Unidade II

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Zoonose e Saúde Pública

Zoonoses Transmitidas por Alimentos – DTA

Responsável pelo Conteúdo:


Prof.ª M.ª Marianne Rachel Domiciano Dantas Martins

Revisão Textual:
Maria Cecília Andreo
Zoonoses Transmitidas por
Alimentos – DTA

• Classificação;
• Bactérias Envolvidas nas DTAs;
• Vírus envolvidos em DTAs;
• Patógenos Parasitários Implicados em DTAs.

OBJETIVOS DE APRENDIZADO
• Conhecer as principais doenças transmitidas por alimentos e a importância na saúde pública;
• Saber classificar as DTAs e diferenciá-las entre toxinfecção, intoxicação ou infecção alimentar.
UNIDADE Zoonoses Transmitidas por Alimentos – DTA

Contextualização
A preocupação com a produção de alimentos de qualidade é tão antiga como a história
do homem na Terra. A urbanização, o crescimento expressivo da população mundial e
a necessidade de produzir alimentos em grande quantidade e armazená-los tornaram o
consumo de alimento muito sensível à presença de organismos causadores de doenças,
entre elas, zoonoses, as quais denominamos doenças transmitidas pelo alimento (DTA).

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2010), DTA é:

Doença de origem alimentar que possui natureza infecciosa ou tóxica,


causada pela ingestão de água ou alimentos contaminados com algum
tipo de agente patológico.

Nesta unidade, vamos estudar algumas doenças cuja principal via de transmissão é o
alimento, embora saibamos que algumas delas podem ser transmitidas por outras vias.
É importante saber que a presença de um agente patogênico nem sempre determinará
a ocorrência de uma DTA.

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Classificação
As doenças transmitidas por alimentos (DTAs) podem ser causadas por bactérias,
parasitas e vírus e são classificadas em:
• Intoxicação (toxinose): ocorre pelo consumo de alimentos que contêm toxinas
bacterianas (exotoxinas) produzidas durante o crescimento desses micro-organismos
nos alimentos. Exemplos: Clostridium botulinum, Staphylococcus aureus, Bacillus
cereus (emética);
• Infecção: ocorre pelo consumo de alimentos contaminados com micro-organismos
patogênicos vivos passíveis de crescer no trato gastrointestinal, irritar a mucosa e
invadir outros tecidos;
• Toxinfecção: é um tipo de DTA adquirida a partir da ingestão de alimentos con-
taminados por micro-organismos patogênicos que produzirão toxinas no trato
gastrointestinal.

Bactérias Envolvidas nas DTAs


Uma série de bactérias pode ser causadora de doenças alimentares, como é o caso
de Salmonella spp., Escherichia coli, Shigella spp., Yersinia spp., Campylobacter
spp., Staphylococcus spp., Listeria spp., Bacillus cereus, Clostridium perfringens e
Clostridium botulinum.

Intoxicação pela Toxina de Staphylococcus spp.


A intoxicação por enterotoxina estafilocócica é a toxinfecção mais comum e ocorre
pela ingestão de alimentos com crescimento de Staphylococcus spp. O Staphylococcus
tem como habitat a pele e mucosas do homem e dos animais e é agente comum de
infecções purulentas, como abscessos, furúnculos etc. Normalmente, o alimento é con-
taminado durante a manipulação por pessoas portadoras de Staphylococcus (feridas,
abscessos, falta de higiene) ou pelo uso de ingredientes contaminados com a bactéria
(exemplo: leite de vacas com mastite). A produção das enterotoxinas inicia-se dentro
de 8 a 10 horas no alimento preparado, quando submetido a condições ideais para o
crescimento do Staphylococcus.

Etiologia
O gênero Staphylococcus é caracterizado como cocos gram-positivos, anaeróbio
facultativo, com arranjo predominantemente em cachos e positivo na prova da catalase.

Staphylococcus aureus é a espécie mais patogênica do gênero e a principal incri-


minada nos casos de toxinfecção alimentar. Caracteriza-se por ser positivo nas provas
da coagulase, Dnase e Manitol. A faixa de temperatura ideal para o crescimento está
entre 10 °C e 45 °C; o pH ideal deve ser maior que 4,4; o crescimento é estimulado na
presença de 10% de NaCl.

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UNIDADE Zoonoses Transmitidas por Alimentos – DTA

A enterotoxina estafilocócica produzida durante o crescimento no alimento é termor-


resistente a 100 °C por 30 minutos, o que propicia sua manutenção mesmo após
processos de cocção.

Patogenia
Para o início da infecção, é necessária uma carga bacteriana entre 105 e 106 bactérias
por grama de alimento, gerando 0,02 a 1 µm/g de toxinas no alimento. Após a inges-
tão, entre 1 e 6 horas (média de 3 horas), a sintomatologia apresenta-se com náuseas,
vômito, dores abdominais e, ocasionalmente, acompanhada de diarreia.

Epidemiologia
De 30% a 35% da população é portadora de Staphylococcus na região de nasofaringe.
Além disso, o Staphylococcus faz parte da microbiota cutânea e está relacionado com der-
matites purulentas, portanto, o manipulador de alimento é a principal fonte de infecção.

O bovino de leite (vaca com mastite) é o principal reservatório para o homem. Os alimen-
tos que apresentam em sua constituição leite, ovos ou aqueles intensamente manipulados,
como maionese, massa de pastel, creme de padaria e derivados lácteos, como leite em pó,
são as principais vias de transmissão.

Diagnóstico
Para o diagnóstico definitivo, deve-se fazer o isolamento bacteriano dos possíveis
alimentos incriminados e demonstração da presença da toxina.

Medidas Preventivas
Para a prevenção das intoxicações por toxinas estafilocócicas são necessários tanto o
controle dos alimentos de origem animal, principalmente o do leite em nível de fazenda
e laticínio, como a implantação de medidas higiênicas na manipulação de alimentos.

Botulismo
O botulismo é a toxinfecção de origem alimentar mais grave. Quase sempre de caráter
fatal, está relacionado aos alimentos enlatados em más condições de higiene e mantidos
em condição de anaerobiose.

Etiologia
O micro-organismo responsável pela produção de toxina botulínica é o Clostridium
botulinum. Seu habitat é o trato gastrointestinal de herbívoros e aves. Ele é carac-
terizado como um bacilo gram-positivo, imóvel, sem cápsula, esporulado, anaeróbio
estrito. Seus esporos resistem à temperatura de 100 °C, por 6 horas, e à de 120 °C, por
3 a 4 horas, sendo, então, extremamente resistente às condições térmicas, favorecendo
sua permanência após o processamento térmico.

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A toxina
A toxina botulínica é termolábil, classificada em 7 sorotipos: A, B, C, D, E, F e G.
Para o homem, os sorotipos mais importantes são: A, B e E; e para os animais, os soro-
tipos C e D. A toxina botulínica é extremamente potente, sendo que a dose letal mínima
para camundongos está entre 0,4 e 2,4 ng por animal.

Patogenia
Após a ingestão da toxina pré-formada, ela é distribuída por todo o organismo e
exerce sua ação farmacológica nas terminações nervosas dos nervos periféricos, cujo
neurotransmissor é a acetilcolina. Ocorre paralisia flácida progressiva, pela inibição
da liberação da acetilcolina nas junções neuromusculares. O óbito ocorre por parada
respiratória. Os sintomas são observados após 3 a 36 horas da ingestão. Também é
possível a intoxicação por produção da toxina após contaminação de feridas e pela
colonização do trato intestinal de crianças com produção endógena de toxina botulí-
nica e posterior absorção.

Epidemiologia
No ambiente, esporos de Clostridium botulinum são encontrados no solo, em rios,
sedimentos oceânicos e no trato intestinal de mamíferos e aves. A via de transmissão é
por alimento, sendo susceptíveis, além do homem, os animais domésticos.

Diagnóstico
O diagnóstico é feito demonstrando a toxina no alimento e no paciente por meio de
técnicas como a soroneutralização da toxina testada em camundongos com anatoxinas
(anticorpos) específicas.

Ações Profiláticas
São ações de prevenção a destruição dos esporos nos alimentos pelo aquecimento
ou por radiação; a inibição do crescimento da forma vegetativa nos alimentos por meio
da redução do pH, pela limitação da quantidade de água, pela redução da temperatura
durante o armazenamento; a inativação da toxina pré-formada, por cocção ou utilizando
inibidores químicos. Também é fundamental a educação sanitária da população, visando
inibir o consumo de alimentos de procedência desconhecida.

Salmonelose
Etiologia
O gênero Salmonella pertence à família Enterobacteriaceae. É um bacilo gram-
-negativo, não produtor de lactose, produtor de gás a partir da fermentação de açúca-
res, produtor de H2S e móvel com flagelos peritríquios. Sua classificação é confusa e
vem sendo mudada constantemente. Admite-se, hoje, a existência de duas espécies:
S. entérica, dividida em seis subespécies (enterica, salamae, arionae, diarizonae,
houtenae e indica), e S. bongori. Esse esquema tem sido pouco útil e o que se utiliza,

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na rotina, é a classificação de Kauffmann & White, que subdivide o gênero em soroti-


pos, tendo por base a composição antigênica com relação aos antígenos O, K e H. A
correta grafia dos sorotipos da Salmonella consiste em escrever o gênero em itálico e
o sorotipo em tipo comum, porém, com a primeira letra em maiúsculo, por exemplo,
Salmonella Typhimurium. Na Tabela 1, temos os principais sorotipos, as espécies
envolvidas e as síndromes presentes nos animais.

Tabela 1 – Principais sorotipos de Salmonella que infectam os animais de


produção e o homem e as principais síndromes a que induzem
Espécie Sorotipo Síndrome
S. Typhi
Homem Febre tifoide.
S. Paratyph
S. Dublin Septicemia, enterite aguda ou crô-
Bovinos nica e aborto.
S. Typhimurium
Ovinos S. Typhimurium Septicemia, tiflite e aborto.
S. Choleraesuis
Suínos S. Typhimurium Septicemia e enterocolite.
S. Typhisuis
Equinos S.Typhimurium Septicemia, colite aguda e aborto.
Aves S. Enteritidis Assintomáticos.
Fonte: TRABULSI et al., 2000

A S. Tiphy e S. Paratiphy são os agentes etiológicos da febre tifoide, dos quais o


homem é o único hospedeiro, não tendo importância zoonótica. As demais salmonelas
são transmitidas via alimento (leite e ovos principalmente), causando, no adulto nor-
mal, uma enterocolite, que evolui sem complicações e desaparece em menos de uma
semana. Entretanto, se o hospedeiro é uma criança no primeiro ano de vida, a infecção
causada por essas salmonelas pode evoluir de maneira diferente, levando a uma septi-
cemia bastante grave.

Patogenia
A dose infectante é variável, dependendo do sorotipo. O período de incubação
está entre 14 e 48 horas, com média de 18 horas; a ação é exercida na mucosa do
trato gastrointestinal.

Sintomas
No homem, os sintomas são náuseas, vômitos, dor de cabeça, diarreia e febre. A fase
mais aguda ocorre por volta de dois dias. A excreção da salmonela nas fezes ocorre por
8 semanas e pode permanecer na vesícula biliar por até 6 meses.

Diagnóstico
Para o diagnóstico, é importante realizar inquérito epidemiológico para descobrir o
alimento responsável e levantar os fatores que propiciaram o surto. Para o diagnóstico
específico no paciente, deve-se realizar coprocultura.

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Epidemiologia
As principais fontes de infecção para o homem são suínos e aves, podendo qualquer
animal servir como fonte de infecção. O estresse do transporte e do abate favorece a
infecção nos animais. Enquanto na granja de suínos 7% dos animais têm salmonela,
após 48 horas no abatedouro, 25% apresentam-na e, após o abate, mais de 50% das car-
caças estão contaminadas (Figura 1). Para as aves, o processamento pós-abate favorece
a contaminação das carcaças, devido aos equipamentos que retiram as penas e fazem a
evisceração, ao tanque de resfriamento e à manipulação.

Fezes Ingestão

Animais doentes ou Alimento Animais


portadores Contaminado Susceptíveis

Ingestão de
alimentos de origem Água e vegetais
animal

Homem Homem

Rota feco-oral
(Hospitais)

Figura 1 – Cadeia epidemiológica da salmonelose zoonótica

Medidas Preventivas
Para a prevenção da salmonelose, deve-se autoclavar os subprodutos de origem ani-
mal utilizados para alimentação animal. Deve-se fazer o armazenamento correto dos
alimentos antes da manipulação, garantir a correta higiene do manipulador de alimentos
bem como controlar animais invertebrados.

Vírus envolvidos em DTAs


Rotavírus
É um vírus da família Reoviridae. Apresenta um genoma RNA fita dupla, não enve-
lopado, com capsídeo icosaédrico, extremamente resistente no ambiente. É a principal
causa de diarreia grave em lactentes e crianças jovens em todo o mundo.

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Ciclo da Rotavirose
A transmissão se dá através da água e do contato direto com doentes e fômites. O vírus
se multiplica, causando infecção no intestino delgado, destruindo as células, diminuindo
a absorção (vilosidades) e aumentando a secreção (criptas). O período de incubação é de
menos de 48 horas. Os principais sintomas aparecem entre 3 e 7 dias, e são eles diarreia,
vômito, dor abdominal e náusea.

Hepatite A
É causada por um vírus da família Picornaviridae, um vírus RNA, fita simples, de
capsídeo icosaédrico, não envelopado. Seu período de incubação é de 2 a 6 semanas,
com duração de sinais clínicos de 3 semanas. Geralmente é assintomático, mas pode-
mos observar icterícia, cansaço, tontura, náusea e/ou vômito, febre, dor abdominal,
urina escura e fezes esbranquiçadas.

Ciclo da Hepatite A
O modo de transmissão é fecal-oral, contato direto com indivíduos contaminados ou
com fômites. Ao ingerir água ou alimento, o vírus se replica na orofaringe e no trato
gastrointestinal. O fígado é considerado o ciclo de replicação do vírus, que posterior-
mente é eliminado pela bile.

As fontes de contaminação do alimento são o homem, água e conteúdo fecal. Os prin-


cipais alimentos incriminados são marisco, frutas, vegetais e saladas.

Patógenos Parasitários
Implicados em DTAs
Toxoplasmose
A toxoplasmose é uma zoonose causada pelo protozoário Toxoplasma gondii, um
parasita intracelular obrigatório cuja transmissão está relacionada ao consumo de carne
e ao contado com ambiente contaminado com fezes de felinos. É uma infecção bastante
comum, com desenvolvimento da doença bem raro; é a doença parasitária cosmopolita
mais comum que acomete o homem e vários animais. Acomete carnívoros, herbívoros,
insetívoros, roedores, suínos, primatas e outros mamíferos e aves. Aproximadamente 200
espécies de mamíferos e aves são infectadas por esse parasita. É menos infectivo e pato-
gênico para o hospedeiro definitivo quando comparado com o hospedeiro intermediário.

Epidemiologia
A toxoplasmose é uma doença cosmopolita; um terço da população humana teve
contato com o agente e possui anticorpos anti-T. gondii.

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O hospedeiro definitivo é o gato, que elimina, pelas fezes, oocistos que, entre um e
cinco dias, tornam-se esporulados e infectantes. Os oocistos esporulados podem sobre-
viver por longos períodos em condições moderadas de temperatura e umidade. No solo,
podem ser mecanicamente transmitidos por moscas, besouros etc. e podem sobreviver
por longos períodos sobre frutas e vegetais.

Mamíferos e aves domésticos e selvagens são hospedeiros intermediários que têm,


em seus tecidos, cistos. A via de transmissão para o homem é a ingestão de oocistos
esporulados presentes no ambiente ou a ingestão de cistos nos tecidos de animais.
Portanto, a ingestão de verduras mal-lavadas e carnes malcozidas são importantes vias
de transmissão.

Devemos levar em conta, também, a manipulação do solo contaminado com fezes de


gatos, como durante a limpeza dos excrementos desses animais. A porta de entrada é a
via oral, sendo susceptível o homem em qualquer fase da vida.

Os gatos adquirem a infecção após a ingestão de animais infectados cujos tecidos


contêm taquizoítos ou bradizoítos ou pela ingestão de oocistos eliminados por outros
gatos. O período pré-patente varia de acordo com o estágio do parasita ingerido: para
oocisto, é maior que 20 dias; taquizoítos, mais de 19 dias; bradizoítos, entre 3 e 10 dias
e continua por até 14 dias, quando há o aparecimento da imunidade. Menos de 50%
dos gatos eliminam oocistos após a ingestão de taquizoítos e quase 100% dos gatos que
ingerem bradizoítos eliminam oocistos.

A transmissão vertical (transplacentária) é possível e é responsável pela forma mais


grave da doença na espécie humana. A infecção e a doença no homem estão relacio-
nadas a práticas incorretas de higiene e hábitos alimentares e a deficiências no manejo
de animais.

Etiologia
O Toxoplasma gondii é um parasita intracelular obrigatório. O ciclo de vida do para-
sita é heteroxeno facultativo. O ciclo de vida inclui:
• Reprodução assexuada, que ocorre no hospedeiro intermediário (HI) e no hospe-
deiro definitivo (HD);
• Reprodução sexuada por gametogonia, fazendo ciclo enteroepitelial no gato domés-
tico e em outros felinos (HD).

São hospedeiros definitivos para o Toxoplasma gondii os felídeos (o gato doméstico é


o mais importante), nos quais ocorrem a reprodução assexuada e a sexuada, e são hos-
pedeiros intermediários as aves e demais mamíferos (incluindo-se os felídeos), ocorrendo
reprodução assexuada.

Ciclo do Toxoplasma gondii


O ciclo do Toxoplasma gondii está ilustrado na Figura 2. Resumidamente, temos
o seguinte: os gatos infectam-se por meio da ingestão de carne com cistos com
bradizoítos ou pela ingestão de oocistos esporulados. Estes dão origem aos taqui-
zoítos (Figura 3), que se multiplicam rapidamente e são levados a todos os órgãos,

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causando infecção generalizada, podendo ocorrer, então, várias gerações de repro-


dução assexuada. No epitélio intestinal, os bradizoítos dão origem a merozoítos, que
formam os gametócitos e, por reprodução sexuada, originam os zigotos, eliminando
nas fezes os oocistos não esporulados.

Hospedeiro Definitivo (Felídeos)


Fomação de
Gametócitos

Merozoítos Reprodução Sexuada Esporozoítos


nos Oocistos

Ingestão de Tecidos Ingestão de Fezes

Reprodução Assexuada

Bradizoítos Taquizoítos
nos cistos
Transmissão
Reativação vertical
Hospedeiro Intermediario (Mamíferos e Aves)
Feto

Figura 2 – Ciclo do Toxoplasma gondii

Figura 3 – Taquizoítos de Toxoplasma gondii


Fonte: Wikimedia Commons

Os oocistos formam-se exclusivamente no intestino de gatos domésticos e de felinos


selvagens, sendo excretados pelo período de uma a duas semanas através das fezes para o
meio ambiente, e, após um a cinco dias, tornam-se esporulados e infectantes. Os oocistos
são capazes de sobreviver por vários meses no meio ambiente.

Nos hospedeiros intermediários, o ciclo é semelhante, não ocorrendo a fase sexuada.


Após a ingestão de oocistos esporulados presentes no ambiente, estes transformam-se
em taquizoítos, que se multiplicam rapidamente e são levados a todos os órgãos, cau-
sando infecção generalizada aguda que, muitas vezes, passa despercebida. Taquizoítos
transformam-se em bradizoítos, que infectarão novas células formando cistos, os quais
são capazes de se manter no organismo por longos períodos; são os responsáveis pela
fase crônica ou pelo estado latente da doença.

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Patogenia
O parasita invade o epitélio intestinal e vários tipos celulares, particularmente células
mononucleares, multiplicam-se por reprodução assexuada e disseminam-se por via san-
guínea ou linfática. Os taquizoítos invadem os tecidos muscular e nervoso (cérebro) e as
vísceras. Uma vez dentro da célula, multiplicam-se por fissão binária. Os taquizoítos livres
podem atravessar a placenta e infectar o feto (transmissão vertical). Isso só ocorre nas
fases iniciais da infecção primária, quando não há resposta imune, e em fêmeas que ad-
quirem o parasita durante a gestação. Uma vez nos tecidos e coincidindo com o início da
resposta do sistema imune, os bradizoítos fazem reprodução por endodiogenia de forma
lenta, ocorrendo a formação dos cistos em vários tecidos, principalmente no muscular e no
nervoso, particularmente no cérebro, levando à fase crônica da doença. Os cistos podem
permanecer viáveis por muitos anos, protegidos da resposta imunológica que não é capaz
de eliminá-los. Em imunodeprimidos, o cisto pode se romper, os bradizoítos readquirem as
características invasivas dos taquizoítos, podendo ocorrer disseminação fatal do parasita.

A severidade da doença clínica é dependente do grau e da localização do tecido acome-


tido. A necrose tecidual é proporcional à multiplicação do parasita e o quadro clínico está
relacionado com o órgão acometido. Com exceção das infecções disseminadas agudas,
que podem ser fatais, o hospedeiro geralmente se recupera na terceira semana após
a infecção, quando os taquizoítos começam a desaparecer dos tecidos. A presença de
doenças concomitantes ou de imunossupressão pode agravar o quadro.

Doença no homem
A toxoplasmose humana é rara, geralmente assintomática. A infecção congênita e a
infecção adquirida por imunodeprimidos são de grande importância em saúde pública.

Na toxoplasmose congênita, observa-se abortamento, principalmente no primeiro


trimestre de gestação. O neonato apresenta alterações sérias logo após o nascimento
ou nos primeiros meses de vida; por vezes, mais tardiamente, resultando em alterações
neurológicas, anemia hemolítica e alterações visuais.

Na toxoplasmose adquirida, os sintomas são febre, linfoadenopatias e alterações


visuais, sendo que, em indivíduos imunodeprimidos, as manifestações clínicas costu-
mam ser graves, podendo levar o paciente à morte.

Em humanos, 1% apresenta sintomas clínicos que podem persistir por semanas ou me-
ses e, em alguns casos, por anos. Pode ocorrer cefaleia, febre, hemiparesia, dor muscular
e nas articulações, convulsões, coma, morte. As lesões mais graves, como retardo mental,
problemas de visão, estrabismo e problemas de audição, ocorrem no feto humano.

Doença nos animais


De forma geral, a toxoplasmose animal é assintomática, sendo os sinais mais signifi-
cativos (quando ocorrem) o aborto e a pneumonia. No gato, os sintomas são variáveis:
são observados anorexia, febre, letargia, diarreia, vômito, perda de peso, aborto, alte-
rações respiratórias, alterações nervosas, disfunções oculares, alterações cardíacas e,
eventualmente, morte súbita. Os filhotes, infectados ainda no útero materno, podem
nascer mortos ou morrer logo após o nascimento.

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Nos cães, a doença é rara. Quando ocorre, é semelhante ao quadro felino, podendo
aparecer na forma de moléstia multissistêmica grave (geralmente fatal) ou como moléstia
localizada nos sistemas nervosos central e periférico.

Diagnóstico
Em felinos, o diagnóstico depende da fase da doença. Exames coproparasitológicos
demonstram a presença de oocistos nas fezes pela técnica de concentração de oocistos
por flutuação Willis e centrífugo-flutuação em sacarose, porém animais com infecção
latente não são positivos nessa prova.

A sorologia pode ser de grande valia, porém, carece de apurada análise dos resul-
tados. Infecções recentes podem ser demonstradas pela presença de IgM ou pela so-
roconversão da IgG. De maneira complementar ou alternativa à imunologia, é possível
demonstrar a presença do agente no líquido cefalorraquidiano pela técnica da reação de
polimerase em cadeia (PCR). Em humanos, o diagnostico é clínico e confirmado pela
sorologia ou PCR.

Prevenção e controle
As medidas preventivas estão relacionadas ao hospedeiro definitivo, visando impedir sua
infecção, ao ambiente, onde se deve impedir a presença de oocistos, e ao homem, que não
deve entrar em contato com oocistos do ambiente nem ingerir cistos presentes em carnes.

Deve-se evitar a ingestão de carnes cruas ou malcozidas, devendo ser submetidas a


temperaturas superiores a 65 °C, e higienizar adequadamente legumes, frutas e verduras.
Devem-se utilizar luvas na manipulação de terra, areia ou substrato com fezes de gatos.

Um problema sério são os tanques de areia de escolas e parques, que devem ser pro-
tegidos da presença de animais e ter a areia substituída frequentemente.

Mulheres gestantes devem evitar o contato com gatos, solo ou carne crua e realizar
sorologia para toxoplasmose no exame pré-natal.

Os gatos devem ser alimentados somente com ração e nunca com carnes cruas. Os
animais devem ser impedidos de sair de casa. Suas fezes devem ser retiradas diariamente
para evitar a esporulação dos oocistos.

Complexo Teníase-Cisticercose
A teníase é uma parasitose causada pela fase adulta dos helmintos Taenia solium e
Taenia saginata, já a cisticercose é causada pela fase larvar desses helmintos, causando
sérios problemas, principalmente quando instalados no Sistema Nervoso Central. É uma
zoonose transmitida por alimento típica de locais com déficit de higiene pessoal e sanea-
mento básico.

A fonte de infecção é o homem, o hospedeiro definitivo, sendo uma fonte duradoura,


e a via de eliminação são as fezes. As vias de transmissão são o solo, a água e alimentos
contaminados com ovos. São hospedeiros intermediários os suínos para T. solium e
bovino para T. saginata, sendo a via de transmissão o consumo de carne malcozida.

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Etiologia
Nessa zoonose, temos duas espécies envolvidas, Taenia solium e Taenia saginata.
A T. solium vive cerca de 3 anos, podendo alcançar até 20 a 25 anos, e a T. saginata
vive cerca de 10 anos, podendo chegar a 30 anos. Os ovos, em temperatura entre 20 °C
e 30 °C, a uma umidade entre 50% e 80% e na sombra, sobrevivem em torno de 4 a 6
meses. O homem é o único hospedeiro da forma adulta dessas espécies. A fase larvar
da T. solium é conhecida como Cysticercus cellulasae, cujo hospedeiro é o suíno, e a da
T. saginata, cujo hospedeiro é o bovino, é conhecida como Cysticercus bovis.

Ciclo da Taenia
O clico da Taenia está ilustrado na Figura 4. A fase adulta está sempre no homem,
que elimina, pelas fezes, proglotes grávidas (Figura 5) e ovos (Figura 6). Estes vão ficar
no ambiente, contaminando solo e vegetais. Suínos e bovinos, em contato com o solo,
durante o pastejo, ingerem os ovos, que vão migrar pela corrente circulatória, trans-
formando-se em larvas (cisticerco), ficando quiescentes na musculatura. O homem, ao
ingerir carne suína ou bovina malcozida, vai digerir o cisticerco que, no intestino, entra
na fase adulta. Um ciclo errático pode ocorrer quando o homem ingere ovos de Taenia
e, como o hospedeiro intermediário, alberga a fase larvar na musculatura ou no Sistema
Nervoso Central.

Figura 4 – Ciclo da Taenia solium e Taenia saginata


Fonte: Adaptada de Wikimedia Commons

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UNIDADE Zoonoses Transmitidas por Alimentos – DTA

Figura 5 – Proglote de Taenia saginata


Fonte: Wikimedia Commons

Figura 6 – Ovo de Taenia sp.


Fonte: Wikimedia Commons

Patogenia
A teníase ocorre após a ingestão da fase larvar; há a desenvaginação do escólex no
intestino delgado pela ação da bile e do suco digestivo; ocorre a fixação do escólex na
mucosa intestinal, que se transforma em adulto entre 60 e 70 dias. Os sintomas são
derivados da ação irritativa e traumática com inflamação. Os sintomas observados são a
descarga de proglotes, dores abdominais, náuseas, debilidade, perda de peso, aumento
de apetite, dores de cabeça, constipação, tontura, diarreia e prurido anal.

A cisticercose pode ocorrer por heteroinfecção por ingestão de alimentos com ovos,
por autoinfecção, quando o indivíduo com teníase leva à boca ovos, ou por autoinfecção
endógena, quando ocorre o refluxo intestinal, levando os ovos para o estômago e, poste-
riormente, ao intestino.

Após a ingestão dos ovos, ocorre a digestão do embrióforo, posterior ativação do


embrião hexacanto. O embrião atravessa a mucosa intestinal e ganha a circulação,
instala-se em regiões com intensa vascularização, como músculo esquelético do miocár-
dio, língua, masseter, diafragma e músculos intercostais. Além da musculatura, pode se
instalar no sistema nervoso e no globo ocular. Na fase de invasão, observa-se enterite
catarral com pontos hemorrágicos na mucosa. No sítio em que o embrião desenvolve

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a vesícula observa-se lise tecidual com reação inflamatória local e ação antigênica,
podendo ficar vivo por anos. Nos animais, a cisticercose é assintomática, ao passo que,
em humanos, o prognóstico é reservado, ocorrendo transtornos nervosos e opacidade
do globo ocular.

Diagnóstico
O diagnóstico clínico depende de confirmação laboratorial. Em tecidos, o cisticerco
pode ser evidenciado por técnicas de imunodignóstico, como a imunofluorescência.
Em humanos, a cisticercose pode ser evidenciada por exames por imagem. Para o
diagnóstico da teníase, deve-se proceder à pesquisa de proglotes e ovos nas fezes.

Prevenção e controle
A prevenção está baseada na eliminação do estado de portador da fase adulta,
por tratamento com anti-helmínticos, e em medidas higiênico-sanitárias, como higiene
pessoal, inspeção sanitária das carcaças para consumo humano e saneamento básico.
A população deve ser advertida de que deve consumir exclusivamente carne inspecio-
nada e bem cozida. Em locais não urbanizados, a construção de fossa séptica deve ser
instituída, o destino adequado das fezes humanas deve ser estimulado e elas nunca
devem ser utilizadas como adubo orgânico.

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UNIDADE Zoonoses Transmitidas por Alimentos – DTA

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

Leitura
Controle de Salmonella Enteritidis na Avicultura
https://bit.ly/39X5yWJ
Salmonella Enteritidis em Aves: Retrospectiva no Brasil
https://bit.ly/2PNWnRL
Programas de Controle da Toxoplasmose Congênita
https://bit.ly/3wFDOjl
Intoxicação Estafilocócica em Restaurante Institucional
https://bit.ly/2PPf2N1
Botulismo de Origem Alimentar
https://bit.ly/3dN2jSY

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Referências
ACHA, P. N.; SZYFRES, B. Zoonoses and communicable diseases common to
man and animals. 3. ed. Washington: Pan American Health Organization, 2001.

CASTRO, F. C.; CASTRO M. J. B. V; CABRAL, A. C. V., et al. Comparação dos


métodos para diagnóstico da toxoplasmose congênita. RBGO, Belo Horizonte,
v. 23, n. 5, 2001.

CIRILO, M. B.; SALVARANI, R. S.; NEVES, M. F. Toxoplasmose em cães e gatos. Revista


Científica Eletrônica de Medicina Veterinária, Garça, ano VI, n. 11, 08/2008.

GODOI, M. T. J.; HINRICHSEN, S. L.; MACHADO, R. L. et al. Rickettsioses. In:


HINDRICHSEN, S.L. Doenças infecciosas e parasitárias. Rio de Janeiro: Medsi, 2005.

REY, L. Parasitologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001.

TRABULSI, L. R.; ALTERTUM, F.; COMPERTZ, O. F.; CANDEIAS, J. A. Microbiologia.


3. ed. São Paulo: Atheneu, 2000. 586 p.

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