Uma Proposta Perfeita Nodrm

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 405

UMA PROPOSTA PERFEITA

– Livro 1 – Série “Apostas de Amor”.


Copyright © 2024 Thais Ferreira
Todos os direitos reservados.

Capa: Ly Arts.
Diagramação: Ellen Feitosa.
Revisão: Amanda Mont’Alverne.
Leitura beta: Yasmin Souza e Marcela Marchi.

São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte


dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o
consentimento da autora. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido pela lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
descritos são produtos de imaginação do autor. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Edição Digital ǀ 1ª Edição
Setembro de 2024
Nota da Autora

Playlist

Epígrafe

Dedicatória

Prólogo
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
Epílogo
Agradecimentos
Oie, olha quem voltou.
Demorei muito para começar esse projeto, eu sei.
A escolha de iniciar a contar essa história surgiu como uma
brincadeira, como muitos outros livros, mas logo tomou a necessidade de se
tornar o melhor livro que já publiquei. Me cobrei durante meses, procurei a
melhor forma de dar voz aos personagens que tanto imaginei na minha
cabeça e, no fim, me vi presa a um ciclo de cobrança que fazia tudo, menos
feliz em escrever.
Por isso eu demorei e tenho demorado.
Por isso precisei de meses para conseguir sentar na frente do
computador e finalmente me decidir em curtir o processo que já foi
prazeroso para mim.
Neste livro vocês vão encontrar Paige e Caleb. Como qualquer casal,
nossos queridos vão começar essa história de uma forma bem clichê, como
eu gosto, e vão cometer erros e provavelmente serão infantis em algum
momento.
Quem não é?
Vale ressaltar que eles são jovens, e eu não estou em busca de fazer
um casal perfeito, com a história perfeita. Estou dedicada a trazer para
vocês um casal real, com falhas e acertos e, acima de tudo, que mostre um
pouquinho como é ter um amor leve e que te proporcione melhorias, não o
contrário disso.
Paige e Caleb foram inspirados nos meus maiores sonhos
adolescentes, como a Thais jovem via o mundo e como tudo parecia se
transformar no final. Paige e Caleb foram inspirados em momentos bons,
conversas que já tive com pessoas à minha volta e nos amores que vi que
deram certo mesmo sendo tão diferentes — e curiosamente iguais. Paige e
Caleb foram inspirados em filmes adolescentes, romances memoráveis e
uma dose muito grande de imaginação. Então não, nada do que for
encontrado aqui é de fato real e todas as cidades, nomes e referências,
foram usadas para a criação de um universo totalmente novo.
Falando nisso, precisei utilizar da licença poética para renomear
faculdade, adaptar esportes e como funciona lá fora e, também, a estrutura
do ensino e o modo da atuação administrativa, educacional e esportiva,
além de outras adaptações para fazer sentido com a história contada.
Nenhum dado científico, pesquisa ou menção sobre tese deve e pode ser
levado a sério, porque, como mencionado, utilizei da mesma licença poética
para formular e se encaixar com o enredo.
A série “Apostas de amor” precisava se passar fora do Brasil para ter
sentido com o que consumimos em filmes dos anos 2000 e todas as
referências que temos de “vida universitária”, portanto precisei adaptar
alguns fatos para melhor compreensão e dinamismo na história.
Tudo em prol do entretenimento.
“Ah, Thais, mas você poderia ter usado referências nacionais e o dia
a dia do universitário aqui no Brasil”. E sim, eu poderia, mas não sei
vocês, só que a minha experiência em cinco anos de faculdade foi sobre
provas, ansiedade e muitas – e repito muitas – horas tomando no cu para
sair com um diploma e um financiamento estudantil. Portanto, eu queria
escrever sobre algo mais para o que acreditávamos que seria o ensino
superior, do que para o dia a dia do proletariado brasileiro. Desculpa por
isso! Então, caso você não goste de livros não ambientados no Brasil, já
posso te adiantar que esse não é um livro para você.
Neste livro você vai encontrar alienação parental, abandono familiar,
relatos não explícitos e claros de distúrbios psíquicos, cenas de sexo e
utilização de alcool, abuso mental não explícito, sendo importante prestar
atenção se alguns desses temas forem gatilhos para você.
Mas também encontraremos muito clichê, romance e uma dose alta
de fofura com um nerd tímido e uma atleta atrevida. E se você já leu outro
livro meu, sabe que não sou a maior fã dos surpreendentes plots, pessoas
morrendo ou qualquer coisa parecida. A leitura é leve, para ler em uma
sentada, apesar de ter uma quantidade maior de páginas.
Se você não gosta de nada do que foi citado ou tem algum gatilho
com os temas, é melhor parar a sua leitura por aqui.
No mais, espero que você tenha uma boa experiência, e
principalmente, divirta-se com eles.
Este livro é para entretenimento e para se apaixonar.
Xoxo, @tfautora.
Ouça a Playlist de “Uma Proposta Perfeita” no Spotify. Para ouvi-
la, basta abrir o leitor de Qr Code do seu aparelho e apontar a câmera
para o código abaixo:
“Diga o que quer e eu serei para você”
Diário de uma paixão.
“Para todas que já cadelaram um nerd gostoso estlio Ali Hazelwood,
Caleb é seu novo nerd gostoso
Para todas que já fizeram um grande esforço para ficar com um boy,
Somos todas Paige Mallory”
Ela era muita areia para o meu caminhãozinho.
Eu a observava quase todos os dias, caminhando pelos cantos da
UCLO com algumas amigas. Ninguém poderia me culpar por ter percebido
aquela novata a quilômetros de distância. Até poderia parecer uma loucura
de um stalker, ficar reparando em como ela balançava a saia minúscula que
ousava usar quando ganhava algum jogo, ou a forma que andava como se
fosse a dona dos corredores, cheia de sorrisos e acenos para os babacas
mais babacas do campus. Mas observá-la era o máximo que conseguiria
fazer por saber que sim, ela era demais para mim.
Entretanto, quando saí da sala da senhora Cooper, depois de longas
horas analisando alguns projetos de ponto extra que ela inventou mais uma
vez para ajudar alguns atletas, meus ouvidos foram tomados por uma
música instrumental que vazava de uma das salas no corredor comprido do
décimo andar. Não era comum que aquela hora ainda tivessem pessoas
trabalhando ou ensaiando algum número musical, principalmente naquele
andar onde ficava a maioria dos laboratórios de química, biologia e
farmácia.
E ninguém dos laboratórios colocaria uma música pra tocar.
Não naquela altura.
Não aquela música que se misturava em melodia e solos de guitarra.
Assim que cheguei até onde o som saia e vi, pelo pequeno vidro da
porta, ela dançando, a mesma mulher cuja beleza eu era incapaz de
descrever com exatidão o suficiente para fazer jus a tudo o que ela
realmente é. Pensando bem, isso foi a coisa mais ridícula que já pensei, até
meu foco voltar para ela mais uma vez e sorrir como um idiota.
Senti o ar saindo dos meus pulmões e não voltando, como se alguma
parte do meu tronco encefálico tivesse falhado e eu fosse incapaz de seguir
o ciclo respiratório normal. Senti um breve formigamento tomar conta do
meu rosto, queimando logo em seguida, como se eu tivesse aberto um forno
quente para olhar um bolo que está no final do processo de assar. Senti
aquele quente percorrer pelo meu corpo, como lava de um vulcão,
iluminando toda a pele em uma resposta simpática do meu sistema nervoso.
Fuga.
Eu queria fugir antes de ser pego, mas meu corpo parecia não querer
fazer o mesmo.
Ela se movia perfeitamente com a música, saltando a cada vez que a
guitarra ficava mais estridente nos alto-falantes. A dança não parecia sexy,
ou alguma coisa coreografada como vemos em espetáculos. Estava mais
parecido com algo que ela deixava entrar nos seus ouvidos e fluir por todos
os membros do seu corpo, vibrando com a música, se jogando no chão nos
momentos mais baixos, movendo seus braços e pernas conforme a melodia
ondulava a cada nova nota.
Eu estava hipnotizado por ela.
Por seus movimentos.
Por sua beleza estonteante.
Como a foto de borboleta azul que Mia Shuters colocou no seu
trabalho.
Borboleta.
Por algum motivo desconhecido, minha cabeça migrou até o trabalho
que tinha acabado de ler sobre borboletas. Dentre muitas informações
científicas e copiadas diretamente do Wikipedia, Mia Shuters – aluna que a
senhora Cooper sempre ajudava por ser filha de alguém que doa muito
dinheiro para faculdade – colocou em seu anexo de informações algo sobre
borboletas significarem mudança, liberdade e em um aspecto mais
religioso, reencarnação.
Quando li aquelas informações no trabalho, não achei que aquilo
pudesse fazer sentido com todos os outros dados biológicos e sua
participação na fauna, mas olhando-a pelo basculante da porta, fez sentido.
Ela era uma borboleta.
Apoiei as duas mãos contra a madeira pintada de branco, puxando o
ar pela primeira vez em todo aquele tempo. Ela não deveria estar ali, muito
menos eu. Apesar disso, nós dois estávamos naquele lugar, cada um em seu
mundo, levados por algum sentimento que nos corroía naquele momento.
Ela insinuava estar tomada por alguma raiva, tristeza, ou algo similar. Já eu
estava tomado por algum sentimento desconhecido, que queimava tanto
quanto raiva, só que não era parecido com isso.
Eu nunca tinha sentido isso.
Uma alegria repentina; uma vontade de abrir aquela porta e tomá-la
em meus braços como uma espécie de casulo protetor ou um caçador de
borboletas raras; uma queimação que me faria explodir em vários
fragmentos de mim mesmo, bem ali naquela porta.
Eu sou muito idiota. Ri com meu pensamento, mais uma vez. Apoiei
a mão no lado esquerdo do peito e continuei assim, a analisar suas cinesias
perfeitas e combinadas enquanto meu coração se esforçava para seguir os
batimentos necessários para me manter vivo em frente aquela porta.
Ela parecia se transformar conforme a música e a dança iam a
consumindo.
Seus movimentos, que antes pareciam vibrar com os solos
intermináveis da guitarra, raivosos e exagerados, agora estavam serenos,
batendo como as asas de uma borboleta, saindo do seu casulo de raiva e,
talvez, tristeza. Suas pernas, que antes serviam de alavanca para saltos e
quedas brutas no chão, agora se estendiam, mostrando sua graciosidade e
leveza a cada vez que seu pé pairava próximo a sua cabeça.
Ela estava se transformando.
Mudando.
Ganhando liberdade.
Como uma borboleta.
Borboleta.
— Você não tem opção, Paige. — A treinadora me encarou como se
fosse capaz de arrancar minha cabeça com as próprias mãos. — Se você
não correr atrás desse projeto, vai ficar sem jogar as próximas partidas e
todo o time ficaria arrasado com você.
Pisquei algumas vezes sem entender.
— Por que eu ficaria sem jogar? — Isso não fazia parte do plano.
— Normas da faculdade. — A treinadora deu de ombros, apoiando as
duas mãos sobre a mesa minúscula. — Você sempre foi uma aluna
exemplar, talvez por isso não saiba que suas notas são importantes para se
manter no time e com a bolsa de estudos.
Bolsa de estudos.
Aquelas três palavras queimaram minha testa assim que foram
processadas pelo meu cérebro que não tinha calculado a dimensão que meu
plano estava me levando. A treinadora tinha razão quando falou que eu não
sabia nada sobre notas e como elas poderiam foder todo o meu futuro.
Sempre fui uma aluna exemplar, a queridinha dos professores, que
tirava notas excelentes e ainda era uma atleta em potencial. Nunca entrei em
algo que não fosse para tentar ser a melhor e era exatamente por isso que
tinha ganhado aquela bolsa e era titular do time.
Só que existia outra coisa que estava roubando meus pensamentos.
Coisa essa que se a treinadora sonhasse que eu deixei algumas notas caírem
apenas para ter contato com o motivo, ela facilmente me queimaria viva, em
meio ao campo de futebol, para que todas as meninas assistissem meu
assinado de burrice.
— Farei o possível para conseguir esse projeto — forcei um sorriso
—, mas acho que você poderia me dar uma forcinha pedindo também.
Ela negou com a cabeça, puxando sua cadeira antiga e se
acomodando no estofado que levava a mesma cor que a dos nossos
uniformes.
— Eu não vou passar a mão na sua cabeça se você resolveu não se
dedicar às suas notas, Paige.
Ok, talvez eu merecesse isso.
Afinal, não era como se eu realmente possuísse problemas com
química ou qualquer outra matéria que tivesse matérias exatas como base.
Na realidade, meu sonho era terminar a faculdade como farmacêutica e
ajudar algum grupo de pessoas com um medicamento revolucionário, algo
que realmente fosse fazer a diferença na vida das pessoas, assim como
aconteceu com a minha mãe e seu processo com uma doença autoimune.
— … E lembre-se…
A treinadora mexia os lábios como alguém que está se controlando
ao máximo para não explodir de raiva. Para ela, a minha falta no time
também geraria problemas, sou totalmente empática com a sua situação. Ao
mesmo tempo que ela nos cobrava por resultados, algo maior a cobrava
números e colocações no campeonato. Mesmo que o futebol feminino não
fosse muito valorizado na maioria dos lugares, não tendo a mesma comoção
principalmente aqui no país, as melhores jogadoras saiam de times como
nosso, tendo muito dinheiro rolando o tempo todo.
São verbas, empresas empenhadas, vendas altas de ingressos e
torcedores fanáticos que nos acompanham em todos os jogos e torneios.
— Paige? — Pisquei meus olhos quando reconheci meu nome sendo
chamado, encarando a treinadora atentamente. — O que você ainda está
fazendo aqui? Anda!
Balancei a cabeça veemente, saindo do seu cubículo dentro do
vestiário que ainda estava vazio, já que todas as meninas ainda treinavam a
essa altura.
Você se meteu em uma merda das grandes, Paige.
Foi o que eu pensei saindo com o meu uniforme de treino e toda
suada por ter corrido todo o campo em uma partida rápida e os treinos de
agilidade e força. Gostaria de ter tempo pra me arrumar e parecer
apresentável para a professora Cooper, porém ela iria precisar lidar com a
minha versão suada e desesperada. Talvez o toque de suor despertasse até
mais credibilidade ao meu desespero, ilustrando a minha necessidade de me
manter nos próximos jogos e ter a oportunidade de realizar um projeto extra
para a nota.
— Professora Cooper! — Encontrei-a no corredor. — Estava indo
falar com a senhora.
Seus olhos correram por mim como se eu estivesse pronta para
contaminar todos do campus com algum vírus fatal. Gostaria de dizer que
aquele olhar era algo especial para aquele dia, mas seria uma grande
mentira da minha parte. A professora Cooper era conhecida por valorizar
apenas os alunos que tinham uma certa história com a faculdade, seja
histórico acadêmico ou ajudas financeiras. Infelizmente eu não estava em
nenhum dos dois grupos seletos.
Muito pelo contrário, estava sendo a segunda pessoa da minha
família que conseguiu ingressar na faculdade e que tinha grandes chances
de terminá-la sem grandes problemas. Pelo menos era isso até eu criar a
minha obsessão pelo nerd gostoso.
Nunca acreditei nessa coisa de se encantar com alguém à primeira
vista. Eu estava mais para aquele tipo de menina que se faz de burrinha
gostosa para pegar todos os caras que quer, sem mostrar qualquer grau de
inteligência além do que eles realmente querem ouvir. É péssimo ter que
assumir isso, mas é a realidade da grande maioria. Eu mantinha a minha
nota impecável e longe dos holofotes da maior parte de pessoas – ainda para
manter uma imagem de apenas bonita demais para ser inteligente –, e fazia
meu papel em campo porque aquele era um dom que descobri por um acaso
e logo vi que seria uma ótima forma de ingressar na faculdade com uma boa
bolsa.
— Eu não tenho muito tempo agora, então acredito que será melhor a
senhorita me enviar um e-mail — ela forçou um péssimo sorriso —, assim
também não atrapalho o seu treino.
A senhora Cooper tentou desviar de mim, jogando seu corpo para o
lado esquerdo.
— Mas o meu assunto é urgente e não posso esperar por uma
resposta por e-mail. — Fiz o mesmo jogo que ela, atrapalhando a sua
passagem com o meu corpo.
Ela olhou para o relógio dourado e pequeno que adornava o seu
punho direito, encarando-me dos pés à cabeça.
— Seja rápida!
Foi tudo o que ela precisou dizer para que eu tentasse usar algumas
aulas de teatro que fiz na escola e todo o meu dom de fazer as pessoas
realizarem o que eu quero. Contei toda a minha história com meu amor à
química, elucidando momentos em que vivi na prática o que era gostar da
área e como fui tocada quando minha mãe descobriu ter Lúpus, até
finalmente chegar no ponto chave daquela conversa: minha baixa e drástica
nota nos últimos exames.
— A sua história é tocante, mas não entendo como me encaixo em
tudo isso.
Eu sei como ela se encaixa nisso, mas não sabia como chegaria a
isso.
Nem todos os professores eram conhecidos por ajudar atletas, mas
em sua maioria, isso acabava acontecendo pela faculdade ser focada em
criar os melhores esportistas para times variados, desde de futebol, até
esportes não tão populares como a esgrima. Não era uma regra, muito
menos apoiado pela instituição, entretanto era algo que acontecia em todos
os corredores e salas, mesmo que todos eles fingissem que não.
A senhora Cooper, em especial, era uma das que deixava isso
escancarado, tendo espécie de monitores que a ajudavam a acompanhar e
vistoriar esses alunos que precisavam de uma segunda chance. Era como se
ela jogasse partes dessa responsabilidade em outro aluno e só se desse o
trabalho de dar a nota e incluí-la no sistema.
Eu sabia disso.
Todos sabiam disso.
— A treinadora pediu para que conversasse com você sobre a
possibilidade de… — Era melhor jogar a culpa na treinadora do que falar:
então, sei que você faz isso para todos e eu preciso também.
— Antes que você continue o que estou pensando que irá pedir, não
sei o que se passou na sua cabeça que te daria mais uma chance. — O
sorriso que ela tentou forçar agora não existia mais. — Eu não posso dar
uma chance para você. Isso seria injusto com todos os colegas da sua turma
que se dedicaram a prova e tiraram uma nota boa, diferente de você.
Pisquei algumas vezes, totalmente incrédula.
— Eu estou entendendo certo? — Puxei o ar pela boca, cruzando os
braços em frente ao peito. — A senhora está dizendo que não pode me dar
uma chance porque estaria sendo injusta?
— Isso mesmo.
Por que comigo tudo precisava ser tão difícil?
Aquele olhar de desprezo que ela sempre direcionava a mim e a
outras pessoas que claramente ela não achava dignas ou coisa parecida,
tomou um ar travesso, como se a senhora Cooper estivesse se divertindo
com tal renúncia de sua parte. E juro, eu gostaria de não ter que precisar
pedir isso para ela; gostaria de ter a possibilidade de apenas ignorar este
fato e seguir sem aquele trabalho de merda para uma nota extra, só que não
podia. Eu tinha que fazer isso pelas meninas do time, pela minha bolsa de
estudos e, quem sabe, para o meu plano seguir pelo caminho que eu
esperava.
Esse nerd tem que ser muito gostoso ao final de tudo isso.
— E como me explica o fato de Lya Clarkson nunca passar nas suas
provas e continuar como corredora da equipe dela?
Eu tinha me esforçado para ser simpática com uma abordagem onde
eu não iria precisar jogar na cara dela as ajudas que deu para outras pessoas,
porém aquela era a minha versão que não sairia dali com um não como
resposta. Não tenho culpa de ter um lado levemente teimoso, dedicado e um
tanto mimado.
— N-não…
— Todos no campus sabem, senhora Cooper. — Abri meu sorriso,
deixando meus braços relaxarem na lateral do meu corpo, ganhando o ar
confiante que eu adorava ter com as pessoas que de alguma forma tentavam
me diminuir. — E seria uma pena que eu tivesse que levar o caso a frente,
mostrando que a minha necessidade não pode ser diferente da Lya Clarkson
só porque o pai dela é um dos financiadores da reforma da biblioteca da
instituição.
— Isso não tem nada a ver com a generosidade do Sr. Clarkson. —
Ela balançou a cabeça, soltando o ar pelo nariz de forma exagerada. —
Faremos o seguinte…
— Paige. — Continuei ostentando meu melhor sorriso. — Paige
Mallory.
— Então, Paige. — Ela deu aquela conferida dos pés a cabeça mais
uma vez, fazendo um barulho diferente com a garganta. — Você entrará em
contato com o meu monitor mais novo, ele está um ano na sua frente e acho
que será ótimo para te ajudar. Seu nome é Caleb e normalmente fica
encarregado do laboratório para mim.
Caleb, o nerd.
Foi justamente por ele que cheguei exatamente onde estava, em um
plano que estava prestes a derrubar minha vida acadêmica.
— Você vai precisar montar uma alternativa viável… — Sua boca
se mexia, mas minha mente era incapaz de me apegar a qualquer palavra
sendo que estava focada no nerd dos cabelos mais escuros que já vi em toda
a minha vida.
A primeira vez que o vi pela faculdade foi em uma aula que acabei
fazendo totalmente enganada. Entrei em uma turma que não correspondia à
minha, só porque a professora resolveu mudar a sala em que dava aula. Eu
o vi entrar com toda sua energia inteligente, carregando nada mais que uma
bolsa transversal e um livro de fantasia nas mãos. Tentei decifrar qual era
pela capa, mas na distância em que estávamos, era quase impossível. Eu só
sabia que se tratava de uma fantasia pela estética escura, fogos e algo que
identifiquei como um dragão.
Eu estava deprimida por ter finalmente terminado o meu
relacionamento que todas as minhas amigas diziam ser péssimo para mim.
Partes minha ainda queria se apegar aos poucos momentos bons que
tivemos, porém alguns pedaços sabiam que realmente suas atitudes eram
suspeitas, e que se as mulheres da minha vida diziam que algo estava
estranho, meu dever era prestar atenção nisso.
E prestei atenção, terminei e jurei que não ficaria mais com atletas,
apenas meninos como aquele cara alto, de cabelos escuros e com um ar
tímido que sentou a duas fileiras atrás da minha. Óbvio que eu não podia
olhar para trás, então fiquei atenta a todas as vezes que ele pedia a palavra
para o professor e deixava que sua voz grossa e meio rouca ganhasse vida
pela sala. Foi justamente aquela voz, combinada com todo o seu porte alto,
grande na medida certa, que me fizeram querer saber mais sobre ele.
Eu iria ter aquele nerd de alguma forma, só não pensei que fosse ser
tão difícil.
— E se ele aceitar te ajudar monitorando seu projeto, eu aceito
corrigi-lo antes do próximo exame.
Consegui pegar o final do que disse, tentando forçar minha melhor
cara de quem escutou tudo o que ela falou.
— O próximo é…
— Daqui a cinco semanas e nada além disso. — A senhora Cooper
segurou a alça da sua bolsa marrom vintage e deu mais um passo para a
esquerda. — Se me der licença, você já ocupou todo o meu tempo.
— Obrigada pela oportunidade — falei, mas provavelmente não fui
ouvida, já que a mesma saiu pisando firme pelo chão antigo da UCLO.
Não tinha tempo para perder, por isso decidi ir atrás daquele nerd no
laboratório de química.
Quando descobri que seria impossível conhecer ele em alguma festa,
andando por aí ou até tomando um café na cafeteria que todos
frequentavam, me dei conta de que iria precisar de um plano melhor. Foi
assim que um clássico do cinema, o filme Garotas Malvadas, deu a ideia
que faltava para eu chegar até aquele nerd. Se antes eu me fazia de burrinha
para alguns caras só por saber que eles jamais ficariam com alguém mais
inteligente do que eles, agora eu iria descer o nível e realmente seria essa
versão nas notas também.
Tudo o que sabia era que ele tinha virado monitor da professora
Cooper, e que as fofocas eram que quem estava corrigindo os trabalhos era
ele, por ser um super nerd que sabia demais para o ano que estava – nas
palavras dos fofoqueiros. Logo a ideia era me aproximar por precisar da sua
ajuda para produzir o trabalho perfeito que, no final, poderia até ser
corrigido por ele ou não.
Nada como um aluno ajudando o outro.
Decerto, agora o plano parecia estar finalmente seguindo pelo
caminho correto.
— É isso, Paige — murmurei para mim mesma assim que cheguei no
andar onde ficavam alguns dos laboratórios da faculdade.
Meu coração parecia que ia sair pela boca e por algum motivo me
senti mais nervosa que o normal. Eu não era o tipo de pessoa que me
abalava por qualquer coisa, sempre carregada por uma resposta na ponta da
língua. Você deve se perguntar por qual motivo não usei toda essa atitude
para chegar nele, no lugar de montar todo esse plano. E a verdade é que
Caleb Turner me deixava ansiosa demais, como se tivesse voltado a ser a
Paige da escola, que tinha vergonha de tudo e todos até seu primeiro pé na
bunda.
Puxei o ar pela boca e caminhei apressada até onde eu sabia ser o
laboratório de química. Cogitei bater antes de entrar, pedir licença como
qualquer outra pessoa normal. Apesar disso, meu cérebro parou de
funcionar em algum momento assim que coloquei a mão na maçaneta e a
girei, adentrando o espaço como um foguete desgovernado e desesperado.
— Meu Deus! — Foi tudo o que eu disse ao trombar em uma das
mesas, vendo alguns tubos de ensaio balançarem.
— O que está acontecendo? — Aquele tom grosso e rouco me
acertou em cheio.
Era humanamente impossível que meu coração saltasse do meu peito,
subindo pela minha garganta. Mas a sensação que estava sentindo enquanto
caminhava até aquele laboratório só piorou quando ele me encarou com o
semblante incerto do que tinha acabado de acontecer, cabelos desgrenhados
e um jaleco perfeitamente branco cobrindo os músculos que eu sabia existir
debaixo de todo aquele tecido. Lindo e inteligente. Foi a constatação que eu
cheguei antes de produzir um bom discurso para começar a minha
apresentação e o meu pedido.
Apoiei a mão na mesa que quase derrubei, puxando o ar mais uma
vez pela boca a fim de engolir aqueles batimentos cardíacos que estavam
rápidos e fortes demais.
— Pai-Paige? — ele gaguejou.
Ele sabe meu nome?
Abri e fechei a boca, confusa.
— Você precisa me ajudar, nerd.
Foi o que a minha boca conseguiu produzir antes que meu cérebro
fosse capaz de processar, saindo a primeira coisa que passou pela minha
cabeça, tão desesperada quanto a minha entrada triunfal.
O que diabos esse nerd faz comigo?
Meu desejo de ser professor sempre diminuía um pouco todas as vezes que
recebia trabalhos como aquele.
Quando aceitei a proposta da Sra. Cooper, imaginei que ficaria no seu
laboratório, teria tempo para começar a trabalhar nas minhas próprias teses e,
quem sabe, alcançar uma imagem no âmbito científico como um prodígio ou
coisa parecida. Eu sei, eu exagerei muito. Em uma visão glamourizada, imaginei
que eu fosse respirar e viver a química o máximo possível, aprendendo se de fato
aquilo era o que queria fazer pelos próximos anos da minha vida.
Acontece que ser monitor da Sra. Cooper estava mais voltado a fazer todo
o trabalho chato que ela não gostaria de fazer, para que a mesma tivesse tempo de
sobra para se dedicar às suas próprias pesquisas. Eu passava boa parte do meu
tempo livre no laboratório auxiliando os alunos de turmas mais novas a
estudarem e não fazerem uma grande merda, como explodir o local com alguma
reação química não planejada. E ainda tinha que ler a maioria dos trabalhos que
ela liberava para alguns alunos favorecidos pela mesma.
Ou seja, nada de química.
Aquele dia era para ser mais um dia como os outros, lendo mais um
trabalho que tinha sido tirado diretamente do Google que estava me forçando a
questionar se, de fato, eu gostaria de ficar na posição de lecionar ou deveria fugir
para pesquisas assim que me formasse. Entretanto, um barulho tomou conta da
minha atenção e tudo o que vi depois foi uma pessoa que conhecia – não por
sermos amigos e sim por ela ser “famosa” na faculdade – derrubando quase todos
os tubos de ensaio que estavam em uma mesa próxima a porta.
Aquele dia seria normal se ela não tivesse acontecido.
— Pai-Paige?
Encarei-a perdido, sentindo que meu cérebro faria o que costuma fazer
sempre quando estou perto de pessoas que me intimidam de alguma forma: ele
trava. Paige estava como sempre, incrivelmente bonita mesmo estando em seu
uniforme de futebol roxo e amarelo e suada. Ela estava suada de verdade, com
gotículas pequenas prontas para escorrer da sua testa e o cabelo preso em um
coque extremamente alto e esticado – talvez aquilo fosse incomodar depois de
algumas horas.
Ela estava suada.
Não de um jeito nojento que qualquer pessoa ficaria depois de um treino
pesado como imaginava que ela costuma fazer, mas ela estava suada como algo
reluzente, como uma latinha de refrigerante transpirando no meio do deserto.
Isso era coisa do privilégio de ser quem era.
Só podia ser isso.
— Você precisa me ajudar, nerd. — Quando sua voz me atingiu pela
segunda vez, me chamando de nerd, meu íntimo sorriu.
Para qualquer outra pessoa aquilo poderia soar como uma ofensa, mas
estranhamente ela falou de um jeito meio fofo. Ou esse era o efeito que Paige
causava em todas as pessoas? Droga! Eu não podia ficar perto dela.
— Sin-sinto muito, mas você precisa sair daqui — falei com a mesma
dificuldade de um bebê que começou a falar frases completas agora.
Paige piscou algumas vezes, passando a mão na testa.
— Eu… Como assim eu preciso sair daqui? — Ela negou com a cabeça,
soltando uma risada contida. — Você não vai me negar nada porque eu estou aqui
para salvar minha vida e o meu time.
Estreitei os olhos.
— Olha… — Ela deu dois passos na minha direção. — É sério, eu preciso
de você.
Me sentia em uma espécie de sonho estranho. Aéreo. Perdido. Tentando
encaixar o momento certo em que aquele sonho começou a acontecer. Seria neste
momento que Paige Mallory começaria a tirar seu uniforme como algo fantasioso
o suficiente para ela virar uma stripper? Ou seria nesse momento em que Mallory
confessaria sua paixão secreta por mim e eu a recusaria por puro nervosismo?
— Ei! — Senti sua mão tocar no bolso do meu jaleco.
Com certeza era um sonho. Foi a constatação que eu cheguei no momento
em que fui envolvido por um cheiro adocicado e floral que vinha dela. Ninguém
suado e depois de um treino cheiraria daquela forma se não fosse um sonho.
— Você tá bem? — Ela beliscou minha bochecha.
— Caramba! — Não era um sonho.
— Desculpa — ela gargalhou —, mas você estava viajando.
Segurei a bochecha que queimava e a encarei, dentro dos olhos, perto
demais.
— Paige?
Ela realmente está aqui.
— Meu Deus, nerd! — Com uma revirada de olhos, Paige se afastou. —
Vou te explicar tudo e preste muito atenção no que tenho a dizer. — Ela olhou
sobre os ombros apenas para se certificar de que eu estava prestando atenção.
— Eu… Eu… — Limpei a garganta. — Estou ouvindo.
Quem eu queria enganar com essa falácia de que estava escutando tudo o
que Paige dizia? Paige começou um longo monólogo que parecia um filme mudo
para mim. Por mais que me esforçasse até para pegar palavras chaves do que
estava sendo dito, tudo o que eu conseguia era reparar na sua boca. Sim, meus
olhos estavam cravados nos seus lábios carnudos, rosados. Ela estava de batom
ou aquela era a cor natural? Foi uma das perguntas que se passaram na minha
cabeça enquanto a observava, movendo-se, articulando palavras demais sem nem
ao menos dar uma pausa para respirar ou para que eu respondesse qualquer coisa.
— Eu precisei jogar na cara dela que ela ajuda outras pessoas.
Era minha tentativa de participar da conversa.
— Ela? — Arqueei uma sobrancelha.
Paige revirou os olhos mais uma vez, desesperada demais para ter qualquer
pingo de paciência.
— A professora Cooper. — Suspirou. — Eu precisei jogar na cara dela que
ela ajuda outros alunos, logo ela deveria me ajudar com essa nota também.
Segurei o sorriso, pois isso deve ter a tirado do sério.
— Ela deve ter ficado furiosa — comentei mais para mim do que para ela.
— Ela não apenas ficou furiosa como colocou você como meu bote salva-
vidas.
E foi aí que Paige deu passos na minha direção e, mais uma vez, me perdi
em algum ponto entre seus olhos claros que não davam para identificar
corretamente a cor, entre uma escala de verde ou um tom de caramelo salgado, o
seu nariz fino e delicado ou as bochechas que estavam em um tom de rosa,
deixando-a ainda mais bonita do que qualquer outra vez que a vi pelos
corredores.
— Você é a pessoa que tem o poder para me ajudar…
Inspirei fundo, me arrependendo no mesmo momento. Fui golpeado pelo o
seu perfume mais uma vez, um soco bem no meio do estômago. Travei a
mandíbula e engoli em seco, como se uma grande bola de pelo tivesse se alojado
na minha garganta. Voltei ao estado que me encontrava anteriormente, de não
conseguir ouvir mais nada enquanto ela se aproximava e fazia aquele jogo que as
garotas sabiam bem como realizar. Um sorriso meio fofo, um olhar pidão de
desenho animado, mãos que nunca ficavam paradas em um único ponto,
chamando atenção para áreas que eu não gostaria de olhar.
Seria errado olhar.
— Então você…
— Não! — falei, nervoso, interrompendo-a.
Eu precisava de ar, urgentemente. Eu podia sentir meus neurotransmissores
se organizando, liberando alguns hormônios na minha corrente sanguínea,
excitando áreas inapropriadas para aquele momento.
Merda! Merda! Merda!
— Qual é, eu posso te ajudar com alguma garota. — Paige bateu na
própria testa. — É isso, eu posso te ajudar com qualquer garota que você queira.
Aposto que você quer alguma garota do campus.
— Não!
— Qualquer pessoa, Caleb. — Ela fez algo com a sobrancelha que me
lembrou o motivo de querer sair daquela sala correndo.
— Não! — Balancei a cabeça, andando para o canto do laboratório onde
deixava minha mochila. — Eu não tenho interesse…
Como um lembrete, meu cérebro lembrou-me de um interesse
inalcançável.
Borboleta.
A minha borboleta.
— Você fala que não, mas eu aposto que você quer alguém nessa faculdade
e eu sou a pessoa…
— Como? — Interrompi mais uma vez. — Como você faria isso? — Virei
meu corpo para ficar de frente para ela, a uma distância mais aceitável para o
meu corpo, que aparentemente ainda se encontrava na puberdade.
— Se eu falar por aí em como você é legal, sair com você umas duas vezes
e… — ela olhou para o teto, como se pensasse sobre o assunto — e dissesse que
seu pau é muito acima da média, fora que me fez…
Minha mente começou a adentrar aquele caminho perigoso mais uma vez.
— Não! — Aquele, em especial, foi para mim e a minha imaginação.
— Não, você não gostou dessa parte? — Ela cruzou os braços na frente do
peito. — Ou não, você não quer me ajudar?
— Não, eu não…
— Caralho, cara. — James entrou como um furacão no laboratório, só não
acertou a mesa como Paige. — Eu te procurei pela porra da faculdade inteira.
— O treino! — bufei.
Eu dividia a minha atenção e duas horas diárias dos meus dias para treinar
hockey. Antes de perceber que não tinha nascido para aquilo, o hockey foi um
esporte que fui forçado a gostar. Quando o seu pai é um ex-atleta que tinha de
tudo para ter sido um grande nome, mas devido a uma lesão grave no tornozelo
por conta de um acidente de moto, não conseguiu seguir seu sonho, você se torna
uma espécie de esperança para seus novos tempos de glória como o seu treinador.
Eu tentei amar aquele esporte com toda a minha alma, e talvez até fosse
capaz de gostar minimamente de toda a dinâmica, os setenta minutos em cima
das lâminas enquanto a torcida vai à loucura, e a sensação inexplicável de quase
voar sem de fato tirar os pés do gelo. Na realidade, seria muito fácil gostar do
esporte, se não fosse pelo o meu pai.
Apesar disso, naquele momento, hockey tinha se tornado minha coisa
preferida no dia. Quem sabe, se tornado a minha coisa preferida da vida.
— Exatamente! O treino, seu nerd idiota. — James não pareceu se dar
conta de que Paige estava ali, até ela fazer um barulho com a garganta em alto e
bom som. — Nossa, eu não… Por que você está aqui com ela?
— Claro, mais um para me ignorar. — Ela riu, mas não pareceu nada feliz.
— Caleb, eu preciso de uma resposta para aquele pedido.
— Sua resposta pode esperar, porque ele está super atrasado para o treino.
— James se meteu, sendo o meu salvador.
Eu nunca fui muito admirador do seu jeito intrometido, mesmo que fosse
meu amigo desde o ensino médio. Corrigindo, mesmo que fosse meu único
amigo desde o ensino médio.
— Alguém falou com você? — O tom de desprezo de Paige foi capaz de
arrancar uma boa risada dele.
Meu foco estava dividido entre organizar todas as minhas coisas correndo
ou tentar intervir para que ele falasse alguma coisa que não devia.
— Ninguém falou com você, Mallory.
— James, já chega. — Joguei a mochila nas costas, andando em direção a
porta. — Vou precisar que você saia do laboratório para que eu possa fechar.
— É sério? — Paige bateu o pé no chão, parecendo descontar sua raiva no
pobre piso. — Eu não vou sair daqui até ter uma resposta, nerd.
Desejaria ser a pessoa a ajudá-la nisso, porém não iria sobreviver um dia
sequer ao seu lado. E por mais que sua proposta fosse perfeita, que isso pudesse
me deixar mais perto da minha borboleta, não valeria a pena.
Meu consciente sabia disso.
No fundo, até meu coração sabia disso.
Puxei o ar pelo nariz e fiz o que deveria fazer.
— Não! — Curto e grosso. — Eu não vou te ajudar, Paige Mallory.
Estou fodida.
Como eu achei que esse plano teria a possibilidade de dar certo?
— Mas como que você não vai jogar? — Alisson falou tão alto que
precisei correr com a toalha enrolada no corpo até ela.
— Shhhhhh! — Balancei os braços exageradamente, quase perdendo
a toalha com o movimento. — Você precisa falar mais baixo, minha
querida.
— Mas a pergunta dela é importante, amiga — Miley cochichou, se
aproximando, puxando a mão de Kim com ela.
— Para de me puxar, louca — Kim resmungou, apontando na minha
direção. — E você precisa jogar, se não essa outra louca — ela apontou
para onde Alisson estava —, não vai nem dormir a noite.
— Eu até queria jogar, mas como farei isso se perdi a merda da nota
e o nerd não quer me ajudar? — Segurei a toalha, suspirando em alto e bom
som.
No dia em que pensei nesse plano maluco, não contei que aquele
nerd de cabelos escuros pudesse negar o meu pedido. Pelo contrário, achei
que como muitos, ele se esforçaria para me ajudar. Não sei, ele poderia se
encantar com a minha cara de pidona ou ver a oportunidade de ganhar
qualquer coisa que me pedisse. E quando digo qualquer coisa, imaginei
coisas que eu faria questão de fazer com ele naquele campus ou em
qualquer outro lugar.
— PAIGE! — Alisson bateu as mãos na frente do meu rosto.
Saltei no lugar, assustada.
— Caramba, Ali!
— Ela está fazendo o que fazia na época de escola. — Kimberly
balançou as mãos para que as meninas se afastassem de mim. — Licença,
porque já conheço essa cara de perdida. — Ela se aproximou, colocando as
duas mãos em cada lado da minha bochecha e cravou seus olhos nos meus.
— Você está afim desse nerd, Paige?
— Quê? — Foi o que consegui falar, encarando seus olhos pintados
em um delineador perfeito. — Que marca de delineador você está usando
que ele não derreteu com as horas de treino?
Não conseguia fingir nada com os olhos de Kimberly me fitando
daquela forma, então a melhor saída era puxar outro assunto. Claro, um
assunto melhor que aquele.
— Não desconversa.
— Eu não estou… — Desviei os olhos, vendo Miley no seu lado
esquerdo. — Eu não…
— Ela está super afim dele — Miley cantarolou.
— Estamos definitivamente ferradas — Alisson choramingou, se
jogando em um dos bancos de madeira que ficavam bem no centro do
vestiário.
— Eu só… — Pisquei algumas vezes enquanto era fuzilada por
aqueles olhos armados de delineadores.
Existia uma ligação estranha entre mim e aquelas meninas. Vivíamos
como irmãs que nasceram em úteros diferentes, uma cuidando da outra.
Conheci Kimberly na escola, antes mesmo do seu corpo ser tomado
por mais tatuagens do que éramos capazes de contar. A cada momento
crítico com sua família, uma nova tatuagem surgia e mais unidas ficávamos.
Talvez esse fosse o motivo para ela sempre tomar a frente quando o assunto
era eu. Ela era capaz de ler meus pensamentos antes mesmo que eu fosse
capaz de processá-los.
Já com Alisson e Miley o encontro aconteceu depois, nas primeiras
reuniões que tivemos para conhecer a faculdade e o time de futebol. Foi
como se alguém maior soubesse que eu e Kimberly fôssemos precisar de
mais duas pessoas para sobreviver naquele ambiente universitário. Se bem
que, se pensar direito, talvez alguém maior soubesse que eu ia precisar de
mais pessoas porque Lake sempre foi autossuficiente.
— Seria muito bom você voltar a formular uma frase completa, Paige
— Kimberly insistiu.
— Você deve estar certa, ele deve estar querendo dar para ele —
Alisson bufou.
Eu não poderia explicar como cheguei aquela situação, não enquanto
não tivesse uma solução.
— Se não é isso, alguma coisa esse nerd fez e estou pronta para
quebrar a cara dele como fiz com aquele garoto na oitava série. —
Kimberly analisou todo o meu rosto a procura de algum vestígio que desse
a resposta que procurava.
— Ele negou me ajudar, isso não é motivo suficiente? — Consegui
pegar o gancho que precisava para me livrar sem precisar mentir
diretamente sobre o assunto.
Kim estreitou os olhos.
— Vamos acabar com esse nerd, Kim. — Alisson levantou do banco,
se aproximando. — Ele vai ter que aceitar te ajudar, por bem ou por mal.
— Eu acho isso uma péssima ideia. — Miley estalou os dedos. — A
Paige faz todo mundo correr como um cachorrinho, por que não tentar isso
com o nerd?
— Eu não consegui convencê-lo. — Afastei a mão de Kim do meu
rosto, andando até onde ficava o meu armário. — E não acho que bater nele
vai ajudar em alguma coisa porque ele é bem alto, meio magro, mas parece
ter músculos…
No mesmo instante em que minha mente estava pronta para migrar
por aquele corpo que estava doida para descobrir de como realmente era,
Alisson me interrompeu.
— Ele é gostoso? — Alisson questionou.
— Você virou hétero agora? — Kim gargalhou. — Olha, eu estou
atrasada para minha aula e não tenho tempo para essa crise agora. Mais
tarde espero um resumo e uma explicação sobre isso. — Kim piscou e algo
me disse que aquilo não terminaria ali, voltando a organizar suas coisas. —
Eu não tenho pena de bater em um nerd só por ele ser alto ou gostoso.
— Já viu nerd gostoso? — Miley balançou a cabeça, sorrindo
estranho. — Se bem que tem nerds gostosos em livros o tempo todo.
Se eu ficar calada vai ser pior, foi o que pensei enquanto via que
aquela conversa poderia continuar. Elas eram as minhas melhores amigas e
as pessoas que eu sabia que não iriam me julgar por um plano péssimo,
entretanto isso não significava que eu gostaria de contar para elas que
estava colocando não só a minha vida acadêmica, mas como o time, apenas
por um cara que eu não soube me aproximar.
Kimberly seria a primeira a não ligar para isso, já que o time deixou
de ser algo que ela gostava de fazer a mais tempo do que poderia me
lembrar. Miley tinha caído no esporte para melhorar seu currículo
acadêmico e acabou gostando, mas era uma espécie de diversão. Agora o
que me preocupava era Alisson, ela definitivamente seria a pessoa que mais
sentiria se o time não fosse bem nos jogos. Aquele era o sonho dela.
Aquele já foi o meu sonho também.
— Ele definitivamente é bonitinho — omiti, casualmente.
— Bonitinho não me parece bom. — Alisson fez o mesmo que Kim,
indo organizar suas coisas. — Mas se for pelo time, você vai se dedicar para
pegar esse cara, Ge.
— Vocês acham que eu pegaria alguém só por um trabalho?
Todas elas gargalharam em alto e bom som.
— Sinceramente, todas nós sabemos que se você quisesse, faria por
muito menos. — Kimberly se despediu com um aceno de mão, passando
pela porta logo em seguida, deixando as outras duas rindo em plenos
pulmões.
Qualquer uma das quatro faria por fazer.
Não que fosse um fator para se orgulhar, mas tínhamos uma certa
fama em todo o campus mesmo sendo nosso primeiro ano estudando ali.
Uma parte dos caras se gabavam por ter ficado com uma de nós similar a
um troféu, algo para se orgulhar e bater no peito. A outra parte gostaria de
ficar só para ter história para contar. Porém, existia um ponto em comum
nessas duas partes: ambos aumentavam demais as situações. E assim, pouco
a pouco, a fofoca foi se tornando cada vez mais forte e não fizemos
qualquer esforço para refutar.
Muito pelo contrário, nos tornamos as maiores pegadoras do campus,
perdendo apenas para os jogadores de basquete que não apenas pegavam
tudo que andava, como davam as maiores e melhores festas de todo o
campus, coisa que nunca fizemos na nossa casa. Casualmente levamos a
sério a ideia de sermos livres e donas de nós mesmas, mas tudo com
controle e fora do nosso lar que era zona proibida para festas, namorados e
alguns visitantes.
— Eu acho que você precisa arrumar esse cabelo, colocar aquele
gloss que deixa a sua boca uma delícia e ir atrás desse sim. — Alisson
jogou sua mochila jeans e vintage nas costas.
— Como? Se esse menino só sabe ir para o laboratório, estudar e
jogar hockey. — Observei Alisson fechar seu armário e caminhar para a
porta. — E você está indo para onde? Eu vou precisar de ajuda.
— Eu tenho um assunto… — Alisson deixou seu sorriso lateral
característico — sério.
Gargalhamos, porque seu assunto sério era sempre uma mulher.
— Estou sendo trocada? — Fiz bico, recebendo um beijo solto no ar.
— Faça o que precisa ser feito, Ge. — E assim ela saiu, deixando eu
e Miley para trás.
Suspirei, desenrolando a toalha para colocar minha roupa.
— Ei, não desanime. — Miley sorriu. — Vamos atrás dele no treino
de hockey, já imaginei tudo.
Miley era aquele tipo de amiga que tem uma positividade tão elevada
que chegava ao nível do tóxico. Para ela não existia tempo ruim, situação
que não tinha solução ou catástrofe grande o suficiente para fazer perder os
cabelos da cabeça. Eu diria que parte disso era pelas grandes doses de uma
imaginação elevada que só uma leitora fanática poderia ter. Todavia, nada
confirmado.
— O que você imaginou?
Cheguei ao ponto de ouvir alguma ideia maluca da Miley.
Fundo do poço? Provavelmente.
— Bom, você vai chegar no rinque de patinação com o seu sorriso
lindo, pronta para jogar charme para o nerd. — Miley jogou seus cabelos
loiros para trás dos ombros. — Enquanto isso eu vou estar enrolando o
treinador Turner, porque ele é extremamente chato com os treinos.
— E como você sabe disso?
— Eu já dei em cima dele. — Miley deu de ombros como se não
fosse nada, me arrancando uma gargalhada sincera. — Querida, você já viu
aquele homem? Cabelos escuros, altíssimos, forte e com cara de que
acabaria com qualquer uma na cama.
— MILEY! — repreendi-a, rindo.
— Eu queria escrever um age gap e quando pensei em um treinador,
tudo fez sentido para mim — mais uma balançada de ombros e ela se
sentou no banco —, apesar de querer te contar todos os detalhes sobre esse
projeto, prefiro focar na sua história com o nerd. A jogadora de futebol e
um nerd gostoso.
— O Caleb não é tão gostoso assim — sussurrei.
Meu Deus, quem eu queria enganar?
— Ahá! — Ela riu, apontando na minha direção. — Calma, Caleb?
Caleb Turner?
— Isso? — Estreitei meus olhos na sua direção. — Você o conhece?
— Ele é o filho do treinador gostosão Turner.
Na cabeça de Miley todo o seu plano fazia sentido, mas para mim,
aquela ideia não passava de uma loucura que eu estava prestes a participar.
Ela idealizou exatamente o que falaria para o treinador e eu teria alguns
minutos para me aproximar do nerd e fazer com que ele aceitasse o meu
pedido. Tudo tão perfeito como o meu plano de me aproximar dele.
Isso não vai dar certo, era o que a minha cabeça me alarmava a cada
vez que entravámos e saímos de corredores a caminho do treino.
Por mais que eu tenha ficado com um jogador de hockey, nunca tinha
me atrevido a ir até o rinque de gelo. Se fosse para analisar, ele não me deu
muito espaço para conhecer mais sobre sua vida ou treinos, como se eu
fosse digna apenas de ser aquele tal troféu para desfilar pelo campus. E por
um momento aquele tipo de atenção serviu, porque alguma parte infantil
minha estava feliz por estar ficando com um dos caras mais famosos do
campus.
No começo custei a acreditar que um veterano como ele queria algo
comigo, depois eu demorei para perceber que o que ele queria era desfilar
comigo por aí porque diziam que eu era uma das novatas mais bonitas do
campus. Por fim, eu me deixei levar pela atenção, pelas festas e por todas as
coisas que jurei que nunca aconteceriam na minha vida acadêmica até as
meninas me alertarem como aquilo estava ficando estranho, depois de
alguns meses.
Eu queria enganar, afinal, tudo era superficial demais para dar certo a
longo prazo.
— Aquele é o treinador Turner — Miley sussurrou assim que
passamos pela entrada do que parecia um grande ginásio com uma pista de
gelo no meio. — Ele vai perceber a nossa presença em três, dois…
— Esse é um treino fechado! — Sua voz reverberou alta até demais,
fazendo com que todos os jogadores olhassem na nossa direção, até mesmo
um em especifico que estava entrando no rinque de gelo, sem pressa.
Meu corpo reagiu no mesmo instante, correndo um arrepio no centro
das minhas costas.
Eu ainda vou descobrir o que esse nerd fez comigo.
— Turner! — Miley se fez de íntima, fazendo o homem, que
realmente era grande, esconder o que ousei achar ser um sorriso no meio da
sua barba por fazer. — Como você está?
Miley não se abalou nem um pouco, ostentando o seu sorriso
exemplar e uma atitude inabalável.
— Nathan, de olho neles! — ele gritou por cima do ombro, andando
rapidamente em nossa direção. — Já falei que não é permitido sua vinda até
os treinos…
— Eu sei — Miley o interrompeu —, mas eu precisava tirar umas
dúvidas sobre a dinâmica do jogo para aquele meu projeto para o final deste
semestre. — Paramos na frente do homem, que ficou ainda maior do que eu
estava esperando. — Você pode me ajudar? — Ela levantou o caderno de
capa de couro que guardava suas anotações.
A safada tinha realmente um plano.
Eu quis rir da atriz que chamava de amiga, apesar disso me mantive
firme. Se ela conseguisse enrolá-lo por alguns minutos, eu iria voar até
Caleb e se precisasse, estava pronta para me jogar aos seus pés ali no meio
de todos os caras.
— E quem é ela? — Os olhos do Turner caíram em mim.
— Minha amiga. — Miley apoiou a mão no braço do treinador
Turner. — Você vai me ajudar nisso, não é?
Quem diria não para ela? O treinador Turner tirou a mão dela do seu
braço, me encarou uma última vez, gritou uma ordem para seu auxiliar e
apontou para uma porta na parte superior das arquibancadas. Acho que nem
o nerd que estava me fazendo passar por tudo aquilo falaria não para Miley.
Talvez ela que devesse convencê-lo de me ajudar.
Caminhei em direção a pista de gelo com os olhos cravados em
Caleb, que parecia ainda mais bonito naquela versão. Seu cabelo estava
úmido, grudado na testa enquanto o mesmo patinava de uma ponta a outra
se esquivando do seu amigo, o mesmo que vi no laboratório horas antes. Ele
parecia livre sem aquele jaleco, olhos fixos e determinados. Sexy pra
caralho.
O misterioso caso de me arrepiar a sua presença aconteceu mais uma
vez, correndo não apenas nas minhas costas, como também subindo pelas
pernas a caminho do centro delas.
— O que você está fazendo aqui? — E aquela voz foi capaz de
transformar todo o arrepio que senti antes em absolutamente nada.
— Eu que deveria te perguntar o mesmo. — Entrei na defensiva, o
fazendo rir.
— Paige, eu sou do time. — Ryder segurou minha mão. — Vem, vou
te apresentar para todos esses idiotas.
Algumas vezes eu vestia tão bem o meu papel de burra que realmente
me esquecia de fatos importantes como o de que provavelmente meu ex-
namorado estaria treinando junto com todos os outros, afinal, ele era um
dos jogadores titulares e com grandes chances de sair dali direto para um
time da NHL, pelo o que diziam.
Burra! Burra! Burra!
— Na verdade — puxei minha mão, não o seguindo —, foi-se o
tempo que você poderia ter me apresentado para o pessoal do seu time. —
Aquilo soou mais ofendida do que eu realmente estava, infelizmente. — E
eu tenho que falar com o Caleb.
Sabia que aquilo o atingiria de alguma forma e talvez fosse o
necessário para ele ficar com raiva e sair a minha frente, como fez algumas
vezes em um passado não muito distante. Mas, diferente do que eu
esperava, vi em seus olhos um Ryder que conheci mais do que eu gostaria.
— O que você quer falar com ele? — Seus olhos cintilavam com um
brilho que fez meu estômago revirar. — O que você vai falar com aquele
imbecil? Está dando para ele?
Eu tinha a opção de responder aquela pergunta com algum monólogo
sobre não ser mais do interesse dele o que eu fazia da minha vida, ou focar
no que eu realmente tinha ido fazer ali. Eu já sabia que Ryder era um
babaca. Eu tinha feito essa descoberta da pior forma possível. Logo,
qualquer tempo que eu passasse ali falando o óbvio na sua cara, não
mudaria o fato de que ele era um dos caras mais babacas que já havia
conhecido em toda a minha vida.
Babaca e tóxico.
Olhei para a pista à procura do que eu estava de olho, movida pela
necessidade de fazer o que realmente era importante para mim e o meu
futuro. Ryder já tinha sido um atraso de vida por alguns meses, não seria
agora que daria mais uma chance para que ele estragasse as coisas mais
uma vez.
— CALEB! — O gritei, assim que passou pela lateral do rinque,
ignorando totalmente a pergunta de Ryder. — CALEB!
Quando repeti seu nome, seus olhos encontraram com os meus.
Arriscaria dizer que nunca tinha me sentido daquela forma, sendo sugada
para uma imensidão escura como os seus olhos pretos. Vi seus globos
oculares me seguirem mesmo passando rapidamente por mim, depois seus
patins raspando no gelo em sua tentativa de parar, e meus pés indo ao seu
encontro, quase que involuntariamente, de modo que meu cérebro parecesse
não ser capaz de controlar e comandar os músculos dos membros inferiores
do meu corpo.
— Você não vai falar com ele na frente dos outros e acabar com a
minha imagem. — Ryder não apenas segurou meu braço, como rosnou isso
próximo a minha cabeça, tirando-me do transe que entrei.
— Me solta! — Foi tudo o que disse antes de usar meu peso para
fugir do seu aperto e correr para a pista de gelo, o que foi uma atitude
totalmente impensada e errada.
Assim que meus tênis tocaram no gelo e o chão se tornou mais
escorregadio que o normal, vi todo o meu corpo ir para frente e um pequeno
filme passar pelos meus olhos. Eu caindo no chão. Eu fraturando alguma
parte da minha perna. Eu não podendo jogar nunca mais. Só que nada
disso aconteceu porque braços me mantiveram no lugar.
Braços longos e perfeitos.
Braços que tinham um dono que eu conhecia, ou melhor, que meu
corpo parecia conhecer já que reagiu igual.
Braços que pertenciam a Caleb Turner.
O que ela pensa que está fazendo?
Essa foi a pergunta que se passou na minha cabeça no momento em
que vi ela e mais uma menina conversando com meu pai.
Eu deveria saber que uma mulher como Paige, que aparentemente
sempre teve tudo o que quis na sua vida, não aceitaria aquela minha
resposta. Eu deveria saber que ela agiria exatamente da forma que fez,
vindo até o treino e fazendo aquela proposta na frente de todos, por mais
que não a conhecesse.
Paige Mallory era popular e pessoas como ela gostam de ter o
controle de todas as coisas. Logo, era para eu ter sido um pouco mais
esperto quanto a isso. Foi inocente da minha parte achar que ela só iria
aceitar a minha resposta e seguir em frente.
— Por que a ex do Ryder está aqui? — James deslizou para a minha
frente, ficando em posição de defesa. — Até agora não entendi porque ela
estava no laboratório com você.
Ex do Ryder? Eu sabia, de forma muito superficial, que atletas
costumavam ficar com atletas. Mas como Paige conseguiu namorar com
um cara como Ryder?
Eu não pude explicar sobre aquilo, apesar de querer dividir aquele
momento com o meu melhor amigo. Concordemos que se eu chegasse para
James e contasse que Paige não apenas me pediu ajuda, como fez uma
proposta indecente sobre me ajudar a pegar qualquer menina da UCLO, ele
jamais acreditaria em uma palavra que saísse da minha boca. Nem eu
acreditaria se eu mesmo me contasse que tudo isso aconteceu naquele
laboratório, cujo maior acontecimento presenciado foi uma explosão
causada por um aluno há alguns anos atrás.
— Eu nunca vi essa menina tantas vezes nos lugares mais aleatórios
possíveis. — Ele riu, desviando sua atenção para onde acreditava que Paige
estava.
Em um movimento rápido, fugi da sua tentativa de defender meu
ataque.
— Presta atenção, otário — falei assim que passei por ele.
— Atenção, James! — Nathan, outro treinador e auxiliar do meu pai,
gritou do canto oposto do rinque. — Não deixa ele marcar.
Só que aquele aviso deveria ser para mim mesmo. No instante em
que James se recuperou da sua perda de atenção, precisei usar de uma
agilidade gigantesca para me livrar dele. Entretanto, minha atenção foi
roubada por uma mulher de cabelos castanhos com fios loiros, próxima de
Ryder Lancaster, o cara que disputava pontos comigo como atacante. Não
demorou mais do que segundos para James roubar o disco sem qualquer
esforço.
— Tudo de novo! — Nathan falou de onde estava. — Mais atenção
na próxima, Caleb.
Eu preferia treinar com Nathan do que com o meu pai, mas aquela
não era uma opinião geral. Ele era mais novo, estava começando como
técnico agora e tinha a vivência de um jogador que sabia que comandar não
era o que meu pai gostava de fazer. O treinador Turner deixava que sua
frustração falasse mais alto, gritando ordens a plenos pulmões, sendo
abusivo nas punições que inventava para atrasos ou falta de disciplina, e
uma longa lista de atitudes que não imponha respeito e sim, medo.
Nathan fazia com que eu conseguisse gostar do esporte, assim como
já gostei quando mais novo.
— Vamos trocar as duplas porque vocês conversam demais.
E foi neste momento, enquanto eu patinava em direção ao lado que
Paige se encontrava, que tudo aconteceu mais rápido do que achei que fosse
capaz de reagir. Ouvi sua voz me chamando, Ryder puxando-a pelo braço e
em frações de segundos seu corpo estava nas minhas mãos. Aquela, com
toda a certeza, foi a vez que consegui agir mais rápido em toda a minha
vida.
— Você está bem?
— Eu estou viva?
Falamos praticamente no mesmo segundo, fazendo-a soltar uma
lufada de ar como se achasse graça.
Paige parecia ainda mais bonita agora do que qualquer outra vez que
a tenha visto. Possivelmente isso era dado a distância que estávamos. Nunca
pensei que pudesse ficar tão perto de Paige Mallory como estava naquele
momento. Suas mãos estavam espalmadas no meu peito, minhas mãos
envolviam toda a sua cintura e por mais que em outro momento aquilo fosse
motivo para me deixar nervoso – talvez muito em breve ficasse –, naquele
instante eu só queria saber se ela estava bem e segura.
Analisei seu rosto, começando por sua boca que estava semiaberta.
Os mesmos lábios rosados que vi mais cedo, agora pareciam ainda mais
coloridos com algo brilhante por cima. Ela respirava pela boca,
provavelmente tão assustada quanto alguém ficaria ao perceber que iria cair
bem ali, sem qualquer tipo de proteção. Ao subir meus olhos, engoli em
seco. Involuntariamente abracei ainda mais seu corpo e analisei o que
sempre fui curioso em desvendar. Seus olhos que, antes não fazia ideia de
que cor realmente eram, agora percebia ser em um verde claro, com
pequenas doses amarelas se misturando em sua íris.
Único.
— Como você está? — Repeti minha pergunta, vendo suas
bochechas ganharem um rubor tão rosado quanto seus lábios.
— Estou desesperada, nerd.
Seus olhos caíram em algum ponto perdido no meu queixo e subiram
para encontrar os meus olhos, mais uma vez. Aquele breve movimento –
possível que até inocente de sua parte – deixou que meu corpo fosse tomado
pelo nervosismo que antes estava escondido em alguma parte do meu
subconsciente, que estava mais preocupado com a mulher que estava em
meus braços do que com toda a situação que foi criada.
— Pai-Paige… — Puxei o máximo de ar que consegui, tentando
soltá-la, mas sendo impedido pela mesma. — O que você está fazendo?
Precisa sair do gelo.
— Eu só vou sair daqui quando você me der uma resposta, Caleb. —
Paige agarrou meus braços com força.
Partes de mim queria me livrar daquela situação, como tudo o que
fazia na minha vida. Nunca fui o cara que teve muitas oportunidades com
garotas, muito pelo contrário. Meu pai sempre dizia que mulheres eram
distrações e um grande atraso, e que eu tinha uma vida inteira para conhecer
alguém, logo não precisava apressar etapas. Tudo o que eu precisava era
seguir treinando, estudando e construindo um futuro.
Obedientemente, andei na linha.
Por quê? Nem eu mesmo saberia responder essa pergunta.
Mas existia uma parte de mim que queria tentar não ser tão frouxo
como costumava ser.
— Caleb! — Fui incapaz de entender quem estava me chamando, só
ouvi a voz vindo de muito longe.
— Olha, se eu não precisasse tanto disso, jamais estaria aqui. —
Paige voltou a falar, levando uma mão ao meu rosto. Seu toque foi gentil,
para chamar a minha atenção. Onde sua mão ficou alojada parecia pegar
fogo e mais uma vez aquela vontade de fugir cresceu dentro de mim, em
algum lugar do meu cérebro. — Eu não sei como cheguei até essa nota, mas
preciso estar nos jogos que começarão em breve. Não é só minha vida
acadêmica que está em jogo, mas a bolsa de estudos e toda uma equipe que
depende de mim. Você entende como é isso, não é?
Balancei a cabeça apenas para mostrar que escutava, pois a verdade
era que estava hipnotizado demais para conseguir reagir ou falar qualquer
coisa.
— Então, quando falei que faria qualquer coisa, era a verdade. Eu
preciso da sua ajuda! — Seu polegar roçou na minha bochecha. Toda a cena
após isso foi como assistir uma pessoa mudar completamente de atitude.
Paige perdeu o tom de súplica, olhou mais uma vez para o meu queixo e
abriu um sorriso diferente de todos os outros, como uma criança que está
prestes a fazer algo errado. Travesso. — Eu posso arranjar quem você
quiser, nerd. — Saiu como um sopro, como uma última cartada para ganhar
o meu sim.
Naquele momento, minha mente vagou pelo mundo de possibilidades
que aquela proposta poderia me render, exatamente como aconteceu no
laboratório. Minha memória foi ativada e tudo que consegui pensar foi em
como aquilo poderia me ajudar com a minha borboleta, mesmo não
entendendo como Paige seria capaz de fazer isso acontecer.
— C-como você vai fazer… — Inspirei, tentando não gaguejar.
— Você só precisa me dizer sim e eu aposto que arranjaria a pessoa
que você quiser aqui do campus.
— CALEB! — A voz que gritou era fácil de ser reconhecida dessa
vez.
— Como você pode apostar uma coisa dessas?
Paige alargou ainda mais aquele sorriso travesso, deixando claro que
agora os seus olhos fitavam meus lábios com tanta intensidade que se não
soubesse quem ela era, poderia jurar que ela estava tentando me seduzir ou
estava com muita vontade de me beijar.
— Eu sei o poder que eu tenho, nerd — ela sussurrou, aproximando
seu rosto do meu. — Você está com medo de não conseguir me ajudar a
tirar uma nota alta?
Soou como um desafio.
— Eu consigo facilmente te fazer tirar uma nota boa e voltar para as
suas atividades.
— CALEB!
Olhei por cima da sua cabeça e encontrei todo o time olhando aquela
cena. Se meu pai fosse capaz de usar os olhos como uma arma de guerra,
era possível que ele atirasse em frente a todos. Seus olhos me fuzilaram
com uma intensidade que só via quando estava prestes a explodir por algum
assunto.
— Duvido. — Foi o que me despertou, voltando a olhar para Paige,
que ainda ostentava aquele sorriso. — Eu duvido que você consiga.
Paige estava andando em um território diferente.
Eu poderia ser um nerd tímido que fugia de todas as formas; que se
escondeu de atividades e festas no primeiro ano de faculdade; que se
recusava a estar perto de pessoas como Paige por puro receio; mas desafios
sempre foi a chave, uma espécie de combustível para me superar em tudo o
que me coloquei a fazer ao longo dos anos.
— Aposto que conseguiria.
Que porra tá acontecendo comigo? Foi o pensei assim que aquela
resposta saiu com uma segurança inacreditável.
— E eu aposto que te arranjo qualquer pessoa que você quiser.
— TIRA ESSA GAROTA DAQUI! — Ouvi sua voz mais perto do
que eu gostaria, porém Paige parecia um imã me magnetizando.
— Feito! — Respondi rápido.
— Então temos um acordo, nerd. — Ela se iluminou na minha frente,
deslizando a mão que estava a todo o tempo na minha bochecha. — Temos
uma proposta perfeita. Você vai me ajudar com a nota e eu vou fazer você
ficar com a garota que quiser no campus.
Paige só não sabia que a menina que eu queria era muita areia
para o meu caminhãozinho.
— O que diabos essa menina estava fazendo no gelo? — Os olhos
do meu pai não saiam de Nathan, que se manteve o tempo inteiro em
silêncio enquanto todos assistiam a cena.
Todos viram exatamente como tudo aconteceu, apesar disso ninguém
foi capaz de abrir a boca para falar qualquer coisa naquele momento. Eu
não podia deixar Nathan levar a culpa por algo que não foi responsabilidade
de ninguém, para ser sincero.
Paige invadiu o treino para conseguir o seu sim e fui eu que fiquei
com ela no gelo, sendo seduzido pelas propostas que saiam da sua boca
enquanto sua mão não deixava meu rosto.
Se eu fechasse os olhos naquele momento, era capaz de ainda sentir
sua mão apoiada na minha bochecha, seu polegar roçando docemente a
minha pele enquanto seus olhos me hipnotizaram a cada minuto.
— Treinador? — falei baixo, mas isso não o abalou.
— Quando eu deixo você supervisionando, eu espero que situações
como essa…
— Turner? — Tentei mais uma vez, interrompendo aquele sermão
desnecessário.
— … Não ocorram porque você é… — Ele atropelou minhas
palavras.
— A culpa não é dele! — esbravejei, mesmo meu tom se mantendo o
mesmo a todo momento.
Meu pai desviou seus olhos diretamente para mim, causando um
efeito dominó a todos que fizeram o mesmo que ele, olhando na minha
direção. As narinas do treinador Turner estavam dilatadas, seus olhos com a
mesma intensidade que tinha visto em outras situações, ao mesmo tempo
que uma veia marcava o meio da sua testa. Ele inspirou pela boca, soltando
o ar audivelmente enquanto o silêncio se mantinha.
— Deixem seus materiais no chão. — Ninguém ousou se mover. —
NÃO OUVIRAM?
E aos poucos o barulho dos tacos e itens de proteção foram sendo
colocados no chão, nos bancos e em qualquer lugar que desse. Seus olhos
ainda estavam em mim, reluzindo como sua mente estava planejando me
castigar.
Nada de novo na nossa rotina de pai e filho ou aluno e treinador.
— Já que você quer bancar o herói e se responsabilizar pela
displicência do Nathan, você ficará responsável por guardar todo o
equipamento que usamos no treino de hoje. — Meu pai parecia não
conseguir mover nenhum músculo enquanto falava, quase um robô. —
Além disso, amanhã, eu quero você uma hora mais cedo no treino para
compensar o tempo de hoje. E quem ousar em ajudá-lo, poderá se juntar a
você amanhã e pelo resto da semana.
— Sim, treinador. — Foi tudo o que falei antes dele se virar e sair.
Os demais jogadores o acompanharam em direção ao vestiário e ali
permaneci, olhando para todas as coisas que iria guardar pelos próximos
minutos. Qualquer outra pessoa ficaria chateada de ter que armazenar todos
os equipamentos da equipe, entretanto eu não estava me importando com
nada daquilo. Minha mente estava programa para reviver aqueles momentos
com Paige nas minhas mãos.
Fechei meus olhos por alguns momentos e consegui ver a íris dos
seus olhos, seus lábios carnudos, seus olhos travessos e seu cheiro
adocicado. Era fácil sentir nas minhas mãos a sua cintura pequena, seu rosto
próximo ao meu, seus olhos fitando meus lábios. Minha mente projetou a
ideia do que poderia ter feito, como poderia ter trazido ela mais para perto,
ter aproveitado para tocar minha boca na dela e…
— Vamos, idiota, tá sonhando acordado? — James deu um tapa na
minha cabeça, me arrancando daquele pensamento. — Levanta e começa a
arrumar essa merda.
— Quê? — Pisquei algumas vezes.
— Cara, o que porra está acontecendo com você? A ex do Ryder
diluiu o seu cérebro?
— Para de lembrar que ela é ex dele. — Revirei os olhos, puxando o
ar antes de começar a organizar as coisas. — E você nem deveria estar
aqui, senão vai precisar treinar mais amanhã.
— Eu não me importo, só quero saber o que foi tudo aquilo — James
cruzou os braços em frente ao peito —, até porque você sabe que vai ficar
me devendo uma e eu quero conhecer uma amiga da Paige.
— Então você está me ajudando por causa da amiga da Paige? —
Estreitei os olhos, mas acabei gargalhando com o idiota.
— Elas são difíceis de serem acessadas e se você estava quase
beijando a Paige na frente de geral, significa que em breve estaremos
andando com elas — ele apontou na minha direção —, e você vai me ajudar
a pegar a garota que veio com ela.
Pude sentir um calor tomar conta do meu pescoço e rosto.
— Eu não estava quase beijando a Paige. — Ri só com a
possibilidade. — O que ela faria com um cara como eu?
Peguei a maioria dos tacos que estavam perto de mim antes de erguer
o corpo e ver James parado, na mesma posição inicial, encarando-me.
— Você sabia que é um cara foda? — Ele negou com a cabeça. —
Ela teria sorte de ficar com um cara com você e não com um idiota como o
Ryder.
Ficamos um segundo, talvez dois, em silêncio até cair na gargalhada.
Eu e James éramos amigos desde sempre. Não existia uma parte da
minha vida que ele não tivesse participado e por mais que fôssemos
completamente diferentes – ele era extrovertido e sociável, enquanto eu não
conseguia falar com quase ninguém – sempre fomos amigos inseparáveis.
No colégio ele me incluía na roda de amigos que fazia e não deixava
que ninguém me zoasse por qualquer motivo; no ensino médio ele me levou
para todas as festinhas que tinham e se eu consegui beijar na boca e transar,
foi porque ele desenrolou para isso acontecer.
Tudo bem que as coisas mudaram quando fomos para faculdade.
Quando recebi a carta de admissão na UCLO e ele não, pensamos
que toda a estratégia que lançamos tinha ficado perdida. Nosso plano
sempre foi estudar juntos em alguma faculdade e viver mais aquela etapa
lado a lado, porque de alguma forma sabíamos que no futuro, com a vida
adulta, as coisas ficariam mais difíceis de permanecer. Meu pai mexeu
alguns contatos e, no fim, nosso plano deu certo.
James tinha a vida universitária dele, participava das atividades da
fraternidade e sempre estava enfiado em uma festa. Não nos víamos como
na época da escola, o tempo todo, éramos um pouco mais distantes, era nos
treinos que passávamos mais tempo juntos e, apesar disso, eu sabia que
podia contar com ele para qualquer coisa, até para cometer um crime.
Juntamos todo o material e guardamos no vestiário, em uma das salas
destinadas a isso. Mesmo com a minha mente sempre voltando para Paige e
sua proposta, segui minha conversa de forma superficial com James, sem
entrar muito nesse assunto. Não que essa proposta fosse algo escondido e
que não pudesse ser mencionado, todavia haviam coisas que ainda
precisavam ser conversadas de como funcionaria.
— O que tem bom para comer na sua casa? — James perguntou
assim que saímos do ginásio a caminho dos dormitórios.
— Não sei, talvez meu pai tenha levado algo para comer. — Dei de
ombros.
Minha experiência universitária era resumida em ir para a faculdade,
estudar, treinar e voltar para casa, que ficava a alguns minutos do campus.
Meu pai preferiu que eu não ficasse nos dormitórios por dizer que não tinha
necessidade e que aquilo poderia resultar em bebidas e rendimento baixo
nos treinos, o que consequentemente não me renderia nenhum convite para
um time da liga.
O que ele não sabia era que eu não seria um profissional como ele
imaginava.
— Sua irmã volta esse final de semana?
Empurrei-o com o ombro.
— Esquece a minha irmã, cara.
Ele gargalhou, bagunçando meu cabelo recém lavado.
— Eu sei que você fica chateadinho quando brinco com isso —
James fez uma careta estranha —, e como não tem comida boa na sua casa
nem a sua irmã para ser comida, vou ficar por aqui e comer na cafeteria.
— Vai se foder, James. — Empurrei-o mais uma vez, que cambaleou
e riu a plenos pulmões. — Eu vou na sua casa e comer a sua mãe.
— Agora pegou pesado, nerd.
Rimos como dois idiotas até seguirmos por caminhos opostos.
Mesmo com brincadeiras pesadas, aquele era o amigo que eu ganhei
da vida. Dizem que amigos são a família que escolhemos, mas eu jamais
escolheria alguém como James. Ele foi um presente muito diferente de
alguém maior do que nós dois.
Balancei a cabeça rindo, andando até onde deixava estacionado a
caminhonete que ganhei do meu falecido avô.
Assim que cruzei a esquina da minha casa, visualizei o carro
conversível que meu pai andava para todos os lados.
Minha irmã tinha a teoria de que aquele carro era mais uma crise de
idade.
— Olha, até que você organizou tudo bem rápido — meu pai falou
assim que cruzei a cozinha em direção a lavanderia para deixar a roupa
suja.
— Lebbie, o pai trouxe a sua pizza favorita — meu irmão mais novo
anunciou, abrindo um sorriso que dizia mais do que qualquer palavra que
ele poderia usar naquele momento.
Não era uma alegria em me ver, era um aviso claro de que nosso pai
estava irritado com algo. Acontece que o algo que ele tentava me avisar, era
eu mesmo.
— Acho que não…
— Coma com a sua família, Caleb. — A voz imponente do meu pai
fez com que eu não passasse direto por eles, e sim parasse na mesa redonda
que ficava na cozinha, puxando umas das cadeiras.
Fomos criados de forma rígida, tendo sofrido um pouco mais do que
meus irmãos por ser o filho mais velho de três. Emma, minha irmã do meio,
resolveu ser rebelde e tomou a atitude que eu deveria ter tomado quando
escolhi minha faculdade, morando na cidade vizinha que era distante o
suficiente para não precisar voltar todos os dias. Já Camden, meu irmão
mais novo de quatorze anos, não sofria tanto porque de alguma forma ele
pegou uma versão mais legal do meu pai, se é que isso era possível.
Ele não era amoroso como se espera de um pai, nem vai ser o homem
com quem você vai conseguir se abrir e falar de pontos da sua vida com
total confiança. Mas ele fez o que conseguiu depois que tudo aconteceu
com a nossa mãe e sua separação para viver em algum lugar da América do
Sul.
— Emma vem pra casa? — Puxei um assunto seguro, enquanto me
esticava sobre a mesa para pegar uma fatia de pizza.
Camden me encarou.
— Ela disse que tem algo do time de futebol dela — meu irmão
respondeu.
— Como assim algo de futebol? Não sabia que tinha começado os
jogos.
Tínhamos um pacto de tentar ir na maioria dos jogos que um ou outro
jogasse por uma questão de mostrar que nos importávamos um com o outro,
independente da família disfuncional que acabávamos sendo.
— Não começou, mas parecia ser algo importante para ela. —
Camden deu de ombros, enfiando a pizza na boca. — Ou era só… — Ele
tentou progredir de boca cheia, mas foi interrompido.
— Achei que você teria a honra em explicar o que aconteceu com
você e aquela menina na minha pista de gelo — meu pai cortou o assunto.
— Não tem o que explicar.
— Como não? — Meu pai apoiou as duas mãos na mesa, me
encarando sério. — Aquela menina estava no meu gelo, com você
segurando ela.
— E foi isso que aconteceu. — Inspirei fundo antes de continuar. —
Paige é uma aluna da Sra. Cooper e precisava de ajuda em um trabalho e
como sou monitor…
— Ah claro! — Ele se levantou rapidamente, deixando que a cadeira
rangesse contra o chão da cozinha. — Você e essa história de ciências. Eu
espero, Caleb, que você esqueça disso antes dos jogos começarem, porque
você não terá tempo para se dedicar a ser monitor daquela professora.
Meu pai caminhou pela cozinha, descontando sua raiva nos
eletrodomésticos e armários enquanto Camden me encarava prendendo o
riso. Eu sabia que aquele assunto de garotas iria render com aquele
pestinha.
— Eu consigo me dedicar para as duas coisas. — Foi o que consegui
responder.
— No caso três coisas, porque tem a garota, né? — Camden não se
aguentou, rindo em alto e bom som.
— JÁ CHEGA! — O ato de ira do meu pai contra a pia fez com que
ele engolisse o riso no mesmo instante, arregalando os olhos para mim.
Eu odiava quando ele fazia isso na frente do Camden, que nada tinha
a ver com as suas próprias frustrações.
“Sobe!” Foi o que disse para o meu irmão, apenas mexendo os
lábios. Camden demorou alguns segundos para reagir, pegando mais uma
fatia de pizza e sumindo pelas escadas que davam para os quartos.
Aquele clima tenso permaneceu na cozinha. Gostaria de pensar que
em outro momento eu reagiria como Emma costumava fazer, só que eu
estaria mentindo. Nunca fui corajoso como ela ou do tipo que rebatia
qualquer coisa que viesse do meu pai. Fui criado para aceitar e calar, e era
assim que eu continuava até me formar e sair daquela casa. Tudo bem que
isso poderia soar péssimo, mas eu já estava acostumado e programado para
passar por isso por mais alguns anos.
— Caleb, se sua monitoria ou essa bobagem de ciências atrapalhar
seu desempenho com o time, eu falarei pessoalmente com a senhora
Cooper. — Permaneci na mesma posição, olhos fixos no pepperoni da
pizza. — E sobre a menina, a mesma coisa. Ouse deixar que ela atrapalhe
seu desempenho, que eu procuro saber quem ela é e como posso atrapalhar
as coisas para ela.
Abaixei a cabeça, mordendo a parte interna do meu lábio inferior até
o gosto ferroso tomar conta da minha boca.
— Mulheres só atrapalham o processo.
E foi com essa frase que ele saiu da cozinha, deixando claro, mais
uma vez, que aquilo não era sobre mim, a monitoria ou sobre Paige. Era só
a sua infelicidade falando mais alto do que qualquer outra coisa.
— A bela adormecida vai dormir até amanhã? — Alisson entrou no
quarto antes do meu despertador tocar.
Quase todos os dias tentávamos tomar café juntas. Essa ideia
começou no dia em que Alisson veio morar conosco depois de sua prima,
Miley, chamá-la para dividir as contas. A maioria dos alunos moravam nos
dormitórios da faculdade, mas fomos privilegiadas por Kim e seus pais, que
tem uma condição de vida ótima e uma influência tão boa quanto.
Rapidamente eles conseguiram uma casa onde ela moraria sozinha, se não
soubessem que sua filha não sabia seguir regras. Nas palavras do pai de
Kimberly ao conversar com os meus pais foi “a Kim segue o que ela quer,
mas sabemos que Paige consegue controlá-la”.
Coitados dos pais dela em acreditar nisso.
Claro, eles imaginavam que meu pai não iria poder arcar com tantos
custos assim, portanto a ideia era que eu morasse com ela por um valor
simbólico. Isso seria ótimo para eles, que tinham a impressão de que
Kimberly estaria com uma espécie de controle e para mim, que teria a
comodidade de estar morando sozinha com a minha melhor amiga.
Já as meninas surgiram pela necessidade da Lake em ter uma grana
extra, já que seus pais cortavam seu dinheiro vez ou outra, a cada
desobediência da mesma.
— Não posso faltar o café da manhã hoje? — perguntei de olhos
fechados ainda, me recusando a pular da cama naquele horário só para olhar
para a cara delas.
— Vai faltar só você. — Conseguia imaginar a cara de cachorro que
caiu da mudança de Alisson ao falar. — E você sabe que a Kim nunca quer
participar, mas agora já está preparando um super banquete.
— E ela vai ficar indignada se eu não descer — completei, abrindo
vagarosamente os olhos.
— Eu espero que você já esteja se levantando, Paige — Kim
cantarolou enquanto passava pelo corredor, fazendo Alisson olhar sobre os
próprios ombros e rir.
— Ela está estranha.
Quando ela não está estranha? Fica o questionamento.
Éramos quatro pessoas completamente diferentes que se amavam e
aprenderam a lidar com as diferenças da melhor forma possível. Eu
conhecia Kim há anos. Miley conhecia Alison há anos e quando nos
unimos, pareceu que aquela união deveria acontecer.
Estava escrita.
Puxei todo o ar presente no quarto, forçando meu corpo a sentar na
cama antes de sequer colocar os pés no chão. Encarei o painel de fotos que
montei assim que me alojei no quarto, minha mãe sorria em algumas fotos;
meu pai estava sério na maioria delas – a nostalgia de momentos gravados
em imagens. Sussurrei mentalmente um bom dia para ambos, mesmo que
não fossem ouvir, colando os pés para fora da cama.
Inspirei pela segunda vez, enchendo meu pulmão de ar e coragem. Eu
estava cansada e tudo o que eu queria era dormir, mas aprendi cedo demais
que alguns momentos precisam ser valorizados, principalmente quando se
considera alguém como sua família.
Minha mente migrou para a falta de sono a noite, pelas horas que
passei olhando para o teto de estrelas que acendiam no escuro, pela
quantidade de vezes que meu cérebro projetou cenários ilusórios sobre estar
nos braços de Caleb.
Eu nunca vou entender o que aquele nerd tem de tão diferente. Foi
com esse pensamento que finalmente saí daquele quarto.
Depois de me ferrar algumas vezes com alguns caras, resolvi que iria
aproveitar tudo e todos da melhor forma possível. Como já tínhamos
ganhado a fama, deitei nessa rede de fofoca e peguei algumas – dependendo
do ponto de vista – pessoas, até dar de cara com esse nerd.
Meu futuro nerd.
— Bom dia, minhas florzinhas. — Entrei na cozinha sendo recebida
por uma onda de cheiro de gordura.
— Olha, a vaca resolveu dar as caras. — Kimberly sorriu, soltando
um beijo no ar quanto fritava bacon.
— Você realmente está estranha. — Gargalhei, recebendo um olhar
das outras duas moradoras da casa.
— Ela está muito feliz — Miley comentou, soltando risadinhas finas
que só ela consegue.
— Eu sou o quê? Um monstro?
— Você é a pessoa que odeia tomar café da manhã com a gente. —
Alisson levantou da cadeira que estava sentada, andando até onde Kim
estava.
A ideia de tomar o café da manhã nem sempre funcionava. Kimberly
cantava em uma banda em um bar pitoresco fora do campus; Miley tinha
uma rotina longa de escritas noturnas, já que durante o dia estava focada na
faculdade e em todas as atividades extracurriculares que ela se inscrevia;
Alisson era a única que levava aquilo a sério, e eu me esforçava para seguir
com isso. Mas naquela manhã todas pareciam estranhas de alguma forma.
— Quem vai começar a falar? — Miley puxou o assunto. — Pelo
menos a Paige tem algumas coisinhas para contar para vocês.
O olhar espertinho que ela me encarou fez com que eu quisesse
fuzilá-la com os olhos. Já era de se esperar que outros dois pares de olhos
fossem direto na minha direção, ganhando toda atenção da mesa.
— O que a mocinha aprontou? — Kim estreitou os olhos.
— Eu não apronto. — Minha voz vacilou com aquela mentira.
O silêncio cresceu na cozinha até dar espaço para risadas altas e
exageradas.
— Conta outra, G. — Alisson negou com a cabeça enquanto ria.
— Paige adora se fazer de santa. — Kimberly fingiu lixar as unhas,
antes de apontá-las na minha direção. — O que aconteceu? Seja sincera.
— Eu fui pedir para o nerd me ajudar no trabalho.
— Na verdade, a cena foi bem diferente disso. — Miley levantou
rapidamente da cadeira, abraçando o próprio corpo enquanto continuava a
falar. — Paige estava assim no meio da ringue de gelo. — Miley virou de
costas para a mesa, deslizando suas mãos pelas costas — Oh, Caleb, me
ajude no trabalho que eu te pegarei no escurinho. Oh, Caleb, estou
molhadinha com esse abraço gostoso e molhado de suor. Oh, Caleb,…
— MILEY!
Meu grito não foi páreo para as risadas das minhas amigas.
— Você se pegou com ele no meio do gelo? — Kim arregalou seus
olhos minados de um delineado perfeito. — Que vagabunda!
Foi a minha vez de gargalhar, sentindo todo o meu rosto queimar.
— Eu não me agarrei com ele no ringue.
— Foi quase isso. — Miley piscou, voltando para onde estava
sentada. — Eles ficaram abraçados em uma cena épica enquanto o treinador
gostoso Turner queria matar os dois.
— Calma, treinador o quê? — Alisson não se aguentou mais uma
vez, segurando a própria barriga enquanto ficava avermelhada. — Eu não
estou entendendo mais porra nenhuma.
— Ela chama ele de gostoso.
— Ele é gostoso. — Miley deu ênfase ao fato.
— Quero saber quem ele é. — Kim estreitou os olhos. — Adoro
caras mais velhos.
— Você gosta de tudo, Kim — Alisson pontuou, rendendo mais uma
longa onda de risadas.
— Quem come de tudo, sempre está mastigando. — Sua resposta não
ajudou em controlar as risadas.
— Eu vou deixar vocês conversando e vou voltar para o quarto para
me arrumar.
— Nada disso, mocinha, você vai ficar aqui e explicar tudo o que
aconteceu nesse rinque. — Kim rapidamente me interrompeu, segurando
minha mão antes mesmo de conseguir levantar daquela mesa.
— Isso aí, queremos os detalhes e as línguas. — Alisson gargalhou.
— Ela quer enfiar a língua nele. — Miley jogou seus cabelos loiros
para trás dos ombros. — E talvez ele vai querer enfiar muitas outras coisas
nela também.
— MILEY!
Não havia escapatória, eu ia mesmo passar por aquele mini

interrogatório.

Não foi muito difícil reviver todos os momentos enquanto contava


para as minhas amigas, afinal eu não havia parado de pensar nos minutos
em que passei nos braços do Caleb. Elas queriam detalhes, mas eu não
estava disposta a contar tudo o que realmente senti com aquilo. Tratei o
assunto com normalidade, omitindo como me senti e qual foi a minha
intenção com todos os meus movimentos.
Se passei boa parte do tempo olhando para os seus lábios não foi
porque queria beijá-lo, e sim porque queria convencê-lo a aceitar minha
proposta. Se agarrei seus braços não foi por ter a necessidade de tocá-lo, e
sim para que ele não fugisse de mim e perdesse a oportunidade de
convencê-lo a aceitar meu pedido. Se analisei como seu rosto me respondia,
toquei sua face e tudo o que aconteceu rapidamente, mesmo parecendo ter
acontecido por horas a fio, foi pela busca do “sim” e apenas isso.
Até porque seria estranho assumir para as minhas amigas que eu
estava indo para aquele lado dos sentimentos sem nem ter tocado no Turner.
Eu tinha a noção de que tudo aquilo não passava de uma loucura sem fim da
minha parte. Uma fixação por algo que eu não tinha acesso, ou talvez um
ataque de ego que nem eu estava conseguindo controlar. Fosse o que fosse,
eu ainda estava tentando lidar com isso da melhor forma agora que tinha
ganhado a chance que tanto queria.
Caminhei pelo campus da faculdade, acenando para alguns
conhecidos – ou desconhecidos. Minha primeira aula era da mulher que
quase acabou com meu plano.
Os corredores daquele prédio da UCLO eram preenchidos por
labirintos cheios de prêmios e pesquisas estampadas em suas paredes ou em
murais espalhados por todos os lados. Uma estética tão antiga quanto o
prédio, cheio de arabescos esculpidos em madeiras desenhavam as escadas,
desciam pelos rodapés das paredes e se erguiam pelas mesmas, em quinas
trabalhadas e cheias de detalhes.
Se assemelhava a um filme de época, algo sofisticado o suficiente
para não ser ignorado – mesmo sendo o tipo de coisa que ninguém
realmente olha no nosso dia a dia.
Depois de dois lances de escadas e mais alguns acenos jogados pelo
ar, cheguei na sala que normalmente assistia aula da senhora Cooper.
Estranhamente tudo estava um marasmo, sem qualquer sinal de aluno ou
aula.
Eu deveria ter perdido alguma coisa ou informação.
Olhei para os lados no corredor vendo se algum aluno que conhecia
poderia me dar uma informação, em vão. Entrei na sala e apoiei minha
bolsa em cima de uma das cadeiras, buscando pelo meu celular enquanto
esperava um sinal dos céus ou coisa parecida.
— A aula hoje é no laboratório. — Aquela voz soou familiar para
cada parte do meu corpo, que reagiu eriçando pelo por pelo da minha
derme.
Na mesma hora ergui meu rosto, olhando na direção de onde aquela
voz vinha. Meus olhos estavam seguindo seus pés calçados em um tênis
branco extremamente limpo; suas pernas envoltas por um jeans quase preto
e um colete de suéter perfeito em tom de marrom claro. Caleb parecia estar
entre vinte e um anos ou sessenta usando-o, mas estranhamente fazia total
sentido que ele estivesse vestido daquela forma. Principalmente quando
olhei para o seu rosto e ele tinha ganhado um novo adereço.
— Você usa óculos? — Arregalei os olhos, chocada com como ele
conseguia ficar ainda mais gato dessa forma.
— Digamos que sou um clichê de nerd. — Ele deu de ombros,
soltando uma risadinha baixa e tímida.
É claro que ele é um clichê de nerd. Um nerd gostoso que usa óculos.
Revirei os olhos mentalmente em como me sentia cada vez mais
envolvida por essa energia chamada Caleb Turner.
— Eu tive um problema com as lentes hoje de manhã e tive que
desenterrar os óculos do…
— Ficou perfeito! — Minha boca funcionou mais rápido que meu
bom senso.
Caleb sorriu, não me deixando ver os seus dentes, abaixando os olhos
para algum ponto das minhas pernas.
— Bom… — Ele limpou a garganta, segurando a alça da sua bolsa.
— Sua aula está sendo no laboratório, mas a Senhora Cooper achou que era
de bom tom não avisar.
— “Bom tom”. — Fiz aspas com as mãos, sorrindo. — Você está
falando como um idoso, Turner.
— Meu irmão me falou isso assim que saí do quarto com esse colete.
— Ele apontou para a peça que ficou bem nele, me fazendo rir.
— Eu já amei o seu irmão, Turner. — Pisquei, vendo-o corar no
mesmo instante.
— A-acho que você deveria ir para a sua aula, Mallory.
Bati na minha testa, resmungando.
— A aula!
O efeito Caleb Turner fazendo resultado mais uma vez.
Me senti atacada por Caleb Turner.
Não que ele estivesse me atacando diretamente, o coitado não tinha
culpa de eu estar emocionada até demais por ele. Uma emoção escondida,
enterrada e camuflada por uma camada grande de ilusão e fingimento.
— Como eu não vou poder fazer a aula? — Encarei aquela
professora, que já atrapalhou meus planos antes, totalmente incrédula. —
Eu vim para aula. Na verdade, eu nem posso fazer no horário que você me
colocou. Eu preciso estar no treino no final desta aula.
O rosto dela manteve uma expressão de “pouco me importo se você
não pode”, mesmo que os seus lábios se movessem em um discurso semi
pronto, similar a algo que foi montado anteriormente para qualquer aluno
que ousasse reclamar sobre horários e dias.
A senhora Cooper decidiu que faria de última hora uma aula no
laboratório. Como a turma era grande, a mesma dividiu todos os horários e
enviou isso por e-mail, uma hora antes do horário da sua aula.
Como sorte não era uma coisa que estava presente na minha vida
ultimamente, eu participei daquela sabatina de perguntas das meninas e saí
de casa focada em não perder o horário, sendo incapaz de verificar o celular
ou a caixa de e-mail.
Que universitário olha e-mail antes de uma aula, afinal?
— Vamos fazer o seguinte, Mallory. — A senhora Cooper correu
seus olhos por mim. Dessa vez eu não estava com um uniforme suado e
fedida, apesar disso a cara que a mesma fez foi como se eu estivesse. —
Você pode fazer a aula sozinha com a ajuda do monitor do dia, já que a
atividade da aula era em dupla e você não poderá fazer no horário que
coloquei para você. — Quando ela falou isso, meus olhos correram pelo
laboratório atrás do nerd que eu estava de olho. Seria um ponto de sorte no
fim das contas. — Pode se organizar na bancada do fundo que assim que ele
voltar, ele te ajudará com o que faremos na aula.
Que seja o Turner! Que seja o Turner!
Caminhei pelo laboratório com esse mantra na mente. Alguns alunos
ainda se acomodavam nas bancadas com suas respectivas duplas, jogando
suas mochilas pelos espaços vagos, olhando curiosamente todos os tubos,
provetas, beckers e todos os vidros que estavam presentes em cima de cada
mesa. Direcionei-me para a bancada no fundo da sala, a mesma que a
senhora Cooper pediu para que ficasse à espera do monitor que ajudaria
naquela aula.
Eu nunca iria entender como eles aceitam fazer isso – trabalhar sem
receber.
— Paige! — Um ruivo, que sempre esquecia o nome, se aproximou
para falar comigo. — Você vai na festa da Phi Omega? Você precisa ir na
festa! — Ele deu ênfase ao precisar ir. O ruivo se aproximou, apoiando os
cotovelos na bancada, abrindo um sorriso lascivo. — Foi delicioso ter você
na última.
Estreitei meus olhos.
— Delicioso?
— É, você não lembra? Aquele beijo que demos enquanto você
dançava no meu…
— Você pode me dar licença? — Um tom duro e consistente
reverberou atrás de mim.
Me surpreendi ao virar o corpo e dar de cara com Caleb.
Diferente de todas as vezes que o vi tímido, retraído ou parecendo
que estava pronto para correr, naquele momento não parecia com nada que
já tinha visto anteriormente.
Aquele Caleb era uma versão visceral, movido por algum sentimento
que eu era incapaz de identificar naquele momento, pois meus olhos só
focavam em como seu rosto estava vermelho, seus olhos estavam fixos em
um ponto acima da minha cabeça, e claro, aqueles óculos em uma armação
escura o suficiente para fazer com que todo o resto ganhasse um contraste
ainda maior, evidenciando sua beleza e partes do sentimento que era
parecido com… Ciúmes?
Não tinha como aquele olhar significar ciúmes.
— Você não ouviu o que eu disse?
Devo ter perdido alguma parte daquela conversa. Claro!
— E eu acho que você não ouviu quando eu disse que você estava
atrapalhando. — O ruivo sustentou um olhar aprazado, desafiando
silenciosamente Turner.
— Meninos, acho que não é necessário toda essa… — balancei as
mãos — energia. — Virei todo o meu corpo para encarar o ruivo nos olhos.
— Querido, só esquece que a gente se beijou porque se eu não lembro,
claramente não foi minimamente memorável.
— Vadia! — o ruivo murmurou.
— Que merda você disse?
Talvez Caleb tenha dado um passo para frente, porque só isso
poderia justificar o fato de eu conseguir sentir seu peito pairando pelas
minhas costas. O ruivo idiota não estava mais olhando para mim e sim para
o ponto alto atrás de mim, com o maxilar travado e toda aquela testosterona
vibrando pelo ar daquela laboratório.
Caleb encostou uma mão no meu ombro e respirou fundo, fazendo
com que partes do meu cabelo do topo da cabeça movesse como faria em
uma brisa. O calor que emanava do seu corpo queimou a parte posterior do
meu, como se eu estivesse de costas para uma grande fogueira de quatro de
julho.
— Podemos começar? — A voz da senhora Cooper ressoou tão longe
que pareceu um sussurro.
E como um estalar de dedos tudo sumiu, aquele calor repentino, sua
mão pesada no meu ombro e o ruivo, que fez questão de resmungar alguma
coisa e se afastar. Fechei os olhos brevemente, só para controlar minha
respiração antes de finalmente virar e dar de cara com Caleb mais uma vez.
— Desculpa por isso — Turner murmurou ao mesmo tempo que a
senhora Cooper começava um longo discurso sobre a sua ideia de aula. —
Eu queria ter respondido…
— Não é culpa sua — dei de ombros —, ser chamada de vadia é
quase um elogio.
— Como é que é?
Caleb apoiou a mão na bancada branca e quase brilhante do
laboratório, chamando minha atenção para seus dedos longos. Não sei por
qual motivo minha mente sempre fazia com que eu analisasse partes que
nem sempre chamam atenção das pessoas. Como as veias marcadas em uma
mão grande e máscula, pescoço mais grosso e imponente, coxas definidas,
antebraço tão cheio de veias quanto as mãos e uma lista enorme de aspectos
que costumavam chamar a minha atenção de cara.
O nerd tinha uma mão e tanto, com dedos longos e mais grossos,
cheio de veias e artérias calibradas e bem marcadas, principalmente quando
ele tirou um dos tubos de ensaio que estavam fora da ordem de arrumação
da bancada. Dedos longos conseguem fazer um estrago, foi a primeira coisa
que passou pela minha cabeça.
— Você gostou de ser chamada de vadia? — Voltei para órbita com a
sua pergunta.
— Não entendi.
— Você disse que via como um elogio ser chamada de vadia.
— Ah… Isso. — Bati na minha testa, me esforçando a apagar a
imagem da sua mão da minha cabeça.
Mãos essas que me seguraram forte um dia antes.
— Toda mulher que faz o que quer ou é corajosa o suficiente para
assumir suas vontades e atitudes acaba sendo chamada de vadia ou algo
parecido. Não vejo como uma agressão e sim um elogio, é uma forma mais
romantizada de enxergar as coisas. Sabe, como uma espécie de lembrete de
“continue sendo essa mulher de atitude”. — Fiz as aspas com os dedos,
dando de ombros logo depois.
Caleb balançou tão lentamente a cabeça que pensei ter falado algo
totalmente errado.
— Pode ser uma forma romantizada, mas você não merece ser
chamada assim. — Aqueles dedos longos e perfeitos foram afundados nos
seus fios escuros e levemente ondulados. — Nenhuma mulher deveria ser
xingada por tratar um cara como ele deveria ser tratado. Eu vi quando ele
começou a falar sobre vocês… E… não sei… Achei tão…
Acabei rindo baixinho, tampando a boca com as mãos.
— Todos são assim, nerd.
— Nem todos — ele rebateu. — Jamais falaria ou faria algo assim
com alguém que já fiquei.
— Você já ficou com alguém, nerd? — Arqueei uma sobrancelha.
Um sorriso tímido surgiu em seus lábios.
— Eu… É… — Seus olhos piscaram como luzes de árvore de natal.
— Claro!
— Não senti confiança — brinquei, porque por mais que tenha sido
incrível ver a sua versão determinada em me proteger, aquela versão tímida
tinha meu coração. — Acho que se você não tiver beijado ninguém em toda
a sua vida, ficará bem complicado eu desenrolar alguém para você.
— Mas…
— Só que você não precisa se preocupar, porque acho que vou ter
que te ensinar algumas coisas — interrompi o que ele tinha que falar,
porque a cada segundo seu rosto ficava cada vez mais vermelho.
Ignorando completamente o fato de estar acontecendo uma aula a
nossa volta, ou o fato de que a senhora Cooper pudesse estar falando algo
importante para o que iria acontecer entre aquelas paredes brancas e
estéreis, aproximei-me um pouco do corpo alto de Caleb, usando da mesma
arma que fiz no rinque de patinação no dia anterior: abri meu melhor
sorriso, focando nos seus lábios.
— Talvez eu vá precisar te beijar e te ensinar como as coisas
funcionam, até você estar pronto para o próximo passo.
Meus olhos saíram da sua boca e focaram em suas pupilas, que
poderia jurar estarem dilatadas.
— E quando você estiver pronto para o próximo passo, eu vou poder
te dar mais umas outras aulas para ficar bom em tudo.
Caleb travou sua mandíbula, dando para ver o exato momento em
que sua glote subiu e desceu, engolindo em seco.
— Eu…
— Não precisa dizer nada, você me ajuda com o trabalho e eu te dou
trabalho.
— Turner, preciso da sua ajuda.
Acho que o nerd foi salvo pela professora Cooper.
— Então quer dizer que ela te chamou para fazer o trabalho depois de
falar tudo isso? — Camden me encarava descrente, até eu ficaria, para falar
a verdade. — Sabe o que me assusta?
De alguma forma eu sabia que tinha sido uma péssima ideia
conversar com ele no momento em que um sorriso brincalhão.
— Você realmente não beijou ninguém? Porque agora eu estou
preocupado com você.
— Sério, Camden? Sério mesmo?
— Lebbie, você é mais velho que a Emma, e eu já a vi beijando em
muitas bocas. No mínimo você deveria já ter beijado na boca. — Ele
gargalhou, colocando as mãos atrás da cabeça ao mesmo tempo que se
esparramava mais na cama. — Será que eu já beijei mais pessoas que você?
Se bem que ela disse que vai resolver esse problema…
— Eu já beijei algumas pessoas — interrompi-o, encostando a cabeça
na mesa à minha frente. — A conversa nem é sobre isso. É que eu não sei o
que devo fazer. Depois dela ter falado que me beijaria, travei e permaneci
assim até o final da aula. Ela é uma das meninas mais gatas da faculdade e
todos sabem disso. Eu sei disso — grunhi contra a madeira. — E caramba,
eu não sei reagir.
— Você é mais nerd do que eu pensava. Como eu vou me espelhar
em você se não consegue falar com uma menina? Devo me espelhar na
Emma, então? — Sua risada ganhou vida no quarto mais uma vez.
— Camden!
— Desculpa, mas se ela te chamou para ir ajudar ela na biblioteca,
você vai para lá ser o monitor dela.
— Só isso? — Ergui o rosto para olhá-lo. — Você quer que eu finja
que ela não falou nada disso e só a ajude?
— Você quer mais o quê? Eu faria isso… Iria até a tal da biblioteca e
pegava ela no final. — Camden levantou os polegares fazendo um joinha,
como se fosse a coisa mais óbvia a se fazer.
Será que ele realmente já tinha beijado mais pessoas do que eu?
Decerto eu não deveria estar pegando dicas ou conselhos com um
garoto de quatorze anos, entretanto minhas opções estavam escassas no
momento. James não foi para o treino, minha irmã não atendia meus
telefonemas e bom, só sobrou meu irmão caçula para dar seus pitacos e me
deixar mais assustado do que já estava.
Camden beijou mais pessoas do que eu.
Isso ainda me chocava e me deixava mais apreensivo.
— Você já ficou com quantas garotas?
O moleque riu, saltando da cama.
— Assunto muito particular, Lebbie.
— Podemos falar da minha vida, mas da sua não?
— Você que veio para casa com essa cara de assustado querendo
desabafar. — Camden deu de ombros, caminhando até a porta. — Eu
normalmente pergunto essas coisas para Emma, mas entendo o seu
desespero em procurar seu irmão mais novo para conselhos.
— Na próxima eu pergunto para ela.
— Eu acho que ela diria para você ir lá e mostrar o que um Turner
pode fazer.
A careta que ele fez após essa frase me fez gargalhar.
Digamos que tenha ficado naquele quarto cogitando não ir durante
alguns minutos. Meu medo não era de me encontrar com Paige – eu
descobri com aquela aula que gostava de estar em sua companhia –,
entretanto não estava disposto a parecer um idiota mais uma vez. Ela já
estava acostumada com atenção, assuntos aleatórios com caras idiotas como
o que abordou ela no laboratório, mas eu não era assim.
Não menti quando disse que me achava um clichê ambulante, que
não conseguia abrir a boca quando ela me encarava daquela forma que
parecia pronta para me beijar. Paige sabia o que estava fazendo e não me
poupava esse constrangimento.
No instante em que coloquei meus pés na biblioteca grande e
antiquada da UCLO, procurei pela pessoa que não combinava com aquele
espaço. Por todo o caminho de casa até estar de volta ao campus, com
minhas mãos grudadas no volante velho da minha caminhonete, ensaiei
conversas que poderíamos ter, situações que seriam capazes de acontecer se
Paige ficasse no controle das conversas.
Minha mente foi capaz de projetar os piores cenários possíveis e por
mais que eu tentasse controlar as coisas, Paige sempre ganhava. Meu
cérebro era incapaz de me tornar vitorioso seja qual fosse a situação. E por
isso, quase virei a caminhonete na primeira esquina e voltei para o lugar
mais seguro que teria naquele momento.
Eu iria fugir mais uma vez.
Eu não podia fugir mais uma vez, foi o que uma vozinha na minha
cabeça me disse e que me fez continuar a fazer o caminho e chegar onde
estava. A minha surpresa foi perceber que qualquer que fosse a incerteza
que senti antes, assim que meus olhos encontraram a menina de cabelos cor
de mel, tudo diluiu.
Paige estava sentada perto de uma das grandes janelas que faziam
boa parte da iluminação naquela área da biblioteca. Da mesma forma que os
prédios da UCLO seguiam por uma versão de manter as tradições
estampadas não só em suas paredes, mas como em toda a sua estrutura, ali
na biblioteca não era muito diferente. Diziam que aquele foi um dos
primeiros blocos a serem construídos e reformados para se tornar a casa de
uma gama de livros antigos e novos que preenchiam as estantes –
exemplares raros, livros que nem serviam mais como fonte de pesquisa,
apesar de carregar uma história.
Com uma mesa com alguns exemplares de livros e um computador à
sua frente, a jogadora estava diferente de todas as outras vezes que já tinha
a visto. Curiosa. Focada. Movimentando seus olhos com uma rapidez
impressionante sobre a tela, ao mesmo tempo que brincava com um lápis
entre seus dedos. Era fácil afirmar que Paige ficava ainda mais bonita
concentrada, com as sobrancelhas grossas e um pouco mais escura que o
cabelo, franzidas; um sorriso pequeno a cada vez que se assemelha a uma
nova descoberta; o jeito como o lápis roda pelos seus dedos de forma
atraente.
Cheguei ao nível de achar um movimento de lápis algo atraente.
— Turner! — Exclamou assim que levantou os olhos e me percebeu
naquele ambiente.
Alguns olhares tortos foram lançados na direção dela, mas Paige não
pareceu se importar, abrindo um sorriso enorme em minha direção. Com
aquele sorriso perfeito, lábios grossos e pintados em um tom de rosa; os
dentes perfeitos e simétricos e a leve covinha que se formava na comissura
do lábio direito; eu não tinha mais dúvidas de que deveria estar ali.
Fato que eu descobri enquanto andava em sua direção: não existia
vontade de fugir quando Paige sorria.
— Você demorou, achei que não viria. — Paige bateu na cadeira ao
seu lado. — Senta aqui porque já peguei algumas coisas para gente
começar.
Focada no trabalho e não em saber se eu beijei, isso é bom.
— Eu tive que ajudar o meu irmão com uma… atividade. — Sentei
ao seu lado, colocando minha bolsa em cima da mesa.
— Seu irmão tem quantos anos?
Paige começou uma pequena arrumação pela mesa, colocando os
livros juntos em uma pilha, puxando o computador mais para o seu lado da
mesa, dando-me espaço para me acomodar.
— Eu queria ter irmãos, mas meus pais nunca quiseram ter mais
filhos porque a minha mãe dizia que ela enlouqueceria se nascesse outra
Paige.
De modo natural, Paige realocou todas as coisas sobre a mesa e
lateralizou o corpo na minha direção, olhando-me atentamente.
— Eu não sei se eu gostei de ser filha única.
— Eu acho que eu iria enlouquecer se fosse filho único.
Todas as melhores memórias de infância que tinha eram com os meus
irmãos. Emma e eu praticamente crescemos juntos, já que minha mãe ficou
grávida meses depois do meu nascimento. Por mais que meu pai
conseguisse pegar no meu pé por tudo, ela também acabava sendo cobrada
por algumas coisas, principalmente o fato de não seguir os padrões de
gostar de atividades ditas como femininas. Portanto, uma infância sem ela
teria sido difícil. Da mesma forma que não veria a minha vida sem Camden
e suas gracinhas.
— Seu pai me pareceu bem rígido, ou é só como treinador?
Mordi o lábio inferior, olhando para a tela do seu computador.
— Você está pesquisando sobre Lúpus?
— Só para fazer uma introdução para o trabalho. — Ela olhou para a
tela do computador por alguns instantes, em completo silêncio, até voltar
sua atenção para mim. — Minha mãe teve Lúpus e sei mais do que deveria
sobre a doença, mas eu queria fazer uma introdução mais completa sobre o
assunto. A senhora Cooper encheu o projeto de exigências.
Balancei a cabeça em afirmativa, buscando na minha memória se eu
sabia algo sobre a doença.
— Qual foi a sua ideia para o trabalho?
— Você tem algum problema para falar sobre o seu pai?
Perguntamos juntos.
Como sempre, Mallory apenas achou graça da situação, soltando uma
risada baixinha e contida, já eu fiquei com vergonha. Manter o assunto no
trabalho me dava a segurança de que as coisas não iriam sair de controle,
ainda mais quando o assunto puxado pela mesma envolvia meu pai e todas
as questões que eu poderia acabar falando com alguém que não passava de
uma desconhecida até aquele momento.
— Não quero parecer invasiva, só gostaria de te conhecer mais.
— Mas isso — apontei para ela e depois para mim — não deveria ser
sobre o seu trabalho e a nota que você quer tirar para voltar a jogar?
Paige ganhou um tom rosado nas bochechas, desviando os olhos para
a tela do computador.
— Você está certo. — Seu tom soou mais desapontado do que eu
gostaria de admitir para mim mesmo.
Aquela era uma versão que eu também não conhecia e não queria vê-
la novamente. Eu tinha problemas com desapontar as pessoas à minha volta,
e, naquele momento, parecia que eu tinha acabado de desapontá-la por
algum motivo.
— Minha relação com o meu pai não é das melhores. — Suspirei,
abrindo aquela caixa que só costumava compartilhar com pessoas que já
estavam na minha vida a tempo o suficiente para conhecer aquele lado. —
Eu tenho dois irmãos, mas só o Camden mora com a gente. A minha irmã
estuda na UCF e temos praticamente a mesma idade, sou um ano mais
velho.
— Sua mãe foi safadinha e não respeitou o resguardo? — Paige me
encarou, voltando com aquele sorriso que gostei de ver em todas as vezes
que tive oportunidade.
— Aparentemente sim, mas isso foi bom, porque eu e minha irmã
dividimos a carga que é viver com o meu pai. Só que agora ela fica mais
tempo em Foster, então perdi esse apoio.
Paige balançou a cabeça, mas foi a feição estranha que fez que
acabou me fazendo rir.
— Ai, desculpa, mas é que existe essa rivalidade com a faculdade
Foster.
Imagine se ela soubesse que minha irmã joga contra o time dela,
porém essa informação vou deixar para um outro momento.
— Eu sei, apesar de não ligar muito para isso…
Fomos interrompidos por uma menina que estava sentada na mesa da
frente, que virou todo o corpo e nos encarou com um olhar raivoso. Paige se
encolheu para mais perto de mim, rindo com o rosto escondido no meu
braço. Suas atitudes eram tão naturais quanto suas perguntas, me pegando
totalmente desprevenido.
— Acho que precisamos focar um pouquinho no trabalho — ela
sussurrou perto do meu braço.
Não existia nada demais naquele contato, só que meu corpo
respondia estranhamente quando o assunto era Paige Mallory. Da mesma
forma que aconteceu no laboratório, eu precisei me afastar para controlar
todos os hormônios que correram e bombearam o meu sangue para áreas
mais baixas. Eu tentei fazer isso da forma mais casual possível no
laboratório, não sendo muito possível de repetir ali, com o seu rosto tão
perto do meu braço como estava. Contudo, era difícil controlar o arrepio
que se alastrou do meu braço ao pescoço, ou o fato de ter percebido que
seus cabelos cheiravam a algo floral, e tantos outros detalhes que só faziam
que aquele sangue fosse cada vez mais rápido para uma área que não
deveria.
— Me fala sobre o trabalho, Paige.
Alinhei meu corpo na cadeira e levei minha mente a projetar
acidentes de carro com vítimas fatais, o vizinho da frente que coça as bolas
todas as vezes que está sentado na sua varanda, bem como a longa lista de
doenças venéreas que já vi e pesquisei para trabalhos.
A jogadora não tocou mais nos assuntos que estávamos comentando,
focada em organizar toda a sua ideia de trabalho. A senhora Cooper não
facilitou os temas e exigências que passou para ela, deixando claro que ela
favorecia a vida de quem ela queria ajudar. Normalmente os trabalhos que
eu ajudava a corrigir eram mais simples do que aquele, tendo como base
pesquisas tiradas diretamente de sites de simples e sem qualquer relevância
científica, assim como temas que nem sempre tinham qualquer relação com
a matéria.
Apesar disso, para Paige, ela pediu que organizasse uma linha de
pesquisa pela qual trabalharia no futuro. Poderia ser algo difícil para
alguém que não tinha certeza do que queria, mas a jogadora me mostrou o
contrário. Mallory sabia os motivos pelos quais queria seguir por aquela
linha, com pesquisas profundas e possíveis resoluções para alguns
problemas, e como já deveria ter pensado nisso enquanto sua mãe passava
horas em hospitais por conta da sua doença autoimune.
Fiquei fascinado, preciso admitir.
— Como você não tirou notas boas se sabe tanto sobre a matéria? —
A pergunta escapou quando Paige deixou claro seu conhecimento.
— O time me consome.
Foi a resposta mais vaga que já tinha recebido da sua parte.
— Se olhasse para você, jamais diria que joga futebol. — Mais uma
informação que escapou, me deixando sem graça logo depois.
— Por quê? — Paige soltou a caneta que estava em sua mão, virando
todo o seu corpo até estar de frente para mim.
Meus olhos caíram na armadilha que parecia ser o negócio brilhante
que passou em seus lábios, chamando a minha atenção para o rosa e as
partículas de brilho que parecia ter.
— Sou muito bonita para jogar?
— Sim! — Saiu mais uma vez, fazendo-me arregalar os olhos.
— Meu Deus, nerd!
Ela gargalhou.
— Não… É…
Como que conserta isso sem parecer um completo idiota?
— Não, você disse que pessoas bonitas não podem jogar futebol.
Ela parecia se divertir.
— Não foi… Não foi isso que eu falei.
— Claro que foi. Como eu sou bonita, eu não posso jogar futebol. —
Sua risada se tornou cada vez mais histérica.
— Paige… Não… Calma… É que…
— Nerd, será que isso é machista da sua parte? — O olhar brincalhão
entregou o que ela estava tentando fazer. — Claro que isso foi machista.
— Eu não sou machista a esse ponto.
Mais uma resposta péssima, mais uma risada de Paige.
— A esse ponto? Em qual ponto estamos falando?
— Os senhores perceberam que estão em uma biblioteca? — A
responsável pelo ambiente se aproximou que nem fui capaz de ver, apenas
focado em como eu estava parecendo um idiota a cada frase que saia da
minha boca.
— Desculpa, é que ele falou uma atrocidade sendo totalmente
machista — a simplicidade que ela jogou essa informação me deixou ainda
mais constrangido —, mas prometo que ficaremos em silêncio a partir de
agora. Até porque — ela me olhou rapidamente — eu não quero me sentir
ofendida por ser bonita demais para jogar, mesmo isso soando como um
elogio em alguma parte.
— Meu Deus, Paige!
— Só façam silêncio, por favor, ou terão que sair por estar
atrapalhando quem realmente quer estudar e fazer suas pesquisas.
Era isso, ela me achava um idiota e eu tinha dado munição o
suficiente para isso.

— Eu queria ficar mais tempo aqui, mas preciso ir até a cidade. —


Paige olhou para o celular e depois para mim. — Vou ter que andar até…
— Se você quiser… — Estalei meu polegar. — Eu posso te dar uma
carona até onde estiver indo.
— E você falar mais alguma besteira que vai me fazer te odiar no
futuro? Acho melhor não.
— Eu já me desculpei.
Ela riu, se aproximando como já havia feito algumas vezes naquela
hora que ficamos ali sentados, tendo a única diferença de que agora ela
estava olhando para minha boca, assim como fez no laboratório.
— Você tem sorte de eu te achar muito fofo, se não seria incapaz de
te perdoar.
Pensa em uma boa resposta, Caleb. Pensa!
— Eu acho que você me perdoou porque eu vou te ajudar no seu
trabalho.
Seus olhos encontraram os meus, me agraciando com aquela íris de
cor tão diferente.
— Talvez eu tenha te perdoado porque sei que sem esse acordo, você
nunca vai perder o seu BV, nerd.
— O que é BV?
— Boca virgem, alguém que nunca beijou. — Seus olhos caíram na
minha boca e voltaram para os meus olhos, umedecendo os próprios lábios.
E como em um espelho, fiz o mesmo, molhando os meus. — A definição do
que você é… BV.
— E quem disse que sou?
Por mais que aquela resposta tenha fugido da minha boca como as
outras, não foi algo ruim. Paige abriu um grande sorriso, aproximou-se mais
alguns centímetros e negou com a cabeça, levantando-se de forma
apressada.
— Você não negou quando deveria, então me faz acreditar que é.
Mas vamos fazer o seguinte. — Ela pegou o meu bloco de anotações e a
caneta que estava sobre ele. — Vou anotar o meu número e iremos para a
festa que aquele idiota me chamou. O lado bom é que você será visto
comigo, as pessoas vão acreditar que pode estar acontecendo algo e será
mais fácil de fazer a menina que você quiser pegar, aceitar isso.
— Vão aceitar ficar comigo só porque fiquei com você?
Paige afirmou com a cabeça, rabiscando algo no bloco.
Aquilo deveria fazer algum sentido?
— E claro, eu quero ver quem é essa pessoa que você quer pegar para
gente começar a agilizar a sua parte do acordo.
Eu não podia dizer que queria a minha borboleta, não para Paige.
— Acho que eu posso te ajudar sem precisar da parte do…
— Nada disso, nossa proposta foi perfeita. — Ela juntou suas coisas
em uma rapidez impressionante. — Você me ajuda com a nota e eu te ajudo
com uma garota qualquer.
— Mas Paige…
— Sem essa coisa de “mas, Paige”. — Mallory fez aspas com as
mãos, se aproximando novamente.
Seus cabelos caíram para frente, virando quase uma cortina no meu
rosto. As mesmas íris de cores diferentes me sugaram para aquele olhar, da
mesma forma que seu cheiro me embalou por completo. Paige abriu um
sorriso tímido, olhou para a minha boca e para os olhos, como se esperasse
alguma atitude da minha parte.
Eu estava congelado.
Ela deveria saber que ela tinha aquele tipo de efeito em homens como
eu, porque seu sorriso se alargou e em um movimento rápido, seus lábios
tocaram a minha bochecha. Foi como receber um choque na pele, uma
sensação que se alastrou pela minha mandíbula, queimou meu pescoço e
correu pelo corpo como uma corrente elétrica.
— Me manda uma mensagem para fecharmos mais alguns detalhes.
E foi assim que Paige Mallory conseguiu me deixar congelado e
duro, no meio da biblioteca.
Existiam duas coisas que me deixavam completamente felizes:
dançar e jogar.
Dançar não era mais uma coisa que eu fazia sempre porque,
quando mais nova, foi algo que precisei abrir mão para conseguir ir em
consultas e sempre estar disponível para ajudar a minha mãe. A dança por
muitos anos foi um refúgio, algo que eu só fazia quando estava triste e
pronta para descarregar toda a energia em passos desconectados, saltos
dramáticos e toda a carga emocional que conseguia colocar dentro da
melodia.
Era uma espécie de terapia silenciosa, onde só existia eu, meus
sentimentos e a música de fundo.
Logo depois disso veio o futebol, como uma maneira de
conseguir mais facilmente uma bolsa para uma boa universidade. Minha
mãe já tinha passado pelas maiores crises de dor, estava testando
medicamentos que, por mais que não existisse uma cura, ajudavam-na a
controlar suas crises de dor intensa. As coisas pareciam estar melhores,
apesar de não ser uma completa verdade, e eu estava pronta para me dedicar
a algo que me consumisse tanto ou mais que dança.
Ficar todos esses dias sem poder treinar tinha me enlouquecido de
todas as formas, pois para mim o futebol servia como outra válvula de
escape. Como se meu corpo selecionasse o que cada atividade podia fazer
por mim. Diferente da dança, o futebol era essencial para controlar minha
ansiedade, mover meu lado mais competitivo e para me cansar. Não
precisava estar triste, não precisava de um sentimento cru com a raiva para
me mover, era apenas eu, meu time e a saga de correr atrás de uma bola.
Decerto era até complicado de explicar como funcionava para
mim, mas o futebol me veio em um momento que tudo o que eu pensava
era no futuro e como chegaria nele. Queria orgulhar a minha mãe que não
conseguia mais acompanhar todos os meus passos; queria facilitar a vida do
meu pai quando conseguisse uma boa bolsa de estudos; queria essa vitória
para mim mesma e me mostrar que eu era capaz de entrar em mais uma
coisa e conseguir vencer.
Eram perspectivas diferentes de esportes diferentes.
A dança era meu lado mais visceral, o futebol era meu lado mais
racional.
Sem ele eu estava andando uma pilha de nervos, pensando demais
em um certo alguém que não podia, focada em um trabalho que estava
fazendo com que eu revivesse todos os momentos e descobertas que passei
com a minha mãe. Caleb nem imaginava, mas na biblioteca eu só queria
fugir de alguns sentimentos que me surgiram enquanto eu lia algumas
coisas antes dele chegar.
Vê-lo na biblioteca, meio tímido e andando na minha direção, foi
como ver uma esperança ou algo similar a isso.
Ele não soube mais foi como uma lembrança fixa de que tudo ficou
bem, apesar dos acontecimentos.
— Você parecia meio maluca hoje no treino. — Alisson riu, jogando
água não só na sua boca, mas como em todo o seu rosto.
— Eu precisava disso ou iria surtar de vez. — Puxei o ar pelo nariz,
deitando na grama ao mesmo tempo que fechava os meus olhos para curtir a
sensação de relaxamento que estava correndo pelas minhas veias. — A
treinadora não queria deixar que eu participasse, mas como a Kimberly não
veio, ela decidiu que seria legal ter mais alguém para o time não ficar
desfalcado.
Eu estava indo para todos os treinos, mesmo que não houvesse
necessidade ou pudesse jogar.
— É, eu percebi isso. — Ouvi seu movimento até ter certeza de que
seu corpo estava sentado ao lado do meu. — Acho que a treinadora vai tirar
ela do time.
— Ela prefere cantar, futebol nunca foi muito a praia dela. — Inspirei
fundo. — Kim só me acompanhava nessa ideia porque nas horas de raiva,
ela gostava de correr e chutar coisas.
Alisson riu, apoiando a mão na minha coxa.
— Eu sempre achei legal o modo que vocês são tão diferentes e
mesmo assim amigas.
— Nós somos todas diferentes, docinho. — Abri apenas um olho,
encontrando-a olhando para mim. — Acho que por isso somos tão amigas
umas das outras.
— Verdade. E a Miley? Qual foi a desculpa?
— Saiu correndo para uma nova aula que ela está super empolgada.
— Deve estar empolgada com o professor.
— Provavelmente.
Gargalhamos.
Eram coisas simples como aquelas que me faziam feliz e realizada.
Tinha jogado e liberado todo o estresse e ansiedade que estava
sentindo nos últimos dias, conversei as coisas mais banais com as meninas
do time e por fim, voltaria para a casa com todos os meus músculos doendo
e a sensação de relaxamento que isso me trazia.
Eu não tinha qualquer previsão de quando iria jogar e por isso a
treinadora estava tão focada em arranjar soluções para os primeiros jogos
que aconteceriam dentro de semanas. Até lá eu ia treinar como todas as
outras e pedir ao universo que a faculdade me liberasse para voltar às
atividades normalmente.
— Então ele já começou a te ajudar?
— Já, e hoje estou tentando arrastá-lo para uma festa.
Alisson e eu estávamos saindo do vestiário enquanto íamos
atualizando nossas vidas. Ela tinha saído com umas jogadoras para um bar
em Foster, a mesma cidade onde a irmã do Caleb morava. Contou todas as
barbaridades que fez por lá, desde pegar a namorada de alguém como uma
aposta que não quis entrar em detalhes. Já eu, tentei camuflar todos os meus
sentimentos quanto a esse trabalho e o fato de estar mais próxima do Caleb.
— Por que você quer arrastar ele para uma festa?
— Porque para ele me ajudar, eu propus uma coisa.
Alisson olhou dentro dos meus olhos, até abrir um sorriso sacana que
só ela conseguia fazer.
— O que você propôs?
— Uma proposta…
Parei de falar assim que encontramos com o bendito e o seu amigo
inseparável andando no caminho oposto ao que estávamos fazendo. Caleb
sorriu tímido, sem parecer que estava pronto para parar e ser simpático. Por
minha vez, fiz o mesmo que ele, devolvendo seu sorriso com algo muito
maior, um sorriso de tirar cuecas, acompanhado de um aceno de cabeça e
uma jogada de cabelo molhado.
Não tinha o mesmo efeito que o cabelo seco, porém iria servir para
tirá-lo do sério, visto que eu sabia o efeito que causava nele e nas suas
bochechas que amavam ficar vermelhas perto de mim.
— Olha se não é Paige Mallory! — O seu amigo fez o que ele não
queria, parando de andar.
Alisson me olhou rapidamente, jogando seu braço por cima do meu
ombro como qualquer cara faria com a sua garota.
— Quem é esse? — sussurrou no meu ouvido.
— Oi, Paige. — Caleb fez o de sempre, ficando no tom que eu
gostava de ver em seu rosto. Seus olhos correram por mim rapidamente, só
que não vacilaram como de costume.
Ele quis que eu reparasse que ele olhou? Nunca saberei.
— Ali, esse é o Caleb e o amigo dele — apresentei-os antes de
qualquer coisa. — Oi, nerd.
— Estávamos falando de você, Mallory.
O amigo de Caleb era extremamente diferente dele.
Era um típico jogador, corpo largo e atlético, alto e com a pele
amarronzada. Não existia a mesma timidez que via em Caleb, muito pelo
contrário, seu amigo era atirado, tinha sempre uma resposta na língua e
talvez fosse por isso que eu o achava tão desnecessário.
— Falando sobre o quê? — Alisson puxou meu corpo para mais
perto do dela, só faltando fazer xixi em cima da minha cabeça. — Como é o
seu nome mesmo?
— James. — Ele abriu um grande sorriso. — Meu amigo aqui
comentou que você chamou ele para uma festa e eu estou animado em ver
Caleb Turner participando da sua primeira festa universitária.
— Mas eu já tinha dito que talvez…
— Claro que você vai. — Alisson interrompeu o nerd, inclinando-se
para bater no peito dele, que nada entendeu — Vai ser muito bom você ir
para a festa e seguir o combinado de vocês. Quero que ela tire uma nota
incrível e volte a jogar.
— Alisson! — repreendi-a.
Caleb correu seus olhos de Alisson para mim, olhando seu amigo por
último.
— Eu vou pensar se irei.
Ele estava desconfortável. Eu podia sentir na forma como me olhou,
como estalou um dos dedos da mão direita e como olhou para o seu amigo
ao final de tudo.
Como julgar?
Era possível que ele estivesse pensando que contei tudo para ela, o
que jamais faria.
Ou pior, que eu tinha feito isso em tom pejorativo.
— Vamos, James? — falou firme, olhos voltados para o chão.
— Caleb… — chamei-o, mas não recebi a sua atenção.
— Você não tem escolha, querido. — Alisson deu aquele mesmo
tapinha, voltando a sua posição inicial. — Você precisa levar esse cara para
a festa, James.
— Pode deixar comigo. — James piscou com um único olho,
jogando todo o seu charme para cima de Alisson. — Agora precisamos ir
porque estamos atrasados para o treino.
— Até mais tarde, meninos.
— Eu te mando uma mensagem, Caleb. — Foi a minha tentativa de
me explicar, mas ele nem olhou para mim enquanto saía andando.
Você nem tem o número dele, meu cérebro me lembro.
James deu mais uma das suas piscadelas ao passar por nós, logo atrás
de Caleb.
Dei uma olhada séria para Alisson, apesar de não ter me dado o
trabalho de falar sobre o assunto. Não entendi muito bem a sua atitude
babaca, mas sabia que ela ficava maluca quando o assunto era futebol e
todo o time. Diferente das meninas, aquele era o plano dela e nada mais. Ela
não veio estudar na UCLO pelo curso que queria fazer, ou pela faculdade
ter um bom programa de ensino. Alisson veio para a faculdade porque sabia
que a maioria das jogadoras de times profissionais saiam do nosso campus.
Entretanto, isso não anulava o fato de ela ter sido babaca com o
Caleb e como aquilo me incomodou. Tudo bem, o que mais me incomodou
foi o fato de ele ter entendido como quis e a cara que ficou após isso. Será
que ele achava que eu iria expor ele de alguma forma? Ou que ele servia de
piada para mim e as minhas amigas?
— Eu não aguento quando você fecha a cara e não fala o que está
pensando. — Monroe me encarou séria, parando de andar já na entrada do
prédio que passávamos para ir para casa.
— Você foi babaca com ele — murmurei.
— E desde quando você liga quando sou babaca com as pessoas? Só
queria deixar claro que ele deveria ir e fazer parte do acordo de vocês. Era
tipo uma forma de não fazer ele desistir e te deixar na mão, sabe?
— Uau.
Soltei uma lufada de ar antes de rir.
— Você acha que ele entendeu errado?
— Não é óbvio? — A encarei, cruzando os braços na frente do peito.
— Agora ele vai ficar pensando que eu fico debochando dele, ou que tenha
contato sobre o nosso acordo, ou que…
— Ih, alguém está surtando! — Alisson pegou na minha mão,
puxando-me para voltar a andar com ela. — Deixa de loucura que ele não
vai pensar nada, e se pensar, você explica para ele como sou chata com o
time e quero que tudo ocorra perfeitamente.
— Você não entende…
— Entendo que você parece que está gostando desse nerd.
Eu? Gostando?
— Jamais! Eu pego todo mundo. — Gargalhei. — Sou incapaz de
gostar de alguém.
É só uma fixação. É isso.
— Não sei não, mas toda essa história parece ter muito mais do que
você tem contado para a gente.
Quase não ouvi o que ela falou, pois minha mente só repetia a parte
de estar gostando dele verdadeiramente.
Isso não era possível. Ou era? Tem como gostar de alguém que você
nunca teve nada?
Não toquei sobre aquele assunto com James pelo mesmo motivo
que não havia conversado com ele sobre a proposta e todo o acordo que
tinha feito com Paige: era ridículo.
— Cara, você precisa ir. — James estava na tela do meu celular,
em uma chamada de vídeo, tentando me convencer do que deveria fazer
naquele começo de noite.
Quando percebi para onde a amiga de Paige queria levar aquela
conversa, compreendi que não era por esse motivo que gostaria de ir para
uma festa. Fora o golpe pesado da realidade de que estávamos naquela
situação apenas para favorecer ela e o trabalho que ela facilmente
conseguiria fazer sozinha.
Eu tinha criado alguma expectativa? Possivelmente. Porém,
aquela conversa rápida do corredor foi o suficiente para fazer com que a
realidade batesse na minha porta como uma encomenda que não pedi, mas
que sabia que receberia. Uma espécie de presente surpresa do mundo, um
lembrete de que as coisas não eram como eu estava me iludindo.
— Eu sinceramente não estou nem um pouco afim de ir. — Saí do
quarto a caminho da cozinha, descendo a escada em pequenos saltos. —
Meu pai não voltou para a casa, não posso deixar o Camden sozinho e uma
festa não é o lugar que eu gostaria de passar esse começo de final de
semana.
— Resumindo: ele não quer ir, James. — Camden intrometeu-se
assim que cheguei no andar de baixo e o encontrei jogado no sofá.
— Ele não quer ir, mas não tem escolha — James falou mesmo
que não estivesse vendo Camden. — Eu vou te dar vinte minutos para estar
aqui com uma roupa decente. E lembre-se, isso é por todas as vezes que já
te ajudei com alguma mina, é a sua vez de retribuir o favor.
— Mas você nem sabe…
— Vinte minutos, nerd! — ele repetiu, encerrando a chamada.
Camden ainda tentou brincar com esse assunto de festa, mas quando
viu que não estava sequer me fazendo rir como costumava conseguir,
apenas me deixou sozinho na cozinha enquanto preparava algo para comer
e pensava se iria ou não para aquela festa. Olhei rapidamente para o celular
e vi a mesma mensagem que não cheguei a responder de um número que
não salvei, embora soubesse perfeitamente de quem era.

Como ela tinha arranjado meu número? Era uma coisa que eu iria
precisar descobrir depois.
Não era rancoroso, não tirava as minhas próprias conclusões sobre as
coisas, todavia fui pego por um sentimento estranho.
— James tinha falado vinte minutos e você demorou apenas isso para
fazer um omelete. — Camden voltou para a cozinha, puxando uma cadeira
bem na frente da que me sentei.
Ignorei como podia, separando um pedaço daquela omelete e
enchendo a minha boca enquanto meu irmão caçula não parava de me
encarar com seus dois olhos grandes e pretos como os meus. Minha mente
ficava voltando ao encontro no corredor, se eu estava exagerando de me
sentir daquela forma. Forma essa que nem sabia explicar porque era uma
espécie de sentimento novo. Rejeição? Realidade? Me sentir usado? Tudo
parecia exagerado demais para descrever, ao mesmo tempo que lembrava
ser tudo isso e muito mais.
— Lebbie, que cara é essa? — Camden insistiu.
O encarei por segundos ou uma eternidade, até finalmente puxar todo
o ar disponível na cozinha e relaxar sobre a mesa, apoiando os cotovelos
sobre a madeira antiga e riscadas do móvel.
— Acho que estou chateado com algo que nem deveria ficar.
— Não entendi, mas posso entender se você me contar o que está
rolando.
É, eu tinha chegado no fundo do poço mesmo, me abrindo com o
meu irmão de quatorze anos como se ele fosse meu psicólogo e eu estivesse
pronto para uma sessão.
Mesmo não querendo falar sobre o assunto e parecer mais patético do
que estava me sentindo, inspirei fundo, mais uma vez, e contei todos os
detalhes que pareceram importantes naquele momento. Como tudo
começou, o acordo que fizemos e o fato de eu ter uma pessoa que queria
muito me aproximar mesmo sabendo que é muito para mim.
Camden não falou uma palavra, me olhando atentamente ao mesmo
tempo em que eu contava a maior parte dos detalhes e devorava o omelete
que havia feito com nada além de queijo e umas sobras de tomate que tinha
na geladeira.
— Agora eu entendi. — Meu irmão apoiou as mãos na mesa,
inclinando seu corpo para ficar mais perto. — Você, mesmo que não tivesse
querendo isso, criou uma expectativa quanto a essa interação que você está
tendo com ela. Essa garota é bonita, inteligente, pelo que você falou, e se
interessou em saber sobre você. — Ele balançou a cabeça vagarosamente
— Você parece até meio carente contando toda essa história, mas acho que
dá pra entender o seu lado. Nunca nem beijou na boca e tem uma gata te
dando mole… É… Complicado… Não sei o que eu faria.
Perdeu a pose de terapeuta para gargalhar a plenos pulmões, me
fazendo rir junto com ele.
— Isso foi você me ajudando?
— Eu tenho quatorze anos, Lebbie, não tenho conselhos muito bons.
— Ele continuou rindo, voltando a encostar na cadeira — Eu diria para
você ir para essa festa e tentar conversar com ela. Você disse que ela te
mandou uma mensagem… Acho que ela pode estar gostando de você.
— Impossível.
— Você é bonito, Lebbie. — Camden foi tão debochado que precisou
segurar, mais uma vez, aquela onda de risada.
— Você não está entendendo.
Camden ficou sério de repente, encarando-me como um mafioso do
poderoso chefão faria, arqueando uma sobrancelha de forma que ela subisse
o suficiente para parecer que iria se perder nos fios tão escuros quanto os
meus, como minha mãe costumava fazer.
— Eu quero uma foto.
— Foto?
— É. — O pestinha sorriu, voltando a se debruçar sobre a mesa. —
Não é possível que ela seja isso tudo que você está falando. Estou
começando a achar que além de carente, você também tem baixa
autoestima.
— Vai se foder, Cam!
O garoto gargalhou, pegando o próprio celular no bolso.
— Qual é o Instagram dela?
— Sério?
Camden abaixou o celular para me encarar com aquela mesma cara
de mafioso.
— Está com medo de eu descobrir que você não é o tipo de irmão
mais velho que eu deveria me espelhar? E sim o cara que não tem
autoestima e acha uma menina de beleza mediana muito para ele mesmo?
Eu acho que essa frase seria questionada por Paige, me fazendo sorrir
ao lembrar de como ela pentelhou minha ida à biblioteca alguns dias antes.
— Aposto que pensou nela!
Camden acusou, fazendo-me saltar daquela cadeira.
— Procura por m.paige.soccer — falei sobre os ombros, deixando
meu prato na pia para fugir daquela cozinha enquanto ele analisava as fotos
de Paige e constatava a realidade de que sim, ela era linda pra caralho.
Subi os degraus de dois em dois, para chegar o mais rápido possível
no meu quarto. Os conselhos de Camden não foram tão bons, não que eu
esperasse que ele fosse mudar minha linha de pensamento e trazer algum
novo fato. Entretanto, uma lâmpada acendeu na minha mente: eu tinha uma
parte do acordo para cumprir.
Parecia desigual como as coisas funcionavam naquela proposta, mas
isso foi ideia dela e não minha. E por mais que eu não quisesse admitir para
mim mesmo que usaria disso para chegar na minha sonhada borboleta, era
o que eu tinha para aquele momentos. Não deixe as oportunidades
passarem, foi o que escutei minha vida toda do meu pai.
Pouco tinha haver com garotas, porém fazia sentido naquele
momento.
Fora que existia uma grande possibilidade de estar apenas
exagerando e surtando por pouco. Já fiz isso tantas vezes que não seria uma
novidade pensar no pior lado das possibilidades, quando Paige pode apenas
ter conversado com a sua amiga assim como eu tinha acabado de fazer com
o meu irmão caçula. E caso fosse uma versão menos pior dos eventos, eu
poderia estar perdendo de descobrir isso não indo para a festa.
— VOCÊ PRECISA IR NESSA FESTA! — Camden gritou pelo
corredor. — ESCUTOU? PRECISA!
Foi a minha vez de gargalhar ao olhá-lo e o ver com o celular virado
pra mim em uma foto de Paige de biquíni com suas amigas.
— Mesmo você sendo inexperiente com beijos e com grande
probabilidade de estragar tudo, você precisa ir nessa festa e beijar essa
garota. — Camden voltou a olhar as fotos, deslizando seus dedos pela tela.
— Eu diria que ela é demais pra você, mas isso não é algo que um bom
irmão diria para o outro. Mas acho que se você fizer tudo direito,
quantidade de língua certa, mãos respeitosas, mas não tanto… — esse
moleque está falando sério? — existe uma possibilidade de ela querer você,
lá no fundo, sabe?
Seus dedos rolavam pela tela e mesmo que estivesse me diminuindo
a cada palavra que saía da sua boca, só conseguia rir da sua reação.
— Ah, e sem essa coisa de nerd que você curte de usar. Apostaria em
algo mais casual, uma jaqueta… — Ele me encarou rápido. — Você não
tem roupa para uma festa. Liga para o James, Lebbie.
— Já chega, Cam… Sai do meu quarto.
Era impossível parar de rir.
— Eu não vou sair porque já fui para mais festas do que você e sei
que você não tem roupa para isso. Vou ligar para a Emma. — Camden
caminhou até a cama, sem sequer olhar pelo caminho. Olhos grudados na
tela do celular e mais nada. — Se a mamãe estivesse aqui, aposto que ela
concordaria comigo.
— É, mas ela não está.
Ainda que Camden tivesse insistido em ligar para todas as pessoas
que conhecia, consegui sair de casa sem ter que ouvir sobre como minhas
combinações não são tão boas. Eu já não combinaria normalmente com
qualquer festa, não fazia sentido fingir ser algo que não sou só para passar
ileso pelas pessoas.
Foi nessa sensação de não passar despercebido que cheguei nos
gramados da Phi Omega. Os caras do meu time sempre participam de festas
assim, menos eu. Apesar de não ter nada contra as festas, aquele ambiente
parecia não combinar muito comigo. A música alta, as pessoas dançando e
bebendo, o fato de não saber muito bem como conversar com as pessoas
nessas situações.
Era básico, nada fazia sentido para mim.
Talvez fosse por isso que alguns dos caras que jogavam no mesmo
time que eu, que encontrei pelo caminho, me olharam como se um ser
místico estivesse andando pelo campus. Cheguei até a olhar minha calça
jeans clara e a camisa branca que estava usando, para saber se algo tinha
acontecido enquanto vinha dirigindo na minha caminhonete. Porém nada de
errado tinha ocorrido, era só eu.
Eu era o ser místico.
Ignorei aquela sensação de não pertencer ao lugar, ao mesmo tempo
que tirava o celular do bolso da jaqueta para ver onde James estava.
Combinei que o encontraria na festa, se bem que sendo convidado por outra
pessoa, eu deveria procurá-la primeiro do que o meu melhor amigo.
Nada desta noite parecia estar seguindo qualquer sentido.
As casas de fraternidade não eram muito diferentes do que já havia
escutado James me contar – a mesma quantidade estranha de pessoas
espalhadas em torno da casa antiga, os mesmos barris de bebidas, a mesma
quantidade de mulheres vestidas com o mínimo de roupa possível.
— O filho do treinador está na área? — Chase, o goleiro reserva do
time, se jogou em cima de mim, mais bêbado do que já vi alguém estar. —
Eu devo estar bêbado pra caralho.
— Cadê o James?
Chase só conseguiu apontar em direção a casa antes de se jogar em
um dos canteiros e vomitar.
Eu deveria ir embora, foi o primeiro pensamento que me ocorreu
quando aquele cheiro azedo e alcoólico subiu como a brisa do vento. Eu
não bebia, não curtia e não fazia aquele tipo de coisa. Sempre achei que
fosse por não combinar ou não gostar de ambientes como aquele, mas foi
fácil ouvir a voz do meu pai ecoando na minha cabeça dizendo que estava
errado, que não deveria estar ali.
O treinador Turner dizia que todo um futuro poderia ser perdido com
noites como aquela. O álcool não diminui apenas o rendimento do dia
seguinte, mas podia servir de combustível para um acidente ou algo
parecido; as mulheres tiravam o foco em festas e em qualquer outro lugar,
sendo incapaz de manter as duas coisas com excelência, pois a cabeça de
baixo pensa muito mais alto que acima; amigos como Chase também não
eram uma boa influência, e a lista facilmente seguiria por regras que nem
ele mesmo seguiu quando jovem.
Ele gostava de ditar regras por já ter tido a oportunidade de viver
exatamente as coisas que falava para eu não fazer.
Eu tinha que viver aquelas coisas para saber se eu gostava ou não.
— Você vai ficar bem, cara? — Abaixei onde Chase tinha se jogado.
— Cara… Não conta para o seu… — E mais uma onda de vômito e
aquele cheiro de azedo forte.
Neguei com a cabeça, deixando-o onde estava. Eu precisava
encontrar James e assim poderia ajudar Chase a sair daquela situação.
A única certeza que eu tinha era que não queria beber naquele nível.
— Puta merda.
Escapou como tantos pensamentos que eu não conseguia controlar
quando estava perto dela. Quando passei pela porta da fraternidade, fui
golpeado pelas luzes neons vibrantes, ao que parecia uma espécie de
fumaça que deixava o ambiente meio embaçado, uma música alta, e ainda
assim meus olhos conseguiram achar ela rapidamente.
Nada a apagava.
Paige Mallory estava próxima a um grupo de meninas, rindo e
balançando-se ao ritmo da música com batidas constantes. Meus olhos
correram pelo seu corpo, as pernas torneadas, a bunda arrebitada em uma
saia preta. A cada toque constante da música, Mallory fazia questão de
balançar seu quadril ao mesmo ritmo, chamando não apenas a minha
atenção, mas de qualquer outro cara que estava ali naquela casa.
Contudo, tudo virou um vácuo completo no instante em que Paige
seguiu o que uma das meninas falava no ouvido dela, virando-se para olhar
exatamente na minha direção. Todas as pessoas que antes estavam ali,
bebendo, dançando, curtindo da sua maneira, sumiram. Seu sorriso
iluminou o ambiente de uma forma que nada mais existia, apenas ela.
Paige caminhou – ou flutuou – pelas pessoas, aumentando seu sorriso
a cada vez que ficava mais próxima. Soava clichê, mas eu conseguia sentir
minha mandíbula doer de tanto que estava sorrindo como ela. Eu não sabia
como ela conseguia, como ela fazia aquele efeito e muito menos como ela
conseguia fazer com que aquela alegria florescesse no meu coração de
forma tão distinta a qualquer coisa que já senti.
— Nerd!
Seus lábios se moveram brilhantes e logo senti o golpe do seu corpo
colidindo contra o meu. Por algum motivo, meu corpo reagiu de forma
involuntária, abraçando Paige com a mesma alegria em que ela retribuiu
aquele ato. Era como estar dentro de um sonho fantasioso, onde eu estava
criando uma história que jamais aconteceria de tão perfeita e real.
— Estou tão feliz que você tenha vindo, Caleb — sussurrou no meu
ouvido.
Por cima dos seus ombros percebi que não era um sonho. Paige
Mallory estava me abraçando na frente de toda aquela festa e todos os olhos
estavam em nós dois. Eu me assustaria em outro momento, recuaria e me
afastaria, sairia daquela casa com a mesma velocidade que entrei,
entretanto, eu estava disposto a passar por isso se fosse para tê-la nos meus
braços como no dia do rinque.
Eu não admitiria isso em voz alta por saber que soaria patético, mas
seu corpo pequeno parecia perfeito para estar nos meus braços.
Quando eu tinha me tornado a pessoa que espera um cara aceitar me
atender? Era uma pergunta que eu gostaria de saber.
Eu fiz um plano, consegui fazer tudo caminhar perfeitamente – talvez
não tão perfeito assim –, fiz um cara aceitar a minha proposta absurda de
ele pegar outra garota, e agora estava esperando sua boa vontade em
responder uma mísera mensagem. Se ele soubesse o que foi preciso fazer
para arranjar esse número, com certeza me atenderia. O pior era que ainda
estava ansiosa por isso, nervosa por ele não mandar nem um emoji para
contar história.
O que o pessoal do campus diria se soubesse de tudo isso? Que eu
continuava sendo uma cafajeste ou que na verdade eu era uma cadelinha?
Fica mais um questionamento que gostaria de ter respostas claras.
Se eu falasse com a Paige de uns meses atrás, que namorava um dos
que era considerado a próxima estrela em ascensão, dizendo que estaria
correndo atrás de um nerd que teria o mesmo futuro do seu namorado se
não fosse tão focado em química, física e tudo o que ela também gostava,
com certeza acharia o cúmulo.
Na realidade, a Paige de meses atrás nem sabia como estava
namorando com alguém que não a incluía em nada da vida dele.
Enfim, águas passadas, porque a minha versão atual não estava
apenas correndo atrás do seu objetivo, como estava esperando que o mesmo
a respondesse.
Uma mensagem.
Nada mais.
Até isso Caleb Turner gostava de ser diferente.
— Você está uma pilha de nervos — Miley pontuou, olhando-me
atentamente. — O que está acontecendo?
— Deve ser por causa do nerd. — Alisson entrou no banheiro,
olhando no espelho em que eu já estava lutando para dividir com Miley.
— Voltamos a falar sobre isso? — O sorriso enorme que Miley abriu
mostrou que ela estava pronta para criar as teorias mais absurdas para essa
história.
— Não podíamos falar sobre isso?
— Eu nunca disse que não podia falar sobre ele. — Passei a mão
pelos cabelos recém ondulados com babyliss, abrindo os leves cachos que
Miley me ajudou a fazer. — E não estou assim por causa dele.
Quem eu queria enganar?
Por algum motivo eu tinha criado essa fixação por Caleb, sendo
intensificado com a ideia de ele nunca ter beijado alguém na vida. Parece
maluquice – era uma maluquice –, mas pensa como seria legal você ser a
primeira e única pessoa que o seu namorado já beijou. Não sei, me parece
emocionante de alguma forma.
Calma, eu pensei em ser namorada do Caleb? Que loucura é
essa?
— Vocês já pensaram em como seria ficar com um cara que
nunca ficou com alguém?
— Você diz um virgem? — Miley gargalhou.
— Eu adoro pegar meninas que nunca ficaram com mulheres, fico
com aquela sensação de estar desvirtuando a pessoa. — Alisson balançou a
sobrancelha, com um sorrisinho safado que parecia sua marca registrada.
— Então, acho que o Caleb nunca beijou ninguém.
— QUÊ?
— COMO ASSIM?
— Eu escutei certo? — Kimberly apareceu no banheiro, apenas de
calcinha e sutiã.
Aquela casa tinha banheiros o suficiente para cada uma se arrumar
tranquilamente, mas por algum motivo adorávamos nos amontoar em um
único cômodo.
— Ele não respondeu se tinha beijado alguém ou não.
— O trabalho de vocês é diferente. — Miley riu, saindo do banheiro.
— Eu facilmente poderia escrever sobre isso… Um nerd que nunca beijou
ninguém e uma pegadora, chupando ele em algum corredor obscuro de uma
faculdade.
Não seria uma má ideia.
— Que pervertida, quero mais! — Kim gargalhou, olhando-me pelo
espelho — Ahá! Olha a sua cara, Paige.
Me encarei no espelho, tentando camuflar todos os sentimentos
possíveis e imagináveis.
— Essa sua cara é de quem está pensando na ideia de realmente fazer
isso.
— Eu não… — Suspirei.
Kimberly me olhava atentamente pelo espelho, enquanto Alisson
estava perdida em algum ponto da coxa dela.
Eu não sabia mentir para ela.
Até gostaria.
— Tá, talvez eu esteja pensando em beijar ele só por uma questão de
pesquisa.
— Pesquisa? — Alisson riu alto, sendo acompanhada por Kimberly.
— Na minha época eu chamava isso de outra coisa.
— Você vai beijar esse nerd hoje e quero estar perto para usar isso
em uma história no futuro — Miley falou ao colocar a cabeça dentro do
banheiro.
— E depois você pode usar o banheiro daquela casa insalubre para
chupar ele até perder a consciência. — Minha melhor amiga de infância
sorriu lasciva, lambendo os próprios lábios.
— E depois você pode me chamar para um ménage. — Monroe
piscou, beijando minha bochecha. — Meu sonho sempre foi pegar você e se
para isso tiver que passar por um nerd fofinho, estou pronta.
Gargalhamos.
Eu amo essas meninas idiotas.
Em dado momento, depois de uma longa brincadeira de shots de tequila
com um grupo de meninas do time, encontrei o amigo de Caleb agarrado
com uma loira de peitos grandes e redondos. Assim que percebeu a minha
presença, ele abriu um grande sorriso e acenou como se fossemos melhores
amigos. Aquela foi a deixa que eu precisava para andar em sua direção,
decidida, sorrindo da mesma forma que ele.
Em minha defesa, o álcool já estava fazendo efeito, principalmente
por estar esperando uma resposta do amigo dele desde mais cedo.
— Ei, James, posso falar com você?
Olhei a loira de peitos grandes dentro dos olhos, esperando para que
a mesma saísse, o que não fez. Ela me olhou dos pés à cabeça, olhando para
James, similar a quem está pronta para criar um caso ali no meio da festa.
Eu não era desse tipo, ainda que carregasse famas que nem tinha mais
controle de quais seriam de fato.
— Gatinha, você pode pegar uma cerveja para mim? — O tom
sacana quase fez com que eu vomitasse as quatro doses de tequila que tomei
uma atrás da outra.
— Como é que é? — A loira não pareceu feliz.
— Estou com sede de tanto te beijar, delícia.
É, havia grandes possibilidades de vomitar ali mesmo.
A loira resmungou, lambendo a boca dele antes de sumir pelas
pessoas que estavam jogadas por todas as partes. Tentei imaginar Caleb
fazendo algo como o seu amigo, se esforçando para ser sexy sem ter
qualquer êxito. A mínima imagem projetada sobre isso me fez perceber que
ele jamais seria esse tipo de cara. Turner não conseguiria ser como o seu
amigo, eu tinha noventa e nove por cento de certeza.
— O que você quer? Cadê o Caleb?
Ele estava me perguntando sobre o amigo dele?
— Eu vim te perguntar a mesma coisa.
— Entendi. — Ele me olhou dos pés à cabeça, assim como a menina
que ele estava ficando fez. — Acho que você assustou ele sobre vir para a
festa.
— Oi? — Cruzei os braços na frente do peito. — O que isso quer
dizer?
— Nada. — Ele riu, negando com a cabeça. — Caleb disse que vinha
direto para cá, então acho que pode estar chegando a qualquer momento.
Assim que me encontrar com ele, digo que você está procurando por ele.
Tudo bem, foi mais fácil do que eu pensava.
— Tá! Espero não estar bêbada até lá. — Sorri, sincera.
— Espero que ele realmente venha.
Isso eu também estava esperando, porém era impossível de assumir
em voz alta.
E preciso dizer que por um momento eu achei que ele não viria,
pensei que tinha perdido a minha oportunidade de ter Caleb em uma festa.
Longe das paredes carregadas de livros da biblioteca ou das paredes brancas
do laboratório.
Ali seríamos nós sem desculpas.
Consegui até pensar na hipótese de que a sua não ida para a festa
poderia refletir na minha proposta e em como o plano aparentava estar
correndo pelo caminho que eu desejava desde o princípio.
Mas quando o vi, meu mundo parou.
Isso claramente poderia ser uma metáfora, apesar de ter sido similar
ao mundo congelando, todas as partes. A música que antes tocava alta e
fazia com que meu corpo se movesse sozinho, ficou baixa; as pessoas que
conversavam comigo e estavam à minha volta, pouco a pouco foram
sumindo; as luzes que antes estavam por toda a parte, ficaram em cima dele
– e apenas dele.
Repito, meu mundo parou.
Eu fiquei tão feliz em vê-lo que só tive uma reação: correr para os
seus braços.
Não havia muito sentido para toda a minha comoção e talvez o álcool
tivesse sido um combustível favorável para a reação exagerada que tive.
Porém, não dava para jogar a culpa apenas no álcool, porque eu sabia que
algo estava queimando dentro de mim e não era tequila. Era o carinho, a
saudade, a incerteza se ele estava com raiva de mim ou não. Sentimentos
misturados que não eram para fazer sentido, mas faziam.
Dentro daquele abraço eu tive a certeza de que por mais que aquilo
tivesse começado com uma fissura da minha parte, passar alguns momentos
com Caleb, mesmo sendo poucos, estava me tornando uma garota do ensino
médio que criava paixões avassaladoras por qualquer menino errado.
Caleb era essa minha paixão do momento.
Ele só não era o errado. Isso eu tinha certeza.
— Eu realmente pensei em não vir — ele falou perto do meu ouvido,
ainda me mantendo em seus braços.
Cheirei seu pescoço sem qualquer pudor antes de afastar meu rosto e
encará-lo.
— Para quem não vinha, você veio bem cheiroso, hein?
Ele riu, ficando todo vermelho do jeito que eu achava fofo.
— Eu vim para arranjar uma garota, lembra?
Seu comentário me fez sorrir falsamente, porque no fundo aquela
maldita tequila revirou.
— Já pode me colocar no chão, garotão. — Bati no seu ombro,
perdendo aquele brilho inicial.
A minha proposta era boa até chegar ao ponto em que não me
favorecia. Eu prometi para Caleb Turner que arranjaria qualquer menina
que ele quisesse, sendo que a realidade era que eu queria que ele me
quisesse. Que ele falasse, olhando nos meus olhos, que tudo aquilo era
sobre mim.
Sobre me querer.
Só que ele não era como todos os outros caras que só faltavam estirar
um tapete para eu passar, muito pelo contrário, Caleb me respeitava até
demais. O que só fortalecia a minha ideia de que ele não se interessava por
mim daquela forma e que, claro, eu não seria a garota pela qual ele iria
escolher para conhecer ou ficar… Ou perder a merda do BV dele. Ele vai
acabar beijando uma menina qualquer, que nem vai saber aproveitar todo o
monumento escondido por trás dessa capa de nerd que ele é.
Foda-se eles dois. É isso!
— Por que você revirou os olhos?
Ele me tirou dos meus próprios pensamentos, aproximando seu rosto
do meu.
Eu que deveria beijar essa boca idiota.
— Eu não… A música tá super alta. — Forcei meu melhor sorriso.
— Eu posso falar mais perto, se preferir. — Caleb olhou diretamente
para a minha boca.
— O… O…
Era impossível formular uma frase completa. Principalmente depois
de Caleb sorrir. Sim, sorrir. O tipo de sorriso que ele não deixava escapar
sempre. O tipo de sorriso que ele fez assim que me viu e que parecia ter se
estampado de forma permanente no seu rosto. O tipo de sorriso que eu
queria tirar uma foto e usar como proteção de tela do meu celular, porque
aquele sorriso combinava perfeitamente com ele.
Os lábios corados como as suas bochechas, os dentes brancos e não
tão grandes.
O sorriso perfeito!
— O… O que você… — Me esforcei para reformular a frase.
— Eu disse que se preferir — ele se aproximou, desviando o rosto
para falar perto da minha orelha —, eu posso falar mais perto para que você
consiga me ouvir perfeitamente.
O que está rolando com ele? Eu bebi tanto assim? Caleb Turner está
tentando ser sexy?
Puxei o ar pela boca, meio perdida com sua proximidade e a forma
em que estava falando. Normalmente aquele era o efeito que eu queria
causar nele e não o contrário.
— Você bebeu, Mallory?
— Vamos sair daqui de dentro?
Falamos ao mesmo tempo.
— Acho que vai ser bom você respirar um pouco.
Sem me deixar responder, aquele nerd buscou os meus dedos,
segurando minha mão com total firmeza. Olhei para os nossos dedos juntos,
depois para o meu redor e para as pessoas que tentavam disfarçar o que
estava acontecendo bem ali. Um pequeno show tinha sido feito e não estava
incomodada, era provável que no dia seguinte as pessoas ficassem
comentando sobre isso, ou aquela cena seria diminuída caso alguém
chegasse a causar algo maior e mais legal de ser comentado.
A única coisa que me deu vontade, no mesmo instante em que Turner
me tirava de dentro daquela casa, era beijá-lo. Marcá-lo como se fosse meu
na frente de todos porque não, eu não queria que ele beijasse outra pessoa e
perdesse esse momento com alguém que não se importava.
Se ele fosse realmente boca virgem, poderia estar esperando pra fazer
isso com alguém que se importa e eu estava pronta para isso, mesmo que
ele fosse me babar inteira, mesmo que o beijo fosse ser a coisa mais
estranha que já passei depois daquele menino da nona série.
— Caleb… — chamei-o, decidida do meu próximo passo.
Decerto eu deveria saber que a quantidade de tequila que tinha
tomado e que estava lutando para ficar no meu estômago, uma hora iria sair.
Eu só não imaginava que no momento em que Caleb Turner olhasse para
trás, parando de andar, me dando o espaço para me aproximar o suficiente
para beijá-lo, aquela maldita tequila resolveria revirar no meu estômago.
Revirar ao ponto de borbulhar.
Revirar ao ponto da boca de Caleb virar um borrão e tudo o que visse
depois fosse as escadas da Phi Omega.
Revirar ao ponto de passar a maior vergonha da minha vida.
Eu vomitei nos pés de Caleb Turner, o nerd que eu estava muito afim
de beijar.
Que porra de lugar é esse?
Essa foi a pergunta que rodou pela minha cabeça no momento em
que abri os meus olhos e percebi que não conhecia aquele lugar. Quer dizer,
não era apenas não conhecer, mas também não saber como eu tinha chegado
até aquele quadrado de paredes cinza claro e quadros com imagens em tons
pastéis.
Não sei se isso acontece com todas as pessoas, mas tem alguns
momentos na vida que o cérebro apenas resolve excluir qualquer evento e
seguir em frente, como se nada tivesse realmente acontecido.
Eu tinha quase certeza que isso explicava o fato de estar naquele
lugar e não saber ao certo como cheguei aquele cômodo. Minhas últimas
memórias envolviam uma tentativa de beijo frustrada, muitos pedidos de
desculpas e Caleb segurando meu cabelo enquanto dizia que tudo ficaria
bem e que ele iria me ajudar com o que eu precisasse. Tudo o que pode ter
acontecido depois disso foi estrategicamente apagado da minha cabeça.
Inspirei e expirei o ar algumas vezes, deixando meu corpo receber
aquele oxigênio para começar o processo de funcionar. Pisquei meus olhos
até me acostumar com a claridade e assim que tentei sentar, minha cabeça
doeu. Forte. Por toda a circunferência. Fazendo gemer baixinho e me
aninhar aos lençóis que além de macios, também eram perfumados com
algo floral e levemente cítrico.
Da forma em que estava, deitada de barriga para cima enquanto
fitava o teto, repeti os ciclos respiratórios até me sentir pronta em tentar
levantar mais uma vez. Puxei todo o ar e tentei me sentar, mesmo com a
minha cabeça pedindo socorro.
Assim que consegui me manter naquela posição, consegui uma visão
melhor do cômodo que logo percebi ser um quarto feminino. Levantei o
lençol para analisar o meu estado e dei graças a Deus por ainda estar com a
mesma roupa da noite anterior, embora pudesse jurar que estava suja
demais para estar deitada em uma cama forrada com lençóis tão claros.
Aos poucos, como peças de um quebra cabeça onde faltam algumas
peças, consegui montar pequenas cenas que começaram a fazer sentido:
como uma pilha limpa de roupas que estavam na estante perto da janela e o
fato de uma voz masculina me dizer para tomar banho e usar aquelas
roupas, coisa que eu não fiz. Ou as fotos de três irmãos, onde só a menina
parecia diferente dos outros dois que estavam espalhadas pela cômoda, e
como eu comentei sobre aquelas mesmas fotos na noite anterior. Ou o
sorriso perfeito de um garoto, em uma foto com a menina loira, que parecia
o mesmo sorriso que só faltei tirar uma foto assim que o vi estampado no
rosto de Caleb.
Ele.
Tudo fez rapidamente sentido.
Eu estava na casa de Caleb Turner.
A vergonha da noite anterior me atingiu com tudo, por mais que não
soubesse de fato todas as coisas que aconteceram. O desespero em pensar
que teria que sair daquele quarto em algum momento só aumentava com a
possibilidade de poder encontrar toda a família de Caleb, sentada à minha
espera para uma espécie de corredor da vergonha.
Por que a Paige do passado não foi para casa? Por que a Paige do
passado tinha que ter bebido tanto?
A primeira coisa que eu pensei foi em pedir socorro para as minhas
amigas, porém o celular tinha desaparecido do meu alcance, ou Caleb tenha
sido sentado em guardá-lo enquanto eu perdia a dignidade e a memória. De
qualquer forma, tudo o que me restou foi levantar daquela cama e assumir o
que é que eu tenha feito na noite anterior.
Eu poderia ter contado do meu plano.
Eu poderia ter falado que queria beijar ele.
Ou pior, eu poderia ter assumido minha paixão secreta.
Burra! Burra! Burra!
— Caleb? — chamei baixo, cheia de vergonha, ao chegar no andar
debaixo e encontrar ele e um menino muito parecido com ele sentados em
uma mesa no meio da sua cozinha.
Caleb deu aquele sorriso grande e lindo, o que me fez lembrar do
exato momento que o vi com aquele sorriso na noite anterior, uma das
poucas memórias que eu tinha. Já o menino à sua frente virou, abriu um
sorriso similar e piscou com um único olho.
— Ela é bonita até acordando, Lebbie. — O seu sussurro não serviu
de muita coisa, fazendo-me rir e o Caleb ficar constrangido.
Era fácil enxergar o Caleb naquele menino, como uma versão mais
nova. Porém, com aquele comentário, já podia sentir o quanto eram
diferentes.
— Eu tinha conversado com você, Cam. — Ele negou com a cabeça
— Paige, bom dia, esse é o meu irmão Camden.
— Mas pode me chamar de Cam.
Afirmei com a cabeça, me aproximando da mesa assim que Caleb me
chamou com a mão.
Era estranho eu estar me sentindo confortável mesmo que
estivesse com vergonha do dia anterior? A minha sensação era que Caleb
sempre me deixava dessa forma, confortável. Não digo nos momentos de
vergonha, ou aquela sensação que ele acabava me causando, mas o fato de
me sentir confortável ao seu lado, podendo ser eu mesma sem pensar muito
em como ele me veria quanto a isso.
— Você dormiu bem? — Caleb perguntou, levantando-se antes de eu
ter a oportunidade de puxar a cadeira para que eu sentasse.
O nerd não apenas fez aquela gentileza, como se adiantou para pegar
um prato, xícara e alguns utensílios para participar daquele café da manhã
com eles. Olhei para o seu irmão, que me encarava com um sorrisinho no
canto da boca, olhando para o irmão dele toda vez que Caleb se movia pela
cozinha para pegar mais alguma coisa.
Um pequeno momento da noite anterior me atingiu, com aquela
versão atenciosa de Caleb. Ele tirando o próprio tênis porque meus saltos
estavam acabando com os meus pés e eu jurei que iria descalça para casa.
— Desculpa por ontem — falei acanhada no momento que o nerd se
sentou ao meu lado na mesa.
Eu não lembrava de quase nada do que tinha feito. Apesar disso,
sabendo do meu histórico suspeito em festas, sabia que tinha feito ou falado
alguma besteira que não deveria. E não existia muito o que fazer além de
pedir desculpas e tentar descobrir todas as coisas que eu fiz.
— Ontem você estava bem engraçada — Camden comentou, o que
me fez querer abrir um buraco bem ali e me afundar até chegar ao núcleo da
terra.
— Cam! A gente conversou, poxa. — Caleb suspirou, apoiando sua
mão no meu antebraço. — Não liga para nada do que ele disser.
— Você me viu? — Ignorei Caleb, olhando para o seu irmão, que
acabou rindo.
— Se eu vi? Eu tive que abrir a porta pra vocês. Você estava muito
louca, mas aceitou escovar os dentes no lugar de tomar um banho porque
não queria que o Caleb te visse pelada assim, tinha que ser algo “sexy”. —
Ele fez aspas com os dedos.
MEU DEUS!
Tampei meu rosto com as mãos, soltando um grunhido.
— Cam!
— Lebbie, mas eu não tô fazendo piadinha, só estou contando o que
realmente aconteceu.
— Eu estou super envergonhada — falei mais para mim mesma do
que para os dois. — Meu Deus!
— Confesso que achei que o Lebbie chegaria assim, mas quando foi
você, achei ainda mais legal, porque o Caleb trouxe uma menina pela
primeira vez aqui pra casa.
Eu estava com vergonha. Óbvio. Muita. Pronta para me enfiar no
primeiro buraco para nunca mais sair. Mas o irmão de Caleb me
proporcionou uma informação que deixou a vergonha passar por alguns
instantes. Tirei a mão do rosto e encarei o menino que deveria ter uns
quinze anos. Camden estava sendo meu mais novo adolescente favorito,
mesmo fazendo comentários sobre a minha noite catastrófica.
— Caleb nunca trouxe uma menina pra cá?
— Agora eu virei assunto?
— Ele nunca trouxe. — Cam riu, tampando a boca.
O gostinho de ter sido a primeira conseguiu apagar qualquer coisa da
noite anterior. Eu precisava saber mais sobre o nerd, sobre as coisas que ele
nunca fez porque eu queria ser a primeira.
Meu mais novo foco era ser inesquecível para ele.
Era isso.
Eu seria a primeira pessoa de vários momentos da sua vida para que
sempre que pensasse, se lembraria de mim. Porque, no fundo, eu sabia que
de alguma forma eu me lembraria dele caso aquele plano não saísse como
eu planejei. Seria o primeiro cara que fiz um plano para conseguir ficar
mais próxima; seria o primeiro cara que quis conversar ao invés de chegar
dando em cima; seria o primeiro cara a tirar o tênis para eu calçar ou puxar
uma cadeira para eu sentar.
Eu já estava marcada de alguma forma.
— Eu só respondi, irmão. — Peguei a conversa pelo caminho.
— Por que você nunca trouxe ninguém para cá? — Virei meu corpo
para encontrar Caleb e como sempre, o nerd estava com o rosto tomado por
um avermelhado intenso em alguns pontos.
— Eu não…
— Temos regras claras sobre trazer pessoas para casa. — A voz
grossa me fez estremecer.
O clima agradável e confortável se transformou em tensão. Eu podia
sentir o corpo de Caleb vibrar com a entrada do seu pai na cozinha, e a
forma que Camden me olhou não mostrou que ele estava muito diferente.
Sempre achei interessante o quanto irmãos, normalmente, são parecidos em
alguns aspectos. Observando-os ali, de forma rápida, dava para analisar a
forma que ambos forçavam um pequeno sorriso para fingir que tudo estava
bem. Ou o fato do seu irmão já ter estalado todos os dedos, assim como
Caleb já fez quando estava nervoso ao meu lado.
— Oi, pai. — Camden foi o primeiro a cortar aquele silêncio
barulhento que estava naquela cozinha.
— Por que a menina do gelo está aqui em casa, Caleb? — A voz
permaneceu grossa e autoritária, ignorando completamente o irmão mais
novo de Caleb.
Se Miley o visse nas roupas que estava, ela iria ficar molhada. O pai
do nerd era muito bonito, isso era óbvio, mas com roupas de academia e
meio suado, tinha ficado ainda mais gato. Meus olhos correram por ele
rapidamente, fixando em uma cicatriz longa do joelho até o meio da sua
perna, se perdendo em uma meia alta e branca.
— Eu já… Bom dia… — Tentei ser educada, mas fui interrompida
por Caleb colocando a mão na minha coxa, por baixo da mesa.
O seu toque sobre o moletom fez minha pele esquentar e
automaticamente me paralisar, sendo incapaz de falar qualquer coisa depois
daquilo.
O efeito Turner. Claro!
— O nome dela é Paige. — O tom firme pegou a minha atenção,
fazendo-me olhar para ele, mas seus olhos estavam cravados acima da
minha cabeça, possivelmente em seu pai. — E ela acabou dormindo aqui
em casa ontem e estava tomando café.
— Eu já estava indo embora, na verdade — falei rápido.
Não queria ser um tumulto em pleno café da manhã, portanto o mais
seguro era sair daquela casa antes de criar problemas para o nerd.
— Acho ótimo.
Foi a resposta que recebi do seu pai. Não preciso dizer que me senti
péssima, não é? Ou que a minha vontade, mais uma vez, era ter a
oportunidade de ter um buraco bem ali naquela cozinha, só que agora por
um motivo diferente.
No instante em que tentei levantar, aquela mão que estava sobre a
minha coxa não me deixou sair do lugar. Sua mão grande tomou partes do
meu quadríceps, se afundando no tecido do moletom. Firme. Imponente.
Decidido. Me prendendo em seus dedos não por ser um toque de fugir, mas
porque o meu corpo não estava esperando algo tão firme vindo de Caleb.
— Ela vai terminar de tomar o café com a gente e depois vou levá-la
para casa, não precisa fazer essa cena, pai.
Seu pai caminhou pela cozinha em completo silêncio. Camden, que
permaneceu calado por todo momento, finalmente pareceu relaxar e voltou
a comer os ovos que estavam no seu prato. Eu não conseguia respirar, só
queria fugir dali, uma vez que por mais que seu pai permanecesse em
silêncio, eu conseguia sentir sua presença incomodada.
Aquele clima tenso só aumentava.
— Você quer comer o quê? — Caleb perguntou baixinho, bem perto
do meu ouvido.
Apesar daquele contato mexer comigo de formas que não conseguiria
explicar, minha atenção foi sugada pelo corpo do pai de Caleb, próximo a
mim. Parado. Na minha frente. Só aí conheci os olhos do pai de Caleb,
focados em mim. Me encarando tão sério que me deu medo. Sim! Medo!
O mesmo medo que um treinador causa em seu jogador, um olhar
que algo está muito errado e você precisa descobrir o que é nos próximos
cinco segundos.
— Eu vou embora, Sr. Turner.
Era isso que ele queria com aquele olhar e era isso que eu iria fazer.

— Você pode me perdoar? — Caleb pediu quase em tom choroso,


com as mãos grudadas no volante da sua caminhonete antiga.
Turner ficou calado desde que decidi ir embora e ele concordou. Seu
pai não fingiu nada, deixou bem claro o quanto estar ali o incomodava,
ignorando minha presença naquela mesa enquanto debatia com os olhos
voltados ao seu filho. Camden, seu irmão caçula, levantou da cadeira no
mesmo momento que eu, seguindo-nos para o andar superior e
posteriormente para o quintal, se despedindo tímido.
Eu podia sentir o pedido de desculpas nos seus olhos, da mesma
forma como Caleb ficou por todo o caminho quando me olhava vez ou
outra para conferir como eu estava.
— A culpa não é sua. — Tirei o cinto, virando meu corpo sobre o
banco de couro claro. — Seu pai estava certo em não me querer lá.
— Ele estava errado. — Ele não me olhou, apertando ainda mais
aquele volante.
— Mas vocês têm uma regra e tecnicamente você quebrou isso. —
Tentei minimizar as coisas, colocando minha mão no seu ombro.
Caleb inspirou fundo, relaxando. O silêncio tomou conta do carro.
Pude sentir todos os músculos que compõem seu ombro relaxar nos meus
dedos, soltando o volante para apoiar as duas mãos na sua própria coxa.
Demorou mais alguns segundos até seu rosto virar, encarando-me.
— Me desculpa, Paige. De verdade. — Seu olhar se perdeu em
algum ponto na raiz do meu cabelo até voltar pra mim. — Ontem eu não
podia deixar você na porta da sua casa sozinha, por isso pensamos que seria
melhor ir para minha casa. Não imaginei que meu pai te trataria daquela
forma. Eu não…
— Ei, tá tudo bem. — Fiz questão de levar a mão que estava no seu
ombro para o seu rosto. — Já entendi que seu pai é uma pessoa difícil.
Uma sensação aguda tomou meu coração vendo Caleb daquela
forma. Minha opinião sincera era que seu pai foi no mínimo indelicado
comigo. Grosso. Desnecessário. Porém, quem era eu para falar algo assim
do pai de alguém? Por ele ser treinador, era possível ter esse tom autoritário
com todos e tudo.
— Difícil? — Ele riu sem qualquer humor. — Ele consegue ser
horrível quando quer.
— Ele pode ser horrível quando quer, Caleb, mas hoje a culpa não foi
sua.
— É, mas você não precisava passar por isso. Eu já sabia que algo
assim podia acontecer e a culpa foi minha por levar você para essa situação
e…
Levei a outra mão para o seu rosto, segurando-o entre minhas mãos.
— Está tudo bem, nerd! — falei mais firme do que as outras vezes.
E por algum motivo, aquilo conseguiu o calar.
Os olhos de Caleb foram para os meus lábios, sem sair dali. Pela
primeira vez eu pude ver que ele queria o mesmo que eu, mesmo o
momento não parecendo ser dos melhores. O nerd umedeceu os próprios
lábios, abrindo-os levemente como se quisesse puxar um pouco de ar. Era
possível que estivesse em busca do ar que também me fugiu naquele
instante.
Similar a se olhar no espelho, fiz o mesmo que ele, umedeci os meus
e puxei o ar, tomando coragem para tomar aquela boca rosa de lábios
grossos para mim. Eu sabia, no fundo, que Caleb não iria tomar essa
atitude. Até onde eu sabia, ele nunca tinha beijado alguém e teria que partir
de mim essa iniciativa.
Tudo bem, eu estava pronta para ser a primeira garota que ele
beijava.
Fechei meus olhos brevemente, aproximando meu rosto do seu
vagarosamente.
— Paige… — ele murmurou.
Pareceu um pedido.
Um resmungo de alerta.
Algo para me sinalizar que estávamos prestes a fazer algo que eu
poderia me arrepender.
Uma repreensão assentida.
Dualidade de sentimentos.
— Eu…
Eu queria dizer que queria beijá-lo.
Queria aqueles lábios grudados aos meus.
Queria suas mãos no meu pescoço.
Queria…
— VOCÊ ESTÁ VIVA! — O grito cortou minha linha de
pensamento.
Caleb se afastou tão rápido que minha mão ficou pairando no ar,
segurando um rosto que não estava mais ali. Meu cérebro demorou a ser
capaz de processar o grito, a pessoa que o gritou e a imagem de Kimberly
na frente do carro de Caleb, com os braços cruzados, descontente.
Porra, Kim!
Se eu não tivesse pensado tanto, talvez pudesse ter beijado aquele
nerd.
Todos estavam me olhando.
Por que diabos todos estavam me olhando?
Nunca fui o cara mais invisível de todos por causa dos jogos. Entretanto,
nunca tive o tipo de atenção que estava recebendo naquela manhã em questão.
Todos estavam me olhando, quando não era isso, conseguia perceber os
cochichos de algumas pessoas e até acenos. Meu final de semana foi tão estranho
que era até difícil entender o que de fato estava acontecendo.
Fui direto para o vestiário, andando pelas cabines até chegar na frente do
primeiro espelho que vi e me analisei. Eu deveria estar errado em alguma coisa.
Cabelo. Rosto. Roupa. Tudo parecia como todos os dias.
— Caramba, Caleb, você está comendo Paige Mallory do time de futebol?
— Lee, o defesa do nosso time, jogou seu braço por cima do meu ombro como
se fossemos melhores amigos. — Todo mundo está comentando.
Agora estava explicado.
Era sobre ela.
— Não sei do que você está falando. — Suspirei, tirando seu braço do meu
ombro para andar até onde ficavam os armários.
— Qual é, todo mundo já está sabendo — um outro cara comentou.
— Todo mundo viu vocês saindo da festa juntos — Lee acrescentou.
De fato, todas as pessoas presentes viram que saímos da festa juntos, mas
não foi daquele modo. Paige tinha bebido demais, vomitou quase no meu pé e eu
achei que seria melhor tirá-la dali antes que todos falassem sobre aquilo no dia
seguinte. Meninas como ela, populares pelo campus, sempre são assuntos de
fofocas e eu só estava tentando evitar isso, por imaginar que Paige não ficaria
feliz.
Na minha cabeça eu estava ajudando-a evitar aquele tipo de conversa.
Aparentemente fui inocente em achar que ninguém comentaria que saímos juntos
daquela festa. Afinal, como eu iria saber?
— Eu só estava ajudando ela — expliquei, sem precisar.
Eles riram alto, como se eu tivesse acabado de contar uma boa piada.
— Do que vocês estão rindo? — James, meu melhor amigo, entrou no
vestiário, jogando sua mochila em um dos bancos — Cara, você sumiu o final de
semana todo. O que aconteceu?
— Claro que ele sumiu, passou o final de semana fodendo com a Mallory.
— Lee gargalhou.
— Cala a boca! — O encarei, sério.
— Do que eles estão falando? Você finalmente ficou com a Paige? —
James, no auge da sua burrice, soltou uma dessas no meio daqueles caras.
Tudo o que tentei evitar começou a borbulhar entre eles. As fofocas, os
comentários idiotas e todas as atrocidades que conseguiam ser ditas, desde
perguntarem como ela era na cama até comentários sobre a fama que ela tinha no
campus. Nem eu conseguia imaginar como Paige, com pouco tempo naquele
campus, conseguia ter a fama que tinha.
Tentei ignorar de todas as formas os comentários e seguir com a ideia de
fazer meu treino e ir embora, o que foi uma tarefa difícil. A cada segundo que eu
ficava no meio daqueles idiotas, mais eu queria gritar e mandar que todos
calarem suas bocas antes de falar qualquer coisa sobre Paige, o que não tínhamos
e todo o resto.
— Você parece que está prestes a explodir, Turner — um dos caras que
estava comentando as coisas que fez com uma das amigas de Paige, debochou.
— Ele está tentando segurar a língua pra não queimar a amada.
— Mas ela já está meio queimada, não é, Ryder? Você sabe das coisas que
a loirinha…
— Ela é muito gostosa — Ryder deu sua opinião. — Meio chatinha, mas
com a boca ocupada…
— CALA A PORRA DA SUA BOCA, RYDER! — explodi.
— Olha, o nerdola deu sinal de vida.
— Qual é, pessoal, vamos parar com essa merda. — James tentou
apaziguar, mas não adiantou, porque eu tinha ficado cego.
Cego pelos comentários de merda.
Cego porque sabia que Paige e nenhuma outra mulher merecia ser pauta de
um bando de babacas.
Cego porque aquilo me incomodava de uma forma diferente.
— A partir de hoje eu não quero ninguém falando sobre ela ou sobre suas
amigas. Ela é minha! Não vou admitir vocês falando merda. E se eu ver…
— Olha, ele está tomando partido da namoradinha vadia dele. — Ryder
gargalhou.
Foram questões de segundos até eu estar segurando a gola da sua camisa,
empurrando-o contra o armário amarelo do vestiário. Foi tão rápido que para
mim foi como um piscar de olhos. Um momento eu estava perto do meu armário
e no outro eu estava na outra ponta do vestiário, olhando-o com nojo.
Como um cara que namorou com a pessoa tinha coragem de falar algo
daquele jeito, no meio de outras pessoas que estavam depreciando-a? Como um
cara que namorou a garota tinha coragem de compactuar com aquela situação,
sabendo que Paige não merecia isso? Nenhuma outra mulher merecia esse tipo de
coisa.
— Caleb, pelo amor de Deus… — Ouvi longe, focado nos olhos de Ryder.
— Se você falar qualquer coisa sobre ela, eu vou acabar com você,
imbecil. Ela é minha. Ouviu? — Rosnei. — Eu tentei ficar calado porque somos
a porra de um time, mas se for necessário, eu quebro você e todos esses imbecis.
— Apertei sua camisa, sentindo meus dedos doerem com a força que estava
fazendo contra o tecido. — Foda-se o time. Foda-se a bolsa. Fode-se a…
— O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI? — Um grito me calou. —
CALEB TURNER!
Puxei o ar, ainda encarando Ryder com todo o ódio que parecia correr pelo
meu corpo.
— CALEB! — Mais um grito do meu pai.
Soltei sua camisa, puxando todo o ar pelo nariz.
— Eu não vou treinar hoje — rosnei.
— VOCÊ VAI FICAR NO BANCO!
— Ótimo! — Foi tudo o que respondi antes de sair do vestiário ainda
movido pela cegueira que me atingiu depois que a raiva me consumiu.
Nunca fui o tipo de pessoa que cria confrontos, ou que está disposto a
brigar por tudo. Muito pelo contrário, sempre tentei ignorar, porque foi assim que
eu aprendi a ser. Não brigar. Não beber. Não namorar e a lista segue por todas as
coisas que não podia fazer. Aparentemente tudo o que aprendi não funciona
quando o assunto são as pessoas que eu me importo de alguma forma.
Caminhei pelos corredores seguindo para nenhum lugar. E como eu disse,
poucas coisas me tiravam do sério, mas quando isso acontecia, eu precisava
liberar aquele tipo de energia fazendo algo. Normalmente eu rebatia, outras eu
corria, porém, naquele momento, eu não poderia fazer nada disso. Só conseguia
pensar que precisava continuar andando, saindo dali. Precisava de ar. De céu. De
qualquer coisa que me colocasse nos trilhos de novo.
Segui pelo corredor até dar de cara com o céu limpo e o clima ameno.
Tinham nuvens em formatos estranhos, meio geométricos; o sol estava cintilando
o céu com todo o seu brilho e alguns alunos estavam jogados embaixo das
árvores, procurando por sombra.
Foi só então que a minha mente me lembrou: eu disse que ela era minha.
Minha.
Pronome possessivo.
Merda!
Aos poucos revivi os momentos naquele vestiário, voltando a todo o
momento em que dizia que Paige Mallory, a mesma que foi até o laboratório me
pedir ajuda, a mesma que foi até o gelo, que dormiu no quarto da minha irmã e
quase me beijou na minha caminhonete. Eu tinha dito para um bando de idiotas
que ela era minha.
Paige vai me odiar.

Camden ficaria surpreso ao vê-la daquela forma. Meu irmão fez questão de
exaltar a beleza de Paige todas as vezes que foi possível. Ele a olhava abismado,
depois me encarava como se eu fosse o cara mais sortudo do mundo. Foi
engraçado. E seria ainda mais agora que ela parece estar ainda mais linda do que
achei que fosse possível.
Paige corria atrás de uma bola de uma forma fascinante. Pouco entendia
sobre futebol e suas regras, mas eu conseguia enxergar uma atleta inacreditável
enquanto Mallory roubava a bola de uma das meninas e corria em direção ao gol.
Não tinha o disco, o gelo, os tacos, e ainda sim eu conseguia sentir aquela euforia
que sempre corria pelas minhas veias em um jogo.
Paige parecia uma euforia em pessoa.
— Paige! — Acenei assim que a treinadora deu um tempo para elas
beberem água ou algo assim.
O olhar surpreso de Mallory fez com que a coragem que eu estava sentindo
em ir ali e contar o que aconteceu se esvaísse. Ela correu até o canto em que
estava, acenando brevemente para uma de suas amigas esperarem.
— Nerd! — Paige segurou a ponta da camisa roxo e amarelo, secando o
rosto suado.
Aquele ato me fez engolir a seco.
A pele da barriga de Paige parecia brilhar com o suor. Os pingos faziam
um caminho que pareciam sair do seu top e seguir até a barra do short, se
perdendo por ali. Minha garganta ficou seca, meus olhos ficaram cravados ali e
aquela sensação das coisas saindo do controle passou pela minha cabeça.
Hormônios, sangue indo para partes que não deveriam.
— Gostou do que viu?
Olhei para Paige assustado por ser pego.
— Merda! — murmurei, praguejando a mim mesmo.
Ela viu!
Ela gargalhou, apoiando a mão na cintura.
— Você parecia bem focado…
Desde a situação na festa, as coisas começaram a ficar mais estranhas para
mim. A palavra não seria estranha, e sim incontrolável. Era incontrolável não
olhar para Paige, era incontrolável a vontade que eu sentia quando ela me tocava
ou me olhava. Era incontrolável estar ao lado dela e não pensar coisas muito
erradas.
Eu estava me tornando aqueles idiotas?
Não! Não! Não!
Balancei a cabeça.
— Caleb? Você está me…
— Eu falei que você era minha. — Soltei de uma única vez, desesperado.
Eu não podia ser como aqueles idiotas que a enxergam longe de todas as
suas qualidades, focando apenas no físico. Pois sim, Paige Mallory era linda, só
não era apenas isso.
— Eu briguei agora no vestiário e acabei falando que você era minha. —
Olhei para os meus tênis. — Eles estavam falando várias merdas e eu tentei ficar
calado, porque não queria aumentar as fofocas de um dia que nem foi nada do
que estavam falando. Mas eles não pararam e eu explodi. Nossa, Paige. —
Afundei meus dedos no cabelo, sem coragem de olhar para ela e encontrar
qualquer reação negativa. — Não podia deixar que falassem sobre você daquela
forma. Na verdade eu nem entendo como você aguenta todas as fofocas, os
comentários e as pessoas achando que podem falar o que quiserem. Eu fiquei
cego e talvez isso não te ajude muito, mas precisava te contar para não pensar que
estou me aproveitando da proposta. A ideia era te ajudar na questão acadêmica e
não te atrapalhar na sua vida amorosa. — Por algum motivo aquele final não
soou tão verdadeiro quanto eu gostaria, apesar de achar que Paige não iria
perceber.
E quando finalmente terminei de falar e tomei coragem para olhar para ela,
Mallory estava como se estivesse segurando um sorriso o que não me deu muita
luz sobre o que estava passando na cabeça dela.
— Você disse que eu sou sua? — Ela mordiscou o próprio lábio inferior.
— Saiu… Eu sei que é péssimo essa coisa de posse…
— Você disse na frente de todos os caras que jogam com você que eu sou
sua? Com essas palavras?
Estalei meus dedos indicadores, olhando para o tênis mais uma vez.
— Você está chateada, não é? Descul…
— Agora a gente vai ter que assumir isso, nerd.
Sua resposta, interrompendo-me, me deixou levemente aéreo.
— Acho que não entendi, Paige.
Como um felino, Paige se aproximou de mim a passos curtos e lentos.
Seus olhos, que sabe-se lá como foi feito com aquela mistura de cores única,
fitaram primeiro os meus olhos, depois se perdeu em algum ponto do meu
queixo.
Não, da minha boca.
O que…?
E sem qualquer aviso prévio, Paige não só segurou meu pescoço como
grudou sua boca a minha em um golpe único e nada delicado.
Congelei.
Nunca tinha planejado chegar naquele ponto, mesmo que no dia do carro
isso tivesse se passado pela minha cabeça de forma tão clara que nem consegui
disfarçar. Eu imaginei como seria esse momento, qual o gosto e o toque dos
lábios de Paige, porém, se for para ser sincero, nunca pensei que chegaria até esse
momento. Principalmente na frente de todos, por ela ser quem é e eu ser quem eu
sou.
— Você pode me beijar de volta, nerd — Paige falou contra os meus
lábios, subindo uma das mãos até os cabelos da minha nuca. — Ou você é mais
boca virgem do que eu pensava?
— Acho que você vai se surpreender.
Com a mesma coragem que a respondi, ainda com seus lábios pairando
sobre os meus, foi a mesma que a beijei com toda a vontade que sentia a tempos.
Eu não sabia quando aquilo aconteceria de novo, então eu precisava mostrar para
Paige que eu poderia ser um nerd que gostava de se isolar, mas que sabia o que
queria, como queria e o que precisava fazer para ter.
Segurei sua cintura em minhas mãos, tendo a mesma sensação familiar de
pertencimento, grudando minha boca a dela. Paige respondeu como eu esperava,
afundando suas duas mãos nos meus cabelos, roçando a ponta dos seus dedos no
meu couro cabeludo. Sua boca abriu uma breve passagem para que eu pudesse
tomar a iniciativa que nós dois queríamos. Minha língua tocou a dela com calma,
mas logo fui incapaz de não reivindicar cada espaço daquela boca que tanto quis.
Entrelacei minha língua, minhas mãos em sua cintura e uma parte que
nunca achei que fosse capaz: o meu coração.
Eu tinha essa certeza pois meu coração idiota batia tão rápido que pensei
sofrer de algum ataque bem no meio do campo, com Paige em minhas mãos. Eu
tinha certeza, pois a felicidade que me consumiu naquele beijo, apagou qualquer
coisa que eu estivesse pensando antes, existindo apenas eu, Paige e aquele
momento. Eu tinha essa certeza, pois quando Mallory soltou um suspiro, meu
corpo todo entrou em colapso, clamando por mais.
Eu queria muito mais.
— Meu Deus, nerd — ela murmurou ainda com a boca encostada na
minha.
Emendei em um novo beijo, não querendo que aquele momento acabasse.
Queria poder passar minhas mãos por cada curva dela, queria poder sentir seu
corpo sem as camadas de roupas que nos afastavam.
Queria mais de Paige Mallory.
— PAIGE! — alguém gritou de longe.
— Eu… — Mais um murmuro daqueles e eu iria jogá-la em cima dos
meus ombros e sair dali. — Eu vou precisar voltar a jogar.
— Eu preciso ir para… para algum lugar também.
Paige gargalhou.
— Você sabe que agora vamos precisar fazer isso algumas vezes. — Paige
apoiou seu rosto no meu peito. — Só para… — Ela riu, erguendo o rosto para me
olhar. — Só para todo mundo achar que eu realmente sou sua.
— Mas…
— Não vai te atrapalhar com a garota que você quer. — Seu sorriso
vacilou. — Vai só melhorar sua imagem de pegador.
Não gostei de como aquilo soou.
— Eu não quero te usar para...
— Relaxa, nerd. — Ela me interrompeu com um selar de lábios rápido. —
Agora eu preciso ir.
Só consegui sorrir, sentindo meu coração dar cambalhotas.
Merda!
Só me dei conta do espetáculo que possivelmente demos quando olhei em
direção ao campo onde Paige voltava e vi todas as meninas nos olhando. Umas
chocadas, outras comentando entre si. Mallory não pareceu se abalar com isso,
andando com a mesma confiança que já a vi tantas vezes andar. Ela deu uma
olhada para trás algumas vezes e sorriu, com o sorriso brilhando naquele dia de
sol.
Em outro momento eu ficaria com vergonha de tudo o que tinha acabado
de acontecer, mas apesar disso, não senti nada. Pela primeira vez em muitos anos,
estava feliz por ter feito algo que realmente queria, sem me preocupar com as
pessoas e suas opiniões.
— Nerd? — Paige me chamou um pouco mais distante, a respondi com um
balançar de cabeça. — Você não era BV coisa nenhuma.
— Eu nunca disse que era.
Ela riu, parando de andar.
— Estou bem com isso, vou ser a sua primeira em outras coisas... pode ter
certeza, nerd.
— Eu duvido! — brinquei.
— Você quer dizer que já transou, nerd?
Fiquei sem palavras. Para variar.
Merda!
Paige sempre arranjava uma forma de me deixar sem palavras.
— Eu disse, Caleb, vou ser a sua primeira em várias coisas e quando você
menos esperar, marcarei sua vida de forma que não vai conseguir me esquecer.
E com uma piscadela ela se foi, correndo até o centro do campo de futebol
enquanto sua treinadora falava algo que não consegui entender.
As borboletas não estavam apenas no meu estômago, mas também no meu
coração.
Seu beijo tirou a minha paz.

Não me incomodava o fato de ter as meninas comentando, muito menos os


olhares que Miley e Alisson fizeram quando corri de volta para o treino. O
que me incomodava era o formigamento que ainda sentia nos meus lábios;
a forma como meu corpo parecia tão anestesiado quanto os meus lábios; ou
até mesmo a forma como minha mente tinha se tornado uma gelatina, assim
como meus joelhos. Todo o treino foi uma perda de tempo depois daquele
beijo.

Esperei tanto que Caleb fosse boca virgem que quando aquilo realmente
aconteceu, meu cérebro foi incapaz de entender o que tinha acabado de
acontecer. Ele beijou bem. Bem até demais. Tão bem que não me
concentrei em nenhuma bola, não consegui fazer passes que normalmente
fazia sem qualquer tipo de esforço.

Por fim, desisti de continuar o treino, indo para o banco terminar de assistir
o amistoso que sempre fazíamos ao final dos treinos de agilidade e força. A
treinadora nada falou, me olhou com seus olhos intensos de sempre e fez
sinal para que eu fosse para o vestiário.

O fato era que eu não era mais um problema que ela precisava resolver, já
que ainda não estava liberada para jogar. Seu atual problema era
reorganizar todo o time para posições que fossem suprir a minha falta em
campo até ser liberada para voltar aos jogos. Minha participação nos treinos
era igual a um remédio placebo de pesquisa, não serve, não tem nenhum
efeito.

— Você não deveria estar em alguma aula? — Kimberly me recebeu com


um olhar preocupado.

Eu não estava me sentindo bem. Por todo caminho pelos corredores e até
sentar em uma aula de genética que me inscrevi apenas para agregar no
currículo, eu não estava me sentindo ali. De uma forma estranha, parecia
que minha alma não estava conectada com o meu corpo. Minha mente só
conseguia pensar em Caleb, meu coração se animava apenas com a ideia de
encontrá-lo pelos corredores. Fora que minha boca ainda seguia com aquela
sensação diferente.

O que diabos estava acontecendo comigo?

— Eu não deveria fazer a mesma pergunta para você?

Se manter na defensiva pareceu mais seguro, caminhando diretamente a


escada que dava para o primeiro andar da casa.

— Você está fugindo porque sabe que vi a mensagem no grupo sobre o seu
beijo com o nerd?

Suspirei.

Ir para a casa pareceu a melhor saída, até me dar conta de que Kimberly
parecia nunca estar fazendo aula alguma. De fato, era possível que a minha
melhor amiga estivesse em mais uma fase rebelde com seus pais, fazendo
de tudo para enfrentá-los, mesmo que isso custasse uma parte do seu futuro.

— Kim, você vai acabar repetindo em algumas matérias.

Tentei voltar ao meu foco de subir os degraus, porém a morena tatuada que
eu chamava de amiga segurou minha mão.

— Nada de fugir, mocinha. — Ela entrelaçou nossos dedos, puxando-me


para a sala de estar. — Você vai passar por uma intervenção como os velhos
tempos. E não me venha com qualquer mentira, porque eu sei que você está
escondendo alguma coisa.

Puxei o ar pela boca, desabando no sofá junto com Kimberly.

Quando mais novas, todas as pessoas diziam que nunca entendiam como eu
e Lake éramos amigas – até hoje ouvimos alguns comentários parecidos.

Sempre fomos completamente diferentes e talvez tenha sido por isso que
criamos esse vínculo. Kimberly era como uma irmã mais velha, sempre a
frente de qualquer coisa que eu tivesse feito. Ela tinha os melhores
conselhos – ou piores, dependendo do ponto de vista –, sabia me enxergar
em meio a tantas pessoas e máscaras que eu acabava vestindo e era uma
boa ouvinte.

Naquela época eu precisava de tudo o que ela me proporcionou e por isso


criamos essa ligação. Era grande. Importante. Diferente. Similar a minha
linha imaginária que ligava meu corpo ao dela, sendo maior do que
qualquer vínculo sanguíneo que eu tinha. Eu a amei por ser quem ela era
comigo, assim como ela me amou por ser quem eu era com ela.

— Me conta, o que está rolando?

— Nada está rolando.

Procurei pelo controle da televisão.

— Você não assiste televisão desde que tinha uns quinze anos, Paige.

Suspirei mais uma vez, incrédula em como ela me conhecia tão bem.

— Eu odeio o fato de que você me conhece.

— E eu amo isso. — A safada riu, virando seu corpo de modo que fique
totalmente de frente para mim. — Eu sei que por mais que você ame as
meninas, e eu também as ame, nós nos conhecemos o suficiente para saber
que algo está acontecendo e você está começando a pirar.

— Pirar?

— É, você beijou o cara e veio para casa, Paige. — Cruzou as pernas,


apoiando as mãos nos joelhos. — Aposto que você deve ter ficado
pensando nele o tempo todo, teve tipo uma crise e veio correndo para onde
se sente segura.

Touché!

— É, eu odeio como você me conhece.

— Viu? — Gargalhou. — Vamos, me conte o que está acontecendo.


— Tudo bem…

Fiz o mesmo que ela, virando meu corpo para ficar de frente ao seu. Cruzei
minhas pernas, respirei fundo algumas vezes e calculei tudo o que
aconteceu nas últimas semanas. Eu conseguiria mentir sobre aquilo para
todas as pessoas que conheço, porém, com a Kimberly, era impossível.
Logo que comecei a falar sobre a primeira vez que vi Caleb em uma aula
que não deveria estar, senti que precisava contar tudo para a minha melhor
amiga.

Se tinha alguém que não iria me julgar, esse alguém era Kimberly.

Até porque nossa amizade era baseada em apoiar sua amiga em todas as
circunstâncias porque você pode precisar de apoio quando fizer uma merda
ainda maior.

— Eu pensei que se esse plano desse certo, eu conseguiria ter um tempo


com ele e consequentemente o nerd iria ver como sou a pessoa mais
incrível que ele conheceu — brinquei, jogando uma parte do meu cabelo
para trás.

— Você sabe que essas brincadeiras não vão colar comigo. — Kimberly me
encarava séria, igual a uma mãe que te julga, apesar de estar tentando não
julgar. — Eu quero saber o que isso aqui — ela apontou para onde fica o
meu coração — sentiu com tudo isso.

— Você não é fofa, Kim.

Ficamos em silêncio por uns segundos até rimos.

— Eu posso não ser fofa, mas me importo com os seus sentimentos.

Confirmei com a cabeça, tentando buscar meus reais sentimentos sobre


Caleb, meu plano e como tudo aquilo estava impactando minha vida.

— Eu tentei fazer o que fazemos sempre, sabe? Procurei saber sobre ele e
dar em cima na cara dura. — Apoiei meu queixo nas mãos. — Eu
realmente poderia ter feito tudo isso, mas pareceu que não seria o certo.
Não sei te explicar. Parecia que Caleb era demais e muito inteligente para
cair em algo assim.

— Mas você é super inteligente também.

— Só que ninguém sabe e talvez até eu tenha esquecido disso. Fiquei tanto
tempo fazendo esse personagem de fútil e burra que posso ter esquecido de
que sou mais do que tudo isso.

Quando aquelas palavras saíram, fiquei tão chocada quanto Kimberly, que
me olhava tão atentamente quanto antes.

— É, acho que foi isso… — confirmei para mim mesma, balançando a


cabeça quase que involuntariamente. — Eu imaginei um plano absurdo
porque não acreditei que poderia chegar nele e apenas dar em cima, como
faria com qualquer outro cara que já vi na faculdade. Eu sabia que Caleb
era diferente, e eu não estava errada. Ele é diferente de qualquer outro cara
que já conheci na minha vida.

— E agora você está apaixonada por ele?

Ótima pergunta.

— Eu não sei te responder isso.

Como eu poderia responder algo assim?

Parecia uma obsessão da minha parte, algo que almejava em ter – mesmo
soando fútil. Apesar disso, depois do beijo de mais cedo, naquele dia, meu
corpo estava reagindo de uma forma que já tinha sentido antes. E talvez
fosse por isso a pergunta de Kimberly, porque nós nos conhecemos naquela
posição. Decerto ela tenha sentido isso e estivesse esperando uma resposta
clara, exatamente como fez quando quebrei a cara pela primeira vez.

— Você sabe que só me apaixonei uma…

— Você está apaixonada? — ela repetiu, interrompendo-me.


Ficamos em silêncio, sendo capaz apenas de ouvir o barulho das nossas
respirações.

Entretanto, dentro do meu ouvido, algo batia.

Grave. Ritmado. Constante.

Era o meu coração.

O órgão responsável por bombear sangue estava batendo mais forte do que
antes, exatamente igual ao momento em que Caleb colou seus lábios nos
meus. Aquele primeiro impacto tinha causado em mim um fenômeno que
poucas vezes aconteceu. Quer dizer, eu tinha quase certeza que nunca tinha
acontecido. Eu senti ciúmes de quem já tinha tido aquele beijo, quem tinha
tido suas mãos segurando-a com força, sua língua adentrando sua boca e o
suspiro quase inaudível que ele soltava toda vez que o beijo ficava mais
profundo.

Sim, eu tinha conseguido prestar atenção em tudo e ao mesmo tempo, em


nada.

Era isso, foi assim que eu me senti.

Completa e faltando pedaços importantes.

Aérea e com os pés fincados no chão.

Talvez uma ideia abstrata de um paradoxo.

Fechei meus olhos e respirei fundo ao ponto de prestar atenção naquelas


batidas constantes. Minha mente começou a produzir momentos daquele
beijo, o sorriso largo que Caleb deixou escapar quando afastei meu rosto do
dele, ou como pareceu sem graça após tudo. O ciúme irracional que senti
de não ser a primeira e a grande oportunidade que surgiu na minha mente
caso ele fosse virgem.

— Esse sorriso deve ser uma resposta.


— Estou sorrindo? — Mesmo de olhos fechados, eu sabia que estava
sorrindo.

Meus músculos faciais pareciam travados, intensos.

Cada comissura da boca erguida.

Sorrindo.

Eu estava sorrindo por lembrar dele e daquele maldito beijo.

— Pode ser que eu goste um pouquinho dele, Kim — declarei em um fio de


voz, temerosa daquele sentimento.

Kim me encarou tão séria que agora era fato que estava me olhando como
uma mãe que repreende seu filho.

— O que você quer?

— Que você assuma que está apaixonada pelo nerd.

— Você quer saber mais do que eu?

— Eu sei mais do que você, bobinha.

Revirei os olhos.

— Você se acha demais.

— E você é a boba que está negando um sentimento que realmente está


sentindo. — Kim deu de ombros, apoiando as mãos nos meus joelhos. —
Sabemos que a última vez que você se sentiu assim, as coisas não foram
como você esperava. Mas acredito que alguém que fez um plano desse
tamanho, no mínimo está começando a ficar apaixonada por esse tal
alguém. — Kim sorriu, meiga, como nunca fazia. — O nerd seria um burro
se deixasse uma pessoa como você passar. Eu queria namorar com você,
Paige. Pena que seria incesto.
Foi impossível não gargalhar. Pisquei algumas vezes, sentindo uma emoção
contaminar meu coração.

— Não seria incesto.

— Somos irmãs.

— Não somos não.

O olhar de desaprovação me fez gargalhar.

— Cala a boca porque estou tentando ser uma boa amiga para você. —
Kim respirou fundo antes de continuar. — Como eu estava dizendo, ele
seria muito burro porque você é a pessoa mais incrível e inteligente que já
conheci. Então deixa o plano acontecer, pegue esse idiota para você. E se
você realmente estiver apaixonada, viva esse sentimento. Eu posso acabar
com ele facilmente caso seja um filho da puta. Tem uns caras lá do bar
que…

— Acho que não vamos precisar disso, né?

Ela gargalhou.

— Claro que não, esse nerd vai te amar como um cadelinha. — Ela piscou
com um único olho, aproximando-se. — Aliás, ele te babou toda? Mordeu
sua língua? Bateu o dente? — Ela analisou meu rosto

— KIM!

— Ele te babou horrores não foi?

Gargalhamos.

— Não, ele foi perfeito — grunhi. — Ele já tinha beijado alguém.

— Sério? — Ela bateu uma palma, rindo tão alto que apostava que todo o
campus havia escutado ela — Não se fazem nerds como antigamente.
— Não mesmo! — Franzi a sobrancelha, fazendo uma careta de nojo só de
lembrar que ele pode ter beijado várias meninas. — Eu jurei que ele fosse
BV.

— Você acha que ele é virgem, pelo menos? Um nerd precisa ser virgem.
— Ela riu tanto com o próprio comentário, que se deitou no sofá. — Ele
pode ter beijado, mas duvido que enfiou aquele pau pequeno em alguém.

— Quem disse que o pau dele é pequeno? Você está sabendo de alguma
coisa?

A queimação que surgiu no meu estômago não era azia, obviamente.

— Ei, ciumentinha. — Ela levantou rapidamente do sofá, — Eu só imagino


que um cara que é virgem por opção, só pode ter vergonha do próprio pau.

— Eu não sei se ele é virgem, mas com certeza o pau é acima da média.

Kim gargalhou, jogando seu corpo para cima do meu. A série de cócegas
que recebi da parte da minha melhor amiga me fez revirar sobre o estofado,
fazendo nossos corpos rolarem e caírem no chão. Kim passou a mão pelo
meu corpo, enfiou os dedos nos meus bolsos e quando finalmente se
afastou com meu celular em mãos, percebi que ela faria alguma coisa de
que não me representava.

— Você vai descobrir hoje mesmo se esse querido tem um pau decente ou
não. — Ela virou o celular para o meu rosto, desbloqueando.

Meu cérebro demorou para calcular as suas intenções.

— Vamos marcar um encontro e você vai colocar a mão nele. Pega leve
porque ele ainda é um…

Ah, não! Isso não!

— Kimberly, não! — Tentei alcançar o celular, em vão.

— Tá com medo dele ser minúsculo?


Os dedos ágeis da minha melhor amiga correram pela tela até encontrar o
número de Caleb. Nem mesmo suas unhas afiadas pintadas de preto, nem
minha tentativa de tomar o celular da mão dela, foram páreas para a sua
agilidade em digitar uma mensagem rápida e direta.

— KIMBERLY LAKE!

Como ia olhar na cara dele sem me derreter inteira?


— Você acha que sua atitude é aceitável? — Meu pai tinha me chamado
para conversar na sua sala.

Se eu dissesse que ouvi metade do discurso que ele estava fazendo a alguns
minutos, eu estaria mentindo. Depois que recebi uma mensagem de Paige
dizendo para nos encontrarmos na biblioteca, todo o resto ficou perdido no
tempo. Minha atitude pode não ter sido das melhores, mas como explicaria
isso para ele? Como explicar para uma pessoa que não respeitava ninguém
que eles estavam faltando com respeito com a garota que estou ajudando?
Eu não tinha como explicar.

— Eu acho que minha atitude foi correta.

Seus olhos furiosos não saíram de mim enquanto as abas nasais dilataram à
medida que a raiva o consumia. Foram vinte e um anos vendo a mesma
cena até ele explodir de vez. Estava tão acostumado que não me assustava
mais com a sua reação, apenas esperava a primeira besteira sair da sua boca
e me magoar um pouco mais.

— Você tem a atitude dela. A desobediência dela. O temperamento dela.

— Você é incapaz de dizer o nome da minha mãe? — Zombei.

Como eu disse, nenhuma palavra chegava a me machucar como quando eu


tinha a idade de Camden.

Eu era incapaz de entender seus sentimentos, logo comecei a ignorar a


forma que falava sobre ela e como éramos todos parecidos com ela. Se
tínhamos uma reação positiva aos seus olhos, éramos como ele e sua
vontade de vencer. Se desistíamos de algo ou reagíamos de forma que não o
deixasse contente, éramos como ela.

— Suma da minha frente, Caleb! — Rosnou, fechando as mãos em punhos


prontos para socar a mesa a sua frente. — Você ficará no banco no jogo de
abertura da temporada.
Afirmei com a cabeça, levantando-me da cadeira do seu escritório.

— E se continuar com essas atitudes de merda, vou te cortar do time.

— Você faria um favor para mim.

Aquela foi a minha resposta mais sincera.

Por mais que tivesse momentos em que eu amava me desligar e deslizar


sobre o gelo com um único objetivo em mente, existiam momentos – como
aquele – que não fazia sentido se dedicar a algo que não era mais a minha
grande paixão. Se é que foi minha paixão alguma vez na minha vida.

Saí daquela sala tentando limpar minha mente sobre como parecia cada vez
mais difícil conversar com o meu pai e sua mania de controle. Ao mesmo
tempo que andava pelos corredores a caminho da biblioteca, peguei o
celular no bolso e procurei ligar para Emma e conversar sobre aquilo. Eu
precisava de alguém me dizendo que não estava tão louco de ter reagido
daquela forma, alguém que me conhece, conhece o meu pai e a relação que
temos.

Eu não sei, mas só queria o alento e o colo de alguém.

— Tenho dois minutos para você, Lebbie. — Ela atendeu no terceiro toque,
me fazendo sorrir sozinho e parar de andar no meio do longo gramado que
cortava um prédio do outro.

— Eu acho que ia precisar mais do que isso, então quero saber quando você
vem para casa.

— Sua voz me parece estranha. O que o Manson fez?

Era isso que eu queria, alguém que soubesse sobre aquilo.

— Usou a sua mãe como forma de ofensa, mais uma vez. — Fui até um
banco próximo, sentando-me. — Digamos que eu tenha surtado no
vestiário porque estavam falando sobre uma garota que estou ajudando.
— Você brigou com o Turner por causa de uma garota? Quanto tempo faz
que eu não volto para casa?

Sua risada familiar me fez sorrir.

— Bastante tempo para um irmão que precisa de colo.

— Seja o homem da casa, Lebbie — Emma brincou do outro lado da linha,


não controlando um risinho debochado. — E se isso é você me pedindo
para ir para casa, vou tentar fazer esse esforço. O Camden está bem? Você
tem certeza que não quer procurá-la?

— Sim e sim — resumi.

Ela também não era um assunto fácil para mim e Emma sabia disso.

— Olha, vou ver como vai ser esse final de semana para mim e te mando
uma mensagem avisando se puder ir. Qualquer coisa, por que você não vem
para cá? Um dia de irmãos seria incrível.

Passei a mão no cabelo, concordando com a cabeça como se Emma


pudesse ver.

— Pode ser… Vemos sobre isso em breve. Estou com saudade, Em.

— Também, Lebbie.

— Hey!

Paige acenou de longe, chamando atenção de algumas pessoas da


biblioteca. Seu pequeno chamado foi o suficiente para recebermos
repreensão da bibliotecária presente. Desde que passei a ser visto com
Paige, não consegui mais ser o cara invisível que me esforçava em ser. Não
adiantava me esconder, entrar e sair dos lugares em completo silêncio. De
uma forma ou de outra, com ela presente ou não, eu estava chamando
atenção e não tinha uma opinião formada sobre isso.
— Oi. — Movi meus lábios, sem sair qualquer som.

Eu estava com vergonha.

Tentei de todas as formas não sorrir, porém foi impossível.

Paige tinha se arrumado, eu conseguia sentir seu perfume mesmo estando


distante. Ela rapidamente levantou da cadeira em que estava, como se
estivesse pronta para se jogar nos meus braços. Abriu um grande sorriso e
andou na minha direção. Se não soubesse de quem se tratava, poderia jurar
que ela estava ansiosa para me encontrar. Pois o sorriso estampado no seu
rosto, a forma que deu passos largos e a forma com que trombou seu corpo
no meu, mostravam exatamente isso.

Mas algo diferente aconteceu. Algo que nem eu e nem ninguém estava
esperando. Paige Mallory segurou o meu rosto entre suas mãos e jogou seu
corpo contra o meu, alcançando minha boca com a mesma pressa em que
andou até mim; com a mesma alegria que me disse “hey” assim que me
avistou.

Foi tão rápido que cheguei a me afastar alguns segundos dos seus lábios,
encarando-a. Não consegui entender por qual motivo ela estava me
beijando, entretanto, a jogadora sorriu, ficou um pouco mais alta,
parecendo estar na ponta dos pés e selou mais uma vez sua boca na minha,
cruzando seus braços no meu pescoço.

— Que tal você colocar a mão na minha cintura? — Ela sussurrou. —


Acho que você está assustado demais para quem quer que acreditem que
estamos juntos.

— Eu não… Co-como? — Era impossível pensar com Paige tão perto de


mim.

— Por que você ainda não colocou a mão na minha cintura e retribuiu o
beijo que te dei, nerd?

Balancei a cabeça ainda sem entender, demorando mais do que o normal


para processar tudo o que estava acontecendo. Paige estava pendurada no
meu pescoço, olhando dentro dos meus olhos, sussurrando como se
fossemos namorados.

Era isso. A história que eu mesmo inventei.

Ela estava fingindo que estávamos juntos.

Por um impulso, colei minha boca na dela mais rápido do que gostaria, e
segurei seus braços, tirando-os do meu pescoço. À nossa volta, o fenômeno
de olhares curiosos continuava acontecendo como se fossemos pessoas
famosas fazendo aquele tipo de coisa na frente de todos. Apesar disso, o
que fez com que me afastasse foi a sensação estranha de perceber que ela
estava fingindo a respeito da mentira que eu inventara.

Por que aquilo me incomodava? Não fazia sentido. Boa parte de mim
deveria ficar feliz por ela não ter ficado chateada e ter reagido com fez, me
beijando na frente de todos. Entretanto, de alguma forma, aquela
informação fez com que algo amargo queimasse na minha garganta e
subisse até a boca, como bile estomacal.

Limpei a garganta em um pigarro audível e sorri sem graça.

— Vamos fazer o seu trabalho, Mallory.

Vi sua confiança vacilar. Paige olhou para o chão e inspirou, voltando a me


encarar com um sorriso que agora eu conseguia sentir que era totalmente
falso.

Por algum motivo, eu já estava conseguindo decifrar algumas coisas sobre


ela. Os sorrisos mais falsos, a forma como ficava sem graça ou até quando
estava tentando me deixar fora de órbita com todo o seu charme. Eu estava
aprendendo sobre Paige, o que parecia ser algo bom.

Ou não.

— Ninguém vai acreditar que estamos juntos se você for incapaz de me


beijar rapidinho. — Paige piscou com um único olho e andou para o local
que tinha escolhido para fazermos o seu trabalho. — Eu te mandei
mensagem porque acredito que temos alguns assuntos pendentes.

— É… Acho que temos algumas coisas sobre o seu trabalho para fechar e
preciso ver o que você já conseguiu fazer do mesmo.

Ela gargalhou, deixando seu corpo despencar em uma das cadeiras.

— Não, nerd. Você é tão inteligente para umas coisas e tão lerdo para
outras. — Ela negou com a cabeça, me fazendo sorrir.

Quiçá eu devesse ficar chateado com aquele seu comentário, só que não foi
o que aconteceu.

Paige Mallory era uma das únicas pessoas que me chamavam de nerd sem
parecer algo ofensivo ou com a intenção de ofender. Pelo contrário, ela
falava aquilo de forma carinhosa. Quase um apelido fofo que ela achou
perfeito para usar para mim.

Se um dia já fiquei chateado por alguém me chamar assim, quando a


palavra “nerd” escapava dos seus lábios, tudo o que eu queria era sorrir e
pedir para repetir até eu gravar o tom, a forma como seus lábios se movem
ou o quanto carinhoso isso soa.

— Você me escutou? — Saí daquele espiral de pensamentos, sentando-me


com pressa à sua frente.

— Não, desculpa.

— Percebi. — Paige mordeu o lábio inferior, ganhando toda a minha


atenção. Talvez não para o que importava. — Eu estava dizendo que por
mais que meu trabalho seja importante, eu já escrevi metade do projeto que
preciso entregar para ela.

— Já?

— Já — ela respondeu confiante, apoiando as duas mãos na mesa. — O


que temos para conversar é sobre a sua parte nesse acordo e quem é a
menina que você quer ficar. Se vamos fingir que estamos namorando…
— Estamos fingindo isso? — A interrompi mais uma vez.

— Você está muito devagar hoje, nerd.

— É que eu não sei em qual momento a gente acertou isso.

— No momento em que eu te beijei na frente de todos, você passou a ser


meu aos olhos das outras meninas. E quando algo é meu, ou das outras
meninas “famosinhas” — ela fez aspas com os dedos — têm algo, é normal
que acabe chamando atenção. E não preciso te explicar que quando digo
atenção, é que vai ter muita menina dando em cima de você de forma
totalmente gratuita.

— Calma…

Paige suspirou.

— Você acha mesmo que se fingirmos estar namorando as pessoas vão dar
em cima de mim? Não deveria ser o contrário? — Franzi a testa.

— Deveria, mas as coisas não funcionam assim. O que realmente vai


acontecer é que se antes você chamava atenção, agora vai chamar muito
mais. Você não namorou na época da escola?

A minha abaixada de cabeça deve ter sido uma resposta, porque Paige
soltou uma risadinha baixa e esticou sua mão pela mesa, apoiando sobre o
meu antebraço. Seu toque quente esquentou minha pele, fazendo meu
coração bater mais rápido do que o normal.

— Então eu vou ser sua primeira namorada?

— Talvez. — Minha voz saiu por um fio.

— Eu disse para você que seria a sua primeira. — Levantei meus olhos
encontrando-a quase como uma predadora. — Sua primeira em várias
coisas.

Em razão da forma com que aquela frase deixou seus lábios, uma bola se
formou na minha garganta, me sufocando.
— É… É… Então… — Tentei engolir aquela bola, que parecia um disco
que eu tinha acertado diretamente na minha garganta. — Até onde você fez
o seu trabalho?

— Temos um…

— Eu acho que o assunto mais importante agora é o seu trabalho, Mallory.


— A resposta saiu rouca, arranhada.

— Eu acho que o assunto mais importante é saber quem é a menina que


você quer.

— Eu não…

— E nada de mentir dizendo que não tem alguém em mente. Sei que você
não sai muito, mas é impossível você não ter se interessado por nenhuma
menina que viu aqui no campus. — Ela não me deu espaço para falar,
apertando meu antebraço. — Abra seu coraçãozinho, nerd.

Eu não podia explicar.

Por mais que tivesse a borboleta em mente, não existiam circunstâncias em


que eu contaria sobre ficar fissurado por uma menina que vi dançar uma
única vez, que eu conhecia e sabia o nome, e mesmo assim nunca cheguei a
sequer falar com ela. No fundo eu sabia que Paige deveria me achar um
fracassado, porém não queria que ela deixasse isso claro no seu rosto, ou
falasse abertamente sobre isso.

Só de pensar na possibilidade de explicar, já me sentia constrangido.

Eu tinha interesse em uma menina que nunca olharia para mim.

Quer mais trouxa do que isso?

— Eu não tenho ninguém em mente.

— Mentira! — ela rebateu.

— Eu não conheço ninguém.


Péssima mentira.

Eu conheço a borboleta.

— Você não sabe mentir.

Ela riu, tampando a boca.

— Eu não estou mentindo.

— Vamos, nerd, você já quis comer alguém nessa faculdade?

Ela estava se divertindo, porém eu não estava nada animado com o rumo
daquela conversa.

Minha cabeça começou a projetar todas as possibilidades em ver a


borboleta muito além do que tinha visto. Pelada. Em posições diferentes.
Experimentando-a. Provando-a. Com a vontade que guardei nesses meses
desde que a vi dançar.

— É sério, Paige. — Tampei as bochechas, sentindo meu rosto queimar. —


Para com isso.

Não era só meu rosto que queimava, mas como todo o meu corpo. O
sangue que antes estava circulando normalmente pareceu ter ido
diretamente para uma área que não deveria, não naquele momento.

— Droga! — resmunguei olhando para baixo, entre meu corpo e a mesa. —


Vamos falar sobre Lúpus. — Encarei-a novamente. Eu não podia deixar
aquele assunto continuar se não ficaria de pau duro bem no meio da
biblioteca. — Vou buscar um livro sobre isso.

— Vou com você… — Ela sorriu lasciva. — Aí podemos continuar a


conversa e você me contar quem é essa pessoa que você tanto quer pegar.

Merda! Mil vezes merda!

Tentei ignorar a insistência de Paige enquanto andávamos pelos corredores


carregados de livros antigos, cheiro de coisa antiga e poeira.
Os corredores tinham uma boa sinalização de conteúdo, com placas que
saiam das estantes e indicavam o tema geral do corredor de livro que
passávamos. Eu sempre achei incrível toda a arquitetura e história que
aquela faculdade carregava.

A primeira vez que pisei naquele lugar, soube que queria estudar ali. Tinha
ido com meu pai para uma palestra sobre antigos alunos que foram um
sucesso, por mais que meu pai tenha tido problemas em seguir seu lado
profissional. Eu já era um amante de livros e um eterno curioso, então
fiquei pela biblioteca enquanto meu pai ia para um auditório contar sobre a
sua vida magnífica e extraordinária – uma verdade fantasiosa.

Eu fiquei apaixonado por aquele lugar, se tornando meu lugar favorito anos
depois quando finalmente consegui estudar naquele campus. Eu usava para
passear, pensar e abstrair a mente, já que o laboratório sempre estava com
um aluno cheio de perguntas que me afastavam, cada vez mais, da ideia de
seguir pela licenciatura e cair nos braços da pesquisa, sem alunos,
perguntas ou trabalhos mal feitos.

— Se eu não me engano, a parte sobre doenças está mais no fundo. —


Tentei cortar mais uma tentativa da sua parte.

— Como você sabe disso? E por que você está procurando aqui se poderia
ver no celular? — Paige me seguia, finalmente respondendo ao que falei.

— Eu queria ver em algum livro e não no celular.

Era uma grande mentira, só queria tirar um tempo para colocar a cabeça no
lugar. As duas cabeças. Só não contei com a possibilidade de Paige vir atrás
de mim.

— Eu gosto de algumas referências bibliográficas. Assim que comecei a ser


curiosa sobre Lúpus, um nome ficou muito forte nas minhas pesquisas.
Evelyn Hess era uma reumatologista que se tornou especialista na doença a
anos atrás. — Paige seguiu entrou em um dos corredores, me levando a
segui-la sem nem saber o motivo. — Ela foi uma das primeiras líderes a
vincular fatores ambientais a algumas pessoas que desenvolveram lúpus.
Isso na época foi um grande avanço no estudo da doença e…
Ela estava sexy pra caralho enquanto mostrava todo o seu conhecimento
sobre a doença que eu já sabia ser autoimune a essa altura. Seus lábios se
moviam rapidamente ao mesmo tempo que Paige parecia estar perdida não
só na sua cabeça e no seu vasto conhecimento sobre o assunto, como no
corredor que só tinha livros sobre anatomia.

A ideia de esquecer e acalmar minhas duas cabeças não estava


funcionando. Não existia nada mais sexy na minha visão do que uma
mulher inteligente, e por mais que sua nota não tenha sido das melhores nos
últimos testes, eu conseguia ver que Paige era muito mais do que uma
jogadora popular que andava cercada de pessoas. Ela era inteligente.

— Então a Hess comprou um computador doméstico, na época, e começou


a documentar e armazenar todas as informações porque ela sabia que, em
algum momento na história, aquelas informações seriam importantes. —
Ela continuava a falar sobre a tal pesquisadora.

E sexy.

— Acho que aqui deve ter algum livro sobre alguns casos clínicos e
descobertas dela.

Sexy pra caralho.

— Eu quero saber mais sobre isso.

E foi então que Paige me encarou, mais séria do que o normal. Seus olhos
correram de alguma ponta da estante que estava atrás de mim, se perdeu
pelos meus cabelos e caíram nos meus olhos. Fitando-me. Curiosa.
Descarada. Intensa.

Era isso, Paige estava me olhando intensamente.

Como alguém que analisa um quadro curioso, ou alguém que está em busca
de uma solução a uma equação matemática, ou até mesmo alguém que tem
muitas perguntas e poucas respostas para um problema importante.

A jogadora me olhava como se quisesse ler minha alma.


— O que eu falei de errado? — Consegui questioná-la.

— É que você é o primeiro cara que quer saber sobre isso. — Mallory deu
alguns passos na minha direção, enquanto eu me sentia totalmente
encurralado. — Você é diferente de todos os caras com quem já saí, Caleb.

Aquela intensidade agora corria pelas minhas veias, me envenenando com


seus olhos e sua voz suave. Paige se aproximou um pouco mais, me
envolvendo naquela teia e tensão, abraçando meus olhos com os seus,
entrelaçando meu corpo ao seu em uma conexão totalmente diferente para
mim. Eu nunca me senti assim com alguém. Era similar a estar hipnotizado
pela beleza, pelo choque da informação de ser diferente aos olhos de
alguém, sabendo que não era aquele diferente ofensivo.

Era como se ser diferente fosse algo bom aos olhos de Paige.

— Talvez eu esteja sendo o seu primeiro em alguma coisa também.

— É, nerd, talvez.

Ela me beijou.

Ávida. Com vontade. Sem pudor.

Paige jogou seu peso sobre o meu, fazendo com que eu encostasse nas
estantes cercadas de livro. A minha primeira reação foi me afastar, como
havia feito antes, mas na posição em que estava, isso era impossível de ser
feito. Tornando-se ainda mais impossível quando Paige não se reprimiu,
afundando seus dedos nos meus cabelos e os puxando até a minha boca
estar perto o suficiente para se afundar nos meus lábios. Unido. Conectado.
Deixando que aquele toque úmido me levasse a perder o controle e seguir
extintos de prazer, mordiscando seu lábio inferior a ponto de ouvi-la soltar
um baixo gemido.

Puta merda.

Não demorei para me recuperar daquele som, levando uma mão até sua
nuca para trazer ainda mais seus lábios para mim. Não existia explicação
científica para o que eu sentia quando a boca de Paige estava na minha. Era
uma euforia. Uma alegria. Uma agitação que queimava meu estômago até o
pescoço. Todo meu corpo parecia desligar, por mais que eu conseguisse
sentir arrepios, minhas mãos se aventurando pelo seu corpo, meu sangue
correndo mais rápido por minhas veias.

— Eu ainda estou chocada em como você beija bem — Paige sussurrou


com a boca raspando na minha.

Seu comentário me fez rir, percebendo que o calor que queimava meu
pescoço agora estava totalmente no meu rosto.

— Tem muitas coisas que você pensou saber sobre mim, Paige. — Fechei
os olhos, beijando-a mais uma vez.

Eu precisava ficar de olhos fechados, precisava focar em outra coisa que


não fosse ela e seu gosto. Eu estava me esforçando para pensar em outras
coisas que não fosse Paige Mallory nos meus braços.

— Abre os olhos, nerd.

— Eu não posso — murmurei.

— Por quê?

Ela selou sua boca na minha, apertando seu peito contra o meu. Pode ser
que a minha mente tenha ido muito longe, apesar disso eu tinha quase
certeza que Paige estava com um sutiã de renda por baixo da camiseta fina
e roxo claro que estava usando. E só de pensar nisso, pude facilmente
imaginar como seria tocá-la até descobrir o que tinha por baixo daquela
blusa; se Paige tinha alguma tatuagem escondida ou até se o seu sabor era
tão gostoso quanto o dos seus lábios.

— Merda, Paige! — rosnei. — Você me faz pensar… Pensar em coisas…

— Que coisas? — Ela deslizou sua mão pelo meu peito, dando pra
imaginar seus lábios abertos em um sorriso. — Olha para mim, Caleb. Fala
olhando nos meus olhos o que você anda pensando.
Obedeci, como um cachorrinho.

Abri meus olhos, dando de cara com aquele tom amarelo com rajadas de
verde totalmente escurecidos, transparecendo desejo ou algo parecido com
isso.

— Pensar coisas… — respirei pela boca, procurando a palavra certa para


descrever todas as coisas que minha mente foi capaz de pensar naquele
milésimo de segundo — inapropriadas.

— Você pode não só pensar em coisas inapropriadas, como fazê-las, Caleb.

Eu nem sabia que precisava, porém aquela permissão foi o suficiente para
cravar minha boca na dela mais uma vez, trocando de posição, encostando
seu corpo contra a estante. Paige soltou outro gemido que fez meu pau
pulsar dentro da calça, sendo impossível controlar qualquer coisa depois
disso. Se minha mente pudesse produzir todos os cenários possíveis,
Mallory tinha liberado para que eu descobrisse se tudo condizia com a
minha imaginação.

Apoiei uma mão em uma prateleira ao mesmo tempo que a outra mão
descobria se estava certo. Aquele movimento trouxe verdades que nem
minha imaginação poderia projetar com tanta perfeição. A sua pele macia,
sua cintura pequena que fazia a curva perfeita para seus seios. Por fim seu
sutiã, que se assemelhava a renda e fino. Fino o suficiente para sentir seus
mamilos rígidos na ponta dos meus dedos, me convidando a brincar com
eles.

— Era isso que você tinha pensando, nerd? — Ela quase ronronou como
uma gata, até terminar em um gemido. — Você queria tocar meu peito?

— Eu queria sentir o seu gosto para saber se é tão bom quanto o dos seus
lábios.

Saiu automaticamente, sem filtro.

Em resposta, Paige apertou minha mão contra o seu peito, me incentivando


a estimular a região. Quem gemeu dessa vez foi eu, baixo e rouco,
procurando sua boca como uma pessoa procuraria por água após um treino
intenso. Sua língua não cedeu àquela vontade, muito pelo contrário, me
instigou a brincar com os seus mamilos, na necessidade de tocá-la sem
aquele tecido fino que nos separava naquele momento.

— Você quer chupá-los? — Paige perguntou assim que deixou minha boca
para beijar meu pescoço. — Eu deixaria você sugá-los até ficarem
doloridos, até me deixar com vontade de sentar gostoso em você.

— Pa-Paige… — Fiquei sem reação, enfiando a mão nos seus cabelos para
olhar nos seus olhos. — Você… você faria isso aqui?

— Oh, nerd, eu posso te mostrar o que eu faria nessa biblioteca com você.

— Então mostra.

Aquele já era meu desejo falando por mim, pensando o que se passava na
mente de Paige naquele momento.

— Você já fez algo assim? — Ela sussurrou contra a minha boca, deixando
meu pescoço de lado para olhar para o nosso meio e deslizar sua mão pelo
meu peito até o cós da calça que estava usando. — Você já teve uma
menina pronta para chupar seu pau no meio de uma biblioteca, nerd?

— E-eu… Eu… É… Eu n… — Neguei com a cabeça, já que era incapaz de


falar.

Eu tinha esquecido como se falava.

Paige sorriu visivelmente contente.

— Então você vai ter a sua primeira aula comigo, nerd. — Paige apalpou
meu pau sobre a calça jeans. — Eu vou fazer você viver várias primeiras
vezes.

E foi com mais um perto que eu gemi, precisando segurar na prateleira


atrás de Paige. O desejo não estava apenas correndo nas minhas veias, ele
também estava latente nas minhas bolas, pulsando.
— Você vai gemer assim quando estiver com esse pau todo na minha boca,
Caleb? — Ela seguiu apertando meu pau sobre o jeans, estimulando
enquanto usa seu tom mais sedutor para falar perto da minha boca — Uhm?
Me responde, nerd. — Ela deveria saber que eu estava sendo incapaz de
falar qualquer coisa, porque lambeu meus lábios e estimulou mais firme,
arrancando mais um gemido meu. — Se isso fosse uma prova oral, você já
tinha tirado nota zero. Mas pelo documento — ela soltou uma risadinha
safada que arrepiou todo o meu corpo —, pelo documento eu te daria nota
dez.

— Você vai me enlouquecer, Mallory.

— Você ainda não viu nada.

Paige engoliu minha boca mais uma vez antes de se abaixar na minha
frente.

— Estou atrapalhando o casal?

A bibliotecária me assustou, dando alguns passos para trás.

— Estávamos procurando por um livro — Paige respondeu enquanto fingia


mexer no seu tênis.

— Livro? — A mulher cruzou os braços.

— Já estamos saindo.

— Assim eu espero — resmungou, me encarando. — Espero não precisar


chamar atenção de vocês novamente.

— Não será necessário. — Paige levantou, jogou seu cabelo para trás dos
ombros e me encarou. — A gente pode estudar outro dia, não é, Caleb?

Como eu poderia responder se eu tinha acabado de quase ser chupado por


Paige Mallory?
— O que poderia ser tão importante, Caleb? — James jogou a bicicleta no
canteiro do quintal, olhando-me dos pés à cabeça. — Você estava igual um
louco no celular, dizendo que não conseguia respirar. Que porra aconteceu?

— Eu estava desesperado. — Abri espaço para que ele passasse. — Paige


me mandou mensagem para ir ajudar ela na biblioteca.

— Porra, temos que falar sobre ela também. — James jogou sua mochila
no sofá e seguiu em direção a cozinha, totalmente habituado à minha casa.
— Você tá pegando a Mallory e não contou pra mim. — Ele abriu a
geladeira. — Que merda de amigo eu sou que não deveria saber que você
está pegando uma das meninas mais gostosas da faculdade?

Fui até a mesa, puxando uma cadeira enquanto analisava meu melhor
amigo andar pela casa como se ele também fosse filho do meu pai. Eu
queria muito que o treinador chegasse agora para ter a oportunidade de rir
de James ficando tão sem graça a ponto de sair correndo e ficar dias sem
colocar as caras na minha casa, porque sim, ele provavelmente reagiria
dessa forma.

— Eu não estava pegando ela.

— Então agora está? — James pegou um saco de cenouras pequenas e um


creme cremoso de queijo, se sentando na minha frente. — Você quer me
dizer que aquele puta beijo que vocês deram no campo era o quê?
Fingimento?

— Mas era.

— Vai se foder, Turner! — Ele gargalhou, colocando os pés em cima da


mesa. — Você não sabe nem mentir, porra.

— Eu tô falando sério, porra!

Meu melhor amigo estreitou os olhos.


— Você acabou de xingar?

— Sim, cacete! — Revirei os olhos, pendendo a cabeça para o lado direito.


— Até agora não sei o que aconteceu com a gente naquela biblioteca.

— Calma, biblioteca? — James jogou algumas cenouras na boca, tirando


os pés da mesa. — Me conta o que está acontecendo porque agora tô
perdido.

— Você promete que essa merda vai morrer nessa cozinha?

— Você vai me arranjar a amiga gostosa dela?

— Porra, James!

— Foi mal, parceiro. Eu vou guardar qualquer coisa porque somos tipo
irmãos.

É, isso era verdade.

Eu poderia dizer que James era o irmão que eu tinha, todavia seria chato
por ter o Camden como meu irmão. Mas ele era uma espécie de irmão da
mesma idade, ou mais velho. Alguém que eu sempre contei todas as coisas,
dava os piores conselhos e me ajudou quando minha mãe… bom, James foi
o irmão que eu não tive da mesma idade.

— Até porque se você contar essa porra pra alguém, eu solto aquele seu
vídeo com você fodendo com um buraco na parede.

— EU ESTAVA BÊBADO!

Foi a minha vez de gargalhar.

— E ESTAVA TRANSANDO COM UM BURACO — gritei, sendo


acompanhado por ele na risada.

— Vai se foder! Sério! Não sei porque fui desabafar com você. — Ele
jogou mais uma quantidade absurda de cenoura na boca. — Agora fala, o
que aconteceu entre vocês?
A verdade era que eu tinha ligado para James em um ato totalmente
desesperado. Depois da biblioteca, Paige ainda me beijou no meio do
corredor da faculdade, embaixo de uma árvore no meio do pátio e próximo
a sua casa, dentro da minha caminhonete. Seus beijos foram amorosos, sem
todas as mãos que tinha acontecido na biblioteca. Aparentava que ela
estava gostando de estar com a boca grudada na minha. Porém uma frase
me tirou dessa fantasia.

“Estamos fingindo muito bem, nerd”, ela usou seu tom mais fofo para dizer
isso, como a merda de um lembrete que aquilo era apenas um fingimento,
por mais que parecesse algo bem real. Fiquei sem saber o que responder
quanto a isso e deixei que ela saísse do meu carro com mais um beijo – de
mentira.

Digamos que eu tenha pensado demais sobre isso e sobre a frase que ela
deixou no ar, ligando para primeira pessoa que me passou pela cabeça.

— Você ficou com ela na biblioteca? — James parecia não acreditar em


nada do que eu tinha acabado de falar.

— Você não está prestando atenção? — Cocei a cabeça, grunhindo baixo


— Ela… Ela… Ela falou umas coisas e quase me chupou, James.

— Quê? Boquete? — James quase saltou da cadeira. — Quando você virou


o fodedor, Turner?

— Cara…

— Eu ouvi boquete? — Camden deu um susto em nós dois.

— Porra! — falamos em uníssono.

— Seu treino já terminou, Cam?

Ele não parecia ter treinado, estava tão limpo quanto saiu de casa para ir
para escola. Camden era a última tentativa do meu pai de ter um nome forte
no esporte dentro da nossa família. Ele desacreditava que a minha irmã
conseguiria, então começou, desde cedo, a colocar Camden nos trilhos
assim como fez comigo. A única diferença é que ele não tinha o mesmo
tempo de encher o saco como fez comigo.

Sorte de Camden.

— Eu faltei ao treino. — Camden deu de ombros, se acomodando na


cadeira próxima a minha. — Não estava afim de jogar hoje.

— Você ainda está no beisebol? — James cedeu seu saco de cenouras,


dando para Camden.

— Ele agora está entre o beisebol e o hockey.

— Mas estou fugindo do hockey por causa do papai.

— Claro, seu pai é um monstro. — James estremeceu em cima da cadeira,


fazendo com que eu e meu irmão rissemos.

— Vamos voltar ao que interessa. — Camden enfiou uma das cenouras no


molho e comeu. — Vocês estavam falando de boquete?

— Desde quando você sabe o que é boquete?

— Vai dizer que você não sabia, Caleb? — James gargalhou. — Você vivia
vendo vídeos pornô.

— Cala a boca, idiota!

— Eu sei o que é boquete porque eu tenho quase quinze anos, Lebbie.


Agora não muda de conversa. Fala o que está rolando por aí. — Ele
apontou para as minhas pernas, rindo extremamente alto com James.

— Eu não vou falar sobre isso na sua frente, Cam.

Eu poderia lidar com o fato do meu irmão provavelmente saber mais do


que eu sobre algumas coisas. Apesar disso, não estava disposto a
compartilhar mais informações com ele ou ter que escutar conselhos de um
pirralho.
Tudo tinha limite.

— Ele estava contando que a Paige chamou ele para fazer um trabalho e
eles terminaram no corredor da biblioteca. — James sacudiu a mão, como
se fizesse uma punheta no ar. — Seu irmão me ligou desesperado, deve ter
sido a primeira bronha em anos.

— Com a Paige? Aquela que veio aqui em casa? — Camden parecia


chocado.

— Ela veio na sua casa? — James pareceu ressentido.

E tudo o que eu queria era morrer do que ficar conversando sobre isso com
os dois.

— É essa Paige mesmo, Cam. — Suspirei. — E ela dormiu aqui no dia da


festa porque estava muito bêbada.

— Mas ela dormiu no quarto da Emma — Camden pontuou perfeitamente,


tampando metade da boca com a mão. — Ele disse que não queria que ela
pensasse que estava se aproveitando dela, mas parece que se aproveitou em
algum momento, não é? — Camden fingiu sussurrar, gerando mais uma
onda de risadas entre ele e meu melhor amigo.

— Ele aproveitou daquela boquinha…

— James, porra! — Resmunguei. — Não teve boca nenhuma. — Levantei


rápido da cadeira. — Quer dizer, não fala da boca dela.

— Ih, ele ficou bravo.

— Meu irmão está apaixonado, James.

Eles bateram as mãos em um toque no ar, rendendo-se para mais uma onda
de risadas entre eles dois.

— Não, sério! — James respirou fundo. — Por que você ficou tão
desesperado? Não vi nenhum problema em nada disso. Você não é virgem.
Não faz sentido ter medo quanto a isso.
Revirei os olhos.

— Obrigado por falar sobre isso na frente do meu irmão mais novo.

— Para, Lebbie, eu sou quase um adulto.

— E o garoto precisa aprender mais do que você, Caleb, se não ele vai
chegar na faculdade sem ter comido ninguém.

— Olha, eu te liguei porque fiquei me sentindo estranho quando ela falou


que estávamos fingindo. — Me encostei na geladeira.

— Você queria que fosse real? — Camden foi o primeiro a questionar.

James permaneceu em silêncio, me analisando com olhos mais atentos que


o normal.

— Eu não sei se queria que fosse real. — Dei de ombros.

— E a borboleta? — O olhar atento de James se iluminou como uma


lâmpada sendo ligada no quarto escuro. — Agora você pode pegar a
borboleta como quiser e quando quiser.

— Que borbol…

— Mas a questão é que a Paige… — interrompi Camden.

— Acho que você deveria aproveitar disso para ficar mais próximo dela. —
E dessa vez quem foi interrompido foi eu, por James e sua cara astuta. —
Se bem que você pode se apaixonar.

— Não se ela se apaixonar primeiro — Camden falou como se fosse a coisa


mais simples, ganhando a atenção de James.

— É isso, você pode se aproximar o suficiente até ter a sua…

— Não! — cortei-o.

— Caleb…
— Não!

— Lebbie, por que você não tenta?

— Por que Paige Mallory jamais ficaria com um cara como eu?

— E a sua borboleta?

Por que diabos tinha comentado sobre isso com James?

Eu poderia me enganar o quanto quisesse, mas quando o assunto era a


borboleta, tudo parecia tomar um sentido ainda maior. Paige poderia fingir
o quanto quisesse, porém, o seu fingimento, me levaria até a menina dos
meus sonhos.

— Eu posso continuar me aproveitando disso — respondi mais para mim


do que para os dois idiotas que me encaravam.

— É assim que se fala.

— Vai comer a mina mais gostosa da faculdade. — James socou a mesa. —


Filho da puta de sorte.

— Eu vou fazer isso para chegar até a borboleta. — Mais uma vez aquilo
dizia mais sobre os meus pensamentos do que sobre os dois.

Eu posso dar muitos beijos de mentira em Paige, – ainda que eles pareçam
bem verdadeiros.
Os últimos dias foram de silêncio da parte de Caleb.
Aquilo me deixou tensa por talvez ter passado do limite com ele, de
primeira. Porém, se fosse pensar no que se passou na minha cabeça naquele
momento, não dava para controlar muito a situação. Agi com minhas
vontades. Kimberly e eu tínhamos chegado em várias possibilidades do que
poderia acontecer na biblioteca. Eu estava pronta para fazer aquele nerd
olhar para a biblioteca de forma diferente, e fiz.
Entretanto, depois de tudo o que aconteceu, ele se esquivou de me
encontrar de todas as formas. Ou pelo menos era assim que eu estava vendo
as coisas. Mandei mensagem, conversei sobre minha dificuldade em dar
continuidade ao trabalho – o que era uma mentira, porque aquele tema era
meu favorito e me inspirava a pesquisar cada vez mais – e cheguei até a
falar com seu amigo, que se fugiu exatamente como um atacante se desvia
da defesa.
Ainda tinha a questão de que até o momento Caleb Turner não
deixou um único nome escapar. Cheguei até a fazer uma breve pesquisa
entre as meninas se existia alguém que ele estava de olho, com a mentira de
estar morrendo de ciúmes dele. Tudo bem que talvez estivesse sentindo
ciúmes mesmo. Por mais que confiasse em mim mesma, queria saber com
quem eu estava lidando.
— Você está meio estranha. — Miley sorriu do seu jeito fofo,
apoiando a mão no meu ombro antes de passar por mim e ir direto para a
minha cama. — O que está acontecendo?
— Caleb está… — Parei de falar no momento em que meu celular
apitou.
— Uh, será que é ele? — Miley parecia um golden retriever animado
com qualquer coisa, batendo palminhas.
Pensei que não. Caleb não iria me mandar mensagem depois de dias
em completo silêncio e se escondendo. Todavia, quando olhei para o
aparelho nas minhas mãos, não acreditei. Uma notificação com o seu nome
estava na tela do meu celular.

Assim que pensei em largar meu celular sobre a mesa e voltar a dar
atenção para Miley, meu celular apitou e vibrou.
Caleb estava lendo minha mensagem no mesmo segundo em que enviava.
Por algum motivo eu sorri para o telefone, alegre em finalmente ele querer
entrar em contato comigo. Quer dizer, não apenas isso, mas estava me
chamando pra sair. Coisa que nunca achei que Caleb faria.

— Que cara é essa?


— Preciso estar pronta em trinta minutos, M. — Inspirei fundo. —
Preciso da sua ajuda para estar linda e pronta para o nerd.
— MISSÃO SALÃO DE BELEZA! AMO! — Ela gritou, saltando
da cama com a mesma animação que bateu palmas anteriormente. — Para
onde você vai?
— Parque.
— Romântico! — Com um gritinho fino ela correu para o closet
pequeno que guardava todas as minhas coisas. — Precisamos de uma roupa,
um cabelo bonito e um gloss para seus lábios ficarem bem gostosos para
ele.
Aquilo me fez rir.
— Acho que ele não quer me beijar.
— Bobinha, com o gloss certo, não existe isso de não querer beijar.
Como todas as pessoas da faculdade, minhas amigas também já
sabiam do beijo e como aquilo tinha me afetado de alguma forma. Entre ir
aos treinos, estudar para as outras matérias e terminar o trabalho para a Sra.
Cooper, ainda me sobrou tempo para alugar uma ou outra para falar sobre
como estava me sentindo sobre esse sumiço do Caleb. Eu odiava aquela
sensação.
Era uma sensação muito familiar.
O meu divisor de águas foi um namoro no começo do ensino médio.
Não é nada mais do que uma história que acontece com todo mundo em
algum momento da vida, onde você espera mais do que deveria de uma
pessoa. Entretanto, a pequena Paige acreditou nos sentimentos que estava
sentindo.
Foi um namoro real, com sentimentos reais e toda aquela coisa de
pensar que eu viveria algo como meus pais, um amor que nasceu no ensino
médio e conseguiu sobreviver a faculdade, distância e todas as pedras que
aparecem pelo caminho.
Não preciso dizer que não foi assim, não é?
Esse namorado em questão, que me recuso mencionar o nome, foi o
cara que conseguiu brincar com a minha mente e autoestima, fazendo
acreditar que não era suficiente. Me senti uma boba. Chorei pelos cantos e
quando a Kimberly percebeu que estava em uma situação ruim, segurou
meus ombros e me fez prometer que não faria isso comigo novamente.
Não iria me apaixonar perdidamente por ninguém como tinha feito.
Aquela promessa parecia estar sendo quebrada a cada segundo que
passava mais tempo com Caleb. Por mais que tivesse namorado diversas
vezes depois desse relacionamento, ele foi um marco para não gostar tanto
assim de alguém. Digamos que eu me relacionava, curtia estar com a pessoa
e quando não era mais legal, eu terminava e seguia para o próximo.
Sem tempo para grandes sofrimentos.
Entretanto, depois da minha fixação por um nerd em específico, não
fiz mais o “obrigada, próximo”. Eu estava dando tudo de mim para que
aquilo acontecesse e na melhor das hipóteses, acreditando no inacreditável.
Ele poderia tornar-se o que eu realmente estava esperando.
Eu não podia quebrar a promessa, porém não podia deixar de lado o
que estava sentindo.
Eu só precisava tentar controlar mais a situação, e foi com esse
pensamento que terminei de me arrumar com a ajuda de Miley, com um
vestido florido em um tom de verde musgo e flores brancas. Meus cabelos
estavam com as ondas que Miley gostava tanto de fazer e mesmo com
pouco tempo, ainda fiz uma maquiagem nada para chamar atenção dele.
Era muito esforço por um cara? Possivelmente.
Mas eu não sei desistir de nada do que eu quero, e se tinha uma coisa
que eu tinha certeza, era que queria Caleb Turner para mim.
— Ele é o mesmo nerd de sempre? — Miley sussurrou ao meu lado,
assim que abri a porta após uma mensagem de Caleb dizendo que já estava
na minha porta.
— Acho que sim — sussurrei no mesmo tom, tentando disfarçar.
Minha amiga virou como se fosse me abraçar, uma cena que nunca
fazíamos.
— Ele está um gato — ela falou contra os meus cabelos.
— Pois é.
Precisei concordar com a Miley. Por alguns segundos me perguntei
se aquele cara era o mesmo que estava fugindo de mim por dias. Por algum
motivo estranho, ele estava completamente diferente. Caleb estava
encostado no capô da sua caminhonete antiga, com a jaqueta do time de
hockey em roxo e branco, assim como a maioria dos uniformes da
faculdade. Seus olhos estavam perdidos em algum ponto entre o quintal da
nossa casa com outra residência, parecendo relaxado como nunca o vi.
Todo o resto parecia igual – os cabelos bagunçados e meio
ondulados, escuros e brilhantes; os mesmos tênis surrados que deveriam ser
os seus preferidos porque nunca saiam do seu pé no dia a dia; e o sorriso
contido assim que deixou de olhar para o quintal e passou a me encarar.
Cada movimento. Cada ciclo respiratório. Cada sinapse cerebral.
Eu sentia que ele estava me analisando, decifrando, codificando cada
parte minha.
Algo estava muito diferente nele.
— Oi, nerd.
Pela primeira vez depois daquele beijo no campo, eu me contive.
Tentei um aceno com a cabeça, sutil e sem chamar atenção. Porém, fui
atingida por um abraço. É, um abraço. Braços em torno do meu corpo,
apertando-me contra ele.
Inacreditável, foi a primeira coisa que passou pela minha cabeça.
Parecia impossível que em algum momento eu seria recebida assim
por Caleb. Logo o cara que fingiu que eu não existia durante esses dias;
logo o cara que precisou de iniciativa minha todas as vezes. Aquele cara
estava me abraçando com força, quase tirando meus pés do chão. E por
alguns momentos, ele fez aquele movimento sozinho, similar a abraçar um
urso de pelúcia. Sem vida. Sem troca.
Reage, Paige, meu cérebro me avisou no momento para não tornar
aquilo uma coisa estranha. Desenhei seus ombros largos de anos de esporte,
fiquei ainda mais na ponta dos pés e retribuí aquele abraço, cruzando meus
braços em seu pescoço. Só então percebi outros detalhes como o cheiro
fresco e amadeirado que saia do seu corpo, o fato do seu cabelo estar úmido
e a respiração do nerd queimando a curva do meu pescoço.
— Desculpa por esses dias, eu estou…
Naquele momento eu percebi mais uma coisa: aquele abraço era algo
de conforto e não algo sensual. Caleb estava pedindo colo sem pedir. Quer
dizer, ele tinha reivindicado um abraço por conta própria.
— Está tudo bem? — Perguntei assim que afrouxou seus braços,
permanecendo com suas mãos em mim. — Você sumiu e… Eu não… —
Deus, eu estou nervosa? Sério? — Eu não quero te…
— A gente pode entrar no carro e eu te contar tudo? Eu não sumi
porque eu quis e sei que vai parecer aquelas desculpas escrotas, mas é a
pura verdade. Juro. De verdade. — Ele riu, coçando a cabeça. — Vamos
para o parque? Eu acho que vai ser mais legal sair daqui sem que…
Tudo bem, ele está mais nervoso que eu.
Nem precisa ser um super nerd para perceber isso.
— Podemos ir para o parque, até porque estou doida por um algodão
doce.
— Podemos providenciar isso. — Ele me presenteou com o sorriso
que iluminava cidades, países e talvez galáxias.

— Eu não imaginava que iriam ter pessoas da faculdade — Caleb


falou baixo assim que acenou para uns garotos, que acreditei ser do time. —
A minha intenção não era… Desculpa, de novo. — Ele tirou uma única mão
do bolso da jaqueta e passou por cima dos meus ombros.
A todo momento Caleb aparentava estar incomodado com algo, ou
acreditando que eu estava incomodada. No instante em que pensei
perguntar o motivo de estar assim, ele teve a iniciativa de passar o braço por
cima dos meus ombros, fazendo com que eu me perdesse completamente no
que estava pensando. Ele estava me abraçando lateralmente por conta
própria.
Isso era, no mínimo, uma novidade e tanto.
Me aproximei mais do seu corpo, passando uma mão por sua cintura
para andarmos juntos. Se o nerd estava disposto a ficar com a mão
pendurada em mim, eu iria me aproveitar de cada momento que pudesse,
nutrindo o coração da Paige adolescente que nunca prometeu não gostar de
alguém.
Às vezes, tudo o que nós queremos é esquecer das cobranças e viver
o que está sendo oferecido, sem pensar nas consequências ou
arrependimentos.
— Você quer conversar ou fingir um pouquinho que está tudo bem?
— Olhei para cima, encontrando seu sorriso tímido.
— Eu não estava fingindo que estou bem… só… — Ele riu, negando
com a cabeça, procurando um ponto para olhar para frente. — Eu só fiquei
muito feliz em você ter aceitado sair comigo. Eu precisava te ver, Paige.
— Precisava?
Eu sabia que estava sorrindo demais só pelo fato de estar com minhas
bochechas doloridas.
— Precisava.
Em nenhum momento ele olhou para mim, focando seus olhos em
alguns brinquedos no tempo em que andava ou qualquer outra coisa na
nossa frente. Não era desinteresse, como eu acreditaria se viesse de outra
pessoa. Diferente disso, Caleb se assemelhava a alguém sem coragem de
dizer o que disse enquanto olhava nos meus olhos.
Não obstante, eu conseguia imaginar suas bochechas rosadas, o
sorriso tímido de estar sendo sincero, ou o conjunto das duas coisas. A
informação chamou minha atenção, engoliu minhas falas e ficamos em
silêncio, andando um do lado do outro enquanto acenava para alguns
conhecidos.
O parque de diversão estava a pouco tempo na cidade em um terreno
um pouco mais distante do centro comercial, próximo as praias. Assim que
chegou, ele se tornou rapidamente um local a que todos estavam indo, o que
não me chocou de chegar e ver algumas pessoas da faculdade. Óbvio que na
hora que fui convidada, pouco pensei sobre isso. Nem me recordei. Até
porque não tinha tido tempo de visitá-lo com toda a loucura que estava
sendo a minha vida, e minha cabeça que estava focada em um nerd em
especial.
Como Long Orange é uma cidade universitária, poucas coisas
acontecem, tirando as festas que os próprios alunos inventam, logo um
parque vira um grande evento.
E não vou mentir, eu adorei a ideia de vir.
Tudo bem que parte disso se dava por saber que passaria um tempo
com Caleb e poderia tirar todas as minhas dúvidas.
— Aqui está o seu algodão doce. — Ele apareceu com uma nuvem
cor-de-rosa nas mãos.
A ida até lá não foi regada de muitas conversas, muito pelo contrário.
O papo que sempre acabava surgindo de alguma forma foi resumido a
música de umas fitas que Caleb disse ter sido gravadas pelo seu avô,
primeiro dono do carro; e, também, um silêncio profundo.
Não foi desconfortável.
Ele não comentou nada sobre aquele abraço, ou o que queria se
desculpar e o seu nervosismo.
— Obrigada, nerd.
Ele riu baixinho
— Eu gosto quando você me chama assim, sabia?
— Isso é um pedido para que sempre te chame dessa forma?
Caleb me fitou ainda sorrindo, afundando as duas mãos na sua
jaqueta de estilo universitário e ganhou aquele tom rosado nas bochechas.
Com aquele olhar e sorriso, combinados a uma jaqueta das cores da nossa
universidade, Caleb Turner poderia facilmente se passar por um dos caras
babacas do seu time. Contudo, a forma como seu rosto não conseguia
sustentar uma máscara, deixando escapar aquelas bochechas avermelhadas,
deixava claro como ele era e quem era.
— Você pode me chamar do jeito que quiser, Mallory.
— Se você acha legal, vou te chamar de nerd até quando estiver
gemendo por você.
Eu não podia deixar a oportunidade passar. Aquele era o meu jogo.
Eu ia falar de tudo para vê-lo com vergonha e todo nervoso. Aquele ar
inocente me cativava e me excitava mais do que um cara super sexy falando
coisas safadas para mim. Era aquele jeito de menino que não sabe o que
está fazendo que me deixou sem dormir por dias imaginando como seria se
tivéssemos passado do limite na biblioteca.
— Nesse caso eu prefiro que você gema o meu nome e bem alto —
um brilho cintilou nos seus olhos, fazendo-me prender a respiração —, para
que eu e todos saibam quem está fazendo isso com você.
Choque.
Eu estava chocada.
Quem ficou travada com a sua resposta, foi eu.
Quem ficou anestesiada enquanto sua mente esvaziava na fantasia de
ter a oportunidade de gritar o nome de Caleb, foi eu.
Caleb segurou a minha mão que estava a todo o momento segurando
o algodão doce e ergueu até a altura dos seus lábios, se preparando para
morder a nuvem cor-de-rosa. Fiquei presa na cena, petrificada por seus
dedos longos e calejados estarem segurando minha mão com tanta vontade.
Tudo parecia estar em câmera lenta enquanto aqueles olhos ainda estavam
em mim, mesmo que estivesse focado em abocanhar o algodão doce em
minhas mãos.
Fiz o mesmo que ele.
Me aproximei para comer aquele algodão doce.
Eu queria ser aquele algodão doce que estava se derretendo em sua
boca.
— Doce! — afirmou.
— Sabe o que mais é doce?
— O quê?
Ele tinha acabado de ser um completo safado. Todavia, sua pergunta
pareceu inocente demais. Tão inocente que vi a deixa que eu precisava para
atormentá-lo exatamente da forma que estava me sentindo.
— Minha boc… — O fato de Caleb ter arregalado seus olhos, me fez
gargalhar. — Minha boca, claro. — Estalei a língua. — O que você achou
que eu falaria, nerd?
— Na-nada, Paige. — Riu, nervoso. — Nada mesmo.
Caleb disse nada, mas eu sei muito bem o que ele pensou. E ele não
estava errado. E eu ainda iria provar que o que eu quase falei, era sim,
verdade.
— Eu não acredito que você conseguiu atirar naquela garrafa mesmo.
Eu fiquei tão chocada com as coisas que Caleb estava fazendo
naquele parque, que era como se eu estivesse conhecendo um cara
totalmente diferente por trás de um jaleco e o seu alto conhecimento. Turner
se dedicou para brincar em todas as barracas, sempre ganhando algum
prêmio.
— Meu avô gostava de treinar tiro.
— Tipo, matando animais?
Caleb negou, sorrindo.
— Ele gostava de atirar em garrafas ou coisas assim. Dos meus
irmãos eu fui o único que ele chegou a ensinar coisas, acho que não perdi a
prática.
Observei o senhor de idade que tomava conta daquele estande pegar
um panda mediano, que foi a minha escolha de brinde. Ele parabenizou
Caleb com os olhos e entregou a pelúcia para o nerd, que parecia mais feliz
do que quando começamos aquele passeio.
Minha ideia era conseguir perguntar sobre o nome da menina que ele
estava de olho, ou entender porque ele tinha sumido. Todavia, eu deixei que
com Caleb se divertisse sendo ele mesmo, assim como eu também deixei
que todos os questionamentos ficassem guardados em uma gaveta para
conseguir aproveitar aquele dia.
— Eu amei! — Abracei o panda. — Como você se sente sendo bom
em tudo?
— É para ser sincero? — Encarou-me.
— Claro.
Seu rosto vacilou, de um sorriso para algo quase doloroso.
— Eu sempre fui cobrado para ser bom em tudo, então nunca tive a
oportunidade de ser só… normal. A palavra não seria normal, mas...
— Eu entendi. — Interrompi-o.
Por mais que eu não tenha sido cobrada para ser melhor em nada,
sempre tive em mente que deveria ser o orgulho dos meus pais,
principalmente da minha mãe. Boa parte de tudo o que me propus a fazer ao
longo dos anos, seja na escola ou no esporte, foi pensando nela. Para ela.
— Meu pai foi o motivo de eu ter sumido, Paige. — Caleb suspirou
assim que terminou de falar sobre, deixando seus ombros relaxarem. — Eu
sei que isso parece uma história que qualquer outra pessoa contaria para
justificar uma atitude ruim, mas é a minha verdade. Eu sou cobrado para ser
o melhor jogador, o melhor aluno, o melhor irmão e eu fiquei exausto. Pela
primeira vez na vida eu não queria ser nada… Eu só queria te ver.
Pisquei algumas vezes, incrédula do que ele tinha acabado de falar.
— Eu não sei se entendi direito, Caleb.
— Paige…
Caleb calou-se por alguns instantes que pareceram uma vida para
mim. Olhou para os próprios pés, para o céu sobre nós e finalizou me
encarando, passando a mão pelos cabelos, como sempre parece fazer
quando está nervoso.
— Depois que começamos a fazer o seu trabalho, as pessoas
começaram a comentar muito sobre nós e isso chegou ao meu pai. — Sua
glote subiu e desceu, engolindo em seco. — E digamos que minha reação
sobre o assunto não tem sido das melhores dentro do vestiário, com os
comentários que tenho escutado e…
— Você está brigando com as pessoas?
Precisei interrompê-lo mais uma vez, pois o momento que ele me
contou pareceu algo pontual, um acontecimento. Não imaginava que as
pessoas continuassem comentando sobre isso, mesmo sabendo que era
possível de acontecer. As pessoas sempre estavam curiosas sobre fofocas –
não sou ninguém para julgar, porque adoro uma fofoca –, mas não
imaginava o impacto que isso poderia ter em Caleb, que aparentemente
estava acostumado a ficar invisível.
Ele queria ser invisível.
— Eu não gosto da forma como falam de você. — Não sei se era
possível, mas seus olhos estavam pretos como nunca tinha visto antes. —
Eu não quero que as pessoas fiquem falando absurdos sobre ninguém,
muito menos sobre você. Eu tenho irmã, me coloco no lugar de vocês e…
Eu não sei. Eu só explodo. E isso tem feito com que as coisas com o meu
pai estejam sendo insustentáveis.
Eu realmente não calculei como as coisas poderiam ser, muito menos
que as pessoas seriam maldosas ao ponto de Caleb ficar tão chateado. Se
bem que vindo dele, não era algo tão surpreendente. Depois da forma que
agiu com o menino no laboratório ou como pareceu estressado no meu
treino, era evidente que reagiria daquela forma. Eu que deveria ter pensado
que nem todo mundo vai aprender a ignorar como eu tive que aprender.
Ser julgada todos os dias, independente do que faça, sendo intitulada
como uma menina má, te faz criar cascas e máscaras. Camadas que nunca
serão perdidas porque ou você aprende lidar com tudo, ou viverá à mercê
do que as pessoas intitulam como certo.
Infelizmente isso não é algo que os meninos aprendem. Aposto que
Caleb não deve imaginar que a irmã dele pode sofrer pelo mesmo, que
atitudes vistas como comuns para os caras acabam não sendo interpretadas
da mesma forma para nós, mulheres.
Ele é diferente, se importa, só que a raiz do problema é mais
profunda do que ele pode resolver. Gritar, brigar e bater de frente com todos
não vai ajudá-lo em nada.
Eu não o ajudo em nada dessa forma.
Será que estou sendo uma vaca egoísta?
— Se eu estou atrapalhando você, eu acho melhor…
— Não! Você não me atrapalha.
— Você acabou de dizer isso, Caleb. Estou atrapalhando você no seu
treino, com seus colegas de time e com o seu pai. — Agarrei ainda mais
com aquele panda, querendo fugir dali.
Eu estava me sentindo péssima.
— Você entendeu errado. Eu estou tendo esses problemas pelos
comentários, mas a culpa não é sua e sim deles. Eles não têm direito de
falar sobre você, se estamos juntos ou o que você gosta ou faz na cama.
Eles deveriam te respeitar, me respeitar e respeitar nossa relação.
— Nossa? — Eu sabia que estava sorrindo feito uma boba.
— Vo-você…
— Eles pensam que estamos juntos, eu sei, Caleb. — Apoiei a mão
no seu ombro. — Mas independente de qualquer coisa, eu não quero ser a
pessoa que te faz brigar com seu pai ou toda uma equipe. Imagino que o
esporte seja extremamente importante para você.
— Ele já foi. — Ele tirou minha mão do seu ombro, segurando meus
dedos. — Você seria incapaz de me fazer brigar com o meu pai, porque já
não temos uma boa relação independente de qualquer coisa. Fora que —
Caleb se aproximou, roçando a ponta dos seus dedos — nossos encontros
têm sido os pontos altos dos meus dias, Paige. Você tem me ajudado sem ter
a menor noção disso.
Eu posso ter ficado emocionada no momento, só que nada superou a
emoção que tomou meu corpo quando Caleb se aproximou ainda mais e
encostou seus lábios nos meus. Fiquei sem reação, exatamente igual a todas
as outras vezes que me esforcei para fingir que estava sob o controle.
A verdade é que eu não tinha o menor controle quando o assunto era
Caleb Turner.
Pensei que o seu lado tímido fosse pesar mais naquela balança de
iniciativa, mas errei mais uma vez. Por mais que Caleb assemelhou que iria
se afastar como fez das outras vezes, ele descolou nossos lábios apenas para
suspirar em alto e bom som, afundando sua mão no meu cabelo e puxando-
me para ele, tomando meus lábios como se fossem seus.
Não sei em qual momento eu achei que aquele cara nunca tivesse
beijado alguém. Desde a primeira vez que nos beijamos, o nerd tomou
conta daquele beijo como nunca havia acontecido antes. Sua língua
chamava pela minha em um convite envolvente e cheio de vontade; suas
mãos não eram tão tímidas como se espera, ainda que também não fossem
desrespeitosas; os sons que escapavam vez ou outra da sua garganta eram
como música para os meus ouvidos.
Ele sabia o que fazer e como fazer para que mostrasse que aquela
boca era dele, com seu toque firme, seus braços largos, seu corpo cobrindo
o meu de tão alto. Ele me beijava como se quisesse mostrar que só ele era
capaz de me beijar daquela forma, engolindo meus lábios, envolvendo
minha mente e o meu corpo.
Não sei em qual momento ao certo aconteceu, mas deixei aquele
panda de lado para cruzar minhas mãos em seu pescoço em busca de mais.
Deixei minha boca ser dele e Caleb aceitou aquilo, mordiscando meu lábio
inferior ao limite de machucar. Gemi na sua boca. Baixo. Intimo. Só para
ele ouvir.
— Espero que você não diga que esse beijo também foi de mentira
— ele falou contra a minha boca.
Dessa vez eu que fui incapaz de abrir os olhos e encará-lo.
— Eu sei que esse beijo foi verdadeiro, Paige Mallory.
— Foi, não tenho dúvidas disso.
Isso foi tudo o que eu consegui responder naquele momento.
Cada dia eu gostava de passar mais tempo com Paige Mallory.

Quem diria que seguir o plano do Camden me renderia meu primeiro


encontro. Não era uma novidade que as coisas não estavam boas para o
meu lado. Emma tentou me animar falando para ficar uns dias na cidade
onde mora, mas não queria deixar o Camden sozinho com meu pai em casa.
Ele nunca foi péssimo com ele, só que o meu senso de irmão mais velho,
tendo o estresse do começo da temporada como um fator importante, não
achei que era o certo.

As coisas podiam sair de controle com a mesma facilidade que aconteciam


tempos atrás.

Por esse motivo, Camden falou, entre muitas piadas, que eu deveria me
divertir e convidar Paige para um encontro. Achei a maior loucura do
mundo. Apesar disso, peguei meu celular e a chamei – não mencionando
que isso era um encontro – em um momento de insanidade.

Uma insanidade que deu muito certo.

Uma insanidade que rendeu mais do que eu acharia saudável.

Não sou o tipo de pessoa que foge de sentimentos, eu só nunca os senti.


Com o foco em estudar, minha necessidade de ser o melhor no hockey, as
teorias do meu pai de que meninas podem vir depois e toda a minha
dificuldade em ser visto, nunca de fato me interessei por alguém.

Até a borboleta.

Até Paige Mallory.

Ela, a menina que só precisava de mim para ajudá-la em um trabalho que


estava fazendo praticamente sozinha, tinha feito com que eu me sentisse
diferente. Não saberia explicar corretamente em palavras, mas Paige me
dava a mesma sensação de quando acertava um experimento químico
quando mais novo. Como se o quarteto da felicidade – endorfina,
serotonina, dopamina e oxitocina – fossem liberadas no meu corpo de uma
única vez.

Uma grande e explosiva dose de felicidade.

É isso, posso dizer que era assim que eu me sentia.

— Então vou ficar sentado com a sua namoradinha? — Camden questionou


batendo no painel da caminhonete no ritmo da música.

Normalmente, todo começo de temporada é um momento mais tenso para


mim. Por mais que eu não ame o esporte da mesma forma que o meu pai, as
horas de treino que me dedicava resultava em uma vontade de ajudar os
meus parceiros de time a chegarem no topo do campeonato. Não obstante,
desta vez, eu não estava animado para estar naquele jogo.

Eu nem iria jogá-lo, até meu pai resolver que não tinha ninguém melhor do
que eu para manter a posição de atacante central. O que não deixou o ex de
Paige, Ryder, muito feliz com a escolha do meu pai. Nas suas palavras, sem
a presença do meu pai, claro, porque era um covarde de merda, ele disse
que isso não era mais do que uma jogada escancarada do nepotismo barato
e a vontade do meu pai em que eu siga o seu legado.

Em partes Lancaster não estava errado, exceto por achar que eu estava feliz
em fazer parte disso. Pela primeira vez eu queria ficar sentado no banco,
vendo todo o time fazer a sua parte para chegar na vitória, sem qualquer
esforço meu. Aqueles caras não me respeitavam em nenhum momento, não
eram meus amigos e não mereciam a mesma dedicação que eu colocava em
todos os jogos.

— Não estamos namorando.

— Tudo bem, então vou ficar sentado com a menina que você tá beijando?

Acabei rindo daquele pirralho, dando um tapa leve na parte posterior da sua
cabeça.

— Caleb! — resmungou, retribuindo o tapa no meu braço.


— Tenta não falar muita besteira quando estiver com ela, assiste o jogo e
no final a gente come uma pizza.

— Você não parece animado em jogar.

— Eu não estou animado, Cam, mas vou fazer a minha parte.

Eu iria entrar naquele gelo, fazer tudo o que treinei e sair.

A única parte legal de tudo isso era que Paige tinha se animado mais do que
eu esperava com o jogo, não apenas confirmando que iria, como se
oferecendo para fazer companhia para Camden na arquibancada. Meu pai
não teria paciência e atenção para olhar o meu irmão e por mais que
Camden fosse um garoto consciente, aceitei prontamente a sua oferta,
ficando tranquilo em saber que pelo menos ele estaria ali, já que Emma
estava focada em seus treinos para o começo da sua temporada.

O primeiro jogo era em casa, no próprio ginásio da faculdade. Eram uma


espécie de jogos eliminatórios e iniciais, tendo competições com várias
faculdades do condado até ter os primeiros finalistas, consequentemente
diminuindo as chaves até chegar nos representantes de cada região. Quanto
mais subisse nas chaves, nos rankings, a probabilidade de ser visto por
algum time da liga era gigantesca, principalmente para uma faculdade com
a UCLO, que já tinha histórico de preparar bons atletas.

Assim que chegamos no estacionamento, avistei Paige parada perto de um


grupo de meninas que já conhecia a maioria de vista. Uma era
extremamente tatuada e sempre me olhava com uma cara de quem me
odiava, o nome dela é Kim, pelo o que Paige comentou; a outra era o alvo
do James, a mesma que foi até o ginásio com Paige; e por fim, Alisson, que
fui diretamente apresentado e sempre que me via falava como se fôssemos
amigos a alguns anos.

— As amigas dela também são bem bonitas — Camden falou baixo


enquanto andávamos em direção onde elas estavam.

— Você promete que vai ficar quieto?


— Lebbie, quando foi o dia que eu falei mais do que deveria? — Ele me
encarou, rindo.

Neguei com a cabeça.

Aquilo tinha sido uma péssima ideia.

— Oi, nerd!

Paige estava linda como sempre. Vestida em uma calça jeans justa que
desenhavam suas pernas perfeitamente e uma blusa com as cores da
faculdade em listrado, amarrada um pouco acima do seu umbigo, que
pouco aparecia no cós da calça. Os cabelos presos em um coque alto davam
uma vantagem de conseguir ver todo o seu rosto lindo, simétrico.

Ela estava linda pra caralho.

Por mais que o comentário do meu irmão não fosse uma mentira, para mim,
Mallory era a mais bonita daquela faculdade.

Ela não fez a cena que normalmente fazia, jogando-se nos meus braços,
mas entendi que essa era a sua versão perto das amigas. Ao invés disso, ela
esperou que eu estivesse perto o suficiente para se aproximar e beijar a
minha bochecha, ficando com o rosto tão corado quanto o tom da saia que
sua amiga tatuada estava usando.

— Meninas, esse é o Caleb. A Alisson você já conhece, não é?

— Olá, meninas. — Minha voz quase não saiu, ainda me acostumando com
a sensação da bochecha formigando.

— Claro, sempre vejo ele por aí. — Alisson sorriu, esticando a mão para
mim — Espero que você quebre a perna hoje.

Estremeci, forçando um sorriso enquanto apertava a mão dela.

— Obrigado?
— Assustou o nerd. Eu sou a Miley, e não liga para ela. Alisson adora falar
isso porque significa sorte no teatro. — A menina que James estava de olho
sorriu. — Quem é essa gracinha?

Teatro? Foi o questionamento silencioso que fiz ao encarar Paige, que


parecia mais tensa que o normal.

— Sou o irmão dele, Camden Turner — disse confiante — Sou tipo o


cunhado da amiga de vocês.

Elas gargalharam tão alto que eu tinha certeza que alguém tinha nos olhado.

— Eu vi você comentando que somos bonitas. — A mais tatuada apontou a


unha afiada em direção de Camden.

— Vocês são bem bonitas.

— Saidinho, né? — Alisson tomou a frente. — Vou te levar para conhecer


umas garotas que curtem meninos mais novos.

— Alisson! Ele tem uns quinze anos!

— Quatorze — corrigi Paige. — Tenho certeza que isso é crime mesmo


que ele tenha consentido.

— Só se ele falar a idade — Alisson pontuou.

— Eu daria uns dezessete para ele — Kim falou.

— Vocês são muito legais, mas acho que meu irmão está certo. — Meu
irmão sorriu, parecendo levar tudo em uma grande brincadeira, muito
diferente de Paige.

— Por que vocês não vão entrando com o Cam? Eu vou falar rapidinho
com o Caleb.

— Espaço, porque eles precisam se pegar antes do jogo. — Miley bateu


palmas, parecendo animada.
— Meu pai diz que não pode fazer nada antes do jogo.

— Não foi isso que ele me contou. — Então era isso que eles conversaram
naquele dia enquanto Paige estava quase escorregando no gelo? A amiga de
Paige esticou a mão para Camden. — Vamos que você tem que contar tudo
sobre o seu irmão para gente.

Eu estava ferrado.

— E eu quero te usar para conhecer uns jogadores. — Kim jogou seu braço
por cima do meu irmão.

— Te esperamos lá, G. — Alisson acenou, correndo para alcançar as outras


duas que pareciam animadas em conversar com o meu irmão.

Era preocupante e igualmente engraçado.

— Ele vai falar atrocidades sobre mim — brinquei, assim que suas amigas
sumiram entre alguns alunos.

— E elas vão falar atrocidades para ele.

Acabamos rindo.

— Agora deixa eu te falar… — Paige enfiou as duas mãos nos bolsos de


trás do seu jeans. — Eu queria que elas saíssem pra te desejar boa sorte.

Eu já conhecia o olhar malicioso que Paige dava quando alguma ideia


astuciosa passava por sua mente brilhante e um tanto devassa. Ela se
aproximou de mim com a mesma calma que me recebeu, apoiando uma
mão em cada lado do meu ombro e ficou na ponta dos pés.

— Você sabe como eu costumo desejar boa sorte para os jogadores que eu
conheço?

— Como? — Franzi a testa, me incomodando com a parte dos jogadores


que ela conhece.
Não existia tanto espaço para timidez como antes, sendo cada vez mais
fácil entrar nas suas brincadeiras e deixar com que Paige fizesse o jogo que
ela tanto gostava. Claro que nem sempre eu estava pronto para uma
resposta muito indecente da sua parte, mas estava ficando mais fácil lidar
com a jogadora.

— Desse jeitinho.

Ela quase cantarolou as palavras antes de grudar sua boca na minha e me


beijar com o fervor de sempre. Para toda a faculdade, aquilo realmente era
uma coisa que um recém casal faria, mas para mim, o cara que estava
começando a criar alguns sentimentos dentro do próprio peito, ainda era um
fator novo.

Beijar Paige era sempre uma novidade.

A forma que me sentia todas as vezes que seus lábios grudavam no meu era
que aqueles lábios eram o meu lugar. Um sentimento de pertencimento,
como se sua boca grossa e com gosto de morango, fosse minha.

Poderia soar mais emocional do que eu gostaria, todavia não cabia a mim
fingir aquela alegria que me invadia; a forma como meu coração acelerava,
bombeando sangue mais rápido; como meu corpo inteiro parecia ganhar
vida própria, me desligando completamente, me perdendo dentro da boca
dela.

— Então você deseja bom jogo para todos os jogadores que você conhece
dessa forma? — Perguntei assim que o beijo cessou, reconhecendo
facilmente aquele ardor no estômago.

— Ciúmes, Turner?

Dei de ombros.

— Eu não sinto ciúmes.

— Ai, que bom, porque eu recebo todos assim, inclusive estava pensando
em beijar todo o time antes do…
— Cala a boca, Mallory — rosnei.

— Estou te falando, assim que eu sair daqui eu vou…

— Você quer me enlouquecer antes do jogo? — Apertei meus dedos na sua


cintura, fazendo-a ciciar.

— Você disse que não tem ciúmes, logo eu posso beijar os outros
jogadores.

— Você não pode.

— Por que, nerd? — Paige mordiscou meu lábio inferior. — Me dê um


bom motivo para não sair por aí dando boa sorte para todos os jogadores.

Olhei para os seus lábios e depois para os olhos mais lindos que já vi em
alguém, abrindo o sorriso.

— Porque sua boca é minha, Mallory. — Beijei-a mais uma vez.

Aquela boca era minha.

O ginásio estava cheio como sempre, com muitos alunos e moradores


locais que torciam fervorosamente pelo nosso time. A energia que todas as
pessoas juntavam era de arrepiar todos os pelos do corpo. O rinque ficava
totalmente diferente quando eles estavam lá, torcendo, esperando por mais
uma vitória. Aquele era um dos meus momentos favoritos de praticar o
esporte, pois aquelas pessoas poderiam não fazer nada, estar com a família,
ou qualquer outra coisa, porém escolhiam estar torcendo e incentivando
nós, jogadores, a trazer mais uma vitória.

Fui o último a me preparar para o jogo, o último a sair do vestiário e o


último a me unir com os outros para relembrar algumas táticas, receber
conselhos ou uma palavra de motivação antes da adrenalina tomar conta.
Era neste momento em que me concentrava, ficando distante de todos e me
conectando com a minha parte que gosta de jogar, gosta da adrenalina, da
sensação plena de voar por cima do gelo, da energia gostosa que era marcar
um ponto e sentir a comemoração do público vibrando pelo meu corpo.

Entretanto, como muitas coisas naquele dia, eu não consegui me sentar


longe porque Ryder estava no meu pé. Desde momentos antes no vestiário,
ele estava me sondando, circulando, tentando falar alguma coisa, até
finalmente conseguir se aproximar uma brecha após James se juntar ao meu
pai para passar algumas táticas.

— Como você se sente em ter sua namoradinha aqui no jogo sendo que até
ontem ela estava chupando o meu pau? Legal ser o segundo até nisso? —
Ele se esparramou no banco ao meu lado, falando de uma forma que, com
aquele barulho, só eu escutaria.

Aquele tipo de comentário não iria funcionar em um jogo. Minha mente


estava programada para entrar no rinque, fazer a minha parte, e nada além
disso.

— Ryder, por que você não vai a merda? — Virei meu rosto para o lado
oposto ao que ele estava, procurando um rosto familiar entre as pessoas que
ali estavam presentes. — Eu não estou afim de brigar antes de um jogo tão
importante.

— Não quero brigar, nerd idiota, só quero entender como você está se
sentindo namorando uma mina que todo mundo já passou o pau.

Inspirei fundo pelo nariz, soltando todo o ar pela boca.

Eu sabia o que ele estava tentando fazer. Ryder, como todos, já sabiam que
aquele assunto era sensível para mim dada a todas as discussões que venho
tendo em todos os treinos. James se esforçava para me ajudar com eles,
disse até ter conversado com alguns dos caras que eram mais amigos dele,
mas não adiantou. Parecia que todos estavam dispostos a entrar na minha
cabeça por um propósito que eu desconhecia.

— Eu me sinto tranquilo — respondi.


Assim que passei meu olho pelas fileiras mais altas, encontrei a amiga
tatuada de Paige, suas outras duas amigas que conversavam animadas com
o meu irmão e ela, sentada ao lado delas, com os olhos voltados para mim.
O sorriso que abriu assim que percebeu que a encontrei foi como um
lembrete de que deveria manter a cabeça no lugar para sair dali da mesma
forma que eu entrei em todos os outros jogos: orgulhoso do meu
desempenho, mesmo que o resultado não fosse favorável.

Eu queria mostrar para Paige que não era só um nerd.

— Olha lá, minha gatinha. — Eu sentia ele mover-se atrás de mim. —


Nossa, Turner, bateu até uma saudade daquele sorriso quando eu ficava
dentro.

Fechei meus olhos, controlando a ira, sem querer que minha cabeça
imaginasse toda cena, o que foi em vão.

— Por que você não me deixa paz, imbecil?

— Você está com algo que é meu.

Eu queria socar a cara daquele idiota.

Se fosse capaz de voltar no tempo, escolheria voltar ao momento em que


Paige fez a péssima escolha em namorar com Ryder Lancaster. Nunca
entraria na minha cabeça como uma garota como Mallory poderia se
envolver com um cara como ele. Não era como se Ryder fosse alguém
exemplar, ao contrário disso, suas atitudes e falas eram questionáveis até
demais. Até onde eu sabia, ele tratava as pessoas como se não fossem nada,
adorava se gabar por ganhos, sobre mulheres e qualquer coisa em que ele
saísse como um grande fodão.

O pior de tudo isso, era que as pessoas à sua volta o achavam incrível.
Interessante. Uma pessoa digna de ser aplaudida.

Será que era assim que Paige o via? Será que foi por isso que ela aceitou
namorar com ele? Ele nunca falava sobre ela até saber que estávamos
juntos – mesmo que isso não fosse uma verdade.
Meu cerebro começou a produzir possíveis situações as quais Ryder
pudesse ter sido a pessoa que ele era com todos, momentos em que foi
babaca com Paige, agressivo ou um completo idiota. A ira que eu tentei
controlar ganhou um tamanho maior, de maneira que eu estivesse jogando
lenha em uma fogueira que está pronta a ficar grande demais e incendiar
tudo à sua volta.

— Caleb, aqui! — Meu pai me chamou, jogando um pouco de água na


fogueira.

— Você só está onde está por causa do seu pai.

Foi a última tentativa dele, porém aquela não surtia o mesmo efeito.

Quando eu entendi quem era o meu pai para as outras pessoas, compreendi
que sempre teria essa sombra atrás de mim.

O hockey não foi um esporte que eu escolhi, ele foi escolhido pelo meu pai.
A princípio eu tentava de todas as formas ser muito bom porque sempre
estava em busca da sua aprovação. Porém, cada ano em que ficava mais
velho, quando recebia reclamações em momentos que perdia uma
oportunidade de pontuar, ou quando dizia estar cansado e mesmo assim
tinha que permanecer treinando, aquela vontade de aprovação foi
diminuindo.

Eu fui percebendo, de forma muito dura e marcante, que o meu pai me via
com uma extensão sua. Eu não podia errar ou não gostar. Para ele eu tinha
que ser o que ele foi e ponto. Com isso, quando eu chegava em alguma
posição ou era escolhido, meus colegas de times e seus responsáveis
sempre atribuíam algum mérito meu ao fato do meu pai ser quem era.

Se eu era escolhido para o time titular, era por ser um Turner.

Se eu era querido por algum treinador, era por ser um Turner.

Se eu era elogiado ou ganhasse alguma honra por um bom jogo, era por ser
um Turner.
Nunca foi por mim e sempre por ele, logo a sua tentativa de atribuir o fato
de estar no primeiro jogo de abertura da temporada não era por ser bom, e
sim porque meu pai, nosso treinador, escolheu dessa forma, não me afetava.
Eu já estava acostumado a escutar coisas semelhantes.

E não era uma mentira. O treinador Turner queria dar holofotes ao filho
dele.

— Espero que você não me decepcione hoje. — Foi a primeira coisa que
meu pai falou, olhando dentro dos meus olhos. — Convidei um conhecido
meu do Bruins para ver o jogo e te conhecer, então não seja um idiota.

Confirmei com a cabeça.

— Pode deixar.

— Tudo o que eu faço é para que você tenha um futuro, Caleb.

Confirmei com a cabeça mais uma vez.

— Mais alguma coisa?

Eu estava agindo no modo automático para não deixar que aquela fogueira
fosse capaz de incendiar tudo, embora aquela pressão estivesse começando
a tapar a minha garganta.

— Boa sorte, filho.

— Obrigado.

Não demorou para estar no gelo pronto para começar a jogar. Depois de um
sorteio rápido e algumas formalidades, eu iria iniciar aquela jogada. E no
momento em que meu taco batesse no disco, tudo se transformaria em um
grande borrão para mim. Era sempre assim. Meu corpo agia de forma
involuntária, tendo olhos fixos em uma única coisa: passar aquele disco
pelo goleiro e marcar um gol.

Os primeiros vinte minutos foram de pura disputa para defender todos os


ataques que estávamos sofrendo. Vez ou outra eu olhava para o exato local
em que eu sabia que ela estaria, vendo-a nevosa em alguns momentos, em
outros torcendo com todos. Eu deveria saber que aquele jogo seria diferente
no momento em que meu pai parou para trocar um dos alas por Ryder.

Raramente ele ficava nessa posição.

— Vou mostrar quem joga de verdade, nerdzinho. — Ele deslizou sobre o


gelo estufado, tomando a sua posição.

A cada ponto marcado, uma torcida inteira vibrava ao nosso favor, trazendo
a energia que precisava para seguir até o final. Brigas eram comuns de
acontecer, principalmente quando uma rivalidade normal já acontecia entre
os times. Mas a presença de Ryder sempre pareceu piorar isso.
Aparentemente eu não era a única pessoa que ele conseguia tirar do sério.

— Será que ela está torcendo para mim ou para você? — Ele deslizou perto
de mim, acenando para onde eu sabia que Paige estava. — Aposto que a
gente conseguiria foder essa putinha ao mesmo tempo, Caleb. O que você
acha? Uma DP na nossa vadia?

Ryder fez o que faz de melhor, alimentando a chama que eu estava tentando
controlar.

— Você falou o que eu entendi?

— Quer que eu explique como funciona uma DP? Achei que você era a
porra de um nerd inteligente.

Tudo o que importava desapareceu no momento em que Ryder fez um


círculo com os dedos, enfiando dois dedos no buraco.

— Ela é larga, Caleb, cabem os nossos paus bem assim.

Aconteceu mais rápido do que eu mesmo esperava. A fogueira que eu


estava tentando controlar tomou conta de tudo, não dando para ver mais
nada à minha frente.

Em um momento tudo se transformou em um completo apagão e no outro


eu já estava em cima de Ryder, sem o taco, acertando um soco em seu
rosto. Me preparei para dar outro soco quando alguém, que logo depois
percebi ser James, me tirou de cima dele com a ajuda de outro jogador. As
pessoas na torcida pareciam eufóricas, gritando, só que eu não conseguia
ouvir nada.

No meu ouvido ressoava um som fino e estridente, seguido, ininterrupto.


Meus olhos estavam cravados nele, o árbitro e seus assistente entraram no
rinque. Eu só conseguia observar, atento, a forma como ele me encarava
enquanto um sangue aparecia no alto da sua bochecha.

Fui levado para fora do gelo, perdendo o ponto de visão em que estava.

O som estridente agora parecia mais alto. Um início de ardor queimou meu
pescoço e se alojou na minha garganta, perdendo meu ar. Eu sabia que meu
pai estava gritando porque os gestos que fazia pareciam estar
completamente fora de si, mas nada parecia alto o suficiente para vencer
aquele barulho que permanecia no meu ouvido.

Aqueles segundos passaram tão lentamente, que tudo pareceu mais um


sonho do que algo real.

— PARA O VESTIÁRIO! — Foi o grito que meu pai deu.

O grito que me tirou daquele transe momentâneo.

— CALEB! — Eu sabia de quem era aquela voz, mas não podia olhar para
trás.

Vaias rompiam a plateia.

Eu podia sentir os olhos de todas as pessoas em mim, principalmente os


olhos que mais me importavam naquele momento. Pensei no meu irmão e
no exemplo que estava dando, pensei em Paige e como ela ficaria
horrorizada com tudo. Pensei nas pessoas que saíram de suas casas para
torcer, no James que me apoiava tanto, e até nos jogadores do time
adversário.
Levantei daquele banco com um peso muito maior do que o soco que dei na
cara de Ryder.

Levantei daquele banco sentindo que tinha sido uma vergonha para todos,
inclusive para a pessoa que sabia que inspirava.

Levantei daquele banco sem olhar para trás ou para os lados, com a mão
pesada do meu pai segurando meu pescoço, empurrando minha cabeça para
baixo a todo percurso.

Aquilo não era eu.

— VOCÊ ENLOUQUECEU? É ISSO, CALEB? — Meu pai gritou assim


que entramos no vestiário. — VOCÊ QUER ESTRAGAR O NOSSO
SONHO?

— NOSSO SONHO? — Gritei tão furioso quanto ele. — NOSSO? —


Repeti, incrédulo.

Uma coisa que aprendi com os meus vinte e um anos era a engolir tudo o
que estava guardado dentro de mim, não explodindo, não me deixando
levar pela raiva, não falando coisas que não conseguiriam ser não ditas
depois. Portanto, antes que explodisse ainda mais, passei meus olhos pelo
vestiário e por mim.

Eu estava perdido. Não sabia em qual momento tinha tirado meu patins,
onde havia deixado meu taco ou as luvas. Tudo o que fiz foi andar até o
meu armário, tirando o uniforme e o resto dos equipamentos de segurança,
tentando, de todas as formas, minar aquele fogo que me queimava por
inteiro.

— VOCÊ É COMO ELA. — Meu pai veio atrás de mim, fechando o


armário na minha frente, segurando no meu braço para virar e ficar de
frente para ele. — Você age como a porra da sua mãe — ele rosnou,
apertando meu braço com ainda mais força, aproximando-se. — Você quer
fazer exatamente como ela. Quer destruir com tudo o que eu trabalhei até
aqui, quer seguir com as suas escolhas de merda por causa de uma mulher.
Você está fazendo como ela.
Mordi minha bochecha com força, fazendo um esforço fora do comum para
não abrir minha boca.

— Eu achava que criar você sem a interferência dela traria um lado melhor,
algo que combinava comigo, não só em aparência. Eu esperava que o meu
primeiro filho fosse me dar tanto orgulho quanto eu dei para o meu pai, mas
sabe de uma coisa, Caleb? — Ele socou, com a mão livre, o armário atrás
de mim. — Você me lembra todos os dias porque eu deveria ter insistido
em sua mãe tirar você quando ficou grávida.

— Ela deveria ter me tirado, porque assim não teria se casado com um
merda como você — cuspi aquelas palavras sem qualquer raiva da minha
mãe.

— Lebbie!

Antes que eu pudesse olhar para Camden, uma mão pesada acertou meu
rosto com força, fazendo ele zumbido voltar ao meu ouvido. Pisquei
algumas vezes, tentando voltar ao momento em que mereci receber aquilo.

— PAI! — Camden gritou.

— Vamos, Cam. — E então a segunda voz ganhou vida.

Não pude ver seu rosto ou falar para o Camden que estava tudo bem.
Minha voz ficou presa junto com um choro que estava tampando minha
garganta. Olhei dentro dos olhos do homem que todos os lugares
afirmavam ser um treinador e um pai incrível, depois olhei para o teto
amarelado do vestiário.

Um.

Dois.

Três.

Inspirei fundo pelo nariz.

Quatro.
Cinco.

Seis.

Soltei todo o ar pela boca.

— Você tem mais alguma coisa para falar? Ou quer me bater até a sua raiva
passar? — Mesmo com a voz embargada, fiquei imóvel a sua frente.

Ainda era obediente, mesmo quando não deveria.

— Eu tenho um jogo para ganhar e não posso perder mais tempo com você,
Caleb.

Afirmei com a cabeça.

— Isso mesmo, treinador.


— Cara, você pode ficar no dormitório comigo. — James tentou mais uma
vez dar aquela ideia, mas Caleb parecia irredutível.

Tudo o que aconteceu foi assustador. Em um piscar de olhos tudo saiu do


controle, Caleb voou para cima de Ryder e o acertou duas ou três vezes.
Camden ficou nervoso, as meninas começaram a falar coisas que eu deveria
fazer ou falar, apesar dos meus olhos e a minha atenção estar totalmente
voltada para Caleb naquele momento.

Só que eu não esperei que tudo fosse piorar tanto depois que fôssemos até
eles e víssemos aquela cena horrorosa. Me deu nojo. Quis gritar com o pai
dele. Porém eu não tinha direito de fazer nada disso, logo fiz o que era mais
racional que achei que poderia fazer: tirei seu irmão mais novo daquela
cena, tentando acalmá-lo antes de ir atrás da ajuda de alguém, o que acabou
não sendo necessário, já que seu pai deixou o vestiário logo depois.

— Eu não quero ir para casa sem você, Lebbie. — E mais uma vez seu
irmão mais novo falou aquela frase.

— Eu não vou te deixar sozinho, só preciso respirar um pouco hoje —


Caleb falou com paciência, bagunçando o cabelo do irmão. — Eu já te
disse que estou bem.

Ainda que a situação não fosse das melhores, era visível o amor que Caleb
sentia pelo irmão. A todo o momento que saiu daquele vestiário, seguiu até
o estacionamento e sentou na traseira da sua caminhonete, ele ficou
preocupado com o irmão e em como ele estava se sentindo. Em nenhum
instante falou sobre si mesmo, sobre como estava se sentindo ou em como
sua bochecha poderia estar dolorida, já que o rubor estava presente.

— Eu só vou sair daqui quando você me disser onde vai dormir. — James
cruzou os braços, ainda vestido com a blusa do time da UCLO.

— Ele vai dormir na minha casa. — Tomei a frente daquela conversa, antes
de Caleb pensar em qualquer justificativa para não ficar voltei a falar. —
Eu e as meninas moramos em uma residência aqui no campus e tem
bastante espaço. Por mais que tenha uma regra sobre levar pessoas para
casa, aposto que elas não vão se importar no Caleb dormindo lá por essa
noite.

— Eu não vou fazer você quebrar uma regra porque eu não quero voltar
para casa, Paige.

— Eu não pedi a sua opinião, nerd. — Sorri, olhando para James. — Pode
levar o Camden que eu cuido desse aqui.

— Você promete que volta amanhã? — Camden parecia até mais novo do
que realmente era.

A sua face de esperto caiu por terra com o que aconteceu, deixando claro a
criança que ainda mora ali dentro.

— Volto, claro. Eu só preciso esfriar a cabeça por hoje, tudo bem?

O menino concordou e abraçou o irmão com força.

— Não deixe ele sozinho, Annie.

— Annie? — Caleb arqueou uma sobrancelha.

— Longa história.

— Vamos, Cam? — James chamou-o.

— Não esquece que tem…

— Comida na geladeira. — James revirou os olhos. — Você será um pai


insuportável, sério.

Ambos acenaram para mim e seguiram caminhando em direção oposta ao


que estávamos, descendo a rua junto com um fluxo de pessoas que
passavam por ali.

— Qual a história do Annie?


— Que tal irmos para minha casa?

Falamos quase no mesmo segundo, fazendo-o sorrir pela primeira vez


desde que tudo aconteceu.

— Só me promete uma coisa, Paige?

Me aproximei do seu carro, encostando-me na traseira, bem ao seu lado.

— Depende, vai ser uma promessa para vida toda? Tipo coisa de escoteiro?

— Você foi escoteira?

— Não.

Ele gargalhou.

— Então de onde surgiu essa ideia de promessa de escoteiro?

— Não sei. — Elevei os ombros. — Mas acho que posso prometer


dependendo do que seja.

— Então você me promete não insistir no assunto de hoje? Eu não quero ter
que relembrar tudo o que aconteceu.

Encarei-o, vendo aqueles olhos pretos fitados na minha direção.

Caleb parecia guardar tantas coisas que gostaria de ser capaz de ajudá-lo
com isso, nem que fosse como uma boa ouvinte. Todavia, entendia a sua
necessidade em não falar. Ele precisava de tempo.

— Eu acho que posso prometer isso, nerd — sorri —, mas acho que vou
precisar que você me prometa uma coisa também.

— O quê?

— Que não vai tentar ir embora hoje… — Mordi meu lábio inferior a fim
de conter o sorriso. — Que você vai dormir comigo esta noite.
Demorou alguns segundos até Turner balançar a cabeça.

— Eu acho que posso prometer isso também, Mallory.

— Você realmente acha que elas não vão ficar bravas com você por eu estar
aqui?

Como eu poderia responder isso se eu nunca tinha tentado trazer um cara


antes? A única coisa que eu sabia era que se eu falasse a verdade,
provavelmente Caleb tentaria ir embora e isso era uma coisa que eu não
queria. Não era sobre dormir juntos ou ter Caleb ali comigo, era sobre saber
que ele está bem e seguro em algum lugar.

Que ele está sendo acolhido como merece.

— Elas vão adorar você aqui, assim vão poder conferir todas as histórias
que seu irmão contou.

— Ele falou tanto assim? — A cara de dor que o Caleb me fez rir.

— Ele contou que você chupou chupeta até uns dez anos.

— Caralho! — Caleb afundou o rosto em uma almofada. — De onde eu


tirou isso?

Gargalhei ainda mais.

— Ele mentiu?

— Não, mas não foi até os dez. — Caleb tirou o travesseiro do rosto. — Eu
voltei a chupar dos sete aos dez anos porque me dava conforto por causa do
meu pai.

— Como assim?

Caleb balançou a cabeça em negativa.

— Eu disse que não falaria sobre ele.


— Você falou que não falaria sobre hoje. — Apoiei minha mão na sua
coxa. — Você sabe que pode desabafar comigo, não é?

— Não seria certo, Paige.

Apertei sua coxa, chamando a sua atenção.

— Independente de qualquer coisa, você ganhou uma amiga no momento


em que aceitou me ajudar com a nota.

— Que eu nem te ajudei tanto assim. — Ele sorriu, ainda parecendo triste.
— Você fez o trabalho todo sozinha.

— Mas você fez aquela conclusão.

— Não foi nada demais.

— Eu achei que foi bastante e ficou com um ar bem nerd. — Pisquei com
um único olho.

— Você fala isso, mas é super nerd quando o assunto é Lúpus.

— Eu precisei ser.

Caleb ficou em silêncio, me encarando. Seus dedos longos foram até a


minha bochecha, fazendo um carinho gentil. O sofá sempre foi grande
demais, mas com ele ali, sentado comigo, subitamente ficou muito
pequeno.

— Você me fala para confiar em você, porém eu sinto que você também
teria uma boa história para me contar sobre seu foco em Lúpus.

— Acho que você não vai achar uma história tão boa assim.

E foi naquele momento que forcei meu sorriso, sabendo que aquele assunto
era íntimo demais para mim. Falar sobre ela, era falar sobre minha
esperança, sobre meu orgulho e sobre onde sai minha força.

— Podemos fazer um jogo. Uma palavra, uma história.


— Esse jogo não existe.

Bufei, me endireitando no sofá.

— Você não sabe se não existe.

— Eu acho que saberia se existisse um jogo chamado uma palavra, uma


história. — Caleb fez o mesmo que eu, sentando de modo que ficasse de
frente para mim. — Inclusive é um nome péssimo.

— Cala a boca.

Acabei conseguindo fazê-lo rir, mais uma vez.

— Tudo bem, como se joga isso?

— Simples, eu falo uma palavra e você conta uma história que tenha a ver
com a palavra.

— Você poderia me dar um exemplo?

— Você não é um nerd super, hiper, inteligente?

Ele gargalhou mais uma vez, esticando-se para segurar o meu rosto.

— Não é você a única pessoa no mundo que sabe jogar esse jogo?

— Você tem um ponto, nerd.

Permaneci ali com meu rosto entre suas mãos, tão perto que conseguia
sentir a sua respiração esquentar as minhas bochechas.

— Beijo.

— Não entendi. — Caleb deixou a cabeça pender para um lado, enquanto


seus polegares faziam círculos infinitos nas minhas bochechas.

— A palavra é beijo.
— Eu deveria contar uma história sobre beijo?

Afirmei com a cabeça.

— Deveria, mas eu quero um beijo antes.

Caleb riu, novamente, me fazendo rir junto com ele.

— Eu gostei desse jogo, Mallory — falou antes de puxar meu rosto até
nossos lábios estarem grudados.

Aquele beijo não foi distante dos outros que já havíamos dado, mas algo
estava diferente. Talvez o cuidado com que Caleb me beijava; a forma
carinhosa em que sua língua deslizou sobre a minha; o fato de saber que se
ele fosse mais carinhoso do que isso, meu coração seria capaz de quebrar
bem ali. Seja o que fosse diferente, a cada beijo eu tinha uma certeza.

Minha obsessão tinha se tornado algo muito maior do que eu esperava.

Eu gostaria de dizer para ele que a forma que me beijava, acariciando a


minha bochecha, deslizando suas mãos pelos meus cabelos, envolvendo-me
naquela rede de carinho e sentimento, acabaria me deixando ainda mais
apaixonada do que já sentia estar.

— Lebbie... — sussurrei, quando sua boca deixou a minha.

— Essa é a outra palavra? — O nerd beijou meus lábios mais uma vez,
rapidinho.

— Uhum. — Foi a minha vez de segurar seu pescoço para mais um beijo
rápido.

— Eu não vou conseguir responder desse jeito.

Rimos.

Apesar de querer estar dentro da boca dele, eu precisava me afastar para


saber mais sobre o nerd. Eu poderia contar sobre mim, ele sobre a sua
história e saberíamos mais um sobre o outro. Quiçá até conseguisse saber
quem era a menina que ele estava interessado, já que isso passou a ser um
tópico em que ele respondia que não queria ninguém.

Como ele não queria?

Não fazia sentido na minha cabeça.

— Tudo bem, vamos fazer esse jogo.

Me ajeitei de modo que ficasse mais longe de Caleb. Aquele era o meu
momento para conhecê-lo.

—- A Emma não sabia falar meu nome quando era pequena. Nossa mãe
tentou alguns apelidos para ela me chamar, mas ela se recusou a usar. No
fim, ela começou a me chamar de Lebbie. — Ele riu. — Eu não sabia meu
nome até ir para escola e ter as pessoas me chamando de Caleb. Eu achava
que meu nome era Lebbie, porque minha mãe também me chamava assim.

— Seu pai também?

— O jogo dá direito a outras perguntas?

— Não existem regras para o meu jogo.

Caleb buscou uma das minhas mãos, brincando com a ponta dos meus
dedos.

— Tudo o que sei é que meu pai não estava no seu melhor momento.

— Entendi. — Confirmei com a cabeça. — Sua vez em jogar uma palavra.

— Lúpus.

Caleb não pensou duas vezes.

— Nossa, eu pensei que você ia perguntar outra coisa antes disso.

— Eu estou realmente curioso quanto a isso, porque depois que você me


disse que isso seria uma linha de pesquisa que você gostaria de trabalhar e
todas as informações que você tinha guardado. — Caleb pareceu tímido de
repente, contendo um sorriso. — Fiquei pensando em como você tinha
chegado a isso.

Pisquei algumas vezes, incrédula.

— Você realmente prestou atenção no que eu dizia?

— Claro.

Aquele sorriso lindo me visitou, outra vez, mostrando que Caleb era muito
mais do que eu pensava.

— Eu fiquei muito… — Ele negou com a cabeça, virando todo o corpo


para frente. — Esquece.

— Caleb! Não, agora você vai ter que me dizer. — Me aproximei dele.

— Não, Paige, você tem que me responder.

Ele abaixou a cabeça, claramente tentando esconder o que te entregaria.

— Olha para mim, Caleb.

— Paige, é a sua vez.

— Caleb?

Tomei a atitude de deslizar pelo estofado, usando toda a minha força para
empurrar seu tronco contra o encosto, abrindo espaço o suficiente para
passar uma coxa por cima dele e me sentar sobre suas coxas.

Caleb ficou estático.

— O que você está fazendo? — O tom que eu sabia que estava no seu rosto
anteriormente, ficou ainda mais intenso.

O nerd correu seus olhos por mim até chegar no meio das minhas pernas,
voltando a me encarar. Ele ficou parado, encheu o pulmão com ar o
suficiente para seu tórax subir e o prendeu, bem ali dentro da sua caixa
torácica.

— O que você ia me dizer, Caleb?

Ele soltou todo o ar, olhando mais uma vez para o meio das minhas pernas.
Seu olhar estava mais assustado do que o de quem parecia pensar sobre
tudo o que poderia fazer comigo naquela posição. Essa era uma das coisas
que eu mais gostava nele. Caleb Turner poderia ter o melhor beijo, aprender
a ter me respondido a altura em alguns momentos, porém ainda era um
menino em várias outras faces. Eu não fazia a menor ideia se ele era virgem
ou não, tudo o que eu sabia era que aquele cara era vencido por sua timidez
em alguns momentos, tornando-o quase inocente.

— Eu ia falar que te achei sexy falando sobre tudo o que eu não conheço.
— Ele relaxou, encostando a cabeça no encosto do sofá. Subiu seu quadril
o suficiente para saber o que estava acontecendo bem ali. — Eu fiquei me
perguntando como você poderia ser tão linda e tão inteligente. Isso é injusto
com todas as pessoas do mundo.

— Droga, você deveria ser menos fofo.

Deixei que todo o meu corpo realmente pesasse sobre ele, segurando-me
em seus ombros. Caleb, por mais que estivesse relaxado, não me tocava.
Não com as mãos. Eu o sentia, bem ali no meio das minhas pernas, ficando
cada vez mais pronto e mais rígido para mim.

Por mim.

Apesar disso, partes de mim queriam se abrir mais para ele. Falar sobre
todas as coisas que eu não conseguia contar para ninguém. Eu queria que
Caleb me conhecesse mais, visse que por trás de tudo aquilo eu tinha
minhas máscaras e fraquezas.

— Minha mãe foi diagnosticada com Lúpus quando eu tinha uns dez anos.
— Deixei que aquelas palavras saíssem de mim, deixando para trás um
peso que não sabia que carregava.
Caleb permaneceu em silêncio, me encarando. Suas mãos, que antes
estavam estáticas, foram até as minhas, as apoiando em seu peito, em cima
do esterno. Olhei para as nossas mãos unidas, de maneira que o calor dos
seus dedos grandes e longos parecia reconfortante. Olhei para o cara que
me encarava, vendo nos seus olhos escuros como a noite, um carinho e algo
que me dizia que ele esperaria o tempo que eu precisava para contar sobre
essa parte da minha vida.

— Está tudo bem se não quiser falar sobre isso. — Caleb abaixou o rosto
para beijar alguns dos nós dos meus dedos que estavam tão bem envolvidos
por suas mãos.

Mais alguns segundos de puro silêncio se passaram até as palavras


começarem a sair de mim com facilidade.

— Ela estava ficando muito inchada, principalmente nas articulações. A


gente ia no médico, passavam qualquer medicação e voltava para casa. As
crises foram piorando até chegar no diagnóstico. — Sorri entristecida. —
Ela era tão confiante que acreditava que nada era impossível, mesmo com
os médicos deixando claro que não existia cura para o que ela tinha.

Parei mais uma vez para respirar, sendo confortada mais alguns beijos nos
meus dedos.

— Minha mãe tinha muitos momentos tranquilos, depois voltava a ficar


mais doente, com feridas perto da boca, muitas dores e um cansaço
excessivo. Eu lembro que comecei a ir com ela, pesquisar sobre o assunto,
conversar com outras pessoas que faziam tratamentos experimentais com a
minha mãe. — Só me dei conta de que estava emocionada quando Caleb
soltou o emaranhado de dedos para secar minha bochecha. — Conforme eu
ia vivendo, ficando mais velha, minha mãe também passava pelos
momentos dela. Eu descobri que queria ajudar pessoas como ela a
encontrarem alguma forma de controle ou tratamento, descobri que aquela
era a minha vocação no mundo e fui incentivada por ela. Ela sempre foi a
minha maior incentivadora, Caleb.

Depois daquela lágrima, algumas outras rolaram nas minhas bochechas.


— Aposto que você vai conseguir ajudar ela e muitas outras pessoas, Paige.
— Seu tom foi mais grave, secando minha bochecha mais uma vez. — Eu
vou te ajudar nesse projeto.

Não teve como não sorrir, mesmo sabendo que jamais poderia ajudar a
minha mãe.

— Talvez eu possa ajudar outras pessoas, mas a minha mãe faleceu assim
que entrei no ensino médio.

— E-eu sinto muito.

Foi tudo o que ele disse antes de me esmagar em um abraço apertado e


quente, me envolvendo completamente. Afundei meu rosto no seu pescoço,
aproveitando do cheiro fresco dos seus cabelos, deixando que aquela
saudade me consumisse mais uma vez, liberando todas as lágrimas que
ainda tinha quando falava sobre esse assunto.

— Eu não posso reclamar porque ganhei uma outra mãe e meu pai hoje é
muito feliz com a minha madrasta. Seguimos em frente como conseguimos.

Seus dedos se afundaram nos meus cabelos, em um cafuné vagaroso.

— Eu sinto muito mesmo, Paige.

— Eu também sinto, Caleb.

Ficamos em silêncio, novamente, embargada por sentimentos que vez ou


outra vinham me visitar antes de dormir, ou em algum momento marcante
que eu queria ligar para ela e contar a novidade.

Todas as vezes que chegava naquele nível com alguém, ficava um clima
estranho, onde a pessoa gostaria de me confortar sobre algo e eu não tinha
mais nada para contar, até porque o que sobraria para contar depois da
morte? Ainda assim, sentindo que Caleb gostaria de falar algo a mais, não
ficou o mesmo clima estranho como acontecia.

O seu silêncio foi reconfortante o suficiente para dizer exatamente o que


precisava ser dito naquele momento.
— Acho que o meu pai sente raiva de mim por causa da minha mãe. —
Caleb rompeu aquele silêncio que pode ter durado minutos ou horas.

Eu não sabia confortar as pessoas tão bem quanto ele, porque quando Caleb
falou isso e suspirou, tudo o que fiz foi abraçá-lo ainda mais, não sabendo o
que poderia dizer.

— Ela não deveria ser a culpada por ter um marido ruim, ou deveria? —
divagou.

Eu não sabia se cabia a mim responder a isso, mas me afastei para encará-
lo. Eu tentaria fazer o mesmo que tinha acabado de fazer por mim.

— Do que você está falando?

Os olhos que antes estavam escuros e atentos em mim, agora pareciam


perdidos, ganhando uma camada que logo se transformou em duas lágrimas
pesadas caindo de um único olho. Antes que ele pudesse secá-las, eu fiz
isso por ele. Surpresa com a forma que ele estava reagindo, acolhendo
como fui acolhida.

— Me faz esquecer disso por hoje, Paige? — Caleb pediu, deixando


escapar mais algumas lágrimas. — Me faz me sentir querido de alguma
forma?

Engoli toda a emoção que se alojou na minha garganta, pensando em como


eu chegaria a ajudá-lo.

— Como eu posso fazer isso, Caleb? Como eu posso te ajudar?

— Me beija, Paige. — Ele secou suas próprias lágrimas, levando as mãos


até o meu quadril. — Me beija e me faz esquecer de tudo o que aconteceu
hoje.

A mesma pessoa que gostaria de negar esse pedido e tentar escutá-lo, fez
exatamente o que ele pediu. O beijei como se meus lábios fossem capazes
de apagar tudo o que estava acontecendo, similar a uma borracha gigante.
Caleb reagiu segurando meu quadril com força, deixando-me quase fundida
com o seu corpo, sentindo-o em todas as partes do meu corpo.

Um gosto salgado invadiu minha boca assim que aquilo continuou a


acontecer, suas lágrimas e nossas salivas se misturaram, mesmo que Caleb
tivesse deixado aquele beijo parar, segurando meus cabelos com uma das
mãos enquanto se afundava cada vez mais na minha boca.

Eu entendia ele. Já havia feito isso tantas vezes que não poderia julgá-lo
por querer deixar de pensar em uma coisa fazendo outra. Eu iria ajudá-lo,
eu deixaria me levar por aquela onda de prazer que já estava correndo pelas
minhas veias. Nós dois íamos apagar tudo o que estivesse nos pesando,
existindo mais nada além de nós naquela casa vazia.

— Você me pediu para fazer esquecer dos seus problemas, mas você vai
esquecer até seu nome depois do que eu fizer com você nesse sofá, Caleb.

— Estou pagando para ver você conseguir — rosnou, lambendo a brecha


dos meus lábios como uma espécie de convite para voltar a beijá-lo.

— Me senti desafiada, nerd.

Ele riu, fechando suas mãos no meu pescoço, sem qualquer aperto, quase
como uma espécie de colar feito perfeitamente para mim.

— Vamos, Paige, mostre o que você é capaz.

Portanto, quando deslizei minhas mãos pelo meio dos nossos corpos e
alcancei a barra da sua blusa, já tinha em mente que tudo ficaria para trás
depois daquele ponto. Todas as perguntas que eu queria fazer, todos os
planos que eu tinha em mente, tudo ficaria exatamente no lugar onde a sua
blusa caiu.

Aquelas mesmas mãos que serviram de um colar perfeito, agora estavam


em busca de fazer o mesmo comigo, mantendo aquela disputa silenciosa
em algo equilibrado, terminando com a minha blusa no mesmo lugar em
que a dele ficou, no chão. Caleb ficou tão estático quando o tecido deixou o
meu corpo, que por alguns segundos achei que tivesse feito algo de errado.
— O que está acontecendo? — murmurei, com medo.

— Você é perfeita demais para mim, linda. — Seus olhos pareciam com o
de uma criança que está parada em frente a uma loja de brinquedos.

Admiração. Felicidade. Excitação.

Tudo estava se passando pelas suas pupilas escuras e dilatadas.

— Você também pode tocar toda essa perfeição, nerd.

A forma com que me olhava fazia com que me sentisse a própria obra de
arte, pronta para ser colocada em um museu para ser admirada por olhos
curiosos.

Seus olhos perdidos encontraram os meus, afoitos.

— E-eu realmente…

— Umas horas tão esperto, outras tão lento. — Estalei a língua, afundando
minhas mãos nos seus cabelos. — Você pode tocar, Caleb, tudo. Da forma
que você quiser.

Aqueles olhos afoitos me encararam com atenção. Eu não sabia o que se


passava pela sua cabeça. Poderia ser que o nerd estivesse com uma grande
equação na mão, algo que ele nunca chegou a resolver. Foi neste momento
que pensei que ele realmente pudesse ser virgem e eu fosse a pessoa que
tivesse que controlar tudo o que estava acontecendo.

Mas então, sem qualquer aviso, Caleb segurou meu quadril com força e
ergueu o dele contra o meio das minhas pernas, fazendo com que nós dois
deixássemos escapar um gemido quase dolorido.

— Lembra o que eu disse? Eu quero que gema o meu nome, Paige. Quero
saber que eu sou o responsável por estar fazendo você gemer.

Movi meu quadril lentamente, roçando contra o seu pau.


— Pode deixar que não vou te cobrar que fale o meu nome, porque eu disse
que faria você esquecer e isso não é uma promessa, é uma realidade.

E o beijei.

Tomei aquela boca que não sabia, mas era mais minha do que qualquer
outra já foi anteriormente.

Como uma dança perfeita, nossas línguas se uniram naquela coreografia


perfeita, arrancando suspiros nos momentos mais eletrizantes.

Caleb não demorou para estar com sua boca passeando pelo meu pescoço,
lambendo com paciência o lóbulo da minha orelha, fazendo com que
pequenos choques percorressem a minha pele como eletricidade pura.
Deixando um rastro de calor, prazer e excitação por onde passava.

Movi meu quadril mais uma vez, buscando um pouco de atrito enquanto
aquele nerd seguia um caminho inconstante com a sua boca, até chegar no
meio dos meus seios. Com os olhos, Caleb fez mais um pedido silencioso e
só os tocou quando finalmente afirmei com a cabeça, ansiosa demais para
conseguir falar quando coisa.

No momento em que seus lábios tocaram meu mamilo por cima do tecido,
gemi. Aqueles olhos atentos voltaram a me encarar, abrindo um sorriso
safado ao qual nunca vi Caleb dar antes. Ele mordiscou meu bico pelo
tecido, arrancando mais um gemido meu. E quando fez o mesmo
movimento, só que com um grau mais forte de força, estremeci.

— Geme para mim, linda. Eu quero ouvir esse som gostoso que sai da sua
boca.

Me apressei em tirar a peça que estava atrapalhando em senti-lo.

— Se você quer que eu gema, chupe-os com vontade, nerd. Não se ganha
algo sem lutar e você vai precisar fazer mais se quiser me ouvir gemer seu
nome.
Obedientemente, Caleb segurou meus seios – agora livre de qualquer tecido
– em suas mãos, deixando os bicos prontos para receber sua boca. Ele
desenhou a auréola com a ponta da língua, mas eu me recusei a gemer,
encarando-o de cima. O safado riu, fez o mesmo com o outro peito e
quando viu que eu não daria por vencida tão rápido, ele praticamente o
engoliu, colocando todo o meu peito em sua boca, serpenteando sua língua
sobre o bico intumescido.

O desejo correu do meu peito até a garganta, sendo impossível de segurar.

— Nerd… — gemi, me derretendo nas suas mãos.

— Nome errado, linda. — Ele arranhou com o dente meu mamilo e jurei ter
visto estrelas naquele teto, segurando sua cabeça no lugar.

— Po-po…

E antes que eu conseguisse dizer o que queria, ele pareceu ler minha mente,
mordiscando meu peito na medida certa para que sentisse prazer e não dor,
contraindo meu íntimo o necessário para mais um gemido escapar da minha
boca.

— Ca…

Um barulho me calou, assim como paralisou Caleb. O barulho da fechadura


eletrônica indicou que alguém estava. As mãos de Caleb taparam meu
peito, depois escondeu o próprio rosto e se deu conta de que não ajudou,
voltando a tapar meus seios. Eu queria rir, queria sair do seu colo, queria
ser ágil, mas fiquei ali parada sobre o seu colo, olhando para o ponto exato
onde elas apareceriam e dariam de cara com aquela cena.

— Imagina se a gente chega e eles estão transando… — A risada de


Alisson era inconfundível.

— O que… — Caleb estava com os olhos arregalados.

— AI MEU DEUS!

— PAIGE! — Kimberly foi a voz mais estridente de todas.


Pelo menos meus peitos estavam tapados pelos dedos longos de Caleb, foi
o que minha mente conseguiu pensar de positivo para a situação.
Nunca senti tanta vergonha como naquele momento.
Eu literalmente não sabia o que fazer. Tampei meu rosto com as
mãos, tampei os seios de Paige e quando elas começaram a comentar sobre
isso, fiquei ainda mais sem graça. Suas amigas eram assustadoras e legais,
ao mesmo tempo e na mesma proporção.
— Eu achei incrível que ele tentou tampar seus peitos como se nunca
tivéssemos visto. — Alisson gargalhou mais uma vez comentando sobre o
assunto, colocando um grande pedaço de pizza na boca. — A XENTI JÁ
CHUPIU. — Tentou falar de boca cheia, fazendo as outras gargalharem.
— Deixa de ser mentirosa, Alisson. — Miley empurrou o braço dela.
A situação era engraçada para elas, mas tudo o que eu pensava era
em como eu fui tão idiota de tentar tampar os peitos de Paige; como eu não
tinha tido uma reação melhor, como ajudá-la a se vestir ou sair correndo.
Com certeza conseguia ver James se juntando com elas para rir, enquanto
meu irmão falava que eu deveria ter saído. Forcei minha mente a voltar para
a conversa porque por algum momento eu não tinha pensado sobre tudo o
que aconteceu, até imaginar Camden sabendo de tudo aquilo.
Paige havia feito uma promessa de que faria com que eu esquecesse
até meu nome, era o que eu queria. Por mais que o prazer estivesse latente e
uma vontade de tê-la nos meus braços falava todas as vezes que eu a
beijava, eu precisava de mais naquele momento. Precisava silenciar a minha
cabeça, precisava que a culpa me deixasse um pouco. Eu não conseguia
nem entender porque estava me sentindo culpado de algo que não fiz.
— Tenta não levar nada disso a sério — Paige sussurrou perto do
meu ouvido, beijando minha bochecha antes de levantar da cadeira. —
Lembrei que preciso fazer alguns exercícios de cálculo.
— O nerd fica com a gente, então — Kimberly falou, não me dando
qualquer escolha.
Eu não iria debater com ela.
— É, depois eu me viro dormindo no sofá.
Eu não sabia muito o que dizer.
Depois do que aconteceu, Paige voltou ao modo amiga. James me
disse que garotas fazem isso para nos deixar confusos, e eu não podia
concordar tanto com ele. Quando era eu e Paige, as coisas aconteciam, mas
na frente das pessoas, sentia como se fosse seu amigo. Não entendo isso
como algo ruim, só que partes de mim poderiam esperar mais disso.
Caramba, o que ela deveria fazer sobre? Me tratar como? Minha única
certeza era que estava confuso. Muito confuso com tudo isso.
Portanto, ela esperava que eu dormisse no quarto dela? Ela não
queria isso? Dormir no quarto dela seria invadir demais a sua privacidade,
mesmo que tivesse a visto bem intimamente? Eram muitas questões, muito
mais complicadas do que qualquer problema com reações químicas.
Pode ser que eu esteja confuso com tudo na minha vida.
— Você vai dormir com ela! — Miley bateu suas unhas na mesa,
olhando engraçado para as outras meninas, que riram. — Eu gosto de
acordar, me jogar no sofá e com você lá isso será impossível.
— Fora que já não queria ter você como visita, nerd, então o mínimo
que você pode fazer é não dormir na sala. — A tatuada parecia me odiar.
Paige riu, balançando a cabeça.
— Façam o que vocês quiserem e depois liberem ele para dormir, ok?
O que isso significava? Nunca me senti tão burro em toda a minha
vida. Analisei a troca de olhares que elas fizeram, tentando decifrá-las. Sabe
quando você está aprendendo uma língua e resolve se arriscar em ler um
livro e percebe que não consegue fazer isso? Você se sente frustrado por
achar que estuda tanto e mesmo assim não consegue ler um simples livro.
Era desta forma que eu estava me sentindo naquela mesa, cercado por
meninas que se conheciam muito bem e falavam com os olhos.
Eu não sabia falar essa língua, era isso.
Antes de Paige sair, fiz um pedido silencioso de socorro, mas
Mallory apenas soltou um beijo no ar e sumiu da cozinha, me deixando com
três mulheres prontas para me atacar por ter quase transado na sua sala.
Preciso quebrar esse silêncio. Preciso quebrar esse silêncio.
— Eu gostaria de me des-desculpar. — Iniciei da forma que achei
certo, não ganhando a atenção delas.
— Ela é linda até quando sabe que vamos te encher de perguntas. —
Alisson negou com a cabeça, rindo.
— No fundo ela sabe que queremos o melhor para ela.
Elas estavam comentando como se eu não existisse, falando coisas
que ficavam subliminares demais para um pobre nerd como eu. O máximo
que cheguei de estar perto de um grupo de meninas, foi quando Emma
levava suas amigas lá em casa – nas raras vezes que isso aconteceu. Mesmo
assim, Emma não deixava que eu ficasse perto das suas amigas, o que era
totalmente compreensível, porque eu era o irmão mais velho e ninguém
quer ficar perto do seu irmão mais velho quando se é adolescente.
— Meu Deus, ele deve estar pensando que somos loucas.
— Eu só estou meio perdido. — Deixei escapar, ficando ainda mais
sem graça do que já estava. — Estou com vontade de sair correndo.
Elas riram alto.
— Bom, eu vou ser a tóxica, porque elas são as legais. — Kimberly
puxou uma cadeira, a mesma que Paige estava sentada anteriormente,
sentando-se ao meu lado. — Eu conheço a Paige desde, não sei… Desde a
escola. Faz muito tempo. E depois de que algumas coisas aconteceram, me
senti e me sinto uma irmã mais velha que deve cuidar dela.
Acenei com a cabeça, deixando claro que estava acompanhando seu
raciocínio.
— Não sei o que vocês estão tendo e não me importo, Caleb, de
verdade. E também não ligo se vocês resolveram estrear o sofá antes de
mim. — Ela fez um bico falso, colocando a única mecha loira da frente do
seu cabelo para atrás da orelha. — Eu só quero que saiba que achei legal
você tentar fazer aqueles idiotas não falarem sobre a gente, ou a forma
como a ajudou nesse lance de trabalho. Paige é o meu cristal, sabe? E não
quero que ela se machuque mais uma vez.
Aquela mecha atrás da orelha dava um ar mais tranquilo para
Kimberly. Isso atribuído ao fato de ser a primeira vez ela não estava sendo
meio agressiva como foi em todas as vezes que a vi, me causou uma
tranquilidade inesperada.
Kimberly era a mais diferente das suas amigas, com tatuagens
espalhadas pelo corpo e o cabelo parecido com o da vampira do X-men,
com uma faixa loira e todo o resto em um tom de preto quase azul escuro.
Era quase impossível projetar uma imagem de Paige e Kimberly sendo
amigas no colégio, mas acredito que esse é o tipo de amizade verdadeira.
Pessoas diferentes que escolheram e escolhem estar juntas e se gostarem
apesar de todas as diferenças. James e eu éramos assim. Paige e Kimberly
eram assim.
Talvez eu e Paige sejamos assim, mesmo achando que temos muitas
coisas em comum.
— Você é um cara legal para ela, Caleb — Miley anunciou, sorrindo.
— E essa reunião é só para te dizer que viramos todos amigos a partir
de hoje — Alisson garantiu, levantando uma mão no ar para que eu batesse.
Retribui o seu gesto, batendo na sua mão.
— Mas isso não significa que eu quero você aqui, com seu pau duro,
comendo a Paige em qualquer lugar — Kimberly falou sério, explodindo
em risadas logo depois.
— Como eu disse, sinto muito por tudo o que aconteceu no sofá —
inspirei fundo para buscar mais ar e coragem —, não tinha essa intenção.
— Mas ela tinha. — Kimberly bateu no meu ombro. — Você é um
bebê em um corpo enorme, mas vai perceber que a Paige sempre tem a
intenção.
Tentei entender aquela mensagem, balançando a cabeça na mesma
velocidade em que digeria aquela informação.
— Eu gostaria de dizer que entendo a preocupação de vocês porque a
Paige não deveria estar bem quando decidiu ficar com o idiota do Ryder….
Elas gargalharam antes de eu conseguir terminar minha linha de
raciocínio.
— O que ele te disse naquela hora? — Alisson perguntou.
— Ali! — Miley repreendeu.
— Eu prefiro não falar, mas não entendo como ela namorou com ele
por tanto tempo. Eu fico com medo de pensar que merdas ele falava com
ela, ou como a tratava, ou… — Mordi minha bochecha para conter a raiva
que sempre me vinha quando imaginava eles dois juntos.
Um silêncio ganhou vida até Kimberly grunhir em alto e bom som.
Mais uma vez, aquele evento onde todas se encaram aconteceu,
mexendo sobrancelhas e fazendo caras diferentes.
Me pergunto o motivo de Emma não ter me ensinado uma dessas
caras para eu saber exatamente o que elas estão pensando.
— Certeza que foi algo bem merda, não tem como outra coisa vir
dele. — Ela levantou rapidamente da cadeira, apontando sua unha afiada no
meu rosto. — Se você for idiota como ele, eu vou arrancar suas bolas com
as minhas unhas.
— A-aposto que você… você consegue. — Quase não respondi.
É, pode ser que ela realmente me odeie.
— Eu gosto muito da Paige, só para vocês saberem. — Levantei da
cadeira, ainda sem graça. — Eu vou lá.
— Pode ir, Caleb, e fique tranquilo que não te odiamos ou coisa
parecida. — Miley sorriu, meiga. — E você pode ficar o tempo que
precisar, sabemos que as coisas devem ter ficado complicadas depois de
tudo.
Pelo menos essa gosta de mim, foi o que pensei ao me despedir delas
e ir para o quarto que Alisson intitulou como ninho do amor assim que sai
da cozinha. Se ela queria que eu escutasse, conseguiu com êxito.
Caminhei pela casa que era extremamente organizada, subindo as
escadas com um leve espiral que dava para o andar superior. Casas como
aquela, no campus, era apenas para pessoas que tinham uma condição
financeira para bancar esse privilégio. Principalmente uma casa tão nova,
decorada de forma moderna como os grandes quadros com imagens
diversas que cobriam quase todo o corredor superior, ou a escolha neutra de
tons de bege, branco e um amarelo claro.
Segui pelo corredor até chegar na última porta do lado direito, onde
soube que ficava o quarto de Paige. Na sua porta, partes da sua
personalidade que eu desconhecia, como alguns desenhos de tubos de
ensaio mesclados com desenhos de unicórnios ou como donuts com glitter,
de modo que sua porta parecesse de uma criança que tinha um grande sonho
de ser uma cientista.
Eu tenho uma teoria que o quarto de alguém remete muito a quem ele
naturalmente é. Seu quarto reflete sua bagunça interna, a forma como você
se expressa e possivelmente as coisas que você mais gosta. No momento em
que toquei na sua porta e Paige a abriu com um sorriso tímido e um pijama
menor do que eu gostaria de ver, fui tomado pelo seu mundo.
Essa estava sendo sua verdadeira face, em cada pedaço e parede.
O lugar tinha o mesmo tom do resto da casa, mas o que o fazia ser
como Paige era a bagunça de coisas por todos os lados. Uma mesa com um
computador e cercada com livros de estudo, canetas, blocos de notas e post
its colados em alguns pontos, como pequenos lembretes de algo que ela
deveria fazer. Na parede da sua mesa, muitas fotos se espalhavam com
pessoas que eu não conhecia, mas que tinham um sorriso muito parecido
com o dela.
— Bem-vindo ao meu mundo — Paige sussurrou, deixando com que
eu passasse pela sua porta e conseguisse olhar mais de perto todos os
detalhes.
Eu me sentia entrando em seu mundo. Conhecendo sua mente. Me
encantando com cada detalhe.
— Quem são esses nas fotos? — Fui até o painel, estava meio
curioso.
— Vou te apresentar para minha mãe. — Paige pegou minha mão,
puxando para perto do painel. — Ela é essa aqui. — E apontou para uma
foto de uma mulher muito parecida com ela.
O cabelo de Paige hoje em dia era um tom mais escuro que o da sua
mãe na foto, em um tom dourado que brilhava com o dia ensolarado que
parecia estar no momento em que a foto foi tirada. Uma garotinha banguela
a segurava pelo pescoço, tão sorridente como a mãe, com um coque e uma
roupa toda rosa. Tentei controlar o sorriso porque sua mãe era muito
parecida com ela, desde os olhos que ficavam menores quando sorria, até os
lábios mais grossos.
— Você deve ser essa banguela aqui?
Nos encaramos, sorrindo.
Eu pude ver em seus olhos a mesma emoção com que contou sobre
sua mãe. Uma mistura homogênea de felicidade com tristeza. Eu já tinha
passado por lutos e entendia em partes o que ela sentia sobre lembrar com
felicidade dos momentos e ao mesmo tempo ficar triste por ser apenas
lembranças de um momento bom. Meu luto foi de alguém que ainda existe.
Ainda posso ver a pessoa, na teoria.
Mas Paige não.
— Eu sou essa garotinha sorrindo. — Paige passou o dedo pela foto.
— Tinha acabado de sair da minha primeira aula de ballet e estava muito
feliz.
Engoli em seco.
— Você não dança mais?
— Só quando as coisas ficam muito difíceis para serem suportadas,
aí eu coloco uma música muito alta e danço até liberar tudo.
Balancei a cabeça, não sabendo o que responder mais uma vez.
Pois minha cabeça sempre me pregava peças e quando menos
percebi, estava vendo a borboleta pelo basculante de uma sala, mergulhada
em sentimentos e acordes estridentes de uma guitarra. Mudando.
Transformando. Deixando algo pesado para poder voar com tranquilidade.
— Esse deve ser o seu pai? — Tentei sair daquele pensamento.
— Sim, não somos parecidos? — Ela riu, fazendo uma careta. —
Quando me diziam que eu era parecida com ele quando criança, eu ficava
muito triste, porque queria ser como a minha mãe.
— Eu não achei você parecida com ele.
— Eu sou a cara dela, né? — Seus olhos estavam brilhando de uma
forma única. — Infelizmente você não vai conhecer ela pessoalmente, mas
com sorte você deve conhecer o meu pai em algum jogo importante. —
Paige piscou algumas vezes, antes de voltar a olhar seu painel de fotos,
apontando para outra mulher no painel, uma foto bem mais recente. — Essa
é a Miranda, a minha madrasta.
Uma mulher de pele retinta sorria muito feliz, diria que até meio
emocionada, apoiada no ombro de Paige e do seu pai, que nessa foto
parecia mais velho, enquanto posavam para uma foto tirada por Mallory
segurando uma chave.
— O que significa essa chave?
Paige riu.
— Sabe que nada? Eu e Miranda estávamos passeando com a Hoss,
quando achamos uma chave e começamos a rir como loucas. — Paige
gargalhou, segurando meu braço. — Sabe quando temos uma crise de riso
por absolutamente nada? Só estamos tão felizes que começamos a rir?
Eu ri com ela, não porque sabia que felicidade era essa. E sim porque
a sua felicidade me deixava feliz de uma forma única. Estranhamente única.
Se ela sorria, eu tinha a mesma vontade. Se ela ria, eu queria rir junto com
ela, como uma doença altamente contagiosa.
— Então vocês acharam a chave e começaram a rir e resolveram tirar
uma foto? — Ri junto com ela. — Isso parece uma loucura.
— E é. Meu pai chegou, pegou a chave e disse para tirarmos uma
foto como se tivéssemos comprado uma casa, e essa virou a minha foto
favorita da vida. — Paige se apoiou o corpo na mesa. — O único lado ruim
é que não tem a Hoss na foto, se não você ia conhecer minha cachorra.
— Hoss, tipo o nome da pesquisadora que você me contou?
Paige pareceu surpresa.
— Você realmente prestou atenção em tudo o que eu disse?
— Claro.
Por que era tão difícil de acreditar?
Paige sorriu tão grande quanto a foto em que tinha acabado de sair da
sua aula de ballet, pegando na minha mão enquanto me levava para a
parede na cabeceira da sua cama e me mostrava um outro mural cheio de
imagens aleatórias que iam desde sapatos, até bolas de futebol, foto com as
meninas e uma série de coisas colocadas fora de ordem. Só então olhei para
o teto e me surpreendi em ver estrelas que brilham no escuro coladas por
toda parte, como se a criança, dona da porta, ainda estivesse presente
naquele ambiente.
— Eu tinha um pouco de medo de dormir sozinha, então as estrelas
foram a forma que minha mãe encontrou para dizer que sempre estaria
olhando por mim. — Ela se sentou na cama, deitando-se sobre o lençol
bagunçado — Então quando eu me mudei, acabei trazendo-as para cá.
Dentre todas as coisas que estavam em seu quarto, todas as cores e
decoração, sua mãe parecia viva em cada detalhe. Não a conhecia, apesar
disso, partes de mim sentiam como se fosse íntimo só pela forma com quem
Paige a colocou em cada parte.
— Eu queria muito conhecer a sua mãe — murmurei.
Era para ser um pensamento, mas acabou escapando.
— Eu acho que ela ia adorar você, Caleb.
— Ela deveria ser tão extraordinária quanto você é.
Ali, parado no meio do seu quarto, eu conheci um pouco mais de
Paige e tive a certeza de que seria impossível não me apaixonar por ela e
por seu mundo particular.
Se é que já não estivesse apaixonado.
Sua cabeça estava no meu peito, sua mão espalmada na minha
barriga, e ali estava me sentindo completo. Olhando para as estrelas acima
da minha cabeça e para uma jogadora que chutava uma bola bem no meu
campo de visão, tudo o que podia sentir era que aquele lugar era uma nova
casa. Íntimo. Estranha era a sensação de se sentir completo em um lugar
completamente novo. Era a mesma sensação que sempre sinto quando estou
no meu quarto, deitado. Sozinho.
O que é o completo oposto daquela manhã.
Paige dormia tão bem que tive pena de acordá-la para que me
levantasse e fosse embora. Passar a noite com ela, dentro do seu quarto, foi
como descobrir mais uma camada da garota que todos fingem conhecer,
mas poucos sabem sua verdadeira face. Nada. Repito. Nada do que me
disseram sobre ela, ou sobre suas amigas, chegava a ser próximo do que se
mostraram naquela noite. Existia muito mais por trás da face de quem pega
todo mundo, ou da mulher que sempre tem a resposta na ponta da língua.
Com muito cuidado, tirei sua mão da minha barriga e tentei deslizar
pela cama, arrastando minhas costas contra o colchão, centímetro por
centímetro, me afastando ao máximo dela. A jogadora dormiu na segunda
história que contei quando fui a um acampamento de inverno hockey, junto
com Emma. Fomos até a casa dos nossos avós paternos e ficamos toda a
férias patinando e jogando.
Aquela memória me fez lembrar de uma época em que realmente
gostava do esporte e do tempo em que eu passava patinando, muito
diferente do que tudo isso significava para mim nos dias de hoje.
Paige até contou que não sabe patinar e isso me deixou extremamente
surpreso.
Ao descer as escadas, encontrei Kim com o rosto bem maquiado e
uma caneca na mão, ao mesmo tempo em estava apenas de sutiã e calcinha
no meio do sofá.
— Puta merda, Caleb! — ela me xingou baixo, tapando-se com uma
almofada. — Eu esqueci que você estava aqui.
— N-não se preocupe. — Respeitei-a, olhando para os meus pés.
Não queria que se sentisse desconfortável dentro da própria casa. — Eu já
estou indo. Não queria acordar a Paige, então você pode avisar que fui
embora sem avisar por isso?
— Você não quer tomar um café? Eu vou, coloco uma roupa e a
gente conversa até eu cair no sono.
— Você chegou agora?
Como consegue não dormir e estudar? Foi uma pergunta que me
passou rapidamente até ela rir super baixo.
— Eu canto em um bar a noite, acabei indo pra casa de um dos caras
e enfim, cheguei quase agora. — Ela deu de ombros, apontando para a
cozinha. — Pega um café e fica aí até ela acordar.
Por mais que Kimberly estivesse sendo gentil em sua oferta, lembrei,
como uma lâmpada de atenção se acendendo dentro da minha cabeça, o
momento em que falou sobre não querer minha visita àquela casa. Eu
entendi suas regras assim que Paige me explicou que era uma forma de
controlar quem estava dentro e até uma forma de segurança para elas. O
fato de terem uma fama não significava que era real, e concordei.
Logo, neguei com a cabeça, abrindo meu sorriso mais sincero de
todos. Eu sabia que precisava ir pra casa enfrentar os sentimentos que
preferi ignorar no dia anterior.
— Eu acho que preciso ir embora, mas peço que avise para ela. —
Encarei-a, me sentindo desconfortável e sem graça.
— Claro. — Ela sorriu, pela primeira vez, direcionada a mim — Pais
são uma merda e eu entendo você. Talvez conversar valha de alguma coisa,
mas lembre-se de que não precisa fazer de tudo por eles só por causa de um
laço sanguíneo. A verdade é que família é quem nos escolhe. Da forma que
somos. Com as escolhas que fazemos.
Eu não estava esperando por isso, mas de alguma forma senti aquela
mensagem mais do que eu gostaria.
— Obrigado, Kim.
Deixei aquela casa com um sentimento de quem gostaria de voltar,
entrar embaixo das cobertas e ficar abraçado com Paige. Eu sabia que no
momento em que acordasse, iria ter que tomar coragem para voltar para a
minha casa. A grande verdade é que todo o momento que fiquei dentro
daquela casa, me senti em uma bolha, intocável de todo o mundo e
assuntos. Por um lado isso era bom, porque tive a oportunidade de entrar e
conhecer Paige mais de perto, por outro, eu só adiei o que não daria para
adiar por muito tempo.
Em algum momento eu teria que voltar para casa. Eu sabia disso.
Esse era mais um motivo para acordar e ir embora, porque não adiantava
fugir mais.
Durante anos eu aprendi que a melhor forma para os conflitos era
evitando-os. Confesso que funcionou durante um período, porque o que
você não conversa, acaba desaparecendo em algum momento. Ou pelo
menos era nisso que eu acreditava.
Entretanto, com a forma com que tudo aconteceu e como minha
tolerância a cada dia fica menor, percebo que o meu maior erro foi ter me
colocado na situação de não confrontar. Não bater de frente. Não lutar pelo
o que realmente queria. Deixei que alguém fizesse escolhas por mim,
colocasse o seu sonho como meu e o guiasse para o caminho que queria,
como uma espécie de marionete. Deixei que alguém tirasse momentos que
eram importantes em prol da sua própria alegria, em busca de uma
aprovação que nunca recebi de fato.
O erro parecia totalmente meu enquanto dirigia de volta para casa,
por mais que ao mesmo tempo queimasse no meu peito um sentimento que
pouco senti antes. Eu estava preenchido de uma coragem que aprendi com
Paige em suas entrelinhas.
Com toda a sua história com a sua mãe, a forma com que quis
demonstrar gratidão a tudo o que fez e ser um orgulho para a mulher que a
criou na infância, percebi que Paige tinha muita coragem para batalhar por
aquilo que queria. Isso também foi mostrado para mim com a forma que
insistiu com que a ajudasse. Talvez ela não soubesse que tinha me marcado
daquela forma, mas no momento em que compartilhou suas dores e
cicatrizes, fui tocado por essa faísca de coragem.
Sorri como um idiota, liguei o rádio e deixei que o resto da música
“Every breath you take” fosse a trilha sonora daquele sentimento que
queimava meu peito, daquelas memorias do sorriso de Paige que sempre
apareciam no meu campo de visão e daqueles momentos em que a tive nos
meus braços, sendo minha sem realmente ser.
Apesar de saber que no momento em que chegasse em casa, aquele
sentimento bom enquanto dirigia e revivia cada momento iria acabar, não
pensei que fosse tão rápido. Assim que estacionei a caminhonete na frente
da casa que morava – paredes com tom desbotado de azul e janelas de
madeira –, meu pai já me esperava, abrindo a porta no exato momento em
que coloquei o pé no asfalto.
Inspirei fundo, soltando o ar pela boca.
Tomei um gole imaginário daquela coragem que sentia para entrar
em silêncio e assim permanecer até Camden levantar e seguirmos com a
rotina de todos os dias. Minha escolha era tentar me calar mais uma vez, em
respeito ao meu irmão e por não saber exatamente o que falaria, afinal eu
tinha muitas coisas antigas e novas para jogar na cara do meu pai, muitas
das coisas pelas quais deixei passar por não ter coragem.
Ou porque realmente acreditava que o melhor a se fazer era evitar.
Entretanto, estava muito enganado se achei que ele não falaria nada.
No momento exato em que passei pela porta e ele a fechou, meu pai
segurou meu braço, olhando dentro dos meus olhos.
— Onde você estava? — Seu tom não era amistoso, mas era
controlado. Baixo.
— Estava na Paige.
Ele soltou meu braço, ainda que seus olhos estivessem me prendendo
como uma prisão invisível, mantendo-me no mesmo lugar.
— O que você está esperando para sumir da minha frente?
— Sinto que você quer falar mais alguma coisa — rebati no mesmo
segundo, não entendo de onde veio aquela resposta.
A faísca agora parecia brasa, queimando não apenas o meu peito,
mas também todo o meu corpo. Nossos olhos permaneceram juntos, um
jogando aquele peso para o outro, onde muitas coisas poderiam ser faladas
apesar de todo o silêncio que crescia a nossa volta a cada segundo.
— Eu não retiro nada do que eu disse, Caleb. Você é uma decepção
para mim. — Suas narinas dilataram, seu peito subiu e desceu conforme
respirou mais fundo. Meu pai fechou os olhos por alguns segundos até
abrirem de forma completamente diferente. — Quando sua mãe quis que
você fosse com ela, eu deveria ter deixado. Eu não teria lidado com essa
decepção, não teria a sua influência sobre o seu irmão, e eu…
— Você não teria ninguém — cuspi as palavras sem dó. — Você
seria tão solitário quanto realmente é. Sua filha preferiu ficar em outra
cidade do que morar perto de você. O Camden, por mais que faça as coisas
que você pede, não faria a menor questão de morar com você e no fundo,
bem no fundo, você sabe disso. Então ou você teria o seu filho que o tanto
trás decepção, ou você não teria ninguém.
Fechei meus olhos com tanta força, tentando controlar todas as coisas
que quase saíram de uma única vez. Controlando aquela coragem de
despejar todas as merdas que ele já me disse ao longo dos anos.
— Você está muito enganado, Caleb — rosnou, dando dois passos na
minha direção.
— Você sabe que seus tapas não surtem o mesmo efeito que antes,
não é? Por mais que machuque fisicamente, não é nada comparado ao que
sinto aqui. — Apontei para o meu peito. — Eu sempre tentei ser a porra do
filho perfeito para você.
— E não conseguiu. — Mais um passo e ele estava frente a frente
comigo. — Eu dei tudo o que você tem, te forneço o melhor estudo, o
melhor futuro. Entreguei nas suas mãos toda a carreira que pode ter e você
fez como ela. Você prefere jogar tudo para o alto por causa de mulher e…
— Não estou fazendo nada por causa de mulher — interrompi. —
Você não sabe as merdas que tenho ouvido…
— Eu sei, Caleb. — Foi a vez dele interromper, abrindo o sorriso
assustador que eu conhecia como ninguém. — Eu soube sobre a tal da
Paige Mallory. Não fiquei surpreso quando Ryder me contou quem ela era e
como foi o relacionamento deles. Você está enlouquecido por uma…
— Cala a boca! — Não deixei que completasse. — Você realmente
merece ficar sozinho.
— Faça como achar melhor. — Ele gargalhou, se afastando em
direção a porta. — Você acha que a sua mãe vai te ajudar com alguma
coisa? Você acha que ela se importa com você ou com o Camden? Onde
vocês irão morar? — Quando ele virou, eu sabia exatamente o que ele
falaria. — Corra atrás dela e veja a resposta. Sua mãe não liga para nenhum
de vocês. Posso não ser o melhor pai do mundo, mas com certeza não sou o
pior.
Como ele poderia não se achar o pior do mundo?
— Então veja o que é melhor para você. Eu quero você no próximo
treino. Como ganhamos, dei uma folga de dois dias. — Ele virou mais uma
vez, abrindo a porta da casa — Esse será o tempo para você decidir se fica
ou não no time. Mas devo dizer que se sair do time, também estará saindo
da minha vida.
— Saindo da sua vida?
— É. Você e seus irmãos. — Ele olhou por cima do ombro. — Vocês
deixam de ser meus filhos no momento que sair daquele time.
Pisquei algumas vezes sem acreditar no que ele tinha acabado de
falar com naturalidade. Meu pai abriu a porta e saiu sem dizer mais nada,
me deixando parado no mesmo lugar ao qual tínhamos acabado de discutir.
Por mais que tentasse, meus pés não saíam do lugar. Eu estava em choque
com o que disse, com a manipulação barata e com o peso que foi colocado,
mais uma vez, nas minhas costas.
A culpa. O arrependimento. A tristeza. Tudo foi crescendo pouco a
pouco, apagando a pequena faísca que tive de coragem, inundando cada
parte do meu ser de uma forma que já conhecia. O cara que tinha acabado
de bater de frente com ele voltara a ser um menino medroso, acanhado. Me
senti com a idade do Camden, tendo que lidar com mais do que deveria.
— Lebbie?
A voz dele me despertou.
— Oi, Cam, como foi a noite? Você está bem?
— Eu ouvi o que ele falou. — Camden não sorriu como sempre
costuma fazer para qualquer assunto. — É injusto.
— Não se preocupe com isso.
Tentei não transparecer o que realmente estava sentindo, aquele
afogamento sem ter água à minha volta.
— Eu não sou mais um bebê que você tem que fingir que nada
acontece. Ele foi injusto para cacete com você. Com a gente.
Eu sabia que ele não era mais uma criança, todavia não achava justo
ter que fazer ele pensar sobre aquilo comigo. De alguma forma eu me sentia
responsável por Camden. Com Emma a sensação era diferente porque ela
era o meu porto seguro, a pessoa que vivenciou muitas das coisas comigo,
principalmente nos momentos mais críticos, já que nossa idade não era tão
distante.
— Eu sempre dou um jeito, Cam. Vamos tomar café da manhã em
algum lugar?
— Podemos ir até Foster encontrar com a Emma.
— Será uma viagem e tanto — ponderei.
— Eu vou trocar de roupa e você liga para ela.
Eu realmente precisava conversar com ela.
Não que fossemos falar nada na frente do Camden, porque Emma
e eu vivíamos como dois pais que escondem coisas do filho. A gente se
olha, pensa em mil coisas, força um grande sorriso nos lábios e tenta
conversar sobre tudo, menos sobre o que realmente importa.
Não saberia dizer em qual momento essa virada de chave
aconteceu, mas tinha minhas teorias.
No dia em que nossa mãe saiu de casa, as coisas já estavam
insustentáveis a mais tempo do que eu poderia lembrar.
Sendo sincero, não me lembrava do meu pai sendo um pai depois do
acidente em que perdeu a possibilidade de jogar.
Como Camden era muito pequeno, talvez não fosse capaz de lembrar
de todas as brigas, os momentos de bebedeira do nosso pai ou dias em que
nossa mãe passava fora sem dizer qualquer coisa sobre o assunto. Não sei
de quem é a culpa em tudo isso, se é que existam culpados.
Todos estavam lidando com coisas demais naquele momento.
Minha mãe estava tentando sobreviver a um marido que havia
mudado completamente depois que sofreu um acidente, que reclamava e
gritava com tudo e todos a sua volta. Meu pai estava lidando com a notícia,
após cair de moto, que seu futuro como jogador estava acabado por ter
sofrido uma lesão mais grave do que os médicos conseguiram resolver.
Tudo isso com contas de hospital, perda de patrocinadores e todo um futuro
que ele poderia ter tido, somado a duas crianças e uma na barriga.
Quem eu poderia culpar?
A única coisa que sei é que na mesma idade de Camden, eu tive que
aprender a ser mais do que um irmão para ele, assim como Emma precisou
aprender a ser mais do que uma irmã também. Nos colocamos na
responsabilidade de cuidar, organizar e manter nosso irmão longe de tudo
isso porque, de uma forma inconsciente, já sabíamos que estávamos fodidos
demais para sermos consertados.
E quando nossa mãe saiu pela porta dizendo não aguentar mais,
ficamos aos cuidados dele e, em alguns momentos, nossos avós. Não
demorou para o meu pai enxergar em mim o potencial que viram nele
quando era mais novo.
Sempre tentei agradá-lo, mesmo antes da partida da minha mãe. Eu
sentia que tinha um poder nas mãos, porque a cada jogo que ganhava, um
sorriso surgia nos seus lábios; a cada elogio que recebia de um treinador,
meu pai ia a um novo jogo meu; a cada animação da minha mãe com a
volta da alma do meu pai, mais eu sentia que ali eu poderia consertar as
coisas.
Eu nunca fui capaz de consertar nada. Essa era uma verdade que já
havia percebido a anos.
— Eu estou tão feliz que vocês estão aqui. — Aquela foi a primeira
vez que me dei conta de onde estava.
Estava no automático, dirigindo, conversando, seguindo em frente.
— Nosso pai bateu no Caleb. — Essa foi a primeira coisa que Cam
disse ao soltar o abraço com Emma.
Ela me encarou de olhos arregalados, apoiando as duas mãos na mesa
do café que marcamos de nos encontrar.
Seus olhos me pediam uma explicação silenciosa, eu sabia disso.
Entretanto, a ideia não era falar sobre nada daquilo, não naquele momento
onde nem eu sabia explicar tudo o que estava sentindo e revivendo desde
que o nosso pai jogou aquele peso nas minhas costas.
— Do que ele está falando? — Seus olhos saíram de mim até
Camden. — O que está acontecendo?
— Ele passou a noite com a “namorada que não pode ser chamada de
namorada” — Camden fez aspas com as mãos —, e quando voltou para
casa, o papai disse que ou ele volta a jogar ou não somos mais os seus
filhos.
Emma esticou-se sobre a mesa do café, segurou o meu rosto entre
suas mãos e analisou cada centímetro como uma mãe faria com seu filho
que acabou de se machucar. Eu quase ri, só não fiz porque ela ficaria
extremamente irritada com isso.
— Ele não está com marcas, Em. — Camden revirou os olhos. — O
papai deu um tapa nele depois que ele saiu na porrada com um cara do time.
Só que agora tem esse negócio de ser obrigado a jogar e eu estou achando
isso extremamente errado da parte do nosso pai e…
Só então me dei conta do desespero na voz de Camden.
— Eu disse que está tudo bem — falei para Emma, mas era para ele
também.
— Eu sei que não está e não adianta mais fingir nada para ele. —
Emma se dirigiu diretamente para mim, soltando meu rosto. Ela endireitou-
se na cadeira e esticou a mão para a garçonete. — Eu preciso comer antes
de escutar toda essa merda.
— Não tem o que conversar, eu vou ficar jogando até a faculdade
acabar. — Não precisei olhar para eles para sentir seus olhos em mim. —
Eu sei que isso parece uma loucura, mas não acho que tenha outra solução.
— A gente pode ligar para ela. — Camden tentou, mas eu não faria
isso.
— Eu não vou pedir nada para ela, Cam.
— Por que não? — Foi a vez da Emma.
Dei de ombros.
— Ela não liga — falei, ressentido.
— Será que ela não liga? — Emma, pela primeira vez, não
concordou comigo. — A gente não sabe se ela não liga, Caleb. Não
sabemos nada sobre ela, praticamente.
— Eu vou continuar jogando e isso não é algo que vou discutir com
vocês dois.
A garçonete chegou, ajudando com que aquele assunto fosse
finalizado mais uma vez.
Ou temporariamente.
Algo me dizia que seria temporário.
— É uma pena que você não vai poder jogar hoje. — Alisson parecia
mais nervosa que o normal.
— Eu falei que vocês vão arrasar. — Sorri, mostrando confiança.
Por mais que Alisson me achasse uma chave super importante para a
equipe, ela era capaz de fazer um ótimo jogo com as outras meninas do
time. Eu tinha certeza. Ela respirava aquele campo, era seu grande sonho.
Ninguém merecia mais estar como capitã e com os holofotes todos voltados
para ela.
— Eu estou pronta para fazer algumas faltas. — Kimberly estava
parada enquanto Miley trançava seu longo rabo de cavalo.
— Nada de faltas, Lake. — A treinadora apareceu no vestiário,
sorridente demais. — Agora eu preciso que você saia do vestiário e vá
assistir o jogo, Mallory.
— Eu não posso nem ficar no banco? — Fiz um biquinho.
— É, ela podia ficar nos dando força do banco — Miley insistiu.
— Precisamos da Mallory no apoio, treinadora — outra jogadora
comentou.
Mas o balançar de cabeça da treinadora já dizia que não mudaria de
ideia.
— Ela vai precisar torcer para vocês de fora do campo para não haver
qualquer tipo de reclamação — falou, categórica.
Não deixando espaço para perguntas.
Eu queria muito ver o jogo das meninas direto do banco, mas existia
outro fator para que eu estivesse nervosa em assistir o jogo da
arquibancada.
Quando convidei Caleb para ver o jogo comigo, não imaginei que ele
chamaria a irmã dele para ver também. Ele estava distante, fazendo o
mesmo que fez antes de nos encontrarmos no parque de diversão. Por um
lado, eu entendi que ele poderia precisar de espaço para lidar com outros
problemas. Era óbvio que muita coisa estava acontecendo com ele. Por
outro, na minha perspectiva, as coisas poderiam ficar mais fáceis se ele
conseguisse se abrir com alguém.
Comigo.
Eu queria ser essa pessoa para ele.
A pessoa com quem ele conseguia ter conversas difíceis.
A pessoa com quem ele iria querer ligar ao ter uma notícia, seja boa
ou ruim.
A pessoa com quem ele quisesse estar junto no pior momento.
Depois da noite que passou na minha casa, após acordar e encontrar
com as meninas o elogiando, algo se firmou no meu coração. Eu estava
certa de que o que eu sentia era muito mais do que realmente esperei, e que
por mais que essa proposta não estivesse sendo levada à risca por ele, ainda
existia um acordo implícito.
Nossa proposta perfeita não era tão boa assim quanto eu imaginava,
tendo em vista que em algum momento eu iria ter que ajudá-lo a arranjar
alguém, ao mesmo tempo em que meu coração estaria chamando por ele e
ninguém mais.
Com muita dificuldade eu assumi, para mim e mais ninguém, que eu
estava apaixonada por ele.
— Você me parece bem feliz, Mallory. — Ele me recebeu com um
sorriso diferente a todos os outros, algo que parecia verdadeiro, mas
derrubado por outro sentimento.
— Eu estava muito triste, eu te disse. — Pisquei com um único olho.
Antes mesmo que eu pudesse tomar qualquer atitude, Caleb segurou
a minha cintura e me puxou, deixando que meu corpo colidisse com o seu,
abraçando-me. Foi surpreendente porque ele não fazia aquele tipo de coisa.
Sempre ficava algo estranho quando o assunto era ter qualquer tipo de
intimidade na frente de outras pessoas ou no meio da faculdade. Nunca
houve uma conversa ou um acordo de demonstração de afeto, embora
sentisse que Caleb tentava não fazer esse tipo de coisa por me proteger de
comentários ou algo parecido.
— Desculpa por estar distante — disse próximo ao meu ouvido.
Turner beijou o meio da minha testa e com o polegar, alisou a minha
bochecha com um carinho íntimo e quase secreto. — Eu estava com a
cabeça cheia de coisas.
— Imaginei que sim. — Beijei sua bochecha. — Mas podemos
conversar depois, ou não?
— Precisamos conversar depois.
— Eu também estou aqui, esqueceu? — A voz feminina me fez
estremecer e fugir dos braços de Caleb.
No instante em que nos olhamos, o reconhecimento foi rápido.
— Emma Turner… — Estreitei os olhos. — Sua irmã é a capitã do
time de Foster?
— Eu mesma. — Ela sorriu, muito parecido com o sorriso do irmão.
— Fico tranquila em saber que você não falou sobre mim, da mesma forma
que não falou sobre ela.
Ela o encarou séria, o mesmo ar que tinha em campo.
Diferente de Caleb, os fios da Emma eram claros, quase em um tom
branco. Os olhos escuros como a noite de Caleb também não era visto em
Emma. Seu olho era azul, lindo. Todos comentavam sobre eles quando
ouvíamos falar sobre a nova jogadora da UCF. Isso e a forma agressiva com
a qual jogava, o que tinha sido uma pena para a treinadora que tentou a todo
custo fazê-la parte do nosso time e da nossa faculdade.
Eu nunca poderia imaginar que Emma Turner tivesse qualquer
familiaridade com o nerd.
— Por que você não me disse que sua irmã era a raio Turner?
— O quê?
Ele gargalhou.
Emma era conhecida por ser rápida como um raio. Era uma piada
inventada pelos outros times que acabou pegando como conhecimento
básico. Todo time tinha uma estrela e a jogadora mais temida, de certa
forma. Por nossa grande rivalidade, nós acabávamos sabendo demais sobre
o time dela, e vice-versa.
— É sério que as pessoas me chamam assim? — Emma me encarou,
agora voltando com o sorriso anterior.
— É disso para muito pior, se quiser saber.
Gargalhamos.
— A capitã de vocês também tem apelido no nosso time, mas não
tem nada a ver com o futebol.
Ri ainda mais, já imaginando qual poderia ser a fama da Alisson.
— Seja o que for, não me conte. Eu não quero saber qual é a fama
dela no campo de vocês. — Estiquei a mão. — Eu sou a Paige.
— Emma. — Ela retribuiu aquela oferta de paz silenciosa. — Preciso
falar que não quero que tenhamos aquela rivalidade aqui também, por causa
do nosso pobre Caleb.
— Nosso? — Olhei para ele.
Caleb parecia mais tímido que o normal, com as mãos enfiadas em
uma calça de moletom.
— Vocês não estão namorando?
— Estamos? — Segui com meus olhos cravados em Caleb.
Sua glote subiu e desceu. Com olhares furtivos em direção a irmã, ele
me encarou.
— A Emma pode ser pior que o Camden, então só ignora tudo e
vamos nos sentar.
— Eu não sou pior — ela se defendeu, andando em direção ao
campo. — É que eu pensei que isso entre vocês era algo sério, até porque
ele falou muitas coisas ontem.
— Coisas? — A interrompi.
— Algo sobre…
— PAIGE! — Uma das meninas que eu não conhecia, me chamou.
— Eu vou ter que falar com elas, mas encontro com vocês lá dentro.
— Vou tentar um lugar legal para gente. — Caleb deu mais um beijo
daqueles na testa e eu corri para dar atenção para as meninas.
Eu sempre tentava ser legal com as pessoas que falavam comigo,
mesmo que não lembrasse delas ou como nos conhecemos. Eu tentava ser
simpática, fingir que sabia quem era a pessoa e mantinha a conversa até não
aguentar mais. Contudo, minha cabeça tinha ficado nas palavras que a
Emma tinha despejado de qualquer jeito em mim.
O que Caleb falou para ela pensar que estávamos juntos? Será que ele
falou que estava gostando de mim? O que eu poderia esperar disso? Estava
viajando? Ou ele só manteve a mentira que todos estavam comentando?
Fiquei rondando dentro desses questionamentos, olhando para as meninas
sem conseguir escutar nada do que diziam.
Eu já tinha certeza do que estava sentindo, inclusive estava temerosa
quanto a isso. Por mais que Caleb fosse o cara que dava beijos na testa sem
com quem esperasse, ele também era o cara que sumia quando a coisa
ficava pesada para ele, sem contar nada do que estava passando ou
sentindo, como se não confiasse em mim.
Entendo que para algumas pessoas é difícil abrir algumas portas.
Eu entendia muito bem. Também tinha as minhas próprias portas.
Entretanto, eu as abri, deixei que ele entrasse, olhasse todas as salas cheias
de traumas e cicatrizes e escolhesse participar ou fugir.
O que me assustava era que ele tinha olhado, entrado e se encantado.
Ele tinha escutado minhas histórias, rindo comigo, gravando nomes que
nenhum outro fez.
Ele era diferente de todos os outros que passaram por mim.
Ele quis conhecer a minha mãe, mesmo que isso fosse algo
impossível.
Como eu não me apaixonaria? Como eu não ficaria morrendo de
medo? Eu não tinha uma resposta para nenhuma dessas perguntas. E era
justamente por isso que ficava tão pensativa quanto ao que ele poderia ter
falado para a irmã. Por isso eu queria que ele abrisse suas portas também,
me deixasse entrar e entender tudo o que passou ou passa, tudo o que já
sentiu ou sente. Todas as partes estranhas, mal cicatrizadas e traumatizadas.
Eu beijaria sua face, abraçaria suas cicatrizes e o faria ser meu por
completo.
— Você realmente está namorando outro atacante do hockey? — A
ruiva me perguntou, arrancando-me daquele confuso pensamento.
— Eu-eu… — Ri. — Desde quando Paige Mallory namora?
A garota gargalhou.
— Foi o que eu pensei, até porque… Como você trocaria Ryder por
ele? Quem vai para NHL? — Ela debochou, fazendo-me revirar os olhos.
— Eu não ligo quem vai entrar na liga ou não. Ryder é um merda,
mas vocês não estão prontas para essa conversa. — Dei o meu sorriso mais
debochado, jogando o cabelo para trás dos ombros. — Aliás, o Caleb joga
muito melhor que ele. Capaz de ele ir para NHL e o Ryder não.
— Não fala besteira, docinho. — Aquele tom rasteiro e galanteador
me enojou.
— Oi, Ryder. — Foi como um coral meloso, exatamente como
faziam quando ficamos juntos.
Ele era uma estrela do campus. Adorado. Aclamado.
Eu só não sabia o porquê.
— Estou vendo você contando mentiras para as pessoas, docinho. —
Ele apoiou aquela mão nojenta em mim. Reagi, afastando-o. — Você não
era assim até se envolver com pessoas tipo o Turner.
— Vocês fazem um casal tão lindo.
— Não fazemos não — rebati a outra menina. — Agora eu vou entrar
porque preciso acompanhar o jogo.
— Boa sorte, Paige! — Elas falaram como um coral, me irritando
ainda mais.
— Vai, Tigers! — Ryder mostrou uma alegria desconhecida, mas
resolvi ignorar.
Corri até as entradas do campo onde aconteciam os jogos e os treinos
do nosso time. Passei o olho pelas pessoas, até ver um rapaz que claramente
estava perdido em meio ao mar amarelo e roxo que tampava todo o lado
direito das arquibancadas. Caleb estava com uma blusa branca básica e sua
calça de moletom. Uma roupa nada demais para um mero mortal, o que nele
ficou coisa de outro mundo. A calça moletom me fazia pensar como era
aquele corpo longe de todo o tecido, com pernas relativamente grossas para
alguém tão esguio quanto ele.
A mesma coisa para sua blusa branca, que marcava seus bíceps que
não combinavam com a imagem de nerd que eu estava acostumada a ver em
filmes e em séries. Provavelmente o esporte tenha moldado aquele homem
para ser muito mais do que um cérebro brilhante. Caminhei de encontro a
ele e a sua irmã, pensando em como era aquele peitoral longe daquela blusa,
mesmo que a duas noites ele tivesse ficado sem blusa bem na minha frente.
Minha cabeça estava onde quando tirei aquela blusa e não fiz o
básico de olhar para seu corpo?
— Você está bem? Está com uma cara estranha. — Ele me recebeu
diferente, passando a mão pelo meu rosto.
— Você tem um tanquinho por baixo dessa blusa?
Caleb ficou rosado.
— Você estava pensando se eu tenho tanquinho? Por isso estava com
essa cara estranha?
Confirmei com a cabeça, fazendo-o gargalhar e se sentar em uma das
cadeiras amarelas.
— Parem de fofocar que o jogo já deve começar. — Emma balançou
as mãos de forma exagerada, claramente tentando chamar minha atenção.
— Você quer decorar nossas jogadas? —Brinquei, me sentando ao
lado de Caleb.
— Eu não preciso disso, esqueceu? Sou a raio Turner.
— Esse apelido é muito estranho — Caleb comentou, ainda rindo.
— Você deveria ter um apelido assim, ligeirinho Turner — falei a
primeira coisa que se passou na minha cabeça, fazendo Emma gargalhar e
bater na cabeça de Caleb.
— Ela falou que você goza rápido, Lebbie. Isso é péssimo para você.
— Mas eu nem gozei — ele falou rápido, tapando a própria boca em
seguida. — Quer dizer… Eu… Caramba! — Me encarou. — Paige nem
sabe se eu tenho um tanquinho ou não.
Emma se esticou na frente de Caleb, pegando a minha mão.
— Você não viu o corpo dele ainda? O que vocês andam fazendo
juntos?
— Em minha defesa, eu tirei a blusa ontem e não sei como ela não
viu nada. — Caleb mais uma vez percebeu que falou mais do que deveria,
ficando tão vermelho quanto um tomate maduro.
Eu e Emma nos encaramos como cúmplices de um crime que
descobrimos sermos muito boas: atentar Caleb Turner e sua timidez.
— Eu achava que o Caleb era virgem — falei, meio brincando, meio
de verdade.
— Eu ainda acho que ele seja. — Emma tapou um lado da boca,
apenas para fingir que estava contando algo que ele não pudesse ouvir. —
Lebbie não teve muitas namoradas, sequer já vi ele beijando alguém.
— Quer que eu mostre agora? — respondeu, irritado.
— Duvido! — Emma riu.
— Melhor não, nerd! — Ponderei, brincando.
Ele me encarou rapidamente, sério.
— Você não…
— Não é isso…
E todo público levantou, em gritos estridentes demais para manter
uma conversa. Com os olhos tentei explicar que estava brincando, mas
Caleb desviou assim que a irmã dele o chamou para falar alguma coisa
sobre alguém que tinha acabado de entrar em campo. Depois disso fui
engolida pela atmosfera do jogo, a tensão de ver seu time jogar sem você e
a energia contagiante de todos torcendo, juntos.
Mesmo não sendo um esporte popular, na faculdade existia uma
tradição em cima do time de futebol feminino, sendo um nome forte que
sempre saía atletas para times grandes e até jogos a níveis mundiais. Toda
menina que jogava futebol tinha um sonho de passar por aquele campo e ter
a visibilidade que a faculdade tinha, além do grande incentivo com bolsas e
premiações.
Feito o primeiro gol, a torcida nunca mais parou. Muito menos eu,
que estava aos gritos junto com todos. Em alguns momentos Emma opinava
sobre algum passe errado, elogiava outras e Caleb permaneceu apenas
assistindo, atento a tudo, mas sem dizer uma palavra.
Seguiu-se assim até o final do primeiro tempo.
— Ei! — Dei uma cotovelada leve no seu braço. — Ficou em
silêncio por quê?
— Pessoal, vou lá falar com uma conhecida minha.
Confirmei com a cabeça para Emma, mas Caleb não fez nenhum
esforço em falar com a irmã.
— Você tem vergonha de me beijar na frente das pessoas? Quer
dizer, não que você fosse obrigada a me beijar…
Caleb começou a falar assim que sua irmã saiu, mas fui incapaz de
deixá-lo continuar falando qualquer besteira sobre beijo. Segurando seu
rosto até ter seus lábios tocando os meus. Suave. Intimo. Nosso.
— Você está sendo um nerd extremamente burro.
Caleb mordiscou meu lábio, segurando meu queixo entre seus dedos.
— Eu não sei lidar com tudo isso, Paige. — Beijou meus lábios mais
uma vez. — Eu realmente sinto que precisamos conversar sobre algumas
coisas.
— Só anota uma coisa na sua cabeça, nerd. — Afastei minha cabeça
para olhar dentro dos seus olhos. — Eu não quero só beijar sua boca, mas
como a sua alma. Eu não tenho vergonha e muito menos ligo para o que
dizem. Para mim, você é o cara mais incrível que já conheci.
Seus olhos viraram um fio de tanto que ele sorriu.
Beijei o seu sorriso.
— PAIGE! PAIGE! PAIGE! — Miley estava na ponta da fileira, aos
gritos.
— O que foi? — Levantei rápido. — Eu vou ver o que está
acontecendo, tudo bem?
— Sem problemas, dopamina.
— Dopamina?
Ele riu.
— Ela parece pronta para morrer bem ali. — Caleb moveu as
sobrancelhas para onde Miley estava, sacudindo as mãos assim como fazia
quando ficava nervosa.

— Volto já!

— EU JÁ POSSO VOLTAR? — Gritei dentro do vestiário, levando


as outras meninas à loucura.
— Acabei de receber a notícia do reitor — a treinadora falou, com os
braços cruzados e um sorriso estampado no rosto. — Aparentemente seu
trabalho foi ótimo, melhor do que o esperado.
— O que isso quer dizer? — Olhei para ela e para as meninas.
— Quem liga? — Alisson me agarrou por trás. — Você vai poder
voltar, porra!
— MALLORY VOLTOU! — Alguém puxou o grito que foi
acompanhado de gritinhos finos e extremamente animados.
Eu tinha voltado para a segunda coisa que me fazia feliz, porque a
primeira tinha mudado drasticamente.
— Promete que vai ficar bem sem mim?
Essas foram as palavras de Emma antes de entrar no seu carro azul
cor de céu e voltar para Foster no final daquele mesmo dia.
A lista de promessas foi maior do que eu esperava, como prometer
que iria tentar contato com a nossa mãe; que iria ligar para ela caso
precisasse de alguma coisa; que iria conversar com Paige sobre o que estava
sentindo e mais algumas pequenas promessas até finalmente ela sair com o
seu carro tão velho quanto o meu, outro presente deixado pelos nossos avós.
No dia seguinte, quando finalmente consegui sair da cama,
mentalizei todas as coisas que precisavam ser feitas, sendo uma delas o
treino. Por mais que não quisesse voltar a jogar depois do peso que meu pai
colocou nas minhas costas, decidi que o melhor era manter aquele plano até
o final da faculdade. Eu iria me formar e Camden teria um teto sobre a sua
cabeça até estar financeiramente estável para bancar todas as suas
necessidades.
Meu pai estava certo em dizer que tinha colocado o hockey no meu
caminho, mas o mérito de ser bom era todo meu. E assim eu me manteria,
porque por mais que eu amasse meu lado cientista, caso não conseguisse
trabalhar com isso, seria bom ter um segundo plano nas mangas,
trabalhando em um time qualquer, recebendo dinheiro suficiente para me
manter e seguir com o meu sonho.
Meu verdadeiro sonho.
— Ora se não é o esquentadinho! — Robert, um dos jogadores da
defesa, anunciou a minha chegada.
Eu estava preparado para tudo. Qualquer provocação, qualquer
comentário. Qualquer coisa. Emma tinha conversado tanto comigo sobre
isso que eu tinha decorado o seu discurso “Ninguém pode entrar na sua
mente”, foi como começou a falar. “Você já teve provocações piores e não
se deixou levar, então se mantenha forte”, seguiu por esse caminho até
finalizar com um “Eu sei que você quer ser o cara incrível que é para
Paige, defendendo, lutando por quem ama, mas tenta não fazer isso
enquanto estiver lá dentro”. Ela disse mais algumas coisas, mas foram essas
que mais penetraram na minha cabeça.
Eu estava lutando por Camden, por ela, por uma paz ilusória.
E por Paige Mallory.
— Cara, te liguei e você não me atendeu nenhuma vez. — James se
aproximou, encostando-se no armário ao lado do meu.
— Emma estava em casa, fiquei com ela todo esse tempo. —
Encarei-o. — As coisas saíram do controle, James.
— Eu posso ir para sua casa para conversar? Você está com uma cara
de merda.
— Eu vou ficar no laboratório para a Sra. Cooper depois do treino.
— Suspirei. — Talvez eu passe no seu dormitório quando acabar. Eu só
voltei porque preciso estar aqui.
— E o que isso significa? — James me encarou tão sério que eu
sabia que ele podia imaginar o que isso significava.
James era o único amigo que eu tinha e como tal, ele já não só tinha
visto como me ouvido contar algumas falas estranhas do meu pai, as
cobranças sem fim, alguns tapas como o mesmo que havia recebido dentro
daquele vestiário. Uma série de agressões mentais e físicas.
— Bom que tenha chegado, Turner. — A voz do meu pai cortou
aquela conversa. — Cinco minutos e quero todos na pista com o Nathan.
Hoje vamos pegar pesado no treino!
— Quando ele fala assim, estamos ferrados — um dos jogadores
resmungou assim que meu pai saiu.
Ele não estava errado.
A forma com que ele lidava com a vida, era a mesma que ele lidava
dentro do gelo. Meu pai era abusivo, rígido e extremamente severo. Para
amaciar esses momentos em que pegava pesado, dava folgas, escolhia
favoritos e criava rivalidades para gerar dentro do time um tipo de disputa,
exatamente como a que Ryder tinha comigo.
Sempre estamos em constante disputa pela posição central e de
capitão do time.
— Poderia falar com vocês sobre o jogo? — Puxei assim que meu
pai saiu, ganhando atenção de alguns.
Como capitão, na maioria dos jogos, eu sabia que devia aquele
pedido de desculpas pela atitude que tive. Ninguém precisava saber o que
havia acontecido, ou como Ryder tinha me tirado do sério para chegar em
tal ponto. Porém, a minha atitude poderia ter levado nosso time a perder e
qualquer perda impacta não só na minha vida, mas na vida das outras
pessoas, nas bolsas que alguns tem e até no trabalho do Nathan, por
exemplo.
— Eu gostaria de me desculpar pela atitude ruim no jogo. Eu não sou
o tipo de pessoa que busca resolver as coisas brigando, mas perdi a cabeça.
— Você perdeu a cabeça porque não gostou do que eu disse. —
Ryder gargalhou. — Você é patético, Turner.
— Cara, só cala a boca e aceita o pedido de desculpas. — James
tentou ir ao meu favor, mas foi ignorado.
— Graças a mim as coisas não saíram do controle e voltei para ficar
na sua posição — Ryder falou. — Mas não se preocupe porque eu sempre
serei o primeiro e quando você vacilar, voltarei a minha posição com a
Paige também.
— Qual é, cara — um dos caras do time falou, mas ali o Ryder era
como um rei para a maioria.
Antes de falar qualquer coisa, respirei duas ou três vezes para colocar
a cabeça no lugar e fazer o que precisava. Toleraria a falta de respeito que
existia comigo, porém queria deixar claro que os respeitava e sentia muito
por tudo o que tinha acontecido.
— Bom, eu só queria pedir desculpas pelo ocorrido e garanto que
isso não vai mais se repetir.
— Claro, seu pai vai te deixar no banco. — Robert sacaneou, dando
um soco no ar com Ryder.
Dei de ombros, voltando a olhar para o armário para conferir se a
Sra. Cooper tinha enviado mais alguma coisa sobre ficar no laboratório para
ela. Fui surpreendido com uma mensagem de Paige, que foi melhor do que
qualquer coisa que a Sra. Cooper poderia me mandar naquele momento.

Do trabalho? Ela já não tinha entregue ele para a Sra. Cooper?


Deixei a pergunta de lado para respondê-la. Poderíamos nos
encontrar e ela me contar pessoalmente o que havia acontecido.
Ri para o telefone, guardando-o no armário.
Eu não era tão bom com apelidos, mas dopamina tinha virado uma
boa palavra para descrever Paige. Depois de ler o trabalho de uma aluna da
Sra. Cooper sobre dopamina e serotonina, me senti lendo todos os efeitos
que Mallory causava em mim.
A dopamina é um neurotransmissor conhecido como o hormônio da
felicidade para a maioria das pessoas. O trabalho era justamente para
diferenciar ambos os hormônios, mas no resumo, a dopamina, quando
liberada, provoca uma sensação de prazer, satisfação, aumenta a motivação
e uma série de outras coisas. E foi aí, lendo sobre algo que eu já sabia mas
havia esquecido, pensei em Paige e em como me sinto motivado quando
estou com ela, por mais que às vezes fique nervoso e ansioso.
Paige me dava aquela sensação de prazer gostosa, algo satisfatório
demais para não querer repetir a dose.
Altamente viciante.
Altamente contente.
Ela era a minha dopamina.
— Da próxima vez que você tocar no meu rosto com um soco, eu
vou quebrar o seu braço e você nunca mais vai jogar — Ryder rosnou assim
que ficamos sozinhos no vestiário, se aproximando. — Não tente cruzar o
meu caminho, porque eu farei questão de passar por cima de você.
Percebi naquele momento que eu teria um teste de resistência pela
frente.
— Sobreviveu ao treino? — A voz de Emma ressoou por todo o
laboratório.
— Foi tranquilo — resumi, vestindo o jaleco. — Esqueci a merda da
lente no vestiário.
— Usa seus óculos — ela falou mais alto, me fazendo correr até o
celular para abaixar o volume. — Como foi o treino, Caleb?
— Foi tranquilo, já disse.
Voltei a organizar o laboratório, separando os itens que a Sra. Cooper
pediu para explicar para um atleta que não pode ir a sua aula por causa de
uma viagem para uma prova de atletismo.
O treino não tinha sido tão tranquilo, mas consegui me manter focado
e sem me importar com as pequenas provocações e ameaças que recebi de
Ryder.
Mais um dia qualquer nos Tigers.
— Qual é a verdade no que diz? Vai tentar me enrolar igual com a
história de que você e Paige não tem nada?
Emma era insistente.
Até demais.
Foi daquela forma insistente que ela me fez passar toda a história
com a Paige. O motivo da aproximação, sua insistência, minha negativa
inicial. Ela quis saber porque eu neguei, porque me recusei a ajudar. Contei
sobre a forma como achava que Paige era, o modo como as pessoas falavam
sobre ela. E então, de forma sagaz, Emma me perguntou se eu acreditava,
qual era o modo que eu me sentia. Foi no meio daquele questionamento que
eu tentei me esquivar. Minha irmã não sabia que eu tinha entrado no mais
íntimo que podia de Paige, tinha visto sua cicatriz mais profunda e a achei
ainda mais bonita.
Quando eu tentei bloquear a informação de como eu tinha me sentido
em casa, como me sentia confortável ao lado dela, Emma me fez voltar e
falar tudo novamente até finalmente me ajudar a chegar no que ela queria
ouvir, na verdade de que eu estava fingindo não saber ou ver porque parecia
mais fácil.
Eu estava apaixonado por Paige Mallory.
Eu poderia negar, fingir que não sentia, camuflar aqueles
sentimentos, fugir como tentei fazer. Mas nada. Absolutamente nada era
capaz de fazer com que apagasse aquela faísca que ela realmente havia
colocado dentro de mim, em algum momento.
— Eu estou apaixo… — Parei de falar no momento em que Paige
abriu a porta do laboratório, mostrando um sorriso tímido. Não tinha como
saber se ela havia escutado alguma coisa, mas segui aquela conversa para
desviar do assunto. — A borboleta.
Analisei Paige dos pés à cabeça e quis desligar aquela chamada
quando a vi com uma saia curta, que deixavam suas coxas grossas amostra
para qualquer um ver.
Quantas pessoas tinham visto aquela perfeição antes de mim?
— Você está apaixonado por borboleta? Do que você está falando?
— Emma parecia sem entender, me despertando.
— É, eu estava falando sobre isso, lembra?
— Estou atrapalhando vocês? — Paige murmurou se aproximando,
abraçando-me pela cintura.
— Quem está com você? Por que você não está falando comigo?
— Quando você namorar vai ser controladora assim? — Acabei
rindo. — Fala oi para ela, Paige, ou sinto que ela pode abrir essa porta a
qualquer momento.
— Oi, Emma! — Paige falou tímida.
Aproveitei aquele momento para cheirar o topo da sua cabeça,
depositando um beijo ali. O cheiro adocicado dos fios do seu cabelo me fez
fechar os olhos. Um fenômeno estranho aconteceu dentro de mim, de modo
que sentisse ter acabado de descobrir que estava sentindo falta de Paige. Eu
estava com saudade dela mesmo tendo a visto no dia anterior? Isso era
sério, cérebro? Eu realmente estava viciado em dopamina.
— Ah, a borboleta. — Emma riu estridente do outro lado da linha.
— Bom, depois a gente se fala. Oi, Paige! Soube que você voltou para o
time.
— Voltei, Emma. Acho que nos veremos em breve, então?
— Vou acabar com você. — Riu mais uma vez, sendo acompanhada
de Paige —Tchau, Paige. Tchau, Lebbie.
— Tchau! — respondemos em uníssono.
Um bip indicou que a chamada foi encerrada, o que me deu mais
segurança em saber que Emma não estaria ali para soltar qualquer coisa.
Embora eu já quisesse conversar com Paige sobre os meus sentimentos,
precisava entender o que estava se passando com ela também. Não iria abrir
meu coração assim, sem qualquer certeza de que ela estaria na mesma
vontade que a minha.
Aproveitei que Paige já estava nos meus braços para beijar o topo da
sua cabeça mais uma vez, fazendo questão de cheira-la e guardar aquele
cheiro em algum espaço do meu cérebro.
— Me conta sobre o trabalho.
— Borboleta é algum tipo de código?
Falamos praticamente ao mesmo tempo.
— Você primeiro. — Paige conseguiu falar mais rápido.
Pensa! Pensa! Pensa!
Merda!
Inspirei fundo, abrindo um sorriso.
— Eu só estava conversando com a minha irmã sobre assunto do
laboratório porque… porque… — Nossa, estava indo tão bem. — Porque a
Sra. Cooper me mandou mais trabalhos. Isso, a Sra. Cooper me mandou
trabalhos para corrigir. — Eu tinha acabado de confirmar o que tinha
terminado de falar?
— Eu preciso dizer que você está mentindo? — Paige soltou minha
cintura, dando dois passos para trás. — Você pode me dizer a verdade?
Você nunca me fala sobre nada, Caleb.
— Como é que é?
— Não foge do que eu falei.
Droga!
Olhei para os meus pés, pensando no que poderia falar sobre aquilo.
Eu não sabia mentir e Paige já me conhecia o suficiente para saber o que era
verdade ou não. Passei a mão pelos cabelos, pensando em uma boa história.
— Eu apelidei a menina que eu gosto com o nome de borboleta.
Uma verdade.
— Eu acabei lendo um trabalho sobre borboletas e me lembrei dela.
— Quem é? — A voz de Paige estava por um fio.
— É… É… — Mordi o lábio inferior, inspirando fundo. — Uma
menina que vi uma vez, mas não sei o nome dela.
Meia mentira.
— Entendi. — O tom da sua voz parecia estranho. — É ela que você
quer que eu te ajude a conquistar?
Encarei-a.
Eu não podia falar para ela quem era a pessoa, não naquele momento.
Mas também não queria que Paige pensasse errado sobre isso.
— Eu não…
— Esse era o nosso acordo. — Paige forçou o sorriso e eu sabia disso
porque seus olhos não seguiam o mesmo movimento da boca. — Você pode
me dizer quem ela é, e eu falo com ela sobre você.
Calma. Como assim? O que eu era para ela, afinal?
— Você está falando sério? — perguntei, irritado.
— Estou. — Uma lufada de ar escapou de Paige, enquanto a mesma
se afastava cada vez mais. — Você cumpriu a sua parte. Eu consegui uma
nota incrível, e mais do que isso… — Paige olhou para o tênis que usava,
balançando a cabeça. — Não, deixa para lá, Turner. Isso foi um erro.
— Paige, você está entendendo tudo errado. — Prontamente me
aproximei, buscando segurar sua mão. — Ficou parecendo que o que está
rolando entre a gente é uma mentira, mas não é. Eu estou curtindo ficar com
você. De verdade — falei tão rápido que fiquei sem ar, trazendo sua mão
para mim e a apoiando no meu peito. — Você tem sido o único sopro de
alegria que tenho diariamente. Não foge de mim, por favor.
Eu não queria suplicar, mas meu tom de voz foi quase esse. Paige
tirou os olhos dos próprios tênis para me encarar.
— Você que está fugindo de mim, Caleb. — Paige tirou a mão do
meu peito, deixando um vazio assim que se afastou um pouco mais — A
Sra. Cooper gostou tanto do trabalho que disse que vai apresentar o projeto
a um amigo e se tudo correr bem, vou poder estagiar com ele e ela. Sua
ideia de incluir sobre a minha linha de pesquisa e projeto foi ótima. Ela
disse que a minha ideia pode ser revolucionária com o conhecimento e a
bagagem que ele tem no meio farmacêutico.
— Isso é… Uau!
Fui tomado por uma avalanche de sentimentos. Uma alegria fora do
comum. Queria parabenizá-la; tirar seu corpo do chão em um abraço
apertado, que fosse capaz de demonstrar todo meu orgulho e admiração por
ela; queria falar o quanto eu estava feliz por sua conquista e por ser um
grande passo para um futuro extraordinário que estava pela frente, mas
fiquei com medo de errar mais uma vez. De falar alguma coisa que ela
entendesse errado.
Portanto, como um pedido de desculpas e uma parabenização, tudo o
que fiz foi segurar seu cotovelo e trazê-la para perto. Com a outra mão,
afundei meus dedos em seus fios claros e a beijei.
Beijei com toda a minha devoção.
Beijei com todo o meu carinho.
Beijei com todo o meu pedido de desculpas.
Beijei com todo o meu amor.

O beijei com raiva.


Com ciúmes.
Com tudo o que estava sentindo naquele momento.
Ele tinha acabado de admitir que estava gostando de uma pessoa
que até tinha apelido? Era isso mesmo?
Minha vontade no começo foi de chorar, pois eu tinha ido até ali para
contar o mais próximo que havia chegado de tornar meu sonho em uma
realidade. Eu sempre quis poder ajudar pessoas que passam pelo mesmo
que a minha mãe passou, e inocentemente achei que aquele seria o ponto
alto do meu dia – contar para a pessoa que me ajudou a organizar o projeto
e que disse que queria me ajudar com aquilo.
Eu queria contar para o cara que eu estava apaixonada.
Tola! Burra! Besta!
Caleb conhecia a minha face mais boba de todas, a versão
apaixonada e que estava tentando conquistá-lo de uma forma mais doce,
mostrando todos os meus lados. Burra! Burra! Burra!
Todavia, algo me lembrou que essa minha versão não deveria nem
estar viva. Que a minha melhor versão era a que ele iria conhecer. A minha
face que iria marcá-lo para o resto da vida; a que iria fazer com que ele
percebesse que eu, seja lá quem fosse essa menina – e por mais que seja um
discurso péssimo de rivalidade feminina –, era melhor do que ela poderia
ser para ele.
Ele perceberia que eu era a certa.
Foi com esse pensamento que agarrei seus fios, puxando-os,
afastando meu rosto do seu.
— Hoje eu vou te mostrar uma coisinha que você vai poder usar
depois.
— N-não..
— Shhhh, fica tranquilo. A aula hoje vai ser prática e eu vou te dar.
Porque quando te perguntarem sobre o melhor boquete da sua vida, você
vai saber responder com nome e sobrenome, Caleb.
— Paige?!
Mas não o deixei que respondesse, puxando seus cabelos de modo
que sua boca voltasse a grudar na minha. Caleb se mostrou resistente a
princípio, tentando de todas as formas escapar dos meus beijos, embora
parecesse estar em uma briga interna entre continuar beijando ou me
afastar.
— Paige! — Sua mão foi até meu pescoço, segurando-me no lugar.
— O que você está tentando fazer?
— Te provar.
— Me provar? — Ele era mais lerdo do que eu imaginava.
— É, Caleb. Provas. Referências. Dados — rosnei irritada, me
esforçando para engolir uma emoção que se alojou na minha garganta e
queria sair pelos olhos. — Eu quero provar para você que não existe
borboleta quando o assunto é eu e você.
— Você é a garota mais inteligente dessa faculdade, e ainda assim
não entendeu que eu não ligo para nada disso? — A mão que estava no meu
pescoço apertou um pouco mais, mostrando uma nova face do nerd. — Eu
estava contando algo passado para Emma.
— E daí? — Esbravejei, sendo contida pela sua mão.
O meu problema era que ele estava ficando cada vez mais gostoso me
segurando daquele jeito.
O meu problema era que por mais que eu tivesse um lado diferente,
eu só conseguia ser a boba apaixonada com ele.
— E daí que o meu presente tem você.
Congelei.
— Você… — Ri, nervosa. — Você pode formular melhor isso?
— Agora eu tenho você, Paige. — Caleb aproximou seu rosto,
ficando a centímetros de distância. Roçou seu nariz com o meu e sorriu. —
Eu fico contando os minutos para poder ver você, linda. Eu me sinto um
viciado, procurando sempre pela sensação prazerosa que é estar na sua
presença. Pleno. Feliz. Entusiasmo. — Caleb roçou dessa vez a sua boca na
minha. — Você tem sido a minha dopamina, minha dose diária de
felicidade.
— Dopamina… — sussurrei, antes de ser silenciada pela sua boca.
Quem era a velha Paige perto da Paige apaixonada? Ninguém.
Pois depois de me dar conta e entender o seu apelido, péssimo por
sinal, aquele sentimento de vingança foi substituído apenas por uma
vontade de marcá-lo, só que de outra forma.
Queria tatuar em seu peito os meus sentimentos, porque se ficasse
qualquer dúvida, ele já estaria tomado por aquele sentimento também. Com
isso, me deixei levar por seus lábios, pela forma que sua língua se enrolava
na minha, pela sede que estava dele.
Foda-se as borboletas; as tartarugas ou as baleias.
Eu o queria.
Eu o tinha.
Isso que importava naquele momento.
Caleb deu mais um aperto no meu pescoço, fazendo-me murmurar na
sua boca algo que nem eu sabia o que era. O seu toque dominador estava
me excitando ao ponto de querer arrancar aquela roupa e dar para ele bem
ali, no meio daquele laboratório.
— Me fode aqui, nerd — ronronei na sua boca, sendo guiada para
mais um beijo.
O nerd sabia exatamente como me levar na conversa, ou melhor, no
beijo. Sua língua era ágil, envolvente e inebriante. Era como se eu fosse
encantada como uma cobra indiana, seguindo o som da música, me
hipnotizando a cada soar da flauta. Sua língua era a flauta.
Deixei que meus dedos se enrolassem nas ondulações suaves do seu
cabelo, que minha língua se envolvesse com a dele a cada segundo mais e
que meu corpo seguisse pelo o que queria. Não tinha o que fazer, o que
controlar. Principalmente quando Caleb deslizou suas duas mãos até a
minha bunda e puxou-me para cima, respeitando o limite da minha saia,
sendo praticamente impossível de me manter com os pés no chão.
Enlacei a sua cintura e tomei fôlego enquanto a boca de Caleb
passeava pelo meu pescoço, exatamente como fez no sofá. De alguma
forma diferente, ele conseguia fazer pequenos círculos na minha pele que
me levavam à loucura. Sabe-se lá onde esse menino tinha aprendido isso,
embora também não quisesse imaginar que aquela língua já fez isso com
outra menina, mas ainda assim, deveria parabenizá-lo quando tivesse
oportunidade.
Pequenos círculos. Movimentos de cima para baixo, rápidos e
certeiros.
Imaginei como seria aquilo em outro lugar e gemi.
— Você me pediu para te foder, não é?
Quando nos encaramos, pude ver nos seus olhos o quanto estava tão
sedento quanto eu.
— Pe-pedi!
— Você disse que me daria uma aula hoje, não é?
Caleb me apoiou sobre uma mesa que ficava em toda lateral da sala,
perto da janela.
Balancei a cabeça para responder porque meu íntimo já estava tão
apertado, que parecia que era a vez da minha garganta ficar daquela forma.
— Pois adivinhe, Paige Mallory. — Seus olhos estavam cravados no
meu, com uma intensidade que até então eu desconhecia ser capaz de
acontecer. — O nerd aqui vai te dar uma aula que tenho certeza que você
vai para casa lembrando de mim.
Gemi sem perceber, em antecipação.
— O-o que… — Puxei o ar pela boca — O que você vai fazer?
O nerd olhou para o nosso meio, depois para mim, abrindo um
sorriso lascivo assim que nossos olhares se encontraram.
— Eu vou… — Caleb apoiou as duas mãos nos meus joelhos,
abrindo ainda mais as minhas pernas. — Eu vou te foder com minha língua,
Paige. Vou sentir o seu gosto, me lambuzar de você. E quando você estiver
alucinada depois de gozar, vou te foder com o meu pau e mostrar que de
virgem eu não tenho nada. — Então senti os dedos do nerd pressionando em
cima do meu clitóris, me fazendo dar um minúsculo salto em cima da mesa.
— Relaxa e aproveita a aula, Mallory.
No momento em que Caleb se abaixou na minha frente, achei que
estivesse em um sonho muito estranho. A minutos antes ele estava
mencionando sobre uma tal de borboleta e agora estava ali, prestes a me
lamber e provar um pouco mais de mim, adentrar ainda mais íntimo.
Por mais que sua atitude tenha sido voraz, tudo depois dali foi
extremamente delicado, como deve ser. Caleb puxou meu corpo mais para a
ponta, beijou a parte interna do meu joelho e me encarou, pedindo aquela
permissão silenciosa que já parecia ser algo normal dele.
Assenti com a cabeça, subindo o tecido fluido da minha saia.
Ao olhar minha calcinha fina e rendada branca, o nerd sorriu e
lambeu os próprios lábios e juro, juro por tudo e todos, que aquilo era a
demonstração mais visceral de desejo. Ele queria fazer aquilo, eu conseguia
ver com os meus próprios olhos. E no momento em que sua boca me beijou
por cima da calcinha, eu sabia que iria sentir aquela vontade também.
Com um caminho de beijos sem um rumo definido, Turner beijou
minhas coxas, alisou a minha perna enquanto as abria ainda mais, beijou
meus tornozelos, alastrando um calor por cada área que sua boca me tocava.
Choraminguei sobre aquela mesa, recebendo uma apertada na bunda com
aquelas suas grandes mãos e dedos. Apoiei as duas mãos sobre a madeira
branca do ambiente estéril.
— Caleb, eu preciso que você faça.
Ele arrastou sua língua do meu joelho até próximo à virilha.
Pensei que ele iria fazer tudo o que prometeu, mas parou para me
olhar.
— Eu posso mesmo? — Depositou um beijo na minha virilha. — Eu
posso te provar, Paige Mallory?
— Você já deveria estar com a boca na minha boceta, nerd.
Ele riu safado.
Caleb Turner riu como a porra de um safado.
Antes de dar atenção que precisava, ele depositou mais um beijo na
minha virilha, me encarando. Umedeceu os próprios lábios e deslizou seu
indicador pela minha fenda, até chegar na lateral final da minha calcinha.
Seus dedos longos afastaram o tecido com uma calma desnecessária, me
deixando ainda mais ansiosa. Eu queria sentir o que estava por vir. Eu
queria sentir aquela língua em ação.
Tão logo quanto o esperado, Caleb abriu os meus grandes lábios e
passou sua língua na minha boceta. Gemi, involuntariamente jogando meu
quadril para frente. Aquele foi um toque de prova, como se estivesse apenas
constatando o que ele parecia já ter imaginado outras vezes. No momento
em que me encarou e afundou sua boca na minha intimidade, gemi alto,
sem qualquer controle. Sua boca sugou meu clitóris enquanto seus olhos me
analisavam, assim como alguém faria em um teste.
— Segura sua calcinha para mim, linda. Preciso te provar por
completo.
Prontamente fiz o que pediu, segurando a calcinha e relaxando meu
corpo sobre a mesa, encostando na janela bem atrás de mim. Caleb me
olhou mais uma vez, gemeu em aprovação e segurou cada lado da minha
coxa, bem na parte interna, segurando-me completamente no lugar. Depois
dali, precisei fechar meus olhos e sentir o prazer crescente a cada vez que
ele circulava meu clitóris com a ponta da língua ou me provava por
completo, desde a entrada até o meu ponto mais sensível.
Ele me queria.
Ele me comia.
— Caleb… — gemi seu nome, me derretendo cada vez mais
sobre a mesa.
— Isso, Paige, fala o meu nome.
Ele serpenteou sua língua sobre meu clitóris.
Rápido. Certeiro.
Exatamente no ponto que eu precisava para que aquele prazer
borbulhasse ao ponto de se transformar em mais um gemido.
— Caleb!
Aquilo pareceu o animar ainda mais. Me sentia pronta para ser
devorada viva, perdendo completamente os sentidos, deixando que aquele
desejo sucumbisse. Caleb apoiou meu pé no seu ombro, como se quisesse
ainda mais espaço ou apoio. Perdi seu rosto totalmente de vista, sentindo
apenas no momento em que os movimentos da sua língua foram
intercalados com dois dos seus dedos em mim, entrando lentamente.
Ali eu vi o céu.
Entrando e saindo.
Subindo e descendo.
Sugando cada gota que deixava escapar.
Deixando meus gemidos mais constantes.
— Goza na minha boca, D — ele falou contra a minha boceta. —
Goza para mim.
Foi como se até minha boceta fosse obediente a ele, porque quando
Caleb colocou sua boca em mim mais uma vez e sugou-me com toda
vontade, foi o que faltava para que eu chegasse no meu ápice, pulsando meu
íntimo, aumentando uma pressão bem no baixo ventre até sentir, finalmente,
todo o meu corpo estilhaçar em mil pedaços. Fragmentada em desejo e
luxúria.
— Cal… Caleb — choraminguei.
— Você é tão gostosa. — Ele me beijou, causando pequenos choques
no meio das minhas pernas. — Meu Deus, muito gostosa. — Me olhou,
maravilhado.
Poderia até não ser, mas me senti a mulher mais gostosa do mundo.
— Sr. Turner… — A porta se abriu de uma única vez.
Ok, agora estava me sentindo uma mulher muito gostosa que foi
pega no flagra.
Cacete!

Por mais que eu quisesse saber onde aquilo iria terminar, fomos
atrapalhados pelo aluno que iria fazer a monitoria com Caleb. Ele fechou a
porta assim que percebeu o que estava acontecendo e ficou do lado de fora
até eu sair para o desfile da vergonha.
Turner queria conversar com o cara, pedir para não contar para
ninguém, porém eu mesma garanti que não iria adiantar de nada, as fofocas
acabavam acontecendo de uma forma ou de outra. Sinceramente? Não me
importava. Eu saí daquela sala com minhas pernas bambas e pensando que
pelo bem ou pelo mal, pelo menos aquela fama seria verdadeira para nós
dois.
— Calma, ele te chupou no laboratório? — Miley só faltou voar da
cadeira. — Eu preciso pegar meu bloco de notas para anotar isso.
— MILEY!
— O nerd nem parecia que chupava alguém — Alisson pontuou,
batendo o lápis na boca.
— Cadê a Kim quando precisamos de uma pérola da parte dela? —
Miley voltou com um caderno pequeno em mãos, voltando a se sentar na
cadeira da mesa da cozinha. — Odeio o quanto um comentário dela seria
fundamental.
— Ela foi encontrar o irmão dela — Alisson comentou.
Estreitei meus olhos.
— Irmão?
Kimberly Lake tinha uma história de vida peculiar, mas nada que
fosse terminar em um irmão novo como personagem dessa história. A
conhecia a anos para saber que Kimberly tinha de tudo, uma madrasta
horrível, um pai estranho, uns primos questionáveis, mas irmão era uma
novidade.
— Ela tipo descobriu hoje que ela tem um irmão?
Miley enrolou o dedo no cabelo, parecendo mais agitada de repente.
— Que cara é essa, Mi?
— Cara? Que cara? Não estou com cara nenhuma! — Abriu seu
bloco de notas. — Quero saber do seu oral no laboratório.
— E eu quero saber em qual momento a Kimberly arranjou um
irmão.
— Ela não deu muitos detalhes, mas disse que o irmão que morava
fora voltou para dar aula e ela não tinha tido tempo de ver ele ainda. —
Alisson tinha aquele ar de nada abalava ela, se não fosse futebol. — Eu
achei a história estranha, mas pensei que você o conhecesse.
— Eu? Não! Estou surpresa.
— Gente, vamos voltar ao laboratório. — Miley estava visivelmente
estranha. — Eu quero anotar todas as partes legais para colocar em um
livro.
— Eu vou sair, porque eu vou até Foster com as meninas do time. —
Alisson fechou seu caderno.
— As meninas não estão fazendo noite de cinema hoje? — Miley
encarou Alisson que, como sempre, fingiu que nada aconteceu.
— É, o que vocês fariam em Foster para fazer uma noite de cinema?
O risinho que soltou, negando com a cabeça, mostrou que aquilo não
era uma total verdade.
— Alisson, para onde você vai? — questionei-a.
— Foster.
— Com quem? — Miley se interessou mais por aquele assunto do
que o irmão de Kimberly.
— Uma hora vocês vão saber. — Piscou com um único olho. — E
parabéns por esse lance com a professora, essa semana você está arrasando.
— Acho que estou em uma boa maré.
Alisson saiu da cozinha com seu caderno na mão, deixando eu e
Miley para trás. A romancista quis saber de cada detalhe sórdido ou não
sobre aquele encontro com Caleb. Como começou, o que foi a fagulha para
fazer com que ele fizesse aquilo e uma série de perguntas que ao final de
todas as respostas, anotava em seu caderno pequeno.
Contar para ela me fez pensar em quem seria aquela menina que ele
gostou.
Todos nós já tivemos algum tipo de paixão, mas por algum motivo,
eu sentia que a qualquer momento poderia ser trocada por ela. Não sei, ele
foi capaz de olhar para ela e se apaixonar à primeira vista, contar para a
irmã e imaginar situações até se envolver comigo. Quiçá ele tivesse
começado aquela proposta pensando em conquistar a tal borboleta e eu
tivesse sido apenas um passatempo.
Teria como eu ser um passatempo?
— Você está fazendo aquelas caras estranhas — Miley sussurrou
como se estivesse contando um segredo. — Aconteceu mais alguma coisa?
Talvez se eu conversasse com alguém que acredita no poder do amor
como Miley, aquele sentimento iria embora. Porque no fundo eu sabia que o
que fosse que Caleb sentiu por essa borboleta, ele tinha garantido que eu era
a pessoa que estava com ele naquele momento.
Mas homens mentem.
Caleb é homem.
E eu não podia confiar 100% nele.
— Caleb me contou sobre uma garota.
Os olhos atentos e grandes de Miley me leram como se eu fosse a
porra de um livro.
— Então você está insegura, mesmo ele tendo chupado a sua boceta a
luz do dia, tendo a possibilidade de perder a monitoria, ou sei lá mais o que
vocês poderiam perder quando são pegos fazendo isso dentro de uma
instituição privada.
Fiz uma careta.
— Quando você fala assim, acabo me sentindo idiota — resmunguei.
— Mas você é.
— MILEY!
Ela gargalhou.
— Olha, vou dar a minha opinião sobre o assunto. — Ela fechou seu
caderno, apoiando a caneta em cima. — Acho que ele parece gostar mesmo
de você. Ele aturou nós três enchendo o saco dele e ficou calado, ainda
pediu desculpas. Que cara faria isso só para comer uma garota?
— Você tem um ponto.
— Eu sei que tenho. — Ela riu, jogando seus cabelos loiros para trás
dos ombros como se fosse a rainha da razão. — E sim, pode ser que
gostasse dessa garota, mas agora não se interessa mais. Nunca ouvimos
falar nada dele pelo campus. Se ele quisesse essa outra menina, a essa altura
já poderia estar pegando ela.
— E se estiver?
Deixei meu pensamento intrusivo sair, fazendo Miley resmungar
como uma senhora rabugenta.
— Você acha mesmo que se estivesse pegando alguém, você não
saberia?
— Você tem outro ponto.
— Eu sei.
Tudo bem, ela poderia ser um pouco a rainha da razão.
Miley esticou as suas mãos pela mesa redonda da cozinha,
deixando as palmas viradas para cima como um convite para segurar suas
mãos. Fiz o mesmo que ela, deixando que minha palma repousasse em cima
da sua mão.
— Eu sei que essa coisa toda saiu do controle para você, mas acho
que você pode só se deixar levar pelo o que está sentindo. O máximo que
pode acontecer é você sofrer no final de tudo isso, e se isso acontecer,
estaremos aqui com você.
Sorri, me sentindo acolhida.
— Se der errado, você vai assistir um filme de comédia romântica
comigo?
— GAROTA! — Ela saltou da cadeira. — A gente deveria ver um
agora para lembrar como o amor é lindo e perfeito, mesmo quando o cara é
mais velho e irmão da sua melhor amiga.
Miley arregalou os olhos e gargalhou, em seguida, muito estranha.
Estranha demais.
— O quê?
— Por que você não vai na conveniência comprar umas merdas para
gente comer e eu arrumo o filme para a gente ver?
Estreitei meus olhos.
— Miley?!
— Amiga, vai! Justin Timberlake espera por nós.
— Amizade colorida? Amo! Vou lá.
Eu teria chance de insistir naquela história conforme assistimos o
filme.

O campus tinha algumas lojas que funcionavam vinte e quatro horas


por dia, para maior comodidade dos alunos. A conveniência era uma dessas
lojas que tinha absolutamente tudo o que pudesse querer comer e a qualquer
hora. Assim que entrei, Luke, o cara que sempre estava no turno da noite,
acenou com a cabeça para mim.
Caminhei até um dos corredores do fundo, atrás de guloseimas doces
e com cores duvidosas, porque tinha a teoria de que quanto mais estranhas,
mais gostosas eram. Me abaixei para pegar uma das azedas, quando senti
um corpo parar atrás do meu.
— Ai, desculpa… — Me levantei de pressa, quase caindo para trás
ao estar tão perto de Ryder.
— Pegando as azedas? — Ele sorriu, olhando para trás de mim e
esticando o braço. — Leva essa também, sei que você gosta.
Ele colocou na minha mão um pacote das minhas favoritas, uma em
formato de coração.
— Não, agora eu gosto de outras.
Era mentira, porém não ia dar essa moral para Ryder.
Virei meu corpo para colocar a guloseima no lugar.
Por mais que fosse um namorado péssimo, quando estava apenas
tentando me conquistar, ele foi um príncipe. Comprava coisas e me
surpreendia, fazia encontros elaborados fora do campus e quando
finalmente ganhou o que queria, gostou das meninas que ficavam pelo
caminho falando o quanto éramos fofos juntos.
Acho que por isso namoramos. Eu estava namorando com ele porque
pela primeira vez estava saindo com alguém popular, como uma garotinha
que assistiu filmes dos anos noventa o suficiente para me sentir especial
com a atenção que estava recebendo dele. E ele deve ter visto em mim uma
possibilidade de ter a namorada perfeita aos olhos de todos, porque duvido
muito que realmente gostava de mim.
— Você ainda gosta desse, eu sei que sim.
Resolvi não responder, pegando outra coisa que nem vi exatamente o
que era e saí de perto dele, fugindo como todas as vezes. Sempre achava
que ele podia repetir exatamente o que fez naquela última vez que ficamos
juntos. O seu toque agressivo, os olhos estranhos que me olhavam com ira,
a forma debochada que disse que eu não era tão boa assim.
Estar perto de Ryder era como um lembrete de como eu conseguia
ser burra quando queria.
— Você pode colocar no meu cartão estudantil? — falei para Luke
assim que joguei as coisas que fui pegando enquanto andava para o caixa e
tentava sumir daquela conveniência.
— Coloca a sua ID.
Digitei aqueles números com tanta rapidez que nem eu acreditei.
Luke estava paciente, olhando por cima do meu ombro vez ou outra
enquanto passava calmamente as coisas que eu peguei.
— Não adiantou fugir, docinho — Ryder falou, jogando dois pacotes
da minha goma favorita, cerveja e o seu cartão de crédito. — Passa tudo
junto, Luke.
— Não! — esbravejei, cruzando os braços na frente do peito.
— Eu faço questão.
Dane-se.
Desisti de tentar qualquer coisa, só queria sair daquele lugar e voltar
para casa, de onde eu não deveria ter saído. Luke conversou algumas coisas
rápidas com Ryder enquanto terminava de passar as compras. Assim que
colocou tudo em sacolas separadas e pagou, saí daquela loja com o meu ex
no meu encalço.
— Por que você fica fugindo de mim? Tem medo de cair em recaída
e deixar o palhaço do Turner triste?
Gargalhei.
— Você se sente muito especial, não é? Mas só para ficar claro, eu
fujo de você porque eu tenho nojo de estar perto de você — cuspi aquelas
palavras sem dó. — Eu me arrependo muito de ter aturado algumas coisas
vindo de você só porque é popular, veterano… — Balancei a cabeça em
negativa. — Ai, sinceramente, só me deixa em paz.
— Eu vacilei, Paige. — Eu conhecia aquele tom manipulador. — Eu
estava muito chateado naquele dia porque tinha perdido a posição para o
Turner. O treinador sempre favorece o filho e isso me irritou. Você estava
com ciúmes daquela menina, eu perdi a cabeça.
— Ninguém se importa mais com isso, Ryder.
— Mas eu me importo — ele rebateu, prontamente. — Desculpa.
Engoli em seco.
Por mais que conhecesse o seu tom manipulador, alguma parte
daquele seu discurso parecia real. Meu maior problema na vida era ter um
coração grande, independente da pessoa. Sempre achei que guardar certos
sentimentos ruins, acabava atrapalhando a minha vida e não a da pessoa.
Por isso, perdoava a todos e deixava que a vida fosse capaz de se encarregar
de resolver.
Pelo menos para coisas como aquela, um cara que não gostava
verdadeiramente e tinha vacilado.
— Tudo bem, Ryder. — Sorri.
— De verdade?
Assenti.
— De verdade.
— Mas as coisas melhoraram?
Neguei com a cabeça.
— Eu estou aqui jogando, então estou fazendo o que ele quer. —
Esfreguei a toalha no cabelo, tentando secar o mais rápido —, mas a
verdade é que se pudesse não estaria aqui. Estou meio saturado das pessoas,
desse clima de merda.
— Seu pai destruiu o hockey para você.
— Para ele também.
Não tinha muito o que dizer. Depois daquele acidente, nada ficou
muito igual ao que deveria ser. Ele deixou de ser o cara que era para as
pessoas; deixou de ser o jogador que sempre sonhou e deixou de ser o pai
que provavelmente prometeu que seria.
Nada seguiu direito depois daquele acidente de moto.
Por vezes, tentei entendê-lo da melhor forma possível. Não sei como
pode ter sido para ele a sensação de ter perdido tudo o que tanto sonhou e se
esforçou, porém conseguia imaginar que tivesse sido algo difícil. Apesar
disso, não tínhamos culpa. Da porta de casa para dentro, ainda
permaneciam os mesmos. Ainda éramos a sua família e as pessoas que o
apoiavam independente de qualquer coisa.
Eu demorei, mas acabei percebendo que o hockey sempre foi o
principal para ele.
— Fora que você queria estar com a sua borboleta. — O idiota jogou
a toalha dele em cima de mim.
Gargalhei.
— Para de ser babaca.
— Eu falei errado? Você só pensa nela e vive atrás dela.
— Eu acho que estou muito fodido com isso também.
James franziu a testa, parecendo não entender.
— Como assim? Você está com problemas com a Paige? Já contou
para ela?
Neguei com a cabeça.
Eu realmente precisava conversar com ela sobre isso. Ontem a Paige
chegou no momento em que estava falando com a Emma por telefone, aí
soltei sobre a borboleta, mas…
— Vocês gostam de ficar transando aqui no vestiário? — Ryder
voltou ao local, com a mochila pendura de um único lado do ombro. —
Pensei que você estudasse o tempo todo, nerd.
— Ryder! Caralho! — James levantou do banco. — Você está sendo
mais chato que o normal.
— Você que é o ativo? — debochou.
Gargalhei.
— Você está tipo na quinta série? — O encarei. — Acha que
sexualidade realmente pode ser tema de piadas?
— Você com certeza é a passiva. — Ele foi até o armário dele,
abrindo-o. — O que explica o fato de ontem Paige e eu termos passado
tantas horas conversando, ela precisava estar na presença de um homem de
verdade.
Levantei do banco quase dando um salto.
Ele já sabia que Paige era um sensível para mim, entendendo que
qualquer coisa que falasse sobre ela, eu sairia de mim. Eu nunca fui aquele
tipo de cara que bate de frente, discute ou consegue chegar a brigar com
alguém. Na verdade, sempre fugi de situações como essa.
Entretanto, Paige Mallory era como meu calcanhar de Aquiles.
Minha vista ficava turva até se tornar em um completo breu, minhas mãos
se fechavam em punhos e eu estava pronto para batalhar por qualquer coisa
que fosse.
Puxei o ar pela boca daquela vez para não cometer o mesmo erro,
controlando aquela ira que só ele conseguia fazer acontecer em um piscar
de olhos, antes de ficar cego mais uma vez.
— O que merda você falou? — perguntei, quase rosnando.
— Ele deve estar mentindo, Caleb — meu amigo interviu.
— Não estou, manda mensagem para ela. — Ele fechou o armário.
— Melhor, eu posso te mandar uma foto de nós dois conversando do lado
de fora.
Fiz o que tenho mais feito durante esses dias. Fechei meus olhos e
respirei. Por mais que eu estivesse pronto para perguntá-lo sobre isso, sabia
que não valeria a pena. Meu acordo com o meu pai foi sobre não ter mais
brigas, jogar e me manter na linha enquanto eu quisesse ter um lar na minha
cabeça e na do meu irmão. Eu voltei a engolir todas as minhas emoções,
guardá-las em uma pasta da minha cabeça apenas para conseguir manter as
coisas no meu controle.
Eu gostaria de desmentir Ryder, falar todas as merdas que pensava
sobre ele, embora já tivesse falado algumas coisas ainda me sentia
engasgado.
— Se você puder nos deixar em paz e sair, seria interessante —
respondi, mais calmo que conseguia ficar naquela situação.
— Ryder, independente de…
Puxei o ar e soltei. Uma. Duas. Três vezes.
Não via situação para Paige passar horas conversando com ele. Ou
tinha essa possibilidade? Nunca entendi qual foi a história entre eles,
porque todos falaram que eles eram perfeitos juntos e eu que estava de
intruso nessa história. O que na minha cabeça não fazia sentido, porque
Mallory nunca falou sobre esse relacionamento comigo. Será que ela ainda
gostava de Ryder? Será que ele tinha razão com tudo o que falava? A voz
de Emma ressoou no meu ouvido como um lembrete de que não deveria
deixar ele entrar na minha mente.
— Mas você não acha que o seu amigo deveria saber das coisas?
— O que eu acho é que você não consegue superar o fato de que eu
estou com a Paige e estamos felizes. — Mesmo tendo pego o assunto pela
metade, respondi no lugar de James, no tom mais paciente que conseguia.
— Seja lá o que você ficou falando com ela, tenho certeza que não tem
nada a ver com a nossa relação.
— O bom é que você é um corno manso, Turner. — Riu debochado,
jogando a mochila nos ombros. — Eu vou deixar vocês dois aí e vou
encontrar com ela na biblioteca.
Não o respondi, esperando-o sair do vestiário.
— Você acha que ela estava com ele?
— Não sei.
Eu estava meio cego.
Fui até o armário e peguei o celular. Eu acreditava que Paige não
tinha se encontrado com ele, mas caso Ryder estivesse certo, sabia que ela
não mentira também. Eu sabia o que eu sentia, e apesar de não saber ao
certo o que Paige sentia quanto a mim, pude ver a forma que ficou chateada
quando o assunto foi a borboleta e isso é o jeito de alguém que pelo menos
se importa com o outro.
Talvez goste.

Eu poderia fazer toda uma cena, perguntar onde ela estava ou o que
estava fazendo. Sondar. Só que minha cegueira só queria saber a verdade
para que aquele aperto saísse do meu peito.

Puta merda, eu gosto dela mais do que eu consigo quantificar.


Mordi o lábio inferior, pronto para pedir desculpas.
Fiquei ainda mais nervoso. Era verdade que eles se encontraram…
Tudo bem. Mas o que significava esse “nada demais”? O que era algo
demais para Paige? Senti aquela ira borbulhar de forma diferente, um ciúme
latente de imaginar ambos juntos, conversando por horas.

Merda! Estou sendo babaca.


Ela não deixou que eu respondesse.
Olhei para frente, encontrando James tão ansioso quanto eu. Ele
estava sentado no banco, com a unha na boca e olhos que não pareciam nem
piscar. Era como se ele estivesse vendo um filme de suspense onde estamos
prontos para descobrir todo o plot do filme. Se não estivesse nervoso, com
certeza iria gargalhar.
— E aí? — perguntou, puxando o ar. — Ela estava com ele?
— Estava. — Bloqueei o celular, cruzando os braços e me
encostando no armário. — Ela disse que não foi nada demais, mas não sei o
que isso significa.
— Significa que você tem que perguntar mais.
Revirei os olhos.
— Mas vou falar o quê? Paige, seu ex idiota chegou dizendo que
vocês passaram um tempo juntos e que sou um corno manso, é verdade?
James gargalhou.
— A parte do corno manso foi sensacional.
— Vai se ferrar, James. — Comecei a organizar minhas coisas para
sair dali. — Eu acho que estou gostando demais dela.
Era para ser um pensamento meu, mas acabei soltando-o para James
que gargalhou ainda mais.
— Você está fodido, idiota! — Ele não parava de rir. — Muito
fodido.
Que eu estava fodido não era uma novidade. Minha maior questão
agora era saber o que eu faria com todo esse sentimento. Paige Mallory não
era capaz de gostar nesse nível de mim, pelo menos era o que eu pensava
todas as vezes que alguém comentava algo sobre ela. A única pessoa que
ela namorou na faculdade tinha sido Ryder e foi algo tipo chuva de verão,
da mesma forma inusitada que aconteceu, acabou.
Será que eu estava sendo mais uma chuva para ela? Uma diversão?
Nunca cheguei com ninguém a esse nível de sentimento e agora não
estava sabendo lidar com toda essa merda que me fazia feliz e ao mesmo
tempo me deixava ansioso a ponto de sair correndo como um louco, sem
qualquer rota.
Queria fugir e ficar.
Me esconder e encontrá-la.
Beijar até ficar com a boca dormente e nem chegar perto.
Essa coisa de gostar de alguém era loucura.
E eu estava louco pra caralho.
— Eu vou até ela saber sobre este negócio com o Ryder.
— É assim que se fala, Caleb. Corre atrás da sua mulher, porra —
James falou debochando, rindo.
Mal sabia ele que eu realmente ia correr atrás da minha mulher.

Minha.

Segui a localização que Paige enviou como se ela fosse me dar a rota
da felicidade. Durante o trajeto, minha mente pensou em várias formas de
fazer perguntas não só sobre aquele encontro com Ryder, mas seu
relacionamento e como aquilo acabou.
Eu queria saber todos os detalhes para entender se estava
acontecendo o mesmo com a gente, se aquele acordo iria render em algo ou
eu que estava ficando louco e apaixonado sozinho. Eu tinha dúvidas, porque
ao mesmo tempo que sentia que estávamos indo pela mesma página, em
outros momentos ficava completamente inseguro quanto a isso.
Paige Mallory ainda era areia demais para o meu caminhãozinho.
Estacionei o carro na frente de onde marcava sua localização e entrei
em algo que parecia uma espécie de academia de dança. Nunca tinha visto
aquilo antes na cidade, em todos os anos que moro aqui. O lugar era bem
bonito, com uma vitrine com o nome do espaço e alguns itens em rosa claro
e branco.
Meu coração idiota se manifestou no exato momento em que passei
pela porta de vidro e avistei de longe, atrás da recepção, Paige dançando.
Eu deveria ter me apresentado, deveria ter falado com algum
responsável do local, porém só segui por aquele caminho até estar perto o
suficiente do vidro que dividia a sala de dança da recepção clara e
sofisticada do lugar.
Meus olhos foram magnetizados até ela, até os seus movimentos.
De onde estava, a música não dava para ser ouvida, embora desse
para imaginar que estivesse dançando ao som de algo clássico, já que seus
movimentos eram mais sutis do que da última vez que a vi dançando. Não
existiam os saltos exagerados, os movimentos livres e mais emocionais, ali
ela parecia focada no que deveria ser feito.
Paige Mallory estava vestida, diferente das outras meninas, com uma
espécie de macacão preto que cobria todo o seu corpo, dando vida a cada
dobra e músculo. Seus movimentos eram cravados, esteticamente perfeitos
e combinados. Ainda existia a mesma leveza, a pureza, a cinesia perfeita
das suas mãos e pernas. Como se aquela borboleta, desta vez, estivesse
apenas se exibindo para os outros animais, seduzindo de forma sútil.
Clássica. Batendo suas asas da forma perfeita, exibindo todas as suas cores
e movimentos a cada bater de asas.
Eu não sabia que precisava ver aquilo até meus olhos estarem
cravados no vidro, sem me importar em ser chamado atenção por isso.
Mallory fez uma sequência de movimentos que deveriam ter um
nome difícil, girou e voltou para uma barra na lateral, puxando o ar pela
boca.
Nossos olhos se encontraram no momento em que ela virou para
disfarçar uma respirada mais funda que fez, similar a alguém que está
exausto. Ela abriu um grande sorriso e acenou rapidamente, voltando a sua
posição na barra.
Foi naquele momento que percebi que nada do que eu pensei antes,
no carro, poderia ser lembrado, muito menos as perguntas que custei para
formular de uma forma que não ficasse parecendo que eu estava sendo
tóxico ou passando dos limites. Pois o meu coração estava sendo
embriagado por aquela sensação mais uma vez – a alegria, o entusiasmo, a
euforia de estar a vendo fazer exatamente a mesma coisa que a vi fazer pela
primeira vez.
Minha borboleta estava viva.
Paige Mallory seria a borboleta mais bonita de qualquer ecossistema.
Ela era a mais bonita do meu ecossistema.
Minha borboleta.
— Da próxima vez fala para ele não invadir a sala, Paige. — A Sra.
Wilson sorriu simpática, dando três tapinhas no meu rosto.
— Ele foi super sem educação, não é? — Encarei Caleb, que estava
mais tenso que o normal, com o rosto tomado pelo tom vermelho já
conhecido por mim.
— Eu estava perdido, senhora. — Ele sorriu. — Desculpa, mais uma
vez.
— Você estava babando, querido. — A senhora de meia idade sorriu
mais uma vez, me empurrando em direção a porta. — Agora vão, porque
preciso acompanhar a aula da Hilary.
— Até a próxima aula que eu conseguir vir, Sra. Wilson.
Ela acenou com a mão, falando mais algumas gracinhas para Caleb,
que permaneceu com aquele sorriso tímido grudado na sua boca. Ao abrir a
porta, a senhora apertou meu ombro e deixou que saíssemos sem mais um
pequeno sermão que ela acabou dando em Caleb por ter entrado e ido
diretamente para o espelho que dividia os ambientes do seu pequeno estúdio
de dança.
Aquele era meu esconderijo preferido. Não era sempre que eu
conseguia acompanhar uma aula, mas quando as coisas ficavam fora do
eixo, era para lá que eu corria para respirar e lembrar como era dançar. Não
com o mesmo compromisso que eu tinha antes, com a mesma cobrança para
a perfeição. Era apenas uma aula, movimentos que eu conhecia bem e todos
os hormônios correndo por minha corrente sanguínea até ficar feliz e
satisfeita.
— Eu achei que você ia ficar me acusando pelo telefone e não teria
coragem de vir aqui para me enfrentar, nerd — brinquei, vendo-o parar de
andar.
— Eu não queria que você se sentisse sendo acusada, mas é que… —
Caleb coçou a cabeça. — É que eu… eu precisava vir aqui e conversar com
você sobre… — Ele puxou o ar, colocou as duas mãos no bolso da jaqueta
que estava usando. — Olha…
E eu deixei que ele fosse se perdendo em todas as linhas de
raciocínio que queria começar a falar. Caleb Turner tinha aquela coisa de
ficar nervoso e falar mais do que deveria, se enrolando em seus
pensamentos e no que saia pela sua boca. Devo admitir que eu amava vê-lo
meio nervoso, coçando os cabelos escuros, mordendo a boca enquanto para
alguns segundos para pensar. Ou a coisa fofa que ele faz com o nariz toda
vez que pensa um pouco demais.
— Ryder disse que vocês ficaram conversando horas, Paige.
E só me apeguei aquela frase, abrindo um sorrisinho.
— Então você estava com ciúmes? Era isso?
Que ele sinta a mesma coisa que eu senti sabendo da borboleta,
mesmo que eu não tenha nada com o Ryder e aparentemente ele queria ter
com essa tal borboleta misteriosa.
— Ele disse que passou horas conversando com você — Turner
repetiu, como se fosse óbvio o motivo de ter me perguntado.
— O que você acha de sentarmos naquela praça para conversar? —
Ignorei-o.
Eu ia deixar com que ele sofresse só mais um pouquinho.
Aquele tipo de ciúmes me deixava mais feliz do que eu gostaria de
admitir.
Caleb suspirou.
— Paige, só seja sincera comigo porque…
— Por quê? — Arqueei uma sobrancelha.
Ele fez a coisa fofa com o nariz e coçou o cabelo novamente.
— Olha, eu fiquei louco quando ele falou sobre isso. É isso que você
quer me ouvir falar? — Ele abaixou os olhos, chutando o chão, ou o ar. Ou
os dois. — Eu estava conversando com James e ele apareceu dizendo que
tinha passado horas com você. Você não me contou que passava tempo com
ele, não que o que temos seja exclusivo. Quer dizer, eu nem posso te cobrar
de nada porque namoramos para as pessoas do campus, mas nunca
aconteceu de…
— Cala a boca, nerd.
Gargalhei, me aproximando dele.
— Desde quando você é ciumento? — Segurei seu rosto para me
encarar.
— Mallory, você me deixa maluco — choramingou, desviando os
olhos para algo na nossa lateral. — Pior que eu nem podia arrebentar a cara
dele, porque não sabia se era mais de suas mentiras ou se você realmente
tinha saído com ele.
Gargalhei.
— E se tivesse saído?
— Iria querer bater nele mesmo assim, só pela ousadia de sair com a
minha garota.
Minha garota? Graças a Deus que a única pessoa que seria capaz de
me olhar naquele momento era ele, pois eu sabia que estava sorrindo como
uma idiota apaixonada.
Caleb nunca tinha chamado daquela forma.
Não com tanta convicção como tinha acabado de fazer.
— Sua garota? — Estava sorrindo tanto que minhas bochechas
estavam começando a doer.
— Sim, minha garota. — Ele me encarou determinado, abrindo um
sorrisinho lateral.
— Só por eu ser a sua garota você bateria nele? — Eu que bateria
nele por ser tão fofo. — Não se fazem nerds como antigamente.
— Sou nerd e não um corno manso, como ele disse que sou.
Aquilo me fez rir ainda mais, deslizando minhas mãos do seu rosto
para o pescoço.
— Então, só para você saber, não saí com ele, mas se soubesse que
ficaria todo esquentadinho assim, poderia ter saído para te fazer ciúmes. —
Abri um grande sorriso, adorando vê-lo reagir daquela forma.
— Paige… — Seu tom foi de repreensão.
Mas antes que ele começasse a falar mais alguma coisa, me senti na
obrigação de beijar aquela coisa grande e completamente nerd, calando-o.
Não demorou mais do que segundos para Caleb estar me beijando de volta,
envolvendo minha cintura como se ele fosse meu dono e engolindo minha
boca com toda a raiva e ciúme empregado nos meus lábios.
Aquele tipo de show, eu não costumava fazer no meio da rua, mas
como poderia controlar aquela vontade de beijar o homem gigantesco que
parecia um cachorrinho fofo e raivoso ao mesmo tempo? Ninguém poderia
me julgar se visse como ele ficou lindo com ciúmes, cheio de atitude,
pronto para bater no seu colega de time só porque disse que saiu comigo.
Espero que ninguém me julgue por ser uma boba apaixonada.
Em sigilo, mas apaixonada.
— Ele só me encontrou na conveniência e resolveu pedir desculpas e
pagar pelas minhas compras — falei contra a sua boca. — Eu não teria a
vontade nem a capacidade de passar horas conversando com o Ryder.
— Você não sente saudade dele? — Caleb selou sua boca na minha,
afastando-se para me encarar em seguida. — Porque você nunca me falou
sobre esse namoro com ele, ou como se sente quanto a isso.
— Você também nunca me falou sobre várias coisas sobre você. —
Aquela resposta saiu mais rápido do que eu esperava.
Não que eu quisesse jogar na cara dele sobre isso, apesar de achar
que o fato de ter aberto minha casa e apresentado tudo o de mais íntimo que
tenho, contaria mais do que falar sobre Ryder e um namoro sem noção que
resolvi ter assim que entrei para a faculdade. Ele sabia mais do que eu.
Deixei que ele entrasse no que realmente importava, mas na sua vida eu não
entrei em nenhum aspecto. Todas as coisas soube ou fiquei sabendo foi
porque presenciei, ou soube por especulações das pessoas.
No fundo, Caleb sempre falou menos do que eu sobre seus traumas,
cicatrizes ou histórias, me dando até a sensação de que para ele aquilo era a
distância necessária. Não sentia que ele confiava em mim o suficiente para
contar sobre ele. O que era frustrante para mim, porque gostaria de ver seu
lado mais profundo e entender como alguém como ele era tão sozinho.
Então como ele poderia me cobrar por não falar sobre Ryder, se nem
ao menos ele me falou quem era a borboleta? Não fazia o menor sentido.
— Você está certa. — Aquela sua resposta me surpreendeu. — Eu te
devo algumas explicações e uma conversa tão sincera quanto a que você
teve comigo sobre a sua mãe e a sua vida.
Por essa eu não esperava.
Uma das mãos que estava na minha cintura foi até minha bochecha,
alisando minha pele com o polegar.
— E se a gente tomar um sorvete para conversar sobre essas coisas
pendentes?
Balancei a cabeça confirmando, ainda surpresa pela sua iniciativa.
Caleb Turner não apenas me chamou, como segurou a minha mão, beijou as
falanges dela e apontou para a direção que deveríamos ir. De alguma forma
ele sempre conseguia ser surpreendente em algum aspecto, seja em uma
fala ou atitude. Seja me tratando como uma princesa ou me chupando em
um laboratório.
Duas faces de um mesmo cara.
— Você quer tomar algo em específico? — Ele parou em frente a
uma mesa do lado de fora da sorveteria. — Você pode escolher alguma das
mesas enquanto eu peço algo para gente.
Dei de ombros.
— Me surpreenda, nerd. — Me estiquei para selar meus lábios aos
seus, vendo suas bochechas ganharem o tom avermelhado.
Fiquei ali sorrindo, vendo aquele homem enorme sair da minha frente
e passar pela porta colorida da sorveteria parecendo tão tímido quanto
minutos antes quando a dona do estúdio reclamou com ele. Como um
selinho parecia deixar ele mais tímido do que um beijo? Era uma das
perguntas que nunca teria uma resposta, possivelmente.
Gargalhei sozinha, negando com a cabeça.
Eu acho que nunca entenderia como as coisas funcionam na cabeça
de Caleb. Em alguns momentos ele era o nerd clássico, tímido e comedido.
O mesmo cara que ficava com vergonha de um selinho ou de um assunto
mais sexual. E em outro momento ele era o cara que chupava em um
laboratório ou queria bater na cara do meu ex por ser sua garota.
Quem era esse homem, afinal?
Escolhi a mesa mais afastada, não porque o local tinha muitas
pessoas, muito pelo contrário. Resolvi ficar mais afastada para aproveitar o
sol que estava começando a se perder no final da rua em que estávamos,
começando a pintar o céu em um tom de rosa claro com laranja. Tom esse
que sempre tive a convicção que nem o pintor mais famoso conseguia
chegar. Era único. Admirável.
A visão estava muito bonita.
Puxei uma cadeira amarela claro, que combinava perfeitamente com
um guarda-sol gigantesco em tons pastéis, e esperei ser surpreendida por
ele.
— Eu resolvi trazer essa tigela com alguns sabores diferentes — ele
anunciou assim que arregalei os olhos para a coisa enorme que estava na
sua mão. — Acho que te surpreendi.
Rimos.
— Porra! Você realmente me surpreendeu, nerd. — Esperei ele
colocar a tigela na mesa, me assustando com a quantidade de cores
estranhas que tinham naquele recipiente de vidro. — O que tem aqui?
— Eu gosto de umas coisas doces, mas tenho a impressão de que vi
você falando sobre azedo com a Kim no dia que fiquei na sua casa. —
Aquelas bochechas estavam vermelhas e eu queria lamber a cara dele
inteira por isso. — Aí eu pensei em colocar um pouco de tudo o que tinha
de doce e azedo, a gente mistura e vê no que dá.
— Por isso que você é um nerd. — Gargalhei com o meu próprio
pensamento.
Na minha cabeça fazia sentido Caleb ter notas tão boas, ser incrível
em tudo o que se colocava para fazer e ainda ter tempo para outras
atividades – ele tinha uma atenção digna de um prêmio ou de um estudo
científico. Nem eu conseguia me lembrar sobre o que estava falando com a
Kimberly para falar sobre coisas azedas, porém, ele conseguiu não apenas
prestar atenção, como se lembrar disso semanas depois.
— Minha ideia foi muito boa? — Ele se sentou ao meu lado,
puxando aquela tigela enorme para perto de nós dois.
— Não é isso, bobo. — Me estiquei para segurar aquelas bochechas
rosadas, sorrindo. — Você só consegue ser um nerd tão incrível e um
prodígio porque você tem essa atenção estranha e uma memória invejável.
— Ah! — Ele riu. — No mínimo esperei uma explicação muito mais
elaborada sobre o meu conhecimento demasiado.
Rimos.
— Nossa, usou todo o seu conhecimento para falar como um senhor
de noventa anos?
— Com toda a certeza. — Ele piscou, os olhos parecendo duas linhas
finas de tanto que estava rindo com a própria brincadeira meio nerd. —
Agora vamos comer isso porque pode derreter muito rápido.
E ali começamos uma degustação de sorvetes e seus sabores
diferentes. Desde clássicos como chocolate e morango, até coisas mais
exóticas como kiwi ao leite e algo chamado como pôr-do-sol, que era auto
explicativo, pois suas cores eram parecidas com a do céu que tinha sentado
para admirar, mesmo tendo gosto apenas de coisas cítricas que não davam
para identificar o que eram, de fato.
— Eu acho que eu tentei não conversar sobre aquele dia do jogo
porque saberia que terminaria comigo falando sobre o meu pai e essa
relação estranha que temos. — Ele começou depois de dar a última
colherada no resto do sorvete.
— Mas…
— Eu sei que eu poderia falar com você sobre aquilo, Paige. — Ele
me interrompeu. — Mas tudo o que eu realmente queria era esquecer o que
tinha acontecido e ficar com você. Entrar no seu mundo diferente, rir de
qualquer coisa e ficar em paz. Nem que fosse uma paz temporária, como
realmente foi.
Estava difícil de respirar, só não sabia se era pela barriga
extremamente cheia ou pela forma como os olhos de Caleb foram se
tornando diferentes, em um tom de preto brilhante. Ficava claro que aquele
assunto o machucava e que o que estivesse por vir, seria aquele tipo de
conversa difícil que você não quer ter com quase ninguém.
Automaticamente me senti culpada, esticando minha mão até tocar
sua coxa, chamando a sua atenção.
— Eu acho que se você não quiser falar sobre isso ou se for muito
doloroso…
— Não! — Me interrompeu mais uma vez, apoiando sua mão sobre a
minha. — Eu quero conversar com você sobre isso. Eu quero compartilhar
coisas com você, exatamente como fez quando compartilhou sobre a sua
mãe. — Seus olhos grudaram nos meus. — Eu queria ter a mesma coragem
que você teve para lidar com tudo o que aconteceu na sua vida. Você não
faz ideia de como a sua coragem, sua esperteza, a forma como você enxerga
as coisas, fez com que eu me sentisse contagiado a fazer o mesmo.
Agora eu tinha certeza que a falta de ar era por ele. Pelo o que disse.
Pela forma como seus olhos pareciam ler minha alma e os meus
pensamentos. Profundos. Sinceros. Magnéticos.
— Eu nem sei o que te responder quanto a isso, porque não me sinto
tão corajosa assim. — Fui sincera, entrelaçando meus dedos aos dele. — Eu
só estava aceitando as coisas que eram colocadas no meu caminho e vendo
a melhor forma de viver com aquele peso. Eu só queria ser forte e não
deixar que as pessoas à minha volta percebessem que aquilo estava me
pesando o suficiente para me derrubar.
— Eu acho isso inspirador, mesmo que você não veja como coragem.
— Ele sorriu, olhou para o céu, que a essa altura já estava tomado pelo tom
laranja, e puxou o ar pela boca. — O que aconteceu no jogo já aconteceu
outras vezes.
Não tive o que responder.
Se eu fosse abrir a minha boca para falar sobre o pai dele, coisas boas
não seriam ditas. Eu não precisava ser uma super nerd para entender que o
pai dele era o tipo de treinador assustador que poucas pessoas querem ou
gostam de ter no comando. Ele não tem respeito, ele tem o medo dos seus
jogadores. Portanto, se ele era assim nos campos, não era muito difícil de
imaginar como era dentro de casa.
— Eu entrei no hockey quando era muito pequeno para entender o
que aquilo realmente era. Nós íamos para os jogos dele, torcíamos e parecia
muito legal fazer aquilo. — Ele sorriu meio perdido, se acomodando melhor
na cadeira. — De certa forma, eu nunca vi o hockey como algo ruim, não
naquela época. Não até o acidente do meu pai.
Apertei ainda mais a sua mão, para mostrar que estava ali e estava
ouvindo.
Caleb finalmente estava me deixando entrar, mas ali, naquele
momento, não sabia se estava pronta para todas as coisas que poderiam vir
dessa história.
— Eu um resumo ele saiu de moto depois de uma festa e sofreu um
acidente que o deixou sem jogar indefinidamente. — Caleb me encarou
rapidamente. — Isso meio que mudou ele, sabe?
Afirmei com a cabeça.
— Só que eu tentei manter ele feliz, continuei jogando e quando
menos percebi, acabei virando o projeto da vida dele. — Rapidamente ele
voltou a olhar para frente, mudando o tom de voz para algo mais baixo e
mais rouco. — Eu fui cobrado de todas as formas possíveis, entrei para
times e fui migrando de escolas conforme ganhava bolsas. Quando eu
jogava muito, eu era o melhor filho do mundo. Mas quando meu time
perdia, ele era o mesmo cara que foi no vestiário. — Sua voz embargou. —
Só que depois que eu conheci você, as coisas mudaram para mim. Dentro
de mim. E ele soube, me aconselhou com algumas vezes, mas quando perdi
a cabeça, ele basicamente me fez a proposta mais absurda do mundo.
Eu não sabia o que eu poderia esperar do pai de Caleb, mas quando
saiu dos seus lábios que o seu pai havia deixado nas suas mãos a carga de
manter seu irmão com um teto sobre a cabeça, senti raiva.
— Ele não pode fazer isso. — Soquei a mesa. — Ele tem a obrigação
de…
— Ele não liga para nada, Paige. — Caleb segurou a mão que soquei
a mesa, beijando meus dedos. — Meu pai sabia que eu não iria deixar o
Camden sem qualquer amparo e que eu não ficaria sem a faculdade porque
isso é o meu futuro. Então ele jogou essa responsabilidade nas minhas
costas e me deixou na posição de escolher o que gostaria de fazer.
— Mas isso é injusto — rebati.
— Talvez ele nem saiba o que é justiça. — Vi seu peito se encher de
ar mais uma vez, como se Caleb quisesse engolir o que queria dizer. — Eu
acho que ele não sabe amar a gente.
Eu não sabia o que fazer ou falar, portanto fiz o mais óbvio e me
estiquei para abraçá-lo, tentando tomar aquele corpo grande em meus
braços. Caso conseguisse, gostaria de trocar de lugar com ele e
proporcionar a Caleb um dia em uma família feliz. Talvez uma família
mostrasse para ele que o amor existe, que uma boa relação familiar pode
acontecer mesmo com todas as diferenças entre as pessoas. Eu não sei.
Tudo o que sei é que Caleb não deveria passar por isso.
Ninguém deveria.
— E se ele ama, não sabe demonstrar isso muito bem. A única coisa
que ele consegue fazer é colocar em nós um peso que não deveria existir.
Eu não teria de ser obrigado a seguir os seus caminhos, mas é o que vou
fazer.
— E a sua mãe? — Minha voz saiu por um fio.
Eu queria fazer o que Caleb disse que faria com Ryder. Voar na cara
do pai dele e mostrar a sorte que ele tinha em ter filhos tão incríveis como
eles.
— E a Emma? O seu irmão? Como isso ficou? — Insisti quando não
houve qualquer resposta.
— Minha mãe desistiu do casamento e de morar com a gente quando
percebeu que o marido com quem casou não voltaria mais. Ela era bióloga e
pesquisadora, acabou entrando em um projeto e hoje em dia cuida da vida
marinha. — Caleb se encolheu nos meus braços, com a voz completamente
embargada. — Ou pelo menos é isso o que sabemos sobre ela.
— Como?
O nerd que se apresentou para mim naquele momento parecia um
garotinho. Os olhos do nerd estavam tomados de lágrimas, seu rosto inteiro
estava vermelho, assim como seu pescoço e orelhas. Ele estava se
esforçando pra não chorar, embora eu soubesse que a qualquer momento
aquilo ia acabar acontecendo.
— Ele não tem contato com ela.
— Mas ela poderia falar com vocês — sussurrei.
Uma lágrima pesada caiu dos seus olhos, sendo acompanhada por
tantas outras.
— Acho que ela também não ama, ou não sabe demonstrar.
Fui quebrada em mil pedaços quando as últimas palavras saíram da
sua boca.
Não tinha como alguém tão carinhoso como ele não se sentir amado
pelas pessoas que o deram a vida. Não é como se eu fosse inocente o
suficiente para acreditar que todos os pais são perfeitos e incríveis, mas eu
só não queria que Caleb tivesse passado por isso.
Tudo o que eu queria naquele momento era colocá-lo em um pequeno
pote e guardá-lo de tudo de ruim que poderia acontecer dali em diante. Só
gostaria de ter o poder de estancar essa dor que ele claramente sentia não só
pelo pai, mas como por sua mãe.
Não só ele, como os seus irmãos também, acabaram sendo vítimas de
uma fatalidade que não aconteceu por culpa deles. Era óbvio que Caleb
tinha se colocado em uma posição de cuidar de tudo, o que deixava claro
todo o carinho e zelo que tem pelo próprio irmão.
Por trás de toda a sua timidez, lentes de contato e tentativas de se
esconder, tem um menino que aprendeu a ser homem muito mais cedo que a
maioria.
Mesmo não sendo a sua obrigação, tomou para si esse papel de pai
desde que sua mãe foi embora; o papel de segurar as pontas quando não
deveria; o papel de melhor aluno e jogador para fazer um pai babaca feliz.
Responsabilidade em cima de responsabilidade, sem conseguir medir
os impactos que isso realmente tem e terá na vida dele.
Caleb Turner era mais forte do que ele mesmo imaginava.
— Você disse que eu sou corajosa, mas quem é extremamente
corajoso é você, Caleb — sussurrei, puxando-o para mais um abraço.
Não foi fácil me abrir para Paige, porém eu precisava fazer aquilo.
No dia em que ela me contou sobre ela e suas vivências, me senti em
débito de fazer o mesmo. Eu precisava mostrar que estava aberto aquele
tipo de troca, por mais que a minha história não fosse tão inspiradora
quanto a dela. Apesar disso, Paige Mallory não me surpreendeu quando foi
empática com a situação, me acolhendo enquanto eu abria sobre coisas que
nunca tinha contado abertamente para alguém.
O que me deixou surpreso foi o momento em que ela mencionou
sobre a minha coragem. Ela deixou com que partes minhas que eu nem
sabia que existiam, fossem abraçadas. Era estranha essa sensação de não
sentir apenas seu corpo sendo acalentado, mas como você por completo.
O que pareceu foi que abri portas da minha vida para ela, Paige olhou
para dentro daquele local e sorriu, me achando incrível. Ela não se importou
com a bagunça, as caixas pesadas ou com o fato de eu ser incapaz de
arrumar aquele cômodo. Ela só entrou, se sentou e contemplou, me achando
corajoso.

Naquele dia não chegamos a conversar sobre mais nada porque o


horário não permitiu e Paige recebeu uma ligação da senhora Cooper para
assinar uns documentos sobre o estudo da sua proposta sobre um
medicamento para Lúpus. A ideia não seria cura, a princípio, porém
diminuiria 95% dos efeitos da doença no corpo, melhorando a qualidade de
vida do paciente. O estudo feito por Paige que foi colocado no projeto para
melhorar sua nota, dava a sensação de que com os equipamentos certos,
testes e uma equipe qualificada, aquele sonho realmente poderia virar algo
real.
Ela poderia ter uma patente assim que se formasse, sendo tão
inovadora quanto a cientista que a inspirava.

Eu gostava muito de saber que depois daquela quase sessão de


terapia, as coisas tinham ficado ainda mais fortalecidas.
Deveria ter conversado sobre a borboleta, sobre ser a pessoa que eu
vi dançando no laboratório e me apaixonei. Eu deveria ter aproveitado
aquele momento para falar com Paige sobre tudo o que estava sentindo,
todavia eu preferi me enganar dizendo que não tinha dado tempo por causa
da senhora Cooper. E os dias seguintes estavam ocupados demais, com os
treinos e os testes, para conversar sobre o assunto.
Me enganar era melhor do que tomar coragem para assumir tantas
coisas ao mesmo tempo.
Sorri com aquela notícia.

Ri, tampando a boca.


Que pergunta era aquela?

Mordi o lábio, pensando onde aquela garota queria me levar com


essas mensagens.

A espera depois daquela mensagem foi mais longa do que assistir


todos os filmes do Harry Potter um atrás do outro. Olhei à minha volta para
ver se não tinha ninguém por perto e no instante que meu celular vibrou,
segurei a respiração. Meu dedo foi até a tela, abrindo a imagem em
visualização única que ela enviou.
Fiquei alguns segundos analisando aquela foto. Paige estava no
espelho do vestiário, apenas de lingerie branca. A renda não tampava o bico
rosado do seu peito, muito menos a intimidade que cheguei a conhecer no
laboratório. A peça e nada eram a mesma coisa.
Soltei o ar pela boca, abaixando a tela do celular apenas para tentar
manter minha cabeça de cima controlada, para nada acontecer com a
debaixo.
Foi a mensagem que recebi logo depois. Eu só não sabia o que
responder porque nunca tinha recebido uma foto como aquelas.

Enviei a mensagem sem nada.

Enviei mais uma, mesmo achando a resposta uma merda.


Posso tentar ser ousado.

Enviei sem pensar muito, ficando ansioso cada vez que aparecia que
ela estava digitando e sumia.

Olhei à minha volta mais uma vez, soltando o celular para secar as
mãos no jeans.
Meu telefone vibrou em cima da madeira antiquada da mesa do
laboratório.
Antes de conseguir responder, chegou mais uma.

Minhas bolas doeram em antecipação.


Merda!
Eu não sabia o que responder.
Apoiei o celular na mesa mais uma vez e olhei para baixo, tentando
lembrar de coisas terríveis, doenças com secreção e uma série de imagens
grotescas para fazer com que a imagem de Paige, naquela lingerie, sumisse
da minha cabeça. Eu não podia ficar duro no meio da biblioteca. Não teria
nem desculpa para uma coisa dessas.
Meu celular vibrou mais uma vez.

Como que…?
Meu pensamento foi cessado no momento em que levantei os olhos
do aparelho e inspecionei a sala, encontrando Paige em seu uniforme de
jogadora, sorrindo com o celular na mão.
A biblioteca não estava cheia, mas as poucas pessoas presentes
fizeram questão de olhá-la caminhar calmamente com um sorriso no rosto.
Com a cabeça, ela fez sinal para o longo corredor que dava para as sessões
de livros que tinham naquele lugar, me fazendo questionar se o plano dela
era o que estava nas mensagens. Observei a forma como se movia, decorei
cada curva que seu corpo fazia a cada passo que dava.
Paige me enlouqueceria a qualquer momento e isso era um fato.
Olhei para a mesa à minha frente, a pilha longa de papéis que eu
ainda precisava revisar para uma prova importante. Depois olhei para o meu
corpo, pensando como iria levantar dali sem que vissem como eu estava. E
posteriormente corri meus olhos a sua procura, vendo seu rabo de cavalo
loiro balançar e sumir assim que entrou no que daria no longo corredor.
Meu celular vibrou em cima da mesa.

Levantei movido por aquela ansiedade latente e pelos pensamentos


do que Paige gostaria de fazer ali, antes do seu último treino. Quase corri
pela biblioteca, seguindo o rastro do seu perfume adocicado, farejando
como um cão de guarda onde aquela loira poderia ter se metido entre tantos
corredores cobertos de livros.
— Aqui está o meu pré-treino. — Ela quase cantarolou,
segurando a minha mão e me puxando para uma sessão de livros sobre
mitologia.
— O que? Como? — Tentei formular uma frase, mas fui
impedido.
Fui calado pelos ferozes lábios de Paige Mallory.
Meu corpo estava pronto para qualquer coisa que viesse dela, mas
meu cérebro estava em contradição. Ele demorou para receber aquela
mensagem, levando mais tempo que o normal para reagir, fazendo com que
minhas mãos ficassem presas, congeladas. Eu queria tocá-la. Queria beijá-
la. Mas parecia que eu era incapaz de fazer aqueles movimentos básicos
acontecerem.
Até o momento em que Paige soltou um dos seus sons
característicos, como fazia em todas as vezes que nos beijamos, sendo uma
espécie de música mágica, me despertando daquele torpor inicial,
finalmente segurando os cabelos de Paige e me afundando ainda mais na
boca dela.
Todas as vezes que nos beijávamos, um fenômeno parecia
acontecer. Eu me sentia no céu, voando com uma grande quantidade de
borboletas azuis. Ainda que isso soasse como uma grande heresia dado o
que estávamos fazendo, não podia negar como Paige me fazia flutuar com
os seus lábios.
Nossas línguas eram perfeitas juntas. Entrelaçando. Guiando.
Inspecionando a boca um do outro. Suas mãos puxando os meus cabelos era
similar a ter alguém me acordando, me tirando do céu por alguns segundos,
trazendo o lado mais sujo do que estávamos fazendo. A luxúria. A
sensualidade. A devassidão.
— Eu vim te dar um motivo para relaxar antes da sua prova — Paige
murmurou contra a minha boca, arranhando meu couro cabeludo.
— E o seu treino? — perguntei, sem ar.
— Eu vou tomar meu pré-treino, nerd. — Paige passou a língua na
brecha dos meus lábios, abrindo um sorriso devasso. — Dizem que tomar
vitamina direto da fonte ajuda nas atividades físicas e na recuperação
muscular.
Sorri como um idiota, sentindo suas mãos saindo do meu cabelo,
deslizando pelo pescoço, ombro e pousando no meu peito. Mallory manteve
aquele sorriso lascivo, esfregando seu corpo no meu de um jeito sensual.
Encostou seu peito em mim, dando para sentir o bico eriçado. Ou pelo
menos foi nisso que acreditei ter sentido.
— Você pesquisou a fonte desse estudo? — perguntei, ansioso.
Eu não estava entendendo errado. Não era possível.
— Eu preferi descobrir a veracidade testando, nerd. — Ela deslizou
seus dedos pelo meu abdômen, chegando ao cós da calça de moletom que
estava usando. — E pelo o que eu vejo, você está animado por esse teste
também.
— Cla-claro — sibilei.
— Eu sei que você ama fazer as coisas pela ciência — ela brincou
com as cordinhas da calça, arranhou minha barriga por cima do tecido da
minha blusa e sorriu.
— E-eu… — Perdi as palavras quando ela se abaixou na minha
frente. — Eu faço tudo pela ciência.
— Então, Caleb Turner — Paige me apertou sobre a calça e precisei
engolir o gemido que quis soltar —, você vai ser um bom garoto e vai me
fornecer todo o pré-treino que eu preciso. E quando finalizarmos, quero
anotações claras sobre como foi esse teste para você também. — Ela me
olhou com aquele misto de atrevimento e inocência. — Consegue fazer
isso, nerd? Tudo em nome da ciência?
— Con-consigo, Paige.
— Muito bem. — Foram suas últimas palavras.
Todo o resto aconteceu em câmera lenta.
Encostei minhas costas nas prateleiras atrás de mim e deixei que
aquela mulher agisse como ela queria. Suas unhas afiadas arranharam
minha pele enquanto Paige colocava meu pau a sua disposição, descendo o
cós da calça junto com a cueca que eu estava usando, seus olhos amarelos
me encarando como uma espécie de aviso do que aconteceria depois
daquilo.
Eu não queria nem piscar para não perder nada. Seu lábio se abrindo
vagarosamente, suas mãos pequenas segurando meu pau e o vapor quente
que escapou da sua boca assim que se aproximou de mim. Engoli aquele
bolo que se formou na minha garganta, me preparando para a ponta da sua
língua passando pela cabeça do meu pau, mas foi em vão. O arrepio que
queimou minhas bolas e subiu meu abdômen fizeram com que eu pulsasse
em suas mãos.
— Eu sabia que você era grande, mas não estava esperando por isso,
nerd — ela sussurrou, umedecendo os próprios lábios.
Mas eu não tive tempo de falar qualquer coisa que fosse, porque
Paige me enfiou em sua boca sem qualquer cerimônia, sumindo meu pau
centímetro por centímetro. O calor da sua boca me envolveu como uma
luva em um dia de inverno, arrancando um gemido baixo e contido. Paige
me encarou com aqueles olhos felinos, subiu suas mãos por dentro da
minha blusa e me arranhou.
— Merda, Paige! — murmurei.
Aquilo pareceu o incentivo que ela queria para começar a se
movimentar, começando algo vagaroso, quase que preguiçoso. Paige me
tirou da sua boca, lambeu toda a extensão e voltou a me afundar até chegar
na sua garganta. Estava difícil não fazer qualquer ruído, principalmente
quando a mesma gemia ao me chupar, parecendo estar se deliciando com o
meu pau.
É, ela realmente iria me enlouquecer.
As suas investidas estavam me matando na mesma velocidade em
que ela chupava, fazendo com que minhas bolas estivessem a um passo de
explodirem, ainda que eu não fosse deixar aquilo acontecer tão rápido.
— Paige… — gemi, afundando meus dedos em seus cabelos.
— Você quer foder a minha boca, Caleb? — ela perguntou manhosa,
batendo meu pau na sua língua. — Quer fazer do jeito que faria com a
minha boceta?
— Pai-Pai… — Respirei fundo. Caralho! — Paige.
— Fode a minha boca, Caleb. — Ela o enfiou todo na boca e o tirou,
ainda com os olhos cravados em mim. — Goza para mim, nerd.
Quem eu queria enganar? Eu iria me enfiar naquela boca e gozar
mais rápido do que um adolescente em sua primeira vez.
Era a Paige.
A mulher que sonhei mais vezes do que eu poderia contar para
alguém.
Era a minha borboleta.
— Abre essa boca para mim, D.
A jogadora obedeceu prontamente, colocando meu pau na sua
boca, esperando que eu fizesse o que ela pediu. Olhei dentro dos seus lábios
e gravei cada detalhe daquela cena. Paige com a boca aberta, a cabeça do
meu pau perdida entre seus lábios grossos e o desejo que estava estampado
na sua testa.
Eu era um cara de sorte.
Aquela era a cena mais bonita que já tinha visto em toda a minha
vida.
Segurei sua nuca com as duas mãos, me afundando em sua boca até
ouvir o barulho gostoso que fazia assim que meu pau bateu no fundo da sua
garganta. Repetindo aquilo algumas vezes, até olhá-la e ver o canto dos seus
olhos molhados.
— Você é linda para caralho — rosnei, puxando os cabelos da sua
nuca.
Ela grunhiu, um gemido abafado pelo meu pau.
Aumentei os movimentos, entrando e saindo da sua boca. Nada como
eu faria com a sua boceta, porque eu guardaria aquilo para quando
realmente acontecesse, mas dando a Paige uma prévia do que eu gostaria de
fazer com ela.
Fodi a sua boca algumas vezes, rápido, lento, sem jeito, até sentir
todo meu corpo tensionar, minhas bolas queimarem e minha virilha arder.
Paige pareceu perceber, pois segurou meu quadril e me puxou mais
fundo, fazendo aquele barulho mais uma vez. O ruído foi a gota que faltava
para que aquele copo transbordasse e eu gozasse na sua boca.
— Paige… — gemi seu nome, entrando e saindo mais algumas
vezes.
— Doce como você, nerd — Paige falou assim que me engoliu,
passando a língua pelos próprios lábios. — Agora você vai poder estudar
mais relaxado, e eu… — Ela se levantou, segurando a minha mão. — Eu
vou ficar assim. — Ela levou minha mão para dentro do seu short de jogo,
melando os meus dedos. — Vou ficar assim até você decidir me foder como
fez com a minha boca.
— Porque não…
Ela tirou minha mão do seu short, sorrindo.
— Eu não tenho tempo por causa do treino, nerd. Mas pode ter
certeza que pensarei em você durante o jogo, no banho, dormindo, até o
momento que esse pau delicioso poder me foder.
— Pai-Pai-Pai…
— Tchau, nerd.
Como eu estudaria depois disso?
Eu estava louco por essa borboleta.
— Como eu só estou sabendo disso agora? — Alisson resmungou,
baixinho, enquanto a treinadora dava algumas instruções antes do jogo
voltar.
— Você tem andando bem sumida, né? — Miley sussurrou, mas não
tão baixo quanto ela imaginou, chamando a atenção da treinadora.
— Eu quero saber porque vocês estão conversando e não prestando
atenção no que eu estou dizendo.
— Desculpa, treinadora — nós três falamos quase em um coral.
Mesmo sem Kimberly presente, era muito bom ter aquele momento
com as minhas amigas. Jogar sempre foi a atividade que, assim que aprendi
que gostava, se tornou o meu mundo. Correr atrás de uma bola me trazia a
liberdade que estava perdendo a cada vez que minha mãe relatava alguma
dor ou ia para o hospital; me trazia a sensação de que pelo menos ali eu
poderia ter uma espécie de controle sobre o que pode acontecer, mesmo que
o resultado nem sempre seja a favor.
A adrenalina de voltar a jogar e ter o poder de mudar um placar ou a
nossa posição, foi como o gás que eu precisava. No instante que o juiz
apitou começando o segundo tempo, eu e Alisson sabíamos que o nosso
dever era resolver o placar que estava conosco perdendo de um a zero. Era
para isso que eu jogava, para ter um problema, gerar essa solução e
controlar a situação.
A conversa que eu tive com Caleb me mostrou que todos nós temos
algum tipo de trauma, sequela ou cicatriz, mas o que dita como vamos viver
com isso é a forma que escolhemos lidar. No campo era muito parecido,
todos os nossos problemas precisavam ficar para trás, porque a única coisa
que importava era o que aconteceria dentro das linhas do campo.
Foi essa sensação que senti tanta falta.
Alisson e eu seguimos o que sempre fazíamos, como uma dupla,
correndo em direção ao gol das adversárias passando como um foguete por
elas. Entre dribles, jogadas ensaiadas e alguns improvisos, ficamos em uma
posição perfeita para que ela acertasse um gol bem no ângulo da trave. O
que para todos são questões de segundos, para mim, ali, era como estar
vendo tudo mais lento.
Chutei a bola com força para Alisson, que precisou esquivar da
jogadora que estava fazendo a sua defesa, para acertar o ângulo com um
chute potente, fazendo toda a arquibancada gritar em comemoração.
Um a um.
Algumas meninas da equipe me abraçaram, mas foi para a
arquibancada que olhei à sua procura.
Caleb estava em uma semana cheia de provas, testes e entregas de
trabalho, mas disse que tiraria um tempo para me ver jogando. Corri para a
lateral do campo e fiquei procurando enquanto o jogo voltava a acontecer.
Assim que achei seus olhos escuros e o sorriso eufórico que estava
estampado no seu rosto, acabei sorrindo.
— Paige! — A treinadora gritou, fazendo sinais para o campo.
Acenei rapidamente para onde tinha visto Caleb e voltei a minha
posição, sabendo que precisava ajudar minhas colegas de time a chegarem
em mais um gol para resolver aquele placar. Foi quando a bola parou no
meu pé que eu foquei em correr, sem pensar em mais nada. Apenas vendo o
meu objetivo e o que eu precisava fazer para chegar até ele.
Conforme avancei pelo gramado, os gritos dos torcedores
aumentaram, meu coração acelerou em batimentos rápidos e fortes no meu
peito, e tudo o que consegui ver foram duas jogadoras do time adversário
tentando controlar a situação.
Tão rápido quanto o primeiro, acertei aquele gol em cima da cabeça
da goleira. Meu peito explodiu igual a bola explodindo na rede.
A melhor sensação do mundo.

— Você foi incrível! — Caleb me recebeu com um abraço forte, bem


na porta do vestiário.
Mantivemos o placar de dois a um até o final do jogo, focados em
um único objetivo.
Eu estava satisfeita com o que tinha feito e como a Alisson estava
feliz, assim como as outras meninas. Por mais que eu ame jogar, o futebol
nunca foi algo que eu queria fazer na minha vida porque exige não apenas
do físico, mas também do emocional. Sempre tentei me enxergar fazendo
isso por mais anos, de forma profissional, e nunca me vi feliz. Estranho,
porque a sensação que eu tenho quando estou em campo é maravilhosa,
porém meu sonho sempre foi fazer com que aquele projeto inocente de
infância, se tornasse real.
Esse sim eu me via fazendo e trabalhando por anos a frente. Vendo o
sorriso nas pessoas que se beneficiariam com isso, projetos que poderiam
surgir depois da nossa tentativa e tantos pontos positivos que teriam para
comunidade científica e para os pacientes que têm lúpus.
— Nerd! — Gargalhei, aproveitando a deixa de me tirar para
cruzar minhas pernas nele. — Viu que fiz o gol para você?
Foi a vez dele rir, beijando meu pescoço sem se importar com o
fato de estar suada.
— Você foi… Caralho… Extraordinária. — Eu conseguia ver o
orgulho nos seus olhos.
— Quero ver quando o jogo for contra a sua irmã, para quem você irá
torcer.
Rimos, empolgados demais para entender que estávamos no meio das
pessoas.
— Eu não vou nem aparecer nesse jogo de vocês. — Ele piscou,
esticando o rosto até estar com seus lábios colados no meu. — Parabéns,
amor.
Amor?
Pisquei algumas vezes.
Caleb Turner tinha acabado de me chamar de amor?
— Pombinhos, deixem isso para depois — uma das meninas do time
gritou assim que nos viu ali.
Caleb parecia ter ganhado um novo tom de vermelho em seu rosto,
algo intenso e centralizado, formando um T desde de suas bochechas até o
queixo. Nunca o vi daquela forma. Será que ele deixou escapar aquela
palavra? Será que ele não queria me chamar dessa forma? Será que…?
Minha mente começou a rodopiar dentro desse círculo de perguntas que não
teriam qualquer tipo de resposta.
— A Paige adora esfregar o namoro dela na nossa cara — outra
comentou.
— Vamos! Vamos! Vamos! — Mais uma se juntou.
E quando percebi, já estava no chão enquanto um Caleb tímido me
olhava intensamente.
— Podemos nos ver depois? Quero comemorar com você — ele
falou perto do meu ouvido.
O time teria que me desculpar, mas eu iria comemorar com aquele
nerd gostoso.

Caleb me mandou algumas mensagens para dizer onde ficaria me


esperando. A visão que tive daquele nerd encostado na própria
caminhonete, vestindo uma jaqueta antiga, jeans e camiseta, me fez sorrir
como uma boba sortuda que me sentia.
De fato, passar aquele tempo com o nerd, fazendo coisas de casal, se
tratando como tal, estavam fazendo com que aquela obsessão tivesse se
transformado em paixão e agora fosse algo ainda mais intenso e embora
soubesse o nome, não ousaria dizer.
A proposta perfeita que fizemos no começo de tudo isso se perdeu no
momento em que nossos interesses se tornaram uma coisa só. O fingimento
de estarmos juntos para ele arranjar alguém, minhas desculpas para sempre
estar com ele, nada disso se sustentou com o passar do tempo porque existia
uma vontade mútua de fazer aquelas coisas e eu tinha certeza disso. Ainda
que me sentisse um pouco estranha sobre a tal borboleta, sabia que o
homem que sorria ao me ver, queria estar comigo de alguma forma.
— Achei que você não ia conseguir vir.
Caleb parecia ter saído de um filme antigo, com toda a sua estética e
o carro extremamente antigo atrás dele mesmo.
— As meninas ficaram bem chateadas quando não fui comemorar
com elas, mas eu tinha minha prioridade. — Pisquei com um único olho,
fazendo-o sorrir.
— Espero que você não se arrependa disso depois — brincou, se
aproximando para me receber com um abraço. — Esse cheiro todo é para
mim?
— O cheiro e o que está debaixo dessa roupa, também — sussurrei
contra a sua pele.
Caleb estremeceu, o que me fez rir baixinho.
Eu gostava muito daquele efeito que eu causava nele com pouca
coisa. No dia da biblioteca, eu não iria sair antes do treino para fazer aquilo,
mas Kimberly disse que deveria fazer aquele nerd pensar em mim igual
música quando gruda na cabeça. O que eu não esperava era que eu fosse
ficar como ele, pensando no que poderia ter acontecido se tivéssemos
tempo e um lugar melhor.
Ele não fodeu com a minha boca, mas com a minha cabeça.
Martelando imagens de como ficou com um olhar perdido quando estava
prestes a gozar, a forma que gemeu meu nome tão rouco e manhoso, ou o
tamanho do seu pau que parecia perfeito para mim.
Eu estava sonhando com aquele momento.
Eu queria ver aquele homem se transformando em cima de mim,
deixando seu cheiro marcado na minha pele.
— Eu não consigo tirar você da minha cabeça, Paige — ele falou
baixo, subindo suas mãos até estarem na lateral do meu pescoço —, por isso
pensei em algo diferente para hoje. Você aceita sair em um encontro
comigo?
Sorri embasbacada.
— Esse é o nosso primeiro encontro oficial?
Ele balançou a cabeça, se aproximando do meu rosto a ponto do seu
nariz tocar no meu.
— Um encontro especial para uma pessoa especial. — Ele selou sua
boca na minha de forma rápida. — Quero fazer com que você se sinta
magnífica, assim como eu tenho me sentido todas as vezes que saímos
juntos.
Sem ter o que responder para aquilo, já que sabia que qualquer coisa
que dissesse me renderia em algumas lágrimas, fiquei na ponta dos pés e
alcancei seus lábios mais uma vez. O beijo foi lento, terno e gostoso. Sem
pressa. Quiçá Caleb não soubesse que eu já me sentia especial em todas as
vezes que saíamos, em todos os momentos que passávamos juntos.
Ele era especial.
Sempre foi.
Só queria que aquele beijo deixasse claro o que minha boca não
podia falar. Se eu fosse quantificar o quanto me sentia incrível ao seu lado;
o quanto eu podia ser eu mesma sem medo de parecer qualquer coisa; o
quanto ele me motivou a fazer um trabalho melhor e agora estava prestes a
ter uma vaga de estágio em um projeto que levaria meu nome como
colaboradora. Se eu realmente fosse falar tudo o que sentia, não seria capaz
de controlar todas as emoções que me ruinham por dentro.
Por isso me deixei levar por aquele beijo, pelas emoções, pela sua
língua abraçando a minha, pela forma com que minhas mãos acariciavam
sua pele de forma doce e sutil. Eu só queria mostrar para ele que as quatro
letras que usou, queimavam dentro de mim.
— Obrigada, nerd — falei assim que minha boca deixou a dele. —
Obrigada por tudo.
Ele sorriu e eu sabia que não havia mais nada a ser dito. Caleb pegou
na minha mão como de costume, depositando um beijo nas minhas falanges
antes de me puxar até a porta do carona do seu carro. O mesmo correu até a
sua porta e rapidamente saímos daquele estacionamento rumo a algum lugar
que eu não fazia ideia de onde seria.
Por mais que no fundo eu soubesse que poderia falar muitas coisas,
aquele silêncio estava confortável para nós dois. Caleb dirigia sua
caminhonete pela estrada parecendo despreocupado ao mesmo tempo que
uma playlist de rock dos anos oitenta inundaram os alto-falantes do carro
antigo. Uma de suas mãos estava no volante, enquanto a outra estava
apoiada na minha coxa.
Eu estava me sentindo uma adolescente virgem, que sabia que aquele
era o momento onde tudo poderia mudar.
— Vou te contar a história do lugar que estou te levando. — Caleb
me olhou rapidamente, sorrindo.
Ele parecia mais leve do que o que normalmente ficava, similar a
alguém que está muito à vontade na presença de outra pessoa. Eu estava
feliz em ser essa pessoa.
Seu rosto estava sendo iluminado pelo sol de fim de tarde, seus olhos
pareciam um fio de tão grande que estava o seu sorriso. É, eu estava muito
feliz com aquele momento. Ainda existiam assuntos pendentes, coisas que
precisavam ser faladas, e ainda sim, nada parecia abalar a alegria que era
saber que – por ora – eu tinha aquele momento com ele e mais ninguém.
Quando comecei esse plano, não pensei que estaríamos assim, muito
menos que poderia realmente surgir algo além da obsessão que claramente
criei com aquele nerd que nem sempre usava óculos.
— Você está me olhando engraçado — ele comentou com um sorriso
brincalhão nos lábios.
Foi a minha vez de ficar sem graça, voltando meus olhos para a
estrada.
— Paige Mallory ficou com vergonha?
Gargalhamos.
— Caleb, a única pessoa que morre de vergonha aqui é você. — O
olhei novamente, encontrando seus olhos pequenos em mim. — Eu só te
achei muito bonito com essa luz no seu rosto.
— É porque você não está tendo a mesma vista que eu, amor.
Rapidamente seus olhos voltaram para a estrada, cravando as duas
mãos no volante.
Na visão lateral que eu tinha, podia jurar que seu rosto estava daquele
tom que eu tanto gostava, fora o sorrisinho que ele parecia tentar controlar
de todas as formas. Eu queria brincar com ele sobre as quatro letras,
perguntar de onde tinha saído aquilo. Porém, resolvi olhar para frente e
sorrir. Talvez aquele não fosse um momento de conversar sobre todos
aqueles sentimentos, estava no momento de senti-los e deixá-los
transparecer.
Uma balada antiga começou a tocar no rádio, me estiquei para
encostar minha cabeça em seu braço e deixei que as músicas entrassem nos
meus ouvidos e o seu cheiro me levasse para um lugar calmo e sereno.
— Chegamos. — Sua voz soou como seda na minha pele.
— Eu dormi? — perguntei de olho fechado, me sentindo envolta por
um cobertor gostoso que eram seus braços. — Espero não ter te babado.
O nerd riu baixinho.
— Não deu tempo para tanto. — Caleb beijou o topo da minha
cabeça, afrouxando os braços em torno do meu corpo — Você pode ficar
aqui enquanto eu monto algo na traseira da caminhonete. Quer dizer, faça
isso. Fique aqui!
O encarei sem entender.
— Você quer que eu fique aqui dentro do carro?
— É! — Caleb coçou os cabelos, mordendo a própria boca. — Eu
vou arrumar o que eu pensei e te chamo.
— Você realmente está fazendo tudo isso para me foder no meio do
mato, Caleb? — brinquei, mas ele ficou sério de repente.
— Eu estou fazendo isso porque eu gosto de você — ele falou com
tanta seriedade que fui incapaz de rir da minha própria brincadeira. — Eu
quero que você se sinta o que realmente é. — Ele se aproximou, encostando
sua testa na minha. — Extraordinária. Você é extraordinária, Paige Mallory.
Eu precisava ter escolhido um nerd tão apaixonante assim?
Fiquei olhando para as profundezas escuras dos seus olhos, ao
mesmo tempo que ele fazia o mesmo. Intenso. Penetrante. Capaz de ler
minha mente.
— Você consegue aceitar a minha surpresa sem pensar que quero te
comer?
— Mas você não vai me comer? — Tentei brincar mais uma vez.
Ou eu brincava, ou iria falar na cara fofa daquele homem que eu
queria qualquer coisa que ele estivesse disposto a me dar, desde o começo.
— Se você me pedir eu posso fazer isso também. — Caleb passou a
ponta da sua língua pelos meus lábios. — Eu posso te dar tudo o que me
pedir, Paige. Qualquer coisa. — Ele roçou seu nariz ao meu. — Uma grande
tese sobre algum assunto do seu interesse, uma longa pesquisa sobre os
efeitos que você causa em mim. — Ele sorriu tão lindo que me vi fazendo o
mesmo que ele, levando minha mão até a sua bochecha. — Coisas mais
extravagantes como o nome em uma estrela ou a porra da lua. Eu sou capaz
de me dar para você. Por inteiro. Cada parte, célula, molécula.
— Então eu quero tudo o que você pode me dar, nerd.
Sua boca invadiu a minha com vontade, passando sua língua pela
brecha dos meus lábios que eu nem sabia que tinha deixado aberta. Foi mais
um daqueles beijos lentos, que levam tudo de mim e ao mesmo tempo eu
permanecia no mesmo lugar.
Sua língua adentrou cada parte da minha boca, investigou todos os
centímetros, se enrolou com a minha e quando não pensei que poderia ficar
mais intenso, ele me sugou. Minha língua. Minha boca. Minha alma.
Suspirei.
Puxei o ar, me preparando para ir mais fundo. Mergulhar. Aventurar.
Rastrear.
Precisei me segurar em sua camisa porque sentia que aos poucos,
meu corpo estava sendo deitado sobre aquele banco, tendo o corpo de Caleb
sobre o meu, mesmo que sem muito jeito ou espaço dentro daquela cabine.
Ele fez um barulhinho com a garganta quando puxei seus cabelos como
gostava de fazer e mais uma onda da sua língua tomou conta de mim, me
afundando naquele mar gostoso que era estar com a sua boca grudada com a
minha.
— Caleb — sibilei quando a sua boca me deixou, me sentindo orfã
daquele contato. — Não se afasta agora.
Quase choraminguei.
A ideia de tê-lo se afastando era tão dolorida que eu sabia que
poderia chorar sem nem ter um motivo plausível para fazer isso.
— Eu vou arrumar a sua surpresa e depois podemos dar todos os
beijos do mundo, Paige.
Assenti com a cabeça, deitando em seu banco antigo de couro no
tempo em que Caleb saia do carro para preparar a tal surpresa. Só naquele
momento me dei conta de que estávamos cercados por árvores que quase se
perdiam no começo da escuridão que tomava conta do lugar. Olhei pelo
para-brisa os pequenos feixes de deu que ainda escapavam pelas longas e
altas árvores, pela forma como as folhas balançavam tranquilas e como
aquilo me acalmou pela sua ausência.
Eu queria entender o que estava acontecendo comigo.
Eu queria saber os motivos pelos quais meu coração parecia sangrar
só de pensar que Caleb estaria longe de mim.
Que saudade estranha era aquela?
— Você pensou em tudo isso?
Ela parecia muito surpresa com o que montei.
Emma tinha me dito que estava muito feliz com algumas coisas na
vida e que eu não podia perder as oportunidades que estavam acontecendo
para mim. Por mais que no aspecto familiar as coisas não fossem das
melhores nunca, a minha relação com Paige a cada dia parecia algo mais
real.
Seu trabalho já tinha sido aprovado e ela não precisava mais de mim,
a minha parte da proposta já tinha sido consumada a muito tempo porque eu
já estava ficando com quem eu realmente queria e tinha sonhado. Logo,
toda aquela ideia ficou perdida em algum lugar onde nós dois fingimos não
questionar para não ter que conversar sobre isso.
Eu não queria ter que me despedir, se fosse necessário.
— Eu tive a ajudinha do Cam para pegar o colchão com um colega
dele de escola — senti meu rosto queimar —, mas o resto foi tudo pensado
por mim. Eu queria ter um tempo sem tudo o que nos rodeia.
Falei receoso, esperando uma reação da sua parte.
Qualquer coisa que eu tivesse imaginado não chega próximo ao que
realmente aconteceu. Paige segurou o próprio rosto, olhando o fato de eu ter
colocado na traseira da caminhonete um colchão, uma colcha grossa pelo
frio dentro do parque florestal e algumas almofadas. Ela se aproximou,
passou a mão em uma bolsa térmica que deixei quase no final da carroceria
e quando finalmente me encarou, seus olhos estavam tomados por lágrimas
prontas para saírem dos seus olhos.
Desespero.
Essa foi a primeira sensação.
Até ela sorrir e tudo se iluminar para mim.
— Ninguém nunca fez nada assim para mim, Turner.
Paige não deixou que a lágrima escorresse, mas fui capaz de ver o
momento exato em que ela escapou dos seus olhos. Ela voltou a olhar para
a caminhonete e depois para mim, com aqueles olhos parecendo dois
caramelos salgados.
— E qual é a história por trás disso? — perguntou, se aproximando
de mim. — Vai me dizer que já fez isso para outras garotas, nerd?
Aquele tom de brincadeira me fez querer rir, apesar de ter me
mantido sério. Paige sempre fazia aquilo de brincar em momentos que não
precisavam de brincadeiras, em momentos que parecia que a mesma queria
fugir de alguma conversa mais séria.
— Eu nunca fiz nada do tipo para ninguém e nem seria capaz de
repetir, porque você é única, Mallory.
— Por que você precisa ser tão perfeito?
Suas mãos foram até os meus ombros.
— Estou longe de ser perfeito, Paige.
— Aos meus olhos você é o cara mais perfeito que já conheci, nerd.
— Ela deixou que outras lágrimas escapassem. — Você não precisava fazer
tudo isso, mesmo assim quis tornar esse encontro em algo especial. Você
quis me tornar especial.
— Você é especial, Paige.
E a beijei.
Minha vontade era beijá-la o tempo todo e por quanto
conseguíssemos aguentar.
Em um momento estávamos em pé fora da carroceria da
caminhonete, e no outro eu estava subindo o corpo de Paige para que ela
sentasse ali. Ajudando-a a se livrar dos tênis que estava usando. Estávamos
apressados, respirando descompassadamente. Quem nos olhasse, poderia
saber o que estávamos prestes a fazer a quilômetros de distância.
Paige se deitou e não demorou mais do que segundos para estar sobre
ela, deitado naquele colchão que coube perfeitamente com a largura da
caminhonete. Suas mãos foram da minha bochecha até os cabelos e
aproveitei aquele momento para capitular mais das muitas faces que eu
tinha guardadas na minha mente.
O sorriso perfeito.
Seus olhos brilhantes e emocionados.
O sentimento latente queimando meu peito.
A forma como seus lábios carnudos estavam rosados de todas as
sessões de beijos que fizemos até chegar em cima da traseira da
caminhonete.
Paige era incrível e eu nunca me cansaria de dizer isso para ela ou
para qualquer outra pessoa.
— Chegamos no momento em que você volta a me beijar, nerd.
Concordei com a cabeça, abaixando meu rosto até tocar na sua boca
mais uma vez.
Na escola a gente aprende um pouco sobre reações químicas e suas
ligações. Uma ligação química corresponde a uma união de átomos que se
juntam e resultam em uma substância química. Eu me sentia assim naquele
momento, compartilhando elétrons com Paige, nos fundindo e nos
transformando em algo totalmente diferente.
Nos afastamos apenas para que ela tirasse minha camisa, já que a
jaqueta já tinha ficado em algum lugar perto da caminhonete, ofegantes
demais para falar qualquer coisa.
— O… — Ela riu. — O tanquinho. — Ela passou a ponta dos dedos
pelo meu tronco, causando um arrepio que eriçou todos os pelos do meu
corpo. — Como eu não vi tudo isso naquele dia?
— Eu não sei.
Eu estava sem graça pela forma que ela me olhava, ainda que fosse
excitante ter alguém que me desejava. Principalmente se esse alguém é
Paige Mallory, a menina que vi tantas vezes andando pelos corredores
sendo simpática com todos; a menina da saia minúscula; a menina que vi
dançando tão agressivamente naquele dia do laboratório.
Voltei a beijá-la porque por mais que quisesse conversar sobre a
sua falta de atenção, eu tinha vontades maiores para aquele momento.
Nos embolamos no colchão, quase uma pequena luta para ver quem
realmente ficaria em cima do outro. Embora Paige tivesse me deixado
pensando milhares de vezes sobre como seria aquilo, me deixei ser vencido.
No fundo eu sabia que a visão dela sobre mim seria tão boa do que estar
sobre ela.
A loira se sentou no meu colo e jogou os cabelos para um único lado,
debruçando seu corpo sobre o meu com um olhar que seria capaz de
destruir qualquer cara.
— Acho que estou sendo injusta, já que você já está desse jeito. —
Ela alisou meu peito e barriga, abrindo um sorriso. — Eu quero lamber
você inteiro, nerd.
— Eu já disse que você pode fazer e pedir o que você quiser, eu farei.
Engoli aquele nervosismo assim que a blusa que ela estava usando
deixou o seu corpo. Paige passou a mão pelo próprio corpo, apertando os
seios. Com o quadril, roçou contra o meu, fazendo com que me desse conta
de quão duro e pronto já estava por ela. E então voltou a me beijar mais
uma vez, pegando minhas mãos para colocá-las onde ela queria.
Como das outras vezes, Paige estava usando um sutiã fino que me
dava o privilégio de sentir os seus mamilos sem ser necessário realmente
tirá-lo do seu corpo.
Mas eu queria tirar.
Queria tocar.
Queria chupar.
— Tira o sutiã para mim, Paige.
Aquilo soou muito mais como uma ordem do que um pedido.
Todavida, Mallory nada falou, seguindo o meu pedido, se afastando mais
uma vez para se sentar completamente em cima de mim e tirar o sutiã com
delicadeza, primeiro passando os dedos pelas alças e por último abrindo a
peça atrás das costas, deixando-o cair em cima de mim.
Eu já tinha achado que a visão dela com o meu pau em sua boca tinha
sido inacreditável, mas ali, sentada no meu colo, eu tive a certeza de que
aquela visão era a minha favorita. Os seios redondos, as aureolas rosadas e
os bicos intumescidos e prontos para serem chupados.
Mais tarde eu precisava agradecer ao anjo que tinha colocado aquela
mulher no meu colo.
Mais tarde eu deveria mandar um e-mail para a professora Cooper
agradecendo por ter a oportunidade de ser o seu monitor e ter sido escolhido
para ajudar Paige naquele trabalho.
— O que você quer fazer com eles, nerd? — Sua voz saiu manhosa.
Paige apoiou as duas mãos no meu peito, unindo os peitos para mim. —
Quer chupá-los? Mordê-los? — A safada sorriu, aproximando seu tronco de
mim. — O que você deseja fazer, Caleb Turner?
— Eu vou precisar te mostrar, linda.
Segurei seus punhos e a trouxe para mim mais uma vez, beijando-a.
Eu nunca me cansaria daquela boca. Essa era a única certeza que eu tinha.
Com as mãos, pude tocar em sua pele quente, deslizar pelas curvas da sua
cintura e apertar seu peito sem qualquer tecido me atrapalhando, arrancando
um gemido não apenas de Paige, como meu também. Eu a queria tanto que
doía todo meu corpo, inclusive as minhas bolas, que estavam prontas para
liberarem o que tinham guardado.
E como na luta anterior, começamos uma guerra entre beijos e
carícias de quem ficaria por cima daquela vez. Paige puxava meu cabelo.
Eu me enfiava dentro da sua boca como um desesperado. Nossos corpos
tentavam procurar formas novas de se encaixar a cada mísero espaço que
surgia entre nós.
Éramos dançarinos desajeitados, tentando entrar em um ritmo bom
para os dois.
Paige se deu por vencida dessa vez, deitando naquele colchonete em
tempo de conseguir recuperar seu fôlego.
Aquela foi a deixa que eu queria para provar cada parte do seu corpo.
— Eu quero muito chupar o seu corpo, mas preciso saber se posso —
falei de uma vez, a encarando. — Eu… Eu posso te provar, Paige?
Eu estava sem ar.
Talvez por Paige.
Talvez pelos nossos beijos.
Ou poderia ser pela ansiedade do que eu estava com muita vontade
de fazer desde que coloquei minha boca no seu corpo pela primeira vez.
— Caleb, você pode me comer viva se quiser.
Assenti afoito, afundando meu rosto em seu pescoço em sentido
descendente. Paige gemeu, puxou meus cabelos e empurrou minha cabeça
para baixo. E assim segui, beijando seu corpo, lambendo sua pele e me
deliciando com tudo o que eu podia.
Tão logo minha língua chegou naqueles mamilos perfeitos,
circundando-os até ouvir aquele gemido gostoso que só Paige parecia saber
fazer. Segurei firmemente o seu peito e me deliciei, chupando-os como eu
os queria. Passei a ponta da língua em um vai e vem vagaroso, aumentando
o ritmo até aquele gemido se tornar em seu corpo estremecendo embaixo de
mim, suas mãos puxando meu cabelo e Paige clamando por mais.
Refiz tudo do outro lado antes de seguir descendo pelo seu corpo,
beijando sua pele que estava arrepiada. Quando cheguei no short jeans que
estava usando, me ajoelhei na sua frente para me desfazer de mais uma peça
que estava atrapalhando a seguir com a boca para onde queria provar mais
uma vez.
— Nerd… — Paige gemeu assim que mordi o interno da sua coxa.
— Eu preciso de você dentro de mim — choramingou, alisando o seu do
próprio corpo até o centro das suas pernas.
Meu pau pulsou preso na calça que estava usando, tão ansioso como
todo o resto do meu corpo.
— Mas eu queria te…
— Eu quero que você me foda, nerd.
Respirei fundo.
— Tem certeza? — Me encaixei no meio das suas pernas, crescendo
meu corpo sobre o dela. — Eu posso foder você, amor?
Aquela palavra já tinha escapado anteriormente, mas naquele
momento eu não tive tanta vergonha como das outras vezes. Os olhos
cintilantes e amarelos de Paige me analisaram em completo silêncio. Suas
mãos foram até as minhas bochechas, segurando meu maxilar mais firme do
que esperei naquele momento.
— Você me chamou de quê?
— De… — Tentei abaixar a cabeça, mas suas mãos estavam
ancorando meu rosto no lugar. — Eu te chamei de amor, Paige. — Quase
cuspi aquela frase, sentindo meu peito queimar novamente.
— Por… — Paige puxou o ar pela boca, piscando seus olhos
algumas vezes. — Por quê?
— Porque eu acho que se o amor fosse uma pessoa, ele seria você.
Tudo o que eu ouvi depois foi o som do vento passando pelas
árvores, agitando o lago que estava ligeiramente distante de onde tinha
estacionado. Seus olhos me disseram todas as coisas que sua boca foi
incapaz de falar em voz alta. As mãos, que antes seguravam meu rosto,
agora tinham descido entre o nosso corpo, chegando até o cós da minha
calça. Sem desgrudar os olhos do meu, Paige abriu a minha calça e eu a
ajudei, me afastando. Só deitando meu corpo sobre o seu quando meu pau
já estava liberto da calça e da cueca.
Vi a forma com ela colocou sua calcinha da mesma cor que sutiã para
o lado, apalpando-me com a mão livre. Não tinha o que falar, apenas deixei
que ela me encaixasse no meio de suas pernas, entrando no momento em
que Paige enlaçou a minha cintura e me puxou para perto. Foi impossível
não gemer bem naquele momento em que fui entrando dentro de Paige e
aqueles olhos amarelos foram revirando, deixando escapar um dos seus
gemidos manhosos.
Fiquei parado, dentro dela. Admirando-a.
— Nerd… — ela assoprou, suspirando.
Tudo o que eu conseguia fazer era olhar para aquela mulher que me
apertava com a sua boceta ao mesmo tempo que se acostumava comigo.
Estava hipnotizado. Enfeitiçado. Não conseguia me mexer. Eu também
estava me acostumando com ela, com sua boceta apertada e o calor que
cobriu totalmente o meu pau. Estava me acostumando com a ideia de estar
dentro dela, como esperei tantas vezes, não querendo ser o tipo de cara que
goza depois de algumas estocadas.
Eu queria ser tantas coisas naquele momento que paralisei, perdido
nela e dentro dela.
Esperei o momento em que meu cérebro iria entrar em acordo com o
meu corpo e juntos eles iriam começar a se mover.
— Eu quero que você me ame, Caleb. — Seu sussurro me
despertou, me trazendo de volta ao mundo.
— Eu vou te amar, Paige.
Se eu for capaz de amar alguém, acho que já te amo, foi o que quis
completar. Deixei essa vontade de lado para beijá-la com aquele
sentimento, tentando transparecer que eu faria isso ou talvez já até sentisse
isso.
Movi meu quadril, sendo esmagado enquanto eu saia de dentro dela e
quando entrava, fazendo-a gemer no meu ouvir. Aquilo foi como jogar
gasolina na fogueira, eu explodi em fragmentos que me deixaram cegos e
disposto a fodê-la como Mallory merecia.
Entrei e saí.
Forte e rápido.
Lento e raso.
Tudo o que me movia eram os gemidos no meu ouvido, suas mãos
segurando meu pescoço com vontade e a forma como nossos corpos
colidiam um contra o outro de forma perfeita.
— Amor… — Paige murmurou, cruzando seus braços em meu
pescoço, abraçando-me. — Mais… Mais… Eu preciso de um pouco mais,
amor.
Amor.
Quase gozei só com a forma que ela falou.
Eu não podia me deixar levar pelas palavras porque precisava
entregar tudo para ela naquele momento, porém também, não podia fingir
que não ouvi a minha borboleta me chamando daquela forma.
Apoiei meus antebraços em torno da sua cabeça, afundei meu rosto
em seu pescoço e me movi o mais rápido que conseguia, sentindo o tesão e
o desejo a um fio de me fazer gozar dentro dela.
Paige apertou suas pernas na minha cintura, assim como apertou meu
pau com seu canal, estremecendo todo o seu corpo embaixo de mim,
gemendo mais alto do que eu esperei.
— Caleb… — gemeu novamente só que mais baixo, bem no meu
ouvido.
Aquele gemido foi como um chamado para o orgasmo que estava
queimando todo o meu corpo desde que havia entrado dentro dela. Estoquei
mais algumas vezes, fechando os olhos ao mesmo tempo que era levado por
aquele perfume e pelo seu calor.
— Eu quero sentir você gozando, nerd. — Aquele sussurro foi o que
precisei pra sair rapidamente de dentro dela e gozar na sua coxa, puxando o
ar pela boca.
— Cacete, amor.
Quando eu contasse para Kimberly que ele não era virgem, ela iria
surtar.
Olhei para o meu lado e lá estava ele, com a mão grudada na minha
enquanto dirigia para fora daquela reserva florestal. Ele tinha pensado em
tantas coisas que jamais fizeram por mim. Ninguém nunca tentou fazer um
momento ser especial; ou me levou para um lugar que ia na infância; ou se
preocupou com o fato de ter ficado satisfeita ou não.
Eu já sabia que Caleb era diferente, mas nada comparado aquilo.
Quando ele mencionou que aquele era o lugar que ia com o pai antes do
acidente, ficamos em silêncio olhando para o luar. Mas no momento em que
seus lábios deixaram escapar que ele queria que aquele lugar fosse especial
por outro motivo, fiquei em silêncio.
— Eu quero me lembrar de nós, e não dele — ele sussurrou contra a
minha cabeça, abraçando meu corpo. — Quero ressignificar todas essas
merdas.
Foi o que me disse e foi exatamente o que fizemos depois daquilo,
novamente. Estávamos ressignificando momentos para ele, colecionando
novas histórias e nos amando em completo silêncio, tendo apenas a lua e as
árvores para contar sobre aquele momento.
Respirei fundo, sentindo seu cheiro espalhado por todos os cantos do
carro e de mim.
Desde que saímos daquela reserva, meu coração estava pesado por
um sentimento diferente, algo que eu queria muito dizer, porém tinha meus
receios. Olhei para ele mais uma vez, só para confirmar de que não estava
ficando maluca e surtando à toa.
Ele estava ali.
Eu estava ali.
Eu não tinha motivos para me preocupar.
Caleb sorriu pra mim, beijando a minha mão e voltando a olhar para
frente, me dando a sensação de que nada poderia furar aquela bolha que
criamos. Seja o que eu estivesse sentindo vontade de falar, poderia esperar
por um momento melhor. Em suas palavras, Caleb quase me disse "eu te
amo”. E mesmo que as palavras não tenham saído dessa forma, falar que eu
sou o amor em pessoa tinha um peso muito parecido para mim. Eu me senti
amada em todas as camadas que aquilo pudesse significar.
E não, eu não estava pronta para deixar que aquela bolha de
felicidade fosse estourada.
— Parece que todo mundo está dormindo — murmurei para Caleb,
abrindo a porta de casa.
— Eu não vou entrar, D — ele falou quase na minha nuca, fazendo
um arrepio percorrer meu pescoço.
— Você vai entrar e dormir comigo. — Virei meu corpo, encostando
as costas na porta. — Eu quero ficar com você hoje.
Caleb apoiou a mão na porta, um pouco mais acima da minha cabeça.
— Vocês não têm regras sobre isso?
Ele tinha um ponto, entretanto eu não estava ligando para nenhuma
das regras quando todas já as quebraram de alguma forma.
— Temos, mas digamos que todas vão entender o motivo de eu estar
quebrando essa regra mais uma vez. — Tentei soar convincente, apoiando
as duas mãos no seu peitoral. — Até porque eu acho que eu mereço ficar
com você em um quarto, podendo ver você todo pelado, eu estando
completamente pelada e…
A mão livre de Caleb foi até meu pescoço, me segurando no lugar.
— Se você continuar falando sacanagens, eu vou acabar te comendo
aqui nessa porta, Paige.
— Talvez meu objetivo seja esse, ver esse seu outro lado de nerd do
mal. — Umedeci os lábios só de lembrar o dia do laboratório. — O mesmo
nerd que me deu uma aula e tanto sobre línguas no laboratório.
Ele encostou a testa na minha, rindo baixinho, ainda segurando meu
pescoço com possessão.
— Você está preparada para ver o nerd mal?
Só com a sua pegada eu já me sentia derretida, somado com o soar
rouco da sua voz, pensei que seria incapaz de me manter de pé contra
aquela porta.
— É tudo o que eu mais quero.
Entre beijos e tropeços, abrimos a porta e subimos todas as escadas.
Se a casa não estava vazia, não consegui ver ninguém. Caleb
segurava minha cintura com tanta vontade, guiando meu corpo para onde
queria. Fora que a sua boca engolia a minha com a sede de um homem no
deserto, que seria incapaz de ver qualquer coisa à minha volta com aquele
monumento em cima de mim.
Seguimos por caminhos tortos até a porta do meu quarto e quando
abri, não conseguimos sair dela. Caleb me encostou contra a madeira,
arrastando sua mão pelo meu corpo de modo que meu short foi a primeira
peça a sair de mim. Ele deu dois passos para trás e analisou meus pés,
pernas, coxas até chegar a minha calcinha pequena e tão preta quanto o seu
cabelo.
— Eu quero um show, Paige — ele rosnou. — Quero você tirando
todas as outras peças para mim.
Aquele olhar perdido e devastador era capaz de mandar até na pessoa
menos obediente.
Tampei minha virilha com as mãos, encostando meu corpo
totalmente na madeira.
— E se a gente tomasse um banho?
— E se você fizesse o que eu falei? — ele rebateu tão rápido que
fiquei sem uma boa resposta para dar.
Vi Caleb dar mais alguns passos para trás e tirar a camisa, me
encarando de forma tão profunda que uma eletricidade correu pelo meu
corpo, ligando todo o meu corpo como uma lâmpada.
— Tira! — mandou.
Eu pensei alguns segundos até me dar conta de que eu queria fazer
aquele show para ele.
Se eu pudesse, faria tudo por aquele homem que estava sem blusa na
minha frente, ofegante. O seu corpo claro parecia reluzir na pouca luz que
entrava na janela e pelas estrelas que brilhavam no escuro, que estavam
coladas no meu teto. Caleb tinha um corpo magro, esguio, marcado por
músculos não exagerados. Sua barriga tinha o tal tanquinho que tanto
imaginei que tivesse, tão marcado que eu facilmente poderia pegar dicas de
como ele conseguiu aquela barriga.
Como um nerd poderia ser tão gostoso como ele?
Nunca pensei que poderia ter alguém naquele quarto comigo, apesar
disso, com Caleb não parecia errado. Eu estava feliz em ter a oportunidade
de tê-lo ali e poder fazer todas as coisas que fizemos no seu quarto. Se fosse
parar para pensar racionalmente, não existia mais nada de novo para ele ver
e ainda sim conseguia ver toda a sua expectativa em me olhar, em admirar
meu corpo.
Por essa nem a sua borboleta poderia esperar.
Eu tiraria todas as minhas peças para Caleb guardar em sua memória
como foi a primeira vez que ficamos juntos.
Eu tiraria todas as minhas peças só para ver aquele sorriso bobo nos
seus lábios de quem ganhou o melhor presente de natal do século.
E foi exatamente o que eu fiz, passando a mão pelas minhas coxas até
minha cintura, brincando com as finas laterais da minha calcinha. Ele abriu
um grande sorriso e deu mais alguns passos, seus olhos perdidos nos
lugares onde minha mão tocava. Subi ainda mais aquela brincadeira, indo
até a barra da blusa que usava, sendo a primeira coisa a tirar.
A forma com que ele me olhava admirado, fez com que me sentisse a
pessoa mais linda de todo o mundo, me incentivando ainda mais a tirar
todas as peças e ver o que ele faria com o resto.
Fiquei de costas para ele e tirei o sutiã, deixando-o cair no chão. Tão
logo, abaixei meu corpo e deslizei minha calcinha pelas minhas pernas,
ouvindo um gemido escapar de Caleb.
— Sua boceta ainda está gozada de mim, Paige. — Sua voz ao pé do
meu ouvido me assustou.
Como ele tinha chegado tão rápido? Essa pergunta nunca foi
respondida, porque não consegui fazê-la. Naquele momento eu estava
lidando com o fato do seu corpo estar tão perto do meu; das suas mãos
estarem deslizando pelas minhas costas, deixando um caminho de fogo por
onde passava; da sua respiração queimando minha nuca a cada beijo
depositado ali; do arrepio que me cortou em mil pedaços.
— Acho que vou precisar cuidar de você assim mesmo, amor —
rosnou no meu ouvido. Deixando seu peso todo nas minhas costas, no ponto
de que meu corpo ficasse encostado na parede mais próxima, bem ao lado
da porta. — Você se importa? Eu posso fazer isso por você?
Soltei um som que parecia uma resposta, ou era para soar como tal.
— Vou entender isso como um não se importa — ele falou ainda
contra a minha orelha, deslizando sua mão para a frente do meu corpo.
Não demorou para sua mão estar no meio das minhas pernas e seus
dedos longos estarem tocando meu clitoris com calma. Caleb gemeu contra
minha orelha no mesmo momento em que seus dedos deslizaram entre as
minhas dobras e ele percebeu o quão molhada estava.
— Você é tão gostosa, Paige — sussurrou contra a minha pele. — Eu
poderia foder você o tempo todo que não me cansaria.
Turner parecia perdido, deslizando seus dedos calmamente por mim,
enquanto falava coisas que me causavam tanto arrepio quanto os seus dedos
entrando em mim. Ele voltou a sua atenção ao meu clitóris, fez movimentos
circulares perfeitos e me arrancou um gemido, encostando ainda mais o seu
corpo no meu. Quando acelerou aqueles movimentos, gemi contra a parede,
fechando os meus olhos tão logo aquele desejo voltava a me consumir.
A se alastrar pelo meu corpo como uma droga altamente viciante.
— Isso, amor, geme para mim. — Ele lufou aquelas palavras contra
mim, mantendo um ritmo constante no meu clítoris.
— Caleb.. — gemi seu nome. — Por favor…
Respirei fundo, deixando mais um gemido escapar da minha boca
quando ele acertou um ponto perfeito, esfregando a ponta dos seus dedos
em cima do meu ponto mais sensível.
— Me fala o que você precisa.
Caleb serpenteou sua língua perto da minha orelha, deslizou sua boca
pelo meu pescoço e sugou minha pele, sendo impossível ficar calada.
— Shhhh… — murmurou. — Acho que você vai ter que ficar em
silêncio para suas amigas não te escutarem.
— Mas…
Raciocínio era algo impossível de se ter quando o desejo e tesão
estavam gritando na sua cabeça. Foi mais difícil ainda quando o nerd me
surpreendeu, deixando meu clitoris de lado, erguendo meu quadril e me
penetrando sem qualquer aviso prévio, arrancando mais um gemido alto e
claro.
— Agora eu vou te mostrar o que o nerd pode fazer, Paige.
Aquele foi o seu aviso antes de tudo acontecer mais rápido do que eu
esperava. Em um momento suas mãos estavam em mim, em outro Caleb
estava segurando uma das minhas pernas para o alto – no máximo que eu
conseguia permanecer –, me fodendo com força em sem qualquer carinho
que tivesse tido antes. A mão livre tinha voltado para o ponto que não
deveria ter saído, estimulando, me anestesiando de prazer.
Eu tentei ficar calada. Tentei me manter centrada.
Apesar disso, tudo o que fiz foi gemer e deixar que ele tomasse
meu corpo para ele, segurasse como queria e fizesse o que queria. Tudo o
que me preocupei foi em segurar na porta e na parede, recebendo seu pau
me fodendo forte a cada saída e entrada, me esticando, totalmente à sua
mercê.
— Caleb… — gemi, já não tendo noção de como ainda me
mantinha de pé.
— Goza para mim, amor — falou, antes de engolir minha boca em
um beijo tórrido.
Seus dedos se aceleraram.
Sua boca me engoliu.
Seu pau me estocou.
E eu fiz o que me pediu, gozei.
Ele era o cara certo para mim, eu tive certeza.
Eu estava morto.
Estiquei todo o meu corpo, não reconhecendo muito aquela cama.
Virei para o lado e deslizei minha mão pelo lençol, ainda pensando onde eu
estava e o que tinha acontecido. Aos poucos minha mente foi se
reconectando, me lembrando da tarde e noite que tinha tido com Paige e o
fato que, depois de um longo banho, tinha deitado para descansar um pouco
antes de ir para casa.
Abri meus olhos rapidamente, me dando conta de que não apenas
tinha dormido ali, como já era dia e provavelmente estava atrasado.
Merda!
Nunca fui o cara que funcionava bem quando estava atrasado, por
isso precisava seguir tudo à risca. Meu cérebro parecia incapaz de fazer
todas as atividades em uma agilidade descomunal para conseguir seguir
meu horário normal. Ao mesmo tempo que pegava o celular, tentava vestir
a roupa e pensava sobre Paige não estar naquela cama, e tentei, com muito
custo, responder o e-mail que tinha recebido da senhora Cooper em um
horário inviável da madrugada.
Se antes eu estava atrasado, agora ela iria me olhar com aqueles
olhos julgadores e silenciosos que me diriam “você nunca será capaz de ser
bom nisso”, ao mesmo tempo que eu, relutantemente, tento forçar o meu
melhor sorriso e ignorar aquele recado silencioso.
— Ei! Ei! Ei! — Uma voz feminina me chamou assim que passei
pela sala em direção a porta de entrada. — Nem um bom dia merecemos?
Quando olhei para trás, vi Miley em um pijama cheio de frutas,
sorrindo com uma xícara na mão.
— Eu estou muito atrasado. — Sorri, me sentindo totalmente sem
graça.
Seu olhar travesso me dizia que ela sabia mais do que eu queria que
soubesse, ou pelo menos era assim que estava me sentindo.
Minha ideia não era entrar naquela casa porque sabia que não iria
conseguir controlar aquele efeito que Paige tinha sobre o meu corpo. Estar
dentro dela tinha parecido tão certo e gostoso, que ficar fora virou uma
batalha. Portanto, meu plano era deixar Mallory em sua casa e voltar para
onde aquela verdade paralela não existia.
— Eu achei que você acordaria com fome. — O seu risinho me
confirmou que ela sabia. — Você pediu permissão?
Pisquei algumas vezes.
— Permissão?
Ela gargalhou.
— Oi, nerd! — Alisson apareceu de um top de ginástica e um short
de futebol. — A Paige pediu para te avisar que estava atrasada para alguma
aula importante e não escute nada do que a Miley disser porque ela é
escritora e tem uma mente muito fértil.
— Mas todo nerd pede permissão em livros, Ali — Miley rebateu,
mas eu não estava entendendo que tipo de permissão era essa.
— E ele vai saber disso? Nem eu sabia disso — Alisson resmungou,
me encarando.
Eu precisava fugir daquele lugar o quanto antes.
— Eu queria muito tomar café com vocês e entender que permissão é
essa, mas eu estou atrasado. — Cocei o couro cabeludo, nervoso.
Ficar no meio delas me deixava maluco.
— Caleb, a permissão é para comer ela. — Foi tudo o que eu ouvi
quando abri a porta. — Algo como: posso te comer, Paigezinha? — Ela
gargalhou.
— MILEY! — Alisson gritou, caindo na gargalhada junto com a sua
amiga.
Abri a boca e fechei.
Se olhasse para trás para responder aquilo, iria me entregar e passar
por um constrangimento muito maior.
— T-tchau, meninas.
Fechei a porta com força.
Tentei lembrar se em algum momento eu tinha pedido permissão para
Paige, caminhando apressado pelo campus até chegar no prédio onde a
senhora Cooper disse que ficaria para conversamos sobre a monitoria.
Por mais que eu quisesse pensar no que ela poderia falar sobre aquele
assunto, minha mente só conseguia pensar em que momento eu poderia ter
pedido permissão para Paige. E se ela, assim como a sua amiga, achava isso
engraçado.
Porra! Será que errei nisso? Resmunguei, pegando o celular no
bolso da calça ao mesmo tempo que tentava manter um bom ritmo para
chegar na sua sala não tão atrasado.
Envei aquela mensagem me sentindo ridículo, cancelando seu envio
assim que apareceu que ela recebeu.

Eu podia falar aquele tipo de coisa sem parecer um idiota, não é?


Dizer que sinto falta, que teria sido incrível acordar com ela e todas essas
coisas que casais dizem após uma noite especial. Não éramos um casal
oficialmente, embora sentisse como tal, principalmente depois de tudo.
Logo após a noite que tivemos, Paige ressignificou aquele lugar para
mim.
Aquela reserva florestal era um lugar que ia quando mais novo,
quando Emma ainda era um bebê aos olhos do meu pai e fazíamos o dia dos
meninos. Era especial. Simbólico. Talvez o único momento em que ele
realmente me amou como filho.
Levá-la até lá tinha sido uma ideia despretensiosa que foi criando um
significado maior a cada quilômetro que ficava mais perto. Percebi,
segurando aquele volante, que eu estava feliz demais para ter aquela nova
memória para um lugar que já recusei a ir tantas vezes depois que perdemos
aquele vínculo de pai e filho.
Paige iria ser uma nova memória.
Se antes eu já tinha certeza do que a borboleta era para mim, depois
de tudo o que aconteceu, eu tinha certeza.
Portanto, acho que me cabia dizer que senti sua falta; me cabia deixar
claro meus sentimentos quanto a noite anterior e as que viriam dali em
diante. Eu estava pensando no futuro. No acordo silencioso que fizemos ao
nos olharmos por horas antes de estar dentro dela; ao selar físico e
emocional que trocamos nas horas que passamos juntos.
Poderíamos não falar sobre aquilo e fingir que tudo fazia parte do
acordo que se perdeu nos primeiros dias. Sua proposta foi tão perfeita que
agora parecia real demais para fingir que não estava sentindo nada.
Fora que, se naquela manhã ela tivesse acordado ao meu lado, ainda
me evitaria aquela conversa estranha com a sua amiga. Logo minha mente
voltou para a questão inicial enquanto caminhava determinado a chegar na
sala da senhora Cooper. Era possível que Miley não falasse aquilo e eu não
estaria pensando tanto na possibilidade de ter sido um clichê de nerd de
livro, pedindo permissão para foder alguém.
— É, eu pedi. — Foi o que sussurrei assim que me dei conta de que
fiz aquilo.
Mas era errado? Era constrangedor? Era sexy? Minha mente
rondou por essas perguntas até dar de cara com a senhora Cooper saindo da
sua sala com uma bolsa relativamente grande em mãos.
— Eu achei que você não viria mais. — Ela revirou os olhos,
voltando a abrir a porta. — Entre logo, porque não tenho todo o tempo do
mundo.
A sua urgência silenciou minha cabeça ao mesmo instante que
entrava na sua sala tão antiquada como tudo naquele prédio, esperando que
a mesma colocasse aquela grande bolsa sobre a mesa e se acomodasse em
sua cadeira em completo silêncio.
Ela se daria ao trabalho de me dispensar da monitoria fazendo uma
reunião?
— Como eu não tenho muito tempo para ficar debatendo alguns
assuntos com você, e o fato de você ter sido incapaz de chegar no horário…
— ela começou o seu monólogo, sustentando aquele ar de desdém que já
conhecia.
Quando entrei para a UCLO, a senhora Cooper era o meu objetivo de
ter como professora. Ela era conhecida por grandes estudos no meio
científico quando mais jovem, além de ser uma boa referência no meio
acadêmico. Ela sempre tinha uma tese revolucionária, um estudo oriundo de
um problema atual e uma série de coisas que a faziam ser e ter o prestígio
que tinha.
Nunca entendi ao certo o seu motivo de resolver dar aulas e deixar
todo o seu lado científico e prático de lado, porém, era com ela que sempre
quis trabalhar e entender. Conhecer a fundo as raízes da sua cabeça,
aprender o máximo que conseguiria e, no futuro, me tornar tão bom quanto
ela.
Era uma referência.
O mais perto que eu chegaria de um cientista grande enquanto
cursava a graduação.
Entretanto, esse vigor e adoração foi perdido assim que a conhecia
longe de todos os trabalhos, aulas e projetos. Nem sempre as pessoas que
mais admiramos são as pessoas mais corretas e simpáticas do mundo. O que
você criou sobre a pessoa, pode ou não ser uma realidade, e no caso da
senhora Cooper, estava muito longe de ser algo real.
Seus olhares a denunciavam, suas falas eram questionáveis na
maioria das vezes, mas nada me preparou para aquele momento, onde todo
o mínimo respeito que ainda tinha foi perdido assim que ela começou a
falar.
— Vou começar a trabalhar com o Sr. Hopinkes no hospital de Foster.
Graças a mente brilhante da menina que você ajudou a monitorar, tive
acesso a um projeto que se der certo, nos levará a caminhos inimagináveis.
— Ela sorriu, orgulhosa. — Talvez um prêmio Nobel.
Eu quis rir com a sua ambição, mas estava chocado demais com isso.
Ela não estava dizendo o que realmente estava entendendo. Ou
estava?
Eu perdi alguma coisa, só podia ser isso. Justifiquei para mim
mesmo.
— Você está falando sobre o remédio experimental que a Paige
Mallory pensou para Lúpus Eritematoso Sistêmico?
No seu projeto, Paige adentrou toda a sua ideia sobre um remédio à
base de uma planta encontrada na Ásia. Em algumas pesquisas feitas por
ela, Mallory encontrou na medicina oriental uma possibilidade de amenizar
os efeitos da doença, ainda que fosse algo totalmente baseado em pesquisas
e teorias.
Sua ideia de colocar isso no projeto partiu de mim porque achei que,
se fosse algo minimamente viável, a senhora Cooper tinha conhecimentos
para levar aquilo a frente, o que foi exatamente o que aconteceu.
Paige poderia não ter qualquer vivência em laboratório, muito menos
com a planta que ela nunca tinha visto, só que ela tinha certeza de que
aquilo seria eficaz e posso dizer que quando li todos os pontos levantados
por ela, acreditei na sua teoria. Em um resumo, a planta agiria como uma
espécie de corticoide, sem todos os efeitos colaterais que a maioria desse
tipo de medicamento ocasionava, além de ser mais potente, dispensando a
alta dosagem.
Ou seja, melhor qualidade de vida para o paciente e um grande
avanço no meio farmacêutico e médico.
— Sim, a ideia dela é fantástica e vou me afastar para ir a fundo
conhecer essa planta e seus benefícios. O Sr. Hopinkes está empolgado e já
está atrás de verba para começar os estudos e colocar isso para frente.
Balancei a cabeça afirmando. Eu já sabia como funcionava a parte
burocrática sobre um projeto.
— Logo, nossa reunião é para dizer que vou me afastar e o Rubens
deve assumir todas as turmas para mim.
— Mas sobre o projeto, ele será feito em Foster?
Ela gargalhou.
— Claro que não, iremos viajar para um laboratório parceiro em
Nova Iorque.
A Paige estava sabendo disso? Como ela faria esse estágio?
— E a Paige? — Minha voz saiu em um fio.
Eu queria não estar entendendo errado.
— O que tem ela? — Ela se levantou da cadeira. — A sua monitoria
vai precisar ser conversada com o Rubens e espero encontrar com você
daqui a alguns anos, Turner. Acho que nunca tive um aluno tão dedicado e
exemplar quanto você.
Seus elogios não valiam de nada quando aquela sensação estranha
sobre Paige ainda queimava no meu peito.
— A Paige me contou que ela seria estagiária nesse projeto, caso o
Sr. Hopinkes realmente se interessasse.
Ela riu.
Riu.
Puxei o ar pelo nariz, sabendo o que aquilo significava antes mesmo
de abrir sua boca.
— Querido, as vezes precisamos inventar algumas histórias para ter
acesso ao conteúdo. — Ela piscou. — E isso serve para tudo, Caleb.
— Co-como?
— É o que você entendeu. — Ela segurou sua bolsa enorme e foi em
direção a porta. — Podemos ir? Só queria te avisar sobre o Rubens.
Ela roubou o projeto da Paige. Foi como fazer uma equação
rapidamente, mesmo parecendo que demorou horas pensando. Olhei para a
professora e pesquisadora que sempre quis conhecer, depois olhei para o
corredor da universidade que acreditei que teria grandes ensinamentos e
logo o seu rosto veio na minha mente, sua empolgação falando da
oportunidade; seus olhos brilhantes pensando em como poderia colocar o
nome da mãe como base daquilo.
— Qu-quando você deixa suas atividades daqui na faculdade? — Foi
tudo o que consegui falar enquanto saía daquela sala.
— Daqui a uma semana não tenho mais vínculo com a UCLO. — Ela
fechou a porta atrás de si, parando no corredor. — Estou pensando em fazer
uma comemoração antes de ir com alguns alunos, e se acontecer, com
certeza te convidarei. Será uma ótima oportunidade para fazer contatos para
o futuro.
Assenti com a cabeça.
Meu celular vibrou na minha mão, tendo esquecido completamente
do motivo de estar com ele na minha palma. Olhei para a senhora Cooper
que mexia seus lábios falando alguma coisa que fui incapaz de escutar.
Seu apelido marcava no aparelho.
Paige vai ficar arrasada quando souber disso, foi tudo o que pensei
enquanto balançava a cabeça e via a senhora Cooper se afastar
gradativamente, levando com ela qualquer pingo de admiração que já tive
por ela.

Por mais que quisesse, não podia falar mais nada, apenas pensar em
uma forma de resolver isso antes de Paige saber ou ela sair daquela
faculdade com todo o prestígio de um projeto que não foi ela que pensou.
— Como assim ele não teve tempo para te ver? — Kimberly era
uma leoa quando o assunto era meus relacionamentos.
Eu sentia que em algum momento ela pensou que poderia cuidar
de mim e desde então tem feito isso.
— Não muda de assunto porque a gente estava falando sobre
aquele cara que fez os biscoitos. — Estreitei meus olhos.
Kimberly tinha um sério problema em achar que ela poderia
controlar todas as coisas, mesmo que a vida dela fosse um completo caos
em todos os aspectos. Fugir do assunto não era novidade, porém ter um cara
estranho andando pela casa fazendo biscoitos tinha sido totalmente novo
para todas nós.
— Eu não quero falar sobre isso — ela resmungou, trazendo a
frigideira diretamente do fogão para a mesa.
— Vocês já estão se perguntando desde quando começamos a aceitar
pessoas estranhas andando nessa casa? — Alisson apareceu com a mesma
roupa do dia anterior, ostentando um coque totalmente bagunçado na
cabeça. — Cadê a Miley para esse café da manhã?
— Você está com a mesma roupa de ontem. — Sorri, sabendo
exatamente onde ela tinha andando.
Seus olhos me disseram algo como “abra a boca e eu te mato”.
— Miley está sumida na casa de um cara idoso. — Kimberly se
sentou na minha frente, respirando fundo. — Parece que ninguém liga mais
para esse café da manhã.
— Ei! Eu estou aqui.
— Eu também. — Alisson se juntou a nós, sentando-se na outra
ponta da mesa. — O que vamos fofocar?
— Sobre o cara dos biscoitos.
— Sobre o sumiço do nerd.
Falamos quase juntas, fazendo Alisson gargalhar.
— Eu voto no nerd porque o cara do biscoito me dá medo e eu não to
afim de falar sobre ele. — Alisson se esticou sobre a mesa, pegando a
garrafa de leite. — Até porque ele está pegando essa daí.
— Você está pegando o cara do biscoito? — Olhei para Kimberly
chocada.
Pisquei algumas vezes, processando aquela informação.
— Eu cheguei na hora da fofoca? — Sua voz ecoou pela sala até
chegar na cozinha. — Eu cheguei! Eu cheguei! — Miley apareceu na porta
da cozinha. — Eu cheguei!
Gargalhamos.
— Qual a pauta do café da manhã?
— Você está com a roupa de ontem à noite — Alisson falou com a
boca na borda do copo.
— E um chupão no pescoço — pontuei assim que eu vi um roxo
grande o suficiente para parecer um hematoma. — Você está saindo com
Edward Cullen? Ele tentou sugar seu sangue?
Mais uma onda de risadas e vi Miley ficar corada, se sentando ao
meu lado.
— Essa mesa está cheia de mentirosas — Kimberly resmungou. — E
não muda de assunto, Paige, por que o nerd não quer falar com você?
— Ele não quer falar com você? — Miley me encarou. — Como
assim? Achei que o chá que você deu tinha sido incrível.
— Talvez o nerd que tenha dado um chá com o seu pau enorme —
Alisson comentou.
Só elas para me fazerem rir em meio ao turbilhão que estava
passando pela minha cabeça. Depois de tudo o que aconteceu, achei que
finalmente teríamos a chance de vivenciar aquilo como adultos que sabem o
que sentem e querem continuar sentindo aquilo. Apesar disso, como das
outras vezes, Caleb deu um espaço enorme entre a gente, se recusando até a
responder as mensagens com a mesma frequência de antes.
Eu não queria acreditar que ele era aquele tipo de cara que se afasta
quando as coisas ficam mais sérias, ou o tipo de apenas brinca com os
sentimentos para chegar no final do arco-íris que era o meio das minhas
pernas.
Não fazia sentido eu acreditar, mas depois de três dias sem qualquer
contato decente, estava começando a cogitar nas possibilidades.
— Como o assunto sempre volta a ser eu? — Cruzei os braços na
frente dos seios. — Caleb não responde nem às minhas mensagens, quem
dirá me ver. E sim, talvez eu tenha dado e levado um chá porque sim, ele
tem um pau bem grande.
— Nossa! — Kimberly foi a única a falar alguma coisa. — Onde ele
guarda todo esse pau?
— Que merda de pergunta é essa? — Miley gargalhou, jogando a
cabeça para trás.
— Ele guarda no cu, Kim — Alisson completou, rindo no mesmo
nível que a loira sentada ao meu lado.
— Eu odeio vocês! — Levantei da cadeira, me segurando para não
rir. — E eu sei que você estava com alguém. — Apontei para Alisson. —
Você saiu com um vampiro. — Apontei para Miley — E você tá ficando
com um cara que faz biscoito e é assustador.
— Ei! Ele é o nosso Atlas — Miley repreendeu.
— Quem é Atlas? — Kimberly revirou os olhos.
— Ela vai começar a falar sobre um cara de um livro e eu estou fora.
— Alisson também se levantou, levando o leite junto.
A discussão sobre quem escondia mais do que a outra continuou na
cozinha, enquanto eu subia para pegar minhas coisas e ir até a aula da
senhora Cooper. Ela era a outra ponta das minhas noites mal dormidas
porque não tinha tido mais qualquer notícia sobre o andamento do estágio e
como estavam as coisas. Depois do documento que eu assinei, ela sumiu.
Não queria pensar muito sobre o assunto, por isso foquei nos treinos
e dancei todos os dias pela manhã. Eu estava ocupando o máximo a minha
mente ao mesmo tempo que ficava sem as respostas das duas coisas que
estavam me atormentando. Caminhei pelo campus vestida totalmente
diferente do habitual, em um conjunto de moletom e tênis, e fui diretamente
à aula da senhora Cooper, mais cedo que o normal.
Eu estava determinada a ter respostas de todos os meus dois pontos
de interrogação ambulantes. Primeiro a senhora Cooper e meu possível
estágio, depois o nerd, que não teria como fugir de mim se eu aparecesse no
treino de hockey.
A Paige Mallory determinada estava com sangue nos olhos aquela
manhã.
Pelo menos era o que eu estava até sentir meu celular vibrar no bolso
do casaco e parar para atender a ligação de Emma.
— Você está podendo falar? — Ela pareceu tensa.
— Está tudo bem? — Foi a primeira coisa que perguntei, sentindo
meu coração sair pela boca. Será que eu estava julgando o nerd à toa? —
Aconteceu alguma coisa?
— Ela me respondeu, Paige. — Um silêncio do outro lado da linha.
— Ela me respondeu — repetiu.
Soltei o ar pela boca, aliviada.
Depois de um encontro inusitado com Emma passeando pela minha
casa na calada da noite, começamos a trocar mensagens sobre alguns
assuntos. Dentre muitas conversas que tivemos, o assunto sobre a mãe foi
tocado assim que comentei sobre o que Caleb tinha me contado na
sorveteria.
O que eu não esperei é que Emma fosse me contar seu lado, a falta
que sentia da mãe e todas as coisas que estavam passando nos últimos
tempos. Como Caleb, ela também tinha suas cicatrizes e de alguma forma,
ela se sentiu confortável para abrir esse lado e me deixar ajudar.
Eu não queria fazer isso pelas costas de Caleb, muito pelo contrário.
Entretanto, a sua irmã me garantiu que ele não iria gostar de saber que ela
estava fazendo isso, me implorando por sigilo. E já que estávamos
guardando alguns segredos em comum, decidi ajudá-la para se caso desse
errado, ela pelo menos tivesse com quem contar para dar um suporte.
Era se meter demais em uma história familiar que não me dizia
respeito? Possivelmente. Mas vi naquela oportunidade de tornar a vida de
Caleb um pouco mais leve como ele nunca teve.
— E o que aconteceu? Vocês marcaram de se encontrar ou algo
assim?
— Ela quer que a gente converse sobre todas as coisas do passado,
mas não sei muito o que fazer.
— Acho que você deveria escutá-la. — Inspirei fundo. — Não sei,
Emma, mas se eu tivesse a oportunidade de ouvir minha mãe pela última
vez, eu faria isso.
— Mas a sua mãe não deixou você por uma escolha.
— Talvez nem a mãe de vocês tenha feito isso. — Dei de ombros,
apesar de ela não poder ver aquilo. — Eu acho que todas as histórias tem
seus lados e pelo que você me contou, sua mãe não estava feliz com o seu
pai. Pode ser que ela tenha uma história para te contar, ou pode ser que ela
seja uma desgraçada que você já acha que ela é.
— É… — Foi tudo o que ela respondeu. — Eu só estou com medo de
tudo o que isso pode significar para todos nós, sabe? Eu gostaria de
compartilhar isso com o Caleb.
— Olha, se você precisar, eu fico do seu lado nesta chamada só para
segurar a sua mão. — Ouvi ela rir do outro lado da linha, me fazendo sorrir.
— Ok, eu sei que não sou o seu irmão, mas posso ser uma amiga.
— Você já é uma amiga, Paige. — Ela fungou, fazendo um barulho
estranho na chamada. — Eu entendo porque o meu irmão gosta tanto de
você e agradeço demais a sua ajuda. Se não fosse por você e o contato da
sua amiga, eu jamais teria conseguido entrar em contato com ela tão
facilmente. Ela me disse que o e-mail que chegou a responder o Camden
não é mais utilizado e por isso não respondeu mais nenhum contato. Então,
só posso te agradecer por ter conseguido tudo isso.
— Eu só quero que vocês conversem e consigam chegar em algo
melhor para vocês. — Mordi o lábio. — Eu gosto muito do seu irmão,
Emma, e quando ele me contou tudo, partiu o meu coração. Eu acredito que
essa história tenha o lado dela e que ela precise ser ouvida, até para vocês
terem a sensação de que pelo menos tentaram, sabe? E repito, se precisar de
mim, vou estar por aqui.
— Acho que vou precisar agradecer o Caleb por ter te achado.
Aquilo me fez rir, porque ele não parecia tão feliz assim.
— Eu acho que preciso agradecer o seu irmão por me tornar amiga
da minha rival de time.
Ela gargalhou, ficando em silêncio gradativamente.
Emma pareceu pensar sobre o seu lado da história, enquanto a minha
mente aproveitou aquele silêncio para pensar em Caleb e como as coisas
estavam entre nós dois. Eram dias, não queria ser dramática, ainda sim era
muito estranho alguém que sempre falava com você simplesmente
desaparecer.
— Paige, vou marcar de conversar com ela. É isso!
— E depois você me conta como foi. — Sorri sozinha, voltando a
andar. — Agora eu preciso desligar porque estou indo para a aula.
— Tudo bem! Manda um beijo pro Lebbie.
— Pode deixar.
Ou não.
Como eu mandaria esse beijo para ele? Eu gostaria até de perguntar
se ela sabia o que estava acontecendo, mas por fim, desliguei aquela
chamada e corri até a aula que teria com a senhora Cooper.
A minha surpresa foi chegar na aula e ver uma quantidade absurda de
alunos em frente da porta, fofocando sobre o que poderia ter acontecido
com a senhora Cooper. Achei estranho, não entendendo muito bem o que
aquelas conversas paralelas significavam. Passei por alguns grupos de
pessoas e quando finalmente consegui chegar à porta, tinha um pequeno
comunicado impresso em uma folha branca. As palavras afastamento,
tempo indeterminado e projeto saltaram da folha como um desenho em 3D.
Aquele afastamento poderia ter várias teorias, mas associado a um
projeto, me deu a esperança de ser sobre o que estávamos conversando
desde que entreguei aquele trabalho para ela.
Saí daquele corredor sem a resposta que eu queria, ainda que tivesse
uma esperança queimando no meu peito só de imaginar que ela estava se
afastando para um projeto e que, em breve, eu estaria fazendo parte desse
momento também.
Quando coloquei toda a minha ideia naquele trabalho e entreguei, eu
e Caleb pensamos que se a senhora Cooper visse uma chama de
possibilidade daquela pesquisa teórica ter a força para se transformar em
algo real, ela poderia fazer com que aquele meu sonho se tornasse
realidade. E a cada dia parecia mais verídico que sim, eu estaria levando
aquilo para o mundo, mesmo que não fosse diretamente.

Eu seria como a doutora Hoss.


— O que você acha que está fazendo aqui? — Sua hostilidade me
recebeu antes mesmo de conseguir a boca para falar qualquer coisa.
A animação de estar perto do meu sonho, mesmo que remotamente,
me fez andar diretamente para o treino de Caleb. Eu sabia que aquele
horário ele deveria estar fazendo algo por lá, porque seu pai estava o
cobrando treinar duas vezes ao dia. Ou pelo menos foi isso que ele me
contou da última vez que conseguiu responder uma mensagem minha.
O pai de Caleb era como uma versão mais velha dele, com um pouco
mais de músculos que o normal. Apesar de muito bonito, conhecer o seu
outro lado o deixava feio, terrível. Sem qualquer atrativo para os olhos.
Graças a deus Miley não pegou esse escroto, pensei, quase deixando
escapar.
— Olá, Sr. Turner. — Fui educada embora ele não merecesse. — Eu
queria saber se o Caleb está no vestiário, queria falar com ele.
— É algum tipo de piada? — O treinador sorriu estranho, quase
robótico, apoiando sua prancheta em um dos bancos. — Vocês estão
namorando? — Ele andou na minha direção.
Olhei à minha volta, me certificando se tinha alguém pra me salvar
caso ele inventasse de fazer alguma coisa. Eu não sabia se ele era agressivo
apenas com os filhos, como Caleb e Emma relataram em nossas conversas,
ou se ele era capaz de perder a cabeça com qualquer pessoa.
Prendi a respiração assim que ele parou na minha frente.
— Não consegue responder?
— A gente não namora. — Soltei o ar junto com a resposta.
Seu cheiro forte impregnou o meu nariz.
— Faz sentido vocês não namorarem, porque uma namorada saberia
que o seu idiotinha não aparece nos treinos a três dias — ele rosnou,
analisando meu rosto com uma atenção que fez um arrepio correr pelo meio
das minhas costas. — Você é muito bonita, Paige, mas devo lhe informar
que não quero que você ouse namorar com o meu filho.
Estreitei meus olhos sem entender, fazendo-o sorrir, dessa vez
assustadoramente.
No momento em que cogitei abrir a boca para questioná-lo o motivo
do que tinha acabado de falar aquelas coisas, o treinador Turner se
prontificou em me explicar.
— Você é uma distração ambulante, Mallory, fora o fato de ter uma
péssima reputação pelo campus. — Ele aproximou um pouco mais. — Eu
não quero que meu filho se envolva com uma menina como você. Eu espero
que eu não precise fazer nada para que esse namoro não vá para frente.
Aqueles olhos de pura indiferença ocasionaram em uma combustão
desconhecida, que subiu até a minha cabeça, queimando todo o meu rosto
com raiva. Inspirei todo o ar disponível, sentindo nojo daquele perfume
amadeirado que me rodeava.
— Você sabe que suas ameaças não funcionam comigo, não é? O fato
de você ameaçar todos a sua volta não significa que todos terão medo e vão
te ouvir. — Arranjei coragem da onde não tinha, aproximando um pouco
mais, estufando o peito em sua direção. — No meu caso, eu não tenho
medo de suas ameaças, muito menos com o que você pode fazer contra
mim.
— Eu não te ameaçaria. — Ele gargalhou, maléfico, dando passos
para trás. — Mas eu facilmente poderia transformar a vida do Caleb cada
vez mais difícil.
— Treinador! — Aquela voz foi a gota que faltava para ser tomada
pela raiva.
— Ryder, ajude a mocinha a sumir da minha frente, por favor. — Ele
me ignorou, voltando a fazer o caminho que tinha feito até se aproximar de
mim. — E lembre-se, Paige, suma — falou para o ar.
Revirei os olhos, sentindo aquela queimação ir direto para o meu
estômago.
— Paige!
— Não precisa, eu já estou saindo.
Eu precisava sair dali antes que explodisse de vez.
— Não, me espera.
É claro que ele não iria me respeitar. Por que deveria?
— Olha, Ryder, eu só vim aqui procurar pelo Caleb e já estou saindo.
— Apoiei as duas mãos na cintura, parando de andar. — Eu só queria falar
com ele.
— Pode ser que ele esteja ocupado porque não aparece no treino a
uns dias, por isso o papai dele está tão furioso. — Ele tocou meu ombro. —
Ele falou alguma besteira para você?
Eu não queria receber aquele acolhimento de Ryder, porém precisava
de respostas.
Apoiei minha mão sobre a sua, respirando fundo enquanto olhava
para o chão.
— Ele foi um grosso — sussurrei, me sentindo péssima em fazer
aquele jogo já conhecido por mim.
No momento em que olhei para Ryder, usei meu melhor lado – lado
esse que já estava aposentado desde que tinha caído nos braços de um nerd
muito gostoso –, fazendo uma cara triste e sexy ao mesmo tempo,
umedecendo meus lábios enquanto olhava dentro dos seus olhos.
Desviei o olhar mais uma vez para o chão, fiz um ruído com a
garganta só para dramatizar um pouco mais e quando o encarei mais uma
vez, ergui minha coluna de modo que meus seios ficassem na sua direção,
empinados, clamando por uma olhada.
— Ele me ameaçou. — Tremi os lábios de propósito, vendo o rosto
de Ryder contorcer e sua mão apertar meu ombro.
— Caramba, Paige — ele falou tão baixo quanto eu, puxando-me
para um abraço apertado.
Eu queria vomitar em cima dele, mas me segurei.
Se eu queria saber sobre o que estava acontecendo, precisava manter
aquele personagem. Tudo o que eu precisava era me fazer de frágil, falar
algo que o pai de Caleb realmente tenha feito e transformar aquele homem
com um ego enorme em um pequeno herói que me salvou no momento
certo. Eu poderia ter mudado em alguns aspectos nos últimos meses,
todavia ainda conhecia aquele tipo de cara como na palma da minha mão.
— Eu vou falar com ele para nunca mais falar assim com você —
Ryder falou contra a minha testa, depois de beijá-la.
Já ganhei.
— O Caleb sumiu? — Escapou, errando o tempo de perguntar sobre
o que realmente me interessava.
Com aquela frase, perdi aquela sua face de quem estava caindo no
meu teatro.
— Eu acho que ele está com a borboleta.
Foi tudo o que ele precisou falar para o meu mundo desmoronar.
— Borboleta? — murmurei.
— É, a borboleta que ele tanto fala por aqui. — Ryder sorriu,
provavelmente sabendo que tinha me atingido de alguma forma. — Ele não
fala quem é, mas usa sempre esse código quando conversa com o James.
— E se a borboleta for eu? — rebati na defensiva, tentando me
afastar, mas sendo impedida pela mesma mão que ainda repousava no meu
ombro.
— Se fosse você, ele não iria ter que te contar a verdade sobre isso.
Porque foi basicamente isso que ele falou para o James. — Ryder umedeceu
os lábios, aproximando seu rosto do meu. — Ele disse que precisava te
contar a verdade urgentemente, docinho.
E aquela foi a gota d’água que faltava para que eu transbordasse.
Eu estava nervoso pra caralho.
Nunca pensei que entrar em contato com um pesquisador fosse algo
tão trabalhoso. Convenhamos, eu entendia que se tornava algo difícil
conversar com alguém que sempre estava dentro de um hospital fazendo
pesquisas atrás de pesquisas, mas pensei, inocentemente, que pelo menos
um e-mail ele conseguiria responder e me dar uma espécie de retorno.
Eu não tinha um plano para resolver essa questão. Quando o assunto
era Paige Mallory, eu sempre ficava meio avoado, desesperado, por isso
estava agindo por impulso. Mandei e-mails, fiz ligações para o hospital que
sabia que ele mantinha uma pesquisa, recorri a outro professor com a
desculpa de que a senhora Cooper tinha me pedido para falar com ele, mas
não deixou qualquer contato.
Eu estava tentando de tudo.
Na minha cabeça, eu tinha apenas sete dias para falar com ele,
explicar sobre a situação, torcer para ele ser um homem minimamente
correto em não aceitar trabalhar nesse projeto e arranjar uma forma de
reportar isso para a faculdade.
Era possível que metade dessas coisas não fossem acontecer,
todavia, se pelo menos conseguisse fazer Paige participar disso, já ficaria
satisfeito. Foi minha ideia colocar aquela parte no projeto, e agora era da
minha responsabilidade resolver esse problema.
— Você não foi para o treino hoje? — Ouvi a voz de Camden
antes dele aparecer na porta do meu quarto.
— Senhor, não consigo te repassar para ele, mas você poderia
tentar pessoalmente — a mulher falou do outro lado da linha, me dando a
mesma resposta que recebi no primeiro dia que tentei aquele tipo de
contato.
— Obrigado, vou ver o que consigo fazer. — Não esperei que ela
me respondesse, jogando o celular na cama.
— Cara, você está bem? — Camden estreitou os olhos. — O que
está acontecendo?
— Cam, eu não estou com tempo agora — resmunguei, deixando
meu corpo cair sobre o colchão. — Eu estou bem fodido, na real.
— Lebbie, vamos conversar.
Eu poderia não estar vendo, porém senti sua presença no quarto. O
barulho da cadeira arrastando só me confirmou que Camden tinha sentado e
não sairia dali até eu abrir minha boca. Provavelmente conversar com
alguém poderia ajudar, mas eu não sei se o meu irmão mais novo seria essa
pessoa.
— O papai fez alguma coisa no treino, de novo?
— Não! — Me sentei na cama, o encarando. — Está tudo bem com
os treinos.
Camden riu, negando com a cabeça.
— Você sempre tenta não levar os problemas até mim, mas se o
treino estivesse incrível, você estaria nele e não aqui.
Garoto esperto.
— Eu só não estou tendo tempo de ir aos treinos, Camden. — Enchi
meu pulmão de ar, fechando os olhos. — Eu estou tentando resolver um
problema sobre a Paige….
— Vocês brigaram? — Ele arregalou os olhos. — Porque assim,
mesmo que você seja a pessoa certa dessa briga, a sua obrigação é correr
atrás dela como um cachorrinho.
— Como é que é? — Tive que rir.
— Qual é, Lebbie, quando você vai ficar com uma menina tão gata
quanto ela? E outra, já estamos acostumados em ter a Paige como cunhada
sem ser cunhada.
— Estamos? — Encarei-o. — Como assim “estamos? — Fiz as aspas
com os dedos.
— Não mude de assunto, mocinho. — Ele levantou da cadeira. —
Você precisa resolver esse problema com a minha cunhada. Você pode ser
um cara inteligente, mas não é o mais bonito da família.
Naquele momento eu gargalhei.
— Para de ser idiota, porque temos a mesma cara.
— Por isso que você deveria levar a sério o que eu falei. Tenho a
mesma cara que a sua e isso não é bom, Lebbie. A mais bonita é a Emma e
nós dois sabemos disso. — Deu de ombros, me fazendo rir ainda mais. — O
que você fez? Por que vocês brigaram?
— Primeiro, eu sou o mais bonito dessa casa. — Ele fez uma careta
engraçada, caindo na gargalhada. — Segundo, se eu tivesse brigado com a
Paige, não estaria aqui conversando com você. E em terceiro, a nossa
professora roubou o projeto dela e eu estou tentando resolver isso. Só que
eu não consigo ficar perto dela neste momento ou vou contar tudo que sei.
— Suspirei. — Eu não vou aguentar ver a Paige triste com isso, porque fui
eu que dei a ideia dela colocar essa parte no seu trabalho.
Camden ficou em silêncio.
— Viu? Nem você consegue falar algo sobre isso. — Me joguei na
cama mais uma vez, grunhido. — Ela roubou toda a ideia da Paige e agora
vai fazer uma pesquisa em cima disso, ganhando todo o prestígio que não
deveria ser dela.
— Que filha da puta! — Camden murmurou.
— Cam! — repreendi-o.
— Lebbie, você precisa…
— ONDE VOCÊ ESTÁ, CALEB? — Ele se calou assim que a voz
grossa do nosso pai reverberou pela casa.
— Sai daqui, Cam! — Fiquei de pé em quase um salto. — Vai
para o seu quarto.
— POR QUE VOCÊ NÃO COMPARECEU AO TREINO,
CALEB? — Sua voz já estava mais perto, possivelmente no corredor. —
Você gosta de testar a porra da minha paciencia. — Seu corpo grande
apareceu na porta do quarto, não dando tempo para Camden.
Seus olhos foram de mim ao meu irmão, vendo-o respirar
profundamente algumas vezes antes de voltar a falar.
— Por que você não estava na faculdade para o treino?
— Não faz sentido eu treinar duas vezes ao dia sendo que tenho
minhas aulas para cumprir. — Dei a melhor desculpa que podia, dando um
empurrãozinho para Camden sair, mas ele ficou duro como uma estátua. —
Eu precisava vir em casa pegar um material para a aula depois do treino
geral.
— Caleb, você não entendeu que não tem direito de pensar, escolher
ou qualquer coisa parecida? Eu quero você na porra do rinque, patinando.
— Ele socou a porta de madeira, fazendo Camden saltar no lugar.
— Pai…
— CAMDEN, SOME DA MINHA FRENTE — ele gritou.
— Você não vai gritar com ele — rosnei, sentindo a mesma cegueira
que sentia quando ficava com raiva. — Seu problema é comigo, então grite
comigo e não com ele.
— Nossa, Caleb, que irmão incrível você é. — Ele riu, batendo
palmas. — Acho que sua mãe ficaria orgulhosa de ver que ela criou um
idiota, sua copia.
— Você não…
— Eu espero que você permaneça calado, Camden. — Ele levantou a
mão, deixando-a pairando no ar. — Agora vamos aos fatos que parece que
você não lembra, Caleb. Eu disse que se você não estivesse nos treinos,
poderia esquecer essa casa e que sou seu pai. — Ele se encostou no batente
da porta, cruzando os braços na frente do peito. — Então veja a minha
surpresa em saber que você não comparece aos treinos a uns dois dias e
ainda deixou a sua namoradinha ter a audácia de ir até o meu rinque e me
enfrentar.
— O QUE VOCÊ… — Me alterei.
O que Paige tinha ido fazer lá?
— Você não vai gritar dentro da minha casa, então cale a porra da sua
boca e me escute com atenção. — A passos largos, meu pai se aproximou
até estar face a face comigo. — Amanhã, você vai pegar toda a sua
insignificância e vai estar na merda dos dois treinos que eu falei que você
faria. Você vai seguir a risca, dar o seu sangue. Temos um jogo em breve e
eu preciso de você impecável para mostrar como um Turner realmente joga.
— E se eu não for? — Dei um passo na sua direção também,
enfrentando-o. — E se eu já estiver cagando para toda essa merda?
— Alguém nessa casa vai sofrer e não será eu. — Seus olhos foram
ao meu ponto fraco e voltaram para mim. — Acho que você é um garoto
mais esperto do que parece.
Engoli aquele bolo que se formou na minha garganta, me segurando
para me manter firme, olhando-o com total desprezo.
— Em algum momento você já nos amou como seu filho? Você já
me viu além de um projeto pessoal? — Minha voz saiu serena, até me
assustando. — Como que a vovó ficaria vendo você dessa forma? Já pensou
nisso?
— Caleb… — Ele trombou o corpo no meu, dilatando as narinas.
— Eu tenho pena de você, pai.
Mais uma trombada, mas me mantive firme.
O grande treinador Turner se afastou, seus olhos grudados nos meus.
— Ou você vai amanhã ou nem precisa voltar para casa, Caleb.
— Sim, senhor. — Foi tudo o que respondi antes dele sumir do meu
quarto com a mesma ferocidade em que entrou.
— Caleb, eu acho que… — Eu só conseguia ver a sua boca se
movendo.
No fundo, todas as vezes que tínhamos aquele tipo de conversa,
partes de mim se quebravam um pouco mais. Somos criados para aprender
a amar nossos pais acima de tudo e por muito tempo me convenci que era
isso que eu deveria fazer, sendo o filho perfeito e seguindo tudo o que ele
falava. Mas agora, todo o esforço já feito pareceu ser em vão. A imagem
que eu criei sobre ele como pai caiu por terra no momento em que ele se
tornou egoísta o suficiente para não me enxergar em meio às suas próprias
vontades.
Não era tristeza, e sim frustração.
Uma frustração dolorida, que queimava meu peito e ardia meus
olhos.
Uma frustração que me fez sentar na cama e me perguntar em qual
momento nossa relação mudou, ou se é que ela já existiu.
Uma frustração que me calou e paralisou, porque a cada dia eu
percebia que todos os esforços nunca foram valorizados e eu nunca chegaria
a ser o filho que sonhou em ter.
— Lebbie? — Senti a mão de Camden no meu ombro. — Ele não vai
fazer nada do que diz, é contra a lei.
— Ele não liga para as leis, Cam. — Senti aquela ardência ficar ainda
maior nos meus olhos. — Ele não liga para ninguém que não seja ele
mesmo.
A minha conclusão foi mais para mim do que para Camden. Por mais
que todos esses anos eu tenha me esforçado para que o meu irmão mais
novo não passasse pelas mesmas coisas do que eu, cedo ou tarde ele viveria
alguma situação como aquela. Pode ser que não fosse na mesma proporção
do que eu, ou com as mesmas cobranças e pesos, porém, em alguma época,
iria acontecer.
— Eu vou voltar para o treino amanhã e tudo ficará bem — conclui
mais uma vez.
Eu iria evitar ao máximo que ele passasse por isso agora.
— Mas, Lebbie…
— Cam, você pode me deixar sozinho? — Foi a primeira vez que
consegui olhar dentro dos seus olhos em todos aqueles minutos. — Por
favor…
Ele nada disse, apenas levantou da cama e saiu pela mesma porta que
meu pai, fechando-a atrás de si.
Sozinho, pude me dar conta do vazio, da sensação de não me
encaixar naquele lugar. Sempre acreditei que aquela fosse a minha casa, o
lugar onde eu queria morar até ficar velho e ter minha própria família. Ali
eu passei momentos bons e ruins, entretanto, existia um valor sentimental
independente das memórias.
Essa sensação foi substituída das últimas vezes.
Olhei para o teto e pensei que aquele lugar nunca seria meu. Que eu
nunca iria pertencer a um lugar que não me acolhe.
Insignificante. Solitário.
Eu não tinha uma casa.
Minha memória vagou até o único lugar que me senti em casa. Ainda
que casa naquele momento fosse uma pessoa e não um local. Fui até Paige,
aos seus lábios carnudos e o abraço que me acolhia por inteiro, corpo e
alma. Fechei meus olhos e deixei que fosse levado até ela, deitado em seu
colo, tomado por seu cheiro. Era essa casa que eu queria naquele momento.
Meus dedos correram pela cama até alcançar o celular e quando
pensei em mandar uma mensagem, congelei.
Merda!
Por mais que quisesse estar com ela todos esses dias, eu precisava
resolver isso antes.
Eu precisava ter a notícia e a solução.
Minhas necessidades iriam esperar porque agora estava focado
nela, e apenas nela.
— O que merda está acontecendo com você, Paige? — Uma das
meninas do time passou por mim correndo após eu perder um passe perfeito.
Como eu poderia explicar que a minha mente não estava ali no
campo e sim nas palavras usadas por Ryder no dia anterior? Eu não queria
dar ouvidos para ele, já que pensando seriamente sobre o assunto, não seria a
primeira vez que ele tentava fazer aquele tipo de jogo de envenenar situações
inexistentes. Porém, tendo em vista que Caleb não chegou a me responder
sobre o assunto, dizendo que estava ocupado treinando, aquilo soou como
uma mentira.
O que estava acontecendo? Era tudo o que eu queria saber.
— FOCO, PAIGE! — a treinadora gritou do outro lado do campo, me
despertando.
Olhei para o jogo que já estava acontecendo, depois para a treinadora
e a ajudante de preparação física. Respirei fundo e balancei a mão pedindo
que me substituísse naquele amistoso. A cara feia que ela fez para mim foi o
suficiente para saber que não era isso que ela esperava de mim, apesar de ser
apenas um treino para o jogo que estava para acontecer em breve.
Normalmente aquilo funcionava para mim, exatamente como a dança
fazia. Eu focava apenas no que precisava ser feito, corria em direção a um
objetivo e passava aqueles minutos empenhada em vencer e nada além disso.
Entretanto, algo deveria ter mudado depois do nerd, pois não adiantava eu
tentar focar, me dedicar, tentar prestar atenção, nada me tirava da cabeça que
Caleb Turner estava mentindo e se encontrando com a tal borboleta, me
deixando às escuras.
— O que está acontecendo com você, Paige? Você não costuma fazer
um treino tão ruim. — A treinadora me recebeu na lateral do campo,
esticando uma garrafa de água para mim. — Você acha que vai estar melhor
para o jogo que teremos?
Olhei dentro dos seus olhos e puxei todo o meu lado de atriz para
confirmar aquela pergunta com total confiança.
— Eu só estou com cólica. — Passei a mão na barriga. — Sabe como
é, o primeiro dia acaba comigo.
Ela afirmou com a cabeça, sorrindo empática.
— Faz o seguinte, pode ir embora e tenta descansar por hoje. Bolsa de
água quente ajuda. — Ela apertou meu ombro. — Volta daqui a dois dias,
mas quero ver você focada.
— Obrigada, treinadora.
Odiava usar o tema menstruação como algo que me impossibilita de
viver, porém naquele momento foi a única coisa que passou pela minha
cabeça. E não sei por qual milagre a treinadora teve um pingo de compaixão
e me liberou para ir embora. Com sorte, se eu corresse, talvez poderia ir
tentar dançar para liberar aquela energia estranha que não deixava minha
cabeça parar de pensar.

Nem eu acreditei quando li aquela mensagem, andando para fora do


ginásio a caminho do estacionamento. Parei um pouco mais a frente, perto
de uma das grandes árvores que continham ali, sentando-me em um banco.
Joguei minha mochila ali e me preparei para digitar uma mensagem e
aproveitar que ele claramente estava podendo falar. No instante que olhei
para frente, lá estava ele saindo com o seu carro a caminho de algum lugar.
Ele não deveria estar no treino?
Eu não queria parecer carente, embora me sentisse dessa forma.
Carente de um alguém chamado Caleb Turner.

A sensação que eu tive foi que um buraco tinha sido aberto bem
embaixo do banco em que estava sentada, sendo engolida por uma escuridão
fria e silenciosa. Dentro daquela cavidade, meus sentimentos pareciam mais
aflorados que o normal. O medo. A raiva. O peso de estar me sentindo
enganada. Como se aquele maldito buraco fosse justamente para jogar na
minha cara todos os sentimentos que estava tentando esconder de mim
mesma.
Reli aquela mensagem, não acreditando no que Caleb tinha acabado
de dizer, olhando para a rua descrente. Ele tinha acabado de passar aqui. Ele
não estava indo para os treinos. Por que diabos ele estava mentindo?
Movida por essa vontade de respostas, digitei a mensagem, tentando
controlar o ardor que já consumia minha vista.

Não aguentei.
Com aquela informação ele poderia mentir de uma vez, ou me contar
a verdade.

Ele iria precisar ter uma ótima história para contar.


Voltei para a minha versão que Caleb não conhecia, deixando aqueles
sentimentos de lado enquanto era movida por aquele sentimento raivoso que
estava queimando meu peito e meus olhos. Ele poderia mentir o quanto
quisesse, mas não iria fazer as coisas no tempo dele. Eu iria ditar o ritmo e a
hora que iríamos conversar.

Eu era muito legal quando queria, mas se o objetivo era ver o meu
pior, Caleb iria ver e seria na festa, na frente de todos.
Se ele escolheu ficar com a borboleta, o mínimo que poderia fazer
era me avisar. Aquilo acabaria comigo, eu sei. Não adiantava fingir o
contrário porque comecei aquilo, de certa forma, com uma mentira. Uma
mentira que se tornou real assim que demos o nosso primeiro beijo. Uma
mentira que agora estava custando um preço alto para mim.
Eu iria ficar triste, entenderia seu lado e seguiria em frente.
Um coração quebrado sempre se reconstrói em algum momento.
Foi aquela mensagem que arrancou minha lágrima de vez, me
deixando ali, com o celular na mão e a mente nas milhares de possibilidades.
Em todos os momentos, Caleb se mostrou o cara mais incrível do
mundo, transformando momentos bobos em coisas grandiosas. Sempre
sabendo o que falar, como falar e a hora que falar. Mesclando entre um nerd
completo, focado em estudos e completamente tímido, e o jogador gostosão
que sabe como pegar e levar a loucura.
A sensação que estava sentindo naquele momento é que algo não
estava correto. E que por mais que eu quisesse acreditar que Caleb Turner
nunca seria capaz de fazer algo como aquilo, no fundo, uma parte pequena
de mim estava começando a acreditar que entre nós dois, tudo não passou de
um grande teste para ele. Uma tese bem formulada para ser o melhor cara
que a borboleta merecia receber.
Eu não queria acreditar que tinha sido enganada tão descaradamente,
mesmo que algo dentro de mim alertasse sobre suas mentiras desnecessárias.
— Paige! — Uma menina se aproximou contente, empurrando minha
bolsa para sentar ao meu lado. — Faço aula com você, na turma da senhora
Cooper.
Talvez eu tenha sido expressiva demais, dando a entender que não a
conhecia.
— Oi! — Forcei um sorriso, sabendo que ele também não deveria ter
sido dos melhores.
— Você ficou sabendo o motivo que a senhora Cooper saiu do
campus? — A morena de pele amarronzada sorriu, não esperando qualquer
resposta da minha parte. — Ela conseguiu mais uma vez um feito de criar
uma linha de pesquisa, só que agora voltada a pacientes com Lúpus. Não é
extraordinário?
— Como?
Eu não escutei direito, já que um som fino tomou conta do meu
ouvido.
— Dizem que ela já estava fazendo esse projeto a algum tempo,
idealizando uma boa teoria para apresentar para aquele cientista que veio
aqui no começo do ano.
Balancei a cabeça só para dizer que estava escutando, porém meu
ouvido estava em uma luta entre escutar ela ou ser inundado por aquele som
agudo e estridente.
— Dizem que ele adorou a ideia e que agora vão pessoalmente
pesquisar sobre uma planta em algum lugar na Ásia, não sei.
— Como… Como você soube disso? — Pisquei algumas vezes.
Só pode ser uma brincadeira da vida. Era isso.
Tudo estava perfeito demais para do nada desmoronar de uma única
vez. Sequei o canto dos olhos e pensei sobre como as coisas desandam
rapidamente e nada me tirava da cabeça que aquilo só poderia ser uma
brincadeira. Não tinha outra explicação para aquela piada estar sendo
contada daquela forma.
A senhora Cooper não seria capaz de roubar a minha ideia e torná-la
como dela, já que seria fácil eu conseguir provar que venho fazendo aquela
pesquisa a mais anos do que sou capaz de contar. Ela teria que ter algum
documento que provasse que cedi aqueles direitos intelectuais, ou alguma
forma de montar uma pesquisa baseada em tudo o que fiz. Mas quem eu
quero enganar? Ninguém acreditaria que eu fosse capaz de chegar a algo
apenas com pesquisas sobre a medicina oriental.
Burra! Burra! Burra! Foi tudo o que fiquei pensando ao mesmo
tempo que via a boca da menina mover-se sem parar.
— O senhor Rubens contou para um aluno que agora todo mundo está
sabendo…
Fechei os olhos e veio na minha memória aquele documento que
assinei.
— Paige? — A menina tocou meu braço. — Está tudo bem.
Confirmei com a cabeça.
— Eu só… Eu preciso ir.
Com os olhos prontos a transbordar e o pulmão que parecia incapaz de
aceitar ar, levantei daquele banco pegando minha mochila apressadamente.
Com o celular em mãos, mandei mensagem para a única pessoa que iria me
acolher e tentar me explicar o que realmente estava acontecendo.
Agora eu precisava do nerd, sendo mentiroso ou não.
Amanhecer com um e-mail de resposta do pesquisador que
trabalharia com a senhora Cooper foi o que moveu meu início de dia. Era
como se eu tivesse recebido a melhor notícia dos últimos tempos e
finalmente pudesse respirar, nem que fosse o mínimo necessário.
Na mensagem pelo Sr. Hopinkes ele dizia não fazer ideia de como
aquilo poderia ser verdade e que me retornaria assim que tivesse um tempo
livre para que pudéssemos conversar abertamente sobre o assunto. Eu não
queria pensar negativamente sobre o assunto, portanto, quando saí de casa,
me movi naquela esperança de que ele seria um cara honesto, assim como
pensei que a senhora Cooper pudesse ser.
A verdade é que se eu tivesse com isso resolvido, eu poderia matar a
saudade da única pessoa que me importava com tudo isso. Ficar longe de
Paige estava sendo muito difícil. Não era como se eu pudesse encontrá-la e
mentir que estava tudo bem, assim como eu não iria poder contar a verdade
para ela sem ter uma solução para aquele problema. Aquele movimento
poderia ser um pouco arriscado, confesso, mas era a minha única
oportunidade de fazer o certo por alguém que eu gostava.
É, eu realmente gostava dela.
— Você acha que consegue vir até aqui? — a secretária dele me
perguntou, enquanto eu andava até o treino, do outro lado do campus. — É
que ele pediu para marcar uma reunião com você, mas como disse que é
algo urgente, eu poderia te encaixar no dia de hoje.
Era um grande impasse.
No momento em que recebi aquela ligação, meu coração pareceu que
iria sair pela boca de tamanha felicidade. Senti que todo o esforço que fiz
esses dias finalmente estava sendo recompensado de alguma forma e que,
se tudo desse certo, eu realmente conseguiria arrumar toda aquela situação e
a memória da mãe de Paige não seria perdida para uma pessoa que nem se
importou em saber as motivações de Mallory com aquele projeto.
Apesar dessa felicidade, eu também tinha as minhas próprias
questões. Faltar aos treinos estava me dando espaço para seguir com o que
eu precisava fazer, focado em entrar em contato com a maioria das pessoas
que conseguissem. Entretanto, deixar de participar desses momentos estava
me trazendo problemas com a pessoa que já abri mão de muitas coisas em
prol da felicidade dele.
Pensei em como meu pai falou sobre não precisar mais voltar para
casa caso eu faltasse o treino; em como aquele projeto significava tudo para
Paige. Imaginei como as coisas poderiam ser ruins quando ela descobrisse
que perdeu toda a pesquisa que tinha feito.
Foi como passar horas calculando todos os pontos, sendo que, na
realidade, foi uma questão de segundos até aquela resposta sair da minha
boca.
— Eu vou hoje — falei, convicto.
— Ótimo! Como vou te encaixar, o ideal era que você viesse o
quanto antes, mas entendo que é complicado sair de Long Orange até aqui.
De qualquer forma, assim que chegar, pode retornar para esse número que
faço todo o contato seu com o professor Hopinkes.
— Eu vou sair daqui agora e devo chegar em algumas horas. Espero
que seja o tempo necessário.
— Tomara que sim.
Eu poderia imaginar aquela secretaria sorrindo, pois parecia ser
muito solícita ao telefone. Desliguei aquela chamada e com a mesma
esperança que me moveu durante todo o dia, ignorei as mensagens de
Emma e fui até a caminhonete para ir atrás dessa solução.
Eu só podia lidar com uma coisa de cada vez, e meu drama familiar
não estava sendo o tópico daquele momento. Meu pai sempre foi o tipo de
pessoa que faz muitas promessas e ameaças, mas que raramente as cumpria.
Por mais que eu pudesse ver nos olhos de Camden o medo que ele estava
com toda essa situação, eu prometi que faria minha parte hoje.
Mas não fiz.
Não era da minha vontade ficar dentro de um treino quando eu
poderia fazer a diferença na vida de alguém que eu me importo. Paige
Mallory me achou corajoso depois que contei minha história, e era nessa
coragem invisível que estava me apegando para fazer o que estava prestes a
realizar. Aquela seria a primeira vez que eu realmente estaria fazendo algo
que queria e não o que esperavam que eu fizesse. Mesmo que isso me
fizesse omitir algumas coisas para Paige, eu sabia e sentia que estava
fazendo a coisa certa por ela.
Eu estava fazendo o que sempre fiz: cuidando de alguém que amo.
— Eu a amo — sussurrei dentro da cabine da minha caminhonete
velha, tendo apenas o volante como meu ouvinte. — Eu realmente amo
Paige Mallory.
Foi naquele momento que me dei conta.
Foi naquele momento que quis descer da caminhonete e correr até ela
para contar o que descobri.
Foi naquele momento que percebi que eu era capaz de amar, apesar
de nunca ter sido amado por quem deveria.

Minha caminhonete nunca andou tão rápido pelas rodovias que


cortavam uma cidade até a outra.
Mais uma vez precisei omitir algumas coisas para Paige. Embora
tivesse certeza que essa tinha sido a última vez, já que realmente iria
conseguir me encontrar com o Hopinkes e conversar, algo dentro de mim
fazia com que me sentisse péssimo sentado na sala de espera daquele
hospital
É por um bom motivo.
Isso já tinha virado meu mantra mental, uma espécie de reza
silenciosa que sempre fazia ao mentir e perceber o quanto aquilo me
machucava.

Bloqueei meu celular sem olhar mais para as mensagens.


Ela tinha descoberto e eu não estava lá para ajudá-la.
Eu não podia dizer que estava em Foster.
Ao longo do corredor branco, apenas com algumas imagens
conceituais espalhadas pelos corredores com um toque de cor sutil,
consegui ver a mulher que me atendeu andando na minha direção.
Fazia alguns minutos desde que ela me pediu para sentar na recepção
e esperar até ela localizar o Sr. Hopinkes pelo hospital e avisá-lo que
cheguei para conversarmos. Tudo o que eu tinha era a cópia do arquivo do
trabalho da Paige, as mensagens que trocamos sobre o assunto e toda a
história por trás da sua ideia e iniciativa.
Eu podia inventar uma desculpa. Claro que podia.
Olhei para o aparelho de celular na minha mão, cogitando o que seria
melhor em falar. Talvez dizer que Emma precisou de mim para alguma
coisa, mas isso poderia fazê-la falar com a minha irmã. E eu não queria
fazer mais uma pessoa mentir por mim.
Eu poderia inventar que estava muito ocupado para não ir, o que seria
péssimo, já que em qualquer outra situação ela sabe que largaria tudo para
ficar com ela. Ainda mais com ela me pedindo para fazer isso.
— Sr. Turner, você pode me acompanhar? — Sua secretária me
arrancou das minhas possibilidades de mentiras. — O professor Hopinkes
está com uma agenda bem apertada e tem pressa para essa conversa.
— Claro. Sem problemas.
Paige iria me desculpar por isso. Eu sabia que iria.
— Filha, vamos resolver isso. — Liguei para a pessoa que eu sabia
que me acalmaria naquele momento. — Eu vou fazer o que posso, ligar
para a reitoria, ir até aí pessoalmente… — meu pai listava as coisas
enquanto caminhava pela sala da casa que eu sentia tanta falta.
Tudo o que eu queria era estar em casa, no colo deles.
— Pai, acho que não vai adiantar — choraminguei.
Não sei o que estava me incomodando mais com aquela história. O
fato da senhora Cooper ter feito tudo isso com algo que expliquei ser tão
importante e significativo para mim; o fato de sentir que no fundo ninguém
acreditaria em uma aluna e sua capacidade de ter chegado a uma pesquisa
tão boa quanto o assunto; ou Caleb, que foi incapaz de responder as minhas
mensagens, seja lá o que ele estivesse fazendo naquele momento.
Em um momento de desespero cogitei mandar mensagem para um
dos seus irmãos, apesar de imaginar que nem eles saberiam de fato onde
Caleb poderia estar.
Eu precisava dele.
De uma forma estranha, tudo o que eu pensei foi nele desde que
aquela notícia me acertou em cheio. Ele não tinha qualquer tipo de
responsabilidade de estar comigo naquele momento, nem ao menos era meu
namorado para ter tal papel. Porém, Caleb era uma das únicas pessoas que
esteve comigo em todo aquele processo; que me incentivou a colocar partes
do que tinha pensado naquele projeto; que quis saber da minha história e
não a olhou com pena, e sim com admiração.
Ele disse que queria conhecê-la.
Ele conheceu algumas partes do que seria ela.
Ele era importante.
— Eu fui tão burra. — Interrompi algo do que meu pai estava
falando, deixando mais algumas lágrimas caírem. — Como que eu pensei
que alguém como ela poderia olhar para a minha pesquisa e me ajudar?
Como eu não cogitei que ela roubaria tudo? Como eu fui enviar tudo o que
eu tinha para essa mulher?
— Filha…
— Não, pai, eu fui burra.
Fui tomada mais uma vez pela onda de lágrimas que custei a deixar
cair enquanto voltava andando para casa. Não queria que as pessoas
comentassem sobre o fato de eu estar chorando por aí, principalmente se
depois de tudo o nerd fosse assumir outra menina. Eu não queria que ele
ficasse com a fama de ter me feito chorar, era inaceitável. E sim, minha
mente pensou até nisso.
Pensou em como ele podia estar ocupado com ela.
Pensou que ele poderia estar fugindo de mim.
Pensou várias possibilidades ao mesmo tempo que eu estava
revivendo aquela notícia da senhora Cooper.
Entretanto, assim que coloquei meus pés dentro daquela casa,
tudo veio em uma avalanche enorme de sentimentos. A frustração por ter
sido idiota o suficiente para acreditar que ela poderia ter me ajudado. A
decepção comigo mesma por ter pensado em tudo e não ter esse orgulho
para dar a minha mãe, seja onde ela estivesse. O desespero de querer
alguém que nem era meu de fato. Todo um mix de sentimentos que não
conseguia lidar falando, apenas chorando.
Porque a verdade é que existem momentos que nem mesmo as
palavras são capazes de descrever o que realmente estamos sentindo. E são
nesses momentos, quando a boca não consegue falar, que nossos olhos são
os responsáveis por colocar todo aquele sentimento para fora, você
querendo ou não.
O choro lava a alma.
Pelo menos é o que dizem e eu acredito.
— Querida, você sabe que sua mãe não iria querer ver você
desistindo e se entregando dessa forma.
Meu pai sabia exatamente o que falar para fazer com que eu pensasse
um pouco melhor sobre as situações. Usar minha mãe como alicerce foi
algo que sempre fizemos um com o outro, independente dele ter casado
posteriormente a sua morte. Ela continuava sendo a nossa força, sendo o
melhor exemplo de luta que eu poderia ter na minha vida.
Minha mãe não gostaria de me ver daquela forma. Provavelmente ela
seria a primeira a falar que eu ia conseguir reverter essa situação, e caso não
conseguisse, ela diria que eu sou inteligente o suficiente para seguir
estudando e projetando novas soluções para problemas. Ela era a pessoa
que mais acreditava em mim no mundo todo. Foi a primeira com quem
conversei sobre o assunto e se fechasse os olhos, conseguia me lembrar
exatamente do seu sorriso, da lágrima que escorreu na sua bochecha e da
forma como me apoiou para continuar as minhas pesquisas.
Era possível que ela achasse que aquela era a minha tentativa de
ajudá-la, o que não deixava de ser uma verdade. Porém, também era a
minha tentativa de ajudar muitas outras pessoas que acabei conhecendo nas
suas recaídas, os colegas que fizemos nas internações e todos os casos que
acabei pesquisando e descobrindo pela internet.
— Ela ia odiar que eu estivesse chorando — falei, ainda chorando.
— Ela iria odiar ver você se chamando de burra quando sabemos
que você é a menina mais inteligente que conhecemos. — ele completou,
sorrindo tão orgulhoso que acreditei. — Paige, você não tinha como saber
que essa professora não tinha qualquer caráter.
— Ela foi ridícula — Miranda falou alto, ao seu lado.
Aquilo me fez sorrir, mesmo que as lágrimas não deixassem de sair
pelos meus olhos.
— Concordo com a Miranda. — Kimberly entrou no quarto como
um foguete, exatamente como ela ficou assim que me viu chorando. — Eu
liguei para o meu pai e ele disse que vamos resolver isso. Eu falei com meu
irmão também e ele disse que ajudaria a investigar isso, já que agora ele
também trabalha na faculdade.
— Viu, Paige? — Meu pai foi otimista como Kimberly. — As coisas
vão se encaixar. Vou ligar para o seu pai e vou ver o que podemos fazer,
Kim. Eu não vou deixar que ela roube a sua ideia, filha. Jamais.
— Não deixaremos — Kimberly completou, apoiando sua mão no
meu ombro.
Limpei o nariz com o dorso da mão, me aconchegando ao corpo de
Kimberly, ao mesmo tempo que ela se sentava ao meu lado na cama.
— Eu amo vocês, sabia? — choraminguei.
Meu pai gargalhou do outro lado da chamada. Miranda pegou o
celular da mão dele para mandar um beijo e quando vi já estava chorando
novamente, tendo o meu celular arrancado da minha mão pela minha amiga.
Dentre despedidas e promessas de cuidar de mim, minha mente vagou por
ter uma família tão incrível, amigas que me acolheram no momento que
mais precisei e como ainda me sentia meio vazia com a situação.
Olhei para Kimberly sumindo com o meu celular em mãos.
Me acomodei mais na cama, encostando a cabeça na cabeceira da
minha cama. Olhei para todas as estrelas que me lembram dela, as fotos no
meu mural das pessoas que eram importantes para mim. Foquei na mulher
sorridente que sempre foi como um farol para mim, fechando os olhos,
tentando acalmar meu coração com alguma palavra de conforto que já tinha
escutado ela falar.
Pois minha mãe não era o tipo de pessoa que falava que tudo iria
ficar bem. Ela estava mais para o tipo de pessoa que te conta uma história,
mergulha você em uma lição profunda sobre a vida e termina te mostrando
que você é capaz de tudo o que quer fazer.
Talvez fosse por isso a minha determinação desenfreada, a minha
vontade de mostrar para ela que sou capaz de fazer tudo.
De ser a melhor.
De orgulhá-la onde quer que ela estivesse.
Inspirei fundo, abraçando meu próprio corpo como queria que ela
fizesse naquele momento.
— Já deixamos você sofrendo por tempo suficiente — Kimberly
voltou, sabe-se lá quanto tempo depois.
Meus olhos estavam doloridos e talvez inchados, mas consegui ver o
exato momento em que mais duas meninas se juntaram a ela, não sei se para
a minha felicidade ou para o meu fim.
— E isso acaba aqui, mocinha. — Alisson foi a primeira a se
aproximar, se jogando do meu lado na cama.
— Cadê o nerd para te dar uma noite incrível de amor e superação?
— Miley piscou com um único olho, andando em direção ao armário que
ficava com todas as minhas roupas.
— Ele não respondeu nenhuma mensagem minha — falei rouca,
recebendo um abraço da Alisson.
— Eu posso resolver isso, o que você acha? — Alisson beijou o topo
da minha cabeça, balançando meu corpo ao mesmo tempo que ria.
— Não precisamos de homem para ficar feliz. — Kimberly, no auge
do seu empoderamento, subiu no banco da penteadeira. — Hoje eu vou te
entregar uma festa no meu ritmo e você vai se esquecer, pelo menos por
agora, de todo esse drama com a professora filha da puta.
— É ISSO AÍ! — Miley e Alisson gritaram juntas.
Eu tinha as melhores amigas do mundo. Era isso.
— E sobre o nerd, eu vou arrancar as bolas dele com as unhas. —
Kimberly mostrou as unhas afiadas, com um olhar sanguinário que, com
toda a certeza, faria Caleb gaguejar.
Ódio desse nerd.
Mais um coro incentivador e me vi rindo de toda a cena que ela
estava fazendo.
— É esse riso que eu quero na sua cara, Paige. — Kimberly pulou do
pequeno banco para cima da cama. — Vamos arrasar com tudo isso e
quando o nerd aparecer, você já vai estar pegando outro, porque a vida
funciona assim,
— Sempre pegando o próximo — falamos juntas um dos muitos
lemas de vida de Kimberly.
Eu não precisava dele enquanto tivesse aquelas pessoas ao meu lado.
Seja onde ele estivesse, nenhum cara poderia me dar o que elas estavam me
dando naquele momento: um amor puro, uma alegria contagiante e um
discurso digno de uma feminista nata.
— De qualquer forma, acho que ele não iria se importar porque ele
tem uma outra garota — sussurrei, abraçando mais o corpo de Alisson.
— Ele não tem nada! — Miley foi a primeira a ficar ao seu lado.
— De onde você tirou isso? — Alisson perguntou.
— Ei! Não interessa! — Kimberly deu um pequeno salto da cama
para o chão. — Nenhuma garota é mais gostosa que você.
E o feminismo foi para o ralo.
— Eu acho que você enlouqueceu, amiga. Onde aquele bobo ia ter
outra garota? — Miley apareceu com algumas peças de roupa na mão. —
Ele é louco por você. Só falta babar e mijar em cima.
— Aparentemente agora ele está babando e mijando em outra —
falei aquilo com uma dor aguda queimando o meu peito.
Tudo bem, eu queria ele sim, embora fosse mais fácil fingir que não.
E por mais que eu não quisesse me afundar em uma festa, onde
poderia beber mais do que necessário para esquecer, assim que olhei para
Kimberly, assenti quase que involuntariamente, pronta para vivenciar tudo
aquilo e muito mais.
Não era o mais adulto a se fazer.
Não iria resolver nenhum problema.
Entretanto, eu ia esquecer, nem que fosse por uma noite, toda a
ventania que parecia estar dentro da minha cabeça e do meu coração.
Quando nem os olhos são páreos para apagar aquele sentimento, o
álcool vem como um anestésico perfeito, apagando e diminuindo tudo o que
aconteceu até se tornar em nada.
— Vamos para a festa.
Minha declaração foi acompanhada de gritinhos animados.
— Eu não tinha conhecimento de nada disso, Caleb.
Essas foram as palavras que me acalmaram enquanto conversava
com aquele senhor que tinha tanto prestígio quanto a senhora Cooper. O
pesquisador deixou claro que nunca compactuou com esse tipo de coisa por
ter visto colegas de profissão vivenciando isso, perdendo seu real valor em
trabalhos que ficaram conhecidos no meio acadêmico. Por alguns instantes,
me mantive na defensiva, não acreditando muito no que saía da sua boca,
até vê-lo movendo-se em sua mesa, pegar o papel que Paige havia assinado
e rasgado diante dos meus olhos.
A senhora Cooper pensou em cada detalhe, desde uma documentação
em que Paige abria mão do domínio intelectual de sua pesquisa, até o fato
de mentir sobre como Mallory se sentia em relação ao seu trabalho. Tudo o
que ele sabia era que Paige Mallory era uma aluna promissora que fez essa
pesquisa de forma inocente, abrindo mão dos seus direitos porque sabia que
não tinha capacidade de seguir em um projeto como aquele.
— Eu vou conversar com a Paige sobre as possibilidades da nossa
pesquisa, todos os pontos importantes e reportar isso a faculdade, por mais
que não tenha um vínculo da minha pesquisa com a instituição. — Sua
empatia foi palpável em cada palavra, abrandando aquele sentimento
desesperador que estava assolando meu coração desde que descobri o plano
da senhora Cooper. — Eu fiquei muito animado com todo o projeto
montado por ela, por mais que soasse um pouco amador e ilusório. Iríamos
fazer uma viagem em busca da planta, tentar trabalhar com ela e começar
alguns trabalhos químicos em cima disso.
— Assim que vi sua ideia e a quantidade de informação que ela tinha
sobre o assunto, fiquei impressionado — admiti.
Ele sorriu, apoiando as duas mãos sobre a barriga grande e redonda.
— Não a conheço, mas tenho a sensação de que seremos grandes
amigos de profissão em breve. E eu farei de tudo para desmascarar a
Cooper, conversar com a faculdade e deixar que todos saibam sobre isso.
Pode ser que apareçam mais denúncias e providências mais sérias sejam
tomadas.
Assenti com a cabeça, porque não conseguia falar muita coisa.
— Sou muito grato pelo seu aviso e amanhã mesmo vou tomar
atitudes sobre isso. — Ele olhou para o número que tinha anotado em um
papel. — E tendo tudo resolvido, ligarei pessoalmente para Paige. Quero
muito manter o projeto, mas para isso quero que ela tenha a sua
participação intelectual nisso.
Com aquelas palavras que me despedi dele, tendo a certeza que eu
tinha feito o que era necessário.
Sempre fui o tipo de pessoa que fez tudo pelos outros, principalmente
por quem eu amava. Eu abria mão de momentos pessoais, abria mão de
escolhas que gostaria de fazer, abria mão de qualquer coisa que fosse
possível pelo outro e seu bem estar. Mas sem dúvidas, aquela era a primeira
vez que eu estava me sentindo bem em ter feito aquilo, por abrir mão de
algo para conseguir uma solução para o problema de alguém.
Pela primeira vez eu estava fazendo porque realmente queria, e não
por uma obrigação – não porque colocaram um peso nas minhas costas.
Paige Mallory merecia aquele tipo de esforço.
Eu queria que ela percebesse que era amada por alguém. E de quebra,
acabei descobrindo que também era capaz de amar mesmo que nunca tenha
recebido esse amor das pessoas que deveriam.
A sensação de abandono mesmo nunca tendo sido abandonado de
fato era vivida em mim. Meu pai sempre esteve presente, por mais que suas
atitudes nunca mostrassem que ele estava ali quando precisávamos. Minha
mãe, por sua vez, esteve presente enquanto podia, sumindo pelo mundo e
me deixando com a mesma sensação de que não tínhamos com quem
contar.
Era por isso que me sentia na obrigação de cuidar deles.
Era por isso que me sentia na obrigação de aceitar todas as ameaças
que meu pai fazia.
Todavia, eu tinha feito uma escolha diferente naquele dia e estava
orgulhoso de mim mesmo.

Meu coração ansioso não deixou com que eu fosse para casa, tinha
alguém que precisava do meu acolhimento e de uma boa notícia como a que
eu estava prestes a dar. A sua mãe, seja lá onde estivesse, sabia que a sua
filha merecia ter todos os créditos do que fez. Ela merecia levar sua história,
a história da sua mãe e como ambas aprenderam com a doença, cada uma
do seu jeito.
Eu tinha prometido que ajudaria Paige a fazer isso, e foi isso que eu
fiz.
Ela iria me entender.
— Nem pense em entrar nessa casa porque Paige não está aqui. —
Alisson me recebeu, com um copo vermelho na mão enquanto parecia
mexer no bolso da sua calça alguns números maiores do que ela. — Você
vacilou, nerd.
— Do… — Pisquei sem entender. — Do que você está falando?
— Você sabe do que eu estou dizendo. — Ela parou de vasculhar os
bolsos para me encarar, demonstrando estar alterada. — Como sua… Como
amiga da sua irmã, eu deveria te dizer que você não foi o bom garoto que a
gente esperava.
A única explicação que consegui formular naquele momento era que
o meu cérebro tinha derretido depois das horas dirigidas, pois não estava
entendendo nada do que Alisson estava falando.
— Você conhece a minha irmã?
Ela gargalhou, se aproximando.
— Eu conheço. — Esticou o copo na minha direção, me fazendo
segura-lo. — E é por conhecer ela e gostar que eu vou te falar uma coisa. —
Alisson se apoiou no meu ombro, voltando a enfiar as mãos nos bolsos. —
A Paige foi para a festa na Gama com a Kim. Se eu fosse você, me ajudava
a abrir a porta e ia atrás dela.
— Mas ela não me parecia bem nas mensagens que me enviou.
Alisson deu um tapa fraco no meu peito, voltando a segurar o meu
ombro com dificuldade.
— Você viu as merdas das mensagens e não… — Ela arrotou,
gargalhando. — Você não…
— Eu não respondi porque estava resolvendo o problema sobre a
Cooper. Queria ajudar a Paige, Alisson.
Ela balançou a cabeça vagarosamente, parecendo entender.
— Então você vai me ajudar e vai atrás dela.
Nunca pensei que achar uma chave e abrir uma porta fosse tão difícil
de se fazer com uma menina bêbada no meu braço. Alisson falou algumas
besteiras, perguntou como eu tinha conseguido fazer a Paige ficar gamada
em mim e ainda soltou algo como ela entender porque os Turners são
diferentes. Eu queria rir de cada piada e comentário, porém minha cabeça
estava voltada para o que Paige estava fazendo ou pensando. Por qual
motivo ela tinha se enfiado em uma festa estando tão chateada como a sua
amiga contou em detalhes?
Festas em fraternidades sempre aconteciam pelo campus. Todas as
casas tinham suas formas de fazer festa e principalmente a sua fama. A
Gama era a típica irmandade que faziam festas que acabavam com a polícia
do campus por todas as partes, pelo som, pelos jogos que faziam e por ter
uma tradição de desafios que levavam alunos a correrem pelados, nas
hipóteses mais tranquilas.
Portanto, quando cheguei próxima a casa e vi um grupo de meninas
apenas de biquíni batalhando em algo que parecia futebol de sabão, não me
assustei, apenas seguindo para longe daquele tumulto inicial.
— Ora, ora, ora, se não é o nerd. — Kimberly sempre me assustava,
mas aquele dia o seu tom de vilã de filme de princesas me fez paralisar no
lugar. — O que faz aqui?
— Eu-eu…
— Olha só, nerd. — A sua unha afiada foi parar na frente do meu
nariz, faltando pouco para não arranhar. — Eu não sei porque você decidiu
que hoje seria um ótimo dia para sumir, mas saiba que se eu ver a Paige
chorando por você de novo, eu serei obrigada a arrancar suas bolas com
essas unhas. — Ela esticou a palma da mão na frente do meu rosto. — E eu
vou pegar suas bolas, colocar azeite e fritá-las, para comer no meu café da
manhã.
Seus olhos frenéticos nem piscavam enquanto me ameaçava, fazendo
com que um arrepio corresse pelas minhas costas até chegar nas bolas que
ela disse que arrancaria.
— Eu… Eu não sei porque você está falando isso.
— Se faça de maluco e você vai ver se eu não sou a dona do
hospício, Turner. — Com o indicador ela segurou meu queixo, olhando
dentro dos meus olhos. — Suas bolas, minha frigideira e o café da manhã
dos campeões.
Assenti, quase não piscando.
Com a mesma força que ela surgiu, Kimberly desapareceu.
Como Paige tinha uma amiga tão intensa como ela? Foi o que eu
pensei ao mesmo tempo que ria, pensando em como James iria reagir a uma
cena daquela.
Ela não seria capaz de arrancar minhas bolas, ou seria?
Voltei a andar pelo gramado, focado em procurar por Paige. Uma
coisa que eu não queria, além de ficar sem as minhas bolas, era que Paige
achasse que eu não estava me importando com ela naquele momento tão
importante. Eu tinha vacilado nas minhas omissões, porém sabia que
quando explicasse, ela iria entender o meu lado e o fato de que nunca iria
conseguir olhar dentro dos seus olhos e a enganar de alguma forma.
As luzes dentro da casa não estavam muito diferentes do que eu me
lembrava da última festa que tinha ido me encontrar com Paige. As cores
neons, uma fumaça característica e pessoas bebendo por todos os lados,
tudo estava exatamente como eu me lembrava da última vez. A única
diferença era que no fundo daquela sala gigantesca e sem móveis, tinha uma
banda tocando um rock eletrizante.
Uma ruiva acenou assim que me viu e andou na minha direção. Eu
tinha certeza que não a conhecia de lugar nenhum, logo achei que não fosse
comigo. Olhei à minha volta, procurando por qualquer vestígio de Paige ou
da sua amiga, ignorando a presença da ruiva, até sentir sua mão tocando no
meu ombro, esticando-se até o meu ouvido.
— Paige está lá em cima, na varanda — a menina que não conhecia
me avisou, sem nem ao menos ter perguntado. — Acho que você perdeu a
sua namoradinha para o ex.
— O que você disse? — gritei contra o som, mas ela não se deu ao
trabalho de me explicar.
Não era possível, ou era?
Por algum motivo ficou difícil de respirar naquele lugar, cogitando
sair dali e não olhar para trás. Eu poderia conversar com Paige em outro
momento.
Eu nem sabia se realmente acharia ali.
Saí do meio do caminho, pegando o celular para mandar uma
mensagem para ela.
— Merda! — resmunguei para mim mesmo quando percebi que
estava sem sinal.
Tudo o que eu tinha era uma menina que eu não conhecia me dizendo
que Paige estava com o seu ex no andar de cima e mais nada. Eu não
conseguia imaginar o motivo dela ter ido conversar com ele de forma mais
reservada, mas quanto mais tempo eu passava parado com o celular na mão,
mais uma sensação estranha começava a esquentar minha testa. Olhei para
as escadas, depois coloquei a mão no meu peito, sentindo meu coração.
Ele acelerou inesperadamente.
Na pior das hipóteses, eu realmente encontraria ela com ele, e nas
melhores, ela não estaria em nenhum lugar daquela casa. Foi com esse
pensamento que comecei a subir as escadas para o andar superior, driblando
as pessoas, recusando bebidas pelo caminho, assim como falar com pessoas
que fingiam me conhecer.
A cada passo, aquela sensação estranha deixou de queimar apenas a
testa, desceu pelo pescoço e agora parecia ter se alastrado por todo o meu
corpo. O pouco de ar que conseguia puxar não parecia o suficiente para
suprir meus pulmões com ar.
Porém tudo virou um completo buraco escuro e sombrio quando
terminei de subir as escadas e me deparei com uma segunda festa, um clima
mais sensual e íntimo e no fundo do grande salão, Paige estava sentada ao
lado de Ryder, uma única perna sobre a dele, enquanto mesmo deixava sua
mão relaxada sobre ela.
Não é nada.
Falei para mim mesmo.
Não tinha como ser nada.
Precisei repetir.
Não é…
Aquele pensamento se perdeu no instante que ele me olhou, abriu
aquele sorriso debochado e avisou para ela que eu estava ali, apontando
para mim como se eu não fosse ninguém importante, exatamente como ele
gostava de fazer com todas as pessoas à sua volta.
Minha mão foi ao peito de novo ao mesmo tempo que meus olhos
estavam perdidos na mão de Ryder, que teimou em subir pela coxa de
Paige. Ela não se moveu, parecendo tão estática quanto eu. Ryder segurou
seu rosto para dizer algo, mas eu precisei fechar meus olhos para controlar
aquela fúria que estava queimando cada parte do meu corpo, correndo pelas
minhas veias e artérias, causando uma combustão dentro de mim.
Eu não posso ficar aqui.
Foi tudo o que eu pensei naquele milésimo de segundo onde vi Paige
tirar a mão dele do seu rosto e ameaçar levantar, sendo impedida por ele. Eu
queria ser o cara que iria bater de frente com ele ali, eu queria ser o mesmo
cara que vinha enfrentando ele em todas as oportunidades. Porém, diferente
de todas as outras vezes, eu precisei recusar.
Se Paige estava sentada ali, conversando, era porque queria. E eu não
poderia controlar suas vontades.
Eu não deveria.
Respirei fundo, fechei meus olhos e quando senti que aquela brasa
não diminuía, dei dois passos para trás, sentindo o começo do degrau da
escada que tinha acabado de subir. Toda a combustão que estava correndo
pelo meu corpo subiu até meu pescoço, travando de vez qualquer
possibilidade de respirar, se alojando nos meus olhos. Eu não ia chorar ali.
Me recusava a fazer esse tipo de coisa na frente de qualquer pessoa.
Engoli aquela sensação e corri pelos degraus.
— Caleb! — Ouvi-a me chamar.
Porém, fui incapaz de olhar para trás.
Depois da quarta dose de tequila, eu não conseguia mais sentir os
meus lábios.
Eu nunca fui o tipo de pessoa que gostava de beber, porém, todas as
vezes que quis afogar algum sentimento ou situação, era para as bebidas
que eu recorria. O álcool sempre parecia cair melhor quando ele estava
sendo motivado por alguma coisa. Talvez porque partes de mim sabiam que
a cada dose que entrava, aquele problema ou sentimento, deixava meu
corpo. A cada dose tomada, mais uma dose de felicidade era somada ao
meu corpo.
Anestesiando. Inibindo. Bloqueando.
— Paige Mallory sozinha em uma festa? — Ryder se aproximou
como sempre fazia, um sorriso galanteador no rosto e um papo furado.
— Eu não estou afim de conversar, Ryder. — Levantei a mão,
balançando para ele entender que queria ficar sentada naquele sofá sozinha.
— Eu não estou me sentindo muito bem.
— Quer que eu te ajude indo para casa? — Ele se abaixou na minha
frente, apoiando uma mão no meu joelho. — Você bebeu mais do que o
normal, Paige. O que está acontecendo com você?
O problema do álcool é que você começa a enxergar empatia onde
não existe, é que todas as pessoas começam a parecer mais legais do que
realmente são. Ou pior, você começa a misturar a realidade com uma ficção
que você gostaria que fosse de verdade, sendo muito difícil descobrir o que
é real ou não. E mesmo sabendo que Ryder não era a pessoa que ele estava
sendo naquele momento, encarei seus olhos e acreditei.
No sorriso largo e acolhedor, nos olhos que, de azuis, estavam
ficando escuros, em um tom que eu era apaixonada; até seus cabelos se
misturarem com fios escuros como os olhos. Eu sabia que era Ryder na
minha frente, embora minha mente estivesse se envolvendo com o álcool,
criando um Turner que não foi capaz de me mandar uma mensagem, quem
dirá aparecer bem ali para me ajudar.
— Nerd… — Suspirei, puxando o ar pela boca. — Ryder — corrigi.
Ele sorriu, balançando a cabeça.
— Eu vou lá embaixo pegar água para você e assim que você ficar
melhor, vou te levar para casa.
Balancei a cabeça sem forças para debater sobre aquilo.
Entre um Caleb fictício que minha mente gostou de produzir, ou um
Ryder que estava afim de fazer aquilo por mim, não tive forças para debater.
Fiquei naquele sofá, recebi sua água e por algum tempo ficamos em
completo silêncio, vendo as pessoas andando de um lado para o outro,
dançando, bebendo, curtindo.
— Eu deveria estar como eles. — Puxei assunto, deixando meu corpo
cair mais para o lado que ele estava sentado. — Eu deveria estar me
divertindo o máximo que eu conseguia e não bebendo água.
— Você está se sentindo melhor? — Ele apoiou a mão no meu
joelho, virando seu corpo de modo que conseguisse olhar meus olhos. — O
que aconteceu com você para estar nesse estado deplorável? Cadê o seu
namorado?
— Deplorável? Pegou pesado. — Gargalhei, me sentindo mais leve
que o normal. — Ele está em algum lugar que eu não sei e eu deveria estar
me divertindo.
— Eu não vou deixar você se divertir com qualquer pessoa, Paige.
Serei a porra do namorado que ele não está sendo — Ryder falou com
propriedade, apertando os músculos da minha coxa. — O Turner te trocou
pela borboleta?
Borboleta.
Acho que nunca odiei tanto uma coisa na minha vida.
Tudo o que o álcool tinha conseguido anestesiar, naquele instante
caiu como uma pedra bem no meio da minha cabeça, me deixando tonta.
Olhei dentro dos olhos daquele cara que eu conhecia, corri meus olhos por
seus traços firmes e másculos, seu rosto quadrado e os lábios finos. O lema
de Kim serpenteou na minha cabeça e eu, se fosse minha antiga versão,
deixaria aquela raiva queimar na boca de Ryder, ainda que soubesse quem
ele é e que não valeria aquilo.
— Eu não sei se ele está com a borboleta.
— Deve estar. — Ryder levou minha perna até a dele, mexendo na
patela do meu joelho assim como costumava fazer. — O único lado triste
disso tudo é que você parece estar apaixonada por ele. Até mais do que
esteve por mim.
Acabei rindo, pela verdade que ele disse ou pela minha tristeza em
estar apaixonada por alguém que gosta de outra pessoa.
— Eu não estou apaixonada — menti.
Se eu fingisse não estar, poderia me acostumar em algum momento
com aquela informação.
— Eu sei que você está, mas é bem triste estar apaixonada por
alguém que ama outra pessoa.
Ama.
Aquilo soou como um sino, martelando minha cabeça, doendo todos
os pontos, me deixando desnorteada.
Como uma cena mal escrita de um autor que parecia me odiar de
alguma forma, Caleb surgiu naquela festa, naquela sala, me encarando
como se tivesse sido tão atingido como eu me sentia. Eu não tive reação.
Por alguns segundos, achei até que meu cérebro estava brincando mais uma
vez, projetando sua imagem ali, até Ryder falar algo para mim enquanto
segurava o meu rosto.
Tentei levantar. Tentei reagir.
A saudade. O sentimento frustrante. A vontade de correr para os seus
braços. Tudo estava correndo na minha cabeça, como um e-mail que recebe
várias mensagens por segundo e não consegue funcionar muito bem. Eu
estava travada. Olhando para ele e além dele. Vendo seu rosto se misturar,
mudar. Sua surpresa virando decepção. Seus olhos escuros se tornaram dois
buracos profundos e escuros no seu rosto até ele dar passos para trás.
E tão rápido quanto fui atingida por aquelas três letras ditas por
Ryder, vi Caleb sair daquele ambiente, correndo, empurrando algumas
pessoas ao seu caminho.
— Você vai atrás dele?
Ryder, como sempre, foi o que ele costuma ser em todas as situações:
desnecessário.
— Cala a boca, Ryder. — Não gritei, rosnando. — CALEB! — Seu
nome eu fui capaz de gritar.
O álcool evaporou a cada passo que praticamente voava descendo as
escadas. Minha mente não conseguia pensar enquanto me movia por um
sentimento muito diferente do que eu costumava sentir perto de Caleb. A
queimação que normalmente me atingia, a felicidade absoluta de estar na
sua presença, não era algo que estava sentindo naquele momento. Muito
pelo contrário, eu estava com raiva. Raiva de mim por estar conversando
com Ryder daquele jeito. Raiva porque tudo o que eu queria era que ele
tivesse me ligado, me mandado uma mensagem, me explicado qualquer
coisa.
A raiva, aquela coisinha estava me queimando a cada momento que o
via ficar mais longe, estava crescendo, rompendo minhas próprias barreiras,
inundando cada parto do meu ser. Eu odiava me sentir daquele jeito, prestes
a cair de um penhasco sem realmente te-lo aos meus pés. A sensação de
sentir tudo e nada ao mesmo tempo.
— CALEB! — gritei já no meio do gramado, chamando atenção de
todos à nossa volta.
— O QUE FOI, PAIGE? — ele gritou de volta, parando de correr,
ainda que estivesse de costas para mim. — SÓ ME DEIXA IR EMBORA.
Assim que tentei abrir minha boca, um soluço tomou conta da minha
garganta e precisei parar de correr para tomar fôlego, para me lembrar como
era respirar e falar ao mesmo tempo.
— VOCÊ NÃO VAI EMBORA ATÉ ME EXPLICAR O QUE ESTÁ
ACONTECENDO. — Aquilo saiu como se eu tivesse engasgada e
finalmente pudesse voltar a respirar. — VOCÊ TEM…
Minha voz se perdeu quando ele virou e seu rosto estava cheio de
lágrimas, tão vermelho quanto ficava quando estava sem graça. Seus olhos
correram por mim, por suas mãos e ele grunhiu, em alto e bom som. Era
desesperador. Meu corpo reagiu àquilo, doendo em partes que eu nem sabia
que eram capazes de doer. Tentei puxar o ar e dar um passo em sua direção,
mas ele negou com a cabeça.
Perdido.
Caleb puxou seus cabelos com muita força, algo que eu nunca o vi
fazer antes.
Era frustração. Tristeza. Raiva.
Muitas coisas ao mesmo tempo.
— O que você quer de mim, Paige Mallory? O que você quer?
Porque eu… — Caleb tampou o rosto, secando-o. — Porque eu não consigo
entender como você estava com ele, daquele jeito. Logo ele que falou tantas
coisas de merda sobre você.
— E daí, Caleb? Você se fez de príncipe quando na verdade estava
sabe-se lá onde com a sua borboleta enquanto eu precisava de você aqui. —
Deixei que aquilo saísse de uma única vez, desesperada. — Eu precisava de
você aqui comigo porque você sabia o quanto era importa…
Ele riu.
Riu.
Fazendo com que eu me calasse, chocada.
— Você está rindo? — Pisquei várias vezes, voltando a me sentir
tonta.
— Você é a menina mais brilhante que eu já conheci, mas não
percebeu o óbvio. — Ele secou mais uma vez o rosto, fungando. — Você
não percebeu que mesmo que existisse outra pessoa, qualquer pessoa que
seja, ela nunca seria o que você é para mim. Eu te disse, Paige, você é a
minha dose diária de felicidade. A pessoa que eu durmo e acordo pensando.
A mulher que tira de mim as melhores risadas, tem os melhores
comentários e me fode em todos os sentimentos. Eu nunca trocaria você por
outra porque é você que eu amo.
— Mas a borboleta… — sussurrei.
— Quem se importa com isso, Paige? Quem? Eu acabei de dizer
que…
Ele parecia mais frustrado que o normal, parecendo querer arrancar
os cabelos com as próprias mãos.
— EU ME IMPORTO, CALEB — gritei, deixando aquelas lágrimas
idiotas voltarem a sair dos meus olhos. — Meu Deus, eu não aguento mais
chorar — falei olhando para o céu, que aquela altura já estava tão escuro
quanto os olhos de Caleb. — Eu só queria saber quem é essa pessoa.
— Eu disse que te amo, Paige — ele repetiu.
— E eu disse que quero saber o nome dela.
Eu estava cega.
Enquanto não soubesse quem era aquela pessoa, não ficaria em paz e
aquilo sempre estaria martelando na minha cabeça. Pois independente de
tudo o que ele tenha falado, minha mente parecia programada apenas a
prestar atenção em quem era ela e como ela o atingia ao ponto de ele sumir
por dias sem falar nada.
— Você quer saber quem ela é?
Quando aqueles olhos me encararam, já não era do Caleb fofo e
tímido que conheci; ou a sua versão safada que me visitou algumas vezes.
Aquele na minha frente, marchando na minha direção, focado em um ponto,
parecia o Caleb jogador, furioso, determinado.
— Você quer mesmo saber, Paige Mallory?
— Eu…
— Ela é você, Paige — ele praticamente cuspiu aquilo na minha cara.
— VOCÊ É A MINHA BORBOLETA.
Neguei.
Não tinha como aquilo ser real.
— Como que eu… Como…. — gaguejei, incapaz de processar
aquela informação.
— Eu não queria parecer um cara estranho que ficou apaixonado
desde a primeira vez que viu uma menina dançando em um dos
laboratórios. Eu não queria parecer um cara desesperado, mesmo me
sentindo assim, quando você se aproximou naquele laboratório e pediu a
minha ajuda. — Ele falava tão rápido que estava difícil de acompanhar. —
Eu me apaixonei pela menina que intitulei como borboleta, quando a vi
dançando em um laboratório, Paige. Você era essa menina. Naquele dia,
você parecia com raiva e conforme foi dançando…
Se antes eu não conseguia respirar, naquele instante parecia que
alguém tinha sentado em cima do meu peito, me impedindo de vez. Olhei
dentro dos seus olhos, me enxerguei em cada parte desesperada enquanto
minha mente me lembrava de dançar no laboratório depois da festa em que
Ryder foi mais agressivo comigo. Me lembrei da minha raiva, do
sentimento de estar suja, de me sentir indefesa mesmo tendo o poder de
revidar tudo o que ele fez naquela noite.
Me senti errada. Incapaz. Destruída.
— Você dançava com vontade, saltava, parecia depositar nos seus
movimentos todos os sentimentos mais profundos que estava sentindo —
Caleb descreveu exatamente o que eu fiz, chamando a minha atenção mais
uma vez. — Eu fiquei te vendo até você ficar leve, se transformar, mutar…
Como uma borboleta. Saindo do seu casulo, mostrando como você é linda
mesmo de um período que pareceu difícil.
— Caleb… — murmurei, me dando conta de que estava chorando.
— Eu me apaixonei por você desde a primeira vez que eu te vi,
Paige. Mas quem era eu? Por que você ficaria com um cara como eu? —
Ele sorriu, triste, deixando algumas lágrimas escaparem. — E sinceramente,
por algum tempo eu achei que essa proposta era perfeita, só que eu estava
errado.
— Não, Caleb… Eu…
— Isso nunca foi uma proposta perfeita, Mallory.
Tentei puxar o ar para argumentar. Abri e fechei a boca ao mesmo
tempo em que ele se afastava, dando alguns passos para trás. Caleb afundou
a mão no bolso, levou o celular ao ouvido e me olhou uma última vez,
balançando negativamente.
— É uma proposta perfeita, nerd. Sempre foi — falei, mas ele não se
virou para responder.
Eu estava cego quando saí daquele lugar, andando até em casa como
se meu carro não estivesse estacionado na mesma rua em que tudo
aconteceu.
Camden me ligou diversas vezes durante a pequena corrida que
acabei fazendo. Ora preocupado com o meu sumiço, outros momentos ele
estava com medo do que meu pai estava aprontando. Nós dois sabíamos o
que realmente estava acontecendo, mas sua positividade estava marcada até
naqueles momentos que não deveriam existir esperança.
Para que essa coisa chamada esperança se quando temos, acabamos
frustrados com o rumo das coisas?
Partes de mim gostaria de focar no que estava à minha espera quando
chegasse em casa, me preparar para mais uma rodada de discussões ou pior,
para não ter mais para onde ir quando o fim do dia chegasse. Mas a outra
parte de mim, a que realmente se importava e que tinha dedicado seus
últimos dias para fazer algo a quem se ama, estava pensando no que tinha
acabado de acontecer.
Eu disse tudo o que estava escondido.
Joguei as cartas na mesa.
Eu disse com todas as palavras que a amava.
Cogitei que nunca teria coragem de dizer isso para Paige porque no
fundo, aquele cara que a viu dançando, ainda existia dentro de mim. Eu
tinha aprendido a ser corajoso em muitas coisas, mas quando o assunto era
amar, eu era um mero aprendiz em busca de muitas respostas – um curioso.
Mas depois que essa coragem virou todas aquelas palavras, nada
pareceu mais certo do que dizer. Assim como nada pareceu mais certo do
que sair correndo ao invés de dirigir da forma com que eu tinha feito. Me
exercitar sempre foi uma saída para momentos como aquele, antes era o
hockey, agora era com uma corrida com um tênis nada apropriado para isso.
Enquanto meu pé batia contra o asfalto e meu peito queimava durante
a corrida que resolvi fazer até em casa, minha mente vivia aquele momento
em que decidi dizer para a mulher que eu amo o quanto não fazia sentido
pensar em alguém que não era nada demais, que era ela. Tentei explicar do
meu jeito que, por mais que pudesse existir outras pessoas antes, ninguém
seria similar ao que ela era, ao que eu estava sentindo por ela.
Será que ela conseguiu entender o que eu disse?
Será que ela entendeu e só não quis retribuir?
Busquei pensar racionalmente, tentei calcular cada coisa que
aconteceu, mas o fato de não ouvir da sua parte que sentia o mesmo, que ao
menos gostava de mim, foi como receber uma facada no meio do meu peito.
Eu nunca achei que fosse amar alguém, mas sempre achei que não seria
amado por ninguém. E naquele momento, logo que não confirmou qualquer
tipo de sentimento por mim, eu acreditei na minha teoria mais do que
nunca.
Talvez eu fosse incapaz de ser amado.
Era isso.
Poderia soar dramático, até porque eu tinha duas pessoas que me
amavam independente do meu jeito ou erros. Eu tinha duas pessoas que
nasceram depois de mim e que eu aprendi, quase que instantaneamente, o
que era querer proteger alguém acima da sua própria proteção. O que era
amar alguém ao ponto de saber que você faria tudo por aquela pessoa.
Eu tinha isso. Não tinha como negar.
Emma e Camden eram essas pessoas para mim.
No entanto, isso não significa que um vazio não existisse dentro de
mim. Uma incapacidade de ser o que alguém precisa, sem necessariamente
ter aquele laço sanguíneo nos unindo. Não saberia explicar em palavras
como era essa sensação vazia, mesmo estando completo de alguma forma.
Sozinho, mesmo sabendo que tem com quem contar. Incapaz de ser amado
por alguém, mesmo que tenha e exista pessoas que me amem.
— Não sei porque voltou para essa casa. — Foi assim que ele me
recebeu, com alguns sacos de lixo espalhados pela sala. — Eu disse que se
você não aparecesse no treino, não precisava voltar.
No que eu acreditava ser feito por um pai que ama seu filho, eu
chegaria em casa com cara de quem chorou durante todo o caminho, suado
e ofegante. O pai que tanto ama o seu filho me abraçaria e não falaria nada
porque entenderia que aquele não seria o momento certo para conversar. Ele
me acolheria, entenderia minha dor mesmo que não falasse e me deixaria
confortável, podendo até estar curioso para saber o que aconteceu.
No mundo perfeito, algo parecido poderia acontecer naquele
momento. Todavia isso, isso não existe. E eu estava muito cansado para
falar qualquer coisa.
O encarei por alguns segundos, assentindo com a cabeça.
— Onde você pensa que você está indo? — ele rosnou, de onde
estava sentado.
— Eu vou falar com o Camden e sair da sua casa — expliquei.
Eu não tinha forças para debater sobre aquele assunto, argumentar e
implorar para ficar. Eu não queria ficar. Eu queria fugir para um lugar onde
eu me encaixasse de verdade, onde me sentisse acolhido e dentro de um lar.
Algo real, coisa que mesmo sendo a minha casa, nunca senti debaixo
daquele teto.
Ter uma casa não significava ter um lar.
— Você não vai entrar nessa casa, ela não é sua. — Ele aumentou um
pouco o tom de voz, erguendo-se do sofá.
— Um dia, eu acho que você vai perceber que tudo o que fez só
afastou as pessoas que te amavam.
Mesmo sem forças, resolvi falar todas as coisas que precisava,
porque no momento em que eu saísse por aquela porta, não voltaria mais.
Não que fosse uma promessa, longe disso, mas algo me dizia que se um dia
eu quisesse ser feliz, precisaria fazer isso longe daquela casa. Como? Onde?
Com que dinheiro? Eu não sabia nem tinha resposta para isso, só entendia
que essa era a verdade que estava fingindo não enxergar durante todo esse
tempo.
— Eu sempre tentei ser um bom filho, sempre tentei te agradar, até
nos momentos em que eu não deveria fazer isso. Eu abaixei a cabeça e
respeitei todos os seus “nãos”, andei na linha, nunca fui o filho rebelde que
muitos pais reclamam. Mas sabe como eu me sentia? — Afundei as mãos
na calça jeans, me sentindo nu na sua frente. — Eu me sentia insuficiente.
Nada do que eu fizesse era capaz de cativar em você o mesmo carinho que
eu tinha por você, o mesmo respeito como pessoa e como seu filho.
Eu não sabia que era capaz de chorar mais até sentir as lágrimas
saindo dos meus olhos com uma força desesperada, me calando por um
momento para conseguir respirar e controlar.
— Eu só queria que você tivesse se esforçado em ser um bom pai
como eu me esforcei para ser um bom filho para você. — Olhei para o teto,
tentando controlar as lágrimas. — Porque se eu sentisse que você ao menos
me amava, já teria valido a pena todo esse esforço em ser incrível aos seus
olhos. Eu teria pensado que pelo menos aquele empenho valeu para ser
amado pelo meu herói. Mas nem isso eu senti. Nunca me senti amado por
você. — Voltei a olhar para ele, vendo-o quieto, com suas narinas abrindo e
fechando como se estivesse furioso o suficiente para voar no meu pescoço.
— Então agora, eu só quero poder falar rápido com o Camden e sair daqui
sem qualquer problema. Não estou à procura do seu amor ou de um perdão
ilusório. Só quero sair e me sentir livre, talvez pela primeira vez na minha
vida.
Não cabia falar mais nada, desenterrar coisas do passado e deixar
aquela ferida cada vez mais profunda. Eu sentia que eu tinha falado tudo o
que podia e aguentava falar naquele momento. Era como ver uma casa
muito bagunçada e escolher o que queria arrumar com mais urgência. A
casa tinha muitos cômodos, todos estavam imundos. Apesar disso, eu
jamais teria a energia de fazer uma faxina geral, então só arrumei a sala e
ignorei todo o resto da bagunça.
Pelo menos por aquele momento.
Pelo menos até eu me sentir pronto para arrumar mais alguma coisa.
— Eu… — Vi sua glote subir e descer. — Eu te dou dez minutos. —
Foi tudo o que me disse.
Sem gritos.
Sem desaforos.
Sem ameaças.
Pela primeira vez meu pai ficou calado, me encarando com os olhos
de quem queria falar muita coisa, mas não tinha a mesma coragem do que
eu. Ele não ia assumir o que sente, não iria falar abertamente sobre todas as
coisas – eu já sabia.
Assenti mais uma vez com a cabeça, indo falar com a única pessoa
que me importava naquele momento.
Tão logo comecei a subir as escadas, Camden estava sentado nos
degraus me olhando tão assustado quanto ficava quando era menor e tinha
algum pesadelo. Fiz sinal para ele levantar e subir os outros degraus, para
que pudéssemos conversar no quarto e não ali onde ele poderia escutar.
Contudo fui atingido com um abraço que poucas vezes dávamos, por mais
que fossemos muito amigos e cúmplices.
Nossa criação nos uniu como uma equipe, mas nos afastou quando o
aspecto era demonstrar carinho fisicamente ou até com palavras. Não
éramos o tipo de irmãos que nos abraçamos, beijamos e dizíamos que nos
amávamos. Éramos o tipo de irmãos que estaríamos ali para qualquer coisa,
até ocultar um corpo, se fosse necessário. Faríamos sacrifícios, cuidaríamos
uns dos outros, mas raramente seríamos diferentes daquilo.
Raramente aquele tipo de contato acontecia.
— Você não pode ir, Lebbie — ele falou contra o meu ombro, me
apertando cada vez mais apertado. — Eu não vou ter mais ninguém.
— Eu sempre vou vir aqui quando ele não estiver. — Afrouxei seu
corpo, forçando o meu melhor sorriso naquele momento. — Eu não consigo
brigar hoje, Cam. Você entende isso?
Ele negou com a cabeça, me fazendo sorrir e bagunçar o seu cabelo.
— Você sempre consegue brigar com ele. Eu posso descer agora e
fazer isso por você.
Beijei o meio da sua testa.
— Você não vai fazer nada. — Meu irmão mais novo deixou uma
lágrima escorrer dos seus olhos, não sendo muito diferente da sua versão
criança, onde ele fazia um esforço muito grande para não chorar. — Eu sei
que a gente não fala muito isso, mas eu amo você e vou estar aqui todos os
dias que precisar. Vou falar com a Emma, vamos dar um jeito.
Camden piscou seus olhos grandes, me abraçando mais uma vez.
— Você não tem dinheiro, Lebbie.
Me apertou forte, me fazendo deixar escapar mais algumas lágrimas.
Era uma despedida.
Querendo ou não.
Parecia algo definitivo até para ele.
— Eu dou um jeito.
— Você é pobre, mano.
Aquilo me fez rir baixinho.
— Nem nessas horas você consegue ser diferente, Camden.
Ele se afastou mais uma vez, rindo e chorando, passando a mão na
testa.
— Eu estou sendo realista, Lebbie. — Camden piscou com um único
olho, ainda deixando uma penca daquelas lágrimas caírem. — Usa o
dinheiro que a vovó deixou, entendeu? Dorme com o James e liga para
Emma. — Ele parecia estar pensando em tudo ao mesmo tempo. — Ou fica
com minha quase cunhada e faz todas as outras coisas.
— Eu vou dar um jeito, Cam — repeti, beijando mais uma vez a sua
cabeça.
Não queria falar sobre Paige naquele momento.
Não queria falar que não sabia o que ia fazer.
Sempre mostrei para Camden que eu podia resolver qualquer coisa,
quase uma figura paterna que não tive e que achava que ele precisava ter.
Então por mais que naquele momento eu não fizesse ideia do que faria, me
mantive firme na sua frente, apesar de estar quebrado em vários pedaços
por dentro.
Eu estava perdido, destruído.
— Promete que vai ficar bem, Lebbie?
— Eu vou ficar.
Eu sempre ficava.
Meu corpo parecia estar boiando.
Eu não tinha certeza de onde estava ou como tinha chegado ali,
mas tudo o que eu sentia era como se meu corpo estivesse em cima de uma
boia em alto mar, sendo guiado pelas ondulações das ondas.
Na praia, no mar, aquela maresia era envolvente, de certa forma
reconfortante. Todavia, a sensação era horrível quando se estava em um
colchão dentro de um quarto, principalmente porque aquelas ondulações
pareciam estar por todas as partes, particularmente no meu estômago, que
parecia cheio demais para suportar aquilo tudo.
Abri meus olhos rapidamente, sentindo a ondulação ganhar mais
força, me arrebentar no meio e precisar de um balde ou qualquer coisa para
conseguir deixar que aquilo saísse de mim.
— Aqui! Aqui! Aqui! — Eu conhecia aquela voz, mas não
conseguia enxergá-la.
Metade de mim agora estava na frente do recipiente que ela
colocou praticamente dentro do meu rosto.
— Kimberly, se você puder — vomitei mais uma vez —, me
mata.
— Vou pedir para Alisson pegar mais uma dose de tequila.
E só de ter o nome mencionado, consegui sentir o cheiro do
álcool, a forma abrasiva que queimou minha garganta quando tomei a
primeira dose e aquela queimação, que parecia mais real, me fazendo
vomitar mais alguma coisa, mesmo sem saber como poderia estar
vomitando se não me lembrava de ter comido nada.
— Como eu vim para casa? — Voltei a deitar, piscando meus
olhos até conseguir ver o rosto de Kimberly ainda maquiado da noite
anterior.
— Depois de ter chorado e todo mundo ter visto? O Cookie me
chamou para te ajudar a voltar para casa. — Kimberly passou a mão nos
meus cabelos e fez cara de nojo para o balde. — Como você está se
sentindo?
Não tinha como explicar como estava me sentindo.
Nem toda a ressaca do mundo ia apagar as últimas palavras ditas por
Caleb. Eu não tinha todas as partes gravadas na minha mente, muito menos
a forma que cheguei aquela casa ou como estava tomada banho e de pijama,
mas uma coisa eu tinha certeza: meus sentimentos por Caleb só se tornaram
ainda mais reais depois de saber que ele sentia o mesmo por mim, e não por
uma outra garota.
Como eu poderia imaginar que ele tinha se interessado por mim em
uma dança? Como eu poderia prever que nós dois fizemos, de certa forma,
um plano para nos aproximarmos um do outro? Nem nos meus melhores
sonhos eu conseguiria imaginar e idealizar algo como aquilo.
Ao mesmo tempo que a felicidade tinha tomado meu coração no
momento em que me dei conta de tudo o que tinha saído dos seus lábios,
um arrependimento queimava mais do que toda a tequila que tinha tomado.
Eu tinha conseguido estragar tudo. Eu não falei como eu me sentia. E
diferente do que eu pensei que o álcool fazia, em apagar tudo o que tinha
pela frente, eu tinha certeza que o fato de estar me sentindo envergonhada e
arrependida não seria apagado tão facilmente.
Nada apagaria o fato de agora eu sabia de tudo e aquilo não servia
de nada.
— Você quer dizer em quais aspectos? — Forcei um sorriso.
A verdade é que a ressaca estava queimando meu estômago, meu
corpo parecia ter sido atropelado por um caminhão e mesmo assim, o que
mais me doía naquele momento era saber que não cheguei a falar tudo o
que sinto para ele, que fui incapaz de ser racional e ter focado na única
coisa que me importava.
— O que aconteceu entre você e o nerd?
Me aconcheguei mais nos lençóis, fechando os olhos antes de falar
qualquer coisa.
— Ele disse que me amava e eu só fiquei pensando na merda da
borboleta.
— Puta merda!
Ela falou tão baixo que acabei rindo, sentindo o gosto amargo, ainda
que não fosse pelo vômito e sim por aquele sentimento de ter sido péssima
com quem não merecia.
— Pois é, e no final, eu era a merda da borboleta, Kim.
— COMO ASSIM?
Seu quase grito fez minha cabeça martelar.
O seu “como assim” me representou bem naquele momento em que
tudo o que eu queria era saber como toda a sua história poderia fazer
sentido, como eu nunca tinha percebido ou cogitado nessa possibilidade. Às
vezes, por mais que todas as informações estejam na beira dos nossos olhos,
ficamos cegas demais por nossos próprios sentimentos de sabotagem e
descrença. Essa era a única explicação que eu conseguia chegar enquanto
via a pessoa que eu mais queria me dizer exatamente todas as coisas que
nunca achei que ouviria de alguém.
Não verdadeiramente.
Ao mesmo tempo que Caleb Turner achava que eu era demais para
ele, eu o achava demais para mim. E no final dessa equação, nós éramos
exatamente iguais e equivalentes ao desejo um do outro.
— O que aconteceu? O que aconteceu? O que aconteceu? — Miley
entrou no quarto como um furacão, acompanhada de Alisson.
— Ela era a menina que o Caleb estava apaixonado.
Vi as meninas se olharem sem entender nada, depois voltarem seus
olhos para Kimberly, que parecia ter dado uma informação muito óbvia e
bem elaborada.
— Eu não tinha dito que ele estava com alguém? — Repetir aquilo
me deixava ainda com mais vergonha. — Eu achava que Caleb estava
apaixonado por uma menina que ele chamava como borboleta, mas no final,
eu era essa tal de borboleta.
Não tentei fazer suspense, contando de uma única vez e da forma
mais resumida possível.
Poderia falar sobre como seus olhos estavam intensos e carregados de
lágrimas; como ele conseguiu admitir aquilo, quase cuspindo cada letra na
minha cara; como o nerd deixou claro que se apaixonou à primeira vista por
mim e que por mais que eu achasse que isso não era possível, com ele tudo
parecia ser realmente possível; e uma série de coisas que fui recordando a
cada vez que pensava sobre aquele assunto.
Vê-lo partir, sem me dar qualquer direito de resposta, me quebrou.
Entretanto, eu tinha quase certeza que tinha quebrado muito mais de
Caleb com a minha falta de resposta.
— Calma? Temos um plot? — Miley entrou no quarto como um
foguete, indo até a minha cama. — Ele tinha uma paixãozinha misteriosa
que era você?
— Na verdade ele tinha uma paixão por mim, me deu um apelido e
possivelmente usou desse plano para se aproximar da borboleta, no caso, de
mim — conclui, fechando os olhos. — Nossa eu sou muito burra.
— Por quê? Agora é só correr para os braços dele. — Alisson deu de
ombros. — Posso pegar aquele seu biquíni vermelho?
Sacudi a mão em direção ao armário.
— Ele disse que amava ela, e ela não respondeu. — Kimberly
entregou a outra parte daquela história, deixando Miley com os olhos azuis
arregalados na minha direção. — Como que ela vai correr para os braços
dele se, no mínimo, agora ele pensa que ela o odeia? Não gosta dele, ou sei
lá o que o amor é.
Se eu tivesse forças, iria rir de Kimberly fingindo não saber sobre o
amor.
— Esse romance teve grandes reviravoltas — Miley comentou.
O silêncio se instalou no quarto até Alisson sair do armário com o
meu biquíni nas mãos e um short jeans.
— É só você pegar o celular e ligar para ele. — Alisson, como
sempre, trouxe uma resolução simples para o problema.
Eu nem conseguia imaginar como começaria aquela conversa com
Caleb. “Ei, então, fui super burra, mas te amo”.
Não! Impossível!
— Eu não vou fazer nada. — Tampei a cabeça com o lençol. — Eu
vou ficar nesse quarto até todos esquecerem da minha existência. Até
porque eu não tenho mais motivos nem para me formar, já que meu projeto
foi roubado.
— Acho que você está errada — Kimberly foi a primeira a rebater.
— Eu tenho certeza que ela está errada — Miley completou.
— Eu também, mas não vou ficar aqui fazendo a sua cabeça porque
eu tenho mais o que fazer. — Alisson balançou o biquini no ar, andando em
direção a porta. — Você não é essa pessoa dramática, Paige. E outra, se ele
falou tudo o que estava sentindo, e sabendo como os Turners são
complicados, eu ligaria para vê-lo e contar tudo o que você sente também.
E assim ela saiu do quarto, deixando dois pares de olhos me
encarando. Por mais que eu soubesse o que ela estava querendo dizer,
preferi ficar quieta e fingir que já tinha começado meu voto de silêncio para
que esquecessem da minha existência.
— Paige? — Miley puxou meu lençol. — Você sabe de alguma
coisa?
— Não!
— Estranho… — Kimberly resmungou. — Mas eu estou morrendo
com esse cheiro de vômito, então vou deixar isso lá embaixo e quando eu
voltar, quero ver você no banho e…
O barulho irritante de um celular tocando me fez praguejar a Paige do
passado que resolveu beber todas as tequilas do mundo.
— Nossa, esse número de novo — Miley resmungou, levantando
para tirar o celular do bolso. — Acho que é melhor você atender.
Não tive muita opção de entender ou raciocinar, porque Miley
atendeu o celular e o esticou na minha direção, quase o colocando no meu
ouvido.
— O-oi — gaguejei, tentando colocar o celular no ouvido direito.
— Falo com Paige Mallory? — Uma voz masculina ganhou vida do
outro lado da chamada.
— Sim? — Kimberly apontou para o banheiro e depois para Miley ir
com ela. — Você fala com ela.
— Nossa, achei que não conseguiria. — Ele pareceu rir, fazendo um
barulho diferente com a garganta. — Eu sou o Allan Hopinkes, o
pesquisador que trabalharia na sua ideia.
— Co-como… Que? — Sentei rapidamente na cama, sentindo tudo
girar. — O senhor pode me dar um segundo?
— Claro!
A passos tortos e com a mente parecendo dentro de um
liquidificador, saí do quarto em direção ao andar de baixo, passando pelas
meninas como um foguete. A cada passo que eu dava, cada degrau que eu
pulava, meu estômago e cérebro reclamavam pela minha agitação, mas eu
precisava de água e ar para entender exatamente o que aquela ligação
significava.
Como ele sabia que o projeto era meu?
Será que a Sra. Cooper não era tão irresponsável como cogitamos?
— Desculpa por esse momento. — Peguei o copo da mão de Alisson,
saindo pela porta que dava para o quintal.
O sol acertou meus olhos e minhas papilas gustativas reclamaram do
gosto azedo do suco de laranja que acabei tomando um grande gole. O dia
estava gostoso, mesmo que o chão estivesse meio úmido pela noite,
possivelmente.
— Eu não sei se entendi bem. Você é…
— Eu sou o Allan, pesquisador que iria trabalhar com a Cooper no
seu projeto — ele falou pausadamente. — Eu iria trabalhar nele achando
que você tinha cedido a sua pesquisa para que aprofundássemos as
possibilidades terapêuticas levantadas por você, mas tive a sorte de ser
avisado sobre a fraude que aconteceria.
Minha cabeça parecia que iria explodir e nem era com a dor latente
em cada têmpora, e sim com aquela informação que parecia boa demais
para um dia que começou tão ruim.
Eu tinha recebido alguma espécie de milagre? Como ele ficou
sabendo sobre aquilo?
Olhei para o céu, vendo os desenhos diferentes das nuvens e me perdi
na esperança, na sua imagem estampada em uma daquelas nuvens, nos seus
olhos que agora estariam sorrindo para mim e me dizendo que tudo ficou
bem, no final. Pisquei algumas vezes sentindo meus olhos arderem,
rapidamente liberando aquela saudade que sempre se acumulava como
lágrimas nos meus olhos.
“Você nunca estará sozinha, minha pequena”, foi como ouvir a sua
voz ressoar junto com o vento que pareceu ganhar vida ali, naquele quintal,
arrepiando os pelos do meu braço. Voltei a olhar para o céu, lembrando que
sim, eu sempre tenho alguém olhando por mim naquela imensidão azul.
Sorri, sozinha, emocionada demais para prestar atenção em qualquer coisa
que aquele homem falava do outro lado da chamada.
— Paige? — Sua voz me reconectou.
— Sim, desculpa… — Funguei, sem qualquer tentativa de controlar
aquilo. — É que esse projeto é muito importante para mim e eu fiquei…
— Ele me contou a sua história e da sua mãe. — Ele me
interrompeu. — E foi justamente por isso que liguei pessoalmente para
você, pois ontem me empenhei em ter uma resposta rápida sobre isso, até
porque estava disposto a liberar partes da verba que recebo para realizar
esse trabalho…
— Ele? — Foi a minha vez de interrompê-lo.
— Sim, seu amigo. — Ouvi ele mexer em algumas coisas à sua volta,
até soltar mais uma vez o que pareceu ser uma risada. — Caleb Turner…
Ele veio aqui pessoalmente ontem para me contar toda a situação com o
seu trabalho e…
Não tão diferente como o que tinha acabado de acontecer, meu
cérebro desligou no momento em que seu nome foi falado naquela
conversa. Por alguns segundos meu cérebro foi somando cada pedaço
daqueles dias, os sumiços e suas mentiras, o fato de estar faltando aos
treinos e finalmente cheguei em uma conclusão.
— Eu sou mais burra do que eu pensava — falei não só para mim,
mas para aquele estranho que estava do outro lado da linha e mal sabia que
a menina que escreveu aquele projeto, também era burra.
Ele abriu mão de tudo para me ajudar.
— Cara, você não vai para aula? — James já estava pronto
quando percebeu minha falta de vontade de levantar da cama.
Seu dormitório não era dos piores, mesmo que ele fosse
completamente bagunceiro com tudo. As paredes estavam amareladas e
cheia de colagens que eu não saberia dizer se foi James que fez ou se era de
algum morador anterior, que ele se recusou a arrancar. O quarto contava
com duas camas, dois pequenos armários e piso de madeira sujo, mas não
por culpa da faculdade e sim do morador.
Provavelmente as outras pessoas que moravam em quartos como
aqueles tinham feito alguma decoração, deixado o quarto com a sua cara.
Algo que tornasse aquele lugar um lar, porém, meu melhor amigo só trouxe
uns lençóis velhos da própria casa e um abajur de super heróis que já estava
na sua vida a tanto tempo que eu conseguia me lembrar dele no seu quarto
antigo.
Aquele era James por trás de toda marra e conversa barata, um cara
que gostava do seu abajur velho e era incapaz de se esforçar para estar em
casa ali.
O colega de quarto que deveria ter nunca chegou a aparecer, e como
ele não reportou esse fato a ninguém, ele foi a primeira pessoa que pensei
em pedir abrigo depois do que aconteceu na noite anterior. Eu não estava
com sono. Não estava com energia e muito menos queria ficar sozinho.
Eu nem ao menos sabia o motivo de estar tudo doendo, se era por
Paige, por ter saído de casa sem qualquer plano ou as duas coisas juntas.
— Eu nem sei como vou pagar a faculdade sem ter a bolsa e o
dinheiro. — Sentei na cama, conferindo o horário no celular. — E a Emma
quer me ver de todos os jeitos.
— Aquela gostosa está por aqui?
Revirei os olhos, fazendo-o gargalhar.
— Cara, você pode conversar com o Nathan e ver o que ele consegue
te ajudar. Acho que por ele ser treinador junto com o seu pai, a voz dele
sirva para alguma coisa. — O que eu sabia que não serviria, porque meu pai
só tem aquela vaga por ter sido um jogador famoso, enquanto Nathan era
jovem demais. — Você fica com a sua bolsa e não sei, a gente vê uma
forma de você ficar aqui escondido até a faculdade acabar.
— Sério? Escondido por anos?
Acabei rindo, porque James era inacreditável quando queria.
— Você só estuda, idiota. — Ele jogou uma lata vazia que encontrou
no chão. — E outra, o máximo de vida que você teve foi ao lado da Paige.
Que seria meu outro tópico, porque depois de tudo isso, você vai pegar toda
essa lamentação e vai se arrastar até a borboleta para falar o que está
sentindo.
— Eu já contei para ela como eu me sinto — bufei.
— Fala de novo. — James cruzou os braços. — Eu acho que vocês
tiveram uma comunicação de merda e precisam se resolver. Fora que, nesse
momento, eu sei que você ficaria um pouco mais animadinho com uma
boceta com asas e…
— Vai se foder, James!
Joguei a lata de volta, vendo-o esquivar e gargalhar.
— Cara, segue o que eu estou te falando e vai dar tudo certo.
— O que eu realmente vou fazer é esperar até o horário de me
encontrar com a Emma e ver o que é tão importante, mesmo já sabendo ser
por toda a situação com o meu pai. — Respirei fundo. — E depois, vou
voltar para esse quarto e ficar aqui até saberem que eu não tenho mais
dinheiro para pagar pelos meus estudos.
James abriu e fechou a boca, talvez tentando fazer a mesma coisa da
noite anterior.
Assim que cheguei na porta do dormitório, com um saco de lixo na
mão com algumas roupas e provavelmente uma cara muito inchada de tanto
chorar, ele me abraçou quase como Camden tinha feito e me ajudou a
buscar o resto das coisas na caminhonete.
Ficamos em completo silêncio por algumas horas, depois que contei
todos os últimos acontecimentos da minha vida. Não fiz resumo, nem
poupei detalhes. Eu disse com todas as letras que a amava, apesar de sentir
que aquilo estava mais dolorido do que o normal. Assim como contei cada
vírgula que consegui dizer para o meu pai depois de tantos anos de silêncio
e resignação.
Seus olhos, vez ou outra, me encaravam por mais tempo demais.
Eu sabia o que ele queria dizer.
Ele sabia o que queria perguntar.
Mas tínhamos uma promessa de não mencionar minha mãe como
solução de nenhum dos meus problemas.
— Eu sei que você não quer ouvir o que eu vou dizer, mas nós dois
sabemos que metade dos seus problemas poderiam ser resolvidos com uma
ligação. — Raramente eu via a sua versão mais séria. — Não tenho como
imaginar como deve ter sido para você, ficar todos esses anos sem ter
qualquer contato com ela, porém eu acho que esse era o momento para você
procurar, nem que fosse para ter o que deveria ter tido desde sempre.
— Não irei falar com ela, James.
O “ela” era a forma mais fácil de chamar a minha mãe.
A pessoa que não deveria ter fugido.
A pessoa que não deveria ter nos negado o seu amor.
A pessoa que nos deixou para trás, mesmo sabendo que ele não era
bom nem para ele, quem dirá para nós.
— Eu vou resolver isso sozinho — conclui.
— Vou te ajudar, cara, independente de você ser um idiota cabeça
dura. — James sorriu, indo até a porta. — Quando sair, tranca, se não eles
entram no quarto, e eu vou passar no Camden para ver como ele está.
Qualquer coisa te mando mensagem, caso seu pai não esteja por lá.
— Obrigado, cara.
Era legal perceber que eu tinha alguém além dos meus irmãos.
Além da minha borboleta.

Emma parecia mais arrasada do que eu.


Sempre fomos o tipo de pessoas que invertem os papéis a partir
da necessidade do outro. Se minha irmã estivesse em um dia ruim, eu,
mesmo que estivesse mal por algum motivo, fingia estar bem para dar todo
o suporte necessário. Exatamente igual ao que ela fazia agora, quando
percebia que eu precisava mais dela do que ela de mim.
Entretanto, naquele instante em que nos encaramos, eu sabia que
estava ruim, mas ela não se esforçou em fingir que estava bem, vindo ao
meu encontro e me dando um abraço esmagador.
Provável que eu nunca tenha recebido tanto abraço na minha vida
como nas últimas vinte e quatro horas. Quem eu queria enganar? Estava
gostando daquela parte do problema. Aproveitando aquele momento para
sentir o seu cheiro familiar, ficar dentro dos seus braços, como
costumávamos fazer quando éramos mais novos e as coisas ficavam mais
difíceis, me sentindo acolhido e protegido.
— Me senti em casa — falei contra os seus cabelos claros,
apertando-a ao ponto de tirá-la do chão.
— Eu fiquei tão preocupada com você quando o Camden me ligou
— ela falou contra o meu pescoço, afrouxando o abraço para encarar meu
rosto.
Como uma mãe preocupada, ela olhou cada parte do meu rosto,
talvez contando até as pequenas sardas que ficavam mais aparentes em
algumas épocas do ano. Suas mãos quentes saíram dos meus ombros,
deslizaram pelo meu pescoço e se alojou em cada lado do meu rosto,
olhando dentro dos meus olhos. Uma lágrima solitária caiu do olho
esquerdo de Emma e eu quis chorar.
Ela não precisava falar nada para saber como estava se sentindo,
assim como sabia que a sua atitude de me analisar era para saber como eu
estava sentindo. Idêntico a um filme que vimos que diziam que irmãos
tinham uma espécie de conexão, quase um leitor de mentes. Nós tínhamos
aquilo, sempre tivemos. Era só olharmos para saber como as coisas
estavam, embora a gente pouco falasse sobre nossos reais sentimentos sobre
as coisas.
Embora soubesse que ela saberia que eu não estava tão bem e
confiante como estava dizendo aos quatro ventos, me mantive firme para
não chorar junto com ela, bem na entrada da cafeteria com sua mão
segurando meu rosto.
Engoli a saliva com toda aquela emoção agonizante.
— Você não está bem, não é? — ela sussurrou, passando seus olhos
por mim mais uma vez, da testa até o queixo. — E não me venha com a
coisa do “eu vou resolver”, porque sabemos que não temos muitas opções
para essa situação.
Forcei um sorriso, beijando a palma de uma das suas mãos.
— Por que a gente não entra e você para de ser essa irmã mais velha
que não é?
— A gente precisa conversar muito sério e eu sei que você vai odiar
essa conversa, Lebbie — ela sussurrou, ainda com a mão no meu rosto. —
Vamos entrar e você vai precisar ser muito mente aberta com o que vamos
conversar.
Eu queria dizer que não aguentava mais nenhum tipo de conversa
difícil, entretanto, confirmei com a cabeça e peguei a sua mão para
entrarmos naquela cafeteria.
Assim que o sino tocou e alguns rostos familiares nos viram,
consegui sentir que comentaram sobre nós dois. Em outro momento aquilo
me deixaria com vergonha e me sentiria obrigado a sair daquele lugar – que
era justamente um dos motivos para nunca colocar os pés naquela cafeteria,
porque sempre pareciam que estavam falando de mim pelas minhas costas.
— Você quer beber alguma coisa? — perguntei antes de me sentar.
— Na verdade, acho que só quero conversar e depois podemos beber
alguma coisa. O que você acha?
Aquele tom apaziguador estava me corroendo.
O que quer que Emma fosse falar, claramente era algo que me
incomodaria, e dentre todas as coisas, eu só conseguia pensar nela.
Aquela pessoa.
Minha mãe.
— Acho que não precisamos enrolar o andamento dessa conversa. —
Suspirei, assim que nos acomodamos em uma mesa mais afastada. — Eu já
imagino que você vai tentar me convencer a…
— Eu falei com ela. — Sua voz saiu em um fio.
Ficamos em silêncio.
Segundos.
Minutos.
Quem sabe horas.
Eu podia ver a sua tensão estampada na forma que seu rosto se
contorcia, fazendo uma careta que eu às vezes fazia, uma coisa em franzir o
nariz e ficar com boa parte do rosto meio torta. Ou em como ela fazia uma
coisa de estalar todos os dedos e repetindo todo o processo por uma
segunda vez só para conferir se realmente tinha estalado todas as
articulações.
— Você não vai perguntar nada? — Ela quebrou o silêncio, apoiando
o rosto nas mãos. — Eu esperei mais reação, Lebbie.
— Eu estava esperando você me falar mais sobre isso.
O que eu poderia falar?
Que estava feliz por esse contato repentino?
Talvez falar em como eu tinha ficado contente em saber que ela tinha
falado com a nossa mãe sem me comunicar?
Quiçá sair saltando de mesa em mesa para contar a novidade para
cada pessoa estranha que estava fingindo não nos olhar dentro daquela
cafeteria?
O que diabos eu poderia dizer?
O quê?
O ar que estava circulando pelos meus pulmões pouco a pouco foi se
perdendo, sumindo. Precisei inspirar profundamente algumas vezes,
soltando o ar pela boca, enquanto olhava para um ponto acima da cabeça de
Emma.
O ambiente da cafeteria era como um pub europeu que vendia café,
todo industrial e com uma estética entre a madeira antiga e os ferros que
ficam aparentes. Não dava para entender se a ideia era que realmente
tivesse aquela aparência, ou se não tiveram verbas para arrumar aquele teto
e resolveram que esteticamente ficava atraente.
— Caleb? — Emma tocou meu antebraço que estava apoiado em
cima da mesa. — Eu sei que você…
— Só me conta como foi — murmurei, interrompendo-a.
— Quando conversamos pela última vez e o Camden disse que tinha
falado com ela, fiquei pensando se não seria importante ter esse contato
caso acontecesse algo dessa proporção, como você sair de casa e não ter um
centavo para fazer nada. — Emma arrumou sua postura na cadeira, sem
tirar sua mão do meu braço. — Eu sei que sempre foi contado para gente
que ela não nos queria, que fugiu e tantas coisas. Mas pensei, e se não
tivesse sido nada disso? E se ela fosse uma vítima como nós?
Eu não iria abrir minha boca para debater aquele assunto.
Mesmo que eu quisesse perguntar em como ela seria uma vítima se
quem ficou para trás fomos nós, não existiam forças para tal debate.
Não naquele momento.
— Fiquei com isso na cabeça por dias, acabei encontrando a Paige e
ela me encorajou a falar com a…
— A Paige?
Emma confirmou com a cabeça.
— Como você encontrou com a Paige?
Minha irmã deu de ombros.
— A questão é que depois da ajuda dela, contatos de uma amiga e
um e-mail enviado, ela me respondeu querendo conversar em uma ligação.
Apesar de não entender em que momento Paige entrou nessa história,
minha cabeça ficou mais curiosa para saber como foi essa conversa. Não
sei, não era como se eu estivesse empolgado, porém também não estava
apático. Era uma fagulha, bem pequena, queimando uma parte que eu nem
sabia que existia quando o assunto era a minha mãe.
Era como se eu tivesse uma esperança silenciosa quando o assunto
era ela.
— Eu quase não conversei, Caleb, mas eu precisava tanto disso. — A
voz ficou cada vez mais fina, me fazendo segurar a sua mão que estava
apoiada no meu antebraço. — Eu só queria ter certeza que fomos queridos
por ela, lembrados… — Ela piscou seus olhos claros algumas vezes, me
lembrando dos olhos da nossa mãe. — Eu só queria ter certeza que se algo
acontecesse, teríamos alguém para nos deixar seguros, como era quando os
vovós estavam vivos.
Confirmei com a cabeça, entendendo o lado dela.
Nossos avós não estavam sempre com a gente, era impossível, mas
ainda sim, todas as férias, parecia que éramos cuidados por alguém.
Acho que com os anos, a morte deles e o fato do nosso pai não nos
levar mais nas férias, eu tenha esquecido que eles também nos amaram de
alguma forma. Era tão fácil se lembrar do lado ruim, que em alguns
momentos os lapsos de bons momentos acabavam parecendo pequenos
demais para serem lembrados e valorizados.
— Ela me contou que o e-mail que respondeu o Camden tinha sido
perdido, ou era de algum trabalho anterior e por isso não me respondeu
antes. Que ficou surpresa com a minha procura porque sempre achou que a
gente odiasse ela por ter saído de casa e se casado novamente.
— Ela se casou? — Fiquei boquiaberto.
De uma forma estranha, não fiquei triste em imaginar que ela criou
uma nova vida e seguiu em frente, o que aconteceu dentro de mim estava
mais como uma satisfação. Alegria. Contentamento. Não saberia explicar o
que acabei sentindo, mesmo sabendo que era algo beirando a felicidade em
saber que ela conseguiu ser feliz depois de tudo.
— Casou… — Emma piscou mais uma vez, deixando outra lágrima
solitária cair dos seus olhos. — Com uma pessoa que o papai não aceitou
bem.
— Como ele não aceitou? Ele sabia? — Pisquei sem entender,
esticando para secar aquela lágrima. — Eu não consigo entender.
— A história resumida é que nossa mãe não aguentou ficar ao lado
dele depois que teve o Camden. — Assenti, porque isso eu imaginava. —
Ela se inscreveu para um programa e quando conseguiu, ameaçou ir
embora. O nosso pai disse que ela poderia ir, mas que iriamos ficar com ele,
já que quem estava querendo fugir era ela.
— Isso eu já imaginava pelas coisas que ele disse…
— É, só que ele não contou que ela pensou em nos levar mesmo
assim, que ficou com medo de que ele denunciasse ela como o mesmo disse
que faria caso ela sumisse com a gente. — Emma parecia agoniada ao falar
as coisas, deixando que mais algumas lágrimas fossem caindo uma a uma
dos seus olhos. — Ela ficou com medo porque papai estava voltando a fazer
entrevista, saindo como uma grande história de superação e ela só seria a
mulher que fugiu com os filhos para um outro país. No fim, ela ficou
entrando em contato com ele, procurando saber sobre a gente. Ele chegou a
mandar algumas fotos, ser o cara que ele era antes de tudo, nas palavras que
ela mesma usou.
— E o que mudou?
Engoli em seco porque não sabia mais onde aquela história poderia
parar.
— Mudou pelo mesmo motivo que ele não gosta de mim.
Emma sempre disse que nosso pai a odiava, o que sempre vi como
uma preferência por filhos homens que pudessem seguir pelo mesmo
caminho que ele. Não era ódio, no meu ponto de vista. Era apenas o grande
Turner sendo o que ele é com todos, nos enxergando como possíveis
espelhos da sua própria vida.
Claro, isso não significava que ele nos amava.
— Ele não gosta de você porque é igual a ela?
— Não.
Emma respirou fundo, se afastou até suas costas encostarem na
cadeira, deixando mais uma penca de lágrimas saírem dos seus olhos.
— Ela se casou com uma outra mulher, Caleb. — Seus ombros
caíram, se transformando na versão mais triste que já vi Emma ser em todas
as nossas vidas. — Assim como eu gosto de meninas.
Eu estava feliz por ela estar falando sobre aquilo abertamente,
independentemente de já ter conhecimento sobre isso.
— Ele deixou de atualizar ela sobre nós quando soube que ela estava
com outra mulher?
Não que eu quisesse perguntar aquilo em voz alta, só estava tentando
encaixar as peças. Saiu mais como uma linha de pensamentos que estava
tentando seguir para aquela história que a cada momento ficava mais sem
sentido.
Em algum momento ele achou que nos usar como isca a traria de
volta? Em algum momento ele achou que poderia ser um pai legal
mandando fotos nossas sem falar que ela sentia a nossa falta? O que se
passou na cabeça dele com tudo isso? Eram perguntas que começaram a ir
se formando como um grande carretel, emaranhando-se, conectando,
tentando lembrar de todas as suas falas.
Até tudo fazer sentido.
Até a sala escura ganhar uma grande luz.
Pois, depois de tantos anos, eu entendia as suas frases sobre não
deixar sua vida por causa de mulher, ou a sua necessidade de me afastar de
qualquer possibilidade de ter um relacionamento até chegar no ponto que
ele queria da minha carreira. E então, como um encaixe de todas as peças, o
fato de ter falado tanto que estava largado tudo por causa de uma mulher.
Como ela fez.
— Ele acha que ela largou ele por causa de uma mulher? — Acabei
rindo.
— Caleb, ele é mais egocêntrico do que eu pensava.
— Ele é homofóbico, Emma — falei, convicto.
— Você… — Ela ficou quieta de repente, me forçando a fazer a coisa
de irmão que lê mentes.
— Eu não ligo se você pega mais mulher que eu, Emma — brinquei,
procurando segurar suas mãos. — Eu sempre soube disso, só que precisava
fingir que não por uma questão de ego de irmão mais velho. Você sabe, eu
nunca peguei ninguém.
Ela sorriu, deixando mais algumas lágrimas caírem.
Seja forte, Caleb.
Fiz meu mantra para não chorar como um bebê mais uma vez.
— Eu não peguei tantas pessoas assim — ela falou ficando vermelha,
apertando meus dedos. — Eu tinha muito medo dele.
— Mas agora não precisa ter mais.
— É. — Ela assentiu com a cabeça. — Porque a nossa mãe está ao
nosso lado, Caleb. Ela teve seus erros, não correu atrás mesmo com ele nos
afastando. Ela não lutou e entendo perfeitamente se você não quiser aceitar
essa parte, porém eu…
— Acho que posso conversar com ela. — Aquilo saiu dos meus
lábios quase que automaticamente, interrompendo Emma.
— Você tem certeza? — Ela estreitou os olhos, como se duvidasse da
minha intenção.
— Você é a pessoa que mais confio, Emma. — A lágrima que estava
evitando, caiu dos meus olhos. — E se você conversou com ela e acha que
podemos confiar na sua versão da história, eu posso fazer isso também. Eu
não sei se em algum momento já odiei ela, só que sempre tive uma grande
resistência em falar sobre porque sempre doeu. — Minha voz saiu mais
embargada, deixando que tudo o que segurei saísse de uma única vez. —
Sempre doeu saber que ela não quis ficar com a gente.
— Mas ela quis.
Balancei a cabeça, afirmando.
— E ela quer te ajudar com essa questão da faculdade, estar perto e
quem sabe criar uma relação com a gente… — Ela se debruçou sobre a
mesa, olhando dentro dos meus olhos. — Eu acho que a gente merece isso,
assim como ela também merece pelo menos ser ouvida.
Confirmei com a cabeça mais uma vez, não conseguindo falar.
A verdade é que aquela fagulha de esperança tinha aumentado e
virado um pequeno fogo, e por mais que tivesse medo de ter aquele
encontro com ela, iria correr esse risco para entender se ela era capaz de nos
amar como achei que meu pai pudesse.
— Bem que a Paige falou que você me entenderia.
Como ela me conhecia tanto, mas ainda assim não me amava?
— Chega de ficar em casa, Paige. — Sua voz brava no celular quase
me fez rir.
Quase.
Eu sabia que se eu risse do meu pai tentando me dar bronca, ele
também acabaria rindo e depois ficaria reclamando sobre o fato de eu não
deixar ele fazer como todos os pais.
— Paige Mallory! — A voz de Miranda foi muito mais firme do que
a dele. — Eu não aguento mais receber mensagens da Kim falando sobre
você não ter levantado da cama nem para tomar banho.
— Ela é exagerada. — Revirei os olhos, imaginando o drama que ela
deveria estar fazendo.
— Suas amigas falaram que você está fedendo, filha. — Meu pai
voltou a seu tom amistoso de sempre.
— É mentira delas, estou com o cabelo lavado. — Apontei para o
meu cabelo recém lavado.
Pode ser que eu tenha ficado tão triste comigo mesma ao ponto de
ficar dois ou três dias presa dentro de casa, recebendo apenas ligações do
meu pai, reclamações das meninas e uma visita inesperada – não tanto, na
verdade – de Emma, que pouco conversou sobre o próprio irmão,
infelizmente, focando em me contar como tinha sido a conversa que teve
com a mãe.
— Você apenas tomou banho hoje, querida. — Meu pai queria ser
mais incisivo, mas o seu jeito não deixava. — E não vamos mais tolerar
esse tipo de coisa. Você precisa reagir, já resolveu a questão do seu
trabalho e agora não estamos entendendo porque você não sai dessa cama.
Eu não tinha contado sobre o que tinha acontecido com Caleb.
Resumi a dizer que tinha conhecido um cara legal que tinha dedicado seus
últimos dias a me ajudar a resolver o problema com a senhora Cooper. Ele
foi o responsável pelo Allan ter desistido de trabalhar com ela e por ter
recebido um convite do Hopinkes para ser sua estagiária nas férias de verão.
Meu pai tinha o achado a melhor pessoa do mundo, enquanto
Miranda tinha dito que queria conhecê-lo no próximo jogo que eles fossem
me assistir, o que aconteceria antes das férias de verão.
— Eu prometo que vou tentar voltar para as minhas atividades.
— Não é prometer, Paige. — Mirando tomou a frente daquela
conversa mais uma vez. — Você precisa perceber que algumas coisas
aconteceram, porém você está tendo a oportunidade de manter o seu sonho.
Não deixe as coisas passarem por pedras no caminho. Nós sabemos que
sua mãe estaria muito triste em te ver dessa forma.
Eu amava como ela sempre colocava minha mãe na conversa como
se fossemos uma grande família resolvendo um problema. Nunca existiu
qualquer rivalidade, muito pelo contrário, Miranda sempre respeitou o papel
que minha mãe desempenhava não só na minha vida, mas como na do meu
pai. Ela não ocupou o seu espaço, e sim se tornou amiga de alguém que ela
nunca chegou a conhecer.
— Eu prometo que vou sair e voltar às minhas atividades — falei
com mais convicção.
Por mais que estivesse triste, o mundo não iria parar.
— É assim que se fala, meu amor. — Meu pai sorriu, apoiando sua
mão no ombro de Miranda. — Eu sei que em alguns momentos a vida nos
faz passar por aprendizados em forma de desafios, mas a gente só aprende
enfrentando-os. Não deixe para depois o que você pode resolver hoje,
Paige.
Assenti, sem saber se Kimberly tinha falado sobre o assunto ou não.
— Agora eu preciso desligar, tá bom? — Me assustei com a vontade
de chorar que me deu. Eu nem sabia que tinha a capacidade de produzir
mais lágrimas. — Eu amo vocês.
— Nós te amamos também.
Naquela manhã, em especial, não fui recebida com o café da manhã
na cama e muito menos fui mimada como estava sendo.
A casa estava um silêncio.
Aquilo era muito estranho para um dia comum. Por mais que, na
maioria das vezes, todas estivessem fazendo um esforço para participar do
café da manhã juntas, a casa era sempre um caos. Barulho de conversas,
secador, reclamações. Tudo acontecia ao mesmo tempo.
Silêncio era a última coisa que tínhamos no dia a dia, com várias
meninas morando juntas.
Desci as escadas com um pijama mais quente, ainda com os cabelos
úmidos do banho que tinha finalmente tomado. Apesar do silêncio ser
estranho, o cheiro de comida no ar estava presente, sinal que alguma coisa
estava acontecendo naquela casa, eu só não sabia o quê. Assim que cheguei
na cozinha, encontrei o que eu mais temia.
— Uma intervenção?
Eu estava chocada.
As três estavam sentadas à mesa, um café de hotel montado, ao
mesmo tempo que olhavam em direção a porta que eu estava em pé,
olhando-as de volta.
— Estamos te esperando. — Miley sorriu, ela era a mais doce
daquela mesa.
— A gente combinou sem sorrisinho, Mi — Alisson resmungou.
— Caladas! — Kimberly estava no modo general, apontando para a
única cadeira vaga. — Senta, precisamos conversar.
— Eu já prometi ao meu pai que…
— Quem deixou você falar? — Miley olhou para elas, que
levantaram os polegares a favor do seu posicionamento. — Você vai ficar
quieta e escutar tudo o que temos a dizer.
— Nossa, você brava é muito gostosa. — Alisson levantou a mão
para comemorarem, o que as fizeram receber um olhar nada feliz de
Kimberly.
Eu permaneci calada porque já sabia como funcionava aquela
intervenção e tudo o que eu mais queria era comer e ver o que poderia fazer
para falar com Caleb novamente.
O que meu pai falou era uma grande verdade, fugir do problema não
ia fazer com que ele deixasse de existir. E por mais que estivesse com muita
vergonha de tudo o que tinha acontecido, arrependida e me sentindo uma
grande burra, ele ainda merecia saber o meu lado da história. Caso ele
quisesse não fazer nada com as informações que eu desse, pelo menos eu
teria tentado uma última vez.
Eu só não poderia deixar que ele acreditasse que eu não o amava,
porque ele já achava que ninguém o amaria, o que era impossível de ser
uma verdade.
— Vou começar falando, já que elas não sabem ser firmes como
precisam ser. — Kimberly tomou a frente, apoiando as duas mãos na mesa.
— Você está sendo uma idiota deste tamanho. — Ela abriu os braços,
fazendo as outras duas rirem, inclusive eu.
— Eu diria que você não está sendo apenas idiota, como está
perdendo a oportunidade de estar feliz por puro medo — Miley completou,
usando o seu jeito mais fofo para me convencer. Era assim que ela fazia
com aqueles velhos, eu tinha certeza. — Você já recebeu uma boa notícia e
deixou que seu desentendimento com o nerd a deixasse para baixo, quando
deveria estar muito feliz.
Eu não estava sendo ingrata por tudo o que aconteceu e como foi
resolvido. Não era essa imagem que eu queria passar para as pessoas. Na
realidade, eu só não sabia como ficar feliz com aquela notícia sabendo que
ele fez tanto esforço e eu fui incapaz de dizer que sentia o mesmo por ele.
Quando a bebida e meu ciúme só me deixaram olhar para o lado de que
existia outra pessoa e eu estava sendo trocada na cara dura.
Que culpa eu tinha em achar que ele perceberia que eu não era tão
incrível como ele achava?
Burra! Burra! Burra!
— E eu disse que era mais fácil fazer uma ligação do que deixar que
todo mundo fique sofrendo junto com vocês — Alisson completou.
— Vocês? — Arqueei a sobrancelha.
— O Caleb está na merda, burra! — Kimberly levantou da cadeira,
provavelmente sem paciência. — Ele passou por um monte de merda
porque preferiu te ajudar do que tomar conta da própria vida.
— O que a Kimberly está querendo dizer é que o treinador gostosão
Turner tirou ele do time.
— E de casa — Alisson completou a fala de Miley, me deixando
completamente sem reação.
— Ele está sem casa? — Eram muitas informações ao mesmo tempo.
— Você pode descobrir se procurar ser sincera com ele e contar o que
merda você sente por aquele nerd tão burro quanto você. — Kimberly
perdeu o controle, andando até a porta da cozinha. — E eu diria para você ir
até lá fora para descobrir pelo céu como você vai resolver isso.
Pisquei sem entender nada.
— Pelo céu?
— TCHAU, PAIGE! — Ela se alterou de vez, nos fazendo gargalhar.
— É para você ir lá fora — Miley sussurrou.
— E passa a mão no cabelo — Alisson deu a dica assim que levantei
e fui até a porta onde Kimberly parecia um segurança.
— O que está acontecendo? — murmurei.
Eu estava em pânico.
Mas assim que aquela porta foi aberta e vi uma silhueta conhecida,
parada no meio do jardim, ao mesmo tempo que uma outra pessoa
conversava com ele, meu pânico virou pavor. Era o sol. Essa era a
explicação que me dei em alguns segundos, enquanto permanecia parada no
portal de madeira da porta que dividia a cozinha da área que dava para o
jardim. O sol estava ofuscando a minha vista ao ponto de me fazer vê-lo
bem naquele quintal.
— Essa é a sua oportunidade de ser sincera com ele e com você. —
Foi a voz de Kimberly que ressoou bem perto do meu ouvido, me dando um
empurrãozinho para seguir em frente.
Ele estava lindo.
A última vez que vi Caleb ele estava chorando e eu estava bêbada o
suficiente para não ter reparado em muitas coisas. O que senti assim que
Emma o cutucou e ele me encarou, foi exatamente a mesma coisa que senti
quando o vi pela primeira vez. O nervosismo. Uma vontade de chamar sua
atenção de alguma forma. A excitação de querer saber tudo sobre ele.
Aquele magnetismo natural que parecia convidar meu corpo a se juntar ao
seu.
Poderia ser por todos os dias que estava sem vê-lo, ou pela saudade
que queimava meu peito.
Ou por saber que aquele cara, vestido em uma jaqueta jeans e uma
camisa branca, que parecia brilhar no sol quente e convidativo, era a pessoa
que tinha feito com que eu me sentisse a pessoa mais especial do planeta; a
pessoa que me escutou, até nos assuntos que sempre achei que nenhum cara
escutaria e acharia interessante; a pessoa que abriu mão de muitas coisas
por um projeto que era meu sonho, e apenas isso.
Caleb nunca esperou por nada em troca, embora estivesse ali ao meu
lado, sempre me mostrando que era possível gostar de todas as minhas
partes, boas e ruins, desenhando todas as minhas cicatrizes, fazendo
florescer em um terreno que estava blindado para aquele tipo de sentimento.
Olhei para o céu, exatamente como tinha feito quando recebi aquela
ligação, sorrindo para as nuvens quase inexistentes no céu.
Mãe, me ajuda com isso aqui também.
O pedido foi entre eu e ela.
Eu precisava da sua ajuda para me declarar para o nerd mais perfeito
que já pude conhecer.
— O Nathan disse que vai tentar conversar com a faculdade sobre o
seu caso. — James marcou de me encontrar na biblioteca.
— Você sabe que não faz sentido eu te encontrar aqui se estou
escondido no seu dormitório todos esses dias, né? — falei baixo, revirando
os olhos quando ele fingiu pegar um livro na primeira estante que viu. — O
que você sabe sobre… — Olhei para a capa do livro. — Latim?
Ele olhou para a própria mão, me encarando em seguida.
— Estou pegando um livro para aprender sobre latim.
— Você sabe que isso é uma língua antiga, não é?
Mais uma encarada no livro e eu quase gargalhei.
— Como você sabe dessas merdas? — Ele colocou o livro no lugar,
caminhando em direção a um dos corredores. — Me fala qual foi o corredor
que vocês se pegaram. Você acha que se eu chamar aquela amiga dela que
escreve, ela vai curtir de vir se pegar aqui? Quais são os horários mais
tranquilos para usar a biblioteca?
— James, caralho! — Bati na parte posterior da sua cabeça. — Me
fala o que você queria contar. — Eu não iria falar sobre Paige porque ela
estava sendo o tópico mais sensível. — Ainda tenho que ver a Emma.
— Cara, sua irmã está cada dia mais gostosa.
Bati mais uma vez na sua cabeça.
— Calma, cara. — Ele gargalhou, abaixando o tom quando voltou a
falar. — Queria te contar que fiquei sabendo pelo Johnson que as coisas
para a professora ladra não estão boas, por mais que a faculdade esteja
tentando abafar todo o caso. Ela já foi demitida e estão tentando levar o
caso a frente para um conselho ou alguma coisa dessa área de vocês.
Foi a minha vez de rir.
Já estava esperando o momento que a senhora que ficava ali iria
reclamar da nossa conversa entre os corredores.
— O bom é que ela não vai ter mais a oportunidade de roubar o
projeto de ninguém.
— Sua namoradinha que ficará feliz. — Piscou na minha direção,
pegando outro livro. — Te contei isso em primeira mão para você se
encontrar com ela para contar as novidades, dizem que ela não está vindo
para a faculdade.
Neguei com a cabeça, andando mais rápido pro corredor.
— Eu não vou procurar por ela.
Não existia uma explicação clara sobre o sentimento que estava
sentindo sobre esse assunto. Depois da conversa que tive com Emma e
sabendo que ela apoiou a minha irmã e a ajudou a procurar pela nossa mãe,
aquele sentimento que já era grande, parecia transbordar. Senti como se
tudo o que eu tinha feito tivesse valido a pena porque do jeito dela, ela fez o
mesmo por mim.
Me esforcei para entender como as coisas tinham saído do controle
ao ponto de não nos falarmos mais. Eu não sabia como ela estava ou o que
estava fazendo. Não via suas amigas pelo campus e mesmo se visse, não
iria perguntar sobre ela porque eu entendi tudo. Entendi no momento em
que olhei dentro dos seus olhos e não recebi respostas sobre os seus
sentimentos.
De certa forma eu sabia que Paige havia sentido alguma coisa por
mim, porém isso não era o suficiente para falar, ela não se sentia como eu.
Apaixonado. Louco. Disposto a fazer qualquer coisa por ela. Não era tão
significativo e estava tudo bem com isso. Eu já tinha aceitado esse fato.
Acontece com as melhores pessoas. Nós vamos ficando, nos
embolando, deixando aquele sentimento ser nutrido e quando menos
percebemos, estamos gostando demais da outra pessoa. Mais do que
deveria. Mais do que acordamos em silêncio.
Embora, no fundo, eu soubesse que isso poderia acontecer, eu não
imaginei que seria tão doloroso não ouvir falar abertamente, não me amar
de volta. Não imaginei que iria precisar me afastar sem dizer adeus, sem
qualquer nova notícia sobre ela. Eu amava Paige Mallory e por isso eu a
deixaria ir sem qualquer resistência, porque existem coisas que não podem
ser feitas por uma única pessoa e relacionamento está dentro dessa lista.
Não posso mentir, eu quis correr até a sua casa e falar o quanto me
senti cuidado por ela, indiretamente, depois de todos os detalhes dados pela
minha irmã. Quis gritar na sua janela para todos escutarem que tudo o que
eu falei era real e ainda pulsava dentro de mim.
Eu quis muitas coisas, mas nada fiz.
— Você vai ficar fugindo até quando? — James me acompanhou,
segurando meu ombro para conter meus passos. — Para de ser um babaca e
corre atrás dela, nós dois sabemos que essa é a sua única oportunidade de
continuar transando com alguém sem que seja necessário pagar.
— Ah! Vai se foder, James.

Não pensei que estaria colocando os pés naquela casa novamente,


ainda mais depois de tudo o que aconteceu.
— Você tem certeza de que ele não vai aparecer?
Eu estava nervoso.
Essa era a verdade.
Quando Emma me ligou e disse que queria me ver, já esperava que
fosse sobre a nossa mãe. Em todo aquele tempo, meu pai não me ligou nem
para saber se eu estava vivo, quem dirá iria pedir para Emma intermediar
essa situação. Pelo o que Camden falou, ele estava mais calado que o
normal, apenas trabalhando e voltando para casa. O que de certa forma me
deixou mais tranquilo quanto ao meu irmão que ainda ficava naquela casa.
Os dias depois daquela conversa na cafeteria com a minha irmã, me
serviram para pensar sobre o assunto e calcular até que ponto eu poderia
confiar em toda a história que ela havia falado. Muitas coisas batiam com o
que eu me lembrava, muitos momentos em que minha mente apenas
apagava para me proteger.
Contudo, eu sabia que em algum momento, depois de toda aquela
conversa, eu iria precisar vê-la depois de tantos anos, iria conversar e ver
dentro dos seus olhos se tudo o que foi falado tinha algum pingo de
verdade. Eu tinha muitas perguntas, detalhes que eu nem sei se queria saber
ou ignorar como fiz nos últimos anos. Tudo o que eu tinha certeza é que eu
não estava preparado para aquele momento, mesmo sabendo que deveria
fazê-lo pelo meu futuro.
— Cam disse que ele foi levar o time para conhecer uns profissionais
em Sullivan. — Emma deu espaço para que eu entrasse. — Ele já está
falando com ela.
Aquilo foi uma espécie de “esteja preparado”.
Aquilo foi um aviso de que, no momento em que eu passasse por
aquela porta, algumas coisas iriam mudar para todos nós.
— Agora eu não sei muito o que eu quero fazer porque os dois fazem
esportes legais, mas eu não tenho muito saco para nenhum deles — Camden
contava animado, mas o que chamou a minha atenção foi outra coisa.
Sua risada.
A mesma risada pela qual me fez rir outras vezes.
Eu não sabia o quanto lembrava daquela voz até ouvi-la conversando
com Camden. O tom estava tão amoroso quanto eu me lembrava, fazendo
todo o meu corpo paralisar no meio da sala da minha antiga casa, fazendo
com que todas as poucas memórias que eu tinha com ela inundaram a
minha mente. Cada história contada, cada abraço após presenciar uma
briga, cada grito de torcida quando fazia um ponto. Cada momento.
Nostalgia. Saudade. Felicidade. Tudo se misturando dentro do meu coração
que estava agitado como uma criança eufórica.
— Vamos? — Emma chamou baixo, me tirando daquele torpor
inicial.
Assenti.
Com a cabeça.
Com o coração.
Com a minha mente pronta para ouvi-la.
— Caleb! — ela falou no exato momento em que apareci atrás de
Camden, que estava sentado na cozinha com o seu notebook em cima da
mesa.
— Lebbie!
Ele parecia outro garoto.
— Senta aqui.
Foi tudo o que ele disse antes de termos aquela conversa que mudaria
o rumo de tudo o que eu acreditava.
Minha mãe continuava a mesma mulher bonita que eu me lembrava,
com a mudança de estar com marcas da idade perto dos olhos e o cabelo um
pouco mais claro do que eu me recordava. Ficamos por algum tempo
analisando um ao outro, a forma como sorria tímida igual a que eu fazia; a
forma como ela mexia nos cabelos como Emma e tantas outras coisas que
não fazia ideia que fazíamos igual.
Identificação.
Continuidades dela.
Daquela mulher que pensei que tinha nos deixado sem olhar para
trás.
Ao mesmo tempo em que queria falar muitas coisas para ela, fiquei
calado no começo da conversa, vendo-a gesticular, falar e chorar em dados
momentos. Posso dizer que me senti uma criança, atento, prestando atenção
em como eu faria em uma aula com quem eu admiro. Nunca pensei que
poderia me sentir daquela forma até tê-la ali, do outro lado da tela do
computador, sentindo verdade em cada palavra que saía da sua boca.
Eu estava admirado. Anestesiado. Encantado.
Como um recém-nascido que sabe que a pessoa que o segurou é a sua
mãe.
A pessoa que te ama e que está ali para te alimentar e te proteger.
— Eu sei que é muita coisa para absorver neste momento, mas eu já
entrei em contato com a sua faculdade e vi o que podemos fazer sobre a
bolsa de esportes que você tem. — Ela já tinha passado pelos pontos mais
emocionais da sua história, contando como tinha sido difícil ficar longe de
nós e o quanto ela não via a hora de poder ir até Long Orange nos visitar. —
Eu não quero que vocês se sintam deixados, porque não estão. Sei que
fiquei longe por muitos anos, mas agora eu quero recuperar todo esse tempo
que temos. Eu quero ter os meus filhos… — Ela parou para respirar,
secando o canto dos olhos. — Eu quero ter os meus filhos comigo, para
sempre. Se vocês quiserem.
Só me dei conta de que tinha deixado algumas lágrimas pelo caminho
quando Camden jogou seus braços nos meus ombros, passando a mão na
minha bochecha.
— Queremos o mesmo, mãe.
Foi a única coisa que consegui responder, vendo como aquela palavra
voltava a soar na minha boca. Tínhamos muitos pontos para conversar,
muitos momentos para voltar a compartilhar, mas aquele era um começo
necessário, um início de algo que eu nem sabia que queria até ter essa
oportunidade.
No fundo, nunca cultivei um sentimento ruim quanto a ela, só preferi
apagar a sua existência, pouco a pouco, por parecer mais fácil. Depois de
um tempo foi ficando mais fácil não mencionar, não saber ou procurar,
porque ela também não fazia isso. Eu estava passando por um luto de
alguém que permanecia vivo, andando por aí, construindo coisas e deixando
outras pelo caminho.
Nenhum filho quer passar por um luto onde sabemos que a pessoa
que deveria estar do nosso lado não morreu, apenas escolheu não estar ali.
É doloroso. É inquietante. É questionador.
Você começa a se colocar em uma posição de culpa, como se partes
daquela distância fosse da sua responsabilidade – como se não tivesse
conseguido ser o filho perfeito o suficiente para fazê-lo ficar e se orgulhar
em ser seu pai.
Eu não passei por isso uma única vez, mas duas.
— Só queremos saber que temos alguém. — Camden cortou minha
linha de pensamento, apoiando sua cabeça na minha. — Sentimos a sua
falta, mãe.
— Vocês não imaginam o quanto eu sinto a falta de vocês. — Ela
voltou a chorar, enquanto tentava continuar o que estava falando. — Doeu
demais perder vocês, não saber, não poder falar e sentir que vocês me
odiavam de alguma forma. Eu me odeio todos os dias por ter pedido tanto
de vocês.
— Vamos dar um jeito nisso, mãe.
Falei o que sempre falo, porque no fundo sabia que realmente
daríamos um jeito de catar todos os cacos daquela relação, arrumar a
cozinha e voltar a usar aquele cômodo que também estava meio sujo.
— Vamos, que já estamos atrasados para outra coisa que temos
que resolver — Emma falou assim que se sentou no seu carro, buzinando
desesperada para Camden, que caminhava pelo quintal com toda a
paciência do mundo. — VAMOS, CAM!
— O que está acontecendo? — Coloquei o cinto de segurança,
ficando nervoso cada vez que Emma apertava a buzina do seu carro.
— Você é chata para cacete — Camden falou assim que entrou no
carro. — Ainda bem que você não mora mais em casa.
— Quer ver eu voltar para casa só para infernizar a sua vida? — ela
disse olhando entre os bancos, fazendo nosso irmão mais novo rir.
— Sabemos de alguém que vai te infernizar porque você dá — ele
fez barulhos de beijos — em outras garotas. Quer dizer, uma garota…
— CAMDEN!
— Do que vocês estão falando? — Olhei para Emma e depois para
Camden, que estava no centro do banco traseiro.
— Nada, só temos que fazer uma coisa importante para o seu bem e o
bem de outra pessoa.
— Vamos ver minha quase cunhada!
Ele bateu palmas.
Emma bateu nas pernas dele.
E eu quis bater minha cara no painel do carro e desmaiar.
— É o seu momento, não estrague nada — Emma sussurrou assim
que Paige apareceu no seu quintal.
Se eu dissesse que tinha entendido tudo o que tinha acontecido do
carro até estar em pé naquele quintal, eu seria um grande mentiroso. Tudo o
que consegui pensar no momento em que Camden contou que íamos até
Paige, foi no que eu falaria para ela depois de todos esses dias longe e da
saudade que estava sentindo.
Ela estava mais linda do que eu lembrava, cabelos soltos e meio
molhados; o rosto tão perdido quanto o meu, o que falava muito sobre
aquele encontro marcado pelas meninas; vestida em um pijama cor de rosa
e meio fofo, como se estivesse vestida de um urso de pelúcia gigante. O
sorriso que abriu foi o suficiente para meu corpo todo chamar por ela, pedir
por um abraço e implorar para nunca mais sair dos seus braços.
— Caleb…
Congelei assim que meu nome saiu da sua boca.
Senti como na primeira vez, vivendo um sonho, mesmo sabendo que
daquela vez era algo bem real. Todo o meu corpo esquentou, principalmente
meu rosto, onde apoiei as duas mãos para tentar abrandar aquela
queimação.
— Oi, Mallory. — Foi o que consegui falar.
Uma bosta, eu sei.
Poderia fazer como em filmes e jogar todo o charme, sabendo que ele
era quase inexistente comparado a preciosidade que estava na minha frente
apenas sendo ela, e ainda sim, estando mais incrível do que já estava em
qualquer outro momento.
Que merda!
Caramba, eu estava nervoso pra caralho.
Muito mesmo.
Não sabia onde enfiar minha mão, se deixava no rosto para disfarçar
o fato de saber que todo o meu rosto já estava vermelho por estar tímido, ou
se enfiava nos bolsos da jaqueta; se me aproximava mais para abraçá-la
como velhos amigos que não se veem a um tempo, ou me mantinha distante
por imaginar que nem tão amigos éramos.
— Eu não… — falamos juntos, fazendo-a sorrir tímida.
— Você está com vergonha? — perguntei, chocado.
Não era sempre que via Paige Mallory tímida.
— Você não? — O sorrisinho astuto que me direcionou, me quebrou
as pernas.
— Eu.. Eu… Você… Você sabe… Que…
— Nerd!
Ela gargalhou.
Se aproximando um pouco mais, me deixando ver aqueles olhos cor
do sol mais de perto.
— Eu estava com saudade dos seus olhos. — Escapou.
Mordi o lábio inferior, sentindo meu rosto ficar quente mais uma vez.
— E eu estava com saudade de você. — Mais dois passos e ela
estava na minha frente o suficiente para sentir o cheiro frutado que a
envolvia como uma nuvem tão rosa quanto o seu pijama. — E dessas
bochechas vermelhas.
— Desculpa, Paige. Por… Você….
— Não, essa é a minha vez de falar, nerd. — Ela apontou o dedo na
frente do meu rosto. — E você vai ficar muito calado até eu terminar de
falar tudo o que eu preciso.
Eu gostava tanto do seu jeito mandão que estava a ponto de calá-la
com a minha boca.
Aquele era o momento para arrumar toda aquela bagunça de uma
vez.
Não podia deixar que Caleb falasse mais nada, porque tudo o que ele
tinha para me dizer ficou naquele dia desastroso na festa. Se tinha uma
coisa que eu sabia que deveria fazer, enquanto andava até ele e sentia uma
energia muito forte me ajudar a seguir em frente, era que eu precisava
deixar claro que ele não era a única pessoa que tinha se apaixonado naquela
proposta.
— Eu nunca tive notas péssimas, nerd.
— Eu sei. — Ele riu. — Quer dizer, eu imaginei que uma pessoa que
sabia sobre tantas coisas não poderia ter tirado uma nota tão baixa por nada.
— E não foi. — Olhei para os meus pés. — A verdade é que eu me
apaixonei por um nerd que conheci em uma aula que eu nem deveria estar.
Ele estava todo focado, com um livro de fantasia na mão e provavelmente
nem me viu ali.
— Eu vi. — Sua voz foi mais baixa do que antes. — Eu achei até que
estava ficando louco em ter você ali naquela sala.
Pisquei algumas vezes, surpresa.
— Como eu não percebi nada disso? — A pergunta foi mais para
mim do que para ele.
— Eu também não percebi que você tinha me visto. — Ele sorriu. —
Olha, eu sei que deve ter…
— Cala a boca, Caleb. — Apoiei as mãos na cintura. — Eu não
terminei de falar ainda, tudo bem? Ainda vou continuar falando a minha
história.
Ele confirmou com a cabeça, segurando o riso.
— Me conta então, Mallory.
Eu ia contar tudo e depois ia encher aquela cara de beijos só por estar
sendo mais engraçadinho que o normal.
— Eu vi esse nerd gato e pensei que o queria de todo jeito, mas foi
um saco perceber que ele não saía, não ia para cafeteria ou qualquer outro
lugar. — Ele sorriu tão grande, que fiquei sem graça. — Poxa, eu precisava
de um plano e por isso acabei perdendo algumas notas porque sabia que
você iria ter que me ajudar.
— Foi um plano arriscado, D. — Um sorrisinho mais torto e eu já
estava desistindo.
Tudo bem, talvez eu fosse pular toda aquela conversa e partir para
os beijos.
— A verdade, nerd, é que eu pensei que eu não era boa o suficiente
para você. Que você jamais e em hipótese alguma se aproximaria de mim
por livre vontade. Por isso que fiz todo esse plano, podendo perder até a
minha vaga no time e tantas outras coisas. — Abracei meu próprio corpo,
olhando para o céu mais uma vez. Eu precisava de muita coragem para
assumir aquilo em voz alta. — O único problema é que me apaixonei por
você. Eu… O que parecia uma obsessão se transformou em um plano que
tinha tudo para ser uma proposta perfeita.
— Uma proposta perfeita — ele repetiu, sorrindo.
Sua mão foi até a minha bochecha, secando uma lágrima que
escapou.
— Eu também…
— Caleb, eu não terminei — resmunguei, fazendo-o rir.
— Desculpa, Mallory.
— Tudo bem, mas continuando, quando eu soube da borboleta,
minha mente começou a pensar em quem era a pessoa que tinha conseguido
o que eu tanto queria. Eu fiquei maluca, perdi a cabeça e caí em algumas
provocações do Ryder. — Mordi a boca, tentando controlar aquele
sentimento amargo que senti assim que acordei depois daquela festa. — Eu
me senti envergonhada porque eu não tive a oportunidade de dizer tudo o
que eu sentia para você. Todos nesta casa sabem o quanto eu tenho ficado
chateada com isso, mesmo tendo a notícia de que você me ajudou com o
Allan e o projeto. Não sei nem como eu conseguiria agradecer por tudo o
que você fez.
— Você não tem o que me agradecer.
Ele balançou a cabeça, sorrindo tão grande que quis beijar aquele
sorriso e tirar uma foto, para guardar dentro do meu armário.
— Claro que eu tenho. Fui muito burra, Caleb. — Respirei fundo. —
Eu fui péssima.
Como não percebi que você gostava tanto de mim, tanto quanto eu gosto de
você? Como que…
— Vamos jogar um jogo, Paige.
Revirei os olhos, batendo o pé no chão.
— Caleb Turner!
Ele gargalhou, se aproximando.
— Uma palavra, uma história.
Neguei a cabeça.
— Nerd…
— Beijo. — Ele ignorou meu tom de repreensão, se aproximando até
estar com as duas mãos na minha cintura.
— Não tenho só uma história sobre isso. — Pisquei um único olho,
mas ele não se abalou com a brincadeira.
— Eu acho que você poderia contar sobre aquela vez que fomos
burros o suficiente para não assumir o que sentimos, ficamos brigados, mas
tudo foi resolvido com um beijo.
— Cal…
Sua boca engoliu a minha com agressividade.
Não demorei mais do que alguns segundos para corresponder aquele
primeiro contato. Nosso beijo estava com gosto de saudade e um toque de
sal, provavelmente pelas minhas lágrimas que ganharam vida a cada
momento que sua língua se enrolava com a minha, carinhosamente,
envolventemente.
Não saberia explicar o que aquelas lágrimas significavam.
Não dava para controlar o fluxo que saía dos meus olhos, a forma
como minha boca estava afoita e a sua procura todas as vezes que aquele
beijo parecia que iria parar e muito menos o fato do meu coração e meu
corpo estarem fora de controle, sentindo que tudo poderia parar ou se agitar
ao ponto de ficar em pane.
Eu o queria tanto que doía.
— Desculpa por não ter dito naquele momento que eu amava você
também, Caleb — falei contra a sua boca, envolvida demais naquela
emoção para poder continuar o beijando.
— Paige, eu só queria ter certeza que você sentia o mesmo. — Ele
pegou a minha mão que estava em seu ombro, colocando em cima do seu
coração. — Sente como eu me sinto perto de você. Sente como meu
coração fica pulsando como se eu estivesse fazendo um teste físico. Esse
sou eu, amando você em cada batida do meu coração.
Concordei com a cabeça, deixando mais lágrimas caírem de novo,
olhando para o céu que significava tanto para mim naquele momento. Eu
sabia que Caleb só poderia ter sido alguma espécie de presente para me
mostrar que eu deveria ter alguém como ele ao meu lado. E por mais
estranho que isso pudesse parecer, era como se eu sentisse a sua presença
afirmando isso a cada vez que um vento nos visitava, a cada raio de sol que
cortava o céu azul ou a cada nuvem que se misturava com a cor que o
espaço acima de nós era pintado.
Voltei a olhá-lo, sendo sugada por aqueles olhos escuros como a
noite. Caleb estava sorrindo. Um sorriso que iluminaria uma cidade inteira,
se fosse possível.
— Eu que deveria estar falando coisas assim, sabia? Porque eu errei
em..
— Nós erramos do nosso jeito, Paige, mas a última conversa que eu
tive hoje me mostrou que alguns erros podem ser consertados se a gente
quiser.
Afirmei com a cabeça.
— Eu ainda sinto que preciso me desculpar e agradecer, e falar todas
as coisas que aconteceram nos últimos dias, mas concordo com você. —
Segurei cada lado da sua bochecha rosada. — Eu tentei fugir dessa conversa
porque achei que você não estaria disposto a me ouvir. Eu me sentia
quebrada e sabia que eu tinha feito você se machucar muito mais com o
meu silêncio.
— Amor… Deixa isso para lá — ele sussurrou na minha boca —, eu
só quero estar com você.
— Eu amo você, Caleb. — Aquelas palavras saíram
automaticamente.
Eu realmente me sentia amada e amando.
Caleb me beijou com a vontade de sempre, mas por algum motivo
aquilo se acalmou no momento que nossos lábios se grudaram. Ele me
proporcionou o beijo mais lento da minha vida, aproveitando cada pedaço
da minha boca e língua. O encaixe perfeito, similar a alguém que está se
dedicando para demonstrar todo o seu amor e carinho com a boca e não
com palavras.
Conectado. Ligado. Unido.
Único, como Caleb Turner sempre foi.
Quando nos separamos, apenas nos encaramos, em silêncio.
— Eu também amo você, minha borboleta.
— Agora eles vão dizer que não namoram? — Camden falou alto,
não se esforçando em fingir que não estava ali.
Gargalhei, pendurada no pescoço daquele nerd delicioso.
— E aí, Caleb, você quer ser o meu namorado?
— Eu que deveria ter perguntado isso.
Neguei com a cabeça, roçando meu nariz ao seu.
— Nerd, nossos papéis são invertidos nessa relação. — Selei minha
boca na dele. — Você quer essa jogadora com um péssimo histórico como a
sua namorada?
— Acho que eu vou precisar de outro beijo para decidir.
Ele teve a cara de pau de responder isso, não ligando para os
comentários que faziam à nossa volta.
Era a nossa bolha.
Era a nossa felicidade.
Era a nossa proposta perfeita.
Semanas depois
Sempre que pedia felicidade, não imaginava que pudesse ser assim.
— Eu diria que meu filho tem muita sorte — minha mãe comentou
enquanto Camden virava o telefone para mostrar Paige, que estava abraçada
lateralmente com ele.
— Mãe, ele realmente tem sorte, porque em que universo uma
menina como ela ficaria com o Caleb? — Camden argumentou, fazendo as
duas gargalharem.
Eu até queria falar alguma coisa, mas aquela cena me deixava tão
feliz ao ponto de apenas observar toda a situação como se estivesse
assistindo meu filme favorito.
— Eu diria que eu que tive sorte de ter um nerd. — Seu comentário
fez minha mãe rir. — Dizem que os mais inteligentes sempre ficam ricos
quando mais velhos.
— Claro, você está pensando no futuro.
Eu estava sonhando acordado.
A minha borboleta estava rindo com o meu irmão enquanto ambos
conversavam com a minha mãe. Claramente poderia ser um sonho do Caleb
de meses atrás que não imaginava que olhar para uma menina dançando e
aceitar a sua proposta, pudesse mudar tanto as coisas.
Nos últimos dias eu estava daquela forma, nostálgico, agradecido e
contemplando cada coisa que mudou na minha vida. Dentre todas as
notícias sobre a saída da senhora Cooper da universidade e os diversos
casos que descobriram sobre trabalhos que não foram da sua autoria; o fato
de ter ficado no dormitório com James e o ajudando em alguns treinos
privados; e a relação que estou construindo com a minha mãe, nada mais
parecia ser capaz de abalar aquela felicidade.
— Vocês deveriam ter me esperando! — Emma segurou o meu
braço, me despertando.
— Filho, eu só quero ver como será na final dos jogos das duas.
— Ele não é louco de torcer pela Paige.
— Em, ele pega a Paige — Camden argumentou como se fosse a
coisa mais óbvia a se dizer.
— Camden! — repreendi-o.
— Eu já disse para o seu irmão que eu vou acabar com você, Emma.
— Paige mostrou a língua para ela. — E esperamos que você possa vir para
o jogo e torcer por mim também, sogra.
— Ela me ganhou no sogra.
— MÃE! — Emma gritou no meio do estacionamento, enquanto
andávamos até o carro.
— Agora você está tão ferrada quanto eu, mãe.
Sua risada me fez sorrir.
— Agora vou desligar porque o… — Camden parou de falar e olhou
para frente, fazendo com o que eu fizesse o mesmo.
Meu pai estava parado com o seu carro estacionado entre o meu carro
e o de Emma. Minha irmã continuou segurando meu braço como se eu
fosse capaz de fazer alguma coisa, o que não faria, apertando seus dedos
como quem chama a minha atenção.
Como eu disse, nada era capaz de abalar aquela alegria que estava
sentindo em ter um momento com quem me importava.
Meu pai deixou de ser um assunto para mim assim que passei pela
porta da sua casa. Em alguns momentos foi difícil, em outros pensei apenas
em ignorar e tentar conversar mais uma vez. Sempre parecia que eu estava
sendo um péssimo filho por não ligar ou procurar. Decerto, era provável
que fosse normal me sentir daquela forma depois de tantos anos tentando
agradá-lo de todas as formas que conseguia.
Mas me manter firme no que eu acreditava me trouxe uma paz que
não queria perder.
— Eu vim ver o jogo e pensei em esperar para levar o Cam — meu
pai disse antes mesmo que falássemos alguma coisa.
Era estranho o fato de não sentir nada com a sua presença.
Não tinha raiva, mas também não ficava feliz.
Não tinha nada para dizer, ao mesmo tempo que seria que poderia
falar alguma coisa.
— O grande Turner assistindo um jogo meu? — minha irmã brincou,
mesmo que seu tom fosse mais para um deboche do que uma brincadeira
simples entre uma filha e um pai.
— Resolvi ver como você está indo na temporada, Emma.
Ela riu, soltando meu braço para falar com Camden.
— Não vai falar com o seu pai, Caleb? — Ele não manteve aquele
silêncio.
— Oi, pai. — Não consegui nem sorrir, olhando-o nos olhos. —
Lembra da Paige, não é?
Ele confirmou com a cabeça.
— Claro que lembro, e o seu irmão sempre fala sobre ela.
— Culpado! — Camden levantou a mão, rindo. Virando-se para falar
com Paige. — Eu sempre falo que tenho a melhor cunhada porque ela me
leva coisas gostosas para comer.
Isso era uma coisa que Paige tinha inventado para ver se o meu irmão
estava bem como dizia estar. Por algum motivo meu pai passou a ficar cada
vez mais em casa, o que atrapalhava as minhas idas para ver e passar um
tempo com o meu irmão mais novo.
A minha borboleta percebia que eu ficava tenso sem notícias e vez ou
outra acabava aparecendo lá com algumas coisas que o cara que saia com a
Kimberly fazia. Era a sua forma de me ajudar e mostrar o quanto ela se
importava não apenas comigo, mas com as pessoas que eu amava.
Exatamente como fez quando o assunto foi minha mãe.
— Obrigado por se preocupar com ele, Paige. — O treinador Turner
pareceu sem graça, afundando a mão na calça jeans. — Vamos, Cam.
— Que isso. — Ela abraçou rapidamente Camden. — Eu só adoro
mimar ele como se fosse meu irmão mais novo.
— Você não pode deixar ela escapar — meu irmão mais novo falou
assim que se virou para se despedir de mim. — Até porque eu sei que você
não teria mais uma louca querendo ficar com você — Ele fingiu sussurrar,
mas todos ouvimos.
Fazendo até o meu pai rir.
A cena mais estranha dos últimos anos.
— Para de implicar com o seu irmão e vamos, Camden.
— Vejo vocês por aí. — Ele fez uma coisa engraçada com as mãos,
uma espécie de dancinha e correu até o carro do meu pai, onde o mesmo
estava encostado.
— Isso foi bem estranho — Emma comentou, enquanto olhávamos
os dois conversarem e entrarem no carro conversível do meu pai. — E ele
deveria se livrar desse carro.
— Eu acho bem legal, mesmo ele não sendo.
O comentário da Paige nos fez rir.
— Eu só espero que ele seja legal com o Cam, de resto… — Dei de
ombros.
— Diz o Camden que ele tem tentado se aproximar de alguma forma,
mas eu sou odiada, então não vou receber esse tipo de carinho da parte dele.
— Emma suspirou. — Agora eu vou para a minha casa que estou morta.
— Você vai namorar que eu sei, Emma — Paige brincou.
— Não entendo porque a gente ainda tem que fingir que não sabe.
— Tchau, chatos! Vocês são o casal perfeito.
Aquilo nos fez rir mais uma vez.
— Somos perfeitos, amor.
Ouvi-la falar daquela forma me deixava maluco.
— Eu amo quando você me chama de amor.
— Eu sei, nerd.
Sua mão livre foi até o meu queixo, trazendo-me até encontrar a sua
boca em um beijo lento. Não me importava em estar ali, no meio daquele
estacionamento, beijando a mulher que tanto sonhei em ter.
Minha mão livre foi até a sua nuca e me afundei na única pessoa que
me importava naquele momento. Sua boca engoliu a minha com cuidado,
sendo tomada pelo controle de Paige, que quase nunca acontecia. Era um
beijo totalmente novo para mim, embora tenhamos nos beijado diversas
vezes desde que voltamos e começamos a namorar, agora de verdade.
Mas aquele estava sendo diferente.
Ainda tinha o sabor do céu, como se estivesse voando em meio às
nuvens. Mas, ao mesmo tempo, era como se agora, finalmente,
estivéssemos usando nossos sentimentos todos em um beijo. Todo o amor, o
carinho, a espera, a felicidade em estarmos juntos.
Tudo parecia presente no encontro dos nossos lábios.
Sua boca estava fazendo meu pobre coração praticamente doer,
queimar.
— Se continuar me beijando assim, vou precisar correr para o carro e
te amar bem aqui, minha borboleta.
Falei contra a sua boca, apertando sua cintura contra o meu corpo,
mostrando como tinha ficado apenas com aquele beijo.
— Por que não fazemos isso, nerd?
Afastei meu rosto apenas para me deparar com um sorriso safado em
seus lábios
— Você sabe que eu adoro quando você fala que vamos fazer amor,
quando na verdade você vai me foder. — Paige roçou sua unha na minha
bochecha, sorrindo. — Acho super fofo da sua parte querer mentir na cara
dura.
— É que eu te fodo fazendo amor, Mallory. — Afundei meus dedos
nos seus cabelos, puxando os fios. — Vamos para o carro para eu te mostrar
como funciona, amor.
Paige deixou um gemido escapar e foi o que eu precisava para beijá-
la do jeito que eu gostava.

Se tinha uma visão que eu gostava, era de como meu pau ficava na
boca de Paige.
Fomos incapazes de esperar até chegar em casa, parando em uma
área mais deserta da cidade para fazer o que tanto queríamos.
Paige me encarou séria, segurando meu pau duro como pedra. Antes
de sugá-lo por completo, deixou o ar quente da sua boca queimar a minha
glande, passando sua língua de forma preguiçosa pela mesma. Minhas bolas
pulsaram, ansiosas, fazendo-me fechar os olhos e esperar por aquele prazer
que sempre sentia quando o assunto era Paige Mallory.
E então, calmamente, a mulher dos meus sonhos o colocou nos seus
lábios.
O quente da sua boca e sua língua habilidosa foi tudo o que senti,
abrindo os olhos para olhar aquela cena que eu tanto gostava. Paige o
engoliu quase que por completo, ouvindo aquele som característico. Aquele
som foi o necessário para me fazer gemer sem qualquer vergonha,
afundando meus dedos nos seus cabelos.
— Merda, amor…
Gemi, vendo-a tirar e me colocar rapidamente na boca, enfiando até o
fundo da sua garganta.
— É assim que você gosta, nerd? — Ela parou para me olhar,
fingindo não saber que toda vez que fazia aquilo, eu só faltava ver estrelas.
— Você sabe que está acabando comigo. — Relaxei no banco do
carro, alisando seu rosto perfeito.
— Eu posso ter me esquecido como fazer direitinho. — Ela
continuou com aquele tom condescendente.
— Eu posso te guiar para que se lembre exatamente como eu gosto.
Ela riu baixinho, deslizando sua mão por toda a minha extensão.
— Eu acho que eu você quer que eu coloque meu pau na sua boca até
ouvir você engasgar.
— Será, nerd?
Ela ainda iria me matar e isso era fato, sem precisar de qualque
estudo de caso para confirmar minha tese. Paige Mallory a cada dia que
passava tinha mais poder sobre mim.
Apertei meus dedos nos seus cabelos e com a outra mão segurei meu
pau.
— Abra sua boca, amor.
Ela mordeu os próprios lábios antes de fazer o que disse, deixando
que me afundasse na sua boca e ditasse aquele ritmo. Com as mãos em seus
cabelos, meu pau sumindo a cada nova investida e o som de Paige se
engasgando, eu estava no limite. Segurando, aproveitando o prazer que
aquela boca deliciosa estava me proporcionando.
Eu estava controlado nos gemidos, deixando que seus barulhos
fossem mais altos que os meus porque tudo aquilo estava fazendo parte do
meu prazer. Os sons, o quente da sua boca, o fato de ser ela.
Paige era meu prazer.
— Eu quero que você goze na minha boca, nerd — ela falou quando
dei um tempo para que ela respirasse e eu também. — E depois eu quero
que você me foda até gozar na minha boceta.
Fiquei sem graça, soltando seus cabelos para segurar os meus.
— Eu amo como você fica tímido mesmo sendo um completo safado
quando quer.
Ela voltou a me chupar por conta própria, aumentando o ritmo a cada
segundo que passava. Tentei me segurar mais um pouco, mesmo que fosse
quase impossível com a forma que Paige estava me engolindo.
— Borboleta…
Gemi, chegando no meu ápice.

— A gente pode ir para casa — falei enquanto via Caleb respirar


fundo.
— Eu não vou deixar a minha garota com vontade.
O “minha garota” me fez sorrir abobalhada.
— Vai para o banco de trás, amor.
Com o sorriso ainda estampado no rosto e o desejo correndo pelas
minhas veias, fiz o que me pediu, pulando para o banco de trás da sua
caminhonete.
— Nada iria me impedir de fazer amor com você agora, Paige.
Assim que me sentei no banco de trás, fui tomada por uma ansiedade
que fez o meio das minhas pernas arderem em expectativa. Eu poderia ver
aquele homem todos os dias, ter livre acesso ao seu corpo quando bem
queria e, ainda sim, não parecia suficiente.
Nunca era.
Assim que passamos para o branco de trás, nos encaramos. Os olhos
escuros de Caleb pareciam duas pedras preciosas, grandes. Por mais que o
desejo estivesse estampado em cada parte dos seus olhos, eu conseguia
enxergar o carinho e o amor se misturando em suas pupilas semi-dilatadas e
na forma como sua respiração estava tão ofegante quanto a minha.
Amor.
Essa palavra se tornou muito real nos últimos dias.
— Você está parecendo o nerd mal, mas ele não faz amor —
brinquei, umedecendo meus lábios.
As minhas coxas formigaram só pela forma que deslizou seu corpo
por mim, pelas minhas pernas, e voltou a me encarar.
— Eu vou decidir qual nerd eu serei hoje.
Caleb se acomodou no banco e sem qualquer esforço, me puxou para
o seu colo. Suas mãos foram até a minha cintura, deixando que, como todas
as outras vezes, eu seguisse o seu comando e me acomodasse nas suas
pernas.
Seus olhos passaram por mim mais uma vez, sem pudor, intensos e
devoradores. Eu conseguia saber para onde ele estava olhando e como
aquilo parecia transbordar todo o desejo que ele estava sentindo por mim
naquele momento.
— O que você acha de ser minha para sempre? — ele falou,
segurando meu rosto em suas mãos.
— Para sempre não é muito longo, nerd?
Eu sabia que estava sorrindo como uma boba.
— Pode ser que seja, mas eu preciso ter a certeza de que você estaria
disposta a passar esse tempo comigo. — Seus polegares roçaram nas
minhas bochechas. — Você sabe, Paige, meu irmão está certo em dizer que
eu tenho sorte em ter você.
Suas bochechas ganharam aquele tom que eu tanto amava.
— Nós temos sorte de ter um ao outro. — Apoiei meu rosto em sua
mão, relaxando totalmente em seu corpo. — Mas se você precisa que eu
fale, eu quero viver todo o para sempre e o depois dele com você, ao meu
lado.
— Você será para sempre minha. A minha Paige. — Sua mão foi
até a minha bunda, espalmando a área. — Minha dopamina. — Só senti
quando o tecido fino da minha calcinha foi rompido. — Minha borboleta —
rosnou, beijando o meu queixo enquanto parecia que iria romper mais um
pedaço. — Minha mulher.
Fiquei sem reação, sentindo-me pulsar em espera.
— Eu sou toda sua, nerd. Hoje e para sempre.
Era uma promessa.
— E eu sempre serei seu.
Caleb grudou nossos lábios mais uma vez, unindo nossos corpos em
um abraço apertado e de tirar o fôlego. E ali nossas bocas voltaram a se
envolver, apaixonadas, enquanto nossos corpos iam se encaixando cada vez
mais naquele banco.
Era inevitável não procurar atrito com o pau de Caleb duro e pronto
mais uma vez. Eu deslizava, já úmida, roçando contra seu membro
enquanto arrancava gemidos não apenas meu, mas de Caleb também.
A necessidade, o desejo, a expectativa, tudo parecia estar deixando
meu corpo ainda mais sensível.
Caleb voltou a enfiar a mão embaixo da saia, apertando minha bunda.
Nossas bocas quase não se desgrudaram, apenas dando espaço para nossos
gemidos baixos e mais urgentes. Senti seus dedos forçando o tecido da
minha calcinha em outros pontos até a calcinha não estar mais em mim.
— Eu só quero saber como vou voltar para casa sem calcinha, nerd.
— Você queria que eu te fode-se e não dá para fazer isso com uma
calcinha nos atrapalhando. — Sua boca foi até o meu pescoço, deixando
beijos.
— Eu só não vou reclamar porque…
— Porque você sabe que vai valer a pena perder uma calcinha. — Me
interrompeu, voltando a me beijar.
Eu realmente sabia que iria valer a pena.
Segui com a minha boca grudada na dele. Tateei seu peito e o
abdômen de Caleb, como se quisesse ver se tudo estava exatamente igual à
última vez que o toquei. Deslizei a mão até o nosso meio para segurá-lo,
aproveitando daquela emoção que me envolveu.
Caleb separou sua boca da minha para me encarar e quando o
coloquei na minha entrada e sentei sobre ele, suspiramos juntos. Meus olhos
estavam grudados aos seus olhos incrivelmente pretos; nossos corpos
estavam conectados da forma mais crua e sensível do mundo.
E tudo parecia certo.
Depois de tudo, estava certo.
Caleb descansou a cabeça no encosto do banco do seu carro,
parecendo tão anestesiado quanto eu, segurando cada lado da minha bunda
com força.
— Es-está tudo bem? — Sibilei, vendo-o balançar a cabeça.
— Só estou me sentindo muito feliz, Paige.
Eu o entendia.
Estava me sentindo da mesma forma.
Caleb ergueu sua cabeça, para me beijar mais uma vez. Logo um
gosto salgado foi envolvendo nossas salivas, se entrelaçando junto com as
nossas línguas. Demorei até me dar conta de que nós dois estávamos
emocionados demais para segurar aquelas lágrimas. Aquela alegria que nos
afogava.
Apoiei minhas mãos em seus ombros e resolvi começar a me mover
sobre ele, dando a primeira investida. Meu corpo parecia mais sensível que
o normal, pois só aquilo parecia ser capaz de me fazer gozar, o que entendi
ser por conta de toda a emoção que estava presente naquele momento.
Nos encaramos, deslizando sobre ele de forma lenta e dolorosa para
nós dois. O desejo latejando, o tesão consumindo cada parte do meu ser,
porém, ainda tinha outro sentimento nos queimando: o amor.
Aos poucos fui aumentando o ritmo, colidindo contra o corpo de
Caleb. Ele se movimentava de volta embaixo de mim, fazendo aquele carro
antigo ranger e falar por nós dois, que pareciamos em uma dimensão
diferente.
Seus olhos nunca saíram dos meus, suas mãos não sabiam
exatamente onde ficar, mas sua boca sempre encontrava uma forma nova de
me beijar. Seja na boca, no pescoço, no decote da blusa que estava usando
ou em todos os lugares praticamente ao mesmo tempo.
Estávamos ardendo. Queimando. Derretendo.
Eu sentava em Caleb com a vontade que meu corpo ia necessitando e
ele, por sua vez, me entregava tudo o que podia. Sua mão procurou meu
clitóris no meio de nós dois e as camadas de roupas que ainda existiam,
dando a pressão necessária para fazer com que meus movimentos falhassem
e o prazer me atingisse em cheio.
— Caleb… — Me assustei com o seu movimento rápido.
Uma hora eu estava em cima dele, preenchida. E na outra, Caleb
tinha uma forma que eu diria ser quase humanamente impossível dado ao
seu tamanho, girando meu corpo dentro do seu carro, se afastando apenas
para abrir minhas pernas. Seus olhos foram até minha boceta, umedecendo
a boca, sorrindo como alguém que está pronto para ser perverso.
— Nerd?
— Shhhh. — Ele não disse nada. Apenas arranjando um jeito de se
abaixar e ficar no meio das minhas pernas. — Só abre essas pernas e
controla seus gritos, minha borboleta.
Sua língua adentrou a minha fenda com vontade e fome. Eu não
esperava por nada naquela proporção, mas quando Caleb sugou meu
clitóris, foi quase impossível não gemer mais alto. Sua mão subiu por
dentro da blusa que estava usando, apertando meu seio, enquanto sua língua
serpenteava precisamente sobre o meu clítoris.
Eu já estava por um triz antes, agora estava apenas esperando o
prazer me consumir inteira. Passei a mão pelos seus fios escuros e
ondulados, querendo ver o mesmo desejo que vi no laboratório quando ele
fez isso pela primeira vez.
Nossos olhos se encontraram naquele espaço. Caleb sorriu e
mordiscou minha virilha antes de voltar a devorar minha boceta com
vontade. Sua língua intercalava sobre meu ponto mais sensível e minha
entrada, fazendo uma pressão crescer em meu ventre e se expandir por todo
o meu corpo.
Quando menos esperei, o orgasmo me atingiu, fazendo-me encostar a
cabeça na janela do seu carro antigo e gemer em alto e bom som, sem
conseguir controlar qualquer coisa. Eu queria me segurar, mas era
impossível. Caleb me sugou como se quisesse levar um pedaço meu
consigo mesmo, ergueu-se como conseguia ali e, sem pensar duas vezes, se
afundou mais uma vez.
Meu corpo ainda estava tendo espasmos quando suas investidas se
tornaram cada vez mais rápidas. Aquela intensidade, o tremor no meu
corpo, tudo parecia mais intenso e longo que o normal. Abracei o seu corpo
e deixei que aquele prazer fosse me queimando, se alastrando pelas minhas
veias como uma droga pesada. E no momento que seu líquido jorrou dentro
de mim, era como se eu estivesse gozando mais uma vez. Vendo estrelas no
teto daquele carro.
— Obrigado, amor — falou, encostando sua testa na minha.
— Pelo o quê? — Inspirei fundo, ofegante, ainda com ele dentro de
mim.
— Eu não sei… — Sua voz saiu por um fio.
— Caleb, você sempre achou que não poderia ser amado por alguém
— afastei minha cabeça para encará-lo. —, mas você é a pessoa mais
amável que já tive a oportunidade de conhecer. E digo amável no sentido de
ser impossível não amar você.
— Qual sua fonte de pesquisa? — ele brincou, selando sua boca na
minha.
— Não preciso de fonte porque sou a prova do que estou dizendo. —
Segurei seu rosto, me perdendo no brilho intenso os seus olhos. — Eu sei
que é verdade porque é como me sinto assim desde que propus aquele
acordo.
— Uma proposta perfeita, não é?
— É.
Quando ele falou o nosso “eu te amo”, foi como selar o que eu tinha
acabado de dizer.
Quem não amaria um nerd como ele?
Férias de verão
— Eu achei que você não ia me ligar nunca mais, Paige. — Caleb
estava lindo como sempre, todo vermelho de sol.
Não imaginei que sentiria tanto a sua falta até estar em outro estado e
completamente sem tempo para ficar pendurada no telefone como
costumávamos fazer quando estava no campus.
— Nerd, você sabe que as coisas aqui são bem corridas.
Ele balançou a cabeça afirmando, sorrindo.
— Eu sei, mas eu fico com saudade e você me dizer que tem uma
novidade não ajuda. — Caleb apoiou o celular sobre alguma coisa e
levantou, sumindo de frente da câmera. — Vou fechar a porta porque espero
que a surpresa seja das boas.
— Desde quando você é tão safado?
Gargalhamos.
— Desde que você foi passar as férias estagiando com o Allan e eu
fiquei aqui, morrendo de saudade.
Tudo o que eu queria era ter tempo para voar até ele e lamber toda a
sua cara.
— Acho que o que eu tenho para te mostrar vai fazer sua imaginação
voar bem longe, então. — Apoiei o celular na pia do banheiro, procurando
o ângulo perfeito para mostrar o que tinha feito.
— Paige, vou pegar meus óculos.
Aquilo me fez gargalhar ainda mais.
— Onde estão as suas lentes?
— Minha mãe veio com uma história sobre a bactéria na lente, já
que ela disse que eu não higienizo direito, e não sei, não consigo mais usar.
Sua explicação ficava longe e perto à medida que ele andava pelo
quarto da casa da mãe dele. Nossas férias estavam sendo diferentes, mas
ambos tinham motivos para ficarem felizes com aquilo.
Eu estava participando dos primeiros testes e estudos que estava
levando o nome da minha mãe, inicialmente. O projeto Carrie estava sendo
promissor e, com mais alguns estudos e testes, ele iria evoluir para a
próxima fase de formulação. Era incrível ver como aquela minha pesquisa,
que tinha se iniciado quando criança e adolescente, tinha se tornado algo
aplaudido por pessoas que estavam no meio científico a anos.
Ainda faltava muito para que o projeto Carrie se tornasse de fato em
um medicamento, poderia levar anos pela frente, mas ainda assim, era um
orgulho para mim.
E com certeza, onde minha mãe estivesse, também era um orgulho
para ela.
— Calma, amor… — Caleb falou longe, me fazendo gargalhar mais
uma vez.
Já o meu nerd gostosão estava passando as férias na casa da mãe
junto com os irmãos. Embora no começo ele não quisesse ir por puro
nervosismo, agora parecia que finalmente Caleb estava se sentindo parte de
uma família.
— Pronto! — Ele sorriu na frente do celular.
Aquele homem era lindo de todas as formas possíveis e imagináveis,
mas de óculos de grau… eu tinha um grande tombo por ele.
— Fique atento com o que eu vou te mostrar.
Um sorriso safado apareceu no seu rosto. Seus dedos longos foram
até os cabelos e ali ficaram, na espera do que eu estava para mostrar.
Me afastei um pouco do celular, tirando primeiro a blusa que usava
nos treinos na UCLO, vendo aquele sorriso se alargar.
— Você quer fazer isso por chamada de vídeo? — Seu tom foi baixo
e rouco, fazendo os cabelos da minha nuca se arrepiarem.
— Amor… — Mordi o lábio inferior, sorrindo. — Calma…
— Paige, você está me deixando maluco só tirando a blusa, eu não…
Ergui meu corpo e mostrei o que estava por baixo do short de
ginástica que estava usando, bem próximo à virilha.
— Você fez uma tatuagem de borboleta?
Ele piscou algumas vezes, até trazer o telefone mais para perto.
— Eu quero ver mais de perto, Paige.
— Você gostou?
— Eu só consigo pensar em quando vou ver essa borboletinha
pessoalmente. — O tom sacana, combinado as suas bochechas vermelhas,
me fizeram gemer baixinho. — Não faz esse barulho que eu largo tudo
aqui, pego um voo e apareço aí para cuidar da sua borboleta.
— Eu duvido, nerd.
O safado riu, aproximando ainda mais o celular do rosto.
— Você sabe que quando você duvida, eu acabo te mostrando tudo o
que eu sou capaz de fazer.
— Por isso mesmo que estou duvidando, amor — falei manhosa,
aproximando o celular da tatuagem recém feita. — Gostou da sua
borboleta?
— Eu amo a minha borboleta. — Ele sorriu. — As duas.
Aquilo nos fez gargalhar.
Como uma proposta tinha virado tudo isso? Eu não saberia
responder.
A única coisa que eu sabia é que aquela tinha sido a minha melhor
aposta de amor.

Fim!
Antes de começar a série de agradecimentos de sempre, gostaria de
dizer que foi um desafio muito grande chegar até o final desse caminho. Se
você não segue nas minhas redes (@tfautora), pode não saber que eu fiquei
nove meses sem conseguir escrever até chegar neste livro. Dentre muitas
coisas que aconteceram na minha vida pessoal, o que mais me doeu foi
perceber que eu não conseguia fazer o que eu mais gostava.
Escrever sempre foi uma válvula de escape para os meus
pensamentos mais absurdos e apressados. Sempre procurei usar a escrita
como forma de expressar meus sentimentos, pensamentos, anseios e por aí
vai.
Acontece que depois de tudo o que eu passei, do começo do ano
para cá, o que eu mais sabia fazer deixou de ser a “terapia” que sempre foi.
Passei a enrolar os processos, não dar continuidade a personagens que
poderiam ser especiais, deixei de contar algumas histórias e,
principalmente, deixei, a cada dia, de ser a Thais que eu sempre fui. Perdi
meu brilho, a vontade de viver e uma série de coisas que não cabem nesse
agradecimento.
O que eu gostaria dizer com tudo isso é que durante todo esse
processo eu quis desistir – e como desistir você pode abranger muitas áreas
da minha vida –, porque não parecia certo continuar tentando por algo que
não ia para frente. Mas como sempre faço na minha vida, pensei em pegar
toda essa energia caótica e só curtir o processo.
E posso afirmar que, se você quer alguma coisa, apenas comece a
fazer.
“Ah, Thais, é fácil falar”. E não, eu sei que não é fácil. Eu fiquei
nove meses tentando, mas uma hora aconteceu. E se eu pudesse deixar
qualquer mensagem para este livro seria essa: continue tentando. Continue
se esforçando e acreditando.
Não desista de você, nunca. Jamais!
Eu não desisti de mim e por isso vou me dar esse agradecimento
especial.
Agora vamos aos agradecimentos oficiais? Vamos!
Primeiro agradeço a você porque, se chegou até aqui, é querida (o)
que resolveu ler os meus queridos personagens e acreditou nesse livro até a
última página. Espero que tenha se apaixonado por eles e como sempre
peço, não deixe de avaliar o livro para que ele chegue a outras pessoas.
Leva poucos minutos e pode mudar com o meu rumo como autora.
Agradeço as minhas de fé, de todos os livros, Ellen F e Yasmin S.
Do jeito de vocês e como podem, sempre me ajudam de alguma forma a
fazer os livros acontecerem. Dessa vez, minha amiga Ellen voltou a
diagramar esse querido e a Yas tirou seu tempo betando e lendo em primeira
mão. Vocês são maravilhosas.
Não posso deixar de mencionar o meu bebê, Marcela M, por
sempre tentar controlar minha vontade de exagerar, além de ter ouvido cada
ideia com toda atenção. Você foi incrível. E também a Aurora B, por não
saber, mas ter me dado as palavras de incentivo no momento certo. Sinto
que Deus coloca as pessoas certas, nos momentos certos.
Desse mundo literário eu ainda preciso agradecer a Gabi M por me
assessorar e ter embarcado comigo nessa ideia no começo do ano. A Yah M
por todas as trocas que fizemos nesse processo e como foi importante ter
alguém para desabafar. A Anna C, por que com quem eu iria poder dividir
um nerd? Só com ela. E peguei várias dicas, sem ela saber, nos stories e
vídeos sobre o personagem nerd perfeito.
Não poderia deixar de mencionar a pessoa que revisou esse livro,
surtou comigo em alguns momentos e teve muita paciência. Amanda, você
é uma querida. Merece muito reconhecimento pelo seu trabalho.
E claro, as meninas do meu grupo de leitoras que sempre se
esforçam para participar e ler meus lançamentos, em especial a Dani, uma
das minhas primeiras leitoras que tive na vida. Eu sei que pelo menos ela
vai parar para ler um livro meu (risos).
Agradeço também às minhas amigas de vida, fora desse mundo de
autora, Letícia e Fran. Eu nunca abri muito espaço para que as pessoas da
minha vida soubessem que eu escrevo, mas vocês me ajudaram DEMAIS a
continuar esse projeto, confiando e me dando todo o apoio, ouvindo minhas
reclamações, mostrando que eu era capaz. E claro, não podemos esquecer
dessa capa linda de presente.
Enfim meus amores, é isso.
O maior agradecimento da história.
Não reclama porque estou a meses sem escrever e precisava
agradecer a cada pessoa que me lembrei.
E se eu esqueci de você, que está lendo esse agradecimento e não foi
mencionado, saiba que você mora no meu coração. Seja por ter parado um
momento para me dar uma palavra amiga. Seja por ter comentado e curtido
meus posts ajudando a engajar. Seja por ter dedicado horas lendo esse livro.
Você é tão fundamental quanto todas as pessoas citadas.
Espero que você continue lendo a série.
Nos vemos em breve,
Xoxo, a sonhadora não morreu.
Me siga no Instagram e acompanhe de perto todas as novidades:
@tfautora

Você também pode gostar