Uma Proposta Perfeita Nodrm
Uma Proposta Perfeita Nodrm
Uma Proposta Perfeita Nodrm
Capa: Ly Arts.
Diagramação: Ellen Feitosa.
Revisão: Amanda Mont’Alverne.
Leitura beta: Yasmin Souza e Marcela Marchi.
Playlist
Epígrafe
Dedicatória
Prólogo
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Epílogo
Agradecimentos
Oie, olha quem voltou.
Demorei muito para começar esse projeto, eu sei.
A escolha de iniciar a contar essa história surgiu como uma
brincadeira, como muitos outros livros, mas logo tomou a necessidade de se
tornar o melhor livro que já publiquei. Me cobrei durante meses, procurei a
melhor forma de dar voz aos personagens que tanto imaginei na minha
cabeça e, no fim, me vi presa a um ciclo de cobrança que fazia tudo, menos
feliz em escrever.
Por isso eu demorei e tenho demorado.
Por isso precisei de meses para conseguir sentar na frente do
computador e finalmente me decidir em curtir o processo que já foi
prazeroso para mim.
Neste livro vocês vão encontrar Paige e Caleb. Como qualquer casal,
nossos queridos vão começar essa história de uma forma bem clichê, como
eu gosto, e vão cometer erros e provavelmente serão infantis em algum
momento.
Quem não é?
Vale ressaltar que eles são jovens, e eu não estou em busca de fazer
um casal perfeito, com a história perfeita. Estou dedicada a trazer para
vocês um casal real, com falhas e acertos e, acima de tudo, que mostre um
pouquinho como é ter um amor leve e que te proporcione melhorias, não o
contrário disso.
Paige e Caleb foram inspirados nos meus maiores sonhos
adolescentes, como a Thais jovem via o mundo e como tudo parecia se
transformar no final. Paige e Caleb foram inspirados em momentos bons,
conversas que já tive com pessoas à minha volta e nos amores que vi que
deram certo mesmo sendo tão diferentes — e curiosamente iguais. Paige e
Caleb foram inspirados em filmes adolescentes, romances memoráveis e
uma dose muito grande de imaginação. Então não, nada do que for
encontrado aqui é de fato real e todas as cidades, nomes e referências,
foram usadas para a criação de um universo totalmente novo.
Falando nisso, precisei utilizar da licença poética para renomear
faculdade, adaptar esportes e como funciona lá fora e, também, a estrutura
do ensino e o modo da atuação administrativa, educacional e esportiva,
além de outras adaptações para fazer sentido com a história contada.
Nenhum dado científico, pesquisa ou menção sobre tese deve e pode ser
levado a sério, porque, como mencionado, utilizei da mesma licença poética
para formular e se encaixar com o enredo.
A série “Apostas de amor” precisava se passar fora do Brasil para ter
sentido com o que consumimos em filmes dos anos 2000 e todas as
referências que temos de “vida universitária”, portanto precisei adaptar
alguns fatos para melhor compreensão e dinamismo na história.
Tudo em prol do entretenimento.
“Ah, Thais, mas você poderia ter usado referências nacionais e o dia
a dia do universitário aqui no Brasil”. E sim, eu poderia, mas não sei
vocês, só que a minha experiência em cinco anos de faculdade foi sobre
provas, ansiedade e muitas – e repito muitas – horas tomando no cu para
sair com um diploma e um financiamento estudantil. Portanto, eu queria
escrever sobre algo mais para o que acreditávamos que seria o ensino
superior, do que para o dia a dia do proletariado brasileiro. Desculpa por
isso! Então, caso você não goste de livros não ambientados no Brasil, já
posso te adiantar que esse não é um livro para você.
Neste livro você vai encontrar alienação parental, abandono familiar,
relatos não explícitos e claros de distúrbios psíquicos, cenas de sexo e
utilização de alcool, abuso mental não explícito, sendo importante prestar
atenção se alguns desses temas forem gatilhos para você.
Mas também encontraremos muito clichê, romance e uma dose alta
de fofura com um nerd tímido e uma atleta atrevida. E se você já leu outro
livro meu, sabe que não sou a maior fã dos surpreendentes plots, pessoas
morrendo ou qualquer coisa parecida. A leitura é leve, para ler em uma
sentada, apesar de ter uma quantidade maior de páginas.
Se você não gosta de nada do que foi citado ou tem algum gatilho
com os temas, é melhor parar a sua leitura por aqui.
No mais, espero que você tenha uma boa experiência, e
principalmente, divirta-se com eles.
Este livro é para entretenimento e para se apaixonar.
Xoxo, @tfautora.
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la, basta abrir o leitor de Qr Code do seu aparelho e apontar a câmera
para o código abaixo:
“Diga o que quer e eu serei para você”
Diário de uma paixão.
“Para todas que já cadelaram um nerd gostoso estlio Ali Hazelwood,
Caleb é seu novo nerd gostoso
Para todas que já fizeram um grande esforço para ficar com um boy,
Somos todas Paige Mallory”
Ela era muita areia para o meu caminhãozinho.
Eu a observava quase todos os dias, caminhando pelos cantos da
UCLO com algumas amigas. Ninguém poderia me culpar por ter percebido
aquela novata a quilômetros de distância. Até poderia parecer uma loucura
de um stalker, ficar reparando em como ela balançava a saia minúscula que
ousava usar quando ganhava algum jogo, ou a forma que andava como se
fosse a dona dos corredores, cheia de sorrisos e acenos para os babacas
mais babacas do campus. Mas observá-la era o máximo que conseguiria
fazer por saber que sim, ela era demais para mim.
Entretanto, quando saí da sala da senhora Cooper, depois de longas
horas analisando alguns projetos de ponto extra que ela inventou mais uma
vez para ajudar alguns atletas, meus ouvidos foram tomados por uma
música instrumental que vazava de uma das salas no corredor comprido do
décimo andar. Não era comum que aquela hora ainda tivessem pessoas
trabalhando ou ensaiando algum número musical, principalmente naquele
andar onde ficava a maioria dos laboratórios de química, biologia e
farmácia.
E ninguém dos laboratórios colocaria uma música pra tocar.
Não naquela altura.
Não aquela música que se misturava em melodia e solos de guitarra.
Assim que cheguei até onde o som saia e vi, pelo pequeno vidro da
porta, ela dançando, a mesma mulher cuja beleza eu era incapaz de
descrever com exatidão o suficiente para fazer jus a tudo o que ela
realmente é. Pensando bem, isso foi a coisa mais ridícula que já pensei, até
meu foco voltar para ela mais uma vez e sorrir como um idiota.
Senti o ar saindo dos meus pulmões e não voltando, como se alguma
parte do meu tronco encefálico tivesse falhado e eu fosse incapaz de seguir
o ciclo respiratório normal. Senti um breve formigamento tomar conta do
meu rosto, queimando logo em seguida, como se eu tivesse aberto um forno
quente para olhar um bolo que está no final do processo de assar. Senti
aquele quente percorrer pelo meu corpo, como lava de um vulcão,
iluminando toda a pele em uma resposta simpática do meu sistema nervoso.
Fuga.
Eu queria fugir antes de ser pego, mas meu corpo parecia não querer
fazer o mesmo.
Ela se movia perfeitamente com a música, saltando a cada vez que a
guitarra ficava mais estridente nos alto-falantes. A dança não parecia sexy,
ou alguma coisa coreografada como vemos em espetáculos. Estava mais
parecido com algo que ela deixava entrar nos seus ouvidos e fluir por todos
os membros do seu corpo, vibrando com a música, se jogando no chão nos
momentos mais baixos, movendo seus braços e pernas conforme a melodia
ondulava a cada nova nota.
Eu estava hipnotizado por ela.
Por seus movimentos.
Por sua beleza estonteante.
Como a foto de borboleta azul que Mia Shuters colocou no seu
trabalho.
Borboleta.
Por algum motivo desconhecido, minha cabeça migrou até o trabalho
que tinha acabado de ler sobre borboletas. Dentre muitas informações
científicas e copiadas diretamente do Wikipedia, Mia Shuters – aluna que a
senhora Cooper sempre ajudava por ser filha de alguém que doa muito
dinheiro para faculdade – colocou em seu anexo de informações algo sobre
borboletas significarem mudança, liberdade e em um aspecto mais
religioso, reencarnação.
Quando li aquelas informações no trabalho, não achei que aquilo
pudesse fazer sentido com todos os outros dados biológicos e sua
participação na fauna, mas olhando-a pelo basculante da porta, fez sentido.
Ela era uma borboleta.
Apoiei as duas mãos contra a madeira pintada de branco, puxando o
ar pela primeira vez em todo aquele tempo. Ela não deveria estar ali, muito
menos eu. Apesar disso, nós dois estávamos naquele lugar, cada um em seu
mundo, levados por algum sentimento que nos corroía naquele momento.
Ela insinuava estar tomada por alguma raiva, tristeza, ou algo similar. Já eu
estava tomado por algum sentimento desconhecido, que queimava tanto
quanto raiva, só que não era parecido com isso.
Eu nunca tinha sentido isso.
Uma alegria repentina; uma vontade de abrir aquela porta e tomá-la
em meus braços como uma espécie de casulo protetor ou um caçador de
borboletas raras; uma queimação que me faria explodir em vários
fragmentos de mim mesmo, bem ali naquela porta.
Eu sou muito idiota. Ri com meu pensamento, mais uma vez. Apoiei
a mão no lado esquerdo do peito e continuei assim, a analisar suas cinesias
perfeitas e combinadas enquanto meu coração se esforçava para seguir os
batimentos necessários para me manter vivo em frente aquela porta.
Ela parecia se transformar conforme a música e a dança iam a
consumindo.
Seus movimentos, que antes pareciam vibrar com os solos
intermináveis da guitarra, raivosos e exagerados, agora estavam serenos,
batendo como as asas de uma borboleta, saindo do seu casulo de raiva e,
talvez, tristeza. Suas pernas, que antes serviam de alavanca para saltos e
quedas brutas no chão, agora se estendiam, mostrando sua graciosidade e
leveza a cada vez que seu pé pairava próximo a sua cabeça.
Ela estava se transformando.
Mudando.
Ganhando liberdade.
Como uma borboleta.
Borboleta.
— Você não tem opção, Paige. — A treinadora me encarou como se
fosse capaz de arrancar minha cabeça com as próprias mãos. — Se você
não correr atrás desse projeto, vai ficar sem jogar as próximas partidas e
todo o time ficaria arrasado com você.
Pisquei algumas vezes sem entender.
— Por que eu ficaria sem jogar? — Isso não fazia parte do plano.
— Normas da faculdade. — A treinadora deu de ombros, apoiando as
duas mãos sobre a mesa minúscula. — Você sempre foi uma aluna
exemplar, talvez por isso não saiba que suas notas são importantes para se
manter no time e com a bolsa de estudos.
Bolsa de estudos.
Aquelas três palavras queimaram minha testa assim que foram
processadas pelo meu cérebro que não tinha calculado a dimensão que meu
plano estava me levando. A treinadora tinha razão quando falou que eu não
sabia nada sobre notas e como elas poderiam foder todo o meu futuro.
Sempre fui uma aluna exemplar, a queridinha dos professores, que
tirava notas excelentes e ainda era uma atleta em potencial. Nunca entrei em
algo que não fosse para tentar ser a melhor e era exatamente por isso que
tinha ganhado aquela bolsa e era titular do time.
Só que existia outra coisa que estava roubando meus pensamentos.
Coisa essa que se a treinadora sonhasse que eu deixei algumas notas caírem
apenas para ter contato com o motivo, ela facilmente me queimaria viva, em
meio ao campo de futebol, para que todas as meninas assistissem meu
assinado de burrice.
— Farei o possível para conseguir esse projeto — forcei um sorriso
—, mas acho que você poderia me dar uma forcinha pedindo também.
Ela negou com a cabeça, puxando sua cadeira antiga e se
acomodando no estofado que levava a mesma cor que a dos nossos
uniformes.
— Eu não vou passar a mão na sua cabeça se você resolveu não se
dedicar às suas notas, Paige.
Ok, talvez eu merecesse isso.
Afinal, não era como se eu realmente possuísse problemas com
química ou qualquer outra matéria que tivesse matérias exatas como base.
Na realidade, meu sonho era terminar a faculdade como farmacêutica e
ajudar algum grupo de pessoas com um medicamento revolucionário, algo
que realmente fosse fazer a diferença na vida das pessoas, assim como
aconteceu com a minha mãe e seu processo com uma doença autoimune.
— … E lembre-se…
A treinadora mexia os lábios como alguém que está se controlando
ao máximo para não explodir de raiva. Para ela, a minha falta no time
também geraria problemas, sou totalmente empática com a sua situação. Ao
mesmo tempo que ela nos cobrava por resultados, algo maior a cobrava
números e colocações no campeonato. Mesmo que o futebol feminino não
fosse muito valorizado na maioria dos lugares, não tendo a mesma comoção
principalmente aqui no país, as melhores jogadoras saiam de times como
nosso, tendo muito dinheiro rolando o tempo todo.
São verbas, empresas empenhadas, vendas altas de ingressos e
torcedores fanáticos que nos acompanham em todos os jogos e torneios.
— Paige? — Pisquei meus olhos quando reconheci meu nome sendo
chamado, encarando a treinadora atentamente. — O que você ainda está
fazendo aqui? Anda!
Balancei a cabeça veemente, saindo do seu cubículo dentro do
vestiário que ainda estava vazio, já que todas as meninas ainda treinavam a
essa altura.
Você se meteu em uma merda das grandes, Paige.
Foi o que eu pensei saindo com o meu uniforme de treino e toda
suada por ter corrido todo o campo em uma partida rápida e os treinos de
agilidade e força. Gostaria de ter tempo pra me arrumar e parecer
apresentável para a professora Cooper, porém ela iria precisar lidar com a
minha versão suada e desesperada. Talvez o toque de suor despertasse até
mais credibilidade ao meu desespero, ilustrando a minha necessidade de me
manter nos próximos jogos e ter a oportunidade de realizar um projeto extra
para a nota.
— Professora Cooper! — Encontrei-a no corredor. — Estava indo
falar com a senhora.
Seus olhos correram por mim como se eu estivesse pronta para
contaminar todos do campus com algum vírus fatal. Gostaria de dizer que
aquele olhar era algo especial para aquele dia, mas seria uma grande
mentira da minha parte. A professora Cooper era conhecida por valorizar
apenas os alunos que tinham uma certa história com a faculdade, seja
histórico acadêmico ou ajudas financeiras. Infelizmente eu não estava em
nenhum dos dois grupos seletos.
Muito pelo contrário, estava sendo a segunda pessoa da minha
família que conseguiu ingressar na faculdade e que tinha grandes chances
de terminá-la sem grandes problemas. Pelo menos era isso até eu criar a
minha obsessão pelo nerd gostoso.
Nunca acreditei nessa coisa de se encantar com alguém à primeira
vista. Eu estava mais para aquele tipo de menina que se faz de burrinha
gostosa para pegar todos os caras que quer, sem mostrar qualquer grau de
inteligência além do que eles realmente querem ouvir. É péssimo ter que
assumir isso, mas é a realidade da grande maioria. Eu mantinha a minha
nota impecável e longe dos holofotes da maior parte de pessoas – ainda para
manter uma imagem de apenas bonita demais para ser inteligente –, e fazia
meu papel em campo porque aquele era um dom que descobri por um acaso
e logo vi que seria uma ótima forma de ingressar na faculdade com uma boa
bolsa.
— Eu não tenho muito tempo agora, então acredito que será melhor a
senhorita me enviar um e-mail — ela forçou um péssimo sorriso —, assim
também não atrapalho o seu treino.
A senhora Cooper tentou desviar de mim, jogando seu corpo para o
lado esquerdo.
— Mas o meu assunto é urgente e não posso esperar por uma
resposta por e-mail. — Fiz o mesmo jogo que ela, atrapalhando a sua
passagem com o meu corpo.
Ela olhou para o relógio dourado e pequeno que adornava o seu
punho direito, encarando-me dos pés à cabeça.
— Seja rápida!
Foi tudo o que ela precisou dizer para que eu tentasse usar algumas
aulas de teatro que fiz na escola e todo o meu dom de fazer as pessoas
realizarem o que eu quero. Contei toda a minha história com meu amor à
química, elucidando momentos em que vivi na prática o que era gostar da
área e como fui tocada quando minha mãe descobriu ter Lúpus, até
finalmente chegar no ponto chave daquela conversa: minha baixa e drástica
nota nos últimos exames.
— A sua história é tocante, mas não entendo como me encaixo em
tudo isso.
Eu sei como ela se encaixa nisso, mas não sabia como chegaria a
isso.
Nem todos os professores eram conhecidos por ajudar atletas, mas
em sua maioria, isso acabava acontecendo pela faculdade ser focada em
criar os melhores esportistas para times variados, desde de futebol, até
esportes não tão populares como a esgrima. Não era uma regra, muito
menos apoiado pela instituição, entretanto era algo que acontecia em todos
os corredores e salas, mesmo que todos eles fingissem que não.
A senhora Cooper, em especial, era uma das que deixava isso
escancarado, tendo espécie de monitores que a ajudavam a acompanhar e
vistoriar esses alunos que precisavam de uma segunda chance. Era como se
ela jogasse partes dessa responsabilidade em outro aluno e só se desse o
trabalho de dar a nota e incluí-la no sistema.
Eu sabia disso.
Todos sabiam disso.
— A treinadora pediu para que conversasse com você sobre a
possibilidade de… — Era melhor jogar a culpa na treinadora do que falar:
então, sei que você faz isso para todos e eu preciso também.
— Antes que você continue o que estou pensando que irá pedir, não
sei o que se passou na sua cabeça que te daria mais uma chance. — O
sorriso que ela tentou forçar agora não existia mais. — Eu não posso dar
uma chance para você. Isso seria injusto com todos os colegas da sua turma
que se dedicaram a prova e tiraram uma nota boa, diferente de você.
Pisquei algumas vezes, totalmente incrédula.
— Eu estou entendendo certo? — Puxei o ar pela boca, cruzando os
braços em frente ao peito. — A senhora está dizendo que não pode me dar
uma chance porque estaria sendo injusta?
— Isso mesmo.
Por que comigo tudo precisava ser tão difícil?
Aquele olhar de desprezo que ela sempre direcionava a mim e a
outras pessoas que claramente ela não achava dignas ou coisa parecida,
tomou um ar travesso, como se a senhora Cooper estivesse se divertindo
com tal renúncia de sua parte. E juro, eu gostaria de não ter que precisar
pedir isso para ela; gostaria de ter a possibilidade de apenas ignorar este
fato e seguir sem aquele trabalho de merda para uma nota extra, só que não
podia. Eu tinha que fazer isso pelas meninas do time, pela minha bolsa de
estudos e, quem sabe, para o meu plano seguir pelo caminho que eu
esperava.
Esse nerd tem que ser muito gostoso ao final de tudo isso.
— E como me explica o fato de Lya Clarkson nunca passar nas suas
provas e continuar como corredora da equipe dela?
Eu tinha me esforçado para ser simpática com uma abordagem onde
eu não iria precisar jogar na cara dela as ajudas que deu para outras pessoas,
porém aquela era a minha versão que não sairia dali com um não como
resposta. Não tenho culpa de ter um lado levemente teimoso, dedicado e um
tanto mimado.
— N-não…
— Todos no campus sabem, senhora Cooper. — Abri meu sorriso,
deixando meus braços relaxarem na lateral do meu corpo, ganhando o ar
confiante que eu adorava ter com as pessoas que de alguma forma tentavam
me diminuir. — E seria uma pena que eu tivesse que levar o caso a frente,
mostrando que a minha necessidade não pode ser diferente da Lya Clarkson
só porque o pai dela é um dos financiadores da reforma da biblioteca da
instituição.
— Isso não tem nada a ver com a generosidade do Sr. Clarkson. —
Ela balançou a cabeça, soltando o ar pelo nariz de forma exagerada. —
Faremos o seguinte…
— Paige. — Continuei ostentando meu melhor sorriso. — Paige
Mallory.
— Então, Paige. — Ela deu aquela conferida dos pés a cabeça mais
uma vez, fazendo um barulho diferente com a garganta. — Você entrará em
contato com o meu monitor mais novo, ele está um ano na sua frente e acho
que será ótimo para te ajudar. Seu nome é Caleb e normalmente fica
encarregado do laboratório para mim.
Caleb, o nerd.
Foi justamente por ele que cheguei exatamente onde estava, em um
plano que estava prestes a derrubar minha vida acadêmica.
— Você vai precisar montar uma alternativa viável… — Sua boca
se mexia, mas minha mente era incapaz de me apegar a qualquer palavra
sendo que estava focada no nerd dos cabelos mais escuros que já vi em toda
a minha vida.
A primeira vez que o vi pela faculdade foi em uma aula que acabei
fazendo totalmente enganada. Entrei em uma turma que não correspondia à
minha, só porque a professora resolveu mudar a sala em que dava aula. Eu
o vi entrar com toda sua energia inteligente, carregando nada mais que uma
bolsa transversal e um livro de fantasia nas mãos. Tentei decifrar qual era
pela capa, mas na distância em que estávamos, era quase impossível. Eu só
sabia que se tratava de uma fantasia pela estética escura, fogos e algo que
identifiquei como um dragão.
Eu estava deprimida por ter finalmente terminado o meu
relacionamento que todas as minhas amigas diziam ser péssimo para mim.
Partes minha ainda queria se apegar aos poucos momentos bons que
tivemos, porém alguns pedaços sabiam que realmente suas atitudes eram
suspeitas, e que se as mulheres da minha vida diziam que algo estava
estranho, meu dever era prestar atenção nisso.
E prestei atenção, terminei e jurei que não ficaria mais com atletas,
apenas meninos como aquele cara alto, de cabelos escuros e com um ar
tímido que sentou a duas fileiras atrás da minha. Óbvio que eu não podia
olhar para trás, então fiquei atenta a todas as vezes que ele pedia a palavra
para o professor e deixava que sua voz grossa e meio rouca ganhasse vida
pela sala. Foi justamente aquela voz, combinada com todo o seu porte alto,
grande na medida certa, que me fizeram querer saber mais sobre ele.
Eu iria ter aquele nerd de alguma forma, só não pensei que fosse ser
tão difícil.
— E se ele aceitar te ajudar monitorando seu projeto, eu aceito
corrigi-lo antes do próximo exame.
Consegui pegar o final do que disse, tentando forçar minha melhor
cara de quem escutou tudo o que ela falou.
— O próximo é…
— Daqui a cinco semanas e nada além disso. — A senhora Cooper
segurou a alça da sua bolsa marrom vintage e deu mais um passo para a
esquerda. — Se me der licença, você já ocupou todo o meu tempo.
— Obrigada pela oportunidade — falei, mas provavelmente não fui
ouvida, já que a mesma saiu pisando firme pelo chão antigo da UCLO.
Não tinha tempo para perder, por isso decidi ir atrás daquele nerd no
laboratório de química.
Quando descobri que seria impossível conhecer ele em alguma festa,
andando por aí ou até tomando um café na cafeteria que todos
frequentavam, me dei conta de que iria precisar de um plano melhor. Foi
assim que um clássico do cinema, o filme Garotas Malvadas, deu a ideia
que faltava para eu chegar até aquele nerd. Se antes eu me fazia de burrinha
para alguns caras só por saber que eles jamais ficariam com alguém mais
inteligente do que eles, agora eu iria descer o nível e realmente seria essa
versão nas notas também.
Tudo o que sabia era que ele tinha virado monitor da professora
Cooper, e que as fofocas eram que quem estava corrigindo os trabalhos era
ele, por ser um super nerd que sabia demais para o ano que estava – nas
palavras dos fofoqueiros. Logo a ideia era me aproximar por precisar da sua
ajuda para produzir o trabalho perfeito que, no final, poderia até ser
corrigido por ele ou não.
Nada como um aluno ajudando o outro.
Decerto, agora o plano parecia estar finalmente seguindo pelo
caminho correto.
— É isso, Paige — murmurei para mim mesma assim que cheguei no
andar onde ficavam alguns dos laboratórios da faculdade.
Meu coração parecia que ia sair pela boca e por algum motivo me
senti mais nervosa que o normal. Eu não era o tipo de pessoa que me
abalava por qualquer coisa, sempre carregada por uma resposta na ponta da
língua. Você deve se perguntar por qual motivo não usei toda essa atitude
para chegar nele, no lugar de montar todo esse plano. E a verdade é que
Caleb Turner me deixava ansiosa demais, como se tivesse voltado a ser a
Paige da escola, que tinha vergonha de tudo e todos até seu primeiro pé na
bunda.
Puxei o ar pela boca e caminhei apressada até onde eu sabia ser o
laboratório de química. Cogitei bater antes de entrar, pedir licença como
qualquer outra pessoa normal. Apesar disso, meu cérebro parou de
funcionar em algum momento assim que coloquei a mão na maçaneta e a
girei, adentrando o espaço como um foguete desgovernado e desesperado.
— Meu Deus! — Foi tudo o que eu disse ao trombar em uma das
mesas, vendo alguns tubos de ensaio balançarem.
— O que está acontecendo? — Aquele tom grosso e rouco me
acertou em cheio.
Era humanamente impossível que meu coração saltasse do meu peito,
subindo pela minha garganta. Mas a sensação que estava sentindo enquanto
caminhava até aquele laboratório só piorou quando ele me encarou com o
semblante incerto do que tinha acabado de acontecer, cabelos desgrenhados
e um jaleco perfeitamente branco cobrindo os músculos que eu sabia existir
debaixo de todo aquele tecido. Lindo e inteligente. Foi a constatação que eu
cheguei antes de produzir um bom discurso para começar a minha
apresentação e o meu pedido.
Apoiei a mão na mesa que quase derrubei, puxando o ar mais uma
vez pela boca a fim de engolir aqueles batimentos cardíacos que estavam
rápidos e fortes demais.
— Pai-Paige? — ele gaguejou.
Ele sabe meu nome?
Abri e fechei a boca, confusa.
— Você precisa me ajudar, nerd.
Foi o que a minha boca conseguiu produzir antes que meu cérebro
fosse capaz de processar, saindo a primeira coisa que passou pela minha
cabeça, tão desesperada quanto a minha entrada triunfal.
O que diabos esse nerd faz comigo?
Meu desejo de ser professor sempre diminuía um pouco todas as vezes que
recebia trabalhos como aquele.
Quando aceitei a proposta da Sra. Cooper, imaginei que ficaria no seu
laboratório, teria tempo para começar a trabalhar nas minhas próprias teses e,
quem sabe, alcançar uma imagem no âmbito científico como um prodígio ou
coisa parecida. Eu sei, eu exagerei muito. Em uma visão glamourizada, imaginei
que eu fosse respirar e viver a química o máximo possível, aprendendo se de fato
aquilo era o que queria fazer pelos próximos anos da minha vida.
Acontece que ser monitor da Sra. Cooper estava mais voltado a fazer todo
o trabalho chato que ela não gostaria de fazer, para que a mesma tivesse tempo de
sobra para se dedicar às suas próprias pesquisas. Eu passava boa parte do meu
tempo livre no laboratório auxiliando os alunos de turmas mais novas a
estudarem e não fazerem uma grande merda, como explodir o local com alguma
reação química não planejada. E ainda tinha que ler a maioria dos trabalhos que
ela liberava para alguns alunos favorecidos pela mesma.
Ou seja, nada de química.
Aquele dia era para ser mais um dia como os outros, lendo mais um
trabalho que tinha sido tirado diretamente do Google que estava me forçando a
questionar se, de fato, eu gostaria de ficar na posição de lecionar ou deveria fugir
para pesquisas assim que me formasse. Entretanto, um barulho tomou conta da
minha atenção e tudo o que vi depois foi uma pessoa que conhecia – não por
sermos amigos e sim por ela ser “famosa” na faculdade – derrubando quase todos
os tubos de ensaio que estavam em uma mesa próxima a porta.
Aquele dia seria normal se ela não tivesse acontecido.
— Pai-Paige?
Encarei-a perdido, sentindo que meu cérebro faria o que costuma fazer
sempre quando estou perto de pessoas que me intimidam de alguma forma: ele
trava. Paige estava como sempre, incrivelmente bonita mesmo estando em seu
uniforme de futebol roxo e amarelo e suada. Ela estava suada de verdade, com
gotículas pequenas prontas para escorrer da sua testa e o cabelo preso em um
coque extremamente alto e esticado – talvez aquilo fosse incomodar depois de
algumas horas.
Ela estava suada.
Não de um jeito nojento que qualquer pessoa ficaria depois de um treino
pesado como imaginava que ela costuma fazer, mas ela estava suada como algo
reluzente, como uma latinha de refrigerante transpirando no meio do deserto.
Isso era coisa do privilégio de ser quem era.
Só podia ser isso.
— Você precisa me ajudar, nerd. — Quando sua voz me atingiu pela
segunda vez, me chamando de nerd, meu íntimo sorriu.
Para qualquer outra pessoa aquilo poderia soar como uma ofensa, mas
estranhamente ela falou de um jeito meio fofo. Ou esse era o efeito que Paige
causava em todas as pessoas? Droga! Eu não podia ficar perto dela.
— Sin-sinto muito, mas você precisa sair daqui — falei com a mesma
dificuldade de um bebê que começou a falar frases completas agora.
Paige piscou algumas vezes, passando a mão na testa.
— Eu… Como assim eu preciso sair daqui? — Ela negou com a cabeça,
soltando uma risada contida. — Você não vai me negar nada porque eu estou aqui
para salvar minha vida e o meu time.
Estreitei os olhos.
— Olha… — Ela deu dois passos na minha direção. — É sério, eu preciso
de você.
Me sentia em uma espécie de sonho estranho. Aéreo. Perdido. Tentando
encaixar o momento certo em que aquele sonho começou a acontecer. Seria neste
momento que Paige Mallory começaria a tirar seu uniforme como algo fantasioso
o suficiente para ela virar uma stripper? Ou seria nesse momento em que Mallory
confessaria sua paixão secreta por mim e eu a recusaria por puro nervosismo?
— Ei! — Senti sua mão tocar no bolso do meu jaleco.
Com certeza era um sonho. Foi a constatação que eu cheguei no momento
em que fui envolvido por um cheiro adocicado e floral que vinha dela. Ninguém
suado e depois de um treino cheiraria daquela forma se não fosse um sonho.
— Você tá bem? — Ela beliscou minha bochecha.
— Caramba! — Não era um sonho.
— Desculpa — ela gargalhou —, mas você estava viajando.
Segurei a bochecha que queimava e a encarei, dentro dos olhos, perto
demais.
— Paige?
Ela realmente está aqui.
— Meu Deus, nerd! — Com uma revirada de olhos, Paige se afastou. —
Vou te explicar tudo e preste muito atenção no que tenho a dizer. — Ela olhou
sobre os ombros apenas para se certificar de que eu estava prestando atenção.
— Eu… Eu… — Limpei a garganta. — Estou ouvindo.
Quem eu queria enganar com essa falácia de que estava escutando tudo o
que Paige dizia? Paige começou um longo monólogo que parecia um filme mudo
para mim. Por mais que me esforçasse até para pegar palavras chaves do que
estava sendo dito, tudo o que eu conseguia era reparar na sua boca. Sim, meus
olhos estavam cravados nos seus lábios carnudos, rosados. Ela estava de batom
ou aquela era a cor natural? Foi uma das perguntas que se passaram na minha
cabeça enquanto a observava, movendo-se, articulando palavras demais sem nem
ao menos dar uma pausa para respirar ou para que eu respondesse qualquer coisa.
— Eu precisei jogar na cara dela que ela ajuda outras pessoas.
Era minha tentativa de participar da conversa.
— Ela? — Arqueei uma sobrancelha.
Paige revirou os olhos mais uma vez, desesperada demais para ter qualquer
pingo de paciência.
— A professora Cooper. — Suspirou. — Eu precisei jogar na cara dela que
ela ajuda outros alunos, logo ela deveria me ajudar com essa nota também.
Segurei o sorriso, pois isso deve ter a tirado do sério.
— Ela deve ter ficado furiosa — comentei mais para mim do que para ela.
— Ela não apenas ficou furiosa como colocou você como meu bote salva-
vidas.
E foi aí que Paige deu passos na minha direção e, mais uma vez, me perdi
em algum ponto entre seus olhos claros que não davam para identificar
corretamente a cor, entre uma escala de verde ou um tom de caramelo salgado, o
seu nariz fino e delicado ou as bochechas que estavam em um tom de rosa,
deixando-a ainda mais bonita do que qualquer outra vez que a vi pelos
corredores.
— Você é a pessoa que tem o poder para me ajudar…
Inspirei fundo, me arrependendo no mesmo momento. Fui golpeado pelo o
seu perfume mais uma vez, um soco bem no meio do estômago. Travei a
mandíbula e engoli em seco, como se uma grande bola de pelo tivesse se alojado
na minha garganta. Voltei ao estado que me encontrava anteriormente, de não
conseguir ouvir mais nada enquanto ela se aproximava e fazia aquele jogo que as
garotas sabiam bem como realizar. Um sorriso meio fofo, um olhar pidão de
desenho animado, mãos que nunca ficavam paradas em um único ponto,
chamando atenção para áreas que eu não gostaria de olhar.
Seria errado olhar.
— Então você…
— Não! — falei, nervoso, interrompendo-a.
Eu precisava de ar, urgentemente. Eu podia sentir meus neurotransmissores
se organizando, liberando alguns hormônios na minha corrente sanguínea,
excitando áreas inapropriadas para aquele momento.
Merda! Merda! Merda!
— Qual é, eu posso te ajudar com alguma garota. — Paige bateu na
própria testa. — É isso, eu posso te ajudar com qualquer garota que você queira.
Aposto que você quer alguma garota do campus.
— Não!
— Qualquer pessoa, Caleb. — Ela fez algo com a sobrancelha que me
lembrou o motivo de querer sair daquela sala correndo.
— Não! — Balancei a cabeça, andando para o canto do laboratório onde
deixava minha mochila. — Eu não tenho interesse…
Como um lembrete, meu cérebro lembrou-me de um interesse
inalcançável.
Borboleta.
A minha borboleta.
— Você fala que não, mas eu aposto que você quer alguém nessa faculdade
e eu sou a pessoa…
— Como? — Interrompi mais uma vez. — Como você faria isso? — Virei
meu corpo para ficar de frente para ela, a uma distância mais aceitável para o
meu corpo, que aparentemente ainda se encontrava na puberdade.
— Se eu falar por aí em como você é legal, sair com você umas duas vezes
e… — ela olhou para o teto, como se pensasse sobre o assunto — e dissesse que
seu pau é muito acima da média, fora que me fez…
Minha mente começou a adentrar aquele caminho perigoso mais uma vez.
— Não! — Aquele, em especial, foi para mim e a minha imaginação.
— Não, você não gostou dessa parte? — Ela cruzou os braços na frente do
peito. — Ou não, você não quer me ajudar?
— Não, eu não…
— Caralho, cara. — James entrou como um furacão no laboratório, só não
acertou a mesa como Paige. — Eu te procurei pela porra da faculdade inteira.
— O treino! — bufei.
Eu dividia a minha atenção e duas horas diárias dos meus dias para treinar
hockey. Antes de perceber que não tinha nascido para aquilo, o hockey foi um
esporte que fui forçado a gostar. Quando o seu pai é um ex-atleta que tinha de
tudo para ter sido um grande nome, mas devido a uma lesão grave no tornozelo
por conta de um acidente de moto, não conseguiu seguir seu sonho, você se torna
uma espécie de esperança para seus novos tempos de glória como o seu treinador.
Eu tentei amar aquele esporte com toda a minha alma, e talvez até fosse
capaz de gostar minimamente de toda a dinâmica, os setenta minutos em cima
das lâminas enquanto a torcida vai à loucura, e a sensação inexplicável de quase
voar sem de fato tirar os pés do gelo. Na realidade, seria muito fácil gostar do
esporte, se não fosse pelo o meu pai.
Apesar disso, naquele momento, hockey tinha se tornado minha coisa
preferida no dia. Quem sabe, se tornado a minha coisa preferida da vida.
— Exatamente! O treino, seu nerd idiota. — James não pareceu se dar
conta de que Paige estava ali, até ela fazer um barulho com a garganta em alto e
bom som. — Nossa, eu não… Por que você está aqui com ela?
— Claro, mais um para me ignorar. — Ela riu, mas não pareceu nada feliz.
— Caleb, eu preciso de uma resposta para aquele pedido.
— Sua resposta pode esperar, porque ele está super atrasado para o treino.
— James se meteu, sendo o meu salvador.
Eu nunca fui muito admirador do seu jeito intrometido, mesmo que fosse
meu amigo desde o ensino médio. Corrigindo, mesmo que fosse meu único
amigo desde o ensino médio.
— Alguém falou com você? — O tom de desprezo de Paige foi capaz de
arrancar uma boa risada dele.
Meu foco estava dividido entre organizar todas as minhas coisas correndo
ou tentar intervir para que ele falasse alguma coisa que não devia.
— Ninguém falou com você, Mallory.
— James, já chega. — Joguei a mochila nas costas, andando em direção a
porta. — Vou precisar que você saia do laboratório para que eu possa fechar.
— É sério? — Paige bateu o pé no chão, parecendo descontar sua raiva no
pobre piso. — Eu não vou sair daqui até ter uma resposta, nerd.
Desejaria ser a pessoa a ajudá-la nisso, porém não iria sobreviver um dia
sequer ao seu lado. E por mais que sua proposta fosse perfeita, que isso pudesse
me deixar mais perto da minha borboleta, não valeria a pena.
Meu consciente sabia disso.
No fundo, até meu coração sabia disso.
Puxei o ar pelo nariz e fiz o que deveria fazer.
— Não! — Curto e grosso. — Eu não vou te ajudar, Paige Mallory.
Estou fodida.
Como eu achei que esse plano teria a possibilidade de dar certo?
— Mas como que você não vai jogar? — Alisson falou tão alto que
precisei correr com a toalha enrolada no corpo até ela.
— Shhhhhh! — Balancei os braços exageradamente, quase perdendo
a toalha com o movimento. — Você precisa falar mais baixo, minha
querida.
— Mas a pergunta dela é importante, amiga — Miley cochichou, se
aproximando, puxando a mão de Kim com ela.
— Para de me puxar, louca — Kim resmungou, apontando na minha
direção. — E você precisa jogar, se não essa outra louca — ela apontou
para onde Alisson estava —, não vai nem dormir a noite.
— Eu até queria jogar, mas como farei isso se perdi a merda da nota
e o nerd não quer me ajudar? — Segurei a toalha, suspirando em alto e bom
som.
No dia em que pensei nesse plano maluco, não contei que aquele
nerd de cabelos escuros pudesse negar o meu pedido. Pelo contrário, achei
que como muitos, ele se esforçaria para me ajudar. Não sei, ele poderia se
encantar com a minha cara de pidona ou ver a oportunidade de ganhar
qualquer coisa que me pedisse. E quando digo qualquer coisa, imaginei
coisas que eu faria questão de fazer com ele naquele campus ou em
qualquer outro lugar.
— PAIGE! — Alisson bateu as mãos na frente do meu rosto.
Saltei no lugar, assustada.
— Caramba, Ali!
— Ela está fazendo o que fazia na época de escola. — Kimberly
balançou as mãos para que as meninas se afastassem de mim. — Licença,
porque já conheço essa cara de perdida. — Ela se aproximou, colocando as
duas mãos em cada lado da minha bochecha e cravou seus olhos nos meus.
— Você está afim desse nerd, Paige?
— Quê? — Foi o que consegui falar, encarando seus olhos pintados
em um delineador perfeito. — Que marca de delineador você está usando
que ele não derreteu com as horas de treino?
Não conseguia fingir nada com os olhos de Kimberly me fitando
daquela forma, então a melhor saída era puxar outro assunto. Claro, um
assunto melhor que aquele.
— Não desconversa.
— Eu não estou… — Desviei os olhos, vendo Miley no seu lado
esquerdo. — Eu não…
— Ela está super afim dele — Miley cantarolou.
— Estamos definitivamente ferradas — Alisson choramingou, se
jogando em um dos bancos de madeira que ficavam bem no centro do
vestiário.
— Eu só… — Pisquei algumas vezes enquanto era fuzilada por
aqueles olhos armados de delineadores.
Existia uma ligação estranha entre mim e aquelas meninas. Vivíamos
como irmãs que nasceram em úteros diferentes, uma cuidando da outra.
Conheci Kimberly na escola, antes mesmo do seu corpo ser tomado
por mais tatuagens do que éramos capazes de contar. A cada momento
crítico com sua família, uma nova tatuagem surgia e mais unidas ficávamos.
Talvez esse fosse o motivo para ela sempre tomar a frente quando o assunto
era eu. Ela era capaz de ler meus pensamentos antes mesmo que eu fosse
capaz de processá-los.
Já com Alisson e Miley o encontro aconteceu depois, nas primeiras
reuniões que tivemos para conhecer a faculdade e o time de futebol. Foi
como se alguém maior soubesse que eu e Kimberly fôssemos precisar de
mais duas pessoas para sobreviver naquele ambiente universitário. Se bem
que, se pensar direito, talvez alguém maior soubesse que eu ia precisar de
mais pessoas porque Lake sempre foi autossuficiente.
— Seria muito bom você voltar a formular uma frase completa, Paige
— Kimberly insistiu.
— Você deve estar certa, ele deve estar querendo dar para ele —
Alisson bufou.
Eu não poderia explicar como cheguei aquela situação, não enquanto
não tivesse uma solução.
— Se não é isso, alguma coisa esse nerd fez e estou pronta para
quebrar a cara dele como fiz com aquele garoto na oitava série. —
Kimberly analisou todo o meu rosto a procura de algum vestígio que desse
a resposta que procurava.
— Ele negou me ajudar, isso não é motivo suficiente? — Consegui
pegar o gancho que precisava para me livrar sem precisar mentir
diretamente sobre o assunto.
Kim estreitou os olhos.
— Vamos acabar com esse nerd, Kim. — Alisson levantou do banco,
se aproximando. — Ele vai ter que aceitar te ajudar, por bem ou por mal.
— Eu acho isso uma péssima ideia. — Miley estalou os dedos. — A
Paige faz todo mundo correr como um cachorrinho, por que não tentar isso
com o nerd?
— Eu não consegui convencê-lo. — Afastei a mão de Kim do meu
rosto, andando até onde ficava o meu armário. — E não acho que bater nele
vai ajudar em alguma coisa porque ele é bem alto, meio magro, mas parece
ter músculos…
No mesmo instante em que minha mente estava pronta para migrar
por aquele corpo que estava doida para descobrir de como realmente era,
Alisson me interrompeu.
— Ele é gostoso? — Alisson questionou.
— Você virou hétero agora? — Kim gargalhou. — Olha, eu estou
atrasada para minha aula e não tenho tempo para essa crise agora. Mais
tarde espero um resumo e uma explicação sobre isso. — Kim piscou e algo
me disse que aquilo não terminaria ali, voltando a organizar suas coisas. —
Eu não tenho pena de bater em um nerd só por ele ser alto ou gostoso.
— Já viu nerd gostoso? — Miley balançou a cabeça, sorrindo
estranho. — Se bem que tem nerds gostosos em livros o tempo todo.
Se eu ficar calada vai ser pior, foi o que pensei enquanto via que
aquela conversa poderia continuar. Elas eram as minhas melhores amigas e
as pessoas que eu sabia que não iriam me julgar por um plano péssimo,
entretanto isso não significava que eu gostaria de contar para elas que
estava colocando não só a minha vida acadêmica, mas como o time, apenas
por um cara que eu não soube me aproximar.
Kimberly seria a primeira a não ligar para isso, já que o time deixou
de ser algo que ela gostava de fazer a mais tempo do que poderia me
lembrar. Miley tinha caído no esporte para melhorar seu currículo
acadêmico e acabou gostando, mas era uma espécie de diversão. Agora o
que me preocupava era Alisson, ela definitivamente seria a pessoa que mais
sentiria se o time não fosse bem nos jogos. Aquele era o sonho dela.
Aquele já foi o meu sonho também.
— Ele definitivamente é bonitinho — omiti, casualmente.
— Bonitinho não me parece bom. — Alisson fez o mesmo que Kim,
indo organizar suas coisas. — Mas se for pelo time, você vai se dedicar para
pegar esse cara, Ge.
— Vocês acham que eu pegaria alguém só por um trabalho?
Todas elas gargalharam em alto e bom som.
— Sinceramente, todas nós sabemos que se você quisesse, faria por
muito menos. — Kimberly se despediu com um aceno de mão, passando
pela porta logo em seguida, deixando as outras duas rindo em plenos
pulmões.
Qualquer uma das quatro faria por fazer.
Não que fosse um fator para se orgulhar, mas tínhamos uma certa
fama em todo o campus mesmo sendo nosso primeiro ano estudando ali.
Uma parte dos caras se gabavam por ter ficado com uma de nós similar a
um troféu, algo para se orgulhar e bater no peito. A outra parte gostaria de
ficar só para ter história para contar. Porém, existia um ponto em comum
nessas duas partes: ambos aumentavam demais as situações. E assim, pouco
a pouco, a fofoca foi se tornando cada vez mais forte e não fizemos
qualquer esforço para refutar.
Muito pelo contrário, nos tornamos as maiores pegadoras do campus,
perdendo apenas para os jogadores de basquete que não apenas pegavam
tudo que andava, como davam as maiores e melhores festas de todo o
campus, coisa que nunca fizemos na nossa casa. Casualmente levamos a
sério a ideia de sermos livres e donas de nós mesmas, mas tudo com
controle e fora do nosso lar que era zona proibida para festas, namorados e
alguns visitantes.
— Eu acho que você precisa arrumar esse cabelo, colocar aquele
gloss que deixa a sua boca uma delícia e ir atrás desse sim. — Alisson
jogou sua mochila jeans e vintage nas costas.
— Como? Se esse menino só sabe ir para o laboratório, estudar e
jogar hockey. — Observei Alisson fechar seu armário e caminhar para a
porta. — E você está indo para onde? Eu vou precisar de ajuda.
— Eu tenho um assunto… — Alisson deixou seu sorriso lateral
característico — sério.
Gargalhamos, porque seu assunto sério era sempre uma mulher.
— Estou sendo trocada? — Fiz bico, recebendo um beijo solto no ar.
— Faça o que precisa ser feito, Ge. — E assim ela saiu, deixando eu
e Miley para trás.
Suspirei, desenrolando a toalha para colocar minha roupa.
— Ei, não desanime. — Miley sorriu. — Vamos atrás dele no treino
de hockey, já imaginei tudo.
Miley era aquele tipo de amiga que tem uma positividade tão elevada
que chegava ao nível do tóxico. Para ela não existia tempo ruim, situação
que não tinha solução ou catástrofe grande o suficiente para fazer perder os
cabelos da cabeça. Eu diria que parte disso era pelas grandes doses de uma
imaginação elevada que só uma leitora fanática poderia ter. Todavia, nada
confirmado.
— O que você imaginou?
Cheguei ao ponto de ouvir alguma ideia maluca da Miley.
Fundo do poço? Provavelmente.
— Bom, você vai chegar no rinque de patinação com o seu sorriso
lindo, pronta para jogar charme para o nerd. — Miley jogou seus cabelos
loiros para trás dos ombros. — Enquanto isso eu vou estar enrolando o
treinador Turner, porque ele é extremamente chato com os treinos.
— E como você sabe disso?
— Eu já dei em cima dele. — Miley deu de ombros como se não
fosse nada, me arrancando uma gargalhada sincera. — Querida, você já viu
aquele homem? Cabelos escuros, altíssimos, forte e com cara de que
acabaria com qualquer uma na cama.
— MILEY! — repreendi-a, rindo.
— Eu queria escrever um age gap e quando pensei em um treinador,
tudo fez sentido para mim — mais uma balançada de ombros e ela se
sentou no banco —, apesar de querer te contar todos os detalhes sobre esse
projeto, prefiro focar na sua história com o nerd. A jogadora de futebol e
um nerd gostoso.
— O Caleb não é tão gostoso assim — sussurrei.
Meu Deus, quem eu queria enganar?
— Ahá! — Ela riu, apontando na minha direção. — Calma, Caleb?
Caleb Turner?
— Isso? — Estreitei meus olhos na sua direção. — Você o conhece?
— Ele é o filho do treinador gostosão Turner.
Na cabeça de Miley todo o seu plano fazia sentido, mas para mim,
aquela ideia não passava de uma loucura que eu estava prestes a participar.
Ela idealizou exatamente o que falaria para o treinador e eu teria alguns
minutos para me aproximar do nerd e fazer com que ele aceitasse o meu
pedido. Tudo tão perfeito como o meu plano de me aproximar dele.
Isso não vai dar certo, era o que a minha cabeça me alarmava a cada
vez que entravámos e saímos de corredores a caminho do treino.
Por mais que eu tenha ficado com um jogador de hockey, nunca tinha
me atrevido a ir até o rinque de gelo. Se fosse para analisar, ele não me deu
muito espaço para conhecer mais sobre sua vida ou treinos, como se eu
fosse digna apenas de ser aquele tal troféu para desfilar pelo campus. E por
um momento aquele tipo de atenção serviu, porque alguma parte infantil
minha estava feliz por estar ficando com um dos caras mais famosos do
campus.
No começo custei a acreditar que um veterano como ele queria algo
comigo, depois eu demorei para perceber que o que ele queria era desfilar
comigo por aí porque diziam que eu era uma das novatas mais bonitas do
campus. Por fim, eu me deixei levar pela atenção, pelas festas e por todas as
coisas que jurei que nunca aconteceriam na minha vida acadêmica até as
meninas me alertarem como aquilo estava ficando estranho, depois de
alguns meses.
Eu queria enganar, afinal, tudo era superficial demais para dar certo a
longo prazo.
— Aquele é o treinador Turner — Miley sussurrou assim que
passamos pela entrada do que parecia um grande ginásio com uma pista de
gelo no meio. — Ele vai perceber a nossa presença em três, dois…
— Esse é um treino fechado! — Sua voz reverberou alta até demais,
fazendo com que todos os jogadores olhassem na nossa direção, até mesmo
um em especifico que estava entrando no rinque de gelo, sem pressa.
Meu corpo reagiu no mesmo instante, correndo um arrepio no centro
das minhas costas.
Eu ainda vou descobrir o que esse nerd fez comigo.
— Turner! — Miley se fez de íntima, fazendo o homem, que
realmente era grande, esconder o que ousei achar ser um sorriso no meio da
sua barba por fazer. — Como você está?
Miley não se abalou nem um pouco, ostentando o seu sorriso
exemplar e uma atitude inabalável.
— Nathan, de olho neles! — ele gritou por cima do ombro, andando
rapidamente em nossa direção. — Já falei que não é permitido sua vinda até
os treinos…
— Eu sei — Miley o interrompeu —, mas eu precisava tirar umas
dúvidas sobre a dinâmica do jogo para aquele meu projeto para o final deste
semestre. — Paramos na frente do homem, que ficou ainda maior do que eu
estava esperando. — Você pode me ajudar? — Ela levantou o caderno de
capa de couro que guardava suas anotações.
A safada tinha realmente um plano.
Eu quis rir da atriz que chamava de amiga, apesar disso me mantive
firme. Se ela conseguisse enrolá-lo por alguns minutos, eu iria voar até
Caleb e se precisasse, estava pronta para me jogar aos seus pés ali no meio
de todos os caras.
— E quem é ela? — Os olhos do Turner caíram em mim.
— Minha amiga. — Miley apoiou a mão no braço do treinador
Turner. — Você vai me ajudar nisso, não é?
Quem diria não para ela? O treinador Turner tirou a mão dela do seu
braço, me encarou uma última vez, gritou uma ordem para seu auxiliar e
apontou para uma porta na parte superior das arquibancadas. Acho que nem
o nerd que estava me fazendo passar por tudo aquilo falaria não para Miley.
Talvez ela que devesse convencê-lo de me ajudar.
Caminhei em direção a pista de gelo com os olhos cravados em
Caleb, que parecia ainda mais bonito naquela versão. Seu cabelo estava
úmido, grudado na testa enquanto o mesmo patinava de uma ponta a outra
se esquivando do seu amigo, o mesmo que vi no laboratório horas antes. Ele
parecia livre sem aquele jaleco, olhos fixos e determinados. Sexy pra
caralho.
O misterioso caso de me arrepiar a sua presença aconteceu mais uma
vez, correndo não apenas nas minhas costas, como também subindo pelas
pernas a caminho do centro delas.
— O que você está fazendo aqui? — E aquela voz foi capaz de
transformar todo o arrepio que senti antes em absolutamente nada.
— Eu que deveria te perguntar o mesmo. — Entrei na defensiva, o
fazendo rir.
— Paige, eu sou do time. — Ryder segurou minha mão. — Vem, vou
te apresentar para todos esses idiotas.
Algumas vezes eu vestia tão bem o meu papel de burra que realmente
me esquecia de fatos importantes como o de que provavelmente meu ex-
namorado estaria treinando junto com todos os outros, afinal, ele era um
dos jogadores titulares e com grandes chances de sair dali direto para um
time da NHL, pelo o que diziam.
Burra! Burra! Burra!
— Na verdade — puxei minha mão, não o seguindo —, foi-se o
tempo que você poderia ter me apresentado para o pessoal do seu time. —
Aquilo soou mais ofendida do que eu realmente estava, infelizmente. — E
eu tenho que falar com o Caleb.
Sabia que aquilo o atingiria de alguma forma e talvez fosse o
necessário para ele ficar com raiva e sair a minha frente, como fez algumas
vezes em um passado não muito distante. Mas, diferente do que eu
esperava, vi em seus olhos um Ryder que conheci mais do que eu gostaria.
— O que você quer falar com ele? — Seus olhos cintilavam com um
brilho que fez meu estômago revirar. — O que você vai falar com aquele
imbecil? Está dando para ele?
Eu tinha a opção de responder aquela pergunta com algum monólogo
sobre não ser mais do interesse dele o que eu fazia da minha vida, ou focar
no que eu realmente tinha ido fazer ali. Eu já sabia que Ryder era um
babaca. Eu tinha feito essa descoberta da pior forma possível. Logo,
qualquer tempo que eu passasse ali falando o óbvio na sua cara, não
mudaria o fato de que ele era um dos caras mais babacas que já havia
conhecido em toda a minha vida.
Babaca e tóxico.
Olhei para a pista à procura do que eu estava de olho, movida pela
necessidade de fazer o que realmente era importante para mim e o meu
futuro. Ryder já tinha sido um atraso de vida por alguns meses, não seria
agora que daria mais uma chance para que ele estragasse as coisas mais
uma vez.
— CALEB! — O gritei, assim que passou pela lateral do rinque,
ignorando totalmente a pergunta de Ryder. — CALEB!
Quando repeti seu nome, seus olhos encontraram com os meus.
Arriscaria dizer que nunca tinha me sentido daquela forma, sendo sugada
para uma imensidão escura como os seus olhos pretos. Vi seus globos
oculares me seguirem mesmo passando rapidamente por mim, depois seus
patins raspando no gelo em sua tentativa de parar, e meus pés indo ao seu
encontro, quase que involuntariamente, de modo que meu cérebro parecesse
não ser capaz de controlar e comandar os músculos dos membros inferiores
do meu corpo.
— Você não vai falar com ele na frente dos outros e acabar com a
minha imagem. — Ryder não apenas segurou meu braço, como rosnou isso
próximo a minha cabeça, tirando-me do transe que entrei.
— Me solta! — Foi tudo o que disse antes de usar meu peso para
fugir do seu aperto e correr para a pista de gelo, o que foi uma atitude
totalmente impensada e errada.
Assim que meus tênis tocaram no gelo e o chão se tornou mais
escorregadio que o normal, vi todo o meu corpo ir para frente e um pequeno
filme passar pelos meus olhos. Eu caindo no chão. Eu fraturando alguma
parte da minha perna. Eu não podendo jogar nunca mais. Só que nada
disso aconteceu porque braços me mantiveram no lugar.
Braços longos e perfeitos.
Braços que tinham um dono que eu conhecia, ou melhor, que meu
corpo parecia conhecer já que reagiu igual.
Braços que pertenciam a Caleb Turner.
O que ela pensa que está fazendo?
Essa foi a pergunta que se passou na minha cabeça no momento em
que vi ela e mais uma menina conversando com meu pai.
Eu deveria saber que uma mulher como Paige, que aparentemente
sempre teve tudo o que quis na sua vida, não aceitaria aquela minha
resposta. Eu deveria saber que ela agiria exatamente da forma que fez,
vindo até o treino e fazendo aquela proposta na frente de todos, por mais
que não a conhecesse.
Paige Mallory era popular e pessoas como ela gostam de ter o
controle de todas as coisas. Logo, era para eu ter sido um pouco mais
esperto quanto a isso. Foi inocente da minha parte achar que ela só iria
aceitar a minha resposta e seguir em frente.
— Por que a ex do Ryder está aqui? — James deslizou para a minha
frente, ficando em posição de defesa. — Até agora não entendi porque ela
estava no laboratório com você.
Ex do Ryder? Eu sabia, de forma muito superficial, que atletas
costumavam ficar com atletas. Mas como Paige conseguiu namorar com
um cara como Ryder?
Eu não pude explicar sobre aquilo, apesar de querer dividir aquele
momento com o meu melhor amigo. Concordemos que se eu chegasse para
James e contasse que Paige não apenas me pediu ajuda, como fez uma
proposta indecente sobre me ajudar a pegar qualquer menina da UCLO, ele
jamais acreditaria em uma palavra que saísse da minha boca. Nem eu
acreditaria se eu mesmo me contasse que tudo isso aconteceu naquele
laboratório, cujo maior acontecimento presenciado foi uma explosão
causada por um aluno há alguns anos atrás.
— Eu nunca vi essa menina tantas vezes nos lugares mais aleatórios
possíveis. — Ele riu, desviando sua atenção para onde acreditava que Paige
estava.
Em um movimento rápido, fugi da sua tentativa de defender meu
ataque.
— Presta atenção, otário — falei assim que passei por ele.
— Atenção, James! — Nathan, outro treinador e auxiliar do meu pai,
gritou do canto oposto do rinque. — Não deixa ele marcar.
Só que aquele aviso deveria ser para mim mesmo. No instante em
que James se recuperou da sua perda de atenção, precisei usar de uma
agilidade gigantesca para me livrar dele. Entretanto, minha atenção foi
roubada por uma mulher de cabelos castanhos com fios loiros, próxima de
Ryder Lancaster, o cara que disputava pontos comigo como atacante. Não
demorou mais do que segundos para James roubar o disco sem qualquer
esforço.
— Tudo de novo! — Nathan falou de onde estava. — Mais atenção
na próxima, Caleb.
Eu preferia treinar com Nathan do que com o meu pai, mas aquela
não era uma opinião geral. Ele era mais novo, estava começando como
técnico agora e tinha a vivência de um jogador que sabia que comandar não
era o que meu pai gostava de fazer. O treinador Turner deixava que sua
frustração falasse mais alto, gritando ordens a plenos pulmões, sendo
abusivo nas punições que inventava para atrasos ou falta de disciplina, e
uma longa lista de atitudes que não imponha respeito e sim, medo.
Nathan fazia com que eu conseguisse gostar do esporte, assim como
já gostei quando mais novo.
— Vamos trocar as duplas porque vocês conversam demais.
E foi neste momento, enquanto eu patinava em direção ao lado que
Paige se encontrava, que tudo aconteceu mais rápido do que achei que fosse
capaz de reagir. Ouvi sua voz me chamando, Ryder puxando-a pelo braço e
em frações de segundos seu corpo estava nas minhas mãos. Aquela, com
toda a certeza, foi a vez que consegui agir mais rápido em toda a minha
vida.
— Você está bem?
— Eu estou viva?
Falamos praticamente no mesmo segundo, fazendo-a soltar uma
lufada de ar como se achasse graça.
Paige parecia ainda mais bonita agora do que qualquer outra vez que
a tenha visto. Possivelmente isso era dado a distância que estávamos. Nunca
pensei que pudesse ficar tão perto de Paige Mallory como estava naquele
momento. Suas mãos estavam espalmadas no meu peito, minhas mãos
envolviam toda a sua cintura e por mais que em outro momento aquilo fosse
motivo para me deixar nervoso – talvez muito em breve ficasse –, naquele
instante eu só queria saber se ela estava bem e segura.
Analisei seu rosto, começando por sua boca que estava semiaberta.
Os mesmos lábios rosados que vi mais cedo, agora pareciam ainda mais
coloridos com algo brilhante por cima. Ela respirava pela boca,
provavelmente tão assustada quanto alguém ficaria ao perceber que iria cair
bem ali, sem qualquer tipo de proteção. Ao subir meus olhos, engoli em
seco. Involuntariamente abracei ainda mais seu corpo e analisei o que
sempre fui curioso em desvendar. Seus olhos que, antes não fazia ideia de
que cor realmente eram, agora percebia ser em um verde claro, com
pequenas doses amarelas se misturando em sua íris.
Único.
— Como você está? — Repeti minha pergunta, vendo suas
bochechas ganharem um rubor tão rosado quanto seus lábios.
— Estou desesperada, nerd.
Seus olhos caíram em algum ponto perdido no meu queixo e subiram
para encontrar os meus olhos, mais uma vez. Aquele breve movimento –
possível que até inocente de sua parte – deixou que meu corpo fosse tomado
pelo nervosismo que antes estava escondido em alguma parte do meu
subconsciente, que estava mais preocupado com a mulher que estava em
meus braços do que com toda a situação que foi criada.
— Pai-Paige… — Puxei o máximo de ar que consegui, tentando
soltá-la, mas sendo impedido pela mesma. — O que você está fazendo?
Precisa sair do gelo.
— Eu só vou sair daqui quando você me der uma resposta, Caleb. —
Paige agarrou meus braços com força.
Partes de mim queria me livrar daquela situação, como tudo o que
fazia na minha vida. Nunca fui o cara que teve muitas oportunidades com
garotas, muito pelo contrário. Meu pai sempre dizia que mulheres eram
distrações e um grande atraso, e que eu tinha uma vida inteira para conhecer
alguém, logo não precisava apressar etapas. Tudo o que eu precisava era
seguir treinando, estudando e construindo um futuro.
Obedientemente, andei na linha.
Por quê? Nem eu mesmo saberia responder essa pergunta.
Mas existia uma parte de mim que queria tentar não ser tão frouxo
como costumava ser.
— Caleb! — Fui incapaz de entender quem estava me chamando, só
ouvi a voz vindo de muito longe.
— Olha, se eu não precisasse tanto disso, jamais estaria aqui. —
Paige voltou a falar, levando uma mão ao meu rosto. Seu toque foi gentil,
para chamar a minha atenção. Onde sua mão ficou alojada parecia pegar
fogo e mais uma vez aquela vontade de fugir cresceu dentro de mim, em
algum lugar do meu cérebro. — Eu não sei como cheguei até essa nota, mas
preciso estar nos jogos que começarão em breve. Não é só minha vida
acadêmica que está em jogo, mas a bolsa de estudos e toda uma equipe que
depende de mim. Você entende como é isso, não é?
Balancei a cabeça apenas para mostrar que escutava, pois a verdade
era que estava hipnotizado demais para conseguir reagir ou falar qualquer
coisa.
— Então, quando falei que faria qualquer coisa, era a verdade. Eu
preciso da sua ajuda! — Seu polegar roçou na minha bochecha. Toda a cena
após isso foi como assistir uma pessoa mudar completamente de atitude.
Paige perdeu o tom de súplica, olhou mais uma vez para o meu queixo e
abriu um sorriso diferente de todos os outros, como uma criança que está
prestes a fazer algo errado. Travesso. — Eu posso arranjar quem você
quiser, nerd. — Saiu como um sopro, como uma última cartada para ganhar
o meu sim.
Naquele momento, minha mente vagou pelo mundo de possibilidades
que aquela proposta poderia me render, exatamente como aconteceu no
laboratório. Minha memória foi ativada e tudo que consegui pensar foi em
como aquilo poderia me ajudar com a minha borboleta, mesmo não
entendendo como Paige seria capaz de fazer isso acontecer.
— C-como você vai fazer… — Inspirei, tentando não gaguejar.
— Você só precisa me dizer sim e eu aposto que arranjaria a pessoa
que você quiser aqui do campus.
— CALEB! — A voz que gritou era fácil de ser reconhecida dessa
vez.
— Como você pode apostar uma coisa dessas?
Paige alargou ainda mais aquele sorriso travesso, deixando claro que
agora os seus olhos fitavam meus lábios com tanta intensidade que se não
soubesse quem ela era, poderia jurar que ela estava tentando me seduzir ou
estava com muita vontade de me beijar.
— Eu sei o poder que eu tenho, nerd — ela sussurrou, aproximando
seu rosto do meu. — Você está com medo de não conseguir me ajudar a
tirar uma nota alta?
Soou como um desafio.
— Eu consigo facilmente te fazer tirar uma nota boa e voltar para as
suas atividades.
— CALEB!
Olhei por cima da sua cabeça e encontrei todo o time olhando aquela
cena. Se meu pai fosse capaz de usar os olhos como uma arma de guerra,
era possível que ele atirasse em frente a todos. Seus olhos me fuzilaram
com uma intensidade que só via quando estava prestes a explodir por algum
assunto.
— Duvido. — Foi o que me despertou, voltando a olhar para Paige,
que ainda ostentava aquele sorriso. — Eu duvido que você consiga.
Paige estava andando em um território diferente.
Eu poderia ser um nerd tímido que fugia de todas as formas; que se
escondeu de atividades e festas no primeiro ano de faculdade; que se
recusava a estar perto de pessoas como Paige por puro receio; mas desafios
sempre foi a chave, uma espécie de combustível para me superar em tudo o
que me coloquei a fazer ao longo dos anos.
— Aposto que conseguiria.
Que porra tá acontecendo comigo? Foi o pensei assim que aquela
resposta saiu com uma segurança inacreditável.
— E eu aposto que te arranjo qualquer pessoa que você quiser.
— TIRA ESSA GAROTA DAQUI! — Ouvi sua voz mais perto do
que eu gostaria, porém Paige parecia um imã me magnetizando.
— Feito! — Respondi rápido.
— Então temos um acordo, nerd. — Ela se iluminou na minha frente,
deslizando a mão que estava a todo o tempo na minha bochecha. — Temos
uma proposta perfeita. Você vai me ajudar com a nota e eu vou fazer você
ficar com a garota que quiser no campus.
Paige só não sabia que a menina que eu queria era muita areia
para o meu caminhãozinho.
— O que diabos essa menina estava fazendo no gelo? — Os olhos
do meu pai não saiam de Nathan, que se manteve o tempo inteiro em
silêncio enquanto todos assistiam a cena.
Todos viram exatamente como tudo aconteceu, apesar disso ninguém
foi capaz de abrir a boca para falar qualquer coisa naquele momento. Eu
não podia deixar Nathan levar a culpa por algo que não foi responsabilidade
de ninguém, para ser sincero.
Paige invadiu o treino para conseguir o seu sim e fui eu que fiquei
com ela no gelo, sendo seduzido pelas propostas que saiam da sua boca
enquanto sua mão não deixava meu rosto.
Se eu fechasse os olhos naquele momento, era capaz de ainda sentir
sua mão apoiada na minha bochecha, seu polegar roçando docemente a
minha pele enquanto seus olhos me hipnotizaram a cada minuto.
— Treinador? — falei baixo, mas isso não o abalou.
— Quando eu deixo você supervisionando, eu espero que situações
como essa…
— Turner? — Tentei mais uma vez, interrompendo aquele sermão
desnecessário.
— … Não ocorram porque você é… — Ele atropelou minhas
palavras.
— A culpa não é dele! — esbravejei, mesmo meu tom se mantendo o
mesmo a todo momento.
Meu pai desviou seus olhos diretamente para mim, causando um
efeito dominó a todos que fizeram o mesmo que ele, olhando na minha
direção. As narinas do treinador Turner estavam dilatadas, seus olhos com a
mesma intensidade que tinha visto em outras situações, ao mesmo tempo
que uma veia marcava o meio da sua testa. Ele inspirou pela boca, soltando
o ar audivelmente enquanto o silêncio se mantinha.
— Deixem seus materiais no chão. — Ninguém ousou se mover. —
NÃO OUVIRAM?
E aos poucos o barulho dos tacos e itens de proteção foram sendo
colocados no chão, nos bancos e em qualquer lugar que desse. Seus olhos
ainda estavam em mim, reluzindo como sua mente estava planejando me
castigar.
Nada de novo na nossa rotina de pai e filho ou aluno e treinador.
— Já que você quer bancar o herói e se responsabilizar pela
displicência do Nathan, você ficará responsável por guardar todo o
equipamento que usamos no treino de hoje. — Meu pai parecia não
conseguir mover nenhum músculo enquanto falava, quase um robô. —
Além disso, amanhã, eu quero você uma hora mais cedo no treino para
compensar o tempo de hoje. E quem ousar em ajudá-lo, poderá se juntar a
você amanhã e pelo resto da semana.
— Sim, treinador. — Foi tudo o que falei antes dele se virar e sair.
Os demais jogadores o acompanharam em direção ao vestiário e ali
permaneci, olhando para todas as coisas que iria guardar pelos próximos
minutos. Qualquer outra pessoa ficaria chateada de ter que armazenar todos
os equipamentos da equipe, entretanto eu não estava me importando com
nada daquilo. Minha mente estava programa para reviver aqueles momentos
com Paige nas minhas mãos.
Fechei meus olhos por alguns momentos e consegui ver a íris dos
seus olhos, seus lábios carnudos, seus olhos travessos e seu cheiro
adocicado. Era fácil sentir nas minhas mãos a sua cintura pequena, seu rosto
próximo ao meu, seus olhos fitando meus lábios. Minha mente projetou a
ideia do que poderia ter feito, como poderia ter trazido ela mais para perto,
ter aproveitado para tocar minha boca na dela e…
— Vamos, idiota, tá sonhando acordado? — James deu um tapa na
minha cabeça, me arrancando daquele pensamento. — Levanta e começa a
arrumar essa merda.
— Quê? — Pisquei algumas vezes.
— Cara, o que porra está acontecendo com você? A ex do Ryder
diluiu o seu cérebro?
— Para de lembrar que ela é ex dele. — Revirei os olhos, puxando o
ar antes de começar a organizar as coisas. — E você nem deveria estar
aqui, senão vai precisar treinar mais amanhã.
— Eu não me importo, só quero saber o que foi tudo aquilo — James
cruzou os braços em frente ao peito —, até porque você sabe que vai ficar
me devendo uma e eu quero conhecer uma amiga da Paige.
— Então você está me ajudando por causa da amiga da Paige? —
Estreitei os olhos, mas acabei gargalhando com o idiota.
— Elas são difíceis de serem acessadas e se você estava quase
beijando a Paige na frente de geral, significa que em breve estaremos
andando com elas — ele apontou na minha direção —, e você vai me ajudar
a pegar a garota que veio com ela.
Pude sentir um calor tomar conta do meu pescoço e rosto.
— Eu não estava quase beijando a Paige. — Ri só com a
possibilidade. — O que ela faria com um cara como eu?
Peguei a maioria dos tacos que estavam perto de mim antes de erguer
o corpo e ver James parado, na mesma posição inicial, encarando-me.
— Você sabia que é um cara foda? — Ele negou com a cabeça. —
Ela teria sorte de ficar com um cara com você e não com um idiota como o
Ryder.
Ficamos um segundo, talvez dois, em silêncio até cair na gargalhada.
Eu e James éramos amigos desde sempre. Não existia uma parte da
minha vida que ele não tivesse participado e por mais que fôssemos
completamente diferentes – ele era extrovertido e sociável, enquanto eu não
conseguia falar com quase ninguém – sempre fomos amigos inseparáveis.
No colégio ele me incluía na roda de amigos que fazia e não deixava
que ninguém me zoasse por qualquer motivo; no ensino médio ele me levou
para todas as festinhas que tinham e se eu consegui beijar na boca e transar,
foi porque ele desenrolou para isso acontecer.
Tudo bem que as coisas mudaram quando fomos para faculdade.
Quando recebi a carta de admissão na UCLO e ele não, pensamos
que toda a estratégia que lançamos tinha ficado perdida. Nosso plano
sempre foi estudar juntos em alguma faculdade e viver mais aquela etapa
lado a lado, porque de alguma forma sabíamos que no futuro, com a vida
adulta, as coisas ficariam mais difíceis de permanecer. Meu pai mexeu
alguns contatos e, no fim, nosso plano deu certo.
James tinha a vida universitária dele, participava das atividades da
fraternidade e sempre estava enfiado em uma festa. Não nos víamos como
na época da escola, o tempo todo, éramos um pouco mais distantes, era nos
treinos que passávamos mais tempo juntos e, apesar disso, eu sabia que
podia contar com ele para qualquer coisa, até para cometer um crime.
Juntamos todo o material e guardamos no vestiário, em uma das salas
destinadas a isso. Mesmo com a minha mente sempre voltando para Paige e
sua proposta, segui minha conversa de forma superficial com James, sem
entrar muito nesse assunto. Não que essa proposta fosse algo escondido e
que não pudesse ser mencionado, todavia haviam coisas que ainda
precisavam ser conversadas de como funcionaria.
— O que tem bom para comer na sua casa? — James perguntou
assim que saímos do ginásio a caminho dos dormitórios.
— Não sei, talvez meu pai tenha levado algo para comer. — Dei de
ombros.
Minha experiência universitária era resumida em ir para a faculdade,
estudar, treinar e voltar para casa, que ficava a alguns minutos do campus.
Meu pai preferiu que eu não ficasse nos dormitórios por dizer que não tinha
necessidade e que aquilo poderia resultar em bebidas e rendimento baixo
nos treinos, o que consequentemente não me renderia nenhum convite para
um time da liga.
O que ele não sabia era que eu não seria um profissional como ele
imaginava.
— Sua irmã volta esse final de semana?
Empurrei-o com o ombro.
— Esquece a minha irmã, cara.
Ele gargalhou, bagunçando meu cabelo recém lavado.
— Eu sei que você fica chateadinho quando brinco com isso —
James fez uma careta estranha —, e como não tem comida boa na sua casa
nem a sua irmã para ser comida, vou ficar por aqui e comer na cafeteria.
— Vai se foder, James. — Empurrei-o mais uma vez, que cambaleou
e riu a plenos pulmões. — Eu vou na sua casa e comer a sua mãe.
— Agora pegou pesado, nerd.
Rimos como dois idiotas até seguirmos por caminhos opostos.
Mesmo com brincadeiras pesadas, aquele era o amigo que eu ganhei
da vida. Dizem que amigos são a família que escolhemos, mas eu jamais
escolheria alguém como James. Ele foi um presente muito diferente de
alguém maior do que nós dois.
Balancei a cabeça rindo, andando até onde deixava estacionado a
caminhonete que ganhei do meu falecido avô.
Assim que cruzei a esquina da minha casa, visualizei o carro
conversível que meu pai andava para todos os lados.
Minha irmã tinha a teoria de que aquele carro era mais uma crise de
idade.
— Olha, até que você organizou tudo bem rápido — meu pai falou
assim que cruzei a cozinha em direção a lavanderia para deixar a roupa
suja.
— Lebbie, o pai trouxe a sua pizza favorita — meu irmão mais novo
anunciou, abrindo um sorriso que dizia mais do que qualquer palavra que
ele poderia usar naquele momento.
Não era uma alegria em me ver, era um aviso claro de que nosso pai
estava irritado com algo. Acontece que o algo que ele tentava me avisar, era
eu mesmo.
— Acho que não…
— Coma com a sua família, Caleb. — A voz imponente do meu pai
fez com que eu não passasse direto por eles, e sim parasse na mesa redonda
que ficava na cozinha, puxando umas das cadeiras.
Fomos criados de forma rígida, tendo sofrido um pouco mais do que
meus irmãos por ser o filho mais velho de três. Emma, minha irmã do meio,
resolveu ser rebelde e tomou a atitude que eu deveria ter tomado quando
escolhi minha faculdade, morando na cidade vizinha que era distante o
suficiente para não precisar voltar todos os dias. Já Camden, meu irmão
mais novo de quatorze anos, não sofria tanto porque de alguma forma ele
pegou uma versão mais legal do meu pai, se é que isso era possível.
Ele não era amoroso como se espera de um pai, nem vai ser o homem
com quem você vai conseguir se abrir e falar de pontos da sua vida com
total confiança. Mas ele fez o que conseguiu depois que tudo aconteceu
com a nossa mãe e sua separação para viver em algum lugar da América do
Sul.
— Emma vem pra casa? — Puxei um assunto seguro, enquanto me
esticava sobre a mesa para pegar uma fatia de pizza.
Camden me encarou.
— Ela disse que tem algo do time de futebol dela — meu irmão
respondeu.
— Como assim algo de futebol? Não sabia que tinha começado os
jogos.
Tínhamos um pacto de tentar ir na maioria dos jogos que um ou outro
jogasse por uma questão de mostrar que nos importávamos um com o outro,
independente da família disfuncional que acabávamos sendo.
— Não começou, mas parecia ser algo importante para ela. —
Camden deu de ombros, enfiando a pizza na boca. — Ou era só… — Ele
tentou progredir de boca cheia, mas foi interrompido.
— Achei que você teria a honra em explicar o que aconteceu com
você e aquela menina na minha pista de gelo — meu pai cortou o assunto.
— Não tem o que explicar.
— Como não? — Meu pai apoiou as duas mãos na mesa, me
encarando sério. — Aquela menina estava no meu gelo, com você
segurando ela.
— E foi isso que aconteceu. — Inspirei fundo antes de continuar. —
Paige é uma aluna da Sra. Cooper e precisava de ajuda em um trabalho e
como sou monitor…
— Ah claro! — Ele se levantou rapidamente, deixando que a cadeira
rangesse contra o chão da cozinha. — Você e essa história de ciências. Eu
espero, Caleb, que você esqueça disso antes dos jogos começarem, porque
você não terá tempo para se dedicar a ser monitor daquela professora.
Meu pai caminhou pela cozinha, descontando sua raiva nos
eletrodomésticos e armários enquanto Camden me encarava prendendo o
riso. Eu sabia que aquele assunto de garotas iria render com aquele
pestinha.
— Eu consigo me dedicar para as duas coisas. — Foi o que consegui
responder.
— No caso três coisas, porque tem a garota, né? — Camden não se
aguentou, rindo em alto e bom som.
— JÁ CHEGA! — O ato de ira do meu pai contra a pia fez com que
ele engolisse o riso no mesmo instante, arregalando os olhos para mim.
Eu odiava quando ele fazia isso na frente do Camden, que nada tinha
a ver com as suas próprias frustrações.
“Sobe!” Foi o que disse para o meu irmão, apenas mexendo os
lábios. Camden demorou alguns segundos para reagir, pegando mais uma
fatia de pizza e sumindo pelas escadas que davam para os quartos.
Aquele clima tenso permaneceu na cozinha. Gostaria de pensar que
em outro momento eu reagiria como Emma costumava fazer, só que eu
estaria mentindo. Nunca fui corajoso como ela ou do tipo que rebatia
qualquer coisa que viesse do meu pai. Fui criado para aceitar e calar, e era
assim que eu continuava até me formar e sair daquela casa. Tudo bem que
isso poderia soar péssimo, mas eu já estava acostumado e programado para
passar por isso por mais alguns anos.
— Caleb, se sua monitoria ou essa bobagem de ciências atrapalhar
seu desempenho com o time, eu falarei pessoalmente com a senhora
Cooper. — Permaneci na mesma posição, olhos fixos no pepperoni da
pizza. — E sobre a menina, a mesma coisa. Ouse deixar que ela atrapalhe
seu desempenho, que eu procuro saber quem ela é e como posso atrapalhar
as coisas para ela.
Abaixei a cabeça, mordendo a parte interna do meu lábio inferior até
o gosto ferroso tomar conta da minha boca.
— Mulheres só atrapalham o processo.
E foi com essa frase que ele saiu da cozinha, deixando claro, mais
uma vez, que aquilo não era sobre mim, a monitoria ou sobre Paige. Era só
a sua infelicidade falando mais alto do que qualquer outra coisa.
— A bela adormecida vai dormir até amanhã? — Alisson entrou no
quarto antes do meu despertador tocar.
Quase todos os dias tentávamos tomar café juntas. Essa ideia
começou no dia em que Alisson veio morar conosco depois de sua prima,
Miley, chamá-la para dividir as contas. A maioria dos alunos moravam nos
dormitórios da faculdade, mas fomos privilegiadas por Kim e seus pais, que
tem uma condição de vida ótima e uma influência tão boa quanto.
Rapidamente eles conseguiram uma casa onde ela moraria sozinha, se não
soubessem que sua filha não sabia seguir regras. Nas palavras do pai de
Kimberly ao conversar com os meus pais foi “a Kim segue o que ela quer,
mas sabemos que Paige consegue controlá-la”.
Coitados dos pais dela em acreditar nisso.
Claro, eles imaginavam que meu pai não iria poder arcar com tantos
custos assim, portanto a ideia era que eu morasse com ela por um valor
simbólico. Isso seria ótimo para eles, que tinham a impressão de que
Kimberly estaria com uma espécie de controle e para mim, que teria a
comodidade de estar morando sozinha com a minha melhor amiga.
Já as meninas surgiram pela necessidade da Lake em ter uma grana
extra, já que seus pais cortavam seu dinheiro vez ou outra, a cada
desobediência da mesma.
— Não posso faltar o café da manhã hoje? — perguntei de olhos
fechados ainda, me recusando a pular da cama naquele horário só para olhar
para a cara delas.
— Vai faltar só você. — Conseguia imaginar a cara de cachorro que
caiu da mudança de Alisson ao falar. — E você sabe que a Kim nunca quer
participar, mas agora já está preparando um super banquete.
— E ela vai ficar indignada se eu não descer — completei, abrindo
vagarosamente os olhos.
— Eu espero que você já esteja se levantando, Paige — Kim
cantarolou enquanto passava pelo corredor, fazendo Alisson olhar sobre os
próprios ombros e rir.
— Ela está estranha.
Quando ela não está estranha? Fica o questionamento.
Éramos quatro pessoas completamente diferentes que se amavam e
aprenderam a lidar com as diferenças da melhor forma possível. Eu
conhecia Kim há anos. Miley conhecia Alison há anos e quando nos
unimos, pareceu que aquela união deveria acontecer.
Estava escrita.
Puxei todo o ar presente no quarto, forçando meu corpo a sentar na
cama antes de sequer colocar os pés no chão. Encarei o painel de fotos que
montei assim que me alojei no quarto, minha mãe sorria em algumas fotos;
meu pai estava sério na maioria delas – a nostalgia de momentos gravados
em imagens. Sussurrei mentalmente um bom dia para ambos, mesmo que
não fossem ouvir, colando os pés para fora da cama.
Inspirei pela segunda vez, enchendo meu pulmão de ar e coragem. Eu
estava cansada e tudo o que eu queria era dormir, mas aprendi cedo demais
que alguns momentos precisam ser valorizados, principalmente quando se
considera alguém como sua família.
Minha mente migrou para a falta de sono a noite, pelas horas que
passei olhando para o teto de estrelas que acendiam no escuro, pela
quantidade de vezes que meu cérebro projetou cenários ilusórios sobre estar
nos braços de Caleb.
Eu nunca vou entender o que aquele nerd tem de tão diferente. Foi
com esse pensamento que finalmente saí daquele quarto.
Depois de me ferrar algumas vezes com alguns caras, resolvi que iria
aproveitar tudo e todos da melhor forma possível. Como já tínhamos
ganhado a fama, deitei nessa rede de fofoca e peguei algumas – dependendo
do ponto de vista – pessoas, até dar de cara com esse nerd.
Meu futuro nerd.
— Bom dia, minhas florzinhas. — Entrei na cozinha sendo recebida
por uma onda de cheiro de gordura.
— Olha, a vaca resolveu dar as caras. — Kimberly sorriu, soltando
um beijo no ar quanto fritava bacon.
— Você realmente está estranha. — Gargalhei, recebendo um olhar
das outras duas moradoras da casa.
— Ela está muito feliz — Miley comentou, soltando risadinhas finas
que só ela consegue.
— Eu sou o quê? Um monstro?
— Você é a pessoa que odeia tomar café da manhã com a gente. —
Alisson levantou da cadeira que estava sentada, andando até onde Kim
estava.
A ideia de tomar o café da manhã nem sempre funcionava. Kimberly
cantava em uma banda em um bar pitoresco fora do campus; Miley tinha
uma rotina longa de escritas noturnas, já que durante o dia estava focada na
faculdade e em todas as atividades extracurriculares que ela se inscrevia;
Alisson era a única que levava aquilo a sério, e eu me esforçava para seguir
com isso. Mas naquela manhã todas pareciam estranhas de alguma forma.
— Quem vai começar a falar? — Miley puxou o assunto. — Pelo
menos a Paige tem algumas coisinhas para contar para vocês.
O olhar espertinho que ela me encarou fez com que eu quisesse
fuzilá-la com os olhos. Já era de se esperar que outros dois pares de olhos
fossem direto na minha direção, ganhando toda atenção da mesa.
— O que a mocinha aprontou? — Kim estreitou os olhos.
— Eu não apronto. — Minha voz vacilou com aquela mentira.
O silêncio cresceu na cozinha até dar espaço para risadas altas e
exageradas.
— Conta outra, G. — Alisson negou com a cabeça enquanto ria.
— Paige adora se fazer de santa. — Kimberly fingiu lixar as unhas,
antes de apontá-las na minha direção. — O que aconteceu? Seja sincera.
— Eu fui pedir para o nerd me ajudar no trabalho.
— Na verdade, a cena foi bem diferente disso. — Miley levantou
rapidamente da cadeira, abraçando o próprio corpo enquanto continuava a
falar. — Paige estava assim no meio da ringue de gelo. — Miley virou de
costas para a mesa, deslizando suas mãos pelas costas — Oh, Caleb, me
ajude no trabalho que eu te pegarei no escurinho. Oh, Caleb, estou
molhadinha com esse abraço gostoso e molhado de suor. Oh, Caleb,…
— MILEY!
Meu grito não foi páreo para as risadas das minhas amigas.
— Você se pegou com ele no meio do gelo? — Kim arregalou seus
olhos minados de um delineado perfeito. — Que vagabunda!
Foi a minha vez de gargalhar, sentindo todo o meu rosto queimar.
— Eu não me agarrei com ele no ringue.
— Foi quase isso. — Miley piscou, voltando para onde estava
sentada. — Eles ficaram abraçados em uma cena épica enquanto o treinador
gostoso Turner queria matar os dois.
— Calma, treinador o quê? — Alisson não se aguentou mais uma
vez, segurando a própria barriga enquanto ficava avermelhada. — Eu não
estou entendendo mais porra nenhuma.
— Ela chama ele de gostoso.
— Ele é gostoso. — Miley deu ênfase ao fato.
— Quero saber quem ele é. — Kim estreitou os olhos. — Adoro
caras mais velhos.
— Você gosta de tudo, Kim — Alisson pontuou, rendendo mais uma
longa onda de risadas.
— Quem come de tudo, sempre está mastigando. — Sua resposta não
ajudou em controlar as risadas.
— Eu vou deixar vocês conversando e vou voltar para o quarto para
me arrumar.
— Nada disso, mocinha, você vai ficar aqui e explicar tudo o que
aconteceu nesse rinque. — Kim rapidamente me interrompeu, segurando
minha mão antes mesmo de conseguir levantar daquela mesa.
— Isso aí, queremos os detalhes e as línguas. — Alisson gargalhou.
— Ela quer enfiar a língua nele. — Miley jogou seus cabelos loiros
para trás dos ombros. — E talvez ele vai querer enfiar muitas outras coisas
nela também.
— MILEY!
Não havia escapatória, eu ia mesmo passar por aquele mini
interrogatório.
Como ela tinha arranjado meu número? Era uma coisa que eu iria
precisar descobrir depois.
Não era rancoroso, não tirava as minhas próprias conclusões sobre as
coisas, todavia fui pego por um sentimento estranho.
— James tinha falado vinte minutos e você demorou apenas isso para
fazer um omelete. — Camden voltou para a cozinha, puxando uma cadeira
bem na frente da que me sentei.
Ignorei como podia, separando um pedaço daquela omelete e
enchendo a minha boca enquanto meu irmão caçula não parava de me
encarar com seus dois olhos grandes e pretos como os meus. Minha mente
ficava voltando ao encontro no corredor, se eu estava exagerando de me
sentir daquela forma. Forma essa que nem sabia explicar porque era uma
espécie de sentimento novo. Rejeição? Realidade? Me sentir usado? Tudo
parecia exagerado demais para descrever, ao mesmo tempo que lembrava
ser tudo isso e muito mais.
— Lebbie, que cara é essa? — Camden insistiu.
O encarei por segundos ou uma eternidade, até finalmente puxar todo
o ar disponível na cozinha e relaxar sobre a mesa, apoiando os cotovelos
sobre a madeira antiga e riscadas do móvel.
— Acho que estou chateado com algo que nem deveria ficar.
— Não entendi, mas posso entender se você me contar o que está
rolando.
É, eu tinha chegado no fundo do poço mesmo, me abrindo com o
meu irmão de quatorze anos como se ele fosse meu psicólogo e eu estivesse
pronto para uma sessão.
Mesmo não querendo falar sobre o assunto e parecer mais patético do
que estava me sentindo, inspirei fundo, mais uma vez, e contei todos os
detalhes que pareceram importantes naquele momento. Como tudo
começou, o acordo que fizemos e o fato de eu ter uma pessoa que queria
muito me aproximar mesmo sabendo que é muito para mim.
Camden não falou uma palavra, me olhando atentamente ao mesmo
tempo em que eu contava a maior parte dos detalhes e devorava o omelete
que havia feito com nada além de queijo e umas sobras de tomate que tinha
na geladeira.
— Agora eu entendi. — Meu irmão apoiou as mãos na mesa,
inclinando seu corpo para ficar mais perto. — Você, mesmo que não tivesse
querendo isso, criou uma expectativa quanto a essa interação que você está
tendo com ela. Essa garota é bonita, inteligente, pelo que você falou, e se
interessou em saber sobre você. — Ele balançou a cabeça vagarosamente
— Você parece até meio carente contando toda essa história, mas acho que
dá pra entender o seu lado. Nunca nem beijou na boca e tem uma gata te
dando mole… É… Complicado… Não sei o que eu faria.
Perdeu a pose de terapeuta para gargalhar a plenos pulmões, me
fazendo rir junto com ele.
— Isso foi você me ajudando?
— Eu tenho quatorze anos, Lebbie, não tenho conselhos muito bons.
— Ele continuou rindo, voltando a encostar na cadeira — Eu diria para
você ir para essa festa e tentar conversar com ela. Você disse que ela te
mandou uma mensagem… Acho que ela pode estar gostando de você.
— Impossível.
— Você é bonito, Lebbie. — Camden foi tão debochado que precisou
segurar, mais uma vez, aquela onda de risada.
— Você não está entendendo.
Camden ficou sério de repente, encarando-me como um mafioso do
poderoso chefão faria, arqueando uma sobrancelha de forma que ela subisse
o suficiente para parecer que iria se perder nos fios tão escuros quanto os
meus, como minha mãe costumava fazer.
— Eu quero uma foto.
— Foto?
— É. — O pestinha sorriu, voltando a se debruçar sobre a mesa. —
Não é possível que ela seja isso tudo que você está falando. Estou
começando a achar que além de carente, você também tem baixa
autoestima.
— Vai se foder, Cam!
O garoto gargalhou, pegando o próprio celular no bolso.
— Qual é o Instagram dela?
— Sério?
Camden abaixou o celular para me encarar com aquela mesma cara
de mafioso.
— Está com medo de eu descobrir que você não é o tipo de irmão
mais velho que eu deveria me espelhar? E sim o cara que não tem
autoestima e acha uma menina de beleza mediana muito para ele mesmo?
Eu acho que essa frase seria questionada por Paige, me fazendo sorrir
ao lembrar de como ela pentelhou minha ida à biblioteca alguns dias antes.
— Aposto que pensou nela!
Camden acusou, fazendo-me saltar daquela cadeira.
— Procura por m.paige.soccer — falei sobre os ombros, deixando
meu prato na pia para fugir daquela cozinha enquanto ele analisava as fotos
de Paige e constatava a realidade de que sim, ela era linda pra caralho.
Subi os degraus de dois em dois, para chegar o mais rápido possível
no meu quarto. Os conselhos de Camden não foram tão bons, não que eu
esperasse que ele fosse mudar minha linha de pensamento e trazer algum
novo fato. Entretanto, uma lâmpada acendeu na minha mente: eu tinha uma
parte do acordo para cumprir.
Parecia desigual como as coisas funcionavam naquela proposta, mas
isso foi ideia dela e não minha. E por mais que eu não quisesse admitir para
mim mesmo que usaria disso para chegar na minha sonhada borboleta, era
o que eu tinha para aquele momentos. Não deixe as oportunidades
passarem, foi o que escutei minha vida toda do meu pai.
Pouco tinha haver com garotas, porém fazia sentido naquele
momento.
Fora que existia uma grande possibilidade de estar apenas
exagerando e surtando por pouco. Já fiz isso tantas vezes que não seria uma
novidade pensar no pior lado das possibilidades, quando Paige pode apenas
ter conversado com a sua amiga assim como eu tinha acabado de fazer com
o meu irmão caçula. E caso fosse uma versão menos pior dos eventos, eu
poderia estar perdendo de descobrir isso não indo para a festa.
— VOCÊ PRECISA IR NESSA FESTA! — Camden gritou pelo
corredor. — ESCUTOU? PRECISA!
Foi a minha vez de gargalhar ao olhá-lo e o ver com o celular virado
pra mim em uma foto de Paige de biquíni com suas amigas.
— Mesmo você sendo inexperiente com beijos e com grande
probabilidade de estragar tudo, você precisa ir nessa festa e beijar essa
garota. — Camden voltou a olhar as fotos, deslizando seus dedos pela tela.
— Eu diria que ela é demais pra você, mas isso não é algo que um bom
irmão diria para o outro. Mas acho que se você fizer tudo direito,
quantidade de língua certa, mãos respeitosas, mas não tanto… — esse
moleque está falando sério? — existe uma possibilidade de ela querer você,
lá no fundo, sabe?
Seus dedos rolavam pela tela e mesmo que estivesse me diminuindo
a cada palavra que saía da sua boca, só conseguia rir da sua reação.
— Ah, e sem essa coisa de nerd que você curte de usar. Apostaria em
algo mais casual, uma jaqueta… — Ele me encarou rápido. — Você não
tem roupa para uma festa. Liga para o James, Lebbie.
— Já chega, Cam… Sai do meu quarto.
Era impossível parar de rir.
— Eu não vou sair porque já fui para mais festas do que você e sei
que você não tem roupa para isso. Vou ligar para a Emma. — Camden
caminhou até a cama, sem sequer olhar pelo caminho. Olhos grudados na
tela do celular e mais nada. — Se a mamãe estivesse aqui, aposto que ela
concordaria comigo.
— É, mas ela não está.
Ainda que Camden tivesse insistido em ligar para todas as pessoas
que conhecia, consegui sair de casa sem ter que ouvir sobre como minhas
combinações não são tão boas. Eu já não combinaria normalmente com
qualquer festa, não fazia sentido fingir ser algo que não sou só para passar
ileso pelas pessoas.
Foi nessa sensação de não passar despercebido que cheguei nos
gramados da Phi Omega. Os caras do meu time sempre participam de festas
assim, menos eu. Apesar de não ter nada contra as festas, aquele ambiente
parecia não combinar muito comigo. A música alta, as pessoas dançando e
bebendo, o fato de não saber muito bem como conversar com as pessoas
nessas situações.
Era básico, nada fazia sentido para mim.
Talvez fosse por isso que alguns dos caras que jogavam no mesmo
time que eu, que encontrei pelo caminho, me olharam como se um ser
místico estivesse andando pelo campus. Cheguei até a olhar minha calça
jeans clara e a camisa branca que estava usando, para saber se algo tinha
acontecido enquanto vinha dirigindo na minha caminhonete. Porém nada de
errado tinha ocorrido, era só eu.
Eu era o ser místico.
Ignorei aquela sensação de não pertencer ao lugar, ao mesmo tempo
que tirava o celular do bolso da jaqueta para ver onde James estava.
Combinei que o encontraria na festa, se bem que sendo convidado por outra
pessoa, eu deveria procurá-la primeiro do que o meu melhor amigo.
Nada desta noite parecia estar seguindo qualquer sentido.
As casas de fraternidade não eram muito diferentes do que já havia
escutado James me contar – a mesma quantidade estranha de pessoas
espalhadas em torno da casa antiga, os mesmos barris de bebidas, a mesma
quantidade de mulheres vestidas com o mínimo de roupa possível.
— O filho do treinador está na área? — Chase, o goleiro reserva do
time, se jogou em cima de mim, mais bêbado do que já vi alguém estar. —
Eu devo estar bêbado pra caralho.
— Cadê o James?
Chase só conseguiu apontar em direção a casa antes de se jogar em
um dos canteiros e vomitar.
Eu deveria ir embora, foi o primeiro pensamento que me ocorreu
quando aquele cheiro azedo e alcoólico subiu como a brisa do vento. Eu
não bebia, não curtia e não fazia aquele tipo de coisa. Sempre achei que
fosse por não combinar ou não gostar de ambientes como aquele, mas foi
fácil ouvir a voz do meu pai ecoando na minha cabeça dizendo que estava
errado, que não deveria estar ali.
O treinador Turner dizia que todo um futuro poderia ser perdido com
noites como aquela. O álcool não diminui apenas o rendimento do dia
seguinte, mas podia servir de combustível para um acidente ou algo
parecido; as mulheres tiravam o foco em festas e em qualquer outro lugar,
sendo incapaz de manter as duas coisas com excelência, pois a cabeça de
baixo pensa muito mais alto que acima; amigos como Chase também não
eram uma boa influência, e a lista facilmente seguiria por regras que nem
ele mesmo seguiu quando jovem.
Ele gostava de ditar regras por já ter tido a oportunidade de viver
exatamente as coisas que falava para eu não fazer.
Eu tinha que viver aquelas coisas para saber se eu gostava ou não.
— Você vai ficar bem, cara? — Abaixei onde Chase tinha se jogado.
— Cara… Não conta para o seu… — E mais uma onda de vômito e
aquele cheiro de azedo forte.
Neguei com a cabeça, deixando-o onde estava. Eu precisava
encontrar James e assim poderia ajudar Chase a sair daquela situação.
A única certeza que eu tinha era que não queria beber naquele nível.
— Puta merda.
Escapou como tantos pensamentos que eu não conseguia controlar
quando estava perto dela. Quando passei pela porta da fraternidade, fui
golpeado pelas luzes neons vibrantes, ao que parecia uma espécie de
fumaça que deixava o ambiente meio embaçado, uma música alta, e ainda
assim meus olhos conseguiram achar ela rapidamente.
Nada a apagava.
Paige Mallory estava próxima a um grupo de meninas, rindo e
balançando-se ao ritmo da música com batidas constantes. Meus olhos
correram pelo seu corpo, as pernas torneadas, a bunda arrebitada em uma
saia preta. A cada toque constante da música, Mallory fazia questão de
balançar seu quadril ao mesmo ritmo, chamando não apenas a minha
atenção, mas de qualquer outro cara que estava ali naquela casa.
Contudo, tudo virou um vácuo completo no instante em que Paige
seguiu o que uma das meninas falava no ouvido dela, virando-se para olhar
exatamente na minha direção. Todas as pessoas que antes estavam ali,
bebendo, dançando, curtindo da sua maneira, sumiram. Seu sorriso
iluminou o ambiente de uma forma que nada mais existia, apenas ela.
Paige caminhou – ou flutuou – pelas pessoas, aumentando seu sorriso
a cada vez que ficava mais próxima. Soava clichê, mas eu conseguia sentir
minha mandíbula doer de tanto que estava sorrindo como ela. Eu não sabia
como ela conseguia, como ela fazia aquele efeito e muito menos como ela
conseguia fazer com que aquela alegria florescesse no meu coração de
forma tão distinta a qualquer coisa que já senti.
— Nerd!
Seus lábios se moveram brilhantes e logo senti o golpe do seu corpo
colidindo contra o meu. Por algum motivo, meu corpo reagiu de forma
involuntária, abraçando Paige com a mesma alegria em que ela retribuiu
aquele ato. Era como estar dentro de um sonho fantasioso, onde eu estava
criando uma história que jamais aconteceria de tão perfeita e real.
— Estou tão feliz que você tenha vindo, Caleb — sussurrou no meu
ouvido.
Por cima dos seus ombros percebi que não era um sonho. Paige
Mallory estava me abraçando na frente de toda aquela festa e todos os olhos
estavam em nós dois. Eu me assustaria em outro momento, recuaria e me
afastaria, sairia daquela casa com a mesma velocidade que entrei,
entretanto, eu estava disposto a passar por isso se fosse para tê-la nos meus
braços como no dia do rinque.
Eu não admitiria isso em voz alta por saber que soaria patético, mas
seu corpo pequeno parecia perfeito para estar nos meus braços.
Quando eu tinha me tornado a pessoa que espera um cara aceitar me
atender? Era uma pergunta que eu gostaria de saber.
Eu fiz um plano, consegui fazer tudo caminhar perfeitamente – talvez
não tão perfeito assim –, fiz um cara aceitar a minha proposta absurda de
ele pegar outra garota, e agora estava esperando sua boa vontade em
responder uma mísera mensagem. Se ele soubesse o que foi preciso fazer
para arranjar esse número, com certeza me atenderia. O pior era que ainda
estava ansiosa por isso, nervosa por ele não mandar nem um emoji para
contar história.
O que o pessoal do campus diria se soubesse de tudo isso? Que eu
continuava sendo uma cafajeste ou que na verdade eu era uma cadelinha?
Fica mais um questionamento que gostaria de ter respostas claras.
Se eu falasse com a Paige de uns meses atrás, que namorava um dos
que era considerado a próxima estrela em ascensão, dizendo que estaria
correndo atrás de um nerd que teria o mesmo futuro do seu namorado se
não fosse tão focado em química, física e tudo o que ela também gostava,
com certeza acharia o cúmulo.
Na realidade, a Paige de meses atrás nem sabia como estava
namorando com alguém que não a incluía em nada da vida dele.
Enfim, águas passadas, porque a minha versão atual não estava
apenas correndo atrás do seu objetivo, como estava esperando que o mesmo
a respondesse.
Uma mensagem.
Nada mais.
Até isso Caleb Turner gostava de ser diferente.
— Você está uma pilha de nervos — Miley pontuou, olhando-me
atentamente. — O que está acontecendo?
— Deve ser por causa do nerd. — Alisson entrou no banheiro,
olhando no espelho em que eu já estava lutando para dividir com Miley.
— Voltamos a falar sobre isso? — O sorriso enorme que Miley abriu
mostrou que ela estava pronta para criar as teorias mais absurdas para essa
história.
— Não podíamos falar sobre isso?
— Eu nunca disse que não podia falar sobre ele. — Passei a mão
pelos cabelos recém ondulados com babyliss, abrindo os leves cachos que
Miley me ajudou a fazer. — E não estou assim por causa dele.
Quem eu queria enganar?
Por algum motivo eu tinha criado essa fixação por Caleb, sendo
intensificado com a ideia de ele nunca ter beijado alguém na vida. Parece
maluquice – era uma maluquice –, mas pensa como seria legal você ser a
primeira e única pessoa que o seu namorado já beijou. Não sei, me parece
emocionante de alguma forma.
Calma, eu pensei em ser namorada do Caleb? Que loucura é
essa?
— Vocês já pensaram em como seria ficar com um cara que
nunca ficou com alguém?
— Você diz um virgem? — Miley gargalhou.
— Eu adoro pegar meninas que nunca ficaram com mulheres, fico
com aquela sensação de estar desvirtuando a pessoa. — Alisson balançou a
sobrancelha, com um sorrisinho safado que parecia sua marca registrada.
— Então, acho que o Caleb nunca beijou ninguém.
— QUÊ?
— COMO ASSIM?
— Eu escutei certo? — Kimberly apareceu no banheiro, apenas de
calcinha e sutiã.
Aquela casa tinha banheiros o suficiente para cada uma se arrumar
tranquilamente, mas por algum motivo adorávamos nos amontoar em um
único cômodo.
— Ele não respondeu se tinha beijado alguém ou não.
— O trabalho de vocês é diferente. — Miley riu, saindo do banheiro.
— Eu facilmente poderia escrever sobre isso… Um nerd que nunca beijou
ninguém e uma pegadora, chupando ele em algum corredor obscuro de uma
faculdade.
Não seria uma má ideia.
— Que pervertida, quero mais! — Kim gargalhou, olhando-me pelo
espelho — Ahá! Olha a sua cara, Paige.
Me encarei no espelho, tentando camuflar todos os sentimentos
possíveis e imagináveis.
— Essa sua cara é de quem está pensando na ideia de realmente fazer
isso.
— Eu não… — Suspirei.
Kimberly me olhava atentamente pelo espelho, enquanto Alisson
estava perdida em algum ponto da coxa dela.
Eu não sabia mentir para ela.
Até gostaria.
— Tá, talvez eu esteja pensando em beijar ele só por uma questão de
pesquisa.
— Pesquisa? — Alisson riu alto, sendo acompanhada por Kimberly.
— Na minha época eu chamava isso de outra coisa.
— Você vai beijar esse nerd hoje e quero estar perto para usar isso
em uma história no futuro — Miley falou ao colocar a cabeça dentro do
banheiro.
— E depois você pode usar o banheiro daquela casa insalubre para
chupar ele até perder a consciência. — Minha melhor amiga de infância
sorriu lasciva, lambendo os próprios lábios.
— E depois você pode me chamar para um ménage. — Monroe
piscou, beijando minha bochecha. — Meu sonho sempre foi pegar você e se
para isso tiver que passar por um nerd fofinho, estou pronta.
Gargalhamos.
Eu amo essas meninas idiotas.
Em dado momento, depois de uma longa brincadeira de shots de tequila
com um grupo de meninas do time, encontrei o amigo de Caleb agarrado
com uma loira de peitos grandes e redondos. Assim que percebeu a minha
presença, ele abriu um grande sorriso e acenou como se fossemos melhores
amigos. Aquela foi a deixa que eu precisava para andar em sua direção,
decidida, sorrindo da mesma forma que ele.
Em minha defesa, o álcool já estava fazendo efeito, principalmente
por estar esperando uma resposta do amigo dele desde mais cedo.
— Ei, James, posso falar com você?
Olhei a loira de peitos grandes dentro dos olhos, esperando para que
a mesma saísse, o que não fez. Ela me olhou dos pés à cabeça, olhando para
James, similar a quem está pronta para criar um caso ali no meio da festa.
Eu não era desse tipo, ainda que carregasse famas que nem tinha mais
controle de quais seriam de fato.
— Gatinha, você pode pegar uma cerveja para mim? — O tom
sacana quase fez com que eu vomitasse as quatro doses de tequila que tomei
uma atrás da outra.
— Como é que é? — A loira não pareceu feliz.
— Estou com sede de tanto te beijar, delícia.
É, havia grandes possibilidades de vomitar ali mesmo.
A loira resmungou, lambendo a boca dele antes de sumir pelas
pessoas que estavam jogadas por todas as partes. Tentei imaginar Caleb
fazendo algo como o seu amigo, se esforçando para ser sexy sem ter
qualquer êxito. A mínima imagem projetada sobre isso me fez perceber que
ele jamais seria esse tipo de cara. Turner não conseguiria ser como o seu
amigo, eu tinha noventa e nove por cento de certeza.
— O que você quer? Cadê o Caleb?
Ele estava me perguntando sobre o amigo dele?
— Eu vim te perguntar a mesma coisa.
— Entendi. — Ele me olhou dos pés à cabeça, assim como a menina
que ele estava ficando fez. — Acho que você assustou ele sobre vir para a
festa.
— Oi? — Cruzei os braços na frente do peito. — O que isso quer
dizer?
— Nada. — Ele riu, negando com a cabeça. — Caleb disse que vinha
direto para cá, então acho que pode estar chegando a qualquer momento.
Assim que me encontrar com ele, digo que você está procurando por ele.
Tudo bem, foi mais fácil do que eu pensava.
— Tá! Espero não estar bêbada até lá. — Sorri, sincera.
— Espero que ele realmente venha.
Isso eu também estava esperando, porém era impossível de assumir
em voz alta.
E preciso dizer que por um momento eu achei que ele não viria,
pensei que tinha perdido a minha oportunidade de ter Caleb em uma festa.
Longe das paredes carregadas de livros da biblioteca ou das paredes brancas
do laboratório.
Ali seríamos nós sem desculpas.
Consegui até pensar na hipótese de que a sua não ida para a festa
poderia refletir na minha proposta e em como o plano aparentava estar
correndo pelo caminho que eu desejava desde o princípio.
Mas quando o vi, meu mundo parou.
Isso claramente poderia ser uma metáfora, apesar de ter sido similar
ao mundo congelando, todas as partes. A música que antes tocava alta e
fazia com que meu corpo se movesse sozinho, ficou baixa; as pessoas que
conversavam comigo e estavam à minha volta, pouco a pouco foram
sumindo; as luzes que antes estavam por toda a parte, ficaram em cima dele
– e apenas dele.
Repito, meu mundo parou.
Eu fiquei tão feliz em vê-lo que só tive uma reação: correr para os
seus braços.
Não havia muito sentido para toda a minha comoção e talvez o álcool
tivesse sido um combustível favorável para a reação exagerada que tive.
Porém, não dava para jogar a culpa apenas no álcool, porque eu sabia que
algo estava queimando dentro de mim e não era tequila. Era o carinho, a
saudade, a incerteza se ele estava com raiva de mim ou não. Sentimentos
misturados que não eram para fazer sentido, mas faziam.
Dentro daquele abraço eu tive a certeza de que por mais que aquilo
tivesse começado com uma fissura da minha parte, passar alguns momentos
com Caleb, mesmo sendo poucos, estava me tornando uma garota do ensino
médio que criava paixões avassaladoras por qualquer menino errado.
Caleb era essa minha paixão do momento.
Ele só não era o errado. Isso eu tinha certeza.
— Eu realmente pensei em não vir — ele falou perto do meu ouvido,
ainda me mantendo em seus braços.
Cheirei seu pescoço sem qualquer pudor antes de afastar meu rosto e
encará-lo.
— Para quem não vinha, você veio bem cheiroso, hein?
Ele riu, ficando todo vermelho do jeito que eu achava fofo.
— Eu vim para arranjar uma garota, lembra?
Seu comentário me fez sorrir falsamente, porque no fundo aquela
maldita tequila revirou.
— Já pode me colocar no chão, garotão. — Bati no seu ombro,
perdendo aquele brilho inicial.
A minha proposta era boa até chegar ao ponto em que não me
favorecia. Eu prometi para Caleb Turner que arranjaria qualquer menina
que ele quisesse, sendo que a realidade era que eu queria que ele me
quisesse. Que ele falasse, olhando nos meus olhos, que tudo aquilo era
sobre mim.
Sobre me querer.
Só que ele não era como todos os outros caras que só faltavam estirar
um tapete para eu passar, muito pelo contrário, Caleb me respeitava até
demais. O que só fortalecia a minha ideia de que ele não se interessava por
mim daquela forma e que, claro, eu não seria a garota pela qual ele iria
escolher para conhecer ou ficar… Ou perder a merda do BV dele. Ele vai
acabar beijando uma menina qualquer, que nem vai saber aproveitar todo o
monumento escondido por trás dessa capa de nerd que ele é.
Foda-se eles dois. É isso!
— Por que você revirou os olhos?
Ele me tirou dos meus próprios pensamentos, aproximando seu rosto
do meu.
Eu que deveria beijar essa boca idiota.
— Eu não… A música tá super alta. — Forcei meu melhor sorriso.
— Eu posso falar mais perto, se preferir. — Caleb olhou diretamente
para a minha boca.
— O… O…
Era impossível formular uma frase completa. Principalmente depois
de Caleb sorrir. Sim, sorrir. O tipo de sorriso que ele não deixava escapar
sempre. O tipo de sorriso que ele fez assim que me viu e que parecia ter se
estampado de forma permanente no seu rosto. O tipo de sorriso que eu
queria tirar uma foto e usar como proteção de tela do meu celular, porque
aquele sorriso combinava perfeitamente com ele.
Os lábios corados como as suas bochechas, os dentes brancos e não
tão grandes.
O sorriso perfeito!
— O… O que você… — Me esforcei para reformular a frase.
— Eu disse que se preferir — ele se aproximou, desviando o rosto
para falar perto da minha orelha —, eu posso falar mais perto para que você
consiga me ouvir perfeitamente.
O que está rolando com ele? Eu bebi tanto assim? Caleb Turner está
tentando ser sexy?
Puxei o ar pela boca, meio perdida com sua proximidade e a forma
em que estava falando. Normalmente aquele era o efeito que eu queria
causar nele e não o contrário.
— Você bebeu, Mallory?
— Vamos sair daqui de dentro?
Falamos ao mesmo tempo.
— Acho que vai ser bom você respirar um pouco.
Sem me deixar responder, aquele nerd buscou os meus dedos,
segurando minha mão com total firmeza. Olhei para os nossos dedos juntos,
depois para o meu redor e para as pessoas que tentavam disfarçar o que
estava acontecendo bem ali. Um pequeno show tinha sido feito e não estava
incomodada, era provável que no dia seguinte as pessoas ficassem
comentando sobre isso, ou aquela cena seria diminuída caso alguém
chegasse a causar algo maior e mais legal de ser comentado.
A única coisa que me deu vontade, no mesmo instante em que Turner
me tirava de dentro daquela casa, era beijá-lo. Marcá-lo como se fosse meu
na frente de todos porque não, eu não queria que ele beijasse outra pessoa e
perdesse esse momento com alguém que não se importava.
Se ele fosse realmente boca virgem, poderia estar esperando pra fazer
isso com alguém que se importa e eu estava pronta para isso, mesmo que
ele fosse me babar inteira, mesmo que o beijo fosse ser a coisa mais
estranha que já passei depois daquele menino da nona série.
— Caleb… — chamei-o, decidida do meu próximo passo.
Decerto eu deveria saber que a quantidade de tequila que tinha
tomado e que estava lutando para ficar no meu estômago, uma hora iria sair.
Eu só não imaginava que no momento em que Caleb Turner olhasse para
trás, parando de andar, me dando o espaço para me aproximar o suficiente
para beijá-lo, aquela maldita tequila resolveria revirar no meu estômago.
Revirar ao ponto de borbulhar.
Revirar ao ponto da boca de Caleb virar um borrão e tudo o que visse
depois fosse as escadas da Phi Omega.
Revirar ao ponto de passar a maior vergonha da minha vida.
Eu vomitei nos pés de Caleb Turner, o nerd que eu estava muito afim
de beijar.
Que porra de lugar é esse?
Essa foi a pergunta que rodou pela minha cabeça no momento em
que abri os meus olhos e percebi que não conhecia aquele lugar. Quer dizer,
não era apenas não conhecer, mas também não saber como eu tinha chegado
até aquele quadrado de paredes cinza claro e quadros com imagens em tons
pastéis.
Não sei se isso acontece com todas as pessoas, mas tem alguns
momentos na vida que o cérebro apenas resolve excluir qualquer evento e
seguir em frente, como se nada tivesse realmente acontecido.
Eu tinha quase certeza que isso explicava o fato de estar naquele
lugar e não saber ao certo como cheguei aquele cômodo. Minhas últimas
memórias envolviam uma tentativa de beijo frustrada, muitos pedidos de
desculpas e Caleb segurando meu cabelo enquanto dizia que tudo ficaria
bem e que ele iria me ajudar com o que eu precisasse. Tudo o que pode ter
acontecido depois disso foi estrategicamente apagado da minha cabeça.
Inspirei e expirei o ar algumas vezes, deixando meu corpo receber
aquele oxigênio para começar o processo de funcionar. Pisquei meus olhos
até me acostumar com a claridade e assim que tentei sentar, minha cabeça
doeu. Forte. Por toda a circunferência. Fazendo gemer baixinho e me
aninhar aos lençóis que além de macios, também eram perfumados com
algo floral e levemente cítrico.
Da forma em que estava, deitada de barriga para cima enquanto
fitava o teto, repeti os ciclos respiratórios até me sentir pronta em tentar
levantar mais uma vez. Puxei todo o ar e tentei me sentar, mesmo com a
minha cabeça pedindo socorro.
Assim que consegui me manter naquela posição, consegui uma visão
melhor do cômodo que logo percebi ser um quarto feminino. Levantei o
lençol para analisar o meu estado e dei graças a Deus por ainda estar com a
mesma roupa da noite anterior, embora pudesse jurar que estava suja
demais para estar deitada em uma cama forrada com lençóis tão claros.
Aos poucos, como peças de um quebra cabeça onde faltam algumas
peças, consegui montar pequenas cenas que começaram a fazer sentido:
como uma pilha limpa de roupas que estavam na estante perto da janela e o
fato de uma voz masculina me dizer para tomar banho e usar aquelas
roupas, coisa que eu não fiz. Ou as fotos de três irmãos, onde só a menina
parecia diferente dos outros dois que estavam espalhadas pela cômoda, e
como eu comentei sobre aquelas mesmas fotos na noite anterior. Ou o
sorriso perfeito de um garoto, em uma foto com a menina loira, que parecia
o mesmo sorriso que só faltei tirar uma foto assim que o vi estampado no
rosto de Caleb.
Ele.
Tudo fez rapidamente sentido.
Eu estava na casa de Caleb Turner.
A vergonha da noite anterior me atingiu com tudo, por mais que não
soubesse de fato todas as coisas que aconteceram. O desespero em pensar
que teria que sair daquele quarto em algum momento só aumentava com a
possibilidade de poder encontrar toda a família de Caleb, sentada à minha
espera para uma espécie de corredor da vergonha.
Por que a Paige do passado não foi para casa? Por que a Paige do
passado tinha que ter bebido tanto?
A primeira coisa que eu pensei foi em pedir socorro para as minhas
amigas, porém o celular tinha desaparecido do meu alcance, ou Caleb tenha
sido sentado em guardá-lo enquanto eu perdia a dignidade e a memória. De
qualquer forma, tudo o que me restou foi levantar daquela cama e assumir o
que é que eu tenha feito na noite anterior.
Eu poderia ter contado do meu plano.
Eu poderia ter falado que queria beijar ele.
Ou pior, eu poderia ter assumido minha paixão secreta.
Burra! Burra! Burra!
— Caleb? — chamei baixo, cheia de vergonha, ao chegar no andar
debaixo e encontrar ele e um menino muito parecido com ele sentados em
uma mesa no meio da sua cozinha.
Caleb deu aquele sorriso grande e lindo, o que me fez lembrar do
exato momento que o vi com aquele sorriso na noite anterior, uma das
poucas memórias que eu tinha. Já o menino à sua frente virou, abriu um
sorriso similar e piscou com um único olho.
— Ela é bonita até acordando, Lebbie. — O seu sussurro não serviu
de muita coisa, fazendo-me rir e o Caleb ficar constrangido.
Era fácil enxergar o Caleb naquele menino, como uma versão mais
nova. Porém, com aquele comentário, já podia sentir o quanto eram
diferentes.
— Eu tinha conversado com você, Cam. — Ele negou com a cabeça
— Paige, bom dia, esse é o meu irmão Camden.
— Mas pode me chamar de Cam.
Afirmei com a cabeça, me aproximando da mesa assim que Caleb me
chamou com a mão.
Era estranho eu estar me sentindo confortável mesmo que
estivesse com vergonha do dia anterior? A minha sensação era que Caleb
sempre me deixava dessa forma, confortável. Não digo nos momentos de
vergonha, ou aquela sensação que ele acabava me causando, mas o fato de
me sentir confortável ao seu lado, podendo ser eu mesma sem pensar muito
em como ele me veria quanto a isso.
— Você dormiu bem? — Caleb perguntou, levantando-se antes de eu
ter a oportunidade de puxar a cadeira para que eu sentasse.
O nerd não apenas fez aquela gentileza, como se adiantou para pegar
um prato, xícara e alguns utensílios para participar daquele café da manhã
com eles. Olhei para o seu irmão, que me encarava com um sorrisinho no
canto da boca, olhando para o irmão dele toda vez que Caleb se movia pela
cozinha para pegar mais alguma coisa.
Um pequeno momento da noite anterior me atingiu, com aquela
versão atenciosa de Caleb. Ele tirando o próprio tênis porque meus saltos
estavam acabando com os meus pés e eu jurei que iria descalça para casa.
— Desculpa por ontem — falei acanhada no momento que o nerd se
sentou ao meu lado na mesa.
Eu não lembrava de quase nada do que tinha feito. Apesar disso,
sabendo do meu histórico suspeito em festas, sabia que tinha feito ou falado
alguma besteira que não deveria. E não existia muito o que fazer além de
pedir desculpas e tentar descobrir todas as coisas que eu fiz.
— Ontem você estava bem engraçada — Camden comentou, o que
me fez querer abrir um buraco bem ali e me afundar até chegar ao núcleo da
terra.
— Cam! A gente conversou, poxa. — Caleb suspirou, apoiando sua
mão no meu antebraço. — Não liga para nada do que ele disser.
— Você me viu? — Ignorei Caleb, olhando para o seu irmão, que
acabou rindo.
— Se eu vi? Eu tive que abrir a porta pra vocês. Você estava muito
louca, mas aceitou escovar os dentes no lugar de tomar um banho porque
não queria que o Caleb te visse pelada assim, tinha que ser algo “sexy”. —
Ele fez aspas com os dedos.
MEU DEUS!
Tampei meu rosto com as mãos, soltando um grunhido.
— Cam!
— Lebbie, mas eu não tô fazendo piadinha, só estou contando o que
realmente aconteceu.
— Eu estou super envergonhada — falei mais para mim mesma do
que para os dois. — Meu Deus!
— Confesso que achei que o Lebbie chegaria assim, mas quando foi
você, achei ainda mais legal, porque o Caleb trouxe uma menina pela
primeira vez aqui pra casa.
Eu estava com vergonha. Óbvio. Muita. Pronta para me enfiar no
primeiro buraco para nunca mais sair. Mas o irmão de Caleb me
proporcionou uma informação que deixou a vergonha passar por alguns
instantes. Tirei a mão do rosto e encarei o menino que deveria ter uns
quinze anos. Camden estava sendo meu mais novo adolescente favorito,
mesmo fazendo comentários sobre a minha noite catastrófica.
— Caleb nunca trouxe uma menina pra cá?
— Agora eu virei assunto?
— Ele nunca trouxe. — Cam riu, tampando a boca.
O gostinho de ter sido a primeira conseguiu apagar qualquer coisa da
noite anterior. Eu precisava saber mais sobre o nerd, sobre as coisas que ele
nunca fez porque eu queria ser a primeira.
Meu mais novo foco era ser inesquecível para ele.
Era isso.
Eu seria a primeira pessoa de vários momentos da sua vida para que
sempre que pensasse, se lembraria de mim. Porque, no fundo, eu sabia que
de alguma forma eu me lembraria dele caso aquele plano não saísse como
eu planejei. Seria o primeiro cara que fiz um plano para conseguir ficar
mais próxima; seria o primeiro cara que quis conversar ao invés de chegar
dando em cima; seria o primeiro cara a tirar o tênis para eu calçar ou puxar
uma cadeira para eu sentar.
Eu já estava marcada de alguma forma.
— Eu só respondi, irmão. — Peguei a conversa pelo caminho.
— Por que você nunca trouxe ninguém para cá? — Virei meu corpo
para encontrar Caleb e como sempre, o nerd estava com o rosto tomado por
um avermelhado intenso em alguns pontos.
— Eu não…
— Temos regras claras sobre trazer pessoas para casa. — A voz
grossa me fez estremecer.
O clima agradável e confortável se transformou em tensão. Eu podia
sentir o corpo de Caleb vibrar com a entrada do seu pai na cozinha, e a
forma que Camden me olhou não mostrou que ele estava muito diferente.
Sempre achei interessante o quanto irmãos, normalmente, são parecidos em
alguns aspectos. Observando-os ali, de forma rápida, dava para analisar a
forma que ambos forçavam um pequeno sorriso para fingir que tudo estava
bem. Ou o fato do seu irmão já ter estalado todos os dedos, assim como
Caleb já fez quando estava nervoso ao meu lado.
— Oi, pai. — Camden foi o primeiro a cortar aquele silêncio
barulhento que estava naquela cozinha.
— Por que a menina do gelo está aqui em casa, Caleb? — A voz
permaneceu grossa e autoritária, ignorando completamente o irmão mais
novo de Caleb.
Se Miley o visse nas roupas que estava, ela iria ficar molhada. O pai
do nerd era muito bonito, isso era óbvio, mas com roupas de academia e
meio suado, tinha ficado ainda mais gato. Meus olhos correram por ele
rapidamente, fixando em uma cicatriz longa do joelho até o meio da sua
perna, se perdendo em uma meia alta e branca.
— Eu já… Bom dia… — Tentei ser educada, mas fui interrompida
por Caleb colocando a mão na minha coxa, por baixo da mesa.
O seu toque sobre o moletom fez minha pele esquentar e
automaticamente me paralisar, sendo incapaz de falar qualquer coisa depois
daquilo.
O efeito Turner. Claro!
— O nome dela é Paige. — O tom firme pegou a minha atenção,
fazendo-me olhar para ele, mas seus olhos estavam cravados acima da
minha cabeça, possivelmente em seu pai. — E ela acabou dormindo aqui
em casa ontem e estava tomando café.
— Eu já estava indo embora, na verdade — falei rápido.
Não queria ser um tumulto em pleno café da manhã, portanto o mais
seguro era sair daquela casa antes de criar problemas para o nerd.
— Acho ótimo.
Foi a resposta que recebi do seu pai. Não preciso dizer que me senti
péssima, não é? Ou que a minha vontade, mais uma vez, era ter a
oportunidade de ter um buraco bem ali naquela cozinha, só que agora por
um motivo diferente.
No instante em que tentei levantar, aquela mão que estava sobre a
minha coxa não me deixou sair do lugar. Sua mão grande tomou partes do
meu quadríceps, se afundando no tecido do moletom. Firme. Imponente.
Decidido. Me prendendo em seus dedos não por ser um toque de fugir, mas
porque o meu corpo não estava esperando algo tão firme vindo de Caleb.
— Ela vai terminar de tomar o café com a gente e depois vou levá-la
para casa, não precisa fazer essa cena, pai.
Seu pai caminhou pela cozinha em completo silêncio. Camden, que
permaneceu calado por todo momento, finalmente pareceu relaxar e voltou
a comer os ovos que estavam no seu prato. Eu não conseguia respirar, só
queria fugir dali, uma vez que por mais que seu pai permanecesse em
silêncio, eu conseguia sentir sua presença incomodada.
Aquele clima tenso só aumentava.
— Você quer comer o quê? — Caleb perguntou baixinho, bem perto
do meu ouvido.
Apesar daquele contato mexer comigo de formas que não conseguiria
explicar, minha atenção foi sugada pelo corpo do pai de Caleb, próximo a
mim. Parado. Na minha frente. Só aí conheci os olhos do pai de Caleb,
focados em mim. Me encarando tão sério que me deu medo. Sim! Medo!
O mesmo medo que um treinador causa em seu jogador, um olhar
que algo está muito errado e você precisa descobrir o que é nos próximos
cinco segundos.
— Eu vou embora, Sr. Turner.
Era isso que ele queria com aquele olhar e era isso que eu iria fazer.
Camden ficaria surpreso ao vê-la daquela forma. Meu irmão fez questão de
exaltar a beleza de Paige todas as vezes que foi possível. Ele a olhava abismado,
depois me encarava como se eu fosse o cara mais sortudo do mundo. Foi
engraçado. E seria ainda mais agora que ela parece estar ainda mais linda do que
achei que fosse possível.
Paige corria atrás de uma bola de uma forma fascinante. Pouco entendia
sobre futebol e suas regras, mas eu conseguia enxergar uma atleta inacreditável
enquanto Mallory roubava a bola de uma das meninas e corria em direção ao gol.
Não tinha o disco, o gelo, os tacos, e ainda sim eu conseguia sentir aquela euforia
que sempre corria pelas minhas veias em um jogo.
Paige parecia uma euforia em pessoa.
— Paige! — Acenei assim que a treinadora deu um tempo para elas
beberem água ou algo assim.
O olhar surpreso de Mallory fez com que a coragem que eu estava sentindo
em ir ali e contar o que aconteceu se esvaísse. Ela correu até o canto em que
estava, acenando brevemente para uma de suas amigas esperarem.
— Nerd! — Paige segurou a ponta da camisa roxo e amarelo, secando o
rosto suado.
Aquele ato me fez engolir a seco.
A pele da barriga de Paige parecia brilhar com o suor. Os pingos faziam
um caminho que pareciam sair do seu top e seguir até a barra do short, se
perdendo por ali. Minha garganta ficou seca, meus olhos ficaram cravados ali e
aquela sensação das coisas saindo do controle passou pela minha cabeça.
Hormônios, sangue indo para partes que não deveriam.
— Gostou do que viu?
Olhei para Paige assustado por ser pego.
— Merda! — murmurei, praguejando a mim mesmo.
Ela viu!
Ela gargalhou, apoiando a mão na cintura.
— Você parecia bem focado…
Desde a situação na festa, as coisas começaram a ficar mais estranhas para
mim. A palavra não seria estranha, e sim incontrolável. Era incontrolável não
olhar para Paige, era incontrolável a vontade que eu sentia quando ela me tocava
ou me olhava. Era incontrolável estar ao lado dela e não pensar coisas muito
erradas.
Eu estava me tornando aqueles idiotas?
Não! Não! Não!
Balancei a cabeça.
— Caleb? Você está me…
— Eu falei que você era minha. — Soltei de uma única vez, desesperado.
Eu não podia ser como aqueles idiotas que a enxergam longe de todas as
suas qualidades, focando apenas no físico. Pois sim, Paige Mallory era linda, só
não era apenas isso.
— Eu briguei agora no vestiário e acabei falando que você era minha. —
Olhei para os meus tênis. — Eles estavam falando várias merdas e eu tentei ficar
calado, porque não queria aumentar as fofocas de um dia que nem foi nada do
que estavam falando. Mas eles não pararam e eu explodi. Nossa, Paige. —
Afundei meus dedos no cabelo, sem coragem de olhar para ela e encontrar
qualquer reação negativa. — Não podia deixar que falassem sobre você daquela
forma. Na verdade eu nem entendo como você aguenta todas as fofocas, os
comentários e as pessoas achando que podem falar o que quiserem. Eu fiquei
cego e talvez isso não te ajude muito, mas precisava te contar para não pensar que
estou me aproveitando da proposta. A ideia era te ajudar na questão acadêmica e
não te atrapalhar na sua vida amorosa. — Por algum motivo aquele final não
soou tão verdadeiro quanto eu gostaria, apesar de achar que Paige não iria
perceber.
E quando finalmente terminei de falar e tomei coragem para olhar para ela,
Mallory estava como se estivesse segurando um sorriso o que não me deu muita
luz sobre o que estava passando na cabeça dela.
— Você disse que eu sou sua? — Ela mordiscou o próprio lábio inferior.
— Saiu… Eu sei que é péssimo essa coisa de posse…
— Você disse na frente de todos os caras que jogam com você que eu sou
sua? Com essas palavras?
Estalei meus dedos indicadores, olhando para o tênis mais uma vez.
— Você está chateada, não é? Descul…
— Agora a gente vai ter que assumir isso, nerd.
Sua resposta, interrompendo-me, me deixou levemente aéreo.
— Acho que não entendi, Paige.
Como um felino, Paige se aproximou de mim a passos curtos e lentos.
Seus olhos, que sabe-se lá como foi feito com aquela mistura de cores única,
fitaram primeiro os meus olhos, depois se perdeu em algum ponto do meu
queixo.
Não, da minha boca.
O que…?
E sem qualquer aviso prévio, Paige não só segurou meu pescoço como
grudou sua boca a minha em um golpe único e nada delicado.
Congelei.
Nunca tinha planejado chegar naquele ponto, mesmo que no dia do carro
isso tivesse se passado pela minha cabeça de forma tão clara que nem consegui
disfarçar. Eu imaginei como seria esse momento, qual o gosto e o toque dos
lábios de Paige, porém, se for para ser sincero, nunca pensei que chegaria até esse
momento. Principalmente na frente de todos, por ela ser quem é e eu ser quem eu
sou.
— Você pode me beijar de volta, nerd — Paige falou contra os meus
lábios, subindo uma das mãos até os cabelos da minha nuca. — Ou você é mais
boca virgem do que eu pensava?
— Acho que você vai se surpreender.
Com a mesma coragem que a respondi, ainda com seus lábios pairando
sobre os meus, foi a mesma que a beijei com toda a vontade que sentia a tempos.
Eu não sabia quando aquilo aconteceria de novo, então eu precisava mostrar para
Paige que eu poderia ser um nerd que gostava de se isolar, mas que sabia o que
queria, como queria e o que precisava fazer para ter.
Segurei sua cintura em minhas mãos, tendo a mesma sensação familiar de
pertencimento, grudando minha boca a dela. Paige respondeu como eu esperava,
afundando suas duas mãos nos meus cabelos, roçando a ponta dos seus dedos no
meu couro cabeludo. Sua boca abriu uma breve passagem para que eu pudesse
tomar a iniciativa que nós dois queríamos. Minha língua tocou a dela com calma,
mas logo fui incapaz de não reivindicar cada espaço daquela boca que tanto quis.
Entrelacei minha língua, minhas mãos em sua cintura e uma parte que
nunca achei que fosse capaz: o meu coração.
Eu tinha essa certeza pois meu coração idiota batia tão rápido que pensei
sofrer de algum ataque bem no meio do campo, com Paige em minhas mãos. Eu
tinha certeza, pois a felicidade que me consumiu naquele beijo, apagou qualquer
coisa que eu estivesse pensando antes, existindo apenas eu, Paige e aquele
momento. Eu tinha essa certeza, pois quando Mallory soltou um suspiro, meu
corpo todo entrou em colapso, clamando por mais.
Eu queria muito mais.
— Meu Deus, nerd — ela murmurou ainda com a boca encostada na
minha.
Emendei em um novo beijo, não querendo que aquele momento acabasse.
Queria poder passar minhas mãos por cada curva dela, queria poder sentir seu
corpo sem as camadas de roupas que nos afastavam.
Queria mais de Paige Mallory.
— PAIGE! — alguém gritou de longe.
— Eu… — Mais um murmuro daqueles e eu iria jogá-la em cima dos
meus ombros e sair dali. — Eu vou precisar voltar a jogar.
— Eu preciso ir para… para algum lugar também.
Paige gargalhou.
— Você sabe que agora vamos precisar fazer isso algumas vezes. — Paige
apoiou seu rosto no meu peito. — Só para… — Ela riu, erguendo o rosto para me
olhar. — Só para todo mundo achar que eu realmente sou sua.
— Mas…
— Não vai te atrapalhar com a garota que você quer. — Seu sorriso
vacilou. — Vai só melhorar sua imagem de pegador.
Não gostei de como aquilo soou.
— Eu não quero te usar para...
— Relaxa, nerd. — Ela me interrompeu com um selar de lábios rápido. —
Agora eu preciso ir.
Só consegui sorrir, sentindo meu coração dar cambalhotas.
Merda!
Só me dei conta do espetáculo que possivelmente demos quando olhei em
direção ao campo onde Paige voltava e vi todas as meninas nos olhando. Umas
chocadas, outras comentando entre si. Mallory não pareceu se abalar com isso,
andando com a mesma confiança que já a vi tantas vezes andar. Ela deu uma
olhada para trás algumas vezes e sorriu, com o sorriso brilhando naquele dia de
sol.
Em outro momento eu ficaria com vergonha de tudo o que tinha acabado
de acontecer, mas apesar disso, não senti nada. Pela primeira vez em muitos anos,
estava feliz por ter feito algo que realmente queria, sem me preocupar com as
pessoas e suas opiniões.
— Nerd? — Paige me chamou um pouco mais distante, a respondi com um
balançar de cabeça. — Você não era BV coisa nenhuma.
— Eu nunca disse que era.
Ela riu, parando de andar.
— Estou bem com isso, vou ser a sua primeira em outras coisas... pode ter
certeza, nerd.
— Eu duvido! — brinquei.
— Você quer dizer que já transou, nerd?
Fiquei sem palavras. Para variar.
Merda!
Paige sempre arranjava uma forma de me deixar sem palavras.
— Eu disse, Caleb, vou ser a sua primeira em várias coisas e quando você
menos esperar, marcarei sua vida de forma que não vai conseguir me esquecer.
E com uma piscadela ela se foi, correndo até o centro do campo de futebol
enquanto sua treinadora falava algo que não consegui entender.
As borboletas não estavam apenas no meu estômago, mas também no meu
coração.
Seu beijo tirou a minha paz.
Esperei tanto que Caleb fosse boca virgem que quando aquilo realmente
aconteceu, meu cérebro foi incapaz de entender o que tinha acabado de
acontecer. Ele beijou bem. Bem até demais. Tão bem que não me
concentrei em nenhuma bola, não consegui fazer passes que normalmente
fazia sem qualquer tipo de esforço.
Por fim, desisti de continuar o treino, indo para o banco terminar de assistir
o amistoso que sempre fazíamos ao final dos treinos de agilidade e força. A
treinadora nada falou, me olhou com seus olhos intensos de sempre e fez
sinal para que eu fosse para o vestiário.
O fato era que eu não era mais um problema que ela precisava resolver, já
que ainda não estava liberada para jogar. Seu atual problema era
reorganizar todo o time para posições que fossem suprir a minha falta em
campo até ser liberada para voltar aos jogos. Minha participação nos treinos
era igual a um remédio placebo de pesquisa, não serve, não tem nenhum
efeito.
Eu não estava me sentindo bem. Por todo caminho pelos corredores e até
sentar em uma aula de genética que me inscrevi apenas para agregar no
currículo, eu não estava me sentindo ali. De uma forma estranha, parecia
que minha alma não estava conectada com o meu corpo. Minha mente só
conseguia pensar em Caleb, meu coração se animava apenas com a ideia de
encontrá-lo pelos corredores. Fora que minha boca ainda seguia com aquela
sensação diferente.
— Você está fugindo porque sabe que vi a mensagem no grupo sobre o seu
beijo com o nerd?
Suspirei.
Ir para a casa pareceu a melhor saída, até me dar conta de que Kimberly
parecia nunca estar fazendo aula alguma. De fato, era possível que a minha
melhor amiga estivesse em mais uma fase rebelde com seus pais, fazendo
de tudo para enfrentá-los, mesmo que isso custasse uma parte do seu futuro.
Tentei voltar ao meu foco de subir os degraus, porém a morena tatuada que
eu chamava de amiga segurou minha mão.
Quando mais novas, todas as pessoas diziam que nunca entendiam como eu
e Lake éramos amigas – até hoje ouvimos alguns comentários parecidos.
Sempre fomos completamente diferentes e talvez tenha sido por isso que
criamos esse vínculo. Kimberly era como uma irmã mais velha, sempre a
frente de qualquer coisa que eu tivesse feito. Ela tinha os melhores
conselhos – ou piores, dependendo do ponto de vista –, sabia me enxergar
em meio a tantas pessoas e máscaras que eu acabava vestindo e era uma
boa ouvinte.
— Você não assiste televisão desde que tinha uns quinze anos, Paige.
Suspirei mais uma vez, incrédula em como ela me conhecia tão bem.
— E eu amo isso. — A safada riu, virando seu corpo de modo que fique
totalmente de frente para mim. — Eu sei que por mais que você ame as
meninas, e eu também as ame, nós nos conhecemos o suficiente para saber
que algo está acontecendo e você está começando a pirar.
— Pirar?
Touché!
Fiz o mesmo que ela, virando meu corpo para ficar de frente ao seu. Cruzei
minhas pernas, respirei fundo algumas vezes e calculei tudo o que
aconteceu nas últimas semanas. Eu conseguiria mentir sobre aquilo para
todas as pessoas que conheço, porém, com a Kimberly, era impossível.
Logo que comecei a falar sobre a primeira vez que vi Caleb em uma aula
que não deveria estar, senti que precisava contar tudo para a minha melhor
amiga.
Se tinha alguém que não iria me julgar, esse alguém era Kimberly.
Até porque nossa amizade era baseada em apoiar sua amiga em todas as
circunstâncias porque você pode precisar de apoio quando fizer uma merda
ainda maior.
— Você sabe que essas brincadeiras não vão colar comigo. — Kimberly me
encarava séria, igual a uma mãe que te julga, apesar de estar tentando não
julgar. — Eu quero saber o que isso aqui — ela apontou para onde fica o
meu coração — sentiu com tudo isso.
— Eu tentei fazer o que fazemos sempre, sabe? Procurei saber sobre ele e
dar em cima na cara dura. — Apoiei meu queixo nas mãos. — Eu
realmente poderia ter feito tudo isso, mas pareceu que não seria o certo.
Não sei te explicar. Parecia que Caleb era demais e muito inteligente para
cair em algo assim.
— Só que ninguém sabe e talvez até eu tenha esquecido disso. Fiquei tanto
tempo fazendo esse personagem de fútil e burra que posso ter esquecido de
que sou mais do que tudo isso.
Quando aquelas palavras saíram, fiquei tão chocada quanto Kimberly, que
me olhava tão atentamente quanto antes.
Ótima pergunta.
Parecia uma obsessão da minha parte, algo que almejava em ter – mesmo
soando fútil. Apesar disso, depois do beijo de mais cedo, naquele dia, meu
corpo estava reagindo de uma forma que já tinha sentido antes. E talvez
fosse por isso a pergunta de Kimberly, porque nós nos conhecemos naquela
posição. Decerto ela tenha sentido isso e estivesse esperando uma resposta
clara, exatamente como fez quando quebrei a cara pela primeira vez.
O órgão responsável por bombear sangue estava batendo mais forte do que
antes, exatamente igual ao momento em que Caleb colou seus lábios nos
meus. Aquele primeiro impacto tinha causado em mim um fenômeno que
poucas vezes aconteceu. Quer dizer, eu tinha quase certeza que nunca tinha
acontecido. Eu senti ciúmes de quem já tinha tido aquele beijo, quem tinha
tido suas mãos segurando-a com força, sua língua adentrando sua boca e o
suspiro quase inaudível que ele soltava toda vez que o beijo ficava mais
profundo.
Sorrindo.
Kim me encarou tão séria que agora era fato que estava me olhando como
uma mãe que repreende seu filho.
Revirei os olhos.
— Somos irmãs.
— Cala a boca porque estou tentando ser uma boa amiga para você. —
Kim respirou fundo antes de continuar. — Como eu estava dizendo, ele
seria muito burro porque você é a pessoa mais incrível e inteligente que já
conheci. Então deixa o plano acontecer, pegue esse idiota para você. E se
você realmente estiver apaixonada, viva esse sentimento. Eu posso acabar
com ele facilmente caso seja um filho da puta. Tem uns caras lá do bar
que…
Ela gargalhou.
— Claro que não, esse nerd vai te amar como um cadelinha. — Ela piscou
com um único olho, aproximando-se. — Aliás, ele te babou toda? Mordeu
sua língua? Bateu o dente? — Ela analisou meu rosto
— KIM!
Gargalhamos.
— Sério? — Ela bateu uma palma, rindo tão alto que apostava que todo o
campus havia escutado ela — Não se fazem nerds como antigamente.
— Não mesmo! — Franzi a sobrancelha, fazendo uma careta de nojo só de
lembrar que ele pode ter beijado várias meninas. — Eu jurei que ele fosse
BV.
— Você acha que ele é virgem, pelo menos? Um nerd precisa ser virgem.
— Ela riu tanto com o próprio comentário, que se deitou no sofá. — Ele
pode ter beijado, mas duvido que enfiou aquele pau pequeno em alguém.
— Quem disse que o pau dele é pequeno? Você está sabendo de alguma
coisa?
— Eu não sei se ele é virgem, mas com certeza o pau é acima da média.
Kim gargalhou, jogando seu corpo para cima do meu. A série de cócegas
que recebi da parte da minha melhor amiga me fez revirar sobre o estofado,
fazendo nossos corpos rolarem e caírem no chão. Kim passou a mão pelo
meu corpo, enfiou os dedos nos meus bolsos e quando finalmente se
afastou com meu celular em mãos, percebi que ela faria alguma coisa de
que não me representava.
— Você vai descobrir hoje mesmo se esse querido tem um pau decente ou
não. — Ela virou o celular para o meu rosto, desbloqueando.
— Vamos marcar um encontro e você vai colocar a mão nele. Pega leve
porque ele ainda é um…
— KIMBERLY LAKE!
Se eu dissesse que ouvi metade do discurso que ele estava fazendo a alguns
minutos, eu estaria mentindo. Depois que recebi uma mensagem de Paige
dizendo para nos encontrarmos na biblioteca, todo o resto ficou perdido no
tempo. Minha atitude pode não ter sido das melhores, mas como explicaria
isso para ele? Como explicar para uma pessoa que não respeitava ninguém
que eles estavam faltando com respeito com a garota que estou ajudando?
Eu não tinha como explicar.
Seus olhos furiosos não saíram de mim enquanto as abas nasais dilataram à
medida que a raiva o consumia. Foram vinte e um anos vendo a mesma
cena até ele explodir de vez. Estava tão acostumado que não me assustava
mais com a sua reação, apenas esperava a primeira besteira sair da sua boca
e me magoar um pouco mais.
Saí daquela sala tentando limpar minha mente sobre como parecia cada vez
mais difícil conversar com o meu pai e sua mania de controle. Ao mesmo
tempo que andava pelos corredores a caminho da biblioteca, peguei o
celular no bolso e procurei ligar para Emma e conversar sobre aquilo. Eu
precisava de alguém me dizendo que não estava tão louco de ter reagido
daquela forma, alguém que me conhece, conhece o meu pai e a relação que
temos.
— Tenho dois minutos para você, Lebbie. — Ela atendeu no terceiro toque,
me fazendo sorrir sozinho e parar de andar no meio do longo gramado que
cortava um prédio do outro.
— Eu acho que ia precisar mais do que isso, então quero saber quando você
vem para casa.
— Usou a sua mãe como forma de ofensa, mais uma vez. — Fui até um
banco próximo, sentando-me. — Digamos que eu tenha surtado no
vestiário porque estavam falando sobre uma garota que estou ajudando.
— Você brigou com o Turner por causa de uma garota? Quanto tempo faz
que eu não volto para casa?
Ela também não era um assunto fácil para mim e Emma sabia disso.
— Olha, vou ver como vai ser esse final de semana para mim e te mando
uma mensagem avisando se puder ir. Qualquer coisa, por que você não vem
para cá? Um dia de irmãos seria incrível.
— Pode ser… Vemos sobre isso em breve. Estou com saudade, Em.
— Também, Lebbie.
— Hey!
Mas algo diferente aconteceu. Algo que nem eu e nem ninguém estava
esperando. Paige Mallory segurou o meu rosto entre suas mãos e jogou seu
corpo contra o meu, alcançando minha boca com a mesma pressa em que
andou até mim; com a mesma alegria que me disse “hey” assim que me
avistou.
Foi tão rápido que cheguei a me afastar alguns segundos dos seus lábios,
encarando-a. Não consegui entender por qual motivo ela estava me
beijando, entretanto, a jogadora sorriu, ficou um pouco mais alta,
parecendo estar na ponta dos pés e selou mais uma vez sua boca na minha,
cruzando seus braços no meu pescoço.
— Por que você ainda não colocou a mão na minha cintura e retribuiu o
beijo que te dei, nerd?
Por um impulso, colei minha boca na dela mais rápido do que gostaria, e
segurei seus braços, tirando-os do meu pescoço. À nossa volta, o fenômeno
de olhares curiosos continuava acontecendo como se fossemos pessoas
famosas fazendo aquele tipo de coisa na frente de todos. Apesar disso, o
que fez com que me afastasse foi a sensação estranha de perceber que ela
estava fingindo a respeito da mentira que eu inventara.
Por que aquilo me incomodava? Não fazia sentido. Boa parte de mim
deveria ficar feliz por ela não ter ficado chateada e ter reagido com fez, me
beijando na frente de todos. Entretanto, de alguma forma, aquela
informação fez com que algo amargo queimasse na minha garganta e
subisse até a boca, como bile estomacal.
Ou não.
— É… Acho que temos algumas coisas sobre o seu trabalho para fechar e
preciso ver o que você já conseguiu fazer do mesmo.
— Não, nerd. Você é tão inteligente para umas coisas e tão lerdo para
outras. — Ela negou com a cabeça, me fazendo sorrir.
Quiçá eu devesse ficar chateado com aquele seu comentário, só que não foi
o que aconteceu.
Paige Mallory era uma das únicas pessoas que me chamavam de nerd sem
parecer algo ofensivo ou com a intenção de ofender. Pelo contrário, ela
falava aquilo de forma carinhosa. Quase um apelido fofo que ela achou
perfeito para usar para mim.
— Não, desculpa.
— Já?
— Calma…
Paige suspirou.
— Você acha mesmo que se fingirmos estar namorando as pessoas vão dar
em cima de mim? Não deveria ser o contrário? — Franzi a testa.
A minha abaixada de cabeça deve ter sido uma resposta, porque Paige
soltou uma risadinha baixa e esticou sua mão pela mesa, apoiando sobre o
meu antebraço. Seu toque quente esquentou minha pele, fazendo meu
coração bater mais rápido do que o normal.
— Eu disse para você que seria a sua primeira. — Levantei meus olhos
encontrando-a quase como uma predadora. — Sua primeira em várias
coisas.
Em razão da forma com que aquela frase deixou seus lábios, uma bola se
formou na minha garganta, me sufocando.
— É… É… Então… — Tentei engolir aquela bola, que parecia um disco
que eu tinha acertado diretamente na minha garganta. — Até onde você fez
o seu trabalho?
— Temos um…
— Eu não…
— E nada de mentir dizendo que não tem alguém em mente. Sei que você
não sai muito, mas é impossível você não ter se interessado por nenhuma
menina que viu aqui no campus. — Ela não me deu espaço para falar,
apertando meu antebraço. — Abra seu coraçãozinho, nerd.
Eu conheço a borboleta.
Ela estava se divertindo, porém eu não estava nada animado com o rumo
daquela conversa.
Não era só meu rosto que queimava, mas como todo o meu corpo. O
sangue que antes estava circulando normalmente pareceu ter ido
diretamente para uma área que não deveria, não naquele momento.
A primeira vez que pisei naquele lugar, soube que queria estudar ali. Tinha
ido com meu pai para uma palestra sobre antigos alunos que foram um
sucesso, por mais que meu pai tenha tido problemas em seguir seu lado
profissional. Eu já era um amante de livros e um eterno curioso, então
fiquei pela biblioteca enquanto meu pai ia para um auditório contar sobre a
sua vida magnífica e extraordinária – uma verdade fantasiosa.
Eu fiquei apaixonado por aquele lugar, se tornando meu lugar favorito anos
depois quando finalmente consegui estudar naquele campus. Eu usava para
passear, pensar e abstrair a mente, já que o laboratório sempre estava com
um aluno cheio de perguntas que me afastavam, cada vez mais, da ideia de
seguir pela licenciatura e cair nos braços da pesquisa, sem alunos,
perguntas ou trabalhos mal feitos.
— Como você sabe disso? E por que você está procurando aqui se poderia
ver no celular? — Paige me seguia, finalmente respondendo ao que falei.
Era uma grande mentira, só queria tirar um tempo para colocar a cabeça no
lugar. As duas cabeças. Só não contei com a possibilidade de Paige vir atrás
de mim.
E sexy.
— Acho que aqui deve ter algum livro sobre alguns casos clínicos e
descobertas dela.
E foi então que Paige me encarou, mais séria do que o normal. Seus olhos
correram de alguma ponta da estante que estava atrás de mim, se perdeu
pelos meus cabelos e caíram nos meus olhos. Fitando-me. Curiosa.
Descarada. Intensa.
Como alguém que analisa um quadro curioso, ou alguém que está em busca
de uma solução a uma equação matemática, ou até mesmo alguém que tem
muitas perguntas e poucas respostas para um problema importante.
— É que você é o primeiro cara que quer saber sobre isso. — Mallory deu
alguns passos na minha direção, enquanto eu me sentia totalmente
encurralado. — Você é diferente de todos os caras com quem já saí, Caleb.
Era como se ser diferente fosse algo bom aos olhos de Paige.
— É, nerd, talvez.
Ela me beijou.
Paige jogou seu peso sobre o meu, fazendo com que eu encostasse nas
estantes cercadas de livro. A minha primeira reação foi me afastar, como
havia feito antes, mas na posição em que estava, isso era impossível de ser
feito. Tornando-se ainda mais impossível quando Paige não se reprimiu,
afundando seus dedos nos meus cabelos e os puxando até a minha boca
estar perto o suficiente para se afundar nos meus lábios. Unido. Conectado.
Deixando que aquele toque úmido me levasse a perder o controle e seguir
extintos de prazer, mordiscando seu lábio inferior a ponto de ouvi-la soltar
um baixo gemido.
Puta merda.
Não demorei para me recuperar daquele som, levando uma mão até sua
nuca para trazer ainda mais seus lábios para mim. Não existia explicação
científica para o que eu sentia quando a boca de Paige estava na minha. Era
uma euforia. Uma alegria. Uma agitação que queimava meu estômago até o
pescoço. Todo meu corpo parecia desligar, por mais que eu conseguisse
sentir arrepios, minhas mãos se aventurando pelo seu corpo, meu sangue
correndo mais rápido por minhas veias.
Seu comentário me fez rir, percebendo que o calor que queimava meu
pescoço agora estava totalmente no meu rosto.
— Tem muitas coisas que você pensou saber sobre mim, Paige. — Fechei
os olhos, beijando-a mais uma vez.
— Por quê?
Ela selou sua boca na minha, apertando seu peito contra o meu. Pode ser
que a minha mente tenha ido muito longe, apesar disso eu tinha quase
certeza que Paige estava com um sutiã de renda por baixo da camiseta fina
e roxo claro que estava usando. E só de pensar nisso, pude facilmente
imaginar como seria tocá-la até descobrir o que tinha por baixo daquela
blusa; se Paige tinha alguma tatuagem escondida ou até se o seu sabor era
tão gostoso quanto o dos seus lábios.
— Que coisas? — Ela deslizou sua mão pelo meu peito, dando pra
imaginar seus lábios abertos em um sorriso. — Olha para mim, Caleb. Fala
olhando nos meus olhos o que você anda pensando.
Obedeci, como um cachorrinho.
Abri meus olhos, dando de cara com aquele tom amarelo com rajadas de
verde totalmente escurecidos, transparecendo desejo ou algo parecido com
isso.
Eu nem sabia que precisava, porém aquela permissão foi o suficiente para
cravar minha boca na dela mais uma vez, trocando de posição, encostando
seu corpo contra a estante. Paige soltou outro gemido que fez meu pau
pulsar dentro da calça, sendo impossível controlar qualquer coisa depois
disso. Se minha mente pudesse produzir todos os cenários possíveis,
Mallory tinha liberado para que eu descobrisse se tudo condizia com a
minha imaginação.
Apoiei uma mão em uma prateleira ao mesmo tempo que a outra mão
descobria se estava certo. Aquele movimento trouxe verdades que nem
minha imaginação poderia projetar com tanta perfeição. A sua pele macia,
sua cintura pequena que fazia a curva perfeita para seus seios. Por fim seu
sutiã, que se assemelhava a renda e fino. Fino o suficiente para sentir seus
mamilos rígidos na ponta dos meus dedos, me convidando a brincar com
eles.
— Era isso que você tinha pensando, nerd? — Ela quase ronronou como
uma gata, até terminar em um gemido. — Você queria tocar meu peito?
— Eu queria sentir o seu gosto para saber se é tão bom quanto o dos seus
lábios.
— Você quer chupá-los? — Paige perguntou assim que deixou minha boca
para beijar meu pescoço. — Eu deixaria você sugá-los até ficarem
doloridos, até me deixar com vontade de sentar gostoso em você.
— Pa-Paige… — Fiquei sem reação, enfiando a mão nos seus cabelos para
olhar nos seus olhos. — Você… você faria isso aqui?
— Oh, nerd, eu posso te mostrar o que eu faria nessa biblioteca com você.
— Então mostra.
Aquele já era meu desejo falando por mim, pensando o que se passava na
mente de Paige naquele momento.
— Você já fez algo assim? — Ela sussurrou contra a minha boca, deixando
meu pescoço de lado para olhar para o nosso meio e deslizar sua mão pelo
meu peito até o cós da calça que estava usando. — Você já teve uma
menina pronta para chupar seu pau no meio de uma biblioteca, nerd?
— Então você vai ter a sua primeira aula comigo, nerd. — Paige apalpou
meu pau sobre a calça jeans. — Eu vou fazer você viver várias primeiras
vezes.
Paige engoliu minha boca mais uma vez antes de se abaixar na minha
frente.
— Já estamos saindo.
— Não será necessário. — Paige levantou, jogou seu cabelo para trás dos
ombros e me encarou. — A gente pode estudar outro dia, não é, Caleb?
— Porra, temos que falar sobre ela também. — James jogou sua mochila
no sofá e seguiu em direção a cozinha, totalmente habituado à minha casa.
— Você tá pegando a Mallory e não contou pra mim. — Ele abriu a
geladeira. — Que merda de amigo eu sou que não deveria saber que você
está pegando uma das meninas mais gostosas da faculdade?
Fui até a mesa, puxando uma cadeira enquanto analisava meu melhor
amigo andar pela casa como se ele também fosse filho do meu pai. Eu
queria muito que o treinador chegasse agora para ter a oportunidade de rir
de James ficando tão sem graça a ponto de sair correndo e ficar dias sem
colocar as caras na minha casa, porque sim, ele provavelmente reagiria
dessa forma.
— Mas era.
— Porra, James!
— Foi mal, parceiro. Eu vou guardar qualquer coisa porque somos tipo
irmãos.
Eu poderia dizer que James era o irmão que eu tinha, todavia seria chato
por ter o Camden como meu irmão. Mas ele era uma espécie de irmão da
mesma idade, ou mais velho. Alguém que eu sempre contei todas as coisas,
dava os piores conselhos e me ajudou quando minha mãe… bom, James foi
o irmão que eu não tive da mesma idade.
— Até porque se você contar essa porra pra alguém, eu solto aquele seu
vídeo com você fodendo com um buraco na parede.
— EU ESTAVA BÊBADO!
— Vai se foder! Sério! Não sei porque fui desabafar com você. — Ele
jogou mais uma quantidade absurda de cenoura na boca. — Agora fala, o
que aconteceu entre vocês?
A verdade era que eu tinha ligado para James em um ato totalmente
desesperado. Depois da biblioteca, Paige ainda me beijou no meio do
corredor da faculdade, embaixo de uma árvore no meio do pátio e próximo
a sua casa, dentro da minha caminhonete. Seus beijos foram amorosos, sem
todas as mãos que tinha acontecido na biblioteca. Aparentava que ela
estava gostando de estar com a boca grudada na minha. Porém uma frase
me tirou dessa fantasia.
“Estamos fingindo muito bem, nerd”, ela usou seu tom mais fofo para dizer
isso, como a merda de um lembrete que aquilo era apenas um fingimento,
por mais que parecesse algo bem real. Fiquei sem saber o que responder
quanto a isso e deixei que ela saísse do meu carro com mais um beijo – de
mentira.
Digamos que eu tenha pensado demais sobre isso e sobre a frase que ela
deixou no ar, ligando para primeira pessoa que me passou pela cabeça.
— Cara…
Ele não parecia ter treinado, estava tão limpo quanto saiu de casa para ir
para escola. Camden era a última tentativa do meu pai de ter um nome forte
no esporte dentro da nossa família. Ele desacreditava que a minha irmã
conseguiria, então começou, desde cedo, a colocar Camden nos trilhos
assim como fez comigo. A única diferença é que ele não tinha o mesmo
tempo de encher o saco como fez comigo.
Sorte de Camden.
— Vai dizer que você não sabia, Caleb? — James gargalhou. — Você vivia
vendo vídeos pornô.
— Ele estava contando que a Paige chamou ele para fazer um trabalho e
eles terminaram no corredor da biblioteca. — James sacudiu a mão, como
se fizesse uma punheta no ar. — Seu irmão me ligou desesperado, deve ter
sido a primeira bronha em anos.
E tudo o que eu queria era morrer do que ficar conversando sobre isso com
os dois.
Eles bateram as mãos em um toque no ar, rendendo-se para mais uma onda
de risadas entre eles dois.
— Não, sério! — James respirou fundo. — Por que você ficou tão
desesperado? Não vi nenhum problema em nada disso. Você não é virgem.
Não faz sentido ter medo quanto a isso.
Revirei os olhos.
— Obrigado por falar sobre isso na frente do meu irmão mais novo.
— E o garoto precisa aprender mais do que você, Caleb, se não ele vai
chegar na faculdade sem ter comido ninguém.
— Que borbol…
— Acho que você deveria aproveitar disso para ficar mais próximo dela. —
E dessa vez quem foi interrompido foi eu, por James e sua cara astuta. —
Se bem que você pode se apaixonar.
— Não! — cortei-o.
— Caleb…
— Não!
— Por que Paige Mallory jamais ficaria com um cara como eu?
— E a sua borboleta?
— Eu vou fazer isso para chegar até a borboleta. — Mais uma vez aquilo
dizia mais sobre os meus pensamentos do que sobre os dois.
Eu posso dar muitos beijos de mentira em Paige, – ainda que eles pareçam
bem verdadeiros.
Os últimos dias foram de silêncio da parte de Caleb.
Aquilo me deixou tensa por talvez ter passado do limite com ele, de
primeira. Porém, se fosse pensar no que se passou na minha cabeça naquele
momento, não dava para controlar muito a situação. Agi com minhas
vontades. Kimberly e eu tínhamos chegado em várias possibilidades do que
poderia acontecer na biblioteca. Eu estava pronta para fazer aquele nerd
olhar para a biblioteca de forma diferente, e fiz.
Entretanto, depois de tudo o que aconteceu, ele se esquivou de me
encontrar de todas as formas. Ou pelo menos era assim que eu estava vendo
as coisas. Mandei mensagem, conversei sobre minha dificuldade em dar
continuidade ao trabalho – o que era uma mentira, porque aquele tema era
meu favorito e me inspirava a pesquisar cada vez mais – e cheguei até a
falar com seu amigo, que se fugiu exatamente como um atacante se desvia
da defesa.
Ainda tinha a questão de que até o momento Caleb Turner não
deixou um único nome escapar. Cheguei até a fazer uma breve pesquisa
entre as meninas se existia alguém que ele estava de olho, com a mentira de
estar morrendo de ciúmes dele. Tudo bem que talvez estivesse sentindo
ciúmes mesmo. Por mais que confiasse em mim mesma, queria saber com
quem eu estava lidando.
— Você está meio estranha. — Miley sorriu do seu jeito fofo,
apoiando a mão no meu ombro antes de passar por mim e ir direto para a
minha cama. — O que está acontecendo?
— Caleb está… — Parei de falar no momento em que meu celular
apitou.
— Uh, será que é ele? — Miley parecia um golden retriever animado
com qualquer coisa, batendo palminhas.
Pensei que não. Caleb não iria me mandar mensagem depois de dias
em completo silêncio e se escondendo. Todavia, quando olhei para o
aparelho nas minhas mãos, não acreditei. Uma notificação com o seu nome
estava na tela do meu celular.
Assim que pensei em largar meu celular sobre a mesa e voltar a dar
atenção para Miley, meu celular apitou e vibrou.
Caleb estava lendo minha mensagem no mesmo segundo em que enviava.
Por algum motivo eu sorri para o telefone, alegre em finalmente ele querer
entrar em contato comigo. Quer dizer, não apenas isso, mas estava me
chamando pra sair. Coisa que nunca achei que Caleb faria.
Por esse motivo, Camden falou, entre muitas piadas, que eu deveria me
divertir e convidar Paige para um encontro. Achei a maior loucura do
mundo. Apesar disso, peguei meu celular e a chamei – não mencionando
que isso era um encontro – em um momento de insanidade.
Até a borboleta.
Eu nem iria jogá-lo, até meu pai resolver que não tinha ninguém melhor do
que eu para manter a posição de atacante central. O que não deixou o ex de
Paige, Ryder, muito feliz com a escolha do meu pai. Nas suas palavras, sem
a presença do meu pai, claro, porque era um covarde de merda, ele disse
que isso não era mais do que uma jogada escancarada do nepotismo barato
e a vontade do meu pai em que eu siga o seu legado.
Em partes Lancaster não estava errado, exceto por achar que eu estava feliz
em fazer parte disso. Pela primeira vez eu queria ficar sentado no banco,
vendo todo o time fazer a sua parte para chegar na vitória, sem qualquer
esforço meu. Aqueles caras não me respeitavam em nenhum momento, não
eram meus amigos e não mereciam a mesma dedicação que eu colocava em
todos os jogos.
— Tudo bem, então vou ficar sentado com a menina que você tá beijando?
Acabei rindo daquele pirralho, dando um tapa leve na parte posterior da sua
cabeça.
A única parte legal de tudo isso era que Paige tinha se animado mais do que
eu esperava com o jogo, não apenas confirmando que iria, como se
oferecendo para fazer companhia para Camden na arquibancada. Meu pai
não teria paciência e atenção para olhar o meu irmão e por mais que
Camden fosse um garoto consciente, aceitei prontamente a sua oferta,
ficando tranquilo em saber que pelo menos ele estaria ali, já que Emma
estava focada em seus treinos para o começo da sua temporada.
— Oi, nerd!
Paige estava linda como sempre. Vestida em uma calça jeans justa que
desenhavam suas pernas perfeitamente e uma blusa com as cores da
faculdade em listrado, amarrada um pouco acima do seu umbigo, que
pouco aparecia no cós da calça. Os cabelos presos em um coque alto davam
uma vantagem de conseguir ver todo o seu rosto lindo, simétrico.
Por mais que o comentário do meu irmão não fosse uma mentira, para mim,
Mallory era a mais bonita daquela faculdade.
Ela não fez a cena que normalmente fazia, jogando-se nos meus braços,
mas entendi que essa era a sua versão perto das amigas. Ao invés disso, ela
esperou que eu estivesse perto o suficiente para se aproximar e beijar a
minha bochecha, ficando com o rosto tão corado quanto o tom da saia que
sua amiga tatuada estava usando.
— Olá, meninas. — Minha voz quase não saiu, ainda me acostumando com
a sensação da bochecha formigando.
— Claro, sempre vejo ele por aí. — Alisson sorriu, esticando a mão para
mim — Espero que você quebre a perna hoje.
— Obrigado?
— Assustou o nerd. Eu sou a Miley, e não liga para ela. Alisson adora falar
isso porque significa sorte no teatro. — A menina que James estava de olho
sorriu. — Quem é essa gracinha?
Elas gargalharam tão alto que eu tinha certeza que alguém tinha nos olhado.
— Vocês são muito legais, mas acho que meu irmão está certo. — Meu
irmão sorriu, parecendo levar tudo em uma grande brincadeira, muito
diferente de Paige.
— Por que vocês não vão entrando com o Cam? Eu vou falar rapidinho
com o Caleb.
— Não foi isso que ele me contou. — Então era isso que eles conversaram
naquele dia enquanto Paige estava quase escorregando no gelo? A amiga de
Paige esticou a mão para Camden. — Vamos que você tem que contar tudo
sobre o seu irmão para gente.
Eu estava ferrado.
— E eu quero te usar para conhecer uns jogadores. — Kim jogou seu braço
por cima do meu irmão.
— Ele vai falar atrocidades sobre mim — brinquei, assim que suas amigas
sumiram entre alguns alunos.
Acabamos rindo.
— Você sabe como eu costumo desejar boa sorte para os jogadores que eu
conheço?
— Desse jeitinho.
A forma que me sentia todas as vezes que seus lábios grudavam no meu era
que aqueles lábios eram o meu lugar. Um sentimento de pertencimento,
como se sua boca grossa e com gosto de morango, fosse minha.
Poderia soar mais emocional do que eu gostaria, todavia não cabia a mim
fingir aquela alegria que me invadia; a forma como meu coração acelerava,
bombeando sangue mais rápido; como meu corpo inteiro parecia ganhar
vida própria, me desligando completamente, me perdendo dentro da boca
dela.
— Então você deseja bom jogo para todos os jogadores que você conhece
dessa forma? — Perguntei assim que o beijo cessou, reconhecendo
facilmente aquele ardor no estômago.
— Ciúmes, Turner?
Dei de ombros.
— Ai, que bom, porque eu recebo todos assim, inclusive estava pensando
em beijar todo o time antes do…
— Cala a boca, Mallory — rosnei.
— Você disse que não tem ciúmes, logo eu posso beijar os outros
jogadores.
Olhei para os seus lábios e depois para os olhos mais lindos que já vi em
alguém, abrindo o sorriso.
— Como você se sente em ter sua namoradinha aqui no jogo sendo que até
ontem ela estava chupando o meu pau? Legal ser o segundo até nisso? —
Ele se esparramou no banco ao meu lado, falando de uma forma que, com
aquele barulho, só eu escutaria.
— Ryder, por que você não vai a merda? — Virei meu rosto para o lado
oposto ao que ele estava, procurando um rosto familiar entre as pessoas que
ali estavam presentes. — Eu não estou afim de brigar antes de um jogo tão
importante.
— Não quero brigar, nerd idiota, só quero entender como você está se
sentindo namorando uma mina que todo mundo já passou o pau.
Eu sabia o que ele estava tentando fazer. Ryder, como todos, já sabiam que
aquele assunto era sensível para mim dada a todas as discussões que venho
tendo em todos os treinos. James se esforçava para me ajudar com eles,
disse até ter conversado com alguns dos caras que eram mais amigos dele,
mas não adiantou. Parecia que todos estavam dispostos a entrar na minha
cabeça por um propósito que eu desconhecia.
Fechei meus olhos, controlando a ira, sem querer que minha cabeça
imaginasse toda cena, o que foi em vão.
O pior de tudo isso, era que as pessoas à sua volta o achavam incrível.
Interessante. Uma pessoa digna de ser aplaudida.
Será que era assim que Paige o via? Será que foi por isso que ela aceitou
namorar com ele? Ele nunca falava sobre ela até saber que estávamos
juntos – mesmo que isso não fosse uma verdade.
Meu cerebro começou a produzir possíveis situações as quais Ryder
pudesse ter sido a pessoa que ele era com todos, momentos em que foi
babaca com Paige, agressivo ou um completo idiota. A ira que eu tentei
controlar ganhou um tamanho maior, de maneira que eu estivesse jogando
lenha em uma fogueira que está pronta a ficar grande demais e incendiar
tudo à sua volta.
Foi a última tentativa dele, porém aquela não surtia o mesmo efeito.
Quando eu entendi quem era o meu pai para as outras pessoas, compreendi
que sempre teria essa sombra atrás de mim.
O hockey não foi um esporte que eu escolhi, ele foi escolhido pelo meu pai.
A princípio eu tentava de todas as formas ser muito bom porque sempre
estava em busca da sua aprovação. Porém, cada ano em que ficava mais
velho, quando recebia reclamações em momentos que perdia uma
oportunidade de pontuar, ou quando dizia estar cansado e mesmo assim
tinha que permanecer treinando, aquela vontade de aprovação foi
diminuindo.
Eu fui percebendo, de forma muito dura e marcante, que o meu pai me via
com uma extensão sua. Eu não podia errar ou não gostar. Para ele eu tinha
que ser o que ele foi e ponto. Com isso, quando eu chegava em alguma
posição ou era escolhido, meus colegas de times e seus responsáveis
sempre atribuíam algum mérito meu ao fato do meu pai ser quem era.
Se eu era elogiado ou ganhasse alguma honra por um bom jogo, era por ser
um Turner.
Nunca foi por mim e sempre por ele, logo a sua tentativa de atribuir o fato
de estar no primeiro jogo de abertura da temporada não era por ser bom, e
sim porque meu pai, nosso treinador, escolheu dessa forma, não me afetava.
Eu já estava acostumado a escutar coisas semelhantes.
E não era uma mentira. O treinador Turner queria dar holofotes ao filho
dele.
— Espero que você não me decepcione hoje. — Foi a primeira coisa que
meu pai falou, olhando dentro dos meus olhos. — Convidei um conhecido
meu do Bruins para ver o jogo e te conhecer, então não seja um idiota.
— Pode deixar.
Eu estava agindo no modo automático para não deixar que aquela fogueira
fosse capaz de incendiar tudo, embora aquela pressão estivesse começando
a tapar a minha garganta.
— Obrigado.
Não demorou para estar no gelo pronto para começar a jogar. Depois de um
sorteio rápido e algumas formalidades, eu iria iniciar aquela jogada. E no
momento em que meu taco batesse no disco, tudo se transformaria em um
grande borrão para mim. Era sempre assim. Meu corpo agia de forma
involuntária, tendo olhos fixos em uma única coisa: passar aquele disco
pelo goleiro e marcar um gol.
A cada ponto marcado, uma torcida inteira vibrava ao nosso favor, trazendo
a energia que precisava para seguir até o final. Brigas eram comuns de
acontecer, principalmente quando uma rivalidade normal já acontecia entre
os times. Mas a presença de Ryder sempre pareceu piorar isso.
Aparentemente eu não era a única pessoa que ele conseguia tirar do sério.
— Será que ela está torcendo para mim ou para você? — Ele deslizou perto
de mim, acenando para onde eu sabia que Paige estava. — Aposto que a
gente conseguiria foder essa putinha ao mesmo tempo, Caleb. O que você
acha? Uma DP na nossa vadia?
Ryder fez o que faz de melhor, alimentando a chama que eu estava tentando
controlar.
— Quer que eu explique como funciona uma DP? Achei que você era a
porra de um nerd inteligente.
Fui levado para fora do gelo, perdendo o ponto de visão em que estava.
O som estridente agora parecia mais alto. Um início de ardor queimou meu
pescoço e se alojou na minha garganta, perdendo meu ar. Eu sabia que meu
pai estava gritando porque os gestos que fazia pareciam estar
completamente fora de si, mas nada parecia alto o suficiente para vencer
aquele barulho que permanecia no meu ouvido.
— CALEB! — Eu sabia de quem era aquela voz, mas não podia olhar para
trás.
Levantei daquele banco sentindo que tinha sido uma vergonha para todos,
inclusive para a pessoa que sabia que inspirava.
Levantei daquele banco sem olhar para trás ou para os lados, com a mão
pesada do meu pai segurando meu pescoço, empurrando minha cabeça para
baixo a todo percurso.
Uma coisa que aprendi com os meus vinte e um anos era a engolir tudo o
que estava guardado dentro de mim, não explodindo, não me deixando
levar pela raiva, não falando coisas que não conseguiriam ser não ditas
depois. Portanto, antes que explodisse ainda mais, passei meus olhos pelo
vestiário e por mim.
Eu estava perdido. Não sabia em qual momento tinha tirado meu patins,
onde havia deixado meu taco ou as luvas. Tudo o que fiz foi andar até o
meu armário, tirando o uniforme e o resto dos equipamentos de segurança,
tentando, de todas as formas, minar aquele fogo que me queimava por
inteiro.
— Eu achava que criar você sem a interferência dela traria um lado melhor,
algo que combinava comigo, não só em aparência. Eu esperava que o meu
primeiro filho fosse me dar tanto orgulho quanto eu dei para o meu pai, mas
sabe de uma coisa, Caleb? — Ele socou, com a mão livre, o armário atrás
de mim. — Você me lembra todos os dias porque eu deveria ter insistido
em sua mãe tirar você quando ficou grávida.
— Ela deveria ter me tirado, porque assim não teria se casado com um
merda como você — cuspi aquelas palavras sem qualquer raiva da minha
mãe.
— Lebbie!
Antes que eu pudesse olhar para Camden, uma mão pesada acertou meu
rosto com força, fazendo ele zumbido voltar ao meu ouvido. Pisquei
algumas vezes, tentando voltar ao momento em que mereci receber aquilo.
Não pude ver seu rosto ou falar para o Camden que estava tudo bem.
Minha voz ficou presa junto com um choro que estava tampando minha
garganta. Olhei dentro dos olhos do homem que todos os lugares
afirmavam ser um treinador e um pai incrível, depois olhei para o teto
amarelado do vestiário.
Um.
Dois.
Três.
Quatro.
Cinco.
Seis.
— Você tem mais alguma coisa para falar? Ou quer me bater até a sua raiva
passar? — Mesmo com a voz embargada, fiquei imóvel a sua frente.
— Eu tenho um jogo para ganhar e não posso perder mais tempo com você,
Caleb.
Só que eu não esperei que tudo fosse piorar tanto depois que fôssemos até
eles e víssemos aquela cena horrorosa. Me deu nojo. Quis gritar com o pai
dele. Porém eu não tinha direito de fazer nada disso, logo fiz o que era mais
racional que achei que poderia fazer: tirei seu irmão mais novo daquela
cena, tentando acalmá-lo antes de ir atrás da ajuda de alguém, o que acabou
não sendo necessário, já que seu pai deixou o vestiário logo depois.
— Eu não quero ir para casa sem você, Lebbie. — E mais uma vez seu
irmão mais novo falou aquela frase.
Ainda que a situação não fosse das melhores, era visível o amor que Caleb
sentia pelo irmão. A todo o momento que saiu daquele vestiário, seguiu até
o estacionamento e sentou na traseira da sua caminhonete, ele ficou
preocupado com o irmão e em como ele estava se sentindo. Em nenhum
instante falou sobre si mesmo, sobre como estava se sentindo ou em como
sua bochecha poderia estar dolorida, já que o rubor estava presente.
— Eu só vou sair daqui quando você me disser onde vai dormir. — James
cruzou os braços, ainda vestido com a blusa do time da UCLO.
— Ele vai dormir na minha casa. — Tomei a frente daquela conversa, antes
de Caleb pensar em qualquer justificativa para não ficar voltei a falar. —
Eu e as meninas moramos em uma residência aqui no campus e tem
bastante espaço. Por mais que tenha uma regra sobre levar pessoas para
casa, aposto que elas não vão se importar no Caleb dormindo lá por essa
noite.
— Eu não vou fazer você quebrar uma regra porque eu não quero voltar
para casa, Paige.
— Eu não pedi a sua opinião, nerd. — Sorri, olhando para James. — Pode
levar o Camden que eu cuido desse aqui.
— Você promete que volta amanhã? — Camden parecia até mais novo do
que realmente era.
A sua face de esperto caiu por terra com o que aconteceu, deixando claro a
criança que ainda mora ali dentro.
— Longa história.
— Depende, vai ser uma promessa para vida toda? Tipo coisa de escoteiro?
— Não.
Ele gargalhou.
— Então você me promete não insistir no assunto de hoje? Eu não quero ter
que relembrar tudo o que aconteceu.
Caleb parecia guardar tantas coisas que gostaria de ser capaz de ajudá-lo
com isso, nem que fosse como uma boa ouvinte. Todavia, entendia a sua
necessidade em não falar. Ele precisava de tempo.
— Eu acho que posso prometer isso, nerd — sorri —, mas acho que vou
precisar que você me prometa uma coisa também.
— O quê?
— Que não vai tentar ir embora hoje… — Mordi meu lábio inferior a fim
de conter o sorriso. — Que você vai dormir comigo esta noite.
Demorou alguns segundos até Turner balançar a cabeça.
— Você realmente acha que elas não vão ficar bravas com você por eu estar
aqui?
— Elas vão adorar você aqui, assim vão poder conferir todas as histórias
que seu irmão contou.
— Ele falou tanto assim? — A cara de dor que o Caleb me fez rir.
— Ele contou que você chupou chupeta até uns dez anos.
— Ele mentiu?
— Não, mas não foi até os dez. — Caleb tirou o travesseiro do rosto. — Eu
voltei a chupar dos sete aos dez anos porque me dava conforto por causa do
meu pai.
— Como assim?
— Que eu nem te ajudei tanto assim. — Ele sorriu, ainda parecendo triste.
— Você fez o trabalho todo sozinha.
— Eu achei que foi bastante e ficou com um ar bem nerd. — Pisquei com
um único olho.
— Eu precisei ser.
— Você me fala para confiar em você, porém eu sinto que você também
teria uma boa história para me contar sobre seu foco em Lúpus.
— Acho que você não vai achar uma história tão boa assim.
E foi naquele momento que forcei meu sorriso, sabendo que aquele assunto
era íntimo demais para mim. Falar sobre ela, era falar sobre minha
esperança, sobre meu orgulho e sobre onde sai minha força.
— Cala a boca.
— Simples, eu falo uma palavra e você conta uma história que tenha a ver
com a palavra.
Ele gargalhou mais uma vez, esticando-se para segurar o meu rosto.
— Não é você a única pessoa no mundo que sabe jogar esse jogo?
Permaneci ali com meu rosto entre suas mãos, tão perto que conseguia
sentir a sua respiração esquentar as minhas bochechas.
— Beijo.
— A palavra é beijo.
— Eu deveria contar uma história sobre beijo?
— Eu gostei desse jogo, Mallory — falou antes de puxar meu rosto até
nossos lábios estarem grudados.
Aquele beijo não foi distante dos outros que já havíamos dado, mas algo
estava diferente. Talvez o cuidado com que Caleb me beijava; a forma
carinhosa em que sua língua deslizou sobre a minha; o fato de saber que se
ele fosse mais carinhoso do que isso, meu coração seria capaz de quebrar
bem ali. Seja o que fosse diferente, a cada beijo eu tinha uma certeza.
— Essa é a outra palavra? — O nerd beijou meus lábios mais uma vez,
rapidinho.
— Uhum. — Foi a minha vez de segurar seu pescoço para mais um beijo
rápido.
Rimos.
Me ajeitei de modo que ficasse mais longe de Caleb. Aquele era o meu
momento para conhecê-lo.
—- A Emma não sabia falar meu nome quando era pequena. Nossa mãe
tentou alguns apelidos para ela me chamar, mas ela se recusou a usar. No
fim, ela começou a me chamar de Lebbie. — Ele riu. — Eu não sabia meu
nome até ir para escola e ter as pessoas me chamando de Caleb. Eu achava
que meu nome era Lebbie, porque minha mãe também me chamava assim.
Caleb buscou uma das minhas mãos, brincando com a ponta dos meus
dedos.
— Tudo o que sei é que meu pai não estava no seu melhor momento.
— Lúpus.
— Claro.
Aquele sorriso lindo me visitou, outra vez, mostrando que Caleb era muito
mais do que eu pensava.
— Caleb! Não, agora você vai ter que me dizer. — Me aproximei dele.
— Caleb?
Tomei a atitude de deslizar pelo estofado, usando toda a minha força para
empurrar seu tronco contra o encosto, abrindo espaço o suficiente para
passar uma coxa por cima dele e me sentar sobre suas coxas.
— O que você está fazendo? — O tom que eu sabia que estava no seu rosto
anteriormente, ficou ainda mais intenso.
O nerd correu seus olhos por mim até chegar no meio das minhas pernas,
voltando a me encarar. Ele ficou parado, encheu o pulmão com ar o
suficiente para seu tórax subir e o prendeu, bem ali dentro da sua caixa
torácica.
Ele soltou todo o ar, olhando mais uma vez para o meio das minhas pernas.
Seu olhar estava mais assustado do que o de quem parecia pensar sobre
tudo o que poderia fazer comigo naquela posição. Essa era uma das coisas
que eu mais gostava nele. Caleb Turner poderia ter o melhor beijo, aprender
a ter me respondido a altura em alguns momentos, porém ainda era um
menino em várias outras faces. Eu não fazia a menor ideia se ele era virgem
ou não, tudo o que eu sabia era que aquele cara era vencido por sua timidez
em alguns momentos, tornando-o quase inocente.
— Eu ia falar que te achei sexy falando sobre tudo o que eu não conheço.
— Ele relaxou, encostando a cabeça no encosto do sofá. Subiu seu quadril
o suficiente para saber o que estava acontecendo bem ali. — Eu fiquei me
perguntando como você poderia ser tão linda e tão inteligente. Isso é injusto
com todas as pessoas do mundo.
Deixei que todo o meu corpo realmente pesasse sobre ele, segurando-me
em seus ombros. Caleb, por mais que estivesse relaxado, não me tocava.
Não com as mãos. Eu o sentia, bem ali no meio das minhas pernas, ficando
cada vez mais pronto e mais rígido para mim.
Por mim.
Apesar disso, partes de mim queriam se abrir mais para ele. Falar sobre
todas as coisas que eu não conseguia contar para ninguém. Eu queria que
Caleb me conhecesse mais, visse que por trás de tudo aquilo eu tinha
minhas máscaras e fraquezas.
— Minha mãe foi diagnosticada com Lúpus quando eu tinha uns dez anos.
— Deixei que aquelas palavras saíssem de mim, deixando para trás um
peso que não sabia que carregava.
Caleb permaneceu em silêncio, me encarando. Suas mãos, que antes
estavam estáticas, foram até as minhas, as apoiando em seu peito, em cima
do esterno. Olhei para as nossas mãos unidas, de maneira que o calor dos
seus dedos grandes e longos parecia reconfortante. Olhei para o cara que
me encarava, vendo nos seus olhos escuros como a noite, um carinho e algo
que me dizia que ele esperaria o tempo que eu precisava para contar sobre
essa parte da minha vida.
— Está tudo bem se não quiser falar sobre isso. — Caleb abaixou o rosto
para beijar alguns dos nós dos meus dedos que estavam tão bem envolvidos
por suas mãos.
Parei mais uma vez para respirar, sendo confortada mais alguns beijos nos
meus dedos.
Não teve como não sorrir, mesmo sabendo que jamais poderia ajudar a
minha mãe.
— Talvez eu possa ajudar outras pessoas, mas a minha mãe faleceu assim
que entrei no ensino médio.
— Eu não posso reclamar porque ganhei uma outra mãe e meu pai hoje é
muito feliz com a minha madrasta. Seguimos em frente como conseguimos.
Todas as vezes que chegava naquele nível com alguém, ficava um clima
estranho, onde a pessoa gostaria de me confortar sobre algo e eu não tinha
mais nada para contar, até porque o que sobraria para contar depois da
morte? Ainda assim, sentindo que Caleb gostaria de falar algo a mais, não
ficou o mesmo clima estranho como acontecia.
Eu não sabia confortar as pessoas tão bem quanto ele, porque quando Caleb
falou isso e suspirou, tudo o que fiz foi abraçá-lo ainda mais, não sabendo o
que poderia dizer.
— Ela não deveria ser a culpada por ter um marido ruim, ou deveria? —
divagou.
Eu não sabia se cabia a mim responder a isso, mas me afastei para encará-
lo. Eu tentaria fazer o mesmo que tinha acabado de fazer por mim.
A mesma pessoa que gostaria de negar esse pedido e tentar escutá-lo, fez
exatamente o que ele pediu. O beijei como se meus lábios fossem capazes
de apagar tudo o que estava acontecendo, similar a uma borracha gigante.
Caleb reagiu segurando meu quadril com força, deixando-me quase fundida
com o seu corpo, sentindo-o em todas as partes do meu corpo.
Eu entendia ele. Já havia feito isso tantas vezes que não poderia julgá-lo
por querer deixar de pensar em uma coisa fazendo outra. Eu iria ajudá-lo,
eu deixaria me levar por aquela onda de prazer que já estava correndo pelas
minhas veias. Nós dois íamos apagar tudo o que estivesse nos pesando,
existindo mais nada além de nós naquela casa vazia.
— Você me pediu para fazer esquecer dos seus problemas, mas você vai
esquecer até seu nome depois do que eu fizer com você nesse sofá, Caleb.
Ele riu, fechando suas mãos no meu pescoço, sem qualquer aperto, quase
como uma espécie de colar feito perfeitamente para mim.
Portanto, quando deslizei minhas mãos pelo meio dos nossos corpos e
alcancei a barra da sua blusa, já tinha em mente que tudo ficaria para trás
depois daquele ponto. Todas as perguntas que eu queria fazer, todos os
planos que eu tinha em mente, tudo ficaria exatamente no lugar onde a sua
blusa caiu.
— Você é perfeita demais para mim, linda. — Seus olhos pareciam com o
de uma criança que está parada em frente a uma loja de brinquedos.
A forma com que me olhava fazia com que me sentisse a própria obra de
arte, pronta para ser colocada em um museu para ser admirada por olhos
curiosos.
— E-eu realmente…
— Umas horas tão esperto, outras tão lento. — Estalei a língua, afundando
minhas mãos nos seus cabelos. — Você pode tocar, Caleb, tudo. Da forma
que você quiser.
Mas então, sem qualquer aviso, Caleb segurou meu quadril com força e
ergueu o dele contra o meio das minhas pernas, fazendo com que nós dois
deixássemos escapar um gemido quase dolorido.
— Lembra o que eu disse? Eu quero que gema o meu nome, Paige. Quero
saber que eu sou o responsável por estar fazendo você gemer.
E o beijei.
Tomei aquela boca que não sabia, mas era mais minha do que qualquer
outra já foi anteriormente.
Caleb não demorou para estar com sua boca passeando pelo meu pescoço,
lambendo com paciência o lóbulo da minha orelha, fazendo com que
pequenos choques percorressem a minha pele como eletricidade pura.
Deixando um rastro de calor, prazer e excitação por onde passava.
Movi meu quadril mais uma vez, buscando um pouco de atrito enquanto
aquele nerd seguia um caminho inconstante com a sua boca, até chegar no
meio dos meus seios. Com os olhos, Caleb fez mais um pedido silencioso e
só os tocou quando finalmente afirmei com a cabeça, ansiosa demais para
conseguir falar quando coisa.
No momento em que seus lábios tocaram meu mamilo por cima do tecido,
gemi. Aqueles olhos atentos voltaram a me encarar, abrindo um sorriso
safado ao qual nunca vi Caleb dar antes. Ele mordiscou meu bico pelo
tecido, arrancando mais um gemido meu. E quando fez o mesmo
movimento, só que com um grau mais forte de força, estremeci.
— Geme para mim, linda. Eu quero ouvir esse som gostoso que sai da sua
boca.
— Se você quer que eu gema, chupe-os com vontade, nerd. Não se ganha
algo sem lutar e você vai precisar fazer mais se quiser me ouvir gemer seu
nome.
Obedientemente, Caleb segurou meus seios – agora livre de qualquer tecido
– em suas mãos, deixando os bicos prontos para receber sua boca. Ele
desenhou a auréola com a ponta da língua, mas eu me recusei a gemer,
encarando-o de cima. O safado riu, fez o mesmo com o outro peito e
quando viu que eu não daria por vencida tão rápido, ele praticamente o
engoliu, colocando todo o meu peito em sua boca, serpenteando sua língua
sobre o bico intumescido.
— Nome errado, linda. — Ele arranhou com o dente meu mamilo e jurei ter
visto estrelas naquele teto, segurando sua cabeça no lugar.
— Po-po…
E antes que eu conseguisse dizer o que queria, ele pareceu ler minha mente,
mordiscando meu peito na medida certa para que sentisse prazer e não dor,
contraindo meu íntimo o necessário para mais um gemido escapar da minha
boca.
— Ca…
— AI MEU DEUS!
— Volto já!
Por mais que eu quisesse saber onde aquilo iria terminar, fomos
atrapalhados pelo aluno que iria fazer a monitoria com Caleb. Ele fechou a
porta assim que percebeu o que estava acontecendo e ficou do lado de fora
até eu sair para o desfile da vergonha.
Turner queria conversar com o cara, pedir para não contar para
ninguém, porém eu mesma garanti que não iria adiantar de nada, as fofocas
acabavam acontecendo de uma forma ou de outra. Sinceramente? Não me
importava. Eu saí daquela sala com minhas pernas bambas e pensando que
pelo bem ou pelo mal, pelo menos aquela fama seria verdadeira para nós
dois.
— Calma, ele te chupou no laboratório? — Miley só faltou voar da
cadeira. — Eu preciso pegar meu bloco de notas para anotar isso.
— MILEY!
— O nerd nem parecia que chupava alguém — Alisson pontuou,
batendo o lápis na boca.
— Cadê a Kim quando precisamos de uma pérola da parte dela? —
Miley voltou com um caderno pequeno em mãos, voltando a se sentar na
cadeira da mesa da cozinha. — Odeio o quanto um comentário dela seria
fundamental.
— Ela foi encontrar o irmão dela — Alisson comentou.
Estreitei meus olhos.
— Irmão?
Kimberly Lake tinha uma história de vida peculiar, mas nada que
fosse terminar em um irmão novo como personagem dessa história. A
conhecia a anos para saber que Kimberly tinha de tudo, uma madrasta
horrível, um pai estranho, uns primos questionáveis, mas irmão era uma
novidade.
— Ela tipo descobriu hoje que ela tem um irmão?
Miley enrolou o dedo no cabelo, parecendo mais agitada de repente.
— Que cara é essa, Mi?
— Cara? Que cara? Não estou com cara nenhuma! — Abriu seu
bloco de notas. — Quero saber do seu oral no laboratório.
— E eu quero saber em qual momento a Kimberly arranjou um
irmão.
— Ela não deu muitos detalhes, mas disse que o irmão que morava
fora voltou para dar aula e ela não tinha tido tempo de ver ele ainda. —
Alisson tinha aquele ar de nada abalava ela, se não fosse futebol. — Eu
achei a história estranha, mas pensei que você o conhecesse.
— Eu? Não! Estou surpresa.
— Gente, vamos voltar ao laboratório. — Miley estava visivelmente
estranha. — Eu quero anotar todas as partes legais para colocar em um
livro.
— Eu vou sair, porque eu vou até Foster com as meninas do time. —
Alisson fechou seu caderno.
— As meninas não estão fazendo noite de cinema hoje? — Miley
encarou Alisson que, como sempre, fingiu que nada aconteceu.
— É, o que vocês fariam em Foster para fazer uma noite de cinema?
O risinho que soltou, negando com a cabeça, mostrou que aquilo não
era uma total verdade.
— Alisson, para onde você vai? — questionei-a.
— Foster.
— Com quem? — Miley se interessou mais por aquele assunto do
que o irmão de Kimberly.
— Uma hora vocês vão saber. — Piscou com um único olho. — E
parabéns por esse lance com a professora, essa semana você está arrasando.
— Acho que estou em uma boa maré.
Alisson saiu da cozinha com seu caderno na mão, deixando eu e
Miley para trás. A romancista quis saber de cada detalhe sórdido ou não
sobre aquele encontro com Caleb. Como começou, o que foi a fagulha para
fazer com que ele fizesse aquilo e uma série de perguntas que ao final de
todas as respostas, anotava em seu caderno pequeno.
Contar para ela me fez pensar em quem seria aquela menina que ele
gostou.
Todos nós já tivemos algum tipo de paixão, mas por algum motivo,
eu sentia que a qualquer momento poderia ser trocada por ela. Não sei, ele
foi capaz de olhar para ela e se apaixonar à primeira vista, contar para a
irmã e imaginar situações até se envolver comigo. Quiçá ele tivesse
começado aquela proposta pensando em conquistar a tal borboleta e eu
tivesse sido apenas um passatempo.
Teria como eu ser um passatempo?
— Você está fazendo aquelas caras estranhas — Miley sussurrou
como se estivesse contando um segredo. — Aconteceu mais alguma coisa?
Talvez se eu conversasse com alguém que acredita no poder do amor
como Miley, aquele sentimento iria embora. Porque no fundo eu sabia que o
que fosse que Caleb sentiu por essa borboleta, ele tinha garantido que eu era
a pessoa que estava com ele naquele momento.
Mas homens mentem.
Caleb é homem.
E eu não podia confiar 100% nele.
— Caleb me contou sobre uma garota.
Os olhos atentos e grandes de Miley me leram como se eu fosse a
porra de um livro.
— Então você está insegura, mesmo ele tendo chupado a sua boceta a
luz do dia, tendo a possibilidade de perder a monitoria, ou sei lá mais o que
vocês poderiam perder quando são pegos fazendo isso dentro de uma
instituição privada.
Fiz uma careta.
— Quando você fala assim, acabo me sentindo idiota — resmunguei.
— Mas você é.
— MILEY!
Ela gargalhou.
— Olha, vou dar a minha opinião sobre o assunto. — Ela fechou seu
caderno, apoiando a caneta em cima. — Acho que ele parece gostar mesmo
de você. Ele aturou nós três enchendo o saco dele e ficou calado, ainda
pediu desculpas. Que cara faria isso só para comer uma garota?
— Você tem um ponto.
— Eu sei que tenho. — Ela riu, jogando seus cabelos loiros para trás
dos ombros como se fosse a rainha da razão. — E sim, pode ser que
gostasse dessa garota, mas agora não se interessa mais. Nunca ouvimos
falar nada dele pelo campus. Se ele quisesse essa outra menina, a essa altura
já poderia estar pegando ela.
— E se estiver?
Deixei meu pensamento intrusivo sair, fazendo Miley resmungar
como uma senhora rabugenta.
— Você acha mesmo que se estivesse pegando alguém, você não
saberia?
— Você tem outro ponto.
— Eu sei.
Tudo bem, ela poderia ser um pouco a rainha da razão.
Miley esticou as suas mãos pela mesa redonda da cozinha,
deixando as palmas viradas para cima como um convite para segurar suas
mãos. Fiz o mesmo que ela, deixando que minha palma repousasse em cima
da sua mão.
— Eu sei que essa coisa toda saiu do controle para você, mas acho
que você pode só se deixar levar pelo o que está sentindo. O máximo que
pode acontecer é você sofrer no final de tudo isso, e se isso acontecer,
estaremos aqui com você.
Sorri, me sentindo acolhida.
— Se der errado, você vai assistir um filme de comédia romântica
comigo?
— GAROTA! — Ela saltou da cadeira. — A gente deveria ver um
agora para lembrar como o amor é lindo e perfeito, mesmo quando o cara é
mais velho e irmão da sua melhor amiga.
Miley arregalou os olhos e gargalhou, em seguida, muito estranha.
Estranha demais.
— O quê?
— Por que você não vai na conveniência comprar umas merdas para
gente comer e eu arrumo o filme para a gente ver?
Estreitei meus olhos.
— Miley?!
— Amiga, vai! Justin Timberlake espera por nós.
— Amizade colorida? Amo! Vou lá.
Eu teria chance de insistir naquela história conforme assistimos o
filme.
Eu poderia fazer toda uma cena, perguntar onde ela estava ou o que
estava fazendo. Sondar. Só que minha cegueira só queria saber a verdade
para que aquele aperto saísse do meu peito.
Minha.
Segui a localização que Paige enviou como se ela fosse me dar a rota
da felicidade. Durante o trajeto, minha mente pensou em várias formas de
fazer perguntas não só sobre aquele encontro com Ryder, mas seu
relacionamento e como aquilo acabou.
Eu queria saber todos os detalhes para entender se estava
acontecendo o mesmo com a gente, se aquele acordo iria render em algo ou
eu que estava ficando louco e apaixonado sozinho. Eu tinha dúvidas, porque
ao mesmo tempo que sentia que estávamos indo pela mesma página, em
outros momentos ficava completamente inseguro quanto a isso.
Paige Mallory ainda era areia demais para o meu caminhãozinho.
Estacionei o carro na frente de onde marcava sua localização e entrei
em algo que parecia uma espécie de academia de dança. Nunca tinha visto
aquilo antes na cidade, em todos os anos que moro aqui. O lugar era bem
bonito, com uma vitrine com o nome do espaço e alguns itens em rosa claro
e branco.
Meu coração idiota se manifestou no exato momento em que passei
pela porta de vidro e avistei de longe, atrás da recepção, Paige dançando.
Eu deveria ter me apresentado, deveria ter falado com algum
responsável do local, porém só segui por aquele caminho até estar perto o
suficiente do vidro que dividia a sala de dança da recepção clara e
sofisticada do lugar.
Meus olhos foram magnetizados até ela, até os seus movimentos.
De onde estava, a música não dava para ser ouvida, embora desse
para imaginar que estivesse dançando ao som de algo clássico, já que seus
movimentos eram mais sutis do que da última vez que a vi dançando. Não
existiam os saltos exagerados, os movimentos livres e mais emocionais, ali
ela parecia focada no que deveria ser feito.
Paige Mallory estava vestida, diferente das outras meninas, com uma
espécie de macacão preto que cobria todo o seu corpo, dando vida a cada
dobra e músculo. Seus movimentos eram cravados, esteticamente perfeitos
e combinados. Ainda existia a mesma leveza, a pureza, a cinesia perfeita
das suas mãos e pernas. Como se aquela borboleta, desta vez, estivesse
apenas se exibindo para os outros animais, seduzindo de forma sútil.
Clássica. Batendo suas asas da forma perfeita, exibindo todas as suas cores
e movimentos a cada bater de asas.
Eu não sabia que precisava ver aquilo até meus olhos estarem
cravados no vidro, sem me importar em ser chamado atenção por isso.
Mallory fez uma sequência de movimentos que deveriam ter um
nome difícil, girou e voltou para uma barra na lateral, puxando o ar pela
boca.
Nossos olhos se encontraram no momento em que ela virou para
disfarçar uma respirada mais funda que fez, similar a alguém que está
exausto. Ela abriu um grande sorriso e acenou rapidamente, voltando a sua
posição na barra.
Foi naquele momento que percebi que nada do que eu pensei antes,
no carro, poderia ser lembrado, muito menos as perguntas que custei para
formular de uma forma que não ficasse parecendo que eu estava sendo
tóxico ou passando dos limites. Pois o meu coração estava sendo
embriagado por aquela sensação mais uma vez – a alegria, o entusiasmo, a
euforia de estar a vendo fazer exatamente a mesma coisa que a vi fazer pela
primeira vez.
Minha borboleta estava viva.
Paige Mallory seria a borboleta mais bonita de qualquer ecossistema.
Ela era a mais bonita do meu ecossistema.
Minha borboleta.
— Da próxima vez fala para ele não invadir a sala, Paige. — A Sra.
Wilson sorriu simpática, dando três tapinhas no meu rosto.
— Ele foi super sem educação, não é? — Encarei Caleb, que estava
mais tenso que o normal, com o rosto tomado pelo tom vermelho já
conhecido por mim.
— Eu estava perdido, senhora. — Ele sorriu. — Desculpa, mais uma
vez.
— Você estava babando, querido. — A senhora de meia idade sorriu
mais uma vez, me empurrando em direção a porta. — Agora vão, porque
preciso acompanhar a aula da Hilary.
— Até a próxima aula que eu conseguir vir, Sra. Wilson.
Ela acenou com a mão, falando mais algumas gracinhas para Caleb,
que permaneceu com aquele sorriso tímido grudado na sua boca. Ao abrir a
porta, a senhora apertou meu ombro e deixou que saíssemos sem mais um
pequeno sermão que ela acabou dando em Caleb por ter entrado e ido
diretamente para o espelho que dividia os ambientes do seu pequeno estúdio
de dança.
Aquele era meu esconderijo preferido. Não era sempre que eu
conseguia acompanhar uma aula, mas quando as coisas ficavam fora do
eixo, era para lá que eu corria para respirar e lembrar como era dançar. Não
com o mesmo compromisso que eu tinha antes, com a mesma cobrança para
a perfeição. Era apenas uma aula, movimentos que eu conhecia bem e todos
os hormônios correndo por minha corrente sanguínea até ficar feliz e
satisfeita.
— Eu achei que você ia ficar me acusando pelo telefone e não teria
coragem de vir aqui para me enfrentar, nerd — brinquei, vendo-o parar de
andar.
— Eu não queria que você se sentisse sendo acusada, mas é que… —
Caleb coçou a cabeça. — É que eu… eu precisava vir aqui e conversar com
você sobre… — Ele puxou o ar, colocou as duas mãos no bolso da jaqueta
que estava usando. — Olha…
E eu deixei que ele fosse se perdendo em todas as linhas de
raciocínio que queria começar a falar. Caleb Turner tinha aquela coisa de
ficar nervoso e falar mais do que deveria, se enrolando em seus
pensamentos e no que saia pela sua boca. Devo admitir que eu amava vê-lo
meio nervoso, coçando os cabelos escuros, mordendo a boca enquanto para
alguns segundos para pensar. Ou a coisa fofa que ele faz com o nariz toda
vez que pensa um pouco demais.
— Ryder disse que vocês ficaram conversando horas, Paige.
E só me apeguei aquela frase, abrindo um sorrisinho.
— Então você estava com ciúmes? Era isso?
Que ele sinta a mesma coisa que eu senti sabendo da borboleta,
mesmo que eu não tenha nada com o Ryder e aparentemente ele queria ter
com essa tal borboleta misteriosa.
— Ele disse que passou horas conversando com você — Turner
repetiu, como se fosse óbvio o motivo de ter me perguntado.
— O que você acha de sentarmos naquela praça para conversar? —
Ignorei-o.
Eu ia deixar com que ele sofresse só mais um pouquinho.
Aquele tipo de ciúmes me deixava mais feliz do que eu gostaria de
admitir.
Caleb suspirou.
— Paige, só seja sincera comigo porque…
— Por quê? — Arqueei uma sobrancelha.
Ele fez a coisa fofa com o nariz e coçou o cabelo novamente.
— Olha, eu fiquei louco quando ele falou sobre isso. É isso que você
quer me ouvir falar? — Ele abaixou os olhos, chutando o chão, ou o ar. Ou
os dois. — Eu estava conversando com James e ele apareceu dizendo que
tinha passado horas com você. Você não me contou que passava tempo com
ele, não que o que temos seja exclusivo. Quer dizer, eu nem posso te cobrar
de nada porque namoramos para as pessoas do campus, mas nunca
aconteceu de…
— Cala a boca, nerd.
Gargalhei, me aproximando dele.
— Desde quando você é ciumento? — Segurei seu rosto para me
encarar.
— Mallory, você me deixa maluco — choramingou, desviando os
olhos para algo na nossa lateral. — Pior que eu nem podia arrebentar a cara
dele, porque não sabia se era mais de suas mentiras ou se você realmente
tinha saído com ele.
Gargalhei.
— E se tivesse saído?
— Iria querer bater nele mesmo assim, só pela ousadia de sair com a
minha garota.
Minha garota? Graças a Deus que a única pessoa que seria capaz de
me olhar naquele momento era ele, pois eu sabia que estava sorrindo como
uma idiota apaixonada.
Caleb nunca tinha chamado daquela forma.
Não com tanta convicção como tinha acabado de fazer.
— Sua garota? — Estava sorrindo tanto que minhas bochechas
estavam começando a doer.
— Sim, minha garota. — Ele me encarou determinado, abrindo um
sorrisinho lateral.
— Só por eu ser a sua garota você bateria nele? — Eu que bateria
nele por ser tão fofo. — Não se fazem nerds como antigamente.
— Sou nerd e não um corno manso, como ele disse que sou.
Aquilo me fez rir ainda mais, deslizando minhas mãos do seu rosto
para o pescoço.
— Então, só para você saber, não saí com ele, mas se soubesse que
ficaria todo esquentadinho assim, poderia ter saído para te fazer ciúmes. —
Abri um grande sorriso, adorando vê-lo reagir daquela forma.
— Paige… — Seu tom foi de repreensão.
Mas antes que ele começasse a falar mais alguma coisa, me senti na
obrigação de beijar aquela coisa grande e completamente nerd, calando-o.
Não demorou mais do que segundos para Caleb estar me beijando de volta,
envolvendo minha cintura como se ele fosse meu dono e engolindo minha
boca com toda a raiva e ciúme empregado nos meus lábios.
Aquele tipo de show, eu não costumava fazer no meio da rua, mas
como poderia controlar aquela vontade de beijar o homem gigantesco que
parecia um cachorrinho fofo e raivoso ao mesmo tempo? Ninguém poderia
me julgar se visse como ele ficou lindo com ciúmes, cheio de atitude,
pronto para bater no seu colega de time só porque disse que saiu comigo.
Espero que ninguém me julgue por ser uma boba apaixonada.
Em sigilo, mas apaixonada.
— Ele só me encontrou na conveniência e resolveu pedir desculpas e
pagar pelas minhas compras — falei contra a sua boca. — Eu não teria a
vontade nem a capacidade de passar horas conversando com o Ryder.
— Você não sente saudade dele? — Caleb selou sua boca na minha,
afastando-se para me encarar em seguida. — Porque você nunca me falou
sobre esse namoro com ele, ou como se sente quanto a isso.
— Você também nunca me falou sobre várias coisas sobre você. —
Aquela resposta saiu mais rápido do que eu esperava.
Não que eu quisesse jogar na cara dele sobre isso, apesar de achar
que o fato de ter aberto minha casa e apresentado tudo o de mais íntimo que
tenho, contaria mais do que falar sobre Ryder e um namoro sem noção que
resolvi ter assim que entrei para a faculdade. Ele sabia mais do que eu.
Deixei que ele entrasse no que realmente importava, mas na sua vida eu não
entrei em nenhum aspecto. Todas as coisas soube ou fiquei sabendo foi
porque presenciei, ou soube por especulações das pessoas.
No fundo, Caleb sempre falou menos do que eu sobre seus traumas,
cicatrizes ou histórias, me dando até a sensação de que para ele aquilo era a
distância necessária. Não sentia que ele confiava em mim o suficiente para
contar sobre ele. O que era frustrante para mim, porque gostaria de ver seu
lado mais profundo e entender como alguém como ele era tão sozinho.
Então como ele poderia me cobrar por não falar sobre Ryder, se nem
ao menos ele me falou quem era a borboleta? Não fazia o menor sentido.
— Você está certa. — Aquela sua resposta me surpreendeu. — Eu te
devo algumas explicações e uma conversa tão sincera quanto a que você
teve comigo sobre a sua mãe e a sua vida.
Por essa eu não esperava.
Uma das mãos que estava na minha cintura foi até minha bochecha,
alisando minha pele com o polegar.
— E se a gente tomar um sorvete para conversar sobre essas coisas
pendentes?
Balancei a cabeça confirmando, ainda surpresa pela sua iniciativa.
Caleb Turner não apenas me chamou, como segurou a minha mão, beijou as
falanges dela e apontou para a direção que deveríamos ir. De alguma forma
ele sempre conseguia ser surpreendente em algum aspecto, seja em uma
fala ou atitude. Seja me tratando como uma princesa ou me chupando em
um laboratório.
Duas faces de um mesmo cara.
— Você quer tomar algo em específico? — Ele parou em frente a
uma mesa do lado de fora da sorveteria. — Você pode escolher alguma das
mesas enquanto eu peço algo para gente.
Dei de ombros.
— Me surpreenda, nerd. — Me estiquei para selar meus lábios aos
seus, vendo suas bochechas ganharem o tom avermelhado.
Fiquei ali sorrindo, vendo aquele homem enorme sair da minha frente
e passar pela porta colorida da sorveteria parecendo tão tímido quanto
minutos antes quando a dona do estúdio reclamou com ele. Como um
selinho parecia deixar ele mais tímido do que um beijo? Era uma das
perguntas que nunca teria uma resposta, possivelmente.
Gargalhei sozinha, negando com a cabeça.
Eu acho que nunca entenderia como as coisas funcionam na cabeça
de Caleb. Em alguns momentos ele era o nerd clássico, tímido e comedido.
O mesmo cara que ficava com vergonha de um selinho ou de um assunto
mais sexual. E em outro momento ele era o cara que chupava em um
laboratório ou queria bater na cara do meu ex por ser sua garota.
Quem era esse homem, afinal?
Escolhi a mesa mais afastada, não porque o local tinha muitas
pessoas, muito pelo contrário. Resolvi ficar mais afastada para aproveitar o
sol que estava começando a se perder no final da rua em que estávamos,
começando a pintar o céu em um tom de rosa claro com laranja. Tom esse
que sempre tive a convicção que nem o pintor mais famoso conseguia
chegar. Era único. Admirável.
A visão estava muito bonita.
Puxei uma cadeira amarela claro, que combinava perfeitamente com
um guarda-sol gigantesco em tons pastéis, e esperei ser surpreendida por
ele.
— Eu resolvi trazer essa tigela com alguns sabores diferentes — ele
anunciou assim que arregalei os olhos para a coisa enorme que estava na
sua mão. — Acho que te surpreendi.
Rimos.
— Porra! Você realmente me surpreendeu, nerd. — Esperei ele
colocar a tigela na mesa, me assustando com a quantidade de cores
estranhas que tinham naquele recipiente de vidro. — O que tem aqui?
— Eu gosto de umas coisas doces, mas tenho a impressão de que vi
você falando sobre azedo com a Kim no dia que fiquei na sua casa. —
Aquelas bochechas estavam vermelhas e eu queria lamber a cara dele
inteira por isso. — Aí eu pensei em colocar um pouco de tudo o que tinha
de doce e azedo, a gente mistura e vê no que dá.
— Por isso que você é um nerd. — Gargalhei com o meu próprio
pensamento.
Na minha cabeça fazia sentido Caleb ter notas tão boas, ser incrível
em tudo o que se colocava para fazer e ainda ter tempo para outras
atividades – ele tinha uma atenção digna de um prêmio ou de um estudo
científico. Nem eu conseguia me lembrar sobre o que estava falando com a
Kimberly para falar sobre coisas azedas, porém, ele conseguiu não apenas
prestar atenção, como se lembrar disso semanas depois.
— Minha ideia foi muito boa? — Ele se sentou ao meu lado,
puxando aquela tigela enorme para perto de nós dois.
— Não é isso, bobo. — Me estiquei para segurar aquelas bochechas
rosadas, sorrindo. — Você só consegue ser um nerd tão incrível e um
prodígio porque você tem essa atenção estranha e uma memória invejável.
— Ah! — Ele riu. — No mínimo esperei uma explicação muito mais
elaborada sobre o meu conhecimento demasiado.
Rimos.
— Nossa, usou todo o seu conhecimento para falar como um senhor
de noventa anos?
— Com toda a certeza. — Ele piscou, os olhos parecendo duas linhas
finas de tanto que estava rindo com a própria brincadeira meio nerd. —
Agora vamos comer isso porque pode derreter muito rápido.
E ali começamos uma degustação de sorvetes e seus sabores
diferentes. Desde clássicos como chocolate e morango, até coisas mais
exóticas como kiwi ao leite e algo chamado como pôr-do-sol, que era auto
explicativo, pois suas cores eram parecidas com a do céu que tinha sentado
para admirar, mesmo tendo gosto apenas de coisas cítricas que não davam
para identificar o que eram, de fato.
— Eu acho que eu tentei não conversar sobre aquele dia do jogo
porque saberia que terminaria comigo falando sobre o meu pai e essa
relação estranha que temos. — Ele começou depois de dar a última
colherada no resto do sorvete.
— Mas…
— Eu sei que eu poderia falar com você sobre aquilo, Paige. — Ele
me interrompeu. — Mas tudo o que eu realmente queria era esquecer o que
tinha acontecido e ficar com você. Entrar no seu mundo diferente, rir de
qualquer coisa e ficar em paz. Nem que fosse uma paz temporária, como
realmente foi.
Estava difícil de respirar, só não sabia se era pela barriga
extremamente cheia ou pela forma como os olhos de Caleb foram se
tornando diferentes, em um tom de preto brilhante. Ficava claro que aquele
assunto o machucava e que o que estivesse por vir, seria aquele tipo de
conversa difícil que você não quer ter com quase ninguém.
Automaticamente me senti culpada, esticando minha mão até tocar
sua coxa, chamando a sua atenção.
— Eu acho que se você não quiser falar sobre isso ou se for muito
doloroso…
— Não! — Me interrompeu mais uma vez, apoiando sua mão sobre a
minha. — Eu quero conversar com você sobre isso. Eu quero compartilhar
coisas com você, exatamente como fez quando compartilhou sobre a sua
mãe. — Seus olhos grudaram nos meus. — Eu queria ter a mesma coragem
que você teve para lidar com tudo o que aconteceu na sua vida. Você não
faz ideia de como a sua coragem, sua esperteza, a forma como você enxerga
as coisas, fez com que eu me sentisse contagiado a fazer o mesmo.
Agora eu tinha certeza que a falta de ar era por ele. Pelo o que disse.
Pela forma como seus olhos pareciam ler minha alma e os meus
pensamentos. Profundos. Sinceros. Magnéticos.
— Eu nem sei o que te responder quanto a isso, porque não me sinto
tão corajosa assim. — Fui sincera, entrelaçando meus dedos aos dele. — Eu
só estava aceitando as coisas que eram colocadas no meu caminho e vendo
a melhor forma de viver com aquele peso. Eu só queria ser forte e não
deixar que as pessoas à minha volta percebessem que aquilo estava me
pesando o suficiente para me derrubar.
— Eu acho isso inspirador, mesmo que você não veja como coragem.
— Ele sorriu, olhou para o céu, que a essa altura já estava tomado pelo tom
laranja, e puxou o ar pela boca. — O que aconteceu no jogo já aconteceu
outras vezes.
Não tive o que responder.
Se eu fosse abrir a minha boca para falar sobre o pai dele, coisas boas
não seriam ditas. Eu não precisava ser uma super nerd para entender que o
pai dele era o tipo de treinador assustador que poucas pessoas querem ou
gostam de ter no comando. Ele não tem respeito, ele tem o medo dos seus
jogadores. Portanto, se ele era assim nos campos, não era muito difícil de
imaginar como era dentro de casa.
— Eu entrei no hockey quando era muito pequeno para entender o
que aquilo realmente era. Nós íamos para os jogos dele, torcíamos e parecia
muito legal fazer aquilo. — Ele sorriu meio perdido, se acomodando melhor
na cadeira. — De certa forma, eu nunca vi o hockey como algo ruim, não
naquela época. Não até o acidente do meu pai.
Apertei ainda mais a sua mão, para mostrar que estava ali e estava
ouvindo.
Caleb finalmente estava me deixando entrar, mas ali, naquele
momento, não sabia se estava pronta para todas as coisas que poderiam vir
dessa história.
— Eu um resumo ele saiu de moto depois de uma festa e sofreu um
acidente que o deixou sem jogar indefinidamente. — Caleb me encarou
rapidamente. — Isso meio que mudou ele, sabe?
Afirmei com a cabeça.
— Só que eu tentei manter ele feliz, continuei jogando e quando
menos percebi, acabei virando o projeto da vida dele. — Rapidamente ele
voltou a olhar para frente, mudando o tom de voz para algo mais baixo e
mais rouco. — Eu fui cobrado de todas as formas possíveis, entrei para
times e fui migrando de escolas conforme ganhava bolsas. Quando eu
jogava muito, eu era o melhor filho do mundo. Mas quando meu time
perdia, ele era o mesmo cara que foi no vestiário. — Sua voz embargou. —
Só que depois que eu conheci você, as coisas mudaram para mim. Dentro
de mim. E ele soube, me aconselhou com algumas vezes, mas quando perdi
a cabeça, ele basicamente me fez a proposta mais absurda do mundo.
Eu não sabia o que eu poderia esperar do pai de Caleb, mas quando
saiu dos seus lábios que o seu pai havia deixado nas suas mãos a carga de
manter seu irmão com um teto sobre a cabeça, senti raiva.
— Ele não pode fazer isso. — Soquei a mesa. — Ele tem a obrigação
de…
— Ele não liga para nada, Paige. — Caleb segurou a mão que soquei
a mesa, beijando meus dedos. — Meu pai sabia que eu não iria deixar o
Camden sem qualquer amparo e que eu não ficaria sem a faculdade porque
isso é o meu futuro. Então ele jogou essa responsabilidade nas minhas
costas e me deixou na posição de escolher o que gostaria de fazer.
— Mas isso é injusto — rebati.
— Talvez ele nem saiba o que é justiça. — Vi seu peito se encher de
ar mais uma vez, como se Caleb quisesse engolir o que queria dizer. — Eu
acho que ele não sabe amar a gente.
Eu não sabia o que fazer ou falar, portanto fiz o mais óbvio e me
estiquei para abraçá-lo, tentando tomar aquele corpo grande em meus
braços. Caso conseguisse, gostaria de trocar de lugar com ele e
proporcionar a Caleb um dia em uma família feliz. Talvez uma família
mostrasse para ele que o amor existe, que uma boa relação familiar pode
acontecer mesmo com todas as diferenças entre as pessoas. Eu não sei.
Tudo o que sei é que Caleb não deveria passar por isso.
Ninguém deveria.
— E se ele ama, não sabe demonstrar isso muito bem. A única coisa
que ele consegue fazer é colocar em nós um peso que não deveria existir.
Eu não teria de ser obrigado a seguir os seus caminhos, mas é o que vou
fazer.
— E a sua mãe? — Minha voz saiu por um fio.
Eu queria fazer o que Caleb disse que faria com Ryder. Voar na cara
do pai dele e mostrar a sorte que ele tinha em ter filhos tão incríveis como
eles.
— E a Emma? O seu irmão? Como isso ficou? — Insisti quando não
houve qualquer resposta.
— Minha mãe desistiu do casamento e de morar com a gente quando
percebeu que o marido com quem casou não voltaria mais. Ela era bióloga e
pesquisadora, acabou entrando em um projeto e hoje em dia cuida da vida
marinha. — Caleb se encolheu nos meus braços, com a voz completamente
embargada. — Ou pelo menos é isso o que sabemos sobre ela.
— Como?
O nerd que se apresentou para mim naquele momento parecia um
garotinho. Os olhos do nerd estavam tomados de lágrimas, seu rosto inteiro
estava vermelho, assim como seu pescoço e orelhas. Ele estava se
esforçando pra não chorar, embora eu soubesse que a qualquer momento
aquilo ia acabar acontecendo.
— Ele não tem contato com ela.
— Mas ela poderia falar com vocês — sussurrei.
Uma lágrima pesada caiu dos seus olhos, sendo acompanhada por
tantas outras.
— Acho que ela também não ama, ou não sabe demonstrar.
Fui quebrada em mil pedaços quando as últimas palavras saíram da
sua boca.
Não tinha como alguém tão carinhoso como ele não se sentir amado
pelas pessoas que o deram a vida. Não é como se eu fosse inocente o
suficiente para acreditar que todos os pais são perfeitos e incríveis, mas eu
só não queria que Caleb tivesse passado por isso.
Tudo o que eu queria naquele momento era colocá-lo em um pequeno
pote e guardá-lo de tudo de ruim que poderia acontecer dali em diante. Só
gostaria de ter o poder de estancar essa dor que ele claramente sentia não só
pelo pai, mas como por sua mãe.
Não só ele, como os seus irmãos também, acabaram sendo vítimas de
uma fatalidade que não aconteceu por culpa deles. Era óbvio que Caleb
tinha se colocado em uma posição de cuidar de tudo, o que deixava claro
todo o carinho e zelo que tem pelo próprio irmão.
Por trás de toda a sua timidez, lentes de contato e tentativas de se
esconder, tem um menino que aprendeu a ser homem muito mais cedo que a
maioria.
Mesmo não sendo a sua obrigação, tomou para si esse papel de pai
desde que sua mãe foi embora; o papel de segurar as pontas quando não
deveria; o papel de melhor aluno e jogador para fazer um pai babaca feliz.
Responsabilidade em cima de responsabilidade, sem conseguir medir
os impactos que isso realmente tem e terá na vida dele.
Caleb Turner era mais forte do que ele mesmo imaginava.
— Você disse que eu sou corajosa, mas quem é extremamente
corajoso é você, Caleb — sussurrei, puxando-o para mais um abraço.
Não foi fácil me abrir para Paige, porém eu precisava fazer aquilo.
No dia em que ela me contou sobre ela e suas vivências, me senti em
débito de fazer o mesmo. Eu precisava mostrar que estava aberto aquele
tipo de troca, por mais que a minha história não fosse tão inspiradora
quanto a dela. Apesar disso, Paige Mallory não me surpreendeu quando foi
empática com a situação, me acolhendo enquanto eu abria sobre coisas que
nunca tinha contado abertamente para alguém.
O que me deixou surpreso foi o momento em que ela mencionou
sobre a minha coragem. Ela deixou com que partes minhas que eu nem
sabia que existiam, fossem abraçadas. Era estranha essa sensação de não
sentir apenas seu corpo sendo acalentado, mas como você por completo.
O que pareceu foi que abri portas da minha vida para ela, Paige olhou
para dentro daquele local e sorriu, me achando incrível. Ela não se importou
com a bagunça, as caixas pesadas ou com o fato de eu ser incapaz de
arrumar aquele cômodo. Ela só entrou, se sentou e contemplou, me achando
corajoso.
Enviei sem pensar muito, ficando ansioso cada vez que aparecia que
ela estava digitando e sumia.
Olhei à minha volta mais uma vez, soltando o celular para secar as
mãos no jeans.
Meu telefone vibrou em cima da madeira antiquada da mesa do
laboratório.
Antes de conseguir responder, chegou mais uma.
Como que…?
Meu pensamento foi cessado no momento em que levantei os olhos
do aparelho e inspecionei a sala, encontrando Paige em seu uniforme de
jogadora, sorrindo com o celular na mão.
A biblioteca não estava cheia, mas as poucas pessoas presentes
fizeram questão de olhá-la caminhar calmamente com um sorriso no rosto.
Com a cabeça, ela fez sinal para o longo corredor que dava para as sessões
de livros que tinham naquele lugar, me fazendo questionar se o plano dela
era o que estava nas mensagens. Observei a forma como se movia, decorei
cada curva que seu corpo fazia a cada passo que dava.
Paige me enlouqueceria a qualquer momento e isso era um fato.
Olhei para a mesa à minha frente, a pilha longa de papéis que eu
ainda precisava revisar para uma prova importante. Depois olhei para o meu
corpo, pensando como iria levantar dali sem que vissem como eu estava. E
posteriormente corri meus olhos a sua procura, vendo seu rabo de cavalo
loiro balançar e sumir assim que entrou no que daria no longo corredor.
Meu celular vibrou em cima da mesa.
Por mais que quisesse, não podia falar mais nada, apenas pensar em
uma forma de resolver isso antes de Paige saber ou ela sair daquela
faculdade com todo o prestígio de um projeto que não foi ela que pensou.
— Como assim ele não teve tempo para te ver? — Kimberly era
uma leoa quando o assunto era meus relacionamentos.
Eu sentia que em algum momento ela pensou que poderia cuidar
de mim e desde então tem feito isso.
— Não muda de assunto porque a gente estava falando sobre
aquele cara que fez os biscoitos. — Estreitei meus olhos.
Kimberly tinha um sério problema em achar que ela poderia
controlar todas as coisas, mesmo que a vida dela fosse um completo caos
em todos os aspectos. Fugir do assunto não era novidade, porém ter um cara
estranho andando pela casa fazendo biscoitos tinha sido totalmente novo
para todas nós.
— Eu não quero falar sobre isso — ela resmungou, trazendo a
frigideira diretamente do fogão para a mesa.
— Vocês já estão se perguntando desde quando começamos a aceitar
pessoas estranhas andando nessa casa? — Alisson apareceu com a mesma
roupa do dia anterior, ostentando um coque totalmente bagunçado na
cabeça. — Cadê a Miley para esse café da manhã?
— Você está com a mesma roupa de ontem. — Sorri, sabendo
exatamente onde ela tinha andando.
Seus olhos me disseram algo como “abra a boca e eu te mato”.
— Miley está sumida na casa de um cara idoso. — Kimberly se
sentou na minha frente, respirando fundo. — Parece que ninguém liga mais
para esse café da manhã.
— Ei! Eu estou aqui.
— Eu também. — Alisson se juntou a nós, sentando-se na outra
ponta da mesa. — O que vamos fofocar?
— Sobre o cara dos biscoitos.
— Sobre o sumiço do nerd.
Falamos quase juntas, fazendo Alisson gargalhar.
— Eu voto no nerd porque o cara do biscoito me dá medo e eu não to
afim de falar sobre ele. — Alisson se esticou sobre a mesa, pegando a
garrafa de leite. — Até porque ele está pegando essa daí.
— Você está pegando o cara do biscoito? — Olhei para Kimberly
chocada.
Pisquei algumas vezes, processando aquela informação.
— Eu cheguei na hora da fofoca? — Sua voz ecoou pela sala até
chegar na cozinha. — Eu cheguei! Eu cheguei! — Miley apareceu na porta
da cozinha. — Eu cheguei!
Gargalhamos.
— Qual a pauta do café da manhã?
— Você está com a roupa de ontem à noite — Alisson falou com a
boca na borda do copo.
— E um chupão no pescoço — pontuei assim que eu vi um roxo
grande o suficiente para parecer um hematoma. — Você está saindo com
Edward Cullen? Ele tentou sugar seu sangue?
Mais uma onda de risadas e vi Miley ficar corada, se sentando ao
meu lado.
— Essa mesa está cheia de mentirosas — Kimberly resmungou. — E
não muda de assunto, Paige, por que o nerd não quer falar com você?
— Ele não quer falar com você? — Miley me encarou. — Como
assim? Achei que o chá que você deu tinha sido incrível.
— Talvez o nerd que tenha dado um chá com o seu pau enorme —
Alisson comentou.
Só elas para me fazerem rir em meio ao turbilhão que estava
passando pela minha cabeça. Depois de tudo o que aconteceu, achei que
finalmente teríamos a chance de vivenciar aquilo como adultos que sabem o
que sentem e querem continuar sentindo aquilo. Apesar disso, como das
outras vezes, Caleb deu um espaço enorme entre a gente, se recusando até a
responder as mensagens com a mesma frequência de antes.
Eu não queria acreditar que ele era aquele tipo de cara que se afasta
quando as coisas ficam mais sérias, ou o tipo de apenas brinca com os
sentimentos para chegar no final do arco-íris que era o meio das minhas
pernas.
Não fazia sentido eu acreditar, mas depois de três dias sem qualquer
contato decente, estava começando a cogitar nas possibilidades.
— Como o assunto sempre volta a ser eu? — Cruzei os braços na
frente dos seios. — Caleb não responde nem às minhas mensagens, quem
dirá me ver. E sim, talvez eu tenha dado e levado um chá porque sim, ele
tem um pau bem grande.
— Nossa! — Kimberly foi a única a falar alguma coisa. — Onde ele
guarda todo esse pau?
— Que merda de pergunta é essa? — Miley gargalhou, jogando a
cabeça para trás.
— Ele guarda no cu, Kim — Alisson completou, rindo no mesmo
nível que a loira sentada ao meu lado.
— Eu odeio vocês! — Levantei da cadeira, me segurando para não
rir. — E eu sei que você estava com alguém. — Apontei para Alisson. —
Você saiu com um vampiro. — Apontei para Miley — E você tá ficando
com um cara que faz biscoito e é assustador.
— Ei! Ele é o nosso Atlas — Miley repreendeu.
— Quem é Atlas? — Kimberly revirou os olhos.
— Ela vai começar a falar sobre um cara de um livro e eu estou fora.
— Alisson também se levantou, levando o leite junto.
A discussão sobre quem escondia mais do que a outra continuou na
cozinha, enquanto eu subia para pegar minhas coisas e ir até a aula da
senhora Cooper. Ela era a outra ponta das minhas noites mal dormidas
porque não tinha tido mais qualquer notícia sobre o andamento do estágio e
como estavam as coisas. Depois do documento que eu assinei, ela sumiu.
Não queria pensar muito sobre o assunto, por isso foquei nos treinos
e dancei todos os dias pela manhã. Eu estava ocupando o máximo a minha
mente ao mesmo tempo que ficava sem as respostas das duas coisas que
estavam me atormentando. Caminhei pelo campus vestida totalmente
diferente do habitual, em um conjunto de moletom e tênis, e fui diretamente
à aula da senhora Cooper, mais cedo que o normal.
Eu estava determinada a ter respostas de todos os meus dois pontos
de interrogação ambulantes. Primeiro a senhora Cooper e meu possível
estágio, depois o nerd, que não teria como fugir de mim se eu aparecesse no
treino de hockey.
A Paige Mallory determinada estava com sangue nos olhos aquela
manhã.
Pelo menos era o que eu estava até sentir meu celular vibrar no bolso
do casaco e parar para atender a ligação de Emma.
— Você está podendo falar? — Ela pareceu tensa.
— Está tudo bem? — Foi a primeira coisa que perguntei, sentindo
meu coração sair pela boca. Será que eu estava julgando o nerd à toa? —
Aconteceu alguma coisa?
— Ela me respondeu, Paige. — Um silêncio do outro lado da linha.
— Ela me respondeu — repetiu.
Soltei o ar pela boca, aliviada.
Depois de um encontro inusitado com Emma passeando pela minha
casa na calada da noite, começamos a trocar mensagens sobre alguns
assuntos. Dentre muitas conversas que tivemos, o assunto sobre a mãe foi
tocado assim que comentei sobre o que Caleb tinha me contado na
sorveteria.
O que eu não esperei é que Emma fosse me contar seu lado, a falta
que sentia da mãe e todas as coisas que estavam passando nos últimos
tempos. Como Caleb, ela também tinha suas cicatrizes e de alguma forma,
ela se sentiu confortável para abrir esse lado e me deixar ajudar.
Eu não queria fazer isso pelas costas de Caleb, muito pelo contrário.
Entretanto, a sua irmã me garantiu que ele não iria gostar de saber que ela
estava fazendo isso, me implorando por sigilo. E já que estávamos
guardando alguns segredos em comum, decidi ajudá-la para se caso desse
errado, ela pelo menos tivesse com quem contar para dar um suporte.
Era se meter demais em uma história familiar que não me dizia
respeito? Possivelmente. Mas vi naquela oportunidade de tornar a vida de
Caleb um pouco mais leve como ele nunca teve.
— E o que aconteceu? Vocês marcaram de se encontrar ou algo
assim?
— Ela quer que a gente converse sobre todas as coisas do passado,
mas não sei muito o que fazer.
— Acho que você deveria escutá-la. — Inspirei fundo. — Não sei,
Emma, mas se eu tivesse a oportunidade de ouvir minha mãe pela última
vez, eu faria isso.
— Mas a sua mãe não deixou você por uma escolha.
— Talvez nem a mãe de vocês tenha feito isso. — Dei de ombros,
apesar de ela não poder ver aquilo. — Eu acho que todas as histórias tem
seus lados e pelo que você me contou, sua mãe não estava feliz com o seu
pai. Pode ser que ela tenha uma história para te contar, ou pode ser que ela
seja uma desgraçada que você já acha que ela é.
— É… — Foi tudo o que ela respondeu. — Eu só estou com medo de
tudo o que isso pode significar para todos nós, sabe? Eu gostaria de
compartilhar isso com o Caleb.
— Olha, se você precisar, eu fico do seu lado nesta chamada só para
segurar a sua mão. — Ouvi ela rir do outro lado da linha, me fazendo sorrir.
— Ok, eu sei que não sou o seu irmão, mas posso ser uma amiga.
— Você já é uma amiga, Paige. — Ela fungou, fazendo um barulho
estranho na chamada. — Eu entendo porque o meu irmão gosta tanto de
você e agradeço demais a sua ajuda. Se não fosse por você e o contato da
sua amiga, eu jamais teria conseguido entrar em contato com ela tão
facilmente. Ela me disse que o e-mail que chegou a responder o Camden
não é mais utilizado e por isso não respondeu mais nenhum contato. Então,
só posso te agradecer por ter conseguido tudo isso.
— Eu só quero que vocês conversem e consigam chegar em algo
melhor para vocês. — Mordi o lábio. — Eu gosto muito do seu irmão,
Emma, e quando ele me contou tudo, partiu o meu coração. Eu acredito que
essa história tenha o lado dela e que ela precise ser ouvida, até para vocês
terem a sensação de que pelo menos tentaram, sabe? E repito, se precisar de
mim, vou estar por aqui.
— Acho que vou precisar agradecer o Caleb por ter te achado.
Aquilo me fez rir, porque ele não parecia tão feliz assim.
— Eu acho que preciso agradecer o seu irmão por me tornar amiga
da minha rival de time.
Ela gargalhou, ficando em silêncio gradativamente.
Emma pareceu pensar sobre o seu lado da história, enquanto a minha
mente aproveitou aquele silêncio para pensar em Caleb e como as coisas
estavam entre nós dois. Eram dias, não queria ser dramática, ainda sim era
muito estranho alguém que sempre falava com você simplesmente
desaparecer.
— Paige, vou marcar de conversar com ela. É isso!
— E depois você me conta como foi. — Sorri sozinha, voltando a
andar. — Agora eu preciso desligar porque estou indo para a aula.
— Tudo bem! Manda um beijo pro Lebbie.
— Pode deixar.
Ou não.
Como eu mandaria esse beijo para ele? Eu gostaria até de perguntar
se ela sabia o que estava acontecendo, mas por fim, desliguei aquela
chamada e corri até a aula que teria com a senhora Cooper.
A minha surpresa foi chegar na aula e ver uma quantidade absurda de
alunos em frente da porta, fofocando sobre o que poderia ter acontecido
com a senhora Cooper. Achei estranho, não entendendo muito bem o que
aquelas conversas paralelas significavam. Passei por alguns grupos de
pessoas e quando finalmente consegui chegar à porta, tinha um pequeno
comunicado impresso em uma folha branca. As palavras afastamento,
tempo indeterminado e projeto saltaram da folha como um desenho em 3D.
Aquele afastamento poderia ter várias teorias, mas associado a um
projeto, me deu a esperança de ser sobre o que estávamos conversando
desde que entreguei aquele trabalho para ela.
Saí daquele corredor sem a resposta que eu queria, ainda que tivesse
uma esperança queimando no meu peito só de imaginar que ela estava se
afastando para um projeto e que, em breve, eu estaria fazendo parte desse
momento também.
Quando coloquei toda a minha ideia naquele trabalho e entreguei, eu
e Caleb pensamos que se a senhora Cooper visse uma chama de
possibilidade daquela pesquisa teórica ter a força para se transformar em
algo real, ela poderia fazer com que aquele meu sonho se tornasse
realidade. E a cada dia parecia mais verídico que sim, eu estaria levando
aquilo para o mundo, mesmo que não fosse diretamente.
A sensação que eu tive foi que um buraco tinha sido aberto bem
embaixo do banco em que estava sentada, sendo engolida por uma escuridão
fria e silenciosa. Dentro daquela cavidade, meus sentimentos pareciam mais
aflorados que o normal. O medo. A raiva. O peso de estar me sentindo
enganada. Como se aquele maldito buraco fosse justamente para jogar na
minha cara todos os sentimentos que estava tentando esconder de mim
mesma.
Reli aquela mensagem, não acreditando no que Caleb tinha acabado
de dizer, olhando para a rua descrente. Ele tinha acabado de passar aqui. Ele
não estava indo para os treinos. Por que diabos ele estava mentindo?
Movida por essa vontade de respostas, digitei a mensagem, tentando
controlar o ardor que já consumia minha vista.
Não aguentei.
Com aquela informação ele poderia mentir de uma vez, ou me contar
a verdade.
Eu era muito legal quando queria, mas se o objetivo era ver o meu
pior, Caleb iria ver e seria na festa, na frente de todos.
Se ele escolheu ficar com a borboleta, o mínimo que poderia fazer
era me avisar. Aquilo acabaria comigo, eu sei. Não adiantava fingir o
contrário porque comecei aquilo, de certa forma, com uma mentira. Uma
mentira que se tornou real assim que demos o nosso primeiro beijo. Uma
mentira que agora estava custando um preço alto para mim.
Eu iria ficar triste, entenderia seu lado e seguiria em frente.
Um coração quebrado sempre se reconstrói em algum momento.
Foi aquela mensagem que arrancou minha lágrima de vez, me
deixando ali, com o celular na mão e a mente nas milhares de possibilidades.
Em todos os momentos, Caleb se mostrou o cara mais incrível do
mundo, transformando momentos bobos em coisas grandiosas. Sempre
sabendo o que falar, como falar e a hora que falar. Mesclando entre um nerd
completo, focado em estudos e completamente tímido, e o jogador gostosão
que sabe como pegar e levar a loucura.
A sensação que estava sentindo naquele momento é que algo não
estava correto. E que por mais que eu quisesse acreditar que Caleb Turner
nunca seria capaz de fazer algo como aquilo, no fundo, uma parte pequena
de mim estava começando a acreditar que entre nós dois, tudo não passou de
um grande teste para ele. Uma tese bem formulada para ser o melhor cara
que a borboleta merecia receber.
Eu não queria acreditar que tinha sido enganada tão descaradamente,
mesmo que algo dentro de mim alertasse sobre suas mentiras desnecessárias.
— Paige! — Uma menina se aproximou contente, empurrando minha
bolsa para sentar ao meu lado. — Faço aula com você, na turma da senhora
Cooper.
Talvez eu tenha sido expressiva demais, dando a entender que não a
conhecia.
— Oi! — Forcei um sorriso, sabendo que ele também não deveria ter
sido dos melhores.
— Você ficou sabendo o motivo que a senhora Cooper saiu do
campus? — A morena de pele amarronzada sorriu, não esperando qualquer
resposta da minha parte. — Ela conseguiu mais uma vez um feito de criar
uma linha de pesquisa, só que agora voltada a pacientes com Lúpus. Não é
extraordinário?
— Como?
Eu não escutei direito, já que um som fino tomou conta do meu
ouvido.
— Dizem que ela já estava fazendo esse projeto a algum tempo,
idealizando uma boa teoria para apresentar para aquele cientista que veio
aqui no começo do ano.
Balancei a cabeça só para dizer que estava escutando, porém meu
ouvido estava em uma luta entre escutar ela ou ser inundado por aquele som
agudo e estridente.
— Dizem que ele adorou a ideia e que agora vão pessoalmente
pesquisar sobre uma planta em algum lugar na Ásia, não sei.
— Como… Como você soube disso? — Pisquei algumas vezes.
Só pode ser uma brincadeira da vida. Era isso.
Tudo estava perfeito demais para do nada desmoronar de uma única
vez. Sequei o canto dos olhos e pensei sobre como as coisas desandam
rapidamente e nada me tirava da cabeça que aquilo só poderia ser uma
brincadeira. Não tinha outra explicação para aquela piada estar sendo
contada daquela forma.
A senhora Cooper não seria capaz de roubar a minha ideia e torná-la
como dela, já que seria fácil eu conseguir provar que venho fazendo aquela
pesquisa a mais anos do que sou capaz de contar. Ela teria que ter algum
documento que provasse que cedi aqueles direitos intelectuais, ou alguma
forma de montar uma pesquisa baseada em tudo o que fiz. Mas quem eu
quero enganar? Ninguém acreditaria que eu fosse capaz de chegar a algo
apenas com pesquisas sobre a medicina oriental.
Burra! Burra! Burra! Foi tudo o que fiquei pensando ao mesmo
tempo que via a boca da menina mover-se sem parar.
— O senhor Rubens contou para um aluno que agora todo mundo está
sabendo…
Fechei os olhos e veio na minha memória aquele documento que
assinei.
— Paige? — A menina tocou meu braço. — Está tudo bem.
Confirmei com a cabeça.
— Eu só… Eu preciso ir.
Com os olhos prontos a transbordar e o pulmão que parecia incapaz de
aceitar ar, levantei daquele banco pegando minha mochila apressadamente.
Com o celular em mãos, mandei mensagem para a única pessoa que iria me
acolher e tentar me explicar o que realmente estava acontecendo.
Agora eu precisava do nerd, sendo mentiroso ou não.
Amanhecer com um e-mail de resposta do pesquisador que
trabalharia com a senhora Cooper foi o que moveu meu início de dia. Era
como se eu tivesse recebido a melhor notícia dos últimos tempos e
finalmente pudesse respirar, nem que fosse o mínimo necessário.
Na mensagem pelo Sr. Hopinkes ele dizia não fazer ideia de como
aquilo poderia ser verdade e que me retornaria assim que tivesse um tempo
livre para que pudéssemos conversar abertamente sobre o assunto. Eu não
queria pensar negativamente sobre o assunto, portanto, quando saí de casa,
me movi naquela esperança de que ele seria um cara honesto, assim como
pensei que a senhora Cooper pudesse ser.
A verdade é que se eu tivesse com isso resolvido, eu poderia matar a
saudade da única pessoa que me importava com tudo isso. Ficar longe de
Paige estava sendo muito difícil. Não era como se eu pudesse encontrá-la e
mentir que estava tudo bem, assim como eu não iria poder contar a verdade
para ela sem ter uma solução para aquele problema. Aquele movimento
poderia ser um pouco arriscado, confesso, mas era a minha única
oportunidade de fazer o certo por alguém que eu gostava.
É, eu realmente gostava dela.
— Você acha que consegue vir até aqui? — a secretária dele me
perguntou, enquanto eu andava até o treino, do outro lado do campus. — É
que ele pediu para marcar uma reunião com você, mas como disse que é
algo urgente, eu poderia te encaixar no dia de hoje.
Era um grande impasse.
No momento em que recebi aquela ligação, meu coração pareceu que
iria sair pela boca de tamanha felicidade. Senti que todo o esforço que fiz
esses dias finalmente estava sendo recompensado de alguma forma e que,
se tudo desse certo, eu realmente conseguiria arrumar toda aquela situação e
a memória da mãe de Paige não seria perdida para uma pessoa que nem se
importou em saber as motivações de Mallory com aquele projeto.
Apesar dessa felicidade, eu também tinha as minhas próprias
questões. Faltar aos treinos estava me dando espaço para seguir com o que
eu precisava fazer, focado em entrar em contato com a maioria das pessoas
que conseguissem. Entretanto, deixar de participar desses momentos estava
me trazendo problemas com a pessoa que já abri mão de muitas coisas em
prol da felicidade dele.
Pensei em como meu pai falou sobre não precisar mais voltar para
casa caso eu faltasse o treino; em como aquele projeto significava tudo para
Paige. Imaginei como as coisas poderiam ser ruins quando ela descobrisse
que perdeu toda a pesquisa que tinha feito.
Foi como passar horas calculando todos os pontos, sendo que, na
realidade, foi uma questão de segundos até aquela resposta sair da minha
boca.
— Eu vou hoje — falei, convicto.
— Ótimo! Como vou te encaixar, o ideal era que você viesse o
quanto antes, mas entendo que é complicado sair de Long Orange até aqui.
De qualquer forma, assim que chegar, pode retornar para esse número que
faço todo o contato seu com o professor Hopinkes.
— Eu vou sair daqui agora e devo chegar em algumas horas. Espero
que seja o tempo necessário.
— Tomara que sim.
Eu poderia imaginar aquela secretaria sorrindo, pois parecia ser
muito solícita ao telefone. Desliguei aquela chamada e com a mesma
esperança que me moveu durante todo o dia, ignorei as mensagens de
Emma e fui até a caminhonete para ir atrás dessa solução.
Eu só podia lidar com uma coisa de cada vez, e meu drama familiar
não estava sendo o tópico daquele momento. Meu pai sempre foi o tipo de
pessoa que faz muitas promessas e ameaças, mas que raramente as cumpria.
Por mais que eu pudesse ver nos olhos de Camden o medo que ele estava
com toda essa situação, eu prometi que faria minha parte hoje.
Mas não fiz.
Não era da minha vontade ficar dentro de um treino quando eu
poderia fazer a diferença na vida de alguém que eu me importo. Paige
Mallory me achou corajoso depois que contei minha história, e era nessa
coragem invisível que estava me apegando para fazer o que estava prestes a
realizar. Aquela seria a primeira vez que eu realmente estaria fazendo algo
que queria e não o que esperavam que eu fizesse. Mesmo que isso me
fizesse omitir algumas coisas para Paige, eu sabia e sentia que estava
fazendo a coisa certa por ela.
Eu estava fazendo o que sempre fiz: cuidando de alguém que amo.
— Eu a amo — sussurrei dentro da cabine da minha caminhonete
velha, tendo apenas o volante como meu ouvinte. — Eu realmente amo
Paige Mallory.
Foi naquele momento que me dei conta.
Foi naquele momento que quis descer da caminhonete e correr até ela
para contar o que descobri.
Foi naquele momento que percebi que eu era capaz de amar, apesar
de nunca ter sido amado por quem deveria.
Meu coração ansioso não deixou com que eu fosse para casa, tinha
alguém que precisava do meu acolhimento e de uma boa notícia como a que
eu estava prestes a dar. A sua mãe, seja lá onde estivesse, sabia que a sua
filha merecia ter todos os créditos do que fez. Ela merecia levar sua história,
a história da sua mãe e como ambas aprenderam com a doença, cada uma
do seu jeito.
Eu tinha prometido que ajudaria Paige a fazer isso, e foi isso que eu
fiz.
Ela iria me entender.
— Nem pense em entrar nessa casa porque Paige não está aqui. —
Alisson me recebeu, com um copo vermelho na mão enquanto parecia
mexer no bolso da sua calça alguns números maiores do que ela. — Você
vacilou, nerd.
— Do… — Pisquei sem entender. — Do que você está falando?
— Você sabe do que eu estou dizendo. — Ela parou de vasculhar os
bolsos para me encarar, demonstrando estar alterada. — Como sua… Como
amiga da sua irmã, eu deveria te dizer que você não foi o bom garoto que a
gente esperava.
A única explicação que consegui formular naquele momento era que
o meu cérebro tinha derretido depois das horas dirigidas, pois não estava
entendendo nada do que Alisson estava falando.
— Você conhece a minha irmã?
Ela gargalhou, se aproximando.
— Eu conheço. — Esticou o copo na minha direção, me fazendo
segura-lo. — E é por conhecer ela e gostar que eu vou te falar uma coisa. —
Alisson se apoiou no meu ombro, voltando a enfiar as mãos nos bolsos. —
A Paige foi para a festa na Gama com a Kim. Se eu fosse você, me ajudava
a abrir a porta e ia atrás dela.
— Mas ela não me parecia bem nas mensagens que me enviou.
Alisson deu um tapa fraco no meu peito, voltando a segurar o meu
ombro com dificuldade.
— Você viu as merdas das mensagens e não… — Ela arrotou,
gargalhando. — Você não…
— Eu não respondi porque estava resolvendo o problema sobre a
Cooper. Queria ajudar a Paige, Alisson.
Ela balançou a cabeça vagarosamente, parecendo entender.
— Então você vai me ajudar e vai atrás dela.
Nunca pensei que achar uma chave e abrir uma porta fosse tão difícil
de se fazer com uma menina bêbada no meu braço. Alisson falou algumas
besteiras, perguntou como eu tinha conseguido fazer a Paige ficar gamada
em mim e ainda soltou algo como ela entender porque os Turners são
diferentes. Eu queria rir de cada piada e comentário, porém minha cabeça
estava voltada para o que Paige estava fazendo ou pensando. Por qual
motivo ela tinha se enfiado em uma festa estando tão chateada como a sua
amiga contou em detalhes?
Festas em fraternidades sempre aconteciam pelo campus. Todas as
casas tinham suas formas de fazer festa e principalmente a sua fama. A
Gama era a típica irmandade que faziam festas que acabavam com a polícia
do campus por todas as partes, pelo som, pelos jogos que faziam e por ter
uma tradição de desafios que levavam alunos a correrem pelados, nas
hipóteses mais tranquilas.
Portanto, quando cheguei próxima a casa e vi um grupo de meninas
apenas de biquíni batalhando em algo que parecia futebol de sabão, não me
assustei, apenas seguindo para longe daquele tumulto inicial.
— Ora, ora, ora, se não é o nerd. — Kimberly sempre me assustava,
mas aquele dia o seu tom de vilã de filme de princesas me fez paralisar no
lugar. — O que faz aqui?
— Eu-eu…
— Olha só, nerd. — A sua unha afiada foi parar na frente do meu
nariz, faltando pouco para não arranhar. — Eu não sei porque você decidiu
que hoje seria um ótimo dia para sumir, mas saiba que se eu ver a Paige
chorando por você de novo, eu serei obrigada a arrancar suas bolas com
essas unhas. — Ela esticou a palma da mão na frente do meu rosto. — E eu
vou pegar suas bolas, colocar azeite e fritá-las, para comer no meu café da
manhã.
Seus olhos frenéticos nem piscavam enquanto me ameaçava, fazendo
com que um arrepio corresse pelas minhas costas até chegar nas bolas que
ela disse que arrancaria.
— Eu… Eu não sei porque você está falando isso.
— Se faça de maluco e você vai ver se eu não sou a dona do
hospício, Turner. — Com o indicador ela segurou meu queixo, olhando
dentro dos meus olhos. — Suas bolas, minha frigideira e o café da manhã
dos campeões.
Assenti, quase não piscando.
Com a mesma força que ela surgiu, Kimberly desapareceu.
Como Paige tinha uma amiga tão intensa como ela? Foi o que eu
pensei ao mesmo tempo que ria, pensando em como James iria reagir a uma
cena daquela.
Ela não seria capaz de arrancar minhas bolas, ou seria?
Voltei a andar pelo gramado, focado em procurar por Paige. Uma
coisa que eu não queria, além de ficar sem as minhas bolas, era que Paige
achasse que eu não estava me importando com ela naquele momento tão
importante. Eu tinha vacilado nas minhas omissões, porém sabia que
quando explicasse, ela iria entender o meu lado e o fato de que nunca iria
conseguir olhar dentro dos seus olhos e a enganar de alguma forma.
As luzes dentro da casa não estavam muito diferentes do que eu me
lembrava da última festa que tinha ido me encontrar com Paige. As cores
neons, uma fumaça característica e pessoas bebendo por todos os lados,
tudo estava exatamente como eu me lembrava da última vez. A única
diferença era que no fundo daquela sala gigantesca e sem móveis, tinha uma
banda tocando um rock eletrizante.
Uma ruiva acenou assim que me viu e andou na minha direção. Eu
tinha certeza que não a conhecia de lugar nenhum, logo achei que não fosse
comigo. Olhei à minha volta, procurando por qualquer vestígio de Paige ou
da sua amiga, ignorando a presença da ruiva, até sentir sua mão tocando no
meu ombro, esticando-se até o meu ouvido.
— Paige está lá em cima, na varanda — a menina que não conhecia
me avisou, sem nem ao menos ter perguntado. — Acho que você perdeu a
sua namoradinha para o ex.
— O que você disse? — gritei contra o som, mas ela não se deu ao
trabalho de me explicar.
Não era possível, ou era?
Por algum motivo ficou difícil de respirar naquele lugar, cogitando
sair dali e não olhar para trás. Eu poderia conversar com Paige em outro
momento.
Eu nem sabia se realmente acharia ali.
Saí do meio do caminho, pegando o celular para mandar uma
mensagem para ela.
— Merda! — resmunguei para mim mesmo quando percebi que
estava sem sinal.
Tudo o que eu tinha era uma menina que eu não conhecia me dizendo
que Paige estava com o seu ex no andar de cima e mais nada. Eu não
conseguia imaginar o motivo dela ter ido conversar com ele de forma mais
reservada, mas quanto mais tempo eu passava parado com o celular na mão,
mais uma sensação estranha começava a esquentar minha testa. Olhei para
as escadas, depois coloquei a mão no meu peito, sentindo meu coração.
Ele acelerou inesperadamente.
Na pior das hipóteses, eu realmente encontraria ela com ele, e nas
melhores, ela não estaria em nenhum lugar daquela casa. Foi com esse
pensamento que comecei a subir as escadas para o andar superior, driblando
as pessoas, recusando bebidas pelo caminho, assim como falar com pessoas
que fingiam me conhecer.
A cada passo, aquela sensação estranha deixou de queimar apenas a
testa, desceu pelo pescoço e agora parecia ter se alastrado por todo o meu
corpo. O pouco de ar que conseguia puxar não parecia o suficiente para
suprir meus pulmões com ar.
Porém tudo virou um completo buraco escuro e sombrio quando
terminei de subir as escadas e me deparei com uma segunda festa, um clima
mais sensual e íntimo e no fundo do grande salão, Paige estava sentada ao
lado de Ryder, uma única perna sobre a dele, enquanto mesmo deixava sua
mão relaxada sobre ela.
Não é nada.
Falei para mim mesmo.
Não tinha como ser nada.
Precisei repetir.
Não é…
Aquele pensamento se perdeu no instante que ele me olhou, abriu
aquele sorriso debochado e avisou para ela que eu estava ali, apontando
para mim como se eu não fosse ninguém importante, exatamente como ele
gostava de fazer com todas as pessoas à sua volta.
Minha mão foi ao peito de novo ao mesmo tempo que meus olhos
estavam perdidos na mão de Ryder, que teimou em subir pela coxa de
Paige. Ela não se moveu, parecendo tão estática quanto eu. Ryder segurou
seu rosto para dizer algo, mas eu precisei fechar meus olhos para controlar
aquela fúria que estava queimando cada parte do meu corpo, correndo pelas
minhas veias e artérias, causando uma combustão dentro de mim.
Eu não posso ficar aqui.
Foi tudo o que eu pensei naquele milésimo de segundo onde vi Paige
tirar a mão dele do seu rosto e ameaçar levantar, sendo impedida por ele. Eu
queria ser o cara que iria bater de frente com ele ali, eu queria ser o mesmo
cara que vinha enfrentando ele em todas as oportunidades. Porém, diferente
de todas as outras vezes, eu precisei recusar.
Se Paige estava sentada ali, conversando, era porque queria. E eu não
poderia controlar suas vontades.
Eu não deveria.
Respirei fundo, fechei meus olhos e quando senti que aquela brasa
não diminuía, dei dois passos para trás, sentindo o começo do degrau da
escada que tinha acabado de subir. Toda a combustão que estava correndo
pelo meu corpo subiu até meu pescoço, travando de vez qualquer
possibilidade de respirar, se alojando nos meus olhos. Eu não ia chorar ali.
Me recusava a fazer esse tipo de coisa na frente de qualquer pessoa.
Engoli aquela sensação e corri pelos degraus.
— Caleb! — Ouvi-a me chamar.
Porém, fui incapaz de olhar para trás.
Depois da quarta dose de tequila, eu não conseguia mais sentir os
meus lábios.
Eu nunca fui o tipo de pessoa que gostava de beber, porém, todas as
vezes que quis afogar algum sentimento ou situação, era para as bebidas
que eu recorria. O álcool sempre parecia cair melhor quando ele estava
sendo motivado por alguma coisa. Talvez porque partes de mim sabiam que
a cada dose que entrava, aquele problema ou sentimento, deixava meu
corpo. A cada dose tomada, mais uma dose de felicidade era somada ao
meu corpo.
Anestesiando. Inibindo. Bloqueando.
— Paige Mallory sozinha em uma festa? — Ryder se aproximou
como sempre fazia, um sorriso galanteador no rosto e um papo furado.
— Eu não estou afim de conversar, Ryder. — Levantei a mão,
balançando para ele entender que queria ficar sentada naquele sofá sozinha.
— Eu não estou me sentindo muito bem.
— Quer que eu te ajude indo para casa? — Ele se abaixou na minha
frente, apoiando uma mão no meu joelho. — Você bebeu mais do que o
normal, Paige. O que está acontecendo com você?
O problema do álcool é que você começa a enxergar empatia onde
não existe, é que todas as pessoas começam a parecer mais legais do que
realmente são. Ou pior, você começa a misturar a realidade com uma ficção
que você gostaria que fosse de verdade, sendo muito difícil descobrir o que
é real ou não. E mesmo sabendo que Ryder não era a pessoa que ele estava
sendo naquele momento, encarei seus olhos e acreditei.
No sorriso largo e acolhedor, nos olhos que, de azuis, estavam
ficando escuros, em um tom que eu era apaixonada; até seus cabelos se
misturarem com fios escuros como os olhos. Eu sabia que era Ryder na
minha frente, embora minha mente estivesse se envolvendo com o álcool,
criando um Turner que não foi capaz de me mandar uma mensagem, quem
dirá aparecer bem ali para me ajudar.
— Nerd… — Suspirei, puxando o ar pela boca. — Ryder — corrigi.
Ele sorriu, balançando a cabeça.
— Eu vou lá embaixo pegar água para você e assim que você ficar
melhor, vou te levar para casa.
Balancei a cabeça sem forças para debater sobre aquilo.
Entre um Caleb fictício que minha mente gostou de produzir, ou um
Ryder que estava afim de fazer aquilo por mim, não tive forças para debater.
Fiquei naquele sofá, recebi sua água e por algum tempo ficamos em
completo silêncio, vendo as pessoas andando de um lado para o outro,
dançando, bebendo, curtindo.
— Eu deveria estar como eles. — Puxei assunto, deixando meu corpo
cair mais para o lado que ele estava sentado. — Eu deveria estar me
divertindo o máximo que eu conseguia e não bebendo água.
— Você está se sentindo melhor? — Ele apoiou a mão no meu
joelho, virando seu corpo de modo que conseguisse olhar meus olhos. — O
que aconteceu com você para estar nesse estado deplorável? Cadê o seu
namorado?
— Deplorável? Pegou pesado. — Gargalhei, me sentindo mais leve
que o normal. — Ele está em algum lugar que eu não sei e eu deveria estar
me divertindo.
— Eu não vou deixar você se divertir com qualquer pessoa, Paige.
Serei a porra do namorado que ele não está sendo — Ryder falou com
propriedade, apertando os músculos da minha coxa. — O Turner te trocou
pela borboleta?
Borboleta.
Acho que nunca odiei tanto uma coisa na minha vida.
Tudo o que o álcool tinha conseguido anestesiar, naquele instante
caiu como uma pedra bem no meio da minha cabeça, me deixando tonta.
Olhei dentro dos olhos daquele cara que eu conhecia, corri meus olhos por
seus traços firmes e másculos, seu rosto quadrado e os lábios finos. O lema
de Kim serpenteou na minha cabeça e eu, se fosse minha antiga versão,
deixaria aquela raiva queimar na boca de Ryder, ainda que soubesse quem
ele é e que não valeria aquilo.
— Eu não sei se ele está com a borboleta.
— Deve estar. — Ryder levou minha perna até a dele, mexendo na
patela do meu joelho assim como costumava fazer. — O único lado triste
disso tudo é que você parece estar apaixonada por ele. Até mais do que
esteve por mim.
Acabei rindo, pela verdade que ele disse ou pela minha tristeza em
estar apaixonada por alguém que gosta de outra pessoa.
— Eu não estou apaixonada — menti.
Se eu fingisse não estar, poderia me acostumar em algum momento
com aquela informação.
— Eu sei que você está, mas é bem triste estar apaixonada por
alguém que ama outra pessoa.
Ama.
Aquilo soou como um sino, martelando minha cabeça, doendo todos
os pontos, me deixando desnorteada.
Como uma cena mal escrita de um autor que parecia me odiar de
alguma forma, Caleb surgiu naquela festa, naquela sala, me encarando
como se tivesse sido tão atingido como eu me sentia. Eu não tive reação.
Por alguns segundos, achei até que meu cérebro estava brincando mais uma
vez, projetando sua imagem ali, até Ryder falar algo para mim enquanto
segurava o meu rosto.
Tentei levantar. Tentei reagir.
A saudade. O sentimento frustrante. A vontade de correr para os seus
braços. Tudo estava correndo na minha cabeça, como um e-mail que recebe
várias mensagens por segundo e não consegue funcionar muito bem. Eu
estava travada. Olhando para ele e além dele. Vendo seu rosto se misturar,
mudar. Sua surpresa virando decepção. Seus olhos escuros se tornaram dois
buracos profundos e escuros no seu rosto até ele dar passos para trás.
E tão rápido quanto fui atingida por aquelas três letras ditas por
Ryder, vi Caleb sair daquele ambiente, correndo, empurrando algumas
pessoas ao seu caminho.
— Você vai atrás dele?
Ryder, como sempre, foi o que ele costuma ser em todas as situações:
desnecessário.
— Cala a boca, Ryder. — Não gritei, rosnando. — CALEB! — Seu
nome eu fui capaz de gritar.
O álcool evaporou a cada passo que praticamente voava descendo as
escadas. Minha mente não conseguia pensar enquanto me movia por um
sentimento muito diferente do que eu costumava sentir perto de Caleb. A
queimação que normalmente me atingia, a felicidade absoluta de estar na
sua presença, não era algo que estava sentindo naquele momento. Muito
pelo contrário, eu estava com raiva. Raiva de mim por estar conversando
com Ryder daquele jeito. Raiva porque tudo o que eu queria era que ele
tivesse me ligado, me mandado uma mensagem, me explicado qualquer
coisa.
A raiva, aquela coisinha estava me queimando a cada momento que o
via ficar mais longe, estava crescendo, rompendo minhas próprias barreiras,
inundando cada parto do meu ser. Eu odiava me sentir daquele jeito, prestes
a cair de um penhasco sem realmente te-lo aos meus pés. A sensação de
sentir tudo e nada ao mesmo tempo.
— CALEB! — gritei já no meio do gramado, chamando atenção de
todos à nossa volta.
— O QUE FOI, PAIGE? — ele gritou de volta, parando de correr,
ainda que estivesse de costas para mim. — SÓ ME DEIXA IR EMBORA.
Assim que tentei abrir minha boca, um soluço tomou conta da minha
garganta e precisei parar de correr para tomar fôlego, para me lembrar como
era respirar e falar ao mesmo tempo.
— VOCÊ NÃO VAI EMBORA ATÉ ME EXPLICAR O QUE ESTÁ
ACONTECENDO. — Aquilo saiu como se eu tivesse engasgada e
finalmente pudesse voltar a respirar. — VOCÊ TEM…
Minha voz se perdeu quando ele virou e seu rosto estava cheio de
lágrimas, tão vermelho quanto ficava quando estava sem graça. Seus olhos
correram por mim, por suas mãos e ele grunhiu, em alto e bom som. Era
desesperador. Meu corpo reagiu àquilo, doendo em partes que eu nem sabia
que eram capazes de doer. Tentei puxar o ar e dar um passo em sua direção,
mas ele negou com a cabeça.
Perdido.
Caleb puxou seus cabelos com muita força, algo que eu nunca o vi
fazer antes.
Era frustração. Tristeza. Raiva.
Muitas coisas ao mesmo tempo.
— O que você quer de mim, Paige Mallory? O que você quer?
Porque eu… — Caleb tampou o rosto, secando-o. — Porque eu não consigo
entender como você estava com ele, daquele jeito. Logo ele que falou tantas
coisas de merda sobre você.
— E daí, Caleb? Você se fez de príncipe quando na verdade estava
sabe-se lá onde com a sua borboleta enquanto eu precisava de você aqui. —
Deixei que aquilo saísse de uma única vez, desesperada. — Eu precisava de
você aqui comigo porque você sabia o quanto era importa…
Ele riu.
Riu.
Fazendo com que eu me calasse, chocada.
— Você está rindo? — Pisquei várias vezes, voltando a me sentir
tonta.
— Você é a menina mais brilhante que eu já conheci, mas não
percebeu o óbvio. — Ele secou mais uma vez o rosto, fungando. — Você
não percebeu que mesmo que existisse outra pessoa, qualquer pessoa que
seja, ela nunca seria o que você é para mim. Eu te disse, Paige, você é a
minha dose diária de felicidade. A pessoa que eu durmo e acordo pensando.
A mulher que tira de mim as melhores risadas, tem os melhores
comentários e me fode em todos os sentimentos. Eu nunca trocaria você por
outra porque é você que eu amo.
— Mas a borboleta… — sussurrei.
— Quem se importa com isso, Paige? Quem? Eu acabei de dizer
que…
Ele parecia mais frustrado que o normal, parecendo querer arrancar
os cabelos com as próprias mãos.
— EU ME IMPORTO, CALEB — gritei, deixando aquelas lágrimas
idiotas voltarem a sair dos meus olhos. — Meu Deus, eu não aguento mais
chorar — falei olhando para o céu, que aquela altura já estava tão escuro
quanto os olhos de Caleb. — Eu só queria saber quem é essa pessoa.
— Eu disse que te amo, Paige — ele repetiu.
— E eu disse que quero saber o nome dela.
Eu estava cega.
Enquanto não soubesse quem era aquela pessoa, não ficaria em paz e
aquilo sempre estaria martelando na minha cabeça. Pois independente de
tudo o que ele tenha falado, minha mente parecia programada apenas a
prestar atenção em quem era ela e como ela o atingia ao ponto de ele sumir
por dias sem falar nada.
— Você quer saber quem ela é?
Quando aqueles olhos me encararam, já não era do Caleb fofo e
tímido que conheci; ou a sua versão safada que me visitou algumas vezes.
Aquele na minha frente, marchando na minha direção, focado em um ponto,
parecia o Caleb jogador, furioso, determinado.
— Você quer mesmo saber, Paige Mallory?
— Eu…
— Ela é você, Paige — ele praticamente cuspiu aquilo na minha cara.
— VOCÊ É A MINHA BORBOLETA.
Neguei.
Não tinha como aquilo ser real.
— Como que eu… Como…. — gaguejei, incapaz de processar
aquela informação.
— Eu não queria parecer um cara estranho que ficou apaixonado
desde a primeira vez que viu uma menina dançando em um dos
laboratórios. Eu não queria parecer um cara desesperado, mesmo me
sentindo assim, quando você se aproximou naquele laboratório e pediu a
minha ajuda. — Ele falava tão rápido que estava difícil de acompanhar. —
Eu me apaixonei pela menina que intitulei como borboleta, quando a vi
dançando em um laboratório, Paige. Você era essa menina. Naquele dia,
você parecia com raiva e conforme foi dançando…
Se antes eu não conseguia respirar, naquele instante parecia que
alguém tinha sentado em cima do meu peito, me impedindo de vez. Olhei
dentro dos seus olhos, me enxerguei em cada parte desesperada enquanto
minha mente me lembrava de dançar no laboratório depois da festa em que
Ryder foi mais agressivo comigo. Me lembrei da minha raiva, do
sentimento de estar suja, de me sentir indefesa mesmo tendo o poder de
revidar tudo o que ele fez naquela noite.
Me senti errada. Incapaz. Destruída.
— Você dançava com vontade, saltava, parecia depositar nos seus
movimentos todos os sentimentos mais profundos que estava sentindo —
Caleb descreveu exatamente o que eu fiz, chamando a minha atenção mais
uma vez. — Eu fiquei te vendo até você ficar leve, se transformar, mutar…
Como uma borboleta. Saindo do seu casulo, mostrando como você é linda
mesmo de um período que pareceu difícil.
— Caleb… — murmurei, me dando conta de que estava chorando.
— Eu me apaixonei por você desde a primeira vez que eu te vi,
Paige. Mas quem era eu? Por que você ficaria com um cara como eu? —
Ele sorriu, triste, deixando algumas lágrimas escaparem. — E sinceramente,
por algum tempo eu achei que essa proposta era perfeita, só que eu estava
errado.
— Não, Caleb… Eu…
— Isso nunca foi uma proposta perfeita, Mallory.
Tentei puxar o ar para argumentar. Abri e fechei a boca ao mesmo
tempo em que ele se afastava, dando alguns passos para trás. Caleb afundou
a mão no bolso, levou o celular ao ouvido e me olhou uma última vez,
balançando negativamente.
— É uma proposta perfeita, nerd. Sempre foi — falei, mas ele não se
virou para responder.
Eu estava cego quando saí daquele lugar, andando até em casa como
se meu carro não estivesse estacionado na mesma rua em que tudo
aconteceu.
Camden me ligou diversas vezes durante a pequena corrida que
acabei fazendo. Ora preocupado com o meu sumiço, outros momentos ele
estava com medo do que meu pai estava aprontando. Nós dois sabíamos o
que realmente estava acontecendo, mas sua positividade estava marcada até
naqueles momentos que não deveriam existir esperança.
Para que essa coisa chamada esperança se quando temos, acabamos
frustrados com o rumo das coisas?
Partes de mim gostaria de focar no que estava à minha espera quando
chegasse em casa, me preparar para mais uma rodada de discussões ou pior,
para não ter mais para onde ir quando o fim do dia chegasse. Mas a outra
parte de mim, a que realmente se importava e que tinha dedicado seus
últimos dias para fazer algo a quem se ama, estava pensando no que tinha
acabado de acontecer.
Eu disse tudo o que estava escondido.
Joguei as cartas na mesa.
Eu disse com todas as palavras que a amava.
Cogitei que nunca teria coragem de dizer isso para Paige porque no
fundo, aquele cara que a viu dançando, ainda existia dentro de mim. Eu
tinha aprendido a ser corajoso em muitas coisas, mas quando o assunto era
amar, eu era um mero aprendiz em busca de muitas respostas – um curioso.
Mas depois que essa coragem virou todas aquelas palavras, nada
pareceu mais certo do que dizer. Assim como nada pareceu mais certo do
que sair correndo ao invés de dirigir da forma com que eu tinha feito. Me
exercitar sempre foi uma saída para momentos como aquele, antes era o
hockey, agora era com uma corrida com um tênis nada apropriado para isso.
Enquanto meu pé batia contra o asfalto e meu peito queimava durante
a corrida que resolvi fazer até em casa, minha mente vivia aquele momento
em que decidi dizer para a mulher que eu amo o quanto não fazia sentido
pensar em alguém que não era nada demais, que era ela. Tentei explicar do
meu jeito que, por mais que pudesse existir outras pessoas antes, ninguém
seria similar ao que ela era, ao que eu estava sentindo por ela.
Será que ela conseguiu entender o que eu disse?
Será que ela entendeu e só não quis retribuir?
Busquei pensar racionalmente, tentei calcular cada coisa que
aconteceu, mas o fato de não ouvir da sua parte que sentia o mesmo, que ao
menos gostava de mim, foi como receber uma facada no meio do meu peito.
Eu nunca achei que fosse amar alguém, mas sempre achei que não seria
amado por ninguém. E naquele momento, logo que não confirmou qualquer
tipo de sentimento por mim, eu acreditei na minha teoria mais do que
nunca.
Talvez eu fosse incapaz de ser amado.
Era isso.
Poderia soar dramático, até porque eu tinha duas pessoas que me
amavam independente do meu jeito ou erros. Eu tinha duas pessoas que
nasceram depois de mim e que eu aprendi, quase que instantaneamente, o
que era querer proteger alguém acima da sua própria proteção. O que era
amar alguém ao ponto de saber que você faria tudo por aquela pessoa.
Eu tinha isso. Não tinha como negar.
Emma e Camden eram essas pessoas para mim.
No entanto, isso não significa que um vazio não existisse dentro de
mim. Uma incapacidade de ser o que alguém precisa, sem necessariamente
ter aquele laço sanguíneo nos unindo. Não saberia explicar em palavras
como era essa sensação vazia, mesmo estando completo de alguma forma.
Sozinho, mesmo sabendo que tem com quem contar. Incapaz de ser amado
por alguém, mesmo que tenha e exista pessoas que me amem.
— Não sei porque voltou para essa casa. — Foi assim que ele me
recebeu, com alguns sacos de lixo espalhados pela sala. — Eu disse que se
você não aparecesse no treino, não precisava voltar.
No que eu acreditava ser feito por um pai que ama seu filho, eu
chegaria em casa com cara de quem chorou durante todo o caminho, suado
e ofegante. O pai que tanto ama o seu filho me abraçaria e não falaria nada
porque entenderia que aquele não seria o momento certo para conversar. Ele
me acolheria, entenderia minha dor mesmo que não falasse e me deixaria
confortável, podendo até estar curioso para saber o que aconteceu.
No mundo perfeito, algo parecido poderia acontecer naquele
momento. Todavia isso, isso não existe. E eu estava muito cansado para
falar qualquer coisa.
O encarei por alguns segundos, assentindo com a cabeça.
— Onde você pensa que você está indo? — ele rosnou, de onde
estava sentado.
— Eu vou falar com o Camden e sair da sua casa — expliquei.
Eu não tinha forças para debater sobre aquele assunto, argumentar e
implorar para ficar. Eu não queria ficar. Eu queria fugir para um lugar onde
eu me encaixasse de verdade, onde me sentisse acolhido e dentro de um lar.
Algo real, coisa que mesmo sendo a minha casa, nunca senti debaixo
daquele teto.
Ter uma casa não significava ter um lar.
— Você não vai entrar nessa casa, ela não é sua. — Ele aumentou um
pouco o tom de voz, erguendo-se do sofá.
— Um dia, eu acho que você vai perceber que tudo o que fez só
afastou as pessoas que te amavam.
Mesmo sem forças, resolvi falar todas as coisas que precisava,
porque no momento em que eu saísse por aquela porta, não voltaria mais.
Não que fosse uma promessa, longe disso, mas algo me dizia que se um dia
eu quisesse ser feliz, precisaria fazer isso longe daquela casa. Como? Onde?
Com que dinheiro? Eu não sabia nem tinha resposta para isso, só entendia
que essa era a verdade que estava fingindo não enxergar durante todo esse
tempo.
— Eu sempre tentei ser um bom filho, sempre tentei te agradar, até
nos momentos em que eu não deveria fazer isso. Eu abaixei a cabeça e
respeitei todos os seus “nãos”, andei na linha, nunca fui o filho rebelde que
muitos pais reclamam. Mas sabe como eu me sentia? — Afundei as mãos
na calça jeans, me sentindo nu na sua frente. — Eu me sentia insuficiente.
Nada do que eu fizesse era capaz de cativar em você o mesmo carinho que
eu tinha por você, o mesmo respeito como pessoa e como seu filho.
Eu não sabia que era capaz de chorar mais até sentir as lágrimas
saindo dos meus olhos com uma força desesperada, me calando por um
momento para conseguir respirar e controlar.
— Eu só queria que você tivesse se esforçado em ser um bom pai
como eu me esforcei para ser um bom filho para você. — Olhei para o teto,
tentando controlar as lágrimas. — Porque se eu sentisse que você ao menos
me amava, já teria valido a pena todo esse esforço em ser incrível aos seus
olhos. Eu teria pensado que pelo menos aquele empenho valeu para ser
amado pelo meu herói. Mas nem isso eu senti. Nunca me senti amado por
você. — Voltei a olhar para ele, vendo-o quieto, com suas narinas abrindo e
fechando como se estivesse furioso o suficiente para voar no meu pescoço.
— Então agora, eu só quero poder falar rápido com o Camden e sair daqui
sem qualquer problema. Não estou à procura do seu amor ou de um perdão
ilusório. Só quero sair e me sentir livre, talvez pela primeira vez na minha
vida.
Não cabia falar mais nada, desenterrar coisas do passado e deixar
aquela ferida cada vez mais profunda. Eu sentia que eu tinha falado tudo o
que podia e aguentava falar naquele momento. Era como ver uma casa
muito bagunçada e escolher o que queria arrumar com mais urgência. A
casa tinha muitos cômodos, todos estavam imundos. Apesar disso, eu
jamais teria a energia de fazer uma faxina geral, então só arrumei a sala e
ignorei todo o resto da bagunça.
Pelo menos por aquele momento.
Pelo menos até eu me sentir pronto para arrumar mais alguma coisa.
— Eu… — Vi sua glote subir e descer. — Eu te dou dez minutos. —
Foi tudo o que me disse.
Sem gritos.
Sem desaforos.
Sem ameaças.
Pela primeira vez meu pai ficou calado, me encarando com os olhos
de quem queria falar muita coisa, mas não tinha a mesma coragem do que
eu. Ele não ia assumir o que sente, não iria falar abertamente sobre todas as
coisas – eu já sabia.
Assenti mais uma vez com a cabeça, indo falar com a única pessoa
que me importava naquele momento.
Tão logo comecei a subir as escadas, Camden estava sentado nos
degraus me olhando tão assustado quanto ficava quando era menor e tinha
algum pesadelo. Fiz sinal para ele levantar e subir os outros degraus, para
que pudéssemos conversar no quarto e não ali onde ele poderia escutar.
Contudo fui atingido com um abraço que poucas vezes dávamos, por mais
que fossemos muito amigos e cúmplices.
Nossa criação nos uniu como uma equipe, mas nos afastou quando o
aspecto era demonstrar carinho fisicamente ou até com palavras. Não
éramos o tipo de irmãos que nos abraçamos, beijamos e dizíamos que nos
amávamos. Éramos o tipo de irmãos que estaríamos ali para qualquer coisa,
até ocultar um corpo, se fosse necessário. Faríamos sacrifícios, cuidaríamos
uns dos outros, mas raramente seríamos diferentes daquilo.
Raramente aquele tipo de contato acontecia.
— Você não pode ir, Lebbie — ele falou contra o meu ombro, me
apertando cada vez mais apertado. — Eu não vou ter mais ninguém.
— Eu sempre vou vir aqui quando ele não estiver. — Afrouxei seu
corpo, forçando o meu melhor sorriso naquele momento. — Eu não consigo
brigar hoje, Cam. Você entende isso?
Ele negou com a cabeça, me fazendo sorrir e bagunçar o seu cabelo.
— Você sempre consegue brigar com ele. Eu posso descer agora e
fazer isso por você.
Beijei o meio da sua testa.
— Você não vai fazer nada. — Meu irmão mais novo deixou uma
lágrima escorrer dos seus olhos, não sendo muito diferente da sua versão
criança, onde ele fazia um esforço muito grande para não chorar. — Eu sei
que a gente não fala muito isso, mas eu amo você e vou estar aqui todos os
dias que precisar. Vou falar com a Emma, vamos dar um jeito.
Camden piscou seus olhos grandes, me abraçando mais uma vez.
— Você não tem dinheiro, Lebbie.
Me apertou forte, me fazendo deixar escapar mais algumas lágrimas.
Era uma despedida.
Querendo ou não.
Parecia algo definitivo até para ele.
— Eu dou um jeito.
— Você é pobre, mano.
Aquilo me fez rir baixinho.
— Nem nessas horas você consegue ser diferente, Camden.
Ele se afastou mais uma vez, rindo e chorando, passando a mão na
testa.
— Eu estou sendo realista, Lebbie. — Camden piscou com um único
olho, ainda deixando uma penca daquelas lágrimas caírem. — Usa o
dinheiro que a vovó deixou, entendeu? Dorme com o James e liga para
Emma. — Ele parecia estar pensando em tudo ao mesmo tempo. — Ou fica
com minha quase cunhada e faz todas as outras coisas.
— Eu vou dar um jeito, Cam — repeti, beijando mais uma vez a sua
cabeça.
Não queria falar sobre Paige naquele momento.
Não queria falar que não sabia o que ia fazer.
Sempre mostrei para Camden que eu podia resolver qualquer coisa,
quase uma figura paterna que não tive e que achava que ele precisava ter.
Então por mais que naquele momento eu não fizesse ideia do que faria, me
mantive firme na sua frente, apesar de estar quebrado em vários pedaços
por dentro.
Eu estava perdido, destruído.
— Promete que vai ficar bem, Lebbie?
— Eu vou ficar.
Eu sempre ficava.
Meu corpo parecia estar boiando.
Eu não tinha certeza de onde estava ou como tinha chegado ali,
mas tudo o que eu sentia era como se meu corpo estivesse em cima de uma
boia em alto mar, sendo guiado pelas ondulações das ondas.
Na praia, no mar, aquela maresia era envolvente, de certa forma
reconfortante. Todavia, a sensação era horrível quando se estava em um
colchão dentro de um quarto, principalmente porque aquelas ondulações
pareciam estar por todas as partes, particularmente no meu estômago, que
parecia cheio demais para suportar aquilo tudo.
Abri meus olhos rapidamente, sentindo a ondulação ganhar mais
força, me arrebentar no meio e precisar de um balde ou qualquer coisa para
conseguir deixar que aquilo saísse de mim.
— Aqui! Aqui! Aqui! — Eu conhecia aquela voz, mas não
conseguia enxergá-la.
Metade de mim agora estava na frente do recipiente que ela
colocou praticamente dentro do meu rosto.
— Kimberly, se você puder — vomitei mais uma vez —, me
mata.
— Vou pedir para Alisson pegar mais uma dose de tequila.
E só de ter o nome mencionado, consegui sentir o cheiro do
álcool, a forma abrasiva que queimou minha garganta quando tomei a
primeira dose e aquela queimação, que parecia mais real, me fazendo
vomitar mais alguma coisa, mesmo sem saber como poderia estar
vomitando se não me lembrava de ter comido nada.
— Como eu vim para casa? — Voltei a deitar, piscando meus
olhos até conseguir ver o rosto de Kimberly ainda maquiado da noite
anterior.
— Depois de ter chorado e todo mundo ter visto? O Cookie me
chamou para te ajudar a voltar para casa. — Kimberly passou a mão nos
meus cabelos e fez cara de nojo para o balde. — Como você está se
sentindo?
Não tinha como explicar como estava me sentindo.
Nem toda a ressaca do mundo ia apagar as últimas palavras ditas por
Caleb. Eu não tinha todas as partes gravadas na minha mente, muito menos
a forma que cheguei aquela casa ou como estava tomada banho e de pijama,
mas uma coisa eu tinha certeza: meus sentimentos por Caleb só se tornaram
ainda mais reais depois de saber que ele sentia o mesmo por mim, e não por
uma outra garota.
Como eu poderia imaginar que ele tinha se interessado por mim em
uma dança? Como eu poderia prever que nós dois fizemos, de certa forma,
um plano para nos aproximarmos um do outro? Nem nos meus melhores
sonhos eu conseguiria imaginar e idealizar algo como aquilo.
Ao mesmo tempo que a felicidade tinha tomado meu coração no
momento em que me dei conta de tudo o que tinha saído dos seus lábios,
um arrependimento queimava mais do que toda a tequila que tinha tomado.
Eu tinha conseguido estragar tudo. Eu não falei como eu me sentia. E
diferente do que eu pensei que o álcool fazia, em apagar tudo o que tinha
pela frente, eu tinha certeza que o fato de estar me sentindo envergonhada e
arrependida não seria apagado tão facilmente.
Nada apagaria o fato de agora eu sabia de tudo e aquilo não servia
de nada.
— Você quer dizer em quais aspectos? — Forcei um sorriso.
A verdade é que a ressaca estava queimando meu estômago, meu
corpo parecia ter sido atropelado por um caminhão e mesmo assim, o que
mais me doía naquele momento era saber que não cheguei a falar tudo o
que sinto para ele, que fui incapaz de ser racional e ter focado na única
coisa que me importava.
— O que aconteceu entre você e o nerd?
Me aconcheguei mais nos lençóis, fechando os olhos antes de falar
qualquer coisa.
— Ele disse que me amava e eu só fiquei pensando na merda da
borboleta.
— Puta merda!
Ela falou tão baixo que acabei rindo, sentindo o gosto amargo, ainda
que não fosse pelo vômito e sim por aquele sentimento de ter sido péssima
com quem não merecia.
— Pois é, e no final, eu era a merda da borboleta, Kim.
— COMO ASSIM?
Seu quase grito fez minha cabeça martelar.
O seu “como assim” me representou bem naquele momento em que
tudo o que eu queria era saber como toda a sua história poderia fazer
sentido, como eu nunca tinha percebido ou cogitado nessa possibilidade. Às
vezes, por mais que todas as informações estejam na beira dos nossos olhos,
ficamos cegas demais por nossos próprios sentimentos de sabotagem e
descrença. Essa era a única explicação que eu conseguia chegar enquanto
via a pessoa que eu mais queria me dizer exatamente todas as coisas que
nunca achei que ouviria de alguém.
Não verdadeiramente.
Ao mesmo tempo que Caleb Turner achava que eu era demais para
ele, eu o achava demais para mim. E no final dessa equação, nós éramos
exatamente iguais e equivalentes ao desejo um do outro.
— O que aconteceu? O que aconteceu? O que aconteceu? — Miley
entrou no quarto como um furacão, acompanhada de Alisson.
— Ela era a menina que o Caleb estava apaixonado.
Vi as meninas se olharem sem entender nada, depois voltarem seus
olhos para Kimberly, que parecia ter dado uma informação muito óbvia e
bem elaborada.
— Eu não tinha dito que ele estava com alguém? — Repetir aquilo
me deixava ainda com mais vergonha. — Eu achava que Caleb estava
apaixonado por uma menina que ele chamava como borboleta, mas no final,
eu era essa tal de borboleta.
Não tentei fazer suspense, contando de uma única vez e da forma
mais resumida possível.
Poderia falar sobre como seus olhos estavam intensos e carregados de
lágrimas; como ele conseguiu admitir aquilo, quase cuspindo cada letra na
minha cara; como o nerd deixou claro que se apaixonou à primeira vista por
mim e que por mais que eu achasse que isso não era possível, com ele tudo
parecia ser realmente possível; e uma série de coisas que fui recordando a
cada vez que pensava sobre aquele assunto.
Vê-lo partir, sem me dar qualquer direito de resposta, me quebrou.
Entretanto, eu tinha quase certeza que tinha quebrado muito mais de
Caleb com a minha falta de resposta.
— Calma? Temos um plot? — Miley entrou no quarto como um
foguete, indo até a minha cama. — Ele tinha uma paixãozinha misteriosa
que era você?
— Na verdade ele tinha uma paixão por mim, me deu um apelido e
possivelmente usou desse plano para se aproximar da borboleta, no caso, de
mim — conclui, fechando os olhos. — Nossa eu sou muito burra.
— Por quê? Agora é só correr para os braços dele. — Alisson deu de
ombros. — Posso pegar aquele seu biquíni vermelho?
Sacudi a mão em direção ao armário.
— Ele disse que amava ela, e ela não respondeu. — Kimberly
entregou a outra parte daquela história, deixando Miley com os olhos azuis
arregalados na minha direção. — Como que ela vai correr para os braços
dele se, no mínimo, agora ele pensa que ela o odeia? Não gosta dele, ou sei
lá o que o amor é.
Se eu tivesse forças, iria rir de Kimberly fingindo não saber sobre o
amor.
— Esse romance teve grandes reviravoltas — Miley comentou.
O silêncio se instalou no quarto até Alisson sair do armário com o
meu biquíni nas mãos e um short jeans.
— É só você pegar o celular e ligar para ele. — Alisson, como
sempre, trouxe uma resolução simples para o problema.
Eu nem conseguia imaginar como começaria aquela conversa com
Caleb. “Ei, então, fui super burra, mas te amo”.
Não! Impossível!
— Eu não vou fazer nada. — Tampei a cabeça com o lençol. — Eu
vou ficar nesse quarto até todos esquecerem da minha existência. Até
porque eu não tenho mais motivos nem para me formar, já que meu projeto
foi roubado.
— Acho que você está errada — Kimberly foi a primeira a rebater.
— Eu tenho certeza que ela está errada — Miley completou.
— Eu também, mas não vou ficar aqui fazendo a sua cabeça porque
eu tenho mais o que fazer. — Alisson balançou o biquini no ar, andando em
direção a porta. — Você não é essa pessoa dramática, Paige. E outra, se ele
falou tudo o que estava sentindo, e sabendo como os Turners são
complicados, eu ligaria para vê-lo e contar tudo o que você sente também.
E assim ela saiu do quarto, deixando dois pares de olhos me
encarando. Por mais que eu soubesse o que ela estava querendo dizer,
preferi ficar quieta e fingir que já tinha começado meu voto de silêncio para
que esquecessem da minha existência.
— Paige? — Miley puxou meu lençol. — Você sabe de alguma
coisa?
— Não!
— Estranho… — Kimberly resmungou. — Mas eu estou morrendo
com esse cheiro de vômito, então vou deixar isso lá embaixo e quando eu
voltar, quero ver você no banho e…
O barulho irritante de um celular tocando me fez praguejar a Paige do
passado que resolveu beber todas as tequilas do mundo.
— Nossa, esse número de novo — Miley resmungou, levantando
para tirar o celular do bolso. — Acho que é melhor você atender.
Não tive muita opção de entender ou raciocinar, porque Miley
atendeu o celular e o esticou na minha direção, quase o colocando no meu
ouvido.
— O-oi — gaguejei, tentando colocar o celular no ouvido direito.
— Falo com Paige Mallory? — Uma voz masculina ganhou vida do
outro lado da chamada.
— Sim? — Kimberly apontou para o banheiro e depois para Miley ir
com ela. — Você fala com ela.
— Nossa, achei que não conseguiria. — Ele pareceu rir, fazendo um
barulho diferente com a garganta. — Eu sou o Allan Hopinkes, o
pesquisador que trabalharia na sua ideia.
— Co-como… Que? — Sentei rapidamente na cama, sentindo tudo
girar. — O senhor pode me dar um segundo?
— Claro!
A passos tortos e com a mente parecendo dentro de um
liquidificador, saí do quarto em direção ao andar de baixo, passando pelas
meninas como um foguete. A cada passo que eu dava, cada degrau que eu
pulava, meu estômago e cérebro reclamavam pela minha agitação, mas eu
precisava de água e ar para entender exatamente o que aquela ligação
significava.
Como ele sabia que o projeto era meu?
Será que a Sra. Cooper não era tão irresponsável como cogitamos?
— Desculpa por esse momento. — Peguei o copo da mão de Alisson,
saindo pela porta que dava para o quintal.
O sol acertou meus olhos e minhas papilas gustativas reclamaram do
gosto azedo do suco de laranja que acabei tomando um grande gole. O dia
estava gostoso, mesmo que o chão estivesse meio úmido pela noite,
possivelmente.
— Eu não sei se entendi bem. Você é…
— Eu sou o Allan, pesquisador que iria trabalhar com a Cooper no
seu projeto — ele falou pausadamente. — Eu iria trabalhar nele achando
que você tinha cedido a sua pesquisa para que aprofundássemos as
possibilidades terapêuticas levantadas por você, mas tive a sorte de ser
avisado sobre a fraude que aconteceria.
Minha cabeça parecia que iria explodir e nem era com a dor latente
em cada têmpora, e sim com aquela informação que parecia boa demais
para um dia que começou tão ruim.
Eu tinha recebido alguma espécie de milagre? Como ele ficou
sabendo sobre aquilo?
Olhei para o céu, vendo os desenhos diferentes das nuvens e me perdi
na esperança, na sua imagem estampada em uma daquelas nuvens, nos seus
olhos que agora estariam sorrindo para mim e me dizendo que tudo ficou
bem, no final. Pisquei algumas vezes sentindo meus olhos arderem,
rapidamente liberando aquela saudade que sempre se acumulava como
lágrimas nos meus olhos.
“Você nunca estará sozinha, minha pequena”, foi como ouvir a sua
voz ressoar junto com o vento que pareceu ganhar vida ali, naquele quintal,
arrepiando os pelos do meu braço. Voltei a olhar para o céu, lembrando que
sim, eu sempre tenho alguém olhando por mim naquela imensidão azul.
Sorri, sozinha, emocionada demais para prestar atenção em qualquer coisa
que aquele homem falava do outro lado da chamada.
— Paige? — Sua voz me reconectou.
— Sim, desculpa… — Funguei, sem qualquer tentativa de controlar
aquilo. — É que esse projeto é muito importante para mim e eu fiquei…
— Ele me contou a sua história e da sua mãe. — Ele me
interrompeu. — E foi justamente por isso que liguei pessoalmente para
você, pois ontem me empenhei em ter uma resposta rápida sobre isso, até
porque estava disposto a liberar partes da verba que recebo para realizar
esse trabalho…
— Ele? — Foi a minha vez de interrompê-lo.
— Sim, seu amigo. — Ouvi ele mexer em algumas coisas à sua volta,
até soltar mais uma vez o que pareceu ser uma risada. — Caleb Turner…
Ele veio aqui pessoalmente ontem para me contar toda a situação com o
seu trabalho e…
Não tão diferente como o que tinha acabado de acontecer, meu
cérebro desligou no momento em que seu nome foi falado naquela
conversa. Por alguns segundos meu cérebro foi somando cada pedaço
daqueles dias, os sumiços e suas mentiras, o fato de estar faltando aos
treinos e finalmente cheguei em uma conclusão.
— Eu sou mais burra do que eu pensava — falei não só para mim,
mas para aquele estranho que estava do outro lado da linha e mal sabia que
a menina que escreveu aquele projeto, também era burra.
Ele abriu mão de tudo para me ajudar.
— Cara, você não vai para aula? — James já estava pronto
quando percebeu minha falta de vontade de levantar da cama.
Seu dormitório não era dos piores, mesmo que ele fosse
completamente bagunceiro com tudo. As paredes estavam amareladas e
cheia de colagens que eu não saberia dizer se foi James que fez ou se era de
algum morador anterior, que ele se recusou a arrancar. O quarto contava
com duas camas, dois pequenos armários e piso de madeira sujo, mas não
por culpa da faculdade e sim do morador.
Provavelmente as outras pessoas que moravam em quartos como
aqueles tinham feito alguma decoração, deixado o quarto com a sua cara.
Algo que tornasse aquele lugar um lar, porém, meu melhor amigo só trouxe
uns lençóis velhos da própria casa e um abajur de super heróis que já estava
na sua vida a tanto tempo que eu conseguia me lembrar dele no seu quarto
antigo.
Aquele era James por trás de toda marra e conversa barata, um cara
que gostava do seu abajur velho e era incapaz de se esforçar para estar em
casa ali.
O colega de quarto que deveria ter nunca chegou a aparecer, e como
ele não reportou esse fato a ninguém, ele foi a primeira pessoa que pensei
em pedir abrigo depois do que aconteceu na noite anterior. Eu não estava
com sono. Não estava com energia e muito menos queria ficar sozinho.
Eu nem ao menos sabia o motivo de estar tudo doendo, se era por
Paige, por ter saído de casa sem qualquer plano ou as duas coisas juntas.
— Eu nem sei como vou pagar a faculdade sem ter a bolsa e o
dinheiro. — Sentei na cama, conferindo o horário no celular. — E a Emma
quer me ver de todos os jeitos.
— Aquela gostosa está por aqui?
Revirei os olhos, fazendo-o gargalhar.
— Cara, você pode conversar com o Nathan e ver o que ele consegue
te ajudar. Acho que por ele ser treinador junto com o seu pai, a voz dele
sirva para alguma coisa. — O que eu sabia que não serviria, porque meu pai
só tem aquela vaga por ter sido um jogador famoso, enquanto Nathan era
jovem demais. — Você fica com a sua bolsa e não sei, a gente vê uma
forma de você ficar aqui escondido até a faculdade acabar.
— Sério? Escondido por anos?
Acabei rindo, porque James era inacreditável quando queria.
— Você só estuda, idiota. — Ele jogou uma lata vazia que encontrou
no chão. — E outra, o máximo de vida que você teve foi ao lado da Paige.
Que seria meu outro tópico, porque depois de tudo isso, você vai pegar toda
essa lamentação e vai se arrastar até a borboleta para falar o que está
sentindo.
— Eu já contei para ela como eu me sinto — bufei.
— Fala de novo. — James cruzou os braços. — Eu acho que vocês
tiveram uma comunicação de merda e precisam se resolver. Fora que, nesse
momento, eu sei que você ficaria um pouco mais animadinho com uma
boceta com asas e…
— Vai se foder, James!
Joguei a lata de volta, vendo-o esquivar e gargalhar.
— Cara, segue o que eu estou te falando e vai dar tudo certo.
— O que eu realmente vou fazer é esperar até o horário de me
encontrar com a Emma e ver o que é tão importante, mesmo já sabendo ser
por toda a situação com o meu pai. — Respirei fundo. — E depois, vou
voltar para esse quarto e ficar aqui até saberem que eu não tenho mais
dinheiro para pagar pelos meus estudos.
James abriu e fechou a boca, talvez tentando fazer a mesma coisa da
noite anterior.
Assim que cheguei na porta do dormitório, com um saco de lixo na
mão com algumas roupas e provavelmente uma cara muito inchada de tanto
chorar, ele me abraçou quase como Camden tinha feito e me ajudou a
buscar o resto das coisas na caminhonete.
Ficamos em completo silêncio por algumas horas, depois que contei
todos os últimos acontecimentos da minha vida. Não fiz resumo, nem
poupei detalhes. Eu disse com todas as letras que a amava, apesar de sentir
que aquilo estava mais dolorido do que o normal. Assim como contei cada
vírgula que consegui dizer para o meu pai depois de tantos anos de silêncio
e resignação.
Seus olhos, vez ou outra, me encaravam por mais tempo demais.
Eu sabia o que ele queria dizer.
Ele sabia o que queria perguntar.
Mas tínhamos uma promessa de não mencionar minha mãe como
solução de nenhum dos meus problemas.
— Eu sei que você não quer ouvir o que eu vou dizer, mas nós dois
sabemos que metade dos seus problemas poderiam ser resolvidos com uma
ligação. — Raramente eu via a sua versão mais séria. — Não tenho como
imaginar como deve ter sido para você, ficar todos esses anos sem ter
qualquer contato com ela, porém eu acho que esse era o momento para você
procurar, nem que fosse para ter o que deveria ter tido desde sempre.
— Não irei falar com ela, James.
O “ela” era a forma mais fácil de chamar a minha mãe.
A pessoa que não deveria ter fugido.
A pessoa que não deveria ter nos negado o seu amor.
A pessoa que nos deixou para trás, mesmo sabendo que ele não era
bom nem para ele, quem dirá para nós.
— Eu vou resolver isso sozinho — conclui.
— Vou te ajudar, cara, independente de você ser um idiota cabeça
dura. — James sorriu, indo até a porta. — Quando sair, tranca, se não eles
entram no quarto, e eu vou passar no Camden para ver como ele está.
Qualquer coisa te mando mensagem, caso seu pai não esteja por lá.
— Obrigado, cara.
Era legal perceber que eu tinha alguém além dos meus irmãos.
Além da minha borboleta.
Se tinha uma visão que eu gostava, era de como meu pau ficava na
boca de Paige.
Fomos incapazes de esperar até chegar em casa, parando em uma
área mais deserta da cidade para fazer o que tanto queríamos.
Paige me encarou séria, segurando meu pau duro como pedra. Antes
de sugá-lo por completo, deixou o ar quente da sua boca queimar a minha
glande, passando sua língua de forma preguiçosa pela mesma. Minhas bolas
pulsaram, ansiosas, fazendo-me fechar os olhos e esperar por aquele prazer
que sempre sentia quando o assunto era Paige Mallory.
E então, calmamente, a mulher dos meus sonhos o colocou nos seus
lábios.
O quente da sua boca e sua língua habilidosa foi tudo o que senti,
abrindo os olhos para olhar aquela cena que eu tanto gostava. Paige o
engoliu quase que por completo, ouvindo aquele som característico. Aquele
som foi o necessário para me fazer gemer sem qualquer vergonha,
afundando meus dedos nos seus cabelos.
— Merda, amor…
Gemi, vendo-a tirar e me colocar rapidamente na boca, enfiando até o
fundo da sua garganta.
— É assim que você gosta, nerd? — Ela parou para me olhar,
fingindo não saber que toda vez que fazia aquilo, eu só faltava ver estrelas.
— Você sabe que está acabando comigo. — Relaxei no banco do
carro, alisando seu rosto perfeito.
— Eu posso ter me esquecido como fazer direitinho. — Ela
continuou com aquele tom condescendente.
— Eu posso te guiar para que se lembre exatamente como eu gosto.
Ela riu baixinho, deslizando sua mão por toda a minha extensão.
— Eu acho que eu você quer que eu coloque meu pau na sua boca até
ouvir você engasgar.
— Será, nerd?
Ela ainda iria me matar e isso era fato, sem precisar de qualque
estudo de caso para confirmar minha tese. Paige Mallory a cada dia que
passava tinha mais poder sobre mim.
Apertei meus dedos nos seus cabelos e com a outra mão segurei meu
pau.
— Abra sua boca, amor.
Ela mordeu os próprios lábios antes de fazer o que disse, deixando
que me afundasse na sua boca e ditasse aquele ritmo. Com as mãos em seus
cabelos, meu pau sumindo a cada nova investida e o som de Paige se
engasgando, eu estava no limite. Segurando, aproveitando o prazer que
aquela boca deliciosa estava me proporcionando.
Eu estava controlado nos gemidos, deixando que seus barulhos
fossem mais altos que os meus porque tudo aquilo estava fazendo parte do
meu prazer. Os sons, o quente da sua boca, o fato de ser ela.
Paige era meu prazer.
— Eu quero que você goze na minha boca, nerd — ela falou quando
dei um tempo para que ela respirasse e eu também. — E depois eu quero
que você me foda até gozar na minha boceta.
Fiquei sem graça, soltando seus cabelos para segurar os meus.
— Eu amo como você fica tímido mesmo sendo um completo safado
quando quer.
Ela voltou a me chupar por conta própria, aumentando o ritmo a cada
segundo que passava. Tentei me segurar mais um pouco, mesmo que fosse
quase impossível com a forma que Paige estava me engolindo.
— Borboleta…
Gemi, chegando no meu ápice.
Fim!
Antes de começar a série de agradecimentos de sempre, gostaria de
dizer que foi um desafio muito grande chegar até o final desse caminho. Se
você não segue nas minhas redes (@tfautora), pode não saber que eu fiquei
nove meses sem conseguir escrever até chegar neste livro. Dentre muitas
coisas que aconteceram na minha vida pessoal, o que mais me doeu foi
perceber que eu não conseguia fazer o que eu mais gostava.
Escrever sempre foi uma válvula de escape para os meus
pensamentos mais absurdos e apressados. Sempre procurei usar a escrita
como forma de expressar meus sentimentos, pensamentos, anseios e por aí
vai.
Acontece que depois de tudo o que eu passei, do começo do ano
para cá, o que eu mais sabia fazer deixou de ser a “terapia” que sempre foi.
Passei a enrolar os processos, não dar continuidade a personagens que
poderiam ser especiais, deixei de contar algumas histórias e,
principalmente, deixei, a cada dia, de ser a Thais que eu sempre fui. Perdi
meu brilho, a vontade de viver e uma série de coisas que não cabem nesse
agradecimento.
O que eu gostaria dizer com tudo isso é que durante todo esse
processo eu quis desistir – e como desistir você pode abranger muitas áreas
da minha vida –, porque não parecia certo continuar tentando por algo que
não ia para frente. Mas como sempre faço na minha vida, pensei em pegar
toda essa energia caótica e só curtir o processo.
E posso afirmar que, se você quer alguma coisa, apenas comece a
fazer.
“Ah, Thais, é fácil falar”. E não, eu sei que não é fácil. Eu fiquei
nove meses tentando, mas uma hora aconteceu. E se eu pudesse deixar
qualquer mensagem para este livro seria essa: continue tentando. Continue
se esforçando e acreditando.
Não desista de você, nunca. Jamais!
Eu não desisti de mim e por isso vou me dar esse agradecimento
especial.
Agora vamos aos agradecimentos oficiais? Vamos!
Primeiro agradeço a você porque, se chegou até aqui, é querida (o)
que resolveu ler os meus queridos personagens e acreditou nesse livro até a
última página. Espero que tenha se apaixonado por eles e como sempre
peço, não deixe de avaliar o livro para que ele chegue a outras pessoas.
Leva poucos minutos e pode mudar com o meu rumo como autora.
Agradeço as minhas de fé, de todos os livros, Ellen F e Yasmin S.
Do jeito de vocês e como podem, sempre me ajudam de alguma forma a
fazer os livros acontecerem. Dessa vez, minha amiga Ellen voltou a
diagramar esse querido e a Yas tirou seu tempo betando e lendo em primeira
mão. Vocês são maravilhosas.
Não posso deixar de mencionar o meu bebê, Marcela M, por
sempre tentar controlar minha vontade de exagerar, além de ter ouvido cada
ideia com toda atenção. Você foi incrível. E também a Aurora B, por não
saber, mas ter me dado as palavras de incentivo no momento certo. Sinto
que Deus coloca as pessoas certas, nos momentos certos.
Desse mundo literário eu ainda preciso agradecer a Gabi M por me
assessorar e ter embarcado comigo nessa ideia no começo do ano. A Yah M
por todas as trocas que fizemos nesse processo e como foi importante ter
alguém para desabafar. A Anna C, por que com quem eu iria poder dividir
um nerd? Só com ela. E peguei várias dicas, sem ela saber, nos stories e
vídeos sobre o personagem nerd perfeito.
Não poderia deixar de mencionar a pessoa que revisou esse livro,
surtou comigo em alguns momentos e teve muita paciência. Amanda, você
é uma querida. Merece muito reconhecimento pelo seu trabalho.
E claro, as meninas do meu grupo de leitoras que sempre se
esforçam para participar e ler meus lançamentos, em especial a Dani, uma
das minhas primeiras leitoras que tive na vida. Eu sei que pelo menos ela
vai parar para ler um livro meu (risos).
Agradeço também às minhas amigas de vida, fora desse mundo de
autora, Letícia e Fran. Eu nunca abri muito espaço para que as pessoas da
minha vida soubessem que eu escrevo, mas vocês me ajudaram DEMAIS a
continuar esse projeto, confiando e me dando todo o apoio, ouvindo minhas
reclamações, mostrando que eu era capaz. E claro, não podemos esquecer
dessa capa linda de presente.
Enfim meus amores, é isso.
O maior agradecimento da história.
Não reclama porque estou a meses sem escrever e precisava
agradecer a cada pessoa que me lembrei.
E se eu esqueci de você, que está lendo esse agradecimento e não foi
mencionado, saiba que você mora no meu coração. Seja por ter parado um
momento para me dar uma palavra amiga. Seja por ter comentado e curtido
meus posts ajudando a engajar. Seja por ter dedicado horas lendo esse livro.
Você é tão fundamental quanto todas as pessoas citadas.
Espero que você continue lendo a série.
Nos vemos em breve,
Xoxo, a sonhadora não morreu.
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@tfautora