A. S. Teague A Distância Entre Nós
A. S. Teague A Distância Entre Nós
A. S. Teague A Distância Entre Nós
Teague
Copyright © 2019 Cherish Books
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Teague, A.S
A distância entre nós (The bars between us)/ Cherish Books; Rio de Janeiro; 2019
Edição Digital
Capa
Dedicatória
Prólogo
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Capítulo Onze
Capítulo Doze
Capítulo Treze
Capítulo Quatorze
Capítulo Quinze
Capítulo Dezesseis
Capítulo Dezessete
Capítulo Dezoito
Capítulo Dezenove
Capítulo Vinte
Capítulo Vinte e um
Capítulo Vinte e dois
Capítulo Vinte e três
Capítulo Vinte e quatro
Capítulo Vinte e cinco
Capítulo vinte e seis
Capítulo vinte e sete
Capítulo vinte e oito
Capítulo vinte e nove
Capítulo trinta
Capítulo trinta e um
Capítulo trinta e dois
Capítulo trinta e três
Capítulo trinta e quatro
Capítulo trinta e cinco
Epílogo
Agradecimentos
Grace
Eu sorrio na escuridão.
Eu: Você é muito ruim em pedir desculpas. Sabe disso, não sabe?
Eu não coloco o telefone de lado, porque não tenho que esperar muito por
uma resposta.
Eu: Eu disse.
Eu: Você é tão irritante... Mas me ama. É por isso que nunca me deixa em
paz.
Dani: Não, eu nunca te deixo em paz porque você é meu irmão mais novo.
Obrigação familiar, sabe?
O visor do telefone indica que ela está digitando, e eu não tiro os olhos da
tela. Quanto mais ela digita, mais nervoso fico. Suponho que vai me dar uma
nova lição de moral.
Que você provavelmente merece.
Dani: Desculpas aceitas. E sinto muito por falar de sua mãe. Aquilo foi um
golpe baixo. Eu te amo, Bronn. Boa noite.
Passei a noite inteira analisando cada minuto do meu encontro com Bronn.
Se é que foi um encontro.
A partir do momento em que quase o atropelei com meu carro, passando
pelo jeito como sorriu amplamente quando percebeu que fora eu que quase o
matara, a sua provocação sobre ter atropelado alguém antes, passei a analisar
cada um de seus gestos.
Sua atitude durante o almoço, de fazer o pedido por mim, deveria ter me
incomodado. Eu era uma mulher adulta, independente, não precisava de um
homem falando por mim. Mas ele se lembrou do jeito que eu gostava da
minha bebida, e mesmo que não fosse um drinque tão complicado, eu tinha
certeza de que, como bartender, ele tinha ouvido um milhão de pedidos
ontem. No entanto, lembrava-se do meu.
Será que tinha passado a noite anterior pensando em mim também?
Meu estômago se revira com o pensamento.
Eu rio em voz alta, feliz por estar sozinha e não ter que explicar minha
explosão súbita, repassando sua declaração de que tinha um paladar frágil.
Meu coração aperta quando me lembro da tristeza em seu rosto, quase
imperceptível, quando ele mencionou o pai. A maioria das pessoas não teria
notado isso. Mas toda vez que eu mesma falava do meu, a expressão do meu
rosto era idêntica.
Será que ele tinha perdido o pai também?
Faço uma anotação mental para mencionar sobre isso na próxima vez.
Minha lista de coisas para perguntar a ele cresce mais a cada minuto.
Eu quero conhecê-lo.
E isso me assusta pra cassete. Não porque esteja interessada em um
homem, mas porque me sentia preocupada em não encontrar uma razão para
querer ficar nesta cidade, e então meu trabalho me mandaria embora e eu
reviveria minha infância outra vez.
Finalmente, sentir-me em paz com a vida só para tê-la arrebatada de mim.
Mais uma vez.
Então, depois de uma noite me revirando na cama, com um sono que foi
atormentado por sonhos, tanto do passado quanto do presente, esforço-me
para sair da cama bem antes de o sol nascer e calço meus tênis de corrida.
Estou determinada a expulsar Bronnson Williams do meu pensamento.
A vizinhança onde moro fica localizada próxima ao longo do Port Royal
Sound, e eles têm uma pequena praia fabulosa chamada Sands.
Sigo meu caminho pelas ruas calmas, com o sol começando a despontar
no horizonte, tentando afastar meus pensamentos de Bronn, enquanto os levo
a um tempo distante.
— Mamãe, sinto falta da praia. Nós vamos voltar para casa em breve?
Sua expressão murchou.
— Não, querida — ela sussurrou. — Nós nunca vamos voltar. Esta é a
nossa casa agora.
Meus olhos se encheram de lágrimas, e eu senti a tristeza me dominando.
— Mas eu não gosto deste lugar. Eu sinto falta do oceano. Sinto falta do
meu quarto. Tenho saudades do papai!
O rosto de mamãe se endureceu.
— CHEGA!
Seu tom me assustou, fazendo com que lágrimas caíssem de meus olhos.
Em vez de me puxar para seus braços para me confortar, ela se virou e
correu para fora do quarto, abandonando-me, enquanto eu chorava pelas
minhas perdas.
Quando me afasto da dolorosa lembrança, percebo que cheguei ao meu
destino. Olho em volta, vendo que estou sozinha e desacelero minha corrida
para uma caminhada.
Na beira da água, jogo-me sentada e cruzo as pernas, sentindo-me
satisfeita, ouvindo os sons da água enquanto espero que o sol se levante. A
tristeza perdura, mas começa a diminuir quando me acomodo.
Mamãe não estava sendo cruel anos atrás, como sempre pensei. Ela
estava sofrendo tanto quanto eu e lidando com isso da única forma que sabia.
Estava determinada a forjar um novo caminho na vida para ela e sua única
filha. Eu gostaria de ter percebido isso, mas era apenas uma criança.
E agora é tarde demais. Mamãe se foi.
Assim como o meu pai.
Como o Papai.
Sou só eu agora.
Eu tenho Riley. E um amigo de verdade é mais do que suficiente. Mas há
algo especial em saber que há uma outra parte de você em algum lugar.
Alguém a quem está conectado de jeito único, e isso é reconfortante.
E vovó ainda está viva, mas a demência roubou sua mente.
Mesmo que minha mãe tivesse se afastado de seus próprios pais por um
tempo, ela ainda se confortava em saber que eles existiam. E provou ser um
esforço que valera a pena, porque com o tempo ela consertou as coisas com
eles. Depois da reconciliação, passou a me lembrar constantemente de que
nunca era tarde demais para desculpas e segundas chances.
Depois que saímos de Beaufort, minha mãe cumpriu sua promessa de que
nunca mais voltaríamos. Nossas férias em família nunca incluíram a praia ou
o mar. Ela me disse que era porque preferia as montanhas ou as planícies,
mas eu sabia que, na verdade, estava tentando apagar as memórias do lugar
de onde viemos.
Eu não entendia os motivos dela, e até agora eu ainda não consigo
entender. Mas, quaisquer que fossem, ela os levou para o túmulo com ela, e
não adiantava especular sobre isso.
Fico sentada na areia por mais algum tempo, vendo o sol nascer
espetacularmente sobre o mar, e respiro fundo, saboreando o cheiro da água
salgada. Um golfinho pula na minha frente, e eu grito de alegria. Vários
outros seguem o seu líder, e eu sou apresentada a um show que nunca poderia
ter imaginado que veria, vivendo na capital do estado.
— Você estava errada, mamãe. Esta é a minha casa — murmuro.
Eu me levanto, limpando a areia atrás da minha legging e retomo minha
corrida. Consigo afastar os pensamentos de Bronn da minha mente, mas não
tenho certeza se as memórias que tomaram seu lugar são melhores.
Eu me esforço mais do que deveria, com a intenção de tirar a
negatividade do meu sangue. Em minha segunda volta pelo bairro, avisto
uma cafeteria e decido parar e me mimar. Sinto o cheiro de café e de bolos
recém-assados.
— Bom dia! — uma morena cumprimenta de trás do balcão. Eu sorrio e
aceno.
— Dando uma corrida? — ela pergunta.
— Sim, eu corria no colegial e na faculdade, mas tenho andado
preguiçosa ultimamente, e isso ficou bem evidente esta manhã. — Eu rio,
levando a mão à minha coluna.
Fui campeã estadual de cross-country no ensino médio e continuei
correndo e competindo na faculdade, mas depois de me formar não consegui
me dedicar tanto quanto antes. A corrida desta manhã foi a primeira em pelo
menos um mês, e mesmo que não tivesse me esforçado tanto quanto poderia,
ainda sentiria o peso da negligência amanhã.
Ela acena com a cabeça.
— Eu até tento correr algumas manhãs por semana, antes de abrir a
cafeteria. Mas, na maioria das vezes, minha cama aconchegante vence meu
desejo de ficar em forma. — Ela está colocando cookies de uma bandeja na
vitrine, e eu me aproximo para conferir as opções. Um com queijo
dinamarquês do tamanho da minha cabeça me chama a atenção.
— Vou ter que mudar minha rota de corrida para que ela não passe por
aqui, senão vou arruinar todo o meu trabalho duro com essas guloseimas que
você tem.
Ela ri e se endireita, colocando a bandeja em um balcão atrás dela.
— Você é nova na cidade?
Assinto.
— Bem, eu sou a Dani. Sou dona deste paraíso da cafeína, juntamente
com um grupo de outras empresas no centro. Viu algo que gostou? O
primeiro é por conta da casa.
— Oh, você não precisa fazer isso! Mas, sim, eu vou querer aquele com
queijo dinamarquês. E um café grande, com creme extra. Eu sou a Grace, a
propósito.
Ela tira a torta de queijo dinamarquês da bandeja e a coloca em uma
caixinha antes de pousá-la no balcão e se preparar para fazer o meu café. Por
cima do ombro, ela me diz:
— Considere esta a minha versão de um presente de boas-vindas.
Ela está dando os toques finais no meu café quando o sino acima da porta
toca novamente, e eu me viro instintivamente para ver quem entra.
Meus olhos se arregalam quando vejo que é Bronn.
Tanto esforço para tirá-lo da minha mente!
Minhas mãos voam automaticamente para o meu cabelo, e eu tento
desesperadamente arrumá-lo.
Um senhor mais velho sentado à porta chama a sua atenção, e eu suspiro
aliviada por ele não me notar.
Volto para a barista e sussurro:
— Uhm, você tem um banheiro?
Com a sobrancelha arqueada, ela sorri.
— Claro que sim. Bem ali. — Dani ergue um dedo e meu olhar segue a
direção para onde ela aponta, que é para os fundos da loja, diretamente atrás
de onde Bronn está.
Merda!
Eu pego um guardanapo do balcão e limpo meu rosto, enxugando o suor e
o brilho da minha corrida.
— Eu pareço ridícula? — pergunto, minha voz ainda baixa.
— Se você se refere ao seu traje de corrida, então, não. Mas se está se
referindo ao olhar de pânico em seu rosto porque Bronn entrou... bem, talvez
só um pouco.
Droga!
Ela ri, e o barulho chama a atenção dele, que olha para longe do
cavalheiro com quem está falando, voltando-se diretamente para mim.
Com um sorriso lento, ele se despede do homem e segue até onde eu
estou, completamente congelada, com a adrenalina correndo pelas minhas
veias enquanto sinto-o aproximar-se. O sorriso se torna mais amplo quanto
mais perto ele fica, e eu não consigo recuperar o fôlego. Está vestindo uma
camiseta sem mangas, e eu não consigo parar de olhar para seus braços
musculosos, imaginando como seria se estivessem ao redor do meu corpo.
— Bem, que surpresa vê-la aqui, Grace — sua voz soa baixa, e um
arrepio percorre minha espinha enquanto seus olhos me secam da cabeça aos
pés.
Finalmente saindo da névoa induzida pelos seus bíceps, engulo em seco e
digo a ele, de forma lamentável:
— Sim, eu estava voltando do cooper e parei para tomar café da manhã.
— Era óbvio o que eu estava fazendo, mas minha mente falhava em qualquer
outra forma de conversa inteligente.
Bronn olha por cima do meu ombro e assente.
— Dani, eu queria um daqueles bolinhos de mirtilo e um café grande.
Imagino que ela tenha concordado, porque a atenção dele se volta para
mim.
— Você está com pressa?
Eu balanço a minha cabeça em negativa.
— O trabalho só começa na semana que vem.
— Ótimo. Vamos nos sentar. — Assim como ontem, ele não espera que
eu concorde, só se vira e vai até uma mesa no canto.
Com pouca escolha a não ser segui-lo, atravesso a pequena loja e tomo a
cadeira em frente a ele.
— Você está acostumado a conseguir o que quer, não é? — pergunto
depois de me sentar.
Ele ergue uma sobrancelha, e eu continuo.
— Quero dizer, você nem esperou que eu dissesse: "Sim, eu adoraria
tomar um café com você", só falou, no melhor estilo homem das cavernas:
"Vamos nos sentar", e depois saiu de perto. E se eu não quisesse me sentar? E
se eu preferisse ficar de pé? E se eu quisesse ficar sentada do lado de fora e
não neste canto escuro?
Ele se inclina para frente, descansando os braços sobre a mesa de madeira
falsa. —Você quer ficar de pé? — pergunta solenemente.
Eu estico minhas pernas para frente, estremecendo um pouco quando elas
tremem de dor.
— Bem, não. Minhas pernas já estão doloridas da minha corrida.
Ele assente.
— Hummm. E você quer se sentar do lado de fora? — ele pergunta, com
o rosto ainda sério.
— Quero dizer, está um belo dia lá fora. — Olho ao redor da loja
aconchegante que agora está vazia agora, exceto por Dani, a barista. — Mas
tudo bem também.
— Então, o que você quer dizer é que esta mesa que eu escolhi está boa
para você? — Sua boca se contorce, e eu juro que ele está lutando contra um
sorriso.
Meus olhos se estreitam, e eu cruzo meus braços contra o peito.
— Suponho que seja exatamente o que estou dizendo.
Seus olhos disparam para o meu peito, e ele finalmente cede, soltando
uma grande gargalhada.
— Sabe, você faz muito isso.
— O quê? Reclamar sobre alguma coisa, mesmo que não valha a pena
reclamar? — pergunto, lutando contra o meu próprio sorriso.
Ele dá um rápido aceno de cabeça.
— Não. — Apontando o queixo em minha direção, ele diz: — Você fica
cruzando os braços contra o peito, me dando uma visão provocante do seu
decote. E quanto mais faz isso, mais difícil está se tornando não ceder e
apreciar a vista — sua voz torna-se deliciosamente baixa. — E, eu vou ser
honesto com você, Grace, estou tentando muito ser um cavalheiro aqui.
Pela forma como pronuncia meu nome, junto com a suavidade rouca de
sua voz, meu corpo começa a formigar e eu me contorço sob seu olhar
penetrante.
Ele percebe, e seus olhos se escurecem ainda mais.
— Então, a menos que você queira que o meu homem das cavernas
interior me vença e jogue você por cima do meu ombro, para te levar para
fora deste café, sugiro que relaxe um pouco. Pode começar descruzando os
braços.
Ele me dá uma piscadela lenta quando uma de suas mãos grandes puxa
meu pulso, liberando-o logo em seguida, assim como fez no dia anterior, em
nosso almoço. Meus braços caem nas laterais do meu corpo. Meu rosto está
quente, corado e não tenho certeza do que fazer ou dizer em seguida.
Pelo amor de Deus, Grace, recomponha-se!
Como um anjo enviado do céu, Dani surge à mesa, trazendo o café e o
biscoito de Bronn, e me salva de me envergonhar ainda mais.
— Aqui está, querido — diz ela, colocando os itens sobre a mesa.
Ela se inclina, com aquela cintura incrivelmente fina, e dá um beijo na
bochecha de Bronn. Meu coração se afunda tão profundamente dentro do
peito que eu tenho certeza de que há uma âncora conectada a ele.
A mão de Dani pousa no ombro dele, e ela se vira e pergunta:
—Você quer que eu te sirva mais café, Grace?
Com muito medo de dizer algo estúpido, pressiono meus lábios e balanço
a cabeça.
Minha mente se agita, primeiro em descrença e depois com raiva.
Será que Bronn tem namorada? Noiva? Esposa?
Talvez eles tenham um relacionamento aberto? Talvez ele esteja
acostumado a flertar na frente dela, e ela já nem liga mais para isso? Dani foi
extremamente acolhedora, talvez aquele lugar seja assim mesmo. Bronnson e
Dani Williams, o comitê de boas-vindas da cidade pequena...?
Com isso, minha mente acelera, quando sou acometida por uma vertigem.
Meu estômago se agita quando a humilhação me alcança, e percebo que
me fiz de idiota.
Tão rápido quanto a humilhação ameaça me dominar, a raiva borbulha e
assume seu lugar.
Como ele se atreve a flertar comigo? Como pode ser tão desrespeitoso
com Dani, levando outra mulher para almoçar, com aquela conversinha idiota
sobre molho de pimenta e depois falando sobre meus malditos seios,
enquanto ela obedientemente prepara seu café a poucos passos de distância?
Sentindo que já tinha visto o suficiente da situação, coloco-me de pé e
pigarreio.
— Eu realmente vou ter que fugir do seu café e da sua torta de queijo
dinamarquês, Dani.
Engulo o nó que está se formando na minha garganta e lanço um olhar
zangado para Bronn.
— Foi muito bom conhecer você. E obrigada pela conversa, mas tenho
que ir. Preciso começar a trabalhar.
É mentira, e eu sei que ele percebe isso no momento em que as palavras
saem dos meus lábios, mas não me importo. Tenho que sair daqui antes de
dizer algo do qual me arrependa.
Como chamá-lo de homem das cavernas.
Ou vomitar o nosso almoço de ontem.
Estou segurando a maçaneta da porta, prestes a abri-la, quando a mão
forte de Bronn cobre a minha.
— Ei, aonde você vai tão rápido?
Tirando a minha mão da dele, atiro-lhe um olhar raivoso, antes de abrir a
porta e sair sob o sol.
Ele me segue de perto, não mostrando sinais de que vai me deixar escapar
tão fácil. A raiva que corre pelas minhas veias finalmente entra em erupção, e
eu me viro para encará-lo.
—Você é um porco!
Ele para sua caminhada, erguendo as sobrancelhas até que elas atinjam a
linha de seu cabelo.
— Bem, eu já ouvi isso antes. Mas geralmente sei o que fiz para merecer
o xingamento.
Sua resposta casual só piora meu temperamento, que já está fervendo.
—Você me levou para almoçar ontem. Me convidou para jantar com você
esta noite. Comenta sobre meus peitos. Tudo isso enquanto tem namorada.
Ou esposa. Ou seja lá o que ela é!
Bronn fica boquiaberto e, então, deixando-me horrorizada, sorri.
— Dani não se importa que eu te leve para almoçar. Ou te convide para
jantar. Ou que comente sobre seus peitos.
Um som de desgosto escapa dos meus lábios.
— Bem, fico feliz que tenha encontrado alguém assim, mas seu estilo de
vida não é para mim.
Bronn dá um passo em minha direção, mas eu me mantenho firme. Ele
não para de avançar até se colocar à minha frente.
—Tem certeza de que não está interessada em meu estilo de vida? — sua
voz soa como pouco mais do que um sussurro. — Não é tão ruim, aposto que
você acabaria gostando dele. — Bronn pisca, e agora eu que fico boquiaberta.
Meu estômago se revira em nós, pois sua proposta é algo com o qual
nunca tinha me deparado.
— Absolutamente, não. Eu não compartilho.
Ele coloca o polegar e o indicador sob meu queixo, inclinando a minha
cabeça para trás. Esquivo-me de seu toque e dou um passo para trás. Minha
ação não o detém.
— Nem mesmo com a minha irmã?
A bile sube pela minha garganta.
— Incesto? — sussurro. Começo a me afastar dele, precisando me
distanciar um pouco.
Espere um minuto.
Quando as linhas ao redor de seus olhos começam a se enrugar por causa
de um sorriso, a verdade me atinge.
— Oh, Deus! — eu gemo, cobrindo meu rosto com as mãos. — Sou tão
idiota. — Nunca estive mais envergonhada em toda a minha vida. — Eu não
me importaria se o chão se abrisse e me engolisse agora — murmuro por trás
das minhas mãos, sentindo minhas bochechas pegarem fogo.
Ele afasta minhas mãos do meu rosto, deixando o seu próprio pairar a
poucos centímetros do meu.
— Sim, você é. — Ele pisca, firmando seu sorriso. — Mas é uma idiota
fofa.
— Você deve estar pensando que eu sou louca — choramingo, ainda
incapaz de olhar nos olhos dele.
Bronn sacode a cabeça, a mão ainda segurando meus pulsos.
— Não. A única coisa na qual estou pensando é a que horas posso buscá-
la para o nosso encontro hoje à noite.
Oh, Deus.
Eu me esqueci no nosso encontro hoje à noite. E agora que fiz uma
grande cena, estou começando a duvidar que ele possa acontecer.
—Você... você tem certeza de que ainda quer sair hoje à noite?
Ele solta a minha mão. Dando um passo para mais perto – se é que isso
era possível −, ele coloca uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha,
demorando um pouco mais com a mão no meu pescoço. O leve toque de seus
dedos na minha pele faz com que um tipo diferente de calor percorra meu
corpo.
— Eu fiz reservas no Shrimp Shak. Pedi a melhor mesa no convés. Seria
uma pena ter que levar minha irmã para jantar.
Eu franzo o cenho.
—Você realmente fez reservas no Shrimp Shak?
— Claro que não. — Ele ri. — Acho que eles nem têm um maldito
telefone naquele lugar. — Pega a minha mão, um hábito que notei que ele
tem, e corre o polegar pelo meu pulso.
Um simples gesto que ajuda a derreter o último resquício de embaraço.
Uma onda de calor floresce no meu peito quando ele pede com avidez:
— Então, jantar esta noite?
Não existe uma única chance de eu recusar esse convite, então, assinto.
— Não quero que você seja forçado a levar sua própria irmã para um
encontro. — Suspiro em falso horror. — O que as pessoas da cidade
pensariam?
Ele faz uma careta.
— Nós não queremos que eles fofoquem sobre nós, não é?
Pressionando meus lábios, eu balanço minha cabeça.
— Não, definitivamente não.
Bronn
Seguro um copo de papel com o melhor café que já tomei em uma das
mãos, enquanto Bronn e eu caminhamos lado a lado de volta para minha
casa. Minha outra mão está aninhada na dele. Um simples ato, que nunca
mexeu comigo, até que Bronn entrelaçou nossos dedos em nosso primeiro
encontro. Agora, não conseguia me satisfazer daquele contato. Ou do
sentimento que inundava meu corpo toda vez que ele me segurava daquela
forma.
Passa um pouco das nove da manhã, mas a umidade e o calor já estão
quase insuportáveis; o sol subiu completamente no horizonte durante a nossa
improvisada expedição de descoberta de fósseis.
Nosso ritmo é quase o mesmo de uma tartaruga presa na lama, mas
guardo meus comentários para mim mesma, porque a dor por causa de nossa
corrida está escrita em todo o rosto dele.
É óbvio que ele não tem o costume de correr, apesar de sua insistência em
me convencer do contrário, mas eu gosto de sua companhia, então, não digo
nada. Embora ele esteja mancando, sinto-me mal por não ter percebido isso
antes de começarmos. Poderia ter diminuído um pouco o ritmo.
Bronn desacelera ainda mais, parando ao lado de sua caminhonete e
abrindo a porta do lado do motorista. Ele me entrega o café e entra
cautelosamente na cabine, gemendo pelo esforço.
Pressiono meus lábios para não rir, e ele me flagra, estreitando os olhos.
— Ha, ha. Eu sei, eu sei. É minha culpa — ele lamenta, estremecendo
novamente quando se acomoda no assento. — Ouça, eu preciso ir para casa
para tomar uma aspirina.
— Você precisa tomar um banho de banheira com sais de banho —
sugiro. — E talvez tentar ibuprofeno em vez de aspirina.
Ele balança a cabeça.
— Não tenho uma banheira. E o que eu preciso é tomar muitos relaxantes
musculares. E preciso também de uma máquina do tempo.
Arqueio uma sobrancelha e entrego seu copo, apoiando meu quadril
contra a porta aberta.
— Você é realmente tão fracote? Nós só corremos uns três quilômetros,
isso não é nada.
Seus olhos praticamente saem de sua cabeça, e eu rio enquanto ele solta
um gemido.
— Você estava correndo a toda velocidade.
Passei minha mão pelo meu rosto, tentando esconder o sorriso, mas não
sou rápida o suficiente.
— Você sabia que eu não era um corredor. — Sua voz está cheia de
descrença. — Fez isso de propósito!
Eu dou de ombros.
— Não sei do que você está falando.
Ele balança a cabeça, colocando o café no porta-copos. Observo seus
movimentos lentos, imaginando se nosso treino de alguma forma teria
deixado seus braços doloridos também, quando uma bolsa me chama a
atenção.
Inclino-me sobre ele, ciente do fato de que meus seios estão roçando em
seu colo, e pego o saquinho de plástico.
— Ei, ei! — ele grita, estendendo sua própria mão para tentar alcançar a
bolsa antes de eu conseguir fazê-lo.
— São...? — Eu paro, estudando a bolsa de dentes de tubarão na minha
mão. Meu estômago se revira, e eu me sinto inundada por um sentimento de
humilhação. Respiro fundo várias vezes antes de erguer os olhos para ele.
Seu rosto sustenta uma expressão de culpa e há um sorriso tímido em seus
lábios.
Fecho meus olhos bem apertados.
— Você espalhou esses dentes de tubarões na praia? — minha voz está
trêmula.
Ele cruza os braços contra o peito, usando minhas palavras contra mim.
— Não sei do que você está falando.
— Sim, você sabe! — digo, minha voz saindo quase como um grito.
Balanço a bolsa na cara dele. — Você colocou esses dentes lá!
Meu estômago parece oco. Estou irritada. E humilhada. Estava
convencida de que tinha encontrado todos aqueles dentes, mas, ao invés
disso, estava sendo apenas feita de idiota.
Ele cede, descruzando os braços, pegando a bolsa da minha mão e a
jogando no assento ao lado dele. Entrelaçando seus dedos nos meus, ele
suspira.
— Bem... Sim eu coloquei.
Respirando fundo, pergunto com os dentes cerrados:
— Por quê?
Seus olhos desviam de mim, e ele olha para o para-brisa rachado de sua
caminhonete.
— Eu não sei. — Respirando fundo, ele explica: — Eu acho que só
queria que você finalmente encontrasse o dente de um tubarão. Claro que não
teria tanta graça comigo quanto teria tido com seu pai, mas pelo menos você
poderia dizer que conseguiu. — Ele olha para mim, e a honestidade em seu
rosto tira meu fôlego. — E eu queria estar com você quando você os
encontrasse.
Seus olhos tornam-se intensos, e ele baixa o tom de voz ao perguntar:
— Você está brava?
Sim!
Ou pelo menos eu estava.
Sinto-me como uma idiota por ter ficado tão excitada ao encontrar dentes
de tubarões falsamente plantados na areia. Tenho certeza de que parecia
ridícula rastejando na areia, procurando por algo que ele sempre soubera que
estava lá.
Mas como diabos eu poderia ficar com raiva por ele fazer algo que sabia
que me deixaria feliz? Ele tinha se lembrado da memória aleatória que
compartilhei com ele, viu o que isso significava para mim, entendeu a
importância e tentou o seu melhor para cumpri-la.
Meu peito se incha, minha garganta está cheia de emoção, e quando abro
a minha boca para falar, nenhum som sai. Então eu balanço a minha cabeça.
Bronn solta um suspiro de alívio e sussurra:
— Bom.
Entrelaço sua mão na minha, beijando seus dedos um por um, meus olhos
nunca deixando os dele. Quando termino, inclino-me para frente e esfrego
meus lábios contra os dele.
Ele enrosca a mão no meu cabelo, segurando minha cabeça com firmeza
enquanto nos devoramos, permitindo que eu sinta o sabor do café em seus
lábios. O beijo é lento, sua língua não tem pressa, sabendo que não vou a
lugar algum. Pressiono meu corpo contra o dele, querendo estar o mais perto
possível enquanto sua boca continua a explorar a minha.
Eu quero que dure para sempre − a sensação de sua boca macia
contrastando com seu corpo rígido pressionado contra o meu, mas de forma
muito breve ele se afasta. Ofegante, eu descanso a minha testa contra a dele e
digo-lhe suavemente:
— Desculpe se exigi muito esforço de você mais cedo.
Ele ri.
— Não foi sua culpa. Eu não deveria fingir saber o que diabos estava
fazendo.
— É verdade — eu concordo.
Eu não digo a ele que também estou fingindo saber o que diabos estou
fazendo.
Grace
***
Não consegui escapar dos meus amigos depois que cheguei ao clube. Toda
vez que fazia menção de sair, eles choramingavam e me imploravam para
ficar um pouco mais, então, eu cedia, não querendo ser grosseira. Quando
eles finalmente decidiram encerrar a reunião, já passava da meia-noite.
Eu estava exausta, meus olhos inchados pela falta de sono, meu corpo
mais cansado do que nunca.
Mas, porra, eu jamais permitiria que isso me impedisse de entrar no meu
carro para dirigir para casa. Eu me despedi, ignorei os pedidos de Riley para
passar a noite e comprei um café antes de pegar a estrada. Eram quase três da
manhã quando cheguei ao bar, a rua estava deserta e tudo escuro lá dentro.
Droga!
Eu sabia que as chances de Bronn ainda estar lá eram pequenas, mas o
vislumbre de esperança me alimentou durante todo o caminho.
Tirando meu celular da bolsa, envio-lhe uma mensagem.
Meu coração afunda no peito. Eu não quero falar com ele amanhã. Quero vê-
lo. Esta noite. Respiro fundo e digito uma mensagem.
Eu não deveria.
Criticando a mim mesma, apago as palavras e olho para o meu telefone.
Porra, por que não?
Escrevo de novo, mas hesito, não apertando enviar.
Oh, que se dane!
Finalmente pressiono enviar e mordo meu lábio, enquanto minha mente
pondera todas as razões pelas quais eu deveria apenas voltar atrás e ir para
casa.
Seguro o telefone com firmeza, sentindo meu coração bater forte no peito,
rezando para que não me diga não. Eu deveria ter ligado para ele mais cedo,
enviado uma mensagem explicando, algo para lhe avisar que eu não o estava
negligenciando.
Mas eu não fiz isso, e agora temia ter estragado tudo. Finalmente, uma
mensagem chega.
Deixo escapar um suspiro de alívio e ergo meus olhos; a marina está bem no
fim da rua.
Eu não faço ideia do porquê de ele estar na marina no meio da noite, mas
dirijo até lá de qualquer maneira.
Ele está encostado no corrimão, as mãos enfiadas nos bolsos de um jeans
surrado, uma camiseta esticada no peito musculoso.
Meu coração galopa e minha boca quase saliva ante a visão.
Ao me aproximar dele, eu digo:
— Você planeja me matar e me jogar na água?
Ele não ri, apenas mantém uma expressão solene.
— Não, eu moro aqui.
Olho em volta, confusa. O local não passa de barcos na água.
Mantenho-me próxima dele, mas Bronn não me puxa para um abraço.
Não pega a minha mão. Apenas dá um meneio de cabeça e depois se vira.
— Por aqui.
Riley tentou me convencer a ficar, mas eu recusei, imaginando o
momento em que veria Bronn. Minhas fantasias não incluíam um meneio de
cabeça e um simples "Por aqui".
Mesmo que meu estômago esteja agitado, eu o sigo pelo cais. Depois de
passar por barcos que parecem idênticos no escuro, ele para em frente a um,
bem grande, e com um gesto amplo diz:
— Lar doce lar.
— Você...? Você vive em um barco? — Observo ao redor, com meus
olhos arregalados. Seus ombros se enrijecem.
Eu o ofendi.
Merda.
— Eu sinto muito, estou apenas... surpresa.
Ele ainda não relaxa, e sua voz se mantém tão firme quanto seu corpo.
— Sim, não é muito, mas eu não preciso de muito.
Assinto e sorrio, esperando deixá-lo à vontade.
— Então faça um tour comigo.
Bronn pula dentro do barco e se vira, estendendo a mão para mim. Eu a
pego, sentindo meus dedos formigarem pelo contato, e subo a bordo. Uma
vez que meus pés estão firmemente plantados no convés, ele solta a minha
mão.
Girando em seus calcanhares, ele seguiu o caminho até a porta da cabine.
—Bronn? — eu chamo, e minha voz soa trêmula. Pigarreio, então ele
para, mas não se vira. — Sinto muito por esta noite. Você não ficou
esperando por mim, ficou?
De costas para mim, ele balança a cabeça.
— Não. Não se preocupe com isto.
— Por que você está agindo como um idiota? — digo, cansada daquela
merda.
Eu sei que deveria ter ligado mais cedo. Sei que estava era ansioso para
me ver tanto quanto eu estava ansiosa para vê-lo, mas tinha voltado e me
desculpado. Não mereço toda aquela frieza com que está me tratando.
Com um suspiro pesado, ele passa a mão pelo cabelo, jogando-o para
cima e olha para mim por cima do ombro.
— O que você está fazendo aqui?
— Estou aqui para ver você.
Sua mão não está mais na maçaneta; ele finalmente se volta para mim e se
inclina contra a porta de madeira. Seus braços se cruzam no peito,
evidenciando os músculos sob a camiseta branca, e sua mandíbula se cerra.
O silêncio entre nós é incômodo, e eu quero preenchê-lo, mas não
consigo pensar em nada para dizer. Em vez disso, fico aqui,
desconfortavelmente deslocando meu peso de um pé para o outro. Quanto
mais seu olhar fixo me examina, mais me sinto como a criança que eu
costumava ser, parada na frente de vovó enquanto esperava que ela
distribuísse suas duras críticas.
Quando não aguento mais aquele tratamento, abro meus braços. —
Apenas me diga qual diabos é o problema, Bronnson.
Seus olhos se abrem brevemente antes de se fecharem novamente. Ele
descruza um braço e balança a cabeça.
— Eu menti.
Frustrada, atravesso o pequeno convés até ficar diretamente de frente para
ele.
— Sobre o quê?
— Passei todo o meu maldito dia esperando por você. Verificando meu
maldito telefone obsessivamente, sentindo meu estômago revirar cada vez
que não recebia uma única palavra sua.
Eu sabia.
— Eu sinto muito.
Ele ri amargamente.
— Tanto faz.
— Não, não "tanto faz" — eu sussurro, colocando minha mão em seu
braço. —Eu deveria ter mandado uma mensagem ou ligado para você.
Seus olhos se voltam na direção de onde minha mão está tocando, como
se cogitasse afastá-la. Quando ele não faz isso, digo-lhe:
— Fiquei presa lá e, quando finalmente me livrei, minha mente estava tão
confusa com todo o drama do dia, que simplesmente não consegui pensar. —
Terminando com um suspiro feroz, reitero: — Porra, eu deveria ter ligado.
— Sim, você deveria mesmo — ele sussurra duramente. Meu coração
está batendo forte.
Ia ser assim?
Porra, não mesmo.
— Escute, eu não sei o que mais posso dizer para provar que estou me
sentindo muito mal por não ligar para você! — grito, passando minhas mãos
pelo cabelo. Ele não se move, e seus olhos parecem atirar punhais em mim.
— Então, você vai aceitar meu maldito pedido de desculpas e me mostrar sua
casa ou vamos ficar parados aqui, nos encarando a noite toda?
Uma gargalhada surge de algum lugar no fundo de seu peito.
— Você é uma porra de uma bomba relógio — diz ele, enquanto faz um
grande gesto com o braço. — Venha logo, antes que exploda todo o lugar
com esse seu jeitinho estourado.
Meus ombros caem, enquanto eu sou inundada por alívio.
Graças a Deus.
Dou dois passos na direção dele e me coloco na ponta dos pés, beijando
seus lábios. Ele enlaça minha cintura com um braço, e meu estômago revira
quando ele me puxa contra seu corpo.
Ele lambe meus lábios, e eles se separam, permitindo que sua língua
invada a minha boca. O beijo é rude, e sua língua entra em guerra contra a
minha.
— Desculpas aceitas — ele murmura.
Eu suspiro e dou um passo atrás.
— Porra, já estava em tempo.
Segurando minha mão, ele me puxa para a sala de estar, anunciando:
— Bem, aqui temos a entrada. O piso é feito de uma madeira exótica,
difícil de encontrar, chamada pinheiro.
Eu rio e o sigo enquanto ele passa pela porta.
Bronn estava certo quando disse que o local era simples. Olho em volta
da pequena área, observando a cama desarrumada e a desordenada cozinha.
Uma pia, que não é muito maior que um balde de esfregão, está cheia de
pratos.
Além do pequeno quarto há outra porta que só posso esperar que seja o
banheiro. Bronn aponta para a cama.
— O quarto principal está diretamente à sua frente, a cozinha, à sua
direita. O banheiro suíte fica atrás dessa porta e, à sua esquerda, é a sala de
estar.
Eu olho para a "sala de estar", e vejo que ele está se referindo a um único
banco no canto.
Bronn se vira para mim.
— E isso finaliza o tour pelo Chateau de Williams.
— Parece... aconchegante.
Ele chega a latir de tanto rir.
— Sim, você poderia chamar assim. Também pode chamá-lo de apertado,
não convencional e patético. Mas vamos ficar com aconchegante.
Inclino-me para ele, descansando minha mão em seu peito, e beijo sua
bochecha, sussurrando:
— Eu gosto.
— Claaaaaaro — ele fala arrastadamente.
Permaneço na cozinha enquanto ele caminha para a cama, jogando-se lá.
Dá um tapinha no espaço ao lado dele.
— Não tenho um sofá.
Minha boca fica seca ao pensar em me sentar ao lado dele na cama.
Era exatamente nisso que eu estava pensando naquela manhã.
Começo a me aproximar, quando ele tira a camiseta. Quase tropeço em
meus próprios pés quando seu abdômen perfeito surge diante de mim.
Meu coração troveja no meu peito, e eu cuidadosamente me sento ao lado
dele, tentando não olhar para o seu corpo, mas falhando miseravelmente.
Ele agarra minha coxa com a mão e me desliza pela cama, colocando-me
ao seu lado e passando o braço em volta dos meus ombros.
— Como foi seu dia? — Ele pergunta casualmente, como se não
estivéssemos na cama juntos pela primeira vez.
Eu respiro fundo e fecho os olhos com força.
— Foi... difícil — admito. — Ver minha avó, que sempre foi tão forte,
mal conseguindo sair da cama sem ajuda... — Não consigo terminar a frase.
— Você passou o dia inteiro e a noite lá? — pergunta ele.
Balanço minha cabeça.
— Não. Fui embora antes que ela começasse a ficar cansada. Ao menos é
o que sua enfermeira considera o melhor.
Na verdade, nossas visitas nunca duraram mais de uma hora antes de
Nana começar a agir com crueldade. Começou me xingando − a primeira vez
em que fez isso eu quase desmaiei de choque. Então começou a dizer que
meu pai fora um homem horrível, que arruinara a vida da minha mãe. Cometi
o erro de ouvi-la uma vez e passei a semana seguinte devastada por suas
palavras de ódio. Só precisei que tivesse acontecido uma vez para entender
que quando começava a agir daquela forma, não havia como pará-la, então,
eu ia embora.
— Você sempre quis ser enfermeira? — ele pergunta, trazendo-me de
volta à minha realidade.
Estou deitada na cama com um homem muito sexy sem camisa, pensando
na minha avó mesquinha.
O que diabos há de errado comigo?
Balanço minha cabeça.
— Não.
Bronn esfrega círculos no meu braço com as pontas dos dedos. Observo
enquanto seu peito sobe e desce de forma cadenciada, a cada respiração, e
coloco minha mão sobre seu coração. O forte bater sob as pontas dos meus
dedos combina com o ritmo do meu.
Eu pigarreio.
—Quando meu pai morreu, foi realmente... traumático. Por causa disso,
mal aguentava olhar para sangue. Enquanto crescia, jurei que seria
professora. Mas aí minha mãe ficou doente.
Ele envolve minha mão com a dele e a coloca de volta em seu peito.
— Sua mãe está bem agora?
Eu assinto.
— Sim, acho que eu poderia dizer que sim. — Inclino minha cabeça para
trás, olhando em seus olhos cálidos. — Ela morreu vinte e dois dias depois de
ter sido diagnosticada com câncer pancreático em estágio quatro. No
momento em que descobriram, já estava espalhado. — Desviei meu olhar,
porque a pena em seus olhos era demais para suportar. — Ela sentia tanta
dor; era terrível. Passou seus últimos dias de cama, em casa, conosco ao seu
lado.
Bronn continua a afagar meu braço, enquanto segura minha mão. Seu
carinho é mais terapêutico do que os anos que passei falando sobre meus
sentimentos para meu psicólogo. Ele não fala nada, apenas espera
pacientemente enquanto eu organizo meus pensamentos.
— As enfermeiras que cuidaram dela eram surpreendentes. As pessoas
mais carinhosas que já encontrei. Quando minha mãe deu seu último suspiro,
uma delas me abraçou e nós choramos juntas. Sabe, ela foi a única pessoa a
me abraçar e me dizer que tudo ficaria bem, que eu deveria me permitir
chorar. Eu tinha doze anos. E vovó só começou a falar sobre o seu dia como
se nada tivesse acontecido. Não sei se ela derramou uma lágrima quando sua
única filha morreu.
Meu peito queima, e a dor é tão fresca quanto no dia em que aconteceu.
Perdi minha mãe depois de perder meu pai, e meus únicos parentes vivos, as
únicas pessoas que me restavam, nem sequer me perguntaram se eu estava
bem.
Bronn pigarreia.
— Eu tinha dez anos quando encontrei meu pai morto. Chorei muito, me
tornei uma porra de um caos. Você sabe o que minha mãe me disse?
Meu estômago se retorce, enquanto a tristeza me domina. Não quero
saber as coisas horríveis que sua mãe disse, mas balanço a cabeça, de
qualquer maneira
— Ela disse: "As pessoas morrem, Bronnson. Pare de choramingar antes
que vire um imprestável como seu pai".
Meu sangue começa a ferver, pensando no modo cruel como sua mãe o
tratou.
Quando meu pai morreu, minha mãe se perdeu. Ela se desligou, tornando-
se incapaz de encontrar um caminho para se livrar de sua dor. Não ficou ao
meu lado do jeito como deveria estar, mas não podia evitar. Estava de luto e
não sabia como lidar com a situação.
Apoio-me em um cotovelo e olho em seu rosto.
— Eu sinto muito — sussurro, sentindo meu coração doer por ele, por
mim, pelas crianças que sofreram tais tragédias.
Seus olhos são intensos, mas a raiva se foi, dando lugar a desejo. Um
desejo que espelha o meu.
Eu assinto, respondendo a uma pergunta que ele nem perguntou. Nem
precisa, aliás. Sei o que ele quer, porque também quero.
Bronn
Eu estou apaixonada.
Se pensar com a lógica, provavelmente chegarei à conclusão de que não é
verdade. Provavelmente é apenas mais um caso de intensa luxúria e paixão.
Mas meu coração grita que meu cérebro está errado. E eu sempre fui muito a
favor de seguir os meus sentimentos. Então, porra, é exatamente isso o que
vou fazer. E neste momento? Meu coração está me dizendo que Bronnson
Williams é o certo.
Um mês é tempo o suficiente para se apaixonar. Mais do que suficiente
de acordo com os romances que leio. E talvez eu esteja confiando na ficção
um pouco demais, mas que seja. Eu já tinha lido sobre casais que se
apaixonaram à primeira vista, em um dia, uma semana. Um mês em um
romance é tempo suficiente para se casar e ter dez filhos.
Ok, talvez isso seja um exagero.
Mas não importa, porque estou feliz pela primeira vez na minha vida. O
peso do meu passado não se parece tão pesado quanto antes, a tristeza
constante não me incomoda mais a cada momento que passa. Consigo
respirar fundo novamente, sem ser uma dessas respirações rasas que nunca
parecem levar oxigênio suficiente para o meu coração ferido.
Sentada no banco do passageiro do meu carro, sinto-me relaxada, embora
esteja a caminho de ver minha avó, uma atividade que nunca é agradável.
Mas Bronn está comigo, com os dedos entrelaçados nos meus, o polegar
distraidamente esfregando a minha mão. Então não importa o que minha avó
me diga hoje, eu vou ficar bem, porque sei que não estou sozinha.
E esta é mais uma primeira vez para nós.
Pela primeira vez desde que meu pai morreu, não me sinto sozinha.
Mesmo com meus amigos, com minha mãe, sempre fui solitária. Ninguém
mais me entendia, nem sequer tentara. Mas o passado de Bronn é tão trágico
quanto o meu. Fico triste por ele, mas, egoisticamente, sinto-me feliz por
finalmente conhecer alguém que entende o que é andar todos os dias com
aquela sensação de vazio no estômago.
Com o sol brilhando e as janelas abertas, o caminho para Columbia não
parece tão longo. Antes que eu esteja pronta para soltar sua mão, Bronn
embica o carro para a entrada da minha casa de infância.
Relutantemente, eu desentrelaço meus dedos dos dele e desafivelo o cinto
de segurança, virando-me para encará-lo.
— Bronn — eu digo, pigarreando. — Sei que já falei sobre ela, como de
sua atual situação. Mas eu preciso avisá-lo... — minha voz falha, obrigando-
me a fazer uma pausa.
Quando ele pega a minha mão, eu agarro a dele como se fosse um salva-
vidas, usando seu apoio silencioso para me transmitir a força que sei que vou
precisar.
—Vai ficar tudo bem — ele garante, e sua voz me acalma, mesmo
sabendo que suas palavras não falam a verdade.
"Tudo bem" não é uma expressão que eu usaria para descrever essas
visitas ou a mulher que está esperando por nós. Mas não digo isso a ele,
apenas assinto quando ele aperta meus dedos levemente.
Respirando bem fundo, sinto-me tensa enquanto entramos na casa.
Uma lareira na sala de estar encontra-se acesa, embora seja verão e a
temperatura esteja perto de trinta e sete graus do lado de fora.
Fechamos as portas e Bronn solta um assobio baixo.
— Este é o lugar onde você cresceu? — ele murmura, seus olhos
percorrendo o espaço.
— Sim. Lar doce lar — eu lamento. Não me sentia em casa, e aquela era
uma sensação antiga.
Aceno para uma das criadas, e ela balança a cabeça, franzindo a testa
cansada.
Fecho meus olhos quando chegamos à porta do quarto de vovó, depois
ergo a mão e bato. Depois de um momento, sua voz severa responde.
— Você não tem que bater tão alto, já sabe disso.
Coloco um sorriso falso no rosto, ergo o queixo e, com a mão trêmula,
giro a maçaneta.
Com passos hesitantes, avanço pelo quarto dela, e o ambiente familiar
não alivia em nada a ansiedade que faz meu coração bater mais forte no meu
peito.
O quarto está banhado na luz suave do fogo que ruge na lareira de canto e
está desconfortavelmente quente. Vovó descansa sobre a cama de dossel
Queen Size, parecendo a mulher régia que quer que todos acreditem que é.
Dou uma olhada rápida em mim mesma, verificando para garantir que
minhas roupas estejam perfeitamente alinhadas, meus sapatos, brilhando. Não
posso ver meu cabelo, mas o aliso, conforme vou me aproximando,
esperando que não haja um único fio fora do lugar.
Apesar de sua mente falha, vovó ainda é afiada quando se trata de
aparências. Na última visita, ela passou cinco minutos inteiros me
repreendendo pelas rugas na minha saia. Eu não queria repetir isso na frente
de Bronn, então, levei um tempo extra me vestindo esta manhã.
Bronn silenciosamente fecha a porta, e a cabeça de vovó se levanta, seus
olhos olhando dirigindo-se para além de mim. Quando ele se coloca ao meu
lado, seus olhos astutos o percorrem por inteiro, e eu tento não imaginar o
que sua mente está pensando.
Pedi a ele para usar algo mais do que apenas jeans e camiseta, e ele fora
doce o suficiente para satisfazer o meu pedido. Mas era óbvio que as calças
cáqui e a camisa de botões que usava não eram feitas de materiais finos, e
vovó certamente repararia nisso. No momento em que seu olhar alcança os
sapatos sem polimento, ela franze os lábios em desgosto e concentra sua
atenção em mim.
— Brenda. Pensei ter dito que não queria que trouxesse este rapaz à
minha casa
de novo! — ela dispara, saliva voando de sua boca.
Bronn me olha, a pergunta óbvia escrita em seu rosto, e eu balanço a
cabeça, caminhando na direção da cama de vovó.
Com cuidado, aproximo-me da borda.
— Vovó, é Grace. Não Brenda — eu digo baixinho, esperando que meu
tom reconfortante a traga de volta ao presente.
Por uma fração de segundo, o rosto de vovó suaviza. Seus olhos azuis
ficam mais claros, a desaprovação desaparece, e ela pega minha mão na dela.
Sua pele é macia, o que prova que a rotina de esfregar loção três vezes ao
dia obviamente vale a pena, e eu aperto levemente seus dedos. Meu ritmo
cardíaco diminui, meu estômago relaxa e eu suspiro de alívio.
Quando Nana sorri para mim, lágrimas brotam dos meus olhos e, embora
eu saiba que ela acha as lágrimas um sinal de fraqueza, eu as deixo cair.
Espero que, desta vez, apenas uma vez, tenhamos uma boa visita, então,
sussurro:
— Vovó, senti sua falta.
Tão rapidamente quanto percebi seu rosto relaxando, o momento de
felicidade desaparece, e Nana arranca sua mão da minha; seu rosto se
contorce em uma expressão que só pode ser descrita como de completo
desgosto.
— Lixo — ela sussurra.
Eu olho para a lixeira no chão e pergunto:
— Você precisa de mim para tirar o lixo?
Só há alguns lenços embolados no fundo da lata, mas vovó sempre foi
uma defensora da limpeza. Eu me levanto e olho para onde Bronn está de pé,
com as mãos nos bolsos, parecendo desconfortável. Ergo um ombro, sem
muita certeza do porquê de ela estar tão preocupada com o lixo, quando a
ouço falar novamente, fazendo-me paralisar.
— Você é lixo. Assim como sua mãe. — Suas palavras estão envoltas em
veneno, e, com a precisão de uma cobra, me dá o bote certeiro.
Virando-se para encará-la, o sangue se esvai do meu rosto, enquanto eu
sussurro:
— O quê?
Levantando a mão que eu acabara de segurar, ela aponta um de seus
dedos artríticos na direção de Bronn e rosna:
— Trazendo esse vagabundo para a minha casa. O que diabos está
acontecendo com você?
Eu recuo. Suas palavras me atingem mais forte do que se tivessem
realmente me golpeado. Sabia que a visita não seria agradável, e talvez no
fundo eu soubesse que seria exatamente assim, mas, como uma tola, esperei
que, talvez, vovó agisse diferente. E por um momento ela agiu, o que torna
essa mudança abrupta muito mais dolorosa.
Olhando para Bronn, vejo seu rosto pálido; o choque de ouvir o que essa
estranha pensa sobre ele sem que sequer tenham se conhecido é óbvio. Seus
olhos encontram os meus, e eu pressiono meus lábios trêmulos juntos,
pedindo desculpas com os olhos. Ele dá um leve aceno de cabeça, e eu volto
minha atenção para a mulher na cama.
Olho para ela em silêncio por um momento, tentando reunir minha
paciência e, mais ainda, minha coragem. Dando um passo para trás, fico ao
lado de Bronn e pego sua mão na minha. Ele a aperta com força,
encorajando-me da forma como preciso.
— Vovó, este é Bronnson Williams, meu namorado — digo a ela, com
minha voz alta e clara. Posso estar tremendo por dentro e nauseada como se
tivesse acabado de passar o dia em um barco no mar, mas me recuso a
desistir. Vovó me criou para nunca mostrar fraqueza, e mesmo que eu falhe
em relação a isso diariamente, agora não é a hora de demonstrar.
Ela zomba, o lábio ainda franzido, fazendo seu rosto duro parecer ainda
mais duro.
— Eu criei você e sua mãe melhor do que isso. Ela trouxe vergonha para
a nossa família, levando aquele inútil do seu pai para casa. E pior, fugindo e
deixando-se engravidar. — O queixo dela treme de raiva, seu rosto fica roxo
enquanto sua voz se torna mais alta a cada palavra horrível que diz. —
Quando sua mãe me ligou para dizer que seu pai tinha morrido, eu caí de
joelhos e agradeci a Deus por ela ter finalmente se livrado daquele pedaço de
merda.
Meu estômago se agita, a bílis subindo pela minha garganta, enquanto
permaneço ali, escutando impotente meu único parente vivo, a mulher que
me criou, vomitando puro ódio sobre meu amado pai. Quero gritar para ela
parar, mandá-la calar a boca, mas tudo o que consigo fazer é ficar parada
diante dela, congelada, meus dedos apertando dolorosamente a mão de
Bronn, esperando que ela termine seu discurso o mais rápido possível.
— Deus puniu sua mãe por causa dele, você sabe. Por que o câncer a
levou? Passei toda a sua vida pagando por causa daquele homem. E agora,
você! — ela cospe as palavras, seu olhar nebuloso voltando-se na direção de
Bronn. — Envolver-se com um homem que não é melhor do que seu pai foi.
— Seu olhar o percorre mais uma vez, e eu quero me mover para ficar na
frente dele, para ser um escudo contra suas palavras. Mas isso não impediria
que seus ouvidos ouvissem o ódio, então, continuo sem me mover, apenas
permaneço segurando a sua mão com ainda mais força e espero que sua pele
seja mais resistente do que a minha. — Olhe para ele, Grace. Nunca vai ser
nada na vida. É a escória. E vai transformá-la em escória também.
O rosto de Bronn é uma máscara que nunca vi antes, seus olhos vazios de
emoção, mas ele pigarreia e, quando fala, sua voz é forte e firme.
— É um prazer conhecê-la, Sra. Monroe. Grace me contou muito sobre
você.
Nana estala a língua e depois revira os olhos.
— Não se atreva a falar comigo, garoto.
— Vovó! — repreendo, horrorizada e cansada de suas besteiras. — Você
não sabe nada sobre ele. Está fazendo suposições. Suposições incorretas,
vovó!
Eu dou um passo à frente, querendo agarrá-la pelos ombros e sacudi-la.
Obrigá-la a calar a boca e me escutar uma vez na vida. Se eu pudesse falar
com ela, contar sobre Bronn, talvez pudesse fazê-la entender que está errada
sobre ele. E mesmo que estivesse certa, isso não importaria, porque não
preciso de um homem de uma família rica. Não preciso de alguém que ela
considere aceitável.
Só preciso de um homem que se importe comigo. Só preciso de Bronn.
— Saia! — ela grita, com olhos selvagens. — Saia e nunca mais traga
esse lixo para minha casa. Está me entendendo, Grace?
Incapaz de detê-las, as lágrimas contra as quais eu vinha lutando
começam a deslizar pelo meu rosto, fazendo com que me sinta como a
criança que nunca conseguia agradar a avó em nada.
É uma cena familiar – eu chorando depois de ela delirar enfurecida.
— E seque essas lágrimas, menina. Você é tão fraca quanto a sua mãe.
Perdi a minha vida inteira criando duas mulheres sem valor.
Incapaz de ficar ouvindo por mais um segundo, um soluço escapa dos
meus lábios quando me viro e avanço em direção à porta. Bronn me segue
pelo corredor, não falando nada enquanto eu corro para fora da mansão onde
cresci.
Não diminuo a velocidade, apesar de estar de salto e de vestido, só
parando quando chego ao meu carro. Respirando pesadamente, mais pela
visita horrível do que pela corrida, inclino-me para frente, apoiando minhas
mãos nos joelhos.
Bronn finalmente me alcança, com passos pesados, e quando o sinto atrás
de mim, giro-me, jogando-me em seus braços. Braços que não hesitam em
me envolver e me puxar para perto, embora minha avó o tenha tratado tão
mal.
Segurando-me com força, ele não oferece nenhuma palavra de conforto,
apenas me deixa chorar, sabendo que nada do que pudesse dizer me faria
sentir melhor.
Por mais que eu saiba que devo perguntar a ele se está bem, que deveria
me desculpar por ela, por trazê-lo aqui, por ser estúpida o suficiente para
pensar que iria ser diferente daquela vez, não posso consigo parar de soluçar
por tempo suficiente para falar.
Enquanto continuo a deixá-lo me consolar, de forma totalmente egoísta,
as palavras que vovó me lançou continuam se repetindo em looping na minha
cabeça.
Bronn
Nós não nos falamos na volta para casa, mas a tensão entre nós é quase
palpável. Nem me incomodo em ligar o rádio, por mais que escutar as
fungadas silenciosas vindas de Grace causem uma dor no meu peito.
Eu não digo nada para confortá-la, porque... o que diabos posso dizer?
Lamento que sua avó seja uma cadela louca?
Não ouça o que ela diz?
Ela não sabe o que está dizendo?
Ou melhor ainda, ela nem me conhece, então, o que está dizendo é tudo
mentira?
Porque isso seria a mentira.
A ironia da coisa toda era que as merdas que aquela velha louca disse era
todas verdadeiras. Pelo menos, as coisas que disse sobre mim. Mas estava
errada sobre Grace.
Grace não estava fraca. Ela não era lixo. Ela não ia ser uma escória. Ela
era o oceano, selvagem e livre, com uma profundidade que eu não conseguia
entender; cheio de mistérios que podem nunca ser resolvidos.
Foi um milagre que consegui manter a calma enquanto ficava lá, ouvindo
as coisas horríveis que ela dizia sobre a neta. Mas sabia que qualquer reação
que eu tivesse só teria corroborado com as suposições que fez sobre mim.
Meu sangue ferveu e minha mandíbula estava dolorida por manter meus
dentes cerrados, mas eu não diria algo que pudesse piorar as coisas.
Eu não tinha ideia de quantas vezes em sua vida ela ouvira aquelas
mesmas palavras, mas a julgar por sua reação – ou a falta dela – aquele tipo
de abuso não era novo na vida de Grace.
E não havia maneira de contornar isso; aquela mulher era abusiva e
provavelmente tornara a vida inteira de Grace miserável. Eu não conseguia
entender como ela continuava voltando para ela, semana após semana.
Mas essa era a diferença entre nós.
Ela tinha mais classe do que eu jamais teria. E por mais que não
conseguisse entendê-la, certamente a admirava por isso.
No momento em que completei dezoito anos, saí do apartamento sujo da
minha mãe e nunca mais olhei para trás. Dormi na minha caminhonete por
mais noites do que gostaria de me lembrar, mas mesmo assim era melhor do
que passar mais tempo na presença da mulher que me dera a vida.
Talvez eu estivesse errado por virar as costas, mas não consegui ficar
perto dela nem por mais um segundo.
Ao longo do último mês, quase me convenci de que era digno de uma
mulher como Grace. Toda vez que ela sorria para mim, seus brilhantes olhos
azuis se iluminavam como se eu fosse o único homem na face da terra. Ou
quando ela ria, todo o seu corpo se inclinava em minha direção como se
tivesse sido magnetizado. E quando a tocava, não havia como negar a
eletricidade que corria entre nós.
Mas só foram precisos dez minutos para plantar mais uma vez a semente
da dúvida em minha cabeça.
Estava tudo bem. Eu e a insegurança éramos velhos amigos. Fui
dependente dela por boa parte da minha vida. Ela estava sempre lá, vagando
no fundo da minha mente. Mas por um mês, com Grace ao meu lado,
consegui contorná-la.
Mas agora ela estava de volta com um espírito vingativo que eu temia que
me devorasse.
E que, por sua vez, devorasse a ela também.
Não consegui dirigir rápido o suficiente para nos levar para casa.
Enquanto Grace parecia estar com o coração partido, eu estava simplesmente
com raiva. Meu corpo quase vibrava. Ela não merecia a minha fúria, eu
estava bem ciente disso, mas temia que se não a levasse para casa, todo o
nosso relacionamento poderia ser arruinado por causa da onda de explosão
dentro de mim.
Foi bom que Grace não tivesse dito nada, nem tentado segurar minha
mão, ou pior ainda, pedido desculpas por algo que não era culpa dela.
Quando paro em frente à casa de Grace, desligo o motor, abro a porta e
saio. Mesmo que esteja ansioso para ficar longe dela, ainda dou a volta no
carro e abro a porta dela.
Enquanto limpa o nariz com um lenço de papel, ela consegue deslizar
para fora do carro, uma perna delicada de cada vez, com pura classe e...
bem... graça. Cristo – essa mulher!
— Obrigada — diz ela, olhando para mim através de cílios molhados.
Minha respiração escapa do meu peito como se ela tivesse acabado de me
dar um soco no estômago.
Suas bochechas estão rosadas e manchadas de lágrimas, mas são as íris
azul-bebê que causam o golpe mais forte. Uma grande tristeza, o mesmo
olhar que tinha no primeiro dia em que nos encontramos está de volta, e meu
coração se aperta ao ver isso.
Quero dizer algo para fazê-la sorrir, algo que me permitirá ouvir aquela
risada musical que de alguma forma acalma a dor constante dentro de mim,
mas não há nada que eu possa dizer, então, nem sequer tento.
Pigarreando, pego seu braço e a puxo para mim.
— Eu tenho que ir — murmuro contra seu cabelo.
Seus ombros estão tensos e uma pontada de culpa me atinge. Eu devia
ligar o botão do foda-se e ficar com ela, deixando minhas próprias
necessidades de lado.
Mas não posso. O verdadeiro Bronnson Williams precisa escapar.
Dela.
Da realidade.
Do mundo inteiro que parece tão determinado a me sufocar.
— Eu te ligo mais tarde. — Pressiono um beijo no topo de sua cabeça e
depois me afasto dela, virando-me e seguindo para o meu caminhão sem
olhar para trás.
Enquanto isso, minha mente grita para eu voltar para ela, tomá-la em
meus braços e provar que sua avó estava errada, e para ouvi-la dizer que sabe
disso, que nosso relacionamento não é apenas uma aventura.
Dirijo sem rumo por mais de uma hora, alternando entre resmungar,
praguejar e me perder nos recessos escuros da minha mente. No final das
contas, acabo parando na porta da minha casa. Deveria ser o meu refúgio,
mas minha raiva finalmente borbulha no momento em que piso no convés do
meu barco. Bato a porta com tanta força que o barco se inclina quase
quarenta e cinco graus. Não demoro a pegar uma cerveja na geladeira e a
engulo em três goles antes de girar e lançar a garrafa pelo pequeno quarto.
Para minha sorte, ela pousa na cama e não quebra, apenas saltando sobre
o edredom antes de descansar no meu travesseiro. Eu rio em voz alta com
isso; a ironia de não ser capaz nem de quebrar alguma coisa quando quero
muito fazê-lo.
Sei que estou agindo como um babaca. Mas, porra, foi como se a avó de
Grace tivesse o poder de vasculhar minha alma, de encontrar meu pequeno
botão vermelho de autodestruição e dançar sobre meus destroços.
Odeio ter permitido que ela me afetasse tanto quanto afetou. Qualquer
homem decente estaria cuidando de sua mulher depois de um show de merda
como aquele. Mas, não, estou em casa, deitado na cama, olhando para o teto e
lambendo minhas feridas.
Inferno, talvez seja melhor assim. Talvez agora Grace finalmente veja
quem eu realmente sou e desista de mim de uma vez por todas.
Uma batida na porta me sobressalta, e eu me viro a tempo de ver o rosto
perfeito de Grace espreitar pela porta.
— Alguém em casa? — ela chama timidamente, seus dedos em volta da
madeira.
Com um suspiro pesado, faço sinal para ela entrar. Finalizando minha
segunda garrafa, eu dreno o último gole da minha cerveja antes de largá-la na
lixeira ao lado da minha cama.
Grace desliza para dentro, fechando a porta gentilmente atrás dela, e juro
que ouço a madeira suspirar em agradecimento depois da surra que lhe dei
antes.
— Ei — ela diz baixinho.
— Ei — eu resmungo, coçando a parte de trás da minha cabeça e
permitindo que meus olhos a analisem de cima a baixo.
Suas pernas bronzeadas atraem meu olhar até um minúsculo par de shorts
brancos, e sua barriga lisa espreita por baixo da parte inferior de seu top
cropped azul-claro. Seu rosto está limpo de maquiagem, embora seu nariz
ainda esteja rosado pelas horas que passou chorando na volta para casa. Com
o cabelo preso no topo da cabeça, ela parece mais uma menina do que a
mulher que deixei em casa algumas horas atrás.
Esta é a Grace que eu amo.
E eu estaria mentindo se dissesse que essa descoberta não me atingiu bem
no meio do estômago.
— O que você está fazendo aqui? — gemo, sem me incomodar em mudar
minha posição na cama.
Ela dá um passo hesitante, colocando as mãos nos bolsos.
— Eu vim pedir desculpas.
— Por quê? — pergunto rudemente.
Ela hesita, congelando no lugar.
Sei como soou, mas eu não me incomodo em pedir desculpas por isso.
— Por tudo. Por pedir para você ir comigo. Por ficar lá e deixá-la dizer
aquelas coisas para você. Por não ser mais forte e chorar por todo o caminho
para casa.
Inclino a cabeça para o lado. De todas as coisas que ela poderia ter dito,
isso não era o que eu esperava.
—Você está me sacaneando, não é?
—O quê? — Com as sobrancelhas unidas, ela deixa os olhos caírem para
onde seu pé se movimenta para dentro e para fora de seu chinelo.
— Você está se desculpando pelo que aquele morcego velho disse, como
se você tivesse colocado aquelas palavras em sua boca? — Levanto-me da
cama e ando até ela.
— Eu não deveria...
— Pedir desculpas. Você não deve se desculpar.
Seu olhar se eleva para encontrar o meu e seus lábios se separam. Antes
que possa dizer outra palavra que fará com que a raiva que senti mais cedo
retorne, eu continuo:
— Não foi sua culpa. Nada daquilo. Você não tem nada para se
desculpar, então não faça isso.
Seu corpo se inclina em direção ao meu, mas dou um passo para trás, não
querendo o contato. Se ela me tocar, sei que vou ceder e não conseguir fazer
o que precisa ser feito.
— Bronn... — Ela respira fundo, e eu balanço a cabeça.
— O que você está fazendo comigo? — pergunto honestamente. Abrindo
meus braços, minha voz se eleva. — Olhe à sua volta.
Sigo o meu próprio conselho por um momento, observando o que me
rodeia. Minha pia está transbordando de louça suja, a lata de lixo, cheia de
garrafas de cerveja vazias, a mobília nada mais é do que rejeitos de segunda
mão. A desculpa de solteirão estava batida, e não havia explicação real para o
estado da minha – casa –, se é que aquele barco podia ser chamado assim.
Eu deveria ter vergonha de mim mesmo, da maneira como tenho vivido.
A auto-aversão se tornara uma parte intricada da minha personalidade, mas
desde que conheci Grace, ela foi relegada a segundo plano, e eu fiquei feliz
em ver isso acontecer. Mas depois de conhecer sua avó e ter tudo o que já
tinha pensado sobre mim mesmo confirmado em questão de minutos, ela
voltara com força total.
— Você merece mais do que isso.
Ela dá outro passo em minha direção.
— Isto aqui? Talvez. Mas isso não significa que eu mereça mais do que
você.
Cerro meu maxilar.
— Não aja como se não fosse mais do que uma brincadeira de verão com
o bad boy local antes de voltar para o seu namorado rico.
Seu rosto escurece, e ela gesticula de um lado para o outro entre nós.
— É isso que é para você? O que eu sou para você? Uma maldita
aventura?
Eu zombei.
— Vamos, baby, não finja que somos mais do que realmente somos.
Seus punhos se apoiam em seus quadris e ela faz uma careta:
— Oh, e o que exatamente somos então?
A atitude que ela dirige a mim é extremamente fofa, e se eu estivesse
empenhado em qualquer outra coisa que não fosse terminar tudo com ela,
poderia ter sorrido. Mas meus lábios permanecem firmes em uma linha fina
enquanto o medo se acumula no meu âmago. Cada palavra me corta como
uma lâmina enferrujada, mas isso não será nada comparado com a maneira
como me se sentiria quando ela finalmente fosse embora.
— Bons momentos. Momentos bons pra caralho, só isso. Mas o que vai
acontecer daqui a seis meses quando você se cansar da sua aventura com um
cara mais selvagem e quiser voltar para todos os engomadinhos de
Columbia?
Seus olhos se fecham, e seu peito sobe e desce rapidamente por um
instante antes de suas pálpebras se abrirem e ela franzir os lábios.
— Talvez você esteja certo. Porque todos aqueles engomadinhos da
Columbia nunca me fizeram sentir como uma vadia barata como você acabou
de fazer.
Com um breve meneio de cabeça, ela se vira e sai da minha casa, da
minha vida.
Ignoro a dor no meu peito e a queimação em meus pulmões. Tenho que
pensar que é melhor assim, apesar do jeito como meu corpo está implorando
para eu impedi-la de ir embora.
Eu não menti para ela. Grace me proporcionou bons momentos. Qualquer
tipo de homem – e especialmente eu – entraria numa guerra para mantê-la
consigo.
Grace Monroe me proporcionou bons momentos, mas ela não pode durar
uma vida inteira.
Grace
Estou parada nas docas, as mãos nos joelhos e o peito arfando, enquanto
engulo em seco, tentando controlar a náusea que ameaça me dominar.
Bronn acabou de terminar comigo?
Meus olhos começam a lacrimejar e solto uma risada frustrada. Já chorei
o suficiente por um dia, não quero fazer isso de novo.
De pé, respiro fundo e conto até dez antes de soltar o ar lentamente. Uma
técnica que comecei a usar quando criança, quando vovó ficava brava comigo
por algo estúpido e depois me punia por chorar.
Corro para o estacionamento, com a intenção de me afastar de Bronn o
mais rápido possível. Ingenuamente, espero que a distância entre nós alivie a
dor que floresceu no meu peito.
Minhas mãos tremem e são necessárias duas tentativas para abrir a porta
do carro, mas o esforço é desperdiçado, porque não entro nele. Depois de um
momento de deliberação, fecho a porta e giro nos meus calcanhares, voltando
para o barco.
Eu nem sequer bato na porta, eu apenas a abro.
— Você falou um bando de merdas! — grito, chutando a porta atrás de
mim.
Examinando a sala e vejo que Bronn ainda está no mesmo lugar de
quando saí. Sua mandíbula não está mais cerrada, seu rosto, pálido, e eu sei
que o peguei de surpresa. Usando isso como vantagem, avanço para ficar na
frente dele e continuar a gritar.
— Você acha que me conhece? — Balanço meus braços
descontroladamente, quase batendo nele. — Acha que porque eu dirijo um
bom carro, uso sapatos caros e tenho uma avó rica que mora em uma casa
chique, significa que é tudo o que me importa? E porque você não tem nada
disso, estou apenas experimentando o outro lado antes de voltar para a minha
vida real?
Ele fecha a boca, apenas para abri-la novamente, mas continuo meu
discurso antes que possa falar.
— Não, não diga nada. — Dou outro passo para mais perto e pego sua
mão, colocando-a entre meus seios, diretamente sobre o meu coração que
pulsa. — Está sentindo isso? É o meu coração partido.
Seus olhos se fecham, seus lábios se apertam com força, mas eu me
recuso a deixá-lo escapar com facilidade.
— Abra seus olhos e olhe para mim. — Quando ele faz isso, eu continuo.
— Eu tinha cinco anos quando vi meu herói morrer.
— Grace...
— Cale a boca e me escute, Bronn. — Ele balança a cabeça, um
movimento quase imperceptível, mas eu vejo e continuo contando a ele a
minha história, revelando a parte mais dolorosa da minha vida para um
homem que me machucou tanto. — Nós éramos pobres. Em alguns dias
minha mãe e meu pai não comiam, não que eles me deixassem saber disso.
— Eu nunca soube da profundidade de nossa pobreza até que ouvi minha
mãe discutindo com papai sobre isso certa noite, alguns anos depois. —
Minhas roupas eram de brechó. Eu possuía um único par de sapatos que não
tinha buracos neles. — Os sapatos tinham sido um achado de sorte, e mamãe
era obsessiva em me pedir para ter cuidado com eles. — Eu me lembro do
nosso último Natal como uma família. Você sabe o que havia debaixo da
árvore para mim? Uma camisola de princesa de segunda mão e um colar de
conchas que minha mãe fizera para mim. — Meu coração aperta quando me
lembro de seus rostos quando abri meus presentes. Meu pai parecia tão
derrotado, como se tivesse falhado comigo. Minha mãe prendeu a respiração,
os olhos cheios de esperança de que eu não percebesse o quão lamentáveis
eram os presentes. Minha visão começa a embaçar, e eu pisco com força,
tentando conter as lágrimas. — Eu ainda tenho esse colar — sussurro.
— Grace, por favor... — ele tenta de novo, mas eu balanço a minha
cabeça, silenciando-o. Sua mão sobre a minha, contra o meu peito, meu
coração ainda acelerado sob o seu toque.
— Meus avós deserdaram a minha mãe quando ela ficou grávida de mim.
Se recusaram a ajudá-la, se recusaram a me reconhecer. Ela os envergonhava.
— Eu rio amargamente. — Foi mais vovó do que vovô. Mas ele era um
covarde, nunca poderia enfrentá-la, então concordou com isso.
Meu rosto esquenta, sentindo novamente a raiva por meus avós que me
esforcei durante anos para controlar.
— Então, meus pais se esforçaram. Tudo porque eram jovens e
apaixonados. Nos primeiros cinco anos da minha vida, eu não tinha nada
além de amor. Cada uma das minhas memórias felizes é deste tempo. Não
consigo pensar em um único momento alegre depois que meu pai morreu. —
Engasgo com as palavras, algo que nunca vou parar de fazer. Não importa
quantas vezes eu as diga, ainda parece um soco no estômago ouvi-los em voz
alta. Uma amargura que eu ainda desconhecia surge com força. E não apenas
contra minha avó e meu avô. Eu estava com raiva da minha mãe também. Ela
deveria tê-los enfrentado, deveria ter convencido vovô a não ser tão fraco.
Talvez se tivesse feito isso, tudo seria diferente hoje. Talvez meu pai ainda
estivesse vivo.
— Meus avós perdoaram minha mãe por suas transgressões, e minha mãe
voltou para casa, com o rabo entre as pernas. De repente, nós tínhamos tudo:
comida, roupas novas, uma casa chique, escolas particulares, fins de semana
no clube de campo, uma ceia de Natal que deveria ser ilegal. Tudo o que uma
garota poderia querer. — Olho para longe dele, a tristeza ameaçando me
ultrapassar. — Mas eu não queria nada disso. Tudo o que eu queria era meu
pai e nossos passeios de domingo à tarde. Dias na praia procurando por
dentes de tubarão que nunca encontramos. As noites quando eu me
aconchegava entre meus pais felizes, enquanto eles me contavam histórias
bobas.
Uma única lágrima rola pela minha bochecha e solto a mão de Bronn para
limpá-la. Recuo, colocando espaço entre nós, e olho nos olhos dele.
Sua mandíbula está cerrada, a bochecha flexionada, mas seus olhos estão
cheios de compaixão e compreensão.
— Então, você olha para uma mulher que usa roupas de grife e acha que a
conhece, mas, obviamente, não sabe nada. — Eu dou de ombros. — Você
não quer mais me ver, tudo bem. Mas não se atreva a me acusar de te usar
para ter bons momentos. Não se atreva a me acusar de ser a pessoa que minha
avó queria que eu fosse!
Eu viro as costas para ele e me afasto. Com um último olhar por sobre o
meu ombro, digo-lhe:
— Você obviamente tem problemas próprios com os quais precisa lidar.
Começando com essa autopiedade que está alimentando. Você não é melhor
nem pior que ninguém. Pare de ouvir o que todos dizem e seja homem.
Minha mão está na porta, pronta para abri-la e sair, quando Bronn agarra
meu braço, impedindo-me.
— Grace, espere — ele pede, com a voz trêmula.
Desvencilho-me de sua mão, mas me viro. Erguendo meus ombros, eu me
preparo, pois não tenho certeza do que ele vai dizer nem se quero ouvir neste
momento.
Estou magoada, mas, mais do que isso, estou com raiva. Depois de todo o
tempo que passamos juntos, depois de todas as coisas que compartilhei com
ele, achei que ele me entendia. Pensei que ele sentia uma conexão, assim
como eu. Mas os insultos de antes provavam que eu estava errada. Era óbvio
que não sentia o mesmo que eu sentia por ele.
Passando a mão pelo cabelo, ele solta um suspiro.
— Eu não sei o que dizer.
Cruzando meus braços contra o peito, eu digo:
— Bem, você poderia começar com "me desculpe".
Um canto da boca se inclina, e seu lábio se franze, enquanto ele balança a
cabeça.
— Sinto muito — as palavras são suaves, pouco mais que um sussurro.
— Desculpas não aceitas.
Ele ergue a cabeça, surpreso.
— Eu mal consegui te ouvir. E você nem estava olhando para mim
quando se desculpou. Isto aqui não é uma briga que você teve com sua irmã
ou com sua mãe, que te obrigaram a pedir desculpas antes que você pudesse
voltar a brincar lá fora. Vai ter que fazer melhor do que algumas palavras
resmungadas, Bronn.
O meio sorriso que ele ostenta se transforma em algo mais completo.
— Deus, você é doida.
Ele dá um passo à frente, diminuindo a distância entre nós, e seu corpo
grande ocupa meu espaço pessoal. Eu me afasto, minhas costas batem na
porta atrás de mim.
— Talvez você não saiba como se desculpar, mas posso garantir que me
chamar de louca não vai te ajudar a cair de novo nas minhas graças.
Eu ainda estou chateada, mas quanto mais perto ele chega, fica mais
difícil manter a raiva. Meu corpo começa a zumbir pela proximidade, seu
cheiro me confortae me excita. Eu não deveria estar excitada por ele. Deveria
estar lívida, ansiosa para me distanciar. Mas, no fundo, espero que chegue
ainda mais perto.
Ele coloca seu rosto diretamente na frente do meu, sua mão envolve a
lateral do meu pescoço, seu polegar roça minha bochecha.
— Me desculpa, Grace.
A forma como ele pronuncia meu nome faz meu estômago se revirar.
Viro minha cabeça para longe de sua mão, mas ele coloca a outra no meu
pescoço e vira meu rosto de volta para o dele.
— Eu estava tão errado. — Ele pressiona seus lábios na minha testa, e a
raiva começa a se dissolver. — Por favor, me perdoe. Deixe-me fazer as
pazes com você.
Talvez vovó esteja certa.
Talvez eu seja uma mulher fraca.
Mas não porque chorei.
Talvez eu seja fraca porque não consigo ficar com raiva, não importa o
quanto eu queira ou o quanto deveria estar chateada com ele.
Ele trilha beijos ao longo da minha têmpora e da minha bochecha, seus
lábios sussurrando sobre a minha pele, e meu corpo me trai, arqueando-se
contra o dele.
— O que você disse foi muito ruim, sabe? — argumento pateticamente,
minhas palavras soando nada mais do que bravatas.
Com cada beijo, minha raiva se dissolve.
Beijo.
—Você está certa. Eu estava alimentando minha autopiedade.
Beijo.
— Eu nunca pensei que você estivesse me usando.
Beijo.
— Eu preciso ser homem.
Beijo.
— Diga que você me perdoa.
Porra!
— Não. — Bufo. — Você me diz isso agora, que não vai jogar essas
coisas na minha cara novamente. Mas vai agir como um idiota toda vez que
for lembrado de que eu vim de uma família com dinheiro, e você, não.
— Eu prometo, Grace. Eu juro. Acabei de agir como um puta de um
merda. —Seu olhar é intenso, seus olhos focados nos meus.
— É isso, Bronnson. Estamos juntos. Você e eu. Você está comigo, a
longo prazo ou não? — eu o desafio, prendendo a respiração, esperando que
ele diga que sim. Que sou o que ele quer. Tudo o que ele quer.
Ele encosta seus lábios no meu ouvido, e eu sinto sua respiração quente
na minha pele.
— Porra, Grace, seremos eu e você. Por um longo tempo.
— Estou falando sério! Você não pode usar seus beijos para tentar me
convencer. — Empurro seus ombros, mas não sou páreo para sua força, e ele
não se move. — Bronnson! — altero-me.
— Fala de novo. — Ele arqueia seus quadris contra os meus, e sinto sua
excitação aparente. — Meu nome saindo da sua boca me excita. Fala de
novo. —Puxando-me contra si, eu inclino minha cabeça até que minha boca
esteja em seu ouvido.
— Leve-me para a cama, Bronn.
Ele não perde um segundo, pegando-me no colo e me carregando pela
curta distância até a cama. Joga-me nos lençóis, descendo sobre mim, sua
boca colidindo com a minha.
Bronn
***
— Você realmente não tem que fazer isso, Riley — digo por cima do meu
ombro, girando a chave na fechadura da minha casa de infância.
Estive aqui há menos de duas semanas, mas parecia estranho, para mim,
entrar na casa vazia. Mesmo depois de vovó ter ficado doente e não aceitar
mais visitas, ainda havia a equipe de enfermagem, junto com a empregada
que limpava diariamente, mesmo que ninguém fizesse nenhuma bagunça.
Meus saltos batem no foyer de mármore, o som ecoando pela casa
silenciosa e causando um calafrio pela minha espinha. Nunca tive medo de
fantasmas, nem quando era criança, mas algo no vazio me assusta. Estou
pronto para entrar e sair, fazendo o que precisa ser feito o mais rápido
possível.
— Grace, eu nunca iria deixar que fizesse isso sozinha. — sua voz é
sincera, e apesar do fato de eu não tê-lo visto muito durante o verão, é
reconfortante. — Além disso, fico feliz em ver você — ele diz para mim.
Assinto.
— É bom te ver também. Já faz muito tempo.
Ficamos sem jeito no foyer, apenas olhando um para o outro. Meu
relacionamento com Bronn causou uma tensão em nossa amizade, algo que
me dói pensar, mas não posso evitar. Eu sei que Riley quer mais do que posso
oferecer a ele, e uma parte de mim pensa que talvez a distância entre nós seja
a melhor escolha.
— Ouça, não há muito que eu queira levar daqui. Algumas coisas do meu
antigo quarto, mas isso é tudo. Há algumas caixas na garagem. Você se
importa de pegá-las?
Ele concorda.
— Claro, Grace. Você parece muito bem, sabe? A costa te fez bem. —
Com o elogio, ele se afasta para pegar o que eu pedi. Eu o vejo se distanciar,
soltando um suspiro aliviado quando ele finalmente sai de vista.
Não foi a costa que causou a mudança em mim, embora definitivamente
tenha ajudado. Não, eu pareço bem porque finalmente estou feliz de novo.
Algo que não teria acontecido se tivesse ficado aqui e seguisse o caminho que
vovó tentou traçar para mim.
Subo as escadas, mas em vez de virar à esquerda no topo, na direção do
meu antigo quarto, viro à direita e serpenteio pelo corredor até o quarto de
vovó.
Quando criança, nunca tinha permissão para entrar. Era um solo sagrado,
cheio de segredos e criaturas míticas. Pelo menos, era nisso que eu
acreditava. Depois que ela adoeceu e ficou acamada, eu pude entrar, apenas
para descobrir que era um quarto comum − embora fosse ricamente decorado,
um tanto cheio de babados. Mas não havia nada escondido nos cantos, sem
segredos de Estado, sem barras de ouro empilhadas na mesa de cabeceira
como sempre imaginei.
Esgueiro-me para dentro, sentindo-me um pouco culpada por aproveitar o
fato de ninguém estar aqui para me impedir.
O cômodo é banhado por luz artificial, a cama de dossel perfeitamente
feita está localizada no centro do quarto, como se a dona do castelo não
tivesse dado seu último suspiro naquele mesmo lugar recentemente. Meu
estômago dá uma cambalhota enquanto passo na ponta dos pés pela mobília e
lentamente abro a porta do armário. O closet é do tamanho do meu quarto e
estava em puro breu. Tateio a parede até que a minha mão faz contato com o
interruptor.
Iluminado, o local está cheio de roupas de grife e sapatos, e todos cheiram
como o perfume da vovó. É enjoativo e faz meus olhos lacrimejarem.
Todas as roupas de vovô tinham sido retiradas dali há muito tempo, e o
espaço agora está cheio de roupas que minha avó provavelmente nunca usou.
Eu deslizo para dentro, passando a mão pelas roupas, o cheiro causando
uma enxurrada de memórias que invadem minha mente, a maioria delas
desagradável. Sentindo-me culpada por pensar mal de uma pessoa morta,
afasto os pensamentos.
O cofre ocupa um canto inteiro do armário, e eu tiro o conjunto de chaves
do meu bolso, experimentando cada uma até encontrar a que finalmente se
encaixa e gira a maçaneta.
O cofre range, se abre, e eu o analiso. Irracionalmente, meu coração bate
como se algo estivesse prestes a saltar sobre mim. Mas assim que a porta está
totalmente aberta, nada acontece, e eu solto uma risada nervosa, sentindo-me
estúpida por ter ficado tão assustada.
O cofre está praticamente vazio, guardando apenas algumas caixas de
joias e uma pasta de arquivos.
Eu puxo as caixas para fora e abro-as. A primeira é de um colar com um
enorme pingente de ametista rodeado de diamantes. Traço a joia com os
dedos e me lembro da única vez em que o vi antes, enfeitando o pescoço da
minha avó para o trigésimo aniversário de casamento com vovô. Lembro que
ele ficou tão orgulhoso ao dá-lo para ela na frente de todos os seus amigos.
Ela o colocou e sorriu para ele, a única vez em que conseguia me lembrar
dela parecendo verdadeiramente feliz. Seu rosto normalmente corado estava
relaxado, sua idade se dissipando e, se você perguntasse a alguém, eles teriam
jurado que ela não tinha mais de quarenta anos. A felicidade não durou –
nunca durava – e no final da noite, seu espírito severo já havia retornado.
Recoloco a tampa na caixa e a guardo, puxando uma outra menor. Assim
que abro, minha respiração fica presa quando uma simples faixa de ouro é
revelada.
A aliança de casamento da mamãe.
Ela usou o anel por anos após a morte do meu pai, recusando-se a tirá-lo,
para o desânimo da minha avó.
Meu ursinho,
O apelido carinhoso que meu pai sempre usou comigo me tira o fôlego, e
uma vida inteira de lembranças passa pela minha mente. Minhas mãos
começam a tremer, assim como aquela única folha de papel pautado.
Doce Ursinho,
Eu comecei o jardim de infância quatro meses depois de ver meu pai morrer.
Como diabos ele poderia ter me escrito uma carta do túmulo?
Desde o dia em que meu pai morreu, havia uma dor no meu peito. Com o
passar dos anos, a dor diminuiu e, de vez em quando, intensificou-se, como
quando me formei no ensino médio e meu pai não estava lá para me ver. Ou a
primeira vez em que meu coração foi partido, e eu não tive meu pai para me
abraçar e ameaçar atirar no garoto que tinha feito isso. Mas na maior parte do
tempo, fora uma dor suportável, que desaparecera ainda mais depois de
conhecer Bronn e ter alguém que se preocupa comigo.
Mas a dor lancinante que estou sentindo agora não é nada comparada a
isso. Não consigo respirar, a pressão no peito é tão imensa e, por uma fração
de segundo, o pânico começa a percorrer minhas veias, convencendo-me de
que posso morrer por falta de oxigênio.
Jogando-me no chão, enfio minha cabeça entre os joelhos e engulo ar,
usando meu treinamento como enfermeira para respirar e me assegurar de
que não iria morrer com esse ataque de pânico.
Ainda estou perdida, sem compreender o que tinha acabado de ler,
quando ouço Riley chamando meu nome no corredor.
Minha boca está seca demais para falar, meu coração galopando, então eu
não respondo, apenas continuo puxando envelopes da pilha, lendo
avidamente as cartas curtas, uma atrás da outra.
— Grace? — a voz estridente de Riley chama meu nome de novo, desta
vez atrás de mim, e seu corpo grande bloqueia a luz. Com lágrimas nos olhos,
agarro as cartas contra o meu peito e me viro. — Ah, merda — ele murmura,
agachando-se diante de mim. — Você encontrou as cartas.
Ele evita meus olhos, olhando para o chão, com a voz baixa.
— Você não deveria tê-las encontrado.
Minha mente está acelerada, mas a cada novo pensamento, cem perguntas
surgem. Não tenho ideia do que essas cartas significam, nem do que Riley
está dizendo, nem do que diabos está acontecendo.
Eu vim para a casa da minha avó para buscar alguns objetos pessoais, não
para descobrir que minha vida inteira tem sido uma mentira.
— O que é isso? — grito, ainda agarrada às cartas.
O olhar de Riley finalmente se ergue para encontrar o meu, seus olhos
cheios de compaixão.
— Sua avó nunca quis que você soubesse.
— Foda-se o que minha avó queria! — eu grito enquanto me coloco de
pé, sentindo a adrenalina subir pelas minhas veias. Minha raiva aumenta a
cada momento em que ele fica parado, em silêncio. — De quem são essas
cartas? — Grito de novo, balançando a pilha contra seu rosto.
Riley pega as cartas, mas eu as coloco fora do alcance dele. Erguendo as
mãos em sinal de rendição, ele diz as palavras que fazem meu mundo parar
de girar.
— Seu pai não está morto.
Uma onda de náusea me atinge com tanta força que eu cambaleio para
trás. Inclinando-me, deixo cair as mãos sobre os joelhos e ofego, tentando
conter a bílis que subia pela minha garganta.
Passei os últimos dezessete anos da minha vida lamentando a perda de
um homem que não estava morto.
Não consigo ficar de pé, pois a dor no meu estômago está me fazendo
passar mal de verdade.
— Como você sabe disso? — pergunto com os dentes cerrados.
— Grace, por que não nos sentamos? — sua voz é baixa, seu tom
paternalista. Eu não sou uma pessoa violenta, mas o desejo de bater em algo
me consome – e essa coisa seria Riley James.
— Eu. Não. Quero. Me. Sentar — vocifero. Tento me recompor e me
levanto para encará-lo, ajeitando meus ombros e exijo: — Conte-me tudo. E
agora, merda!
— Só sei o que Marie me contou. — Ele está ganhando tempo, enquanto
seus olhos percorriam todo o lugar.
— Droga, Riley — choramingo. — Por favor.
A adrenalina começa a diminuir, deixando-me fraca e trêmula. Estou
desesperada para entender o que está acontecendo e, agora, a única pessoa
que pode responder isso para mim está fazendo de todo o possível para evitar
me contar.
— Vamos apenas nos sentarmos, e eu vou te dizer o que sei — ele
implora, e desta vez eu assinto, pegando a pasta de arquivos e saindo do
closet atrás dele.
Eu me sento na beira da chaise lounge, no canto do quarto de vovó, e
Riley se senta ao meu lado, e sua grande estrutura quase me engole.
— Eu não consigo respirar com você assim, sentado tão perto de mim! —
cuspo as palavras antes de me afastar.
Ele me lança um olhar magoado, mas eu não me importo com seus
sentimentos feridos.
Estou muito envolvida no caos que está passando pela minha cabeça.
Como se fossem uma criança capaz de fugir, agarro as cartas com força e
exijo:
— Fale. Agora.
Riley solta um suspiro.
— Antes de lhe contar qualquer coisa, saiba que sua avó só estava
fazendo o que era melhor para você.
Eu zombo.
— Certo. — Porque me dizer que meu pai estava morto, quando ele não
estava, era certamente a melhor coisa a se fazer com uma criança de cinco
anos de idade!
— Grace — ele geme —, eu sei que você não entende agora, mas você
vai acabar entendendo.
— Pare de defendê-la. Ela está morta. Conte-me sobre o meu pai. Onde
ele está?
— Na prisão.
Meu coração para de bater.
Prisão?
— O que… — Suspiro. — Não entendo. Eu o vi morrer naquele posto de
gasolina.
Riley balança a cabeça.
— Ele não morreu.
— Eu não... Eu não entendo. O que você quer dizer com ele não morreu?
Riley olha para mim.
— Quero dizer, sua mãe disse que ele morreu, mas não é verdade. Ele foi
para a prisão.
Estou sem palavras, minha mente trabalhando a todo vapor, mas sem
pensamentos coerentes sendo formulados. Minha respiração, que acabara de
desacelerar, fica descontrolada e sinto tontura.
Entre suspiros, eu cuspo:
— Por quê?
Os olhos de Riley se afastam de mim, e eu agarro seu braço, cavando
minhas unhas em sua carne.
Ele recua, mas não chora de dor, embora eu tenha certeza de que devo
estar machucando-o.
— Por quê? — digo novamente, desta vez com a voz mais firme.
Quando ele alcança minha coxa e dá um tapinha com a mão livre, eu
retiro minhas unhas do braço dele e o golpeio.
— Não tente me consolar. Eu não preciso disso. Preciso da verdade.
Eu preciso saber tudo, e sua hesitação me irrita. Ele acha que está fazendo
o que é melhor para mim, apenas seguindo os desejos de vovó, mas eu não
sou uma criança e não preciso que suavize as coisas para mim.
O que eu preciso é que ele tenha colhões e pare de se preocupar com o
que aquela cadela velha queria dele.
O que eu preciso é saber por que passei a minha vida inteira sentindo falta
de um homem que não estava cremado na urna sobre a cômoda da minha
mãe.
O que eu preciso é saber onde meu pai está e por quê. Eu digo:
— Pela última vez, Riley. Conte-me tudo, e conte-me agora — nunca fui
tão dura.
Eu também nunca estive tão surpresa. A dor é uma pílula amarga de se
engolir. Mas isso? Isso não é sofrimento. É fúria.
Bronn
Largo meu telefone antes de decidir que preciso parar de ser um idiota
obsessivo. Eu decido verificar a garçonete de plantão, certificar-me de que
ela não precisa de ajuda, então, caminho até a porta.
Minha mão está na maçaneta quando ela se abre sozinha, forçando-me a
pular para trás. Dani corre para dentro, com o rosto corado.
—Bronnson! — ela grita, se lançando em meu colo.
Abro meus braços e a agarro enquanto ela se agarra a mim como um
macaco bebê.
— Jesus Cristo, Dani! O que está acontecendo?
Coloco-a no chão, e ela joga a cabeça para trás, agarrando cada lado do
meu rosto, enquanto o dela próprio demonstra um sorriso.
— Você conseguiu o maldito empréstimo! — grita novamente, seus olhos
se enchendo de lágrimas. — Estou tão orgulhosa de você!
E eu queria tanto que Grace fosse a primeira a saber.
Não me surpreende que Dani, de alguma forma, tenha descoberto do
empréstimo antes que eu pudesse contar a ela. Ela tem conexões na cidade e
muito mais fãs do que eu. Tenho certeza de que a esposa do banqueiro foi até
o café para ser a primeira a contar a ela no momento em que seu marido
imbecil carimbou o aviso de aprovação.
Eu queria contar a Grace antes de qualquer outra pessoa, mas, ao perceber
que não iria conseguir que atendesse às minhas ligações, Dani teria que
substituí-la.
Meus lábios se curvam, e eu luto contra o sorriso do Gato de Cheshire
que está tentando escapar, querendo parecer descolado na frente da minha
irmã mais velha.
Dani sempre foi minha maior apoiadora, mesmo quando eu não queria
que ela fosse nada para mim. Ela sempre me animou, me encorajou e me
apoiou.
Mesmo que fosse apenas três anos mais velha do que eu, parecia mais
como uma mãe para mim do que a mulher que me gerou e me criou.
Queria deixá-la orgulhosa, queria que ela visse que eu não era a droga
que estava fingindo ser. E ela viu. Ela sempre enxergou através das minhas
mentiras.
Então, embora eu não pudesse celebrar minha nova empreitada com a
mulher que eu amava, Dani não era uma substituta ruim.
Ela me dá um tapa no braço, e as lágrimas que estavam em seus olhos
agora escorrem pelo rosto.
— Não aja como se não estivesse emocionado. Você não tem que ser o
cara durão na minha frente.
Ela ri, com o nariz avermelhado, e finalmente me permito sorrir.
— Foda-se! Sim, estou emocionado! — grito, rindo com ela. Jogo meu
braço no ar, erguendo meu punho como se tivesse acabado de marcar um
homerun. — Eu sou dono de um negócio!
Ela começa a pular para cima e para baixo, batendo palmas e me pergunto
como não quebra o tornozelo estando com saltos tão altos.
— Temos que comemorar! Eu tenho uma garrafa de Dom na casa!
Vamos nos reunir para o jantar! — Sua exuberância é contagiante, e antes
que eu perceba o que estou fazendo, passo meus braços em volta de sua
cintura e giro minha irmã mais velha no ar.
— Eu sou dono deste buraco, Dani! Sou dono deste maldito bar!
Puxando-a pelo braço, corro pela cozinha, gritando para os cozinheiros
me seguirem.
Uma vez que todos estão reunidos ao redor do bar, subo no balcão e bato
nele com o pé.
— Eu preciso da atenção de todos! — grito por sobre o barulho da
conversa dos clientes e do tilintar da louça. Quando os barulhos se acalmam,
pigarreio, engolindo o caroço que se formou. — Só quero agradecer a todos
aqui por jantarem e beberem conosco. É por sua causa que posso dizer
oficialmente que sou dono de uma pequena empresa!
Alguns dos convidados parecem confusos, enquanto outros se divertem.
Os frequentadores que estão plantados no bar têm sorrisos largos em seus
rostos, sabendo exatamente o que meu anúncio significa.
Eu abro meus braços e continuo:
— A próxima rodada será por minha conta!
O bar explode em aplausos e gritos de excitação.
Eu faço uma reverência exagerada, meu nariz quase toca meus pés, e
depois me endireito antes de pular.
Em circunstâncias normais, Dani teria sofrido um derrame com o meu
anúncio, vendo notas de dólar flutuando porta afora ao pensar em bebidas
gratuitas para um restaurante lotado. Mas quando meus olhos encontram os
dela, ainda está sorrindo largamente, muito feliz para se importar com o fato
de que eu vá dar de graça muitos dos nossos produtos.
Ela pega uma garrafa de tequila de trás do bar antes de enlaçar seu braço
no meu.
— Tem copos no escritório ainda?
Eu assinto e ela dá uma piscadinha.
— Ótimo. Vamos começar a comemoração mais cedo.
Eu grito para os caras voltarem ao trabalho e depois retornamos para o
meu escritório, com Dani chutando a porta em seus saltos altos.
Enquanto fecho a porta atrás de nós, ela se joga na cadeira em frente à
minha mesa e coloca a garrafa sobre uma pilha de papéis.
— Sirva-nos uma rodada.
Eu tinha o hábito de não beber enquanto o bar estava aberto, sempre
querendo estar totalmente ciente do que estava acontecendo, mas sempre
havia exceções, e essa era uma delas. Abro uma gaveta e pego dois copos,
soprando a poeira deles antes de enchê-los até a metade com o líquido
dourado que com certeza iria queimar minha garganta.
Ela segura o copo que acabei de entregar a ela.
— Um brinde.
Eu gemo, lembrando-me da história de Dani com brindes. O último que
fizera no casamento de sua mãe começara muito bem, gritando que o homem
nunca substituía seu pai, e depois desmoronando quando o microfone foi
puxado de suas mãos, enquanto Dani chorava, pedindo que não se casasse,
porque ela não queria dividir a mãe.
Dani ergue a mão e encolhe os ombros.
— Eu prometo que isso não será uma repetição do brinde apocalíptico do
casamento.
Eu rio e me sento no meu lugar, dizendo uma rápida oração para que ela
diga poucas palavras.
— A você — ela começa, mas, em seguida, pressiona os lábios quando
eles começam a tremer.
— Vamos, Dani. Não fique toda emocional — eu imploro.
— Não, não. Eu não estou — sua voz está trêmula, e eu estreito meus
olhos para ela. — Estou bem. — Ela pigarreia mais uma vez e começa de
novo. — A você. Ao meu irmão mais novo, a quem sempre amei mais do que
qualquer outra coisa. Ao homem que você se tornou. Um homem de quem
papai teria orgulho. Ao futuro, onde quer que isso possa te levar. Eu estou tão
feliz por você. E, caramba, eu te amo, porra.
Ela sorri largamente para mim e, em seguida, vira a dose inteira.
Eu a imito e engulo a minha, fazendo uma careta quando a bebida queima
a minha garganta. Quando a sensação finalmente desaparece, ergo o meu
copo, agora vazio.
— Felicidades. E eu também te amo, caralho. Sempre vou amar.
Seus olhos começam a lacrimejar novamente quando meu telefone me
alerta para uma mensagem. Largo o copo e o pego da mesa, e, vendo que
finalmente é Grace, solto um suspiro aliviado.
Grace: Algo veio à tona. Vou ficar em Columbia alguns dias. Ligo para você
quando puder conversar.
Leio de volta os textos, percebendo que soava como uma cadela chorona.
Gemendo, deixo cair o telefone sobre a mesa.
Se eu quero que ela fale comigo, e me diga o que está acontecendo,
assediá-la provavelmente não é o caminho para fazê-la se abrir.
— Bronn? Tudo bem? — a voz de Dani interrompe minha inquisição e
minha cabeça se volta para ela.
— É só Grace — murmuro, analisando cada palavra da pequena
mensagem que ela enviou.
Dani se levanta e dá a volta na lateral da mesa.
— Ela está bem?
— Porra, eu não sei — digo a ela honestamente. Não sei se ela está bem,
porque tem evitado minhas ligações o dia todo. — Não falo com ela desde
que chegou na casa da avó horas atrás. E agora ela enviou esta mensagem
enigmática. Então, não tenho ideia do que está acontecendo.
Dani pega meu telefone e faz uma varredura das mensagens.
— Tenho certeza de que ela está bem. Provavelmente só tem algumas
coisas burocráticas para resolver. Mas você, por outro lado, parece um pouco
psicótico.
Pego meu telefone de volta, ignorando seu comentário e olho para a tela,
desejando que uma mensagem apareça. Depois do que parece uma hora, digo
foda-se e ligo para o número dela.
O telefone dela cai direto no correio de voz sem tocar.
Puta que pariu.
— Ei, não se preocupe com isso. Tenho certeza de que ela vai ligar para
você em breve — suas palavras deveriam ser reconfortantes, mas seu tom não
demonstra convicção.
— Sim — murmuro. — Eu tenho certeza de que ela vai.
Pego a garrafa de tequila esquecida e tomo um gole, nem mesmo me
incomodando em colocar a bebida em um copo. Não tenho ideia do que está
acontecendo com Grace, mas o bolo que se formou na boca do meu estômago
me diz que, seja o que for, não é nada bom.
Grace
***
Passo o resto da noite lendo as cartas da pasta, alternando entre soluços
histéricos e rindo até minhas bochechas doerem. Papai me enviou uma carta
por semana durante todo o primeiro ano após a sua "morte". Permaneceu
positivo, otimista de que me veria em breve, algo que eu tenho certeza de que
ele logo começou a perceber que não iria se concretizar.
Mas, no ano seguinte, as cartas diminuíram para uma vez por mês. Houve
uma mudança em sua escrita. Foram-se as promessas de me ver novamente,
em seu lugar, tristeza e desespero. A maioria delas era curta, algumas frases
sobre o quanto me amava e sentia a minha falta. Garantias de que estava bem.
Perguntas sobre a escola.
No terceiro ano, começou a datar as cartas, então foi mais fácil seguir em
ordem cronológica. Estas eram muito mais esporádicas, mas não tão
devastadoras quanto as anteriores. Em todas as que enviou, falou sobre suas
lembranças favoritas de mim, de nós.
Ele relembrava o dia em que pegamos emprestado o carrinho de golfe de
um vizinho e depois acabamos atolando-o no pântano. Meu pai parecera um
porco na lama naquele dia, tendo que cavar as rodas, ficando imundo no
processo. Para mim fora grande aventura, porque ele fez parecer assim,
fingindo ser um pirata procurando por tesouros enquanto eu ria e gritava,
segura no banco do motorista.
Minha barriga chegou a doer quando li essa carta, lembrando-me daquele
dia com perfeição. E havia muito mais cartas assim.
Mas então eu cheguei à carta que ele escreveu para mim no meu
aniversário de dezoito anos. Foi o pior aniversário que já tive. Tinha acabado
de me formar no ensino médio, fui a oradora da turma. Atravessei o palco e
olhei para a multidão, desejando ter meus pais lá me aplaudindo. Em vez
disso, vi meu avô, sorrindo timidamente, minha avó ao lado dele, seu rosto
severo, parecendo incrivelmente entediado.
Os pais de meus amigos iriam dar festas épicas para homenageá-los e
presentes generosos, levando-os para jantares extravagantes. Meus avós
tinham me dado um tapinha nas costas e então foram para o clube.
Meu aniversário acontecera apenas dois dias depois.
Você é oficialmente uma adulta hoje. Às vezes, quando durmo, vejo o seu
rosto, mas não o rosto da criancinha gordinha que vi pela última vez. Não,
eu a vejo como deve ser hoje. E me tira o fôlego com o quanto é linda, o
quanto se parece com sua mãe. E eu penso comigo mesmo: Deus, como pude
criar algo tão perfeito, tão lindo como você? A resposta é que sua mãe
provavelmente teve muito mais a ver com isso do que eu, mas, mesmo assim,
vou levar algum crédito.
Você provavelmente se formou no colegial, fazendo algo que até seu
querido e velho pai nunca conseguiu fazer. Nem consigo começar a dizer o
quanto estou orgulhoso. Eu me pergunto qual faculdade irá cursar. Sei que
está destinada a grandes coisas, e como poderia ser diferente?
Tive muito tempo para pensar, refletir, tentar entender a vida e os
porquês de tudo. Em todo esse tempo que tive, ainda não consigo encontrar
uma resposta, uma razão para que nossas vidas tenham seguido como
seguiram.
Mas sei que você está segura, espero que esteja feliz, e acho que, talvez,
apenas talvez, minha vida tenha sofrido esta terrível mudança para que você
pudesse ter a vida que tem. Para que nunca lhe faltasse nada.
E, ursinha, se isso for verdade, eu faria tudo de novo. Ficaria feliz em
permanecer aqui por cem anos, se isso significasse que você irá receber da
vida tudo o que merece.
Eu amasso a carta na minha mão, as lágrimas rolando pelo meu rosto. Não
tenho certeza se posso perdoá-la e, se pudesse, ela saberia?
Uma coisa eu sei com certeza: teria vivido de bom grado toda a minha
vida em um barraco, com roupas de Natal patéticas e puídas, se isso
significasse que poderia ter algum tipo de relacionamento com meu pai.
Mesmo que fosse através das barras de aço de uma cela de prisão.
Bronn
Correio de voz
Novamente.
Correio de voz
Novamente.
Correio de voz
Novamente.
Eu estava beirando o status de psicopata pelo número de vezes que liguei
para ela. Seu telefone ia direto para o correio de voz toda vez, felizmente me
poupando da incômoda tarefa de explicar por que ligava para ela a cada dois
minutos, sem falta, há horas.
Eu estava realmente começando a me estranhar.
Sei que preciso guardar meu telefone, afastar a garrafa de tequila, correr
para casa, ir para a cama, e dormir para me curar dessa intoxicação induzida
pela preocupação.
Mas não importa quantas vezes eu tente argumentar comigo mesmo,
ainda não consigo forçar minhas pernas a se levantarem, meus pés a se
moverem ou meus braços a fecharem o bar.
Dani saiu pouco depois da terceira dose, prometendo me ligar mais tarde,
com mais falsas garantias de que estava tudo bem.
Quando ela ligou há uma hora, mandei a ligação dela para o correio de
voz, depois ri da ironia.
Olhando para a tela do meu celular, vejo que são quase duas da manhã.
Em uma última tentativa, disco o número de Grace novamente.
Correio de voz.
Puta que pariu.
Com um suspiro pesado, paro e saio cambaleante em direção à porta do
meu escritório, batendo meu quadril no canto da minha mesa no caminho.
— Merda! — gemo, sentindo a dor queimar na lateral do meu corpo. —
Foda-se! — falo, desligando o interruptor de luz e pegando a almofada de
uma das cadeiras. Jogando-me no chão, coloco o travesseiro sob a cabeça e
fecho os olhos, sentindo o mundo inteiro girar.
Rindo, eu resmungo:
— Assim eu me sinto em casa.
Pouco antes de desmaiar, uma lembrança de minha mãe surge em minha
mente; a dor daquele dia parece tão recente como se tivesse sido ontem.
***
A repentina dor nas minhas costelas me devolve à consciência. Minha boca
está seca, minha língua enrolada e, assim como minha coluna, minha cabeça
lateja.
Gemendo, giro-me de lado, com cuidado para evitar a parte dolorida e iço
meu corpo com um cotovelo. Eu olho ao redor, tentando avaliar meu entorno,
quando a voz da minha irmã invade meus ouvidos.
— Bronnson? Que porra você está fazendo no chão? — ela se agacha,
caindo de joelhos ao meu lado.
É uma pergunta para a qual não tenho uma resposta imediata. Os
acontecimentos da noite passada são nebulosos. Tento me concentrar em seu
rosto, mas minha visão está nublada, e uma onda de náusea revira meu
estômago.
Eu engulo em seco e balanço a cabeça, apenas para me lembrar que
qualquer movimento é uma má ideia.
— Eu não sei — gemo.
Dani pega meu braço, ajudando-me a ficar de pé, mas ainda estou tonto e
desmorono na cadeira mais próxima.
— Acho que estava um pouco bêbado — digo sem jeito, tentando uma
piada que falha miseravelmente.
Eu já sei o que ela vai dizer e não estou com disposição para um de seus
sermões, não importa o quanto mereça um.
— Bronn... — Dani se interrompe, o rosto cheio de preocupação. Ela não
quer fazer o papel de minha mãe, assim como também não quero que ela
faça.
Além disso, eu já sei que preciso maneirar a bebida. Minha cabeça
latejante é uma prova positiva disso.
Ela se agacha na minha frente, entrando diretamente na minha linha de
visão e me entrega uma garrafa de água, esperando enquanto eu a bebo.
Quando entrego a garrafa vazia de volta para ela, Dani pega outra garrafa de
sua bolsa e tira a tampa antes de despejar um punhado de analgésicos nos
meus dedos estendidos.
Sorrio fracamente, em uma única tentativa de agradecê-la, e pego as
pílulas, bebendo a garrafa número dois de água.
— Você tem notícias da Grace? — ela pergunta, sua voz cheia de
preocupação.
Balanço a cabeça discretamente antes de pensar melhor.
— Não. Embora eu tenha dormido por um tempo. Talvez ela tenha ligado
enquanto eu estava desmaiado.
Dani fica de pé e se arrasta para a minha mesa, empurrando papéis para
fora do caminho até que encontra meu telefone. Depois de trazê-lo para mim,
ela se joga na cadeira em frente e espera pacientemente que eu verifique
minhas chamadas perdidas.
Nenhuma da Grace.
Sete da Dani.
Eu ergo meus olhos e balanço a cabeça.
— Me desculpa — digo a ela, desculpando-me por fazê-la se preocupar.
Com um leve encolher de ombros, ela sorri tristemente.
— Não se preocupe com isso. Você está bem. Tudo resolvido.
Uma pontada de culpa me atinge no estômago, seguida pela raiva de mim
mesmo por fazê-la se preocupar.
Eu tenho que parar de agir como um idiota egoísta. E como um idiota
patético que imediatamente assume o pior só porque minha namorada ficou
presa em outra cidade.
Verifico meus textos enquanto Dani e eu nos sentamos em silêncio, e fico
surpreso ao ver uma da Grace. É tão curta quanto a de ontem.
Grace: Eu vou ficar aqui até quinta. Preciso resolver algumas coisas.
Sem dizer nada, viro a tela na direção de Dani para que ela possa ler a
mensagem.
Ela inclina a cabeça para o lado, mordendo o lábio, seu olhar analítico
quando está tentando descobrir alguma coisa. Finalmente, ela ergue os olhos
para mim.
— O que está passando pela sua cabeça? — pergunta.
— Um maldito trem de carga. — Eu faço uma careta, e ela ri.
— Desculpe, mas você causou isso a si mesmo.
Eu não discordo, mas não facilito as coisas.
— Onde está a sua empatia?
— Você não merece isso. — Ela ainda está sorrindo, mas não
verdadeiramente. — Ela provavelmente tem muito o que fazer.
Desta vez, balanço a minha cabeça, embora meu cérebro proteste.
— Ela não é assim. Nunca passou mais de duas horas sem me mandar
mensagens.
— Mas ela mandou uma mensagem para você — Dani argumenta.
Balançando meu telefone na direção dela, eu digo:
— Não são textos frios e impessoais, não é isso que quero dizer. —
Abrindo a mensagem novamente, digito uma resposta.
Eu: Me ligue.
Não espero receber uma resposta, por isso fico chocado quando vejo o balão
de mensagens indicando que ela está escrevendo. Depois de alguns segundos
tensos, a mensagem dela é enviada.
Eu: Bem, se não sou eu, então o que é? Porque do jeito que você está
evitando minhas ligações, com certeza o problema sou eu. E, até onde eu sei,
você não está sozinha. E quanto a Riley? Ele está te ajudando a resolver as
coisas?
Eu: Ah, então é assim que você vai lidar com isso? Não vai falar comigo ao
telefone nem vai me dizer por quê?
Fechando meus olhos, eu aperto a ponte do meu nariz. Estou agindo como
um idiota Ela está na casa da avó, vasculhando coisas. Provavelmente está
passando por péssimos momentos, pagando um preço emocional maior do
que esperava. Mas é para isso que estou aqui. Ou, pelo menos, era o que eu
pensava antes de ela ser tão evasiva comigo.
O aperto no peito aumenta conforme as respostas soam mais vagas cada vez
que as envia.
Eu: Isso você já disse. Tem certeza de que não precisa de tempo longe de
mim?
Grace: Jesus, Bronn. Você está sendo ridículo. Isso não tem nada a ver com
você. NADA. Por favor, deixe-me em paz por um tempo.
Merda!
Eu olho para a tela do celular, a luz brilhando na escuridão do meu quarto de
infância. Enviei a Bronn várias mensagens que ficaram sem resposta.
Sinto falta dele.
Quero falar com ele, vê-lo, mas tenho muito para tentar resolver, meu
cérebro tornou-se uma bagunça de pensamentos e emoções, e eu
simplesmente não consigo me concentrar em nada que não esteja relacionado
ao meu pai.
Meu pai, que está muito vivo.
Não seria justo com Bronn se eu despejasse tudo sobre nele, essa
reviravolta chocante de eventos na minha vida, sem antes ter uma ideia do
que diabos vou fazer em relação a isso.
E mais importante, como estou me sentindo sobre isso tudo.
O choque inicial se dissipou, felizmente, mas ainda me sinto em conflito
sobre tudo. Quero ir ver o meu pai, conversar com ele, mas Riley me
convenceu a esperar até depois da audiência de apelação.
Ele me fez lembrar que eu precisava de tempo para aceitar o fato de que
toda a minha vida tinha sido uma mentira. Mas as coisas que eu achava que
conhecia como verdade eram, na realidade, falsidades, alimentadas por uma
mulher tão cruel que não entendia como poderíamos ser da mesma linhagem
sanguínea.
Crescer com vovó fora difícil, a perda de ambos os meus pais quando
criança, ainda mais insuportável. Mas isso, essa terrível traição, fora de longe
a dor mais excruciante que já experimentei.
Eu não estava apenas mentalmente exausta, mas fisicamente sentia como
se tivesse sido atropelada por um caminhão várias vezes.
Vasculhei a casa de vovó, de cima a baixo, procurando cada centímetro
quadrado da mansão, procurando por mais de seus segredos, mas não
consegui encontrar mais nada. Parecia que assaltantes tinham saqueado o
lugar. Se ainda estivesse viva, minha avó teria morrido de derrame ao ver
como estava.
E, infantilmente, esse fato me fez feliz. Esperava que, onde quer que ela
estivesse, pudesse me ver apontando-lhe o dedo do meio, deixando sua casa
antiquada em frangalhos, alegremente destruindo a aparência que ela
trabalhara tão duro para manter.
Meu telefone toca na minha mão, e meu coração acelera, mas a decepção
me inunda quando percebo que não é Bronn. Não que ele tivesse algum
motivo para ligar. Fui bastante clara quando disse que precisava de espaço.
Ele entendeu a mensagem em alto e bom som, e eu não recebo notícias dele
desde ontem de manhã.
Eu sei que o machuquei, deixando-o sem informações. Bronn me disse
uma vez que sempre se sentiu sozinho, mesmo tendo Dani. Que as feridas
que sua mãe infligiu foram fundas, e mesmo sabendo que era porque ela era
inútil e nunca deveria ter tido um filho, isso não o impediu de sentir que ele
era o motivo de ela nunca tê-lo amado do jeito que uma mãe deveria.
Não que Bronn esperasse que eu fosse agir como sua mãe, mas nós
passamos a depender um do outro nos últimos meses. E o meu
desaparecimento repentino, sem uma razão, provavelmente o fez lembrar-se
dos anos que passou se perguntando se sua mãe iria voltar para casa ou não.
Merda.
Eu estraguei tudo.
Mando a ligação para o correio de voz e, em seguida, disco o número de
Bronn, prendendo a respiração, esperando que atenda. Depois de três toques
agonizantemente longos, ele atende.
Sua voz está grave, e eu olho para o relógio na minha mesa de cabeceira.
São só nove da noite, cedo demais para ele estar na cama.
— Grace?
— Bronn — eu sussurro. — Me desculpa.
Ele pigarreia, e eu posso ouvir seus lençóis farfalhando ao fundo.
—Você está na cama? — pergunto.
— Sim — ele não elabora a resposta, e eu não tenho a chance de
perguntar por que já estava deitado, porque prossegue: — Você está bem?
— Não. De modo nenhum.
O farfalhar se torna mais alto, e eu quase posso imaginá-lo sentando-se na
cama. Meu coração dói, e o desejo de estar lá com ele, em vez de nesta casa,
que está cheia de lembranças tristes, me domina.
— O que está acontecendo? — ele pergunta, sua voz muito mais clara do
que parecera há pouco.
— Eu... — Quero lhe contar tudo, chorar em seu ouvido pelo resto da
noite e ouvi-lo dizer o quanto ele sente muito por eu ter perdido tantas coisas
ao longo dos anos. Quero que me abrace, que faça carinho nas minhas costas
enquanto eu molho sua camisa com lágrimas salgadas. Preciso sentir seus
braços fortes em volta de mim, segurando-me, fisica e emocionalmente.
Quero estar em seu barco velho, envolta em seus lençóis ásperos, com nossos
corpos nus entrelaçados de modo que não se pode dizer onde um de nós
começa e o outro termina.
Quero contar a ele que meu pai não está morto. Que está em uma prisão a
apenas dezesseis quilômetros de onde estou sentada no escuro, chorando.
Quero dizer que passei as últimas três horas pesquisando na internet tudo e
qualquer coisa relacionada ao encarceramento do meu pai.
Mas não posso.
— Grace? — ele chama. Sua voz está envolta em preocupação, e a culpa
se revolve dentro de mim em ondas, por saber que lhe causei preocupação
nos últimos dias.
— Estou aqui — sussurro. — Ouça, eu não posso falar — arfo.
— O que você quer dizer com você não pode falar? — ele praticamente
rosna, e seu tom severo me fazendo encolher. — O que diabos está
acontecendo com você? É porque eu fiquei com raiva de Riley antes de sair?
É o Riley? Aconteceu alguma coisa entre vocês dois?
Ele dispara as perguntas, e eu não tenho a chance de responder antes que
pergunte todas. Não posso culpá-lo por assumir que tem algo a ver com ele,
com Riley, com a gente.
— Não! Nada disso. É apenas algo do meu passado, algo que estou tendo
dificuldade em entender e mais ainda de explicar para outra pessoa.
— Tente, caramba! — ele grita ao telefone.
A dor no meu peito se intensifica, até o ponto de eu me preocupar de
meus pulmões não suportarem. O telefonema não está acontecendo como eu
gostaria. — Eu não posso! — grito, minha voz se quebrando em um soluço.
— Como você pode pensar que eu não entenderia? — pergunta, sua voz
muito mais calma, uma mudança abrupta do homem irritado de alguns
segundos atrás. — Não há nada que você possa me dizer que eu não
acreditaria, que não aceitaria e entenderia. Seja o que for, Grace, você pode
me contar.
— E vou. Juro que vou contar tudo assim que chegar em casa. Mas agora
eu simplesmente não posso. Por favor, seja paciente comigo — imploro,
desesperada por uma garantia de que estará esperando por mim em alguns
dias. — Vou precisar de você mais do que nunca quando voltar.
Sua voz é triste, e meu âmago se retorce quando ele promete:
— Eu farei o que você precisar. Se precisar de tempo e espaço, darei a
você cegamente. Mas, caramba, não me deixe de fora.
— Não vou fazer isso — digo a ele. Mesmo que não queira nada além de
me esconder até depois da audiência de amanhã, sei que não é justo deixá-lo
esperando em casa, imaginando se estou viva. Se os papéis fossem invertidos,
não sei se seria tão compreensiva.
— Tenho grandes novidades — ele me diz, radiante. — Mas eu quero
compartilhar pessoalmente.
Boas notícias seriam bem-vindas, mas não o pressiono.
— Mal posso esperar para ouvi-las.
— Sinto sua falta, Grace. — Sua voz se torna mais desanimada, e o
timbre rouco me atinge direto no ponto mais íntimo do meu corpo. — Eu
estava sonhando com você quando ligou.
Meu pulso começa a acelerar.
— Sério? — choramingo. — Nós estávamos nus em seu sonho? —
provoco, esperando que a resposta seja sim. Que ele me conte todos os
detalhes sórdidos, dando-me uma distração muito necessária.
— Não. — Ele parece tão desapontado quanto eu. — Mas estávamos
sozinhos na praia, o sol começando a se elevar no horizonte. Sua cabeça
estava no meu colo, meus dedos deslizando preguiçosamente pelo seu cabelo,
e nós estávamos falando sobre o nosso futuro, sobre como estaríamos a partir
daqui. — Fecho meus olhos, imaginando a cena, um sorriso se formando no
meu rosto pela primeira vez em uma semana. Quase posso sentir suas mãos
calejadas na minha cabeça, ouvir sua respiração lenta e uniforme e sentir o
cheiro da maresia.
— Deus, isso parece incrível — murmuro. — Eu gostaria que não fosse
apenas um sonho.
— Tenho certeza de que estávamos prestes a ficar nus, na verdade. Sua
ligação acabou de interromper isso. — Ele ri, e eu rio com ele.
— Bem, sinto muito por ter arruinado seu sono — provoco.
— Não, tudo bem. Além disso, ouvir sua voz é melhor. Me dá algo para
pensar enquanto eu estiver no chuveiro.
— Você não tem que se lembrar da minha voz, você sabe — digo a ele,
em um sussurro, que eu espero que seja sensual. — Eu poderia falar com
você agora, talvez você possa me dizer o que teria acontecido naquela praia
se eu não tivesse te acordado.
Ele geme.
— Você está sugerindo o que eu acho que está sugerindo?
Eu lambo meus lábios, engolindo em seco.
— Estou.
Uma gargalhada prazerosa escapa de seus lábios.
— Porra, então que seja.
Minhas pálpebras se fecham, e eu deslizo a mão dentro da minha
calcinha, meus dedos indo em direção ao meu clitóris. Já estou molhada e
digo a ele:
— Bem, estou esperando.
Bronn
***
Dani e eu nos sentamos juntos durante toda a audiência, a mão dela
segurando a minha com força, mas eu não consigo me concentrar no que está
sendo dito. Quando o juiz bate o martelo para dispensar a corte, não faço
ideia do que acabou de acontecer.
Espero que Dani tenha prestado atenção, caso contrário, teremos que
conversar com o advogado mais tarde.
Mas, por enquanto, preciso dar o fora daqui e rápido. Preciso pensar e
tentar absorver o fato de que minha namorada é a filha do homem que matou
o meu pai.
Eu saio apressado, sem me incomodar em dizer a Dani que estou indo
embora. Quando vejo uma multidão esperando no elevador, mudo de direção
e vou para as escadas. Bato a porta e começo a minha descida, meus passos
ecoando no ambiente vazio.
— Bronn! — a voz de Grace soa alta atrás de mim. — Espere! Por favor,
espere! — Eu não diminuo a velocidade e continuo a correr para fora do
tribunal. — Droga, Bronnson! — ela grita, e sua mão agarra um punhado da
minha camisa, fazendo-me parar.
— Só me dê algum espaço — rosno, ainda de costas para ela.
Eu preciso de ar. A sala do tribunal estava sufocante. Não consigo sair de
lá rápido o suficiente, e Grace está apenas me atrasando.
— Não! — ela diz ferozmente, sem soltar a minha camisa. — Vire-se e
me enfrente.
Sua coragem e a porra da sua ferocidade são admiráveis, mas agora eu
preciso esfriar a minha cabeça.
Eu me liberto de suas mãos e continuo descendo as escadas.
Ela segue, implorando.
— Me ouça. Me dê só um minuto para explicar tudo. Ou pelo menos tudo
que eu sei.
Eu paro, minha mão segurando o corrimão com tanta força que minhas
juntas estão brancas. Ela toma minha hesitação como permissão para
continuar e começa a divagar:
— Meu pai ficou vivo por todos esses anos. — Sua voz falha, mas ela não
para de falar. — Eu sei que ele não fez o que você disse. Não o pai que eu
conheci. Ele não faria.
Sei que não é culpa dela que o pai seja um monstro, mas não posso ficar
aqui, incapaz de respirar, e ouvi-la defendê-lo.
Eu me viro para encará-la.
— Você não sabe o que está dizendo.
Viro-me de costas novamente, correndo pelas escadas enquanto oro para
que ela entenda a mensagem e me deixe ir. Mas Grace continua a me seguir,
chamando o meu nome, implorando para que eu pare e ouça.
Quando chego ao final da escada, começo a seguir para a saída quando
seu grito me faz parar.
— Onde estão seus colhões? — Eu me viro, olhando para ela enquanto
continua: — Você está agindo como um rato, fugindo assim de mim!
Tenho que dar a mão à palmatória, ela está certa.
Eu deveria ser um homem e ficar. Mas não posso.
— Você está certa. Eu não tenho colhões. Assim como seu maldito pai
quando roubou o meu e o matou.
Seu rosto se contrai e a culpa me inunda, guerreando com a raiva que está
fervendo no meu sangue. Eu não quero machucá-la; não quero ser
responsável por sua tristeza que tanto me esforcei para substituir por
felicidade.
Ela esfrega a mão no rosto e se recompõe.
— Bronn, eu te amo!
O mundo paralisa quando as palavras saem de sua boca, e eu luto para
levar ar para os meus pulmões. Já sabia que ela me amava, mas as palavras
não tinham sido pronunciadas até o momento.
Em zombaria, eu grito:
— Ótimo. Porra, que ótimo! Você me ama.
Ela se coloca nas pontas dos pés até seus olhos estarem nivelados aos
meus.
— Sim. É verdade. Eu te amo, porra. E você também me ama. Sei que
ama. —Ela coloca a mão no meu coração, e meu estômago se agita. — Você
não precisa dizer as palavras para que eu saiba como se sente.
Grace está certa. Eu a amo. Apaixonei-me no dia em que sua avó me
chamou de lixo, e ela me defendeu. Mas, porra, eu não sei o que fazer a
respeito agora. E eu não consigo pensar tendo ela à minha frente, com seu
perfume preenchendo meu nariz, sua proximidade fazendo meu corpo doer de
vontade de tocá-la. Eu preciso fugir, e preciso fazer isso antes de dizer algo
que me faça me arrepender.
— Você não sabe como me sinto. — Eu recuo, quebrando o contato entre
nós. O local onde a mão dela me tocou ainda formigava.
— Eu sou tão idiota — ela geme, com as mãos em punhos ao lado do
corpo. —Pensei que você era diferente. Mas talvez vovó estivesse certa.
Talvez você seja um lixo.
E lá estávamos, na escada, atirando insultos como flechas.
Eu dou de ombros.
— Bem, não é de se admirar que tenha gostado muito de mim, já que
você veio do epítome da escória.
Seus lábios tremem, mas nenhuma lágrima cai enquanto está na minha
frente, discutindo.
— Acontece que você estava certa o tempo todo. Não somos tão
diferentes, afinal. Nós dois temos pais perdedores.
Suas bochechas ficam vermelhas, os olhos brilham de fúria, mas ela
mantém a compostura. Sua voz é firme enquanto ela me lembra o que sou.
— Seu desgraçado.
Eu rio, querendo que ela acredite que aquilo não está tendo nenhum efeito
sobre mim.
— Você está certa. Graças ao seu amado pai, eu sou um desgraçado.
Ela bate um dos pés, e a negação escapa por sua boca tão alto que as
palavras saltam das paredes.
— Ele não fez isso! Não matou o seu pai!
— Não? Como diabos você sabe? Você achava que ele estava morto até
alguns dias atrás — eu zombo quando Grace fecha seus olhos com firmeza.
Ela abre os olhos enquanto dá um passo em minha direção e abaixa a voz.
— Ele me escreveu cartas. Muitas. Explicou o que aconteceu nelas. Eu li
todas elas centenas de vezes desde que as encontrei. Sei que ele está dizendo
a verdade. Por favor, Bronn, você tem que me ouvir. Venha comigo, leia as
cartas você mesmo. Por favor — ela implora, com os olhos cheios de
lágrimas não derramadas.
Eu quero acreditar que o que ela diz seja verdade. Não tornaria tudo
muito mais fácil se as coisas nas quais acreditei toda a minha vida não fossem
verdade?
O jeito como ela me observa, com o lábio inferior preso entre os dentes e
seu rosto esperançoso, faz meu corpo inteiro doer. Quero puxá-la para mim,
cobrir sua boca com a minha, derramar cada emoção deste dia horrível em
nosso beijo. Estou desesperado pela conexão com a única pessoa que
realmente me entende.
Mas antes que eu possa fazer isso, balanço a minha cabeça.
Em que porra eu estou pensando?
Passei anos odiando aquele homem. Nunca haverá um motivo que me
faça querer acreditar em uma única palavra que ele tenha a dizer.
— Não — digo a ela com firmeza. — Seu pai está mentindo para você, e
quanto mais cedo perceber isso, melhor você será. Não perca seu tempo com
ele. Sua avó era louca, mas estava certa sobre uma coisa. Você e sua mãe
ficaram melhores sem o filho da puta do Mickey Chumley.
Seu lábio treme, mas ela não chora. Então, se ergue e ajeita os ombros.
Pigarreando, tenta mais uma vez.
— Por favor. Apenas venha para casa comigo.
Eu balanço a minha cabeça. Tudo o que eu quero é ir com ela. Voltar ao
modo como as coisas estavam antes disso. Quero arrancar sua dor, poder
apoiá-la enquanto lida com o fato de que acreditara em uma mentira a sua
vida inteira. O que eu deveria fazer agora era abraçá-la e assegurar-lhe que
tudo ficará bem.
Mas eu não posso.
Não é culpa da Grace, mas saber disso não muda nada.
Balanço minha cabeça, sem vontade de abrir a boca e dizer mais alguma
coisa. Já falei demais. Girando nos calcanhares, saio das escadas.
O sol se foi, o céu está coberto por nuvens de tempestade, e gotas de
chuva pesadas começam a cair na minha cabeça.
A ironia disso não me escapa, e eu rio amargamente.
O clima espelha perfeitamente a tempestade que está se formando dentro
de mim.
Grace
***
Meu estômago está em nós, o medo do desconhecido é tão grande que quase
me impediu de vir.
A prisão parecera enorme quando a avistei, o arame farpado que a
cercava não era apenas uma dramatização de Hollywood, mas uma realidade,
era algo aterrorizante e deprimente ao mesmo tempo.
Riley tentou vir comigo, mas isso era algo que eu tinha que fazer sozinha.
Ele descobriu a conexão entre Bronn e meu pai ontem de manhã, e essa
foi a notícia importante que estava tentando me contar. Talvez se eu
soubesse, as coisas tivessem sido diferentes. Mas isso não importa. Está feito
e não há como voltar àquele tribunal e mudar as coisas.
Eu lhe garanti que não o culpava, e pouco a pouco meu ressentimento
para com ele estava diminuindo.
Sento-me empoleirada na beira de um assento de metal frio depois de ter
passado pela série de portões e detectores de metal. Agora espero que os
guardas tragam meu pai. Estou roendo minhas unhas, um hábito que nunca
tive antes, enquanto minha mente gira em um milhão de direções.
Eu não sei o que esperar da visita de hoje.
Desde que ele me adicionou à lista de visitantes aprovados, sei que está
disposto a falar comigo. E sua reação depois de me ver ontem me deu
esperanças de que esteja feliz com isso.
Mas já se passaram dezessete anos. E ele esteve na prisão o tempo todo.
Ele seria o mesmo papai de quem me lembrava? Provavelmente não.
O pensamento me aterroriza. Não sei o que vou lhe dizer. Não sei se ele
vai querer que eu o toque, ou o abrace, ou segure sua mão. Espero que ele
faça isso, porque desejo todas essas coisas.
A sala está cheia de outras pessoas, todos aqui para verem seus entes
queridos. O grupo era variado, pessoas provenientes de todas as esferas da
vida. Há mulheres mais velhas, que devem estar aqui para ver seus filhos.
Crianças, como eu, esperando para ver seus pais.
Quando o último visitante entra, os guardas começam a escoltar os
internos que, um por um, entram na sala. O alívio transborda por minhas
veias quando vejo que não estão acorrentados, que os primeiros prisioneiros
podem abraçar e beijar seus familiares.
Estou prendendo a respiração, e meus pulmões começam a queimar
quando finalmente vejo meu pai passar pela porta.
Seus olhos pousam na mesa onde estou sentada, e ele se encaminha na
minha direção.
O homem à minha frente não é o mesmo homem derrotado de ontem.
Hoje, seus ombros estão firmes, sua cabeça, erguida. Seu rosto ainda está
abatido, algo que eu temo que sempre resulte de seus anos neste inferno, mas
ele está sorrindo e seus olhos estão brilhando para mim.
Minha respiração deixa meu peito em um som alto, e uma onda de tontura
me invade. Agarro a borda da mesa para me equilibrar, mas no momento em
que meu pai para na minha frente eu a solto e me lanço sobre ele. Estou
desesperada para abraçar esse homem pela primeira vez em dezessete anos
agonizantes.
Ele me envolve em seus braços, segurando-me com força e, com os lábios
contra meu cabelo, murmura meu nome repetidamente.
Ficamos assim, unidos, sua mão esfregando minhas costas, enquanto eu
choro em seu ombro pelo que parece uma eternidade. Absorvo a sensação de
ser abraçada pelo meu pai pela primeira vez desde que eu era criança.
Quando meus olhos finalmente secam, eu me afasto e, com uma risada
desanimada, digo:
— Me desculpa. — Deslizo um dedo sob meus olhos, esperando não ter
manchado meu rímel. — Chorei mais na última semana do que em toda a
minha vida.
O rosto do meu pai suaviza.
— Ursinha, você não tem nada para se desculpar.
Meu coração gagueja, ouvindo sua voz me chamar pelo apelido que
sempre usou para mim.
— Ursinha — murmuro. — Deus, como senti falta de ouvir isso.
Nós nos sentamos de frente um para o outro, e ele estende a mão sobre a
mesa.
Eu me agarro a ele, determinada a não deixá-lo ir até que seja
absolutamente necessário.
O silêncio entre nós é desajeitado enquanto nos avaliamos. Eu me
pergunto se ele está tentando memorizar meu rosto da mesma maneira que
estou fazendo com o dele. Pergunto-me se ele aprova o que ele vê.
Será que estou do jeito como ele imaginou quando escreveu aquela carta
no meu aniversário de dezoito anos?
Como se fosse um leitor de mentes, ele fala, a voz firme, mas suave:
— Você parece a sua mãe. Meu amor, você é tão linda. Eu não acredito
que eu tenha tido qualquer participação nesses genes.
Eu rio baixinho, corando com o elogio.
— Papai, há tantas coisas que quero te dizer. Te perguntar. Nem sei por
onde começar.
Tenho medo de perguntar a ele sobre o que realmente aconteceu, mas as
perguntas estão queimando em meu cérebro, e minha necessidade de saber
tudo cresce a cada minuto que passa.
Quero tirá-lo daqui e, para isso, preciso saber de cada detalhe, por mais
difícil que seja ouvir.
Uma parte de mim, no entanto, quer apenas conversar, contar a ele sobre
mim mesma, fazer perguntas sobre ele. Como sua cor favorita, seu doce
favorito, coisas estúpidas que podem não ser importantes para alguns. Mas,
para mim, eu preciso saber todos os detalhes sobre ele para compensar o
tempo perdido. Todas as coisas que uma filha saberia sobre o pai se tivesse
crescido com ele.
A sala em torno de nós é barulhenta, com as conversas dos outros presos
e visitantes. Alguns estão chorando, outros rindo, mas a maioria está sentada
exatamente do jeito como estamos, de mãos dadas sobre a mesa, cabeças
juntas, enquanto conversam, conectam-se e se amam.
— Grace, vou contar tudo o que você quer saber. Mas, por enquanto, eu
realmente só quero conhecer a minha filha.
Não posso recusar o seu pedido e, na verdade, estou aliviada por
passarmos a nossa primeira visita nos reconectando. Algo que está muito
atrasado.
Bronn
Aperto enviar eu encosto o telefone ao meu peito, rezando para que ele
responda. Talvez eu devesse ter dito a ele o quanto sinto sua falta. O quanto
meu peito dói com a ausência. Como eu mal consigo dormir sem ele.
Meu telefone vibra, uma mensagem surge, e eu me sobressalto.
Reviro meus olhos. Ele sabe o que quero dizer, está apenas agindo como um
idiota.
Eu: Preciso ver você. Falar com você. Por favor, me encontre amanhã.
Ele não responde por um agonizante período de três minutos. Meus olhos
começam a lacrimejar, olhando para a tela iluminada na sala escura. Quando
minha visão começa a se embolar, vejo a mensagem de texto aparecer.
Prendo a respiração enquanto ele digita uma resposta, esperando que
aceite me encontrar.
Bronn: Onde?
O ar sai dos meus pulmões, e eu sorrio, sentindo meu coração pular com a
promessa de vê-lo amanhã.
Não quero pedir a ele para vir até aqui, e sei que não vai querer me encontrar
na casa de Riley. Não tenho outro lugar para ir, agora que a casa da minha
avó foi vendida. Acho que ele não vai negar se eu me oferecer para fazer todo
o trabalho.
Bronn: Ok, Grace. Vejo você ao meio-dia.
***
O sol está brilhando, a temperatura perfeita para dirigir pela estrada. As
folhas das árvores ainda estão verdes e não cairão no sul até quase novembro,
mas as noites estão começando a esfriar e o sol não está tão quente como nos
meses úmidos do verão.
Eu considero isso um bom presságio – o clima perfeito e a falta de
trânsito – enquanto sigo o meu caminho para a costa. Dormi melhor na noite
passada do que em quase duas semanas, e meu corpo me agradeceu por isso.
Não tinha percebido o quão exausta e esgotada eu estava até acordar esta
manhã, sentindo-me bem.
Talvez seja a perspectiva de ver Bronn o que me deixa tão otimista e
positiva, mas seja o que for, estou feliz por isso.
Estou cansada de me sentir cansada. Cansada de ficar triste e de coração
partido. A tristeza me acompanhou por toda a vida. Eu só quero voltar à
felicidade, do jeito como me senti durante o verão com Bronn. Sei que é
tolice pensar que essa visita resolverá tudo, mas não posso evitar manter essa
esperança.
Enquanto dirijo para a cidade, ensaio o que vou dizer para ele e como vou
começar a conversa. Sei que ele não vai ser receptivo ao que tenho a dizer. Só
posso rezar para que me ouça, que confie em mim, porque serei honesta com
ele.
Claro que quero o meu pai na minha vida.
Eu o quero fora da prisão. Quero acreditar que é um homem bom, incapaz
de fazer o que o acusam de ter feito.
Mas não sou ingênua. Eu aceitaria como verdade se ele me dissesse que é
um assassino de sangue frio. Mesmo que tivesse sido devastador, teria
pegado a informação e seguido em frente com a minha vida.
Não tenho muito orgulho para admitir se estou errada. Especialmente
quando tem a ver com Bronnson. Eu teria admitido que ele está certo, que
minha avó está certa, que sou a única que não sabia do que estava falando
quando professei a inocência de meu pai.
Mas eu não estou errada. Não completamente.
E agora preciso que Bronn me ouça.
Respirando fundo, abro a porta do carro e salto antes de seguir pela doca
familiar.
Bronn está esperando por mim, encostado ao batente da porta do barco, e
meu estômago dá uma cambalhota ao vê-lo.
Ele está vestindo sua camiseta padrão e jeans, sua postura é relaxada, mas
seu rosto está contraído, inseguro. Seus olhos me examinam, começando
pelos meus dedos dos pés e subindo pelo meu corpo. Estou enraizada no
lugar, lutando comigo mesma para não correr para ele.
Quando seu olhar finalmente para no meu rosto, minhas palmas começam
a suar, e os nervos por vê-lo novamente fazem meu estômago revirar.
Esta reação ao vê-lo não faz sentido. Desde o dia em que quase o
atropelei, sempre fico nervosa quando está por perto. Mas é diferente agora;
há algo entre nós, e eu não sei como reagir.
Seus olhos vasculham meu rosto, seu olhar é intenso e há uma cautela que
machuca meu coração. Não quero que ele desconfie de mim, mas é óbvio que
é o que acontece, e esse desconforto me entristece.
Não deveria ser assim entre nós.
Ele se afasta do batente da porta e chega à beira do barco, estendendo a
mão para me ajudar a subir. Um simples gesto me dá esperança, e sorrio para
ele antes de pegar sua mão.
Naquele momento nossos dedos se tocam, e meu coração começa a bater
acelerado no meu peito. A sensação familiar de suas mãos calejadas oferece
um conforto que não sinto há dias. Ele aperta meus dedos, um movimento
quase imperceptível, antes de soltar a minha mão e se virar para entrar.
Nós não falamos uma única palavra enquanto eu o sigo até a casa
familiar, e um calor se espalha pelo meu peito enquanto aspiro o cheiro
reconfortante da maresia misturado ao cheiro de sua colônia. Este ambiente
esparsamente mobiliado e bagunçado é como um lar para mim, e eu percebo
neste momento o quanto precisava dele. O quanto precisava estar em seu
espaço novamente, cercada por tudo que tem a ver com Bronn.
Bronn se senta na beirada da cama, e eu fico na cozinha, sem jeito, sem
saber se devo me sentar com ele ou continuar em pé.
Ele pigarreia e então aponta para a cama.
— Sente-se.
Não hesito em fazer o que ele manda, grata por ele não querer que eu
fique em pé enquanto conversamos.
— Você está bonito — digo a ele, sentando-me ao seu lado, não tão perto
quanto gostaria.
O canto da boca dele se ergue, e Bronn levanta o queixo.
— Não tão bonito quanto você.
Minhas bochechas se aquecem com o elogio. Tirei um tempo extra esta
manhã me arrumando. Não que Bronn gostasse de mim toda embonecada, de
qualquer maneira, mas não queria que ele visse as olheiras em meus olhos,
evidência do fato de que não descansava há um bom tempo.
— Eu senti a sua falta, Bronnson — sussurro, meus dedos rastejando pela
cama para onde sua mão descansa sobre seu colo. Quero tocá-lo novamente,
segurá-lo, quero que me abrace.
Torcendo para que ele não me rejeite, deslizo meus dedos sobre sua coxa,
e seus músculos se contraem sob o meu toque. Ele vira a mão para cima, e eu
posiciono a minha dentro da dele.
Seus dedos se rendem, e ele segura a minha mão com força.
Meu estômago dá cambalhotas ao sentir seu toque, mas eu tento não ter
muitas esperanças com isso.
— Ouça — eu começo —, me desculpe. — Seus olhos cautelosos se
encaixam nos meus. — Eu não deveria ter te pressionado no tribunal. Eu
estava muito desesperada para falar com você.
Ele levanta o queixo.
— Eu não deveria ter dito o que disse. Não paro de repetir aquela briga na
minha cabeça. — Ele aperta meus dedos. — Eu sinto muito, Grace. Me
desculpe pelo que eu disse. Sinto muito por te afastar. Lamento não ser o
homem que você merece.
Eu assinto. Não parei de pensar naquele dia também. Nós dois dissemos
coisas terríveis um para o outro. O que dissera tinha doído, e meu coração
ainda sofria por sua recusa em admitir que me ama. Mas eu não iria usar isso
contra ele. Ele estava cego, como um dia eu estive.
— Você disse que queria conversar...
Eu pressiono meus lábios, e meu coração martela no meu peito. Quero
explicar tudo para ele, mas não sei se vai querer ouvir. Fecho meus olhos e
assinto novamente.
— Ok, então — ele murmura. — Vamos conversar.
Bronn
A sensação de sua mão macia na minha parecia tão perfeita. Muito perfeita.
Esperava que não, que o toque dela queimasse, que fizesse minha pele
arrepiar. Passei a manhã rezando para que não estivesse bonita, que meu
corpo não reagisse ao dela quando chegasse. Tinha quase me convencido,
nesta última semana, que nós não tínhamos uma conexão, que eu não a
amava, que ela não significava nada para mim.
Mas isso era pura mentira, e eu sabia disso.
Grace era o farol na escuridão da minha vida. E ela se tornara isso desde
o momento em que sentou sua bunda perfeita no banquinho do meu bar há
quatro meses.
Seu pai era a causa da minha escuridão, e não importava o quão
desesperadamente eu quisesse estar com ela, não conseguia superar esse fato
irônico.
Eu não queria falar sobre nossos pais. Não queria ouvir o que ela tinha a
dizer. Só queria segurar a mão dela. Queria vê-la sorrir, fazê-la rir, ouvi-la
dizer meu nome.
Eu soube, no momento em que concordei em vê-la, que ia ser uma droga.
Não conseguia pensar em nada que ela pudesse dizer que mudasse as coisas,
mas esperava que fosse assim mesmo.
Não havia esperança para Grace e eu.
No momento em que ela entrou pela minha porta, a pressão no meu peito
se intensificou, tornando-se quase insuportável.
Enquanto nos sentamos em silêncio, com nossas mãos conectadas de uma
forma que era tanto familiar quanto estranha, analiso seu rosto. Ela tentou
esconder as olheiras, mas eu ainda podia vê-las. Seus olhos normalmente
radiantes – olhos que sempre brilhavam de excitação e travessura – estão
entediados e guardam uma tristeza que faz meu coração doer. Uma tristeza da
qual eu sou a causa.
Suas unhas, sempre bem cuidadas, estão em frangalhos, o esmalte
lascado. Seu cabelo está bagunçado, provavelmente por dirigir pela estrada,
mas ela não fez nada para domá-lo quando chegou.
Apesar de tudo isso, ela está linda, e meu corpo ainda responde à nossa
proximidade.
Ela veio falar sobre o pai, e tudo que eu consigo pensar é no quanto quero
tirar suas roupas e deslizar para dentro dela enquanto esqueço o quão ruim o
universo poderia ser; queria me perder nela do jeito que sempre acontece
quando fazemos amor.
—Bronn? — ela pergunta, trazendo-me de volta ao presente.
Balanço a cabeça, tentando esclarecer os pensamentos inapropriados que
estou tendo.
— Desculpa.
Ela arranca a mão da minha, e meus dedos chegam a pulsar com o vazio.
Respirando fundo, ela se vira e me enfrenta:
— Passei a última semana recebendo os detalhes exatos daquele dia com
o meu pai.
Aqui vamos nós.
Eu sei que foi para isso que ela veio, mas não estou pronto.
O olhar de Grace passeia ao redor da pequena sala, seu peito subindo e
descendo rapidamente. Seus olhos finalmente encontram os meus, e ela
admite:
— Meu pai atirou em seu pai.
O ar deixa meus pulmões de forma pesada. Não tenho certeza se a ouvi
corretamente. Estava esperando que negasse a verdade, que me dissesse que o
pai dela foi chantageado ou alguma outra história de merda. O que eu não
esperava era que ela admitisse que seu pai era culpado.
Olho para ela, observando enquanto ela estraga ainda mais as suas unhas,
com os olhos ainda focados no meu rosto.
— Mas não foi um roubo que deu errado.
Pronto, aí está.
Aí está a negação que eu sabia que iria chegar. Eu sabia que ele encheria
a cabeça dela com mentiras, que iria convencê-la de que era um santo,
erroneamente aprisionado por todos estes anos.
O vislumbre de esperança que eu tive, de que talvez houvesse alguma
chance de podermos resolver as coisas, desaparece. A raiva, que passei tanto
tempo me esforçando para suprimir, surge novamente.
É claro que ela vai acreditar em que qualquer besteira que ele diga, e o
fato de ela aceitar tudo o que ele disse como verdade, quando as evidências
sempre foram claras, me irrita.
Coloco-me de pé, precisando abrir espaço entre nós. Andando, passo a
mão pelo cabelo e depois volto-me para onde ela ainda está posicionada, na
beira da minha cama.
— Ele está mentindo para você — eu grito, a dureza do meu tom a faz
vacilar. — Seu pai entrou naquele posto de gasolina com uma arma na
cintura, com a intenção de roubar o meu, que puxou um revólver para se
defender, então, Mickey o matou.
Ela balança a cabeça, e seu cabelo voa. Seu olhar é intenso.
— Não, não foi o que aconteceu. Por que meu pai iria roubar uma loja
comigo no banco de trás do carro?
Eu levanto meus braços.
— Porque ele era um pedaço de merda! Eu não sei por que ele fez o que
fez naquele dia.
Ela se coloca de pé, também erguendo as mãos.
— Por favor, apenas me ouça.
Com os olhos fechados bem apertados, faço sinal para ela continuar.
— Nós saímos para um passeio. Algo que papai e eu fazíamos todo
domingo. Estava quente naquele dia, eu lembro. Pedi-lhe um petisco e algo
para beber. Nós estávamos no meio do nada, então ele me disse que iria parar
quando pudéssemos. Fechei meus olhos e adormeci. Quando acordei,
estávamos estacionados em frente ao posto de gasolina do seu pai. Lembro-
me de estar grogue, um pouco fora de mim. Mas então eu ouvi batidas fortes,
e isso me assustou. Saí do carro, descalça, e corri até a porta. Estava trancada,
eu não pude entrar. — Sua voz soa cheia de tristeza, mas ela está calma. Não
sei como consegue se manter assim. Mesmo que estejamos falando sobre o
dia em que meu pai morreu, meu peito ainda se enche de admiração pelo
quão forte ela é.
— Certo. Ele percebeu que você estava dormindo, viu meu pai sozinho na
loja e
aproveitou a oportunidade para roubá-lo, trancando a porta para isso. —
Ela balança a cabeça novamente. — Não, não é nada disso.
— Então o que é? Por que seu pai matou o meu se não estava roubando o
lugar?
Ela dá um passo em minha direção.
— Você sabia que seu pai era um agiota?
— Do que você está falando? — pergunto com uma risada. Meu pai era
dono de um posto de gasolina, não um maldito agiota.
Ela se aproxima de mim, mas eu dou um passo para trás.
— Nós éramos pobres. Lembra? — Quando não respondo, ela continua:
— Meu pai não era perfeito. Sei disso agora. Claro, toda a minha vida eu o
imaginei como esse homem divino, provavelmente porque eu era muito
jovem quando ele morreu, mas não sabia de tudo.
Grace está certa sobre uma coisa, o pai dela não é perfeito. Observo-a,
meus olhos lançando dardos, esperando que chegasse ao maldito ponto.
— De qualquer forma, éramos pobres. Meu pai não tinha educação e
outras duas pessoas dependiam dele. Não conseguíamos sobreviver. — Ela
abaixa a cabeça e olha para o chão, seu pé deslizando para dentro e para fora
de seu chinelo. — Ele também tinha problemas com a bebida. — Seu olhar
retorna ao meu. — Isso era algo que eu percebia, mesmo aos cinco anos de
idade.
Faz sentido que ela não beba agora, depois de adulta, e isso só me mostra
como somos diferentes. Grace passou a vida evitando o álcool por causa do
que viu quando criança, o que quer que tenha sido. No entanto, passei minha
juventude me embebedando a cada chance, na esperança de afogar as
lembranças dolorosas.
— Então, seu pai era um bêbado. Isso pode desculpar o que ele fez? — A
mágoa surge em seu rosto novamente, e uma pontada de culpa me atinge.
Não importa o quanto eu tente, não consigo deixar de ser um idiota. Mas
ela ignora meu comentário e continua com sua história.
— Ele estava desesperado, então foi ao seu pai e pediu dinheiro
emprestado. Pagou pouco depois, e as coisas estavam boas. Conseguiu fazer
horas extras no trabalho, e por um tempo tudo foi ótimo. Eu me lembro que
daquela vez nós comemos bem, havia dinheiro para a mamãe me comprar
sapatos novos. — Seus olhos tristes brilham. — Mas então papai foi
demitido, e acabamos de volta onde começamos. — Ela se vira, voltando a se
sentar na cama, com as mãos entrelaçadas no colo.
Eu a sigo, mas não me sento ao lado dela, optando por me empoleirar em
um dos bancos do bar em vez disso.
Estou em choque, não acreditando nas alegações dela sobre meu pai. Eu
sabia que Jimmy Williams não era o homem mais amado nesta cidade. Todo
mundo sabia que ele tinha traído sua esposa com a minha mãe. Em uma
cidade que se orgulhava de sua rica história e da peculiar sensação de
acolhimento, escândalos como esse faziam o estômago dos moradores se
revirarem.
Mas eu sempre presumi que essa era a razão pela qual as pessoas não se
importavam com ele. Não que ele estivesse envolvido em negócios obscuros.
Algo que Dani me disse sobre eu não saber tudo sobre o nosso pai volta à
minha mente, e eu me pergunto se ela sabia disso. Queria que Grace não
estivesse aqui para que eu pudesse ligar para ela, para exigir que me contasse
tudo o que sabe.
Se papai era um agiota, como Grace alega, certamente a mãe de Dani
sabia disso. Quando ele morreu, ela levou tudo – o posto de gasolina, o
dinheiro dele. Será que não teria percebido que ele tinha mais grana do que
uma pequena loja como aquela poderia conseguir?
— Então, papai foi até o seu, dessa vez pegando emprestado ainda mais.
Ele nunca contou a mamãe sobre isso. Estava com vergonha de não poder
cuidar dela, que passou de uma vida de luxo para um cara que abandonou o
ensino médio e não conseguiu um emprego. Ele até a encorajou a voltar para
a casa de vovó uma vez. Mas ela não iria embora, porque o amava. — Seus
lábios se curvam em um sorriso triste.
É irônico como a nossa história é parecida com a dos pais dela. Grace
poderia estar com Riley, passar os fins de semana no country club, morar em
uma mansão, mas ela me escolheu. E agora, aqui estamos nós, perdidos um
para o outro por causa de um dia fatídico, um dia que pode não ter acontecido
do jeito como sempre acreditei que tivesse acontecido.
Ainda não estou convencido de nada que Mickey disse a ela, mas minha
mente começa a girar com novas possibilidades.
— De qualquer forma, ele não tinha dinheiro para pagar a dívida. Seu pai
levou numa boa no começo, continuou dando-lhe extensões, mas
eventualmente acho que se cansou de esperar. Começou a enviar mensagens
ameaçadoras. Então papai pegou uma arma e começou a carregá-la com ele.
Ainda confuso, eu interrompo:
— Então, seu pai não roubou a loja, ele foi lá e matou o meu, porque não
podia pagar a dívida?
Seus olhos se arregalam, e ela dá um pulo.
— O quê? Não! Não foi assim, de jeito nenhum. — Suas mãos se fecham
em punhos ao lado do corpo antes de ela os erguer. — Você poderia por
favor calar a boca e me deixar terminar?
Eu não quero calar a boca e deixá-la terminar. Não gosto da direção que
esta história está seguindo, colocando dúvidas na minha cabeça sobre o
homem que eu amava desde que era apenas uma criança. Não quero pensar
que era um homem mau, que estava envolvido em coisas desonestas.
Já é ruim o suficiente que minha mãe fosse uma pessoa horrível, mas
saber que ambos os meus pais eram péssimos seria demais. O que isso diria
sobre mim?
— Eu não acredito em nada dessa merda — rosno, deslizando para fora
do banco. Vou até a geladeira e abro a porta, desapontado por ver que estou
sem cerveja. Preciso de uma bebida para continuar esta conversa, para
continuar ouvindo as acusações ridículas que estão sendo feitas.
Eu pego uma garrafa de água e a bebo inteira antes de voltar para onde
está Grace, cujos olhos estão queimando. Se ela pudesse, tenho certeza de
que me incendiaria só com os olhos, pela forma como me chamam.
— Naquele domingo, papai parou na loja para dar dinheiro ao seu pai. Ele
tinha acabado de conseguir outro emprego e estava finalmente ganhando um
salário novamente. Não era tudo o que ele devia, mas esperava que fosse
algum tipo de oferta de paz. Uma demonstração de boa fé de que iria
devolver. Mas seu pai não ficou feliz com isso, porque não aceitaria nada
menos do que o valor total; uma quantia que meu pai não poderia dar a ele.
— Ela pigarreia e abaixa a voz. — Seu pai me ameaçou e à minha mãe,
Bronn.
— Ameaçou você como? — pergunto, minha frequência cardíaca começa
a acelerar.
— Papai não queria me dizer. Eu tive que forçá-lo. — Ela não me
responde, e é óbvio que não quer que eu saiba o que meu pai disse.
— Ameaçou você como? — eu rosno. A simples menção de alguém
ameaçando Grace, mesmo que fosse meu próprio pai, faz meu sangue ferver.
Ela balança a cabeça, os lábios fechados com força.
— Eu não tenho certeza das palavras exatas, mas papai disse que ele
mencionou que seria uma pena se algo acontecesse com sua linda menina no
carro. Perguntou ao meu pai se minha mãe sempre se lembrava de trancar as
portas quando estava no trabalho, que as pessoas nunca estavam
completamente seguras, mesmo em uma cidade pequena como a nossa.
Estou horrorizado com a idéia de que meu pai poderia ter ameaçado uma
garotinha quando ele mesmo tinha uma filha.
— Então seu pai atirou nele?
— Não. — Ela balança a cabeça enfaticamente. — Ele diz que se inclinou
sobre o balcão e ameaçou seu pai, dizendo que era melhor que ficasse longe
de nós. Seu pai foi quem puxou uma arma e atirou no meu primeiro.
Eu balanço a minha cabeça. Não há uma única chance de ter sido assim
que aconteceu.
— Mentira, Grace. Seu pai está te enchendo de ideias de merda.
— Eu estou dizendo a você, Bronnson. Meu pai jura que foi assim que
aconteceu. Ele diz que havia outro homem lá o tempo todo — ela insiste.
— O quê? — Eu cheguei logo após a polícia, e apesar de ser jovem, sei
que nunca houve outra pessoa lá.
— Sim, um dos homens do seu pai. Ele estava lá, no canto, observando.
Minha mente gira. Não havia mais ninguém na loja; a polícia nunca
encontrou evidências de outra pessoa estar lá.
— Então, quem era?
— Ele não sabe. — Sua expressão desanima, há derrota em seus olhos. —
Ele nunca viu seu rosto.
— Então, esse homem misterioso ficou parado lá e observou nossos pais
atirarem um no outro? — Quanto mais ela explica, mais insana a história se
torna. A possibilidade de eu acreditar nela torna-se nula a cada coisa que diz.
— Eu não sei o que ele fez. Mas sei que saiu correndo de lá antes da
chegada da polícia.
— Esta é a história mais ultrajante que eu já ouvi — grito, rindo
amargamente. — Não posso acreditar que você realmente acha que isso é
verdade.
Ela coloca as mãos nos quadris.
— Não é uma história. É a verdade.
— Eu ouvi o que você tem a dizer e, como falei desde o começo, não
acredito. E já terminei de te ouvir. Saia.
Não posso ouvir mais um único minuto de toda essa merda, mas ela não
faz nenhum movimento para sair. Em vez disso, atravessa o pequeno espaço
e fica diretamente de frente para mim.
Ela abaixa a voz para um sussurro.
— Eu acreditaria em você. — Seus olhos brilham com lealdade, e saber
que ela está falando a verdade me atinge bem no estômago. Ela teria
acreditado em mim, não importa o quão louca a história parecesse.
Por mais que isso me mate, não posso acreditar na afirmação de seu pai.
E eu não posso mudar o fato de que estamos em extremos opostos da estrada
neste ponto. Não há cruzamento para nós, não importa o quanto eu gostaria
que houvesse.
Eu a amo tanto que fica difícil respirar a cada segundo que passo longe
dela. Mas, apesar do que essa citação estúpida diz, o amor não conquista
tudo. E esta é uma batalha que nunca venceremos, uma colina que nunca
subiremos juntos.
— Sinto muito — sussurro de volta, pousando minhas mãos em seus
ombros. —Mas eu simplesmente não consigo acreditar no que seu pai te
disse.
Sua expressão se desanima.
— Mas...
— Eu preciso que você vá embora, Grace.
Estou mantendo minha raiva sob controle por um fio, e temo que, se ela
ficar mais um minuto, esse fio irá se romper. Não quero que ela esteja por
perto quando isso acontecer.
Ela balança a cabeça e, sem outra palavra, afasta-se de mim e passa pela
minha porta.
Naquele momento, ouço-a bater com força, e o controle que eu vinha
mantendo desaparece. A geladeira é a primeira coisa na qual minha linha de
visão pousa, e eu atinjo a porta do freezer com meu punho.
Algo dói na minha mão, e eu sei que provavelmente quebrei algum osso,
mas a dor que irradia no meu braço não se compara à angústia de saber que
perdi oficialmente a única coisa boa da minha vida.
Grace
— Você não tem que ir — diz Riley, com o rosto cheio de preocupação. —
Você é bem-vinda para ficar pelo tempo que precisar.
Eu não posso culpá-lo por querer que eu fique. Tenho me comportado
como um zumbi nas últimas semanas. Quando voltei da visita a Bronn, eu
estava um desastre. Mas não posso ficar mais aqui.
— Tenho que voltar ao trabalho. Eles foram bons demais em me darem
uma licença, mas eu não posso abusar mais.
O hospital tinha sido tão complacente; eu estava tão agradecida por não
ter que me preocupar com meu trabalho além de tudo.
— Você pode encontrar um emprego aqui, sabe disso.
Eu balanço minha cabeça.
— Meu contrato com a agência de viagens diz que tenho que ir aonde
eles me mandarem. Além disso, quero estar em Beaufort.
Meu coração se aperta só de dizer o nome da cidade, mas é verdade.
Beaufort é minha casa agora. Apesar da maneira como as coisas aconteceram
entre Bronn e eu, a costa ainda é o lugar onde me sinto mais à vontade. Eu
não quero voltar a morar aqui.
— E o seu pai?
Coloco a camisa que estava dobrando na minha mala e me sento na beira
da cama. Riley continua encostado no batente da porta, as mãos no bolso da
calça, os olhos cheios de preocupação.
Uma pequena parte de mim deseja que eu me sinta atraída por ele, que me
apaixone. Tudo teria sido muito mais fácil.
Se fosse Riley e não Bronn, então talvez meu peito não doesse como se
houvesse uma ferida aberta onde meu coração deveria estar. Se fosse Riley e
não Bronn, talvez eu não tivesse passado as últimas semanas com os olhos
permanentemente inchados e vermelhos. Se fosse Riley e não Bronn, talvez
eu não tivesse que simplesmente passar todos os dias, rezando para conseguir
dormir todas as noites.
Mas não era por Riley que eu estava apaixonada.
Nem perto disso.
Nem um pouco.
Era por Bronn.
E se havia algo que sabia era que a vida, e especialmente o amor, nunca
era fácil.
Eu gostava de Riley. Ele sempre foi um bom amigo e tinha provado sua
amizade, sendo o ombro no qual eu chorei, o ouvido que me ouviu, o abrigo
que eu precisava.
Eu o perdoei por manter a existência do meu pai em segredo. Ele se
desculpou cem vezes, prontificando-se a me ajudar a obter informações,
contatando colegas advogados, pedindo favores para que eu pudesse começar
o processo de realizar um julgamento justo para o meu pai.
Eu me levanto e começo a esvaziar outra gaveta em seu quarto de
hóspedes, o lugar que chamei de lar nas últimas duas semanas.
— Eu voltarei para visitar meu pai no próximo final de semana. Seu
advogado disse que levaria algum tempo até que ele tivesse alguma notícia
real sobre o caso, então tudo que posso fazer é esperar.
Riley se afasta da porta e entra na sala, puxando outra das minhas malas
do armário. Ele a coloca na cama e depois se senta ao lado dela.
— Você não acha que precisa de mais tempo?
— Não — respondo firmemente. — Não posso continuar sentada sem
fazer nada, deixando minha mente se concentrar nos "e se". Preciso da
distração que o trabalho vai oferecer.
— E quanto a Bronn? — ele pergunta, e o nome me faz vacilar.
Eu suspiro, com os ombros caindo, e olho para o teto. Não quero falar
sobre ele, não quero dizer o nome dele, não quero pensar nele.
Pigarreio, viro-me e me inclino contra a cômoda.
— O que tem ele?
Riley franze a testa.
— Você não me contou como foi hoje. — Ele aponta em minha direção.
—Claramente não foi bem, mas você não me contou o que ele disse.
Eu envolvo meus braços em volta de mim mesma, esperando que isso
alivie a agitação do meu estômago.
— Ele disse que não acredita em mim — digo simplesmente.
Não vale a pena entrar em detalhes sobre a nossa conversa e,
sinceramente, não quero repetir tudo em voz alta. Já é difícil o bastante
continuar relembrando, tentando descobrir se poderia ter dito algo diferente,
algo mais. Será que deveria ter levado as cartas comigo? Deveria ter insistido
que acreditasse em mim? Recusado-me a sair até chegássemos a um acordo?
Não acho que qualquer coisa poderia tê-lo feito mudar de ideia, não importa
o quanto eu tivesse implorado para que aceitasse a história do meu pai.
— Eu sinto muito, Grace — sua voz está cheia de compaixão, seus olhos
cheios de honestidade.
Eu dou de ombros.
— As coisas são o que são. — Minha voz está vacilante, lágrimas
ameaçam preencher meus olhos novamente. Quando uma transborda, eu seco
com raiva. Pressiono meus lábios e aproximo-me da cama, sentando-me ao
lado dele.
Estou farta de chorar, cansada do nó constante na garganta, da
incapacidade de falar sem me preocupar em desmoronar a qualquer
momento.
Descansando minha cabeça em seu ombro, digo a ele:
— Você tem sido um bom amigo para mim. — Eu rio. — Teria sido
muito mais fácil se eu tivesse me apaixonado por você.
Ele ri.
— Sim, tenho que dizer que concordo com isso.
Eu levanto a cabeça de seu ombro e ofereço um sorriso de desculpas.
— Mas sabe...? Eu nunca te vi sorrir tanto quanto quando você estava
com ele — ele me diz, pegando-me de surpresa. Ergo minhas sobrancelhas, e
ele balança a cabeça. — É sério. Você era feliz. Até eu pude ver isso.
— Eu estava feliz. Pela primeira vez na minha vida, o peso que eu
carregava nos ombros não parecia tão pesado. Quando estava com ele,
conseguia ser eu mesma. — Olho para Riley e sorrio tristemente. — Sem
ofensa, mas mesmo quando saíamos com nossos amigos, eu tinha que usar
uma máscara. Seja perfeita, vista-se perfeitamente, sorria e finja que adora
passar as noites no country club. Mas com Bronn... — Abaixo a cabeça,
tentando esconder as lágrimas. — Eu era apenas eu.
E, caramba, era bom ser apenas eu.
Riley passa um braço em volta do meu ombro e me puxa para um abraço,
antes de me soltar e ficar de pé.
— Você merece ser você. Porque você é uma mulher muito especial. —
Ele inclina o queixo. — Dê tempo ao tempo, ele vai voltar.
Eu balanço minha cabeça e rio.
— Oh, eu não penso assim.
Riley balança a cabeça, insistindo.
— Confie em mim. Ele não vai deixar você escapar.
— Mesmo se quiséssemos ficar juntos, como poderíamos? Meu pai
matou o dele. Ele acha que meu pai é um assassino de sangue frio. Como
vamos superar isso?
Meu coração se aperta.
Dizendo em voz alta, soa muito pior. Não há esperança para nós,
nenhuma chance de que isso funcione. E não faz sentido ficar aqui e chorar
por isso.
Eu tenho que continuar com a minha vida, e dormir no quarto de
hóspedes do meu amigo, ansiando por um homem que nunca vou ter de novo,
não é o jeito de fazer isso.
Com um suspiro pesado, levanto-me e volto para a cômoda, para terminar
de arrumar as malas.
Bronn
Quando termino de socar a geladeira, ligo para Dani. Ela está em casa,
felizmente, então eu pego as chaves da caminhonete para ir até lá.
Quando entro pela porta, sem me incomodar em bater, ela me encontra no
corredor da frente.
Sua boca se abre quando seu olhar pousa na minha mão ensanguentada.
— O que aconteceu com a sua mão?
Eu tinha me esquecido disso, mas agora que ela mencionou, começa a
doer. Segurando-a, pergunto:
— Tem gelo?
Dani entra na cozinha, e eu a sigo. Ela tira um saco de ervilhas
congeladas de seu freezer e o envolve um pano de prato antes de entregá-lo
para mim.
Colocar a bolsa gelada na minha mão faz com que eu recue, mas a dor
não é nada comparada ao latejar do meu peito.
— Você não me respondeu — diz ela, com a voz muito mais firme. — O
que aconteceu com a sua mão?
Puxo uma das cadeiras de sua mesa e me sento, descansando minha mão
inchada na madeira desgastada.
Pigarreio, engolindo o caroço que está se formando na minha garganta.
— Grace. — Os olhos de Dani se arregalam, e ela congela como um
cervo diante de um sinal de trânsito.
— Por favor, me diga que você não bateu nela.
Raiva corre por minhas veias.
— Porra, não! Eu não bati nela! Que diabos, Dani?
Seus ombros caem, e ela solta um suspiro de alívio.
— Merda, o que você esperava que eu pensasse? Sua mão está um caos, e
você me disse que Grace é o motivo!
Ela se arrasta para a mesa e se senta ao meu lado, com o kit de primeiros
socorros na mão. Quando começa a cuidar de minhas feridas, eu explico.
— Eu a vi hoje. — Sua cabeça se levanta, seus olhos encontram os meus,
sua testa se franze. — Ela me enviou uma mensagem ontem à noite,
perguntando se poderíamos conversar. Eu disse sim, então ela veio ao barco
— começo a contar, mas não tenho certeza se quero relembrar os detalhes da
nossa conversa.
Meu estômago se revira toda vez que penso no olhar de Grace quando lhe
disse que não acreditava nela, o desespero em seus olhos quando me contou
que acreditaria em mim se a situação se invertesse. Palavras simples, que me
atingiram com força, e eu sabia, sem sombra de dúvida, que era verdade.
Eu me enojo pelo fato de saber que Grace confiaria em mim sem
questionar ou hesitar, e eu não consigo fazer o mesmo por ela. Mas o pai dela
está vivo, e o meu não é culpado de assassinato.
Dani termina de limpar meus dedos e depois os enfaixa, colocando as
ervilhas congeladas de volta no lugar.
— Então o que aconteceu com a sua mão? — ela pergunta mais uma vez.
Eu gemo, obviamente não vou conseguir fugir de contar a ela sobre o
meu desabafo.
— Quando ela saiu eu estava com raiva. Soquei a geladeira.
Ela franze os lábios, olhando para mim como se eu fosse uma criança
petulante, e sacode a cabeça.
— Então, o que aconteceu no meio dessas duas coisas para deixá-lo com
raiva?
—Dani, o nosso pai era um agiota? — pergunto.
O vinco entre os olhos dela se aprofunda.
— O quê?
Eu balanço a cabeça.
— É o que Mickey está alegando; que o pai era um agiota e emprestou
dinheiro a ele.
Ela sacode a cabeça.
— Papai era dono de uma loja de conveniência. Isso é tudo o que sei.
Eu assinto e murmuro:
— Foi o que eu pensei.
Ela se levanta da cadeira e vai até a geladeira.
— Quer uma cerveja?
Eu assinto, minha mente vagando.
— Você disse há pouco tempo que papai não era o homem que eu
pensava que fosse. O que quis dizer com isso?
Ela retoma seu assento ao meu lado e coloca duas cervejas na mesa.
Tirando as tampas de ambas, desliza uma para mim.
— Você sempre colocou nosso pai em um pedestal. Dirige a velha
caminhonete dele — ela levanta o queixo em direção ao meu braço — fez
essa tatuagem em homenagem a ele. Passou toda a sua vida adulta odiando
Mickey Chumley por ter tirado seu pai de você...
Eu bato meu punho na mesa.
— Ele matou o nosso pai! Eu deveria deixar isso para lá?
Ela sacode a cabeça.
— Claro que não. Mas, Bronn, ele era um trapaceiro. Você acha que sua
mãe foi a primeira e única mulher com que ele traiu a minha?
Eu me inclino de volta na minha cadeira.
— Isso não significa que merecia morrer.
— Você está certo. Ele não merecia ser baleado e morto em seu próprio
negócio. Mas você acha que é isso que eu acho? Que ele teve o que mereceu?
— Seus olhos começam a se encher de lágrimas e, pela segunda vez, meu
estômago se contorce de culpa.
Parece que tudo o que eu faço é machucar as mulheres da minha vida,
sem sequer tentar.
— Me desculpa, Dani. Eu simplesmente não sei de mais nada. — Passo a
mão pelo meu cabelo e esfrego a parte de trás do meu pescoço.
Meu corpo inteiro dói. Não sei como fui de estar no topo do mundo,
tendo tudo que nunca soube que queria, a sentado no fundo de um buraco tão
profundo e escuro que parece que nunca vou sair dele.
Sua voz é suave, e ela coloca a mão no meu antebraço.
— Conte-me o que Grace disse. Tudo.
Nem tenho certeza por onde começar, por isso tomo um longo gole da
minha cerveja.
Sentindo minha hesitação, ela aperta seus dedos no meu braço. O gesto é
para confortar, mas tudo o que ele faz é servir como um lembrete de que não
vou sentir o toque de Grace novamente.
Arranco meu braço da mão dela e respiro fundo. Meu estômago se
contorce quando começo a relatar a história que Grace me contou sobre o que
aconteceu no dia em que nossas vidas mudaram para sempre.
***
Como um robô, eu faço os movimentos, tentando o meu melhor para não
pensar em Grace, não pensar na queimação no meu estômago. A perda dela
dói tão profundamente que parece que estou tentando correr debaixo d'água,
meus braços e pernas se esforçando, mas meu corpo nunca vai a lugar algum.
— Ei, Bronn, você vai abrir um buraco nesse ponto — Joe, um dos
frequentadores do bar, brinca.
Eu paro de limpar o balcão e olho para cima, balançando a cabeça para
afastar os pensamentos.
— Merda! — eu murmuro.
— Você está bem? — pergunta ele.
Não.
Eu assinto.
— Sim, eu estou bem.
Eu não estava bem. Nem perto disso.
Depois de contar os detalhes para Dani, sentamos em silêncio, apenas
olhando um para o outro por um tempo, cada um de nós perdido em nossos
pensamentos.
Dani não sabia se alguma coisa que Grace havia dito era verdade, mas ela
me encorajou a lhe dar o benefício da dúvida. Lembrando-me de que, se fosse
meu pai me contando essa história, eu também iria querer acreditar nele.
Eventualmente decidi que ficar sentado, alimentando meu coração ferido,
não estava me fazendo bem. Precisava de uma distração, algo para afastar a
minha mente do fato de que o futuro que eu pensava estar em minhas mãos
não era mais uma opção. Saí da casa de Dani, prometendo que pensaria e
tentaria encontrar uma maneira de fazer as coisas funcionarem entre Grace e
eu. Era uma promessa vazia – não havia como dar certo.
Passei tanto tempo embrulhado em meus próprios sentimentos sobre essa
terrível reviravolta do destino que não parei para pensar em como Dani se
sentia a respeito disso tudo. Eu sabia que ela e Grace haviam se aproximado
nos últimos meses, mas que era leal a mim. Sabia que estava sofrendo
também, sentindo falta da amiga. Mas era minha irmã e nunca faria nada para
comprometer nosso relacionamento.
Mesmo que isso significasse deixar para trás alguém de quem gostava.
Passei a primeira hora, depois de chegar ao trabalho, em meu escritório,
tentando me atualizar nos pedidos de compra. Sentado atrás da minha mesa,
tudo no que conseguia pensar era no dia em que levei Grace àquela sala e fiz
amor com ela sobre a mesa de madeira desgastada. Lembrei-me da sensação
da bunda dela em minhas mãos quando a ergui do chão, sentando-a sobre a
madeira e empurrando os papéis para o lado. Lembrava-me do jeito como
gemeu meu nome quando eu peguei um mamilo na minha boca. Não
conseguia impedir as memórias que surgiram me inundando, cada sensação
como se estivessem acontecendo em tempo real.
Era demais para aguentar.
Abandonei a papelada e saí para cuidar do bar. Não foi a distração que eu
esperava que fosse. Toda vez que olhava para os fundos, eu imaginava Grace
sentada lá, com um romance ridículo nas mãos, um sorriso malicioso no rosto
toda vez que eu a pegava me observando.
Fazia quase três semanas desde a última vez em que ficou comigo,
enquanto eu trabalhava, e os clientes tinham notado.
— Bronn, cara... onde está a sua garota? — um deles perguntou, fazendo
meu estômago se contorcer.
Eu tento usar uma desculpa.
— Ocupada.
Ele levanta um queixo.
— Ela finalmente ganhou juízo — ele brinca. Não é muito longe da
verdade, e isso me atinge com força.
— Não, cara. Só está enrolada com o trabalho.
Joe entra em cena.
— Eu frequento seu bar há muito tempo. Você sempre foi um verdadeiro
idiota, Bronn. Até que a garota bonita surgiu. — Ele inclina a cabeça em
direção aos fundos do bar, à mesa de Grace, e meus olhos o seguem,
pousando no espaço que está tão vazio quanto eu me sinto por dentro. — De
repente você deixou de ser um idiota. Um babaca, talvez, mas não o mesmo
babaca que você costumava ser.
— Sim, qual é o seu ponto? — zombo.
Ele está correto, mas o fato de ter percebido isso significa que os outros
caras também perceberam.
— O ponto é que você voltou a ser um idiota, e ela não está em lugar
algum. Então qual é o problema?
Eu cruzo meus braços contra o peito.
— Não é da porra da sua conta.
Joe levanta as mãos.
— Me desculpe, cara. Só gostei de ver você agindo de acordo com o seu
potencial. Não quero que volte aos seus velhos hábitos. — Ele pega o copo e
o leva à boca. — Sem mencionar que, quando ela está por perto, você é muito
mais generoso com as bebidas.
Eu reviro meus olhos para ele e caminho em direção ao extremo oposto.
— Cuide da sua própria vida e pague sua conta, Joe. — Olho para ele por
cima do meu ombro.
— Eu não sou o único que notou, cara. Todos os caras estão perguntando
sobre ela — ele grita para mim, e eu lhe mostro o dedo do meio.
Eu não estou com vontade de falar sobre Grace. Mal consigo pensar nela
sem que seja difícil respirar.
Eu não sei mais em quê acreditar, o que é verdade e ficção.
Tudo o que sei é que não há como eu ter um relacionamento com ela
enquanto ela estiver tendo um relacionamento com o homem que matou o
meu pai.
Um pensamento me ocorre e eu volto:
— Joe, você vive aqui há um bom tempo, certo?
Ele balança a cabeça, e eu continuo:
— Se importa se eu fizer uma pergunta?
Ele sorri.
— Querendo um conselho amoroso do velho Joey?
— Porra, não. Você não tem uma mulher há anos. — É sua vez de revirar
os olhos para mim. — Você se lembra do meu pai?
O sorriso que está estampado em seu rosto avermelhado desaparece.
— Sim, o que tem ele?
Seus olhos percorrem a sala, e inclino a cabeça para o lado.
— Você tinha relações com ele?
Ele balança a cabeça.
— Não.
Algo em sua reação me faz parar.
— Você está sendo honesto comigo, Joe?
Ele levanta o copo.
— Posso pegar outra cerveja?
Eu tiro o copo da mão dele e o encho. Deslizando-o de volta pelo bar,
inclino-me para onde ele está sentado.
— Olha, cara, você pode me dizer. Sabe algo sobre as coisas nas quais o
meu pai estava envolvido?
Joe toma um longo gole de sua cerveja e então balança a cabeça.
— Eu não quero falar mal dos mortos. Seu pai especialmente.
Eu sacudo minha cabeça.
— Não, não se preocupe com isso. Apenas responda: ele trabalhava no
ramo financeiro? Talvez para pessoas que não conseguiam o tipo normal de
empréstimos?
Eu o olho, estudando seu rosto em busca de qualquer tipo de reação,
prendendo a respiração e esperando que negue. Por mais que eu queira Grace,
não sei se posso lidar com o pensamento de que o homem que eu adorava não
era perfeito.
Mas em vez disso, ele balança a cabeça, assentindo.
— Sim, quase todos sabiam que podiam obter um empréstimo com
Jimmy Williams. Mas isso vinha com um preço. — Ele toma outro gole de
sua cerveja. — Mas eu nunca tive relações com ele.
Eu me afasto do bar.
— Você conhece alguém que trabalhou com ele? Talvez para ele?
Ele concorda.
— Sim, Tony DiMates era seu braço direito.
De repente, algo do dia em que meu pai morreu retorna à minha mente. É
uma memória que parecia sem importância na época, mas agora pode ser a
peça que falta nesse quebra-cabeça distorcido.
— Tio Tony? — eu pergunto. O homem era o melhor amigo do meu pai.
Nós íamos pescar com ele o tempo todo; participava de churrascos no verão e
reuniões de Natal no inverno. Mesmo depois que papai morrera, ele
continuou aparecendo até que minha mãe o expulsou e mandou que não
voltasse.
— Sim, eles eram próximos, Tony estava sempre cuidando das coisas
para o seu pai. Mas, escute, você não ouviu isso de mim. Não quero que sua
irmã venha aqui, resmungando por eu falar mal do seu pai.
Tiro a toalha do meu ombro e a jogo na pia.
— Não se preocupe com isso, Joe. Obrigado. Bebidas por conta da casa.
Afasto-me e vou em direção ao meu escritório, gritando para um dos
caras na cozinha me cobrir no bar até eu voltar.
Eu tenho perguntas e parece que há um homem que pode ter as respostas.
Grace
***
A porta do bar se abre, e a luz do sol matinal se infiltra, fazendo com que eu
aperte os olhos para ver quem está entrando.
— Bar fechado — eu falo, verificando o relógio por cima do meu ombro.
São apenas oito da manhã, cedo demais para que até mesmo os clientes
regulares apareçam. Eu não tinha dormido nada na noite anterior, tentando
descobrir como chegaria a Grace, para fazê-la ficar e conversar. Meus olhos
queimam, e minha cabeça lateja por falta de sono. Tinha desistido de
descansar e decidi ir ao bar para pegar a papelada.
— Ouvi dizer que você está procurando por mim — a voz familiar
chama, deixando a porta bater atrás de seu dono.
Olho em sua direção; meus olhos ainda não estão se ajustando à mudança
na iluminação.
Finalmente, seu rosto aparece e meu estômago se contorce.
Tio Tony.
Dou a volta no balcão e encontro-o no meio do salão, nossos passos
ecoam. Estico minha mão, e ele a segura. Nós nos cumprimentamos antes que
ele use sua força para me puxar para um abraço de urso.
— Faz muito tempo, garoto — ele ressoa, batendo nas minhas costas com
a mão livre. — Como está?
Sua colônia invade meus sentidos, trazendo consigo uma enxurrada de
lembranças. Eu não o via com muita frequência, porque minha mãe não
gostava de quando papai me aproximava de sua esposa e Dani. Mas sempre
que acontecia, tio Tony sorria, dava-me tapinhas nas costas e depois fazia de
tudo para me entreter. Nunca demorava muito, ele era um cara engraçado e
simpático.
— Eu já estive melhor, tio Tony — digo a ele honestamente.
Ele me solta, e eu faço sinal para que me siga. Ele se senta no bar, e eu
dou a volta, pegando dois copos.
— Meio cedo para uma cerveja. Você quer um refrigerante? — pergunto,
enchendo meu copo. Ele balança a cabeça, então eu encho um copo e deslizo
para ele. Ele pega e toma um longo gole.
— Diga-me o que está acontecendo com você — ele indaga, e sua voz
profunda soa otimista.
Não sei por onde começar e, na verdade, não estou interessado em
atualizá-lo de todos os anos desde a última vez que nos falamos. Mas quero
que ele seja honesto comigo, e se eu começar qualquer tipo de interrogatório,
ele vai calar a boca mais rápido do que um bar se fecharia depois da saideira.
Eu pego meu copo e volto para o lado oposto do bar, estabelecendo-me
em um banquinho ao lado dele.
Passando a mão pelo meu cabelo, solto um suspiro.
— Por onde começar? — murmuro, e ele ri.
— Muitas coisas acontecendo, hein? — ele pergunta, dando-me um
tapinha no braço.
Eu assinto.
— Conheci uma mulher.
Suas sobrancelhas se erguem.
— Apenas uma? — Ele ri alto, o som ecoa das paredes. — Vamos lá,
você é filho de Jimmy Williams. Deve ter mais de uma garota.
Eu me forço a rir junto com ele, mesmo que o comentário faça meu
sangue ferver. Posso ser o filho de um namorador, mas esse não é o tipo de
homem que eu sou, ou que já fui. Vi a trilha de lágrimas que meu pai deixava
para trás toda vez que aparecia para visitar a minha mãe e depois saía de novo
para ir para casa, para a sua verdadeira família. Talvez eu nunca tenha amado
a minha mãe de verdade, mas sempre soube que não se deveria tratar uma
mulher assim. Não importa que tipo de pessoa que ela possa ser.
Além disso, Grace era mais que suficiente para mim. Eu não queria
ninguém além dela.
Balanço a minha cabeça, ainda fingindo um sorriso.
— Sim, ela é a única para mim, cara. Exceto que eu a perdi. — Dizer isso
em voz alta dói, mas eu continuo. — Na verdade, eu a afastei porque sou um
idiota.
Ele balança a cabeça, esfregando os bigodes no rosto.
— Então você precisa de algum conselho amoroso? E pensou em
procurar seu velho tio Tony? — Ele está cético, e seus olhos injetados me
fixam com um olhar desconfiado.
Eu dou de ombros.
— Não. Você me perguntou como eu estava. Comecei por aí.
Ele ergue o queixo.
— Tudo bem. Então, por que você está procurando por mim?
Ele não parece mais tão alegre quanto quando entrou pela porta.
Certamente sabe que eu não estou apenas procurando me reconectar com o
meu "tio" há muito perdido. Gostaria de conquistar sua confiança para
facilitar a conversa, mas as coisas nunca parecem ir do jeito que eu quero.
— Eu preciso fazer algumas perguntas sobre o meu pai.
Ele pisca, batendo a palma da mão no bar.
— Ah, aí está. Sabia que você não estava apenas tentando refazer a
amizade.
Meus ombros estão tensos, e eu aperto a parte de trás do meu pescoço.
— Sim, desculpe-me. Ouça, eu preciso saber alguma coisa.
Eu paro, tentando descobrir a melhor maneira de abordar o assunto.
Quando ele não diz nada, apenas continua a fulminar meus olhos com os
dele, vou em frente.
— Papai era um agiota?
Dou crédito a ele; sua expressão não muda enquanto olha para mim.
— Não sei do que você está falando, Bronnson.
Eu sorrio.
— Vamos, cara, não minta. — Podia não ter conseguido entrar em
contato com ele nos últimos dias, mas conversei com muitas pessoas que se
lembravam de quando Jimmy e Tony "ajudavam" as pessoas. Como, por
exemplo, dar-lhes um pouco de dinheiro para deixá-las presas até o dia de
pagamento.
É preciso muito esforço da minha parte para manter a compostura, mas
sei que, se perder a cabeça agora, nunca receberei as respostas de que preciso.
— Seu pai era dono de um posto de gasolina —, ele me diz novamente,
com o rosto solene. — Que Deus tenha piedade de sua alma. Foi uma coisa
terrível o que aconteceu com seu pai, você sabe. Abatido em seu próprio
trabalho.
Fecho meus olhos bem apertados. A imagem do meu pai deitado, morto,
atrás do balcão, pisca na minha cabeça, e eu engulo a bile que se arrasta pelo
fundo da minha garganta. Tony interpreta mal a minha reação e coloca a mão
sobre a minha. Minhas pálpebras se abrem, e eu fixo meu olhar no dele.
— Sim, aposto que foi difícil para você assistir, sendo seu melhor amigo
e tudo o mais.
Seus olhos se arregalam, e ele tira a mão da minha. Com a voz baixa, ele
insiste:
— Não sei do que você está falando.
Mesmo que esteja fazendo um bom trabalho em manter a calma, ele não
consegue evitar que as gotas de suor surjam na sua testa, então eu continuo
falando:
— Você sabe, eu tinha me esquecido disso naquele dia. Parecia tão
improvável na época. — Coloco-me de pé e começo a andar enquanto relato
as lembranças daquele dia. — Dani e eu estávamos andando de bicicleta.
Estava quente como o inferno, eu lembro. Nós ficamos com sede. Dani
decidiu que iríamos pedir alguma bebida ao papai e talvez algum doce. Então
nós fomos para o posto de gasolina. — Paro e olho para Tony, que está me
observando de perto, seu rosto ilegível. Quase consigo acreditar que ele está
dizendo a verdade, exceto que ele continua limpando as palmas das mãos na
calça e esfregando a testa com um guardanapo. — Bem, nós estávamos quase
lá, mal conseguíamos ver à distância. Dani e eu corríamos, e embora ela fosse
mais velha, eu estava na liderança. — Sorrio com a lembrança, pois foi a
primeira vez que eu a venci em uma corrida. Ela era estranhamente rápida,
tanto a pé quanto de bicicleta. Mas eu estava ganhando naquele dia, sentindo-
me muito animado. — Eu provavelmente teria vencido, exceto que um carro
estava vindo na nossa direção e rápido. Estávamos na estrada, então tive que
diminuir a velocidade e desviar.
Eu paro de andar e fico em frente a ele.
— Fiquei tão puto por ter que desacelerar para sair do caminho. Até que
eu te reconheci no carro. Sei que você me viu, porque diminuiu a velocidade.
Mas não me cumprimentou, não sorriu como sempre. Você olhou para o
outro lado, fingindo que não percebeu o garoto acenando freneticamente para
você. Assim que passou por nós, você acelerou, enviando uma nuvem de
poeira na nossa direção.
Ele limpa a garganta, seu olhar percorre a sala, evitando meus olhos.
— Sim, eu me lembro disso, agora que você mencionou.
Eu volto para o meu banquinho de bar e apoio um quadril nele.
— Você estava fugindo do posto porque não queria estar lá quando os
policiais aparecessem, não é?
Não demorei muito para juntar as peças quando a lembrança de quase ser
atropelada pelo meu querido e velho tio Tony retornou. Fiz algumas
pesquisas, analisei o relatório de prisão e percebi que o sistema de vigilância
que meu pai havia instalado não estava funcionando exatamente naquele dia.
Ou, pelo menos, foi isso que a polícia alegou.
— Bronn, o que você está tentando fazer? — pergunta ele, novamente
limpando a mão em sua coxa. Quando ele me vê observando seu movimento,
sua mão fica imóvel.
— Você estava lá. Sabe o que realmente aconteceu naquele dia. E não foi
um roubo que deu errado, não é? — zombo, apontando um dedo em sua
direção.
Seu rosto fica vermelho, seu peito sobe e desce rapidamente.
— Vá com calma aí, filho.
— Pare de me chamar assim! — grito. — Eu não sou seu maldito filho.
Apenas me diga a porra da verdade.
Eu já estou de saco cheio de pisar em ovos. Estou de saco cheio de
esperar que ele confesse. Quero respostas, quero os fatos e não vou mais
esperar que me conte por livre e espontânea vontade.
— A verdade é a mesma de sempre — ele responde, sua voz se alterando.
—Mickey Chumley apareceu para roubar o lugar naquele dia. Seu pai
conseguiu dar um tiro antes de morrer. O pedaço de merda vai apodrecer na
prisão pelo resto da vida, assim como ele merece. — O cuspe voa de sua
boca, seu rosto quase fica roxo enquanto ele continua a gritar. Ergue seu
corpo grande do banco e dá um passo na minha direção. — Você precisa
parar de remexer nessas coisas, garoto.
Tenho certeza de que está tentando me intimidar, mas não tenho medo
dele. É só um covarde.
Fico novamente de pé, encarando-o. Com meu rosto próximo ao dele, eu
rosno.
— Eu sei que você tem a porra das fitas, Tony.
Seus olhos se arregalam, e ele cambaleia para trás.
— E eu quero cada uma delas.
Ele continua a se afastar de mim, mas eu continuo avançando.
— Eu, eu... não sei o que deu em você, mas...
— Grace Monroe é o que deu em mim. — O rosto de Tony se enche de
confusão, então eu esclareço as coisas para ele. — Você provavelmente a
conhece melhor como Grace Chumley. A filha do homem que foi falsamente
acusado por homicídio.
Ele balança a cabeça.
— Ele matou o seu pai! Está exatamente onde precisa estar.
Bato meu punho no balcão ao meu lado, e os copos chocalham pelo
impacto.
— Ele o matou porque meu pai era um maldito agiota e estava
ameaçando sua família! — Bato no balcão novamente. — Meu pai ameaçou
uma menina de cinco anos! Meu pai ameaçou a esposa de Mickey! Meu pai
atirou nele primeiro! — Bato meu punho novamente e, em seguida, aponto
um dedo para seu peito. — E você estava lá! Você viu tudo! Você pegou a
porra das fitas de vigilância e deu o fora para não se meter em nenhum
problema!
Com um golpe final do meu punho no balcão, eu me inclino para ele,
minha voz tão baixa que é quase um sussurro.
— E eu quero essas fitas.
Minha mão está latejando no ritmo do meu coração que bate forte, mas
não sinto nada além da raiva que revira meu estômago.
Sinto raiva do pedaço de merda que está em pé diante de mim, suas
papadas balançando quando a boca se abre e fecha, tentando
desesperadamente inventar uma história de merda para sair da situação em
que se encontra.
Raiva do meu pai por ser um filho da puta que fez uma menininha perder
seu herói e uma mulher perder o seu marido.
Mas mais do que essas duas coisas, a raiva que ferve no meu sangue é de
mim mesmo, por não acreditar em Grace, por lançá-la ainda mais à tristeza.
Ela passou toda a sua vida vivendo um inferno, mas isso não foi suficiente
para me impedir de ser um idiota completo e deixá-la ainda mais na merda.
Eu não a mereço e não mereço seu amor, mas, ainda assim, ela me deu. E
eu fodi com tudo. Mas mesmo que ela nunca me perdoe, eu irei compensá-la.
Começando com as fitas que provavam que Mickey Chumley agira em
legítima defesa, do jeito que ele relatava.
Tony levanta as mãos em sinal de rendição.
— Eu vou mandá-las para você.
Balanço a minha cabeça.
— Vá se foder. Nós vamos buscá-las. Agora.
Ele concorda.
— Claro, sim. Deixe-me apenas...
— Vá se foder. — Pego minhas chaves em cima do balcão. — Você acha
que eu sou burro? Passei quase uma semana tentando localizá-lo. Você mora
nesta cidade e ainda não sei onde mora. Acha mesmo que eu vou deixar você
fazer alguma coisa sem mim? Vou ficar mais perto do que a porra da sua
sombra!
Eu o empurro em direção à porta. Ele não resiste, mas ainda não relaxo.
Não sentirei nenhum alívio até ter a evidência que comprova a versão dos
fatos que Mickey alega em minhas mãos.
Não importa o que eu tenha que fazer para obtê-la.
Grace
A batida na porta me assusta, e minha alma quase sai do meu corpo. Não
estou esperando ninguém e acabei de falar com Riley, então, sei que não é ele
que está praticamente colocando a minha porta abaixo.
— Grace! — o grito faz com que meu sangue congele em minhas veias.
Bronn.
Meu primeiro instinto é correr até a porta e abri-la antes de pular em seus
braços. Afastar-me – ou fugir, que seja – dele ontem à noite foi angustiante.
Tive que me forçar a continuar dirigindo e não voltar atrás. Foi um erro olhar
no retrovisor e vê-lo ali, parecendo tão arrasado.
Ele parecia quase tão destruído quanto eu me sentia.
Mas uma vez que coloquei algum espaço entre nós, percebi que era o
melhor. Eu precisava me afastar dele para poder pensar com clareza. E uma
vez que fiz isso, soube que tomei a decisão certa.
Bronnson pode me amar, e eu posso amá-lo, mas há momentos na vida
em que o amor não é suficiente. Não importa que eu sinta nossa conexão em
minha alma. Não importava o quanto eu queira ficar com ele. Às vezes, as
pessoas simplesmente não são destinadas a ser. E esse é um desses
momentos. E nós somos um daqueles casais tragicamente predestinados. Um
Romeu e Julieta moderno.
Eu não chorei quando cheguei a essa conclusão. Eu simplesmente a
aceitei.
Mas agora, aqui está ele, batendo na minha porta, e eu não sei o que fazer.
— Grace! Eu sei que você está em casa. Eu posso te ver através da porta!
Merda.
Em meu desespero, esqueci que há uma grande janela de vidro na porta
em frente à qual eu estava.
Não dá para fingir que não estou em casa.
— Vá embora, Bronn — grito de volta através da porta. — Eu não quero
ver você.
É mentira.
Eu quero vê-lo.
Mais do que eu já quis alguma coisa em toda a minha vida.
— Eu preciso falar com você — ele grita de volta.
— Não há mais nada a dizer — digo a ele, ainda gritando pela porta.
— Eu tenho muito para dizer. Começando com me desculpe.
Meu coração começa a acelerar.
Ele está pedindo desculpas?
Não está jogando muito justo.
— Se você abrir a porta, vou te dizer mais coisas — ele pede, e sua voz
soa tão sincera que não consigo impedir meus dedos de girarem a trava.
Não removo a corrente, mas abro a porta. Seu rosto preenche a minha
visão e meu estômago se contrai. Não importa que eu queira odiá-lo, que
queira dizer a ele para ir à merda. Toda vez que ele olha para mim, as
borboletas voltam ao meu estômago.
— O que você quer, Bronn? — eu pergunto, incapaz de esconder a
exasperação na minha voz.
Seus olhos percorrem meu rosto antes que ele me diga ferozmente:
— Você é linda pra caralho.
Pega de surpresa por seu elogio, pisco várias vezes antes de sussurrar:
— O quê?
Agora ele está mesmo jogando sujo.
— Não, isso não é suficiente — ele me diz, inclinando-se contra a porta.
Ele não me pede que eu a abra mais, não pergunta por que diabos estou
mantendo a corrente. —Você é a mulher mais linda que eu já conheci.
Estou confusa. Não tenho ideia de onde ele pretende chegar com isso.
Estreitando meus olhos, mordo meus lábios.
— Você está tentando me elogiar até que eu te perdoe?
Ele balança a cabeça, os olhos suaves.
— Não. Só estou dizendo o que você merece ouvir.
— Oh — eu digo, sem jeito, em uma perda completa de palavras. — Isso
é tudo?
— Quando eu era criança, eu costumava acreditar em super-heróis. — Ele
se inclina, apoiando um braço contra o batente da porta. — Eu costumava
pensar que esse cara, que era uma mistura de Super-homem e Batman, ia me
resgatar da minha vida de merda. — Seus olhos estão apontados para mim,
mas ele não está focado no meu rosto. Em vez disso, está perdido na
memória. Ele ri. — Eu ia ser o seu ajudante.— Ele pisca, recuperando-se do
olhar distante e se concentrando no meu rosto. — Você sabe, como Robin.
Eu assinto, porque não sei mais o que fazer ou dizer.
— Mas é claro que isso nunca aconteceu. E quando fiquei mais velho,
parei de acreditar em heróis. Minha vida não seria extraordinária. Eu estava
destinado a ser um perdedor, nunca conquistando nada mais do que todo
mundo achava que iria conquistar.
Ele faz uma pausa e engole em seco. Também tenho que engolir o caroço
que se forma na minha própria garganta, pois suas palavras machucam o meu
coração. Apesar de tudo, ainda gostaria de poder voltar no tempo, para aquele
menino quebrado, e assegurar-lhe de que tudo ficaria bem. Diria a ele que era
digno de amor, que sua vida era importante. Se não para qualquer outra
pessoa, era para mim.
— Então, em um maldito dia, um dia de merda, um super-herói da vida
real entrou no meu bar. — Ele sorri para mim, seu dente torto espreitando
entre seus belos lábios. — Foi uma manhã ruim. Eu recebi a notificação de
que o homem que matou meu pai ia fazer uma apelação. — Estremeço, mas
ele balança a cabeça. — Meu melhor garçom pediu demissão. Tinham me
negado um empréstimo que eu estava me esforçando para conseguir. E então
surge esta mulher vestida com roupas caras. Ela grita dinheiro e classe. E ela
senta sua bunda perfeita no meu bar e mal olha para mim enquanto pede uma
água gelada, gelo extra, sem limão.
Eu coro, lembrando o quão rude tinha sido. Não fazia ideia de que a sua
manhã tinha sido tão ruim. Não que isso pudesse mudar alguma coisa, mas se
eu soubesse, talvez tivesse me esforçado mais em fazê-lo sorrir. Talvez
pudesse ter dito algo para melhorar o dia dele.
— Eu pensei que tinha te entendido de primeira, com um único olhar,
pensei que sabia exatamente quem você era. E te descartei como nada mais
do que outra garota com mais dinheiro do que boas maneiras.
— Eu sinto muito sobre isso — sussurro.
Ele estende a mão pela fresta da porta e coloca um dedo nos meus lábios,
silenciando-me.
— Muitas vezes ela quase me atropelou. — Ele ri alto, e eu não consigo
evitar de rir com ele. Aquele provavelmente tinha sido um dos momentos
mais assustadores da minha vida, quando pensei que tinha atingido alguém
com meu carro. — E, eu juro por Deus, foi a melhor coisa que já me
aconteceu. — Ele está sorrindo de novo, com o rosto aberto e honesto.
Meu peito se aperta, a onda de emoção me inunda. Foi a melhor coisa que
já aconteceu comigo também.
— A maioria dos super-heróis salva as pessoas e, ainda assim, a minha
tentava voltar a me atropelar. Devia ter alguma porra de importância nisso —
ele zomba de leve.
Eu limpo minha garganta.
— Eu sou a sua super-heroina?
— Como não seria? — ele responde rapidamente. — Você voou para
dentro e... — ele sorri, com aquele dente torto que se tornou quase precioso
para mim —, bem, foi mais como uma aterrisagem forçada, e me resgatou.
Assim como um super-herói faria.
— Resgatei você de quê?
— De mim mesmo. — Seus olhos brilham, seus lábios se inclinam em
um sorriso malicioso. Ele cobre meus dedos que estão segurando o batente da
porta com os dele. — Por favor, não me deixe, Grace
Se eu tivesse qualquer esperança de que conseguiria ficar de pé, ela
desmorona quando ele sussurra meu nome. Sem hesitar, fecho a porta e tiro a
corrente. Quando eu a abro, ele entra, avolumando-se diante de mim e me
puxando para seus braços.
Eu enterro meu rosto em seu pescoço, respirando fundo pela primeira vez
em semanas, enquanto seus braços fortes me seguram apertado contra seu
corpo. Eu estava morrendo de vontade de senti-lo novamente, de tê-lo assim,
bem perto, e pensei que nunca mais teria essa sensação novamente. Pensei
que tinha conseguido aceitar o fim.
Mas agora que ele está aqui, segurando-me bem forte pela cintura, sei que
fui tola em pensar que algum dia seria capaz de continuar vivendo sem ele.
Pelo menos vivendo uma vida feliz. Isso seria impossível. E eu não quero
mais tentar.
Ele me afasta de si muito antes de eu estar pronta para soltá-lo, mas eu
pressiono meus lábios para impedir que o protesto escape.
— Eu não mereço você — ele me diz, seus dedos entrelaçados aos meus.
— Bronn, não comece com isso de novo — eu lamento, não querendo ter
essa briga com ele.
— Não, é verdade. Eu não mereço você. Mas isso não significa que esteja
disposto a te deixar.
— Mas, Bronnson, meu pai... — Eu hesito.
Ele aperta meus dedos.
— Certo. Seu pai. Você não. Eu não deveria ter deixado isso ficar entre
nós.
Meu coração aperta. Ele está dizendo todas as palavras certas, e eu quero
acreditar nele, mas não sei como poderemos superar os obstáculos à nossa
frente.
— Grace. Eu te amo. — Suas palavras fazem o ar deixar meus pulmões
em um rompante. — Eu já te amava naquele dia na escada. Deveria ter dito a
você. Mas estou dizendo agora. E vou continuar falando por quanto tempo
você quiser ouvir.
Bronn me puxa para ele, colando nossos corpos, e coloca minha mão
sobre o seu coração. Seus batimentos estão fortes e firmes, e eu desejo
descansar minha bochecha contra seu peito para poder ouvi-los. Parece que
faz uma eternidade desde que adormeci em seus braços, e eu ansiava por
fazer exatamente isso.
— Está sentindo? — pergunta ele.
Tomo lábio inferior entre meus dentes, olho através dos meus cílios e
assinto. Fiz a mesma coisa com ele não muito tempo atrás.
— Parece um coração cheio de amor.
Meu sorriso se torna incrivelmente amplo e, por um minuto, esqueço o
quanto estou magoada.
— Meu coração está cheio de amor também, você sabe disso, não sabe?
Ele sorri para mim e balança a cabeça.
Eu me esforço para lutar contra o riso quando digo a ele:
— Tá, tudo bem. Você não vai ficar bravo se eu te disser que essa foi
possivelmente a coisa mais brega que eu já ouvi.
Sua expressão murcha, e ele morde o lábio inferior.
Coloco-me na ponta dos pés e beijo seu beicinho.
— Mas lembre-se, eu amo coisas bregas — sussurro.
Bronn entrelaça os dedos no meu cabelo, ancorando minha cabeça no
lugar. Colando seus lábios aos meus, sua boca vem com fome. Sua língua
mergulha na minha, o beijo se aprofunda instantaneamente. Faz muito tempo
desde que senti seus lábios pela última vez, mas no momento em que nossas
bocas colidem, meu corpo responde. Eu o puxo para mais perto de mim, e o
tempo todo meu coração martela no meu peito, querendo mais dele. Estou
sem fôlego quando ele se afasta. Abrindo meus olhos, vejo que ele está me
observando atentamente.
— Grace, eu estava errado. Nunca deveria ter te afastado. Quando você
fugiu de mim ontem, eu juro por Deus que nunca me senti tão mal em toda a
minha vida. Pensei que era isso, que eu finalmente tinha fodido tanto as
coisas que não havia como consertá-las.
Encosto novamente minha testa no peito dele, engolindo em seco.
— Eu quase voltei — sussurro.
— Deus, eu estava rezando para que você fizesse isso.
Eu levanto minha cabeça e recuo. Quanto mais eu ficar em seus braços,
mais difícil será dizer o que eu tenho a dizer. Nós podemos continuar
brincando, mas isso não muda o fato de que não há chance para nós. Ele pode
me beijar até eu virar uma poça de mingau, mas isso não mudará as coisas.
— Mas foi melhor assim, porque não podemos ficar juntos — digo a ele,
com minha voz trêmula. O tijolo que sinto, pesando em meu estômago,
parece ainda mais pesado quando as palavras saem dos meus lábios. — Não
importa o quanto eu te amo, nunca vai funcionar.
Dou um passo para trás, aumentando a distância entre nós. Preciso disso
para poder pensar com clareza. Mas ele me segue, não me dando o espaço
que eu preciso.
— Não é verdade — ele insiste. — Seu pai não está mentindo. Eu sei
disso agora.
Minha boca se abre, e eu pisco várias vezes.
— Eu... Eu acho que não te ouvi corretamente — cuspo as palavras.
Seus lábios se inclinam em um sorriso triste.
— Porra, como dói dizer isso em voz alta. Admitir que eu estava errado.
Mas não porque não consigo assumir meus erros. Quando se trata de você, eu
sempre me responsabilizo pelas minhas merdas. E estou assumindo essa
responsabilidade agora. — Bronn agarra meu pulso, gentilmente me puxando
de volta para ele.
Não importa quantas vezes eu tente fugir para poder respirar e pensar, ele
está lá, avolumando-se sobre mim e dificultando o foco em qualquer outra
coisa além do jeito como me faz sentir quando está por perto.
— O que você está dizendo, Bronn?
Ele leva minha mão aos lábios, beijando meus dedos.
— O melhor amigo do meu pai era um cara chamado Tony. Nós o
chamamos de tio Tony. Foi ele o homem que seu pai viu no posto de gasolina
naquele dia.
Eu suspiro, minha mão livre voa para a minha boca.
Ele continua falando, mas parece que o tempo está se movendo em
câmera lenta, suas palavras abafadas e prolongadas, como as do professor dos
Muppets. Tudo que eu ouço é barulho, sem palavras reais.
Ele balança a mão na frente do meu rosto.
— Grace, você me ouviu?
Eu balanço minha cabeça, tanto para limpar minha mente quanto para
responder a sua pergunta.
— Não ouvi mais nada depois de você dizer que havia outro homem lá.
Ele assente.
— Eu disse que havia um sistema de vigilância. Tony pegou as fitas. Ele
as guardou por todos esses anos. — Bronn balança a cabeça e murmura: —
Ele é um idiota. — Levantando a voz, continua: — Eu estou com as fitas,
Grace.
Não consigo compreender o que ele acabou de me dizer, mas sei que é a
peça que faltava, aquela que meu pai e eu estávamos procurando.
Uma onda de alívio me atinge com tanta força que meus joelhos se
dobram antes que eu perceba. Bronn me vê caindo e me pega antes de eu
despencar no chão.
Lentamente, ele me pega em seu colo.
Com meu rosto pressionado em seu pescoço, eu pergunto:
— O que isso significa?
Ele se inclina para trás, e seus olhos azuis brilham pela primeira vez em
semanas.
— Isso significa que vamos tirar seu pai da prisão.
Bronn
***
Grace
Um ano depois
Megan Cooke – eu disse isso antes, mas vou dizer de novo. Você é
inestimável. Nada se compara aos seus conselhos, às suas mensagens
animadas pelas minhas palavras e às suas conversas estimulantes. Obrigada
por concordar em ser minha beta, mesmo que você tenha uma vida louca.
Você é incrível.
Julie Deaton – muito obrigada por trabalhar comigo no último minuto e por
não me demitir quando me atrasei para você!
Meghan March – obrigada por toda a ajuda com a minha sinopse em uma
manhã de sábado aleatória. Eu estava um caos e você me salvou. Obrigada
por estar tão disposta a ajudar os outros.
Para Staci Hart e Corinne Michaels, obrigada pela companhia no Indie Tea.
Suas ideias, sugestões e incentivo tornaram este livro ainda melhor.