Sinestesia - Nath Queiroz e Tami Rangel

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Outras obras das autoras

Série Apenas
Apenas Amigos
Apenas Mais Uma
Apenas Nós Dois

Série Quase
Quase Namorados
Quase Uma Noite
Quase Vizinhos

Série Editora Werberg


Invisível
Inevitável
Imprevisível
Inseparável
Irresistível (conto)

Fio Invisível
Direitos Autorais © 2022 Nath Queiroz e Tami Rangel

Todos os direitos reservados

Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou armazenada em um sistema


de recuperação, ou transmitida de qualquer forma ou por qualquer meio,
eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou outro, sem a permissão expressa
por escrito das autoras.

Diagramação: Tami Rangel


Revisão: Aline Paixão (Panda) @pandalendo
Betagem: Bibi e Bea

Site: www.nathqueirozetamirangel.com.br
E-mail: nathamiautoras@gmail.com
Instagram: @tamienathautoras
Assessoria: pandalendo@gmail.com (@pandalendo)
Para todas as leitoras que viram Thomas
crescer e Lia nascer. Obrigada por serem o motivo
pelo qual escrevemos.
io
Nota das autoras
Prólogo. Lia
Prólogo. Thomas
1. Lia
2. Thomas
3. Lia
4. Thomas
5. Lia
6. Thomas
7. Lia
8. Thomas
9. Lia
10. Thomas
11. Lia
12. Thomas
13. Lia
14. Thomas
15. Lia
16. Lia
17. Thomas
18. Lia
19. Thomas
20. Lia
21. Lia
22. Thomas
23. Lia
24. Thomas
25. Lia
26. Thomas
27. Lia
28. Thomas
29. Lia
30. Lia
31. Thomas
32. Lia
33. Lia
34. Thomas
35. Lia
36. Thomas
37. Lia
Epílogo - Lia
Agradecimentos
Gostinho do próximo
Nota das autoras
“Why can't you hold me in the street?
Why can't I kiss you on the dance floor?
I wish that it could be like that
Why can't we be like that?
'Cause I'm yours”
(Secret Love Song – Little Mix feat. Jason Derulo)

Mal podemos acreditar que essa história finalmente


saiu das nossas mentes e tomou forma através de palavras!
Para você que conheceu Thomas criança em Quase
Vizinhos ou que viu a Lia nascer durante a série Apenas, seja
bem-vinda de volta!
Para você que está vendo esses personagens pela
primeira vez, pode ficar tranquila! Sinestesia é uma história
solo, único, que começa e termina bem aqui nesse livro.
(Mas se depois você quiser se aventurar e ver mais de
alguns dos personagens mencionados aqui, como os pais
dos nossos protagonistas, fique à vontade!)
Nós sempre tivemos planos de escrever a história do
Thomas e da Lia. Desde 2020, essa ideia tá reservada num
lugarzinho especial para quando chegasse o momento dos
dois.
Mas foi uma ótima coincidência que permitiu que
Sinestesia não só servisse para contar a história de Tholia
como também para dar o pontapé para o nosso futuro
universo (que tenho certeza que vocês estarão colhendo
pistas ao longo do livro – spoiler! Tem o primeiro capítulo no
final de tudo).
Esse romance é, com certeza, um dos mais diferentes
que já escrevemos. Vocês aqui vão acompanhar altas doses
de risadas e um ritmo de comédia romântica mais comédia
romântica do que já escrevemos antes. Thomas e Lia são
escritores, sensíveis e emocionados. Quando os dois se
encontram o romantismo fica ainda mais aflorado.
Ao longo desse livro vocês também vão encontrar
poesias autorais de Nathami que escrevemos enquanto
Tholia estavam dentro da nossa cabeça. Foi uma experiência
maravilhosa explorar mais um tipo de escrita.
Por último, mas não menos importante, nesta história
vocês encontrarão um relacionamento entre professor e
aluna/tutora. Os dois são maiores de idade e estão
perdidamente apaixonados um pelo outro, mas lembrem-
se: esta é uma obra de ficção e o homem aqui foi criado por
mulheres. Se envolver com um professor na vida real está
longe de ser uma boa ideia.
Dito isto, esperamos que vocês aproveitem muito essa
leitura e se apaixonem por este casal tanto quanto a gente.
Com amor,
Nathami
Antes de vocês conhecerem mais de Thomas e Lia, nós
preparamos uma surpresinha muito especial!

Quer escutar a playlist #Tholia que preparamos


enquanto curte sua leitura? Clique na barra de busca do
Spotify e selecione o ícone de câmera . Clique em
ESCANEAR. Aponte sua câmera para o código do Spotify e
pronto, agora é só curtir!
Aproveita que tá recheada de música boa selecionada a
dedo pela nossa especialista em playlist @pandalendo.
Prólogo. Lia
Meu coração parecia estar quase saindo pela boca. Eu
sabia que não precisava ficar tão nervosa assim, mas a
seleção de tutoria para a aula de Linguagem e Sentido vinha
mexendo com o meu psicológico. Faltava menos de 1 hora
para a publicação ser feita no site da Faculdade de Letras da
UFRJ. Meu celular vibrou dentro da bolsa. Puxei de uma vez.

Jhonas: Qr vir aqui p/ casa?

Jhonas e eu namorávamos há poucos meses. Tínhamos


nos conhecido durante a prova para o mestrado em Ciência
da Literatura, mas durante quase todo o primeiro semestre
eu só o via como um amigo. Até que ele deu o primeiro
passo e me beijou. Uma coisa foi levando à outra e… bem,
aqui estou eu.
Uma mensagem no grupo que eu tinha com meus pais
e meu irmão brilhou na tela e desviou minha atenção.

Papai: Como estão as coisas por aí, filha? O resultado é


hj, não é?
*Mamãe enviou um arquivo de foto*
Mamãe: Temos ctza q a vaga é sua, meu amor. Já
comprei a sua champagne preferida pra qnd vc vier visitar a
gente em Itapê

Meus pais, apesar de morarem em Itaperuna, cidade


onde cresci, tentavam ser o mais presentes possíveis na
minha vida. Mesmo em coisas mais bobas como essa
seleção de tutoria.

Mamãe: Ah, e não esquece q sua prima vai pra sua


casa hj!
Droga! Eu já tinha esquecido completamente. Jade,
minha prima, iria passar o final de semana no meu
apartamento enquanto a república onde moraria durante o
próximo semestre passava por uma espécie de reforma.
Estava prestes a responder meus pais quando o celular
começou a tocar.
― Oi, gata ― a voz do meu namorado soou impaciente.
― Oi, Jhonas. Ia te mandar mensagem agora ― avisei.
― Você demorou a responder, por isso liguei… ― Olhei
para o relógio, ansiosa que a hora passasse e o resultado da
seleção ficasse disponível no site. ― Quer vir aqui pra casa?
― Querer eu queria, mas não posso… ― O barulho da
campainha me despertou. Devia ser Jade.
― Você vai receber visitas?
― Minha prima vem passar o final de semana, lembra?
― Calcei o chinelo e caminhei até a porta.
― Ah… Verdade. Posso dar uma passadinha aí mais
tarde? ― Abri um sorriso, feliz. Inicialmente eu achei que eu
e Jhonas talvez não tivéssemos muito a ver, mas aos poucos,
com as semanas passando eu me sentia cada vez mais
encantada pelo seu lado fofo.
― Claro. Traz aquela pizza que eu amo? ― pedi. Ouvi
sua risada aguda do outro lado da linha.
― Só se eu puder pedir para tirar as azeitonas.
― De jeito nenhum. Deixa minhas azeitonas em paz ―
brinquei. ― Tenho que ir, te espero mais tarde.
Desliguei rapidamente o telefone e puxei o trinco da
porta para abrir. Minha prima estava parada do outro lado
com um enorme sorriso de felicidade no rosto. Ah, a vida de
calouro universitário! Eu me lembro da época que mantinha
esse mesmo sorriso no rosto.
― Lia! ― A garota jogou os braços ao redor do meu
pescoço num abraço apertado. Tirando os enormes olhos
azuis que Jade ostentava, muitas vezes fomos confundidas
com irmãs enquanto crescíamos, principalmente pelo nosso
cabelo escuro combinando. ― Eu estava morrendo de
saudade!
― Eu também! ― Ela se afastou do meu abraço
rapidamente e entrou no apartamento, observando tudo ao
redor.
― Amei a decoração. Deve ser muito bom morar
sozinha, eu não vejo a hora. ― Jade ficou descalça e se jogou
em um dos sofás. ― Aposto que você traz um monte de
macho gostoso pra cá. ― Soltei uma risada.
― Eu tô namorando, então só um macho gostoso anda
vindo pra cá. ― Jade torceu o nariz em uma careta.
― Não entendo essa mania de namorar. Você é tão nova
ainda, pra que se prender a uma pessoa só?
― Ah, é bom ter alguém para dividir a vida… Você vai
entender um dia, pirralha ― impliquei. Eu amava provocar
minha prima pelos nossos 5 anos de diferença.
― Vira essa boca pra lá. Eu estou pronta pra começar
essa nova fase com o pé direito e sem nenhum tipo de
apego. Você sabe muito bem que isso não é pra mim. ―
Revirei os olhos e estendi um copo de água na sua direção.
― E o mestrado? Tá gostando?
― Muito. Inclusive… ― Encarei o relógio mais uma vez.
― Faltam 17 minutos para ser liberado no site quem foi a
pessoa selecionada para a tutoria daquela disciplina que eu
te falei.
― Se você for a tutora, significa que vai poder arrumar
uns pontos extras pra mim quando o semestre começar? ―
Deixei que uma gargalhada escapasse dos meus lábios. Jade
não tinha jeito. Ela em breve seria a mais nova caloura da
faculdade de Letras-Literatura da UFRJ, após tirar 6 meses
sabáticos com o final do Ensino Médio.
― De jeito nenhum, você sabe que… ― Antes que eu
pudesse completar o raciocínio, meu celular vibrou. Uma
notificação de e-mail brilhou na tela.
Meus olhos varreram o texto sem acreditar.
De: Roberto Mattos <mattos.roberto@ufrj.br>
Para: Lia Bellini <lia.bellini@freemail.com.br>
Assunto: SELEÇÃO TUTORIA LINGUAGEM E SENTIDO

Parabéns! Você foi selecionada como tutora integral da


disciplina Linguagem e Sentido que será ofertada no
próximo semestre letivo. Ressalto que o professor Armando
Castro está de licença médica após cirurgia e a disciplina
será ministrada por um professor substituto do
Departamento de Linguística.

Peço que envie assinado o documento de confirmação


de interesse enviado em anexo juntamente com o seu
Boletim de Orientação Acadêmica.
Atenciosamente,

Roberto Mattos
Coordenador do Departamento de Linguística
Universidade Federal do Rio de Janeiro

― EU CONSEGUI! ― Levantei de um pulo, sentindo


meu coração prestes a sair pela boca. Se isso era um sonho
eu não queria acordar nunca mais. A bolsa de tutoria me
ajudaria com alguns poucos gastos, mas o que eu mais
queria era poder estar auxiliando na disciplina que eu
sonhava até em um dia ministrar. Infelizmente não seria
com o Professor Armando, que tinha sido o responsável por
despertar minha paixão pela Linguística.
― AH, EU SABIA! ― Jade veio de encontro ao meu
corpo me abraçando apertado. ― A gente precisa sair pra
encher a cara e comemorar! A menina que vai morar na
república comigo disse que o time de futebol da Atlética tá
dando uma festa pra comemorar alguma coisa.
Eu nem conseguia processar as palavras da minha
prima. Eu estava tão extasiada que ainda não sabia direito
como entender o que tinha acabado de acontecer. Puxei o
celular e mandei uma mensagem para os meus pais.
― Eu não posso. Jhonas vem pra cá mais tarde. ― Jade
fez bico, frustrada.
― Você é uma empata foda, Liazinha.
Meu celular vibrou com uma chamada de vídeo. Aceitei.
Minha mãe parecia eufórica do outro lado com uma taça de
champagne nas mãos.
― PARABÉNS, LIA! Nós sabíamos que você conseguiria!
― Senti meu peito aquecer. Eu amava minha família com
todas as forças do mundo.
― Obrigada, mãe. Achei que você tivesse dito que ia
me esperar para abrir o champagne ― impliquei. Ela deu
um sorriso torto.
― Até parece que você não conhece sua mãe,
princesinha. ― Não importava que já tivesse 24 anos, para o
Dr. Victor Bellini eu sempre seria uma princesinha.
― Eu prometo que vamos comprar outra quando você
vier, querida ― mamãe se justificou. ― E quais os planos de
comemoração?
― Eu tentei convencer essa chata a ir numa festa
comigo, mas ela me dispensou. ― Jade apareceu às minhas
costas. ― Oi, tia! Oi, tio!
― Oi, meu amor! Como você está linda. Não puxou
nadinha o seu pai. ― Minha mãe amava implicar com o tio
Rodrigo, pai de Jade.
― Obrigada, tia. Você também está cada dia mais gata,
devem ser os genes da nossa família. ― Deixei uma risada
escapar.
― Bom, não vamos atrapalhar os planos de vocês, só
queríamos te parabenizar mesmo, meu amor. Amamos você
e estamos muito orgulhosos. ― Senti meus olhos encherem
de lágrimas e me despedi.
A pior parte de ter me mudado para o Rio de Janeiro era
a falta que eu sentia de Itaperuna. Mas estar aqui era parte
da realização de um sonho antigo e por algum motivo eu
sentia que essa tutoria me colocaria ainda mais perto de
alcançar.
Prólogo. Thomas

Fazia algumas semanas que eu tinha sido aprovado


como professor substituto para o curso de graduação em
Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Minha
carreira, desde que entrei na faculdade, sempre foi a maior
prioridade da minha vida. Depois da minha família, é claro.
Levei um tempinho tentando decidir o que fazer da
vida depois de concluir o mestrado em Ciência da Literatura.
Eu não sabia se gostaria de emendar num doutorado, de ir
para fora do país estudar ou de continuar trabalhando
somente nos meus livros de poesia.
Perto do meu aniversário de 26 anos, o edital do
concurso para substituto na disciplina eletiva de Linguística
e Sentido praticamente pulou na frente dos meus olhos.
Porra, devia ser um sinal. Tinha sido a minha matéria
preferida na graduação, principalmente a parte do estudo
das Figuras de Linguagem em poesia.
Eu tinha feito uma prova escrita foda demais em uma
das etapas da seleção, mas sabia que a minha aprovação se
devia principalmente à parte de didática. As pessoas
tendiam a achar que escritores, especialmente os que
trabalham com poesia, seriam reclusos e introvertidos, mas
esse não era o meu caso. Eu nasci para ser professor.
Quando fiquei na frente da banca examinadora e apresentei
meus slides, sabia que a vaga era minha.
Eu ainda não tinha dado a notícia pros meus pais, mas
hoje seria o grande dia. Meu pai tinha me convidado para
um jantar e eu não via a hora de contar tudo. Comprei uma
garrafa do vinho preferido da minha mãe e a caixa de
bombom favorita da minha irmã mais nova.
Tirei o molho de chaves do bolso e abri a porta. Meu pai
nunca me permitiu tocar a campainha. Ainda que eu tenha
decidido morar sozinho aos 19 anos, ele disse que aquele
apartamento seria sempre minha casa. Olhei ao redor da
sala vazia e fui capturado por um som proveniente da
cozinha.
― Mãe! Pai! Cheguei! ― anunciei. Coloquei o molho de
chaves em cima do aparador e tirei o tênis esportivo antes
de avançar e procurar pela minha família.
Em frente à ilha de mármore branco da cozinha, vi a
silhueta alta do meu pai com as mangas da camisa social
dobradas enquanto cortava com força o que parecia ser
algum tipo de queijo. Henrique Goulart, apesar dos 55 anos,
continuava o mesmo de sempre. Focado no trabalho, um
ótimo pai e, é claro, completamente apaixonado por Laura
Goulart. Os olhos dele se ergueram para os meus e um
sorriso largo estampou seu rosto.
― Oi, filho! ― Meu pai enxugou as mãos no pano de
prato pendurado no seu ombro e veio na minha direção, me
puxando para um abraço apertado.
― Oi, pai. Cadê minha mãe? ― Ele bufou, como se a
simples menção a essa pergunta despertasse algum gatilho
do qual ele não gostaria de falar.
― Ajudando sua irmã a escolher uma roupa ― disse
com um tom de voz irritado. Ergui a sobrancelha confuso.
― Helô vai sair? Achei que fosse jantar com a gente. ―
Meu pai jogou o pano de prato sobre a bancada e franziu a
testa contrariado.
― Ela tem um encontro. ― Sua voz saiu entredentes.
Contive uma risada.
― Ela já tem 18 anos, pai. Você precisa superar. Nossa
menininha cresceu ― brinquei. Ele torceu o nariz e forçou o
ombro contra o meu. ― Não me lembro de você ter ciúmes
de mim quando comecei a namorar.
― Não tive. Sua mãe ficou com ciúmes suficiente por
nós dois. ― Uma gargalhada escapou da minha garganta.
Aquilo era a mais pura verdade. Eu tive algumas namoradas
ao longo dos anos, mas a primeira de todas despertou todo
o sentimento de mamãe urso da Sra. Goulart.
― Vou lá dentro ver as duas e já volto ― avisei. Meu pai
esticou um braço para me impedir.
― Vai me acompanhar no Bourbon no jantar? ― Tinha
se tornado uma espécie de tradição entre nós dois beber
uísque durante os jantares de família. Meu pai sempre foi
um apreciador da bebida e aos poucos fui aprendendo a me
tornar também.
― Hoje não, tô dirigindo. ― Caminhei em direção ao
quarto da minha irmã no corredor que tinha sido minha
pista pessoal de corrida quando criança. Bati na porta três
vezes e uma voz fina me permitiu entrar.
― Ouvi dizer que alguém tem um encontro especial
hoje à noite ― impliquei. Minha irmã estava parada em
frente ao espelho se observando num vestido preto de
manga comprida. Seu rosto, que parecia chateado com o
reflexo da roupa, se iluminou por completo ao ouvir a minha
voz. A garota correu na minha direção e jogou os braços ao
redor do meu pescoço.
― Ahhh! Eu estava com saudades! Você ficou duas
semanas sem vir ― reclamou.
― E agora que eu vim você vai me abandonar. Estou
me sentindo ofendido, Heloísa. ― Ela revirou os olhos e deu
uma risadinha. ― Não sabia que a senhorita estava
namorando.
― E não estou. É só um encontro. ― Ela balançou a
cabeça e ajeitou a franja na testa, parecendo nervosa. ― Eu
não queria ir, mas a Luna insistiu. E você sabe como ela é.
Luna, filha mais nova dos meus tios Arthur e Maya, era
a melhor amiga da minha irmã desde que as duas estavam
nas barrigas das mães e tinha saído com uma personalidade
preocupantemente misturada dos pais. Em outras palavras,
era um furacão em forma de gente. Minha irmã, por sua vez,
sempre foi mais tímida, o que contrabalanceava o
relacionamento entre as duas.
― Aproveita, Helô, você merece se divertir. ―
Aproximei-me dela e coloquei um beijo na sua testa. ― E
você tá uma gata. Qualquer que seja o cara que vai sair com
você essa noite é um sortudo. ― Ela abriu um sorriso na
minha direção.
― Você acha? ― Seus olhos castanhos se voltaram para
os meus. Às vezes eu esquecia o quanto Helô era parecida
com a minha mãe. Nós dois só tínhamos em comum o
cabelo castanho claro, mas os meus olhos eram exatamente
iguais aos da minha mãe, pelo que diziam. Da minha outra
mãe, no caso.
― Eu tenho certeza. ― Olhei ao redor do quarto
procurando por algum sinal da minha mãe dentro da suíte.
― Cadê a mamãe? ― Como que numa resposta à minha
pergunta a porta do quarto se abriu.
― Eu trouxe aquela sandália que você… ― Minha mãe
interrompeu a frase no meio do caminho quando me viu
parado por ali e jogou os sapatos na cama para vir na minha
direção me cumprimentar com um abraço apertado. ― Ah
meu Deus, parece que faz 1 ano que não te vejo, Thomas! ―
Beijei o topo da sua cabeça e afaguei seu cabelo contra
mim.
― Foram só duas semanas, mãe.
― Pareceu muito mais. Olha como você parece ter
crescido e ficado mais forte. ― Ri baixo.
― Eu parei de crescer faz alguns anos já, Dona Laura ―
impliquei. ― Vou deixar vocês duas terminarem de se
arrumar e tentar fazer meu pai não arrancar os cabelos de
nervosismo. Helô, comprei uma caixa daquele seu chocolate
favorito em formato de concha. Tá na geladeira.
― Ah, você é o melhor irmão de todos! ― Pisquei na
direção dela em forma de agradecimento e fechei a porta do
quarto deixando as duas sozinhas.
Meu pai agora parecia descontar num inofensivo
salame todas as suas frustrações com o encontro romântico
da minha irmã. Puxei um dos bancos que adornavam a
bancada e me sentei, encarando-o sem dizer nada.
― O quê? ― perguntou. Ergui a sobrancelha e apontei
para a faca de forma acusatória.
― Acho melhor tirarmos a faca da sua mão. ― Meu pai
revirou os olhos e jogou o talher dentro da pia. Ele puxou o
copo de uísque com gelo que permanecia intacto no canto
da bancada e bebeu tudo de uma vez, suspirando devagar
antes de falar:
― Ela cresceu. ― Balancei a cabeça concordando.
― Cresceu. Eu também cresci. As coisas são assim, pai.
É só um encontro. ― Ele balançou a cabeça devagar
concordando e encheu o copo mais uma vez. Passos no
corredor chamaram nossa atenção. Mamãe e Heloísa
surgiram no arco que separava a cozinha americana da sala
de jantar. Lancei um olhar de repreensão ao meu pai antes
que ele fizesse qualquer comentário.
― Você tá linda, Helô ― elogiou. ― Precisa que eu te
busque em algum horário? Não quero você voltando tarde
sozinha. ― Minha irmã balançou a cabeça negando
rapidamente.
― Não. O Gael disse que me deixaria aqui. ― Meu pai
concordou com a cabeça e engoliu mais uma vez uma dose
de uísque.
― Bom, então divirta-se. E toma cuidado. Qualquer
coisa é só ligar. ― Minha irmã foi até ele e deitou a cabeça
no seu peito.
― Obrigada, pai. Amo você.
― Também amo você, filha. ― Eu sabia que Henrique
Goulart estava lutando contra seus instintos com muito
afinco para impedir que o ciúmes aparecesse na frente da
minha irmã. No segundo que Heloísa colocou os pés para
fora de casa, ele se jogou contra o banco ao lado do meu,
parecendo exausto.
Minha mãe parecia conter a vontade de rir a cada passo
que dava até as suas costas. Ela colocou o braço ao redor do
seu pescoço e apoiou o queixo no topo da cabeça.
― Qual o cardápio da noite? ― perguntei.
― Risoto de frango com molho pesto. ― Para a minha
surpresa, a resposta partiu da boca do meu pai.
― Seu pai cozinhou hoje. ― Meu pai cozinhando? Essa
era novidade. O encarei com um questionamento implícito.
Ele só bufou e bebeu mais um gole do copo a sua frente.
― Eu precisava focar em qualquer outra coisa. Cozinhar
pareceu uma ótima ideia.
― Devo me preocupar com o sabor? Porque pra falar a
verdade, eu pretendia que o jantar de hoje fosse uma
comemoração especial. Trouxe até seu vinho favorito, mãe ―
expliquei.
― O que vamos comemorar? ― Ela caminhou até o
armário e pegou sua taça favorita.
― Vocês terão o privilégio de jantar com o mais novo
professor da UFRJ de Linguagem e Sentido.
― Ah, eu não acredito! ― Minha mãe correu para o meu
lado e me apertou com força. ― Parece que foi ontem que
comprei As Crônicas de Nárnia pro seu aniversário de 6
anos.
― Parabéns, Thomas. ― Meu pai se levantou e eu o
imitei para que pudesse aceitar seus cumprimentos. ―
Tenho muito orgulho de você, filho. E se sua mãe fosse viva
também teria.
― Eu sei, pai. ― Me afastei para encarar os dois. ―
Começo daqui a algumas semanas. É muito trabalho, mas
aparentemente vou ter um aluno de mestrado como tutor
para me auxiliar.
Eu sabia que daria conta e torcia para que o estudante
selecionado para trabalhar comigo também desse. Agora
era só esperar.
1. Lia

A parte boa das férias do mestrado era que eu


conseguia aumentar o número das minhas aulas
particulares. Por outro lado, o desgaste com a locomoção
entre as casas dos meus alunos me deixava a ponto de
morrer no final do dia.
― Lia! Você não vai acreditar! ― Milena, minha aluna
vestibulanda, praticamente gritou ao me ver. Pela forma
como um sorriso estampava o seu rosto, eu podia apostar
que a notícia era boa. ― Acertei 12 de 15 questões no
simulado!
Saltei nos meus próprios pés animada com a notícia.
Poucas coisas me deixavam mais feliz do que ver os
resultados do meu trabalho. Bom, talvez chegar em casa,
deitar na minha cama quentinha e ler um livro me deixasse
mais feliz, mas não vem ao caso.
Sempre fui boa ensinando. Na escola, era sempre a
garota que dava aula de português para os outros amigos ou
que era escolhida nos concursos de redação. Nunca entendi
como alguém conseguia compreender plenamente a
fórmula de Bhaskara mas tinha dificuldade com
transitividade verbal. Sério, não entrava na minha cabeça!
― Eu sabia que você ia arrasar, Mili! ― Ergui a mão e
ela me cumprimentou num high five animado. ― Desse jeito
você vai gabaritar o vestibular da UERJ esse ano.
Milena respirou fundo e senti o clima mudar
automaticamente. Eu sabia o quanto o vestibular mexia com
a cabeça da pessoa. Era muito injusto que um adolescente
precisasse carregar todo o peso de decidir o que ia fazer
pelo resto da vida tão novo. Minha aluna, por exemplo,
queria ser advogada. Eu tinha certeza que ela seria uma
advogada incrível, mas… Não tinha conseguido passar no
vestibular. Na época, a decepção foi tão grande que ela ficou
trancada em casa por uma semana inteira sem querer sair
do próprio quarto.
― Se eu não passar esse ano… ― começou, a voz
saindo temerosa como se a própria vida dependesse disso.
― Se você não passar esse ano, pode tentar de novo
ano que vem. Ou não, se você não quiser. Sua vida não é só
o vestibular, Mili, fica tranquila.
― Mas parece. ― Ela suspirou. ― Eu preciso de
qualquer jeito passar esse ano. E pra isso… Preciso tirar A no
exame de qualificação da UERJ.
― Beleza, mas você também precisa de um tempo pra
relaxar. Não adianta ficar afundada nos livros 24 horas por
dia. Chega uma hora que o cérebro desliga. Confia em mim,
o meu já desligou várias vezes. ― Mili soltou uma risada e
puxou um caderno de dentro da gaveta da escrivaninha.
― Hoje a gente poderia treinar um pouco de redação.
Um texto argumentativo-dissertativo. ― Minha aluna
sempre chegava com os temas de estudo prontos e, em
geral, eu mais precisava orientá-la do que de fato ensinar
alguma coisa.
― Ótimo. Seu tema vai ser esse aqui. ― Peguei uma
caneta e puxei o caderno na minha direção, escrevendo no
topo da página o que eu esperava que ela elaborasse.
Terminei com um sorriso no rosto e estiquei de volta para
Milena. Seus olhos acompanharam o tema escrito pela
minha letra cursiva.
― “Autocrítica: o limite entre o autoconhecimento e a
cobrança exagerada.” Sério mesmo? ― perguntou em um
tom que explanava sua insatisfação.
― Seríssimo. Você pode treinar e ainda refletir um
pouquinho. ― Mili bufou, mas puxou uma lapiseira de
dentro do estojo.
― Quer dizer que agora além de professora e escritora
nas horas vagas, você também vai virar psicóloga? ―
provocou. Soltei uma risada e dei de ombros, fingindo não
me importar com aquela implicância.
― Além de professora e escritora, também sou sua
amiga. ― Pisquei na sua direção, arrancando um sorriso do
rosto cansado de Milena.
― Por falar nisso… E aquelas suas poesias?
Quando entrei pra faculdade de Letras tinha dois
sonhos: me formar com honras e fechar algum contrato para
publicar as poesias que eu escrevia desde adolescente. A
primeira parte do sonho consegui realizar, mas a segunda…
ainda ficava no campo da imaginação.
Decidi muito nova que queria escrever. Minha mãe
sempre gostou de ler e me incentivou desde cedo a seguir
pelo mesmo caminho. Me lembro da primeira vez que a
acompanhei numa sessão de autógrafos da sua escritora
favorita na época. Nunca esqueci a sensação que me
dominou quando vi aquela mulher sentada atrás da mesa
distribuindo assinaturas no livro que ela própria tinha
construído.
― Continuo escrevendo.
― Você devia publicar na internet, Lia. Você ia ficar
famosa, ser chamada pra dar entrevista no Fantástico e eu ia
poder contar pra todo mundo que aquela era minha
professora particular. ― Soltei uma gargalhada.
― Você sonha alto, Mili. Mas não desconversa e
concentra na redação. Você tem exatamente… ― Olhei para
o relógio do meu celular. ― 25 minutos pra desenvolver o
esboço.
A garota balançou a cabeça em concordância e se
concentrou no caderno pautado que tinha nas mãos. Mili
escrevia e argumentava muito bem para uma menina de 18
anos. Por isso mesmo eu tinha certeza que seria uma
advogada de sucesso num futuro próximo.
Olhei para a tela apagada do meu aparelho celular,
pensando no que a garota havia mencionado. Postar minhas
poesias online… Não era algo que me deixava confortável.
Era estranho que eu não tivesse problema nenhum para ler
minhas criações em público, mas me sentisse
estranhamente invadida pela simples ideia de anônimos
possivelmente lerem?
Fazia algum tempo que eu não me sentia
verdadeiramente inspirada a escrever. A verdade é que eu
poderia escrever por horas todos os dias e sobre qualquer
assunto. Era especialista em criar elementos que
transformassem a descrição de uma parede bege na coisa
mais interessante do mundo, por exemplo. Mas quando
estava inspirada e criativa de verdade… Aí sim era o meu
momento de brilhar.
― Terminei! ― Milena anunciou, me despertando da
confusão de pensamentos que brotavam na minha cabeça.
Puxei o caderno e uma caneta na minha direção para
pontuar os aspectos que precisavam de aprofundamento.
― A conclusão ficou um pouco prolixa, tenta dar uma
enxugada. Mas fora isso, ficou incrível. ― Ela abriu um
sorriso satisfeito.
― Ter aula particular e pré-vestibular nas férias até
que tá servindo pra alguma coisa ― brincou.
Puxei alguns exercícios de gramática de dentro da
minha bolsa e coloquei na frente dela. Eu sempre gostava
de fazer pelo menos 5 questões junto com os meus alunos,
nada melhor do que pensar junto com alguém mais
experiente para entender como se constrói o raciocínio em
Língua Portuguesa.
Nem vi o tempo passar quando meu celular apitou
indicando o horário do final da nossa aula.
― A gente se vê na quinta? ― perguntou. Balancei a
cabeça concordando.
― Depende. Você vai me prometer tirar um tempo pra
descansar? ― Ela fingiu torcer o nariz e me deu a língua
numa careta falsa.
― Tudo bem, eu prometo. ― Abracei Mili e me despedi
brevemente antes de entrar no elevador do seu prédio.
Desci ansiosa até a portaria sabendo que Jhonas tinha
combinado de me buscar para jantarmos juntos em um
restaurante que, segundo ele, era o melhor da cidade. Eu
ainda não tinha ouvido falar, mas de tantas coisas positivas
que ele me contou, seria o lugar ideal para comemorar a
minha recente tutoria. Puxei o celular do bolso e mandei
uma mensagem para o meu namorado.

Lia: Já tô livre. Tá por onde?


Jhonas: Estacionado bem na sua frente

Procurei o carro de Jhonas, mas não o identifiquei


entre nenhum dos estacionados na vaga em frente ao prédio
alto em que minha aluna morava. Até que de repente vi
meu namorado com a mão erguida no ar. Abri um sorriso e
atravessei a rua na sua direção. Ele me recebeu com um
beijo rápido nos lábios.
― Vim de bike hoje ― falou. Olhei para a bicicleta
parada encostada no poste mais próximo de nós e encarei
Jhonas novamente.
― Achei que fôssemos sair pra jantar.
― Nós vamos, Lili, você vai ser minha passageira na
bike. ― Continuei parada, encarando meu namorado como
se ele estivesse enlouquecido. Não havia nenhuma condição
de eu conseguir ir de carona naquela bicicleta.
― Eu tô de vestido, Jhonas ― alertei. O homem abriu o
típico sorriso paz e amor que costumava oferecer sempre
que algum empecilho aparecia. Isso era a coisa que eu mais
gostava e mais detestava nele ao mesmo tempo.
― Relaxa, gata. Desde quando as bikes precisam
decidir o que uma mulher vai vestir? Você tem todo o direito
de usar vestido e pilotar uma dessas.
― Eu tenho, mas eu não quero. Minha bunda vai ficar
toda de fora com o vento. ― Ele suspirou e passou um braço
pelos meus ombros.
― Bora tentar? Se for desconfortável, eu prometo que
a gente para.
Eu podia dizer que não. Eu deveria dizer que não. Mas
não queria de jeito nenhum estragar a noite que tinha
criado tanta expectativa. A tutoria de Linguagem e Sentido
era algo que eu desejava fazia muito, muito tempo. Quando
fui aluna do professor Armando no meu sexto período da
graduação, simplesmente me apaixonei. Talvez de todas as
disciplinas que cursei aquela fez meu gosto pela poesia se
amplificar.
“Palavras seriam só um apanhado de letras conectadas
se não fosse o sentido dado pelo mensageiro.” Foi assim que
eu soube o que eu queria fazer pelo resto da minha vida.
Queria ser uma mensageira. Queria que alguém lesse meus
poemas e pensasse: “parece que essa garota sabe
exatamente pelo que eu estou passando agora”.
― Pronta pra salvar um pouquinho do nosso planeta?
― Jhonas me perguntou com um sorriso animado no rosto
assim que montou na bicicleta elétrica. Eu decididamente
não estava pronta, mas o que iria fazer?
Subi na garupa e tentei com muito afinco manter todo
o meu vestido debaixo das pernas, preso de um jeito que
não voasse enquanto meu namorado começava a se
locomover. Assim que Jhonas começou a dirigir os primeiros
metros do trajeto eu tive certeza absoluta que aquela tinha
sido uma ideia maluca. Tinha completa certeza que pelo
menos um pedreiro, duas senhorinhas conversando na
calçada e um adolescente voltando da escola tinham visto
uma das minhas nádegas.
― Chegamos! ― anunciou. Agradeci mentalmente
pelo percurso ter sido curto. Meu estômago já estava
roncando e eu estava seriamente preocupada de ser
denunciada por atentado ao pudor.
O restaurante escolhido pelo meu namorado ocupava
uma espécie de casarão com decoração antiga em uma das
ruas mais movimentadas de Botafogo. A placa na frente
anunciava “El tío querido” como o nome do restaurante.
― É argentino? ― perguntei, mal podendo conter a
animação na minha voz. Se tinha uma coisa que amava era
bife de chorizo. Eu quase podia sentir o gosto suculento da
carne que tinha experimentado pela primeira vez na viagem
que fiz quando criança com meus pais para Buenos Aires.
― É! Você precisa experimentar a parrillada. O garçom
é meu vizinho e já pedi pra irem adiantando pra gente. ―
Forcei um sorriso no rosto. Não queria fazer a desfeita de
dizer que não queria parrillada, então só me restava uma
alternativa: comer.
Entramos no local e fomos encaminhados para uma
das mesas próximas à janela. O garçom amigo de Jhonas
apareceu em poucos minutos para anotar nossas bebidas.
Pedi um suco de caju e meu namorado, sua tradicional
kombucha. Ele já tinha insistido para que eu experimentasse
a versão caseira que costumava fazer e tinha simplesmente
detestado.
― O que exatamente vem nessa parrillada? ―
perguntei. Eu sabia que o churrasco argentino era bastante
diferente do que estávamos acostumados.
― Gata, você vai ver. Os argentinos sabem como
preparar um churrasco. É muito melhor que o do Brasil. ―
Ergui uma sobrancelha e estava pronta para contestar, mas
um carrinho com uma chapa cheia de carnes se aproximou
da nossa mesa.
― Com licença ― o garçom abriu espaço na nossa
mesa para nos servir. ― Nossa parrillada contém asado de
tira, vacío, chorizos, chinchulines, molleja e morcilla. Bom
apetite!
Consegui reconhecer algumas das variedades de carne
pela aparência, ainda que eu não fizesse a menor ideia do
que todos aqueles nomes em espanhol significavam. Jhonas
começou a pegar seus pedaços preferidos parecendo
animado em experimentar um pouco de cada.
― Você sabe o que é cada uma dessas coisas? ― Ele
balançou a cabeça, negando.
― Você sabe que eu não me importo com rótulos. Eu
experimento e vejo se gosto. ― Revirei os olhos, sem
conseguir me conter. Às vezes, meu namorado me irritava
com suas good vibes. ― Finalmente vamos poder
comemorar que você vai ser a mais nova explorada do
professor Armando!
Eu estava tão feliz de conseguir a tutoria, que nem
liguei para a implicância de Jhonas chamando meu futuro
trabalho de exploração. A bolsa do mestrado, associada com
a tutoria e mais as minhas aulas particulares seriam mais do
que o suficiente para que eu mantivesse meus gastos
pessoais sem precisar de ajuda financeira dos meus pais. Eu
já detestava o fato de que não conseguia bancar meu
próprio aluguel e por mais que meu pai dissesse que ficava
feliz em poder me ajudar, eu não me sentia confortável de
simplesmente aceitar. Queria ser dona do meu próprio nariz.
― Não vai ser o professor Armando ― comentei.
Experimentei um pedaço do que parecia costela de boi e
levei à boca.
― Quem vai ser? ― Dei de ombros, mastigando.
― Não sei. Um professor substituto.
― Espero que um bom dessa vez. Lembra aquela que
tivemos em Teoria Literária? ― Soltei uma risadinha.
― Ela era ótima, Jhonas. Você só ficou frustrado porque
ela não concordou com a sua visão de que Bukowski era um
gênio. E se quer saber, eu concordo com ela. ― Meu
namorado largou os talheres sobre a mesa e levou as mãos à
cabeça.
― Você não pode estar falando sério. Você gosta de
Hilda Hist, mas não acha que Bukowski era um gênio? ―
provocou.
― Exatamente. ― Meu primeiro contato com Hilda foi
no final da adolescência. Achei Do Desejo, perdido numa das
prateleiras da biblioteca da minha escola e resolvi levar para
casa. Parecia ter vindo a calhar com o fato de que eu tinha
acabado de ser dispensada pelo menino por quem estava
profundamente apaixonada. Quando Hilda dizia “não saber
se se ausenta ou se te espera”, eu sentia como se ela me
entendesse.
― Acho melhor mudar de assunto ― Jhonas propôs.
Contive minha própria risada e puxei mais um pedaço de
carne da chapa, dessa vez uma linguiça. ― Hoje debatemos
sobre o que é literatura de verdade no meu podcast.
― Tiveram muitos ouvintes? ― perguntei, tentando
puxar assunto. Meu namorado tinha iniciado um projeto de
podcast em meados do ano passado. O objetivo era debater
alguns temas referentes à literatura com vários convidados
e aos poucos ir sendo conhecido por mais pessoas. Ou pelo
menos era o que eu achava.
― Você sabe que eu não ligo pra quantidade, Lia. Eu
prezo muito pela qualidade intelectual do meu público.
― Isso é bastante esnobe, Jhonas. E dificilmente algo
assim dissemina a literatura de verdade ― respondi. Pra
mim, a literatura deveria atingir o máximo de pessoas
possíveis. Inclusive aquelas que sequer sabiam ler e se
maravilhavam com imagens que contavam histórias.
― Experimenta isso aqui ― desconversou, ignorando
meu confronto e colocando um pedaço de uma carne no
meu prato. Parecia uma linguiça em um formato engraçado
de C.
― O que é?
― Só experimenta, gata. ― Cortei um pedaço da
linguiça e levei à boca. Na minha primeira mastigada eu já
sabia que aquilo estava muito, muito longe de ser linguiça.
Parecia que a película que revestia o negócio tinha
explodido e algo com uma textura e sabor muito próximo a
merda tinha inundado a minha boca.
― O que… é isso? ― repeti, de boca cheia. Meu rosto se
contorcia com a minha tentativa de repelir a repulsa e
engolir pelo menos aquele pedaço que já estava na minha
boca. Tentei com muito afinco, mas cada vez que aquilo
tocava a minha língua era como se eu estivesse prestes a
vomitar. Peguei um guardanapo no canto da mesa e tentei
ser o mais discreta possível ao cuspir no papel.
― Que isso, Lia, chinchulin é uma delícia! ― Nem
consegui responder. O sabor continuava permeando a minha
boca e eu precisava com urgência ir ao banheiro e
bochechar água por minutos ininterruptos até que eu tirasse
a lembrança do gosto de bosta da boca. Eu tinha certeza
absoluta que se comesse cocô, teria aquele exato sabor.
Afastei minha cadeira e comecei a caminhar em
direção ao banheiro do restaurante. Assim que entrei corri
para as pias e enchi minha boca de água. Puta merda, o que
raios era aquele troço? Que coisa tenebrosa! Em pensar que
fiquei animada achando que comeria meu bife de chorizo
quando vi a placa do lugar.
Gargarejei com a água da bica algumas vezes antes de
me dar por satisfeita e eliminar o gosto horrível. Puxei o
celular da bolsa e digitei no Google chinchulin sem pensar
duas vezes. Naquele momento, preferia por um segundo
não saber ler. Intestino delgado de vitela. Era isso que eu
tinha colocado na boca. Isso explicava muito o sabor terrível
e a textura que senti. Bloqueei a tela do aparelho e respirei
fundo antes de voltar para a mesa.
― Eu acabei de comer tripa de vacas bebês? ― acusei,
completamente horrorizada. Jhonas ainda parecia se
deleitar com o restante da parrillada.
― Comer não, porque você cuspiu no guardanapo. ―
Ele tinha um leve sorriso nos lábios como se achasse aquela
situação muito engraçada.
― Eu não estou vendo graça nenhuma! ― reclamei. Ele
colocou a mão sobre a minha e me ofereceu o mesmo olhar
que tinha feito eu me encantar pela primeira vez.
― Relaxa, gata, pedi um bife de chorizo pra você, vai
chegar bem quentinho e cheio de batata frita, do jeito que
você gosta. ― Infelizmente eu tinha puxado demais à minha
mãe e poderia ser facilmente comprada com batata frita. E
para o meu azar, Jhonas sabia disso.
Acordei com a plena certeza de que estaria totalmente
atrasada. Olhei para o relógio do meu celular e vi a hora
brilhando enorme na tela. Quase 10 horas da manhã. Eu
tinha ficado até tarde da noite conversando e comendo
pizza com Jade na sala do meu apartamento e perdi
completamente a noção da hora. Tínhamos combinado de
fazer a mudança dela para a república onde moraria ainda
no período da manhã.
Saí do quarto desesperada, mas para a minha sorte
minha prima estava num sono tão profundo no sofá quanto
o meu de alguns minutos atrás. Ser a mais velha tinha
algumas vantagens, tipo ter crescido implicando com os
mais novos até que eles ficassem completamente irritados.
E como algumas coisas nunca mudavam…
― Ai, mas que porra… ― Jade se sentou com uma
expressão de pânico no rosto após ser atingida por uma das
almofadas que joguei contra ela. Deixei minha risada fluir
pelo corpo sob o olhar de raiva da minha prima assim que
percebeu o que tinha acontecido. ― Filha da puta!
Joguei meu corpo na poltrona, segurando minha
barriga de tanto rir. Não importava quanto tempo passasse,
era bom demais ser a mais velha. Jade se sentou no sofá,
ainda parecendo brava com a forma delicada com a qual eu
a havia acordado.
― Eu devia te devolver na mesma moeda, Lia, mas
estou com sono demais para isso.
― Então trate de acordar, porque nós duas perdemos a
hora e já passam das 10h. ― Os olhos azuis de Jade se
arregalaram de susto e ela pulou do sofá de uma vez.
― Meu Deus, eu avisei que chegaria no apartamento
às 9h30! ― A garota puxou o celular do bolso e desatou a
escrever uma série de mensagens. ― Não acredito que já
vou começar com o pé esquerdo com a minha colega de
apartamento. Ela vai pensar que sou uma atrasada!
― Mas você é mesmo ― impliquei.
― Mas ela não precisava ficar sabendo disso no
primeiro dia!
― Calma, troca de roupa rapidinho e a gente coloca as
coisas no carro e vai pra lá. Fica só a algumas ruas de
distância. ― Ela balançou a cabeça concordando e começou
a tirar a roupa no meio da sala, sem dar a mínima para a
minha presença ou para a janela aberta no outro extremo do
local.
Eu nunca fui uma garota tímida, mas perto de Jade eu
seria classificada como a rainha da timidez. Minha prima
não tinha vergonha alguma de nada.
― Você sabe que a janela tá aberta e que os vizinhos
podem estar te vendo seminua nesse exato instante, né? ―
provoquei. Jade deu de ombros e se abaixou para procurar
alguma peça de roupa na mala.
― Bom, sorte a deles. ― Ela passou um cropped justo
pela cabeça que deixava os braços de fora, expondo todas as
tatuagens que cobriam a metade superior de seu braço.
Sempre amei o estilo de Jade, apesar de não combinar
muito comigo. Ela era expansiva e marcava presença até na
forma de se vestir, com seu corpo curvilíneo marcado pelas
peças que chamavam atenção por onde passava. As várias
tatuagens pelo corpo eram só um complemento.
― Última chance de abrir mão da sua vaga na república
e ficar morando comigo, Jade ― brinquei. Eu tinha oferecido
inúmeras vezes à minha prima que morasse no meu
apartamento, mas ela não aceitou de jeito nenhum.
― Você ia surtar na primeira vez que eu estivesse
transando com um desconhecido na sua cama. ― Revirei os
olhos. Meu apartamento infelizmente só tinha um quarto, e
esse era o motivo que fez minha prima recusar de imediato
a moradia.
Meu tio, pai de Jade, tinha deixado o Rio de Janeiro há
alguns anos, depois da insistência ferrenha da minha mãe
de que Itaperuna tinha uma qualidade de vida muito melhor
para se viver.
― E agora você vai dividir o apartamento com uma
completa desconhecida.
― Relaxa, mamãe, não é tão desconhecida assim. Eu já
encontrei a menina pessoalmente, ela tá no segundo
período de Adm. ― Torci o nariz com uma expressão de
desgosto.
― Eu podia ter me mudado e dividido um apartamento
com você. ― Nós já havíamos tido essa conversa milhões de
vezes, mas ainda assim eu continuava tentando. Eu era
brasileira e não desistiria nunca.
― Eu não ia te fazer mudar tudo quando posso
simplesmente dividir um apartamento com uma amiga a
poucas quadras daqui, Liazinha. ― Jade passou um braço
pelos meus ombros. ― Mas fico feliz de saber que você vai
morrer de saudades minhas desse jeito. ― Revirei os olhos e
dei a língua para a garota.
― Eu fiquei 6 meses sem você enquanto você viajava
pela América do Sul e sobrevivi, ok? ― Minha prima colocou
um beijo rápido na minha bochecha e voltou a se vestir,
colocando uma calça jeans.
― Pode ficar tranquila que agora não vou viajar tão
cedo. ― Jade rodou os olhos pela sala à procura da sua
bolsa. ― O que acha de irmos naquele bar novo que abriu
na Sans Peña essa noite?
― Não posso, combinei de assistir o podcast do Jhonas
e de lá vamos numa exposição de arte que ele tá esperando
há semanas. ― Eu não era a maior fã das exposições que
Jhonas costumava me levar. Quase sempre tudo parecia
muito abstrato e nada tocante. Mas eu era uma boa
namorada e estávamos comemorando 2 meses juntos, então
por que não?
― Você tá mesmo apaixonada por esse cara? ― Jade
perguntou, empilhando as caixas que precisávamos levar.
Eram poucas, já que todo o apartamento já se encontrava
mobiliado.
Eu estava apaixonada por Jhonas? Tinha quase certeza
de que não, mas gostava dele. Gostava o suficiente para
estarmos namorando há 2 meses. Eu conseguia imaginar
um futuro com ele, ainda que muitas vezes parecesse
nebuloso na minha cabeça. Minha família nem sequer o
conhecia pessoalmente ainda, e eu sabia que esse seria um
assunto complicado de trazer à tona com meu namorado.
Ele considerava retrógrado demais ser apresentado aos
meus pais.
― Não sei. ― Eu não tinha porque mentir para a minha
prima. ― Mas acho que posso me apaixonar por ele. ― Jade
inclinou a cabeça para o lado.
― Ele é meio… esquerdomacho demais, Lia. E se você
quer saber, se apaixonar não devia precisar de esforço. ―
Bufei, contrariada.
― E desde quando você se tornou conselheira
amorosa? Você é avessa à se apaixonar, pelo que eu me
lembro. ― Minha prima teimava comigo que a vida era curta
demais para se prender a alguém.
― Eu não sou avessa à me apaixonar. Eu só não quero
que aconteça, é diferente.
― Dá no mesmo ― impliquei.
― Vamos parar de discutir e ir logo pro meu novo
apartamento?
Fizemos o percurso com o meu carro até o apartamento
onde Jade moraria em menos de 5 minutos. A portaria do
prédio antigo parecia vazia, mas logo um senhor de cabeça
branca surgiu com um carrinho de supermercado para nos
ajudar com as caixas.
― É o apartamento 202 ― me avisou. A porta de
madeira que era a segunda à esquerda, já parecia
entreaberta. Jade bateu e esperou que alguém aparecesse.
― Oi, Jade! ― Uma garota de pele morena e sorriso
largo, tão bonita que parecia modelo de uma campanha
plus size apareceu de pé no batente da porta.
― Oi, Aurora! ― minha prima cumprimentou. ― Mais
uma vez, desculpe o atraso, meu despertador não tocou e…
― Ah, não se preocupa! Essas coisas acontecem.
Podem entrar! ― A garota cedeu espaço para que
entrássemos.
― Eu sou a Lia, prima da Jade ― me apresentei. Ela me
ofereceu um sorriso afetuoso.
― Pode ficar à vontade, Lia. Posso ajudar com caixas?
― ofereceu. Jade assentiu, começando a tirar do carrinho de
supermercado cada uma das embalagens de papelão que
trouxemos. ― Caramba, se vocês tivessem chegado alguns
minutos antes, meu irmão poderia nos ajudar com isso. Ele
acabou de sair.
― Vantagens de se ter um irmão, né? ― comentei.
Meu irmão estava há algum tempo fora do Brasil fazendo
faculdade, mas ainda assim mantínhamos uma relação
próxima. Eu não podia evitar de ligar um alerta no fundo da
minha mente de que Heitor dificilmente gostaria de Jhonas.
― Infelizmente sou filha única ― Jade chiou. ― Mas já
que não tenho um irmão, gosto de ficar sabendo sobre o
irmão dos outros. Seu irmão é gato, Aurora? ― Contive uma
risada. Minha prima não valia nada. A nova colega de quarto
de Jade deu de ombros.
― Bom, as garotas costumam dizer isso. Eu acho que a
fama é só porque ele é o capitão do time da Atlética.
Me afastei para deixar as duas conversando um pouco
mais sobre os assuntos de graduação que já não eram mais
parte do meu dia a dia. Puxei o celular do bolso e vi o nome
de Jhonas brilhar na tela.
Jhonas: Vai ter pintura ao vivo na exposição! Porra, vai
ser foda!
Lia: Como vai ser?

Por que eu tinha quase certeza de que a resposta não


me agradaria? Quando o bipe do meu toque indicou que
uma nova mensagem tinha chegado, eu pude confirmar.

Jhonas: Vai ter uma modelo de nu artístico! Incrível,


né?

É… Incrível…
2. Thomas
Estacionei meu carro no lugar mais próximo do prédio
da Reitoria e peguei um elevador até o andar indicado no e-
mail recebido alguns dias antes. Era um dia quente do verão
carioca e eu estava suando por baixo da minha roupa social.
Como meu pai aguentava usar essa porra todos os dias para
trabalhar?
― Bom dia, é aqui a entrega de documentos para
professor substituto? ― perguntei ao homem que estava no
fim de uma das três filas que existiam ali.
― É aqui assim. E pelo visto vai demorar. ― Ele tinha
razão. Devia ter, pelo menos, umas trinta pessoas na minha
frente.
― Pelo menos o ar condicionado está funcionando ―
comentei.
― Você sabia que eles tirariam uma foto hoje?
― Eu não fazia ideia ― admiti.
― Parece que é para o nosso crachá de funcionário. ―
Assenti. ― Nem me apresentei para você. Sou João, futuro
professor substituto da Escola de Educação Física e
Desportos.
Isso explicava o porte atlético do rapaz à minha frente.
João tinha cabelos e olhos castanhos, era tão alto quanto eu
e aparentava ser apenas um pouco mais velho. O cara
parecia simpático, então continuei a conversa.
― Thomas. Professor substituto da Faculdade de Letras.
― Ele estendeu a mão em minha direção e a apertei. ― Já
sabe qual matéria vai lecionar?
― Na verdade, serei treinador do novo time da Atlética
da UFRJ. Conhece?
― Não só conheço como fui a muitos jogos. Sou um
filho de Minerva também ― contei. Eu tinha muito orgulho
de ter feito não só minha graduação como também meu
mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. E, se
tudo desse certo, faria meu doutorado por aqui também. ―
Ouvi dizer que é o melhor time universitário dos últimos
tempos. Eles foram sensacionais no último semestre. Você
vai ter uma responsabilidade e tanto. ― Ele assentiu.
Andamos alguns passos para frente na fila, que estava
diminuindo de tamanho mais rápido do que eu esperava.
― Pois é, nunca vi uma coisa assim dentro dos Jogos
Universitários. Não é à toa que agora unificaram o time de
futebol em um só, sem diferenciar os cursos. ― Eu tinha lido
algo sobre isso em uma nota de rodapé do jornal de
esportes que costumava ler na internet. Em geral, esses
jogos não revelavam grandes promessas do futebol, mas
alguns jogadores chamaram tanta atenção que até olheiros
começaram a frequentar os treinos. ― Estou animado para
conhecer melhor o time e fazê-los mais uma vez campeões
― disse com um brilho nos olhos.
― Você já trabalhava com isso? ― perguntei.
― Sim. Fui treinador durante os últimos dois anos de
um time de futebol profissional em São Paulo. Até que no
final do ano passado minha esposa passou para um
concurso público aqui no Rio de Janeiro e decidimos nos
mudar para a cidade maravilhosa. Quando vi o edital com
essa vaga disponível aqui, não pensei duas vezes antes de
me inscrever.
― Nunca vi um jogador de Atlética se tornar jogador
profissional, mas depois do último jogo que assisti, eu não
duvido. Ter um técnico como você vai fazer toda a
diferença.
― Assim espero. E você, vai lecionar o que?
― Uma matéria chamada Linguagem e Sentido. Não é
tão divertido quanto futebol, mas eu gosto bastante ―
brinquei.
― Você curte esportes? ― perguntou. A fila andou
mais um pouco e nossa vez de sermos atendidos estava
quase chegando.
― Eu adoro. É difícil não gostar quando se cresce com
dois tios apaixonados por esportes ― contei, pensando nos
meus tios Arthur e Edu. Eles não são meus tios de sangue,
mas isso não faz a menor diferença no amor que sentimos
uns pelos outros. Todas as minhas memórias ao longo da
vida envolvem não só os dois como também a tia Maya, tia
Iane e os meus primos Gael, Luna e Alana. Ser uma família
nem sempre está relacionado a compartilhar a mesma carga
genética ou tipo sanguíneo, mas sim estar presente nos
momentos bons e ruins. É quem te ama, apesar de tudo ou
por causa de tudo. ― Mas confesso que tenho uma
preferência pelas artes marciais. Eu faço Jiu-Jitsu desde
criança.
― Isso é foda, cara ― elogiou. ― Nunca pratiquei
nenhum tipo de luta.
― Ainda dá tempo de começar. Se quiser, pode ir
comigo à academia onde treino. Vai ser divertido.
― Porra, vamos marcar isso sim!
João e eu conversamos mais um pouco e acabamos
trocando nossos números de telefone e redes sociais. Ia ser
legal ter um amigo no trabalho, ainda que déssemos aulas
em cursos diferentes.
― Próximo! ― uma das atendentes chamou e João
seguiu para o cubículo de número 3. Não demorou muito
para que outra atendente me chamasse.
― Documentos, por favor ― pediu.
Abri a pasta que segurava e tirei de dentro dela a
pequena pilha de papel contendo todos os documentos que
precisavam ser apresentados, segundo o edital do concurso.
A mulher leu com atenção cada um deles enquanto digitava
algo no computador à sua frente. Todo processo demorou
quase dez minutos.
― Seus documentos estão todos certos, senhor Goulart.
Agora, preciso que você olhe para essa câmera aqui. ― Ela
apontou para o objeto. ― Vamos tirar uma foto para seu
crachá de professor. 1, 2, 3… ― A moça apertou o botão da
câmera e o flash forte quase me cegou. ― Perfeito! ― Ela
caminhou até uma impressora que ficava na parede atrás
dela e tirou dali mais algumas folhas. ― Você só precisa
assinar esses papéis aqui e está liberado para ir embora.
Dei uma lida rápida no que os documentos que eu
precisava assinar diziam. Aposto que se meu pai estivesse
aqui não teria aprovado a rapidez com que li as palavras
digitadas ali. Henrique Goulart era o tipo de homem de
negócios que lia e relia com atenção cada contrato que caía
em suas mãos. Não duvido nada que ele também seja a
única pessoa do mundo que de fato lê os termos de uso dos
aplicativos de celular. Satisfeito com o texto do documento,
assinei nas linhas pontilhadas.
― Aqui ― entreguei a ela os documentos e a caneta
que havia me emprestado. ― Preciso assinar algo mais?
― Não, está tudo certinho. Seja bem-vindo à UFRJ,
professor Thomas Goulart.
― Obrigado! ― disse antes de levantar e ceder o
espaço para a próxima pessoa da fila.
Minha barriga estava roncando de fome quando me
aproximei do elevador. Eu precisava almoçar antes da
reunião do corpo docente da Faculdade de Letras que
aconteceria mais tarde para recepcionar os novos
professores. João também estava parado ali, olhando algo
em seu celular.
― Você tem planos de fazer algo agora? ― perguntei.
― Eu estava pensando em procurar um lugar para
almoçar. Tenho uma reunião na parte da tarde com a
coordenação do curso de Educação Física.
― Estou na mesma ― falei. ― Quer almoçar junto?
― Claro. Sugere algum lugar? ― Abri um sorriso. A
vantagem de ter sido um aluno da UFRJ durante muitos
anos é que eu conhecia os melhores lugares para se comer
naquele campus.
― A comida do RU costuma ser boa, mas, por causa
das férias, ele funciona em um horário especial e acaba
fechando mais cedo. Não vamos conseguir comer por lá
hoje. Mas podemos comer no Tecno Refeições, no CT.
― O que caralhos é um RU ou um CT? ― João
perguntou confuso. Soltei uma risada.
― RU é a sigla para Restaurante Universitário, o
famoso bandejão. E CT é o Centro de Tecnologia, um dos
prédios aqui do Fundão. ― A famosa ilha do Fundão era
praticamente um bairro que servia como sede de boa parte
dos cursos universitários da UFRJ. ― Esse restaurante fica no
bloco F e perdi as contas de quantas vezes almocei por lá
enquanto era aluno. A comida é boa e o preço é justo. Topa?
― Mas é claro ― respondeu.
Apesar do calor, decidimos ir andando do lugar onde
estávamos até o prédio de fachada azul localizado em outra
rua do imenso campus da UFRJ. Sentamos em uma das
mesas vazias do restaurante e aproveitamos para conversar
mais enquanto almoçávamos. João era nascido e criado no
Rio de Janeiro, mas tinha se mudado para São Paulo quando
completou 18 anos de idade para cursar a faculdade de
Educação Física. Conheceu sua esposa em uma choppada
universitária, muitos anos atrás, e estão juntos desde então.
― Está feliz em voltar para o Rio de Janeiro?
― Demais ― disse parecendo animado.
Terminamos de almoçar um tempo depois com a
garantia de que sairíamos para beber juntos no final de
semana. João comentou que sua esposa, Sabrina, é fã de
poesias e prometi que daria à ela um exemplar do meu livro
de poesia já publicado. Pagamos nossa conta e cada um
seguiu seu caminho para os compromissos da parte da
tarde.
A Faculdade de Letras da UFRJ foi fundada em 1968 e,
hoje, possui sete diferentes departamentos. Entrei no prédio
e percorri o trajeto já conhecido até o auditório onde
aconteceria a reunião com todos os novos professores
contratados. Algumas pessoas já aguardavam sentadas.
Puxei meu celular do bolso e aproveitei para responder
umas mensagens enquanto esperava. Minha mãe tinha me
mandado um daqueles gifs de bom dia, Heloísa mandou
uma sequência de vídeos curtos engraçados e, por último,
uma mensagem do meu tio Arthur dizendo que seria o
responsável pelo treino no Jiu-Jitsu de hoje e que quebraria
minha cara se eu faltasse. Respondi dizendo que não
perderia a aula dele por nada nesse mundo.
― Boa tarde e sejam muito bem-vindos à Faculdade de
Letras da UFRJ. Sou a professora Alessandra, coordenadora
do curso de graduação e integrante do departamento de
Ciência da Literatura e Linguística e Filologia ― minha
antiga professora de Introdução à Linguística e atual colega
de trabalho começou seu discurso.
A coordenadora passou os minutos seguintes falando
sobre o funcionamento do curso, apresentou cada um dos
chefes de departamento e também instruiu rapidamente
como mexer no sistema virtual que usamos para
lançamento de notas, atualização de ementa de disciplina
entre outras coisas.
― Por fim, é importante mencionar um ocorrido no
último semestre que acabou nos rendendo uma situação…
Digamos que complicada por aqui. ― Notei os olhares
nervosos que os professores trocaram entre si. Os novatos,
como eu, pareciam confusos. ― Um aluno do sétimo período
contou à sua supervisora de estágio que estava… ― Ela deu
um longo suspiro antes de prosseguir. ― Tendo relações
sexuais com uma das nossas docentes. A notícia logo
começou a ser discutida pelos corredores da faculdade e os
alunos que cursavam a disciplina dessa docente começaram
a questionar se as notas do aluno em questão na matéria
eram devido ao seu aprendizado ou a sua relação com a
professora. Enfim, a repercussão negativa do caso fez com
que a professora fosse afastada de seu cargo. Estou
relatando essa história para lembrar que é proibido, pelas
regras da Universidade, o relacionamento entre o corpo
docente e o discente, especialmente quando há relação
direta entre as duas partes, ou seja, quando o aluno ou
aluna está cursando a disciplina do professor ou professora
em questão.
Eu me lembrava dessa fofoca, apesar de já ter
finalizado meu mestrado quando tudo aconteceu. Não
demorou muito para que o nome dos envolvidos vazasse e
que a história fosse parar em todas as redes sociais.
― No mais, me encontro à disposição para tirar
qualquer dúvida. Será um prazer trabalhar com cada um de
vocês por uma educação de qualidade!
As pessoas presentes ali bateram palmas no final do
discurso de boas-vindas e logo começaram a se dispersar.
Antes que eu conseguisse sair do auditório, alguns dos meus
antigos professores me pararam para me parabenizar por
ter sido aprovado na prova para professor substituto.
Dirigi de volta até em casa apenas para trocar de
roupa e ir à academia para minha aula de Jiu-Jitsu. Comecei
a lutar ainda criança, por volta dos 6 anos de idade e desde
então não parei. Era bom para distrair a cabeça, me
desestressar e preciso confessar que a reação que as
mulheres tinham ao me ver sem camisa também era
bastante agradável.
― Fala, pirralho! ― meu tio Arthur disse ao me ver
entrar na sala onde os treinos aconteciam.
― Você sabe que não sou um pirralho há uns bons
anos, não sabe? ― impliquei.
― Você vai ser sempre um pirralho pra mim, Thomas.
― Daniela, uma das garotas que treinava comigo, nos
cumprimentou ao entrar na sala. ― Ela quer te pegar ― Tio
Arthur disse.
― Da onde você tirou isso? ― perguntei. Daniela era
bonita e nós realmente já tínhamos trocado algumas
mensagens no Instagram.
― Porra, pirralho. Eu sou Arthur Birkman. Eu sou bom
em saber quem quer pegar quem. E você é um cara quase
tão gostoso quanto esse seu tio aqui ― disse, apontando
para si mesmo. Quanto mais velho o tio Arthur ficava, mais a
sua autoestima aumentava. É um dado impressionante,
para falar a verdade. ― Ela seria boba se não quisesse pegar
você. Mas a pergunta é, por que você não pegou a garota?
Ela é gata.
― Só não surgiu a oportunidade ainda ― falei.
Eu não sou nenhum santo, muito pelo contrário. Fiquei
com mais mulheres do que consigo lembrar, principalmente
durante a época da graduação. As vantagens de ser um cara
hétero em um curso predominantemente feito por
mulheres. Mas com o fim do mestrado e a prova para
professor substituto, acabei tendo que deixar minha vida
amorosa um pouco menos agitada. Porra, parando para
pensar agora… Eu tinha deixado minha vida amorosa
completamente parada.
― Então faz a oportunidade surgir, porra. Até parece
que não é um Birkman. ― Soltei uma gargalhada.
― Mas eu não sou ― respondi de volta.
― Você é um Birkman Calegari de consideração.
Precisa honrar esse título, pirralho. Agora chega de papo e
vamos treinar. Vou colocar você, disfarçadamente, para fazer
par com a gatinha. Vê se não me decepciona. ― Virando-se
para o resto da turma, continuou. ― Bora começar a aula,
pessoal. Quero todo mundo fazendo cinquenta polichinelos
só pra dar aquela aquecida.
Nada disfarçadamente, ocupei o espaço ao lado de
Daniela. Talvez tio Arthur estivesse certo… Estava na hora de
voltar a agitar minha vida amorosa e aproveitar o restinho
das férias.
― Você mandou bem demais ― elogiei, estendendo a
mão para ajudar Dani a se levantar do chão. Como
prometido, tio Arthur havia nos colocado para treinar juntos
durante toda a aula. Não que eu tenha achado isso ruim,
pelo contrário.
― Tive uma boa dupla ― Dani respondeu. ― Talvez a
gente possa treinar juntos mais vezes. ― A garota abriu um
sorriso sugestivo em minha direção. Tio Arthur, no canto da
sala, me encarava com as sobrancelhas erguidas.
― É uma boa ideia. Ou, você sabe, a gente pode fazer
outras coisas juntos fora da academia também. Um jantar
no sábado à noite, o que você acha?
― Pensei que esse momento jamais chegaria ―
respondeu, abrindo ainda mais o sorriso. ― É claro que eu
aceito.
― Dani, estamos te esperando lá fora ― Cássia, uma
das amigas de Dani, gritou da porta da sala para avisar. A
garota fez um sinal positivo com as mãos em resposta.
― Preciso ir senão perco minha carona. Nós
combinamos tudo certinho pelo WhatsApp? ― Assenti. Dani
ficou na ponta dos pés e depositou um beijo no meu rosto.
Eu, é claro, retribuí o gesto carinhoso.
― Até sábado, Dani ― despedi-me.
Na volta para casa, decidi parar em uma das minhas
livrarias favoritas que ficava localizada bem na esquina da
rua em que eu morava. Sempre que possível, gosto de dar
um passeio por ali. Por mais que os livros digitais estejam
cada vez mais em alta, eu amo a sensação de pegar um livro
físico em mãos e poder sentir o cheiro das suas folhas,
acariciar sua lombada ou apreciar cada detalhe das páginas
impressas. Há algo reconfortante nesse ato.
Entrei no lugar e logo fui recepcionado pelo aroma
característico da mistura de tinta, papel e café. Como de
costume, caminhei até o balcão da cafeteria que havia ali
dentro e pedi uma bebida: frappuccino choco chip. Apreciei
o líquido gelado, perfeito para o verão carioca, enquanto
caminhava entre as enormes prateleiras lotadas de livros,
observando as novidades. Por fim, voltei para casa com um
livro de poesia novo.
Depois de um banho relaxante, sentei na cama com
meu livro novo em mãos. Eu estava no processo de escrever
uma nova obra para mandar para minha editora, mas, por
alguma razão, estava há dias com bloqueio criativo. Talvez
minha nova aquisição literária pudesse desbloquear algum
sentimento em mim, me permitindo assim voltar a escrever
meus próprios poemas.
Uma hora depois eu já tinha finalizado minha leitura.
Coloquei o exemplar na estante do quarto e sentei na
escrivaninha, de frente para meu computador. A página do
word em branco parecia gritar meu nome, implorando para
ser preenchida por letras. Respirei fundo e então comecei a
digitar:

Mais importante do que a felicidade que o mundo diz


que precisamos abraçar é a felicidade que o nosso coração
deseja. Faça uma lista das coisas que você considera
importante para ser feliz. Respire fundo. Quais dessas coisas
você desejou porque as pessoas ao seu redor disseram ser
importantes? Quais delas o seu próprio coração desejou? Se
você não tivesse uma ou outra coisa da lista, você seria
infeliz? O segredo para encontrar a felicidade está dentro do
seu coração. Escute-o.

Encarei as palavras por alguns minutos. Eu não estava


100% satisfeito com o texto, mas já era um começo. Pelo
menos eu havia, finalmente, saído do estágio de total
bloqueio criativo. Desliguei o notebook e fui dormir. Talvez
amanhã mais ideias surjam na minha cabeça.
3. Lia

Passos incertos
Deixam pegadas que mal marcam a areia
Se eu continuar andando
Saberei voltar?

Mas por que caminhar para frente


Se não consigo enxergar o percurso?
Até onde vai?
Qual o final?

Talvez eu veja o destino


Ou talvez ele nunca tenha existido
Mas sem respostas
Meus passos incertos continuam fluindo

Saí tarde da casa de Mili e não consegui encontrar com


Jhonas como havíamos combinado. Minha aluna tinha ficado
mais ansiosa ainda com o pré-vestibular depois de algumas
amigas apresentarem um perfil de estudos no TikTok em
que o garoto acordava às 3h da manhã todos os dias para
iniciar a rotina de estudos para passar em Direito.
Por mais que eu tenha tentado acalmá-la dizendo que
o que esse perfil mostrava não era nada saudável, Milena
continuou angustiada durante todo o horário da nossa aula.
Eu tive sorte de não ter cobrança durante o meu período de
vestibular. Meus pais sempre foram extremamente
tranquilos com as minhas notas e com as escolhas de
carreira que decidi fazer, mas eu sabia que um número
considerável dos adolescentes da faixa etária de Mili não
tinham esse mesmo apoio.
Peguei o metrô até a estação Uruguai e caminhei até o
apartamento que eu morava. Tudo que eu mais queria era
tomar um banho bem quentinho daqueles que fazem
fumaça sair do couro cabeludo e que é o terror das
dermatologistas. Digitei a senha no portão eletrônico que
servia como uma espécie de porteiro do prédio e subi o
único lance de degraus que me separava de casa.
Quase pulei pra trás de susto quando vi a silhueta de
Jhonas agachada ao lado da minha porta e com a cabeça
entre os joelhos como se estivesse cochilando.
― Minha nossa! Que susto, Jhonas! ― exclamei. Ele
próprio pareceu espantado, acordando com o meu tom de
voz ríspido. ― O que você tá fazendo aqui?
Ele se levantou e sacudiu a poeira da saia quase longa
que usava por baixo de uma daquelas suas blusas
compridas. De início, não me atraí muito pelo estilo de
Jhonas, mas aos poucos, o conhecendo melhor, me encantei
por outras coisas que valiam muito mais a pena focar.
― Quis te fazer uma surpresa já que você saiu tarde e
não conseguiu me encontrar no sarau. ― Abri um sorriso.
Nosso relacionamento estava longe de ser perfeito, mas em
momentos como esse eu me lembrava porque tinha
aceitado aquele convite para sair há 2 meses.
Enrolei meus dois braços ao redor do seu pescoço e
colei nossos lábios em um beijo rápido. Abri a bolsa
procurando pelo molho de chaves do meu apartamento.
― E como foi o sarau? ― perguntei. Meu namorado
adorava esse tipo de programas artísticos alternativos e por
mais que eu tentasse me encaixar, nunca me sentia 100%
pertencente ao seu grupo de amigos ou nos eventos que
costumávamos ir.
― Foi muito bom. Tiveram duas declamações de
poesias do Manoel de Barros. Até tô pensando em começar
um diário de ressonância ― comentou, se jogando no
estofado da minha sala.
― Por falar nisso… ― Apoiei minha bolsa no aparador e
tirei o tênis dos pés. ― Escrevi mais uma poesia hoje. Quer
ler?
Jhonas se sentou com os cotovelos apoiados nos joelhos
e esticou a mão na minha direção. Abri a bolsa e peguei o
caderno pequeno onde eu costumava escrever sempre que
as ideias me vinham a mente. Hoje, escrevi enquanto estava
no metrô e vi um casal de idosos de mãos dadas. Me
questionei se eu me imaginava envelhecendo com Jhonas e
uma voz no fundo da minha mente gritava que não. Talvez
se ele lesse como eu me sentia, isso pudesse me ajudar a
entender o que acontecia entre nós.
Abri o caderno na página exato e entreguei em suas
mãos. Acompanhei seus olhos descerem linha por linha e
aguardei por alguma reação, mas nada veio. Ele se recostou
de volta no sofá e me devolveu o caderno, parecendo
desinteressado.
― Tá ficando legal! Vai ficar melhor ainda quando
estiver pronto ― comentou. Peguei o caderno de volta e me
virei, sem coragem de dizer que aquela já era a versão final.
Eu precisava decidir o que fazer em relação a nós e
como alinhar as minhas expectativas com as do homem que
tinha me chamado para tomar um chá depois da aula há
alguns meses. Eu sabia que estar com Jhonas era legal. Era
bom ter alguém com quem dividir minhas dúvidas sobre
carreira, conversar sobre o mestrado e sair pra comer
alguma coisa nos finais de semanas.
Mas eu queria sentir fogos de artifício. Queria que meu
coração batesse tão acelerado que me fizesse precisar
respirar fundo. Queria que as cores ao meu redor
parecessem brilhar e que meu estômago parecesse ter sido
inundado por um pavilhão de borboletas.
― Aí, vamos falar de Machado amanhã no podcast. ―
Me recostei na pia, esperando que meu copo de água se
enchesse no filtro. ― Quer ir assistir?
― Eu combinei de sair com a Jade e a amiga dela pra
um bar. ― Meu namorado se levantou e caminhou até o meu
lado, abrindo minha geladeira para procurar por alguma
coisa.
― Mas dá pra fazer as duas coisas, gata. Meu pod vai
começar às 17h ― observou. Jhonas pegou uma garrafinha
de água com gás que tinha deixado há alguns dias na minha
geladeira. Assim que desenroscou a tampa, o silêncio era
um indicativo muito claro de que o produto tinha perdido
completamente o gás.
― Acho que acabou o gás ― avisei. Ele levou o líquido à
boca e pareceu degustar.
― Eu sei, eu adoro quando perde o gás. ― Ergui uma
sobrancelha, confusa demais.
― Não seria melhor então tomar água normal? ―
questionei. Ele me encarou como se eu tivesse
enlouquecido.
― Aí qual seria a graça? ― Não respondi. Às vezes eu só
preferia me poupar dos debates filosóficos de Jhonas um
pouquinho. ― E então, topa ir comigo amanhã? ― Ele puxou
minha mão entre as suas e colocou um beijo no dorso. ―
Prometo que vai ser divertido.
Abri um sorriso.
― Claro. ― Joguei meu corpo cansado no sofá. ―
Estreou na Netflix um filme novo com a Meryl Streep e eu
pensei…
― Ah, essas americanices de novo, Lili? ― meu
namorado chiou, fingindo estar irritado, ainda que seus
lábios se curvassem para cima. ― Por que a gente não
assiste aquele do Woody Allen? ― Bufei, contrariada.
― Você sabe que Woody Allen é tão americano quanto
a Meryl Streep, não sabe? ― devolvi.
― É diferente…
― Por que? Por que ele é um homem? ― Revirei os
olhos. ― Coloca o filme que você quiser, vou aproveitar pra
tomar meu banho. ― Levantei do sofá, pronta para sair
andando, evitando mais um estresse depois de uma quinta-
feira cheia. Jhonas agarrou meu pulso, me puxando de
encontro ao seu corpo. Caí sentada bem no seu colo.
― Calma, gata. Tá de TPM? Sei que vocês costumam
ficar mais sensíveis nesses dias. Quer uma massagem no
pé?
― Não tô de TPM, Jhonas. Só quero tomar um banho. ―
Me desvencilhei dos seus braços, ficando de pé novamente.
― Vou junto. Depois pego uma roupa sua emprestada
pra ir embora, pode ser? ― Respirei fundo e caminhei até o
banheiro sem dizer nada. Eu sabia que ele me seguiria de
qualquer forma.

― Sejam bem-vindo à mais um LiteraCast, o seu


podcast de literatura de verdade! ― A voz do meu
namorado soou pelo estúdio improvisado que ele tinha
montado em um dos quartos do lugar que dividia com o
melhor amigo. A luzinha improvisada no canto da mesa
indicava que o programa estava completamente ao vivo na
internet.
Me sentei em uma das cadeiras de plástico, parecendo
mais uma vez deslocada naquele espaço. O estúdio do
LiteraCast era como uma espécie de DCE universitário, com
paredes grafitadas e palavras de ordem que só um homem
colocaria pelas paredes. A garota do meu lado,
provavelmente a peguete da vez do amigo de Jhonas, puxou
um baseado e espalhou toda a fumaça pelo ambiente. Eu
me sentia altinha sem nem estar fumando.
A ideia do podcast tinha surgido um tempo atrás
quando, durante uma aula do nosso mestrado, surgiu o
assunto sobre a literatura nacional. Jhonas era um defensor
fervoroso de que só devia ser considerado literatura as obras
clássicas e que poucas pessoas tinham acesso ou se
interessavam. Foi assim que ele decidiu que queria se
comunicar com pessoas que pensassem igual a si próprio.
Por sorte, a transmissão não continha imagens, já que
dificilmente eu conseguiria disfarçar a minha cara de
desgosto com algumas das coisas que ouvi convidados
dizerem por ali.
― Nosso convidado de hoje é o Rick Pina, meu colega
de UFRJ, e recém titulado como mestre em Letras Clássicas.
― Revirei os olhos com a postura egocêntrica do homem de
cabelo pintado de azul claro do outro lado da mesa. Suas
unhas pretas batucavam na capa surrada de uma edição
antiga de Memórias Póstumas de Brás Cubas. ― É uma
honra te receber aqui e poder te ouvir falar um pouco sobre
nosso tema de hoje, que é…
― Machado de Assis ― Rick completou. Uma espécie
de monólogo muito chato em que ele narrava sobre todos os
pontos que considerava relevantes em Quincas Borba e O
Alienista ocupou todos os minutos seguintes. ― Porra, cara,
vou ser sincero com você. Sou um saudosista das obras
literárias do passado. Em que tínhamos autores que eram
artistas de verdade, com tramas bem elaboradas e uma obra
feita para atingir públicos muito específicos, saca? Agora
parece que os livros servem para atingir cérebros não
pensantes.
― Te entendo, Rick! ― meu namorado concordou, para
o meu repúdio. ― Toda vez que entro em uma livraria dessas
de shopping, em geral contra a minha vontade, minha
mente parece gritar “Me dê alimento de verdade! Não quero
essas porcarias!”.
― E digo mais: se Machado fosse vivo hoje em dia, ele
estaria sendo alvo de críticas por uma parcela da população.
Ele não poderia sequer colocar no livro uma personagem
como Capitu, que traiu o próprio marido… ― Tossi na
mesma hora com a afirmação do convidado, atraindo os
olhares na minha direção. ― Seria considerado sexismo. ―
Se meus olhos pudessem grudar no teto, eu tinha quase
certeza que já estariam lá. ― Você quer complementar
minha fala? ― Demorei alguns segundos até perceber que
aquela insinuação cheia de deboche estava vindo na minha
direção. Ignorei, me sentindo sem graça por ter atrapalhado
e mais ainda por ter sido afrontada por aquele idiota.
Recebi alguns olhares irônicos do tal Rick durante o
resto do seu discurso final no podcast. Ele parecia ainda
mais babaca do que eu imaginava.
― Vamos ficando por aqui e espero vocês na semana
que vem pra falarmos sobre Vladimir Nabokov. ― Meu
namorado encerrou a programação ao vivo e a luz vermelha
se apagou. A garota que tinha fumado baseado durante
quase toda a transmissão levantou e envolveu os braços ao
redor do pescoço de Rick.
― Você foi foda, gatinho ― a menina falou. Jhonas
caminhou na minha direção e passou um braço sobre os
meus ombros.
― Curtiu, Lili? ― Balancei a cabeça afirmativamente,
preferindo guardar para mim minhas opiniões sobre o que
eu tinha ouvido. Pelo menos por enquanto. ― Vocês querem
dar uma pedalada? ― perguntou para o casal à nossa frente
que parecia não dar a mínima para o que estava
acontecendo.
― Não, valeu. Temos outros planos ― Rick recusou e
sem nem mesmo se despedir adequadamente, puxou a
namorada em direção à saída do apartamento.
― E você? Quer dar uma volta de bike? ― Balancei a
cabeça em negativa.
― Eu vou sair com a Jade, lembra? Ela já tá me
esperando, inclusive. ― Jhonas assentiu e puxou o celular do
bolso.
― Tô livre também. Vou junto com vocês. ― Parei meus
movimentos e o encarei.
― Nós vamos no El Piru ― alertei. Jade e a amiga
estavam ansiosas para conhecer o quiosque que era o novo
sucesso da cidade, onde uma variedade de waffles em
formato de pau com cobertura de chocolate eram vendidos.
― E daí, gata? Nem todo homem é tóxico, não. Por
aqui não há masculinidade frágil. Bora lá comer um pau
recheado de leite condensado. ― Senti todo o meu rosto se
contorcer de desconforto com aquela frase.
Descemos o elevador que levava ao hall do prédio e
entramos no meu carro para irmos até o quiosque. Jade e
Aurora, sua colega de quarto, já estavam me esperando em
uma das mesas ao ar livre. Minha prima franziu o cenho em
uma expressão de questionamento assim que me viu de
mãos dadas com Jhonas.
― Oi, meninas ― cumprimentei. Aurora abriu um
sorriso simpático. ― Jhonas não tinha nada pra fazer e
acabou vindo junto ― justifiquei. Eu odiava estar nessa
posição em que fui praticamente obrigada a ser aquele tipo
de pessoa. A pessoa inconveniente que leva o parceiro ou
parceira para algum programa que ele não tinha sido
convidado.
― Não se preocupem que eu sou praticamente uma de
vocês, nem vão perceber que estou aqui. ― Meu namorado
puxou uma cadeira e se sentou. Jade acompanhava cada um
dos movimentos dele com os olhos. Eu sabia que ela me
lançaria o seu olhar de “que porra é essa?” a qualquer
instante.
― Vocês já pediram? ― perguntei.
― Ainda não, estávamos esperando por você. Eu vou
pedir uma Rola gostosa com recheio de ninho ― disse,
apontando para o cardápio. ― E a Aurora curtiu o Pica de
ouro porque vem com doce de leite. ― Jhonas ergueu o
punho no ar como se estivesse vibrando.
― Foda demais ver vocês mulheres empoderadas
assim. ― Ergui uma sobrancelha.
― Empoderadas porque vamos pedir doces em formato
de piroca? ― Jade perguntou, na lata. Aurora soltou uma
risadinha baixa.
― Em outros tempos vocês não podiam fazer isso. A
sociedade era muito sexista. ― Eu sabia que seu tom
explicativo só servia para deixar minha prima ainda mais
irritada. Talvez aquele fosse o pior momento para falar sobre
o que tinha acontecido no podcast, mas o uso da palavra
sexismo, me lembrou sobre o idiota do Rick Pina.
― Você devia chamar pessoas menos elitistas para irem
ao seu programa ― ataquei do nada. Jhonas inclinou o corpo
para trás e levou alguns segundos até processar do que
raios eu estava falando.
― Que elitista, gata. O Rick é super de boa. Você tá
assim só porque ele disse que a Capitu traiu o Bentinho?
― Não, eu tô assim porque ele é um idiota que me
tratou mal no meio do seu podcast e você nem ligou. ― Eu
nem sabia que aquilo tinha me afetado, mas as palavras
jorraram pelos meus lábios sem que eu pudesse conter.
Deus… Eu sabia que ali, na frente das meninas, não era hora
nem lugar, mas eu me sentia cheia. Como se uma última
gota tivesse feito tudo transbordar.
― Ah, Lili, fala sério. Você queria que eu arrumasse
briga com o meu convidado? ― Não respondi. Engoli em
seco, sem falar nada e me virei de frente para Jade e Aurora.
― Vou pedir o Pau grosso. ― Jhonas, ao meu lado,
suspirou, parecendo tão sem paciência quanto eu. Talvez a
gente precisasse decidir se continuava ou não esse
relacionamento.
― Vou urinar ― meu namorado anunciou, levando da
mesa. Assim que ele pareceu estar a uma distância segura,
Jade quebrou o silêncio.
― Você precisa dar um pé na bunda desse cara, Lia.
Sério, você merece coisa melhor. ― Balancei a cabeça e
esfreguei os olhos, confusa.
― Ele é legal, Jade… Eu só não sei se… sei lá, vale a
pensa insistir quando parecemos não combinar. ― Aurora, a
nova amiga da minha prima me ofereceu um sorriso
reconfortante.
― Olha, por que vocês não vêm na festa da Atlética que
vai ter amanhã? É na república que meu irmão aluga com os
colegas de time. Talvez seja uma oportunidade de vocês
curtirem algo juntos e quem sabe se reaproximarem ― a
menina sugeriu.
― Vamos, Lia! A gente pode se maquiar juntas. Eu não
vejo a hora de beijar várias bocas amanhã ― Jade comentou
animada.
Eu não ia a uma festa fazia muito, muito tempo. Nos
meus tempos de graduação costumava ir a um número
considerável de Choppadas, mas hoje em dia, com o
trabalho e o mestrado, parecia que o tempo ficava cada vez
mais curto para o lazer. Apesar de a maioria dos
frequentadores serem graduandos, eu sabia que o time de
futebol da Atlética da UFRJ vinha ganhando espaço para
além dos muros da universidade, então uma festa talvez
fosse exatamente o que eu e Jhonas precisávamos.
Meu namorado voltou para a mesa alguns minutos
depois, com o semblante tranquilo de sempre. Esse era o
problema de ter conflitos com ele: enquanto eu continuava
remoendo internamente o que tinha acontecido, ele parecia
sequer lembrar que discutimos há menos de 5 minutos.
― As meninas chamaram a gente pra festa da Atlética
amanhã. ― Eu podia jurar ter visto os olhos do meu
namorado se arregalarem de leve.
― Pô, marquei um compromisso com os caras… Não vai
dar. ― Senti meu peito afundar com a recusa e fiquei
automaticamente decepcionada.
― Mas você ainda pode vir com a gente, Lia ― Jade
completou. Jhonas tossiu, engasgando com a própria saliva.
Ele estava agindo estranho demais.
― Vou pensar e te falo, tá? ― avisei para a minha
prima.
Eu sabia qual provavelmente seria a minha resposta,
mas quem sabe até o dia seguinte eu me sentisse mais
animada?
4. Thomas

Acordei cedo no sábado para levar minha irmã mais


nova para tomar café da manhã no Forte de Copacabana. O
cheiro do mar combinado com o barulho do ir e vir das
ondas, ainda que um pouco distante, sempre me relaxava e
eu esperava que causasse o mesmo efeito em Heloísa, que
andava estressada demais por conta do vestibular.
Depois de buscar minha irmã na casa que morei por
muitos anos, fomos até o famoso café e sentamos em uma
das muitas mesas espalhadas pela calçada. A visão de tirar
o fôlego, uma mistura de prédios e natureza, explica porque
o Rio de Janeiro é conhecido como cidade maravilhosa.
— O papai está um chato — reclamou, tirando os óculos
escuros que usava e colocando-o na cabeça. — Não aguento
mais ele falando de vestibular e de como vai ser incrível
quando eu me formar em Comunicação Social e assumir a
empresa no lugar dele.
— Ele só está animado porque pelo menos um dos
filhos vai trabalhar na Goulart Comunicações — banquei o
advogado de Henrique Goulart. Meu pai jamais se opôs ao
curso que escolhi fazer, mas eu sabia que, mesmo que ele
não falasse, o sonho dele era que eu seguisse seus passos.
Por sorte, minha irmã sempre foi apaixonada pela GC e
desde que começou a cursar o Ensino Médio já sabia que
queria ser a próxima CEO da empresa da família.
Minha irmã soltou um longo suspiro antes de
continuar seu desabafo.
— É só… Muita pressão, sabe? Eu não quero
decepcionar os nossos pais se eu não passar na UFRJ igual a
você — desabafou.
— Helô, você não vai decepcionar ninguém. Você vai ser
uma profissional incrível, não importa de onde seja o seu
diploma.
— Mas e se…
— Nada de “e se”, maninha. Você está estudando e vai
dar o seu melhor no vestibular. A faculdade que tiver você
como aluna, será sortuda. Não importa se é a UFF, UFRJ,
UERJ, UNIRIO ou uma universidade privada.
— Desde quando você virou Psicólogo? — implicou.
— Acho que a habilidade veio quando mamãe contou
que estava grávida de você — respondi. Quando meus pais
contaram que eu teria um irmãozinho ou irmãzinha foi um
dos dias mais felizes da minha vida, perdendo apenas para o
dia que Helô nasceu. Apesar da diferença de idade, sempre
fomos muito próximos. — Mas não vamos falar sobre
faculdade ou vestibular hoje. Vamos conversar sobre outras
coisas — mudei de assunto, já que o intuito desse passeio
era exatamente fazer minha irmã espairecer. — E aquele
menino do último encontro que você teve?
— Desapareceu. Não me mandou mais nenhuma
mensagem — contou meio cabisbaixa. Ela deu um gole no
suco de laranja que a garçonete havia trazido uns minutos
antes. — Será que… Será que o problema sou eu, Thomas?
— O problema é ele ser um otário — falei, arrancando
uma risada dela. — Você só não achou a pessoa certa ainda,
Helô. Mas você é nova e ainda vai conhecer muitos otários
até achar um cara que seja perfeito pra você.
— É… Ou talvez eu já tenha achado o cara perfeito,
mas ele é um otário e não enxerga isso — disse pensativa.
— O que você quer dizer com isso?
— Nada, eu só… Pensei em voz alta. — As bochechas
da minha irmã ganharam um tom vermelho
instantaneamente. — Cansei de falar de mim. Vamos falar
de você, professor Goulart. Por que você não tem uma
namorada? — a espertinha disse, fugindo do assunto sobre o
qual não queria mais falar.
— Você é nova demais para ser a tia dos
namoradinhos, Helô — brinquei.
— Você é o cara mais legal que eu conheço. É
inteligente, bonito… Bom, pelo menos é o que minhas
amigas dizem, eu não acho você isso tudo — falou com falso
desdém, me fazendo revirar os olhos. — Eu quero uma
cunhada!
— Você vai ter uma… No momento certo. Agora come
esse croissant antes que fique frio e você comece a reclamar
— ordenei como um bom irmão mais velho. Mas, a verdade
é, que assim como ela, eu também estava fugindo da
pergunta.
Nosso café da manhã passou mais rápido do que eu
gostaria. Era fácil estar com Helô. Minha irmã e eu tínhamos
muitos gostos em comum, então nunca nos faltava assunto.
Apesar de amar morar sozinho e ter minha independência,
sentia falta de dividir o mesmo teto que ela. Até de quando
tínhamos aquelas brigas bobas que todos os irmãos tem.
— Você vai na festa da Alana amanhã, né? —
perguntou quando estacionei o carro em frente ao prédio
dela.
— Eu não perderia por nada nesse mundo — falei. —
Quer uma carona?
— Já combinei de ir com o Gael. — Não pude deixar de
notar o mesmo tom avermelhado de mais cedo tomando
conta de suas bochechas. Helô se achava ótima atriz, mas a
verdade é que desde quando ela era novinha, seu amor
platônico por Gael era visível. Se ele fosse esperto, não
deixaria essa oportunidade passar. Talvez eu pudesse dar
um empurrãozinho para que isso acontecesse. — Nos vemos
na festa então, maninha.
Helô tirou o cinto de segurança e se inclinou para me
dar um beijo no rosto antes de descer do carro. Esperei que
ela entrasse no prédio para dar partida no veículo e
continuar minha curta viagem até o prédio em que eu
morava.
Passei a tarde de sábado jogado no sofá assistindo
filmes. Porra, tinha muito tempo que não fazia isso e nem
tinha percebido o quanto sentia falta até agora. Quando a
noite chegou, tomei um banho e me arrumei para encontrar
com Dani.
Na hora marcada, parei meu carro em frente ao prédio
em que a garota morava, apenas algumas ruas de distância
da minha casa. Puxei o celular do bolso para enviar uma
mensagem avisando que já tinha chegado, mas ouvi uma
batida na janela do carro antes mesmo de desbloquear o
aparelho. Olhei para o lado e vi o rosto sorridente do meu
encontro me observando. Destravei a porta para que ela
entrasse.
— Você fica diferente sem quimono — Dani brincou ao
entrar no carro. Eu gostava do humor dela.
— Você também. Consegue ficar ainda mais bonita —
rebati, fazendo-a corar.
O trajeto da casa dela até o lugar que combinamos de
ir, em Ipanema, não era muito demorado. O restaurante
ficava localizado no terraço de um dos prédios construídos
de frente para a praia e tinha ficado famoso graças ao
TikTok. Conseguir uma reserva ali não era nada fácil, mas
uma amiga de Dani, que trabalhava no lugar, nos deu uma
ajuda.
— Aqui é lindo demais! — a menina falou quando nos
sentamos na mesa especialmente reservada para nós dois.
— Você já tinha vindo aqui antes? — perguntei
enquanto tirava o celular do bolso para escanear o QR Code
que dava acesso ao cardápio.
— Nunca. Estava aguardando uma ocasião especial —
falou, dando uma piscadinha em minha direção. Dani era
uma espécie de flertadora profissional e eu gostava disso. A
mulher voltou a atenção para a tela do próprio celular,
analisando o menu. — Água de Princesa: pink lemonade, gin
tônica e rodelas de limão siciliano — leu em voz alta. —
Parece gostoso. Acho que já decidi o que quero.
Observei o cardápio por mais alguns minutos e acabei
optando por pedir uma bebida sem álcool, já que estava
dirigindo. A garçonete anotou nossos pedidos e saiu de
perto, nos deixando sozinhos mais uma vez.
Apesar de Dani e eu nos conhecermos da academia há
um bom tempo, essa foi a primeira vez que de fato
conversamos.
— E foi assim que decidi cursar Publicidade e
Propaganda — contou em determinado momento. — Como
você decidiu ser professor?
— Quando era criança, tive uma fase que amei
dinossauros e quis ser historiador. Depois fiquei
completamente obcecado com o sistema solar e quis ser
astronauta. Também teve a fase que meus tios Edu e Iane
adotaram um gatinho de rua e eu desejei ser veterinário
para ajudar os animais. Mas os livros sempre foram um amor
constante. Nos dias bons ou ruins, não importa quantos anos
eu tinha, os livros sempre estavam lá para me fazer
companhia. Acho que foi a Literatura que me escolheu antes
mesmo de eu escolher o que queria.
Continuamos conversando por mais um bom tempo,
até praticamente sermos expulsos do lugar pela garçonete.
Paguei a conta e, assim que entramos no elevador, puxei
Dani em minha direção para um beijo.
— Eu estava doida pra te beijar a noite inteira —
sussurrou em meu ouvido entre um beijo e outro.
— Eu também. Foi difícil esperar até agora — disse.
Destranquei o carro e ficamos trocando beijos e
carícias dentro do veículo por mais um tempo antes de Dani
sugerir que fôssemos para sua casa. Dani era bonita,
divertida e já tinha deixado claro durante nossa longa
conversa de mais cedo que não estava em busca de nenhum
relacionamento sério. “Eu quero aproveitar minha vida de
solteira e me divertir o máximo possível”, foram as palavras
dela. Eu, é claro, não iria negar uma noite divertida para a
garota. Liguei o carro e dirigi mais uma vez até sua casa.
Acordei com o barulho do despertador tocando. Droga,
eu odiava quando esquecia de desativá-lo aos finais de
semana. Espreguicei-me e, antes que perdesse a coragem,
me levantei da cama e fui direto para o banheiro. Talvez eu
pudesse trabalhar um pouco pela manhã, uma vez que já
estava desperto.
Peguei meu café recém-feito, meu notebook e sentei
na mesa de madeira que ficava na sacada do meu
apartamento, com a vista para a praia. Sempre achei a vista
dali inspiradora.
Sobre o que eu poderia escrever?
Pensei na noite anterior com Dani. Apesar de ter sido
um excelente encontro, nós dois sabíamos que não iria
passar disso, de um encontro casual. Só… Faltava algo. Eu
cresci no meio de três casais apaixonados e tudo que mais
desejava era encontrar alguém que me completasse da
forma como eles se completam. Era nítido, só de olhar para
os meus pais e meus tios, o quanto eles se amavam e se
respeitavam. Era isso que eu almejava.

Você é minha história de amor


Que ainda não foi escrita
Mas te procuro por onde passo:
Seja em travessas, vielas ou palácios

Eu ainda não te conheço,


Mas te imagino em tudo que faço
Em tudo que vejo, em tudo que toco
Te quero na cidade, na serra ou no campo
Quero sorrir contigo
E também chorar, se for preciso
Quero seus dias bons e os ruins
Me sentir completo como nunca fui

Onde quer que você esteja


Torço para que logo nossos caminhos se cruzem
Quero escrever sobre nosso amor
Não importa por quanto tempo ele dure

Passei o resto da manhã escrevendo. Algumas ideias


vinham de forma natural, outras era preciso um pouco mais
de esforço para que surgissem. Mas, de todos os jeitos, tirar
as palavras da minha cabeça e colocá-las no papel sempre
fazia com que eu me sentisse bem, completo. Eu sentia
como se tivesse nascido para transcrever sentimentos em
poesias.
Durante a tarde, aproveitei para arrumar algumas
coisas na minha casa e ir ao shopping buscar o presente que
encomendei para Alana. Eu sabia que minha prima era
apaixonada por sapatos e, com a ajuda de Helô, comprei o
presente perfeito para ela. Um sapato que, aparentemente,
era a nova febre do momento, pois todas as influenciadoras
digitais do ramo da moda usavam.
No horário combinado, chamei um carro de aplicativo
para me levar até a boate do tio Edu, onde a festa de Alana
aconteceria. Ela tinha reservado todo o segundo andar do
espaço, onde ficam os camarotes, para recepcionar seus
convidados. Por coincidência, ou não, tio Edu havia
contratado um dos DJs mais famosos do momento para
tocar essa noite na Calegari Music.
O segundo andar do espaço estava todo decorado para
comemoração. Uma mesa com um bolo enorme e vários
docinhos havia sido montada próximo a uma das paredes do
lugar e, bem ao lado, uma pequena pilha de presentes já
começava a se formar. Balões em vários tons de rosa
também estavam enfeitando o teto.
Percorri o lugar com os olhos em busca da
aniversariante. Papai e mamãe já tinham chegado e
estavam sentados em uma das mesas conversando ao pé do
ouvido. Acenei para eles de longe e continuei à procura de
Alana. Não demorou muito para notar a menina, que tinha
pintado seu cabelo de rosa apenas para a ocasião,
conversando em dos cantos com os pais e Gael. Ele ajudava
nosso tio Edu na administração da boate como parte do
estágio que a faculdade o obrigava a fazer. Bom, pelo menos
essa era a desculpa que ele usava. No fundo, todos nós
sabíamos que Gael amava trabalhar ali porque era o mais
festeiro de todos nós.
— Feliz aniversário, Alaninha! — disse me
aproximando. Dei um abraço forte na minha prima e, em
seguida, a entreguei o embrulho com o presente. — Espero
que você goste. — Apontei para a caixa. — A Helô me ajudou
a achar.
— Ai, meu Deus! É da Shoes! — Mesmo na luz baixa da
boate era possível enxergar o brilho no olhar da garota. —
Eu vou abrir agora mesmo — avisou, já rasgando o embrulho
colorido. Alana soltou um grito de animação quando viu o
sapato de salto alto dentro da famosa caixinha cor de rosa
da marca.
— Era aquele que você me mostrou outro dia, filha? —
Tia Iane perguntou.
— Sim! Meu Deus, esse foi o presente mais legal que
eu ganhei. — Minha prima pulou em meu colo, me dando
mais um abraço. — Eu te amo, Thomas. Você é o melhor!
— Eu contratei o DJ mais famoso do momento, que
você diz amar, tocar na festa, mas o Thomas deu o melhor
presente — bufou Tio Edu. — Agora sei como o Henrique se
sentia quando você preferia o Arthur, pirralho. — Soltei uma
risada.
— Você também é o melhor, papai — disse, abraçando
tio Edu e depositando um beijo em sua bochecha. — Mas
esse sapato aqui estava esgotado há meses. Quer saber? Ele
vai ficar perfeito com a roupa que estou usando. Vou colocar
agora mesmo.
— E parece que foi ontem que ela era só uma
sementinha de feijão dentro da barriga da Tia Iane —
comentei.
Uma mão tocou meu ombro e então ouvi meu Tio
Arthur dizer:
— Porra, seu pai quase me matou nesse dia.
— Você às vezes perdia a oportunidade de ficar
quietinho, amor — tia Maya implicou, arrancando risadas de
quem estava ali. — Parabéns, querida. Você está linda!
Enquanto meus tios conversavam com a aniversariante,
chamei Gael no canto.
— Minha irmã disse que viria com você — comentei.
— Nós viemos. Luna e ela estão no balcão pegando
bebidas. — Apontou para o local onde as duas estavam em
pé conversando animadas com dois garotos.
— Quem são aqueles caras? — perguntei. Eu não era
um irmão ciumento, mas gostava de saber quem eram os
homens que eu precisaria quebrar a cara se magoasse
minha irmãzinha.
— Não faço ideia. — Gael franziu o cenho, parecendo
finalmente se dar conta de que as duas não estavam
sozinhas. — Eles parecem dois otários.
— Você chegou a essa conclusão olhando a essa
distância? — impliquei, querendo provocar.
— Tem gente que exala idiotice a distância, parceiro —
falou, sem tirar os olhos de onde as meninas estavam. — Ele
tá perto demais dela, você não acha?
Observei quando o cara que estava mais próximo da
minha irmã colocou uma mecha do cabelo de Helô atrás de
sua orelha. O outro rapaz, que conversava com Luna,
parecia mais interessado em segurar sua cerveja do que em
tocar na menina. Era bem óbvio o que preocupava Gael.
— Baladas são pra isso, certo? Paquerar e arrumar
contatinhos — falei.
— Ele claramente não é o tipo dela, Thomas —
reclamou.
— E qual o tipo da Helô? — perguntei. Só então ele
pareceu se dar conta de que estava entregando demais seus
sentimentos.
— Eu não estava… — O encarei com a sobrancelha
erguida. Gael parou a frase no meio, sabendo que não havia
motivos para mentir já que eu já tinha sacado tudo que
estava acontecendo. — Acho que vou lá pegar uma bebida
para mim. Quer alguma coisa?
— Estou de boa — falei.
— Beleza então.
— Gael — chamei. Ele virou-se para mim. — Se você
não quer que outro marque território, você tem que assumir
seu posto. — Ele assentiu. — Mas tome cuidado como você
vai fazer isso, tá legal? Você é meu primo, mas não pensaria
duas vezes antes de te dar um soco se fosse necessário —
alertei.
— Não vai ser — falou antes de ir atrás das meninas.
Aos poucos os convidados de Alana foram chegando,
assim como os clientes da boate, e não demorou muito para
a casa atingir o número máximo de ocupantes. Minha prima
estava radiante, sorrindo de orelha a orelha, assim como Tio
Edu e tia Iane. Bebi, dancei e, claro, não perdi a
oportunidade de beijar uma das convidadas em
determinado momento da noite.
Quando meus pés começaram a doer de tanto dançar,
avisei a Luna que precisava descansar um pouco e caminhei
até o bar para pegar mais uma bebida. Fui até a mesa onde
meus pais estavam e sentei em uma das cadeiras vazia.
— Nós vamos embora — papai avisou assim que me
sentei.
— Mas já? Ainda tá cedo — falei.
— Já passou de meia-noite — rebateu.
— Seu pai é um velho ranzinza, Thomas — brincou
mamãe.
— Eu só estou cansado porque acordei cedo hoje —
defendeu-se. — Ou talvez eu só queira aproveitar o resto da
noite com você — falou para mamãe.
— Parem de romance na minha frente, eca — brinquei,
fingindo fazer uma careta de nojo.
— Você viu a sua irmã? Queremos avisar que vamos
embora, mas não a vejo em lugar nenhum.
O olhar atento de papai percorreu o espaço em busca
de Helô e imitei seu gesto. Não demorou muito para que eu
visse o brilho do seu vestido amarelo em um dos cantos e
um braço masculino ao redor da sua cintura. Ao contrário de
mim, papai era ciumento. Mas, para sorte da minha
irmãzinha, ele já não enxergava tão bem sem seus óculos.
— Ela tinha ido ao banheiro com Luna. Pode deixar que
eu aviso que vocês foram embora e a levo para casa em
segurança — prometi. — Aproveitem o resto da noite a sós.
— Você é um amor, Thomas — mamãe falou. —
Amamos você! — Ela plantou um beijo no topo da minha
cabeça.
— Também amo vocês — despedi-me deles.
Terminei minha bebida ainda sem tirar os olhos do
local onde minha irmã estava. Eu ainda não tinha
conseguido decifrar quem era o cara que ela estava
beijando tão… Intensamente. Quando os dois finalmente
descolaram as bocas e pararam para respirar, consegui ver o
dono do braço. Levantei e fui em direção ao local que
estavam.
— O papai tá procurando você — falei ao me
aproximar, assustando os pombinhos distraídos.
— Caralho, Thomas, você quer me matar do coração?
— Gael perguntou.
— Se assustou por que, parceiro? Tá fazendo algo que
não devia? — impliquei em tom de brincadeira.
— Você é foda. — Virando-se para minha irmã,
completou. — Preciso dar uma volta para ver como as coisas
estão. Te encontro mais tarde, tá bem?
— Tudo bem. — Ele deu um selinho rápido nos lábios
de Helô antes de ir cumprir com suas obrigações de
administrador da casa.
— O papai… Ele viu alguma coisa?
— Não viu nada, eu te acobertei. Pode ficar tranquila.
— Helô suspirou aliviada. — Mas vocês não vão conseguir
esconder esse romance por muito tempo. Uma hora ou outra
eles vão descobrir o que está rolando.
— Não tem nada rolando, Thomas. A gente está só
ficando… Não é nada sério. Quer dizer, é a primeira vez que
nos beijamos. Estamos só curtindo a noite.
— Você tá feliz? — perguntei, embora a resposta
estivesse estampada por todo seu rosto.
— Nunca estive mais feliz. Eu já queria fazer isso há
um bom tempo — confessou.
— Então aproveite a noite, irmãzinha. A hora que você
quiser ir embora, só me procurar. Prometi ao papai que te
levaria em casa.
— O Gael disse que ia me levar.
— Sem discussões, Helô. Você sabe que o papai vai
reclamar se eu não fizer exatamente o que prometi.
— Tudo bem — concordou. — Você é o melhor irmão
do mundo inteiro, sabia?
— Você que é, Helô. Agora vai curtir a noite. Vocês já
perderam tempo demais. — Ela abriu um sorriso em minha
direção antes de fazer exatamente o que eu havia
recomendado.
5. Lia

Não devia parecer um esforço


Estar ao meu lado
Não devia parecer um fardo
Olhar pra você

“Achei que éramos livres”


Escapou da sua boca feito sentença
Então por que eu me sentia tão presa?

Você foi um arranhão


Um lapso
As letras miúdas na minha história
Por que dói se nem era profundo?

— Você não vai mesmo? — perguntei. Jhonas estava


parado no batente da porta do meu apartamento pronto
para ir embora, depois de termos passado a tarde juntos.
— Não vai rolar, gata… Te falei que combinei com os
meus companheiros de passar um tempo de qualidade
juntos. O Beto vai até levar o narguilé. — Suspirei,
contrariada. — E você? O que decidiu?
— Também não vou, então. Jade vai pegar geral e eu ia
acabar ficando deslocada num canto cheio de universitários.
— Jhonas abriu um sorriso e colocou meu cabelo atrás da
orelha.
— Se quiser, posso vir aqui amanhã e a gente fica de
boa. — Balancei a cabeça, assentindo não tão animada
quanto deveria com a oferta do meu namorado. Ele colou a
boca na minha tão brevemente que mal consegui sentir,
antes de sair em direção às escadas do prédio.
Fechei a porta e puxei o celular do bolso para pesquisar
por algum filme interessante que tivesse estreado
recentemente nos serviços de streaming. Acho que perdi
pelo menos uns bons 20 minutos navegando entre as
categorias de comédia romântica tentando encontrar algo
que me chamasse atenção, mas estava tão desanimada que
nada parecia fazer sentido.
Estava quase desistindo e me rendendo a rever pela
milésima vez Simplesmente Amor, quando o barulho do
interfone ecoou pela sala. Pulei de susto e me levantei sem
entender quem poderia ser. Não lembrava de nenhuma
encomenda estar prevista de chegar.
— Alô? — atendi.
— Abre pra mim! — A voz de Jade soou do outro lado do
aparelho. O que raios minha prima estava fazendo aqui
quando deveria estar se arrumando para a tal festa?
Apertei o símbolo de chave no menu do interfone e ouvi
o barulho do portão eletrônico abrindo. Fui até a porta do
meu apartamento e esperei por ela. Assim que Jade
apareceu no pé da escada eu sabia que ela estava
aprontando.
— Não — falei, cortando qualquer tipo de plano
mirabolante que a garota tinha de me arrastar para a festa.
Ela revirou os olhos e me ignorou por completo.
— Sim! — retrucou, subindo os degraus que a
separavam de mim. — De jeito nenhum você vai ficar
trancada em casa mais um final de semana enquanto
aquele Tiago Iorc falsificado aproveita com os amigos.
— Mas eu não quero ir nessa festa, Jade. Não conheço
ninguém e vou ficar isolada. — Fechei a porta do
apartamento assim que ela entrou. Minha prima ostentava
um look recheado de transparências do jeito que só ela
conseguia usar. Um body de manga longa que não deixava
muito para a imaginação e uma saia justa ao corpo
metalizada pareciam deixar seu corpo voluptuoso e cheio de
curvas ainda mais chamativo.
— Você conhece a mim! E a Aurora também. — Cruzei
os braços, encarando-a com a minha expressão de
incredulidade.
— Você vai beijar todos os caras daquela festa e eu vou
ficar aleatória! — Jade nem se atreveu a parecer
desconcertada. Ela deu de ombros e começou a colocar
sobre a minha mesa de centro uma série de produtos de
maquiagem que tinha tirado da própria bolsa.
— Eu prometo que só vou beijar os que valerem muito à
pena — a cara de pau teve coragem de me falar.
— Você não vai aceitar minha recusa, não é? — Ela
abriu um sorriso gigante.
— Senta. — Obedeci. — Olho preto ou olho nude? —
Abri a boca para responder. — Deixa comigo. — E assim eu
estava entregue. Minha prima podia ser muitíssimo
persuasiva quando queria. Ou talvez eu só estivesse
precisando de um mínimo empurrão para fazer qualquer
coisa.
Jade se posicionou entre as minhas pernas e me
maquiou por pelo menos uns 20 minutos antes de anunciar
que tinha terminado. Olhei o resultado no espelho e deixei
que um sorrisinho satisfeito surgisse no meu rosto.
— Eu amei — assumi. Ela parecia orgulhosa do próprio
trabalho. — Vou me arrumar e mandar uma mensagem para
o Jhonas avisando que vou sair. — Ameacei caminhar em
direção ao quarto quando minha prima segurou minha mão
e tomou o celular dos meus dedos.
— Sem celular essa noite. — Abri a boca para
argumentar. — Ele está com os amigos dele e você estará
com as suas. Vai se vestir e volta bem gostosa.
Revirei os olhos, sabendo que não adiantaria
argumentar com Jade Almeida quando ela colocava alguma
coisa na cabeça. Peguei uma blusa branca e um short curto
de alfaiataria. Olhei o meu reflexo no espelho e me dei por
satisfeita. Voltei para a sala com uma bolsa pequena
atravessada o peito, para levar somente o celular,
identidade e cartão de crédito.
— Eu não posso acreditar… — minha prima falou assim
que colocou os olhos em mim.
— O quê? — Observei minha própria roupa, procurando
por algum tipo de rasgo ou sujeira que causasse aquela
reação.
— Que uma gata como você deu chance praquele feio.
— Ah, meu Deus! Soltei uma risada baixa. — Qual é o mel?
Ele tem um pau gigante?
— Não! É que…
— Então além de tudo, o pau ainda é pequeno? —
brincou, me interrompendo.
— Cala a boca, pirralha! — impliquei. — Já disse que ele
é legal.
— Só legal não basta pra você. Legal é tão… comum. —
Ela se levantou e veio até o meu lado, entrelaçando um
braço no meu. Nossa pequena diferença de altura tinha
desaparecido com a sua sandália de salto alto. — Você
merece alguém extraordinário. Não alguém comum.
Aquelas palavras me atingiram feito um tsunami. Eu
estava me contentando com pouco? Eu estava me
oferecendo o amor que gostaria de viver? O meu romance
valia à pena ser contado? Eu sabia a resposta para cada
uma daquelas perguntas, mas não precisava respondê-las
em voz alta.
— Vamos pra essa festa ou não? — questionei, fugindo
do assunto.
— Já chamei o Uber.
— Eu podia dirigir.
— E perder a open bar de gummy a noite inteira? De
jeito nenhum. — Fazia muito tempo que eu não bebia
gummy, um drink tradicional nas Choppadas da UFRJ à base
de vodca e suco em pó.
— E a Aurora? Já foi? — perguntei, abrindo a porta do
apartamento para sairmos.
— Pelo que ela me falou, ia passar o dia ajudando o
irmão a organizar algumas coisas. Ela é boa em gerenciar
essas paradas.
— Bom, então vamos pra essa tal festa.
Jade parecia mais animada do que o normal enquanto
descíamos as escadas em direção ao térreo. O carro que
chamou pelo aplicativo já estava estacionado na frente do
prédio quando colocamos os pés na calçada.
— Eu não vejo a hora do semestre começar de verdade
e as Choppadas começarem a acontecer! — Deixei uma
risada escapar. É claro que era nisso que minha prima
estava pensando. Eu, por outro lado, sabia que quando o
semestre começasse meu trabalho estaria muito mais
amplificado.
— Já conheceu alguém da sua turma? — perguntei.
Jade balançou a cabeça em negativa.
— Ainda não, mas semana que vem eu conheço. — O
período letivo se iniciaria em exatamente 8 dias. Eu nem
acreditava que as férias tinham passado tão rápido e que
logo eu estaria atolada de tarefas do mestrado até a cabeça.
— Você já foi em alguma festa da Atlética?
Eu gostava de festas quando era caloura, mas com o
passar do tempo e o número de matérias e trabalhos se
acumulando, eu ficava cada vez mais preferindo passeios
matutinos que me permitissem acordar no dia seguinte sem
sentir minha cabeça explodindo.
— Não. Na minha época, cada curso tinha sua própria
equipe de Atlética. E, cá entre nós, nós de Letras não somos
exatamente conhecidos pelo nosso talento esportivo. — Jade
riu.
— Você sabe por que as coisas mudaram? Por que
agora tem só um time de futebol que representa toda a
UFRJ?
— O que eu ouvi dizer é que no ano passado alguns
alunos se reuniriam pra participar de um campeonato
amador fora do nicho das universidades. O desempenho foi
tão bom que resolveram transformar num time oficial da
UFRJ. — Ela franziu os lábios numa expressão de
compreensão.
— Eu vi na internet que alguns times de futebol de
verdade até estão se interessando pelos jogadores —
comentou. Acenei com a cabeça em concordância.
— Parece que sim, mas confesso pra você que ainda
não fui a nenhum jogo. Não entendo nada de futebol —
assumi.
— Precisamos mudar isso, Liazinha, não precisa
entender de futebol para apreciar os jogadores. — Eu podia
jurar ter escutado a motorista do Uber achar graça da fala
da minha prima.
— Você não vale nada. — Jade abriu a boca para
retrucar, no momento que entramos numa rua lotada de
carros. Nem precisamos conferir o endereço para saber que
era ali a festa.
— Entregues, meninas — a mulher atrás do volante
falou, com um sorriso no rosto. — Esse aqui é meu cartão, se
vocês quiserem que eu leve vocês para casa na volta, podem
entrar em contato comigo. — Aquilo seria incrível! Eu
sempre me sentia mais segura sendo levada por uma
motorista mulher, especialmente depois de beber.
Jade ficou tão animada quanto eu com a oferta e
aceitou o cartão da mulher de bom grado, colocando dentro
da pequena bolsa verde neon que carregava.
A música alta, as vozes estridentes e as luzes coloridas
eram possíveis de serem vistas e ouvidas de longe.
Conforme nos aproximávamos, tudo parecia ficar ainda mais
intenso. Senti meu coração acelerar dentro do peito com a
adrenalina de estar em uma festa novamente depois de
tanto tempo.
O local que servia como sede da festa e, pelo que
lembro de Aurora ter comentado, república oficial de alguns
dos jogadores da Atlética, era uma espécie de casarão
antigo que ocupava uma boa parte da rua residencial no
Grajaú. O portão de alumínio branco estava aberto com
algumas pessoas conversando e segurando copos plásticos
cheios de cerveja.
Nos aproximamos o suficiente para atrair o olhar de
um dos garotos parados por ali. Ele era alto e tinha braços
que dificilmente passariam despercebidos pelos olhares
femininos. Eu era comprometida e mais velha que quase
todos os participantes dessa festa, mas sabia apreciar belas
paisagens. O cara provavelmente devia ser um dos
jogadores que moravam na casa.
— Opa, opa, opa. — O garoto colocou um braço
impedindo nossa passagem assim que Jade e eu
ameaçamos entrar. — Quem são vocês?
— Nós somos amigas da Aurora. — Aquele nome
parecia ter sido facilmente reconhecido pelo homem.
— Ela tá lá dentro, provavelmente ajudando o irmão
com alguma coisa — avisou e cedeu passagem para que
entrássemos. — Aproveitem a festa!
Jade me puxou pela mão e entrelaçou o braço no meu.
Do lado de dentro, a casa estava lotada de pessoas por todos
os lados. Para minha surpresa, nem todos eram graduandos.
Até reconheci uma colega de mestrado por ali.
— Você quer procurar a Aurora? — perguntei. Minha
prima sorriu analisando tudo ao redor.
— Eu quero primeiro procurar onde estão servindo
gummy. Topa? — Jade era tão contagiante que até eu já me
sentia completamente no clima de beber e dançar naquela
festa. Eu nem acreditava que por pouco eu teria deixado de
vir. Eu precisava agradecer e muito à minha prima pelo
empurrãozinho.
— Topo! — Ela me carregou pela mão, pedindo licença
entre as pessoas e procurando pelo lugar onde o bar ficava.
A área externa da casa parecia ser a parte mais cheia
de gente. Algumas inclusive já estavam dentro da pequena
piscina com água de aparência duvidosa parecendo mais
bêbadas do que o esperado para às 22h da noite. No outro
canto do quintal, a churrasqueira parecia estar sendo
gerenciada por um garoto sem camisa de costas
tremendamente largas. O que estavam colocando na
comida desses jogadores?
— Eu quero aquele cara ali. — Eu nem precisava olhar
pra saber que Jade se referia ao homem na churrasqueira. E
conhecia minha prima bem o suficiente para saber que ela
não sossegaria enquanto não estivesse com a língua na
boca do sujeito.
— Podemos beber gummy primeiro? Você me
prometeu! — Jade revirou os olhos com um sorriso no rosto e
me puxou em direção ao bar improvisado. Um homem negro
e tão bonito quanto todos os outros organizadores da festa
estava empilhando uma série de copos plásticos sobre a
bancada. Ele encheu um após o outro com o líquido cor de
rosa.
— GUMMY LIBERADO, PESSOAL! — gritou para que
todos ao redor pudessem ouvir. Jade e eu esticamos as mãos
para conseguir pegar uma rodada antes que acabasse.
O gosto doce de morango e a queimação típica da
vodca desceram pela minha garganta parecendo ativar
ainda mais a minha sensação de diversão. Jade não tirava os
olhos do garoto de cabelo claro e costas largas na
churrasqueira.
— Vai ficar secando o gostoso ou vamos dançar? —
provoquei. Ela agarrou minha mão e me levou até o
gramado onde outras pessoas estavam bebendo e
dançando.
— Por que não fazer as duas coisas? — Soltei uma
risada. Alguma música pop do momento tocava nos alto
falantes espalhados pelo jardim.
Bebi metade do gummy sem nem sentir e já comecei a
me sentir alegrinha. Talvez minha resistência ao álcool não
fosse mais a mesma da minha época de caloura. Virei o
restante do líquido e torci o rosto em uma careta que
arrancou uma gargalhada alta da minha prima. Ela lançou
nossos copos vazios numa lixeira próxima e ergueu nossas
mãos no ar.
Dançamos juntas por uma sequência de músicas.
Aurora até se aproximou para nos cumprimentar
rapidamente, mas disse que precisava fazer alguma coisa
que o irmão tinha pedido. Eu já tinha bebido pelo menos
três copos de gummy quando senti alguém se aproximar de
mim por trás e me virei para me afastar.
— Oi, gatinha, quer dançar? — Um garoto
desconhecido me perguntou. Dei um passo para trás e ergui
minha mão como uma espécie de espaço de segurança
entre nós dois.
— Eu tenho namorado — falei, já cortando totalmente a
cantada. Eu sabia que se fosse pelo caminho do “não tô
afim” ele demoraria muito mais a ir embora.
— E cadê ele que te deixou sozinha? — Revirei os olhos.
Aquela era uma resposta clássica.
— Foi ao banheiro — menti. Eu estava pronta para me
virar e puxar Jade pelo braço para sairmos dali quando vi
que minha prima estava atracada com um moreno pelo
canto do olho. Bom, eu teria que escapar dessa sozinha,
então. — Eu vou atrás dele, inclusive.
Sem dar espaço para o cara me responder ou me
seguir, saí por entre as pessoas em direção ao banheiro que
eu tinha avistado assim que chegamos. Um garoto bêbado
tinha acabado de sair do lado de dentro, mas mesmo assim
entrei. O cheiro de vômito deixava muito óbvio que ele já
tinha extrapolado os limites. Prendi a respiração e me olhei
no espelho, esperando só um pouco para que o garoto
tivesse desistido de mim caso me seguisse.
Fazia algum tempo que eu não me divertia tanto
quanto essa noite. Minha prima tinha razão. Eu devia sair
mais. Pensei em Mili. No conselho que eu vivia dando de que
ela precisava de um tempo de lazer. Eu precisava de um
tempo de lazer.
— Você deveria seguir seu próprio conselho, Lia — falei
para o meu reflexo, que parecia mais embaçado do que o
normal. Eu podia beber no máximo mais um copo de
gummy.
Saí do banheiro pronta para voltar para a pista de
dança. O som agora tocava um funk do momento e eu podia
ver de longe todas as garotas dançando. Afastei algumas
pessoas do meu caminho e parei por um segundo. Uma
cabeleira cacheada no canto da parede me chamou
atenção. Que engraçado! Parecia com Jhonas. Será que eu
tinha bebido o suficiente para começar a ver coisas?
O sósia do Jhonas beijava uma garota de cabelo loiro
pressionada contra a parede. Meus olhos desceram para o
braço do homem e eu gelei. Uma tatuagem adornava a pele.
A tatuagem de Jhonas. O cara beijando a loira não era um
sósia de Jhonas. Era Jhonas.
Sabe a sensação dos órgãos se mexendo durante o
percurso de queda de uma montanha russa? Foi assim que
me senti. Como se meu coração tivesse se mexido dentro do
peito e parecesse despencar livremente. Era por isso que ele
não queria vir comigo? Por que pretendia me trair por aí?
Senti a raiva e a dor subirem pela minha garganta e
encurtei o espaço que me separava do casal. Respirei fundo
e vesti toda a minha máscara de frieza. Ergui a mão no ar e
cutuquei o ombro de Jhonas. Ele titubeou antes de separar a
boca da garota. Aparentemente o beijo estava ótimo.
— Oi — cumprimentei com um sorriso irônico no rosto.
Seus olhos pareceram passar de confusão para
reconhecimento. Ele obviamente não estava sóbrio. — Que
porra está acontecendo aqui, Jhonas?
— E aí, Lili! — Ele me deu um sorriso. O desgraçado que
estava me traindo me deu. um. sorriso. — Pô, acabou que os
meus companheiros resolveram vir pra festa! Que bom que
a gente se encontrou aqui!
Ele estava falando sério???
— Jhonas, você percebeu que estava me traindo, certo?
Que você estava beijando uma garota que não era sua
namorada? — Eu tentei com muito afinco conter minha
raiva e impedir que minhas lágrimas escorressem na frente
dele.
— Que traindo o que, gata! — exclamou, parecendo
achar graça da minha revolta. O que, obviamente, me
deixou ainda mais revoltada. A loira que Jhonas beijava já
tinha escapado de fininho assim que percebeu o que minhas
palavras significavam. — Olha só, Lia — Ele pegou minha
mão entre a dele e eu resisti ao impulso de puxar de volta.
— Eu achei que a gente estivesse na mesma página, gata. A
gente tá só se curtindo. Na liberdade. Esse papo de namoro,
traição… Isso não existe.
Permaneci estática, como se meu cérebro tivesse se
dissolvido e transformado em gelatina. Ele acabou de me
dizer que sequer estávamos namorando? Eu passei os
últimos 2 meses e meio da minha vida investida em um
relacionamento com um cara que… não estava me
namorando de volta?
Burra, estúpida, idiota. É isso que você é, Lia Lopes
Bellini!
Jhonas largou minha mão e acenou para alguém às
minhas costas.
— Opa! — Ele se virou para mim e sorriu. — Já volto,
gata, acabei de ver o Rick ali atrás. — Eu não consegui
impedi-lo de sair. Fiquei parada, sozinha, no meio de uma
festa que tinha se transformado num enterro.
Não sei quanto tempo continuei tentando entender o
que estava acontecendo. O efeito do gummy parecia ter
ficado ainda mais intenso e meus próprios pensamentos
começaram a se embolar na minha cabeça. Caminhei em
direção ao bar, pensando que naquele momento só queria
ficar ainda mais doidona para esquecer por completo a
burra que eu era. Peguei dois copos de cerveja e virei de
uma vez, um seguido do outro. Eu nem mesmo gostava de
cerveja!
Avistei minha prima no meio da pista de dança
agarrada no tal loiro de costas largas da churrasqueira de
mais cedo. Eu devia aprender mais com a Jade. Se apaixonar
não estava com nada. Caí na gargalhada sozinha. Eu nem
estava apaixonada por Jhonas! Então por que aquela traição
doía tanto?
— Eu quero gummy — falei para o garoto de pele
escura que colocava as bebidas no copo. Ele ergueu a
sobrancelha como se julgasse o meu estado.
— Tem certeza, princesa? Você parece já ter batido a
sua cota.
— Me dá logo gummy! — Minha voz saiu esganiçada e
desesperada. Ele me entregou um copo com líquido rosa
cheio até a boca e eu comecei a beber. Naquele momento
senti a tristeza me abater. As lágrimas que segurei com
muita força até aquele momento não pediram passagem e
escorreram pelo meu rosto.
Nem percebi que Jade tinha se desgrudado do gostoso
das costas largas até ela aparecer na minha frente dizendo
um monte de coisas que eu não conseguia processar. Eu só
queria chorar e tomar sorvete e beber gummy. Mas não tinha
sorvete naquela festa maldita, o que só me fez chorar ainda
mais.
— Oi, você pode levar a gente pra casa? — Ouvi minha
prima dizer ao telefone. Com quem ela estava falando? —
Ah, graças a Deus! Nós já vamos lá pra fora! — Ela desligou
o aparelho e colocou de volta no bolso.
— Quem era?
— A moça que trouxe a gente. Ela estava aqui por perto
e vai chegar em 5 minutos. — Minha prima me puxou para o
braço como se eu fosse uma criança em direção ao portão
de entrada da casa. — Lia, o que aconteceu?
— O Jhonas beijou a loira porque não tinha namoro
nenhum — expliquei. Jade franziu a testa em confusão.
— O quê? Que loira?
— Eu fui no banheiro e quando saí vi a tatuagem. Tava
agarrado beijando a loira. Ele disse que não era meu
namorado!
— Tá. A gente vai pra casa e depois você me conta tudo,
ok? — Tudo bem, talvez eu não estivesse sóbria o suficiente
para fornecer explicação nos mínimos detalhes do que tinha
acontecido.
O carro que tinha nos deixado mais cedo na festa logo
parou no meio-fio e Jade me ajudou a entrar. O percurso até
o meu apartamento foi feito em segundos, ou talvez eu só
tivesse cochilado no caminho. Não sei como digitei a senha
da portaria ou fui parar no sofá da minha sala.
— Toma — Jade empurrou um copo de água e um
comprido na minha mão. Fiz o que ela mandou.
Eu não podia acreditar que Jhonas estava ficando com
outras pessoas esse tempo todo. Ele era um idiota! Um
canalha! Um babaca! Um… um…
— Cadê meu celular? — Eu devia dizer tudo isso pra
ele! É isso, eu deveria ligar e dizer tudo que não consegui
falar pessoalmente!
— Escondido num lugar onde você não poderá
encontrar enquanto estiver nesse estado.
— EI! Isso não é justo! — reclamei.
— Amanhã você pode me agradecer. Agora vem, vou te
colocar pra dormir.
Deixei que minha prima me levasse até o quarto e se
jogasse na cama ao meu lado, mas eu tinha um plano. Jade
podia ter escondido meu celular, mas eu ainda tinha meu
computador. Esperei até ela pegar no sono profundo e
levantei cambaleante da cama para ir até a sala. Abri meu
notebook e cliquei na tela do e-mail.
Agora sim aquele idiota ia saber tudo que eu tinha pra
dizer.
Por que alguém estava batendo na minha cabeça com
força? Que merda! Abri os olhos devagar procurando pela
causa do problema, mas só encontrei a luz forte entrando
pela janela do meu quarto. Levei a mão à cabeça, sentindo
os dois lados das minhas têmporas pulsarem de dor. Droga,
eu estava de ressaca! E das brabas.
Levantei devagar e fui até o banheiro escovar os
dentes. Meu reflexo no espelho dava indícios do terror que
minha noite anterior tinha sido. Tinha máscara de cílios
escorrida pelas minhas bochechas no rastro de lágrimas,
meu cabelo parecia mais embaraçado que ninho de rato e
eu ainda usava a mesma roupa da festa de ontem. Mas não
era só do lado de fora que tudo parecia uma merda. Eu
estava um caco por dentro.
Não acreditava na trouxa que eu tinha sido nos últimos
tempos. Quando Jhonas e eu começamos a sair até achei
que éramos casuais, mas depois de um tempo… Fazíamos
todos os passeios juntos e trocávamos mensagens com
frequência. Ele dormia na minha casa praticamente todo
final de semana. Ele tinha me perguntado se eu queria levar
nosso relacionamento para um outro patamar! Eu não
estava louca em assumir que estávamos namorando, certo?
Bufei para o meu reflexo no espelho e limpei mais uma
lágrima que teimava em escorrer. Eu não o amava, nem
mesmo estava apaixonada, então por que sentia como se
tivesse levado uma surra? Eu sabia qual seria a única coisa
que melhoraria minha situação. Voltei rapidamente para o
quarto e abri a segunda gaveta da minha mesinha de
cabeceira, procurando pelo meu caderno e uma caneta.
Escrevi e rasurei várias vezes até encontrar o que seria
o desabafo mais cru que consegui colocar em palavras.
Respirei fundo e fechei novamente o caderno. Eu precisava
colocar um ponto final naquela parte da minha vida que não
deveria ter existido desde o início. Onde eu estava com a
cabeça?
Tomei um banho frio e escovei os dentes. Quando me
vesti com roupas limpas, eu já me sentia um pouco melhor.
Eu sabia que algumas feridas tinham mais a ver com quem
se machucou do que com o que havia machucado. Esse era
o meu caso.
— Bom dia, flor do dia! — Jade estava sentada com
uma xícara de café na bancada da minha cozinha, com o
celular nas mãos. — Melhor hoje? — perguntou, parecendo
preocupada. Tentei oferecer um sorriso, mas eu sabia que
mesmo que meus lábios se curvassem, estava muito
distante de parecer feliz.
— Tirando a cabeça explodindo, sim. — Jade empurrou
um comprimido já separado sobre a mesa na minha direção.
— Eu sou a mais velha e deveria estar cuidando de
você, pirralha. Quando foi que os papéis se inverteram? —
brinquei. Ela sorriu.
— Tenho certeza que vou precisar que você cuide de
mim muitas vezes. — Caminhei até o filtro e enchi o copo de
água para engolir o remédio de uma vez.
— Quer dizer que você conseguiu pegar o gostoso da
churrasqueira — provoquei. Jade abriu um sorriso de orelha
a orelha. — Quem era?
— Não sei. Só sei que se chama Lucas porque ouvi
alguém falando com ele. Mas ele tem uma pegada que
quase me fez gozar no meio da pista de dança.
— Jade! — repreendi em tom de brincadeira.
— Que foi? Não menti. — Ela riu. Ficamos em silêncio
por alguns minutos, procurando como trazer o assunto à
tona. Foi minha prima quem tomou a iniciativa. — Eu não
queria tocar nesse assunto sem você trazer à tona, mas…
Que merda aconteceu ontem, Lia?
— Eu não te contei? — Eu não me lembrava com
riqueza de detalhes tudo que tinha acontecido depois que
virei cerveja e gummy como se minha vida dependesse
disso.
— Você tentou, mas eu não entendi nada além de que
tinha a ver com o chernomacho do Jhonas. — Suspirei e me
joguei na cadeira a sua frente.
— Você estava pegando um cara e eu fui abordada por
outro. Pra fugir, fui ao banheiro. Quando eu saí, vi Jhonas
agarrado com uma loira.
— Filho da puta desgraçado! — Jade esperneou
batendo na mesa. Aquele simples movimento fez minha
cabeça latejar ainda mais. — Eu vou arrancar as bolas dele
com as unhas e jogar na privada! Me diz que você bateu
nele, Lia, por favor. — Neguei com a cabeça, sentindo
minhas bochechas esquentarem.
— Eu fui tirar satisfação, claro. Mas aí… — Eu não
conseguia sequer falar, de tão estúpida que me sentia.
— Aí o quê?
— Ele disse que o que nós tínhamos nunca foi um
namoro, que estávamos só nos curtindo. Aparentemente era
um relacionamento aberto e só eu não sabia disso. — Bebi
mais um gole de água e joguei a cabeça nas mãos. — Me
sinto tão idiota, Jade.
— Você não foi idiota. Ele que é um babaca do caralho
que nunca te mereceu.
— Eu espero não ter feito nenhuma merda quando
cheguei. — Minha prima abriu um sorriso satisfeita e puxou
do próprio bolso um celular que reconheci como meu.
— Sua fada madrinha, também conhecida como
euzinha, escondeu antes que você fizesse algo que com
certeza se arrependeria. — Respirei aliviada. Eu lembrava
muito pouco dos acontecimentos de ontem à noite, mas só
de não ter mandado nenhuma mensagem bêbada, já era
um ponto positivo. — Agora você pode pegar seu aparelho e
deletar o escroto de cada uma das suas redes sociais.
Jade me entregou o celular e assim que abri o
Instagram o aparelho começou a tocar. O nome de Jhonas
brilhou na tela.
— Ah, eu não acredito nisso! — minha prima chiou em
revolta.
— Eu vou atender. Vou ver o que ele quer — avisei.
Deslizei o dedo para o lado direito na tela. — Alô?
— Oi, gata. Curtiu a festa? — Eu ia mandá-lo se foder,
é isso que eu ia fazer. Respirei fundo, contendo a fúria.
— O que você quer, Jhonas?
— Olha só, eu pensei melhor depois de ontem e
percebi que talvez fechar nosso relacionamento seja uma
boa, sabe? A gente já vem se curtindo há um bom tempo e
eu acho que pode ser interessante…
— Você tá brincando, certo? — Soltei uma risada de
escárnio.
— Não, Lili. Eu vou entender se você não quiser, mas
acho que pode ser legal. Eu sei que tem muito homem
babaca por aí e não quero que você precise ficar se
submetendo a isso. — Ele não podia estar falando sério!!!!!
— Jhonas, me deixe ser clara com você, eu já me
submeti a um homem babaca e acho que você deve
conhecê-lo. Ele se chama JHONAS GOULART — berrei. Eu
nem precisava estar cara a cara com ele para saber que sua
expressão tinha se transformado em desdém ofendido.
— Que parada é essa, Lia? Você enlouqueceu? Sempre
fui sincero com você.
— Sabe o que você deveria fazer com a sua
sinceridade, Jhonas? — Esperei um segundo por alguma
resposta, mas ele permaneceu em silêncio. — Enfia ela no
cu! — E sem esperar mais nada, desliguei a ligação. 27
segundos. Eu e Jhonas tínhamos colocado um fim no nosso
relacionamento em 27 segundos.
6. Thomas

Como de costume, acordei cedo no domingo para levar


Helô para mais um dos nossos cafés especiais. A tradição
que nasceu nas férias, pelo visto, iria perdurar por um bom
tempo. Minha irmã esperava ansiosamente pelos nossos
passeios de domingo e, como bom irmão mais velho, jamais
negaria isso à ela.
Depois de deixá-la em casa, voltei pronto para passar o
restante do dia trabalhando em meus slides para as aulas
que começariam dentro de uma semana. As férias tinham
passado rápido e, pela primeira vez, fiquei feliz por isso.
Estava ansioso e animado para começar a lecionar na
universidade onde me graduei.
Domingos costumam ser dias monótonos, mesmo
quando eu tenho um milhão de tarefas para fazer. Mas, ao
abrir meu e-mail naquela manhã, a expressão de surpresa
que tomou conta do meu rosto serviu como um indicativo de
que meu dia não seria nada tedioso.

De: lia.bellini@freemail.com
Para: th.goulart@freemail.com
Assunto: Vc eh um fijho da PUTAAA!!!!11!1!
Xaro Jhonaas,

Pq tá tao difixil de difitar? As lwtras do teclado estap


correndo. Isso eh extranho. Tá, perai. Oq eu ia dixer
msdmo?? AH, lemnbrei!!! Eu qria te ligar mas a Kade
escondeu meu cekular. Ela eh toxica! Eu tenho muitAS
coiusas pra flar pra vc, Jhomas. Pra começlar quem se =
chama Jhimas com JH??? Eu te rrespondo> GNT
EXCROTA!!!!!! Eu te achoi un grandisximoo FILJHO DA
PUTA!!!!!! Vc abriu a porra da nosdsa merda
derelacionamneto e esqueceu de me comtar. Vc eh umlixo d
homem e eu odei0 vc@!!! Mas eu goxtava de cv ants mas
agora eu te oveio com tdo meu coraçoa!!!!
Eu dveria esxrever um livro e te col0car como um vilaO,
sabiaw/??? Mas sou adukta e janais faria isso. Eu sou
muitssio madurs!!1!
Vc nao merece maix a minha atenç~ao!!1 Seu pau não
eh medio, eh pqeno e vc nem eh capazz de fazer una
mulhwr gozar direoto!!!
Espero q vc suma da mimha vida psra smp!

Comnenhum amor,
LIA

Terminei de ler com um sorriso no rosto. Quem quer


que fosse essa tal Lia, tinha alegrado minha manhã com
esse e-mail que claramente não era para mim. Eu poderia
ter simplesmente deixado para lá. A garota provavelmente
não estava completamente sóbria quando escreveu isso. E,
apesar da escrita um tanto quanto confusa, o texto dava a
entender que a garota estava de coração partido. O melhor
seria apenas deixar para lá, certo?
Mas aí… Que diversão teria?

De: th.goulart@freemail.com
Para: lia.bellini@freemail.com
Assunto: RES: Vc eh um fijho da PUTAAA!!!!11!1!
Cara Lia,
Acredite em mim, fiquei muito surpreso ao receber
este e-mail hoje pela manhã, mas confesso que foi um
acontecimento inesperado que me divertiu bastante. Eu não
faço ideia de quem é Jhomas ou Jhonas (não consegui
decifrar essa parte direito), mas estou muito feliz em não ser
ele. Não sei se conseguiria suportar ser “odiado com todo
seu coração”. Aliás, o que ele fez? Sabe, você me colocou
nessa história sem que eu pedisse. Acho que mereço saber,
não acha? Mas tudo bem se você não quiser tocar no
assunto também. O seu texto foi bom o suficiente para me
fazer odiar esse Jhomas ou Jhonas tanto quanto você mesmo
sem saber de toda a história.
Já pensou em ser escritora? Acho que você leva jeito.
Deve ser mais fácil escrever quando as letras não estão
correndo. Tenho minhas suspeitas do porquê isso estava
acontecendo, inclusive. Sempre que eu bebo álcool demais,
as letras parecem correr também. É por isso que gosto dos
áudios, são mais práticos, sabe?
Bom, só estou mandando este e-mail para avisar que,
claramente, a sua mensagem não chegou ao remetente
certo. Mas talvez essa seja até uma coisa boa. Agora, sem
teclas correndo, você pode escrever algo muito pior para
esse “filho da puta”, como você mesma disse. Só estou
repetindo suas palavras. Ou talvez você possa só… Deixar
pra lá.
Espero que você fique bem.
Atenciosamente,
Thomas Goulart.

Obs: só por curiosidade, na sua opinião, a partir de


quantos cm um pau é classificado como médio?

De: lia.bellini@freemail.com
Para: th.goulart@freemail.com
Assunto: Pedido de desculpas!
Prezado senhor Goulart,
Eu estou completamente envergonhada. O senhor tem
razão, esse e-mail não era para nenhum Thomas e sim para
um Jhonas. Eu não prestei muita atenção na hora de digitar
o e-mail. Tá, tudo bem. Eu confesso: estava completamente
bêbada quando mandei o e-mail anterior. Mas, coloque-se no
meu lugar por cinco minutos… O que você faria se visse seu
namorado, com quem você acreditava ter um
relacionamento completamente e totalmente fechado,
beijando outra garota em uma festa? Bem, a minha forma de
lidar com essa surpresinha foi enchendo a cara com as
melhores combinações de bebidas alcóolicas que apenas as
festas universitárias sabem produzir.
Desculpe ter te incomodado em pleno final de semana,
mas eu só precisava colocar para fora de alguma forma,
sabe? E minha prima, Jade, confiscou meu celular para que
eu não ligasse para o idiota do meu agora ex-namorado. Ela
só não contava que eu fosse esperta o suficiente para
mandar um e-mail para ele. Quer dizer, tentar mandar. Mas
você entendeu.
Espero que você não tenha bloqueado meu e-mail nem
nada do tipo. Odiaria não conseguir pedir desculpas e deixar
você achando que sou apenas uma jovem doida que ama
mandar e-mails quando está bêbada para desconhecidos.
Mais uma vez, sinto muito pelo mal entendido.
Atenciosamente,
Lia.

Obs: Bom, não que eu seja uma grande entendedora de


tamanho de genitálias masculinas, mas considero que paus
entre 14,5 e 16 são médios. O do meu ex certamente não
tinha mais do que 13 cm. E o pior: ele nem sabia usar
direito! Você que é homem deve ter uma opinião sobre isso
melhor que a minha… O que você acha?
De: th.goulart@freemail.com
Para: lia.bellini@freemail.com
Assunto: Não precisa se desculpar!

Lia,
Não precisa me chamar de senhor Goulart. Parece que
você está falando com o meu pai, um senhor de idade, e não
comigo, um jovem de 26 anos. É estranho. Pode me chamar
só de Thomas.
Acho que sua reação ao acontecido foi completamente
justificável. Eu, no seu lugar, faria o mesmo. Na minha
opinião, ele é um idiota. Você parece uma garota divertida,
quem perdeu certamente foi ele. Onde você encontrou esse
babaca, afinal de contas?
Eu jamais bloquearia você. Primeiro, porque queria
muito saber a continuação dessa história. Quem não iria
querer? Segundo, não é todo dia que alguém invade nossa
caixa de entrada de e-mails dessa forma. Eu certamente
gostaria de continuar conversando com você, acho que
podemos virar bons amigos. E, como eu disse, você parece
ser divertida.
Thomas

Obs: Acho que mais importante que o tamanho, é saber


usar. Por sorte, não tenho problemas com nenhuma das duas
coisas ;) Não que você tenha perguntado, mas acho que
ganhei o direito de compartilhar algo pessoal no momento
que você invadiu meu e-mail também contando coisas sobre
a sua vida. E nós somos amigos agora, certo? Amigos falam
sobre essas coisas.
De: lia.bellini@freemail.com
Para: th.goulart@freemail.com
Assunto: Quase amigos

Thomas,
Fico feliz em saber que não estou conversando com um
velho (ou um psicopata) e sim com uma pessoa com a idade
próxima a minha (tenho 24 anos, caso você esteja se
perguntando). Quer dizer, talvez você seja só um excelente
ator e está me fazendo pensar que é uma pessoa legal
quando na verdade não é. Acho que preciso te conhecer um
pouco mais antes de te considerar um amigo. Podemos ser
quase amigos por enquanto, que tal?
Eu conheci o Jhonas na faculdade. Ele parecia legal,
inteligente, carinhoso… E ele realmente se mostrou
bastante carinhoso enquanto beijava a loira na festa onde
teve a cara de pau de me trair. Eu não estava totalmente
errada sobre isso. Quer saber? Já que somos quase amigos,
vou abrir meu coração aqui. Acho que no Rio de Janeiro não
há homens para mim. Pelo menos na capital. Os cariocas não
valem nada! Quando eu morava em Itaperuna, uma cidade
do interior do RJ que você nunca deve ter ouvido falar, as
coisas eram mais fáceis. Os homens eram menos babacas,
mas ainda eram babacas porque, sabe como é, são homens.
Sem ofensas.
Quando eu era mais nova, minha professora do 2º ano
do ensino fundamental queria nos motivar a escrever mais e
fez esse negócio de amigos por correspondência. Na época,
eu adorei. Acho que nós estamos nos tornando amigos de e-
mail, que é tipo a versão mais moderna e atualizada dos
amigos por cartas. Talvez isso seja uma boa ideia. Mas, como
eu disse, preciso te conhecer um pouco mais. Você sabe uma
história vergonhosa sobre mim, agora é sua vez de
compartilhar algo.
Manda ver!
Lia

Obs: Eu definitivamente não precisava saber dessas


informações. Amigos não precisam compartilhar todas as
informações, certo? Acho que tem detalhes que podemos
deixar, você sabe, guardadas com a gente. Agora estou
imaginando o… Quer saber? Acho que essa é uma das coisas
que é melhor ficar guardada comigo. Já passei vergonha
demais nessa amizade. É, melhor eu encerrar meu e-mail por
aqui. Tchau, Thomas.

De: th.goulart@freemail.com
Para: lia.bellini@freemail.com
Assunto: Amigos

Lia,
Sempre bom receber um e-mail seu! Embora eu goste
de arte, não sou e nunca fui um bom ator. Você terá que
acreditar em mim dessa vez. Ou, se você preferir, posso te
mandar uma foto minha como comprovação. Mas, você sabe,
isso também não é garantia de nada. Eu poderia muito bem
roubar a foto de alguém no Instagram e usar como minha.
Se bem que, se eu fizesse isso, não faria sentido te contar
como estou fazendo neste instante. Mas acho que você
entendeu meu ponto de vista.
Ei, não venha culpar os cariocas! Eu sou, com muito
orgulho, nascido e criado na cidade maravilhosa. Acho que
você só está procurando nos lugares errados. Ou você tem
um dedo podre pra porra. Posso te dar umas dicas de onde ir
para achar caras legais como eu, mas infelizmente não
tenho solução para o dedo podre. Sinto muito.
Adorei a ideia de amigos por e-mail. Nunca tive uma
amizade assim, parece divertido. Pelo menos se a amiga for
como você, completamente… espontânea (não quis usar a
palavra doidinha, mas serviria também). Uma história
vergonhosa… Bom, teve uma vez que caí na escola e falei
para a diretora ligar para minha mãe. Só que, na verdade, o
telefone era da minha vizinha, a Laura. O meu pai era viúvo
na época e eu queria muito que eles dois namorassem então
meio que inventei que ela era minha mãe. Eu devia ter uns
7 anos de idade nessa época.
Mas enfim… Meu lado fofoqueiro quer muito saber se
você acabou mandando outro e-mail para o seu ex (desta
vez para o endereço certo). Eu adoraria saber o que ele ia
achar da história do vilão de livro ou da parte que você o
acusa de não saber fazer uma mulher gozar direito. Só para
você saber, isso também não pode ser colocado na culpa de
todos os cariocas. Eu, por exemplo, nunca recebi nenhuma
reclamação sobre isso.
Thomas

Obs: Tá imaginando o quê, Lia? Não vai ficar tímida


agora, vai? Pode falar… Esse é um espaço seguro entre
amigos.

De: lia.bellini@freemail.com
Para: th.goulart@freemail.com
Assunto: Apenas amigos

Thomas,
Por mais que eu fosse adorar ver uma foto sua, e tenho
certeza que você não iria me achar ruim de ser vista
também, devo confessar que isso meio que quebra a graça
das trocas de e-mails para mim. Gosto da ideia de
permanecer anônima, pelo menos por enquanto. Talvez eu
também seja uma espécie de fake, já pensou?
Você deve ser um dos poucos cariocas que prestam
então. Eu te conheço virtualmente há mais ou menos 3 dias
e, até agora, não tenho nada para reclamar. Mas nunca se
sabe. Prefiro não colocar minha mão no fogo. Acho que vou
aceitar essas dicas de lugares para ir. Apesar de morar na
cidade há alguns anos, às vezes me sinto uma eterna turista.
Essa sua história não tem nada de vergonhosa. Ela é
extremamente fofa e faz o pequeno Thomas parecer um
romântico incurável. Isso não vale, agora me sinto ainda
mais em desvantagem. Você precisa se esforçar ainda mais
agora porque quero a sua maior e melhor história
vergonhosa. Mas, afinal, o seu pai e essa Laura ficaram
juntos? Ela achou ruim você chamá-la de mãe? Muitos
questionamentos.
Eu não mandei mais nenhuma mensagem para o
Jhonas. Eu só… quero esquecer essa história e seguir em
frente. Mas é mais fácil dizer do que de fato fazer. Eu só
espero que ele esteja sofrendo por ter me perdido. É errado
demais desejar isso? Porque se for errado, não quero estar
certa.
E, mais uma vez, obrigada por compartilhar comigo
uma informação que não foi solicitada sobre sua vida sexual,
meu amigo. Sabe, eu nunca tive um amigo para quem
contar essas coisas, mas já que você insiste em compartilhar
essas informações comigo, irei devolver o favor: já fui
chamada de rainha do boquete. Algumas vezes.
Lia

Obs: Já que você insiste em saber, Thomas Goulart, eu


fiquei imaginando como seria o seu pau. Tamanho, formato,
grossura. Eu não sou uma garota tímida, mas como somos
apenas amigos, não achei que seria de bom tom fazer esses
comentários. Por outro lado, como sou uma excelente amiga,
vou fazer exatamente o que você pediu e te dizer o que
estava pensando. Espero que não se arrependa de ter
perguntado.

De: th.goulart@freemail.com
Para: lia.bellini@freemail.com
Assunto: Amigos não guardam segredos

Liazinha (acho que já está na hora de te dar um


apelido, não acha?),

Com certeza adoraria dar um rosto para você, mas


também acho que parte da diversão é ficar apenas
imaginando como o amigo virtual é. Eu já criei uma imagem
mental de como você se parece. Talvez, no futuro, eu
descubra se sou bom ou não nesse jogo de imaginação.
Aposto que você também já deve ter criado uma imagem
minha.
Sobre o pequeno Thomas ser um romântico incurável,
só posso dizer que algumas coisas não mudam com o tempo.
No final das contas, a Laura virou mesmo a minha mãe. Ela e
meu pai começaram a namorar um tempo depois, se
casaram e estão juntos e felizes até hoje. Eu sou um
excelente cupido!
Mas concordo que essa minha história não foi nada
vergonhosa, então vou contar outra. Aos 13 anos de idade
comecei a gostar de uma menina da minha escola e, um dia,
finalmente criei coragem para dizer que queria ficar com ela.
Marcamos de nos encontrar atrás da escola na hora da saída.
Eu estava bastante ansioso, afinal, ia ser meu primeiro beijo.
Eu queria causar uma boa impressão e a Thalita era a garota
mais linda da sala. O problema é que, conforme a hora da
saída ia chegando, mais nervoso eu ficava. E quanto mais
nervoso eu ficava, mais minha barriga doía. Eu tentei me
convencer de que aquilo ia passar logo e não ia dar em
nada… Bom, para resumir a história, quando eu estava
prestes a beijar a Thali, uma dor tão forte me invadiu e eu
simplesmente não consegui controlar e… Soltei um peido.
Alto. E fedorento. Foi o momento mais vergonhoso da minha
vida e eu gostaria de não ter lembrado disso. Obrigado por
me fazer sentir a vergonha toda de novo, Lia. Você é uma
péssima amiga. Por sorte, a garota era legal demais e nunca
contou isso para ninguém. Mas também nunca quis me
beijar de novo. Triste.
E olha, não acho que seja errado você desejar que o
Jhonas esteja sofrendo. Afinal, ele acabou de perder a
Rainha do Boquete, né? Eu também estaria sofrendo. Não é
fácil achar alguém com um título tão importante quanto
esse. Parabéns, a propósito.
Thomas

Obs: Arrependido? Jamais. Acho que amigos não


devem guardar segredos, mas sim compartilhar tudo que
pensam e sentem. Eu poderia te responder essas perguntas
ou, melhor ainda, poderia te mandar uma foto para análise.
Sei que você recusou a foto do meu rosto, mas, se você
quiser, posso mandar fotos de outras partes do meu corpo
também. Acredito que o que é bonito é para ser mostrado.
Me diz o que você acha da ideia.

De: lia.bellini@freemail.com
Para: th.goulart@freemail.com
Assunto: Amizade doida

Thonzinho,

Também quis te dar um apelido e como não pensei em


nada melhor vai ser esse mesmo. Pelo menos até eu pensar
em algo melhor. É claro que tenho uma imagem mental, mas
você jamais saberá qual é.
Amei saber que você conseguiu juntar seu pai e a
vizinha. Talvez eu deva te contratar para ser meu cupido, o
que acha? É uma boa forma de solucionar a sua hipótese de
que meu problema é ter um dedo podre.
Agora sim, isso que eu chamo de história vergonhosa.
Estou me sentindo muito melhor sabendo que você pagou
um grande mico na frente da sua primeira paixãozinha.
Espero que você não faça isso hoje em dia, seria ainda mais
vergonhoso. E nojento. Meu primeiro beijo também foi aos
13 anos, com o Otávio. Foi durante um passeio da escola, no
fundo do ônibus que estava nos levando para o Planetário. E
não, ele não peidou. Sorte a minha.
Obrigada por reconhecer a importância do meu título.
Tenho muito orgulho de ter sido nomeada rainha do
boquete. É uma conquista que ninguém poderá tirar de
mim, mas que quem for esperto o suficiente consegue
experimentar ;)
Lia

Obs: Eu não vou nem responder. Não mesmo. Você não


vai conseguir tirar nenhuma resposta de mim. Nossa
amizade começou de uma forma doida e, bom, ela é bem
doida de maneira geral. Mas não vou compactuar com essa
sua ideia ainda mais maluca de me mandar um nude. Isso
é… A gente mal se conhece. Você não deveria mandar fotos
do seu pau para desconhecidos!
A última semana de férias passou mais rápido do que
eu gostaria. Eu tirava as manhãs para adiantar um pouco do
material que usaria em sala de aula pois odiava fazer as
coisas em cima da hora. E, durante a tarde, aproveitava para
curtir os minutos finais de liberdade, seja indo à praia, lendo
um livro, assistindo a um filme ou fazendo minha atividade
preferida dos últimos dias: trocando e-mail com Lia.
Se existe mesmo um destino ou um Deus que governa
nossas vidas, eles devem gostar bastante de mim. Encontrar
com Lia, ainda que de forma virtual, tinha transformado
meus últimos dias, tornando-os mais leves e alegres. A
garota é divertida e, bom, meio doida também. E talvez seja
por isso que gosto tanto de conversar com ela. Sempre que
meu e-mail apita avisando que possuo uma nova mensagem
não lida, um sorriso surge em meu rosto.
Eu adorava a amizade que tinha surgido entre nós dois,
mas confesso que adorava ainda mais o clima de flerte que
foi acontecendo de forma natural durante as trocas de e-
mail. Não era minha intenção levar a conversa para esse
lado, ainda mais porque eu sabia que Lia tinha acabado de
sair de um relacionamento. Um relacionamento de merda,
mas ainda assim era um namoro. Mas… Eu não conseguia
evitar flertar com ela. E, ainda que ela pareça meio receosa
em alguns momentos, o que é completamente
compreensível visto que ela acabou de ter o coração partido,
ela parece estar curtindo também. Se não curtisse, ela não
continuaria dando corda e entrando no jogo, certo?
As férias estavam chegando ao fim e com a correria que
minha vida se tornaria, não sei se nossa troca de e-mails
continuaria acontecendo da mesma forma. Por isso, na
véspera do nosso aniversário de uma semana de amizade
virtual resolvi arriscar. O que de pior poderia acontecer, não
é?
De: th.goulart@freemail.com
Para: lia.bellini@freemail.com
Assunto: Feliz uma semana de amizade!

Liazinha,

Dá para acreditar que já vai fazer uma semana que nos


conhecemos e viramos amigos virtuais? Parece que foi
ontem que um e-mail me chamando de filho da puta surgiu
na minha caixa de mensagens e, desde então, todos os dias
me divirto conversando com você. E acho que você também
está se divertindo, certo?
Lia, o que você da gente se conhecer pessoalmente?
Acho que você já conseguiu perceber que não sou um
psicopata ou um velho se passando por um jovem. Se você
não quiser, podemos continuar nossa amizade virtual da
mesma forma. Só achei que poderia ser legal comemorar
nosso aniversário de uma semana de amizade comendo
hambúrguer com batata frita em um bar que acabou de
abrir em Botafogo. Talvez, até lá, eu até consiga lembrar de
mais histórias vergonhosas da minha vida para te contar. Vai
recusar um convite desses?
Só queria fazer algo divertido com você e também
aproveitar para curtir meus últimos momentos de férias
antes de voltar ao trabalho. A escolha é sua, Lia. Topa sair
comigo?
Thomas

Obs: Você não quis a foto e também não quis que eu te


falasse. Mas, só para você saber, se você quiser ver
pessoalmente… Não irei negar. Essa decisão está nas suas
mãos. Mas se quiser fazer valer a pena o título de Rainha do
Boquete, essa decisão pode estar na sua boca também. E, se
não quiser nenhuma das duas coisas, eu ainda assim irei
adorar só te conhecer e conversar pessoalmente com você.
O que me diz?
7. Lia

Eu estava a exatamente 26 horas ignorando o último


e-mail de Thomas Goulart. Ele tinha me convidado para sair
e eu não sabia o que responder. Tinha praticamente certeza
de que seria uma péssima ideia encontrar com um
desconhecido que eu sequer sabia qualquer coisa pessoal
além do nome ou sobrenome, mas ao mesmo tempo…
Aqueles e-mails me causavam calafrios. Do tipo bom de
calafrios. Uma espécie de adrenalina e animação que eu não
sentia fazia mais tempo do que podia me lembrar.
Joguei o controle da televisão para o lado, desistindo
de procurar por alguma coisa que me atraísse. Minha cabeça
estava perdida em pensamentos que não adiantaria
escolher filme algum. Thomas simplesmente não saía da
droga do meu cérebro.
O que de pior poderia acontecer se eu aceitasse ir ao
encontro? Eu poderia ser sequestrada, roubada, assassinada
ou pior, dopada e assediada de alguma forma. E se nada
disso acontecesse, eu ainda tinha o risco de destruir toda a
fantasia mental que criei sobre ele me deparando com
alguma realidade não condizente. Porque é claro que o
Thomas da minha cabeça era absolutamente gato e gostoso.
De que outra forma eu o imaginaria, certo?
E de quebra, o cara ainda fazia insinuações sexuais
que me deixavam… eufórica. É, eufórica é a melhor palavra.
Durante todos esses dias que trocamos e-mails eu até
esqueci que Jhonas existia, o que foi mais um efeito
colateral muito bem-vindo do desconhecido sexy de quem
eu tinha me tornado amiga.
Fazia muito tempo desde a última vez que eu tive uma
noite de sexo daquelas que você termina com a sensação de
que o mundo poderia acabar e você morreria feliz. Não que
eu esteja cogitando ir para a cama com o Thomas, é claro.
Eu nem sei se devo aceitar o convite dele para sair, para
início de conversa.
E, para falar a verdade, eu não me sentia pronta para
voltar ao campo de batalha depois de todo o fim traumático
com meu ex-namorado. Eu nem queria imaginar como seria
revê-lo praticamente todos os dias a partir da próxima
segunda-feira. Por sorte, faríamos poucas aulas juntos no
próximo período do mestrado, já que eu tinha optado por
diminuir minha grade de aulas e me dedicar mais à tutoria.
Meu olhar foi atraído para o brilho na tela do celular
com o nome da minha prima. Deslizei para atender e
coloquei no viva voz para não precisar ficar segurando o
aparelho.
— E aí, Liazinha! — Um sorriso inconsciente surgiu no
meu rosto lembrando que Thomas tinha me chamado por
esse mesmo apelido. Era só o que me faltava! Agora eu
estava rindo sozinha me lembrando do cara.
— Oi, pirralha! Acordou agora? — perguntei, olhando
rapidamente as horas na tela do aparelho. 10h37 de um
sábado, praticamente madrugada para Jade Almeida.
— Não, ontem fiquei em casa com a Aurora. Estamos
com um problema terrível de vazamento aqui no
apartamento e ficamos até tarde esperando o bombeiro
hidráulico. Adivinha só? O cuzão não apareceu. — Ela
parecia realmente frustrada.
— E agora?
— Chamamos outro que saiu daqui ainda pouco.
Aparentemente era um problema com a carrapeta, seja lá o
que isso signifique. — Soltei uma risadinha. — E como você
está?
— Melhor, acho que hoje vou dar uma volta na orla de
Copacabana. Tomar aquele sorvete de maracujá que eu
amo.
— Se eu não tivesse combinado com a Aurora de sair
para comprar alguns materiais pro início das aulas, eu juro
que ia com você. Mas talvez a gente possa aproveitar nosso
último dia de férias juntas amanhã?
— Claro… — Amanhã seria o dia do tal encontro com
Thomas. Isto é, se eu aceitasse, é claro. Hambúrguer com
batata frita em um bar novo em Botafogo. Inofensivo, certo?
— Você tá me escondendo algo, não tá? Pode ir falando
agora mesmo, Lia Bellini. — Bufei. Odiava que minha prima
me conhecesse tão bem.
— Lembra o cara pra quem eu mandei o e-mail por
engano? — Eu tinha confessado para ela logo depois da
primeira resposta que recebi de Thomas que,
aparentemente, eu tinha fugido do quarto bêbada na
madrugada da festa para escrever um e-mail xingando meu
ex-namorado e que, por azar (ou sorte), tinha ido parar na
caixa de entrada errada.
— Lembro. O engraçadinho e divertido.
— Ele me chamou pra sair — disse de uma vez, antes
que eu perdesse a coragem.
— O quê? Como assim? Do nada?
— A gente vem trocando e-mails desde aquele dia.
Tipo… muitos. — Ouvi um barulho do outro lado da linha
como se Jade estivesse se ajeitando para me responder
melhor.
— Que tipo de e-mails?
— Ah, você sabe… Conversando. — Tinha acontecido
mais do que isso, mas eu não ia dizer para a minha prima
que ele tinha me oferecido um nude.
— Ele te mandou foto do pau?
— Ainda não.
— Mas ele ofereceu, não foi? — Seu tom de voz tinha
uma risadinha escondida que eu conseguia identificar de
longe. Essa garota tinha uma bola de cristal, só podia ser!
— Ofereceu, mas eu não aceitei. Ainda. — Ela me
interrompeu, impedindo que eu concluísse meu raciocínio.
— Eu gosto desse cara do e-mail, você devia encontrar
com ele.
— Eu não sei… Eu nem o conheço. Mas confesso que
me sinto mais viva desde que comecei a falar com ele.
— Exatamente por isso. Como você vai conhecê-lo se
não for num encontro com ele? — Ela tinha um ótimo ponto,
mas…
— Eu acabei de sair de um relacionamento, Jade.
— E daí? Isso te impede de ter uma ótima noite com
um cara gostoso e um sexo memorável? É só um date
casual, prima. Você merece.
— Como posso ter certeza de que estou pronta? —
confessei.
— Só tem um jeito da gente saber. Vamos ver seu
horóscopo. — Soltei uma risada enquanto esperava que
minha prima começasse a ler as novidades para o meu
signo. — “Virgem: você está passando por dilemas pessoais
e precisa tomar uma decisão importante. Não tenha medo
de arriscar e se prepare para grandes mudanças na sua
vida.” Viu só? Até aqui tá te sugerindo ir se encontrar com o
gatinho do e-mail.
— E se ele for um maluco pessoalmente?
— Que tal eu ir com você e ficar sentada a algumas
mesas de distância até termos certeza que o cara parece
seguro? Se você me der um ok, eu vou embora — sugeriu.
— Você é perfeita, Jadinha. — Respirei fundo. — Eu me
dei até exatamente às 14h30 da tarde para decidir se vou
ou não a esse encontro.
— E eu vou querer todos os detalhes assim que você
chegar em casa!
A forma de um homem alto e forte, com olhos doces
mas um sorrisinho provocador no canto do rosto tomou
posse da minha mente. Senti uma pulsação entre as minhas
pernas.
— Não.
— Não o quê?
— Se eu for nesse encontro… É melhor você não me
esperar acordada. — Ouvi o gritinho de empolgação da
minha prima do outro lado.

Estacionei o carro na orla da praia de Copacabana e


peguei meus óculos escuros antes de descer. O sábado
estava quente e com o sol à pino despontando no horizonte,
mas a brisa que corria perto das ondas sempre deixava o
clima um pouco mais ameno.
Apesar de ter crescido e passado minha infância e
adolescência inteira em Itaperuna, vir ao Rio de Janeiro
sempre foi uma constante na minha vida. E era
praticamente um costume caminhar pela orla toda vez que
visitávamos meus avós por parte de pai. A primeira vez que
tomei o tal sorvete de maracujá pelo qual me apaixonei foi
logo depois do aniversário de 5 anos de Heitor, meu irmão
mais novo. Eu estava naquela fase de ciúmes que toda
criança passa quando percebe que o irmão está recebendo
mais atenção dos pais por algum motivo específico.
Eu sempre tinha sido a princesinha do papai, como
minhas amigas costumavam dizer. Cresci numa família com
exemplos de figuras masculinas ao meu redor que me
fizeram acreditar na possibilidade de viver uma grande
história de amor. Não só meu pai me dizia que eu precisava
encontrar alguém que me fizesse sentir a pessoa mais
especial do mundo, como também meu irmão e meu
padrinho.
E eu sabia disso. Eu sabia que era uma garota atraente,
inteligente, simpática e excelente de cama. Nunca tive
problemas para ficar com garotos ou conquistar quem eu
queria. Olhando para trás, Jhonas parecia um erro de
percurso. Sabe quando estamos na praia, ainda no raso, só
sentindo a marola das ondas sem perceber para onde
estamos indo? E de repente, quando você tenta tocar o
chão, percebe que foi levada para o fundo? É sempre mais
difícil voltar para o raso depois que as ondas te levam. Não é
à toa que “nadar contra a maré” virou uma expressão, certo?
Eu sabia que Jhonas tinha sido a minha maré. Sabia
que ele tinha me puxado para trás. E talvez o que mais
doesse em toda essa história era saber que eu me permiti
não ser especial na vida de alguém. Suspirei e balancei a
cabeça. Queria colocar um ponto final em tudo isso e
começar do zero.
— Lia! Andou sumida, menina! — Tia Soraya, a
proprietária do quiosque de sorvete, que me conhecia desde
pequena me cumprimentou animada.
— Pois é, parece que nas férias o trabalho ficou ainda
mais pesado — falei, em tom de brincadeira.
— Vai querer um de sempre? — Balancei a cabeça em
concordância. A mulher se afastou e foi até o freezer
horizontal. Puxou a casquinha de chocolate que era a marca
registrada da sua sorveteria e preencheu com uma bola
enorme de sorvete de maracujá. — Se quiser tomar sentada
no banquinho, você passa pra pagar depois! — ofereceu.
Agradeci rapidamente e aceitei a sugestão. O banco ao
lado do quiosque fornecia uma visão privilegiada das ondas
quebrando na areia. A praia estava lotada em mais um dia
ensolarado no Rio. Puxei o celular do bolso e olhei para o
relógio. 12h30. Eu nunca tinha demorado tanto a responder
um e-mail de Thomas. O que será que ele estava pensando?
Passei por cada uma das nossas trocas de e-mails na
tela do meu celular e me peguei rindo sozinha. Se esse
homem conseguia me fazer rir assim através de uma tela de
celular, imagina o que faria pessoalmente? Eu poderia
apostar que em segundos eu estaria pelada na sua cama.
Ele disse que era bom em fazer uma mulher gozar e que
ninguém nunca tinha reclamado do seu, hum, instrumento
de trabalho.
Senti meu corpo ficar quente com os pensamentos
tomando vida própria dentro da minha cabeça. Eu gostava
de flertar e, modéstia parte, era muito boa fazendo isso.
Antes de Jhonas, eu não namorava praticamente desde o
início da minha graduação e, bom… Podemos dizer que
aproveitei esse tempo solteira. Foi nessa época que fui
honrada por um dos meus dates com o título de rainha do
boquete. Eu de fato era excepcional com a língua, para falar
a verdade.
Sair com Thomas não era nada demais, certo? Só duas
pessoas solteiras se conhecendo, ou pelo menos, assim eu
esperava. Se Thomas tivesse uma esposa ou namorada e me
usasse como amante, eu não sei nem o que faria. Mas ele
não me pareceu esse tipo de cara. Ele parecia confiável.
Estava quase decidida a responder pelo celular o e-mail
de Thomas aceitando jantar com ele quando algo surgiu no
meu campo de visão. Deveria ser algum tipo de sinal divino,
não era possível! Jhonas estava sentado na areia com seu
grupo de amigos insuportáveis parecendo se divertir com
alguma coisa que um deles dizia.
Revirei os olhos sozinha com a simples ideia de que eu
tinha namorado com aquele cara. Acorda, Lia! Você estava
louca. Levantei do banco antes que algum deles me visse e
fui até o caixa pagar pelo meu sorvete.
Jhonas estava vivendo a vida como se eu nem tivesse
existido, tudo parecia normal no mundinho chapado dele.
Eu precisava voltar a viver a minha. E do jeito correto.
Voltei para o meu carro, sentei no banco do motorista e
puxei o celular do bolso. Eu ia em um encontro às cegas
com Thomas Goulart. E esperava descobrir se ele era tão
bom quanto me dizia.

De: lia.bellini@freemail.com
Para: th.goulart@freemail.com
Assunto: Comemoração

Thomas,
Quem diria que mandar um e-mail bêbada fosse
causar tanta diversão, não é mesmo? Mas, só por via das
dúvidas, acho que vou manter todos os aparelhos com
acesso à internet longe de mim na próxima vez que estiver
alcoolizada. Um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, ou
seja, posso não ter a sorte de conhecer um cara legal como
você da próxima vez.
Você tem razão, eu estou gostando dessa amizade
inesperada. E também acho que deveríamos comemorar
esse evento. E, sendo bem sincera, eu não consigo negar um
convite para comer hambúrguer com batata frita. E se a
batata frita vier com queijo por cima, acho que vale a pena
correr o risco de encontrar com um possível serial killer para
comê-la. Não que você seja um, eu espero. Só por
precaução, vou deixar uma cópia impressa de todos esses e-
mails na sala da minha casa, você sabe, só para facilitar o
trabalho da polícia caso eu esteja errada.
Bom, Thomas, eu topo sair com você. Domingo às 19h.
Me manda o endereço desse lugar que você falou. Vamos
curtir nosso último dia de férias em grande estilo!
Te vejo em breve,
Lia

Obs: Que tal a gente fazer como nos filmes quando os


protagonistas vão em encontro às cegas e dizem um ao
outro o que estarão usando? Eu começo: vou usar um
vestido preto, sapatos de salto alto e por baixo… Bom, talvez
você descubra no dia. Espero que você goste de renda tanto
quanto essa rainha do boquete.
Olhei meu reflexo no espelho passando meu peso de
um pé para o outro da sandália alta preta que eu tinha
colocado nos pés. E se Thomas fosse baixinho? Talvez eu
devesse colocar uma sapatilha. Eu estava me sentindo mais
nervosa do que em qualquer outro encontro que eu já
tivesse ido. Mais até do que quando fui ao meu primeiro
encontro.
Ao mesmo tempo que manter nossas aparências
completamente escondidas era empolgantes também tinha
me deixado levemente preocupada conforme a hora de sair
de casa se aproximava. E se ele fosse um homem de 65 anos
querendo uma sugar baby? Não, ele não teria tanto trabalho
só para encontrar alguém que quisesse ser bancada por um
velho rico.
Jade tinha se oferecido inúmeras vezes para vir me
ajudar na produção e até mesmo para ficar de longe no
restaurante, mas eu recusei. Eu sentia que esse era um
momento que precisava experimentar sozinha. Quando
peguei o meu vestido de dentro do armário, sabia que era a
ocasião ideal para rasgar aquela etiqueta e construir
memórias com a peça.
O tecido preto justo se agarrou no meu corpo como se
tivesse sido feito para mim, evidenciando meu quadril e
marcando minha cintura fina. Eu também tinha escolhido
um conjunto novo de lingerie preta rendada para colocar por
baixo, caso a noite terminasse do jeito que eu planejava.
Na minha imaginação, eu chegaria no restaurante e
veria Thomas de longe sentado em uma mesa me
esperando. Ele, é claro, seria deliciosamente deslumbrante.
Nós conversaríamos a noite inteira e o papo seria ainda
melhor do que por e-mail. No final, meu date se ofereceria
para pagar a conta mesmo quando eu insistisse que
poderíamos repartir ao meio. E então, ele me chamaria para
ir até a sua casa prolongar um pouco nosso encontro.
Chegando lá, o sexo seria incrível e Thomas teria um pau de
tamanho adequado com veias na medida certa e eu o
chuparia até ser coroada rainha do boquete pelos seus
próprios lábios. Ou pelos meus, não é mesmo?
Bom, era um ótimo plano. Bastava tudo correr
conforme o planejado pela minha mente. Não era pedir
muito, certo?
Encarei meu reflexo no espelho uma última vez
tentando decidir se mantinha ou não as sandálias de salto.
Eu estava gostosa. Gostosa demais. Se Thomas fosse
baixinho, ele que ficasse feliz em ter uma gata como eu do
seu lado. Peguei minha bolsa e olhei para a minha cama
feita, esperando não precisar dormir nela essa noite. Uma
garota merecia gozar de forma decente com um cara
gostoso.
Dirigi em 20 minutos o percurso que separava meu
apartamento na Tijuca do restaurante onde Thomas tinha
marcado comigo em Botafogo. Eu já tinha ouvido falar sobre
o lugar, mas pelo Instagram quase sempre parecia lotado de
filas. Entrei com o carro num estacionamento rotativo que o
GPS havia me indicado e senti o olhar do dono do
estabelecimento se cravar na minha bunda conforme eu
andava para o lado de fora.
Como esperado, uma fila lotada de casais já aguardava
por uma mesa do lado de fora do restaurante. Abri espaço
entre as pessoas conversando casualmente e fui até o
balcão onde a recepcionista atendia.
— Boa noite, eu acredito que estão me esperando lá
dentro? — disse, em um tom que mais parecia uma
pergunta do que uma afirmação propriamente dita. — Tenho
uma reserva no nome de Thomas Goulart. — A recepcionista
abriu um sorriso.
— Ah, claro! O Sr. Goulart já chegou e te aguarda na
mesa. — Senti meu coração disparar dentro do peito só de
saber que o homem por quem eu tinha criado tanta
expectativa já estava por ali. Tinha chegado a hora da
verdade. A hora que ou toda a minha imaginação ganharia
realidade ou que meu sonho viraria um pesadelo. Eu só
esperava que…
E então, meu olho grudou no dele, sentado em uma
mesa quase do outro lado do salão do restaurante.
Camisa verde. Olhos parecendo me queimar através da
roupa. E mais lindo do que minha imaginação seria capaz
de inventar.
Puta merda, Thomas Goulart era um tremendo gostoso.
8. Thomas

De: th.goulart@freemail.com
Para: lia.bellini@freemail.com
Assunto: Temos um encontro!

Liazinha,
Fico feliz que você tenha topado entrar em mais essa
aventura comigo. Se meu voto vale de alguma coisa, eu
também gostaria de votar para que você não tenha acesso à
internet quando estiver bêbada. Não sou muito fã de
compartilhar, sabe? Eu odiaria que você compartilhasse
outra história boa dessas com uma pessoa que não fosse eu.
Tudo bem, eu confesso. Eu sugeri o hambúrguer com
batata frita porque sabia que era um combo difícil de
recusar. Apenas pessoas de caráter duvidoso diriam não
para um convite desses. E, fala sério, você acha mesmo que
um serial killer te levaria para comer o melhor lanche que
existe no planeta? Aposto que te chamaria para comer um
sushi ou algo tão superestimado quanto.
O nome do lugar é Burguero e fica na Praia de
Botafogo, número 400. Domingo às 19h está perfeito. Fiz
uma reserva para a gente. Quando chegar lá, é só perguntar
pela mesa de Thomas Goulart.
Te encontro lá!
Thomas

Obs: Como sempre, você é cheia das mais brilhantes


ideias. Eu vou usar uma camisa verde, pois dizem que
combina com meus olhos. E por baixo… Bom, não importa
muito. Duvido que você vai reparar quando estiver
completamente focada em me deixar sem nada para provar
o quanto seu título é verdadeiro.
Obs2: Eu sou um grande fã de renda, mas sou ainda
mais fã de tirar peças de renda do corpo de mulheres
gostosas.

― Deixa eu ver se entendi direito ― minha irmã falou


do outro lado da tela. ― Você vai em uma espécie de
encontro às cegas com uma menina que te mandou um e-
mail bêbada?
Eu estava me arrumando para ir ao encontro de Lia
quando Helô me ligou, segundo ela, para debater um
assunto urgente. Vamos só dizer que o conceito de urgente
da minha irmã mais nova é bem diferente do meu. Mas,
como bom irmão que sou, ouvi tudo que ela tinha a dizer e
prometi ajudar. Isso quer dizer que tenho uma semana para
convencer nossos pais a deixá-la ficar sozinha em casa
durante um final de semana enquanto os dois vão para uma
viagem romântica.
― É exatamente isso ― respondi. Levantei duas
camisas em frente a câmera do celular. ― Qual das duas
você acha que fica melhor?
― A verde-musgo ― minha irmã respondeu sem nem
precisar pensar. ― A verde claro também é linda, mas essa
realça a cor dos seus olhos. Vai deixar sua namoradinha
virtual hipnotizada.
― Ela não é minha namorada. Somos só amigos. ―
Helô soltou uma risada enquanto eu vestia a peça escolhida.
― É, essa história sempre dá certo nos filmes e nos
livros ― debochou. ― Você nem pesquisou sobre ela na
internet?
― Não ― respondi, dando de ombros. ― Isso ia tirar
toda a graça de um encontro às cegas ― frisei a última
palavra.
― E se ela for feia? ― perguntou.
― Ela não é ― respondi. Eu não tinha provas disso,
mas eu só… sentia. ― Mas se for, também não ligo para
aparências.
― Aham. Disse a pessoa que frequenta academia 5
vezes por semana porque, abre aspas, gosta de se olhar no
espelho sem roupa e se achar um gostoso, fecha aspas ―
disse em tom de deboche.
― Alguém já te chamou de chata hoje, Helô? ― Revirei
os olhos. ― O ponto é que Lia é divertida e isso é o
suficiente para ter um encontro com ela. Um encontro de
amigos. ― Minha irmã deu um longo suspiro, sabendo que
não adiantava muito argumentar comigo. ― É o último dia
de férias e eu quero aproveitar. Você deveria sair para fazer
o mesmo.
― E desde quando vestibulando tem férias? ―
reclamou. ― Eu não sei o que é isso há muito tempo. Será
que ela te pesquisou nas redes sociais? ― quis saber,
voltando ao assunto.
― Acho que não. Ela também estava curtindo essa
história de fazer as coisas às cegas.
― Como os nossos ancestrais pré-históricos ―
implicou. ― De qualquer forma, você é super low profile na
internet. Ela não acharia muita informação.
― Helô, eu amo conversar com você, mas agora
preciso desligar ou vou me atrasar pra conhecer a Lia.
― Tudo bem. Não esqueça de ligar para nossos pais e
conversar com eles sobre aquele meu pedido.
― Não vou esquecer. Mas você precisa me prometer
que vai se comportar. Eu vou colocar minha mão no fogo por
você.
― E quando eu não me comporto, Thomas? Não sou
eu que estou indo em um encontro às cegas com uma
mulher que conheci de maneira muito suspeita na internet.
Mamãe ia adorar saber disso ― ironizou. ― Você nunca
ouviu nenhum podcast de crime? Isso aí tem tudo para dar
errado… Mas, como amo você, torcerei para que dê certo.
Promete me contar depois como foi? Com detalhes!
― Prometo te contar o essencial ― falei. Minha irmã
curvou os lábios para baixo, deixando uma expressão triste
aparecer em seu rosto. Por mais que eu amasse minha irmã
e nós fôssemos próximos, não tem a menor chance de
contar certas coisas para Heloísa. Seria só… errado demais.
― Boa noite, Helô.
― Boa noite, Thomas. Aproveite seu date de amigos às
cegas.
Dessa vez, optei por deixar meu carro na garagem e
chamar um Uber para me levar até a hamburgueria que
combinamos de nos encontrar. A distância entre minha casa
e o lugar não era muito longa, e, com o trânsito tranquilo de
um domingo à noite, acabei chegando cinco minutos antes
do combinado.
― Boa noite, senhor. Nós estamos com a casa cheia
hoje. Mas, se você quiser, pode colocar seu nome em nossa
lista de espera ― disse a recepcionista do lugar.
― Na verdade, eu tenho uma reserva em nome de
Thomas Goulart. Mesa para dois ― avisei. Ela abriu um
sorriso enquanto digitava algo no computador à sua frente.
Antes mesmo de Lia aceitar vir a esse encontro, eu havia
ligado para o lugar para fazer a reserva. Algo me dizia que,
apesar da demora para me responder, ela aceitaria minha
proposta.
― Ah, perfeito, senhor Goulart. Sua mesa já está
pronta. O garçom já vem acompanhá-lo ― avisou.
― E… por acaso, a minha companhia da noite já
chegou? ― perguntei parecendo mais ansioso do que
gostaria.
― Ainda não ― respondeu de volta ainda sorrindo.
O garçom me acompanhou até uma das mesas de dois
lugares que ficava bem ao lado de uma parede que era feita
inteiramente de vidro, permitindo com que tivéssemos
como vista a orla da praia de Botafogo e, ao fundo, o famoso
Pão de Açúcar.
Enquanto esperava meu encontro chegar, senti aquele
habitual frio na barriga que se tem antes de conhecer
alguém pela primeira vez. Será que Lia era morena, como
na minha imaginação, ruiva ou loira? Será que era tão
divertida pessoalmente quanto nas mensagens que
trocamos? E… Será que ela iria gostar de mim? Disposto a
afastar os pensamentos ansiosos da minha cabeça, tirei o
celular do bolso para me distrair no exato momento que
uma mensagem de Heloísa surgiu na tela.

Heloísa: Ela é bonita?


Heloísa: Ou é uma velha q estava se fingindo de
jovem para pegar 1 novinho? Essa história seria ótima.
Heloísa: Se vc não mandar sinal de vida, vou chamar
o FBI! Ou pior ainda: a mamãe!
Thomas: Ela ainda não chegou.
Heloísa: Será que vc vai levar um bolo?

A última mensagem de Helô poderia ter alugado um


triplex na minha cabeça, mas, como se uma força externa
estivesse me atraindo, olhei em direção à porta e meu olhar
cruzou com o de uma mulher que conversava com a
recepcionista. No mesmo instante, eu soube.
A mulher era… linda. Olhos castanhos e cabelos lisos
da mesma cor, que caíam por suas costas até mais ou
menos a metade do caminho. Ela usava um vestido preto
justo ao corpo e salto alto, como havia escrito em seu e-
mail. Não poderia ser coincidência, certo? Tinha que ser ela.
Eu sentia que era ela. Quando seu olhar cruzou com o meu e
um sorriso lascivo brotou em seus lábios eu sabia que estava
perdido.
Eu estava perdido para um caralho.
Lia era melhor do que qualquer imagem mental que
criei ao longo desses dias.
O mesmo garçom que me trouxe até aqui minutos atrás
foi o responsável por trazê-la ao meu encontro. Observei,
provavelmente boquiaberto, enquanto Lia caminhava em
minha direção como se desfilasse por uma passarela.
Nota mental: lembrar de mandar um e-mail de
agradecimento a todas as marcas de bebidas alcoólicas
ingeridas por Lia no dia que ela me mandou aquela
mensagem.
― Oi, Liazinha ― falei. Levantei da cadeira para
cumprimentá-la com um abraço e um beijo em cada lado do
rosto.
― Você não é um velho ― respondeu. Soltei uma
gargalhada.
― Eu disse que não era. ― As cadeiras estavam
alocadas uma em frente a outra. Mas, antes que Lia
sentasse, puxei rapidamente uma delas e a coloquei numa
posição que permitisse com que nos sentássemos lado a
lado. Lia me encarou com expressão de dúvida. ― A vista
dessa posição fica mais bonita ― inventei.
A garota soltou uma risadinha e não pareceu se
importar com minha mentirinha de nada, pois logo sentou-
se no espaço vazio.
― Você já viu que não sou um velho, mas ainda posso
ser um serial killer ― sussurrei em seu ouvido enquanto me
sentava ao seu lado. Notei os pelos do seu braço eriçarem.
― Dependendo de como for esse encontro, você vai
poder mesmo matar uma coisa mais tarde ― devolveu em
forma de sussurro. Mas, ao invés de sentir arrepios no braço,
senti uma carga elétrica percorrendo meu corpo e indo
parar diretamente no meu pau.
― O que eu vou ter a chance de matar, Lia? ― quis
saber. Seu olhar percorreu meu corpo, estudando cada
pedacinho dele. Ela mordeu o lábio inferior, talvez de forma
inconsciente, antes de responder.
― Você vai descobrir no momento certo. O que vamos
pedir para comer? ― mudou de assunto na maior cara de
pau.
Essa é uma das coisas que mais gosto das minhas
conversas com Lia. Elas variam de assunto o tempo inteiro.
Podíamos compartilhar uma história engraçada e, um
minuto depois, falar alguma coisa de duplo sentido que
deixava uma tensão sexual de tirar o fôlego pairando sobre
nós… Nunca ficava um clima estranho. Nunca se tornava
uma conversa entediante.
Analisamos juntos o cardápio, debatendo sobre quais
pratos deveriam ser os melhores. Lia acabou escolhendo o
Burguero, o lanche clássico da casa, acompanhado de uma
porção grande de batata frita.
― Gostar de batata frita é algo genético na minha
família. A minha mãe é muito fã e ficaria decepcionada se
os filhos não fossem também. Ela fez questão de nos criar
nos caminhos da batata frita ― brincou. ― E você, sabe o
que vai escolher?
― Vou pedir o Burguero Bacon Super. Eu gosto de
bacon, mas acho que não é algo genético. Meu pai nem
gostava de me deixar comer fast food quando era criança ―
falei, fazendo propositalmente uma expressão de tristeza.
O garçom anotou nossos pedidos e prometeu voltar
em poucos minutos.
― Eu não gosto dos primeiros encontros ― Lia soltou
no momento que o homem nos deu as costas.
― Então isso aqui é um encontro? ― perguntei.
― Um encontro de amigos não deixa de ser um
encontro ― devolveu. Mas, no fundo, nós dois sabíamos que
ela estava se enganando achando que isso aqui era algo só
de amizade. ― O que eu quero dizer é que é sempre a
mesma coisa. Os mesmos assuntos: profissão, história sobre
a família, hobbies e blábláblá. Não é que eu não queira
saber essas coisas, mas é sempre mais do mesmo. É meio
cansativo ter que contar as mesmas coisas só que para
pessoas diferentes,
― Isso quer dizer que você vai a muitos primeiros
encontros? ― Por que a imagem que surgiu de Lia saindo
com outros caras era tão… estranha? Desconfortável?
― O que importa, Thonzinho, é que hoje estou aqui
com você ― devolveu, com um sorriso inocente enfeitando
seus lábios. Ela era boa. Muito boa.
― E eu, Liazinha, não sou como os outros. Quero
propor uma coisa diferente, que não vai ser cansativo para
você.
― O quê? ― O garçom voltou com nossos pratos e os
colocou na mesa, desejando que tivéssemos um bom
apetite.
― Nós não nos conhecemos de uma forma muito…
Usual. Então não vamos ter um primeiro encontro usual
também. Não vamos falar sobre coisas típicas e chatas de
primeiro encontro. Eu começo… Se você adotasse um
cachorro agora, qual seria o nome dele?
― Farofa ― respondeu sem pensar muito. ― Eu gosto
de colocar nome de comida em animais, acho divertido.
Minha vez. Já que estamos falando em comida, o que você
não comeria em hipótese alguma?
― Canela. Eu odeio o cheiro e odeio ainda mais o
sabor.
― Talvez você seja mesmo um serial killer. Que tipo de
gente não gosta de canela?
― Gente com bom gosto. Sou eu outra vez. Se você
tivesse que eliminar a faca ou a colher do mundo, qual
escolheria?
― E o garfo? ― devolveu a pergunta.
― O garfo é o rei que vai eliminar um dos outros dois.
― Que rei tirano. ― Ela pensou por uns segundos. ―
Eu eliminaria a colher, já que teria disponível o garfo para
comer coisas.
― Boa resposta, mas e se você precisasse, por
exemplo, tomar uma sopa? Não dá pra tomar sopa de garfo.
― Nesse caso, eu poderia derramar o líquido no seu
abdômen e fazer uma espécie de body shot. ― A
combinação dessa frase com o biquinho sexy que fez logo
em seguida para sugar o suco que estava bebendo fez
grandes coisas no meu corpo. Grandes e duras, diga-se de
passagem. Eu estava muito fodido.
― Eu ia sugerir que você simplesmente tomasse a
sopa como se fosse um suco, mas a sua ideia é muito
melhor. Podemos testar mais tarde lá em casa. Tenho
certeza que tem uma sopa no meu armário que nunca comi
― sugeri.
― Eu prefiro fazer body shots com tequila.
― Hoje é seu dia de sorte, linda, porque também tem
tequila na minha casa.
― Nesse caso, lindo, não tenho como recusar o
convite.
E então, sem pensar muito, levei minha mão até a
parte de trás do seu pescoço e a puxei em minha direção,
prendendo seus lábios aos meus. Minha língua invadiu sua
boca, sem pedir licença, explorando com vontade cada
canto dali. As mãos de Lia rapidamente encontraram
caminho até alcançarem minha nuca, acariciando o local e
puxando meu cabelo de leve. Eu, é claro, não deixei por
menos e dei um puxão nos fios da garota. Pelo gemido que
escapou de sua boca, eu diria que ela curtiu bastante. Antes
de finalizar o beijo, Lia puxou de leve meu lábio inferior
entre seus dentes, e quem não segurou o gemido de prazer
fui eu.
― O que você preferiria ser: um cachorro ou um gato?
― Lia perguntou logo após me dar um selinho e finalizar
nosso beijo. Confesso que eu ainda não estava sequer
raciocinando direito.
― Gato. ― Ela me encarou curiosa.
― Por quê?
― Gatos gostam de se sentir poderosos, os donos da
casa que moram. Eles gostam de mandar… ― Ergui uma
das sobrancelhas. ― Eu gosto de mandar, você sabe, nos
momentos certos.
― Com licença, senhores, gostariam de pedir mais
alguma coisa? ― o garçom interrompeu nosso papo.
― A conta, por favor ― Lia disse. Eu a encarei confusa.
― Volto daqui a pouco, senhora.
― Achei que você estava gostando do nosso primeiro
encontro nada clichê e você já quer ir embora ― comentei.
― Lembra quando eu disse que não queria que você
fosse um serial killer? ― Assinto. ― Eu mudei de ideia.
― O que você quer que eu mate, Lia? ― perguntei,
sentindo minha voz mais rouca, cheia de tesão.
A mão de Lia passeava pela minha coxa,
perigosamente perto da ereção já existente ali. Lia olhou
dentro dos meus olhos e dava para perceber o desejo
presente ali.
― Eu preciso que você mate meu tesão, Thomas. ―
Não querer. Não desejar. Precisar. Aquelas palavras me
impactaram mais do que achei possível.
― Vamos dar o fora daqui ― falei.
9. Lia

Dirigi o percurso do bar em Botafogo até o apartamento


do meu date no Flamengo tão desconcentrada que se umas
três multas de trânsito chegassem no meu endereço eu não
estranharia. Aquela droga de mão enorme de Thomas ficou
o tempo inteiro repousando na minha coxa e de vez em
quando ele até mesmo movia o polegar para me acariciar.
Subimos juntos até a porta do seu apartamento, e ele
indicou que eu entrasse. No início da noite, eu imaginava
que ficaria tremendamente nervosa em ir para a casa de um
cara que eu mal conhecia. Porém não era nem de perto
como eu me sentia. Meu coração estava disparado dentro do
peito, mas não por ansiedade. Bom, pelo menos não uma
ansiedade ruim.
Por via das dúvidas, eu tinha enviado minha localização
para Jade assim que entramos no elevador do prédio. Parei
no batente da porta, e desci das minhas sandálias de salto,
tendo noção pela primeira vez do quanto Thomas Goulart
era alto.
― Não precisava tirar os sapatos ― falou. Olhei por
cima do ombro, oferecendo um sorriso de canto com a
minha melhor expressão de safadeza.
― Eu terminaria sem eles de qualquer jeito. ― Senti as
mãos do homem tocarem a minha cintura e um arrepio
percorreu cada centímetro da minha pele. Respirei fundo,
sentindo meu centro pulsar quando seus dedos subiram
delicadamente pelos meus braços, resvalando tão de leve
que me fazia quase gritar implorando que me tocasse.
Talvez esse fosse exatamente seu objetivo.
― Então, permita-me te ajudar com isso. ― Thomas
afastou meus cabelos para um dos meus ombros e expôs a
pele lisa do meu pescoço. Meus olhos se fecharam
inconscientemente e até minha cabeça se inclinou para o
lado cedendo espaço para a sua boca.
Quando os lábios dele roçaram a região, deixei um
gemido escapar da minha garganta. Puta merda, eu estava
muitíssimo ferrada. Mas se eu estava, ele também estaria.
Arqueei minhas costas e empinei minha bunda para trás,
sabendo exatamente que local do seu corpo eu esbarraria. O
grunhido que ressoou da boca de Thomas e a protuberância
que senti às minhas costas era um forte indicativo de que
ele estava tão cheio de tesão quanto eu.
― Você cheira a morango ― comentou, sua voz saindo
mais rouca e grave conforme seus lábios continuavam
percorrendo meu pescoço. Senti a ponta da sua língua tocar
o lóbulo da minha orelha e me pressionei ainda mais contra
ele, sentindo seu pau duro perfeitamente encaixado na
minha bunda. ― Porra, Lia…
Eu conseguia sentir meu coração batendo em todas as
regiões do meu corpo. Era como se eu inteira estivesse
pulsando. Para falar a verdade, nunca tinha sentido nada
parecido. O toque de Thomas me deixava ardendo como se
estivesse em chamas.
― Talvez eu também tenha gosto de morango ―
provoquei. Não fazia ideia de como tinha conseguido fazer a
minha voz sair tão firme e sensual, sendo que meu interior
parecia chacoalhar de necessidade. Senti os dedos de
Thomas seguirem rumo ao zíper do meu vestido nas costas.
― Acho que só acredito provando, Liazinha. ― Não
respondi. O silêncio sepulcral só foi preenchido pelo som do
zíper do vestido chegando à minha lombar. Senti minha pele
ficando exposta e o dedo de Thomas subir numa carícia
insinuante até as mangas do tecido. Ele as empurrou para
os lados, deixando o vestido ceder e cair pelos meus
ombros.
A peça se agarrou na minha cintura, justa ainda no
meu quadril. Abaixei as mãos, pronta para descê-la pelas
minhas pernas e ostentar minha lingerie rendada. Mas antes
mesmo que eu conseguisse alcançar o tecido, Thomas
pressionou minha cintura e me virou de frente para ele.
Engoli em seco com o susto por um segundo, mas assim que
vi a ferocidade contida nos seus olhos verdes, me permiti
relaxar novamente. Ele me queria. Ele me queria muito.
― Eu preciso lamber você por inteira pra saber que
gosto tem. Vou começar por aqui. ― E sem me dar a chance
de devolver a piadinha, ele grudou a boca na minha e me
invadiu com a língua. Era normal sentir que nossos pés
estavam prestes a deixar o chão e a gente sair voando só por
conta de um beijo? Eu espero que sim. Suguei sua língua
entre os meus lábios e senti suas mãos se apertaram na
minha cintura num desespero silencioso.
Subi meus dedos pelo seu tórax, sentindo mesmo por
cima da blusa que Thomas era bastante definido. Agarrei o
primeiro botão da sua camisa, desesperada por sentir a pele
dele na minha. Ele continuou me beijando, descendo a boca
pelo meu colo e assumiu a tarefa de abrir os próprios botões
enquanto eu me deliciava com a sensação da sua boca em
mim. Meu sutiã preto de renda não escondia muita coisa e
eu sabia que ele podia ver com clareza meus mamilos
enrijecidos com o seu toque.
― Eu disse que era um fã de renda, não disse? ―
Thomas brincou com o tecido, acariciando o bico do meu
peito. Mordi meu lábio e pressionei minhas pernas uma
contra a outra para controlar a sensação devastadora que
começava a me dominar.
― Di-disse.
― E também disse que era ainda mais fã de tirar peças
de renda de uma mulher gostosa, não disse? ― Dessa vez,
não consegui responder com palavras porque Thomas se
abaixou e passou a língua bem em cima do meu mamilo
através do tecido do sutiã. ― o que eu não mencionei, é que
eu sou ainda mais fã de tirar essas peças com a boca, Lia. ―
Hora da morte: 22h07. Causa da morte: clitóris explodiu de
tesão.
Os dentes de Thomas prenderam a alça de um dos
meus ombros e puxaram para baixo com força. Um dos meu
seios pulou para fora, parecendo mais pesado do que eu já
tinha sentido em qualquer momento da minha vida. Senti
sua língua tocar meu bico e quase fraquejei as pernas. Ele
pressionou meu mamilo entre os lábios e sugou como se
chupar meu peito fosse mais necessário do que respirar.
Senti suas mãos subindo pelas minhas costas nuas à
procura do fecho do meu sutiã, sem que sua boca deixasse
meu peito. Ouvi o clique e senti a peça sendo jogada longe.
Eu não tinha peitos grandes e justamente por isso parecia
que Thomas conseguia chupar uma boa parte dele dentro
da boca. Quando ele trincou os dentes no meu bico com
pressão suficiente para me causar um arrepio, eu soltei um
palavrão indiscernível.
Thomas envolveu as mãos no meu vestido ainda
enrolado no quadril e devagar puxou para baixo, me
deixando com nada além de uma calcinha preta rendada no
meio da sua sala. Prendi a respiração, sentindo seus olhos
sobre mim como se analisasse uma obra de arte. Ele ficou
completamente de pé, parado na minha frente, vidrado com
os olhos no meu corpo. A blusa verde com todos os botões
abertos pendendo sobre o seu tronco.
Dei um passo à frente e vi seu pomo de adão se mexer.
Agarrei sua blusa e a empurrei para trás expondo seu tórax
bronzeado e mais definido do que eu imaginava. Meu rosto
provavelmente entregou meu choque, porque Thomas
quebrou o silêncio perguntando:
― Quer fazer o body shot de tequila agora? ―
debochou. Revirei os olhos com um sorriso no rosto.
― Não preciso da tequila. ― Passei os dedos por cada
um dos seus gominhos e me abaixei para lambê-los subindo
em direção ao seu pescoço. O gemido de Thomas parecia ter
ecoado no silêncio da sala do apartamento e funcionava
como uma espécie de trilha sonora erótica para o momento.
Fiquei em pé, olhando para cima e encontrando suas
pupilas dilatadas dominando quase todo o verde que eu já
tinha aprendido a admirar em tão pouco tempo.
― Tá preparado? ― perguntei, brincando com a ponta
da minha unha pelo seu peito e descendo até a beirada da
calça jeans.
― Pra quê?
― Pra conhecer a rainha do boquete ― devolvi. Thomas
abriu um sorriso de orelha a orelha e segurou meu queixo
entre os dedos.
― Estou ansioso, vossa majestade. ― Soltei uma risada.
Transar com ele além de excitante era divertido. Meu date
puxou meu rosto na sua direção e colocou um beijo na ponta
do meu nariz. Arqueei as sobrancelhas em confusão com o
gesto de carinho que parecia mais íntimo até do que o sexo,
mas não disse nada. Estava muito focada em chupar seu
pau com maestria.
Sem tirar os olhos dos seus, desci devagar até ficar de
joelhos no chão. Eu conseguia ver sua respiração ficar cada
vez mais ofegante à medida que eu abria sua calça jeans.
Primeiro o botão e depois o zíper. Bem devagarzinho.
― Que tortura do caralho, Lia ― gemeu. Soltei uma
risadinha e puxei sua calça jeans de uma vez para baixo.
Thomas usava uma cueca boxer preta que marcava cada
curva do seu pau. E a não ser que ele tivesse escondido algo
ali dentro eu poderia garantir que ele era grande.
Deslizei a mão pelas suas coxas tonificadas e cheias de
músculo e subi em direção à sua bunda. Apertei de leve e
quase me assustei com a rigidez. O quanto esse cara
malhava? Bom, sorte a minha.
Chega! Eu ia parar de provocar e ceder logo à minha
vontade. Minha boca já estava seca de desespero por colocá-
lo na boca. Envolvi os dedos no tecido da cueca e puxei
devagar para baixo. Ah, meu Deus… Que pau maravilhoso!
Eu decididamente poderia tirar uma foto e colocar como
fundo de tela do meu celular de tão lindo. Era grande, mas
não assustadoramente grande. Era grosso na medida certa e
tinha uma quantidade de veia que parecia adornar aquele
membro com perfeição.
― Você decididamente não deveria se preocupar com a
média ― falei. Thomas riu, satisfeito com a minha reação ao
vê-lo ereto. Sua mão veio para o meu cabelo e ele acariciou,
puxando meus fios para trás e tirando da minha face.
― Me chupa, rainha do boquete. ― Minha virilha pulsou
em resposta e senti minha saliva se multiplicar dentro da
boca.
Segurei seu pau com a mão e passei a língua pelo
comprimento. Thomas xingou na mesma hora, contraindo o
abdômen em um reflexo da sensação prazerosa. Envolvi sua
glande entre os lábios e com a língua passei de um lado
para o outro da boca, deixando que seu pau pressionasse as
minhas bochechas por dentro.
Suguei sua ereção e me preparei para uma garganta
profunda. Levei sua extensão até o fundo da minha boca até
quase tocar minha goela e bombeei por lá. Thomas já tinha
perdido completamente a pose e envolvido a mão no meu
cabelo como se fosse uma corda, pronto para me empurrar
ainda mais fundo no seu pau. Deixei que ele fizesse isso e
impulsionasse minha cabeça até sentir que eu precisava
respirar.
Aí é que está: nem só de garganta profunda vivem os
boquetes. Nenhuma mulher aguenta levar o pau até o fundo
da garganta durante toda a brincadeira. Mas eu tinha uma
técnica. E acredito que ela é uma das responsáveis pelo
meu memorável título de boqueteira rainha.
Voltei a me deliciar com a cabeça do seu pênis,
brincando com a língua e alternando entre os movimentos
de vai e vem e de sugar feito um canudo. Eu já tinha até
mesmo sentido na minha língua o gosto do seu pré-sêmen.
E aí dei minha cartada final: usei a ponta das minhas unhas
para percorrer a extensão das suas pernas e subir em
direção a sua virilha, provocando uma espécie de arrepio
que sempre fazia os caras se entregarem.
O gemido de Thomas aumentou e suas mãos me
ergueram pelos ombros, me afastando do seu pau.
― Chega, não quero gozar na sua boca ― falou
ofegante. ― Mas saiba que… decididamente quero ser seu
súdito. ― Soltei uma risadinha e fiquei de pé. Sem que eu
esperasse, as mãos de Thomas puxaram minha bunda com
força na sua direção e me ergueram do chão. ― Agora
chegou a hora de te provar.
Envolvi minhas pernas ao redor da sua cintura e não
deixei de notar que meu peso parecia nada para os seus
braços fortes. Talvez Thomas fosse personal trainer ou algo
parecido. Mordi seus lábios nos meus enquanto ele me
carregava tateando pelas paredes tentando buscar o
caminho até o quarto.
Ouvi o barulho da porta sendo aberta e empurrada para
trás de volta. O pau de Thomas, duro e comprido, parecia se
acomodar na minha entrada ainda coberta pelo tecido da
calcinha. Eu estava molhada. Encharcada, na verdade. Não
precisava nem me tocar para saber.
Senti meu corpo se inclinar e ser apoiado contra o
colchão. Meus olhos percorreram brevemente o cômodo. O
quarto do meu date era arrumado e sóbrio, mas não perdi
muito tempo focada na inspeção do local, pois a visão de
Thomas completamente nu, ajoelhado entre as minhas
pernas com seu lindo pau veiúdo apontando para cima, era
muito mais interessante.
― Gostei da visão ― provoquei, percorrendo meus
olhos pelo seu corpo. Ele me ofereceu um sorriso que eu já
tinha catalogado mentalmente como molhador de
calcinhas.
― Vai gostar mais ainda da visão da minha boca entre
as suas pernas. ― Ai, Thomas…
Abri a boca para oferecer mais algum trocadilho
espertinho, mas não tive tempo. As mãos dele seguraram
meu pé e seus lábios começaram a subir pela minha pele,
depositando beijos pela minha perna. Seu toque era tão leve
que me causava espasmos cada vez que subiam um pouco
mais. Era possível gozar só com isso? Talvez fosse. Talvez eu
estivesse prestes a descobrir.
A boca de Thomas subiu pela minha coxa e veio para a
minha barriga, seus lábios roçando de leve e deixando um
rastro de calor por onde passavam. Ele enganchou os dentes
na costura da renda da minha calcinha e puxou de leve para
baixo. Ah, Senhor, esse homem tirando minha roupa com a
boca era de longe uma das visões mais eróticas da minha
vida. Ergui o quadril para ajudar na passagem da calcinha e
puxei o outro lado com a mão, para descer de uma vez.
― Apressadinha ― brincou, terminando de puxar a
peça pelas minhas pernas. O olhar dele no meu corpo
completamente pelado foi mais excitante do que todas as
noites que já tinha passado com Jhonas. Ele deslizou um
dedo pela minha abertura e eu pude observar o brilho da
minha excitação na sua pele. ― Linda.
― Me faz gozar, Thomas ― pedi, um tom de voz de
quase súplica escapando da minha boca. Ele nem se deu ao
trabalho de me responder. Afastou meus joelhos com as
mãos e segurou minha bunda, me puxando em sua direção
e encaixando o rosto entre as minhas pernas.
Ele colocou a ponta da língua para fora e deslizou pela
minha fenda, lambendo até chegar no meu clitóris inchado.
No minuto que Thomas fechou os lábios sobre o meu ponto
mais sensível e sugou, eu vi fogos de artifício. Dourados,
brilhantes, em formato de estrelas e coloridos. O som que
escapava da minha boca a cada chupada era um forte
indicativo que, se eu era a rainha do boquete, ele era o rei
do oral.
Sem parar de me lamber, senti sua mão escorregar
pela minha perna e dois dedos pressionarem minha
abertura, provocando até que eu estivesse ainda mais
relaxada para recebê-los. Thomas sabia exatamente o que
estava fazendo, porque curvou a ponta dos dedos me
tocando internamente num lugar que parecia me levar
ainda mais perto da beira do precipício do orgasmo.
― Goza, linda, goza pra mim. ― Seu tom de voz rouco
e cheio de tesão foi demais pra mim. Quando sua língua
voltou a me tocar e os dedos continuaram a se mexer dentro
de mim, senti irromper o orgasmo por todo o meu corpo.
Gemi alto e contraí cada um dos meus músculos em
resposta à força daquela sensação.
― Meu… Deus… ― ofeguei. Ele se debruçou sobre mim,
o rosto bonito e avassalador pairando sobre o meu.
― Seu Thomas, isso sim. ― Meu coração errou um
compasso dentro do peito. Esse não era o tipo de coisa que
se dissesse para uma garota que tinha acabado de ter um
orgasmo e tanto.
Meu peito ainda subia e descia com a respiração
entrecortada, tentando se estabilizar. Thomas se debruçou
sobre mim e abriu a gaveta para pegar um preservativo na
mesa de cabeceira. Quantas camisinhas ele tinha ali? Ele
devia ser o tipo de cara que tinha uma mulher na cama por
noite. Fiquei automaticamente incomodada com aquele
pensamento e afastei para o canto sombrio da minha
mente.
Meu date ficou de joelhos, posicionado entre as minhas
pernas e deslizou a camisinha por todo o comprimento do
seu pau. Arqueei minha coluna e me apoiei sobre os
cotovelos, querendo observar cada segundo enquanto ele
entrava em mim. Era uma paisagem e tanto. Thomas
segurou o próprio membro e pressionou em mim,
empurrando devagar enquanto deslizava por todo o meu
gozo pós-oral.
― Caralho, Lia ― gemeu, terminando de enfiar tudo
dentro de mim. Droga, isso era gostoso demais! Ele era
gostoso demais. Finquei minhas unhas em cada uma das
suas nádegas musculosas e durinhas e o trouxe ainda mais
para dentro de mim. Gemi quando seu pau pareceu atingir
aquele mesmo local exato que ele já tinha me tocado com
os dedos.
Thomas tirou quase tudo e penetrou novamente dentro
de mim. Eu me movi, mesmo embaixo dele, para
acompanhar seu ritmo. Envolvi minhas duas pernas ao redor
da sua cintura, permitindo que com aquele ângulo ele fosse
ainda mais fundo. Ele segurou meu cabelo e puxou com
força para me levar na direção da sua boca, grudando
nossos lábios num beijo enquanto me comia com vontade.
Senti um formigamento começar no meu ventre
indicando que eu iria gozar. De novo. Eu nunca tinha gozado
duas vezes com o mesmo cara antes, mas Thomas Goulart
estava prestes a conseguir esse feito. Quando sua boca veio
para o meu pescoço e ele me deu uma mordida na região,
senti o prazer dominar todo o meu corpo. Senti minha
musculatura interna se contrair e pulsar, apertando o pau
dele com a mesma força do orgasmo que me varreu.
Thomas fechou os olhos e exclamou um palavrão antes
de morder meu ombro e impulsionar o membro dentro de
mim, explodindo no seu próprio orgasmo.
Seu peso caiu sobre mim e ele girou para o lado, de
barriga para cima na cama. O quarto parecia
completamente silencioso, o único som sendo o das nossas
respirações ofegantes. Virei o rosto na sua direção. Ele
repetiu o meu movimento.
― Tenho uma boa e uma má notícia ― falou. Senti meu
peito apertar. Será que ele tinha odiado? Não era possível,
ele tinha… ― A boa é que você é deliciosa na cama. ― Abri
um sorriso aliviado.
― E qual é a má? ― questionei.
― Acho que quero mais do que só essa noite. ― Uau.
Ele era direto. Thomas sabia que eu não estava procurando
um relacionamento e que isso entre nós era pra ser só
casual, mas… Eu vi fogos de artifício. Isso deveria significar
alguma coisa, não é?
― E por que isso seria uma má notícia? ― Pela
expressão no seu rosto, ele aprovou minha resposta. Sua
mão veio para o meu queixo e me puxou na sua direção,
colocando um beijo na ponta do meu nariz. Pela segunda
vez naquele dia. ― Por que você faz isso? Beija o meu nariz?
― Ele abriu um sorriso ainda maior e seus olhos verdes
pareceram brilhar me encarando tão de perto.
― Se eu beijasse a sua boca, ia ser igual a todos os
outros. Beijar a ponta desse seu narizinho lindo vai ser nossa
marca ― falou. Meu coração errou uma batida.
― Então nós temos uma marca agora?
― Nós temos. ― Ele se levantou da cama e caminhou
na direção do banheiro. ― Já volto, não fuja.
― Não vou fugir.

A primeira coisa que percebi quando abri os olhos é


que estava mais escuro do que o meu quarto costumava ser.
O teto também parecia diferente. E tinha algo pesado em
cima de mim. Olhei para baixo. Eu estava nua, com um
braço e uma perna saradas envolvendo meu corpo.
Eu e Thomas decidimos ver um filme depois da nossa
primeira rodada de sexo. Eu não pretendia dormir na sua
casa, mas… No meio do filme, é claro, os carinhos singelos
que ele fazia na minha perna se aproximaram
perigosamente do topo das minhas coxas. Em pouco tempo,
ele estava dentro de mim de novo. E eu gozei de novo. Eu
poderia repetir essa rotina todas as noites da minha vida,
para falar a verdade. Gozar é bom demais.
Puxei o celular da cabeceira e olhei a hora. 8h15 da
manhã. Que dia era mesmo? Meus olhos seguiram para a
data no calendário.
AH MEU DEUS. Meu primeiro dia de tutoria! Começava
às 10h da manhã! De jeito nenhum eu conseguiria sair do
Flamengo, passar na Tijuca e chegar na Ilha do Fundão em
praticamente uma hora e meia. Mas eu precisava tentar…
Era minha única alternativa. Levantei o braço de Thomas e
escapei do quarto. Na sala, comecei a catar minhas peças de
roupa espalhadas por todo o local, pronta para me vestir.
Quando peguei meu sutiã, pulei para trás com a visão
desnuda do homem com quem eu tinha passado a noite.
― Bom dia, Liazinha. Pensando em fugir? ― provocou.
― Não! Eu só perdi a hora e preciso chegar no meu
trabalho às 10h. Tenho que ir em casa tomar banho ainda e
estou…
― Toma comigo. Eu vou sair de casa pro meu trabalho
daqui a pouco também. ― Eu deveria recusar aquela
proposta. Até porque tinha prometido para mim mesma que
a noite com Thomas não seria nada além de casual. Mas isso
foi antes das risadas que ele me fez dar. Da conexão que
parecíamos ter. Dos orgasmos que me proporcionou.
― Você vai me dar banho? ― brinquei.
― Dou. Até com a língua se você quiser. ― Envolvi
meus braços ao redor do seu pescoço e grudei minha boca
na sua.
― Eu adoraria, mas acho que não temos tempo agora.
― Thomas envolveu a mão na minha e me levou em direção
ao banheiro de dentro do seu quarto.
Exatamente às 9h eu estava pronta, com a felicidade
de quem tinha gozado mais uma vez. Coloquei o vestido
preto da noite anterior e agradeci aos céus por sempre ter
uma sapatilha dentro do carro. Imagina só chegar no
primeiro dia de tutoria com uma sandália de salto alto?
Thomas e eu descemos juntos de elevador, mas
enquanto eu desceria na portaria, para buscar meu carro do
lado de fora do prédio, ele iria até a garagem pegar o seu
próprio. Assim que a porta abriu no hall, meu amigo de e-
mails colocou a mão no vão para impedir que a porta se
fechasse.
― A gente vai se ver de novo, certo? ― perguntou. Abri
um sorriso, sentindo aquele calafrio no estômago que eu
estava começando a suspeitar que era causado única e
exclusivamente por ele.
― Você agora já tem meu celular, Thonzinho, pode me
mandar mensagem ou e-mail ― brinquei.
― Eu vou mandar. Bom primeiro dia, Lia. ― Seu braço
me puxou pela cintura e mais uma vez ele beijou a ponta do
meu nariz. Senti as batidas do meu coração acelerarem.
― Bom trabalho, Thomas. Fico feliz que no final das
contas você não era nenhum serial killer. ― Me afastei dos
seus braços e segui até o meu carro.
Puxei as sapatilhas jogadas no banco de trás e deixei à
minha disposição. Eu nem sequer tinha um caderno decente
para levar no primeiro dia de tutoria, mas um bloco de papel
e uma caneta que eu costumava deixar no porta-luvas,
poderiam resolver.
Saí da minha vaga e parei num sinal vermelho ainda
na rua de Thomas. Observei pelo retrovisor quando o portão
automático da garagem do prédio de Thomas se abriu e ele
saiu dirigindo. Sorri sozinha vendo-o atrás do banco do
motorista. Que homem gostoso, lindo, simpático e divertido.
Aparentemente minha vida estava voltando aos eixos. As
humilhadas sendo finalmente exaltadas. Meu date parou no
sinal vermelho na minha diagonal e eu acenei um
tchauzinho breve quando o semáforo ficou verde.
Percorri as ruas do Flamengo, distraída pensando na
noite incrível que eu havia tido. O GPS indicava que, apesar
do trânsito, eu ainda conseguiria chegar bem na hora
combinada para o início da aula. Aumentei o volume do
carro, deixando a voz do Nando Reis tocar ainda mais alto.
Eu me sentia completamente energizada.
Entrei na Linha Vermelha e pela primeira vez percebi
que o carro de Thomas continuava por perto. Que estranho.
Será que ele estava me seguindo? Seria a minha cara
acreditar que o cara com quem passei a noite era incrível,
para descobrir na manhã seguinte que o dito cujo não
passava de um stalker. Encarei-o pelo retrovisor e vi que ele
me encarava com a mesma expressão de confusão que eu
mesma ostentava. Talvez ele trabalhasse em Duque de
Caxias. Ou fosse seguir pela Linha Amarela para algum
outro destino.
Continuei seguindo em direção ao campus da UFRJ e
entrei na Ponte do Saber, que conectava a Linha Vermelha
com a Ilha do Fundão, onde se localizava a Faculdade de
Letras da UFRJ. Os carros se empilharam em um
engarrafamento e mais uma vez observei o reflexo do carro
de Thomas no meu retrovisor. Ah, meu Deus. Ele estava indo
para o Fundão. O meu date decididamente estava me
seguindo. Peguei rapidamente o celular apoiado e procurei
pelo número dele, recém salvo na minha agenda.

Lia: Pq vc tá me seguindo?? Vc não é serial killer, mas


virou um stalker??

Olhei o trânsito à frente, começando a se mover. Uma


resposta de Thomas brilhou na tela e consegui ler antes de
acelerar o carro.

Thomas: Eu poderia te perguntar o msm. Vc que tá me


seguindo!

Revirei os olhos. Como eu poderia segui-lo se estava na


frente? Isso nem sequer fazia sentido. Foquei minha atenção
na avenida e continuei por mais uns 5 minutos até
finalmente entrar no estacionamento da Faculdade de
Letras. O perseguidor do Thomas continuava atrás de mim.
Meu Deus! Ele até estacionou o carro. Estava bom demais
para ser verdade.
Lindo, gostoso, simpático, ótimo em me fazer gozar,
mas MALUCO. Desci do carro revoltada e fui até o lugar onde
ele terminava de manobrar o próprio veículo. Bati no vidro,
minha expressão cheia de incredulidade. Ele abriu a porta e
me encarou do mesmo jeito.
― Por que você tá me seguindo? ― perguntei. Ele era
um excelente ator, porque quem olhasse de fora até mesmo
acreditaria que ele parecia chocado com a minha
insinuação.
― Te seguindo? Lia, eu não tô te seguindo! ―
Interrompi antes que ele conseguisse continuar. Pelo canto
do olho, vi Alessandra, a coordenadora do curso de Letras se
aproximando. Droga, eu precisava me livrar de Thomas o
mais rápido possível. Ela provavelmente queria me
apresentar para o novo professor substituto.
― Então o que você tá fazendo aqui? ― Thomas
apertou o botão que trancava o carro e olhou na direção que
a coordenadora vinha.
― Eu trabalho aqui. Bom, pelo menos a partir de hoje.
― Não. Não. Não. Não. Não podia ser. Senti minha garganta
fechar, mas tomei coragem para pronunciar as próximas
palavras.
― Trabalha com o que?
― Eu sou professor. ― Ele podia ser professor de
muitas coisas, certo? Nem tudo estava perdido ainda. Por
favor, Thomas, não faça isso comigo.
― Professor de que? ― perguntei. Ele abriu a boca
para responder, mas uma silhueta feminina parou ao nosso
lado.
― Bom dia, pessoal. Vejo que já se conheceram.
Professor Thomas, seja muito bem-vindo ao primeiro dia de
aula. Essa é a Lia, a tutora que vai te auxiliar ao longo do
semestre.
E naquele momento, quando encarei os olhos verdes
de Thomas, eu quase desejei que ele realmente fosse um
stalker.
10. Thomas
Lia, a garota dos e-mails, era minha nova tutora.
Lia, a mulher linda e divertida que tinha passado a
noite na minha cama.
Lia, a rainha do boquete, que tinha me chupado como
se sua vida dependesse disso era minha aluna.
Não era possível. Quais as chances de que, dentre todas
as pessoas que existem na porra do Rio de Janeiro, ela fosse
justamente a mestranda designada para me auxiliar?
Eu estava muito fodido.
Alessandra olhava de mim para ela, como se esperasse
que algum de nós tivesse alguma reação. Eu precisava fazer
alguma coisa antes que ficasse óbvio que algo estava
rolando entre nós dois. Que azar do caralho começar meu
primeiro dia como se estivesse vivendo o capítulo de um
livro clichê.
― Muito prazer, Lia ― fingi, rezando para qualquer tipo
de ser divino existente que fizesse a garota entrar na minha
onda. ― Estava tirando uma dúvida sobre as vagas aqui no
estacionamento. ― As sobrancelhas de Lia se franziram
levemente, como se estivesse processando o que eu tinha
acabado de dizer.
― Fico feliz em poder te ajudar, Professor Thomas. ―
Puta que me pariu. Era como se o seu tom de voz me
chamando de professor enviasse diretamente um lampejo
de pulsação para o meu pau. Forcei um sorriso no rosto.
Alessandra olhou o próprio relógio.
― Pela hora, os alunos devem estar começando a
chegar. Mas não estranhe se eles entrarem na maior cara de
pau mesmo faltando 20 minutos para o horário do término,
Thomas. Você sabe como são os universitários ― comentou.
― Já fui um deles ― brinquei. O olhar de Lia parecia fixo
em mim, como se ela estivesse de fato me conhecendo pela
primeira vez naquele segundo. Pois é, Liazinha, conheço a
sensação. Droga, eu devia parar de chamá-la assim. Ou
pensar na forma como ela estava no meu chuveiro há
poucos minutos atrás.
― A sala da disciplina nesse período vai ser no segundo
andar do bloco D, sala 206. Vou acompanhar vocês até lá ―
Alessandra avisou.
Lia e eu seguimos a mulher em completo silêncio,
sendo quebrado somente por alguns cumprimentos que ela
fazia conforme caminhávamos por dentro da Faculdade de
Letras da UFRJ. Minha cabeça parecia estar enlouquecida
com uma confusão generalizada de pensamentos. E a
merda do meu estômago parecia estar mais revirado do que
qualquer outra coisa.
Dobramos em um corredor à direita e subimos as
escadas que levavam até o segundo andar. A sala 206 já
tinha perdido a sinalização oficial indicando seu número há
muito tempo, mas alguém tinha escrito com caneta
permanente em uma letra horrível os números na porta.
― Um bom primeiro dia pra vocês. Thomas, o que
precisar, pode me encontrar no departamento ― Alessandra
falou, antes de acenar brevemente e sair andando pelo
corredor. Lia e eu nos encaramos, perdidos um no olhar do
outro pelo que pareceram horas, mas que provavelmente
não passou de segundos.
― Opa, foi mal. ― Um aluno com mochila nas costas
passou entre nós, esbarrando no meu corpo e
interrompendo o momento. Lia piscou algumas vezes e
desviou o olhar para dentro da sala. Vários alunos já
estavam sentados nas suas carteiras, aguardando que a aula
começasse.
― A gente deveria entrar ― minha tutora falou. Que
merda, essa palavra soava muito amarga nos meus
pensamentos. Lia avançou pela porta e se sentou no canto
direito da sala, no primeiro lugar da fileira da frente.
O resto dos alunos pareciam bem jovens, o que fazia
sentido, visto que a minha disciplina era uma matéria
obrigatória para o terceiro período do curso de Letras-
Literatura. Respirei fundo e entrei na sala de aula. Senti os
olhares se desviando na minha direção, mas somente um
deles parecia carregar todo o peso da atenção que eu
recebia.
― Bom dia ― cumprimentei, apoiando minhas coisas
sobre a mesa na frente da sala, em um pequeno tablado que
servia como uma espécie de palco para lecionar.
Algumas alunas que ainda permaneciam em pé,
sentaram na mesma hora. Fingi não ver o sorrisinho que
uma delas colocou no rosto ao me analisar. Nunca dei aula
em faculdade, mas durante minha graduação fui estagiário
em um cursinho pré-vestibular e instituí uma política
rigorosa de jamais me relacionar com alunas. Que ironia
tremenda, não?
― Sejam todos muito bem-vindos a mais um período
letivo. Vocês devem estar se questionando onde está o
professor Armando, que lecionava essa disciplina há tantos
anos… ― Armando tinha sido meu professor quando eu
mesmo estava sentado do outro lado dessa sala de aula. ―
Ele infelizmente precisou passar por uma cirurgia e está se
recuperando bem, em casa. ― Caminhei até o quadro e
peguei uma caneta pilot apoiada para escrever. Escrevi
Thomas Goulart em letras de forma e me virei para encarar
a turma. A mesma garota que me encarava com um
sorrisinho, continuava me observando. ― Meu nome é
Thomas e eu vou ser o professor dessa disciplina pelo menos
pelos próximos 4 semestres. Eu também me formei em
Letras aqui pela UFRJ há alguns anos e fiz meu mestrado em
Ciência da Literatura. ― A mão da garota do sorrisinho se
ergueu no ar. Eu podia apostar que boa coisa não viria. ―
Sim?
― Oi, professor. Meu nome é Bruna e eu sou a
responsável pelo grupo de WhatsApp da nossa turma.
Queria saber se podia pegar seu telefone depois para
colocar no grupo… ― Boa tentativa, Bruna. Mas eu sabia
exatamente com qual finalidade queria meu telefone. Com o
canto de olho, não pude deixar de notar o corpo de Lia se
virando para trás procurando de onde a voz vinha.
― Não será necessário. Todos os informes referentes à
nossa aula serão passados através do meu e-mail
institucional. ― Fui novamente até o quadro e embaixo do
meu nome escrevi goulart.thomas@letras.ufrj.br. ― Além
disso, teremos também durante esse semestre o apoio da
Lia, que é aluna de mestrado e será minha tutora. ― As
cabeças de quase toda a sala se voltaram na direção da
mulher sentada mais isolada na parte da frente. Ela pareceu
engolir em seco, mas manteve uma expressão serena no
rosto. ― Lia, você poderia se apresentar para nós? ― Aquele
nós nunca foi tão real. Eu precisava saber mais sobre ela.
Precisava entender como nós dois fomos parar naquela
situação. Eu só conseguiria me afastar se deixasse de
enxergá-la como a garota dos e-mails e passasse a ver a
aluna por detrás.
Lia se ajeitou na cadeira e inclinou o corpo de lado,
para que pudesse se comunicar comigo e com a turma ao
mesmo tempo.
― Meu nome é Lia. Eu estou no segundo ano do meu
mestrado em Ciência da Literatura. Sou professora de
português, redação e literatura e aspirante a poeta nas
horas vagas. ― Caralho. Eu estava profundamente
arrependido de ter pedido uma apresentação. Lia ainda
escrevia poemas? ― Bom, e agora sou tutora de vocês duas
vezes por semana ― completou.
Fiquei parado. Perdido. Completamente embasbacado
olhando para ela. Só consegui me mover quando seus olhos
voltaram para os meus e eu notei que seu discurso de
apresentação já tinha se finalizado. Tossi, me recompondo e
voltei a encarar a turma.
― O nosso foco, durante esse semestre, vai ser no uso
de recursos estilísticos em literatura. O objetivo é
contextualizar escritores brasileiros e a estilística das suas
obras. ― Fui novamente até o quadro e escrevi algumas
informações à mão. ― Teremos ao longo do período somente
uma avaliação formal, valendo 10 pontos. Contudo, também
teremos uma série de trabalhos que também vão somar
mais 10 pontos.
― Você é um professor rígido, Thomas? ― Ergui os
olhos para ver de onde tinha vindo a pergunta insinuante.
De uma das amigas de Bruna, é claro. Me recostei na mesa e
encarei com uma expressão que não deixava nenhuma
margem para brincadeiras.
― Sou um professor sério. E espero a mesma seriedade
dos meus alunos. ― O sorriso da garota diminuiu no rosto
até desaparecer. ― Bom, apresentações feitas, vamos
começar a nossa aula. ― Abri a tela do notebook e conectei
o projetor. As vantagens de ter sido aluno da instituição era
conhecer cada um dos macetes da UFRJ. Tipo como o
projetor que parecia datado de 1935 precisava de uma
porradinha na lateral para funcionar e expor os meus slides
na tela branca. ― A primeira coisa que precisamos pensar e
discutir é o que é estilística e para que ela serve. Alguém
tem alguma hipótese?
Ninguém levantou a mão, é claro. Mesmo aqueles que
tivessem alguma ideia não iam se arriscar na primeira aula
do período letivo.
― Bom ― continuei. ― A estilística nada mais é do que
o que dá vida a um texto. Ela pode estar relacionada com a
fonética, sintaxe, morfologia ou semântica. ― Cliquei no
computador, passando para o próximo slide. ― As figuras de
linguagem são o principal recurso estilístico empregado na
maioria das obras literárias. Alguém pode dar exemplo? ―
Mais uma vez, a turma inteira permaneceu calada. Virei
meu rosto na direção de Lia. Ela me encarava em retorno, os
lábios fixos em uma linha fina. ― Lia, você pode me ajudar?
― Ela nem piscou antes de abrir a boca e acabar comigo:
― “Amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e
não se sente. É um contentamento descontente, é dor que
desatina sem doer.” Antítese. ― Nossos olhos continuaram
presos um no outro e eu balancei a cabeça devagar,
assentindo.
― Perfeito. ― Passei o computador para o próximo slide.
― Na grande maioria, se não em todas as poesias que
conhecemos, encontraremos pelo menos uma figura de
linguagem. Como em “Vi uma estrela tão alta, vi uma
estrela tão fria! Vi uma estrela luzindo na minha vida vazia.”
― Dessa vez, ao invés de sugerir que alguém se
prontificasse a me responder, apontei para algum dos
alunos da turma. ― Você. Qual figura de linguagem você
acredita que Manuel Bandeira fez uso? ― O garoto se mexeu
desconfortável na cadeira e gaguejou antes de conseguir
responder.
― Prosopopeia? ― Abri um sorriso satisfeito com a
resposta e cliquei no computador.
― “E na gente deu o hábito de caminhar pelas trevas,
de murmurar entre as pregas, de tirar leite das pedras, de
ver o tempo correr.” ― li em voz alta um trecho da canção
de Chico Buarque. ― Você. ― Apontei para uma menina
sentada no fundo da sala.
― Metáfora. Sou fã de Rosa dos Ventos ― acrescentou,
citando o nome da música.
― Muito bom ― elogiei. Passei para o último slide de
exemplo. ― “E um doce vento, que se erguera, punha nas
folhas alagadas e lustrosas um frêmito alegre e doce.” ―
Apontei para Bruna, que praticamente desde o início da aula
não parecia prestar a devida atenção. ― Bruna.
Ela piscou algumas vezes, surpresa de ouvir seu nome
sendo chamado. Colocou um sorriso sem graça no rosto e
encarou o slide, lendo o trecho pela primeira vez.
― Ahn… Eufemismo? ― chutou. Desviei o rosto e
encarei o restante da turma com uma expressão séria.
― Alguém quer fazer outra tentativa? ― O silêncio
reinou. Virei de costas para passar o slide e apresentar a
resposta correta, mas antes que eu clicasse no botão, uma
voz ressoou pela sala. A mesma voz que tinha gemido meu
nome há algumas horas.
― Sinestesia. Quando é feito uma relação entre planos
sensoriais diferentes. ― Virei devagar e a fitei. Linda.
Inteligente. Confiante. Por que caralhos precisava estar
sentada naquela cadeira como a porra de uma aluna?
― Exatamente. Uma das figuras de linguagem mais
belas, na minha opinião. ― Sentia meu coração bater em
cada parte do meu corpo e um conflito permear minha
mente. Eu precisava esquecer a noite passada. Porra, eu
precisava esquecer a última semana inteira. Cada um
daqueles e-mails.
Continuei a aula, focado em me concentrar e passar de
forma adequada tudo que eu tinha planejado. Estar na UFRJ
como professor era um sonho. Era algo que eu tinha
desejado com muito afinco. Eu sabia de cada uma das
responsabilidades que isso me trazia. E mais ainda: sabia de
cada uma das regras.
― Por hoje é só. Na próxima aula daremos continuidade
às figuras de linguagem e vou combinar com vocês o
cronograma e tema das aulas ao longo do semestre. ―
Minha fala deu o aval para que cada aluno começasse a
arrumar os seus próprios pertences e saírem da sala. Olhei
para Lia, que só carregava a mesma bolsa do encontro de
ontem à noite. ― Lia ― chamei. Ela me encarou, os olhos
levemente arregalados. ― Queria falar com você sobre…
hm… a tutoria. ― Ela balançou a cabeça assentindo e voltou
a se sentar.
Esperei ansioso o resto da turma sair e caminhei até a
porta da sala de aula, encostando e deixando nós dois
completamente sozinhos. Ela se levantou e se aproximou de
mim.
― Thomas, eu…
― Lia… ― falamos ao mesmo tempo. Sorri e fiz um
gesto para que ela continuasse. ― Desculpe, você primeiro.
― Não, você ― insistiu. Balancei em concordância e
respirei fundo.
― Acho que vamos precisar deixar a última semana no
passado. ― Era melhor assim, arrancar o band-aid de uma
vez. ― Eu mal posso acreditar na coincidência terrível que
foi o dia de hoje, mas… Não podemos continuar o que quer
que a gente tenha começado, Lia. ― Ela abriu os lábios,
pressionando de volta um contra o outro e me lembrando
automaticamente da sensação de como era ter sua boca
macia em volta do meu pau.
― Eu sei. Essa tutoria é muito importante pra mim,
Thomas. Acho que as coisas entre nós sempre foram casuais
mesmo, certo? ― falou. Eu sabia que ela estava tentando
convencer a nós dois, mas eu não iria mentir.
― Não, não foram. Eu e você… ― Suspirei, tomado
pelas memórias da noite anterior. ― Foi longe de ser casual,
Lia. Mas a gente vai aprender a lidar com isso. Eu sou seu
professor.
― E eu sou sua aluna ― devolveu. ― Acho que nossa
relação deve ser estritamente profissional a partir de agora.
― Balancei a cabeça em concordância.
― Deve. ― Nos encaramos emudecidos por vários
segundos, quase como se quiséssemos nos despedir da
versão não profissional de nós mesmos. Lutei contra a
minha vontade excruciante de puxá-la na minha direção. De
colocar um beijo na ponta do seu nariz.
― Estou liberada agora? ― perguntou.
― Está. ― Ela caminhou até a porta da sala e a abriu,
mas não sem antes se virar e completar:
― A gente se vê, professor.
E de todas as formas como eu imaginei o meu primeiro
dia de trabalho, em nenhuma delas me imaginei com o pau
duro pela minha tutora. Mas foi exatamente o que
aconteceu.
11. Lia

“Agitado” nem começa a explicar como meu dia estava


sendo. E ainda era meio-dia.
De todas as pessoas do mundo para quem eu poderia
mandar um e-mail bêbada, me tornar uma espécie de
amiga virtual e ter uma noite inesquecível de sexo, tinha
que ser logo com o cara que vai ser meu chefe pelo próximo
semestre? Quais chances disso acontecer com uma pessoa?
E por que, dentre todas as mais de 7 bilhões de pessoas do
mundo, o destino me escolheu para viver isso?
Tirei meu celular do fundo da bolsa, pela primeira vez
durante o dia, para responder as mensagens acumuladas.
Mamãe e papai me desejaram um ótimo primeiro dia de
trabalho e me disseram que ligariam à noite para que eu
contasse, em detalhes, como tinha sido. Infelizmente teria
que omitir para o senhor e senhora Bellini a parte em que
transei com meu novo chefe.
A próxima conversa que abri foi a com minha prima.

Jade: Boa foda, prima. Amanhã a gnt se fala!


Jade: Bom dia, querida prima, como foi seu date?
Jade: Me diz que tirou uma foto dele escondido, por
favor! Quero ver o gato!
Jade: Lia, já são quase 10h da manhã e nenhuma
notícia sua.
Jade: Preciso ligar pra polícia?
Jade: Dê um sinal de vida!!!
Jade: Cheguei na facul e vi seu carro no
estacionamento, pelo menos sei que vc está viva. Mas
poderia ter me mandado a porra de uma mensagem!
Lia: Foi mal, prima. Está tdo certo! Foi uma manhã
corrida…
Jade: Vc é uma puta! Porra, eu fiquei preocupada.
Lia: Te amo tbm, sua vaca!
Jade: Eu vou te amar mais qdo vc me contar todos os
detalhes. Gostoso? Cheiroso? Tamanho do pau? Fode bem?
Lia: Vc faz muitas perguntas. Acabei de sair da aula,
quer almoçar? Aí te conto pessoalmente
Jade: Te encontro no Bistrô em 5 minutos

E, como prometido, Jade já estava me esperando em


frente ao restaurante quando cheguei. Assim que me viu,
arregalou os olhos e abriu um sorriso que eu conhecia bem.
Ela estava sedenta por fofoca.
― Pelo amor de Deus, me conta como foi seu encontro
com o famoso Thomas Gou…
― Shiu! Não fala esse nome em voz alta ― pedi,
olhando ao redor para me certificar de que ninguém tinha
percebido.
― Por que não podemos falar o nome de você-sabe-
quem? Por favor, não me diga que ele na verdade é um
cuzão e que nós, ou melhor, eu, terei que arrancar as bolas
do babaca do e-mail…
― Vamos arrumar uma mesa, sentar e eu te conto
tudo. Com detalhes.
― Essa porra de suspense está me matando ―
reclamou ao entrar no restaurante.
Pegamos nossos pratos no balcão de mármore e
seguimos até o buffet para nos servir. Abri um sorriso
quando notei que era dia de bifinho de soja no cardápio,
uma das minhas comidas preferidas. Peguei dois e coloquei
no prato. Apesar de não ser vegana nem nada do tipo, cresci
com dois tios que são e que sempre nos incentivaram a
experimentar essas comidas. Terminei de me servir e, depois
de pagar pela comida, avistei uma mesa um pouco afastada
das demais para me sentar com Jade.
― Pronto, pode começar a falar ― minha prima disse
antes mesmo de sentar na cadeira à minha frente. ― Por
que não gostamos do Lord Voldemort? ― A encarei com as
sobrancelhas erguidas.
― Lord Voldemort? ― questionei.
― Aquele-que-não-deve-ser-nomeado. Você-sabe-quem.
Fala sério, Lia, você nunca leu Harry Potter? ― É claro que eu
tinha lido, mas estava tão aérea com todos os
acontecimentos que acabei não pegando a referência de
primeira.
― A gente não odeia o Lord Voldemort ― expliquei. ―
Acontece que o Lorde das Trevas é professor da Hermione
Granger. Os dois tiveram uma noite de sexo deliciosa,
incrível, inesquecível e na manhã seguintes descobriram
que eram professor e aluno.
― Lia, que porra de comida você colocou no prato?
Você comeu um daqueles brisadeiros e agora tá chapada?
― O Thomas ― sussurrei o nome tão baixo que eu
mesma quase não ouvi. ― é o Lord. Eu sou a Hermione
Granger. ― Demorou alguns segundos para que os
neurônios da minha prima fizessem as sinapses necessárias
para entender o que eu havia dito.
― Puta que pariu, Lia! Vo… Quer dizer, a Hermione é
aluna do cara com quem ela transou?
― Exatamente isso. E agora nós não podemos sonhar
em ter nada de novo porque é contra as regras de Hogwarts.
Se o Dumbledore descobrir esse romance, Jade, vai ser um
caos.
― Então quer dizer que a noite foi boa o suficiente
para você querer mais, priminha? ― perguntou, ignorando
solenemente todo o resto.
― O Lord Voldemort sabe usar a varinha como
ninguém ― contei.
― E o tamanho dessa varinha é…
― Um ótimo tamanho, prima. Encaixa perfeitamente
na mão… E em outras partes do corpo. ― Memória da noite
passada invadiram meu cérebro sem serem solicitadas.
― Ele dá aula de quê? ― Jade quis saber,
interrompendo a espécie de filme pornô que estava
acontecendo dentro da minha cabeça.
― Linguagem e sentido.
― Peraí… Essa não é uma matéria da graduação? ―
Assenti.
― É a matéria da qual sou tutora ― falei. ― Eu vou
auxiliar ele durante todo o semestre.
― Ah, Lia! Tutora não é a mesma coisa de ser aluna. E
você é, tecnicamente, aluna de mestrado. Por que isso seria
um problema?
― Porque a tutoria não deixa de ser uma aula. No final
do semestre, quem vai me dar a nota final para passar ou
não na disciplina de Didática é ele. Então, tecnicamente,
sou sim aluna dele.
― Que droga! ― bufou. Ela deu um gole em seu suco
de laranja enquanto pensava sobre algo. ― É tão injusto
duas almas gêmeas não poderem se amar por causa de
regras bobas de uma instituição.
― Almas gêmeas? ― Soltei uma risada. ― Desde
quando você é uma romântica incurável, Jade?
― Não é porque gosto de beijar várias bocas que não
sou romântica, prima. ― Ela não tentou sequer esconder o
tom de deboche em sua voz. ― Só estou buscando minha
alma gêmea enquanto beijo várias bocas por aí. Unindo o
útil ao agradável. E, por mim, ela pode demorar a aparecer.
Estou muito feliz solteira à procura dela.
― Aposto que não vai demorar muito pra você enjoar
da vida de solteira. ― Jade fez o sinal da cruz, como se
estivesse se protegendo do que eu havia acabado de dizer.
― Credo, Lia, vira essa boca pra lá. E não estamos aqui
para falar de mim e sim de você. Sabe, viver um romance
proibido é super legal também. A adrenalina deixa a gente
com mais tesão. Os livros estão aí para provar isso. Você,
como estudante de Literatura, deveria saber disso melhor do
que ninguém.
― Me diz um livro onde um romance proibido deu
certo.
― Romeu e Julieta ― disse, sem pensar muito. Logo
em seguida, bateu na própria testa ao perceber a burrada
que havia dito.
― Péssimo exemplo ― impliquei.
― Foi mal, falei sem pensar. Essa música de fundo
também não ajudou nada ― Jade falou apontando para a
caixinha de som disposta na parede, de onde saía a música
Love Story da Taylor Swift. ― Mas certamente tem um livro
ou filme onde o casal que não podia se amar é feliz no final.
― Bom, eu não sou uma mocinha de romance de livro,
Jade. Na vida real, as coisas não são assim.
― E o que vocês pretendem fazer então? Fingir que
nada aconteceu?
― Acho que nenhum de nós conseguiria fingir isso.
Nós conversamos e decidimos que não vamos deixar uma
noite de sexo casual…
― Uma noite incrível de sexo casual ― ela me
interrompeu.
― Que seja. Não vamos deixar esse evento atrapalhar
nosso trabalho.
― E você está bem com essa decisão? ― Óbvio que eu
não estava. Eu queria mais de Thomas. Muito mais.
― Estou ― menti.
― Ainda bem que você não é atriz. Você seria péssima.
― Revirei os olhos.
― Eu não tenho outra opção. Preciso só aceitar que
não vai rolar e seguir em frente com minha vida. Vão ser só
duas aulas por semana durante seis meses. Vai passar
rapidinho. ― Dizem que uma mentira contada muitas vezes
acaba virando uma verdade. Eu estava torcendo para que
quem quer tenha inventado isso estivesse certo.
― Você está muito fodida ― minha prima disse.
Não rebati porque, no fundo, Jade está certa. Eu estou
mesmo fodida. E o pior: nem é da forma como eu gostaria.
Depois do almoço com Jade, fui para minha aula do
mestrado. Não consegui focar direito em quase nada do que
a professora dizia. Era como se minha cabeça estivesse em
um looping infinito de pensamentos sobre Thomas. Que
merda!
Quando a aula acabou e caminhei até o
estacionamento para pegar meu carro, notei que o veículo
de Thomas já não estava mais lá. Uma pitada de tristeza
invadiu meu coração. Dirigi até em casa e, assim que
coloquei meus pés no apartamento, fui direto para o
banheiro tomar um banho e me livrar das roupas da noite
passada. Essa parte era fácil. Difícil seria me livrar das
memórias de tudo que vivi. Elas não iriam sair da minha
cabeça tão cedo.
Mais tarde, quando meu celular tocou na bancada da
cozinha, nem foi preciso olhar a tela para saber quem estava
me ligando.
― Me conta tudo, princesa! ― A voz de papai soou
pelo apartamento assim que atendi a chamada de vídeo.
― Eu trouxe até batata frita para comer enquanto isso
― mamãe disse, colocando um prato repleto da sua comida
favorita em frente à câmera.
― Foi incrível, pessoal. Acho que nunca me senti tão
realizada ― comecei a contar. Passamos quase meia hora
conversando, meus pais não paravam de fazer perguntas
sobre a tutoria.
― Falamos com seu irmão mais cedo. Ele reclamou
que você está sumida ― minha mãe comentou, antes de
enfiar uma batatinha dentro da boca. Senti meu estômago
roncando.
― Heitor é um exagerado, mãe. Deve ter uns dois dias
desde que fiz uma chamada de vídeo com ele. E hoje meu
dia foi corrido, não dei conta de responder os 342 memes
que ele me encaminhou nas redes sociais ― Ela soltou uma
risada.
― Ele com certeza puxou seu padrinho, Lia. Nem eu e
nem seu pai somos dramáticos assim. ― Dessa vez, foi o
papai que riu. ― Por que você está rindo, Victor? ― Mamãe
perguntou em tom acusatório.
― Nada não, minha linda. Você é perfeita ― Papai
respondeu e, logo em seguida, a puxou em sua direção para
depositar um beijo em seus lábios.
Será que, assim como eles, eu teria a sorte de achar
alguém que, mesmo depois de anos juntos, continuaria me
amando na mesma intensidade? Que não se enjoaria de
mim? Que não se incomodaria com meus defeitos?
― Filha, você está parecendo cansada. Vamos desligar
e deixar você descansar ― papai falou e eu abri um sorriso.
― Estou com saudades de vocês!
― Também estamos, princesinha. Mas também
estamos muito orgulhosos de tudo que você está
conquistando ― ele falou.
― Amamos você, Lia. Se cuida. Come direitinho e não
aceite coisas de pessoas estranhas. E lembra de levar o
guarda-chuva na bolsa sempre.
― Pode deixar, senhora Bellini. Tchau, pessoal.
Também amo vocês ― disse antes de desligar.

Terça era um dia tranquilo. Eu tinha a manhã livre e,


apenas no final da tarde, dava aulas particulares para Luigi,
um menino do terceiro ano do ensino médio que sonhava
em cursar medicina, mas era péssimo em redação. Pelo
menos era, até eu entrar em sua vida alguns meses atrás.
Depois do café da manhã, sentei em frente ao meu
notebook e tentei escrever algo. Eu aproveitava todos os
horários vagos para compor poesias. Nos meus sonhos mais
loucos, conseguiria assinar meu primeiro contrato de
publicação assim que me formasse no mestrado. A chance
era de uma em um milhão, mas não custava nada acreditar
que poderia dar certo.
Abri um novo documento e comecei a pensar no que
poderia escrever. Mas, horas depois, o arquivo permanecia
em branco. Geralmente, gostava de escrever sobre o que
estava sentindo. Era catártico. Libertador. Mas estava me
sentindo tão confusa por dentro que não conseguia sequer
organizar meus pensamentos para transformá-los em frases
compreensíveis.
Por que toda essa confusão com Thomas mexia tanto
comigo? A gente tinha conversado por e-mail durante uma
semana e se visto apenas uma vez. Era para ser apenas uma
noite de sexo casual, mesmo antes da bomba de quem ele
era estourar. Se essa era uma história com início, meio e fim
desde o dia um, por que eu continuo querendo escrevê-la?
Por que eu sinto que preciso escrevê-la?
Cansada de encarar a parede em tom rosa pastel do
meu escritório, decidi que precisava de uma mudança de
cenário. Estar imersa em um ambiente novo muitas vezes
me ajuda a sair do bloqueio criativo. Eu teria que ir para
Laranjeiras, onde Luigi morava, de qualquer forma. Talvez
fosse uma boa ideia sair de casa mais cedo e ficar em algum
café por lá tentando trabalhar. Eu sempre adorei cafés, de
qualquer forma.
Troquei de roupa, coloquei meu computador dentro da
mochila e joguei o endereço de Luigi no google maps para
descobrir qual o café mais próximo da sua casa. Um lugar
com o nome de Capitu Café logo chamou minha atenção
pelo nome. E, sem pensar muito, entrei no carro e dirigi até
lá.
Uma placa na porta do estabelecimento informava que
o local costumava ser a casa em que Machado de Assis viveu
por 25 anos, até a sua morte. Bom, isso por si só já era
motivo para ter inspiração, certo? Apesar de pequeno, o
lugar era muito aconchegante e não estava cheio quando
cheguei, embora estivesse em horário de almoço.
Uma das paredes era repleta de páginas com trechos
das mais diferentes obras do autor. Eu estava pronta para
deixar a energia de Machado de Assis presente ali me
inspirar a escrever. Encontrei uma mesa para duas pessoas
no cantinho, onde ninguém me incomodaria, e me sentei
em uma das cadeiras de madeira. Enquanto meu
computador ligava, a garçonete veio anotar meu pedido. Eu
ainda não estava com muita fome, então pedi apenas uma
vitamina de banana ao leite com aveia. Mais tarde, antes da
aula, eu comeria um sanduíche.

Palavras são poderosas


Elas podem fazer você se encantar
Ou desencantar
Na mesma intensidade

Eu primeiro me encantei por suas palavras


E depois pelo seu sorriso
Pela cor dos seus olhos brilhantes
E pela forma como gemeu meu nome

E também foram palavras


Que fizeram meu mundo desabar
Quando tudo que eu mais queria
Era de novo te encontrar

E agora sou apenas uma garota


Ansiosa por ouvir suas palavras
Esperando por uma mensagem
Que nunca irá chegar

Uma hora depois eu já tinha conseguido compor


algumas coisas. Um poema completo, algumas frases soltas.
Ter vindo parar nesse café foi, sem dúvida, a melhor ideia
que eu havia tido. Eu estava prestes a começar a escrever
uma frase que tinha surgido do nada na minha cabeça
quando uma notificação de uma nova mensagem de e-mail
apareceu no canto inferior esquerdo da tela do meu
notebook.
Queria dizer que meu coração não tinha dado um pulo
dentro do peito ao ler o nome de Thomas, mas aí eu seria
uma grande mentirosa.

De: goulart.thomas@letras.ufrj.br
Para: lia.lopesb@letras.ufrj.br
Assunto: Cronograma Tutoria

Oi, Lia!
Estou enviando em anexo o cronograma com os temas
das aulas do semestre. Como você sabe, é preciso que você
dê algumas aulas da disciplina para compor sua nota final
do mestrado. A primeira delas será na semana que vem e o
tema escolhido foi recursos estilísticos presentes na obra de
Machado de Assis. A obra em questão você poderá escolher
a que gostar mais ou se sentir mais confortável explicando.
Mas, pelo que vi na aula de ontem, você não terá problemas
nenhum em dar essa aula, Liazinha.
Qualquer dúvida, pode entrar em contato comigo por
esse e-mail. Ou por WhatsApp, você já tem meu número.
Nos vemos na próxima aula.
Thomas.

Obs: Será que posso continuar te chamando de


Liazinha por e-mail? Eu meio que já estava acostumado e é
estranho chamar você de senhorita Lopes Bellini depois de…
Você sabe… Tudo que aconteceu. Você não concorda
comigo? Sei que devemos manter o profissionalismo, mas,
de verdade, não acho que seja falta de ética te chamar
assim. Afinal, somos colegas de trabalho, certo? E colegas
têm apelidos uns para os outros.

Quais as chances da minha primeira aula ter como


tema Machado de Assis e eu descobrir isso enquanto estou
em um café que surgiu como uma homenagem ao escritor?
Eu estava prestes a apertar o botão de responder quando
uma sombra surgiu bem na minha frente e uma pessoa
pigarreou.
― Posso me sentar aqui? ― Senti meu coração
acelerar dentro do peito. Péssimo sinal, Lia. Não precisava
sequer levantar minha cabeça para saber a quem aquela
voz pertencia ou que o dono dela possuía olhos verdes da
cor do mar que estavam me observando. Eu conseguia
sentir seu olhar queimando minha pele.
― Cl-claro ― respondi, encarando-o pela primeira vez.
Thomas usava calça jeans e uma camisa azul que o deixava
ainda mais lindo. Droga, Lia. Você não pode deixar seus
pensamentos irem nessa direção! ― Se não for causar um…
desconforto ― falei.
― Acho que estamos distantes demais da UFRJ para
sermos pegos ― disse, dando de ombros. Em seguida,
apoiou o copo de café que segurava na mesa e puxou a
cadeira à minha frente para sentar-se. ― E, se algum
conhecido aparecer aqui, podemos apenas dizer que
estamos organizando sua próxima aula na minha disciplina
― ele disse apontando para o meu computador aberto. ―
Professores fazem isso com seus alunos o tempo inteiro.
― Falando nisso, acabei de ler seu e-mail. Eu estava
prestes a responder quando você apareceu.
― Que coincidência! ― respondeu, dando um gole no
líquido quente em seu copo. Muitas coincidências estavam
mesmo acontecendo nos últimos dias. Se existe alguma
espécie de destino, ele não deveria ser muito meu fã. Pelo
menos não parecia. ― Você vem sempre aqui?
― Na verdade, é a primeira vez. Eu dou aula de
redação para um menino que mora aqui perto e decidi
passar um tempo aqui antes de ir para lá. Gosto de visitar
cafés para trabalhar de vez em quando. É…
― Inspirador ― Thomas completou, tirando as palavras
da minha boca. ― Conheço o sentimento. Foi assim que
conheci o Capitu Café. E o fato de ter sido inspirado em
Machado de Assis me chamou atenção também. O que você
achou do tema da sua aula?
― Eu adorei, mas não decidi ainda sobre qual obra
falar.
― Qual a sua preferida?
― Eu gosto muito de A mão e a Luva, mas não mais do
que Dom Casmurro. Também sou uma grande fã das
poesias.
― “Teus olhos são meus livros. Que livro há aí melhor,
em que melhor se leia a página do amor?” ― recitou,
olhando em meus olhos, o trecho de uma poesia já bastante
conhecida por mim.
― “Flores me são teus lábios. Onde há mais bela flor,
em que melhor se beba o bálsamo do amor?” ― completei.
― Minha mãe é uma grande fã desse poema, e, não sei o
porquê, mas vivia recitando-o para mim enquanto eu
crescia. Foi fácil decorar ― expliquei.
― Acho que sei o motivo ― respondeu. Senti um frio
se instalar em minha barriga. Talvez a vitamina de banana
não estivesse dentro da validade. ― Então Machado é o
poeta favorito da sua mãe? ― Soltei uma risada.
― A poetisa preferida da senhora Bellini é Taylor Swift.
Machado de Assis vem em segundo lugar ― brinquei.
Thomas me encarou confuso.
― Não conheço essa poetisa. ― Dessa vez, eu que o
encarei boquiaberta. Como alguém não conhecia Taylor
Swift?
― “Minha mente esquece de me lembrar que você é
uma má ideia. Você me tocou uma vez e isso realmente
significou algo. Você descobriu que sou ainda melhor do que
você pensou que eu fosse” ― recitei, em português, um dos
meus trechos preferidos de Sparks Fly, uma das minhas
músicas favoritas. Só depois de falar em voz alta que
percebi o quanto aquele pedaço combinava com a história
de nós dois.
― É, acho que realmente não a conheço ― Thomas
concluiu. Eu dei uma risadinha baixa.
― Ela é uma cantora, Thomas. Minha mãe é muito fã
dela e eu cresci sendo educada nos caminhos da Taylor
Swift. Caso contrário, era capaz de eu ser deserdada ―
comentei.
― Ah, agora faz mais sentido. Minha mãe é assim com
As crônicas de Nárnia. Acho que ela ficaria muito
decepcionada se eu não gostasse do livro.
Eu queria perguntar mais sobre a mãe de Thomas e
sobre qualquer coisa que me fizesse conhecê-lo ainda mais.
Mas… Eu sabia que esse era um caminho perigoso. Um
caminho que eu não deveria, eu não podia, atravessar. O
silêncio reinou em nossa mesa por alguns segundos e, se eu
pudesse ler mentes, aposto que descobriria que dentro da
cabeça dele esses questionamentos também estavam
presentes.
― Você deveria falar sobre Dom Casmurro ― sugeriu,
quebrando o silêncio. ― Você disse que é o que você mais
gosta.
― Você não acha batido demais? ― questionei.
― É uma obra clássica, Lia. Nunca vai ser batido
demais. E, no final, esse assunto sempre rende aquela velha
conhecida discussão: Capitu traiu ou não traiu Bentinho?
― Claro que não traiu ― respondi, assumindo minha
pose de advogada de Capitu. ― O livro é narrado pelo ponto
de vista dele. A gente tem apenas a visão de um homem
com ciúmes, uma visão embaçada da história. Em nenhum
momento é relatada uma conduta de Capitu que corrobore
com esse pensamento. Vai me dizer que você discorda? ―
disse em um tom acusatório.
― Eu concordo com você ― respondeu, rindo. ― Acho
que Bentinho só viu o que queria ver.
― É exatamente isso! ― respondi empolgada.
― Você já tem seu tema, Lia. Há vários recursos
estilísticos em Dom Casmurro: ironia, hipérbole, antítese,
eufemismo ― citou. ― Tenho certeza que você montará uma
aula que deixará os alunos, e a mim, encantados.
Eu não me sentia facilmente pressionada ou nervosa
com assuntos relacionados a minha competência
profissional. Mas agora, com Thomas dizendo essas coisas
para mim… Senti uma ansiedade até então desconhecida
tomar conta de mim. Eu só… Não quero decepcioná-lo.
― Você não vai me decepcionar, Lia. ― O encarei com
a sobrancelha erguida, em um questionamento silencioso.
― Você disse que não queria me decepcionar. ― Droga! Eu
tinha dito aquilo em voz alta? Senti meu rosto esquentar e
tenho certeza que fiquei em cinquenta tons diferentes de
vermelho. ― Você não vai. Tenho certeza.
Thomas olhou o relógio no pulso e levantou-se da
cadeira.
― Preciso ir. Nos vemos na aula! Até mais, Lia.
― Até mais… ― Antes que ele se afastasse muito,
chamei seu nome mais uma vez. ― Você pode me chamar
de Liazinha nos e-mails. Eu… meio que gosto também ―
admiti. Ele abriu um sorriso e meneou a cabeça em
concordância antes de ir embora de vez.
Talvez nós dois pudéssemos ser amigos, no final das
contas.
12. Thomas
― Fala, parceiro! ― a voz de João me cumprimentou
assim que saí do carro. O meu amigo, como sempre, usava
roupas esportivas, apito pendurado no pescoço e segurava
sua fiel bola de futebol. ― Te mandei mensagem e você não
respondeu, resolvi dar uma passadinha por aqui antes de ir
pro campo treinar.
― Foi mal, irmão. Eu estava dirigindo e não mexi no
celular ― expliquei.
― Eu estava querendo te pedir um favor, na verdade.
Lembra que você comentou comigo que fazia Jiu Jitsu? ―
Assenti. ― Sabrina colocou na cabeça que devemos tentar
praticar esportes novos e como nós dois nunca fizemos
aulas de lutas marciais, queríamos começar a testar por aí.
Na academia que você treina tem algum tipo de aula
experimental?
― Pra vocês dois? Com certeza. Vantagens de ser o
sobrinho de um dos sócios do lugar ― brinquei. ― Amanhã é
dia de treino. O que vocês acham de dar uma passadinha
por lá?
― Parece perfeito. Vou falar com ela e te mando uma
mensagem confirmando.
― Vai ser divertido dividir o tatame com vocês. Vamos
almoçar juntos hoje? ― sugeri.
― Bora, irmão. Me avisa quando sua aula terminar ―
pediu antes de seguir seu caminho.
Entrei no prédio de Letras e caminhei diretamente
para a sala onde minhas aulas aconteciam. Hoje, na
verdade, a responsável pela classe seria Lia. Parte de mim
estava bastante ansioso, de uma maneira positiva, para vê-
la em ação. Eu adorava perceber o brilho no olhar da minha
tutora todas as vezes que ela falava de um assunto que
tanto amava. Assim que cheguei a porta da sala, observei
pelo pequeno retângulo de vidro que havia ali enquanto Lia
dava uns tapinhas no projetor para fazê-lo funcionar.
― Máquina estúpida! ― Consegui ouvi-la reclamar
assim que entrei no espaço.
― Bate na lateral ― falei. Lia deu um pulo, levando a
mão automaticamente para o peito, parecendo assustada
com minha presença. ― Dá uma batidinha na lateral que ele
pega ― expliquei mais uma vez. A garota fez o que eu havia
sugerido e não demorou muito para a imagem que estava
em seu notebook ser refletida no quadro.
― Valeu pela dica. Estou há vários minutos tentando.
― Um tapa bem dado sempre funciona. ― Só depois
que notei as bochechas de Lia corando percebi o duplo
sentido da frase que havia falado. ― Como você está se
sentindo? ― A pupila da minha tutora estava levemente
dilatada e eu tinha certeza que isso não estava relacionado
ao fato dela ser a responsável pela aula de hoje. ― Com a
aula… ― completei. Ela soltou um longo suspiro antes de
responder.
― Modéstia à parte, acho que ficou bem incrível.
Espero que eles gostem.
― Não tem como não gostar de ouvir você falando, Lia
― disse.
Senti o clima entre nós mudando. Era como se
estivéssemos prestes a cruzar uma linha muito perigosa,
mas, por sorte, os primeiros alunos começaram a entrar na
sala, dispersando assim algo que nem tinha começado
direito.
Quando a turma estava completa, Lia começou sua
apresentação.
― Oi, pessoal. Para quem não me conhece ainda, eu
sou a Lia, tutora dessa disciplina. Hoje nossa aula terá como
tema recursos estilísticos presentes na obra de Machado de
Assis. ― Lia passou para o slide seguinte, que explicava de
forma sucinta quem era o autor e falava um pouco dos seus
livros. ― O que vocês acham da gente fazer um jogo? ―
perguntou.
― Como assim um jogo durante a aula? ― Bruna
perguntou em um claro tom de voz de julgamento, como se
aquele espaço de aprendizado não pudesse ser também um
local para diversão.
― Eu pensei em fazer uma aula mais dinâmica,
menos… Engessada. Uma coisa diferente e divertida. Mas,
para isso, preciso que vocês topem participar. Vocês topam?
― Sim ― ouvi várias vozes responderam. Com exceção
de Bruna, que parecia murmurar que aquilo era uma
palhaçada, todos os alunos pareciam animados para o que
quer que Lia estivesse aprontando.
― Ótimo ― ela apertou uma tecla em seu computador
e página inicial de um site chamado Lahoot! apareceu na
tela. ― Primeiro, preciso que vocês acessem esse site e
façam login usando esse número de acesso que aparece na
tela. A internet do meu celular está liberada e vocês podem
se conectar a ela, caso não tenham dados móveis. Alguém
aqui já conhece essa plataforma? ― Algumas poucas
pessoas levantaram as mãos. ― O Lahoot! é uma espécie de
quiz online. Eu vou mostrar alguns trechos escritos por
Machado de Assis e vocês terão que assinalar qual figura de
linguagem o autor usou naquele trecho. O jogador mais
rápido pontua mais. E, no final, o grande vencedor receberá
um prêmio.
― Qual o prêmio, professora? ― um dos meninos
perguntou.
― Que tal um ponto a mais na média final? ― sugeriu,
olhando pra mim e abrindo um sorriso. A turma ficou em
polvorosa e, bom, não tinha como negar.
― Acho uma excelente ideia ― falei. ― Mas não vale
copiar a resposta do colega do lado. Teremos apenas um
vencedor!
― Todos preparados? ― Quando recebeu a
confirmação, Lia começou o jogo. ― Trecho um: “os amigos
que me restam são de data recente; todos os antigos foram
estudar a geologia dos campos santos”.
Lia esperou os segundos necessários para que todos
respondessem e, quando o tempo acabou, passou para a
página seguinte onde a resposta certa se destacava no meio
das outras. Alguns alunos comemoravam por terem
acertado, enquanto outros reclamavam por não saberem a
resposta correta.
― Acertou quem disse eufemismo. Esse recurso é
empregado quando queremos fazer uso de termos mais
agradáveis para suavizar uma expressão. No trecho que
acabamos de ver, por exemplo, Machado quis atenuar o fato
de que seus amigos estavam mortos.
Minha tutora continuou a brincadeira e eu observava
cada movimento dela. Era notório o quanto Lia já tinha
conquistado cada aluno presente ali. Nunca os tinha visto
tão participativos em uma aula.
― Alguém quer explicar o que significa Antítese? ―
perguntou em determinado momento. Evelin, uma das
meninas que sempre se sentava perto da janela, levantou a
mão para responder.
― É a oposição de ideias de sentido contrário ―
começou a falar. Mas não consegui ouvir o restante da
explicação porque o sussurro dos dois alunos sentados atrás
de mim capturou minha atenção.
― Ela já é gostosa de boca fechada, mas explicando a
matéria assim… Porra, fica mais ainda ― um deles falou.
― Queria ser aluno dela, sabe onde? Entre quatro
paredes ― o segundo respondeu, fazendo o colega rir.
Senti meu sangue ferver com a falta de respeito dos
dois por Lia e, impulsivamente, virei-me para trás para
repreendê-los.
― Se vocês continuarem com os comentários
desnecessários sobre a professora Lia, serei obrigado a
retirá-los dessa aula. Ou melhor, dessa disciplina. Esse
comportamento não será tolerado por mim. Prestem
atenção no conteúdo que ela está ensinando e apenas nisso.
― Os dois me encaravam com expressão de medo. Era
exatamente isso que eu queria. ― Fui claro o suficiente?
― Sim, senhor.
― Ótimo. Agora, prestem atenção na aula e façam
comentários apenas sobre o que está sendo explicado.
― Algum problema, professor Thomas? ― Lia
perguntou em nossa direção.
― Tudo certo, Lia. Os alunos só estavam tirando uma
dúvida ― falei.
― Da próxima vocês que vocês tiverem dúvidas podem
levantar a mão e perguntar diretamente para mim. Aliás,
esse recado serve para todos. Não fiquem com medo de
atrapalhar a aula, porque vocês não irão ― avisou.
― Pode deixar, professora ― um dos garotos atrás de
mim respondeu.
― Então vamos para a penúltima pergunta do nosso
jogo.
― Mas já? Passou tão rápido ― uma das alunas
protestou.
― Prometo que na próxima aula que eu vier dar, trarei
mais ― Lia disse, com um sorriso de satisfação no rosto. ―
Trecho número 7: “A notícia de que ela vivia alegre, quando
eu chorava todas as noites, produziu-me aquele efeito,
acompanhado de um bater de coração, tão violento, que
ainda agora cuido ouvi-lo.”
Lia esperou até que todos respondessem em seus
telefones para seguir para a página com a resposta.
― Hipérbole? ― Bruna questionou. ― Achei que era
metáfora. ― Lia negou com a cabeça.
― No trecho “acompanhado de um bater de coração,
tão violento, que ainda agora cuido ouvi-lo” podemos notar
um exagero na expressão de seu sentimento de ciúme e dor.
A figura de linguagem que retrata o exagero é a hipérbole.
Lia projetou na tela o último slide, que perguntava
qual o nome da obra de Machado de Assis de onde os
trechos usados na brincadeira tinham sido retirados. Apenas
três alunos acertaram a resposta, Dom Casmurro.
― Quantos aqui já leram o livro? ― perguntei e fiquei
surpreso ao ver todos com suas mãos levantadas.
― Qual sua opinião sobre a polêmica do livro, profe? ―
Bruna, é claro, foi quem perguntou. ― Capitu traiu ou não
traiu? ― Antes que eu respondesse, Evelin decidiu falar.
― É claro que não traiu!
― É claro que traiu ― um dos garotos que fez o
comentário sobre Lia mais cedo falou.
― Não viaja, Marcelo. Bentinho estava com dor de
cotovelo e, por isso, faz de tudo pra gente acreditar que
Capitu fez algo que ela não fez. Não há provas que ela traiu!
― Evelin rebateu.
― Sem provas não há crime ― brincou outra aluna.
― Eu concordo com Marcelo. Capitu certamente era
uma mulher vulgar e interesseira. Não conseguiu se
controlar e pegou Escobar sim ― Bruna opinou.
― Você não pode estar falando sério! ― Giovana
entrou no debate. ― O problema é que Machado de Assis
era obcecado por escrever sobre mulheres que traem.
― Tive uma ideia ― disse, me levantando da cadeira e
me colocando em frente a turma. ― Já que nosso tempo de
aula está chegando ao fim, por hoje, mas vocês estão
animados com o tema, proponho que façamos um debate
na próxima aula. Dividam-se em dois grupos. Um deles vai
defender Bentinho, ou seja, terá que nos provar que houve
traição por parte da Capitu. O outro grupo vai defender
Capitu, provando que a moça é inocente. O que acham?
Os alunos aprovaram a ideia e usaram os minutos
finais da aula para dividirem-se em grupos, de acordo com o
que acreditavam que tinha acontecido na história.
― Profe, se isso vai ser um tribunal, quem será o juiz?
― Bruna perguntou.
― A Lia, é claro.
― Eu?
― Foi você quem começou tudo isso, Lia. Topa?
― Sim. Claro que sim.
― Perfeito. Nos vemos na próxima aula, pessoal.

João estava parado em frente a porta da academia


exatamente no horário marcado. Ele conversava tão
animado com uma mulher, que eu suspeitava ser Sabrina,
sua esposa, que nem reparou quando me aproximei deles.
― Boa noite, pessoal! ― falei. ― Você deve ser a
Sabrina, João fala muito de você. Eu sou o…
― Thomas Goulart! Eu não acredito que você é amigo
de um famoso e não me contou. Isso não se faz, João. É
motivo para divórcio!
― Eu não sabia que o Thomas era famoso ― defendeu-
se.
― Bom, eu também não fazia ideia ― falei.
― Você tá brincando? Thomas é um escritor fantástico.
― Virando-se para mim, continuou. ― Eu simplesmente
amo Todas as palavras que nunca te disse, devo ter lido esse
seu livro umas 158 vezes. Não estou exagerando.
― Então hoje é seu dia de sorte, Sabrina… ― Mexi na
bolsa para pegar o exemplar autografado do meu livro que
havia guardado ali mais cedo. ― Eu ia te dar isso no final,
mas acho que você vai gostar de receber agora. O João me
contou que você era fã de poesia e eu trouxe um desses
para você. ― Entreguei o livro em sua mão. ― Não fazia
ideia que você já me conhecia.
― É autografado? ― Assenti. ― Ai, meu Deus! Eu
amei. Acho que vamos de releitura número 159 ― brincou.
― Animados para a aula de Jiu Jitsu? ― quis saber.
― Porra, demais. A gente estava olhando os alunos da
turma anterior treinarem e parecia bem divertido.
― Será que eles vendem quimono na cor rosa? Isso
com certeza me faria ficar ainda mais animada ― Sabrina
disse quando entramos na recepção da academia, onde
existia uma lojinha com vários quimonos e faixas
penduradas na vitrine.
― A gente manda fazer um especialmente pra você,
amor ― o marido a respondeu.
Sempre gostei de observar o romance alheio, seja em
filmes, livros, seriados ou na vida real. Acredito que tenha
sido um efeito colateral de por ter sido criado no meio de
vários casais tão apaixonados quanto os da ficção. Mas,
infelizmente, nos últimos dias eu vinha sentindo meu
coração apertado sempre que via casais se amando. Eu
repetia para mim mesmo que isso não tinha nada a ver com
os últimos acontecimentos da minha vida amorosa, mas
estava fazendo um péssimo trabalho em me convencer
disso.
Depois de passar pela recepcionista e pegar
emprestado quimonos para a aula experimental, nós três
caminhamos até a sala onde as aulas aconteciam. Hoje o tio
Arthur não estava presente, infelizmente, mas o professor
Rui era quase tão bom quanto ele. Trocamos nossas roupas e
ajudei meus amigos a colocar a faixa de maneira correta.
― Há quanto tempo você treina, Thomas? ― Sabrina
quis saber.
― Comecei quando eu tinha por volta de uns 7 anos ―
respondi. ― Isso significa que tenho quase 20 anos de
treino.
― Isso é tempo pra caralho. Não vou lutar com você
hoje ― brincou João.
Rui entrou na sala pronto para começar a aula. Ao
notar os rostos novos ao meu lado, logo veio se apresentar e
explicar o básico do esporte. Em seguida, começamos o
aquecimento. Assim como eu, o casal não era sedentário.
Mais cedo Sabrina havia me contado que fazia aulas de
Ballet Fitness, além de treinar na academia com o marido.
Isso ajudou com que os dois passassem pela primeira etapa
do treino tranquilamente.
Enquanto eu treinava com Dani, que tinha se tornado
uma boa amiga depois do nosso encontro um tempo atrás,
Rui ensinava a João e a Sabrina a famosa técnica do mata-
leão. A mulher parecia empolgadíssima ao imitar os
movimentos do professor no próprio marido.
― A aula foi sensacional ― ouvi Sabrina dizer ao
professor no final, enquanto todos os alunos já arrumavam
suas coisas para sair.
― A gente com certeza vai tentar se encaixar em
alguma das suas aulas ― garantiu João.
― Fico feliz que tenham gostado, pessoal. Espero vê-
los na próxima semana!
Depois de trocarmos de roupa e passarmos na loja da
academia para comprar quimonos para os dois, João me
chamou para jantar com eles em um restaurante que ficava
no caminho para minha casa. Eu aceitei.
― Já veio aqui antes? ― meu amigo perguntou.
― Não, mas essas fotos do cardápio parecem
apetitosas ― falei.
― Você precisa experimentar o risoto de filé mignon
com pupunha e tomate-cereja. É divino ― Sabrina sugeriu.
A garçonete veio anotar nossos pedidos e a minha
nova amiga abriu um sorriso de satisfação ao ouvir que eu
comeria exatamente o que ela havia sugerido. Sabrina
decidiu provar o risoto de carne seca com queijo coalho e
João o de peito de peru com requeijão.
― Parceiro, você precisa ir ao jogo da Atlética na
semana que vem.
― Não sabia que os Jogos Universitários já tinham
começado ― falei. Eu adorava assistir as partidas,
especialmente contra o time da PUC, nossos maiores rivais.
― Vamos jogar um amistoso contra o Niteroiense. Na
verdade, quero transformar o Atlética em um time amador,
não apenas um time universitário. Esse amistoso vai nos
ajudar nessa transição.
― Eu nem sabia que existia time de futebol amador ―
falei. Apesar de gostar de esportes, futebol não é muito a
minha praia.
― Não só existe como também é o berço de grandes
talentos. Vai ser uma ótima oportunidade de dar visibilidade
pros rapazes, principalmente pros que querem seguir
carreira profissional. Você precisa vê-los em ação, Thomas. O
camisa 9 é sensacional e tem muito futuro. Aposto todas
minhas fichas que o nome dele será muito conhecido um
dia.
― Onde será o primeiro jogo?
― Sábado às 18 horas no Estádio Caio Martins, em
Niterói.
― Conte comigo lá ― prometi.
― Vou separar um ingresso pra você.
O resto do jantar transcorreu super bem,
principalmente porque a companhia de João e Sabrina era
divertida e leve. Voltei para casa desejando que o final de
semana chegasse logo. Talvez uma mudança de cenário
fosse exatamente o que eu precisava para tirar certas coisas
da minha cabeça.
13. Lia

Fingir que não existe


Até que se esqueça
Impedir que se lembre
Até que desvaneça
Tentar disfarçar
Fingir que não se importa
Apertar o peito
E pelas brechas transborda
Será que as gotas
Se transformam em tempestade?
Será que uma história
Aguenta a saudade?

― Então você vai ser uma espécie de juíza? ― Jade


perguntou enquanto aplicava blush nas maçãs do meu
rosto.
― Exatamente isso. Eu vou precisar ser neutra e ver
qual dos grupos apresenta o argumento da forma mais
correta ― expliquei.
― Parece divertido. Essa coisa de ser tutora te deixa
poderosa, prima! ― Soltei uma risada. ― Uma pena que
você não pode continuar sentando no professor gostoso.
Esse era um grande revés da minha função, de fato.
Thomas parecia ficar mais gostoso a cada aula ou cada vez
que eu esbarrava com ele pelos corredores. Às vezes achava
que nós dois estávamos sendo idiotas. Lutando contra uma
atração poderosa que crescia cada vez mais e que talvez
fosse explodir num futuro próximo. Mas eu sabia que ele
tinha razão. Era arriscado colocarmos nossas carreiras em
risco por conta de uma noite casual. “Não foi casual, Lia.”
Merda, eu praticamente conseguia escutar a voz dele
sussurrando dentro da minha cabeça.
― Tá pronta, dá uma olhadinha. ― Jade girou minha
cadeira de rodinhas e me colocou de frente para o espelho.
Observei a maquiagem rápida que ela tinha feito em mim.
Suave e natural, do jeito que eu gostava.
― Tá perfeito. ― Abri um sorriso satisfeito. ― Você
arrasa, Jadinha! ― Minha prima arqueou os ombros num
gesto de falsa modéstia.
― Agora levanta essa bunda que não quero me atrasar
pro primeiro jogo do ano. ― Levantei da cadeira e conferi
minha roupa no espelho antes de sairmos.
Descemos as escadas até a garagem do prédio e Jade
ocupou o assento ao meu lado, puxando o cinto de
segurança e tirando o celular do bolso.
― Vou avisar pra Aurora que estamos a caminho. Ela ia
guardar lugar pra gente na frente. Vantagens de ter o irmão
como capitão do time ― comentou.
― E esse tal irmão? Já conheceu? ― Jade balançou a
cabeça em negativa.
― Ainda não, espero conhecer hoje. ― Dei a partida no
carro, saindo em direção ao nosso destino final.
― Qual a graça de um jogo que não tá valendo nada?
― Eu não entendia muito de futebol, mas me parecia
estranho cobrar ingresso e jogar para um público sem estar
valendo absolutamente nada.
― Ver os jogadores gostosos e minhas potenciais
presas ― Jade brincou. A gargalhada escapou da minha
garganta.
― Isso eu sei, mas quis dizer para os times em si e
outros espectadores. Quer dizer, a galera da UFRJ vai se
despencar para Niterói. ― O time da Atlética da UFRJ iria
disputar uma partida amistosa contra o Niteroiense, um
time de futebol amador do Rio de Janeiro. Eu nem sabia que
existia algo tipo futebol amador!
― Eu ouvi um burburinho nos corredores de que
depois dos Jogos Universitários, o treinador pensa em
transformar a Atlética em um clube amador também. Talvez
esses jogos sirvam pra algo nesse sentido. ― Aquilo ainda
não fazia o menor sentido na minha cabeça, mas eu
também não estava tão interessada em saber as respostas.
Seguimos o longo trajeto até o estádio Caio Martins
pegando trânsito em algumas porções específicas do
percurso. O jogo estava previsto para começar às 18h e
conseguimos estacionar exatamente às 17h32. Ótimo,
assim teríamos tempo de entrar com calma, encontrar
Aurora e talvez eu ainda conseguisse ir ao banheiro antes do
início do primeiro tempo.
― Toma, esse é o seu ingresso e aqui tá o quilo de
alimento não perecível que eles estão recolhendo na
entrada para doação.
Peguei nas mãos os dois itens e me posicionei atrás da
minha prima na pequena fila de entrada do local. Uma
mulher me pediu para abrir a bolsa e me revistou com as
mãos, antes de permitir minha entrada no estádio. Grudei
meu braço ao de Jade.
― Tá mais cheio do que eu esperava ― comentei.
― Tem gente de fora que veio assistir, olha. ―
Acompanhei para onde ela apontava, onde alguns homens
na faixa dos quarenta anos pareciam conversar com o
treinador novo do time da Atlética. ― Vem, vamos encontrar
com a Aurora.
― Eu preciso muito ir fazer xixi e o banheiro feminino é
logo ali. Vai indo e eu já te encontro por lá! ― Jade assentiu
e seguiu em direção aos assentos bem em frente ao campo.
Nas beiradas do gramado, os jogadores pareciam fazer uma
espécie de aquecimento antes do jogo começar.
Entrei no banheiro e consegui aproveitar o fato de que
ainda tinham rolos de papéis higiênicos disponíveis. Eu
podia apostar que no intervalo não teria a mesma sorte.
Caminhei para o lado de fora e puxei o celular do bolso,
encontrando uma mensagem de Jade na tela indicando
exatamente onde ela e Aurora estavam sentadas. Estava tão
distraída que nem percebi quando meu corpo foi de
encontro ao de outra pessoa.
― Desculpa, eu estava… ― comecei, erguendo os olhos
da tela do meu telefone para encontrar os mesmos olhos
verdes que eu encontrava em pensamentos pervertidos
quase todos os dias.
― Lia. Parece que a gente gosta de se esbarrar por aí.
― Thomas em roupas esportivas era uma visão tão boa
quanto Thomas vestido de blusa social para o trabalho. Só
não era melhor do que Thomas completamente pelado com
a cabeça entre as minhas…
― Não imaginei te encontrar por aqui, professor. ― A
palavra escapou da minha boca sem que eu conseguisse
controlar. Thomas fechou os olhos quase como se sentisse
dor física.
― Porra, Lia, ouvir você me chamando assim é agridoce
pra caralho. ― Senti meu rosto esquentar com o significado
que eu sabia estar por trás daquelas palavras e dei um
passo à frente, ficando mais perto dele. Que droga eu estava
fazendo?
― É um fã de futebol? ― perguntei, indicando o estádio
com a cabeça.
― Sim e não. Gosto de futebol, mas não foi por isso que
vim. O novo treinador é meu amigo ― explicou. Abri a boca
em uma exclamação de compreensão. ― Mas agora estou
ainda mais feliz de ter vindo. ― Senti meu coração disparar
dentro do peito e um sorriso vacilante tomou meu rosto. ― E
você?
― Eu também estou ainda mais feliz de ter vindo ―
assumi. Thomas deu um sorriso aberto e seus olhos
brilharam.
― Eu quis dizer se você é fã de futebol. ― Ótimo, agora
eu queria enfiar minha cabeça no gramado e só tirar quando
o jogo acabasse. ― Mas fico feliz de saber que alegrei sua
noite, Liazinha.
― Ah… ― Desviei o olhar. ― Não sou fã, mas minha
prima me arrastou. Ela disse que eu precisava sair de casa
depois de ficar a semana inteira focada nas minhas aulas
como tutora.
― E como está a preparação para ser nossa juíza no
debate? ― perguntou.
― Acho que estou bem. Preparada. ― Thomas sorriu.
― Você vai se sair bem, meritíssima ― brincou. Ouvi-lo
me chamar por um pronome de tratamento ativou minha
memória da última vez que usou algo parecido. Majestade.
Logo depois que tirei minha boca do seu pau lindo.
Empertiguei meu corpo, me sentindo mais fogosa do
que normalmente me sentia. Eu sabia que tínhamos
combinado que nosso caso tinha ficado no passado, mas eu
só… não conseguia resistir.
― Pensando bem… Talvez eu pudesse treinar um pouco
das minhas deliberações antes da aula. Você estaria
disponível? ― Thomas parecia ter sido pego de surpresa.
― Ahn… Claro. É pra isso que eu sirvo, certo? Te
ensinar? ― Deixei que meus lábios se curvassem para cima.
― Que tal às 9h30 na minha sala?
― Vai ser ótimo, Thomas. Obrigada. ― Senti minha
respiração travar, nossos olhos focados um no outro.
Deus, eu estaria completamente a sós com ele por 30
minutos antes da nossa próxima aula. Onde eu estava com a
cabeça? Isso poderia dar muito, muito errado. Balancei a
cabeça, tentando retomar um pouco do meu juízo
aparentemente perdido.
― Acho melhor eu ir. Minha prima deve estar
preocupada com a minha demora ― falei. Ele balançou a
cabeça afirmativamente, sem tirar os olhos de cima de mim.
― Oi, professor! ― uma voz masculina atraiu nossa
atenção, cumprimentando ao longe. Era um dos alunos da
turma de Linguagem e Sentido que segurava um dos copos
de alumínio com a logo do curso de Letras já cheio de
cerveja até a boca.
Thomas pareceu se recompor com aquele pequeno
lembrete de que estávamos em um lugar público. De que
ele era meu professor e eu a sua tutora. De que tudo isso
entre a gente era errado em muitos níveis.
― Eu também vou sentar no lugar que João reservou
pra mim. ― Concordei e ergui a mão rapidamente em um
tchauzinho.
― A gente se vê na sala de aula. ― Até que ponto isso
seria bom, eu não fazia a menor ideia.
Caminhei até os assentos na arquibancada, pedindo
licença entre as pessoas que ainda vagavam em outras
partes do estádio. Jade e Aurora conversavam sobre alguma
coisa, mas o semblante da minha prima entregava que algo
estava levemente errado. Cumprimentei a sua colega de
quarto e ocupei o lugar vazio ao lado de Jade.
Suguei um pouco do refrigerante que ela segurava e
aproveitei para sussurrar no seu ouvido:
― O que rolou? ― Ela virou de frente para mim e
indicou o campo com a cabeça, onde os jogadores agora já
com o uniforme oficial conversavam com o treinador na
beira do campo.
― Tá vendo o número 9? ― Procurei pela pessoa
indicada. De costas, não era ninguém reconhecível, só um
garoto alto de cabelo claro com a roupa do time e a
braçadeira de capitão.
― O que tem?
― É o irmão da Aurora ― Jade falou, como se aquilo
devesse significar alguma coisa.
― Legal? ― Ela bufou e sussurrou ainda mais baixo.
― É o gostoso da churrasqueira. Da festa. Da pegada
que quase me fez gozar.
― Espera aí. Você pegou o gostoso da churrasqueira
que por acaso é o irmão da Aurora e o tal capitão do time da
Atlética? ― confirmei, para tentar entender o que estava
acontecendo.
― Exatamente. E quero pegar de novo. Aurora disse
que vai apresentar a gente depois do jogo, num after que
vai ter na casa deles. Você quer ir?
― Dessa vez, não. Quero ir pra casa e terminar de
estudar o que preciso pra aula. ― Respirei fundo e olhei para
os dois lados, conferindo quem estava por perto. ― Por falar
nisso… Encontrei com aquele-que-não-deve-ser-nomeado.
― Aqui? E aí? ― Jade arregalou os olhos azuis.
― E aí que eu devo ter perdido a cabeça. Vou encontrar
com ele na sala 30 minutos antes da aula. Nós dois.
Sozinhos. ― Minha prima abriu um sorriso satisfeito.
― Ai, eu estou amando acompanhar de camarote esse
romance proibido! ― Revirei os olhos.
― Não tem nada de romance, eu só vou treinar a minha
deliberação. ― Quem eu estava querendo enganar? Nem eu
mesma acreditava nisso. Jade deu uma risada irônica.
― Claro. Estou louca pra saber como serão suas
deliberações, prima.

Eu não deveria ter me preocupado em me arrumar


tanto. Eu não deveria ter passado um dia inteiro planejando
meticulosamente o que eu usaria, tanto de roupa quanto de
lingerie. Eu não deveria ter passado meu perfume com
cheiro de morango. Eu não deveria ter aplicado um gloss
que sabia que deixava minha boca sexy e parecendo maior.
E eu decididamente não deveria estar sentindo minha
calcinha mais molhada e pesada a cada passo que eu dava
em direção a sala de Linguagem e Sentido.
Olhei rapidamente pela janelinha e vi Thomas sentado
em frente ao computador parecendo digitar algo
concentrado. Sua testa estava franzida com uma expressão
de atenção que me fazia querer colocar um beijo bem no
meio daquela linha fina. Não, Lia, isso é errado! Errado,
errado, errado.
Ajeitei minha postura e bati na porta duas vezes. Seu
olhar se ergueu vindo na minha direção e ele
imediatamente fechou a tela do computador. Uma voz
perigosa no fundo da minha mente me questionou como
seria se ele estivesse escrevendo sobre mim. Será que
Thomas tinha composto algo pensando na gente?
― Pode entrar ― anunciou, me encarando através da
porta. Girei a maçaneta sentindo meu coração bater mais
rápido dentro do peito.
― Bom dia, Thomas ― cumprimentei fechando a porta
atrás de mim. Caminhei devagar até a mesa à sua frente.
― Bom dia, Lia. Você parece nervosa. É pela
apresentação? ― perguntou, com um sorrisinho de canto na
boca. Ergui uma sobrancelha, puxando a cadeira para me
sentar.
― Pelo que mais seria? ― provoquei.
O olhar do meu professor que até aquele minuto
parecia estar nos meus olhos, desceu. Bem devagar. Mirando
minha boca como se quisesse provar. Entreabri meus lábios,
testando o quanto de efeito eu ainda tinha sobre ele. Droga,
Lia, isso é errado em tantos níveis! Então por que perceber
sua postura se desconcentrar me deixava tão acesa?
Thomas tossiu, tentando retomar algum controle sobre
a situação.
― Acho que os dois grupos hoje estarão bem firmes nas
suas argumentações. Dom Casmurro é um tema sempre
muito polêmico ― comentou, mudando de assunto.
― Acho que por isso é a maior obra da nossa literatura.
Praticamente todo mundo conhece, ainda que possam
nunca ter lido. ― Ele assentiu.
― Eu concordo com você, embora minha obra favorita
seja Capitães de Areia.
― “Mesmo não sabendo que era amor, sentiam que era
bom” ― recitei. Senti seus olhos verdes queimarem sobre
mim, como cada vez que a palavra amor saía da minha
boca.
― É uma fã também?
― Minha mãe sempre gostou de Jorge Amado.
― Sua mãe parece ter um ótimo gosto ― falou.
Inevitavelmente uma imagem de Thomas conhecendo meus
pais apareceu na minha cabeça.
― Ela tem. Foi quem me incentivou desde sempre a
estudar Literatura. ― As memórias de Dona Elisa Bellini me
presenteando com todos os livros que eu demonstrava
interesse encheram a minha mente. Eu sentia muita falta
dos momentos em família que cresci tendo.
― Ela também é professora? ― Neguei com a cabeça.
― Psicóloga. E meu pai é médico.
― Em Itaperuna ― completou. Arregalei os olhos de
leve.
― Você lembra. ― A afirmação era mais para mim
mesma do que para ele. Um alerta de que mesmo fingindo
que o que aconteceu entre nós não existia, não tinha como
impedir que escapasse pelas brechas.
― É claro que eu lembro, Lia. Lembro de todos os e-
mails. ― Pisquei algumas vezes tão absorta por ele que
esqueci onde estávamos, quem éramos e o que era certo e
errado. Tão desesperada que quase inclinei minha boca e
coloquei um beijo na ponta do seu nariz, do mesmo jeito
que ele tinha feito comigo.
Deus! Por que ele continuava me afetando desse jeito?
Thomas se sentia do mesmo jeito que eu? Como se
estivéssemos tentando escapar de algo inevitável?
Senti seu rosto se aproximar e também me inclinei para
frente. Estávamos mais próximos do que era aceitável para
um professor e tutora e eu não dava a mínima. Ele não
parecia dar a mínima. Talvez a gente pudesse dar um jeito.
Só era proibido se alguém descobrisse, certo?
― Thomas, talvez a gente… ― Mas antes que eu
pudesse concluir o que nem eu mesma sabia que ia falar,
duas batidas soaram na porta da sala e alguém abriu de
uma vez.
De todas as pessoas que eu imaginava que entrariam
ali e interromperiam meu momento com Thomas, meu ex-
namorado era o último.
― Lili! ― exclamou, com um sorriso largo como se
estivesse realmente feliz por me encontrar. ― Estava te
procurando! ― Ele nem deu atenção ao fato de que outra
pessoa estava na sala. De que um professor estava na sala.
― O que você quer, Jhonas? ― Assim que o nome saiu
dos meus lábios, Thomas endireitou a postura. Suas mãos se
fecharam sobre a mesa e ele parecia fuzilar meu ex com os
olhos.
Jhonas abriu a bolsa que carregava e tirou um batom de
dentro.
― Achei perdido na gaveta do meu quarto e achei que
você deveria estar sentindo falta. ― Ele colocou o item na
minha mão e eu olhei a embalagem. Eu não tinha e nem
nunca tive um batom daquela marca. Desviei o olhar e
estiquei de volta para ele, sentindo a dor de ser feita de
trouxa por meses me atingir de novo.
― Não é meu. ― Eu nem precisava olhar para perceber
que Jhonas parecia sinceramente confuso.
― Não? Então deve ser da…
― Jhonas, eu estou ocupada. ― Thomas se levantou e
cruzou os braços, parecendo muito maior que meu ex-
namorado ainda que fossem poucos centímetros de
diferença. Mas tudo na sua postura indicava poder.
― Lia e eu estamos trabalhando. Você poderia nos dar
licença? ― Sua voz soou grave e altiva. Jhonas olhou para
ele como se estivesse vendo-o pela primeira vez.
― Ah, tudo bem, então. A gente se vê por aí, Lili. ― Não
respondi. Nem mesmo me virei para vê-lo saindo da sala.
Deixei que um suspiro saísse da minha boca e apoiei o
rosto nas mãos. Ouvi Thomas puxar a cadeira e se sentar na
minha frente de novo.
― Então esse é o Jhonas.
― Infelizmente ― falei.
― Você ainda sente algo por ele? ― Aquela pergunta
me pegou desprevenida. Ergui o rosto e olhei para o seu
semblante.
― Isso é ciúmes? ― insinuei, um sorriso provocador
surgindo no meu rosto. Eu já nem lembrava mais que o
idiota do meu ex tinha entrado aqui e esfregado mais uma
das suas traições na minha cara.
― Sentir ciúmes seria inadequado ― desconversou,
tentando retomar o rumo da conversa. ― Eu sou seu
professor.
― Seria inadequado se descobrissem ― declarei. Senti
o espaço entre as minhas pernas pulsar e pressionei uma
coxa contra a outra. Thomas fechou os olhos como se
estivesse sentindo dor física.
― Lia, nós não podemos… ― Desviei o meu olhar,
tentando colocar um pouco de consciência na minha
cabeça.
― Eu sei. Me desculpa, eu devo ter enlouquecido para
sugerir algo assim. ― Afastei minha cadeira, tentando
colocar uma mínima distância entre nós. Olhei a hora no
meu celular. ― A aula já vai começar. Eu ocupei seu tempo e
acabei não treinando nada da minha deliberação.
― Eu gosto de passar qualquer tempo com você,
mesmo como seu professor. ― Forcei um sorriso.
A primeira aluna entrou na turma às 10h em ponto. Aos
poucos a sala foi enchendo e os dois grupos se formando
nas extremidades da sala. Toda a turma parecia empenhada
nesse trabalho, em ganhar o debate. Assumi a frente da
sala, subindo no pequeno palco de madeira.
― Pessoal, nosso debate vai acontecer da seguinte
forma: vamos começar com a acusação e depois a defesa
terá a chance de apresentar seus argumentos. No final, a
juíza, eu, decidirá quem melhor argumentou e qual a
sentença de Capitu. ― Os alunos estavam tão animados
quanto eu. Cada grupo selecionou um representante para
agir como o advogado de acusação e defesa e ser o portador
da argumentação. ― Acusação, vocês estão prontos? ―
perguntei. Bruna, a porta-voz do grupo assentiu. ― Então
pode começar.
― Antes de mais nada, precisamos relembrar quem era
Capitu. Capitu era uma mulher dissimulada, como nos é
apresentado no trecho “olhos de cigana oblíqua e
dissimulada” ― começou, enunciando o trecho mais famoso
e clichê da obra de Machado de Assis. ― Todos que a
conhecem relatam o quanto a mulher é boa em manipular.
Além disso, quando os dois se separam, ela nem sequer liga
para essa separação. Ela fica 100% nem aí e o coitado do
Bentinho sofrendo. E por último, temos o fato incontestável
de que há uma semelhança gigante entre Ezequiel, o filho
do Bentinho e da Capitu, com Escobar, o homem com quem
temos certeza que ela o traiu. Ela ainda por cima chora
horrores no enterro dele, mostrando que alguma coisa com
certeza estava rolando entre os dois. Concluindo, Capitu
traiu sim Bentinho. ― O restante do grupo aplaudiu a
argumentação de Bruna e ela sorriu com o desempenho.
Anotei no meu próprio caderno algumas observações para
comentar no final de tudo, mas confesso que esperava
argumentos mais inovadores.
― Defesa, é a vez de vocês. ― Ludmila, a aluna
escolhida como representante, assumiu um lugar à frente.
― Queremos começar diferente. Não vamos falar sobre
a Capitu, mas sim sobre o Bentinho. Bento Santiago era um
homem da elite carioca do século XIX formado em direito e
com excelente poder de argumentação. É ele quem narra e
é o protagonista de toda a história de Dom Casmurro. Isto é,
toda e qualquer interpretação e até descrição colocada ali
advém da visão do próprio Bentinho e não dos fatos em si.
― Ludmila estava muito bem preparada, apresentando os
argumentos com muita clareza. ― Quanto ao fato de que é
dito no livro que Ezequiel se parecia com Escobar, isso é
verdade. ― Bruna colocou um sorriso vitorioso no rosto. ― O
que você esqueceu de mencionar é que Ezequiel imitava
todo mundo quando era criança e naturalmente acabaria
imitando pessoas com quem tinha mais proximidade, que
era o caso de Escobar, já que ele era melhor amigo do seu
pai. Sobre Capitu ter chorado no enterro de Escobar, eu
confesso nem entender porque isso seria um argumento,
visto que é completamente natural chorar no enterro de
pessoas que você gosta. Será que o Escobar tinha se
envolvido então com todos que choraram no seu enterro?
Por último, acho que é relevante trazermos à tona que Dom
Casmurro tem inúmeras referências à Otelo, de
Shakespeare, onde Otelo tem o olhar enviesado por um
ciúmes doentio e mata a própria mulher, descobrindo tarde
demais que ela não a havia traído. Na cena em que Betinho
sai de casa reflexivo sobre a possível traição de Capitu,
adivinhem qual peça de teatro ele assiste? Pois é, Otelo.
Com isso, concluímos que Capitu não traiu Bentinho.
Contive a euforia com o final da argumentação de
Ludmila. A menina tinha sido brilhante. Não só apresentou
os argumentos já clássicos de defesa da Capitu, como
também realizou uma intertextualidade com outra obra
clássica. Minha decisão como juíza tinha sido mais fácil do
que eu imaginava.
― Ótimo trabalho, pessoal ― Thomas elogiou. ― Fico
feliz que ambos os grupos tenham se dedicado para fazer
esse debate acontecer. Meritíssima, você está pronta para a
deliberação final? ― perguntou, virando-se para mim.
Assenti com a cabeça e me levantei.
― Bom, quero fazer das palavras do professor Thomas
as minhas. Parabéns pelo desempenho de vocês. Dito isso,
quero começar a dizer que de fato Capitu era sim uma
mulher dissimulada. Ela é descrita dessa forma não só pelo
nosso narrador não-confiável como por várias pessoas que
passam pelo seu caminho. Contudo, é importante ressaltar
que Capitu era desse jeito porque estava inserida num
contexto do século XIX no qual as mulheres dificilmente
conseguiam alguma coisa na vida. Ela percebeu que a
sedução era o único caminho para conquistar algum poder,
ter alguma voz.
― Mas isso aí é problema dela. Continua sendo
dissimulada ― Bruna me interrompeu. Virei o rosto na sua
direção, séria.
― Bruna, quando eu estiver falando, não gostaria de ser
interrompida. ― A menina fechou a boca, contrariada. ―
Obrigada. Continuando… Sobre a questão de Capitu chorar
no enterro de Escobar, como a própria defesa argumentou,
isso não só seria uma reação extremamente natural como
ainda assim é apresentada sob o ponto de vista do próprio
Bentinho. Em relação às semelhanças entre o Ezequiel e o
Escobar, de fato é apresentado que o menino desde criança
tinha mania de imitar outras pessoas. E não só isso,
Machado também coloca um outro dado na história sobre
Capitu ser muito parecida com a mãe da sua melhor amiga
Sancha. Não é por acaso, ele queria colocar pistas de que
pessoas com convívio próximo podem sim se tornar
parecidas. Por último… Ludmila, brilhante sua colocação
sobre Otelo. Realmente há inúmeras evidências de que Dom
Casmurro e Otelo possuem narrativas semelhantes sobre o
ciúme e que Machado de Assis não teria colocado em sua
obra por mero capricho. ― Encarei os dois grupos da turma.
― Com essas deliberações, declaro que o grupo vencedor foi
o da defesa e que Capitu não traiu Bentinho.
O grupo foi à loucura em sala de aula, como se
tivessem ganhado uma final de Copa do Mundo. A acusação,
é claro, não parecia satisfeita com o resultado. Bruna,
especialmente. Eu podia apostar que a garota estava
falando mal de mim no ouvido da colega, mas não dava a
mínima.
Thomas voltou a tomar a frente da turma e encerrou
mais um dia de aula, liberando os alunos da classe. Fiquei
mais uma vez sozinha na sala com ele, arrumando meu
material dentro da minha bolsa.
― Você foi incrível, Lia ― ele elogiou, assim que a porta
se fechou.
― Obrigada. Eu gosto muito de Dom Casmurro, foi
ótimo fazer esse trabalho. Qual vai ser o tema da próxima
aula? ― perguntei curiosa.
― Metáfora.
― Se precisar de ajuda, pode falar com a sua tutora. ―
O pronome possessivo tinha sido colocado ali casualmente,
mas tinha mais significado do que eu gostaria.
― Minha? ― Correspondi ao seu olhar, me mantendo
firme.
― Sua. Não sou tutora de mais ninguém. E sou muito
boa em metáforas também.
― Você é boa em muitas coisas, aparentemente.
― Pode me chamar de rainha da tutoria. ― Thomas
engoliu em seco, com certeza se recordando de que outra
realeza ele já havia me chamado.
Coloquei a bolsa no ombro e caminhei até a porta da
sala, pronta para ir embora. Abri a porta e ele chamou meu
nome na mesma hora.
― Lia? ― Virei meu rosto na sua direção. ― É mais
difícil do que eu pensei. ― Balancei a cabeça devagar,
sabendo exatamente o que ele queria dizer. Eu me sentia do
mesmo jeito.
― Você me perguntou mais cedo se eu ainda sentia
algo pelo Jhonas. ― Thomas ficou em silêncio, parecendo
preocupado com o que sairia da minha boca a seguir. ―
Gratidão. É o que eu sinto por ele.
― Gratidão? ― questionou confuso. Eu concordei.
― Ele me deu uma semana com você. Não com o
Thomas professor de Literatura. Só com o Thomas, meu
amigo de e-mail. ― Ele ficou parado, chocado demais para
responder. ― Até a próxima aula, professor.
14. Thomas

Sempre existe uma linha


A linha do certo e errado
A linha do amo e odeio
A linha do vivo e do morto
A linha do eu e você

Às vezes a linha é clara


Tão definida que você pode tocar
E às vezes a linha é borrada
Tão confusa que não posso evitar

É errado querer você


Mas parece certo te desejar

Nós dois somos embaçados


Emaranhados
Complicados

Andamos numa linha tênue


E não sabemos aonde vai dar
Mas se essa linha me levar até você
Estou disposto a atravessar

Tirar Lia da cabeça se mostrou uma tarefa mais difícil


do que eu imaginava. Porra, tive várias noites casuais com
várias mulheres, por que justamente a que eu queria mais
do que uma noite tinha que ser subordinada a mim? E,
infelizmente, não de um jeito sexual.
Quando encontrei com Lia no primeiro dia de aula eu já
a achava uma garota bastante incrível, mas parecia que a
cada semana que passava me sentia ainda mais atraído. Ela
era inteligente, divertida e parecia sempre me provocar
discretamente de um jeito que me fazia enlouquecer. Como
eu aguentaria, no mínimo, o semestre inteiro sem poder me
aproximar dela? Que merda!
Mas essa carreira… Era o que eu queria. Me tornar
professor, passar adiante meu amor pela literatura. E mais
do que eu, Lia tinha muito a perder caso descobrissem
qualquer coisa sobre nós dois. Colocaria o mestrado dela em
risco e todos os seus futuros planos. Balancei a cabeça e
coloquei a caneta para o lado, satisfeito com o que eu tinha
acabado de escrever. Bebi um gole do café fumegante na
minha xícara e quase o derramei de susto quando o toque
do celular reverberou na sala do meu apartamento. Olhei o
nome do meu pai brilhando na tela.
― Oi, pai ― cumprimentei.
― Oi, filho. Tá ocupado?
― Pra você eu nunca estou. ― Meu pai sempre foi
minha maior inspiração. Apesar de termos personalidades
diferentes, eu tinha plena consciência de que só tinha me
tornado o Thomas que eu era hoje em dia graças a ele.
― Temos uma proposta pra enviar pra uma empresa
muito grande. Se fecharmos o contrato, vai ser importante.
Se eu te mandar o texto oficial, você poderia conferir pra
mim? Você sabe que confio mais na sua opinião do que na
de todos os revisores da empresa.
― Eu devia começar a cobrar por esses serviços ―
brinquei. Meu pai riu do outro lado da linha.
― Que tal um pagamento com uma noite de pai e filho
com nosso whisky preferido na próxima quarta-feira? Sua
mãe e Helô vão sair para uma peça de teatro com as suas
tias e primas.
― Pode contar comigo. Vou levar aqueles amendoins
que você gosta como um complemento. ― Ouvi a risada do
meu pai do outro lado da linha. ― Me envia o documento
por e-mail que até o final do dia eu confiro, tá bom?
― Combinado. Obrigado, Thomas.
― De nada, pai. Até quarta! ― Desliguei a ligação e
conferi as horas no aparelho. Eu precisava tomar um banho
rápido e me arrumar para chegar na UFRJ antes das 9h.
Alessandra, a coordenadora da graduação em Letras-
Literatura, tinha convocado uma reunião de departamento
para alguns avisos importantes. Eu sabia que
tradicionalmente esse tipo de encontro acontecia uma vez
por mês, mas pelo visto, algo fora do esperado tinha
acontecido para gerar mais uma reunião.
Dirigi o percurso que já conhecia como a palma da
minha mão, parando ocasionalmente em alguns pontos
comuns de engarrafamento. Estacionei o carro em uma
vaga livre em frente ao prédio da faculdade de Letras e
instintivamente vaguei com os olhos pelo restante do local
procurando pelo carro de Lia. Mas nem sinal dela por ali.
― Bom dia, bom dia ― cumprimentei, entrando na sala
do departamento já ocupada por alguns colegas. Alessandra
sorriu em um aceno amigável.
― Vamos começar em 10 minutinhos. Só esperar pra
ver se mais alguém chega. ― Ocupei uma das cadeiras
vazias ao lado de um colega que tinha sido meu professor
na graduação. Eu sempre sentia um orgulho enorme dentro
de mim quando me dava conta do caminho que eu tinha
percorrido. ― Bom, pessoal, convoquei essa reunião de
departamento extraordinária porque temos um assunto
importante a tratar. ― Os olhos de todos os professores se
ergueram para encará-la. ― Teremos no próximo mês o
Congresso Nacional de Língua e Literatura em Paraty e
recebemos um e-mail na última sexta-feira informando que
o nosso professor Armando será um dos homenageados do
evento. Como ele ainda está impossibilitado de ir, gostaria
que nos movimentássemos para marcar presença em peso
por lá.
― São quantos dias de evento, Alessandra? ― uma das
professoras perguntou.
― São 3 dias. Quinta, sexta e sábado. Os alunos de
graduação que levarem trabalhos para apresentar têm 50%
de desconto no valor da inscrição e os mestrandos e
doutorandos precisam obrigatoriamente apresentar algum
trabalho com tema a sua escolha. Vocês serão os
responsáveis por orientá-los. ― Minha mente
automaticamente se encheu com a imagem de Lia.
― Como será feita a avaliação desses trabalhos no
congresso? ― perguntei.
― Em um dos turnos do evento, os próprios professores
serão os avaliadores, exceto do seu orientandos, é claro. ―
Balancei a cabeça, assentindo. ― Sei que nem todos têm
condições de ir, mas queria poder contar com pelo menos
alguns de vocês. Quem se candidata?
― Eu quero ir. ― Fui o primeiro a me pronunciar. Na
minha época de faculdade, sempre gostei de congressos.
Amava o clima que misturava viagem com conhecimento.
Eu perdi as contas de quantos pôsteres apresentei e quantos
certificados ganhei por palestras que assisti.
Alguns outros professores se candidataram logo após.
Alessandra pareceu bastante satisfeita com a adesão.
Quando segui para a minha sala de aula, eu só tinha uma
coisa em mente. Puxei meu notebook de dentro da mochila
e coloquei sobre a mesa.

De: goulart.thomas@letras.ufrj.br
Para: lia.lopesb@letras.ufrj.br
Assunto: Congresso

Lia,
Você já deve ter recebido o e-mail da coordenação com
o aviso sobre o Congresso Nacional de Língua e Literatura
que vai acontecer no próximo mês em Paraty. Preciso te
orientar na produção de algum projeto de sua autoria para
apresentação no evento. Sei que estamos com pouco tempo,
mas vamos dar conta. Talvez a gente só precise se encontrar
em horários extras com mais frequência para trabalhar
nisso. Pensando bem, que ótimo então que estamos com
pouco tempo.
Você estaria disponível nessa quarta-feira às 15h?
Thomas

Obs: Você pode pensar em um tema da sua


preferência, tenho certeza que vai ser ótima. Você sempre é
excelente em literatura e, ainda mais, em língua.

O barulho de alguém batendo à porta me despertou da


concentração na tela do meu computador. Ergui os olhos
para a janela de vidro e vi Lia parada com um sorriso do
outro lado. As coisas seriam tão mais fáceis se ela fosse uma
mulher desinteressante. Você jamais se envolveria com uma
mulher desinteressante, Thomas, mesmo que por uma noite
só. Uma voz, muito parecida com a da minha irmã mais
nova, falou no fundo da minha mente.
Acenei para que Lia entrasse. Era possível que eu
conseguisse sentir seu cheiro mesmo à distância? Porque eu
tinha quase certeza que o aroma de morango havia
preenchido minhas narinas no segundo que coloquei meus
olhos nela.
― Boa tarde, Thomas. ― Ela puxou a cadeira do outro
lado da mesa e se sentou. ― Trouxe uma ideia. ― Pelo tom
da sua voz eu podia ter certeza que Lia Bellini estava
empolgada. E se isso não fosse o suficiente, a forma como
suas maçãs do rosto ficaram sobressalentes, quase como se
ela contivesse um sorriso, era um indicativo ainda mais
forte.
Abri um sorriso, me deixando contagiar por ela.
― Qual a sua ideia, Liazinha?
― “A poesia como instrumento de ensino da literatura”.
― Meu sorriso se ampliou levemente. ― Pensei de
apresentar como a poesia pode funcionar de forma didática
para o aprendizado da literatura nos mais variados nichos. E
aí, eu poderia trazer exemplos de rimas simples para o
ensino de crianças, poemas mais complexos para o ensino
de adolescentes e adultos e poesia mais clássica para o
ensino dentro das próprias universidade de Letras pelo
Brasil.
Fiquei em silêncio, com um sorriso bobo no rosto e o
olhar perdido nos seus olhos cor de chocolate.
― O que achou da ideia?
― É perfeita, Lia. Por que você não utiliza poesias
autorais? ― sugeri. A garota arregalou os olhos e negou
automaticamente com a cabeça.
― Eu não gostaria de apresentar meus poemas assim…
Em público. Para serem avaliados. ― Ergui uma
sobrancelha. Tinha tanta coisa sobre ela que eu gostaria de
saber.
― Por que não? Eu já te vi dando aula mais de uma vez
e sei que você não tem nenhuma dificuldade de falar em
público, Liazinha. ― Seus lábios se curvaram para cima em
um sorrisinho.
― Não é por isso. A questão é que escrever pra mim é…
íntimo. É uma declaração, entende? ― Eu entendia. Eu
entendia muito.
― Espero um dia ter a honra de conhecer uma das suas
poesias ― brinquei. ― Quer dizer, você já leu as minhas,
nada mais justo do que eu ler as suas. Você viu meu íntimo,
agora quero ver o seu. ― Eu sabia perfeitamente do duplo
sentido contido em cada uma daquelas frases. E sabia que
era extremamente inapropriado dizer algo assim para uma
aluna, mas eu não conseguia me conter.
― Quem sabe? ― Lia piscou. Aquele simples gesto fez
mais pelo meu corpo do que todas as punhetas que eu já
tinha tocado pensando nela. ― Já foi à Paraty?
― Fui na última FLIP. A cidade é linda. O bom é que
dessa vez eu já vou saber todos os melhores lugares para ir
e não vou ter dor de cabeça com hotel. ― A Feira Literária
Internacional de Paraty era um dos meus eventos favoritos.
Sempre gostei de conhecer novos escritores, especialmente
os mais independentes, e lá parecia o local adequado para
isso.
― Você também vai ficar no hotel do evento? ―
perguntou. Balancei a cabeça em concordância.
― Então nos veremos muito por lá. ― Senti minha
garganta ficar mais seca só de pensar em esbarrar com Lia
tantas vezes por dia. De imaginar que ela estaria dormindo
só há alguns andares ou quartos de distância. Que tortura
infernal!
― Talvez a gente devesse ir juntos ― escapou da minha
boca. Lia entreabriu os lábios parecendo estudar a minha
reação antes de responder. ― Quer dizer, estamos indo para
o mesmo lugar. Podemos economizar e ir em um carro só.
Seu rosto se iluminou em um sorriso. O brilho dela era
tão contagiante que me fazia querer puxá-la na minha
direção e prender entre os meus braços. Que droga! Eu
estava envolvido. Eu estava…
― Acho ótimo. ― Antes que meu cérebro me forçasse a
aceitar uma declaração que eu não podia trazer para a
consciência em nenhuma hipótese, Lia me interrompeu.
― Eu posso passar na sua casa pra te buscar, se você
quiser ― ofereci. Ela desviou os olhos, um sorrisinho
provocador surgindo nos lábios.
― Uma carona entre professor e aluna. Acontece o
tempo todo, certo? ― Seu tom irônico me arrancou uma
risadinha. ― Te mando uma mensagem com o meu
endereço, professor. ― Dessa vez, ela estava oficialmente
me provocando.
― Lia… ― repreendi. A linha tênue entre nós parecia
ficar cada vez mais borrada. E eu temia que a qualquer
momento nós dois ultrapassássemos algum limite.
Antes que ela pudesse continuar a falar, uma batida
soou na porta. Erguemos os olhos para a janelinha de vidro.
― Com licença, professor. Queria tirar uma dúvida
sobre a tarefa para a próxima aula.
Tossi, me recompondo na cadeira e organizando meus
materiais. Fiz sinal para que ele adentrasse e se
aproximasse. Lia começou a recolher os próprios pertences.
― Bom, vou te deixar trabalhar. Tema aprovado, certo?
― perguntou. Prendi meu olhar no dela.
― Sim, mas acredito que vamos precisar nos encontrar
mais uma vez para conferir o progresso do seu trabalho. ―
Ela me deu um sorriso amplo.
― Claro. Até mais, professor.
E mais uma vez, senti como se aquela palavra saindo
da sua boca tivesse uma conotação completamente
diferente da que deveria. Tinha muita coisa que eu gostaria
de ensiná-la, mas estava longe de ser Literatura.

― Você nunca vai usar a chave, não é? ― Meu pai


odiava o fato de que eu não usava a minha chave desde que
saí da casa deles. Contudo, por mais que eu soubesse que
essa sempre seria uma extensão da minha própria casa, não
me sentia confortável de sair abrindo a porta. E além do
mais, eu não queria chegar sem avisar e me deparar com
algum tipo de cena que com certeza me deixaria
traumatizado.
Quando eu tinha uns 9 anos, fiquei sozinho em casa
com a minha avó e abri uma das gavetas do quarto dos
meus pais. Eu não me lembro nem sequer o que estava
procurando, mas me recordo perfeitamente do que
encontrei. Um par de algemas e uma mordaça. Bom, hoje
em dia eu sei que é uma mordaça. Na época, os dois itens
não faziam o menor sentido na minha cabeça.
― Você sabe que prefiro tocar a campainha, pai ―
devolvi. Henrique Goulart me cumprimentou com uma
abraço breve e cedeu espaço para que eu passasse. Ergui
um saco de papel pardo no ar. ― Trouxe o amendoim.
Picante.
― O meu preferido. ― Caminhamos até a cozinha
reformada do apartamento onde eu tinha crescido e
passado a maior parte da minha vida. Meu pai foi até a
geladeira e pegou uma forma de gelo. Dois copos já
estavam posicionados aguardando pelo whisky. ― É a nova
edição do Royal Blue.
Olhei o rótulo da bebida que meu pai servia nos dois
recipientes. Eu tinha aprendido a apreciar a bebida ao longo
do tempo. Acho que mais do que o sabor, o whisky tinha se
tornado uma espécie de símbolo afetivo das noites que
passei conversando com meu pai. Até hoje me questiono
como ele deu conta de superar o luto pela minha mãe
enquanto precisava cuidar de mim e gerenciar uma
empresa. Dois lembretes diários da sua perda.
― Mamãe e Helô já saíram? ― perguntei. Ele assentiu,
mas revirou os olhos como se algo o estivesse incomodando.
― O que houve?
― Você sabia que sua irmã está de casinho com o Gael?
― Paralisei por um segundo com a mão a caminho do copo
cheio de whisky com gelo. Eu precisava ganhar tempo para
não dizer nada que fizesse Helô me matar depois. Levei um
gole da bebida aos lábios.
― Por que você acha isso? ― perguntei. Responder uma
pergunta com outra era uma estratégia excelente.
― Porque sua mãe me contou. Helô falou com ela e
pediu ajuda para me preparar. Até parece. ― Meu pai era
um pai ciumento, disso não havia dúvidas. Mas acima de
tudo, ele sempre prezaria pela felicidade de Heloísa. ― A
gente conhece o Gael desde que ele nasceu, Thomas.
Aquele moleque é o Arthur todinho. ― Eu sabia que dizer
que meu primo tinha puxado tio Artur não era exatamente
um elogio.
― E o tio Arthur faz a tia Maya feliz, não faz? O Gael
também pode fazer a Helô feliz, pai. ― Minha irmã ia
precisar me agradecer depois por estar sendo uma espécie
de advogado de defesa do Gael.
― Ela ainda é muito nova. ― O tom de voz do meu pai
deixava claro que ele já estava perdendo os próprios
argumentos.
― Ela tem 18 anos, pai. E nós dois sabemos que Helô
sabe se cuidar. ― Ele bufou, parecendo contrariado com a
minha fala, justamente porque sabia que eu estava certo.
Meu pai levou o copo de whisky à boca e bebeu um gole
maior do que o costume. Contive uma risada.
― E como está o trabalho? ― Imediatamente o rosto de
Lia surgiu na minha mente.
― Tá bem. Mais complexo do que eu imaginava, pra
falar a verdade. ― Poucas pessoas poderiam entender
minha situação atual melhor do que o meu pai. Ele tinha
passado por quase exatamente a mesma situação quando
eu era pequeno, só que ao invés de ser professor, ele se
descobriu o novo chefe da minha mãe.
― Por quê? ― Me apoiei na bancada da cozinha,
deixando uma lufada de ar escapar da minha boca.
― Eu conheci uma mulher. Ela é incrível, linda,
inteligente e parece ser perfeita pra mim. ― Meu pai ergueu
uma sobrancelha.
― E qual o problema nisso?
― Ela é minha aluna. Minha tutora, para ser mais
preciso. ― Ele soltou uma exclamação, finalmente
parecendo compreender meu paradoxo. ― A gente se
conheceu antes de sabermos disso, caso você esteja se
questionando.
― Parece que os homens da família Goulart têm um
padrão. ― Soltei uma risada e levei o whisky novamente à
boca. ― O que você está pensando em fazer quanto a isso?
― Dei de ombros.
― A gente terminou tudo quando descobriu.
Terminamos o que nem sequer tivemos chance de começar.
Mas parece que cada dia o limite do certo e do errado
parece ficar mais confuso.
― O que ela acha disso tudo? ― perguntou, curioso.
― Acho que ela sente o mesmo que eu, mas também
não quer colocar nossas carreiras em risco. ― Meu pai
balançou a cabeça devagar, compreendendo a situação. ―
O que você faria, pai?
― Eu não sou o melhor exemplo de como lidar com
isso, você sabe ― começou. ― Mas se tivesse levado ao pé
da letra todas as regras de convivência no trabalho, eu e sua
mãe não estaríamos juntos hoje. Ainda assim, sua situação é
diferente. Você pode perder o emprego e ela pode ficar com
a carreira manchada. ― Bufei. Isso não me ajudava em
nada.
― Obrigado ― debochei com um tom de riso. Meu
celular vibrou em cima da bancada na mesma hora e o
nome de Lia apareceu na tela. Puxei entre os dedos e
desbloqueei, mais ansioso do que deveria.

*Lia te enviou uma localização*


Lia: Esse é meu endereço! Já pode favoritar pra carona
daqui a algumas semanas. Ou vc tb pode me enviar um
doce pelo ifood qnd quiser me agradar por ser a melhor
tutora q vc já teve. Eu gosto de qlqr coisa com doce de leite.
― Eu nem preciso te perguntar para ter certeza de que
esse sorriso no seu rosto é porque chegou uma mensagem
dela no seu celular. Filho, lamento ser o portador de más
notícias, mas você está apaixonado pela garota. ― Ergui os
olhos do meu aparelho e encarei meu pai.
― Eu estou, não estou? ― assumi. Meu pai só encheu o
meu copo de whisky, como se isso fosse toda a resposta que
eu precisava.
Respirei fundo e digitei uma mensagem no celular.

Thomas: Eu posso mandar um doce com bastante


doce de leite. Mas só se eu puder entregar pessoalmente.
15. Lia

De: lia.lopesb@letras.ufrj.br
Para: goulart.thomas@letras.ufrj.br
Assunto: Nota de Tutoria

Thomas,
Me enviaram um e-mail da coordenação de mestrado
pedindo que você avaliasse meu desempenho nessas
primeiras semanas, principalmente em relação à aula que
lecionei. Posso passar na sua sala mais cedo antes da
próxima aula para que você preencha o papel que eles me
mandaram?
Lia.

Obs: Como você deve saber, também precisei te


avaliar. Caso você esteja curioso para saber, te dei nota 10
em tudo. Longe de mim estar te contando isso para que
você pense com carinho na nota que irá me dar. Isso seria
um tanto antiético da minha parte. Estou apenas te
contando isso porque, como você sabe, nós temos toda uma
história e eu sinto que ela me permite compartilhar com
você essas pequenas informações.

De: goulart.thomas@letras.ufrj.br
Para: lia.lopesb@letras.ufrj.br
Assunto: RES: Nota de Tutoria

Liazinha,
Sempre chego meia hora antes da aula começar para
arrumar as coisas. Pode chegar nesse horário que preencho
a avaliação para você.
Thomas

Obs: Sei que você não é nada curiosa, mas ainda assim
já vou adiantar que sua nota será um 10. Você tem sido uma
excelente tutora, Lia. E não estou falando isso por causa de
toda a história que compartilhamos, mas porque é verdade.
Os alunos amam as suas aulas… E eu amo assistir você
lecionar.
Obs 2: Eu te daria 10 em várias outras avaliações.

― Por que você tá olhando pra tela do computador


sorrindo? ― minha prima perguntou sendo uma pessoa
completamente invasiva.
― Só… Vi um meme engraçado no twitter. ― Abaixei a
tela do notebook rapidamente, mas não o suficiente para os
olhos de águia de Jade Almeida.
― Lia, você tá falando sacanagem com o professor
gostoso? Pode me contar, não vou te julgar. Nem espalhar a
fofoca para ninguém. Você sabe que eu shippo vocês dois
e…
― Não viaja, Jadinha. Não tem nada demais rolando
entre o Thomas e eu. Era só assunto de trabalho.
― Tomara que quando eu arrumar um emprego, ele me
deixe com esse sorriso bobo no rosto igual você está
também ― implicou.
― Você é uma grande chata. O que você acha de parar
de falar besteira e terminar de se arrumar logo?
― Só vou passar a máscara de cílios e podemos ir ―
avisou, pegando meu rímel emprestado e se concentrando
no seu reflexo no espelho do meu quarto enquanto aplicava
o produto. ― Quem é essa que vamos ver mesmo?
― Olívia Vianna. Ela é uma das escritoras preferidas da
mamãe. Escreve poemas, crônicas, poesias e acabou de
lançar seu primeiro livro de romance. Estou doida pra ler.
Quando era criança, fui com mamãe, tia Helena e
Luísa na sessão de autógrafos do primeiro lançamento de
Olívia. Acho que foi nesse dia que descobri que queria ser
escritora. Nessa época, eu já amava livros e o poder que eles
tinham de me teletransportar para outra dimensão,
principalmente nos dias ruins. Mas, quando vi aquela fila de
pessoas para falar com Olívia, os abraços e palavras de
carinho que ela recebia, o sorriso no rosto das pessoas ao
pegar sua obra em mãos e, principalmente, os relatos sobre
a forma como os textos dela as faziam sentir… Eu só soube
que queria viver aquilo. Queria que minhas palavras
causassem impacto positivo na vida das pessoas. Queria até
ter tendinite ao escrever “com amor, Lia” nos autógrafos.
Fiquei muito feliz e animada quando ela postou em
suas redes sociais a notícia de que faria seu mais novo
lançamento na Livraria da Viela, em Ipanema. Mas, assim
que vi a data do evento, o sonho virou um pesadelo, pois
seria no único final de semana que eu não poderia ir devido
a um evento de família na casa dos meus avós paternos.
Vovô e vovó Bellini jamais me perdoariam se eu faltasse a
um dos seus jantares. Ainda que eu tenha comparecido a
todos os outros que elas já fizeram antes.
Contudo, o evento foi cancelado devido à morte de um
homem bastante conhecido no ramo editorial por ser dono
de uma das editoras mais famosas do país. Aparentemente,
o senhor Werberg vinha sofrendo de problemas cardíacos há
alguns anos e, depois de mais um ataque cardíaco, não
resistiu. Olívia fez uma postagem em suas redes sociais
postergando o lançamento do seu livro, que levava o selo da
editora Werberg. Além disso, pelo que fuxiquei nas suas
redes sociais, ela era muito amiga da filha do homem
falecido.
― Sobre o que fala o livro?
― Conta a história de um casal que se conheceu no
elevador do prédio onde trabalhavam e foi amor à primeira
vista.
― Amor à primeira vista ― repetiu. ― Tipo você e o
professor gostoso. ― Peguei uma das almofadas da minha
cama e joguei na direção dela, mas não acertei.
― Você é uma chata!
― E você não viveria sem mim ― respondeu,
convencida. ― Estou pronta. Podemos ir.
Alguns minutos mais tarde, quando nosso Uber parou
em frente à livraria, uma pequena fila já se formava do lado
de fora para a sessão de autógrafos. Olívia, depois de
autografar os livros, ainda faria uma leitura do primeiro
capítulo e responderia algumas questões do público
presente.
― Jade, fica na fila pra guardar meu lugar que vou lá
dentro comprar o livro ― falei. Minha prima assentiu.
Caminhei até o balcão onde um monte de exemplares
de Impossível de evitar estavam empilhados e peguei dois.
Um para mim e outro, é claro, para minha mãe. Enquanto
caminhava para o caixa para efetuar o pagamento, meu
olhar foi capturado por um outro livro em um balcão repleto
de obras de poesia. A capa era composta por uma máquina
de escrever de onde saía uma folha com o título do livro
“Todas as palavras que nunca te disse”. Mas foi quando
meus olhos focaram na parte inferior da capa, onde o nome
Thomas Goulart brilhava em uma fonte prata, que senti meu
peito ser invadido por um turbilhão de sentimentos.
― Não pode ser! ― disse para mim mesma.
Eu não fazia ideia que Thomas era um autor
publicado. E muito menos de poesia. Não que eu soubesse
muitas coisas sobre ele, já que me proibi de jogar seu nome
no google para descobrir mais sobre sua vida todas as vezes
que o desejo surgiu dentro de mim. Era só… torturante
demais.
Peguei o livro em minhas mãos e alisei com carinho a
capa, admirando cada detalhe. Virei o exemplar para olhar a
contracapa, onde um poema servia como a sinopse:
Um bilhete é muito pouco
Para te dizer tudo que gostaria
Por isso te escrevi vários
Mais do que você imaginaria

Este livro foi escrito para ela


Que jamais saiu do meu coração
Mas você pode levar também
Aproveite a diversão!

Abri o livro e não foi nenhuma surpresa quando li as


palavras da dedicatória: “Para a primeira mulher que fez
morada em meu coração. Não importa onde esteja, eu
sempre amarei você.” Parte de mim estava morrendo de
curiosidade para saber quem tinha sido a sortuda para
quem Thomas dedicou seu primeiro livro. E, parte de mim,
queria apenas ignorar fortemente um sentimento estranho
que brotou dentro de mim ao ler essas palavras. No fim,
decidi levar o livro dele para casa também.
― Você demorou ― Jade disse, guardando o celular de
volta na bolsa rosa neon que usava. ― A sua senha é a
número 19. E ela começou a autografar há uns cinco
minutos.
― Obrigada por ter ficado aqui, Jadinha. Vou pagar um
lanche pra você assim que o evento acabar. E você pode
escolher o lugar.
― Eu teria feito isso de graça, mas jamais vou recusar
um lanche. ― Soltei uma risada. ― Quem é aquele homem?
― Jade apontou para um cara tatuado que fotografava o
evento. ― Ele é bem gato…
― Jade, ele tem idade para ser seu pai! ― falei.
― E daí? Ele é um gato pra idade dele. Eu me tornaria
uma Maria Asilo facilmente nessa situação. ― Empurrei
minha prima de leve com o braço enquanto caíamos na
risada.
Minha vez chegou bem mais rápido do que imaginei.
Enquanto Olívia autografava meus livros, contei para ela da
primeira vez que a vi e o quanto isso tinha me inspirado a
virar escritora. Os olhos da mulher ficaram marejados ao
ouvir a história.
― Muito obrigada pelo carinho, Lia. Espero ver um livro
seu nas prateleiras das livrarias em breve ― disse ao se
despedir.
O resto do evento transcorreu tranquilamente. Quando
abriram a chance do público fazer perguntas, levantei a mão
e questionei sobre o quanto da história do livro tinha sido
inspirada na própria vida dela. Pela risadinha que ela soltou
e a troca de olhares com o tal fotógrafo de mais cedo, eu
soube, mesmo antes dela responder, que muita coisa ali não
era ficção.
Para finalizar a noite, Jade e eu fomos comer em um
rodízio de mini-hambúrgueres na Tijuca, perto de onde
morávamos. Cheguei em casa tão cansada que nem
consegui começar minha leitura do livro escrito por Thomas.
Por mais que estivesse curiosa, isso ficaria para o dia
seguinte.

Eu queria que você estivesse aqui


Queria poder ouvir sua voz
O som da sua risada
Sentir mais uma vez seu cheiro de noz moscada

Eu queria que você estivesse aqui


Queria poder te contar sobre meu dia
Conversar sobre coisas aleatórias da vida
Te abraçar bem forte e sentir sua energia

Eu queria que você estivesse aqui


Mas como você não está
Te escrevo esse pequeno bilhete
De você vou sempre lembrar

Eu iria começar a leitura do livro de poesia de Thomas


só à noite, quando chegasse em casa. Mas, obviamente, não
consegui esperar. Peguei meu café e sentei no puff que
ficava na sacada do meu apartamento, na intenção de ler
apenas o primeiro texto. Mas o primeiro poema me prendeu
tanto e a escrita de Thomas era tão viciante que resolvi ler
mais um. E depois outro, e outro e quando dei por mim… Já
estava na metade do livro e dez minutos atrasada!
Tomei o banho mais rápido da história e coloquei a
primeira roupa que encontrei no armário. Joguei o livro do
meu professor dentro da minha bolsa, para terminar de ler
durante algum intervalo, e peguei as chaves do carro em
cima da bancada da cozinha, pronta para sair de casa.
Entrei na sala faltando quinze minutos para o horário
de início. Semanas já tinham se passado desde que o
período letivo começou, mas, às vezes, parece que tinha
sido ontem a primeira vez que cruzei a porta da sala de aula
de Linguagem e Sentido como tutora.
― Pensei que você tinha esquecido do nosso
compromisso ― Thomas disse assim que me viu. Eu o tinha
avisado que chegaria aqui mais cedo para que ele pudesse
preencher o formulário que a secretaria do mestrado havia
me enviado.
― Foi mal, Thomas. Eu acabei me atrasando… ―
expliquei vagamente.
― Está tudo bem? ― Ele pareceu preocupado de
verdade.
― Tudo ótimo. Só… Calculei mal o tempo. ― Em
hipótese alguma eu falaria para ele que me atrasei porque
estava lendo seu livro de poesias e criando teorias sobre
quem era a mulher que serviu como musa inspiradora.
Primeira namorada? Última ex-namorada? Um amor não
correspondido? A dona do seu primeiro beijo? A mulher com
quem transou pela primeira vez? ― Acha que ainda dá
tempo de preencher?
― Claro. Você trouxe? ― Assenti.
Apoiei minha bolsa em sua mesa e comecei a tirar as
coisas de dentro dela até achar a pastinha onde havia
colocado o documento. Caramba, por que eu tinha que
carregar tanta coisa? E, meu Deus, como cabia tanta coisa
nessa bolsa?
― Tá gostando da leitura? ― ouvi Thomas perguntar no
instante que achei a pasta rosa com glitter onde guardava
os papéis que não poderiam manchar ou amassar. Levantei
meu olhar confuso em sua direção e reparei que ele
segurava seu próprio livro.
― Eu achei ontem na livraria ― contei. ― Ainda estou
na metade, mas você é muito talentoso com as palavras.
― Só com palavras? ― Um sorriso sugestivo surgiu em
seu rosto. Era difícil me lembrar que me envolver com
Thomas era uma má ideia quando esse tipo de coisa saía da
boca dele. Uma boca, diga-se de passagem, maravilhosa de
beijar. Meu Deus, Lia, foco.
― Você é talentoso em muitas coisas, Thomas Goulart
― devolvi em tom de provocação. Eu simplesmente… Não
conseguia me conter.
― Posso dizer o mesmo sobre você, Liazinha. Acho que
por isso que nos demos bem desde a primeira vez que nos
conhecemos. Dizem que os opostos se atraem, mas, nesse
caso, os iguais se atraem também.
É isso. Não há nada que eu odeie mais do que aquilo
que não posso ter.
Puxei o livro da sua mão e o entreguei o formulário,
encerrando assim a conversa que não nos levaria a lugar
algum. Nós não podíamos ir a lugar algum. Ainda que tudo
que eu mais desejasse nesse momento fosse entrar em um
carro com Thomas como motorista e fugir para qualquer
lugar que ele quisesse me levar. Qualquer lugar onde não
existissem regras institucionais estúpidas que nos
impedissem de ficar juntos.
Thomas estava focado em preencher o papel à sua
frente e aproveitei para arrumar minha bolsa, que tinha
virado uma grande bagunça.
― Pronto, Lia. Nota 10, como sempre ― me entregou o
documento.
― Obrigada. ― Peguei o papel e o guardei, mais uma
vez, dentro da pasta.
― É para minha mãe ― falou. Quando percebeu que
eu não havia entendido de primeira, ele apontou para o
próprio livro em cima da mesa. ― Escrevi e dediquei o livro
para minha mãe. São só… ― Ele suspirou fundo. ― Várias
coisas que eu gostaria de compartilhar com ela, mas não
podia porque ela estava morta. E acabaram virando poesia.
― Eu achei que era para uma ex-namorada ou algo do
tipo ― confessei. Ele soltou uma risada.
― Muita gente pensa isso. E, sendo sincero, alguns
textos até surgiram em homenagem a meninas com quem
me relacionei… Eu precisava de mais conteúdo para o livro e
eles acabaram entrando. Mas, a grande maioria, são para
ela.
Os primeiros alunos começaram a entrar na sala e
peguei minhas coisas de sua mesa. Mas, antes de ocupar
meu lugar habitual na primeira carteira perto da porta, virei
para ele e disse:
― Ela teria muito orgulho de você, Thomas.
Sua resposta foi um sorriso. E ele não precisava dizer
mais nada pois, só através daquele gesto, eu já era capaz de
entender tudo.
Thomas, como sempre, começou a aula pontualmente.
― Bom dia, pessoal. A figura de linguagem que vamos
estudar hoje está presente nesse trecho aqui… ― Thomas
apertou um botão do seu notebook que fez com que o slide
mudasse. ― “Te ver e não te querer é como mergulhar no rio
e não se molhar. É como não morrer de frio no gelo polar” ―
Alguém sabe qual é?
― Comparação ― Evelin respondeu. Thomas assentiu.
― Muito bem. Ela também pode ser chamada de
símile e é uma figura de comparação. Assim como a
metáfora, que vimos na aula passada.
― Qual a diferença entre as duas, profe? ― Bruna
perguntou.
― A símile aponta uma semelhança específica e
objetiva entre dois elementos. ― Thomas pegou o piloto e
escreveu a frase “Heloísa é bela como uma flor” no quadro.
― Nessa frase, por exemplo, nós ressaltamos o determinado
atributo que queremos comparar e trazemos um elemento
comparativo ― disse, circulando a palavra “como”.
Thomas é um professor tão incrível que eu sequer via o
tempo de aula passar. Sinto como se eu pudesse passar
horas e mais horas ouvindo-o falar e, ainda assim, não
enjoaria. Quando a aula chegou ao fim e peguei meu celular
na bolsa para ver as notificações, me deparei com uma
mensagem de Jade.

Jade: Quer ir ao shopping depois da aula? Quero


comprar biquínis
Lia: Vou adorar. Me encontra no estacionamento às
18h
Depois de almoçar e ter uma tarde inteira de aula do
mestrado, encontrei com Jade recostada no capô do meu
carro, mexendo no celular enquanto me esperava. O que
quer que ela estivesse vendo, estava a fazendo sorrir. Sorrir
até demais.
― Quem tá com sorriso de apaixonada agora, hein? ―
impliquei.
― Eu que não sou ― falou, desligando o celular e o
colocando dentro da mochila que carregava. ― Só estava
vendo um vídeo engraçado. Nada demais. É errado sorrir
agora?
― Você tá se justificando demais, priminha. ― Ela
revirou os olhos.
― Podemos ir logo? A loja Sun Beach tá em promoção,
você compra dois biquínis e ganha mais um.
― Quem precisa de tanto biquíni? ― questionei.
Destravei o carro para que nós entrássemos.
― Pessoas que moram no Rio de Janeiro, uma cidade
com belas praias. Você não está em Itaperuna mais,
priminha.
Estacionei no shopping e pegamos o elevador até o
terceiro andar, onde a loja que Jade queria ir ficava.
― Esse daqui tá lindo, Lia. Você deveria experimentar
― disse, me entregando um conjunto vermelho. ― É de
cintura alta, do jeito que você gosta.
― Mas…
― Só experimenta, Lia! Eu vou experimentar esse
daqui de oncinha. ― Ela me puxou pelo braço em direção ao
provador. Entrei em uma das cabines, pendurei minha bolsa
no cabide e comecei a tirar a roupa para vestir o biquíni.
― Eu amei ― ouvi Jade, na cabine ao lado, dizer. ―
Fiquei uma grande gostosa. E o seu, Lia? Quero ver como
ficou.
Abri a cortina do espaço, permitindo que ela me visse.
― Porra, você tá muito gata.
― Eu também adorei, mas… Eu não preciso de um
biquíni novo. Quase não vou à praia ― justifiquei.
― É só começar a ir ― respondeu como se fosse a
coisa mais óbvia e prática do mundo.
― Eu não posso ficar gastando dinheiro assim, Jade. A
viagem para Paraty vai me fazer ter mais gastos do que eu
planejava. Não quero ter que ficar pedindo dinheiro pro
papai, você sabe que não gosto de depender dele
financeiramente.
― Espera aí. Que viagem para Paraty?
― Pro congresso de Letras.
― Eu não sabia que você ia.
― Eu sou meio que obrigada a ir por conta do
mestrado. Vou apresentar um trabalho.
― O professor gostoso vai? ― Assenti. Minha prima
abriu um sorriso cheio de malícia. ― É, você vai precisar
levar. Paraty tem praia… Pense nisso como um investimento
para o congresso.
― A gente, quer dizer, eu nem terei tempo de curtir a
praia.
― Tem coisa que acontece quando a gente menos
espera. E precisamos estar preparadas. E, além disso, o
terceiro conjunto é de graça, lembra? Considere esse meu
presente de aniversário adiantado. ― Eu abri minha boca
para reclamar, mas ela levantou um dos dedos e colocou
nos meus lábios, me silenciando. ― Sem reclamação. Você
só vai aceitar. Bom, e vai me agradecer depois que o
professor te ver usando esse biquíni e ficar doidinho para
tirá-lo do seu corpo.
― Isso não vai rolar, prima… ― disse, embora cada
pedacinho do meu corpo estivesse torcendo para que essa
afirmação não fosse verdade.
― E eu vou querer saber todos os detalhes do que vier
a acontecer ― completou, ignorando completamente o que
eu havia falado. ― Agora vamos tirar essas roupas para que
eu possa pagar.
16. Lia
Nós iríamos para Paraty na quarta-feira, já que quinta-
feira pela manhã começava o congresso e nós queríamos
estar lá antes. Por volta das cinco horas da tarde, o carro de
Thomas dobrou a esquina da rua em que eu morava. Ele
piscou o farol e ligou o alerta quando me viu parada em
frente ao meu prédio, o esperando. Acenei em sua direção.
Assim que ele parou o carro, coloquei a pequena mala com
minhas coisas no banco de trás, antes de caminhar até a
porta do passageiro para abri-la.
― Trouxe pra você ― disse ao entregá-lo um copo
grande de café fumegante. ― Acho que você vai precisar pra
enfrentar as quase 5 horas no volante.
― Obrigado, Lia. ― Ele pegou um saco de papel pardo
que estava no painel do carro e me entregou. ― É pra você.
Achei que você ia precisar para conseguir enfrentar quase 5
horas no banco do passageiro. ― Abri o pacote e encontrei
algumas unidades de brownie recheado com doce de leite.
― É o meu favorito ― contei, já abrindo um deles e
dando uma mordida. Deixei um gemido de satisfação
escapar assim que senti a explosão de sabores invadir
minha boca. Thomas sorriu para mim antes de voltar a
dirigir, prestando atenção no tráfego. ― Eu já falei que não
me incomodo de levar o carro um trecho do caminho ―
ofereci mais uma vez.
― Não vai ser preciso, eu gosto de dirigir. Mas podemos
conversar para o tempo passar mais rápido.
― E sobre o que você quer conversar? ― perguntei.
Thomas pensou por alguns instantes antes de responder.
― Me conta sobre a primeira vez que você foi em um
evento literário ― pediu.
― Foi a Bienal do Livro do Rio de Janeiro aos 10 anos de
idade. Eu já tinha ido em eventos menores antes disso, mas
a Bienal foi… Especial. Fiquei completamente encantada
com aquele mar de pessoas e livros. É uma das melhores
memórias que tenho. E qual a sua memória favorita
envolvendo livros? ― perguntei.
― Hora da leiturinha ― ele respondeu sem precisar
pensar. ― Minha mãe biológica começou com essa tradição
quando eu era um bebê. Meu pai fez questão de continuar
mesmo depois que ela se foi. Toda noite, antes de dormir,
ele lia um livro para mim. Quase sempre era O Pequeno
Príncipe, mas isso mudou quando Laura, minha madrasta a
quem eu também chamo de mãe, me deu As Crônicas de
Nárnia como presente de aniversário. Na época ela era
apenas nossa vizinha, mas não demorou muito para que isso
mudasse.
― Você e sua madrasta parecem se dar bem, ao
contrário do que os filmes da Disney amam mostrar ―
comentei. Thomas soltou uma risada.
― Minha mãe morreu quando eu ainda era muito
pequeno. Se não fosse pela caixa repleta de fotos que tenho
de nós dois, talvez eu nem conseguisse me lembrar do rosto
dela depois de todos esses anos ― disse com pesar.
― Eu sinto muito, Thomas ― falei.
Minha mão automaticamente foi parar em sua coxa,
acariciando-a como uma forma de afago. Quando me dei
conta da intimidade daquele gesto, ainda que eu o tenha
feito sem segundas intenções, senti meu rosto esquentar.
Aquilo era errado em muitos níveis. Thomas, no entanto,
pareceu não ligar pois quando tirei minha mão de seu corpo,
ele mesmo pegou-a de novo, mas, dessa vez, entrelaçou
nossos dedos.
― Eu sinto falta dela, mas tenho muita sorte por ter a
minha mãe Laura em minha vida. Ela foi, e ainda é, uma
mãe incrível. Ela fez meu pai feliz de novo e vou ser sempre
grato à ela por isso. E, claro, ela me deu a Helô. Minha irmã
mais nova. Você tem irmãos?
Ficamos em silêncio por algum tempo, apenas sentindo
a quentura de nossas mãos unidas. Apreciando a sensação
do seu dedo acariciando de leve minha pele. Eu poderia
viver nesse momento para sempre. Mas, infelizmente, eu
tinha a sensação de que o destino não estava exatamente
ao nosso lado. Mesmo sem querer, cortei o contato entre
nossas mãos. Eu não podia me apegar. Eu não podia me
apegar mais. Já estava sendo difícil o suficiente.
― Você tem irmãos? ― Thomas quebrou o silêncio que
havia se instaurado no carro.
― Tenho. Ele se chama Heitor e também é mais novo
que eu. Nós somos próximos, apesar dele agora morar em
outro país por conta dos estudos. Mas a gente tenta se falar
sempre que possível por videochamada.
― Helô e eu também somos bem próximos. Às vezes
até próximos demais. Eu gostaria que ela se intrometesse
menos na minha vida em alguns momentos ― brincou.
Thomas e eu continuamos conversando durante boa
parte do trajeto, mas, em algum momento, não consegui
evitar fechar meus olhos para tirar um rápido cochilo.
Quando acordei, meu professor já estava parando o carro
em uma das vagas do estacionamento do hotel onde
ficaríamos hospedados. Pegamos nossas malas e fomos até
a recepção fazer o check-in. Por ironia do destino, Thomas e
eu ficaríamos hospedados no mesmo andar, apenas a
alguns quartos de distância.
― Nos vemos amanhã, Lia ― disse ao parar em frente a
porta de número 305.
― Até amanhã, Thomas ― me despedi, antes de
caminhar mais alguns passos até alcançar a porta com o
número 309. Usei meu cartão magnético para destravá-la.
O quarto era simples, mas aconchegante. Uma cama de
casal, uma portinha que servia como closet, uma TV
pendurada na parede e um banheiro. A vista da janela, por
sua vez, parecia bonita ainda que estivesse de noite e só
algumas poucas luzes dos postes estivessem acesas,
clareando a rua de paralelepípedos.
Coloquei minhas malas no canto do quarto, peguei meu
pijama e fui tomar um banho antes de dormir. Amanhã seria
um dia longo.

Acordei antes mesmo do despertador tocar. Eu amava


me hospedar em hotel por um único motivo: café da manhã.
Tem coisa mais maravilhosa do que acordar e ter uma
infinidade de comidas gostosas apenas esperando para
serem saboreadas por você?
Depois do banho, fiz uma maquiagem simples e rápida
e prendi meu cabelo em um rabo de cavalo alto, deixando
apenas alguns fios da frente soltos para dar um ar mais
despojado ao penteado. A roupa que escolhi dias antes já
estava na cama pronta para ser vestida: calça de alfaiataria
de cintura alta em um tom caramelo combinada com uma
blusa branca. Eu também levaria um blazer que faz
conjunto com a calça, já que nesses eventos as salas
costumam estar frias devido ao ar condicionado. Coloquei
alguns acessórios e um sapato de saltinho para finalizar
antes de descer para comer meu café da manhã.
O refeitório do hotel, onde o desjejum era servido,
ainda estava calmo quando cheguei. Peguei um prato da
pilha e me servi de todas as coisas gostosas que estavam
dispostas ali. Apreciei minha refeição com calma enquanto
lia as mensagens acumuladas no meu celular desde ontem.
Vez ou outra olhava em volta para ver se algum conhecido
também estava por ali. Especialmente um conhecido com
belos olhos verdes que me deu carona ontem. Mas, quando
terminei de comer, nem sinal de Thomas por ali.
Terminei de beber meu cappuccino e caminhei até ao
salão de eventos do espaço, onde uma bancada havia sido
montada para fazer o credenciamento dos participantes.
― Lia Lopes Bellini ― falei para o homem na recepção
quando chegou minha vez de ser atendida.
O rapaz, que aparentava ter minha idade, digitou algo
no computador e começou a procurar pelo crachá com meu
nome. Além disso, todos os participantes ganhavam uma
ecobag com caneta, lápis, bloquinho de anotações, um
adesivo com a logo do evento e um caderninho contendo a
programação. Tinha como não amar esses eventos? Peguei
minhas coisas e caminhei até o Salão Mar de Letras, espaço
onde aconteceria a reunião de boas-vindas.
― Bom dia a todos! Sejam bem vindos a Paraty e,
especialmente, ao décimo terceiro Congresso Nacional de
Língua e Literatura. É uma honra receber todos vocês em
nossa cidade ― José Bechara, um famoso gramático nascido
e criado na cidade nos recepcionou.
O homem fez um discurso que durou quase trinta
minutos, mas era tão enriquecedor ouvi-lo falar que nem
percebi o tempo passar. Eu certamente ouviria sua palestra
de hoje à tarde. Mas, agora, precisava ir para a Sala
Aprendizagem, lugar onde aconteceria a apresentação dos
trabalhos dos mestrandos e graduandos. Eu estava animada
para apresentar o meu depois dos elogios que Thomas fez
ao ver o resultado final.
A sala já estava quase cheia quando cheguei. Seria, ao
todo, quatro apresentações de quinze minutos cada. Os
professores presentes ali seriam responsáveis por avaliar
cada um dos apresentadores, mas nós não saberíamos
quem seria nosso avaliador até o momento da apresentação.
Três professores já tinham chegado e estavam conversando
entre si no canto da sala. Caminhei até a primeira cadeira
que achei desocupada e me sentei.
― Oi, Lili. ― Eu estava totalmente distraída mexendo
no celular enquanto as apresentações não começavam
quando ouvi uma voz, infelizmente bastante conhecida,
dizer alguns minutos depois.
― O que você está fazendo aqui? ― perguntei.
― O mesmo que você, Lili. Também sou mestrando,
esqueceu? Vou apresentar um trabalho inovador e
revolucionário. O professor Ribas amou minha ideia. ―
Revirei os olhos. O orientador do meu ex-namorado era
conhecido por ser um grande conservador. Em todos os
sentidos. ― E você vai falar sobre o que, minha linda?
Eu estava prestes a responder que não era a linda dele
quando meu olhar foi capturado por Thomas,
completamente lindo em seu traje social, entrando na sala.
Ele deve ter notado minha expressão de curiosidade ao vê-lo
ali porque disse a palavra avaliador apenas mexendo os
lábios, sem emitir som algum. Em seguida, caminhou até
onde os outros professores estavam conversando.
Jhonas, por sua vez, já tinha desistido de mim e estava
conversando com a menina sentada atrás dele. Pelo sorriso
no rosto dela, a pobre coitada estava caindo na lábia do
traidor. Talvez eu devesse alertá-la mais tarde sobre o tipo
de homem que ele era. Beleza mediana por fora,
completamente podre por dentro.
― Agora que todos já chegaram podemos começar. Eu
sou Maria Amélia, professora da UERJ, e uma das
responsáveis por avaliar um de vocês hoje. Para começar
quero convidar o aluno de mestrado da UFRJ, Jhonas
Goulart, para se apresentar.
Meu ex-namorado levantou e caminhou até o notebook
que a comissão do evento havia separado para que
usássemos, colocando ali o pen drive com sua apresentação
em power point.
― Isso não pode ser real ― deixei escapar, em voz
baixa, quando o título do trabalho apareceu na tela.
― Literatura x literatura: a proliferação do vírus best-
seller ― Maria Amélia leu em voz alta. O tom da sua voz não
era nada animador, mas Jhonas permanecia com aquele
sorriso idiota no rosto. ― Bom, Jhonas, eu e o professor
Thomas Goulart seremos os responsáveis por avaliar seu
trabalho. Quando você estiver pronto, pode começar.
― O bom leitor precisa saber diferenciar a Literatura
boa, de qualidade, com L maiúsculo da literatura boba,
inferior, com L minúsculo. Hoje em dia, com essa era digital,
o tradicional está cada vez mais esquecido. E isso, é claro,
também vale para o mundo literário. Cada vez mais vemos
nossos livros clássicos sendo jogados no canto, totalmente
esquecidos ou, pior ainda, sendo trocados por
pseudoliteratura. Vocês não estão cansados de ver livros
com homens sem camisa na capa? Se é que podemos
chamar isso de livro!
Jhonas mal tinha começado sua apresentação e eu não
via a hora dela terminar. A cada nova palavra que saía de
sua boca, meus ouvidos pareciam sangrar. Como era
possível tamanho preconceito literário nos dias atuais?
― A Literatura não é entretenimento e sim uma arma
indispensável para formar cidadãos críticos e livres.
Puxei meu celular do bolso e, disfarçadamente,
comecei a digitar uma mensagem.

Lia: Eu daria tdo pra não estar aqui ouvindo isso!


Thomas: Imagina ter que ouvir e avaliar?
Lia: Se eu fosse vc, daria um belíssimo zero. Ninguém
nessa sala vai te julgar
Thomas: Queria q fosse simples assim, Liazinha
Lia: Boa sorte avaliando então, Thonzinho.

― E o que dizer das adaptações cinematográficas que


esses pseudo livros têm ganhado? O mercado capitalista, é
claro, só visa o lucro ― Jhonas continuava falando asneiras.
Uma garota sentada ao meu lado levantou a mão.
― As perguntas serão apenas no final ― Maria Amélia
avisou.
― Não, professora. Pode deixá-la falar. Gosto quando o
público interage com o apresentador. Deixa tudo mais
dinâmico ― Jhonas respondeu em tom de superioridade.
Como eu tinha namorado ele? Como tinha deixado aquela
boca que só fala besteira me beijar? Eu estava
completamente fora de mim!
― Eu preciso discordar de você, Jhonas ― a menina
começou a falar. ― Acho que as adaptações são ótimas para
atrair novos leitores. Ainda mais na era digital, com milhões
de sites que investem em comentar sobre filmes e livros
inspirados em obras literárias.
― Eu acho que essa ideia de que apenas clássicos
são bons e best-sellers são ruins é ultrapassada e
preconceituosa ― falei. ― Além disso, esses livros que você
tanto critica são os que tratam de temas que estão
presentes na vida dos leitores que são seu público alvo. Tem
uma linguagem mais jovem e muitos são mais acessíveis
economicamente falando também. Você encontra ebooks
incríveis sendo vendidos a menos de dez reais. Sem contar
as diversas feiras de livros com produtos em promoção.
― Acho que se é para ler um livro sem conteúdo que
me faça pensar e evoluir, não tem sentido ler ― Jhonas
opinou. ― Um livro de vampiro, por exemplo, não vai
acrescentar em nada na minha vida.
― Drácula é considerado um clássico da literatura. E é
sobre um vampiro ― a menina anterior falou.
― Eu não estava falando da obra de Bram Stocker. Não
tem como compará-lo com aquele Crepúsculo, por exemplo.
Um burburinho começou a surgir na sala.
― Você sabe o que é intertextualidade, Jhonas? ― A
voz imponente de Thomas preencheu a sala, cessando o
burburinho.
― É claro que sei ― respondeu.
― No livro Crepúsculo, por exemplo, temos os clássicos
O Morro dos Ventos Uivantes e Romeu e Julieta sendo
referenciados intertextualmente. Uma leitura que à
primeira vista é despretensiosa, mas quando aprofundada,
pode levar a uma intertextualidade interessante para ser
explorada. Isso desperta a curiosidade do leitor e, na minha
visão, pode transformar um leitor de best-seller em um
futuro leitor de clássico.
― Muito bem observado, professor Thomas ― Maria
Amélia entrou no debate. ― Sem contar que os clássicos de
hoje já tiveram seu momento como best-sellers no passado.
― Em um país onde os dados apontam que a
estimativa de leitura de seus habitantes é de, em média, 4
livros por ano, nós, como profissionais, deveríamos
reconhecer quão incrível é ter livros no mercado que
motivam uma parcela, ainda que pequena, da população a
ler muito mais que o triplo da média populacional. Um
escritor que consegue colocar mais de um livro em uma lista
de mais vendidos por semanas merece ser aplaudido por
esse feito e não criticado apenas por escrever algo que não é
do seu agrado pessoal, Jhonas ― Thomas prosseguiu.
― Você ainda tem cinco minutos de apresentação ― a
professora avisou.
― Acho que vou encerrar por aqui. Bem que o
professor Ribas avisou que vocês não estariam preparados
para ouvir minha opinião ― Jhonas arrancou o pen drive do
notebook antes de voltar para o seu lugar com a cara
amarrada.
― Próxima apresentação: Lia Lopes Bellini, aluna de
mestrado da UFRJ ― chamou a professora Maria Amélia. ―
Eu e a professora Rita de Cássia seremos as suas
avaliadoras. ― Assenti.
Eu estava tranquila até ouvir meu nome ser chamado.
Meu coração batia acelerado dentro do peito enquanto
pegava o meu pen drive com a apresentação dentro da
bolsa. Eu estava prestes a levantar da minha cadeira e
assumir minha posição na frente da sala quando a tela do
meu celular, que estava em cima da mesa, acendeu e bati o
olho na mensagem que brilhava ali.

Thomas: Sua apresentação está tão incrível quanto


vc, Liazinha. Vc vai arrasar! Mostra pra eles como se faz.
E, só com aquelas palavras de incentivo, senti meu
coração voltar a bater no ritmo normal.

Sexta-feira estava muito, muito quente. Passei a


manhã inteira assistindo a palestras, mas, depois do almoço,
decidi me dar uma tarde livre e fazer um passeio na praia.
Vesti meu biquíni novo, aquele que tinha comprado com
Jade, coloquei dentro da mochila apenas o essencial e
pesquisei no google as praias mais próximas de mim. Acabei
optando por ir até a Praia Grande, localizada a menos de
vinte minutos do meu hotel.
Cheguei na praia facilmente usando transporte
público. Puxei o celular do bolso e tirei uma foto da linda
vista dos diversos barcos ancorados na água para mandar
para minha prima. Durante meu trajeto até aqui descobri
que a praia não era muito boa para banho. Mas também
descobri a existência de uma pequena trilha que me levaria
à Prainha, um local com mar calmo e ótimo para se banhar.
Poucas pessoas ocupavam a pequena faixa de areia
quando cheguei à Prainha. Estendi minha canga ali,
coloquei minhas coisas em cima dela e aproveitei para dar
um mergulho no mar, que mais parecia uma piscina devido
à falta de ondas. Fiquei dentro da água, apenas
aproveitando a sensação de estar imersa no meio da
natureza, até sentir meus dedos da mão enrugarem.
De volta à minha canga, peguei o meu kindle da bolsa
e abri o livro que tinha começado a ler há uns dias. Eu
estava completamente absorta na história e levei um grande
susto quando senti uma mão tocar meu ombro.
― Calma, Liazinha. Eu chamei seu nome, mas você
estava tão concentrada no seu livro que não me ouviu ―
explicou Thomas. ― Posso me sentar aqui? ― perguntou
apontando para o espaço ao meu lado.
― Claro. ― Cheguei para o lado para que ele tivesse
mais espaço na canga e não precisasse sentar na areia e se
sujar. Eu estava sendo apenas uma boa amiga. E tutora.
― O que estava prendendo tanto a sua atenção?
― É a história de uma escritora famosa que sofre um
acidente e não pode mais escrever. E aí eles decidem
contratar uma espécie de escritora fantasma para finalizar a
série de livros que estava em andamento. Essa escritora
fantasma vai passar uns dias na casa da mulher para ver se
acha algumas anotações ou qualquer outra informação que
a ajudasse a saber qual rumo dar à história e, ao que tudo
indica, a escritora fantasma está começando a se apaixonar
pelo marido da mulher acidentada.
― E ele? ― Thomas quis saber.
― Ele com certeza está a fim dela também.
― Jhonas com certeza acharia esse livro uma
Literatura com L minúsculo ― brincou. Soltei uma risada.
― O dia que Jhonas conseguir ser tão famoso quanto
Colleen Hoover, eu começo a dar valor à opinião dele. Por
que você não está no congresso, professor Goulart?
― Poderia te perguntar o mesmo, senhorita Bellini.
― Estava chato pra caramba ― admiti. ― Qual a sua
desculpa?
― Eu meio que estava de saco cheio de ouvir a palestra
também.
― Sem contar que estava calor demais na sala, mesmo
com ar condicionado. E, bom, eu também queria usar meu
biquíni novo ― completei.
Senti o olhar de Thomas percorrer meu corpo e um
sorriso de aprovação surgir em seus lábios. Aproveitei a
deixa para devolver a análise corporal observando com
atenção cada pedacinho do seu corpo exposto, já que ele
usava nada além de um short de banho. Eu queria tanto me
afogar naquele tanquinho…
― É um belo biquíni, Liazinha. Vermelho fica bem em
você ― elogiou. Estava ficando cada vez mais difícil pensar
em motivos para não beijar esse homem aqui e agora. ―
Além disso, vir à Paraty e não ir à praia é um crime grave
que eu não estava disposto a cometer.
― Isso quer dizer que você está disposto a cometer
alguns crimes, senhor Goulart?
― Você pode apostar que sim, Lia. Tem perigos que
valem muito a pena correr.
Nós dois nos encaramos pelo que pareceu uma
eternidade. Eu não precisava de super poderes para saber
que dentro da cabeça de Thomas se passavam os mesmos
questionamentos que não saíam da minha própria mente.
Passei anos da minha vida desejando encontrar alguém que
fosse perfeito para mim, igual meu pai era perfeito para
mamãe, o tio Rafa para a tia Helena, tio Dani para o tio
Gusta e o tio Thiago para a tia Sofia. E aí, quando finalmente
achei o cara que parecia ter sido lapidado sob medida para
Lia Bellini… Descubro que ele é, também, o único cara que
não posso ter.
Essa história de amor proibido é muito legal na ficção,
mas na vida real estou achando essa trama um tremendo
saco!
― Acho que vou dar um mergulho ― Thomas
anunciou, quebrando o silêncio. ― Você pode dar uma
olhadinha nas minhas coisas enquanto isso?
― Sim, sem problemas.
Thomas deixou a carteira e o celular ao meu lado e
correu em direção ao mar, dando um mergulho de cabeça.
E, observando aquela cena, me permiti sonhar. Ainda que
fosse um sonho que jamais se tornaria realidade. Me permiti
imaginar sábados de manhã na praia com Thomas me
dando beijos molhados e com gosto de água salgada
enquanto as ondas do mar nos refrescavam. Me permiti
imaginar domingos chuvosos em casa com nós dois
deitados no sofá, abraçados, vendo um filme. Me permiti
imaginar Thomas elogiando o vestido que eu usava
especialmente para nosso jantar romântico de sexta-feira no
nosso restaurante favorito.
Quando senti as primeiras lágrimas querendo se
formar em meus olhos, espantei todos esses pensamentos
para o cantinho da minha cabeça e foquei minha atenção no
livro. Eu amava sonhar, mas odiava que nem todos os
sonhos pudessem se tornar realidade. Pelo menos não dessa
vez.
Thomas voltou para a areia e, dessa vez, eu que pedi
para que ele olhasse minhas coisas enquanto dava um
mergulho. A verdade é que eu precisava ficar um tempo
longe dele. Thomas, por outro lado, tinha outros planos.
― Eu disse que a água estava uma delícia ― ele se
aproximou de mim dentro do mar.
― Você não ia vigiar nossas coisas? ― Ele deu de
ombros.
― Eu estou vigiando daqui. Se alguém tentar roubar, o
que eu duvido muito que vá acontecer porque a praia está
praticamente vazia, vou correndo atrás.
― Acho bom mesmo. Se alguém roubar meu Kindle é
capaz de eu cometer um crime ― falei.
― Então você também está disposta a cometer alguns
crimes, Liazinha?
― Quebrar algumas regras deixa a vida mais
interessante ― respondi.
Thomas se aproximou de mim lentamente, com seus
olhos verdes grudados nos meus. Senti quando suas mãos,
por baixo da água, tocaram minha cintura. E então um
barulho vindo do céu me paralisou.
― Isso foi um trovão ― comentei em voz baixa. O céu,
que horas atrás estava ensolarado, tinha se tornado cinza. ―
Eu… Eu não sou muito fã de tempestades.
Algumas pessoas dizem que o barulho de tempestades
e chuva servem como sons relaxantes. Mas não para mim.
― Acho melhor irmos embora ― Thomas disse, ainda
com a mão na minha cintura. Assenti.
Saímos da água e voltamos até a areia para recolher
nossas coisas.
― Tomara que o ônibus não demore a passar. Preciso
chegar no hotel antes da chuva para conseguir tomar banho
― falei enquanto dobrava minha canga e colocava na
mochila.
― Não se preocupe com isso. Vim de carro, e é claro
que você vai voltar comigo. Sem discussão. ― Dessa vez, eu
não planejava discutir.
O trajeto da praia até o hotel era ainda mais rápido de
carro. Eu não via a hora de tomar um banho, trocar de roupa
e estar segura deitada no meio do meu cobertor fofinho.
Quando o elevador parou no nosso andar, Thomas sinalizou
para que eu saísse primeiro.
― Obrigada pela carona ― falei quando ele parou em
frente a porta do seu quarto.
― Tem certeza que você está bem? ― perguntou. Eu
tinha ficado em total silêncio durante toda a viagem,
ansiosa com a possibilidade da tempestade cair antes que
eu estivesse em segurança.
― Tá tudo bem sim.
― Se você precisar de alguma coisa, qualquer coisa,
sabe onde me encontrar. Não precisa nem pensar duas
vezes.
― Obrigada, Thomas ― disse, antes de seguir caminho
até meu próprio quarto.
Tomei o banho mais rápido da história, coloquei meu
pijama e estava prestes a secar meu cabelo quando a chuva
torrencial começou a cair do lado de fora. Bom, ele teria que
se secar naturalmente porque não havia a menor
possibilidade de usar meu secador na frente de um espelho
com todos aqueles raios caindo.
Sentei na cama e tentei me concentrar na história do
livro mais uma vez, mas era praticamente impossível.
Tempestades me deixam nervosa. Nervosa demais. Coloquei
uma música para tocar no celular na intenção de abafar o
barulho que vinha do lado de fora, mas isso não funcionou
também.
E, quando eu menos esperava, tudo ficou escuro.
Um completo breu.
Senti meu coração bater ainda mais acelerado dentro
do peito. A combinação de falta de energia elétrica e
tempestade era meu verdadeiro pesadelo. Desde criança,
sempre foi assim. Comecei a sentir dificuldade para respirar,
como se o ar não fosse capaz de alcançar meus pulmões.
Quando um clarão ocasionado por um raio iluminou o
cômodo através da janela, sendo seguido por um barulho
estrondoso de trovão, eu soube que não tinha mais como
ficar no quarto, que parecia cada vez menor. Eu precisava de
ar puro. E como sair do hotel não era nem de perto uma
opção, fui para o único lugar possível: o corredor.
Andei de um lado para o outro no corredor vazio,
respirando fundo pelo nariz e soltando o ar pela boca, assim
como minha mãe havia me ensinado anos atrás. Como eu
queria que ela estivesse aqui comigo, me falando que tudo
iria ficar bem. É muito mais fácil de acreditar quando escuto
isso da boca de outra pessoa. Mais um trovão explodiu no
céu e deixei um gritinho escapar, assim como algumas
lágrimas.
― Lia? É você? ― ouvi a voz conhecida de Thomas.
― S-sim ― respondi, ainda andando de um lado para o
outro. O professor foi até onde eu estava e me segurou
delicadamente pelos ombros, me impedindo de continuar
andando.
― O que aconteceu?
― Trovão. Tempestade. Eu fico muito nervosa e… ―
Tentei explicar, mas não conseguia formular nem uma frase
direito. E quando outro barulho de trovão surgiu me senti
paralisar mais uma vez.
― É só uma tempestade tropical e vai passar rápido.
― Eu não… Não consigo respirar direito ― falei. Eu
odiava que ele me visse assim, mas não era como se eu
tivesse muito controle.
― Está tudo bem, Lia ― Thomas disse calmamente.
Como ele conseguia se manter calmo com o mundo lá fora
se acabando?
― Respirar fundo pelo nariz e soltar o ar pela boca
devagar ― falei em voz alta para mim mesma. Thomas
assentiu e começou a respirar exatamente da forma como
eu havia falado, me fazendo companhia, até que nossas
respirações estivessem sincronizadas e eu sentisse meu
coração desacelerar dentro do peito.
― Você está segura aqui no hotel. Você está segura
comigo.
― Eu… eu estou segura ― repeti. Thomas abriu um
sorriso.
― Está ouvindo? ― Neguei com a cabeça. ― Os
trovões e os raios já começaram a diminuir. Que tal você
voltar para o seu quarto? Eu te faço companhia. É melhor do
que ficar aqui no corredor. Vamos lá.
17. Thomas

Isso era uma péssima ideia. Mas quem disse que eu


conseguia me controlar?
Fechei a porta entrando no quarto de Lia, antes que
alguém nos visse juntos pelo corredor do hotel em alguma
situação imprópria. A garota ainda abraçava o próprio corpo.
Eu não sabia dizer se era pela tensão do escuro ou da minha
presença num quarto fechado com ela. Talvez um pouco das
duas coisas.
Na última vez que Lia e eu estivemos juntos num
mesmo quarto eu a tinha chupado até que gozasse na
minha boca e ela tinha me mostrado o porquê de ser
conhecida como rainha do boquete. Sempre que eu pensava
nesse título não conseguia evitar que uma fração de ciúmes
tomasse conta do meu cérebro.
― Thomas, tá tudo bem, eu consigo ficar sozinha. ―
Lia se sentou na beirada da cama. Os lençóis embolados
eram um indicativo do susto causado pela falta de energia.
Um relâmpago forte clareou quase todo o quarto. Minha
tutora estremeceu dos pés à cabeça.
― Eu posso ficar até a luz voltar. Ou até a tempestade
acabar. ― Fui até uma cadeira no outro canto do quarto e
me sentei. A janela mostrava o céu completamente
dominado pelas nuvens da chuva torrencial que caía sobre
Paraty.
― Você sempre dorme assim? ― perguntou, seus olhos
varrendo meu corpo.
― Assim como? ― Eu sabia que ela se referia às minhas
roupas, mas me fiz de desentendido.
― Tão… vestido. ― Abri um sorriso convencido e
inclinei meu corpo para frente, apoiando meus braços sobre
os joelhos.
― Você sabe como eu costumo dormir, Liazinha ―
provoquei. Mesmo no escuro eu podia ver suas maçãs do
rosto se pintarem de um tom de rosa. Ela ficou em silêncio,
parecendo lutar contra algo que queria me dizer. ― Eu só
coloquei uma roupa quando ouvi você do lado de fora do
quarto e saí pra ver o que estava acontecendo.
Mais uma vez o brilho de um trovão iluminou o quarto
quase inteiro e Lia puxou as cobertas sobre seu corpo. Eu
não podia negar que achava um tanto fofo ela ter medo de
chuva.
― Desculpa te fazer perder o sono. ― Sua voz saiu tão
baixa que quase não a escutei. ― Tem certeza que você não
prefere voltar pro seu quarto? Amanhã ainda temos
congresso e…
― Lia, tá tudo bem. Eu quero ficar com você ―
interrompi. Seus lábios se ergueram em um sorriso. ― Por
que você não tenta dormir um pouco enquanto eu tô aqui?
― Eu não vou conseguir. Parece que você tá me
observando tipo um stalker. ― Uma gargalhada escapou da
minha garganta.
― Achei que já tínhamos passado dessa fase ―
brinquei. Lia revirou os olhos em resposta.
― Eu não vou me sentir confortável sabendo que você
tá espremido nessa cadeira minúscula. ― Ela escorregou o
corpo pelo colchão e deitou no lado direito. ― Por que você
não deita também? A cama é grande o suficiente para nós
dois.
Engoli em seco. Aquela era uma ideia muito, muito
ruim. Como quase todas as ideias que eu tinha quando se
tratava de Lia.
― Eu não sei se isso vai dar certo… ― Lia soltou uma
risadinha.
― Eu não vou te atacar, Thomas. Você não é tão
irresistível assim. ― Ergui uma sobrancelha, contendo
alguma resposta espertinha que faria nós dois seguirmos
por um caminho nada seguro.
Eu deveria continuar sentado na maldita cadeira, com
uma distância segura entre nós dois. Eu deveria focar no
fato de que Lia era minha tutora e que eu era o seu
professor. Mas porra, isso era a última coisa que eu
conseguia pensar.
Levantei da cadeira, tão devagar que parecia que cada
movimento meu estava em câmera lenta. Era quase como
se eu torcesse para alguma entidade assumir o meu cérebro
e me impedir de fazer o que estava prestes a fazer. Os olhos
de Lia estavam fixos em cada passo que eu dava em direção
à cama.
Levantei a coberta levemente e sentei no colchão,
sentindo-o afundar com o meu peso. Nem mesmo os trovões
soando do lado de fora pareciam desviar a atenção da
garota de mim.
― Mais confortável? ― perguntou. Virei a cabeça na
sua direção, nossos rostos a centímetros um do outro.
― Não, nem um pouco ― assumi. Ela pareceu confusa,
franzindo a testa daquele jeito que eu já sabia ser um
indicativo de que não tinha compreendido alguma coisa.
― Por que não? ― Sua voz era tão baixa e aveludada,
que parecia uma carícia contra a minha pele. Porra, sua
respiração embolada na minha era praticamente um
alucinógeno.
― Porque é horrível estar tão perto de você e não
poder ser do jeito que eu gostaria. ― Ela engoliu em seco e
esticou uma mão na minha direção. Senti minha respiração
travar na garganta, especialmente quando a ponta das suas
unhas deslizou pelo meu braço, me provocando num
arranhão.
Fechei os olhos, sem conseguir controlar a sensação
que varria meu corpo. Senti meu pau latejar dentro da calça
de moletom. Parecia que todo o sangue bombeado pelo meu
corpo só se direcionava para aquela direção.
― Lia… ― Suspirei. Ela subiu a mão até o meu ombro.
― Com você assim… Fica muito difícil me lembrar que você
é minha aluna.
Seus olhos castanhos grudaram os meus e pareceu
que toda a nossa história passou como um filme na minha
cabeça, despertando todas as emoções que eu tentava com
muito afinco enterrar para que não viessem à tona.
Ergui minha mão, tocando seu rosto, lutando com toda
força de vontade que meu corpo possuía para me lembrar
que nós não podíamos ficar juntos. Foquei em seus olhos,
que às vezes pareciam tão calmos, mas agora pareciam
ferver. Desci para o seu nariz, pequeno e arrebitado que
parecia ter sido desenhado para que eu beijasse.
Mas foi quando toquei seus lábios com os meus dedos,
que tudo explodiu. Lia abriu a boca e sugou meus dedos
para dentro. Lambeu, com os olhos fechados como se
apreciasse o sabor, despertando cada uma das memórias de
quando sua boca estava em volta do meu pau.
― Caralho ― xinguei. Ela era linda. Gostosa. Perfeita.
Lia abriu os olhos, dessa vez parecendo em desespero.
Parecendo implorar.
― Thomas, por favor. ― E aí estava. Em palavras. Um
suplício para que eu colocasse fim no nosso problema.
Estava nas minhas mãos. E eu poderia ter me enganado por
todo esse tempo, mas sabia que não aguentaria estar longe
dela o semestre inteiro. Não quando parecia que a cada dia,
tudo ao nosso redor acendia.
― Foda-se. ― E com essa declaração, aceitei o meu
destino. O fardo de que eu talvez não fosse o profissional
exemplar que imaginei que seria quando assinei o contrato
de professor substituto, porque eu pretendia foder minha
tutora com muita, muita vontade.
Joguei meu corpo sobre o dela, cobrindo-a com o meu
tamanho. Lia não demorou a enroscar as próprias mãos no
meu pescoço e me puxar para baixo, grudando minha boca
na sua. Era como se o toque dos nossos lábios tivesse
realinhado cada uma das órbitas dos planetas do Sistema
Solar. Era como se eu tivesse sido realinhado.
Desci minha mão para a sua cintura, sentindo sua
camiseta de tecido fino se enroscar e expor sua pele. Meu
toque naquela região arrancou um gemido baixo da sua
boca contra a minha que só fez meu pau endurecer ainda
mais. Lia tinha gosto de casa. Tinha cheiro de lar.
Parecia ter o encaixe perfeito entre os meus braços.
― Senti falta disso. ― Dessa vez, a fala de Lia aqueceu
outra parte do meu corpo. Uma que vinha tentando não
pensar porque era loucura ter me apaixonado por ela. Mas
eu não queria mais ignorar.
Mordi seu lábio inferior, puxando devagar entre os
dentes até que escapasse de volta à sua boca.
― Eu também senti, Liazinha. ― E cedendo a vontade
que eu impedi por tanto tempo de aflorar, coloquei um beijo
na ponta do seu nariz. O sorriso que ela abriu era o
suficiente para me deixar mais feliz do que todos os dias das
últimas semanas, mas a mão que ela colocou bem em cima
do meu pau, foi melhor ainda.
Lia massageou por cima da roupa, me masturbando de
um jeito que me fez querer rasgar cada pedaço de tecido
que nos separava um do outro e me enterrar dentro do seu
corpo. Subi minhas mãos pela sua blusa, suspendendo o
tecido para encontrar sua pele. Ela me ajudou na tarefa,
puxando a própria peça sobre a cabeça e ficando nua da
cintura para cima. Seu peito perfeito e redondo parecia
implorar para ser chupado. E minha língua implorava na
mesma intensidade.
Envolvi sua auréola com os lábios, sugando de um lado
e apertando com a mão o outro. Poucas coisas na minha
vida eram mais eróticas do que ouvir Lia Bellini gemendo
pelos efeitos da minha boca. Desci minha mão, procurando
pelo cós do seu short curto do pijama.
― Me toca ― pediu, mais gemendo do que falando.
Encontrei o início do seu short e invadi com a mão. Porra, Lia
estava sem calcinha. Com o espaço entre as pernas
completamente encharcado antes mesmo que eu a tocasse.
― Sem calcinha? ― provoquei, me afastando do seu
peito só para sorrir. Mordi de leve o seu mamilo, sabendo
que aquilo a excitaria exatamente da mesma forma como
tinha sido na primeira vez.
― É mais refrescante. ― Deixei uma risada escapar da
minha garganta e dedilhei seu clitóris inchado. Sua coluna
arqueou contra o colchão em um reflexo do meu toque.
― Sabe o que é ainda mais refrescante? ― Não esperei
por uma resposta. Não quando minha boca já estava
salivando de vontade de sentir o gosto dela de novo. ―
Minha língua em você.
O som que saiu da boca de Lia na sequência parecia
uma mistura de grunhido com algum palavrão indiscernível.
Especialmente quando desci minha boca pela sua barriga.
Mordendo de leve e sentindo seus pelos se arrepiarem no
percurso. Envolvi minhas mãos na costura do short e desci
pelas suas pernas de uma vez.
Não consegui deixar de ficar vidrado por ela. Pelo
formato do seu corpo. Pela sua respiração ofegante cada vez
que minha mão a tocava. Pelos seus lábios entreabertos e as
bochechas coradas de prazer.
Resvalei um dedo por toda a sua abertura, sentindo a
umidade acumulada na região. Ergui meus olhos para
encará-la e me surpreendi ao ver que Lia estava apoiada nos
cotovelos me observando. Ela queria me assistir. Bom, então
eu daria um ótimo show.
Segurei suas pernas e empurrei para abri-la e me
permitir um melhor acesso. Sem desviar os olhos dos dela,
querendo ver sua reação, eu a chupei. Deslizei minha língua
por toda a sua lubrificação e me detive no clitóris. Suguei e
pressionei meus dentes nas laterais, de um jeito que eu
sabia colocar o prazer num limiar gostoso da dor.
Aparentemente, Lia também tinha aprovado, a julgar pela
forma como jogou sua cabeça para trás e gemeu alto.
Continuei a chupando e enfiei dois dedos dentro dela
de uma vez. Lia flexiona a coluna e bateu no colchão com as
duas mãos, apertando o cobertor até os nós dos seus dedos
ficarem quase brancos. Movimentei só a ponta dos dedos
que enfiei, para frente e para trás, sem parar de chupar seu
clitóris por nenhum segundo. Suas pernas ameaçaram se
fechar, num ato inconsciente frente ao orgasmo que se
aproximava. Usei a mão livre para impedir que ela pudesse
esfregar as coxas. Queria ela aberta para mim. Queria que
ela me assistisse fazendo-a gozar.
Quando circulei os dedos no seu interior e suguei ao
mesmo tempo, senti a sua musculatura me responder em
uma pulsação acelerada que foi acompanhada pelos seus
gemidos se amplificando pelo quarto silencioso. Continuei a
chupando até que seu corpo relaxasse sobre a minha boca.
A visão de Lia de olhos fechados, cabeça pendendo
para trás e os cabelos revoltos ao redor do seu rosto era, de
longe, a paisagem mais linda que eu já tinha visto na vida.
Queria parar nessa fração de segundo, registrar o momento.
Ela era pura e simples poesia.
Rastejei pela cama, até encontrar novamente sua
boca. Nosso beijo tinha o gosto dela, o gosto do seu gozo.
Lia agarrou os braços ao redor do meu pescoço e girou na
cama até que seu corpo estivesse completamente em cima
do meu. Ela sorriu provocante, com uma perna de cada lado
do meu corpo e começou a puxar minha camiseta para
cima. Tirei-a pela cabeça e prendi a respiração quando vi
sua boca avançando na direção do meu pau. Porra, eu
queria aquela boca em mim de novo.
Ela mordeu o lábio inferior e puxou minha calça de
moletom e cueca para baixo, tudo de uma vez. Sentia meu
pau duro pulsar e latejar, desesperado por um alívio que eu
queria encontrar dentro dela. Quando sua boca envolveu
minha glande, levei as mãos à cabeça, pressionando os
olhos enquanto sentia o prazer dominar meu corpo.
Caralho, eu precisava com muito afinco focar em não
gozar, porque a boca mágica da rainha do boquete era uma
espécie de oitava maravilha do mundo que me deixava à
beira do orgasmo.
Lia subiu e desceu a cabeça no meu pau, com a língua
me pressionando em todos os pontos certos. Ela massageou
minhas bolas, deixando que suas unhas sempre
arranhassem propositalmente a minha virilha.
― Você tem camisinha? ― perguntou, parando
brevemente de me chupar.
― Não, eu não esperava que fosse rolar alguma coisa
nessa viagem ― assumi. Seus olhos piscaram algumas
vezes, como se ela estivesse em dúvida sobre a sugestão
que faria. ― Eu não transei com ninguém desde aquela
noite.
― Eu também não. E eu tomo anticoncepcional todos
os dias. ― Eu sabia o que ela estava querendo dizer e porra,
eu queria. Queria muito sentir seu corpo no meu, pele com
pele.
― Monta em mim, Lia. ― Ela impulsionou o corpo
sobre o meu e colocou uma perna de cada lado, seus joelhos
apoiados sobre o colchão macio do quarto de hotel. ― Eu
acho que sonhei com isso por todas as noites desde aquele
encontro às cegas.
― Então vou realizar seu sonho, professor. ― Puta que
pariu. Nunca fui um desses caras que tinha fetiche com esse
tipo de coisa, mas ouvindo a palavra professor sair da boca
de Lia com o seu corpo sobre o meu, eu conseguia entender
a euforia.
Segurei sua cintura com força, ainda deixando todo o
controle nas mãos dela. Ela inclinou o corpo sobre o meu
juntando nossas bocas e aproveitei para avançar com as
palmas para a sua bunda, apertando forte o suficiente para
que ficasse vermelho. Como uma marca minha sobre ela. Lia
propositalmente roçou no meu pau, sua umidade me
lambuzando. Cada movimento que ela fazia com a lombar,
me pressionando e rebolando, levava a minha glande para
mais perto da sua entrada.
Finquei meus dedos com ainda mais força na sua
bunda e Lia soltou um gemido contra os meus lábios. Cada
vai e vem era uma chance que eu tinha para flexionar meu
quadril para cima e implorar para que ela me engolisse. Mas
ela queria me torturar um pouco.
Quando seus braços vieram para o meu peito e ela se
ergueu, eu sabia que estava fodido. Especialmente porque
ela nem precisou usar as mãos para segurar o meu pau na
direção certa para o encaixe. Lia simplesmente mexeu os
joelhos e sentou em mim de uma vez, minha ereção a
penetrando por completo. Nós dois já estávamos tão
lubrificados que eu deslizei inteiro para dentro dela, minhas
bolas amassadas contra a sua bunda gostosa.
― Puta merda, Lia! ― Ela rebolou e cavalgou em cima
de mim, mais uma vez se tornando a visão mais
divinamente deliciosa que eu já tinha visualizado. Eu ia
durar pouco, especialmente depois de um bom tempo sem
transar.
Agarrei seus seios, meus dedos tateando e provocando
até encontrar seu mamilo entumecido pelo prazer. Foi a vez
dela deixar meu nome escapar da sua boca como um
sussurro. Poucos sons eram mais incríveis do que os que Lia
produzia por mim. Desde uma risada quando eu dizia algo
engraçadinho, ou um muxoxo de irritação quando eu
implicava com ela por algum motivo. Mas nenhum deles
chegava aos pés de ouvir a mulher por quem eu estava
completamente envolvido gemendo meu nome.
Acariciei seu corpo, observando o quanto seu rosto ia
mudando cada vez que meu pau entrava e saía dela.
Segurei seu cabelo ao redor do meu pulso, só para dar um
leve puxão que eu sabia que a tiraria do eixo.
― Ah! ― ela soltou um gritinho agudo mas sentou em
mim com ainda mais velocidade. Eu já estava sentindo meu
pau latejando, tão duro que eu sabia estar prestes a
explodir. Me controlei o suficiente até perceber que Lia
estava tão perto quanto eu.
Quando suas bochechas ficaram vermelhas e sua boca
entreabriu, eu sabia que ela ia gozar. Como raios eu tinha
aprendido isso só em uma noite com ela, não fazia ideia.
Segurei sua bunda e impulsionei meus quadris enquanto ela
rebolava. O único som que nós dois ouvíamos no quarto era
dos nossos suspiros. Lia já tinha esquecido a tempestade do
lado de fora há muito tempo.
Quando ela gozou, me apertando por dentro como se
estivesse me drenando, eu me permiti explodir todo em seu
interior. Porra, fazia muito tempo que eu não transava sem
camisinha com alguém e era estranhamente instintivo me
sentir excitado por saber que meu sêmen estava dentro de
Lia.
Ela arremessou o corpo contra o meu, cansada e
ofegante. Passei meus braços em volta da sua cintura fina,
sem conseguir evitar que um sorriso de orelha a orelha
brotasse nos meus lábios.
― Nós fizemos isso. ― Sua voz parecia incerta, quase
como se ela tivesse medo que eu… ― Tá arrependido?
― Olha pra mim ― pedi. Seus olhos castanhos
grudaram nos meus. ― Eu não me arrependeria disso por
nada. ― Automaticamente, ela pareceu mais aliviada, como
se minhas palavras tivessem tirado um peso enorme dos
seus ombros.
― Eu queria que as coisas fossem mais fáceis ― falou.
Sua mão veio para o meu cabelo, acariciando lentamente. ―
Mas tecnicamente eu não sou sua aluna de verdade. ― Abri
um sorriso.
― Eu gosto de como você pensa, Liazinha. ― Ela se
aconchegou ainda mais no meu corpo. O sexo tinha sido, de
novo, maravilhoso, mas a sensação de tê-la nos meus braços
era ainda melhor.
― O que nós vamos fazer? ― perguntou. Eu gostaria de
poder propor uma solução para a nossa problemática, mas
infelizmente eu não tinha.
― Eu não sei. Mas eu me apaixonei por você. E não
consigo mudar isso. ― A declaração fugiu da minha boca
mais rápido do que imaginei, mas não me arrependi de ser
sincero sobre como me sentia.
Lia arregalou os olhos, mas pela faísca que vi brilhar ali,
eu sabia que meu sentimento era correspondido. O canto
dos seus lábios se ergueram em uma sombra de um sorriso.
― Eu também me apaixonei por você, Thomas.
Eu já sabia, mas aquelas palavras atingiram em cheio o
meu coração de um jeito que eu nunca tinha sentido antes.
Como se agora, pela primeira vez, minhas poesias
ganhassem vida própria.

Acordei com o corpo de Lia encaixado no meu. A


sensação era uma das mais confortáveis que eu já tinha
sentido. Inspirei o cheiro de morango do seu perfume e me
permiti ficar ali com ela de olhos fechados, esquecendo por
mais alguns minutos todo o mundo ao redor. Esquecendo
que ela era minha tutora e que tudo entre nós precisava ser
escondido.
Puxei o celular da mesa de cabeceira e olhei a hora.
Ainda faltavam mais de 2 horas para o início do evento de
encerramento e homenagem do Congresso. Tirei meu braço
de cima de Lia, evitando me mexer muito para não a
acordar. Tinha algo que eu precisava fazer. Algo que eu
precisava fazer desde a noite anterior.
Levantei da cama e fui até a mesa de madeira que
ocupava um dos cantos do quarto do hotel. Procurei por
papel em todos os cantos, mas não achei nada. Até que um
guardanapo amassado apareceu no meu campo de visão.
Bom, seria ele mesmo. Peguei a caneta brinde do Congresso
largada em cima da mesa e me sentei para escrever.

Queria registrar o momento


Parar o tempo
Mergulhar no sentimento

Queria desproibir
Te venerar
Te exibir

Queria te beijar às claras


Não precisar esconder
Cada pedaço do que eu sinto por você

Queria tanta coisa que não podemos ter


Mas por enquanto me contento
Em poder ter você

― Escrevendo? ― a voz sonolenta de Lia me


despertou, me fazendo deixar a caneta cair no chão. Dobrei
o guardanapo, me sentindo ansioso pela primeira vez na
vida com a ideia de alguém ler minha poesia. Especialmente
sendo ela própria a musa inspiradora.
― Só rabiscando um pouquinho ― desconversei.
― Sobre mim? ― perguntou, mordendo o lábio
inferior.
― Sim ― assumi. Ela abriu um sorriso e seu rosto ficou
automaticamente mais vermelho.
― Posso ler? ― Soltei uma risada nervosa.
― Ainda não. ― Guardei o pedaço de papel no bolso
da minha calça de moletom. Caminhei até ela e coloquei um
beijo rápido na ponta do seu nariz. ― Bom dia, Liazinha.
― Bom dia, Thonzinho ― devolveu no mesmo tom
divertido que eu usei. ― Sonhei com você. ― Ergui uma
sobrancelha, ficando subitamente interessado no conteúdo
daquele sonho.
― O que eu fiz nesse sonho? ― provoquei, deixando
um rastro de beijos pelo seu pescoço. Lia arqueou os
ombros, me permitindo um melhor acesso.
― Você beijava meus lábios ― ofegou. Capturei sua
boca na minha, invadindo com a minha língua até que nós
dois precisássemos de ar.
― Desse jeito? ― perguntei. Ela negou com a cabeça.
― Não eram desses lábios que eu estava falando. ―
Parei meus movimentos e encarei a garota. O silêncio de nós
dois durou uns três segundos que caíssemos numa
gargalhada.
― Então, parece que sou eu que vou realizar seu
sonho hoje. ― E sem esperar por mais nada, subi com os
joelhos na cama e me posicionei entre as suas pernas,
descendo seu short curto quase como um flashback da noite
anterior.
Minha língua tocou seus lábios, dessa vez os certos, e
me detive neles por um longo tempo. Sugando e mordendo
levemente todo o entorno do seu clitóris, como se quisesse
deixar seu ponto sensível como o grand finale.
― Isso… é bem melhor… que meu sonho ― gemeu.
Soltei uma risadinha que se transformou em uma vibração
por toda a sua intimidade. Ergui meus olhos para Lia e vi
sua expressão já completamente dominada pela vontade de
gozar.
Cobri seu clitóris com a minha boca e chupei. Me
deliciei com o seu sabor e desci a língua para a sua
abertura. Queria que ela gozasse bem ali, com a minha
língua entrando e saindo do seu corpo. Continuei a
estimulando com os dedos enquanto a penetrava com a
minha língua. Senti suas pernas se fechando ao meu redor.
Lia jogou a cabeça para trás e gozou com força, seu
orgasmo reverberando por toda a minha boca.
― Eu estou muito feliz que a gente decidiu quebrar as
regras. ― Mais uma vez ela conseguiu me arrancar um
sorriso em poucos minutos daquela manhã.
― É para isso que elas servem, não é? Para serem
quebradas ― brinquei. Ela assentiu, colando a boca na
minha em um selinho rápido. ― Agora vem, vamos tomar
um banho juntos que depois, infelizmente, vamos precisar
voltar a fingir que nada aconteceu.
Lia bufou, mas jogou as cobertas para fora e se
levantou, usando nada além de uma camiseta que marcava
seus peitos com maestria.
Tomamos banho e nos separamos para sair do quarto
sem dar chance de alguém nos ver. Fui até o meu próprio
quarto e me vesti para o encerramento do Congresso.
O auditório que abrigaria todos os presentes era o
maior do hotel, com poltronas azuis acolchoadas e uma
fileira de assentos preferenciais para os professores na
frente do local. Sentei ao lado de alguns colegas de
profissão e passei a cerimônia inteira procurando Lia com os
olhos no meio de tantas outras cabeças.
― Queríamos prestar a nossa homenagem ao Professor
Armando Castro, Doutor em Linguística pela Universidade
de Oxford e docente da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Infelizmente, ele segue se recuperando de uma
cirurgia e não pode estar conosco nesse evento que sempre
o fez tão realizado. ― Uma das professoras responsáveis
pela organização do evento era a responsável pelo
encerramento. Uma foto de Armando em frente ao prédio de
Letras da UFRJ ocupou todo o slide. ― Armando é, não só
um acadêmico ilustre com o qual sempre aprendemos mais
como também um dos idealizadores deste Congresso há
vários anos atrás. Esperamos que no ano que vem voltemos
a ter a presença dele conosco.
Aplausos soaram por todo o salão. Armando era, de
fato, um dos professores mais brilhantes que já tinham
passado pela minha vida. E eu sabia que praticamente todas
as pessoas que tinham o privilégio de serem seus alunos se
sentiam da mesma forma. Ele era uma espécie de John
Keating da Sociedade dos Poetas Mortos, aquele tipo de
professor que mudava a vida de todo mundo que cruzava o
seu caminho.
― E para finalizar vamos distribuir as menções
honrosas para os melhores trabalhos apresentados esse ano.
Ressaltamos que nos sentimos bastante honrados em
receber tantos projetos incríveis sendo realizados tanto por
alunos de graduação quanto da pós-graduação. É bom saber
que apesar de termos um governo que não investe nas
Universidades Públicas, continuamos formando excelentes
profissionais e pesquisadores. ― Uma série de nomes foram
sendo chamados em ordem alfabética. Eu estava ansioso
por um em especial, que eu tinha guardado segredo só para
poder ver sua reação de felicidade de camarote. ― Lia
Bellini com o trabalho intitulado “A poesia como instrumento
de ensino da literatura”. ― Aplaudi com todo o orgulho e
entusiasmo que eu sentia. Esperava que ninguém
percebesse que os meus aplausos soariam mais altos para
essa aluna em especial.
Vi o momento exato quando ela se levantou, com as
mãos na boca em uma expressão de choque e surpresa e
caminhou em direção ao palco para receber o certificado de
honra. Lia tinha conseguido em pouco tempo me tornar
mais do que alguém apaixonado por ela. Eu era um fã, um
admirador. Eu sentia um respeito enorme pela profissional
que ela era e pela escritora que se tornaria. Por sorte,
teríamos a viagem de volta inteira para que eu pudesse
parabenizá-la muitas e muitas vezes. E quando
chegássemos em casa, quem sabe, mais uma
comemoração.
18. Lia

Você me perguntou o que eu estava pensando


Enquanto observava você
Eu estava te memorizando
Pois me sinto completamente à sua mercê

Quero lembrar da cor brilhante dos seus olhos


Enquanto eles encaram os meus
A quentura da sua pele em contato com a minha
O seu cheiro impregnado em meu travesseiro
E o gosto adocicado do seu beijo

Quero conhecer cada pedacinho seu


Por dentro
E por fora
Quero aproveitar enquanto você é meu

Não me importo se é certo ou errado


Já não me imagino mais sem você
Te quero mesmo que seja apenas nesse quarto
Ainda que mais ninguém possa saber

Se isso for um sonho, por favor, não me acorde


Quero sempre me sentir assim
Sinto que finalmente achei em você
A parte que faltava em mim

― Você está me olhando estranho ― Thomas acusou.


― Eu estou te admirando, é diferente ― defendi-me.
― É meio assustador.
― É romântico ― rebati, dando um empurrão de leve
nele.
Nós dois estávamos deitados na minha cama,
abraçados, há pelo menos uma hora e sinto que poderia
ficar assim o resto da minha vida. Quando Thomas
estacionou o carro em frente ao meu apartamento, depois
de mais de cinco horas de viagem de volta de Paraty para o
Rio de Janeiro, achei que seria educado agradecê-lo de
alguma forma. A forma escolhida, é claro, foi transando.
― No que você está pensando? ― quis saber ele.
― Tem certeza que não quer ficar mais um
pouquinho? ― perguntei enquanto acariciava a parte
interna do seu antebraço.
― Querer eu quero, linda, mas…
― Nada de bom vem depois de um mas.
― Eu ainda não terminei de preparar a prova de
amanhã. Preciso ir pra casa fazer isso.
― Você deveria pedir demissão ― brinquei. Senti seu
abdômen mexer com a risada que escapou de seus lábios.
― Isso solucionaria muito dos nossos problemas ―
respondeu. Senti meu coração apertar dentro do peito com
a declaração. Eu odiava que essa frase, ainda que dita em
forma de brincadeira, carregasse tanta verdade.
Thomas depositou um beijo na ponta do meu nariz
antes de separar nossos corpos, levantando da cama. De
repente, o móvel pareceu grande demais… Vazio demais.
Assisti enquanto ele catava as peças de roupas espalhadas
pelo chão do meu quarto e as vestia em uma espécie de
strip-tease reverso. Será que algum dia cansarei da visão
que esse homem me proporciona? Sinto que agora poderia
assisti-lo enquanto observa uma parede recém-pintada
secando e ainda assim não me cansaria.
― Nos vemos amanhã na aula ― despediu-se, depois
de me dar mais um beijo na boca que quase me deixou sem
ar.
― Até amanhã, professor.
Viajar é ótimo, mas não há nada como dormir na
minha própria cama. Minha noite só não foi perfeita porque,
infelizmente, Thomas não tinha dormido ao meu lado. É
fácil demais se acostumar com coisas boas, como dormir de
conchinha com o meu professor.
Eu estava tão cansada da viagem que decidi tirar uma
soneca e, quando dei por mim, já estava em cima da hora
de sair de casa. Nada de café da manhã para Lia Bellini hoje.
Tomei um banho rápido, vesti minha roupa de trabalho
antes e fui correndo para a UFRJ.
― Bom dia, pessoal! ― cumprimentei assim que entrei
na sala de aula.
Quase todos os lugares já estavam ocupados. Era
impressionante como em dias de prova os alunos sempre
chegavam mais cedo. Alguns deles, inclusive, eu sequer
conhecia o rosto pois não tinham ido a uma única aula.
Puxei uma das cadeiras e a posicionei ao lado da mesa de
Thomas. Em geral, nós não sentávamos lado a lado, mas,
como hoje era prova, a dinâmica seria um pouco diferente.
Thomas chegou quinze minutos depois com um copo
de café em uma das mãos e um pacote repleto de papéis,
que eu sabia que eram provas, na outra.
― Bom dia! ― ele colocou as coisas que segurava na
mesa, recostando-se nela. ― Quero começar pedindo que
vocês se sentem a uma cadeira de distância do colega da
frente.
Ouvi quando alguns dos estudantes murmuram sobre
como não estavam mais no Ensino Médio, mas Thomas
seguia com sua postura de professor, sério e com os braços
cruzados na frente do peito, esperando que fizessem
exatamente o que ele havia ordenado. Eu não deveria me
sentir excitada com essa visão, mas era inevitável. Em
seguida, após dar as instruções necessárias, Thomas passou
em cada uma das carteiras entregando a prova impressa.
― Vocês terão o tempo de aula inteiro para finalizar a
prova. Não precisam ter pressa. Boa sorte a todos ―
desejou.
― Tem alguma coisa que eu precise fazer? ― sussurrei
quando ele se sentou ao meu lado.
― Só fica de olho neles para mim. E se observar
qualquer movimento suspeito, pode interferir sem medo.
Vou aproveitar esse tempo para corrigir parte dos trabalhos
que faltam ― falou. Assenti.
Puxei um caderno e uma caneta de dentro da minha
bolsa e, enquanto vigiava os alunos, aproveitei para
rascunhar algumas frases soltas que surgiam em minha
cabeça. Sorte a minha conseguir focar em mais de uma
coisa ao mesmo tempo.

Meu coração dispara toda vez que te vejo


Não consigo mais conter esse desejo
Te quero hoje, agora, por inteiro
Meu amor, sei que isso não é passageiro

Algum tempo depois senti minha barriga roncar de


fome. Eu tinha saído de casa às pressas e tomei apenas um
copo de água. Por que os filmes e livros nunca mostram essa
parte nada glamurosa da vida da jovem adulta que mora
sozinha?
Arranquei uma das folhas do caderno e, como fazia
quando era criança sem acesso ao celular, escrevi um
bilhetinho para o homem sentado ao meu lado.

Lia: Será que ainda vai demorar? Estou morrendo de


fome!
Thomas: Também tô com fome, mas de outra coisa…
Lia: Posso saber do que?
Thomas: De você, Liazinha.

Senti tudo de dentro de mim se revirar, de uma


maneira extremamente prazerosa, ao ler aquelas palavras.
Deixei meu olhar percorrer a sala de aula antes de devolver
o papel com minha resposta. Queria me certificar de que os
alunos estavam com a atenção focada em suas provas e não
no que estava prestes a acontecer entre seu professor e a
tutora.

Lia: Dizem que tenho um sabor delicioso.


Thomas: O melhor que já experimentei. Queria te
comer aqui nessa sala.
Lia: Acho que a coordenação não aprovaria esse
comportamento… Principalmente com os alunos presentes
no ambiente.
Thomas: Mas o que você acha sobre essa ideia?
Lia: Eu adoraria ser comida nessa sala de aula,
professor. E não iria me importar com quem estivesse vendo.

Apesar do semblante neutro em seu rosto, eu sabia que


Thomas estava ficando excitado com o rumo da nossa
conversa. Eu conseguia saber isso pela forma como ele
disfarçadamente mordia seu lábio inferior e até mesmo pela
maneira como seu peito parecia subir e descer conforme sua
respiração ficava mais ofegante.

Thomas: Talvez eu devesse cancelar essa prova agora


e colocar todos para fora, menos você.
Lia: E o que você faria comigo?
Thomas: Te ensinaria a ter boas maneiras na sala de
aula.
Lia: Eu tentaria ser a melhor aluna possível… Mas
talvez eu fizesse uma coisa ou outra errada apenas para que
você me colocasse de quatro na sua mesa e me punisse com
deliciosos tapas na bunda.
Thomas: Te colocar de joelhos na minha frente
também seria uma ótima forma de te punir.
Lia: Tem certeza? Minha boca discorda. Ela é ótima em
provocar quando quer. E ela com certeza provocaria você,
professor.
Thomas: Acho que nós dois iríamos ser deliciosamente
punidos então.

― Pode colocar aqui? ― Dei um pulo na cadeira ao


ouvir a voz de Bruna próxima demais da gente. ― Tá tudo
bem, Lia? Você parece meio… pálida. Já pensou em tomar
um solzinho?
A garota estava parada em frente à mesa do professor
segurando a prova com as mãos. Automaticamente coloquei
meu braço em cima da folha do caderno, onde Thomas e eu
estávamos fazendo uma espécie de sexting em formato de
bilhete, para impedir que a garota enxergasse qualquer
coisa.
― Está tudo ótimo. Pode colocar a prova aqui ―
Apontei para o espaço vazio. ― E não esqueça de assinar a
lista de presença antes de ir embora.
A garota assentiu e fez exatamente o que eu havia
pedido. Antes que ela atravessasse a porta de saída, outro
aluno já se levantava para entregar a sua prova também.
Com os alunos terminando suas provas e vindo até a mesa
para deixá-las, a brincadeirinha que Thomas e eu havíamos
começado minutos atrás teve que chegar ao fim. Mas com
certeza eu arrumaria a chance de terminá-la assim que
possível.
― Eu preciso muito da sua ajuda! ― Mili falou assim
que sentei na mesa do escritório onde nossa aula particular
aconteceria.
― O que aconteceu? Não me diga que a UERJ mudou os
critérios de avaliação para redação no vestibular… ―
perguntei preocupada.
― Que? Não, não. Não tem nada a ver com vestibular.
Mas tem tudo a ver com pré-vestibular, de certa forma ―
respondeu.
― Mili, você está me deixando ainda mais confusa.
A garota fez sinal para que eu esperasse, caminhou até
a entrada do escritório, abriu a porta, deu uma olhada no
corredor e fechou-a logo em seguida. Quando sentou mais
uma vez ao meu lado na mesa de estudos, voltou a falar.
― Ano passado fiz pré-vestibular com um menino
chamado João Pedro e… Eu meio que gostava dele.
Resumindo a história, ele passou para Direito na UFRJ e eu
respondi a publicação dele dando parabéns. A gente
começou a conversar pelas redes sociais e ontem ele pediu
meu número de celular e me chamou para sair!
― Mili! Isso é ótimo. Mas… onde eu entro nessa
história? Por que você precisa da minha ajuda?
― Porque eu quero um conselho de alguém mais velha.
― Estou na dúvida se isso foi um elogio ou não. Você
sabe que sou apenas alguns poucos anos mais velha que
você, né?
― Desculpa, Lia, não quis te ofender! É só que você é
linda e deve ter garotos te chamando para sair o tempo
todo… ― Soltei uma risada. ― E, bom, você tem alguns
poucos aninhos a mais de experiência que minhas amigas
também ― completou em tom de brincadeira.
― Você quer ir nesse encontro? ― perguntei, embora já
soubesse a resposta.
― Acho que sim… Quer dizer, ele faz Direito. Pode me
dar algumas dicas, né?
― Quero uma resposta sincera, Mili ― provoquei.
― Tudo bem. Eu quero mais que tudo. O JP é lindo,
simpático, inteligente…
― Então qual é o problema?
― Eu nunca saí com um menino antes. Nunca tive um
primeiro encontro. E se eu estragar tudo?
― Você não vai estragar. Primeiro, vocês já estão
conversando pela internet, certo? ― Ela assentiu. ― No
encontro vocês vão apenas continuar conversando, só que
pessoalmente.
― E se faltar assunto?
― Não vai faltar… Mas, se o assunto acabar, você dá um
beijo na boca dele e fica tudo certo.
― Você não está levando isso a sério, Lia ― reclamou.
― É claro que estou. Você acha mesmo que ele não
quer te beijar?
― Às vezes ele quer só uma amiga para conversar
enquanto come uma pizza.
― Ele quer uma amiga para conversar, comer pizza e
dar uns beijos. Lembre-se de pedir pizza sem cebola, você
não quer um beijo com hálito ruim. É péssimo.
― E se… Eu beijar mal? Só beijei dois meninos a minha
vida toda. O JP deve ter beijado um monte de garotas.
― Isso não quer dizer nada, Mili. Ele pode ter beijado
várias meninas e ser péssimo beijador também. ― A garota
soltou um longo suspiro. ― É normal ficar ansiosa antes de
um encontro, ainda mais com um garoto que a gente já tem
uma quedinha. Mas se você for pensar em tudo que pode
dar errado, você não vai nem sair de casa.
― Então o que eu faço?
― Pense em tudo que pode dar certo e foque nisso.
Deixa para se preocupar com o que pode dar errado se algo
de fato der errado. Até lá, só curte esse momento. Já pensou
no que vai usar? ― Ela abriu um sorriso.
― Já. Uma das minhas amigas é super entendida de
moda e ela vai vir aqui para casa me ajudar a me arrumar
no sábado.
― Vai ser incrível, você vai ver só. E na próxima aula
vou querer saber todos os detalhes desse encontro.
― Pode deixar que vou te contar tudinho. Muito
obrigada por tudo, Lia.
― De nada. Mas, agora, temos que trabalhar.
― E qual vai ser o tema de hoje?
― Amor na contemporaneidade ― falei com um sorriso
no rosto. Mili revirou os olhos.
― Você fez isso para implicar comigo?
― Jamais, Mili. Eu sou uma profissional muito séria ―
respondi. ― Quero um texto de, pelo menos, 25 linhas.
A aluna pegou um dos seus lápis no estojo e começou a
escrever sem nem precisar pensar muito. Nada como uma
paixão para deixar as pessoas inspiradas.
Assim que entrei no meu carro, no final da aula com
Mili, meu celular vibrou com uma mensagem de Jade me
chamando para comer pizza na sua casa. Aparentemente,
minha prima tinha comprado uma pizza enorme, mas sua
colega de quarto não estava em casa para comer com ela.
Eu aceitei o convite.
Jade abriu a porta, minutos depois, com um sorriso no
rosto. Nos cumprimentamos com um abraço e fomos direto
para a cozinha, aproveitar que as pizzas ainda estavam
quentinhas e prontas para serem comidas.
― Onde Aurora está? ― perguntei, sentando-me na
mesa do apartamento que as duas dividiam e pegando um
pedaço da pizza de queijo de dentro da caixa de papelão.
― Na casa dos pais. Ela ia voltar hoje, mas acabou
decidindo ficar por lá e voltar só amanhã. O que é ótimo
porque temos a casa só para nós duas e eu quero saber
tudo.
― Tudo o que? ― Me fiz de desentendida.
― Lia Lopes Bellini, você sabe muito bem. Inclusive,
não acredito que você já voltou de viagem há dois dias e
ainda não me contou nada ― reclamou.
― Foi mal, Jadinha. Eu estava meio enrolada com
algumas coisas.
― Eu vou te perdoar quando você me contar o que
rolou. Vocês transaram?
― Sim ― respondi sentindo um sorriso se formar no
meu rosto.
― Detalhes! ― implorou.
― Já estava rolando um clima entre nós dois desde a
carona, sabe? E aí, na sexta-feira, a gente se encontrou na
praia e parece que a tensão sexual foi crescendo cada vez
mais. De noite, quando voltamos para o hotel, houve uma
tempestade monstruosa em Paraty que fez com que faltasse
energia elétrica no hotel. Você sabe como me sinto com
tempestades… E aí, para resumir a história, o Thomas me
viu andando de um lado para o outro no corredor como uma
doida e se ofereceu para me fazer companhia e me distrair
até que a tempestade se acalmasse.
― É, fica difícil mesmo prestar atenção na tempestade
quando se tem um pau dentro de você. ― Soltei uma risada.
― O sexo foi tão bom quanto da primeira vez?
― Foi ainda melhor, Jade. Parece que fica cada vez
melhor.
― Pera aí… Então vocês transaram de novo depois de
Paraty?
― Algumas vezes ― confessei.
― Lia tá namorando, Lia tá namorando ― implicou.
― Muito adulto da sua parte, Jade. ― Peguei a
tampinha do refrigerante que estava ao meu lado e joguei
na direção dela. ― A gente não rotulou o que estamos
tendo. Mas… Ele disse que estava apaixonado por mim. E eu
confessei que também estava apaixonada por ele.
― Isso é muito melhor do que um pedido clichê e brega
de namoro. Quando vou conhecer meu primo
pessoalmente?
― Não sei ― confessei, triste. ― Você sabe que as
coisas não são tão simples. Ele ainda é meu professor. Isso
entre nós dois, não importa o nome que a gente der,
continua sendo errado aos olhos da direção da universidade.
― Manda a universidade se foder! Vocês são tipo alma
gêmeas ligadas pelo destino.
― Eu só… ― suspirei fundo. ― Queria que fosse mais
fácil.
― E o que vocês pretendem fazer? Namorar escondido?
― Assenti.
― É a única opção, pelo menos por enquanto. Eu gosto
muito dele, Jade. Prefiro ter o Thomas só para mim, sem que
ninguém saiba, do que não o ter de forma alguma. Óbvio
que eu queria poder sair por aí andando de mãos dadas com
ele ou beijá-lo na boca no meio do Fundão sem correr o risco
de estragar nossas carreiras.
― Um mestrado não dura para sempre, prima. Vocês
vão poder fazer tudo isso em breve. Vai passar rapidinho.
― Espero que você esteja certa. ― Dei mais uma
mordida na fatia que eu segurava.
― Você não sabe? Eu sou a dona da razão. Estou
sempre certa ― brincou. ― E pode deixar que seu segredo
está seguro comigo. Não vou contar isso para ninguém.
― Eu sei que está. Eu não confiaria em mais ninguém
além de você. Mas agora chega de falar de mim… Quero
saber como anda sua vida. ― Jade soltou uma mistura de
risada com suspiro de frustração.
― Ainda bem que você está sentada, porque a história
é longa…
19. Thomas

― Bom dia! ― Colei minha boca na da mulher


sonolenta com um sorriso na minha cama. Eu ainda não
tinha me acostumado com o fato de que Lia e eu éramos
oficialmente um casal. Bom, o mais oficial que poderíamos
ser.
― Pela sua cara não estamos atrasados ― falou.
Balancei a cabeça em negativa e curvei meu corpo sobre o
dela, deixando que meu peso quase todo ficasse sobre ela.
― Ai, Thomas, você é pesado!
Girei meu corpo para o lado, caindo ao seu lado na
cama. Já fazia vários dias que nós dois passávamos quase
todas as noites juntos e eu, ainda assim, continuava me
sentindo desesperado por ela.
― Você não reclamou do meu peso quando eu estava
em cima de você ontem à noite ― provoquei, envolvendo
sua cintura e a puxando na minha direção para um beijo no
pescoço.
― Se você quiser ficar em cima de mim do mesmo
jeito de ontem à noite, eu vou continuar sem reclamar. ―
Meu sorriso se ampliou ainda mais.
― Eu adoraria, mas se eu cedesse ao meu desejo de
fazer com você exatamente o que está na minha cabeça
agora, acho que nós chegaríamos atrasados para a aula. ―
Lia bufou, alguns fios do seu cabelo castanho voando ao
redor.
― Você vai dormir comigo essa noite? ― pediu, com os
lábios formando um biquinho que eu não poderia recusar
mesmo que ela estivesse me pedindo algo ridículo.
― Eu não consigo ficar longe de você, Liazinha. ― Eu
não precisava confirmar sua pergunta. Minha afirmação era
toda declaração que ela precisava. ― Preparei omelete pra
gente.
A garota fingiu lamber os lábios em antecipação. Sentei
na cama e estiquei minha mão para ela, a ajudando a se
levantar. Lia tinha passado a noite com nada além de uma
blusa minha num tom azul escuro. Varri seu corpo inteiro
com os olhos, sentindo a vontade primitiva de jogá-la de
volta na cama e esquecer que tínhamos responsabilidades
ao longo do dia.
― Que foi? ― perguntou, notando meu olhar.
― Essa blusa fica melhor em você do que em mim ―
falei. Lia sorriu e caminhou até mim, envolvendo meu
pescoço com os braços.
― Então agora é minha. ― Ela grudou a boca na
minha, me dando um selinho rápido antes de se
desvencilhar dos meus braços e seguir para a cozinha do
meu apartamento.
Comemos o omelete que eu havia preparado e
tomamos banho juntos no chuveiro com a desculpa de
economizar tempo. É claro que a última coisa que fizemos
foi economizar algum tipo de tempo.
Já tínhamos estabelecido uma rotina nos dias que
íamos juntos até o campus da UFRJ. Por mais que
quiséssemos aproveitar os minutos de trânsito juntos no
mesmo carro, sabíamos ser arriscado chegar juntos na
faculdade. Não havia nenhuma regra que impedisse um
professor de oferecer carona para a sua tutora, mas… Melhor
prevenir, certo?
Lia e eu dirigimos o trajeto até a Ilha do Fundão e
paramos em lados opostos do estacionamento. Deixei que
ela caminhasse na frente e segui logo atrás, entrando nos
corredores do prédio de Letras e seguindo em direção ao
segundo andar. Em frente à porta da sala de aula onde eu
ministrava a disciplina, dois alunos já se encontravam
sentados no chão esperando que a porta fosse aberta para
que entrassem. E Lia, é claro, estava apoiada com as costas
na parede, me esperando chegar.
― Bom dia, pessoal ― cumprimentei, tirando o molho
de chaves do bolso.
― Bom dia, professor ― foi a voz de Lia que me
respondeu. Contive um sorriso cheio de malícia que eu
adoraria poder oferecer a ela.
Assim que abri a porta, mais alguns alunos começaram
a chegar e ocupar os lugares vazios da sala de aula.
Os poucos meses que eu era oficialmente professor
universitário tinham servido para me dar mais uma certeza
na vida. Por mais que eu amasse escrever e ver meus livros
tomando forma, lecionar era parte de quem eu gostaria de
ser. E isso era uma merda quando eu considerava que Lia
ainda tinha pelo menos mais vários meses como aluna da
UFRJ. Por mais que, ao final desse semestre, não tivéssemos
mais vínculo, que tipo de comentários surgiriam quando as
pessoas soubessem do nosso relacionamento? Eu podia
apostar que não seriam dos mais amigáveis, especialmente
com Lia.
― Bom dia! ― cumprimentei mais uma vez, assim que
a sala já estava quase totalmente completa. ― Alguém aqui
já ouviu falar em perífrase? ― Esperei que algum braço se
erguesse no ar, mas obviamente todos os alunos abaixaram
as cabeças como se eu tivesse me transformado no Basilisco
de Harry Potter e eles não pudessem me encarar. ― Lia?
Pode me ajudar com essa?
― A perífrase é quando o autor substitui um termo por
outra palavra ou frase que traga algum atributo ou
característica referente ao termo substituído. ― Abri a boca
para parabenizá-la, mas minha tutora continuou o discurso.
― Quando esse termo é um nome próprio, por exemplo, a
perífrase se torna uma antonomásia.
― Perfeito, Lia. Você consegue dar um exemplo para
que a turma possa acompanhar? ― pedi. Ela assentiu.
― Quando a gente diz “cidade luz” para se referir à
Paris, por exemplo. Ou “cidade maravilhosa” para o Rio. “Rei
do futebol” para o Pelé… “Dona da indústria musical” para
Taylor Swift. ― Algumas risadas soaram pela sala e até eu
me senti contagiado. Lia seria uma professora universitária
maravilhosa, um dia. Não pude impedir que uma imagem
de nós dois lecionando juntos surgisse na minha cabeça. ―
“Melhor tutora da UFRJ” para Lia Bellini ― concluiu,
brincando. O som das risadas se ampliou ainda mais na sala
de aula.
― Acho que seus colegas concordam com essa
antonomásia ― falei com um sorriso no rosto. ― Eu
concordo também. ― Ofereci um breve olhar na direção
dela, só para que ela soubesse, ainda que sem palavras,
todo o orgulho que eu sentia do seu desempenho.
Caminhei de volta até a minha mesa e cliquei na tela
do notebook para que o slide se projetasse no quadro
branco atrás de mim.
― Camões, por exemplo, fez muito uso de perífrase em
“Os Lusíadas”. ― Na tela, alguns trechos da obra portuguesa
começaram a surgir na tela. ― “E onde o febo repousa no
Oceano” significa nada mais nada menos do que o pôr do
sol. ― Um som de muxoxo de contrariedade despertou
minha atenção. Um dos alunos, o mesmo que havia faltado
com respeito com Lia na sua primeira aula, demonstrava
insatisfação. Olhei na sua direção. ― Algum problema?
― Qual o objetivo? Não era mais fácil só dizer pôr do sol
de uma vez?
― Mais fácil? Com certeza. Mas nada na literatura é
escolhido por ser mais fácil ou difícil. Se fosse assim, por
essa lógica, as poesias não deveriam existir, já que seria
muito mais fácil serem traduzidas em um frase simples ―
expliquei. ― Vamos fazer o seguinte. Se dividam em duplas.
Vocês terão 30 minutos para desenvolver um pequeno
trecho que tenha tanto o uso de perífrase quanto de
antonomásia.
Uma movimentação na turma com as duplas se
dividindo começou. Era possível ouvir os alunos discutindo
ideias e algumas duplas em que claramente só um deles
fazia todo o trabalho. Sentei na minha cadeira, pulando
alguns slides para que a definição da figura de linguagem
ficasse disponível para os alunos consultarem.
Senti um olhar queimar sobre mim e eu nem precisava
encarar para saber a quem pertencia. Quando senti meu
celular vibrar dentro do bolso da minha calça, tive ainda
mais certeza. Puxei o aparelho e desbloqueei a tela.

Lia: “O professor mais gostoso assumiu sua cadeira à


frente da classe” Antonomásia

Controlei o sorriso que teimava em surgir no meu


rosto. Levantei os olhos, observando rapidamente a turma
antes de digitar minha resposta. Lia estava concentrada no
celular.

Thomas: Quer saber qual a minha antonomásia


preferida?
Lia: Qual?
Thomas: Rainha do boquete

Eu sabia que ela me daria uma resposta espertinha


que levaria todo o meu fluxo sanguíneo direto para o pau.
Eu já estava para lá de duro e não poderia arriscar ser visto
com a barraca armada na sala de aula. Bloqueei a tela do
aparelho e guardei de volta no bolso. A gente continuaria
esse papo mais tarde.

― De jeito nenhum, Thomas! ― Curvei meu corpo


sobre o dela tentando com muito afinco alcançar o
caderninho que ela carregava para todos os cantos. Ela
tinha acabado de me confessar que tinha escrito pelo menos
três poesias sobre mim e eu queria ler uma. Não era pedir
muito, certo?
― Por favor, Liazinha. Eu te mostro o meu se você me
mostrar o seu ― provoquei, cheio de duplo sentido na minha
frase. Ela tinha se deitado por cima do caderno, impedindo
que eu o alcançasse mesmo que tentasse muito.
Sem que eu esperasse sua mão cobriu meu pau e
começou a massagear por cima da cueca. Senti toda minha
força de vontade de convencê-la a me mostrar ir por água
abaixo. Com a mão de Lia me deixando mais duro do que
pedra, a última coisa que se passava pela minha cabeça era
poesia. O único poema que eu queria nesse instante era me
enterrar dentro dela.
― Você sabe ser muito persuasiva ― falei. Lia soltou
uma risada e impulsionou meus ombros para trás, me
fazendo cair de costas no colchão. Ela montou sobre mim e
tirou a blusa que usava. Eu amava a visão do corpo dela
montado em cima de mim. Mas eu gostava mais ainda
quando ela abaixava os lábios sobre o meu tórax e descia,
depositando uma trilha de beijos em direção à minha
ereção. Que era exatamente o que ela estava fazendo nesse
momento.
― “Meu poema não vai ler. Minha poesia não vou
deixar. Mas um boquete e uma chupada… Isso não posso
negar”. Pronto, aí está sua poesia. ― Soltei uma gargalhada,
sentindo meu peito subir e descer numa mistura de prazer e
diversão.
Seus dedos envolveram o topo da minha cueca e
desceram só o suficiente para que expusesse o meu pau
para fora. Lia me encarou, seus olhos brilhando quando a
ponta da sua língua tocou minha glande. Porra! Eu estava
pronto para fechar os olhos e relaxar dentro da boca dela
quando de repente…
― Isso foi a campainha? ― perguntou. Franzi a testa
confuso. Eu não estava esperando nenhuma visita. Merda, e
bem na hora do boquete! Suspendi a cueca e rolei da cama
para me levantar, procurando minha calça pelo chão.
― Deve ser alguma entrega ou o porteiro. Não se mexe
que eu já volto pra continuar de onde paramos. ― Lia soltou
uma risadinha.
Caminhei até a porta e girei a maçaneta, pronto para
despachar quem quer que estivesse do outro lado e voltar
para a minha garota estirada na cama esperando por mim.
Mas quando abri, não tinha nenhum entregador parado
por ali. Muito menos o porteiro querendo dar algum recado.
― Oi, filho! ― Minha mãe me puxou para um abraço
apertado. Fiquei sem reação, demorando alguns segundos
até conseguir retribuir o gesto.
― A gente trouxe o jantar! ― Helô, minha irmã,
anunciou, suspendendo no ar duas sacolas plásticas
enormes. Forcei um sorriso no rosto e olhei para cada um
dos meus familiares parados ali.
― Vocês vieram jantar? ― Porra, Thomas, que pergunta
idiota! Em minha defesa, não estava raciocinando direito. Eu
amava passar um tempo com os meus pais e a minha irmã,
mas não quando eu estava prestes a ser chupado pela
mulher por quem estava apaixonado.
― Eu tentei convencer as duas de te avisar antes, filho
― meu pai falou, parecendo notar que eu estava
desconfortável com alguma coisa.
― Tá tudo bem, pessoal. Podem entrar, é só que… ―
Tentei me explicar, mas fui interrompido pela voz estridente
de Helô.
― Ah, meu Deus, acho que o Thomas está com uma
garota em casa! ― Ela levou as mãos à boca, como se
tivesse falado alguma besteira. Permiti a passagem dos três
e fechei a porta. Minha mãe, é claro, franziu a testa com
uma expressão de chateação.
― Você não me contou que estava namorando. ―
Passei os dedos pelo meu próprio cabelo, torcendo para que
Lia não viesse ver o que estava acontecendo completamente
pelada como estava.
― É recente, mãe. Mas podemos aproveitar esse jantar
e comer todos juntos. ― Dona Laura Goulart parecia
ciumenta, mas concordou. Eu tinha certeza de que quando
ela conhecesse Lia ia se apaixonar tanto quanto eu.
― E onde está minha nova cunhada? ― Helô tinha um
sorriso de orelha a orelha. ― Vamos marcar um encontro
duplo? Eu, o Gael, você e ela? ― Soltei uma risada.
Nenhuma das duas notou o revirar de olhos que meu pai
deu no canto da sala. Talvez o assunto Gael ainda fosse
delicado para ele.
― Eu vou lá dentro chamar ela e já volto. ― Caminhei
na direção do meu quarto e abri a porta. Lia continuava
pelada, quase na mesma posição que eu havia a deixado,
mexendo no celular. ― Não era entrega.
― O que era então? ― perguntou.
― Ahn… Meus pais. E minha irmã. Com um jantar. ―
Seus olhos se arregalaram e automaticamente ela se sentou
na cama.
― Ai meu Deus, e agora? Como eu vou sair daqui sem
que eles me vejam? Você quer que eu fique escondida aqui
dentro até que vocês…
― Lia ― interrompi. ― Eu quero que você jante com a
gente. Se você quiser, é claro. ― Isso pareceu ter a
surpreendido ainda mais.
― Você quer me apresentar pra eles? ― Balancei a
cabeça em concordância. ― E se eles descobrirem que eu
sou sua aluna? ― Caminhei até ela na cama.
― Meu pai já sabe sobre você antes mesmo da gente
estar oficialmente juntos. E de qualquer forma, eles jamais
pensariam qualquer coisa de errado sobre isso. ― Coloquei
um beijo na ponta do seu nariz e sorri. ― E aí? Topa jantar
com a gente?
Lia ergueu os olhos para mim e abriu um sorriso,
assentindo devagar.
― Por mais nervosa que esteja, eu topo. ― Suspendi
seu corpo da cama e ela envolveu as pernas ao redor da
minha cintura.
― Eles vão te amar. É impossível não amar você. ― As
palavras escaparam da minha boca sem que eu tivesse
conhecimento. Nós dois ainda não tínhamos dito que nos
amávamos, pelo menos não em palavras.
― Assim espero. ― Lia andou pelo quarto, procurando
as peças de roupa que tínhamos jogado para os cantos.
Assim que ficou pronta, ela respirou fundo como se
estivesse prestes a correr uma maratona e parou ao meu
lado. ― Estou pronta. ― Contive a vontade de rir e
entrelacei meus dedos nos dela.
Saímos do meu quarto e caminhamos em direção à
sala, onde minha mãe já tinha dado um jeitinho de dispor a
comida sobre a mesa com tampo de vidro. Assim que
aparecemos no batente, Heloísa foi a primeira a perceber.
Ela correu imediatamente na nossa direção, praticamente
dando pulinhos de empolgação.
― Oiii, eu sou a Helô, a irmã mais nova do Thomas.
― Oi, Helô, eu sou a Lia. O Thomas fala muito sobre
você. ― Lia soltou a mão da minha e abraçou minha irmã,
que pareceu ficar ainda mais feliz com o gesto.
― Vem cá ― sussurrei no ouvido dela, puxando-a na
direção da minha mãe. ― Mãe, essa é a Lia, minha
namorada. ― A senti ficar congelada por um segundo. Era a
primeira vez que eu a chamava desse jeito. Por mais que
não tivesse feito algum tipo de pedido especial, eu já a
considerava assim desde a noite que decidimos nos dar uma
chance. ― Lia, essa é a minha mãe, Laura.
― Muito prazer, Laura. ― Minha mãe provavelmente
não percebeu o quanto Lia estava tensa, mas eu conseguia
notar os breves tremores que ela dava ao se aproximar.
― Ah, o prazer é todo meu, Lia. Desculpe chegar sem
avisar, não queríamos ter atrapalhado vocês.
― Não tem problema, mãe ― falei, colocando
rapidamente um beijo no topo da sua cabeça. Meu pai se
aproximou com um sorriso no rosto e esticou a mão na
direção da minha namorada.
― Oi, Lia. Fico feliz de finalmente poder te conhecer! ―
Lia apertou sua mão com um sorriso no rosto.
― O prazer é meu, senhor Goulart. ― Ela olhou entre
nós dois. ― Vocês se parecem muito ― comentou.
― Linda, eu sou muito mais bonito ― impliquei. Meu
pai fingiu fechar a cara em reprovação.
― Vocês dois não comecem! ― Foi a vez da minha mãe
repreender. ― Lia, querida, você gosta de espaguete à
carbonara?
― Eu adoro. Quer ajuda para colocar a mesa? ― Minha
mãe me ofereceu um olhar de aprovação e assentiu para a
garota.
Nenhum adulto precisa da aprovação dos pais para um
relacionamento. Mas eu amava minha família e era
importante para mim que eles gostassem de Lia. Eu sabia
que não tinha como não se render aos encantos da minha
namorada. Senti meu pai se aproximar do meu lado e
colocar um braço ao redor dos meus ombros.
― Então vocês finalmente se acertaram. ― Respirei
fundo, pensando que por mais que fôssemos um casal,
ainda não podíamos agir como um em todos os lugares. Isso
era uma merda.
― Eu me apaixonei por ela, pai. Não consegui impedir
― assumi. Ele assentiu.
― Às vezes, não faz sentido tentar impedir.
Principalmente quando parece ser certo.
E aí estava: nada na minha vida nunca pareceu tão
certo quanto Lia. Desde o primeiro e-mail, ela só parecia…
parte. Como se sempre tivesse estado na minha vida de
algum modo. Ainda que só nos meus pensamentos. E agora
que eu finalmente a tinha do meu lado, ia fazer de tudo
para dar certo.
20. Lia
Quinta-feira, depois de dar minha última aula
particular, entrei no carro e comecei a dirigir em direção a
Itaperuna. O feriado prolongado era a oportunidade perfeita
para visitar minha família, que eu não via pessoalmente há
alguns meses. Coloquei o endereço da casa dos meus pais
no aplicativo de navegação por GPS e segui o melhor
caminho indicado por eles.
Já estava dirigindo por algumas horas quando, bem no
meio da subida da Serra, senti minha bexiga atingir o seu
limite de cheia. Eu precisava urgentemente parar para ir ao
banheiro. Quando a placa indicando a entrada de
Teresópolis apareceu em meu campo de visão, não pensei
duas vezes e fiz a curva para entrar na cidade. Dirigi por
poucos minutos até que achei um restaurante chamado
Petite Poirot. Estacionei meu carro em uma das vagas vazias
e entrei no estabelecimento.
— Boa tarde! Mesa para quantos? — a recepcionista
perguntou, atenciosa.
— Mesa para um, mas você poderia me mostrar onde
fica o banheiro antes? Eu estou meio apertada — falei.
— Segue esse corredor até o final e vire à direita.
Depois é só me procurar e vou te levar até sua mesa. —
Assenti.
Fiz o caminho que ela havia me ensinado e senti o
mundo se tornando automaticamente um lugar melhor ao,
finalmente, conseguir esvaziar minha bexiga. Uma das
melhores sensações do mundo é, com certeza, fazer xixi
depois de segurar a vontade por muito tempo.
Depois de lavar as mãos, saí do banheiro e procurei
mais uma vez pela mulher que havia me atendido. Ela me
indicou uma mesa para sentar e me trouxe o cardápio. Uma
foto de um casal jovem e sorridente enfeitava a primeira
página, onde contava a história do local. Todas as opções de
comida pareciam deliciosas, mas acabei optando por pedir
um sanduíche e um café, que me ajudaria a ficar acordada
pelo resto da viagem até em casa.
— Gostaria de pedir mais alguma coisa? Nossas
sobremesas são deliciosas e super famosas na cidade. Todas
são feitas pelas mãos incríveis da chef confeiteira Sara
Vianna, também conhecida como eu mesma — falou
sorridente. Só então percebi que a mulher que me atendia
era a mesma que aparecia na primeira página do cardápio,
apesar de agora aparentar ser um pouco mais velha do que
quando o registro fotográfico foi feito.
— Tem algo de doce de leite?
— Temos vários, mas, se quiser uma recomendação,
você deveria experimentar o Sucré Petite. É uma deliciosa
sobremesa com doce de leite, creme de leite e bis. Fiz todos
hoje, ainda estão fresquinhos e ótimos para serem
consumidos.
— Vou querer um desses então — pedi.
A sobremesa estava tão deliciosa que acabei pedindo
mais uma para comer durante o trajeto.
Já estava de noite quando estacionei o carro no
estacionamento do prédio em que meus pais moravam.
Entrei no elevador e apertei o botão que levava até a
cobertura que morei durante maior parte da minha vida.
Apesar de amar morar no Rio de Janeiro, eu sentia falta da
minha vida em Itaperuna.
— Mãe? Pai? — chamei assim que entrei no
apartamento.
— Aqui na varanda, princesa — ouvi meu pai dizer.
Deixei minha mala no chão da sala e fui até a sacada onde
os dois estavam.
— Lia, eu estava morrendo de saudade! — mamãe
correu ao meu encontro, me abraçando com força. — Você
está linda, minha querida.
— Eu também estava morrendo de saudade. De vocês
dois. — Minha mãe me largou mas o calor do seu corpo logo
foi substituído pelo do meu pai, que me prendeu entre seus
braços em um gesto carinhoso.
— Como foi a viagem, princesa? — ele quis saber.
— Foi tudo tranquilo. Tive que fazer uma parada em
Teresópolis para fazer xixi porque não estava mais
aguentando segurar e aproveitei para comer em um
restaurante delicioso. Vocês precisam ir lá conhecer um dia.
— Talvez possamos fazer um final de semana
romântico na Serra, amor. O que você acha? — minha mãe
perguntou para meu pai.
— Eu vou amar, linda — papai respondeu.
Meus pais estavam juntos há mais de vinte anos e,
ainda assim, qualquer um que passe cinco minutos com os
dois consegue ver o quanto eles se amam e são loucamente
apaixonados um pelo outro. Será que Thomas e eu teríamos
essa sorte no amor?
— Isso é o que estou pensando? — perguntei
apontando para a panela no centro da mesa. Meus pais
tinham uma mesa de madeira que ficava na sacada da
nossa casa, com vista para a cidade. E era meu lugar
favorito da casa para escrever, fazer refeições ou só pensar
na vida.
— Estrogonofe… — mamãe começou a dizer.
— Com muita batata palha — papai e eu completamos
ao mesmo tempo, caindo na risada logo em seguida. Teve
uma época que eu só queria comer isso e meus pais tiveram
que ser muito criativos para introduzir outros alimentos nas
minhas refeições.
— E como estão as coisas em Itapê desde que vim aqui
a última vez? — perguntei enquanto me servia.
— Nada muito interessante acontece por aqui, você
sabe — minha mãe começou a falar.
— Não é verdade! Na semana passada um restaurante
da cidade serviu comida estragada sem saber e o HU ficou
tão agitado quanto aquele seriado médico que sua mãe
ama… Qual o nome mesmo, linda?
— Grey’s Anatomy, papai. E a gente sabe que você
também ama, só não quer admitir — impliquei.
— Até parece que na vida real os médicos ficam usando
os espaços do hospital para dar uns amassos igual eles
fazem parecer — papai rebateu, trocando um olhar de
cumplicidade com minha mãe, que abriu um sorriso que eu
conhecia muito bem. Eu mesma já tinha sorrido dessa forma
para garotos várias vezes. Agora já sabemos a quem puxei.
— Ei, eu tô aqui! Por favor, não façam isso! — Imitei
uma expressão de nojo.
— Se bem me lembro, você foi produzida com muito
carinho em uma das salas de descanso… — mamãe falou,
fazendo-me levar as mãos ao ouvido.
— Eu vou voltar pro Rio completamente traumatizada.
É por isso que não venho aqui com frequência — brinquei. —
E meu irmão, alguma notícia?
— Ligou hoje mais cedo avisando que já comprou as
passagens para vir no Natal. Ele está empolgado com as
aulas desse semestre — papai começou a contar sobre a
última conversa que havia tido mais cedo com Heitor.
O jantar com meus pais tinha sido perfeito. Morar
sozinha era ótimo, mas jantar com meus pais era facilmente
uma das minhas coisas preferidas no mundo. Me ofereci
para lavar a louça, mas mamãe disse que eu deveria
descansar depois de dirigir por muitas horas. Dessa vez não
argumentei, pois estava mesmo me sentindo acabada.
Depois de tomar um banho, fui para meu antigo quarto,
que permanecia o mesmo desde que eu tinha ido embora
para estudar anos atrás. As paredes rosas, as estrelas
brilhantes coladas no teto, a prateleira repleta de livros.
Deitei na cama com o celular em mãos, pronta para mandar
mensagem para Thomas.

Lia: Já estou sentindo sua falta :(


Thomas: Eu tbm, Liazinha. Talvez eu possa ir com vc
da próxima vez. Tenho certeza que o senhor Bellini vai
gostar de mim.
Lia: Papai é fácil de conquistar, o problema é meu tio
Rafa. Ele é um pouco ciumento.
Thomas: Aposto que daria um jeito do seu tio Rafa
gostar de mim bem rapidinho tbm. Quais os planos pra
amanhã?
Lia: Meus pais vão fazer um brunch aqui em casa com
tds os meus tios e primos.
Thomas: Vai fazer alguma coisa à noite?
Lia: Não. Meus pais vão trabalhar no plantão noturno e
eu vou ficar sozinha.
Thomas: Então temos um encontro virtual amanhã à
noite. Topa?
Lia: Mas é claro que sim :)
Thomas: Até amanhã, Liazinha.
Lia: Boa noite, Thonzinho.

— Cadê minha afilhada preferida? — Tio Rafa invadiu o


apartamento perguntando na sexta-feira de manhã.
— Eu sou sua única afilhada — respondi em tom de
brincadeira, correndo em sua direção para dar um abraço.
— Trouxe aquele bolo gelado que você gosta, Lia. Vou
guardar na geladeira — tia Helena disse depois de me
cumprimentar com um beijo em cada bochecha.
— Obrigada, tia. Você sabe que não precisava.
— É claro que precisava — foi o tio Rafa quem disse.
— Você está dizendo isso só porque é o seu preferido
também, pai! — acusou Luísa.
— Não conta meu segredo, Lulu — tio Rafa respondeu.
— Onde está o Bernardo? — perguntei assim que
percebi que a família Fritz não estava completa.
— Foi levar o Paçoca para passear. Devem chegar logo
logo — Helena respondeu.
— Lu, vem comigo. Quero te mostrar uma coisa. —
Puxei minha prima pelo braço em direção ao meu quarto.
Entramos no quarto, fechando a porta atrás de nós,
assim como fazíamos quando éramos mais novas e
queríamos privacidade. Luísa e eu sempre fomos amigas
próximas, apesar da pequena diferença de idade.
— O que você trouxe de legal dessa vez? — Lu
perguntou sentando-se na cama. Era meio que uma tradição
eu sempre trazer um presente para minha prima quando
voltava para a casa dos meus pais.
— Tenta adivinhar — sugeri enquanto revirava a mala
em busca do embrulho.
— Aposto que não vai ser mais legal do que aquele anel
que muda de cor conforme meu humor.
— Nada vai superar o melhor presente já dado —
brinquei.
Na minha primeira semana como moradora oficial da
cidade do Rio de Janeiro, inventei de ir em uma feira hippie
com as minhas novas colegas de turma. Um vendedor de
bijuterias nos convenceu a comprar um anel que, segundo
ele, tinha poderes mágicos e, por isso, sua pedra mudava de
cor de acordo com o humor da pessoa. Eu não acreditava
naquilo, mas quando o coloquei no dedo e sua pedra atingiu
o tom roxo, indicando que eu estava muito feliz, minha
opinião mudou. Eu estava mesmo feliz. Morando numa
cidade nova, cursando a minha graduação dos sonhos.
Acabei comprando um para mim e para Luísa.
Quando voltei para Itaperuna, minha prima já estava
ansiosa para saber qual cor a sua pedra ficaria. Assim que
ela o colocou no dedo, não demorou muito para que o objeto
ficasse todo verde. Apaixonada. Com um sorriso no rosto, ela
convenceu meu irmão, Heitor, a colocá-lo também só para
ver no que ia dar. Quando a pedra continuou tingida de
verde, Luísa abriu um sorriso de quem havia ganhado na
megasena.
Nunca tive coragem de contar a ela que, talvez, tudo
não passasse de uma grande coincidência já que o meu anel
nunca tinha mudado para outra cor. E posso apostar que o
dela também não.
— Espero que você goste — disse, entregando a ela o
presente da vez. Luísa rasgou o embrulho e soltou um
gritinho de empolgação quando viu do que se tratava.
— É a paleta de maquiagem que eu queria! Você é a
melhor, Lia. Mas não precisava, deve ter sido caro…
— Então considere esse um presente de aniversário
adiantado, Lulu. — Ela abriu um sorriso. — Já sabe como vai
comemorar?
— Eu consegui convencer meus pais a me deixarem ir
passar o meu aniversário com Heitor. Na verdade, convenci
minha mãe e ela convenceu meu pai. Ele estava com um
pouco de receio de me deixar ir sozinha para a casa do seu
irmão.
— Por que será, né? — impliquei.
— Porque meu pai é um bobo. Assim como você. — Ela
me deu um empurrão de leve com o cotovelo. — Heitor e eu
somos grandes amigos. E eu sinto falta dele aqui.
— Se você quer continuar se enganando, cunhadinha.
— Para com isso, Lia. Eu não gosto mais do Heitor. Era
só uma paixonite de criança.
Antes que eu abrisse a boca para responder, ouvi a voz
nada discreta da tia Sofia ao longe.
— Por que não tem ninguém aqui para me receber?
Luísa e eu nos entreolhamos, sorrindo, e saímos do
quarto para nos encontrar com nossa tia. Sofia e o tio Thiago
não quiseram ter filhos, mas adoravam nos levar para
passear nos finais de semana. Os dois eram divertidos, mas
sabiam brigar e chamar nossa atenção quando necessário
como ninguém.
— Oi, tia Sofia! Você está uma gata — elogiei. Ela
colocou a mão na cintura e deu uma voltinha para que
pudéssemos apreciar seu look por completo.
— Estilosa como sempre — Luísa falou.
— E vocês duas com certeza puxaram a mim, pois estão
cada vez mais lindas também.
Minha mãe e tia Helena estavam terminando de
arrumar a mesa, enquanto meu pai e o tio Rafa preparavam
as bebidas. Eu estava contando as novidades sobre o
mestrado para o tio Thiago e a tia Sofia quando a porta
abriu e o restante dos convidados entraram: tio Gustavo, tio
Dani, Bernardo e Paçoca.
— Finalmente quase todo o clã Bellini, Fritz, Finizzola,
Albertoni-Albuquerque reunido. Será que agora podemos,
finalmente, comer? Minha barriga está doendo de tanta
fome.
— Deixa de ser exagerado, Fritz — papai respondeu.
Sentamos na grande mesa de vidro da sala de estar dos
meus pais e começamos a nos servir. Tinha comida
suficiente para alimentar um batalhão.
— E como está o Felipe? — perguntei para meus tios
Dani e Gusta. O filho deles era o mais velho dos primos e
estava fazendo doutorado em São Paulo.
— Ele está amando a USP. Queria ter vindo nesse
feriado também, mas precisou trabalhar. — De toda a
geração dos filhos, Lipe foi o único que seguiu a profissão
dos nossos pais e tornou-se um médico Pediatra.
O brunch estava uma delícia. E, como em todos os
eventos da nossa família, era sempre divertido e super
barulhento quando todos se reuniam. Mais tarde, depois que
todos foram embora, eu estava ajudando minha mãe a
terminar de guardar a louça limpa quando ela fez uma
pergunta que eu já esperava que fosse vir.
— Eu não pude deixar de notar o sorriso bobo no seu
rosto durante o brunch enquanto você mexia no celular.
Quem era o culpado, hein? — Ela me entregou um dos
pratos secos e o guardei na prateleira.
— Eu estou conhecendo melhor uma pessoa — falei.
— Conhecendo melhor? — Ela me encarou com a
sobrancelha erguida.
— É complicado — confessei.
— Quer ajuda para descomplicar? — Suspirei fundo.
— Não surta, tá? Eu conheci um cara uma noite, fiquei
com ele e foi incrível. Mas no outro dia descobri que ele era
o professor da disciplina que sou tutora.
— Filha…
— Ele tem quase a minha idade, mãe. Acabou de se
formar no mestrado e entrou na UFRJ como professor
substituto. Mas regras são regras, né? A gente não pode se
envolver.
— Mas você já está envolvida, né? — Assenti.
— Eu gosto muito dele, mãe. Quando estou com ele é…
diferente. É como se todo o mundo ao meu redor ganhasse
mais cor, mais vida.
— Ele te faz feliz? — perguntou.
— Como ninguém nunca fez.
Mamãe se aproximou de mim e colocou uma mão em
cada lado do meu rosto, encarando-me no fundo dos olhos.
— Só é errado se descobrirem, Lia.
— Mãe! Você deveria ser a voz da razão! — falei.
— E eu estou sendo, querida. Vocês se amam, são
maiores de idade. Não há nada de errado nisso. Eu sei que
deve ser horrível ter que manter o relacionamento
escondido, mas sua tutoria não vai durar para sempre.
— Você não me acha louca por ter entrado nessa?
— O amor nos deixa loucos, Lia. Se não for para ser
assim, então não estamos amando direito.
— Deixa eu adivinhar: quem disse isso foi a Taylor Swift
— falei.
— Eu te criei incrivelmente bem — respondeu, levando
a mão ao peito, emocionada. — Você me enche de orgulho,
Lia. Não só por saber quem disse essa frase, mas por tudo
que você faz. Por quem você é.
— Eu te amo, mãe.
— Também te amo, minha filha.
Mais tarde, depois que meus pais saíram para
trabalhar, tomei um banho e fiz uma maquiagem de leve
para meu encontro virtual com Thomas. Vesti um cropped
com um decote profundo que destacava meus seios e, na
parte de baixo, optei por ficar apenas de calcinha. Estava
bastante calor em Itaperuna.
Coloquei algumas batatas pré-cozidas na fritadeira
elétrica para comer durante meu encontro. No horário
marcado, o rosto de Thomas apareceu na tela do meu
celular.
— Oi, linda — falou assim que a minha própria imagem
apareceu na tela. — Como foi seu dia?
— Foi incrível, Thomas. Eu estava com tanta saudade
da minha família… — Comecei a narrar sobre o brunch
enquanto Thomas prestava atenção em tudo que eu dizia,
fazendo algumas perguntas às vezes. — E como está sendo
seu feriado?
— Está chato sem você aqui — contou. Levei uma das
batatas até a boca e soltei um gemido de aprovação ao
sentir seu sabor. — Porra, assim fica difícil, Liazinha.
— O que eu fiz? — perguntei, confusa.
— Você está me fazendo desejar ser uma batata frita. —
Abri um sorriso cheio de malícia.
— Quer arrancar gemidos da minha boca também,
Thomas? — provoquei.
— É a minha atividade extracurricular preferida. Amei
essa sua blusa. Você deveria usá-la mais vezes.
— Quer ver o que estou usando na parte de baixo? —
Ele assentiu. Mesmo pela câmera do celular era possível ver
sua pupila dilatada, um efeito colateral da nossa conversa.
Apoiei o aparelho na escrivaninha do meu quarto e me
distanciei o suficiente para que meu namorado visse meu
corpo por completo. Dei uma volta lentamente para que ele
apreciasse quão bonita minha bunda ficava com a calcinha
de renda branca que eu vestia.
— Caralho, Lia… — gemeu.
— É que tá fazendo bastante calor em Itaperuna hoje —
falei em um tom de falsa inocência que eu sabia que o
deixaria maluco.
— Parece que a temperatura aqui no Flamengo
aumentou também — Thomas falou enquanto arrancava a
própria camisa pela cabeça, deixando seu tórax definido à
mostra.
— Queria poder te refrescar de uma forma muito
criativa.
— Como?
— Passando minha língua por cada um desses
gominhos aí — respondi. Thomas soltou uma série de
palavrões. — Acho que não é nada justo que só você esteja
sem camisa, né?
Segurei a barra do meu cropped e comecei a tirá-lo
lentamente, até que meus peitos estivessem
completamente livres. Peguei meu celular da escrivaninha e
caminhei até a cama, apoiando-o na cabeceira, de forma
que Thomas pudesse ver todo meu corpo enquanto eu
estivesse deitada.
— Se toca, Lia. Quero que você imagine que são as
minhas mãos no lugar das suas — ordenou.
— Como você quiser, professor.
Comecei acariciando meu rosto lentamente, levando
um dos meus dedos até a boca e chupando-o, sem tirar os
olhos de Thomas que assistia tudo atentamente. Meu
namorado soltou um gemido alto do outro lado da tela e
distanciou-se um pouco para que eu também pudesse
observá-lo. Ele estava completamente pelado e usava uma
das mãos para acariciar sem pressa o próprio pau, que já
estava duro.
Continuei explorando meu próprio corpo, dessa vez
usando as mãos para brincar com os meus seios, apertando-
os com vontade e usando os polegares para estimular meus
mamilos entumecidos.
— Porra, linda, assim você acaba comigo — Thomas
disse com a voz carregada de tesão quando usei minha
própria boca para chupar e lamber o bico do meu peito. Sua
mão aumentou a velocidade com que se movimentava ao
redor do seu pênis.
Deslizei uma das mãos pelo corpo até alcançar meu
clitóris já inchado, massageando com movimentos circulares
enquanto a outra continuava brincando com um mamilo de
cada vez. Ainda bem que eu estava sozinha em casa pois
não estava fazendo questão de controlar os gemidos de
prazer altos que saíam da minha boca. Thomas, do outro
lado da tela, não estava sendo nada silencioso também.
— Goza pra mim, Lia. Quero gozar enquanto assisto
você gozar — pediu.
— Thomas… — gemi seu nome conforme aumentava a
intensidade da massagem no meu clitóris. Fechei os olhos e
me permiti imaginar que era Thomas ali. Que era o seu dedo
me dando prazer. Os movimentos dos meus dedos
combinados com os sons dos gemidos de Thomas
misturados aos meus próprios gemidos foram o suficiente
para fazer todas as minhas terminações nervosas vibrarem e
não demorou muito para que um orgasmo me atingisse em
cheio.
— Isso foi divertido pra caramba — falei, ainda sentindo
minha respiração voltar ao normal. Do outro lado da tela
dava para ver o abdômen de Thomas, sujo pelo seu próprio
gozo. Seu peito subia e descia rapidamente, também
ofegante.
— Você é incrível mesmo a distância, Lia. Queria poder
te dar um beijo de boa noite agora.
— Eu também — confessei.
— Que horas você chega amanhã? — perguntou.
— Vou sair daqui depois do café da manhã. Acho que
chego por volta das 16h, se tudo der certo.
— O que acha de fazermos alguma coisa juntos para
aproveitar o final do domingo?
— Eu vou amar. A gente poderia… — Deixei a frase
morrer no meio. — Esquece.
— O que foi?
— Eu só… Era uma ideia boba.
— Nada que você fala é bobo, Lia. — Respirei fundo.
— Eu iria sugerir que a gente fosse ver um filme novo
que estreou, mas…
— É arriscado demais — ele completou. Assenti.
— A gente pode ver um filme na sua casa. Prometo que
vou fazer valer a pena e tornar tão divertido quanto ir ao
cinema.
— É sempre divertido quando estou com você — falei,
tentando parecer menos triste. Mas, a verdade, é que eu
queria só poder fazer tudo que os outros casais faziam. Será
pedir demais?
— Preciso tomar um banho e limpar essa bagunça que
você fez.
— Isso é uma reclamação, senhor Goulart?
— De jeito nenhum, linda. Você pode me transformar
numa bagunça dessas a hora que quiser.
— Te vejo amanhã, Thonzinho. Se você for um bom
menino, talvez eu te deixe uma bagunça. De novo.
— Estou contando com isso, Liazinha.
21. Lia

— Alguém pode me explicar o que está acontecendo?


— Thomas largou a caneta pilot que usava para escrever no
quadro e se apoiou na mesa, cruzando os braços na frente
do peito. Mordi minha caneta, me sentindo
automaticamente excitada com a visão dele sério encarando
o restante da turma.
Os alunos se entreolharam como se ninguém tivesse
coragem de quebrar o silêncio.
— Vocês estão há uns 30 minutos num burburinho e
uma movimentação estranha aqui na sala de aula e isso não
é comum. Algo está acontecendo. — Passeei meus olhos
pela turma e recebi olhares desesperados de pedido de
apoio.
— É que hoje é dia 20 — falei. Alguns suspiros de alívio
soaram pela sala. Thomas parecia continuar confuso.
— Isso deveria ter algum significado? — Thomas
perguntou.
— É que hoje é o dia da manifestação contra o aumento
no valor do bandejão. E começou há… — Olhei o relógio do
meu celular. — 20 minutos. — Ele percorreu os olhos pela
turma.
— Quero um fichamento do texto que coloquei dentro
da pasta da disciplina lá na Xerox pra semana que vem —
anunciou.
— Isso significa que estamos liberados, profe? — Bruna
questionou, já começando a guardar o material dentro do
estojo.
— Estão. Não se acostumem, é só dessa vez. — O
barulho de cadeiras arrastando e mochilas sendo fechadas
inundou a sala. Thomas sentou na frente do notebook,
digitando algo enquanto esperava a turma inteira se
dispersar.
— Valeu aí pela liberação, professor — um dos alunos
parou para agradecer. Ele acenou brevemente com a cabeça
em retorno. Além de ser lindo, gostoso e bom de cama,
Thomas era um ótimo professor em todos os sentidos. Não
só na didática, mas também ao se importar com as causas
estudantis.
Um a um cada estudante foi saindo, até que só Thomas
e eu restamos na sala. Meus olhos estavam vidrados em
cada um dos seus movimentos. Eu não podia negar que
meu corpo inteiro estava formigando com ideias nada
corretas do que poderíamos fazer na sala de aula.
— O prédio está praticamente vazio — falei. Ele ergueu
os olhos na minha direção, o canto da boca querendo se
curvar numa insinuação.
— Ah é? — provocou. O observei levantar. Caminhar
devagar. Fechar a porta. Passar a chave. Puta merda, minha
calcinha estava molhada. Forcei as pernas uma contra a
outra, tentando ser discreta. Ele, é claro, percebeu o
movimento e deixou uma risadinha escapar. Pelo seu
semblante, ele estava com pensamentos tão proibidos
quanto os meus.
Ele me encarou com as íris verdes quase negras, as
pupilas dilatadas pelo tesão que o consumia. Thomas
caminhou devagar e abriu o primeiro botão da blusa social
que costumava usar para dar aula. Os antebraços fortes à
mostra pareciam uma parte do corpo inofensiva em quase
qualquer pessoa, exceto nele.
— Vem aqui — comandou, dando dois tapinhas em
cima da mesa de madeira na frente da sala de aula. Um
sorrisinho provocador brincava nos seus lábios. Olhei para a
porta fechada, mas fiz o que pediu.
Parecia que cada passo me fazia pulsar mais forte entre
as pernas, numa sensação quase desesperadora.
— O que você quer de mim? — perguntei.
— Vou te mostrar se você for uma boa aluna. — Meu
sorriso se ampliou no rosto. Eu gostava desse joguinho.
Gostava da adrenalina e da possibilidade de sermos pegos.
Gostava da sensação de quase heresia de estar prestes a
beijar meu professor dentro da sala de aula.
Me encostei na sua mesa, minhas mãos suando com o
nervosismo. Éramos sempre tão cuidadosos em não
demonstrar nada sobre o nosso relacionamento dentro da
universidade que estar a essa distância dele,
completamente sozinhos, me deixava ansiosa.
Thomas andou devagar na minha direção e sem tirar os
olhos dos meus, puxou a mesa de madeira para a lateral,
arrastando pelo piso da sala. Andei até ela e me sentei, bem
no topo. Meu coração estava prestes a sair pela boca.
— Por que você trouxe a mesa pra cá? — perguntei,
mesmo sabendo qual seria a resposta.
— Porque ninguém consegue enxergar se olhar pela
janela de vidro. — Senti minha boca se curvar em um
sorriso.
— E o que vamos fazer aqui nesse canto? — provoquei.
Lambi minha boca, já seca pela necessidade e desespero de
ter ele em cima de mim o mais rápido possível. Os olhos de
Thomas pareciam grudados em cada movimento meu.
Ele colocou a mão nos meus joelhos e afastou minhas
pernas, se encaixando entre elas para deixar o rosto a
centímetros do meu. Eu já conseguia sentir sua
protuberância entre as minhas pernas. Quente, dura,
praticamente implorando para ser libertada.
— Chegou a hora da sua aula particular. — Sua voz saiu
quase como um sussurro, rouca e grave.
— Então me ensine, professor. — Isso era errado em
muitos, muitos níveis. E exatamente por isso era tão
gostoso. Só é errado se descobrirem, Lia. Repeti
mentalmente como uma espécie de mantra, especialmente
quando desci minhas mãos pelo tórax de Thomas e
encontrei o topo da sua calça jeans.
Acariciei seu pau duro por cima da calça, apertando de
leve só para vê-lo pressionar os olhos de prazer. Apesar de
gostar de provocá-lo, sabia que não podíamos abusar da
sorte. Abri o botão da sua calça e o zíper. Eu estava pronta
para puxar seu membro para fora, quando Thomas me
trouxe para fora da mesa e me virou de costas.
Obrigada, Lia do passado por ter escolhido vestido para
o dia de hoje! Senti os dedos do meu namorado subirem
pelas minhas pernas e levantarem o tecido da minha roupa.
Eu já estava latejando inteira, em cada parte do meu corpo,
mas principalmente entre as minhas pernas. Quando ele
agarrou a lateral da minha calcinha e puxou para baixo, eu
sabia que gozaria rápido. Senti sua respiração se aproximar
do meu centro e prendi o ar. A ponta da sua língua me
penetrou devagar, me deixando à beira de uma síncope.
— Ah, meu Deus — gemi. Deixei meu corpo cair contra
a mesa, empinando ainda mais o quadril na direção da sua
boca. Thomas aumentou a velocidade com que me comia
com a língua, enfiando dentro de mim como se sempre
quisesse mais, como se o sabor nunca fosse o suficiente.
Eu estava pronta para deixar o orgasmo me consumir
quando senti a ponta do seu dedo acariciar bem entre as
minhas nádegas. Senti meu corpo travar na mesma hora.
Não por medo ou coisa assim, mas pela sensação
desconhecida. Nunca tinha feito anal e apesar de alguns
namorados terem me tocado por ali, nunca foi exatamente o
que eu chamaria de gostoso.
— Quer que eu pare? — ele perguntou, tirando o rosto
de entre as minhas pernas. Eu não queria que ele parasse.
Pelo contrário. Queria saber se ele seria capaz de me tocar lá
e me fazer gostar.
— Não — respondi. — Não para.
— Então relaxa pra mim, amor. — E quando sua língua
me comeu de novo, eu relaxei. Senti a ponta do seu dedo
entrar devagar na minha bunda e me impedi de me
desesperar com a sensação. Era esquisito e estranhamente
bom ao mesmo tempo, principalmente quando a língua de
Thomas estava dentro de mim.
Quando seu dedo inteiro estava dentro de mim, eu
consegui relaxar por completo. Até que era…
— Gostoso — deixei escapar em voz alta. Ele deu uma
risadinha que reverberou até atingir meu clitóris. Thomas
impulsionou o dedo na minha bunda, puxando para fora e
enfiando de uma vez e eu contive um gritinho de prazer.
Quando sua outra mão tocou meu clitóris, eu senti minha
alma saindo do corpo.
Nunca tinha sentido que eu pudesse explodir inteira,
mas dessa vez senti. Era seu dedo dentro da minha bunda,
enfiando e tirando, sua língua na minha abertura, e sua mão
circulando meu clitóris. Era estímulo demais para uma
garota doida para gozar aguentar. Senti a pressão começar
no meu ventre e minhas pernas ameaçarem se fechar.
Thomas me manteve aberta, me chupando enquanto eu
gozava sentindo meu corpo inteiro derreter na sua língua.
Tapei minha própria boca com a mão, evitando que
algum som escapasse mais alto do que deveria. Senti
minhas forças se esvaírem e fiquei completamente
entregue, de bruços na mesa de madeira. Senti Thomas se
debruçando sobre mim. Ele afastou meu cabelo e colou a
boca no meu pescoço. Cada um dos meus pelinhos se
arrepiaram com aquele toque. Seus braços agarraram meus
ombros e ele me virou de frente, me suspendendo no colo e
apoiando contra a mesa.
— Acho que tenho uma nova aula favorita. — Deixei
uma risada escapar e envolvi minhas pernas ao redor da sua
cintura. Thomas puxou o próprio pau pela cueca e puxou a
carteira do bolso à procura do preservativo. Eu estava tão
molhada que sabia que quando ele se encaixasse em mim
entraria todo de uma vez.
E foi exatamente o que aconteceu. Thomas posicionou
sua ereção na minha abertura e se empurrou inteiro para
dentro. Eu já tinha me acostumado com a sensação de ser
preenchida por ele, de sentir o calor dos nossos corpos
grudados. Puxei a boca dele na minha, mordendo seu lábio
inferior e invadindo-o com a língua. Sua mão apertou minha
cintura com força enquanto ele puxava e se enfiava todo
novamente dentro de mim.
— Ah, meu Deus — gemi, tentando conter meu tom de
voz. Thomas desceu a mão pelo meu pescoço, apertando de
leve e seguindo para o meu peito. Meu bico já estava
totalmente duro pela sensação de prazer que ele me
causava e ficou ainda mais quando ele acariciou com a
ponta dos dedos.
Desci minha mão para a sua bunda, ainda coberta pela
calça jeans. Eu adorava a sensação de sentir seus músculos
se contraindo cada vez que ele socava dentro de mim.
Droga, eu já estava muito perto de gozar de novo. Thomas
parecia tão pronto para o orgasmo quanto eu, pela forma
como apertava minha cintura e aumentava a velocidade das
estocadas.
Beijei seu pescoço e deslizei minha própria mão para
entre as minhas pernas, me estimulando enquanto ele me
comia com força na mesa da sala de aula. Apertei meu
clitóris entre os dedos e senti o orgasmo me atingir em
cheio. Prendi as pernas com ainda mais força em volta da
sua cintura e o mantive preso dentro de mim.
— Ah, porra! — Thomas fechou os olhos quando eu o
prendi e se enfiou inteiro, sentindo meu interior o apertar
como se implorasse que ele gozasse dentro de mim. Senti
quando o orgasmo o atingiu também, uma gota de suor
escorrendo da sua testa depois de todo o esforço.
Esperei que nossas respirações se acalmassem e o
encarei. Fazia algum tempo que eu sabia exatamente o
nome do que eu sentia por ele. Segurei seu rosto entre as
mãos e o puxei na minha direção, dessa vez, eu fui a pessoa
a beijar a ponta do seu nariz. Uma expressão de surpresa
passou pelo seu rosto.
— Eu acho que amo você — assumi. Seus olhos se
arregalaram e por um segundo fiquei com medo de ter me
precipitado. Mas logo em seguida ele sorriu. O sorriso mais
lindo de todos os sorrisos.
— Eu tenho certeza que amo você, Lia.

— Bom dia, professor Thomas — cumprimentei, com


meu tom de voz de falsa inocência me aproximando do
departamento de Linguística da UFRJ. Mais uma vez,
tínhamos passado a noite juntos e vindo até a faculdade em
carros separados.
Eu odiava que nós dois não pudéssemos ser vistos
juntos. Não tinha nada de errado na forma como nos
sentíamos. Éramos maiores de idade e nos conhecemos
antes de sequer sabermos as profissões um do outro. Por
que precisávamos ficar fingindo para todo mundo que não
nos gostávamos?
— Bom dia, Lia! — Nem parecia que tínhamos dado
“bom dia” um para o outro pelados na cama há menos de
duas horas. — A Alessandra acabou de avisar que tá
atrasada e chega em…
— Cheguei! — a voz da coordenadora da graduação
soou às nossas costas. Alessandra, além de coordenadora,
era também professora de uma das disciplinas mais difíceis
da graduação: Teoria da Linguagem II. Apesar disso, sempre
foi aquele tipo de pessoa de quem todos os alunos
gostavam.
Quando escolhi o professor Armando como meu
orientador do mestrado, Alessandra foi uma das que mais
me parabenizaram por ter passado. Por sorte, meu plano de
dissertação já estava praticamente encaminhado quando
Armando precisou se afastar da Universidade. Mas ainda
assim, eu tinha uma reunião a cada três meses com
Alessandra para que ela pudesse me acompanhar de perto e
ver a evolução do meu trabalho. Dessa vez, a tutoria estava
incluída no processo e Thomas também tinha sido
convidado a participar.
Se eu não tivesse plena certeza de que éramos
extremamente discretos sobre o nosso relacionamento, teria
ficado nervosa com o e-mail de Alessandra convocando uma
reunião conosco. Mas Thomas também garantiu que só
tinha a ver com a tutoria, já que em breve entraríamos na
reta final do primeiro semestre do ano.
— Vamos entrar? — Alessandra abriu a porta da sala e
ofereceu espaço para que entrássemos. O departamento
ainda estava vazio, já que a grande maioria dos professores
só começava a chegar para lecionar a partir das 9h. Ocupei
uma das cadeiras no canto da mesa de reunião e Thomas se
sentou do outro lado. Alessandra, por sua vez, se sentou na
ponta e abriu a tela do notebook. — Thomas, como está
sendo a experiência com a disciplina?
— Está sendo maravilhosa. É difícil ser um substituto à
altura do professor Armando, mas acredito que os alunos
também estejam gostando. — A coordenadora ofereceu um
sorriso para ele. Seus olhos se voltaram para mim. — E você,
Lia? Gostando da tutoria? — Balancei a cabeça em
concordância.
— Adorando. Eu gosto muito de ensinar e quando é um
assunto do meu interesse, é melhor ainda.
— Fico feliz de saber isso. A propósito, recebi os
capítulos mais recentes da sua dissertação e vou te enviar
as sugestões de modificação em breve. — Assenti. — Mas
pode ficar tranquila que são poucas sugestões. Está ficando
ótima, Lia.
Não consegui impedir que um sorriso orgulhoso e
satisfeito surgisse no meu rosto. Evitei olhar na direção de
Thomas, mas podia apostar que uma sombra de sorriso
também ocupava seu rosto.
— Obrigada, Alessandra. Isso é muito importante pra
mim, de verdade.
— Bom, chamei vocês dois aqui por outro motivo. — O
semblante animado da coordenadora na mesma hora
desvaneceu em um rosto sério. Merda. Será que ela tinha
descoberto? Será que tínhamos sido pegos por alguém?
Será que fofocas estavam rondando o campus e… — O
professor Armando teve uma piora no quadro e não vai
poder voltar no próximo semestre. Talvez nem no seguinte,
para ser sincera.
Queria poder dizer que não me senti aliviada, mas
estaria mentindo. Que tipo de pessoa horrível eu tinha me
tornado para ficar aliviada ao escutar que o meu antigo
professor estava pior de saúde?
— O que houve, Alessandra? — Thomas quebrou o
silêncio, sua voz soou preocupada.
— Parece que os rins não estão respondendo bem ao
transplante e ele vai precisar iniciar uma rotina de
hemodiálise algumas vezes na semana.
— Que droga — falei. — Como ele está com isso tudo?
— Bem, na medida do possível. Mas disse que é difícil a
adaptação. — Concordei com a cabeça.
Passei minha vida quase inteira escutando meus pais
conversando sobre pacientes e como a rotina de idas ao
hospital ou até mesmo do uso regular de remédios mexia
com a saúde mental deles.
— Por conta disso, queria fazer uma proposta. Thomas,
como você já sabia, você vai continuar como professor da
disciplina durante todo o seu contrato como professor
substituto. — Meu namorado assentiu. — Mas Lia, seu
contrato como tutora da disciplina terminaria ao final deste
semestre. Mas com o feedback dos alunos, queria te propor
continuar até o final do ano, até a sua defesa.
Senti meu coração parar por um segundo. Um
sentimento estranhamente agridoce me preenchendo. Eu
estava orgulhosa, é claro. Ser convidada a renovar era uma
aprovação maravilhosa do meu desempenho, mas ao
mesmo tempo… Isso significaria prorrogar o meu vínculo
direto com Thomas.
— Continuar como tutora do professor Thomas? —
chequei. Alessandra sorriu em concordância.
— O que me diz? Thomas, você gostaria de manter a
Lia como sua tutora, certo? — Encarei Thomas, que parecia
tão perdido quanto eu naquele momento. Ele piscou
algumas vezes, tentando se recompor.
— Hm… Claro. A Lia é ótima. Seria um prazer. — Engoli
em seco quando o olhar de Alessandra voltou para mim.
— Eu… posso pensar? — pedi. — Não é que eu não
queira, eu adoraria. Só… não tinha me planejado pra isso e
quero organizar umas coisas antes de te dar a resposta
definitiva.
— Claro que sim, querida. Mas saiba que queremos
muito que você permaneça com a gente, tá bem? —
Concordei. — Se você quiser, pode ir. Vou ficar com o
professor Thomas para conversarmos um pouquinho sobre
algumas coisinhas do departamento.
Arrastei minha cadeira e peguei a bolsa que eu tinha
pendurado na lateral.
— Com licença. — Me despedi e rapidamente saí do
departamento, me sentindo muito confusa.
Eu tinha combinado de encontrar com Jade na fila do
bandejão para almoçarmos juntas, mas ainda tinha umas
boas horas de espera até a hora. Fui para a biblioteca e
caminhei entre as prateleiras, procurando qualquer uma
mais ao fundo onde eu pudesse ficar um pouco sozinha.
Eu estava enlouquecendo? Eu queria essa tutoria desde
que comecei o mestrado. Era a minha matéria favorita e
ainda tinha uma ótima bolsa de incentivo. Por sorte, eu tive
o privilégio de ter a ajuda financeira dos meus pais
enquanto terminava meus estudos, mas com a bolsa da
tutoria e as aulas particulares, eu conseguia me sustentar
sozinha, só precisando da ajuda deles com o aluguel.
Eu tinha criado uma ilusão inocente de que ao final
desse semestre, tudo ficaria mais fácil entre Thomas e eu.
Mas estava sendo ridícula, certo? Eu continuaria sendo
aluna da Universidade por mais um semestre e ele seguiria
como professor. O que diriam sobre nós dois? E mesmo
quando eu me formasse e finalmente nosso vínculo
profissional estivesse encerrado, o que diriam sobre nós?
Que eu dormi com o professor para conseguir algo em
troca? Eu ficaria mal falada por toda a Academia? E
Thomas? Ele teria chance de conseguir o emprego de
professor adjunto se surgissem os boatos de que ele tinha se
envolvido com uma aluna?
Merda. Senti meu peito afundar. Nada disso parecia
simples de se resolver. Parecia que a única forma de dar
certo era que um de nós abrisse mão de algo. Ou do nosso
sonho profissional ou… do nosso relacionamento.
Balancei a cabeça e respirei fundo. Daríamos um jeito.
Não era hora de me desesperar.
Fiquei sentada no chão da biblioteca folheando um livro
sem conseguir absorver quase nada da história. Às 11h30
me levantei para seguir em direção ao bandejão. Jade estava
recostada na parede com o celular em mãos, parecendo
frustrada.
— Oi! — cumprimentei me aproximando. — Que cara é
essa?
— Voltamos a ter problema no apartamento. Agora a
rede elétrica da casa decidiu que vai tentar nos matar. —
Torci o nariz.
— Isso é uma merda!
— Merda pior ainda é que a proprietária decidiu que
não vai dar desconto no aluguel e nem quer enviar ninguém
pra consertar. — Arregalei os olhos. — Literalmente saiu fogo
da tomada e a linda acha que estamos exagerando.
— E o que você e a Aurora pretendem fazer? —
perguntei. Ela deu de ombros.
— Ainda não sabemos. O irmão dela ofereceu de
ficarmos na república que ele mora com os meninos da
Atlética, mas não sei se isso é uma boa ideia. — Um sorriso
surgiu no meu rosto.
— Irmão dela também conhecido como o cara que você
pegou? — Jade ergueu os olhos para mim e revirou.
— A fila está andando, fofoqueira. — Ela abriu o
aplicativo do bandejão no celular e esticou na minha
direção. — Hoje tem nhoque com almôndega. Você deu
sorte. Ontem comemos ensopadinho de frango.
Puxei minha carteirinha de estudante do bolso, pronta
para comprovar minha entrada. Pegamos as bandejas e
seguimos em fila por cada ponto onde a comida era servida.
Assim que sentamos na mesa, Jade quebrou o silêncio.
— E como foi sua reunião? — Respirei fundo, sendo
novamente dominada por todos os meus medos e dúvidas.
— Foi boa. — Ela ergueu uma sobrancelha e bebeu um
gole do suco.
— Sua cara parece dizer o contrário, Lia.
— A Alessandra quer que eu continue como tutora no
próximo semestre. Tutora do Thomas — enfatizei. Jade abriu
a boca numa expressão de clareza.
— Que caralho! E o que você disse? — Dei de ombros.
— Disse que precisava pensar. Mas eu não sei o que
fazer, Jade… Aceitando ou não aceitando eu não consigo ver
nós dois assumindo publicamente algo pelos próximos…
muitos anos.
— Prima, você se forma no final desse ano, passa
rapidinho! — Balancei a cabeça, concordando.
— Eu sei, mas… mesmo que a gente espere, todo
mundo vai comentar. Vão imaginar que estava rolando
desde antes.
— Foda-se o que vão pensar, não vai ser mais contra as
regras.
— É, não vai. Mas pode me atrapalhar na carreira. E
atrapalhar ele mais ainda quando se candidatar à vaga de
professor adjunto.
Jade suspirou e colocou a mão sobre a minha em sinal
de conforto.
— E o que você pretende fazer? — Eu gostaria de saber
a resposta para essa pergunta, Jade, pensei.
— Deixar esse problema para a Lia do futuro.
22. Thomas
— E, mais uma vez, parabéns a todos pelas excelentes
notas na prova — elogiei antes de finalizar oficialmente
mais uma aula e liberar os alunos. Logo o som da minha voz
deu lugar ao barulho de cadeiras e mesas sendo arrastadas
e conversas paralelas.
Comecei a guardar meu material e observei enquanto
minha tutora fazia o mesmo, colocando seus pertences
dentro da bolsa o mais devagar possível. Era uma forma de
esperar a sala esvaziar para que ficássemos sozinhos sem
gerar muito alarde.
— Nossas notas boas são todas graças ao maravilhoso
professor que temos — Bruna, a única que restava ali além
de nós dois, disse antes de ir embora.
— Ela estava dando em cima de você — Lia falou
assim que ficamos sozinhos. Seus lábios formavam uma
espécie de biquinho que a deixava ainda mais linda.
— Isso é ciúmes? — impliquei. Lia negou com a
cabeça.
— Só estou fazendo uma observação. Não notou como
o tom de voz dela muda quando se dirige à você? Ou como
ela fica mexendo no cabelo sem parar? — Neguei.
— Só tenho olhos para você, linda — respondi, fazendo
com o que o biquinho se transformasse em um sorriso.
— Você é um puxa saco, mas eu gosto disso.
O celular da garota tocou e observei enquanto ela o
puxava do bolso para ler a mensagem que havia recebido. O
sorriso em seu rosto ficou ainda maior, mas, um segundo
depois, uma expressão de tristeza tomou conta de todo seu
rosto.
— O que houve? — perguntei preocupado. Ela me
encarou confusa. — Você parecia feliz e, do nada, ficou
triste.
— Não é nada demais… — Tentou desviar-se do
assunto. Lia e eu já estávamos juntos tempo o suficiente
para que eu soubesse que aquela resposta era uma mentira.
— Eu te conheço, Liazinha — disse. Ela mordeu o lábio
inferior, como se estivesse calculando se valia a pena ou não
me contar a verdade.
— A Jade me mandou a propaganda de um evento que
vai acontecer esse final de semana. Um piquenique de café
da manhã no Parque Lage com a exibição do filme
Bonequinha de Luxo em um telão. Como se fosse um
cinema a céu aberto.
— Você quer ir? — perguntei. Nós tínhamos planos
para o final de semana, mas eles poderiam ser facilmente
remanejados.
— Eu queria ir… Com você — confessou. O tom de dor
em sua voz fez meu coração apertar no peito. — Eu sei que
a gente não pode ser visto em público, então… Deixa pra lá.
Teremos outras oportunidades, certo?
— Sinto muito por isso, Lia. Eu não queria que fosse
assim — falei, tentando controlar a vontade de puxá-la em
minha direção para um abraço. Com o fluxo intenso de
alunos passando pelo corredor, era arriscado demais.
— A culpa não é sua.
— Nem sua — rebati prontamente.
— Eu preciso ir para minha próxima aula. Nos vemos
mais tarde na sua casa? — Assenti. — Pelo menos lá não
seremos pegos. Só pela sua família, se tudo der errado —
brincou, soltando uma risada que não atingiu seus olhos.
— Quer escolher o cardápio da janta? — perguntei.
— Thomas Goulart — respondeu.
— Engraçadinha. Essa será a sobremesa.
— Me surpreenda então — sugeriu antes de sair pela
porta.
Terminei de guardar minhas coisas na mochila que
usava para ir trabalhar e, quando estava prestes a entrar no
meu carro, ouvi João gritando meu nome.
— Já está indo embora? — perguntei.
— Hoje o time não terá treino no turno da tarde, vou
aproveitar para ir ao shopping almoçar e comprar umas
coisas antes de ir para casa.
— Quer uma carona? — perguntei.
— Só se você aceitar ser minha companhia no almoço.
Minha esposa está viajando a trabalho e estou de saco cheio
de almoçar sozinho já.
— Eu aceito — falei, destravando o carro para que
entrássemos.
Dirigi até o shopping em Botafogo onde fica localizada
a loja que João queria ir comprar uma chuteira nova.
Estacionei o carro e caminhamos até a loja de produtos
esportivos e meu amigo logo foi atendido por um vendedor
atencioso que fez, pelo menos, umas três viagens até o
estoque para pegar os calçados que João pedia.
— A Sabrina sempre diz que eu tenho chuteira demais,
mas, porra, esse novo modelo lançado está foda demais —
falou enquanto caminhávamos até o caixa.
— Você pode usar a desculpa que esse é seu objeto de
trabalho — sugeri brincando.
— Pode crer, cara. Vou falar isso da próxima vez que
ela reclamar que gasto demais com chuteiras.
João pagou o produto e subimos alguns lances de
escada rolante até chegarmos na praça de alimentação, que
estava completamente lotada devido a uma espécie de
excursão escolar. Acabamos optando por almoçar em uma
hamburgueria que fica bem ao lado do shopping. O senhor
Henrique Goulart ficaria de cabelos ainda mais brancos se
soubesse que seu filho estava comendo fast food em pleno
dia de semana.
— Que tal uma sobremesa? — sugeriu meu amigo
assim que terminamos nossos lanches. — Por minha conta.
Como um agradecimento por você ter vindo até aqui comigo
mesmo sem precisar.
— Amigos são pra isso. Mas não vou recusar uma
sobremesa de graça.
— Quer escolher?
— Fica à vontade. Eu como de tudo.
João analisou o cardápio atentamente e acabou
optando pelo novo prato da casa, um brownie de doce de
leite com sorvete. Assim que o garçom trouxe nosso pedido
e o colocou na mesa, tirei uma foto para mandar para Lia.
Minha namorada amava qualquer coisa com doce de leite.

Thomas: *enviou um arquivo de foto*


Thomas: Achei que vc gostaria de ver essa delícia que
estou comendo
Lia: Isso não se faz com uma mulher que ama doce de
leite e está na tpm
Lia: Vc é um namorado tóxico, Thomas
Thomas: Prometo que mais tarde te servirei uma
sobremesa ainda mais gostosa que essa
Lia: Estou contando os minutos para provar o prato
Thomas Goulart
Lia: Você tem doce de leite em casa? Tive uma ideia
interessante…
Thomas: Não tinha, mas rodarei a Zona Sul inteira se
for preciso para comprar. Gosto quando vc tem ideias
interessantes
Lia: Garanto que vc não vai se arrepender ;)
Lia: Da onde é essa sobremesa? Parece uma delícia
mesmo
Thomas: Vim almoçar com o João no Burguero
Lia: Não acredito que vc está tendo um date com o
João no lugar que foi nosso primeiro date. Me sinto traída
Thomas: Em minha defesa, foi ele quem me chamou
para vir aqui. Mas preferia estar com vc aqui como da outra
vez que vim.
Lia: Saudades do nosso primeiro encontro. Eram
tempos mais simples
— Que cara é essa? — João questionou enquanto eu
respondia a última mensagem de Lia. Antes que eu abrisse
a boca para inventar uma desculpa, ele continuou. — Você
estava com cara de apaixonado e ficou com a cara amarrada
em questão de minutos. Brigou com a sua garota?
João vinha sendo meu amigo mais próximo há meses e
nossa amizade transcendeu o espaço da UFRJ. Já contei a ele
várias histórias sobre minha vida e ouvi as suas próprias. Ele
sempre se mostrou um amigo compreensivo, fiel e confiável.
Por isso, decidi compartilhar com ele meu segredo.
— Tem uma coisa sobre a minha garota que você não
sabe — comecei a dizer. Eu já tinha comentado com ele que
estava saindo com alguém, mas nada além disso. — A
garota por quem estou apaixonado… Ela é minha tutora.
— Que merda, cara. Quer dizer, não acho nada de
errado nisso já que vocês dois são maiores de idade, mas sei
que a reitoria não deve ter o mesmo pensamento que eu. —
Assenti.
— Eu sei que a Lia me ama tanto quanto a amo, mas
essa história de não poder ser vista em público comigo, a
deixa triste. Sei que ela gostaria de sair comigo para curtir
os passeios que os namorados fazem, mas não podemos. Eu
também não gosto nada disso, mas…
— Mas infelizmente é o que precisa ser feito —
completou.
— Ela queria ir em um piquenique no Parque Lage e
não podemos por motivos óbvios. Lia diz que está tudo bem,
mas eu sei que não está. Ela está triste e eu fico triste em
vê-la triste. Tudo que queria era fazê-la feliz e eu sinto como
se estivesse falhando nisso.
— Você não está, irmão. Tenho certeza que você a faz
feliz dentro do possível. Mas, infelizmente, tem coisas que
estão fora do controle de vocês. Pelo menos enquanto ela for
a sua tutora.
— É uma droga. — Dei um gole no refrigerante e uma
ideia surgiu na minha cabeça. — E se eu fizesse um
piquenique exclusivo para ela? Posso comprar umas
comidas gostosas e até baixar o filme que passaria no
evento para assistirmos juntos.
— Você pode arrumar tudo no chão da sua sala. Vai
ficar foda. Tenho certeza que a Lia vai gostar.
Terminamos nossas sobremesas e voltamos ao
shopping em busca de itens para decorar a surpresa que
faria para minha namorada mais tarde. Eu nunca havia
preparado um piquenique na vida, mas estava disposto a
dar o meu melhor e torcendo para que Lia gostasse.
— Que tal essa toalha xadrez? — João perguntou
segurando um pacote com o tecido.
— Vou levar — puxei de sua mão e coloquei no
carrinho de compras. — Precisamos de um cesto de
piquenique também. Onde será que tem? — Olhei ao redor
em busca de algo que me desse uma direção.
— Dá licença, amigo — João perguntou ao funcionário
que estava passando ao nosso lado. — Vocês têm cesto de
piquenique?
— Corredor 10 — respondeu.
— Porra, eu não fazia ideia que existia tantos modelos
de cesta — João disse assim que achamos a prateleira com
os itens.
— Nem eu. — Analisei por um tempo as opções que
tinham dispostas ali e optei por uma que parecia mais
tradicional, como as que vemos nos filmes.
Aproveitei para comprar pratos e guardanapos
descartáveis com desenhos de coração e talheres coloridos
que eu sabia que minha namorada acharia fofo. Comprei
ainda umas luzes tipo pisca-pisca para colocar em prática a
decoração que Sabrina havia sugerido. Enquanto
terminávamos nossa sobremesa, João contou da ideia do
piquenique a ela, por WhatsApp, e Sabrina no mesmo
instante mandou dicas do que fazer.
Saindo da primeira loja, passamos no mercado para
comprar as comidas: uvas, morangos, marshmallow, uma
barra de chocolate para derreter e fazer um fondue, o doce
de leite que minha namorada queria, queijos, vinho e, claro,
batata para fritar.
Coloquei todas as sacolas de compra no porta-malas
do carro e dirigi até meu apartamento. João se ofereceu para
me ajudar na arrumação do espaço, e eu aceitei.
— Vou pegar o lençol — avisei assim que entrei em
casa. João aproveitou para colocar os produtos que
precisavam se manter gelados em minha geladeira
enquanto eu vasculhava a gaveta à procura do lençol ideal.
Assim que o achei, voltei para sala. — Como vamos fazer
isso?
A ideia de decoração de Sabrina era criar uma espécie
de cabana na minha sala com um lençol branco e as luzes
pisca-pisca.
— Você tem um martelo e alguns pregos? — Assenti.
Abri a porta do meu armário da cozinha onde guardava a
caixa de ferramentas e a entreguei para meu amigo. —
Beleza. Vai abrindo o pisca e pisca e checando se está
funcionando e deixa isso comigo.
Meu amigo colocou a caixa de ferramentas no chão da
sala e começou a observar o lugar com a mão no queixo,
pensativo. Em seguida, pegou o lençol que estava dobrado
no sofá e começou a pregá-lo em pontos específicos da
parede usando as minhas ferramentas.
— Não vai estragar a pintura, confia em mim —
garantiu.
— Você já fez isso antes? — perguntei enquanto
desenrolava os fios das luzes.
— Você acha que a Sabrina tirou a ideia da onde? Fiz
para comemorar nossos dois meses de casados. Ela viu essa
porra em um filme e ficou encantada. Então, fui lá e fiz.
Depois de deixar o pisca-pisca pronto para ser
pendurado, peguei meu notebook no quarto e comecei o
download do filme Bonequinha de Luxo. Com uma
habilidade que eu desconhecia, João conseguiu pendurar o
lençol na minha sala em um formato perfeito de cabana. Em
seguida, o ajudei a pendurar as luzes brilhantes nos locais
indicados por ele. Por último, estendemos a toalha xadrez no
chão e colocamos ali uma tábua de madeira onde eu
colocaria as comidas mais tarde.
— Precisa de ajuda com mais alguma coisa? —
perguntou.
— Acho que dou conta do resto sozinho. Essa cabana
ficou perfeita, cara. Valeu mesmo — agradeci.
— De nada. Espero que sua noite seja divertida.
João começou a caminhar em direção a porta de saída,
mas parou de repente. Colocou a mão no bolso, pegando
algo dali e jogando em minha direção. Olhei para os dois
pequenos quadrados que tinham acabado de aterrissar em
minha mão e então me dei conta do que se tratava.
— Isso são dados eróticos? — perguntei, mesmo já
sabendo a resposta.
— Eu achei sem querer enquanto procurava por outra
coisa naquela primeira loja que fomos. Achei que era um
sinal de que deveria comprar para você. E, além disso, todo
bom piquenique merece uma diversão extra. — Ele deu uma
piscadinha em minha direção. — Divirtam-se.
— Obrigado, cara — agradeci mais uma vez antes dele
partir.
Coloquei os dados na tábua de madeira e segui para a
cozinha para terminar de preparar a comida. Lavei as frutas,
cortei o queijo em cubinhos, derreti o chocolate e coloquei
cada coisa em seu respectivo potinho. Por último, coloquei a
batata na fritadeira elétrica e fui tomar um banho rápido
enquanto o alimento ficava pronto.
Quando saí do banho, terminei de arrumar o espaço do
piquenique com algumas almofadas para deixar mais
confortável e as comidas que eu havia preparado minutos
atrás. Assim que coloquei as taças de vinho na tábua de
madeira, ouvi a campainha tocar.
— Oi, linda — cumprimentei minha namorada com um
rápido beijo na ponta do seu nariz.
— O que é tudo isso? — ela perguntou observando o
espaço montado na sala do meu apartamento
especialmente para ela. Os olhos de Lia brilhavam.
— Esse é o nosso próprio piquenique, Lia.
23. Lia
— Você preparou isso tudo pra mim? — Senti meu
coração acelerar dentro do peito. Eu tinha passado o dia
todo chateada por não poder ir no piquenique do Parque
Lage. Por mais que não tivéssemos culpa. Eu me sentia
injustiçada e queria descontar minha frustração em
qualquer coisa.
— Queria poder fazer muito mais. Mas já que não
podemos ir até o piquenique, eu trouxe o piquenique até a
gente. Não é o Parque Lage, mas… — Puxei seu rosto na
minha direção e grudei minha boca na dele.
— Isso é muito melhor do que o Parque Lage. — Senti
meu próprio sorriso ser espelhado no seu rosto.
— Quer ver tudo que eu preparei? — Balancei a cabeça
em concordância, sentindo minha garganta fechar. Eu
estava perdidamente apaixonada por ele. Aquele tipo de
amor que dói quando a gente sequer imagina perder. —
Teremos batata frita, queijo, vinho, fondue de chocolate…
— Aquilo ali é o que eu estou pensando? — Meu olhar
tinha sido automaticamente capturado por dois pequenos
cubos com todos os lados desenhados. Senti Thomas se
aproximar por trás e sua respiração resvalar na minha
orelha. — Se você está pensando em dados eróticos, então
sim. Vai complementar o doce de leite.
Virei de frente para o meu namorado e envolvi meus
braços no seu pescoço. Suas mãos vieram automaticamente
para a minha cintura.
— Parece que essa é mais uma das vantagens de
termos um piquenique exclusivo, então — brinquei. Thomas
me ofereceu seu sorriso safado que eu já conhecia como a
palma da minha mão e puxou meu lábio inferior entre os
dentes. Sua língua invadiu minha boca e senti cada parte do
meu corpo formigar como se eu estivesse levitando. Era isso
que ser beijada por ele me causava.
Thomas pressionou o corpo ainda mais perto do meu,
grudado em mim como se qualquer mínimo espaço entre
nós fosse espaço demais. Senti seu pau duro roçar na minha
barriga, enquanto eu ficava na ponta dos pés para alcançar
seus lábios. Deixei minha bolsa escorregar para o chão
enquanto empurrava seu corpo contra a parede.
— Achei que eu era a sobremesa — provocou, sorrindo
contra a minha boca. Suas mãos vieram para a minha
bunda, apertando com força sobre a roupa.
— Você é meu prato principal. O piquenique pode
esperar um pouquinho. — Grudei minha boca no seu
pescoço e deslizei a ponta da língua pela sua pele. Thomas
jogou a cabeça contra a parede, observando enquanto eu
descia em uma trilha de beijos pelo seu corpo, mesmo por
cima da roupa.
Me ajoelhei no chão, usando os dedos para tatear o
seu zíper e abrir a calça jeans. Puxei para baixo, junto com a
cueca boxer, expondo seu pau duro já apontado na minha
direção. Lambi os lábios, me sentindo salivar em
antecipação. Eu tinha o título de Rainha do Boquete não era
à toa, eu realmente gostava da atividade.
Thomas envolveu a mão no meu cabelo, circulando em
volta do seu pulso como um a rédea. Ele guiou
delicadamente minha cabeça na direção da sua ereção, em
uma espécie de súplica silenciosa para que eu o chupasse
logo. Seu pau lindo, duro e cheio de veias era um forte
indicativo de que ele estava mais do que excitado.
Coloquei minha língua para fora e o encarei, com o
meu melhor olhar de inocência. Como se eu quisesse que
ele me guiasse. Que ele me ensinasse. Meu namorado
deixou uma espécie de grunhido escapar e empurrou minha
cabeça para frente com as mãos, colocando o membro bem
em cima da minha língua.
— Porra, Lia — gemeu. Lambi sua glande, o gosto
levemente salgado do seu pré-gozo atingindo minha boca.
Suguei, me dedicando na cabeça, passando a língua de um
lado para o outro. A mão de Thomas parecia pressionar meu
cabelo cada vez mais, como se ele estivesse se controlando
para não me levar até o fundo da garganta.
Contive meu próprio sorriso e respirei fundo. Segurei
seu comprimento com uma mão e impulsionei minha
cabeça levando seu pau até que me deixasse quase
engasgada. Ele soltou um palavrão indiscernível e eu
bombeei algumas vezes, sentindo-o tocar minha garganta.
Puxei a cabeça para fora, me permitindo respirar.
Lambi toda a sua extensão, seus olhos verdes vidrados em
mim como se eu fosse a coisa mais linda que ele já tinha
visto. Dei um sorriso, sem tirar a boca dele. Thomas me
retribuiu acariciando minha bochecha, mas continuou com a
outra mão enrolada no meu cabelo. Voltei a chupar,
sugando, chupando e até assoprando de leve só para causar
todas as sensações possíveis.
Eu sabia que ele estava perto, principalmente quando
seus quadris começaram a se mover inconscientemente
procurando o fundo da minha boca. Deixei que ele ditasse o
ritmo, enfiando até atingir de novo a minha garganta.
Quando estiquei a mão e acariciei sua virilha, bem de leve,
senti que o último pingo remanescente de controle no seu
corpo se esvaiu.
— Merda, linda, eu vou gozar. — Seus dedos
seguraram minha cabeça parada, enquanto ele enfiava
entre os meus lábios. Senti o líquido quente encher minha
boca enquanto ele continuava se impulsionando em mim.
Engoli uma parte enquanto ele continuava gozando, seu
sabor amargo e salgado descendo pela minha garganta.
A respiração de Thomas se reestabeleceu devagar, o
peito subindo e descendo, ofegante. Lambi a última gota
leitosa que ainda brilhava na ponta do seu membro e sorri.
Ele me puxou pelos ombros para cima e grudou a boca na
minha.
— Achei que você fosse usar o doce de leite —
provocou. Soltei uma risadinha.
— Comecei pelo leite, mas ainda quero o doce. Por que
você não tira a camisa e me deixa espalhar em todo o seu
tanquinho? — pedi. Thomas balançou a cabeça em
negativa.
— De jeito nenhum, agora é a minha vez. — Meu
namorado se abaixou para pegar os dados no chão e ergueu
na frente do meu rosto. — Eu quero jogar.
Senti minha calcinha ficar mais grudada entre as
minhas pernas, automaticamente mais molhada com o que
estava por vir. Fui até a barraca improvisada no meio da sala
e me sentei.
— Sou toda sua. — Ele se ajoelhou na minha frente e
jogou o primeiro dado. A face virada para cima indicava a
palavra pescoço. Thomas jogou o outro dado. Chupar. Em
letras garrafais. Ah, meu Deus.
Ele veio na minha direção e sentou ao meu lado. Sua
mão se direcionou para o meu cabelo e o afastou para o
lado. Antes mesmo que sua boca tocasse o vão entre minha
cabeça e o ombro, senti meu corpo inteiro se arrepiar.
Fechei os olhos e deixei que meu rosto pendesse para o
lado. Primeiro senti sua respiração, quente e gostosa,
despertando cada um dos meus sentidos. Depois, senti o
toque dos seus lábios, macios e molhados sobre a minha
pele. Senti Thomas firmando a boca e sugando como se
quisesse me engolir inteira. Sua mão veio para o meu peito,
acariciando meu mamilo enquanto chupava meu pescoço
com força.
Pressionei minhas coxas, tentando diminuir a pulsação
que eu sentia entre as pernas. Eu estava terrivelmente
excitada. Thomas afastou a boca de mim, com os lábios
levemente inchados pela pressão e um sorrisinho
provocador.
— Isso com certeza deixou uma marca — falei, levando
a mão ao meu pescoço ainda de olhos fechados.
— Que pena — falou, em um tom de quem claramente
não estava nada arrependido. Soltei uma risadinha.
— Minha vez de jogar os dados. — Estiquei a mão para
alcançar os objetos, mas ele os cobriu com os dedos. O
encarei em dúvida.
— Minhas regras, linda. Quero jogar de novo. Ainda
não tirei o que eu gostaria.
— E o que você gostaria? — Thomas me ofereceu seu
típico sorriso sedutor. Se eu já não estivesse com a calcinha
encharcada, certamente ficaria. Ele girou os dois dados de
uma vez.
O primeiro mostrava a palavra beijo e o segundo… Ah,
Deus, sua filha está pronta!
Thomas me puxou pelas pernas, se posicionando bem
entre elas. Suas mãos ergueram meu vestido e eu ajudei a
puxar pela cabeça. Ele enrolou os dedos na minha calcinha
e também puxou pelas minhas pernas, me deixando
totalmente nua. Quando achei que ele finalmente me daria
o que eu tanto estava desesperada, suas mãos foram para o
lado, agarrando o pote de doce de leite.
— O que você… Ah, meu Deus! — Antes que eu
conseguisse concluir o raciocínio, Thomas já tinha
despejado o doce pela minha barriga e pela parte interna
das minhas coxas.
Sua boca veio para a minha barriga, lambendo o
caminho traçado pelo doce. Senti cada pedaço do meu
corpo tremer em resposta. Depois, sua língua desceu para a
minha coxa direita, lambendo até chegar bem perto da
minha virilha. Em seguida, a coxa esquerda. Eu nem sequer
sabia como algum tipo de pensamento coerente passava
pela minha cabeça.
— Agora sim o meu banquete — seu tom de voz grave
pelo desejo soou. Eu ainda não tinha aberto meus olhos
quando senti sua boca cobrir meu clitóris e chupar de uma
vez.
— Puta merda! — xinguei. Thomas usou a língua para
pressionar o meu ponto sensível com a pressão ideal para
me levar à loucura. Ele sugou, beijou, lambeu e fez tudo que
tinha direito até me deixar quase implorando por um
orgasmo. Mas foi quando enfiou dois dedos dentro de mim
que senti cada parte do meu corpo se esvair. Gozei e rebolei
na sua mão, sentindo o prazer me atingir por completo. —
Minha… nossa…
Thomas ergueu o rosto de entre as minhas pernas, a
boca brilhando pelo meu gozo.
— Acho que esse é o melhor piquenique da minha vida
— brincou. Soltei uma risada.
— Preciso comer a batata frita para afirmar com certeza
— devolvi.

Eu tinha a sensação de que a cada aula do Thomas ele


parecia mais feliz na função. Meu namorado já tinha me dito
algumas vezes que, apesar de amar escrever, ele se sentia
incompleto antes de começar a lecionar. E agora, chegando
quase no final do semestre, eu podia ver com os meus
próprios olhos.
Chegamos mais uma vez juntos depois de passarmos
uma noite inteira no seu apartamento. Thomas tinha ficado
até tarde trabalhando na revisão do seu segundo livro de
poemas que estava para ser lançado nos próximos meses. A
Editora tinha pedido uns ajustes finais antes da impressão
das unidades iniciais com a gráfica.
Deixei que Thomas seguisse na frente pelos corredores
da faculdade de Letras e vim andando logo depois, a passos
lentos. Meu namorado ainda estava girando a chave na
fechadura quando me aproximei do pequeno grupo de
alunos que estavam esperando que a porta abrisse.
— Bom dia! — cumprimentei. Bruna virou os olhos na
minha direção com um sorriso no rosto.
— Vocês dois até parecem combinar, sempre chegam
juntinhos.
Seu comentário parecia despretensioso, e até seria, se
nós dois não tivéssemos o rabo preso sobre qualquer coisa
em relação à gente. Senti meu coração acelerar de nervoso
dentro do peito e minha respiração falhar. Não consegui
responder nada.
— Parece que minha tutora é tão pontual quanto eu,
então — Thomas falou, finalmente abrindo a porta da sala.
Entrei de uma vez, sem olhar para ele. O medo de que
minha reação pudesse estar sendo estudada por todos ao
meu redor começou a me consumir. Senti os seus olhos
verdes procurarem os meus em alguns momentos oportunos
durante a aula, mas passei a hora inteira encarando meu
próprio caderno.
— Lia? A aula já acabou. — Eu nem tinha percebido a
sala ficando totalmente vazia até ser despertada pela voz de
Thomas. Arrastei a cadeira no susto e comecei a guardar
todo o meu material desesperadamente. Nós estávamos
sozinhos, nós não podíamos… — Ei, ei, ei, o que houve?
— A gente não pode ser visto juntos, Thomas. Já estão
começando a perceber — falei. Ele olhou para os dois lados
e segurou a minha mão, tentando me acalmar. Puxei para
longe dele, com os olhos arregalados.
— Lia, se acalma.
— Você ouviu a piadinha da Bruna?
— Ela não sabe de nada, linda, fica tranquila. Ela só
falou pra implicar.
— Pode ser. Mas daqui a pouco outros vão falar e não
vai ser para implicar. Eu não quero que isso aconteça.
— Lia… — Fechei minha bolsa e coloquei no ombro.
— A gente se vê mais tarde, pode ser? — Ele balançou
a cabeça em concordância.
Dei as costas e saí da sala. O romance proibido tinha
sido gostoso no início, mas agora… eu não queria destruir
nossas carreiras. Que merda!
24. Thomas
― Por que sua namorada não veio? ― Foi assim que
minha irmã me cumprimentou assim que entrei, sozinho, na
casa dos meus pais na sexta-feira à noite.
― Eu estava com saudades de você também, Helô ―
respondi, me abaixando o suficiente para depositar um beijo
no topo da sua cabeça.
― Eu também achei que a Lia viria para o jantar hoje ―
minha mãe disse da cozinha. Dona Laura, que sempre foi
uma mãe ciumenta, estava completamente apaixonada por
Lia Bellini. Eu não podia culpá-la. Era difícil não se apaixonar
pela minha namorada.
― A Lia precisou ir passar o final de semana na casa
dos avós. A avó dela está doente e pediu para que ela fosse
passar uns dias por lá para ajudar em algumas tarefas ―
contei. ― Na próxima semana ela vem.
― Sua namorada não cansa de me surpreender
positivamente. ― Minha mãe colocou a travessa com a
macarronada no centro da mesa da sala de jantar.
― Onde está o papai? ― perguntei.
― Estava saindo da empresa uns minutos atrás. Pela
hora, já deve estar quase chegando.
Quase no mesmo instante ouvimos a fechadura da
porta destrancar e meu pai surgiu em nosso campo de visão,
com uma carranca e o telefone em uma das orelhas.
― Você não é mais a porra de um jovem, Arthur. Precisa
aprender a lidar de maneira adulta com as coisas. ― Ele
ouviu o que o tio Arthur tinha a dizer do outro lado da linha
por um tempo. ― E você achou que a melhor maneira de
provar que estava certo era reproduzir a porra daquele
vídeo? Você não aprendeu nada da primeira vez?
― De que vídeo papai está falando? ― perguntei.
― Você definitivamente não quer saber ― minha mãe
respondeu segurando uma risadinha. ― Só evita pesquisar
sobre seu tio Arthur na internet pelos próximos dias. Ou eu
não me responsabilizo pelos traumas que serão causados.
― Agora já está tudo sob controle, como sempre. ― Ele
ouviu mais um pouco, antes de continuar. ― Eu sei que você
me ama. Mas, por favor, antes de tomar essas atitudes
impulsivas, entre em contato comigo. Ou com o Edu. Talvez
algum de nós dois consiga colocar algum juízo na sua
cabeça. A esperança é a última que morre. Nos falamos
depois, Arthur ― papai despediu-se.
― Oi, pessoal ― Papai andou até minha mãe e
depositou um beijo em seus lábios. Automaticamente sua
cara de mal-humorado deu espaço para uma expressão de
pura felicidade. ― Desculpe pela demora. Precisei ficar até
mais tarde resolvendo alguns problemas que Arthur insiste
em arrumar mesmo depois de velho. ― Soltei uma risada.
― Tá tudo bem, pai. Eu acabei de chegar aqui também.
― E a macarronada ficou pronta neste instante e está
pronta para ser servida.
Sentamos ao redor da mesa e começamos a colocar
nossos pratos com a comida feita por minha mãe.
― O cheiro está uma delícia, mãe ― Helô elogiou,
levando uma garfada até a boca. ― E o gosto também ―
completou, ainda de boca cheia.
― Cadê sua namorada, filho? ― papai perguntou.
― Não pode vir porque está cuidando dos avós doentes
― mamãe respondeu antes de mim. ― Essa menina é a
melhor namorada que você já teve, Thomas.
― Ela é incrível mesmo ― respondi, feliz ao ouvir
aquilo. ― E como estão as coisas no trabalho, pai?
― Eu preciso me aposentar, pessoal. Não tenho mais
idade para passar o estresse que a GC me faz passar.
Especialmente com Arthur Birkman ― reclamou. Helô,
mamãe e eu nos entreolhamos e começamos a rir ao mesmo
tempo. ― Por que vocês estão rindo?
― Você fala isso há anos, pai. E adivinha só? Não
consegue ficar nem uma semana afastado da GC ― minha
irmã respondeu.
― Em defesa do seu pai, ele conseguiu passar 10 dias
longe da GC nas nossas últimas férias ― minha mãe falou.
― Mas isso só aconteceu só porque nosso voo de volta
para casa foi cancelado e precisamos passar mais tempo em
Madrid. E, ainda assim, ele ficou trabalhando usando o
celular nos dias extras que ficamos lá ― Helô continuou
argumentando.
― É, você tem razão, filha. Retiro minha defesa.
― Isso é um complô contra mim? ― perguntou. Minha
mãe se inclinou na cadeira e beijou sua bochecha.
― Jamais faríamos isso, meu amor.
― E você, Helô? Quais os planos pro final de semana?
― perguntei.
― Ficar trancada nessa casa ― reclamou. ― O Gael ia
me levar ao cinema, mas o tio Edu vai precisar que ele
trabalhe.
― Que pena ― meu pai disse, mas o tom da sua voz
não era muito triste. Mamãe o encarou de cara feia, mas ele
se fez de desentendido.
― Eu posso te levar ao cinema, se você quiser. Sei que
não sou o Gael, mas sou uma companhia bem divertida
também. E pelo menos você não vai ficar trancada nessa
casa.
― É sério, Thomas? Eu vou amar ir ao cinema com
você. O filme vai sair de cartaz no domingo e eu quero
muito assistir.
― Tive uma ideia melhor ainda. Você pode passar o
final de semana todo lá em casa, o que acha? Amanhã
tenho uma reunião com a editora sobre a publicação do
meu livro. Vai ser uma coisa rápida. Você pode ir comigo e,
de lá, vamos direto ao cinema.
― Domingo podemos tomar café da manhã fora? ―
perguntou.
― Você sabe que eu nunca recuso um café da manhã
fora ― falei.
― Eu topo! Vou arrumar minhas coisas assim que
acabar o jantar ― disse animada.
O resto do jantar foi leve e tranquilo, como sempre.
Assim que acabamos de comer, lavei toda a louça enquanto
minha irmã arrumava a mochila que levaria para passar o
final de semana comigo. Papai e mamãe estavam bebendo
vinho no sofá e sussurrando algo um com o outro em meio a
risadinhas. Acho que os dois estavam animados de ter a
casa só para eles essa noite.

― Deveria ser errado acordar tão cedo assim no final de


semana! ― minha irmã reclamou enquanto colocava o cinto
de segurança.
― São 9 horas da manhã, Helô.
― Isso é praticamente de madrugada!
― Você ficou animada ontem quando eu te chamei
para passar o final de semana comigo ― impliquei enquanto
dava ré no carro para tirá-lo da minha vaga na garagem e
seguir o trajeto até o escritório da editora, há poucos
minutos de distância dali.
― Se eu soubesse que seu compromisso era super
cedo, teria ficado em casa mesmo.
― E aí você perderia a chance de almoçar no seu
restaurante favorito do shopping, além de ir ao cinema com
o irmão mais legal do mundo. Já comprei nossos ingressos
pelo site mais cedo.
― Tudo bem, você me ganhou no almoço. ― Deu-se por
vencida.
Chegamos ao escritório da editora em menos de vinte
minutos. Depois do sucesso do meu primeiro original, Todas
as palavras que nunca te disse, eles fecharam o contrato de
publicação comigo para mais duas obras.
― Bom dia, Thomas e… ― Glenda, a minha editora, me
cumprimentou assim que entramos em sua sala.
― Heloísa. Sou a irmã mais nova dele ― ela se
apresentou.
― É um prazer conhecer você, Heloísa. Sentem-se, por
favor ― disse, apontando para as duas cadeiras à sua frente.
― Animados para ver como seu bebê ficou?
― Muito. Tenho certeza que ficou tão incrível quanto o
primeiro.
Glenda mexeu em uma caixa de papelão que estava ao
seu lado e tirou dali dois exemplares, entregando um para
mim e um para minha irmã.
― Conheçam em primeira mão Todas as cartas que não
te enviei.
― Uau, essa capa está perfeita ― minha irmã disse
enquanto admirava o livro em suas mãos.
A capa era composta por uma ilustração de diversas
cartas seladas que estavam dentro de uma caixinha de
madeira. Acima da ilustração, o título havia sido impresso
na mesma fonte e cor do meu primeiro livro. E, na parte de
baixo, o meu nome aparecia em uma tipografia simples, do
jeito que eu gostava. Era sempre emocionante ver meu
nome estampado na capa de um livro. E mais emocionante
ainda tê-lo finalizado em minhas mãos.
Comecei a folhear o exemplar para ver como tinha
ficado a diagramação, em especial as ilustrações que
tinham sido criadas especialmente para combinar com parte
dos meus textos. Tudo parecia mais do que perfeito.
― Aprovado? ― A editora quis saber depois de me
deixar avaliar o produto por um longo período de tempo.
― Com toda certeza do mundo. Eu não mudaria
absolutamente nada.
― Ótimo. Fico muito feliz que você tenha gostado,
Thomas. Bom, como eu disse para você ao telefone,
conseguimos imprimir 20 exemplares. Mas, o que você
ainda não sabe, é que, por enquanto, esses são os únicos
disponíveis.
― O que houve com o resto?
― A nossa máquina deu defeito e nenhum técnico
conseguiu consertá-la. A nova vai demorar ainda algumas
semanas para chegar, mas não se preocupe. Tudo será
impresso dentro do prazo e não afetará seu lançamento. Eu
estou te dando a minha palavra. Só preciso que você confie
em mim. ― Assenti. ― A outra notícia boa é que esses
exemplares são sua cortesia de autor. Pode levá-las hoje
mesmo para casa e distribuir da forma como achar melhor.
No entanto, eu recomendo que você envie pelo menos
alguns deles para book influencers para começar a causar
um burburinho sobre o lançamento nas redes sociais.
― Pode deixar comigo, Glenda. Farei isso.
― Dedico esse livro para todos que ainda escrevem
cartas. Elas são como pedaços nossos, ou de outras pessoas,
que podemos guardar e revisitar sempre que desejarmos.
Nunca subestime o poder de uma carta bem escrita ―
minha irmã leu em voz alta.
― Acho que nunca recebi uma carta. Daquelas escritas
à mão como costumavam fazer, sabe? ― Glenda comentou.
― Por que enviar cartas, que demoram horrores para
chegar, quando podemos simplesmente mandar uma
mensagem de voz no WhatsApp? Muito mais prático e
menos cansativo ― Helô disse.
― Mas imagina receber uma carta escrita à mão que
você sabe que a pessoa tirou um tempo da vida dela para
sentar e escrever algo especialmente para você… Acho que
faz toda a espera valer a pena ― rebateu Glenda.
― Tive uma ideia! O que você acha de mandar os
livros, por correio, acompanhados de uma carta escrita à
mão por mim? Pelo menos para essas primeiras vinte
pessoas sortudas que irão receber antes de todo mundo.
― Thomas, essa ideia é incrível. Tenho certeza que
todos que receberem vão postar algo nas redes sociais, o
que vai ajudar ainda mais na divulgação do seu livro.
― Ótimo. Vou comprar hoje mesmo o material
necessário para fazer o envio. Acho que consigo colocá-los
no correio até o próximo final de semana.
Glenda e eu conversamos sobre mais alguns assuntos
pendentes antes de nos despedirmos. Helô e eu fomos para
o shopping e, como prometido, a levei para almoçar em seu
restaurante favorito. Quando saímos da nossa sessão de
cinema, passei na papelaria e comprei alguns envelopes e
papel de carta para começar a preparar o envio dos meus
livros. Tenho certeza que esse lançamento será um sucesso.

Domingo de manhã levei Helô para tomar café da


manhã em uma cafeteria perto da praia que eu sabia que
ela gostava. Quando voltamos, comecei o processo de
preparação para o envio dos livros: escrever uma carta para
quem receberia, selar o envelope, autografar o livro, colocar
tudo isso, junto com um marcador de páginas, dentro do
pacote de envio e colar a etiqueta com os dados do
remetente e destinatário. Ainda bem que minha irmã estava
aqui para me ajudar, tornando assim o processo mais
rápido.
― Eu amo te ajudar, Thomas, mas vou ficar muito feliz
quando acabarmos com isso. Não aguento mais fechar
pacotes e colar etiquetas.
― Faltam só mais esses dois. ― Apontei para os livros
em cima da mesa que ficava entre nós dois.
― De quem são? ― minha irmã quis saber.
― Esse que estou escrevendo agora é da Lia. E esse
outro que já finalizei é da Alessandra, uma professora lá da
faculdade. Você já pode empacotar ele ― disse.
― Vou ao banheiro rapidinho e faço isso quando voltar.
― Assenti.
Encarei o papel de carta em branco, pensando no que
escrever para Lia. Eu não queria escrever nada parecido com
os outros que já tinha escrito. Não me parecia justo. Ela
merecia algo especial, único. Pensado somente e
especialmente para ela.

Querida Lia,
Já te escrevi muitos e-mails com esse começo, mas uma
carta é a primeira vez. Cartas escritas à mão são uma forma
de deixar um pedaço nosso com a pessoa que irá recebê-la.
Quando sentir minha falta, releia essa carta. Mas, enquanto
você permitir, estarei sempre por perto.
Espero que você goste do livro e que ele te marque de
alguma forma. Assim como você deixa marcas em mim todos
os dias. Você é minha musa inspiradora preferida. E única.
Nunca me canso de escrever sobre você ou para você.
Embora, em alguns momentos, palavras pareçam
insuficientes para expressar tudo que sinto por tê-la em
minha vida.
Essa é só a primeira carta de muitas que ainda te
enviarei.
Com amor, do seu namorado,
Thomas.

Obs: Talvez meu próximo livro possa se chamar todas as


vezes que te fiz gozar… Topa me ajudar a ter inspiração para
escrevê-lo?

Guardei a carta dentro do envelope e a coloquei dentro


do livro que seria enviado para Lia, assim como fiz com
todas as outras. Na verdade, eu entregaria o da minha
namorada em mãos, mas queria levá-lo embalado para que
ela tivesse a experiência completa, como todas as outras
pessoas que iriam recebê-lo.
Heloísa voltou do banheiro e assumiu seu lugar ao meu
lado. No momento que coloquei o livro de Lia na pilha de
livros que ainda seriam embalados, Helô virou-se na cadeira
de forma que seu cotovelo atingiu os livros, os derrubando
no chão.
― Droga! ― reclamou. ― Ainda bem que só tinham
dois. ― Minha irmã mais nova recolheu-os do chão,
colocando-os mais uma vez na mesa.
― O de cima é da Lia, o outro da Alessandra ― falei.
Meu celular tocou e vi o nome de Lia brilhando na tela.
― Pode atender sua namorada que dou conta do resto
sozinha, Thomas ― garantiu minha irmã.
― Você também é a melhor, maninha ― agradeci,
dando-lhe um beijo no topo da cabeça antes de deixá-la
trabalhando e ir para o quarto atender a ligação de Lia.
25. Lia

Eu te amo tanto
Que quase me falta o ar
Por respirar
Por sentir
Por medo de perder
Por medo de te amar

Eu te desejo tanto
Que parece que o mundo desaparece
Levito
Voo
Perco o chão
Tudo ao redor desvanece

Eu te quero tanto
Que não consigo não ligar
Pro que dizem
Pro que falam
Pro que fazem
Pro que podemos arriscar

É injusto
É vil
Me faz querer gritar
Que seja tão difícil
Simplesmente desejar te amar

― Achei que você tivesse dito que isso não daria certo
― respondi, prendendo o celular entre a orelha e o ombro,
enquanto pegava uma garrafa de vinho para o meu almoço
de domingo com Thomas.
― Ah, e não vai dar mesmo ― Jade respondeu do outro
lado da linha. Apoiei a garrafa na mesa e apertei o botão de
viva voz no telefone para poder me movimentar melhor sem
precisar segurar o aparelho. Minha prima tinha acabado de
confirmar que ia se mudar com Aurora, sua colega de
quarto, para a república dos meninos da atlética. ― Mas
Aurora tá insistindo que vai ser por um tempo curto, só
enquanto procuramos por outro apartamento.
― Eu já te disse que vocês podem ficar aqui, não disse?
― ofereci, arrumando os talheres sobre a mesa.
― Eu adoraria, Lia, mas não tem como. Não teríamos
onde dormir por aí e você também precisa ter sua liberdade
pra trepar com o Thomas onde bem pretender. Se eu estiver
dormindo no seu sofá, como vocês vão poder transar na pia
da cozinha? ― Abri a boca para responder, mas ela
completou antes que eu conseguisse. ― A não ser que você
me convide pra assistir.
― Jade! ― repreendi. ― Que nojo, eu sou sua prima! ―
Ela soltou uma gargalhada do outro lado. ― E onde
exatamente você vai ficar na república? Sentada no irmão
da Aurora? ― A risada da minha prima morreu com o meu
comentário.
―Tem um quarto vazio por lá e eu e Aurora vamos
dividir.
― Rolou alguma coisa entre você e o jogador? ― Pelo
tom de voz da minha prima, eu tinha certeza que alguma
coisa tinha acontecido entre eles.
― Eu não sei por onde começar…
― Que tal do começo? ― propus. Minha campainha
tocou na mesma hora. ― Merda! Thomas chegou, Jade.
Podemos continuar nossa conversa mais tarde? Prometo te
ligar!
― Claro! Bom almoço romântico, priminha romântica!
― debochou. Revirei os olhos sozinha enquanto caminhava
até a porta.
― Eu não sou nada romântica! ― gritei, para que ela
me ouvisse pelo viva voz antes de desligar a ligação. Abri a
porta de uma vez, encontrando Thomas segurando um
embrulho de papel pardo com uma fita vermelha em uma
mão e um buquê de rosas na outra. Senti meu coração bater
acelerado dentro do peito. Tudo bem, talvez eu fosse mesmo
romântica. Mas o que tinha de errado nisso?
― Oi, linda! ― Abri um sorriso de orelha a orelha e
envolvi meus braços ao redor do seu pescoço.
― Oi! Isso é pra mim? ― Indiquei os presentes com a
cabeça. Ele assentiu e colocou um beijo na ponta do meu
nariz. Me afastei para que entrássemos em casa e fechei a
porta atrás de nós dois.
― Espero que goste. ― Peguei o buquê e o pacote e
levei até a cozinha. Apoiei o embrulho sobre a mesa
enquanto procurava por um vaso para colocar as flores. ― A
editora me deu alguns exemplares de cortesia e quis
distribuir para pessoas importantes pra mim. Não tinha
como não trazer um pra minha musa inspiradora. ― Seus
braços me envolveram pelas costas e deixei que um
sorrisinho surgisse no meu rosto.
Comecei a abrir o laço do embrulho, delicadamente.
Procurei por onde poderia abrir o saco de papel pardo sem
estragar, mas a ansiedade ganhou espaço e rasguei de uma
vez o pacote. A capa do seu novo livro apareceu na frente
dos meus olhos e precisei conter uma lágrima de orgulho e
emoção que teimou em se formar. Peguei em mãos e
comecei a folhear, imaginando se algum daqueles poemas
teriam sido feitos pensando em nós. Pensando em mim.
Logo atrás da folha com as informações catalográficas
do livro, um envelope branco lacrado se encontrava. Peguei,
curiosa e ergui os olhos para Thomas.
― Achei que seria interessante escrever uma carta para
cada pessoa especial, já que o nome do livro é Todas as
cartas que não te enviei. ― Meus lábios se curvaram em um
sorriso.
― Nunca recebi uma carta ― comentei, virando o
envelope para procurar pelo lacre. Abri devagar e puxei o
papel de dentro.
― Vou te enviar uma por semana, se você quiser. ― Eu
pretendia responder que adoraria, mas meus olhos já
tinham se vidrado na carta. E não de uma forma positiva.
― Hum, Thomas? ― chamei atenção. Encarei-o
sentindo a preocupação dominar meu corpo. ― Eu acho que
essa carta não era pra mim.
Meu namorado franziu a testa com uma expressão
confusa e veio para o meu lado. Estiquei o papel para que
ele pudesse ler junto comigo.
― “Querida Alessandra, já te disse algumas vezes que
não tenho como agradecer pela oportunidade de me tornar
professor. Desejo que este livro te faça…” ― Thomas puxou
a carta da minha mão antes que eu conseguisse terminar a
leitura.
― Puta que pariu! ― Ele levou as mãos à cabeça,
parecendo em pânico. Nunca tinha visto a expressão de
Thomas daquele jeito. Seu rosto tinha assumido um tom
forte de vermelho e até os seus olhos estavam menos verdes
do que o normal. Coloquei uma mão no seu ombro tentando
acalmá-lo.
― Calma, amor, a gente embrulha de novo e troca os
pacotes. ― Ele fechou os olhos com força, como se qualquer
frase o atingisse em cheio. ― Thomas, o que houve?
― Anteontem eu coloquei todos os outros livros no
correio. ― Ah, meu Deus.
― Isso significa… que o meu livro pode ter ido pra
qualquer pessoa? ― Ele negou com a cabeça e levou as
mãos ao cabelo, seu rosto irreconhecível.
― Não. ― Meu namorado ergueu os olhos devagar. ―
Quando estávamos embalando tudo, sobraram dois por
último. ― Engoli em seco, sentindo uma taquicardia
começar no meu peito.
― Quais? ― Eu não queria saber a resposta. Eu não
queria de jeito nenhum saber a resposta.
― O seu e o da Alessandra. ― Foi a minha vez de fechar
os olhos. Senti meus joelhos fraquejarem.
― Me diz que não é a Alessandra que eu tô pensando ―
implorei, por mais que eu soubesse que estávamos sim
falando sobre a coordenadora da graduação em Letras.
Thomas ficou em silêncio, parecendo não querer ser o
portador das palavras que estavam prestes a destruir tudo
que tínhamos.
― Ah, meu Deus ― deixei escapar, sentindo meus olhos
se encherem de lágrimas. Nós estávamos ferrados. Quando
Alessandra recebesse o livro… ― A gente vai perder tudo.
Thomas, você vai perder seu emprego. ― Senti meu corpo
inteiro ficar dormente. Sabe a sensação de quando algo tão
ruim está acontecendo que você deseja que seja um
pesadelo e que consiga acordar?
Ele ainda estava com as mãos nos cabelos, parecendo
ficar cada vez mais desesperado quando de repente,
arregalou os olhos como se tivesse tido uma ideia.
― E se a gente for na agência dos correios amanhã
assim que abrir? Talvez, por sorte, o pacote ainda esteja por
lá e a gente consiga pegar de volta!
Me joguei no sofá, sentada, com a mão na frente do
meu rosto. Balancei a cabeça negativamente. Eu não era
uma garota pessimista, mas eu me sentia sem chão. Eu
sentia como se tudo fosse dar errado.
Thomas se ajoelhou na minha frente e segurou minhas
mãos com força.
― Ei, olha pra mim. A gente vai dar um jeito, tá? Vai
dar certo. Vamos pegar o livro antes de ser enviado. ―
Encarei seus olhos verdes, sem forças para sequer concordar
ou negar.
Nosso almoço tinha sido destruído. Nem vontade de
comer eu sentia. Passei o domingo inteiro em um estado
quase catatônico sem conseguir impedir o fluxo de
pensamentos horríveis que rondavam a minha cabeça.
Eu sabia que Thomas tinha mais a perder do que eu.
Ele tinha um emprego e a chance de ter a carreira
manchada para sempre. De perder todas as chances de se
tornar professor adjunto na nossa ou em qualquer faculdade
pública. Eu sabia como eram os burburinhos do meio
acadêmico. A notícia voaria muito rápido. “Você viu o caso
do professor que pegou a tutora em troca de dar nota alta?”
“Ouvi dizer que ela já fez o mesmo com outros três
professores.” As prováveis fofocas surgiam na minha cabeça
como catástrofe.
Não consegui pregar o olho durante a noite. Passei o
tempo cochilando e acordando imediatamente depois com
algum sobressalto de pavor. Eu estava sendo uma péssima
namorada, sem nem conseguir conversar com Thomas
direito, mas me sentia afogada. Eu estava ficando sem
respirar dentro do meu próprio corpo, com os meus próprios
pensamentos e com pânico do que o dia seguinte reservava.
― Tá tudo bem? ― A voz de Thomas me despertou.
Pisquei algumas vezes, percebendo pela primeira vez que já
tinha amanhecido. Virei de frente para ele na cama e
encaixei minha cabeça no vão do seu pescoço.
― Não. ― Eu não mentiria. Não quando ele podia
perceber o quão nervosa eu estava desde o dia anterior. ―
Eu não sei o que vamos fazer, Thomas.
Ele me apertou entre os seus braços com mais força e
acariciou meu cabelo.
― Eu vou dar um jeito, Lia. Vamos conseguir, eu
prometo. ― Ele colocou um beijo no topo da minha cabeça.
― Vem, eu preparo nosso café da manhã e vamos direto nos
Correios, tá bom?
― Mas e se virem a gente juntos? ― perguntei. Eu
odiava que qualquer movimento nosso precisasse ser
minuciosamente planejado. Como se fôssemos criminosos.
Foragidos.
― Não existe nenhuma regra sobre ir ao Correio juntos.
― Respirei fundo.
Assenti e o acompanhei até a cozinha. Thomas assumiu
o fogão, preparando um misto quente para nós dois na
sanduicheira de ferro. Liguei a cafeteira, colocando o filtro
de café e apertando todos os botões de forma automática,
sem nem pensar direito.
Comemos em silêncio, o clima ainda completamente
pesado pelo receio do que estava por vir nas próximas horas.
Eu odiava me sentir desse jeito. Odiava que nós dois não
parecêssemos nós.
Todo o caminho até a agência de correios também foi
feito em silêncio. Vez ou outra, Thomas tocava a minha mão
e eu apertava a dele em retorno. Ele estacionou o carro em
frente ao letreiro amarelo e azul da agência na esquina da
rua que morava no Flamengo. A funcionária tinha acabado
de chegar para abrir o local quando colocamos os pés para
fora do carro.
― Bom dia! Estive aqui na sexta feira com alguns
livros para serem enviados por registro módico ― Thomas
começou. A mulher franziu a testa, tentando se lembrar da
informação que ele passava.
― Como posso te ajudar? ― perguntou.
― Eu trouxe um pacote por engano e queria saber se
teria como pegar de volta. Eu tô com a nota fiscal do envio.
― Meu namorado se apressou para tirar a carteira do bolso e
procurar o papel fino com os códigos de rastreio e
pagamento pelos envios.
― Nós tivemos uma saída na sexta-feira mesmo,
acredito que seu pacote já esteja em trânsito. ― Aquelas
palavras me destruíram por completo. Senti meu coração
quase sair pela boca e pela primeira vez desde que
percebemos o que tinha acontecido, Thomas pareceu sem
reação, inerte.
― Teria como você conferir pra gente, por favor? ―
Não sabia dizer como consegui formular palavras coerentes,
mas apoiei minhas mãos no balcão e encarei a funcionária
com minha melhor expressão de desespero.
― Não tem necessidade, eu sei que… ― Interrompi
antes que ela negasse e nos despachasse mais uma vez.
― Por favor. Por favor. É muito importante pra gente. ―
A mulher olhou de mim para Thomas, que ainda parecia
apático ao meu lado. Por um segundo, achei que ela iria me
dispensar ou dar alguma resposta mal dada, mas a
funcionária suspirou e assentiu.
― Esperem aqui que eu vou verificar na zona de
despache. Qual é o pacote? ― Me permiti respirar aliviada
por um momento, mesmo que ainda não tivéssemos
garantia de nada. Thomas voltou a si e esticou a nota fiscal
novamente na direção da mulher, apontando para uma
sequência de números.
― É esse aqui. ― Ela pegou o papel e saiu pela porta
lateral com uma placa escrito “somente funcionários”.
Thomas entrelaçou os dedos nos meus e apertou, mas
ao invés de me sentir reconfortada com o gesto, me senti
em pânico. Puxei a mão da dele, olhando em volta
desesperada. Meu namorado repetiu meu movimento, se
dando conta do que tinha acabado de fazer.
― Desculpa, eu… esqueci ― falou. Não respondi. Eu
me sentia destruída por dentro. Por todas as horas desde
ontem, por todos os meus pensamentos, por tudo de injusto
que acontecia com a gente.
A gente não tinha solução. Não num futuro próximo.
Não no final deste semestre ou do próximo. Não antes de
Thomas sequer conseguir se tornar professor adjunto. Não
antes de eu ser respeitada pela minha carreira.
― Thomas, eu acho que… ― Antes que eu pudesse
despejar o que passava pela minha cabeça, a funcionária
dos correios voltou com um pacote pardo na mão.
Nunca na vida eu tinha me sentido tão aliviada quanto
naquele momento. Como se tivessem arrancado as
correntes do meu pé, me tirado de dentro d’água para
respirar. Mas… Eu continuaria no mar, boiando, na
expectativa do momento que uma onda viesse e me
naufragasse.
― Vocês deram sorte. Os pacotes de vocês ficaram na
remessa pra envio hoje. ― Thomas esticou a mão para
receber o embrulho. ― Só não podemos reembolsar vocês,
já que estava pesado e selado.
― Não tem problema. Muito obrigado. Tenha um ótimo
dia. ― Antes que eu sequer tivesse a chance de agradecer a
mulher, ele já tinha saído do local agarrado no pacote pardo.
Saí da agência atrás de Thomas e o encontrei apoiado
na lateral do carro. Com a mão sobre o rosto em uma
expressão de dor. Ele abriu os olhos devagar quando ouviu
meus passos se aproximando.
― Deu tudo certo ― falou, a voz saindo baixa e quase
na forma de um sussurro, como se ele estivesse desde
ontem se controlando para não desabar. Continuei parada
na sua frente, encarando seus olhos verdes sabendo que eu
precisava falar o que estava na minha cabeça.
― Thomas, eu não posso continuar me sentido à beira
de um precipício. Eu acho que a gente precisa terminar. ―
Aí estavam as palavras mais difíceis da minha vida. Eu achei
que ele ficaria confuso, assustado com minha declaração
súbita. Mas mais uma vez o homem que eu tinha me
apaixonado perdidamente me surpreendeu. Ele esticou a
mão e tocou minha bochecha, numa carícia que partiu meu
coração em mil pedacinhos.
A vida era injusta. A vida era muito injusta.
26. Thomas
Sempre ouvi dizer que as palavras têm o poder de ferir.
Mas, até esse momento, eu não sabia o quão grave esses
ferimentos podem ser.
― Lia… ― Minha voz saía quase como um sussurro. Eu
queria argumentar com ela, dizer que as coisas seriam
diferentes, mas… Eu não podia mentir. Não para ela. Os
riscos, eles sempre estariam lá. Dessa vez, tivemos sorte.
Mas qualquer novo deslize poderia resultar em algo muito
pior.
― Você sabe que isso é o certo a se fazer ― falou,
deixando as primeiras lágrimas escorrerem em cascata.
Limpei cada uma delas com meu dedão, sentindo o macio
da sua pele pelo que provavelmente seria a última vez.
― Como pode ser certo e doer tanto no peito? ― rebati,
sentindo as minhas próprias lágrimas se formarem nos
olhos.
― A vida nem sempre é justa, Thomas. Eu te amo, mas
não consigo mais viver assim. A sensação de sufocamento, o
constante medo de alguém nos pegar. Ter que vigiar cada
um dos meus movimentos quando estou próxima de você
em público para não ser descoberta. É cansativo. O amor
não é para ser assim… O amor é para ser algo leve.
― Eu sinto muito que você se sinta assim.
― Não é culpa sua. E nem minha. Somos só… dois
jovens amantes desafortunados. ― Uma risada triste
escapou de seus lábios.
― E se eu pedir demissão? ― sugeri. Eu poderia
encontrar um novo emprego em outra universidade, mas
uma nova Lia? Acho que não existe.
― Eu jamais me desculparia por fazer você abrir mão
do seu sonho. Acredite em mim, Thomas, já pensei em todas
as opções disponíveis. E a única que nos resta é…
― Terminar ― completei. Lia assentiu em silêncio.
Ficamos alguns longos minutos apenas observando um
ao outro. O único som dentro do carro era, infelizmente, o
barulho da nossa tristeza traduzido em lágrimas.
― Eu queria que as coisas fossem mais fáceis. Eu não
queria que esse momento chegasse ― disse.
― A gente sempre soube que nosso tempo era contado.
Só um tempo emprestado. Mesmo que de forma
inconsciente, eu sabia disso e tenho a sensação de que você
também.
― E o que vamos fazer agora? ― perguntei, me
sentindo completamente perdido. Eu imaginei muitos
cenários acontecendo na manhã de hoje, mas esse não era
um deles.
― Tudo bem se eu for para casa e faltar a tutoria hoje?
Eu só… Preciso de um tempo sozinha.
― Você nunca teve nenhuma falta, não acho que seria
um problema ― falei.
Lia pegou a bolsa do chão do carro e levou a mão até a
maçaneta do veículo. Antes que ela a puxasse para abrir a
porta, eu segurei seu outro braço.
― O que você está fazendo?
― Indo para casa.
― Eu vou te levar.
― Thomas…
― Por favor, Lia. Não quero que você vá para casa
sozinha. É uma carona rápida.
― Tudo bem ― concordou.
Fizemos o trajeto até a casa de Lia em completo
silêncio. As lágrimas, no entanto, ainda caíam de seus olhos.
Eu estava dando o meu melhor para conter o choro, mas
ainda assim senti algumas escorrendo pelo meu rosto.
Quando estacionei meu carro em frente ao prédio que tinha
sido praticamente minha segunda casa durante meses,
senti meu coração se apertar ainda mais dentro do peito. O
meu pesadelo estava cada vez mais perto de se tornar
realidade. No momento que Lia descesse do meu carro, não
existiria mais nós.
― Muito obrigada, Thomas. Não só pela carona, mas
por tudo.
― Eu queria que tivéssemos mais tempo. ― Deixei as
palavras escaparem da minha boca.
Lia me encarou nos olhos antes de se inclinar em
minha direção e me beijar na boca. Um beijo com sabor de
amor, de saudades antecipadas e lágrimas. Um último beijo
para ficar gravado em nossas memórias. Quando nossas
bocas se desconectaram, beijei, pela última vez, a ponta do
seu nariz.
― Tchau, Thomas ― Lia disse, antes de sair do carro
sem olhar para trás. E levando junto com ela meu coração.

A minha saudade é azul


Imensa e infinita
Posso ver onde começa
Mas ninguém sabe onde termina
Sinto falta do seu olhar quente
Da sua voz aveludada
Do seu cheiro adocicado
Do gosto colorido de seus lábios
Sem você, tudo fica cinza
Uma vida sem graça, vazia
Insípida e incolor
Não há palavras capazes de expressar minha dor
É fácil se acostumar com a presença de uma pessoa,
principalmente quando você gosta dela desde a primeira
vez que seus caminhos cruzam. Difícil é se habituar com a
ausência de quem se ama. Pior ainda quando a pessoa em
questão está fora da sua vida pessoal, mas completamente
dentro da sua vida profissional.
Lia e eu já não éramos um casal há semanas. Eu
pensava que, com o tempo, a dor no peito iria se diluir até
que sumisse, mas estava errado demais. Dessa vez, superar
o coração partido não está sendo tão fácil. É como se o
efeito que Lia tem sobre mim fosse mais forte do que
qualquer outro que já senti anteriormente.
― Bom dia, pessoal ― cumprimentou minha ex-
namorada ao entrar na sala de aula.
Apesar de não sermos namorados, ainda somos
professor e tutora. O que significa que ainda precisamos
passar tempo juntos em sala de aula. É uma sensação
agridoce. Gosto de estar na presença dela, mas odeio que
nosso relacionamento seja estritamente profissional.
Contudo, prefiro ter algumas horas de Lia, ainda que
distante de mim, ainda que não possa tocá-la como
gostaria, do que não a ter de forma alguma.
Terminei de conectar meu notebook no projetor da sala
conforme o restante dos alunos entravam e ocupavam as
cadeiras. No horário marcado, dei início a aula do dia.
― Bom dia, alunos. E bem-vindos à antepenúltima aula
do semestre. ― Alguns dos alunos reclamaram, dizendo que
sentiriam saudades da minha disciplina. Eu não poderia
receber um elogio maior do que este. ― Eu sei, eu sei.
Também sentirei falta da minha primeira turma de alunos
universitários. Vocês jamais serão esquecidos.
― Você não pode lecionar todo o resto das disciplinas
da graduação até a gente se formar? ― perguntou Bruna.
― Eu gostaria, mas acho que seria injusto com meus
colegas de profissão ― brinquei. ― Bom, mas vamos à nossa
aula. Alguém pode ler o que está escrito nesse slide?
― E um doce vento, que se erguera, punha nas folhas
alagadas e lustrosas um frêmito alegre e doce ― Débora leu.
― Alguém sabe me dizer qual a figura de linguagem
que Eça de Queiroz usou nesse trecho? ― Quando nenhum
aluno respondeu nada, continuei. ― Sinestesia. É uma
figura de linguagem que consiste na junção de termos que
expressam uma mistura de sensações relacionadas aos
sentidos: tato, audição, olfato, paladar e visão. No trecho
que a Débora leu, por exemplo, temos a expressão “doce
vento”, que faz referência ao paladar, doce, e ao vento, tato.
Alguém quer dar um exemplo de sinestesia?
― O cheiro desse rio é doce. É uma mistura de olfato e
paladar ― Evelin disse.
― Muito bem. Mais alguém?
― Manuela tem um olhar penetrante ― outro aluno
falou. ― É a mistura da visão com o tato.
― Perfeito. A sinestesia é a minha figura de linguagem
favorita. Nós a usamos no dia a dia sem ao menos perceber.
E, na literatura, é utilizada para proporcionar um efeito de
mais expressividade ao texto… E até mesmo nas músicas.
Alguém consegue pensar uma música com sinestesia?
― Era uma vez um lugarzinho no meio do nada com
sabor de chocolate e cheiro de terra molhada. Sandy e
Junior. ― Ouvir a voz de Lia fez meu coração bater mais
apertado dentro do peito. Será que um dia ficaria mais fácil
vê-la sem poder tocá-la? Tenho quase certeza que não.
― Explique para turma as sensações que encontramos
nesse trecho, Lia ― pedi, apenas para continuar ouvindo o
som açucarado da sua voz.
― Um lugar no meio do nada representa a visão, o
sabor de chocolate caracteriza o paladar e o cheiro de terra
molhada simboliza a mistura do olfato com o tato.
Passei o tempo restante explicando um pouco mais
sobre a matéria e dando exemplos do uso dessa figura de
linguagem em textos famosos da língua portuguesa. Lia,
depois do nosso término, andava um pouco mais quieta nas
aulas. Talvez essa mudança tenha passado despercebida
pelos alunos, mas não por mim. E, quando a tutora
participava, quase sempre evitava olhar em minha direção.
― Restou alguma dúvida? ― perguntei. Os alunos
negaram. ― Ótimo. Então, para a nossa última aula, quero
que todos vocês façam uma poesia usando a sinestesia
como principal recurso estilístico.
― Ah não, professor. Eu não tenho talento nenhum
para escrever ― alguém reclamou.
― Acredito no potencial de vocês. Sejam criativos e
deem o seu melhor. Talvez vocês até descubram um talento
oculto para a escrita através desse exercício. E, além disso,
todos os textos serão apresentados na frente da sala para a
turma toda. ― Ouvi mais alguns protestos vindos dos
alunos.
― Vai valer nota? ― Evelin perguntou.
― O que acham de 2 pontos na média final? ― E, com
essas poucas palavras, as reclamações deram lugar a
discursos de comemoração.
― Profe, acho que você e a Lia deveriam apresentar
algo também ― Bruna sugeriu. Pela primeira vez em
semanas, Lia me encarou olhos nos olhos.
― É verdade, professor. Vocês precisam dar o exemplo
― outro aluno falou. E, de repente, um coro de alunos
concordando com a sugestão de Bruna surgiu.
― O que você acha, Lia? ― perguntei.
― Eu… Eu…
― Por favor, Lia! Vai ser legal ― Evelin insistiu.
― Tudo bem, pessoal. Eu topo.
― Temos um combinado então. Nos vemos na próxima
aula, pessoal. Estou ansioso para ouvir a poesia de vocês.
27. Lia
Amassei a décima oitava folha de caderno consecutiva.
Tudo parecia muito genérico e impessoal. Que merda de
ideia de ter que fazer uma poesia para ler na frente da
turma inteira! Da turma inteira e de Thomas. Onde ele
estava com a cabeça quando aceitou a pressão dos alunos?
Eu estava a pelo menos 1 hora sentada em frente ao
meu caderno tentando escrever alguma coisa aproveitável e
nada saía. Eu tinha pouco mais de 2 horas até o horário
oficial do início da última aula de Thomas no semestre. Eu
sabia que meu problema não era bloqueio criativo,
dificuldade de concentração ou qualquer coisa parecida.
Meu problema tinha nome, sobrenome e posição hierárquica
superior à minha.
Eu não podia ser sincera na minha poesia, porque cada
palavra minha sangraria com a saudade que eu sentia dele.
Como eu poderia escrever sobre a nossa história, sobre
como eu me sentia e ler na frente de todos? Ler na frente
dele?
Tentei com muito afinco compor qualquer coisa que
não me fizesse passar vergonha na sala de aula, mas tudo
era péssimo. Meu coração e minha mente pareciam estar
num complô de sabotagem para me destruir. Rasguei mais
uma folha de caderno e amassei com mais força do que o
necessário antes de jogar na lixeira. Se eu continuasse nesse
ritmo eu seria fatalmente a responsável pelo desmatamento
na Amazônia.
― Que merda! ― reclamei para mim mesma. Meu
telefone tocou em cima da mesa e por um segundo meu
peito me traiu. Encarei o nome de Jade e quase torci para
que fosse Thomas brilhando na tela. ― Alô?
― Vem pra faculdade hoje? É meu último dia de aula
no semestre e vou comemorar.
― Vou, mas não tô a fim de comemorar, Jade, desculpa.
― Eu vinha sendo uma péssima companhia desde o meu
término com Thomas. Eu achei que não ter medo de sermos
pegos a qualquer instante me traria algum tipo de paz, mas
não foi o que aconteceu. Eu só… me sentia cinza.
― Lia, não vou aceitar não como resposta. Você precisa
sair um pouco! Faz semanas que tá presa dentro de casa.
― Eu não tô com vontade de ir pra festa, choppada ou o
que for, só isso. ― Jade bufou do outro lado da linha.
― Eu marquei de fazer uma tatuagem e queria sua
companhia, não vou pra nenhuma choppada ou coisa assim.
― Respirei fundo e brinquei com a tampa da caneta em
cima da minha escrivaninha.
― Por que você não chama a Aurora? Ela vai ser uma
companhia muito mais legal do que eu nesse momento.
― Eu quero você. Por favor, Liazinha. ― O apelido fez
meu coração se apertar em mil pedacinhos dentro do peito
e fechei os olhos para impedir que algumas lágrimas
escorressem. Deus, eu estava com a emoção à flor da pele
por conta dessa droga de poesia!
― Tudo bem, eu vou com você. Mas minhas aulas só
terminam às 16h. ― Pude ouvir o gritinho de empolgação da
minha prima do outro lado da linha. ― Ainda tenho um
maldito poema pra apresentar hoje ― reclamei.
― Mas você é ótima fazendo poesia.
― Mas não essa poesia. ― Minha voz saiu irritada. ― É
pra aula do Thomas. E eu não posso usar da minha
inspiração, porque…
― Tudo vai ser sobre ele ― Jade completou. ― Lia, se
você quer a minha opinião, eu acho que você deveria
escrever o que está sentindo. Vocês sempre foram sinceros
um com o outro, desde o início. Por que fazer diferente
agora?
― Porque não vai mudar nada. A gente não tem chance
de ficar junto.
― Por enquanto, mas no futuro talvez… ― Cortei a
esperança da minha prima antes que eu voltasse a me
martirizar pelo quanto tudo que tínhamos vivido era injusto.
― Muita coisa pode mudar no futuro. Ele pode conhecer
outra pessoa. Pode se apaixonar de novo. Pode nem estar
mais no Rio. Pode ser um escritor famoso. Eu não terminei
esperando por um momento que pode nunca chegar. ―
Senti minha garganta fechar.
― Então escreve. Nem que seja como uma despedida.
Talvez seja bom pra você, Lia.
― Eu vou pensar… A gente se vê mais tarde? ― Jade
confirmou e se despediu rapidamente, encerrando a ligação.
Será que ela tinha razão? Será que escrever poderia me
ajudar a superar o que parecia impossível? A entender que
talvez Thomas e eu tínhamos acabado e talvez nunca mais
voltássemos?
Peguei a caneta e puxei o caderno na minha direção.
Deixei as palavras fluírem.

Cheguei quinze minutos antes do horário que a aula de


Linguagem e Sentido começaria. Fui até o departamento de
Linguística torcendo para encontrar Alessandra por ali e
colocar um ponto final em mais um pedaço da minha
história.
Fiquei na ponta dos pés para observar pelo quadrado
de vidro na porta. Vi a silhueta de Alessandra encarando a
tela de um notebook em um dos cubículos do lugar. Dei
duas batidas na porta, esperando chamar sua atenção. Ela
ergueu os olhos e sorriu assim que me viu parada por ali. A
mulher caminhou até a porta e a abriu.
― Oi, Lia! Como posso te ajudar?
― Não vou ocupar muito do seu tempo, professora. ―
Engoli em seco, organizando meus pensamentos para o que
eu já tinha planejado falar. ― Queria agradecer pelo convite
de prorrogar a minha tutoria por mais um semestre. Eu
adorei a experiência e tenho certeza que ser professora é
algo que está no meu sangue, mas não vou poder aceitar.
Quero me dedicar à minha dissertação e a outros projetos
também.
Eu era uma mentirosa, é claro. Não havia outros
projetos e minha dissertação já estava mais do que
encaminhada para ter uma defesa de sucesso. Porém não
havia possibilidade de que eu falasse a verdade. Eu não
poderia continuar vendo Thomas e sendo sua tutora sem
que tivesse meu coração destruído no processo.
Falei a verdade para Jade mais cedo no telefone. Eu
sabia que nós dois ainda tínhamos sentimentos um pelo
outro, mas o futuro é incerto. Podemos continuar assim ou
tudo pode mudar. E eu não podia ficar esperando e me
submetendo à sofrimento no processo. Eu precisava de
espaço.
― Ah, Lia, é uma pena escutar isso. Ontem mesmo
conversei com o professor Thomas sobre o quanto estava
gostando de acompanhar seu trabalho na tutoria. Os alunos
mesmo me deram retorno excelente sobre as aulas que você
lecionou e foram só elogios. ― Abri um sorriso de
agradecimento. ― Mas eu entendo que às vezes precisamos
seguir outros rumos, né? Mesmo quando a gente gosta
muito de algo, pode ser que a vida nos leve para outra
direção.
Senti minha respiração ficar travada na garganta. A
frase de Alessandra era muito mais real do que ela poderia
imaginar. E dolorida. Extremamente dolorida.
― É ― foi tudo que consegui responder.
― De qualquer forma, vamos nos falando nas próximas
atualizações da sua dissertação, ok? ― Balancei a cabeça
em concordância. Acenei um tchau discreto para Alessandra
e virei de costas, limpando com a costa da mão a lágrima
que teimava em querer escorrer do meu olho.
Segui o caminho até a sala no segundo andar do Bloco
D sem pensar. Eu já conhecia aquele caminho de forma
quase natural. Trombei em alguém quando estava quase
chegando na sala de aula.
― Cuidado, tá tudo… Lia? ― Um par de mãos segurou
meu braço, evitando que eu bambeasse. A voz de Thomas
me assustou e ergui os olhos para ele, encarando-o tão de
perto pela primeira vez em muito tempo.
― Desculpa. ― Tentei me afastar da sua mão, mas ele
continuou segurando meus braços no lugar.
― Tá tudo bem? ― Não. Tá péssimo. Tá horrível, porque
sinto sua falta todos os dias e só queria você de volta. Odeio
não podermos ficar juntos.
― Tudo bem ― respondi. Dessa vez, quando me soltei
do seu toque, ele permitiu que eu entrasse.
A sala se encheu aos poucos, o clima de férias já
tomando conta de cada um dos estudantes. Algumas
pessoas pararam na minha mesa para me agradecer pela
ajuda ao longo do semestre e pelas aulas que eu tinha dado.
Até ganhei uma barra de chocolate de uma das meninas
com quem eu tinha estudado fora do horário.
― Bom dia, pessoal! ― Thomas cumprimentou, se
levantando da própria cadeira e parando na frente da mesa
de madeira onde já tínhamos transado. Deus! Por que tudo
precisava me lembrar da nossa história? ― Hoje vamos ter
nosso trabalho final da disciplina com a apresentação de
vocês de uma poesia autoral usando sinestesia. Mas antes
de começarem as declamações, queria agradecer a cada
aluno que assistiu e se dedicou à disciplina neste semestre.
Não é fácil estar aqui na frente e passar algum
conhecimento adiante, especialmente sendo quase da
mesma idade de vocês. ― Algumas risadas soaram pelo
ambiente. ― Espero que esse som de riso não signifique que
vocês me acham velho ― brincou.
― É claro que você não é velho, profe ― Bruna se
pronunciou, com a mesma voz enjoada de sempre. Thomas
não respondeu ou sequer olhou na sua direção.
― Apesar de ter adorado a experiência de dar aula pra
vocês espero que todos sejam aprovados e não estejam aqui
de novo no semestre que vem. ― Mais uma vez gargalhadas
reverberaram pela sala. ― Por último, queria também
agradecer à ajuda da Lia. ― O quê? ― Tenho certeza que
todo mundo aqui concorda que você foi uma tutora
excepcional ao longo do semestre. ― Ouvi alguns alunos
dizendo “valeu, Lia!” ou “é isso aí” e senti meu peito se
encher de orgulho. Ofereci um sorriso em resposta,
emocionada demais para conseguir formular palavras. ―
Bom, agora que as despedidas foram feitas. Quem quer
começar a apresentar? ― Como era esperado, nenhum
braço se ergueu no ar. ― Vamos então em ordem alfabética.
Amanda?
Uma menina sentada nos fundos da sala levantou
devagar e foi até a frente. Por sorte, não era só eu que
estava nervosa com o trabalho. As mãos de cada aluno que
se levantava com um pedaço de papel e seguia em direção
ao palquinho sempre pareciam tremer de leve. Me
surpreendi muito positivamente com as poesias que eles
tinham escrito, várias me fizeram até ficar emocionada com
o conteúdo.
― Lia ― a voz de Thomas soou mais grossa quando
meu nome saiu dos seus lábios. ― Você gostaria de
compartilhar a sua com a gente? ― Eu nem tinha percebido
que toda a turma tinha se apresentado. Subitamente, senti
meu corpo inteiro gelar. Abri a bolsa que eu sempre
carregava e retirei meu caderno, abrindo na página que eu
tinha rabiscado hoje de manhã em meio a algumas
lágrimas.
Me posicionei de pé, tentando ficar firme e ler aquela
poesia como se fosse nada além de palavras. Mas era muito
mais que isso. Senti o olhar de Thomas sobre mim, me
queimando, me fervendo. Senti cada pedaço de tristeza que
eu tinha acumulado ao longo das semanas.
― Qual o cheiro de um coração partido? Qual a cor da
saudade? Qual o gosto dos meus "e ses"? ― Engoli o choro,
tentando manter a minha voz firme, mesmo que eu
estivesse devastada. ― Odeio te assistir de longe e saber
que não posso estar perto. Odeio não ter mais o afago das
suas palavras e sentir o seu afeto. Odeio te ver em cada
aroma, sabor ou cor. Odeio que eu não possa fazer nada para
evitar a dor. ― Meus olhos já estavam cheios de lágrimas
que eu tentava com muito afinco não deixar cair. ― Queria
não ser a sua pessoa certa na hora errada. Queria não ser a
lembrança aconchegante que se esvai pela beirada. Queria
que o gosto do meu nome nos seus lábios fosse único e que
nosso amor pudesse ser público. ― Senti minha voz
embargar e cometi o pior dos erros ao erguer o olho do
papel e ver que Thomas me encarava como se estivesse tão
destruído quanto eu. ― Eu não sei como é o som do
encerramento, o gosto de um adeus ou o odor de uma
despedida. Não quero que tenha sabor de você, não estou
pronta para nossa história ser esquecida. ― Eu já estava tão
entregue que nem percebi meu rosto molhado pelas
lágrimas que escorriam sem que eu controlasse. ― Não
queria que fosse um fim, mas é preciso. O meu último Obs é
só te pedir que, por favor, não se esqueça de mim. Não se
esqueça do beijo na ponta do nariz, não se esqueça do
quanto me fez feliz.
Senti cada um dos meus sentidos se perderem
enquanto eu fechava a capa do caderno e limpava o rosto.
Eu sabia que Thomas não parava de me olhar, mas eu não
podia retribuir. Não quando eu já estava me sentindo tão
exposta e destruída. Segui para a mesa que eu
costumeiramente ocupava na sala de aula e ouvi vozes
distantes sem discernir o que falavam.
― E o seu, professor? Cadê? ― um aluno perguntou.
― Vou ficar devendo pra vocês ― sua voz oscilou, como
se a sua garganta estivesse tão fechada quanto a minha. ―
Não consegui preparar nada. ― Eu sabia reconhecer quando
Thomas estava mentindo, e essa era uma dessas vezes. Eu
não sabia porque, mas talvez fosse melhor desse jeito. ―
Bom, os trabalhos foram excelentes e na próxima semana
vou avisar por e-mail os alunos que precisarão de
recuperação. Boas férias a todos!
E com uma última troca de olhares que quase me fez
desmaiar, eu me levantei para deixar a sala de aula e o
professor que tinha me deixado com tantas memórias.
28. Thomas

Quatro semanas sem você


Sem ouvir sua risada
Sem sentir seu cheiro
Sem na ponta do seu nariz depositar meus beijos

Como preencher o vazio que você deixou?


Como recuperar da tristeza que ficou?
Como seguir em frente sem a sua companhia?
Como fugir dessa agonia?

Você está em tudo ao meu redor


No doce de leite não finalizado
Na comédia romântica passando na televisão
No cheiro doce que permanece no meu colchão

Você é a carta de amor que não posso mais ler


Mas não consigo me desapegar
Você é a música que aumenta minha tristeza
E eu não paro de escutar

Espero que você esteja feliz


Mesmo sem a minha companhia
Só não se esqueça totalmente de mim
E de tudo que fomos um dia
29. Lia
Um novo semestre se iniciava e os corredores da
faculdade de Letras da UFRJ já estavam lotados de calouros
com rostos e corpos pintados participando do trote
universitário.
― Oi, pode me ajudar com uma moeda? ― uma caloura
pintada de coelho me parou para perguntar.
― Desculpa, coelhinha, mas veterano não ajuda calouro
― respondi.
― Droga! Eu deveria ter ido pedir moedas no metrô
junto com o garoto pintado de guaraná Dolly ― reclamou
para si mesma. Deixei uma risada escapar me lembrando de
quando eu mesma fui uma caloura, há alguns anos.
Esse era oficialmente o meu último período como aluna
de mestrado da UFRJ. Em poucos meses me formaria e me
tornaria Mestra Lia Bellini. Dá para acreditar? Eu mal podia
esperar para começar a lecionar oficialmente como
professora e não como tutora.
Tutora.
A imagem de Thomas no centro da sala de aula invadiu
minha cabeça no mesmo instante. Eu queria dizer que isso
era algo incomum, mas estaria mentindo. Thomas invade
meus pensamentos quando eu menos espero, sem ser
convidado. Achei que a distância entre nós durante as férias
de meio de ano fariam a dor do meu peito diluir… Mas não é
tão fácil assim. Não tem como esquecer rapidamente algo
que foi tão intenso e marcante.
Percorri o trajeto até a sala de Alessandra para mais
uma reunião de supervisão de dissertação. Bati na porta de
madeira e esperei até que a professora autorizasse minha
entrada.
― Bom dia, professora Alessandra ― disse ao entrar na
sala já bastante conhecida por mim.
― Olá, Lia. Como foram as férias?
― Ótimas ― menti.
Apesar de Jade ter praticamente me obrigado a sair de
casa e de até ter postado uma foto ou outra nas redes
sociais “me divertindo”, passei incontáveis horas chorando,
com saudades de Thomas. Vivi 24 anos da minha vida sem
ele, mas foi preciso apenas alguns meses com Thomas ao
meu lado para que eu percebesse que uma vida sem ele
era… Chata. Sem cor. Sem graça.
― E as suas, como foram? ― perguntei de volta
enquanto tirava meu material da bolsa para fazer as
anotações necessárias.
― Viajei para Gramado com minha família para curtir o
clima frio. Já estou com saudades, mas agora é hora de
colocar a mão na massa. ― Ela abriu o próprio notebook
antes de prosseguir. ― Terminei de ler sua dissertação
ontem. Sua escrita é praticamente impecável, com
pouquíssimos erros. Você sabe elencar muito bem as ideias
para que o texto faça sentido para o leitor.
― Fico feliz em ouvir isso ― agradeci, me sentindo
genuinamente alegre depois de muitas semanas.
― Agora preciso apenas que você faça as poucas
alterações que sugeri, termine de escrever a parte de
análise de dados e a discussão. Você consegue preparar isso
para nosso próximo encontro daqui a 15 dias?
― Com certeza.
― Perfeito. No encontro seguinte podemos conversar
sobre o capítulo de conclusão da dissertação.
― Já sabemos quem vai compor a banca da minha
defesa? ― perguntei.
― Que bom que você tocou nesse assunto. Já ia me
esquecendo de comentar. Conversei com o professor Ricardo
e a professora Christina e os dois já me disseram que ficarão
honrados em fazer parte da sua banca. Agora você só
precisa enviar o e-mail com o convite formal.
― Pode deixar, Alessandra. Farei isso hoje mesmo.
― E a propósito, a data da sua defesa será na primeira
semana do mês de novembro. Te enviarei os detalhes mais
tarde por e-mail. ― Concordei com a cabeça.
Alessandra passou mais alguns minutos tirando
algumas das minhas dúvidas sobre a análise de dados e me
liberou logo em seguida. Nesse período, minha única
disciplina era a supervisão de dissertação, já que já tinha
cursado todas as outras.
Eu tinha acabado de entrar no carro para voltar para
casa quando meu celular tocou e um número desconhecido
apareceu na tela.
― Alô? ― atendi.
― Oi, esse número é da Lia? ― Ouvi uma voz feminina
do outro lado. Ela não me era estranha, mas ao mesmo
tempo não conseguia identificar quem era.
― Sim, sou eu. Quem fala?
― Lia, aqui é a Heloísa. Heloísa Goulart, não sei se você
lembra de mim… ― disse um pouco receosa.
― Oi, Helô! É claro que me lembro de você. ― Ouvi um
suspiro aliviado escapar da boca da menina pelo outro lado
da linha. ― Aconteceu alguma coisa?
― Ainda não, mas vai acontecer se você não puder me
ajudar. O vestibular está cada vez mais perto e eu estou
cada vez pior em redação, se é que isso é possível. Eu
preciso muito, muito mesmo da sua ajuda. Foi uma menina
do meu pré-vestibular que me indicou você, o nome dela é
Milena.
― Ah, a Mili era minha aluna. Ela acabou de ser
aprovada em Direito na UFRJ ― contei.
― Exatamente. É por isso que preciso de você, Lia. Por
favor, me ajuda. Você aceita ser minha professora?
Eu queria ajudar Helô, queria muito. Além do mais, o
dinheiro extra iria cair bem agora que eu não ganhava mais
uma bolsa de tutoria. Mas, ao mesmo tempo, tinha medo de
que isso significasse encontrar o irmão dela sem querer pelo
caminho. Eu… Eu não acho que tenho estruturas para
encontrá-lo pessoalmente. Não ainda.
― Eu sei que você e meu irmão… Bom, você sabe ―
disse, seu tom de voz deixava transparecer uma tristeza. ―
Mas eu prometo, Lia, que você não terá que encontrá-lo.
Thomas vai ser proibido de chegar perto desse apartamento
enquanto você estiver aqui. Por favor. Você é minha última
salvação, Liazinha. ― O apelido, que muitas vezes ouvi
saindo da boca do outro Goulart, fez meu coração apertar
dentro do peito.
― Você pode qualquer horário? ― perguntei.
― O que for melhor para você.
Eu sabia que Thomas continuaria lecionando a mesma
matéria do período passado no mesmo horário. Por isso,
sugeri que fizéssemos a aula de particular exatamente no
mesmo horário em que eu tinha certeza que ele estaria na
UFRJ.
― Eu topo. Muito obrigada, Lia. Quando podemos
começar? ― perguntou.
― Na próxima semana.
― Te espero aqui em casa. E, mais uma vez, muito
obrigada. Isso vai me ajudar muito. Acho que Thomas
herdou todo o talento com a escrita e não deixou nada para
mim ― brincou. Deixei uma risada baixa escapar. ― Droga,
eu falei dele, né?
― Não tem problema, Helô.
― Se o Gael não fosse mais meu namorado, eu não iria
querer ouvir o nome dele. Quer saber? Pode deixar que não
irei falar mais o nome com T. na sua presença. Até semana
que vem, Lia.
― Até mais, Helô.
30. Lia
A batida descompassada do meu coração partido
Já virou a trilha sonora dos meus dias
Sinto falta de quando deitava minha cabeça em seu
peito
E o latejo do seu coração era toda melodia que ouvia

Sentir sua falta é como as ondas do mar


Às vezes violentas e gigantes
Às vezes tranquilas
Mas nunca inexistentes

Hoje me sinto afogada em saudades


Coração apertado
Sufocada
Incapaz de respirar

Às vezes o adeus
Significa um eu te amo
Ele não precisa ser um ponto final
Mas, quem sabe, um ponto e vírgula

Se a gente se encontrar em outra vida


Em outro planeta, em outra dimensão
Promete me amar mais uma vez?
Porque eu não aguentaria passar mais uma vida inteira
longe de você
31. Thomas
― Bom dia, professor Thomas. Eu sou a Daniela, sua
nova tutora ― a menina apresentou-se assim que entrou na
sala, minutos antes da aula começar.
― Seja bem vinda ao time de Linguagem e Sentido,
Daniela ― a recepcionei. A vaga para tutoria da minha
disciplina havia sido mais concorrida do que esperava.
Segundo Alessandra, meus antigos alunos me elogiavam
tanto pelos corredores da faculdade que todos queriam ter o
gostinho do que era estar na minha aula. Eu estava me
sentindo feliz e realizado com essa notícia. Sabia que todo
meu esforço para me tornar um educador havia valido a
pena.
Ainda faltavam alguns minutos antes da primeira aula
do novo período começar e aproveitei o tempo para
conversar com minha nova tutora sobre o que era esperado
dela. Daniela parecia dedicada, inteligente e proativa.
Certamente seria uma excelente tutora pelos próximos
meses, mas… Eu sentia falta de Lia.
Não só como tutora, mas como alguém que estava
inserida em cada pedacinho da minha vida.
Dentro da sala de aula, nós éramos um time perfeito.
Ela sempre sabia fazer comentários nas horas certas e
motivar os alunos a participarem das aulas. Quando
ensinava, dava para ver seus olhos brilhando enquanto
falava com tanto carinho da matéria.
E fora das paredes da universidade, Lia havia se
tornado, em pouco tempo, uma das principais pessoas que
me cercava. Eu sentia falta das nossas conversas e de todos
os momentos que compartilhamos juntos. Fazer qualquer
coisa, por mais chata que fosse, parecia interessante
quando Lia estava junto.
Aos poucos, novos rostos foram preenchendo os
espaços vazios das cadeiras da minha sala de aula.
Pontualmente às 9h20 comecei meu discurso de boas-
vindas, falei um pouco sobre o que eles podiam esperar da
disciplina e iniciei a primeira aula do período. Mas sempre
que olhava para a primeira carteira perto da porta e meus
olhos não enxergavam Lia ali, algo parecia estar… errado.

― Onde você está? ― ouvi minha irmã perguntar e um


barulho de várias vozes conversando soar ao fundo.
― Estacionando meu carro.
― Já está todo mundo aqui, filho, só falta você ― foi a
vez da minha mãe dizer.
― As noivas chegam atrasadas no dia do casamento e
os autores também chegam elegantemente atrasados no
dia do lançamento do seu livro ― brinquei.
Hoje seria o lançamento do meu segundo livro. Ele teria
acontecido algumas semanas atrás, se eu não tivesse
insistido para Glenda me permitir acrescentar uns textos de
última hora. Ela reclamou um pouco, mas depois que leu o
material que eu a enviei, entendeu que não tinha como
deixar de fora.
Às vezes, quando a vida nos dá limões, a única coisa
que nos resta fazer é uma limonada. No meu caso, quando a
vida me deu um coração partido, minha única opção para
não permanecer no fundo do poço por mais tempo que o
saudável era transformar todos os meus sentimentos em
poesia.
A presença de Lia me serviu de inspiração inúmeras
vezes. E sua ausência não seria diferente. Eu não sei se
meus textos chegariam até ela, mas esperava que sim. Eu
precisava que Lia soubesse que, pelo menos para mim,
nossa história não tinha chegado ao fim.
Eu me recusava a acreditar que nossa história não
acabaria com um felizes para sempre.
Parei o carro na vaga que o pessoal do evento havia
separado especialmente para mim. Meu lançamento estava
acontecendo na Livraria da Viela, uma das minhas favoritas
desde criança. Cumprimentei alguns rostos familiares ao
entrar no local, mas Glenda logo apareceu, me puxando
pelo braço.
― Nós estamos dez minutos atrasados ― falou.
― Desculpa, Glenda. Tinha um acidente no meio do
caminho que acabou atrasando tudo ― expliquei.
― A parte boa é que seus fãs estão ainda mais ansiosos
com essa demora ― ela apontou para a fila que se formava
para além da porta do lugar. ― Todas as senhas já foram
distribuídas e já tem gente nas nossas redes sociais
perguntando quando teremos uma nova sessão de
autógrafos.
― Isso é… Surreal demais. ― Nunca sonhei em ser
famoso, principalmente observando como a vida do tio
Arthur não era fácil graças à sua fama. As pessoas se
sentiam no direito de invadir sua vida pessoal e opinar sobre
assuntos que não eram da conta delas. E agora, ver esse
monte de gente vindo me conhecer, prestigiar meu trabalho
e dizer o quanto minhas palavras as tocavam… Era uma
sensação que eu ainda não sabia descrever. ― Eu não
esperava que fosse ser esse sucesso todo.
― Eu esperava ― Glenda rebateu. ― Você é um escritor
incrível, Thomas. Além disso, tem o poder da Máfia.
― Poder da Máfia?
― A Máfia são os book influencers que receberam seu
presskit. Grande parte dessas pessoas te conheceram
através das redes sociais deles. Eu fiz uma rápida pesquisa
enquanto distribuía as senhas ― disse toda orgulhosa. ―
Você sempre foi ótimo escritor e eles ajudaram que mais
pessoas vissem o potencial que nossa editora sempre viu em
você.
― Me lembre de mandar um agradecimento para cada
um deles ― pedi.
― Pode deixar comigo. Já tenho até algumas ideias.
Mas, agora, é seu momento de brilhar. Pode sentar no seu
lugar, os marcadores e as canetas para o autógrafo já estão
lá. Vou liberar o primeiro da fila.
No final da sessão de autógrafos, meu pulso doía de
tanto escrever. E meu coração parecia prestes a transbordar
de felicidade.
Lia não estava aqui fisicamente para que eu ficasse
completamente feliz, mas ela estava presente em diversas
linhas dentro do livro de cada pessoa que passou por mim
hoje. E, por enquanto, isso teria que ser o suficiente.
32. Lia

A primeira vez que te vi


Senti tudo dentro de mim queimar
Tudo ao nosso redor ficou em preto e branco
Mas nós éramos cores vivas a brilhar

A última vez que te vi


Senti tudo dentro de mim se quebrar
Tudo ao nosso redor era cinza
Sem cor e sem vida

Eu me apaixonei por alguém que não posso ter


Ele é como uma estrela brilhante no céu
Posso ver e admirar
Mas sempre a distância, sem nunca tocar

Quando duas estrelas colidem, elas deixam uma marca


no universo
Assim como você me marcou quando nosso destino se
cruzou
Agora, você parece brilhar em uma nova constelação,
para outros olhos
Mas a sua marca, querido, aqui ficou
33. Lia
— A banca se reuniu e decidiu pela aprovação de Lia
Lopes Bellini após apresentação e arguição, concedendo
então o título de Mestre em Linguística pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro. — Fazia muito tempo que eu não
me sentia tão feliz. Eu estava confiante e preparada para a
minha defesa, mas poder respirar aliviada e ver o resultado
do meu trabalho ao longo desses dois anos sendo
reconhecido era um sentimento maravilhoso. A professora
Alessandra se virou na minha direção. — Parabéns pelo
mestrado, Lia. É um orgulho enorme poder ter te orientado
parcialmente durante esse tempo.
Alguns aplausos soaram pela pequena sala que serviu
como uma espécie de auditório para a minha apresentação.
Eu conseguia ouvir as palmas dos meus pais soando ainda
mais altas do que as demais, os sorrisos felizes nos seus
rostos refletindo no meu. Alessandra caminhou até o meu
lado e me puxou para um abraço.
— Obrigada, professora. Por toda a ajuda — agradeci.
Ela se afastou e me encarou.
— O prazer foi meu. Durante a semana vamos nos falar
para fazermos as últimas correções sugeridas pela banca e
darmos entrada no seu diploma. Você sabe que a emissão
de documentos aqui na UFRJ demora mais do que um parto,
mas na semana que vem teremos uma colação simbólica na
sala L13. Posso contar com você? — Balancei a cabeça,
concordando. Eu sabia que meus pais não poderiam estar
presentes, já que tinham conseguido remanejar toda a
agenda de pacientes do hospital para estarem por aqui hoje,
mas talvez Jade pudesse ir comigo.
Ouvi os passos dos meus pais vindo na minha direção e
me afastei de Alessandra para receber o abraço dos dois.
— Ah, princesa, você nem imagina o orgulho que eu
estou sentindo — a voz de papai falou no meu ouvido. Eu
podia apostar que os olhos do doutor Victor Bellini estavam
marejados.
— Você foi incrível, filha! — Mamãe colocou um beijo no
meu rosto. — Seu irmão assistiu tudo à distância.
— Oi, mana! Mandou bem demais! — O rosto do meu
irmão esbanjava alegria do outro lado da tela. Na última vez
que nos falamos, na semana passada, ele tinha me dito que
Luísa e ele tinham finalmente se acertado depois de ficarem
em um chove não molha por... Bem, pela vida inteira.
— Obrigada, maninho! Quando você vem? Tô com
saudade.
— Vou perto do Natal! Falta pouco. — Heitor e eu
tínhamos pouca diferença de idade, e apesar de termos
brigado muito ao longo dos anos, nos tornamos ótimos
parceiros.
— Acho que tem alguém na porta — meu pai falou,
apontando para a janelinha de vidro da sala. Antes mesmo
de me virar, senti meu coração bater mais acelerado dentro
do peito. Era normal que eu nem precisasse vê-lo pra sentir
sua presença?
Virei o corpo devagar, sem saber se queria que meus
olhos encontrassem os dele. Era difícil demais esbarrar com
Thomas pelos corredores e não poder agir como se ele fosse
meu. Quando tomei coragem para olhar pelo vidro, vi de
relance sua silhueta indo embora. Abaixei o rosto, tentando
não me deixar afetar e forcei um sorriso animado.
— Quem quer almoçar? Por conta da nova Mestra em
Linguística da UFRJ. — Mais uma vez fui espremida entre o
abraço dos meus pais e saímos em direção ao
estacionamento.
Seguimos de carro até o Shopping Tijuca, por sorte,
sem pegar trânsito praticamente nenhum no caminho.
Passamos o almoço inteiro conversando. Eu sentia falta
todos os dias de ter um convívio mais próximo com os meus
pais, mas infelizmente o trajeto Rio-Itaperuna nem sempre
era fácil de encaixar nas nossas agendas.
— Aquele ali é o novo livro da Olívia Avelar? — mamãe
apontou para a vitrine de uma livraria enquanto andávamos
pelo Shopping. — Eu preciso entrar pra comprar!
— Mãe, eu te dei uma edição. Autografada inclusive,
lembra? — Eu tinha ido a uma sessão de autógrafos não faz
muito tempo.
— Eu sei, querida, mas quero comprar pra sua tia
Helena. Ela pegou o meu emprestado e ainda não me
devolveu, então vou comprar um pra ela e resgatar o meu
do cárcere privado. — Soltei uma risada. Papai revirou os
olhos com os lábios inclinados em um sorriso como se
dissesse “você conhece as duas”.
Segui minha mãe para dentro da livraria e caminhei por
entre as prateleiras enquanto esperava que ela pagasse.
Logo no topo do setor de poesia, vi o nome dele. Meu
coração martelou dentro do peito e peguei o livro com a
mão.
A capa parecia um pouco diferente em comparação à
versão que eu tinha em casa. As várias cartas no centro da
caixa de madeira continuavam na mesma posição, mas
agora uma carta parecia estar em destaque no centro. Senti
meus olhos se encherem de lágrimas quando notei o que
estava escrito. Em letras miúdas, imitando um layout de e-
mail podia ser lido:

De: Thomas
Para: Você
Assunto: Saudade

Grudei o livro contra o meu corpo, pressionando meus


olhos fechados para impedir que um turbilhão de emoção
me atingisse. Será que ele tinha escrito sobre nós? Sobre o
que aconteceu entre a gente? Paralisei por um segundo, me
questionando se eu estava preparada para saber a resposta.
Para ler a resposta.
— Prontinho! — Dei um pulo de susto quando a voz da
minha mãe soou no corredor. Ela balançou a sacola preta no
ar e só então percebeu que algo não estava certo. — Lia, tá
tudo bem?
Devolvi rapidamente o livro à prateleira, querendo
evitar que minha recaída se tornasse um assunto. Balancei a
cabeça, mas vi que o olhar da minha mãe estava focado no
nome do autor na estante.
— Tudo bem, vamos indo? — Ela deu um passo na
minha direção e passou o polegar pela minha bochecha,
sem dizer nada, mas ao mesmo tempo me dizendo tudo.
— Vamos.

— Como foi o simulado? — perguntei, me sentando na


cadeira amarela que ocupava um dos lados da escrivaninha
de Helô. Nossas aulas de redação, que eram pra ser
pontuais, tinham se tornado quinzenais e, por sorte, eu não
tinha esbarrado com Thomas nenhuma vez. Nem com
ninguém além de Heloísa, para falar a verdade. A não ser
Laura que estava em casa em uma das semanas que estive
por aqui.
— Tirei 800 de 1000 na redação. Foi bom, né? —
Balancei a cabeça, com um sorriso orgulhoso no rosto. Pouca
coisa na vida me deixava mais animada do que ver meus
alunos melhorando o desempenho.
— Foi ótimo. Parabéns, Helô! Tenho certeza que quando
chegar o vestibular, você vai tirar de letra.
— Faltam 18 dias pro ENEM, eu estou começando a me
sentir ansiosa — confessou.
— Eu imagino. Mas quer uma dica? — Ela concordou.
Às vezes era estranho encarar Heloísa, principalmente
porque ela tinha muito de Thomas. — Faltam 18 dias, mas
você está estudando há mais de 300 pra essa prova. Não
coloca todo o peso da expectativa nesses últimos dias, eles
são iguaizinhos aos primeiros.
Helô abriu um sorriso.
— Obrigada, Lia. Você é incrível! Eu consigo entender
porque o Thomas se a... — A menina interrompeu a frase no
meio do caminho, levando a mão à boca como se tivesse se
dado conta de que tinha dito besteira. — Desculpa, saiu no
automático. — Forcei um sorriso amarelo, incerto.
— Tudo bem. — Um barulho de vibração despertou
nossa atenção. Puxei meu celular do bolso para ter certeza
de que não era o meu aparelho. — Acho que é o seu celular,
Helô — avisei.
A irmã mais nova de Thomas puxou a mochila de cima
da escrivaninha à procura do telefone. Seus dedos ágeis
pareciam bagunçar ainda mais a bolsa.
— Ai, droga, por que eu carrego tanta coisa? —
perguntou, mais para si mesma. Heloísa se deu por vencida
e virou a mochila aberta de cabeça para baixo na
escrivaninha. Papel, estojo, canetas coloridas soltas, um
pote de comida e vários outros itens caíram sobre a
madeira, incluindo o celular da garota. — Finalmente!
Ela olhou o nome na tela do aparelho e suas bochechas
automaticamente ficaram mais vermelhas. Me senti com
inveja sem conseguir evitar. Eu sentia falta de me sentir
assim. De olhar o nome dele e sentir excitação e não
saudade.
— É o Gael, meu namorado. Você se importa se eu
atender rapidinho? Prometo que não demoro — pediu. Sorri
em resposta.
— Claro, pode atender. — Helô movimentou em um
“obrigada” silencioso e saiu do quarto com saltinhos de
empolgação enquanto atendia o telefone.
Apoiei meu queixo nas mãos, perdida no quadro de ímã
à minha frente repleto de fotos, inclusive de Thomas. Eu
podia dizer que não tinha ficado vidrada encarando sua
imagem por vários minutos nas nossas últimas aulas, mas
seria mentira. Ele ainda atraía todos os meus olhares,
mesmo que estático em uma foto. Abaixei o olhar até que
fui capturada por um dos itens caídos de dentro da mochila
de Helô. Um livro. Um livro que eu reconhecia mesmo
estando aberto em uma página qualquer.
Mas o que me chamou atenção foi o título da página.
SINESTESIA. Em letras maiúsculas. Esse poema não existia
na versão do livro que eu tinha em casa.
Tentei lutar contra a minha curiosidade, mas fui
vencida, mesmo sabendo que provavelmente terminaria a
leitura arrependida.

Amor é quente feito tocha que acende


Amor é frio feito a água do rio
Amor é segredo, guardado, quase revelado
Amor é você, mesmo quando não posso te ter

Ainda escuto sua voz


Seus passos, sua risada
Ainda sinto seu cheiro
Seu perfume entranhado no meu travesseiro

Quanto tempo é saudável deixar sua escova na pia?


Não trocar os lençóis?
Esperar que você apareça
E que possamos ficar a sós

Me dê um sinal de que isso não é definitivo


De que nossa história ainda é a sua preferida
Não me deixe ser uma lembrança, uma memória
escondida
Me dê um sinal de ainda estou na sua vida

E pra você que chegou até aqui se perguntando sobre o


título desse poema, aí vai a resposta. Você é cada um dos
meus sentidos, todos misturados. Você é o meu tato, olfato,
audição, visão e paladar. Você é minha SINESTESIA, minha
poesia, minha Lia.

Levei minha própria mão à boca, sentindo meu olho se


encher de água. Fechei o livro, não aguentando encarar
mais aquela página. Deus, por que precisava ser tão difícil
mesmo depois de meses?
— Desculpa a demora, Lia — Helô falou, entrando de
volta no quarto. Esfreguei meus olhos com as mãos,
limpando qualquer resquício de lágrimas que ainda
pudessem estar por ali. — Tá tudo bem?
— Sinto muito, Helô, mas eu não estou me sentindo
muito bem. Podemos remarcar a nossa aula? — Ela
balançou a cabeça em confirmação. Levantei da cadeira,
recolhendo meus itens ainda espalhados.
— Mas eu posso fazer alguma coisa? Quer um remédio,
uma água?
— Não, obrigada. Eu vou ficar bem. Eu só... Acho que
minha pressão abaixou, só isso. — Engoli em seco. — Te
mando mensagem pra combinar uma reposição. — Antes
que ela conseguisse me interromper ou dizer qualquer
coisa, saí do seu quarto em direção à saída.
Eu preciso de ar. Precisava pensar. Precisava digerir
aquelas palavras. Será que Thomas ainda se sentia daquele
jeito? Será que... Balancei a cabeça, evitando que
pensamentos esperançosos surgissem na minha cabeça.
Se fosse para ser, o destino ia dar um jeito. Da mesma
maneira que nos colocou um no caminho do outro.
34. Thomas
Lia e eu já estávamos separados há meses e, desde
então, eu quase não havia esbarrado com ela pelos
corredores da faculdade de Letras. Como aluna no último
período de mestrado, minha ex-namorada provavelmente
estava vindo à universidade pouquíssimas vezes, o que
dificultava que nós nos esbarrássemos por aí.
Mas ontem eu a vi, caminhando em direção ao próprio
veículo no estacionamento da faculdade enquanto
conversava com duas amigas. Eu estava dentro do meu
próprio carro e, com os vidros escuros, ela certamente não
me viu. Lia estava sorrindo por causa de algo que uma das
amigas havia acabado de dizer. Ela parecia feliz.
E eu tive certeza, naquele exato momento, que queria
ser o culpado por fazê-la sorrir daquela forma todos os dias.
Não queria mais esperar. Não conseguia mais esperar.
― Desculpa pela demora, Thomas ― Alessandra
cumprimentou ao entrar na sala de reunião do nosso
departamento. ― O trânsito estava caótico hoje de manhã
por causa do tiroteio na Avenida Brasil.
― O importante é que você chegou bem ― falei. Ela
assentiu.
― Que bom que você mandou aquele e-mail pedindo
para marcar essa reunião. Eu queria mesmo conversar com
você. ― Ela colocou a bolsa em uma das cadeiras e sentou-
se na outra, ficando de frente para mim.
― Aconteceu alguma coisa?
― Eu preciso muito que você me substitua na
cerimônia de colação de grau da nossa turma de
mestrandos na próxima semana. É uma cerimônia simples,
como você já sabe. Afinal, não faz muito tempo que você era
um dos alunos ansiosos para receber seu diploma de mestre
― brincou. ― Você só precisa fazer um discurso
parabenizando os formandos e entregá-los o diploma
quando Manuel chamar seus nomes.
― Será uma honra te substituir, Alessandra.
― Muito obrigada, querido. Eu até pedi para a Antônia
me substituir, mas ela já estará de férias na data. E eu
preciso ir à uma consulta médica de urgência com minha
filha mais nova ― explicou, ainda que não precisasse.
― Sem problemas da minha parte. Mas… ― Respirei
fundo e me endireitei na cadeira. ― O assunto que eu tinha
para discutir tem um pouco a ver com isso. Para ser sincero,
tem a ver com uma das alunas de mestrado.
― Qual delas? ― perguntou, parecendo confusa.
― Lia Bellini.
― Sua ex-tutora? ― Assenti. ― Não entendo, Thomas.
Ela sempre me pareceu uma excelente aluna.
― E ela é. Essa não é a questão.
Olhei em volta mais uma vez para me certificar de que
mais ninguém estava nos escutando. E também para ganhar
tempo antes de declarar as palavras que, na pior das
hipóteses, colocaria um fim na minha carreira, que mal
tinha começado.
― Eu quero que você ouça essas palavras da minha
boca, primeiramente, para que não haja mal entendidos. Lia
e eu tivemos um envolvimento amoroso. Na verdade, tudo
começou antes de sabermos que seríamos colegas de
trabalho. Se a gente soubesse… ― Deixei a frase morrer
porque, provavelmente, teríamos nos envolvido mesmo
assim. Nossa conexão era forte demais. ― Quando
descobrimos que seríamos professor e tutora, tentamos com
bastante afinco controlar o que sentíamos, mas…
― Mas não há como controlar os assuntos do coração ―
Alessandra completou.
― Exatamente. De qualquer forma, acho importante
ressaltar que Lia sempre fez por merecer as notas dela. Eu
nunca, em hipótese alguma, mentiria sobre o desempenho
dela na tutoria apenas por estar envolvido romanticamente
com ela.
― Acredito em você. Não só por te conhecer, mas
também por ouvir muitos feedbacks positivos sobre a Lia de
praticamente todos os alunos da turma de Linguagem e
Sentido.
― Praticamente todos? ― perguntei curioso.
― Cá entre nós, a única que fez críticas ao método da
Lia foi uma aluna chamada Bruna Moreno. Mas, pensando
bem agora, acho que sei bem o motivo ― comentou, me
analisando de cima a baixo. Soltei uma risada.
― Nós mantivemos nosso romance por algum tempo
até que guardar esse segredo se tornou uma carga pesada
demais e nos separamos. Sinto muito por esconder isso de
você ― continuei. ― Mas não sinto muito por ter feito tudo
que fizemos. Eu realmente amo a Lia. Eu a amei antes
mesmo dela ser minha tutora.
― Thomas, você conhece as regras da instituição. Como
sua amiga, fico feliz de você não ter me contado nada,
porque, como sua coordenadora, eu provavelmente teria
que tomar uma decisão que não deixaria nenhum de nós
felizes. Posso saber por que você está me contando isso
agora?
― Porque Lia está se formando e em poucos dias não
será mais uma aluna ativamente matriculada na UFRJ. E eu
vou atrás dela, Alessandra. Os burburinhos provavelmente
irão existir e as fofocas vão correr pelos corredores. Mas eu
queria que você ouvisse primeiro de mim, a versão real de
como tudo aconteceu. E quero deixar claro que, ainda que
Lia Bellini volte a se tornar aluna da UFRJ na turma de
doutorado em algum momento, não há a menor
possibilidade do nosso romance parar de acontecer. Eu amo
a Lia e quero estar inserido na vida dela de todas as formas.
E publicamente. ― Alessandra assentiu.
― As regras não dizem nada sobre o parceiro ou
parceira de um professor da instituição se tornar aluno. Isso
quer dizer que se em algum momento Lia regressar a
universidade já estando em um relacionamento com você…
― Ela deu de ombros. ― Não vejo problemas.
Senti um alívio percorrer meu corpo. Como se um peso
gigantesco tivesse acabado de ser retirado dos meus
ombros. Como se eu finalmente pudesse ser capaz de
respirar tranquilamente outra vez depois de passar horas e
horas nadando em um mar com ondas.
― Mas, posso fazer só uma pergunta? ― Assenti. ― Por
que vocês só não continuaram com o relacionamento
escondido?
― Romances proibidos são ótimos na ficção, mas
cansativos na vida real. Por mais que a gente se amasse,
só… Era complicado demais. ― Alessandra assentiu mais
uma vez, parecendo pensativa.
― Obrigada por compartilhar sua versão comigo. E não
se preocupe com as fofocas que poderão surgir. Vocês
sabem a verdade, eu sei a verdade e é isso que importa.
Levantei da cadeira pronto para ir até minha sala de
aula onde meus alunos provavelmente já me esperavam.
Era a primeira vez, em muito tempo, que me sentia
genuinamente animado.
― Thomas? ― a coordenadora chamou antes que eu
girasse a maçaneta da porta para sair dali.
― Sim?
― Espero que você reconquiste sua garota e vocês
vivam o seu felizes para sempre, como merecem.
Sorri em sua direção como forma de agradecimento
pelo carinho. Eu também esperava isso. E faria tudo ao meu
alcance para conseguir exatamente o que queria.
35. Lia
Olhei meu reflexo no espelho e dei uma voltinha para
que minha prima pudesse capturar tudo com a câmera do
meu celular.
― Você está linda, princesinha ― a voz do meu pai soou
através do telefone. Ajeitei meu rabo de cavalo no topo da
cabeça.
― Vocês tem certeza que não tá demais? Quer dizer,
não é nada elaborado. É só a entrega de um papel dizendo
que concluí o mestrado ― falei.
Como previsto, Victor e Elisa Bellini, também
conhecidos como meus pais, não poderiam estar presentes
no dia de hoje. A viagem para a assistir a minha defesa na
semana passada tinha tornado praticamente inviável que
eles conseguissem folgar em um dia de semana novamente.
― Lia, é o momento da conclusão oficial do seu
mestrado. Você tem que arrasar! ― Jade opinou.
― Eu concordo com a sua prima, filha! ― minha mãe
gritou do outro lado. Virei de frente para a câmera e encarei
meus pais num quadrado pequeno no canto da tela.
― Então, resultado aprovado? ― perguntei. Eles
abriram um sorriso cheio de orgulho e assentiram. ― Tudo
bem, então estou pronta.
― Não esqueçam de filmar tudo para que a gente possa
assistir depois! ― mamãe pediu.
― Pode deixar, tia! Já estou com o meu celular
preparado com 100% de bateria. ― Jade se levantou da
cadeira da minha escrivaninha onde estava sentada e
esticou o celular na minha direção. Peguei o aparelho das
suas mãos.
― Queria que vocês estivessem aqui ― confessei, para
o reflexo dos dois na tela. Eu podia apostar que meu pai já
estava com os olhos cheios de lágrimas de emoção. Lia
Bellini podia ter 24 anos e ser mestra em Linguística, mas
sempre seria a princesinha do papai.
― Nós também queríamos, meu amor! ― O rosto da
minha mãe deixava claro que eles estavam chateados de
não poder estarem presentes. ― Mas tenho certeza que vai
ser tudo incrível e vamos poder assistir juntos depois.
Podemos combinar uma chamada de vídeo com seu irmão.
― Vai ser ótimo ― concordei. ― Pessoal, preciso ir antes
que eu me atrase. Amo vocês! ― Meus pais me
corresponderam em uníssono e eu apertei no botão
vermelho no centro da tela.
― Pronta? ― Jade perguntou. Assenti e peguei minha
bolsa em cima da escrivaninha.
― Vamos.
Fizemos o percurso até a Ilha do Fundão ouvindo
música no último volume. Minha prima tinha sido
responsável pela escolha da trilha sonora que culminou em
nós duas gritando Wrecking Ball a plenos pulmões no meio
da Linha Vermelha. Eu não sei como meus meses teriam
sido sem Jade na minha vida. Ela sempre me tirava de casa
quando percebia que eu estava ficando triste, nem que
fosse para dar uma volta no quarteirão. Nós sempre fomos
próximas, mas esse último ano tinha nos aproximado ainda
mais.
Estacionei o carro no descampado da Faculdade de
Letras e desci. Arrumei meu vestido rosa, esticando o tecido
para tirar as dobras causadas pelo veículo. Começamos a
caminhar em direção ao prédio e Jade ergueu o celular para
me filmar.
― Jade, é pra filmar só a cerimônia, não fazer um
documentário sobre mim ― brinquei. Ela me ofereceu o
dedo do meio, fazendo uma careta.
― Eu vou fazer o serviço completo. E ainda vou editar
depois com músicas instrumentais emocionantes e fogos
estourando no fundo. ― Soltei uma risada.
― Você é ridícula!
Os corredores da faculdade estavam muito mais vazios
do que normalmente, já que o período letivo estava
praticamente no final, a não ser pelas pessoas de
recuperação ou formandos como eu.
― Vai ser em qual sala? ― minha prima perguntou.
― L13. Bem ali. ― Apontei para a porta entreaberta no
final do corredor.
― Espera! Fica aqui e eu vou pra lá e faço um take de
você andando pelo corredor e entrando na sala! ― Eu sabia
que não teria como dizer não para Jade quando ela colocava
alguma coisa na cabeça, então só suspirei e aguardei pelo
seu sinal.
Mas quando minha prima chegou na porta da sala, seus
olhos se arregalaram como se tivesse visto algo que a
surpreendeu. Ela me encarou e voltou caminhando devagar
até onde eu estava parada.
― O que houve? ― perguntei.
― Olha só, você precisa não surtar, tá legal? ― Essas
são exatamente as palavras que precedem um surto. ― Mas
o professor que vai conduzir a entrega das declarações…
― Não! ― Levei minha mão à boca, sem acreditar que
aquilo pudesse estar acontecendo.
Thomas seria o responsável por me entregar o
certificado? Eu devia ter feito algo de muito errado na
última vida para merecer tal castigo. Se já era ruim o
suficiente só lembrar dele que dirá passar pelo menos 1
hora na mesma sala que ele?
― Lia, respira. Vai dar tudo certo. Talvez seja uma boa
hora pra vocês conversarem e quem sabe se acertarem?
Você agora é formada, eu não entendo porque continua
parecendo um empecilho. ― Queria que as coisas fossem
tão simples quanto Jade imaginava.
― Não é tão simples assim, você sabe. ― Fechei os
olhos e inspirei com força, deixando o ar preencher meus
pulmões. Tá tudo bem, eu consigo. ― Vamos, eu tô pronta.
Caminhei tentando parecer o mais firme possível na
direção da porta da sala L13. Tentei me forçar a focar em
qualquer coisa que não o homem alto, de antebraços de fora
com um sorriso no rosto conversando com um dos
funcionários da faculdade. Mas é claro que fui
extremamente malsucedida. Era como se Thomas e eu
fôssemos magnéticos. Como se a gente se atraísse mesmo
sem perceber.
Meus olhos grudaram nos dele e a sala inteira pareceu
desaparecer sobre os meus pés. Eu nem sabia se estava
respirando. Eu sequer estava piscando? Quanto tempo tinha
passado com a gente se encarando desse jeito?
― Ok, acho que já acabou o tempo socialmente
aceitável pra vocês ficarem parados como se quisessem se
comer com os olhos ― a voz de Jade me despertou. Senti
sua mão envolver meu braço, me puxando na direção de
uma das fileiras de carteiras vazias. ― Tá bem? ― Balancei a
cabeça, tentando evitar ficar vidrada por Thomas.
― Acho que sim.
Pelos próximos minutos, a sala foi enchendo de
formandos da graduação e da pós-graduação, até ficar
quase completamente lotada. Thomas se levantou e ficou na
frente da mesa, assumindo uma posição de autoridade.
Deus, ele continuava tão lindo!
― Bom dia, formandos e familiares! Antes de
começarmos a chamar os nomes por ordem alfabética para
a assinatura e recebimento dos certificados de conclusão,
gostaria de dizer algumas palavras. ― Os olhos de Thomas
passearam pela sala e brilharam ao encontrar os meus. ―
Não faz muito tempo que era eu sentado em uma dessas
cadeiras no lugar de vocês. Fui graduando nessa
Universidade e recentemente recebi o título de Mestre por
aqui também. Espero que hoje vocês saiam daqui do mesmo
jeito que eu saí há anos atrás: com a sensação de dever
cumprido e a ambição de voltar a chamar a UFRJ de casa.
Imagino que cada aluno aqui presente tenha uma história
por trás da passagem pelos corredores dessa Universidade,
mas quero que saibam que nós, professores, temos orgulho
de cada um de vocês. ― Senti meu coração aquecer e meus
olhos lacrimejarem de emoção. De memórias da faculdade e
do professor com quem eu tinha dividido tantos momentos.
― Vocês estão recebendo um título de uma das melhores
faculdades do Brasil, então podem comemorar! ― terminou
com um sorriso no rosto. Um dos alunos presentes na sala
gritou um “uhul” arrancando risadas dos demais. ― Bom,
sem prolongar mais, vamos começar a entrega dos
certificados. Quem eu chamar, peço que por favor assine
seu nome e data na lista de entrega e confira todos os dados
no certificado. Aline Paixão? ― Uma menina de cabelos
cacheados se levantou e caminhou até a frente da sala.
Passei todos os nomes seguintes sentindo meus
batimentos cardíacos acelerarem conforme o L se
aproximava. Tentei planejar mentalmente cada um dos
meus movimentos, mas tudo foi por água abaixo quando
ouvi meu nome saindo da boca de Thomas.
― Lia Bellini. ― O olhar dele travou no meu e por mais
que eu quisesse não consegui desviar. Caminhei devagar até
a frente da sala. Ele esticou a mão com o certificado para
mim. Nossos dedos se encostaram por uma fração
minúscula de segundo que foi o suficiente para disparar
descargas elétricas por todo o meu corpo. ― Parabéns, Lia.
Forcei um sorriso trêmulo e me abaixei para assinar
meu nome na lista.
Cada passo meu de volta à cadeira parecia mais
bambo. Só me permiti respirar aliviada de novo quando o
próximo nome foi chamado.
― Sobreviveu? ― Jade sussurrou para que só eu
ouvisse.
― Não tenho certeza. ― Ela deixou uma risadinha
escapar.
― Bom, eu filmei tudo, você vai gostar de ver como
vocês dois continuam parecendo dois idiotas apaixonados
mesmo estando separados. ― Revirei os olhos, mas não
respondi. Pelo menos da minha parte ela tinha razão. Eu
continuava apaixonada por ele.
A cerimônia levou mais alguns poucos minutos
enquanto Thomas continuava chamando nome após nome
para a entrega dos certificados. Quando a última pessoa
assinou a lista, ele disse que estávamos liberados para
comemorar. Coloquei meu certificado dentro da pasta
plástica que eu tinha levado e estava pronta para fugir de
fininho quando vi a silhueta de Thomas se aproximando da
minha mesa.
― Oi ― cumprimentou. Abri a boca, mas nenhuma
palavra saiu.
― Oi! ― Jade respondeu. ― E tchau! Acho que vou
deixar vocês sozinhos. Lia, te espero do lado de fora. Mas
não tenham pressa, pode levar o tempo que for. ― Um
milhão de pensamentos surgiram na minha cabeça gritando
para que impedisse Jade de sair, mas não dei voz à nenhum.
― Oi, Thomas ― consegui responder.
― Lia, eu preciso muito conversar com você. ― Seu tom
de voz era sério, não deixava margem para discussão. Era
como se ele tivesse um assunto realmente urgente do qual
não pudesse deixar de falar.
― Tá tudo bem? ― Me senti automaticamente
preocupada. Ele balançou a cabeça em concordância.
― Vai melhorar. A gente pode conversar? Amanhã? ―
Arregalei os olhos.
― Thomas, eu não sei se isso vai ser… ― Ele me
interrompeu.
― Por favor. ― Seu semblante era de pura súplica, de
desespero. De alguém que parecia não aguentar mais
esperar.
― Tudo bem.
― Posso passar na sua casa às 15h? ― Olhei para os
lados, nervosa que mais alguém pudesse estar ouvindo o
fato de que um professor estava combinando de passar na
minha casa. ― Lia, você não é mais minha aluna. ― Engoli
em seco e concordei.
― Às 15h, então. ― Thomas fechou os olhos, parecendo
tirar um peso gigante das costas com a minha confirmação.
― A gente se vê amanhã. ― Ele deu um passo mais
perto de mim, ficando a uma distância perigosa. Perigosa
demais. Eu já conseguia até mesmo sentir o seu perfume. ―
Parabéns de novo, Liazinha. Você é incrível!
E antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Thomas
deu as costas e saiu da sala, me deixando parada como uma
idiota no mesmo lugar.
36. Thomas
Achei que teria dificuldade para dormir à noite, mas
não foi o que aconteceu. Conseguir que Lia aceitasse ao
menos me ouvir já tinha me deixado mais animado e
aliviado do que a cada dia dos últimos meses. Acordei com o
despertador das 8h da manhã que eu colocava todo final de
semana para correr na orla da Praia do Flamengo.
Hoje, especialmente, João tinha combinado de me
acompanhar na corrida e aproveitar para conversarmos um
pouco. Ele tinha ficado tão ocupado com o sucesso do time
de futebol da Atlética no último semestre que mal tínhamos
tempo de nos vermos.
― Então é hoje que você vai pegar sua garota de volta
― comentou, assim que paramos e sentamos na areia para
descansar depois de um pedaço do percurso.
― Eu espero que sim. Estou otimista. ― Peguei a
garrafa de água e bebi um gole.
― Vocês vão se acertar. Se você já falou com a sua
coordenadora e não tem mais regra alguma que impeça, por
que não daria certo? ― Respirei fundo e observei as ondas
do mar batendo na areia.
― Não é tão simples. A regra oficial pode não existir,
mas os burburinhos vão continuar acontecendo. Ainda mais
quando souberem que Lia foi minha tutora ― expliquei. ―
Eu estou disposto a encarar as fofocas, mas não sei como
isso vai ser pra Lia. A gente sabe como essas coisas são.
― Vai dar certo, parceiro. Tenho certeza. ― João deu um
tapinha nas minhas costas em sinal de apoio.
Eu esperava que sim. Estava cansado de ficar sem Lia
na minha vida. Eu estava disposto a fazer qualquer coisa pra
que ela me aceitasse de volta.
Corremos o trajeto contrário em direção à minha casa.
João subiu para beber uma água e trocar de roupa antes de
pegar o carro e dirigir em direção à esposa. Ainda eram 11h
da manhã e eu precisava me distrair para passar o tempo
até dar a hora de ir encontrar com Lia.
Tomei o banho mais demorado do mundo, mas ainda
assim o ponteiro do relógio parecia não se mexer. Inventei
de cozinhar o almoço, só para ver se minha mente
conseguia não pensar mais em Lia. Nunca fui um cozinheiro
ruim, minha mãe me ensinou o básico quando eu ainda era
adolescente, o que foi ótimo, já que passei a morar sozinho
aos 19 anos. Mas hoje eu tinha conseguido bater todos os
recordes de pior chef de cozinha do mundo. Queimei uma
panela inteira de arroz e deixei o estrogonofe doce. Como
tinha conseguido essa proeza? Eu não fazia ideia.
Quando o relógio marcou 14h da tarde, eu desisti de
tentar me manter são. Troquei de roupa e entrei no carro
rumo ao apartamento da Lia na Tijuca. Eu já tinha feito esse
mesmo caminho inúmeras vezes, mas nenhuma delas
parecia tão importante quanto essa. Nossa conversa
definiria nosso caminho, se ela estava disposta a arriscar
comigo ou se eu precisaria seguir em frente. Ainda que eu
não tivesse a menor ideia de como faria isso.
Estacionei o carro em uma das ruas residenciais que
sempre costumavam ter vaga disponível. Andei a curta
distância até a entrada do prédio dela e digitei o número do
seu apartamento no interfone. Senti minha mão suar de
nervosismo.
― Alô? ― Eu quase conseguia ouvir meu próprio
coração batendo quando sua voz soou pelo interfone.
― Oi, Lia, sou eu. ― Será que ela estava nervosa? Será
que a ansiedade estaria tão grande quanto a minha?
Esperei que ela me respondesse algo, mas o barulho do
portão sendo aberto soou. Fechei os olhos e coloquei toda a
angústia que eu vinha sentindo num espaço fechado. Eu
precisava de pensamento positivo.
Subi os mesmos degraus que eu já tinha subido tantas
outras vezes em direção ao apartamento dela. A porta ainda
estava fechada, mas antes que eu chegasse em frente à sua
porta, ela se abriu. Parei no meio do caminho, vidrado no
quanto eu sentia falta daquela garota que tinha
transformado minha vida inteira com um simples erro de
digitação.
― Oi. ― Minha voz saiu quase como um sussurro. Ela
colocou o cabelo atrás da orelha e me encarou.
― Oi ― cumprimentou em resposta. Lia desviou o olhar
do meu e fez um gesto para que eu entrasse.
Ela fechou a porta e parou na minha frente, envolvendo
os próprios braços ao redor do corpo. Dei um passo na sua
direção. Torci para que ela não andasse para trás e, por
sorte, ela não o fez.
― Eu passei os últimos 132 dias esperando pra poder
falar com você. Se eu pudesse, teria vindo aqui no seu
apartamento no dia seguinte que você saiu do meu carro,
mas seria injusto. Eu te amo demais pra fazer isso com você.
― Percebi seus olhos se abrindo de leve com a menção do
“eu te amo” nas minhas palavras. ― Você merece alguém
que possa te amar em todos os momentos, Lia. Dentro de
casa, mas também fora dela. Que possa te apresentar como
namorada para qualquer um que pergunte. Que não te faça
ficar com medo ou se esgueirando pelos cantos pelo que os
outros vão pensar. ― Os olhos da garota começaram a se
encher de água e senti meu peito afundar. Eu odiava ser o
responsável por fazer a mulher da minha vida chorar.
― Thomas, eu… ― Dei mais um passo na sua direção e
coloquei seu rosto entre as minhas mãos, impedindo que Lia
falasse. Eu precisava terminar de falar tudo que queria antes
que ela fugisse de mim.
― Lia, eu quero você. Quero você de volta na minha
vida, porque nada tem mais graça sem você. Eu conversei
com a Alessandra uns dias atrás e contei toda a verdade. Eu
disse que viria atrás de você e que, se tudo corresse como
planejado, eu voltaria a te chamar de namorada. ― Minha
ex-tutora pareceu chocada. Respirei fundo. ― Não tem mais
nenhuma regra que impeça a gente, mas eu sei que estar
comigo vai trazer burburinhos por um tempo. Mas as fofocas
passam e eu prefiro lidar com elas do que lidar com a vida
sem você. ― Algumas lágrimas já tinham escorrido pela
bochecha da garota. ― Eu te amo, Lia e tenho certeza que
ficamos separados por tempo demais. Eu não quero mais ser
o seu segredo.
Encarei Lia, sentindo minha ansiedade crescer com a
expectativa de uma resposta. Mas ela nem sequer abriu a
boca. Continuou parada na minha frente e puxou o celular
do próprio bolso. Eu não fazia ideia do que ela estava
fazendo, mas não a interrompi. Observei seus dedos voarem
pela tela do aparelho enquanto lágrimas escorriam pelos
olhos. Não sei quanto tempo levou até que ela apertasse
uma última vez e guardasse o celular de volta no bolso. Mas
praticamente ao mesmo tempo senti uma vibração na
minha calça jeans.
― Olha o seu celular ― falou. Ergui a sobrancelha
confuso, mas puxei o aparelho. A notificação de um e-mail
dela me chamou atenção e automaticamente senti meu
peito aquecer. Isso era um bom sinal.

De: lia.bellini@freemail.com
Para: th.goulart@freemail.com
Assunto: Você não é um filho da puta

Thomas,
Nesse momento, você está parado na minha frente, me
olhando com uma cara de quem diz “por que essa louca está
mexendo no celular quando eu acabei de abrir meu coração
pra ela e dizer que a amo e quero voltar a tê-la na minha
vida?” Em minha defesa, achei que seria poético te
responder da forma como tudo começou: através de um e-
mail. Dessa vez, no entanto, as letras não estão correndo.
Embora ainda seja um pouco difícil de escrever enquanto as
lágrimas escorrem pelos meus olhos. Mas pelo menos são
lágrimas de alegria e de alívio.
Você não é um filho da puta. Nunca foi e nunca será.
Mesmo nos momentos em que nós precisamos nos afastar,
eu não consegui te odiar. E acredite em mim, eu tentei.
Achei que seria muito mais fácil de te esquecer. Mas não tem
como esquecer o amor da sua vida. Não importa o quanto
você tente.
Você é o amor da minha vida, Thomas. Eu acho que
soube disso no momento que te vi sentado, com uma camisa
verde-musgo, na cadeira daquele restaurante. E quanto
mais eu te conhecia, mais certeza tinha que você e eu
éramos uma espécie de almas gêmeas, destinadas a passar
o resto das nossas vidas juntos.
Acho que você já entendeu minha resposta, né? Tudo
que eu mais quero, Thomas, é escrever poemas com você e
para você. Mais do que isso: quero passar o resto da minha
vida ao seu lado.
Com muito amor,
Lia.

Obs: Agora que não sou mais oficialmente aluna da


UFRJ será que já é de bom tom isso virar uma fantasia
sexual? Professor e aluna sempre me excitou.

Porra. Essa mulher conseguia me fazer sentir todas as


sensações possíveis. Entrei nesse apartamento com medo,
nervoso. Me senti aliviado quando consegui dizer tudo que
eu queria. Fiquei ansioso quando ela passou alguns minutos
digitando algo no celular. E agora, lendo o e-mail que ela
escreveu, consegui passar de me sentir totalmente
apaixonado para terminar totalmente apaixonado e
excitado.
― Eu amo você também, Thomas. E senti sua falta em
cada um desses 132 dias. ― Essas palavras me atingiram
em cheio.
Encurtei a distância entre nós dois e a pressionei contra
a parede da sala, segurando seu rosto entre as minhas
mãos. Beijei sua testa, suas bochechas, seu pescoço, sua
boca e coloquei um beijo na ponta do seu nariz.
― Eu não acredito que isso finalmente está
acontecendo ― assumi, apoiando o rosto no dela.
― Eu também não. ― Suguei seu lábio inferior entre os
meus e deixei que minhas mãos a tocassem em todos os
lugares possíveis. Apertei a cintura de Lia com força,
querendo ter certeza de que era real. De que nós dois juntos
éramos reais.
Os dedos de Lia se enrolaram na barra da minha
camisa. Senti sua mão tocar minha pele por debaixo da
blusa, arranhando de leve com a ponta das unhas e
arrancando um suspiro da minha garganta. Eu tinha sentido
falta de tudo com ela. De beijar, de transar, de jogar
conversa fora e até de escrever enquanto observava ela
dormir.
Segurei a bunda de Lia e a ergui contra o meu corpo. A
garota envolveu as pernas ao redor da minha cintura dando
um gritinho de susto. Eu queria levá-la para o quarto, queria
tirar cada peça do seu corpo com a minha boca como na
primeira vez que ficamos juntos, antes de tudo se complicar.
― Pra onde vamos? ― perguntou, deixando um rastro
de beijos ofegantes pelo meu pescoço.
― Pra sua cama. Comemorar do jeito certo ―
provoquei.
― Escrevendo poesia? ― brincou. Deixei uma risada
escapar enquanto abria a porta do seu quarto.
― Criando conteúdo pra escrever poesia depois. Quero
te deixar bastante inspirada. ― Grudei minha boca na sua e
a coloquei sobre a cama, observando o quanto ela estava
vidrada em cada movimento meu.
Tirei minha camisa e joguei no chão. Os olhos de Lia
brilharam. Eu adorava esse efeito. Quando o castanho dos
seus olhos pareciam até pretos de tanta intensidade. Ela se
ergueu nos cotovelos, e me puxou pela fivela da calça na
sua direção. Nos tornamos um monte de braços e toques
para todos os lados. Tirei sua blusa pela cabeça enquanto
ela tateou para abrir meu cinto e descer minha calça jeans.
Quando sua mão tocou no meu pau dentro da calça,
gemi como a droga de um adolescente excitado. Lia lambeu
os lábios, me oferecendo uma visão da sua boca molhada e
entreaberta doida para me chupar, que era melhor do que
qualquer sonho erótico. Antes que ela conseguisse puxar
meu pau para fora da cueca, eu mesmo o fiz. Segurei minha
ereção na direção da sua boca, esperando que ela colocasse
a ponta da língua de fora enquanto eu me masturbava
sentindo sua língua. E foi exatamente o que ela fez.
Deslizei minha própria mão para cima e para baixo,
sentindo minhas veias pulsarem e o sangue se acumular
naquela parte do corpo. Os lábios de Lia envolveram minha
glande e ela fechou os olhos como se estivesse saboreando
a melhor das iguarias. Porra, foram tantos meses sem sexo
que se ela continuasse me chupando desse jeito eu não
conseguiria gozar dentro dela do jeito que pretendia.
Puxei seu cabelo, tirando sua boca de mim quando
percebi que não iria aguentar.
― Eu juro que te deixo continuar assim mais tarde,
rainha do boquete, mas preciso de você agora. De você toda.
Lia se apoiou na cama, com as pernas esticadas. Puxei
seu short com as mãos e me permiti observar a mulher da
minha vida usando nada além de uma calcinha de renda
branca deitada na cama. Segurei sua coxa e grudei minha
boca na sua pele, mordiscando de leve e subindo em
direção à sua calcinha. Trinquei os dentes em uma das
laterais finas e com a ajuda da mão desci a peça pelas suas
pernas.
Encarei Lia e sem tirar meus olhos dos seus, mergulhei
minha boca entre as suas pernas. Seu corpo arqueou na
mesma hora, a coluna se erguendo num reflexo do toque da
minha boca no seu clitóris. Eu não tinha esquecido do seu
sabor por nem um dia. Eu tinha sonhado em me enterrar
nesse lugar desde que eu e Lia nos separamos.
Deslizei um dedo para dentro da sua abertura, sabendo
que a encontraria molhada e tão desesperada quanto eu. Os
gemidos de Lia foram aumentando em ritmo e volume
quanto mais eu sugava e enfiava meu dedo dentro dela.
― Ch-chega ― gemeu. Ergui os olhos confuso na sua
direção. ― Eu quero gozar com você dentro de mim.
Ela não precisava dizer mais nada. Me afastei do seu
corpo só para poder me posicionar da melhor forma entre as
suas pernas. Segurei meu pau com a mão e massageei mais
uma vez antes de encaixar a cabeça na sua abertura. Fiquei
parado ali, enfiando e tirando só a glande para a provocar
até o limite.
― Thomas… ― chiou entre suspiros. ― Por favor! ― E
cansado de torturar tanto a ela quanto a mim, enfiei o
comprimento inteiro de uma vez. Lia engoliu o ar, soltando
um gritinho agudo de surpresa que logo foi substituído por
um gemido.
Poucos sons eram mais deliciosos de se ouvir do que Lia
Bellini gemendo meu nome. Ela envolveu meu quadril com
as pernas, me puxando para mais dentro dela, como se
qualquer centímetro dos nossos corpos precisassem estar
conectados. Me debrucei, agarrando sua boca em um beijo e
descendo em um caminho pelo seu pescoço.
Senti seu corpo rebolar de encontro ao meu, mesmo
com o peso impedindo que seus movimentos fossem tão
fáceis. A respiração da minha garota ficou entrecortada
suspirando no meu ouvido enquanto eu chupava seu
pescoço e me enfiava dentro dela. Desci minha mão por
entre nós até chegar no seu ponto mais sensível. Circulei
seu clitóris com o polegar, sentindo seus músculos ficarem
mais enrijecidos com cada movimento meu.
― Thomas, eu vou… eu vou… ― Eu sabia que ela ia
gozar, mesmo que ela não tivesse completado a frase.
― Goza pra mim, Liazinha. ― E, respondendo ao meu
pedido, senti todo o seu corpo se tensionar enquanto o
orgasmo a varria. Porra, meu pau estava sendo apertado por
dentro como se o seus músculos fizessem um torniquete do
prazer.
Lia ainda estava se contorcendo com os resquícios do
seu gozo quando me permiti me entregar. Penetrei dentro
dela com força, sentindo minha necessidade de tantos
meses aflorar por ela. Gozei com a boca dela na minha,
sentindo seu gosto, como sempre gostei de gozar.
Deixei minha testa pender contra a dela e sorri. Nossas
respirações estavam ofegantes e nossos corpos ainda
entrelaçados, mas eu me senti mais feliz do que me
lembrava.
― Eu amo você, Lia.
― Eu também amo você, Thomas. ― E ainda sorrindo
feito um idiota, coloquei um beijo na ponta do seu nariz.
37. Lia

Quando você beija a ponta do meu nariz


E diz que me ama
Desejo desviver
Todos os anos que vivi sem você

Tudo ganhou forma, cor e rima


No momento que você
Entrou na minha vida
E fez de mim sua moradia

Tem um monte de gente por aí


Tentando encontrar o que eu já achei em ti
Você é tudo que eu sempre quis
Com você sou mais feliz

Eu estava uma pilha de nervos. Nem o exercício de


respiração que mamãe havia me ensinado a fazer desde
pequena para ficar mais calma parecia funcionar. Eu já
conhecia o senhor e a senhora Goulart, assim como Thomas
já conhecia os meus pais. Mas hoje seria a primeira vez que
nossas famílias se conheceriam. E isso inclui não só nossos
pais, mas também nossos tios e tias. Só quero que tudo dê
certo.
Thomas e eu acordamos cedo no domingo para ir ao
mercado comprar o restante das coisas que faltavam para o
almoço. Nós optamos por fazer o clássico churrasco. O
evento aconteceria no apartamento do meu namorado, pois
era maior do que o meu e caberia mais confortavelmente a
todos os nossos convidados.
― Que horas sua família chega? ― Thomas perguntou
enquanto guardava parte das cervejas no congelador.
― Eles devem vir para cá por volta de 11h30. ― Meus
pais e tios tinham chegado ontem ao Rio de Janeiro e
aproveitaram a viagem para visitar outros membros da
família que moravam na capital ou próximo à ela. ― O tio
Rafa está super animado para ser o churrasqueiro.
― E o tio Arthur está completamente revoltado porque
tiraram o cargo dele. ― Meu namorado soltou uma risada. ―
Eu disse que os dois poderiam tentar dividir o trabalho, mas
o tio Arthur odeia dividir.
― Ele e o tio Rafa têm mais em comum do que
imaginam então ― brinquei. ― Só espero que os dois se
deem bem mesmo assim… Os seus pais chegam que horas?
― Provavelmente junto com os seus. Minha mãe está
ansiosa para conhecer a famosa Elisa.
Thomas e eu arrumamos o espaço na sacada onde fica
a churrasqueira. Colocamos em uma das mesas os pratos e
os talheres que seriam usados e deixamos espaço para
encaixar ali as panelas com o restante das comidas que
ainda estávamos preparando.
Eu estava terminando de secar meu cabelo no banheiro
do quarto de Thomas quando ouvi a campainha tocar,
anunciando que nossos primeiros convidados tinham
acabado de chegar.
― Sintam-se em casa ― Meu namorado disse para
meus pais e tios.
― Que bom que vocês chegaram! ― cumprimentei,
dando um abraço apertado em cada um deles. ― Esse é o
Thomas, meu namorado ― apresentei oficialmente.
― Quais são as suas intenções com a nossa
princesinha? ― Tio Rafa foi o primeiro a dizer. Tia Helena
usou o cotovelo para dar um empurrão nele.
― As melhores possíveis, senhor. Tudo que mais quero é
fazer a Lia ainda mais feliz. ― Um sorriso automático tomou
conta de todo meu rosto.
― Resposta certa. Mas ainda assim ficarei de olho em
você ― tio Rafa rebateu.
― Não liga para ele, Thomas. Ele mais fala do que faz
― papai entrou na conversa. ― Eu, no entanto, treino boxe
há anos e não tenho medo algum de usar meus talentos
quando necessário. ― Ah, não! Quando eu achava que
aquela conversa não podia ficar pior…
― Querido, esses dois não machucam uma mosca ―
mamãe disse para meu namorado, antes de abraçá-lo. ―
Seja bem-vindo a família. Como você pode ver, somos
bastante…
― Loucos? ― sugeri em tom de brincadeira.
― Eu ia dizer protetores com quem amamos. Achei que
soaria mais bonito ― dona Elisa respondeu. ― Trouxemos
sobremesa. Onde podemos colocar?
Thomas guiou a mamãe e a tia Helena até a cozinha,
me deixando sozinha com o resto da gangue de Itaperuna.
Eles, é claro, não demoraram a expor sua opinião sobre meu
parceiro.
― Caramba, Lia, quando sua mãe disse que seu
namorado era um gato não imaginei que fosse tanto.
Parabéns! Já disse que você me enche de orgulho? ― Tia
Sofia elogiou.
― Vocês dois formam mesmo um lindo casal. Você com
certeza puxou o meu bom gosto para escolher marido gato
― tio Dani disse e tio Gusta, ao seu lado, concordou com o
marido. É claro.
― E vocês dois… ― disse diretamente para meu pai e
meu padrinho. ― Vocês querem me fazer morrer de
vergonha? Que história é essa de falar que luta boxe, pai? ―
repreendi.
― Deve ter uns bons anos que Victor não sabe o que é
colocar uma luva e ainda mandou essa ― implicou tio
Thiago.
― Ele tem que saber que se partir o coração da nossa
princesinha, nós vamos partir a cara dele também ― tio
Rafa disse e papai concordou.
― Bom, então acho que vocês deveriam saber que meu
namorado é faixa preta no Jiu Jitsu. ― Papai e tio Rafa se
entreolharam com a sobrancelha erguida.
― Então vamos apenas torcer pro moleque ser um cara
legal mesmo igual aparenta ser ― tio Rafa disse por fim.
― Sobre o que vocês estão conversando? ― mamãe
perguntou ao voltar para onde estávamos acompanhada da
tia Helena e do meu namorado.
― Só estavam me contando da viagem ― falei, não
querendo que Thomas soubesse a verdade. ― Por que vocês
não se sentam enquanto a gente pega algumas bebidas? ―
sugeri.
Minha família se acomodou pela sala de estar de
Thomas enquanto nós dois fomos até a cozinha pegar
bebidas para entregar as nossas visitas.
― Senhor Fritz, as carnes já estão ao lado da
churrasqueira prontas para serem assadas. Os espetinhos
veganos também. Pode assumir seu posto a hora que quiser
― meu namorado avisou.
― Hoje, Thomas, você vai comer o melhor churrasco da
sua vida ― gabou-se enquanto se levantava e vestia o
avental de churrasqueiro que eu tinha deixado separado
especialmente para ele.
― Sabe, tio Rafa, o Thomas também tem um tio que
gosta de ser churrasqueiro nos eventos em família. Dizem
que o churrasco dele é excelente ― impliquei
propositalmente, fazendo meu tio revirar os olhos.
― É porque eles nunca experimentaram a minha
picanha com alho na brasa.
A campainha do apartamento tocou pela segunda vez
naquela manhã. Mamãe ajeitou-se no sofá e eu sabia que
ela estava ansiosa para conhecer a família do meu
namorado. Thomas e eu caminhamos juntos até a porta
para receber o restante dos convidados.
― Olá, pessoal. Lia e eu estamos felizes em receber
todos vocês aqui ― Thomas cumprimentou assim que seus
familiares apareceram em nosso campo de visão.
― É um prazer conhecer a famosa Lia. Eu sou a Iane, a
tia mais legal do Thomas ― uma das mulheres disse, me
abraçando. Em seguida, as outras pessoas que eu não
conhecia ainda vieram se apresentar e me cumprimentar.
― O cheiro já está uma delícia. Parece que o
churrasqueiro oficial do evento sabe bem o que está fazendo
― um dos tios de Thomas disse.
― Tio Edu, você não perde a chance de implicar com o
Tio Arthur, né?
― Jamais, pirralho.
― Eu ainda não acredito que você deixou outra pessoa
assumir a churrasqueira, Thomas. Estou bastante ofendido
― Arthur reclamou.
― Para de bobeira, amor ― Maya, esposa do Arthur,
falou. ― E você pode muito bem fazer amizade com o tio da
Lia e aí vocês dois dividem a churrasqueira. ― Meu sogro,
Thomas e o Tio Edu soltaram uma risada de descrença. Eu
queria muito ver como o encontro desses dois homens seria.
― Vamos entrar, quero que vocês conheçam o resto da
família da Lia ― meu namorado disse abrindo espaço para
que passassem. Arthur e Maya foram os primeiros a entrar.
― Por que caralhos vocês estão aqui? ― Tio Arthur
perguntou para alguém que eu não conseguia identificar
ainda.
Senti a mão de Thomas, grudada na minha, gelar. Meu
coração bateu acelerado. Será que, assim como Romeu e
Julieta, além do romance proibido que vivemos também
teríamos que lidar com uma rixa entre as famílias?
― Ah não, porra. Você tá de zoação comigo? O que você
está fazendo aqui? ― Tio Rafa perguntou.
E então aconteceu algo que eu definitivamente não
esperava. Meu padrinho largou a tigela com carnes que
segurava e correu em direção ao Arthur, dando-lhe um
abraço apertado.
― Porra, eu estava com saudades, irmão. Tá fortão
hein… ― Tio Rafa disse ao soltar Arthur.
O que estava acontecendo?
― Não pode descuidar do shape, parceiro. Então você é
o tio cuzão que fez questão de ser o churrasqueiro.
― Tio Arthur… ― repreendeu Thomas.
― Tá tranquilo, pirralho. Não é a primeira vez que isso
acontece ― respondeu Arthur.
― Você sabe que sou muito melhor nisso que você,
porra ― tio Rafa respondeu.
― Vocês não vão ter essa discussão de novo, né? ― tia
Helena falou.
― A gente não aguenta mais ouvir ― tia Maya
completou.
― Alguém pode, por favor, me explicar o que está
acontecendo? ― pedi.
― O Arthur é irmão da Heleninha. Você já o viu algumas
vezes quando era pequena, mas não deve se lembrar ― Meu
padrinho explicou.
― Porra, tá falando que eu sou esquecível, caralho? ―
Arthur parecia ofendido.
― Você sabe que não, porra. A memória da Lia que não
é tão boa ― defendeu-se. ― Sem ofensas, princesinha.
― E o pirralho aqui, que não é mais pirralho, é meu
sobrinho. Eu e o pai deles somos amigos há muitos e muitos
anos. Sou o tio preferido do Thomas ― Arthur explicou.
― Nos seus sonhos ― Edu entrou na conversa.
― Deixa eu ver se entendi direito… ― mamãe começou
a falar. ― O Thomas, namorado da Lia, é sobrinho do Arthur.
Arthur, como já sabemos, é irmão da Helena.
― Mas prefere ser conhecido como cunhado do Rafael
Fritz ― tia Helena brincou.
― Confuso, mas… Acho que entendi ― mamãe
concluiu.
Fizemos o restante das apresentações e nossas famílias
pareceram se entrosar bem. Laura, assim como mamãe e
Helena, era uma grande fã de livros. As três não paravam de
conversar sobre os últimos romances que tinham lido. Sofia,
Iane e Maya também pareciam ter se dado bem. Escutei em
algum momento que houve uma época que Maya não
gostava muito da tia Sofia por conta de ciúmes, mas isso
tinha ficado há muitos anos no passado.
Tio Rafa era simplesmente o maior fã de Arthur. Assim
como todo o resto dos meus tios, diga-se de passagem. Meu
sogro e meu pai também pareciam ter se dado bem, pelo
menos estavam há horas conversando e o assunto parecia
nunca acabar.
O churrasco foi muito melhor do que eu esperava. A
família do meu namorado era incrível, assim como a minha.
E, apesar de estar me sentindo completamente cansada no
final do dia, não poderia estar mais feliz.
― Eu não tenho forças para levantar do sofá e ir tomar
banho de tão cansada ― disse depois que todos foram
embora, já de noite.
― Nem se eu me oferecer para tomar um banho com
você? ― Thomas respondeu em um tom sugestivo que
muito me agradava.
― Eu disse que estava cansada? Que doida. Eu quis
dizer animada. Vamos.
Puxei meu namorado pelo braço e o levei comigo em
direção ao banheiro. Iríamos terminar aquele dia incrível
com chave de ouro.
― Hoje, mais do que nunca, estou completamente feliz
por ter te mandado aquele e-mail bêbada ― disse enquanto
estávamos deitados abraçados na cama.
― Sou grato ao Thomas do passado que não pensou
duas vezes antes de respondê-lo.
― E não é doido o fato de que parte das nossas famílias
já se conheciam? É quase como se o destino estivesse desde
sempre tentando nos ligar de alguma maneira.
― E talvez ele estivesse mesmo ― Thomas respondeu.
― É bom ter um final feliz depois de tudo que
passamos ― falei, sentindo minhas pálpebras cada vez mais
pesadas conforme o sono invadia meu corpo.
― Eu amo você, Lia ― ouvi Thomas dizer antes de cair
em um sono profundo.
Eu finalmente tinha alcançado o estágio da vida onde a
realidade era muito melhor do que qualquer sonho que
pudesse ter durante a noite.
Epílogo - Lia

― Eu já disse, mas quero repetir: estou muito orgulhosa


de você, meu amor ― disse, deitando ao lado do meu
namorado na nossa cama. Ele me abraçou e depositou um
beijo repleto de carinho na minha boca, finalizando com
uma mordida no lábio inferior. O equilíbrio perfeito.
Thomas e eu estávamos morando juntos há algum
tempo. Para falar a verdade, não fazia sentido pagar dois
aluguéis e passar uma semana no apartamento de cada um.
Depois de um pouco mais de um ano vivendo assim,
resolvemos, finalmente, procurar um lugar maior para juntar
nossas escovas de dentes de forma oficial.
Não demorou muito e achamos o apartamento perfeito
em Botafogo. Um pouco depois da mudança, nossa família
de duas pessoas virou uma família de três com a chegada
de Sinestesia, nossa gata. Não tinha como escolher outro
nome para nossa primeira filha.
― Em breve será você a nova doutora dessa casa, linda
― disse.
Muitas coisas aconteceram nesse tempo. Thomas
entrou no doutorado e hoje havia sido sua formatura. Com
honras, é claro. Em breve ele faria a prova para ser professor
adjunto da UFRJ e não tenho dúvidas que, apesar da
concorrência ser forte, uma das vagas já tem o nome dele.
Muitas coisas incríveis aconteceram na minha vida
também. Eu tinha me tornado professora universitária
meses depois de me formar no mestrado. Um ano depois de
Thomas garantir uma vaga no doutorado, foi a minha vez de
me tornar aluna mais uma vez. O sonho de publicar um livro
também foi realizado há dois anos. E, em algumas semanas,
meu segundo livro de poesias seria lançado.
― Se a Lia do passado pudesse me ver agora, estaria
muito orgulhosa de mim, de onde cheguei. Aposto que o
Thomas do passado também ― falei.
― A minha vida de agora é muito melhor do que
qualquer cenário que o Thomas do passado pudesse
imaginar ― respondeu, ainda acariciando minha cabeça.
― E vai ficar ainda melhor…
― Eu tenho certeza que vai ― Thomas disse com uma
expressão que eu não estava sabendo identificar. O que era
estranho porque, em geral, eu era ótima lendo a linguagem
corporal do meu namorado.
― No que você está pensando? ― perguntei, sem
conseguir conter a curiosidade que me dominava.
― Acho que essa noite pode ficar ainda melhor ―
respondeu. ― Quero te mostrar algo.
Meu namorado levantou e abriu uma das suas gavetas,
tirando de dentro dela um caderninho que eu conhecia
muito bem. Era o caderno que ele escrevia o esboço de suas
poesias.
― Não acredito que estava escondido aí esse tempo
todo ― falei.
― Estava aqui essa semana, espertinha. Você sabe que
eu mudo de lugar constantemente para evitar que uma
certa enxerida veja as poesias antes da hora ― falou. Fingi
fazer uma cara feia.
Thomas não gostava que ninguém, nem eu, lesse as
poesias quando ainda eram um esboço. Mas, em defesa do
meu namorado, eu o entendia perfeitamente. Eu também só
o deixava ler o produto final. O problema é que, ao contrário
dele, sou uma garota curiosa. Por isso, a solução que meu
incrível namorado achou, foi esconder seu caderno de
escrita cada semana em um lugar para evitar que eu lesse
as coisas antes da hora. Não posso culpá-lo por isso.
― Você finalmente vai me deixar ler algo que ainda não
está completo? ― perguntei, já sentando-me na cama de
forma confortável para devorar a maior quantidade de
poemas que ele permitisse.
― Na verdade, o texto que vou te mostrar já está
completo. Eu já o escrevi há algum tempo, não precisou de
esboço. Eu sabia exatamente o que falar.
― Me dá, tô curiosa ― disse erguendo as mãos abertas
em sua direção. Thomas colocou o caderno em minha mão.
― Por que você demorou tanto tempo para me deixar ler
então? ― perguntei.
― Eu estava esperando a oportunidade perfeita e…
Agora me pareceu perfeito. Leia com atenção e me diga o
que achou. ― Assenti.
Abri o caderno na página marcada e comecei a leitura
em voz alta, como sempre fazia.

Eu não sei mais como é acordar


Sem ter esses olhos sorrindo ao olhar os meus
Sem ter seus beijos de bom dia
Minha cama sem você é muito vazia

Desde o nosso primeiro beijo eu soube


Que queria ser para sempre seu
Até que sejamos velhinhos
De pele enrugada e cabelos branquinhos

Prometo ficar ao seu lado a estrada inteira


De norte a sul, no canto que for, eu irei com você
Você é minha bússola, minha estrela guia
Não há ninguém nesse mundo que me impedirá de te
seguir

Nós dois na praia quando o sol brilhar


Nós dois em casa quando as nuvens começarem a
chorar
Nós dois na alegria ou na dor
Nós dois do jeito que for

Eu te encontrei em mim
Você me encontrou em ti
Não quero mais ser só
Quer comigo atar um nó?

Quando terminei de ler a última estrofe, meus olhos já


estavam lacrimejando.
― Isso… Isso quer dizer o que eu acho que quer? ―
perguntei.
Desviei o olhar da caligrafia de Thomas e o encontrei
ajoelhado no chão, bem ao lado da cama, olhando para
mim. Mesmo depois de todo esse tempo, ver aquela íris
esverdeada me admirando como se eu fosse uma das sete
maravilhas do mundo ainda me deixava completamente
sem ar. Em sua mão segurava uma caixinha de veludo com
o anel mais lindo do mundo dentro.
― Se você está pensando que isso é um pedido de
casamento, então sim. É exatamente isso. Eu tentei
expressar nesse poema o que sinto por você, mas a verdade
é que, mesmo sendo um escritor, me faltam palavras para
descrever a imensidão de tudo que você me faz sentir. Casa
comigo, Lia?
― Sim! Sim! Sim! Sim! ― Pulei da cama bem em cima
dele e fomos os dois parar no chão.
― Se você dissesse não, eu não saberia o que fazer ―
falou, parecendo aliviado. Como se tivesse a menor
possibilidade da minha resposta ser diferente.
― Você é meu lar, Thomas. Você já vem sendo meu lar
há muito tempo. Quero atar todos os nós do mundo ao seu
lado.
Ele deslizou o objeto metálico pelo meu dedo anelar e
foi como se ele tivesse sido criado para pertencer e
permanecer para sempre naquele lugar. Era lindo, clássico e
romântico, muito melhor do que todos os meus sonhos.
― Obrigado por me fazer o homem mais feliz do
mundo ― disse.
― Obrigada por transformar minha vida em um
verdadeiro conto de fadas e me dar o meu felizes para
sempre.
― Isso é melhor do que um felizes para sempre. É o
começo de um novo capítulo incrível na nossa história.
Ele me deu um beijo na ponta do nariz, causando uma
deliciosa mistura de sensações dentro de mim. Eu estava
mais do que pronta para iniciar um novo capítulo da minha
história de amor.
Agradecimentos

Mal podemos acreditar que a história do Thomas e da


Lia finalmente foi contada! Vocês nem imaginam a diversão
que foi escrever cada palavra desse livro!
Queremos agradecer a cada uma que tira um tempinho
para ler nossas histórias e surtam nas nossas DMs do
Instagram. Um obrigada bastante especial a todo mundo
que lê todos os livros do Nathamiverso e já se sente parte
dessa família gigante que criamos.
Como de costume, agradecemos uma à outra. E como
sempre gostamos de citar Taylor Swift “don’t you dream
impossible things?”. O nosso impossível se tornou realidade
e isso só foi possível porque nossos caminhos se cruzaram.
Um agradecimento super especial a todos os nossos
familiares e amigos que desde o início apoiaram nosso
sonho de escrever.
Obrigada às melhores betas que poderiam existir, que
surtaram a cada capítulo que escrevíamos e nos xingavam
de formas delicadas. Bea, Bibi, Pandinha, amamos vocês! E
você que sabe quem é também!
Um agradecimento (de novo) ainda mais especial para
nossa especialista em playlists e assessora, Panda. Obrigada
pelo dia que você resolveu surtar na DM do nosso Instagram
e entrou no nosso caminho!
Às nossas leitoras do grupo do WhatsApp, muito
obrigada pelo carinho e apoio de sempre. A todas as pessoas
que lotam nossa DM no Instagram dizendo o quanto nossos
livros mudaram suas vidas: vocês nos motivam a continuar
escrevendo. Agradecemos também a todas as meninas do
bookgram, booktok e booktwitter que divulgam nossos
livros com tanto carinho. Muito, muito, muito obrigada pelo
apoio!
E por último, mas não menos importante, esperamos
encontrar todas vocês na nossa próxima série que vai
acompanhar vários dos personagens que vocês já
conheceram aqui. Se preparem para conhecer a trilogia
Atlética F.C! O título do livro 1 vai ser revelado em breve no
nosso Instagram e vai contar a história da nossa querida
Jade e do Lucas, capitão do time da Atlética. Vocês já podem
começar a surtar por Jacas desde já!
Quer ficar por dentro de todos os lançamentos e
novidades do Nathamiverso? Nos siga no Instagram
@tamienathautoras
Gostinho do próximo

— Não se preocupa, mãe! Tá tudo sob controle! Você


parece mais preocupada comigo na UFRJ do que quando
passei 6 meses viajando sozinha pela América do Sul —
brinquei.
Dona Daiane sempre foi mais do que uma presença
materna na minha vida. Ela era minha mãe, minha
companheira e a pessoa que eu mais confiava na vida.
Cortar as asinhas e alçar meu próprio voo assim que
completei 18 anos foi, de longe, a coisa mais assustadora e
incrível que eu já tinha feito. E sabe o que dizem, depois
que você voa a primeira vez, sempre quer voar mais alto.
Era exatamente assim que eu me sentia.
— Você que pensa! Eu quase morria de preocupação
todos os dias! — Prendi o celular entre o ouvido e a orelha
enquanto conferia mais uma vez se todos os documentos
necessários para a minha matrícula estavam em ordem. —
Conheço a filha que criei! Parece que criei uma maldição
quando te dei o nome da personagem rebelde da novela, viu
— chiou.
Mamãe adorava reclamar, mas era tudo da boca pra
fora. Eu não era nenhuma santinha, é verdade. Mas tudo
que aprontei sempre foi dentro da lei. Bom, talvez não
aquela vez que invadi a casa de um vizinho durante a
madrugada para tomar banho de piscina. Mas fora isso,
nunca causei nenhum problema para os meus pais.
Passei a vida quase inteira morando com os dois em um
apartamento de 50m² no Cachambi, subúrbio aqui do Rio.
Até que quando eu tinha por volta dos 15 anos, os dois
decidiram se separar. De cara, eu reagi mal, exatamente
como se espera de qualquer adolescente dessa idade. Os
dois entraram juntos no meu quarto e de mãos dadas me
falaram que nada ia mudar. Não acreditei. Até que dia após
dia, eles me provaram o contrário. Meus pais não tinham se
separado porque não se aguentavam mais, mas só porque o
amor deles tinha se transformado em outra coisa.
— Você está sendo exagerada, eu sou florzinha —
debochei. Minha mãe soltou uma gargalhada do outro lado
da linha.
— Tá mais pra planta carnívora. — Foi minha vez de
controlar o som da minha risada para não chamar atenção
das pessoas esperando na fila à minha frente.
— Mãe, preciso ir agora, quando eu sair daqui te mando
mensagem, tá bom? Vou direto pra casa da Lia.
A fila para a matrícula como aluna oficial da UFRJ
parecia não andar. O ar condicionado da sala não dava
vazão para o calor infernal de janeiro e, pelos burburinhos
dos funcionários, o sistema parecia cair cada vez que
tentavam digitar alguma coisa. Bem-vinda à vida de
universitária de faculdade pública, Jade Almeida.
As aulas começariam logo depois do carnaval e eu
precisava com urgência encontrar algum tipo de moradia
antes que precisasse passar o semestre dormindo no sofá do
apartamento da minha prima.
Meu pai tinha se mudado para Itaperuna, cidade do
interior do Rio de Janeiro, logo após a separação. Já minha
mãe e eu continuamos morando no mesm apartamento de
dois quartos no Cachambi. Até que decidi sair de casa e
fazer meu mochilão há 1 ano atrás. Quando voltei, tive uma
certeza: eu queria morar sozinha. Ou não exatamente
sozinha, mas em algum tipo de república ou alojamento no
qual eu me sentisse dona da minha própria vida do mesmo
jeito que me senti enquanto estava fora do Brasil. Dona
Daiane aproveitou minha saída para poder se mudar para a
sua cidade dos sonhos na Região dos Lagos do Rio de
Janeiro. Ela acordava e ia dormir com o som das ondas em
Cabo Frio.
— Próximo! — a voz nada amistosa da funcionária
chamou. Eu nem tinha notado que a fila tinha andado tanto
até que a pessoa na minha frente avançou em um dos
guichês de cadastro. Aparentemente, tinham desistido da
tecnologia e passado a preencher nossas matrículas à mão,
tal como nossos antepassados fariam.
O segundo funcionário liberou o estudante que atendia
e me chamou com um gesto de cabeça.
— Oi, bom di… — Antes mesmo que eu conseguisse
concluir meu cumprimento fui interrompida.
— Qual curso? — Algo me levava a crer que os
funcionários não estavam de muito bom humor, para o meu
azar.
— Letras-literatura — respondi.
— Preciso do RG, comprovante de inscrição e diploma
do Ensino Médio. — Abri a pasta que eu tinha carregado
comigo e peguei cada um dos documentos que ele solicitou.
Os próximos três minutos foram seguidos somente pelo som
da sua caneta rabiscando no papel e muxoxos de mau
humor. — Esse aqui é seu comprovante de matrícula. Você
pode criar um cadastro no aplicativo do Portal do Aluno a
partir de amanhã que todos os seus dados, data de início
das aulas e grade curricular já estarão disponíveis.
— Obrigada. — Guardei o pedaço de papel dentro da
minha pasta e saí da Faculdade de Letras com um sorriso no
rosto. Eu mal via a hora de começar essa nova fase da
minha vida!
Caminhei até o ponto de ônibus quase em frente ao
campus e puxei rapidamente o celular do bolso só para
avisar pra Lia, minha prima, que eu chegaria em breve na
porta do seu apartamento.
— Vocês vão na festa que vai acontecer na república
dos caras da Atlética? — A palavra festa sempre chamava
minha atenção, não importava o contexto em que ela
estivesse inserida. Virei meu corpo discretamente para o
lado tentando escutar o resto da conversa das meninas
paradas no ponto.
— Não sei ainda. Vi na LIGA que os ingressos estavam
quase esgotados. — Eu tinha uma alma fofoqueira, mas
mais do que isso, eu podia ser bem cara de pau quando
necessário. Por isso, me virei ainda mais na direção das
meninas e perguntei:
— Oi, desculpa atrapalhar o papo de vocês, mas… Eu
sou caloura de Letras e ouvi vocês conversando. O que é
LIGA? — As duas nem titubearam com a minha interrupção.
— Ah, é um app desenvolvido pelo pessoal de TI pros
alunos da UFRJ de todos os campus. Você precisa baixar pra
ficar sabendo do que acontece, tanto oficialmente quanto
não oficialmente — uma delas explicou. A outra soltou uma
risadinha com a menção à eventos não-oficiais.
O barulho de motor de ônibus desviou a nossa atenção
para verificar qual era o número do veículo entrando na rua.
Para o meu azar, não era o meu, mas as duas meninas
esticaram o braço para dar sinal. A que tinha me respondido
acenou um tchauzinho antes de entrar no transporte
público.
Então quer dizer que existia um aplicativo só para
estudantes? Isso seria interessante. Puxei o celular do bolso
e abri a loja de aplicativos, procurando pela tal LIGA. O ícone
em um tom de azul escuro era uma espécie de Minerva com
óculos de Sol e o que parecia um cigarro de maconha na
boca. Ri sozinha com aquela imagem enquanto esperava o
download terminar.
Fiz sinal para o ônibus que me levaria até a casa da
minha prima na Tijuca e passei pela roleta, me sentando em
um dos bancos completamente vazio. Eu tinha plena
consciência de que não deveria ficar mexendo no celular
enquanto estivesse no transporte público, mas a curiosidade
venceu. Eu precisava saber do que se tratava o tal
aplicativo.
Assim que cliquei no ícone, a tela se encheu com os
pedidos para que eu fizesse meu cadastro. Nome completo,
data de nascimento, curso e número da matrícula. Segui
cada um dos passos digitando rapidamente na tela. Eu
colocaria uma foto depois, de preferência uma em que eu
estivesse bem gostosa. Vai que esse aplicativo também
pudesse funcionar como um Tinder?
A página inicial mostrava uma série de notícias
misturadas, desde informações sobre horário de
funcionamento das coordenações até perfil anônimo
denunciando que os alunos estavam usando alguma sala
vazia do Centro de Tecnologia da UFRJ para transar durante
as férias. Mas na parte superior, era possível filtrar os tipos
de posts desejados. Sobre aulas, sobre festas, sobre
professores e outros temas em geral.
Foi então que uma das abas despertou minha atenção:
moradia. Cliquei na expectativa de encontrar algo que
pudesse me ajudar na saga do meu futuro lar. Merda, a
maioria das pubicações eram antigas, do final do semestre
anterior.
Estava quase desistindo, quando uma notificação de
nova publicação surgiu no topo da tela. Cliquei para ler.

Publicado por Aurora Ferrari às 14h13


Procuro colega de quarto para dividir apartamento na
Tijuca. Próximo ao comércio e estação de metrô. Valor:
R$700,00. Incluso: água, luz, gás, internet e acesso à
academia e piscina do prédio.
Caso tenha interesse, entrar em contato no número
listado no meu perfil!

Parece que a sorte tinha virado ao meu favor. Cliquei no


perfil de Aurora. Dizia que ela era estudante da faculdade de
Administração e estava prestes a iniciar o terceiro período.
Cliquei sobre o número de telefone e adicionei na agenda do
meu celular.

Jade: Oi, Aurora! Acabei de ver seu anúncio na LIGA.


Meu nome é Jade, sou caloura de Letras e estou procurando
um lugar pra morar. Alguma chance de você me aceitar
como colega de apartamento? Não sou uma chef de cozinha
excelente, mas sou organizada e tenho ótimas habilidades
de maquiagem.

Bom, minha parte estava feita. Com sorte, em breve eu


descobriria se Aurora me aceitaria como futura colega.

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