem e o abocanho, dessa vez o levando até
onde consigo, o sentindo fundo na minha boca.
Continuo chupando e movendo minhas mãos, a essa altura, seus
quadris também se movem, agora as duas mãos prendem meus cabelos
longe do rosto.
— Porra, você tá muito gostosa me chupando assim — diz em um
timbre que emana prazer.
Ele solta um último grunhido antes de segurar firme meus cabelos,
me mantendo parada enquanto afasta o pau da minha boca.
Está confirmado, eu sinto muito prazer em fazer isso, ver esse homem
grande perder a compostura por minha causa.
Ele me puxa para cima e me beija antes que eu possa dizer que gostei
muito de chupar alguém pela primeira vez, não que eu precise dizer, ele
descobre assim que leva seus dedos até minha calcinha, se infiltrando na
minha intimidade.
Liam solta um som gutural em meio ao beijo antes de se afastar, ele
olha para baixo e acaricia minha boceta com os dedos. Estremeço,
agarrando seus braços.
— Está molhada assim só por me chupar? — pergunta no meu ouvido
e sinto que vou entrar em combustão a qualquer segundo. — Você gostou
tanto assim, linda?
— Sim — digo, em um gemido entregue.
Me pergunto se todas as mulheres são sensíveis assim, ou se isso
passa com o tempo. Já sinto as pernas estremecendo e ele não está fazendo
quase nada.
Em algum momento acabo deitada de novo, um instante depois, Liam
está entre minhas pernas, puxando a calcinha para baixo.
Sinto minha vergonha retornar ao pensar nele me vendo tão exposta,
ao mesmo tempo em que fico ansiosa para que aconteça logo.
— Liam...
Ele me lambe e é tão gostoso que me perco na sensação, a cabeça
caindo para trás e as mãos apertando os cabelos dele.
Liam começa a me chupar impiedosamente, não parando quando
minhas pernas tremulam, nem quando tento afastar sua cabeça quando
ondas intensas se quebram em meu corpo, produzindo gemidos que
parecem ter surgido do meu âmago.
Sons de prazer ecoam pelo quarto, conforme ele me tortura
deliciosamente.
Sinto algo se forçando em meu baixo ventre, a barreira cedendo cada
vez mais e o prazer finalmente ganhando forma, porque agora sei o que está
prestes a acontecer.
— Eu acho... — Minha voz falha, rouca pelos gemidos anteriores. —
Acho que vou gozar, Liam.
Minha pele está arrepiada e banhada em suor, estou estremecida e
tendo espasmos de excitação. Meu corpo está ardendo, como se fosse
lambido por chamas, não pela boca gostosa desse homem.
Ele ergue o olhar e solta um grunhido, colocando pressão no meu
clitóris.
— Goza pra mim, linda. Eu quero te ver se desmanchar na minha
boca.
Um dos seus dedos brinca na minha entrada e assim que ele coloca
um pouquinho, fechando os lábios com força em volta do meu clitóris, sinto
que meu corpo se derrete incontrolavelmente.
Toda aquela pressão é solta, amarra por amarra, e agora explode para
todos os lados. Gemidos cada vez mais profundos ecoam e já nem tento
mais controlar os tremores.
Minhas costas afastam da cama, o quadril indo de encontro a boca
dele. A respiração está entrecortada e agora já não existe barreira nenhuma,
o êxtase corre por minhas veias, até que meu corpo flutua de volta para o
colchão.
As mãos afrouxam o aperto nos cabelos dele, minhas pernas
lentamente param de tremer e meus olhos se fecham quando o corpo inteiro
relaxa.
Se soubesse que sentir prazer era assim, jamais teria esperado por
tanto tempo, mas algo me diz que não seria da mesma forma com outro que
não fosse o Liam.
Ele sobe pelo meu corpo, distribuindo beijos até estar deitado em
cima de mim.
— Como se sente? — pergunta baixinho, mordendo a base do meu
pescoço.
— Plena, de uma forma que nem sei explicar. — Encontro minha voz
para responder e ele ri da maneira que ela soa sonhadora.
— Acha que isso foi o suficiente?
Mordo o lábio inferior, porque isso foi muito, mas ainda continuo
virgem e quero muito que ele resolva isso, principalmente por ele ainda
estar duro e roçando na minha coxa. Esperei o dia inteiro para ser dele, me
preparei para isso e sei que esse orgasmo foi só o começo.
— Não devia ter me levado tão longe — sussurrei.
— Queria você bem molhada.
Ele está me olhando de uma maneira única, ao mesmo tempo que me
diz palavras que soam incrivelmente sujas, do tipo que me deixam excitada
outra vez, se é que deixei de estar.
— Eu quero você.
Seus olhos brilham.
— É?
— Uhum.
Ele se inclina até a mesa de canto e abre a gaveta, pegando uma
camisinha em uma embalagem preta.
— Quer aprender a colocar? — pergunta para mim, antes de rasgar a
embalagem com os dentes.
Não respondo, ao invés disso, tomo a embalagem da sua mão. Preciso
de algumas tentativas antes de conseguir deslizar a camisinha pelo pau dele.
Em todo o momento, reparo que está mudo e tenso, tentando permanecer
calmo.
Quando ele passa a cabeça do pau pela minha boceta, espalhando
minha lubrificação, sinto o coração bater acelerado no peito.
Estou nervosa, mas mantenho as pernas abertas quando ele se
posiciona.
Seus olhos encontram os meus e permanecem assim quando ele força
um pouco, o pau dele desliza para cima, acariciando meu clitóris e
estremeço com a sensação gostosa.
Meus olhos se fecham logo que ele faz uma segunda tentativa, estou
muito molhada, mas, ainda assim, sinto uma fisgada de dor quando ele
começa a colocar, deve ter conseguido encaixar pouquíssimos centímetros e
já sinto como se estivesse sendo partida ao meio.
Minhas unhas se cravam em seus ombros.
— Tem certeza de que isso vai caber em mim? — pergunto baixinho,
a voz tremendo com a dor.
É como uma ardência, é suportável, só que não consigo esquecer que
ele mal colocou a glande dentro.
— Ei, olha para mim, linda. — Sua voz também está afetada, soa
entrecortada, como se ele próprio tivesse corrido uma maratona.
Abro os olhos e o encontro com uma expressão de pura luxúria, ele
tenta sorrir, mas está tenso demais para soar mais do que uma tentativa
fracassada.
— Está com medo? — Ele beija meu ombro, passando a barba pelos
pontos que sabe me fazerem arrepiar. — A mulher que corre atrás de
suspeitos de assassinato está com medo de mim?
— Não de você. — Me remexo, o que faz o pau dele entrar um pouco
mais sem querer. Ele solta um grunhido e eu um gemido de dor, minhas
mãos o apertam mais, encontrando conforto em seus músculos. — Mas
você já viu meu tamanho?
— Tenho consciência do seu tamanho, Ming.
— Eu sou pequena.
— E gostosa.
— Não vai caber.
— Confia em mim, linda. Vai caber tudo. — Ele continua imóvel, a
voz soando cada vez mais afetada.
Mordo o lábio inferior e ele grunhe outra vez.
— Talvez eu esteja com um pouco de medo.
— Tudo bem, amor. VOCÊ QUER PARAR?
Suas mãos alisam minha cintura nua, até que uma delas segura minha
coxa mais afastada, ganhando mais espaço.
— Não quero parar — murmuro e ele empurra um pouquinho mais
para dentro.
Suor escorre por nossas peles, ele está concentrado, tentando não me
causar dor, mesmo que a cada movimento seu eu sinta vontade de gritar.
— Você é apertada demais — diz no meu ouvido. — Quando estiver
dentro de você, vou ir tão fundo que vai me sentir por dias, linda. Você vai
amar isso.
Meu corpo relaxa a cada palavra sussurrada, ele é tão quente e sensual
que aos poucos me deixo ser guiada pelo prazer.
A dor se aprofunda quando ele entra mais, porém, ela vem junto com
um prazer alucinante.
Dor e excitação se misturam quando finalmente o sinto me preencher
inteira.
— Foi tudo?
Ele nega com a cabeça e quase solto um resmungo de protesto.
— Quase lá — murmura, mas, ao olhar para baixo, percebo que, na
verdade, não entrou quase nada.
— Não vai caber, Liam.
— Se não couber, eu vou te comer com o que der — murmura. —
Assim tá gostoso?
Ele move o quadril em um vai e vem lento e estou suspirando e
abrindo mais as pernas.
— Hmm…
Ele segura minha coxa, dando um aperto que me deixa consciente dos
dedos em minha pele.
— Isso foi um sim?
Nossos olhos se encontram, ele parece preocupado com a
possibilidade de isso ter sido um não.
— Tá muito bom — respondo e ele sorri.
— E assim?
Ele entra mais e meu corpo arqueia, os lábios entreabertos.
— Ai, nossa...
— Acho que foi outro sim. — Ele se inclina, chupando meu pescoço.
Seu quadril continua se movendo e a cada investida, o sinto mais
fundo.
A queimação agora já não me incomoda tanto, e sinto que posso
respirar outra vez, pelo menos até ele ir um pouco mais fundo e eu sentir
uma dor diferente, é como um beliscão repentino, só que interno.
Meus olhos se enchem de lágrimas e ele fica imóvel mais uma vez,
deve estar sendo horrível para ele, mas agradeço mentalmente por seu
cuidado.
— Está tudo bem, linda. Eu acabei de tirar sua virgindade, o hímen se
rompeu.
Concordo com a cabeça, uma lágrima rolando pelo meu rosto.
Ele a beija, continuando a distribuir selinhos até encontrar meus
lábios.
Deixo que me beije, mesmo que isso me faça sentir um pouco
encurralada.
— Podemos parar a qualquer momento. — Ele diz ao interromper o
beijo.
— Eu sei.
Minhas unhas já devem estar machucando suas costas, mas ele não
reclama quando reinicia o vai e vem, dessa vez ainda mais lento.
Ele demora um pouco para entrar mais em mim e assim que acontece,
não para até que sua pélvis esteja tocando a minha.
Nós dois estamos ofegantes e gemendo. Eu gosto muito dos sons que
escapam dele, são profundos e roucos, sinto cada um bem na minha libido.
Ainda estou de sutiã e ele puxa os bojos para baixo, deixando meus
seios em pé e bem perto do rosto dele.
— Você é perfeita, Ming. — Ele chupa um bico entumecido, depois o
outro. — Perfeita pra caralho.
Ele continua entrando em mim e em algum momento a dor é deixada
para trás, ainda está aqui, só que sob muitas camadas de prazer.
Poderiam ter se passado horas, ou minutos, mas quando me
desmancho outra vez em seus braços, ele me acompanha, e vê-lo gozar é a
coisa mais linda que já vi na vida.
Quando ele sai de mim e se desfaz da camisinha, não me movo.
— Pensei que não gozaria na minha primeira vez — confesso quando
ele volta para a cama.
Liam me puxa para seus braços e beija o topo da minha cabeça.
— Eu também pensei, mas nas pesquisas diziam que eu precisava te
deixar à vontade e o mais relaxada possível.
— Pesquisas?
— De certa forma, essa foi uma primeira vez para mim também,
linda. Nunca estive com uma virgem, queria que fosse perfeito para você.
— Então fez pesquisas?
Ele fica vermelho.
— Acho que estava tão nervoso quanto você, tive medo de te
machucar.
Acaricio seu peito.
— Esqueci de perguntar, onde está o Trevo?
— Não queria que ele bagunçasse tudo, então o deixei na casa do meu
pai.
Suas mãos fazem carinho na minha pele enquanto conversamos, até
que ele solta o fecho do meu sutiã, jogando-o longe.
Minha cabeça repousa no seu peito e ele faz cafuné até meus olhos
ficarem pesados.
— Liam?
— Sim, linda?
— Obrigada por ter feito tudo isso, nunca imaginei que um dia
alguém se dedicaria tanto por mim.
— Há poucas coisas que eu não faria por você, Ming.
Conversamos pelo que parecem horas e quando finalmente caio no
sono ao escutá-lo falar sem parar sobre o intercâmbio que fez, estou com
um sorriso feliz no rosto. Um sorriso que não é tão sincero assim desde que
a Fang morreu.
LIAM
MING
LIAM
— Me desculpa ter agido daquela forma com seu pai, é só que ele...
A beijo antes que consiga continuar, minha língua invadindo sua boca
enquanto o desejo flui por minhas veias. Estava com vontade de fazer isso
desde o momento em que enfrentou meu velho.
— Aquilo foi foda, Ming — murmuro, afundando os dedos nos seus
cabelos. — Meu pai mereceu.
Suas mãos estão no meu peito, apertando a camisa. Ela está nas
pontas dos pés e quando se impulsiona para o meu colo, subo as escadas de
casa segurando sua bunda.
Amo que ela tenha a mesma fome que eu com apenas um beijo.
Agora sua boquinha está no meu pescoço e quando começo a tirar as
roupas de homem do seu corpo, faço uma nota mental para perguntar sobre
isso para ela depois.
Deixamos uma trilha de roupas até o banheiro, o Trevo correndo atrás
de nós até fecharmos a porta antes que ele entre. Ming está me abraçando
enquanto me beija e ligo o chuveiro, ao mesmo tempo que rasgo sua
calcinha com a outra mão.
Ela solta um som surpreso e parece fascinada, como se gostasse muito
desse tipo de coisa.
— Liam.
Olho em seus olhos e a sensação desses dedos em minha pele são
instigantes e fazem meu corpo responder de maneira muito empolgada.
— Está excitada? — pergunto baixinho, lambendo uma gota de água
que desce pelos seus seios.
Ela apoia as costas na parede, as pernas ainda em volta do meu
quadril. A água escorre por nossas peles, tornando a cena sensual demais.
— Estou. — Ela responde em um sopro.
— Eu vou te comer — aviso, abocanhando um mamilo e chupando
com força.
Ela arqueia as costas e se esfrega em mim, os cabelos estão molhados
e assim que solta as pernas do meu quadril e fica sobre os joelhos, recordo o
dia em que gozei fantasiando com essa mesma cena.
Dessa vez ela começa a me chupar sem aviso prévio, sua boca é
gulosa e macia, do jeitinho que eu pedi aos céus. Minhas pálpebras se
tornam pesadas, mas me recuso a fechar os olhos, ela está gostosa demais
para não ser admirada.
Meu pau entra na sua boca e só essa visão me faz querer gozar.
— Porra, linda! — Solto um grunhido e agarro seus cabelos, a
ajudando nos movimentos. — Vem cá, me deixa te comer.
Assim que ela fica de pé, a viro de costas para mim e a inclino contra
a parede.
— Empina essa bunda pra mim.
Ela obedece e, caralho, eu poderia viver para sempre a comendo
assim.
Estou sem camisinha, porém, a essa altura não considero isso
importante o suficiente para parar agora.
Meu corpo inteiro está retesado de desejo e quando finalmente a
penetro, escuto o gemido suave e feminino que ela solta.
Me inclino para frente e mordo seu ombro antes de murmurar em seu
ouvido:
— Hoje eu vou te foder com força, linda.
Ela rebola em minha direção e deixo que meus olhos se fechem por
um único instante antes de observar o movimento da sua bunda em mim.
Dou um tapa e observo a pele ficando vermelhinha, ela se inclina
ainda mais em minha direção exatamente como aconteceu no carro quando
bati assim. Ela gosta da sensação e é só por isso que dou outro tapa, a
ouvindo gemer mais alto.
— Quero que rebole até merecer gozar depois da sua piadinha —
aviso baixinho e ela solta uma risada debochada, parando de se mover.
— E se eu não quiser?
Seguro seus cabelos e a penetro com força, a fazendo soltar um
gritinho.
— Você sabe que não sou cruel a ponto de deixar minha garota sem
gozar.
Mordo sua pele de novo, a segurando com força enquanto fodo sua
boceta com vontade, a sentindo cada vez mais molhada e ofegante. Estamos
frenéticos em busca do êxtase, ambos alucinados com a sensação do prazer
mais doce e safado que senti na vida.
Quando ela finalmente se desmancha em meus braços, a seguro com
cuidado, saindo de dentro dela e gozando na sua bunda.
Preciso morder o lábio inferior antes de deixar um “eu te amo”
escapar.
MING
O delegado ficou sabendo que minha irmã foi uma das assassinadas
de oito anos atrás, claro que isso era uma informação pública, mas, o que o
deixou furioso, foi descobrir que eu estava ligando o assassino dela com o
de agora.
Policiais que têm algum tipo de parentesco com vítimas não podem
investigar o caso, mesmo quando o seu parente morreu anos atrás e o
assassino tenha ressurgido tempos depois. Patrick odiou não ter sido
informado disso antes.
Ele também ficou sabendo do tiro que dei no Liam e considerou isso
um distúrbio da minha parte, sim, foi essa palavra que ele usou. Segundo
ele, deixei minhas emoções passarem à frente do caso, e, por Liam ser o
único na sala enquanto recebo um esporro do delegado, já sei quem foi o
dedo duro.
— Você será afastada por tempo indeterminado. — Patrick finalmente
diz e abaixo a cabeça, sem ter o que responder. — Deixe seu distintivo e
arma na mesa antes de sair.
Meus olhos pinicam e quando olho para o Liam, entendo que esse não
era o plano dele, ele só devia querer que eu fosse afastada do caso, não da
delegacia, mas tudo bem, eu mereço se essa tiver sido sua intenção, afinal,
foi eu quem o traiu primeiro.
Ele está balançando a cabeça, os olhos parecendo tristes.
— Sim, senhor — murmuro em um tom de voz rouco.
— Já pode ir.
Meu corpo está amortecido desde aquela crise de choro e vou para o
setor de homicídios.
Começo a juntar meus itens pessoais da minha mesa sem olhar para
ninguém, estou envergonhada e chocada ao perceber que falhei com a Fang,
falhei terrivelmente com ela.
Sei que o que está acontecendo vai me atingir mais tarde, quando
estiver sozinha e com tempo para pensar nos meus erros.
Fui estúpida por ter apontado aquela arma para a pessoa que mais me
fez sentir humana nos últimos tempos, mas também errei ao confiar meus
sentimentos a ele. Se estivéssemos em papéis invertidos, eu jamais teria o
dedurado.
Escuto passos se aproximando, então braços me rodeiam. Felipe
começa a fazer um escândalo, soluçando e fungando, suas lágrimas
melando minha camisa.
Reviro os olhos e fico imóvel enquanto o homem se desmancha em
mim, causando um puta desconforto.
— Isso é tão injusto. — Ele esperneia, até parece com uma
criancinha. — Quem é afastado por causa de um errinho?
Meu rosto ferve e vejo o Liam entrar no nosso setor, seu braço está
imobilizado e sua expressão está quase arrependida.
— Foi só um tirinho. — Felipe continua chorando. — Liam devia ter
levado na esportiva.
Já estou ficando irritada com esses toques exagerados, odeio esse tipo
de coisa. Tento afastá-lo, mas apesar de magricelo, ele é bem forte e gruda
em mim igual um carrapato.
— Já chega, Felipe — resmungo inutilmente. Ele segura minha
camisa e assoa o nariz, o que embrulha meu estômago.
Que nojo! Nunca mais uso essa camisa!
— Vou fazer greve de silêncio, greve de fome e vou me recusar a
trabalhar até você voltar! — Ele exclama, o rosto vermelho.
Solto um suspiro e dou uma batidinha na sua cabeça.
— Quer ser afastado também?
Ele hesita e finalmente consigo empurrar seus braços, ele nunca
pareceu tão corcunda assim.
— Mas é injusto!
— É isso que acontece quando se comete erros — murmuro. — E eu
cometi muitos.
Seu rosto é como o de uma criança que está vendo a mãe ir embora.
Liam arranha a garganta.
— Podemos conversar? — pergunta para mim e sinto que nos
encaramos com um mar de arrependimentos.
Sinto como se uma espada estivesse enterrada em minha garganta.
Concordo com a cabeça e o sigo para fora da sala.
Ele me leva até o depósito de evidências e fecha a porta, o espaço
parece pequeno demais para nós dois.
— Como está o seu braço? — Pergunto ao me afastar o máximo
possível.
— Com um buraco. — Ele responde e o amargor em sua voz me faz
pensar que tudo que ele quer é me magoar da maneira que fiz com ele.
— Acho que estamos quites, já que você também me apunhalou.
Seu olhar poderia ser comparado a um cubo de gelo.
— É isso que pensa?
— Você reportou — acuso, mesmo não tendo esse direito. — Foi
você!
— Sim. — Ele nem se esforça para negar e apesar de ter me dado a
impressão de estar arrependido antes, agora não demonstra nada.
— Está me odiando tanto assim? — Meus olhos lacrimejam e encaro
o teto para impedir que caiam. — Eu pensei que você, acima de qualquer
um, fosse entender.
— Eu avisei que quando ameaçasse sua segurança, eu iria deixar de
ser seu aliado.
Continuo olhando para o teto e ele segura meu queixo, me forçando a
olhá-lo. Ele não afasta os dedos e o toque é quente, nem parece que estamos
nessa frieza toda.
— Eu te mostrei minha dor e você não se importou com ela.
— Eu te dei meu coração e você abriu um buraco nele.
Fecho os olhos, cansada das nossas palavras cheias de veneno. Estou
em uma guerra interna, tentando descobrir qual lado vai vencer.
Estou tentando entendê-lo, mas a Fang está na minha cabeça, me
lembrando de que seu assassino ainda está à solta e que graças ao homem à
minha frente, a chance de encontrá-lo está tão distante quanto o Alasca.
— Estou falhando com todo mundo. — Me pego dizendo e o
desespero em minha voz me surpreende.
Viro de costas para ele, tentando recuperar o juízo, mas, em um
segundo, ele está diante de mim novamente.
— Eu prometo te amar, Ming, mesmo quando você atirar em mim por
pensar que sou um serial killer, e isso significa te proteger, mesmo que
acabe te perdendo no processo.
— Não preciso de um príncipe.
— Eu sei.
— Então pare de me atrapalhar.
— Quanto mais vejo esse fogo nos seus olhos, mais tenho certeza de
que tomei a decisão certa.
Tento empurrá-lo, mas ele segura minhas mãos.
— Me solta!
— Vingança não é o caminho, Ming.
— Você não sabe de nada, nunca encontrou o corpo da sua irmã
boiando em uma cachoeira! — grito e o silêncio recai sobre nós. — O que
você acha que faria se encontrasse a Cassandra assim? Machucada, com
uma eterna expressão de medo?
Ele fica tenso e a dor no meu peito me faz desviar o olhar.
— Ming...
— Estamos nos magoando — sussurro. — Eu te magoei. Acho que
não sei amar.
— Foi só um tiro, Ming. Precisaria de muito mais para me fazer
desistir de nós.
— Não sei se consigo dizer o mesmo. — Sinto que as lágrimas estão
prestes a voltar. — Estamos falando da Fang.
— Linda...
Me afasto do seu toque.
— Não pense que eu vou parar, Liam.
Retiro o distintivo e a arma do coldre, colocando tudo sobre suas
mãos quando as estende como se quisesse me segurar outra vez. Olho em
seus olhos ao continuar falando:
— Não será a falta de uma arma e de um distintivo que me deterá,
Liam. Eu vou até o inferno se for preciso, mas vou achar esse desgraçado.
Espero que você não fique no meu caminho.
Saio da sala antes que ele me responda.
LIAM
Eu a vejo ir embora da delegacia com o coração partido em mil
pedaços, sua dor se reflete em mim.
Estou apaixonado e mal pude aproveitar o sentimento antes dele ser
arrancado de mim, talvez tenha feito algo bem ruim na minha vida para
merecer esse sofrimento.
Ela atirou em você.
Lembrar disso não me faz querê-la menos, muito pelo contrário, me
faz querer acalmar seus medos e provar que pode confiar em mim. Sou
completamente louco por amar uma maluca, não que eu me importe com
isso.
Estou começando a sair da sala quando paro de repente, recordando
de algo que não acredito ter esquecido, meu corpo está tenso e a esperança
faz meu coração acelerar.
Talvez não possa realmente impedi-la de correr perigo, exceto que
encontre esse assassino antes dela.
Faço algumas ligações e quando volto para minha mesa, encontro as
filmagens das últimas vinte e quatro horas no meu e-mail. Assim que abro,
vejo a minha rua inteira na tela.
Dou zoom até ver minha casa com nitidez e acelero o vídeo, vendo o
dia passar para a noite.
Em pouco tempo, o vídeo me mostra saindo de casa, sendo seguido
pela Ming, sei que a invasão aconteceu depois disso, então desacelero o
vídeo, atento ao desenrolar. Estou curioso para saber como o invasor não
deixou nenhuma marca.
Não havia sinais de invasão, foi por isso que Ming e eu não notamos
nada. Acho que não ajudou muito nós estarmos um tanto distraídos.
Pensando nisso agora, sinto meus dentes trincarem ao perceber que o
desgraçado estava dentro da minha casa enquanto eu comia minha mulher,
provavelmente escutando todos os sons que somente eu deveria escutar sair
daquela boquinha.
É coisa de meia hora e um Jeep preto entra na minha rua, até aí tudo
bem, o problema começa quando o motorista do carro sai mascarado e se
agacha em frente à minha porta. Não consigo ver o que ele está usando pelo
ângulo da câmera, mas quando a porta se abre e ele fica em pé, não tenho
dúvidas se tratar de um homem.
Os peritos podem até dizer que uma mulher poderia ter cometido os
assassinatos, só que nunca saiu da minha cabeça que uma mulher não
conseguiria matar alguém do tamanho do Vitor e depois o colocar dentro de
um carro qualquer e ainda o remover do carro, tudo isso sem ninguém notar.
Espero para ver se o desgraçado sai da casa, mas ele continua lá
dentro quando Ming e eu chegamos. Quase duas horas depois, o homem
encapuzado está correndo para fora da minha casa e se enfiando no Jeep,
mais um minuto e a Ming está saindo pela porta só de roupão e com uma
arma na mão.
Nós dois assistimos o Jeep virar a esquina, mas enquanto ela se
lamenta por ter perdido sua chance, eu estou sorrindo por ter o poder de
pausar o vídeo e pegar nitidamente os dígitos da placa do Jeep.
O idiota nem sequer removeu a placa, quase como se quisesse ser
achado.
Chamo o Eduardo na minha mesa e lhe entrego o papel com a placa,
ele estreita os olhos para os dígitos e engole seco.
— O que é isso?
— Descubra onde esse carro está — peço, sabendo que ele é o melhor
nesse tipo de serviço.
Ele assente e volta para sua mesa, um olhar determinado no
semblante um tanto abalado, percebo que toda nossa equipe está abalada.
Ninguém esperava que a Ming fosse ser afastada, nem mesmo eu e assim
como todo mundo, também estou me odiando agora, mas prometo trazê-la
de volta, tanto para minha vida quanto para o trabalho.
Me recosto na minha cadeira e me permito abrir um sorriso de triunfo.
— Te peguei, imbecil.
MING
Já não sei quem é a Ming sem um caso para resolver, prometi
continuar investigando, mas é mais fácil falar do que fazer. Se fosse simples
assim, não teria estudado tanto para entrar na polícia.
Não tenho mais acesso às informações. Não sei se possuem pistas,
evidências, hipóteses, nada. Se alguém morrer, serei a última a saber,
exatamente como o restante da cidade.
Ainda suspeito de pessoas dentro da polícia, mas, na verdade, nem
isso faz sentido mais, já que quase todo mundo se machucou no último
assassinato.
Eduardo quebrou um braço, Felipe foi espancado, Liam nem se fala,
eu mesma atirei nele por falsas suspeitas e ainda tive que ver o assassino
sair da sua casa como um covarde. Virei o verdadeiro emoji de palhaço.
Os únicos que sobraram foram o Pedro e o Paulo, se considerarmos
que o culpado seja do nosso setor, o que soa cada vez mais louco.
Me familiarizei com as pessoas do meu setor, virei amiga deles e
agora é quase impossível ver algum deles como o assassino, o único que
ainda acusaria sem receio seria o delegado, já que o considero um ser
humano desnecessário para o planeta.
Concentrei toda minha mente nisso somente para ignorar a tristeza
que apodrece meu coração aos pouquinhos, sinto como se meu corpo fosse
entrar em falência a qualquer instante, tamanha a dor que sinto.
Nunca imaginei que sofrer de amor poderia resultar em uma dor
física, mas aconteceu, estou doendo inteira, tanto que nem sei onde o
sentimento começa e onde termina. Sou uma extensão da minha própria
agonia.
— Liam, meu bem! — Vovó Ming está gritando e recordo que ela
está aqui, na verdade, volto à realidade e percebo que não estou no meu
quarto, afundada em milhares de papéis. Vovó Mei me tirou de lá antes que
morresse sufocada em folhas de caderno e jornais.
Pisco os olhos repetidamente e olho na direção em que a Vovó Mei
está virada, sacudindo os braços e sorrindo como uma adolescente, só então
raciocino o nome que ela está chamando sem parar, infelizmente, já é tarde
demais para fazê-la parar.
Liam olha na direção da senhora e abre um sorriso galanteador, com
direito a covinhas fofas. Sinto uma coisa estranha ao perceber que ele
parece ótimo, não que não queira que ele seja feliz, mas faz só três dias e eu
estou um bagaço por culpa dele.
Isso é justo?
Seu corpo continua forte e torneado com músculos, nem um único
quilinho mais magro. Suas roupas escuras não têm manchas nem estão
amassadas. Abaixo dos olhos cor de mel, não há qualquer vestígio de
olheiras. E quando se aproxima de nós duas, não parece nervoso por eu
estar aqui, bem na sua frente.
Ele está lindo ao parar diante de nós com uma mão no bolso da calça
jeans e o outro braço ainda imobilizado.
— Boa tarde, vovó Mei.
Ele a chama exatamente como eu o faço.
Olho para baixo e fico envergonhada ao ver minha calça larga, quero
morrer ao perceber que estou vestindo uma camisa dele. Por que a vovó
Mei me deixou sair assim?
Estou amarrotada, desgrenhada e pálida como um defunto, nunca
estive tão horrível, mas quando esse homem se volta para mim, seus olhos
parecem brilhar com carinho e o sorriso se torna muito mais íntimo.
— Foi atropelada enquanto vinha pra cá? — Ele me pergunta e todo o
encantamento desaparece rápido. Agora quero socá-lo ao invés de beijá-lo.
— Como você é doce — murmuro e parece que não usava minha voz
há dias.
Ele encara a sua camisa no meu corpo, o reconhecimento
transformando seu semblante em algo que me faz ter a sensação de que não
importa se nunca mais ficarmos juntos, ainda vai existir alguma espécie de
faísca toda vez que nos olharmos, mesmo quando um de nós estiver
péssimo.
— Como você está? — Ele pergunta, agora tão sério que até o sorriso
da vovó Mei se desfaz um pouco.
Todo mundo reparou na quão mal eu estou, acho que começaram a
perceber quando parei de comer direito.
Abro a boca para responder que estou ótima, mas, nesse instante, vejo
um homem de capuz parar alguns metros atrás do Liam. Meus olhos se
estreitam quando o reconhecimento me atinge, e assim que o homem tira
uma mão do bolso e aponta uma arma na nossa direção, pulo em cima do
Liam e da vovó Mei, jogando os dois no chão um segundo antes de escutar
o som do tiro.
Olho para baixo, encontrando os olhos arregalados do Liam. As
pessoas gritam e correm à nossa volta, desesperadas para fugir de um
possível tiroteio.
— Em quem estavam mirando? — Ele pergunta, mas já estou ficando
de pé e correndo atrás do homem.
Ele fugiu assim que errou o tiro e estou sentindo a adrenalina abrir
passagem pelo meu corpo conforme o persigo pelas ruas de Monte Azul.
Minha respiração está levemente alterada pelos dias em que não me
exercitei. Pelo jeito, o homem encapuzado é do tipo atlético, ele está muito
à frente de mim e apesar de sentir o Liam correndo atrás de nós, deve ser
difícil para ele correr com um braço machucado.
— Ming, espera! — Ele está gritando. — Ele está armado!
Me impulsiono ainda mais para frente, motivada pela raiva do idiota
ter ousado usar uma arma tão perto da minha vozinha.
Ele segue reto por um beco e eu faço uma curva, entrando em outra
rua, sei que se for um pouco mais rápida, vou conseguir alcançá-lo, já que,
pelo visto, conheço esse bairro melhor do que ele.
— Bingo — murmuro, assim que o vejo bem na minha frente, ele está
perto da parede e sinto que não vou aguentar correr atrás dele por muito
mais tempo.
Analiso rapidamente a distância da parede e em um movimento não
tão pensado, bato um pé nela para ganhar impulso e pulo, colocando toda
força do meu corpo na perna que uso para chutar.
Meu pé atinge a cabeça do sujeito e assim que ele cai no chão,
acontece o mesmo comigo e rolo por um instante.
Fico de pé o mais rápido possível, pronta para uma luta, porém, o
capuz do atirador cai e ele está paralisado. A minha postura se desfaz com o
choque e encaro o homem no chão sem acreditar.
Primeiro penso que talvez tenha perdido o rastro do cara certo e
acertado o errado, depois me dou conta de que isso não seria possível.
Liam aparece no fim da rua vazia e nossos rostos devem ser espelhos,
refletindo a mesma coisa.
Paulo está sentado no chão com sangue escorrendo do nariz, seus
olhos repletos de terror por ter sido pego. Ninguém se move.
— O que é isso? — Liam pergunta e sua voz parece querer uma
explicação que diga que seu raciocínio está errado e é apenas um engano.
Liam não sabe, mas aquela arma não estava apontada para mim ou
para minha avó, agora que parei de correr, consigo lembrar nitidamente, e o
cano da arma estava virado para a nuca do Liam.
Por que ele quis atirar logo no Liam?
Minha mente não entende isso até perceber que eu também briguei
com ele. Depois da Carmen e de ter sido afastada do meu cargo, analisei os
casos e descobri que a Sra. Rodrigues não foi uma vítima, pois ela nunca
encostou em mim. Porém, isso se torna falho se tratando do Liam, já que ele
também não me agrediu.
Tanto o Vitor, quanto a Ana Luiza e a Carmen tiraram sangue de mim
em algum momento. Liam não fez isso, mas o assassino já havia o marcado
assim que colocou aquelas coisas no seu guarda-roupa, e, depois disso, ele
ainda foi a causa do meu afastamento da delegacia. Talvez o assassino já
quisesse se livrar dele.
Por que eu?
Se o Paulo é o assassino, o que teria em mim para fazê-lo querer ser
uma espécie de justiceiro para minha pessoa?
Quero fazer todas as perguntas não respondidas que rondam minha
cabeça, mas o homem está ficando de pé de novo e não posso me esquecer
de que está armado.
Corro mais uma vez e me agacho, dando uma rasteira que o derruba
novamente.
Ele solta um grunhido e o Liam sai do torpor, jogando uma algema
para mim. Não sei o que ele está fazendo com uma, já que não está em
horário de trabalho, mas não questiono o tipo de coisa estranha que ele leva
quando sai pra rua, apenas algemo o Paulo em silêncio, odiando ter estado
certa o tempo inteiro.
Estou com a mente meio fodida agora. Isaac era meu melhor amigo e
esse foi o motivo por ter levado tanto tempo para aceitar que o assassino é o
mesmo de oito anos atrás.
Me sinto culpado pelo que aconteceu com o Isaac e quando ele
desapareceu, fingi que havia se cansado dessa cidade e ido embora como
ameaçou fazer muitas vezes, mas ameaças em momentos de tristeza é
normal para adolescentes e jovens adultos, perdi as contas de quantas vezes
também disse que ia fugir de casa e tentar a sorte em outro lugar, longe do
meu pai.
Eu não procurei pelo meu melhor amigo, o deixei de lado por medo
de encontrar o que eu não estava preparado para ver. Não posso fazer isso
de novo.
Ming está do meu lado e sinto sua força me encorajando, mesmo que
ela não diga nada para me motivar. Essa mulher tem esse tipo de poder
sobre mim.
— Por que não me conta o que está te atormentando? — Ela pergunta
de repente e fico surpreso por ela notar, estive soltando piadas e frases de
duplo sentido o tempo inteiro desde que começou a dirigir.
Ninguém nunca percebeu isso, mas quando estou chateado ou triste,
sempre me cuido mais e me esforço para sorrir e ser agradável. É minha
maneira de fingir que estou bem e tentar enganar minha própria mente.
Nem mesmo o Pedro percebeu que nos últimos dias estive destruído.
— Por que acha que algo está me atormentando?
— Você fica mais idiota que o normal quando quer esconder que está
incomodado com alguma coisa.
— Nossa, obrigado pelas palavras de carinho.
— Você entendeu.
Engulo seco e seus dedos buscam os meus, a mão macia e quente me
fazendo pensar se algum dia vou ser capaz de respirar normalmente quando
ela me tocar assim. Nesse momento, parece que acabei de correr uma
maratona.
Olho para sua mão sobre a minha, encarando o anel infantil que ela
nunca tira do dedo, brinco com ele com o polegar.
— Você nunca me contou o lance com esse anel — mudo de assunto
e ela sabe, mas não parece incomodada ao encarar o objeto antes de focar
na estrada.
— Era da Fang. — Ela diz e a voz soa firme, como se soubesse que é
preciso compartilhar uma informação pessoal para gerar confiança o
suficiente para talvez receber uma informação em troca. Eu fiz isso com ela
e não surtiu muito efeito. — Ela estava usando quando a encontrei.
— Desculpa por perguntar.
Idiota.
— Está tudo bem. — Ela acaricia minha mão. — Falar sobre ela com
você não é sufocante.
Isso me faz sentir sortudo pra caralho e assim que ela para em um
semáforo, me inclino e beijo sua bochecha.
— Obrigado por confiar em mim.
Ela olha nos meus olhos e é um olhar penetrante, ela sempre me
vislumbra assim, como se pudesse ler minha alma. É desconcertante e me
deixa com um puta tesão.
— Você está bem, Liam?
— Você só me chamou de amor uma vez — mudo de assunto
novamente, agora não é por mal, é só por ter gostado muito da palavra na
sua voz doce. Quero que me chame assim sempre.
— Você está bem, amor? — Ela corrige e meu coração quase sai do
peito.
Um carro buzina atrás de nós, a forçando a se concentrar na direção,
ficando em silêncio por um tempo. Ela fica gostosa demais no modo piloto,
mas não digo isso, estou com a mente em outro lugar, apesar de meus olhos
não saírem dela.
Como posso dizer que fui um imbecil com uma pessoa que esteve
comigo nos momentos bons e ruins? Por que pedi confiança da parte dela
sabendo que não sou confiável?
Ela para o carro em frente à casa do meu pai e desço com o Trevo, já
que não podemos levá-lo pra cavar.
Quando meu pai abre a porta, nem parece lembrar que estava com o
Trevo ao sair de casa, é uma ofensa que o meu cachorro goste tanto desse
velho.
— Eu volto mais tarde pra buscar ele — aviso e o meu pai faz uma
careta.
— Vem buscar amanhã. — Ele ordena e fecha a porta na minha cara.
— Eu mereço — resmungo, voltando para o carro.
Ming está com o rosto apoiado no volante, tentando espiar a conversa
rápida que tive com meu pai.
— Então... seu pai finalmente saiu. — Ela tenta sorrir e solto um som
que deveria ser uma concordância. — O que foi isso?
— Eu dizendo pra você não criar esperanças, ele continua um mala.
A observo ligar o carro e voltar para a rua, sua testa está franzida em
concentração.
— Às vezes ele faz isso para ter mais momentos com você e só é
orgulhoso demais para admitir.
Fico em silêncio, é difícil decifrar o meu pai e não estou muito a fim
de tentar hoje. Olho pela janela, sem realmente acreditar que estou indo
cavar o que, provavelmente, é a cova do Isaac.
— Eu sei que pode ser difícil, então, se quiser desistir...
— Você pararia se eu pedisse? — A interrompo, me virando para ela,
mas é claro que entendi errado.
— Eu te deixaria em casa.
Continuo a encarando, sem acreditar que passou pela cabeça dela que
eu toparia uma idiotice dessas. Se concordei com isso, foi somente por
saber que ela iria sem mim caso não topasse.
— Isaac e eu éramos melhores amigos — confesso quando o silêncio
se torna espesso demais.
— Quer conversar sobre isso? — Ela busca minha mão e eu entrelaço
nossos dedos.
Sinceramente, eu não sei dizer se me sentirei melhor ao falar, mas
acho que amo essa mulher a ponto de acreditar que vai acontecer, então
continuo falando:
— Fomos juntos para o intercâmbio, e quando voltamos tudo parecia,
sei lá, diferente.
Meu coração aperta ao recordar as coisas que aconteceram, foi uma
época difícil, principalmente por não saber bem o que fazer com os
sentimentos que o Isaac confessou sentir por mim, tampouco saber se eu
sentia alguma coisa diferente por ele.
— Voltamos no ano em que os assassinatos estavam acontecendo. —
Não paro de contar, não querendo dar tempo de repensar sobre abrir a porta
com essas lembranças para outro alguém entrar. — As pessoas estavam
assustadas, víamos famílias chorando diariamente e isso gerou uma espécie
de desespero por temer ser o próximo. Acho que isso afetou o Isaac
primeiro.
— Eu o conheci, mas era muito nova, foi bem antes de ele ir para o
intercâmbio. Pensando agora, não sei o porquê de nunca ter associado a
viagem dele com a sua.
Concordo com a cabeça, a assistindo virar em uma rua e parar em
outro semáforo. Ming continua com a mão sobre a minha, mesmo quando
precisa mudar a marcha, seus dedos sempre voltam a encontrar os meus.
— Ele começou com conversas estranhas sobre sentimentos e eu
achei que fosse apenas receio, até o dia que se declarou para mim. — Ming
não parece surpresa com minhas palavras e me pergunto se o Eduardo disse
alguma coisa para ela, isso justificaria sua desconfiança repentina e aquele
tiro. — Eu não reagi muito bem, meu pai era uma grande corrente à minha
volta naquela época, e pensar em fazer algo que fosse motivo de chateação
para ele me deixava aflito.
— Você o rejeitou?
Assinto e ela volta a dirigir quando o farol fica verde. Ainda me
lembro bem da expressão arrasada do Isaac.
— Eu o magoei, disse que não gostava dele assim e que devia ir
embora.
Estávamos no meu quarto, não conto todos os detalhes para a Ming,
mas antes de se declarar e eu surtar, o Isaac havia me beijado em um ato de
coragem e, por um momento, eu correspondi.
— Você gostava dele? — Ela questiona e não há qualquer resquício
de preconceito, apenas curiosidade.
— Eu nunca descobri. Quer dizer, não sei se entendo bem, mas era
um sentimento bom. — Penso um pouco a respeito, procurando no meu
coração se alguma vez senti o mesmo calor e faíscas que sinto com a Ming.
— Não era parecido com o que sinto por você, era bem menos intenso, acho
que é diferente quando é com sua alma gêmea.
Abro um sorriso para ela e noto suas sobrancelhas estreitas.
— Alma gêmea? — Ela soa confusa e até assim fica fofa. — Acredita
nessas coisas?
— Acredito no amor que sinto por você — respondo. — Nunca foi
assim com mais ninguém.
Coloco uma mecha de cabelo atrás da sua orelha e ela me olha de
relance. Mesmo que não diga com todas as letras, sinto pelo seu olhar que
ela corresponde meus sentimentos. Percebi no dia em que disse que a
amava pela primeira vez, Ming estava com os olhos marejados e pedindo
para que a perdoasse como se não pudesse viver sem o meu perdão. É por
isso que não tenho medo de dizer que a amo.
Quem diria, Liam Machado... apaixonado. Bem que a Cassandra
sempre dizia que eu seria pau mandado.
— Não sei reagir a esse tipo de conversa.
— Sua reação é perfeita, não pense muito em como agir. — Queria
poder beijá-la agora e ter noção disso me faz perceber que não estou mais
tão triste, tampouco bravo pelo tiro.
— O que aconteceu depois que pediu pra ele ir embora? — Ela volta
para a conversa e respiro fundo, me concentrando no assunto.
— Ele me obedeceu, e nunca mais foi visto.
Ela estaciona o carro no local marcado no mapa pela pata do Trevo,
está com os olhos arregalados, parece chocada com a informação.
É mesmo uma história triste, eu queria que minhas últimas palavras
para o meu melhor amigo tivessem sido diferentes, queria poder ter tido
coragem para explorar os sentimentos que ele despertava em mim, mesmo
que não se comparassem ao que sinto pela Ming. Não que eu possa fazer
qualquer coisa agora.
É por isso que não gosto de voltar ao passado, nem mexer naqueles
casos, ou mencionar que conhecia o Isaac. Pensar nele sempre me fez
perceber que poderia ter feito mais.
— Liam, eu... nem sei como expressar o quão lamento. — Ela me
olha com carinho. — Você deve ter se sentido horrível.
— O Eduardo me culpou por ter convidado o irmão dele à noite para
minha casa e ter o deixado ir embora de madrugada sozinho. É por isso que
não nos damos tão bem, a fúria do seu melhor amigo recaiu sobre mim e
acho que ele nunca vai deixar de pensar que eu tive parte nisso.
— Eu não fazia ideia. — Ela acaricia meu rosto. — Não foi culpa sua.
— Mas eu sempre me senti culpado.
— Se não fosse naquela noite, seria em outra.
— Como sabe disso? Talvez se eu tivesse mantido ele na minha
casa...
— O assassino escolhe suas vítimas a dedo, Liam. Isaac não foi uma
escolha aleatória.
Olhamos para o portão de ferro da casa abandonada, a rua é estreita e
sem muitas construções além dessa casa e um prédio na esquina. Não
saberíamos em qual local exato dessa rua procurar, isso se o Jeep do invasor
da minha casa não estivesse estacionado bem em frente à residência
abandonada.
Nos últimos dias, estive focado em descobrir quem era o assassino e
invasor da minha casa, quando achei a placa do carro, pensei que seria
muito mais fácil e deveria mesmo, porém, não foi e só fiquei mais frustrado
ao dar de cara com uma parede e ter que voltar à estaca zero.
Ver esse Jeep agora é uma surpresa um tanto inesperada.
Inclino a cabeça, analisando as possibilidades de ser outro carro, mas
eu sou muito bom em decorar informações e decorei a placa do veículo para
o caso de o encontrar na rua. É até bizarro ele estar parado em frente a uma
casa dessas.
A construção é horrível, mas possui muitos pés de amora e olhar para
as frutinhas saborosas que o Isaac amava me faz recordar do motivo pelo
qual ele sempre vinha aqui. Ele poderia viver dessa fruta, então, por que
não ser enterrado perto delas?
Balanço a cabeça, uma tentativa de expulsar a tristeza que começava
a se espalhar pelo meu coração outra vez e focar no plano.
Removo o cinto de segurança e a observo por um instante.
— Está pronta?
— Eu que deveria te perguntar isso.
Solto um suspiro.
— Eu nasci pronto, linda.
Saímos do carro e eu abro o porta-malas, o tempo inteiro me
perguntando o porquê do Eduardo me dizer que o carro não estava mais na
cidade se ele continua aqui. Não quero comentar com a Ming,
principalmente pelos dois serem amigos, talvez ela não encare muito bem.
Antes de pegar o material para cavar, entrego um boné e uma máscara
preta para ela.
— Coloca isso, não quero que nos reconheçam caso alguém apareça.
— Achei que tivéssemos permissão.
— Somos policiais, linda. — Faço uma pausa. — Não sei se devemos
arriscar, nem sequer checamos se alguém está vivendo na casa antes de
decidir invadir.
Ela prende os cabelos em um rabo de cavalo e obedece, escondendo o
rosto das vistas de qualquer um que passasse por aqui. Faço o mesmo e
pego a mochila grande de academia que arrumei com o Pedro, pendurando
no ombro que não dói.
Ming fecha o porta-malas e nos aproximamos das grades do portão
enferrujado, parece que ninguém vem aqui faz tempo, porém, quando olho
para o quintal grande, vejo mais dois carros na garagem, uma Kombi com a
pintura descascada e um Fiat Uno preto sem a placa. Automaticamente,
recordo o que estava anotado em todos os relatórios dos legistas sobre as
marcas de pneus encontradas nas cenas dos crimes, eram carros diferentes,
pneus diferentes.
Por que alguém guardaria três carros em uma propriedade
abandonada? A menos que alguém esteja morando aqui, ou usando o lugar
para matar pessoas e depois arrastá-las para um local público, onde possam
ser encontradas.
— Acho que encontramos o lugar onde o assassino mata. — Ming
sussurra e vejo em seus olhos a determinação.
— Você quer entrar na casa — deduzo, não tendo certeza se isso é
legal, já que não recebemos denúncia e estamos seguindo a marca de pata
de um cachorro, poderíamos facilmente ter problemas por isso,
principalmente se considerar que ela está afastada do seu cargo.
Vendo por esse lado, somos dois malucos.
— Isso é um problema? — Ela pergunta. — E se tivermos mesmo
encontrado o local dos assassinatos? Precisamos averiguar.
Ela é como um diabinho no meu ombro esquerdo, me conduzindo ao
erro e soando nada convincente.
— Você só me mete em confusão.
— Vai dizer que não quer?
Porra, eu quero muito! Isso é quase tão tentador quanto sexo.
— Não sei, Ming. — Me faço de difícil, tentando ser o anjinho que
vai tirar a gente de futuros problemas.
Ela solta um resmungo inaudível e a encaro.
— Para de resmungar, eu nem deveria estar permitindo que isso esteja
acontecendo.
— Você poderia ter esperado no carro, ou nem vindo. Foi escolha sua,
não te obriguei a nada.
— Acha que te deixaria sozinha nisso?
— Eu não te culparia se deixasse. — Ela sussurra e volta a encarar o
portão.
— Olha para mim.
Ela leva um tempo para obedecer, porém, quando obedece, seguro sua
nuca.
— Eu nunca vou te deixar sozinha em uma situação de perigo.
— Eu sei.
— Que bom, agora para de resmungar coisas que eu não consigo
escutar.
Jogo a mochila por cima do portão e quando faço menção de começar
a escalar, Ming me afasta das grades.
— Não devia forçar o braço.
— Eu vou cavar, está mesmo preocupada com a força que coloco no
machucado?
Ela me lança um olhar mortal antes de colocar os pés nas grades. É
questão de um piscar de olhos e ela já está do outro lado, chutando o
cadeado enferrujado até ele se abrir.
— Não era mais fácil ter chutado o portão logo ao invés de fazer toda
essa cena? — pergunto e ela revira os olhos.
— Para de ser chato.
— É você que tá achando que está em um filme de ação.
— Eu vou chutar a sua cara.
Abro um sorriso.
— Estava querendo se exibir para mim, né?
— Claro que não! Eu teria feito muito melhor se fosse para me exibir.
Solto um assovio e a observo empurrar o portão para eu passar
enquanto penso em uma velhinha banguela, sabendo que esse é um ótimo
jeito de não ficar com uma puta de uma ereção.
— Obrigado.
— Disponha, amor.
A palavra soa natural e acabo rindo, me perguntando como
conseguimos discutir em um segundo e no seguinte estarmos nos tratando
com carinho. Ela me irrita e me deixa sem fôlego na mesma intensidade, e
eu odeio e amo isso.
Abro a mochila no chão, ela está olhando em volta, as mãos na
cintura conforme anda pelo quintal inteiro.
— Por onde acha que devemos começar? — pergunto de cabeça
baixa, no instante em que ela solta um resmungo que não consigo entender.
— O que disse?
Ela se vira para mim, a expressão revelando sua tensão.
— Acho que por aqui.
Quando olho na direção em que está apontando, reparo na placa de
madeira com letras feias escritas em uma tinta vermelha: “Aqui jaz um
cachorro leal”.
Eu já mencionei que o senso de humor ácido desse assassino está me
dando nos nervos?
— Filho da puta — sussurro e ela parece tão irritada quanto eu.
— Eu vou olhar lá dentro.
— Ming, espera. — A chamo quando ela começa a subir os degraus
que dão para a porta quebrada da casa.
Ela se vira para mim e fico de pé, indo atrás dela.
— Eu vou com você.
Saco minha arma e entro na casa primeiro, estou com outra arma, mas
não vou entregar a ela, a menos que seja estritamente necessário, já que ela
gosta de atirar e fazer perguntas depois.
A casa fede a mofo e madeira queimada, pela estrutura, parece que a
casa já sofreu um incêndio. Os poucos móveis que estão espalhados pelo
lugar estão chamuscados e a madeira está escurecida.
Não vemos nada de tão anormal, pelo menos não até entrar no que
deveria ser uma cozinha. O lugar está cheio de sangue, e em cima da
bancada vemos ferramentas, alguns alicates, canivetes e um bastão estilo
aqueles de beisebol.
Uma cadeira com enfoca-gatos pendurados prova que isso aqui
deveria ser usado para alguma espécie de tortura. Vislumbro os corpos na
minha cabeça, lembrando de todas as marcas que os legistas alegaram
poderem ter sido causados por ferramentas e, por isso, uma mulher as
poderia ter causado.
— O filho da puta é um psicopata. — Ming diz atrás de mim e
concordo com a cabeça.
— Vamos ter certeza de que não tem ninguém aqui e voltar lá pra
fora.
Ela assente e me segue em cada cômodo, ficando atrás de mim como
se fosse seu escudo, já que estou armado.
Gosto da ideia de a proteger de tudo e todos, faz meu coração acelerar
e minha pele arrepiar. Estou disposto a atirar em qualquer um que ousar
tentar tocar nela.
Quando voltamos para o quintal, ela vai até a mochila e retira as
coisas que vamos usar antes de jogar uma pá para mim e falar:
— É hora de cavar.
Cavamos por horas, meu braço e ombro machucados estão
queimando e sinto que posso abrir os pontos se levantar essa pá mais uma
única vez, não que seja necessário.
Caio sentado no chão, arrancando o boné da cabeça ao passar a mão
pelo rosto. A Ming corre para o meu lado, os olhos brilhando com
entendimento.
Não sei mais se um homem deveria mostrar fragilidade, meu pai não
aprovaria isso, mesmo ele próprio tendo chorado nos braços da minha mãe
naquele hospital. Todavia, eu não poderia ser indiferente a isso, estamos
falando de um amigo que esteve em momentos marcantes da minha vida.
Mesmo sabendo disso, tento conter as lágrimas, tento agir como se
estivesse tudo bem.
— Desde que te conheci, eu nunca entendi como uma pessoa poderia
ter tantos tipos de sorrisos. — Ming murmura, acariciando meus cabelos. —
Mas agora entendo. — Ela segura meu rosto, me olhando nos olhos. —
Você tem um sorriso até para quando está triste, tudo para não chorar. Você
quer sempre ser o Liam feliz.
— Ming... — Minha voz soa rouca e arranha minha garganta, preciso
me segurar, mas ela me olha com carinho e a dor está forte demais.
— Você pode chorar comigo. — Ela continua prendendo seu olhar no
meu. — Estamos juntos nessa dor, Liam. Eu entendo.
Fecho os olhos para não ver o quanto ela está disposta a me segurar se
eu cair, só que isso não me ajuda a não ver, seu rosto está cravejado em
minha mente e as lágrimas finalmente me vencem.
Apoio o rosto no peito dela e deixo meus ombros tremerem com os
soluços. Me entrego ao choro como não faço há muito tempo, me permito
sentir a tristeza que me corrói de dentro para fora, pois sei que preciso
passar por isso.
Paramos de cavar quando já conseguíamos ver os ossos, não era de
um cachorro, e apesar das roupas velhas e desgastadas pelo tempo, eu
nunca me esqueci de como o Isaac estava vestido quando saiu da minha
casa naquela noite.
Agora era oficial, Isaac Camargo havia sido assassinado oito anos
atrás, ele não estava vivendo uma vida feliz em outo lugar e a partir desse
momento, preciso aceitar que ele nunca vai retornar.
MING
Ele está agarrado a mim como uma criança mesmo depois de já ter
parado de chorar, os soluços que escapavam da sua boca ainda parecem
ecoar nos meus ouvidos e cortam meu coração em pedacinhos, nunca soube
como consolar alguém, mas foi eu quem pedi para ele se abrir.
Meus dedos acariciam seus cabelos enquanto minha raiva só cresce.
A pessoa que fez isso merece apodrecer atrás das grades, não, merece
queimar no inferno.
Não quero pensar que o Eduardo possa ser essa pessoa, ele vomitou
quando viu o corpo do Vitor, ele chorou e ficou chateado com a
possibilidade de o assassino ter retornado. Isso não o transforma na vítima
perfeita?
Liam afasta o seu rosto do meu peito e ergue o olhar, suas bochechas
estão vermelhas e os lábios avermelhados tremem por um instante.
— Desculpa.
— Nunca se desculpe por sentir sua dor.
— Eu não sou assim.
Seguro seu rosto quando ele desvia o olhar.
— Liam, todo mundo precisa de um momento.
— Mas essa não é uma hora boa para deixar isso acontecer. — Ele
resmunga, a expressão cansada pode se comparar à minha.
Estudo o buraco que acabamos de cavar e ele segue meu olhar,
quando chegamos até o corpo, não tive dúvidas de que era do Isaac, Liam
ficou paralisado, encarando os ossos como se não pudesse acreditar no que
estava vendo, o que foi a prova da qual eu precisava para ter certeza.
O céu está escurecendo e quase não consigo ver mais os ossos lá
dentro, o que significa que o tempo está passando e já não sei se é seguro
continuar por aqui. A maneira como vamos prosseguir também parece um
mistério por enquanto, eu nem devia estar realizando uma operação de
investigação sem estar na polícia, o delegado vai ficar uma fera quando
descobrir e se chamarmos a perícia, ele vai descobrir rapidinho pela
quantidade de digitais minhas nesse lugar.
— ... uma cruz. — Liam está dizendo alguma coisa, o que me tira dos
pensamentos nebulosos. Eu o observo.
— O quê?
— Os assassinatos formam uma cruz. — Ele repete, acho que está
tentando voltar a focar no trabalho que temos pela frente, talvez ache que
essa é a única maneira de se recompor, não poderia julgá-lo se pensasse
assim, eu fiz o mesmo. — Será que ele pensa que está fazendo o bem? Sei
lá, tem pessoas com a mente ferrada a esse nível?
— Acho que tem — murmuro, meio aérea.
Sinto a corrente com o pingente de espada que a Vovó Mei me deu
abaixo dos meus dedos, só então me dando conta de que a estou segurando
com força, já que as pedrinhas furam a pele.
Minha cabeça começa a doer quando tento encaixar a peça que falta
no quebra-cabeça. Finjo estar diante do quadro da delegacia, ligando uma
fitinha vermelha em cada fato do caso.
Vitor morreu primeiro, depois veio a Ana Luíza e então a Carmen.
Ana Luiza era amante do Vitor e irmã da Carmen, os três estavam ligados
por laços parentescos e de traição, além de todos terem me agredido antes
de serem mortos.
Qual seria a minha ligação nisso tudo? Paulo tinha razão ao dizer
que o assassino sentia fetiche por mim, por talvez eu me lembrar de alguém
que lhe causou muita raiva?
Penso um pouco mais e me pergunto se a Fang foi a causadora dessa
fúria, já que ela foi a primeira a morrer e era minha irmã, além de se parecer
comigo fisicamente.
Nada disso me faz entender o lance da cruz, o assassino é religioso?
O que o Liam disse faz sentido pelo posicionamento das mortes de
oito anos atrás e agora, na verdade, é como se os assassinatos anteriores
formassem uma cruz menor e as recentes formassem uma cruz maior, se
encaixando perfeitamente no meu mapa mental.
Seguro a corrente com mais força e o Liam toca minha mão.
— Não faz isso. — Ele balbucia, me obrigando a soltar a corrente. —
Está se machucando.
Uma gota de sangue escorre do corte pequeno e o tempo parece parar
enquanto observo essa gota cair no chão.
Minha mente é bombardeada com informações e solto um suspiro
quando a tatuagem no ombro do Eduardo invade minha cabeça, tão nítida
que se torna difícil refutar a ideia.
— Formam uma espada — digo com firmeza. — O assassino quer
fazer justiça para mim, porque sente fetiche, foi o que o Paulo disse. Talvez
eu me pareça com a pessoa que lhe causou muita raiva e por esse motivo ele
voltou a matar, isso explica o porquê de todo mundo que briga comigo
terminar morto.
Eduardo sentiu muita raiva da Fang antes dela desaparecer, foi
quando ele descobriu que ela era apaixonada por ele e pedia para que eu
ficasse longe. Ele também teria um motivo para fazer justiça por mim, já
que gosta de mim mais do que um bom amigo gostaria.
Liam se senta direito e franze a testa.
— O que te faz pensar que é uma espada?
— O próprio assassino — explico e ele parece confuso, então
continuo: — Foi o que ele escreveu naquele primeiro bilhete, lembra? Ele
disse que faria vermes como o Vitor sangrarem em sua espada.
Liam fica em silêncio enquanto eu passo a ver tudo em vermelho
sangue, a fúria me fazendo rir de maneira quase maníaca. Não acredito que
fui enganada dessa maneira.
— Ele usou a palavra espada e ficou me provocando — digo mais
para mim mesma do que para o Liam. — O Eduardo tem uma tatuagem de
espada no ombro.
Liam continua muito quieto, quase como se já soubesse disso.
— Ele te detesta e me fez duvidar de você por ciúmes do que nós
temos, e então eu atirei em você e quase destruí isso.
— E ele me disse que o Jeep estava fora da cidade, mas está bem ali.
— Liam termina por mim, apontando para algo lá fora e sigo seu dedo.
Observo o portão de ferro, vendo o Jeep preto que estava estacionado
lá quando chegamos e que não me parece estranho.
— Aquele...
— Sim. — Liam me interrompe. — É o carro do invasor que deixou
aquelas coisas no meu guarda-roupa. A propósito, eu mandei analisarem
aquele sangue, mas era de rato e não havia nenhuma digital naquelas coisas,
elas não foram usadas nos assassinatos.
Cubro o rosto com as mãos, o coração se partindo ao pensar no garoto
que segurava minha mão quando voltávamos da escola por medo de eu cair
e me machucar, sendo o mesmo que estrangula pessoas e as espanca.
— Eu não consigo acreditar que minha inteligência foi passada para
trás — sussurro. — Não acredito que as emoções me cegaram para o que
estava bem diante dos meus olhos.
— Ming, esse é o irmão do Eduardo. — Ele segura minhas mãos e
limpa as lágrimas que não notei terem caído. — Se foi mesmo ele quem
matou o próprio irmão, então nenhum de nós poderia ser mais frio do que
ele.
— É por isso que ele sempre esteve um passo à frente — digo, a raiva
e a dor da traição tornando a fala difícil. — Eu fui tão burra, suspeitei de
todos, menos dele. Suspeitei até mesmo de você, Liam!
— Não se culpe tanto.
— O assassino esteve bem debaixo dos nossos narizes, escutando
todas as informações que tínhamos e jogando com a gente. Foi por isso que
ele ficou furioso quando pensou que você havia ocultado evidências do
restante da equipe, foi o único momento em que ele poderia ter sido
descoberto.
Liam acaricia meu rosto e afasto suas mãos, fitando a placa que ele
deixou sobre o túmulo do próprio irmão.
— Ele chamou o próprio irmão de cachorro.
Minhas mãos estão tremendo e quando fico de pé, parece que até
mesmo minhas pernas tremem. O coração martela tão forte que sinto os
batimentos pulsarem nas orelhas, poderia atirar na cara do Eduardo agora
mesmo e nem hesitaria.
Liam fica de pé e percebo a careta que ele faz ao segurar o braço que
eu atirei.
— Você está bem? — pergunto, me aproximando dele. — Droga, eu
não devia ter deixado você se esforçar.
— Eu estou bem. — Ele diz com firmeza, pegando o boné que caiu
da sua cabeça em algum momento.
— Liam, você está ferido.
— Não se preocupe comigo, Ming. — Ele olha para o céu. — Está
com seu celular?
Assinto e o puxo do bolso, desbloqueando a tela. Falta uma hora para
o turno da noite começar na delegacia, o que significa que o assassino ainda
pode voltar aqui.
— Acho que devemos ir.
— E o corpo? — Ele pergunta e respiro fundo.
— Podemos fazer uma denúncia anônima, isso vai livrar a gente por
um tempo, até pensarmos em uma coisa para dizer ao delegado.
— Eu não sei, é possível que esse corpo desapareça até alguém
responder a denúncia?
Olho para além do portão, ainda estou pronta para uma briga, então
decido tomar uma decisão imprudente.
Abro nas conversas com o Eduardo e começo a digitar.
ONDE VOCÊ ESTÁ?
Demora quase dez minutos, mas ele finalmente me responde.
NÃO POSSO FALAR AGORA, MING. DESCULPA
A frieza da sua mensagem me faz pensar que talvez ele esteja
desconfiado.
— Quer saber? — Liam diz enquanto lê as mensagens por cima do
meu ombro. — Vamos sair daqui e fazer a denúncia, se o corpo desaparecer,
pensamos no que fazer depois.
Concordo com a cabeça e juntamos tudo antes de sair, não nos
preocupando em fechar o portão, o buraco no meio do quintal vai alertar
que alguém esteve aqui, e pela quantidade de coisas que o Eduardo sabe, é
óbvio que ele terá noção de quem invadiu. Assim que vier atrás de nós,
estarei pronta para acabar com ele.
Abro a porta do carro do Liam, mas a fecho de novo ao reconhecer o
carro do Eduardo virando a esquina da rua. Meu coração acelera com a
possibilidade de ele estar vindo para cá e ver a gente, só que isso não
acontece.
Liam e eu nos agachamos e vemos meu ex-melhor amigo estacionar o
carro, ele não olha em nossa direção quando trava as portas e caminha em
direção ao prédio abandonado. Sua expressão não é nada amigável e me
pergunto se esse é o verdadeiro Eduardo, aquele que eu não quis enxergar.
Vejo nisso minha chance de encurralá-lo e me viro para o Liam.
— Faz a denúncia anônima e tira o seu carro daqui. Eu vou...
— Um caralho que vai! — Ele exclama em um sussurro, estreitando
as sobrancelhas ao segurar meu braço. — Não vou te deixar entrar lá
sozinha.
— É a nossa chance.
— Então eu vou com você.
— Está com o braço machucado.
— Foda-se, Ming. Poderia estar sem as pernas e ainda iria com você.
Suas palavras me fazem perder o fôlego, mas o local e a situação não
me permitem deixar a excitação se ampliar.
— Ok. — Me deixo ser vencida, sabendo que não há chances de
convencê-lo a mudar de ideia.
— Vamos fazer a denúncia e colocar o carro em outra rua, aí sim
entramos. — Ele diz baixinho. — Se ele sair nesse meio tempo, nós o
seguimos, ou entramos depois que ele for embora. Estou com a sensação de
que a próxima vítima será encontrada naquele prédio.
— Isso se a intenção dele não for esconder a última vítima.
— Se é que ele vai parar dessa vez. — Liam complementa.
Seguimos passo a passo do plano dele, claro, comigo resmungando o
tempo inteiro de impaciência. Quando por fim paramos em frente ao prédio,
o carro do Eduardo ainda está aqui.
— Como será que ele quebrou o próprio braço para parecer inocente?
— pergunto, lembrando que ele ainda está com o gesso em um braço.
— Quer mesmo entender uma mente insana? — Liam pergunta. —
Sem falar que ele teve um cúmplice, não é? O Paulo pode muito bem ter
dado um jeito nisso.
Ele tem razão.
— Tem alguma ideia de em qual andar ele está?
— Não.
— Cuida dos dois primeiros — sussurro, pegando a arma que ele me
entrega. — Eu cuido dos dois últimos.
Ele assente e carregamos as armas ao mesmo tempo.
Assim que entramos, ele vai para um corredor e eu subo as escadas, a
arma o tempo inteiro posicionada para atirar. O prédio também é
abandonado, então não corro o risco de esbarrar em alguma criança ou ser
denunciada por invasão quando abro as portas dos micros apartamentos.
São sete portas em cada andar e quando não encontro nada no
primeiro, me pergunto se o Liam encontrou alguma coisa.
Subo para o último andar e também não encontro nada nos sete
apartamentos, estou quase voltando para dar reforço ao Liam, temendo que
ele tenha encontrado o Eduardo, quando vejo mais uma escada,
provavelmente levando para o terraço.
Não espero encontrar nada, o plano é somente dar uma olhadinha
antes de descer para ver como o Liam está, porém, o que vejo me deixa em
estado de choque.
O que está acontecendo aqui?
LIAM
— Tia Ming! Não pode entrar aí! — O Gui grita, correndo atrás de
mim.
— A gente devia ter ficado mais um pouco no parque. — Pamela
concorda com o filho, tentando puxar meu braço. — O palhaço pode
aparecer.
— Foi cancelado — respondo, parando de andar. — Vocês ouviram o
que falaram.
Depois de levar flores para minha irmã, fui cumprir o que prometi ao
Gui na semana passada, sobre levá-lo ao circo para ver um palhaço, ele
disse que nunca tinha visto, mas o espetáculo foi cancelado e agora eles não
querem me deixar entrar no restaurante da minha própria família.
— Talvez esteja fechado! — O Gui berra de novo, agarrando meu
outro braço.
Encaro a placa escrito aberto e solto um suspiro ao ver a
movimentação lá dentro. Será que esses dois pensam mesmo que não estou
vendo através do vidro?
— Está tudo bem, eu fico lisonjeada que tenham tentado fazer uma
surpresa para mim, mas eu consigo ver o Eduardo enrolado naquela fita
brilhante.
Pamela e o Gui se entreolham, me soltando ao mesmo tempo.
— Mamãe, seu futuro namorado é meio bobo.
— Guilherme! — Pamela exclama, o rosto ficando vermelho como
um tomate.
Solto uma risada, porque eu também percebi o clima entre os dois e
fico muito feliz por eles, de verdade, são duas pessoas que merecem muito
encontrar a felicidade.
Volto a caminhar, abrindo a porta do restaurante.
Eduardo estanca no lugar, a bexiga que está na sua boca já está tão
cheia de ar que estoura no seu rosto quando ele suspira de surpresa ao me
ver na porta.
Pedro se desequilibra da escada e quase cai no chão, mas o Leo é
rápido em fazer o noivo recuperar o equilíbrio.
— O que está fazendo aqui? — Os três perguntam ao mesmo tempo e
lançam um olhar para a Pamela e o Gui, que estão fazendo expressões
idênticas a um pedido de desculpas silencioso.
— Ela é esperta demais para nós. — É a desculpa do Gui.
— É mesmo. — Pamela concorda e assisto o Eduardo suavizar a
expressão, os olhos se tornando suaves ao observar a mulher e o menino.
— Está tudo bem, em algum momento ela ia descobrir, então,
surpresa, Ming! — Ele sorri e faz um gesto com as mãos, indicando a
bagunça.
— De qualquer forma, vocês não terminariam isso hoje — respondo,
encarando as fitas no chão e todas as bexigas cheias.
Gui sai correndo entre elas e abraça a cintura do Edu.
— A gente não viu o palhaço.
Os dois engatam em uma conversa no momento em que a Vovó Mei e
o meu pai surge dos fundos do restaurante, meu pai com um bolo cor de
rosa na mão e a Vovó Mei mastigando o que imagino ser um doce, ambos
também congelam ao me ver.
— Isso não é bom. — Meu pai resmunga e a vovó Mei concorda.
— Podemos partir o bolo então? — Ela pergunta e escuto vozes na
cozinha.
— Eles...
— Não entraria lá se fosse você. — Vovó Mei me interrompe, indo se
sentar em uma cadeira. — Os dois se adoram, mas não servem para
trabalhar em equipe.
Vou em direção à cozinha com as suas palavras, ouvindo minha mãe
reclamar em mandarim, ao mesmo tempo Liam a responde com o mesmo
idioma, e os dois iniciam uma discussão acalorada onde minha mãe diz que
ele está fazendo errado e ele tenta não esquecer que ela é sogra dele.
Seguro o riso quando coloco minha cabeça para dentro da cozinha,
vendo a bagunça que dois perfeccionistas fizeram. Nunca vi essa cozinha
desse jeito e nenhum dos dois parecem felizes com o caos.
— Eu falei para você que era farinha demais. — Minha mãe segue
falando e Liam respira fundo.
— Eu coloquei duas xícaras, igualzinho a senhora mandou. — Ele
responde.
A conversa em mandarim parece prestes a criar uma rixa, então entro
no ambiente deles, encarando o ovo que caiu no chão em algum momento e
a farinha espalhada no balcão.
— Oi?
Liam para de mexer na panela que esteve mexendo enquanto brigava
com a minha mãe, já ela congela e para de modelar a massa na parte limpa
do balcão.
— O que está fazendo aqui? — Liam pergunta, ao mesmo tempo que
minha mãe se vira para ele.
— Não para de mexer, senão vai...
Ela não termina, algo pipoca na panela e o meu namorado dá um salto
para trás, quase queimando o rosto com o creme que borbulha para fora.
— Esse garoto é terrível, olha a bagunça que fez no meu fogão! —
Minha mãe exclama, pegando um pano de prato e atingindo o braço do
Liam. — Sai já daqui!
Liam corre para o meu lado e segura minhas mãos.
— Era para ser surpresa.
— E está sendo, pensei que minha mãe fosse adorar te ter na cozinha
dela, mas me enganei.
— Eu sou ótimo na cozinha.
— Aham.
— Sou mesmo, você sabe disso. — Ele está na defensiva, franzindo a
testa enquanto me observa.
Fico na ponta dos pés e lhe dou um selinho.
— Eu sei, amor. Obrigada por ser tão incrível.
— Ainda estão aqui? — Minha mãe grita, fazendo o Liam ficar
pálido.
— Ela fica assustadora cozinhando.
Abro um sorriso e o puxo para fora da cozinha, vendo o meu sogro
entrar no restaurante com o Trevo a tiracolo. O cachorro corre pelo
restaurante ao ver a quantidade de bexigas, atraindo o Gui, que também
corre atrás dele, os dois iniciando uma brincadeira.
— Oi, pai. Que bom que saiu de casa.
Vinicius se aproxima do filho, ranzinza como sempre.
— Trouxe isso. — Ele estende uma caixinha em minha direção. —
Mas eu ainda não gosto de você.
— Ah, obrigada, sogrinho. — Pisco os olhos inocentemente. — Eu
também te acho um mala.
Ele revira os olhos, porém, tenho quase certeza de que vejo seus
lábios se erguerem em um quase sorriso.
Abro a caixinha, encontrando uma pulseira da Pandora, está cheia de
berloques, todas com coisas que em algum momento eu mencionei gostar
ou querer conhecer, como, por exemplo, a China. Vinicius diz não gostar de
mim, mas me comprou um presente com tudo que gosto, e eu pensava que
ele nem prestava atenção no que eu dizia, já que sempre tenta me ignorar.
Meus olhos ficam marejados e percebo que me tornei uma garota
emotiva nos últimos tempos, acho que no fundo sempre fui assim, mas as
barreiras à minha volta me impediam de sentir o amor das pessoas e, por
isso, não tinha como ser sentimental.
— Você ajudou seu pai? — pergunto ao Liam, e ele nega com a
cabeça.
— Acredite, também estou surpreso com esse presente.
Fico na ponta dos pés para beijar o meu namorado, só que dessa vez
sou interrompida. Trevo passa correndo por minhas pernas e perco o
equilíbrio.
Tento me segurar no Liam, mas o cachorro acabou de passar atrás
dele também. Minha mão estica para um lado e quando dou por mim, estou
caída no chão em cima de um Liam de olhos arregalados e tem bolo
espalhado por toda parte, inclusive no meu cabelo.
Meu pai está me encarando enquanto ainda segura a bandeja vazia,
pelo jeito, quando tentei encontrar apoio, acabei acertando minha mão no
bolo.
Ninguém reage por um segundo inteiro, então o Trevo volta e lambe o
chantili do meu rosto, fazendo todo mundo cair na gargalhada.
Contemplo o rosto do homem que eu amo e ele me puxa para um
beijo de roubar o fôlego.
— Hmmm, que gostinho doce. — Ele sussurra na minha boca,
fazendo minha mente fantasiar com a possibilidade de me lambuzar com
doce quando estivermos sozinhos vê-lo me lambendo inteira. — Eu sei para
onde sua mente está indo. — Ele murmura com a voz rouca e abro um
sorriso.
Acho que é isso que significa a felicidade.
LIAM
UM ANO E MEIO DEPOIS
MING
[1]
Gru é uma referência ao personagem principal do filme: Meu malvado favorito
[2]
É um jogo disponível em todos os computadores Windows.
[3]
Programa de televisão brasileiro.
[4]
São “pauzinhos” utilizados como talheres em partes dos países do Extremo Oriente.
[5]
É o nome dado ao bolinho de arroz glutinoso, uma das iguarias do Japão
[6]
É um pão cozido no vapor, recheado com carne e tem o aspecto de um coque. Está presente em
várias cozinhas orientais
[7]
Mooncake ou bolo da lua, é um pequeno bolo chinês, tradicionalmente comido durante o Festival
de Meio de Outono.
[8]
É um exercício que exige grande força da parte superior do corpo. É a capacidade de levantar o
peso corporal usando apenas as forças dos braços
[9]
Frase retirada diretamente do filme: Mulan, Walt Disney Animation, 1998
[10]
Personagem do folclore brasileiro. Mulheres que se transformam em uma mula cuja a cabeça são
labaredas de fogo e saí agredindo homens e outros animais por onde passa, criando alvoroço.
[11]
Conhecidos também como gyoza, são bolinhos de massa em um formato que lembram o nosso
pastel