A. S. Teague A Distância Entre Nós

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Copyright © 2017 A.S.

Teague
Copyright © 2019 Cherish Books

____________________________________
Teague, A.S
A distância entre nós (The bars between us)/ Cherish Books; Rio de Janeiro; 2019
Edição Digital

1.Romance Contemporâneo 2. Literatura Estrangeira 3.Ficção


A distância entre nós © Copyright 2019 — Cherish Books
______________________________________

Texto revisado segundo novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.


Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, através de quaisquer
meios, sem a prévia autorização do autor.
Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, locais ou fatos, terá sido mera
coincidência.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste romance pode ser reproduzida, distribuída ou
transmitida sem a permissão prévia por escrito da autora ou da Cherish Books, exceto pelo uso de
breves citações em uma resenha literária. O eBook deste romance é licenciado apenas para sua diversão
pessoal. Se você gostaria de compartilhar este livro com outras pessoas, por favor, incentive que a
compra seja feita pela Amazon. Esse Ebook não pode ser revendido ou distribuído a outras pessoas.
A Distância que nos Separa é uma obra de ficção. Todos os nomes, personagens, lugares e ocorrências
são produto da imaginação da autora. Qualquer semelhança com qualquer pessoa, viva ou morta,
eventos ou locais será considerado mera coincidência.

Tradução: Bianca Carvalho


Revisão: Sônia Carvalho
Capa: Letícia Kartalian
Diagramação: A.J Ventura
Para Bianca... Às vezes, na vida, conhecemos pessoas com as quais nos
conectamos. Às vezes, o vínculo acontece através de conversas profundas,
interesses mútuos ou através de experiências comuns. Outras vezes, como no
nosso caso, a conexão acontece depois de uma queda entre arbustos no meio
de uma estrada. Eu ainda carrego a prova daquela noite na forma de uma
cicatriz bem aqui no meu pé. No entanto, uma amizade surgiu depois disso, e
temos a sorte de encontrar pessoas assim como você, que nos aceitam do jeito
que somos, nos animam e concordam com tudo que queremos fazer, e nos
oferecem um ombro para chorar quando as coisas estão difíceis.
E, Bianca, você tem sido todas essas coisas para mim, durante todo o
processo de escrita deste livro. Você foi minha líder de torcida, minha
parceira de brainstorming e meu ombro para chorar. E olha que eu chorei
muito. Eu não poderia ter escrito este livro sem você.
Então, obrigada. Por ser uma ótima beta, mas, acima de tudo, por ser uma
grande amiga.
Um brinde!
SUMÁRIO

Capa
Dedicatória
Prólogo
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Quatorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e um
Capítulo Vinte e dois
Capítulo Vinte e três
Capítulo Vinte e quatro
Capítulo Vinte e cinco
Capítulo vinte e seis
Capítulo vinte e sete
Capítulo vinte e oito
Capítulo vinte e nove
Capítulo trinta
Capítulo trinta e um
Capítulo trinta e dois
Capítulo trinta e três
Capítulo trinta e quatro
Capítulo trinta e cinco
Epílogo
Agradecimentos
Grace

Eu estava ficando sem ar dentro do carro. Mesmo com as janelas abertas,


com o vento chicoteando meu cabelo liso e castanho ao redor do meu rosto,
eu pingava de suor. O sul do país era conhecido por seu calor, e o estado
tinha a fama de ser um dos mais quentes. Era quase Maio e ainda faltavam
dois meses para o verão, no entanto, já estava chegando aos quarenta graus.
O sol brilhava, não atrás de uma nuvem no céu azul perfeito. Não havia
nuvens há semanas, nem chovia, e o chão estava seco e empoeirado como um
deserto.
O rádio estava muito alto, com Lynyrd Skynyrd cantando sobre seu Doce
Lar, no Alabama. Cantei junto, as palavras saindo dos meus lábios em minha
voz aguda de criança, um sorriso estampado no meu rosto. Minhas
bochechas, ainda arredondadas com os últimos resquícios da primeira
infância, doíam por causa do sorriso que eu vinha ostentando nos últimos
vinte minutos.
Mas eu nem ligava para isso.
Meu pai e eu adorávamos esses momentos divertidos.
Era uma tradição das tardes de domingo. Depois de passar pelo longo
sermão do pastor, íamos para casa e trocávamos nossa roupa da igreja por
camisas de algodão largas e shorts jeans, e depois entrávamos no carro, para
um destino desconhecido. Mamãe nunca vinha conosco, ao invés disso,
ficava em casa para cozinhar o jantar de domingo, e estava tudo bem para
mim.
Era o nosso momento, só meu e do papai. Ele ligava o rádio, fazendo-me
lembrar que não importava o que estivesse tocando na época, para ele era
tudo lixo.
— Rock clássico, baby — ele me dizia. — O rock clássico é a única coisa
que ouviremos neste carro, você entendeu?
Eu ri, como sempre fazia quando ele falava comigo, e depois acenava
com a cabeça, concordando.
— Isto é um fato, meu ursinho — ele dizia e depois voltava sua atenção
para a estrada. Então, me perguntava: — Entendeu? — E, em seguida, seguia
com o carro na direção que eu apontava.
Em alguns domingos, a viagem era só de alguns minutos. Eram os dias
em que voltávamos, e o jantar não passava de uma sopa de repolho com um
pouco de carne moída. Mamãe não falava muita coisa, mas seus olhos
estavam sempre tristes e cheios de lágrimas não derramadas.
Em outros, nós dirigíamos e dirigíamos e dirigíamos até que eu
adormecesse com a vibração do carro misturada ao vento em meu rosto me
embalando. Acordava quando papai me carregava para dentro, colocando-me
gentilmente no sofá. Estes domingos eram os melhores. Mamãe estava
sempre de bom humor e tínhamos carne assada com cenouras e batatas ou
frango frito com arroz e molho caseiro.
Papai beijava mamãe nos lábios, algo que eu fingia achar nojento, e ela
sorria e batia no braço dele. Ele piscava para mim do outro lado da mesa e
passávamos o resto da noite completando um quebra-cabeça e nos
aconchegávamos perto do sofá, só nós três.
Eu estava esperançosa de que hoje seria um dos domingos em que
dirigiríamos até o sol quase se pôr.
— Papai?
Ele olhou por cima do ombro.
— Sim, ursinho?
— Estou com sede. Podemos comprar um refrigerante? — perguntei
timidamente. Às vezes, ele entrava em um posto de gasolina e me deixava
pegar uma bebida e um doce. Outras vezes, cerrava os dentes, sua mandíbula
se contorcia e ele balançava a cabeça, dizendo que eu estragaria o jantar.
Nunca lhe disse que aqueles eram os dias em que eu ia para a cama com
minha barriga ainda roncando de fome.
Um sorriso se espalhou por seu rosto bonito.
— Claro, baby. Você quer um doce também?
Eu balancei a cabeça com entusiasmo, e ele deu uma piscadinha.
— Na próxima parada, você pode pegar alguma coisa pra você. Agora
descanse e feche um pouco os olhos, ursinho.
Olhei em seus olhos azuis, uma cópia exata dos meus, e assenti de novo.
— Ok, papai — eu sussurrei antes de seguir suas instruções e deixar
minhas pálpebras se fecharem.
Com os olhos cerrados, o som do vento que entrava pelas janelas era mais
alto, e o estrondo do velho Chevy, ampliado. Respirei fundo pelo nariz, o
cheiro pungente dos pântanos por onde passávamos oferecia um conforto que
apenas alguém que sempre vivera ali poderia apreciar.
Não demorou muito para que a combinação de contentamento e o som da
música fizessem o sono me pegar.
Eu estava no meio de um sonho com filhotes de cachorro, algo que
mamãe e papai haviam me prometido, mas ainda tinham que pensar, quando
um estrondo me trouxe de volta à consciência.
Encontrava-me no carro, mas este não se mexia. Levantei minha cabeça,
remexi o pescoço dolorido de dormir em um ângulo estranho e olhei para o
banco do motorista vazio. Nosso Chevy seguia ligado, de vez em quando
dando uma sacudida mais forte. A música tocava calmamente, as janelas
ainda abaixadas.
Esfreguei minhas mãos gordinhas sobre os olhos, tentando remover
fisicamente os últimos resquícios de sono da minha mente.
Olhei pelo para-brisa e percebi que estávamos estacionados em frente ao
Tasty Stop, um posto de gasolina não muito longe da nossa casa. Lembrando-
me da nossa conversa antes de adormecer, imaginei que papai deveria ter
decidido cumprir sua promessa, embora eu tivesse adormecido.
Soltei o cinto de segurança e puxei a maçaneta da porta. Um gemido de
frustração escapou dos meus lábios quando encontrei certa resistência. Puxei-
a mais uma vez antes de me lembrar da trava de segurança infantil. Depois
que subi entre os bancos da frente e sobre o console central, esgueirei-me
para fora pela porta do motorista.
Bati a porta atrás de mim e comecei a andar em direção à frente da loja
quando dois estrondos muito fortes explodiram de dentro dela. Um grito alto
surgiu e depois outro estrondo.
O medo apertou meu coração, e eu respirei fundo.
— Papai? — sussurrei, congelada de medo, meu polegar voando para a
minha boca, um hábito que ainda não tinha perdido, enquanto me agachava
ao lado do carro. Não sabia o que era o barulho, mas em algum lugar da
minha mente de cinco anos eu sabia que não era bom.
Fiquei presa em um ponto na lateral do carro, meus olhos passando de um
lado para outro entre as portas e a janela na frente do prédio. Eu estava
procurando pelo meu pai ‒ seus cabelos escuros, sua camisa de flanela
familiar, suas botas de trabalho gastas.
Qualquer fragmento que eu pudesse encontrar para me dizer que ele
estava bem, que eu estava bem.
De repente, um movimento chamou a minha atenção, e minha respiração
explodiu dos meus pulmões quando vi um corpo vestindo a camisa xadrez
vermelha cair no chão.
— Papai? — eu gritei quando minhas pernas começaram a me
impulsionar para a frente, sentindo o alfalto quente sob meus pés descalços.
Como em um sonho ruim, parecia que eu estava tentando caminhar sobre a
água. O tempo que levei para chegar ao meu destino pareceu duas vezes mais
longo do que deveria ter sido.
Tropecei no meio-fio, esfolando meu joelho, mas a dor no meu peito
superou a dor na minha perna e eu me levantei depressa. Quando cheguei à
porta da frente, agarrei a maçaneta com a mão trêmula e a puxei, só para
encontrá-la trancada. O medo se transformou em terror quando tentei
novamente.
— Papai! — gritei mais uma vez, batendo na janela com as mãos
trêmulas.
Soltei a porta e corri para a outra, puxando-a com força. Esta não abriu
também.
Apertando os olhos, olhei para dentro. Meu coração parou com a cena
diante de mim.
As prateleiras onde ficavam meus doces favoritos foram derrubadas e
havia comida espalhada pelo chão. Meu olhar percorria a loja, mas eu não
conseguia ver nada nem ninguém dentro dela. No final do balcão, a caixa
registradora estava inclinada para o lado, com a gaveta aberta.
Eu ouvi um gemido de dor, e meu coração pulou com a esperança de que
fosse meu pai. Mas quando olhei de volta para onde ele estava deitado, não
havia qualquer movimento.
Observei ao redor da loja novamente, percebendo um líquido vermelho
que parecia estar por toda parte. Era como se alguém tivesse pegado um balde
de tinta e jogado atrás do balcão. Ele escorria pelas paredes, espalhava-se
pelo chão, ocupando todo o espaço.
Prendi a respiração e lentamente mudei meu olhar de volta para onde meu
pai estava. Havia uma grande poça vermelha sob ele que crescia mais a cada
segundo.
Sangue.
Sangue por todos os lados. Eu nunca tinha visto tanto sangue, nem
mesmo nos filmes que assistia escondida em casa.
A verdadeira percepção do que estava pintando as paredes fez meus
joelhos se dobrarem, e eu desmoronei no chão.
Lágrimas escorriam pelo meu rosto, o ardor na minha mão piorava
enquanto eu continuava a bater na janela em minha nova posição. Fiquei
olhando para o meu pai deitado sem vida no chão, minhas lágrimas querendo
que ele se levantasse, se mexesse, fizesse algo que me avisasse que tudo
ficaria bem.
Com minha garganta em carne viva, eu gritei até a polícia chegar. Quando
a policial me pegou, soltei-me de seus braços, pulando até a porta uma última
vez. Tentei me desvencilhar desesperadamente, batendo no vidro, sentindo a
necessidade de ver meu pai acordando cada vez mais urgente.
Enquanto ela me levava para o carro da polícia, eu gritei, com minha voz
soando como nada mais do que um sussurro, esperando que algo acontecesse.
Rezando para que eu acordasse daquele pesadelo.
Desejando que meu pai pulasse e gritasse − te peguei.
Mas ele não fez isso.
E nunca mais faria.
Grace

Dezessete anos depois

O cheiro chega até mim, e, de repente, as lembranças de minha infância


retornam. Como um filme antigo, imagens dos pântanos, da praia, da mamãe
e do papai passam pela minha cabeça. Uma tristeza e dor incapacitantes me
tomam, e eu esperava que isso não me sobrecarregasse. Não, o calor que
floresce no meu peito é estranho para mim, um sentimento que eu não
experimentava há anos.
Abrindo a janela, inspiro profundamente, deixando o cheiro da terra
molhada invadir todos os meus sentidos. Faz muito tempo desde a última vez
em que senti o cheiro de folhas se decompondo e de água salgada, mas no
momento em que ele se instala em meu cérebro, sei que estou em casa.
Aumento o som do rádio ainda mais alto e canto a letra da minha música
favorita do Journey enquanto cruzo a ponte que anuncia que estou no
condado de Beaufort. Enquanto o vento balança meu longo cabelo castanho,
fazendo-o bater em meu rosto, olho para o pântano e uma garça sobrevoando
a água acaba chamando a minha atenção.
Estou perdida nas memórias da minha infância e nos momentos felizes
quando a música para de tocar e é substituída pelo toque do meu celular.
Resmungo quando vejo o nome que aparece na tela, mas atendo a
chamada.
— Você está arruinando a melhor parte da música.
O riso profundo que rivaliza com o barulho do motor do meu carro
esporte vem através dos meus alto-falantes.
— Bem, olá para você também, Grace.
Um pequeno sorriso surge em meus lábios, e mesmo que ele não esteja
aqui para ver, eu os pressiono para esconder minha reação.
— O que você quer, Riley?
— Apenas checando.
— Eu acabei de chegar ao condado — digo a ele. Respirando fundo
novamente, pergunto: — Você já sentiu o cheiro dos pântanos daqui?
— Uma vez, quando eu era criança. Acho que nem eu vomitaria tão
fedido.
Eu reviro meus olhos.
— Não é tão ruim. É apenas o cheiro daqui... é diferente.
Seu desdém pelo cheiro que eu tanto gosto desencadeia uma lembrança.
— Vai ser bom para nós, Gracie. Vamos começar de novo. E pela
primeira vez em nossa vida, não teremos que sentir aquele cheiro terrível
toda vez que sairmos.
— Mas eu gosto desse cheiro, mamãe.
— Não seja boba, baby. Ninguém gosta do cheiro dos pântanos.
Você está errada, pensei comigo mesma, mas, não querendo aborrecê-la,
admiti.
— Ok, mamãe.
— Grace? Você ainda está aí? — sua voz profunda corta meus
pensamentos. Balanço minha cabeça, tentando afastar a lembrança da minha
mente e a dor do meu peito.
— Sim, desculpe-me.
— Então, quanto tempo até você chegar? — ele pergunta, e eu posso
ouvir sua cadeira do escritório rangendo do outro lado da linha.
— Falta pouco. — A luz do sol deixa a situação mais alegre, e o
contentamento retorna. — Mas está linda a paisagem. Acho que vou parar e
comer alguma coisa por aqui em algum lugar.
Escuto um barulho do outro lado.
— Ah, sim! Desculpe, é um cliente, e eu preciso atender a essa ligação.
Me avise quando você chegar.
— Eu sou uma menina crescida, sabe? Você não precisa continuar
cuidando de mim — argumento.
Ele suspira alto.
— Só me avise quando você chegar, ok, Grace? — Argumentar com ele
seria um desperdício de tempo, então, eu me arrependo.
— Ok.
Sem ter mais nada a dizer, ele desliga o telefone, e a voz de Steve Perry é
retomada exatamente de onde parou, declarando que sempre seria meu,
fielmente.
Vinte minutos depois, estaciono meu carro em um estacionamento
público na Bay Street. Lentamente, salto, estico as pernas pela primeira vez
em quase três horas e olho para o rio Beaufort, vislumbrando a água
cintilando sob o sol forte.
Coloco minha bolsa por cima do ombro e começo a caminhar ao longo da
orla em busca de um lugar para almoçar que tenha mesas ao ar livre. A
combinação perfeita de sol quente e brisa fresca é agradável demais para ser
desperdiçada.
Encontro um lugar fofo no centro da cidade, próximo às lojas e aos
restaurantes. Uma placa anuncia que tem frutos do mar frescos da região,
então eu subo as escadas e sento-me em um banco do bar, largando minha
bolsa no assento vazio ao meu lado. Não é ao ar livre, mas tem uma excelente
vista das águas através das grandes janelas de vidro que cobrem uma parede
inteira, e elas estão abertas, oferecendo uma incrível brisa fresca.
— Deseja alguma coisa para beber?
Sem me incomodar em desviar o olhar dos barcos que parecem deslizar
pela água, resmungo:
— Apenas uma água, sem limão, gelo extra.
Estou perdida em uma lembrança do meu primeiro passeio de barco, a
emoção de flutuar através do oceano, o barco passando sobre as ondas
enquanto minha mãe me segurava firmemente e meu pai navegava, com uma
cerveja na mão. A lembrança deveria ser agradável, algo para guardar e amar,
mas, em vez disso, faz meu coração doer de saudades.
Meus olhos se enchem de lágrimas, mas eu engulo em seco e deixo que
sequem, recusando-me a ceder à dor do passado.
— Tem certeza de que não quer um cosmo? Ou um martini que
provavelmente vou preparar de maneira errada?
O sarcasmo escorre de sua boca enquanto ele coloca um copo de água na
minha frente, o líquido transbordando sobre a borda do copo. Pulo para trás
para evitar me molhar. O copo mal tem gelo, e eu direciono um olhar cortante
para o homem à minha frente, irritada por ele obviamente não ter escutado o
meu pedido.
— Eu sinto muito — digo às suas costas. — Estava perdida em
pensamentos. Foi uma atitude rude de minha parte.
A gentileza seria minha arma contra ele.
Seus ombros largos endurecem, mas ele não responde, então, continuo a
divagar:
— Normalmente eu sou mais bem educada do que isso. — Forço uma
risada sem graça e empurro meus óculos de sol para o topo da minha cabeça.
Ele passa a mão pelos seus cabelos pretos, flexiona o bíceps e suspira.
Virando-se para mim, ele congela, arregalando os olhos por uma fração de
segundo antes de sacudir a cabeça rapidamente. Quando seu olhar encontra o
meu, eu inspiro e prendo a respiração, enquanto ele me olha com seus olhos
escuros. Minha irritação diminui enquanto estudo seu rosto, e seu olhar
perturbado faz com que eu me lembre que todos nós temos nossos demônios.
Seu queixo é quadrado, algo que a barba não consegue esconder, e eu não
posso deixar de notar que seu lábio inferior é um pouco mais volumoso do
que o superior.
Meu coração bate mais forte quando encontro seus brilhantes olhos azuis,
que criam um forte contraste com seus cabelos pretos, combinando com seu
olhar intenso.
Ele mal pisca, e seus olhos são tempestuosos, pensativos. Uma cicatriz
passa por uma de suas sobrancelhas, e estou intrigada para saber como ele a
conseguiu.
Seu rosto é tão duro quanto seu corpo, e eu me contorço sob sua
avaliação.
Esforço-me para encontrar a coisa certa a dizer, mas não consigo falar
nada, então, apenas repito:
— Eu realmente sinto muito.
Ele dá de ombros, mas seu comportamento não muda.
— Não se preocupe. Posso te mostrar nosso menu?
— Hum, claro. Seria ótimo.
Ele desliza um pedaço de papel plastificado pelo balcão.
— Eu volto em um minuto.
Vejo-o afastar-se, ofendido.
Olho para ele e tento me ver através de seus olhos.
Minha maquiagem está imaculada, como sempre acontece quando estou
acordada, e meu cabelo, puxado para trás em um rabo de cavalo elegante. Um
colar de pérolas vintage está pendurado de maneira displicente em meu
pescoço. Sapatos altos vermelhos, que ele provavelmente não pode ver,
combinam com o terno sob medida que estou usando.
Preciso admitir que realmente parece que eu deveria estar pedindo uma
bebida mais requintada.
Se ele soubesse a verdade.
— Então, o que posso fazer por você? — ele pergunta, apoiando um
quadril contra o bar. Está secando as mãos com uma toalha, e meu olhar
pousa em seus antebraços tatuados. Eu estudo as imagens, curiosa sobre o
que elas representam.
O som dele pigarreando me tira do meu transe, e minhas faces coram pelo
constrangimento de ser pega olhando para ele.
Eu levanto o cardápio.
— Uh, eu nem sequer olhei o menu. — Ele ergue as sobrancelhas,
claramente sem graça. — O que você recomenda? — eu pergunto, mais uma
vez tentando aliviar o clima, esperando que finalmente aceite minhas
desculpas.
Eu não tenho certeza do porquê de eu ainda me importar com o que ele
pensa de mim. Não me mudei para fazer novos amigos, tenho muitos em
casa.
Porém, esta será a minha casa por enquanto.
Ele inclina a cabeça para um lado, e seus olhos passeiam pelo meu corpo,
analisando-me com cuidado. Tento me empertigar, esperando que não
perceba, mas ele sorri. Sabendo que fui flagrada, deixo meus ombros caírem.
Sua gargalhada me pega desprevenida, e eu pulo para trás.
Com os lábios ainda curvados para cima, ele me diz:
— Eu sou do tipo de cara que gosta de peixe frito. Com um copo grande
da nossa cerveja local. — Ele faz uma pausa, e seus olhos percorrem meu
rosto mais uma vez. — Mas você parece o tipo de garota que curte penne ao
molho de camarão com uma taça de vinho branco.
Minhas bochechas ficam vermelhas com sua avaliação ao meu respeito, e
eu balanço minha cabeça.
— Por que eu não poderia gostar de peixe frito também?
Ele sorri.
— Não tenho certeza se eu usaria pérolas num restaurante como o The
Crab Shack.
Pressiono meus lábios para não rir. Ele tem razão. Não é muito adequado.
Pego o copo de água quase morna de cima do balcão e tomo um gole no
canudo, fazendo questão de manter contato visual com ele o tempo todo.
Erguendo um ombro, digo-lhe:
— Eu realmente não sei por quê. Acho, sinceramente, que as pérolas
completariam seu visual.
Seu rosto se abre em um sorriso, e sinto um aperto no estômago. Ele é
bonito quando está chateado, mas aquele sorriso alegre o faz ficar dez vezes
mais atraente. Olha para sua própria camisa, e então seus olhos voltam para
mim.
— Vou manter isso em mente. — Ele engole em seco, e eu fico fascinada
pela maneira como os músculos de seu pescoço se retraem. — Então, você já
sabe o que vai pedir?
Eu balanço a cabeça, dizendo que sim.
— Vou querer o penne ao molho de camarão.
— Devo trazer também a taça de vinho branco?
Pego meu copo.
— Fico com a água. Eu não bebo.
Seus olhos se arregalam.
— Você não bebe?
— Não. Nem uma gota.
Ele olha em volta do salão quase vazio e depois para mim.
— Você não bebe, mas decidiu trazer esse seu bumbum chique até o meu
bar?
Não tenho certeza se devo agradecê-lo pelo elogio ou ficar irritada com o
julgamento precipitado, então, aponto para a margem do rio à nossa esquerda.
— Eu queria a vista.
Ele olha para o lado, então balança a cabeça e pergunta secamente:
— Você não é daqui, é?
Eu pressiono meus lábios firmemente e desvio meus olhos dos dele,
balançando a cabeça em negação.
O rosto da minha avó surge em minha mente, e seu olhar de desaprovação
pela minha mentira ainda é capaz de me fazer contorcer, mesmo quando ela
não está por perto.
— E você?
Ele dá um rápido aceno de cabeça, jogando a toalha sobre o ombro.
— Nascido e criado. — Seu rosto registra desgosto. — É como se
vivêssemos em um mundo diferente por aqui.
Eu quero perguntar sobre seu óbvio desdém, mas não o faço.
— Pelo menos este mundo tem uma vista linda.
Ele balança a cabeça enquanto murmura:
— Definitivamente nós somos de mundos diferentes.
— Por que diz isso? — eu pergunto.
Um jovem casal se senta na outra extremidade do balcão, e ele tira a
toalha de seu ombro.
— Vou pegar o seu pedido. Aproveite a sua vista. — Ele sorri, desta vez
não de maneira aberta, mas o suficiente para que ilumine suas feições
marcantes, fazendo-me prender a respiração. — Meu nome é Bronn. Chame
por mim se precisar de alguma coisa.
Vejo como ele se dirige até os outros clientes e lamento o fato de que não
vou poder apreciar a vista da água, como eu esperava. Em vez disso, vou
passar o resto do meu almoço tentando não ser pega olhando para o barman.
Bronn

Eu deveria ter perguntando o nome dela.


Xingando-me mentalmente por ter sido tão idiota, como sempre, e por tê-
la deixado escapar, eu tomo um longo gole da minha cerveja.
A bebida gelada é exatamente o que eu preciso depois da merda que foi o
dia de hoje, então, dou outro gole antes de colocar o copo no balcão.
Pensei que ela estivesse perdida, como a maioria dos turistas por aqui
costumam estar. Quero dizer, ela estava usando pérolas, pelo amor de Deus!
Mas, então, inclinou-se para frente, pedindo desculpas por sua grosseria
inicial. Parecia estar genuinamente arrependida por ter sido tão grosseira.
Ela também era linda.
Não que eu já não tivesse visto uma mulher bonita antes. Mas havia uma
honestidade em seus olhos. Ao menos foi o que eu percebi, uma vez que ela
tirara seus caros óculos escuros do rosto. Os olhos brilharam com franqueza
enquanto se desculpava pela milionésima vez. E então ela fez uma piada,
desconcertando-me, e eu não pude deixar de sorrir.
Eu descanso meus antebraços no balcão do bar e olho para minhas
tatuagens. As mesmas que peguei a mulher sem nome admirando. A maioria
delas não tinha significado algum. Nunca fui o tipo de cara que pensava que
cada obra de arte na minha pele precisava ter uma explicação. Normalmente,
se eu visse um projeto do qual gostasse ou pelo qual me interessasse em
algum momento, ligaria para o meu amigo e o faria.
Mas o emblema do Chevy...
Papai.
Uma única tatuagem com um significado.
Passo meu polegar ao longo do desenho, espantando a tristeza e depois a
raiva subsequente que sempre senti, e pego meu copo no balcão. Levando-o
de volta à boca, eu bebo todo o conteúdo.
Levantando meus pés, eu me inclino para o outro lado do balcão e encho
minha bebida na máquina.
— Você vai pagar por isso?
Sua voz mexe com meus nervos e cerro meus dentes, tentando controlar
meu temperamento antes de responder.
— Não.
Ela suspira alto enquanto seus saltos batem no concreto.
— Bronnson. Nós já conversamos sobre isso.
Eu ignoro o comentário e continuo bebendo minha cerveja, recusando-me
a ouvi-la quando ela se senta no banco vazio ao meu lado.
— Se você vai começar a beber durante o trabalho, vai ter que começar a
pagar pela bebida.
Eu bato meu copo agora vazio contra o balcão e viro a cabeça em sua
direção.
— Esta noite não estou com humor para suas merdas, Dani.
Franzindo seus lábios, ela olha nos meus olhos.
Por vários momentos tensos, nenhum de nós fala nada; uma batalha de
vontades onde nós dois nos recusamos a ceder.
Ela é a primeira a deixar os ombros caírem.
— Eu não quero brigar com você. — Seu belo rosto se entristece; seus
olhos, normalmente brilhantes parecem cansados agora. — Tudo o que
fazemos é brigar hoje em dia.
Sua voz treme, e sinto uma pontada de culpa atingir meu estômago.
Porém, ela está errada. Não é apenas — hoje em dia — que estamos
brigando. Parece que brigar é a única coisa que fazemos.
Passo um braço em volta de seus ombros delgados e a puxo para mim.
Ela beija minha bochecha, tocando seus lábios secos na minha pele, e passa o
braço ao redor da minha cintura.
— Qual é o sentido de ter um bar se eu não posso beber de graça? —
murmuro, rindo.
Ela inclina a cabeça para trás, seus olhos desprovidos de qualquer humor.
— Seja como for, você não precisa beber desse jeito.
Suas palavras me atingem, e eu me afasto dela. De pé, ando até o final do
balcão e coloco o copo na pia. Este faz um barulho alto, e eu me vejo
desejando que tivesse quebrado. Quebrar alguma coisa seria bom agora.
Talvez aliviasse o sangue batendo nos meus ouvidos, a onda de raiva
correndo em minhas veias.
— O bar está fechado, Dani. Saia. Eu odeio agir como um babaca com
você.
Ela se levanta e cruza os braços contra o peito. Está com uma expressão
de dor no rosto, e seu lábio inferior estremece.
— Estou realmente cansado de seus sermões — digo a ela, contornando o
balcão. Minha voz se eleva quando ando em direção à porta. — Eu não
preciso dessa merda.
Abro a porta e gesticulo para ela sair com a minha mão livre.
Dani pega sua bolsa do banquinho onde a colocou.
— Estou apenas preocupada com você, Bronn. Isso é tudo.
— Bem, não fique. Estou bem.
Ela balança a cabeça, seu cabelo ruivo tocando seus ombros.
— Não, você não está. Você não está bem há muito tempo.
— Do que diabos está falando? — pergunto a ela.
Ela vem até mim, envolvendo os braços em volta da minha cintura e
encostando a cabeça em meu peito. Tento sair de seu abraço, não querendo o
contato físico que sempre insiste em ter comigo, mas seu aperto é forte o
suficiente para que eu não consiga me afastar sem machucá-la.
E isso foi algo que sempre fiz.
Ela pressiona o rosto na minha camisa.
— Eu só quero que você seja feliz. E bebendo o tempo todo e se metendo
em confusão sempre... Você não pode ser feliz vivendo sua vida desse jeito.
Sua avaliação está correta.
Agarrando seus ombros, eu a empurro para longe de mim.
— Você não sabe nada sobre isso. Mas posso te dizer com certeza que
sua constante irritação não é o que me faz feliz — digo, enfurecido.
Seus olhos se arregalam.
— Eu só estou tentando cuidar de você, caramba! — ela diz.
— Bem, pare. Você não é a porra da minha mãe! — grito, passando a
mão pelo meu cabelo.
Seu lábio para de tremer, os olhos endurecem e, com os dentes cerrados,
ela me diz:
— Você está certo, eu não sou. Sua mãe não dá a mínima para você. Às
vezes eu me pergunto por que ainda insisto nisso. — Ela passa por mim,
saindo rua afora.
Ótimo trabalho, idiota.
Eu suspiro e agarro o braço dela.
— Dani, espere.
Girando, ela olha para mim e grita:
— Me solta! — Eu solto seu braço quando ela dá o golpe final. — Estou
de saco cheio de você.
Ela corre pela rua, mas não tento impedi-la. Nós já tivemos uma briga
dessa antes, e é sempre a mesma coisa. Vou lhe dar alguns dias para se
acalmar para depois me desculpar. Nós vamos prometer não brigar mais,
lembrar que somos tudo o que temos um para o outro e as coisas vão
melhorar por um tempo. Depois, algo vai acontecer, e acabaremos tendo a
mesma discussão de sempre: sobre o fato de eu beber demais. Sobre sua
necessidade de tentar me ajudar. Sobre qualquer coisa.
Mas esta noite foi a primeira vez que ela mencionou a minha mãe. E isso
doeu.
As palavras de Dani ecoam na minha cabeça enquanto eu volto para casa.
—Mãe? — sussurrei, cutucando seu ombro. Sua única resposta foi um
ronco alto.
Olhei ao redor da sala, fazendo um inventário das garrafas vazias de
vodca que cobriam o chão.
Sacudi seu ombro novamente, um pouco mais forte, e ela abriu um olho.
— Jimmy?
— Não, mâe, sou eu, Bronn.
Seus olhos novamente se fecham.
— Dê o fora daqui, Bronn. Você não consegue ver que estou dormindo?
Meu estômago roncou.
— Mas eu estou com fome. É hora do jantar.
Suas pálpebras se abriram, seu rosto se contorceu de raiva. Apoiando-se
nos cotovelos, zombou.
— E eu com isso? Vá fazer alguma coisa para comer, então. Eu não sou
sua maldita empregada!
Depois de cair de novo no colchão manchado, ela se virou de costas para
mim, resmungando baixinho.
Meu lábio tremeu, e eu funguei, alto o suficiente para ela ouvir.
— Pare com isso de choramingar. Você tem seis anos de idade. Já é
grande o suficiente para fazer seu próprio jantar. Agora saia daqui!
—Desculpe, mamãe — sussurrei, saindo do quarto.
A memória desaparece quando eu subo a bordo do barco onde tenho
vivido desde o ano passado. Embora tenha um teto com uma cama e um
banheiro, não é um ambiente adequado para se viver.
Puxando minha camiseta por sobre a minha cabeça, eu a jogo no chão e
deslizo entre os lençóis ásperos da minha cama, sem me incomodar em tirar
meu jeans.
Meu telefone vibra com uma mensagem de texto, e fico apenas um pouco
surpreso ao ver que é de Dani.

Dani: Você é um idiota. Mas eu também sou.

Eu sorrio na escuridão.

Eu: Você é muito ruim em pedir desculpas. Sabe disso, não sabe?

Eu não coloco o telefone de lado, porque não tenho que esperar muito por
uma resposta.

Dani: Quem disse que eu estava pedindo desculpas?

Eu: Eu disse.

Dani: Deus, eu te odeio às vezes.

Você não é a única.

Eu: Você é tão irritante... Mas me ama. É por isso que nunca me deixa em
paz.

Dani: Não, eu nunca te deixo em paz porque você é meu irmão mais novo.
Obrigação familiar, sabe?

Eu rio. Ela é tão irritante.


Eu: Tive um dia de merda. Não deveria ter descontado em você.

O visor do telefone indica que ela está digitando, e eu não tiro os olhos da
tela. Quanto mais ela digita, mais nervoso fico. Suponho que vai me dar uma
nova lição de moral.
Que você provavelmente merece.

Eventualmente a mensagem aparece, e eu estou surpreso que não seja um


drama completo.

Dani: Desculpas aceitas. E sinto muito por falar de sua mãe. Aquilo foi um
golpe baixo. Eu te amo, Bronn. Boa noite.

Eu: Eu também, Dani. Boa noite.

Jogo o telefone na cama e me viro, esperando que o balançar do barco me


faça dormir. Só uma hora depois o sono me alcança, e quando isso acontece,
meu sono é atormentado por sonhos com a mulher sem nome do bar.
Grace

Passo a maior parte do dia me acomodando na casa que estou alugando e,


no meio da tarde, percebo que não comi nada além de banana e café.
Morrendo de fome, entro no carro em busca de algo para comer. Antes
que perceba, dirijo com destino à beira-mar, e eu sei que meu subconsciente
está me levando de volta para o bar onde comi ontem. Ou, mais
especificamente, de volta ao barman que me servira a melhor massa que já
comi.
Eu tento me convencer de que é a comida que desejo, mas a verdade é
que só quero ver Bronn novamente.
Que tipo de nome é esse mesmo?
Meu desejo de vê-lo novamente não faz sentido. Nossa conversa
começara sem jeito, e quando ele finalmente abriu um sorriso – um sorriso
incrivelmente sexy −, este fora o auge do momento. Agira com reservas e até
fora um pouco grosseiro depois de trazer minha comida.
Mas vi algo em seus olhos; algo que me dizia que ele era alguém que
valia a pena conhecer. Algo me dizia que ele me entenderia. E o que quer que
eu tenha visto nele, me atraiu de volta para o único lugar onde sabia que
poderia encontrá-lo.
Estacionando em um espaço de garagem, desligo o motor, mas não saio
do carro. Olhando para a água, começo a duvidar de mim mesma.
Eu não vim aqui para encontrar um homem.
Eu voltei para casa para me encontrar.
A última coisa que preciso é complicar ainda mais as coisas com um
romance. Ou pior ainda, com uma noite que, espero, pateticamente, possa
levar a algo mais.
Não, você pode conseguir o almoço em outro lugar.
Solto um suspiro frustrado e ligo o motor novamente. Depois de colocar o
carro em marcha à ré, começo a me afastar do estacionamento, com o olhar
ainda fixo no rio à minha frente. Eu deveria me concentrar no trabalho, no
meu novo começo, em qualquer outra coisa, exceto em um homem que fora
frio e mal-humorado comigo no dia anterior.
Uma pancada forte me traz de volta à realidade, e eu puxo o freio,
voltando meus olhos para o espelho retrovisor.
Meu estômago se retrai quando percebo que há alguém atrás do meu
carro.
Eu quase acertei uma pessoa!
Jogo o veículo para o canto e salto.
— Eu sinto muito! — grito, enquanto luto contra uma onda de náusea.
As sobrancelhas do homem estão unidas, a boca torcida em uma carranca.
Mas no momento em que nossos olhos se encontram, seu rosto relaxa.
É Bronn, o barman.
— Oh, meu Deus! Eu sinto muito — grito novamente, correndo até ele.
— Bati em você?
Meu estômago ainda está ameaçando se revoltar, mas meu instinto
assume o controle. Corro minhas mãos por seus braços, procurando por
quaisquer sinais de lesão. Sua risada baixa faz com que eu pare, e me demoro
um pouco mais em seus bíceps musculosos.
— Estou bem. Você não me bateu. — Sua voz soa bem humorada, e eu
olho para cima para ver que ele não está mais me encarando.
Quando percebo que ainda o estou tocando, meu alívio é substituído pelo
embaraço e afasto minhas mãos. Sem saber o que fazer com elas, enfio-as nos
bolsos do meu short e me balanço nos calcanhares.
Seu rosto, que estava tão sério no dia anterior, está iluminado com um
sorriso, e eu perco o ar diante de seu brilho.
Meu Deus, ele é lindo.
Ele provavelmente reclamaria por eu usar essa palavra, mas não há outra
maneira de descrevê-lo. Se o achei atraente ontem, hoje então, com esse
sorriso largo enfeitando seu rosto, ele está quase ganhando o status de Deus
grego.
Meu estômago dá cambalhotas enquanto ele continua a sorrir para mim, e
eu luto para manter minha voz firme.
— Tem certeza de que está bem?
Ele cruza os braços contra o peito largo, e meus olhos são novamente
atraídos pelas marcas coloridas que os cobrem.
— Então, para onde você ia com tanta pressa?
Incapaz de desviar meu olhar para outra direção, eu me atrapalho com as
palavras.
— Oh, bem... Eu passei a manhã desempacotando minhas coisas e
percebi que não tinha comido quase nada. Estava procurando algum lugar
para um almoço tardio.
Estou nervosa e mal consigo pensar com clareza. Isso não faz sentido.
Não é como se eu nunca tivesse estado na presença de um homem atraente.
Talvez seja o fato de quase tê-lo atropelado, mas o que quer que seja, não
consigo parar de falar e balançar minhas mãos enquanto respondo suas
perguntas.
Suas sobrancelhas se erguem.
—Você já comeu?
Balanço minha cabeça.
— Não. — Perdi completamente a fome.
Ele tira um palito do bolso e o mete entre os dentes, os lábios ainda
ligeiramente curvados para cima em um sorriso.
— Bem, eu estava a caminho do bar, mas ia parar e comer alguma coisa
primeiro. Não me oporia em ter companhia.
Ele está me convidando para almoçar com ele?
— Ah, não. Eu não quero te atrapalhar. — Na verdade, eu quero muito
aceitar, mas sei que não devo.
Olhando para mim, ele insiste.
— Almoçar com você não seria nenhum sacrifício, eu te asseguro.
De repente, a fome retorna. Mais forte do que nunca.
Almoçar com ele também não seria um sacrifício. Ele é delicioso de se
admirar, e, certamente, a conversa não poderia ser mais embaraçosa do que
foi ontem. Além disso, preciso, de alguma maneira, compensar por quase tê-
lo matado com meu carro.
— Bem, pagar o seu almoço seria o mínimo que eu poderia fazer depois
de quase te atropelar.
— Não, não se preocupe com isso. Não foi nada. — Seus olhos se voltam
para mim, e ele murmura: — Já passei por coisas piores.
Ele olha para mim e sorri, mas desta vez o sorriso não alcança seus olhos.
—Vamos indo. Conheço um lugar que serve as melhores ostras. Gosta de
ostras?
—Eu não sei — digo a ele honestamente. — Nunca comi.
Ele sorri.
— Não servem ostras Rockefeller no lugar de onde você vem?
— Não, normalmente só temos champanhe e caviar para o jantar. —
Pisco para ele.
Ele passa a mão pelo rosto para esconder o sorriso e depois pigarreia.
— De onde você disse que era mesmo? — pergunta ele.
Começo a andar na direção para onde ele apontou.
— Eu não disse — respondo-lhe por cima do meu ombro. — Mas vou
almoçar com você.
Ele não faz movimento algum para me seguir, e eu paro, levantando as
sobrancelhas em dúvida.
Puxa o palito de entre os dentes e aponta para o meu carro, que ainda está
ligado, com a porta do motorista aberta.
— Você vai desligá-lo ou está esperando que alguém o roube para que
possa receber o seguro?
— Merda. — O embaraço mais uma vez toma conta de mim e,
mentalmente, me xingo, correndo de volta para desligar o carro. — Acho que
ainda estou um pouco cansada de quase atropelar uma pessoa — eu digo, sem
jeito, dando de ombros.
Ele coloca o palito de volta entre os dentes.
— Eu atropelei uma pessoa uma vez. Não foi tão traumatizante quanto
você poderia imaginar.
Meus lábios se separam, e minhas sobrancelhas quase tocam a minha
linha do cabelo.
— Você está falando sério?
Outra risada ressoa do peito dele.
— Não. Estou apenas tentando fazer você se sentir melhor.
Ele começa a andar pela calçada, e eu o sigo, lutando para alcançar seus
passos longos. Enquanto andamos, tento não olhá-lo, então, ocupo minha
mente, observando as várias fachadas de lojas que encontrávamos pelo
caminho. Passamos por uma loja de doces, e eu faço uma nota mental para
passar por ali depois do almoço. Também há vários estúdios de arte, com
pinturas sobre a vida marítima enfeitando as janelas. A área mudou muito,
ganhando novos comércios e se desenvolvendo, mas o centro da cidade
parece o mesmo. Meu coração aperta enquanto estudo o ambiente, tendo
flashbacks do meu tempo de criança, quando andava de mãos dadas com
minha mãe. A saudade serve também como lembrete de quem sou e aonde eu
pertenço.
A casa que estou alugando está bem mobiliada, mas sinto-me ansiosa
para ter meu próprio espaço, para poder decorá-lo com imagens como as que
eu vejo nas vitrines pelas quais passamos.
Passamos por um escritório imobiliário. A janela está coberta de anúncios
de casas disponíveis, então paro para olhar algumas delas, que parecem
exatamente com o que eu estava sonhando, mas ainda não tenho certeza se
vou ficar, por isso, continuo seguindo Bronn.
Chegamos ao fim da estrada, e ele desce por uma rua lateral. Eu hesito,
sentindo os cabelos na parte de trás do meu pescoço eriçarem. Não sei nada
sobre esse cara, mas aqui estou, prestes a segui-lo por um beco deserto.
Ele faz uma pausa e se vira para mim.
— Você vem?
Puxo minha bolsa para mais perto de mim e olho para cima e para baixo
na calçada. Há pessoas passeando pela rua principal. Respirando fundo, saio
do meio-fio.
—Você não é maluco, é? — eu pergunto, rindo.
Um canto de sua boca se inclina para cima.
— Depende de quem pergunta. Mas se você está preocupada em me
seguir por este beco vazio, não fique.
Ainda não completamente aliviada, sigo atrás dele, e depois de alguns
passos ele para em frente a uma porta. O letreiro acima diz: Red's. O cheiro
de comida caseira flutua quando ele abre a porta para mim e gesticula para
que eu entre na sua frente. Mais tranquila por ele ter me levado a um
restaurante de verdade, deixo meu receio de lado e entro, sentindo meu
estômago roncar imediatamente.
Bronn me guia para dentro e nos sentamos num canto reservado do
restaurante. Estamos no meio da tarde, então, o estabelecimento está bem
iluminado e praticamente vazio, exceto por um casal sentado no bar, que fica
no centro do salão. Depois que me sento na cadeira em frente a ele, olho em
volta, chocada e admirada pela decoração do local.
O lugar é um showroom, decorado com um tema náutico de bom gosto −
nada do que eu teria esperado depois de ver a fachada nada luxuosa.
Um homem com uma grande barriga de cerveja e rosto corado se
aproxima de nós e dá dois tapinhas na mesa.
— Bronn, como você está, meu filho?
Olho para o meu acompanhante a tempo de vê-lo estremecer. Ele se
recupera rapidamente e retorna a saudação.
— Eu estou bem, Red. E você?
Escondo a surpresa e volto minha atenção para o homem que é dono do
lugar, lembrando-me de parar de presumir que sei alguma coisa.
Red acena com a cabeça e, em seguida, volta seus olhos afiados para
mim.
— E quem nós temos aqui?
Bronn sorri.
— Esta é... — ele titubeia.
Eu rio do absurdo da situação: estou almoçando com um homem que não
sabe meu nome. Direciono minha mão até Red e, quando ele a agarra com a
dele, carnuda, olho para Bronn e digo:
— Grace. Meu nome é Grace.
Com outro aperto rápido, Red sorri e depois solta minha mão.
— Bem, prazer em conhecê-la Grace. O que posso servir para você
beber?
— Quero uma cerveja indiana. E Grace vai beber água, sem limão, muito
gelo.
Volto meus olhos para Bronn, surpresa por ele se lembrar da minha
bebida preferida. Especialmente considerando que não acertou ontem.
Ele pisca para mim e diz a Red:
— Além disso, vamos querer duas porções de ostra, uma porção de picles
fritos e uma salada de repolho.
Red pega os menus, e eu sorrio enquanto ele nos diz para chamar se
precisarmos de alguma coisa. Assim que está fora do alcance de nossas
vozes, eu me volto para Bronn. Com uma sobrancelha arqueada, eu pergunto:
— Estamos de volta aos tempos antigos, quando uma mulher não
conseguia pedir sua própria comida?
Ele se inclina para trás em seu assento, um sorriso em seu rosto bonito.
— Nós não viemos pelas ostras?
Eu não posso discutir esse fato, então, cerro minha mandíbula e cruzo
meus braços contra o peito.
Surpreendendo-me, ele se inclina sobre a mesa e puxa um dos meus
braços em sua direção. Minha pele vibra sob o seu toque, arrepiando-se.
Corre a ponta do seu dedo pelo meu antebraço, e um novo arrepio percorre
minha espinha.
— Nós podemos mudar o pedido, se você quiser — sua voz é suave, e
seus olhos azuis brilham sob seu cenho franzido.
Congelada pelo seu toque, balanço minha cabeça. Ele continua a passar as
pontas dos dedos ao longo do meu braço, e o tremor no meu estômago
aumenta.
Uma jovem surge, quebrando o feitiço.
— Ei, Bronn — diz ela de maneira tímida.
Bronn afasta o olhar do meu rosto.
— Ei, Shel. Como está a escola?
Os olhos dele, que antes apresentavam uma expressão mais profunda,
iluminam-se e se tornam mais bem humorados enquanto ela responde.
— Uma estupidez. Quando vou precisar saber o valor do X na vida real?
Bronn ri.
— Bem, você vai ser uma astrofísica, e eu tenho certeza de que eles usam
essa merda todos os dias.
Ela sacode a cabeça enfaticamente.
— De jeito nenhum. — Seus olhos brilham quando ela fala com ele: —
Eu vou ser uma atriz famosa. Acho que quero participar de dramas. Gosto
daqueles que fazem a gente chorar.
Ele concorda.
— Tenho certeza de que você será brilhante. Mas, por via das dúvidas,
deveria trabalhar e se esforçar bastante na escola.
Ela suspira com olhos sérios.
— Você está certo. Acho que vou fazer meu dever de casa agora. Trago
sua comida assim que papai terminar.
— Ótima ideia — ele diz, e ela vai embora, balançando o rabo de cavalo
ao caminhar.
Ergo minhas sobrancelhas.
— Parece que você conhece todo mundo. Ele pega o copo de cerveja,
tomando um gole antes de gesticular em direção com a mesma mão.
— Red e eu somos amigos de longa data.
Eu tomo um gole da minha água e sorrio.
— O Red sabe como fazer um bom drinque.
Bronn ri, e o som é cálido.
— Vou me lembrar disso da próxima vez.
Espero que haja uma próxima vez.
Ele toma outro gole de cerveja e depois coloca o copo sobre a mesa.
Desliza a mão por sobre ela, palma para cima e, em seguida, direciona o olhar
de volta para o meu rosto, olhando-me com expectativa.
Hesito por apenas um momento até perceber que meus dedos estão
formigando para sentir os dele novamente na minha pele. Coloco minha mão
sobre a dele, sentindo o contraste de seus calos com a minha maciez,
causando uma emoção que percorreu meu braço e foi direto para o meu
estômago.
Apertando meus dedos de forma suave, ele sorri.
— Então, Grace, de onde você é?
Eu respiro fundo pelo e sorrio.
— Columbia.
Bronn

— Então, o que a traz a Beaufort? — pergunto, sentindo sua mão


pequena ainda entrelaçada à minha. É suave e delicada, um contraste com a
insolência que demonstrou até agora. A cada vez que seus olhos dançam em
minha direção, meu interesse aumenta. Não sei o que diabos deu em mim
para tocá-la, mas não pude evitar fazê-lo. Finalmente, quando meus dedos
ásperos entraram em contato com sua suavidade, minha pele começou a
zumbir sem parar.
— Trabalho.
— O que você faz?
Ela bebe a água e se inclina em minha direção, o rosto se iluminando.
— Eu sou enfermeira. Me formei no outono e aceitei um emprego em
uma agência de viagens.
Por isso ela imediatamente procurou por lesões em mim quando quase me
atropelou… Agora faz sentido.
— Porra, eu deveria ter fingido estar machucado mais cedo. — Seus
olhos se arregalam antes de franzir os lábios.
— Isso não é engraçado!
—Talvez devesse ter fingido precisar de um boca a boca? — Ergo uma
sobrancelha. Um canto de sua boca se curva, enquanto ela revira os olhos.
— Agora você está me provocando!
Assinto.
— Provavelmente.
— Definitivamente.
— Definitivamente. — Sorrio. — Então, enfermeira itinerante, como isso
funciona?
— Basicamente, eu vou aonde quer que precisem de mim. Fui contratada
para trabalhar no Beaufort Memorial até novembro. E, depois disso, seguirei
para onde eles me mandarem.
— Então, você vai ficar aqui só por… — Faço as contas na minha
cabeça. — Seis meses? — Não sei por que, mas essa informação me deixa
verdadeiramente decepcionado.
— Sim. Embora meu contrato com a agência de viagens seja de apenas
um ano. Então, acredito que, se encontrar um lugar que goste, talvez possa
ficar.
Sua mão ainda está na minha, mas pego o canudo sobre a mesa com a
outra, livre, e começo a girá-lo em meus dedos. Seu sotaque é leve, e eu me
encontro adorando o som suave e musical de sua voz. Quanto mais essa
conversa flui, mais quero saber tudo sobre ela.
— Bem, o que você acha do nosso lindo cantinho sulista? — pergunto.
Beaufort é uma cidade incrível. O charme, a atmosfera e o clima fazem este
ser o local perfeito para se viver. Revistas de viagens estão sempre afirmando
que é o melhor para se morar, se aposentar ou visitar. Mas a cidade nem
sempre foi gentil comigo. Às vezes eu amo este lugar, mas mais
frequentemente do que eu gostaria, me vejo apenas querendo
desesperadamente escapar.
Ela puxa a mão da minha e enfia uma mecha de cabelo, que está caindo
de seu coque bagunçado, atrás da orelha.
— Bem, eu estou aqui há menos de quarenta e oito horas, então, não
saberia dizer. — Suas bochechas ficam rosadas. — E, até agora, tudo o que
consegui foi ser rude com um morador local… E quase o atropelei também.
Esforço-me para parecer bravo e digo a ela:
— Sim, não é a melhor maneira de se começar em uma nova cidade.
Ela assente.
— Mas eu prefiro as cidades pequenas do que as movimentadas. E amo
estar perto do mar. — Seus olhos se fecham, deixando seu rosto mais suave.
— Tem algo no oceano que parece me chamar.
Estou encantado com o jeito que seus lábios perfeitos se curvam,
enquanto seu nariz se enruga levemente, fazendo com que os longos cílios
estremeçam. Ela parece serena e pacífica, e meu peito se aperta com o desejo
de usufruir dos mesmos sentimentos.
— Talvez eu tenha sido uma sereia em uma vida passada. — Ela abre
seus olhos reluzentes e me prende com um olhar que faz com que o ar escape
de meus pulmões em uma fração de segundo.
Ela é linda… Algo que notei no momento em que pus os olhos nela, mas
o fato de conseguir fazer meu coração pulsar, ao mesmo tempo em que me
provoca, a transforma na mulher mais atraente que já conheci. E a percepção
de que quero passar o resto do dia com ela e conhecê-la melhor faz meu
coração bater forte e meu estômago doer.
Limpo minha garganta, esperando que o ato também limpe a minha
mente.
— O oceano me chama também. Esta é uma das razões pelas quais nunca
me afastei deste lugar. Mas se você foi uma sereia, provavelmente eu fui um
pirata. E não um daqueles legais como Johnny Depp. Provavelmente era mais
parecido com aquele cara cujo rosto era um polvo. Qual era o nome dele?
Ela ri alto, pela primeira vez, e o som me atinge bem no âmago.
— Você deveria fazer isso mais vezes.
— O quê? — Confusão marca as linhas do seu rosto, mas seus olhos
continuam brilhando.
— Rir. É lindo. Mas claro que isso só é possível porque você é linda.
Eu não posso acreditar que acabei de dizer isso, então, mordo o interior
da minha bochecha para não dizer algo ainda mais embaraçoso. Sua cabeça
inclina para um lado e ela para por um momento, me analisando.
— Tem certeza de que você é o mesmo cara de ontem? Talvez você tenha
um irmão gêmeo e ele seja o que trabalha no bar...
Eu dou de ombros.
— Você me pegou. Eu sou o gêmeo bom. E, aparentemente, o mais brega
também.
Ela se inclina para frente e abaixa a voz.
— Eu amo coisas bregas.
Ela pode estar relevando meu comportamento de ontem, mas a vergonha
me atinge mesmo assim.
Eu preciso me desculpar.
Com ela e com Dani.
Eu também preciso parar de agir como um idiota, mas isto é algo que
levará mais tempo do que temos hoje.
Então, por enquanto, começo a colocar em prática com Grace.
— Sinto muito por ontem — digo a ela, sem um único traço de
divertimento. — Tive um dia de merda, mas não deveria ter descontado em
você.
Ela balança a cabeça, fazendo com que uma mecha de cabelo saia de trás
da orelha novamente.
— Você tem razão — diz, colocando-a de volta no lugar. — Mas eu
também fui rude. Então, vamos apenas deixar para lá.
Estendo a minha mão sobre a mesa, e sua testa se enruga em um sinal de
confusão.
—Vamos começar de novo. Eu sou Bronnson Williams.
Ela aceita meu cumprimento, e minha pele começa a zumbir novamente.
Aperto seus dedos antes de apertar sua mão.
— Prazer em conhecê-lo, Bronnson. Eu sou Grace Monroe.
Com sua mão ainda firmemente agarrada à minha, digo a ela:
— Belo nome, Grace. Você é nova na cidade?
Ela faz que sim com a cabeça.
— Bem, eu vivi aqui toda a minha vida. Se precisar de um guia turístico,
eu adoraria te mostrar tudo.
Ela não faz nenhum movimento para puxar a mão da minha, mas seus
olhos brilham quando balança a cabeça mais uma vez.
— Eu gostaria muito disso, Bronnson.
— Me chame de Bronn.
— Ok, Bronn — diz ela suavemente, pressionando os lábios.
Shelley aparece, com as mãos ocupadas com o nosso almoço, e
interrompe o momento. Mesmo que minha boca se encha d'água, pelo cheiro
da comida quente que flutua até minhas narinas, sinto-me desapontado por ter
que soltar a mão de Grace.
Seu rosto reage e fico aliviado por não ser o único afetado pela situação.
Balançando a cabeça, esforço-me para me recompor. Acabei de conhecê-
la; é muito cedo para sentir algo assim. Mas eu sinto. É apenas uma
coceirinha irritante no fundo da minha mente, mas está lá. E está sussurrando
que eu não devo deixá-la se afastar novamente.
— Aqui está! — Shelley sorri, enquanto coloca a comida à nossa frente.
— Vocês querem molho coquetel?
Assinto.
— Traga-nos umas fatias de limão e molho picante também, Shel.
—Você manda — ela cantarola e depois corre para atender ao meu
pedido.
Esfrego uma mão na outra.
— Tudo bem. Primeiro, e mais importante, você gosta de comidas
apimentadas? — Ela começa a responder, mas eu levanto a mão. — Espere,
pense um pouco mais. Todo resto da sua vida depende dessa única resposta.
Ela revira os olhos, e eu rio.
Shelley volta com os itens que pedi e os coloca sobre a mesa sem dizer
uma única palavra. Depois que desaparece, voltando ao dever de casa, olho
para Grace.
— OK. Então... Picante, sim ou não?
Ela acena com a cabeça.
— Sim, picante.
Exalo uma respiração exagerada e finjo enxugar o suor da testa.
— Graças a Deus.
Seus lábios estão franzidos e momentaneamente me distraio com eles.
Eu pisco.
— Ok, então para comer corretamente, como um bom cliente fã das
ostras do Red's, você tem que espremer um pouco de limão nelas e então
aplicar a quantidade certa de molho picante.
Ela levanta sua sobrancelha perfeitamente aparada para mim.
— E qual é a quantidade adequada? Devo observar você para garantir que
vou fazer direito?
Faço questão de estudá-la. Descansando meus cotovelos sobre a mesa,
tamborilo meus dedos sob meu queixo.
— Não tenho certeza se você vai acertar a técnica. Melhor me deixar
fazer isso por você desta vez. Não quero estragar a sua primeira experiência
por causa do erro de uma novata.
Ela empurra o prato para mim e gesticula para o sanduíche.
— Ok. Mas se eu odiar, quero que você saiba que vou te culpar para
sempre. Então, certifique-se de ter uma mão firme.
Dou uma piscadela.
—Mão firme? — certifico-me. — Essas mãos sabem exatamente o que
estão fazendo.
Grace puxa o lábio inferior entre os dentes e olha para mim através de
seus cílios.
— Mostre-me — ela sussurra, e eu juro por Deus que, se fosse possível se
apaixonar por alguém com base em uma única expressão, teria sido
exatamente esta.
Lentamente, pego o vidro de molho de pimenta e, fazendo uma
demonstração, retiro a tampa. Meus olhos nunca deixam os dela, que dançam
divertidos, prendendo a minha atenção.
Relutantemente, desvio meus olhos dos dela e me concentro na tarefa que
tenho em mãos.
Ela observa atentamente, não falando enquanto coloco um pouco de
Texas Pete em cada uma das ostras em seu sanduíche, certificando-me de
acertar a dose exata.
Começou como uma piada, mas agora sinto a necessidade de fazê-lo com
perfeição para ela. Como se tudo o que está acontecendo entre nós
dependesse do resultado de suas papilas gustativas.
Meu corpo estremece. Não sei o que é isso, mas quero que seja alguma
coisa. Não me relaciono com alguém há anos, se você contar como
relacionamento alguns encontros com a mesma mulher. Não é como se não
estivesse interessado em namorar, só que não há muitas opções nesta cidade.
Seja o que for, não quero estragar tudo porque não consegui cumprir
minha tarefa com perfeição.
Termino de preparar o seu sanduíche e devolvo o prato para ela.
— Aqui. Está perfeito.
Ela não fala nada, apenas pega seu sanduíche e o leva diretamente à boca.
Assisto atentamente enquanto ela dá uma mordida, observando suas feições e
buscando qualquer sinal de que estraguei tudo. Ela mastiga com os olhos
fechados, e eu prendo a respiração, esperando por sua aprovação. Por mais
ridículo que pareça, preciso que aprecie minhas escolhas de almoço para nós.
Como se a aprovação da comida significasse que também aprova a mim.
Finalmente, depois do que parece uma eternidade, suas pálpebras se
abrem e um sorriso irônico enfeita seu rosto.
—Você não estava mentindo. Suas mãos são muito eficientes. — Ela
lambe os lábios e, em seguida, limpa o canto da boca com um guardanapo. —
Acho que nunca conheci mãos que sabiam o que estavam fazendo melhor do
que as suas. — Ela pisca para mim, e eu solto uma gargalhada, deixando
escapar o ar que vinha segurando.
Ela se dissolve em um ataque de risos junto comigo, e eu forço meus
ouvidos para ouvi-la por sobre o próprio som que sai da minha boca. Eu
realmente estava certo, a risada dela é linda e quero memorizá-la.
— Sério, como está o sanduíche? — pergunto a ela uma vez que
finalmente recupero o fôlego.
Ela pega a comida novamente e dá outra grande mordida. Com a boca
cheia, ela me diz:
— Incrível. Melhor que a massa que me serviu ontem. Você estava
totalmente certo.
Sinto um alivio no peito e assinto. Em seguida, pego meu próprio
sanduíche e dou uma mordida.
— Ei, você não vai colocar o molho picante no seu também?
Seus olhos estão arregalados, a boca ligeiramente aberta.
Eu arqueio uma sobrancelha para ela.
— Uh, desculpe, eu só entendo a língua da boca cheia — brinco. Ela
suspira e depois volta a mastigar seu sanduíche.
— Eu perguntei: você não vai colocar o molho apimentado no seu
também?
Pouso meu sanduíche sobre a mesa e pego meu guardanapo, limpando as
migalhas do meu rosto. Deveria ter feito a barba naquela manhã, mas o barco
estava balançando um pouco mais forte do que o normal, e eu não quis que
parecesse que meu barbeiro era o Edward Mãos de Tesoura.
— Eu não gosto de comidas picantes — digo a ela e vejo seus olhos
brilharem de surpresa.
— O quê? — ela indaga num tom mais alto, quase gritando. — Mas...
Mas você... você disse... — ela gagueja e, por mais que eu tente, não consigo
parar de rir. De novo. Ri mais esta tarde, com essa mulher que mal conheço,
do que no mês passado inteiro.
— Não. Eu tenho um paladar sensível. Eu e molho picante não nos
misturamos. Mas meu pai me disse uma vez para nunca confiar em alguém
que não gostava de pimenta. E ele era o homem mais inteligente do mundo.
— Dou de ombros e coloco meu guardanapo de volta na mesa. Pegando meu
sanduíche com uma das mãos, aponto em sua direção. — Você, Grace,
passou no teste. — Dou outra mordida e depois pisco para ela. Grace
permanece sentada do outro lado da mesa, olhando incrédula para mim por
uns trinta segundos enquanto mastigo minha comida. Finalmente, ela pega
um picles de salmoura e mergulha no molho picante que meu paladar não
aguenta, colocando-o em sua boca, inclinando suas costas de volta para o
encosto. — Sobra mais para mim, eu acho.
Ela cruza os braços sobre o peito mais uma vez, tentando-me com outra
visão de seu decote espetacular, e fixa seus olhos em mim.
— Então, eu provei minha confiabilidade. Mas e você? Posso confiar?
Descanso meus antebraços na mesa e me inclino. Olhando com
intensidade para ela, sussurro:
— Provavelmente, não. — E não é totalmente uma brincadeira.
Mas eu quero que ela confie em mim.
— Jante comigo amanhã à noite.
Ela continua a mastigar os picles, encosta um dedo contra os lábios.
Finalmente, depois de alguns momentos, me livra da minha ansiedade.
— Só se você me levar para algum lugar que sirva pratos com peixe frito
e cerveja artesanal.
Meu bom Deus, acho que estou apaixonado.
Acaricio minha barba por fazer.
—Tem certeza de que não gostaria de caviar e champanhe? — É só uma
brincadeira. Ela não parece o tipo de garota que gostaria de ir a um bar de
quinta para comer frituras.
— Não. — Ela balança a cabeça. —Vamos viver um pouco.
Ergo meu queixo, tentando parecer blasé, mesmo que esteja
completamente empolgado por ela ter concordado em jantar comigo e meio
tonto por ela não quer ir a um restaurante chique.
— Tudo bem. Você quer um pé de chinelo. Conheço um lugar perfeito.
Grace

Passei a noite inteira analisando cada minuto do meu encontro com Bronn.
Se é que foi um encontro.
A partir do momento em que quase o atropelei com meu carro, passando
pelo jeito como sorriu amplamente quando percebeu que fora eu que quase o
matara, a sua provocação sobre ter atropelado alguém antes, passei a analisar
cada um de seus gestos.
Sua atitude durante o almoço, de fazer o pedido por mim, deveria ter me
incomodado. Eu era uma mulher adulta, independente, não precisava de um
homem falando por mim. Mas ele se lembrou do jeito que eu gostava da
minha bebida, e mesmo que não fosse um drinque tão complicado, eu tinha
certeza de que, como bartender, ele tinha ouvido um milhão de pedidos
ontem. No entanto, lembrava-se do meu.
Será que tinha passado a noite anterior pensando em mim também?
Meu estômago se revira com o pensamento.
Eu rio em voz alta, feliz por estar sozinha e não ter que explicar minha
explosão súbita, repassando sua declaração de que tinha um paladar frágil.
Meu coração aperta quando me lembro da tristeza em seu rosto, quase
imperceptível, quando ele mencionou o pai. A maioria das pessoas não teria
notado isso. Mas toda vez que eu mesma falava do meu, a expressão do meu
rosto era idêntica.
Será que ele tinha perdido o pai também?
Faço uma anotação mental para mencionar sobre isso na próxima vez.
Minha lista de coisas para perguntar a ele cresce mais a cada minuto.
Eu quero conhecê-lo.
E isso me assusta pra cassete. Não porque esteja interessada em um
homem, mas porque me sentia preocupada em não encontrar uma razão para
querer ficar nesta cidade, e então meu trabalho me mandaria embora e eu
reviveria minha infância outra vez.
Finalmente, sentir-me em paz com a vida só para tê-la arrebatada de mim.
Mais uma vez.
Então, depois de uma noite me revirando na cama, com um sono que foi
atormentado por sonhos, tanto do passado quanto do presente, esforço-me
para sair da cama bem antes de o sol nascer e calço meus tênis de corrida.
Estou determinada a expulsar Bronnson Williams do meu pensamento.
A vizinhança onde moro fica localizada próxima ao longo do Port Royal
Sound, e eles têm uma pequena praia fabulosa chamada Sands.
Sigo meu caminho pelas ruas calmas, com o sol começando a despontar
no horizonte, tentando afastar meus pensamentos de Bronn, enquanto os levo
a um tempo distante.
— Mamãe, sinto falta da praia. Nós vamos voltar para casa em breve?
Sua expressão murchou.
— Não, querida — ela sussurrou. — Nós nunca vamos voltar. Esta é a
nossa casa agora.
Meus olhos se encheram de lágrimas, e eu senti a tristeza me dominando.
— Mas eu não gosto deste lugar. Eu sinto falta do oceano. Sinto falta do
meu quarto. Tenho saudades do papai!
O rosto de mamãe se endureceu.
— CHEGA!
Seu tom me assustou, fazendo com que lágrimas caíssem de meus olhos.
Em vez de me puxar para seus braços para me confortar, ela se virou e
correu para fora do quarto, abandonando-me, enquanto eu chorava pelas
minhas perdas.
Quando me afasto da dolorosa lembrança, percebo que cheguei ao meu
destino. Olho em volta, vendo que estou sozinha e desacelero minha corrida
para uma caminhada.
Na beira da água, jogo-me sentada e cruzo as pernas, sentindo-me
satisfeita, ouvindo os sons da água enquanto espero que o sol se levante. A
tristeza perdura, mas começa a diminuir quando me acomodo.
Mamãe não estava sendo cruel anos atrás, como sempre pensei. Ela
estava sofrendo tanto quanto eu e lidando com isso da única forma que sabia.
Estava determinada a forjar um novo caminho na vida para ela e sua única
filha. Eu gostaria de ter percebido isso, mas era apenas uma criança.
E agora é tarde demais. Mamãe se foi.
Assim como o meu pai.
Como o Papai.
Sou só eu agora.
Eu tenho Riley. E um amigo de verdade é mais do que suficiente. Mas há
algo especial em saber que há uma outra parte de você em algum lugar.
Alguém a quem está conectado de jeito único, e isso é reconfortante.
E vovó ainda está viva, mas a demência roubou sua mente.
Mesmo que minha mãe tivesse se afastado de seus próprios pais por um
tempo, ela ainda se confortava em saber que eles existiam. E provou ser um
esforço que valera a pena, porque com o tempo ela consertou as coisas com
eles. Depois da reconciliação, passou a me lembrar constantemente de que
nunca era tarde demais para desculpas e segundas chances.
Depois que saímos de Beaufort, minha mãe cumpriu sua promessa de que
nunca mais voltaríamos. Nossas férias em família nunca incluíram a praia ou
o mar. Ela me disse que era porque preferia as montanhas ou as planícies,
mas eu sabia que, na verdade, estava tentando apagar as memórias do lugar
de onde viemos.
Eu não entendia os motivos dela, e até agora eu ainda não consigo
entender. Mas, quaisquer que fossem, ela os levou para o túmulo com ela, e
não adiantava especular sobre isso.
Fico sentada na areia por mais algum tempo, vendo o sol nascer
espetacularmente sobre o mar, e respiro fundo, saboreando o cheiro da água
salgada. Um golfinho pula na minha frente, e eu grito de alegria. Vários
outros seguem o seu líder, e eu sou apresentada a um show que nunca poderia
ter imaginado que veria, vivendo na capital do estado.
— Você estava errada, mamãe. Esta é a minha casa — murmuro.
Eu me levanto, limpando a areia atrás da minha legging e retomo minha
corrida. Consigo afastar os pensamentos de Bronn da minha mente, mas não
tenho certeza se as memórias que tomaram seu lugar são melhores.
Eu me esforço mais do que deveria, com a intenção de tirar a
negatividade do meu sangue. Em minha segunda volta pelo bairro, avisto
uma cafeteria e decido parar e me mimar. Sinto o cheiro de café e de bolos
recém-assados.
— Bom dia! — uma morena cumprimenta de trás do balcão. Eu sorrio e
aceno.
— Dando uma corrida? — ela pergunta.
— Sim, eu corria no colegial e na faculdade, mas tenho andado
preguiçosa ultimamente, e isso ficou bem evidente esta manhã. — Eu rio,
levando a mão à minha coluna.
Fui campeã estadual de cross-country no ensino médio e continuei
correndo e competindo na faculdade, mas depois de me formar não consegui
me dedicar tanto quanto antes. A corrida desta manhã foi a primeira em pelo
menos um mês, e mesmo que não tivesse me esforçado tanto quanto poderia,
ainda sentiria o peso da negligência amanhã.
Ela acena com a cabeça.
— Eu até tento correr algumas manhãs por semana, antes de abrir a
cafeteria. Mas, na maioria das vezes, minha cama aconchegante vence meu
desejo de ficar em forma. — Ela está colocando cookies de uma bandeja na
vitrine, e eu me aproximo para conferir as opções. Um com queijo
dinamarquês do tamanho da minha cabeça me chama a atenção.
— Vou ter que mudar minha rota de corrida para que ela não passe por
aqui, senão vou arruinar todo o meu trabalho duro com essas guloseimas que
você tem.
Ela ri e se endireita, colocando a bandeja em um balcão atrás dela.
— Você é nova na cidade?
Assinto.
— Bem, eu sou a Dani. Sou dona deste paraíso da cafeína, juntamente
com um grupo de outras empresas no centro. Viu algo que gostou? O
primeiro é por conta da casa.
— Oh, você não precisa fazer isso! Mas, sim, eu vou querer aquele com
queijo dinamarquês. E um café grande, com creme extra. Eu sou a Grace, a
propósito.
Ela tira a torta de queijo dinamarquês da bandeja e a coloca em uma
caixinha antes de pousá-la no balcão e se preparar para fazer o meu café. Por
cima do ombro, ela me diz:
— Considere esta a minha versão de um presente de boas-vindas.
Ela está dando os toques finais no meu café quando o sino acima da porta
toca novamente, e eu me viro instintivamente para ver quem entra.
Meus olhos se arregalam quando vejo que é Bronn.
Tanto esforço para tirá-lo da minha mente!
Minhas mãos voam automaticamente para o meu cabelo, e eu tento
desesperadamente arrumá-lo.
Um senhor mais velho sentado à porta chama a sua atenção, e eu suspiro
aliviada por ele não me notar.
Volto para a barista e sussurro:
— Uhm, você tem um banheiro?
Com a sobrancelha arqueada, ela sorri.
— Claro que sim. Bem ali. — Dani ergue um dedo e meu olhar segue a
direção para onde ela aponta, que é para os fundos da loja, diretamente atrás
de onde Bronn está.
Merda!
Eu pego um guardanapo do balcão e limpo meu rosto, enxugando o suor e
o brilho da minha corrida.
— Eu pareço ridícula? — pergunto, minha voz ainda baixa.
— Se você se refere ao seu traje de corrida, então, não. Mas se está se
referindo ao olhar de pânico em seu rosto porque Bronn entrou... bem, talvez
só um pouco.
Droga!
Ela ri, e o barulho chama a atenção dele, que olha para longe do
cavalheiro com quem está falando, voltando-se diretamente para mim.
Com um sorriso lento, ele se despede do homem e segue até onde eu
estou, completamente congelada, com a adrenalina correndo pelas minhas
veias enquanto sinto-o aproximar-se. O sorriso se torna mais amplo quanto
mais perto ele fica, e eu não consigo recuperar o fôlego. Está vestindo uma
camiseta sem mangas, e eu não consigo parar de olhar para seus braços
musculosos, imaginando como seria se estivessem ao redor do meu corpo.
— Bem, que surpresa vê-la aqui, Grace — sua voz soa baixa, e um
arrepio percorre minha espinha enquanto seus olhos me secam da cabeça aos
pés.
Finalmente saindo da névoa induzida pelos seus bíceps, engulo em seco e
digo a ele, de forma lamentável:
— Sim, eu estava voltando do cooper e parei para tomar café da manhã.
— Era óbvio o que eu estava fazendo, mas minha mente falhava em qualquer
outra forma de conversa inteligente.
Bronn olha por cima do meu ombro e assente.
— Dani, eu queria um daqueles bolinhos de mirtilo e um café grande.
Imagino que ela tenha concordado, porque a atenção dele se volta para
mim.
— Você está com pressa?
Eu balanço a minha cabeça em negativa.
— O trabalho só começa na semana que vem.
— Ótimo. Vamos nos sentar. — Assim como ontem, ele não espera que
eu concorde, só se vira e vai até uma mesa no canto.
Com pouca escolha a não ser segui-lo, atravesso a pequena loja e tomo a
cadeira em frente a ele.
— Você está acostumado a conseguir o que quer, não é? — pergunto
depois de me sentar.
Ele ergue uma sobrancelha, e eu continuo.
— Quero dizer, você nem esperou que eu dissesse: "Sim, eu adoraria
tomar um café com você", só falou, no melhor estilo homem das cavernas:
"Vamos nos sentar", e depois saiu de perto. E se eu não quisesse me sentar? E
se eu preferisse ficar de pé? E se eu quisesse ficar sentada do lado de fora e
não neste canto escuro?
Ele se inclina para frente, descansando os braços sobre a mesa de madeira
falsa. —Você quer ficar de pé? — pergunta solenemente.
Eu estico minhas pernas para frente, estremecendo um pouco quando elas
tremem de dor.
— Bem, não. Minhas pernas já estão doloridas da minha corrida.
Ele assente.
— Hummm. E você quer se sentar do lado de fora? — ele pergunta, com
o rosto ainda sério.
— Quero dizer, está um belo dia lá fora. — Olho ao redor da loja
aconchegante que agora está vazia agora, exceto por Dani, a barista. — Mas
tudo bem também.
— Então, o que você quer dizer é que esta mesa que eu escolhi está boa
para você? — Sua boca se contorce, e eu juro que ele está lutando contra um
sorriso.
Meus olhos se estreitam, e eu cruzo meus braços contra o peito.
— Suponho que seja exatamente o que estou dizendo.
Seus olhos disparam para o meu peito, e ele finalmente cede, soltando
uma grande gargalhada.
— Sabe, você faz muito isso.
— O quê? Reclamar sobre alguma coisa, mesmo que não valha a pena
reclamar? — pergunto, lutando contra o meu próprio sorriso.
Ele dá um rápido aceno de cabeça.
— Não. — Apontando o queixo em minha direção, ele diz: — Você fica
cruzando os braços contra o peito, me dando uma visão provocante do seu
decote. E quanto mais faz isso, mais difícil está se tornando não ceder e
apreciar a vista — sua voz torna-se deliciosamente baixa. — E, eu vou ser
honesto com você, Grace, estou tentando muito ser um cavalheiro aqui.
Pela forma como pronuncia meu nome, junto com a suavidade rouca de
sua voz, meu corpo começa a formigar e eu me contorço sob seu olhar
penetrante.
Ele percebe, e seus olhos se escurecem ainda mais.
— Então, a menos que você queira que o meu homem das cavernas
interior me vença e jogue você por cima do meu ombro, para te levar para
fora deste café, sugiro que relaxe um pouco. Pode começar descruzando os
braços.
Ele me dá uma piscadela lenta quando uma de suas mãos grandes puxa
meu pulso, liberando-o logo em seguida, assim como fez no dia anterior, em
nosso almoço. Meus braços caem nas laterais do meu corpo. Meu rosto está
quente, corado e não tenho certeza do que fazer ou dizer em seguida.
Pelo amor de Deus, Grace, recomponha-se!
Como um anjo enviado do céu, Dani surge à mesa, trazendo o café e o
biscoito de Bronn, e me salva de me envergonhar ainda mais.
— Aqui está, querido — diz ela, colocando os itens sobre a mesa.
Ela se inclina, com aquela cintura incrivelmente fina, e dá um beijo na
bochecha de Bronn. Meu coração se afunda tão profundamente dentro do
peito que eu tenho certeza de que há uma âncora conectada a ele.
A mão de Dani pousa no ombro dele, e ela se vira e pergunta:
—Você quer que eu te sirva mais café, Grace?
Com muito medo de dizer algo estúpido, pressiono meus lábios e balanço
a cabeça.
Minha mente se agita, primeiro em descrença e depois com raiva.
Será que Bronn tem namorada? Noiva? Esposa?
Talvez eles tenham um relacionamento aberto? Talvez ele esteja
acostumado a flertar na frente dela, e ela já nem liga mais para isso? Dani foi
extremamente acolhedora, talvez aquele lugar seja assim mesmo. Bronnson e
Dani Williams, o comitê de boas-vindas da cidade pequena...?
Com isso, minha mente acelera, quando sou acometida por uma vertigem.
Meu estômago se agita quando a humilhação me alcança, e percebo que
me fiz de idiota.
Tão rápido quanto a humilhação ameaça me dominar, a raiva borbulha e
assume seu lugar.
Como ele se atreve a flertar comigo? Como pode ser tão desrespeitoso
com Dani, levando outra mulher para almoçar, com aquela conversinha idiota
sobre molho de pimenta e depois falando sobre meus malditos seios,
enquanto ela obedientemente prepara seu café a poucos passos de distância?
Sentindo que já tinha visto o suficiente da situação, coloco-me de pé e
pigarreio.
— Eu realmente vou ter que fugir do seu café e da sua torta de queijo
dinamarquês, Dani.
Engulo o nó que está se formando na minha garganta e lanço um olhar
zangado para Bronn.
— Foi muito bom conhecer você. E obrigada pela conversa, mas tenho
que ir. Preciso começar a trabalhar.
É mentira, e eu sei que ele percebe isso no momento em que as palavras
saem dos meus lábios, mas não me importo. Tenho que sair daqui antes de
dizer algo do qual me arrependa.
Como chamá-lo de homem das cavernas.
Ou vomitar o nosso almoço de ontem.
Estou segurando a maçaneta da porta, prestes a abri-la, quando a mão
forte de Bronn cobre a minha.
— Ei, aonde você vai tão rápido?
Tirando a minha mão da dele, atiro-lhe um olhar raivoso, antes de abrir a
porta e sair sob o sol.
Ele me segue de perto, não mostrando sinais de que vai me deixar escapar
tão fácil. A raiva que corre pelas minhas veias finalmente entra em erupção, e
eu me viro para encará-lo.
—Você é um porco!
Ele para sua caminhada, erguendo as sobrancelhas até que elas atinjam a
linha de seu cabelo.
— Bem, eu já ouvi isso antes. Mas geralmente sei o que fiz para merecer
o xingamento.
Sua resposta casual só piora meu temperamento, que já está fervendo.
—Você me levou para almoçar ontem. Me convidou para jantar com você
esta noite. Comenta sobre meus peitos. Tudo isso enquanto tem namorada.
Ou esposa. Ou seja lá o que ela é!
Bronn fica boquiaberto e, então, deixando-me horrorizada, sorri.
— Dani não se importa que eu te leve para almoçar. Ou te convide para
jantar. Ou que comente sobre seus peitos.
Um som de desgosto escapa dos meus lábios.
— Bem, fico feliz que tenha encontrado alguém assim, mas seu estilo de
vida não é para mim.
Bronn dá um passo em minha direção, mas eu me mantenho firme. Ele
não para de avançar até se colocar à minha frente.
—Tem certeza de que não está interessada em meu estilo de vida? — sua
voz soa como pouco mais do que um sussurro. — Não é tão ruim, aposto que
você acabaria gostando dele. — Bronn pisca, e agora eu que fico boquiaberta.
Meu estômago se revira em nós, pois sua proposta é algo com o qual
nunca tinha me deparado.
— Absolutamente, não. Eu não compartilho.
Ele coloca o polegar e o indicador sob meu queixo, inclinando a minha
cabeça para trás. Esquivo-me de seu toque e dou um passo para trás. Minha
ação não o detém.
— Nem mesmo com a minha irmã?
A bile sube pela minha garganta.
— Incesto? — sussurro. Começo a me afastar dele, precisando me
distanciar um pouco.
Espere um minuto.
Quando as linhas ao redor de seus olhos começam a se enrugar por causa
de um sorriso, a verdade me atinge.
— Oh, Deus! — eu gemo, cobrindo meu rosto com as mãos. — Sou tão
idiota. — Nunca estive mais envergonhada em toda a minha vida. — Eu não
me importaria se o chão se abrisse e me engolisse agora — murmuro por trás
das minhas mãos, sentindo minhas bochechas pegarem fogo.
Ele afasta minhas mãos do meu rosto, deixando o seu próprio pairar a
poucos centímetros do meu.
— Sim, você é. — Ele pisca, firmando seu sorriso. — Mas é uma idiota
fofa.
— Você deve estar pensando que eu sou louca — choramingo, ainda
incapaz de olhar nos olhos dele.
Bronn sacode a cabeça, a mão ainda segurando meus pulsos.
— Não. A única coisa na qual estou pensando é a que horas posso buscá-
la para o nosso encontro hoje à noite.
Oh, Deus.
Eu me esqueci no nosso encontro hoje à noite. E agora que fiz uma
grande cena, estou começando a duvidar que ele possa acontecer.
—Você... você tem certeza de que ainda quer sair hoje à noite?
Ele solta a minha mão. Dando um passo para mais perto – se é que isso
era possível −, ele coloca uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha,
demorando um pouco mais com a mão no meu pescoço. O leve toque de seus
dedos na minha pele faz com que um tipo diferente de calor percorra meu
corpo.
— Eu fiz reservas no Shrimp Shak. Pedi a melhor mesa no convés. Seria
uma pena ter que levar minha irmã para jantar.
Eu franzo o cenho.
—Você realmente fez reservas no Shrimp Shak?
— Claro que não. — Ele ri. — Acho que eles nem têm um maldito
telefone naquele lugar. — Pega a minha mão, um hábito que notei que ele
tem, e corre o polegar pelo meu pulso.
Um simples gesto que ajuda a derreter o último resquício de embaraço.
Uma onda de calor floresce no meu peito quando ele pede com avidez:
— Então, jantar esta noite?
Não existe uma única chance de eu recusar esse convite, então, assinto.
— Não quero que você seja forçado a levar sua própria irmã para um
encontro. — Suspiro em falso horror. — O que as pessoas da cidade
pensariam?
Ele faz uma careta.
— Nós não queremos que eles fofoquem sobre nós, não é?
Pressionando meus lábios, eu balanço minha cabeça.
— Não, definitivamente não.
Bronn

Eu embico minha velha caminhonete para dentro do estacionamento e a


coloco na vaga, hesitando brevemente antes de desligar o motor.
Bessie é temperamental e hoje à noite, dentre todas as outras, ela
teimosamente se recusou a funcionar. Dou alguns tapinhas na lataria e
sussurro:
— Por favor, não comece com isso, minha velhinha. Ok?
Eu abro a porta, e o rangido alto me faz estremecer, mas tomo isso como
uma resposta de concordância e sorrio.
Sei que provavelmente é hora de fazer o upgrade para um modelo mais
novo, mas simplesmente não consigo me livrar da única coisa que ainda me
conecta ao meu pai.
Tinha planejado pegar Grace em sua casa, mas Bessie resolveu me deixar
na mão, então, precisaria ligar e perguntar se ela se importaria de me
encontrar no restaurante.
Eu não tinha um bom histórico com encontros. A última vez em que
fiquei ansioso para sair com uma mulher, tudo acabou em desastre. A
lembrança da garota gritando com o pai diante da porta se repete em minha
mente enquanto eu me sento em frente ao restaurante.
— Que diabos, papai?
Ele riu amargamente.
— Você realmente acha que eu vou deixar minha filha sair com aquele
pedaço de merda? Ele é problema desde o dia em que nasceu.
Com a voz trêmula, ela gritou:
— Você não sabe nada sobre ele!
— Eu sei que a mãe dele é uma vadia alcoólatra e o pai sempre foi uma
fraude — ele gritou, sua voz soando alta como se estivesse parado na minha
frente e não protegido por uma pesada porta de madeira.
Meus punhos cerraram enquanto eu ouvia a verdade que ele cuspiu a
respeito da minha mãe e as mentiras que sempre contou sobre meu pai.
Meu coração batia enquanto eu me convencia a ir embora.
— Papai! Por favor!
— Não. Absolutamente não. Você é melhor que Bronnson Williams.
Inferno, o dono do tráfico local é melhor do que ele. Agora suba as escadas e
tire essas roupas.
Passos pesados soaram, abrindo caminho pela casa.
Caso encerrado. Fim de discussão. Ela não iria a lugar algum comigo
naquela noite.
Balanço minha cabeça para afastar a memória, lembrando que isso
aconteceu há muito tempo. Além disso, Grace é diferente.
Salto da caminhonete e me apresso, ansioso para ver a mulher que não
consegui tirar da cabeça nos últimos dois dias.
Depois de abrir a porta, levo um momento para deixar meus olhos se
ajustarem à mudança de iluminação. Assim que consigo novamente enxergar,
noto uma mulher em pé, e o sorriso largo em seu rosto é em minha direção.
Pisco duas vezes antes de perceber que a mulher perfeitamente vestida é
Grace.
Dou um passo à frente e a examino da cabeça aos pés.
Ela está usando um vestido de seda azul claro que combina com seus
olhos, abraçando seu corpo sem ser muito revelador. O cabelo está
perfeitamente alisado, diferente da bagunça selvagem das primeiras vezes em
que a vi. Sua maquiagem é perfeita, destacando sua beleza natural de todas as
maneiras certas. Não é sutil, mas também não é exagerado como se estivesse
tentando aparecer demais.
Não que ela precise se esforçar.
Sigo o comprimento de suas pernas nuas e vejo que elas terminam em um
par de sandálias marrons, e eu posso ver suas unhas bem cuidadas. Ela está
segurando uma bolsinha pequena que é da cor exata de seus sapatos.
— Você está incrível — eu digo a ela, passando um braço ao redor de
seus ombros e puxando-a para um abraço firme.
Ela sorri.
— Você também.
É a verdade, ela está incrível. Mas também... diferente.
Esta Grace não é a mesma Grace do nosso almoço improvisado no Red's
ou do nosso breve encontro desta manhã.
E por mais que a Grace perfeita seja linda em todos os aspectos que
deveria ser, eu sinto falta da mulher bagunçada e ruiva que quase me
atropelou.
Esta Grace é alguém em quem eu apreciaria dar uma boa olhada, porque,
vamos ser honestos, ela é linda. Mas eu nunca tentaria me aproximar,
sabendo que não estaria interessada em mim.
Começando a ponderar o que diabos estou fazendo aqui, hesito quando a
recepcionista nos guia até nossa mesa.
Grace faz uma pausa, franzindo a testa.
— Tudo bem, Bronn?
Meu nome soa vindo de seus lábios, atingindo-me no estômago, e eu
assinto.

Sim, sim. Desculpe, acabei me distraindo.

Vindo de seus lábios, o meu nome soa mágico e cheio de promessas.


Não parece o nome de um babaca qualquer.
Eu gosto disso.
Sua sobrancelha ainda está franzida, mas ela sorri de novo.
—Você tem certeza? — Eu assinto outra vez.
Chegamos à mesa, e eu puxo sua cadeira para ela, determinado a afastar a
tensão que de repente cai sobre mim.
Depois que a recepcionista sai, tento uma conversa informal, mas parece
mais forçado, nada como a brincadeira de ontem.
Grace está sentada em silêncio diante de mim, seus dedos rasgando o
guardanapo que fica sob o copo de água.
Um desapontamento toma conta de mim quando percebo que este
encontro será um fracasso épico.
— Olha... — Eu hesito, não tendo certeza do que dizer.
— Você tem certeza de que está bem? Isso é porque eu pensei que sua
irmã era sua namorada? — ela pergunta, o vinco retornando entre as
sobrancelhas.
Seu rosto horrorizado surge na minha cabeça, e eu não consigo não rir de
novo.
— Não, não mesmo.
— Eu não deveria ter presumido nada. Tenho tentado trabalhar nisso. —
Ela brinca com seu copo de água, sua atenção focada em tudo menos em
mim.
Provavelmente está pronta para ir embora.
—Trabalhar em quê?
Seus olhos encontram os meus.
— Em tirar conclusões precipitadas. — Ela ergue um ombro sem
entusiasmo. — De presumir coisas sem ter nenhuma evidência para
comprovar.
Suas palavras ecoam nos meus ouvidos. De jeito nenhum ela poderia
saber, mas acabou de me fazer voltar a mim.
—Você é uma mutante?
Ela pisca para mim, e uma expressão de confusão se desenha em seu
lindo rosto.
— Uhm. Não que eu saiba...
— Tem certeza disso? Você não consegue ler mentes?
Ela ri.
— Deus! Eu queria muito. Teria sido útil enquanto eu crescia com a
minha vó.
Seus olhos se separam dos meus brevemente, mas não antes de eu os ver
brilharem com uma leve melancolia.
— Mas, não. Por quê?
A garçonete vem pegar nosso pedido de bebida, e eu peço uma cerveja.
Grace garante que prefere água. Quando a atendente sai, voltamos para o
silêncio constrangedor, e quando não consigo pensar em nada para iniciar a
conversa, pigarreio.
— O que você está fazendo aqui comigo?
Ela franze o cenho.
— Jantando?
— Sim, mas por quê? — Eu gesticulo em torno do salão lotado. — Olhe
em volta. Todo homem neste restaurante está nos observando, imaginando
como diabos eu consegui uma mulher como você.
Ela olha ao redor da sala. Erguendo um ombro, ela sorri.
— Acho que você não notou as mulheres babando em você, então?
Eu zombei.
— Por favor. Olhe para você. — Eu aponto para ela. — Não há um único
fio de cabelo fora do lugar em sua cabeça. Parece que uma equipe de
especialistas em beleza fez sua maquiagem. — A mão dela voa até a própria
cabeça. — Você é linda. Mas, baby, seus sapatos provavelmente custam mais
do que a porra da minha caminhonete que mal conseguiu chegar aqui. —
Aponto um dedo em direção à porta. — Você se parece a dama que se sentou
no meu bar há alguns dias e mal olhou para cima para me pedir uma bebida.
Não parece com a mulher de cabelos selvagens que quase me atropelou e
depois me seguiu por um beco decadente. — Aponto o mesmo dedo em sua
direção. — Aquela mulher é alguém que não se importaria de ser vista de
braços dados com Bronnson Williams. — Gesticulo novamente. — Não
tenho nada em comum com a mulher sentada à minha frente.
Seus lábios se franzem em uma linha fina, mas não por muito tempo.
— Bem, então estamos mesmo tendo um retrocesso, porque você está
agindo como o bartender idiota que propositalmente errou meu pedido
porque o insultei sem querer.
Eu pisco. E então pisco de novo.
Puta merda, essa mulher.
Ela está completamente certa.
— Ouça, me desculpe.
Ela deixa cair os pedaços do guardanapo que estava rasgando e ergue a
mão. Engulo em seco, deixando-a continuar.
— Meu pai morreu quando eu era criança.
Meu coração afunda. Posso não saber aonde quer chegar com isso, mas
conheço o sentimento de perda, mesmo anos depois.
Ela engole em seco.
— Minha mãe e eu nos tornamos dependentes da minha avó depois disso.
— Grace se remexe em seu assento, e quero tranquilizá-la de que não precisa
ficar desconfortável comigo. Mas meu discurso anterior provavelmente refuta
essa noção, então, eu não faço nada exceto assistir enquanto ela continua a
tentar se recompor.
— E vovó era... Bem, ela era rigorosa. Tinha expectativas. Expectativas
que ninguém conseguia cumprir. — Ela me oferece um sorriso triste. —
Esperava que nós sempre parecêssemos mulheres elegantes. O que
significava nunca sair de casa a menos que estivéssemos completamente
vestidas, maquiadas, cabelos penteados. O que também significava que só
tínhamos o melhor de tudo. — Solta uma risada abafada. — Meu pobre pai
trabalhava para caralho. Ah! Nós também não xingamos. — Um sorriso
sarcástico substitui o triste e sua voz se torna mais desanimada. — Eu
também nunca podia me bronzear. — Não posso evitar sorrir com ela.
Ela aponta para a mesa à nossa frente.
— Por causa de tudo isso, nós fazíamos aulas de etiqueta. Não importava
que eu quisesse usar jeans e camisetas, brincar na areia e beber um
refrigerante no almoço como todas as outras crianças. Era esperado de mim
que eu fosse uma dama. Como vovó era. — Grace sorri com tristeza de novo,
seus olhos nunca deixando os meus. — Mas, Bronn... Como eu me visto, o
carro que eu dirijo, meu cabelo perfeitamente penteado ou o fato de que
consigo caminhar com um livro equilibrado na minha cabeça... essas coisas
não são o mais importante de uma pessoa…
Claro que eu não sabia nada disso sobre ela, mas não me impede de sentir
como se eu fosse um pedaço de merda que ela amassaria com seus saltos
caros.
Eu solto um gemido.
— Eu sou um idiota.
Ela sorri, um sorriso genuíno pela primeira vez desde que nos
encontramos.
— Sim, um pouco.
Eu balanço a cabeça.
— Não. Muito.
Com o copo na mão, ela bebe a água pelo canudo.
— Ok, muito.
— Eu perdi meu pai também — digo a ela. Eu não tenho ideia do porquê
de eu resolver compartilhar a informação, mas deixar aquelas palavras
escaparem não fora tão doloroso como esperei que fosse.
Seus olhos se fixam nos meus.
— Viu? Nós temos algo em comum.
Eu duvido, mas dou de ombros.
— Sim, acho que sim. Embora seja uma merda, não é?
Ela balança a cabeça, o rosto novamente desanimado.
— Sim. — Seu olhar ultrapassa o meu ombro, e seus olhos não parecem
focados em nada. É um olhar que eu conheço muito bem. Ela foi capturada
pelo passado; um que provavelmente era mais feliz quando seu pai estava
vivo. Pelo menos era assim para mim. Eu não a interrompo, não tento
recuperar a sua atenção. Depois de um breve momento, Grace volta os olhos
para mim, seu rosto se iluminando.
— Mas tenho certeza de que podemos encontrar outras coisas em comum
— diz ela, brincando.
Tenho certeza de que podemos também, mas é cedo demais para os
pensamentos que de repente surgem em minha cabeça.
— Sua avó parece tão legal quanto a minha mãe inútil.
— Sua mãe era rígida também? — Ela descansa o queixo na mão, a
cabeça inclinada para o lado.
Eu rio amargamente e então tomo um gole da minha cerveja.
— Ela nunca se importou o suficiente para isso.
Seus olhos suavizam.
— Eu sinto muito. — Suas palavras são genuínas, e isso me deixa
desconfortável.
— Não, não sinta.
— Bem, você tem uma irmã. Eu sempre quis uma irmã. Como é? Crescer
tendo a companhia de alguém?
— Não somos filhos da mesma mãe. Sorte a dela. Então, nós não
crescemos juntos, na verdade. Especialmente depois que papai morreu.
Minha mãe era uma pessoa amarga, tentou me afastar de Dani e da mãe dela.
— Nossa, que merda — ela murmura. — Eu não estou fazendo um
trabalho muito bom em direcionar esta conversa para tópicos mais leves,
estou?
Eu rio.
— Cor favorita?
Ela estreita os olhos e tamborila a unha bem cuidada nos lábios.
— Vermelho. E a sua?
— Verde.
— Droga — ela murmura. — Passatempo favorito?
— Leitura — eu admito, com certa timidez.
É algo que comecei quando criança, quando minha mãe estava bêbada
demais para me dar alguma atenção. Eu me perdia nos mundos sobre os quais
lia, fingindo que era um rei medieval ou um matador de dragões. O hábito
permaneceu comigo, embora os assuntos que me interessavam fossem
mudando à medida que envelhecia.
Seus olhos se iluminam.
— Mesmo? Eu amo ler. Qual é o seu gênero favorito?
— Terror.
Seu rosto novamente parece desanimado.
— Droga! Você já tentou romance?
— Um daquele com Fabio na capa? — Eu ergo uma sobrancelha e dou a
ela a minha melhor imitação de modelo de capa de romance sensual.
Ela ri.
— Sim, exatamente. Você sabe, com aqueles homens musculosos e altos
na capa. Aqueles cheios de cenas com membros pulsantes? São meu
passatempo secreto.
— Que diabos é um membro pulsante? — Balançando a cabeça, eu ergo a
minha mão. — Não importa, eu não quero saber.
Ela ri, jogando um guardanapo na minha direção, e o som me aquece. A
garçonete se aproxima para pegar nosso pedido.
Com a cabeça inclinada para o lado, um sorriso brincalhão marcado no
rosto, Grace pergunta:
— Então, vamos em frente?
Entendo o que ela quer dizer e, contra todos os meus instintos, que nunca
foram muito bons de qualquer maneira, eu assinto. Coloco a mão sobre a
mesa, com a palma para cima e levanto uma sobrancelha. Ela sorri ainda mais
e coloca a mão macia sobre a minha. No momento em que seus dedos se
entrelaçam aos meus, a tensão desaparece e é substituída por uma onda de
excitação.
Com uma piscadela, eu digo:
— Porra, claro que sim.
Grace

— Uma garota poderia se acostumar com isso. — Eu suspiro, colocando


meu garfo coberto de chocolate sobre o prato.
Bronn limpa a boca com um guardanapo e depois o joga na mesa.
— Peixe frito e bolo de chocolate?
— Hum-hum. — Assinto. — É disso que os sonhos são feitos.—
Ele balança a cabeça.
— Se você diz. Está pronta para sair daqui?
Para ser sincera, não.
— Claro.
Nosso encontro pode ter começado de uma forma estranha, mas terminou
muito bem. A comida era simples, mas incrível. Apesar do que Bronn
presumira, eu não precisava nem queria um restaurante chique. Tudo o que
eu desejava era uma boa comida e boa companhia. E ele me deu ambos.
E, embora tivesse doído o fato de Bronn tirar conclusões precipitadas ao
meu respeito, fora bom esclarecer as coisas.
Mesmo que eu tivesse sido criada para ser uma dama do sul, esta não era
a minha essência.
Lá no fundo, eu ainda era a mesma menina que não queria nada além de
apreciar o cheiro de maresia e sentir o sol no meu rosto.
— Eu te convidaria para mais uma bebida, mas... — a voz de Bronn
interrompe meus pensamentos, e eu volto minha atenção para o homem à
minha frente.
Dou de ombros.
— Está bem. Tenho que fazer algumas coisas amanhã de manhã, antes do
meu primeiro turno no hospital, então, eu provavelmente deveria voltar para
casa.
Ele balança a cabeça e fica de pé. Eu faço o mesmo, afastando-me da
mesa e pegando a minha bolsa.
Enquanto andamos até a porta, ele pergunta:
— Você tem uma razão para não beber?
— Sim — digo a ele por cima do meu ombro. — É uma história triste.
Um dia eu te conto.
Paro na frente do meu carro e pego Bronn me avaliando, mas ele não me
pressiona a falar, então, suspiro aliviada. Estacionada ao lado do meu carro
há uma caminhonete que deve ser duas vezes mais velha do que eu e que
parece que deveria ter sido enterrada há muito tempo.
Bronn aponta o polegar na direção da lata velha e me diz:
— Bessie já viu dias melhores, mas eu simplesmente não consigo colocá-
la a venda.
Eu abro a porta e jogo minha bolsa dentro do carro antes de me virar para
encarar Bronn.
— Bessie, hein?
Ele apoia um quadril em seu pára-choque dianteiro.
— Pertencia ao meu pai. Quando ele morreu, a mãe de Dani a manteve.
Então ela foi dada a mim.
Seu rosto parece relaxado, mas a dor de sua perda ainda está presente em
seus olhos, e eu percebo que é algo constante. Nem mesmo seus sorrisos
apagam a tristeza perpétua que Bronn carrega com ele. É uma tristeza que eu
carrego comigo também.
—Quando eu era criança, meu pai me levou à praia uma vez.
As sobrancelhas de Bronn se unem, e eu me apresso para continuar a
minha história.
— Estava frio naquela manhã, no início da primavera, e a brisa causava
arrepios nos meus braços. Eu me lembro do papai tirando o moletom e
colocando-o em mim. Ele me engoliu. — Eu paro e rio, lembrando-me de
como as mangas da peça se arrastavam pelo chão e como papai gargalhou da
visão antes de enrolá-las. — De qualquer forma, procuramos os dentes dos
tubarões naquela manhã. Estava frio demais para nadar, muito frio para
brincar na areia. Mas eu tinha um fascínio pelos predadores do mar, um
recém descoberto, e papai parecia determinado de que iríamos encontrar a
mandíbula de um grande tubarão branco, eu acho. — Mantive meus olhos no
céu até aquele momento, mas os virei para Bronn e encontrei seu rosto
extasiado e prestando atenção em mim, sua expressão intensa. — Nós
procuramos e procuramos até meus olhos revirarem de cansaço. Mas não
tivemos sorte.
Eu não posso afastar meu olhar de Bronn, embora o jeito com que me
analisa seja enervante.
— Encontramos todos os tipos de conchas surpreendentes, pedrinhas que
foram levadas à areia pelas ondas, conchas de caranguejos que
provavelmente tinham sido comidos por gaivotas. Mas nada que viesse da
boca de um tubarão. — Dou de ombros e sorrio. Bronn sorri de volta. Seu
rosto finalmente relaxa, mas seus olhos ainda estão cheios de emoção. — Eu
lembro que papai ficou muito desapontado. Mas eu não. Passei a manhã com
minha pessoa favorita no mundo. Poderia estar congelando, com o rosto
rachado pelo vento e chicoteado pela areia, meu cabelo uma bagunça
emaranhada que levaria uma hora para mamãe escovar, mas foi o melhor dia
da minha vida. — O meio sorriso que eu estava ostentando enquanto me
perdia na memória desaparece. — Aquela foi a minha última feliz lembrança
com ele. Ele morreu pouco depois disso. — Engulo em seco, determinada a
não chorar.
As imagens em minha mente são agridoces, mas, ainda assim,
maravilhosas. É o que acontece com memórias. A mesma lembrança pode ser
feliz ou triste, dependendo de como você escolhe se recordar dela. E escolho
lembrar pela alegria que senti naquele dia, não a tristeza esmagadora de ter
sido a última vez em que me senti tão feliz.
Eu pigarreio para disfarçar a emoção.
— De qualquer forma, eu não sei por que compartilhei isso. Talvez só
para mostrar a você que entendo o motivo de se manter algo porque tem valor
sentimental. — Aponto para a caminhonete dele. — Bessie pode não valer
dinheiro, mas vale seu peso em ouro se ela te faz feliz.
Meus lábios tremem quando ofereço um sorriso. Bronn pode pensar que
viemos de mundos diferentes e talvez seja verdade. Vovó me mataria se me
visse chegando em casa de um encontro em uma caminhonete como a dele.
Mas há tristeza e perda em todos os lugares, não importa quanto dinheiro
você tenha. E este é o fio comum que nos une, quer Bronn perceba ou não.
Do nada, meu desejo de beijar esse homem ferido pelo destino me
subjuga. Meu estômago está se revirando, por isso, dou um passo à frente e
diminuo a pequena distância entre nós.

Colocando-me na ponta dos pés, deslizo a mão ao longo da lateral do pescoço


grosso e o envolvo pela nuca, sentindo os fios de seu cabelo entre os meus
dedos. É espesso e macio, exatamente como imaginei que seria. E eu fantasiei
muito com o cabelo dele nos últimos dois dias. Fantasiei muito, sonhando
com ele inteiro.
Sem tempo para hesitar, pressiono meus lábios nos dele. Sua boca está
firme, sua barba faz cócegas no meu rosto. Por uma fração de segundo,
Bronn nem se mexe, e temo ter cometido um erro embaraçoso. Assim que me
movo para me afastar, seus braços fortes envolvem minha cintura,
prendendo-me ali.
Seus lábios se abrem, sua língua lambe a minha e eu não hesito mais em
me entregar. Ele tem gosto de chocolate, e o sabor da nossa sobremesa ainda
permanece em sua boca. Gemo suavemente e pressiono meu corpo contra o
dele, querendo chegar impossivelmente mais perto. Cada centímetro da
minha pele formiga com o contato, um zumbido se espalha por todo o meu
corpo.
Bronn aprofunda o beijo, sua língua desliza gloriosamente contra a minha
e eu fico grata por seus braços estarem me segurando com firmeza quando ele
nos gira, imprensando-me contra a sua caminhonete.
Com um braço ainda mantendo meus quadris colados aos dele, sua mão
livre se embola em meu cabelo antes de ele agarrar um punhado e segurar
minha cabeça firmemente no lugar.
Estou perdida nas sensações de seu beijo, o jeito como sua língua
mergulha na minha boca, tomando exatamente o que quer, não me permitindo
um momento para recuperar o fôlego enquanto continua seu delicioso assalto
à minha boca.
Com nossos quadris pressionados juntos, posso sentir sua ereção
crescendo, e isso causa uma dor na boca do meu estômago. Estou
desesperada para sentir mais dele, arrancar as roupas de seu corpo e passar as
mãos sobre cada centímetro do que com certeza será uma obra de arte.
Mas, rapidamente, ele se afasta, interrompendo o contato e me deixando
sem fôlego e ofegante. Ele descansa a testa contra a minha, nossas
respirações irregulares em uníssono.
Meus olhos se fecham, enquanto eu ainda tento recuperar o fôlego. Sua
respiração quente faz cócegas no meu rosto.
Com uma voz grave e baixa, ele pergunta:
— Tem certeza de que você tem que ir para casa? — Quero dizer a ele
que não, que não tenho que ir a lugar algum, exceto para a cama com ele.
Mas é muito cedo para isso, então, mordo meu lábio e aceno.
Bronn se afasta, dando-me o espaço que não quero, e abre a porta do meu
carro para mim. Lentamente me arrasto até ele, não me sentindo pronta para
dizer boa noite, mas deslizo para dentro. Ele fecha a porta assim que estou
completamente dentro e se inclina para a janela que eu acabei de abrir.
— Boa sorte amanhã.
Estas palavrinhas simples me aquecem o coração.
— Obrigada. Primeiro dia em um trabalho novo é sempre estressante.
Ele balança a cabeça, seus olhos suaves vagando pelo meu rosto.
— Tenho certeza de que todo mundo vai amar você.
Para um homem que é completamente áspero na superfície, ele consegue
ser surpreendentemente doce.
Eu balanço a cabeça, sentindo meu coração derreter, e ele se inclina para
dentro do carro, mal conseguindo encaixar seu corpo musculoso pela janela, e
me beija suavemente nos lábios.
— Ligue para mim quando seu turno acabar? — ele pede, seu rosto ainda
muito próximo do meu, seu cheiro preenchendo meu carro.
— Serão sete horas da manhã.
— Eu vou atender — ele me garante.
— Ok.
Observo-o conforme se levanta e caminha até a sua caminhonete. A porta
range com força, soando como um gato morrendo, e ele sobe nela, fechando-
a. Quando percebe que ainda estou no mesmo lugar, faz um gesto para eu ir,
então, coloco o carro em marcha à ré e dou a volta, com meus olhos ainda
colados a ele.
Enquanto dirijo para casa, relembro seu beijo, guardando todas as
sensações na memória e tentando me convencer de que não estou tão
apaixonada.
Bronn

Embico Bessie atrás de onde a BMW da Grace está estacionada na calçada,


do lado de fora da casa dela, e rio do contraste entre os dois veículos
enquanto desligo o motor. Depois de abrir a porta, pulo para fora e,
curvando-me, amarro o tênis que acabei de enfiar nos pés.
O sol está apenas começando a espreitar no horizonte conforme subo a
calçada até a casa de Grace. Ela abre a porta da frente assim que eu começo a
subir suas escadas, e a surpresa em seu rosto me faz rir.
— Bronn! O que você está fazendo aqui? — ela cantarola, e um largo
sorriso se estende até os seus olhos. Fecha a porta atrás de si, tomando
cuidado para não batê-la, e então desce as escadas, seu rabo de cavalo
balançando alto em sua cabeça. Na luz do amanhecer, posso ver os reflexos
vermelhos em seu cabelo. Pergunto-me se é natural ou se ela paga quantias
obscenas para que fique assim.
Vestida com uma blusa solta e shorts apertados, ela parece incrível. Seu
rosto está limpo de maquiagem, uma visão que nunca tive antes, e o punhado
de sardas no nariz lhe concede uma aparência mais jovem.
Está sem jeito na minha frente, deslocando seu peso de um pé para o
outro, esperando pela minha resposta, mas não consigo parar de olhar para
ela por tempo suficiente para responder.
Eu quero tomar seu rosto em minhas mãos e puxar seu corpo contra o
meu, dando-lhe um beijo longo e intenso até que ela me implore para fazê-la
esquecer sua corrida matinal e para levá-la para seu quarto. Estou morrendo
de vontade de mostrar-lhe, com a minha boca, o quanto estou a fim dela,
como não consigo tirá-la da cabeça, não importa o quão ocupado eu esteja ou
quantas cervejas tenha tomado.
E eu tentei.
Que se fodesse, mas eu tentei tirá-la da cabeça. Tentei me livrar da
sensação do corpo dela pressionado contra o meu, esquecer seu gosto, o quão
suaves eram seus lábios. Eu me esforcei muito para parar de reviver aquele
beijo na minha mente.
Mas não consegui.
Foram três dias de Grace presa na minha cabeça.
Mas não é apenas na química que temos que não consigo parar de pensar.
Foi o olhar em seu rosto quando ela me contou a história de seu pai e dos
dentes dos tubarões e a forma como meu estômago se revirou.
Passei a sentir coisas, desde que conheci Grace Monroe, que não sentia há
muito tempo. Ou nunca, se fosse realmente honesto. Nunca quis resolver os
problemas de outra pessoa, porque eu tinha muitos. Não conseguia me
lembrar se alguma vez já havia desejado poder arrancar a dor de outra pessoa.
Porque ninguém nunca fizera isso por mim.
Mas, naquele momento, queria poder voltar no tempo, ajudar a ela e ao
pai a encontrar os malditos dentes de tubarão, para que a lembrança inteira
pudesse ser boa.
Eu não podia mudar o passado − um fato de merda que eu conhecia muito
bem. Mas isso não significa que não poderia ajudá-la a criar novas memórias.
Boas. Memórias que pertencessem apenas a ela. A nós.
Com minhas mãos presas às laterais do corpo, digo a ela:
— Pensei que seria legal me juntar a você para a sua corrida esta manhã.
Seu rosto se ilumina ainda mais, e seu sorriso se torna incrivelmente mais
amplo.
—Você corre?
Eu assinto, mentindo por entre meus dentes.
— Adoro. Ajuda a limpar minha mente.
Eu nunca havia corrido um único dia na minha vida. Preferia muito mais
levantar pesos, gastar meu tempo na academia, em oposição ao calor
opressivo do sul.
Ela balança a cabeça, e seu entusiasmo é contagiante quando concorda
comigo.
— Eu sempre disse a mesma coisa! É libertador estar sozinha com seus
pensamentos. Eu nem gosto de ouvir música na maior parte do tempo. E
você? — Grace me olha e eu balanço a cabeça.
— Não. Não iria querer estragar a serenidade do momento com música
pop da moda.
Ela se inclina, tocando os dedos dos pés para se alongar, os olhos
fechados. Sigo sua liderança, mas mantenho meus olhos abertos. Seu rosto
está relaxado e observá-la também me deixa mais sereno.
Grace continua a se dobrar, torcer e balançar para frente e para trás,
tornando-se ágil para sua corrida, e eu pretendo fazer o mesmo. Não sei por
que precisamos levar tanto tempo para nos aquecer, mas não reclamo. Afinal,
estou gostando da visão da linda mulher à minha frente.
Depois do que parece que deveria ter sido o treino completo, e não apenas
o aquecimento, ela se endireita e bate palmas.
— Você está aquecido? — Assinto, concordando com ela. — Ok, então
vamos. Eu gosto de correr nas areias; tudo bem para você?
Perfeito.
— Você é a comandante hoje, estou apenas aproveitando o passeio... ou a
corrida.
Ela ri e, em seguida, dita o ritmo − não muito rápido, mas não tão lento
quanto eu teria gostado. Corremos em silêncio, Grace alguns passos à minha
frente. Eu começo a me pegar concordando com ela.
É realmente libertador correr com nada além de seus pensamentos.
Bem, isso e uma visão da bunda perfeita de uma mulher sexy para me
estimular. Ao chegarmos na área praiana do bairro, Grace começa a
desacelerar. A dor que sinto na lateral do meu corpo faz uma oração
silenciosa de agradecimento por termos interrompido o ritmo cansativo, e
quando eu me coloco ao seu lado, esforço-me para não parecer arfante. O
rosto de Grace está brilhando de suor, mas ela não está respirando tão pesado
quanto eu. Luto para regular minha respiração ainda mais, não querendo me
envergonhar na frente dela. Ou pior, não quero que descubra minha pequena
mentirinha.
Quando chegamos à beira do mar, ela para e começa a se esticar, e seus
olhos astutos observam enquanto eu me forço a ficar em pé.
Ela arqueia uma sobrancelha.
— Tem certeza de que você ama correr?
Ah, merda!
— Hum, sim — digo a ela, ainda ofegante como um cachorro. — É a
melhor coisa.
Quando ela cruza os braços contra o peito, eu ergo minhas mãos em sinal
de rendição.
— Ok, já faz um tempo desde a última vez em que corri.
— Ah, sim? — ela brinca. — Quanto tempo exatamente? Vinte anos? —
Seu olhar cai para os meus tênis. Tento esconder meus pés, mas não rápido o
suficiente. Sua cabeça se levanta, os olhos arregalados. — São novos! Oh,
meu Deus, Bronnson!
Pego no flagra.
— O quê? Essas coisas velhas? Tenho isso há séculos — protesto,
finalmente conseguindo respirar novamente. Ela está olhando para mim com
um sorriso no rosto. Chuto a areia, desenterrando algo preto e brilhante.
Eu agacho, minhas coxas protestando contra o movimento repentino, e
pego o objeto que chamou a minha atenção.
— Ei, o que é isso? — pergunto baixinho, levantando-me e tentando não
estremecer quando minhas pernas gritam de dor.
Grace está certa, meus pés estão ferrados. Assim com meus quadris e
panturrilhas.
Mas passar a manhã com ela valeu a pena.
Ainda sorrindo, ela se aproxima, e eu estendo minha mão, com a palma
para cima, revelando o grande dente de tubarão negro que acabei de pegar.
Grace solta um grito e agarra a minha mão, aproximando-a de seu rosto
para que possa inspecionar o objeto.
— Oh, meu Deus! Você o encontrou agora?
Sua cabeça se inclina para trás, e seus olhos, cheios de espanto,
encontram os meus. Minha respiração pega com o brilho de seu sorriso, e
meu peito se incha ao saber que sou a causa de sua euforia. Sua reação é tudo
o que eu esperava que aconteceria.
Eu me forço a parecer indiferente, então, assinto e dou de ombros.
— Sim, estava bem aqui, perto do meu pé.
— Uau. — Ela arfa. — Um dente de tubarão da vida real.
Ela vira o dente na palma da minha mão, estudando cuidadosamente as
bordas serrilhadas, como se fosse fazer uma prova mais tarde e precisasse
memorizar cada detalhe.
Eu entrego a ela, e enquanto está examinando o artefato, eu me arrasto e
me inclino, pegando outro dente.
— Olha, mais um!
Seu queixo cai, e ela corre para onde eu estou.
— Puta merda!
Assim que vê o dente na minha mão, abaixa a cabeça, cai e começa a
examinar o chão, tentando encontrar um por si mesma. Depois de apenas
alguns segundos, ela se joga de joelhos e começa a cavar a areia.
Tão rapidamente quanto se joga, Grace se levanta, segurando um dente
bem acima da cabeça, gritando:
— Eu encontrei um! Olha, Bronn!
Ela balança o dente na minha cara, e eu não consigo evitar soltar uma
gargalhada em sua exuberância.
Por ter vivido perto da praia por toda a minha vida, já encontrei centenas
de dentes de tubarão, mas acho que nunca estive tão empolgado em encontrar
um como Grace. Ela continua a festejar, balançando o dente como se fosse
um troféu de campeonato.
Estou arrebatado por sua excitação. Por sua alegria.
Por ela.
— Bronn, você acha que há mais? — ela pergunta sem fôlego, o rosto
esperançoso.
Estou certo disso.
Faço uma demonstração, como se estivesse olhando ao redor, cavando a
areia com o dedo do pé, e digo a ela:
— Quero dizer, sim. Provavelmente. Quer procurar por alguns minutos?
Ela balança a cabeça vigorosamente, e eu digo a ela:
— Ok, então acabamos de encontrar mais um.
— Ei! — ela interrompe, com as mãos nos quadris. — Acabei de
encontrar um, muito obrigada! Será que ainda vou me surpreender mais com
você? Primeiro o molho picante, e agora se mostra um especialista em caçar
dentes de tubarão.
Sua sobrancelha está arqueada, seu rosto é ridiculamente adorável, e eu
sorrio.
— Não posso fazer nada se sou bom em tudo.
Ela abre um sorriso diabólico, levantando os cantos da boca.
— Que tal tornar isso uma competição?
— Oh, você vai se arrepender disso. — Gesticulo para ela. — Manda ver.
Ela olha para o relógio em seu pulso.
— A pessoa que menos encontrar dentes nos próximos dez minutos terá
que pagar o café do vencedor.
Eu pisco para ela lentamente.
— É isso?
— Uhh... café e jantar?
Acariciando meu queixo, eu olho para ela.
— Por mim, tudo bem. Mas tenho que te avisar que sou muito bom nisso.
Ela revira os olhos antes de se afastar de mim.
— Vamos comprovar — ela murmura.
Deixando-se cair de quatro, ela começa a rastejar, atirando areia em todas
as direções e fazendo uma bagunça. Pressiono meus lábios e começo a
procurar dentes também.
Deparo-me com um par, mas finjo não vê-los, então, alguns minutos
depois ela solta um grito quando os encontra.
— Encontrei dois! — ela grita.
Aproveitando que estou de costas para ela, e que não pode ver meu
sorriso, falo por cima do meu ombro:
— Não vá ficar muito arrogante.
Eu pego mais um par do chão e, em seguida, viro para onde ela está
procurando. Suas sobrancelhas estão franzidas, sua língua saindo do canto da
boca.
De vez em quando, ela faz uma pausa para pegar alguma coisa, mas seu
rosto fica desanimado quando percebe que é apenas um pedaço de concha ou
pedra quebrada.
Sou forçado a morder o interior da minha bochecha para não rir enquanto
ela as joga de lado e continua sua busca.
Não me lembro da última vez em que me diverti tanto fazendo
absolutamente nada, e, enquanto continuo a observá-la, minha mente se
revira.
Não sei o que diabos estamos fazendo aqui, o que está acontecendo entre
nós, mas gosto disso.
Eu gosto do jeito como me sinto. Gosto do que ela me faz sentir. Do jeito
como me mantém pisando em ovos, tomando cuidado com tudo, e também de
como se abre para mim como se me conhecesse há séculos.
Gosto que confie em mim, que queira me dizer as coisas que obviamente
não fala há muito tempo.
Mas mais do que isso, eu gosto dela.
Pode ser clichê, mas Grace é diferente de outras mulheres.
Diferentemente de qualquer pessoa que já conheci, ela não tem medo de ser
quem é. E me dá coragem para ser eu mesmo também.
Ela mexe comigo de uma forma como nunca ninguém mexeu desde a
morte do meu pai.
Os sons do relógio de Grace indicam que o tempo acabou, e ela pula e
corre até onde eu estou sentado em uma pedra grande.
Suas mãos estão fechadas em punhos, e ela está sorrindo.
— Quantos você achou?
Eu sacudo minha cabeça.
— Nada disso. Você primeiro.
Radiante, ela estende os braços na minha direção e abre as mãos,
revelando dois punhados de dentes, todos de vários tamanhos.
— Mais do que você, eu aposto!
Fazendo minha melhor cara blasè, eu ordeno:
— Conte-os.
Eu sei que ela encontrou muitos mais do que eu. Parei de procurar quase
no mesmo momento em que comecei. Só há cinco dentes na minha mão, mas
quero fazê-la suar.
Ela me olha com cuidado e depois se fixa na pedra ao meu lado, sua coxa
encostando na minha. Cerro meus dentes para impedir que o contato me
enlouqueça.
Digo a mim mesmo que é só porque já faz um tempo desde que fiz sexo
pela última vez, mas a verdade é que Grace me excita. Mesmo que apenas
com sua perna macia pressionada contra a minha.
Ela silenciosamente conta suas descobertas, e eu me afasto dela enquanto
finjo contar o meu também. Quando sinto sua mão no meu ombro, viro as
costas para vê-la olhando por cima do meu ombro.
—Ei! Não fique espiando! — repreendo.
Ela ri e depois suspira.
— Só me diga quantos você encontrou!
Fingindo-me de sério, inclino meu corpo para onde ela está sentada e digo
orgulhosamente:
— Cinco!
Seus olhos se arregalam.
— Só isso? Cinco? Você é péssimo! Já não vou mais me surpreender com
você.
Rindo, ela me diz:
— Eu encontrei treze!
Fingindo desapontamento, resmungo:
— Acho que isso te torna a vencedora. O café é por minha conta.
Ela dá alguns pulinhos e sorri.
— Quer correr de volta até o café? O melhor de dois? Café da manhã
completo?
Alongo minhas pernas, e elas protestam contra o movimento.
— Pelo amor de Deus, não. — gemo. — Eu estava torcendo para que
você voltasse correndo para a sua casa e viesse me pegar em seu carro —
confesso.
— Ohhh, pobre Bronnson — diz ela em uma voz cantarolada e
provocadora. — Não consegue lidar com uma garota?
Balanço a minha cabeça.
— Ah, eu posso lidar. Quer que eu prove isso? — Ergo minhas
sobrancelhas e as bochechas de Grace ficam rosadas.
Não sendo capaz de resistir por mais tempo, eu a agarro pelo pulso e a
faço cair em meu colo. Passo um braço ao redor de sua cintura, usando minha
mão livre para trazer seu rosto para o meu.
Seus lábios se abrem, e ela os umedece com a língua. Quando seus olhos
se fecham, sua respiração sussurra contra a minha pele. A vontade de sentir
seus lábios macios contra os meus chegava a ser dolorosa desde que pus os
olhos nela naquela manhã.
Sem outra palavra, colo minha boca à dela e corro minha língua ao longo
de seus lábios.
Ela suspira e envolve seus braços ao redor dos meus ombros, retribuindo
meu beijo sob o sol da manhã. Quando o som da água batendo ao longo da
costa desaparece, o único ruído que ouço é o suspiro de Grace.
Mais e mais eu a aperto contra mim, e sua língua desliza com a minha,
quanto mais eu começo a me entregar.
Entregar-me ao quê, eu não tenho certeza.
Mas não estou mais interessado em tentar me controlar. Aconteça o que
acontecer quando for tarde demais, eu aceito.
Grace

Seguro um copo de papel com o melhor café que já tomei em uma das
mãos, enquanto Bronn e eu caminhamos lado a lado de volta para minha
casa. Minha outra mão está aninhada na dele. Um simples ato, que nunca
mexeu comigo, até que Bronn entrelaçou nossos dedos em nosso primeiro
encontro. Agora, não conseguia me satisfazer daquele contato. Ou do
sentimento que inundava meu corpo toda vez que ele me segurava daquela
forma.
Passa um pouco das nove da manhã, mas a umidade e o calor já estão
quase insuportáveis; o sol subiu completamente no horizonte durante a nossa
improvisada expedição de descoberta de fósseis.
Nosso ritmo é quase o mesmo de uma tartaruga presa na lama, mas
guardo meus comentários para mim mesma, porque a dor por causa de nossa
corrida está escrita em todo o rosto dele.
É óbvio que ele não tem o costume de correr, apesar de sua insistência em
me convencer do contrário, mas eu gosto de sua companhia, então, não digo
nada. Embora ele esteja mancando, sinto-me mal por não ter percebido isso
antes de começarmos. Poderia ter diminuído um pouco o ritmo.
Bronn desacelera ainda mais, parando ao lado de sua caminhonete e
abrindo a porta do lado do motorista. Ele me entrega o café e entra
cautelosamente na cabine, gemendo pelo esforço.
Pressiono meus lábios para não rir, e ele me flagra, estreitando os olhos.
— Ha, ha. Eu sei, eu sei. É minha culpa — ele lamenta, estremecendo
novamente quando se acomoda no assento. — Ouça, eu preciso ir para casa
para tomar uma aspirina.
— Você precisa tomar um banho de banheira com sais de banho —
sugiro. — E talvez tentar ibuprofeno em vez de aspirina.
Ele balança a cabeça.
— Não tenho uma banheira. E o que eu preciso é tomar muitos relaxantes
musculares. E preciso também de uma máquina do tempo.
Arqueio uma sobrancelha e entrego seu copo, apoiando meu quadril
contra a porta aberta.
— Você é realmente tão fracote? Nós só corremos uns três quilômetros,
isso não é nada.
Seus olhos praticamente saem de sua cabeça, e eu rio enquanto ele solta
um gemido.
— Você estava correndo a toda velocidade.
Passei minha mão pelo meu rosto, tentando esconder o sorriso, mas não
sou rápida o suficiente.
— Você sabia que eu não era um corredor. — Sua voz está cheia de
descrença. — Fez isso de propósito!
Eu dou de ombros.
— Não sei do que você está falando.
Ele balança a cabeça, colocando o café no porta-copos. Observo seus
movimentos lentos, imaginando se nosso treino de alguma forma teria
deixado seus braços doloridos também, quando uma bolsa me chama a
atenção.
Inclino-me sobre ele, ciente do fato de que meus seios estão roçando em
seu colo, e pego o saquinho de plástico.
— Ei, ei! — ele grita, estendendo sua própria mão para tentar alcançar a
bolsa antes de eu conseguir fazê-lo.
— São...? — Eu paro, estudando a bolsa de dentes de tubarão na minha
mão. Meu estômago se revira, e eu me sinto inundada por um sentimento de
humilhação. Respiro fundo várias vezes antes de erguer os olhos para ele.
Seu rosto sustenta uma expressão de culpa e há um sorriso tímido em seus
lábios.
Fecho meus olhos bem apertados.
— Você espalhou esses dentes de tubarões na praia? — minha voz está
trêmula.
Ele cruza os braços contra o peito, usando minhas palavras contra mim.
— Não sei do que você está falando.
— Sim, você sabe! — digo, minha voz saindo quase como um grito.
Balanço a bolsa na cara dele. — Você colocou esses dentes lá!
Meu estômago parece oco. Estou irritada. E humilhada. Estava
convencida de que tinha encontrado todos aqueles dentes, mas, ao invés
disso, estava sendo apenas feita de idiota.
Ele cede, descruzando os braços, pegando a bolsa da minha mão e a
jogando no assento ao lado dele. Entrelaçando seus dedos nos meus, ele
suspira.
— Bem... Sim eu coloquei.
Respirando fundo, pergunto com os dentes cerrados:
— Por quê?
Seus olhos desviam de mim, e ele olha para o para-brisa rachado de sua
caminhonete.
— Eu não sei. — Respirando fundo, ele explica: — Eu acho que só
queria que você finalmente encontrasse o dente de um tubarão. Claro que não
teria tanta graça comigo quanto teria tido com seu pai, mas pelo menos você
poderia dizer que conseguiu. — Ele olha para mim, e a honestidade em seu
rosto tira meu fôlego. — E eu queria estar com você quando você os
encontrasse.
Seus olhos tornam-se intensos, e ele baixa o tom de voz ao perguntar:
— Você está brava?
Sim!
Ou pelo menos eu estava.
Sinto-me como uma idiota por ter ficado tão excitada ao encontrar dentes
de tubarões falsamente plantados na areia. Tenho certeza de que parecia
ridícula rastejando na areia, procurando por algo que ele sempre soubera que
estava lá.
Mas como diabos eu poderia ficar com raiva por ele fazer algo que sabia
que me deixaria feliz? Ele tinha se lembrado da memória aleatória que
compartilhei com ele, viu o que isso significava para mim, entendeu a
importância e tentou o seu melhor para cumpri-la.
Meu peito se incha, minha garganta está cheia de emoção, e quando abro
a minha boca para falar, nenhum som sai. Então eu balanço a minha cabeça.
Bronn solta um suspiro de alívio e sussurra:
— Bom.
Entrelaço sua mão na minha, beijando seus dedos um por um, meus olhos
nunca deixando os dele. Quando termino, inclino-me para frente e esfrego
meus lábios contra os dele.
Ele enrosca a mão no meu cabelo, segurando minha cabeça com firmeza
enquanto nos devoramos, permitindo que eu sinta o sabor do café em seus
lábios. O beijo é lento, sua língua não tem pressa, sabendo que não vou a
lugar algum. Pressiono meu corpo contra o dele, querendo estar o mais perto
possível enquanto sua boca continua a explorar a minha.
Eu quero que dure para sempre − a sensação de sua boca macia
contrastando com seu corpo rígido pressionado contra o meu, mas de forma
muito breve ele se afasta. Ofegante, eu descanso a minha testa contra a dele e
digo-lhe suavemente:
— Desculpe se exigi muito esforço de você mais cedo.
Ele ri.
— Não foi sua culpa. Eu não deveria fingir saber o que diabos estava
fazendo.
— É verdade — eu concordo.
Eu não digo a ele que também estou fingindo saber o que diabos estou
fazendo.
Grace

Com nossos horários conflitantes, eu só vi Bronn algumas vezes desde a


nossa corrida há duas semanas, e as duas vezes não passaram de um café
rápido na loja de Dani antes de termos que seguir caminhos separados. Ele
não tentou correr comigo de novo, optando por apenas me esperar, com um
café na mão.
Fiquei ocupada, tentando me adaptar a noites de trabalho, algo que meu
corpo parecia ter opiniões fortes contra, e Bronn estava ocupado com seu bar.
Mesmo que nós dois quiséssemos nos ver, parecia que sempre surgia algo no
último minuto.
Aparecia algum problema com a equipe em seu bar ou eu precisava pegar
um turno extra no hospital.
Apesar de não conseguirmos nos ver muito, conversávamos e trocávamos
mensagens diariamente. Ele também cumpriu sua promessa de atender
minhas ligações quando eu saía do serviço, apesar de ter trabalhado em seu
bar até as primeiras horas do dia.
No sábado de manhã, termino meu último turno da semana e vou dormir
em casa por algumas horas.
Com meu telefone ao ouvido, entro no meu carro, esperando que Bronn
atenda. Depois de três toques, sua voz sonolenta surge na linha e uma
pontada de culpa me atinge.
— Ei, Bronn — eu digo baixinho. — Sabe... eu não preciso ligar para
você tão cedo todas as manhãs.
Ele suspira, e ao fundo eu posso ouvir lençóis se movimentando.
— Sim, você precisa. Eu gosto de ouvir a sua voz.
Sua própria voz é grave, e o timbre profundo desliza sobre minha pele
como mel. Minha mente começa a vagar para o que ele poderia estar vestindo
deitado na cama quando sua pergunta me traz de volta à realidade:
— O que você vai fazer hoje?
Eu gemo.
— Vou para casa, dormir por algumas horas, antes de voltar para
Columbia e visitar minha avó.
Não havia compartilhado com ele tudo o que estava acontecendo com a
minha avó, porque eu mesma não queria pensar sobre isso. As últimas
semanas tinham sido uma fuga da realidade, quase como férias. Mas eu tinha
perdido a última visita de sábado com ela, então, estava atrasada e não
poderia mais adiar. Além disso, essa era a minha vida agora, algo que era
preciso encarar.
— Ah, sim?
Hesito brevemente antes de compartilhar:
— Sim, ela está... morrendo.
É o tipo de notícia que não se pode adoçar. E eu nem quero tentar. Pode
ser minha última parente viva, o único elo de sangue que tenho nesta terra,
mas não é uma pessoa fácil de se conviver e impossível de amar.
— Eu sinto muito — ele diz, e a sinceridade em sua voz me aquece.
— Está tudo bem. — Percebendo como estava soando insensível,
continuo: — Bem, quero dizer, não está, mas, você sabe... vai ficar.
A linha fica silenciosa, e isso me estimula, então divago.
— Ela tem demência. E sua saúde está se degradando rapidamente. Eu a
visito todos os sábados. Mas não fiz isso nas últimas duas semanas.
— Entendo — ele murmura, e o farfalhar dos lençóis novamente me
causa inveja. Também quero estar na cama, especialmente se isso significasse
que eu poderia me aninhar ao lado de Bronn.
Não querendo parecer alguém sem coração, coloco para fora:
— Pareço egoísta, não é?
Ele ri.
— De modo algum.
— É só que... Bem, eu te disse o quanto ela era rigorosa. Mas não falei
sobre o quão fria também poderia ser. Depois que minha mãe morreu,
assumiu minha criação. E vamos apenas dizer que eu era mais um fardo do
que uma alegria.
— Grace — ele interrompe meu divagar —, você não tem que se explicar
para mim.
— Eu sei, só não quero que você pense...
Ele me corta novamente:
— Não estou pensando em nada, confie em mim.
— Ok — eu sussurro aliviada.
Fiquei arrasada quando minha avó foi diagnosticada com Alzheimer, mas
não pelas mesmas razões da maioria das pessoas. Fiquei triste porque meu
último parente vivo iria partir em breve, e eu ficaria sozinha no mundo.
Embora ela fosse uma mulher difícil e nunca tivesse sido uma avó afetuosa,
ainda era da família.
Mas as visitas semanais se tornaram cada vez mais difíceis, com vovó se
tornando cada vez mais desagradável ao longo do tempo. Os médicos
tentaram me assegurar de que era culpa da doença e não da pessoa, mas
estavam errados. Todas as acusações desagradáveis que cuspia em mim
sempre que eu ia vê-la eram sinceras.
— De qualquer forma, estou quase chegando em casa — digo a ele,
parando no meio-fio. — Vou entrar e dormir um pouco. Posso te mandar
mensagens quando estiver na estrada?
— Gosto da ideia — ele fala, rouco. — Você vai voltar hoje à noite?
— Bem, eu não planejei isso. — Eu gosto de viagens de carro,
especialmente na primavera, quando o tempo está bom e eu posso dirigir com
as janelas abaixadas, mas eu sempre saía das visitas me sentindo esgotada. A
última foi a que fiz antes de me mudar para Beaufort, exatamente no dia em
que conheci Bronn, e fora particularmente brutal, com vovó me dizendo que
eu fui a razão pela qual minha mãe morrera tão jovem. Não acho que seria
inteligente tentar voltar tarde da noite depois de ter dormido muito pouco.
— Se você mudar de idéia, venha ao bar. Vou tentar sair de lá em um
horário decente ao menos esta vez. — Ele abaixa a voz quase a um sussurro.
— E eu gostaria de te ver você.
Suas palavras fazem meu estômago se retorcer. Mesmo sabendo que
estarei exausta, mental e fisicamente, digo a ele:
— Eu gostaria de te ver também. Vou voltar para casa. Mas vai ser tarde.
— Não dirija de volta se estiver cansada, Grace.—
Depois de sua declaração, eu poderia morrer e mesmo assim encontraria
uma maneira de chegar àquele maldito bar naquela noite.
— Eu vou ficar bem — digo a ele. — Vou te avisar quando estiver a
caminho — asseguro-lhe antes de desconectar a chamada e deixar meu
celular de lado.
Estou subindo os degraus, vasculhando minha bolsa em busca das chaves,
quando meu celular toca. Pegando o aparelho, vejo o número de Riley na tela
e meu coração dispara. É muito cedo para ele ligar, ainda mais em um
sábado, então, coloco o telefone no ouvido, me preparando para o que está
prestes a dizer.
— Grace? — ele pergunta, sua voz tensa.
— O que há de errado, Riley? — minha voz está esganiçada.
— Graças a Deus. — Ele respira fundo. — Tenho ligado para você há
dias. Por que diabos você não atendeu?
O ar escapa dos meus pulmões de forma ruidosa.
— Tudo bem? — pergunto.
— Eu não sei, você é que tem que me dizer — ele fala.
Mesmo que eu saiba que ele está apenas preocupado, sua atitude me deixa
um pouco irritada.
— Estou bem. Apenas ocupada.
Sua voz suaviza e a irritação desaparece.
— Tenho certeza de que deve estar mesmo. Eu não deveria ter sido
grosseiro com você. Só fiquei assustado por você não estar atendendo. Está
sozinha em uma cidade nova, pensei que algo tivesse acontecido.
Atravesso a minúscula casa até meu quarto, com o telefone pressionado
entre a orelha e o ombro, tentando ao máximo não perder minha paciência.
Precisava me lembrar de que tinha sorte por alguém se preocupar tanto
comigo.
— Eu aprecio isso, de verdade. Mas, Riley, eu não sou criança. Além
disso, não estou sozinha — digo a ele, hesitante.
Não tenho certeza se quero discutir meu relacionamento com Bronn
naquele momento, ou se o que temos pode ser classificado dessa maneira,
mas eu também não suporto a insistência de Riley em me proteger.
—O que você quer dizer com não está sozinha? — ele pergunta, sua voz
cheia de suspeita.
— Quer dizer que conheci algumas pessoas.
Ele zomba.
— Você só está aí há algumas semanas.
Ranjo os dentes e eu tenho que forçar minha mandíbula a abrir.
— Sim, e isso é tempo suficiente para conhecer pessoas.
Arrancando meu uniforme, nem me incomodo em colocar um pijama
antes de cair na cama.
— Escute, eu preciso dormir algumas horas antes de dirigir para ver a
minha avó. Te ligo mais tarde, ok?
— Quer jantar depois da sua visita? Sei que o pessoal vai para o clube
hoje à noite.
Quase posso vislumbrar o otimismo em seu rosto, e me sinto mal por ser
aquela que sempre lhe causa decepção.
Um mês atrás, eu teria ficado animada com a chance de ir ao clube com
meus amigos. Mas, agora, estou mais interessada em me sentar em um bar,
tomar um gole d'água e ver Bronn preparar drinques a noite inteira.
Suspirando pesadamente, digo a ele:
— Claro. Parece uma ótima ideia.
Não parece. Ficar sentada com nossos amigos enquanto secretamente
anseio por um homem que está a cento e cinquenta quilômetros de distância
me soa como tortura.
Entusiasticamente, ele responde:
— Ótimo.
— Tchau, Riley — resmungo e, em seguida, desligo a chamada e jogo o
meu telefone na mesa de cabeceira um segundo antes de adormecer.

***
Não consegui escapar dos meus amigos depois que cheguei ao clube. Toda
vez que fazia menção de sair, eles choramingavam e me imploravam para
ficar um pouco mais, então, eu cedia, não querendo ser grosseira. Quando
eles finalmente decidiram encerrar a reunião, já passava da meia-noite.
Eu estava exausta, meus olhos inchados pela falta de sono, meu corpo
mais cansado do que nunca.
Mas, porra, eu jamais permitiria que isso me impedisse de entrar no meu
carro para dirigir para casa. Eu me despedi, ignorei os pedidos de Riley para
passar a noite e comprei um café antes de pegar a estrada. Eram quase três da
manhã quando cheguei ao bar, a rua estava deserta e tudo escuro lá dentro.
Droga!
Eu sabia que as chances de Bronn ainda estar lá eram pequenas, mas o
vislumbre de esperança me alimentou durante todo o caminho.
Tirando meu celular da bolsa, envio-lhe uma mensagem.

Eu: Estou do lado de fora do seu bar.

Sentada no meu carro, silenciosamente espero que ele responda. Depois de


agonizantes segundos, meu telefone toca com uma mensagem recebida. Na
minha pressa de lê-la, deixo-o cair e tenho que me esforçar para encontrá-lo.

Bronn: São três da manhã.

Eu: Eu sei, fiquei presa lá.

Bronn: Tudo bem. Falo com você amanhã.

Meu coração afunda no peito. Eu não quero falar com ele amanhã. Quero vê-
lo. Esta noite. Respiro fundo e digito uma mensagem.
Eu não deveria.
Criticando a mim mesma, apago as palavras e olho para o meu telefone.
Porra, por que não?
Escrevo de novo, mas hesito, não apertando enviar.
Oh, que se dane!
Finalmente pressiono enviar e mordo meu lábio, enquanto minha mente
pondera todas as razões pelas quais eu deveria apenas voltar atrás e ir para
casa.

Eu: Me dê seu endereço.

Bronn: Você vai me enviar flores?

Eu solto um gemido. Ele está chateado comigo, e eu não posso culpá-lo.


Disse-lhe que passaria em seu bar e falhei. Mas voltei para a cidade e não
quero ter que esperar até amanhã para vê-lo.
Eu: Eu realmente quero ver você.

Seguro o telefone com firmeza, sentindo meu coração bater forte no peito,
rezando para que não me diga não. Eu deveria ter ligado para ele mais cedo,
enviado uma mensagem explicando, algo para lhe avisar que eu não o estava
negligenciando.
Mas eu não fiz isso, e agora temia ter estragado tudo. Finalmente, uma
mensagem chega.

Bronn: Você sabe onde fica a marina?

Deixo escapar um suspiro de alívio e ergo meus olhos; a marina está bem no
fim da rua.

Eu: Estou olhando para ela agora.

Bronn: Estacione na garagem, eu te encontrarei lá.

Eu não faço ideia do porquê de ele estar na marina no meio da noite, mas
dirijo até lá de qualquer maneira.
Ele está encostado no corrimão, as mãos enfiadas nos bolsos de um jeans
surrado, uma camiseta esticada no peito musculoso.
Meu coração galopa e minha boca quase saliva ante a visão.
Ao me aproximar dele, eu digo:
— Você planeja me matar e me jogar na água?
Ele não ri, apenas mantém uma expressão solene.
— Não, eu moro aqui.
Olho em volta, confusa. O local não passa de barcos na água.
Mantenho-me próxima dele, mas Bronn não me puxa para um abraço.
Não pega a minha mão. Apenas dá um meneio de cabeça e depois se vira.
— Por aqui.
Riley tentou me convencer a ficar, mas eu recusei, imaginando o
momento em que veria Bronn. Minhas fantasias não incluíam um meneio de
cabeça e um simples "Por aqui".
Mesmo que meu estômago esteja agitado, eu o sigo pelo cais. Depois de
passar por barcos que parecem idênticos no escuro, ele para em frente a um,
bem grande, e com um gesto amplo diz:
— Lar doce lar.
— Você...? Você vive em um barco? — Observo ao redor, com meus
olhos arregalados. Seus ombros se enrijecem.
Eu o ofendi.
Merda.
— Eu sinto muito, estou apenas... surpresa.
Ele ainda não relaxa, e sua voz se mantém tão firme quanto seu corpo.
— Sim, não é muito, mas eu não preciso de muito.
Assinto e sorrio, esperando deixá-lo à vontade.
— Então faça um tour comigo.
Bronn pula dentro do barco e se vira, estendendo a mão para mim. Eu a
pego, sentindo meus dedos formigarem pelo contato, e subo a bordo. Uma
vez que meus pés estão firmemente plantados no convés, ele solta a minha
mão.
Girando em seus calcanhares, ele seguiu o caminho até a porta da cabine.
—Bronn? — eu chamo, e minha voz soa trêmula. Pigarreio, então ele
para, mas não se vira. — Sinto muito por esta noite. Você não ficou
esperando por mim, ficou?
De costas para mim, ele balança a cabeça.
— Não. Não se preocupe com isto.
— Por que você está agindo como um idiota? — digo, cansada daquela
merda.
Eu sei que deveria ter ligado mais cedo. Sei que estava era ansioso para
me ver tanto quanto eu estava ansiosa para vê-lo, mas tinha voltado e me
desculpado. Não mereço toda aquela frieza com que está me tratando.
Com um suspiro pesado, ele passa a mão pelo cabelo, jogando-o para
cima e olha para mim por cima do ombro.
— O que você está fazendo aqui?
— Estou aqui para ver você.
Sua mão não está mais na maçaneta; ele finalmente se volta para mim e se
inclina contra a porta de madeira. Seus braços se cruzam no peito,
evidenciando os músculos sob a camiseta branca, e sua mandíbula se cerra.
O silêncio entre nós é incômodo, e eu quero preenchê-lo, mas não
consigo pensar em nada para dizer. Em vez disso, fico aqui,
desconfortavelmente deslocando meu peso de um pé para o outro. Quanto
mais seu olhar fixo me examina, mais me sinto como a criança que eu
costumava ser, parada na frente de vovó enquanto esperava que ela
distribuísse suas duras críticas.
Quando não aguento mais aquele tratamento, abro meus braços. —
Apenas me diga qual diabos é o problema, Bronnson.
Seus olhos se abrem brevemente antes de se fecharem novamente. Ele
descruza um braço e balança a cabeça.
— Eu menti.
Frustrada, atravesso o pequeno convés até ficar diretamente de frente para
ele.
— Sobre o quê?
— Passei todo o meu maldito dia esperando por você. Verificando meu
maldito telefone obsessivamente, sentindo meu estômago revirar cada vez
que não recebia uma única palavra sua.
Eu sabia.
— Eu sinto muito.
Ele ri amargamente.
— Tanto faz.
— Não, não "tanto faz" — eu sussurro, colocando minha mão em seu
braço. —Eu deveria ter mandado uma mensagem ou ligado para você.
Seus olhos se voltam na direção de onde minha mão está tocando, como
se cogitasse afastá-la. Quando ele não faz isso, digo-lhe:
— Fiquei presa lá e, quando finalmente me livrei, minha mente estava tão
confusa com todo o drama do dia, que simplesmente não consegui pensar. —
Terminando com um suspiro feroz, reitero: — Porra, eu deveria ter ligado.
— Sim, você deveria mesmo — ele sussurra duramente. Meu coração
está batendo forte.
Ia ser assim?
Porra, não mesmo.
— Escute, eu não sei o que mais posso dizer para provar que estou me
sentindo muito mal por não ligar para você! — grito, passando minhas mãos
pelo cabelo. Ele não se move, e seus olhos parecem atirar punhais em mim.
— Então, você vai aceitar meu maldito pedido de desculpas e me mostrar sua
casa ou vamos ficar parados aqui, nos encarando a noite toda?
Uma gargalhada surge de algum lugar no fundo de seu peito.
— Você é uma porra de uma bomba relógio — diz ele, enquanto faz um
grande gesto com o braço. — Venha logo, antes que exploda todo o lugar
com esse seu jeitinho estourado.
Meus ombros caem, enquanto eu sou inundada por alívio.
Graças a Deus.
Dou dois passos na direção dele e me coloco na ponta dos pés, beijando
seus lábios. Ele enlaça minha cintura com um braço, e meu estômago revira
quando ele me puxa contra seu corpo.
Ele lambe meus lábios, e eles se separam, permitindo que sua língua
invada a minha boca. O beijo é rude, e sua língua entra em guerra contra a
minha.
— Desculpas aceitas — ele murmura.
Eu suspiro e dou um passo atrás.
— Porra, já estava em tempo.
Segurando minha mão, ele me puxa para a sala de estar, anunciando:
— Bem, aqui temos a entrada. O piso é feito de uma madeira exótica,
difícil de encontrar, chamada pinheiro.
Eu rio e o sigo enquanto ele passa pela porta.
Bronn estava certo quando disse que o local era simples. Olho em volta
da pequena área, observando a cama desarrumada e a desordenada cozinha.
Uma pia, que não é muito maior que um balde de esfregão, está cheia de
pratos.
Além do pequeno quarto há outra porta que só posso esperar que seja o
banheiro. Bronn aponta para a cama.
— O quarto principal está diretamente à sua frente, a cozinha, à sua
direita. O banheiro suíte fica atrás dessa porta e, à sua esquerda, é a sala de
estar.
Eu olho para a "sala de estar", e vejo que ele está se referindo a um único
banco no canto.
Bronn se vira para mim.
— E isso finaliza o tour pelo Chateau de Williams.
— Parece... aconchegante.
Ele chega a latir de tanto rir.
— Sim, você poderia chamar assim. Também pode chamá-lo de apertado,
não convencional e patético. Mas vamos ficar com aconchegante.
Inclino-me para ele, descansando minha mão em seu peito, e beijo sua
bochecha, sussurrando:
— Eu gosto.
— Claaaaaaro — ele fala arrastadamente.
Permaneço na cozinha enquanto ele caminha para a cama, jogando-se lá.
Dá um tapinha no espaço ao lado dele.
— Não tenho um sofá.
Minha boca fica seca ao pensar em me sentar ao lado dele na cama.
Era exatamente nisso que eu estava pensando naquela manhã.
Começo a me aproximar, quando ele tira a camiseta. Quase tropeço em
meus próprios pés quando seu abdômen perfeito surge diante de mim.
Meu coração troveja no meu peito, e eu cuidadosamente me sento ao lado
dele, tentando não olhar para o seu corpo, mas falhando miseravelmente.
Ele agarra minha coxa com a mão e me desliza pela cama, colocando-me
ao seu lado e passando o braço em volta dos meus ombros.
— Como foi seu dia? — Ele pergunta casualmente, como se não
estivéssemos na cama juntos pela primeira vez.
Eu respiro fundo e fecho os olhos com força.
— Foi... difícil — admito. — Ver minha avó, que sempre foi tão forte,
mal conseguindo sair da cama sem ajuda... — Não consigo terminar a frase.
— Você passou o dia inteiro e a noite lá? — pergunta ele.
Balanço minha cabeça.
— Não. Fui embora antes que ela começasse a ficar cansada. Ao menos é
o que sua enfermeira considera o melhor.
Na verdade, nossas visitas nunca duraram mais de uma hora antes de
Nana começar a agir com crueldade. Começou me xingando − a primeira vez
em que fez isso eu quase desmaiei de choque. Então começou a dizer que
meu pai fora um homem horrível, que arruinara a vida da minha mãe. Cometi
o erro de ouvi-la uma vez e passei a semana seguinte devastada por suas
palavras de ódio. Só precisei que tivesse acontecido uma vez para entender
que quando começava a agir daquela forma, não havia como pará-la, então,
eu ia embora.
— Você sempre quis ser enfermeira? — ele pergunta, trazendo-me de
volta à minha realidade.
Estou deitada na cama com um homem muito sexy sem camisa, pensando
na minha avó mesquinha.
O que diabos há de errado comigo?
Balanço minha cabeça.
— Não.
Bronn esfrega círculos no meu braço com as pontas dos dedos. Observo
enquanto seu peito sobe e desce de forma cadenciada, a cada respiração, e
coloco minha mão sobre seu coração. O forte bater sob as pontas dos meus
dedos combina com o ritmo do meu.
Eu pigarreio.
—Quando meu pai morreu, foi realmente... traumático. Por causa disso,
mal aguentava olhar para sangue. Enquanto crescia, jurei que seria
professora. Mas aí minha mãe ficou doente.
Ele envolve minha mão com a dele e a coloca de volta em seu peito.
— Sua mãe está bem agora?
Eu assinto.
— Sim, acho que eu poderia dizer que sim. — Inclino minha cabeça para
trás, olhando em seus olhos cálidos. — Ela morreu vinte e dois dias depois de
ter sido diagnosticada com câncer pancreático em estágio quatro. No
momento em que descobriram, já estava espalhado. — Desviei meu olhar,
porque a pena em seus olhos era demais para suportar. — Ela sentia tanta
dor; era terrível. Passou seus últimos dias de cama, em casa, conosco ao seu
lado.
Bronn continua a afagar meu braço, enquanto segura minha mão. Seu
carinho é mais terapêutico do que os anos que passei falando sobre meus
sentimentos para meu psicólogo. Ele não fala nada, apenas espera
pacientemente enquanto eu organizo meus pensamentos.
— As enfermeiras que cuidaram dela eram surpreendentes. As pessoas
mais carinhosas que já encontrei. Quando minha mãe deu seu último suspiro,
uma delas me abraçou e nós choramos juntas. Sabe, ela foi a única pessoa a
me abraçar e me dizer que tudo ficaria bem, que eu deveria me permitir
chorar. Eu tinha doze anos. E vovó só começou a falar sobre o seu dia como
se nada tivesse acontecido. Não sei se ela derramou uma lágrima quando sua
única filha morreu.
Meu peito queima, e a dor é tão fresca quanto no dia em que aconteceu.
Perdi minha mãe depois de perder meu pai, e meus únicos parentes vivos, as
únicas pessoas que me restavam, nem sequer me perguntaram se eu estava
bem.
Bronn pigarreia.
— Eu tinha dez anos quando encontrei meu pai morto. Chorei muito, me
tornei uma porra de um caos. Você sabe o que minha mãe me disse?
Meu estômago se retorce, enquanto a tristeza me domina. Não quero
saber as coisas horríveis que sua mãe disse, mas balanço a cabeça, de
qualquer maneira
— Ela disse: "As pessoas morrem, Bronnson. Pare de choramingar antes
que vire um imprestável como seu pai".
Meu sangue começa a ferver, pensando no modo cruel como sua mãe o
tratou.
Quando meu pai morreu, minha mãe se perdeu. Ela se desligou, tornando-
se incapaz de encontrar um caminho para se livrar de sua dor. Não ficou ao
meu lado do jeito como deveria estar, mas não podia evitar. Estava de luto e
não sabia como lidar com a situação.
Apoio-me em um cotovelo e olho em seu rosto.
— Eu sinto muito — sussurro, sentindo meu coração doer por ele, por
mim, pelas crianças que sofreram tais tragédias.
Seus olhos são intensos, mas a raiva se foi, dando lugar a desejo. Um
desejo que espelha o meu.
Eu assinto, respondendo a uma pergunta que ele nem perguntou. Nem
precisa, aliás. Sei o que ele quer, porque também quero.
Bronn

Passei o dia inteiro ansioso para vê-la, e ela simplesmente me decepcionou.


Nenhuma chamada, nenhuma mensagem, nada.
Então, quando ela mandou uma mensagem dizendo que estava fora do bar
às três da manhã, lutei contra o desejo de dizer a ela que voltasse para casa.
Eu não precisava passar meu dia inteiro esperando por uma ligação. Não
precisava ouvir a voz dela.
Não precisava ver seu rosto, ouvi-la rir, cheirar o cabelo dela. Pelo
menos, foi isso que tentei dizer a mim mesmo.
Mas era tudo mentira.
Mesmo depois que apareceu e pediu desculpas, continuei dizendo a mim
mesmo que não precisava dela, que ela não exercia nenhum efeito sobre mim.
Tentei ser frio e distante, não a deixando saber o quão patético me senti
naquela noite. Mas Grace não parava de insistir, pedir desculpas e me
perguntar o que havia de errado. E as palavras saíram da minha boca antes
que eu pudesse detê-las.
Ali estava eu, ansiando por uma mulher, preocupado que alguma coisa
tivesse acontecido com ela, ou pior, que finalmente tivesse decidido que eu
não prestava, como a mulher inteligente que eu sabia que era.
Em questão de meras semanas, eu tinha ido do solteiro consumado,
destinado a ser casado com o meu trabalho, a completamente envolvido por
uma mulher, chegando a me surpreender que conseguisse respirar sem ela.
Por mais engraçado que pudesse parecer, tendo-a aninhada a mim, sobre a
minha cama, me contando sobre as partes não tão agradáveis de sua vida, eu
realmente não queria respirar sem ela.
Nem queria tentar.
Eu estava interessado. Não apenas queria saber mais sobre ela − eu
precisava saber. Dentro de mim, precisava ver as partes feias de sua vida para
poder lhe mostrar as partes feias de mim. Tentei desesperadamente mantê-las
escondidas. As mesmas partes que ela, de alguma forma, tornou aceitáveis
com nada mais do que um simples sorriso e um toque gentil. Não era algo
que pudesse ser explicado; essa profunda necessidade de me conectar com
ela, mas ela existia.
Seu corpo é pequeno contra o meu, encaixando-se na curva do meu braço
como se ela tivesse sido feita para estar ali.
E... inferno… só de olhar para ela, pego-me imaginando que ela
realmente tinha sido.
Sua mão macia repousa sobre meu coração acelerado, e seu cabelo sedoso
cheira a flores enquanto faz cócegas no meu queixo.
Talvez tenham sido as cervejas que entornei, em um ataque de raiva, mas
qualquer que fosse o motivo, me fez derramar sobre elas a confissão sobre
meu pai e revelar, para a única mulher com quem já desejei ter algo mais
sério, todas as coisas que aquela mãe de merda que eu tinha havia me dito.
Ela deveria ter olhado para mim com desgosto.
Ela deveria ter fugido sem nunca olhar para trás.
Mas lá estava Grace, minha doce Grace, com seu belo rosto acima do
meu, seus olhos cheios de tristeza, olhando para mim com respeito e
admiração.
Não havia pena, e por isso fiquei agradecido. O que eu vi nos olhos dela
foi compreensão, uma empatia que, de alguma forma nos ligava – duas
pessoas de diferentes lados dos trilhos. E esse fio de semelhança só fez com
que a luxúria corresse por minhas veias mais e mais depressa do que nunca.
Eu analiso seu rosto, pedindo por algo que provavelmente é cedo demais
para desejar. Mas, apesar de sua tristeza, também há desejo.
Ela também me quer.
Com um assentir tão suave que quase não consigo ver, ela me dá a
permissão que estou desesperado para obter.
Deslizo meus dedos pelos seus cabelos, e os fios sedosos provocam um
zumbido que percorre todo o meu corpo. Segurando seu rosto, aproximo
meus lábios dos dela, beijando-a lenta e profundamente com reverência.
A sensação de seus lábios contra os meus é suave, e sua boca abre sem
hesitação, convidando e quase provocando minha língua a invadi-la.
Ela geme, e o som acende meu corpo, impulsionando-me a seguir em
frente. Girando-me na cama, eu a cubro com meu corpo, saboreando a
maneira como seus seios são pressionados contra o meu peito.
—Bronn — ela suspira contra a minha boca, enquanto deslizo minhas
mãos até a sua cintura, sentindo sua pele de marfim suave em minhas palmas,
ásperas e calosas. Ela arqueia o pescoço, e eu distribuo beijos pela sua
garganta.
Levando meus lábios ao seu ouvido, sussurro:
— Eu quero você.
Ela geme.
— Deus, por favor.
Beijando os contornos de sua mandíbula, digo a ela:
— Porra, eu quero muito estar dentro de você.
Ela se contorceu, arqueando seus quadris para que roçassem contra o meu
pau.
— Então o que você está esperando?
Meus lábios se contraem.
A primeira vez na minha vida que eu hesitei, mas tudo com Grace parecia
ser uma primeira vez. Eu não quero estragar tudo tornando nosso
relacionamento algo físico.
E, no entanto, ela quer saber o que estou esperando.
— Se formos mais longe não poderemos voltar atrás — murmurei, ainda
passando minha boca ao longo de seu pescoço.
Ela desliza a mão pelo meu corpo, segurando meu pau.
— É tarde para voltar atrás — ela ronrona.
Erguendo minha cabeça, capturo seu olhar. Não há hesitação, apenas
luxúria misturada com algo mais profundo; algo para o qual eu não tenho
certeza se estou pronto.
Tirando sua blusa, um sutiã de renda é revelado. Sem perder tempo,
começo a lamber a borda do tecido.
— Sim — ela choraminga, arqueando as costas para fora da cama, dando-
me espaço para soltar o fecho, liberando seus pequenos seios redondos.
A minha boca seca com a visão do seu perfeito mamilo rosado, e um
grunhido emana da minha garganta.
— Caralho, você é linda — digo a ela, girando o bico entre meus dedos.
A mão que segura meu pau se movimenta deliciosamente enquanto eu chupo
seu mamilo com vontade. Lambendo e revirando minha língua, eu a devoro.
Grace se contorce sob mim, gemendo meu nome, fazendo meu pau inchar
com ainda mais força.
A sensação é incrível. Muito boa, de fato.
Liberando seu mamilo, envolvo meus dedos em volta de seu braço e tiro
sua mão de dentro da minha calça.
— Bronn — ela protesta.
Pressiono minha boca na dela, silenciando seu pedido com um beijo,
antes de continuar a deslizar por seu corpo.
Prendendo meus dedos no elástico de suas calças, eu paro.
— Assim que eu tirar isto aqui, não vou parar — digo a ela, dando-lhe
uma chance de desistir.
Ela se apoia em um cotovelo, e seus olhos dançam com uma expressão de
desafio.
— É melhor você não parar.
Sorrindo ferozmente, deslizo as calças pelas pernas, levando a calcinha
com elas. Jogando-as para o lado, eu me levanto e começo a tirar minha calça
jeans enquanto a observo, deitada à minha frente.
Com os olhos cheios de luxúria, ela me vê libertar meu pau de seu
confinamento de dentro do jeans.
Ajoelhando-me, eu abro as pernas dela, tanto quanto consigo, e lambo
uma trilha até a sua coxa, parando quando chego ao seu núcleo.
Nunca fui muito bom em autocontrole, meu registro na polícia é prova
disso, mas, para ela, estou determinado a ser paciente naquela noite. Sentir
cada toque de sua língua contra o meu corpo e fazê-la sentir o mesmo.
Ela choraminga, arqueando seus quadris como se pedisse que eu
continuasse a provocá-la, beliscando e sugando em todos os lugares, exceto o
ponto que ela quer tão desesperadamente. Finalmente, quando o som de seus
gemidos se transforma em súplica, eu deslizo minha língua, torturantemente
subindo até seu clitóris.
Ela segura meu cabelo, mantendo minha cabeça no lugar, deixando-me
saber exatamente o que ela quer. E eu não tenho problema em lhe dar.
Continuo a lamber e chupar seu clitóris, e seus quadris rebolam contra a
minha boca enquanto sua respiração fica mais irregular.
Até que finalmente ela desmorona.
— Oh, Deus — choraminga, deixando as mãos caírem nas laterais de seu
corpo, segurando os lençóis.
Eu pego o ritmo, investindo mais e mais rápido até que seus gritos agudos
de êxtase se transformam em gemidos saciados.
Quando o orgasmo se esvai, ela relaxa na cama, os olhos fechados, um
pequeno sorriso no rosto.
Porra, é tão adorável que embora meu pau doa, ansioso para gozar, meus
lábios se curvam, espelhando os dela. Estou em apuros com essa mulher.
Eu me levanto e pego um preservativo da mesa de cabeceira, apressando-
me em colocá-lo.
Agarrando-a por detrás de seus joelhos, deslizo seu corpo para a beira da
cama e me posiciono entre suas coxas. Ela prende os pés atrás das minhas
costas, os joelhos na minha cintura e, sem hesitar, eu a penetro, parando
assim que me sinto lá dentro, saboreando a sensação. Sua cabeça tomba de
volta contra o travesseiro, os olhos voltados para o teto.
— Sim — ela sussurra.
Espalmando sua bunda, eu deslizo para fora dela lentamente antes de
investir mais uma vez. Seu corpo me acolhe a cada impulso.
Não demora muito antes de minhas bolas começarem a doer, enquanto
meu próprio gozo se aproxima. Libertando a mão de sua bunda, levo meu
polegar até seu clitóris, esfregando em círculos. Seu pescoço arqueia, um
grito de prazer escapa de seus lábios.
— Você vai me dar mais um — vocifero.
— Sim... — ela geme. — Deus, não pare.
Suas palavras me alimentam e logo ela está choramingando de novo. E
então, com um último impulso, eu a acompanho, também chegando ao
orgasmo.
Com um gemido, eu caí em cima de Grace, tomando cuidado para que o
peso do meu corpo fosse apoiado nos cotovelos, um de cada lado da cabeça
dela.
— Essa foi sua interpretação de homem das cavernas ciumento? — ela
pergunta em uma voz suave e brincalhona que eu juro que é capaz de
amansar a dor e a raiva que vivem dentro de mim.
Retorcendo os lábios, arqueio uma sobrancelha.
— Repete?
Ela sorri e tira a cabeça do travesseiro apenas suficiente para roçar os
lábios nos meus.
— Bem, eu não posso repetir agora. Me dê alguns minutos e talvez...
Eu mordo seu lábio inferior.
— Eu não estava com ciúmes.
Ela ri.
— Você estava, sim.
— Eu não estava com ciúmes — repito mais alto, mas sai com um
sorriso, então, não soa rude.
— Está bem. Só acho que você ficaria sexy segurando um pedaço de
madeira e batendo no próprio peito, bem primitivo. Então, de verdade, eu não
me importo.
Rindo, reviro meus quadris, esfregando-me nela.
— Já terminou com a gracinha, espertinha? Eu preciso me limpar.
— Sim, já terminei — ela confirma com um sorriso radiante.
Depois de um beijo rápido, eu saio de dentro dela e vou para o banheiro,
apressando-me em me livrar do preservativo antes de voltar para a cama e
desmoronar ao lado dela.
Ela se vira para mim, envolvendo um braço em minha cintura e
descansando sua cabeça no meu peito.
Eu nunca considerei aquele tipo de carinho depois do sexo, mas,
novamente, nunca havia conhecido Grace Monroe. Ela está rapidamente se
tornando exceção para cada uma das minhas regras.
Com um sorriso satisfeito, que eu não pude esconder, deixei minhas
pálpebras caírem, e o movimento do barco nos embalou para dormir.
Grace

O som estridente do meu celular tocando me acorda. Assustada, sento-me e


olho em volta. A sala é iluminada, a luz do sol entra pela pequena janela que
não tem cortinas. Não reconheço o que me rodeia, e o pânico se instala dentro
de mim por uma fração de segundo antes de o corpo quente ao meu lado se
agitar.
Bronn.
A compreensão de onde estou me invade, e meus ombros caem em alívio.
— Que porra é esse barulho? — ele resmunga, esfregando os olhos.
Observo-o por cima do ombro, admirando seu belo rosto pelo que parece
ser a milésima vez desde que nos conhecemos.
— Bom dia — digo baixinho.
Sua cabeça se ergue, e seus olhos se arregalam quando ele me vê.
Okaaaaay.
— Oh, Grace. Ei. Hum... — Ele passa a mão pelo cabelo. Seu braço
flexiona com o movimento, e eu sou surpreendida pelo desejo de senti-lo em
volta de mim novamente.
Inclino-me para trás, depositando um beijo suave em seu rosto.
— Acho que pegamos no sono, na noite passada.
Seu corpo relaxa quando ele coloca um braço em volta de mim, como se
tivesse lido minha mente há pouco, puxando-me para mais perto de si.
Com seus lábios pressionados contra meu cabelo, ele murmura:
— Bom dia, Grace.
O calor de seu corpo se espalha sobre mim, e eu me afundo ainda mais
em seu abraço. Meu corpo dói, mas da maneira deliciosa, e quando me
lembro do fim do meu dia de merda, sinto o desejo me incendiar novamente.
A manhã seguinte a uma transa pode acontecer de duas maneiras. Pode
ser desajeitada e rígida, quando não sabemos se devemos ficar ou ir embora.
Eu tive o suficiente delas para saber que a resposta é sempre: ir embora.
Ou pode ser relaxada e confortável, como se não fosse a primeira vez que
você compartilha intimidades com um homem.
Como estava acontecendo naquele momento.
Nunca me senti mais relaxada, mais contente, mais feliz do que naquele
momento.
Eu me aninhei ainda mais nele, minha cabeça em seu peito, ouvindo seu
coração bater forte e firme, permitindo que meus olhos se fechassem.
Nós fizemos sexo ontem à noite. Mas não foi apenas sexo. Não, foi mais
que isso. Muito mais. Eu senti, e espero que Bronn também.
E quero que aconteça de novo. E de novo.
E então mais uma vez.
Mas o balanço do barco começa a me acalmar, e acho que talvez Bronn
esteja certo em viver em um lugar como este. É só eu começar a me entregar
para que meu telefone comece a tocar novamente.
— Que diabos? — Bronn bufa.
Gemendo, inclino-me sobre seu peito nu e alcanço o lado da cama,
buscando minha bolsa. Lembro-me de que estou nua quando Bronn começa a
esfregar a mão pela minha pele, causando-me arrepios. Ameaço impedi-lo,
rindo, mas isso não o detém. E quanto mais ele me acaricia, menos
interessada em atender ao meu telefone eu me sinto.
Colocando minhas mãos no item ofensivo, nem me incomodo em ver
quem é, apenas aperto o botão aceitar e coloco o aparelho no meu ouvido.
— Olá? — eu digo, sem fôlego.
— Grace? — a voz baixa de Riley invade meu ouvido. O medo faz com
que meu estômago se retorça. — Está tudo bem? Com a vovó? —
choramingo, temendo o pior.
— O quê? — ele pergunta, e o pânico se transforma em irritação. — Sua
avó está bem. Você acabou de vê-la ontem, lembra?
Ainda estou em uma posição incômoda na cama, e o sangue começa a
correr em direção à minha cabeça.
— Oh, graças a Deus — arfo.
— Por que você demorou tanto para atender? — ele pergunta.
Com um suspiro, reviro meus olhos e me ajeito na cama até ficar sentada
de pernas cruzadas. Bronn me olha, sem dúvida ouvindo a voz masculina do
outro lado, e reviro os olhos novamente, fazendo uma arma com o polegar e o
dedo indicador, apontando-a para a minha cabeça.
— Eu estava dormindo. Que horas são? — Olhando ao redor do cômodo,
não encontro um relógio em lugar algum, então, levanto as sobrancelhas na
direção de Bronn.
Ele verifica o relógio e murmura, apenas movimentando a boca:
— Meio dia e meia.
Antes que Riley possa responder, altero-me:
— Tão tarde assim? — Quero ficar chocada por ter dormido tanto, mas,
considerando em quem eu estava aconchegada e o longo dia que tive, não
fica difícil acreditar.
Ignorando minha explosão, Riley continua:
— Onde você está, Grace?
Frustrada, saio da cama e começo a ir até a porta do barco quando ouço
um pigarrear atrás de mim.
Olhando por cima do meu ombro, os olhos de Bronn estão quase
dançando. Com a mão, ele gesticula e diz calmamente:
— Não me entenda mal, estou gostando da visão. Mas não tenho certeza
se você quer que os pescadores de camarão possam te ver também.
Eu olho para baixo, para ver ao quê ele está se referindo, e meus olhos
quase saltam da minha cabeça quando percebo que ainda estou nua, da noite
passada.
Fechando-os, respiro fundo e digo a Riley:
— Ouça, Ri. Estou bem. Eu te ligo mais tarde.
Preparo-me para encerrar a ligação quando a voz angustiada de Riley me
impede.
— Você não ouviu o que eu disse? Estou em sua casa.
— Minha casa?
— Bem, o lugar onde está hospedada. Estou sentado na varanda,
desfrutando de um copo de chá com seus vizinhos, me perguntando por que
diabos você não está aqui.
A raiva borbulha, e eu pressiono meus lábios com força para não gritar
com ele. Como ousa aparecer sem avisar depois de eu dizer a ele na noite
anterior que tinha que me dar um descanso.
Por mais que me preocupe com ele e que aprecie tudo o que fez pela
minha família e por mim, não estou interessada em um relacionamento. Não
importa que eu tenha dito isso em muitas ocasiões no passado. Riley está
convencido de que não percebo que somos a combinação perfeita.
Não ajuda em nada que tenha recebido a bênção da minha avó, que ela
tenha praticamente me empurrado para ele, depois que este assumiu seus
assuntos como seu advogado.
Conto até dez silenciosamente antes de soltar o ar que vinha prendendo.
Através de dentes cerrados lhe digo:
— Estarei em casa em quinze minutos. E então nós vamos conversar.
Não me incomodo em esperar por uma resposta antes de encerrar a
ligação. Com um esforço calculado, ando até a minha bolsa e coloco meu
telefone longe para não jogá-lo do outro lado da sala.
Correndo pelo pequeno espaço, recupero minhas roupas e começo a vesti-
las.
— Então... — Bronn prolonga a palavra, esperando que eu preencha as
lacunas para ele.
Tenho certeza de que parece suspeito – um homem ligando
repetidamente, perguntando onde estou, mas não tenho energia para entrar
em detalhes sobre o nosso relacionamento, ou a falta dele.
— Versão resumida: — eu digo, enfiando minha camisa por sobre a
minha cabeça. Vovó achava que eu seria uma ótima namorada para seu
jovem e bonito advogado. Riley é um cara legal, mas eu não combino com
ele, que discorda e não me deixa em paz. Tentei seguir pelo caminho da
amizade e... — Eu paro, deixando meus braços caírem nas laterais do corpo
em frustração. — Obviamente, essa merda não está funcionando também.
Jogo-me na beira da cama, onde Bronn ainda está descansando, e o desejo
de voltar para perto dele me domina.
Não quero nada além de passar o resto do dia em seus braços, sob seu
corpo e entre suas pernas.
Minha irritação cresce quando meus olhos percorrem o peito de Bronn,
lembrando o gosto de sua pele sob a minha língua na noite passada.
Com um suspiro, calço meus sapatos e fico em pé.
— Ele está na minha casa, aparentemente tomando chá com um dos
vizinhos.
— Deixe que eu me vista. Vou com você — sua voz é suave, mas não
deixo de perceber seu tom de irritação.
Ele está me observando atentamente, e há alguma coisa em sua expressão
que não consigo entender. Quanto mais ele me olha, mais intensos seus olhos
se tornam.
Seria insegurança?
Ciúmes?
Eu balanço a minha cabeça.
— Não, você não precisa fazer isso.
Ele se levanta, pegando a calça jeans do chão e a desliza pelas pernas
musculosas. Meu olhar as segue até as coxas e acabo desviando o olhar, não
querendo que o desejo que sinto se intensifique mais. Não tenho tempo para
mais uma rodada, não importa o quanto eu queira.
— Parece que esse cara não sabe o significado de um não. — Bronn está
tenso.
Balançando a cabeça, digo a ele:
— Riley é um cara legal.
Os olhos de Bronn se estreitam, a suspeita de antes surgindo novamente,
e eu ergo minhas mãos em rendição.
— Realmente, ele é. Tem sido um bom amigo para mim. Acho que só não
tem jeito, sabe? — eu me esforço em explicar, pois a culpa de pintar um dos
meus amigos mais queridos em um vilão me preenche.
Eu não quero magoar Riley, nem arruinar nossa amizade, mas ele não
pode continuar pensando que seremos algo mais do que apenas amigos. Eu só
não sei o que dizer que possa demonstrar meu ponto de vista.
Talvez eu devesse deixar Bronn ir comigo.
Balançando a cabeça, passo meus dedos pelo meu cabelo, desejando ter
tempo para me pentear e me maquiar. Pego a minha bolsa do chão e a jogo
por cima do ombro antes de respirar fundo e voltar-me para Bronn.
Com um sorriso de desculpas, digo a ele:
— Desculpe ter que sair correndo. Te ligo mais tarde, ok?
Seus lábios se moldam em uma linha fina, e seus olhos ainda parecem
cautelosos, mas ele balança a cabeça. Depois de um último sorriso de
desculpas, atravesso a porta, saindo em direção a um sol radiante.
Bronn

A velha caminhonete ressoa. O motor obviamente não está com vontade de


cooperar comigo hoje, e eu resmungo.
Você será pego.
Ótimo, porque você não deveria agir como a porra de um lunático, em
primeiro lugar.
Ah, cale a boca.
Termino de discutir comigo mesmo e puxo o câmbio de marchas para
estacionar, deslizando no assento para não ser visto.
Depois que Grace saiu, hesitei por um minuto antes de me enfiar dentro
de uma calça e vestir uma camisa, decidido a segui-la.
E agora, aqui estou eu, estacionado a algumas casas de distância da dela,
espiando-a como uma espécie de perseguidor ciumento.
O que é ridículo.
Vejo quando ela salta do carro, batendo a porta com mais força do que o
necessário e quando segue em direção ao alpendre.
Enquanto sobe as escadas, um homem excepcionalmente bem vestido se
levanta e a encontra no degrau mais alto. Ele está usando um terno que parece
muito caro até para o meu olho destreinado, e seu cabelo está perfeitamente
cortado e penteado. Seu rosto está radiante, seus olhos, esperançosos.
O cara está de quatro por Grace.
Meus dedos agarram o volante, ficando cada vez mais brancos, enquanto
espero para ver o que ela fará em seguida.
Quando ela alcança o degrau mais alto, ele sorri, e eu franzo a boca.
Quando ele a puxa para um abraço, eu realmente solto um rosnado, como
se fosse um cachorro feroz e outro animal tivesse acabado de pegar o meu
osso.
O que diabos há de errado comigo?
Não suspeitei quando ela atendeu ao telefone, principalmente porque a
bunda dela estava pairando no ar, e eu não conseguia parar de me lembrar da
sensação de tê-la nas minhas mãos na noite anterior. Mas quando recusou,
depois de eu ter oferecido para ir com ela, comecei a me perguntar que talvez
houvesse mais nesse cara do que ela estava deixando transparecer.
Continuo a observá-los, minha mente espiralando em diferentes direções.
Só que ela começa a agitar os braços descontroladamente, o cabelo voando ao
redor do rosto, e eu sorrio. Não consigo ouvir o que estão dizendo, mas nem
preciso. É óbvio que lhe está passando um belo de um sermão.
O sorriso presunçoso de Riley desaparece, seu rosto murcha enquanto ela
continua a discutir, e eu quase começo a me sentir mal pelo cara.
Nenhum cara teria coragem de desistir facilmente de uma garota como
Grace. Posso entender sua persistência. Apesar disso, ninguém nunca me
veria daquele jeito, parecendo um babaquinha, com a mão enfiada nos bolsos
do terno, o cabelo caindo sobre um olho e o rosto do cachorro perdido. Isso
não vai convencê-la de nada.
Depois de assistir à cena de repreensão por alguns minutos, finalmente
decido que já vi o suficiente. É óbvio que ela não está escondendo nada de
mim e que a história de que não há nada entre eles é verdade.
Não que eu não acreditasse nela.
Coloquei o carro em movimento, seguindo lentamente em direção à casa
dela, e assim que chego na frente da varanda, abro minha janela.
Grace se vira, boquiaberta.
— Oi! — eu grito, apoiando o braço na janela. — Belo dia para um
passeio, não é?
Sua boca se abre e se fecha como um peixe fora d'água, enquanto os olhos
de Riley se estreitam, suas bochechas se avermelhando.
Erguendo minha mão em um gesto amigável, digo a eles:
— Estou indo trabalhar. Grace, leve seu amigo ao bar. A primeira bebida
será por conta da casa. — Dando um tapinha na lataria da caminhonete,
afasto-me, sem me incomodar em sequer olhar no retrovisor.
Uma hora depois, a porta do bar se*abre,* * e eu nem preciso erguer os olhos
para saber que o furacão se chama Grace Monroe.
Seus saltos cruzam o chão, o som ecoando no bar quase vazio, e quando
eu finalmente desvio os olhos do jogo de beisebol que passa na TV atrás do
bar, ela está de pé na minha frente, suas mãos nos quadris.
— Você me seguiu? — ela praticamente grita, chamando a atenção dos
poucos clientes sentados no espaço.
Batendo a bolsa no balcão, ela retoma à sua postura irritada e, embora eu
não consiga ver, posso ouvir seu pé batendo no chão.
— Bem, você vai admitir isso? Quero dizer, você nem precisa admitir
nada, porque eu vi muito bem como você deixou claro que tinha me seguido,
esfregando a si mesmo na cara de Riley! — Sua voz continua a se elevar, e,
embora não tenha exata certeza, acho que ouço cães uivando lá fora.
Eu ergo um ombro, fingindo estudá-la, e então deixo cair o pano que
estava segurando e me inclino sobre o balcão.
Com minha voz baixa, pergunto:
— Quer uma bebida?
Seus olhos se estreitam, suas bochechas ficam rosadas de raiva.
— Não, eu não quero uma bebida, Bronnson. Eu quero uma resposta.
Afasto-me do balcão e balanço a cabeça.
— Eu não te segui. Saí para dar uma volta. Acontece que Bessie estava
com vontade de explorar o Old Village.
Visivelmente irritada, ela se senta em um banquinho e pergunta:
— Por quê?
Eu dou de ombros.
— Melhor maneira de se livrar de um homem? Deixe que outro homem
faça isso por você.
— Eu te disse, Riley não é um cara mau. Não quero me livrar dele — ela
argumenta. — E eu estava indo muito bem, fazendo-o entender que não estou
interessada nele romanticamente.
Não posso discutir esse ponto, porque pelo que pude ver ela estava
definitivamente conseguindo se fazer entender. Dou de ombros mais uma
vez.
— Melhor maneira de fazer um homem saber que você não está
interessada nele? Traga outro homem para casa para conhecê-lo.
Ela solta um grito frustrado.
— Merda! Pare de fazer isso!
Eu sorrio e quando seus olhos recaem sobre a minha boca, sei que ganhei
a briga.
Dou a volta no bar e me aproximo do banquinho onde ela está sentada.
Seus olhos se arregalam quando me aproximo, e quando eu puxo seu corpo
contra o meu, ela se enrijece, protestando em voz alta.
— Oh, não! Não, senhor. Não pense que vai sorrir, usando aquele sorriso
torto encantador, colocar esses brações em volta de mim e tudo será
perdoado. Não vai usar esses músculos contra mim hoje!
Eu rio, e meu peito chega a roncar quando eu faço exatamente o que ela
diz que não posso fazer, então, eventualmente ela se derrete em meus braços
quando eu a tiro do chão.
Um grupo de velhos, sentados nos fundos do bar, observam-nos, e seus
olhos praticamente saem de suas cabeças, surpresos. Ergo uma das mão,
mostrando-lhes o dedo do meio.
Algumas vaias acontecem, e eu continuo a xingá-los por trás das costas
de Grace enquanto ela tenta se virar.
Com o corpo dela pressionado contra o meu, meu sangue começa a
bombear para uma parte do meu corpo, e apesar dos assobios dos velhos,
estou tendo dificuldade em dizer ao meu corpo para se comportar.
Encostando meus lábios em sua orelha, corro minha língua por seu lóbulo, e
ela estremece.
— Quer um tour pelo bar? Mais especificamente pelo meu escritório? —
sussurro, minha respiração fazendo cócegas em sua orelha.
Ela estremece novamente e inclina a cabeça para trás, seus olhos
brilhando. Seus lábios estão se contorcendo enquanto ela luta contra um
sorriso.
— Não. Estou com raiva de você, lembra?
— Deixe-me pedir desculpas a você da forma, conquistar o seu perdão.
Com uma piscadela, eu a coloco no chão. Ela não protesta, apenas se
afasta de mim por tempo suficiente para pegar sua bolsa sobre o outro
banquinho.
Já tinha pegado uma mulher ou duas desde que comecei a gerenciar o bar,
mas eu nunca as tinha levado para o meu escritório, declarando que era um
lugar sagrado. Sem mencionar que, na maior parte do tempo, Dani estava lá,
e eu suspeitava que ela não gostaria de ser expulsa de seu próprio espaço para
o meu prazer.
Mas Dani não era mais a chefe.
E Grace não era apenas uma conquista aleatória.
E isso significava que o escritório estava vazio, e minha mesa implorava
para que o traseiro de Grace se sentasse nela.
Eu grito para um dos bartenders me cobrir enquanto arrasto Grace pela
cozinha, no melhor estilo homem das cavernas, apontando para vários
equipamentos ao longo do caminho, mantendo a farsa de que iria lhe oferecer
um "tour".
— E este é o escritório do chefe. — Sorrio para ela maliciosamente,
minha mão pairando sobre a maçaneta. — Ouvi dizer que ele te deixou bravo
mais cedo. Tenho certeza de que gostaria de ter a chance de mostrar o quanto
está arrependido. Vamos entrar?
Ela ri, e o som melodioso faz meu pau inchar dentro das calças. Não
querendo soltar sua mão, mudo meu peso de um pé para o outro na esperança
de que possa aliviar um pouco da pressão no meu jeans.
Uma sobrancelha perfeitamente arqueada se arqueia, e ela sorri.
— Como exatamente o chefe está planejando fazer as pazes comigo?
Espero que ele não pense que uma desculpa será suficiente. Palavras são
vazias, você sabe.
Seu sorriso permanece no mesmo lugar quando ela bate com um dedo no
meu peito. Sua mão repousa sobre o meu coração por apenas um segundo
antes de deslizar pelo meu corpo e segurar minha ereção.
— E então? — ela pergunta, apertando meu pau de forma suave, e a
sensação faz com que minhas bolas se apertem.
Eu quase poderia apostar a minha vida na certeza de que aquela mulher
não era real. Não era possível que não só fosse mais bonita do que qualquer
outra que eu conhecia, mas que também conseguisse ser ousada e tímida,
selvagem e reservada.
A mulher que naquele momento estava segurando minhas bolas, fazendo
com que meu coração batesse de desejo, enquanto se vestia com um terninho
de grife, parecendo uma mulher de negócios.
Passei a última hora pensando no fato de que eu não chegava nem perto
do empresário chique que estava sentado em sua varanda. Eu só tinha um
terno, e ele era reservado para funerais e casamentos. Quando usava algo
mais legal do que jeans e camiseta, ainda não era nem perto do que Riley
estava vestindo.
Isso quase me convencia de que, o que quer que estivesse acontecendo
entre nós ali, era apenas uma fuga para Grace. Uma aventura divertida que
logo terminaria, e ela voltaria para sua vida real, para Riley, o cara de ombros
largos, com quem combinava perfeitamente.
Não fazia sentido o que ela estava vivendo comigo. Eu era a escória do
Terra, de acordo com qualquer um que conhecesse meu nome. Não importava
que não fosse o que essas pessoas achavam que eu era, pois passei a minha
vida inteira vivendo de acordo com as expectativas que tinham de mim.
Mas neste momento, com os olhos de Grace brilhando cheios de malícia,
seu corpo chamando o meu, percebo que talvez ela tenha passado a vida
inteira cumprindo as expectativas de todos também. E que talvez sejamos
certos um para o outro. A princesa e o vagabundo.
E sabe de uma coisa?
Mesmo se não formos feitos um para o outro, isso não significa que não
podemos nos divertir enquanto durar. E até agora eu me diverti muito com
Grace Monroe.
Inferno, até mesmo o nome dela tem classe.
Com esse pensamento, giro a maçaneta, abro a porta do escritório e puxo
Grace para dentro. Chutando a porta com o pé, tranco a fechadura, pronto
para mostrar a ela exatamente o quanto estou arrependido.
Grace

Eu estou apaixonada.
Se pensar com a lógica, provavelmente chegarei à conclusão de que não é
verdade. Provavelmente é apenas mais um caso de intensa luxúria e paixão.
Mas meu coração grita que meu cérebro está errado. E eu sempre fui muito a
favor de seguir os meus sentimentos. Então, porra, é exatamente isso o que
vou fazer. E neste momento? Meu coração está me dizendo que Bronnson
Williams é o certo.
Um mês é tempo o suficiente para se apaixonar. Mais do que suficiente
de acordo com os romances que leio. E talvez eu esteja confiando na ficção
um pouco demais, mas que seja. Eu já tinha lido sobre casais que se
apaixonaram à primeira vista, em um dia, uma semana. Um mês em um
romance é tempo suficiente para se casar e ter dez filhos.
Ok, talvez isso seja um exagero.
Mas não importa, porque estou feliz pela primeira vez na minha vida. O
peso do meu passado não se parece tão pesado quanto antes, a tristeza
constante não me incomoda mais a cada momento que passa. Consigo
respirar fundo novamente, sem ser uma dessas respirações rasas que nunca
parecem levar oxigênio suficiente para o meu coração ferido.
Sentada no banco do passageiro do meu carro, sinto-me relaxada, embora
esteja a caminho de ver minha avó, uma atividade que nunca é agradável.
Mas Bronn está comigo, com os dedos entrelaçados nos meus, o polegar
distraidamente esfregando a minha mão. Então não importa o que minha avó
me diga hoje, eu vou ficar bem, porque sei que não estou sozinha.
E esta é mais uma primeira vez para nós.
Pela primeira vez desde que meu pai morreu, não me sinto sozinha.
Mesmo com meus amigos, com minha mãe, sempre fui solitária. Ninguém
mais me entendia, nem sequer tentara. Mas o passado de Bronn é tão trágico
quanto o meu. Fico triste por ele, mas, egoisticamente, sinto-me feliz por
finalmente conhecer alguém que entende o que é andar todos os dias com
aquela sensação de vazio no estômago.
Com o sol brilhando e as janelas abertas, o caminho para Columbia não
parece tão longo. Antes que eu esteja pronta para soltar sua mão, Bronn
embica o carro para a entrada da minha casa de infância.
Relutantemente, eu desentrelaço meus dedos dos dele e desafivelo o cinto
de segurança, virando-me para encará-lo.
— Bronn — eu digo, pigarreando. — Sei que já falei sobre ela, como de
sua atual situação. Mas eu preciso avisá-lo... — minha voz falha, obrigando-
me a fazer uma pausa.
Quando ele pega a minha mão, eu agarro a dele como se fosse um salva-
vidas, usando seu apoio silencioso para me transmitir a força que sei que vou
precisar.
—Vai ficar tudo bem — ele garante, e sua voz me acalma, mesmo
sabendo que suas palavras não falam a verdade.
"Tudo bem" não é uma expressão que eu usaria para descrever essas
visitas ou a mulher que está esperando por nós. Mas não digo isso a ele,
apenas assinto quando ele aperta meus dedos levemente.
Respirando bem fundo, sinto-me tensa enquanto entramos na casa.
Uma lareira na sala de estar encontra-se acesa, embora seja verão e a
temperatura esteja perto de trinta e sete graus do lado de fora.
Fechamos as portas e Bronn solta um assobio baixo.
— Este é o lugar onde você cresceu? — ele murmura, seus olhos
percorrendo o espaço.
— Sim. Lar doce lar — eu lamento. Não me sentia em casa, e aquela era
uma sensação antiga.
Aceno para uma das criadas, e ela balança a cabeça, franzindo a testa
cansada.
Fecho meus olhos quando chegamos à porta do quarto de vovó, depois
ergo a mão e bato. Depois de um momento, sua voz severa responde.
— Você não tem que bater tão alto, já sabe disso.
Coloco um sorriso falso no rosto, ergo o queixo e, com a mão trêmula,
giro a maçaneta.
Com passos hesitantes, avanço pelo quarto dela, e o ambiente familiar
não alivia em nada a ansiedade que faz meu coração bater mais forte no meu
peito.
O quarto está banhado na luz suave do fogo que ruge na lareira de canto e
está desconfortavelmente quente. Vovó descansa sobre a cama de dossel
Queen Size, parecendo a mulher régia que quer que todos acreditem que é.
Dou uma olhada rápida em mim mesma, verificando para garantir que
minhas roupas estejam perfeitamente alinhadas, meus sapatos, brilhando. Não
posso ver meu cabelo, mas o aliso, conforme vou me aproximando,
esperando que não haja um único fio fora do lugar.
Apesar de sua mente falha, vovó ainda é afiada quando se trata de
aparências. Na última visita, ela passou cinco minutos inteiros me
repreendendo pelas rugas na minha saia. Eu não queria repetir isso na frente
de Bronn, então, levei um tempo extra me vestindo esta manhã.
Bronn silenciosamente fecha a porta, e a cabeça de vovó se levanta, seus
olhos olhando dirigindo-se para além de mim. Quando ele se coloca ao meu
lado, seus olhos astutos o percorrem por inteiro, e eu tento não imaginar o
que sua mente está pensando.
Pedi a ele para usar algo mais do que apenas jeans e camiseta, e ele fora
doce o suficiente para satisfazer o meu pedido. Mas era óbvio que as calças
cáqui e a camisa de botões que usava não eram feitas de materiais finos, e
vovó certamente repararia nisso. No momento em que seu olhar alcança os
sapatos sem polimento, ela franze os lábios em desgosto e concentra sua
atenção em mim.
— Brenda. Pensei ter dito que não queria que trouxesse este rapaz à
minha casa
de novo! — ela dispara, saliva voando de sua boca.
Bronn me olha, a pergunta óbvia escrita em seu rosto, e eu balanço a
cabeça, caminhando na direção da cama de vovó.
Com cuidado, aproximo-me da borda.
— Vovó, é Grace. Não Brenda — eu digo baixinho, esperando que meu
tom reconfortante a traga de volta ao presente.
Por uma fração de segundo, o rosto de vovó suaviza. Seus olhos azuis
ficam mais claros, a desaprovação desaparece, e ela pega minha mão na dela.
Sua pele é macia, o que prova que a rotina de esfregar loção três vezes ao
dia obviamente vale a pena, e eu aperto levemente seus dedos. Meu ritmo
cardíaco diminui, meu estômago relaxa e eu suspiro de alívio.
Quando Nana sorri para mim, lágrimas brotam dos meus olhos e, embora
eu saiba que ela acha as lágrimas um sinal de fraqueza, eu as deixo cair.
Espero que, desta vez, apenas uma vez, tenhamos uma boa visita, então,
sussurro:
— Vovó, senti sua falta.
Tão rapidamente quanto percebi seu rosto relaxando, o momento de
felicidade desaparece, e Nana arranca sua mão da minha; seu rosto se
contorce em uma expressão que só pode ser descrita como de completo
desgosto.
— Lixo — ela sussurra.
Eu olho para a lixeira no chão e pergunto:
— Você precisa de mim para tirar o lixo?
Só há alguns lenços embolados no fundo da lata, mas vovó sempre foi
uma defensora da limpeza. Eu me levanto e olho para onde Bronn está de pé,
com as mãos nos bolsos, parecendo desconfortável. Ergo um ombro, sem
muita certeza do porquê de ela estar tão preocupada com o lixo, quando a
ouço falar novamente, fazendo-me paralisar.
— Você é lixo. Assim como sua mãe. — Suas palavras estão envoltas em
veneno, e, com a precisão de uma cobra, me dá o bote certeiro.
Virando-se para encará-la, o sangue se esvai do meu rosto, enquanto eu
sussurro:
— O quê?
Levantando a mão que eu acabara de segurar, ela aponta um de seus
dedos artríticos na direção de Bronn e rosna:
— Trazendo esse vagabundo para a minha casa. O que diabos está
acontecendo com você?
Eu recuo. Suas palavras me atingem mais forte do que se tivessem
realmente me golpeado. Sabia que a visita não seria agradável, e talvez no
fundo eu soubesse que seria exatamente assim, mas, como uma tola, esperei
que, talvez, vovó agisse diferente. E por um momento ela agiu, o que torna
essa mudança abrupta muito mais dolorosa.
Olhando para Bronn, vejo seu rosto pálido; o choque de ouvir o que essa
estranha pensa sobre ele sem que sequer tenham se conhecido é óbvio. Seus
olhos encontram os meus, e eu pressiono meus lábios trêmulos juntos,
pedindo desculpas com os olhos. Ele dá um leve aceno de cabeça, e eu volto
minha atenção para a mulher na cama.
Olho para ela em silêncio por um momento, tentando reunir minha
paciência e, mais ainda, minha coragem. Dando um passo para trás, fico ao
lado de Bronn e pego sua mão na minha. Ele a aperta com força,
encorajando-me da forma como preciso.
— Vovó, este é Bronnson Williams, meu namorado — digo a ela, com
minha voz alta e clara. Posso estar tremendo por dentro e nauseada como se
tivesse acabado de passar o dia em um barco no mar, mas me recuso a
desistir. Vovó me criou para nunca mostrar fraqueza, e mesmo que eu falhe
em relação a isso diariamente, agora não é a hora de demonstrar.
Ela zomba, o lábio ainda franzido, fazendo seu rosto duro parecer ainda
mais duro.
— Eu criei você e sua mãe melhor do que isso. Ela trouxe vergonha para
a nossa família, levando aquele inútil do seu pai para casa. E pior, fugindo e
deixando-se engravidar. — O queixo dela treme de raiva, seu rosto fica roxo
enquanto sua voz se torna mais alta a cada palavra horrível que diz. —
Quando sua mãe me ligou para dizer que seu pai tinha morrido, eu caí de
joelhos e agradeci a Deus por ela ter finalmente se livrado daquele pedaço de
merda.
Meu estômago se agita, a bílis subindo pela minha garganta, enquanto
permaneço ali, escutando impotente meu único parente vivo, a mulher que
me criou, vomitando puro ódio sobre meu amado pai. Quero gritar para ela
parar, mandá-la calar a boca, mas tudo o que consigo fazer é ficar parada
diante dela, congelada, meus dedos apertando dolorosamente a mão de
Bronn, esperando que ela termine seu discurso o mais rápido possível.
— Deus puniu sua mãe por causa dele, você sabe. Por que o câncer a
levou? Passei toda a sua vida pagando por causa daquele homem. E agora,
você! — ela cospe as palavras, seu olhar nebuloso voltando-se na direção de
Bronn. — Envolver-se com um homem que não é melhor do que seu pai foi.
— Seu olhar o percorre mais uma vez, e eu quero me mover para ficar na
frente dele, para ser um escudo contra suas palavras. Mas isso não impediria
que seus ouvidos ouvissem o ódio, então, continuo sem me mover, apenas
permaneço segurando a sua mão com ainda mais força e espero que sua pele
seja mais resistente do que a minha. — Olhe para ele, Grace. Nunca vai ser
nada na vida. É a escória. E vai transformá-la em escória também.
O rosto de Bronn é uma máscara que nunca vi antes, seus olhos vazios de
emoção, mas ele pigarreia e, quando fala, sua voz é forte e firme.
— É um prazer conhecê-la, Sra. Monroe. Grace me contou muito sobre
você.
Nana estala a língua e depois revira os olhos.
— Não se atreva a falar comigo, garoto.
— Vovó! — repreendo, horrorizada e cansada de suas besteiras. — Você
não sabe nada sobre ele. Está fazendo suposições. Suposições incorretas,
vovó!
Eu dou um passo à frente, querendo agarrá-la pelos ombros e sacudi-la.
Obrigá-la a calar a boca e me escutar uma vez na vida. Se eu pudesse falar
com ela, contar sobre Bronn, talvez pudesse fazê-la entender que está errada
sobre ele. E mesmo que estivesse certa, isso não importaria, porque não
preciso de um homem de uma família rica. Não preciso de alguém que ela
considere aceitável.
Só preciso de um homem que se importe comigo. Só preciso de Bronn.
— Saia! — ela grita, com olhos selvagens. — Saia e nunca mais traga
esse lixo para minha casa. Está me entendendo, Grace?
Incapaz de detê-las, as lágrimas contra as quais eu vinha lutando
começam a deslizar pelo meu rosto, fazendo com que me sinta como a
criança que nunca conseguia agradar a avó em nada.
É uma cena familiar – eu chorando depois de ela delirar enfurecida.
— E seque essas lágrimas, menina. Você é tão fraca quanto a sua mãe.
Perdi a minha vida inteira criando duas mulheres sem valor.
Incapaz de ficar ouvindo por mais um segundo, um soluço escapa dos
meus lábios quando me viro e avanço em direção à porta. Bronn me segue
pelo corredor, não falando nada enquanto eu corro para fora da mansão onde
cresci.
Não diminuo a velocidade, apesar de estar de salto e de vestido, só
parando quando chego ao meu carro. Respirando pesadamente, mais pela
visita horrível do que pela corrida, inclino-me para frente, apoiando minhas
mãos nos joelhos.
Bronn finalmente me alcança, com passos pesados, e quando o sinto atrás
de mim, giro-me, jogando-me em seus braços. Braços que não hesitam em
me envolver e me puxar para perto, embora minha avó o tenha tratado tão
mal.
Segurando-me com força, ele não oferece nenhuma palavra de conforto,
apenas me deixa chorar, sabendo que nada do que pudesse dizer me faria
sentir melhor.
Por mais que eu saiba que devo perguntar a ele se está bem, que deveria
me desculpar por ela, por trazê-lo aqui, por ser estúpida o suficiente para
pensar que iria ser diferente daquela vez, não posso consigo parar de soluçar
por tempo suficiente para falar.
Enquanto continuo a deixá-lo me consolar, de forma totalmente egoísta,
as palavras que vovó me lançou continuam se repetindo em looping na minha
cabeça.
Bronn

Nós não nos falamos na volta para casa, mas a tensão entre nós é quase
palpável. Nem me incomodo em ligar o rádio, por mais que escutar as
fungadas silenciosas vindas de Grace causem uma dor no meu peito.
Eu não digo nada para confortá-la, porque... o que diabos posso dizer?
Lamento que sua avó seja uma cadela louca?
Não ouça o que ela diz?
Ela não sabe o que está dizendo?
Ou melhor ainda, ela nem me conhece, então, o que está dizendo é tudo
mentira?
Porque isso seria a mentira.
A ironia da coisa toda era que as merdas que aquela velha louca disse era
todas verdadeiras. Pelo menos, as coisas que disse sobre mim. Mas estava
errada sobre Grace.
Grace não estava fraca. Ela não era lixo. Ela não ia ser uma escória. Ela
era o oceano, selvagem e livre, com uma profundidade que eu não conseguia
entender; cheio de mistérios que podem nunca ser resolvidos.
Foi um milagre que consegui manter a calma enquanto ficava lá, ouvindo
as coisas horríveis que ela dizia sobre a neta. Mas sabia que qualquer reação
que eu tivesse só teria corroborado com as suposições que fez sobre mim.
Meu sangue ferveu e minha mandíbula estava dolorida por manter meus
dentes cerrados, mas eu não diria algo que pudesse piorar as coisas.
Eu não tinha ideia de quantas vezes em sua vida ela ouvira aquelas
mesmas palavras, mas a julgar por sua reação – ou a falta dela – aquele tipo
de abuso não era novo na vida de Grace.
E não havia maneira de contornar isso; aquela mulher era abusiva e
provavelmente tornara a vida inteira de Grace miserável. Eu não conseguia
entender como ela continuava voltando para ela, semana após semana.
Mas essa era a diferença entre nós.
Ela tinha mais classe do que eu jamais teria. E por mais que não
conseguisse entendê-la, certamente a admirava por isso.
No momento em que completei dezoito anos, saí do apartamento sujo da
minha mãe e nunca mais olhei para trás. Dormi na minha caminhonete por
mais noites do que gostaria de me lembrar, mas mesmo assim era melhor do
que passar mais tempo na presença da mulher que me dera a vida.
Talvez eu estivesse errado por virar as costas, mas não consegui ficar
perto dela nem por mais um segundo.
Ao longo do último mês, quase me convenci de que era digno de uma
mulher como Grace. Toda vez que ela sorria para mim, seus brilhantes olhos
azuis se iluminavam como se eu fosse o único homem na face da terra. Ou
quando ela ria, todo o seu corpo se inclinava em minha direção como se
tivesse sido magnetizado. E quando a tocava, não havia como negar a
eletricidade que corria entre nós.
Mas só foram precisos dez minutos para plantar mais uma vez a semente
da dúvida em minha cabeça.
Estava tudo bem. Eu e a insegurança éramos velhos amigos. Fui
dependente dela por boa parte da minha vida. Ela estava sempre lá, vagando
no fundo da minha mente. Mas por um mês, com Grace ao meu lado,
consegui contorná-la.
Mas agora ela estava de volta com um espírito vingativo que eu temia que
me devorasse.
E que, por sua vez, devorasse a ela também.
Não consegui dirigir rápido o suficiente para nos levar para casa.
Enquanto Grace parecia estar com o coração partido, eu estava simplesmente
com raiva. Meu corpo quase vibrava. Ela não merecia a minha fúria, eu
estava bem ciente disso, mas temia que se não a levasse para casa, todo o
nosso relacionamento poderia ser arruinado por causa da onda de explosão
dentro de mim.
Foi bom que Grace não tivesse dito nada, nem tentado segurar minha
mão, ou pior ainda, pedido desculpas por algo que não era culpa dela.
Quando paro em frente à casa de Grace, desligo o motor, abro a porta e
saio. Mesmo que esteja ansioso para ficar longe dela, ainda dou a volta no
carro e abro a porta dela.
Enquanto limpa o nariz com um lenço de papel, ela consegue deslizar
para fora do carro, uma perna delicada de cada vez, com pura classe e...
bem... graça. Cristo – essa mulher!
— Obrigada — diz ela, olhando para mim através de cílios molhados.
Minha respiração escapa do meu peito como se ela tivesse acabado de me
dar um soco no estômago.
Suas bochechas estão rosadas e manchadas de lágrimas, mas são as íris
azul-bebê que causam o golpe mais forte. Uma grande tristeza, o mesmo
olhar que tinha no primeiro dia em que nos encontramos está de volta, e meu
coração se aperta ao ver isso.
Quero dizer algo para fazê-la sorrir, algo que me permitirá ouvir aquela
risada musical que de alguma forma acalma a dor constante dentro de mim,
mas não há nada que eu possa dizer, então, nem sequer tento.
Pigarreando, pego seu braço e a puxo para mim.
— Eu tenho que ir — murmuro contra seu cabelo.
Seus ombros estão tensos e uma pontada de culpa me atinge. Eu devia
ligar o botão do foda-se e ficar com ela, deixando minhas próprias
necessidades de lado.
Mas não posso. O verdadeiro Bronnson Williams precisa escapar.
Dela.
Da realidade.
Do mundo inteiro que parece tão determinado a me sufocar.
— Eu te ligo mais tarde. — Pressiono um beijo no topo de sua cabeça e
depois me afasto dela, virando-me e seguindo para o meu caminhão sem
olhar para trás.
Enquanto isso, minha mente grita para eu voltar para ela, tomá-la em
meus braços e provar que sua avó estava errada, e para ouvi-la dizer que sabe
disso, que nosso relacionamento não é apenas uma aventura.
Dirijo sem rumo por mais de uma hora, alternando entre resmungar,
praguejar e me perder nos recessos escuros da minha mente. No final das
contas, acabo parando na porta da minha casa. Deveria ser o meu refúgio,
mas minha raiva finalmente borbulha no momento em que piso no convés do
meu barco. Bato a porta com tanta força que o barco se inclina quase
quarenta e cinco graus. Não demoro a pegar uma cerveja na geladeira e a
engulo em três goles antes de girar e lançar a garrafa pelo pequeno quarto.
Para minha sorte, ela pousa na cama e não quebra, apenas saltando sobre
o edredom antes de descansar no meu travesseiro. Eu rio em voz alta com
isso; a ironia de não ser capaz nem de quebrar alguma coisa quando quero
muito fazê-lo.
Sei que estou agindo como um babaca. Mas, porra, foi como se a avó de
Grace tivesse o poder de vasculhar minha alma, de encontrar meu pequeno
botão vermelho de autodestruição e dançar sobre meus destroços.
Odeio ter permitido que ela me afetasse tanto quanto afetou. Qualquer
homem decente estaria cuidando de sua mulher depois de um show de merda
como aquele. Mas, não, estou em casa, deitado na cama, olhando para o teto e
lambendo minhas feridas.
Inferno, talvez seja melhor assim. Talvez agora Grace finalmente veja
quem eu realmente sou e desista de mim de uma vez por todas.
Uma batida na porta me sobressalta, e eu me viro a tempo de ver o rosto
perfeito de Grace espreitar pela porta.
— Alguém em casa? — ela chama timidamente, seus dedos em volta da
madeira.
Com um suspiro pesado, faço sinal para ela entrar. Finalizando minha
segunda garrafa, eu dreno o último gole da minha cerveja antes de largá-la na
lixeira ao lado da minha cama.
Grace desliza para dentro, fechando a porta gentilmente atrás dela, e juro
que ouço a madeira suspirar em agradecimento depois da surra que lhe dei
antes.
— Ei — ela diz baixinho.
— Ei — eu resmungo, coçando a parte de trás da minha cabeça e
permitindo que meus olhos a analisem de cima a baixo.
Suas pernas bronzeadas atraem meu olhar até um minúsculo par de shorts
brancos, e sua barriga lisa espreita por baixo da parte inferior de seu top
cropped azul-claro. Seu rosto está limpo de maquiagem, embora seu nariz
ainda esteja rosado pelas horas que passou chorando na volta para casa. Com
o cabelo preso no topo da cabeça, ela parece mais uma menina do que a
mulher que deixei em casa algumas horas atrás.
Esta é a Grace que eu amo.
E eu estaria mentindo se dissesse que essa descoberta não me atingiu bem
no meio do estômago.
— O que você está fazendo aqui? — gemo, sem me incomodar em mudar
minha posição na cama.
Ela dá um passo hesitante, colocando as mãos nos bolsos.
— Eu vim pedir desculpas.
— Por quê? — pergunto rudemente.
Ela hesita, congelando no lugar.
Sei como soou, mas eu não me incomodo em pedir desculpas por isso.
— Por tudo. Por pedir para você ir comigo. Por ficar lá e deixá-la dizer
aquelas coisas para você. Por não ser mais forte e chorar por todo o caminho
para casa.
Inclino a cabeça para o lado. De todas as coisas que ela poderia ter dito,
isso não era o que eu esperava.
—Você está me sacaneando, não é?
—O quê? — Com as sobrancelhas unidas, ela deixa os olhos caírem para
onde seu pé se movimenta para dentro e para fora de seu chinelo.
— Você está se desculpando pelo que aquele morcego velho disse, como
se você tivesse colocado aquelas palavras em sua boca? — Levanto-me da
cama e ando até ela.
— Eu não deveria...
— Pedir desculpas. Você não deve se desculpar.
Seu olhar se eleva para encontrar o meu e seus lábios se separam. Antes
que possa dizer outra palavra que fará com que a raiva que senti mais cedo
retorne, eu continuo:
— Não foi sua culpa. Nada daquilo. Você não tem nada para se
desculpar, então não faça isso.
Seu corpo se inclina em direção ao meu, mas dou um passo para trás, não
querendo o contato. Se ela me tocar, sei que vou ceder e não conseguir fazer
o que precisa ser feito.
— Bronn... — Ela respira fundo, e eu balanço a cabeça.
— O que você está fazendo comigo? — pergunto honestamente. Abrindo
meus braços, minha voz se eleva. — Olhe à sua volta.
Sigo o meu próprio conselho por um momento, observando o que me
rodeia. Minha pia está transbordando de louça suja, a lata de lixo, cheia de
garrafas de cerveja vazias, a mobília nada mais é do que rejeitos de segunda
mão. A desculpa de solteirão estava batida, e não havia explicação real para o
estado da minha – casa –, se é que aquele barco podia ser chamado assim.
Eu deveria ter vergonha de mim mesmo, da maneira como tenho vivido.
A auto-aversão se tornara uma parte intricada da minha personalidade, mas
desde que conheci Grace, ela foi relegada a segundo plano, e eu fiquei feliz
em ver isso acontecer. Mas depois de conhecer sua avó e ter tudo o que já
tinha pensado sobre mim mesmo confirmado em questão de minutos, ela
voltara com força total.
— Você merece mais do que isso.
Ela dá outro passo em minha direção.
— Isto aqui? Talvez. Mas isso não significa que eu mereça mais do que
você.
Cerro meu maxilar.
— Não aja como se não fosse mais do que uma brincadeira de verão com
o bad boy local antes de voltar para o seu namorado rico.
Seu rosto escurece, e ela gesticula de um lado para o outro entre nós.
— É isso que é para você? O que eu sou para você? Uma maldita
aventura?
Eu zombei.
— Vamos, baby, não finja que somos mais do que realmente somos.
Seus punhos se apoiam em seus quadris e ela faz uma careta:
— Oh, e o que exatamente somos então?
A atitude que ela dirige a mim é extremamente fofa, e se eu estivesse
empenhado em qualquer outra coisa que não fosse terminar tudo com ela,
poderia ter sorrido. Mas meus lábios permanecem firmes em uma linha fina
enquanto o medo se acumula no meu âmago. Cada palavra me corta como
uma lâmina enferrujada, mas isso não será nada comparado com a maneira
como me se sentiria quando ela finalmente fosse embora.
— Bons momentos. Momentos bons pra caralho, só isso. Mas o que vai
acontecer daqui a seis meses quando você se cansar da sua aventura com um
cara mais selvagem e quiser voltar para todos os engomadinhos de
Columbia?
Seus olhos se fecham, e seu peito sobe e desce rapidamente por um
instante antes de suas pálpebras se abrirem e ela franzir os lábios.
— Talvez você esteja certo. Porque todos aqueles engomadinhos da
Columbia nunca me fizeram sentir como uma vadia barata como você acabou
de fazer.
Com um breve meneio de cabeça, ela se vira e sai da minha casa, da
minha vida.
Ignoro a dor no meu peito e a queimação em meus pulmões. Tenho que
pensar que é melhor assim, apesar do jeito como meu corpo está implorando
para eu impedi-la de ir embora.
Eu não menti para ela. Grace me proporcionou bons momentos. Qualquer
tipo de homem – e especialmente eu – entraria numa guerra para mantê-la
consigo.
Grace Monroe me proporcionou bons momentos, mas ela não pode durar
uma vida inteira.
Grace

Estou parada nas docas, as mãos nos joelhos e o peito arfando, enquanto
engulo em seco, tentando controlar a náusea que ameaça me dominar.
Bronn acabou de terminar comigo?
Meus olhos começam a lacrimejar e solto uma risada frustrada. Já chorei
o suficiente por um dia, não quero fazer isso de novo.
De pé, respiro fundo e conto até dez antes de soltar o ar lentamente. Uma
técnica que comecei a usar quando criança, quando vovó ficava brava comigo
por algo estúpido e depois me punia por chorar.
Corro para o estacionamento, com a intenção de me afastar de Bronn o
mais rápido possível. Ingenuamente, espero que a distância entre nós alivie a
dor que floresceu no meu peito.
Minhas mãos tremem e são necessárias duas tentativas para abrir a porta
do carro, mas o esforço é desperdiçado, porque não entro nele. Depois de um
momento de deliberação, fecho a porta e giro nos meus calcanhares, voltando
para o barco.
Eu nem sequer bato na porta, eu apenas a abro.
— Você falou um bando de merdas! — grito, chutando a porta atrás de
mim.
Examinando a sala e vejo que Bronn ainda está no mesmo lugar de
quando saí. Sua mandíbula não está mais cerrada, seu rosto, pálido, e eu sei
que o peguei de surpresa. Usando isso como vantagem, avanço para ficar na
frente dele e continuar a gritar.
— Você acha que me conhece? — Balanço meus braços
descontroladamente, quase batendo nele. — Acha que porque eu dirijo um
bom carro, uso sapatos caros e tenho uma avó rica que mora em uma casa
chique, significa que é tudo o que me importa? E porque você não tem nada
disso, estou apenas experimentando o outro lado antes de voltar para a minha
vida real?
Ele fecha a boca, apenas para abri-la novamente, mas continuo meu
discurso antes que possa falar.
— Não, não diga nada. — Dou outro passo para mais perto e pego sua
mão, colocando-a entre meus seios, diretamente sobre o meu coração que
pulsa. — Está sentindo isso? É o meu coração partido.
Seus olhos se fecham, seus lábios se apertam com força, mas eu me
recuso a deixá-lo escapar com facilidade.
— Abra seus olhos e olhe para mim. — Quando ele faz isso, eu continuo.
— Eu tinha cinco anos quando vi meu herói morrer.
— Grace...
— Cale a boca e me escute, Bronn. — Ele balança a cabeça, um
movimento quase imperceptível, mas eu vejo e continuo contando a ele a
minha história, revelando a parte mais dolorosa da minha vida para um
homem que me machucou tanto. — Nós éramos pobres. Em alguns dias
minha mãe e meu pai não comiam, não que eles me deixassem saber disso.
— Eu nunca soube da profundidade de nossa pobreza até que ouvi minha
mãe discutindo com papai sobre isso certa noite, alguns anos depois. —
Minhas roupas eram de brechó. Eu possuía um único par de sapatos que não
tinha buracos neles. — Os sapatos tinham sido um achado de sorte, e mamãe
era obsessiva em me pedir para ter cuidado com eles. — Eu me lembro do
nosso último Natal como uma família. Você sabe o que havia debaixo da
árvore para mim? Uma camisola de princesa de segunda mão e um colar de
conchas que minha mãe fizera para mim. — Meu coração aperta quando me
lembro de seus rostos quando abri meus presentes. Meu pai parecia tão
derrotado, como se tivesse falhado comigo. Minha mãe prendeu a respiração,
os olhos cheios de esperança de que eu não percebesse o quão lamentáveis
eram os presentes. Minha visão começa a embaçar, e eu pisco com força,
tentando conter as lágrimas. — Eu ainda tenho esse colar — sussurro.
— Grace, por favor... — ele tenta de novo, mas eu balanço a minha
cabeça, silenciando-o. Sua mão sobre a minha, contra o meu peito, meu
coração ainda acelerado sob o seu toque.
— Meus avós deserdaram a minha mãe quando ela ficou grávida de mim.
Se recusaram a ajudá-la, se recusaram a me reconhecer. Ela os envergonhava.
— Eu rio amargamente. — Foi mais vovó do que vovô. Mas ele era um
covarde, nunca poderia enfrentá-la, então concordou com isso.
Meu rosto esquenta, sentindo novamente a raiva por meus avós que me
esforcei durante anos para controlar.
— Então, meus pais se esforçaram. Tudo porque eram jovens e
apaixonados. Nos primeiros cinco anos da minha vida, eu não tinha nada
além de amor. Cada uma das minhas memórias felizes é deste tempo. Não
consigo pensar em um único momento alegre depois que meu pai morreu. —
Engasgo com as palavras, algo que nunca vou parar de fazer. Não importa
quantas vezes eu as diga, ainda parece um soco no estômago ouvi-los em voz
alta. Uma amargura que eu ainda desconhecia surge com força. E não apenas
contra minha avó e meu avô. Eu estava com raiva da minha mãe também. Ela
deveria tê-los enfrentado, deveria ter convencido vovô a não ser tão fraco.
Talvez se tivesse feito isso, tudo seria diferente hoje. Talvez meu pai ainda
estivesse vivo.
— Meus avós perdoaram minha mãe por suas transgressões, e minha mãe
voltou para casa, com o rabo entre as pernas. De repente, nós tínhamos tudo:
comida, roupas novas, uma casa chique, escolas particulares, fins de semana
no clube de campo, uma ceia de Natal que deveria ser ilegal. Tudo o que uma
garota poderia querer. — Olho para longe dele, a tristeza ameaçando me
ultrapassar. — Mas eu não queria nada disso. Tudo o que eu queria era meu
pai e nossos passeios de domingo à tarde. Dias na praia procurando por
dentes de tubarão que nunca encontramos. As noites quando eu me
aconchegava entre meus pais felizes, enquanto eles me contavam histórias
bobas.
Uma única lágrima rola pela minha bochecha e solto a mão de Bronn para
limpá-la. Recuo, colocando espaço entre nós, e olho nos olhos dele.
Sua mandíbula está cerrada, a bochecha flexionada, mas seus olhos estão
cheios de compaixão e compreensão.
— Então, você olha para uma mulher que usa roupas de grife e acha que a
conhece, mas, obviamente, não sabe nada. — Eu dou de ombros. — Você
não quer mais me ver, tudo bem. Mas não se atreva a me acusar de te usar
para ter bons momentos. Não se atreva a me acusar de ser a pessoa que minha
avó queria que eu fosse!
Eu viro as costas para ele e me afasto. Com um último olhar por sobre o
meu ombro, digo-lhe:
— Você obviamente tem problemas próprios com os quais precisa lidar.
Começando com essa autopiedade que está alimentando. Você não é melhor
nem pior que ninguém. Pare de ouvir o que todos dizem e seja homem.
Minha mão está na porta, pronta para abri-la e sair, quando Bronn agarra
meu braço, impedindo-me.
— Grace, espere — ele pede, com a voz trêmula.
Desvencilho-me de sua mão, mas me viro. Erguendo meus ombros, eu me
preparo, pois não tenho certeza do que ele vai dizer nem se quero ouvir neste
momento.
Estou magoada, mas, mais do que isso, estou com raiva. Depois de todo o
tempo que passamos juntos, depois de todas as coisas que compartilhei com
ele, achei que ele me entendia. Pensei que ele sentia uma conexão, assim
como eu. Mas os insultos de antes provavam que eu estava errada. Era óbvio
que não sentia o mesmo que eu sentia por ele.
Passando a mão pelo cabelo, ele solta um suspiro.
— Eu não sei o que dizer.
Cruzando meus braços contra o peito, eu digo:
— Bem, você poderia começar com "me desculpe".
Um canto da boca se inclina, e seu lábio se franze, enquanto ele balança a
cabeça.
— Sinto muito — as palavras são suaves, pouco mais que um sussurro.
— Desculpas não aceitas.
Ele ergue a cabeça, surpreso.
— Eu mal consegui te ouvir. E você nem estava olhando para mim
quando se desculpou. Isto aqui não é uma briga que você teve com sua irmã
ou com sua mãe, que te obrigaram a pedir desculpas antes que você pudesse
voltar a brincar lá fora. Vai ter que fazer melhor do que algumas palavras
resmungadas, Bronn.
O meio sorriso que ele ostenta se transforma em algo mais completo.
— Deus, você é doida.
Ele dá um passo à frente, diminuindo a distância entre nós, e seu corpo
grande ocupa meu espaço pessoal. Eu me afasto, minhas costas batem na
porta atrás de mim.
— Talvez você não saiba como se desculpar, mas posso garantir que me
chamar de louca não vai te ajudar a cair de novo nas minhas graças.
Eu ainda estou chateada, mas quanto mais perto ele chega, fica mais
difícil manter a raiva. Meu corpo começa a zumbir pela proximidade, seu
cheiro me confortae me excita. Eu não deveria estar excitada por ele. Deveria
estar lívida, ansiosa para me distanciar. Mas, no fundo, espero que chegue
ainda mais perto.
Ele coloca seu rosto diretamente na frente do meu, sua mão envolve a
lateral do meu pescoço, seu polegar roça minha bochecha.
— Me desculpa, Grace.
A forma como ele pronuncia meu nome faz meu estômago se revirar.
Viro minha cabeça para longe de sua mão, mas ele coloca a outra no meu
pescoço e vira meu rosto de volta para o dele.
— Eu estava tão errado. — Ele pressiona seus lábios na minha testa, e a
raiva começa a se dissolver. — Por favor, me perdoe. Deixe-me fazer as
pazes com você.
Talvez vovó esteja certa.
Talvez eu seja uma mulher fraca.
Mas não porque chorei.
Talvez eu seja fraca porque não consigo ficar com raiva, não importa o
quanto eu queira ou o quanto deveria estar chateada com ele.
Ele trilha beijos ao longo da minha têmpora e da minha bochecha, seus
lábios sussurrando sobre a minha pele, e meu corpo me trai, arqueando-se
contra o dele.
— O que você disse foi muito ruim, sabe? — argumento pateticamente,
minhas palavras soando nada mais do que bravatas.
Com cada beijo, minha raiva se dissolve.
Beijo.
—Você está certa. Eu estava alimentando minha autopiedade.
Beijo.
— Eu nunca pensei que você estivesse me usando.
Beijo.
— Eu preciso ser homem.
Beijo.
— Diga que você me perdoa.
Porra!
— Não. — Bufo. — Você me diz isso agora, que não vai jogar essas
coisas na minha cara novamente. Mas vai agir como um idiota toda vez que
for lembrado de que eu vim de uma família com dinheiro, e você, não.
— Eu prometo, Grace. Eu juro. Acabei de agir como um puta de um
merda. —Seu olhar é intenso, seus olhos focados nos meus.
— É isso, Bronnson. Estamos juntos. Você e eu. Você está comigo, a
longo prazo ou não? — eu o desafio, prendendo a respiração, esperando que
ele diga que sim. Que sou o que ele quer. Tudo o que ele quer.
Ele encosta seus lábios no meu ouvido, e eu sinto sua respiração quente
na minha pele.
— Porra, Grace, seremos eu e você. Por um longo tempo.
— Estou falando sério! Você não pode usar seus beijos para tentar me
convencer. — Empurro seus ombros, mas não sou páreo para sua força, e ele
não se move. — Bronnson! — altero-me.
— Fala de novo. — Ele arqueia seus quadris contra os meus, e sinto sua
excitação aparente. — Meu nome saindo da sua boca me excita. Fala de
novo. —Puxando-me contra si, eu inclino minha cabeça até que minha boca
esteja em seu ouvido.
— Leve-me para a cama, Bronn.
Ele não perde um segundo, pegando-me no colo e me carregando pela
curta distância até a cama. Joga-me nos lençóis, descendo sobre mim, sua
boca colidindo com a minha.
Bronn

Eu estou realmente fodido.


Ou então assim eu pensava.
Não seria a primeira vez que deixaria minha boca grande me causar
problemas. Mas seria a primeira vez que estragaria algo tão importante que
não tinha certeza se conseguiria me recuperar.
Depois que Grace saiu em disparada, fiquei enraizado no lugar,
paralisado pelo medo de que eu não a veria novamente, que não teria a
chance de pedir desculpas, nem de retirar o que disse.
Eu sabia que era mais do que apenas um romance de verão para ela. Podia
ver em seus olhos como se sentia em relação a mim. Eu sabia que
provavelmente era o mesmo que sentia por ela.
Mas, porra, eu simplesmente não conseguia superar a merda que sua avó
tinha dito para mim. E, em vez de considerar um caso de demência, eu deixei
isso inflamar, deixei as palavras surgirem na minha cabeça.
Então, quando ela apareceu, depois que eu tomei algumas bebidas e tirei
algumas horas para sentir pena de mim mesmo, as palavras apenas saíram da
minha boca.
E então ela foi embora, e eu fiquei arrasado. Mas ela voltara.
Como um morcego em direção ao inferno, ela voltara.
E maldita fosse, porque dissera todas as coisas certas.
Não foi a história que ela contou. Não, foi o tiro de misericórdia que ela
lançou, acusando-me de ter pena de mim mesmo.
O chute na bunda de que eu precisava.
Ela era o chute na bunda que eu precisava.
A porra da Grace Monroe era uma força a ser reconhecida. Mesmo depois
do dia traumático que teve, e depois do jeito ruim como a tratei, ela se
regenerou e me tratou como eu merecia. Não fugiu e nem chorou por seu
coração partido. Não me deixou arruinar as coisas entre nós. Não, ela me
disse para agir como um homem.
E isso era exatamente o que eu iria fazer.
— Você é muito persuasivo, sabe? — ela murmura enquanto corre as
pontas dos dedos ao longo do meu bíceps.
Eu rio, meu peito retumbando.
— Um dos meus muitos talentos.
Ela se apoia em um cotovelo, deixando o cabelo cair ao redor do rosto.
Seus olhos estão brilhantes e com mais convicção do que eu me sinto:
— Você é incrível.
Desconfortável com o elogio, tento brincar,
— É só a felicidade pós-coito falando mais alto — a piada é sem graça, e
ela não ri.
Ela balança a cabeça, o cabelo roçando meu peito nu.
— Eu estou falando sério, Bronn.
Eu sustento minha cabeça com a minha mão.
— Você não sabe nada sobre mim.
— Então me conte — ela diz simplesmente, seus olhos me desafiando.
Soltando um suspiro, eu admito.
— OK.
Ela descansa a cabeça no meu peito, seu corpo aconchegando-se ainda
mais perto do meu, e o calor floresce no meu peito. Um sentimento de
vulnerabilidade que jurei que nunca me deixaria sentir e que deveria me
deixar desconfortável. Mas, com Grace, não é assim.
Eu não apenas gosto de tê-la assim, como também desejo. As noites sem
ela são longas, os dias ainda mais. Cada minuto que ela não está fisicamente
ao meu lado, meu corpo sente falta dela.
Meu estômago dá um nó só de pensar em revelar as partes mais
desagradáveis de mim para ela. Mas eu conheço Grace. Ela não vai me julgar.
Não vai ficar enojada com as coisas que fiz. Ela só vai ser compreensiva,
seus olhos quentes irão brilhar com aceitação e não desgosto.
Eu fecho meus olhos, respirando fundo e conto até dez. Abrindo-os, o
belo rosto de Grace preenche minha visão e meu estômago se revolta
novamente, mas não de nervos.
Porra, essa mulher é linda.
Então, me preparo.
— Eu tinha dez anos quando meu pai foi assassinado. — Grace respira
fundo. Seu braço flexiona, puxando-me para perto dela. — Ele não era o
homem mais amado da cidade, com certeza, mas era meu melhor amigo.
Porra, ele nem era um ótimo pai, na verdade. Era casado com a mãe de Dani
quando trepou com a minha, então não é como se fôssemos uma família feliz.
Mas isso não importava para mim, porque quando você tem uma mãe como a
minha, qualquer coisa é melhor, até mesmo um pai que nem sempre está por
perto — minha voz embarga, mas eu engulo em seco, forçando a emoção
goela abaixo.
Grace ergue a cabeça, seus olhos suaves me encontram.
— Você não tem que me contar nada que não quiser contar — sua voz é
suave, um bálsamo para as minhas cicatrizes invisíveis.
Eu assinto.
— Sim. Eu sei. Deus sabe que não estou dando justificativas, mas você
merece saber o que se passa comigo.
Sua boca se contorce quando ela encosta a cabeça no meu peito. Eu
continuo.
— Depois que ele foi morto, parei de tentar. Mal fui para a escola, nunca
me apliquei. E eu não tinha ninguém me forçando a fazer isso. Dani e sua
mãe tentaram encorajar-me, me dar força, mas eu apenas me ressentia,
especialmente com Dani. Ela teve meu pai por treze anos. Eu só o tive em
tempo parcial durante dez. Simplesmente não era justo. — Eu puxo meu
braço de baixo da minha cabeça e movimento Grace para que estejamos
deitados cara a cara. Um lençol cai, expondo seus seios nus, e por um
momento considero cortar a história. É desagradável, são fatos patéticos da
minha infância. Mas quando ela não faz nenhum movimento para se cobrir,
percebo que, se está disposta a se expor, eu também deveria estar.
— Carreguei essa amargura comigo por anos, na idade adulta. Eu a deixei
apodrecer e crescer. Fui parar na cadeia algumas vezes, por causa de coisas
estúpidas. Saí com a turma errada, me envolvi com pessoas que eu não
deveria. Era praticamente o garoto-propaganda para o clichê: "o pobre garoto
perdeu o pai e sua mãe está se enchendo de crack". E por um longo tempo,
não me importei que minha vida fosse um desperdício. — Corro meus dedos
ao longo de seu braço. — Mas então eu cresci. Decidi que queria mais do que
o apartamento do gueto onde morava com dois caras que mal conhecia.
Estava cansado de dormir em sofás de estranhos, cansado de pensar se teria
que dormir no meu caminhão em mais uma noite. — Ela se apoia no cotovelo
e seus olhos enormes encontram os meus. Meu coração bate quando me
preocupo se falei demais. Ou pior, se ela perceberá que sua avó lunática está
certa. — Red, você se lembra dele?
Ela sorri e balança a cabeça.
— O rei das ostras.
Eu sorrio de volta.
— Sim. Ele me contratou. Ninguém mais me deixaria a menos de cem
metros de uma cozinha, mas Red me deu uma chance. Talvez porque ele e eu
somos farinhas do mesmo saco.
A história de Red não era muito diferente da minha, e foi provavelmente
por isso que eu o respeitei. Porque, apesar da minha história, ele me
respeitava também.
— Comecei a adicionar alguns pratos ao cardápio. Os frequentadores
regulares passaram a perguntar por eles. Aí ele me contou sobre o Salty. O
dono estava fechando tudo, indo para o sul para o inverno, e sugeriu que eu o
comprasse. Claro, eu não tinha sequer um pote para mijar. Não havia uma
única maneira de que eu pudesse comprar um bar. Mas Dani poderia.
Grace se remexe, e seu cabelo cai no rosto. Ela estende a mão para movê-
lo, mas eu a impeço, colocando eu mesmo os fios atrás da orelha. Seu cabelo
é macio e brilhoso, com tons sutis de vermelho. Na luz certa, como a que se
infiltrava pela minha janela quando o sol começava a nascer, era quase como
pedaços de rubis.
— Esta era outra razão pela qual eu fiquei chateado pra caralho com ela e
sua mãe. Quando meu pai morreu, ele deixou seu dinheiro para elas. Eu não
acho que ele tenha deixado um testamento – não fui intencionalmente
deixado de fora. Era só que ela era sua esposa, sabe? Mas fiz as pazes com a
Dani neste momento. Começávamos a nos aproximar. Mencionei a ela, uma
noite, o que Red disse, e ela agarrou a oportunidade. Menos de uma semana
depois ela estava assinando a papelada no bar. Dani Williams era a orgulhosa
proprietária do Salty's Bar and Grill. E eu era o gerente geral.
— Eu pensei que o bar era seu — ela pergunta, com a testa franzida.
Balanço a minha cabeça.
— Para todos os efeitos, o bar é meu. Dani estava ajudando com a
papelada antes de abrir o café. Mas agora é tudo meu. Só não sou o
proprietário legal no papel. Ainda.
— Ainda?—
O processo de compra de um negócio é demorado quando você tem uma
reputação como a minha. Com um suspiro frustrado, dou de ombros.
— As pessoas em uma cidade pequena têm uma boa memória. Tem sido
um pé no saco tentar receber a aprovação para comprá-lo da Dani. O banco
não quer conceder um empréstimo ao local, e embora eu não possa culpá-los,
isso ainda me irrita.
Seu rosto se obscurece, e ela se senta, o lençol acumulando no colo, os
seios diretamente na frente do meu rosto.
— Bem, isso é ridículo! Se o estabelecimento é lucrativo e seu crédito é
bom, não entendo por que eles não aprovariam!
Sua indignação com meus problemas é adorável, mas eu não consigo
parar de olhar para seus mamilos perfeitos, que estão implorando para serem
tomados na minha boca. Inclinando-me para frente, eu corro minha língua
por toda a lateral de seu seio, fazendo sua pele se arrepiar.
— Bronn! Pare. — Ela ri, empurrando minha cabeça para longe.
Quando eu a lambo novamente, ela ronrona e tomo isso como permissão
para continuar. Com um movimento rápido, eu a deito de costas,
posicionando-a debaixo de mim, estabelecendo meus quadris entre os dela.
Depois da profundidade da nossa conversa, estou desesperado por uma
distração e estar dentro de Grace é exatamente o que preciso. Pressiono meu
membro contra ela, que geme.
— Bronn, espere — ela implora, mas meu nome saindo da sua boca faz
minha ereção aumentar ainda mais.
Esfregando os quadris nela, murmuro:
— Seja o que for, pode esperar. Eu preciso sentir você.
Deslizando minha língua pela lateral do lado de seu pescoço, continuo me
esfregando contra ela.
— Por favor — ela arfa. — Só me deixa dizer uma coisa.
Eu rosno, puxando o lóbulo da orelha entre os dentes.
— Rápido.
Suas mãos estão vagando pelas minhas costas, e suas unhas
ocasionalmente marcam minha carne, mas ela as puxa para cima e agarra as
laterais da minha cabeça, virando-a para que eu seja forçado a olhar nos olhos
dela. Quando está convencida de que tem toda a minha atenção, diz:
— Você passou a vida inteira dizendo que não é bom o suficiente. Mas
isso é mentira. Sua mãe falhou com você, a cidade falhou com você. Mas
você não falhou consigo mesmo. E você é mais que suficiente. Porra, você é
tudo.
Seu sorriso está radiante, seus olhos cheios de emoção, e eu juro por Deus
que eu nunca me senti mais completo. Meu peito incha, a confiança que ela
acabou de me passar, é algo que precisei ouvir minha vida inteira.
— Porra, você é incrível — sussurro, ainda preso em seus olhos. Estou
tão envolvido com ela que acho que não vou superar, e... merda, eu nem
quero.
— Estou farta de falar agora — ela sussurra, puxando o meu lábio
inferior entre os dentes, os olhos brilhando com lágrimas não derramadas.
— Bom — eu rosno, penetrando-a com um movimento rápido. — Eu
também estou.
Grace

Dois meses depois

O verão passou rapidamente, e eu passei a maior parte dele no barco de


Bronn.
Foram os melhores dois meses da minha vida, e tudo por causa de
Bronnson. Nas noites em que não trabalhava, sentava-me em um dos
banquinhos do bar, observando-o distribuir drinques para os frequentadores e
turistas, admirando seu charme e a facilidade com que se relacionava com as
pessoas a quem servia.
Assim que percebeu que eu estava levando a gente a sério, ele se tornou
um homem completamente diferente. Foram-se embora os rompantes de Dr.
Jekyll e do Sr. Hyde. Bronn mudou, e eu não fui a única que notou.
Dani e eu nos conhecemos melhor, correndo juntas nas primeiras horas da
manhã, antes do sol escaldante subir no céu. Ela me contou mais sobre sua
própria infância e como seu coração sempre sofreu por seu irmão mais novo.
Eu queria merecer o crédito que ela me deu pela mudança nele, mas não foi
minha culpa. Foi ele, percebendo que era muito mais do que apenas uma
estatística.
Eu ainda ia ver vovó regularmente, mas não pedi para Bronn ir comigo
novamente. Ele oferecia todos os fins de semana, e toda vez fazia meu
coração se derreter um pouco mais por estar disposto a se sujeitar a isso.
A saúde de vovó continuava a se deteriorar, sua memória piorava a cada
visita. Na última vez em que estive com ela, ela dormiu todo tempo, sem
acordar uma vez sequer para reconhecer a minha presença. Então, não foi
surpresa quando recebi a ligação da enfermeira da casa avisando que ela
falecera dormindo.
A culpa que eu sentia por não estar ao lado dela fora imensa, o senso de
dever enraizado em todas as fibras do meu ser. Mas o médico me garantiu
que ela não daria conta da minha presença. E para alguém tão dura e
orgulhosa, ela teria ficado horrorizada que alguém a tivesse visto naqueles
momentos finais, fraca e finalmente desistindo da luta.
O funeral fora um grande acontecimento, algo que ela planejara anos
antes de sua morte. Riley fora quem executara seus desejos, como ela havia
indicado em seu testamento. Eu fiquei aliviada por não haver mais nada para
eu decidir. Não queria a pressão de planejar uma coisa que eu sabia que ela
nunca aprovaria, de qualquer maneira.
Centenas de pessoas compareceram, mas eu não conhecia uma única
delas. Eram ex-associados do meu avô, companheiros e membros do clube,
mulheres da igreja que vovó odiava frequentar, mas ela o fazia porque era o
que uma boa mulher do sul fazia. Muitos me abraçaram, murmuraram suas
condolências e passaram o resto do tempo socializando, certificando-se de
serem vistos, para depois falarem sobre como a perda de Marie Monroe era
terrível para a comunidade.
Eu evitei voltar para a casa depois do velório, ao invés disso mostrei a
Bronn a cidade, apontando os lugares que frequentei quando adolescente,
mostrando a ele o meu lugar favorito no rio para onde eu fugia sempre que
vovó me punia, fosse por comer demais, por não comer o suficiente ou por
ser muito desleixada.
Eu sabia que não poderia evitar o momento para sempre, e finalmente era
hora de voltar para casa e começar a limpá-la, preparando-a para a venda e
resgatando qualquer coisa sentimental que eu desejasse manter – não que
houvesse muita coisa lá que eu já não tinha levado comigo.
Mas, novamente, era meu dever, como única herdeira sobrevivente,
classificar seus ítens pessoais.
Riley leu seu testamento, e por mais que eu devesse ter ficado chocada
por ela ter deixado mais da metade de seus bens para o Rotary Club local, eu
nem sequer estranhei. Eu não me importava com o dinheiro, mas fora a sua
cartada final para a garota que ela fora obrigada a criar quando poderia ter
passado sua aposentadoria na Flórida, no clube de campo.
— Baby, deixe-me ir com você — Bronn implora. Sua voz está firme, seu
rosto, sério, seus lábios pressionados juntos em uma linha fina. Ele não quer
que eu enfrente os fantasmas do meu passado sozinha, e eu juro por Deus que
se não fosse pelo fato de já estarmos atrasados, eu o faria me levar para a
cama naquele exato momento.
Com um suspiro profundo, eu balanço a minha cabeça.
— Você tem muito trabalho por aqui. Vou ficar bem, eu prometo.
Bronn estava com poucos funcionários no bar na última semana, e já
tinha sido difícil para ele sair para ir ao funeral comigo. Eu não queria ser
responsável por mais problemas que pudessem surgir em sua ausência. Ele
trabalhava quase dezesseis horas por dia e, mesmo que tivesse conseguido
escapar, não queria que ele gastasse seu tempo livre cuidando das merdas da
minha avó.
— Eu vou sentir sua falta — murmuro, colocando-me na ponta dos pés
para beijá-lo levemente.
Seus braços envolvem a minha cintura, e o rápido beijo nos lábios se
transforma em mais.
— Humm... — Eu gemo contra a sua boca, saboreando a maneira como
sua língua desliza contra a minha. Antes que o beijo possa se transformar em
mais, eu me afasto, correndo minha língua por seus lábios. — Não temos
tempo para isso.
Ele pega minha mão e a coloca sobre a protuberância em suas calças.
— Não diga isso a ele.
Eu rio e balanço a minha cabeça.
— Foi mal, cara. Volto hoje à noite.
Com um gemido triste, ele solta minha mão, e eu me afasto, pegando
minha bolsa sobre a cama e me virando em direção à porta.
— Grace, espere — a voz de Bronn está séria novamente, fazendo-me
parar. —Eu não quero que você tenha que passar por essas coisas sozinha.
Deixe-me fazer algumas ligações e irei com você.
Eu quero Bronn ao meu lado, assim como tem ficado durante todo o
período difícil, mas sei que seria um grande fardo para ele. E a última coisa
que quero é que minha avó lhe cause mais problemas.
Dou um passo em sua direção e coloco meus braços ao redor de sua
cintura, abraçando-o apertado, tentando sugar a força que ele me trasmite.
— Não sei nem como começar a te agradecer por isso. Queria muito que
estivesse comigo, mas, quero dizer, você está se matando no bar, e não
sabemos quando isso irá terminar. Não quero ser a causa de mais estresse,
mesmo que seja apenas por um dia. — Inclino a minha cabeça para trás e
encontro seu intenso olhar. — Além disso, não ficarei sozinha. Riley vai estar
lá.
Seu corpo se enrijece ao ouvir o nome, e ele estreita os olhos.
— O que diabos ele vai fazer?
— Oh, não faça isso. Ele tem as chaves da casa, e como executor da
propriedade precisa estar lá para supervisionar tudo.
— Claro — ele murmura, segurando-me pelos ombros e recuando. —
Bem, me avise quando você chegar lá.
Todo o seu comportamento mudou, e eu odeio isso. Nos últimos dois
meses, Bronn grosseiro deu espaço a um Bronn encantador e maravilhoso. E
eu aproveitei cada segundo disso.
Pego sua mão, esfregando meu polegar ao longo de sua palma.
— Confie em mim, eu queria que fosse você comigo — eu digo a ele em
voz baixa.
Ele concorda com a cabeça, e eu suspiro. Nada que eu diga vai mudar a
maneira como se sente. E eu realmente não o culpo. Se os papéis fossem
invertidos, eu provavelmente não ficaria muito satisfeita também.
— Obrigada por oferecer ir comigo. Obrigada por tudo — sussurro. Eu
dou um passo para trás e solto a mão dele, então, embarco para a porta.
Jogando meu cabelo por cima do ombro, jogo-lhe um beijo rápido. — Ligo
para você em breve!

***
— Você realmente não tem que fazer isso, Riley — digo por cima do meu
ombro, girando a chave na fechadura da minha casa de infância.
Estive aqui há menos de duas semanas, mas parecia estranho, para mim,
entrar na casa vazia. Mesmo depois de vovó ter ficado doente e não aceitar
mais visitas, ainda havia a equipe de enfermagem, junto com a empregada
que limpava diariamente, mesmo que ninguém fizesse nenhuma bagunça.
Meus saltos batem no foyer de mármore, o som ecoando pela casa
silenciosa e causando um calafrio pela minha espinha. Nunca tive medo de
fantasmas, nem quando era criança, mas algo no vazio me assusta. Estou
pronto para entrar e sair, fazendo o que precisa ser feito o mais rápido
possível.
— Grace, eu nunca iria deixar que fizesse isso sozinha. — sua voz é
sincera, e apesar do fato de eu não tê-lo visto muito durante o verão, é
reconfortante. — Além disso, fico feliz em ver você — ele diz para mim.
Assinto.
— É bom te ver também. Já faz muito tempo.
Ficamos sem jeito no foyer, apenas olhando um para o outro. Meu
relacionamento com Bronn causou uma tensão em nossa amizade, algo que
me dói pensar, mas não posso evitar. Eu sei que Riley quer mais do que posso
oferecer a ele, e uma parte de mim pensa que talvez a distância entre nós seja
a melhor escolha.
— Ouça, não há muito que eu queira levar daqui. Algumas coisas do meu
antigo quarto, mas isso é tudo. Há algumas caixas na garagem. Você se
importa de pegá-las?
Ele concorda.
— Claro, Grace. Você parece muito bem, sabe? A costa te fez bem. —
Com o elogio, ele se afasta para pegar o que eu pedi. Eu o vejo se distanciar,
soltando um suspiro aliviado quando ele finalmente sai de vista.
Não foi a costa que causou a mudança em mim, embora definitivamente
tenha ajudado. Não, eu pareço bem porque finalmente estou feliz de novo.
Algo que não teria acontecido se tivesse ficado aqui e seguisse o caminho que
vovó tentou traçar para mim.
Subo as escadas, mas em vez de virar à esquerda no topo, na direção do
meu antigo quarto, viro à direita e serpenteio pelo corredor até o quarto de
vovó.
Quando criança, nunca tinha permissão para entrar. Era um solo sagrado,
cheio de segredos e criaturas míticas. Pelo menos, era nisso que eu
acreditava. Depois que ela adoeceu e ficou acamada, eu pude entrar, apenas
para descobrir que era um quarto comum − embora fosse ricamente decorado,
um tanto cheio de babados. Mas não havia nada escondido nos cantos, sem
segredos de Estado, sem barras de ouro empilhadas na mesa de cabeceira
como sempre imaginei.
Esgueiro-me para dentro, sentindo-me um pouco culpada por aproveitar o
fato de ninguém estar aqui para me impedir.
O cômodo é banhado por luz artificial, a cama de dossel perfeitamente
feita está localizada no centro do quarto, como se a dona do castelo não
tivesse dado seu último suspiro naquele mesmo lugar recentemente. Meu
estômago dá uma cambalhota enquanto passo na ponta dos pés pela mobília e
lentamente abro a porta do armário. O closet é do tamanho do meu quarto e
estava em puro breu. Tateio a parede até que a minha mão faz contato com o
interruptor.
Iluminado, o local está cheio de roupas de grife e sapatos, e todos cheiram
como o perfume da vovó. É enjoativo e faz meus olhos lacrimejarem.
Todas as roupas de vovô tinham sido retiradas dali há muito tempo, e o
espaço agora está cheio de roupas que minha avó provavelmente nunca usou.
Eu deslizo para dentro, passando a mão pelas roupas, o cheiro causando
uma enxurrada de memórias que invadem minha mente, a maioria delas
desagradável. Sentindo-me culpada por pensar mal de uma pessoa morta,
afasto os pensamentos.
O cofre ocupa um canto inteiro do armário, e eu tiro o conjunto de chaves
do meu bolso, experimentando cada uma até encontrar a que finalmente se
encaixa e gira a maçaneta.
O cofre range, se abre, e eu o analiso. Irracionalmente, meu coração bate
como se algo estivesse prestes a saltar sobre mim. Mas assim que a porta está
totalmente aberta, nada acontece, e eu solto uma risada nervosa, sentindo-me
estúpida por ter ficado tão assustada.
O cofre está praticamente vazio, guardando apenas algumas caixas de
joias e uma pasta de arquivos.
Eu puxo as caixas para fora e abro-as. A primeira é de um colar com um
enorme pingente de ametista rodeado de diamantes. Traço a joia com os
dedos e me lembro da única vez em que o vi antes, enfeitando o pescoço da
minha avó para o trigésimo aniversário de casamento com vovô. Lembro que
ele ficou tão orgulhoso ao dá-lo para ela na frente de todos os seus amigos.
Ela o colocou e sorriu para ele, a única vez em que conseguia me lembrar
dela parecendo verdadeiramente feliz. Seu rosto normalmente corado estava
relaxado, sua idade se dissipando e, se você perguntasse a alguém, eles teriam
jurado que ela não tinha mais de quarenta anos. A felicidade não durou –
nunca durava – e no final da noite, seu espírito severo já havia retornado.
Recoloco a tampa na caixa e a guardo, puxando uma outra menor. Assim
que abro, minha respiração fica presa quando uma simples faixa de ouro é
revelada.
A aliança de casamento da mamãe.
Ela usou o anel por anos após a morte do meu pai, recusando-se a tirá-lo,
para o desânimo da minha avó.

— Mamãe, por que você ainda usa a sua aliança? — perguntei,


genuinamente curiosa. — Papai já se foi há anos.
Seu rosto pareceu desanimado, a tristeza que ela se esforçou tanto para
esconder de mim se evidenciando. — Porque, querida, eu ainda amo seu
papai. A distância entre nós não pode mudar isso.
Olhei para ela, sem que minha mente de dez anos pudesse entender.
— Que distância? — Ela fechou os olhos e balançou a cabeça.
— Nada, Grace. — Seus olhos se abriram, e eles brilhavam com
lágrimas. — Seu pai amava você, sabe disso, não sabe?
Balancei a cabeça com tanta força que chegou a doer. Eu sabia de
verdade.

Ela mudou de assunto depois disso, e eu não o mencionei de novo.


Puxo o laço da caixa, deslizando-a sobre meu próprio dedo e a estudo. É
claro está desgastada – provavelmente pelos anos de uso –, mas ainda brilha,
apesar de ter ficado guardada por todo esse tempo. Meu sangue começa a
ferver quando me dou conta de que minha mãe foi enterrada sem seu precioso
anel.
— Deus, você era uma porra de uma pessoa horrível, sabia disso? — grito
para Nana, sabendo muito bem que ela não pode me ouvir, mas não consigo
impedir que as palavras escapem dos meus lábios. — Por que você fez isso?
Sabia o quanto ela amava o meu pai. Por que não pôde simplesmente deixá-la
ser feliz? Sua puta velha!
Lágrimas deslizam pelo meu rosto, como se a minha raiva estivesse tão
desesperada para escapar, de qualquer maneira possível, mesmo na forma de
um choro inútil.
Enxugando furiosamente o meu rosto, limpo as lágrimas e me
recomponho. Mamãe talvez não tivesse podido passar a eternidade com o
último símbolo remanescente de amor que ela nutria por meu pai, mas eu iria.
Com o anel ainda no meu dedo, puxo a pasta de arquivos para fora do
cofre. Retirando o laço que a prendia, abro-a para revelar uma grande pilha
de envelopes. As pilhas estão presas por elásticos, e eu tiro um, fazendo com
que uma única folha de papel caia da pilha.
Pegando-a do chão, abro-a, mas o endereço na frente do envelope
superior me obriga a fazer uma pausa.
A carta está endereçada a Grace Chumley. O sobrenome de meu pai – o
nome que eu nunca recebi, porque meus pais não tinham se casado quando eu
nasci e era muito caro trocar meu nome depois que eles se casaram. No
entanto, dera certo, já que depois da morte de meu pai, mamãe também
voltara ao seu nome de solteira. Vovó sempre disse que era melhor todos
termos o mesmo sobrenome. Isso tornava as questões legais muito mais
simples. Sempre desejei ter o nome do meu pai, uma maneira de levar o
legado dele.
Puxo a carta da pilha e a viro, só para descobrir que fora aberta.
Vasculhando meu cérebro, não encontro nada, tendo a certeza de que não me
lembro de tê-la visto antes, muito menos de tê-la aberto e lido.

Meu ursinho,

O apelido carinhoso que meu pai sempre usou comigo me tira o fôlego, e
uma vida inteira de lembranças passa pela minha mente. Minhas mãos
começam a tremer, assim como aquela única folha de papel pautado.

Já se passaram duas semanas desde a última vez que vi você. As duas


semanas mais longas da minha vida inteira. Sinto sua falta mais do que você
jamais imaginará. Cada minuto sem você é mais doloroso do que o anterior,
mas sei que sua mãe está cuidando bem de você.
Eu penso em você constantemente; você é a única coisa que me manteve
são. Eu te amo muito, ursinho.
Para sempre, papai

Eu não entendo, e, confusa, viro o envelope, o selo postal datado de 1999. No


ano em que papai morreu. Não consigo ler o mês nem o dia no carimbo do
correio, então, analiso a carta novamente, esperando encontrar a data em que
fora escrita. Não há nada nela, então deixo o papel e o envelope caírem antes
de pegar a pilha e tirar a próxima, novamente percebendo que também fora
endereçada a mim, mas que já está aberta.

Doce Ursinho,

Você irá começar o jardim de infância em breve. Oh, como eu gostaria de


estar aí para te ver no seu primeiro dia. Aposto que sua mãe vai trançar seu
cabelo, com grandes fitas cor-de-rosa para prendê-lo. O rosa ainda é a sua
cor favorita? Espero que sua professora seja gentil e que você aprenda tudo
o que ela tem para lhe ensinar.
Sei que você provavelmente está se perguntando onde eu estive todo esse
tempo. Em breve, poderei te ver, contar tudo. Mas até lá, apenas saiba que
você está sempre em minha mente e que eu te amo mais do que todas as
estrelas no céu.
Para sempre, papai

Eu comecei o jardim de infância quatro meses depois de ver meu pai morrer.
Como diabos ele poderia ter me escrito uma carta do túmulo?
Desde o dia em que meu pai morreu, havia uma dor no meu peito. Com o
passar dos anos, a dor diminuiu e, de vez em quando, intensificou-se, como
quando me formei no ensino médio e meu pai não estava lá para me ver. Ou a
primeira vez em que meu coração foi partido, e eu não tive meu pai para me
abraçar e ameaçar atirar no garoto que tinha feito isso. Mas na maior parte do
tempo, fora uma dor suportável, que desaparecera ainda mais depois de
conhecer Bronn e ter alguém que se preocupa comigo.
Mas a dor lancinante que estou sentindo agora não é nada comparada a
isso. Não consigo respirar, a pressão no peito é tão imensa e, por uma fração
de segundo, o pânico começa a percorrer minhas veias, convencendo-me de
que posso morrer por falta de oxigênio.
Jogando-me no chão, enfio minha cabeça entre os joelhos e engulo ar,
usando meu treinamento como enfermeira para respirar e me assegurar de
que não iria morrer com esse ataque de pânico.
Ainda estou perdida, sem compreender o que tinha acabado de ler,
quando ouço Riley chamando meu nome no corredor.
Minha boca está seca demais para falar, meu coração galopando, então eu
não respondo, apenas continuo puxando envelopes da pilha, lendo
avidamente as cartas curtas, uma atrás da outra.
— Grace? — a voz estridente de Riley chama meu nome de novo, desta
vez atrás de mim, e seu corpo grande bloqueia a luz. Com lágrimas nos olhos,
agarro as cartas contra o meu peito e me viro. — Ah, merda — ele murmura,
agachando-se diante de mim. — Você encontrou as cartas.
Ele evita meus olhos, olhando para o chão, com a voz baixa.
— Você não deveria tê-las encontrado.
Minha mente está acelerada, mas a cada novo pensamento, cem perguntas
surgem. Não tenho ideia do que essas cartas significam, nem do que Riley
está dizendo, nem do que diabos está acontecendo.
Eu vim para a casa da minha avó para buscar alguns objetos pessoais, não
para descobrir que minha vida inteira tem sido uma mentira.
— O que é isso? — grito, ainda agarrada às cartas.
O olhar de Riley finalmente se ergue para encontrar o meu, seus olhos
cheios de compaixão.
— Sua avó nunca quis que você soubesse.
— Foda-se o que minha avó queria! — eu grito enquanto me coloco de
pé, sentindo a adrenalina subir pelas minhas veias. Minha raiva aumenta a
cada momento em que ele fica parado, em silêncio. — De quem são essas
cartas? — Grito de novo, balançando a pilha contra seu rosto.
Riley pega as cartas, mas eu as coloco fora do alcance dele. Erguendo as
mãos em sinal de rendição, ele diz as palavras que fazem meu mundo parar
de girar.
— Seu pai não está morto.
Uma onda de náusea me atinge com tanta força que eu cambaleio para
trás. Inclinando-me, deixo cair as mãos sobre os joelhos e ofego, tentando
conter a bílis que subia pela minha garganta.
Passei os últimos dezessete anos da minha vida lamentando a perda de
um homem que não estava morto.
Não consigo ficar de pé, pois a dor no meu estômago está me fazendo
passar mal de verdade.
— Como você sabe disso? — pergunto com os dentes cerrados.
— Grace, por que não nos sentamos? — sua voz é baixa, seu tom
paternalista. Eu não sou uma pessoa violenta, mas o desejo de bater em algo
me consome – e essa coisa seria Riley James.
— Eu. Não. Quero. Me. Sentar — vocifero. Tento me recompor e me
levanto para encará-lo, ajeitando meus ombros e exijo: — Conte-me tudo. E
agora, merda!
— Só sei o que Marie me contou. — Ele está ganhando tempo, enquanto
seus olhos percorriam todo o lugar.
— Droga, Riley — choramingo. — Por favor.
A adrenalina começa a diminuir, deixando-me fraca e trêmula. Estou
desesperada para entender o que está acontecendo e, agora, a única pessoa
que pode responder isso para mim está fazendo de todo o possível para evitar
me contar.
— Vamos apenas nos sentarmos, e eu vou te dizer o que sei — ele
implora, e desta vez eu assinto, pegando a pasta de arquivos e saindo do
closet atrás dele.
Eu me sento na beira da chaise lounge, no canto do quarto de vovó, e
Riley se senta ao meu lado, e sua grande estrutura quase me engole.
— Eu não consigo respirar com você assim, sentado tão perto de mim! —
cuspo as palavras antes de me afastar.
Ele me lança um olhar magoado, mas eu não me importo com seus
sentimentos feridos.
Estou muito envolvida no caos que está passando pela minha cabeça.
Como se fossem uma criança capaz de fugir, agarro as cartas com força e
exijo:
— Fale. Agora.
Riley solta um suspiro.
— Antes de lhe contar qualquer coisa, saiba que sua avó só estava
fazendo o que era melhor para você.
Eu zombo.
— Certo. — Porque me dizer que meu pai estava morto, quando ele não
estava, era certamente a melhor coisa a se fazer com uma criança de cinco
anos de idade!
— Grace — ele geme —, eu sei que você não entende agora, mas você
vai acabar entendendo.
— Pare de defendê-la. Ela está morta. Conte-me sobre o meu pai. Onde
ele está?
— Na prisão.
Meu coração para de bater.
Prisão?
— O que… — Suspiro. — Não entendo. Eu o vi morrer naquele posto de
gasolina.
Riley balança a cabeça.
— Ele não morreu.
— Eu não... Eu não entendo. O que você quer dizer com ele não morreu?
Riley olha para mim.
— Quero dizer, sua mãe disse que ele morreu, mas não é verdade. Ele foi
para a prisão.
Estou sem palavras, minha mente trabalhando a todo vapor, mas sem
pensamentos coerentes sendo formulados. Minha respiração, que acabara de
desacelerar, fica descontrolada e sinto tontura.
Entre suspiros, eu cuspo:
— Por quê?
Os olhos de Riley se afastam de mim, e eu agarro seu braço, cavando
minhas unhas em sua carne.
Ele recua, mas não chora de dor, embora eu tenha certeza de que devo
estar machucando-o.
— Por quê? — digo novamente, desta vez com a voz mais firme.
Quando ele alcança minha coxa e dá um tapinha com a mão livre, eu
retiro minhas unhas do braço dele e o golpeio.
— Não tente me consolar. Eu não preciso disso. Preciso da verdade.
Eu preciso saber tudo, e sua hesitação me irrita. Ele acha que está fazendo
o que é melhor para mim, apenas seguindo os desejos de vovó, mas eu não
sou uma criança e não preciso que suavize as coisas para mim.
O que eu preciso é que ele tenha colhões e pare de se preocupar com o
que aquela cadela velha queria dele.
O que eu preciso é saber por que passei a minha vida inteira sentindo falta
de um homem que não estava cremado na urna sobre a cômoda da minha
mãe.
O que eu preciso é saber onde meu pai está e por quê. Eu digo:
— Pela última vez, Riley. Conte-me tudo, e conte-me agora — nunca fui
tão dura.
Eu também nunca estive tão surpresa. A dor é uma pílula amarga de se
engolir. Mas isso? Isso não é sofrimento. É fúria.
Bronn

O telefone caiu na caixa de mensagens.


Novamente.
Pela terceira vez.
Mas não estava desligado.
Minhas chamadas não estavam sendo atendidas.
Quando seu correio de voz emite um sinal sonoro, decido deixar uma
mensagem em vez de desligar como fizera nas duas últimas vezes.
— Ei, Grace. É Bronn. Apenas checando se está tudo bem e começando a
ficar preocupado. Me ligue de volta.
Desligo e deixo o telefone na minha mesa. Apoiando-me na madeira
desgastada, eu me levanto e passo a mão pelo cabelo.
Fiquei irritado quando Grace me disse que Riley iria se encontrar com ela
hoje. Deveria ter sido eu a estar com ela, para apoiá-la enquanto vasculhava
as coisas da cadela velha.
Não aquele advogado de merda que era apaixonado pela minha garota.
Mas as coisas no bar estavam complicadas. Ele sempre ficava ocupado no
verão, mas neste ano o tempo estava mais ameno, e os turistas chegavam em
massa. Desde o momento em que as portas se abriam, ficávamos
sobrecarregados. Meus bartenders e funcionários eram incríveis, mas não
estávamos dando conta.
Grace até se ofereceu para ajudar nos seus dias de folga do hospital, e
embora eu tivesse recusado, começava a pensar que precisaria ter que aceitar.
Meus lucros do mês estavam subindo, por isso decidi abordar o banco
novamente sobre a obtenção do empréstimo para comprar o bar de Dani.
Dani estava quase tão ansiosa para me passar o controle total quanto eu.
Ela estava sobrecarregada no café, também, e ter que ser a última palavra em
muitas coisas aqui a deixava louca.
Tive uma reunião com o banco há alguns dias e vinha esperando
ansiosamente desde então.
A ligação finalmente chegou. Eu fui aprovado.
Porra, eu estava em êxtase.
Mal podia esperar para contar a Grace. Celebrar. Agradecer-lhe por me
fazer tentar novamente.
Mas ela não estava atendendo, e eu começava a me preocupar.
Ela mandou uma mensagem quando chegou, então eu sabia que tinha
chegado lá em segurança. Mas não tinha notícias dela há horas, o que era
incomum. Mesmo quando estava trabalhando, me enviava mensagens fofas
sobre os acontecimentos no hospital, o drama de seu pai, os problemas de sua
colega Tina com o pai de seu filho ou apenas pequenas mensagens,
demonstrando que estava pensando em mim.
Com uma respiração frustrada, pego meu telefone e digito uma
mensagem rápida:

Eu: Grandes novidades. Me liga.

Largo meu telefone antes de decidir que preciso parar de ser um idiota
obsessivo. Eu decido verificar a garçonete de plantão, certificar-me de que
ela não precisa de ajuda, então, caminho até a porta.
Minha mão está na maçaneta quando ela se abre sozinha, forçando-me a
pular para trás. Dani corre para dentro, com o rosto corado.
—Bronnson! — ela grita, se lançando em meu colo.
Abro meus braços e a agarro enquanto ela se agarra a mim como um
macaco bebê.
— Jesus Cristo, Dani! O que está acontecendo?
Coloco-a no chão, e ela joga a cabeça para trás, agarrando cada lado do
meu rosto, enquanto o dela próprio demonstra um sorriso.
— Você conseguiu o maldito empréstimo! — grita novamente, seus olhos
se enchendo de lágrimas. — Estou tão orgulhosa de você!
E eu queria tanto que Grace fosse a primeira a saber.
Não me surpreende que Dani, de alguma forma, tenha descoberto do
empréstimo antes que eu pudesse contar a ela. Ela tem conexões na cidade e
muito mais fãs do que eu. Tenho certeza de que a esposa do banqueiro foi até
o café para ser a primeira a contar a ela no momento em que seu marido
imbecil carimbou o aviso de aprovação.
Eu queria contar a Grace antes de qualquer outra pessoa, mas, ao perceber
que não iria conseguir que atendesse às minhas ligações, Dani teria que
substituí-la.
Meus lábios se curvam, e eu luto contra o sorriso do Gato de Cheshire
que está tentando escapar, querendo parecer descolado na frente da minha
irmã mais velha.
Dani sempre foi minha maior apoiadora, mesmo quando eu não queria
que ela fosse nada para mim. Ela sempre me animou, me encorajou e me
apoiou.
Mesmo que fosse apenas três anos mais velha do que eu, parecia mais
como uma mãe para mim do que a mulher que me gerou e me criou.
Queria deixá-la orgulhosa, queria que ela visse que eu não era a droga
que estava fingindo ser. E ela viu. Ela sempre enxergou através das minhas
mentiras.
Então, embora eu não pudesse celebrar minha nova empreitada com a
mulher que eu amava, Dani não era uma substituta ruim.
Ela me dá um tapa no braço, e as lágrimas que estavam em seus olhos
agora escorrem pelo rosto.
— Não aja como se não estivesse emocionado. Você não tem que ser o
cara durão na minha frente.
Ela ri, com o nariz avermelhado, e finalmente me permito sorrir.
— Foda-se! Sim, estou emocionado! — grito, rindo com ela. Jogo meu
braço no ar, erguendo meu punho como se tivesse acabado de marcar um
homerun. — Eu sou dono de um negócio!
Ela começa a pular para cima e para baixo, batendo palmas e me pergunto
como não quebra o tornozelo estando com saltos tão altos.
— Temos que comemorar! Eu tenho uma garrafa de Dom na casa!
Vamos nos reunir para o jantar! — Sua exuberância é contagiante, e antes
que eu perceba o que estou fazendo, passo meus braços em volta de sua
cintura e giro minha irmã mais velha no ar.
— Eu sou dono deste buraco, Dani! Sou dono deste maldito bar!
Puxando-a pelo braço, corro pela cozinha, gritando para os cozinheiros
me seguirem.
Uma vez que todos estão reunidos ao redor do bar, subo no balcão e bato
nele com o pé.
— Eu preciso da atenção de todos! — grito por sobre o barulho da
conversa dos clientes e do tilintar da louça. Quando os barulhos se acalmam,
pigarreio, engolindo o caroço que se formou. — Só quero agradecer a todos
aqui por jantarem e beberem conosco. É por sua causa que posso dizer
oficialmente que sou dono de uma pequena empresa!
Alguns dos convidados parecem confusos, enquanto outros se divertem.
Os frequentadores que estão plantados no bar têm sorrisos largos em seus
rostos, sabendo exatamente o que meu anúncio significa.
Eu abro meus braços e continuo:
— A próxima rodada será por minha conta!
O bar explode em aplausos e gritos de excitação.
Eu faço uma reverência exagerada, meu nariz quase toca meus pés, e
depois me endireito antes de pular.
Em circunstâncias normais, Dani teria sofrido um derrame com o meu
anúncio, vendo notas de dólar flutuando porta afora ao pensar em bebidas
gratuitas para um restaurante lotado. Mas quando meus olhos encontram os
dela, ainda está sorrindo largamente, muito feliz para se importar com o fato
de que eu vá dar de graça muitos dos nossos produtos.
Ela pega uma garrafa de tequila de trás do bar antes de enlaçar seu braço
no meu.
— Tem copos no escritório ainda?
Eu assinto e ela dá uma piscadinha.
— Ótimo. Vamos começar a comemoração mais cedo.
Eu grito para os caras voltarem ao trabalho e depois retornamos para o
meu escritório, com Dani chutando a porta em seus saltos altos.
Enquanto fecho a porta atrás de nós, ela se joga na cadeira em frente à
minha mesa e coloca a garrafa sobre uma pilha de papéis.
— Sirva-nos uma rodada.
Eu tinha o hábito de não beber enquanto o bar estava aberto, sempre
querendo estar totalmente ciente do que estava acontecendo, mas sempre
havia exceções, e essa era uma delas. Abro uma gaveta e pego dois copos,
soprando a poeira deles antes de enchê-los até a metade com o líquido
dourado que com certeza iria queimar minha garganta.
Ela segura o copo que acabei de entregar a ela.
— Um brinde.
Eu gemo, lembrando-me da história de Dani com brindes. O último que
fizera no casamento de sua mãe começara muito bem, gritando que o homem
nunca substituía seu pai, e depois desmoronando quando o microfone foi
puxado de suas mãos, enquanto Dani chorava, pedindo que não se casasse,
porque ela não queria dividir a mãe.
Dani ergue a mão e encolhe os ombros.
— Eu prometo que isso não será uma repetição do brinde apocalíptico do
casamento.
Eu rio e me sento no meu lugar, dizendo uma rápida oração para que ela
diga poucas palavras.
— A você — ela começa, mas, em seguida, pressiona os lábios quando
eles começam a tremer.
— Vamos, Dani. Não fique toda emocional — eu imploro.
— Não, não. Eu não estou — sua voz está trêmula, e eu estreito meus
olhos para ela. — Estou bem. — Ela pigarreia mais uma vez e começa de
novo. — A você. Ao meu irmão mais novo, a quem sempre amei mais do que
qualquer outra coisa. Ao homem que você se tornou. Um homem de quem
papai teria orgulho. Ao futuro, onde quer que isso possa te levar. Eu estou tão
feliz por você. E, caramba, eu te amo, porra.
Ela sorri largamente para mim e, em seguida, vira a dose inteira.
Eu a imito e engulo a minha, fazendo uma careta quando a bebida queima
a minha garganta. Quando a sensação finalmente desaparece, ergo o meu
copo, agora vazio.
— Felicidades. E eu também te amo, caralho. Sempre vou amar.
Seus olhos começam a lacrimejar novamente quando meu telefone me
alerta para uma mensagem. Largo o copo e o pego da mesa, e, vendo que
finalmente é Grace, solto um suspiro aliviado.

Grace: Algo veio à tona. Vou ficar em Columbia alguns dias. Ligo para você
quando puder conversar.

Eu li a resposta dela novamente, e o alívio que eu estava sentindo


desapareceu. Que porra ela queria dizer com "algo surgiu"? Minha mente voa
imediatamente para Riley, e eu me pergunto se ele a convenceu de que o
lugar dela é lá, com ele.
Eu não pensava sobre não ser bom o suficiente para ela há meses, e Grace
continuamente me lembrava de que estávamos destinados a ficar juntos, que
nosso relacionamento era real. Mas, talvez, ele finalmente tivesse encontrado
uma maneira de convencê-la a ficar lá, no country club, com ele e seu
pessoal. Penso em quando ela me disse que Riley estaria lá, ajudando-a.
Minha reação não foi tão ruim assim. Nós não nos separamos brigados, mas
talvez ela tivesse tido tempo para pensar sobre isso e decidiu que não gostava
do meu ciúme.
Meus dedos voam sobre o teclado do meu telefone, enquanto faço
perguntas rápidas para ela.

Eu: Você está bem?

Eu: o que está acontecendo?

Eu: Eu deveria ter ido com você.

Eu: Apenas me responda, por favor.

Leio de volta os textos, percebendo que soava como uma cadela chorona.
Gemendo, deixo cair o telefone sobre a mesa.
Se eu quero que ela fale comigo, e me diga o que está acontecendo,
assediá-la provavelmente não é o caminho para fazê-la se abrir.
— Bronn? Tudo bem? — a voz de Dani interrompe minha inquisição e
minha cabeça se volta para ela.
— É só Grace — murmuro, analisando cada palavra da pequena
mensagem que ela enviou.
Dani se levanta e dá a volta na lateral da mesa.
— Ela está bem?
— Porra, eu não sei — digo a ela honestamente. Não sei se ela está bem,
porque tem evitado minhas ligações o dia todo. — Não falo com ela desde
que chegou na casa da avó horas atrás. E agora ela enviou esta mensagem
enigmática. Então, não tenho ideia do que está acontecendo.
Dani pega meu telefone e faz uma varredura das mensagens.
— Tenho certeza de que ela está bem. Provavelmente só tem algumas
coisas burocráticas para resolver. Mas você, por outro lado, parece um pouco
psicótico.
Pego meu telefone de volta, ignorando seu comentário e olho para a tela,
desejando que uma mensagem apareça. Depois do que parece uma hora, digo
foda-se e ligo para o número dela.
O telefone dela cai direto no correio de voz sem tocar.
Puta que pariu.
— Ei, não se preocupe com isso. Tenho certeza de que ela vai ligar para
você em breve — suas palavras deveriam ser reconfortantes, mas seu tom não
demonstra convicção.
— Sim — murmuro. — Eu tenho certeza de que ela vai.
Pego a garrafa de tequila esquecida e tomo um gole, nem mesmo me
incomodando em colocar a bebida em um copo. Não tenho ideia do que está
acontecendo com Grace, mas o bolo que se formou na boca do meu estômago
me diz que, seja o que for, não é nada bom.
Grace

Eu não consigo respirar. Não consigo pensar.


Não consigo me mexer.
Estou paralisada pela sobrecarga de informações, meu cérebro ameaçando
desligar completamente enquanto tento compreender o que Riley acabara de
passar as últimas duas horas me dizendo.
Meu pai não está morto.
Ele está muito vivo, apodrecendo em uma prisão estadual por um crime
que não cometeu.
Eu estava pouco me lixando que um juiz e um júri o considerassem
culpado dezessete anos atrás. Não me importava nem um pouco que
dissessem que nenhuma outra pessoa poderia ter cometido o crime. Não
queria ouvir as provas contra ele.
Eu conhecia meu pai. Sabia que ele não era capaz de fazer aquilo de que o
acusavam.
Ele simplesmente não era.
Meu pai era doce. Caloroso. Sempre foi gentil. Ele e minha mãe nunca
discutiram e, se o faziam, era tudo calmo, por trás de portas fechadas, e isso
nunca me assustou. Ele trabalhava duro, fazia o melhor que podia para
sustentar sua família sem um diploma de ensino médio em uma cidade
pequena. Era honesto, nunca pegou algo que não pudesse pagar. Minha mãe o
amava, ela usara sua aliança de casamento durante anos, mesmo em sua
ausência. Como ela poderia amar alguém que não era bom?
Então, a história com a qual Riley me alimentou era puro estrume,
provavelmente inventada por minha avó rancorosa. Não me surpreenderia se,
no mínimo, ela tivesse recrutado a ajuda de Riley para manter esse segredo
longe de mim. Ela nos uniu, insistindo que ficássemos juntos. Ele é um bom
partido, ela disse uma vez, e nós formaríamos um ótimo casal. Como se
estivéssemos vivendo no passado, onde casamentos arranjados para fortalecer
alianças ainda eram feitos. E embora um relacionamento romântico nunca
tivesse acontecido entre nós, pelo menos, no que me dizia respeito, havíamos
formado um vínculo, uma amizade.
Se isso foi por desespero da minha parte ou desejo dele não importava.
Ela viu nossa conexão e a usou, explorando-a para conseguir o que queria,
para me manter no escuro sobre o homem pelo qual eu ansiava em todos os
dias da minha jovem vida.
Sinto-me furiosa. Pura e simplesmente, meu sangue ferve de puro ódio
pela mulher que orquestrara isso. Estou com raiva de Riley também por
esconder isso de mim. No entanto, eu não o culpo.
Ele era o advogado da minha avó. Obrigado, por lei, a manter seus
segredos, ele nunca poderia ter me contado. Até agora.
— Fale de novo — imploro.
Riley endireita os ombros, sem dúvida enrijecidos por ficar sentado
desajeitadamente na mesma cadeira durante as últimas duas horas e meia.
Passei o tempo inteiro da conversa andando, marchando, gritando,
chorando, mas Riley permanecera em seu lugar, com uma calma que eu não
sabia se conseguiria sentir novamente, contando-me tudo o que sabia,
respondendo à minha enxurrada de perguntas, nunca pedindo uma pausa.
Eu tenho que dar crédito a ele, pois está sendo muito mais paciente do
que eu teria sido se os papéis fossem invertidos. Mas ele sabe que os
xingamentos que tenho lançado não são direcionados a ele. Estou em choque,
e as emoções que venho experimentando estão transbordando, desesperadas
para escaparem de dentro de mim de qualquer forma. Mesmo que isso
significasse usar Riley como um saco de pancadas no processo.
— Ele tem uma audiência de apelação esta semana. — Ele suspira,
tirando o telefone do bolso. Depois de tocar na tela por alguns momentos, ele
olha para trás. — É no tribunal do condado de Lexington. Nove horas.
Eu assinto, com meus dedos entrelaçados, meus polegares pressionados
contra os meus lábios.
— Eu vou — anuncio.
Seu rosto registra choque, e ele abre a boca, sem dúvida, para protestar,
mas eu balanço a cabeça com força.
— Nem tente me convencer do contrário.
— Mas, Grace. Escute-me. Ele é...
Eu ergo minhas mãos.
— Cale a boca! — grito. — Eu não me importo com o que você diz,
caramba! — Minha voz falha. — Quero ver meu pai.
Um pequeno movimento me chama a atenção, e percebo que minhas
mãos estão tremendo.
Cruzo meus braços contra o peito, esperando que ele não repare.
Pensar em vê-lo me aterroriza. Mais do que aquele dia em que o vi
deitado em uma poça de seu próprio sangue. Tenho um milhão de
preocupações.
Ele vai me reconhecer?
Eu vou reconhecê-lo?
E se ele não quiser me ver?
Respiro fundo e suporto enquanto posso, até meus pulmões começarem a
queimar e meus olhos lacrimejarem antes de eu soltar o ar de forma ruidosa.
Ao respirar profundamente, deixo essas perguntas de lado.
Não importa.
Eu vou vê-lo, para que ele saiba que estou lá, que o apoio e que farei o
que for preciso para tirá-lo do pesadelo que está vivendo.
O resto podemos descobrir mais tarde.

***
Passo o resto da noite lendo as cartas da pasta, alternando entre soluços
histéricos e rindo até minhas bochechas doerem. Papai me enviou uma carta
por semana durante todo o primeiro ano após a sua "morte". Permaneceu
positivo, otimista de que me veria em breve, algo que eu tenho certeza de que
ele logo começou a perceber que não iria se concretizar.
Mas, no ano seguinte, as cartas diminuíram para uma vez por mês. Houve
uma mudança em sua escrita. Foram-se as promessas de me ver novamente,
em seu lugar, tristeza e desespero. A maioria delas era curta, algumas frases
sobre o quanto me amava e sentia a minha falta. Garantias de que estava bem.
Perguntas sobre a escola.
No terceiro ano, começou a datar as cartas, então foi mais fácil seguir em
ordem cronológica. Estas eram muito mais esporádicas, mas não tão
devastadoras quanto as anteriores. Em todas as que enviou, falou sobre suas
lembranças favoritas de mim, de nós.
Ele relembrava o dia em que pegamos emprestado o carrinho de golfe de
um vizinho e depois acabamos atolando-o no pântano. Meu pai parecera um
porco na lama naquele dia, tendo que cavar as rodas, ficando imundo no
processo. Para mim fora grande aventura, porque ele fez parecer assim,
fingindo ser um pirata procurando por tesouros enquanto eu ria e gritava,
segura no banco do motorista.
Minha barriga chegou a doer quando li essa carta, lembrando-me daquele
dia com perfeição. E havia muito mais cartas assim.
Mas então eu cheguei à carta que ele escreveu para mim no meu
aniversário de dezoito anos. Foi o pior aniversário que já tive. Tinha acabado
de me formar no ensino médio, fui a oradora da turma. Atravessei o palco e
olhei para a multidão, desejando ter meus pais lá me aplaudindo. Em vez
disso, vi meu avô, sorrindo timidamente, minha avó ao lado dele, seu rosto
severo, parecendo incrivelmente entediado.
Os pais de meus amigos iriam dar festas épicas para homenageá-los e
presentes generosos, levando-os para jantares extravagantes. Meus avós
tinham me dado um tapinha nas costas e então foram para o clube.
Meu aniversário acontecera apenas dois dias depois.

Minha querida Grace

Você é oficialmente uma adulta hoje. Às vezes, quando durmo, vejo o seu
rosto, mas não o rosto da criancinha gordinha que vi pela última vez. Não,
eu a vejo como deve ser hoje. E me tira o fôlego com o quanto é linda, o
quanto se parece com sua mãe. E eu penso comigo mesmo: Deus, como pude
criar algo tão perfeito, tão lindo como você? A resposta é que sua mãe
provavelmente teve muito mais a ver com isso do que eu, mas, mesmo assim,
vou levar algum crédito.
Você provavelmente se formou no colegial, fazendo algo que até seu
querido e velho pai nunca conseguiu fazer. Nem consigo começar a dizer o
quanto estou orgulhoso. Eu me pergunto qual faculdade irá cursar. Sei que
está destinada a grandes coisas, e como poderia ser diferente?
Tive muito tempo para pensar, refletir, tentar entender a vida e os
porquês de tudo. Em todo esse tempo que tive, ainda não consigo encontrar
uma resposta, uma razão para que nossas vidas tenham seguido como
seguiram.
Mas sei que você está segura, espero que esteja feliz, e acho que, talvez,
apenas talvez, minha vida tenha sofrido esta terrível mudança para que você
pudesse ter a vida que tem. Para que nunca lhe faltasse nada.
E, ursinha, se isso for verdade, eu faria tudo de novo. Ficaria feliz em
permanecer aqui por cem anos, se isso significasse que você irá receber da
vida tudo o que merece.

Eu te amo muito, minha Grace. Feliz 18º aniversário.


Seu papai.

As lágrimas escorrem pelo meu rosto, os soluços me partem ao meio, mesmo


que eu já esteja exausta. Como um homem que dizia que passaria de bom
grado toda a vida na prisão poderia ter cometer o crime do qual foi acusado?
Mandei Riley para casa mais cedo, em meio a protestos de que ele ficaria
comigo enquanto eu precisasse dele. Apreciei sua oferta, sabendo que era
genuína e sem segundas intenções, mas só precisava ficar sozinha, mergulhar
nas cartas, ler cada uma delas duas vezes, ouvir a voz do meu pai de novo,
mesmo que apenas na minha cabeça, do jeito como imaginei que soaria.
Eu tinha esquecido o timbre rico de sua voz, o pesado sotaque sulista que
minha mãe achou tão encantador, e me senti sufocada ao perceber que não
me lembrava mais. Mas ao ler suas cartas, ver a caligrafia pobre rabiscada em
papel de caderno sujo, o som retornou e me deu um conforto que eu não sabia
que um dia sentiria novamente.
Quase chego ao final da pilha quando um envelope me chama a atenção.
Não é como os outros, não há endereço, nem selo postal.
Apenas meu nome escrito na frente, com a caligrafia bonita da minha
mãe.
Viro-o para ver que está lacrada, porque evidentemente não fora aberta
pela minha avó.
Rasgando o envelope, pego a única folha de papel e a desdobro,
hesitando.
Será que ainda quero saber o que minha mãe tinha a dizer? Engolindo em
seco, decido que sim.
Grace,
Se você está lendo esta carta, significa que você sabe sobre seu pai e
sobre as cartas que ele lhe enviou.
Não tenho desculpa. Não há nada que eu possa dizer que vá mudar o que
fiz, o que permiti que sua avó fizesse.
Só posso esperar que você me perdoe por isso um dia. Eu te amo.
Mamãe

Eu amasso a carta na minha mão, as lágrimas rolando pelo meu rosto. Não
tenho certeza se posso perdoá-la e, se pudesse, ela saberia?
Uma coisa eu sei com certeza: teria vivido de bom grado toda a minha
vida em um barraco, com roupas de Natal patéticas e puídas, se isso
significasse que poderia ter algum tipo de relacionamento com meu pai.
Mesmo que fosse através das barras de aço de uma cela de prisão.
Bronn

Correio de voz
Novamente.
Correio de voz
Novamente.
Correio de voz
Novamente.
Eu estava beirando o status de psicopata pelo número de vezes que liguei
para ela. Seu telefone ia direto para o correio de voz toda vez, felizmente me
poupando da incômoda tarefa de explicar por que ligava para ela a cada dois
minutos, sem falta, há horas.
Eu estava realmente começando a me estranhar.
Sei que preciso guardar meu telefone, afastar a garrafa de tequila, correr
para casa, ir para a cama, e dormir para me curar dessa intoxicação induzida
pela preocupação.
Mas não importa quantas vezes eu tente argumentar comigo mesmo,
ainda não consigo forçar minhas pernas a se levantarem, meus pés a se
moverem ou meus braços a fecharem o bar.
Dani saiu pouco depois da terceira dose, prometendo me ligar mais tarde,
com mais falsas garantias de que estava tudo bem.
Quando ela ligou há uma hora, mandei a ligação dela para o correio de
voz, depois ri da ironia.
Olhando para a tela do meu celular, vejo que são quase duas da manhã.
Em uma última tentativa, disco o número de Grace novamente.
Correio de voz.
Puta que pariu.
Com um suspiro pesado, paro e saio cambaleante em direção à porta do
meu escritório, batendo meu quadril no canto da minha mesa no caminho.
— Merda! — gemo, sentindo a dor queimar na lateral do meu corpo. —
Foda-se! — falo, desligando o interruptor de luz e pegando a almofada de
uma das cadeiras. Jogando-me no chão, coloco o travesseiro sob a cabeça e
fecho os olhos, sentindo o mundo inteiro girar.
Rindo, eu resmungo:
— Assim eu me sinto em casa.
Pouco antes de desmaiar, uma lembrança de minha mãe surge em minha
mente; a dor daquele dia parece tão recente como se tivesse sido ontem.

— Você está me abandonando? — ela gemeu, seus olhos vítreos e


desfocados.
Eu zombei, nem mesmo me incomodando em responder enquanto
continuava enfiando minhas merdas em uma mochila. Não havia muito, uma
vez que eu tinha passado minha adolescência gastando cada dólar que
ganhava com bebida ou drogas. Não queria gastar dinheiro em coisas como
roupas ou pertences.
O trailer onde morávamos ficava na parte pior da cidade e fora
assaltado tantas vezes que aprendi desde cedo a não guardar nada de valor.
— Onde você vai, garoto? Ninguém nesta cidade gosta de você — suas
palavras são arrastadas, sem dúvida por causa da garrafa de vodka que ela
tomou no café da manhã.
— Vou para qualquer lugar onde você não esteja — retruquei, finalmente
encontrando seu olhar.
Ela fora bonita uma dia, minha mãe. Mas isso foi há muito tempo. Agora
ela apenas parecia gasta – porque realmente estava. Passara a vida fazendo
o que tinha que fazer para conseguir sua próxima garrafa de bebida. Bem, o
que quer que ela tivesse que fazer, exceto trabalhar realmente para viver.
Não que pudesse ter um emprego, de qualquer maneira.
— Por favor, filho, não me deixe. Eu não quero ficar sozinha. — Seu
lábio começou a tremer, e aquela cena me surpreendeu.
Eu nunca tinha visto minha mãe chorar, nem mesmo quando meu pai
morreu. Por um breve momento, hesitei.
Seus olhos brilharam quando ela me viu parar de me mexer.
—Você vai ficar? — sua voz era otimista, sua fala ainda quase
ininteligível.
— Não — eu lhe disse com firmeza, mas gentilmente. Podia odiá-la pelos
anos de negligência e por todas as noites que passei ansiando por alguém
para ir às minhas peças de teatro, jogos de futebol ou, até mesmo, cozinhar
uma refeição para mim, mas eu não era cruel.
Eu não era igual a ela.
— Vá se foder, então. Se sair por aquela porta, nunca mais volte — ela
gritou, a esperança em seus olhos se transformando em despeito em menos
de um segundo.
Pigarreei e, sem levantar a voz, disse-lhe:
— Não estou te abandonando. Você teria que ser uma mãe presente para
que este fosse o caso. Você me abandonou no momento em que me concebeu.
Claro que moramos juntos, mas você nunca esteve realmente aqui.
Seus olhos se arregalaram, suas gengivas sem dentes se agitaram sem
palavras.
— Boa sorte para você — eu finalizei, jogando a mochila sobre o ombro
e caminhando porta afora sem olhar para trás.

***
A repentina dor nas minhas costelas me devolve à consciência. Minha boca
está seca, minha língua enrolada e, assim como minha coluna, minha cabeça
lateja.
Gemendo, giro-me de lado, com cuidado para evitar a parte dolorida e iço
meu corpo com um cotovelo. Eu olho ao redor, tentando avaliar meu entorno,
quando a voz da minha irmã invade meus ouvidos.
— Bronnson? Que porra você está fazendo no chão? — ela se agacha,
caindo de joelhos ao meu lado.
É uma pergunta para a qual não tenho uma resposta imediata. Os
acontecimentos da noite passada são nebulosos. Tento me concentrar em seu
rosto, mas minha visão está nublada, e uma onda de náusea revira meu
estômago.
Eu engulo em seco e balanço a cabeça, apenas para me lembrar que
qualquer movimento é uma má ideia.
— Eu não sei — gemo.
Dani pega meu braço, ajudando-me a ficar de pé, mas ainda estou tonto e
desmorono na cadeira mais próxima.
— Acho que estava um pouco bêbado — digo sem jeito, tentando uma
piada que falha miseravelmente.
Eu já sei o que ela vai dizer e não estou com disposição para um de seus
sermões, não importa o quanto mereça um.
— Bronn... — Dani se interrompe, o rosto cheio de preocupação. Ela não
quer fazer o papel de minha mãe, assim como também não quero que ela
faça.
Além disso, eu já sei que preciso maneirar a bebida. Minha cabeça
latejante é uma prova positiva disso.
Ela se agacha na minha frente, entrando diretamente na minha linha de
visão e me entrega uma garrafa de água, esperando enquanto eu a bebo.
Quando entrego a garrafa vazia de volta para ela, Dani pega outra garrafa de
sua bolsa e tira a tampa antes de despejar um punhado de analgésicos nos
meus dedos estendidos.
Sorrio fracamente, em uma única tentativa de agradecê-la, e pego as
pílulas, bebendo a garrafa número dois de água.
— Você tem notícias da Grace? — ela pergunta, sua voz cheia de
preocupação.
Balanço a cabeça discretamente antes de pensar melhor.
— Não. Embora eu tenha dormido por um tempo. Talvez ela tenha ligado
enquanto eu estava desmaiado.
Dani fica de pé e se arrasta para a minha mesa, empurrando papéis para
fora do caminho até que encontra meu telefone. Depois de trazê-lo para mim,
ela se joga na cadeira em frente e espera pacientemente que eu verifique
minhas chamadas perdidas.
Nenhuma da Grace.
Sete da Dani.
Eu ergo meus olhos e balanço a cabeça.
— Me desculpa — digo a ela, desculpando-me por fazê-la se preocupar.
Com um leve encolher de ombros, ela sorri tristemente.
— Não se preocupe com isso. Você está bem. Tudo resolvido.
Uma pontada de culpa me atinge no estômago, seguida pela raiva de mim
mesmo por fazê-la se preocupar.
Eu tenho que parar de agir como um idiota egoísta. E como um idiota
patético que imediatamente assume o pior só porque minha namorada ficou
presa em outra cidade.
Verifico meus textos enquanto Dani e eu nos sentamos em silêncio, e fico
surpreso ao ver uma da Grace. É tão curta quanto a de ontem.

Grace: Eu vou ficar aqui até quinta. Preciso resolver algumas coisas.

Sem dizer nada, viro a tela na direção de Dani para que ela possa ler a
mensagem.
Ela inclina a cabeça para o lado, mordendo o lábio, seu olhar analítico
quando está tentando descobrir alguma coisa. Finalmente, ela ergue os olhos
para mim.
— O que está passando pela sua cabeça? — pergunta.
— Um maldito trem de carga. — Eu faço uma careta, e ela ri.
— Desculpe, mas você causou isso a si mesmo.
Eu não discordo, mas não facilito as coisas.
— Onde está a sua empatia?
— Você não merece isso. — Ela ainda está sorrindo, mas não
verdadeiramente. — Ela provavelmente tem muito o que fazer.
Desta vez, balanço a minha cabeça, embora meu cérebro proteste.
— Ela não é assim. Nunca passou mais de duas horas sem me mandar
mensagens.
— Mas ela mandou uma mensagem para você — Dani argumenta.
Balançando meu telefone na direção dela, eu digo:
— Não são textos frios e impessoais, não é isso que quero dizer. —
Abrindo a mensagem novamente, digito uma resposta.

Eu: Me ligue.

Não espero receber uma resposta, por isso fico chocado quando vejo o balão
de mensagens indicando que ela está escrevendo. Depois de alguns segundos
tensos, a mensagem dela é enviada.

Grace: Eu não posso falar agora.


Meus lábios franzem e meu peito aperta.

Eu: Porra, por que não?

Ontem, fiquei chateado e me esbaldei em autopiedade. Mas eu não estava


triste hoje.
Não, eu estava chateado pra caralho.
Eu nunca faria com ela o que estava fazendo comigo.

Grace: Eu só preciso ficar sozinha. Não é nada com você, prometo.

Eu: Bem, se não sou eu, então o que é? Porque do jeito que você está
evitando minhas ligações, com certeza o problema sou eu. E, até onde eu sei,
você não está sozinha. E quanto a Riley? Ele está te ajudando a resolver as
coisas?

Grace: Não faça isso comigo agora, Bronn. Por favor.

Eu: Ah, então é assim que você vai lidar com isso? Não vai falar comigo ao
telefone nem vai me dizer por quê?

Fechando meus olhos, eu aperto a ponte do meu nariz. Estou agindo como
um idiota Ela está na casa da avó, vasculhando coisas. Provavelmente está
passando por péssimos momentos, pagando um preço emocional maior do
que esperava. Mas é para isso que estou aqui. Ou, pelo menos, era o que eu
pensava antes de ela ser tão evasiva comigo.

Grace: Eu estarei em casa na noite de quinta-feira. Vou te contar tudo, então.

Eu: Então, há algo para contar?

Grace: Sim. Muito.

O aperto no peito aumenta conforme as respostas soam mais vagas cada vez
que as envia.

Eu: Me fale agora, eu vou te ajudar.

Grace: Eu só preciso de um tempo para mim mesmo.

Eu: Isso você já disse. Tem certeza de que não precisa de tempo longe de
mim?

Grace: Jesus, Bronn. Você está sendo ridículo. Isso não tem nada a ver com
você. NADA. Por favor, deixe-me em paz por um tempo.

Por que isso me atingiu com tanta força?


Ah, sim, porque eu não quero deixá-la sozinha. Quero estar com ela.
Quero ajudá-la com o que diabos está acontecendo. Eu nem sei o que é,
mas sei que seja lá o que for, posso lidar com o problema. Mas ela nem me
deixa tentar.
Ela é a única pessoa a quem já contei sobre a minha mãe. Dani sabia, mas
não tudo. Nunca fez as perguntas, e eu nunca ofereci a informação. Ela não
precisava perguntar de qualquer maneira, pois viu por si mesma o quão
complicada minha infância foi.
Mas eu contei a Grace. Ela sabe tudo sobre como minha mãe me jogou no
esquecimento e depois como meu pai fez o mesmo.
Ela sabia exatamente como isso tinha me afetado. E lá estava ela fazendo
a mesma maldita coisa.
Então, se Grace quer me deixar na geladeira, me deixar sem saber de nada
enquanto ela faz Deus sabe o quê em Columbia, então que seja.
Não vou implorar a ela para que não me deixe de fora.
Apesar do desejo ardente, tenho que fazer exatamente isso.

Eu: Tudo bem.

Eu fecho o aplicativo de mensagens e coloco meu telefone sobre a mesa.


Fechando meus olhos com força, inspiro profundamente e depois expiro antes
de me forçar a me levantar da cadeira.
Dani está me observando, seus olhos examinando cada movimento meu.
— O que ela disse?
Eu aperto a parte de trás do meu pescoço, tentando massagear o nó que
restou por dormir no chão duro.
— Um monte de nada — eu respondo, vasculhando a minha mesa para
pegar minhas chaves na primeira gaveta.
— Bem, o que aconteceu então? — A preocupação de Dani irrita meus
nervos, mas eu faço um esforço para ignorá-los. Pelo menos ela se importa o
suficiente.
— Não faço ideia — respondo honestamente.
Porque não importa quantas vezes eu repasse os últimos dias na minha
cabeça, não sei o que diabos aconteceu entre mim e Grace.
E pior, eu não sei o que isso vai significar para nós no futuro.
Grace

Merda!
Eu olho para a tela do celular, a luz brilhando na escuridão do meu quarto de
infância. Enviei a Bronn várias mensagens que ficaram sem resposta.
Sinto falta dele.
Quero falar com ele, vê-lo, mas tenho muito para tentar resolver, meu
cérebro tornou-se uma bagunça de pensamentos e emoções, e eu
simplesmente não consigo me concentrar em nada que não esteja relacionado
ao meu pai.
Meu pai, que está muito vivo.
Não seria justo com Bronn se eu despejasse tudo sobre nele, essa
reviravolta chocante de eventos na minha vida, sem antes ter uma ideia do
que diabos vou fazer em relação a isso.
E mais importante, como estou me sentindo sobre isso tudo.
O choque inicial se dissipou, felizmente, mas ainda me sinto em conflito
sobre tudo. Quero ir ver o meu pai, conversar com ele, mas Riley me
convenceu a esperar até depois da audiência de apelação.
Ele me fez lembrar que eu precisava de tempo para aceitar o fato de que
toda a minha vida tinha sido uma mentira. Mas as coisas que eu achava que
conhecia como verdade eram, na realidade, falsidades, alimentadas por uma
mulher tão cruel que não entendia como poderíamos ser da mesma linhagem
sanguínea.
Crescer com vovó fora difícil, a perda de ambos os meus pais quando
criança, ainda mais insuportável. Mas isso, essa terrível traição, fora de longe
a dor mais excruciante que já experimentei.
Eu não estava apenas mentalmente exausta, mas fisicamente sentia como
se tivesse sido atropelada por um caminhão várias vezes.
Vasculhei a casa de vovó, de cima a baixo, procurando cada centímetro
quadrado da mansão, procurando por mais de seus segredos, mas não
consegui encontrar mais nada. Parecia que assaltantes tinham saqueado o
lugar. Se ainda estivesse viva, minha avó teria morrido de derrame ao ver
como estava.
E, infantilmente, esse fato me fez feliz. Esperava que, onde quer que ela
estivesse, pudesse me ver apontando-lhe o dedo do meio, deixando sua casa
antiquada em frangalhos, alegremente destruindo a aparência que ela
trabalhara tão duro para manter.
Meu telefone toca na minha mão, e meu coração acelera, mas a decepção
me inunda quando percebo que não é Bronn. Não que ele tivesse algum
motivo para ligar. Fui bastante clara quando disse que precisava de espaço.
Ele entendeu a mensagem em alto e bom som, e eu não recebo notícias dele
desde ontem de manhã.
Eu sei que o machuquei, deixando-o sem informações. Bronn me disse
uma vez que sempre se sentiu sozinho, mesmo tendo Dani. Que as feridas
que sua mãe infligiu foram fundas, e mesmo sabendo que era porque ela era
inútil e nunca deveria ter tido um filho, isso não o impediu de sentir que ele
era o motivo de ela nunca tê-lo amado do jeito que uma mãe deveria.
Não que Bronn esperasse que eu fosse agir como sua mãe, mas nós
passamos a depender um do outro nos últimos meses. E o meu
desaparecimento repentino, sem uma razão, provavelmente o fez lembrar-se
dos anos que passou se perguntando se sua mãe iria voltar para casa ou não.
Merda.
Eu estraguei tudo.
Mando a ligação para o correio de voz e, em seguida, disco o número de
Bronn, prendendo a respiração, esperando que atenda. Depois de três toques
agonizantemente longos, ele atende.
Sua voz está grave, e eu olho para o relógio na minha mesa de cabeceira.
São só nove da noite, cedo demais para ele estar na cama.
— Grace?
— Bronn — eu sussurro. — Me desculpa.
Ele pigarreia, e eu posso ouvir seus lençóis farfalhando ao fundo.
—Você está na cama? — pergunto.
— Sim — ele não elabora a resposta, e eu não tenho a chance de
perguntar por que já estava deitado, porque prossegue: — Você está bem?
— Não. De modo nenhum.
O farfalhar se torna mais alto, e eu quase posso imaginá-lo sentando-se na
cama. Meu coração dói, e o desejo de estar lá com ele, em vez de nesta casa,
que está cheia de lembranças tristes, me domina.
— O que está acontecendo? — ele pergunta, sua voz muito mais clara do
que parecera há pouco.
— Eu... — Quero lhe contar tudo, chorar em seu ouvido pelo resto da
noite e ouvi-lo dizer o quanto ele sente muito por eu ter perdido tantas coisas
ao longo dos anos. Quero que me abrace, que faça carinho nas minhas costas
enquanto eu molho sua camisa com lágrimas salgadas. Preciso sentir seus
braços fortes em volta de mim, segurando-me, fisica e emocionalmente.
Quero estar em seu barco velho, envolta em seus lençóis ásperos, com nossos
corpos nus entrelaçados de modo que não se pode dizer onde um de nós
começa e o outro termina.
Quero contar a ele que meu pai não está morto. Que está em uma prisão a
apenas dezesseis quilômetros de onde estou sentada no escuro, chorando.
Quero dizer que passei as últimas três horas pesquisando na internet tudo e
qualquer coisa relacionada ao encarceramento do meu pai.
Mas não posso.
— Grace? — ele chama. Sua voz está envolta em preocupação, e a culpa
se revolve dentro de mim em ondas, por saber que lhe causei preocupação
nos últimos dias.
— Estou aqui — sussurro. — Ouça, eu não posso falar — arfo.
— O que você quer dizer com você não pode falar? — ele praticamente
rosna, e seu tom severo me fazendo encolher. — O que diabos está
acontecendo com você? É porque eu fiquei com raiva de Riley antes de sair?
É o Riley? Aconteceu alguma coisa entre vocês dois?
Ele dispara as perguntas, e eu não tenho a chance de responder antes que
pergunte todas. Não posso culpá-lo por assumir que tem algo a ver com ele,
com Riley, com a gente.
— Não! Nada disso. É apenas algo do meu passado, algo que estou tendo
dificuldade em entender e mais ainda de explicar para outra pessoa.
— Tente, caramba! — ele grita ao telefone.
A dor no meu peito se intensifica, até o ponto de eu me preocupar de
meus pulmões não suportarem. O telefonema não está acontecendo como eu
gostaria. — Eu não posso! — grito, minha voz se quebrando em um soluço.
— Como você pode pensar que eu não entenderia? — pergunta, sua voz
muito mais calma, uma mudança abrupta do homem irritado de alguns
segundos atrás. — Não há nada que você possa me dizer que eu não
acreditaria, que não aceitaria e entenderia. Seja o que for, Grace, você pode
me contar.
— E vou. Juro que vou contar tudo assim que chegar em casa. Mas agora
eu simplesmente não posso. Por favor, seja paciente comigo — imploro,
desesperada por uma garantia de que estará esperando por mim em alguns
dias. — Vou precisar de você mais do que nunca quando voltar.
Sua voz é triste, e meu âmago se retorce quando ele promete:
— Eu farei o que você precisar. Se precisar de tempo e espaço, darei a
você cegamente. Mas, caramba, não me deixe de fora.
— Não vou fazer isso — digo a ele. Mesmo que não queira nada além de
me esconder até depois da audiência de amanhã, sei que não é justo deixá-lo
esperando em casa, imaginando se estou viva. Se os papéis fossem invertidos,
não sei se seria tão compreensiva.
— Tenho grandes novidades — ele me diz, radiante. — Mas eu quero
compartilhar pessoalmente.
Boas notícias seriam bem-vindas, mas não o pressiono.
— Mal posso esperar para ouvi-las.
— Sinto sua falta, Grace. — Sua voz se torna mais desanimada, e o
timbre rouco me atinge direto no ponto mais íntimo do meu corpo. — Eu
estava sonhando com você quando ligou.
Meu pulso começa a acelerar.
— Sério? — choramingo. — Nós estávamos nus em seu sonho? —
provoco, esperando que a resposta seja sim. Que ele me conte todos os
detalhes sórdidos, dando-me uma distração muito necessária.
— Não. — Ele parece tão desapontado quanto eu. — Mas estávamos
sozinhos na praia, o sol começando a se elevar no horizonte. Sua cabeça
estava no meu colo, meus dedos deslizando preguiçosamente pelo seu cabelo,
e nós estávamos falando sobre o nosso futuro, sobre como estaríamos a partir
daqui. — Fecho meus olhos, imaginando a cena, um sorriso se formando no
meu rosto pela primeira vez em uma semana. Quase posso sentir suas mãos
calejadas na minha cabeça, ouvir sua respiração lenta e uniforme e sentir o
cheiro da maresia.
— Deus, isso parece incrível — murmuro. — Eu gostaria que não fosse
apenas um sonho.
— Tenho certeza de que estávamos prestes a ficar nus, na verdade. Sua
ligação acabou de interromper isso. — Ele ri, e eu rio com ele.
— Bem, sinto muito por ter arruinado seu sono — provoco.
— Não, tudo bem. Além disso, ouvir sua voz é melhor. Me dá algo para
pensar enquanto eu estiver no chuveiro.
— Você não tem que se lembrar da minha voz, você sabe — digo a ele,
em um sussurro, que eu espero que seja sensual. — Eu poderia falar com
você agora, talvez você possa me dizer o que teria acontecido naquela praia
se eu não tivesse te acordado.
Ele geme.
— Você está sugerindo o que eu acho que está sugerindo?
Eu lambo meus lábios, engolindo em seco.
— Estou.
Uma gargalhada prazerosa escapa de seus lábios.
— Porra, então que seja.
Minhas pálpebras se fecham, e eu deslizo a mão dentro da minha
calcinha, meus dedos indo em direção ao meu clitóris. Já estou molhada e
digo a ele:
— Bem, estou esperando.
Bronn

— Não vá — ela implora, com os olhos arregalados.


Eu não quero, mas não tenho escolha.
— Você sabe que eu tenho que ir, Dani.
— Não, você não tem — ela diz, e sua preocupação faz com que seu
comportamento normalmente descontraído chegue ao limite. Eu não a culpo.
Nunca é fácil e, cada vez que volto, demoro semanas para me recuperar.
Passo meus dias mal-humorado, e minhas noites, bêbado. Ela passa os dela
limpando a minha bagunça e cuidando de mim, o que não é tarefa fácil.
Respirando profundamente, ponho meus pés em movimento e cruzo a
distância entre nós em dois passos largos. Pegando-a pelos ombros, eu a puxo
para o meu peito e a seguro com força.
— Eu prometo, desta vez não será como das outras — tento tranquilizá-
la, mas mesmo eu não estou totalmente convencido.
Por mais que tenha falado com Grace ontem à noite, ainda tenho mais
perguntas do que respostas. Estou uma pilha de nervos, esperando que ela
volte para casa para explicar o que está acontecendo. Exigia cada fibra do
meu ser dar o espaço que ela pedira, mas eu entendo sua necessidade de
resolver as coisas sozinha primeiro.
Só de saber que eu teria Grace quando voltasse para casa, já ficava
convencido de que esta viagem não seria como as outras. Ao contrário de
todas as outras vezes, eu tenho alguma coisa e alguém para retornar. Grace
ameniza os maus momentos, e melhora ainda mais os bons tempos. Não
queria desperdiçar nosso tempo juntos em uma névoa induzida pela
depressão. Não a sujeitaria à minha angústia, porque ela merecia a melhor
versão de mim. Posso não saber exatamente qual é, mas estou trabalhando
nisso.
Dani passa os braços em volta da minha cintura e me aperta com força,
pressionando o rosto no meu peito. Eu a abraço de volta, segurando-a pelo
tempo que ela precisar. Houve uma época em nossas vidas em que o toque
dela me fazia recuar. Eu me afastava, porque era mais do que eu poderia
suportar. Ou pior, algo desagradável, que a forçara a parar de tentar. O que
ela fazia, de tempos em tempos, só para voltar ainda mais determinada a
estreitar um relacionamento comigo.
Mesmo recentemente, alguns meses atrás, eu teria mantido essa briga
entre nós e considerando seu desejo de me ajudar como algo errado. Eu não
era digno de amor. Só merecia sofrimento. Ou foi o que me disseram. E
quando você repete algo várias vezes, começa a acreditar.
Mas então Grace surgira em minha vida e acalmara o mar tempestuoso no
qual me tornei. Eu serei amaldiçoado se voltar a ser a pessoa que fui antes de
ela entrar na minha vida.
Ainda apertando minha cintura, Dani inclina a cabeça para trás, seus
olhos procurando meu rosto.
— Eu irei com você.
Balançando a cabeça, eu protesto.
— Nem pensar.
Dias como este são difíceis o suficiente para mim, não tem como eu
submetê-la a isso. Ela pode ser mais velha e talvez nem sempre tenhamos
concordado, mas ainda sinto a necessidade de protegê-la. Há tantas coisas das
quais não posso salvá-la, mas esta é, definitivamente, uma delas.
Ela solta minha cintura, as mãos voando para os quadris e comicamente
batendo os pés, impaciente.
— Você não pode me dizer que não posso ir!
— O inferno eu não posso.
Seus olhos se estreitam e ela vocifera:
— Eu não estou brincando!
Erguendo minhas mãos, dou de ombros.
— Desculpe, Dani. Mas, não. Você não vai comigo.
Seus olhos ainda estão estreitos quando ela passa por mim e abre a porta
da minha geladeira. Examina o conteúdo, e sua boca inclinada para baixo em
uma carranca. Sem se incomodar em virar, ela pergunta por cima do ombro:
— Quando foi a última vez que você comeu algo diferente de pizza e
cerveja congelada?
Suspiro e apoio um quadril no banquinho, meus antebraços descansando
no balcão.
— Faz algum tempo.
Ela pega uma garrafa de água da geladeira, a única bebida não alcoólica
que há lá, e bate a porta antes de se inclinar contra ela.
— Vamos tomar café da manhã quando chegarmos na estrada.
Eu reviro meus olhos, mas não protesto. Não tenho mais energia para
discutir com ela e não há sentido em tentar, de qualquer maneira. Quando
Dani Williams decide sobre algo, não há nada nem ninguém que possa fazê-
la mudar de ideia.
Sorrio, percebendo como ela e Grace são parecidas. Não é à toa que me
apaixonei. Ela lembra a única mulher em minha vida que sempre esteve ao
meu lado. Teimosa e forte.
Grace foi embora há cinco dias, e eu sinto a falta dela.
Eu não tinha percebido o quanto ela se tornara uma parte do meu dia a dia
até que ficou ausente. As noites em que não a via, sentada em um banquinho
do outro lado do meu bar, tinham sido longas e chatas. Quando não estava
lendo um de seus livros, ela ficava me observando com um pequeno sorriso
no rosto ou provocando os clientes.
Até mesmo alguns dos veteranos perguntaram sobre ela, querendo saber
onde estava e, em seguida, acusando-me de tê-la afugentado. Não que eles a
culpassem, eles apenas brincavam que ela era muito bonita para mim, de
qualquer maneira. E eles estavam certos, aqueles velhos idiotas irritantes.
Rio para mim mesmo, balançando a cabeça, perguntando-me como
diabos eu podia ter tanta sorte.
— O que é tão engraçado? — Dani pergunta, interrompendo meus
pensamentos.
Dou de ombros e me levanto, pegando as chaves da caminhonete no
balcão.
— Nada. Se você vai pagar o café da manhã, é melhor irmos. — Seu
rosto se abre em um sorriso triunfante, e eu aponto um dedo para ela. — Oh,
não fique toda arrogante. Só estou deixando você ir porque estou com fome e
porque você vai pagar.
Ela me segue pela porta do barco, e eu a ajudo a subir no cais.
Enganchando seu braço no meu, ela sorri para mim.
— Eu gosto deste Bronn.
Minhas sobrancelhas se erguem, e eu pergunto:
— Que Bronn?
Com uma risada, ela cantarola:
— Ah, você sabe. Um que finalmente experimentou o amor de uma boa
mulher. E que sabe que a maneira de manter esse amor é fazê-la feliz. — Ela
dá uma piscadinha. — Porque não é apenas a Grace que você está fazendo
feliz esses dias.
Não posso culpá-la por sua avaliação de mim, porque é cem por cento
correta. Eu estava disposto a fazer qualquer coisa para manter Grace feliz.
Enquanto tivesse certeza disso, teria que ficar com ela.
Grace

Eu não tinha dormido nada, pois as incertezas do que acontecerá hoje me


mantiveram acordada a noite toda. Várias vezes eu peguei meu telefone para
ligar para Bronn. Sabia que ele atenderia ao meu chamado e ouviria minhas
preocupações antes de dizer todas as coisas certas para me fazer sentir
melhor, mas isso significaria explicar tudo para ele às três da manhã, algo que
minha mente cansada não conseguiria fazer. Então, eu tentei me tranquilizar
novamente e implorar para quem quer que estivesse ouvindo apenas me
conceder algumas horas de sono.
Mas o sono nunca chegou, e quando meu alarme soou eu já estava fora da
cama, tomando minha segunda xícara de café. Eu ia precisar de uma garrafa
inteira para suportar aquela manhã.
Começo a me preparar, escolhendo uma saia lápis cinza, combinando-a
com uma blusa rosa suave. Enfio meus pés em meus sapatos favoritos e dou
uma analisada completa em mim, decidindo que estou bonita. Eu vou ver
meu pai pela primeira vez em anos. Quero parecer bem, mas, mais do que
isso, quero que ele dê uma olhada em mim e fique orgulhoso do que vê.
Não tenho certeza se me reconhecerá. Riley me informou que eu não terei
a chance de falar com ele, nem mesmo depois da audiência. Precisarei ir à
prisão, registrar-me como visitante, e esse processo pode levar tempo.
Mas, apesar de tudo isso, sei que preciso parecer bem. Preciso me
recompor, secar meus olhos e agir como uma adulta.
O caminho até o tribunal não demora muito, e eu passo pelos detectores
de metal antes de subir as escadas, onde Riley está esperando por mim.
Sentado em um banco, suas mãos estão juntas, e sua cabeça, baixa. Está
imerso em pensamentos, e quando eu dou tapinhas suaves no seu ombro, ele
se sobressalta.
— Jesus, Grace — ele grita, com os olhos arregalados.
— Desculpe — sussurro. — Não queria te assustar.
Ele se levanta e me puxa para um abraço, deixando seus braços
envolverem meus ombros com um pouco de força demais.
Seus olhos me analisam por inteiro antes de se fixarem no meu rosto.
— Você parece bem. Cansada, mas bem — ele me diz honestamente, e eu
rio.
— Sim, eu não dormi nada ontem à noite. Meu cérebro não desligava.
— Você deveria ter me ligado.
Nunca havia passado pela minha cabeça ligar para Riley. Eu só pensava
em Bronn. Ele era a única pessoa que poderia ter sido uma fonte de conforto
na noite passada.
Balanço minha cabeça.
— Não, eu não queria te incomodar.
Ele gira o pescoço, seus olhos cheios de preocupação.
— Escute, Grace... tem uma coisa que preciso te contar. É sobre...
Quando a porta do tribunal se abre, o oficial de justiça sai para anunciar
que a próxima sessão está prestes a começar.
Eu sorrio para Riley, virando-me para seguir as outras pessoas que se
aproximam da grande sala. Minhas mãos estão tremendo, minhas palmas
suadas, e eu tenho que respirar fundo enquanto atravesso as portas.
Riley vem atrás de mim e me aponta uma fileira de bancos, que lembram
os da igreja que eu costumava frequentar com meus pais quando era criança.
Deslizando por um deles, sento-me e agarro minha bolsa com força no colo.
Há um conjunto de portas à minha esquerda, e quando elas se abrem, a
terra para de girar, e o tempo congela.
Um oficial passeia com um homem de macacão caqui atrás dele, algemas
nos pulsos e tornozelos.
Papai.
Meu estômago revira, meu corpo se aquece, e eu não posso evitar o
suspiro que escapa dos meus lábios.
O barulho estrangulado faz meu pai virar a cabeça na minha direção, e
não há dúvidas de que esse homem não é outro senão meu pai.
Ele está mais velho, há linhas ao redor de seus olhos que não existiam
quando eu era criança. Seu cabelo que fora escuro e grosso, da mesma cor
que o meu, agora está cinza. Ele anda inclinado para a frente, e não sei se isso
é devido às restrições em seus pulsos ou aos anos que passou vivendo sob o
peso do desespero, mas ele não é mais o homem alto e orgulhoso de que me
lembro.
Mas seus olhos são do mesmo tom de azul que sempre foram, e quando
encontram os meus, eles se alargam. Ele tropeça antes de parar, seu queixo
caindo.
Vinha ensaiando esse momento na minha cabeça há dias – o que eu faria
se me visse, qual seria a sua reação, mas todos os ensaios foram para o lixo
quando o momento finalmente chegou. Com a mão trêmula, aceno enquanto
ele está parado, olhando para mim como se visse um fantasma.
A ironia desta ideia não me passa despercebida, e lágrimas enchem meus
olhos quando eu o vejo pronunciar meu nome.
Meu coração bate com tanta força que temo que vá atingir o meu peito
enquanto observo o homem que pensei estar morto. O rosto que estivera
abatido há pouco se transforma com aquele ato simples, a derrota em seus
olhos se transformando em esperança, em felicidade. Seu sorriso me tira o
fôlego, e eu juro que meu coração está tão cheio que, a qualquer momento,
vai explodir. Ou pior, eu vou acordar e perceber que tudo isso é apenas um
sonho.
Mesmo que meu pai esteja na prisão, o que é um pesadelo, ele está vivo.
E sorrindo pra mim.
Quero desesperadamente pular a grade e passar meus braços ao redor
dele, arrancar as algemas de seus braços para que possa me abraçar. Preciso
dizer a ele que li suas cartas, todas elas, várias vezes. Pergunto-me se ele acha
que o abandonei, se minha avó disse a ele que eu não sabia que estava vivo.
Quero assegurar-lhe de que vou tirá-lo daqui, que nada vai me impedir de
provar que ele não é o monstro que foi acusado de ser todos aqueles anos
atrás.
Minha mente está girando enquanto olho para ele, memorizando o olhar
em seu rosto. Observando seus olhos, juro que posso ver orgulho neles, e eu
fico feliz por ter conseguido me arrumar melhor naquela manhã.
O oficial atrás dele lhe dá uma cutucada, e o mundo começa a girar
novamente enquanto ele se dirige para a mesa do réu. Seus olhos estão cheios
de lágrimas enquanto continua a me observar.
Quero chutar o oficial, gritar com ele e amaldiçoá-lo por fazer meu papai
romper o contato visual comigo. Ele não sabe que esta é a primeira vez que
nos vemos em quase duas décadas?
Claro que não. Mas isso não impede a onda de raiva que corre por minhas
veias. A raiva é mal direcionada, claro, pois não é culpa do guarda que meu
pai esteja acorrentado como um cachorro.
O braço de Riley envolve meu ombro, e ele sussurra em meu ouvido:
— Você está bem?
Nem um pouco.
Afastando seu braço, eu assinto, meus lábios pressionados firmemente
para segurar os soluços. Ele tem sido muito útil nesses últimos dias, mas
ainda não o perdoei por guardar segredo. Não estou pronta para voltar ao
modo como as coisas eram entre nós. Honestamente, não sei se algum dia
estarei.
— Eu tenho que te dizer uma coisa, é importante — a voz de Riley soa
urgente, e seu rosto está cheio de preocupação.
— Não pode esperar? Acho que não consigo me concentrar em nada
agora — imploro, minha voz embargada.
Eu não me importo com o que ele tem a me dizer, porque certamente não
pode ser comparado com o que estou sentindo. Não quero fazer nada além de
olhar para o meu pai. Preciso analisar todos os seus detalhes e memorizá-los,
caso esta seja a minha única chance de vê-lo.
Estou desesperada para falar com ele. Quero tocá-lo, abraçá-lo, mas há a
chance de ele não querer me ver. E se optar por não me deixar visitá-lo, não
poderei contestar. Recuso-me a desperdiçar um único segundo com o que
Riley acha que eu preciso saber.
As portas do tribunal se abrem de novo, e eu olho por cima do meu
ombro para ver quem entra.
Uma onda de choque toma conta de mim quando vejo Dani e Bronn
entrarem, seus olhos examinando a sala.
Meu foco ainda está nas portas por onde meu namorado e sua irmã
acabaram de passar, então, pergunto a Riley:
— Você ligou para Bronn?
Em vez de esperar por sua resposta, arrasto-me pelo banco e saio dele.
Meu coração acelera com a visão do homem de quem senti falta tão
profundamente nestes últimos dias.
Mesmo que eu tivesse especificamente pedido a Riley que não contasse a
ninguém o que estava acontecendo, ver o rosto de Bronn faz com que o alívio
inche no meu peito.
Eu deveria ter contado. Se soubesse que me sentiria muito melhor só por
estar na mesma sala que ele, eu teria contado. Mas isso não importa mais,
porque estou feliz que esteja aqui para me apoiar.
Eu corro para onde eles estão, suas cabeças inclinadas juntas,
sussurrando.
— Bronn! — grito, incapaz de chegar a ele rápido o suficiente.
Minha mente confusa desaparece, e tudo o que posso desejar é estar
dentro do abraço forte de Bronn.
Ele se afasta do homem com quem está falando, ao mesmo tempo em que
me jogo em seus braços. Aninhando-me nele, solto um suspiro profundo.
É dele que eu preciso para me acalmar, não de Riley.
— Grace? — Dani e Bronn dizem em uníssono, suas vozes cheias de
confusão.
Eu me agarro a Bronn e enterro meu rosto em seu pescoço, inspirando
profundamente.
— Deus, eu senti a sua falta — murmuro.
Ele me aperta com força, murmurando contra meu cabelo.
— Eu também senti a sua falta. Mas você não pode estar aqui.
Eu recuo, minha mente girando.
— O que você quer dizer com isso?
Suas sobrancelhas estão unidas, o cenho profundamente franzido. Ele tira
a mão pelo cabelo, e um profundo suspiro escapa de seus lábios. Lábios que
eu queria beijar há dias.
— Eu não quero você envolvida nisso.
Não tenho ideia do que ele está falando.
— Você não está aqui porque Riley te ligou?
Eu olho por cima do ombro para ver Riley indo em nossa direção, um
olhar de horror absoluto fazendo seu rosto se contorcer.
O que diabos está acontecendo?
Meu olhar retorna para Bronn, mas seus olhos tempestuosos estão em
Riley, sua boca em uma linha fina. Eu olho para Dani, esperando que ela
possa me dar algumas dicas sobre o que está acontecendo, mas seu rosto está
tão confuso quanto o meu.
— Bronn, o que está acontecendo? — eu sussurro.
Ele afasta seu olhar de Riley e olha para mim, seus punhos abrindo e
fechando presos às laterais de seu corpo. Dou um passo para frente e aperto
sua mão, puxando-o para longe da multidão.
Uma vez que estamos fora do alcance de todos, entrelaço nossos dedos,
trazendo sua atenção de volta para mim.
Seus olhos brilham enquanto ele repete:
— Você não pode ficar aqui. Você precisa ir.
Eu pisco. Não sei por que diabos eu iria a qualquer outro lugar.
— Eu não vou embora. Por que iria?
Coçando a nuca, ele deixa desviar o olhar para o chão.
— Você é a melhor parte da minha vida. — Meu coração palpita quando
ele ergue seus lindos olhos azuis de volta para os meus. — Mas isto? — Ele
gesticula apontando para todo o tribunal. — Esta é a pior parte. E eu não
quero que os dois se misturem.
Suas palavras são doces, mas ainda estou perdida sobre o que ele está
falando. — Eu não vou a lugar algum, Bronn. — Dou um passo em direção a
ele, envolvendo meu braço em torno de sua cintura. Pressionando meu rosto
em seu peito, ouço seu coração martelando lá dentro. — Eu tenho que estar
aqui.
— Não, você não tem — ele argumenta, sua voz profunda vibrando em
seu peito. Com os braços ainda em volta de mim, começa a me puxar para a
saída.
Cravo meus saltos no chão, forçando uma parada.
— Bronn, você não está aqui por mim?
Eu assumi que Riley tinha ligado para ele, pedido que viesse aqui para me
apoiar. Mas essa teoria não explica por que Bronn está tão decidido a me tirar
do tribunal.
— O que você quer dizer com isso é a pior parte de você?
Bronn se afasta, seu rosto quase abatido.
— Eu não quero entrar em detalhes. Só quero te manter longe disso. Por
favor, Grace, vá.
Ainda não tenho ideia do que ele está fazendo aqui ou do que está
falando, mas é óbvio que não veio aqui por mim. Não era o jeito que eu
queria contar a ele sobre meu pai. Queria esperar até chegarmos em casa, que
estivéssemos enrolados na cama, antes de contar toda a verdade. Esperava
que, explicando tudo para ele, de alguma forma, me ajudasse a entender.
— Eu não vou embora — digo a ele, com firmeza. Tomando sua mão na
minha novamente, respiro fundo. — Não foi assim que imaginei contar a
você, mas a vida nunca parece seguir como o planejado. Pelo menos não para
mim. — Forço minha boca a se curvar em um sorriso. — Meu pai não está
morto.
Bronn cambaleia, como se eu o tivesse fisicamente empurrado. Sua mão
solta a minha e meus dedos parecem vazios.
Eu me esforço para explicar tudo.
— Ele não morreu naquela loja de conveniência. Vovó mentiu para mim.
Ele esteve na prisão todos esses anos. — Há muito mais detalhes na história,
muitos mais detalhes que preciso esclarecer, mas não temos tempo para isso
porque a audiência está prestes a começar.
A multidão que estava em pé diminuiu, a maioria das pessoas sentou-se.
Dani e Riley ainda estão de pé onde nós os deixamos, os olhos arregalados
enquanto nos observam.
Volto-me para Bronn, e seu lindo rosto está torcido em uma carranca,
seus olhos parecem escuros.
Eu nunca o vi assim antes, e um calafrio corre pela minha espinha. Minha
língua parece pesada, e eu tenho que engolir várias vezes antes de conseguir
fazer a pergunta que está piscando em minha mente.
— Por quê você está aqui?
Sua voz é tão baixa que mal consigo ouvi-lo, mas não há dúvidas sobre o
quê está falando:
— Mickey Chumley assassinou Jimmy Williams dezessete anos atrás em
um assalto que deu errado.
Meu coração bate, e a tontura ameaça me vencer.
— Como... — eu sussurro. — Como você sabe disso?
Ele me olha direto nos olhos, ardendo de ódio.
— Porque Jimmy Williams era meu pai.
Bronn

O soluço que sai dos lábios dela ecoa no tribunal.


A angústia deveria ter agitado algo em mim, deveria ter me feito ir até
ela, mas não me mexi. Vejo quando os joelhos de Grace se dobram,
tornando-se frágeis. Vejo quando ela cai no chão, suas mãos cobrindo o rosto
que está agora molhado de lágrimas, sua maquiagem perfeita correndo em
rios negros pelas suas bochechas.
Eu deveria ficar com ciúmes, porque Riley corre para o lado dela e a
ergue em seus braços, encostando-a contra seu peito. Deveria ficar com raiva,
observando-a agarrar-se ao redor de seu pescoço, aninhando-se a ele. Os
braços dela foram feitos para ninguém além de mim.
Eu deveria ficar irritado quando Dani pega meu braço e me puxa para
nossos lugares. Afasto sua mão do meu bíceps e me sento rigidamente atrás
do advogado do condado. Ele é o homem cujo trabalho é garantir que Mickey
Chumley permaneça exatamente onde estpa – na prisão.
Eu deveria sentir tristeza enquanto ouço o advogado relatar os eventos do
crime e do dia em que minha vida mudou para sempre.
Eu deveria me sentir culpado quando escuto Grace soluçar do outro lado
do corredor, sentada diretamente atrás do homem que ela achava que estava
morto por todos esses anos.
Ela estava tão feliz em me ver, havia alívio desenhado em todo o seu
rosto. Fiquei aliviado em vê-la também. Mas esse sentimento durou pouco,
como sempre acontecia. A vida tem um jeito de me dar um gostinho das
coisas boas antes de cagar em cima de mim.
As lembranças do dia no bar repassam na minha cabeça, e me ocorre por
que Grace parecia tão familiar. Não foi um acaso que seu rosto tivesse me
lembrado o de alguém. Porque ela era a menina que eu vi na parte de trás do
carro de patrulha, sendo afastada da devastação enquanto eu ia em direção a
ela.
Ela estava lá naquele dia, o dia em que Mickey Chumley decidiu brincar
de Deus e arruinou a vida de todos.
Eu nunca iria perdoá-lo. Dani insistiu comigo ao longo dos anos para
tentar, na esperança de que eu fosse capaz de encontrar a paz dentro de mim,
mas simplesmente não consegui. Como eu poderia perdoar alguém por ter me
fodido pra valer?
Grace e eu teríamos que terminar.
Como poderíamos ter algum tipo de relacionamento enquanto eu tinha
vivido a minha vida inteira odiando o pai dela, o homem que ela tão
claramente adorava?
Não, não havia esperança para nós.
E essa percepção me deixou sentindo vazio por dentro.

***
Dani e eu nos sentamos juntos durante toda a audiência, a mão dela
segurando a minha com força, mas eu não consigo me concentrar no que está
sendo dito. Quando o juiz bate o martelo para dispensar a corte, não faço
ideia do que acabou de acontecer.
Espero que Dani tenha prestado atenção, caso contrário, teremos que
conversar com o advogado mais tarde.
Mas, por enquanto, preciso dar o fora daqui e rápido. Preciso pensar e
tentar absorver o fato de que minha namorada é a filha do homem que matou
o meu pai.
Eu saio apressado, sem me incomodar em dizer a Dani que estou indo
embora. Quando vejo uma multidão esperando no elevador, mudo de direção
e vou para as escadas. Bato a porta e começo a minha descida, meus passos
ecoando no ambiente vazio.
— Bronn! — a voz de Grace soa alta atrás de mim. — Espere! Por favor,
espere! — Eu não diminuo a velocidade e continuo a correr para fora do
tribunal. — Droga, Bronnson! — ela grita, e sua mão agarra um punhado da
minha camisa, fazendo-me parar.
— Só me dê algum espaço — rosno, ainda de costas para ela.
Eu preciso de ar. A sala do tribunal estava sufocante. Não consigo sair de
lá rápido o suficiente, e Grace está apenas me atrasando.
— Não! — ela diz ferozmente, sem soltar a minha camisa. — Vire-se e
me enfrente.
Sua coragem e a porra da sua ferocidade são admiráveis, mas agora eu
preciso esfriar a minha cabeça.
Eu me liberto de suas mãos e continuo descendo as escadas.
Ela segue, implorando.
— Me ouça. Me dê só um minuto para explicar tudo. Ou pelo menos tudo
que eu sei.
Eu paro, minha mão segurando o corrimão com tanta força que minhas
juntas estão brancas. Ela toma minha hesitação como permissão para
continuar e começa a divagar:
— Meu pai ficou vivo por todos esses anos. — Sua voz falha, mas ela não
para de falar. — Eu sei que ele não fez o que você disse. Não o pai que eu
conheci. Ele não faria.
Sei que não é culpa dela que o pai seja um monstro, mas não posso ficar
aqui, incapaz de respirar, e ouvi-la defendê-lo.
Eu me viro para encará-la.
— Você não sabe o que está dizendo.
Viro-me de costas novamente, correndo pelas escadas enquanto oro para
que ela entenda a mensagem e me deixe ir. Mas Grace continua a me seguir,
chamando o meu nome, implorando para que eu pare e ouça.
Quando chego ao final da escada, começo a seguir para a saída quando
seu grito me faz parar.
— Onde estão seus colhões? — Eu me viro, olhando para ela enquanto
continua: — Você está agindo como um rato, fugindo assim de mim!
Tenho que dar a mão à palmatória, ela está certa.
Eu deveria ser um homem e ficar. Mas não posso.
— Você está certa. Eu não tenho colhões. Assim como seu maldito pai
quando roubou o meu e o matou.
Seu rosto se contrai e a culpa me inunda, guerreando com a raiva que está
fervendo no meu sangue. Eu não quero machucá-la; não quero ser
responsável por sua tristeza que tanto me esforcei para substituir por
felicidade.
Ela esfrega a mão no rosto e se recompõe.
— Bronn, eu te amo!
O mundo paralisa quando as palavras saem de sua boca, e eu luto para
levar ar para os meus pulmões. Já sabia que ela me amava, mas as palavras
não tinham sido pronunciadas até o momento.
Em zombaria, eu grito:
— Ótimo. Porra, que ótimo! Você me ama.
Ela se coloca nas pontas dos pés até seus olhos estarem nivelados aos
meus.
— Sim. É verdade. Eu te amo, porra. E você também me ama. Sei que
ama. —Ela coloca a mão no meu coração, e meu estômago se agita. — Você
não precisa dizer as palavras para que eu saiba como se sente.
Grace está certa. Eu a amo. Apaixonei-me no dia em que sua avó me
chamou de lixo, e ela me defendeu. Mas, porra, eu não sei o que fazer a
respeito agora. E eu não consigo pensar tendo ela à minha frente, com seu
perfume preenchendo meu nariz, sua proximidade fazendo meu corpo doer de
vontade de tocá-la. Eu preciso fugir, e preciso fazer isso antes de dizer algo
que me faça me arrepender.
— Você não sabe como me sinto. — Eu recuo, quebrando o contato entre
nós. O local onde a mão dela me tocou ainda formigava.
— Eu sou tão idiota — ela geme, com as mãos em punhos ao lado do
corpo. —Pensei que você era diferente. Mas talvez vovó estivesse certa.
Talvez você seja um lixo.
E lá estávamos, na escada, atirando insultos como flechas.
Eu dou de ombros.
— Bem, não é de se admirar que tenha gostado muito de mim, já que
você veio do epítome da escória.
Seus lábios tremem, mas nenhuma lágrima cai enquanto está na minha
frente, discutindo.
— Acontece que você estava certa o tempo todo. Não somos tão
diferentes, afinal. Nós dois temos pais perdedores.
Suas bochechas ficam vermelhas, os olhos brilham de fúria, mas ela
mantém a compostura. Sua voz é firme enquanto ela me lembra o que sou.
— Seu desgraçado.
Eu rio, querendo que ela acredite que aquilo não está tendo nenhum efeito
sobre mim.
— Você está certa. Graças ao seu amado pai, eu sou um desgraçado.
Ela bate um dos pés, e a negação escapa por sua boca tão alto que as
palavras saltam das paredes.
— Ele não fez isso! Não matou o seu pai!
— Não? Como diabos você sabe? Você achava que ele estava morto até
alguns dias atrás — eu zombo quando Grace fecha seus olhos com firmeza.
Ela abre os olhos enquanto dá um passo em minha direção e abaixa a voz.
— Ele me escreveu cartas. Muitas. Explicou o que aconteceu nelas. Eu li
todas elas centenas de vezes desde que as encontrei. Sei que ele está dizendo
a verdade. Por favor, Bronn, você tem que me ouvir. Venha comigo, leia as
cartas você mesmo. Por favor — ela implora, com os olhos cheios de
lágrimas não derramadas.
Eu quero acreditar que o que ela diz seja verdade. Não tornaria tudo
muito mais fácil se as coisas nas quais acreditei toda a minha vida não fossem
verdade?
O jeito como ela me observa, com o lábio inferior preso entre os dentes e
seu rosto esperançoso, faz meu corpo inteiro doer. Quero puxá-la para mim,
cobrir sua boca com a minha, derramar cada emoção deste dia horrível em
nosso beijo. Estou desesperado pela conexão com a única pessoa que
realmente me entende.
Mas antes que eu possa fazer isso, balanço a minha cabeça.
Em que porra eu estou pensando?
Passei anos odiando aquele homem. Nunca haverá um motivo que me
faça querer acreditar em uma única palavra que ele tenha a dizer.
— Não — digo a ela com firmeza. — Seu pai está mentindo para você, e
quanto mais cedo perceber isso, melhor você será. Não perca seu tempo com
ele. Sua avó era louca, mas estava certa sobre uma coisa. Você e sua mãe
ficaram melhores sem o filho da puta do Mickey Chumley.
Seu lábio treme, mas ela não chora. Então, se ergue e ajeita os ombros.
Pigarreando, tenta mais uma vez.
— Por favor. Apenas venha para casa comigo.
Eu balanço a minha cabeça. Tudo o que eu quero é ir com ela. Voltar ao
modo como as coisas estavam antes disso. Quero arrancar sua dor, poder
apoiá-la enquanto lida com o fato de que acreditara em uma mentira a sua
vida inteira. O que eu deveria fazer agora era abraçá-la e assegurar-lhe que
tudo ficará bem.
Mas eu não posso.
Não é culpa da Grace, mas saber disso não muda nada.
Balanço minha cabeça, sem vontade de abrir a boca e dizer mais alguma
coisa. Já falei demais. Girando nos calcanhares, saio das escadas.
O sol se foi, o céu está coberto por nuvens de tempestade, e gotas de
chuva pesadas começam a cair na minha cabeça.
A ironia disso não me escapa, e eu rio amargamente.
O clima espelha perfeitamente a tempestade que está se formando dentro
de mim.
Grace

Em questão de alguns dias, minha vida se despedaçara completamente.


Como isso aconteceu ainda era incompreensível, mas aconteceu mesmo
assim, e eu perdi completamente o rumo.
Bronn se afastar de mim era quase tão doloroso quanto descobrir que meu
pai não tinha morrido naquele dia quente de primavera todos esses anos atrás.
Meu pai não escolhera me abandonar, mas Bronnson, sim. Nós dissemos
coisas horríveis um para o outro, lançando insultos que acho que nenhum de
nós queria dizer. E, por um segundo, pareceu que ele iria me ouvir, até mudar
de ideia.
Eu me agarrei àquele momento e à consideração que vi em seus olhos.
Mas a esperança tinha sido curta, e a realidade desmoronou em cima de mim.
Eu também desmoronei naquela escada, meus soluços ecoando no vazio –
o vazio que combinava com o que eu sentia por dentro. Não sei por quanto
tempo fiquei ali, chorando até que não houvesse lágrimas para cair, mas
eventualmente Riley me encontrou e me carregou para o seu carro. Não me
levou de volta para a casa da minha avó, graças a Deus. Acho que não teria
estômago nem para olhar para ela.
Eu sei que preciso sair da cama e me recompor, mas não consigo
encontrar vontade de me mexer. Assim que Riley entrou em sua garagem,
corri de seu carro e me tranquei em seu quarto de hóspedes. Ele tentou checar
meu estado várias vezes ao longo
da tarde e da noite, mas acabou chegando ao ponto em que me recusei a
reconhecer sua presença. Deitei-me na cama, alternando entre chorar e olhar
para o teto.
Bronn atormentou meus sonhos durante trechos intermitentes de sono, e
eu não conseguia amenizar o desespero que permanecia. Toda vez que
fechava os olhos, via o rosto dele e observava enquanto se afastava de mim.
Continuei tentando empurrar os pensamentos sobre ele para longe, mas a dor
profunda no meu peito não permitiria isso. Era como se ele tivesse arrancado
meu coração do meu peito e o levado com ele, enquanto se afastava, sem
olhar para trás.
Eu não podia culpá-lo.
Mas queria.
Só que não consigo.
Ele acredita que meu pai assassinou o dele.
Passou toda a sua vida vivendo com essa certeza e deixando o ódio
inflamar. Não é possível esperar que ele mude de idéia e dê as boas vindas ao
meu pai de braços abertos. Não posso esperar que acredite em mim. Pelo
menos ainda não.
Ele precisa de tempo.
E mesmo que me mate, concederei isso a ele.

***
Meu estômago está em nós, o medo do desconhecido é tão grande que quase
me impediu de vir.
A prisão parecera enorme quando a avistei, o arame farpado que a
cercava não era apenas uma dramatização de Hollywood, mas uma realidade,
era algo aterrorizante e deprimente ao mesmo tempo.
Riley tentou vir comigo, mas isso era algo que eu tinha que fazer sozinha.
Ele descobriu a conexão entre Bronn e meu pai ontem de manhã, e essa
foi a notícia importante que estava tentando me contar. Talvez se eu
soubesse, as coisas tivessem sido diferentes. Mas isso não importa. Está feito
e não há como voltar àquele tribunal e mudar as coisas.
Eu lhe garanti que não o culpava, e pouco a pouco meu ressentimento
para com ele estava diminuindo.
Sento-me empoleirada na beira de um assento de metal frio depois de ter
passado pela série de portões e detectores de metal. Agora espero que os
guardas tragam meu pai. Estou roendo minhas unhas, um hábito que nunca
tive antes, enquanto minha mente gira em um milhão de direções.
Eu não sei o que esperar da visita de hoje.
Desde que ele me adicionou à lista de visitantes aprovados, sei que está
disposto a falar comigo. E sua reação depois de me ver ontem me deu
esperanças de que esteja feliz com isso.
Mas já se passaram dezessete anos. E ele esteve na prisão o tempo todo.
Ele seria o mesmo papai de quem me lembrava? Provavelmente não.
O pensamento me aterroriza. Não sei o que vou lhe dizer. Não sei se ele
vai querer que eu o toque, ou o abrace, ou segure sua mão. Espero que ele
faça isso, porque desejo todas essas coisas.
A sala está cheia de outras pessoas, todos aqui para verem seus entes
queridos. O grupo era variado, pessoas provenientes de todas as esferas da
vida. Há mulheres mais velhas, que devem estar aqui para ver seus filhos.
Crianças, como eu, esperando para ver seus pais.
Quando o último visitante entra, os guardas começam a escoltar os
internos que, um por um, entram na sala. O alívio transborda por minhas
veias quando vejo que não estão acorrentados, que os primeiros prisioneiros
podem abraçar e beijar seus familiares.
Estou prendendo a respiração, e meus pulmões começam a queimar
quando finalmente vejo meu pai passar pela porta.
Seus olhos pousam na mesa onde estou sentada, e ele se encaminha na
minha direção.
O homem à minha frente não é o mesmo homem derrotado de ontem.
Hoje, seus ombros estão firmes, sua cabeça, erguida. Seu rosto ainda está
abatido, algo que eu temo que sempre resulte de seus anos neste inferno, mas
ele está sorrindo e seus olhos estão brilhando para mim.
Minha respiração deixa meu peito em um som alto, e uma onda de tontura
me invade. Agarro a borda da mesa para me equilibrar, mas no momento em
que meu pai para na minha frente eu a solto e me lanço sobre ele. Estou
desesperada para abraçar esse homem pela primeira vez em dezessete anos
agonizantes.
Ele me envolve em seus braços, segurando-me com força e, com os lábios
contra meu cabelo, murmura meu nome repetidamente.
Ficamos assim, unidos, sua mão esfregando minhas costas, enquanto eu
choro em seu ombro pelo que parece uma eternidade. Absorvo a sensação de
ser abraçada pelo meu pai pela primeira vez desde que eu era criança.
Quando meus olhos finalmente secam, eu me afasto e, com uma risada
desanimada, digo:
— Me desculpa. — Deslizo um dedo sob meus olhos, esperando não ter
manchado meu rímel. — Chorei mais na última semana do que em toda a
minha vida.
O rosto do meu pai suaviza.
— Ursinha, você não tem nada para se desculpar.
Meu coração gagueja, ouvindo sua voz me chamar pelo apelido que
sempre usou para mim.
— Ursinha — murmuro. — Deus, como senti falta de ouvir isso.
Nós nos sentamos de frente um para o outro, e ele estende a mão sobre a
mesa.
Eu me agarro a ele, determinada a não deixá-lo ir até que seja
absolutamente necessário.
O silêncio entre nós é desajeitado enquanto nos avaliamos. Eu me
pergunto se ele está tentando memorizar meu rosto da mesma maneira que
estou fazendo com o dele. Pergunto-me se ele aprova o que ele vê.
Será que estou do jeito como ele imaginou quando escreveu aquela carta
no meu aniversário de dezoito anos?
Como se fosse um leitor de mentes, ele fala, a voz firme, mas suave:
— Você parece a sua mãe. Meu amor, você é tão linda. Eu não acredito
que eu tenha tido qualquer participação nesses genes.
Eu rio baixinho, corando com o elogio.
— Papai, há tantas coisas que quero te dizer. Te perguntar. Nem sei por
onde começar.
Tenho medo de perguntar a ele sobre o que realmente aconteceu, mas as
perguntas estão queimando em meu cérebro, e minha necessidade de saber
tudo cresce a cada minuto que passa.
Quero tirá-lo daqui e, para isso, preciso saber de cada detalhe, por mais
difícil que seja ouvir.
Uma parte de mim, no entanto, quer apenas conversar, contar a ele sobre
mim mesma, fazer perguntas sobre ele. Como sua cor favorita, seu doce
favorito, coisas estúpidas que podem não ser importantes para alguns. Mas,
para mim, eu preciso saber todos os detalhes sobre ele para compensar o
tempo perdido. Todas as coisas que uma filha saberia sobre o pai se tivesse
crescido com ele.
A sala em torno de nós é barulhenta, com as conversas dos outros presos
e visitantes. Alguns estão chorando, outros rindo, mas a maioria está sentada
exatamente do jeito como estamos, de mãos dadas sobre a mesa, cabeças
juntas, enquanto conversam, conectam-se e se amam.
— Grace, vou contar tudo o que você quer saber. Mas, por enquanto, eu
realmente só quero conhecer a minha filha.
Não posso recusar o seu pedido e, na verdade, estou aliviada por
passarmos a nossa primeira visita nos reconectando. Algo que está muito
atrasado.
Bronn

— Você falou com ela? — Dani pergunta no momento em que entra no


escritório.
Nem me incomodo de tirar os olhos da minha papelada.
— Foda-se isso.
Ela suspira, o som ecoando no cômodo silencioso. Quando ela se joga na
cadeira em frente à minha mesa, eu imito seu suspiro e empurro os papéis,
colocando-os de lado. É óbvio que está aqui por um motivo, e eu só quero
acabar logo com a conversa.
— Desembucha — eu bufo.
Vim direto para casa depois da audiência. Dani ficou em silêncio no carro
ao meu lado, e eu a deixei na cafeteria antes de ir direto para o bar. Passei o
resto da noite jogado no trabalho, minha mente nunca se afastando dos
acontecimentos do dia.
Meu humor estava terrível, mas não achei que fosse tão óbvio.
Aparentemente, estava errado, porque o lugar esvaziara cedo, nem mesmo os
clientes regulares queriam ficar por perto. Fiquei grato pela solidão, e eu
precisava ficar sozinho. Não queria arruinar o meu negócio por causa da
minha raiva e machucando alguém que não merecia isso.
Depois de me trancar, sentei-me no bar, bebendo direto da garrafa, sem
me importar em usar um copo. Embora quisesse afogar minhas mágoas, não
fiz isso.
No passado, sempre usava o álcool como minha muleta, minha fuga. Mas
isso só trazia alívio temporário, e geralmente o resultado de meus rompantes
era muito pior do que a razão pela qual eles tinham começado.
O álcool sempre foi uma maneira de atenuar a dor, a tristeza, os
pensamentos feios que passavam pela minha cabeça. Mas eu já estava
entorpecido sem a nebulosidade induzida pela bebida.
Eu queria sentir alguma coisa de novo.
Dani estala os dedos, colocando a mão na frente do meu rosto.
— Olá? Você está aí?
Com um aceno de cabeça, arrependo-me.
— Desculpa.
Ela se inclina para a frente, apoiando os antebraços nos joelhos, os olhos
nivelados aos meus.
— Fale comigo, Bronn. Me diga o que está acontecendo.
O rosto dela está cheio de preocupação, uma porra de um olhar com o
qual estou muito familiarizado.
A culpa me atinge em ondas, um sentimento que não tenho certeza se já
experimentei antes.
— Eu sinto muito, Dani — digo-lhe, meus olhos encontrando os dela e
prendendo seu olhar. Ela pisca várias vezes, a preocupação se transformando
em confusão.
— Por quê?
— Por sempre fazer você me olhar assim. — Aponto minha mão em sua
direção. — Você passou a maior parte da sua vida preocupada comigo,
sempre com um olhar tenso. E é minha culpa.
— Você é meu irmão mais novo. — Ela ergue um ombro, um sorriso
indiferente no rosto. — Eu preciso cuidar de você.
— Eu já te agradeci? Alguma vez? — pergunto sinceramente.
Quando seu rosto registra choque, meu estômago se contrai.
Tenho sido um babaca.
Ela continua a olhar para mim, os olhos arregalados, como se eu tivesse
dito a ela que sou o Papa, fazendo-me sentir ainda mais como um merda.
— Bronn... — ela sussurra. — Eu não preciso que me diga obrigado.
— Bem, você pode não precisar, mas merda... — murmuro ferozmente.
—Você aguentou toda as minhas merdas ao longo dos anos. Não sei como
conseguiu.
— Tudo o que eu sempre precisei de você foi que vivesse uma vida boa e
feliz. Porque é isso que merece. O que sempre mereceu. — Ela faz uma
pausa, engolindo em seco, seu rosto ficando sério.
Eu sei que ela está prestes a iniciar um sermão, mas pela primeira vez não
estou chateado com isso. Quero ouvir o que tem a dizer.
— Nos últimos meses, querido, eu vi uma mudança em você que achei
que jamais veria. — Seus olhos se afastam dos meus, mas muito rápido,
apenas para que olhe para trás e se endireite. — E foi por causa de Grace. —
Meu estômago se revira quando percebo onde a conversa vai nos levar, mas
estou determinado a manter a calma. O que não estou pronto para fazer é
falar sobre Grace Monroe.
Balanço a minha cabeça.
— Por favor, não faça isso.
Ela levanta a mão.
— Ouça-me, Bronnson.
Eu pressiono meus lábios, recosto-me na cadeira para sinalizar que estou
ouvindo. Vou dar a Dani o benefício da dúvida, mas é um desperdício de
tempo e de sua saliva, e acho que até ela sabe disso.
— Você se lembra de algumas semanas antes de Grace aparecer, naquela
noite em que saímos juntos?
Eu assinto, lembrando-me ao que ela está se referindo.
— Você entrou naquela briga por uma cadeira no bar. Uma briga de
socos, por causa de um banco.
Foi uma das muitas brigas que tive por coisas triviais. Não demorou
muito para me desencorajar.
— Mas Grace apareceu. E você não tem brigado desde então. E além
daquela noite, você mal tem bebido. Até ontem, você não ficou mal. Você
sabe, eu me preparei para o telefonema, aquele em que eu teria que ir te tirar
da prisão novamente. E isso não aconteceu, porra. E queria dizer que estou
surpresa. Mas não estou. Porque você não é o babaca irritado e cheio de
aversão por si mesmo que costumava ser. E isso é por causa de Grace
Monroe.
— Você quer dizer Grace Chumley? — retruco. Dizer o nome dela faz
com que eu recue, a sensação das palavras deixando a minha boca é quase
dolorida.
— Seja qual for o nome dela, isso não importa! Ela não matou nosso pai.
E não pode controlar quem a gerou, assim como você também não pôde. —
Suas palavras doem, porque elas são verdade.
Como posso usar o pai de Grace contra ela?
— Você sabe disso, Bronnson, só não quer admitir. — Balanço minha
cabeça e me coloco de pé. Não quero continuar com isso. Marcho em direção
à porta, passando por ela e parando quando minha mão toca a maçaneta.
Eu me viro para a minha irmã, ainda sentada na cadeira, seu rosto uma
mistura de paciência e esperança.
— Dani, eu agradeço o que está fazendo. E talvez você esteja certo. Deus
sabe que eu não teria escolhido minha mãe se tivesse a chance.
Ela se coloca de pé.
— Então ligue para Grace. Vá vê-la. Fale com ela. Você não acha que ela
precisa de você agora? Deus! Você não precisa dela?
— Não.
— Não? — ela pergunta, parecendo desanimada. A esperança que estava
brilhando em seus olhos começa a escurecer, e aquela culpa surge no meu
coração novamente. Odeio ser a razão da tristeza que invade seu rosto bonito,
mas as coisas são o que são.
— Escute, ela não pôde escolher quem são seus pais, mas insiste que ele
não matou o nosso. Nosso pai, Dani. — Eu não entendo por que ela não está
tão chateada com tudo isso quanto eu. — E Grace vai querer um
relacionamento com esse homem. Como diabos vou conseguir ficar
observando, sentado, enquanto ela avança, tentando salvá-lo? Consegue
imaginar o Natal? Acompanhá-la em uma visita ao homem que nos destruiu e
desejar-lhe um feliz feriado? — Eu rio, o som vazio, desprovido de humor.
— Não há chance de isso funcionar. Há uma enorme distância entre nós, e
nada vai mudar isso.
— Você está certo — admite Dani —, ela vai querer um relacionamento
com ele. Mas…
— Sem mas! O pai matou o nosso! Eu não posso, não importa o quanto
eu queira, continuar qualquer relacionamento com Grace enquanto ela se
reconectar com aquele homem.
— Ela achava que o pai estava morto há dezessete anos!
— Sim, enquanto o nosso realmente estava morto!
— E você está me dizendo que se papai passasse por aquelas portas
agora, você não queria ter a chance de vê-lo? De conhecê-lo? De falar com
ele?
Eu balanço a minha cabeça.
— Claro que sim. Mas ele não matou ninguém!
Dani está de pé, então ela atravessa a sala e para à minha frente.
— Papai não era o homem incrível que você sempre imaginou que fosse.

Eu fecho meus olhos bem apertados.
— Não me importo com o tipo de homem que ele era. Não importa,
porque ele morreu. E continua morto. Por causa do Mickey.
— Há coisas que você não sabe — diz ela, com a voz baixa. Seus olhos
imploram para que eu a ouça, que tenha a mente aberta.
Eu suspiro, o peso da situação me atolando.
— Não quero saber, Dani. Por favor, só me deixe em paz.
Ela dá um breve aceno de cabeça, seus lábios apertados juntos, e meu
peito se acalma, sabendo que ela não vai mais me pressionar. Pelo menos por
enquanto.
Quando Dani sai do escritório, sem outra palavra, volto para a minha
cadeira, jogando-me nela.
Eu rio da injustiça que é a minha vida.
Claro que a mulher pela qual estou ridiculamente apaixonado tinha que
ser a filha do único homem que desejei que estivesse morto. Claro que seria
assim. Depois do show de merdas que tem sido toda a minha existência,
finalmente tenho algo de bom acontecendo.
O bar é meu, algo pelo qual trabalhei duro. Não achei que isso
aconteceria, mas aconteceu, e eu nunca tive a chance de contar a Grace.
Quero pegar meu telefone, ligar para ela, compartilhar minhas boas notícias.
Ela ficaria emocionada por mim. Sua voz aumentaria uma oitava como
sempre acontecia quando se empolgava com qualquer coisa. Ela insistiria que
tínhamos que comemorar com champanhe e um balde de camarão frito. Eu
riria do contraste. Mas assim era Grace. Um enigma.
Eu finalmente tinha uma mulher incrível na minha vida, uma pessoa com
quem me senti conectado, alguém em quem poderia confiar. Ela me aceitou
mesmo com meus pontos baixos, me conhecera o suficiente para saber que eu
não precisava ser mimado e até me dissera que precisava agir como um
homem. Eu rio, lembrando como ela sabe ser mal-humorada quando está
certa sobre alguma coisa.
Eu não percebi, até que Grace entrou no meu bar, que estava procurando
por algo, porque não queria passar a minha vida sozinho, do jeito como
sempre foi. Só foi preciso a mulher certa para me mostrar que eu não era o
fodido que todos pensavam que eu era.
Claro que as coisas aconteceriam assim.
Grace

Eu sentia falta de Bronn.


Seriamente.
Meu peito doía por perdê-lo.
Não falava com ele há mais de uma semana. Fazia nove dias desde que o
vira pela última vez, e aquele desastre de dia passava em looping pela minha
cabeça.
Eu tentei me manter ocupada. Ou melhor, comecei a me consumir com
coisas para fazer. Entre a venda da propriedade de vovó, falar com advogados
sobre meu pai e a constante necessidade de Riley de me manter ocupada,
meus dias foram preenchidos.
Mas as noites eram tortuosas enquanto eu ficava no quarto de hóspedes
do meu amigo. Quando estava sozinha, meu cérebro se recusava a desligar.
Não conseguia parar de ver o rosto de Bronn, a surpresa que se transformara
em dor. Como uma cena de um filme, relembrei a conversa na escada várias
vezes, dissecando-a, tentando descobrir onde eu estava errada. Deveria tê-lo
deixado ir ao invés de pressioná-lo para parar e falar comigo?
Talvez se eu tivesse permitido que se afastasse, dado-lhe tempo para
processar a informação que o pegara de surpresa, talvez ele já tivesse me
telefonado.
Quanto mais eu fico deitada na cama todas as noites, repassando as
hipóteses e os talvezes, mais zangada eu fico.
Nada disso é minha culpa.
Então, por que ele está me culpando? Por que está descontando em mim?
Será que realmente me ama do jeito que disse amar? Se sim, por que
diabos não me ligou ainda? Como pode precisar de tanto tempo?
O que ele está fazendo todas as noites? Será que fica deitado na cama
pensando em mim também? Será que está arrependido de ter sido tão cruel,
de ter dito as coisas ruins que disse?
Se sim, o que está esperando?
Vinha lutando comigo mesma diariamente para não ligar para ele, não
mandar mensagens, mas já tinha se passado tempo suficiente.
Pego meu telefone sobre a mesa de cabeceira, e o brilho do relógio indica
que é quase meia-noite.
Eu não me importo.

Eu: Nove dias é tempo suficiente.

Aperto enviar eu encosto o telefone ao meu peito, rezando para que ele
responda. Talvez eu devesse ter dito a ele o quanto sinto sua falta. O quanto
meu peito dói com a ausência. Como eu mal consigo dormir sem ele.
Meu telefone vibra, uma mensagem surge, e eu me sobressalto.

Bronn: Tempo suficiente para quê?

Reviro meus olhos. Ele sabe o que quero dizer, está apenas agindo como um
idiota.

Eu: Para ficar sem você. Sinto sua falta.

Bronn: Eu sinto a sua falta também.

Meu estômago revira. Graças a Deus!

Eu: Por que você não ligou?

Bronn: Você ainda acha que seu pai é inocente?


Na última semana, falei com meu pai mais duas vezes.
Nossa primeira visita serviu para nos conhecermos. Nós nunca
conversamos sobre aquele dia no posto de gasolina. Em vez disso, contei a
ele sobre a minha infância, minha mãe, minha faculdade e minha carreira. Ele
me disse que concluiu o ensino médio enquanto estava na prisão, estudara um
pouco sobre leis e que, embora soubesse que nunca sairia da prisão, ainda
tinha esperanças de voltar a me ver.
Nós dois choramos às vezes, a tristeza da saudade esmagando cada um de
nós. Mas nós rimos também. Conversamos sobre alguns dos momentos mais
felizes e rimos das memórias tolas que compartilhei.
Foi uma visita incrível, mais do que eu poderia ter esperado, mas fora
muito curta. Quando os guardas nos disseram que era hora de partir, meu pai
me pediu para voltar, e eu o tranquilizei, dizendo que retornaria.
E eu voltei, mas não sozinha.
Na minha segunda visita, eu estava com um advogado, o melhor de
defesa do estado. O valor que cobrava era absurdo, mas, graças à minha avó,
nem pisquei quando assinei o cheque.
Sorri enquanto escrevia o nome do meu pai no memorando, sabendo que
Marie Monroe provavelmente estava se revirando em seu túmulo.
Ótimo.
Já que era uma reunião legal, pudemos nos encontrar em uma sala
privada, apenas nós três, e eu escutei por quase duas horas enquanto meu pai
nos contava os acontecimentos do dia e as consequências deles.
Meu coração desmoronou enquanto eu ouvia como meu pai tinha ido
parar naquela loja de conveniência naquele dia, mas estava determinado a me
certificar de que a verdade viesse à tona.
O advogado que contratei nos garantiu que faria todo o possível para
conseguir um novo julgamento, para fornecer a defesa que meu pai merecia,
mas que não conseguira na primeira vez, e eu saí, sentindo-me aliviada e até
mesmo um pouco animada.
Meu pai seria libertado, eu tinha certeza disso.
Mas agora eu precisava de Bronn ao meu lado. Queria contar a ele o que
eu sabia, explicar como tudo acontecera.
Mais do que isso, eu queria que Bronn soubesse que meu pai não era o
monstro que ele acreditava ser. E ele merecia saber a verdade daquele dia, da
mesma maneira que eu.
Olho para o meu telefone, tentando pensar na melhor maneira de
responder sem dizer algo que vá fazê-lo desligar e se afastar. Ele está falando
comigo, algo que eu nem tinha certeza se aconteceria, e eu não quero estragar
tudo agora.

Eu: Preciso ver você. Falar com você. Por favor, me encontre amanhã.

Não é a resposta que ele quer, no entanto.

Bronn: Você não respondeu à minha pergunta.

Eu: Não, eu não acho que ele é inocente.

Bronn: Bom, porque ele não é.

Eu: Mas há mais na história. Me encontre amanhã.

Ele não responde por um agonizante período de três minutos. Meus olhos
começam a lacrimejar, olhando para a tela iluminada na sala escura. Quando
minha visão começa a se embolar, vejo a mensagem de texto aparecer.
Prendo a respiração enquanto ele digita uma resposta, esperando que
aceite me encontrar.

Bronn: Onde?

O ar sai dos meus pulmões, e eu sorrio, sentindo meu coração pular com a
promessa de vê-lo amanhã.

Eu: Eu vou até você. Posso chegar ao meio-dia. No seu barco

Não quero pedir a ele para vir até aqui, e sei que não vai querer me encontrar
na casa de Riley. Não tenho outro lugar para ir, agora que a casa da minha
avó foi vendida. Acho que ele não vai negar se eu me oferecer para fazer todo
o trabalho.
Bronn: Ok, Grace. Vejo você ao meio-dia.

Eu: Tudo bem.

Quero dizer a ele que o amo. Mas não faço isso.


Deixo meu telefone longe de mim e afundo mais na cama. Fecho os olhos
e, com um sorriso no rosto, adormeço quase instantaneamente.

***
O sol está brilhando, a temperatura perfeita para dirigir pela estrada. As
folhas das árvores ainda estão verdes e não cairão no sul até quase novembro,
mas as noites estão começando a esfriar e o sol não está tão quente como nos
meses úmidos do verão.
Eu considero isso um bom presságio – o clima perfeito e a falta de
trânsito – enquanto sigo o meu caminho para a costa. Dormi melhor na noite
passada do que em quase duas semanas, e meu corpo me agradeceu por isso.
Não tinha percebido o quão exausta e esgotada eu estava até acordar esta
manhã, sentindo-me bem.
Talvez seja a perspectiva de ver Bronn o que me deixa tão otimista e
positiva, mas seja o que for, estou feliz por isso.
Estou cansada de me sentir cansada. Cansada de ficar triste e de coração
partido. A tristeza me acompanhou por toda a vida. Eu só quero voltar à
felicidade, do jeito como me senti durante o verão com Bronn. Sei que é
tolice pensar que essa visita resolverá tudo, mas não posso evitar manter essa
esperança.
Enquanto dirijo para a cidade, ensaio o que vou dizer para ele e como vou
começar a conversa. Sei que ele não vai ser receptivo ao que tenho a dizer. Só
posso rezar para que me ouça, que confie em mim, porque serei honesta com
ele.
Claro que quero o meu pai na minha vida.
Eu o quero fora da prisão. Quero acreditar que é um homem bom, incapaz
de fazer o que o acusam de ter feito.
Mas não sou ingênua. Eu aceitaria como verdade se ele me dissesse que é
um assassino de sangue frio. Mesmo que tivesse sido devastador, teria
pegado a informação e seguido em frente com a minha vida.
Não tenho muito orgulho para admitir se estou errada. Especialmente
quando tem a ver com Bronnson. Eu teria admitido que ele está certo, que
minha avó está certa, que sou a única que não sabia do que estava falando
quando professei a inocência de meu pai.
Mas eu não estou errada. Não completamente.
E agora preciso que Bronn me ouça.
Respirando fundo, abro a porta do carro e salto antes de seguir pela doca
familiar.
Bronn está esperando por mim, encostado ao batente da porta do barco, e
meu estômago dá uma cambalhota ao vê-lo.
Ele está vestindo sua camiseta padrão e jeans, sua postura é relaxada, mas
seu rosto está contraído, inseguro. Seus olhos me examinam, começando
pelos meus dedos dos pés e subindo pelo meu corpo. Estou enraizada no
lugar, lutando comigo mesma para não correr para ele.
Quando seu olhar finalmente para no meu rosto, minhas palmas começam
a suar, e os nervos por vê-lo novamente fazem meu estômago revirar.
Esta reação ao vê-lo não faz sentido. Desde o dia em que quase o
atropelei, sempre fico nervosa quando está por perto. Mas é diferente agora;
há algo entre nós, e eu não sei como reagir.
Seus olhos vasculham meu rosto, seu olhar é intenso e há uma cautela que
machuca meu coração. Não quero que ele desconfie de mim, mas é óbvio que
é o que acontece, e esse desconforto me entristece.
Não deveria ser assim entre nós.
Ele se afasta do batente da porta e chega à beira do barco, estendendo a
mão para me ajudar a subir. Um simples gesto me dá esperança, e sorrio para
ele antes de pegar sua mão.
Naquele momento nossos dedos se tocam, e meu coração começa a bater
acelerado no meu peito. A sensação familiar de suas mãos calejadas oferece
um conforto que não sinto há dias. Ele aperta meus dedos, um movimento
quase imperceptível, antes de soltar a minha mão e se virar para entrar.
Nós não falamos uma única palavra enquanto eu o sigo até a casa
familiar, e um calor se espalha pelo meu peito enquanto aspiro o cheiro
reconfortante da maresia misturado ao cheiro de sua colônia. Este ambiente
esparsamente mobiliado e bagunçado é como um lar para mim, e eu percebo
neste momento o quanto precisava dele. O quanto precisava estar em seu
espaço novamente, cercada por tudo que tem a ver com Bronn.
Bronn se senta na beirada da cama, e eu fico na cozinha, sem jeito, sem
saber se devo me sentar com ele ou continuar em pé.
Ele pigarreia e então aponta para a cama.
— Sente-se.
Não hesito em fazer o que ele manda, grata por ele não querer que eu
fique em pé enquanto conversamos.
— Você está bonito — digo a ele, sentando-me ao seu lado, não tão perto
quanto gostaria.
O canto da boca dele se ergue, e Bronn levanta o queixo.
— Não tão bonito quanto você.
Minhas bochechas se aquecem com o elogio. Tirei um tempo extra esta
manhã me arrumando. Não que Bronn gostasse de mim toda embonecada, de
qualquer maneira, mas não queria que ele visse as olheiras em meus olhos,
evidência do fato de que não descansava há um bom tempo.
— Eu senti a sua falta, Bronnson — sussurro, meus dedos rastejando pela
cama para onde sua mão descansa sobre seu colo. Quero tocá-lo novamente,
segurá-lo, quero que me abrace.
Torcendo para que ele não me rejeite, deslizo meus dedos sobre sua coxa,
e seus músculos se contraem sob o meu toque. Ele vira a mão para cima, e eu
posiciono a minha dentro da dele.
Seus dedos se rendem, e ele segura a minha mão com força.
Meu estômago dá cambalhotas ao sentir seu toque, mas eu tento não ter
muitas esperanças com isso.
— Ouça — eu começo —, me desculpe. — Seus olhos cautelosos se
encaixam nos meus. — Eu não deveria ter te pressionado no tribunal. Eu
estava muito desesperada para falar com você.
Ele levanta o queixo.
— Eu não deveria ter dito o que disse. Não paro de repetir aquela briga na
minha cabeça. — Ele aperta meus dedos. — Eu sinto muito, Grace. Me
desculpe pelo que eu disse. Sinto muito por te afastar. Lamento não ser o
homem que você merece.
Eu assinto. Não parei de pensar naquele dia também. Nós dois dissemos
coisas terríveis um para o outro. O que dissera tinha doído, e meu coração
ainda sofria por sua recusa em admitir que me ama. Mas eu não iria usar isso
contra ele. Ele estava cego, como um dia eu estive.
— Você disse que queria conversar...
Eu pressiono meus lábios, e meu coração martela no meu peito. Quero
explicar tudo para ele, mas não sei se vai querer ouvir. Fecho meus olhos e
assinto novamente.
— Ok, então — ele murmura. — Vamos conversar.
Bronn

A sensação de sua mão macia na minha parecia tão perfeita. Muito perfeita.
Esperava que não, que o toque dela queimasse, que fizesse minha pele
arrepiar. Passei a manhã rezando para que não estivesse bonita, que meu
corpo não reagisse ao dela quando chegasse. Tinha quase me convencido,
nesta última semana, que nós não tínhamos uma conexão, que eu não a
amava, que ela não significava nada para mim.
Mas isso era pura mentira, e eu sabia disso.
Grace era o farol na escuridão da minha vida. E ela se tornara isso desde
o momento em que sentou sua bunda perfeita no banquinho do meu bar há
quatro meses.
Seu pai era a causa da minha escuridão, e não importava o quão
desesperadamente eu quisesse estar com ela, não conseguia superar esse fato
irônico.
Eu não queria falar sobre nossos pais. Não queria ouvir o que ela tinha a
dizer. Só queria segurar a mão dela. Queria vê-la sorrir, fazê-la rir, ouvi-la
dizer meu nome.
Eu soube, no momento em que concordei em vê-la, que ia ser uma droga.
Não conseguia pensar em nada que ela pudesse dizer que mudasse as coisas,
mas esperava que fosse assim mesmo.
Não havia esperança para Grace e eu.
No momento em que ela entrou pela minha porta, a pressão no meu peito
se intensificou, tornando-se quase insuportável.
Enquanto nos sentamos em silêncio, com nossas mãos conectadas de uma
forma que era tanto familiar quanto estranha, analiso seu rosto. Ela tentou
esconder as olheiras, mas eu ainda podia vê-las. Seus olhos normalmente
radiantes – olhos que sempre brilhavam de excitação e travessura – estão
entediados e guardam uma tristeza que faz meu coração doer. Uma tristeza da
qual eu sou a causa.
Suas unhas, sempre bem cuidadas, estão em frangalhos, o esmalte
lascado. Seu cabelo está bagunçado, provavelmente por dirigir pela estrada,
mas ela não fez nada para domá-lo quando chegou.
Apesar de tudo isso, ela está linda, e meu corpo ainda responde à nossa
proximidade.
Ela veio falar sobre o pai, e tudo que eu consigo pensar é no quanto quero
tirar suas roupas e deslizar para dentro dela enquanto esqueço o quão ruim o
universo poderia ser; queria me perder nela do jeito que sempre acontece
quando fazemos amor.
—Bronn? — ela pergunta, trazendo-me de volta ao presente.
Balanço a cabeça, tentando esclarecer os pensamentos inapropriados que
estou tendo.
— Desculpa.
Ela arranca a mão da minha, e meus dedos chegam a pulsar com o vazio.
Respirando fundo, ela se vira e me enfrenta:
— Passei a última semana recebendo os detalhes exatos daquele dia com
o meu pai.
Aqui vamos nós.
Eu sei que foi para isso que ela veio, mas não estou pronto.
O olhar de Grace passeia ao redor da pequena sala, seu peito subindo e
descendo rapidamente. Seus olhos finalmente encontram os meus, e ela
admite:
— Meu pai atirou em seu pai.
O ar deixa meus pulmões de forma pesada. Não tenho certeza se a ouvi
corretamente. Estava esperando que negasse a verdade, que me dissesse que o
pai dela foi chantageado ou alguma outra história de merda. O que eu não
esperava era que ela admitisse que seu pai era culpado.
Olho para ela, observando enquanto ela estraga ainda mais as suas unhas,
com os olhos ainda focados no meu rosto.
— Mas não foi um roubo que deu errado.
Pronto, aí está.
Aí está a negação que eu sabia que iria chegar. Eu sabia que ele encheria
a cabeça dela com mentiras, que iria convencê-la de que era um santo,
erroneamente aprisionado por todos estes anos.
O vislumbre de esperança que eu tive, de que talvez houvesse alguma
chance de podermos resolver as coisas, desaparece. A raiva, que passei tanto
tempo me esforçando para suprimir, surge novamente.
É claro que ela vai acreditar em que qualquer besteira que ele diga, e o
fato de ela aceitar tudo o que ele disse como verdade, quando as evidências
sempre foram claras, me irrita.
Coloco-me de pé, precisando abrir espaço entre nós. Andando, passo a
mão pelo cabelo e depois volto-me para onde ela ainda está posicionada, na
beira da minha cama.
— Ele está mentindo para você — eu grito, a dureza do meu tom a faz
vacilar. — Seu pai entrou naquele posto de gasolina com uma arma na
cintura, com a intenção de roubar o meu, que puxou um revólver para se
defender, então, Mickey o matou.
Ela balança a cabeça, e seu cabelo voa. Seu olhar é intenso.
— Não, não foi o que aconteceu. Por que meu pai iria roubar uma loja
comigo no banco de trás do carro?
Eu levanto meus braços.
— Porque ele era um pedaço de merda! Eu não sei por que ele fez o que
fez naquele dia.
Ela se coloca de pé, também erguendo as mãos.
— Por favor, apenas me ouça.
Com os olhos fechados bem apertados, faço sinal para ela continuar.
— Nós saímos para um passeio. Algo que papai e eu fazíamos todo
domingo. Estava quente naquele dia, eu lembro. Pedi-lhe um petisco e algo
para beber. Nós estávamos no meio do nada, então ele me disse que iria parar
quando pudéssemos. Fechei meus olhos e adormeci. Quando acordei,
estávamos estacionados em frente ao posto de gasolina do seu pai. Lembro-
me de estar grogue, um pouco fora de mim. Mas então eu ouvi batidas fortes,
e isso me assustou. Saí do carro, descalça, e corri até a porta. Estava trancada,
eu não pude entrar. — Sua voz soa cheia de tristeza, mas ela está calma. Não
sei como consegue se manter assim. Mesmo que estejamos falando sobre o
dia em que meu pai morreu, meu peito ainda se enche de admiração pelo
quão forte ela é.
— Certo. Ele percebeu que você estava dormindo, viu meu pai sozinho na
loja e
aproveitou a oportunidade para roubá-lo, trancando a porta para isso. —
Ela balança a cabeça novamente. — Não, não é nada disso.
— Então o que é? Por que seu pai matou o meu se não estava roubando o
lugar?
Ela dá um passo em minha direção.
— Você sabia que seu pai era um agiota?
— Do que você está falando? — pergunto com uma risada. Meu pai era
dono de um posto de gasolina, não um maldito agiota.
Ela se aproxima de mim, mas eu dou um passo para trás.
— Nós éramos pobres. Lembra? — Quando não respondo, ela continua:
— Meu pai não era perfeito. Sei disso agora. Claro, toda a minha vida eu o
imaginei como esse homem divino, provavelmente porque eu era muito
jovem quando ele morreu, mas não sabia de tudo.
Grace está certa sobre uma coisa, o pai dela não é perfeito. Observo-a,
meus olhos lançando dardos, esperando que chegasse ao maldito ponto.
— De qualquer forma, éramos pobres. Meu pai não tinha educação e
outras duas pessoas dependiam dele. Não conseguíamos sobreviver. — Ela
abaixa a cabeça e olha para o chão, seu pé deslizando para dentro e para fora
de seu chinelo. — Ele também tinha problemas com a bebida. — Seu olhar
retorna ao meu. — Isso era algo que eu percebia, mesmo aos cinco anos de
idade.
Faz sentido que ela não beba agora, depois de adulta, e isso só me mostra
como somos diferentes. Grace passou a vida evitando o álcool por causa do
que viu quando criança, o que quer que tenha sido. No entanto, passei minha
juventude me embebedando a cada chance, na esperança de afogar as
lembranças dolorosas.
— Então, seu pai era um bêbado. Isso pode desculpar o que ele fez? — A
mágoa surge em seu rosto novamente, e uma pontada de culpa me atinge.
Não importa o quanto eu tente, não consigo deixar de ser um idiota. Mas
ela ignora meu comentário e continua com sua história.
— Ele estava desesperado, então foi ao seu pai e pediu dinheiro
emprestado. Pagou pouco depois, e as coisas estavam boas. Conseguiu fazer
horas extras no trabalho, e por um tempo tudo foi ótimo. Eu me lembro que
daquela vez nós comemos bem, havia dinheiro para a mamãe me comprar
sapatos novos. — Seus olhos tristes brilham. — Mas então papai foi
demitido, e acabamos de volta onde começamos. — Ela se vira, voltando a se
sentar na cama, com as mãos entrelaçadas no colo.
Eu a sigo, mas não me sento ao lado dela, optando por me empoleirar em
um dos bancos do bar em vez disso.
Estou em choque, não acreditando nas alegações dela sobre meu pai. Eu
sabia que Jimmy Williams não era o homem mais amado nesta cidade. Todo
mundo sabia que ele tinha traído sua esposa com a minha mãe. Em uma
cidade que se orgulhava de sua rica história e da peculiar sensação de
acolhimento, escândalos como esse faziam o estômago dos moradores se
revirarem.
Mas eu sempre presumi que essa era a razão pela qual as pessoas não se
importavam com ele. Não que ele estivesse envolvido em negócios obscuros.
Algo que Dani me disse sobre eu não saber tudo sobre o nosso pai volta à
minha mente, e eu me pergunto se ela sabia disso. Queria que Grace não
estivesse aqui para que eu pudesse ligar para ela, para exigir que me contasse
tudo o que sabe.
Se papai era um agiota, como Grace alega, certamente a mãe de Dani
sabia disso. Quando ele morreu, ela levou tudo – o posto de gasolina, o
dinheiro dele. Será que não teria percebido que ele tinha mais grana do que
uma pequena loja como aquela poderia conseguir?
— Então, papai foi até o seu, dessa vez pegando emprestado ainda mais.
Ele nunca contou a mamãe sobre isso. Estava com vergonha de não poder
cuidar dela, que passou de uma vida de luxo para um cara que abandonou o
ensino médio e não conseguiu um emprego. Ele até a encorajou a voltar para
a casa de vovó uma vez. Mas ela não iria embora, porque o amava. — Seus
lábios se curvam em um sorriso triste.
É irônico como a nossa história é parecida com a dos pais dela. Grace
poderia estar com Riley, passar os fins de semana no country club, morar em
uma mansão, mas ela me escolheu. E agora, aqui estamos nós, perdidos um
para o outro por causa de um dia fatídico, um dia que pode não ter acontecido
do jeito como sempre acreditei que tivesse acontecido.
Ainda não estou convencido de nada que Mickey disse a ela, mas minha
mente começa a girar com novas possibilidades.
— De qualquer forma, ele não tinha dinheiro para pagar a dívida. Seu pai
levou numa boa no começo, continuou dando-lhe extensões, mas
eventualmente acho que se cansou de esperar. Começou a enviar mensagens
ameaçadoras. Então papai pegou uma arma e começou a carregá-la com ele.
Ainda confuso, eu interrompo:
— Então, seu pai não roubou a loja, ele foi lá e matou o meu, porque não
podia pagar a dívida?
Seus olhos se arregalam, e ela dá um pulo.
— O quê? Não! Não foi assim, de jeito nenhum. — Suas mãos se fecham
em punhos ao lado do corpo antes de ela os erguer. — Você poderia por
favor calar a boca e me deixar terminar?
Eu não quero calar a boca e deixá-la terminar. Não gosto da direção que
esta história está seguindo, colocando dúvidas na minha cabeça sobre o
homem que eu amava desde que era apenas uma criança. Não quero pensar
que era um homem mau, que estava envolvido em coisas desonestas.
Já é ruim o suficiente que minha mãe fosse uma pessoa horrível, mas
saber que ambos os meus pais eram péssimos seria demais. O que isso diria
sobre mim?
— Eu não acredito em nada dessa merda — rosno, deslizando para fora
do banco. Vou até a geladeira e abro a porta, desapontado por ver que estou
sem cerveja. Preciso de uma bebida para continuar esta conversa, para
continuar ouvindo as acusações ridículas que estão sendo feitas.
Eu pego uma garrafa de água e a bebo inteira antes de voltar para onde
está Grace, cujos olhos estão queimando. Se ela pudesse, tenho certeza de
que me incendiaria só com os olhos, pela forma como me chamam.
— Naquele domingo, papai parou na loja para dar dinheiro ao seu pai. Ele
tinha acabado de conseguir outro emprego e estava finalmente ganhando um
salário novamente. Não era tudo o que ele devia, mas esperava que fosse
algum tipo de oferta de paz. Uma demonstração de boa fé de que iria
devolver. Mas seu pai não ficou feliz com isso, porque não aceitaria nada
menos do que o valor total; uma quantia que meu pai não poderia dar a ele.
— Ela pigarreia e abaixa a voz. — Seu pai me ameaçou e à minha mãe,
Bronn.
— Ameaçou você como? — pergunto, minha frequência cardíaca começa
a acelerar.
— Papai não queria me dizer. Eu tive que forçá-lo. — Ela não me
responde, e é óbvio que não quer que eu saiba o que meu pai disse.
— Ameaçou você como? — eu rosno. A simples menção de alguém
ameaçando Grace, mesmo que fosse meu próprio pai, faz meu sangue ferver.
Ela balança a cabeça, os lábios fechados com força.
— Eu não tenho certeza das palavras exatas, mas papai disse que ele
mencionou que seria uma pena se algo acontecesse com sua linda menina no
carro. Perguntou ao meu pai se minha mãe sempre se lembrava de trancar as
portas quando estava no trabalho, que as pessoas nunca estavam
completamente seguras, mesmo em uma cidade pequena como a nossa.
Estou horrorizado com a idéia de que meu pai poderia ter ameaçado uma
garotinha quando ele mesmo tinha uma filha.
— Então seu pai atirou nele?
— Não. — Ela balança a cabeça enfaticamente. — Ele diz que se inclinou
sobre o balcão e ameaçou seu pai, dizendo que era melhor que ficasse longe
de nós. Seu pai foi quem puxou uma arma e atirou no meu primeiro.
Eu balanço a minha cabeça. Não há uma única chance de ter sido assim
que aconteceu.
— Mentira, Grace. Seu pai está te enchendo de ideias de merda.
— Eu estou dizendo a você, Bronnson. Meu pai jura que foi assim que
aconteceu. Ele diz que havia outro homem lá o tempo todo — ela insiste.
— O quê? — Eu cheguei logo após a polícia, e apesar de ser jovem, sei
que nunca houve outra pessoa lá.
— Sim, um dos homens do seu pai. Ele estava lá, no canto, observando.
Minha mente gira. Não havia mais ninguém na loja; a polícia nunca
encontrou evidências de outra pessoa estar lá.
— Então, quem era?
— Ele não sabe. — Sua expressão desanima, há derrota em seus olhos. —
Ele nunca viu seu rosto.
— Então, esse homem misterioso ficou parado lá e observou nossos pais
atirarem um no outro? — Quanto mais ela explica, mais insana a história se
torna. A possibilidade de eu acreditar nela torna-se nula a cada coisa que diz.
— Eu não sei o que ele fez. Mas sei que saiu correndo de lá antes da
chegada da polícia.
— Esta é a história mais ultrajante que eu já ouvi — grito, rindo
amargamente. — Não posso acreditar que você realmente acha que isso é
verdade.
Ela coloca as mãos nos quadris.
— Não é uma história. É a verdade.
— Eu ouvi o que você tem a dizer e, como falei desde o começo, não
acredito. E já terminei de te ouvir. Saia.
Não posso ouvir mais um único minuto de toda essa merda, mas ela não
faz nenhum movimento para sair. Em vez disso, atravessa o pequeno espaço
e fica diretamente de frente para mim.
Ela abaixa a voz para um sussurro.
— Eu acreditaria em você. — Seus olhos brilham com lealdade, e saber
que ela está falando a verdade me atinge bem no estômago. Ela teria
acreditado em mim, não importa o quão louca a história parecesse.
Por mais que isso me mate, não posso acreditar na afirmação de seu pai.
E eu não posso mudar o fato de que estamos em extremos opostos da estrada
neste ponto. Não há cruzamento para nós, não importa o quanto eu gostaria
que houvesse.
Eu a amo tanto que fica difícil respirar a cada segundo que passo longe
dela. Mas, apesar do que essa citação estúpida diz, o amor não conquista
tudo. E esta é uma batalha que nunca venceremos, uma colina que nunca
subiremos juntos.
— Sinto muito — sussurro de volta, pousando minhas mãos em seus
ombros. —Mas eu simplesmente não consigo acreditar no que seu pai te
disse.
Sua expressão se desanima.
— Mas...
— Eu preciso que você vá embora, Grace.
Estou mantendo minha raiva sob controle por um fio, e temo que, se ela
ficar mais um minuto, esse fio irá se romper. Não quero que ela esteja por
perto quando isso acontecer.
Ela balança a cabeça e, sem outra palavra, afasta-se de mim e passa pela
minha porta.
Naquele momento, ouço-a bater com força, e o controle que eu vinha
mantendo desaparece. A geladeira é a primeira coisa na qual minha linha de
visão pousa, e eu atinjo a porta do freezer com meu punho.
Algo dói na minha mão, e eu sei que provavelmente quebrei algum osso,
mas a dor que irradia no meu braço não se compara à angústia de saber que
perdi oficialmente a única coisa boa da minha vida.
Grace

Enquanto me afasto da marina, luto para respirar, o peso da devastação me


esmagando. Tentei não me manter esperançosa, pensando que Bronn
acreditaria em mim, e, no entanto, aqui estou eu, absolutamente de coração
partido.
Depois da audiência de apelação, quando Bronn e eu brigamos, pensei
que encontraríamos um jeito de resolver as coisas. Pensei que se eu apenas
lhe desse algum tempo e espaço, uma chance de acalmar sua mente desta
mudança insana de eventos, nós ficaríamos bem.
Eu não esperava que ele aceitasse meu pai de braços abertos, mas também
não achava que iria me afastar. O sentimento de rejeição foi doloroso, mas eu
o engoli, sabendo que ele estava passando por um momento difícil. Foi um
choque descobrir que meu pai estava vivo e um golpe ainda maior quando
percebi que ele era responsável pela morte do pai de Bronn. Mas me foi dada
uma segunda chance em um relacionamento com um homem que pensei que
tinha ido embora para sempre.
Bronn nunca teria essa chance, e eu sei que isso o feria. Só podia
imaginar como ele estava se sentindo sobre tudo. E então eu o pressionei,
contando que a verdade na qual ele acreditara por tanto tempo estava errada,
que ele estava errado. Não era de admirar que tivesse me afastado.
Mas eu lhe dei tempo e espaço. E durante esse tempo descobri a verdade.
E agora era a sua vez de ser compreensivo, de ter a mente aberta.
Mas ele não foi.
Então, as coisas nunca poderiam voltar a ser como foram entre nós.
E eu estou despedaçado.
Eu queria uma vida com ele. Tudo entre nós fora tão bom, e as coisas
estavam melhorando ainda mais. O bar de Bronn estava indo incrivelmente
bem. Ele estava provando ser bom para as pessoas desta cidade, mostrando-
lhes que era muito mais do que uma triste estatística.
O trabalho no hospital também estava bom para mim. Sentia-me positiva
de que ficaria aqui, estendendo meu contrato.
Minha avó faleceu e, embora tenha sido triste ter perdido meu último
parente vivo, fiquei aliviada. Eu não tinha mais o fardo do dever pairando
sobre a minha cabeça.
Sim, as coisas estavam incríveis.
E então o céu caiu, e tudo virou de cabeça para baixo.
Enquanto entro no carro, meu olhar está preso à marina. Meu estômago se
agita com a ridícula esperança de que Bronn virá correndo pelo cais,
balançando os braços e me implorando para esperar. Mas ele nunca aparece, e
depois de alguns momentos eu ligo o motor e me afasto, as lágrimas rolando
pelo meu rosto enquanto dirijo para longe do único homem que amei.

— Você não tem que ir — diz Riley, com o rosto cheio de preocupação. —
Você é bem-vinda para ficar pelo tempo que precisar.
Eu não posso culpá-lo por querer que eu fique. Tenho me comportado
como um zumbi nas últimas semanas. Quando voltei da visita a Bronn, eu
estava um desastre. Mas não posso ficar mais aqui.
— Tenho que voltar ao trabalho. Eles foram bons demais em me darem
uma licença, mas eu não posso abusar mais.
O hospital tinha sido tão complacente; eu estava tão agradecida por não
ter que me preocupar com meu trabalho além de tudo.
— Você pode encontrar um emprego aqui, sabe disso.
Eu balanço minha cabeça.
— Meu contrato com a agência de viagens diz que tenho que ir aonde
eles me mandarem. Além disso, quero estar em Beaufort.
Meu coração se aperta só de dizer o nome da cidade, mas é verdade.
Beaufort é minha casa agora. Apesar da maneira como as coisas aconteceram
entre Bronn e eu, a costa ainda é o lugar onde me sinto mais à vontade. Eu
não quero voltar a morar aqui.
— E o seu pai?
Coloco a camisa que estava dobrando na minha mala e me sento na beira
da cama. Riley continua encostado no batente da porta, as mãos no bolso da
calça, os olhos cheios de preocupação.
Uma pequena parte de mim deseja que eu me sinta atraída por ele, que me
apaixone. Tudo teria sido muito mais fácil.
Se fosse Riley e não Bronn, então talvez meu peito não doesse como se
houvesse uma ferida aberta onde meu coração deveria estar. Se fosse Riley e
não Bronn, talvez eu não tivesse passado as últimas semanas com os olhos
permanentemente inchados e vermelhos. Se fosse Riley e não Bronn, talvez
eu não tivesse que simplesmente passar todos os dias, rezando para conseguir
dormir todas as noites.
Mas não era por Riley que eu estava apaixonada.
Nem perto disso.
Nem um pouco.
Era por Bronn.
E se havia algo que sabia era que a vida, e especialmente o amor, nunca
era fácil.
Eu gostava de Riley. Ele sempre foi um bom amigo e tinha provado sua
amizade, sendo o ombro no qual eu chorei, o ouvido que me ouviu, o abrigo
que eu precisava.
Eu o perdoei por manter a existência do meu pai em segredo. Ele se
desculpou cem vezes, prontificando-se a me ajudar a obter informações,
contatando colegas advogados, pedindo favores para que eu pudesse começar
o processo de realizar um julgamento justo para o meu pai.
Eu me levanto e começo a esvaziar outra gaveta em seu quarto de
hóspedes, o lugar que chamei de lar nas últimas duas semanas.
— Eu voltarei para visitar meu pai no próximo final de semana. Seu
advogado disse que levaria algum tempo até que ele tivesse alguma notícia
real sobre o caso, então tudo que posso fazer é esperar.
Riley se afasta da porta e entra na sala, puxando outra das minhas malas
do armário. Ele a coloca na cama e depois se senta ao lado dela.
— Você não acha que precisa de mais tempo?
— Não — respondo firmemente. — Não posso continuar sentada sem
fazer nada, deixando minha mente se concentrar nos "e se". Preciso da
distração que o trabalho vai oferecer.
— E quanto a Bronn? — ele pergunta, e o nome me faz vacilar.
Eu suspiro, com os ombros caindo, e olho para o teto. Não quero falar
sobre ele, não quero dizer o nome dele, não quero pensar nele.
Pigarreio, viro-me e me inclino contra a cômoda.
— O que tem ele?
Riley franze a testa.
— Você não me contou como foi hoje. — Ele aponta em minha direção.
—Claramente não foi bem, mas você não me contou o que ele disse.
Eu envolvo meus braços em volta de mim mesma, esperando que isso
alivie a agitação do meu estômago.
— Ele disse que não acredita em mim — digo simplesmente.
Não vale a pena entrar em detalhes sobre a nossa conversa e,
sinceramente, não quero repetir tudo em voz alta. Já é difícil o bastante
continuar relembrando, tentando descobrir se poderia ter dito algo diferente,
algo mais. Será que deveria ter levado as cartas comigo? Deveria ter insistido
que acreditasse em mim? Recusado-me a sair até chegássemos a um acordo?
Não acho que qualquer coisa poderia tê-lo feito mudar de ideia, não importa
o quanto eu tivesse implorado para que aceitasse a história do meu pai.
— Eu sinto muito, Grace — sua voz está cheia de compaixão, seus olhos
cheios de honestidade.
Eu dou de ombros.
— As coisas são o que são. — Minha voz está vacilante, lágrimas
ameaçam preencher meus olhos novamente. Quando uma transborda, eu seco
com raiva. Pressiono meus lábios e aproximo-me da cama, sentando-me ao
lado dele.
Estou farta de chorar, cansada do nó constante na garganta, da
incapacidade de falar sem me preocupar em desmoronar a qualquer
momento.
Descansando minha cabeça em seu ombro, digo a ele:
— Você tem sido um bom amigo para mim. — Eu rio. — Teria sido
muito mais fácil se eu tivesse me apaixonado por você.
Ele ri.
— Sim, tenho que dizer que concordo com isso.
Eu levanto a cabeça de seu ombro e ofereço um sorriso de desculpas.
— Mas sabe...? Eu nunca te vi sorrir tanto quanto quando você estava
com ele — ele me diz, pegando-me de surpresa. Ergo minhas sobrancelhas, e
ele balança a cabeça. — É sério. Você era feliz. Até eu pude ver isso.
— Eu estava feliz. Pela primeira vez na minha vida, o peso que eu
carregava nos ombros não parecia tão pesado. Quando estava com ele,
conseguia ser eu mesma. — Olho para Riley e sorrio tristemente. — Sem
ofensa, mas mesmo quando saíamos com nossos amigos, eu tinha que usar
uma máscara. Seja perfeita, vista-se perfeitamente, sorria e finja que adora
passar as noites no country club. Mas com Bronn... — Abaixo a cabeça,
tentando esconder as lágrimas. — Eu era apenas eu.
E, caramba, era bom ser apenas eu.
Riley passa um braço em volta do meu ombro e me puxa para um abraço,
antes de me soltar e ficar de pé.
— Você merece ser você. Porque você é uma mulher muito especial. —
Ele inclina o queixo. — Dê tempo ao tempo, ele vai voltar.
Eu balanço minha cabeça e rio.
— Oh, eu não penso assim.
Riley balança a cabeça, insistindo.
— Confie em mim. Ele não vai deixar você escapar.
— Mesmo se quiséssemos ficar juntos, como poderíamos? Meu pai
matou o dele. Ele acha que meu pai é um assassino de sangue frio. Como
vamos superar isso?
Meu coração se aperta.
Dizendo em voz alta, soa muito pior. Não há esperança para nós,
nenhuma chance de que isso funcione. E não faz sentido ficar aqui e chorar
por isso.
Eu tenho que continuar com a minha vida, e dormir no quarto de
hóspedes do meu amigo, ansiando por um homem que nunca vou ter de novo,
não é o jeito de fazer isso.
Com um suspiro pesado, levanto-me e volto para a cômoda, para terminar
de arrumar as malas.
Bronn

Quando termino de socar a geladeira, ligo para Dani. Ela está em casa,
felizmente, então eu pego as chaves da caminhonete para ir até lá.
Quando entro pela porta, sem me incomodar em bater, ela me encontra no
corredor da frente.
Sua boca se abre quando seu olhar pousa na minha mão ensanguentada.
— O que aconteceu com a sua mão?
Eu tinha me esquecido disso, mas agora que ela mencionou, começa a
doer. Segurando-a, pergunto:
— Tem gelo?
Dani entra na cozinha, e eu a sigo. Ela tira um saco de ervilhas
congeladas de seu freezer e o envolve um pano de prato antes de entregá-lo
para mim.
Colocar a bolsa gelada na minha mão faz com que eu recue, mas a dor
não é nada comparada ao latejar do meu peito.
— Você não me respondeu — diz ela, com a voz muito mais firme. — O
que aconteceu com a sua mão?
Puxo uma das cadeiras de sua mesa e me sento, descansando minha mão
inchada na madeira desgastada.
Pigarreio, engolindo o caroço que está se formando na minha garganta.
— Grace. — Os olhos de Dani se arregalam, e ela congela como um
cervo diante de um sinal de trânsito.
— Por favor, me diga que você não bateu nela.
Raiva corre por minhas veias.
— Porra, não! Eu não bati nela! Que diabos, Dani?
Seus ombros caem, e ela solta um suspiro de alívio.
— Merda, o que você esperava que eu pensasse? Sua mão está um caos, e
você me disse que Grace é o motivo!
Ela se arrasta para a mesa e se senta ao meu lado, com o kit de primeiros
socorros na mão. Quando começa a cuidar de minhas feridas, eu explico.
— Eu a vi hoje. — Sua cabeça se levanta, seus olhos encontram os meus,
sua testa se franze. — Ela me enviou uma mensagem ontem à noite,
perguntando se poderíamos conversar. Eu disse sim, então ela veio ao barco
— começo a contar, mas não tenho certeza se quero relembrar os detalhes da
nossa conversa.
Meu estômago se revira toda vez que penso no olhar de Grace quando lhe
disse que não acreditava nela, o desespero em seus olhos quando me contou
que acreditaria em mim se a situação se invertesse. Palavras simples, que me
atingiram com força, e eu sabia, sem sombra de dúvida, que era verdade.
Eu me enojo pelo fato de saber que Grace confiaria em mim sem
questionar ou hesitar, e eu não consigo fazer o mesmo por ela. Mas o pai dela
está vivo, e o meu não é culpado de assassinato.
Dani termina de limpar meus dedos e depois os enfaixa, colocando as
ervilhas congeladas de volta no lugar.
— Então o que aconteceu com a sua mão? — ela pergunta mais uma vez.
Eu gemo, obviamente não vou conseguir fugir de contar a ela sobre o
meu desabafo.
— Quando ela saiu eu estava com raiva. Soquei a geladeira.
Ela franze os lábios, olhando para mim como se eu fosse uma criança
petulante, e sacode a cabeça.
— Então, o que aconteceu no meio dessas duas coisas para deixá-lo com
raiva?
—Dani, o nosso pai era um agiota? — pergunto.
O vinco entre os olhos dela se aprofunda.
— O quê?
Eu balanço a cabeça.
— É o que Mickey está alegando; que o pai era um agiota e emprestou
dinheiro a ele.
Ela sacode a cabeça.
— Papai era dono de uma loja de conveniência. Isso é tudo o que sei.
Eu assinto e murmuro:
— Foi o que eu pensei.
Ela se levanta da cadeira e vai até a geladeira.
— Quer uma cerveja?
Eu assinto, minha mente vagando.
— Você disse há pouco tempo que papai não era o homem que eu
pensava que fosse. O que quis dizer com isso?
Ela retoma seu assento ao meu lado e coloca duas cervejas na mesa.
Tirando as tampas de ambas, desliza uma para mim.
— Você sempre colocou nosso pai em um pedestal. Dirige a velha
caminhonete dele — ela levanta o queixo em direção ao meu braço — fez
essa tatuagem em homenagem a ele. Passou toda a sua vida adulta odiando
Mickey Chumley por ter tirado seu pai de você...
Eu bato meu punho na mesa.
— Ele matou o nosso pai! Eu deveria deixar isso para lá?
Ela sacode a cabeça.
— Claro que não. Mas, Bronn, ele era um trapaceiro. Você acha que sua
mãe foi a primeira e única mulher com que ele traiu a minha?
Eu me inclino de volta na minha cadeira.
— Isso não significa que merecia morrer.
— Você está certo. Ele não merecia ser baleado e morto em seu próprio
negócio. Mas você acha que é isso que eu acho? Que ele teve o que mereceu?
— Seus olhos começam a se encher de lágrimas e, pela segunda vez, meu
estômago se contorce de culpa.
Parece que tudo o que eu faço é machucar as mulheres da minha vida,
sem sequer tentar.
— Me desculpa, Dani. Eu simplesmente não sei de mais nada. — Passo a
mão pelo meu cabelo e esfrego a parte de trás do meu pescoço.
Meu corpo inteiro dói. Não sei como fui de estar no topo do mundo,
tendo tudo que nunca soube que queria, a sentado no fundo de um buraco tão
profundo e escuro que parece que nunca vou sair dele.
Sua voz é suave, e ela coloca a mão no meu antebraço.
— Conte-me o que Grace disse. Tudo.
Nem tenho certeza por onde começar, por isso tomo um longo gole da
minha cerveja.
Sentindo minha hesitação, ela aperta seus dedos no meu braço. O gesto é
para confortar, mas tudo o que ele faz é servir como um lembrete de que não
vou sentir o toque de Grace novamente.
Arranco meu braço da mão dela e respiro fundo. Meu estômago se
contorce quando começo a relatar a história que Grace me contou sobre o que
aconteceu no dia em que nossas vidas mudaram para sempre.

***
Como um robô, eu faço os movimentos, tentando o meu melhor para não
pensar em Grace, não pensar na queimação no meu estômago. A perda dela
dói tão profundamente que parece que estou tentando correr debaixo d'água,
meus braços e pernas se esforçando, mas meu corpo nunca vai a lugar algum.
— Ei, Bronn, você vai abrir um buraco nesse ponto — Joe, um dos
frequentadores do bar, brinca.
Eu paro de limpar o balcão e olho para cima, balançando a cabeça para
afastar os pensamentos.
— Merda! — eu murmuro.
— Você está bem? — pergunta ele.
Não.
Eu assinto.
— Sim, eu estou bem.
Eu não estava bem. Nem perto disso.
Depois de contar os detalhes para Dani, sentamos em silêncio, apenas
olhando um para o outro por um tempo, cada um de nós perdido em nossos
pensamentos.
Dani não sabia se alguma coisa que Grace havia dito era verdade, mas ela
me encorajou a lhe dar o benefício da dúvida. Lembrando-me de que, se fosse
meu pai me contando essa história, eu também iria querer acreditar nele.
Eventualmente decidi que ficar sentado, alimentando meu coração ferido,
não estava me fazendo bem. Precisava de uma distração, algo para afastar a
minha mente do fato de que o futuro que eu pensava estar em minhas mãos
não era mais uma opção. Saí da casa de Dani, prometendo que pensaria e
tentaria encontrar uma maneira de fazer as coisas funcionarem entre Grace e
eu. Era uma promessa vazia – não havia como dar certo.
Passei tanto tempo embrulhado em meus próprios sentimentos sobre essa
terrível reviravolta do destino que não parei para pensar em como Dani se
sentia a respeito disso tudo. Eu sabia que ela e Grace haviam se aproximado
nos últimos meses, mas que era leal a mim. Sabia que estava sofrendo
também, sentindo falta da amiga. Mas era minha irmã e nunca faria nada para
comprometer nosso relacionamento.
Mesmo que isso significasse deixar para trás alguém de quem gostava.
Passei a primeira hora, depois de chegar ao trabalho, em meu escritório,
tentando me atualizar nos pedidos de compra. Sentado atrás da minha mesa,
tudo no que conseguia pensar era no dia em que levei Grace àquela sala e fiz
amor com ela sobre a mesa de madeira desgastada. Lembrei-me da sensação
da bunda dela em minhas mãos quando a ergui do chão, sentando-a sobre a
madeira e empurrando os papéis para o lado. Lembrava-me do jeito como
gemeu meu nome quando eu peguei um mamilo na minha boca. Não
conseguia impedir as memórias que surgiram me inundando, cada sensação
como se estivessem acontecendo em tempo real.
Era demais para aguentar.
Abandonei a papelada e saí para cuidar do bar. Não foi a distração que eu
esperava que fosse. Toda vez que olhava para os fundos, eu imaginava Grace
sentada lá, com um romance ridículo nas mãos, um sorriso malicioso no rosto
toda vez que eu a pegava me observando.
Fazia quase três semanas desde a última vez em que ficou comigo,
enquanto eu trabalhava, e os clientes tinham notado.
— Bronn, cara... onde está a sua garota? — um deles perguntou, fazendo
meu estômago se contorcer.
Eu tento usar uma desculpa.
— Ocupada.
Ele levanta um queixo.
— Ela finalmente ganhou juízo — ele brinca. Não é muito longe da
verdade, e isso me atinge com força.
— Não, cara. Só está enrolada com o trabalho.
Joe entra em cena.
— Eu frequento seu bar há muito tempo. Você sempre foi um verdadeiro
idiota, Bronn. Até que a garota bonita surgiu. — Ele inclina a cabeça em
direção aos fundos do bar, à mesa de Grace, e meus olhos o seguem,
pousando no espaço que está tão vazio quanto eu me sinto por dentro. — De
repente você deixou de ser um idiota. Um babaca, talvez, mas não o mesmo
babaca que você costumava ser.
— Sim, qual é o seu ponto? — zombo.
Ele está correto, mas o fato de ter percebido isso significa que os outros
caras também perceberam.
— O ponto é que você voltou a ser um idiota, e ela não está em lugar
algum. Então qual é o problema?
Eu cruzo meus braços contra o peito.
— Não é da porra da sua conta.
Joe levanta as mãos.
— Me desculpe, cara. Só gostei de ver você agindo de acordo com o seu
potencial. Não quero que volte aos seus velhos hábitos. — Ele pega o copo e
o leva à boca. — Sem mencionar que, quando ela está por perto, você é muito
mais generoso com as bebidas.
Eu reviro meus olhos para ele e caminho em direção ao extremo oposto.
— Cuide da sua própria vida e pague sua conta, Joe. — Olho para ele por
cima do meu ombro.
— Eu não sou o único que notou, cara. Todos os caras estão perguntando
sobre ela — ele grita para mim, e eu lhe mostro o dedo do meio.
Eu não estou com vontade de falar sobre Grace. Mal consigo pensar nela
sem que seja difícil respirar.
Eu não sei mais em quê acreditar, o que é verdade e ficção.
Tudo o que sei é que não há como eu ter um relacionamento com ela
enquanto ela estiver tendo um relacionamento com o homem que matou o
meu pai.
Um pensamento me ocorre e eu volto:
— Joe, você vive aqui há um bom tempo, certo?
Ele balança a cabeça, e eu continuo:
— Se importa se eu fizer uma pergunta?
Ele sorri.
— Querendo um conselho amoroso do velho Joey?
— Porra, não. Você não tem uma mulher há anos. — É sua vez de revirar
os olhos para mim. — Você se lembra do meu pai?
O sorriso que está estampado em seu rosto avermelhado desaparece.
— Sim, o que tem ele?
Seus olhos percorrem a sala, e inclino a cabeça para o lado.
— Você tinha relações com ele?
Ele balança a cabeça.
— Não.
Algo em sua reação me faz parar.
— Você está sendo honesto comigo, Joe?
Ele levanta o copo.
— Posso pegar outra cerveja?
Eu tiro o copo da mão dele e o encho. Deslizando-o de volta pelo bar,
inclino-me para onde ele está sentado.
— Olha, cara, você pode me dizer. Sabe algo sobre as coisas nas quais o
meu pai estava envolvido?
Joe toma um longo gole de sua cerveja e então balança a cabeça.
— Eu não quero falar mal dos mortos. Seu pai especialmente.
Eu sacudo minha cabeça.
— Não, não se preocupe com isso. Apenas responda: ele trabalhava no
ramo financeiro? Talvez para pessoas que não conseguiam o tipo normal de
empréstimos?
Eu o olho, estudando seu rosto em busca de qualquer tipo de reação,
prendendo a respiração e esperando que negue. Por mais que eu queira Grace,
não sei se posso lidar com o pensamento de que o homem que eu adorava não
era perfeito.
Mas em vez disso, ele balança a cabeça, assentindo.
— Sim, quase todos sabiam que podiam obter um empréstimo com
Jimmy Williams. Mas isso vinha com um preço. — Ele toma outro gole de
sua cerveja. — Mas eu nunca tive relações com ele.
Eu me afasto do bar.
— Você conhece alguém que trabalhou com ele? Talvez para ele?
Ele concorda.
— Sim, Tony DiMates era seu braço direito.
De repente, algo do dia em que meu pai morreu retorna à minha mente. É
uma memória que parecia sem importância na época, mas agora pode ser a
peça que falta nesse quebra-cabeça distorcido.
— Tio Tony? — eu pergunto. O homem era o melhor amigo do meu pai.
Nós íamos pescar com ele o tempo todo; participava de churrascos no verão e
reuniões de Natal no inverno. Mesmo depois que papai morrera, ele
continuou aparecendo até que minha mãe o expulsou e mandou que não
voltasse.
— Sim, eles eram próximos, Tony estava sempre cuidando das coisas
para o seu pai. Mas, escute, você não ouviu isso de mim. Não quero que sua
irmã venha aqui, resmungando por eu falar mal do seu pai.
Tiro a toalha do meu ombro e a jogo na pia.
— Não se preocupe com isso, Joe. Obrigado. Bebidas por conta da casa.
Afasto-me e vou em direção ao meu escritório, gritando para um dos
caras na cozinha me cobrir no bar até eu voltar.
Eu tenho perguntas e parece que há um homem que pode ter as respostas.
Grace

Já faz cinco dias.


Cinco longos, solitários e miseráveis dias. Passei o primeiro na cama,
chorando.
O segundo foi consumido com atividades lentas, tentando voltar a uma
sensação de normalidade depois de ter desaparecido por mais de duas
semanas.
No terceiro, voltei ao hospital. Foi bom me ocupar com o meu trabalho,
cuidar dos pacientes novamente. Isso me fazia lembrar de que havia coisas
piores na vida do que ter um coração partido, mesmo que não parecesse
assim.
Eu ficava exausta depois do trabalho, então, a maior parte do quarto dia
foi gasta dormindo, depois me levantei e fiz tudo de novo.
Quando o dia cinco começa a terminar, consigo me convencer a sair para
correr. Por mais que correr me lembre Bronn, ainda me levanto e coloco
meus tênis. Mas juro a mim mesma que não vou correr na Sands. Só de
pensar em ir para lá, sem ele, faz a dor no meu peito se intensificar.
Penso em correr no centro da cidade, mas há muitos lugares que me
lembram de nós também.
Talvez voltar não tenha sido uma boa ideia, afinal.
Limpando uma lágrima do meu rosto, escolho outra praia da região.
Ainda vou conseguir sentir o cheiro de maresia, ouvir as ondas quebrando.
Não é a minha amada Sands, mas ainda é o oceano, ainda é o único lugar que
fala com a minha alma. E agora minha alma precisa de uma boa conversa de
motivação.
Quando chego ao parque estadual, encontro uma das trilhas paralelas à
praia e a sigo. Não demora muito para minha mente vagar, indo em direção
ao homem que me transformou em uma casca devastada da pessoa que eu
costumava ser.
Mas quanto mais eu penso nisso, menos desolada me sinto. A tristeza
esmagadora começa a desaparecer, uma raiva ardente tomando seu lugar.
Como ele ousa não acreditar em mim?
Eu nunca teria duvidado dele. Teria encontrado uma maneira de aceitar a
verdade, não importa o quanto doesse. Seu pai não era o homem que ele
pensava que fosse, por mais que lamentasse por ele estar descobrindo isso
agora, depois de ter passado toda a sua vida pensando de outra forma, isso
não lhe dava uma desculpa para se recusar a acreditar nas minhas palavras. E
quanto a mim? Passei a minha vida inteira pensando que meu pai estava
morto, quando ele não estava. Enquanto este apodrecia na prisão por causa do
pai de Bronn. Mas eu não culpei Bronn! Não o afastei, não o expulsei.
Toda vez que meu pé bate no chão, a raiva em meu estômago se espalha.
Perdi os últimos cinco dias consumidos com tristeza quando deveria estar
puta da vida.
Todos os momentos que compartilhamos, os segredos que confiei a ele,
as declarações de amor e garantias de que ficaríamos juntos eram mentiras.
Eu contei a ele coisas que nunca compartilhei com ninguém. Enxerguei além
de sua reputação, negligenciei seu passado e me convenci de que não era
quem fingia ser. Ele foi ferido, torturado, por causa de sua infância, sua mãe
terrível e seu pai morto. Disse a mim mesma que era por causa daquelas
circunstâncias que agia como um idiota às vezes, por isso que me afastava.
Talvez eu estivesse errada. Talvez ele fosse apenas um idiota. É como parece
agora, uma vez que conhece os fatos, mas se recusa a acreditar neles.
Quanto mais eu corro, mais minha mente fica fora de controle, meu
desespero sendo substituído por desgosto.
Nosso término é uma coisa boa. Estou quase convencida disso. Pode não
parecer agora, mas a cada quilômetro que corro me convenço de que vou
descobrir isso.
E, além disso, esta cidade não pertence a ele. Tenho tanto direito a ela
quanto qualquer outra pessoa. Preferi evitar os lugares que me lembram dele
e por quê? Porque temo que isso vá me fazer sentir mais falta dele? Bem, que
ele se foda! Não merece minha mágoa. Não é digno da minha angústia.
Enquanto continuo a pressionar, esforçando-me mais do que me esforcei
em anos, minhas pernas começam a queimar e meus pulmões gritam por
oxigênio. Quanto mais eu corro, melhor começo a me sentir. Não vou mais
sofrer por isso.
As pessoas terminam todos os dias. Primeiros amores terminam o tempo
todo.
Ninguém morreu de coração partido.
Não, eles se levantaram e continuaram seguindo em frente.
E isso é exatamente o que vou fazer. Continuarei me movendo e seguindo
com a minha vida.
A trilha na qual estou termina, e eu me deparo com uma das mais belas
praias que já vi.
Há palmeiras por toda parte, os bosques avançam até a areia. A erosão
mudou a paisagem ao longo dos anos, e à medida que eu desacelero para
caminhar, absorvo tudo.
É evidente que furacões passaram por aqui muitas vezes. Há árvores
caídas espalhadas pelo litoral, o vento e a água as despindo da casca, os
troncos lisos e brancos. Ando por entre elas, admirando sua beleza,
desfrutando da paz.
Eu serei como estas árvores.
Estas árvores seguem altas e orgulhosas, enfrentando o clima mais
extremo, assim como eu farei. Posso resistir a essa tempestade; posso
permanecer forte, enraizada no lugar, recusando-me a cair.
Mas, se eu cair, se o peso da tempestade for demais para mim, ainda serei
bonita. Ainda vou ter valor e serei merecedora.
Quero ficar e relaxar entre as árvores, ver a água batendo na praia, mas o
sol está começando a se pôr, o parque estadual deve fechar, então volto para
onde meu carro está estacionado. Meus músculos doem, mas minha mente
está limpa pela primeira vez em semanas.
Eu sorrio, feliz por ter vindo a este lugar, encontrando a paz que pensei
que seria impossível para mim.
Estou quase de volta ao estacionamento, ainda caminhando pela costa,
meu olhar focado na água, quando ouço meu nome. O sorriso que estou
ostentando desaparece quando reconheço a voz.
Hesito e me volto para a pessoa que está andando na minha direção, e
meu coração começa a acelerar.
Quais são as chances?
— Bronn — murmuro, minha voz embargada.
Desacelerando, eu finalmente paro, com Bronn a poucos metros à minha
frente. A dor que consegui afastar durante a minha corrida retorna dez vezes
mais forte.
Quão tola eu fui em pensar que eu poderia dar uma corrida rápida e a dor
desapareceria! Eu deveria saber que iria encontrá-lo em algum momento,
deveria ter me preparado para como me sentiria quando isso acontecesse.
Mas não fiz isso, e agora aqui estou eu, de pé na frente do homem
responsável pela minha mágoa, tentando não deixá-lo perceber o quanto sua
presença me afeta.
— Grace — ele diz novamente, sua voz baixa. Apesar dos meus melhores
esforços, não consigo parar de olhá-lo, e meu olhar vaga por seu corpo.
Ele está usando sua roupa padrão, o algodão de sua camisa está esticado
no peito largo. Tento não me recordar da sensação de meu rosto contra seu
coração. Minha mente me trai, e eu não posso deixar de lembrar-me do
quanto isso me acalmaria para dormir.
Tento evitar seu rosto, com medo de que olhar em seus olhos seja a minha
ruína, mas ele diz meu nome novamente, e meus olhos voam para os dele
contra a minha vontade.
— O que você está fazendo aqui? — cuspo as palavras, usando o ataque
como a única fonte de defesa que eu conheço.
Um canto de sua boca se inclina para cima.
— Eu estava prestes a te perguntar a mesma coisa. — Ele me examina da
cabeça aos pés. — Mas é óbvio que veio dar uma corrida.
Eu pigarreio, cruzando meus braços contra o peito.
— Sim... Bem, eu não poderia correr na minha vizinhança, poderia?
Suas sobrancelhas se juntam.
— Por que não?
— Você tirou isso de mim — murmuro, afastando os olhos para olhar as
ondas quebrando ao longo da costa. Há nuvens de tempestade à distância, e
eu acho que é apropriado, considerando que começou uma tempestade no
meu maldito coração no momento em que vi Bronn.
Toda a besteira que vomitei durante minha corrida foi por água abaixo.
Eu não vou poder seguir em frente como se nosso relacionamento nunca
tivesse acontecido. Tudo o que precisei foram trinta segundos em sua
presença para o meu coração começar a desmoronar novamente.
Ele enfia as mãos nos bolsos da calça jeans e balança os calcanhares.
— Tirei de você?
Ele está diante de mim, de maneira casual, como se não tivesse destruído
o meu coração e me magoado. Por que é que não causo efeito sobre ele? Será
que sou a única que se importava com o nosso relacionamento?
Eu suspiro e descruzo meus braços, acenando para ele.
— Não importa. — Olho para além dele, para meu carro que está a
poucos passos de distância. — Eu tenho que ir.
Passo por ele, com uma boa distância para garantir que não nos
esbarrássemos, mas ele agarra meu braço, impedindo meu progresso.
— Grace, espere. Fico feliz de ter te encontrado, porque preciso falar com
você. — Sua mão permanece no meu bíceps, w o toque envia um arrepio pela
minha espinha.
Seu rosto está solene, seus olhos me estudam intensamente. Ele ainda é
incrivelmente bonito, seus olhos azuis se fixam em mim, mas parece que
envelheceu na última semana. Parece cansado, e uma tristeza familiar se
destaca em sua expressão.
Ótimo.
Talvez seja mesquinho, mas fico feliz por ele estar sofrendo.
Solto-me de sua mão e me afasto. Não quero falar com ele, não me
importo com o que tem a dizer.
— Você teve sua chance de falar comigo. — Dou de ombros. — Mas o
momento passou agora, e eu tenho coisas a fazer.
Não é verdade, a única coisa que tenho a fazer é tomar banho. E agora
que me encontrei com Bronnson, vou afogar as minhas mágoas em um litro
de sorvete e assistir as reprises de Friends.
— Você vai voltar para Columbia? — ele pergunta, não aceitando não
como resposta.
Eu deveria ignorá-lo, não é da conta dele para onde irei. Mas minha boca
me trai.
— Não, vou ficar aqui.
Ele assente.
— Você estava hospedada na casa da sua avó?
— A casa foi vendida.
— Ah, então onde você estava ficando? — ele persiste.
Não sei por que é importante, por que ele está me fazendo essas
perguntas, mas eu respondo mesmo assim.
— Estava na casa de Riley.
Seus olhos escurecem. Um movimento chama minha atenção, e eu desvio
meu olhar para ver que a mão dele está cerrada em punho. Eu ergo uma
sobrancelha, inclinando a cabeça para o lado.
— Você estava na casa de Riley? — Sua voz é quase um grunhido, e o
súbito ciúme me surpreende.
— Sim. E qual o problema? — replico, incrédula por estarmos tendo essa
conversa.
— Não gosto de você passando a noite na casa de outro homem.
Minha boca se abre, uma risada escapa.
— Você está brincando comigo?
Não posso acreditar que ele acha que tem qualquer direito em me dizer
onde eu posso ou não posso passar a noite. Além disso, eu não me importo.
— Você não tem mais nada a dizer sobre isso, não é? Ou você esqueceu
que terminou comigo? — Meu coração acelera, e o sangue bombeia em meus
ouvidos.
Bronn dá um passo à frente, invadindo meu espaço pessoal.
— Eu preciso falar com você. — Ele novamente estende a mão para mim,
e desta vez ela pousa no meu quadril, seus dedos flexionando.
Eu pressiono meus lábios, um esforço para conter minhas emoções e
balanço minha cabeça em negativa.
— Grace — sua voz é baixa, e ele encosta a testa na minha —, não me
faça implorar.
Eu não aguento mais. Seu toque, o jeito como meu nome soa vindo de
seus lábios, a proximidade de seu rosto com o meu. É demais, e de repente a
onda de emoções contra a qual eu estava lutando tanto para segurar
desmorona.
Eu envolvo meus dedos em torno de seu pulso e afasto sua mão de mim,
recuando no processo.
— Eu não quero que implore! — minha voz falha. — Eu só quero que me
deixe em paz. Você deixou claro que não há como ficarmos juntos, então, por
favor, me deixa superar você e seguir em frente com a minha vida.
Não lhe dou uma chance de dizer mais nada. Virando-me, eu corro para
longe dele e para o meu carro, sem perder tempo, saindo do estacionamento.
Cometo o erro de olhar no espelho retrovisor. Bronn está no lugar onde o
deixei, a cabeça baixa, as mãos na cabeça. Meu coração aperta com a visão
de seu desespero, mas eu não piso nos freios.
Forçando-me a desviar o olhar, eu me concentro na estrada à minha frente
e continuo dirigindo, jurando que não voltarei a olhar para trás.
Bronn

A recusa de Grace em falar comigo me atinge. Eu não consegui sair do


lugar onde fiquei por cinco minutos inteiros depois que ela fugiu de mim. Na
porra da minha vida inteira eu nunca tive uma mulher fugindo de mim. Seria
irônico que a primeira vez que fosse acontecer fosse com aquela que eu
precisava que ficasse mais do que nunca.
Quando finalmente consigo me mover, vou até a minha velha
caminhonete e entro. A sensação de paz que eu costumava sentir quando
entrava na Bessie não me acomete, e isso é desde que descobri que o homem
que eu adorava não era o super-herói que sempre imaginei que fosse. Depois
da minha conversa com Joe alguns dias atrás, eu saí em busca do tio Tony. Já
fazia muito tempo desde que o tinha visto pela última vez, e eu nem sabia
onde começar a procurar. Dani também não sabia onde ele poderia estar
morando, e eu me recusei a contar por que estava querendo falar com ele.
Não queria preocupá-la antes de ter certeza do que aconteceria ao mexer no
vespeiro.
Eu não encontrei Tony, e todos os dias que passava sem falar com Grace
estavam se tornando cada vez mais insuportáveis.
Jurei que me sentiria melhor com o passar do tempo, que me tornaria
mais confiante em minha decisão de terminar as coisas com ela. Mas a cada
noite que eu ficava na minha cama sozinho, mais eu percebia que era um
idiota. Não deveria tê-la deixado partir.
Grace foi a primeira coisa boa que aconteceu comigo.
Eu sempre tive Dani, e eu a amava. Ela era minha irmã, minha melhor
amiga, a única pessoa que realmente se importava comigo. Mas não era a
mesma coisa que tive com o relacionamento com Grace.
Nós fomos feitos para ficar juntos, algo que eu não sabia até esse
momento. Assistir Grace fugir de mim, como se eu fosse um leproso e ela
temesse pegar a praga, me destruiu. Quando ela saiu do estacionamento,
precisei me esforçar ao máximo para não desmoronar.
Eu não me importo mais com quem é o pai dela. Encontraremos uma
maneira de superar isso. Mas primeiro tenho que fazer com que me escute. E
isso ia ser mais difícil do que eu pensava, porque é óbvio que eu a
machuquei. Machuquei tanto que eu não tenho certeza se conseguirei
compensá-la.
Mas, porra, eu vou tentar.

***
A porta do bar se abre, e a luz do sol matinal se infiltra, fazendo com que eu
aperte os olhos para ver quem está entrando.
— Bar fechado — eu falo, verificando o relógio por cima do meu ombro.
São apenas oito da manhã, cedo demais para que até mesmo os clientes
regulares apareçam. Eu não tinha dormido nada na noite anterior, tentando
descobrir como chegaria a Grace, para fazê-la ficar e conversar. Meus olhos
queimam, e minha cabeça lateja por falta de sono. Tinha desistido de
descansar e decidi ir ao bar para pegar a papelada.
— Ouvi dizer que você está procurando por mim — a voz familiar
chama, deixando a porta bater atrás de seu dono.
Olho em sua direção; meus olhos ainda não estão se ajustando à mudança
na iluminação.
Finalmente, seu rosto aparece e meu estômago se contorce.
Tio Tony.
Dou a volta no balcão e encontro-o no meio do salão, nossos passos
ecoam. Estico minha mão, e ele a segura. Nós nos cumprimentamos antes que
ele use sua força para me puxar para um abraço de urso.
— Faz muito tempo, garoto — ele ressoa, batendo nas minhas costas com
a mão livre. — Como está?
Sua colônia invade meus sentidos, trazendo consigo uma enxurrada de
lembranças. Eu não o via com muita frequência, porque minha mãe não
gostava de quando papai me aproximava de sua esposa e Dani. Mas sempre
que acontecia, tio Tony sorria, dava-me tapinhas nas costas e depois fazia de
tudo para me entreter. Nunca demorava muito, ele era um cara engraçado e
simpático.
— Eu já estive melhor, tio Tony — digo a ele honestamente.
Ele me solta, e eu faço sinal para que me siga. Ele se senta no bar, e eu
dou a volta, pegando dois copos.
— Meio cedo para uma cerveja. Você quer um refrigerante? — pergunto,
enchendo meu copo. Ele balança a cabeça, então eu encho um copo e deslizo
para ele. Ele pega e toma um longo gole.
— Diga-me o que está acontecendo com você — ele indaga, e sua voz
profunda soa otimista.
Não sei por onde começar e, na verdade, não estou interessado em
atualizá-lo de todos os anos desde a última vez que nos falamos. Mas quero
que ele seja honesto comigo, e se eu começar qualquer tipo de interrogatório,
ele vai calar a boca mais rápido do que um bar se fecharia depois da saideira.
Eu pego meu copo e volto para o lado oposto do bar, estabelecendo-me
em um banquinho ao lado dele.
Passando a mão pelo meu cabelo, solto um suspiro.
— Por onde começar? — murmuro, e ele ri.
— Muitas coisas acontecendo, hein? — ele pergunta, dando-me um
tapinha no braço.
Eu assinto.
— Conheci uma mulher.
Suas sobrancelhas se erguem.
— Apenas uma? — Ele ri alto, o som ecoa das paredes. — Vamos lá,
você é filho de Jimmy Williams. Deve ter mais de uma garota.
Eu me forço a rir junto com ele, mesmo que o comentário faça meu
sangue ferver. Posso ser o filho de um namorador, mas esse não é o tipo de
homem que eu sou, ou que já fui. Vi a trilha de lágrimas que meu pai deixava
para trás toda vez que aparecia para visitar a minha mãe e depois saía de novo
para ir para casa, para a sua verdadeira família. Talvez eu nunca tenha amado
a minha mãe de verdade, mas sempre soube que não se deveria tratar uma
mulher assim. Não importa que tipo de pessoa que ela possa ser.
Além disso, Grace era mais que suficiente para mim. Eu não queria
ninguém além dela.
Balanço a minha cabeça, ainda fingindo um sorriso.
— Sim, ela é a única para mim, cara. Exceto que eu a perdi. — Dizer isso
em voz alta dói, mas eu continuo. — Na verdade, eu a afastei porque sou um
idiota.
Ele balança a cabeça, esfregando os bigodes no rosto.
— Então você precisa de algum conselho amoroso? E pensou em
procurar seu velho tio Tony? — Ele está cético, e seus olhos injetados me
fixam com um olhar desconfiado.
Eu dou de ombros.
— Não. Você me perguntou como eu estava. Comecei por aí.
Ele ergue o queixo.
— Tudo bem. Então, por que você está procurando por mim?
Ele não parece mais tão alegre quanto quando entrou pela porta.
Certamente sabe que eu não estou apenas procurando me reconectar com o
meu "tio" há muito perdido. Gostaria de conquistar sua confiança para
facilitar a conversa, mas as coisas nunca parecem ir do jeito que eu quero.
— Eu preciso fazer algumas perguntas sobre o meu pai.
Ele pisca, batendo a palma da mão no bar.
— Ah, aí está. Sabia que você não estava apenas tentando refazer a
amizade.
Meus ombros estão tensos, e eu aperto a parte de trás do meu pescoço.
— Sim, desculpe-me. Ouça, eu preciso saber alguma coisa.
Eu paro, tentando descobrir a melhor maneira de abordar o assunto.
Quando ele não diz nada, apenas continua a fulminar meus olhos com os
dele, vou em frente.
— Papai era um agiota?
Dou crédito a ele; sua expressão não muda enquanto olha para mim.
— Não sei do que você está falando, Bronnson.
Eu sorrio.
— Vamos, cara, não minta. — Podia não ter conseguido entrar em
contato com ele nos últimos dias, mas conversei com muitas pessoas que se
lembravam de quando Jimmy e Tony "ajudavam" as pessoas. Como, por
exemplo, dar-lhes um pouco de dinheiro para deixá-las presas até o dia de
pagamento.
É preciso muito esforço da minha parte para manter a compostura, mas
sei que, se perder a cabeça agora, nunca receberei as respostas de que preciso.
— Seu pai era dono de um posto de gasolina —, ele me diz novamente,
com o rosto solene. — Que Deus tenha piedade de sua alma. Foi uma coisa
terrível o que aconteceu com seu pai, você sabe. Abatido em seu próprio
trabalho.
Fecho meus olhos bem apertados. A imagem do meu pai deitado, morto,
atrás do balcão, pisca na minha cabeça, e eu engulo a bile que se arrasta pelo
fundo da minha garganta. Tony interpreta mal a minha reação e coloca a mão
sobre a minha. Minhas pálpebras se abrem, e eu fixo meu olhar no dele.
— Sim, aposto que foi difícil para você assistir, sendo seu melhor amigo
e tudo o mais.
Seus olhos se arregalam, e ele tira a mão da minha. Com a voz baixa, ele
insiste:
— Não sei do que você está falando.
Mesmo que esteja fazendo um bom trabalho em manter a calma, ele não
consegue evitar que as gotas de suor surjam na sua testa, então eu continuo
falando:
— Você sabe, eu tinha me esquecido disso naquele dia. Parecia tão
improvável na época. — Coloco-me de pé e começo a andar enquanto relato
as lembranças daquele dia. — Dani e eu estávamos andando de bicicleta.
Estava quente como o inferno, eu lembro. Nós ficamos com sede. Dani
decidiu que iríamos pedir alguma bebida ao papai e talvez algum doce. Então
nós fomos para o posto de gasolina. — Paro e olho para Tony, que está me
observando de perto, seu rosto ilegível. Quase consigo acreditar que ele está
dizendo a verdade, exceto que ele continua limpando as palmas das mãos na
calça e esfregando a testa com um guardanapo. — Bem, nós estávamos quase
lá, mal conseguíamos ver à distância. Dani e eu corríamos, e embora ela fosse
mais velha, eu estava na liderança. — Sorrio com a lembrança, pois foi a
primeira vez que eu a venci em uma corrida. Ela era estranhamente rápida,
tanto a pé quanto de bicicleta. Mas eu estava ganhando naquele dia, sentindo-
me muito animado. — Eu provavelmente teria vencido, exceto que um carro
estava vindo na nossa direção e rápido. Estávamos na estrada, então tive que
diminuir a velocidade e desviar.
Eu paro de andar e fico em frente a ele.
— Fiquei tão puto por ter que desacelerar para sair do caminho. Até que
eu te reconheci no carro. Sei que você me viu, porque diminuiu a velocidade.
Mas não me cumprimentou, não sorriu como sempre. Você olhou para o
outro lado, fingindo que não percebeu o garoto acenando freneticamente para
você. Assim que passou por nós, você acelerou, enviando uma nuvem de
poeira na nossa direção.
Ele limpa a garganta, seu olhar percorre a sala, evitando meus olhos.
— Sim, eu me lembro disso, agora que você mencionou.
Eu volto para o meu banquinho de bar e apoio um quadril nele.
— Você estava fugindo do posto porque não queria estar lá quando os
policiais aparecessem, não é?
Não demorei muito para juntar as peças quando a lembrança de quase ser
atropelada pelo meu querido e velho tio Tony retornou. Fiz algumas
pesquisas, analisei o relatório de prisão e percebi que o sistema de vigilância
que meu pai havia instalado não estava funcionando exatamente naquele dia.
Ou, pelo menos, foi isso que a polícia alegou.
— Bronn, o que você está tentando fazer? — pergunta ele, novamente
limpando a mão em sua coxa. Quando ele me vê observando seu movimento,
sua mão fica imóvel.
— Você estava lá. Sabe o que realmente aconteceu naquele dia. E não foi
um roubo que deu errado, não é? — zombo, apontando um dedo em sua
direção.
Seu rosto fica vermelho, seu peito sobe e desce rapidamente.
— Vá com calma aí, filho.
— Pare de me chamar assim! — grito. — Eu não sou seu maldito filho.
Apenas me diga a porra da verdade.
Eu já estou de saco cheio de pisar em ovos. Estou de saco cheio de
esperar que ele confesse. Quero respostas, quero os fatos e não vou mais
esperar que me conte por livre e espontânea vontade.
— A verdade é a mesma de sempre — ele responde, sua voz se alterando.
—Mickey Chumley apareceu para roubar o lugar naquele dia. Seu pai
conseguiu dar um tiro antes de morrer. O pedaço de merda vai apodrecer na
prisão pelo resto da vida, assim como ele merece. — O cuspe voa de sua
boca, seu rosto quase fica roxo enquanto ele continua a gritar. Ergue seu
corpo grande do banco e dá um passo na minha direção. — Você precisa
parar de remexer nessas coisas, garoto.
Tenho certeza de que está tentando me intimidar, mas não tenho medo
dele. É só um covarde.
Fico novamente de pé, encarando-o. Com meu rosto próximo ao dele, eu
rosno.
— Eu sei que você tem a porra das fitas, Tony.
Seus olhos se arregalam, e ele cambaleia para trás.
— E eu quero cada uma delas.
Ele continua a se afastar de mim, mas eu continuo avançando.
— Eu, eu... não sei o que deu em você, mas...
— Grace Monroe é o que deu em mim. — O rosto de Tony se enche de
confusão, então eu esclareço as coisas para ele. — Você provavelmente a
conhece melhor como Grace Chumley. A filha do homem que foi falsamente
acusado por homicídio.
Ele balança a cabeça.
— Ele matou o seu pai! Está exatamente onde precisa estar.
Bato meu punho no balcão ao meu lado, e os copos chocalham pelo
impacto.
— Ele o matou porque meu pai era um maldito agiota e estava
ameaçando sua família! — Bato no balcão novamente. — Meu pai ameaçou
uma menina de cinco anos! Meu pai ameaçou a esposa de Mickey! Meu pai
atirou nele primeiro! — Bato meu punho novamente e, em seguida, aponto
um dedo para seu peito. — E você estava lá! Você viu tudo! Você pegou a
porra das fitas de vigilância e deu o fora para não se meter em nenhum
problema!
Com um golpe final do meu punho no balcão, eu me inclino para ele,
minha voz tão baixa que é quase um sussurro.
— E eu quero essas fitas.
Minha mão está latejando no ritmo do meu coração que bate forte, mas
não sinto nada além da raiva que revira meu estômago.
Sinto raiva do pedaço de merda que está em pé diante de mim, suas
papadas balançando quando a boca se abre e fecha, tentando
desesperadamente inventar uma história de merda para sair da situação em
que se encontra.
Raiva do meu pai por ser um filho da puta que fez uma menininha perder
seu herói e uma mulher perder o seu marido.
Mas mais do que essas duas coisas, a raiva que ferve no meu sangue é de
mim mesmo, por não acreditar em Grace, por lançá-la ainda mais à tristeza.
Ela passou toda a sua vida vivendo um inferno, mas isso não foi suficiente
para me impedir de ser um idiota completo e deixá-la ainda mais na merda.
Eu não a mereço e não mereço seu amor, mas, ainda assim, ela me deu. E
eu fodi com tudo. Mas mesmo que ela nunca me perdoe, eu irei compensá-la.
Começando com as fitas que provavam que Mickey Chumley agira em
legítima defesa, do jeito que ele relatava.
Tony levanta as mãos em sinal de rendição.
— Eu vou mandá-las para você.
Balanço a minha cabeça.
— Vá se foder. Nós vamos buscá-las. Agora.
Ele concorda.
— Claro, sim. Deixe-me apenas...
— Vá se foder. — Pego minhas chaves em cima do balcão. — Você acha
que eu sou burro? Passei quase uma semana tentando localizá-lo. Você mora
nesta cidade e ainda não sei onde mora. Acha mesmo que eu vou deixar você
fazer alguma coisa sem mim? Vou ficar mais perto do que a porra da sua
sombra!
Eu o empurro em direção à porta. Ele não resiste, mas ainda não relaxo.
Não sentirei nenhum alívio até ter a evidência que comprova a versão dos
fatos que Mickey alega em minhas mãos.
Não importa o que eu tenha que fazer para obtê-la.
Grace

A batida na porta me assusta, e minha alma quase sai do meu corpo. Não
estou esperando ninguém e acabei de falar com Riley, então, sei que não é ele
que está praticamente colocando a minha porta abaixo.
— Grace! — o grito faz com que meu sangue congele em minhas veias.
Bronn.
Meu primeiro instinto é correr até a porta e abri-la antes de pular em seus
braços. Afastar-me – ou fugir, que seja – dele ontem à noite foi angustiante.
Tive que me forçar a continuar dirigindo e não voltar atrás. Foi um erro olhar
no retrovisor e vê-lo ali, parecendo tão arrasado.
Ele parecia quase tão destruído quanto eu me sentia.
Mas uma vez que coloquei algum espaço entre nós, percebi que era o
melhor. Eu precisava me afastar dele para poder pensar com clareza. E uma
vez que fiz isso, soube que tomei a decisão certa.
Bronnson pode me amar, e eu posso amá-lo, mas há momentos na vida
em que o amor não é suficiente. Não importa que eu sinta nossa conexão em
minha alma. Não importava o quanto eu queira ficar com ele. Às vezes, as
pessoas simplesmente não são destinadas a ser. E esse é um desses
momentos. E nós somos um daqueles casais tragicamente predestinados. Um
Romeu e Julieta moderno.
Eu não chorei quando cheguei a essa conclusão. Eu simplesmente a
aceitei.
Mas agora, aqui está ele, batendo na minha porta, e eu não sei o que fazer.
— Grace! Eu sei que você está em casa. Eu posso te ver através da porta!
Merda.
Em meu desespero, esqueci que há uma grande janela de vidro na porta
em frente à qual eu estava.
Não dá para fingir que não estou em casa.
— Vá embora, Bronn — grito de volta através da porta. — Eu não quero
ver você.
É mentira.
Eu quero vê-lo.
Mais do que eu já quis alguma coisa em toda a minha vida.
— Eu preciso falar com você — ele grita de volta.
— Não há mais nada a dizer — digo a ele, ainda gritando pela porta.
— Eu tenho muito para dizer. Começando com me desculpe.
Meu coração começa a acelerar.
Ele está pedindo desculpas?
Não está jogando muito justo.
— Se você abrir a porta, vou te dizer mais coisas — ele pede, e sua voz
soa tão sincera que não consigo impedir meus dedos de girarem a trava.
Não removo a corrente, mas abro a porta. Seu rosto preenche a minha
visão e meu estômago se contrai. Não importa que eu queira odiá-lo, que
queira dizer a ele para ir à merda. Toda vez que ele olha para mim, as
borboletas voltam ao meu estômago.
— O que você quer, Bronn? — eu pergunto, incapaz de esconder a
exasperação na minha voz.
Seus olhos percorrem meu rosto antes que ele me diga ferozmente:
— Você é linda pra caralho.
Pega de surpresa por seu elogio, pisco várias vezes antes de sussurrar:
— O quê?
Agora ele está mesmo jogando sujo.
— Não, isso não é suficiente — ele me diz, inclinando-se contra a porta.
Ele não me pede que eu a abra mais, não pergunta por que diabos estou
mantendo a corrente. —Você é a mulher mais linda que eu já conheci.
Estou confusa. Não tenho ideia de onde ele pretende chegar com isso.
Estreitando meus olhos, mordo meus lábios.
— Você está tentando me elogiar até que eu te perdoe?
Ele balança a cabeça, os olhos suaves.
— Não. Só estou dizendo o que você merece ouvir.
— Oh — eu digo, sem jeito, em uma perda completa de palavras. — Isso
é tudo?
— Quando eu era criança, eu costumava acreditar em super-heróis. — Ele
se inclina, apoiando um braço contra o batente da porta. — Eu costumava
pensar que esse cara, que era uma mistura de Super-homem e Batman, ia me
resgatar da minha vida de merda. — Seus olhos estão apontados para mim,
mas ele não está focado no meu rosto. Em vez disso, está perdido na
memória. Ele ri. — Eu ia ser o seu ajudante.— Ele pisca, recuperando-se do
olhar distante e se concentrando no meu rosto. — Você sabe, como Robin.
Eu assinto, porque não sei mais o que fazer ou dizer.
— Mas é claro que isso nunca aconteceu. E quando fiquei mais velho,
parei de acreditar em heróis. Minha vida não seria extraordinária. Eu estava
destinado a ser um perdedor, nunca conquistando nada mais do que todo
mundo achava que iria conquistar.
Ele faz uma pausa e engole em seco. Também tenho que engolir o caroço
que se forma na minha própria garganta, pois suas palavras machucam o meu
coração. Apesar de tudo, ainda gostaria de poder voltar no tempo, para aquele
menino quebrado, e assegurar-lhe de que tudo ficaria bem. Diria a ele que era
digno de amor, que sua vida era importante. Se não para qualquer outra
pessoa, era para mim.
— Então, em um maldito dia, um dia de merda, um super-herói da vida
real entrou no meu bar. — Ele sorri para mim, seu dente torto espreitando
entre seus belos lábios. — Foi uma manhã ruim. Eu recebi a notificação de
que o homem que matou meu pai ia fazer uma apelação. — Estremeço, mas
ele balança a cabeça. — Meu melhor garçom pediu demissão. Tinham me
negado um empréstimo que eu estava me esforçando para conseguir. E então
surge esta mulher vestida com roupas caras. Ela grita dinheiro e classe. E ela
senta sua bunda perfeita no meu bar e mal olha para mim enquanto pede uma
água gelada, gelo extra, sem limão.
Eu coro, lembrando o quão rude tinha sido. Não fazia ideia de que a sua
manhã tinha sido tão ruim. Não que isso pudesse mudar alguma coisa, mas se
eu soubesse, talvez tivesse me esforçado mais em fazê-lo sorrir. Talvez
pudesse ter dito algo para melhorar o dia dele.
— Eu pensei que tinha te entendido de primeira, com um único olhar,
pensei que sabia exatamente quem você era. E te descartei como nada mais
do que outra garota com mais dinheiro do que boas maneiras.
— Eu sinto muito sobre isso — sussurro.
Ele estende a mão pela fresta da porta e coloca um dedo nos meus lábios,
silenciando-me.
— Muitas vezes ela quase me atropelou. — Ele ri alto, e eu não consigo
evitar de rir com ele. Aquele provavelmente tinha sido um dos momentos
mais assustadores da minha vida, quando pensei que tinha atingido alguém
com meu carro. — E, eu juro por Deus, foi a melhor coisa que já me
aconteceu. — Ele está sorrindo de novo, com o rosto aberto e honesto.
Meu peito se aperta, a onda de emoção me inunda. Foi a melhor coisa que
já aconteceu comigo também.
— A maioria dos super-heróis salva as pessoas e, ainda assim, a minha
tentava voltar a me atropelar. Devia ter alguma porra de importância nisso —
ele zomba de leve.
Eu limpo minha garganta.
— Eu sou a sua super-heroina?
— Como não seria? — ele responde rapidamente. — Você voou para
dentro e... — ele sorri, com aquele dente torto que se tornou quase precioso
para mim —, bem, foi mais como uma aterrisagem forçada, e me resgatou.
Assim como um super-herói faria.
— Resgatei você de quê?
— De mim mesmo. — Seus olhos brilham, seus lábios se inclinam em
um sorriso malicioso. Ele cobre meus dedos que estão segurando o batente da
porta com os dele. — Por favor, não me deixe, Grace
Se eu tivesse qualquer esperança de que conseguiria ficar de pé, ela
desmorona quando ele sussurra meu nome. Sem hesitar, fecho a porta e tiro a
corrente. Quando eu a abro, ele entra, avolumando-se diante de mim e me
puxando para seus braços.
Eu enterro meu rosto em seu pescoço, respirando fundo pela primeira vez
em semanas, enquanto seus braços fortes me seguram apertado contra seu
corpo. Eu estava morrendo de vontade de senti-lo novamente, de tê-lo assim,
bem perto, e pensei que nunca mais teria essa sensação novamente. Pensei
que tinha conseguido aceitar o fim.
Mas agora que ele está aqui, segurando-me bem forte pela cintura, sei que
fui tola em pensar que algum dia seria capaz de continuar vivendo sem ele.
Pelo menos vivendo uma vida feliz. Isso seria impossível. E eu não quero
mais tentar.
Ele me afasta de si muito antes de eu estar pronta para soltá-lo, mas eu
pressiono meus lábios para impedir que o protesto escape.
— Eu não mereço você — ele me diz, seus dedos entrelaçados aos meus.
— Bronn, não comece com isso de novo — eu lamento, não querendo ter
essa briga com ele.
— Não, é verdade. Eu não mereço você. Mas isso não significa que esteja
disposto a te deixar.
— Mas, Bronnson, meu pai... — Eu hesito.
Ele aperta meus dedos.
— Certo. Seu pai. Você não. Eu não deveria ter deixado isso ficar entre
nós.
Meu coração aperta. Ele está dizendo todas as palavras certas, e eu quero
acreditar nele, mas não sei como poderemos superar os obstáculos à nossa
frente.
— Grace. Eu te amo. — Suas palavras fazem o ar deixar meus pulmões
em um rompante. — Eu já te amava naquele dia na escada. Deveria ter dito a
você. Mas estou dizendo agora. E vou continuar falando por quanto tempo
você quiser ouvir.
Bronn me puxa para ele, colando nossos corpos, e coloca minha mão
sobre o seu coração. Seus batimentos estão fortes e firmes, e eu desejo
descansar minha bochecha contra seu peito para poder ouvi-los. Parece que
faz uma eternidade desde que adormeci em seus braços, e eu ansiava por
fazer exatamente isso.
— Está sentindo? — pergunta ele.
Tomo lábio inferior entre meus dentes, olho através dos meus cílios e
assinto. Fiz a mesma coisa com ele não muito tempo atrás.
— Parece um coração cheio de amor.
Meu sorriso se torna incrivelmente amplo e, por um minuto, esqueço o
quanto estou magoada.
— Meu coração está cheio de amor também, você sabe disso, não sabe?
Ele sorri para mim e balança a cabeça.
Eu me esforço para lutar contra o riso quando digo a ele:
— Tá, tudo bem. Você não vai ficar bravo se eu te disser que essa foi
possivelmente a coisa mais brega que eu já ouvi.
Sua expressão murcha, e ele morde o lábio inferior.
Coloco-me na ponta dos pés e beijo seu beicinho.
— Mas lembre-se, eu amo coisas bregas — sussurro.
Bronn entrelaça os dedos no meu cabelo, ancorando minha cabeça no
lugar. Colando seus lábios aos meus, sua boca vem com fome. Sua língua
mergulha na minha, o beijo se aprofunda instantaneamente. Faz muito tempo
desde que senti seus lábios pela última vez, mas no momento em que nossas
bocas colidem, meu corpo responde. Eu o puxo para mais perto de mim, e o
tempo todo meu coração martela no meu peito, querendo mais dele. Estou
sem fôlego quando ele se afasta. Abrindo meus olhos, vejo que ele está me
observando atentamente.
— Grace, eu estava errado. Nunca deveria ter te afastado. Quando você
fugiu de mim ontem, eu juro por Deus que nunca me senti tão mal em toda a
minha vida. Pensei que era isso, que eu finalmente tinha fodido tanto as
coisas que não havia como consertá-las.
Encosto novamente minha testa no peito dele, engolindo em seco.
— Eu quase voltei — sussurro.
— Deus, eu estava rezando para que você fizesse isso.
Eu levanto minha cabeça e recuo. Quanto mais eu ficar em seus braços,
mais difícil será dizer o que eu tenho a dizer. Nós podemos continuar
brincando, mas isso não muda o fato de que não há chance para nós. Ele pode
me beijar até eu virar uma poça de mingau, mas isso não mudará as coisas.
— Mas foi melhor assim, porque não podemos ficar juntos — digo a ele,
com minha voz trêmula. O tijolo que sinto, pesando em meu estômago,
parece ainda mais pesado quando as palavras saem dos meus lábios. — Não
importa o quanto eu te amo, nunca vai funcionar.
Dou um passo para trás, aumentando a distância entre nós. Preciso disso
para poder pensar com clareza. Mas ele me segue, não me dando o espaço
que eu preciso.
— Não é verdade — ele insiste. — Seu pai não está mentindo. Eu sei
disso agora.
Minha boca se abre, e eu pisco várias vezes.
— Eu... Eu acho que não te ouvi corretamente — cuspo as palavras.
Seus lábios se inclinam em um sorriso triste.
— Porra, como dói dizer isso em voz alta. Admitir que eu estava errado.
Mas não porque não consigo assumir meus erros. Quando se trata de você, eu
sempre me responsabilizo pelas minhas merdas. E estou assumindo essa
responsabilidade agora. — Bronn agarra meu pulso, gentilmente me puxando
de volta para ele.
Não importa quantas vezes eu tente fugir para poder respirar e pensar, ele
está lá, avolumando-se sobre mim e dificultando o foco em qualquer outra
coisa além do jeito como me faz sentir quando está por perto.
— O que você está dizendo, Bronn?
Ele leva minha mão aos lábios, beijando meus dedos.
— O melhor amigo do meu pai era um cara chamado Tony. Nós o
chamamos de tio Tony. Foi ele o homem que seu pai viu no posto de gasolina
naquele dia.
Eu suspiro, minha mão livre voa para a minha boca.
Ele continua falando, mas parece que o tempo está se movendo em
câmera lenta, suas palavras abafadas e prolongadas, como as do professor dos
Muppets. Tudo que eu ouço é barulho, sem palavras reais.
Ele balança a mão na frente do meu rosto.
— Grace, você me ouviu?
Eu balanço minha cabeça, tanto para limpar minha mente quanto para
responder a sua pergunta.
— Não ouvi mais nada depois de você dizer que havia outro homem lá.
Ele assente.
— Eu disse que havia um sistema de vigilância. Tony pegou as fitas. Ele
as guardou por todos esses anos. — Bronn balança a cabeça e murmura: —
Ele é um idiota. — Levantando a voz, continua: — Eu estou com as fitas,
Grace.
Não consigo compreender o que ele acabou de me dizer, mas sei que é a
peça que faltava, aquela que meu pai e eu estávamos procurando.
Uma onda de alívio me atinge com tanta força que meus joelhos se
dobram antes que eu perceba. Bronn me vê caindo e me pega antes de eu
despencar no chão.
Lentamente, ele me pega em seu colo.
Com meu rosto pressionado em seu pescoço, eu pergunto:
— O que isso significa?
Ele se inclina para trás, e seus olhos azuis brilham pela primeira vez em
semanas.
— Isso significa que vamos tirar seu pai da prisão.
Bronn

Três meses depois


Eu puxo o cobertor para cima, cobrindo o corpo nu de Grace. Ela se remexe,
aninhada em mim, e um suspiro suave escapa de seus lábios.
Eu beijo sua cabeça, deslizando meu dedo para cima e para baixo em seu
braço.
— O que você quer fazer hoje?
Ela inclina o queixo para cima, seus olhos encontrando os meus, mas não
move a cabeça de sua posição no meu peito.
— Correr. E depois vou fazer compras com Dani. — Seus olhos
brilharam, um sorriso bobo no rosto. — Você sabe, eu costumava pensar que
fazia compras demais. E então conheci a sua irmã.
Eu gemo.
— Não temos espaço para mais nada.
O sorriso dela se amplia e, com uma piscadela, me diz:
— Vamos comprar uma casa.
Eu balanço a minha cabeça.
— Você não vai comprar uma casa para nós, Grace.
Vínhamos discutindo sobre isso nos últimos meses e, embora ela fosse
uma adversária feroz, eu me mantive firme, recusando-me a deixá-la usar o
dinheiro de sua avó para comprar uma casa maior para nós. Eu já tinha
conseguido engolir meu orgulho em muitas coisas, mas mantinha minha
convicção de que não queria que Grace usasse seu dinheiro para aquilo.
Nós estávamos construindo uma vida juntos, e isso não seria possível
sobre uma base de ódio, com o dinheiro de uma pessoa tão rancorosa.
— Você já está pagando todas as contas, Bronn. Deixe-me fazer algo por
você. Para nós — ela implora, mordendo o lábio inferior.
Eu rio. Ela é fofa e sabe disso, usando o rosto lindo para conseguir o que
quer. Mas não desta vez.
— Eu gosto de cuidar de você.
Sua mão percorre meu abdômen, e ela envolve seus dedos ao redor do
meu pau.
— Você cuida muito bem de mim, sabe?
Minhas bolas apertam, e luxúria percorre minhas veias. Eu cerro meus
dentes e estreito meus olhos.
— Não vai funcionar. Além disso, não temos tempo para isso, de
qualquer maneira.
— Mmm — ela ronrona. — Você tem certeza? Eu não preciso correr esta
manhã.
Seu toque acende um fogo no meu estômago, como sempre, e eu luto para
manter o fio de controle que me resta. Quero virá-la na cama, enfiar-me
dentro dela e me perder no jeito como ela me faz sentir, mas tenho outra coisa
planejada para o dia, algo que eu acho que ela vai gostar mais.
— Não vai funcionar desta vez — digo a ela, com os dentes cerrados,
tentando desesperadamente ignorar a maneira como a palma da mão está
acariciando o meu pau. — Precisamos nos levantar e nos vestir.
Ela suspira pesadamente, soltando-me.
— Tudo bem. — Ela tira o edredom de cima de nós e se levanta da cama.
Pegando suas roupas de corrida, vai até o banheiro, rebolando a bunda para
mim enquanto caminha. — Tem certeza de que não temos tempo?
Eu solto um gemido.
Depois do dia em que lhe dei as fitas, admiti meus sentimentos por ela e
implorei que me perdoasse, então, ela me pediu para ficar. Quase três meses
depois, eu ainda não havia saído. Vinha acordando ao lado dela todas as
manhãs, sentindo seu corpo quente em volta do meu, seu rosto sempre
sorridente, ainda sem acreditar que essa era a minha realidade.
Ainda há dias que eu acho que não a mereço. Ainda estou esperando que
ela volte a si e me mande embora.
Mas ela ainda não tinha feito isso, e eu estou determinado a ser o homem
que ela merece.
— Por mais que eu ame a sua bunda perfeita, e deseje mais do que tudo
passar o dia inteiro na cama com ela, nós não podemos.
Ela revira os olhos e começa a vestir as roupas, erguendo um ombro.
— É você que está perdendo. Depois da minha corrida, vai querer tomar
café da manhã?
Eu me apoio nos cotovelos.
— É isso que você vai vestir hoje?
Ela levanta uma sobrancelha.
— Bem, sim... — fala arrastadamente.
Saindo da cama, vou até o closet e pego seus saltos favoritos.
— Eu acho que você deveria usar estes aqui hoje. — Eu continuo a
vasculhar o armário até encontrar seu vestido de suéter, meu favorito, e
segurá-lo. — E isto.
Ela cruza os braços contra o peito, os olhos apertados.
— Bronn, você está se sentindo bem? Eu amo esse vestido, mas não
consigo correr nele. O que você tem?
Jogando o vestido sobre a cama, ando até a cadeira na qual ela está
sentada e me agacho na frente dela.
— Quero dizer, se você quiser usar suas roupas de corrida para ir buscar o
seu pai, tudo bem. — Seus olhos se arregalam, e sua mão voa para sua boca.
— Mas, conhecendo você, acho que vai querer estar o mais bonita possível.
— Colocando-me de pé, eu a puxo comigo. — Então, por que você não veste
o vestido que eu escolhi?
Sua boca se abre e fecha, sem que palavras saiam. Uma única lágrima
rola pela sua bochecha, e eu a coleto com a ponta do meu polegar.
— É hora de trazê-lo para casa, baby — eu sussurro, apenas um momento
antes de ela se lançar em meus braços, gritando tão alto que eu me preocupo
com a perda permanente da audição.
Guardei a informação por dias, mal conseguindo me conter. O advogado
que Grace contratou com o dinheiro da avó valia cada centavo e conseguiu o
apelo com as novas provas. Mickey Chumley seria liberado, e hoje era o dia.
Ela se afasta e olha nos meus olhos, a profundidade da emoção irradiando
por cada um de seus poros.
— Eu te amo, Bronnson.
Nunca me canso de ouvir essas palavras, então, esmago meus lábios nos
dela.
— Eu também te amo, Grace.

***
Grace

O ar está congelando, o vestido não me mantém quente o suficiente. Eu sabia


que se o vestisse não seria capaz de afastar o frio do ar de dezembro, mas
Bronn estava certo. Eu quero parecer o mais bonita possível hoje.
Tremendo de frio, abraço minha própria cintura, esforçando-me para
evitar que meus dentes batam.
— Você está com frio?
Eu olho para Bronn e assinto, dando de ombros.
— A moda é sempre mais importante que o conforto.
Seus olhos se enrugam com um sorriso, e ele balança a cabeça
rapidamente.
— Quer a minha jaqueta?
— Não. Eu quero ficar bonita. E, sem ofensa, mas a sua jaqueta não
combinaria com o meu vestido. — Eu olho para baixo, recuando.
Deus, é possível congelar em apenas alguns minutos?
— Lá vem ele — Bronnson murmura, e eu ergo a cabeça. Posso ver uma
figura descendo pelo túnel, mal distinguível nas sombras.
Eu respiro fundo e pressiono meus lábios juntos. Prometi a mim mesma
que não vou chorar. Já chorei o suficiente nos últimos meses.
Uma figura sombria lentamente se torna mais clara, e eventualmente
consigo distinguir as feições do meu pai. Sua cabeça está erguida, os ombros
também. Foi-se embora o homem encurvado que vi naquele dia no tribunal.
O homem que sai do túnel tem olhos claros, as linhas profundas da testa
desapareceram e seu rosto está iluminado pelo sorriso mais ofuscante que já
vi.
Ele sai do túnel completamente e, quando o faz, jogo minha bolsa nas
mãos de Bronn e saio correndo. Quando seus pés atingem o meio-fio, ele abre
os braços e eu me lanço neles, gritando:
— Papai! — grito em seu ouvido. — Oh, meu Deus. Eu não posso
acreditar que isso é real!
Ele me abraça e não reclama quando eu o aperto o mais forte possível.
— Eu continuo pensando que vou acordar naquela cela de prisão — ele
sussurra no meu ouvido, sua voz vacilante.
Eu me afasto e vejo lágrimas escorrendo pelo seu rosto.
— Oh, papai — murmuro, apertando-o novamente. — Não chore! Você
vai me fazer chorar e eu passei uma hora fazendo minha maquiagem esta
manhã.
— Minha Ursinha — ele sussurra contra o meu cabelo.
Eu engulo em seco, mas me surpreendo por manter meus olhos secos.
Papai não me solta, e eu me recuso a ser a primeira a encerrar o nosso abraço.
Ficamos assim, de braços dados, no estacionamento da prisão de
segurança máxima, até que Bronn pigarreia atrás de nós.
Com um aperto final, eu me solto dos braços do meu pai e me viro.
Respirando fundo pelo nariz, pressiono meus lábios e forço um sorriso.
Estou mais nervosa do que pensei que estaria, mas, deixando escapar uma
respiração instável, digo a ele:
— Papai, esse é Bronnson. Meu namorado.
Durante o curso da minha vida, eu sempre imaginei como seria levar um
garoto para conhecer meu pai. Eu nunca pensei que fosse possível, mas isso
não me impediu de sonhar. Sempre desenhei um milhão de cenários
diferentes.
Eu ri imaginando meu pai apertando a mão do rapaz firmemente e dando
uma severa palestra sobre cuidar de sua princesa. Reviraria meus olhos e
sorriria quando ele declarasse que sua filha era boa demais para o garoto com
cara de bosta que ela trouxe para casa.
Mas nunca, em todas essas fantasias, eu imaginei isso – apresentar meu
pai ao filho do homem em quem ele atirou em legítima defesa.
Ninguém fala por vários momentos, a tensão no ar é espessa. Finalmente,
meu pai pigarreia e estende a mão.
— Bronnson, prazer em conhecê-lo.
Eu olho do meu pai para Bronn, depois volto para a mão que continua a
flutuar no ar, esperando por algum tipo de reação. Com o coração na
garganta, ensaio uma oração silenciosa para que este momento não seja um
erro.
Eu olho para Bronn e seus olhos encontram os meus. Um sorriso lento se
forma em seu rosto, e ele levanta a própria mão, agarrando a do meu pai e
dando-lhe um aperto firme.
— Sr. Chumley. Prazer em conhecê-lo.
Eles estão aqui, de mãos dadas, e olham um para o outro. Meu pai é o
primeiro a recuar, mas rapidamente meneia a cabeça.
— Estamos bem?
Bronn passa um braço em volta dos meus ombros e me puxa para si.
— Sr. Chumley, eu amo a sua filha. Tudo o que aconteceu entre nós está
no passado, onde deve permanecer. A única coisa que importa para mim é o
futuro. E meu futuro é com Grace.
Eu envolvo um braço em volta da sua cintura e estendo a mão livre para o
meu pai.
Juntos nós três nos afastamos da prisão, deixando a distância entre nós
ficar onde deve ficar.
No passado.
Bronn

Um ano depois

Eu me remexo na cama, sentindo falta de seu calor imediatamente.


Colocando-me sentado, eu a coloco em meu colo e a seguro contra meu peito.
Ela descansa sua bochecha contra o meu coração, do jeito como sempre faz, e
começa a traçar meus braços com a unha.
— Eu te amo, Grace Williams — murmuro contra seu cabelo.
Nunca me canso de dizer isso. Mas ela provavelmente deve estar cansada
de mim usando seu nome completo sempre que falo isso para ela, mas, se for
verdade, nunca reclama. Secretamente, acho que ela gosta tanto quanto eu.
Corro minha mão pela curva suave de seu quadril, deixando-a descansar
sobre a pequena ondulação de sua barriga. Quando ela me disse que estava
grávida, eu fiquei em êxtase. Nunca pensei muito em ter filhos, nunca pensei
que isso iria acontecer comigo. Percebi que passaria minha vida sozinho. Mas
então eu conheci Grace e não conseguia imaginar uma vida sem ela. Um bebê
parecia ser o complemento perfeito para o nosso futuro juntos.
Mas com o passar do tempo, a excitação começou a se transformar em
medo. Quanto mais seu corpo mudava, mais eu começava a me preocupar.
— O que houve, Bronn? — ela pergunta, com a cabeça inclinada para
trás. Eu me inclino para frente e capturo seus lábios com um beijo. — Humm.
Não pense que vai fugir da pergunta me beijando assim. Eu conheço esse
olhar. Algo está te incomodando. — Eu juro que, às vezes, realmente acredito
que ela realmente é uma super-heroína. Seu poder especial é o dom de ler
mentes. Ou isso ou ela é uma espécie de clarividente, porque sempre sabe
quando algo me incomoda, não importa o quanto eu tente esconder.
— E se... — Eu hesito, não tenho certeza de como colocar minhas
preocupações em palavras. Não quero que ela pense que estou duvidando de
qualquer coisa.
Ela agarra meu queixo com o polegar e o indicador.
— O quê?
Envergonhado por estar dizendo isso em voz alta, afasto os olhos dela e
murmuro:
— E se eu não for um bom pai?
Sua respiração profunda faz com que eu olhe para ela e veja seus olhos se
suavizando.
— Oh, querido. Por que você pensaria isso?
Eu rio amargamente.
— Bem, eu não tenho exatamente os melhores modelos para esse tipo de
coisa. E se paternidade for genética? E se estiver no meu DNA ser um pai de
merda? —Parece bobo quando digo isso em voz alta, mas o medo é legítimo.
E se houver algo profundamente enraizado dentro de mim que ditará
como eu serei como pai? Eu já amo o bebê que Grace está carregando, e sei
que faria qualquer coisa por ambos. Mas e se eu não conseguir lidar com isso
quando nosso filho chegar? Eu nunca cuidei de uma criança chorando, e se
isso me sufocar? Eu nunca poderia viver comigo mesmo se acabasse sendo
tão ruim quanto meu pai. Ou pior, distante como a minha mãe.
Ela sai do meu colo e se deita, fazendo eu imitá-la, colocando-me de
barriga para cima. Pairando sobre mim, seus olhos são intensos quando me
diz:
— Ser um mau pai não é transmitido por DNA. Seus pais não eram
apenas maus pais, eles não eram boas pessoas também. Mas você não é uma
pessoa má.
Tenho certeza de que as palavras dela servem para me tranquilizar, mas
também tornam tudo pior.
Posso não ser um cara mau agora, mas nunca fui um santo. Passei anos
canalizando minha raiva para as coisas erradas. Cresci odiando um homem
que nem era o cara mau, enquanto adorava um homem que era.
Foi um ano cheio de altos e baixos. Eu entreguei as fitas que tinha
conseguido com Tony para o advogado que Grace havia contratado. Ele não
perdeu tempo rebaixando a acusação de homicídio a homicídio involuntário.
O pai dela passou mais do que tempo suficiente na cadeia para cobrir a
sentença obrigatória pela acusação, então ele foi libertado não muito tempo
depois de a nova evidência ser apresentada.
Depois de usar de manipulado e dos meus punhos para fazer Tony
entregar as fitas, este saiu da cidade. Eu provavelmente deveria ter mantido a
calma, segui um caminho nada ortodoxo para obter as informações que
queria dele, mas não lamentava minhas táticas. O resultado final tem valido a
pena.
Mickey Chumley me recebeu de braços abertos, nunca usando o ódio
contra mim. Ele e Grace seguiram em frente em seu novo relacionamento, e
eu fiz questão de nunca interferir.
Eu tive um pouco de dificuldade para me acostumar a ter Mickey na
minha vida. O passado era algo de que eu não me orgulhava, mas Grace me
assegurou que ela entendia. Demorou algum tempo, mas finalmente
chegamos a um bom relacionamento, e acabei descobrindo que gostava de
passar tempo com o pai dela.
Ele estava rapidamente preenchendo o papel que eu necessitava tão
desesperadamente na minha vida.
Dani ficou arrasada quando contei a ela o que eu aprendi sobre o nosso
pai. Ela sabia que ele não era um cidadão modelo, mas ainda foi difícil de
aceitar quando as afirmações de Mickey foram confirmadas. No entanto, ela
não deixou que isso a impedisse de continuar sua amizade com Grace e
aceitar Mickey como parte de nossa família. Não pude deixar de admirar sua
capacidade de se recuperar das dificuldades e manter uma atitude positiva.
Mas como eu poderia ter pensado que ela faria algo diferente, já que passou
toda a sua vida mantendo uma atitude positiva em relação a mim.
Quando ela soube que Grace estava grávida e que eu seria pai, nunca
ficou tão excitada em toda a sua vida. Já tinha começado a planejar um chá de
bebê antes do final do dia.
— Bronnson, está me ouvindo? Você vai ser um pai incrível. O rosto de
Grace está pairando sobre o meu, seus olhos brilhando. — Eu nunca quero
ouvir você dizer que não vai ser.
Seguro cada lado de sua cabeça e puxo seu rosto para o meu.
— Diga isso de novo — peço a ela antes de beijá-la com força.
— Você vai ser um pai incrível — ela sussurra entre beijos.
— Diga de novo — peço a ela com mais urgência, precisando ouvir mais
uma vez.
— Você vai ser um pai incrível — ela diz ferozmente.
Meu peito incha, mas a dúvida ainda paira no fundo da minha mente.
— Como você pode ter tanta certeza?
Ela arqueia uma sobrancelha, um sorriso malicioso se espalhando por seu
rosto lindo.
— E eu já me enganei antes?
Eu quero desafiá-la, mas não posso fazer nada além de balançar a cabeça.
Ela sempre esteve certa sobre tudo ao longo de todo o nosso relacionamento.
Se ela diz que eu vou ficar bem – que vamos ficar bem – então eu acredito
nela.
— Além disso, não há mais ninguém que eu escolheria para ser o pai do
meu filho.
Meu coração pula uma batida.
Porra.
Um filho.
Um amigo para pescar. Tudo bem que nunca gostei de pescar antes na
minha vida, mas sempre há tempo para começar.
Um garoto para jogar a bola no quintal. Ainda bem que vendemos o barco
e compramos uma casa.
Um garotinho a quem poderei ensinar – mostrar o que é certo e errado.
Um homem que vai cuidar de sua mãe e ver apenas o bem nas pessoas. Uma
criança que eu amarei e que nunca hesitarei em dizer o quanto significa para
mim.
Eu sei que ao longo do caminho eu vou cometer erros, mas qual pai não
faz isso? Mas nunca deixarei meu filho pensar que ele é nada menos do que a
melhor coisa que sua mãe e eu fizemos.
Eu olho em seus olhos e sussurro:
— Grace Williams, você é incrível. Mais do que eu jamais poderia ter
sonhado. Eu nunca vou parar de tentar ser o homem que você merece.
Seus olhos se enchem de lágrimas, mas ela sorri para mim, um sorriso
irônico ainda iluminando suas feições.
— Bronn, você sempre foi o homem que eu mereço. — Ela passa os
dedos pelos meus, descansando a mão em sua barriga protuberante. —
Enquanto você estiver segurando a minha mão, nunca haverá uma única coisa
que não possamos superar. Seremos você e eu. Para sempre.
Este é o meu terceiro romance. Agradeci a muitas pessoas ao longo deste
processo, mas sempre há mais agradecimentos a serem feitos. Quanto mais
tempo você passar nessa comunidade, mais pessoas conhecerá e influenciarão
você, mas irão ajudá-lo, oferecerão orientação, suporte e encorajamento.
Este livro em particular foi um parto para eu escrever. Eu precisei de
muita ajuda ao longo do caminho. Um simples agradecimento no final do
livro não é o que essas pessoas merecem, mas é um começo.
Como sempre, para meu marido. Muito obrigada por sempre me aturar.
Por aturar tudo o que vem junto com a minha escrita, e ainda encorajá-la.
Você é o melhor marido que uma garota poderia pedir. Eu tenho sorte que
você seja meu.
Para meus filhos, que provavelmente nunca vão ler isso, eu amo vocês.
Espero que saibam disso.
Allison – eu te disse obrigado um milhão de vezes. Mas nunca vou parar
de dizer. Por ser você. Por estar sempre disposta a ajudar, mesmo quando está
atrasada em suas deadlines. Eu prometo sempre trazer vinho e café quando
você estiver em um beco sem saída.
Danielle – obrigada por sempre ser encorajadora, por sempre ouvir as
minhas queixas e por ainda ser minha amiga mesmo com tudo isso.
Amie – obrigada pelo apoio, incentivo e sessões de desabafo. Começar
neste negócio é difícil, é bom ter alguém para fazer tudo errado com você.

Megan Cooke – eu disse isso antes, mas vou dizer de novo. Você é
inestimável. Nada se compara aos seus conselhos, às suas mensagens
animadas pelas minhas palavras e às suas conversas estimulantes. Obrigada
por concordar em ser minha beta, mesmo que você tenha uma vida louca.
Você é incrível.

Kelly Markham – você me ajudou muito, lendo meu texto e tornando-o


melhor!

Julie Deaton – muito obrigada por trabalhar comigo no último minuto e por
não me demitir quando me atrasei para você!

Meghan March – obrigada por toda a ajuda com a minha sinopse em uma
manhã de sábado aleatória. Eu estava um caos e você me salvou. Obrigada
por estar tão disposta a ajudar os outros.

Para Staci Hart e Corinne Michaels, obrigada pela companhia no Indie Tea.
Suas ideias, sugestões e incentivo tornaram este livro ainda melhor.

Para todos os blogueiros – obrigada por ajudarem a espalhar a palavra. Sem


vocês, isso não seria possível.

E, finalmente, embora certamente não menos importante, para os meus


leitores: obrigada por lerem as minhas palavras. Por amá-las. Por falarem
sobre elas. Por se juntarem ao meu grupo. Por serem incríveis. Obrigada a
todos vocês. Muito, muito!

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