HC 626434 2021 05 26

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HABEAS CORPUS Nº 626.

434 - PB (2020/0299218-3)

RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO


IMPETRANTE : JOSÉ EDÍSIO SIMÕES SOUTO
ADVOGADOS : JOSÉ EDISIO SIMÕES SOUTO - PB005405
MARCIO LOPES DE FREITAS FILHO - DF029181
RENATO FERREIRA MOURA FRANCO - DF035464
CAROLINE MARIA VIEIRA LACERDA - DF042238
THAIS DINIZ COELHO DE SOUZA - DF040974
JOSE EDUARDO MARTINS CARDOZO - DF054244
FELIPE AUGUSTO DAMACENO DE OLIVEIRA - DF059848
MAYRA JARDIM MARTINS CARDOZO - DF059414
LUCAS TAKAMATSU GALLI - DF061880
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA
PACIENTE : ANGELICA RAQUEL COUTINHO MORENO
PACIENTE : LUIZ ALBERTO MOREIRA COUTINHO NETO
PACIENTE : PEDRO ALBERTO DE ARAUJO COUTINHO FILHO
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA PARAÍBA
EMENTA
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO
CRIMINOSA, INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE
INFORMAÇÕES E PECULATO. MANDADO DE BUSCA E
APREENSÃO. CUMPRIMENTO INDEVIDO. SUPRESSÃO DE
INSTÂNCIA. DECISÃO DE QUEBRA DE SIGILO FISCAL.
FUNDAMENTAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. ACESSO
AO MATERIAL OBTIDO COM MEDIDAS CAUTELARES.
CONFIGURAÇÃO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. A tese referente ao cumprimento ilegal do mandado de busca
e apreensão não foi enfrentada pelo Tribunal de origem,
caracterizando situação de supressão de instância, o que
impede o seu conhecimento. Não obstante, o fundamento
invocado para tanto não se revela legítimo, razão pela qual deve a
Corte de origem decidir a questão como bem entender.
2. A decisão que decretou a quebra do sigilo fiscal e bancário dos
investigados, embora concisa, apresenta fundamentação
adequada, pois está apoiada em dados concretos que revelam a
necessidade de aprofundamento das apurações em vista da
realização de diversas operações financeiras ilícitas.
3. Tendo sido realizada medida de busca e apreensão, faz-se
necessário disponibilizar à defesa amplo acesso aos elementos
colhidos, nos termos da Súmula Vinculante n. 14.
4. No caso em exame, foi sonegada à defesa tal prerrogativa, que
somente foi determinada após ter sido julgada procedente
Reclamação ajuizada no Supremo Tribunal Federal.

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5. Demonstrado que o conhecimento dos elementos somente foi
franqueado após a oitiva das testemunhas, é nítido o
malferimento ao devido processo legal, porquanto a defesa
permaneceu em situação de flagrante desvantagem em relação
à acusação.
6. Não cabe ao órgão acusatório ou mesmo ao julgador definir o
que, dentre o que foi produzido, interessa ser de conhecimento
da defesa, visto que toda a prova interessa ao processo, pouco
importando de qual parte foi a iniciativa.
7. Ordem parcialmente conhecida e, nessa parte, concedida.
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima


indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, conhecer parcialmente da ordem de habeas corpus e, nesta extensão, a
conceder, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Laurita Vaz,
Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz e Olindo Menezes (Desembargador
Convocado do TRF 1ª Região) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Dr(a). JOSE EDUARDO MARTINS CARDOZO, pela parte PACIENTE:


ANGELICA RAQUEL COUTINHO MORENO

Dr(a). JOSE EDUARDO MARTINS CARDOZO, pela parte PACIENTE:


LUIZ ALBERTO MOREIRA COUTINHO NETO

Sustentou oralmente o(a) Adv(a) JOSE EDUARDO MARTINS


CARDOZO, pela parte PACIENTE: PEDRO ALBERTO DE ARAUJO COUTINHO
FILHO

Brasília, 18 de maio de 2021 (data do julgamento).

Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO

Relator

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HABEAS CORPUS Nº 626.434 - PB (2020/0299218-3)
RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
IMPETRANTE : JOSÉ EDÍSIO SIMÕES SOUTO
ADVOGADOS : JOSÉ EDISIO SIMÕES SOUTO - PB005405
MARCIO LOPES DE FREITAS FILHO - DF029181
RENATO FERREIRA MOURA FRANCO - DF035464
CAROLINE MARIA VIEIRA LACERDA - DF042238
THAIS DINIZ COELHO DE SOUZA - DF040974
JOSE EDUARDO MARTINS CARDOZO - DF054244
FELIPE AUGUSTO DAMACENO DE OLIVEIRA - DF059848
MAYRA JARDIM MARTINS CARDOZO - DF059414
LUCAS TAKAMATSU GALLI - DF061880
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA
PACIENTE : ANGELICA RAQUEL COUTINHO MORENO
PACIENTE : LUIZ ALBERTO MOREIRA COUTINHO NETO
PACIENTE : PEDRO ALBERTO DE ARAUJO COUTINHO FILHO
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA PARAÍBA

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO


(Relator):

Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de


ANGELICA RAQUEL COUTINHO MORENO, LUIZ ALBERTO MOREIRA COUTINHO
NETO e PEDRO ALBERTO DE ARAÚJO COUTINHO FILHO apontando como
autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba no HC n.
0810879-44.2020.8.15.0000.

Consta dos autos que, no bojo da denominada "Operação Parcela


Débito", os pacientes foram denunciados pela prática, em tese, dos crimes de
organização criminosa, peculato e inserção e dados falsos em sistema de informações
(art. 2º, §§ 3º e 4º, inciso II, da Lei n. 12.850/2013 e arts. 312 e 313-A, ambos c/c o art.
69, todos do Código Penal).

Segundo consta da exordial acusatória, os pacientes e outros 19


acusados, no período compreendido entre 2012 e 2016, promoveram, constituíram e
integraram, pessoalmente e por meio de terceiros, organização criminosa,
associando-se entre si e com agentes públicos integrantes do quadro de servidores do

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Instituto de Previdência do Município e da Câmara Municipal de João Pessoa/PB, de
forma estruturalmente ordenada, permanente e com divisão de tarefas, a fim de obter,
direta e indiretamente, vantagens ilícitas mediante a prática de crimes de
peculato-desvio e de inserção de dados falsos em sistema de informações, causando
prejuízos de R$ 23.921.361,05 (vinte e três milhões, novecentos e vinte e um mil,
trezentos e sessenta e um reais e cinco centavos).

Impetrado prévio habeas corpus, o Tribunal de origem conheceu


parcialmente da impetração e, nessa extensão, denegou a ordem nos termos da
seguinte ementa (e-STJ fls. 30/31):

HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E PECULATO.


AÇÃO PENAL. PROVAS COLETADAS EM AÇÕES DE BUSCA E
APREENSÃO JUDICIALMENTE AUTORIZADAS. ALEGADO
EXCESSO E ATUAÇÃO SOBRE COISA ALHEIA. MATÉRIAS
AINDA NÃO EXAMINADAS PELO JUÍZO A QUO. EXAME
INADMISSÍVEL PARA NÃO INCORRER EM SUPRESSÃO DE
INSTÂNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. ELEMENTOS
COLHIDOS QUE SEMPRE ESTIVERAM À DISPOSIÇÃO DAS
PARTES. PRETENDIDA REABERTURA DA INSTRUÇÃO PARA
POSSIBILITAR EVENTUAIS REPERGUNTAS ÀS TESTEMUNHAS.
INADMISSIBILIDADE. QUEBRA DE SIGILO FISCAL E BANCÁRIO.
DECISÃO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. MEDIDA, ADEMAIS,
DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. CONHECIMENTO PARCIAL
DO MANDAMUS E, NA PARTE CONHECIDA, DENEGADO.
1. O impetrante busca desfazer provas colhidas em diligências de
busca e apreensão, dizendo executadas fora daquilo que ficou
consignado na decisão que as determinou, a cujo material
somente teve acesso após o término da instrução, configurando-se
o cerceamento de defesa e do contraditório, a impor a anulação da
instrução e a exclusão do processo dos documentos colhidos nas
buscas reputadas irregulares.
2. Pelo que se vê das informações da autoridade havida como
coatora, ainda não houve pronunciamento, no primeiro grau, sobre
as apontadas nulidades das provas colhidas no cumprimento das
diligências de busca e apreensão, sendo certo que se trata de
matéria que pode muito bem ser discutida por ocasião da sentença
de mérito.
3. Aliás, eventual nulidade somente poderia ser reconhecida se
utilizada a prova, que se diz viciada, na sentença para efeito de
condenação dos imputados, ora pacientes. Por enquanto, não há
eiva capaz de configurar prejuízo irreparável ou de difícil
reparação e, assim, justificar a concessão da ordem, ainda que de
ofício.
4. Por tais razões, não se conhece do pedido quanto aos

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apontados vícios atinentes às buscas realizadas na casa do corréu
Carlos Alberto Coutinho e no automóvel não pertencente ao
imputado Luiz Alberto M. Coutinho Neto (Luiz Neto).
5. No que se refere à nulidade por cerceamento de defesa em
razão do acesso aos documentos coletados durante as diligências
de busca e apreensão após a oitiva das testemunhas de acusação
e defesa, inviabilizando as reperguntas em torno do referido
conteúdo, também não vejo como acolher a pretensão defensiva.
6. É que, como observa o douto Juiz a quo, a documentação
contida nas caixas cuja anexação ao processo principal foi
determinada pelo Presidente do STF na ação reclamatória nunca
esteve sob sigilo de qualquer natureza. Sempre estiveram à
disposição da defesa de todos os implicados, inclusive os ora
pacientes. Se não tiveram acesso a elas é porque não quiseram.
Preferiram solicitar a anexação a um feito que já consta de 117
volumes, quando se sabe que, em casos dessa natureza, os
documentos ou objetos apreendidos ficam à disposição no arquivo
dos cartórios, bastando que se peça para manuseá-los.
7. Além disso, é importante a informação do magistrado de que o
acervo constante das referidas caixas não foi reputado como
relevante pelo Ministério Público, tanto que a eles não faz
referência na denúncia. Daí que não há como se anular os atos
praticados, à falta de efetiva demonstração de prejuízo.
8. O impetrante também diz nulo o ato que decretou a quebra dos
sigilos fiscal e bancário dos pacientes (ID 7419420), alegando, em
resumo, que se trata de decisão extra petita, posto não ter sido
solicitada a ruptura dos dados bancários, o que ofende ao devido
processo legal e, consequentemente, nega vigência ao art. 5º, LIV
e LVI, da CF e art. 157 do CPP, assim como outras garantias
fundamentais que não especifica.
9. O equívoco é flagrante. Em verdade, tecnicamente a decisão
deixa a desejar, eis se reportou o tempo todo à quebra do sigilo
bancário. Todavia, não fugiu daquilo que foi pleiteado pelo
Ministério Público na referida medida cautelar, cuja inicial protesta
expressamente pela quebra dos sigilos fiscal e bancário dos
envolvidos.
10. De outro tanto, é certo que a decisão judicial que decreta a
quebra de sigilos fiscal e bancário de várias pessoas físicas e
jurídicas exige adequada e necessária fundamentação. Mas, no
caso as ponderações do Ministério Público, absorvidas pelo
Magistrado de piso, mostram-se suficientes a justificar tais
medidas, posto que especificou fatos, condutas e/ou
movimentações financeiras supostamente ilícitas e que podem
constituir fraudes, sonegações fiscais ou lavagem de dinheiro.
Logo, também não se cogita de vício por falta de fundamentação,
como alega o nobre impetrante.
11. Ordem parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada.

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Daí o presente writ, no qual sustenta a defesa ilegalidade das provas
oriundas da busca e apreensão na casa do corréu CARLOS ALBERTO COUTINHO,
por ausência de prévia autorização judicial. Pontua que o nome do acusado nem
sequer constou na decisão que decretou a medida, ocorrendo a ilícita violação ao
domicílio desse acusado.

Da mesma forma, destaca a "ilicitude do que foi apreendido em


automóvel pertencente a terceiro estranho a ordem judicial emitida em desfavor de
LUIZ ALBERTO M. COUTINHO NETO (LUIZ NETO). Ou seja, em extensão ao que o
mandado judicial não autorizava" (e-STJ fl. 6).

Argumenta que não deve prosperar o entendimento exarado no aresto


impugnado, de que essas duas teses configuram supressão de instância, pois a
defesa buscou impugnar justamente a decisão de primeiro grau que determinou as
medidas probatórias. Aduz que essas matérias são de ordem pública e podem ser
conhecidas, de ofício (art. 5º, LVI, da CF).

Aponta nulidade por cerceamento de defesa e violação ao


contraditório, por falta de acesso oportuno e integral ao acervo probatório carreado
após a busca e apreensão. Alega que esses documentos só foram disponibilizados
para a defesa "após o ENCERRAMENTO DE TODOS OS DEPOIMENTOS
TESTEMUNHAIS, mediante manejo pelos pacientes da Reclamação Constitucional n.
35321 perante o e. STF, A QUAL ATESTOU A PRESENTE ILEGALIDADE – em
decisão da lavra do em. MIN. ALEXANDRE DE MORAES" (e-STJ fl. 12).

Argui coação ilegal quanto à quebra do sigilo bancário dos pacientes,


por se tratar de decisão extra petita, visto que o requerimento cautelar buscava,
exclusivamente, o afastamento do sigilo fiscal. Além disso, assere que essa decisão
não foi devidamente fundamentada, uma vez que foi proferida de forma genérica e sem
indicar concretamente "a existência de interesse ou de elementos aptos a indicarem
possibilidade de prática delituosa" (e-STJ fl. 21).

Requer, liminarmente, a suspensão da ação penal, notadamente com


relação à designação dos interrogatórios dos pacientes, até o julgamento do mérito do
presente habeas corpus.

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No mérito, pede o reconhecimento da ilicitude das provas apontadas
ou, subsidiariamente, requer seja determinado que o Tribunal de origem aprecie o
mérito da impetração originária. Além disso, pugna pela nulidade das audiências de
instrução que realizaram a oitiva das testemunhas, pela ilicitude da decisão que
determinou a quebra do sigilo fiscal, com o consequente desentranhamento.

O pedido liminar foi indeferido (e-STJ fls. 351/355).

Informações prestadas às e-STJ fls. 361/363 e 366/371.

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não conhecimento do


writ (e-STJ fls. 373/385).

É, em síntese, o relatório.

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HABEAS CORPUS Nº 626.434 - PB (2020/0299218-3)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO


(Relator):

Inicialmente, constato que a tese referente à extrapolação no


cumprimento dos mandados de busca e apreensão, que teriam sido indevidamente
realizados na residência de corréu, cujo nome não constou da ordem judicial, e no
automóvel de propriedade de terceiro alheio às investigações, não foi enfrentada pelo
Tribunal de origem, a evidenciar que, nesse ponto, há supressão de instância.

Essas alegações, portanto, não podem ser examinadas na presente


via em razão de não terem sido apreciadas pelo Tribunal de Justiça paraibano, que
reputou necessária a prévia manifestação do Magistrado condutor do feito.

Contudo, o fundamento invocado pela Corte a quo para o não


enfrentamento do tema não se revela adequado, estando configurada situação de
negativa de prestação jurisdicional, uma vez que, ao contrário do que decidido, não
seria necessária a mencionada manifestação, cabendo ao Tribunal, dentro dos limites
do habeas corpus, apreciar o pedido.

Conforme já decidiu esta Corte, "a não manifestação do eg. Tribunal a


quo sobre o mérito da impetração, na hipótese, configurou indevida negativa de
prestação jurisdicional. Tratando-se de questão relevante, devidamente suscitada no
writ originário, e não apreciada, devem os autos ser remetidos à eg. Corte estadual
para que se pronuncie acerca da quaestio" (HC n. 398.690/SC, relator Ministro FELIX
FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 3/8/2017, DJe de 10/8/2017).
Passo ao exame da afirmação defensiva de que houve nulidade na
decretação da quebra de sigilo bancário dos pacientes.

Sobre o tema, decidiu o Tribunal de origem (e-STJ fls. 37/38):

Em verdade, tecnicamente a decisão deixa a desejar, eis se


reportou o tempo todo à quebra do sigilo bancário. Todavia, não
fugiu daquilo que foi pleiteado pelo Ministério Público na referida

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medida cautelar.
Com efeito, na exposição dos motivos que justificaram a cautelar, o
MP pediu o afastamento dos sigilos fiscal e bancário dos réus (ID
7419361, p. 03 e ID 7419366, p. 08), fazendo a isso, inclusive,
expressa referência: “O completo descortinar da presente
engenharia, só será alcançado com o afastamento dos sigilos
bancário, fiscal e telefônico, isto porque o grupo de pessoas
beneficiadas com os valores desviados, os recebem em suas
contas correntes, as quais registram toda a movimentação
financeira, inclusive, eventuais compensações das cártulas
bancárias, o predito cenário nos permite edificar algumas
hipóteses para a dispensação dos valores desviados”. (ID
7419417, p.04).Fiz os destaques.
Observe-se que, depois de expor os fundamentos que
sedimentaram o deferimento da pretensão ministerial, o magistrado
concluiu: “Portanto, decreto o afastamento do sigilo bancário, nos
termos requeridos às fls. 47/50” (ID 7419420, p. 02), ou seja,
acolheu integralmente o pedido.
Onde, então, a decisão extra petita?
De outro tanto, é certo que a decisão judicial que decreta a quebra
de sigilos fiscal e bancário de várias pessoas físicas e jurídicas
exige adequada e necessária fundamentação. Mas, no caso as
ponderações do Ministério Público, absorvidas pelo Magistrado de
piso, mostram-se suficientes a justificar tais medidas, posto que
especificou fatos, condutas e/ou movimentações financeiras
supostamente ilícitas e que podem constituir fraudes, sonegações
fiscais ou lavagem de dinheiro. Logo, também não se cogita de
vício por falta de fundamentação, como alega o nobre impetrante.
Eis, a respeito, a orientação pretoriana:
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ASSOCIAÇÃO
CRIMINOSA E ESTELIONATOS. INQUÉRITO POLICIAL.
QUEBRA DE SIGILO FISCAL E BANCÁRIO.
PROPORCIONALIDADE. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A
DIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECURSO EM MANDADO DE
SEGURANÇA NÃO PROVIDO.
1. O direito ao sigilo financeiro não é absoluto e pode ser mitigado
quando houver interesse público, por meio de autorização judicial
suficientemente fundamentada, na qual se justifique a providência
para fins de investigação criminal ou instrução processual penal,
lastreada em indícios de prática delitiva.
2. Não há ilegalidade na quebra de sigilo bancário e fiscal da
recorrente por longo período, autorizada por autoridade judicial no
curso de inquérito policial, com alusão a indícios de seu suposto
envolvimento em associação criminosa voltada à prática de
estelionatos por quase uma década, desde o ano de 2005.
3. A medida foi proporcional em relação a seus três aspectos:
adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

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Adequada, por ter sido meio idôneo para a obtenção da prova de
ilicitudes continuadas ao longo de quase dez anos; necessária,
porque não haveria outros meios com igual eficácia e menor
lesividade, e proporcional, em sentido estrito, em relação entre
meios e fins. 4. Recurso em mandado de segurança não provido.
(STJ – RMS: 51152 SP 2016/0134614-8, Relator: Ministro
ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 07/11/2017, T6
– SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/11/2017)
Não há, pois, decisão extra petita ou carente de fundamentação de
modo a justificar a pretendida anulação da prova colhida a partir da
quebra dos sigilos fiscal e bancário dos pacientes.

Pois bem. Consoante consignado no voto condutor do acórdão


atacado, embora a decisão seja, de fato, singela, não há que se falar em ausência de
fundamentação.

No caso, o Ministério Público estadual formulou pedido de quebra do


sigilo fiscal e bancário de diversos investigados. A leitura do extenso arrazoado (peça
de quase cinquenta laudas, constantes às e-STJ fls. 288/336) revela que foram
delineadas as participações dos corréus na empreitada delitiva e evidenciada, com
base em dados concretos, obtidos em outras diligências preliminares, a necessidade
da medida como forma de serem obtidos os dados necessários para a comprovação
do esquema criminoso.

Ao decidir, consignou o Magistrado que (e-STJ fls. 337/338):

Cuida-se de representação do Ministério Público, através do


Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado - GAECO,
pelo AFASTAMENTO DE SIGILO BANCÁRIO das informações
concernentes aos dados bancários de todas as contas depósito,
contas poupança, contas investimento e outros bens, direitos e
vares mantidos em Instituições Financeira e Cooperativas de
Crédito, das pessoas físicas relacionadas na tabela de fls.47/48.
DECIDO. [Art. 93, IX, CF].
Na hipótese, o GAECO informa que a presente medida cautelar,
refere-se ao procedimento Investigatório Criminal n.
010/2.016/GAECO/PB, fruto de informações prestadas pela
Controladoria Geral do Município de João Pessoa por meio de
relatório preliminar de auditoria, o qual teve por escopo analisar a
confiabilidade da folha de pagamento do Instituto de Previdência
do Município de João Pessoa - IPM-JP, em razão de requerimento
de providências formulado pelo então Chefe da Divisão
Administrativa e Financeira do IPM-JP, Pauto Sergio Vilarim Dias,

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haja vista ter identificado alterações nas ordens de crédito emitidas
para o Banco do Brasil, entre os quais, transferências de valores a
determinados servidores em importância superior aos valores de
suas remunerações registradas nos relatórios de folha de
pagamento e transferência de valores de pessoas e contas
estranhas aos beneficiários de aposentadoria e pensões do
IPM-JP.
Ressalte-se que outras medidas já foram adotadas, tendo sido
observado a existência de fortes indícios de práticas de crimes das
mais variadas matizes, desde inserção de dados falsos em sistema
informatizado, peculato, organização criminosa, lavagem de
dinheiro e outros tantos.
As principais constatações veiculadas no relatório preliminar de
auditoria são oriundos do cruzamento de dados das folhas de
pagamento de aposentados e de pensionistas, com as respectivas
relações de créditos bancários enviados ao Banco do Brasil,
referentes ao mês de julho a novembro de 2016, os quais
demonstram a ocorrência de dano potencial ao erário
correspondente a aproximadamente (...)
Informa ainda o GAECO que dentre os referidos pedidos judiciais,
a interceptação telefônica e suas respectivas prorrogações
desvendaram um esquema criminoso ainda maior do que se
imaginava, momento em que seu direcionamento alcançou
patamares financeiros cujas cifras provocam verdadeiro terror aos
cofres públicos, em que pese os reiterados desvios de dinheiro
público.
Tal fato, ensejou a necessidade de se alcançar outros membros da
organização criminosa não relacionados anteriormente em outras
medidas judiciais, fazendo pois, necessário, para melhor
compreensão de como se desenvolvia a ação criminosa,
individualizar os membros e respectivos eventos, fato este que
justificaria o deferimento da presente medida de quebra de sigilo
bancário.
Desta forma, ante a necessidade de elucidação do fato objeto da
investigação criminal, requereu o MINISTÉRIO PÚBLICO, o
afastamento do sigilo bancário, para fins de apuração e
responsabilização do crime em deslinde.
Assim, não obstante os sigilos bancário, telemático e fiscal
encontrarem-se assegurados pelo art. X e XII, da Carta Magna, o
entendimento dos Tribunais Pátrios é uníssono no sentido de que
a proteção constitucionalmente deferida a tais dados não tem
caráter absoluto, podendo ser quebrado quando houver a
prevalência do direito público sobre o privado na apuração de fatos
delituosos, na instrução dos processos criminais quando presentes
circunstâncias que denotem a existência de interesse público
relevante e de elementos aptos a indicar possibilidade de prática
delituosa, como no caso concreto.
Portanto, decreto o afastamento do sigilo bancário, nos termos

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requeridos às fls. 47/50.

Vê-se, portanto, que a decisão está fundamentada na necessidade de


aprofundamento das investigações, como medida necessária e indispensável, haja
vista a existência de indícios de que houve movimentações financeiras ilícitas
envolvendo os acusados.

Portanto, a partir do material obtido com diligências anteriores, dentre


elas medidas de busca e apreensão e interceptações telefônicas, fez-se necessário
que a investigação tivesse o acesso ao sigilo fiscal e bancário dos acusados,
notadamente, como já destacado, em razão da descoberta de possíveis transações
criminosas.

Com relação à afirmação de que a decisão teria sido extra-petita,


razão também não assiste à defesa.

Isso, porque foi deferido pelo julgador apenas o que lhe foi
solicitado pelo Parquet, conforme evidencia a parte dispositiva da decisão acima
transcrita.

Cabe destacar que o que importa para se verificar a legitimidade da


decisão são os seus fundamentos e a sua parte dispositiva, não se revelando relevante
a impropriedade eventualmente constante de seu texto ao se referir ao nomem iuris do
pedido.

Desse modo, não vislumbro configurado o constrangimento ilegal.

O último tópico a ser enfrentado na presente impetração cuida da


afirmação de que teria havido cerceamento de defesa em razão de as provas apuradas
com as medidas de busca e apreensão somente terem sido disponibilizadas após a
realização da oitiva de todas as testemunhas e imediatamente antes do interrogatório.

O Tribunal rechaçou a alegação nestes termos (e-STJ fls. 35/36):

No que se refere à nulidade por cerceamento de defesa em razão


do acesso aos documentos coletados durante as diligências de
busca e apreensão após a oitiva das testemunhas de acusação e
defesa, inviabilizando as reperguntas em torno do referido
conteúdo, também não vejo como acolher a pretensão defensiva.
É que, como observa o douto Juiz a quo, a documentação contida

Documento: 2058554 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 26/05/2021 Página 12 de 4
nas caixas cuja anexação ao processo principal foi determinado
pelo Presidente do STF na ação reclamatória nunca esteve sob
sigilo de qualquer natureza. Sempre estiveram à disposição da
defesa de todos os implicados, inclusive os ora pacientes. Se não
tiveram acesso a elas é porque não quiseram. Preferiram solicitar a
anexação a um feito que já consta de 117 volumes, quando se
sabe que, em casos dessa natureza, os documentos ou objetos
apreendidos ficam à disposição no arquivo dos cartórios, bastando
que se peça para manuseá-los.
Veja-se, por oportuno, que não se mostra viável nem producente
que, toda vez que se dê vista do processo a determinada parte,
além dos diversos volumes, as mais de trinta caixas também sejam
encaminhadas. Daí que, é comum que fiquem no cartório, à
disposição dos envolvidos na demanda, que podem ter acesso a
elas sempre que entenderem necessário. E isso nunca foi negado
à defesa dos pacientes, que simplesmente nunca provocaram o
juiz a respeito.
Daí que entendo pertinente a conclusão do magistrado de piso, ao
indeferir pedido da defesa de um dos réus para que fosse adiada
uma das audiências a fim de que tivessem acesso aos documentos
constantes das multicitadas caixas de documentos, nestes termos:
“Abertos os trabalhos, feito o pregão de estilo, pelo MM. Juiz foi
dft. Presentes todos os advogados ao início da audiência,
chamados, nominalmente e respondendo individualmente, assim
também as testemunhas de acusação INGRID SILVA. Pelos
advogados José Augusto Meirelles, Eduardo Henrique da Costa e
Alan Richers de Sousa, foi requerido o adiamento (d)a audiência,
sob o argumento de que não tiveram acesso à cautelar de busca e
apreensão de documentos. O Ministério Público pugnou pelo não
acolhimento do pedido, uma vez que não existe sigilo tocante à
documentação referida, tendo a mesma estado à disposição da
defesa tanto no GAECO quanto no cartório da 6ª Vara Criminal.
Pelo juiz foi dito, que o pedido não merece acolhida, porquanto
toda a documentação pertinente ao processo esteve à disposição
e alcance de todos os advogados atuantes neste processo, assim
também dos requerentes, mesmo os procedimentos inicialmente
sigilosos, após o recebimento da denúncia, não se podendo alegar
desconhecimento. Assim, eventual desconhecimento de peças ou
documentos do processo se deveu à inércia dos próprios
requerentes, eis que os demais advogados dos autos de todo o
processo tiveram ciência e nada reclamaram nesta oportunidade.
Outrossim, mesmo que desconhecimento existisse por culpa do
Poder Judiciário, não houve alegação pontual ou específica de
qualquer prejuízo, detalhe que reclama o princípio processual do
pás de nullite san grief. Por conseguinte, não tendo havido
limitação judicial ao acesso à prova, mormente por ter sido o
pedido aviado apenas no início desta audiência, já aprazada há
aproximadamente dois meses, em homenagem à celeridade e
eficiência processual, INDEFIRO O PEDIDO DE ADIAMENTO DA

Documento: 2058554 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 26/05/2021 Página 13 de 4
COMPLEXA AUDIÊNCIA. (…)” (ID 7419351).
Importante, também, a informação do magistrado de que o acervo
constante das referidas caixas não foi reputado como relevante
pelo Ministério Público, tanto que a eles não faz referência na
denúncia. Daí que não há como se anular os atos praticados, à
falta de efetiva demonstração de prejuízo.

Nesse ponto, verifico assistir razão à defesa.

O acesso aos elementos obtidos com a realização das diversas


medidas de busca e apreensão somente foi franqueado à defesa após o ajuizamento
de Reclamação no Supremo Tribunal Federal (Rcl n. 35.321/PB), julgada procedente, o
que se deu após a oitiva das testemunhas arroladas.

Vale destacar que, na decisão proferida pela Suprema Corte, ficou


anotado que "a simples autorização para análise da documentação apreendida, não
autuada, não numerada e guardada em 35 (trinta e cinco) caixas, nas dependências do
Fórum, não atende ao enunciado da Súmula Vinculante 14".

Assim, tendo em vista o que foi decidido pelo Supremo Tribunal


Federal, não se pode afirmar, como fez a Corte de origem, que o material sempre
esteve à disposição da defesa, pois tal proceder não teria o condão de dar efetividade
ao que dispõe a Súmula Vinculante n. 14:

É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso


amplo aos elementos de prova que, já documentados em
procedimento investigatório realizado por órgão com competência
de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de
defesa.
Vê-se, desse modo, que a defesa, durante toda a instrução probatória,
não teve o conhecimento do material produzido, ficando, por conseguinte, prejudicada,
pois evidente a desvantagem processual em relação ao órgão de acusação.

Não cabe ao órgão acusatório ou mesmo ao julgador definir o que,


dentre o que foi produzido, interessa ser de conhecimento da defesa, visto que toda a
prova interessa ao processo, pouco importando de qual parte foi a iniciativa.

Nessa linha, aliás, foi a manifestação do Ministério Público estadual, ao


se manifestar no habeas corpus impetrado na origem (e-STJ fl. 250):

Documento: 2058554 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 26/05/2021 Página 14 de 4
Neste ponto, assiste razão o ora Impetrante, pois, conforme vista
nos autos deste Writ, observa-se que os documentos ora
suscitados, apesar de não terem sido utilizados pelo Ministério
Público em sua denúncia, foram objeto de busca e apreensão,
bem como, são de suma importância para o processo, assim
possibilitando a análise dos referidos documentos e utilização pela
defesa dos pacientes durante toda a instrução processual.
Além do mais, o Supremo Tribunal Federal (doc. ID. 7419347),
determinou a juntada dos documentos, bem como, a vista dos
citados documentos para as partes interessadas, cessando, assim,
o constrangimento ilegal, sendo imperioso o retorno do feito até a
audiência de instrução e julgamento com todas as testemunhas,
agora com todo o acervo documental anexado aos autos, servindo
tais documentos como provas que possam ser utilizadas tanto para
defesa como também para a acusação.
Consta ainda nos autos vários pedidos de adiamento de audiência,
os quais não foram atendidos, conforme podemos observar em
termo de audiência no (doc. ID. Num. 7419351 - Pág. 1).
Diante do que foi dito, entendemos ser necessária a concessão da
ordem, a fim de afastar o constrangimento ilegal suportado pelos
ora pacientes.

Vale destacar que a Sexta Turma desta Corte, em julgado recente,


assentou que a prova produzida não pode ficar à disposição de apenas uma das
partes, uma vez que tal proceder vulnera o devido processo legal e deixa a defesa em
flagrante desvantagem.

Confira-se:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO APAGÃO. CRIME


DE RESPONSABILIDADE. FRAUDE À LICITAÇÃO.
ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. DILIGÊNCIAS DE BUSCA E
APREENSÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NEGATIVA DE
ACESSO À TOTALIDADE DOS MATERIAIS LOCALIZADOS.
NULIDADE CONFIGURADA. RECURSO PROVIDO.
1. Nos casos em que é autorizada a realização de busca e
apreensão, apesar de o relatório confeccionado sobre o
resultado da diligência ficar adstrito aos elementos
relacionados com os fatos sob apuração, deve ser assegurado
à defesa acesso à integra dos dados obtidos no cumprimento
do mandado judicial. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e
desta Corte Superior.
2. Na espécie, vê-se que, embora a diligência de busca e
apreensão haja sido autorizada e cumprida antes do recebimento
da denúncia, com apresentação de relatório pela autoridade
policial, foi confeccionado outro relatório pelo Ministério Público,

Documento: 2058554 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 26/05/2021 Página 15 de 4
juntado aos autos depois do início da colheita da prova, com
conteúdo diverso daquele formalizado pela polícia.
3. Boa parte do conteúdo que foi analisado em razão da busca e
apreensão autorizada antes do recebimento da denúncia só foi
levado a conhecimento do Juízo natural da causa e da defesa dos
acusados muito depois de iniciada a instrução processual, visto
que a primeira audiência ocorreu quase nove meses antes da
juntada aos autos do laudo pericial confeccionado pela área
técnica do Ministério Público estadual.
4. Conquanto as decisões proferidas pelas instâncias ordinárias
tenham considerado que a totalidade dos elementos constantes
das mídias eletrônicas apreendidas, que interessavam à
persecução criminal, fora inserida nos relatórios confeccionados
pela autoridade policial e pelo Ministério Público e juntadas aos
autos da ação penal objeto deste recurso, a própria manifestação
ministerial induvidosamente denota que não se concedeu aos
advogados do recorrente a possibilidade de analisarem a
totalidade (e integridade) dos conteúdos obtidos nos materiais
apreendidos para verificar a existência de outros eventuais dados
que fossem relevantes à tese de defesa do acusado.
5. Iniciada a ação penal, com o oferecimento da denúncia, cumpria
ao Ministério Público "abrir" para a defesa todo o material objeto
dos diversos mandados de busca e apreensão judicialmente
autorizados (computadores, tablets, cartões de memória, pen-
drives, telefones celulares, mídias diversas, documentos, etc.), aos
quais a defesa não tivera acesso até então.
6. O comportamento do titular da ação penal, com o respaldo
judicial, de privar a defesa do acesso à integralidade dos
elementos probatórios relativos à imputação, compromete a
idoneidade do processo – como espaço civilizado, ético e
paritário de solução de uma controvérsia penal – e afeta,
significativamente, a capacidade defensiva de, no momento
oportuno, refutar a acusação e produzir contraprova.
7. Não se pode deferir ao órgão que acusa a escolha do
material a ser disponibilizado ao réu e a dar lastro à imputação,
como se a ele pertencesse a prova. Na verdade, as fontes e o
resultado da prova são de interesse comum de ambas as partes
e do juiz (princípio da comunhão da prova). A prova não se
forma para a satisfação dos interesses de uma das partes,
sobretudo daquela que acusa. Se esta obtém, via mandado
judicial, uma diversidade de documentos e materiais
supostamente contrários ao interesse do acusado, não lhe é
lícito o comportamento de privar este último do acesso a todo
esse material, até para que se certifique de que nada há nele
que possa auxiliar sua defesa.
8. Pode o Ministério Público, por certo, escolher o que irá
supedanear a acusação, mas o material restante, supostamente
não utilizado, deve permanecer à livre consulta do acusado, para o

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exercício de suas faculdades defensivas. Essa é a ratio essendi da
Súmula Vinculante n. 14 do STF.
9. A fim de resguardar a intimidade dos demais investigados em
relação aos quais foi cumprida diligência de busca e apreensão,
basta que se colha dos advogados o compromisso de não dar
publicidade ao material examinado e que não interesse, direta ou
indiretamente, à defesa de seu cliente.
10. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que,
em homenagem ao art. 563 do Código de Processo Penal, não se
declara a nulidade do ato processual se a irregularidade: a) não foi
suscitada em prazo oportuno e b) não vier acompanhada da prova
do efetivo prejuízo para a parte.
11. No que toca ao primeiro requisito, o recorrente demonstrou
haver, desde o início da ação penal, postulado o acesso a todo o
material apreendido em razão do cumprimento de mandado judicial
de busca e apreensão.
12. O prejuízo suportado pelo ora recorrente é ínsito ao próprio
vício constatado, ao não lhe ter sido franqueado o exame,
antes do início da instrução criminal, dos dados colhidos em
cumprimento ao mandado de busca e apreensão, diante da
possibilidade de existência de elementos que pudessem
interessar à sua defesa.
13. Recurso provido para anular o processo desde o ato de
recebimento da denúncia, de sorte a permitir à defesa a prévia
consulta à totalidade dos documentos e objetos apreendidos em
decorrência do cumprimento dos mandados de busca e apreensão
expedidos na ação penal objeto deste recurso, abrindo-se, a
seguir, prazo para apresentação de resposta à acusação. (RHC n.
114.683/RJ, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA
TURMA, julgado em 13/4/2021, DJe 27/4/2021, grifei.)

Ante o exposto conheço parcialmente do habeas corpus e, nessa


parte, concedo a ordem para determinar que a Corte de origem aprecie a tese
de cumprimento irregular do mandado de busca e apreensão, bem como para
anular a ação penal desde o recebimento da denúncia.

É o voto.

Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO


Relator

Documento: 2058554 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 26/05/2021 Página 17 de 4
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEXTA TURMA

Número Registro: 2020/0299218-3 PROCESSO ELETRÔNICO HC 626.434 / PB


MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 00007078920178152002 00079871420178152002 00100735520178152002


08108794420208150000 100735520178152002 102016 7078920178152002
79871420178152002 8108794420208150000

EM MESA JULGADO: 18/05/2021

Relator
Exmo. Sr. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. CARLOS FREDERICO SANTOS
Secretário
Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

AUTUAÇÃO
IMPETRANTE : JOSÉ EDÍSIO SIMÕES SOUTO
ADVOGADOS : JOSÉ EDISIO SIMÕES SOUTO - PB005405
MARCIO LOPES DE FREITAS FILHO - DF029181
RENATO FERREIRA MOURA FRANCO - DF035464
CAROLINE MARIA VIEIRA LACERDA - DF042238
THAIS DINIZ COELHO DE SOUZA - DF040974
JOSE EDUARDO MARTINS CARDOZO - DF054244
FELIPE AUGUSTO DAMACENO DE OLIVEIRA - DF059848
MAYRA JARDIM MARTINS CARDOZO - DF059414
LUCAS TAKAMATSU GALLI - DF061880
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA
PACIENTE : ANGELICA RAQUEL COUTINHO MORENO
PACIENTE : LUIZ ALBERTO MOREIRA COUTINHO NETO
PACIENTE : PEDRO ALBERTO DE ARAUJO COUTINHO FILHO
CORRÉU : MOACIR DO CARMO TENORIO JUNIOR
CORRÉU : VERONICA GADELHA VELOSO GUEDES
CORRÉU : JOSE LOURENCO DE SOUSA FILHO
CORRÉU : LUCAS TADEU HENRIQUE LUSTOSA
CORRÉU : CRISTIANO HENRIQUE SILVA SOUTO
CORRÉU : CARLOS ALBERTO DE ARAUJO COUTINHO
CORRÉU : FRANCISCO ERIBERTO SANTOS DA SILVA
CORRÉU : LEONARDO FIRMINO DA SILVA
CORRÉU : LEANDRO FIRMINO DA SILVA
CORRÉU : LARISSA FIRMINO DA SILVA
CORRÉU : AIUG DANIELLE CANDEIA NOBREGA
CORRÉU : POLYANE PATRICIO DE ALBUQUERQUE BEZERRA CAVALCANTI
CORRÉU : ODJALVA DA SILVA AMORIM
Documento: 2058554 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 26/05/2021 Página 18 de 4
CORRÉU : ANA CRISTINA LOPES DE ASSIS
CORRÉU : PRISCILLA HENRIQUE PONTES
CORRÉU : JOACIL NASCIMENTO DE CARVALHO
CORRÉU : ERYSON LUIS DI ARAGAO ALVES
CORRÉU : ROSIBERTO CARLOS DA SILVA SANTOS
CORRÉU : LORIBERTO PEIXOTO GALVAO
CORRÉU : CECILIA PEIXOTO GALVAO
INTERES. : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA PARAÍBA

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes Previstos na Lei da Organização Criminosa - Promoção,


constituição, financiamento ou integração de organização criminosa

SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr(a). JOSE EDUARDO MARTINS CARDOZO, pela parte PACIENTE: ANGELICA RAQUEL
COUTINHO MORENO
Dr(a). JOSE EDUARDO MARTINS CARDOZO, pela parte PACIENTE: LUIZ ALBERTO
MOREIRA COUTINHO NETO
Dr(a). JOSE EDUARDO MARTINS CARDOZO, pela parte PACIENTE: PEDRO ALBERTO DE
ARAUJO COUTINHO FILHO

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Sexta Turma, por unanimidade, conheceu parcialmente da ordem de habeas corpus e,
nesta extensão, a concedeu, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz e Olindo
Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região) votaram com o Sr. Ministro Relator.

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