Dissertação Completa Execuções Fiscais
Dissertação Completa Execuções Fiscais
Dissertação Completa Execuções Fiscais
VOLUME 1
Outubro de 2020
i
ERICA ZENAIDA ALVES PEREIRA FURTADO
COIMBRA
2020
ii
Agradecimentos
Deus é o maior Mestre que um ser humano pode ter para o instruir, e a Ele dedico este
trabalho em gesto de gratidão.
Aos meus pais, por incansavelmente me terem ajudado a caminhar e a enfrentar com a
devida maturidade as adversidades da vida e por me terem transmitido valores dos quais
não posso abdicar.
À minha tutora Matilde Lavouras, pela orientação técnica e metodológica prestada que
permitiu a elaboração deste trabalho, que apesar dos seus inúmeros compromissos
profissionais, acreditou em mim e se dignou a apoiar-me neste projecto.
Agradeço em geral a UC, em particular a FDUC, aos meus professores, colegas e amigos
que também me ajudaram a despertar do inevitável mundo da ignorância que nos rodeia.
E recitando o apóstolo Paulo digo: “combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a
fé1”.
1
2Timóteo 4:7.
iii
Resumo
Nos termos do artigo 88.º da Constituição da República de Angola, todos têm o dever de
contribuir para as despesas públicas e da sociedade em função da sua capacidade
económica e dos benefícios que aufiram através dos impostos e taxas, com base num
sistema tributário justo e nos termos da lei.
Sob esta perspectiva, o estudo do nosso trabalho debruçou-se sobre a natureza do processo
especial de execução fiscal, fazendo constar deste, a natureza judicial, a administrativa e a
mista ou híbrida.
iv
Abstract
Under article of 88.º the Constitucion of the Republic of Angola, everyone has a duty to
contribute to public and society expenses according to their economic capacity and the
benefits they receive through taxes and fees, based on a fair tax system and under the terms
of law.
Therefore, the fulfillment of the duty to pay taxes referred to in the aforementioned article
can be done voluntarily or coercively. Noting that the coercive form materializes through a
special tax enforcement process, the nature of which has been presented as a “vexata
quaestio” due of the acts performed by the judicial and administrative bodies.
From this perspective, the study of our work focused on the nature of the special tax
enforcement process, including the judicial, administrative and mixe dor hybrid nature.
And in the light of the Angolan legal order, it is possible to conclude that the special tax
enforcement process has a mixed, atypical or hybrid nature, insofar as it is characterized by
judicial and administrative moments or phases, reflecting the deviation that the ordinary
legislator introduced in this case in relation to what is usually seen in other cases, since in
that case not all acts are of a judicial nature, despite their nature.
In the same light, after comparative studies, we realize that in Portugal we can find a
judicial nature tax enforcement process, despite the fact that the administrative authority
has the power in some cases to initiate and extinguish referred process.
On the same subject, we also verified that in Spanish reality, we can find that the referred
process is designated as Apremio and has an exclusively administrative nature.
v
Lista de siglas e abreviaturas
Art._ Artigo
Cfr _Confere
Ed._ Edição
N.os_ Números
P._ Página
PP._ Páginas
SS._ Seguintes
Vol._ Volume
vi
Índice
Introdução …………………………………………………………………………….......vii
2.5. O controlo do juiz face aos actos do órgão de execução fiscal ………………….xlix
vii
2.7. Posição jurisprudencial do Tribunal Constitucional em relação a natureza do
processo especial de execução fiscal ………………………………………………….lxi
Capítulo III – A implicância legal e doutrinária de alguns actos praticados pelo Chefe da
Repartição Fiscal no processo especial de execução fiscal ………………………..……lxiii
Bibliografia ………………………………………………………………………...…lxxviii
viii
Introdução
Daí que nos interessa saber sobre os meios de financiamento do Estado, sendo este o ponto
crucial para satisfazer as necessidades colectivas. Pelo que sob o ponto de vista financeiro
são três as receitas do Estado, sendo estas, os preços dos próprios bens que o Estado
produz, vende e oferece, os empréstimos e os impostos.
E sob o ponto de vista jurídico6, existem receitas que o Estado percebe em virtude de
obrigações resultantes de negócios jurídicos, sob a forma, de manifestações de vontade de
as criar: são as receitas voluntárias, e existem as receitas que o Estado percebe em virtude
de obrigações impostas aos cidadãos pela lei: são as receitas coativas. Portanto, o processo
2
Tais como a de administrar a justiça, assegurar a ordem interna, defender a comunidade de ameaças
internacionais, garantir a saúde, a educação, as infra-estruturas, o acesso a outros bens essenciais, e etc.
3
Tais funções desdobram-se no grupo das necessidades de satisfação passiva, que pese embora, algumas
satisfaçam em simultâneo as necessidades de satisfação activa.
4
Necessidades colectivas são todas aquelas cuja satisfação é atendida por bens públicos produzidos pelo
Estado. Cfr. em Ribeiro, José Joaquim Teixeira, Lições de Finanças Públicas, 5.ª ed., Coimbra Editora, 1997,
p. 27.
5
Cfr. em J.J. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, op. cit., p. 22.
6
O que interessa não é a natureza económica da relação que origina a receita, mas sim a fonte, consensual ou
legal, da obrigação de quem paga.
ix
de fixação do montante das receitas do Estado pode ser por via de negócio ou por via de
autoridade. No primeiro caso, estamos perante receitas voluntárias (as receitas
patrimoniais7 e os empréstimos8) e no segundo caso, estamos perante receitas coativas (os
impostos9 e as taxas10).
O Direito Fiscal11, por sua vez, é o direito dos impostos, isto é, o ramo do Direito
Tributário que se ocupa das normas jurídicas relativas aos impostos, sendo este integrado
por normas que regulam o segundo momento da vida dos impostos, bem como se lhe
integram as normas que visam sancionar ou punir os incumprimentos dos deveres que
decorrem das normas jurídicas-tributárias, no que tange as questões relativas a infracções
7
Preços negocialmente estabelecidos que resultam da exploração dos bens de património privado e da
utilização individualizada dos bens de património público. Cfr. em J.J. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças
Públicas, op. cit., p. 29 e ss.
8
Somas que o Estado obtém através do crédito, ou seja, são receitas não definitivas, já que têm de ser
reembolsadas ou pagas posteriormente aos credores, acrescidas dos respectivos juros contratados.
9
O imposto é uma prestação patrimonial, unilateral, definitiva e coactiva, estabelecida por lei à favor de uma
pessoa colectiva de Direito Público, exigida a detentores de capacidade contributiva, com vista à prossecução
do interesse público e não constitui sanção de um acto ilícito. Cfr. em Lições de Direito Fiscal publicadas em
Abril de 2007 pelo professor Agostinho Veloso da Silva Barcelos, do Instituto Politécnico do Cavado e do
Ave (IPCA), Escola Superior de Gestão, na sua página n.º 8.
(Consulta, 27 de Janeiro de 2020).
Disponível na internet:
https://issuu.com/bibliotecafiscal/docs/li____es_de_direito_fiscal_escola_s_56142c7aea6409.
10
Preços autoritariamente estabelecidos, que o Estado recebe pela prestação de outros serviços ou bens
semipúblicos (preço igual ou inferior ao custo).
11
De acordo as Lições de Direito Fiscal publicadas em Abril de 2007 pelo professor Agostinho Veloso da
Silva Barcelos, do Instituto Politécnico do Cavado e do Ave (IPCA), Escola Superior de Gestão, na sua
página n.º 7, o Direito Fiscal é o ramo do direito que se ocupa das normas jurídicas relativas ao imposto.
Cabe-lhe o estudo das normas reguladoras das relações jurídicas emergentes da existência dos impostos
desde as normas da soberania fiscal, a formulação da lei fiscal, as fontes, a interpretação e a aplicação da lei
fiscal, até ao nascimento, o desenvolvimento e a extinção da obrigação fiscal e os elementos da relação
jurídico-fiscal: sujeitos do imposto, objecto, facto jurídico e garantia.
(Consulta, 27 de Janeiro de 2020).
Disponível na internet:
https://issuu.com/bibliotecafiscal/docs/li____es_de_direito_fiscal_escola_s_56142c7aea6409.
x
fiscais. Sem descurar que, este conjunto de normas são na maior parte, normas
administrativas tributárias ou fiscais12.
Assim sendo, a obrigação fiscal caracteriza-se por ser uma obrigação Legal18, Pública19,
Exequível e executiva20, Semi-executória21, Indisponível e irrenunciável22, Autotitulada23 e
12
A dependência administrativa do Direito Fiscal é ilustrada por Matos, André Salgado de, Direito Fiscal e
Direito Administrativo, em Estudos em Memória do Prof. Doutor J.L. Saldanha Sanches, vol. III, Coimbra,
Coimbra Editora/Wolters Kluwer, 2011, p. 55.
13
A incidência consiste na definição legal, geral e abstracta, das categorias de pessoas sujeitas a imposto
(incidência pessoal) e situações ou factos objecto de impostos (incidência real ou material). Resumindo, a
incidência corresponde à descrição normativa dos elementos subjectivos (pessoais) e objectivos (reais) do
imposto.
Por sua vez, no âmbito das tarefas executivas, o Poder Executivo/Governo cria uma estrutura organizativa
que se encarrega de concretizar as leis aprovadas pelo Parlamento. A entidade criada tem a missão de realizar
as operações administrativas, jurídicas, financeiras e técnicas de lançamento, liquidação e cobrança.
14
Vide artigo 24.º do CGT.
15
Dizemos assim, na medida em que, existem situações em que o sujeito activo da relação jurídica tributária
é o contribuinte, como por exemplo, quando há lugar ao reembolso do IRS.
16
Cfr. Rocha, Joaquim Freitas da; Silva, Hugo Flores da, Teoria Geral da Relação Jurídica Tributária,
Almedina Editora, 2017, p. 33.
17
Nabais, José Casalta, Direito Fiscal, 11.ª ed. Almedina Editora, 2019, p. 244 e ss.
18
É uma obrigação ex lege (a fonte é a lei). Como refere o artigo 4.º e 24.º do CGT, a relação jurídica fiscal
constitui-se com a verificação do facto tributário, isto é, com a coincidência do facto tributário com a
hipótese legal. Não é a vontade das partes ou qualquer acordo que faz nascer a obrigação de imposto, mas
sim, a ocorrência do facto tributário. O artigo 25.º do CGT vem reforçar esta orientação ao declarar que “os
elementos essenciais da obrigação tributária não podem posteriormente a constituição desta ser modificados
por vontade das partes, salvo nos casos previstos na lei”.
19
Está integrada no Direito Público, traduzindo-se na presunção da legalidade.
20
Carece de execução, pois, o acto tributário não é auto exequível e para essa execução basta o próprio acto
tributário (certidão de dívida). A execução fiscal não está dependente de qualquer outra pronúncia para além
da constituída pelo próprio acto tributário.
xi
Especialmente garantida24. A cobrança25 da obrigação tributária pode ser voluntária26 ou
coerciva27, 28
. A cobrança voluntária dos tributos é assegurada pelos serviços da
Administração Tributária, dentro do prazo legal estabelecido para o efeito.
Portanto, decorrido o prazo legal e não tendo se verificado o cumprimento da obrigação,
certo que a mesma não tenha extinguido por outras formas de cessação além do
cumprimento, a Repartição Fiscal competente ou serviço local equiparado procede à
extracção da certidão de dívida com base nos elementos ao seu dispor e parte para
cobrança coerciva dos tributos, que é efectuada através do processo especial de execução
fiscal29, regulado no Código das execuções fiscais30.
21
A execução corre em parte na Administração Tributária (artigos 9.º e 12.º do CEF) e outra parte nos
Tribunais (artigo 10.º do CEF).
22
Está proibido ao sujeito activo da relação jurídica do imposto a renúncia ou disponibilidade do crédito
tributário. Esta indisponibilidade do crédito tributário é um princípio fundamental a respeitar nos contratos a
celebrar entre a Administração e o contribuinte. O credor, em princípio, não pode conceder moratórias,
admitir pagamento em prestações ou conceder perdão da dívida, sob pena de ser fundamento para
responsabilidade tributária subsidiária para o funcionário que o fizer. Em relação ao pagamento em
prestações há excepções.
23
É a própria Administração Fiscal que cria os seus títulos executivos (certidões de dívida, artigos 139.º CGT
e 36.º do CEF).
24
O credor tributário tem garantias especiais em relação ao credor comum, colocando o credor numa posição
privilegiada face aos demais credores comuns.
25
Em termos gerais, a cobrança (voluntária ou coerciva) é um procedimento necessariamente pós-
liquidatório e materializa-se no conjunto de actos conducentes à arrecadação da receita tributária e que, em
regra, têm como correspectivo, do lado do contribuinte, o acto de pagamento. Pode-se assim afirmar que
cobrança e pagamento do tributo são as duas faces da mesma moeda, distinguindo-se apenas pelo sujeito que
leva a cabo a respectiva actuação material. Cfr. Rocha, Joaquim Freitas da, Contencioso Tributário Angolano
(Apontamentos Universitários), EDUM- Escola de Direito da Universidade do Minho, Abril de 2019, p. 58.
(Consulta, 27 de Janeiro de 2020).
Disponível na internet: https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/60274/1/conten_angola_web.pdf
26
Podemos estar perante uma cobrança voluntária, quando lhe corresponde um acto voluntário e espontâneo
do sujeito passivo. Esta pode ser efectuada dentro ou fora do prazo legal, e, neste último caso, acrescem à
dívida tributária juros de mora (artigos 52.º n.º 1 e 136.º do CGT).
27
A cobrança coerciva, quando é efectuada, como a própria designação indica, é de uma forma coerciva
através da execução do património do devedor. Podendo se referir à uma cobrança directa e uma cobrança
indirecta. A primeira será aquela que é efectuada pela Administração Tributária junto do próprio devedor
(sujeito passivo directo), enquanto a segunda será aquela cobrança que é efectuada junto de uma outra
entidade distinta daquele (sujeito passivo indirecto). A este propósito, fala-se em substituição tributária, cuja
mais evidente forma de efectivação consiste na retenção na fonte do tributo devido.
28
Vide, n.º 1 do artigo 135.º do CGT.
29
O pagamento é em princípio voluntário, sendo o não voluntário objecto de cobrança coerciva, mediante o
processo de execução fiscal por parte da Administração Geral Tributária.
30
Vide artigos 135.º n.os 2 e 3 e 139.º n.º 2, todos do CGT.
xii
Por conseguinte, o legislador tributário dispôs no artigo 140.º do CGT, que o processo de
execução fiscal tem natureza judicial, sem desprimor de a Repartição Fiscal ou serviço
local equiparado competente em razão do território, caber o direito de proceder sob
controlo do juiz, as diligências do processo de execução fiscal que não estiverem
legalmente reservadas ao Tribunal.
Fê-lo igualmente no artigo 2.º do CEF, ao dispor que o processo de execução fiscal tem
natureza judicial, sem prejuízo da competência do Chefe da Repartição Fiscal ou de outras
entidades que a lei designar para no referido processo praticar sob controlo do juiz, actos
materialmente administrativos.
É sobre a modalidade de cobrança coerciva do imposto31, mais concretamente sobre a
natureza do processo especial de execução fiscal, tipificado pelo legislador nos artigos
140.º do CGT e 2.º do CEF, que nos propusemos abordar nesta dissertação.
Apesar da grande ambição que temos, estamos cientes das dificuldades que teremos para
atingir o nível científico exigido para uma dissertação de Mestrado, todavia, tudo faremos,
pelo que deixamos a nossa promessa, de que nos dedicaremos a fundo no sentido de
alcançar os níveis científicos exigidos para o trabalho. A motivação pessoal é grande, pese
embora, estamos cientes da nossa ignorância sobre determinados temas, e esta tem
funcionado como motivação para nos catapultar a uma investigação mais séria, profunda e
pormenorizada, pelo que procuraremos ser perseverantes e metódicos em nossa pesquisa e
a todo custo surpreender-nos positivamente com os resultados da nossa busca.
E desde já, deixamos em nota que o ordenamento jurídico angolano a respeito do tema em
análise, é similar ao ordenamento jurídico português, e por sentirmos um enorme vazio na
realidade prática angolana, quer a nível de bibliografia, quer a nível da jurisprudência,
recorremos constantemente “mutatis mutandi” a realidade portuguesa.
31
O processo de execução fiscal consiste numa forma processual, privativa do Direito Tributário e Fiscal,
cujo objetivo é, utilizando a terminologia do legislador, a cobrança coerciva de quantias certas, líquidas e
exigíveis decorrentes de obrigações tributárias. De um modo geral, este processo é informado por uma ideia
de preferência do direito do credor (favor creditoris): porque o devedor não cumpriu a sua obrigação, o
processo executivo envolve um acto (penhora) mediante o qual são desapossados do seu património alguns
bens, bens esses que são posteriormente entregues ao órgão da execução e vendidos, revertendo o produto da
venda para o credor. Cfr. Rocha, Joaquim Freitas da, Contencioso Tributário Angolano (Apontamentos
Universitários), EDUM- Escola de Direito da Universidade do Minho, Abril de 2019, p. 91.
(Consulta, 27 de Janeiro de 2020).
Disponível na internet: https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/60274/1/conten_angola_web.pdf
xiii
CAPÍTULO I. EXECUÇÃO FISCAL
Nos termos do Código Geral Tributário no seu capítulo III.º, secção X. ª, sobre a cobrança
dos tributos, o seu artigo 135.º n.º 1 estabelece que a cobrança das obrigações tributárias
pode ser voluntária ou coerciva, considerando que a cobrança coerciva dos tributos é feita
dentro dos trâmites de um processo de execução fiscal32, em concordância ao n.º 3 do
artigo sobredito.
O legislador tributário atribui ao Código Geral Tributário uma natureza de lei geral, pelo
que a abordagem da questão da execução fiscal é feita neste diploma a título geral e
abstracto, estabelecendo apenas as balizas das formas de materialização deste processo,
dispondo a sua base e fundamento no n.º 1 do artigo 139.º do CGT, bem como a natureza
da execução fiscal no artigo 140.º do CGT, tendo para efeito, remetido a regulamentação
concreta do processo de execução fiscal ao Código das Execuções Fiscais, por força do n.º
3 do artigo 135.º, associado ao n.º 2 do artigo 139.º, todos do Código Geral Tributário.
O processo de execução fiscal33 é o único meio processual fiscal que goza de regulação
autónoma num único diploma com esta finalidade, sendo este diploma o Código das
Execuções Fiscais, aprovado pela Lei n.º 20/14, de 22 de Outubro. Por via deste diploma
legal se inicia, se desenvolve e se extingue o processo de cobrança coerciva das dívidas
provenientes do incumprimento ou transgressão de uma obrigação decorrente da relação
jurídica fiscal, sem descurar da sua tramitação diferente e simplificada se comparada ao
processo comum de execução, em consequência da necessidade subjacente na cobrança
coerciva dos tributos “satisfação das necessidades colectivas”, portanto, o processo de
execução fiscal é um processo especial.
32
De acordo o professor, Rocha, Joaquim Freitas da, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 3.ª
Edição, Coimbra Editora, páginas 309 e 310, o processo de execução fiscal é um meio processual que tem
por objectivo realizar um determinado direito de crédito. Trata-se de uma verdadeira acção, embora com uma
forte componente não jurisdicional, pois muitos actos são praticados por órgãos administrativos que é
instaurada com base num título formal (título executivo), dotado de coactividade e definitividade que declara
de uma forma fundamentada o valor da dívida em causa.
33
Decorre do artigo 1.º, n.º 2 do Código das Execuções Fiscais (CEF) que o processo de execução fiscal visa
a cobrança coerciva de uma quantia certa, líquida e exigível, decorrente de obrigações tributárias, com base
em um título executivo, pelo que se determina o direito do exequente.
xiv
Esta sistematização simplista do processo de execução fiscal tem sido justificada pela
necessidade de se alcançar com maior celeridade os tributos, por via da cobrança dos
créditos recomendados pela finalidade do interesse público nas receitas que são cobradas
no decurso deste processo, fundamentando deste modo, a importância dos tributos34.
A necessidade de celeridade e da consequente simplicidade, constitui uma marca
característica da legislação que regimenta esta forma de processo. E as primazias destas
características justificam-se em virtude dos fins que a tributação visa atingir: a satisfação
das necessidades financeiras do Estado, a promoção da justiça social, da igualdade de
oportunidades e da correcção da desigualdade de distribuição dos rendimentos35.
A natureza e importância destes propósitos acabam por fundamentar uma maior protecção
à cobrança do crédito tributário, em relação aos créditos cobrados na execução comum.
Entretanto, não perspectivamos com isto dizer que esta protecção implica a redução das
garantias do contribuinte. O que queremos dizer é que, relativamente à execução comum, o
legislador fornece uma sequência de caracteres que demonstram a intenção de não tornar
complexa a cobrança do crédito tributário, tornando-a mais eficaz.
Esta particularidade na cobrança coerciva dos créditos do Estado em relação a cobrança
dos restantes créditos emerge da superposição do interesse público se comparado ao
interesse particular, sendo certo que, uma das características do Estado providência em que
nos encontramos, é fazer face as necessidades da colectividade, sem negligenciar os limites
que resultam das restrições orçamentais.
Outrossim, a particular morosidade do sistema judicial, parece não fazer face a necessidade
que a Administração Pública tem de actuar de forma célere e eficaz, dando, portanto, vigor
a necessidade de a munir de capacidade de executar os seus próprios actos. Que, não
obstante, o facto destes actos resultarem do poder de autoridade do Estado, os mesmos
deverão estar adstritos ao princípio da legalidade.
Por outro lado, o Código das Execuções Fiscais apesar de não nos facultar um conceito
formal de execução fiscal, permite aferir por via das normas constantes nos seus artigos 1.º
34
Parece existir aqui uma relação de precedência a par da merecida importância dada aos tributos, no sentido
em que, para se garantir a defesa dos interesses dos executivos administrados, importa antes realizar a acção
executiva fiscal, se tivermos que nos ater a ideia de que para que o Estado disponha dos meios financeiros
para satisfazer os interesses públicos, de entre os quais se destaca a administração da justiça, que engloba os
órgãos judiciais competentes para a instrução dos processos de execução comum, a execução fiscal terá de
ser célere e eficaz. Portanto, nos parece ser uma precedência necessária.
35
Vide os artigos 99.º e 101.º da CRA.
xv
e 3.º, o objecto da execução fiscal. Podendo somente ser cobradas mediante o processo de
execução fiscal, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 3.º do CEF, as seguintes dívidas:
• as dívidas tributárias (isto é, decorrentes de impostos, taxas ou contribuições
especiais)36;
• as custas devidas e as multas aplicadas no processo de execução fiscal pelo
Tribunal (quantias sancionatórias);
• os juros e outros encargos legais das dívidas referidas no n.º 1 do artigo 3.º do CEF;
Igualmente, vale destacar, que no actual CEF notabilizamos uma grande inovação em
relação ao seu predecessor, já que a execução fiscal nos termos daquele recai somente
sobre as dívidas emergentes das obrigações tributárias37, ao passo que o anterior CEF tinha
por objecto todas as dívidas ao Estado, no âmbito de quaisquer relações de Direito Público,
ainda que não fossem de natureza tributária38.
Este código também dispõe no seu artigo 2.º (do CEF), tal como o fez o artigo 140.º do
CGT, que o processo de execução fiscal, tem natureza judicial, sem prejuízo da
competência do Chefe da Repartição Fiscal ou de outras entidades que a lei designar para
no referido processo praticar sob controlo do juiz, as diligências do processo de execução
fiscal que não tiverem legalmente reservadas ao Tribunal39.
Quanto a legitimidade40 para promover a execução fiscal, esta pertence ao Estado e a
outras entidades de direito público a quem a lei atribua tal qualidade41, assumindo estes a
posição de sujeitos activos42 nas relações jurídico-tributárias. Outrossim, nos termos do n.º
36
De acordo ao n.º 3 do artigo 3.º do CEF, a cobrança coerciva dos direitos e demais imposições aduaneiras,
multas e outras quantias devidas no âmbito das relações tributárias aduaneiras vêm previstas e reguladas no
Código Aduaneiro, sendo subsidiariamente aplicável o CGT.
37
Como acontece por exemplo na ordem jurídica portuguesa, de acordo ao que dispõe Rocha, Joaquim
Freitas da, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 3.ª ed., Coimbra Editora, pp. 310 e 311.
38
Do exposto, infere-se que não caem na alçada das execuções fiscais quaisquer dívidas do Estado ou de
outros entes públicos, mas somente aquelas que têm natureza tributária, entendendo-se como tal, para efeitos
do presente trabalho, as enumeradas acima.
39
Na verdade, são os actos materialmente administrativos necessários para tramitação e decisão do processo
de execução fiscal.
40
A legitimidade enquanto pressuposto processual, tem como função seleccionar os sujeitos que devem ser
admitidos a participar no processo. Este pressuposto, no seu conteúdo, está relacionado com as pessoas ou
sujeitos que devem intervir no processo e, principalmente, aqueles que não devem, podendo ser esta
legitimidade tanto activa como passiva.
41
Vide artigo 5.º do CEF.
42
Pode-se então concluir, no que diz respeito ao lado activo da relação processual, que credor tributário e
exequente não são realidades sinónimas, devendo, desde já, ser efectuada uma distinção da maior
xvi
3 do artigo 5.º do CEF, também se atribui legitimidade aos titulares de direito real de
garantia sobre os bens penhorados, nas acções subordinadas de verificação e graduação de
créditos e os adquirentes dos bens vendidos, nas acções subordinadas de anulação de
venda.
Portanto, atendendo a singularidade do processo de execução fiscal, o legislador consagrou
no n.º 1 do artigo 139.º do CGT que terminado o prazo para o pagamento voluntário dos
tributos liquidados ou autoliquidados previstos nas leis tributárias, a Repartição Fiscal
competente ou o Serviço local equiparado deve proceder à extracção da certidão de dívida
com base nos elementos ao seu dispor, para com a mesma sujeitar o devedor a cumprir
com a sua obrigação43. Ademais, o n.º 1 do artigo 139.º do CGT confere à certidão de
dívida uma natureza de título executivo que serve de base e fundamento para se determinar
o fim e o limite da acção executiva fiscal44. E por outra, para a promoção desta acção, além
das dívidas serem as elencadas no artigo 3.º do CEF, é necessária a existência de um título
executivo45, 46(certidão de dívidas).
Ora, nos termos dos artigos 139.º do CGT e o 34.º n.º 2 do CEF, o título executivo é
denominado por certidão de dívida tributária, entretanto, além da certidão de dívida
tributária, também respondem por título executivo as certidões de decisões exequíveis de
aplicação de multas em processo de transgressão fiscal e quaisquer outros títulos a que a lei
especial atribua força executiva, nos termos do artigo 35.º do CEF.
Outrossim, o título executivo, para ser válido, deverá ser sempre assinado e conter a
menção da entidade emissora, da data da emissão, do nome e domicílio ou residência dos
devedores e da natureza e proveniência da dívida, bem como a indicação por extenso do
seu montante e da data a partir da qual são devidos juros de mora e da importância sobre
que incidem47. A falta de menção de alguns desses requisitos pode ser suprida (corrigida),
importância: Por um lado, existe um credor da quantia em questão (exequente em sentido impróprio), que
poderá ser a Administração Tributária, um serviço público ou qualquer outra pessoa colectiva de Direito
Público e por outro lado, existe o órgão da execução fiscal (exequente em sentido próprio), que é o órgão
integrante da Administração Tributária que vai conduzir o processo de execução.
43
De um modo geral, o processo executivo é informado por uma ideia de preferência do direito do credor
(favor creditoris), porque o devedor não cumpriu a sua obrigação, o processo executivo envolve um acto
(penhora) mediante o qual são desapossados do património daquele alguns bens, bens esses que são
posteriormente entregues ao órgão da execução e vendidos, revertendo o produto da venda para o credor.
44
Vide o n.º 1 do artigo 45.º do Código de Processo Civil.
45
Vide o n.º 2 do artigo 1.º do CEF.
46
Vide o n.º 5 do artigo 3.º do CEF.
47
Cfr. artigos 35.º n.º 2 e 36.º n.º 3 do CEF.
xvii
em prazo a fixar pelo Tribunal, mediante apresentação de prova documental. Contudo, as
insuficiências consideradas mais graves — a saber: a assinatura da entidade emissora, a
indicação por extenso do montante da dívida e acréscimos legais, a indicação da data a
partir da qual são devidos juros de mora e do montante sobre que incidem, a identificação
do devedor e dos responsáveis solidários demandados conjuntamente com o devedor e a
indicação da natureza e proveniência da dívida — são insupríveis48.
Sem olvidar, que a verificação da insuficiência insuprível ou a falta de suprimento de uma
insuficiência suprível dentro do prazo estabelecido por lei desemboca na nulidade do
processo de execução fiscal.
Estas nulidades podem ser conhecidas oficiosamente pelos sujeitos activos do processo de
execução fiscal, podendo ser conhecidas ou arguidas respectivamente até a extinção do
processo ou ao trânsito em julgado do recurso ordinário ou extraordinário de decisão
judicial49, 50.
48
Cfr. artigo 37.º do CEF.
49
Vide n.º 2 do artigo 38.º do CEF.
50
De acordo a Morais, Rui Duarte, A Execução Fiscal, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2006, a situação na
ordem jurídica portuguesa é diferente, pois, a insuficiência do título executivo, só constitui nulidade
insanável se não puder ser suprida por prova documental, caso contrário, o processo é integralmente anulado,
não havendo, neste caso, a limitação dos efeitos da nulidade prevista no n.º 2 do artigo 165.º do CPPT.
51
A incidência consiste na definição legal, geral e abstracta, das categorias de pessoas sujeitas a imposto
(incidência pessoal) e situações ou factos objecto de impostos (incidência real ou material). Resumindo, a
incidência corresponde à descrição normativa dos elementos subjectivos (pessoais) e objectivos (reais) do
imposto.
Por sua vez, no âmbito das tarefas executivas, o Poder Executivo/Governo cria uma estrutura organizativa
que se encarrega de concretizar as leis aprovadas pelo Parlamento. A entidade criada tem a missão de realizar
as operações administrativas, jurídicas, financeiras e técnicas de lançamento, liquidação e cobrança.
52
Vide artigo 24.º do CGT.
53
Dizemos assim, na medida em que, existem situações em que o sujeito activo da relação jurídica tributária
é o contribuinte, como por exemplo, quando há lugar ao reembolso do IRS.
xviii
designado por contribuinte54. O seu cerne é constituído pela obrigação fiscal ou obrigação
de imposto, que apesar de ser uma obrigação ou direito de crédito, tem características
especiais que à diferenciam das demais obrigações.
A obrigação do imposto recai sobre o sujeito passivo, enquanto devedor originário do
imposto liquidado pela Administração Fiscal ou Segurança Social55, tendo, portanto,
legitimidade para intervir na relação processual como executado56.
A propósito, torna-se pertinente referir que são vários os actores ou sujeitos intervenientes
no processo executivo, com particular destaque para os seguintes57:
• A Administração Tributária (materializada no denominado órgão de execução fiscal
a quem compete, por exemplo, promover o processo)58;
• Os contribuintes, sejam a título de devedor principal, sejam a título de responsável
solidário ou subsidiário;
• O Tribunal, quando se suscite um conflito de pretensões;
• O Ministério Público, nas questões que envolvam a sua competência;
• Terceiros que venham ou sejam chamados à execução, como por exemplo os
titulares de direito real de garantia sobre os bens penhorados ou os adquirentes de
bens vendidos.
Deste modo, em sede de processo de execução fiscal podem ser executados os devedores
originários dos tributos e das demais dívidas referidas no artigo 3.º do CEF, os sucessores
destes e também os garantes que se tenham obrigado como principais pagadores até ao
54
Cfr. Rocha, Joaquim Freitas da; Silva, Hugo Flores da, Teoria Geral da Relação Jurídica Tributária,
Almedina Editora, 2017, p. 33.
55
Conforme alude Paca, Cremildo Félix, Justiça Administrativa Fiscal e Aduaneira, 1.ª ed., Damer gráfica
SA, Luanda, 2017, p. 202, apesar de utilizarmos, em alguns casos, o termo sujeito passivo para designar o
contribuinte, vale dizer, que as expressões em destaque não são sempre equipolentes. Ou seja, existem
situações em que o sujeito passivo da relação jurídico-tributária não é o contribuinte, e vice-versa. Por
exemplo, no imposto de rendimento de trabalho subordinado ou por conta de outrem, o contribuinte é o
trabalhador, e o sujeito passivo, o devedor do imposto, é o empregador, que, no âmbito da chamada
substituição fiscal, deve fazer a retenção do imposto na fonte.
O sujeito passivo da relação jurídico-tributária é aquele sobre quem recai o ónus de realizar a prestação (neste
caso, o empregador), e o contribuinte é aquele em relação ao qual se verifica o desfalque patrimonial (neste
caso, o trabalhador).
No caso do trabalhador por conta própria, o trabalhador é, simultaneamente, o contribuinte e o sujeito passivo
da relação jurídico-tributária.
56
Referimo-nos àquelas situações em que o sujeito passivo, por exemplo, do imposto industrial, não tendo
dentro do prazo para pagamento voluntário procedido a entrega do dinheiro ou bens avaliáveis em dinheiro
nos cofres do Estado, e vê contra si instaurado um processo de natureza executiva.
57
Cfr. artigo 5.º n.º 2 do CEF.
58
Cfr. artigo 140.º n.º 2 do CGT e o artigo 12.º n.º 1 do CEF.
xix
limite da garantia prestada. Portanto, as dívidas tributárias podem ser exigidas ao sujeito
passivo originário, pessoa a quem o legislador presume capacidade contributiva, ou ao
sujeito passivo não originário, quando a lei admite que um terceiro seja chamado a
satisfazer a dívida tributária. Porquanto, um dos casos de sujeito passivo não originário é
justamente a dos responsáveis tributários59.
Por conseguinte, falamos em responsabilidade tributária na eventualidade do património do
sujeito passivo originário ser insuficiente para satisfazer o crédito tributário, e verificar-se
a necessidade de se lhe juntar o património de uma ou mais pessoas, designadas pelo
legislador60.
Todavia, para que a responsabilidade tributária se opere, impõe-se a verificação de
algumas regras:
- Numa primeira fase há que considerar que a responsabilidade tributária por dívidas de
outrem é apenas subsidiária, e exclusivamente nos casos em que a lei o disser, além de
subsidiária poderá ser também solidária.
- Por outra, a existência da responsabilidade tributária implica a verificação de um acto por
parte do órgão administrativo, denominado por reversão, verificando-se deste modo, a
reversão do processo de execução fiscal que havia sido instaurado contra o devedor
originário para o devedor não originário.
- Ainda assim, somente se efectiva a reversão, na eventualidade do património do devedor
originário ou não existir ou ser notoriamente insuficiente para satisfazer o crédito tributário
(dívida exequenda e acrescida), gozando o responsável subsidiário do privilégio de
excussão prévia61. Trata-se assim, antes de mais, de um instituto fundado no princípio da
economia processual62.
59
Vide artigos 47.º a 49.º do CGT.
60
A responsabilidade tributária configura-se como uma garantia pessoal sob a forma de fiança legal, primeiro
porque se acrescenta ao património insuficiente do sujeito originário o património de um terceiro, no caso o
fiador, ou de vários terceiros (certo que em sentido rigoroso, apenas faz sentido falar em responsabilidade
tributária, quando é um terceiro a responder por dívidas de outrem, nunca quando alguém responde pelas
suas próprias dívidas), segundo porque além disso, é uma fiança legal, pois, ela apenas se verificará quando
a lei o disser, e nunca por vontade das partes.
61
Neste particular, o princípio do inquisitório (artigo 83.º do CGT) impõe ao Tribunal, quando for caso disso,
uma investigação aprofundada no sentido de saber se o primeiro ainda dispõe de bens no seu património.
Pois, a Administração não se deve cingir aos elementos apresentados, mas antes deve diligenciar no sentido
de trazer para o processo todos aqueles que lhe pareçam indispensáveis à descoberta da verdade material,
mesmo que desfavoráveis à actividade de arrecadação. Cfr. Rocha, Joaquim Freitas da, Contencioso
Tributário Angolano (Apontamentos Universitários), EDUM- Escola de Direito da Universidade do Minho,
Abril de 2019, p. 45.
xx
- Portanto, nos casos de responsabilidade tributária, inicialmente deve existir a execução do
património do sujeito passivo directo e somente após a verificação da insuficiência
patrimonial deste é que existirá o acto de reversão e a consequente alteração subjectiva da
instância. Entretanto, tomemos nota que essa reversão se realiza mediante citação e
depende de audição do responsável subsidiário63.
Outrossim, e já dentro da realidade jurídica portuguesa que é similar à angolana, achamos
pertinente a análise feita por Suzana Tavares da Silva64 no que tange a investigação
aprofundada que deve ser feita pelo órgão de execução fiscal a respeito da existência de
bens no património do devedor originário ou dos eventuais responsáveis solidários, e na
possibilidade de se prognosticar que os produtos da venda dos bens penhoráveis ou
penhorados possam não chegar para liquidar a totalidade da dívida exequenda.
Em relação a última situação, diz Suzana da Silva que a exposição do legislador não nos
oferece a clareza merecida para possíveis soluções, e com maior dificuldade podemos
harmonizar o benefício da excussão com a reversão. Porquanto, considera a concepção
“insuficiência” como indeterminada ao ponto de não ditar a medida exacta da
responsabilidade do devedor subsidiário. E mais, uma interpretação do conceito que tenha
como resultado a penhora e venda de bens do revertido de valor superior à medida da sua
responsabilidade pode ser inconstitucional por violação do princípio da
proporcionalidade65, na vertente de proibição do excesso66.
Disponível na internet:https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/60274/1/conten_angola_web.pdf
67
Vide para o efeito, mediante uma interpretação “mutatis mutandi” a Colecção de formação contínua do
Centro de Estudos Judiciários sobre a execução fiscal, jurisdição administrativa e fiscal, Março de 2019, p.
106.
Execução Fiscal. Lisboa. Centro de Estudos Judiciários, 2019.
(Consulta, 20 de Janeiro de 2020).
Disponível na internet: < URL: http://www.cej.mj.pt>ebooks>administrativo_fiscal>eb_execucaofiscal.pdf.
68
Do carácter subsidiário da responsabilidade tributária, imposto no n.º 3 do artigo 47.º do CGT, resulta que
a execução fiscal só pode ser revertida contra o responsável subsidiário depois de excutidos os bens do
devedor originário. Daqui decorre, por um lado, que o órgão de execução fiscal está obrigado a exigir a
prestação tributária em primeiro lugar ao devedor originário ou aos eventuais responsáveis solidários,
satisfazendo o crédito somente à custa dos seus bens, e apenas pode exigi-la do devedor subsidiário no caso
de se provar a inexistência ou insuficiência de bens daqueles e, por outro, que o devedor subsidiário pode
recusar o cumprimento da dívida tributária enquanto não tiver sido excutido todos os bens daqueles
devedores.
69
Vide a segunda parte do artigo 48.º n.º 2 do CGT.
xxii
Ora, é essencial registar que o legislador apenas consagrou o instituto da reversão na
execução fiscal como alteração subjectiva da instância executiva, com a intenção de
possibilitar a cobrança do crédito tributário por via do mesmo processo executivo, apesar
de o responsável tributário não ocupar inicialmente a posição passiva na execução e não
constar no título executivo.
Portanto, na ordem jurídica angolana, a questão da reversão vem regulada nos termos dos
artigos 57.º e seguintes do Código das Execuções Fiscais, constando no artigo 57.º deste,
que o processo de Execução fiscal pode reverter70 contra71:
• os responsáveis solidários que não tiverem sido demandados simultaneamente com
o devedor originário;
• os responsáveis subsidiários a partir da constituição dos pressupostos da
responsabilidade subsidiária;
• os garantes pessoais da dívida exequenda e os funcionários que intervierem no
processo, quando responsáveis pelo não pagamento da dívida exequenda.
Nestes termos, o instituto da reversão da execução fiscal é fundado no princípio da
economia processual, já que evita a instauração de um novo processo executivo contra o
responsável subsidiário, uma vez que instaurado contra o devedor originário seja também
da responsabilidade do responsável subsidiário.
Por outra, face ao regime de excepção atribuído à responsabilidade subsidiária, o legislador
conferiu uma protecção ímpar a este instituto, quer seja na aplicação concreta da categoria
dos seus pressupostos, quer seja na categoria das garantias que o responsável poderá lançar
mão na intenção de proteger princípios essenciais como os da justiça, da igualdade e da
proporcionalidade.
Deste modo, passamos a elencar alguns casos em que a lei prevê responsabilidade
tributária72:
• responsabilidade dos sócios de responsabilidade ilimitada, artigo 71.º do CGT;
• responsabilidade dos administradores, gerentes e mandatários, artigo 72.º do CGT;
70
Vide artigos 57.º, 58.º, 59.º, 60.º e 61.º.
71
Vide artigo 62.º do CEF.
72
Em todos estes casos, quando a execução reverte contra responsáveis subsidiários, o órgão da execução
fiscal, mandá-los-á citar todos, depois de obtida informação no processo sobre as quantias por que
respondem. Por outro lado, deve-se observar que a falta de citação de qualquer dos responsáveis, não
prejudica o andamento da execução contra os restantes.
xxiii
• responsabilidade dos liquidatários, artigo 73.º do CGT;
• responsabilidade do substituto tributário, artigo 74.º do CGT;
• responsabilidade dos gestores de bens ou direitos de não residentes, artigo 75.º do
CGT.
Neste contexto, aponta-se como fundamento bastante para o surgimento da
responsabilidade tributária, as ocorrências de não cumprimento da obrigação primária dos
sujeitos passivos e o pagamento dos impostos devidos, em benefício da lei fiscal vigorante.
Objectivando o sistema fiscal, a realização das necessidades financeiras do Estado e outras
entidades públicas, assim como uma partilha justa do rendimento e da riqueza nacional,
plasmados nos artigos 99.º e o 101.º da CRA, que perpassa pela disseminação da justiça
social, da igualdade de oportunidades, outrossim, pela emenda nas desigualdades na
repartição da riqueza e do rendimento73. Não restando dúvidas que a falta de pagamento
dos impostos constitui uma violação ao interesse público.
Pelo que do artigo 47.º do CGT, podemos filtrar a seguinte percepção: se julga-se ser
correcto que em princípio a Administração Tributária não pode penhorar os bens dos
responsáveis subsidiários como forma alternativa ao aproveitamento dos meios cautelares
de natureza judicial prevista na lei fiscal, estes sim designados efectivamente a garantir a
cobrança dos créditos tributários, não é menos certo que o legislador, em ponderação ao
mencionado interesse público veio proporcionar que a Administração, na situação de
existência de bens penhorados de valor não predefinido do devedor originário, possa
realizar a reversão da execução fiscal contra o devedor subsidiário e a consequente penhora
dos bens deste74.
Neste seguimento, o chefe do órgão administrativo de execução fiscal que dirige a fase
administrativa, ordena a reversão por despacho, declarando os fundamentos de facto e de
73
Tal como previsto no n.º 2 do artigo 10.º da Lei n.º 21/14, de 22 de Outubro, sobre o Código Geral
Tributário.
74
Por seu turno, a responsabilidade subsidiária só tem lugar quando a dívida, por alguma razão, não pode ser
satisfeita pelo devedor principal. Vamos considerar o seguinte exemplo: X é devedor da Administração
Tributária, e Y constitui-se devedor subsidiário daquele. (Há aqui a chamada substituição fiscal).
Tendo o prazo de cumprimento da obrigação tributária sido vencido, e não tendo esta sido paga
voluntariamente, passa-se à fase de execução fiscal.
Se os bens de X forem inexistentes ou insuficientes para a satisfação da dívida exequenda, Y será chamado
para, a título subsidiário, e nos termos do preceituado no artigo 48.º do CGT proceder ao pagamento da
dívida a favor da Administração Tributária. (A isso se chama reversão da execução fiscal contra o
responsável solidário). Cfr. Paca, Cremildo Félix, Justiça Administrativa Fiscal e Aduaneira, 1.ª ed., Damer
Gráfica SA, Luanda 2017, p. 343 e 344.
xxiv
direito, fundados em um acto administrativo, desde que este contenha aquando da
instauração da execução, o montante da dívida exequenda e acréscimos legais
determinados, o valor dos bens de valor predeterminados penhorados ao devedor principal
que tiver sido aplicado na execução, o valor dos bens de valor indeterminado que tiver
sido, após a excussão do património do devedor, aplicado na execução, se for o caso, a
inexistência de quaisquer bens no património do devedor e o montante da dívida
exequenda, e os acréscimos legais determinados aquando da reversão. Sem olvidar, que na
ocorrência de responsabilidade conjunta, o acto administrativo determinando a reversão
deve indicar a específica responsabilidade de cada responsável subsidiário.
No entanto, antes da emissão do despacho de reversão é obrigatória a audição dos
responsáveis subsidiários, nos termos dos artigos 23.º n.º 1, alínea m), 85.º do CGT e o
artigo 200.º da CRA. Sendo importante referir, que a notificação de audição prévia em
casos de reversão deve conter o projecto da decisão da reversão, a sua fundamentação, no
caso matéria de facto e de direito e o prazo para o exercício desse direito.
Nos termos dos artigos 70.º n.os 1e 3 e 49.º do CGT, o responsável tributário, solidário ou
subsidiário, pode reclamar ou impugnar75 a dívida nos mesmos termos do devedor
principal, o prazo da reclamação administrativa ou impugnação judicial, contam-se a partir
da notificação ou citação em processo de execução fiscal.
Entretanto, a responsabilidade tributária caduca se o responsável não tiver sido notificado
ou citado para o pagamento da dívida nos cinco (5) anos posteriores ao termo do prazo de
caducidade do direito à liquidação76.
75
A pessoa contra qual a execução reverte, ou seja o novo executado, nos casos em que ele entenda que a
reversão não poderá ter lugar porque, por exemplo ainda não esta totalmente excutido o património do
devedor originário, poderá reagir do despacho da seguinte forma: Em função do argumento, poderá reagir ao
despacho, mediante uma oposição a execução fiscal, ou mediante reclamação para o Tribunal. A oposição a
execução terá como objectivo, em princípio, extinguir o processo em relação ao oponente, enquanto a
reclamação exigir-se-á a anulação do despacho recorrido, proferindo-se, se for caso disso, um novo despacho,
prosseguindo o processo e aproveitando-se, todos os outros actos.
76
Vide artigo 70.º n.º 2, do CGT.
xxv
1.3. A competência para a execução fiscal77
Competência é a medida das funções que a lei atribui a uma pessoa ou órgão. Quanto a
execução fiscal, é possível absorver duas competências distintas: uma judicial e outra
administrativa. A competência administrativa é o conjunto de poderes que uma autoridade
pública administrativa tem por lei, para praticar actos e tomar decisões. Podemos falar em
competência em razão da matéria, da hierarquia, do território, do tempo e do valor78.
A competência judicial tem que ver com a organização dos Tribunais, é a medida da
jurisdição atribuída a cada Tribunal. Na verdade, o requisito da competência prende-se
com a circunstância do poder jurisdicional ser em função de vários critérios, compartilhado
por diversos Tribunais; cada um deles existindo em virtude desse compartimento e ficando
apenas com o poder de julgar num circuito muito limitado das acções.
Os actos praticados no processo de execução fiscal, devem ser distinguidos quer do ponto
de vista subjectivo, ou seja, tendo em atenção a natureza da entidade que os praticou, quer
do ponto de vista objectivo, tendo em atenção a natureza jurídica do próprio acto.
77
Em sede de execução fiscal, vamos nos debruçar sobre a competência em razão da matéria e a competência
em razão do território.
78
Vide Feijó, Carlos e Paca, Cremildo, Direito Administrativo, 3.ª ed., Luanda: Mayamba Editora, 2013, pp.
139 e 140.
79
São a título de exemplo praticados pelo Órgão da Administração Tributária os seguintes actos: a
instauração da execução, artigos 9.º n.º 2 alínea a) e 52.º do CEF; a citação do executado, artigo 9.º n.º 2
alínea j), 28.º, 29.º e 65.º do CEF; a autorização para pagamento em prestações, artigos 9.º n.º 2 alínea b) e
72.º do CEF; autorização para pagamento por via da dacção em cumprimento, artigo 73.º do CEF; decidir
sobre os embargos, quando deduzidos por requerimento, artigo 9.º n.º 2 alínea c) e 81.º do CEF.
80
São a título de exemplo praticados pelo Tribunal os seguintes actos: decidir a oposição a execução, quando
deduzido por embargo do executado, artigo 10.º n.º 2 alínea a), 86.º e 87.º do CEF; a oposição a penhora,
artigo 10.º n.º 2 alínea b) e 93.º do CEF.
xxvi
praticados pelos órgãos da Administração Tributária e os actos de natureza jurisdicional
deverão ser praticados pelo Tribunal83.
Deste modo, sendo o Tribunal e a Repartição Fiscal as entidades que intervêm no processo
de execução fiscal84, à esta cabe intervir no processo pela prática de actos materialmente
administrativos e ao Tribunal cabe a prática de actos de natureza jurisdicional e também
actos que visam fiscalizar os actos praticados pela Repartição Fiscal.
81
São actos de aplicação da norma ao caso em concreto, mas sem resolução de qualquer litígio, por exemplo,
a instauração da execução, a citação do executado, ou a reversão da execução.
82
São actos de aplicação da norma ao caso em concreto, mas resolvendo um litígio ou um conflito de
pretensões, por exemplo, decidir a oposição ou os embargos.
83
Joaquim Freitas da Rocha, declara que nada impede que o Tribunal possa praticar actos de natureza
administrativa, embora o órgão administrativo não possa praticar actos jurisdicional sob pena de
inconstitucionalidade, pois, está constitucionalmente vedada, em virtude do princípio da reserva da função
jurisdicional consagrado no artigo 174.º da CRA, segundo qual, a prática de actos de natureza jurisdicional
por órgãos administrativos pelo que se pode afirmar a regra de que qualquer resolução de um conflito de
pretensões em matéria tributária ou em qualquer outra matéria deve ser efectuada, em última palavra, por um
Tribunal. Cfr. Rocha, Joaquim Freitas da, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 3.ª ed., Coimbra
Editora, pp. 316 e 317.
84
De acordo com Cremildo Félix Paca, ao se falar da competência em sede de execução fiscal deve se ter em
conta, por um lado, a competência do órgão administrativo e por outro lado, a competência do órgão judicial.
Cfr. Paca, Cremildo Félix, A Justiça Administrativa Fiscal e Aduaneira, Damer Gráfica S.A, Luanda, 2017,
p. 316.
85
O n.º 2 do artigo 9.º do CEF dispõe que a direcção e gestão do processo de execução fiscal por parte do
órgão administrativo estão relacionadas com o direito de escolha e a realização de todas as diligências
necessárias à satisfação dos direitos do beneficiário da execução, salvo as que por lei estiverem reservadas ao
Tribunal.
Portanto, são actos da competência material do órgão administrativo de execução fiscal os previstos nas
alíneas a), b), c), d), e), f), g), h), i), e j) do n.º 2 e n.º 3 do artigo 9.º do CGT. Entretanto, importante é não
desmemoriar que os actos em referência, estão sob o controlo do Tribunal, o que julgamos ser garantia da sua
legalidade subjectiva e objectiva, pelo que não há inconveniente na sua reclamação junto do juiz, quando tais
actos, por si só, firam as posições subjectivas dos interessados.
xxvii
Neste contexto, convém referir que o âmbito de actuação é normalmente delimitado pela
competência, sendo, portanto, a competência um instrumento de demarcação de certas
actividades praticadas pelos órgãos administrativos e não só. Entretanto, existem situações,
que apesar dessa delimitação dos actos a serem praticados por via da competência, surgem
conflitos positivos ou negativos de competência86. No âmbito do processo de Execução
fiscal, a questão dos conflitos positivos e negativos de competências vem regulada nos n.os
5 e 6 do artigo 9.º do CEF.
Por conseguinte, também compete ao órgão administrativo de execução fiscal, nos termos
da alínea d), n.º 2 do artigo 9.º, n.º 2 do artigo 97.º do CEF, conjugado com o n.º 2 alínea e)
do artigo 38.º do Estatuto Orgânico da Administração Geral Tributária, a penhora quando
não deva ser ordenada pelo Tribunal. Pois, como veremos adiante, parece-nos que estes
actos, ou pelo menos alguns deles, pela gravidade que revestem, não deveriam ser
subtraídos da esfera jurisdicional.
Por outro lado, a competência material do Tribunal no processo de execução fiscal vem
prevista nos n.os 1 e 2 do artigo 10.º do CEF. Quanto a questão relativa aos conflitos
positivos ou negativos de competências, encontramos respaldo no n.º 387, 88 do artigo 10.º
do CEF.
86
Segundo, Carlos Feijó e Cremildo Félix Paca, o conflito positivo de competência tem lugar quando dois ou
mais órgãos se arrogam o direito da prática de determinado acto, ao passo que, o conflito negativo de
competência, tem lugar quando dois ou mais órgãos dizem não serem competentes para a prática de
determinado acto. Cfr. Feijó, Carlos e Paca, Cremildo Félix, Direito Administrativo, 3.ª ed., Luanda:
Mayamba Editora, 2013, pp. 137 a 141.
87
Dispõe, que os conflitos positivos ou negativos de competências entre os Tribunais ou entre os Tribunais e
Repartições Fiscais, ou outros órgãos de Execução Fiscal, incluindo instâncias aduaneiras, são resolvidos
pela Câmara do Cível e Administrativo Fiscal e Aduaneiro do Tribunal Supremo mediante solicitação do
Ministério Público, da Administração Tributária ou de qualquer outro interveniente processual.
88
Quanto a esta norma, devemos recorrer as regras de hermenêutica jurídica e fazer uma interpretação lógica
em que o resultado nos levará a uma interpretação correctiva, pois, em relação à algumas designações das
instâncias judiciais, como é o caso da Câmara do Cível e Administrativo Fiscal e Aduaneiro, pois, a nova lei
sobre a orgânica e funcionamento dos Tribunais comuns não prevê.
89
Competências do Ministério Público: a) defender a legalidade e promover a realização do interesse
público; b) representar o exequente nos casos em que tiver sido designado, nos termos do CEF; c) representar
xxviii
O regime da competência territorial90 do órgão administrativo de execução fiscal vem
previsto no artigo 12.º do CEF, pelo que a direcção e gestão do processo compete ao órgão
administrativo onde tiver ocorrido:
oficiosamente, nos termos da lei, os ausentes, incertos ou incapazes; d) defender outros interesses que a lei
determinar.
90
A competência territorial compreende o espaço geográfico que delimita o âmbito de actuação do órgão da
Administração Tributária encarregado da execução fiscal e do Tribunal. Cfr. Paca, Cremildo Félix, Justiça
Administrativa Fiscal e Aduaneira, op. cit., p. 321.
91
Sobre o regime da incompetência territorial do Tribunal, vide artigo 15.º do CEF.
xxix
1.4. Fases do processo de execução fiscal
• Instauração;
• Citação do executado;
• Reacção do executado;
• Penhora;
• Formalidades subsequentes;
Este acto assume tamanha relevância, a tal ponto de o legislador designar que o seu
cumprimento tardio por causa imputável a um funcionário da Administração Tributária,
torna-lhe responsável subsidiário pelas dívidas a liquidar, respondendo este com o seu
próprio património93.
92
Trata-se aqui de uma simples operação material e não de um acto administrativo propriamente dito, na
medida em que, como se sabe, para que se verifique a existência deste último torna-se indispensável a
produção de efeitos jurídicos autónomos, o que não se verifica neste momento. Vide em Rocha, Joaquim
Freitas da, Contencioso Tributário Angolano (Apontamentos Universitários), EDUM- Escola de Direito da
Universidade do Minho, Abril de 2019, p. 94.
(Consulta, 27 de Janeiro de 2020).
Disponível na internet: https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/60274/1/conten_angola_web.pdf
93
Cfr. artigo 61.º n.º 1, alínea a) do CEF.
xxx
Consumada a instauração pelo órgão competente, em acto consecutivo, se ordenará a
citação94 do executado (ou de outras pessoas, como responsáveis subsidiários) em jeito
tendente a aproximar o respectivo devedor ao processo.
Esta fase revela-se como fulcral em todo o processo executivo, na medida em que, é nesta
que o executado “se torna propriamente executado” e toma conhecimento das hipóteses
reais para reagir ou fazer valer as suas pretensões. Sendo certo que a citação comunica ao
executado95 que:
• Ele se pode opor à execução (no prazo de 30 dias), quando entender que tem
motivos jurídicos para inviabilizar a pretensão cobratória do fisco;
• Ele pode requerer o pagamento em prestações;
• Ele pode propor a dação em pagamento.
Deve salientar-se que neste momento, deverá o executado indicar a existência de
reclamação administrativa ou impugnação judicial da dívida exequenda ou de acto de que a
sua liquidação legalmente dependa, sob pena de ficar responsável pelo pagamento das
custas da execução a que a não comunicação vier a dar causa 96.
Além disso, se a citação tiver por destinatário um responsável subsidiário (um
administrador ou gerente de uma sociedade em relação às dívidas desta ou um gestor de
bens ou direitos de não residente), deve igualmente ser comunicado que este último dispõe
do direito de reclamar administrativamente ou impugnar judicialmente a liquidação da
dívida exequenda, pois entende-se que, em rigor, é este o primeiro momento em que tal
sujeito toma contacto com a dívida em causa97.
Atendendo o valor da dívida exequenda, a citação tanto pode efectuar-se antes como
depois da penhora, tendo por limite KZ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil
Kwanzas), e pode ser realizada tanto por entrega pessoal (contacto directo) como por carta
registada a remeter para o domicílio ou residência fiscal do executado98.
94
Cfr. art.º 28.º, n.º 1 do CEF. Essa citação, nos termos do n.º 4 deste preceito, pode ser edital, nos casos em
que as pessoas são desconhecidas ou de domicílio desconhecido ou se anunciam a venda dos bens e o
concurso de credores. Quanto ao chamamento à execução dos diversos sujeitos (cônjuges, terceiros
adquirentes, possuidores), cfr. artigos 54.º e ss.
95
Vide artigo 65.º n.º 1 do CEF.
96
Vide artigo 65.º n.º 1, alínea d) do CEF.
97
Vide artigo 65.º n.º 2 do CEF.
98
Cfr. os artigos 66.º, 67.º e 68.º do CEF. A citação do executado que se encontra em parte incerta é
efectuada por meio de éditos afixados no órgão administrativo de execução fiscal onde corre o processo e à
porta do último domicílio ou residência conhecidos do citando (art.º 69.º do CEF).
xxxi
Como exposto acima, a citação nos informa sobre as possíveis reacções do executado ou
devedor (oposição à execução, requerer o pagamento em prestações ou propor a dação em
pagamento).
De modo sucinto, descreveremos os padrões jurídicos de cada uma das reacções.
a) Oposição é o acto através do qual o executado pode reagir contra a pretensão
executiva do credor tributário. Esta oposição opera-se mediante duas vias
(excludentes entre si)99, 100, sendo estas:
• A oposição por requerimento: visa a revisão da decisão de instauração do processo
de execução fiscal, pela entidade que a determinou;
• A oposição por embargo: visa a anulação da decisão de instauração do processo de
execução fiscal pelo Tribunal101;
Tanto uma e outra forma de oposição são deduzidas após a citação dentro do termo de 30
dias102, tendo apenas por fundamento as circunstâncias previstas na lei (não sendo estes
concernentes à legalidade da dívida), tais são103:
• Inexistência do tributo nas leis em vigor à data a que respeita a obrigação;
• Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o devedor;
• Falsidade ou ilegalidade do título executivo;
• Duplicação da colecta ou prescrição da dívida;
Nos casos em que a oposição arrogar a forma de requerimento, a petição (que embora não
se exija que seja articulada, pese embora, assim se aconselhe, em jeito a aperfeiçoá-la
juridicamente), deverá ser apresentada ao órgão administrativo de execução fiscal, devendo
o executado juntar toda documentação necessária, existindo efeito suspensivo da execução,
até à decisão sobre o requerimento, este que será decidido na Administração Tributária104.
Outrossim, as provas necessárias aqui deverão apenas ser documental, por força do artigo
80.º do CEF.
Nos casos em que a oposição arrogar a forma de embargo, a petição deve ser
obrigatoriamente articulada, uma vez que esta subirá necessariamente ao Tribunal e deve
ser dirigida à aquele que for competente e com jurisdição fiscal e aduaneira, entretanto,
99
Cfr. artigo 74.º, n.º 1 do CEF.
100
Todavia, uma pode suceder-se à outra, nos termos do art.º 82.º, n.º 2 do CEF.
101
Cfr. art.º 74.º, n.os 2 e 3 do CEF.
102
Cfr. art.º 75.º do CEF.
103
Cfr. art.º 76.º do CEF.
104
Cfr. artigo 79.º do CEF.
xxxii
esta deve ser apresentada inicialmente ao órgão administrativo onde esteja a correr a
execução fiscal, devendo este promover o seu envio para o órgão jurisdicional105. A prova
aqui apresenta um perímetro de abrangência um pouco mais amplo, pois, além da prova
documental será admitida igualmente prova testemunhal106. Em acto posterior, o Tribunal
pode, por um lado, rejeitar liminarmente a oposição, sendo esta apresentada fora do prazo,
com fundamentos inadmissíveis ou for manifestamente improcedente (nos moldes do
artigo 85.º do CEF), ou por outro lado, o Tribunal pode conhecê-la de imediato, se o seu
fundamento for matéria exclusivamente de direito. Não sendo o caso, o juiz determina as
diligências probatórias a efectuar107. Finda a produção de prova, o Juiz notifica o
embargante e o representante processual do exequente para procederem as alegações
sucessivas, no prazo de 15 dias cada um, após o que proferirá decisão, anulando a
instauração ou ordenando o seu prosseguimento108.
b) Pagamento em prestações ou se preferirmos, pagamento faseado, deve ser
solicitado ao chefe do órgão administrativo de execução onde corre o processo,
mediante requerimento, com fundamento no facto de o executado não estar em
altura de solver de uma só vez a dívida, em virtude de graves dificuldades
económicas (conceito altamente indeterminado e que coloca nas mãos do órgão
administrativo uma amplíssima margem de liberdade apreciativa).
O órgão administrativo, consoante o grau de dificuldades económicas do contribuinte e o
montante da dívida a pagar, estipula as prestações (obrigatoriamente mensais), podendo
estas serem fixadas entre um mínimo de 6 e um máximo de 18, não podendo qualquer
delas ser inferior a um determinado valor legalmente estipulado. De todo modo, e como
meio de salvaguardar a pretensão do credor tributário, o pagamento da dívida exequenda
em parcelas depende da prestação de garantia a conceder pelo executado após a notificação
para o efeito. Por fim, a falta de pagamento das prestações por um período superior a 3
meses consecutivos ou a 6 meses alternados implica o imediato vencimento de todas as
restantes, caso a irregularidade não seja suprida no prazo de 15 dias após a notificação
105
Vide os artigos 82.º n.º 1 e 84.º do CEF.
106
Vide o artigo 83.º do CEF.
107
Vide o artigo 86.º n.º 1 do CEF.
108
Vide os artigos 86.º e 87.º do CEF.
xxxiii
ordenada para o efeito109. Nestes termos, caso o pagamento em prestações seja autorizado,
a execução suspende-se110.
c) Dação em cumprimento é conhecido como o instituto que permite a extinção das
obrigações tributárias mediante a entrega de uma coisa diferente da inicialmente
estabelecida entre as partes (credor e devedor). Portanto, de forma excepcional, ao
invés do cumprimento ou pagamento ser em dinheiro, alternativamente assegura-se
o pagamento por intermédio de outros bens, sejam estes móveis ou imóveis.
Para a sua funcionalidade é essencial a apresentação de um requerimento, no termo de 30
dias a contar da data da citação, cabendo a decisão, já não a um funcionário executivo
comum, mas ao responsável máximo do órgão de escalão superior de que a Administração
Tributária dependa111. Neste particular, nota-se a selectividade por parte do legislador, ao
definir os bens que têm aceitação para a dação. Podendo ser propostos os seguintes bens:
os bens móveis sujeitos a registo de relevante valor histórico e cultural reconhecido pelo
Órgão do Executivo que exerça competências na Área da Cultura; as pedras preciosas,
designadamente diamantes; os metais preciosos, designadamente o ouro; os bens imóveis,
com excepção da residência familiar112. No requerimento, deve o requerente identificar
pormenorizadamente os bens dados em pagamento, indicar as entidades públicas
eventualmente interessadas em adquirir os bens dados em pagamento e justificar que
preenchem as características acima referidas113. A dação é indeferida pelo órgão
competente suprarreferido, caso nenhuma das entidades indicadas pelo executado vier a
mostrar interesse na aquisição do bem. Outrossim, o bem oferecido para dação dado em
pagamento é previamente avaliado pela Direcção Nacional do Património do Estado, a
quem cabe igualmente emitir parecer vinculativo sobre o interesse da dação.
Sendo deferido o pedido, a dívida extinguir-se-á por dação em pagamento e, até se pode
dar o caso de se constituir um crédito de imposto a favor do executado a utilizar em
ulteriores pagamentos ao Estado (crédito esse que é renunciável pelo executado), caso a
109
Cfr. o artigo 72.º do CEF para maior esclarecimento.
110
Vide o artigo 40.º n.º 1, alínea c) do CEF.
111
Vide o artigo 73.º n.º 1 do CEF.
112
Vide o artigo 73.º n.º 2 do CEF.
113
Para desenvolvimentos, cfr. o artigo73.º, n.os 3 e ss. do CEF.
xxxiv
elevada importância dos bens oferecidos em pagamento o justifique e a dação abranger
bens de valor superior ao da dívida exequenda e acréscimos legais114.
Nos quadros da teoria geral do processo, a penhora é tradicionalmente encarada como um
acto de apropriação de bens do património do executado por parte do Tribunal. Contudo,
no presente contexto, e dada a específica configuração administrativo-jurisdicional da
execução fiscal e o modo como o legislador angolano recortou o instituto, tal acto de
apropriação tanto pode ser levado a efeito pelo Tribunal como pelo órgão administrativo da
execução fiscal. Entretanto, mais adiante de forma pormenorizada abordaremos esta
problemática.
Depois de realizada a penhora, reserva-se uma sequência de actos de trâmite que
autenticam (a certeza e efectividade jurídica) o acto de penhora, por um lado, e por outro,
chamam à execução eventuais terceiros que podem ver as suas posições jurídicas lesadas
pelo impositivo praticado.
Deste modo, em primeiro lugar, deve o órgão administrativo de execução fiscal promover
a junção ao processo dos ónus ou encargos que incidam sobre o bem penhorado (por
exemplo, o ónus a favor de uma instituição bancária ou outro credor do executado) e
identificar os titulares dos direitos de remissão ou de preferência115. Em segundo lugar, e
após a junção dessa certidão de ónus ou encargos, deve o mesmo proceder à citação
pessoal, chamando ao processo executivo, alguns sujeitos cuja posição jurídica se
considera revestida de um especial invólucro protector, a saber116:
• Os titulares dos direitos reais de garantia sobre os bens penhorados, desde que
registados ou conhecidos;
• O cônjuge do executado, para requerer a separação de bens no prazo de 10 dias,
quando a dívida exequenda não for comunicável e o regime de casamento não for o
da separação de bens;
114
Rocha, Joaquim Freitas da, Contencioso Tributário Angolano (Apontamentos Universitários), EDUM-
Escola de Direito da Universidade do Minho, Abril de 2019, p.99.
(Consulta, 27 de Janeiro de 2020).
Disponível na internet: https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/60274/1/conten_angola_web.pdf
115
Cfr. artigo 119.º do CEF. A citação referida não se efectuará se o bem penhorado consistir em abonos ou
vencimentos, rendas, juros e outros rendimentos periódicos de natureza pecuniária.
116
Vide artigo 120.º n.º 1 do CEF.
xxxv
• O outro membro da união de facto para, no mesmo prazo, requerer a divisão dos
bens, quando o bem penhorado for a habitação principal de membros de união de
facto legalmente reconhecida e for da sua propriedade comum;
• Os titulares de direitos reais de preferência sobre os bens penhorados.
De forma visível podemos constatar no CEF que os credores não são chamados em posição
de paridade ao processo de execução fiscal à fim de reclamar os seus créditos. Na medida
em que somente são chamados à execução determinados credores, ditos “especiais”,
deixando para trás os credores comuns. Portanto, os credores com garantia real podem
reclamar os respectivos créditos junto da Repartição Fiscal da execução nos 30 dias
posteriores à citação pessoal (no caso de não terem sido pessoalmente citados, poderão
fazê-lo até à realização da venda)117. Esta reclamação de créditos é realizada por via de um
articulado próprio, sendo anexado ao mesmo, a certidão da sentença comprovativa desse
crédito ou outro título executivo (escritura pública, registo), pois, na ausência desta, o
pedido não é admitido118. De resto, o legislador é peremptório: não é admissível a prova
documental de factos não evidenciados no título executivo (artigo 143.º, n.º 3 do CEF).
Findo o prazo para reclamação de créditos, é remetido para o Tribunal competente, o
traslado do processo com as respectivas reclamações, certificando o efeito suspensivo da
execução119, proferindo este, sentença verificando e graduando os créditos. Posteriormente,
os processos que tiverem subido a Tribunal para efeitos de verificação e graduação de
créditos são devolvidos à Repartição Fiscal da execução120.
Por ora, o processo executivo fiscal culmina com a fase da venda, esta que consiste na
realização em espécie dos bens penhorados com vista à satisfação coerciva do crédito
tributário. Materializando-se como acto final para o qual converge todo o processo de
execução fiscal, tendo o legislador desenhado o seu regime jurídico. Deste modo, os tipos
de vendas admissíveis são as seguintes121:
• Venda por proposta em carta fechada;
• Venda por negociação particular (em caso da impossibilidade anterior ou de
urgência na venda por risco fundamentado de deterioração);
• Venda em bolsa (de capitais ou mercadorias);
117
Cfr. o artigo 142.º, n.º 1 do CEF.
118
Cfr. o artigo 143.º do CEF.
119
Cfr. o artigo 40.º, n.º 1, alínea d) do CEF.
120
Vide os artigos 145.º, 148.º e 149.º do CEF.
121
Vide o artigo 121.º do CEF. Para os requisitos vide o artigo 122.º e ss. do CEF.
xxxvi
• Venda directa;
• Arrematação em hasta pública;
• Venda em depósito público.
Decorrendo esta fase nos termos e trâmites normais122, os bens em causa serão vendidos e,
com o produto daí arrecadado, o crédito tributário será satisfeito.
Com efeito, se em virtude da penhora ou venda forem arrecadadas importâncias suficientes
para solver a execução e não houver lugar à verificação e graduação de crédito, é aquela
extinta depois de feitos os pagamentos (artigo157.º do CEF). No entanto, pode suceder que
se verifiquem desconformidades no acto de venda, caso em que pode existir necessidade de
proceder à sua sindicância jurídica, o que poderá ser feito através da denominada “acção de
anulação de venda”. Esta acção que, exemplo da acção respeitante à reclamação e
graduação de créditos também suspende a execução123, podendo ser interposta com
fundamento (entre outros) na existência de ónus ou encargos que prejudiquem a venda ou
em erro sobre o objecto transmitido, e o prazo para a sua interposição será de 1 ano ou de
30 dias conforme os casos124. Deverá ser apresentada (deduzida) junto do órgão
administrativo de execução fiscal competente, devendo este, posteriormente, enviar as
peças ao Tribunal para decisão125. Como forma de salvaguardar as legítimas expectativas
de terceiros, em caso de anulação ou declaração de ineficácia da venda, o adquirente que
entretanto tenha acedido à titularidade do bem vendido tem direito à restituição do preço e
das demais despesas com a venda (incluindo impostos sobre a transmissão) pelo
exequente, salvo se, no momento da venda, tiver conhecimento efectivo do registo de
eventual acção de propriedade da coisa vendida intentada pelo proprietário com o
fundamento de esta não pertencer ao executado126.
122
Vide o artigo 134.º e ss. do CEF.
123
Vide o artigo 40.º n.º 1, alínea e) do CEF.
124
Vide o artigo 139.º do CEF.
125
Vide o artigo 141.º do CEF.
126
Vide o artigo 140.º do CEF.
xxxvii
formal encontramos os princípios da legalidade fiscal, o princípio da segurança jurídica, e
o princípio da proibição do referendo fiscal. Nos limites de natureza material, encontramos
os princípios da igualdade fiscal e o princípio do Estado Fiscal.
Todavia, nos vale aqui falar do princípio da legalidade tributária127, que tem as suas
raízes históricas firmadas no princípio do consentimento democrático-representativo, que
procede de uma maioria política, democraticamente legitimada pelo exercício da soberania
popular.
Para tal, nos serviremos da obra de Vítor António Duarte Faveiro, que pese embora não
adoptamos as suas ideias de forma plena, mas, seguimos a sua linhagem de pensamento a
respeito de determinados procedimentos da Administração Tributária na esfera do processo
de execução fiscal serem praticados em desobediência aos princípios subjacentes ao
processo de execução fiscal.
O citado autor declara que: “para aquele que aplica o direito, o Estado é o ente lendário
que tudo pode, que tudo sabe, a quem tudo se deve, e em que se centralizam todos os fins
da colectividade. Diz ainda, que em Direito Fiscal, especificamente, os Cofres do Estado,
superam qualquer outro valor da vida colectiva, incluindo o valor da justiça, da certeza,
por vezes da própria verdadeira averiguação rigorosa dos factos tributários e das
situações pessoais e humanas a que respeitem. Resultando em grande parte dos casos,
uma aplicação da lei com espírito fetichista, de olhos postos exclusivamente no volume da
127
Vide o artigo 4.º do CGT e o artigo 102.º da CRA.
128
Lumbrales, Nuno B. M., A promoção da execução fiscal pelos serviços de finanças, Fiscalidade 18, Abril
de 2004, p. 25.
xxxviii
receita, e inteiramente vendados para o sentido da justiça, da justificação do facto, da
força maior, da desculpabilidade de situações humanas excepcionais ou indomáveis. O
aplicador da lei fiscal, em regra, só sabe exigir, não sabe prevenir, nem orientar, nem
julgar, nem desculpar. Em consequência, o contribuinte só lhe interessa como pagador de
impostos e cumpridor de deveres, não como cidadão129”.
Por outro lado, também trazemos o parecer de Alberto Xavier130 que declara que o Direito
dos impostos separa a fase de liquidação da fase de execução, cabendo ao Poder Judicial
esta última, justificando-se pelo facto deste ramo do Direito se encontrar muito orientado
pelo propósito de protecção do direito de propriedade do contribuinte. Sendo este o foco
dos actos coercivos praticados no âmbito do processo de execução fiscal, nomeadamente a
penhora e a venda.
Entretanto, apesar de desde a Idade Média se ter definido por alicerce do princípio da
legalidade o juízo de auto-tributação ou auto-consentimento dos impostos e a auto-
imposição, aquele não tem actualmente a sua conotação original, que se traduz na
definição dos impostos pelos próprios cidadãos, por intermédio dos seus representantes,
todavia, não significa uma depreciação constitucional deste nos Estados de Direito
Democrático131.
129
Faveiro, Vítor António Duarte, Noções fundamentais de Direito Fiscal Português, Volume II, Coimbra
Editora, 1986.
130
Xavier, Alberto Pinheiro, O conceito e natureza do acto tributário, Coimbra: Almedina, 1972.
131
Sousa, Jorge Lopes de, Rodrigues, Benjamim Silva e Campos, Diogo Leite de, Lei Geral Tributária,
anotada e comentada, 2.ª Edição, Vislis Editores, 2000.
xxxix
Pelo que o princípio da legalidade fiscal é o princípio fundamental da tributação de um
Estado Democrático e de Direito, considerado o primeiro grande instrumento de garantia
dos contribuintes132, por colocar limites formais e substanciais ao exercício do poder
tributário quer no âmbito da sua criação quer no âmbito da sua aplicação.
a) O Princípio da reserva formal de lei: alude que haja uma intervenção de lei parlamentar,
e esta deve ser uma intervenção material a fixar a própria disciplina dos impostos ou uma
intervenção de carácter meramente formal, autorizando o executivo-legislador a
estabelecer em consonância com a respectiva lei de autorização legislativa, a mesma
disciplina. Ao princípio da reserva formal de lei está subjacente a teoria da essencialidade,
segundo a qual, as matérias essenciais da comunidade politicamente organizada devem ser
decididas por acto solene do órgão representativo por excelência, no caso a Assembleia
Nacional.
A CRA nos seus artigos 102.º n.º 1 e 165.º alínea o) em matéria tributária estabelece uma
reserva relativa quanto a criação de impostos e o sistema fiscal, bem como o regime geral
das taxas e demais contribuições financeiras à favor das entidades públicas, significando
desta forma que a Assembleia Nacional (doravante AN) é um órgão legítimo para legislar
sobre esta matéria ou aprovar uma lei de autorização, que habilite o Presidente da
República a legislar sobre a mesma, mediante decreto-legislativo presidencial autorizado.
A reserva da lei resultante do princípio da legalidade fiscal não abrange matérias relativas à
liquidação134 e a cobrança dos impostos135. Nestes dois momentos, a disciplina jurídica à
132
Entende-se por garantia dos contribuintes ou meios de defesa dos contribuintes o conjunto de mecanismos
que a ordem jurídica coloca à disposição dos contribuintes para fazerem valer as suas posições subjectivas
junto da Administração Tributária ou junto dos Tribunais.
133
Nabais, José Casalta, Direito Fiscal, 11.ª ed., Almedina Editora, 2019, p. 143.
xl
ele aplicável não está sujeita ao princípio da legalidade fiscal, o que significa que na ordem
jurídica angolana, as regras sobre liquidação e cobrança podem ser determinadas por actos
normativos infra-legais, solução esta que Saldanha Sanches e João Taborda da Gama136
perfilham, pois, compreendem que a liquidação e a cobrança nos actuais sistemas de
tributação estão em grande escala atribuídas aos sujeitos passivos, no âmbito dos deveres
da Administração Geral Tributária (doravante AGT), pelo que não faz sentido sujeitar estes
momentos da tributação ao princípio da legalidade fiscal.
Deste modo, o princípio da legalidade tributária é um pilar essencial das garantias dos
contribuintes137, pelo que, sempre que for violado, em regra resultará numa
inconstitucionalidade em sentido material e os contribuintes nestes casos poderão acionar a
garantia do direito a resistência138.
134
A liquidação corresponde à uma operação administrativa e técnico-jurídica que visa apurar o valor
(quantum) do imposto devido pelo contribuinte, mediante a aplicação de uma taxa à matéria colectável. Para
cada imposto há uma determinada taxa (quantificador do imposto) – o indicador, sendo a liquidação o
processo de aplicação do quantificador do imposto à matéria colectável (aquilo sobre o qual incide o imposto
– o rendimento, no caso do IRT) para determinação da colecta (quantum). Cfr. em Paca, Cremildo Félix, na
sua obra sobre a Justiça Administrativa Fiscal e Aduaneira 1.ª Edição Janeiro 2017, p. 207.
135
Canotilho, J.J. Gomes, Moreira Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª ed.,
Coimbra Editora, Coimbra, 2014. p.1092.
136
Sanches, J. L. Saldanha e Gama, João Taborda da, Manual de Direito Fiscal Angolano, 1.ª ed., Wolters
Kluwer Portugal/ Coimbra Editora, 2010.
137
A defesa das garantias tributárias decorre fundamentalmente do enunciado constitucional do artigo 29.º,
que estabelece a tutela jurisdicional efectiva e o acesso aos Tribunais, bem como dos n.os 1, 2 e 4 do artigo 4.º
do CPT, que estatuem que a cada direito ou interesse legítimo corresponde um dos meios processuais, cuja
tutela jurisdicional plena e efectiva compreende o reconhecimento de cada direito ou interesse legítimo, a
prevenção ou reparação da sua violação, a sua realização coerciva e as providências necessárias para
acautelar o efeito útil da acção e obter, em prazo razoável, a decisão que aprecie, com força de caso julgado,
a pretensão deduzida em juízo e a possibilidade da sua execução.
138
O direito a resistência se consubstancia na legitimidade de os contribuintes não pagarem impostos que não
tenham sido estabelecidos de acordo com a Constituição, como se pode atestar pelo preceituado na alínea a)
do n.º 1 do artigo 23.º do CGT.
139
A função jurisdicional consubstancia-se, assim, numa «composição de conflitos de interesses» levada a
cabo por um órgão independente e imparcial, de harmonia com a lei ou com critérios por ela definidos, tendo
como fim específico a realização do Direito ou da justiça. Cfr. Hugo Flores da Silva, Colecção de formação
contínua do Centro de Estudos Judiciários sobre a execução fiscal, jurisdição administrativa e fiscal, Março
de 2019, p.85.
Execução Fiscal. Lisboa. Centro de Estudos Judiciários, 2019.
(Consulta, 18 de Janeiro de 2020).
Disponível na internet: < URL: http://www.cej.mj.pt>ebooks>administrativo_fiscal>eb_execucaofiscal.pdf.
xli
Tribunais são órgãos de soberania com competência de administrar a justiça em nome do
povo. Pelo que no exercício da função jurisdicional compete aos Tribunais dirimir os
conflitos de interesse público ou privado, assegurar a defesa dos direitos e interesses
legalmente protegidos, bem como os princípios do acusatório e reprimir as violações da
legalidade democrática.
De acordo ao Sistema jurisdicional angolano, previsto nos termos do artigo 176.º da CRA,
a organização e funcionamento dos Tribunais compreende uma jurisdição comum
encabeçada pelo Tribunal Supremo e integrada igualmente por Tribunais da Relação e
outros Tribunais e uma jurisdição militar encabeçada pelo Supremo Tribunal Militar e
integrada igualmente por Tribunais Militares de Região. Considerando que nos termos do
n.º 3 do mesmo artigo, pode ser criada uma jurisdição administrativa, fiscal e aduaneira
autónoma, encabeçada por um Tribunal Superior.
Este preceito normativo constitucional é concretizado pelo artigo 43.º alínea f), da Lei n.º
2/15 de 2 de Fevereiro, que admite a criação da sala do Contencioso Fiscal e Aduaneiro.
Pelo que de acordo o artigo 59.º do mesmo diploma legal, conjugado com o n.º 1 do artigo
18.º do CPT, a competência para apreciar em 1.ª instância os litígios emergentes que
opõem os contribuintes e a Administração Fiscal é da Sala do Contencioso Fiscal e
Aduaneiro.
Portanto, somente os Tribunais podem dirimir litígios e ditar o Direito, o que significa que
o exercício da função jurisdicional está reservado ao Tribunal e ao Juiz, devendo os actos
jurisdicionais apenas ser praticados pelo Juiz e o Tribunal, declarando-se inconstitucional a
atribuição destes a outros órgãos, designadamente administrativos. Assim sendo, o poder
de julgar constitui monopólio dos juízes, pelo que, se levantam problemas de
constitucionalidade a atribuição deste poder a outras entidades públicas ou privadas140.
Para estes efeitos, um “acto jurisdicional” será um acto praticado exclusivamente de
acordo com critérios de juridicidade (não de oportunidade ou conveniência) com o
objectivo de resolver uma “questão jurídica” (um conflito de pretensões, um dissídio ou
controvérsia) e o fim do mesmo será sempre a obtenção da paz jurídica decorrente de tal
resolução. Um dos pontos controvertidos que se poderá aqui debater prende-se com a
problemática da atribuição de competências jurisdicionais a outras entidades que não o juiz
140
Rocha, Joaquim Freitas da, Lições de procedimentos e Processo Tributário, 3ª ed., Coimbra Editora, 2009.
xlii
e cabe aqui dizer que tal atribuição só não será inconstitucional se tiver uma finalidade
meramente coadjutora141.
Entretanto, não nos esqueçamos que os órgãos administrativos também têm a possibilidade
de julgar, em situações tais como proferir decisões a respeito das reclamações graciosas ou
recursos hierárquicos interpostos. Todavia, tais decisões não configuram a última palavra,
isto é, há a possibilidade de os contribuintes recorrerem destas decisões pela via judicial.
Ponderando o termo julgar como sinónimo de ditar a última palavra a respeito da solução
de uma questão.
A esse respeito, nos surge a curiosidade de saber se os litígios tributários somente podem
ser solucionados por Tribunais Tributários, ditando estes a última palavra.
Em resposta, a Constituição da República de Angola prescreve no seu artigo 174.º n.º 4
sobre o princípio da reserva da função jurisdicional que: “a lei consagra e regula os meios
e as formas de composição extrajudicial de conflitos, bem como a sua constituição,
organização, competência e funcionamento”, dando espaço à institucionalização de
métodos alternativos de resolução de conflitos, tais como: Tribunais Arbitrais e Centros
alternativos de composição de conflitos.
141
Cfr. Rocha, Joaquim Freitas da, Contencioso Tributário Angolano (Apontamentos Universitários),
EDUM- Escola de Direito da Universidade do Minho, Abril de 2019, p. 77.
(Consulta, 27 de Janeiro de 2020).
Disponível na internet: https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/60274/1/conten_angola_web.pdf
xliii
algumas manifestações de admissibilidade de figuras próximas da transação na legislação
tributária142.
Saldanha Sanches, apesar de proteger o carácter indisponível dos direitos tutelados pelo
Direito Fiscal, entretanto, não afastava a margem de transação judicial, sendo certo que,
por via desta, há maior celeridade processual, garantindo-se o direito dos contribuintes143.
Por conseguinte, a subjectivização do contencioso tributário desculpa a admissibilidade da
transação judicial, portanto, a indisponibilidade do crédito tributário deve constituir apenas
um limite e não um impedimento total à transação judicial.
142
De acordo com o plasmado no n.º 4 do artigo 86.º da LGT, no caso de impugnação de um acto tributário
de liquidação, realizado através de métodos indirectos, não pode ser invocada qualquer ilegalidade da
liquidação se esta tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável.
143
Saldanha Sanches, José Luís, O ónus da prova em processo fiscal, in CTF, n.º 340/342, Abril/Junho,
Lisboa, 1987.
xliv
Porém, aos interessados, é garantido o direito a reclamação para o juiz da execução fiscal
dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da Administração
Tributária, nos termos do artigo 161.º do CEF.
O Estado, por sua vez, e ao resguardo da lei, interfere simultaneamente como credor e
exequente, ainda que em casos pontuais, e mais do que isso, tem a possibilidade de diferir
a apreciação pelo Tribunal de eventuais reclamações contra si praticadas na execução.
Outrossim, igualmente, verifica e gradua, administrativamente, os créditos reclamados nas
execuções fiscais que concretiza.
Deste modo, nos indagamos a respeito da compreensão sobre a natureza judicial que o
CGT e o CEF atribuem ao processo de execução fiscal, quando o percurso legal traçado
para a execução deste processo atribui-lhe um campo de acção administrativo, aliás,
considerado deste modo por grande parte dos cidadãos.
Jurisdicionalização da execução
Na falta de pagamento voluntário da prestação tributária, há que encontrar um meio que
determine o devedor à satisfação da prestação em falta. O meio a que se recorre é a
cobrança coerciva por via do processo de execução fiscal, sendo que pode este processo,
ser de natureza administrativa ou judicial.
De acordo a corrente doutrinária que defende a jurisdicionalização da execução, trazendo
como argumento o princípio da reserva da função jurisdicional144 e o princípio da
indisponibilidade do crédito tributário, o sistema judicial, é o principal para a cobrança
coerciva dos impostos, cabendo a Administração a prática de actos meramente
administrativos que facilitam ao Tribunal a tomada de decisão judicial.
No sistema de cobrança coerciva judicial, a dívida tributária apurada através do acto de
liquidação, e não paga de forma voluntária, origina a execução do património do devedor
através da actuação de um Tribunal, que é um órgão do Poder Judicial, após a emissão e
entrega pela Administração Tributária de um título executivo ao Tribunal. Sendo, portanto,
144
Tendo em conta o princípio constitucional da reserva da função jurisdicional, a prática de actos de
natureza jurisdicional é da exclusiva competência dos Tribunais, pelo que não devem ser praticados pelo
órgão da Administração Tributária, até porque este é parte no processo.
xlv
proibido ao órgão Administrativo, a prática de actos judiciais no processo de execução
fiscal e a execução do património do devedor.
O ordenamento jurídico angolano, quanto a natureza do processo de execução fiscal, não
acolheu de forma pura a jurisdicionalização da execução, apesar de ter adoptado um
sistema eminentemente judicial, na prática parece ser essencialmente administrativo, visto
que da combinação do n.º 1 do artigo 140.º do CGT e primeira parte do artigo 2.º do CEF,
o processo de execução fiscal, tem natureza judicial, todavia, o n.º 2 do artigo 140.º do
CGT e a segunda parte do artigo 2.º do CEF, dispõe, que cabe à Repartição Fiscal ou
Serviço Local equiparado, competente em razão do território proceder, sob controlo do
Juiz, as diligências do processo de execução fiscal que não estiverem legalmente
reservadas ao Tribunal. Destas normas resulta, que há actos de execução fiscal que podem
começar e terminar na Administração Tributária145.
Desjurisdicionalização da execução
Desjurisdicionalizar é institucionalizar instrumentos e formas de composição não
jurisdicionais de conflitos, nos termos do n.º 4 do artigo 174.º da CRA.
O termo jurisdição utilizado no direito romano pela expressão “jurisdictio”, não tem o
sentido simples e literal do “dizer o direito”, mas a acepção ampla do ofício dos juízes,
administrar a justiça. É de “jurisdictio” o adjectivo jurisdicional, e o verbo
jurisdicionalizar.
Portanto, é importante não confundir desjudicialização com desjurisdicionalização. A
desjudicialização desperta e dá ferramentas para que os conflitos de interesses se dissolvam
sem lide ou pela via extrajudicial, isto é, são aqueles casos em que determinados actos são
afastados da esfera de actuação do Juiz no contexto de um processo judicial, em suma,
quando o Tribunal não tem de intervir. Ao passo que a desjurisdicionalização consente no
processo judicial melhor autonomia, visto que é escusada a intervenção do Juiz na prática
de actos, que não deixam de ocorrer em Tribunal.
145
Cremildo Félix Paca, dispõe que no ordenamento jurídico angolano, a dupla natureza do processo de
execução fiscal está clara e inequivocamente consagrada no artigo 2.º do CEF. Segundo este, o processo de
execução fiscal parece ser eminentemente judicial, mas na prática, é essencialmente administrativo,
porquanto, há actos de execução fiscal que começam na Administração Tributária e lá terminam. Cfr. Paca,
Cremildo Félix, Justiça Administrativa Fiscal e Aduaneira, op. Cit., p. 313.
xlvi
No processo de execução fiscal, verifica-se uma clara existência da figura da
desjurisdicionalização, uma vez que grande parte dele corre sem a intervenção do Tribunal
ou Juiz, salvo situações que a lei impõe a intervenção do Tribunal.
146
O processo tributário pode ser definido como um conjunto de actos, provenientes de actores jurídico-
tributários distintos, relativamente autónomos e organizados sequencialmente, direccionados à produção de
um determinado resultado final, do qual são instrumentais. Este resultado, adianta-se já, será uma decisão
jurisdicional (em princípio, sentença ou acórdão). Também aqui se pode constatar a existência de actos
praticados por entidades distintas, como o Tribunal, a Administração, os contribuintes, etc; e também aqui
esses mesmos actos devem estar submetidos a uma ordem e forma pré-determinadas, sequenciadas e
legalmente estabelecidas. Cfr. Rocha, Joaquim Freitas da, Contencioso Tributário Angolano (Apontamentos
Universitários), EDUM- Escola de Direito da Universidade do Minho, Abril de 2019, p. 67.
(Consulta, 27 de Janeiro de 2020).
Disponível na internet: https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/60274/1/conten_angola_web.pdf
xlvii
tampouco alguns incidentes do processo executivo, a título de exemplo, a oposição, o
embargo de terceiro e outros incidentes.
Por fim, referir que o percurso da execução fiscal está inserido num diploma autónomo
(Código das Execuções Fiscais), dando azo a sua dessemelhança em relação ao processo
judicial “normal”. Inequivocamente, o Código Geral Tributário aspira o processo executivo
fiscal como judicial, entretanto, autonomiza-o no que diz respeito ao diploma, e atribui-lhe
inúmeros e “excessivos” momentos administrativos autónomos147.
Não tendo todos os actos praticados na execução fiscal a mesma natureza, procuramos
junto do Tribunal Supremo angolano, mais concretamente na Câmara do Cível e
Administrativo, a existência de alguma jurisprudência a respeito das consequências dessa
diferente natureza, contudo, não tivemos êxitos na nossa busca, em função da inexistência
de acórdãos junto desta Câmara que versam sobre esta matéria148.
Em função da inexistência de acórdãos que versam sobre o assunto na ordem jurídica
angolana, recorremos a similar (mutatis mutandis) ordem jurídica portuguesa, e
seleccionamos em função da respectiva especificidade, um Acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo.
Optaremos em grande parte neste capítulo pela transcrição do respectivo acórdão face a
exemplaridade das exposições.
O alcance da leitura jurisprudencial do acórdão de 26-05-2010, proferido no processo n.º
0343/10149, sobre a natureza do despacho de reversão e o alcance do trânsito em julgado
dos actos praticados pelos órgãos de execução150, teve o seguinte sumário:
147
Paca, Cremildo Félix, Justiça Administrativa Fiscal e Aduaneira, 1.ª ed., Damer Gráfica, 2017, p. 313.
148
Cfr. https://tribunalsupremo.ao .
149
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8c62108f262bd98a802577360036cc9e?Op
enDocument
(Consulta, 06 de Maio de 2020).
150
A respeito, a Juíza Conselheira do Supremo Tribunal Administrativo (de Portugal), Dulce Neto, declara
que se a intenção do legislador era clarificar e diminuir a litigância nesta matéria, o resultado foi o inverso.
Pois, a aparente incongruência entre a natureza judicial que a LGT quis expressamente atribuir ao processo
xlviii
• O processo de execução fiscal tem natureza judicial, podendo a Administração
Tributária, nele praticar actos, desde que não tenham natureza jurisdicional, já que
os actos de natureza jurisdicional susceptíveis de serem praticados no processo de
execução estão fora dessa previsão por não serem da competência da
Administração (artigo 103.º, n.º 1 da LGT).
• O despacho de reversão como, de resto, outros proferidos pelo órgão de execução
fiscal, designadamente, aquele em que se ordena a instauração da execução, a
citação dos executados, etc., não são mais que puros actos de trâmite, de tramitação
da execução fiscal, não incluídos consequentemente no âmbito do artigo 120.º do
CPA.
• O despacho de reversão, atenta a sua natureza, não está, pois, abrangido pela força
do caso julgado, pois este só se forma sobre decisões judiciais (artigos 671.º e 672.º
do CPC).
• Do mesmo modo, pela mesma razão de não se tratar de uma decisão judicial, não
lhe é aplicável o disposto no artigo 666.º do CPC sobre o esgotamento do poder
jurisdicional.
Este Acórdão, considerando que o acto/despacho que ordena o prosseguimento da
execução fiscal contra o revertido não tem natureza jurisdicional, e “atendendo ao conceito
definido no artigo 120.º do CPA, consideram-se actos administrativos as «decisões dos
órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir
efeitos jurídicos numa situação individual e concreta», (…) decide que, “em rigor, o acto
em causa não se trata de um acto administrativo verdadeiro e próprio.”
E continua,
de execução fiscal, e a essência organicamente administrativa deste processo (que resulta da natureza
administrativa da entidade que o tramita), aliada ao facto de o n.º 2 do art.º 103º se referir a actos
materialmente administrativos, intensificou a controvérsia doutrinal e jurisprudencial. Esta controvérsia que
essencialmente deixou de girar à volta da natureza jurisdicional ou não jurisdicional dos actos praticados
pelos órgãos de execução fiscal, passando a centrar-se na natureza do processo e na natureza dos actos que
nele são praticados.
E o exemplo disto é o acórdão referenciado, em que se decidiu que esse despacho não era um acto
administrativo, nem um acto judicial, constituindo um puro acto de trâmite que não estava sujeito às regras
que regulam os procedimentos administrativos e tributários.
Cfr. em Colecção de formação contínua do Centro de Estudos Judiciários sobre a execução fiscal, jurisdição
administrativa e fiscal, Março de 2019, pp. 14, 15, 16.
Execução Fiscal. Lisboa. Centro de Estudos Judiciários, 2019.
(Consulta, 05 de Janeiro de 2020).
Disponível na internet: < URL: http://www.cej.mj.pt>ebooks>administrativo_fiscal>eb_execucaofiscal.pdf.
xlix
“Pelo contrário, tal acto, como de resto, outros proferidos pelo órgão de execução fiscal,
designadamente, aquele em que se ordena a instauração da execução, a citação dos
executados, a penhora dos bens, a venda dos bens penhorados, a anulação da venda, a
anulação da dívida e a extinção da execução, ainda que sob controlo jurisdicional pela via
da reclamação para o Juiz competente, não serão mais que puros actos de trâmite, de
tramitação da execução fiscal, não incluídos consequentemente no âmbito do artigo 120.º
do CPA.
Verdadeiros actos materialmente administrativos serão, antes e nomeadamente, os
referentes à dação em pagamento, actos ministeriais sobre o pagamento em prestações,
etc., ainda que aí sujeitos, não à recurso contencioso ou acção administrativa especial, mas
à reclamação do artigo 276.º do CPPT, desde que praticados na execução fiscal.
E, assim sendo, o despacho de reversão, como qualquer outro acto de tramitação da
execução fiscal que é, não está abrangido pela força do caso julgado, pois este só se forma
sobre decisões judiciais (artigos 671.º e 672.º do CPC), sendo certo que (…) também não
existe qualquer disposição legal que atribua idêntica força obrigatória aos actos
administrativos.
Do mesmo modo, pela mesma razão de não se tratar de uma decisão judicial, não lhe é
aplicável o disposto no artigo 666.º do CPC sobre o esgotamento do poder jurisdicional.
Ou seja, embora se reconheça em determinado momento não estarem verificados os
pressupostos legais para se ordenar a reversão contra os eventuais responsáveis
subsidiários, está afastada a possibilidade de se formar sobre tal questão caso julgado que
obste à posterior reapreciação da mesma.
(…) Por outro lado, não sendo em rigor um verdadeiro acto materialmente administrativo
que está aqui em causa, nem sequer se tem que equacionar a legalidade da sua revogação
(…).
Acresce que, sendo o processo de execução fiscal um processo cujo escopo jurídico é o de
realizar coercivamente o direito de crédito de que goza o credor tributário, é evidente que
enquanto este direito não se verificar extinto pode a Administração Tributária, prosseguir
no intuito de cobrar a dívida exequenda, desde que verificados os respectivos pressupostos
legais.
Tal comportamento não afronta contra os princípios constitucionais do Estado de direito,
da igualdade, da segurança, da tutela da confiança e da boa-fé, consagrados nos artigos 2.º,
l
13.º e 266.º, n.º 1 da CRP, na medida em que (…) a reclamante foi devidamente notificada
para exercer, querendo, o seu direito de audição e só depois foi efectivamente proferido o
despacho contra o qual agora se insurge e que se mostra devidamente fundamentado nas
normas legais que nele são indicadas151.
151
Dulce Neto (Juíza Conselheira do Supremo Tribunal Administrativo (de Portugal)), declara que segundo
esta tese, ao processo de execução fiscal há que aplicar sempre e exclusivamente as normas e os princípios
previstos para o processo tributário e, subsidiariamente, para o processo civil, e nunca as normas e princípios
previstos para o procedimento administrativo e para o procedimento tributário.
Diz se tratar, ao seu ver, de uma visão algo redutora, dado que dificilmente podemos considerar o acto de
reversão ou o acto de constituição forçada de uma garantia especial a favor da Administração Tributária
como actos trâmites, como actos de pura tramitação processual, sujeitos exclusivamente a normas
processuais.
Entretanto, diz a juíza, que apesar das fragilidades desta posição jurisprudencial maioritária durante algum
tempo, ela assenta num princípio que, ao seu ver, é correcto e que merece destaque.
O princípio de que a natureza (administrativa) do órgão que actua no processo não tem necessária influência
na classificação dos actos que ele aí pratica, e que não deve confundir-se o processo judicial (e a atividade
processual que desencadeia) com a função jurisdicional.
Pois, como todos sabem, nem todos os actos que se praticam num processo judicial têm de ser praticados por
um órgão jurisdicional, podendo sê-lo por um funcionário ou órgão administrativo que seja legalmente
chamado a auxiliar o juiz. Só assim não acontece com os actos jurisdicionais, isto é, com os actos com
conteúdo decisório que resolvam o conflito de interesses ou de pretensões entre partes, os quais têm de ser
necessariamente praticados por um juiz. E os processos judiciais estão cheios de actos que não são
jurisdicionais. O que é particularmente notório no processo de execução para cobrança de quantia certa,
integrado por uma série encadeada de actos processuais que estão funcionalmente orientados para atingir a
cobrança – como é o acto da citação, da penhora, da venda, do pagamento da dívida e de extinção da
execução por ter atingido a sua finalidade.
Trata-se de actos que podem ser praticados por um órgão instrumental e auxiliar do juiz, ainda que de
natureza administrativa, órgão que fica obrigado a praticá-los nos mesmos termos e moldes legais em que o
juiz o faria, isto é, à luz das regras processuais contidas nos diplomas que regulam o processo tributário e o
processo civil (como é o caso de actos praticados por funcionários judiciais, designadamente o de recusa de
recebimento da petição inicial).
Ou seja, não é o facto de um processo ser tramitado por um órgão administrativo que o descarateriza como
processo judicial. Cfr. em Colecção de formação contínua do Centro de Estudos Judiciários sobre a execução
fiscal, jurisdição administrativa e fiscal, Março de 2019, pp. 16, 17.
Execução Fiscal. Lisboa. Centro de Estudos Judiciários, 2019.
(Consulta, 05 de Janeiro de 2020).
Disponível na internet: < URL: http://www.cej.mj.pt>ebooks>administrativo_fiscal>eb_execucaofiscal.pdf.
li
desenvolvimento de uma função, meramente eventual, de controlo da legalidade da
actuação da Administração Tributária no âmbito da execução, acometendo-se a esta última
a prática dos actos do processo que não tenham natureza jurisdicional152.
Lebre de Freitas153 distingue “grau de intervenção do Tribunal”, como tendo a ver com a
medida dos actos executivos praticados fora do Tribunal, de “grau de intervenção do Juiz”,
que respeita à medida dos actos praticados ou supervisionados pelo Juiz dentro dos actos
praticados no Tribunal.
Dito isso, enquanto no processo de execução comum, apesar de haver actos que são da
competência da secretaria e do solicitador de execução, compete ao Juiz dirigir todo o
processo, entretanto, no processo de execução fiscal o Juiz simplesmente “tutela” a
actividade da Administração Tributária154.
Compreenda-se, como já exposto, que esta “tutela” implica um reduzido, na maior parte
das vezes, inexistente grau de intervenção do Tribunal no processo de execução fiscal, em
desacordo com a natureza do mesmo.
Entretanto, convém referenciar que a composição de um conflito de interesses decorrente
da relação entre o executado ou terceiro com a Administração Tributária em processo de
execução fiscal, materializa-se pela constituição de actos de natureza jurisdicional. Sendo a
sua emanação constitucionalmente reservada aos órgãos de natureza jurisdicional, pelo
que, sempre que no âmbito de um processo de execução fiscal se registe a necessidade de
composição de um litígio, o juiz será chamado a intervir155. Porquanto, terá por objecto de
intervenção, a sindicância da legalidade dos actos (assim, como eventuais omissões) da
Administração Tributária no exercício das suas competências, no que tange a conduta no
processo de cobrança coerciva.
152
Vide para o efeito, mediante uma interpretação “mutatis mutandi”, Silva, Hugo Flores da, Colecção de
formação contínua do Centro de Estudos Judiciários sobre a execução fiscal, jurisdição administrativa e
fiscal, Março de 2019, p. 86.
Execução Fiscal. Lisboa. Centro de Estudos Judiciários, 2019.
(Consulta, 18 de Janeiro de 2020).
Disponível na internet: < URL: http://www.cej.mj.pt>ebooks>administrativo_fiscal>eb_execucaofiscal.pdf.
153
Freitas, José Lebre de, Os Paradigmas da Acção Executiva, Revista da Ordem dos Advogados, 2001, p.
544 ss.
154
Morais, Rui Duarte, A Execução Fiscal, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2006, p. 45.
155
Decidir os incidentes, os embargos, a oposição, incluindo quando incida sobre os pressupostos da
responsabilidade subsidiária, e a reclamação dos atos praticados pelos órgãos de execução fiscal, nos termos
do artigo 10.º do CEF.
lii
Portanto, fora do domínio do exercício de funções jurisdicionais, a condução e
desenvolvimento do processo serão assegurados pela Administração Tributária,
concretamente, pelo órgão de execução fiscal, sendo este quem a instaura e tramita. Tendo
essencialmente por prática, os actos processuais tendentes ao cumprimento da tramitação
legalmente estabelecida com vista à concretização do desiderato arrecadatório156.
Logo, dentro do exercício de funções não jurisdicionais no âmbito do processo de
execução fiscal, importará distinguir dois tipos de actos157. Sendo os primeiros designados
por:
• “Actos de natureza processual”, são emanados pela Administração na qualidade de
órgão de execução fiscal no âmbito do processo de execução fiscal e dirigidos ao
cumprimento do respetivo formalismo processual legalmente previsto.
Os segundos, designados por:
• “Atos de natureza procedimental”, são emanados pela Administração no âmbito de
procedimentos tributários autónomos e funcionalmente distintos do processo de
execução fiscal, mas que são “enxertados” no seu âmbito e projectam sobre ele os
seus efeitos.
Portanto, integrarão a primeira categoria actos como a instauração, a citação, a penhora, a
venda, e a decisão sobre a arguição de uma nulidade processual; e integrarão a segunda
categoria actos como a decisão sobre o pedido de prestação de garantia ou da sua dispensa,
a decisão sobre o pedido de dação em pagamento e a decisão sobre o pedido de pagamento
em prestações.
Deste modo, evidenciamos ser a reclamação o meio que mais abertura dá para a
intervenção do juiz naquilo que é o controlo judicial dos actos praticados pelo órgão de
execução fiscal, se não o único, porquanto, é possível definir a natureza essencialmente
judicial deste processo. Portanto, em nossa opinião, a reclamação dos actos praticados
pelos órgãos de execução fiscal158, prevista na alínea d) do n.º 2 do artigo 10.º e no artigo
156
Estaremos, nestes casos, perante actos de natureza administrativa.
157
Cfr. Silva, Hugo Flores da, Colecção de formação contínua do Centro de Estudos Judiciários sobre a
execução fiscal, jurisdição administrativa e fiscal, Março de 2019, p. 87.
Execução Fiscal. Lisboa. Centro de Estudos Judiciários, 2019.
(Consulta, 18 de Janeiro de 2020).
Disponível na internet: < URL: http://www.cej.mj.pt>ebooks>administrativo_fiscal>eb_execucaofiscal.pdf.
158
Esses actos serão todos aqueles que o órgão da execução tem competência para praticar, com excepção
dos actos de mero expediente, irrecorríveis pela sua natureza, nos termos gerais.
liii
161.º do CEF é o meio que melhor define a natureza essencialmente judicial do processo
de execução fiscal.
Por conseguinte, vale dizer que, a expressão “reclamação” antevê uma relação de
dependência hierárquica funcional entre a entidade reclamada e aquela a quem é dirigida a
reclamação159, o que é concordante com a natureza judicial unitária e integral do processo
de execução fiscal que a alínea d) do n.º 2, do artigo 10.º e o artigo 161.º do CEF
consagram.
E se, ao contrário, o CGT e o CEF consagrassem o termo “recurso” (dos actos praticados
pelo órgão de execução fiscal), isso originaria a existência de competências e
procedimentos próprios da Administração, no âmbito dos quais praticaria actos
administrativos passíveis de um controlo de legalidade.
No entanto, a questão aqui é que a lei estabelece um regime regra de apreciação diferida da
reclamação, o que simboliza que a reclamação é apreciada depois da realização da
totalidade das diligências do processo e esta for ainda remetida ao Tribunal. O que Rui
Duarte Morais defende se tratar de um verdadeiro recurso, pois o Tribunal apenas aprecia,
“a posteriori”, da legalidade da actuação de um ente administrativo. Isto porque, no seu
entendimento, a verdadeira decisão sobre a reclamação será a proferida pelo exequente,
nos termos da primeira parte do artigo 162.º do CEF, ao decidir pela revogação ou
manutenção do acto reclamado160.
Sendo certo, que a celeridade que a lei estabeleceu como característica do processo de
execução fiscal e, em especial, o facto de ter confiado ao credor a execução coerciva do
seu crédito, implica como contrapeso necessário à defesa das garantias dos contribuintes
(melhor seria dizer, da legalidade da execução), a intervenção do Juiz, sempre que
necessário e que este resolva, em definitivo e no mínimo tempo possível, o litígio, ou seja,
que em caso de procedência da reclamação, da sua decisão não consista apenas no reenvio
da sua solução do caso para à Administração.
Só assim acontecendo é que – a nosso ver – resultará cumprida a exigência legal de o
processo de execução fiscal ser um processo judicial161.
159
Morais, Rui Duarte, A Execução Fiscal, op. cit., p. 46.
160
Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, op. cit., p. 46.
161
Rui Duarte Morais, em Colecção de formação contínua do Centro de Estudos Judiciários sobre a execução
fiscal, jurisdição administrativa e fiscal, Março de 2019, p. 32.
Execução Fiscal. Lisboa. Centro de Estudos Judiciários, 2019.
liv
Porquanto, é possível se verificar um atropelo em larga medida à fase judicial do processo
de execução fiscal, na medida em que o CEF circunscreve a intervenção do Juiz no direito
de reclamação e de recurso das decisões do órgão de execução fiscal com um carácter
excepcional, desmaterializando a regra do nosso sistema, sendo certo que a direcção do
processo deve caber a um Juiz, ou pelo menos, deve o Juiz controlar a legalidade dos seus
termos, sempre que um interessado a solicite. Em consequência, achamos serem
necessárias alterações quanto ao regime no sentido da consolidação prática da natureza
mista do processo executivo fiscal, garantindo melhor protecção a todos os cidadãos
possivelmente afectados na referida execução.
Em Angola, vigora o sistema judicial de cobrança coerciva de dívidas tributárias. Mas, não
sendo alvo de contestação o facto de a Administração Tributária possuir o poder de
autotutela declarativa162, nos interrogamos se deverá a mesma possuir autotutela
executiva163. Compreendemos que não. Pelo que está em causa a conformidade com a
Constituição angolana, no que tange as normas que atribuem tais poderes executivos. Deste
modo, é pacificamente aceite a existência da autotutela declarativa à nível da doutrina e da
164
José Manuel Sérvulo Correia, declara que (…) a Administração tem poderes para tutelar por si própria as
situações jurídicas em que é parte, incluindo as suas pretensões de inovar relativamente ao “status quo”
jurídico. Cfr. Correia, José Manuel Sérvulo, Noções de Direito Administrativo, Lisboa, Editora Danúbio,
Lda, 1982, p. 337.
165
Fernández, Matías Acebes, Impugnación de la Providencia de Apremio, Bayer Hermanos, S.A., Col.
Temas de Administración Local, 1.ª ed., Barcelona, 2000, pp. 25 e 26.
lvi
A despeito, vale dizer o quanto é importante que se justifique o porquê que o regime de
execução judicial não pode ser eficaz ou o porquê que não são ineficazes os sistemas de
execução judicial, tal como o francês, para aqueles que defendem o poder de autotutela
executiva da Administração que somente se fundamenta em torno de razões de eficácia.
Deste modo, é essencial uma definição legal das exigências do princípio da eficácia, sem
desmemoriar que a eficácia sempre precisará estar delimitada, em princípio, pela ordem
constitucional de reserva de atribuições do Poder Judicial.
No máximo, a necessidade de “actuação eficaz” da Administração é algo a compatibilizar
com a ordem de articulação dos diversos poderes constitucionalmente consagrados, como
um fim derivado, e não um fim em si mesmo.
Recapitule-se que a Administração procede visionando a realização de fins públicos
heteronomamente definidos, pelo que as suas necessidades ou objectivos de eficácia nunca
poderão exceder a legalidade necessária à própria existência da comunidade politicamente
organizada.
Portanto, impõe-se o entendimento quanto o ajuste do poder de autotutela executiva da
Administração à Constituição, no domínio tributário, por via da concepção do sistema
jurídico na sua plenitude, não afectando o funcionamento nem da Administração, nem da
Justiça, e tendo sempre como desígnio os direitos fundamentais dos sujeitos passivos da
execução. Nestes termos, entendemos ser sustentável uma efectiva (re) jurisdicionalização
da execução coactiva das próprias decisões da Administração Tributária166.
Por ora, centremo-nos exclusivamente no modelo angolano: a execução fiscal, tal como
existe, apesar de possuir natureza eminentemente judicial, é essencialmente administrativa.
Muito embora o n.º 1 do artigo 140.º do CGT e a primeira parte do artigo 2.º do CEF
disponham que o processo de execução fiscal tem natureza judicial, a verdade é que só em
casos pontuais é efectivamente judicial, na medida em que essa judicialidade depende da
prática eventual, e na maior parte das vezes inexistente de algum dos actos jurisdicionais
previstos no artigo 10.º do CEF. Por isso, não é de admirar que a maior parte dos processos
166
Refazendo o enquadramento geral do tema, os próprios órgãos da Administração gozam da possibilidade
de execução coactiva dos actos administrativos. Há uma autotutela declarativa, pois a Administração define
em termos obrigatórios uma situação ou relação jurídico-administrativa concreta, sem necessitar que um
Tribunal, previamente, tenha definido essa situação. Por outro lado, há uma autotutela executiva, isto é, a
Administração pode assegurar a execução coactiva das suas próprias decisões, sem ser preciso recorrer à via
judicial. Cfr. Sousa, Vasconcelos Nuno, Direito Administrativo, Vol. I, Almeida & Leitão, Porto, 2001, pp.
120 e 123.
lvii
de execução fiscal se possam iniciar e concluir nos órgãos da execução fiscal sem
intervenção dos Tribunais competentes.
Deste modo, a autotutela executiva tributária compõe, a nosso ver, uma prerrogativa da
Administração difícil de entender, do ponto de vista dos direitos dos executados, e que o
artigo 198.º da CRA parece não permitir.
Nesta conformidade, o sistema organizativo angolano de justiça administrativa é
judicialista, sendo que as questões emergentes de relações jurídico-administrativas
controvertidas que opõe a Administração Pública aos particulares são apreciadas e
decididas em sede dos Tribunais. Todavia, o n.º 2 do artigo 92.º do Decreto-Lei n.º 16A/95
de 15 de Dezembro, sobre o procedimento e actividade administrativa, dispõe que a
Administração pode impor coercivamente, sem recurso prévio dos Tribunais, o
cumprimento das obrigações e o respeito pelas limitações geradas por um acto
administrativo, desde que a imposição seja feita pelas formas e nos termos admitidos por
lei.
Note-se, porém, que os n.os 3 e 4 do artigo 200.º da CRA, só previu a autotutela
declarativa, através da referência aos “actos administrativos”, pelo que a execução desses
actos deveria seguir a via jurisdicional normal. Pelo menos, em matéria de direitos
fundamentais, a execução deveria ser jurisdicional. E o princípio da executoriedade não é
mencionado entre os princípios gerais do procedimento e da actividade administrativa167.
O processo de execução fiscal é um processo especial de execução para pagamento de
quantia certa, por regra concretizado através da penhora e venda de bens do devedor. A
competência última desse processo pertence a um Juiz, o que parece dar tradução a uma
das dimensões do direito de acesso ao Direito e aos Tribunais, consagrado no artigo 29.º da
CRA, em cujo âmbito se inclui o direito ao processo de execução como instrumento para a
realização efectiva do Direito, mas, também, o direito do executado à protecção perante
uma execução injusta.
De modo que sendo o credor dos impostos o Estado, poderíamos ser facilmente levados a
pensar que não faria sentido o recurso aos Tribunais168 para a execução coerciva dos seus
actos administrativos tributários. Por ser tradicionalmente reconhecido à Administração o
167
Artigos 3.º a 10.º do Decreto-Lei n.º 16-A/95 de 15 de Dezembro.
168
O Estado a recorrer a si próprio, à sua vertente judicial.
lviii
privilégio de execução prévia169, a questão que se coloca é se essa cobrança coerciva
deverá efectivar-se através de um processo judicial, pelo Poder Judicial, ou através de um
procedimento administrativo, pelo Poder Executivo.
Entendido o processo de execução fiscal como um processo misto, por ter uma fase
administrativa e uma fase judicial170, os actos de natureza administrativa são praticados
pelos funcionários da Administração Fiscal171, agindo no exercício de competências
próprias, que decorrem da lei, hierarquicamente subordinados ao titular do órgão de
execução, e não ao Juiz. A justificação para este fenómeno, mais uma vez, encontra
repercussão em razões de eficácia funcional e económica.
Pensamos, todavia, que tal como nos outros processos de execução que correm em outros
Tribunais, as admissíveis tarefas administrativas praticáveis no processo, o deveriam ser
por funcionários judiciais.
Acompanhando Rui Duarte Morais172, “existe aqui um elemento perturbador, pois, é o
próprio exequente, a Administração Fiscal, quem pratica certos ou quase todos os actos
processuais, ou seja, aparentemente é ela que executa o seu próprio crédito. Esta aparência,
muito embora não correspondendo no plano jurídico a uma confusão entre duas posições
do Estado “Estado credor e Estado julgador”, é indesejável pelo modo como prejudica a
imagem pública dos Tribunais Tributários, muitas vezes visto pela opinião pública como
um órgão mais da Administração Fiscal, que assim é entendida como julgando-se a si
própria”.
Aqui chegados, iremos olhar novamente nos suprarreferidos artigos 9.º, n.º 2 e 10.º, n.º 1
do CEF, com o intuito de uma análise crítica quanto a inconstitucionalidade material
dessas normas no sentido da atribuição de poderes à órgãos da Administração Tributária
para a prática de certos actos na execução fiscal.
169
Entendido aqui na dimensão de lhe caber fazer executar coercivamente os seus próprios actos
administrativos, no fundo é uma autotutela executiva. Artigo 92.º do Decreto-Lei n.º 16-A/95 de 15 de
Dezembro.
170
Paca, Cremildo Félix, Justiça Administrativa Fiscal e Aduaneira, op. cit., pp. 312 e 313.
171
Elementos alheios ao Tribunal.
172
Morais, Rui Duarte, A Execução Fiscal, op. cit., p. 41.
lix
Modestamente afigura-se-nos que tais normas estão em desconformidade com o princípio
da separação de poderes, de que resulta a reserva de jurisdição, consagrada nos artigos 2.º,
174.º, 176.º e 200.º da CRA.
Tendo por base o seguinte: se determinados actos praticados pelo órgão de execução fiscal
podem pacificamente consentir-se como materialmente administrativos, a realidade é que,
para a normal tramitação do processo executivo fiscal, actos há que não podem deixar de
ser materialmente jurisdicionais. Pois o que está em causa é o litígio em si e não apenas a
necessidade de dirimir o litígio.
Tais actos praticados pelo órgão administrativo são susceptíveis de lesar irreparavelmente
direitos constitucionalmente consagrados, como por exemplo o direito de propriedade173.
Sem deslembrar, com especial singularidade a sociedade da informação dos nossos dias, o
direito à identidade, à privacidade e à intimidade174, perante uma execução possivelmente
injusta.
Logo, e não obstante a dificuldade, ou até impossibilidade, de fazer uma restrição
definitiva e estanque entre o que são actos materialmente jurisdicionais e actos
materialmente administrativos, o que se torna necessário observar é que o processo de
execução fiscal é com certeza um processo de natureza essencialmente judicial, porquanto,
é integrado por actos que, na sua maioria, visam dirimir um conflito de interesses, pese
embora, a configuração contida no CGT e no CEF, o caracteriza como um verdadeiro
processo misto com natureza atípica.
A respeito da acção executiva singular, alude Miguel Teixeira de Sousa175, “a acção
executiva enquadra-se, assim, na efectividade da tutela jurisdicional e na garantia do
acesso aos Tribunais para a defesa dos direitos e interesses legítimos176”.
E mais alude o citado autor, em relação a configuração do direito a execução, que ao
Estado compete o exercício da função jurisdicional através dos Tribunais, e se na acção
declarativa, se aceita que a lei ou as partes atribuam à um Tribunal Arbitral competência
173
Artigo 37.º da CRA.
174
Vide n.º 1 do artigo 32.º da CRA.
175
Sousa, Miguel Teixeira, Acção Executiva Singular, Lisboa, 1998.
176
Vide artigo 29.º da CRA.
lx
para a apreciação de um litígio177, o mesmo não sucede no âmbito da execução fiscal, onde
o Estado goza de um monopólio absoluto, pelo que, o direito de executar o património
alheio não pode ser exercido sem o recurso à função jurisdicional.
José Lebre de Freitas dispõe que não se trata já de declarar direitos preexistentes ou a
constituir, trata-se sim, de providenciar pela reparação material coactiva do direito do
exequente. Segundo este autor, com a acção executiva, passa-se da declaração concreta da
norma jurídica para a sua actuação prática, mediante o mecanismo da garantia178.
Sendo certo que, os actos de execução não se resumem à mera prática de operações
materiais, considerando que essas operações compõem o resultado de um conjunto de
juízos precedentes desenvolvidos no âmbito do ordenamento jurídico179, 180.
Por outro lado, também achamos pertinente destacar a figura da penhora, por corresponder
ao acto judicial fundamental do processo de execução, e que compreende a apreensão
judicial de bens, produzindo um conjunto de efeitos jurídicos que consistem na
transferência de poderes de gozo para o Tribunal que integram o direito do executado.
Porquanto, é essencial tomar nota, que a venda executiva produz efeitos que extrapolam a
esfera jurídica deste. É o caso por exemplo, da efectivação da responsabilidade subsidiária,
que cria modificação subjectiva da instância e naturalmente exige do órgão competente a
ponderação devida, usando para o efeito, pressupostos eminentemente jurídicos.
Tanto que a própria citação, enquanto fenómeno de chamamento dos responsáveis à
execução, reveste momentos de complexo juízo jurídico, bastando para tal, a título de
exemplo, pensar na complexidade da posição do cônjuge, será este co-executado ou
terceiro181 daquele contra quem é instaurado o processo executivo182?
177
Vide n.º 4 do artigo 174.º da CRA.
178
Freitas, José Lebre de, A Acção Executiva Depois da reforma da reforma, 5.ª Ed., Coimbra Editora, 2009,
pp. 9 e 16.
179
O juízo de qualificação da concreta situação que leva a Administração a adoptar medidas coactivas é um
juízo jurídico.
180
Vide para o efeito, mediante uma interpretação “mutatis mutandis”, Maria da Glória Ferreira Pinto, Breve
Reflexão sobre a Execução coactiva dos Actos Administrativos, ESTUDOS – XX Aniversário do CEF, Vol.
II, DGCI, 1983, p. 565.
181
Artigo 120.º, n.º 1, alínea b) do CEF.
182
Cfr. Silva, Susana Tavares da, Colecção de formação contínua do Centro de Estudos Judiciários sobre a
execução fiscal, jurisdição administrativa e fiscal, Março de 2019, pp. 112, 113 e 114.
Execução Fiscal. Lisboa. Centro de Estudos Judiciários, 2019.
(Consulta, 20 de Janeiro de 2020).
lxi
A complexidade desta questão surge porque da celebração do casamento sob o regime da
comunhão de adquiridos resulta que entre os cônjuges coexistam três massas patrimoniais
de bens: a massa de bens próprios titulados por cada um deles e a massa de bens comuns. E
durante a vigência do casamento, é quase impossível que estas três massas patrimoniais
não se confundam, surgindo circunstâncias em que é necessária a disputa da titularidade de
certos bens e certas obrigações.
Entretanto, a posição do cônjuge face a situação levantada dependerá de como será
demandado, ora, se este for citado com o executado, assumirá a posição de co-executado,
todavia, quando não é citado juntamente com o executado, assume a posição de um
terceiro, cujo legítimo interesse importa proteger.
Outrossim, tais actos, assim como outros, colidem com direitos subjectivos dos cidadãos
que não podem deixar de estar salvaguardados numa execução pela autenticidade de uma
decisão judicial, porque materialmente jurisdicionais, envolvendo a atribuição ao órgão de
execução fiscal de poderes para a prática dos mesmos, configurando uma violação dos
princípios constitucionais da separação de poderes e reserva de jurisdição, bem como do
princípio do Estado de Direito Democrático.
Quanto a reclamação dos actos do órgão de execução fiscal, apesar de a subida imediata da
reclamação, na prática processual, ser a regra183, o facto é que o respectivo regime legal
proporciona uma margem arbitrária que pode motivar a retenção indevida da reclamação,
desprotegendo o interessado na necessária tutela judicial. Isto porque, o que está em causa,
mais do que permitir a tutela judicial imediata, é essencial tutelar, todo e qualquer
acto/decisão que, por concretamente individualizável como atentatório de um direito
particular, deve ser imediatamente apreciado pelo Tribunal.
Outra questão não menos importante tem que ver com a incerteza que advém dos
diferentes tipos de actos admitidos na execução fiscal, no que tange a sua revogabilidade,
respectivos prazos e efeitos de caso julgado. O executado vive tão-somente, uma
verdadeira incerteza quanto a sua protecção mediante um processo injusto.
Tendo em conta que as execuções fiscais, mantidas no domínio da Administração, se
proporcionam a respectiva utilização, como instrumento de política financeira, por uma
183
Vide artigo 162.º do CEF.
lxii
organização hierarquicamente dependente do Executivo, evidencia-se decisiva, a
necessidade de desfazer a actual concentração de poderes na Administração Tributária, de
autotutela declarativa e autotutela executiva184.
184
Glória Teixeira, dispõe nas suas doutas lições, e mediante uma aplicação “mutatis mutandis”, que não
existe em nenhum ordenamento jurídico, ofensa mais grave à integridade patrimonial dos cidadãos do que a
instauração de um processo executivo, que em países desenvolvidos aparece devidamente regulado e em
conformidade com os princípios e liberdades fundamentais, nomeadamente o direito a um processo justo e
imparcial que só aos Tribunais compete. O que existe, portanto, é uma clara divisão de poderes, não podendo
o poder executivo interferir com o poder judicial. E remata: É, portanto, manifestamente inconstitucional o
processo executivo fiscal português “mutatis mutandis”, devendo os cidadãos, em última instância, recorrer
para o Tribunal dos Direitos Humanos em defesa dos seus direitos inalienáveis. Cfr. Glória Teixeira, Manual
de Direito Fiscal, 2.ª ed., Editora Almedina, 2010, p. 362 e 363.
185
Rocha, Joaquim Freitas da, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 4ª ed., Coimbra Editora, 2011,
p. 316.
186
Cfr. https:// www.tribunalconstitucional.ao.
(Consulta, 06 de Maio de 2020).
lxiii
Acórdão n.º 80/2003, proferido em 12-02-2003 no processo n.º 151/02187, analisou o
problema da eventual inconstitucionalidade das normas que atribuem à Administração
Tributária competência para a instauração e prática de actos no processo de execução
fiscal, e considerou que, sendo o processo de execução fiscal “nuclearmente jurisdicional”,
permite, na sua tramitação, a prática de actos que não têm que ser necessariamente
praticados pelo Juiz, podendo ser praticados por funcionários da Administração,
salvaguardada a possibilidade de sindicância pelo Juiz.
Concluiu o Tribunal Constitucional, assim, pela constitucionalidade material e orgânica
das normas que conferem aos órgãos da Administração competências para a prática de
actos no processo de execução fiscal.
Partindo de um elegante formalismo conceptual na distinção entre função jurisdicional e
função administrativa, ganhou assim terreno a “desjurisdicionalização” do processo
executivo fiscal, só se obrigando a intervenção do Tribunal, quando é necessário dirimir
litígios, podendo o processo executivo fiscal decorrer fora do Tribunal.
Em resumo, a este propósito, retira-se do referido acórdão “(…) que pese embora, a ordem
jurídica portuguesa atribui natureza judicial ao processo de execução fiscal, não obriga a
que todos os actos em que se desenrola o processo de execução fiscal devam ser
obrigatoriamente praticados pelo juiz”. Pelo que não considerou inconstitucional a
natureza do processo de execução fiscal.
Vista esta questão na ordem jurídica angolana, a Constituição da República de Angola
garante no seu artigo 102.º n.º 1, que os impostos só podem ser criados por lei, que
determina a sua incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
Pressupondo com isto, que: "ninguém pode ser obrigado a pagar impostos cuja criação,
lançamento, liquidação e cobrança não façam nos termos da lei”.
Em verdade se diga, que deste preceito normativo, não se coloca entraves em relação a
possibilidade de cobrança coerciva dos impostos ser realizada por um órgão
administrativo, por isso o artigos 140.º do CGT e 2.º do CEF, consagram uma natureza
mista do processo de execução fiscal, que se materializa em momentos de natureza
administrativa e momentos de natureza judicial, permitindo desta forma, que o processo de
execução fiscal seja eminentemente judicial, mas na prática, essencialmente
187
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20030080.html .
(Consulta, 06 de Maio de 2020).
lxiv
administrativo, pois, existem actos de execução fiscal que começam na Administração
Tributária e lá terminam, já que em termos gerais, este processo apenas subirá ao órgão
judicial por iniciativa do contribuinte.
José Casalta Nabais188 entende que muito embora se atribua natureza judicial a este
processo, o certo é que estamos perante um processo que é judicial só em certos casos e,
mesmo nestes casos, apenas em parte, já que um tal processo só será judicial se e na
medida em que tenha de ser praticado algum dos mencionados actos de natureza judicial.
Em nossa opinião, salvo maior e melhor, a natureza mista do processo de execução fiscal
consagrada na ordem jurídica angolana, é susceptível de conduzir em muitos casos, a
inconstitucionalidade de certos actos, praticados pelo órgão administrativo de execução
fiscal, no referido processo, como por exemplo, a penhora quando não deva ser ordenada
pelo Tribunal, pois, de acordo o n.º 1 do artigo 57.º da CRA, a lei só pode restringir os
direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo
as restrições limitar-se ao necessário, proporcional e razoável numa sociedade livre e
democrática, para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente
protegidos.
188
Nabais, José Casalta, Direito Fiscal, 4ª ed., Almedina Editora, 2006, pp. 336 e 337.
lxv
A segunda parte do artigo 2.º do CEF, dispõe que compete ao Chefe de Repartição Fiscal
ou de outras entidades que a lei designar para no referido processo, praticar sob controlo do
Juiz, actos materialmente administrativos. Estes actos são descritos no n.º 2, alíneas a) à j)
do artigo 9.º do CEF189. O que significa, que ao órgão de Administração Fiscal, compete a
realização de todas as diligências necessárias à satisfação dos direitos do exequente que
não estiverem legalmente reservadas ao Tribunal.
Dentre outros, temos por exemplo a situação da controvérsia da penhora praticada pelo
órgão administrativo de execução fiscal, que representa claramente uma implicância legal e
doutrinária no processo de execução fiscal, por parte dos fazedores de opinião nesta
vertente do saber, como por exemplo o fez, Cremildo Félix Paca190.
189
De acordo o artigo 9.º do CEF, compete ao chefe de Repartição Fiscal no processo especial de execução
fiscal, a prática dos seguintes actos: a instauração do processo de execução fiscal, com base no título
executivo; a autorização do pagamento a prestações, nos casos previstos no CEF; a decisão sobre os
embargos, quando deduzidos por requerimento; a penhora, quando não deva ser ordenada pelo Tribunal; a
aplicação dos valores penhorados ou do produto da venda dos bens penhorados no pagamento da dívida
exequenda e acréscimos legais; a decisão de proceder à efectiva entrega dos bens penhorados ao depositário
e, dos vendidos, ao adquirente, ainda que, em qualquer dos casos, seja necessário requisitar a força policial
pública e proceder o arrombamento de portas e substituição de fechaduras; a liquidação dos juros de mora
vencidos no período do processo; a elaboração da conta de custas relativas aos actos praticados pelo órgão
administrativo de execução fiscal; a declaração da extinção do processo de execução fiscal; as citações,
notificações e publicações obrigatórias e o auxílio do Tribunal na execução das suas decisões.
190
Paca, Cremildo Félix, Justiça Administrativa Fiscal e Aduaneira, 1.ª ed., Damer Gráfica S.A, Luanda,
2017, pp. 357 e 372.
lxvi
A questão que se coloca, tem que ver com a penhora de natureza administrativa, efectuada
de acordo o n.º 2 do artigo 97.º do CEF, pelo Chefe do órgão administrativo encarregue de
proceder à direcção e gestão do processo executivo, que inclusive, pode ainda ordenar a
operacionalização da penhora do património do contribuinte sem que haja, previamente, a
intervenção do Tribunal.
A figura da penhora é originária do Direito Privado e deve ser executada por um órgão
jurisdicional. Em função desta regra, nascem muitas dúvidas e acesos desentendimentos no
seio dos profissionais do Direito e contribuintes em geral, em relação a legalidade da
penhora administrativa de execução fiscal, pois, tudo indica que a penhora administrativa
viola funções originárias do órgão jurisdicional. Estas dúvidas em nossa opinião têm razão
de ser visto que a penhora é a apreensão judicial de bens, então não teria legitimidade o
órgão da Administração Tributária de execução fiscal, que por sinal é parte do processo,
proceder a penhora.
191
Por exemplo penhora de títulos de crédito e valores mobiliários.
lxvii
Domingos Pereira da Silva192, adverte-nos que pode mesmo acontecer que o processo de
execução fiscal se incide e decorra por inteiro no âmbito da Administração Tributária (…)
sem que haja qualquer acto praticado por um Juiz, sem intervenção do Tribunal, por não
ser suscitado a prática de um acto jurisdicional. Todavia, entende este autor, apesar disto,
que o processo de execução fiscal não deixa de ser um processo judicial, com todas as
consequências que decorrem daí no plano das garantias dos contribuintes, pelo que
concorda, com a penhora administrativa.
Neste diapasão, caminha Cremildo Félix Paca193, que a única garantia dada pela CRA, no
seu artigo 102.º é que ninguém é obrigado a pagar impostos cuja liquidação e cobrança se
não façam nos termos da lei, nele se compreendendo naturalmente quer a cobrança
voluntaria quer a cobrança coerciva. Os actos de cobrança devem rigorosamente
obediência à lei, todavia, não resulta do mesmo artigo, que os actos que integram o
processo de execução fiscal tenham de ser sempre praticados por um Juiz194.
192
Citado por Paca, Cremildo Félix, Justiça Administrativa Fiscal e Aduaneira, 1.ª ed., Damer Gráfica S.A,
pp. 358 e 359.
193
Paca, Cremildo Félix, Justiça Administrativa Fiscal e Aduaneira, op. cit., p. 359.
194
A verdade é que a realização da penhora não tem sido exclusiva ao órgão jurisdicional, permitindo que
outros órgãos que compõe o aparelho do Estado, em função da celeridade, da não dependência e da captação
de receitas para a satisfação do interesse colectivo, também procedem. Trata-se, essencialmente, do órgão
administrativo de execução fiscal da Administração Tributária, dotada de poderes excepcionais.
195
Em função da configuração administrativa jurisdicional da execução fiscal, tal acto de apropriação é
levado a efeito pelo órgão da execução fiscal, através de um acto que assume o nome de mandado de
penhora.
lxviii
Além destes fundamentos, somos a elencar os seguintes factos que fundamentam a penhora
administrativa:
A ser assim, pensamos que estamos diante de um processo com grandes desequilíbrios,
cujo principal objectivo é a todo custo realizar os interesses da Administração Tributária,
visto que, primeiro é que ficou afastada a possibilidade de intervenção do Tribunal,
196
Neste caso a Administração Pública, ostenta o seu “Ius Imperii”, por via do privilégio de execução prévia
consagrado no artigo 92.º do Decreto-Lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro.
197
A cobrança coerciva integra a estrutura da Administração Fiscal, não só em Portugal (ou em Angola),
como também no Reino Unido, Irlanda, Alemanha, Luxemburgo, Dinamarca, França, Bélgica, Finlândia,
Estados Unidos da América, Coreia do Sul, Canada, Áustria, Austrália, República Checa, Grécia, Noruega,
Polónia, Turquia, Eslováquia, Nova Zelândia, Bolívia, Peru e o Japão. Vide em Marques, Paulo, Elogio do
imposto – a relação do Estado e os contribuintes, 1.ª ed., Coimbra Editora, 2011, p. 147.
198
Vide artigos 9.º n.º 2 alínea b), 97.º n.º 2 e 98.º n.º 1, todos do CEF.
199
Vista ao Ministério Público, para controlo da conformidade jurídica e onde podem ser levantadas por este,
questões de legalidade que, por qualquer motivo, não foram abordadas até ao momento.
200
Vide n.º 4 do artigo 98.º do CEF.
201
Do ponto de vista prático, esta norma é contraditória, pois, se a intenção é que o garante da legalidade, no
caso o Ministério Público, fiscalize a penhora praticada pelo órgão administrativo, não pode o legislador
legitimar o Ministério Público a fazer apenas a fiscalização sucessiva, sendo que a fiscalização que se
precisa, dado o afastamento do Tribunal na penhora administrativa, é a fiscalização preventiva do garante da
legalidade e não a fiscalização após o congelamento dos valores existentes da dívida exequenda (fiscalização
sucessiva).
lxix
segundo, é que a intervenção do Ministério Público202 é muito reduzida, considerando que
só pode fiscalizar sucessivamente e como se não bastasse tem 48 (quarenta e oito) horas
para se pronunciar sobre a legalidade da penhora, por via da emissão de um parecer203, 204,
pelo que o não pronunciamento produz o valor jurídico de aceitação e a penhora considera-
se realmente realizada. Portanto, somos a concluir que a fiscalização da penhora efectuada
pelo Ministério Público é ínfima, bastava mesmo para o efeito apenas um pronunciamento
por via de um despacho, a título de tomada de conhecimento. Deixando desta forma a
merecer de críticas, o modelo administrativo de execução fiscal, pois, abre muitas
possibilidades de violação das garantias dos contribuintes e muni de alguma razão aqueles
que à consideram inconstitucional.
202
O Ministério Público assume, sem dúvida, um papel muito mais discreto em relação ao desempenhado por
outros intervenientes processuais, embora seja um papel de extrema importância e relevância, até porque é,
nos termos da Constituição, o “defensor da legalidade”.
Especificamente no domínio do processo tributário, cabe-lhe: • Defender a legalidade e promover a
realização do interesse público; • Representar oficiosamente, nos termos da Constituição e da lei, os ausentes,
incertos ou incapazes; • Representar a Administração Tributária nos casos legalmente previstos; • Defender
outros interesses que a lei determinar ( art. 21.º, n.º 1 do CPT).
203
Que desde já se diga que não anula absolutamente o processo, isto de acordo ao n.º 7 do artigo 98.º do
CEF, que primeiro dá a possibilidade de o órgão que iniciou o processo de execução fiscal concordar ou não
da declaração de ilegalidade, segundo, se concordar, pode repetir a diligência, quando devia ser enquadrado
nos vícios insanáveis. Agora nos perguntamos: Terá o órgão de execução fiscal a faculdade de concordar, ou
não, do despacho de ilegalidade do Ministério Público?
204
O artigo 98.º do CEF, apresenta muitas contradições, no entanto, da interpretação feita no seu n.º 9,
apresentamos as seguintes questões: Quem deve promover a diligência para o Tribunal competente? Será o
órgão administrativo de execução fiscal, a entidade competente para promover a apreciação da diligência
pelo Tribunal competente, dado o facto de que é ele o maior interessado?
205
Vide artigos 28.º n.º 1 e 29.º n.º 1 do CEF.
206
Situação idêntica decorre nos casos previstos no artigo 113.º do CEF.
lxx
A posição exposta de primeiro penhorar e depois citar é dúbia, uma vez que a
Administração Geral Tributária é um órgão administrativo, que procede a penhora sem a
prévia autorização do Tribunal e como se não fosse o suficiente, coloca em questão o
princípio da igualdade de armas pelo facto de ser também parte do processo e se colocar
numa situação de vantagem em relação a outra parte207.
Portanto, somos de opinião que a penhora antes da citação é ilegal, pois, atropela em
grande escala, as garantias dos contribuintes, com maior destaque ao princípio do
contraditório materializado nos artigos 29.º da CRA, 4.º do CPT e 23.º n.º 1, alínea k) do
CGT, que via de regra comporta carácter absoluto, conhecendo apenas determinadas
207
Cremildo Félix Paca, dispõe que em termos práticos, existe neste aspecto um manifesto excesso de poder
da AGT para a satisfação da dívida exequenda, porquanto, a parte ou fase administrativa da execução fiscal,
corolário da dupla natureza do processo de execução fiscal, a prática de actos processuais, mesmo aos actos
administrativos praticados na execução, estão sob o controlo do Juiz, conforme o procedimento no artigo 2.º
do CEF. A penhora não é um acto materialmente administrativo, mas sim processual. Aliás, a natureza
processual decorre do próprio conceito de penhora. Por outro lado, este privilégio concedido a Administração
Tributária, até certo ponto, fere o princípio do contraditório (artigo 7.º n.º 2 do CPT), que é corolário do
princípio da igualdade de armas no processo, inerente a ideia de processo equitativo (due processo of law).
Cfr. Paca, Cremildo Félix, Justiça Administrativa Fiscal e Aduaneira, 1.ª ed., Damer Gráfica S.A, Luanda,
2017 p. 366.
208
Apesar de estarmos no domínio da execução fiscal, considerando que o CEF não prevê princípios
processuais fundamentais especiais para o processo de execução fiscal, é legítimo aplicar as normas do CPT
a título subsidiário desde que da sua aplicação não haja colisão.
209
A falta de citação, viola em grande escala as garantias dos contribuintes, põe em questão o princípio da
segurança e certeza jurídica, impede que o contribuinte se oponha a execução como dispõe o artigo 23.º, n.º 1
alínea k) do CGT.
210
Sobre o seu conhecimento, vide n.º 2 do artigo 38.º do CEF.
211
Vide artigo 38.º do CEF.
lxxi
excepções, nos termos do artigo 99.º n.º 1 do CPT, que não é o caso do fundamento da
penhora antes da citação, contida no artigo 66.º do CEF212.
212
O artigo 66.º do CEF, apresenta como fundamento para penhora antes da citação, o critério do valor da
dívida exequenda.
213
Essa situação dá lugar a uma cadeia de dívidas, pois, o devedor fica privado de todo seu património, e
impedido de materializar os seus compromissos económicos com outros credores, causando desta forma um
prejuízo incomensurável na esfera económica do contribuinte devedor.
214
Artigo 103.º do CEF.
215
Vide artigo 103.º do CEF.
216
Vide Paca, Cremildo Félix, Justiça Administrativa Fiscal e Aduaneira,op. cit., pp. 275 e ss.
lxxii
Tributário, que por sinal, é um Direito Administrativo especial e não civil, tão-pouco
administrativos gerais217.
Nesta realidade, apesar do processo de execução fiscal possuir por atribuição legal,
natureza essencialmente judicial, é materialmente administrativa. Sendo notória uma
autotutela executiva tributária que constitui uma prerrogativa da Administração que a CRP
parece não permitir, conflitando com o princípio da separação de poderes, de que emana a
reserva de jurisdição.
Dentro deste processo de execução fiscal não existe intervenção nem do Ministério Público
nem do Representante da Fazenda Pública, e o Tribunal só intervém, em limitadas
217
Vide Paca, Cremildo Félix, Justiça Administrativa Fiscal e Aduaneira, op. cit., pp. 371 e 372.
lxxiii
situações, se provocado pelo executado ou terceiro interessado, em clara violação de
direitos fundamentais dos cidadãos, que na execução ficam, na prática, a descoberto da
tutela judicial.
Quanto ao regime da reclamação dos actos do órgão de execução fiscal, este pode originar
a retenção indevida da reclamação, desprotegendo o interessado na necessária tutela
judicial, quando o que se impõe é que qualquer decisão concretamente individualizável
como atentatória de um direito particular, na execução, deve ser imediatamente apreciada
pelo Tribunal.
A respeito, o n.º 3 do artigo 7.º da Ley General Presupuestaria219 (LGP) estatui que não se
poderá transigir judicial ou extrajudicialmente sobre os direitos da Fazenda Pública nem
submeter a arbitragem os conflitos que se suscitem em resultado dos mesmos, sem lei que
a tal autorize, tendo a mesma que ser submetida a autorização do Conselho de Ministros,
após audiência prévia do Conselho de Estado.
218
Ley 58/2003, 17 de Diciember, General Tributária
219
Ley 47/2003, de 26 de Noviember, General Presupuestaria.
lxxiv
4.3. Nota comparativa (modelo português e espanhol)
Chegados aqui após esta breve resenha de ambos sistemas de tributação, visivelmente
vamos inferir que o procedimento Apremio e o processo de execução fiscal não são tão
simétricos. Porquanto o processo português, apesar de ser delimitado distintamente pelo
legislador com uma natureza judicial, este ainda assim, abarca uma intervenção
administrativa. Pelo que se têm levantado dúvidas pertinentes, a nível da doutrina e da
jurisprudência, a respeito desta classificação, causando deste modo litigância, que
conforme a sua dimensão, podem comprometer a celeridade na cobrança dos créditos
tributários e a protecção das garantias dos contribuintes.
Entretanto, importante também é registar, que apesar destes sistemas terem um regime de
execução diferente, parecem semelhantes no que toca os seus auges: celeridade e eficácia.
Ora, ambos sistemas se distinguem por terem sido definidos por naturezas diferentes,
todavia, assemelham-se por terem uma tramitação atribuída a um órgão administrativo,
sem se afastar a possibilidade de os interessados solicitarem a intervenção de um órgão
judicial com a pretensão deste apreciar os actos praticados em termos legais.
220
CPPT- Código de Procedimento e Processo Tributário (português).
lxxv
administrativa e a judicial, resultando daí menor grau de litigiosidade, o que parece ser
mais proveitoso, se acompanharmos o que alude José Casalta Nabais221 quando menciona
que tanto melhor será o sistema de justiça, quanto menor for o número de litígios a que der
origem, já que, a resolução judicial dos mesmos absorve muitos recursos financeiros.
221
Nabais, José Casalta, Considerações sobre o Anteprojecto de Revisão da Lei Geral Tributária e do Código
de Procedimento e Processo Tributário, cadernos de justiça administrativa, n.º 61, Janeiro e Fevereiro de
2007.
lxxvi
DISPOSIÇÕES FINAIS
Dito isso, convém recapitular que o processo de execução fiscal visa fundamentalmente a
arrecadação de meios financeiros conducentes a satisfação das necessidades colectivas, e
em virtude disso, o legislador preocupou-se em tornar a cobrança do crédito tributário o
mais diligente possível, esquivando-se de quesitos litigiosos que pudessem gerar maior
morosidade e consequentemente pudessem ser insuportáveis financeiramente, pelo que
procurou vias alternativas, tendo por alvo a celeridade e a eficácia. Nesta medida, o
legislador tributário, antes de implementar o regime jurídico deste processo, teve em
consideração a problemática descrita, pelo que decidiu liberar os Tribunais de uma enorme
quantidade de insignificâncias jurídicas que levariam ao congestionamento do sistema
judicial, e por isso, incumbiu a Administração Tributária para a prática da maior parte dos
actos relacionados com a execução fiscal. No entanto, diz-se que esta age na qualidade de
“auxiliar do juiz” pelo que tal particularidade lhe permite executar actos que assumem uma
natureza processual, e que a prática de um acto se encontra apenas dependente da
existência de um anterior, com uma margem muito restringida de livre apreciação e que
liberta os Tribunais das tarefas de pendor executivo. Tal e qual acontece na execução
comum em que vários actos não sendo materialmente jurisdicionais (por não envolverem a
composição de interesses), podem ser praticados por um funcionário.
lxxvii
tanto na execução fiscal como na execução comum a exigência de celeridade explica em
grande medida esta opção, sendo que na primeira delas terá ainda uma maior
preeminência. Por outro lado, a existência de actos como a penhora neste processo,
fundamentam a aproximação do poder judicial, tendo por corolário, uma alcançável
sindicância dos actos praticados pelo órgão de execução fiscal, considerando o facto de tais
actos serem de carácter invasivo e lesivo na esfera jurídica do contribuinte. Cedendo desta
forma, um maior nível de protecção ao executado, já que no nosso ordenamento jurídico se
atenua os limites entre a actividade administrativa e a judicial, aproximando o juiz dos
actos praticados no processo.
Ora, levemos em consideração, que este facto para além de teoricamente contribuir para a
celeridade, deve-se a fundada preocupação do legislador em proteger os direitos e
interesses dos contribuintes, já que as medidas coercivas praticadas no âmbito do processo
executivo atacam a propriedade dos visados. E por se tratar de uma questão sensível com
grandes implicações na esfera jurídica dos cidadãos, quanto maior for a proximidade do
juiz, maior será a protecção conferida. Portanto, esta maior proximidade do juiz é
promovida através da reclamação judicial directa dos actos praticados pelo órgão de
execução fiscal, sendo esta na verdade, o acto que melhor define a natureza judicial
atribuída pelo legislador.
Contudo, não tem suavizado as críticas dirigidas ao acto de penhora realizado pelo órgão
administrativo, pois neste acto, o Ministério Público tem uma fiscalização “insignificante”
de tão ínfima que é, abrindo muitas possibilidades de violação das garantias dos
contribuintes e muni de alguma razão aqueles que à consideram inconstitucional. E em
consequência, achamos serem necessárias alterações quanto ao regime jurídico do processo
em apreço, no sentido da consolidação prática da sua natureza mista, garantindo melhor
protecção a todos os cidadãos possivelmente afectados na referida execução.
lxxviii
superada, se quanto a isso, o legislador pudesse adoptar uma disposição mais precisa sobre
o efeito da atribuição daquela natureza jurídica, nos actos que compõem o processo em
causa.
lxxix
BIBLIOGRAFIA
Agostinho Veloso da Silva Barcelos, Lições de Direito Fiscal (Manual de apoio), IPCA-
Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (Escola Superior de Gestão), Abril de 2007.
Carlos Feijó e Cremildo Paca, Direito Administrativo, 3.ª ed., Luanda: Mayamba Editora,
2013.
Cremildo Felix Paca, Justiça Administrativa Fiscal e Aduaneira, Damer Gráfica S.A,
Luanda, 2017.
Glória Teixeira, Manual de Direito Fiscal, 2.ª ed., Almedina Editora, 2010.
J.J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol.
I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2014.
Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento e Processo Tributário, 3.ª ed., Coimbra
Editora, 2014.
Joaquim Freitas da Rocha; Hugo Flores da Silva, Teoria Geral da Relação Jurídica
Tributária, Almedina Editora, 2017.
Jorge Lopes de Rodrigues Benjamim Silva e Diogo Leite de Campos, Lei Geral Tributária,
Anotada e Comentada, 2.ª ed., Vislis Editores, 2000.
José Carlos Vieira de Andrade, Lições de Direito Administrativo, 5.ª ed., Edição Imprensa
da Universidade de Coimbra, 2017.
lxxx
José Casalta Nabais, Considerações sobre o Anteprojecto de Revisão da Lei Geral
Tributária e do Código de Procedimento e Processo Tributário, cadernos de justiça
administrativa, n.º 61, Janeiro e Fevereiro de 2007.
José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 11.ª ed., Almedina Editora, 2019.
José Joaquim Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 5.ª ed., Coimbra Editora,
1995.
José Lebre de Freitas, A acção executiva depois da reforma da reforma, 5.ª ed., Coimbra
Editora, 2009.
José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil – Conceitos e princípios gerais, 1.ª ed.,
Coimbra Editora, 1996.
José Luís Saldanha Sanches e João Taborda da Gama, Manual de Direito Fiscal Angolano,
1.ª ed., Wolters Kluwer Portugal/ Coimbra Editora, 2010.
José Luís Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª ed., Coimbra Editora, 2007.
José Luís Saldanha Sanches, O ónus da prova no processo fiscal, in CTF, n.º 340/342
Abril/ Junho, Lisboa, 1987.
José Manuel Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo, Lisboa, Editora Danúbio,
Lda, 1982.
Maria da Glória Ferreira Pinto, Breve reflexão sobre a execução coactiva dos actos
administrativos, Estudos – XX Aniversário do CEF, Vol. II, DGCI, 1983.
Paulo Marques, Elogio do imposto, a relação do Estado com os contribuintes, 1.ª ed.,
Coimbra Editora, 2011.
Rui Duarte Morais, A execução fiscal, 2.ª ed., Almedina Editora, 2006.
Vítor António Duarte Faveiro, Noções fundamentais de Direito Fiscal Português, Vol. II,
Coimbra Editora, 1986.
Legislação Consultada
lxxxii
Plataformas digitais:
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8c62108f262bd98a8025
77360036cc9e?OpenDocument
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20030080.html
https://issuu.com/bibliotecafiscal/docs/li____es_de_direito_fiscal_escola_s_56142c7aea64
09
https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/60274/1/conten_angola_web.pdf
https://tribunalsupremo.ao
www.tribunalconstitucional.ao
http://www.cej.mj.pt>ebooks>administrativo_fiscal>eb_execucaofiscal.pdf
lxxxiii