Literatura de Cordel

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Serviço Público Federal

Ministério da Cultura
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
CENTRO NACIONAL DE FOLCLORE E CULTURA POPULAR
Divisão de Pesquisa do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular

PARECER TÉCNICO nº 1/2018/DIPESQ CNFCP/CNFCP/DPI


ASSUNTO: Processo nº. 01450.008598/2010-20 referente à solicitação de Registro
da Literatura de Cordel como Patrimônio Cultural do Brasil a ser inscrita no Livro
das Formas de Expressão.
REFERÊNCIA: Proc. nº. 01450.008598/2010-20
Rio de Janeiro, 05 de julho de 2018.

Ao Sr. Coordenador de Registro do Departamento de Patrimônio Imaterial, encaminho o


seguinte PARECER:

Trata-se de parecer conclusivo do pedido de Registro da Literatura de Cordel, apresentado


pelo Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, com base em inventário fundamentado
em pesquisa documental e de campo, seguindo metodologia da História Oral, realizado nos
estados de Rio de Janeiro, São Paulo, Maranhão, Piauí, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Sergipe
e Bahia e Distrito Federal, e no dossiê que contextualiza a ocorrência dessa prática cultural
no território brasileiro, destacando os conhecimentos, as técnicas, os valores e os
significados simbólicos nela envolvidos.
O corpo do processo, em dois volumes, está constituído pelo requerimento de pedido,
consulta à Câmara Técnica para exame preliminar, cópia de parte das anuências dos
detentores, Dossiê Descritivo. Os demais documentos reunidos ou produzidos pela
pesquisa constituem os seguintes Anexos ao processo:

Dossiê Literatura de Cordel, que identifica a Forma de Expressão;


Documentário áudio-visual Literatura de Cordel, de 27 minutos de duração
Anexo 1. Bibliografia a partir do acervo da Biblioteca Amadeu Amaral/CNFCP (1) 272
referências bibliográficas; (2) 127 referências em periódicos; (3) 49 referências de
mulheres cordelistas (4) relação de 55 teses e dissertações sobre a Literatura de Cordel;
(5) relação de 10 monografias sobre o tema, premiadas ou agraciadas com Menção
Honrosa no Concurso de Monografias Sílvio Romero do CNFCP.
Anexo 2. Relatório sobre a instrução técnica do processo de registro e seus
antecedentes.
Anexo 3. (1) Carta da Academia de Cordelistas do Crato, entregue ao Iphan no
Parecer Técnico 1 (0573749) SEI 01450.008598/2010-20 / pg. 1
Encontro de Mobilização realizado em dezembro de 2015, com a assinatura de 69
cordelistas; (2) Cópia do Diploma conferido pela Academia Paraense de Literatura de
Cordel, criada em 2018, a Vicente Salles, com o título de patrono perpétuo, em
reconhecimento ao conjunto de sua obra; (3) relação das associações de cordelistas.
Anexo 4. Relação das entrevistas para coleta de depoimentos, realizadas no Rio de
Janeiro, em São Paulo, Maranhão, Piauí, Ceará, Paraíba, Sergipe e Bahia
Arquivo digital contendo: (1) registro fotográfico com 763 fotos de detentores,
pesquisadores, declamadores, repentistas, aboiadores, xilógrafos, rodas de conversa,
encontros com os detentores e acervos; (2) registro videográfico do Encontro de
Mobilização no Rio de Janeiro/RJ, em 8 DVDs; (3) registro videográfico do Encontro
de Mobilização no Crato/CE, em 12 DVDs; (4) registro videográfico do Encontro de
Mobilização em São Paulo/SP; (5) registro videográfico de 39 entrevistas realizadas no
Rio de Janeiro, 11 entrevistas realizadas em São Paulo; 4 entrevistas realizadas em São
Luís/MA; 2 entrevistas realizadas em Teresina/PI; 8 entrevistas realizadas em
Fortaleza/CE; 3 entrevistas realizadas em Crateús/CE; 4 entrevistas realizadas em
Canindé/CE; 5 entrevistas realizadas em Aracaju/SE; 10 entrevistas realizadas em Feira
de Santana/BA; 11 entrevistas realizadas em Salvador/BA; 1 entrevista realizada em
Camaçari/BA, 4 entrevistas realizadas em Conceição de Coité/BA, 1 entrevista
realizada em Serrinha/BA; (5) registro sonoro de 7 entrevistas realizadas em São Paulo;
1 entrevista realizada em São Luís/MA; 8 entrevistas realizadas em Fortaleza/CE; 3
entrevistas realizadas em Canindé/CE; 6 entrevistas realizadas em Feira de
Santana/BA; 5 entrevistas realizadas em Conceição de Coité/BA; 1 entrevista realizada
em Serrinha/BA; 11 entrevistas realizadas em Salvador/BA; 1 entrevista realizada em
Camaçari/BA; 3 entrevistas realizadas em Campina Grande/PB; 8 entrevistas
realizadas em Aracaju/SE;1 entrevista realizada em João Pessoas/PB; 1 entrevista
realizada em Juazeiro do Norte/CE; 1 entrevista realizada em Juazeirinho/PB; 1
entrevista realizada em Pombal/PB; 1 entrevista realizada no Crato/CE.

Complementam o inventário, enviados separadamente por malote:

Catálogo da exposição ‘Jota Rodrigues - Folhetos, Romances, Literatura de Cordel’,


realizada na Sala do Artista Popular, de 31 de maio de 1983 a 17 de junho de 1983, texto
de Dinah Guimaraens, exposição que inaugurou o Programa Sala do Artista Popular
do CNFCP
Catálogo da exposição Artistas de Juazeiro do Norte- CE, realizada de 31 de julho de
1984 a 22 de agosto de 1984, texto de Elizabeth Travassos
Catálogo da exposição ‘Xilogravuras – Ciro Fernandes/Marcelo Soares/Joel Borges e
Erivaldo Ferreira’, realizada na Sala do Artista Popular, de 07 de agosto de 1986 a 29 de
agosto de 1986, texto de Ana Heye
Catálogo da exposição ‘Engenho e artes populares – xilogravuras de Juazeiro do Norte’,
realizada na Sala do Artista Popular de 24 de abril de 1997 a 25 de maio de 1997, texto
de Gilmar de Carvalho
Catálogo da exposição ‘Impressões do Borges: a xilogravura de Bezerros’, realizada na
Sala do Artista Popular, de 5 de novembro de 2009 a 6 de dezembro de 2009, texto de
Marcelo Mac Cord
Monografia Cordel e cinema: relações dialógicas, de autoria de Sylvia Regina Bastos
Nemer, 1º Prêmio no Concurso Sílvio Romero – edição de 2005
Monografia Arcanos do Verso: trajetórias da tipografia São Francisco em Juazeiro do
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Monografia Arcanos do Verso: trajetórias da tipografia São Francisco em Juazeiro do
Norte, 1926-1982, de autoria de Rosilene Melo, 1º Prêmio no Concurso Sílvio Romero-
edição de 2003
Monografia Patativa do Assaré: a trajetória de um canto, de autoria de Luiz Tadeu
Feitosa, 2º Prêmio no Concurso Sílvio Romero – edição de 2002
Monografia Madeira Matriz: cultura e memória, de autoria de Francisco Gilmar de
Carvalho, 1º Prêmio no Concurso Sílvio Romero – edição de 1998
Monografia Repente e Cordel, de autoria de Vicente Salles, 1º Prêmio no Concurso
Sílvio Romero – edição de 1981
Monografia O Mito na Literatura de Cordel, de autoria de Luis Tavares Junior, 2ª
Menção honrosa no Concurso Sílvio Romero – edição de 1975
Contatos de: (1) cordelistas, repentistas, xilógrafos, folheteiros, aboiadores, apologistas
que participaram dos encontros; (2) pesquisadores que se dedicam ao tema e que
foram contatados; (3) principais editoras de obras em cordel; (4) associações de
cordelistas participantes; (5) instituições de preservação e guarda de acervos que
participaram da instrução técnica.
Transcrição das entrevistas realizadas com Manoel Balbino Neto; Edmilson Santini;
Maria de Lourdes Aragão Catunda (Dalinha Catunda); Francisco Ciro Fernandes;
Francisco Salles; Antônio Araújo (Campinense); Domingos Melo Filho (Cabral da
Cabaceira); Almir Oliveira de Gusmão; Gonçalo Ferreira da Silva; Fábio Sombra da
Silva; Erivaldo Ferreira da Silva ; Ednaldo Melo Santos; Antônio Milton Pires (Milton
Moisés); José Franklin da Silveira; Ivamberto Albuquerque de Oliveira; Geraldo Oliveira
Aragão; Isael de Carvalho; Manoel Alves de Souza (Manoel Santamaria); Severino
Honorato; William J.G. Pinto; José Alves da Silva (Zé Moreno); Severino Felipe Gomes
(Zé Sinval); Ovídio Pereira da Silva; Arlene Holanda; Eduardo Macedo; Evaristo
Geraldo da Silva; Goreth Pereira; João Batista Azevedo Santos (Jota Batista); João
Batista Vieira Fontenele (Jotabê); Francisco Paiva das Neves (Paiva Neves); Paulo de
Tarso; Raimundo Clementino; Antônio Carlos da Silva (Rouxinol do Rinaré); Stélio
Torquato; Antônio Ribeiro da Conceição (Bule Bule); Edilene Dias Matos; Bráulio do
Nascimento; Ivan Cavalcanti Proença; Aderaldo Luciano.
Mapeamento de acervos relacionados à Literatura de Cordel e ao Repente no estado
de São Paulo; levantamento de mestres e detentores de referência com seus contatos;
transcrição das entrevistas realizadas com Manoel Moreira Junior (Moreira de
Acopiara), Marco Haurélio Fernandes Farias, Valdeck Costa de Oliveira (Valdeck de
Garanhuns), Varneci Santos do Nascimento, Ednilson Xavier, Gregório Nicoló, Nelbi
Abraão, Luzivan Matias, Sebastião Marinho, Teófilo de Azevedo Filho (Téo Azevedo),
Luis Wilson, Manoel Elias de Freitas (Peneira), Cícero Honório dos Santos (Sonhador),
José Rodrigo da Silva (Pena Branca), Ezequiel Pedro da Silva (Verde Lins), José
Teotônio dos Santos (Zé Teotônio), José de Lima Santana (Zé de Zilda).
Cópias dos Termos de Autorização de Uso de Imagem recolhidos durante a instrução
do processo
Cópias das Fichas de Anuência e folhas de presença nas reuniões de mobilização

O pedido de Registro da Literatura de Cordel foi submetido à Câmara Técnica do


Patrimônio Imaterial em sua 17ª reunião, realizada em 22 e 23 de novembro de 2010, tendo
sido aprovado por unanimidade, resultando na abertura do Processo nº. 01450.008598/2010-
20. A solicitação fora apresentada pela Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC),
em requerimento assinado por 85 poetas. A Academia Brasileira de Literatura de Cordel,
fundada em 7 de setembro de 1988 e sediada no Rio de Janeiro, é uma entidade que reúne

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poetas da literatura de cordel de todo o País e possui uma organização semelhante à
Academia Brasileira de Letras, com 40 cadeiras de membros efetivos, dentre poetas,
xilógrafos e pesquisadores.

A Câmara Técnica considerou o pedido pertinente em vista da presença marcante da


literatura de cordel no Brasil como forma de expressão, a continuidade histórica desta
prática cultural até a atualidade e sua difusão por todo o território nacional. A partir de
então, o Departamento de Patrimônio Imaterial em cooperação com o Centro Nacional de
Folclore e Cultura Popular deram início às ações relativas à instrução técnica do processo de
Registro da Literatura de Cordel.

Na 22ª reunião da Câmara Técnica do Patrimônio Imaterial, em 2 de abril de 2013, foi


encaminhado, e aprovado, o pedido de registro do Repente como Patrimônio Cultural do
Brasil, solicitado pela Associação dos Cantadores Repentistas e Escritores Populares do DF e
Entorno (ACRESPO), sediada em Brasília. Segundo o parecer da Câmara Técnica, este
processo deveria caminhar articulado como a instrução técnica do processo de registro da
Literatura de Cordel, pois que, embora constituam manifestações culturais distintas e suas
particularidades devam ser respeitadas, elas partilham um ambiente cultural semelhante.
Esta é a razão pela qual a documentação reunida durante a instrução técnica do processo
de Registro da Literatura de Cordel inclui entrevistas, literatura e depoimentos
provenientes de um universo mais amplo, que referencia poetas, declamadores, cantadores,
xilogravadores, ilustradores, repentistas, aboiadores e praticantes do improviso.

Em função do apoio oferecido pelo Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP)
desde a solicitação do registro, foram realizadas, em 2011, duas reuniões entre técnicos do
CNFCP e representantes da Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), proponente
do pedido, além de Mônica da Costa, da Superintendência do Iphan no Rio de Janeiro. Foi
apresentado um panorama geral da política do PCI e discutidos os esforços envolvidos na
instrução técnica do processo. Para a segunda reunião, a ABLC aceitou a proposta do
CNFCP de convidar pesquisadores especializados em literatura de cordel para ajudar a
delimitar o recorte do bem, de grande complexidade, e determinar os sítios a serem
inventariados, já que a prática da poesia de cordel ocorre em vasta extensão do território
nacional. Contou-se então com as presenças de Vicente Salles, Bráulio do Nascimento e do
etnomusicólogo Edilberto Fonseca.

O plano de trabalho que foi esboçado nas reuniões especificava cinco regiões para o
levantamento preliminar: Juazeiro do Norte, Mossoró, Campina Grande, Caruaru e o eixo
Rio-SP-MG-Brasília. Cada núcleo no Nordeste cobriria seus arredores e estados vizinhos.
Todos concordaram com a configuração geral do território preliminar, tendo sido ressaltado
que as localidades escolhidas eram as mais dinâmicas.

Os pesquisadores convidados insistiram na pesquisa em acervos, notadamente os da


Biblioteca Nacional, CNFCP, Casa de Rui e Fundação Joaquim Nabuco. Bráulio do
Nascimento informou que o acervo da Biblioteca Nacional havia sido organizado por ele,
agregando, no setor de Música, todos os folhetos que se encontravam dispersos por vários
setores. Lembrou que, anteriormente, os folhetos eram encadernados em livros, por lotes.
Muitas vezes, quando os livros eram devolvidos, alguns folhetos haviam sido retirados.
Hoje, eles se encontram envelopados, um a um, de modo a coibir essa prática.

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Em abril de 2012, o Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI) realizou uma reunião no
Rio de Janeiro, na Fundação Casa de Rui Barbosa, com o objetivo de angariar a colaboração
de instituições responsáveis pela manutenção e guarda de acervos de folhetos de cordel.
Atenderam ao convite a Fundação Casa Rui Barbosa, a Biblioteca Nacional, a Fundação
Joaquim Nabuco (FUNDAJ), o Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP), o Núcleo de
Pesquisa e Documentação da Cultura Popular da Universidade Federal da Paraíba
(NUPPO/PB). Contou-se ainda com a presença dos etnomusicólogos Prof. Dr. Carlos
Sandroni (Departamento de Música- UFPE), Prof. Dr. Edilberto Fonseca (Departamento de
Produção Cultural- UFF/Rio das Ostras), Prof. Dr. Samuel Araújo e Prof. Dr. Vicenzo
Cambria (Laboratório de Etnomusicologia/UFRJ). A Academia Brasileira de Literatura de
Cordel, proponente do pedido de Registro, enviou os seguintes representantes: Gonçalo
Ferreira (Presidente), Francisco Salles (Diretor Cultural) e Fernando Assumpção
(Pesquisador e membro do Conselho Consultivo/Diretoria).

A colaboração de etnomusicólogos e pesquisadores da literatura de cordel dizia respeito a


uma presumida vinculação entre as duas práticas culturais. Considerando que a literatura
de cordel é de base essencialmente oral, sendo com frequência lida em voz alta ou
declamada, não é raro encontrar poetas que são também cantadores. Dada a ocasional
superposição das bases sociais das duas expressões culturais, era necessário decidir, de
início, em que medida e de que forma os dois processos estariam relacionados e se uma
possível articulação entre eles, para fins de pesquisa e produção de conhecimento, deveria
resultar em uma integração desses dois bens culturais. Depois de discutida a questão,
chegou-se à conclusão de que as duas expressões eram distintas, muito embora fosse
oportuno que as bases sociais fossem inventariadas paralelamente, seguindo orientação da
Câmara Técnica.

Quanto à colaboração das instituições de acervo, houve entendimentos no sentido de


consolidar uma plataforma de dados referentes ao cordel, de modo a facilitar a inserção de
dados e sua disponibilização de forma compartilhada entre os parceiros. Coube ao
Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP) centralizar os dados indexados que seriam
enviados pelas instituições parceiras, não só para consolidar os acervos documentais, mas
também para verificar a existência de raridades e duplicatas, possibilitando que estas
últimas fossem redirecionadas para outras instituições. A criação de uma plataforma de
livre acesso por parte das instituições parceiras visava a atualização frequente dos dados e a
ampliação da difusão do acervo. A formalização de um convênio entre o IEB/USP e o
IPHAN, para compartilhamento da plataforma, ficou para ser executada.

A falta de recursos para dar prosseguimento às ações do inventário, principalmente tendo


em vista a extensão do território de ocorrência da prática cultural em questão, ocasionou
uma interrupção temporária na instrução do processo.

Por fim, em 2013, o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular contou com recursos
provenientes da emenda parlamentar 27840004, de autoria do Deputado Federal Jean
Wyllys/PSOL/RJ, voltada para apoio às atividades relacionadas à instrução técnica do
processo de registro da Literatura de Cordel como Patrimônio Cultural do Brasil.

Assim, o inventário da Literatura de Cordel foi realizado entre 2013 e 2017, supervisionado
pelo Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, sendo documentada a descrição
detalhada do que os detentores consideram literatura de cordel. Especificou-se as práticas

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envolvidas nessa forma de expressão desde os diferentes modos de formação do poeta, as
peculiaridades da composição poética com relação à rima, à métrica e à oração até a
divulgação da poesia em diferentes suportes, além das práticas de comercialização das
obras.

Ao longo de toda a pesquisa de campo para o inventário, foram realizadas entrevistas,


reuniões e assembleias com os poetas, repentistas, pesquisadores e interessados no tema,
em diversos estados do país, o que ressalta a anuência e a mobilização dos detentores da
prática cultural no sentido do encaminhamento do pedido do Registro da Literatura de
Cordel como Patrimônio Cultural do Brasil.

É de se esperar que a produção de conhecimento sobre o bem, a partir do Registro, chegue


a um mais denso mapeamento, estimulado pela própria mobilização dos detentores e pela
visibilidade conferida à prática cultural. Este é, sem dúvida, um dos méritos da política de
Registro de bens culturais, na medida em que se trata de uma política notadamente
inclusiva. Todos os detentores de uma manifestação ou expressão cultural são
contemplados, mesmo que o processo de Registro em si tenha tomado como referência,
para a descrição dos aspectos culturalmente relevantes do bem, apenas uma região, um
estado, uma cidade ou uma localidade no Brasil. Bens de maior abrangência, tais como a
Roda de Capoeira, o Jongo, o Teatro de Bonecos Popular do Nordeste ou o Ofício das
Baianas de Acarajé, ainda são objeto de mapeamento de detentores, para além das
localidades tomadas como referência por ocasião da fundamentação do pedido de Registro.

No entanto, essa particularidade do instrumento do Registro ainda não foi plenamente


assimilada pela população em geral ou mesmo por parcela dos poderes governamentais. No
caso específico do inventário da literatura de cordel, não foram poucos os detentores que
acreditavam que o Registro iria contemplar tão somente a Academia Brasileira de Literatura
de Cordel, proponente do pedido. Em cada encontro de mobilização, em cada coleta de
depoimento, era necessário discorrer, repetidamente, sobre a política de Registro para que
não restassem dúvidas, entre os detentores e os interessados, sobre a inclusão de todo e
qualquer praticante da expressão cultural, mesmo aqueles que não são filiados às
associações/academias de cordel.

Nesse sentido, vale observar que a importância da emenda parlamentar em apoio à


instrução técnica do processo de Registro ultrapassa a destinação de recursos a esta política
pública. O envolvimento do poder legislativo no Programa de Patrimônio Imaterial
promove um maior entendimento e uma maior sensibilização às diretrizes do programa em
nível federal, principalmente tendo em vista que não se trata de uma simples declaratória,
mas que pressupõe, primordialmente, a formalização da anuência dos detentores, além de
um acúmulo de conhecimento sobre o bem cultural e um comprometimento para com sua
continuidade, por meio de ações de salvaguarda.

A abrangência da literatura de cordel no território brasileiro na atualidade impõe


dificuldades e limites para a realização do mapeamento de um bem cultural praticado em
diversos estados e regiões do país. As primeiras reuniões para o planejamento do inventário
determinaram cinco núcleos para a pesquisa de campo em função da preponderância e
dinamismo dessa prática na vida cultural da população e seu valor simbólico para as
identidades locais e representações coletivas (Campina Grande, Juazeiro do Norte, Feira de
Santana, DF, Rio de Janeiro e São Paulo). Esses cinco núcleos para a pesquisa de campo, e

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seu entorno, chegariam a envolver 14 superintendências do Iphan.

A articulação do trabalho de campo foi planejada em uma reunião realizada em João


Pessoa/PB com técnicos das superintendências que abrangiam os núcleos de pesquisa
identificados.

A Prof. Dra. Rosilene Melo, consultora contratada para coordenar os conteúdos da pesquisa,
apresentou um mapeamento inicial dos acervos, instituições, detentores e pesquisadores
de cordel encontrados em cada estado das superintendências representadas na reunião. Os
técnicos participantes contribuíram com informações importantes para atualização e
complementação dos dados e fizeram sugestões sobre o acompanhamento de festivais,
programas de rádio e eventos que acontecem em seus estados.

Ficou acordado que, dada a proeminência e a multiplicidade das pesquisas já realizadas


sobre o cordel, a continuidade histórica do bem cultural estava fartamente documentada e
que o acompanhamento do inventário por parte dos técnicos das superintendências
deveria voltar-se para o estado da arte nas práticas culturais da contemporaneidade,
cobrindo a diversidade das composições poéticas, a variedade dos suportes empregados, os
bens associados, assim como os saberes envolvidos.

A enorme difusão da literatura de cordel pelo território brasileiro requeria uma metodologia
de pesquisa que compreendesse sua diversidade e fosse exequível dentro dos limites da
pesquisa, sem expectativa de um inventário exaustivo, que cobrisse todas as localidades
onde essa prática é encontrada. Optou se então pela metodologia da História Oral, em
amplo diálogo com os praticantes em atuação na contemporaneidade.

O conjunto de depoimentos, colhidos nos estados de Maranhão, Piauí, Ceará, Paraíba,


Pernambuco, Sergipe, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Distrito Federal,
permitiu mapear os significados e valores que investem a literatura de cordel para os
diversos poetas e interessados envolvidos. O diálogo com os poetas possibilitou
compreender como conceituam seu fazer e saber, as regras que presidem os processos de
composição poética, bem como as alianças, as hierarquias, as diferenciações internas, os
enfrentamentos e dilemas que os desafiam. As eventuais parcialidades dos pontos de vista,
as reelaborações das histórias de vida e as racionalizações das atitudes e dos
posicionamentos individuais, naturais em investigações de natureza qualitativa, não
comprometem a força dos depoimentos, mas, pelo contrário, enriquecem a descrição de
um campo de atuação atravessado por particularidades, conflitos, resistências e
negociações, com vistas a compreender os processos sociais e as estratégias encontradas na
formação dos poetas, na criação poética, na produção editorial, nos mecanismos de
divulgação e comercialização das obras, voltados para sustentar a produção, a circulação e a
fruição desta expressão cultural.

Numa segunda frente de trabalho de campo, foram realizados três grandes encontros de
mobilização (em Brasília, no Rio de Janeiro e no Crato) e rodas de conversa com pequenos
grupos de detentores em diversas localidades, possibilitando a participação dos detentores
na construção coletiva da descrição da prática cultural, de suas matrizes históricas e
normativas, assim como do estado da arte na atualidade. Desse modo, foi possível contar
também com a colaboração substantiva de representantes de editoras, de pontos de

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comercialização, de instituições de guarda e preservação de acervos, de centros acadêmicos
de pesquisa e de entidades representativas.

Dessa forma, a identificação inicial de uma espacialidade de referência não significou


excluir um panorama acerca da presença da prática cultural em sua amplitude, nem
tampouco deixar de investigar as estratégias de difusão e proteção da literatura de cordel
nos grandes centros urbanos, nas pequenas cidades do interior, nas redes sociais e nos
veículos de comunicação.

Por fim, em uma terceira frente de trabalho, a pesquisa documental buscou mapear os
acervos, fontes e documentos de referência que pudessem subsidiar a dimensão histórica
da literatura de cordel, tanto no que diz respeito à sua presença no Brasil quanto às
influências que amalgamaram uma criação poética peculiar.

O dossiê descritivo, que sintetiza o conhecimento produzido sobre a literatura de cordel na


instrução técnica do processo, foi elaborado pela historiadora Prof. Dra. Rosilene Alves de
Melo, que supervisionou diretamente esse trabalho desde 2012.

Considerando que todos os requisitos para o Registro de um bem cultural como Patrimônio
Cultural do Brasil estão devidamente presentes nesse processo, em conformidade com o
Decreto nº 3551/2000 e a Resolução nº 001/2006, a solicitação do Registro está em condições
de ser submetida à apreciação e deliberação do Conselho Consultivo.

Trata-se agora de apresentar os fatos que, em nosso entendimento, justificam o


reconhecimento da Literatura de Cordel como Patrimônio Cultural do Brasil.

O Objeto de Registro

Conforme o dossiê descritivo, a origem da palavra cordel está associada às práticas


editoriais na Europa Ocidental que visavam difundir livros ao maior número possível de
pessoas.

No século XVIII, os irmãos Oudot produziam livros impressos em papel barato e


comercializados por ambulantes. Essas brochuras eram bastante consumidas por
moradores de pequenas vilas e pela população rural e ficaram conhecidas como Biblioteca
Azul, devido à cor azul do papel que as encadernava. O sucesso dos irmãos Oudot
estimulou iniciativas semelhantes, tornando acessível uma série de publicações: romances
de cavalaria, almanaques, hagiografias, tratados de astrologia, livros de culinária ou de
medicina popular.

De modo geral, as pequenas brochuras impressas em papel barato eram colocadas à venda
em feiras e mercados penduradas em cordões. Portanto, a expressão literatura de cordel
significava inicialmente muito mais um modo de exposição para venda do que
propriamente um gênero literário. Por extensão, passou a se referir a edições de baixo custo
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e adaptações de narrativas orais, peças de teatro e obras manuscritas para um público
pouco familiarizado com a escrita.

No Brasil, os romances medievais adaptados para o formato de folhetos passaram a circular


por meio das editoras que aqui se instalaram a partir de 1821, quando a corte portuguesa
autorizou a abertura de tipografias. As brochuras trazidas pelos colonos europeus passaram
a conviver com os livros cantados, que utilizavam a rima, a métrica e a oração da poesia em
versos da cantoria que se difundia no Brasil. Aproveitando o repertório de narrativas, os
poetas reelaboraram os valores simbólicos dos romances medievais europeus de modo a
incluir as visões de mundo e as práticas sociais aqui vigentes.

O dossiê descritivo destaca que, em Portugal, a expressão literatura de cordel foi empregada
a partir de 1865, quando o ensaísta Teófilo Braga a associou ao gênero de livros que
adaptavam o repertório de narrativas orais, relatos de acontecimentos, romances medievais
e canções de gesta.

Historicamente, essa forma de composição poética recebeu diversos nomes no Brasil:


folheto, folhinha, livro de feira, romance, livreto de rua, poesia matuta, livro de histórias
matutas, histórias de João Grillo, arrecifes, entre outros. A maioria dos poetas entrevistados
citou folheto e romance como os nomes mais empregados para se referir à poesia de cordel
e muitos admitiram que, em seus tempos de infância, os vendedores de folhetos e
romances, conhecidos como folheteiros, não os penduravam em um cordão ou barbante,
mas os carregavam em malas e os exibiam em bancas nas feiras. Daí a expressão poesia de
bancada em referência aos folhetos impressos.

A expressão literatura de cordel passou a ser empregada no Brasil em fins da década de 50,
quando o pesquisador francês Raymond Chantel, em artigos publicados e nas palestras e
conferências proferidas em instituições acadêmicas brasileiras, associou a poética brasileira
à dita literatura europeia em cordel. Essa expressão ganhou corpo e hoje em dia é
reconhecida, pelos detentores, como a que propriamente nomeia as composições em versos
de que trata a instrução deste processo.

A literatura oral e a poesia popular foram objeto de estudos sistemáticos desde o final do
século XIX, no âmbito do movimento folclórico brasileiro. Sílvio Romero definiu os folhetos
c o m o livretos de rua, identificando influências ibéricas, africanas e indígenas nas
composições poéticas. Em decorrência do Movimento Modernista de 1922 e a Missão de
Pesquisas Folclóricas de Mário de Andrade, o empenho em reconhecer, valorizar e
documentar as práticas culturais no Brasil tomou o folclore como categoria conceitual para
registrar um conjunto de crenças, costumes, folguedos, danças, músicas, celebrações, ao
lado das narrativas orais, cantorias e poesia popular.

O folclore como categoria conceitual nos estudos sobre a literatura de cordel contribuiu
para defini-la como expressão literária coletiva e anônima, em moldes semelhantes ao que
ocorria com o artesanato, por exemplo. Naquele contexto, a identificação de autoria, tanto
de poetas quanto de artesãos, não era considerada necessária ou mesmo viável, em função
de um repertório coletivo e tradicional de estilos, padrões e matrizes a que os artistas
recorriam. Ao longo do dossiê descritivo, a problematização da atribuição de autoria e a

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proteção aos direitos autorais são retomadas em diferentes instâncias, pois trata-se de uma
preocupação que aflige os poetas até hoje. Nesse sentido, foi de extrema importância contar
com a participação de representantes da Biblioteca Nacional nos Encontros de Mobilização
durante a instrução do processo para divulgar e esclarecer o instrumento do depósito legal,
que preserva a autoria.

De acordo com o dossiê descritivo, uma parcela de poetas e pesquisadores argumenta a


favor da categorização da literatura de cordel como gênero literário, desocupando as
prateleiras das bibliotecas referentes a folclore e abandonando a classificação das
modalidades de poemas por temas – o cangaço, romances de cavalaria, a seca e o sertão,
relatos de acontecimentos, biografias, almanaques, e assim por diante.

Outros realçam a literatura de cordel como um sistema de comunicação, que associa um


universo temático heterogêneo a um estilo de linguagem, uma forma editorial e uma
estética particulares. Nesse viés da comunicabilidade, vale lembrar que, em fins do século
XIX, Sílvio Romero associava um previsto desaparecimento dos livretos de rua, como ele os
chamava, ao surgimento dos jornais, enquanto que, na atualidade, o poeta Raimundo Santa
Helena chega a definir a literatura de cordel como “a única imprensa livre no Brasil”.

A grande maioria, porém, é composta pelos adeptos da definição da literatura de cordel


com base em suas normas e paradigmas formais. Seja a literatura de cordel definida como
gênero literário, veículo de comunicação, expressão poética, imprensa livre, literatura oral
ou linguagem, todos citam a tríade rima, métrica e oração como o alicerce sobre o qual ela
se assenta. Quando os cânones da rima, da métrica e da oração são cumpridos, a
composição poética passa a se inserir em uma longa linhagem literária, uma tradição
transmitida por gerações a partir do convívio com poetas ou da leitura de autores que se
tornaram referência na poesia.

A rima guarda estreita relação com a sonoridade das palavras. Embora a literatura de cordel
e a cantoria sigam regras semelhantes de versificação - uma das proximidades entre essas
manifestações - a literatura de cordel exige que as vogais e consoantes do final das palavras
rimadas sejam idênticas. No caso da cantoria, é possível admitir-se que apenas as vogais
sejam idênticas.

A métrica, igualmente, leva em consideração a sonoridade das palavras na linguagem oral já


que diz respeito à quantidade de sílabas poéticas em cada verso. A sílaba poética não
equivale à sílaba gramatical, pois é contada apenas até a última sílaba tônica da palavra. Isso
significa que, por exemplo, quando a última palavra de um verso é paroxítona, não se conta
a última sílaba. Do mesmo modo, as três últimas sílabas gramaticais de uma palavra
proparoxítona são pronunciadas, ou cantadas, praticamente como se formassem uma
única sílaba. Os versos são classificados em agudos (quando a última palavra é oxítona),
graves (quando a última palavra é paroxítona) e esdrúxulos (quando a última palavra é
proparoxítona).

O terceiro elemento fundamental, a oração, se refere à coerência da narrativa, a organização


clara e compreensível da história a ser contada. O cordel precisa ter começo, meio e fim,
afirmam todos, e é isso que chamam de oração. A história pode conter passagens,
meandros, reviravoltas, mas requer consistência. Não basta a composição poética dispor de
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meandros, reviravoltas, mas requer consistência. Não basta a composição poética dispor de
rima e métrica perfeitas, se não há uma boa narrativa, um bom desenvolvimento de enredo,
se não há emoção que instigue e atraia a atenção do leitor ou do ouvinte.

O dossiê descritivo destaca que, ao longo do tempo, os poetas elaboraram sofisticados


arranjos na métrica, dando origem a diferentes modalidades de poemas. Cada modalidade
se refere a estrofes com um determinado número de versos e de sílabas.

1. Parcela – versos de 4 a 5 sílabas. As parcelas foram muito utilizadas nas pelejas dos
repentistas e transmitidas para os folhetos impressos. A parcela visava ser cantada em
ritmo extremamente veloz com o objetivo de fazer o oponente errar a métrica ou a
rima e perder a peleja.
2. Quadra – estrofes de 4 versos com 7 sílabas, em um esquema de rimas no qual o
primeiro e o terceiro versos são livres enquanto que o segundo e o quarto rimam entre
si.
3. Sextilha – estrofes de 6 versos de 7 sílabas. A modalidade que se tornou a mais
utilizada pelos poetas hoje. Na forma mais comum, os versos ímpares são livres e os
versos pares rimam entre si, um estilo denominado ‘aberto’. No estilo ‘fechado’, os
versos ímpares rimam entre si e os versos pares também.
4. Setilha – estrofes de 7 versos com 7 sílabas.
5. Oitavas ou quadrão – estrofes de 8 versos de 7 sílabas, em um esquema de rima
bastante mais complexo. Os três primeiros versos rimam entre si, o quarto e o quinto
rimam com o oitavo, o sexto e o sétimo rimam entre si.
6. Décimas – estofes de 10 versos com 7 sílabas. O primeiro, o quarto e o quinto rimam
entre si; o segundo e o terceiro também; o sexto e o sétimo rimam com o décimo; o
oitavo e o nono rimam entre si.
7. Martelo agalopado – estrofes com 10 versos de 11 sílabas
8. Galope à beira-mar, estrofes com 10 versos de 11 sílabas em que o último verso acaba
com a expressão ‘beira-mar’
9. Alexandrinos – estrofes acima de 10 versos. São os mais longos e os menos comuns.

Segundo o dossiê descritivo, a criação de estruturas formais para os poemas permite


memorizar mais facilmente os versos, em um contexto de oralidade. Quando não se conta
com o apoio da escrita, os padrões rítmicos e métricos funcionam como um resistente
suporte mnemônico.

Em que pese o cânone da literatura de cordel, alguns grupos contemporâneos, como a


Sociedade dos Cordelistas Mauditos (movimento de jovens cordelistas em Juazeiro do
Norte, constituído no ano de 2000, no âmbito das comemorações de 500 anos da descoberta
do Brasil), se mostram abertos à experimentação e ao questionamento das regras, muito em
decorrência de diálogos com outras expressões artísticas, o cinema, as novelas televisivas, as
histórias em quadrinhos, além da experiência dos poetas com a internet. Em função da
dinâmica social e cultural que cria, recria e transforma padrões estéticos e
comportamentais, poetas e público da literatura de cordel se encontram contextualizados
no seu tempo, abertos a novos temas, novas linguagens e novo público.

Nesse sentido, os embates travados quanto às formas corretas de rima e métrica são

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compostos por comentários críticos e alegações de defesa quanto a deslizes na metrificação,
assim como pela contraposição dom versus aprendizado, que tanto preconiza o longo
aprendizado e persistência necessários na formação de um poeta quanto celebra uma
inclinação natural para a versificação. Esses embates acabam por resvalar também para o
binômio tradição/modernidade, quando as trocas culturais são entendidas ora como um
risco capaz de subverter a tradição, ora como um dinamismo capaz de promover sua
continuidade.

O dossiê descritivo detalha os vínculos históricos da literatura de cordel com as narrativas


orais, a cantoria, o repente, a embolada, a glosa e a declamação. A título de breve descrição,
a declamação é um ato performático em que o poeta confere ritmo e gestualidade à
recitação. A glosa corresponde a um poema em resposta a um desafio que necessariamente
inclui em mote, geralmente apresentado pelo público. Na embolada, a dupla de cantores
improvisa versos em estrutura semelhante à cantoria. Os mais comuns são as quadras,
sextilhas, setilhas, oitavas e décimas. O tropeço verbal ou a quebra da rima e metrificação
de um dos emboladores marca a vitória do oponente.

Quanto ao repente, embora ele apresente diferenças significativas em relação à literatura de


cordel, sendo a principal delas o caráter de improvisação do repente e a forma literária do
cordel, os poetas admitem a influência da cantoria no surgimento da literatura de cordel e
reconhecem a proximidade entre essas duas formas de expressão. Essa proximidade,
inclusive, levou alguns poetas a declararem que, quando o cantador obedece ao esquema de
rima, métrica e oração, cabe até retirar a melodia, imprimir e publicar, porque é cordel.

As estruturas de versificação do cordel e do repente são bastante semelhantes. A quadra,


composta por estrofes de quatro versos de sete sílabas, foi a estrutura predominante nos
desafios até o século XIX. Conforme o dossiê descritivo, atribui-se a Silvino Pirauá (1848-
1913), poeta paraibano, a adição de mais dois versos à quadra, formando a sextilha,
possibilitando mais recursos narrativos ao poeta. Ao longo do tempo, a sextilha se
popularizou entre cantadores e poetas e, desde então, tem sido a estrutura poética
predominante na literatura de cordel.

Dentre as condições que possibilitaram o registro dos versos em suporte impresso,


descritas no dossiê, pode-se citar (a) a radiodifusão, no início do século XX, que promoveu
a presença de cantadores nos programas de rádio, ampliando o público e atingindo os
grandes centros urbanos; (b) o desenvolvimento da indústria fonográfica, que permitiu a
gravação das grandes pelejas, que antes dependiam da memória de quem as tivesse
presenciado; e (c) a maior circulação dos jornais, que chegavam cada vez mais ao interior e
publicavam glosas extraídas de pelejas e poemas. Como os poetas sempre buscaram, e até
hoje o fazem, inserção nos meios de comunicação disponíveis, a gravação de pelejas e
desafios, aliada à penetração de jornais nas capitais e nas pequenas cidades do interior
contribuíram para que o folheto impresso se tornasse o suporte da poesia cantada e
declamada oralmente.

O paraibano Leandro Gomes de Barros (1865-1918) foi o primeiro poeta a conciliar sua
atividade como autor e como editor de folhetos ao instalar a Tipografia Perseverança em
Recife.

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O sucesso comercial dos folhetos permitiu a alguns poetas a aquisição de pequenas
máquinas impressoras, os prelos, graças também à diminuição do preço dos equipamentos
de impressão. Desde então, os poetas desenvolveram uma certa autonomia no processo de
editoração de suas obras literárias até a sua comercialização, e os folhetos impressos se
difundiram pela Paraíba, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Bahia,
Piauí, Maranhão e Pará – territórios que concentraram o maior número de poetas e leitores,
e de tipografias dedicadas à impressão dos folhetos.

Segundo o dossiê descritivo, o público leitor passou a se identificar com os desafios, as


narrativas sobre o Padre Cícero, o cangaço, a Primeira Guerra Mundial e até mesmo com a
passagem do cometa Halley, o que fez com que os acontecimentos noticiados nos jornais
fossem traduzidos para as narrativas em versos. As aventuras dos cangaceiros e seus
embates com a polícia evocavam os duelos das violas, ensejando a identificação do público
com a série de façanhas extraídas dos jornais ou ficcionadas pelos poetas. Mais do que
reproduzir o noticiado, os poemas apresentam uma versão rimada dos fatos que transita
entre os acontecimentos e as experiências sociais dos poetas e dos leitores. A linguagem
assume, por vezes, um tom satírico, mordaz, irreverente, presente também na paródia, na
carnavalização dos fatos. É nesse sentido que conteúdos aparentemente surpreendentes
para figurarem em um livro de poesia, tais como profecias, calendários, receitas culinárias,
noticiário climático e previsões astrológicas, são encontrados nos folhetos, dada a
capacidade de os versos rimados traduzirem interpretações do cotidiano e da vida social.

No formato de livros de bolso, geralmente medindo 11 cm × 16 cm, em papel de baixo custo


e vendidos a preços módicos, os folhetos de cordel costumam ser impressos em uma folha
de 30 × 20 cm dobrada ao meio e, em seguida, na margem esquerda. Por isso, têm número
de páginas múltiplo de 4, o que significa que os folhetos possuem, sucessivamente, 4, 8, 16,
24, 32 páginas.

Os poetas utilizam dois termos distintos para classificar os folhetos de acordo com o
número de páginas da brochura. O termo “folheto” é mais recorrente quando se refere aos
poemas impressos em 4, 8 ou 16 páginas. O termo “romance” é empregado para poemas
com número superior a 16 páginas. Atualmente, a maior parte dos poemas de cordel
publicados no Brasil tem 16 páginas.

Em clara estratégia de comercialização, quando o poema possuía um número maior de


estrofes, os editores passaram a dividi-lo em partes impressas separadamente e chamavam
cada parte de “volume”. Ao anunciar a continuidade da narrativa em outro folheto a ser
publicado posteriormente, os editores esperavam que a curiosidade do leitor em relação ao
desfecho da história o levasse a adquirir o segundo volume.

O dossiê descritivo chama atenção para a vinheta, um filamento ao longo das margens,
impresso na cor preta, cujo efeito visual direciona o olhar do leitor para o centro da página
onde se encontram as informações para os leitores. As vinhetas contribuíram para a
identidade visual dos folhetos impressos no início do século XX e permanecem como um
recurso tipográfico e estético dos folhetos de cordel publicados nas editoras nordestinas.
Segundo depoimentos de poetas no Nordeste, nos folhetos publicados pela Editora Luzeiro,
em São Paulo, as imagens das capas são ‘sangradas’, isto é, ocupam toda a extensão da
página impressa, sem a margem branca que era considerada uma das características
gráficas mais recorrentes dos folhetos. Na década de 50, a Editora Prelúdio, em São Paulo,

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hoje denominada Editora Luzeiro, lançou seus primeiros folhetos com capas coloridas,
confeccionados em dimensões maiores que o formato usual de 11 × 16 cm, a partir da
estética das revistas em quadrinhos e das revistas de fotonovelas, usando as ilustrações em
policromia como seu principal atrativo.

A última folha, ou quarta capa, pode conter outras informações pertinentes: a fotografia do
autor, o local da edição, a listagem de obras anteriores do autor, orações, recados, além de
anúncios diversos, nos moldes dos “classificados” de jornal. Além da própria fotografia do
autor impressa na quarta capa, os poetas passaram a empregar, no próprio poema, o
acróstico como mecanismo para impedir a apropriação indevida de seus poemas. O
acróstico passou a ser utilizado para que o verso somente pudesse obedecer às regras de
rima e versificação por meio da manutenção das letras iniciais do nome do autor, o que não
impediu eventuais retiradas de versos na impressão para a ocultação do autor.

As informações editoriais essenciais para os leitores - título, autor, preço e, em alguns casos,
editora/tipografia onde o folheto foi impresso - também aparecem nas capas dos folhetos.
As capas, porém, merecem um destaque à parte em função da imagem que ilustra o folheto
e que condensa a trama da narrativa.

Os primeiros folhetos eram chamados de folhetos “sem capa” ou de folhetos de “capa cega”
porque não possuíam ilustrações. Mas os poetas e editores logo passaram a aproveitar as
capas dos folhetos como um espaço privilegiado para associar o texto escrito a uma
imagem, atingindo especialmente os leitores pouco familiarizados com a escrita. A imagem
presente na capa do folheto não é uma mera ilustração do texto, mas tem função
mnemônica, condensando a narrativa, e função metafórica, multiplicando sentidos e
significados que abarcam a observação do cotidiano e da vida social.

As imagens encontradas nas capas dos folhetos, ao longo de mais de 100 anos, constituem
uma memória visual da literatura de cordel no Brasil, numa trajetória estética e imagética
singular, especialmente após a introdução da xilogravura como técnica de ilustração.

Conforme o dossiê descritivo, as primeiras tecnologias de impressão de imagens na


literatura de cordel estão relacionadas com a produção de gravuras em relevo, a partir da
incisão sobre uma superfície dura (metal, madeira, pedra) com o auxílio de instrumentos
de corte (buril, estilete, agulha, faca, goiva, entre outros). De acordo com a superfície a ser
utilizada, a técnica de gravura recebe nomes distintos, sendo as mais utilizadas:

a linoleogravura, gravura em linóleo, tecido impermeável desenvolvido na Inglaterra,


em 1860, obtido a partir da juta, uma fibra têxtil, e óleos vegetais.
a zincogravura, desenvolvida pelo francês Firmin Gillot em 1850, em que o desenho à
mão da imagem no papel é posteriormente gravado numa matriz de zinco por um
processo fotomecânico. O desenho chegou até o cordel por meio de jovens
caricaturistas de jornal, nos anos 1920 e 1930, que utilizavam carvão e pedaços de
tijolos de barro para colorir a imagem.
a fotogravura, técnica que utiliza uma folha de retícula para a produção da imagem e
permite o uso de cores, e o clichê, técnica de gravura em relevo desenvolvida no século
XV que emprega ácidos sobre uma superfície em metal.
a litogravura, desenvolvida no século XVIII: utiliza a pedra calcária, onde a imagem é

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inicialmente desenhada com uso de lápis, fuligem, cera de abelha ou sabão e
posteriormente fixada na pedra com o auxílio de ácidos. Adaptada ao metal e
introduzida nas máquinas de impressão em forma de cilindros, a litogravura deu
origem ao offset, técnica bastante utilizada pelos editores de capas coloridas.
o cartão postal, pequenas figuras contendo imagens para breves correspondências em
viagem, foram muito utilizadas na primeira década do século XX. Inicialmente
importados do Japão, Alemanha, Itália e França, eram expostos e vendidos em
livrarias, bancas de jornais e mercados públicos.
a fotografia, que também exercia a função de identificar o autor de textos. A prática foi
introduzida por Leandro Gomes de Barros a fim de proteger sua obra literária do
plágio. Ao contrário de outras técnicas que desapareceram das capas, a fotografia
ainda é frequentemente utilizada nos folhetos contemporâneos, especialmente
naqueles que noticiam acontecimentos que despertaram atenção da opinião pública,
nos poemas biográficos e naqueles utilizados em propaganda eleitoral.
os clichês das imagens de atores famosos e personagens, em cartazes de cinema,
vieram para as capas dos folhetos, possibilitando uma associação entre a narrativa
fílmica e a narrativa poética que não se restringiu à iconografia das capas, pois muitos
folhetos foram adaptações de enredos de filmes.
a xilogravura, técnica desenvolvida na China nos séculos V e VI, que passou a ser
utilizada nos folhetos impressos após a criação da Impressão Régia, em 1808. A
xilogravura era utilizada na confecção de ilustrações com finalidade comercial – para
rótulos de cigarro, cachaça e fogos de artifício, por exemplo. Essas imagens eram
produzidas artesanalmente pelas mãos dos gravadores de imagens de santos
conhecidos como “santeiros” e eram talhadas individualmente, com o auxílio de
pequenas ferramentas improvisadas.

Nas pequenas tipografias do interior, o alto custo das pedras calcárias utilizadas na
impressão litográfica e da zincogravura fomentou o uso da xilogravura que acabou
conferindo uma identidade visual ao folheto de cordel. Do ponto de vista técnico, a
xilogravura é descrita com um desenho escavado na madeira, em que o escavado é o branco
e o preto é o alto relevo. As superfícies de entalhe, os tacos, são obtidas da madeira de
espécies nativas, cedro, jatobá, pinho e cajazeira, entre outras. No entanto, a imburana se
consagrou como a madeira preferida pelos xilógrafos por ser mais maleável ao corte e
manter melhor fidelidade ao desenho. Cada um dos instrumentos de corte utilizados –
goiva, serrote, buril, canivete, lâmina de barbear, haste de guarda-chuva, bisturi, formão –
confere à imagem um efeito plástico distinto.

Estudos realizados por pesquisadores e pelos próprios cordelistas apontam que o primeiro
registro da xilogravura na literatura de cordel foi encontrado no interior do folheto A
história de Antônio Silvino, de autoria de Francisco das Chagas Batista, na edição de 1907.

Em Juazeiro do Norte, José Bernardo da Silva, proprietário da Tipografia São Francisco,


recorreu aos escultores de imagens sacras que entalhavam esculturas em madeira de santos
e ex-votos para os romeiros do Padre Cícero, encomendando a eles a confecção das
matrizes. Com o passar do tempo, a gráfica, hoje denominada Lira Nordestina, se constituiu
não só como um importante e fecundo centro de impressão da literatura de cordel como
também como um grande foco produtor e irradiador da arte da xilogravura.

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Em Pernambuco, a arte da xilogravura possui um forte núcleo de criação na cidade de
Bezerros, onde o xilógrafo José Francisco Borges produz, desde a década de 1970, imagens
que remetem ao universo simbólico da literatura de cordel. Além de gravador, J. Borges é
autor de dezenas de folhetos e experimenta outras técnicas de impressão, adicionando
cores ao preto e branco.

José Soares da Silva, poeta de Caruaru conhecido como Dila, é apontado pelos
pesquisadores como introdutor da gravura a cores. A maior parte de suas capas, bem como
de seus poemas, se referem ao cangaço. Segundo o dossiê descritivo, a introdução da cor na
xilogravura foi uma tentativa de concorrer com as capas ilustradas em cores por meio da
técnica do offset utilizadas pela Editora Luzeiro, em São Paulo. Mesmo que tenha
representado uma reação aos processos mecânicos mais modernos de impressão das capas
dos folhetos, o emprego da policromia na xilogravura faz parte hoje do repertório de alguns
dos mais destacados gravadores.

Desde a década de 1960, a xilogravura produzida para os folhetos de cordel passou a ser
cada vez mais objeto de interesse de etnógrafos, galeristas, colecionadores e museus. O
dossiê descritivo ressalta que, em 1962, o Museu de Artes do Ceará encomendou ao santeiro
Mestre Noza, radicado em Juazeiro do Norte, uma série de 14 gravuras que foram reunidas
em um álbum publicado em Paris em 1965 pelo editor Robert Morel. Os elogios à obra pela
imprensa francesa despertaram a atenção de intelectuais e estudiosos, que se encantaram
com a força expressiva das imagens em branco e preto.

Com o passar do tempo, a arte da xilogravura alcançou reconhecimento cada vez maior em
outros circuitos sociais, ocupando espaços em museus, galerias e universidades, com
trabalhos encomendados por pesquisadores, colecionadores e instituições. Assim, os
xilógrafos conseguiram adquirir autonomia para uma arte que tinha, e ainda tem, a
literatura de cordel como linguagem de referência.

O dossiê descritivo problematiza a noção de autoria que emergiu nas primeiras décadas do
século XX e que também consolidou a figura do editor-proprietário, aquele que adquire o
direito de publicar a obra literária de outra pessoa. Numa das primeiras transações
comerciais desse gênero, João Martins de Athayde adquiriu os direitos de publicação da
obra de Leandro Gomes de Barros em 1921 e, aos poucos, foi suprimindo o nome do poeta
das capas dos folhetos, se convertendo, por fim, em autor dos poemas. A iniciativa de
garantir a propriedade editorial sobre o acervo que havia adquirido se mesclou ao lucro
comercial e ao prestígio como autor. A restituição da autoria de Leandro Gomes de Barros
foi possível devido a um exaustivo trabalho de pesquisa realizado por Sebastião Nunes
Batista – filho do poeta Francisco das Chagas Batista –, que publicou, a partir de 1961,
coleções de folhetos raros reunidos no acervo da Fundação Casa de Rui Barbosa, em uma
série de antologias dedicadas ao poeta.

A questão do direito autoral na literatura de cordel mobilizou pesquisadores ao longo de


todo o século XX. A partir da década de 70, os estudos voltaram-se para uma reflexão de
cunho mais sociológico, documentando visões do cotidiano e representações de segmentos
sociais ainda pouco abarcados pelo saber histórico, apreendidas por meio de suas
produções e expressões culturais. Esse empenho se desdobrou em práticas de
colecionamento da literatura de cordel, surgindo acervos institucionais e privados em
diversas regiões do país. O estudo sistemático dessas coleções acabou criando condições,

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como já ocorreu em algumas oportunidades, da retirada do caráter anônimo das obras ou
da restituição e legitimação da autoria por meio do cotejo de obras e autores.

Apesar disso, foi preciso esperar até o século XXI para que as pesquisas acadêmicas
problematizassem a presença feminina em um campo de atuação marcadamente
masculino. O dossiê descritivo sugere que isso em parte se deveu ao fato de as pesquisas
privilegiarem os acervos de folhetos impressos em detrimento da oralidade fundante. Esse
pormenor oculta uma maciça participação feminina na transmissão e consolidação da
literatura de cordel no contexto de oralidade. São muitos os poetas entrevistados que
remetem seus primeiros contatos com a poesia ao meio familiar, quando a família se reunia
com amigos, parentes e vizinhos para leituras em voz alta de folhetos adquiridos nas feiras.
São igualmente frequentes as menções a malas repletas de folhetos, guardadas pelas mães,
tias e avós, que formavam como que uma biblioteca de referência para as histórias
preferidas, lidas e relidas repetidamente, a ponto de serem recitadas de cor.

O costume de decorar as histórias mais aclamadas traz interessantes repercussões. O dossiê


descritivo ressalta que a análise biográfica dos autores da literatura de cordel, produzida por
gerações de folcloristas brasileiros a partir dos anos 1920, demonstra que esses poetas
tiveram uma formação literária acentuadamente autodidata, que muito se deve ao convívio
regular com outros poetas e à leitura reiterada de poetas consagrados. Em um ambiente
pouco afeito à escolaridade formal, o aprendizado da leitura e da escrita se fazia em
circunstâncias e experiências sociais sem a mediação do ambiente escolar. Nos
depoimentos colhidos, o cordel foi apresentado, por grande número de detentores, como
meio privilegiado de alfabetização, muito estimulado pelas rodas de leitura promovidas no
contexto familiar. Na contemporaneidade, as formas de transmissão incluem oficinas e
mini-cursos oferecidos na rede escolar de ensino, muito embora a transmissão por convívio
com outros poetas nas associações/academias de literatura de cordel e nos espaços
públicos de apresentações ainda contribua em muito para a formação de poetas,
principalmente aqueles que se iniciam na prática e buscam a orientação de autores já
experientes. Além disso, ao longo do dossiê descritivo é desenvolvido o entendimento de
que os poetas sempre perseguiram e aprimoraram estratégias para aproveitamento dos
meios de comunicação os quais, na contemporaneidade, incorporam a circulação das
composições poéticas no ciberespaço, igualmente um ambiente de trocas de experiência,
transmissão de saberes e socialização.

Estudos mais recentes determinaram que a primeira autora conhecida, Maria das Neves
Pimentel, usou, em 1938, o pseudônimo Altino Alagoano para se inserir numa produção
editorial masculina. A presença feminina na literatura de cordel se limitava, até então, a
representações sociais do feminino e das relações de gênero no repertório de temas das
narrativas. A mulher, representada de forma estereotipada e moralizante, se enquadrava ou
como modelo de virtude a ser seguido ou, pelo contrário, como modelo de perfídia a ser
evitado.

O dossiê descritivo explicita a trajetória percorrida pelas mulheres para se afirmarem como
autoras. Hoje atuam com regularidade, acrescentando suas próprias visões de mundo e das
desigualdades sociais. Para além da criação poética, tomam dianteira no gerenciamento de
sites e blogs dedicados à circulação e fruição da literatura de cordel e assumem a direção de
entidades representativas, associações e academias.

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O papel desempenhado pelas entidades representativas dos detentores não pode ser
subestimado. Na primeira metade do século XX, a literatura de cordel se manteve nas
regiões norte e nordeste do país, onde havia maior concentração de poetas, editores e
público. O dossiê descritivo estabelece um panorama histórico da migração de
trabalhadores nordestinos desde as décadas de 40 e 50, que difundiu essa prática e formou
núcleos de poetas, editores e leitores nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas
Gerais e no Distrito Federal, por ocasião da construção de Brasília.

No contexto da fixação dos migrantes em outras regiões do país, a literatura de cordel e a


cantoria eram marginalizadas socialmente e a batalha por sua aceitação foi árdua. Os
migrantes se concentravam em alguns bairros dos grandes centros urbanos, organizavam
pelejas, emboladas e mesas de glosa, declamavam versos, comercializavam e recitavam
folhetos em alguns espaços públicos. A repressão, porém, era forte. Violas e folhetos eram
apreendidos, declamadores, cantadores e folheteiros eram presos.

A luta por aceitação e reconhecimento obteve resultados mais robustos por meio de
organização em entidades representativas, associações e academias de poetas, cantadores,
repentistas, emboladores e folheteiros, assim como pela organização de festivais e
congressos e apresentações nos meios de comunicação, especialmente em programas de
rádio.

Nos grandes centros urbanos, alguns espaços públicos se constituíram em territórios de


referência para preservação de laços de sociabilidade, apresentações e transmissão de
saberes. No Rio de Janeiro, particularmente, a Feira de São Cristóvão congrega grande
número de cordelistas e repentistas e foi dali que partiu a primeira iniciativa de
mobilização coletiva dos migrantes para proteger a prática da poesia e da cantoria em
espaços públicos, liderada pelo poeta Raimundo Santa Helena. Mais tarde, quando a
Academia Brasileira de Letras recusou por duas vezes, em 1983 e 1986, a candidatura de
Raimundo Santa Helena a uma cadeira, foi dali também que surgiu a iniciativa de criar uma
academia nos moldes da Academia Brasileira de Letras, resultando na fundação, em 1988,
da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, proponente do pedido de Registro da
Literatura de Cordel como Patrimônio Cultural do Brasil.

Em suma, em função do conhecimento produzido durante a instrução do processo e


desenvolvido ao longo do dossiê descritivo, podemos entender que a literatura de cordel
não se reduz a um gênero literário, nem a características formais, editoriais, temáticas,
poéticas e imagéticas, mas constitui, sim, um amplo complexo cultural, que envolve
múltiplos setores e grupos sociais, assumindo, na contemporaneidade, formatos e suportes
diversos.

As narrativas em verso são cantadas, recitadas e declamadas nas casas, nas ruas, nas feiras,
nas praças públicas, nas escolas ou em festivais. São gravadas e transmitidas por programas
de rádio e de televisão ou por arquivos digitais. São por vezes manuscritas em folhas soltas
de papel e afixadas em janelas de trens de subúrbio ou em cartazes e murais em locais
públicos. São ilustradas e impressas em folhetos ou livros, que são lidos, relidos, vendidos,
trocados. No mais das vezes, são guardadas e conservadas em malas, gavetas, caixas,
prateleiras de estantes e acervos institucionais, no Brasil e no exterior. Em cada instância
dessa criação, circulação e fruição poética, uma extensa rede de pessoas e instituições é
mobilizada, articulando poetas, folheteiros, cantadores, declamadores, ilustradores,

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xilogravadores, editores, blogueiros, apologistas, promotores de feiras, apresentadores de
programas de rádio e de televisão, professores da rede escolar, pesquisadores,
colecionadores, leitores e ouvintes.

Esse é o principal argumento daqueles que repudiam uma relação direta e reprodutiva da
literatura de cordel no Brasil e as práticas editoriais europeias ditas congêneres. Sua
natureza sistêmica e compósita, que alinhava a criação poética e os suportes impressos a
características sociais, editoriais, estéticas, literárias, plásticas e imagéticas próprias,
preserva, sobretudo, uma relação viva e interativa com um público leitor e ouvinte, por
meio das diversas práticas de leitura, da declamação, dos desafios e da crítica pronta e
oportuna.

A participação direta do público nas recitações, nos desafios, nos motes, nas declamações
constitui uma parcela da interatividade constituinte desta prática cultural. O repertório de
temas – romances, histórias de gracejo, de cangaço, de crítica social, noticiário,
religiosidade – se consolidou no feedback por parte do público, percebido inclusive pelas
sucessivas tiragens de um mesmo título e pelo compartilhamento em sites e blogs. Por esse
motivo, a temática literatura de cordel aparentemente se mostra redundante. Entretanto, o
dossiê descritivo argumenta que o exame das narrativas ao longo do tempo revela que os
poetas estiveram sempre atentos aos contextos da época e às experiências de vida de seus
leitores e ouvintes, abordando novas temáticas, novas linguagens e novos públicos. Isso fez
com que a literatura de cordel tenha se mantido ao mesmo tempo vinculada a um
repertório que se firmou nas primeiras décadas do século XX e atualizada constantemente.

Recomendações de salvaguarda

Conforme apontado no dossiê, a literatura de cordel é amplamente difundida e seus


praticantes se articulam em entidades representativas em inúmeras localidades do país. Por
seus significados e valores, efetivos e atuais, continua a atrair adesão e apoio por parte das
novas gerações. As demandas com relação a ações que fortaleçam a continuidade e difusão
desta forma de expressão incidem sobre a preservação e fortalecimento de suas bases
fundamentais:

1. Manutenção dos vínculos com a oralidade, reforçando as formas de transmissão


fundamentadas na tradição oral. Promover oportunidades para rodas de conversa,
declamação, encontros que favoreçam a relação direta entre poetas e público sem
mediadores, como nas feiras, mercados e praças públicas onde os folhetos são lidos
em voz alta.
2. Proteção ao folheto impresso como suporte privilegiado pelos poetas para a
preservação e a difusão da literatura de cordel. Inclui fomento a acervos institucionais,
em bibliotecas e centros acadêmicos, que ensejam a sistematização de pesquisas
sobre esse campo de estudos e a produção de conhecimento acadêmico, preservando
a memória e a historiografia. Inclui igualmente a participação em feiras de livros que
favoreçam o contato com o público.
3. Proteção ao direito autoral.
4. Difusão no ambiente escolar. Oferecer oficinas, palestras, mini-cursos e lançamento

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de livros, promovendo o contato com o público infanto-juvenil, favorecendo a
formação de leitores.
5. Para além das recomendações de salvaguarda recolhidas do conhecimento produzido
nos encontros com os próprios poetas, caberia, em nosso entendimento:

1. Recuperação de uma das mais importantes referências da história dessa expressão


poética no Brasil, a Lira Nordestina, antiga Tipografia São Francisco, localizada em
Juazeiro do Norte/CE. A tipografia funcionava como uma editora de cordel, desde
1932, tendo à frente José Bernardo da Silva, que expandiu a editora ao adquirir os
direitos autorais de João Martins Athayde. A troca do nome para Lira Nordestina
seguiu sugestão de Patativa do Assaré. Em 1982, ela foi vendida ao estado do Ceará e,
desde 1988, está sob a gestão da Universidade Regional do Cariri (URCA). Por ocasião
do Encontro de Mobilização no Crato, durante a instrução do processo, a própria
universidade abriu diálogo com o Iphan propondo um termo de cooperação e um
plano de trabalho com o objetivo de revitalizar esse marco histórico em termos de
produção de folhetos e da xilogravura, que hoje encontra-se em condições precárias,
instalado em local de pouca visibilidade e atratividade. Por seu imenso valor
simbólico e sua relevância em âmbito nacional, poderia atuar como Centro de
Referência e Memória da Literatura de Cordel, respeitando sua proeminência também
na história da arte da xilogravura.
2. Apoio ao Portal de Literatura de Cordel, uma plataforma virtual sob a gestão do
Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP), que visa centralizar dados de acervos
documentais, bibliográficos, textuais, visuais e sonoros referentes à literatura de
cordel, possibilitando estudos, cruzamento de dados e disponibilização de acervos
disseminados pelo país, conforme acordado na reunião com as instituições de
preservação e guarda de acervos da literatura de cordel e a ser referendado por Termo
de Cooperação entre o IEB e o Iphan.

Proposição de Registro

À vista de todo o exposto,


Pela relevância da Literatura de Cordel em contribuição à formação da sociedade brasileira;
Por ser uma expressão cultural de longa continuidade histórica, em constante processo de
atualização e dinamização;
Pelo desenvolvimento de formas de transmissão de saber que envolvem múltiplas
dimensões para além do ensino formal;
Por sua contribuição à construção da identidade nacional e à difusão de significados e
valores da cultura brasileira;

Propomos que o reconhecimento da Literatura de Cordel como Patrimônio Cultural do


Brasil se faça pela inscrição no Livro das Formas de Expressão, criado pelo Decreto 3551, de
4 de agosto de 2000.

Recomendamos ainda atenção à arte da xilogravura como bem associado. Embora a


xilogravura já tenha adquirido autonomia como expressão artística, a literatura de cordel
abrange os modos de ilustrar os folhetos, dentre os quais a xilogravura se destaca. Nesse
sentido, a literatura de cordel e a xilogravura constituem bens fortemente associados ao

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mesmo universo socio-cultural.

Recomendamos também atenção à Feira de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, local que
congrega o maior número de poetas e constitui a mais importante referência simbólica da
literatura de cordel na cidade. A Feira está em processo de Inventário de Identificação de
Bens Culturais sob a coordenação da Superintendência do Iphan no Rio de Janeiro.

Eis o parecer.

Elisabeth Costa
Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular/Iphan
Rio de Janeiro, 5 de julho de 2018

Documento assinado eletronicamente por Maria Elisabeth de Andrade Costa, Chefe


da Divisão de Pesquisa do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, em
05/07/2018, às 11:54, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 6º,
§ 1º, do Decreto nº 8.539, de 8 de outubro de 2015.

A autenticidade deste documento pode ser conferida no site


http://sei.iphan.gov.br/autenticidade, informando o código verificador 0573749 e o
código CRC 3FA00DF8.

Referência: Processo nº 01450.008598/2010-20 SEI nº 0573749

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