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Silvia Adrião1
Denise De Micheli2
Resumo: Este artigo procurou investigar qual o panorama que a comunidade acadêmica pôde
identificar em relação à pandemia de covid-19 e suas consequências sobre a saúde mental dos
educadores no Brasil. Para tanto, realizou-se levantamento bibliográfico das produções publicadas
sobre o tema no período de 2020 ao primeiro semestre de 2022. Ao ser realizada a pesquisa, pôde-se
notar grande número de publicações relativas ao contexto da Pandemia e à Educação em geral. Trata-
se de um período histórico bastante conturbado, que merece destaque e profundas análises. Foram
encontrados muitos artigos com os mais variados recortes sobre o tema. Para a elaboração deste em
específico, foram selecionadas pesquisas que faziam, especialmente, referência ao trabalho docente
durante o período pandêmico no Brasil. De acordo com todas as pesquisas revisadas, há consenso de
que o volume de trabalho e a mudança abrupta e sem formação específica para o ensino remoto
acarretaram sobrecarga e aumento do mal-estar docente em geral. Distúrbios de comportamento, tais
como ansiedade, depressão e estresse, já identificados na carreira docente antes da pandemia, estão
fortemente presentes em diversas pesquisas e relatos.
Abstract: This article sought to investigate the panorama that the academic community already identify
in relation to the Covid-19 Pandemic and its consequences for the mental health of educators in Brazil.
To this end, a bibliographic survey of published productions on the subject was carried out in the period
from 2020 to the first half of 2022. When the research is carried out, a large number of publications
related to the context of the Pandemic and Education in general can be noted. It is a very troubled
historical period, which deserves prominence and deep analysis. Many articles with the most varied
clippings on the topic were found. For the elaboration of this text, researches were selected that made
reference especially to the teaching work during the pandemic period in Brazil. According to all the
researches reviewed, there is a consensus that the volume of work and the abrupt change without specific
training to remote teaching led to overload and an increase in teacher discomfort in general. Behavior
disorders such as anxiety, depression and stress, already identified in the teaching career before the
pandemic, are strongly present in several studies and reports.
Keywords: Pandemic and teachers. Bibliographic survey. Mental health and teachers.
1
Doutoranda no Programa de Educção e Saúde na InFância e na Adolescência, da Universidade Federal de São
Paulo, Mestre em Educação: História, Política e Sociedade, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Diretora Pedagógica da Escola AB Sabin, em São Paulo, e membro da RedSolare Brasil. E-mail de contato:
silviaadriao@hotmail.com
2
Professora Associada II do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo. Coordenadora
do Centro Interdisciplinar de Estudos em Neurociências e Comportamento em Saúde e Educação na Adolescência
(CIENCIA) - Diretório de Pesquisa do CNPq. Consultora do Setor Adolescência e Juventude da OMS/OPAS.
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DOI:
LA PANDEMIA DE COVID-19 EN BRASIL Y LAS RELACIONES CON LOS
TRASTORNOS DE CONDUCTA EN LOS EDUCADORES:
una revisión integrativa de la literatura
Resumen: Este artículo buscó investigar el panorama que la comunidad académica puede identificar en
relación a la Pandemia del Covid-19 y sus consecuencias en la salud mental de los educadores en Brasil.
Para ello, se realizó un levantamiento bibliográfico de las producciones publicadas sobre el tema en el
período del 2020 al primer semestre del 2022. Al realizar la investigación se encontró una gran cantidad
de publicaciones relacionadas con el contexto de la Pandemia y la Educación. Es un período histórico
muy convulso, que merece atención y análisis profundo. Se encontraron muchos artículos con los más
variados recortes sobre el tema. Para la elaboración de esta en particular, se seleccionaron
investigaciones que hicieran referencia especialmente al trabajo docente durante el período de la
pandemia en Brasil. De acuerdo con todas las encuestas revisadas, existe consenso en que la carga de
trabajo y el cambio brusco y sin formación específica para la docencia a distancia provocaba sobrecarga
y aumento del malestar docente en general. Los trastornos de conducta como la ansiedad, la depresión
y el estrés, ya identificados en la carrera docente antes de la pandemia, están fuertemente presentes en
varios estudios e informes.
Introdução
A pandemia de covid-19 trouxe para o mundo diversos desafios e em diferentes âmbitos:
saúde pública, economia e social. Para todos os setores da sociedade a pressão, os anseios e a
crise provocaram desdobramentos. Para o campo da educação não foi diferente.
A covid-19 é uma infecção respiratória causada pelo coronavírus SARS-CoV-2,
potencialmente grave, de elevada transmissibilidade e de distribuição global (BRASIL, 2020).
Os coronavírus são encontrados desde meados da década de 1960, receberam esse nome graças
às espículas na sua superfície, que lembram uma coroa (do latim corona) e são distribuídos
amplamente entre humanos, outros mamíferos e aves, causando doenças respiratórias,
entéricas¹, hepáticas e neurológicas (PIMENTEL et al., 2020).
Com o agravamento da pandemia de covid-19, diversas medidas preventivas foram
adotadas, entre elas, o distanciamento social. Um estudo realizado por Duarte et al. (2020)
indica que há possíveis consequências psicológicas desse confinamento em massa, como o
aumento do índice de ansiedade, depressão, uso nocivo de álcool e menor bem-estar mental do
que os índices populacionais usuais. De forma geral, pacientes com confirmação ou suspeita de
covid-19 podem sentir medo das consequências da infecção – potencialmente fatal –, e os que
ficaram em quarentena, ou prolongado isolamento, podem sentir tédio, solidão e raiva. Somam-
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se ainda a instabilidade financeira e o aumento do desemprego que podem afetar o bem-estar
psicossocial dos indivíduos. Mesmo com esses apontamentos, uma das principais formas de
evitar a propagação do vírus foi a adoção do distanciamento social e a quarentena. Por esta
razão, as escolas, assim como muitos estabelecimentos, foram fechadas e alunos e professores
orientados a buscar outras formas de manter o vínculo com a aprendizagem e o trabalho escolar,
ainda que a distância. Os professores tiveram de se adaptar ao novo contexto de forma abrupta.
Além das preocupações que a própria carreira docente pode comportar, aliaram-se o medo
decorrente da pandemia e a inesperada mudança de modalidade de ensino, com a utilização de
ferramentas tecnológicas.
No processo de saúde-doença, o trabalho é considerado um determinante social. Por
isso, existe preocupação na articulação entre saúde, subjetividade e contexto social com fatores
mais amplos, como a qualidade de vida. Particularmente, a atividade profissional do professor
é avaliada como uma atividade complexa com demandas de contínuo equilíbrio físico, psíquico
e social, o que reflete na percepção da qualidade de vida em geral (SANTOS et al., 2020).
A qualidade de vida possui importante papel na vida do ser humano: para sentir que se
tem boa qualidade, é preciso sentir-se seguro, produtivo, saudável, aspectos estes que se
repetem no termo “saúde”; tanto nos aspectos objetivos quanto nos subjetivos. Contudo, a saúde
do indivíduo passa a ser determinante de acordo com seu estilo de vida, configurando-se como
ações diárias do ser humano, refletindo em oportunidades e valores, desde seus hábitos
alimentares até suas escolhas profissionais e pessoais, podendo garantir bem-estar, condições
econômicas, oportunidades de lazer, convivência familiar e social, com acesso à educação e à
cultura (MARTINS et al., 2020).
Em nosso país, a exclusão dos trabalhadores dos sistemas de proteção social – graças
especialmente à enorme informalidade que atinge a maioria e a adoção das medidas de
isolamento social durante o período pandêmico – produziu efeitos múltiplos sobre o trabalho
assalariado: enquanto um grande número de brasileiros pertencentes às camadas
economicamente mais vulneráveis perdeu, em parte ou totalmente, sua(s) fonte(s) de renda
(COSTA, 2020). A esmagadora maioria de trabalhadoras e trabalhadores dos setores industrial
e comercial e também de alguns segmentos essenciais do setor de serviços continuou exercendo
seu trabalho in loco (NEDER, AMORIN, 2021), enfrentando os riscos físicos e psicológicos da
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pandemia. Um contingente menor de trabalhadores, que atuam em trabalhos socialmente
considerados mais intelectualizados, foi orientado a migrar compulsoriamente suas atividades
laborais para o formato digital (ANTUNES, 2020) (CALDERARI et al., 2022).
A pesquisa realizada por Santos (2020) aponta que as condições de trabalho de grande
parte dos docentes no Brasil compreendem falta de infraestrutura, baixa remuneração, elevado
número de alunos em sala e o sentimento de desvalorização perante a sociedade, o que pode
predispô-los a problemas físicos e psíquicos – em período anterior ao início do isolamento
social decorrente da pandemia. Indicando que, mesmo em condições dadas como “normais”, a
saúde mental dos professores já apontava sinais de preocupação.
De acordo com a pesquisa realizada por Fialho e Neves (2022), no cenário internacional,
as dificuldades relatadas pelos professores foram bastante semelhantes com as que nos
deparamos nas pesquisas nacionais. Como exemplo, os pesquisadores trazem um estudo
transversal realizado por Klapproth et al. (2020) na Alemanha, que avaliou professores do
Ensino Básico durante o período remoto no isolamento social, identificando que a maioria deles
havia se deparado com barreiras técnicas e aumento do nível de estresse. Os autores trazem,
também, a pesquisa de Pressley, Ha e Learn (2021), realizada nos Estados Unidos, com
professores do Ensino Fundamental, que também identificou maior nível de estresse e de
ansiedade naqueles responsáveis pela instrução virtual, indicando que as escolas deveriam
oferecer o suporte necessário. Os autores trazem ainda estudos realizados nas Filipinas, por
Oducado et al. (2020), que identificaram nível moderado de estresse associado à autoavaliação
de saúde em metade dos professores participantes. No Peru, Estrada Araoz e Gallegos Ramos
(2022) chamam atenção para o esgotamento emocional dos universitários peruanos no contexto
da covid-19 (FIALHO E NEVES, 2022).
A pesquisa realizada para o artigo aqui apresentado buscou identificar quais produções
acadêmicas foram publicadas e que podem ajudar a compreender os impactos das mudanças
que a pandemia acarretou na rotina docente, com ênfase nas publicações que discorrem sobre a
saúde mental dos educadores no Brasil. A partir de levantamento bibliográfico, foi possível
identificar grande quantidade de publicações que tratam de diversos aspectos relacionados à
pandemia e à educação. No período de dois anos, foco do levantamento bibliográfico, tivemos
uma série de publicações que abordam: questões do ensino remoto e pandemia, metodologias
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e pandemia, dificuldades de aprendizagem e aspectos ligados ao desenvolvimento dos
estudantes em isolamento social, publicações que tratam das questões curriculares, questões de
saúde física e emocional de alunos e também de professores, e reflexões sobre novas
abordagens pós-pandemia, entre muitos outros artigos que tratam do tema. Sendo assim, para
que se possa realizar melhor aproximação ao debate “Pandemia e distúrbios comportamentais
em educadores”, foi necessário filtrar a pesquisa, com enfoque em produções brasileiras, que
abordassem questões que destacassem a condição de trabalho e saúde mental docente.
Metodologia
A revisão integrativa foi delimitada do período de 2020 ao primeiro semestre de 2022.
Foram realizadas buscas nas plataformas de artigos acadêmicos: Scielo, Google Acadêmico e
Periódicos CAPES. Foram priorizados artigos que tratavam da relação covid-19 e educadores
no Brasil. Utilizaram-se os descritores e o cruzamento das palavras-chave para facilitar a busca
dos dados.
A primeira etapa da pesquisa foi o levantamento por títulos. Foram identificados mais
de 2 mil artigos científicos que tratavam, de alguma forma, da relação entre pandemia e
atividade docente. Para melhor recorte, optou-se por filtrar apenas artigos acadêmicos
produzidos no Brasil.
A segunda etapa foi a leitura dos resumos. Tendo como área de interesse as condições
de trabalho docente ao longo da pandemia, impactos e impressões sobre a qualidade de vida e
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nas atividades profissionais dos educadores, foram selecionados 25 artigos que podem ser
distribuídos de acordo com o quadro abaixo.
A terceira etapa da pesquisa foi a leitura na íntegra dos artigos selecionados para maior
compreensão dos aspectos ligados ao impacto da pandemia na atividade docente e trazer
elementos para a compreensão do cenário imposto para a categoria.
Resultados e discussão
Nas últimas décadas, é possível notar um indicador ascendente no processo de
adoecimento entre os docentes ligado às condições de trabalho. Deste modo, quando nos
referimos ao sofrimento mental dos professores, compreendido por meio de um conjunto de
manifestações do corpo e da psique, como estresse, ansiedade, depressão e fadiga, estamos nos
dirigindo ao que seria a introdução da expressão contemporânea “mal-estar docente”
(PEREIRA et al., 2020).
Aliam-se ao citado mal-estar docente o fechamento das escolas e a mudança abrupta
para modalidades de ensino remoto. Segundo Silva e Santos (2021), o ensino a distância ou
remoto colocado em prática no terreno da educação de forma verticalizada, sem conhecimento
profundo das necessidades e particularidades dessa realidade educativa, potencializou ainda
mais a precarização do trabalho docente ao desencadear processos de perda da autonomia, de
imposição de práticas pedagógicas e de sobrecarga de atribuições.
A pesquisa realizada por Calderari et al. (2022) sobre as condições de trabalho dos
professores universitários durante a pandemia aponta que a mudança de modalidade de ensino
favoreceu a expansão do denominado “ensino a distância” (EAD), hoje dominado por grandes
instituições e pelas holdings financeiras (PISSINATO, COUTINHO, 2019). As instituições de
ensino superior (IES) privadas (ao contrário das universidades públicas, que inicialmente
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suspenderam suas atividades) optaram por adotar o que convencionalmente passou a ser
denominado Ensino Remoto Emergencial (ERE), que apresenta traços de improvisação do uso
de recursos para a mediação dos processos de ensino-aprendizagem e deficiências nos processos
de suporte ao ensino (CALDERARI et al., 2022).
Por estarem na linha de frente do trabalho nas universidades durante a pandemia, os
participantes da pesquisa organizada por Calderari et al. (2022) relataram sentir-se
sobrecarregados:
A pesquisa, realizada por Santos, Lima e Sousa (2020), ilustra as condições estruturais
e a ausência de um processo formativo para o enfrentamento da nova modalidade de trabalho e
a uma dinâmica de organização curricular que envolve não apenas recursos tecnológicos, mas,
sobretudo, lidar com vidas, com pessoas em situações de mudança. A pesquisa também traz a
pressão sofrida pelos professores para o cumprimento curricular e do calendário letivo, às
pressas e sem planejamento. A dificuldade dos alunos para acessarem o ensino remoto e de suas
famílias de acompanharem os filhos nessa nova jornada agravaram o estresse docente que,
apesar das dificuldades, procuraram reinventar-se, reconstruir-se em seus processos
identitários, uma vez que as mudanças ensejadas pelo ensino remoto implicam novos modos de
se relacionar com sua profissão, com os estudantes e com as famílias (SANTOS et al., 2020).
Essa e outras pesquisas ressaltam que o trabalho docente se avolumou de forma intensa na
realização da prática pedagógica a distância, cujos horários foram demasiadamente ampliados
pelas condições de acesso tecnológico e/ou apoio familiar. Foi tudo muito rápido. Não havia
um plano estratégico para organizar as aulas de forma on-line, pois, de acordo com o parecer
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do Ministério da Educação: “A gestão do calendário e a forma de organização, realização ou
reposição de atividades acadêmicas e escolares são de responsabilidade dos sistemas e redes ou
instituições de ensino” (BRASIL, 2020, p. 5).
Diversos docentes colocaram suas dificuldades, e no artigo em forma de relato de
experiência feito pela docente Silvia (2021) podemos acompanhar o desenrolar da condição de
trabalho de uma professora ao longo dos primeiros meses da pandemia, que nos serve de
exemplo para entendermos como foi se tornando complexo o exercício da função. “Era comum
não assistirem às aulas ou não enviarem atividades por falta de um acompanhamento mais
efetivo da família (alunos). Outra situação muito comum era a falta de equipamento para
administrar a rotina escolar quando eram um ou mais irmãos estudando na escola, às vezes no
mesmo horário.” Já no artigo de Vitorassi (2021), ela conta como foi a difícil tarefa de equilibrar
o trabalho docente, a redução salarial e o luto da perda de familiares na pandemia. “Em meados
de agosto tivemos mais uma notícia (bastante desanimadora): a redução salarial. Sofremos um
corte de 25% no salário, pois a escola não teria como se manter caso isso não acontecesse...”
Os artigos encontrados na presente revisão integrativa intitulados “A experiência de
professores no ensino remoto: Dilemas, saúde mental e contextos de trabalho na pandemia” (LEÃO
et al., 2021); “As dificuldades encontradas pelos professores no ensino remoto durante a pandemia
de COVID-19” (SILVA et al., 2022); e “Professores em tempos de pandemia: Percepções,
sentimentos e prática pedagógica” (BESSA, 2021), também evidenciaram a falta de recursos para
o trabalho docente durante a migração para o ensino remoto, o desamparo formativo para exercer
tal modalidade de ensino, o aumento da carga de trabalho e a sobrecarga física e emocional.
Com todo o cenário decorrente da pandemia e o complexo exercício da função docente,
algumas pesquisas tratam dos distúrbios de comportamento em educadores. Esses distúrbios
são relacionados à noção de adoecimento mental: um estado de luta do sujeito contra as forças
que o estão empurrando em direção ao sofrimento psicológico. E esse sofrimento é formado
por meio dos sintomas de insatisfação, estresse e ansiedade. O indivíduo não conseguia manter
equilíbrio emocional e estabilidade entre as atividades que costumava realizar (OLIVEIRA E
SANTOS, 2021).
A depressão, a ansiedade e o estresse são patologias que têm se agravado no período da
pandemia de covid-19. Estudos demonstram que os professores sentiram o impacto do contexto
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não apenas nas dimensões financeiras, afetivas e éticas, mas também, nas dimensões motivacionais,
levando ao desânimo, à depressão, à ansiedade e à exaustão (FREITAS et al., 2022).
O estudo realizado por Leão et al. (2022) com 15.641 professores de 795 municípios
mineiros apontou que aproximadamente 80% dos participantes não estavam satisfeitos com o
trabalho docente durante a pandemia. Essa “não satisfação” apresenta relação com a
intensificação das atribuições relacionadas à docência e às mudanças causadas no sistema
educacional diante da pandemia de covid-19.
Outro artigo identificado para este levantamento foi o que faz referência a um estudo
comparativo com professores da Educação Básica de todo o Brasil, buscando entender alguns
impactos do trabalho pedagógico remoto emergencial em variáveis associadas com sofrimento
psicológico. Foi observado o efeito do tipo de trabalho remoto sendo realizado sobre todas as
variáveis analisadas, como aumentos em ansiedade, afeto negativo e estresse percebido. Foi
observado, também, que a experiência prévia com trabalho pedagógico remoto pareceu moderar
o efeito no caso do afeto negativo (TROITINHO et al., 2022).
A pesquisa realizada por Guimarães et al. (2022) tratava mais das questões físicas, como
riscos ergonômicos durante a atividade docente remota. Foi apontada a prevalência de dor entre
94,7% dos professores que participaram e as queixas mais frequentes foram dores no pescoço,
nas vértebras lombares e no ombro direito. Os principais riscos ergonômicos observados foram:
sobrecarga mental (estresse), mesa de trabalho e monitor inadequados.
Em relação ao uso de álcool, entendido na literatura como uma das formas para o alívio da
tensão e do estresse, pode-se afirmar que, considerando os problemas decorrentes da pandemia,
como o distanciamento social, o aumento no consumo de bebidas alcoólicas ficou ainda mais
proeminente e prejudicial. Consumir bebidas alcoólicas excessivamente representa um grave
problema de saúde pública, com potenciais efeitos socioeconômicos e sobre a saúde física e mental
dos indivíduos. Ao longo da pandemia, foi realizado um estudo internacional (em 83 países) sobre
o consumo de álcool. Entre os participantes, 36% relataram aumento do consumo de álcool durante
o período pandêmico (LEÃO et al., 2022). No Brasil, o aumento do consumo de álcool ocorreu em
17,6% da população adulta durante o período de isolamento social.
No estudo realizado com professores da rede pública estadual de Minas Gerais, foi
apontado um aumento do consumo de álcool, associado a fatores sociodemográficos e
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econômicos, condições de trabalho durante a pandemia (realização de trabalho remoto,
dificuldade em realizar as atividades, satisfação com o trabalho), comportamentos/hábitos de
vida (adesão ao distanciamento social, tabagismo, desejo de cuidar da aparência física,
alimentação, atividade de lazer) e condições de saúde (LEÃO et al., 2022).
Conclusão
Não é de hoje que a função docente vive a tensão de exercer importante papel social e,
ao mesmo tempo, catalisar as dores e as mazelas de nossa sociedade no microcosmo do chão
da escola. Se colocarmos uma lupa e olharmos ainda mais de perto o recente período vivido (a
pandemia de covid-19), podemos inferir que a categoria, assim como outros campos de atuação,
foi fortemente atingida.
Durante a realização desta pesquisa, foi percebido grande volume de publicações que
abordam a questão da pandemia e seus desdobramentos, em diversos campos, o que reforça a
ideia de que se trata de um período histórico consideravelmente importante e que merece
atenção para que se possa tirar de toda essa experiência traumática aprendizagens valorosas
para toda a humanidade. Foi possível identificar uma expressiva quantidade de produções que
trataram de questões curriculares, das dificuldades e possíveis sequelas na aprendizagem dos
alunos por conta da interrupção do ensino presencial. Muitos trabalhos debatendo melhores
modelos de ensino ou relatos de experiência, porém, do ponto de vista da experiência docente
durante o período pandêmico, demonstraram uma menor quantidade de publicações. Este
levantamento bibliográfico teve por objetivo também compreender um pouco melhor os
impactos que a pandemia de covid-19 gerou no campo da educação e, em destaque, na atividade
docente e na qualidade de vida dos educadores, foco principal deste levantamento.
Nos artigos estudados, a questão da súbita, desestruturada e difícil adaptação ao ensino
remoto ou a distância impactou profundamente o trabalho docente, que já vinha de um processo
histórico de precarização. Pesquisas indicam alto número de alunos em sala, escolas com
condições estruturais precárias, baixa remuneração, grande quantidade de horas trabalhadas
semanalmente, baixa valorização pela sociedade em geral, enfim, uma situação que exige muita
atenção já anteriormente à pandemia. Neste levantamento bibliográfico, professores relatam,
em diversas pesquisas, um aumento da jornada, pressão para atingir resultados e garantir o
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mínimo de vínculo com os alunos, apesar das mais diferentes variáveis que agravaram a
dificuldade em exercer a prática educativa.
Em diversas pesquisas, pode-se averiguar que a categoria relatou dificuldades em se
adaptar ao ensino a distância, ao uso de tecnologias, além da dificuldade do trabalho isolado,
atividade quase incompatível com a essência do trabalho escolar. As dificuldades
experimentadas durante a pandemia recaíram acerca do uso de diferentes ferramentas
educacionais e no gerenciamento de tempo ou na organização pessoal para atender às diversas
demandas. Os professores tiveram de se adaptar ao novo contexto de forma abrupta. Além das
preocupações que a própria carreira docente pode comportar, aliaram-se o medo decorrente da
pandemia e a inesperada mudança de modalidade de ensino.
Outro fator consideravelmente presente nas pesquisas é a piora nos índices de qualidade
de vida com o aumento de distúrbios de comportamento, como ansiedade, depressão e estresse.
Nesse levantamento, procurou-se trazer pesquisas de diferentes regiões do País para melhor
entender a situação. Apesar das diferenças regionais, os indicadores de pensamentos negativos
e diminuição do bem-estar pessoal são sempre semelhantes. O aumento do uso de álcool é um
dos fatores que indicam a piora na sensação de bem-estar.
Considerando o quadro negativo referente ao fazer pedagógico, reafirma-se a
necessidade da atenção e do cuidado contínuos da saúde dos profissionais da educação no
contexto de retorno às atividades de trabalho, que precisa ser direcionado sob o enfoque da
saúde coletiva e da vigilância em Saúde do Trabalhador (SOUZA et al., 2022).
Também podemos inferir, com base neste levantamento, que se faz necessário grande
investimento na melhora das condições de trabalho docente. Melhoras estruturais e ampliação
de recursos para garantir mais qualidade na prática pedagógica. Aumento do efetivo docente
para melhor distribuição de alunos em sala e buscar atender às singularidades dos grupos com
mais atenção. São necessárias melhores condições salariais, que podem refletir em melhores
condições de vida para a categoria e, por consequência, aumentar a sensação de bem-estar.
Enfim, recomenda-se um conjunto de ações para garantir a retomada da escolarização e do
trabalho dos professores, no pós-pandemia, buscando reverter os indicadores de precariedade e
de adoecimento dos profissionais da educação. Este levantamento bibliográfico aponta também
a necessidade de mais estudos e atenção a essas questões.
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Citações e referências
conforme normas da:
Revista Momento – diálogos em educação, E-ISSN 2316-3100, v. 32, n. 2, p. 426-439, mai./ago., 2023. 439
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