João Fernando Damião Caldeira
João Fernando Damião Caldeira
João Fernando Damião Caldeira
Escola de Direito
UMinho|2011
Outubro de 2011
Universidade do Minho
Escola de Direito
Dissertação de Mestrado
Mestrado em Direito Tributário e Fiscal
Outubro de 2011
DECLARAÇÃO
Assinatura: ________________________________________________
ii
AGRADECIMENTOS
Ao Exmo. Senhor Professor Doutor Joaquim Freitas da Rocha que teve a bondade de aceitar a
orientação científico-pedagógica da presente dissertação, por todo o saber e experiência transmitidos,
bem como por toda a disponibilidade revelada.
iii
iv
RESUMO
O objecto de estudo da presente dissertação é a inspecção tributária, em sentido lato, entendida quer
enquanto poder legitimado constitucionalmente com vista à prossecução do interesse público da justiça
e igualdade fiscal, quer enquanto procedimento, ou seja, enquanto conjunto de actos destinado à
comprovação concreta das realidades tributárias, em cumprimento de tal desiderato constitucional.
Como iremos observar ao longo do presente estudo a inspecção tributária, em qualquer destas
dimensões, quer enquanto poder, quer enquanto procedimento, pode, apesar de legitimada
constitucionalmente, colidir com outros direitos, liberdades e garantias, também estes com
acolhimento constitucional.
É certo que o interesse público subjacente à inspecção tributária – de justiça e igualdade fiscal – pode
prevalecer sobre esses direitos, liberdades e garantias, impondo o seu sacrifício aos particulares.
Porém não os pode sacrificar a todo o custo, em todas as situações e circunstâncias. Este sacríficio
deve ser sempre minimizado ao máximo, ou seja, o sacrifício imposto aos contribuintes deve ser
exigível, adequado e proporcional. Assim, tais direitos, liberdades e garantias constituem limites
formais e materiais essenciais que devem nortear e balizar a prática de actos de inspecção. A violação
de tais direitos, liberdades e garantias, para além das consequências invalidantes do próprio acto
tributário resultante do procedimento (violação dos limites formais), sempre que ultrapasse o limite do
razoável (violação dos limites materiais ou seja dos direitos fundamentias), não pode ter outra
consequência que não a responsabilização civil da Administração fiscal e dos agentes da inspecção,
bem como a responsabilidade penal destes últimos (sem prejuízo da responsabilidade disciplinar
igualmente imputável, mas que não tem eficácia sobre a esfera jurídica dos contribuintes).
v
vi
ABSTRACT
The object and purpose of the present study is the tax inspection, in a large sense, seen not only as
constitutionally legitimated power, guided to fulfill de public interest of justice and tax equality, but also
as an administrative procedure, seen as a set of acts with the main objective of checking and certifying
that the tax reality is in compliance with the constitutional command.
But, to fully comprehend the procedure we must first understand the tax inspection phenomenon as a
power, so the methodology used in this study requires in first place to fit in the inspection in that
dimension, characterizing it historically and organically and identifying the means that this power has at
his disposal to fulfill the purpose of it´s creation. Only through this previous characterization we will be
able to fully comprehend the tax inspection procedure as an instrument of the power to inspect.
As we will see throughout the present study the tax inspection, in any of it´s dimensions, while power,
or while proceeding, may, although constitutionally legitimated, collide with other fundamental rights,
freedoms and guaranties, which are also constitutionally legitimated.
It is certain that the public interest behind the tax inspection – justice and tax equality – may prevail
over those rights, freedoms and guaranties, imposing their sacrifice to all individuals. But, that sacrifice
cannot occur at any cost, in all circumstances. That sacrifice must be always minimized, by being
demanded, adequate and proportional. So, those rights, freedoms and guaranties, are important formal
and material limits that must guide and limit the tax inspection activity. Their violation, beyond the
invalidity consequences of the administrative act that results from the procedure (violation of formal
limits), when exceeds beyond reason (violation of material limits) cannot have other consequence than
the civil responsabilization of the tax authorities and it´s agents, as well as the criminal
responsabilization of the tax inspectors (without prejudice of the disciplinary responsability applicable,
but that doesn´t affect the tax payer whose rights where violated).
vii
viii
ÍNDICE
x
ABREVIATURAS UTILIZADAS
xii
INTRODUÇÃO.
Alvitramos que essa ausência de atenção se possa dever sobretudo ao facto de o procedimento
de inspecção ter um carácter marcadamente instrumental, sendo poucos os actos
administrativos que podem ser, de forma autónoma, contenciosamente sindicados no decorrer
do procedimento. No entanto, pese embora o referido cariz instrumental, o procedimento de
inspecção assume, indubitavelmente, um papel fundamental na vida dos contribuintes (quer se
trate de pessoas colectivas ou equiparadas a colectivas ou singulares). Isto porque, quer se
queira quer não, no âmbito da realização de um procedimento inspectivo, nomeadamente os
actos que antes, durante e após a realização do procedimento são praticados, marcam de forma
decisiva e determinante o futuro dos contribuintes. Por outro lado, essa ausência de atenção é
ainda mais questionável, porquanto estas matérias ganham maior relevância, na medida em que
inevitavelmente se cruzam com direitos fundamentais dos contribuintes. Assim, o
desconhecimento dos princípios e regras que estruturam o procedimento inspectivo pode afectar
negativamente e de forma irremediável a situação tributária dos contribuintes.
Temos vindo ao longo dos anos a assistir a um aumento significativo do número dos sujeitos
passivos, e, consequentemente, da quantidade e complexidade das relações jurídicas tributárias,
o que, aliado a um aumento da densidade e complexidade do regime fiscal vigente –
precisamente para acompanhar a complexidade das relações jurídicas tributárias –, e às
1
Veja-se os exemplos de ROCHA, JOAQUIM FREITAS DA, Lições de Procedimento e Processo Tributário, Coimbra Editora, Coimbra, 3.ª
edição, 2009, pág. 143-155; NABAIS, CASALTA, Direito Fiscal, Coimbra, Almedina, 2009, 5.ª edição, pág. 350-356; PIMENTEL,
LÚCIO, O conceito de Contribuinte Tributário, Lisboa, Livros do Brasil, 2010, pág. 421-423; MACHADO, JONATAS E.M. E COSTA, PAULO
NOGUEIRA, Curso de Direito Tributário, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pág. 392-397; ALFARO, MARTINS, Regime Complementar
do Procedimento de Inspecção Tributária Comentado e Anotado, Lisboa, Áreas, 2003.
13
necessidades de eficácia e eficiência da Administração, regidas por objectivos de aumento das
receitas e diminuição dos recursos, faz perigar e relegar para um segundo plano as garantias e
direitos fundamentais dos contribuintes.
Por força da sua função essencialmente fiscalizadora, a Administração tributária, para exercício
da sua actividade inspectiva, tem hoje ao seu dispor meios tecnológicos que lhe possibilita a
recolha, tratamento e cruzamento de dados e de informação muito antes de se iniciar o
procedimento tributário de inspecção o que, pelo menos em teoria, lhe permite desempenhar
cabalmente as suas funções.
É assim muito ténue a fronteira que separa o procedimento de inspecção da violação de direitos
fundamentais, sendo certo que quando essa violação ocorre, há que saber se a mesma se pode
ou não justificar, assumindo o princípio da proporcionalidade um crivo decisivo nessa
ponderação e apreciação.
14
parte relativa ao procedimento de inspecção, a verdade é que como iremos ver, serão
efecutadas várias alusões ao mesmo ao longo de todo o estudo, nas mais diversas questões,
funcionando este sempre como um parâmetro para aferir a adequação e exigibilidade da
actuação da inspecção.
É pois, a esta luz, que consideramos ser imperativa uma reflexão sobre o procedimento de
inspecção e a tutela dos direitos fundamentais susceptíveis de violação no mesmo, como forma
de garante da protecção das garantias dos contribuintes contra actuações que possam ser
lesivas dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Optámos, em termos estruturais, por dividir este estudo em duas partes, que embora
interligadas, são distintas, a saber: uma primeira parte dedicada à inspecção tributária (e não ao
procedimento propriamente dito), no sentido de compreender o seu sentido, evolução e
enquadramento histórico, bem como a ―privatização do fenómeno inspectivo‖, impulsionado
pelo contributo da denominada da ―privatização‖ da relação jurídica tributária para essa
evolução e para os meios que a inspecção dispõe hoje em dia. A primeira parte serve sobretudo
como transição para a segunda parte, essa sim já dedicada ao procedimento tributário de
inspecção e na qual será feita uma reflexão em torno do procedimento de inspecção,
caracterizando-o, procurando identificar as suas fases, bem como os limites da acção inspectiva
e dos actos de inspecção, numa abordagem mais ―dinâmica‖. Além disso procurámos identificar
os princípios que regem não só o procedimento de inspecção, como também os princípios pelos
quais se rege a actividade administrativa e, dentro desta, a actividade administrativa tributária,
com especial enfoque para o princípio da proporcionalidade. Por outro lado será igualmente
conferida relevância aos direitos e deveres dos seus ―actores‖ e da sua correlação com os
direitos fundamentais susceptíveis de serem violados, analisando-se, como último ponto,
previamente às conclusões, as consequências dessa violação, dentro e fora do procedimento
tributário.
15
16
PARTE I
A INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
Antes de entrarmos neste tema em concreto, convém previamente tecer algumas breves
considerações sobre a terminologia ―inspecção‖ e ―procedimento de inspecção‖, importante
para delimitarmos, em termos sistemáticos, o objecto do nosso estudo. Assim, o termo
―inspecção‖ pode ter um duplo sentido: um sentido subjectivo ou orgânico, ou seja, com
referência ao(s) órgão(s) da Administração tributária a quem são atribuídas tais funções e, por
outro, um sentido objectivo ou funcional, com referência à actividade propriamente dita de
―inspecção‖2. Do ponto de vista funcional ou objectivo, podemos ainda falar em ―inspecção‖ em
sentido amplo, ou seja, ―inspecção‖ enquanto poder, e ―inspecção‖ em sentido restrito que
configura um procedimento próprio – o procedimento de inspecção -, e que se traduz na
sucessão de actos tendentes a concretizar, em determinado caso, essa actividade que visa a
observação das realidades tributárias, a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e
a prevenção das infracções tributárias. Nesta primeira parte do nosso estudo estamos e iremos
apenas a abordar a inspecção do ponto de vista orgânico e funcional (mas apenas quanto à
inspecção enquanto poder, ou seja, em sentido amplo), deixando o procedimento de inspecção
(inspecção em sentido restrito) para a segunda parte deste trabalho.
Uma outra nota prévia que deve igualmente ser salientada, para melhor compreendermos e
enquadrarmos o objecto do presente estudo, prende-se com o facto de, apesar de a inspecção
ser ―tributária‖ (e ao longo do estudo ser essa a terminologia utilizada) ou seja, dar a entender
que diz respeito a todos os tributos, o nosso estudo centrar-se-á na inspecção enquanto
manifestação de poder de controlo e fiscalização dos impostos, deixando de fora outors tributos
como as taxas e contribuições financeiras. Assim, a terminolgia ―inspecção tributária‖ utilizada
na presente dissertação refere-se à inspecção enquanto faculdade da Administração tributária de
comprovação das realidade tributárias, mas relativamente aos impostos, deixando de fora o
2
É possível encontrar esta distinção na exposição de motivos do Reglamento de Inspección de los Tributos espanhol, aprovado
pelo Real Decreto 939/1986, de 25 de Abril (que esteve em vigor até 31 de Dezembro de 2007), que confirma esta distinção:
"La inspección de los tributos puede ser entendida desde una doble perspectiva, como actividad encuadrada en la gestión
tributaria y como conjunto de Órganos de la Administración de la Hacienda Pública que desarrollan tal actividad como
consecuencia de las funciones que tienen encomendadas. El Reglamento concibe la inspección fundamentalmente desde una
perspectiva orgánica, pero sin olvidar esa dualidad conceptual y tratando precisamente de establecer el procedimiento a observar
por la Inspección de los Tributos al desarrollar las funciones típicas de inspección tributaria que tiene atribuidas .".
17
controlo do cumprimento do pagamento dos mais variados tipos de taxas, daí ser feita alusão a
impostos e à capacidade contributiva enquanto parâmetro de exigência do pagamento dos
impostos.
Feito este pequeno intróito delimitativo do nosso estudo, é tempo de seguir com o mesmo.
Os tributos, i.e., os impostos, nomeadamente o dever de os pagar3 constitui uma obrigação legal
de todos os contribuintes4. Na nossa Constituição a inspecção, nomeadamente o poder de
inspecção não resulta nem tem consagração expressa directa no seu texto. Contudo é possível
retirar de alguns dos seus preceitos a legitimidade e fundamentos para o exercício deste poder.
Assim, no que diz respeito ao sistema financeiro e fiscal, nomeadamente este último, prevê a
CRP, no seu artigo 103.º que o sistema fiscal tem como objectivo a satisfação das necessidades
financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da
riqueza (n.º 1), sendo os impostos criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os
benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (n.º 2) e, não podendo ninguém ser obrigado a
pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza
retroactiva ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei (n.º 3). Por sua vez, o
artigo 104.º da CRP regula os impostos em concreto, estabelecendo que o imposto sobre o
rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em
conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar (n.º 1); a tributação das empresas
incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real (n.º 2); a tributação do património deve
contribuir para a igualdade entre os cidadãos (n.º 3); e a tributação do consumo visa adaptar a
estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça
3
Sobre esta matéria ver, por todos, NABAIS, CASALTA, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Contributo para a compreensão
constitucional do estado fiscal contemporâneo, Coimbra, Almedina, 2009.
4
Importa salientar desde já que ao longo do nosso discurso, por uma questão de fluidez do mesmo, a terminologia utilizada será
de alguma forma ―despreocupada‖ quanto aos termos ―contribuinte‖ e ―sujeito passivo‖, tendo presente a sua distinção, embora
a doutrina não seja unânime quanto à definição destes conceitos. Assim, por exemplo, J. L. SALDANHA SANCHES, adopta o conceito
de sujeito passivo que nos é dado pela LGT, no seu artigo 18.º n.º 3, ou seja, a pessoa singular ou colectiva, o património ou a
organização de facto ou de direito que se encontra vinculado ao cumprimento da obrigação. Quanto ao conceito de contribuinte,
segundo o mesmo Autor, corresponde a uma relação puramente fáctica sendo um conceito necessariamente pouco rigoroso. Cfr.
SANCHES, J.L. SALDANHA, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2007, pág. 250-251. Já CASALTA NABAIS,
define contribuinte como sendo a pessoa relativamente à qual se verifica o facto tributário, o pressuposto de facto ou o factop
gerador do imposto, ou seja, o titular da manifestação de capacidade contributiva. O Autor fala ainda em devedor do imposto,
como sendo o sujeito passivo em sentido estrito, a quem cabe satisfazer a obrigação do imposto perante o credor fiscal e fala em
sujeito passivo (em sentido lato) da relação fiscal, como sendo toda e qualquer pessoa, singular ou colectiva, a quem a lei impõe
o dever de efectuar uma prestação tributária, independentemente de se tratar da prestação de imposto ou de qualquer outra
prestação acessória .Cfr. NABAIS, CASALTA, Direito Fiscal, Coimbra, Almedina, 5.ª edição, 2009, pág. 260-262. Cfr. igualmente
neste sentido apontado por Casalta Nabais, PEREIRA, MANUEL HENRIQUE DE FREITAS, Fiscalidade, Coimbra, Almedina, 2005, pág.
246-248. Sobre esta temática ver igualmente, PIMENTEL, LÚCIO, O conceito de Contribuinte Tributário, Lisboa, Livros do Brasil,
2010; PEREIRA, MANUEL HENRIQUE DE FREITAS, Fiscalidade, Coimbra, Almedina, 2005, pág. 246 a 249.
18
social, devendo onerar os consumos de luxo. Daqui resulta naturalmente uma relação poder (de
tributar) – dever (de contribuir)5, com vista à satisfação das necessidades financeiras do Estado,
que são no fundo as necessidades colectivas que ao Estado cumpre garantir e satisfazer, tendo
sempre em vista a repartição justa do rendimento e da riqueza que, segundo VÍTOR FAVEIRO6,
«como fim visado pelo sistema tributário abrange cumulativamente o fim da aplicação do tributo
à realização integral da colectividade e das pessoas que a constituem, em termos de formação
idónea de cada um e de todos para uma justa correcção dos desiquilibrios sociais, e o princípio
da justa repartição do dever de contribuir segundo a capacidade contributiva de cada um.».
Ao analisarmos o n.º 1 do artigo 103.º da CRP, é possível retirar que o sistema fiscal, isto é, o
pagamento de impostos, assente na dicotomia poder de tributar/dever de contribuir, tem
subjacentes dois grandes fundamentos: justiça e igualdade. O poder de tributar é pois de
interesse público, enquanto interesse de uma comunidade, ligado à satisfação das necessidade
colectivas desta. A prossecução deste interesse público é concretizado através da Administração
tributária que, nos termos do n.º 3 do artigo 1.º da LGT, integra a DGCI, a DGAIEC, a DGITA bem
como quaisquer outras entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança de
tributos, o Ministro das Finanças ou outro membro do Governo competente, quando exerçam
competências administrativas no domínio tributário, e os órgãos igualmente competentes dos
Governos Regionais e das autarquias locais. À DGCI em concreto compete administrar os
impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo, bem como administrar
quaisquer outros tributos que lhe forem atribuídos por lei.
Porém, não basta, para prossecução desse interesse público, para exercer esse poder de
tributar, e dessa forma garantir a justiça e igualdade, impor aos contribuintes o pagamento de
tributos. É preciso garantir que essa tributação é feita de acordo com, tal como exige a
Constituição no seu artigo 104.º, a capacidade contributiva7 dos contribuintes. Não podemos
5
Neste sentido, MACHADO,. EDUARDO MUNIZ, Fundamentos constitucionales del poder de inspección de la administración tributaria
española. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 701, 6 jun. 2005. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/6844>.
Acesso em: 7 nov. 2010.
6
Cfr. FAVEIRO, VÍTOR, O Estatuto do Contribuinte, A Pessoa do Contribuinte no Estado Social de Direito , Coimbra, Coimbra Editora,
2002, pág. 88.
7
Tal como entende DIOGO LEITE DE CAMPOS, a capacidade contributiva, entendida como pressuposto e medida dos impostos em
geral constitui uma exigência do estatuto da pessoa e um fundamento do sistema tributário, devendo considerar-se que é da
correcta aplicação pelo intérprete e pelo legislador das normas que impõem o respeito pela capacidade contributiva que decorre
a justificação do sistema tributário – CAMPOS, DIOGO LEITE DE, O estatuto jurídico da pessoa (direitos da personalidade) e os
impostos, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 65, Lisboa, Ordem dos Advogados, 2005, pág. 43. A este propósito veja-se
também Vítor Faveiro, ao afirmar que, «se o contributo para os fins da sociedade tem por objecto a cedência, a esta, de uma
19
perder de vista nesta análise que, nos termos do artigo 81.º alínea b) da CRP, uma das
incumbências prioritárias do Estado é precisamente, através da política fiscal8, promover a
justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correcções das
desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento.
Assim, cabe à Administração tributária, de forma a garantir a igualdade entre todos, assegurar o
cumprimento de tal dever de contribuir, de acordo com a capacidade contributiva de cada um. O
controlo tributário é pois uma forma de garante da igualdade e justiça fiscal no nosso
ordenamento jurídico, sendo que a forma que o Estado (através da Administração tributária)
dispõe para controlar e cumprir tal desiderato é através da inspecção tributária, cujo objectivo
passa primacialmente por verificar se os deveres tributários9 são cabalmente cumpridos.
Por isso, a inspecção tributária, mais do que uma manifestação do poder de tributar, constitui
uma verdadeira imposição do sistema fiscal em concretização do consagrado na Constituição,
nomeadamente do dever fundamental de pagar impostos. Como afirma NOEL GOMES, «a
ampliação e utilização das prerrogativas de inspecção da administração tributária não podem ser
concebidas como meras faculdades que se encontram, portanto, na livre disponibilidade do
legislador e da própria administração. Pelo contrário, têm de ser vistas como a realização de um
mandato constitucional de carácter imperativo a que estão obrigatoriamente vinculados os
poderes públicos, de modo a tornar efectivo o dever fundamental de pagar impostos e,
associado àquele, a criação de um sistema tributário justo» . 10
Não basta por isso ao Estado ter um sistema fiscal e a imposição de tributação, afigurando-se
necessário que, em determinado momento, se verifique se a aplicação das normas de incidência
parte de tais bens ou valores económicos por cada indivíduo, obviamente que a cedência individual de tais valores tem de ser
diferente de indivíduo para indivíduo, em termos de justiça distributiva, em proporcionalidade da relação de tais disponibilidades;
ou mesmo até, mais ou menos, do que proporcionalmente se ocorrerem razões sociais para que se exceda o âmbito e medida
da proporcionalidade. É esse sentido e sentimento de justiça, objecto de juízos de valor, pela colectividade, quanto à distribuição
do contributo social entre os indivíduos, que constitui o princípio da capacidade contributiva, que tendo natureza e base social,
constitui para o legislador tributário, um limite e condição para o estabelecimento de qualquer imposto; e para o aplicador ou
controlador da lei, um dos pontos essenciais da sua interpretação, como elemento componente do pressuposto legislativo .»
FAVEIRO, VÍTOR, O Estatuto do Contribuinte, A Pessoa do Contribuinte no Estado Social de Direito , Coimbra, Coimbra Editora,
2002, pág. 148.
8
Sobre a noção de política fiscal e dos objectivos desta ver, PEREIRA, MANUEL HENRIQUE DE FREITAS, Fiscalidade, Coimbra, Almedina,
2005, pág. 341 a 354.
9
A inspecção visa não só a verificação do cumprimento dos deveres principais, ou seja, se o pagamento de tributos foi cumprido,
como todos ou outros deveres acessórios, nomeadamente obrigações declarativas não só do sujeito passivo como de terceiros,
obrigações essas que decorrem e resultam consequentemente da relação jurídico tributária que se estabelece entre o sujeito
passivo e o Estado.
GOMES, NOEL Segredo Bancário e Direito Fiscal, Coimbra, Almedina, 2006, pág. 130.
10
20
tributária foi efectuada de forma correcta. Dito de outra forma, a possibilidade de controlo por
parte da Administração, através do poder de inspecção, é também um corolário da tributação
segundo a declaração do contribuinte, pois se assim não fosse, essa ausência de fiscalização
frustaria irremediavelmente os objectivos e valores de justiça e igualdade fiscal. O poder de
inspecção consubstancia a concretização de um importantíssimo interesse público, interesse
este a prosseguir e a concretizar de acordo com parâmetros constitucionalmente fixados,
perante a necessidade de obtenção de receitas para fazer face às despesas públicas e a
consequente realização dos fins do Estado, que impõe aos cidadãos o dever fundamental de
pagar impostos, nos termos e de acordo com um sistema fiscal que se encontra estruturado e
norteado por princípios de tributação segundo a capacidade contributiva e de distribuição
equitativa da carga fiscal, cujo escopo é, em último instância, assegurar a justiça fiscal. Esta
ideia de justiça fiscal é, aliás, fundamental e basilar na legitimação do poder de inspecção.
Sobre esta ideia de justiça fiscal, saliente-se as palavras de ANTÓNIO L. DE SOUSA FRANCO, segundo
o qual, «no plano dos princípios inspiradores de qualquer sistema fiscal, a ideia de justiça fiscal
deve de alguma forma ter prioridade sobre qualquer outra; até (que mais não fosse) porque ela
condiciona a própria eficiência e rendimento do sistema, na medida em que uma distribuição
injusta estimulará a fraude a evasão fiscais e distorcerá comportamentos.» . 11
Cfr. FRANCO, ANTÓNIO L. DE SOUSA, Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume II, Coimbra, Almedina, 4.ª edição, 1995, pág.
11
177.
12
Cfr. ROCHA, JOAQUIM FREITAS DA, Omissão Legislativa e Procedimento Tributário – A Propósito de um Défice Estrutural de
Concretização, in Scientia Iuridica, Tomo LIII, n.º 298, Janeiro/Abril de 2004. Braga, Universidade do Minho, 2004.
21
igualdade se refere não só quanto «às normas substantivas — que constituem os fundamentos
(legais) da tributação —, mas também ao nível das correspondentes normas adjectivas
(processuais e procedimentais), através do estabelecimento de idênticas (rectius: igualitárias)
formas de concretização e de execução das primeiras», o que exige ao legislador «uma
adequada densificação das normas tributárias substantivas, verificando-se uma oposição
estrutural entre o Tatbestand substantivo e as correspondentes normas tributárias adjectivas
naqueles casos em que, mediante a aplicação destas, o crédito tributário não possa ser
executado» . 13
Significa isto que, um sistema fiscal não será um sistema completo se não tiver ao dispor os
meios que possibilitem de forma eficaz controlar o cumprimento das suas disposições, visto que
num determinado momento o Estado tem de se certificar se as obrigações tributárias, sejam
elas de natureza principal ou acessória, são efectivamente cumpridas.
13
Cfr. ROCHA, JOAQUIM FREITAS DA, Omissão Legislativa e Procedimento Tributário – A Propósito de um Défice Estrutural de
Concretização, in Scientia Iuridica, Tomo LIII, n.º 298, Janeiro/Abril de 2004. Braga, Universidade do Minho, 2004.
Cfr. OLLERO, CASADO, La colaboración con la Administración Tributaria. Notas para un nuevo modelo de relaciones con el fisco.
14
22
Aliás, a existência de um sistema fiscal justo, onde todos são tributados de acordo com a sua
capacidade contributiva15, contribui de forma decisiva para diminuir as assimetrias na sociedade,
evitando assim um aumento da carga fiscal – como forma de compensar o incumprimento –
para garantir um aumento das receitas, sendo por isso inquestionável o papel e actuação da
inspecção tributária neste desiderato de garantir que todos contribuem de acordo com a sua
capacidade contributiva16. O princípio da capacidade contributiva diga-se, «exprime e concretiza o
princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de ―uniformidade‖ – o dever de todos
pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério
unitário da tributação» . Esta legitimidade constitucional é bem patente na jurisprudência do
17
15
A capacidade contributiva que, segundo CASALTA NABAIS constitui o pressuposto e o critério da tributação - NABAIS, CASALTA,
Direito Fiscal, 5.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2009, pág. 153..
16
Neste sentido, MARQUES, PAULO, Elogio do Imposto, a relação do Estado com os contribuintes , Coimbra, Coimbra
Editora/Wolters Kluwer, 2011, pág. 82.
Cfr. acórdão do TC n.º 84/2003 de 12-03-2003, processo n.º 531/99.
17
Disponível em http://www.boe.es/aeboe/consultas/
18
23
incumplimientos de las obligaciones que correspondan a los contribuyentes o las infracciones
cometidas por quienes están sujetos a las normas tributarias» . 19
Assim, a inspecção constitui um meio essencial para atingir os acima citados fins, ou seja, para
assegurar uma maior arrecadação de receitas, uma maior justiça fiscal, cumprindo assim o
desiderato previsto na CRP de todos serem tributados de acordo com a sua capacidade
contributiva20. Como assinala FERNÁNDEZ LÓPEZ, «Por consiguiente, instrumentalidad o
funcionalidad de la actividad inspectora implica, ante todo, exigencia y obligatoriedad en el
cumplimiento de unos concretos fines vertebrados hacia el interés general, el cual, en la esfera
tributaria, no puede ser otro que la consecución de un sistema tributario justo en la esfera
aplicativa del tributo – particularmente, en las actuaciones de comprobación e investigación -,
esto es, un sistema en el que todos los ciudadanos contribuyan al sostenimiento de los gastos
públicos de acuerdo con su capacidad económica» 21
Podemos pois concluir que esta justiça tributária22 mais não é do que um corolário do interesse
colectivo, título este legitimador da actuação da inspecção tributária. Esta ideia de justiça fiscal
assenta também numa ideia de prevalência do interesse colectivo sobre o interesse individual e
particular, ainda que essa prevalência possa significar o sacrifício de direitos fundamentais
individuais23.
19
Neste sentido, GARIJO, MERCEDES RUIZ, Las garantias del contribuyente en el procedimiento inspector, Barcelona, Bosch, 2009,
pág. 7.
20
É por isso importante como salienta VÍTOR FAVEIRO, que os conceitos de pressão fiscal e de capacidade contributiva sejam
cuidadosamente equacionados de forma que a pressão fiscal nunca ultrapasse os limites da capacidade contributiva, sob pena
de se sujeitarem os contribuintes a um sacrifício de necessidades individuais superior ao razoável segundo os padrões sociais
criados ou estabelecidos em cada sociedade. Cfr. FAVEIRO, VÍTOR, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, I Volume,
Introdução ao estudo da realidade tributária, Teoria Geral do Direito Fiscal, Coimbra, Coimbra Editora, 1984, pág. 102-103.
21
Cfr. LÓPEZ, FERNÁNDEZ, La Comprobación de Hechos por la Inspección de los Tributos, Madrid-Barcelona, Marcial Pons, 1998.
22
Cfr. LÓPEZ, FERNÁNDEZ, La Comprobación de Hechos por la Inspección de los Tributos, Mardid-Barcelona, Marcial Pons, 1998,
pág. 45.
23
Como afirma ANA MARIA JUAN LOZANO, «Es posible que la actuación inspectora pueda en alguna ocasión, a través de la
investigación de documentos o antecedentes relativos a los movimientos de cuentas bancarias, interferirse en aspectos concretos
del derecho a la intimidad. Pero, como ya se ha advertido, este derecho, al igual que los demás, tiene sus límites que en este
caso vienen marcados por le deber de todos de contribuir al sostenimiento de las cargas públicas de acuerdo con su capacidad
económica mediante un sistema tributario justo, como dispone el ya citado artículo 31.1 de la Constitución, deber para cuyo
efectivo cumplimiento es evidentemente necesaria la inspección fiscal. La injerencia que para exigir el cumplimiento de este
deber pudiera producirse en el derecho a la intimidad no podría calificarse de arbitraria» - LOZANO, ANA MARIA JUAN, La inspección
de Hacienda ante la Constitución, IEF, Marcial Pons, Madrid, 1993, pág. 41.
24
2. INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA. CONSIDERAÇÕES GERAIS.
Do que atrás já ficou dito resulta que, em concreto, cabe à Administração tributária, através do
poder de inspecção que lhe é atribuído controlar se os factos tributários, tendo em conta o
ordenamento jurídico-tributário, em primeiro lugar, foram declarados e, em segundo lugar, se
foram correctamente enquadrados e lhes foram aplicadas as normas de incidência correctas,
que estiveram quantitativa e qualitativamente na génese dos impostos devidos. Tal implica
necessariamente o apuramento e investigação de tais factos, quanto a todos os seus elementos
constitutivos e a verificação da sua conformidade com o que foi declarado pelo sujeito passivo.
Por outras palavras e como afirmam J.L. SALDANHA SANCHES e JOÃO TABORDA DA GAMA, «(...) o que
vai ser sujeito a inspecção é o modo como o sujeito passivo procedeu à interpretação e
aplicação da lei fiscal, a qual, como é sabido, nem sempre tem o grau de determinibilidade que
seria desejável e pode, por isso, conduzir a uma controvérsia jurídica (...)»24. Como ensina RAFAEL
CALVO ORTEGA, a inspecção «se trata de una actividad que busca el conocimiento de hechos,
datos y situaciones subjetivas de los que la Administración no tiene constancia o la tiene sólo
parcialmente». São duas as características principais que definenm a inspecção tributária
enquanto actividade. Por um lado, a procura pela verdade material e, por outro, a obtenção de
elementos suficientes que possibilitem a aplicação do tributo. A actividade probatória constitui
por isso um ponto de partida essencial através da qual se há-de identificar os factos e elementos
reais que servirão de base para quantificar a prestação tributária real e efectivamente devida 25.
Assim, e partindo do princípio, como já assinalamos, que a inspecção actua a coberto de um
comando constitucional, no interesse da comunidade, constatamos que o exercício desta função
não tem um carácter facultativo, já que se trata de actuar de acordo com os interesses genéricos
da comunidade e não de acordo com os seus próprios interesses26.
Uma vez que este poder de inspecção da Administração tributária constitui um poder-dever, tal
poder-nos-ia levar a pensar que esta tem o dever de actuar sempre. Como afirma, LUIS ALBERTO
24
SANCHES, J.L. SALDANHA; GAMA, JOÃO TABORDA DA, Audição – Participação – Fundamentação: A co-responsabilização do sujeito
passivo na decisão tributária, in Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, pág. 281.
25
Cfr. SERRANO, CARMELO LOZANO, «La actividad inspectora y los principios constitucionales, in Revista Impuestos, Madrid, 1990,
pág. 224-226.
26
PÉREZ, GUILLERMO G. NÚÑEZ, La actividad administrativa de comprobación tributaria, in Revista Española de Derecho Financiero
n.º 53, Civitas, 1987, pág. 57.
25
MALVÁREZ, PASCUAL, «Cuando la ley otorga una potestad para el cumplimiento de fines que van
más allá de los propios, la Administración no puede dejar de ejercer la mesma» . 27
Porém, tal é impossível, na medida em que não é possível investigar e comprovar a situação
fiscal de todos os contribuintes. Ainda para mais quando, como veremos mais à frente no
capítulo referente à privatização do fenómeno inspectivo, o sistema fiscal de hoje em dia se
baseia no método declarativo, em que são os contribuintes a interpretar e aplicar a lei e, em
alguns casos a liquidar eles mesmos o próprio tributo, noutros a solicitar a sua devolução. Ou
seja, passou-se de um sistema tributário em que a Administração tributária deixou de ter essas
funções de liquidação (embora em alguns impostos, como no IRS, mantenha essa função,
embora com base nos elementos declarados pelo contribuinte) para passar a ter funções
sobretudo de controlo. Assim, o ideal de igualdade e justiça tributária apenas seria possível obter
caso todos os contribuintes fossem controlados. Estamos aqui perante um desfasamento entre a
realidade e o desiderato constitucional, já que é impossível controlar todos os contribuintes,
devido à limitada capacidade operativa, por insuficiência de meios materiais e pessoais, da
Administração Tributária. Daí que, como também iremos observar, deve a Administração
recorrer a mecanismos de planeamento de forma a seleccionar os contribuintes a controlar,
passando assim de um grau máximo de vinculação para o inverso, ou seja, para um elevado
grau de ampla discricionaridade28. Talvez por isso, como afirma AITOR ORENA DOMINGUEZ, «Ante
esta situacion de aparente contradición entre por un lado una obligación de controlar todos los
ciudadanos y por otro su posible no ejercicio o inactividad, se ha mantenido que la potestad
comprobadora se caracterizaria mas como poder que como deber» . 29
Através da inspecção pretende-se pois comprovar e indagar sobre o correcto cumprimento das
obrigações tributárias, principais (pagamento do imposto efectivamente devido) ou acessórias
Cfr. PASCUAL, LUIS ALBERTO MALVÁREZ, La función tributaria en el marco del Estado social y democrático de Derecho , Civitas, in
27
Cfr. DOMINGUEZ, AITOR ORENA, Discrecionalidad, Arbitrariedad e Inicio de Actuaciones Inspectoras , Navarra, Thomson Aranzadi,
29
2006, pág. 43. Como afirma ÁNGEL AGUALLO AVILÉS «Ante esta situación, y ante la imposibilidad de comprobar e investigar a todos
los ciudadanos se mantiene que no deben controlarse todas las relaciones tributarias, por tres argumentos: En primer lugar,
«porque no se puede comprobar e investigar a todo», como consecuencia de la «limitada capacidad operativa de la
Administración (...). En segundo lugar, «porque no se debe controlar a todos». Controlar a todos supondria situarnos en una
situación de total y constante desconfianza de los poderes públicos hacia los ciudadanos. (...) En tercero lugar, «porque no se
exige controlar a todos. Ni lo exige por un lado el artículo de la CE que unicamente establece la obligación de inspeccionar y
comprobar el cumplimiento de las obligaciones, ni tampoco el articulo 109 de la LGT». CFR. AVILÉS, ÁNGEL AGUALLO, El
contribuyente a los planes de inspección, Madrid, Marcial Pons, 1994, pág- 98.
26
(meramente declarativas)30. A função comprovativa deve ser entendida como a verificação de um
dado ou elemento previamemte declarado pelo contribuinte, sendo que essa comprovação pode
conduzir a uma nova valoração e, em consequência, à alteração da base tributável inicialmente
declarada. Por sua vez, a investigação refere-se a todas as situações em que não existem
quaisquer dados, objectivos ou subjectivos em relação à situação em causa31.
Desta forma, como acima se disse, a actividade inspectiva constitui uma manifestação do poder
de tributar, uma vez que traduz uma forma de controlar e verificar o efectivo cumprimento por
parte dos contribuintes das normas tributárias que lhe são aplicáveis, pois em algum momento
das suas vidas praticaram actos susceptíveis de se enquadrar em tais normas de incidência
tributária.
O fim32 máximo da inspecção tributária, contrariamente ao que se possa pensar não é (ou não
deve ser) apenas o de garantir uma maior arrecadação de receitas. A inspecção tributária
consubstancia um poder de limitar a liberdade das pessoas, de modo a assegurar a tributação.
Contudo essa almejada tributação não se confina à arrecadação de mais receita para os cofres
do Estado, pelo que através da inspecção tributária visa-se não só essas receitas, mas também a
justiça fiscal, de forma a reduzir as diferenças entre os contribuintes e eliminar práticas nocivas
30
Assim, o conceito de obrigações tributárias deve ser entendido, como assinala JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, em sentido amplo, ou
seja, integrando todos os deveres de natureza jurídica que impendem sobre os sujeitos de uma determinada relação jurídica
tributária. As obrigações tributárias incluem em primeiro lugar a obrigação principal de pagamento do tributo e, em segundo
lugar as obrigações acessórias daquela. - ROCHA, JOAQUIM FREITAS DA, O controlo do controlo tributário (meios reactivos à inspecção
tributária)‖, in Cadernos de justiça administrativa - n.º 67, Janeiro-Fevereiro, Braga, CEJUR, 2008.
31
ORTEGA, RAFAEL CALVO, Curso De Derecho Financiero I: Derecho Tributario, Parte General, Civitas, 2008. É também o que se
retira da redacção do artigo 145.º da Ley General Tributaria.
32
JOAQUIM FREITAS DA ROCHA fala em fins mediatos e imediatos da inspecção tributária (que o autor designa por fins do controlo
tributário). Os fins mediatos têm um carácter mais abrangente, de natureza político-normativa, que se projectam em relação a
todos os contribuintes indiscriminadamente (o equilíbrio das contas públicas, a justiça na tributação, a eficácia das normas
tributárias e a prevenção geral de infracções tributárias). Os fins imediatos traduzem-se nos objectivos concretos e visíveis da
actuação investigatória em relação a um determinado sujeito em concreto ou a um grupo determinado de sujeitos (a fiscalização
do cumprimento de obrigações tributárias e prevenção especial). - ROCHA, JOAQUIM FREITAS DA, O controlo do controlo tributário
(meios reactivos à inspecção tributária)‖, in Cadernos de justiça administrativa - n.º 67, Janeiro-Fevereiro, Braga, CEJUR, 2008.
27
que fomentem a fraude e evasão fiscal, que em muito contribuem para provocar distorções no
mercado concorrencial.
Assim, se o dever de pagar impostos não for cumprido, cabe ao Estado assegurar o
cumprimento de tal dever, ou seja, exercer a sua função fiscalizadora através da inspecção
tributaria cuja função passa por indagar a real capacidade contributiva dos contribuintes,
conferindo a exactidão das declarações efectuadas destes, bem como se todas as informações
foram prestadas ou se se verificou qualquer omissão susceptível de influir na real capacidade
contributiva. Os poderes de inspecção tributária devem por isso ter uma margem de
discricionaridade de modo a ser possível fiscalizar da forma mais exacta possível a tal
capacidade contributiva resultante da actividade dos contribuintes. Contudo e como veremos
adiante na parte referente ao procedimento tributário de inspecção, essa discricionaridade
encontra-se limitada por uma série de limites e princípios, e sempre com observância dos
direitos fundamentais. A actuação da inspecção, enquanto poder legitimado constitucionalmente
não é no entanto um ―cheque em branco‖ passado à Administração tributária, que lhe permita
fazer tudo o que bem entender, segundo o seu livre arbítrio, para prosseguir com fim ao qual se
encontra acometida.
A inspecção tributária deve orientar a sua actividade para a redução da distância entre a real
capacidade contributiva e a receita, ou seja, aproximar estas duas realidades. Significa isto que
não pode nem deve a inspecção cingir-se apenas à tentativa de resgatar receitas sonegadas,
devendo antes ser orientada para alterar o comportamento tributário dos contribuintes e não
apenas para a penalização dos faltosos, numa função que, mais do que sancionatória, se
pretende que seja sobretudo e essencialmente pedagógica, pelo que os objectivos da actividade
inspectiva não são hoje em dia puramente económicos.
À inspecção tributária cabe, em primeiro lugar, a observação das realidades tributárias. Estas
realidades, com evoluir do tempo, tornaram-se particularmente complexas, o que levou a que a
inspecção tributária tivesse igualmente que evoluir, de forma a conseguir acompanhar a
complexidade das realidades tributárias. Esta complexidade tem sobretudo ganho relevância
com a internacionalização da economia e com o estabelecimento de relações jurídicas-tributárias
entre vários agentes económicos.
28
A actuação da inspecção tributária pode ser vista, do ponto de vista funcional, em duas
perspectivas: por um lado, a mesma desempenha uma função preventiva33, já que, através da
verificação e controlo do cumprimento das obrigações, visa-se prevenir e evitar possíveis
incumprimentos e as consequentes infracções, funcionando como um factor dissuasor. Esta
actuação preventiva possibilita à Administração a correcção quando a acção do contribuinte se
mostre insuficiente ou desadequada ou mesmo a sua substituição, em caso de ausência, de
forma a repor a verdadeira e real situação tributária daqueles. Desta forma, a actuação
inspectiva pressupõe (ou devia pressupor) uma actividade de carácter pedagógico de forma a
que os contribuintes estejam bem informados e conscientes das suas obrigações fiscais. O
combate à fraude e evasão fiscal constitui uma referência fundamental na acção inspectiva.
Deste modo, e pugnando pelo cumprimento do desígnio de constante fortalecimento dos
mecanismos legais de combate aos fenómenos de fraude e evasão fiscais, a inspecção tributária
tem como um dos objectivos principais a prosseguir, os da eficiência, simplicidade e equidade
do sistema fiscal, de forma a possibilitar ao Estado a obtenção das receitas adequadas e
suficientes para a implementação das políticas públicas.
Por outro lado, desempenha uma função repressiva, pois na sua actuação, ao detectar o
incumprimento, identifica as infracções cometidas e prepara os respectivos procedimentos
contra-ordenacionais ou processos-crime, consoante a natureza e gravidade da infracção34, Esta
vertente repressiva diz respeito à verificação e controlo do cumprimento das obrigações
tributárias. Trata-se de uma vertente da inspecção que se reconduz à comprovação da
veracidade do declarado pelos sujeitos passivos. Não se pode olvidar que o nosso sistema
tributário assenta no princípio da declaração35 presumindo-se verdadeiras as declarações dos
sujeitos passivos, nos termos do artigo 75.º da LGT. Ou seja, o apuramento da matéria
colectável efectua-se, por regra, com base nas declarações dos sujeitos passivos, pelo que se
33
JOAQUIM FREITAS DA ROCHA faz uma interessante distinção entre prevenção geral e prevenção especial. A função preventiva geral
visa assegurar a credibilidade do sistema de financiamento público, numa dupla perspectiva: no plano interno, junto dos
contribuintes, fazendo-os acreditar na virtude da arrecadação dos tributos, e, no plano externo, junto de outros Estados,
organizações internacionais e agentes económicos em geral, procurando passar uma imagem de equilíbrio entre receitas e
despesas, fazendo passar a imagem de uma orgnização funcional e adequada. Esta função preventiva geral prossegue segundo
o Autor uma função antecipatória, tentando impedir que a cobrança não seja exercida ou o seja de uma forma deficiente. A
função preventiva especial passa por procurar prevenir a prática de infracções tributárias em concreto, transmitindo a ideia de
que aquela infracção em concreto não deve vir a ser praticada. Cfr. ROCHA, JOAQUIM FREITAS DA, O controlo do controlo tributário
(meios reactivos à inspecção tributária)‖, in Cadernos de justiça administrativa - n.º 67, Janeiro-Fevereiro, Braga, CEJUR, 2008.
34
Neste sentido, JÚNIOR, ONOFRE ALVES BATISTA, O poder de Polícia Fiscal, Belo Horizonte, Mandamentos, 2001.
35
Cfr. por exemplo o artigo 16.º do Código do IRC.
29
afigura necessário que a Administração tributária, através da inspecção, disponha de
mecanismos que possibilitem a comprovação dos valores declarados. Assim, toda a actividade
que vise a detecção de irregularidades fiscais e de determinação de imposto em falta é
maioritariamente realizada pela inspecção tributária. Esta vertente repressiva da actividade
inspectiva, como se disse, implica apenas a detecção – e não a aplicação das sanções
legalmente previstas – e comunicação das situações que consubstanciam a prática das
infracções fiscais, sejam elas de natureza criminal ou contra-ordenacionalm ou seja, a inspecção
identifica e comunica formalmente a prática de tais condutas.
A actividade de inspecção tributária suscita por isso diversas questões, nomeadamente questões
de qualificação jurídica – aplicação das normas aos factos –, questões de quantificação da
matéria colectável – se determinado facto corresponde ao montante de imposto que o sujeito
passivo suportou –, podendo dessa inspecção resultar uma correcção da liquidação efectuada
ou mesmo dar origem a novas liquidações, para além de, caso se verifique uma
desconformidade entre o declarado pelo sujeito passivo e o verificado na inspecção tributária,
haver lugar à aplicação de sanções, em função da eventual detecção de infracções tributárias.
Esta actividade encontra-se relacionada com aquilo a que JOAQUIM FREITAS DA ROCHA designa por
eficácia das normas tributárias substantivas, constituindo a inspecção tributária e a sua
actividade de controlo um instrumento essencial de incremento da eficácia normativa, evitando
que «os códigos tributários e a própria Constituição tributária (enquanto conjunto de normas
formal e materialmente constitucionais incidentes sobre matéria tributária) se transformem em
meras folhas de papel.» . 36
Cfr. ROCHA, JOAQUIM FREITAS DA, O controlo do controlo tributário (meios reactivos à inspecção tributária)‖, in Cadernos de justiça
36
30
3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA.
A inspecção tributária, tal como hoje se encontra estruturada é uma realidade que apenas
ganhou contornos relevantes na década de 90, com a reforma fiscal operada no final da década
de oitenta37.
Até ao final da década de vinte do século passado a actividade inspectiva não assumia grande
relevância, sendo que a grande preocupação passava por assegurar um adequado nível de
receitas públicas, através de uma cobrança efectiva. Aliás, o Código da Contribuição Industrial de
1929 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 16731) nem sequer fazia qualquer menção à fiscalização
do cumprimento de obrigações fiscais. Contudo esta ausência de menção tinha necessariamente
a ver com a forma de determinação do imposto a pagar38.
Com a publicação do Decreto-Lei n.º 43861 de 16 de Agosto de 1961, foi criado o Serviço de
prevenção e repressão das infracções fiscais e de fiscalização tributária, que constituiu um
primeiro esboço dp sistema fiscalização tributária, em que se procurou delinear algumas das
linhas gerais de um novo corpo de funcionários qualificados para o exercício de funções de
fiscalização.
Atendendo a que, como já se disse, uma das principais vertentes da inspecção tributária é a
verificação do cumprimento das declarações tributárias, podemos afirmar que a actividade
inspectiva apenas começou a ganhar contornos relevantes com a consagração do princípio da
declaração, que ocorreu pela primeira vez em 1963. Nesta data, com a entrada em vigor, em 1
de Janeiro de 1963, de alguns dos diplomas da reforma dos principais impostos directos sobre o
rendimento começou-se a evidenciar uma preocupação pela revisão dos princípios e métodos de
administração fiscal, em especial a necessidade de estruturação dos serviços de fiscalização
tributária em moldes que correspondessem às novas exigências. Assim, só a partir desta data, a
inspecção tributária, na altura designada por Serviço de Prevenção e da Fiscalização Tributária,
instituído pelo decreto-lei n.º 44 966, de 9 de Abril de 1963, começou a ter um papel mais
interveniente e com alguma relevância. Este diploma veio proceder à reorganização do serviço
37
Sobre a evolução da inspecção tributária veja-se ALVES, JOSÉ ANTÓNIO COSTA; MARTINS, JESUÍNO ALCÂNTARA, Manual de
Procedimento e de Processo Tributário, Lisboa, Ministério das Finanças e da Administração Pública, Direcção Geral dos
Impostos, Centro de Formação, 2008, pág. 116-120.
38
Por exemplo, no Grupo A, o imposto correspondia a um valor fixo determinado através de tabelas de actividade.
31
de prevenção e repressão das infracções fiscais e de fiscalização tributária, criado pelo atrás
citado Decreto-Lei n.º 43861, de 16 de Agosto de 1961.
Podia ler-se no preâmbulo do decreto-lei n.º 44 966, de 9 de Abril de 1963: «Com o presente
diploma aproveita-se a experiência adquirida de então para cá e procura-se reorganizar, com a
indispensável estrutura, um serviço que tenha como objectivos fundamentais a prevenção e a
fiscalização tributária e possa garantir a firme e ponderada actuação que em tais condições se
exige na reforma fiscal. De entre as várias soluções a que se poderia amoldar a organização do
novo serviço, dadas as necessidades de uma nova estrutura, decorrentes da reforma fiscal,
optou-se por aquela que, muito embora seja de delicada condução, acompanha a orgânica
tradicional dos serviços fiscais e sua distribuição à escala concelhia, distrital e metropolitana (...).
Supõe-se que com a organização agora adoptada se dá satisfação, no plano legislativo, a uma
das principais exigências que resultam do novo sistema de tributação dos rendimentos e se
caminha decisivamente para a eliminação dos maiores problemas que possam obstar ainda à
plena realização da justiça tributária.».
Como o próprio nome indica - ―serviço de prevenção e fiscalização‖ -, através deste procurava-se
no âmbito da sua actividade criar condições para que os contribuintes pudessem alterar o seu
comportamento de forma a que tivessem uma participação mais activa e efectiva no
cumprimento das suas obrigações. O Serviço de prevenção e fiscalização tributária era um
serviço administrativo da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, preparatório e
coadjuvante da acção de justiça fiscal, ao qual competia em especial, no que respeita às
contribuições, impostos, taxas e demais receitas a cargo da Direcção-Geral: a) observação, a
averiguação e a notação dos factos que interessem à tributação; b) vigilância do cumprimento
das leis tributárias; c) prevenção contra a fraude e a evasão; d) repressão das infracções fiscais;
e) Quaisquer outras atribuições que por lei estejam ou venham a estar cometidas aos serviços
de fiscalização39.
39
Cfr. Artigo 2.º do decreto-lei n.º 44 966, de 9 de Abril de 1963.
32
destinados ao esclarecimento de dúvidas aos contribuintes (criado pelo decreto-lei n.º 42 637,
de 7 de Novembro de 1959). Com a reforma fiscal 1958-65 atribuiu-se à inspecção tributária
uma função essencialmente orientadora e formativa dos contribuintes, ou seja, uma mera
actividade de prevenção, ficando a função repressiva reservada apenas para as situações em
que função preventiva tivesse falhado isto é, desde que comprovadamente se tivesse detectado
um comportamento evasivo ou fraudulento por parte do contribuinte.
40
O CPCI vigorou desde de 1 de Julho de 1963 até 1 de Julho de 1991, data em que foi substituído pelo Código de Processo
Tributário.
41
Cfr. artigo 2.º alínea b) do decreto-lei n.º 363/78.
42
Cfr. artigo 3.º alíneas c) e e) do decreto-lei n.º 363/78.
43
Cfr. artigo 4.º n.º 3 do decreto-lei n.º 363/78.
33
susceptíveis de revelar a sua situação real; apreender e/ou fotocopiar os elementos de
escrituração ou quaisquer outros testemunhos; proceder à selagem de quaisquer instalações,
sempre que tal se mostre necessário para assegurar a plena eficácia da acção fiscalizadora e o
combate à fraude fiscal; Proceder ao arrombamento de dependências, cofres ou móveis onde se
encontrem documentos ou outros elementos necessários ao desenvolvimento da acção
fiscalizadora; Examinar os elementos em poder de quaisquer entidades públicas e privadas para
a completa verificação da situação tributária dos contribuintes ou obrigados fiscais ou para a
obtenção e recolha de dados que interessem à fiscalização tributária; Pedir a todas as entidades
públicas e privadas, para a realização das diligências a seu cargo, as informações que
entenderem necessárias à sua boa execução; Utilizar as instalações dos contribuintes ou
obrigados fiscais, quando as tenham, em condições que possibilitem o cabal desempenho das
suas funções, considerando-se a recusa como manifesta obstrução à acção fiscalizadora.
Esta estrutura da inspecção manteve-se inalterada até meados da década de oitenta, marcada
pela reforma fiscal, primeiro ao nível da tributação indirecta com a introdução do IVA e
posteriormente ao nível da tributação directa, com a entrada em vigor dos Códigos do IRS e do
IRC em 1 de Janeiro de 1989. Esta reforma assentou na consagração do princípio da tributação
pelo real valor declarado e na presunção de veracidade das declarações e contabilidade dos
contribuintes, bem como no reforço das garantias dos contribuintes e no estabelecimento de
uma relação de cooperação e confiança entre a Administração tributária e os contribuintes. Foi
perante tais vicissitudes e circunstâncias que o papel da inspecção tributária se alterou
substancialmente. Com o acentuar do papel da privatização da relação jurídica tributária, como
veremos de forma detalhada mais à frente, tornou-se imperativa a actuação da acção inspectiva
para comprovar os dados constantes das declarações apresentadas pelos contribuintes e
investigar a existência de factos tributários que pudessem ter sido omitidos. Por outro lado, não
seguramente alheio a este desenvolvimento da inspecção, foi o desenvolvimento da economia,
que se tornou mais complexa, e, consequentemente tornou mais complexa a tipificação dos
factos tributários. Por outro lado, também os esquemas e actuações fraudulentas se tornaram
mais complexos e mais difíceis de detectar. Todas estas circunstâncias e condicionalismos
34
conduziram a um reforço dos poderes inspectivos, o que levou a uma reestruturação, já na
década de noventa, dos próprios serviços44.
De sublinhar que, com a reforma fiscal de 1989 tem início uma época marcadamente
garantística dos contribuintes, altura em que se começou efectivamente a consagrar uma tutela
efectiva das garantias dos contribuintes. No âmbito desta reforma, em termos de procedimento
tributário, no âmbito desta reforma assume especial destaque o Código de Processo Tributário45,
que passou a prever e regular, ainda que de forma genérica as relações tributárias, para além de
disciplinar o processo tributário, quer em sede graciosa, quer em sede jurisdicional
Contudo, até esta altura, apenas se consagrava de forma genérica os fins da acção inspectiva,
não constando em lado algum regras claras e precisas sobre os procedimentos inspectivos que
pudessem beneficiar quer os serviços, quer os contribuintes, que desconheciam nestes
procedimentos os seus direitos e deveres e que, por isso, colocava em causa a certeza e
segurança jurídica que nestas situações se impunha. Até à publicação do RCPIT as disposições
relativas à inspecção tributária encontravam-se dispersas, de forma avulsa, por vários diplomas,
tais como o já citado decreto-lei n.º 363/78, de 28 de Novembro, bem como nos próprios
códigos tributários, nomeadamente o Código do IVA, o Código do IRC, o Código do IRS e o
Código de Processo Tributário.
44
Esta reestruturação concretizou-se através do diploma que estabelece a orgânica da DGCI- decreto-lei n.º 408/93, de 14 de
Dezembro, alterado pelo decreto-lei n.º 42/97, de 7 de Fevereiro, pelo decreto-lei n.º 357/98, de 18 de Novembro, pelo decreto-
lei n.º 202/99, de 9 de Junho e pelo decreto-lei n.º 366/99, de 18 de Setembro.
45
Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 25 de Abril.
46
Referia a recomendação n.º 23 deste relatório que ―Deverá ser elaborado um Regulamento Geral da Inspecção tributária que
reúna as disposições legais relativas aos poderes da Inspecção Tributária actualmente dispersos por vários diplomas e que
estabeleçam os correspondentes deveres e obrigações dos inspectores tributários, de entre os quais avulta o do sigilo
35
Ministros n.º 119/97, de 14 de Julho, previa-se na parte IV, ponto 8.º, n.º 3, alínea e) a
aprovação de um regulamento ―relativo aos direitos e deveres dos serviços de inspecção
tributária, com subordinação à Lei Geral Tributária‖.
Procurou-se assim, retomar a reforma fiscal iniciada no início da década, estabelecendo-se como
uma das prioridades o reforço das garantias dos contribuintes, através da criação de condições
materiais para o seu exercício efectivo e pleno. De entre as medidas respeitantes ao reforço das
garantias dos contribuintes constava a aprovação de uma lei geral tributária onde seriam
estabelecidos os princípios fundamentais de direito tributário, procedendo-se às sistematização,
uniformização e clarificação de diversas matérias, entre as quais constavam o posicionamento
da administração fiscal e aduaneira perante os contribuintes e o sistema de garantia dos
contribuintes e a aprovação de um regulamento relativo aos direitos e deveres dos serviços de
inspecção tributária, com subordinação à lei geral tributária47.
Foi então com a aprovação da Lei Geral Tributária que a actividade inspectiva começou a ganhar
os contornos que hoje possui. Este diploma, aprovado pelo decreto-lei n.º 398/98, de 17 de
Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1999, veio pela primeira vez congregar
todas as regras e princípios estruturantes do sistema tributário e que por isso passou a ser a
referência do ordenamento jurídico-tributário, contribuindo para a transparência e objectividade
da tributação e, dessa forma, para uma justiça e igualdade fiscal..
No que diz respeito à Administração tributária, a LGT veio consagrar um acervo de regras e
princípios que deveriam nortear a sua actividade: nomeadamente e entre outros, os princípios da
legalidade, verdade material, colaboração, participação, proporcionalidade, imparcialidade.
celeridade, justiça48. A inspecção tributária passou também a ter consagração específica na LGT,
designadamente no seu artigo 63.º (referente à actividade inspectiva propriamente dita) e o n.º 1
do artigo 76.º (referente ao valor probatório das informações prestada pela inspecção tributária).
Além disso, e entre muitas outras novidades em matéria de garantias dos contribuintes, a Lei
profissional, cujo conteúdo importará recortar com precisão, e o de informação às entidades inspeccionadas dos direitos que lhe
assistem na Inspecção Tributária‖.
47
No âmbito desta reforma, foi ainda aprovado o CPPT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, com o
objectivo de simplificação do processo tributário.
Cfr. artigo 55.º da LGT.
48
36
Geral Tributária veio estabelecer de forma rigorosa os prazos de caducidade do direito à
liquidação e de prescrição da prestação tributária.
Porém, tal como previsto no n.º 4 do artigo 54.º da LGT49, o exercício da actividade inspectiva
deveria constar em diploma que regulamentasse especificamente a sua disciplina. Esse diploma
é o Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, aprovado pelo decreto-lei
n.º 413/98, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor também em 1 de Janeiro de 1999, que
veio então concretizar e desenvolver o previsto na LGT sobre a inspecção, na sequência da
acima citada recomendação prevista no Relatório da Comissão para o Desenvolvimento da
Reforma Fiscal. No preâmbulo deste diploma acentua-se a natureza regulamentadora do
mesmo, como forma de aumentar os níveis de eficácia e eficiência da acção fiscalizadora, fruto
desta sistematização das regras da actividade inspectiva, sem no entanto ter a pretensão de
alterar os poderes e faculdades e poderes da inspecção previstos na LGT. Embora também se
sublinhe que esta regulamentação não visa impor uma sucessão imperativa e rígida de actos,
que não deixa no entanto de constituir um factor de redução da margem de discricionaridade na
sua actuação.
Ainda em matéria de inspecção, a LGT veio ainda consagrar uma outra importante novidade,
com reflexos nas garantias dos contribuintes, que diz respeito à possibilidade dos sujeitos
passivos solicitarem fiscalização tributária por sua iniciativa52.
Quanto ao RCPIT, este veio proceder à unificação e uniformização num único diploma das regras
definidoras do procedimento de inspecção tributária, tenso sido elaborado e aprovado na
49
Actualmente corresponde ao n.º 5 do artigo 54.º da LGT.
50
Cfr. artigo 63.º da LGT.
51
Cfr. artigo 63.º n.ºs 4 e 5.
52
Nos termos do artigo 47.º da LGT e do Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro.
37
sequência da elaboração e aprovação da LGT, após recomendação da Comissão para o
Desenvolvimento da Reforma Fiscal. A lógica que presidiu à elaboração deste diploma foi a de
que, uma melhor sistematização e conhecimento das regras do procedimento, teria
necessariamente como consequência uma melhora na sua eficiência e eficácia, reduzindo-se a
margem de discricionaridade à Administração tributária. Assim, o RCPIT veio definir com clareza
as normas de actuação dos serviços de inspecção, dos direitos e faculdades dos funcionários da
inspecção, bem comoos respectivos deveres e obrigações.
Trata-se de um diploma fundamental no que concerne à tutela das garantias dos contribuintes,
visto que a actividade inspectiva consubstancia, como iremos ver, uma das fases do
procedimento tributário em que os direitos e interesses dos contribuintes mais estão sujeitos a
ser lesados, razão pela qual a sujeição da actividade inspectiva a princípios e regras específicas
e própri, assume por isso especial relevância.
53
Isto sem prejuízo de legislação que regulamenta o procedimento de inspecção de forma especial, como sucede com o decreto-
lei n.º 6/99 de 8 de Fevereiro, que regula o procedimento de inspecção a pedido do contribuinte ou de terceiro. Este tipo de
procedimento pressupõe o cumprimento de determinados pressupostos por parte do contribuinte inspeccionado, devendo este
possuir contabilidade organizada e demonstrar interesse legítimo na realização do procedimento, nomeadamente através da
demonstração da existência de vantagem no exacto conhecimento da sua situação tributária. Trata-se de um procedimento com
regras distintas das previstas no RCPIT, na medida em que o âmbito e extensão são definidos pelo próprio sujeito passivo e as
conclusões do relatório de inspecção vinculam a Administração, não podendo esta proceder a novas inspecções com o mesmo
objecto ou a actos de liquidação respeitantes a factos tributários nela incluídos que não tenham por fundamento as conclusões
do relatório. Além disso, o contribuinte que solicitar a inspecção está sujeito ao pagamento de uma taxa que varia, para cada
exercício inspeccionado, entre € 3.152,40 e € 34.915,85 nos termos da portaria n.º 923/99, de 20 de Outubro.
38
RCPIT veio contribuir para que os sujeitos passivos inspeccionados conheçam os seus direitos e
deveres no decurso do procedimento de inspecção e no mesmo possam participar.
O RCPIT, com o texto original, manteve-se inalterado54 até meados de 2005, altura em que,
através da lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto, se procedeu à sua alteração e republicação. Das
alterações efectuadas cumpre destacar as efectuadas quanto aos poderes da inspecção
tributária, tendo-se procedido a uma importante clarificação do alcance e limites daqueles
poderes. Este alcance e limite das prerrogativas e faculdades concedidas aos inspectores
tributários não era muito clara, na medida em que, até essa alteração, o próprio RCPIT remetia,
nesta matéria para outros diplomas dispersos55.
Mais recentemente, em matéria de inspecção, embora o RCPIT não tenha sofrido qualquer
alteração, o artigo 63.º da LGT que, no fundo é o pilar da inspecção naquele diploma e que
serve de ponto de partida para a sua regulamentação pelo RCPIT, sofreu uma importante
alteração através da lei n.º 37/2010, de 2 de Setembro, nomeadamente no que diz respeito às
causas legítimas de oposição. Antes desta alteração, o segredo bancário constituía causa
legítima de oposição, algo que deixou de suceder.
Com excepção do aditamento do n.º 5 ao artigo 36.º do RCPIT, referente à suspensão do procedimento de inspecção por força
54
39
demais obrigados tributários, de terceiros com quem aqueles mantenham relações económicas
ou qualquer outro local a que a Administração Tributária tenha acesso.
Outra das reflexões do grupo sobre o RCPIT diz respeito à prorrogação do prazo do
procedimento de inspecção. Nesta matéria recomendou-se que: «Para além de se entender que
a Administração Tributária deverá utilizar, como regra, o prazo do procedimento de inspecção de
seis meses, julga-se conveniente prever a obrigatoriedade de um despacho, a notificar à entidade
inspeccionada, contendo a justificação da ampliação do prazo de inspecção, a descrição, ainda
que sumária, das diligências já efectuadas e das que se pretendem realizar até ao termo da
57
Cfr. Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal, Competitividade, Eficiência e Justiça do sistema fiscal, pp. 797 e 798,
disponivel em http://www.min-financas.pt/inf_fiscal/GPFRelatorioGlobal_VFinal.pdf
40
acção e, bem assim, a indicação do prazo previsível para a conclusão do procedimento de
inspecção» . 58
58
Cfr. Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal, Competitividade, Eficiência e Justiça do sistema fiscal, pág. 798.
59
Cfr. Relatório do Grupo para o Estudo da Política Fiscal, Competitividade, Eficiência e Justiça do sistema fiscal, pp. 799 e 800.
60
Disponível em http://www.min-financas.pt/informacao-economica/programa-de-ajustamento-economico-e-
financeiro/memorando-de-politicas-economicas-e-financeiras-fmi
41
adoptada uma estratégia de gestão de risco para a selecção de contribuintes a inspeccionar, em
que se irá valorizar informações de terceiros para apoiar o trabalho de inspecção61.
61
Cfr. pág. 8 do referido memorando.
42
4. A ORGÂNICA DA INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
À DGCI compete, e para o que aqui nos interessa, exercer a acção de inspecção tributária,
prevenindo e combatendo a fraude e a evasão fiscais64. A DGCI, para execução das suas missões
e atribuições65 encontra-se estruturada através de unidades nucleares: as direcções de serviços,
nos serviços centrais, e as direcções de finanças, que integram os serviços desconcentrados da
DGCI66.
Dentro da organização dos serviços centrais, as funções de inspecção tributária são sobretudo
asseguradas através da Direcção de Serviços de Planeamento e Coordenação da Inspecção
Tributária, da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária e pela Direcção de Serviços de
Investigação da Fraude e Acções Especiais67. Por sua vez, cada um destes serviços centrais é
composto por unidades orgânicas flexíveis que irão concretizar as suas atribuições68. Nos termos
do 18.º n.º 1 do RCPIT prevê-se que à DSPCIT cabe garantir o cumprimento dos objectivos
definidos para a inspecção tributária, bem como a necessária uniformidade procedimental da
inspecção e a correcção das deficiências reveladas.
62
Cfr. artigo 1.º do decreto-lei n.º 81/2007, de 29 de Março.
63
Cfr. artigo 2.º n.º 1 do decreto-lei n.º 81/2007, de 29 de Março.
64
Cfr. artigo 2.º n.º 2 alínea b) do decreto-lei n.º 81/2007, de 29 de Março.
65
Previstas no artigo 2.º n.º 2 decreto-lei n.º 81/2007, de 29 de Março.
66
Cfr. artigo 1.º da portaria n.º 348/2007, de 30 de Março.
67
Cfr. artigo 2.º n.º 1 alíneas l), m) e n) da portaria n.º 348/2007, de 30 de Março.
68
De acordo com o despacho n.º 8488/2007, de 11 de Maio.
69
Cfr. artigo 13.º da portaria n.º 348/2007, de 30 de Março.
70
Cfr. ponto 11.º do despacho n.º 8488/2007, de 11 de Maio.
43
- Elaborar anualmente o projecto do Plano Nacional de Actividades da Inspecção Tributária
(PNAIT), coordenar a elaboração dos planos regionais de actividade das diferentes unidades
orgânicas da área da inspecção tributária e controlar a execução dos referidos planos;
- Elaborar o relatório de actividades da área da inspecção tributária;
- Conceber, testar, gerir operacionalmente e propor alterações aos sistemas de informação
utilizados pela área da inspecção tributária;
- Definir modelos e métodos de pesquisa, inventariação e análise da informação a adoptar pelas
diferentes unidades orgânicas da área da inspecção tributária e harmonizar os procedimentos de
selecção de contribuintes a controlar;
- Gerir a troca de informações com países comunitários e com países terceiros com os quais
Portugal tenha celebrado convenções sobre dupla tributação;
À DEC compete:
No que diz respeito à DSIT, as suas atribuições71 encontram-se distribuídas pelas seguintes
divisões: Divisão de Inspecção a Bancos e outras Instituições de Crédito (DIBIC), Divisão de
Inspecção a Seguradoras e Sociedades Financeiras (DISSF), Divisão de Inspecção a Empresas
não Financeiras I (DIEFI) e Divisão de Inspecção a Empresas não Financeiras II (DIEF II). A cada
uma destas divisões compete, relativamente aos sujeitos passivos cuja inspecção lhe esteja
atribuída72:
71
Cfr. artigo 14.º da portaria n.º 348/2007, de 30 de Março.
72
Cfr. ponto 12.º do despacho n.º 8488/2007, de 11 de Maio.
44
- Analisar e acompanhar o comportamento fiscal dos contribuintes cuja inspecção seja atribuída
aos serviços centrais e dos sectores de actividade económica em que os mesmos se inserem,
através da verificação e análise formal e da coerência dos elementos declarados, da
monitorização e análise da informação constante das bases de dados informatizadas e da
recolha sistematizada de quaisquer outros tipos de informação;
- Verificar, com recurso a técnicas próprias de auditoria, a contabilidade dos contribuintes cuja
inspecção seja atribuída aos serviços centrais, confirmando a veracidade das declarações
efectuadas, por verificação substantiva dos respectivos elementos contabilísticos de suporte;
- Proceder à elaboração do respectivo plano de inspecção com base nos indicadores de análise
de risco e ao seu acompanhamento e análise;
- Instaurar e instruir processos de inquérito, nos termos dos artigos 40.º e 41.º do RGIT.
Por fim, quanto à DSIFAE, as suas atribuições73 encontram-se distribuídas pela Divisão de
Investigação da Fraude e Acções Especiais e pela Divisão de Estudos e Informações74.
À DIFAE compete:
73
Cfr. artigo 15.º da portaria n.º 348/2007, de 30 de Março.
74
Cfr. ponto 13 do despacho n.º 8488/2007, de 11 de Maio.
45
- Assegurar a participação ou a cooperação portuguesa com o Organismo Europeu de Luta
Antifraude (OLAF);
- Instaurar e instruir processos de inquérito, nos termos dos artigos 40.º e 41.º do RGIT.
De referir que à DSIFAE cabe ainda gerir o programa comunitário Fiscalis, assegurando os
compromissos assumidos perante a Comissão Europeia ou os restantes países comunitários.
As direcções de serviços acima descritas têm a sua missão direccionada para a actuação em
sede de inspecção tributária. Contudo, a inspecção tributária, em sentido lato, atendendo ao
cruzamento de informação que adiante veremos com mais detalhe, acaba por ser
desempenhado por outras direcções e outros serviços. É o que sucede por exemplo, com a
Direcção de Serviços das Relações Internacionais, a quem, em articulação com a área de
inspecção tributária, compete assegurar a troca de informações fiscais, no âmbito dos
mecanismos previstos na convenções internacionais em matéria fiscal, bem como participar em
acções de cooperação internacional no âmbito da prevenção da evasão e fraudes fiscais75.
É o que sucede igualmente com todas as direcções de serviços76 que têm como missão detectar
de situações de falta de declaração ou de omissões nela verificados, que poderão e deverão
fornecer tais elementos de informação às direcções e serviços de inspecção tributária e que
poderão ou não desencadear os competentes procedimentos inspectivos.
76
É o que sucede por exemplo com as direcções de serviços do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas e das
pessoas singulares – vide artigo 3.º alínea f) e artigo 4.º f), ambos da portaria n.º 348/2007, de 30 de Março.
46
Estas missões e atribuições da inspecção tributária serão depois desenvolvidas pelas respectivas
Direcções de Finanças, de acordo com a sua competência territorial. Às Direcções de Finanças
compete, entre outras atribuições, assegurar as actividades relacionadas com a arrecadação dos
impostos e outros tributos administrados pela DGCI e de controlo do cumprimento da obrigação
de imposto pelos sujeitos passivos e as actividades relacionadas com a inspecção tributária,
desenvolvendo os procedimentos de investigação das irregularidades fiscais, de prevenção e
combate à fraude e evasão fiscais que lhes sejam cometidas77.
A actuação da inspecção tributária não é muitas das vezes, efectuada isoladamente, sendo
muitas das suas acções conjuntas com outras entidades inspectivas, nomeadamente a Polícia
Judiciária, a Inspecção dos Centros Regionais de Segurança Social (CRSS), a Unidade de Acção
Fiscal da Guarda Nacional Republicana (UAF‐GNR), a Autoridade de Segurança Alimentar e
Económica (ASAE), a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), o Serviço de Estrangeiros
e Fronteiras (SEF), e a Polícia de Segurança Pública (PSP), salvaguardadas as especificidades de
77
Cfr. artigo 28.º alíneas g) e i) da portaria n.º 348/2007, de 30 de Março.
78
Cfr. artigo 30.º n.º 2 alínea c) da portaria n.º 348/2007, de 30 de Março.
79
Cfr. artigo 30.º n.º 3 alínea b) da portaria n.º 348/2007, de 30 de Março.
80
Cfr. artigo 30.º n.º 4 alínea b) da portaria n.º 348/2007, de 30 de Março.
47
cada uma em termos de actuação no terreno, bem como as limitações do dever de sigilo fiscal,
tendo em vista criar sinergias de actuação81.
Nos termos da alínea a) do n.º 4 da Lei n.º 49/2008, de 27 de Agosto, a investigação dos
crimes tributários de valor superior a € 500.000,00 é da competência da PJ, sem prejuízo das
competências atribuídas a outros órgãos de polícia criminal. Tendo em conta a repercussão
social e económica deste tipo de criminalidade e a sua ligação directa a formas de criminalidade
organizada e transnacional, sempre a Policia Judiciária considerou a sua investigação como um
objectivo estratégico a prosseguir. O actividade da PJ na prossecução deste objectivo tem
determinado o investimento na formação específica dos seus funcionários, visto que a
especialização é o único caminho possível na optimização de resultados quando se trata de
matérias muito técnicas e complexas, bem assim como a criação, desde 2002, de uma secção
– Secção Central de Investigação do Branqueamento e Infracções Tributárias –, na Unidade
Nacional de Combate à Corrupção, especialmente vocacionada para este tipo de investigação.
Foi também este desiderato que esteve subjacente à celebração, em 2005, entre os Ministérios
da Justiça e das Finanças, nomeadamente entre a PJ, a DGCI e a DGAIEC, do Protocolo de
cooperação e coordenação, ao nível operacional, em matéria de prevenção e investigação
criminal, troca de informação e formação. Assim, à experiência sedimentada da PJ na
investigação da criminalidade complexa, organizada, transnacional, particularmente grave,
aliou‐se o conhecimento profundo do sistema tributário.
No que diz respeito à actuação conjunta com a Unidade de Acção Fiscal da GNR, com as
alterações legislativas operadas nos anos 2007 e 2008, nomeadamente, através da publicação
81
O próprio RCPIT prevê no seu artigo 3.º a possibilidade de celebração de protocolos com outras entidades no âmbito das
competências de inspecção que lhe estão atribuídas.
48
da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana (LOGNR), da Lei de Segurança Interna (LSI) e
da Lei de Organização da Investigação Criminal (LOIC) foram introduzidas mudanças no modelo
legal e organizacional de combate a criminalidade tributária. Na sequência destas alterações
surge, no seio da GNR, a UAF, com carácter especializado e âmbito nacional, com competência
específica de investigação para o cumprimento da missão tributária, fiscal e aduaneira cometida
a Guarda. Para além das tarefas inerentes a investigação, a UAF realiza ainda acções de
fiscalização e controlo da circulação de mercadorias, tendo em vista, sobretudo, a recolha de
informação em apoio das actividades de investigação, designadamente na área da circulação de
produtos sensíveis a evasão e fraude fiscal, o que constitui, simultaneamente, um instrumento
de alimentação do sistema de investigação criminal e contraordenacional. No que diz respeito,
em concreto, às acções de fiscalização no âmbito do Regime de Bens em Circulação, estas
incidem, ao abrigo do RBC, sobre as transacções entre sujeitos passivos de IVA, aprovado pelo
decreto‐lei n.º 147/2003, de 11 de Julho, com as alterações introduzidas pelo decreto‐lei n.º
238/2006, de 20 de Dezembro, sobre a obrigatoriedade e requisitos dos documentos de
transporte que os acompanham.
49
5. A PRIVATIZAÇÃO DO FENÓMENO INSPECTIVO
Na verdade, este novo modelo de Administração tributária e da gestão dos tributos mais não é
do que o resultado da massificação das relações jurídicas tributárias, fruto do aumento do
número de sujeitos passivos e das relações económicas entres estes (quer em quantidade, quer
em complexidade), o que, aliado ao aumento da despesa pública, conduziu a que a
Administração tivesse de se adaptar a todas estas circunstâncias e vicissitudes que levaram ao
Cfr. ROCHA, JOAQUIM FREITAS DA, Lições de Procedimento e Processo Tributário, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pág. 37
82
Cfr. ROCHA, JOAQUIM FREITAS DA, O controlo do controlo tributário (meios reactivos à inspecção tributária)‖, in Cadernos de justiça
83
NABAIS, CASALTA, in Estudos de Direito fiscal, por um estado fiscal suportável, Coimbra, Almedina, 2005, pág. 45
85
50
incremento de uma pressão fiscal nunca antes vista, e que por isso tornou de todo inviável a
manutenção da relação jurídica tributária assente num modelo obsoleto, onde deixou de fazer
sentido a posição dominante da Administração tributária na gestão e administração dos
tributos86.
A evolução do ―antigo‖ modelo da relação jurídica tributária passou por isso pela sua
―privatização‖87, ou seja pela transferência para os contribuintes de uma série de deveres que
originariamente incumbiam à Administração. Este fenómeno tem por isso uma influência directa
na actividade de inspecção tributária, visto que esta ―privatização‖ possibilitou que a
Administração se libertasse de uma série de funções, e, em consequência, canalizasse os seus
recursos para o desempenho de outras funções, nomeadamente as funções de controlo e
fiscalização. Esta realidade conduziu por isso à impossibilidade factual de o Estado conseguir
cumprir todas as tarefas a que se encontra obrigado, sem comprometer a sua actividade de
controlo, isto é são razões de praticidade e exequibilidade que estão na génese deste fenómeno
que impõe aos contribuintes a obrigação de auxiliar o Estado na prossecução das suas funções88.
Para CASALTA NABAIS89 esta privatização integra uma das duas deslocações de poder do Estado
fiscal: a primeira traduz uma crescente deslocação do poder fiscal para a administração, e em
segundo, uma deslocação do modelo de administração activa detentora do poder de liquidação e
cobrança da generalidade dos tributos, para o actual modelo de administração de controlo e
fiscalização da administração ou gestão dos impostos a cargo predominantemente dos
particulares. Esta ―privatização‖ conduziu por isso a um modelo de gestão privada, no âmbito do
qual, a Administração foi substituída pelos particulares na execução de tarefas públicas, de
gestão tributária, (liquidação e cobrança de tributos) que anteriormente lhe pertencia.
86
A evolução operada por este modelo de gestão fiscal levou, segundo J. L. Saldanha Sanches, à distinção e separação entre
dois tipos de relações jurídicas tributárias: por um lado as relações jurídicas procedimentais, que o Autor designa por ―relação
jurídica fiscal‖, respeitante aos deveres de cooperação e, por outro, às relações jurídicas materiais, que o Autor designa ―relação
obrigacional fiscal‖, que diz respeito aos deveres de prestação pecuniária. Cfr. SANCHES, J.L. SALDANHA, Manual de Direito Fiscal,
Coimbra, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2007, pág. 247.
87
Note-se que, como sublinha NABAIS, CASALTA, apesar de se falar em privatização, quer seja da relação jurídica tributária, quer
seja da administração e gestão dos tributos, não deixam de estar em causa tarefas públicas, que são entregues aos privados, e
por cujo exercício nada recebem em troca - Direito Fiscal, 5.ª edição, Coimbra, Almedina, 2009).
88
Cfr., FEIO, DIOGO, A substituição fiscal e a retenção na fonte: o caso específico dos impostos sobre o rendimento , Coimbra,
Coimbra Editora, 2001, pág. 117.
89
NABAIS, CASALTA, Estado fiscal, cidadania fiscal e alguns dos seus problemas, BCE, Vol. XLV-A, 2002, pág. 597.
51
No actual modelo de relação jurídica tributária temos um sistema de liquidação administrativa
dos impostos que, regra geral, é da responsabilidade dos contribuintes, seja na modalidade de
autoliquidação (como sucede, por exemplo, com o IVA e o IRC e com as contribuições para a
segurança social das entidades patronais) ou através substituição tributária, concretizada através
da retenção na fonte (que sucede com as contribuições para a segurança social das entidades
patronais e com o IRS, quando são aplicadas taxas de retenção na fonte a título definitivo com
carácter liberatório). Nestas situações são os próprios contribuintes a praticar o próprio acto de
liquidação (que é o acto tributário por excelência), sendo os contribuintes a apresentar os
elementos relevantes para efeitos tributários,procedendo à sua qualificação e quantificação e
calculando o respectivo valor, que poderá ser de receber ou pagar, consoante a situação.
Além disso, ainda que não sejam os próprios particulares a praticarem o acto de liquidação
(como sucede nos casos de autoliquidação) e essa função continua acometida à Administração
tributária, ainda assim, nestes casos o acto de liquidação é efectuado com base nos elementos
fornecidos pelos particulares. É o que sucede, designadamente em matéria de IRS, em que a
liquidação é uma tarefa que está ainda a cargo da Administração tributária. Neste situações (de
heteroliquidação) a Administração não intervém no sentido de aplicar as normas tributárias,
limitando-se a realizar automaticamente meras operações aritméticas, com recurso a meios
informáticos e baseada sobretudo nos elementos fornecidos pelos próprios sujeitos passivos e
que, nos termos do artigo 75.º da LGT, se presumem verdadeiros.
Porém, convém sublinhar que a privatização tem subjacente, como não podia deixar de ser já
que estamos perante tarefas públicas, o facto de se tratar de uma imposição aos particulares,
sem que a estes seja conferida a possibilidade de participarem na formação da disciplina jurídica
da administração e gestão tributária90.
90
Cfr. GOMES, NOEL, Segredo Bancário e Direito Fiscal, Coimbra, Almedina, 2006, pág. 145
52
passivos ou obrigados tributários efectivamente cumpriram as obrigações que lhe são impostas,
quer do ponto de vista quantitativo, quer do ponto de vista qualitativo. O reforço da actividade
fiscalizadora da inspecção tributária é assim uma consequência directa e imediata do aumento
dos deveres impostos aos contribuintes91, fruto desta ―privatização‖.
Deste novo modelo de relação jurídica tributária, que levou à transferência de tarefas no
procedimento tributário de liquidação e cumprimento de obrigações tributárias para os
particulares, surge por isso um novo modelo de Administração tributária, agora sobretudo
focalizada em funções de controlo e fiscalização dos tributos, essencialmente direccionadas para
o combate à fraude e evasão fiscal.
Neste capítulo iremos abordar os elementos que a inspecção tributário tem hoje em dia ao seu
dispor e que, como veremos mais à frente, servirão de suporte ao procedimento de inspecção
propriamente dito, já que constituem importantes elementos objectivos que serão utilizados
como critérios para selecção dos sujeitos passivos a inspeccionar. Estes elementos agora ao
dispor mais não são do que o resultado da privatização da relação jurídica tributária,
nomeadamente do cumprimento de todas as obrigações declarativas acessórias que impendem
sobre os contribuintes e outros obrigados tributários e que justificam o apelidar de ―privatização
do fenómeno inspectivo‖.
Por força da referida privatização, a actuação da inspecção tributária abrange uma série de
actuações que não se confinam ao procedimento tributário de inspecção. A actuação da
inspecção tributária em sentido lato, configura uma série de actuações e metodologias que
poderão depois de reunida uma série de informações e dados, a final concretizar-se no
procedimento inspectivo. Tais metodologias assentam sobretudo no cruzamento de informação
cujo escopo final passa por, no âmbito do combate à evasão e fraude fiscais, tendo em conta a
informação disponível, proceder-se a um conjunto de cruzamentos, controlos automáticos e
Neste sentido, ROCHA, JOAQUIM FREITAS DA, O controlo do controlo tributário (meios reactivos à inspecção tributária)‖, in Cadernos
91
53
acções de controlo que visam a detecção de declarações em falta e a correcção dos
rendimentos declarados, com recurso a meios informáticos. Este cruzamento de informação
tanto pode ocorrer relativamente aos dados que a Administração fiscal tem ao seu dispor,
provenientes dos próprios sujeitos passivos, como de terceiros. A eficácia da actuação inspectiva
depende por isso em muito da existência de um eficaz sistema de troca e cruzamento de
informações entre todos os sectores da Administração tributária. Este cruzamento e controlo tem
também sido possível graças à progressiva desmaterialização das obrigações declarativas.
Assim, atendendo às várias obrigações declarativas que impendem sobre os próprios sujeitos
passivos e sobre terceiros é hoje possível efectuar um controlo abrangente do cumprimento
dessas obrigações declarativas que permite, por um lado, e em primeiro lugar, saber se essas
obrigações declarativas foram cumpridas e, em segundo lugar, caso o tenham sido, se foram
92
Esta obrigação foi introduzida pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Lei do Orçamento do Estado para 2010) através d
aalteração ao artigo 115.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS e regulamentada pela Portaria n.º 879-A/2010, de 29 de Novembro,
que aprovou o respectivo modelo oficial. A emissão dos recibos verdes electrónicos foi facultativa entre o período entre 1 de
Dezembro de 2010 e 30 de Junho de 2011, passando a ser obrigatória a partir de 1 de Julho de 2011 para todos os sujeitos
passivos que se encontrem obrigados ao envio da declaração periódica IVA ou da declaração de IRS por via electrónica.
54
cumpridas de forma correcta, ou seja, se reflectem a real capacidade contributiva do sujeito
passivo.
93
A declaração Modelo 10 vem prevista no artigo 119.º, n.º 1 alínea c) do Código do IRS e artigo 120.º do Código do IRC, tendo
sido aprovada pela Portaria n.º 1145/2004, de 30 de Outubro,e substituiu o anterior Anexo J da Declaração Anual. A declaração
Modelo 10 deve ser entregue até ao final do mês de Fevereiro de cada ano, e contém informação relativa ao ano anterior, dos
rendimentos devidos ou colocados à disposição de titulares residentes no território português e respectivas retenções. Assim,
estão obrigadas à sua entrega todas as entidades, singulares ou colectivas, que efectuem pagamentos de qualquer natureza
sujeitos a IRS. O conteúdo da declaração Modelo 10 entregue irá ser cruzado, entre outras, com as informações prestadas pelos
trabalhadores no quadro 4 do Anexo A, das suas declarações Modelo 3.
55
terceiros, nomeadamente, na declaração Modelo 10, como titulares de rendimentos, na
declaração Modelo 1194, como intervenientes em escrituras de alienação de imóveis ou nos
Anexos O95 e P96 da IES/DA, como intervenientes em operações comerciais. Este controlo de
contribuintes com divergências no cruzamento dos Anexos O e P da IES/DA implica a detecção e
análise das divergências entre a informação prestada pelos sujeitos passivos no Anexo O e a
informação prestada pelos seus clientes nos respectivos Anexos P. Este cruzamento também
permite verificar as situações em que determinados contribuintes são mencionados por clientes
e fornecedores, mas não entregaram os respectivos Anexos O e P da IES/DA. Outro aspecto
importante a nível do controlo do IVA passa pelos reembolsos, nomeadamente a análise dos
pedidos de reembolso do IVA, que deve ser feita relativamente aos contribuintes que forem
seleccionados através da matriz de risco dos reembolsos de IVA97 procurando aferir a
legitimidade dos pedidos e corrigir as deduções indevidas de imposto.
94
A declaração modelo 11, prevista no artigo 123.º do Código do IRS é enviada até ao dia 10 de cada mês, pelos Notários,
Conservadores, Secretários Judiciais, e Secretários de Justiça, bem como entidades e profissionais com competência para
autenticar documentos particulares, das relações dos actos praticados, no mês anterior, que sejam susceptíveis de produzir
rendimentos sujeitos a IRS.
95
O anexo O destina-se a dar cumprimento à obrigação declarativa na alínea e) do n.º 1 do artigo 29 deo Código do IVA, integra a
informação empresarial simplificada (IES), e deve ser enviado pelas pessoas singulares ou colectivas que, de um modo
independente e com carácter de habituabilidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo
as actividades extractivas, agrícolas, as das profissões livres, bem como pelas que, do mesmo modo independente pratiquem
uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que esta
ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do IRS ou do
IRC. O anexo O é um mapa recapitulativo com identificação dos sujeitos passivos clientes, onde deve constar o montante total
das operações internas realizadas com cada um deles no ano anterior, desde que superior a € 25 000.
96
O anexo P destina-se a dar cumprimento à obrigação declarativa na alínea f) do n.º 1 do artigo 29 deo Código do IVA, também
integra a informação empresarial simplificada (IES), e deve ser enviado pelas pessoas singulares ou colectivas que, de um modo
independente e com carácter de habituabilidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo
as actividades extractivas, agrícolas, as das profissões livres, bem como pelas que, do mesmo modo independente pratiquem
uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que esta
ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do IRS ou do
IRC. Além disso, deve ainda ser enviado pelos serviços, organismos e estabelecimentos do Estado, das Regiões Autónomas e das
autarquias locais, incluindo os dotados de autonomia administrativa ou financeira, ainda que personalizados, as associações e
federações de muncípios, bem como outras pessoas colectivas de direito público, as pessoas colectivas de utilidade pública e as
instituições particulares de solidariedade social. O anexo P é um mapa recapitulativo com a identificação dos sujeitos passivos
fornecedores, onde consta o montante total das operações internas realizadas com cada um deles no ano anterior, desde que
superior a € 25 000.
97
Cfr. Despacho Normativo nº 23/2009, de 17 de Junho
98
Prevista no artigo 123.º do Código do IRS. Ainda nos termos do n.º 4 do artigo 49.º do Código do IMT, entidades estão
obrigadas a devem submeter à Administração tributária em suporte electrónico, os seguintes elementos: Uma relação dos actos
ou contratos sujeitos a IMT, ou dele isentos, efectuados no mês antecedente, contendo, relativamente a cada um desses actos, o
número, data e importância dos documentos de cobrança ou os motivos da isenção, nomes dos contratantes, artigos matriciais e
respectivas freguesias, ou menção dos prédios omissos; Cópia das procurações que confiram poderes de alienação de bens
imóveis em que por renúncia ao direito de revogação ou cláusula de natureza semelhante o representado deixe de poder revogar
56
conservadores, secretários judiciais, secretários técnicos de justiça e entidades e profissionais
com competência para autenticar documentos particulares que titulem actos ou contratos
sujeitos a registo predial que sejam susceptíveis de produzir rendimentos sujeitos a IRS,
nomeadamente mais-valias, em confronto com o anexo G ou G1 da declaração modelo 3 do IRS
a que os sujeitos passivos estão obrigados a enviar caso alienem imóveis.
Mas os cruzamentos com as obrigações de terceiros não se ficam por aqui. No âmbito do
cruzamento da informação constante dos modelos declarativos das obrigações de terceiros,
temos outros exemplos, como é o caso do cruzamento da informação constante da declaração
modelo 1399 – Valores mobiliários, warrants autónomos e instrumentos financeiros derivados
com os anexos G e G1 da declaração modelo 3, que visa controlar os valores declarados pelas
instituições financeiras e pelos sujeitos passivos de IRS, como a alienação de acções e apurar
mais e menos valias fiscais. Por sua vez, ainda neste domínio, a declaração modelo 4 –
Declaração de aquisição e ou alienação de valores mobiliários –, permite o controlo declarativo
de alienantes e adquirentes de valores mobiliários quando as operações tenham sido realizadas
sem intervenção dos notários, conservadores e oficiais de justiça, ou das instituições de crédito e
sociedades financeiras, e apurar e tributar as mais valias fiscais100.
a procuração, bem como dos respectivos substabelecimentos, referentes ao mês anterior; Cópia das escrituras ou documentos
particulares autenticados de divisões de coisa comum e de partilhas de que façam parte bens imóveis.
99
A declaração modelo 13 vem prevista no artigo 124.º do Código do IRS e impõe que às instituições de crédito e sociedades
financeiras a obrigação de comunicar à Administração tributária, até 30 de Junho de cada ano, relativamente a cada sujeito
passivo, as operações efectuadas com a sua intervenção, relativamente a valores mobiliários e warrants autónomos bem como
os resultados apurados nas operações efectuadas com a sua intervenção relativamente a instrumentos financeiros derivados.
100
Prevista no 138.º do Código do IRS, que passou a ser entregue obrigatoriamente via Internet a partir de 1 de Junho de 2009,
como dispõe a Portaria n.º 54/2009, de 21 de Janeiro
101
Cfr. artigo 125.º do Código do IMI.
57
contrato de arrendamento sido comunicado. A este propósito refira-se que em sede de imposto
do selo, o artigo 60.º do Código do IS impõe às entidades previstas no artigo 2.º do mesmo
Código, bem como aos locadores e sublocadores que, sendo pessoas singulares não exerçam
actividades de de comércio, indústria ou prestações de serviços a obrigação de comunicar os
contratos de arrendamento, subarrendamento e respectivas promessas celebrados, bem como
as suas alterações. Essa comunicação deve ser efectuada até ao fim do mês seguinte ao do
início do arrendamento, subarrendamento, das alterações ou, em caso de promessa, da
disponibilização do bem locado102. Ainda em sede de IMI, também às Câmaras Municipais
compete colaborar com a Administração tributária na fiscalização do cumprimento deste
imposto, devendo aquelas enviar: (i) mensalmente dados de que disponham relativos a alvarás
de loteamento, projectos e licenças de construção, licenças de demolição e de obras, pedidos de
vistorias, datas de conclusão de edifícios e seus melhoramentos ou da sua ocupação; (ii)
bienalmente, até 31 de Março, plantas dos aglomerados urbanos à escala disponível donde
conste a toponímia; (iii) oficiosamente ou a solicitação da administração fiscal, outros dados
considerados pertinentes para uma eficaz fiscalização103.
Aliás, a propósito do imposto do selo, e para além da obrigação de comunicação dos contratos
de arrendamento, também neste existe uma variedade de obrigações declarativas que
contribuem para o cruzamento e fiscalização do cumprimento do mesmo. Exemplo disso é a
obrigação para todas as entidades que passem cheques e vales de correio, ou outros títulos de
enviar até ao último dia do mês de Março de cada ano, uma relação do número de cheques e
vales de correio, ou dos outros títulos passados no ano anterior104. Ainda no âmbito do IS, a
Administração tributária pode enviar às pessoas singulares ou colectivas e aos serviços públicos
questionários quanto a dados e factos de carácter específico relevantes para o controlo deste
imposto105.
Outro ponto de partida para uma possível actuação da inspecção tributária prende-se com as
denúncias. As denúncias são, por exemplo, muito comuns relativamente aos contratos de
arrendamento, por parte dos arrendatários (e por vezes até dos próprios vizinhos) que
105
Cfr. artigo 55.º do Código do IS. De referir no entanro que a possibilidade de envio destes questionários não é específica do
imposto do selo, podendo os mesmos ser enviados para controlo de qualquer imposto, tal como prevê o artigo 29.º n.º 3 alínea
a) do RCPIT.
58
denunciam que os respectivos senhorios não comunicaram o respectivo contrato; são também
comuns quanto aos titulares de rendimentos empresariais e profissionais, por parte dos clientes
a quem são prestados serviços ou fornecidos bens, que muitas vezes denunciam a não emissão
do respectivo recibo ou factura.
A nossa lei não dá um conceito de denúncia. A mesma pode no entanto ser definida com um
acto voluntário de um particular através do qual este dá a conhecer à Administração tributária
determinados factos, situações ou circunstâncias que afectam o denunciado e que, caso se
constate terem fundamento, poderá dar lugar ao início de um procedimento de inspecção 106.
Dizemos ―poderá‖, consoante a denúncia se venha a constatar ter fundamento, que dependerá
em muito, quer dos eventuais elementos probatórios que acompanhem a denúncia ou dos
elementos preparatórios prévios que venham a ser recolhidos pela Administração na sequência
da denúncia, mas que não consubstanciam a abertura formal do procedimento de inspecção.
Trata-se por isso de um acto geral de colaboração107, que será como veremos mais à frente
submetido a uma valoração discricionária da Administração que poderá considerá-la infundada,
ou indagar sobre a sua procedência108.
Assim, as denúncias, embora não sejam elas mesmas um cruzamento de informação, podem
no entanto despoletar esse cruzamento e dessa forma, consoante os elementos apurados nesse
cruzamento, desencadear o procedimento tributário de inspecção. Aliás, nos termos da alínea c)
do artigo 27.º do RCPIT, as participações ou denúncias podem constituir um elemento ou critério
de selecção dos sujeitos passivos a inspeccionar.
Nos termos do artigo 70.º n.º 1 da LGT a denúncia de infracção tributária pode originar um
procedimento, caso o denunciante se identifique e não seja manifesta a falta de fundamento da
denúncia. A redacção do referido preceito fala em denúncia por infracção tributária, o que
106
Cfr. neste sentido, DOMINGUEZ, AITOR ORENA, Discrecionalidad, Arbitrariedad e Inicio de Actuaciones Inspectoras , Navarra,
Thomson Aranzadi, 2006, pág. 64-65.
Há quem denomine esta actuação dos particulares de participação funcional, em que o contribuinte, sem integrar um órgão
107
administrativo exerce no entanto funções públicas, na qualidade de membro de uma comunidade afectada, no interesse geral
desta e do seu bom funcionamento, em defesa da legalidade. Cfr. ARIAS, EDUARDO GUERRERO; ROMEU, EDUARDO ROSICH, La denuncia
pública en materia tributária, impuestos, 1985. Por outro lado, há quem considere que não existe nesta situação qualquer
exercício privado de funções públicas, já que através desta figura apenas se dá a conhecer à Administração determinados factos
ou circunstâncias. Cfr. neste sentido PÉREZ, ANTONIO APARICIO, La denuncia pública en materia tributaria (génesis, evolución,
perspectivas de futuro), Valência, Editorial Tirant lo Blanch, 2002, pág. 51.
MÉNDEZ, ANTONIO MORILLO, Medios de defensa del contribuyente ante la Administración, Valência, Editorial Prática de Derecho,
108
59
significa que os factos denunciados podem ser susceptíveis de constituir crime ou contra-
ordenação.
Cremos que neste capítulo das denúncias, a Administração tributária encontra-se obrigada a
desencadear o respectivo procedimento quando estejam cumpridos os respectivos pressupostos
legais, ou seja, o denunciante se tenha identificado e a denúncia seja fundada, isto pese
embora, no artigo 70.º da LGT se faça referência à expressão «pode», o que poderia sugerir
estarmos perante uma mera faculdade ao dispor da Administração. Por força do princípio da
legalidade previsto no artigo 55.º da LGT, ao qual a Administração se encontra vinculada, desde
que – repita-se – cumpridos os seus requisitos legais a Administração não goza de margem de
discricionaridade ou de oportunidade quanto à instauração de procedimento conducente ao
apuramento da situação denunciada109.
O que não quer dizer que relativamente a situações em que tais pressupostos não sejam
cumpridos, nomeadamente nos casos de denúncia anónima, a Administração não possa
desencadear o respectivo procedimento. Sucede que nestes casos já goza de uma margem
discricionária e de oportunidade que não goza quando os pressupostos legais se encontram
preenchidos.
Assim, pese embora este preceito faça depender, em caso de denúncia, que o denunciante se
identifique, em bom rigor pode não ser bem assim. Isto porque, a mera recepção da denúncia,
independentemente do denunciante se identificar pode desencadear um procedimento tributário.
Para tal bastará que a mesma tenha fundamento. E para que a mesma tenha fundamento, é
necessário averiguar e indagar sobre a sua veracidade, ou seja, será necessário que os serviços
de inspecção procedam à recolha de informação sobre o denunciado. Tal como afirma LIMA
GUERREIRO, «O teor do número 1 não prejudica, no entanto, que a denúncia que não preencha os
requisitos nele definidos, por falta de identificação do denunciante, quando não seja manifesta a
sua natureza infundada, possa, complementada que seja com os elementos necessários ao
dispor da administração tributária, indirectamente dar origem a um procedimento. O número 1
impõe o início do procedimento com base em denúncia de autoria identificada e quando não
seja manifesto o seu carácter infundado, mas não veda que os dados integrante da denúncia
109
Neste sentido, CAMPOS, DIOGO LEITE DE; RODRIGUES, BENJAMIM SILVA; SOUSA, JORGE LOPES DE, Lei Geral Tributária comentada e
anotada, Lisboa, Vislis, 3.ª edição, 2002, pág. 353.
60
identificada sejam tidos em conta, se se revelarem fundamentados, por confronto com outro ou
outros elementos já em poder da administração tributária, na decisão de instauração do
procedimento, caso se verifiquem os requisitos legais que lhe podem dar início e são os
genericamente previstos no artigo 27.º n.º 1 do RCPIT.»110.
Basta por exemplo pensar numa denúncia não identificada apresentada contra um contribuinte
proprietário de um prédio que tem o mesmo arrendado sem que tenha dado conhecimento de
tal facto como lhe é imposto. Serve este exemplo para ilustrar que, e embora esse contribuinte
possa aparentemente ter a sua situação fiscal regularizada, por ter sempre cumprido com as
suas obrigações declarativos em termos de rendimentos de trabalho (dependente ou
independente) e de pagamento do IMI relativamente ao prédio de que é titular, pode ter omitido
esse rendimento proveniente do arrendamento, enquadrável na categoria F (rendimentos
prediais). Ou seja, a confirmar-se os factos na denúncia, ainda que anónima, tal não obsta a que
se despolete um procedimento tributário, quer para efeitos contra-ordenacionais, quer para
efeitos de liquidação do respectivo imposto em falta.
O referido diploma veio assim regular a forma, extensão e limites do cruzamento de dados111
entre os serviços da administração fiscal e as instituições da segurança social como forma de
assegurar o controlo do cumprimento das obrigações fiscais e contributivas, assegurando um
maior rigor na atribuição das prestações sociais e a concessão de benefícios fiscais, além de
GUERREIRO, ANTÓNIO LIMA, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, Rei dos Livros, 1999, pág. 320.
110
O cruzamento é feito através da transmissão entre as bases de dados existentes na Direcção-Geral de Informática e Apoio aos
111
Serviços Tributários e Aduaneiros e no Instituto de Informática e Estatística da Solidariedade, resultando na criação de duas
bases de dados autónomas, a base de dados interconectados com a segurança social e a base de dados interconectados com a
administração fiscal, às quais só poderão aceder as entidades para tal devidamente autorizadas.
61
constituir um importante e eficaz instrumento na prevenção e combate à fraude e evasão fiscal e
contributiva112. Uma vez mais é de sublinhar a necessidade de observar neste cruzamento de
informação os princípios da adequação, proporcionalidade, pertinência e complementaridade113.
Aliás, o cruzamento e a utilização dos dados obtidos encontra-se sempre subordinado à
identificação de uma finalidade específica e identificada, nomedamente, para efeito de
atribuição de prestações sociais, concessão e controlo de usufruição de benefícios,
designadamente fiscais, acções de fiscalização, concessão de apoio judiciário, processos de
regularização e cobrança de dívidas e verificação de informações relativas ao início, reinício,
alteração, suspensão e cessação da actividade114.
O manancial de informação da Administração tributária não se fica por aqui pois existem mais
entidades que não sendo obrigados tributários propriamente ditos, fornecem elementos que
poderão ser alvo de tratamento e cruzamento por parte da inspecção tributária. Veja-se por
exemplo, no caso do artigo 280.º n.º 3 do CPC115 que estabelece que o controlo do cumprimento
das obrigações tributárias e a consequente comunicação das infracções detectadas às
autoridades fiscais competentes é incumbência da secretaria. Essa obrigação dos tribunais vem,
por exemplo, prevista no artigo 57.º do Código do IS, que obriga a que sempre que em processo
judicial, se verifique o incumprimento de quaisquer obrigações previstas no Código do IS, directa
ou indirectamente relacionadas com a causa, o secretário judicial deve comunicar a infracção ao
serviço de finanças da área da ocorrência do facto tributário no prazo de 10 dias.
112
Nos termos do artigo 3.º do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 92/2004 são objecto de cruzamento as seguintes categorias de
dados relativas às pessoas singulares e colectivas:
a) Cadastro e identificação;
b) Tributos fiscais ou parafiscais, designadamente as contribuições e quotizações para a segurança social;
c) Rendimentos e despesas;
d) Património imobiliário e mobiliário;
e) Obrigações acessórias, designadamente início, reinício, alteração, suspensão e cessação da actividade.
113
Cfr. Artigo 2.º do decreto-lei n.º 92/2004.
114
Cfr. Artigo 7.º n.º 3 do decreto-lei n.º 92/2004.
115
Estabelece o o n.º 3 do artigo 280.º do CPC que ―Quando se trate de acções fundadas em actos provenientes do exercício de
actividades sujeitas a tributação e o interessado não haja demonstrado o cumprimento de qualquer dever fiscal que lhe incumba,
a secretaria deve comunicar a pendência da causa e o seu objecto à administração fiscal, sem que o andamento regular do
processo seja suspenso‖.
62
5.3. A COOPERAÇÃO ADMINISTRATIVA INTERNACIONAL
Esta cooperação a nível internacional tem sobretudo resultado do labor e empenho da OCDE117
na organização e planeamento de actividades sobre a adequação do exercício do poder de
tributar perante o surgimento de novas realidades e problemas fruto do desenvolvimento de
actividades internacionais em matéria de tributação. Esta intensificação da actividade da OCDE
teve sobretudo reflexos na Convenção Modelo da OCDE, que passou de um modelo fixo e quase
imutável para um modelo actualizável e dinâmico, que levou a que, desde 1992, a Convenção
Modelo e essencialmente os seus comentários tenham vindo a sofrer actualizações e alterações,
nomeadamente ao artigo 26.º da Convenção Modelo e à posterior introdução do artigo 27.º.
Em concreto, e para o que este estudo releva, a actividade da OCDE118 em sede de cooperação
administrativa tem sido desenvolvida no sentido de reagir contra os denominados ―paraísos
fiscais‖119 ou regimes fiscais privilegiados, nomeadamente para fazer face à necessidade de
combater o fenónomeno da evasão fiscal internacional e do branqueamento de capitais, que
Esta preocupação é bem patente no recente relatório da OCDE Tackling aggressive tax planning through improve transparency
117
and disclosure. Neste, pode ler-se: «Aggressive tax is a major risk to the revenue base of many countries. As shown by some
recent cases and settlements, numbers are vast. Countries have developed a number of strategies to deal with aggressive tax
planning. The underpinning of any such strategy is to ensure the availability of timely, targeted and comprehensive information,
which traditional audits alone can no longer deliver. The availability of such information is important to allow governments to
identify risk areas in a timely manner and be able to quickly decide whether and how to respond, thus providing increased
certainty to taxpayers. To be effective, tax administrations are moving closer to working in real time. Several countries have
therefore introduced complementary disclosure initiatives aimed at improving their capability to identify and quickly respond to
aggressive tax planning.».
118
Sobre esta temática veja-se o relatório elaborado pela OCDE em 1998 «Harmful tax competition – An merging global issue»
disponível em http://www.oecd.org/dataoecd/33/0/1904176.pdf
119
Por paraíso fiscal entende-se «um país ou um território que atribua a pessoas f´siicas ou colectivas vantagens fiscais
susceptíveis de evitar a tributação no seu país de origem ou de beneficiar de um regime fiscal mais favorável que o desse país.»
– BEAUCHAMP, ANDRÉ, Guide Mondiale des Paradis Fiscaux, apud MORAIS, RUI DUARTE, Paraísos Fiscais e Regimes Fiscais
Privilegiados, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 66, Lisboa, Ordem dos Advogados, 2006, pág. 1188.
63
constituem factores geradores de concorrência desleal120 e, consequentemente, de assimetrias
entre os operadores que recorrem a tais regimes e os que não recorrem121.
Assim, muito desse reforço tem passado pelo alargamento da celebração de Acordos sobre
Troca de Informações em Matéria Fiscal, bem como a possibilidade de troca de informações
com base nas Convenções destinadas a Evitar a Dupla Tributação, e bem assim, os Protocolos
de assistência mútua administrativa em matéria de impostos sobre o rendimento. Tratam-se de
instrumentos essenciais ao combate à evasão e fraude fiscais no plano internacional. Baseando-
se no Modelo de ATI da OCDE de Abril de 2002, os ATI constituem um instrumento legal que
confere às autoridades fiscais a possibilidade de solicitar às autoridades competentes destes
territórios os elementos relevantes no combate à fraude e evasão fiscal, incluindo informações
sobre a movimentação de fundos bem como sobre a titularidade de sociedades, fundações,
trusts, fundos de investimento, ou outro tipo de veículos criados nestes territórios. Estes acordos
permitem em concreto à Administração fiscal portuguesa a obtenção de informação fiscal
relevante e aplicação das leis tributárias nacionais em sede de impostos sobre o rendimento
(IRS, IRC e derrama) imposto sobre as transmissões gratuitas, nomeadamente imposto do selo,
bem como para a determinação, liquidação e cobrança dos referidos impostos, para a cobrança
e execução dos créditos fiscais, ou para a investigação ou prossecução de acções penais fiscais.
A questão da harmful tax competition não é no entanto pacífica, como assinalam GARY CLYDE HUFBAUER e JISUN KIM: «The debate
120
surroundig international tax competition divides observers into two camps. One camp contends that tax competition makes a
healthy contribution to world economic growth by reducing taxation of two highly mobile factors, physical and intellectual capital,
thereby enlarging the global capital stock. Seen from a purely national vantage point, competitive tax policies can attract foreign
investment, and enhance the export performance of domestic firms. This camp argues that efforts to restrain tax competition
don´t make sense. Followers of the opposing camp – including advocates of ―harmful tax projects‖ conducted under OECD
auspices as well as German tax authorities – contend that tax competition misallocates resources to low tax jurisdictions, unfairly
shifts the fiscal burden to labor, and hobbles industries in countries that maintain ―normal‖ corporate tax practices .» HUFBAUER,
GARY CLYDE; KIM, JISUN, International tax competition: tree big issues, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, n.º 2, Ano I,
Junho de 2008, Coimbra, Almedina, 2008, pág. 21.
Neste sentido, LEITÃO, LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES, O controlo e combate às práticas tributárias nocivas, in Estudos de Direito
121
Fiscal, Volume II, Coimbra, Almedina, 2007, pág. 87-88. Salienta no entanto o Autor que um diferente nível de tributação entre
Estados não constitui por si só uma concorrência fiscal prejudicial. Esta concorrência fiscal prejudicial apenas ocorre quando um
Estado pretenda agressivamente atrair fluxos de capital e rendimentos, estimulando a evasão e fraude fiscal noutros Estados.
Esta atracção de rendimentos não surge assim como um efeito indirecto das medidas fiscais adoptadas, constituindo sim um
objectivo principal em atrair fluxos financeiros que não possuem qualquer elemento de conexão com o Estado que promove
essas medidas. Cfr igualmente, PALMA, CLOTILDE CELORICO, O controlo da concorrência fiscal prejudicial na União Europeia – Ponto
da situação dos trabalhos do Grupo do Código de Conduta, in Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, Coimbra
Editora, 2006, pág. 128.
64
As informações a prestar abrangem informações detidas por bancos, por outras instituiçoes
financeiras ou por qualquer outra pessoa que actue na qualidade de mandatário ou de fiduciário
bem como as informações relativas à propriedade de sociedades, sociedades de pessoas, trusts,
fundações e outras pessoas. Nos casos de trusts as informações abrangem os elementos
relativos aos constituintes, aos fiduciários e aos beneficiários e, no caso de uma fundação, as
informações abrange os elementos relativos aos fundadores, aos membros do conselho da
fundação e aos beneficiários.
Portugal tem até à presente data celebrados acórdãos de troca de informação fiscal com Andorra, Antígua e Barbuda,
122
Bermudas, Dominica, Gibraltar, Guernsey, Ilha de Man, Ilas Caimão, Ilhas Virgens Britânicas, Jersey, Libéria, Saint Kitts and
Nevis, Santa Lúcia e Turcos e Caicos.
65
comunicar à Administração Fiscal, as transferências que tenham como destino os territórios de
tributação privilegiada que constam da Portaria n.º 1066/2009. Esta recolha permite, por
exemplo, detectar sujeitos passivos (pessoas singulares ou colectivas) que efectuarem
transferências para estes territórios sem evidenciarem rendimentos declarados que o justifique.
Também a declaração modelo 39123, permite o controlo do pagamento de rendimentos e
retenções sujeitos a taxas liberatórias124. De sublinhar ainda que o alargamento da rede nacional
de ATI adquire especial importância com a entrada em vigor do Regime Excepcional de
Regularização Tributária (RERT II), que esteve em aplicação até 16 de Dezembro de 2010, para
o qual foi publicada a Portaria n.º 260/2010, de 10 de Maio, que aprovou o modelo declarativo
e definiu as características dos documentos a apresentar por empresas e particulares que
desejem até essa data regularizar a sua situação tributária.
Também ao nível das CDT, através das quais se define a competência tributária sobre os
diferentes tipos de rendimentos, se pretende a obtenção de efeito equivalente mediante a
inserção do artigo 26.º do Modelo da OCDE (Troca de Informações), permitindo assim uma
efectiva troca de informações entre as autoridades consideradas competentes dos Estados
contraentes, relevantes para a aplicação da respectiva convenção.
Além disso, cabe ainda salientar o impulso que ao nível da assistência administrativa entre a
administração fiscal portuguesa e as respectivas congéneres tem vindo a ser promovido, no
sentido tornar plenamente efectivas as disposições das CDT, tendo como base o artigo 26.º da
respectiva Convenção. Neste âmbito, e tendo como único objectivo eliminar qualquer tipo de
constrangimento a tal comunicação, têm vindo assim a ser promovidas negociações em matéria
de assistência mútua administrativa em sede de impostos sobre o rendimento, com vista a
reforçar os mecanismos necessários à troca de informações entre as respectivas autoridades
fiscais tendo por objecto a obtenção dos elementos relevantes no combate à fraude e evasão
fiscal125. Estes protocolos de troca de informação têm natureza automática, não sendo necessário
qualquer pedido especial, já que os signatários destes protocolos no fim de cada ano civil
123
Esta declaração foi aprovada pela Portaria n.º 454-A/2010 de 29 de Junho, de forma a promover a melhoria do sistema de
informação tributário de modo a atingir o desiderato da intensificação da capacidade de fiscalização e cobrança e a fim de ser
dado cumprimento à obrigação declarativa prevista na alínea b) do n.º 12 do artigo 119.º do Código do IRS, com a redacção
dada pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho..
124
Cfr. artigo 71.º do Código do IRS
125
Foi neste âmbito que em Novembro de 2003 se celebrou com Espanha um acordo desta natureza, bem como recentemente
com Cabo Verde, no passado dia 9 de Junho de 2010, na decorrência da I Cimeira Luso – Caboverdeana, assente na CDT
celebrada com Cabo Verde, em vigor desde 15 de Dezembro de 2000, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2001.
66
trocarão automáticamente informação respeitante aos rendimentos obtidos por pessoas
singulares e colectivas, relativamente aos impostos e rendimentos abrangidos pela Convenção.
Também ao abrigo deste protocolo é possível aos funcionários das autoridades fiscais
portuguesas deslocarem-se ao território do outro Estado e aí proporem que se procedam a
operações de controlo e fiscalização, nomeadamente: casos em que hajam indícios de
irregularidades significativas a nível internacional ou de fraude fiscal em um ou em ambos os
Estados; casos cuja complexidade justifique a presença de funcionários de ambos os Estados;
casos em que o prazo de caducidade corra o risco de ser ultrapassdo; investigações normais no
âmbito de acções bilaterais ou multilaterais.
Este cruzamento a nível transfronteiriço visa o controlo de operações de e com não residentes
visto que a internacionalização das empresas, a utilização de paraísos fiscais e a livre circulação
de pessoas e de capitais no âmbito da União Europeia fazem com que as operações conexas
com mais do que um Estado com poderes de tributação tenham cada vez maior importância,
constituindo potencialmente áreas de risco em matéria de fraude e evasão fiscal.
126
Esta directiva foi naturalmente alvo de muitas alterações desde a sua entrada em vigor, nomeadamente, pela Directiva
79/1070/CEE que introduziu algumas alterações em termos de redacção da Directiva 77/799/CEE; a Directiva 92/12/CEE que
alterou a Directiva 77/799/CEE tendo em vista alargar o âmbito desta última directiva aos impostos especiais de consumo; a
Directiva 2003/93/CE alargou o âmbito de aplicação da assistência mútua prevista pela Directiva 77/799/CEE ao domínio dos
impostos sobre os prémios de seguro referidos na Directiva 76/308/CEE, por forma a melhor proteger os interesses financeiros
dos Estados-Membros e a neutralidade do mercado interno; A Directiva 2004/56/CE pretendeu acelerar o fluxo de informações
entre as autoridades fiscais dos Estados-Membros. Relativa à fiscalidade directa (imposto sobre o rendimento, imposto sobre as
sociedades e imposto sobre as mais-valias), e em conjugação com a fiscalidade sobre os prémios de seguro, permite aos
Estados-Membros coordenarem os seus inquéritos em matéria de fraude fiscal transfronteiriça, e assumirem procedimentos por
conta dos outros. Actualiza assim a Directiva 77/799/CEE sobre a assistência mútua e colmata os pontos mais fracos desse
texto. A Directiva 2004/106/CE alterou o título original e o conteúdo da Directiva 77/799/CEE. Atendendo a que as disposições
relativas à cooperação administrativa no domínio dos impostos especiais de consumo foram reunidas no Regulamento (CE) nº
2073/2004 do Conselho, a Directiva 77/799/CEE abrange somente a assistência mútua das autoridades competentes dos
Estados-Membros no domínio dos impostos directos e dos impostos sobre os prémios de seguro.
67
rendimento e o património. De destacar que essa troca de informações é sempre espontânea,
ou seja, sem necessidade de pedido prévio, em determinadas circunstâncias, nomeadamente e
entre outras: situações de evasão fiscal consubstanciadas em negócios entre contribuintes de
Estados-Membros diferentes, em que intervenham um estabelecimento estável desses
contribuintes ou um ou mais terceiros, que se encontrem num ou mais países diferentes, de
molde a dar origem a uma redução de imposto num ou noutro Estado-membro ou em ambos,
ou em situações em que existem razões para presumir que existe uma diminuição de imposto
resultante de transferências fictícias de lucros dentro de grupos de empresas.
Esta Directiva 77/799/CEE foi no entanto muito recentemente revogada pela Directiva
2011/16/UE do Conselho de 15 de Fevereiro de 2011127. Chegou-se à conclusão que a Directiva
77/799/CEE, atendendo a que foi concebida num contexto diferente das actuais exigências do
mercado interno, já não conseguia satisfazer os novos requisitos em matéria de cooperação
administrativa, tendo dessa forma as medidas nela constantes deixado de ser adequadas128. Esta
nova directiva veio clarificar as regras de cooperação administrativa entre Estados-membros,
passando a abranger todas as pessoas singulares e colectivas na União, tendo em conta o leque
cada vez mais vasto de estruturas jurídicas, que inclui não só as estruturas tradicionais como os
trusts, as fundações e os fundos de investimento, mas também novos instrumentos que possam
vir a ser instituídos pelos contribuintes nos Estados-Membros.
127
Esta Directiva entrou em vigor no dia 13 de Março de 2011, mas ainda não foi alvo de transposição para a ordem jurídica
interna.
128
As insuficiências detectadas desta directiva foram examinadas pelo grupo de trabalho ad hoc do Conselho «Fraude Fiscal», no
seu relatório de 22 de Maio de 2000, e, mais recentemente, no contexto da Comunicação da Comissão para prevenir e
combater as práticas abusivas nos domínios financeiro e das sociedades, de 27 de Setembro de 2004, e da Comunicação da
Comissão sobre a necessidade de desenvolver uma estratégia coordenada tendo em vista melhorar a luta contra a fraude fiscal,
de 31 de Maio de 2006.
129
Embora esta troca automática de informação apenas seja obrigatória para os períodos de tributação a partir de 1 de Janeiro de
2014, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º da Directiva 2011/16/UE.
68
Além disso, com esta nova directiva reforça-se e incentiva-se a troca espontânea de informações
entre Estados-Membros, sendo fixados prazos para a prestação de informações ao abrigo da
presente directiva de forma a garantir uma troca de informações atempada e por conseguinte
eficaz.
O controlo acima evidenciado verifica-se em sede de tributação directa. Contudo, o controlo não
se verifica apenas ao nível dos impostos sobre o rendimento, assumindo igualmente relevância o
controlo do IVA a nível da União Europeia. Neste domínio assume naturalmente relevo a troca de
informações com outras Administrações Fiscais, pois a inexistência de fronteiras fiscais entre os
diferentes Estados da União Europeia e a não liquidação de IVA nas transacções
intracomunitárias entre os seus sujeitos passivos, constituem factores que potenciam a fraude.
Assim, uma cooperação administrativa eficaz entre os diferentes Estados contribui sobremaneira
para o combate à escala europeia a este tipo de fraude. A partir do momento em que as
transacções intracomunitárias deixaram de estar sujeitas a quaisquer formalidades
administrativas de controlo pelas autoridades aduaneiras ganhou ainda maior relevância a
necessidade de existir um sistema de cooperação administrativa entre as autoridades
competentes dos diferentes Estados-Membros, para, por um lado, reforçar o controlo das
aquisições intracomunitárias e, por outro, minimizar os riscos de evasão e fraude fiscal,
procurando evitar a existência de distorções de concorrência.
Neste domínio assume especial relevo o Regulamento (CE) n.º 1798/2003130, aprovado no
âmbito das medidas de harmonização fiscal previstas para a plena realização do mercado
interno. Este regulamento foi aprovado de forma a facilitar os contactos entre administrações
fiscais locais e/ou nacionais para melhorar a luta contra a fraude. Em concreto, este
regulamento estabelece as condições de cooperação entre as autoridades administrativas
nacionais responsáveis pela aplicação da legislação relativa ao IVA sobre: o fornecimento de
bens e a prestação de serviços; as aquisições intracomunitárias de mercadorias; e as
importações de mercadorias. Além disso, organiza igualmente uma cooperação entre essas
autoridades nacionais e a Comissão. De forma mais precisa, o regulamento define as regras e os
130
Este regulamento revogou o Regulamento (CEE) n.º 218/92 do Conselho, de 27 de Janeiro que veio consagrar o
estabelecimento de uma rede informática ligando computadores de todos os Estados-Membros, com vista à troca informações
relativas às aquisições e vendas intracomunitárias das empresas, bem como a verificar os números de registo dos sujeitos
passivos de IVA.
69
procedimentos que permitem às autoridades competentes dos países da UE cooperarem e
trocarem todas as informações que as possam ajudar a realizar uma correcta avaliação do IVA131.
De acordo com este regulamento, cada Estado da UE designa um único serviço central como
ponto de contacto para a cooperação administrativa. As Autoridades competentes dos países da
UE podem designar serviços de ligação e/ou funcionários competentes para intercâmbios
directos de informações. Cabe aos serviços centrais de ligação manter listas actualizadas desses
serviços ou desses funcionários, e torná-las acessíveis aos outros países da UE interessados.
A Comissão Europeia em 29 de Outubro de 2004, aprovou o regulamento n.º 1925/2004, que veio estabelecer normas de
131
execução de certas disposições do Regulamento n.º 1798/2003 do Conselho, relativo à cooperação administrativa no domínio
do IVA. Este Regulamento consagra a necessidade de definir as categorias exactas das informações a comunicar sem pedido
prévio, bem como a frequência desse intercâmbio de informações e respectivas modalidades praticadas. De acordo com o artigo
3.º deste Regulamento, ―são abrangidas pelo intercâmbio automático ou automático estruturado, em conformidade com o artigo
17.º do Regulamento (CE) n.º 1798/2003. as seguintes categorias de informações:
1) Informações relativas a sujeitos passivos não estabelecidos;
2) Informações relativas a meios de transporte novos;
3) Informações relativas à venda à distância não sujeita ao IVA
no Estado-Membro de origem;
4) Informações relativas às operações intracomunitárias presumivelmente irregulares;
5) Informações relativas a (potenciais) ―operadores fictícios‖.‖
70
No domínio interno do IVA, convém relembrar a importância do cruzamento da informação entre
os dados dos anexos O (clientes) e P (fornecedores). Este controlo de contribuintes com
divergências no cruzamento dos Anexos O e P da IES/DA implica a detecção e análise das
divergências entre a informação prestada pelos sujeitos passivos no Anexo O e a informação
prestada pelos seus clientes nos respectivos Anexos P, tendo em vista, nomeadamente,
identificar a empresas utilizadoras de facturação falsa. Este cruzamento também permite
verificar as situações em que determinados contribuintes são mencionados por clientes e
fornecedores, mas não entregaram os respectivos Anexos O e P da IES/DA. Outro aspecto
importante a nível do controlo do IVA passa pelos reembolsos, nomeadamente a análise dos
pedidos de reembolso do IVA, que deve ser feita relativamente aos contribuintes que forem
seleccionados através da matriz de risco dos reembolsos de IVA132 procurando‐se aferir da
legitimidade dos pedidos e corrigir as deduções indevidas de imposto.
132
Cfr. Despacho Normativo nº 23/2009, de 17 de Junho
71
Na actuação da inspecção tributária, os meios informáticos cada vez mais desenvolvidos têm-se
revelado como suportes imprescindíveis nas suas actuações, pelo menos numa fase anterior à
inspecção tributária propriamente dita, nomeadamente na recolha de elementos que
posteriormente irão servir de suporte ao procedimento de inspecção. Neste domínio tem
desempenhado um importante papel a DGITA, sobretudo devido ao desenvolvimento de
aplicações informáticas que têm servido para optimizar a actuação inspectiva, desenvolvendo
métodos e mecanismos de combate à fraude disponibilizados à Administração Tributária.
Aliás, esta relevância tem assumido contornos de maior relevância na medida em que tem sido
a própria Administração tributária a impor aos contribuintes a utilização de determinados
ficheiros e programas informáticos cujo objectivo é precisamente facilitar a actuação daquela em
termos de controlo posterior. Esta imposição tem-se verificado sobretudo no que diz respeito ao
software utilizado pelas empresas relativamente à contabilidade e facturação. Estas obrigações
resultam expressamente dos números 7 e 8 do artigo 123.º do Código do IRC. No caso do do
n.º 7, estabelece o preceito que as entidades obrigadas a dispor de contabilidade organizada e
que a organizem com recurso a meios informáticos, devem dispor de capacidade de exportação
de ficheiros formatados previamente definidos, atendendo a que na facturação, as empresas
recorrem cada vez a sistemas de processamento electrónico de dados para registo dos factos
patrimoniais. Atendendo a que estes registos são objecto de verificação pela inspecção no
âmbito das suas competências de controlo da situação tributária dos contribuintes, considerou-
se útil a criação de um ficeiro normalizado, uniforme a ser utilizado por todos os sujeitos
passivos com contabilidade organizada nos seus sistemas electrónicos de facturação133.
Desta forma, os sujeitos passivos de IRC que exerçam, a título principal, uma actividade de
natureza comercial, industrial ou agrícola e que organizem a sua contabilidade com recurso a
meios informáticos são obrigados a produzir este ficheiro, sempre que solicitado pelos serviços
de inspecção, no âmbito das suas competências, desde o dia 1 de Janeiro de 2008 e,
133
Este ficheiro modelo de auditoria tributária foi criado e aprovado pela Portaria n.º 321-A/2007, de 26 de Março,
posteriormente alterado pela Portaria n.º 1192/2009, de 8 de Outubro. Este ficheiro, preconizado e pensado ao nível da OCDE
visa possibilitar – pode ler-se no preâmbulo da Portaria - uma exportação fácil, e em qualquer altura, de um conjunto predefinido
de registos contabilísticos, num formato legível e comum, independente do programa utilizado, sem afectar a estrutura interna da
base de dados do programa ou a sua funcionalidade. A adopção deste modelo proporciona às empresas uma ferramenta que
permite satisfazer os requisitos de obtenção de informação dos serviços de inspecção e facilita o seu tratamento, evitando a
necessidade de especialização dos auditores nos diversos sistemas, simplificando procedimentos e impulsionando a utilização de
novas tecnologias.
72
relativamente aos sistemas de contabilidade, aos registos correspondentes aos exercícios de
2008 e seguintes.
Quanto ao n.º 8 do artigo 123.º do Código do IRC, o mesmo contempla a obrigatoriedade 134 de
os programas e equipamentos informáticos de facturação terem de ser previamente certificados
pela Direcção-Geral dos Impostos. A Administração Fiscal estabeleceu, através da Portaria n.º
363/2010, de 23 de Junho, um conjunto de requisitos que visam incorporar mecanismos de
controlo e auditoria integrados nos software utilizados pelos contribuintes, com vista a facilitar o
cruzamento de dados e impedir as fraudes fiscais. Assim, os programas informáticos, utilizados
por sujeitos passivos de IRS ou de IRC, para emissão de facturas ou documentos equivalentes e
talões de venda, nos termos dos artigos 36.º e 40.º do Código do IVA, devem ser objecto de
prévia certificação pela DGCI135.
Contudo, esta importância de meios informáticos revela-se igualmente quanto aos próprios
instrumentos utilizados pela inspecção tributária, para desempenho das suas funções de
controlo. Assim, este controlo do cumprimento das obrigações foi potenciado pelo aumento da
detecção (nomeadamente, por recurso ao cruzamento de dados), automatização do circuito de
alertas e de penalização dos infractores. Em paralelo, têm vindo a ser desenvolvidas e
melhoradas as ferramentas analíticas para suporte da acção inspectiva permitindo o aprimorar
de métodos e mecanismos de combate à fraude, ao dispor da Administração Tributária.
134
O incumprimento desta obrigação, ou seja, a utilização de programas ou equipamentos informáticos de facturação que não
tenham sido certificados é punível como contra-ordenação tributária , com coima entre € 250 e € 12.500. nos termos do n.º 2
do artigo 128.º do RGIT. Além disso, são também punidos com contra-ordenação quem criar, ceder ou transaccionar programas
informátivos concebidos com vista a impedir ou alterar o apuramento da situação tributária do contribuinte, caso essa conduta
não seja punida como crime, nos termos do mesmo artigo 128.º do RGIT, no seu n.º 1 .
135
Nos termos do artigo 10.º da Portaria n.º 363/2010, a utilização de programas certificados tornou-se obrigatória: a partir de 1
de Janeiro de 2011, para os sujeitos passivos que, no ano anterior, tenham tido um volume de negócios superior a € 250 000. A
partir de 1 de Janeiro de 2012, é obrigatória para os sujeitos passivos que, no ano anterior, tenham tido um volume de negócios
superior a € 150 000.
73
Um desses instrumentos é o Data Mart136 da Inspecção Tributária, colocado à disposição da
inspecção tributária desde 2008. Trata-se de um repositório de dados orientado que permite
obter informação sobre estatísticas de tempos das acções de inspecção, informação sobre
estatísticas de propostas de acções de inspecção e novas visões sobre estatísticas de correcção
das acções de inspecção. Outro instrumento prende-se com a matriz de Risco de Novos
Operadores de IVA137, que se baseia em indícios de suspeitas de contribuintes com intenções de
fraude, onde se encontram identificados contribuintes, caracterizados através de indicadores de
risco. Esta matriz de risco de novos operadores de IVA efectua a classificação de risco dos novos
operadores de IVA, e permite fornecer ―outputs‖ aos técnicos da DGCI para a tomada de decisão
sobre as solicitações de abertura ou reabertura de actividade, podendo determinar a opção de
não aceitação. Ainda dentro do IVA, existe o modelo de identificação de Conduit Companies138,
baseado em tecnologias preditivas, que permite a identificação de operadores que apresentam o
perfil típico de conduit company.
O desenvolvimento dos meios informáticos tem-se baseado num esforço de investigação que
permita reduzir a distância entre a capacidade de detecção e intervenção da inspecção, e das
técnicas mais elaboradas de fraude e evasão. Assim, e tendo em conta que os tipos de fraude
mais elaborados envolvem organizações complexas de várias entidades, a capacidade para
analisar e explorar visualmente as relações entre entidades constitui uma importante ferramenta
de investigação. Neste domínio assumem particular importância os Modelos visuais de auxílio à
investigação139, que possibilitam que os investigadores tenham acesso a uma ferramenta que
lhes permite explorar visualmente a informação associada a um contribuinte, nomeadamente
informação de IVA/VIES/IRC/IRS/Anexos O e P, e a forma como o sujeito passivo se relaciona
com outros. Este instrumento permite o acesso a vários conjuntos complementares de
informação, acerca dos sujeitos passivos em causa, o que possibilita identificar indícios que
justifiquem a abertura de acções de investigação no terreno.
Um dos aspectos mais importantes na inspecção tributária prende-se com a selecção dos
sujeitos passivos a inspeccionar, constituindo a identificação dos sujeitos passivos que devem
ser sujeitos a inspecção uma etapa fulcral na actividade da Inspecção Tributária. Como é óbvio,
136
Cfr. Relatório de combate à fraude e evasão fiscais em 2009, pág. 53.
137
Cfr. Relatório de combate à fraude e evasão fiscais em 2009, pág. 54.
138
Cfr. Relatório de combate à fraude e evasão fiscais em 2009, pág. 54.
139
Cfr. Relatório de combate à fraude e evasão fiscais em 2009, pág. 54.
74
é impossível inspeccionar todos os sujeitos passivos, pelo que se torna fundamental que a
inspecção seja direccionada para os sujeitos passivos que apresentam uma maior probabilidade
de desvio da correcção à matéria colectável e ao imposto devido ao Estado. A solução que tem
sido adoptada pela inspecção quanto à selecção de contribuintes para inspecção tem sido com
base em critérios de risco para permitir a identificação dos contribuintes que devem ser
propostos para inspecção. A identificação é feita com base num conjunto de critérios de risco
definidos, cujos domínios de valores são variáveis, e têm por base a experiência de identificação
e tipificação de situações anómalas. Trata-se do sistema de selecção de contribuintes para
Inspecção com base em critérios de risco140. A abordagem baseada no cálculo de risco constitui
uma importante ferramenta no combate aos fenómenos de fraude e evasão fiscal, pois permite
direccionar a atenção e os recursos inspectivos para as situações de maior potencial de
suspeição, contribuindo para aumentar a eficácia da acção inspectiva. Por outro lado, a
tipificação dos fenómenos de fraude que este tipo de técnica possibilita, em muitos casos, a
adopção de medidas preventivas que contribuam para dissuadir, impedir, ou dificultar a prática
de ilícitos fiscais. Dado que existem algumas especificidades regionais, o sistema confere aos
responsáveis de cada Direcção de Finanças, a possibilidade de parametrização diferenciada dos
critérios, em função da sua realidade e capacidade inspectiva local.
Além disso, para a selecção de sujeitos passivos para a inspecção tem também sido utilizada
uma metodologia com base em algoritmos preditivos (Data Mining)141, em que se recorre a
técnicas matemáticas e estatísticas para detectar padrões complexos, possibilitando a
descoberta e o aperfeiçoamento de critérios de selecção de contribuintes para inspecção.
Por outro lado assumem igualmente relevância O sistema para a detecção do incumprimento de
obrigações fiscais e o sistema para o acompanhamento do cumprimento de obrigações fiscais.
No primeiro, o sistema de detecção do incumprimento de obrigações fiscais recorre a
cruzamentos de informação e a critérios de risco para detectar situações de incumprimento e de
divergências decorrentes das obrigações fiscais dos contribuintes. A detecção de situações de
incumprimento e de divergências permite uma rápida e eficaz intervenção da inspecção junto
dos respectivos sujeitos passivos, contribuindo para a rápida regularização das situações
140
Cfr. Relatório de combate à fraude e evasão fiscais em 2009, pág. 55.
141
Cfr. Relatório de combate à fraude e evasão fiscais em 2009, pág. 108.
75
detectadas. O segundo permite a análise e monitorização da evolução do nível de cumprimento
de obrigações fiscais por parte dos contribuintes.
Como se viu nas notas introdutórias sobre a relevância da privatização da relação jurídica
tributária no controlo tributário, esta tem como consequência o facto de consubstanciar uma
cooperação imposta aos particulares, para quem são transferidas as competências
administrativas da Administração tributária no que à liquidação dos tributos diz respeito. Assim,
quer se tratem de obrigações tributárias de natureza principal, quer se tratem de obrigações
tributárias acessórias, impostas quer aos próprios sujeitos passivos, quer a terceiros, são isso
mesmo – impostas. Deste modo, e para além desta imposição de deveres a privatização
determina ainda que todo este fardo tributário seja efectuado às custas dos particulares, não se
prevendo qualquer vantagem resultante da execução de tais tarefas cuja competência sempre
pertenceu à Administração.
76
privada ou a liberdade de exercício de profissão e, por outro, com o princípio da
proporcionalidade.
Este Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25 de Fevereiro foi delineado para combater aquilo que o
legislador considera tratar-se de práticas fiscais abusivas. Mas, dentro deste conceito de práticas
abusivas encontram-se mesmo aquelas que, em conformidade com a lei, obtenham uma
vantagem fiscal, nas modalidades de eliminação, redução, diferimento temporal do imposto ou
obtenção de benefício fiscal que não se atingiria caso não se lançasse mão de determinado
77
esquema ou actuação. Para tal, considera-se como planeamento fiscal «qualquer esquema ou
actuação que determine, ou se espere que determine, de modo exclusivo ou predominante, a
obtenção de uma vantagem fiscal por sujeito passivo de imposto», entendendo-se como
vantagem fiscal a «redução, eliminação ou diferimento temporal de imposto ou a obtenção de
benefício fiscal, que não se alcançaria, no todo ou em parte, sem a utilização do esquema ou a
actuação».
O conteúdo das informações a prestar não compreende a indicação ou divulgação dos clientes
ou interessados no planeamento, mesmo que os tenham adoptado ou simplesmente lhes tenha
sido proposto pelo promotor. No entanto o dever de comunicação abrange: descrição
pormenorizada do esquema ou da actuação de planeamento fiscal, incluindo designadamente a
indicação e caracterização dos tipos negociais, das estruturas societárias e das operações ou
transacções propostas ou utilizadas, bem como da espécie e configuração da vantagem fiscal
pretendida; indicação da base legal relativamente à qual se afere, se repercute ou respeita a
vantagem fiscal pretendida; nome ou denominação, endereço e número de identificação fiscal do
promotor.
Nos termos do disposto no artigo 7.º do Decreto‐Lei n.º 29/2008, de 25 de Fevereiro, qualquer
entidade que constitua um promotor, tal como definido no artigo 5.º142, deve comunicar os
São considerados como promotores, nomeadamente, advogados, solicitadores, técnicos oficiais de contas e revisores oficiais
142
de contas, que ficam vinculados à obrigação de comunicação e informação de qualquer esquema ou actuação de planeamento
78
esquemas ou actuações de planeamento fiscal propostos a clientes, nos vinte dias subsequentes
ao termo do mês em que o esquema ou actuação de planeamento fiscal tenha sido proposto
pela primeira vez. Além disso, por força do disposto no n.º 1 do artigo 10.º do mesmo diploma,
sempre que o esquema ou actuação de planeamento fiscal não tenha sido objecto de proposta
ou acompanhamento por um promotor, ou o promotor não seja residente ou não esteja
estabelecido em território português, compete ao próprio utilizador proceder à sua comunicação
até ao fim do mês seguinte ao da sua adopção 143. Em caso de incumprimento, prevêem-se, nos
termos do seu artigo 17.º coimas para a omissão das supra referidas comunicações, entre os €
5.000 e os € 100.000, nos caso de o promotor ser uma pessoa colectiva e entre os € 1000 e os
€ 50.000, caso seja uma pessoa singular.
O escopo do legislador com a criação deste regime é, em bom rigor, obstar a que os
contribuintes realizem operações das quais obtenham vantagens fiscais, operações essas
realizadas em conformidade com a lei, vantagens essas que resultam da escolha de formas
jurídicas adequadas a tal obtenção contornando, desta forma, aquilo que seria a tributação
normal caso a operação não se realizasse de tal modo. Assim, ao abrigo do dever de
cooperação, o legislador visa, através de tais conhecimentos, alterar a lei de modo a impedir a
continuidade de tal prática144.
Assim prevê-se que, em cumprimento do previsto neste diploma, a inspecção tributária possa
aproveitar esta informação dos esquemas ou actuações de planeamento fiscal reputados como
abusivos e que, podem, portanto, ser requalificados e objecto de correcções ou determinar a
instauração de procedimento legalmente previsto de aplicação de disposições anti‐abuso. Além
disso, nos termos do artigo 14.º do mesmo diploma prevê‐se que seja organizada, uma base
fiscal «quando por qualquer forma e em qualquer medida, tenha participado ou colaborado na respectiva concepção ou proposta
ou acompanhado a sua preparação, adopção ou implementação», por força do disposto no art. 5.º, n.º 3 do referido diploma.
143
Apesar das obrigações que recaem sobre os promotores, o legislador salvaguardou duas situações, no respeitantes aos
advogados e revisores oficiais de contas. Assim, nos termos do artigo 6.º deste diploma, os advogados, sociedade de advogados
ou solicitadores, não são considerados promotores, no que respeita ao «aconselhamento sobre esquema ou actuação de
planeamento fiscal no contexto da avaliação da situação jurídica do cliente, no âmbito da consulta jurídica, no exercício da sua
missão de defesa ou representação do cliente num processo judicial, ou a respeito de um processo judicial, incluindo o
aconselhamento relativo à maneira de propor ou evitar um processo, quer as informações sejam obtidas antes, durante ou
depois do processo, bem como no âmbito dos demais actos próprios dos advogados e solicitadores, tal como definidos na Lei n.º
49/2004, de 24 de Agosto. Os revisores oficiais de contas ou sociedades de revisores oficiais de contas não são considerados
promotores, para os efeitos do decreto-lei em análise, quando actuem «no âmbito e para os efeitos das respectivas funções de
interesse público de revisão legal das contas.
144
No fundo trata-se do reconhecimento pelo próprio legislador das fragilidades da lei fiscal, numa tentativa de legitimar a sua
intervenção neste domínio.
79
nacional de dados de esquemas de planeamento fiscal por imposto, a qual será disponibilizada
aos serviços competentes para efeito do exercício da acção de inspecção tributária.
Parece-nos que esta exigência vai muito para além daquilo que pode e deve ser exigido no
âmbito dos deveres acessórios de cooperação aos sujeitos tributários, parecendo-nos mesmo
desrazoável e, mais do que isso, juridicamente inaceitável. É inevitável nesta parte do nosso
estudo anteciparmos um pouco aquilo que irá ser dito a propósito do princípio da cooperação,
impondo-se uma abordagem e contextualização, nomeadamente a sua relação com o princípio
da proporcionalidade. O aumento dos deveres de cooperação é fruto, como de resto já vimos, da
evolução da privatização da relação jurídica tributária que implicou a transferência de uma série
de tarefas que antes incumbiam à Administração tributária. Como consequência dessa
transferência, e de forma a poder controlar o comportamento dos contribuintes no desempenho
dessas tarefas passou a exigir-se àqueles uma série de deveres de cooperação. Desde logo, e
contrariando aquela que tem sido a política de simplificação e desburocratização preconizada
pela Administração fiscal, este traduz um aumento da carga burocrática para os promotores ou
para os contribuintes, bastando para tal atentar no conteúdo do dever de comunicação, que
inclui informação de tal forma pormenorizada e extensa, que o seu cumprimento configura um
pesado e desproporcional incremento de tarefas administrativas. Note-se que, como afirmam J.
L. SALDANHA SANCHES e JOÃO TABORDA DA GAMA, «os deveres de cooperação que a lei atribui ao
contribuinte devem servir principalmente para criar a possibilidade de detecção pronta, eficaz e
não demasiado onerosa das situações de incumprimento» . É importante, pois, sublinhar desta
145
da sua limitação, porque a criação e imposição de deveres acessórios tem subjacente uma série
de custos, directos e indirectos, A criação de mais obrigações e deveres acessórios como os
resultantes deste diploma, a juntar aos ja existentes e que não são assim tão poucos, vai contra
aquele que deve ser o esforço do Estado em reduzir aquilo a que CIDÁLIA LOPES designa por
SANCHES, J.L. SALDANHA; GAMA, JOÃO TABORDA DA, Audição – Participação – Fundamentação: A co-responsabilização do sujeito
145
passivo na decisão tributária, in Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, pág. 277.
Cfr. MESTRES, MAGÍN PONT, Derechos y Deberes en el Procedimiento de Inspección Tributaria, Madrid, Marcial Pons, 2.ª Edição,
146
80
custos de cumprimento, ou seja, os custos decorrentes das obrigações fiscais suportadas pelos
contribuintes e que constituem um factor de desincentivo do cumprimento voluntário, na medida
em que tais tarefas implicam um consumo de tempo e recursos susceptíveis de alterar a
compettividade dos contribuintes, nomeadamente das empresas147. CASALTA NABAIS denomina
este fenómeno de apartheid fiscal , reportando-se este não só à carga fiscal propriamente dita,
cada vez mais pesada, referente ao pagamento de tributos, mas também à carga fiscal
resultante da complexa e dispendiosa panóplia de deveres que impende sobre os contribuintes.
Afirma o Autor que, «na passagem dos sistema de gestão pública para o sistema de gestão
privada de liquidação e cobrança da generalidade dos impostos não se teve minimamente em
conta a diversidade da capacidade de prestar dos diversos contribuintes ou sujeitos passivos.
Capacidade que, enquanto reportada a encargos económicos em que têm de incorrer para
suportar os custos de cumprimento desses deveres, não pode deixar de ser tida como critério de
medida da igualdade perante os encargos públicos.» . Assim, e como anota DIOGO FEIO, é
148
Neste contexto, e conforme sustenta JOAQUIM FREITAS DA ROCHA150, os deveres de cooperação não
são deveres absolutos, devendo os bens jurídicos que lhes estão subjacentes — a verdade
material e a justiça na tributação — ser ponderados e sopesados com outros bens jurídicos
constitucionalmente relevantes como a reserva da vida privada e a liberdade de exercício da
profissão, o que leva a que, em termos práticos, não devam ser exigidos aos sujeitos tributários,
sob pena de inconstitucionalidade material, deveres acessórios em tal número e com tal
Cfr. LOPES, CIDÁLIA, Maximizar o cumprimentos dos impostos e minimizar os custos: Uma perspectiva internacional, in Revista
147
de Finanças Públicas e Direito Fiscal, n.º 1, Ano III, Março de 2010, Coimbra, Almedina, pág. 167 e seguintes. Ainda segundo a
Autora, estes custos incluem não só o tempo que os contribuintes despendem com os seus assuntosa fiscais mas também as
despesas software e com terceiras pessoas a quem recorrem para cumprirem com as suas obrigações fiscais. Assim,
concretizando, para a Autora, estes custos dividem-se em três grupos principais: custos monetários, custos de tempo e custos
psicológicos. Os monetários abrangem as despesas internas incorridas com os empregados que tratam da avaliação e do
pagamento dos impostos e os custos externos que incluem os honorários pagos aos TOC e outros consultores fiscais; os custos
de tempo abrangem o tempo despendido pelos contribuintes no cumprimento das obrigações fiscais; os custos psicológicos
resultam da ansiedade e frustração resultante de todo este processo de pagamento dos impostos e cumprimento de um tão
vasto conjunto de obrigações acessórias.Embora quantoa estes últimos custos (psicológicos) a Autora sejam difíceis de
quantificar, não constituíndo uma despesa pecuniária directa e por isso, quantificável. Cfr. LOPES, CIDÁLIA, Os custos de tributação
na história da economia, in Estudos de homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, pág.
93-96.
NABAIS, JOSÉ CASALTA, Da sustentabilidade do Estado Fiscal, in Sustentabilidade Fiscal em Tempos de Crise, coordenação: José
148
Casalta Nabais e Suzana Tavares da Silva, Coimbra, Almedina, 2001, pág. 36-38.
FEIO, DIOGO, A substituição fiscal e a retenção na fonte: o caso específico dos impostos sobre o rendimento , Coimbra, Coimbra
149
81
complexidade que possam colocar em crise ou condicionar quer a sua esfera de vida privada,
quer o modo como eles exercem a sua profissão. E na ponderação entre estes deveres e os
bens jurídicos que lhe são subjacentes, devem estar outros bens jurídicos, nomeadamente a
liberdade de exercício de profissão (quanto aos promotores)151 e a liberdade de iniciativa
económica privada (quanto aos utilizadores). No que diz respeito aos promotores, parece ser
desproporcional, desnecessário e desadequado aos fins a prosseguir, face ao artigo 18.º da CRP
(que adiante na segunda parte deste estudo irá ser melhor desenvolvido) a imposição de tais
deveres, na medida em que abrange actos e procedimentos que nada têm de abusivo, obrigando
todos os promotores, ou o utilizador em sua substituição a comunicar praticamente todas as
operações que tenham em vista aquilo que na óptica do legislador constitui uma vantagem fiscal
abusiva152. Prevê tal preceito que «a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos
casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário
para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos».
No que diz respeito aos utilizadores, convém sublinhar que a liberdade de iniciativa económica,
consubstanciada aqui numa perspectiva de optimização de lucros potenciada pelo planeamento
151
Este pormenorizado e extenso dever de cooperação, para o promotor pode efectivamente colocar em causa o exercício da sua
profissão na medida em que estes são remunerados pela prestações de serviços de consultoria fiscal, que implica a revelação de
conhecimentos técnicos de planeamento fiscal. Parece por isso óbvio que se estes conhecimentos forem revelados, os clientes
destes promotores naturalmente que deixarão de ter interesse nos mesmos.
152
Aliás, embora fuja ao escopo da análise, pelo menos no que diz respeito à análise de proporcionalidade dos deveres de
cooperação exigidos, é possível ainda assacar e vislumbar uma outra inconstitucionalidade neste diploma, mas neste caso uma
inconstitucionalidade orgânica. Isto porque este diploma contempla um conceito vago e amplo de ―planeamento fiscal‖,
parecendo que o conceito consagrado neste diploma ultrapassa o alcance e sentido da autorização legislativa prevista na Lei do
Orçamento do Estado para 2007 (Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro). O artigo 98.º do referido diploma, autoriza o Governo
a estabelecer medidas de carácter preventivo relativamente a práticas de evasão e de planeamento fiscal agressivo, mediante a
consagração de obrigações específicas de comunicação, informação e esclarecimento à administração tributária sobre os
esquemas, operações ou transacções adoptados ou propostos que tenham como principal ou um dos principais objectivos a
obtenção de vantagens fiscais. Ora, quer a lei de autorização, quer o próprio preâmbulo do Decreto-Lei n.º 29/2008 fazem
alusão às práticas de ―planemanto fiscal agressivo‖, o que leva a crer que o combate é ao planeamento fiscal dito ―agressivo‖,
que configure situações de abuso de direito e evasão fiscal, e não ao planeamento fiscal em sentido amplo, tal como o Decreto-
Lei n.º 29/2008 o consagra, em concreto a obrigação de comunicação de todas e quaisquer situações de aproveitamento, lícito
e ilícito, legítimo ou ilegítimo, das soluções constituam vantagens fiscais tal como definido no diploma. O artigo 1.º do diploma
menciona o combate ao ―planeamento fiscal abusivo‖, que não tem o mesmo significado de ―planemanto fiscal agressivo‖.
Assim, podemos estar perante situação em que o diploma excedeu o sentido e alcance da autorização, e, por isso, ser
organicamente inconstitucional. Dispõe art. 165.º n.º 2 da CRP que ―as leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o
sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual não pode ser prorrogada‖. Neste domínio, escrevem MIRANDA, JORGE e
MEDEIROS, RUI, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, pág. 537 - que ―a lei de autorização tem de definir o sentido da
autorização, quer dizer, o objectivo e o critério da disciplina legislativa a estabelecer, a condensação dos princípios ou a
orientação fundamental a seguir pelo decreto-lei ou pelo decreto-legislativo a emitir de seguida (…). Se a lei de autorização não
observar os limites a que se encontra adstrita, será inconstitucional por inconstitucionalidade orgânica, formal ou material,
consoante os casos (…). Se o acto autorizado exceder a autorização, quanto ao objecto ou quanto ao tempo será organicamente
inconstitucional‖. Além disso, esta contradição parece ainda colidir com os princípios da certeza e segurança jurídica já que
conduz a um caminho de instabilidade e insegurança jurídica que é precisamente algo que não pode suceder no domínio
legislativo, e muito menos no domínio legislativo-tributário.
82
fiscal153 (leia-se planeamento fiscal lícito) já ter sido reconhecido no direito da UE como
admissível. Em concreto, no acórdão do TJUE, de 12 de Setembro de 2006, no caso ―Cadbury
Schweppes plc‖ (processo C-194/04), onde se declarou que apenas as operações totalmente
artificiais podem originar uma limitação por parte do legislador, ou seja, os esquemas de
planeamento fiscal, a figura da elisão, não contêm em si nada de condenável, sendo por isso
legítimos. Nesta decisão veio o TJUE confirmar a ideia de que o planeamento fiscal lícito
constitui um instrumento legítimo de negócio válido e normal. Embora nem todo o planeamento
fiscal seja admissível, a verdade é que o critério subjectivo e discricionário a utilizar pelo
legislador poderá limitar operações de planeamento perfeitamente legítimas e aceitáveis. Parece
aceitável que um contribuinte numa óptica de optimização de lucros e recursos opte por
operações menos onerosas em detrimento das mais onerosas, sem que tal consubstancie um
esquema de planeamento fiscal abusivo com o objectivo de defraudar as expectativas da
autoridades fiscais, pois se assim fosse, e deste ponto de vista, todas as operações caberiam no
conceito de planeamento fiscal abusivo. Além disso, essa desproporção atinge ainda proporções
mais gravosas, atendendo a que o nosso ordenamento jurídico-tributário já dispõe de
mecanismos para fazer face a estas situações - norma anti–abuso do artigo 38.º da LGT -
segundo a qual a Administração tributária pode desconsiderar, tornando ineficazes no campo
tributário, determinadas operações realizadas com os mesmos objectivos que foram alvo de foco
do deste diploma do planeamento fiscal154.
Aliás, a propósito dos deveres de cooperação e voltando atrás, e à menção que é feita no
preâmbulo à Declaração de Seoul, o que esta Declaração consagra é a existência de deveres
recíprocos entre as administrações e os contribuintes. Assim, a Declaração não promove apenas
deveres para os contribuintes, contrariamente ao que estabelece este diploma, em que apenas
os contribuintes são onerados (daí a patente desproporcionalidade que sustentamos) com
deveres de cooperação, sob pena de, não os cumprindo, se sujeitarem a coimas elevadissimas.
153
Para um aprofundamento da temática do planeamento fiscal, seus limites e legitimidade, cfr., SANCHES, J.L. SALDANHA, Os
limites do planeamento fiscal – Substância e forma no direito fiscal português, comunitário e internacional, Coimbra, Coimbra
Editora, 2006; Cfr. igualmente OLIVEIRA, ANTÓNIO FERNANDES DE, A Legitimidade do planeamento fiscal, As cláusulas gerais anti-
abuso e os conflitos de interesse, Coimbra, Coimbra Editora, 2009.
Pese embora este diploma, na nossa perspectiva, vá além do consagrado nas cláusulas anti-abuso previstas no no art. 38.º n.º
154
2 da LGT. Nos termos desta disposição, ―são ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou
principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou
diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim
económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios,
efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais
referidas‖.
83
Conforme alertam CARLOS LOUREIRO e ANTÓNIO BEJA NEVES, «Por outro lado, o diploma faz apelo à
declaração de Seoul de Setembro de 2006, aprovada na sequência de uma reunião de
administrações fiscais promovida pela OCDE, mas lamentavelmente parece esquecer o conceito
de ―enhanced relationship‖ que resultou dessa reunião. Este conceito constitui o pano de fundo
inerente à aprovação de normas de ―disclosure‖ como as agora aprovadas, segundo o qual não
faz sentido estabelecer estes deveres de comunicação aos intermediários fiscais ou aos
contribuintes sem, simetricamente, exigir um conjunto de condutas às próprias administrações
fiscais, as quais se traduzem numa actuação de forma proporcional e transparente, garantindo
certeza e confiança aos contribuintes (por exemplo, mediante respostas rápidas às questões que
estes últimos formulem). Não se conhecem, certamente, ―enhanced relationships‖ que tenham
uma perspectiva ou sentido apenas unilateral.» . 155
Cfr. LOUREIRO, CARLOS; NEVES, ANTÓNIO BEJA, Breve comentário ao recente regime de combate ao planeamento fiscal abusivo, in
155
Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, n.º 2, Ano I, Junho de 2008, Coimbra, Almedina, 2008, pág. 53.
84
PARTE II
O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO DE INSPECÇÃO
Entre nós, é possível encontrar na doutrina várias noções de procedimento administrativo. Para
JOÃO CAUPERS procedimento é «a sucessão ordenada de actos e formalidades que visam
assegurar a correcta formação ou execução da decisão administrativa e a defesa dos direitos e
interesses legítimos dos particulares» . Já MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES E J.
156
Quer da definição legal, quer das definições apontadas pela doutrina, resulta que o
procedimento administrativo se traduz numa sequência necessária de actividades ou acções e
formalidades, utilizados pela Administração Pública para formar ou executar a sua vontade159.
CFR. CAUPERS, JOÃO, Introdução ao Direito Administrativo, Lisboa, Âncora, 8.ª edição, pág. 151.
156
157
Cfr. OLIVEIRA, MÁRIO ESTEVES DE; GONÇALVES, PEDRO COSTA; AMORIM, J. PACHECO DE, Código de Procedimento Administrativo
Comentado, Coimbra, Almedina, 2.ª edição, 2006, pág. 44.
Cfr. AMARAL, DIOGO FREITAS DO, Curso de Direito Administrativo, Volume II, Coimbra, Almedina, 2004, pág. 289.
158
Cfr. FERREIRA-PINTO, FERNANDO BRANDÃO, Código do Procedimento Administrativo Anotado, Lisboa, Petrony, 2011, pág. 21
159
85
1.2. DEFINIÇÃO DE PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO
Na esteira do que acima se deixou dito acerca da noção de procedimento, e como refere JOAQUIM
FREITAS DA ROCHA, para efeitos tributários, não é possível dar uma noção útil de procedimento
(tributário), sem ter em consideração o contributo do Direito Administrativo nesta matéria160.
Aliás, pode afirmar-se com alguma segurança que a ―noção‖161 de procedimento tributário que
nos é dada pela lei tributária absorveu o conceito adoptado na lei administrativa, nomeadamente
do acima citado artigo 1.º n.º 1 do CPA. O afloramento que é feito quer na LGT, quer no CPPT
sobre o conceito de procedimento tributário aponta este como compreendendo «toda a sucessão
de actos dirigida à declaração de direitos tributários» (vide artigo 54.º n.º 1 da LGT e 44.º n.º 1
alínea i) do CPPT). Acompanhamos aqui a definição de procedimento tributário que nos é dada
por JOAQUIM FREITAS DA ROCHA162, como sendo o «conjunto de actos, provenientes de órgãos
administrativos tributários distintos, relativamente autónomos e organizados sequencialmente,
direccionados à produção de um determinado resultado, do qual são instrumentais».
E esse procedimento tanto pode ser da iniciativa da Administração tributária como dos próprios
sujeitos passivos. Assim, poderemos ter como procedimentos tributários, por iniciativa da
Administração: o procedimento de liquidação, quando a mesma seja efectuada pela
Administração tributária; o procedimento de revisão oficiosa dos actos tributários; o
procedimento de reconhecimento ou de revogação de benefícios fiscais; o procedimento de
Neste sentido, NABAIS, CASALTA, Direito Fiscal, Coimbra, Almedina, 5.ª edição, 2009, pág. 315.
160
Se bem que, em bom rigor, não se possa falar em noção propriamente dita, pois quer a LGT, quer o CPPT não contemplam
161
uma definição expressa de procedimento tributário. Neste sentido pode ver-se MATOS, PEDRO VIDAL, O princípio Inquisitório no
Procedimento Tributário, Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010, pág. 19.
Cfr. ROCHA, JOAQUIM FREITAS DA, Lições de Procedimento Processo Tributário, Coimbra, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2009, pág.
162
75.
86
emissão ou revogação de outros actos administrativos em matéria tributária; o procedimento de
avaliação directa ou indirecta dos rendimentos ou valores patrimoniais; o procedimento de
cobrança das obrigações tributárias; o procedimento de acesso a informações bancárias;
Poderemos ter procedimentos tributários, por iniciativa dos próprios sujeitos passivos, como é o
caso da liquidação dos tributos (nos casos de autoliquidação), a revisão dos actos tributários por
sua (dos sujeitos passivos) iniciativa, as reclamações e os recursos hierárquicos. Podemos por
isso falar em procedimento tributário em sentido amplo, como procedimento geral que abrange
uma série de conjuntos de actos e um procedimento tributário em sentido estrito, quando se
refere a procedimentos tributários específicos como os acima enunciados, quando
desencadeados, seja por iniciativa da Administração, seja por iniciativa do sujeito passivo, com
um determinado fim específico163.
Em termos de marcha do procedimento tributário, temos, como não podia deixar de ser uma
fase inicial que diz respeito à iniciativa, ao impulso procedimental, que pode pertencer quer à
Administração quer aos próprios interessados165; uma fase instrutória166 cujo objectivo é trazer ao
163
CASALTA NABAIS distingue três tipos de procedimentos tributários. Por um lado, o procedimento tributário dirigido à edição de
um acto tributário – qualquer tipo de liquidação – que o Autor considera o procedimento tributário por excelência. Por outro lado,
os procedimentos dirigidos à edição de outros actos que não o acto tributário (de liquidação); nestes os procedimentos podem
ser prévios ao acto tributário (como a informação vinculativa) ou procedimentos inseridos na fiscalização e inspecção tributária
(aplicação de normas anti-abuso, elisão de presunções de incidência tributária, derrogação administrativa do sigilo bancário). Cfr.
NABAIS, CASALTA, Direito Fiscal, Coimbra, Almedina, 5.ª edição, 2009, pág. 313-315.
164
Seguindo de perto a terminologia utilizada por ROCHA JOAQUIM, FREITAS DA, Lições de Procedimento Processo Tributário,
Coimbra, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2009, páginas 82-92
165
Pertinente é, quanto a esta questão da iniciativa procedimental, a distinção efectuada por JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, que
distingue entre iniciativa administrativa e iniciativa não administrativa, em que o critério que preside à sua distinção não é a
natureza jurídica de quem inicia o procedimento, mas sim a competência para a sua decisão, apontando como exemplo o
procedimento de orientações genéricas como um procedimento de iniciativa administrativa e o procedimento de reclamação
graciosa como sendo um procedimento de iniciativa não administrativa. O mesmo autor distingue ainda, dentro dos
procedimentos de iniciativa administrativa, aqueles que têm iniciativa oficiosa, ou seja, em que a decisão de iniciar não se
encontra na disponibilidade do sujeito propulsor e os que não têm iniciativa oficiosa, na medida em que estão sujeitas à vontade
87
procedimento todos os elementos que se afigurem necessários para a descoberta da verdade
material, a que se segue a fase decisória167 e, por fim, a fase integrativa de eficácia168.
do sujeito. Ainda segundo este autor, os procedimentos de iniciativa não oficiosa podem ainda distinguir-se entre procedimentos
de iniciativa provocada e não provocada, em que a decisão de iniciar é não provocada quando é ele próprio (o sujeito propulsor)
que decide iniciar e provocada quando resulta de requerimentos, propostas, sugestões – Lições de Procedimento Processo
Tributário, Coimbra, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2009, páginas 82-84.
166
Na fase instrutória cabe sublinhar a aplicação do princípio da plenitude probatória, com consagração no artigo 72.º da LGT e
50.º do CPPT, segundo o qual o órgão isntrutor pode recorrer a todos os meios de prova legalmente admitidos que se afigurem
necessários ao correcto apuramento dos factos necessários à decisão do procedimento. Além disso há ainda que ter presente
que , em termos de ónus de prova, este recai sobre quem os invoca, nos termos do artigo 74.º da LGT.
167
Existem autores, como é o caso de MATOS, PEDRO VIDAL, que consideram a audição prévia como uma fase autónoma, não a
incluindo na fase da decisão final – O princípio Inquisitório no Procedimento Tributário, Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra
Editora, 2010, pág. 27.
168
Trata-se de conferir eficácia à decisão tomada, notificando o interessado dessa mesma decisão pois como prevê o artigo 77.º
n.º 6 da LGT, a eficácia da decisão depende da sua notificação.
Prevista no Decreto-Lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro.
169
88
do procedimento tributário (em sentido amplo), sempre limitado e balizado pelo horizonte
temporal do prazo de quatro anos previsto e referente ao prazo de caducidade do direito à
liquidação. Parece-nos que, embora o legislador designe este procedimento de ―procedimento de
inspecção tributária‖, a terminologia correcta e que deverá ser utilizada é ―procedimento
tributário de inspecção‖.
Podemos assim avançar com uma definição de procedimento tributário de inspecção, como
sendo o conjunto de actos, formalidades e diligências, praticados pelos órgãos de inspecção
tributária integrados e sequencialmente ordenados, com vista ao controlo, fiscalização e
correcção dos comportamentos tributários dos contribuintes.
89
2. CLASSIFICAÇÃO DO PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO DE INSPECÇÃO
Quanto à iniciativa, embora a regra seja a de que esta pertence à Administração fiscal, o
legislador admite a possibilidade de que esta possa ser realizada por iniciativa do sujeito passivo
ou mesmo por terceiro170, nos termos dos artigos 47.º e 54.º n.º 4 da LGT, embora nos casos
em que a solicitação seja efectuada por terceiro, a mesma dependa sempre de autorização
expressa do sujeito passivo. A inspecção tributária por iniciativa do sujeito passivo vem regulada
no decreto-lei n.º 6/99, de 8 de Janeiro171, sendo certo que lhe são aplicáveis as regras previstas
no RCPIT que não se encontrem previstas neste diploma. Embora o âmbito e extensão sejam
definidos pelo próprio sujeito passivo e as conclusões do relatório de inspecção vinculem a
Administração fiscal, esta não pode proceder a novas inspecções com o mesmo objecto ou a
actos de liquidação respeitantes a factos tributários nela incluídos que não tenham por
fundamento as conclusões do relatório. Este tipo de procedimento pressupõe no entanto que o
sujeito passivo cumpra determinados pressupostos, nomeadamente possuir contabilidade
organizada e demonstrar interesse legítimo na realização do procedimento, através da
demonstração da existência de vantagem no exacto conhecimento da sua situação tributária.
Além disso, o sujeito passivo que solicitar a inspecção está sujeito ao pagamento de uma taxa
que varia, para cada exercício inspeccionado, entre € 3.152,40 e € 34.915,85 nos termos da
portaria n.º 923/99, de 20 de Outubro.
170
Naquilo a que FREITAS PEREIRA denomina de direito à avaliação da situação fiscal - PEREIRA, MANUEL HENRIQUE DE FREITAS,
Fiscalidade, Coimbra, Almedina, 2005, pág. 280.
171
Como se refere no preâmbulo deste diploma, embora a inspecção tributaria dependa exclusivamente da iniciativa da própria
administração tributária, a certeza e segurança jurídicas e a necessidade de viabilizar negócios jurídicos relevantes do ponto de
vista da reestruturação empresarial e da dinamnização da vida económica aconselham a flexibilização desse regime .
172
Cfr. artigo 12.º do RCPIT.
90
tributários173, enquanto o procedimento de informação visa o cumprimento dos deveres legais de
informação ou de parecer dos quais a inspecção tributária seja legalmente incumbida174.
173
Este é, pode-se afirmar, o procedimento por excelência utilizado mais frequentemente pela inspecção tributária cujo objectivo
passa por apurar o cumprimento tributário, detecção de irregularidades e, eventualmente, apurar correctamente a situação
tributária do sujeito passivo.
174
Neste tipo de procedimento a inspecção tributária desenvolve outro tipo de actividades diversificadas, como a informação de
reclamações graciosas ou a informação da matéria de facto nas impugnações judiciais, nos termos do artigo 111.º n.º 2 alínea
b) do CPPT.
175
Cfr. artigo 12.º, n.º 2 do RCPIT.
176
Cfr. artigo 13.º do RCPIT.
91
diligência fora das suas instalações. Contudo, esta actividade poderá constituir o ponto de
partida para uma actuação efectiva da Administração para futuros e eventuais procedimentos de
inspecção externos a desencadear.
Não se trata portanto de uma actividade propriamente fiscalizadora, em sentido estrito, trata-se
de uma actividade de comprovação formal para verificação da exactidão do formalmente
declarado pelo sujeito passivo. Outra actividade prende-se com a verificação dos valores
declarados pelo sujeito passivo. Nestes casos a comprovação a concretizar prende-se com os
valores efectivamente declarados pelo sujeito passivo, em que a Administração verifica, face ao
elementos que dispõe, fornecidos por terceiros que com o sujeito passivo mantêm relações, se
os elementos declarados pelo sujeito passivo se encontram conforme os elementos disponíveis.
Este tipo de procedimento é efectuado apenas com os elementos que a Administração dispõe,
com recurso a meios informáticos, nomeadamente para efeitos de cruzamento de informação.
Trata-se por isso de acção inspectiva que não reveste especiais funções de investigação, típicas
dos órgãos de inspecção. No procedimento interno pode a inspecção tributária solicitar
informações e esclarecimentos aos sujeitos passivos, podendo ser feitas correcções em
resultado do que for apurado.
Daqui resulta necessariamente que o procedimento será externo quando os actos de inspecção
sejam praticados, total ou parcialmente, nas instalações ou dependências dos sujeitos passivos
ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou
em qualquer outro local a que a administração tenha acesso177.
Nesta actividade, já de cariz investigatório, visa-se verificar a exactidão dos valores declarados
em função dos elementos que constam na sua contabilidade e documentos, se ocorre ou não
alguma omissão de valores e se os valores declarados estão de acordo com as normas de
incidência tributária que são aplicadas à sua actividade. Como afirma MANTERO SAÉNZ178, é
possível distinguir duas formas de exercer a actividade de inspecção tributária: «hay una
comprobacion de declaraciones o documentos presentados (…) hay una comprobación de
177
Como refere ALFARO, MARTINS «Sempre que o procedimento de inspecção envolver a verificação da contabilidade, livros de
escrituração ou outros documentos relacionados com a actividade da entidade a inspeccionar, o procedimento de inspecção será
externo [...].» - Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária Comentado e Anotado, Lisboa, Áreas, 2003,
pág. 123
SAÉNZ, MANTERO, La función Inspectora Tributária, in Revista Española de Derecho Financeiro, Madrid, Civitas, n.º 41, 1984,
178
pág. 33,
92
dados consignados en libros y registros (que exigió el desplazamiento del órgano comprobador y
que dio lugar al nacimiento de la función inspector)».
No que diz respeito a esta questão da classificação do procedimento de inspecção como interno
ou externo, há aqui alguns aspectos que importa ter em consideração, nomeadamente quanto
àquilo a que denominamos de ―aparência de procedimentos‖. Esta ―aparência de
procedimentos‖ traduz-se nas situações em que embora os procedimentos sejam formalmente
classificados pela Administração tributária de determinada forma, na realidade e materialmente,
em função dos actos praticados, os mesmos não correspondem à classificação que lhes foi
atribuída. E esta desconformidade pode e deve ter efeitos quanto ao resultado final do
procedimento, efeitos esses que devem ser valorados contra a própria Administração, uma vez
que esta se encontra vinculada ao princípio da legalidade.
Em concreto, significa isto que embora um procedimento seja classifcado pela Administração
como interno, na prática o mesmo pode vir a demonstrar-se, em função dos actos praticados,
como externo, da mesma forma que um procedimento classificado como externo, por força dos
actos praticados pode traduzir-se num procedimento interno, embora a primeira hipótese tenha
menos probabilidades de vir a suceder. Uma destas situações de desconformidade entre o
procedimento realizado e os actos efectivamente praticados é bem ilustrada no acórdão do TCA
Sul de 09-12-2008, processo n.º 02504/08. Neste caso, em concreto, o relatório de inspecção
foi o culminar de um procedimento de inspecção interno, pelo menos na perspectiva da
Administração fiscal. Sucede que previamente a esse procedimento de inspecção interno esteve
uma diligência de consulta, recolha e cruzamento de informação, que não carece de ordem de
93
serviço, nos termos doartigo 46.º n.º 4 alínea a) do RCPIT nem de notificação prévia prevista no
artigo 50.º n.º 1 alínea a). Ou seja, na perspectiva da Administração fiscal ocorreram duas
diligências distintas: a recolha de informação primeiro e o procedimento interno de inspecção
realizado nas instalações da Administração que deu lugar ao relatório final com as correcções
que estiveram na origem da liquidação sindicada. Apurou-se no entanto que foi com base nos
elementos recolhidos naquela primeira diligência que foram propostas as correcções constantes
no relatório, isto é, os actos praticados no âmbito do procedimento interno não teriam ocorrido
não fosse aquela primeira diligência. Por outras palavras, aquela qualificação formal das duas
acções inspectivas, a primeira como diligência de recolha de informação e a segunda como
procedimento interno, traduziram-se na prática e materialmente como um procedimento de
inspecção externo, o qual não obedeceu às formalidade previstas para o mesmo e que por isso
tiveram por efeito a invalidade das liquidações.
Como se escreve no referido aresto «Dir-se-á que toda a inspecção decorreu nos serviços da
administração, o que logo lhe outorga carácter interno. Só que esta inspecção foi precedida de
uma diligência de recolha de informação nas instalações do sujeito passivo, informação essa que
esteve na origem e fundamentação de todo o relatório. Informação que só ficou disponível para a
administração fiscal porque a recolheu junto do sujeito passivo, deslocando-se às instalações
deste. Assim, a dita inspecção «interna» não resultou de uma mera inspecção que analise a
correcção formal dos documentos entregues e sua coerência com as declarações
apresentadas». O raciocínio do Tribunal é lógico: se a primiera diligência apenas tinha como
objectivo a consulta, recolha e cruzamento de documentação, então a mesma não podia servir,
como efectivamente serviu, para fundamentar as correcções à matéria tributável. O relatório de
inspecção demonstrou que a referida diligência não se destinou a mera informação mas sim
para afectiva identificação de eventuais infracções e análise de contabilidade do sujeito passivo
de modo a que pudessem resultar correcções à matéria tributável.
Se o procedimento se tivesse iniciado com a primeira diligência que foi qualificada como de
mera recolha de informação, a mesma teria de ser sempre qualificada como procedimento
externo pois teve início nas instalações do sujeito passivo, tendo a informação recolhida através
do mesmo sido de tal forma relevante que fundamentou o relatório e as correcções
posteriormente efectuadas, ou seja, com total cabimento na previsão da alínea b) do artigo 13.º
94
do RCPIT. Pode por isso concluir-se que a qualificação dada pela Administração a um
procedimento não tem carácter vinculativo, se se vier a revelar que o conteúdo dos actos
praticados for contrário à qualificação dada, pois como se afirma de forma cristalina no acórdão
em referência, «a qualificação do procedimento como inspecção interna, ou externa, não
depende do arbítrio da administração fiscal. Obedece a critérios específicos, os quais validam,
ou não, a designação escolhida»
Numa situação como esta, em que os actos materialmente praticados revelam a existência de
um procedimento distinto daquele que foi formalmente indicado pela Administração, ou seja, um
procedimento externo ―de facto‖ embora formalmente qualificado como interno, os vícios
referentes à falta de notificação prévia ao sujeito passivo exigida pelo artigo 49.º n.º 1 do RCPIT,
bem como a ausência de ordem de serviço exigida pelo artigo 46.º n.º 2 do RCPIT devem ter
como consequência a invalidade da liquidação, nomeadamente devem levar à sua anulação.
Pegando nas palavras de FREITAS PEREIRA, «De acordo com a preeminência da lei – que não é
exclusiva do Direito Fiscal – só a lei é fundamento da actividade da administração, sendo em
face dela que se pode aferir da validade dos actos praticados pela administração fiscal – só a lei
pode legitimar qualquer actividade tributária e esta tem de ser conforme à lei» , pelo que a179
Este raciocínio aplica-se obivamente também ao caso inverso, ou seja, ao caso em que
formalmente a Administração qualifica um procedimento como externo, notificando o sujeito
passivo do mesmo, mas não praticando qualisquer actos fora das suas instalações,
nomeadamente não se deslocando às instalações do sujeito passivo, ou do seu TOC, de forma a
aí analisar a sua documentação e contabilidade. E uma actuação destas não terá assim tão
pouco cabimento se pensarmos que, embora sujeita ao princípio da legalidade e
proporcionalidade, a Administração, através deste expediente, poder suspender o prazo de
caducidade do direito à liquidação (como já vimos, só o procedimento externo tem esse efeito).
Mais uma vez, estamos perante uma ―aparência de procedimento‖ que deverá ter como efeito a
invalidade do acto tributário final (a liquidação). Uma actuação destas configura uma clara
violação do princípio da legalidade, pois não podemos esquecer que o instituto da caducidade é
179
PEREIRA, MANUEL HENRIQUE DE FREITAS, Fiscalidade, Coimbra, Almedina, 2005, pág. 132
95
uma garantia dos contribuintes e, como tal, encontra-se protegida por este princípio, tal como
previsto no artigo 8.º n.º 1 alínea a) da LGT. Além disso, a utilização de um expediente como
este apenas para evitar o decurso do prazo, prolongando-o, é atentatório contra vários outros
princípios, que iremos ter oportunidade de analisar melhor, como são os princípios da
proporcionalidade e adequação (artigo 7.º do RCPIT), bem como o próprio princípio da verdade
material (artigo 6.º do RCPIT), que impõem, como bem anotam NUNO DE OLIVEIRA GARCIA e RITA
CARVALHO NUNES, «que o procedimento de inspecção seja utilizado tão só como meio de apurar a
realidade tributária (subjacente, por exemplo, aos actos de autoliquidação) – sendo por isso um
instrumento fundamental da actuação Administrativa – e não como modo de prolongar, temporal
e artificialmente, o direito à liquidação e cobrança de imposto (...)»180.
180
GARCIA, NUNO DE OLIVEIRA e NUNES, RITA CARVALHO, Inspecção Tributária Externa e a Relevância dos Actos Materiais de Inspecção ,
in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, n.º 1, Ano IV, Março de 2011, Coimbra, Almedina, pág. 256.
181
Cfr. artigo 14.º do RCPIT, na redacção dada pelo n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto.
96
alterados mediante despacho fundamentado da entidade que tiver ordenado o procedimento
inspectivo182. Assim, é possível que os fins do procedimento de inspecção183 e a sua extensão
sejam alterados após o início do procedimento por iniciativa da administração tributária ou a
solicitação do próprio sujeito passivo ou demais obrigados tributários, caso fundamentem de
forma sustentada a sua pretensão.
Cabe ainda realçar que, no que diz respeito à escolha do tipo de acção inspectiva a realizar, é à
Administração tributária que compete, de acordo com critérios de oportunidade e conveniência
por si definidos, essa escolha, gozando para tal de uma razoável margem de discricionaridade.
Esta liberdade é usual um pouco por todo o lado. Por exemplo, em Espanha, os artigos 109.º e
110.º da Ley General Tributaria, ao tratar dos meios de comprovação e inspecção tributária,
elencam, exemplificativamente, vários meios e prevêem a liberdade de eleição dos mesmos.
Como afirmam MARTÍN QUERALT e CASADO OLLERO ―del tenor del articulo 110 LGT se desprende la
libertad de elecciónde medios para la Administración, no fihándose criterios de prioridad entre la
utilización de unos y otros ni entre el valor que déba dársele e cada uno‖. Desde que se
observem os limites previstos na legislação tributária, é a Administração tributária que decide
qual o tipo de acção inspectiva que irá desencadear, ou seja, e dito de outra forma, é a
Administração que decide, com base nos elementos de que dispõe, como, quando e quem
deverá ser inspeccionado
182
Artigo 15.º do RCPIT, na redacção dada pelo n.º 2 do artigo 4.º da Lei 50/2005, de 30 de Agosto.
183
Procedimento de comprovação e verificação e o procedimento de informação.
184
Aliás à semelhança do que está previsto no artigo 123.º do CPA.
97
3. A MARCHA DO PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO DE INSPECÇÃO
Acontece que não constitui tarefa fácil aferir a real capacidade contributiva dos contribuintes
atendendo à complexidade da realidade económica que preside às relações económicas dos
contribuintes, até por força da crescente importância da privatização da relação jurídica
tributária, igualmente abordada na primeira parte deste estudo. Esta complexidade exige
naturalmente que a Administração tributária goze de uma margem de manobra, ou seja, de uma
margem de discricionaridade que lhe permita optar e decidir o que realmente releva para melhor
conduzir a actividade inspectiva. Por outras palavras, significa isto que é à Administração
tributária que cabe, regra geral185, decidir, quanto à oportunidade e conveniência, o momento
para desencadear a acção inspectiva, pelo que, obviamente neste capítulo goza de uma ampla
margem discricionária. Como afirma ANA MARIA JUAN LOZANO186, ―la inspeción de los tributos tiene,
en principio, liberdad para organizar el desarollo de la instrucción en cada expediente, y por
tanto para decidir cuáles son las faculdades de las que va hacer uso frente a cada obligado
tributário‖. A Administração tributária tem assim considerável margem de liberdade quanto à
oportunidade e conveniência da acção inspectiva.
No entanto, e apesar desta discricionaridade conferida na sua actuação inspectiva, tal não a
torna aleatória, na medida em que a mesma, com referência aos vários interesses em causa,
nomeadamente o interesse público, o interesse dos contribuintes e da própria Administração, se
deve basear em critérios técnicos de selecção dos contribuintes, assentes numa planificação.
Todavia, apesar deste prévio planeamento, a Administração mantém sempre na sua actuação
uma margem de discricionaridade, sob pena de comprometer a eficácia e eficiência da sua
185
Como já vimos anteriormente, o procedimento tributário de inspecção pode ser desencadeado por iniciativa do sujeito passivo.
186
Cfr. LOZANO, ANA MARIA JUAN, La inspección de Hacienda ante la Constitución, IEF, Madrid, Marcial Pons, 1993, pág. 118.
98
actuação. A este propósito, estabelece o artigo 23.º do RCPIT que, ―sem prejuízo da
possibilidade de realização de outras acções de inspecção, a actuação da inspecção tributária
obedece ao Plano Nacional de Actividades da Inspecção Tributária (PNAIT)‖.
O PNAIT, que é elaborado anualmente pela DSPCIT, com participação das unidades orgânicas
da inspecção tributária e aprovado pelo Ministro das Finanças, sob proposta do Director-Geral
dos Impostos, define os programas, critérios e acções a desenvolver que servem de base à
selecção dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários a inspeccionar. De referir que, nos
termos do artigo 26.º do RCPIT, embora o PNAIT tenha carácter reservado, a Administração
tributária deve divulgar os critérios genéricos nele definidos para a selecção dos sujeitos passivos
e demais obrigados tributários a inspeccionar. Trata-se de um mecanismo de protecção cujo
objectivo é salvaguardar a eficácia da actuação da Administração, que passa pela necessidade
de guardar sigilo de pelo menos parte do plano de actividades da Administração. Embora, por
um lado se compreenda que assim seja, já que a divulgação da totalidade dos critérios e
actuação da inspecção pode colocar em causa a sua actuação, por outro, este carácter
reservado pode comprometer a transparência da actuação da actividade inspectiva, pois, como
refere MARTINS ALFARO, se o PNAIT não fosse reservado poderia ser mais vantajoso, quer para o
Estado, quer para os contribuintes. Afirma o Autor que ―seria vantajoso para os cidadãos, na
medida em que lhes permitira adequar o seu comportamento fiscal aos concretos critérios
inspectivos definidos, de modo a poderem minimizar os riscos de uma inspecção, a qual não é
normalmente desejadapelo mais cumpridor dos contribuintes. E seria vantajoso para o Estado,
na medida em que diminuiria significativamente o universo dos sujeitos passivos a inspeccionar
e permitiria, portanto, concentrar, recursos inspectivos. Em matéria de impostos, o Estado só
terá a ganhar se informar exaustivamente os cidadãos, pois a mais informação corresponde
sempre melhor adequação de comportamentos fiscais e, por isso, menor desperdício de
recursos em toda a sociedade187. Ainda assim, parece-nos que a divulgação de tais critérios
gerais, mantendo a reserva, assegura plenamente a almejada transparência da actuação da
Administração. Isto porque os contribuintes têm a obrigação de ter e manter a sua situação fiscal
regularizada, cumprindo com as suas obrigações fiscais, principais e acessórias, sem ter
necessidade de saber em concreto se potencialmente poderá ou não ser abrangido por um
determinado plano. É que, parece-nos que quem sustenta a divulgação sem reservas dos
187
Cfr. ALFARO, MARTINS, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária Comentado e Anotado, Áreas Editoras,
Lisboa, 2003, pág. 197
99
critérios de actuação da inspecção, subjaz a ideia de actuação em função desses critérios, no
sentido adequar o seu comportamento fiscal a esses critérios, consoante os mesmos possam
abranger ou não determinado contribuinte188. Este nosso entendimento é suportado, por exemplo,
pela decisão do Supremo Tribunal Espanhol, de 17-02-2001, n.º 6557/2001: «La publicidad de
los Planos de Inspección dejaría inerme a la Inspección de Hacienda ante los contrbuyentes
pues, enterados de que van a ser objeto en el año de que se trate de actuaciones de
comprobación e investigación, procederían a presentar ças correspondientes declaraciones
complementarias o las principales no presentadas, dando lugar a una permanente ―amnistia‖
fiscal de las sanciones.». A isto acresce ainda um outro aspecto que se prende com o facto de a
selecção dos contribuintes a inspeccionar não se limitar aos critérios definidos nos planos
elaborados mas também noutros factores elencados no artigo 27.º do RCPIT. A planificação
constitui no fundo a consequência natural da necessidade perseguir e prosseguir um
determinado objectivo. Ora, para se prosseguir determinado objectivo, e tendo na sua posse
todos os elementos para a prossecução desse objectivo, é necessária uma planificação para que
a utilização desses elementos na posse da Administração seja efectuada de forma eficaz,
eficácia essa assegurada através de uma maior racionalidade no trabalho a realizar de forma a
obter melhores resultados, mediante uma optimização dos recursos189.
Este carácter reservado é também reconhecido em Espanha, quanto ao Plan de control tributario, prevendo o artigo 116.º da
188
Ley General Tributaria: «La Administración tributaria elaborará anualmente un Plan de control tributario que tendrá carácter
reservado, aunque ello no impedirá que se hagan públicos los criterios generales que lo informen .».
189
DOMINGUEZ, AITOR ORENA, Discrecionalidad, Arbitrariedad e Inicio de Actuaciones Inspectoras , Navarra, Thomson Aranzadi,
2006, pág. 119.
100
Este pequeno intróito serve então para dizer que o procedimento de inspecção, antes de se
iniciar190, depende de uma fase prévia, que passa por saber quem será o sujeito passivo
inspeccionado – a selecção dos sujeitos passivos. Esta obedece a critérios de objectivos e
subjectivos191. Como referem JOSÉ ANTÓNIO COSTA ALVES e JESUÍNO ALCÂNTARA MARTINS192, os critérios
objectivos de selecção resultam de sugestões das várias áreas da gestão dos diferentes
impostos, sugestões das unidade orgânicas da inspecção tributária, estudos comportamentais,
nomeadamente denúncias, informações de outras entidades, pedidos de cooperação
administrativa entre entidades de Estados Membros, troca de informações no âmbito de
convenções, cruzamentos automátivos, tal como já forma analisados no capítulo referente às
novas abordagens da inspecção tributária, a propósito da relevância da privatiazação da relação
jurídica tributária. Ainda segundo os mesmos Autores, os critérios subjectivos partem da
necessidadede ponderar quantas acções de inspecção deverá ter um determinado programa de
inspecção e sobretudo ponderar o grau de importância de cada um dos critérios de selecção.
Assim, construído o universo de contribuintes que preenche um, ou vários critérios de selecção,
há que proceder à selecção nominal dos contribuintes a inspeccionar, utilizando: critérios
aleatórios, critérios de nível de materialidade, critérios mistos, universo total193.
190
Referimo-nos ao seu início formal, poiis como resulta da exposição sobre a relevância da privatização jurídica tributária na
inspecção, muito antes disso, a Administração tributária já dispõe de um vasto leque de elementos sobre cada sujeito passivo,
que lhe permitirá ter um suporte documental muito antes do procedimento, ou seja, apesar deste ainda não ter formalmente
começado, já muita recolha de informação e cruzamento de dados foi feita.
191
Este carácter reservado é também reconhecido em Espanha, quanto ao Plan de control tributario, prevendo o artigo 116.º da
Ley General Tributaria: «La Administración tributaria elaborará anualmente un Plan de control tributario que tendrá carácter
reservado, aunque ello no impedirá que se hagan públicos los criterios generales que lo informen.».
CFR. ALVES, JOSÉ ANTÓNIO COSTA e MARTINS, JESUÍNO ALCÂNTARA, Manual de Procedimento e de Processo Tributário, Ministério das
192
Finanças e da Administração Pública, Direcção Geral dos Impostos, Centro de Formação, 2008, pág. 127.
193
In Manual de Procedimento e de Processo Tributário, Ministério das Finanças e da Administração Pública, Direcção Geral dos
Impostos, Centro de Formação, 2008, pág. 128.
101
sujeito passivo ou obrigado tributário já foi notificado anteriormente, através de carta aviso194, que
deve ser enviada com uma antecedência mínima de cinco dias, e que visa dar-lhe a conhecer o
âmbito e extensão do procedimento de inspecção bem como dos direitos e deveres que lhe
assistem neste âmbito, através de um folheto informativo. Portanto, o procedimento de
inspecção externo configura toda a sucessão temporal de actos, desde a selecção do sujeito
passivo, passando pela preparação, programação e planeamento e que culmina com a
notificação do relatório final de inspecção tributária. Por sua vez, a acção inspectiva externa
distingue-se do procedimento de inspecção, já que integra este. A acção inspectiva contempla a
sucessão temporal de actos materiais de inspecção praticados pelos funcionários da Inspecção
(enquanto órgão), que se inicia com a assinatura da ordem de serviço ou do despacho e termina
com a conclusão dos actos prevista no artigo 61.º do RCPIT, em que o funcionário procede à
notificação da nota de diligência que dá por concluída a prática dos actos de inspecção, leia-se,
dos actos materiais da inspecção. Porém o procedimento apenas se conclui com a notificação
do relatório final de inspecção, pois após a conclusão dos actos materiais de inspecção, o
procedimento prossegue nas instalações do órgão de inspecção. É assim inequívoco que o
procedimento externo formalmente se inicia com a assinatura da ordem de serviço (coincidindo
neste caso com o início da prática de actos de inspecção) e termina com a notificação do
relatório final de inspecção tributária (que não coincide com a conclusão dos actos de
inspecção).
Com todo o manancial de informação que a Administração tributária consegue recolher, através
dos meios descritos na primeira parte deste estudo, à qual é efectuada uma análise, conjugado
com os Planos elaborados com base em critérios resultantes dessa informação, tem então início
o procedimento de inspecção que depende por isso de uma preparação195, programação e um
planeamento adequado aos objectivos a atingir, nos termos do artigo 44.º do RCPIT. Esta
preparação constitui então o início do procedimento de inspecção.
A carta aviso vem prevista no artigo 49.º do RCPIT configura uma notificação prévia para o procedimento de inspecção e visa
194
sujeito passivo, incluindo a do seu processo individual, a informação obtida ao abrigo dos deveres de cooperação, quer a dos
indicadores económicos e financeiros da actividade.
102
Contudo, em termos formais, o procedimento de inspecção externo196 apenas se inicia, nos
termos do artigo 51.º n.º 2 do RCPIT, com a assinatura pelo sujeito passivo ou obrigado
tributário da ordem de serviço ou despacho. Assim, e concretizando as fases do procedimento
tributário e aplicando ao procedimento tributário de inspecção temos que, quanto à sua iniciativa
(como já vimos), o procedimento de inspecção pode ser desencadeado oficiosamente pela
Administração tributária – que é a regra -, ou por iniciativa do próprio sujeito passivo – que será
a excepção.
Isto pese embora o sujeito passivo já tenha, regra geral, sido notificado de uma carta aviso, cuja
finalidade é dar a conhecer o âmbito e a extensão do procedimento de inspecção, bem como
dos seus direitos e deveres, carta aviso essa que deve ser enviada com uma antecedência
mínima de cinco dias em relação ao início do procedimento197. No fundo, esta notificação prévia
visa possibilitar a preparação da entidade inspeccionada para o procedimento que se irá
iniciar198. Trata-se de um corolário do princípio da cooperação, que mesmo que não tivesse
previsão no artigo 49.º do RCPIT, a mesma decorre expressamente do artigo 59.º n.º 3 alínea i)
da LGT e artigo 69.º n.º 2 também da LGT199. Todavia, nem sempre será assim, pois em
determinadas situações não haverá lugar a esta notificação prévia. De referir que esta data
assume particular relevância, na medida em que é a partir desta que se inicia, como veremos
mais à frente e em detalhe, a contagem do prazo de seis meses, para efeitos de suspensão do
prazo de caducidade do direito à liquidação, nos termos dos artigos 51.º n.º 2 do RCPIT e 46.º
n.º 1 da LGT200. Compreende-se que assim seja, pois nem sempre esta carta aviso é enviada ao
sujeito passivo ou obrigado tributário, não fazendo sentido que em alguns casos o prazo de
iniciasse numa data e para outros noutra data.
196
A marcha do procedimento a que nos remos agora referir é o procedimento externo já que no procedimento interno, na
medida em que se realiza apenas dentro das instalações da Administração tributária, pelo que o sujeito passivo apenas virá a ter
conhecimento de se encontra a ser inspeccionado quando é notificado para exercer o direito de audição prévia sobre o projecto
de relatório de inspecção nos termos do artigo 60.º do RCPIT. No entanto, nada impede que o sujeito passivo não possa no
decurso do procedimento de inspecção interno, ao abrigo do princípio da cooperação ser notificado para prestar eventuais
esclarecimentos.
Cfr. artigo 49.º do RCPIT.
197
198
Na eventualidade da carta aviso ser devolvida com indicação de não ter sido levantada, de ter sido recusada ou com a
indicação de que o destinatário se encontra em parte incerta, presume-se a notificação do sujeito passivo, nos termos do artigo
43.º do RCPIT.
199
Nos termos do artigo 59.º n.º 1 alínea i) da LGT, a Administração tributária deve comunicar antecipadamente o início da
inspecção da escrita, com a indicação do seu âmbito do seu âmbito e extensão e dos direitos e deveres que assistem ao sujeito
passivo. Por sua vez, o artigo 69.º n.º 2, na sua primeira parte, exige que o início do procedimento dirigido ao apuramento de
qualquer situação tributar iaé comunicado aos interessados.
200
Convém notar que existe jurisprudência, nomeadamente a que emana do acórdão do TCA Sul, de 09-05-2007, processo n.º
01675/07, que considerou relevante para aferir o início do procedimento de inspecção a data da notificação da carta aviso e não
a data da assinatura pelo sujeito passivo da ordem de serviço.
103
Retomando o nosso discurso, como atrás afirmámos, em determinados situações não haverá
lugar à notificação prévia – carta aviso –, nomeadamente nos casos previstos no artigo 50.º do
RCPIT, que são:
104
que esta dispensa de notificação deve ser interpretada no sentido de que essa dispensa, em
qualquer das situações tipificadas no n.º 1 do artigo 50.º do RCPIT, apenas pode ocorrer se a
mesma puder comprometer o êxito e o efeito útil do procedimento, sob pena de contrariar o
espírito da LGT, nomeadamente da segunda parte do n.º 2 do artigo 69.º da LGT e das
excepções aí indicadas como fundamento para a dispensa de notificação prévia.
Assim, assinada a ordem de serviço pelo sujeito passivo, obrigado tributário ou um seu
representante, tem início o procedimento de inspecção, iniciando-se a acção inspectiva
propriamente dita (fase da instrução), ou seja a prática de actos materiais de inspecção, que
consiste na análise e recolha de elementos considerados relevantes que poderão servir de
fundamento às correcções que eventualmente venham a ter lugar, em função dessa mesma
análise e recolha, independentemente dessas correcções serem técnicas ou por recurso à
metodologia indirecta. Esta recolha e análise de elementos assume-se como fundamental já que
serão com base nestes que a fundamentação dos actos tributários que vierem a ser praticados
assentará, o que bem se compreende, pois sem elementos de prova credíveis que fundamentem
o acto, reduz-se de forma significativa a fundamentação que serve de suporte às correcções
efectuadas e, consequentemente, aumentam as hipóteses de o mesmo poder vir a ser sindicado
com sucesso por parte do sujeito passivo. A fundamentação tem por base os meios de prova
recolhidos na fase de análise e verificação da situação tributária do sujeito passivo.
O artigo 63.º n.º 1 do RCPIT refere expressamente que os actos tributários ou em matéria
tributária que resultem do relatório de exame à escrita poderão fundamentar-se nas suas
conclusões, através da adesão ou concordância com estas, devendo no entanto a entidade
competente para a sua prática fundamentar eventuais divergências face às conclusões do
relatório. Aliás, mesma que tal previsão não constasse no RCPIT, tal é o que resulta do n.º 1 do
artigo 77.º da LGT, que impõe que a decisão do procedimento seja sempre fundamentada por
meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito, podendo no entanto a mesma
consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos em anteriores pareceres,
informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório de fiscalização.
Uma vez concluídos os actos de inspecção, o procedimento prossegue com a emissão de uma
nota de diligência (artigo 61.º n.º 1 do RCPIT), que determina a data em que se consideram
105
concluídos os actos de inspecção (e não procedimento de inspecção), nota esta que é emitida
pelo funcionário incumbido do procedimento que procede à sua entrega ao sujeito passivo
inspeccionado. Esta nota de diligência visa dar a conhecer ao sujeito passivo e aos próprios
serviços da conclusão dos actos de inspecção, conclusão esta que ocorre quando se dão por
terminadas as averiguações e comprovações necessárias ao procedimento de inspecção, ou
seja, quando se termina a recolha de prova considerada suficiente para fundamentar as
correcções a fazer. Esta conclusão significa o termo do trabalho de análise e recolha de
elementos da contabilidade. A nota de diligência deve obrigatoriamente mencionar as tarefas
realizadas, independentemente de se tratar de uma acção de inspecção externa que tenha por
objectivo a consulta, recolha e cruzamento de informação ou o controlo dos sujeitos passivos
não registados, quer se trate de uma acção inspectiva externa dirigida a um sujeito passivo
concreto, tendo em vista uma concreta situação fiscal – está assim terminada a fase da
instrução.
O sujeito passivo notificado do projecto deverá, num prazo a fixar entre dez a quinze dias,
pronunciar-se em sede de audição prévia, sobre as propostas de correcção constantes no
projecto de relatório. Há que referir que os elementos novos suscitados pelo sujeito passivo em
sede de audição prévia têm obrigatoriamente de ser tidos em consideração na fundamentação
da decisão, ou seja, no relatório final (artigo 60.º n.º 7 da LGT). Este projecto constitui uma
versão provisória e preliminar do relatório que constituem as conclusões a que se chegou em
resultado da acção inspectiva e que consubstanciam o suporte das correcções efectuadas em
função dos elementos analisados e recolhidos. Este projecto, no fundo, contém todos os
elementos constantes no relatório final. Aliás, o projecto de relatório poderá nem sofrer
alterações relativamente ao relatório final, consoante o sujeito passivo tenha ou não exercido o
seu direito de audição prévia, pois este direito é uma mera faculdade, pelo que pode ou não ser
exercida pelo sujeito passivo. Caso o seja, todos os argumentos invocados deverão ser levados
106
em consideração, e que poderão ou não ser aceites, contudo, independentemente da sua
aceitação ou não, deverá a posição da inspecção ser sempre fundamentada.
201
Convém no entanto ter presente os casos em que o relatório de inspecção contém correcções efectuadas com recurso a
métodos indirectos. É que, nos termos do artigo 60.º n.º 2 do Código do IRC, prevê-se expressamente que a notificação do lucro
tributável fixado por métodos indirectos deve ser efectuada mediante carta registada com aviso de recepção. Parece-nos por isso
que, nos casos em que no relatório de inspecção se tenha recorrido a tal metodologia, o relatório deva ser notificado através de
carta registada com aviso de recepção.
107
4. DIREITOS E DEVERES NO PROCEDIMENTO DE INSPECÇÃO
No que diz respeito aos direitos e deveres dos intervenientes no procedimento tributário de
inspecção optámos por não autonomizar os direitos e deveres do sujeito passivo dos direitos e
deveres da Administração tributária, atendendo a que, por um lado, existem deveres iguais para
um e para e para outro, como por exemplo o dever de cooperação e, por um outro, devido ao
facto de ao direito de um corresponder o dever do outro – é o que sucede por exemplo, com o
dever de fundamentação, que constitui um direito do sujeito passivo e um dever da
Administração tributária.
O direito à informação202 tem, como a esmagadora maioria dos direitos que aqui serão alvo de
análise, uma matriz constitucional, sendo o artigo 268.º n.º 1 da CRP que define o seu conteúdo
mínimo. Este preceito consagra o direito de os cidadãos serem informados pela Administração,
sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente
interessados, bem como o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos. Por razões
óbvias, em sede de procedimento de inspecção, apenas nos interessa a primeira parte do
preceito constitucional.
O artigo 61.º do CPA determina então que os particulares directamente interessados têm direito
a requerer informação sobre o andamento do procedimento e a resolução definitiva nele tomada,
devendo a informação ser prestada no prazo de dez dias. Além disso, este direito confere
igualmente legitimidade para consultar o processo que não contenha documentos classificados
ou que revelem segredo comercial ou industrial ou segredo relativo à propriedade literária,
Considerado também pela doutrina como uma garantia administrativa não impugnatória. Neste sentido, ROCHA, JOAQUIM FREITAS
202
DA, Lições de Procedimento e Processo Tributário, Coimbra, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2009, pág. 39; NABAIS, CASALTA, Direito
Fiscal, Coimbra, Almedina, 5.ª edição, 2009; PEREIRA, MANUEL HENRIQUE DE FREITAS, Fiscalidade, Coimbra, Almedina, 2005, pág.
277.
108
artística ou científica. Este direito abrange os documentos nominativos relativos a terceiros – i.e.,
em que estes estejam ou possam ser identificados – desde que excluídos os dados pessoais que
não sejam públicos203. Por último, o direito à informação confere ainda a possbilidade de os
interessados directamente poderem obter certidão, reprodução ou declaração autenticada dos
documentos incluídos no processo204.
No domínio do procedimento tributário geral, o direito à informação vem previsto no artigo 67.º
da LGT. Aplicando este ao procedimento de inspecção temos que no decurso deste, o
contribuinte inspeccionado tem o direito a ser informado sobre a fase em que o mesmo se
encontra bem como a data previsível da sua conclusão, embora se saiba que à partida e caso
não haja qualquer prorrogação este, em princípio não terá duração superior a seis meses. No
entanto, e uma vez que o procedimento pode ter uma duração inferior ao referido prazo, assiste
ao sujeito passivo o direito a ser informado sobre a data previsível da sua conclusão (embora
essa previsibilidade não vincule a administração a concluir nesse prazo indicado). Além disso,
como aliás já vimos, um procedimento inspectivo pode, na sua génese ter por base uma
denúncia, pelo que, nos casos em que tal se verifique e a mesma não se venha a confirmar, o
sujeito passivo inspeccionado tem o direito, caso o requeira de ser informado sobre a existência,
o teor da mesma bem como a identificação do seu autor205.
204
Nos termos do artigo 63.º do CPA, as certidões, reproduções ou declarações autenticadas respeitantes aos requerimentos
apresentados, bem como à situação do respectivo procedimento e sua eventual resolução, são obrigatoriamente passadas,
independentemente de despacho, no prazo de dez dias.
205
Nestes casos previstos no artigo 67.º da LGT, a Administração dispõe de um prazo 10 dias para responder à solicitação do
contribuinte.
109
contribuinte tem o direito de solicitar206. Este é no entanto um dever genérico que não se limita a
um procedimento de inspecção específico que esteja a decorrer. Ainda quanto à Administração
esta deve também, sempre que solicitado, fornecer informação à entidade inspeccionada que se
afigure necessária ao cumprimento dos deveres tributários acessórios, desde que o acesso a tal
informação ou elementos não comprometa o procedimento de inspecção ou o dever de sigilo207.
Uma outra manifestação do direito/dever de informação diz respeito à obrigação que a
Administração tem de, na carta-aviso para notificação prévia do procedimento de inspecção (nos
casos em que não haja dispensa nos termos do artigo 50.º do RCPIT), incluir um anexo
contendo os direitos, deveres e garantias dos contribuintes no procedimento de inspecção208.
Estas duas últimas manifestações do dever de informação já se manifestam no decurso de um
procedimento de inspecção em concreto que esteja a decorrer.
Esta questão é tanto mais pertinente uma vez que o acesso e consulta do processo de inspecção
de todos os elementos constantes no mesmo poderá implicar o acesso a dados de terceiros,
sabendo-se que estes dados de terceiros são carreados para o processo, quer através de autos
de declarações dos próprios (ao abrigo do dever de cooperação) quer através do cruzamento de
informação que a administração fiscal, que como já tivemos oportunidade de observar é
206
Cfr. artigo 22.º do RCPIT.
207
Cfr. artigo 48.º n.º 2 do RCPIT. Contudo, diga-se, quanto ao dever de sigilo, como veremos a seguir possa não ser assim tão
linear.
208
Cfr. artigo 49.º n.º 3 do RCPIT.
209
Aqui entendido como o conjunto de documentos em que se traduzem os actos e formalidades que integram o procedimento
administração de inspecção.
110
bastante abrangente, nomeadamente quanto à obtenção de informações de terceiros sobre as
transacções do sujeito passivo inspeccionado.
Sobre o dever de sigilo, estabelece o artigo 64.º n.º 1 da LGT que «os dirigentes, funcionários e
agentes da administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos
sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham
no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever
de segredo legalmente regulado». Por sua vez, também o RCPIT prevê expressamente este dever
no seu artigo 22.º e segundo o qual «O procedimento da inspecção tributária é sigiloso, devendo
os funcionários que nele intervenham guardar rigoroso sigilo sobre os factos relativos à situação
tributária do sujeito passivo ou de quaisquer entidades e outros elementos de natureza pessoal
ou confidencial de que tenham conhecimento no exercício ou por causa das suas funções».
Ora, claro está, todos os elementos constantes no processo administrativo de inspecção estão
pois a coberto pelo dever de sigilo. Contudo, não se nos afigura que seja suficiente para impedir
o sujeito passivo de aceder e consultar o mesmo, por três ordens de razão.
Em primeiro lugar, porque este dever de sigilo não é um dever absoluto, cessando em
determinadas situações legalmente tipificadas, quer no n.º 2 do artigo 64.º da LGT 210 (que não
tem aplicação para este caso concreto), quer no n.º 4 da mesma disposição legal. Nos termos
do n.º 4 do artigo 64.º ―o dever de confidencialidade não prejudica o acesso do sujeito passivo
aos dados sobre a situação tributária de outros sujeitos passivos que sejam comprovadamente
necessários à fundamentação da reclamação, recurso ou impugnação judicial, desde que
expurgados de quaisquer elementos susceptíveis de identificar a pessoa ou pessoas a que dizem
respeito‖.
Em segundo lugar, porque este acesso e consulta, para além de constituir um direito
fundamental, tem em vista quer o exercício de um outro direito, também ele fundamental – o
210
Nos termos deste preceito, o dever de sigilo cessa em caso de:
- Autorização do contribuinte para a revelação da sua situação tributária;
Cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes;
- Assistência mútua e cooperação da administração tributária com as administrações tributárias de outros países resultante de
convenções internacionais a que o Estado Português esteja vinculado, sempre que estiver prevista reciprocidade;
- Colaboração com a justiça nos termos do Código de Processo Civil e Código de Processo Penal.
111
direito de defesa exercido através do contraditório em sede de audição prévia –, quer o exercício
do posterior direito de reclamação/impugnação.
Em terceiro lugar, e não menos importante, não podemos esquecer que os terceiros em causa
no procedimento são, na sua generalidade, outros obrigados tributários que o sujeito passivo
mantêm ou manteve uma relação económica e que por isso são do conhecimento do sujeito
passivo. Até porque para o exercício do contraditório é de suma importância para o sujeito
passivo conhecer os elementos carreados e fornecidos por tais obrigados para, em caso de
divergência, poder contrapor e apresentar os seus elementos e a sua versão dos factos.
Ora, o que consta no processo (posteriormente vertido no projecto de relatório) são factos, pelo
que, para que o contribuinte se possa defender desses factos, tem necessariamente de os
conhecer para os poder refutar. O direito de participação, através da audição prévia, só será
efectivamente exercido se o contribuinte tiver acesso e conhecimento do processo e de todos os
factos que nele constam.
Parece-nos pois não ser lícito à Administração tributária vedar o acesso e consulta ao processo,
consubstanciando tal conduta uma violação de todos os direitos e garantias acima referidos do
contribuinte – informação, participação, contraditório – que se devem por isso sobrepor ao dever
de sigilo imposto à Administração.
É certo que o citado n.º 4 do art. 64.º da LGT se refere unicamente a situações de
fundamentação de reclamação, recurso ou impugnação judicial. Contudo, parece-nos que este
preceito deve ser interpretado no sentido de, em sede de procedimento de inspecção, essa
obrigação de sigilo dever ceder para os efeitos acima enunciados, pelo que aqui sustentamos
que deve ser feita uma interpretação extensiva a este preceito. Esta é, parece-nos, face aos
direitos e deveres em causa, a interpretação que melhor serve em termos garantísticos e a que
melhor se conforma o princípio da proporcionalidade.
112
De referir, por último, que a violação do direito à informação, em sede de inspecção, em
princípio, não consubstancia um vício invalidante do acto tributário final 211. De qualquer das
formas, dessa violação decorrem consequências importantes que importa reter: por um lado,
confere legitimidade ao interessado para se socorrer dos meios processuais acessórios de
intimação para a prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões212
e, por outro, é susceptível de fazer incorrer a Administração fiscal e o órgão, o funcionário ou
agente a quem tal comportamento seja imputável, em responsabilidade civil nos termos da lei
n.º 67/2007, de 31 de Dezembro213.
211
Embora há quem entenda (em sede de procedimento administrativo) que a violação deste direito configura um vício de forma
do acto final, pois como diz FERNANDO BRANDÃO FERREIRA-PINTO, «nada nos permite concluir, com raríssimas, que a falta de
informação nã prejudicou o comportamento de quem a solicitou» – FERREIRA-PINTO, FERNANDO BRANDÃO, Código do Procedimento
Administrativo Anotado, Lisboa, Petrony, 2011, pág. 129. Parece-nos que este entendimento apenas será válido em caso de
recusa ou omissão do direito à informação, se após a utilização dos meios processuais acessórios previstos nos artigos 146.º do
CPPT e 104.º e seguintes do CPTA do CPTA, a informação que vier a ser prestada já tenha perdido todo o seu efeito útil,
nomeadamente, e em sede de inspecção, se essa informação já chegou depois de ter decorrido o prazo exercício do direito de
audição prévia, tendo por isso o contribuinte ficado prejudicado no seu exercício, nomeadamente por não o ter exercido de forma
cabal, por facto imputável à Administração que não forneceu, ou forneceu tardiamente a informação pretendida. Neste sentido,
OLIVEIRA, MÁRIO ESTEVES DE; GONÇALVES, PEDRO COSTA; AMORIM, J. PACHECO DE, Código de Procedimento Administrativo Comentado,
Coimbra, Almedina, 2.ª edição, 2006, pág. 330.
212
Na concretização do artigo 268.º da CRP, a lei ordinária dispõe no artigo 101.º alínea f) da LGT, como um dos meios
processuais tributários, os meios acessórios de intimação para consulta de processos ou documentos administrativos e
passagem de certidões, cuja concretização processual se encontra prevista nos termos dos artigos 146.º n.º 1 do CPPT e 104.º
e seguintes do CPTA.
213
Neste sentido, CAMPOS, DIOGO LEITE DE; RODRIGUES, BENJAMIM SILVA; SOUSA, JORGE LOPES DE, Lei Geral Tributária comentada e
anotada, Lisboa, Vislis, 3.ª edição, 2003, pág. 338.
214
Sobre este direito ver SANCHES, J.L. SALDANHA; GAMA, JOÃO TABORDA DA, Audição – Participação – Fundamentação: A co-
responsabilização do sujeito passivo na decisão tributária, in Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, Coimbra
Editora, 2006, pág. 271-304.
215
Cfr. entre outros, acórdão do TCA Sul de 29-04-2003 processo n.º 07369/02.
216
Cfr. neste sentido, acórdãos do TCA Sul de 12-04-2011 processo n.º 04232/10, de 20-10-2006 processo n.º 03231/09.
113
O direito de audição assume, como não podia deixar de ser, um papel relevante no
procedimento de inspecção. O artigo 60.º da LGT e o artigo 60.º do RCPIT, em concretização do
comando constitucional previsto no artigo 267.º n.º 5 da CRP, consagram o princípio da
participação, «cuja dimensão é a da garantia do direito do contribuinte participar na formação
das decisões que lhe digam respeito» . 217
Feita esta nota introdutória, prosseguimos com a análise deste direito. A abordagem quanto ao
mesmo irá ser feita sob duas perspectivas: a primeira quanto ao direito propriamente dito e as
suas vicissitudes nomeadamente no procedimento de inspecção e a segunda quanto ao seu
prazo.
Importa aqui fazer referência, ainda que de forma breve, à evolução deste instituto,
nomeadamente quanto à sua relevância e exercício em sede de procedimento de inspecção.
Cfr. SANCHES, J.L. SALDANHA; GAMA, JOÃO TABORDA DA, Audição – Participação – Fundamentação: A co-responsabilização do
218
sujeito passivo na decisão tributária, in Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, pág.
281.
114
Antes da entrada em vigor da LGT, na vigência do CPT previa-se como garantia dos contribuintes
um ―direito de audição‖219. Contudo, o artigo 23.º, alínea e) do mesmo diploma fazia restringir o
―direito de audição e defesa‖ ao processo de contra-ordenação fiscal, sendo inaplicável ao
processo de impugnação judicial tanto mais que a intervenção procedimental do contribuinte se
justifica em razão da verdade material e da defesa antecipada dos seus interesses e, por isso,
corresponde à ideia do contraditório e não ao conceito de participação funcional. Assim, no
entendimento da doutrina, face a esta omissão, a participação procedimental no âmbito do
procedimento tributário era, e atento o carácter especial deste procedimento, regulada em
termos gerais do CPA220. Assim, na falta de regulamentação expressa sobre o direito de audição,
e como forma de cumprir o comando constitucional, havia que recorrer, supletivamente, às
normas previstas no CPA (por força da remissão do arigo 2.º alínea b) do CPT).
A primeira alteração ao artigo 60.º da LGT221 ocorreu com a Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio,
que veio consagrar no seu n.º 3 que se o contribuinte fosse ouvido em qualquer das fases do
procedimento a que se referem as alíneas a) a e) (sendo que a alínea e) se reporta ao direito de
audição antes da conclusão do relatório de inspecção) seria dispensada a sua audição antes da
liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais o contribuinte não se
tenha pronunciado.
Conforme refere MACHETE, PEDRO «sendo a regulamentação da audiência dos interessados concretizadora do princípio da
220
participação procedimental consagrado no Artigo 267º n° 5 da Constituição, tal instituto é, salvo indicação expressa em
contrário, de aplicação obrigatória mesmo nos procedimentos especiais, independentemente de a respectiva disciplina jurídica
ser anterior ou posterior ao início de vigência daquele código» - in A Audição Prévia do Contribuinte, Problemas Fundamentais do
Direito Tributário, Coordenação de Diogo Leite Campos, Lisboa, Vislis, 1999, pág. 304.
A redacção inicial do artigo 60.º da LGT, dada pelo Decreto-Lei n.º 398/98 de 17 de Dezembro era a seguinte:
221
«1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não
prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
2 - É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido,
reclamação, recurso ou petição lhe for favorável.
3 - O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse
efeito para o domicílio fiscal do contribuinte.
4 - Em qualquer das circunstâncias referidas no n.º 1, para efeitos do exercício do direito de audição, deve a administração
tributária comunicar ao sujeito passivo o projecto da decisão e sua fundamentação.
5 - O prazo do exercício oralmente ou por escrito do direito de audição, não pode ser inferior a 8 nem superior a 15 dias.
6 - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da
decisão.»
115
Antes desta alteração, mesmo que o sujeito passivo já tivesse sido ouvido em momento anterior
à conclusão do relatório de inspecção, a Administração não estava dispensada de cumprir a
formalidade legal de nova audição antes da liquidação, nos termos da alínea a) do n.º 1 do
mesmo artigo 60.º. Aliás, quando confrontada com esta situação, a jurisprudência sustentou isso
mesmo, nomeadamente no acórdão do STA de 27-02-2002, processo n.º 26615. Era então
entendimento do STA que se podia «discordar da lei, podia-se dizer que eram audições a mais,
mas era a lei geral do país em matéria tributária» e que se tratavam de «audições diferentes,
cada uma delas não dispensando as demais. A lei não diz que, tendo havido audição antes da
conclusão do relatório da inspecção, fica dispensada a audição antes da liquidação. Logo, o que
se quis foi dar uma participação ao contribuinte ao longo do procedimento de liquidação e uma
participação nas diferentes decisões que são tomadas ao longo do processo de liquidação. É por
isso que o nº 1 alude à participação na formação das decisões e não na formação da decisão
final do procedimento. (...) De iure condendo, pode-se entender que são audições a mais. Mas
de iure constituto temos de respeitar os juízos de valor legais. Em conclusão: o facto de ter
havido audição quanto ao relatório da inspecção tributária não dispensava a formalidade legal de
nova audição antes da liquidação.». No processo que deu origem a esta decisão, o contribuinte,
pese embora tivesse sido notificado no decurso do procedimento de inspecção do projecto de
relatório, atenta a redacção da alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT e face à ausência do
actual n.º 3, a administração tinha obrigatoriamente de proceder a nova notificação antes da
liquidação, sob pena de preterição de formalidade essencial, entendimento este que o STA veio a
sufragar. De referir que esta primeira alteração efectuada ao artigo 60.º, nos termos do n.º 2 do
artigo 13.º da Lei n.º 16-A/2002, de 31 de Maio teve carácter interpretativo, ou seja, esta
alteração retroagiu à data da entrada em vigor da LGT – 1 de Janeiro de 1999 (nos termos do
artigo 13.º do Código Civil, a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, possuindo por isso
eficácia retroactiva).
Ainda assim, mesmo antes daquela alteração, não era este o entendimento de ANTÓNIO LIMA
GUERREIRO que sustenta que o «O direito de audição é exercido geralmente por uma única vez no
procedimento: finda a instrução e antes da decisão. Não pode ser utilizado para introduzir
dilações sucessivas no procedimento. O presente artigo recusa, pois, a ideia de qualquer dupla
ou tripla audição no procedimento. Em caso de o objecto do direito de audição constituir um
acto preparatório da liquidação, como são os previstos nas alíneas c), d) e e) do número 1 do
116
presente artigo, o contribuinte não deve ser, de novo, ouvido antes de esta se realizar, a não ser
quando a liquidação se fundamente em elementos distintos daqueles por que o direito de
audição inicialmente se concretizou»222
Uma outra alteração ao direito de audição prévia, também efectuada e relacionada com o
procedimento de inspecção, prende-se com a alínea d) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT. Trata-se
de uma situação semelhante à anterior mas que diz respeito à audição prévia antes da decisão
de aplicação de métodos indirectos. Na redacção anterior à redacção da actual alínea d) colocou-
se a questão de saber se o sujeito passivo teria de ser notificado duas vezes para exercer o
direito de audição prévia: uma aquando da decisão de aplicação de métodos indirectos e outra
aquando da notificação do projecto de conclusões do relatório de inspecção (por aplicação da
alínea e) do n.º 1 do artigo 60.º). Quando confrontado com esta questão o STA, através do
acórdão de 15-10-2003, processo n.º 0115/03, considerou ocorrer preterição de formalidade
essencial, por inobservância da alínea d) do n.º 1 do artigo 60.º, configurando vício de forma e
afectando por isso a validade do acto de liquidação adicional, por não ter sido concedido o
direito de audição antes do relatório. Assim, esta alínea d) foi alterada pela Lei n.º 55-B/2004,
de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2005)223 que passou a prever
expressamente a existência de um direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos
indirectos, mas apenas quando não haja a relatório de inspecção, ou seja, sempre que seja
utilizada a metodologia indirecta no procedimento de inspecção, não terá o sujeito passivo um
direito específico de audição prévia relativamente à decisão de aplicação, mas apenas o direito
de audição relativamente ao projecto de conclusões onde, aí sim, se poderá pronunciar sobre a
aplicação de métodos indirectos.
GUERREIRO, ANTÓNIO LIMA, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, Rei dos Livros, 1999, pág. 279. Cfr. ainda acórdãos do TCA Sul
222
30 de Dezembro.
117
audição do sujeito passivo antes da conclusão do relatório de inspecção. Outra questão diz
respeito à necessidade ou não de audição prévia antes da liquidação de juros compensatórios. A
posição da jurisprudência, plasmada, por exemplo, no acórdão do STA de 14-11-2007, processo
n.º 0201/07, é de que não há lugar à audição prévia do sujeito passivo antes da liquidação de
juros compensatórios face, por um lado, à ausência de previsão nesse sentido no artigo 60.º da
LGT e, por outro, pelo facto de ao sujeito passivo já ter sido dada oportunidade de se pronunciar
antes da liquidação do imposto, nomeadamente aquando da notificação do projecto de
conclusões do relatório de inspecção, em cumprimento da alínea e) do n.º 1 do artigo 60.º da
LGT. Além disso, argumentou-se ainda com à natureza interpretativa da alteração ao n.º 3 do
artigo 60.º através da qual se passou a dispensar a audição antes da liquidação, desde que o
direito de audição já tivesse sido exercido em qualquer fase anterior do procedimento. Assim,
atendendo a que o sujeito passivo teve oportunidade de se pronunciar sobre o relatório, podia tê-
lo feito quanto aos juros compensatórios, já que esta liquidação não é autónoma em relação à
liquidação do imposto, uma vez que nos termos do n.º 8 do artigo 35.º da LGT integram a dívida
de imposto com a qual são liquidados conjuntamente.
Importa tambem aqui realçar um outro aspecto que na prática ocorre inúmeras vezes: a
inspecção tributária, no que diz respeito ao direito de audição e quando este é exercido mas não
são aceites os argumentos e fundamentos apresentados, limita-se, não raras vezes, a concluir
que os argumentos apresentados pelo sujeito passivo não são válidos e que por isso não
merecem acolhimento (isto quando o fazem, já que situações há em que nem sequer se
pronunciam), razão pela qual não conduzem a qualquer alteração do projecto de relatório224. A
expressão correntemente utilizada é a de que ―o contribuinte nada trouxe de novo em sede de
direito de audição‖. Ora, nestas situações exige-se muito mais, exige-se que a Administração
fundamente concretamente, nomeadamente com o porquê da invalidade da fundamentação
aduzida pelo sujeito passivo. Conforme se expendeu no Acórdão do TCA Sul de 30-05-2006
processo n.º 1188/06, na «...decisão final, a Administração tributária tem de tomar posição
expressa sobre as alegações do contribuinte em sede de exercício do direito de audiência prévia,
conforme obriga o disposto no artigo 60.º, n.º 7 da LGT e a fundamentação constante da
decisão final não tem de ser, e não deve ser, uma cópia fiel da do projecto de decisão, pois nela
224
Neste sentido, SANCHES, J.L. SALDANHA; GAMA, JOÃO TABORDA DA, Audição – Participação – Fundamentação: A co-
responsabilização do sujeito passivo na decisão tributária, in Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, Coimbra
Editora, 2006, pág. 282.
118
têm de ser discutidos os argumentos invocados pelo contribuinte em sede de exercício de
audição prévia». Assim, perante casos como este deve considerar-se como inobservado o dever
de audição prévia, o que configura preterição de formalidade legal, que constitui fundamento de
invalidade do acto tributário (neste caso o acto de liquidação adicional resultante da inspecção)
por vício de forma. Em bom rigor, a desconsideração dos argumentos apresentados pelo sujeito
passivo em sede de direito de audição, sem um mínimo de fundamentação tem um efeito
semelhante ao da não notificação para exercício desse direito, ou seja, um efeito invalidante do
acto tributário posteriormente praticado.
Esta questão – dos elementos invocados pelo sujeito passivo em sede de audição prévia –
remete-nos para outro direito/dever que importa aqui também analisar e que se prende com o
dever de pronúncia ou de resposta e o dever de decisão. Porém, tratam-se de deveres distintos,
pese embora o artigo 9.º n.º 1 do CPA consagre o princípio da decisão, segundo o qual os
órgãos administrativos se devem pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência, que
lhes forem apresentados pelos particulares.
Como se refere no acórdão do TCA Sul de 19-10-2004, processo n.º 07127/02 «o dever de
pronúncia ou resposta dos órgãos administrativos existe sempre face a toda e qualquer petição,
ainda que a resposta se limite a informar os interessados do destino dado àquela, bem como
dos fundamentos da posição que tomar em relação a ela – cfr. n.º 2 do artigo 115.º do CPA -,
constituindo um dever de carácter constitucional correspondente ao direito fundamental de
petição dos cidadãos em matérias que lhes dizem respeito ou à Constituição e às leis (artigo
52.º da CRP); já o dever de decisão procedimental apenas existe quando a pretensão é
formulada visando a defesa de interesses próprios do peticionante e tem por objecto o exercício
de uma competência jurídico-administrativa (normativa ou concreta) de aplicação da lei à
situação jurídica do autor da pretensão.».
Por outro lado, e como afirmam MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO
DE AMORIM, «...no procedimento administrativo o dever de pronúncia da Administração, face às
petições de particulares, é um dever de decisão; fora dele, é um dever de resposta. Por isso, só
no n.º 2 do artigo 9.º o legislador usou o conceito de decisão, referindo-se antes no nº 1 ao
dever de pronúncia.
119
O facto não diminui em nada a enorme importância jurídico – procedimental desse dever do n.º
1. É nele que se afirma, afinal, como princípio geral, a obrigação em que a Administração está
constituída de se pronunciar – neste caso, de decidir – sobre todas as pretensões de
particulares cuja realização dependa da prática de um acto administrativo e é, portanto, nele que
reside o núcleo dos ―actos administrativos‖ tácitos, regulados nos artigos 108.º e 109.º do
Código»225.
Do exposto, resulta que a Administração, em sede de direito de audição, e após este ter sido
exercido, não tem de se pronunciar ponto por ponto, especificamente quanto a cada um dos
argumentos invocados pelo sujeito passivo226. Porém deve tê-los em conta e disso fazer menção
no relatório final, elencando-os e argumentando quanto à sua não aceitação.
Voltando agora ao direito de audição, cumpre agora debruçar-mo-nos sobre o segundo segmento
que nos propusemos abordar e que pese embora possa aparentar ser simples, na verdade não o
é. Falemos então do prazo para exercício do direito de audição em sede de procedimento de
inspecção.
O n.º 6 do artigo 60.º da LGT estabelece que o prazo do direito de audição, não pode ser inferior
a oito nem superior a quinze dias. Por sua vez, o n.º 2 do artigo 60.º do RCPIT estabelece que a
notificação para exercício do direito de audição sobre o projecto de conclusões do relatório deve
ser fixado entre dez e quinze dias. Admite-se aqui um poder discricionário da administração,
ainda que dentro de determinados limites.
O problema que aqui se coloca reside em saber se o cumprimento deste direito se basta com a
mera concessão formal do mesmo ao sujeito passivo, ou seja, se basta à Administração fixar um
prazo de acordo com o estipulado na lei – entre dez a quinze dias – para o considerar cumprido,
ainda que substancialmente, esse direito possa não ser cabalmente exercido. E este problema
coloca-se porquê?
225
Cfr. OLIVEIRA, MÁRIO ESTEVES DE; GONÇALVES, PEDRO COSTA; AMORIM, J. PACHECO DE, Código do procedimento Administrativo
Comentado, Coimbra, Almedina, 2.ª Edição, pág. 126,
226
Como se refere no acórdão do STA de 10-03-2011, processo n.º 027/11, «O cumprimento do artigo 100.º do CPA não obriga
a Administração a responder ponto por ponto a todas as objecções dos administrados, pois não vigoram aí as regras adjectivas
relacionadas com ónus de impugnação ou omissões de pronúncia »
120
Porque, se atentarmos, a inspecção tributária dispõe no mínimo de um prazo de seis meses
(que pode eventualmente vir a ser prorrogado) para recolher e analisar todos os elementos
considerados necessários para a descoberta da verdade, por contraposição ao sujeito passivo
que dispõe apenas de um prazo entre dez a quinze dias para se pronunciar sobre o projecto de
conclusões a que a Administração chegou após a prática de todos os actos inspectivos, sendo
certo que o projecto de conclusões pode conter uma dimensão tal, com documentos e anexos
que não permita ao contribuinte inspeccionado exercer da melhor forma o seu direito de
audição. É relativamente fácil imaginar casos em que inspecções demoradas, onde há centenas
de documentos e elementos que têm de ser todos levados em consideração e minuciosamente
analisados, sendo manifestamente insuficientes prazos tão curtos como os actualmente
previstos.
Por outras palavras, pode-se verificar uma desproporcionalidade (ainda que a mesma tenha de
ser sempre aferida de forma casuística, atendendo a cada caso concreto227), impedindo de facto
o sujeito passivo – ainda que não de direito – de exercer o seu direito de audição e dessa forma
participar efectivamente e não apenas formalmente no procedimento.
Este nosso entendimento sai de certa forma reforçado com o decidido ao nível da UE pois esta
questão foi submetida à apreciação dos nossos tribunais, nomeadamente da sua eventual
compatibilidade com os princípios de Direito da UE – em concreto com o direito de defesa – e
posteriormente à apreciação do TJUE, embora este tribunal se tenha pronunciado no sentido da
inexistência de incompatiilidade entre os prazos fixados na nossa lei e o referido direito de
defesa. Mas vamos por partes.
Aliás, esta possível desproporcionalidade só se compreende se for casuística visto que os processos têm níveis de
227
complexidade diferente, e como tal o grau de exigência em sede de direito de audição varia consoante esse grau de
complexidade for maior ou menor.
121
A questão foi primeiramente submetida à apreciação do STA, onde no seu acórdão de 12-06-
2007, processo n.º 0672/06 pode ler-se: «Suscitada no processo questão de violação do direito
de defesa, relacionado com os artigos 60.º, n.º 6 da LGT e 60.º, n.º 2 do RCPIT, justifica-se o
reenvio prejudicial para o TJCE, nos termos do artigo 234.º do Tratado de Roma, suspendendo-
se a instância até pronúncia deste Tribunal». Neste acórdão foram formuladas as seguintes
questões à apreciação do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (hoje TJUE):
«- O prazo de 8 (oito) a 15 (quinze) dias fixado no artigo 60.º, n.º 6 da Lei Geral Tributária e no
artigo 60.º, n.º 2 do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária, aprovado
pelo Decreto-Lei n.º 413/98 de 31 de Dezembro, para o exercício oral ou por escrito do direito
de audição pelo contribuinte é conforme com o princípio do direito de defesa?;
- Um prazo de 13 (treze) dias, contado da notificação efectuada pela autoridade aduaneira a um
importador comunitário (no caso uma pequena empresa portuguesa de comércio de calçado)
para exercer o seu direito de audição prévia em 8 (oito) dias e a data da notificação para pagar
direitos de importação em 10 (dez) dias, relativamente a 52 operações de importação de
calçado do Extremo Oriente ao abrigo do regime SPG efectuadas em dois anos e meio (entre
2000 e meados de 2002), pode ser considerado um prazo razoável para o exercício do seu
direito de defesa por parte do importador»
Prossegue o referido aresto dizendo que «Esta obrigação incumbe às Administrações dos
Estados-Membros, sempre que estas tomem decisões que entram no campo de aplicação do
direito comunitário, mesmo que a legislação comunitária aplicável não preveja expressamente
essa formalidade. No que diz respeito à execução deste princípio e, mais concretamente, aos
122
prazos para o exercício dos direitos de defesa, importa precisar que, quando esses prazos não
são, como no processo principal, fixados pelo direito comunitário, são regidos pelo direito
nacional, desde que, por um lado, sejam equivalentes àqueles de que beneficiam os particulares
ou as empresas em situações de direito nacional comparáveis e, por outro, não tornem, na
prática, impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos de defesa conferidos pela
ordem jurídica comunitária. (...) No que respeita a operações de fiscalização como as que estão
em causa no processo principal, recorde-se que tais operações constituem um todo. Assim, num
procedimento de inspecção que se estende por vários meses, que implica averiguações no local
e a audição da empresa em causa, cujas declarações são consignadas no dossier do
procedimento, é de presumir que essa empresa conhecia as razões que levaram a desencadear
um procedimento de inspecção e a natureza dos factos que lhe eram imputados. (...) Nestas
condições, o respeito dos direitos de defesa implica, para que se possa considerar que foi dada
ao beneficiário desses direitos a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista,
que a Administração tome conhecimento, com toda a atenção exigida, das observações da
pessoa ou da empresa em causa.».
Embora a decisão do tribunal tenha sido no sentido de não incompatibilidade do prazo previsto
nos artigos 60.º da LGT e 60.º do RCPIT com o direito de defesa enquanto princípio comunitário,
há algumas conclusões a retirar do texto do acórdão do TJUE, no sentido de que esta conclusão
não tem uma formulação absoluta, ou seja, poderá nem sempre ser assim. Isto porque para
além dessa conclusão, o tribunal concluíu igualmente que cabe ao órgão jurisdicional nacional
que conhece da acção determinar, atendendo às circunstâncias particulares do processo, se o
prazo efectivamente concedido ao sujeito passivo permitiu que este fosse utilmente ouvido pela
Administração fiscal.
Quer isto dizer, dito de outra forma, que o direito de audição pode em determinadas
circunstâncias ser violado, ainda que o mesmo tenha sido formalmente concedido, ou seja,
tendo este sido concedido, o mesmo não teve a utilidade esperada e consagrada
constitucionalmente de efectivamente conferir ao interessado a sua efectiva participação na
formação da decisão.
123
Aliás, a expressão utilizada pelo TJUE é bem elucidativa de que essa compatibilidade pode em
determinadas situações não se verificar, quando afirma que o referido prazo de oito a quinze
dias para apresentar as suas observações é, ―em princípio‖, conforme com as exigências do
direito da UE.
Assim, a nosso ver, como acima dissemos, esta decisão reforça o nosso entendimento, no
sentido de que o cumprimento formal do direito de audição nem sempre assegura o seu efectivo
exercício por parte do sujeito passivo. A audição não pode por isso ser um dever (da
Administração) e um direito (do contribuinte) administrativo de natureza meramente formal e
abstracto, devendo ser sempre acautelado de forma a garantir em todos os casos sem excepção
o seu escopo e substância. Nestes casos em que tal desiderato não é atingido parecem-nos
violados os comandos constitucionais, quer numa perspectiva do princípio do contraditório e da
participação, quer do princípio da proporcionalidade.
Este direito, que antes de ter acolhimento constitucional já decorria do artigo 1.° n.º 1, alíneas a)
e c) do decreto-lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho229, encontra-se hoje concretizado e densificado
na lei ordinária nos artigos 124.º e 125.° do CPA (para os actos administrativos em geral) e no
artigo 77.° da LGT (para os actos administrativos tributários).
Trata-se de um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II da primeira parte da
228
CRP. Para uma análise aprofundada do dever de fundamentação veja-se ANDRADE, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE, O dever da
fundamentação expressa de actos administrativos, Coimbra, Almedina, 2007.
229
Veja-se, a propósito deste diploma e do dever de fundamentação previamente à imposição constitucional, GOMES, OSVALDO,
Fundamentação do acto administrativo, Coimbra, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1981.
124
Nas palavras de DIOGO FREITAS DO AMARAL, «A fundamentação de um acto administrativo consiste
na enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto ou a dotá-lo de
certo conteúdo»230.
Este dever tem, «a par de uma função exógena – dar conhecimento ao administrado das razões
da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou pela sua impugnação –, uma função
endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e
isenta» . De acordo com MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES E JOÃO PACHECO DE
232
AMORIM, «na fundamentação, o que está em causa são as razões que o levam a agir em certo
sentido, a decidir de certa maneira, ou seja, o juízo, o iter lógico, a ponderação que se fez, para
chegar à decisão a que se chegou (e não a qualquer outra). Trata-se dos motivos do acto
administrativo, da sua motivação propriamente dita.» . 233
Assim, «a fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser
de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de
facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se
apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente
(permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e
congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados
como sua justificação), equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que,
por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do
acto.» .
234
Cfr. AMARAL DIOGO FREITAS DO, Curso de Direito Administrativo, Volume II, Coimbra, Almedina, 2004, pág. 352 e seguintes.
230
Cfr. acórdão do TC n.º 594/08 de 10-12-2008; acórdão do TCAN de 25-02-2011 processo n.º 02382/07.4BEPRT.
231
Cfr. OLIVEIRA, MÁRIO ESTEVES DE; GONÇALVES, PEDRO COSTA; AMORIM, J. PACHECO DE, Código de Procedimento Administrativo
233
125
Ainda de acordo com DIOGO FREITAS DO AMARAL, a propósito dos requisitos da fundamentação,
esta «Em primeiro lugar tem que ser expressa, ou seja, enunciada no contexto do próprio acto
pela entidade decisória. Em segundo lugar, a fundamentação tem que consistir na exposição,
ainda que sucinta, dos fundamentos de facto e de direito da decisão. Não basta, pois, mencionar
os factos relevantes ou anunciar uma ―política pública‖ justificativa da decisão: há que referir
também o quadro jurídico que habilita a Administração a decidir, ou o decisor de certo modo.
Trata-se de um corolário do princípio da legalidade como fundamento da acção
administrativa» . 235
AMARAL DIOGO FREITAS DO, Curso de Direito Administrativo, Volume II, Coimbra, Almedina, 2004, pág. 352 e seguintes.
235
Cfr., por todos, ANDRADE, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE, A Justiça Administrativa (Lições), 8.ª edição, Coimbra, Almedina, 2006, pág.
236
239.
Por exemplo, acórdão do STA de 11-12-2002, processo n.º 01486/02.
237
A fundamentação não é um conceito absoluto mas sim relativo que varia consoante as circunstâncias concretas em que é
238
praticado e a matéria a que respeita e que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência
da densidade dos elementos de fundamentação. Neste sentido pode ver-se, entre outros, acórdãos do STA de 10-03-2011,
processo n.º 0862/10, de 28-05-2003, processo n.º 0132/03, de 15-01-2004, processo n.º 01585/02.
126
Atendendo à relevância deste direito bem expressa nas considerações acima mencionadas,
parece-nos que ainda que o mesmo não tivesse acolhimento na LGT o preceito constitucional e a
sua concretização no CPA seria mais do que suficiente para ser invocado directamente pelos
contribuintes, caso o mesmo fosse inobservado por parte da Administração, como aliás o
afirmam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA: "A decisão do
procedimento tributário, sendo um acto definidor da posição da administração tributária perante
os particulares, deve obedecer aos requisitos gerais dos actos administrativos, enunciados no
artigo 123.º do CPA (...). Nos termos do n.º 2 deste artigo 123.º, todas estas menções devem
ser enunciadas de forma clara, precisa e completa, de modo a poderem determinar-se
inequivocamente o sentido e alcance do acto e os seus efeitos jurídicos. A não observância do
preceituado nestas disposições é susceptível de conduzir à anulação do acto, por vício de forma.
(...) A fundamentação deve dar a conhecer ao interessado o itinerário cognoscitivo e valorativo
seguido pelo autor da decisão para decidir no sentido em que decidiu e não em qualquer
outro.» .239
Cfr. CAMPOS, DIOGO LEITE DE; RODRIGUES, BENJAMIM SILVA; SOUSA, JORGE LOPES DE, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Lisboa,
239
127
A propósito da fundamentação dos actos administrativos de natureza tributária importa aqui
reter os ensinamentos de VÍTOR FAVEIRO: «Para que um acto administrativo de natureza tributária
se revista de validade como decisão do órgão da Administração que, ao abrigo de normas de
direito público, vise produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, é
indispensável que, além do elemento substantivo consagrado no artigo 77.º da Lei Geral
Tributária, a fundamentação obedeça aos requisitos duplamente substantivos e formais do
mesmo artigo, e ainda aos dos artigos 120.º a 126.º do Código do Procedimento Administrativo,
que a Lei Geral não dispensou nem substituiu.
Limita-se a Lei Geral Tributária a exigir como forma da decisão, em termos de fundamentação, a
sucinta exposição das razões de facto e de direito que motivaram a decisão, podendo ser
efectuada sob forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a
qualificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e o
tributo. Sucede que a fundamentação, quer por natureza quer pela forma como a lei sobre ela se
expressa, constitui o elemento, duplamente substantivo e formal, de maior relevo do acto
tributário; e, em especial, do valor que dele decorre em termos de acesso ao direito. Sem que a
adjectivação nela empregue sob a forma externa da fundamentação - sucinta e sumária -
possam influir no objecto e valor da fundamentação e na certeza e segurança da sua razão
legal.» .
241
241
Cfr. FAVEIRO, VÍTOR, O Estatuto do Contribuinte, A Pessoa do Contribuinte no Estado Social de Direito , Coimbra, Coimbra
Editora, 2002, pág. 958 e seguintes.
242
Neste sentido, uniforme da jurisprudência, podem ver-se entre outros, os acórdãos do TCA de 10-12-2003, processo n.º
06737/02, de 20-01-2004, processo n.º 01099/03, acórdãos do STA de 05-05-2000, processo n.º 24047, de 01-03-2000,
prrocesso n.º 22240.
128
Uma dessas manifestações encontra-se plasmada no artigo 15.º n.º 1 do RCPIT, que impõe que,
sempre que se proceda à alteração do procedimento, nomeadamente quanto aos fins, âmbito ou
extensão, esta alteração carece sempre de despacho fundamentado a justificar essa alteração, a
ser noitifcado à entidade inspeccionada.
No que diz respeito ao prazo do procedimento de inspecção, que por regra é de seis meses,
sempre que este seja prorrogado, esta prorrogação tem de ser fundamentada e notificada ao
sujeito passivo. De notar que não basta, quanto a nós, que na prorrogação a Administração
tributária se limite a indicar, quanto à fundamentação, a disposição legal na qual a mesma se
baseia, uma vez que os motivos para prorrogação se encontram tipificados no n.º 3 do artigo
243
Cfr. artigo 30.º n.º 1 alínea a) e b) do RCPIT.
244
Cfr. artigo 31.º n.º 2 alínea b) do RCPIT.
129
36.º do RCPIT245. O dever de fundamentação impõe que nestas situações a Administração
tributária concretize e indique de facto, quais os factos susceptíveis de se enquadrar na
disposição legal em que se baseiam246. Nesta fundamentação deve a Administração fazer
constar, por exemplo, a indicação das diligências e actos já praticados, bem como os obstáculos
e dificuldades na sua actuação, das diligências pendentes, a impossibilidade de completar a
actuação inspectiva, bem como uma previsão (ainda que não vinculativa) do prazo que se
afigura necessário para concluir a actividade inspectiva247. Também no domínio temporal do
procedimento de inspecção, embora a regra seja a da continuidade da prática dos actos de
inspecção, esta pode ser suspensa, exigindo-se no entanto que a mesma seja devidamente
fundamentada, nos termos do artigo 53.º n.º 1 do RCPIT, devendo a mesma ser notificada ao
sujeito passivo inspeccionado.
Por fim temos a maior expressão deste dever em sede de inspecção e que se prende com a
fundamentação do relatório findal de inspecção.
A propósito da fundamentação do relatório de inspecção uma das questões que se impõe aqui
abordar é a da admissibilidade da fundamentação por remissão do relatório de inspecção
tributária nomeadamente para o projecto de relatório. Chamamos no entanto à atenção de que
não estamos aqui a tratar da questão da fundamentação por remissão dos actos tributários ou
em matéria tributária que resultem do relatório, nos termos do artigo 63.º do RCPIT. A questão
da fundamentação por remissão de actos que resultam do relatório é uma questão distinta, que
também iremos abordar, mas posterior à questão agora em análise, já que ainda estamos na
fase referente à elaboração do relatório de inspecção propriamente dito, nos termos do artigo
62.º do RCPIT, e não dos actos resultantes do mesmo.
245
Os motivos para prorrogação são:
- Situações tributárias de especial complexidade resultante, nomeadamente, do volume de operações, da dispersão geográfica ou
da integração em grupos económicos nacionais ou internacionais das entidades inspeccionadas;
- Quando, na acção de inspecção, se apure ocultação dolosa de factos ou rendimentos;
- Nos casos em que a administração tributária tenha necessidade de recorrer aos instrumentos de assistência mútua e
cooperação administrativa internacional;
- Outros motivos de natureza excepcional, mediante autorização fundamentada do director-geral dos Impostos.
246
Veja-se a este propósito a sentencia de la Audiencia Nacional de 20-09-2007: «La motivación en el acuerdo de ampliación del
plazo de las actuaciones inspectoras debe ponderar la necesidad de sobrepasar el plazo legal a la vista de las circunstancias
propias del procedimiento, lo que impone al órgano decisor un deber de poner en conexión la complejidad de las actuaciones
con la constatada insuficiencia del plazo de doce meses para terminarlas .». Disponível em http://www.poderjudicial.es.
GARIJO, MERCEDES RUIZ, Las garantias del contribuyente en el procedimiento inspector, Barcelona, Bosch, 2009, pág. 48.
247
130
O n.º 3 do artigo 62.º do RCPIT elenca a lista dos elementos que o relatório deve conter,
devendo ter-se em atenção a dimensão e complexidade da entidade inspeccionada, devendo no
entanto, e independentemente de conter formalmente todos ou apenas alguns dos elementos
elencados no n.º 3 do art. 62.º do RCPIT, resultar sempre do relatório a identificação e
sistematização dos factos detectados e sua qualificação jurídico-tributária, tal como previsto no
n.º 1 do artigo 62.º do RCPIT.
Nesta questão parece-nos que a resposta parece ser afirmativa, no sentido de se admitir a
fundamentação por remissão face aos já citados artigos 77.º n.º 1 da LGT e 125.º n.º 1 do CPA.
Aliás, nada no referido artigo 62.º do RCPIT parece indicar a exigência de um especial dever
fundamentação expressa248 do relatório de inspecção, pelo que é de aplicar a regra geral de
admissibilidade de fundamentação por remissão, desde que o projecto de relatório para o qual o
relatóriofinal remete contenha todos os elementos previstos no n.º 3 do artigo 62.º do RCPIT.
Vejamos agora a questão da fundamentação dos actos tributários ou em matéria tributária que
resultem do relatório, que nos termos do artigo 63.º n.º 1 do RCPIT se podem fundamentar
através de adesão ou concordância com as suas conclusões. Esta solução é no entanto distinta
da prevista no artigo 77.º n.º 1 da LGT que, embora admitindo a remissão, admite-a para o
relatório de fiscalização, e não para as suas conclusões, pelo que se deve entender a
admissibilidade de fundamentação por remissão, desde que a mesma seja feita para o relatório
e não somente para as suas conclusões249.
248
Existem no nosso ordenamento situações em que exige que a fundamentação seja feita de forma expressa como sucede nos
casos de ―relações especiais‖ artigo 77.º, n.º 3 da LGT), ―tributação por métodos indirectos‖ (artigo 77.º, n.º 4 e 5 da LGT),
―derrogação administrativa de segredo bancário‖ (artigo 63.º-B n.º 4 da LGT) ou de ―reversão contra responsáveis subsidiários‖
(artigo 23.º, n.º 4 da LGT).
249
Neste sentido, ALFARO, MARTINS, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária Comentado e Anotado,
Lisboa, Àreas, 2003, pág. 446.
131
4.4. DEVER DE COOPERAÇÃO
O nosso ordenamento jurídico-tributário, prevê vários deveres impostos não só aos sujeitos
passivos como a terceiros, de forma a possibilitar, quer a correcta e exacta liquidação dos
tributos, quer o posterior controlo de modo a apurar se a liquidação foi efectuada de forma
correcta – são os denominados deveres acessórios. Contudo, muitos destes deveres são exigidos
mesmo em circunstâncias em que não é devida a obrigação tributária principal. Por isso mesmo,
e como afirma NUNO SÁ GOMES251, nestas situações e em outras similares, na medida em que não
se pode falar de deveres acessórios, distingue o referido Autor entre deveres acessórios
propriamente ditos, quando há obrigação principal, e as situações de controlo fiscal ou política
fiscal, nos casos em que não há obrigação principal. Na doutrina é possível constatar posições
diferentes quanto à natureza destes deveres acessórios. Assim, por exemplo, PEDRO SOARES
MARTINEZ252 considera-os como sendo deveres de carácter administrativo enquanto JOSÉ MANUEL
M. CARDOSO DA COSTA253 os qualifica como deveres públicos, representando o dever de cooperação
na realização da ordem jurídica-fiscal. Propendemos para considerar tais deveres como deveres
administrativos, em grande parte devido a tudo o que já se disse sobre a relevância da
privatização da relação jurídica tributária, em que tais deveres, que antes pertenciam à
competência da Administração passaram a ser efectuados pelos próprios sujeitos passivos e por
outros obrigados tributários.
O dever de cooperação dos contribuintes para com a Administração fiscal, neste caso para com
a inspecção tributária, constituem também uma forma de garantir a eficácia da actuação da
inspecção. Desta forma esta cooperação permite aos funcionários da inspecção (embora com
alguma limitações temporais como iremos ver), nos termos do n.º 2 do artigo 28.º do RCPIT:
250
Este dever encontra-se plasmado em vários diplomas, a saber: artigo 59.º da LGT, artigo 9.º do RCPIT, artigo 48.º do CPPT,
artigo 133.º do Código do IRS, artigo 85.º do Código do IVA, artigo 7.º e 60.º do Código do Procedimento Administrativo.
Cfr. GOMES, NUNO SÁ As situações jurídicas tributárias, in Cadernos de Ciência Técnica Fiscal, ano 27, 1969, pág. 78 e ss.
251
Cfr. MARTINEZ, PEDRO SOARES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, Almedina, 10.ª edição, 2003., pág. 290.
252
CFR. COSTA, JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA, Curso de Direito Fiscal, Coimbra, Almedina, 1970, pág. 342-343.
253
132
- Aceder livremente às instalações e dependências da entidade inspeccionada pelo período de
tempo necessário ao exercício das suas funções
- Dispor das instalações adequadas ao exercício das suas funções em condições de dignidade e
eficácia;
- Examinar, requisitar e reproduzir documentos, mesmo quando em suporte informático, em
poder dos sujeitos passivos ou outros obrigados tributários, para consulta, apoio ou junção aos
relatórios, processos ou autos;
- Obter informações e examinar documentos ou outros elementos em poder de quaisquer
serviços, estabelecimentos e organismos do Estado, das Regiões Autónomas e autarquias locais,
de associações públicas, de empresas públicas ou de capital exclusivamente público, de
instituições particulares de solidariedade social e de pessoas colectivas de utilidade pública;
- Troca de correspondência, em serviço, com quaisquer entidades públicas ou privadas sobre
questões relacionadas com o desenvolvimento da sua actuação;
- Esclarecimento, pelos TOC e ROC, da situação tributária das entidades a quem prestem ou
tenham prestado serviço;
Também no artigo 48.º do RCPIT (em concretização do artigo 9.º do RCPIT) se prevê, como
manifestação deste dever de cooperação, que a entidade inspeccionada deverá sermpre que
possível esclarecer a Administração de quaisquer dúvidas que surjam no âmbito do
procedimento de inspecção. Por outro lado, a Administração também deverá, sempre que
possível, desde que tal não comprometa o sucesso do procedimento ou dever de sigilo, facultar
ao sujeito passivo informações ou outros elementos por este, desde que tais elementos e
informações sejam comprovadamente necessários ao cumprimento dos seus deveres tributários
acessórios256.
254
Cfr. artigo 9.º n.º 1 do RCPIT.
255
Cfr. artigo 9.º n.º 2 do RCPIT.
256
Cfr. artigo 48.º n.º 2 do RCPIT.
133
A cooperação também é visível na obrigação de notificação prévia, com uma antecedência
mínima de cinco dias, do início do procedimento, nos termos do n.º 1 do artigo 49.º do RCPIT,
salvo nas situações em essa notificação prévia seja dispensada por um algum dos fundamentos
previstos no n.º 1 do artigo 50.º do RCPIT.
Outra manifestação do dever cooperação prende-se com a necessidade de designação, por parte
do sujeito passivo, de um representante para as relações com a Administração tributária que
deverá coordenar os contantos entre Administraçãoe contribuinte e deverá assegurar o
cumprimento de todas as obrigações legais que se imponham no decurdo do procedimento257.
Este dever assume relevância tal em sede de procedimento de inspecção, que a lei comina
expressamente, em caso de violação de tal dever, que a mesma constitui fundamento de recurso
a métodos indirectos. Assim, a violação dos deveres de cooperação pelo sujeito passivo
inspeccionado, nomeadamente a recusa de exibição da contabilidade e outros documentos, bem
como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação, constitui fundamento da
aplicação de métodos indirectos258, sem prejuízo da sanção que ainda cabe nestes casos, que
pode também configurar a prática de crime259 ou contra-ordenação tributária, punida com coima
entre € 250 e € 50.000260. Para o efeito devem os funcionários da inspecção tributária
comunicar a recusa ou oposição ao dirigente máximo do serviço ou ao representante do
Ministério Público competente261. A violação por parte da Administração tributária do dever de
257
Cfr. artigo 52.º do RCPIT.
258
Cfr. artigo 10.º do RCPIT e artigo 88.º alínea b) da LGT.
259
Cfr. artigo 103.º n.º 1 alíneas a) e b) do RGIT.
260
Cfr. artigo 113.º do RGIT.
261
Cfr. artigo 32.º do RCPIT.
134
colaboração e de actuação segundo as regras da boa fé, pode consistir em vício autónomo de
violação de lei262, para além de poder fazer incorrer os funcionários ou agentes em
responsabilidade disciplinar. Esta recusa ou falta de cooperação tem também consequências
quanto à celeridade processual exigida à Administração fiscal, na medida em que tem um efeito
suspensivo sobre os prazos que impõem essa celeridade à actividade administrativa263.
De salientar que esta recusa – ilegítima – que serve de fundamento ao recurso à metodologia
indirecta, tem de ser, na nossa opinião, uma recusa expressa, e não uma mera recusa tácita ou
implícita, não sendo legítimo à Administração fiscal estabelecer qualquer presunção de recusa.
Esta interpretação deve ser feita em conjugação com a norma que prevê a sanção prevista para
os casos de recusa – o artigo 113.º do RGIT –, exigindo o n.º 1 deste preceito uma recusa
dolosa264. Para uma correcta interpretação da violação deste dever cumpre sublinhar que se
considera recusa a entrega, exibição ou apresentação da contabilidade ou outros documentos
fiscalmente relevantes sempre que o sujeito passivo não permita o livre acesso ou a utilização
pelos funcionários da Administração tributária encarregues da prática dos necessários actos de
inspecção – que é o que resulta do n.º n.º 3 do mesmo art. 113.º, que vai mais concretiza
aquilo que se deve considerar como recusa na entrega265. Nestas circunstâncias e caso a
inspecção tributária lance mão da metodologia indirecta com base neste fundamento assiste-lhe
o especial dever de fundamentação, devendo concretizar os factos que consubstanciam a recusa
por parte do sujeito passivo, identificando-os de forma clara e precisa.
262
Neste sentido, CAMPOS, DIOGO LEITE DE, RODRIGUES, BENJAMIM DA SILVA, SOUSA, JORGE LOPES DE, Lei Geral Tributária, Comentada e
Anotada, Vislis Editora, Lisboa, 2003.
263
Cfr. artigo 57.º n.º 4 da LGT.
264
O n.º 1 do art. 113.º do RGIT prevê que, quem dolosamente recusar a entrega, a exibição ou apresentação de escrita, de
contabilidade ou de documentos fiscalmente relevantes a funcionário competente, quando os factos não constituam fraude fiscal,
é punido com coima de € 250 a € 50 000.
265
Neste sentido, SOUSA, JORGE LOPES DE e SANTOS, MANUEL SIMAS, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, Lisboa, Áreas,
2008, pág. 816, ao anotarem que «A infracção consuma-se, em regra, no momento em que se manifesta a vontade de recusar a
entrega, apresentação ou exibição dos documentos.»; CAMPOS, DIOGO LEITE DE; RODRIGUES, BENJAMIM SILVA; SOUSA, JORGE LOPES DE,
Lei Geral Tributária comentada e anotada, Lisboa, Vislis, 3.ª edição, 2003, pág. 446: «Por outro lado, não basta para ocorrer a
situação aqui prevista que, na sequência de tal exigência, haja um simples acto de natureza omissiva, uma mera não
apresentação dos documentos, sendo necessário um acto positivo que possa considerar-se como sendo uma manifestação de
intenção de não os apresentar.».
135
4.5. DEVER DE SIGILO
Tal como refere J. L SALDANHA SANCHES, o sigilo fiscal constitui um dever de reserva da
Administração fiscal relativamente aos elementos que o contribuinte lhe deve fornecer, definido-o
como a «proibição que incide sobre os membros da Administraqlo fiscal de darem conhecimento
a terceiros da situação fiscal (e por isso patrimonial) dos sujeitos passivos» . 268
O regime fundamental do sigilo fiscal encontra-se previsto no artigo 64.º da LGT que impõe aos
dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária a obrigação de guardar sigilo sobre
os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza
pessoal que obtenha no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou
qualquer outro dever legal de segredo legalmente regulado269. Assim, para os dirigentes,
funcionários e agentes da Administração fiscal, o sigilo fiscal traduz-se numa forma de sigilo
profissional resultante da relação que se estabelece entre aquela e os contribuintes, cujo
objectivo é assegurar a confidencialidade de um conjunto de dados a que a Administração tem
acesso sobre a situação pessoal e patrimonial dos contribuintes, cuja divulgação poderia
acarretar, nas palavras de JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, «prejuízos ao nível dos seus direitos ao bom
nome, honra imagem ou somente privacidade e tranquilidade» . 270
266
Cfr. neste sentido, ROCHA, JOAQUIM FREITAS DA, Lições de Procedimento e Processo Tributário, Coimbra, Coimbra Editora, 3.ª
edição, 2009, pág. 106.
267
Embora como afirma ANTÓNIO LIMA GUERREIRO .a sua função não seja puramente garantística dos contribuintes, constituindo
uma condição do sucesso da actividade da Administração fiscal, pois para além de proibir a utilização dos elementos revelados
pelo contribuinte para outros efeitos que a não a liquidação e cobrança dos impostos assegura também a confiança entre a
entres os contribuintes e a Administração, conferindo uma maior eficácia da actividade tributária -- GUERREIRO, ANTÓNIO LIMA, Lei
Geral Tributária Anotada, Lisboa, Rei dos Livros, 1999, pág. 300.
268
SANCHES, J.L. SALDANHA, Segredo Bancário, Segredo Fiscal: Uma Perspectiva Funcional, in Revista Fiscalidade n.º 21, Lisboa,
Instituto Superior de Gestão Janeiro – Março de 2005, pág. 35.
269
Esta obrigação de sigilo é extensível nos termos do n.º 3 do artigo 64.º da LGT a toda e qualquer pessoa que obtenha
elementos protegidos pelo segredo fiscal, nos mesmos termos da administração tributária.
270
Cfr. ROCHA, JOAQUIM FREITAS DA, Lições de Procedimento e Processo Tributário, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, 3.ª edição,
pág, 108.
136
Por dados sobre a situação tributária dos contribuintes, deve entender-se, na opinião do mesmo
Autor, «aqueles que constituam elementos reveladores da sua capacidade contributiva, como os
seus rendimentos, as suas despesas, ou os bens de que são titulares». Quanto aos elementos
de natureza pessoal, estes dizem respeito «àqueles que se encontram abrangidos pela reserva
da vida íntima (art. 26.º. da CRP) – que abrange toda a situação financeira – e que não se
reconduzam aos primeiros (movimentos bancários, transacções bolsistas, contratos privados
etc.)». Ainda segundo este autor, «fora do sigilo ficam, quer os dados que não se revejam nas
realidades acima descritas, quer os dados que tenham natureza pública, como os que sejam
livremente cognoscíveis por outras vias, (v.g. registo civil, comercial, predial, etc)» . 271
Nesta matéria sobre o sigilo fiscal importa reter que este instituto se refere sobretudo e
primordialmente a um dever que impende sobre a Administração fiscal relativamente aos dados
dos contribuintes por si directamente recolhidos e não ao sigilo que enquadre outros dados,
nomeadamente, os obtidos junto de entidades, como os bancos, onde se prevê um regime de
sigilo específico – bancário – e que será alvo de análise mais à frente. Contudo, importa também
referir que os dados obtidos em derrogação desse sigilo bancário estarão posteriormente sob a
égide do sigilo fiscal, como elementos que passaram a estar na órbita do conhecimento da
Administração fiscal.
Este dever não tem no entanto natureza absoluta, podendo cessar nas circunstâncias previstas
no n.º 2 do artigo 64.º da LGT, a saber: a) Autorização do contribuinte para a revelação da sua
situação tributária; b) Cooperação legal da administração tributária com outras entidades
públicas, na medida dos seus poderes272; c) Assistência mútua e cooperação da administração
tributária com as administrações tributárias de outros países resultante de convenções
internacionais a que o Estado Português esteja vinculado, sempre que estiver prevista
271
Cfr. ROCHA, JOAQUIM FREITAS DA, Lições de Procedimento e Processo Tributário, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, 3.ª edição,
pág, 108-109.; Neste sentido pode ver-se CORTE-REAL, CARLOS PAMPLONA; GOUVEIA, JORGE BACELAR; COSTA, J. CARDOSO, Breves
reflexões em matéria de confidencialidade fiscal, in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 368, Lisboa, Outubro-Dezembro, 1992, pág. 10-
11: «(...) os dados fiscalmente trabalhados terão uma natureza plúrima: podem ter uma natureza pública, quando sejam
livremente cognoscíveis por recurso a outras vias jurídico-institucionais (v.g. registo predial, civil, comercial, etc.); podem ser,
diversamente, dados estritamente fiscais, mas de índole «neutra: em termos da expressão personalizada de uma situação
tributária, como será o caso de todos os dados que se reportem a bens, actos ou factos, enquanto tais e porque objecto de
incidência real ou de quaisquer obrigações acessórias de natureza tributária; por fim, a larga maioria dos dados fiscais terá um
carácter, por regra, sigiloso porque e se reveladores de capacidade contributiva.»
272
Como sucede, por exemplo, com a possibilidade de a PJ, com vista à realização das finalidades dos inquéritos relativos aos
crimes tributários cuja competência para a respectiva investigação esteja reservada ou seja deferida `PJ, esta pode solicitar a
consulta em tempo real das bases de dados da DGCI e da DGAIEC, nos termos do decreto-lei n.º 93/2003, de 30 de Abril..
137
reciprocidade273; d) Colaboração com a justiça nos termos do Código de Processo Civil e Código
de Processo Penal.
Este dever, embora não se afaste das linhas gerais do artigo 64.º da LGT, encontra previsão
expressa no RCPIT, nomeadamente no seu artigo 22.º. Trata-se quanto a nós de um reforço
deste dever, num procedimento em que a obtenção de elementos pessoais e patrimoniais
reveladores da capacidade contributiva (aliás é esse um dos objectivos a prosseguir neste
procedimento) assume uma especial importância. O artigo 22.º n.º 1 do RCPIT reforça por isso a
natureza sigilosa do procedimento de inspecção, obrigando «os funcionários que nele
intervenham guardar rigoroso sigilo sobre os factos relativos à situação tributária do sujeito
passivo ou de quaisquer entidades e outros elementos de natureza pessoal ou confidencial de
que tenham conhecimento no exercício ou por causa das suas funções». Nos termos do n.º 2
deste preceito, na esteira do n.º 2 do artigo 64.º da LGT, esta obrigação de sigilo cessa perante
os deveres legais de comunicação a outras entidades públicas dos factos apurados na inspecção
tributária.
Por fim, deve-se referir dois aspectos relativamente a este dever: Em primeiro lugar, a violação
do mesmo é objecto da tutela penal específica, podendo a mesma consubstanciar a prática de
um crime, nos termos do artigo 91.º do RGIT ou uma contra-ordenação tributária, nos termos do
artigo 115.º também do mesmo diploma, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar em que
incorre o agente que violar tal dever274; em segundo lugar, a violação deste dever não
consubstancia um vício do procedimento de inspecção, na medida que não afecta o seu
conteúdo275.
273
Nos termos dos instrumentos internacionais já abordados na primeira parte do nosso estudo, nomeadamente Acordos sobre
Troca Informação em matéria fiscal, Convenções sobre Dupla Tributação, Directiva e Regulamentos comunitários relativos a
cooperação administrativa.
Cfr. artigo 31.º n.º 1 e n.º 4 alinea e) do decreto-lei n.º 24/84, de 26 de Janeiro.
274
Cfr. CAMPOS, DIOGO LEITE DE; RODRIGUES, BENJAMIM SILVA; SOUSA, JORGE LOPES DE, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Lisboa,
275
138
5. NATUREZA E TIPOLOGIA DOS ACTOS DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
Isto embora hoje em dia o conceito de acto administrativo impugnável não se limitar apenas ao
acto conclusivo do procedimento administrativo ou de uma fase autónoma desse procedimento,
podendo mesmo ser um acto propulsor do procedimento ou uma decisão intermédia. O critério
Esta instrumentalidade dos actos praticados no decurso do procedimento de inspecção e a sua inimpugnabilidade, com
276
excepção das medidas cautelares, vem expressamente prevista no artigo 11.º do RCPIT. Refira-se aliás que na redacção anterior
do artigo 29.º do RCPIT sob a epígrafe actos materiais, no mesmo se previa expressamente que no procedimento de inspecção
tributária é admitida a prática dps actos expressamente previstos nos códigos e leis tributárias, nomeadamente, nomeadamente
no artigo 63.º da Lei Geral Tributária, nos artigos 124.º, 125.º e 126.º do Código do IRS, no artigo 108.º do Código do IRC, nos
artigos 77.º, 78.º e 79.º do Código do IVA, no decreto-lei n.º 45/89, de 11 de Fevereiro, e no decreto-lei n.º 363/78, de 28 de
Novembro.
Embora a notificação do relatório de inspecção já integre a categoria de actos jurídicos e não de actos materiais.
277
278
Cfr. ROCHA, JOAQUIM FREITAS DA, Lições de Procedimento e Processo Tributário, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, 3.ª edição,
pág, 13.
279
Cfr. neste sentido, ROCHA, JOAQUIM FREITAS DA, O controlo do controlo tributário (meios reactivos à inspecção tributária) ‖, in
Cadernos de justiça administrativa - n.º 67, Janeiro-Fevereiro, Braga, CEJUR, 2008. O Autor disntigue entre actos materiais, ou
seja, aqueles que, sendo praticados por agentes administrativos investidos nos seus poderes, não traduzem qualquer declaração
de vontade, nem projectam quaisquer efeitos jurídicos específicos, materializando meras actuações concretas de execução e
actos jurídicos, que contêm em si uma manifestação de vontade, administrativamente vinculativa, projectando efeitos jurídicos na
esfera de determinado destinatário.
139
para se aferir se um acto administrativo é ou não impugnável passa por aferir a sua eficácia
externa, ou seja, basta-se que um acto, ainda que intermédio seja lesivo ou potencialmente
lesivo dos direitos ou interesses legalmente protegidos (este entendimento foi o colhido em sede
de contencioso administrativo, no segmento final do n.º 1 do artigo 51.º do CPTA)280. Assim, os
actos de inspecção poderiam eventualmente ser susceptíveis de impugnação, apesar de se
tratar de actos intermédios, desde que possuíssem essa eficácia externa, lesiva ou
potencialmente lesiva. Contudo e como iremos observar, a maioria dos actos inspectivos não
possuem essa característica lesiva que permita a sua impugnação autónoma, sendo actos de
natureza material, meramente administrativa ou de trâmite. Este é o sentido a retirar da
interpretação conjugada do artigo 95.º da LGT e 54.º do CPPT. No primeiro estabelece-se que o
direito de impugnação ou recurso de todos os actos lesivos dos direitos e interesses legalmente
protegidos, exemplificando tipos de actos lesivos, entre os quais se encontram a apreensão ou
outras medidas cautelares da competência da administração tributária281. Por sua vez o artigo
54.º do CPPT estabelece o princípio da impugnação unitária, segundo o qual, com excepção dos
actos imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou norma elegalmente prevista em
sentido diferente, são insusceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do
procedimento (onde se incluem os actos de inspecção), sem prejuízo de se poder invocar na
impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.
280
Efectivamente, há que realçar que o legislador do CPTA quis assegurar a tutela jurisdicional efectiva, afastando obstáculos que
à realização prática deste princípio ainda vinham sendo colocados pelo anterior contencioso administrativo, não obstante o
entendimento actualista da jurisprudência que, baseando-se no artigo 268.º n.º 4 da CRP, passou a sobrepor o critério da
lesividade ao da tripla definitividade que, elaborado pela doutrina, tinha obtido acolhimento no artigo 25.º da LPTA. Assim,
através do artigo 51.º n.º 1 do CPTA o legislador, em 2004, afastou os pressupostos da definitividade e da lesividade como
condições de acesso à justiça administrativa, admitindo expressamente a impugnação de todos os actos dotados de eficácia
externa, mesmo anteriores a decisão final e mesmo não lesivos [segundo o artigo 51.º n.º 1 CPTA ainda que inseridos num
procedimento administrativo, são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo
conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos]. O acto administrativo contenciosamente
impugnável passou, pois, a ser o dotado de eficácia externa, tendo a lesividade (subjectiva) sido remetida para mero critério de
aferição dessa impugnabilidade. Ver a este propósito, ALMEIDA, MÁRIO AROSO DE, O Novo Regime do Processo nos Tribunais
Administrativos, Coimbra, Almedina, 4.ª edição, 2005, pág. 138 a 146. CAUPERS, JOÃO, Introdução ao Direito Administrativo,
Lisboa, Âncora, 8.ª Edição, 2005, pág. 336 a 341. Ainda assim, a virtualidade de o acto lesar um concreto interesse individual
constitui uma mera condição de legitimidade activa, que somente opera em relação às acções impugnatórias de função
subjectiva pelo que o acto contenciosamente impugnável não se confunde com o acto lesivo, não obstante coincida, na
generalidade dos casos, com um acto potencialmente lesivo, cuja impugnação será admissível se a acção for deduzida pelo
titular do direito ou interesse ofendido. Porém, a lesividade do acto assume relevância fundamental no domínio da impugnação
de actos praticados no decurso de um procedimento na medida em que, ainda que aí não se torne evidente uma violação da
legalidade objectiva ou a ofensa de interesses difusos, por estarmos ainda numa fase incipiente do processo, é a eventual
produção de efeitos externos lesivos da esfera jurídica de particulares que tendencialmente determinará o carácter impugnável
do acto. Ver neste sentido acórdão do TCA Sul, de 06-03-2008, processo n.º 00946/05.
281
Cfr. artigo 95.º n.º 2 alínea l) da LGT.
140
Os actos inspectivos ou actos de inspecção são então os actos materiais traduzidos nas
seguintes actuações282:
- Acesso livre às instalações ou locais da entidade inspeccionada onde seja possível a obtenção
de elementos conexos com a sua actividade ou de outros obrigados tributários;
- Exame, requisição e reprodução de documentos, em poder dos sujeitos passivos ou outros
obrigados tributários, para consulta, apoio ou junção aos relatórios, processos ou autos;
- Obtenção de informações e exame dos documentos ou outros elementos em poder de
quaisquer serviços, estabelecimentos e organismos,
- Inventariação física e avaliação de bens ou imóveis relacionados com a actividade dos
contribuintes, incluindo a contagem física das existências, da caixa e do imobilizado, e à
realização de amostragens destinadas à documentação das acções de inspecção;
- Acesso consulta e teste dos sistemas informáticos dos sujeitos passivos, incluindo a
documentação relativa à sua análise, programação e execução;
- Obtenção de declarações dos sujeitos passivos, membros dos corpos sociais, técnicos oficiais
de contas, revisores oficiais de contas ou de quaisquer outras pessoas, cujo depoimento
interesse ao apuramento dos factos tributários.
282
Cfr. Artigos 28.º e 29.º do RCPIT.
141
pois traduzem a recolha material e física de elementos de informação, documentos, e
eventualmente bens do sujeito passivo (como computadores) bem com a análise comparativa
entre os elementos recolhidos com elementos dos quais a Administração já dispunha
anteriormente.
Por outro lado, convém não esquecer que todos estes actos, na sua maioria materialmente
instrumentais se inserem num procedimento conducente, por regra, à prática do acto tributário
por excelência – acto de liquidação - este sim, susceptível de impugnação.
Uma das características do procedimento tributário de inspecção prende-se, pois, com a, regra
geral, ausência de disposições legais que contemplem a impugnabilidade autónoma dos actos
de inspecção praticados no decurso de respectivo procedimento. As eventuais ilegalidades
verificadas no respectivo procedimento, ao abrigo do princípio da impugnação unitária 283 apenas
podem ser invocadas, ou em sede de impugnação judicial do acto final do procedimento de
avaliação da matéria tributável, quando esta seja efectuada por métodos directos ou quando não
conduza a liquidação284, ou na impugnação judicial do subsequente acto de liquidação, quando a
correcção da matéria tributável seja efectuada por métodos indirectos285.
Parece-nos relevante chamar também aqui à colação uma questão já aflorada, ainda que
superficialmente, e que se prende com os planos de inspecção, tanto o PNAIT, como os planos
elaborados na sequência deste, que definem os programas, critérios e acções a desenvolver que
servem de base à selecção dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários a inspeccionar,
como um exemplo paradigmático da natureza dos actos de inspecção e da sua
283
Cfr. artigos 54.° do CPPT e 66.° da LGT
284
Cfr. artigo 86.º n°s 1 e 3 da LGT
285
Cfr. artigo 86.º n°s 3 e 4 da LGT
286
Cfr. artigo 113.º n.º 1 do CPTA
287
Cfr. artigos 11.º e 30.º do RCPIT
288
Cfr. artigo 116.º n°s 1 e 2, alínea d) do CPTA
142
inimpugnabilidade. Neste caso trata-se da inimpugnabilidade de actos que traduzem a inclusão
dos sujeitos passivos, atendendo a determinados critérios objectivamente fixados, numa lista,
num plano de contribuintes que serão inspeccionados. Esta questão, do que conhecemos,
nunca se colocou no domínio nacional, contrariamente ao que sucede, por exemplo, em
Espanha. E tem sido entendimento na jurisprudência espanhola que os actos de inclusão de um
contribuinte nos planos de inspecção constituem actos de trâmite, reservados e confidencials
(sem prejuízo da divulgação genérica dos critérios de selecção tal como previsto no artigo 26.º
do RCPIT), que não afectam os direitos subjectivos dos contribuintes. Tal como se afirmou no
acórdão do Supremo Tribunal Espanhol de 26-09-2008, n.º 8062/2008, «Los planos de
Inspección se consideran como meros actos de trámite, como un instrumento de organización
interna, pero también al servicio del principio de seguridad jurídica a favor del administrado. No
obstante, su incusión en los planes constituye un acto de trámite, reservado y confidencia». Em
outra decisão do mesmo tribunal, de 16-02-2004, n.º 2538/2004, afirmou-se que «La inclusión
de un contribuyente en el plan de inspección de una concreta unidad regional ni supone que
este acuredo deba ser notificado con los requisitos de un acto administrativo, catácter que no
tiene, ni que sea susceptible de reclamació» . 289
Porém, embora a regra seja que no âmbito do procedimento de inspecção os actos sejam
materiais, há alguns actos administrativos destacáveis e que por isso gozam de uma autonomia
e eficácia externa e cujos efeitos jurídicos se reflectem directamente na esfera jurídica do sujeito
passivo e, em consequência, são desde logo passíveis de impugnação autónoma, sem ter de se
aguardar pelo acto de liquidação resultante do relatório de inspecção. Estamos a falar das
medidas cautelares, para efeitos de aquisição e conservação de prova, que conferem à
Administração a possibilidade de apreender elementos de escrituração ou quaisquer outros
elementos, incluindo suportes informáticos, comprovativos da situação tributária do sujeito
passivo ou de terceiros, selar quaisquer locais ou instalações, e visar os livros e demais
289
Neste sentido pode ainda ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Espanhol de 29-09-2008, n.º 7087/2008: «La inclusión de
un contribuyente en un Plan de Inspección, por molesto que pueda resultar, coadyuva al logro de un sistema tributario justo que
preconiza el artículo 31.1 CE, y es un acto reservado y confidencial que per se no afecta a los derechos subjetivos del
contribuyente, como ha señalado el Tribunal Supremo en sentencias de 20 de octubre de 2000 ». Cfr. igualmente DOMINGUEZ,
AITOR ORENA, Discrecionalidad, Arbitrariedad e Inicio de Actuaciones Inspectoras , Navarra, Thomson Aranzadi, 2006, pág. 126-
128. Conforme refere este Autor, a inclusão de um contribuinte num Plano não deixa de ser um mero acto de trâmite para uma
hipotética e possível inspecção, pelo que essa inclusão não deve ser comunicada, não afectando qualquer direito do contribuinte.
No entanto, alerta o Autor, uma vez iniciada a inspecção, devem ser revelados ao contribuinte inspeccionado quais os motivos
que conduziram à inspecção e, caso o mesmo se inclua num Plano de inspecção, devem ser indicados quais os critérios e
motivos que levaram à sua inclusão nesse Plano. .
143
documentos290 291. Esta actuação consubstancia a prática de actos administrativos de apreensão,
ou seja, são medidas cautelares administrativas, que no entanto não se confundem com as
providências cautelares, de natureza judicial – arresto e arrolamento -, que a Administração pode
requerer, e que adiante falaremos, nos termos do artigo 51.º da LGT292.
De sublinhar que, uma vez mais, à semelhança de outras situações contempladas no RCPIT, o
legislador teve a preocupação de balizar a actuação da Administração, na medida em que se
tratam de actos discricionários, conferindo aos contribuintes uma dupla garantia sempre que a
Administração adopte medidas cautelares: por um lado, salientando que se deve tratar de uma
actuação proporcional adequando e sujeitando-a a um especial dever de fundamentação293 e, por
outro, garantindo ao contribuinte a possibilidade de submeter a actuação da Administração ao
escrutínio judicial, uma vez que esta apreensão é susceptível de impugnação autónoma, nos
termos do artigo 143.º do CPPT294, que pode ser deduzida pelo proprietário ou pelo detentor dos
bens apreendidos e tem sempre carácter urgente295.
290
Cfr. Artigo 30.º do RCPIT.
291
A violação, por qualquer forma, destas marcas, selos e sinais colocadas para certificar que sobre determinados bens ou
documentos foram utilizadas medidas cautelares administrativas ou providências cautelares consubstancia a prática de um crime
punível com pena de prisão até três anos, nos termos do artigo 99.º do RGIT.
292
Nos termos do n.º 1 do artigo 51.º da LGT, o interessado tem o direito de impugnar ou recorrer de todo o acto lesivo dos seus
direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo prescritas na lei, sendo que na alínea l) n.º 2 do
mesmo preceito, a apreensão de bens ou oputras providências cautelares da competência da Administração tributária aparece
como sendo um dos actos lesivos susceptíveis de impugnação.
293
«(...) las medidas cautelares deben estar debidamente motivadas para impedir que desaparezcan, se destruyan o alteren las
pruebas determinantes de la existencia o cumplimiento de bligaciones tributarias o que se niegue posteriormente su existencia o
exhibición. (...) las medidas serán proporcionadas y limitadas temporalmente a los fine anteriores sin que puedan aoptarse
aquellas que puedan produzir um perjuicio de dificl o imposible reparación » – GARIJO, MERCEDES RUIZ, Las garantias del
contribuyente en el procedimiento inspector, Barcelona, Bosch, 2009, pág. 21-22.
294
A impugnação da apreensão deve ser apresentada no prazo de quinze dias a contar do levantamento do auto, ou, caso seja
exigível a notificação dos actos de apreensão, este prazo conta-se a partir da data da notificação.
295
A atribuição de urgência tem as consequências previstas no n.º 2 do artigo 36.º do CPTA, ou seja, corre em férias, com
dispensa de vistos prévios, mesmo em fase de recurso jurisdicional, e os actos da secretaria são praticados no próprio dia, com
precedência sobre quaisquer outros. De sublinhar ainda que este carácter urgente não se perde se os documentos ou bens
apreendidos ao abrigo do procedimento de inspecção forem igualmente apreendidos judicialmente no âmbito de um inquérito
criminal, nem dele fica dependente. O carácter urgente da impugnação judicial da apreensão não é afectado pela instauração de
qualquer processo, seja ou não de inquérito, por um lado, porque a lei não o prevê e, por outro, por não se justificar, atendendo
à natureza autónoma dos processos em causa, que se regem por princípios e regras próprias, e visam salvaguardar bens
jurídicos distintos. Com efeito, o fundamento da apreensão no âmbito da realização de um procedimento de inspecção tributária
é substancialmente distinto da finalidade e objecto dos autos de inquérito, que consiste na investigação e exercício da acção
penal relativamente a actos criminalmente puníveis. Além disso, a apreensão judicial efectuada no âmbito de um processo de
inquérito não tem como efeito fazer desaparecer o acto de apreensão administrativa da ordem jurídica, sendo certo que no
processo de impugnação da apreensão se questiona apenas e só a legalidade da apreensão e nada mais. Daí nos parecer não
haver motivos que justifiquem que a impugnação judicial da apreensão perca o carácter de urgente que a lei lhe confere. Veja-se
que o próprio n.º 6 do artigo 143.º do CPPT reconhece a coexistência com esta impugnação de um processo contra-
ordenacional. Assim, uma vez que o inquérito não se vai pronunciar sobre a questão da validade ou invalidade do acto de
apreensão dos documentos por parte da Administração tributária, que é avaliada à luz do respectivo regime jurídico aplicável e
constante do RCPIT, não se vislumbram razões para considerar que a realização de um processo de inquérito em que sejam
apreendios os mesmos documentos retire carácter urgente à impugnação da apreensão ou seja motivo para suspensão deste
processo. Neste sentido pode ver-se o acórdão do STA de 24-11-2010, processo n.º 0759/10.
144
Há aqui claramente um especial cuidado do legislador em procurar assegurar e acautelar um
justo equilíbrio entre aquilo que é o interesse da Administração em garantir a aquisição e
conservação da prova e o interesse do contribuinte em não ver prejudicado o normal
desenvolvimento da sua actividade, ou seja, procura-se que esta actuação, caso não seja
possível assegurar a total ausência de prejuízo, então que esse prejuízo seja reduzido ao mínimo
possível. Em concreto, é possível vislumbrar estas cautelas nos n.ºs 4 e 5 do artigo 30.º do
RCPIT, onde o legislador impõe que as instalações seladas não devem conter bens, documentos
ou registos indispensáveis para o exercício da actividade normal da empresa, nomeadamente
bens comercializáveis perecíveis no período em que presumivelmente a selagem se mantiver e
que os elementos com interesse para selar, sempre que seja possível, devem reunidos noutro
local, de forma a não perturbar a actividade empresarial ou profissional.
De referir também que, ainda que esta possibilidade de impugnação não tivesse expressa
consagração na LGT e no CPPT, atendendo a que estes actos cabem no conceito de acto
administrativo impugnável, devido à sua eficácia externa e efeitos lesivos ou potencialmente
lesivos, a sua impugnabilidade sempre seria admissível, sob pena de inconstitucionalidade, por
violação do citado artigo 268.º n.º 4 da CRP. O acto de apreensão preenche pois o conceito de
acto administrativo impugnável, na medida em que se enquadra dentro do critério balizador de
impugnabilidade, nomeadamente a eficácia externa dos actos administrativos e a potencialidade
de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos. São pois contenciosamente impugnáveis
os actos de apreensão, pois os seus efeitos externos são susceptíveis de provocar directa e
imediata lesão na esfera jurídica dos contribuintes, ofensa essa que legitima a impugnação
contenciosa do acto administrativo.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 51.º da LGT, a administração tributária pode, nos
termos da lei, tomar providências cautelares para garantia dos créditos tributários em caso de
145
fundado receio de frustração da sua cobrança ou de destruição ou extravio de documentos ou
outros elementos necessários ao apuramento da situação tributária dos sujeitos passivos e
demais obrigados tributários. E nos termos do n.º 1 do artigo 31.º do RCPIT, em caso de justo
receio de frustração dos créditos fiscais, de extravio ou deterioração de documentos conexos
com obrigações tributárias, a administração deve propor as providências cautelares de arresto
ou arrolamento previstas no Código de Processo Tributário.
Por sua vez, nos termos do disposto no artigo 136.º n.º 1 do CPPT o representante da Fazenda
Pública pode requerer o arresto de bens do devedor de tributos ou do responsável solidário ou
subsidiário quando ocorram, simultaneamente, as circunstâncias seguintes: a) Haver fundado
receio da diminuição de garantia de cobrança de créditos tributáveis; b) O tributo estar liquidado
ou em fase de liquidação.
Importa desde já sublinhar, antes de aprofundarmos um pouco mais esta questão, que pese
embora seja utilizada uma terminologia diferente no artigo 136.º do CPPT e no artigo 31.º do
RCPIT, pois o primeiro refere-se a ―fundado receio‖ e o segundo a ―justo receio‖, não nos parece
que haja motivo para considerar que os fundamentos de um e de outro sejam diferentes. Aliás, o
n.º 1 do artigo 31.º do RCPIT manda aplicar expressamente as regras previstas no CPPT e, por
outro, a alínea b) do n.º 2 do artigo 31.º do RCPIT menciona expressamente a necessidade de
concretizar e fundamentar o ―fundado receio‖.296
Em bom rigor, diga-se, o arresto é um meio conservatório da garantia patrimonial para situações
em que o comportamento doloso ou negligente do devedor possa colocar em perigo a satisfação
do seu crédito, nomeadamente através da dissipação do seu património 297. Como refere JACINTO
BASTOS RODRIGUES 298, o arresto é uma antecipação da penhora pois consiste numa apreensão
judicial de bens à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora (artigo 402.º do CPC) e
daí que só possam ser arrestados os bens que possam ser penhorados, o que está, de resto, em
consonância com a finalidade do arresto acima referido.
296
Dissentimos assim do entendimento de MARTINS ALFARO que considera que nos casos das providências cautelares de natureza
judicial previstos no artigo 31.º do RCPIT os fundamentos para o requerimento de arresto diferem dos previstos no CPPT, uma
vez que o RCPIT fala em "justo receio de frustração de créditos fiscais" e o CPPT em "fundado receio de diminuição de garantia
de cobrança de créditos tributários‖ - ALFARO, MARTINS, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária
Comentado e Anotado, Lisboa, Áreas, 2003, pág. 250.
297
O arresto constitui uma das providências cautelares como corolário do princípio constitucional de garantia do acesso aos
Tribunais consagrada nos artigos 2 n.º 2 e 20.º da CRP.
In Notas ao Código de Processo Civil , Volume II, Coimbra, Almedina, 2000.
298
146
Convém recordar que, nos termos do artigo 54.º da LGT, o âmbito do procedimento tributário
compreende toda a sucessão de actos dirigida à declaração de direitos tributários como seja:
acções preparatórias ou complementares de informação e fiscalização tributária, sendo que o
RCPIT inclui as medidas cautelares nos actos de inspecção, actos materiais de recolha de prova,
como garantias do exercício da função inspectiva. E é fundamento bastante para a sua
propositura a descrição dos factos demonstrativos do tributo ou da sua provável existência; a
fundamentação do fundado receio de diminuição das garantias de cobrança e a relação dos
bens suficientes para garantia da cobrança da dívida.
O arresto é decretado sem audiência da parte contrária – artigo 408.º n.º 1 do CPC299 (ex vi do
artigo 139.º do CPPT) – só havendo lugar ao contraditório para o arrestado depois de ser
notificado da decisão, podendo este optar por uma de duas vias contenciosas possíveis: o
recurso da decisão que decretou o arresto «quando entenda que, face aos elementos apurados,
ela não devia ter sido deferida» ou a oposição à mesma decisão, «quando pretenda alegar factos
ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os
fundamentos da providência ou determinar a sua redução» . 300
O arresto, sendo uma providência cautelar, consubstancia uma apreensão judicial de bens301 cujo
escopo passa por garantir a cobrança dos créditos tributários, podendo ser requerida
relativamente a bens do devedor de tributos ou do responsável solidário ou subsidiário. Contudo,
exige-se que cumulativamente se verifiquem as circunstâncias previstas na citada norma do
artigo 136.º n.º 1 do CPPT, de fundado receio da diminuição de garantia de cobrança de
créditos tributáveis e estar o tributo já liquidado ou em fase de liquidação, cabendo à Fazenda
Pública provar os factos dos quais resultam, além da existência (ou provável existência) do
tributo, que este esteja liquidado ou em fase de liquidação e que há receio de diminuição de
garantias de créditos tributários. Este receio da diminuição da garantia de cobrança dos créditos
299
O objecto da oposição consubstancia a alegação de factos ou produção de meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e
que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução. Visto que ao regime do arresto se aplica o
disposto no Código de Processo Civil em tudo o que não for especialmente regulado nesta secção e visto que, por força do
disposto no n.º 6 do artigo 385.º do CPC, quando o requerido não for ouvido e a providência vier a ser decretada, só após a sua
realização é notificado da decisão que a ordenou, aplicando-se à notificação o preceituado quanto à citação no CPC. Como na
secção do CPPT atinente ao arresto nada se diz sobre a forma de notificar ou citar o arrestado, impõe-se concluir pela
aplicabilidade ao caso do disposto no CPC e não do disposto no artigo 192.º do CPPT, uma vez que este se refere apenas a
citação em processo de execução fiscal
300
Cfr. artigos 388.º e 392.º n.º 1 do CPC.
301
Cfr. artigo 406.º n.º 2 do CPC.
147
em causa, tem de ser aferida em função do devedor originário desses tributos, relativamente ao
arresto dos bens deste (caso o arresto vise os bens deste, o que pressupõe a sua existência).
Convém no entanto sublinhar que a Administração tributária não pode requerer o arresto só
porque se encontra convicta de que o património do devedor é insuficiente para satisfazer os
seus créditos, tomando-se necessário que alegue e demonstre, além do mais, que o devedor
teve um comportamento susceptível de provocar fundado receio de diminuição das garantias de
cobrança desses créditos302. Parece importante salientar aqui também a necessidade de
existência de um critério de proporcionalidade, só devendo a Administração requerer a adopção
destes meios caso os mesmos sejam proporcionais ao dano que se pretende evitar303.
Desta forma impõe-se à Administração tributária que, para além de alegar a provável existência
do crédito e os fundamentos do receio da diminuição da garantia de cobrança, prove, sob pena
de improcedência da sua pretensão, aqueles dois requisitos. Assim, e porque o receio de
diminuição de garantias tem de ser fundado, ou seja, carece de apreciação objectiva e não
apenas subjectiva, impõe-se que a Administração alegue e demonstre, além do mais, que o
devedor teve um comportamento susceptível de provocar fundado receio de diminuição das
garantias de cobrança desses créditos. Efectivamente, como nota MARTINS ALFARO, no âmbito do
procedimento de inspecção, a Fazenda Pública não goza de qualquer presunção de ocorrência
de "justo receio‖ de frustração de créditos fiscais, antes exigindo expressamente, segundo o
Autor, o artigo 31.º n.º 2 do RCPIT que o requerimento de arresto tenha por base informação
contendo elementos previstos nas alíneas do n.º 2 do referido preceito. Conclui o mesmo Autor,
que «no caso do arresto requerido no âmbito do procedimento de inspecção tributária, tais
elementos são de alegação e de prova obrigatória» . Além disso, parece-nos ser esta
304
interpretação conjugada dos artigos artigos 31.º do RCPIT, 136.º n.º 1 e n.º 4 do CPPT a que
Como salientam PAIXÃO, JOSÉ SILVA, SOUSA, ALFREDO JOSÉ DE, Cídog de Procedimento e de Processo Tributário Comentado e
302
Anotado, Coimbra, Almedina, 2000, nota 19 ao artigo 136.º, na fase da declaração do arresto impende sobre o requerente o
ónus da prova dos factos integrantes dos respectivos requisitos, não bastando, em consequência, o simples e vago rumor de
uma ameaça do requerido de se desfazer dos seus bens, para que se dê como provado que ele se prepara para o concretizar.
Cfr. ainda neste sentido os acórdãos do TCA Sul de 29-06-1999, processo n.º 483/98 e de 02-05-2000, processo n.º 3580/00.
Cfr. neste sentido a Resolución do Tribunal Económico-Administrativo Central de Espanha n.º 00/2596/2006 de 09-07-2008:
303
«A efectos de la procedencia de la adopción de medidas cautelares, es preciso que concurran los siguientes requisitos: 1.º) que
existan indicios racionales de que, en caso de no adoptarse tales medidas el cobro de las deudas se vería frustrado o gravemente
dificultado; 2.º) que las medidas adoptadas sean proporcionales al daño que se pretende evita. En el caso concreto las medidas
cautelares no estaban suficientemente motivadas, no bastando el hecho de que las deudas sean de elevada cuantía o que el acta
se haya firmado en disconformidad, sino que es necesaria la constancia o la fundada sospecha de que por parte del deudor y del
declarado responsable se han llevado a cabo actos tendentes a impedir a la Hacienda Pública el cobro de la deuda .». Disponível
em http://www.meh.es/Documentacion/Publico/TEAC/Índice%20Doctrina%20TEAC/Índice%20Doctrina%20TEAC%202008.pdf
ALFARO, MARTINS, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária Comentado e Anotado, Lisboa, Áreas, 2003,
304
pág. 250.
148
melhor se harmoniza com o artigo 74.º n.º 1 da LGT que impõe o ónus da prova àquele que
invoque determinado direito, e que neste caso é a Administração tributária305.
Igualmente de sublinhar que o n.º 2 do artigo 137.º do CPPT prevê uma causa de caducidade
do arresto nos casos em que este tenha sido decretado na pendência do procedimento de
inspecção tributária. Nos termos do referido preceito prevê-se a caducidade do arresto quando o
mesmo tenha sido decretado no procedimento de inspecção, quando a entidade inspeccionada
não for notificada do relatório de inspecção no prazo de 90 dias a contar da data em que o
arresto foi decretado, salvo se, no final deste prazo ainda não tenha terminado o prazo legal (que
é de seis meses nos termos do n.º 36.º n.º 2 do RCPIT) para conclusão do procedimento de
inspecção (a que poderão acrescer as prorrogações legalmente previstas (n.º 3 do artigo 36.º do
RCPIT), sendo que nestas situações o arresto caduca no termo do último prazo legal. Significa
isto que o arresto não caduca nos casos em que o procedimento de inspecção se encontra
pendente após o decurso do prazo de 90 dias da data em que o arresto foi decretado.
Já assim não será no caso previsto no artigo 136.º n.º 5 do CPPT pois aí o fundado receio presume-se nos casos de dívidas de
305
impostos que o devedor ou responsável esteja obrigado a reter ou a repercutir a terceiros e não o haja entregue nos prazos
legais, ou seja, a Administração encontra-se dispensada de fazer a respectiva prova.
306
É este o entendimento de SOUSA, JORGE LOPES DE, Código do Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado,
Volume I, Lisboa, Áreas, 2006, pág. 989. Afirma o Autor que este n.º 2 do artigo 137.º do CPPT deve ser interpretado
restritivamente, de forma a abranger apenas as situações em que o arresto foi decretado no âmbito do procedimento de
inspecção. Ainda assim, entende ainda o autor não se clara a razoabilidade desta causa de caducidade privativa do arresto
decretado com base em informação elaborada no procedimento de inspecção, já que este arresto sempre poderia ser requerido
e decretado nos termos gerias, pois os motivos previstos no artigo 31.º do RCPIT não são diferentes dos requisitos previstos no
artigo 136.º do CPPT.
149
Por fim, um outro aspecto a realçar quanto ao arresto, diz respeito à possibilidade de
Administração fiscal poder requerer, ainda em sede de inspecção, o arresto de bens dos
responsáveis subsidiários, que como acima vimos, também é possível e admissível307.
Ora, sendo o arresto um meio processual de natureza cautelar, não é necessário – nem o podia
ser – que o seu decretamento dependa da prévia reversão da execução (o procedimento de
inspecção é uma fase cronologicamente muito anterior à possibilidade de reversão). Aliás, esse
nem sequer é um pressuposto que a lei exige como fundamento para que o arresto seja
decretado contra bens do responsável subsidiário pelo pagamento das dívidas 308, mas tão só que
o mesmo se encontre em condições de vir a ser chamado através dessa reversão, como seja
que o (futuro) revertido tenha sido gerente de direito e de facto da sociedade originária devedora
no período a que respeitam tais dívidas e que a originária devedora não disponha de bens para
satisfazer as mesma dívidas. Ou seja, tem a inspecção tributária, caso pretenda arrestar bens do
responsável subsidiário, para além de demonstrar e cumprir com os requisitos específicos do
arresto, nos termos do artigo 136.º do CPPT, ainda de demonstrar309 os pressupostos de que
depende a reversão da execução310, nos termos dos artigos 22.º, 23.º e 24.º da LGT do direito do
credor, para o decretamento da providência cautelar de arresto311. Aliás, o n.º 4 do artigo 136.º
do CPPT neste ponto do direito do credor Estado, exige, de forma muito clara, uma apenas
―provável existência do tributo‖312.
Sobre esta questão ver, entre outros, acórdãos do TCAS de 11-12-2007 processo n.º 02026/07 e de 07-04-2011 processo n.º
307
04668/1.
Cfr. neste sentido, acórdão do TCA Sul, de 21-01-2004, n.º 7350/02.
308
Sendo certo que a prova que é exigida aqui, uma vez que estamos no âmbito de uma providência cautelar, não possa ter o
309
mesmo grau de certeza que na oposição à execução fiscal, bastando uma fumus boni iuris e de summaria cognitio no âmbito
dos procedimentos cautelares, isto é basta-se a suficiência de um juízo provisório de mera probabilidade, que não de inequívoca
e definitiva existência.
Pode ler-se no acórdão do STA de 10-03-2011, processo n.º 0126/11: «O arresto de bens do responsável subsidiário pode ter
310
lugar em momento anterior à reversão da execução fiscal (cfr. os artigos 9.º n.º 3 e 136.º n.º 1 do CPPT) desde que seja feita
prova, não apenas dos requisitos próprios do arresto previstos no n.º 1 do artigo 136.º do CPPT, mas igualmente de que o
responsável reúne as condições de ser chamado à execução por via da reversão, o que implica, a prova da gerência de facto e
da (fundada) insuficiência de bens da devedora originária.»
Neste sentido é possível ver os acórdãos do TCA Sul de 06-10-2009, processo n.º 03476/09 e de 11-12-2007, processo n.º
311
02026/07
312
Além deste argumentos, acrescentamos ainda nós que não faria sentido que tivesse ocorrido já tal reversão contra o
responsável subsidiário pelo pagamento dos tributos para contra ele puderem ser também arrestados bens, quando a lei permite
o arresto de bens relativamente a tributos ainda nem sequer liquidados, nos termos do artigo 136.º, n.º 1 alínea b), do CPPT,
que logo nunca poderiam ainda constituir uma qualquer quantia exequenda num processo de execução fiscal, já que apenas
podem constituir título executivo as dívidas certas, líquidas e exigíveis – cfr. artigos 88.º e 162.º e seguintes do CPPT.
150
reportam, se verificar terem sido os requeridos gerentes ou administradores de direito e terem
exercido efectivamente a gerência da sociedade executada no período em que as dívidas
nasceram ou foram postas em cobrança a inexistência ou a insuficiência do património
societário para a satisfação da dívida em causa (cfr. artigos 24.º da LGT e 153.º do CPPT.
Portanto, no decurso de um procedimento de inspecção, e visto que estamos no âmbito de uma
providência cautelar, o que releva é saber se aquando do requerimento deste meio cautelar o
arrestando já se encontrava em fase de poder vir a ser responsabilizado, isto é, se já se
verificavam ou se encontravam preenchidos os requisitos de reversão313.
315
Esta relação de dependência, embora não seja possível aferir através do artigo 136.º do CPPT, a mesma resulta do n.º 1 do
artigo 383.º do CPC que estabelece que: ― O procedimento cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento
o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente da acção. A isto acresce ainda o disposto no n.º 4
do artigo 383.º do CPC, segundo o qual ― Nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento
cautelar, têm qualquer influência no julgamento da acção principal ―. Assim, porque o processo cautelar visa assegurar que as
decisões prolatadas na acção principal, não percam a sua utilidade, é um instrumento desta acção. Leia-se ainda a este
propósito ANDRADE, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE, Justiça Administrativa, Coimbra, Almedina, 6.ª edição. pág. 321 e seguintes. ―O
processo cautelar é um processo que tem uma finalidade própria: visa assegurar a utilidade da lide, isto é, de um processo que
normalmente é mais longo, porque implica uma cognição plena. Pode dizer-se que os processos cautelares visam
especificamente garantir o tempo necessário para fazer justiça. Mesmo quando não há atraso, há um tempo necessário para
julgar bem. E é precisamente para esses casos como aqueles processos em que o tempo tem de cumprir-se para que se possa
julgar bem, que é necessário assegurar a utilidade da sentença que, a final, venha a ser proferida. Em virtude dessa função
própria de prevenção contra a demora, as providências cautelares têm características típicas: a instrumentalidade – isto é, a
dependência, na função e não apenas na estrutura de uma acção principal cuja utilidade visa assegurar; a provisoriedade - pois
que não está em causa a resolução definitiva de um litígio; e a sumariedade – que se manifesta numa cognição sumária de facto
e de direito própria de um processo urgente‖.
151
6. LIMITES DOS ACTOS DE INSPECÇÃO
Antes de entrarmos nos limites da actividade inspectiva parece-nos ser a altura certa para
abordar a questão da discricionaridade administrativa em sede de inspecção, até porque essa
discricionaridade irá precisamente ser balizada pelos limites que mais à frente iremos enunciar
e analisar.
Enunciemos no entanto em primeiro lugar alguns aspectos sobre a matéria relativa aos poderes
discricionários da Administração316.
Como afirma DIOGO FREITAS DO AMARAL, vinculação e discricionaridade são duas formas típicas
através das quais a lei modela a Administração pública. O mesmo Autor exemplifica como acto
vinculado o acto tributário de liquidação, em que a Administração se encontra totalmente
vinculada, sem qualquer possibilidade de escolha, pois a lei define e regula em todos os
aspectos aquela que deve ser sua actuação. Inversamente, nos actos discrcionários a lei atribui
uma margem significativa de autonomia à Administração, pouco ou nada regulando, devendo a
Administração decidir de acordo com critérios que em cada situação considere ser os mais
adequados à prossecução do interesse público317. Para JOÃO CAUPERS, a lei fixa não só os
interesses públicos a prosseguir pela Administração como também as regras da respectiva
prossecução, delimitando de forma mais ou menos precisa o seu espaço de decisão318. No
dominio da actividade administrativa é possível distinguir a legalidade e o mérito, isto é, entre a
que é e a que não é passível de um juízo de conformidade com a lei319. Um acto discricionário é
aquele em que a Administração, para atingir o fim legalmente previsto, de entre vários
comportamentos possíveis, opta por um deles320. A actividade administrativa discricionária é, no
Sobre esta matéria ver, AMARAL, DIOGO FREITAS DO, Curso de Direito Administrativo, Volume II, Coimbra, Almedina, 2004, pág.
316
73-116. Cfr. igualmente DOURADO, ANA PAULA, O Princípio da Legalidade Fiscal - Tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e
margem de livre apreciação, Coimbra, Almedina, 2007, pág. 357-537.
AMARAL, DIOGO FREITAS DO, Curso de Direito Administrativo, Volume II, Coimbra, Almedina, 2004, pág. 74-76.
317
CAUPERS, JOÃO, Introdução ao Direito Administrativo, Lisboa, Âncora, 8.ª Edição, 2005., pág. 66.
318
Cfr. neste sentido, GUIMARÃES, VASCO BRANCO, A Responsabilidade Civil da Administração Fiscal, Lisboa-Toledo, Vislis, 2006, pág.
320
376.
152
fundo, uma actividade de ―gestão‖ de opções, dentro dos poderes legalmente atribuídos, onde
se confere uma margem de livre decisão para a prossecução de um determinado fim321.
A exigência e o reforço das garantias dos cidadãos, a partir da Constituição, implica a ampliação
da actividade administrativa susceptível de um juízo da legalidade e a redução da susceptível de
juízos de mérito. Assim, temos que o dever geral de boa administração condiciona a
administração pública no quadro de mérito, ou seja, quando a actividade administrativa só fica
sujeita a juízos de oportunidade ou de conveniência, o que equivale a dizer que os conceitos de
legalidade e mérito são conexos com os de vinculação e discricionaridade322.
A discricionaridade verdadeira e própria, ou seja, aquela que diz respeito ao conteúdo e modo da
decisão, encontra-se sujeita ao controlo jurisdicional, pois como sustenta DIOGO FREITAS DO
321
Como se refre no acórdão do TCA Sul de 23-06-2009, processo n.º 02648/08, contrariamente ao que sucede na
interpretação da lei, em que só pode haver um sentido ou comportamento – aquele que é pretendido pela lei –, no poder
discricionário qualquer dos comportamentos por que o agente opte é legal.
322
Cfr. parecer do Conselho Consultivo da PGR de 20-03-1996.
323
O que significa que nenhum acto é absolutamente discricionário , tendo sempre alguns aspectos vinculados.
324
Cfr. DIAS, JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO; OLIVEIRA, FERNANDA PAULA, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, Coimbra,
Almedina, 2.ª edição, 2011, pág. 138.
325
AMARAL, DIOGO FREITAS DO, Curso de Direito Administrativo, Volume II, Coimbra, Almedina, 2004. pág. 168-188.
153
interesse público protegido pela norma que o confere326. No exercício do poder discricionário
prevalece a vontade da Administração, admitindo a lei que esta, no caso concreto, afirme
livremente a sua vontade, decidindo como melhor entender no confronto do fim de interesse
público327
Neste sentido, CAETANO, MARCELLO, Manual de Direito Administrativo, Volume. I, Coimbra, Almedina, 10.ª edição 2010, pág.
326
214.
AMARAL DIOGO FREITAS DO, Curso de Direito Administrativo, Volume II, Coimbra, Almedina, 2004. pág. 133.
327
154
termos ilimitados por ter como contraponto a vinculação à existência dos pressupostos descritos
na lei. O poder discricionário em matéria de inspecção passa por isso muito pela conciliação
entre o interesse público que lhe subjaz – o dever de contribuir – e o respeito por uma série de
princípios e direitos que assistem aos contribuintes. Ou dito ainda de outra forma, passa por
conciliar a eficácia exigida à inspecção na sua actuação com o sacrifício imposto aos
contribuintes, no respeito por uma série de princípios e direitos legalmente consagrados.
Tal significa que não é admissível o exercício arbitrário da discricionaridade de tal forma que leve
à sobreposição do fim objectivo sobre o fim legal, na medida em que, como a seguir veremos, a
actividade administrativa deve pautar-se pela observância de princípios fundamentais, como os
da proporcionalidade, da imparcialidade, da justiça e por a actividade discricionária não
dispensar a objectividade e a imparcialidade, pois, afinal, o fim concreto tem necessariamente
de coincidir com o fim previsto na lei, pois é o legislador que define o interesse público que, por
sua vez, condiciona e legitima a actividade administrativa.
Pese embora, como já vimos, a inspecção tributária goze de uma considerável margem
discricionária na sua actividade, o seu exercício encontra-se, como não podia deixar de ser
balizado por limites, nomeadamente limites formais. temporais, espaciais e materiais, os quais
serão seguidamente alvo da nossa atenção. Estes limites têm subjacente uma ideia de certeza e
segurança jurídica329 que deve nortear e limitar o poder de actuação da inspecção tributária. Não
podemos esquecer que é ténue a fronteira entre a discricionaridade e a arbitrariedade330, pelo
que sem a existência de tais limites estar-se-ia certamente a colocar em causa os direitos e
garantias individuais dos contribuintes.
329
Para melhor se compreender e aprofundar a relevância do princípio da segurança jurídica, cfr., por todos, MARCOS, ANTÓNIO, O
Direitos dos Contribuintes à Segurança Jurídica, Porto, Edições Universidade Fernando Pessoa, 1997. Como anota o Autor
«Desse conjunto de critérios reinvindicados pela dimensão objectiva da segurança jurídica que constituem obrigações jurídicas
para os poderes públicos e para os operadores jurídicos em geral, emerge o âmbito e o conteúdo de um direito fundamental dos
cidadãos contribuintes à segurança jurídica. Este direito fundamental é a tradução subjectiva positiva do conteúdo dos princípios
da segurança jurídica e protecção da confiança que, na sua conceptualização objectiva, intrínsecamente ligada à promoção e
salvaguarda da dignidade da pessoa humana, é clara placenta nutridora de um conjunto de direitos que dela derivam para a
esfera jurídica dos contribuintes, sob égide do comum bem ―segurança jurídica.» - pág. 482.
Isto pese embora como afirma DIOGO FREITAS DO AMARAL a discricionaridade nunca seja total, não sendo a Administração
330
remetida para um arbítrio , ainda que prudente, não podendo fundar na sua vontade as decisões que toma. AMARAL, DIOGO
FREITAS DO, Curso de Direito Administrativo, Volume II, Coimbra, Almedina, 2004, pág. 78-82.
155
público, sopesando no relevo de um ou de outro factor legalmente previsto, a selecção do
contribuintes a inspeccionar, pese embora essa margem obedeça a critérios objectivos que
devem estar previstos no PNAIT. Refira-se a propósito dos planos, que este são um exemplo
paradigmático do poder discricionário da actividade inspectiva da Administração tributária.
Porém, diga-se, embora na actividade de planeamento e selecção de contribuintes a
inspeccionar seja necessária a existência dessa discricionaridade e alguma flexibilização, a
mesma ainda assim deve ser pautada e limitada pela existência de critérios objectivos de
selecção dos contribuintes a inspeccionar. A existência destes critérios ainda que não sejam
divulgados integralmente aos contribuintes constitui uma garantia destes pois assegura que a
sua selecção radicou em critérios objectivos e fixados previamente, para além de constituir uma
vantagem para a própria Administração fiscal pois é susceptível de conferir uma maior eficiência
aos próprios serviços de inspecção. Claro está que esses critérios objectivos devem ter uma
natureza orientadora, disciplinadora e flexível, mantendo sempre uma margem discricionária que
permita sleccionar alguns contribuintes para inspeccção ainda que os mesmos se possam
encontrar fora de tais critérios. Por outro lado a existência destes critérios objectivos assegura
que a selecção é feita, pelo menos em teoria, de forma isenta, evitando uma selecção pouco
transparente, evitando assim a existência de um grau de arbitrariedade e subjectividade neste
âmbito, que deve ser evitada ao máximo. Esta inclusão de contribuintes em planos de inspecção
é, como já vimos no capítulo respeitante à tipologia e natureza dos actos de inspecção,
insindicável judicialmente. Impõe por isso esta discricionaridade – ampla – no planeamento
pois, como observamos, a Administração tributária não pode nem consegue controlar todos os
contribuintes, funcionando os critérios objectivos como um limite a esse poder discricionário331.
Outro exemplo onde se revela a existência desta margem discricionária diz respeito ao momento
em que deve ser efectuada a inspecção, bem como quanto ao impulso, ou seja à decisão de
iniciar ou não o procedimento (como no caso da existência de denúncias). Repara-se que, como
prevê o artigo 36.º n.º 1 do RCPIT o procedimento de inspecção ―pode‖ iniciar-se até ao termo
do prazo de caducidade. A própria prática material/física dos actos de inspecção goza de uma
margem discricionária, ou seja, no procedimento de inspecção cabe à Administração fiscal
331
Cfr. neste sentido ÁNGEL AGUALLO AVILÉS, quando afirma, «Para poder llevar a cabo esta selección, resulta imprescinbible
establecer los criterios a partir de los cuales se decidirá qué sujetos inspeccionar, consiguiendo de esta forma evitar la
arbitrariedad. Estos criterios deberán estar perfectamente definidos y habrán de respetar en todo momento la Constitución »,
AVILÉS, ÁNGEL AGUALLO, El contribuyente a los planes de inspección, Madrid, Marcial Pons, 1994, pág- 105 a 107.
156
escolher quais os actos que devem ser práticados, que podem ir desde consulta e recolha de
elementos dos sistemas informáticos dos contribuintes, consulta de arquivos da escrita e
contabilidade em suporte papel, inventariação e contagem física de quaisquer bens relacionades
com a actividade dos sujeitos passivos, etc. Aliás, é o que resulta do artigo 29.º n.º 1 do RCPIT
ao prever que o exercício das garantias de eficácia ―pode‖ concretizar-se através das faculdades
previstas nas respectivas alíneas do referido preceito. O mesmo artigo 29.º, no seu n.º 3 prevê
também que a isnpecção tributária ―pode‖, proceder a determinadas diligências de prospecção
e informação. É no entanto de sublinhar, a propósito deste n.º 3 do artigo 29.º do RCPIT que a
prossecução dessas diligências se deve conformar com o princípio da proporcionalidade e
necessidade. O que nos leva à seguinte reflexão: estas diligências podem simultaneamente ser
ou não sujeitas a escrutínio judicial. Parece confuso mas não é. Se por um lado estas diligências
se inserem no poder discricionário da actividade inspectiva, as mesmas são, pelo menos
directamente inimpugnáveis; por outro lado, essas mesmas diligências podem vir a ser
questionadas judicialmente ainda que indirectamente. Dito ainda de outra forma, o acto em si de
proceder às diligências previstas no n.º 3 do artigo 29.º não é passível de impugnação directa,
mas poderá vir ser apreciado pelo tribunal se, considerando o contribuinte que tal exigência se
apresenta como manifestamente desnecessária e desproporcional (se por exemplo se estiver a
exigir elementos que a Administração fiscal já tem ao seu dispor) o contribuinte se recusar a
enviar os elementos solicitados e por via dessa recusa vier a ser-lhe instaurado o respectivo
procedimento contra-ordenacional e consequentemente ser-lhe aplicada uma coima332. Se o
sujeito passivo não se conformar com a aplicação dessa coima poderá impugnar333 a respectiva
decisão de aplicação e na mesma vir o tribunal apreciar se aquela exigência se mostrou ou não
desproporcionada e desnecessária, considerando ou não legítima a recusa em cooperar.
Também se vislumbra este poder discricionário na adopção de medidas cautelares , pois o artigo
30.º do RCPIT prevê que os funcionários da inspecção ―podem‖ adoptar a medidas cautelares
de aquisição e conservação da ali identificadas. Mais uma vez, o legislador sujeita este poder ao
crivo do princípio da proporcionalidade. Sucede que, contrariamente ao exemplo que demos
atrás – das diligências de prospecção e informação - estas medidas podem ser directa,
autónoma e imediatamente sndicadas judicialmente nos termos do artigo 143.º do CPPT, tal
como também pudemos constatar no capítulo referente à natureza a tipologia dos actos de
inspecção.
332
Cfr. artigos 113.º e 117.º do RGIT.
333
Cfr. artigo 80.º do RGIT.
157
O poder discricionário da inspecção também se manifesta, como já afloramos, relativamente à
questão da denúncias, podendo a Administração tributária desencadear o procedimento de
inspecção. Quanto a esta questão em concreto. Porém, entendemos que nos casos das
denúncias, a Administração tem pelo menos a obrigação, vinculada que está à prossecução do
interesse público e verdade material a, pelo menos, averiguar de forma preliminar se a denúncia
– independentemente de ser identificada ou anónima – sobre a sua eventual viabilidade. A
denúncia configura por isso como uma actuação preliminar que obriga a Administração a
pronunciar-se sobre a sua viabilidade que poderá ou não despoletar num procedimento de
inspecção334. Como afirma ANTONIO APARICIO PÉREZ «En consecuencia, presentada una denuncia,
la Inspección deberá proceder tanto para apreciar si hay o no motivos para proseguir las
actuaciones o apreciándo-los dar curso a la misma» . 335
Uma das questões fulcrais que se coloca e que merece por isso ser alvo de reflexão é de saber
até que ponto é que em sede de procedimento de inspecção, a actuação da inspecção tributária
deve ou não gozar de uma ampla margem de discricionaridade. Trata-se de uma questão
ambígua, pois, se por um lado a redução da margem de discricionaridade confere um maior
formalismo à actuação da Administração, reduzindo a sua margem de actuação e confere uma
maior segurança ao contribuinte, por outro lado, a existência de um ampla margem
discricionária embora aumente as possibilidades de arbítrio e o consequente aumento do grau
de incerteza por parte do sujeito passivo, confere no entanto maior liberdade de actuação, e
consequentemente maior possibilidades de êxito àquela.
Doutrina há que considera ser esta uma das actividades da Administração tributária onde se
manifesta uma maior discricionaridade administrativa. Como refere MORENO FERNÁNDEZ336, ―este
es uno de los âmbitos del Derecho Tributário Formal donde se manifesta com mayor rigor la
existência de potestades discrecionales en favor de la Administración, habida cuenta de la
faculdad que assiste a aquélla de comprovar e investigar, en principio, sin limitación de ningún
Cfr. neste sentido DOMINGUEZ, AITOR ORENA, Discrecionalidad, Arbitrariedad e Inicio de Actuaciones Inspectoras , Navarra,
334
158
tipo, a cualquier contribuyente que venga obligado a cuncurrir al sostenimiento de los gastos del
Estado, por haver sido exponente de manifestaciones concretas de capacidad economica‖.
Por outro lado, também há quem defenda a necessidade de limitar a actuação da inspecção
tributária, tal como defende AITOR ORENA DOMINGUEZ: «Pese a que sea cierto que, como se dijo
anteriormente, la Inspeccion de los Tributos tiene su rázon de ser en el artículo 31 de la CE y su
actividad está dirigida al interés general de la comunidad, no puede invocarse dicho interés para
orivilegiar la posición de la Administración frente a del administrado, de ahí la necesidad de
establecer limites a las actuaciones inspectoras. (...) En efecto, la Constituicion establece uma
serie de princípios, derechos y garantias que delimitan y protegen la posición jurídica del
ciudadano , u en particular frente la acción de los poderes públicos. En el momento en que estos
últimos se actúan se corre el riesgo de que su utilización incontrolada ocasione la transgrésion
de aquellos derechos y garantias individuales. El deber de todos de contribuir al sostenimiento
de los gastos públicos establecido por el artículo 31.1 de la CE justifica la atribución de
potestades de control a la Administración tributaria para comprobar el grado de cumplimiento de
las obligaciones fiscales de los ciudadanos. Sin embargo, el ejercicio de estas potestades há de
llevarse a cabo respetando los derechos individuales de extracción constitucional que actúan
como limite de la actuación pública.» . 337
Cfr. DOMINGUEZ, AITOR ORENA, Discrecionalidad, Arbitrariedad e Inicio de Actuaciones Inspectoras , Thomson Aranzadi, pág. 50-
337
51.
338
Cfr. neste sentido JÚNIOR, ONOFRE ALVES BATISTA, O poder de Polícia Fiscal, Belo Horizonte, Mandamentos, 2001; GARIJO,
MERCEDES RUIZ, Las garantias del contribuyente en el procedimiento inspector, Barcelona, Bosch, 2009, pág. 7. Veja-se a este
propósito o que refere o Tribunal Constitucional de Espanha: «La ordenación y despliegue de una eficaz actividad de inspección y
comprobación del cumplimiento de las obligaciones tributarias no es, pues, una opción que quede a la libre disponibilidad del
legislador y de la Administración, sino que, por el contrario, es una exigencia inherente a ―un sistema tributario justo‖ como el
que la Constitución propugna en el art. 31.1: en una palabra, la lucha contra el fraude fiscal es un fin y un mandato que la
Constitución impone a todos los poderes públicos, singularmente al legislador y a los órganos de la Administración tributaria. De
onde se sigue asimismo que el legislador ha de habilitar las potestades o los instrumentos jurídicos que sean necesarios y
adequados para que, dentro del respeto debido a los principios y derechos constitucionales, la Administración esté en
condiciones de hacer efectivo el cobro de las deudas tributarias, (...)» – Acórdão n.º 76/1990 de 16 de Abril.
159
forma que não pode ser ―estrangulada‖ ou condicionada de forma absoluta, mesmo num
sistema fiscal, como o nosso, fortemente garantístico.
A Administração tributária, naturalmente, desconhece qual a realidade económica que está por
detrás dos factos tributários praticados pelos contribuintes. Assim, face a tal desconhecimento
para que a Administração tributária possa desempenhar a sua função inspectiva com eficácia,
necessita de possuir poderes de investigação de certa forma amplos339, que lhe possibilite o
acesso à documentação fiscal dos contribuintes, bem como a outras informações de terceiros
que com o contribuinte estejam relacionados. Será através desta investigação e cruzamento de
informação que a Administração tributária poderá aferir a real capacidade contributiva do sujeito
passivo, apurando os verdadeiros factos praticados e dessa confirmar se o que foi declarado
corresponde efectivamente à realidade.
Naturalmente, se fosse exigida intervenção judicial para cada inspecção nos locais onde se fixam
pessoas, sejam elas singulares ou colectivas, tal inviabilizaria por completo e eficiência e eficácia
que deve nortear a actividade inspectiva. Claro está, não pode estar sujeita ao escrutínio judicial
o juízo de oportunidade e conveniência da inspecção tributária. Mas essa liberdade e margem de
arbítrio que é concedida à actividade inspectiva não é, como iremos ter oportunidade de ver,
nem pode ser assim tão ampla que lhe permita indiscriminadamente praticar todos os actos que
entender úteis, mesmo que tais actos possam colidir frontalmente com direitos fundamentais.
Neste sentido, FAVEIRO, VÍTOR, Noções fundamentais de Direito Fiscal Português, Coimbra, Coimbra Editora, 1984, pág. 524-
339
526
Cfr. AMARAL, DIOGO FREITAS DO, Curso de Direito Administrativo, Volume II, Coimbra, Almedina, 2004, pág. 82.
340
160
contextualizando-os e adequando-os à actividade inspectiva podemos por isso afirmar que a
discricionaridade conferida pela lei à Administração tributária na sua actividade inspectiva não
não lhe confere total liberdade para optar por qualquer solução que observe o fim da(s) norma(s)
que lhe atribui(em) competência para prosseguir esse fim, obrigando-o sim a procurar a melhor
solução para prossecução desse interesse de acordo e com respeito pelos princípios e regras
que balizam e norteiam a sua actuação.
Os poderes discricionários da inspecção embora devam ser amplos face ao interesse público
que prosseguem não resultam no entanto, utilizando a terminologia utilizada por JOSÉ CARLOS
VIEIRA DE ANDRADE, de habilitações puras, mas da existência de uma pluralidade de normas, de
uma diversidade de interesses privados e públicos, e de uma multiplicidade de consequências
concorrentes que tornam complexos os quadros de direito e de facto em que a decisão se
torma341. Assim, a autonomia da decisão resultante do exercício discricionário da função
inspectiva implica sempre uma correcta adequação dessa actuação de acordo com o quadro
legal em que a mesma é desenvolvida, ou seja em conformidade quer com os princípios que
regem a própria actividade, quer os direitos e garantias que protegem o contribuinte.
Por outro lado deve igualmente ser sublinhada a necessidade de existência de uma limitação aos
limites, ou seja é importante encontrar um equilíbrio entre os limites (fruto dos princípios,
direitos e garantias) impostos à sua actuação e um limite a esses limites, de forma a que a
actividade inspectiva não seja condicionada de tal forma que possa comprometer a eficácia e
eficiência dessa actuação e consequentemente comprometer o fim público que a mesma
prossegue. No uso de poderes dsicrcionários, como acima se disse, a conformação da actuação
da Administração na actividade inspectiva com tais princípios e regras deve, quanto a nós,
implicar que nessa margem de livre escolha a inspecção actue sempre na procura da melhor
solução para o caso concreto, isto é, segundo o fim a prosseguir e tendo por base uma
racionalidade jurídica342.
Cfr. ANDRADE, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE, O dever da fundamentação expressa de actos administrativos , Coimbra, Almedina, 2007,
341
pág. 372.
Cfr. DIAS, JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO; OLIVEIRA, FERNANDA PAULA, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, Coimbra,
342
161
punto intermedio. Ni la Administración va a poder recaudar «cualquier precio, ni los ciudadanos
van a poder mantener a toda costa una interpretación rabiosamente liberal, garantista,
romántica, de sus derechos, con el objectivo de pagar menos de lo que deben. Esto es: ni
interés fiscal, entendido como propio, exclusivo, de la Administración pública; ni interés egoísta,
particular, insolidario, de los individuos.»343.
Por fim, diga-se, esta questão da discricionaridade é igualmente relevante pois uma eventual
conduta excessiva ou abusiva no desenvolvimento da actividade inspectiva, ainda que não
constitua fundamento de invalidade do procedimento inspectivo (ou do seu resultado) pode,
como iremos constatar, constituir fundamento de indemnização por eventuais danos/prejuízos
causados por essa consuta abusiva ou excessiva.
AVILÉS, ÁNGEL AGUALLO, Interés fiscal y Estatuto del Contribuyente, Revista Española de Derecho Financiero n.º 80, Civitas 1993,
343
pág. 599.
162
6.2. LIMITES FORMAIS
A Administração tributária, bem como os seus órgãos e agentes na sua actuação encontra-se
vinculada ao princípio da prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e
interesses legalmente protegidos dos contribuintes, tal como definido na lei, e não ao serviço de
interesses particulares344. Podemos pois com segurança afirmar que este princípio consubstancia
o parâmetro fundamental de enquadramento da actividade administrativa.
O interesse público deve no entanto ser prosseguido tendo sempre em consideração os direitos
e interesses legítimos dos cidadãos, ou seja, deve sempre procurar assegurar um equilíbrio entre
344
É o que resulta dos artigos 266.º n.º 1 da CRP, artigo 4.º do CPA e artigo 55.º da LGT.
163
o interesse público e os direitos individuais, o que impõe que na actividade administrativa esta
tenha de, simultaneamente, nas suas decisões, realizar o interesse comum mas sem colocar em
causa (extinguindo ou limitando) os direitos e interesses particulares345 ou, sendo tal impossível,
que o faça na estrita medida do necessário, isto é, com a necessária adequação e
proporcionalidade.
Este princípio distingue-se do princípio da legalidade, pois este último diz respeito a questões de
natureza institucional e formal relativas à competência dos órgãos e à forma de actuação dos
poderes públicos enquanto o princípio da prossecução do interesse público diz respeito aos fins
da actividade estadual347. Naturalmente que, embora distintos, estes princípios se encontram
ligados já que o interesse público em princípio coincide com o fim legal, ou dito de outra forma,
o princípio da legalidade estabelece os termos e a forma de atingir o interesse público348.
No entanto sempre que a actuação da Administração não for vinculada, ou seja, quando não
estiver legalmente fixada, isto é, quando lhe for conferida margem de liberdade
(discricionaridade), a mesma estará sempre balizada pelo respeito dos direitos e interesses
legalmente protegidos, com que essa actuação possa eventualmente colidir. Ou como referem
MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA; PEDRO COSTA GONÇALVES E J. PACHECO DE AMORIM «mesmo quando a
prossecução do interesse público constituir já o único critério de decisão ou actuaçãoda
Administração Pública – por se terem esgotado as vinculações derivadas da lei e dos outros
Tal como afirma FERNANDO BRANDÃO FERREIRA-PINTO, os direitos e interesses que a lei reconhece aos cidadãos limita o interesse
345
público, porém, em determinadas situações, é necessário sacrificar tais direitos e interesses quando o interesse público se
sobrepõe àqueles – Cfr. FERREIRA-PINTO, FERNANDO BRANDÃO, Código do Procedimento Administrativo Anotado, Lisboa, Petrony,
2011, pág. 34.
O princípio da prossecução do interesse público aparece, na opinião de MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA; PEDRO COSTA GONÇALVES e J.
346
PACHECO DE AMORIM, no CPA como uma norma de competência, enquanto na CRP aparece como uma norma de fins - OLIVEIRA
MÁRIO ESTEVES DE; GONÇALVES, PEDRO COSTA; AMORIM, J. PACHECO DE, Código de Procedimento Administrativo Comentado, Coimbra,
Almedina, 2.ª edição, 2006, pág. 98.
Cfr. MACHADO, JONATAS E.M.; COSTA, PAULO NOGUEIRA, Curso de Direito Tributário, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pág. 372.
347
Nas palavras de ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, «Não há interesse. Público sem legalidade, e não há legalidade sem interesse
348
público. O interesse público ou é fixado pelo legislador, ou é fixado pela Administração com respeito pelos critérios e limites
legais.» – SOUSA, ANTÓNIO FRANCISCO DE, Código de Procedimento Administrativo Anotado e Comentado, Lisboa, Quid Juris, 2009,
pág. 38.
164
princípios gerais –, ela há-de ter sempre como limite inultrapassávelo respeito por essas
posições jurídicas de terceiros.» . 349
Quanto à actividade administrativa tributária, tal como afirmam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM
DA SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA «(...) deve subordinar-se ao interesse público que,
relativamente ao sistema fiscal, consiste, em primeira linha, na obtenção de receitas para
satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades (artigo 103.°, n.° 1, da
CRP). E por força do preceituado no artigo 266.° da CRP, esta actividade tem de ser levada a
cabo em subordinação à Constituição e à lei e deve respeitar os direitos e interesses legítimos
dos cidadãos (princípio da legalidade) e os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da
justiça, da imparcialidade e da boa fé» . Esta prossecução do interesse público em sede
350
procedimento tributário, em concreto na inspecção, não pode por isso em caso algum
desconsiderar os direitos e interesses dos particulares que tenham consagração constitucional,
até porque só se se verificar essa consideração de tais direitos e interesses em sintonia e
equilíbrio com o interesse público é que se estará, verdadeiramente, a prosseguir com o
interesse público. Este afere-se em sede de inspecção, não só através da arrecadação de receita
e consequentemente do equilíbrio orçamental como também através da igualdade e justiça fiscal
obtida através da actuação da Administração.
A dimensão que queremos aqui abordar diz respeito ao princípio da legalidade da actuação
administrativa ou seja, a subordinação desta à lei e não tanto à criação de normas am matéria
procedimental351.
De qualquer forma, no que diz respeito ao princípio da legalidade tributária, sempre se dirá que
o mesmo vem, para o que aqui nos interessa, vertido no artigo 103.º n.º 2 da CRP, nos termos
do qual se estabelece que as garantias dos contribuintes são criadas por lei, não podendo, nos
349
Cfr. OLIVEIRA MÁRIO ESTEVES DE; GONÇALVES, PEDRO COSTA; AMORIM, J. PACHECO DE, Código de Procedimento Administrativo
Comentado, Coimbra, Almedina, 2.ª edição, 2006, pág. 98.
350
CAMPOS, DIOGO LEITE DE; RODRIGUES, BENJAMIM SILVA; SOUSA, JORGE LOPES DE, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Lisboa,
Vislis, 3.ª edição, 2003, pág. 235-236.
351
Para uma análise detalhada do princípio da legalidade ver, por todos, DOURADO, ANA PAULA, O Princípio da Legalidade Fiscal -
Tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação , Coimbra, Almedina, 2007.
165
termos do n.º 3 do mesmo preceito, a liquidação e cobrança ser feita de outra forma que não
através das formas previstas na lei.
Resulta da nossa lei fundamental que este princípio se desdobra, tal como afirma CASALTA
NABAIS, em dois segmentos: legalidade formal e material. Quanto à legalidade formal, esta
«implica que haja uma intervenção da lei parlamentar, seja essa uma intervenção material a fixar
a própria disciplina dos impostos, ou uma intervenção de carácter meramente formal,
autorizando o Governo-legislador, as assembleias legislativas regionais ou as assembleias das
autarquias locais a estabelecer, dentro de certas coordenadas que hão-de constar da respectiva
lei de autorização, essa disciplina (artigos 165 n.º 1 alínea i) 1.ª parte, 227 n.º 1 alínea i) e
238.º n.º 3 da CRP)». Quanto à legalidade material, esta implica que sejam estabelecidos todos
os aspectos, em abstracto, relevantes para que se possa determinar, em concreto, «a disciplina
tão completa quanto possível da matéria reservada, matéria que, nos termos do n.º 2 do art.
103.º da CRP, integra, relativamente a cada imposto, a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e
as garantias dos contribuintes, sendo certo que, quanto às garantias dos contribuintes, a reserva
apenas é exigida se e na medida em que estas sejam objecto de restrição ou condicionamento e
já não quando forem objecto de ampliação ou alargamento» . Dito de outra forma, não basta a
352
exigência de lei como fonte de criação normativa específica, exigendo-se, por uma questão de
certeza e segurança jurídica, a fixação através dessa mesma lei de todos os critérios que devem
presidir à decisão sem qualquer margem de discricionaridade, de forma a que, como afirma
ALBERTO XAVIER, «a lei seja o pressuposto necessário e indispensável de toda actividade
administrativa» . Além disso, convém acrescentar que o artigo 8.º n.º 2 da LGT alarga a
353
sujeição ao princípio da legalidade a outra matérias como a definição das obrigações acessórias
e às regras de procedimento e de processo tributário.
O princípio da legalidade é, diga-se também, uma forma de atingir a justiça tributária, pois como
afirma ANA MARIA JUAN LOZANO «En repetidas ocasiones hemos advertido que la potestad de
comprobación e investigación se confere a la Administración Tributaria en orden a que la
liquidación definitiva de una deuda tributaria responda a las exigências del principio de legalidad:
se trata pues, de un haz de poderes conferidos por el ordenamiento jurídico a determinados
352
Cfr. NABAIS, CASALTA, Direito Fiscal, Coimbra, Almedina, 5.ª edição, 2009, pág. 138.
353
Cfr. XAVIER, ALBERTO. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1978, pág. 17.
166
órganos como instrumentos al servício de las aspiraciones de lograr la máxima satisfacción de
los principios de justicia tributaria» . 354
Com consagração no artigo 266.º, n.º 2, da CRP e concretização no artigo 3.º, n.º 1 do CPA, o
princípio da legalidade impõe que «Os órgãos da Administração Pública devem actuar em
obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em
conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos.».
Neste artigo 3.º do CPA, o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente
negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva,
constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa» . Nas 355
palavras de DIOGO FREITAS DO AMARAL «A lei não é apenas um limite à actuação da Administração:
é também o fundamento da acção administrativa. Quer isto dizer que, hoje em dia, não há um
poder livre de a Administração fazer o que bem entender, salvo quando a lei lho proibir; pelo
contrário, vigora a regra de que a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que
faça» .
356
Na opinião de MARCELO REBELO DE SOUSA, a obediência à Constituição e à lei estende-se, por força
delas mesmas, a todos os actos a que elas conferem força vinculativa, designadamente, normas
de direito internacional, regulamentos e contratos administrativos e actos administrativos
constitutivos de direitos, que integram o bloco de legalidade condicionante da actuação
administrativa357. Por outro lado, este princípio vale, como refere DIOGO FREITAS DO AMARAL, não só
para a Administração agressiva mas também para a constitutiva: «O princípio da legalidade,
nesta formulação, cobre e abarca todos os aspectos da actividade administrativa, e não apenas
aqueles que possam consistir na lesão de direitos ou interesses dos particulares.
Cfr. LOZANO, ANA MARIA JUAN, La inspección de Hacienda ante la Constitución, IEF, Madrid, Marcial Pons, 1993, pág. 118.
354
Cfr. CAUPERS, JOÃO, et al. Código do Procedimento Administrativo – Anotado, Coimbra, Almedina, 6.ª edição, 2007, página 40.
355
Cfr. AMARAL DIOGO FREITAS DO, Curso de Direito Administrativo, Volume II, Coimbra, Almedina, 2004, pág. 42-43. Neste sentido
356
pode ainda ver-se: SOUSA, MARCELO REBELO DE, Lições de Direito Administrativo, 1999, volume I, Lisboa, Lex, pág. 84; OLIVEIRA,
MÁRIO ESTEVES DE; GONÇALVES, PEDRO COSTA; AMORIM, J. PACHECO DE, Código de Procedimento Administrativo Comentado, Coimbra,
Almedina, 2.ª edição, 2006, pág. 90; SOUSA, ANTÓNIO FRANCISCO DE, Código de Procedimento Administrativo Anotado e
Comentado, Lisboa, Quid Juris, 2009, pág. 32-34.
Cfr. SOUSA, MARCELO REBELO DE, Lições de Direito Administrativo, 1999, volume I, Lisboa, Lex, pág. 86
357
167
Designadamente, o princípio da legalidade visa também proteger o interesse público, e não
apenas os interesses dos particulares»358
Não podemos olvidar que no direito tributário se colocam questões de certeza e segurança
jurídica, pois para que o Estado garanta a satisfação das suas necessidades financeiras e a
adequada repartição dos encargos tributários, tem forçosamente de se intrometer de forma
abusiva na esfera pessoal e patrimonial dos cidadãos. Esta intromissão exige por isso o
estabelecimento de garantias para os contribuintes, cuja consagração vem prevista no artigo
103.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, que visa prescisamente evitar que a
Cfr. AMARAL DIOGO FREITAS DO, Curso de Direito Administrativo, Volume II, Coimbra, Almedina, 2004, pág. 42 e pág. 56-60.
358
SOUSA, MARCELO REBELO DE, Lições de Direito Administrativo, 1999, volume I, Lisboa, Lex, pág. 86.
Cfr. MONTANER, LUIS M. COSCULLUELA, Manual de derecho administrativo, Volume 1, Madrid, Civitas, 1999, pág. 309.
359
Cfr. DOMINGUEZ, AITOR ORENA, Discrecionalidad, Arbitrariedad e Inicio de Actuaciones Inspectoras , Navarra, Thomson Aranzadi,
360
2006.
CFR. CORTE-REAL, CARLOS PAMPLONA, As garantias dos contribuintes, Cadernos de CTF, Lisboa, CEF,1986, pág. 16
361
168
pressão da arrecadação de receitas possa colocar em causa e sacrificar de forma arbitrária e
discricionária direitos e legítimas expectativas dos contribuintes362.
Num Estado de Direito Democrático, por força do princípio da legalidade, a lei constitui
simultaneamente o fundamento e o limite para actuação dos órgãos da Administração Pública,
neste caso a Administração tributária, pelo que, mesmo nos casos em que existe uma margem
de discricionaridade, os actos administrativos têm de ser sempre praticados no estrito
cumprimento da lei.
Cfr. neste sentido LEITÃO, LUÍS MENEZES, As tendências da reforma fiscal: mais ou menos garantias para os contribuintes?, in
362
169
protegido364, tendo por isso como corolários lógicos a objectividade, a neutralidade e a
transparência.
Neste sentido, por exemplo, acórdão do STA de 13-01-2005, processo n.º 0730/04
365
Cfr. por exemplo, acórdãos do STA de 16-09-2010, processo n.º 0551/09, de 16-09-2010, processo n.º 0551/09. De acordo
366
com este aresto, «a violação dos deveres impostos pelo princípio da imparcialidade não está dependente da prova de concretas
actuações parciais, verificando-se sempre que um determinado procedimento faz perigar as garantias de isenção, de
transparência e de imparcialidade, pois visa-se com ele evitar a prática de certas condutas que possam ser tidas como
susceptíveis de afectar a imagem pública de imparcialidade (...)».
170
Além disso, o princípio da imparcialidade impõe ainda que todas as actuações da Administração
tributária, no âmbito do procedimento tributário, tenham que decorrer de boa fé367. Este princípio,
embora não tenha consagração expressa no RCPIT, e que mesmo na LGT a sua abordagem seja
feita no âmbito do princípio da colaboração368, não significa, bem pelo contrário, que o mesmo
não assuma um papel relevante no procedimento tributário, designadamente no procedimento
tributário.de inspecção. Como anotam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM DA SILVA RODRIGUES e
JORGE LOPES DE SOUSA apesar de o artigo 55.º da LGT não fazer referência expressa a este
princípio da boa fé a sua aplicação é imposta pelo artigo 266.º da CRP, sendo que a própria LGT
supõe a sua observância no âmbito do princípio da colaboração entre a administração tributária
e os contribuintes e concretiza a sua aplicação369. Mesmo que assim não fosse, acrescentamos
nós, quer o artigo 266.º da CRP, quer o artigo 6.º-A do CPA seriam mais do que suficientes para
obrigar a aplicação deste princípio ao procedimento tributário. Este princípio exige que a
Administração se relacione com os particulares como pessoa de bem, obedecendo a padrões
éticos de boa conduta e criando um clima de confiança e previsibilidade, sem quebra das
expectativas legítimas dos administrados370.
O artigo 6.º-A n.º 1 do CPA estabelece que «no exercício da actviidade administrativa e em todas
as suas formas e fases, a Administração Públicas e os particulares devem agir e relacionar-se
segundo as regras da boa fé», enquanto o n.º 2 impõe a ponderação dos valores fundamentais
do direito relevantes face às situações consideradas, nomeadamente e em especial, a confiança
suscitada na contraparte pela actuação em causa (alínea a) e o objectivo a alcançar com a
actuação empreendida (alínea b). Com referência a este n.º 2 do artigo 6.º-A do CPA sustentam
DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM DA SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA que o mesmo
«esclarece factores a atender na apreciação do cumprimento das regras da boa-fé, prescrevendo
que devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações
Nos termos do artigo 59.º da LGTa actuação da Administração tributária e dos contribuintes presume-se de boa fé.
368
369
Cfr. CAMPOS, DIOGO LEITE DE; RODRIGUES, BENJAMIM DA SILVA; SOUSA, JORGE LOPES DE, Lei Geral Tributária comentada e anotada,
Vislis, 3.ª edição, 2003, pág. 235-236. Ainda segundo estes mesmos autores a inclusão deste princípio na LGT estava prevista
na lei de autorização legislativa em que o Governo se baseou para a aprovar – artigo 2.° n.° 10 da Lei n° 41/98, de 4 de
Agosto.
370
Cfr. na jurisprudência, entre outros, acórdãos do STA de 02-07-2003, processo n.º 047836, de 22-04-2009, processo n.º
881/09; Cfr. na doutrina, entre outros, AFONSO QUEIRÓ, Lições de Direito Administrativo, Coimbra, 2.ª edição, 1976; PEREZ, JESUS
GONZALEZ, El Principio General De La Buena Fe En El Derecho Administrativo, Civitas, 1999; PASTOR, JUAN ALFONSO SANTAMARIA,
Princípios de Derecho Administrativo, Volume I, Madrid, Editorial Centro de Estudios Ramón Areces, 1998; VIRGA, PIETRO, Diritto
Amministrativo, Volume I, I Principi, 6.ª edição, Giuffrè, 2001
171
consideradas, e, em especial, a confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa e o
objectivo a alcançar com a actuação empreendida. Esta exigência tem um conteúdo de carácter
ético, impondo aos intervenientes no procedimento tributário que actuem com lealdade e
sinceridade recíprocas no decurso do procedimento tributário, abstendo-se de actuações que
possam enganar o outro interveniente, ou ocultando-lhe elementos que possam ter proveito para
a defesa das suas posições» . 371
De sublinhar que, embora alguma doutrina374 e jurisprudência375 entenda que o princípio da boa
fé não tem aplicação em caso de uma actuação no exercício de poderes vinculados, na medida
em que em tais situações o princípio da legalidade prevalece sobre outros princípios, e que por
essa razão só são susceptíveis de gerar vício autónomo de violação de lei no domínio do
371
CAMPOS, DIOGO LEITE DE; RODRIGUES, BENJAMIM DA SILVA; SOUSA, JORGE LOPES DE, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Lisboa,
Vislis, 3.ª edição, 2003, pág. 278.
372
Sendo que, como afirma SOUSA, JORGE LOPES DE, a violação, por parte da Administração tributária, dos deveres procedimentais
de colaboração e de actuação segundo as regras da boa fé, pode consistir em vício autónomo de violação de lei – SOUSA, JORGE
LOPES DE, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume I, Áreas Editora, Lisboa, 2006, pág.
413. No mesmo sentido, ainda que a propósito do artigo 6.º-A do CPA, FERREIRA-PINTO, FERNANDO BRANDÃO, Código do
Procedimento Administrativo Anotado, Lisboa, Petrony, 2011, pág. 56.
Cfr. MACHADO, JONATAS E.M.; COSTA, PAULO NOGUEIRA, Curso de Direito Tributário, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pág. 379.
373
374
FERREIRA-PINTO, FERNANDO BRANDÃO entende que «o princípio da boa fé funciona como um dos limites da discricionaridade e não
funciona quando a Administração actua nos domínios da actividade vinculada» - Código do Procedimento Administrativo Anotado,
Lisboa, Petrony, 2011, pág. 56.
De que são exemplo os acórdãos do STA de 26-10-1994, processo n.º 17626, de 07-10-2009, processo n.º 941/08.
375
172
exercício de poderes discricionários, jurisprudência há376, bem como doutrina377, que de resto
acompanhamos e com a qual concordamos, que tem vindo a reconhecer a possibilidade da sua
aplicação em caso de actos praticados no exercício de poderes vinculados não limitando por isso
a aplicação deste princípio à prática de actos no exercício de poderes discricionários. « O
procedimento administrativo tributário, enquanto actividade da Administração Fiscal dirigida a
liquidar os tributos, a fiscalizar a sua liquidação e cumprimento e a exigir o seu cumprimento,
está sujeito ao princípio da boa fé.»378.
Parece-nos pertinente realçar o que referem MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE
376
No acórdão do STA de 17-05-2000, processo n.º 024382 admitiu-se a possibilidade de aplicação deste princípio no
procedimento tributário por aplicação directa das normas constitucionais que consagram quer o princípio da boa-fé quer o da
protecção da confiança, que o Tribunal Constitucional sempre tem considerado ínsito na ideia de Estado de Direito Democrático.
Neste sentido é possível ver os acórdãos do STA de 25-06-2008, processo n.º 0291/08 e de 06-07-2011, processo n.º
0589/11. De acordo com estes acórdãos deve entender-se que princípios como o da justiça - e da boa-fé - são aplicáveis mesmo
no exercício de poderes vinculados, sobrepondo-se a outros deveres legais.
Para CAMPOS, DIOGO LEITE DE; RODRIGUES, BENJAMIM DA SILVA; SOUSA, JORGE LOPES DE, «… o texto do artigo 266.º da CRP não deixa
377
entrever qualquer restrição à sua aplicação a qualquer tipo de actividade administrativa (…) em princípio, dever-se-á fazer tal
aplicação, se não se demonstrar a sua inviabilidade» - Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis Editores, 3.ª edição,
2003, pág. 250. Esta possibilidade de aplicação do princípio da boa fé em caso de actos praticados ao abrigo de poderes
vinculados resulta, segundo JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, da aplicação dos chamados princípios da juridicidade substancial, que
estão explicitados na lei e na Constituição - ANDRADE, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE, A Justiça Administrativa (Lições), Coimbra, Almedina,
8.ª edição, 2006, pág. 469. Neste sentido pode igualmente ver-se MIRANDA, JORGE e MEDEIROS, RUI que referem que «o princípio
permite afastar soluções legais expressas que conduzam, em concreto, a uma violação da boa-fé» - Constituição da República
Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora 2007, pág. 575.
378
CAMPOS, DIOGO LEITE DE, Boa fé e segurança jurídica em direito tributário, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 68, Volume
I, Lisboa, Ordem dos Advogados, 2008, pág. 132.
379
SOUSA, MARCELO REBELO DE e MATOS, ANDRÉ SALGADO DE, Direito Administrativo Geral - Tomo I - Introdução e Princípios
Fundamentais, Lisboa, Dom Quixote, 3.ª Edição, 2008, pág. 214 a 216.
173
pelo próprio prevaricador, de modo a prejudicar outrem. É a isto que o art. 6.º-A n.º 2 alínea b)
do CPA se quer referir quando afirma que se deve ponderar «o objectivo visado com a actuação
empreendida (...)».
Ainda a propósito da boa fé, citamos também as bem ilustrativas palavras de DIOGO LEITE DE
CAMPOS: «Dir-se-ia mesmo que a realização plena do Direito/Justiça em cada caso só é possível
através do apelo à boa fé; que, neste sentido, o respeito pela lei exige o recurso à boa fé; e que
esta contribui para transformar a fiscalidade em Direito fiscal, e o Direito Fiscal num direito como
os outros. Aplicada por um intérprete diligente, a boa fé, revelada e concretizada por múltiplos
174
princípios (são paradigmas os da confiançae da previsibilidade), vem reforçar a segurança
jurídica.» .
380
Por fim, e ainda a propósito deste princípio da boa fé deve-se referir que este coincide, em
determinados aspectos com o princípio da proporcionalidade, pois como afirma JESUS GONZALEZ
PEREZ, uma actuação desproporcionada é contrária às exigências de boa fé, quando o sujeito
adopta uma conduta que não é conduta normal e recta que poderia esperar-se de uma pessoa
normal - a boa fé proscreve actuações juridicamente relevantes contrárias ao que seria de
esperar de uma pessoa normal, recta e honesta. Assim, não é normal exigir mais que o
necessário, para atingir o fim prosseguido, não actuando de boa fé aquele que agrava o outro
desnecessariamente e lhe impõe limitações superiores às necessárias para cumprir a finalidade
pretendida ou exige prestações desproporcionadas381.
380
CAMPOS, DIOGO LEITE DE, Boa fé e segurança jurídica em direito tributário, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 68, Volume
I, Lisboa, Ordem dos Advogados, 2008, pág. 138.
381
PEREZ, JESUS GONZALEZ, El Principio General De La Buena Fe En El Derecho Administrativo, Civitas, 1999, pág. 50.
382
Em sentido contrário, OLIVEIRA, MÁRIO ESTEVES DE; GONÇALVES, PEDRO COSTA; AMORIM, J. PACHECO DE, consideram que regra geral, a
violação do princípio da boa fé não determina a ilegalidade do acto, «salvo se a lei (ou a natureza do acto) impuserem a
vinculatividade jurídico-administrativa da expectativa criada e sem embargo, claro, da responsabilidade em que, por isso, a
Administração se constitui.» - Código de Procedimento Administrativo Comentado, Almedina, Coimbra, 2.ª edição, 2006, pág.
114.
175
tributária. Assim, nos termos da referida disposição, os funcionários da inspecção tributária
estão sujeitos a determinadas incompatibilidades específicas, a saber:
176
no procedimento de inspecção, não se aplicando a outros funcionários e superiores hierárquicos
que, integrando a inspecção tributária, não participaram directamente no procedimento
inspectivo.
383
Cfr. n.º 6 do artigo 62.º do RCPIT
177
aí contidas se aplicam a todos os órgãos da Administração pública que, no desempenho da
actividade administrativa, estabeleçam relações com os particulares. Além disso, a isto acrescem
ainda os princípios gerais da actividade administrativa e as normas que concretizam preceitos
constitucionais contidas no CPA e que se aplicam a toda e qualquer actuação da Administração
Pública, ainda que meramente técnica384. Assim, há que observar, para os restantes funcionários
que não participaram directamente no procedimento os casos de impedimento previstos no
artigo 44.º do CPA 385.
384
Cfr. artigo 2.º do CPA
385
O artigo 44.º dispõe que:nenhum titular de órgão ou agente da Administração Pública pode intervir em procedimento
administrativo, ou em acto ou contrato de direito público ou privado da Administração, nos casos seguintes:
a) Quando nele tenha interesse, por si, como representante ou como gestor de negócios de outra pessoa;
b) Quando, por si, ou como representante de outra pessoa, nele tenha interesse o seu cônjuge, algum parente ou afim em linha
recta ou até ao 2.º grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem viva em economia comum;
c) Quando, por si, ou como representante de outra pessoa, tenha interesse em questão semelhante à que deva ser decidida, ou
quando tal situação se verifique em relação à pessoa abrangida pela alínea anterior;
d) Quando tenha intervindo no procedimento como perito ou mandatário ou haja dado parecer sobre questão a resolver;
e) Quando tenha actuado no procedimento como perito ou mandatário o seu cônjuge, parente ou afim em linha recta ou até ao
2.º grau da linha colateral, bem como qualquer pessoa com quem viva em economia comum;
f) Quando contra ele, seu cônjuge ou parente em linha recta esteja intentada acção judicial proposta por interessado ou pelo
respectivo cônjuge;
g) Quando se trate de recurso de decisão proferida por si, ou com a sua intervenção, ou proferida por qualquer das pessoas
referidas na alínea b) ou com intervenção destas;
h) Quando se trate de questão relativa a um particular que seja membro de uma associação de defesa de interesses económicos
ou afins, da qual também faça parte o titular do órgão ou agente.
386
De notar que, como se refere no Acórdão do STA de 25-03-2009 , processo n.º 55/09, «o impedimento funciona de forma
abstracta, impondo a observância do princípio da transparência, impedindo que se criem situações em que haja risco ou quebra
do dever de imparcialidade, designadamente atribuindo efeito anulatório a factos que não envolvem uma efectiva violação desse
princípio, mas têm ínsito o risco ou perigo da sua violação (...). Assim, a lei presume que a imparcialidade do órgão ou agente
poderá ser afectada se intervier em procedimento em que tenha actuado como perito ou mandatário um seu cônjuge, familiar ou
pessoa que com ele viva em economia comum e antecipa a tutela da imparcialidade impondo a observância de um rigoroso
princípio de transparência, que dita a abstenção de intervenção no procedimento, independente da existência de quaisquer
interesses pessoais dos envolvidos com a decisão procedimental.». neste sentido ver ainda acódão do STA de 13-01-2005,
processo 730/04.
178
intervieram indirectamente, no caso do sancionamento do relatório, tal determina a anulação
dos actos consequentes que se basearam no relatório da inspecção tributária.
O princípio da celeridade pode, quanto a nós, ser visto de diferentes perspectivas. Por um lado,
o princípio da celeridade exige, numa vertente negativa, que a Administração tributária se
abstenha de praticar actos inúteis para o procedimento ou que o retardem
desnecessariamente387 o que, aplicado ao procedimento de inspecção implica que a
Administração tributária não possa praticar actos de inspecção que não tenham qualquer
utilidade para o procedimento ou que o retardem desnecessariamente. Por outro lado, numa
vertente postivia, este princípio exige que a Administração actue de forma célere, providenciando
pelo rápido andamento do procedimento e pela eficácia das diligências efectuadas388, ou na
opinião de MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES, J. PACHECO DE AMORIM, o que este
princípio implica «é, pois, sobretudo, o poder(-dever) de arredar do procedimento administrativo
tudo o que for ―impertinente e dilatório» . Além de dever abster-se da prática de actos inúteis
389
Uma outra dimensão deste princípio, encontra-se também ligado à ideia de eficiência e eficácia,
na perspectiva de quanto mais rápida for a actuação da inspecção, mais vantagens a mesma
traá, tanto para a própria Administração tributária, como para os próprios contribuintes. Do lado
da Administração, uma actuação célere permitirá, por um lado, numa óptica de justiça fiscal,
É o que resulta do artigo 57.º n.º 1 da LGT em conjugação com os artigos 10.º e 57.º do CPA e 267.º n.º 1 da CRP.
387
388
Cfr. CAMPOS, DIOGO LEITE DE; RODRIGUES, BENJAMIM DA SILVA; SOUSA, JORGE LOPES DE, Lei Geral Tributária comentada e anotada,
Lisboa, Vislis Editores, 3.ª edição, 2003, pág. 263
389
Cfr. OLIVEIRA, MÁRIO ESTEVES DE; GONÇALVES, PEDRO COSTA; AMORIM, J. PACHECO DE, Código de Procedimento Administrativo
Comentado, Coimbra, Almedina, 2.ª edição, 2006, pág. 311.
179
pelo menos nos casos em que haja lugar a correcções, que a arrecadação de receitas seja
também ela mais célere e, por outro, que se reduzam as assimetrias entre os contribuintes
cumpridores e os incumpridores, enquanto para os contribuintes essa celeridade permitirá ao
contribuinte ver a sua situação resolvida com maior rapidez, assegurando dessa forma um
menor incómodo e transtorno na sua esfera privada. Ou seja, a celeridade possibilitará de modo
objectivo satisfazer o interesse colectivo, quer através de obtenção de receitas, quer através da
concretização do princípio da igualdade e justiça fiscal. Como refere ANTONIO GALIARDO CAYON «la
eficacia y la celeridad no solo debe cohonestarse con los intereses de los particulares, mejor
dicho, con los derechos fundamentales, pero si, con la propia noción de interés fiscal, que como
ya quedo demostrado, consiste en el interés público y colectivo de sostenimiento equitativo del
Estado, pues que, no se puede haber prestación de bienes y servicios públicos si no existe un
instrumento de financiación de coste del mismo» . 390
Deve no entanto ser sublinhado que embora este princípio tenha um importante papel no
procedimento tributário (de inspecção), o mesmo não se pode sobrepor a outros princípios que
em nossa opinião assumem uma maior relevância, nomeadamente os princípios da prossecução
do interesse público, verdade material e inquisitório. O ideal será, logicamente, se possível ter ―o
melhor dos dois mundos‖ e conjugar todos os pirncípios, mas caso seja necessário optar, a
Administração tributária não pode deixar de realizar diligências que se afigurem necessárias para
a descoberta da verdade e consequentemente para a tomada da decisão só porque as mesmas
possam compromemter esse dever de celeridade, não podendo por isso esta justificar a omissão
de diligências que se afigurem necessárias e úteis para a obtenção da verdade material391. O que
Cfr. CAYON, ANTONIO GALIARDO, Gestión Tributaria y Derechos Fundamentales, Revista Técnica Tributaria, n. º 3, 1988, pág. 17,
390
apud MACHADO, EDUARDO MUNIZ. Fundamentos constitucionales del poder de inspección de la administración tributaria española.
Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 701, 6 jun. 2005. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/6844>. Acesso em: 7
nov. 2010.
Neste sentido, FERREIRA-PINTO, FERNANDO BRANDÃO, Código do Procedimento Administrativo Anotado, Lisboa, Petrony, 2011, pág.
391
123; DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES, SOUSA JORGE LOPES DE, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Lisboa,
Vislis, 3.ª edição, 2003, pág. 263; OLIVEIRA, MÁRIO ESTEVES DE; GONÇALVES, PEDRO COSTA; AMORIM, J. PACHECO DE, Código de
180
vale por dizer que este princípio impõe que a Administração seja célere na tomada da decisão,
mas não se encontra dispensada de desenvolver uma averiguação adequada e ponderada dos
factos pertinentes e dos interesses em causa. A celeridade não pode por isso em caso algum
colocar em causa os objectivos de justiça e eficácia que devem nortear o procedimento tributário
de inspecção.
O princípio da igualdade, com consagração nos artigos 13.º e 266.º n.º 2 da CRP, assume
naturalmente relevância nesta sede, como aliás assume em todas as dimensões e domínios do
direito, impondo que a Administração tributária trate de forma idêntica os sujeitos passivos que
estejam em situações semelhantes e a tratar de forma diferente os contribuintes que estejam
em situações diferentes, concretizando a já ―velha‖ máxima ―tratar igualmente o igual e
desigualmente o desigual‖, proibindo o arbítrio e a discriminação dos cidadãos. É pois, como
refere a doutrina, um princípio estruturante do sistema constitucional global, que, na sua
dimensão democrática, exige a explícita proibição de discriminações, constituindo a proibição do
arbítrio um limite externo da liberdade de conformação dos poderes públicos392.
Na dimensão deste princípio aplicado à Administração tributária, o mesmo implica que esya, nas
suas relações com os particulares, não pode privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer
direito ou isentar de qualquer dever nenhum contribuinte em razão de ascendência, raça, sexo,
língua, território de origem, religião, convicções políticas, deologias ou religiosas, situação
Procedimento Administrativo Comentado, Coimbra, Almedina, 2.ª edição, 2006, pág. 311; SOUSA,, ANTÓNIO FRANCISCO DE, Código
de Procedimento Administrativo Anotado e Comentado, Lisboa, Quid Juris, 2009, pág. 199.
Cfr. CANOTILHO, J.J. GOMES; MOREIRA, VITAL, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra, Coimbra Editora,
392
181
económica ou condição social393. No âmbito do procedimento de inspecção parece-nos que este
princípio impõe à Administração fiscal uma actuação uniforme, constituindo por isso uma
importante limitação à discricionaridade administrativa. O princípio da igualdade impõe, por
exemplo, que perante a denúncia de fraude e evasão fiscal de dois contribuintes, a inspecção
tributária indague e investigue objectivamente ambos os contribuintes, a menos que
objectivamente existam fundamentos que justifiquem um tratamento desigual. Impõe também,
por exemplo, que na selecção dos contribuintes a inspeccionar sejam utilizados os mesmos
critérios objectivos.
De qualquer das formas ainda que tal aplicação seja de difícil concretização, não deixaremos de
aqui fazer uma alusão ao seu regime de invalidade. Tem entendido a jurisprudência que a
violação do princípio da igualdade apenas releva, como vício, no âmbito da prática de actos
administrativos no exercício de poderes discricionários, funcionando como um limite interno da
discricionaridade. No que concerne aos actos praticados pela Administração no exercício de
poderes vinculados, o tratamento desigual dado a dois casos iguais conduz a um vício de errada
interpretação e aplicação da lei, pelo menos, em um deles. Ou seja, na actividade vinculada,
aquele princípio é consumido pelo princípio da legalidade. Assim, a consequência da violação
deste princípio é a anulabilidade e não a nulidade pois o que está em causa é uma violação dos
limites internos da actuação administrativa, que configura uma violação de lei, cominada com a
anulabilidade395. A violação deste princípio apenas terá como consequência a nulidade se e na
medida que o acto em causa colida com o núcleo do conteúdo essencial do direito fundamental
consagrado no artigo 13.º da CRP, algo que apenas ocorre se for atingido o núcleo do direito
394
Veja-se a este propósito, SOUSA, MARCELO REBELO DE; MATOS, ANDRÉ SALGADO DE, Direito Administrativo Geral - Introdução e
Princípios Fundamentais, Tomo I, Dom Quixote, 3.ª Edição, 2008, pág. 226-227.
Cfr. acórdão do TCA Sul de 11-12-2008, processo n.º 02774/07. Neste sentido pode também ver-se, entre outros, OLIVEIRA,
395
MÁRIO ESTEVES DE; GONÇALVES, PEDRO COSTA; AMORIM, J. PACHECO DE, Código de Procedimento Administrativo Comentado, Coimbra,
Almedina, 2.ª edição, 2006, pág. 102-103.
182
concretizado nas categorias do n.º 2 do artigo 13.º, em que «se colocam discriminações
ilegítimas baseadas no sexo, língua, religião, convicções políticas, religiosas, etc., ou em outras
categorias subjectivas traduzidas por ―direitos especiais de igualdade‖ como os que estão
contemplados no art. 36º, nº 4 da CRP» . 396
Depois de termos visto os princípios referentes ao procedimento tributário, com plena aplicação
ao procedimento de inspecção, na medida em que este, como procedimento que é, constitui
uma manifestação da actividade administrativa, sujeito, como não poderia deixar de ser aos
referidos princípios. É pois tempo de nos focarmos sobre os princípios próprios do procedimento
de inspecção. Dizemos ―próprios‖ na medida em que os mesmos têm expressa consagração no
RCPIT, nomeadamente no artigo 5.ºdeste diploma, o que não significa que caso não estivessem,
não deixariam de ser aplicados a este procedimento concreto, à semelhança do que sucede com
todos os outros princípios já identificados e analisados. Assim, estes princípios, previstos no
artigo 5.º do RCPIT são: verdade material, cooperação, contraditório e proporcionalidade. Estes
princípios, como a seguir veremos, não são mais do que a concretização dos anteriores
princípios já analisados e que desenvolvem os princípios constitucionais que orientam a
actividade administrativa e, consequentemente, a actividade administrativa tributária397.
O procedimento tributário de inspecção visa, como não podia deixar de ser, como sucede em
qualquer procedimento administrativo, a descoberta da verdade material. Como observamos
anteriormente, a propósito da caracterização da inspecção tributária enquanto, duas as
características principais que a definem enquanto actividade. De um lado, a procura pela
verdade material e, de outro, a obtenção de elementos suficientes que possibilitem a aplicação
do tributo. A actividade probatória constitui por isso um ponto de partida essencial através da
qual se há-de identificar os factos e elementos reais que servirão de base para quantificar a
prestação tributária real e efectivamente devida
Cfr. acórdãos do STA de 19-04-2007 processo n.º 809/06, de 13-04-1999 processo n.º 041639; de 04-05-2000 proesso. N.º
396
183
O procedimento de inspecção, à semelhança de qualquer outro procedimento administrativo,
tem de ser considerado como um instrumento que garanta e assegure o efectivo respeito pelos
direitos fundamentais e garantias dos contribuintes por parte da Administração Tributária. Uma
das formas de efectivar e concretizar este respeito pelos direitos e garantias dos contribuintes é
através do princípio da verdade material enquanto concretizador dos princípios da prossecução
do interesse público e da igualdade.
398
Previsto no artigo 6.º do RCPIT.
399
Cfr. MACHADO, JONATAS E.M.; COSTA, PAULO NOGUEIRA, Curso de Direito Tributário, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pág. 378.
184
descoberta da verdade material. Assim, esta verdade material, conjuntamente com a ideia de
justiça tributária surgem como princípios orientadores da actuação inspectiva.
Este princípio, consagrado no 6.º do RCPIT, impõe que a Administração tributária, no âmbito do
procedimento de inspecção, procure recolher os elementos probatórios que possibilitem mais
tarde fundamentar o acto tributário que venha a ser praticado. Trata-se de investigar e apurar o
correcto cumprimento das obrigações fiscais pelos sujeitos passivos e, com base nessa
investigação recolher elementos que permitam apurar a eventual existência de irregularidades.
No entanto, nada obsta a que o próprio sujeito passivo possa apresentar à Administração
elementos que considere necessários à busca dessa verdade material e que a Administração se
encontra obrigada, a apreciar e, se for esse o caso, a considerar para efeitos de apuramento da
real situação tributária. A Administração não está por isso limitada aos elementos recolhidos
oficiosamente no desenvolvimento da sua actividade, podendo e devendo ter em consideração
os elementos e meios de prova apresentados pelo sujeito passivo, desde que, obviamente
contribuam para o apuramento da verdade material.
Porém, como bem anota JOAQUIM FREITAS DA ROCHA, em direito tributário, este princípio não é um
princípio absoluto, admitindo alguns desvios pois em determinadas situações «não é necessário
um rigoroso juízo de certeza (que se traduziria na efectiva e real verdade material), mas pode
bastar um mero juízo de verosimilhança ou verdade material aproximada»400, que é que sucede
quando se recorre à denominada avaliação indirecta, em que a fixação da matéria tributável é
efectuada através de índices ou presunções401. Em sede de inspecção, como já tivemos
oportunidade de ver, o recurso a este metodologia pode ser uma consequência em caso de
violação do dever de cooperação por parte do sujeito passivo, pois essa falta de cooperação,
traduzida na recusa em fornecer os elementos solicitados e necessários à descoberta da verdade
material leva a que a Administração, não podendo chegar à real verdade material, só consiga
chegar à verdade possível ou aproximada. Claro está que esta recusa não pode
automaticamente fazer despoletar a utilização da avaliação indirecta, devendo a Administração
socorrer-se, caso tal seja possível de outros meios ao seu dispor para prosseguir este princípio,
Cfr. ROCHA, JOAQUIM FREITAS DA, Lições de Procedimento e Processo Tributário, Coimbra, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2009,
400
pág. 97. Ver igualmente, ROCHA, JOAQUIM FREITAS DA, O controlo do controlo tributário (meios reactivos à inspecção tributária) ‖, in
Cadernos de justiça administrativa - n.º 67, Janeiro-Fevereiro, Braga, CEJUR, 2008.
Para uma análise profunda e detalhada sobre a temática da avaliação indirecta ver RIBEIRO, JOÃO SÉRGIO, Tributação Presuntiva
401
do Rendimento, Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação da matéria colectável , Coimbra,
Almedina, 2010.
185
ou seja, a simples recusa não desonera a Administração de efectuar todas as diligências, nem
tão pouco a desonera de actuar de forma adequada e proporcional com bem sublinha EDUARDO
MUNIZ MACHADO: «La propia falta del contribuyente, con los deberes y obligaciones fiscales, no
motiva la libre actuación del órgano público, aunque, en tales casos, pueda acarrear la sanción
por tal desobediencia, pero nunca, propiciar una actuación desmedida y incondicionada.» . 402
O princípio da verdade material, como já vimos, fixa aquele que deve ser o objectivo do
procedimento – a descoberta da verdade material. Porém, questão diferente prende-se com a
prossecução desse objectivo, ou seja como é o que o mesmo se manifesta, isto é, se a actuação
dos intervenientes no procedimento se encontra ou não sua disponibilidade. Por outras palavras,
pretende-se saber se os intervenientes no procedimento podem de acordo com o seu livre
arbítrio decidir se devem ou não actuar, diligenciar ou investigar403.
MACHADO, EDUARDO MUNIZ. Fundamentos constitucionales del poder de inspección de la administración tributaria española . Jus
402
Navigandi, Teresina, ano 10, n. 701, 6 jun. 2005, Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/6844>. Acesso em: 7
nov. 2010.
Neste sentido, ROCHA, JOAQUIM FREITAS DA, Lições de Procedimento e Processo Tributário, Coimbra, Coimbra Editora, 3.ª edição,
403
Como anota FERNÁNDEZ LÓPEZ, «El órgano que ha de resolver debe instruir y averiguar por sí mismo los hechos sobre los que ha
405
de sustentarse la decisión, sin esperar a que las partes o los interesados los aporten al procedimiento. En particular los órganos
de la Inspección tienen el deber de desarrollar la actividad necesaria para emitir la decisión final con la que concluirá el
procedimiento de liquidación; y dicha actividad pasa por la búsqueda de la verdad material para lograr la correcta aplicación de
186
Ora, o princípio inquisitório406 obriga a administração tributária a realizar todas as diligências que
se afigurem necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material.
Quer isto dizer, que todas as diligências devem ser efectuadas ainda que as mesmas não
tenham sido requeridas, não dependendo por isso de um qualquer impulso procedimental do
sujeito passivo.
Este princípio encontra-se obviamente intimamente ligado à questão do ónus da prova, previsto,
na LGT, no artigo 74.º e segundo o qual o ónus de prova recai sobre a parte que invoca os
factos. Por outro lado, nesta matéria, importa também chamar à colcação o artigo 75.º também
la norma tributaria» - LÓPEZ, ROBERTO IGNACIO FERNÁNDEZ, La Comprobación de Hechos por la Inspección de los Tributos, Madrid-
Barcelona, Marcial Pons, 1998, pág. 67.
Para uma análise detalhada e aprofundada sobre o princípio do inquisitório cfr. MATOS, PEDRO VIDAL, O princípio Inquisitório no
406
187
da LGT que estabelece uma presunção de veracidade e boa fé das declarações dos
contribuintes, bem como os dados e apuramento inscritos na sua contabilidade ou escrita,
presunção essa que cessa em diversas situações, nomeadamente nos casos em que as
declarações, contabilidade, ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios
fundados de que não reflectem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real, o
contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação
tributária e a matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem
razão justificada, dos indicadores objectivos de actividade de base técnico científica.
Na obtenção de prova, com a prática dos actos de inspecção, a inspecção procura obter e
recolher elementos susceptíveis de revelar a real situação tributária do sujeito passivo
inspeccionado, assumindo particular destaque, pelo menos nas pessoas colectivas, os sistemas
informáticos no processamento da contabilidade e da facturação. Assim, na prática destes actos
assume relevância o exame dos livros obrigatórios exigidos na lei comercial, dos registos
contabilísticos e dos documentos com eles relacionados, incluindo, incluindo os programas e
suportes magnéticos. Aliás, os programas informáticos assumem importância nas pessoas
colectivas, atendendo à sua obrigatoriedade. No entanto, a par do exame a estes elementos da
escrita, as diligências de inspecção passam também pela análise de outra documentação,
interna ou externa, conexa com operações económicas e financeiras efectuadas com clientes,
fornecedores, instituições de crédito, sociedades e quaisquer outras entidades, incluindo
extractos processados pelas instituições de crédito e sociedades financeiras, contratos
celebrados, orçamentos, estudos e tabelas de preços, bem como relatórios, pareceres e outra
documentação emitida por técnicos oficiais de contas, revisores oficiais de contas, advogados,
consultores fiscais e auditores externos. Além disso, a realização destas diligências implica ainda
a possibilidade de exame, requisição e reprodução de documentos mesmo quando em suporte
informático, aceder, consultar e testar os sistemas informáticos dos sujeitos passivos, e, no caso
de utilização de sistemas próprios de processamento de dados, o exame da documentação
relativa à sua análise, programação e execução, mesmo que elaborado por terceiros. Um
aspecto indissociável da prática de actos de inspecção é, como já tivemos oportunidade de
observar em detalhe a próposito da sua natureza e tipologia, a possibilidade de adoptarem
medidas cautelares, elencadas no artigo 30.º do RCPIT, a saber: (i) apreensão de elementos de
escrituração ou quaisquer outros elementos, incluindo suportes informáticos, comprovativos da
188
situação tributária do sujeito passivo ou de terceiros; (ii) selagem de instalações, sempre que se
mostre necessário à plena eficácia da acção inspectiva e ao combate à fraude fiscal; e (iii) visar,,
quando conveniente, os livros e demais documentos.
O objectivo passa por conferir eficácia à acção inspectiva, procurando assegurar e preservar os
elementos que constituem o escopo do procedimento de inspecção, e que é a prova. O
procedimento de inspecção externo é o procedimento por excelência destinado à recolha de
prova que suporte eventuais correcções que eventualmente venham a ter lugar, assumindo esta
um papel decisivo na fundamentação do acto tributário baseado em tais correcções,
fundamentação que será tanto mais consistente e segura quanto maior for o leque e
abrangência das diligências efectuadas pela Administração ao abrigo deste princípio.
Porém, nesta interacção entre princípio do inquisitório e ónus de prova somos do entendimento
que o princípio do inquisitório, em termos funcionais, é anterior ao ónus da prova, ou seja, as
regras e critérios deste não podem de forma alguma condicionar ou interferirr com a actuação
do princípio do inquisitório, já que as diligências efectuadas ao abrigo deste princípio são-no
efectivamente para definir os factos que servirão de suporte à decisão, o que significa que a
Administração fiscal não pode em circunstância alguma fazer valer-se das regras do ónus da
prova para não realizar as diligências que se afigurem necessárias ao apuramento da verdade
material408. Aliás, vamos mesmo mais longe, parece-nos inclusive que uma interpretação neste
sentido, ou seja, de fazer prevalecer as regras do ónus da prova sobre o princípio do inquisitório
é materialmente inconstitucional por violação do comando constitucional previsto no artigo 266.º
da CRP.
Dito ainda de outra forma, o facto de o ónus de prova de um determinado facto recair sobre o
contribuinte não desonera a Administração de realizar oficiosamente as diligências necessárias e
adequadas ao apuramento da verdade material caso o contribuinte não consiga dar
cumprimento a esse ónus. Se assim não fosse, estariamos perante uma completa subversão do
princípio da verdade material, em que a Administração fiscal, tendo a possibilidade de, ao
realizar uma determina diligência, apurar os factos, escudando-se nas regras do ónus da prova,
408
Cfr. neste sentido cfr. MATOS, PEDRO VIDAL, O princípio Inquisitório no Procedimento Tributário, Coimbra, Wolters
Kluwer/Coimbra Editora, 2010, pág. 110 a 127 e jurisprudência aí citada, nomeadamente os acórdãos do STA de 24-10-2007,
processo n.º 479/09, de 21-10-2009, processo n.º 583/09, e do TCA Sul de 26-06-2007, processo n.º 897/05 e do STA de
24-10-2007, processo n.º 479/09.
189
só porque o mesmo não lhe incumbe, abster-se de realizar a diligências, apenas porque a
mesma lhe poderá ser desfavorável. Basta pensar que a Administração, precisamente no uso do
seu poder inspectivo, nomeadamente de recolha e cruzamento de informação (que nem
necessita de ordem de serviço e notificação – artigo 46.º n.º 4 alínea a)) bem como do dever de
cooperação a que se encontram vinculados não só os sujeitos passivos mas também outros
obrigados tributários, para se perceber que a Administração tem muito mais facilidade na grande
maioria das situações em obter os elementos necessários para atingir a verdade material do que
os próprios contribuintes409. Claro está, situações há em que a informação só está ao alcance e
na disponibilidade do contribuinte; mas ainda assim, nestas situações, cabe à Administração
demonstrar que actuou e realizou todas as diligências possíveis para documentar e demonstrar
determinado facto, afastando qualquer possibilidade de lhe ser imputado qualquer vício baseado
na violação do princípio do inquisitório.
Contudo, tal não implica que os sujeitos passivos fiquem desonerados de requerer diligências
e/ou carrear elementos que considerem necessários para o referido apuramento da verdade
material, visto que, como adiante veremos, a pessoas ou entidades inspeccionadas encontram-
se obrigadas a colaborar no âmbito do procedimento de inspecção410.
De referir que, como anotam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES, JORGE LOPES DE
SOUSA, a recusa por parte da Administração tributária de praticar diligências requeridas pela
pessoa ou entidade inspeccionada ou a abstenção de praticar diligências que tinha a obrigação
de realizar e do qual resulte a frustração do dever de apuramento da verdade material,
consubstancia um vício procedimental susceptível de determinar a anulação do acto tributário
final411.
409
Um exemplo ilustrativo da vinculação a este princípio é, por exemplo, no apuramento da situação tributária do sujeito passivo,
nomeadamente no cálculo do rendimento para efeitos de tributação, em sede inspectiva a Administração tem obrigação de
apurar eventuais custos (em IRC), despesas (IRS) ou valores que possam conferir o direito à dedução (em IVA) que os sujeitos
passivos tenham eventualmente suportado e não apenas os proveitos ou valores para efeitos de apuramento do imposto devido,
pois só assim será cabalmente cumprido o princípio do inquisitório e, consequentemente, o princípio da verdade material. Mas
esta obrigação não resulta apenas do princípio do inquisitório, resulta também dos princípios da verdade material, boa fé e
imparcialidade – neste sentido CAMPOS, DIOGO LEITE DE, Boa fé e segurança jurídica em direito tributário, in Revista da Ordem dos
Advogados, Ano 68, Volume I, Lisboa, Ordem dos Advogados, 2008, pág. 133.
Nos termos do artigo 59.º, n.º 1 da LGT, tanto os órgãos da Administração tributária como os contribuintes estão sujeitos a um
410
recíproco dever de colaboração. Neste sentido CAMPOS, DIOGO LEITE DE; RODRIGUES, BENJAMIM DA SILVA; SOUSA, JORGE LOPES DE, Lei
Geral Tributária comentada e anotada, Lisboa, Vislis, 3.ª edição, 2003, pág. 270.
411
CAMPOS, DIOGO LEITE DE; RODRIGUES, BENJAMIM DA SILVA; SOUSA, JORGE LOPES DE, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Lisboa,
Vislis, 3.ª edição, 2003, pág. 270.
190
Questão diferente já é da apreciação dos factos carreados pela Administração tributária e pelo
próprio sujeito passivo. É que os referidos artigos 58.º da LGT e 6.º do RCPIT vinculam em
primeira linha a Administração a averiguar a verdade material dos factos pertinentes a cada
decisão que lhe incumbe tomar, ficando o poder de apreciar a prova de modo livre, condicionado
apenas por um corolário do princípio geral de justiça bem como por um outro atinente à
adequação ou equilíbrio (proporcionalidade) entre as exigências de segurança no exercício do
poder e a garantia de não defraudar a confiança do particular na faculdade de usar dos meios
habituais de prova quanto àqueles factos para os quais a lei em sentido formal não a restringe
expressamente.
Por último, convém também articular este princípio com um outro princípio já abordado – o
princípio da celeridade – mas no sentido de que não pode a Administração escudar-se neste
para neglicenciar o inquisitório, não podendo a actuação oficiosa da Administração ser
condicionada ou mesmo afastada sob pretexto de colocar em causa a eficiência e a viabilidade
da sua actuação, nomeadamente se atendermos e como veremos adiante que a Administração,
dispondo de um prazo de seis meses para efectuar o procedimento de inspecção poderá ainda
assim prorrogá-lo, ainda que em determinadas circunstâncias previstas na lei, por mais dois
períodos de três meses.
Este princípio vem plasmado no artigo 59.º da LGT e artigos 9.º e 48.º do RCPIT. Trata-se de um
princípio multidireccional, uma vez que se dirige a todos os intervenientes no procedimento que
estão sujeitos a um dever mútuo de cooperação: inspecção tributária, sujeitos passivos e outros
obrigados tributários. Este dever de cooperação que incide sobre o sujeito passivo e até de
terceiros tem consagração legal expressa nos vários diplomas que compõem a legislação
tributária. Trata-se das obrigações acessórias, que como já vimos no capítulo respeitante ao
cruzamento de informação constituem hoje em dia um factor determinante na actuação da
inspecção tributária pela quantidade de informação que fornecem, sendo ao longo dos vários
191
códigos tributários412 possível vislumbrar essa densidade e intensidade das obrigações acessórias
que impendem quer sobre os sujeitos passivos quer sobre outros obrigados tributários.
Não é a toa que o capítulo em que este tema foi abordado tem a denominação de ―privatização
do fenónomeno inspectivo‖ uma vez que o controlo da actividade desenvolvida pelos
contribuintes, face ao considerável aumento e massificação destes e das relações entre os
mesmos, não pode ser exclusivamente realizado pela Administração tributária, razão pela qual
se introduziu (mpôs-se) no sistema tributário formas de colaboração dos contribuintes,
traduzidas na imensidão de obrigações acessórias que hoje existem quer para os sujeitos
passivos quer para outros obrigados tributarios. Embora, como também já se viu, se a
cooperação assumir uma intensidade, densidade e complexidade tal pode inclusivé ser
considerada como contrária ao princípio da proporcionalidade, como já deixamos demonstrado
no capítulo referente ao Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25 de Fevereiro, em que a cooperação é
levada ao extremo ao exigir-se a comunicação de esquemas de planeamento fiscal denominado
―abusivo‖.
Este dever recíproco de cooperação encontra-se igualmente ligado ao princípio da boa fé que
deve presidir às relações entre contribuintes e Administração fiscal, e já analisado no âmbito do
princípio da imparcialidade.
Ao longo do RCPIT é possível encontrar diversos preceitos que expressam este dever de
cooperação413 efectiva entre os intervenientes no procedimento inspectivo, tal como já
identificamos no capítulo dedicado aos direitos e deveres, nomeadamente o dever de
cooperação, bem como as consequências da sua violação.
A análise aqui efectuada tem por isso mais a ver com os limites a essa cooperação, ou seja, até
onde pode ir esta cooperação, até onde é exigiível essa cooperação.
412
Cfr. por exemplo, artigo 133.º do Código do IRS, artigo 127.º do Código do IRC, artigo 85.º do Código do IVA, artigo 128.º do
Código do IMI, artigos 48.º e 49.º do Código do IMT, artigos 56.º a 62.º do Código do Imposto do Selo, artigo 19.º do Código do
IUC.
413
De anotar que existem autores, como NOEL GOMES, que fazem a distinção entre deveres de colaboração e cooperação. Para o
Autor, os deveres de colaboração e os deveres de cooperação, ainda que com alguns pontos comuns, são duas realidade
diferentes, devendo a sua distinção ser feita «com base num critério – utilizado por alguma doutrina administrativista para
distinguir os contratos administrativos de colaboração dos de cooperação ou coordenação – que atenda à posição dos sujeitos na
relação jurídica tributária. De acordo com este critério, deve falar-se em deveres de colaboração quando entre os sujeitos
envolvidos exista uma posição de supra/infra ordenação entre as partes, e em deveres de cooperação, quando aqueles estão
numa posição de paridade». - GOMES, NOEL Segredo Bancário e Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, 2006.
192
De facto, esta cooperação pode, em determinadas situações expressamente previstas, ser
legitimamente recusada, sendo lícito ao sujeito passivo em tais situações opor-se à actuação da
inspecção. Essas situações vêm contempladas no n.º 5 do artigo 63.º da LGT e são:
No entanto, para além dos limites resultantes das causas de oposição ou recusa de cooperação
expressamente previstos na lei e acima enunciados, parece-nos igualmente de incluir neste lote,
ainda que não expressamente previsto na lei, o limite resultante do mencionado no capítulo
De notar que, até à publicação da lei n.º 37/2010, de 2 de Setembro, o segredo bancário constituía causa legítima de
414
oposição.
Cfr. artigo 47.º do RCPIT.
415
193
respeitante ao diploma do planeamento fiscal, princípio da limitação de custos que deve nortear
o princípio da cooperação e os deveres dele resultantes. Este princípio, relevante, deve pautar a
actuação da inspecção no sentido de que esta não pode, no decurso do procedimento, solicitar
quando entender, como entender e durante o período que entender (dentro do prazo de
caducidade) os elementos considerados pertinentes. O que significa, como aponta MAGÍN POINT
MESTRES, que no concerne ao princípio da cooperação e aos deveres dele decorrentes, as
garantias inerentes ao exercício da actividade inspectiva têm como limite o cumprimento do
princípio da limitação de custos, bem como o limite que impõe que a actuação inspectiva se
efectue da forma menos gravosa419. Este pensamento tem, parece-nos, subjacente para além de
uma ideia de proporcionalidade e necessidade uma ideia de razoabilidade. Ou seja, como afirma
JORGE REIS NOVAIS, ainda que abstractamente uma norma (neste caso que prevê o princípio da
cooperação e os deveres dele resultantes) «possa, em abstracto, ser razoável, a mesma, em
concreto, é susceptível de uma aplicação excessiva, desrazoável, na medida em que a exigência
ou o encargo que se impõe surge, nesse específico contexto, como excessivo, demasiado grave
ou injusto» . 420
Uma outra situação que nos parece pertinente abordar neste sede e que eventualmente poder-
se-ia considerar como um limite, prende-se com a questão do dever de cooperação do sujeito
passivo e o direito ao silêncio do arguido em processo penal, na medida em que o procedimento
inspectivo é, não raras vezes, o ―berço‖421 do processo penal tributário, já que é naquele em que
se detectam indícios da prática de crimes em matéria tributária422.
Cfr. MESTRES, MAGÍN PONT, Derechos y Deberes en el Procedimiento de Inspección Tributaria, Madrid, Marcial Pons, 2.ª Edição,
419
2007, pág. 349. O Autor fala em «limitación de costes indirectos derivados del cumplimiento de obligaciones formales».
420
Cfr. NOVAIS, JORGE REIS, As restrições aos Direitos Fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição , Coimbra,
Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2.ª edição, 2010, pág. 767.
421
MARQUES, PAULO, Infracções Tributárias, Volume I, Investigação Criminal, Lisboa, Ministério das Finanças e da Administração
Pública, Direcção Geral dos Impostos, Centro de Formação, 2007, pág. 169.
422
Sobre esta questão pode ver-se MARQUES, PAULO, Elogio do Imposto, a relação do Estado com os contribuintes, Coimbra,
Coimbra Editora/Wolters Kluwer, 2011, pág. 128-133; DÍAZ-PALACIOS, ALBERTO SANZ, El Derecho a no declarar contra sí mismo: la
articulación entre los procedimientos de gestión tributaria y el proceso penal por delito fiscal". In Revista Análisis Tributario, Perú,
2003, n.º 183, disponível em http://www.uclm.es/cief/Doctrina.htm.
194
Como já vimos, o sujeito passivo encontra-se obrigado a cooperar sob pena de, não o fazendo,
sujeitar-se a determinadas consequências, como o recurso à metodologia indirecta de tributação
e à respectiva contra-ordenação tributária que para o caso esteja prevista. Assim, como afirma
NUNO SÁ GOMES423, existe neste sede numa tensão dialéctica entre o direito ao silêncio em
processo penal e o dever de cooperação no procedimento de inspecção. Isto porque é a própria
Administração tributária que, no decurso do procedimento de inspecção, em que se impõe a
cooperação do sujeito passivo, exige-lhe que preste todos os esclarecimentos e forneça todos os
elementos, que pode também instaurar o competente inquérito criminal, caso existam indícios
da prática de crimes tributários. Ou seja, é o mesmo órgão que obteve e exigiu do sujeito
passivos todos os elementos, sob ameaça de tributação por métodos indirectos e da instauração
de processo de contra-ordenação, que simultaneamente tem o poder de instaurar o inquérito por
crime fiscal, quando em outras circunstância, nomeadamente se tivesse a condição de arguido
não seria obrigado a prestar por força do seu direito ao silêncio.
Esta questão sublinhe-se, tem sido submetida à apreciação do TEDH que tem vindo a
reconhecer expressamente que o direito a não declarar contra si mesmo se encontra
intimamente ligado à presunção de inocência previsto no artigo 6.º da CEDH. Esta posição é
bem patente, por exemplo, no caso Saunders vs. United Kingdom, de 17 de Dezembro de
1996425: «The Court recalls that, although not specifically mentioned in Article 6 of the Convention
(art. 6), the right to silence and the right not to incriminate oneself are generally recognized
international standards which lie at the heart of the notion of a fair procedure under Article 6 (art.
6). Their rationale lies, inter alia, in the protection of the accused against improper compulsion
by the authorities thereby contributing to the avoidance of miscarriages of justice and to the
fulfilment of the aims of Article 6 (…). The right not to incriminate oneself, in particular,
GOMES, NUNO SÁ, As garantias dos contribuintes: algumas questões em aberto, Cadernos de CTF, pág. 191 a 198.
423
Nos termos da alínea i) do n.º 2 do artigo 2.º do RCPIT, cabe à inspecção tributária a promoção, nos termos da lei, do
424
195
presupposes that the prosecution in a criminal case seek to prove their case against the accused
without resort to evidence obtained through methods of coercion or oppression in defiance of the
will of the accused. In this sense the right is closely linked to the presumption of innocence
contained in Article 6 para. 2 of the Convention (art. 6-2)» . Assim, no entendimento do TEDH
426
este direito à não auto-incriminação pressupõe que as autoridades demonstrem os factos sem
recorrer a provas obtidas através de métodos coercivos, devendo proporcionar ao ―acusado‖
protecção contra a coersão indevida exercida pelas autoridades.
Mas, será que existe mesmo esta tensão dialéctica entre o dever de cooperação que impende
sobre o sujeito passivo inspeccionado e o direito à não auto-incriminação do sujeito passivo
enquanto arguido? Ou dito, de outra forma, a questão que se coloca passa por aferir se é
admissível sancionar a conduta do agente com base em elementos fornecidos pelo próprio
sujeito passivo, ao abrigo do dever de cooperação, mas sob a ―ameaça‖ de em caso de
incumprimento, submeter-se às já descritas consequências.
Há quem sustente que o direito ao silêncio contemplado na alínea d) do n.º 1 do artigo 61.º do
CPP deve ser interpretado de forma restrita, no sentido de considerar que o mesmo se refere
apenas quando sejam solicitados esclarecimentos verbais ao arguido, ou seja, não abrangeria a
exibição de documentos. Contudo, não nos parece ser este o entendimento mais acertado, não
fazendo sentido distinguir entre declarações verbais e exibição de documentos. Parece-nos que o
direito ao silêncio abrange todas as situações que possam implicar a sua incriminação, não
sendo por isso o arguido obrigado a depor contra si mesmo nem produzir prova ou praticar
quaisquer actos que possam ser lesivos à sua pessoa.427.
Todavia, tal não implica que tais documentos não possam ser obtidos oficiosamente, no uso das
suas prerrogativas inspectivas de busca da verdade material e do inquisitório, até porque é o
próprio CPP, no seu artigo 174.º que prevê a possibilidade de recolha de elementos probatórios,
à revelia da vontade do arguido, sempre que se verificar a existência de indícios de que alguém
oculta quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, pode dar
origem a revista. Por outro lado, ao abrigo dos referidos princípios que também vigoram no
Neste sentido veja-se igualmente as decisões proferidas nos casos Heaney and McGuinness vs. Ireland, de 21 de Dezembro de
426
196
procedimento de inspecção, é essa a obrigação da Administração tributária que possui os meios
e tem a possibilidade de obter tais informações e elementos probatórios sem ter de o fazer
através da cooperação do sujeito passivo428. O procedimento de inspecção visa a recolha de
elementos que possibilitem o apuramento da situação tributária do sujeito passivo, sendo que,
caso este não colabore, é possível a recolha de elementos junto de terceiros. Isto para além de
não ser necessária a autorização da sujeito inspeccionado para a realização de todas as
diligências que se afigurem adequadas, sempre dentro do âmbito, extensão e fins do
procedimento.
Sobre esta questão pode ver-se MARQUES, PAULO, Elogio do Imposto, a relação do Estado com os contribuintes , Coimbra,
428
Ministério das Finanças, Direcção-Geral dos Impostos, Centro de Estudos Fiscais, Abril-Junho, 1999, pág. 94.
197
against the applicant and the fact that he may have lied in order to prevent the revenue
authorities from uncovering conduct which might possibly lead to a prosecution did not suffice to
bring the privilege against self-incrimination into play (…). Indeed, obligations to inform the
authorities are a common feature of the Contracting States' legal orders and may concern a wide
range of issues» . 430
BERTI, G., Procedimento, procedura, partecipazione, Scritti Guicciardi, in Studi in memoria di E. Guicciardi, Padova, 1975, pág.
431
801 e 802
CATALDI, GIUSEPPE, Il procedimento amministrativo nei suoi attuali orientementi giuridici, Volume 5 de Saggi, ricerche e studi di
432
198
imputados, confirmando-os ou refutando-os433. O princípio do contraditório é sobretudo
assegurado através do direito de audição prévia e pela possibilidade (e em alguns casos, pela
obrigação) do sujeito passivo, TOC e/ou ROC estarem presentes ou serem chamados durante o
procedimento de inspecção.
Como já afirmamos anteriormente o princípio da audiência previsto nos artigos 100.º e seguintes
do CPA, assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação consagrado no
artigo 8.º também do CPA, surgindo na sequência e em cumprimento do comando
constitucional estabelecido no n.º 4 do art. 267.º da CRP obrigando o órgão administrativo
competente a, de alguma forma, associar o administrado à preparação da decisão final,
transformando tal princípio em direito constitucional concretizado.
Além disso, e embora de forma informal, é possível vislumbrar, ainda antes da audição prévia, um contraditório concedido ao
434
sujeito passivo no procedimento de inspecção, já que o sujeito passivo pode pronunciar-se informalmente no decurso daquele.
199
não o fazendo, de preterição de formalidade essencial, susceptível de inquinar o acto de
liquidação adicional. A audição prévia constitui um dever imperativo da Administração e um
direito do sujeito passivo. Contudo, se para Administração se trata de uma obrigação – tem
obrigatoriamente de notificar o sujeito passivo para esse efeito -, no caso do sujeito passivo, este
não tem obrigatoriamente de exercer o seu direito, tratando-se assim de, do ponto de vista do
sujeito passivo, uma mera faculdade. O não exercício do direito de audição por parte do sujeito
passivo não pode por isso prejudicá-lo no exercício posterior de outros direitos e garantias,
nomeadamente o direito de reclamar e/ou impugnar o acto tributário. Uma vez que o direito de
audição já foi devidamente abordado no capítulo respeitante aos direitos e deveres, não iremos
acrescentar mais relativamente a este princípio.
No que diz respeito ao princípio da adequação de meios435, de acordo com J.J. GOMES CANOTILHO,
este princípio exige que «a medida adoptada para a realização do interesse público deve ser
apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes» , razão pela qual «a relação de
436
juízo de adequação determina que um meio apenas é admissível quando o mesmo for apto para
a realização de determinado fim, isto é, através deste visa-se aferir a potencialidade ou
Alguma doutrina, como JORGE REIS NOVAIS, denomina este como princípio da idoneidade ou da aptidão - NOVAIS, JORGE REIS, As
435
restrições aos Direitos Fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra
Editora, 2.ª edição, 2010, 2010, pág. 736.
CANOTILHO, J. J. GOMES, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 7.ª edição, 2003, pág. 269.
436
CANOTILHO, J. J. GOMES, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 7.ª edição, 2003, pág. 270.
437
MIRANDA, JORGE; Manual de Direito Constitucional, Tomo IV – Direitos Fundamentais, Coimbra, Coimbra Editora, 3.ª edição,
438
200
idoneidade de uma medida para prosseguir o fim para o qual vem determinada, o que
implica,que o órgão de controlo deverá aferir se existe uma relação lógica entre os meios
adoptados e o fim público prosseguido439.
este princípio assenta na denominada ―personal decision making‖. Se aplicarmos este conceito
ao procedimento de inspecção e aos actos nele praticados, através deste subprincípio exige-se
que a Administração tributária, na actuação inspectiva, tendo à sua disposição várias alternativas
para a prossecução do fim a que se encontra acometida, opte por aquele que seja menos lesivo
da esfera jurídica do contribuinte inspeccionado442.
Visto que se trata de um princípio que tem subjacente uma ideia de relatividade a doutrina tem
procurado concretizar e densificar este princípio de forma a conferir-lhe, nas palavras de J.J.
GOMES CANOTILHO, uma maior «operacionalidade prática», acrescentado-lhe alguns elementos, a
saber: «a) a exigibilidade material, pois o meio deve ser o mais ―poupado‖ possível quanto à
limitação dos direitos fundamentais; b) a exigibilidade espacial aponta para a necessidade de
limitar o âmbito de intervenção; c) a exigibilidade temporal pressupõe a rigorosa delimitação no
tempo da medida coactiva do poder público; d) «a exigibilidade pessoal significa que a medida
se deve limitar à pessoa ou pessoas cujos interesses devem ser sacrificados» . Deve por isso 443
Cfr. NOGUEIRA, JOÃO FÉLIX PINTO, Direito Fiscal Europeu – O paradigma da proporcionalidade, A proporcionalidade como critério
439
central da compatibilidade de normas tributárias internas com as liberdades fundamentais , Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra
Editora, 2010, pág. 100.
CANOTILHO, J. J. GOMES, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 7.ª edição, 2003, pág. 270.
440
MIRANDA, JORGE; Manual de Direito Constitucional, Tomo IV – Direitos Fundamentais, Coimbra, Coimbra Editora, 3.ª edição,
441
central da compatibilidade de normas tributárias internas com as liberdades fundamentais , Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra
Editora, 2010, pág. 103.
Cfr. CANOTILHO, J. J. GOMES, Direito Constitucional e Teoria da Constituição , Coimbra, Almedina, 7.ª edição, 2003, pág. 270.
443
201
pois esta necessidade pode comprometer a eficácia exigida na actividade inspectiva. O problema
que se coloca é se entre o leque de opções possíveis que a Administração dispõe, qualquer um
deles permite atingir o fim pretendido, mas com graus de eficácia diferente, ou seja, o fim a
prosseguir não é atingido com o mesmo grau de intensidade ou eficácia444.
subprincípio (a que o Autor também designa por racionalidade) implica ainda que «o órgão
competente proceda a uma correcta avaliação da providência em termos quantitativos (e não só
qualitativos); que a providência não fique aquém ou além do que importa para se obter o
resultado devido — nem mais, nem menos» . Este subprincípio trata de indagar acerca da
446
adequação (proporção) de uma relação entre dois termos ou entre duas grandezas variáveis e
comparáveis, isto é, de um lado a importância do fim que se pretende alcançar com a medida
restritiva e, do outro, a gravidade do sacrifício que se impõe com a restrição447. Este subprincípio
faz pelo, segundo JOÃO FÉLIX PINTO NOGUEIRA, a um exercício de ponderação, exercício esse que
deverá ter em «consideração, de um lado, os benefícios resultantes da medida (para o interesse
público) e, do outro, os inconvenientes (para a esfera jurídica do particular) provocados pela
Cfr. NOGUEIRA, JOÃO FÉLIX PINTO, Direito Fiscal Europeu – O paradigma da proporcionalidade, A proporcionalidade como critério
444
central da compatibilidade de normas tributárias internas com as liberdades fundamentais , Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra
Editora, 2010, pág. 104-105.
Cfr. CANOTILHO, J. J. GOMES, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 7.ª edição, 2003, pág. 270.
445
Cfr. MIRANDA, JORGE; Manual de Direito Constitucional, Tomo IV – Direitos Fundamentais, Coimbra, Coimbra Editora, 3.ª edição,
446
202
mesma. Sempre que os segundos forem superiores aos primeiros, a medida violará o crivo da
proporcionalidade em sentido estrito.» . 448
Cfr. NOGUEIRA, JOÃO FÉLIX PINTO, Direito Fiscal Europeu – O paradigma da proporcionalidade, A proporcionalidade como critério
448
central da compatibilidade de normas tributárias internas com as liberdades fundamentais, Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra
Editora, 2010, pág. 107.
449
Cfr. QUEIROZ, MARY ELBE, A Proporcionalidade no âmbito administrativo-tributário, in Revista de Finanças Públicas e Direito
Fiscal, n.º 3, Ano III, Setembro de 2010, Coimbra, Almedina, 2010, pág. 162.
Cfr. CANOTILHO, J. J. GOMES, Direito Constitucional e Teoria da Constituição , Coimbra, Almedina, 7.ª edição, 2003, pág. 272.
450
451
Cfr. CANAS, VITALINO, O princípio da proibição do excesso na Constituição: arqueologia e aplicações, in Perspectiva
Constitucionais — Nos 20 Anos da Constitução de 1976, Volume II, Coimbra, Coimbra Editora, 1997, pág. 634.
203
princípio da proporcionalidade se encontra ligado aos direitos fundamentais, na medida em que
estes apenas podem ser restringidos nos casos expressamente admitidos pela Constituição,
sendo que qualquer restrição ou limitação nesse domínio, ainda que constitucionalmente
autorizada, só será legítima se justificada pela salvaguarda de outro direito fundamental ou de
outro interesse constitucionalmente protegido, devendo observar as exigências impostas pelo
princípio da proporcionalidade e não podendo atingir o conteúdo essencial dos direitos
Como referem MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM,
constituindo este princípio um limite interno da discricionaridade administrativa, a actuação da
Administração que possa colidir com a posição jurídica dos administrados deve ser adequada e
apta à prossecução do interesse público, necessária ou exigível à satisfação daquele interesse, e
proporcional em relação ao custo/benefício. Sustentam ainda estes autores que as decisões da
Administração proferidas no seu âmbito não são inadequadas ou desproporcionadas em virtude
de os meios procedimentais usados serem inadequados ou desproporcionados, mas porque, em
Cfr. neste sentido, CAUPERS, JOÃO, Introdução ao Direito Administrativo, Lisboa, Âncora, 8.ª Edição, 2005, pág. 83. Anota o
452
Autor que este princípio consubstancia um importante instrumento de controlo do exercício dos poderes discricionários, visto que
possibilita um controlo objectivo de tais poderes, bem mais operativo do que o controlo subjectivo, restrito à busca dos motivos
determinantes da decisão, no quadro da investigação de poder.
204
razão disso, não foram considerados alguns pressupostos que o deviam ter sido ou foram
qualificados erroneamente, com a consequente ilegalidade decisória453.
Este princípio, no procedimento inspectivo assume uma dimensão positiva e uma dimensão
negativa. A dimensão positiva deste princípio impõe que na prática dos actos inspectivos,
existindo um leque de opções à disposição da Administração, a opção deverá recair sobre os
actos que se revelarem menos onerosos para o contribuinte, ou seja, a escolha deve impender
sobre os actos que causem o menor transtrono possivel. Na sua dimensão negativa este
princípio impõe que os actos inspectivos realizados se devem limitar ao estritamente necessário
aos objectivos a prosseguir, pelo que a Administração se deve abster de praticar todo e qualquer
acto que não sirva ou prossiga os fins a atingir455. Esta dupla dimensão pode também ainda ser
vista numa outra perspectiva, como assinala EDUARDO MUNIZ MACHADO: «Seguimos la concepción
de la mayoritaria doctrina en cuanto distingue en la proporcionalidad dos vertientes, auque
complementares entre si. Una dimensión del principio general de prohibición del arbitrio estatal,
y otra de concretización práctica de los diferentes derechos, intereses y garantías
constitucionales. En la primera hipótesis, tenemos una función esencialmente negativa o de
protección, constituyéndose en una norma de bloqueo, protegiendo el individuó de medidas
Cfr. OLIVEIRA, MÁRIO ESTEVES DE; GONÇALVES, PEDRO COSTA; AMORIM, J. PACHECO DE, Código de Procedimento Administrativo
453
Fiscal, n.º 3, Ano III, Setembro de 2010, Coimbra, Almedina, 2010, pág. 173.
455
Neste sentido, ALFARO, MARTINS, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária Comentado e Anotado,
Lisboa, Àreas, 2003, pág. 84-85.
205
estatales arbitrarias. En la segunda hipótesis, la proporcionalidad sirve como instrumento de
concretización de los principios consustanciados en la Constitución, asumiendo una postura
positiva» .456
Cfr. MACHADO, EDUARDO MUNIZ. Fundamentos constitucionales del poder de inspección de la administración tributaria española .
456
Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 701, 6 jun. 2005. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/6844>. Acesso em: 7
nov. 2010.
Tratam-se de factos que não eram conhecidos ou o devessem ser no momento da acção de inspecção ou que surgem após a
457
acção de inspecção.
Nos casos, por exemplo, de pedidos de reembolso de IVA.
458
206
transporte, registos contabilísticos e cópias ou extractos de actos e documentos de cartórios
notariais, conservatórias e outros serviços oficiais, relevantes para a definição e controlo da sua
situação tributária ou de terceiros.
De qualquer das formas, e atendendo ao que já foi enunciado, a aplicação deste princípio e os
critérios objectivos que devem balizar a prática dos actos de inspecção, poderemos dizer que
estes devem, em primeiro lugar, traduzir sempre uma adequação de meios de forma a que seja
possível identificar e enquadrar a sua prática em função das normas legais que os prevêem; os
actos de inspecção devem ser os necessários, ou seja o menos onerosos de forma a que os
Cfr. NOGUEIRA, JOÃO FÉLIX PINTO, Direito Fiscal Europeu – O paradigma da proporcionalidade, A proporcionalidade como critério
461
central da compatibilidade de normas tributárias internas com as liberdades fundamentais , Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra
Editora, 2010, pág. 109.
207
direitos, liberdades e garantias sejam restingidos o menos possível, o estritamente necessário;
os actos de inspecção devem traduzir um equilíbrio entre os meios utilizados e os fins a
prosseguir.
Deve por isso a actuação inspectiva adoptar a intervenção mínima na esfera particular, tentando
dimensionar e identificar o grau de lesão sofrida pelo bem tutelado que justificar o prejuízo a ser
imposto ao contribuinte. É certo que o controlo exercido pela inspecção é realizado em nome do
interesse público, da justiça e igualdade fiscal, e da arrecadação de receitas, mas tal não
justifica que na sua actuação se deixem de pura e simplesmente desconsiderar outros valores,
também eles de interesse público, e que constituem pilares do nosso ordenamento jurídico462.
Neste sentido, QUEIROZ, MARY ELBE, A Proporcionalidade no âmbito administrativo-tributário, in Revista de Finanças Públicas e
462
Direito Fiscal, n.º 3, Ano III, Setembro de 2010, Coimbra, Almedina, 2010, pág. 171 e 173.
208
6.3. LIMITES TEMPORAIS
Em termos de limites temporais podemos desde logo distinguir entre limites aos actos de
inspecção propriamente ditos, ou seja, em sede de procedimento de inspecção externo, em que
horário podem os mesmos ser praticados e limites ao próprio procedimento de inspecção.
Quanto a este último, o mesmo será analisado de forma autónoma no segmento referente ao
prazo do procedimento de inspecção e a sua relevância no prazo de caducidade do direito à
liquidação.
Assim, quanto ao horário dos actos de inspecção, a prática destes encontra-se limitada ao
horário normal de funcionamento da actividade empresarial ou profissional, não podendo os
funcionários encarregues da prática de tais actos permanecer nas instalações do sujeito passivo
inspeccionado fora desse horário, nos termos do artigo 35.º n.º 1 do RCPIT, salvo se tiver obtido
consentimento do sujeito passivo nesse sentido e tal se afigure necessário face às circunstâncias
do caso concreto que assim o justifiquem (n.º 2 do artigo 35.º do RCPIT). Caso não tenha sido
obtido consentimento do sujeito passivo para a realização de actos fora do referido horário
normal de funcionamento, e ainda que as circunstâncias concretas do caso assim o justifiquem,
essa prática apenas pode ocorrer mediante autorização judicial nesse sentido (n.º 3 do artigo
35.º do RCPIT). Como nota MARTINS ALFARO463, desde que a inspecção decorra no horário normal
de funcionamento da actividade do sujeito passivo inspeccionado, este não pode limitar ou
restringir o horário de permanência dos funcionários nas suas instalações464.
Um outro limite temporal vem previsto, não no RCPIT, mas na LGT, designadamente no n.º 4 do
artigo 63.º deste diploma, nos termos do qual só pode «haver mais que um procedimento
externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e
período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente
máximo dos serviços, salvo se a inspecção visar apenas a confirmação dos pressupostos de
direitos que o contribuinte invoque perante a Administração tributária, e sem prejuízo do
apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspecção ou inspecções
dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas». Este limite visa obstar a que o
Cfr. ALFARO, MARTINS, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária Comentado e Anotado, Lisboa, Àreas,
463
RAPGIT.
209
sujeito passivo seja objecto de sucessivas inspecções, ou seja, trata-se de um limite que visa
conferir estabilidade à relação jurídico–tributária, constituindo dessa forma um limite à
discricionaridade da Administração tributária.
Importa por isso esmiuçar aqui o que se deve entender por factos novos, acompanhando de
perto a posição conhecida e adoptada pela jurisprudência nesta matéria, nomeadamente a
plasmada no acórdão do TCA Norte de 20-12-2005 (processo n.º 00079/02) e segundo a qual
só podem ser considerados como factos novos aqueles que a administração fiscal tome
conhecimento após o primeiro procedimento inspectivo. Note-se que somente releva para este
conceito de factos novos aqueles que chegam ao conhecimento da Administração após a acção
de inspecção, por contraposição aos factos novos que a Administração, embora só tome
conhecimento dos mesmos após a inspecção, poderia ter tomado conhecimento através dos
elementos obtidos no decurso da inspecção465.
Assim, se, objectivamente, a Administração podia e devia ter tomado conhecimento de tais
factos, não poderá posteriormente servir-se deles para realizar uma nova acção de fiscalização.
Parece-nos que se fosse consentido à Administração a realização de uma nova inspecção por
factos que apesar de novos, aquela tinha a obrigação deter tomado conhecimento aquando da
prática dos actos inspectivos, nomeadamente a recolha de elementos, estar-se-ia a onerar o
contribuinte com uma nova inspecção e a premiar a actuação pouco diligente e pelos erros
cometidos pela Administração na inspecção, o que nos parece uma actuação desconforme ao
princípio da proporcionalidade. Como se escreve no atrás citado acórdão, «Numa segunda acção
465
Cfr. neste sentido CAMPOS, DIOGO LEITE DE; RODRIGUES, BENJAMIM DA SILVA; SOUSA, JORGE LOPES DE, Lei Geral Tributária comentada e
anotada, Lisboa, Vislis, 3ª edição, 2003, pág. 309. Como nota estes autores, «embora a letra desta disposição não seja explícita
neste sentido, a solução que melhor se harmoniza com a razão de ser desta restrição dos poderes de fiscalização, indicada na
anotação anterior, é a de que não podem considerar-se factos novos aqueles que poderiam ter sido conhecidos pelos serviços de
fiscalização na anterior acção fiscalizadora. O princípio da proporcionalidade, expressamente invocado no n.º 3 do art. 63.º (e
também nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), impõe à administração tributária o dever de só incomodar os
contribuintes na medida do estritamente necessário para os fins que tem em vista e, por isso, ela deve agir com diligência no
cumprimento dos seus deveres de fiscalização, apurando adequadamente tudo o que deve averiguar no âmbito da inspecção,
não sendo admissível, por força daquele princípio, que, se ela não for suficientemente diligente no cumprimento dos seus
deveres, seja o inspeccionado a suportar os inconvenientes dessa falta de diligência, sem que esta falta tenha qualquer
consequência para a administração tributária» Neste sentido ponde ainda ver-se GUERREIRO, ANTÓNIO LIMA, Lei Geral Tributária
Anotada, Lisboa, Rei dos Livros, 1999, pág. 294.
210
inspectiva externa a Administração Fiscal não pode, por lhe não ser consentido pelo n.º 3 do
artigo 63.º da LGT, em relação ao mesmo sujeito passivo, conhecer de factos que, à luz dos
deveres normais de diligência da inspecção tributária, devia conhecer, posto que não tivesse
efectivamente conhecido, aquando da realização da primeira acção.».
Por fim, um outro limite temporal é aquele que resulta do previsto no artigo 64.º do RCPIT, caso
o sujeito passivo inspeccionado solicite ao Director-Geral dos Impostos que sancione as
conclusões do relatório de inspecção. Trata-se pois de um limite que não resulta
automaticamente da lei, estando antes dependente de um impulso por parte do sujeito passivo.
Assim, caso o sujeito passivo o requeira466, e quer o pedido seja expressa ou tacitamente
deferido, a Administração tributária fica vinculada ao vertido no relatório, não podendo proceder
relativamente ao sujeito passivo inspeccionado em sentido diverso do teor das conclusões do
relatório nos três anos seguintes ao da data da notificação das conclusões (n.º 4 do artigo 64.º
do RCPIT). Nesta situação estamos também na presença de uma manifestação do princípio da
segurança jurídica467, como forma de assegurar a estabilidade da relação jurídico-tributária.
Porém, a parte final do referido preceito prevê uma excepção ao limite temporal de três anos,
nos casos em que, posteriormente à inspecção, a Administração apurar posteriormente
simulação, falsificação, violação, ocultação ou destruição de quaisquer elementos fiscalmente
relevantes relativos ao objecto da inspecção, isto é, nestes casos aquela eficácia vinculativa do
relatório cessa.
Parece-nos no entanto que esta excepção colide com o previsto no artigo 63.º n.º 4 da LGT,
acima abordado, nomeadamente quanto à questão dos ―factos novos‖ que possibilitam a
realização de uma nova inspecção. Isto porque os factos que fazem cessar a limitação temporal
de três anos da eficácia relativa do relatório de inspecção, parecem-nos factos que a
Administração tem obrigação de conhecer no decurso do procedimento de inspecção, ou seja, é
de aplicar aqui a doutrina acima citada, por força do princípio da segurança jurídica. Assim, tais
Nos termos do n.º 2 do artigo 64.º do RCPIT o contribuinte deverá solicitar o sancionamento no prazo de 30 dias após a
466
notificação das conclusões do relatório e deverá, também, identificar as matérias sobre as quais pretende que recaia aquele
sancionamento, considerando-se o pedido tácitamente deferido se a DGCI não se pronunciar notificando o interessado no prazo
de seis meses, a contar da data da entrada do pedido.
Cfr. neste sentido, CAMPOS, DIOGO LEITE DE; RODRIGUES, BENJAMIM DA SILVA; SOUSA, JORGE LOPES DE, Lei Geral Tributária comentada
467
e anotada, Lisboa, Vislis, 3.ª edição, 2003, pág. 603: «A presente norma prevê uma nova possibilidade de vinculação da
Administração Tributária perante os sujeitos passivos e outros obrigados tributários, que é reclamada pela necessidade de
segurança jurídica destes.»
211
factos não podem fazer cessar a eficácia vinculativa do relatório pois podiam e deviam ter sido
conhecidos no decurso da inspecção, não podendo por isso ser considerados factos novos468.
Nesta questão há que distinguir desde logo dois limites temporais: um diz respeito ao prazo para
se iniciar o procedimento de inspecção, enquanto o outro diz respeito ao próprio prazo de
duração do procedimento de inspecção.
Quanto ao limite temporal do próprio procedimento de inspecção, nos termos do artigo 36.º n.º
2 do RCPIT, o procedimento de inspecção é contínuo e, uma vez iniciado, não poderá, regra
geral, ultrapassar o período máximo de seis meses. Contudo, é possível prorrogar este prazo por
mais dois períodos de três meses469. Assim, na prática, o procedimento de inspecção pode, no
limite, atingir a duração máxima de um ano. Tal no entanto só será possível desde que
cumpridas as condições previstas no n.º 3 do artigo 36.º do RCPIT, ou seja: estarem em causa
situações tributárias de especial complexidade, resultante, nomeadamente do volume de
468
Diferente entendimento tem ALFARO, MARTINS, ao entender que «A garantia que a eficácia vinculativa aporta à entidade
inspeccionada é menos importante do que parece à primeira vista. Com efeito – e independentemente da atribuição de eficácia
vinculativa – o artigo 63º, nº 3 da Lei Geral Tributária restringe basicamente a realização de procedimentos externos de
inspecção sucessivos à ocorrência de factos novos.
Por outro lado, a eficácia vinculativa das conclusões do relatório cessará sempre que se apure posteriormente à conclusão do
procedimento ter ocorrido simulação, falsificação, violação, ocultação ou destruição de quaisquer elementos fiscalmente
relevantes, relativos ao objecto da inspecção. Ora, uma vez que se trata de factos apurados ―posteriormente‖, trata-se, então, de
factos novos. Dito de outro modo, mesmo quando seja atribuída eficácia vinculativa às conclusões do relatório de inspecção, esta
eficácia não abrangerá os factos novos decorrentes de simulação, falsificação, violação, ocultação ou destruição de quaisquer
elementos fiscalmente relevantes, relativos ao objecto da inspecção. E assim sendo, a garantia conferida pelo artigo sob
anotação acaba, afinal, por consistir essencialmente em impedir a abertura de novo procedimento de inspecção apenas quanto a
factos novos que não decorram de simulação, falsificação, violação, ocultação ou destruição de quaisquer elementos fiscalmente
relevante, relativos ao objecto da inspecção.» - Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária Comentado e
Anotado, Lisboa, Àreas, 2003, pág. 469.
Em Espanha, o prazo máximo de duração do procedimento de inspecção é de doze meses, podendo ser prorrogado por outro
469
212
operações, quando se apure na acção inspectiva ocultação dolosa de factos ou rendimentos, nos
casos em que a Administração tributária tenha necessidade de recorrer aos instrumentos de
assistência mútua e cooperação administrativa internacional e quando existam outros motivos de
natureza excepcional mediante autorização do Director-Geral dos Impostos. Em qualquer destas
situações, a prorrogação da procedimento de inspecção é notificada ao sujeito passivo
inspeccionado, com indicação previsível do termo do procedimento. A notificação da prorrogação
deverá ser efectuada antes da emissão da nota de diligência que, recorde-se, determina o fim da
prática dos actos de inspecção (mas não do procedimento de inspecção). Apesar da lei ser
omissa quanto ao momento em que deve ser notificada a prorrogação, faz sentido que seja
antes da nota de diligência, já que esta pressupõe que todas os actos de recolha de elementos
tenha terminado, e a prorrogação pressupõe que se considerou necessário dispor de mais
tempo precisamente para essa mesma recolha e análise de elementos.
Como acima se disse, regra geral o prazo de conclusão do procedimento não pode ser suspenso
com excepção das seguintes situações:
- Nos casos em que ocorra uma dilação do procedimento, imputável ao sujeito passivo, por
incumprimento dos seus deveres de cooperação (artigo 57.º n.º 4 da LGT);
213
casos, a suspensão decorre entre a data da interposição do recurso ou da decisão judicial até ao
trânsito em julgado da decisão (artigo 36.º n.º 5 do RCPIT). Tal significa que, nos termos do n.º
3 do artigo 63.º da LGT, o sujeito passivo terá recusado a exibição ou autorização de
documentos bancários470 e, face à decisão da Administração de aceder a essa informação
através da derrogação do sigilo bancário, o sujeito passivo recorreu, com eficácia suspensiva
(artigo 63.º-B n.º 5 da LGT)471.
Esta é talvez uma das questões que, em sede de procedimento de inspecção tem gerado mais
conflitos e, nessa medida, mais tem sido alvo de apreciação por parte da nossa jurisprudência. E
470
Consideram-se, nos termos do artigo 63.º-B n.º 10 da LGT, documentos bancários qualquer documento ou registo,
independentemente do respectivo suporte, em que se titulem, comprovem ou registem operações praticadas por instituições de
crédito ou sociedades financeiras no âmbito da respectiva actividade.
471
De referir que, também nos termos do n.º 5 do artigo 36.º do RCPIT, o pedido judicial de acesso a informação bancária
relevante relativa a familiares e terceiros que se encontrem em relação especial com o sujeito passivo, suspende o prazo do
procedimento de inspecção.
214
esta tem sido pacífica e uniforme quanto à única consequência a retirar do incumprimento de tal
prazo de seis meses: e esta é que, uma vez que o prazo de caducidade do direito à liquidação se
suspende com o início do procedimento, cessa este efeito suspensivo, contando-se o prazo
desde o início, como se a mesma não tivesse ocorrido. Assim, a única consequência para
inobservância do prazo de seis meses é apenas e só a não suspensão do prazo de caducidade,
nos termos do n.º 1 do artigo 46.º da LGT, não tendo esse incumprimento qualquer outra
consequência, nomeadamente em termos de vício que possa afectar a própria liquidação472. Por
outras palavras, a ultrapassagem do prazo do procedimento inspectivo não consubstancia vício
invalidade da liquidação, não se comunicando a esta.‖473. Como se refere no acórdão do STA de
29-11-2006, processo n.º 0695/06, «tudo se passa como se não tivesse sido feita a inspecção,
correndo o prazo de caducidade continuamente e sem qualquer suspensão» 474. Além disso esta
questão já foi inclusivamente submetida à apreciação do Tribunal Constitucional, que no seu
acórdão n.º 457/08, de 25-09-2008, se pronunciou pela não inconstitucionalidade. Há no
entanto que sublinhar a existência de um acórdão, embora nos pareça uma posição isolada,
num caso em que o prazo de seis meses de duração do procedimento foi ultrapassado, o
mesmo teve como consequência a atribuição de um efeito invalidante da liquidação – acórdão
do TCA Sul de 09-12-2008, processo n.º 02504/08.
Contudo, a propósito deste artigo 46.º n.º 1 da LGT, para se aferir se o prazo de seis meses foi
ou não ultrapassado afigura-se necessário apurar com precisão a data de inicio e fim do
procedimento, partindo do pressuposto que estes são os momentos determinantes para
contagem de tal prazo. Vejamos primeiro quais os pressupostos para que possa ocorrer a
suspensão do prazo de caducidade475. A redacção do referido preceito prevê que: «O prazo de
Neste sentido, vide GUERREIRO, ANTÓNIO LIMA, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, Rei dos Livros, 1999, pág. 221-222.
472
Além disso, nem esse incumprimento do prazo põe em causa a caducidade do direito à liquidação. A propósito desta situação,
473
a mesma estava prevista no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, na redacção dada pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho que previa que,
uma vez instaurado o procedimento de inspecção tributária, o direito de liquidar os tributos incluídos no âmbito da inspecção
caduca no prazo de seis meses após o termo do prazo fixado para a sua conclusão, sem prejuízo das prorrogações previstas no
RCPIT. O que significava que, ao abrigo desta disposição, uma vez concluído o procedimento de inspecção, previsto no artigo
36.º do RCPIT, a Administração tributária dispunha de seis meses para notificar a liquidação adicional, sob pena de, não o
fazendo, caducar o direito à liquidação do imposto. No entanto esta norma foi posteriormente revogada pela Lei n.º 32-B/2002,
de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2003).
474
Neste sentido pode ver-se também acórdão do TCA Sul de 24-05-2011, processo n.º 04311/10: «A ultrapassagem do prazo
de duração do procedimento de inspecção não culmina de anulação a posterior liquidação, mas tão só o de não contar como
período de suspensão no decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação ». Podem ainda ver-se os acórdãos do STA de
27-02-2008, processo n.º 0955/07, de 07-05-2008, processo n.º 0102/08, de 04-06-2008, processo n.º 0103/08, de 10-12-
2008, processo n.º 080/08.
Convém referir que, estando em causa a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação, e na medida em que a
475
caducidade constitui uma garantia dos contribuintes, o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 84/2003, processo n.º
531/99) apreciou a eventual ilegalidade ou inconstitucionalidade da norma prevista na alínea 18) do artigo 2.º da Lei n.º 4/98
215
caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte nos termos legais, da ordem de
serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito,
contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o
prazo de seis meses, após a notificação».
Tem pois toda a relevância relembrar aqui o que foi dito a propósito da classificação do
procedimento de inspecção, nomeadamente quanto ao lugar (procedimento interno e
procedimento externo), bem como todas as considerações quanto à sua qualificação formal face
aos actos material e efectivamente praticados. Assim, para efeitos de suspensão do prazo de
caducidade, só o início do procedimento de inspecção externo, consubstanciado na notificação
do mesmo ao sujeito passivo (através da assinatura da respectivo ordem de serviço) e a prática
posterior dos correspondentes actos materais de inspecção (recolha, análise, verificação,
comprovação de elementos) determinam a suspensão do prazo476. Por outras palavras, e como
afirmam de forma certeira NUNO DE OLIVEIRA GARCIA e RITA CARVALHO NUNES, a suspensão do prazo
de caducidade do direito à liquidação não decorre automaticamente da mera abertura do
procedimento de inspecção externo, nomeadamente se posteriormente se constatar que não
foram praticados os necessários actos de inspecção477. Como dissemos no capítulo deste estudo
de 4 de Agosto – lei de autorização legislativa – e, em consequência, do artigo 46.º n.º 1 da LGT. A referida autorização
legislativa mencionava a necessidade de revisão dos pressupostos da suspensão do prazo de caducidade e da interrupção da
prescrição. O TC, embora reconheça que a referida norma não esclareça os termos que devem configurar os pressupostos da
suspensão do prazo de caducidade da liquidação, tal não significa que tenha de existir uma norma autorizadora a dizê-lo.
Neste sentido, vide GUERREIRO, ANTÓNIO LIMA, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, Rei dos Livros, 1999, pág. 222.
476
477
Cfr. GARCIA, NUNO DE OLIVEIRA e NUNES, RITA CARVALHO, Inspecção Tributária Externa e a Relevância dos Actos Materiais de
Inspecção, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, n.º 1, Ano IV, Março de 2011, Coimbra, Almedina, 2011, pág. 257.
Sendo certo que, como referem os mesmos autores, não pode ser considerado como acto material de inspecção a deslocação
dos serviços de inspecção para notificação do sujeito passivo do início do procedimento de inspecção, ou seja. A deslocação para
assinatura da ordem de serviço que determina a abertura do mesmo. Este é também o entendimento de DIOGO LEITE DE CAMPOS,
BENJAMIM SILVA RODRIGUES, JORGE LOPES DE SOUSA que afirmam que o período de seis meses não é o da efectiva inspecção mas o
216
relativo à natureza e tipologia dos actos de inspecção, os actos materiais de inspecção realizados
no decurso do procedimento de inspecção externo, traduzem-se na recolha material e física de
elementos de informação, documentos, e eventualmente bens do sujeito passivo (como
compuitadores) bem com a análise comparativa entre os elementos recolhidos com elementos
dos quais a Administração já dispunha anteriormente.
Assim, temos como pressupostos da suspensão, por um lado, que esteja em causa uma acção
de inspecção externa, ou seja, em que os actos de inspecção são total ou parcialmente
praticados nas instalações dos sujeitos passivos, e, por outro, que a mesma acção não
ultrapasse o prazo de seis meses de duração (salvo nos casos de prorrogação devidamente
justificada e fundamentada). Há pois que apurar, para aferir este prazo, quais os momentos que
marcam o início e fim deste prazo. E é aqui que se podem gerar muitas dúvidas. Isto porque, a
redacção da lei não é clara, deixando margem de interpretação. É que a lei fala, para efeitos de
suspensão do prazo de caducidade em ―acção de inspecção externa‖ e não em ―procedimento
de inspecção‖. Verifica-se pois uma imprecisão terminológica que convém esclarecer. É que
início e fim da acção de inspecção e início e fim do procedimento de inspecção não coincidem
totalmente. O início do procedimento ocorre na data em que é assinada a ordem de serviço
(artigo 46.º n.º 3 e 57.º n.º s 1 e 2 da LGT) ou em que é assinado o despacho pelo superior
hierárquico que determinou a realização do procedimento ou determinou a prática do acto
(artigo 46.º n.ºs 4, 5 e 6 e artigo 51.º)478. Neste caso, o início do procedimento e o início da
acção inspectiva coincidem temporalmente. Mas o mesmo já não sucede com o seu termo.
que decorre desde a notificação, pressupondo que tenha havido uma inspecção externa efectiva, pois se esta não se seguir à
notificação, não haverá qualquer suspensão do prazo de caducidade - Lei Geral Tributária comentada e anotada, Lisboa, Vislis,
3.ª edição, 2003., pág. 212.
478
Esta situação é hoje clara face à letra do n.º 2 do artigo 51.º do RCPIT, redacção esta resultante da alteração introduzida pela
Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto. Porém, nem sempre foi assim, pois até à introdução desta redacção não era pacífico o
entendimento sobre qual a data que determinava o início formal do procedimento de inspecção. Nos termos da anterior redacção
do artigo 51.º estabelecia-se que «da ordem de serviço ou de despacho que determinou o procedimento de inspecção, será no
início deste, entregue uma cópia ao sujeito passivo ou obrigado tributário » (n.º 1) e «o sujeito passivo ou obrigado tributário ou o
seu representante devem assinar a ordem de serviço indicando a data da notificação» (n.º 2). A jurisprudência entende – ver
entre outros acórdãos do TCA Sul de 09-06-2009, processo n.º 02729/08, de 06-10-2009, processo n.º 02941/09 - que até à
alteração do artigo 51.º do RCPIT, o termo inicial da contagem do prazo para a conclusão do procedimento de inspecção conta-
se desde a data em que tal início foi notificado ao sujeito passivo, nos termos do artigo 49.º do RCPIT, ou seja, desde a data da
notificação da carta-aviso e não desde a data da ordem de serviço ou despacho que determinou o procedimento. Por sua vez,
MARTINS ALFARO, considera ser a notificação prevista no artigo 51.º (na redacção anterior) que «marca , formalmente, o início do
procedimento externo de inspecção - Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária Comentado e Anotado,
Lisboa, Áreas, 2003, pág. 377.
217
ou seja, é nesta data que se pode aferir o cumprimento ou não do prazo de seis meses. De facto
a conclusão do procedimento ocorre com a notificação do relatório final. Mas, para efeitos de
contagem do prazo de caducidade, não é tão líquido assim que o momento determinante seja a
notificação do relatório de inspecção. Isto porque antes da notificação do relatório, ocorre a
notificação da nota de diligência que dá a conhecer ao sujeito passivo a conclusão da prática dos
actos de inspecção, ou seja, da acção inspectiva propriamente dita, mas não do procedimento
de inspecção. Para a Administração tributária, esta nota de diligência determina apenas a
conclusão da prática de actos de inspecção, fazendo iniciar a contagem do prazo de dez dias
para efeitos de notificação do projecto de conclusões do relatório, ou seja, conclui-se apenas
uma das fases do procedimento de inspecção. Tem sustentado a Administração que o artigo
46.º n.º 1 da LGT ao mencionar a expressão ―duração da inspecção externa‖, para efeitos de
determinação do prazo de seis meses aferido entre o início e o fim do procedimento, este se
refere ao início do procedimento de inspecção, que se afere pela assinatura da ordem de serviço
ou despacho (artigo 51.º do RCPIT) e o fim do procedimento, aferido através da data de
notificação do relatório final de inspecção (artigo 61.º do RCPIT).
De referir que este prazo de seis meses é um prazo limite, o qual não pode ser ultrapassado,
sob pena de não ocorrer a suspensão do prazo de caducidade. Tal significa que se a acção
Neste sentido pode ainda ver-se os acórdãos do STA dde 07-12-2005, processo n.º 993/05, de 02-02-2006, processo n.º
479
218
inspectiva durar efectivamente menos de seis meses, o prazo de inspecção, conforme se refere
no acórdão do STA de 07-12-2005, processo n.º 0993/05, corresponde ao prazo efectivo:
―compreende-se que o prazo de caducidade se suspenda durante a inspecção, tendo o
legislador entendido ser suficiente, para o efeito, o prazo de seis meses – artigo 36.º n.º 2 do
RCPIT – por modo que, a ser ultrapassado, não há suspensão. Mas tal desiderato – de o prazo
de caducidade não correr enquanto a Administração Fiscal colhe elementos para esclarecer a
situação tributária do contribuinte (que no entendimento legal, é de seis meses) – não exige
mais que a suspensão do prazo pelo período de inspecção. Resta é saber se, é o prazo de
duração efectiva do procedimento de inspecção ou se é o prazo de duração efectiva dos actos de
inspecção externa. No entendimento do acórdão acima citado (de 07-12-2005, processo n.º
0993/05), contrariando a Administração tributária e a maioria da jurisprudência, entendeu-se
que a suspensão apenas decorreu entre a data da assinatura da ordem de serviço pelo sujeito
passivo e a data da emissão da nota de diligência que deu por concluída a prática dos actos de
inspecção muito embora no aresto em causa não se tenha desenvolvida argumentação que a
explicasse a opção do julgador (esta conclusão retira-se da matéria de facto dado como provada
na decisão em causa),
Para além do referido acórdão – que aparece como uma decisão isolada e em sentido contrário
de outras decisões –, esta posição é também sustentada por JOÃO RICARDO CATARINO480, com a
qual concordamos e que por isso acompanharemos de perto. Como refere o referido Autor, o
conceito de «acção de inspecção externa» não coincide com o conceito de «procedimento de
inspecção», pois a acção de inspecção integra o procedimento, constitui uma das fases deste,
nomeadamente a da prática dos actos de inspecção. Assim, uma vez que o artigo 46.º n.º 1 da
LGT se refere expressamente a «acção de inspecção externa», parece-nos que, para efeitos do
termo da suspensão do prazo de caducidade o momento a considerar é o da notificação da
conclusão dos actos inspecção, nos termos do artigo 61.º n.º 1 do RCPIT.
É certo que esta conclusão da prática dos actos de inspecção externa não configura o fim do
procedimento, o qual, de acordo com o n.º 2 do artigo 62.º do RCPIT, só se conclui com a
notificação do relatório final ao contribuinte. Mas isso não significa que seja este o momento
determinante para efeitos do artigo 46.º n.º 1 da LGT, ou seja, a eficácia suspensiva da
Cfr. CATARINO, JOÃO RICARDO, A necessidade de densificação da «acção de inspecção externa» , in Revista TOC n.º 128, Ano XI,
480
219
inspecção externa apenas se mantém entre o início da acção de inspecção (que como já vimos
coincide com o início do procedimento) e a notificação da conclusão dos actos de inspecção,
não se mantendo por isso para além desta e até à notificação do relatório final. Para JOÃO
RICARDO CATARINO, «o que se dispõe no RCPIT ajuda-nos a densificar o conceito de ―procedimento
de inspecção‖ mas deve ser articulado com a expressão ―inspecção externa‖ prevista no artigo
46.º da LGT. A leitura conjugada dos artigos 60.º, 61.º e 62.º do RCPIT permite concluir que
nele se distingue entre ―actos de inspecção‖, ―procedimento de inspecção‖ e ―relatório de
inspecção‖. O artigo 61.º do RCPIT dispõe que os actos de inspecção se consideram concluídos
na data de notificação da nota de diligência emitida pelo funcionário incumbido do procedimento
de inspecção. Quer isto dizer que, no termo da acção de inspecção, o funcionário está obrigado
a elaborar a nota de diligência desse termo e a notificá-la ao contribuinte inspeccionado» . Esta 481
nota escrita – notificação da conclusão dos actos – visa, segundo o Autor, «dar a conhecer,
entre outros, o momento exacto dessas diligências externas de inspecção. E com isso, permitir-
lhe controlar o tempo de suspensão do prazo de caducidade previsto no artigo 46.º da LGT».
Parece-nos fazer sentido que assim seja, pois o objectivo do legislador terá sido no sentido de
atribuir eficácia suspensiva do prazo de caducidade aos actos de inspecção propriamente ditos,
de recolha e análise de elementos, - que correspondem à acção de inspecção externa –
deixando de fora os actos internos posteriores que se seguem à conclusão dos actos externos. É
que sendo um dos elementos interpretativos das normas, a unidade do sistema jurídico (artigo
9.º do Código Civil)482, não podemos esquecer que o procedimento de inspecção interno – leia-se
prática de actos de inspecção internos – não tem qualquer efeito suspensivo do prazo de
caducidade, pelo que a atribuição dessa eficácia a esses actos, ainda que integrados num
procedimento externo, não parecem fazer sentido. No entendimento do citado Autor, a fazer
vencimento a tese de que a eficácia suspensiva se prolonga por todo o procedimento de
inspecção e não apenas pela acção de inspecção externa (como aliás a própria lei o prevê
expressamente) a mesma não tem correspondência com o sentido literal, lógico e sistemático da
lei483.
481
Cfr. CATARINO, JOÃO RICARDO, A necessidade de densificação da «acção de inspecção externa» , in Revista TOC n.º 128, Ano XI,
Novembro de 2010, pág. 58.
482
De acordo com o artigo 9.º do Código Civil, interpretar a lei é fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja,
determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o
verdadeiro sentido e alcance da lei - ANDRADE, MANUEL, Ensaio Sobre a Interpretação das Leis, Coimbra, Arménio Amado, 3.ª
edição, 1978, págs. 21 a 26.
483
Aliás, a propósito das regras de interpretação da lei, e embora determine o n.º 1, do artigo 9.º do Código Civil, que à actividade
interpretativa não basta o elemento literal das normas e que é essencial a vontade do legislador, captável no quadro do sistema
jurídico, das condições históricas da sua formulação e, numa perspectiva actualista, na especificidade do tempo em que são
220
6.4. LIMITES ESPACIAIS
Como já se disse, nos termos do artigo 63.º n.º 1 alínea a) da LGT e 28.º n.º 2 alínea a) do
RCPIT, uma das garantias do exercício da actividade inspectiva passa pelo acesso às instalações
e dependências da entidade inspeccionada pelo período de tempo necessário ao seu exercício.
Porém este acesso não é ilimitado e absoluto.
Desde logo e à cabeça surgem os limites impostos pela própria delimitação da competência
territorial da inspecção tributária que resulta do artigo 16.º do RCPIT. Este preceito define como
critério de atribuição de competência territorial, quanto aos serviços periféricos regionais e locais
a localização do domicílio ou sede dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários484.
Esta fixação de competência territorial pode no entanto sofrer alguns desvios que passam pela
atribuição de competência independentemente da localização da sede ou domicílio dos sujeitos
passivos a inspeccionar. Uma primeira situação prende-se com a atribuição de competência
directamente aos serviços centrais (DSIT) relativamente a sujeitos passivos designados pelo
Director-Geral dos Impostos, bem como os que constem de despacho publicado no Diário da
República485. Esta metodologia de inspecção encontra-se relacionada com o denominado
acompanhamento permanente, que é focada e dirigida aos sujeitos passivos de maior
relevância, isto é, aqueles contribuintes que apresentam um maior volume de facturação, que
integram sectores de actividade económica que apresentam maior índíce e risco de fuga e
evasão fiscal, bem como grupos de sociedades que optaram pelo regime especial de tributação
previsto no artigo 63.º do Código do IRC e que, atendendo à sua dimensão, em caso de
incumprimento a redução de arrecadação de receitas pode ter um impacto significativo. Este
aplicadas, em bom rigor o elemento literal é, como não podia deixar de ser, o ponto de partida para a interpretação, dispondo o
n.º 3 do mesmo normativo que, por apelo a critérios de objectividade, o intérprete, na determinação do sentido prevalente da lei,
deve presumir o acerto das soluções consagradas e a expressão verbal adequada – Vide LIMA. PIRES DE e VARELA, ANTUNES, Código
Civil Anotado, Volume I, 3.ª edição., págs. 58 e 59. Além disso parece-nos ainda que, perante as regras de interpretação da lei
que resultam do artigo 9.º do Código Civil, a regra não é a de que onde a lei não distingue não pode o intérprete distinguir, mas,
ao invés, a de que onde a lei não distingue deve o intérprete distinguir sempre que dela resultem ponderosas razões que o
imponham – e neste caso parece-nos que o legislador pretendeu, quanto ao artigo 46.º n.º 1 da LGT distinguir «procedimento de
inspecção» de «acção de inspecção externa».
Cfr. artigo 16.º n.º 1 alíneas b) e c) do RCPIT.
484
221
acompanhamento permanente, que se traduziu na criação de um cadastro especial de
contribuintes, tem sobretudo incidido sobre486:
Além disso, podem ainda ser incluídos no âmbito das competências dos serviços centrais,
mediante despacho fundamentado do Director-Geral dos Impostos, sujeitos passivos e demais
obrigados tributários que apresentem elevados montantes de impostos pagos ou em fase de
cobrança executiva, elevados valores de imposto em situação de pedido de reembolso, situação
de crédito de imposto, de elevado valor, sem o respectivo pedido de reembolso ou cuja situação
tributária revista elevado grau de complexidade. Este cadastro especial de contribuintes
normalmente tem um período de vigência de quatro anos. Convém relembrar que os critérios de
inclusão dos sujeitos passivos no acompanhamento permanente são definidos no PNAIT.
Este acompanhamento permanente apresenta uma dupla vantagem: por um lado possibilita
uma uniformização de procedimentos, concretizando uma igualdade entre todos estes
Cfr. despacho n.º 5515/2005, de 2 de Março (Diário da República, II Série n.º 52), despacho n.º 14412/2005, de 30 de
486
Junho (Diário da República, II Série n.º 124), despacho n.º 28233/2008, 4 de Novembro (Diário da República, II Série n.º 214) e
despacho n.º 12194/2009, de 21 de Maio (Diário da República, II Série, n.º 98) e
222
contribuintes, e, por outro, permite ainda, em caso de incumprimento, uma rápida detecção e
intervenção, minimizando e reduzindo ao máximo os efeitos desse incumprimento.
Além disso, mesmo os actos de inspecção praticados pelos serviços periféricos regionais e locais
podem também estender-se a áreas territoriais diversas daquelas da área territorial a que
pertencem, mediante decisão fundamentada, da entidade que os tiver ordenado. nos termos do
artigo 17.º do RCPIT.
De sublinhar ainda que, para terminar esta questão da limitação espacial resultante da
atribuição de competência territorial que, tal como afirma ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, «É legítima a
oposição do contribuinte à acção de inspecção efectuada por órgão ou por órgãos material ou
territorialmente incompetentes da administração tributária (...)» . 487
Passemos agora a outra limitação espacial à actividade inspectiva e que diz respeito ao local da
prática dos actos de inspecção. Em primeiro lugar deve-se salientar que, nos termos do artigo
63.º n.º 1 alínea a) da LGT e do artigo 28.º n.º 2 alínea a) do RCPIT os órgãos da inspecção
tributária, em concreto os seus funcionários tem direito a aceder livremente às instalações e
dependências da entidade inspeccionada. Porém, este acesso não é assim tão ilimitado quanto
estas normas parecem dar a entender.
A actividade inspectiva, por regra, sempre que envolva a verificação da contabilidade, livros de
escrituração ou outros documentos relacionados com a actividade da entidade a inspeccionar,
realiza-se nas instalações ou dependências onde estejam ou devam legalmente estar localizados
os elementos, bem como noutros locais do exercício da actividade da entidade inspeccionada
que contenham elementos complementares488. Ou seja, à partida, estes actos de inspecção
deverão ser praticados, em regra, quanto às pessoas colectivas, na sede do sujeito passivo, e
nas pessoas singulares, no escritório do sujeito passivo. Além disso, os actos poderão também
ser praticados no escritório do TOC, caso o sujeito passivo inspeccionado o tenha, desde que os
elementos necessários estejam aí localizados. Como bem refere MARTINS ALFARO, esta limitação
constitui igualmente uma importante garantia do contribuinte, pois impede que «o procedimento
de inspecção possa ser interno, devendo necessairamente revestir a natureza de procedimento
487
Cfr. GUERREIRO, ANTÓNIO LIMA, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, Rei dos Livros, 1999, pág. 289.
488
Cfr. artigo 34.º n.º 1 e 3 do RCPIT.
223
de inspecção externo. E, ao fazê-lo, acautela e previne que um funcionário da inspecção
tributária possa exigir ao contribuinte que se desloque aos serviços da administração fiscal com
a finalidade de ali apresentar a sua contabilidade, os seus livros de escrituração ou outros
documentos relacionados com a sua actividade.»489. Ainda assim, acrescentamos nós, em nome
do bom senso e da adequação e proporcionalidade, esta regra não deve ser levada ao extremo,
ou seja, a mesma não deve impedir que não possa ser solicitado um ou outro documento ou
esclarecimento ao contribuinte e este se desloque aos serviços da Administração. Mas a regra é,
e deve ser sempre, a da prática dos actos de inspecção nas instalações ou dependências do
contribuinte.
Esta regra não é no entanto absoluta, podendo os actos de inspecção realizar-se noutro local por
solicitação dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, desde que o motivo seja
justificado e atendível e não comprometa o normal desenrolar do procedimento de inspecção490,
Caso a entidade inspeccionada não disponha de instalações ou dependências para o exercício
da actividade, os actos de inspecção podem realizar-se no serviço da administração tributária da
área do seu domicílio ou sede491.
Por fim, temos uma outra limitação, mas esta de cariz externo que se prende com as próprias
fronteiras físicas. Esta limitação ganha contornos mais relevantes na medida em que nos dias de
hoje são cada vez mais as operações e relações económicas entre contribuintes, de natureza
internacional, funcionando aqui as fronteiras físicas dos países como um grande limite ou
constrangimento à prática dos actos de inspecção. Esta problemática não diz tanto respeito à
questão da incidência das leis tributárias no espaço mas sim, como refere ALBERTO XAVIER, «ao
seu âmbito de eficácia, ou seja, à esfera dentro da da qual os órgãos nacionais de aplicação do
direito podem praticar actos de império tendentes à sua aplicação» . A regra nesta matéria é, e
492
Cfr. ALFARO, MARTINS, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária Comentado e Anotado, Lisboa, Àreas,
489
XAVIER, ALBERTO. Direito Tributário Internacional, Coimbra, Almedina, 2.ª edição, 2007, pág. 764.
492
224
relevantes para a instrução do procedimento de inspecção não são exequíveis fora do território
nacional, isto é, «no Estado estrangeiro em que eventualmente resida o respectivo destinatário
(ainda que nacional do Estado que as emitiu) ou em que eventualmente se localizem as provas
materiais (documentos) por elas abrangidas» . 493
A nível internacional esta troca de informações é assegurada quer através das CDT, quer através
dos ATI. No que concerne aos ATI nomeadamente quanto à possibilidade da prática de actos de
inspecção, estes acordos celebrados pelo Estado português, contemplam a possibilidade de as
autoridades fiscais nacionais poderem, mediante autorização do outro Estado/jurisdição,
deslocar-se ao território de forma a poderem entrevistar indivíduos e examinarem registos.
Porém, e como também já se disse, esta meio afigura-se de díficil concretização pois depende
de consentimento prévio por escrito das pessoas interessadas. Por outro lado, estes acordos
permitem ainda que as autoridades fiscais nacionais possam, mediante solicitação e autorização
nesse sentido, assistir a uma investigação fiscal no território desse Estado/jurisdição.
Quanto às CDT, também estas permitem, nos termos do artigo 26.º da Convenção Modelo da
OCDE uma efectiva troca de informações entre as autoridades competentes dos Estados
contraentes, relevantes para a aplicação da respectiva convenção. Nas palavras de ALBERTO
XAVIER, a troca de informações ao abrigo das CDT é obrigatória, ou seja, não é uma mera
faculdade que pode ou não ser cumprida; é supletiva, pois a legitimidade da sua requisição
depende do prévio exercício, sem sucesso, dos meios previstos na legislação interna do Estado
requerente; é provocada, pois a informação não é prestada espontaneamente, dependendo de
expressa formulação pelo Estado requerente; é secreta, já que as a informação prestada só pode
ser comunicada às autirdades a quem compete a liquidação ou cobrança de impostos objecto
da Convenção; e, por fim, especial, visto que o pedido de informação tem de incidir sobre um
493
XAVIER, ALBERTO. Direito Tributário Internacional, Coimbra, Almedina, 2.ª edição, 2007, pág. 765.
225
caso concreto e específico494. De salientar ainda que, no sentido de efectivar as disposições das
CDT, tendo como base o referido artigo 26.º e com o intuito de eliminar qualquer tipo de
constrangimento a tal comunicação, têm vindo assim a ser promovidas negociações em matéria
de assistência mútua administrativa em sede de impostos sobre o rendimento, com vista a
reforçar os mecanismos necessários à troca de informações entre as respectivas autoridades
fiscais. Estes protocolos assumem especial relevância na medida em que a troca de informação
é automática, não sendo necessário qualquer pedido especial, já que os signatários destes
protocolos no fim de cada ano civil trocarão automaticamente informação respeitante aos
rendimentos obtidos por pessoas singulares e colectivas, relativamente aos impostos e
rendimentos abrangidos pela Convenção. Além disso, também ao abrigo deste protocolo é
possível aos funcionários das autoridades fiscais portuguesas deslocarem-se ao território do
outro Estado e aí proporem que se procedam a operações de controlo e fiscalização,
nomeadamente:
A nível comunitário importa igualmente sublinhar alguns mecanismos que de alguma forma
permitem ultrapassar estes limites espaciais resultante das fronteiras, com destque para a
Directiva 2011/16/UE do Conselho de 15 de Fevereiro de 2011 (no domínio da tributação
directa) que reconhece a obrigatoriedade da troca automática de informação, sem condições
prévias, como o meio mais eficaz de reforçar o correcto estabelecimento dos impostos em
situações transfronteiriças e de combater a fraude. Relativamente aos ATI e às CDT, o regime
comunitário tem a vantagem de contemplar a troca automática e espontânea de informação.
Além disso, para o que aqui interessa, prevê a possibilidade de, mediante acordo, um Estado-
membro autorizar a presença de funcionários de outro Estado-Membro no seu território495.
494
XAVIER, ALBERTO. Direito Tributário Internacional, Coimbra, Almedina, 2.ª edição, 2007, pág. 773.
495
Cfr. artigo 11.º da Directiva 2011/16/UE.
226
6.5. LIMITES MATERIAIS
Para construção deste capítulo do nosso estudo, iremos partir de uma frase que, atenta a sua clareza,
constitui quanto a nós o ponto de partida ideal para o desenvolvimento do mesmo. A mesa raze assim:
«Los poderes públicos están sujetos a la Constitución y al resto del ordenamiento jurídico. La
Constitución no contiene ningún fundamento expreso que permita sacrificar la libertad o la justicia,
para conseguir de este modo un incremento de la justicia tributaria» . 496
Antes de entrarmos nos direitos específicos que nos parecem mais afectados pela prática dos actos de
inspecção convém previamente tecer, ainda que de forma breve, algumas considerações de forma a
enquadrar esta temática dos direitos fundamentais, nomeadamente no que diz respeito à possibilidade
destes sofrerem restrições.
De tudo aquilo que já ficou demonstrado ao longo deste estudo, é notório que a actividade
inspectiva pode em muitas, senão mesmo em todas as situações, colidir com direitos
fundamentais, pelo que estes constituem, como não podia deixar de ser, também um limite à
actividade inspectiva.
Podemos definir os direitos fundamentais como sendo os que «conferem posições jurídicas
subjectivas individuais e permanentes, com a finalidade principal de proteger a liberdade e a
dignidade das pessoas» . Os direitos fundamentais consagrados no nosso ordenamento jurídico
497
496
DOMINGUEZ, AITOR ORENA, Discrecionalidad, Arbitrariedad e Inicio de Actuaciones Inspectoras , Navarra, Thomson Aranzadi,
2006.
Cfr. ANDRADE, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE, OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA DE 1976, Coimbra, Almedina, 3.ª
497
227
(e na generalidade dos países civilizados) assentam no princípio da dignidade humana. A vida
privada e o desenvolvimento da personalidade constituem por isso manifestações da dignidade
da pessoa (que como veremos à frente não é exclusivo das pessoas físicas, sendo também
extensível às pessoas jurídicas). Como afirma JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE «a Constituição
Portuguesa, tal como as suas congéneres europeias, integra o estatuto dos indivíduos na
sociedade política num sistema de valores, em que o valor fundamental é o da dignidade da
pessoa humana individual, emblematicamente afirmado no seu primeiro artigo como o valor
primário em que se baseia o Estado». Para o mesmo Autor, «os direitos fundamentais
constituem os pressupostos elemntares de uma vida humana livre e digna, tanto para o
indíviduo como para a comunidade: o indíviduo só é livre e digno numa comunidade livre; a
comunidade só é livre e digna se for composta por homens livres e dignos.» . 498
Estes direitos fundamentais estão ligados à própria personalidade, devendo o seu exercício
adequar-se e consolidar-se no estrito cumprimento do princípio da dignidade da pessoa humana,
devendo esta ser a expressão dirigida ao homem, concreta e individualmente considerada,
entendida materialmente e não apenas formalmente, como bem tutelado por esses direitos –
que constituem «a base jurídica da vida humana no seu nível actual de dignidade», que têm a
sua «fonte ética na dignidade da pessoa, de todas as pessoas»499.
Cfr. ANDRADE, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE, OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA DE 1976, Coimbra, Almedina, 3.ª
498
500
Neste sentido, entre outros, QUEIROZ, CRISTINA, Direitos Fundamentais – Teoria Geral, Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra
Editora, 2.ª edição, 2010, pág. 248.
228
se aferir se e em que termos a restrição aos direitos fundamentais se justifica. Aliás, como
afirma JOÃO FÉLIX PINTO NOGUEIRA, é impensável conceber um ordenamento jurídico em que os
direitos fundamentais se encontrem totalmente desprovidos de qualquer protecção, surgindo por
isso a proporcionalidade com uma dessas garantias501.
NOGUEIRA, JOÃO FÉLIX PINTO, Direito Fiscal Europeu – O paradigma da proporcionalidade, A proporcionalidade como critério
501
central da compatibilidade de normas tributárias internas com as liberdades fundamentais , Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra
Editora, 2010, pág. 76. É importante referir que o Autor defende a proporcionalidade como um procedimento e não como um
princípio. Afirma o Autor a proporcionalidade deve ser entendida como um procedimento estável de aplicação de normas
jurídicas, não concretizando na sua essência qualquer regra ou princípio, auxiliando definitivamente na tarefa de adjudicação
normativa a que essas regras e princípios vêem direccionadas.
502
CANOTILHO, J.J. GOMES; MOREIRA, VITAL, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra, Coimbra Editora, 4.ª
edição, 2007, pág. 388.
503
Cfr. CANOTILHO, J.J. GOMES; MOREIRA, VITAL, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra, Coimbra Editora,
4.ª edição, 2007, pág. 391-395.
229
da proporcionalidade que consubstancia igualmente um suporte legitimador das tais restrições.
Além disso, a validade das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias depende ainda de
três requisitos quanto ao carácter da própria lei, a saber: a) a lei deve revestir carácter geral e
abstracto; b) a lei não pode ter efeito retroactivo; c) a lei deve ser uma lei da Assembleia da
República ou um decreto-lei autorizado504.
Os direitos fundamentais constituem por isso limites materiais à prática de actos de inspecção,
pois, como se disse, não são absolutos e podem ser derrogados em determinadas
circunstâncias. Em quais e em que medida, é o que agora tentaremos identificar.
O objectivo primordial da inspecção tributária não é, como de resto já vimos na primeira parte
deste estudo, apenas um objectivo punitivo nem de arrecadar receitas resultantes da aplicação
de coimas, mas sim o de evitar e prevenir práticas de evasão e fraude fiscal, como forma de
minimizar a desigualdade existente entre os contribuintes que cumprem e os que não cumprem,
assegurando assim a justiça fiscal. A inspecção tributária pode na sua actividade, aliás não pode
ser de outra forma, entrar na privacidade dos cidadãos, ―agredindo‖ a esfera privada daqueles
no exercício das suas atribuições. O poder/dever da inspecção tributária, não se encontra pois,
como já vimos, na livre disponibilidade do legislador e muito menos da Administração tributária,
sendo sim uma exigência505, uma imposição, de um sistema tributário mais justo e que cumpra o
desiderato consagrado constitucionalmente.
504
Sobre o significado da reserva da lei restritiva de direitos fundamentais, refere JORGE REIS NOVAIS que ―Sendo a
determinabilidade normativa um elemento essencial das garantias de Estado de Direito proporcionadas pela reserva de lei, nela
há uma clara dimensão competencial que se traduz, no fundo, por saber, em função da densidade da regulação a quem é
atribuída a última decisão sobre a afectação do direito fundamental: ou ao legislador, quando a lei restritiva está suficientemente
determinada – o que, no caso, equivale grosso modo a dizer que ela cabe aos órgãos nacionais democraticamente legitimados
ou se ela cabe à Administração ou ao poder judicial, quando a densidade exigível escasseia. Mas é sobretudo nos argumentos
democráticos que a dimensão competencial cobra pleno desenvolvimento, assumindo, aí, a reserva de lei parlamentar o papel de
protagonista. Basicamente, a ideia é que há decisões tão essenciais para a vida da comunidade que devem ser tomadas pela
instituição representativa de todos os cidadãos. Entre essas decisões contam-se imediatamente, qualquer que seja a
fundamentação apresentada, as decisões que afectam os direitos fundamentais, mormente as suas restrições, entendendo-se
que a excepcionalidade da sua ocorrência e a gravidade dos seus efeitos exige a participação decisiva dos representantes dos
próprios interessados». NOVAIS, JORGE REIS, As restrições aos Direitos Fundamentais não expressamente autorizadas pela
Constituição, Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2.ª edição, 2010.
Cfr. neste sentido JÚNIOR, ONOFRE ALVES BATISTA, O poder de Polícia Fiscal, Belo Horizonte, Mandamentos, 2001.
505
230
domicílio, correspondência e outros meios privados de comunicação e o direito da Administração
tributária à prática de actos destinados à percepção da sua (dos contribuintes) real capacidade
contributiva, resultante das necessidades de satisfação das financeiras do Estado e da justa
repartição dos rendimentos e da riqueza506; o confronto entre o direito de propriedade dos
contribuintes, atingido pelo pagamento dos impostos e o bem jurídico ―sustentabilidade das
finanças públicas‖ ou equilíbrio orçamental507; o confronto entre «as próprias ideias de Estado de
Direito — na sua vertente de Estado constitucional, e no âmbito do qual a actuação limitadora da
Administração deve ser absolutamente necessária e eventualmente mínima (proibição do
excesso) — e de Estado social — na medida em que as prestações materiais e jurídicas em que
este se materializa (pensões de reforma, abonos, subsídios de existência, subsídios de
desemprego, habitações sociais, cuidados de saúde, etc.) apenas são exequíveis através de um
sistema fiscal eficiente e justo508.
Porém, a verdade material prosseguida pela inspecção não pode obter-se a qualquer preço.
Existem limites resultantes do respeito pela integridade moral e física das pessoas; existem
limites limites impostos pela inviolabilidade da vida privada, do domicílio, da correspondência,
que só nas condições previstas na lei podem ser derrogados. Neste capítulo ocupar-nos-emos
dos direitos fundamentias que, em nossa opinião figuram como os que, em regra, são mais
susceptíveis de ser atingidos pela prática de actos de inspecção, e que nessa medida podem e
devem limitar ou pelo menos condicionar a sua prática.
ROCHA, JOAQUIM FREITAS DA, O controlo do controlo tributário (meios reactivos à inspecção tributária) ‖, in Cadernos
508
231
Uma outra nota de enquadramento que importa salientar prende-se com o facto de os direitos
fundamentais aqui identificados como limites materiais à prática de actos de inspecção não se
referirem apenas aos contribuintes enquanto pessoas singulares, mas também aos contribuintes
pessoas colectivas. Aliás, nos termos do n.º 2 do artigo 12.º da CRP,, é reconhecido às pessoas
colectivas o gozo dos direitos consignados na CRP compatíveis com a sua natureza 509. Como
sustenta JORGE MIRANDA, os «direitos das pessoas colectivas só devem ser integrados no núcleo
subjectivo dos direitos fundamentais na medida em que sejam reconhecidos ao indíviduo no seio
de formações sociais em que se manifesta a sua personalidade e não quando sejam direitos
próprios específicos, exclusivos das pessoas colectivas». No entendimento deste Autor, «os
direitos fundamentais das pessoas colectivas são direitos fundamentais por analogia e
atípicos»510.
Como anotam J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, com referência ao artigo 12.º n.º 2 da CRP,
«As pessoas colectivas não podem ser titulares de todos os direitos e deveres fundamentais,
mas sim apenas daqueles que sejam compatíveis com a sua natureza (n.º 2 in fine). Saber quais
são eles, eis um problema que só se pode resolver casuísticamente. Assim, não serão aplicáveis,
por exemplo, o direito à vida e à integridade pessoal, o direito de constituir família; já serão
aplicáveis o direito de associação, a inviolabilidade de domicílio (pelo menos em certa medida), o
segredo de correspondência, o direito de propriedade. Noutros casos é duvidosa a aplicabilidade
de direitos fundamentais: Livre expressão do pensamento, liberdade de investimento e ensino,
etc. É claro que o ser ou não ser compatível com a natureza das pessoas colectivas depende
naturalmente da própria natureza de cada um dos direitos fundamentais, sendo incompatíveis
aqueles direitos que não são concebíveis a não ser em conexão com as pessoas físicas, com os
indivíduos (...)»511. Contudo, há que ter em consideração que a admissibilidade, em princípio, de
extensão da tutela da privacidade às pessoas colectivas não implica necessária e
automaticamente que ela actue em igual medida e com a mesma extensão com que se afirma
na esfera da titularidade individual, excluindo-se dessa tutela as dimensões nucleares da
intimidade privada, que pressupõem a personalidade física.
509
Neste sentido, ver Acórdão do TC n.º 539/97, de 24-09-1997.
Cfr. MIRANDA, JORGE; Manual de Direito Constitucional, Tomo IV – Direitos Fundamentais, Coimbra, Coimbra Editora, 3.ª edição,
510
2000, pág. 80
Cfr. CANOTILHO, J.J. GOMES; MOREIRA, VITAL, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra, Coimbra Editora,
511
4.ª edição, 2007, pág. 330-331. Neste sentido veja-se também MIRANDA, JORGE; MEDEIROS, RUI, Constituição Portuguesa Anotada,
Tomo I, Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2.ª edição, 2010, pág 210.
232
Dos direitos que irão ser analisados, é no mínimo duvidoso que o direito à reserva da intimidade
da vida privada possa ser extensível às pessoas colectivas. Porém, uma das decorrências da
reserva da intimidade – o sigilo bancário – não temos dúvidas que se trata de um direito que
assiste tanto a pessoas singulares como a pessoas colectivas, da mesma forma que o direito à
inviolabilidade do domicílio e da correspondência e o direito ao bom nome, reputação e imagem
também se aplicam às pessoas colectivas.
pela primeira vez num artigo escrito por SAMUEL WARREN e LOUIS BRANDES intitulado "The right to
privacy‖514
512
Sobre o conteúdo do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, ver, entre outros, PINTO, PAULO MOTA, O direito à
reserva sobre a intimidade da vida privada, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Volume LXIX, Coimbra, 1993. Ver
igualmente SOUSA , RABINDRANATH CAPELO DE, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra, Coimbra Editora, 1995.
513
MORANGE, JEAN. Droits de l´homme et libertés publiques. Paris: PUF, 1982. pág 162, apud, GUERRA, ARTHUR MAGNO E SILVA,
Direitos Constitucionais à Intimidade, Honra e Imagem: implicações jurídicas do monitoramento por filmagem em atividades
comerciais, in Revista Eletrónica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva, 11.º Edição, disponível em
http://direito.newtonpaiva.br/revistadireito
514
Publicado na Revista "Harvard Law Review", Volume 4, n.º 5, 1890, págs. 193 e seguintes. Cfr. neste sentido Parecer do
Conselho Consultivo da PGR de 24-06-1994.
233
Por sua vez, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem515 prevê no seu artigo 8.º que
«qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da
sua correspondência» (n.º 1), e que «não pode haver ingerência da autoridade pública no
exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma
providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para
a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção de
infracções criminais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das
liberdades de terceiros» (n.º 2).
Na nossa Lei Fundamental, o direito à reserva da vida privada vem previsto no artigo 26.º n.º 1
da CRP que reconhece a todos o direito à reserva da vida privada familiar. Por sua vez, o n.º 2,
do mesmo preceito dispõe que «a lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva,
ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias». Para
RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA o direito à intimidade da vida privada integra o lote dos direitos de
personalidade, que o Autor define como direitos subjectivos, privados, absolutos (oponíveis erga
ommes), gerais, extrapatrimoniais, inatos perpétuos, intransmissíveis, relativamente
indisponíveis, tendo por objecto os bens e as manifestações interiores da pessoa humana,
visando tutelar a integridade e o desenvolvimento físico e moral dos indivíduos e obrigando todos
os sujeitos de direito a absterem-se de praticar ou de deixar de praticar actos que ilicitamente
ofendam ou ameacem ofender a personalidade516. A tutela deste direito fundamental é
assegurada tanto pelo Direito Civil517 como pelo Direito Penal518. Além disso, este direito é também
tutelado através do dever de sigilo que impõe a obrigação de não divulgar factos de que se
obteve conhecimento, com expressão nas suas várias vertentes de segredo profissional:
funcionário, médico, advogado, bancário e fiscal.
Como se disse, este direito não se aplica às pessoas colectivas, embora uma das suas
decorrências, como a seguir veremos – o sigilo bancário – tenha plena aplicação. Compreende-
se que assim seja, pois como anotam J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, o artigo 26.º da CRP
516
Cfr. SOUSA, RABINDRANATH CAPELO DE, A Constituição e os direitos de Personalidade, in "Estudos sobre a Constituição",
coordenação JORGE MIRANDA, II volume, Lisboa, Petrony, 1978. pág. 93 e seguintes.
Através do regime dos direitos de personalidade previsto no artigo 80.º do CC.
517
518
Através da Direito Penal, da tipficiação no Código Penal de vários crimes que têm os valores subjacentes àquele direito como
bem jurídico protegido, nomeadamente, os crimes previstos no artigos 190.º (violação de domicílio), 192.º (devassa da vida
privada), 193.º (devassa por meio de informática) e 195.º (violação de correspondência ou de telecomunicações).
234
consagra um conjunto de direitos que, todos eles, têm de comum o «estarem directamente ao
serviço da protecção da esfera nuclear das pessoas e da sua vida»519. Como também referem os
mesmos Autores, este direito subdivide-se em dois direitos menores: «(a) o direito a impedir o
acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e (b) o direito a que ninguém
divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem (cfr. Ccivil, art.
80.º). Alguns outros direitos fundamentais funcionam como garantias deste: é o caso do direito à
inviolabilidade do domicílio e da correspondência (art. 34-º), da proibição de tratamento
informático de dados referentes à vida privada (art. 35º-3)». Ainda de acordo com estes autores,
«instrumentos jurídicos privilegiados de garantia deste direito são igualmente o sigilo profissional
e o dever de reserva das cartas confidenciais e demais papéis pessoais (cfr. Ccivil, artigos 75º a
78º)» .520
A lei não nos dá um conceito de vida privada. Como se salienta no Acórdão do TC n.º 278/95
de 31-05-1995, «a Constituição não estabelece o conteúdo e alcance do direito à reserva da
intimidade, nem define o que deva entender-se por intimidade como bem jurídico
constitucionalmente protegido (...), não sendo «fácil demarcar a linha divisória entre o campo da
vida privada e familiar que goza de reserva de intimidade e o domínio mais ou menos aberto à
publicidade». Tem sido a doutrina e a jurisprudência do Tribunal Constitucional a avançar com
um conceito e delimitação deste direito, caracterizando-o como o direito a uma esfera própria
inviolável, onde ninguém deve poder penetrar sem autorização do respectivo titular521. Veja-se a
este propósito o acórdão do TC n.º 128/92 onde se afirma que este direito concretiza « o direito
de cada um ver protegido o espaço interior ou familiar da pessoa ou do seu lar contra
intromissões alheias. É a privacy do direito anglo-saxónico. (...) Neste âmbito privado ou de
intimidade está englobada a vida pessoal, a vida familiar, a relação com outras esferas de
privacidade (v.g. a amizade), o lugar próprio da vida pessoal e familiar (o lar ou o domicílio), e
bem assim os meios de expressão e comunicação privados (a correspondência, o telefone, as
conversas orais, etc.). Este direito à intimidade ou à vida privada – este direito a uma esfera
própria inviolável, onde ninguém deve poder penetrar sem autorização do respectivo titular –
compreende: a) a autonomia, ou seja, o direito a ser o próprio a regular, livre de ingerências
Cfr. CANOTILHO, J.J. GOMES; MOREIRA, VITAL, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra, Coimbra Editora,
519
235
estatais e sociais, essa esfera de intimidade; b) o direito a não ver difundido o que é próprio
dessa esfera de intimidade, a não ser mediante autorização do interessado»522. Para
RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA o direito à reserva, para além de abranger o respeito da
intimidade da vida privada, em particular a intimidade da vida pessoal, familiar, doméstica,
sentimental e sexual e inclusivamente os respectivos acontecimentos e trajectórias, abrange
igualmente o respeito de outras camadas intermédias e periféricas da vida privada. Além disso,
segundo o mesmo Autor, este direito integra a própria reserva sobre a individualidade do homem
no seu ser para si mesmo, isto é sobre o seu direito a estar só e sobre os caracteres de acesso
privado do seu corpo, da sua saúde, da sua sensibilidade e da sua estrutura intelectiva e
volitiva523.
Para o que aqui nos interessa, as disposições acima referidas instituem o direito à reserva da
intimidade da vida privada, que se traduz em vedar o acesso de estranhos a informações sobre a
vida privada e familiar.
Porém, antes de entrarmos nesta questão do sigilo bancário, cumpre efectuar duas notas
prévias de enquadramento.
Ver igualmente o acórdão n.º 319/95, de 20-06-1995, onde se afirma que o direito à reserva da intimidade da vida privada «é
522
o direito de cada um a ver protegido o espaço interior da pessoa ou do seu lar contra intromissões alheias; o direito a uma esfera
própria inviolável, onde ninguém deve poder penetrar sem autorização do respectivo titular.». Ver ainda os acórdãos do TC n.º
456/93 de 12-08-1993, n.º 355/97 de 07-05-1997, n.º 264/97 de 19-03-1997.
Cfr. SOUSA , RABINDRANATH CAPELO DE, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra, Coimbra Editora, 1995, pág. 318 e seguintes.
523
236
Por um lado, cumpre dizer que é unanimemente considerado na jurisprudência524 e
maioritariamente na doutrina525 que o sigilo bancário integra o âmbito normativo de protecção do
direito à reserva da intimidade da vida privada, pese embora se trate de informação relativa à
situação económica de uma pessoa e a matriz do artigo 26.º da CRP tutelar primacialmente os
direitos da personalidade. Tal como tem sido entendimento do TC, «o sigilo bancário integra-se
na própria intimidade da vida privada – art. 26.º, n.º 1, da CRP – pelo que, aí, se justificará
numa intromissão externa nos casos especialmente previstos e em articulação com os
respectivos mecanismos do direito processual». Este é também o entendimento em Espanha,
vertido no acórdão do Tribunal Constitucional de Espanha n.º 110/1984, de 26 de Novembro,
onde se pode ler que «uma conta-corrente pode constituir ‗a biografia pessoal em números‘ do
contribuinte» . A análise do destino das importâncias pagas na aquisição de bens ou serviços
526
permite com extrema facilidade apreender o ―itinerário‖ da vida privada de cada um,
materializado através da escolhas e do estilo de vida do titular da conta. O acesso à informação
bancária configura pois uma invasão da esfera pessoal do sujeito. Assim, os elementos
referentes à informação bancária de um contribuinte, enquanto registo de operações realizadas
por aquele, integra sem a menor dúvida o âmbito de protecção do direito à reserva da intimidade
da vida privada, consagrado no artigo 26.º n.º 1 da CRP, surgindo por isso o sigilo bancário
como uma dimensão fundamental e uma garantia do direito à reserva da intimidade da vida
privada e familia527.
Veja-se, entre outros, acórdãos do TC n.º 278/95 de 31-05-1996 processo n.º 510/91, n.º 442/07 de 14-08-2007 processo
524
ROCHA, JOAQUIM FREITAS DA, Lições de Procedimento e Processo Tributário, Coimbra, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2009, pág. 156;
NABAIS, CASALTA, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal
contemporâneo, Coimbra, Almedina, 2009, pág. 617. Em sentido contrário esta posição veja-se SANCHES, J.L. SALDANHA, Segredo
Bancário e tributação pelo Lucro Real, A Situação Actual do Sigilo Bancário: a Singularidade do Regime Português , in Estudos de
Direito Contabilístico e Fiscal, Coimbra, Coimbra Editora, 200, pág. 85 e 108
Apud acórdão do TC n.º 442/07 de 14-08-2007 processo n.º 815/07
526
528
Sobre o tema do sigilo bancário ver, entre outros, GOMES, NOEL Segredo Bancário e Direito Fiscal, Coimbra, Almedina, 2006;
PAÚL, JORGE PATRÍCIO, O Sigilo Bancário e a sua Relevância Fiscal, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 62, Abril de 2002;
.CAMPOS, DIOGO LEITE DE, O Sigilo Bancário e a Intimidade da Vida Privada, in AAVV, Sigilo Bancário, Lisboa, Edições Cosmos,
1997, pág.11-17; RODRIGUES, BENJAMIM, O Sigilo Bancário e o Sigilo Fiscal, in Sigilo Bancário, Instituto de Direito Bancário, Edição
Cosmos, 1997; CORTE-REAL, CARLOS PAMPLONA, GOUVEIA, JORGE BACELAR, COSTA, JOAQUIM P. CARDOSO DA COSTA, Breves reflexões em
matéria de confidencialidade fiscal, Ciência e Técnica Fiscal, n.º 308, Lisboa, Centro de Estudos Fiscais, Outubro-Dezembor,
1992; SANCHES, J.L. SALDANHA, Segredo bancário e tributação do lucro real, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal n.º 377,
237
informação bancária das pessoas singulares como das pessoas colectivas. Como refere J. L.
SALDANHA SANCHES529, as sociedades comerciais não têm intimidade, mas têm um interesse
legítimo em que determinados dados não sejam revelados, como listas de clientes,
fornecedores, elementos estes susceptíveis de figurar nos movimentos bancários530. Como
decorre do artigo 160.º do CC, a capacidade das pessoas colectivas abrange todos os direitos e
obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins, salvo os vedados por lei e
os inseparáveis das pessoas singulares, como é o caso dos direitos e obrigações de natureza
familiar. O direito à reserva da intimidade da vida privada é um direito inseparável e não
extensível às pessoas colectivas, mas o direito ao sigilo bancário já é um direito necessário ou
conveniente à prossecução dos fins de uma pessoa colectiva, nomeadamente e para o que aqui
nos interessa uma sociedade comercial.
Este direito pode no entanto sofrer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros
direitos ou interesses também constitucionalmente protegidos, tais como, entre outros, a
cooperação com a justiça, combate à corrupção e criminalidade económica e financeira, bem
como o dever fundamental de pagamento de impostos.
Estamos nestas situações perante interesses públicos em confronto: por um lado a reserva da
intimidade da vida privada e o consequente sigilo bancário e, por outro, a necessidade de
garantir uma tributação igualitária de acordo com a capacidade contributiva garantindo a justiça
fiscal, através do combate à fraude e evasão fiscal. Como tem sido entendimento uniforme da
Lisboa, Centro de Estudos Fiscais, 1995, pág. 23-44; RAMOS, MARIA CÉLIA, O Sigilo bancário em Portugal – Origens, Evolução e
Fundamentos in: AA. VV, sigilo bancário, Edições Cosmos, 1997; AZEVEDO, MARIA EDUARDA, O Segredo Bancário, in Ciência e
Técnica Fiscal 346-348, Lisboa, Centro de Estudos Fiscais – Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, 1989, pág. 73 e ss.
Embora o Autor se refira neste trecho ao sigilo fiscal, parece-nos que a sua aplicação é válida para o sigilo bancário.
529
530
Cfr. SANCHES, J.L. SALDANHA, Segredo Bancário, Segredo Fiscal: Uma Perspectiva Funcional, in Revista Fiscalidade n.º 21,
Lisboa, Instituto Superior de Gestão Janeiro – Março de 2005, pág. 36.
238
jurisprudência531, o sigilo bancário, não sendo um direito absoluto, pode sofrer restrições
resultantes impostas da necessidade de acautelar e salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos.
531
Veja-se acórdãos do TC n.º 278/95 de 31-05-1996 processo n.º 510/91, n.º 442/07 de 14-08-2007 processo n.º 815/07 e
Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República n.º 138/83, de 05-04--1984, in Boletim do Ministério da
Justiça, n.º 342 (1985), pág. 61.
532
«O que implica uma cuidada ponderação de eventuais meios alternativos, menos intrusivos, susceptíveis de conjugar
harmonicamente ambas as exigências: as de tutela da privacidade e as de justiça e igualdade fiscais » - SANTAMARIA PASTOR,
Derecho a la intimidad, secretos y otras cuestiones innombrables , Revista española de derecho constitucional, n.º 15, 1985, pág.
159-171, apud acórdão do TC n.º 442/07 de 14-08-2007 processo n.º 815/07.
533
Cfr. acórdão do TC n.º 602/2005, de 02-02-2005, processo n.º 514/2005.
534
Além disso parece aqui fazer sentido o apelo à jurisprudência constitucional que sustenta que direitos como a reserva da
intimidade da vida privada não proíbem a actividade indagatória do Estado. Embora esta jurisprudência tenha sido proferida com
referência à actividade judicial ou policial, parece-nos ter aqui plena aplicação, pois a actividade inspectiva tem nautralmente
uma natureza indagatória, pelo que desde que esta actividade seja regida por regras, que respeitando a pessoa em si mesma,
adequadas ao apuramento da verdade – Cfr. acórdão n.º 128/92 de 01-04-1992.
239
Assim, não existe base constitucional para que os dados que, em princípio, estão cobertos pelo
segredo constituam uma espécie de ―reduto inacessível‖ ao poder inspectivo da Administração
fiscal535. Ainda quando perspectivado como representando uma restrição a um direito
fundamental, o acesso a esses dados está legitimado, em certas condições, pela vinculação das
entidades públicas à preservação de outros bens constitucionalmente consagrados536.
O sigilo bancário encontra-se expressamente previsto, enquanto regra geral, nos artigos 78.º e
79.º do RGICSF537. Nos termos do n.º 1 do referido artigo 78.º «Os membros dos órgãos de
administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários,
comitidos e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não
podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da
instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha
exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços». O n.º 2 do
mesmo preceito estabelece que se encontram sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as
contas de depósito e seus movimentos, bem como outras operações bancárias. Já o artigo 79.º
do mesmo diploma prevê as excepções a este dever de segredo, estabelecendo o n.º 2 desta
disposição que os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo podem ser revelados à
administração tributária, no âmbito das suas atribuições (alínea e) do n.º 2 do artigo 79.º do
RGICSF).
535
Cfr. acórdão do TC n.º 442/07 de 14-08-2007 processo n.º 815/07.
536
Neste sentido pode também ver-se o acórdão do TC n.º 602/2005, de 02-02-2005, processo n.º 514/2005: «Sendo o
controlo administrativo das movimentações bancárias dos contribuintes, como método de avaliação da sua situação fiscal, uma
realidade recente (…), e postando-se como necessário – e, quantas vezes para tanto como imprescindível – o conhecimento das
respectivas operações, não se poderá deixar de concluir que se torna justificada, para proteger o bem constitucionalmente
protegido da distribuição equitativa da contribuição para os gastos públicos e do dever fundamental de pagar impostos, a procura
da consagração de uma articulação ponderada e harmoniosa da reserva (se não da intimidade da vida privada, ao menos da
reserva de uma parte do acervo patrimonial) acarretada pelo sigilo bancário e dos interesses decorrentes dos citados direito e
dever».
537
Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.
240
Por outro lado, como já observamos ao longo deste estudo, os órgãos da Administração
tributária, nomeadamente para o que aqui releva, da inspecção tributária, podem e devem
desenvolver todas as diligências necessárias para apurar a situação tributária dos contribuintes.
Entre essas diligências encontra-se o acesso a informação protegida pelo sigilo bancário.
O regime substantivo de derrogação do sigilo bancário encontra-se plasmado nos artigos 63.º,
63.º-A, 63.º-B e 63.º-C da LGT. Já o seu regime procedimental encontra-se previsto nos artigos
146.º-A a 146.º-D do CPPT.
De sublinhar que a evolução do regime de derrogação do sigilo bancário tem vindo a ser
associada às investigações criminais, financeiras ou fiscais, como forma de combater estes
fenómenos. Perante a inexistência de meios menos gravosos de obter as informações
necessárias, este instituto tem vindo ao longo do tempo a ser cada vez mais abrangente, de tal
modo que hoje em dia a regra é a derrogação automática do sigilo independentemente de
autorização judicial.
Aliás, tal é bem visível na última grande alteração ao artigo 63.º-B da LGT. Até à publicação da
lei n.º 37/2010, de 2 de Setembro, o segredo bancário constituía causa legítima de oposição.
Com as alterações introduzidas por este diploma o sigilo bancário, nomeadamente a autorização
judicial para a sua derrogação, deixou de ser a regra, para passar a ser a excepção. O n.º 2 do
artigo 63.º da LGT prescrevia na redacção anterior que o acesso à informação protegida pelo
sigilo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado dependia de
autorização judicial – esta era a regra. Regra esta que foi alterada com a simples supressão da
expressão ―bancário‖ da agora actual redacção do n.º 2 do artigo 63.º da LGT.
A regra na derrogação do sigilo bancário é-nos agora apenas dada pelos artigos 63.º-A, 63.º-B e
63.º-C. E no que diz respeito ao artigo 63.º-B, este, após sucessivas alterações, prevê que a
regra, nos termos do seu n.º 1 é a derrogação do sigilo bancário poder suceder sem
241
dependência do consentimento do titular das informações e sem dependência de autorização
judicial. Esta alteração implicou ainda que a consulta de elementos abrangidos pelo sigilo
bancário deixasse de constituir causa legítima para a falta de cooperação dos sujeitos passivos
alvo de acção inspectiva, nomeadamente quanto à realização das diligências previstas no n.º 1
do artigo 63.º da LGT.
O acesso a informação protegida pelo sigilo bancario que se faz nos termos previstos nos artigos
63.º-A, 63.º-B e 63.º-C da LGT é desta forma feito sem dependência de prévia autorização
judicial
O procedimento de derrogação do sigilo bancário é pois um dos mecanismos que pode ser
utilizado no procedimento inspectivo para recolha de informação e elementos, com vista à
descoberta da verdade material. Parece-nos é que este meio apenas pode e deve ser utilizado
quando não seja possível obter a mesma informação através de outros meios menos gravosos e
que cause menos prejuízos ao contribuinte inspeccionado, especialmente quando estejam em
causa pessoas singulares, por força da reserva da intimidade da vida privada. Digamos que a
derrogação do sigilo bancário tem um grau de intensidade menor e susceptível de causar menos
prejuízos quando estejam em causa pessoas colectivas do que em relação às pessoas
singulares. Assim, o crivo da proporcionalidade deve sobretudo nortear a utilização deste
procedimento quando estejam em causa pessoas singulares, embora não possa deixar de estar
presente mesmo que a derrogação diga respeito a pessoas colectivas.
Um aspecto que importa ter presente no que diz respeito à derrogação do sigilo bancário e à sua
conexão com o procedimento tributário de inspecção é que o a derrogação do sigilo não pode,
em circunstância alguma, ser desencadeado como um prius, ou seja, como um mecanismo de
descoberta de informação de forma a instruir e desencadear um procedimento de inspecção. O
raciocínio é precisamente o inverso, ou seja, o procedimento de inspecção tem necessariamente
de ser um pressuposto do procedimento de derrogação. Ou dito ainda de outra forma, só após o
ínicio do procedimento de inspecção pode a Administração tributária, de forma a obter os
elementos necessários a instruir o procedimento e reunidos que estejam os pressupostos para
derrogação do sigilo, a desencadear este.
242
Esta questão foi submetida e apreciada pela nossa jurisprudência num acórdão do TCA Sul de
11-07-2006, processo n.º 01187/06538. A questão submetida à apreciação do tribunal foi
precisamente essa, ou seja, saber se o procedimento de derrogação do sigilo bancário e a
consequente análise dos documentos e informações bancários, deve ser desencadeado e levado
a cabo no âmbito de um procedimento de inspecção, tal como definido e previsto no RCPIT, ou
se pode servir como elemento preparatório do procedimento de inspecção. Estava em causa um
procedimento de derrogação do sigilo bancário que deu origem a uma liquidação e que não não
teve na sua génese qualquer procedimento inspectivo mas unicamente o procedimento de
derrogação do sigilo bancário, sem que este tenha sido integrado num procedimento inspectivo.
Neste caso concreto a Administração fiscal, entendeu que não necessitava de dar início a
qualquer procedimento externo de inspecção externo, bastando para tal que a mesma se
inserisse no domínio de uma acção preparatória, nos termos do previsto nos artigos 44.º n.º 1
alínea a) do CPPT e 44.º n.º 1 e 2 do RCPIT. Assim, o que a Administração tributária fez foi
inverter o percurso normal de um procedimento inspectivo, ao utilizar o procedimento de
derrogação do sigilo bancário como procedimento preparatório de recolha de elementos para o
procedimento de inspecção e não o contrário, que nos parece ser o correcto, isto é, no âmbito
de um procedimento de inspecção, perante determinados factos, proceder à derrogação do sigilo
bancário como forma de confirmar ou despistar tais factos.
É certo que, como já vimos, nos termos do artigo 63.º da LGT, os órgãos da inspecção devem
desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos
contribuintes, delimitando por sua vez o artigo 44.º n.º 1 do RCPIT as acções que devem ser
consideradas como abrangidas pelo âmbito do procedimento tributário, e que incluem as acções
preparatórias ou complementares da liquidação dos tributos, incluindo parafiscais, ou de
confirmação dos factos tributários declarados pelos sujeitos passivos ou outros obrigados
tributários.
O tribunal entendeu, e bem, que, em situações como esta a Administração fiscal, para
diligenciar e obter a derrogação do sigilo bancário dos contribuintes tem necessariamente de
recorrer a um procedimento inspectivo nos termos previstos no RCPIT, tendo afirmado em
538
Neste sentido pode também ver-se o acórdão do TCA Sul, de 12-10-2010, processo n.º 04187/10.
243
concreto que aqueles que actos preparatórios ou prévios, não podem ser confundidos com os
próprios actos substantivos da inspecção, ou seja, com os actos que se visam praticar com o
procedimento de inspecção. Tais actos prévios devem antes limitar-se a reunir os elementos que
venham a possibilitar, de forma célere, aderente, uniforme e com o menor prejuízo possível para
o inspeccionado, o apuramento das situações tributárias em causa. Parece-nos, e embora o
tribunal não o tenha dito, que estes elementos se reconduzem ao por nós já estudado
cruzamento de informação, quer dos elementos declarativos do próprio sujeito passivo, quer de
outros elementos declarativos de terceiros.
O procedimento de derrogação do sigilo bancário não pode por isso ser utilizado como
instrumento preparatório de um procedimento de inspecção, subvertendo por completo aquela
que deve ser a lógica, quer de bom senso, quer cronológica a que deve obedecer o
procedimento inspectivo, e estando dessa forma, sujeito a critérios de discricionaridade e
oportunismo, que a Administração fiscal, neste caso concreto, não dispõe539.
De acordo com este preceito, a Administração tributária pode aceder automática e directamente,
sem prévio consentimento do titular dos elementos protegidos, a todas as informações ou
documentos bancários quando:
539
Neste sentido pode ver-se ALFARO, MARTINS, Sigilo bancário e dever de abertura de procedimento de inspecção tributária, in
Revista de Doutrina Tributária, 4.º Trimestre de 2003, disponível em:
http://www.doutrina.net/p/Revista_de_Doutrina_Tributaria/rdt_08/sigilo_bancario_inspeccao.htm. No entendimento deste
Autor, «as actuações da administração tributária, consistentes no pedido de elementos, no pedido de informações e na vontade
de aceder livremente a contas bancárias do sujeito passivo, integram-se indubitavelmente no elenco de actuações previstas no
artigo 2.º, n.º 2, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária. Constituem, por tal motivo, actuações
contidas no procedimento administrativo tributário especial, designado por procedimento de inspecção tributária». Na opinião do
citado Autor, perante a inobservância de tal pressuposto «a administração tributária estará a proceder a uma inspecção externa
de facto à situação tributária do particular, sem que para tal tenha aberto qualquer procedimento de inspecção, nos termos da
Lei Geral Tributária e do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária ».
Sobre esta matéria ver acórdãos do STA de 18-01-2006 processo n.º 02/06, de 19-04-2006 processo n.º 0273/06, de 26-04-
540
2006 processo n.º 0280/06, de 26-04-2006 processo n.º 0325/06, de 26-07-2006 processo n.º 0665/06, de 13-09-2006
processo n.º 0866/06, de 08-11-2006 processo n.º 0966/06, de 28-03-2007 processo n.º 0202/07, de 19-04-2006 processo
n.º 0253/06, de 19-04-2006, processo n.º 0277/06, de 14-03-2007, processo n.º 0189/07, de 02-05-2007 processo n.º
0299/06; acórdãos do TCA Norte de 31-01-2008 processo n.º 01316/05.5BEVIS, de 11-08-2006 processo n.º
00633/06.1BEVIS, de 12-01-2006 processo n.º 00496/05.4BECBR;
244
- Se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração
legalmente exigível541;
- Se verifiquem indícios da existência de acréscimos de património não justificados;
- Se trate da verificação de conformidade de documentos de suporte de registos contabilísticos
dos sujeitos passivos de IRS e IRC que se encontrem sujeitos a contabilidade organizada;
- Exista necessidade de controlar os pressupostos de regimes fiscais privilegiados de que o
contribuinte usufrua;
- Se verifique a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria
tributável, e quando se verifiquem os pressupostos legais para o recurso à avaliação indirecta542;
- Se verifique a existência comprovada de dívidas à administração fiscal ou à segurança social.
Sobre esta matéria ver acórdãos do STA de 19-04-2006 processo n.º 0273/06, de 19-04-2006 processo n.º 0276/06, de 26-
541
04-2006 processo n.º 0280/06, de 26-07-2006 processo n.º 0665/06, de 02-05-2007 processo n.º 0292/07; acórdão do TCA
Norte de 20-1-2007 processo n.º 00879/07.5BEVIS; acórdão do TCA Sul de 16-10-2007 processo n.º 02036/07.
Sobre esta matéria Ver acórdãos do STA de 28-06-2006 processo n.º 0468/06, de 03-10-2007 processo n.º 0630/07, de 09-
542
Embora este acórdão tenha tido trÊs declarações de voto de vencido. No sentido desta decisão do STA pode ainda ver-se os
544
acórdãos do STA de 16-09-2009 processo n.º 0384/09, de 19-03-2009 processo n.º 0135/09, de 09-09-2008 processo n.º
01022/07, de 03-10-2007, processo n.º 0630/07.
245
quando estão em causa direitos fundamentais ou não. Por outro lado considerou o tribunal que a
fundamentação por remissão é mais conforme com o princípio da praticabilidade545.
A decisão tem de ser obrigatoriamente tomada pelo Director-Geral dos Impostos ou pelo Director
Geral das Alfandegas (ou os respectivos substitutos legais), consoante o imposto que estiver em
causa, sem possibilidade de delegação A falta de fundamentação naturalmente que inquina a
validade da decisão, implicando a sua anulabilidade, que deve ser invocado no recurso judicial
da decisão. Além disso, a notificação da decisão de derrogação do sigilo bancário às instituições
bancárias deve ser acompanhada de cópia da decisão proferida pelo Director-Geral dos
Impostos.
De realçar que devendo o procedimento de inspecção ser concluído no prazo geral de seis
meses, este prazo pode no entanto ser suspenso quando em procedimento de derrogação do
sigilo bancário, o contribuinte interponha recurso com efeito suspensivo da decisão da
Administração tributária, mantendo-se a suspensão ate ao trânsito em julgado da decisão.
Porém, só o recurso interposto por terceiros (familiares ou outros obrigados tributários com
quem o sujeito passivo tenha relações especiais) é que tem esse efeito suspensivo, enquanto o
recurso interposto pelo próprio sujeito passivo inspeccionado tem efeito meramente devolutivo.
Importa ainda destacar uma questão pertinente quanto à derrogação do sigilo bancário em sede
de inspecção que se prende com a derrogação do sigilo bancário dos gerentes e administradores
de sociedades inspeccionadas.
545
Discordamos no entanto desta posição. Parece-nos que o dever de fundamentação exigido pelo n.º 4 do artigo 63.º-B da LGT é
um dever especial e que por isso prevalece sobre o dever geral estabelecido no artigo 77.º da LGT. À semelhança deste, existem
outros situações em que expressamente se prevê e exige esse dever especial de fundamentação, que vão além do previsto no
referido artigo 77.º; é o que sucede nas situações em que se verificam ―relações especiais‖ (artigo 77.º, n.º 3 da LGT),
tributação por ―métodos indirectos‖ (artigo 77.º, n.º 4 e 5 da LGT), ou de ―reversão contra responsáveis subsidiários‖ (artigo
23.º, n.º 4 da LGT), adopção de medidas cautelares em sede de inspecção (artigo 30.º n.º 2 do RCPIT). O que nos parece é que,
estando todos os actos tributários ou em matéria tributária sujeitos a um dever geral de fundamentação, se o legislador não
tivesse pretendido impor um especial dever de fundamentação, não o teria feito. Neste sentido pode ver-se o acórdão do STA de
21-10-2009, processo n.º 0897/09, bem como a fundamentação da declaração de voto de vencido do Conselheiro Jorge Lopes
de Sousa no acórdão do STA de 09-01-2008, processo n.º 1022/07.
246
O contribuinte inspeccionado, é certo, não é o gerente ou administrador, mas sim a sociedade
na qual exercem funções, tal como a conta bancária cuja informação se pretende obter, também
não pertence à sociedade, mas sim ao gerente ou administrador. Ou seja, os gerentes ou
administradores, embora pessoas distintas da sociedade que administram, podendo mesmo ser
considerados terceiros, têm no entanto uma relação especial com a sociedade. O n.º 2 do artigo
63.º-B da LGT prevê expressamente que a Administração tributária pode aceder directamente
aos documentos bancários de terceiros que se encontrem numa relação especial com o
contribuinte, em caso de recusa da sua exibição ou de autorização para consulta. A única
diferença relativamente à derrogação directa do próprio contribuinte reside no facto de o recurso
desta decisão de derrogação no caso de terceiros ter efeito suspensivo enquanto ao contribuinte
tem carácter meramente devolutivo546. Tal significa que, caso no decurso de um procedimento de
inspecção se determina a derrogação do sigilo contra os administradores ou gerentes da
sociedade inspeccionada, perante o recurso judicial dessa decisão, o procedimento de
derrogação suspende-se até trânsito em julgado da decisão. No fundo esta previsão legal acaba
por ser, ainda que à posteriori, e apenas em caso de recurso por parte terceiro uma espécie de
autorização judicial.
Por último, deve-se referir, no que diz respeito às pessoas colectivas (sujeitos passivos de IRC)
bem como às pessoas singulares (sujeitos passivos de IRS) com contabilidade organizada, estão
obrigados a possuir pelo menos uma conta bancária através da qual devem ser efectuados todos
os movimentos respeitantes a actividade empresarial, pagamentos feitos aos sócios e outros
movimentos feitos entre sujeitos passivos. A Administração Tributária pode aceder às contas
bancárias sem consentimento do titular, desde que verificada alguma das condições previstas no
artigo 63.º-B n.º 1 da LGT547.
Como se disse anteriormente, a existência de sigilo bancário deixou de constituir uma causa
legítima de oposição à inspecção, ou seja, deixou de legitimar a recusa ou falta de cooperação
no decurso do procedimento de inspecção. Hoje em dia, a única possibilidade de o sigilo
bancário motivar essa oposição – embora não possa ser este o fundamento invocado – é se o
mesmo se encontrar simultaneamente ligado a um segredo profissional, enquadrando-se dessa
forma nos termos do artigo 63.º n.º 4 alínea b) da LGT. Tal verifica-se se o contribuinte invocar
546
Cfr. artigo 63.º-B n.º 2 e 5 da LGT.
547
Cfr. artigo 63,º-C n.º 4 da LGT.
247
como fundamento de oposição à derrogação administrativa do sigilo bancário implicar o acesso
a dados e elementos protegidos pelo segredo profissional, de que é exemplo o sigilo profissional
do advogado548. Caso a oposição ao acesso a documentação coberta pelo sigilo bancário seja
fundamentada pela existência do sigilo profissional, a sua derrogação apenas poderá ser obtida
mediante autorização judicial para o efeito, nos termos do n.º 5 do artigo 63.º da LGT,
atendendo a que os elementos de facto detectados como não estando em conformidade com a
veracidade do declarado podem estar relacionados com o exercício da advocacia ou outra
actividade sujeita a segredo profissional. Como se refere no acórdão do STA de 15-12-2004,
processo n.º 1862/03, «perante a invocação do sigilo profissional, não se compreenderia que a
administração tributária tivesse a possibilidade de derrogar administrativamente a protecção
conferida por esse dever de sigilo sem prévia sindicância judicial» e «se estamos em face de
recusa do contribuinte com fundamento em sigilo profissional, só podendo a derrogação do sigilo
bancário ter lugar mediante autorização judicial, tal como resulta do nº 5 do art. 63º citado, não
pode simultaneamente aplicar-se a derrogação pela Administração Fiscal limitada a certos
elementos das contas e informações bancárias».
Tudo aquilo que já foi dito a propósito do direito à reserva da intimidade vida privada tem
naturalmente aproveitamento e aplicação para os direitos fundamentais agora em análise, sendo
os mesmos uma decorrência daquele.
548
Nos termos do artigo 87.º do EOA o sigilo profissional do advogado é simultaneamente um dever do advogado e um direito dos
seus clientes, só podendo ser afastado nas circunstâncias previstas na lei e dependente de procedimento previsto no.
Regulamento nº 94/2006, de 12 de Junho. O n.º 3 deste preceito refere que o segredo profissional abrange ainda documentos
ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo, devendo-se considerar-se que as
informações bancárias do advogado se enecontram integram também o segredo profissional, visto que, ainda que
indirectamente, podem relacionar com informações bancárias dos clientes e movimentos financeiros em relação aos quais o
advogado está obrigado a guardar sigilo. Neste sentido ver acórdãos do STA de 29-09-2010, processo n.º 0668/10, de 02-12-
2009, processo n.º 01116/09.
248
reservada, quando passa a porta da sua morada, quando corre as cortinas. Na rua, nos edifícios
públicos, nos jardins, a pessoa continua envolta numa esfera privada» . 549
A Convenção Europeia dos direitos do Homem no n.º 2 do seu artigo 8.º prevê no seu artigo 8.º
que «qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e
da sua correspondência» (n.º 1), e que «não pode haver ingerência da autoridade pública no
exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma
providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para
a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção de
infracções criminais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das
liberdades de terceiros» (n.º 2).
A todos os cidadãos é reconhecido o direito fundamental de ter um local onde sozinho ou com a
família pode gozar, sem qualquer interferência ou intervenção de terceiros a sua esfera jurídica
privada e íntima. A protecção constitucional do domicílio constitui uma protecção de carácter
instrumental do direito à reserva da intimidade da vida privada.
Cfr. CAMPOS, DIOGO LEITE DE, Lições de direitos de personalidade, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de
549
QUERALT, JOAN JOSEP, La inviolabilidad domiciliaria y los controles administrativos. Especial referencia a la de las empresas, in
551
249
semelhança do que sucede com todos os outros direitos liberdades e garantias. Tais limitações
não podem no entanto ser deixadas ao livre arbítrio da Administração, dependendo do escrutínio
judicial pelo juiz, tal como consagrado na nossa CRP:
O Código Civil nos seus artigos 82.º e seguintes apenas indica os diversos tipos de domicílio. O n.º 1 do artigo 82.º determina
552
que a pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente em diversos lugares, tem-se por
domiciliada em qualquer deles.
Cfr. acórdão do TC n.º 452/89 de 28-06-1989. De acordo com este aresto o domicílio constitui «a habitação humana, aquele
553
espaço fechado e vedado a estranhos, onde, recatada e livremente, se desenvolve uma série de condutas e procedimentos
característicos da vida privada e familiar».
Cfr. acórdão do TRL de 01-02-2007, processo n.º 4645/2006-6.
554
Neste sentido veja-se J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ao considerarem que deve entender-se por domicílio, desde logo o
555
local onde se habita, seja permanente seja eventual, seja principal ou secundária. Daí sustentarem estes Autores « não poder este
conceito equivaler sentido civilístico, que restringe o domicílio à residência habitual (mas certamente incluindo também as
habitações precárias, como tendas, «roulottes», embarcações), abrangendo também a residência ocasional como o quarto de
hotel) ou ainda os locais de trabalho (escritórios, etc.); dada a sua função constitucional, esta garantia deve estender-se quer ao
domicílio voluntário geral quer ao domicílio profissional (CCivil art.82º e 83º)‖, pelo que se consideram englobados no âmbito de
250
Há no entanto que sublinhar que no domínio tributário os conceitos de residência e domicílio são
distintos. O conceito de domicílio fiscal, previsto no artigo 19.º da LGT constitui um domicílio
especial referente a um lugar determinado para o exercício de direitos e o cumprimento dos
deveres previstos nas normas tributárias, pelo que, tendo natureza especial, é independente do
estipulado no artigo 82.º do CC556. Nos termos do artigo 19.º n.º 1 alínea a) o domicílio fiscal do
sujeito passivo é, salvo disposição em contrário para as pessoas singulares, o local da residência
habituar. Para as pessoas colectivas o domicílio fiscal é o local da sede ou direcção efectiva ou,
na falta destes, do seu estabelecimento estável em território nacional (alínea a) 557. Por sua vez, o
conceito de residência no direito fiscal encontra-se associado a uma ideia de presença física no
território de um determinado Estado, isto é, constitui um elemento de conexão a um
determinado território, que confere a um Estado legitimidade para tributar558.
No domínio da inspecção tributária este direito pode ter algumas particularidades que importa
aqui esmiuçar, susceptíveis de, ainda que não impedir, condicionar a actividade inspectiva.
Como já vimos, uma das garantias do exercício da função inspectiva é, nos termos do artigo 28.º
n.º 2 alínea a) do RCPIT, precisamente o livre acesso ás instalações e dependências da entidade
inspeccionada. Isto pese embora o artigo 63.º n.º 1 alínea a) da LGT, de forma mais genérica,
possibilite o livre acesso às instalaações ou locais onde possam existir elementos relacionados
com a sua actividade ou com a dos demais obrigados fiscais. Por um lado, parece-nos no
entanto que da interpretação conjugada dos preceitos os mesmos foram pensados para pessoas
colectivas e não para pessoas singulares. Por outro lado tal parece indiciar que não existe para
as pessoas jurídicas um efectivo direito à inviolabilidade do domicílio. A maioria da doutrina e a
jurisprudência do TC tem-se inclinado para considerar a este direito como sendo exclusivo
protecção da norma.» - CANOTILHO, J.J. GOMES; MOREIRA, VITAL, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra,
Coimbra Editora, 4.ª edição, 2007, pág. 540. Veja-se também MIRANDA, JORGE; MEDEIROS, RUI, Constituição Portuguesa Anotada,
Tomo I, Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2.ª edição, 2010, pág. 757-761.
556
Cfr. neste sentido, acórdão do TCA Sul de 07-04-2011 processo n.º 04550/11.
557
De salientar que o conceito de sede não é o mesmo aos olhos da lei. O artigo 12.º n.º 3 do CSC determina que a sede da
sociedade constitui o seu domicílio, sem prejuízo de no contrato se estipular domicílio particular para determinados negócios.
Segundo o artigo 3.º n.º 1 também do CSC as sociedades comerciais têm como lei pessoal a lei do Estado onde se encontre
situada a sede principal e efectiva da sua administração.Por sua vez, o artigo 159.º do CC estabelece que a sede da pessoa
colectiva é a que os respectivos estatutos fixarem, ou, na falta de designação estatutária, o lugar em que funciona normalmente
a administração principal. Ou seja, para o CSC. Ou seja, na lei civil adopta-se um conceito de sede jurídica – prevista nos
estatutos –, enquanto para a lei comercial adopta-se um conceito de sede de facto – o local onde se exerce efectivamente a sua
administração.
558
Veja-se o artigo 16.º do Código do IRS e artigos 2.º n.º 3 e 5.º do Código do IRC.
251
apenas das pessoas físicas e por isso não extensível às pessoas jurídicas. À partida poderá fazer
algum sentido que assim seja, na medida em que as pessoas colectivas não têm vida familiar e
privada, pelo que por esta razão a sede destas cai fora da esfera de protecção do artigo 34.º da
CRP, considerando-se que a inviolabilidade do domicílio consubstancia uma manifestação
particular e qualificada da tutela da intimidade da vida privada, dirigida, como vimos, à
realização da personalidade individual e ao resguardo da dignidade da pessoa humana. . 559
Contudo, convém não esquecer que as pessoas jurídicas também têm ―segredos‖ que
concerteza pretendem afastar do domínio público, como fórmulas de fabrico de bens, listas de
clientes e fornecedores, contas bancárias, ou seja todos os elementos que, para efeitos de
concorrência, pretendem que não sejam do conhecimento comum. Assim, tal não significa que
as pessoas jurídicas não tenham um direito à inviolabilidade da sua sede, instalações ou
dependências. Têm-no, e embora possam não o ter com um grau equivalente às pessoas físicas,
ainda assim parece-nos merecer a protecção conferida pelo artigo 34.º da CRP. Tanto assim é
que constitui fundamento legítimo de oposição ou recusa de cooperação com a inspecção
tributária que permite vedar o acesso desta à sua sede, instalações ou dependências a falta de
credenciação dos funcionários que se apresentem para realizar uma inspecção560. Dito ainda de
outra forma, parece-nos que o direito consagrado no artigo 34.º da CRP é extensível às pessoas
jurídicas, cessando no entanto automaticamente, para o que aqui nos interessa, por vontade da
Administração tributária, perante a actuação inspectiva, sem necessidade de obtenção de
autorização judicial, desde que os funcionários se apresentem devidamente credenciados. Aliás,
como iremos observar, a entrada de funcionários da inspecção na sede, instalação ou
dependências de pessoas jurídicas, sem a devida credenciação e perante a oposição dos
representantes dessas pessoas jurídicas consubstancia a prática de um crime de violação de
domicílio por funcionário, nos termos do artigo 378.º do CP. Como anotam JORGE MIRANDA e RUI
MEDEIROS, «Não impressiona a argumentação fundada no facto de a protecção às instalações
das pessoas colectivas ser oferecida por outros direitos fundamentais, visto que esta observação
nada prova quanto à impossibilidade ou impossibilidade de as pessoas colectivas serem titulares
do direito à inviolabilidade do domicílio. Por outro lado, e ainda que se conceda que outros
559
Cfr. acórdão do TC n.º 596/2008 de 10-12-2008: «(...) quando se extravasa da esfera domiciliária das pessoas físicas,
entrando no campo de actividade das pessoas colectivas, afigura-se que saímos também para fora do âmbito normativo de
protecção da norma constitucional, pois decai a sua razão de ser». Neste sentido veja-se ainda CANOTILHO, J.J. GOMES; MOREIRA,
VITAL, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra, Coimbra Editora, 4.ª edição, 2007, pág. 540. Em
sentido contrário, pode ver-se MIRANDA, JORGE; MEDEIROS, RUI, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, Wolters
Kluwer/Coimbra Editora, 2.ª edição, 2010, pág. 762-764.
Cfr. artigos 45.º e 46.º do RCPIT.
560
252
direitos fundamentais possam a proteger algumas dimensões das instalações das pessoas
colectivas , a verdade é que esses direitos são incapazes de oferecer a esses espaços o estatuto
juridico-constitucional coincidente com o do domicílio (...). Com esta solução, alcança-se, através
do alargamento da protecção do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio a
determinadas pessoas colectivas, o referido aumento da efectividade desse direito fundamental,
ultrapassando-se interpretações formalistas que desaguam numa compreensão redutora do seu
âmbito de protecção.» . Note-se que este direito à inviolabilidade do domicílio, contrariamente
561
ao que sucede em Portugal, em Espanha quer a doutrina quer a jurisprudência têm admitido
que o mesmo é reconhecido não só às pessoas físicas como também às pessoas jurídicas. Este
entendimento tem-se ancorado na ideia de que o conceito de domicílio se encontra mais ligado à
ideia de privacidade do que de intimidade, pois caso se baseasse neste último sentido, não
poderiam as pessas jurídicas beneficiar da protecção constitucional resultante da inviolabilidade
do domicílio562.
Porém podem verificar-se uma série de vissicitudes susceptíveis de baralhar e restringir este livre
acesso que é garantido à inspecção, a saber: a sede de uma pessoa colectiva pode ter como
morada a residência de uma pessoa singular (de um sócio ou de um gerente); uma pessoa
singular, empresário em nome individual pode ter a sua escrita e elementos contabilísticos não
no estabelecimento onde desenvolve a sua actividade, mas na sua residência; uma pessoa
singular, empresário em nome individual pode até desenvolver a sua actividade na sua própria
residência.
Ora, todos os exemplos enunciados têm um denominador comum: o domicílio de uma pessoa
física. E este denominador comum é, quanto a nós, fundamento legítimo – o mesmo decorre
expressamente da lei – para recusar a cooperação com a inspecção, nos termos da alínea a) do
n.º 4 do artigo 63.º da LGT, mesmo que os elementos de escrita e contabilidade estejam nesse
local. Como tal, e embora continue a ser possível ainda assim derrogar este direito fundamental,
Cfr. MIRANDA, JORGE; MEDEIROS, RUI, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2.ª
561
derecho a la inviolabilidad del domicilio, no lo circunscribe a las personas físicas, siendo pues extensivo o predicable igualmente
en cuanto a las personas jurídicas, del mismo modo que este Tribunal ha tenido ya ocasión de pronunciarse respecto de otros
derechos fundamentales, como pueden ser los fijados en el art. 24 de la misma CE, sobre prestación de tutela judicial efectiva,
tanto a personas físicas como a jurídicas». Na doutrina pode ver-se MARTÍNEZ, JOAQUIN ÁLVAREZ, La inviolabilidad del domicilio ante
la inspección de tributos, Madrid, La Ley, 2007, pág. 67 a 77 e MESTRES, MAGÍN PONT, Derechos y Deberes en el Procedimiento
de Inspección Tributaria, Madrid, Marcial Pons, 2.ª Edição, 2007, pág. 101.
253
tal apenas será possível mediante autorização judicial, nos termos do artigo 63.º n.º 5 da LGT.
Isto embora o artigo 34.º n.º 4 do RCPIT salvaguarde a possibilidade de, nos casos em que o
contribuinte inspeccionado não disponha de instalações ou dependências, os actos de inspecção
poderem ser realizados no serviço da Administração tributária da área do domicílio ou sede. De
qualquer das formas, perante a recusa, estando no domicílio de um contribuinte, a unica forma
de aceder ao local é através da obtenção de autorização judicial para o efeito.
563
Cfr. MIRANDA, JORGE; MEDEIROS, RUI, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2.ª
edição, 2010, pág. 771-772.
564
Cfr. acórdão do STJ de 18-05-2006 processo n.º 06P1394.
565
Parece-nos ser possível através do artigo 194.º do CP – que tipifica o crime de violação de corrrespondência e
telecomunicações – compreender que tipo de objectos se encontram abrangidos pelo conceito de correspondência: encomenda,
carta ou qualquer outro escrito que se encontre fechado, bem como a intromissão no conteúdo de telecomunicação. Também o
artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 188/81, de 2 de Julho (embora este diploma já tenha sido revogado) pode ajudar-nos a
compreender o conceito de correspondência postal e o correspodente sigilo. Nos termos deste preceito, «o sigilo da
"correspondência postal" consiste na proibição de leitura de qualquer correspondência, mesmo que não encerrada em invólucro
fechado, e da mera abertura da correspondência fechada, bem assim na proibição de revelação a terceiros do conteúdo de
qualquer mensagem ou informação de que se tomou conhecimento, devida ou indevidamente, das relações entre remetentes e
destinatários e das direcções de uns e outros»
566
Cfr. MIRANDA, JORGE; MEDEIROS, RUI, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2.ª
edição, 2010, pág. 773
254
fiscal, também a violação da correspondência constitui fundamento para tal conduta. Embora o
acesso a correspondência do contribuinte não esteja expressamente prevista em nenhuma das
alíneas do n.º 4 do artigo 63.º da LGT, consideramos que o mesmo tem enquadramento tanto
na alínea c) – acesso a factos da vida intíma dos cidadãos –, como na alínea d) – violação dos
direitos de personalidade e outros direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nos termos e
limites previstos na Constituição e na Lei.
É no entanto necessário compatibilizar o artigo 34.º da CRP e artigo 63.º n.º 4 alíneas c) e d)
com o previsto no RCPIT. Uma das prerrogativas da inspecção tributaria nos termos do artigo
29.º n.º 1 alínea a) do RCPIT passa por examinar quaisquer elementos dos contribuintes
susceptíveis de revelar a sua situação tributária, nomeadamente os relacionados com a sua
actividade, ou de terceiros. Para efeitos desta prerrogativa, é permitido aos funcionários da
inspecção examinar correspondência recebida e expedida relacionada com a actividade, tal
como o prevê a alínea g) do n.º 2 do artigo 29.º do RCPIT.
O problema que aqui se coloca é que, estando a correspondência (no sentido atrás descrito)
fechada, não é possível saber qual o seu conteúdo e, como tal, não é possível aferir se o mesmo
diz respeito à sua actividade. Esta situação levanta desde logo um problema quanto aos
contribuintes pessoas físicas: perante qualquer correspondência que lhe seja endereçada, este
poderá, e aqui não há volta a dar, opor-se sempre ao acesso à mesma invocando que se tratam
de factos da sua vida íntima e privada, ainda que digam respeito à sua actividade. Como os
funcionários não têm como o saber, a única possibilidade que têm é solicitar autorização judicial
para a sua apreensão e abertura da mesma. Através desta actuação a Administração fiscal
assegura a legalidade do seu acto e a eventual privacidade do contribuinte, pois a violação da
correspondência será apenas efectuada por ordem do juiz e será este a primeira pessoa a tomar
conhecimento do conteúdo da mesma, pois irá aferir se o seu conteúdo releva ou não para
apuramento da situação tributária do contribuinte. Quanto às pessoas colectivas, parece-nos que
o princípio a adoptar será o mesmo. Entendemos que a interpretação da alínea g) do n.º 2 do
artigo 29.º do RCPIT deve ser entendida (embora a sua redacção não seja a mais feliz) como
correspondência já aberta, ou seja, correspondência que esteja arquivada e faça parte do corpo
informativo que o contribuinte tenha guardado, pelo que perante qualquer correspondência
255
fechada, a inspecção deverá seguir os mesmos passos acima indicados e obter a respectiva
autorização judicial.
Nesta matéria de correspondência parece-nos ainda importante realçar um aspecto, que embora
diga respeito não às autoridades fiscais, mas sim às autoridades aduaneiras, e que se prende
com a possibilidade de estas últimas poderem abrir pacotes e encomendas postais, contendo
mercadorias, que devam ser apresentados a fiscalização alfandegária, sem que tal constitua
violação do sigilo da correspondência estatuído nos nºs 1 e 4 do artigo 34.º da CRP. Este
entendimento encontra-se vertido em parecer do Conselho Consultivo da PGR567. De acordo com
este entendimento, a fiscalização, pelas autoridades aduaneiras, dos "objectos de
correspondência postal e das encomendas postais" conduzidos à alfândega, para assegurar o
cumprimento da legislação aduaneira e demais disposições aplicáveis às mercadorias sob
fiscalização aduaneira é compatível com o sigilo da correspondência previsto nos nºs 1 e 4 do
artigo 34.º da CRP; uma vez que esta fiscalização se insere numa competência própria das
autoridades aduaneiras, como órgãos de polícia fiscal, não carecendo, como tal, de intervenção
das autoridades judiciárias. Assim, esta fiscalização aduaneira implica, necessariamente, a
abertura da correspondência postal e das encomendas postais conduzidas à alfândega, cabendo
essa abertura aos funcionários dos CTT, na presença das autoridades aduaneiras, que presidem
a tal diligência.
A violação destes direitos fundamentais faz incorrer em nulidade o acto tributário praticado na
sequência do procedimento tributário de inspecção, nomeadamente por os elementos carreados
para este procedimento que terem sido obtidos mediante abusiva intromissão na vida privada,
no domicílio, na correspondência. Além disso pode também fazer incorrer a Administração em
responsabilidade civil pelos danos efectivamente acusados por essa intromissão abusiva, e
criminal quanto aos seus funcionários, como de resto veremos mais adiante.
567
Cfr. parecer n.º 61/95, de 10-05-1995.
256
6.5.1.3. O DIREITO AO BOM NOME E REPUTAÇÃO
bom nome e a reputação são direitos com um alcance abrangente que inclui todos os aspectos
relativos à representação positiva de uma pessoa e à consideração que daí decorre 570. A
protecção constitucional deste direito confere-lhe uma grande amplitude jurídica, constituindo
um limite para outros direitos. Ainda de acordo com os mesmos Autores, a «relevância
constitucional da tutela do bom nome e da reputação legitima a criminalização de
comportamentos como a injúria, a difamação, a calúnia e o abuso de liberdade de imprensa ou
a admissibilidade, no âmbito da responsabilidade civil, da compensação dos danos não
patrimoniais advenientes de actuações ilícitas por ofensa ao bom nome e à reputação das
pessoas» . 571
Embora se trate de um direito, liberdade e garantia, trata-se de um direito que tem também
como destinatário o legislador, a quem compete promover a sua tutela572, tutela esta que é
atingida através de normas do Direito Penal e do Direito Civil. No que diz respeito à tutela
conferida pelo Direito Penal, este chega a prever que em determinadas situações, quem atente
contra o direito ao bom nome e à reputação de outrem, pode configurar a prática de um crime,
nomeadamaente através da previsão dos crimes de difamação e injúria 573. Quanto à tutela
conferida pelo Direito Civil, a mesma é efectuada através da tutela geral de personalidade que
Sobre a protecção constitucional do direito ao bom nome ver, entre outros, acórdãos do TC n.º 319/95 de 20-06-1995, n.º
568
Cfr. MIRANDA, JORGE; MEDEIROS, RUI, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2.ª
570
edição, 2010, pág. 617. Neste sentido ver também acórdão do STJ de 08-03-2007, processo n.º 07B566: «Assim, não estão
excluídos da capacidade de gozo das pessoas colectivas alguns direitos de personalidade, como é o caso do direito à liberdade,
ao bom nome e à honra na sua vertente da consideração social (artigos 26º, nº 1, da Constituição, 70º, nº 1 e 72º, nº 1, do
Código Civil). Isso significa que o bom-nome das pessoas colectivas, no quadro da actividade que desenvolvem, ou seja, na
vertente da imagem, de honestidade na acção, de credibilidade e de prestígio social, está legalmente protegido.»
Cfr. MIRANDA, JORGE; MEDEIROS, RUI, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2.ª
572
257
protege as pessoas contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade
moral materializada no preceito relativo à ofensa do crédito ou do bom nome574
Este direito diga-se, também ele é extensível às pessoas colectivas, como tem sido reconhecido
genericamente pela jurisprudência. Como se refere no parecer do Conselho Consultivo da PGR
n.º 103/86, de 7 de Julho de 1988, o direito ao bom nome, reputação e imagem não pode «(...)
apenas aplicar-se e ter uma referência humana, sendo perfeitamente admissível e concebível a
sua aplicação para além das pessoas físicas. (...) O bom nome e reputação de uma pessoa
colectiva é manifestamente indispensável ao regular e eficiente exercício da sua actividade. De
facto a falta de bom nome, a má reputação das pessoas colectivas necessariamente que
comprometem as relações entre essas entidades e as demais, nomeadamente os seus parceiros
e o público em geral, exactamente nos mesmos termos que a falta de bom nome e má
reputação das pessoas singulares.». Assim, as pessoas colectivas, da mesma forma que as
singulares, têm direito a um nome e a manter uma reputação, pelo que têm naturalmente
interesse em que o seu nome, associado a uma imagem e uma reputação não seja
―manchado‖, nomeadamente que a esse nome não sejam associados factos ilícitos, ilegais,
injuriosos, difamatórios ou quaisquer outros que ponham de algum modo em causa a sua
posição no seio da sociedade. Desta forma facilmente se pode concluir que o direito ao bom
nome não é nem pode ser exclusivo das pessoas singulares, podendo também ser dele titulares
as pessoas colectivas575.
É certo que este direito tem sido sobretudo analisado como um limite, à luz da liberdade de
expressão, da liberdade de informação e da liberdade de imprensa, mas a sua proximidade
como limite à actividade inspectiva é bem mais intensa do que aquilo que aparenta, como a
seguir tentaremos demonstrar.
Em termos de tutela penal, não é díficil imaginar que em sede de inspecção podem ser vertidos
factos inscritos no relatório de inspecção que possam, pelo menos abstractamente, ter natureza
difamatória, injuriosa (no caso de pessoas singulares e colectivas) ou ofensiva (no caso de
pessoas colectivas) susceptível de causar graves prejuízos ao bom nome e reputação de uma
575
Neste sentido pode ver-se o acórdão do STJ de 08-03-2007, processo n.º 07B566: «A capacidade de gozo das pessoas
colectivas abrange os direitos de personalidade relativos à liberdade, ao bom-nome, ao crédito e à consideração social.»
258
pessoa colectiva ou singular. Basta pensarmos, num fenónomeno cada vez mais recorrente hoje
em dia – a questão da facturação falsa –, em que a Administração fiscal imputa a um
determinado contribuinte factos susceptíveis de consubstanciar a prática de um crime de fraude
fiscal, através de facturas falsas, e que mais tarde não se vem a confirmar. É pois fácil
imaginarmos, com especial relevância para as pessoas colectivas, o clima de desconfiança que
tal é susceptível de gerar quanto a todos os operadores que com quem o contribuinte mantém
relações económicas, nomeadamente clientes e fornecedores, ou quaisquer outros parceiros
económicos que directa ou indirectamente se relacionam com o contribuinte.
Convém notar que o direito ao bom nome e à reputação se considera violado quando sejam
praticados actos que se traduzam em imputar falsamente a alguém a prática de acções ilícitas
ou ilegais. Assim a imputação de factos alegadamente consubstanciadores de prática de crimes
fiscais vertidos num relatório de inspecção (e posteriormente em sede de acusação em
processo-crime) podem assumir natureza difamatória/injuriosa ou ofensiva. Uma situação como
esta pode não só ter repercussões em matéria criminal como em termos de responsabilidade
civil pelos danos patrimoniais ou não patrimoniais que possam advir da imputação de tais factos.
Por outro lado há um outro aspecto que deve ser tido em conta na realização de uma acção
inspectiva. Esta questão coloca-se não tanto nos grandes centros urbanos, mas sim em meios
mais pequenos. Nestes, ainda se vive muito numa mentalidade de que a realização de uma
acção deste género tem uma conotação negativa, onde ainda se transmite a ideia de que ―se
estão a ser fiscalizados é porque fizeram algo de mal‖. Daí que a realização por si só de uma
inspecção, ainda que não se tenha detectado qualquer irregularidade, pode causar e afectar a
reputação e o bom nome de um contribuinte. Subjacente a esta ideia está, parece-nos a eventual
violação dos deveres acessórios que impendem sobre os funcionários da inspecção, que
segundo o artigo 21.º do RCPIT devem actuar com especial prudência, cortesia, serenidade e
discrição. Estes deveres acessórios devem aplicar-se tanto no plano interno como no plano
externo, ou seja, numa óptica de causar o menor transtorno possível no seio do contribuinte
inspeccionado, bem como não ―dar nas vistas‖ de forma a que a sua actuação passe o mais
despercebida possível.
259
Estes aspectos serão no entanto alvo de maior desenvolvimento no capítulo referente aos actos
de inspecção como factores geradores de responsabilidade criminal e civil.
260
7. A VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS
Aqui chegados, é tempo de olharmos para as consequências da violação dos limites impostos
pelos princípios e direitos fundamentais que pautam a actividade inspectiva da Administração
fiscal. Este capítulo diz por isso respeito à tutela jurídica dos direitos fundamentais, sendo que
esta se realiza através de todos os ramos do direito, quer se trate do direito substantivo quer se
trate do direito adjectivo. Para aqui interessa-nos a tutela que é conferida pelo direito tributário,
direito administrativo, pelo direito penal e pelo direito civil.
A violação de alguns princípios e direitos, como iremos ver, nem sempre constitui vício do
procedimento de inspecção, na medida em que não afecta o seu conteúdo. As consequências
dessa violação não são as mesmas, podendo variar consoante o princípio ou direito em causa, e
podem ou não ter efeitos dentro e/ou fora do procedimento de inspecção, ou até podem não ter
efeitos dentro do procedimento de inspecção e apenas fora deste576. A onsequência dessa
violação, quanto aos princípios já foi sendo referida ao longo da análise de cada um dos
mesmos, pelo que nestes casos trataremos apenas de recapitular e enfatizar alguns aspectos
que já foram mencionados.
576
Quando nos referimos a a consequências ―dentro do procedimento de inspecção‖, em bom rigor, qualquer vício que ocorra no
decurso do procedimento de inspecção não tem efeitos invalidantes do próprio procedimento inspectivo mas apenas quanto ao
acto final resultante do procedimento, por força do princípio da impugnação unitária em que em que os vícios ou erros dos actos
interlocutórios apenas podem ser apreciados a final, no posterior acto de liquidação, salvo quando quanto aos actos
imediatamente lesivos e aqueles para os quais se preveja impugnação contenciosa autónoma (como sucede com as medidas
cautelares adoptadas pela inspecção tributária).
577
Sobre esta matéria ver, entre outros, CAUPERS, JOÃO, Introdução ao Direito Administrativo, Lisboa, Âncora, 8.ª Edição, 2005,
pág. 208-212; DIAS, JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO; OLIVEIRA, FERNANDA PAULA, Noções Fundamentais de Direito Administrativo, Coimbra,
Almedina, 2.ª edição, 2011, pág- 240-246.
261
O regime de nulidade dos actos administrativos, previsto nos artigos 133.º e 134.º do CPA
apresenta como características típicas: (i) os actos nulos são ineficazes ab initio, ou seja, não
produzem qualquer efeito jurídico, independentemente de declaração judicial ou administrativa;
(ii) ausência de carácter vinculativo e insusceptibilidade de execução coerciva; (iii) a nulidade
pode ser invocada todo o tempo; (iv) os actos nulos são insanáveis mediante ratificação, reforma
ou conversão; (v) podem ser desobedecidos pelos funcionários ou por qualquer pessoa (direito
de resistência) independentemente da sua natureza pública ou privada; (vi) qualquer órgão da
Administração ou tribunal pode declarar a nulidade.
Quanto ao regime de anulabilidade dos actos administrativos, previsto nos artigos 135.º e 136.º
do CPA, este apresenta como características: (i) os actos anuláveis são eficazes até serem
anulados, desde que cumpridos os respectivos requisitos de eficácia; (ii) sendo eficazes têm
natureza vinculativa e são susceptíveis de execução coerciva; (iii) são sanáveis pelo decurso do
tempo, ou seja, a sua anulabilidade só pode ser invocada durante determinado prazo, sob pena
de se consolidar na ordem jurídica; (iv) são sanáveis mediante ratificação, reforma ou conversão;
(v) apenas os tribunais podem anular o acto administrativo; (vi) os actos anuláveis não são
susceptíveis de desobediência ou resistência.
Assim, os vícios do acto tributário, são, à semelhança do que sucede com todos os actos
administrativos, em regra, fundamento da sua anulabilidade, só acarretando a sua nulidade
quando se verifique a falta de qualquer dos elementos essenciais do acto ou quando houver lei
que expressamente contemple essa forma de invalidade, nos termos dos artigos 133.º n.º 1 e
135.º do CPA578. O legislador optou por um regime misto na previsão dos vícios que conduzem à
nulidade do acto administrativo. Quer isto dizer que se por um lado admitiu o critério da nulidade
por natureza (princípio da cláusula geral), por outro lado, combinou este critério com o da
enumeração exemplificativa - a chamada nulidade por determinação da lei.
A propósito desta temática, como referem MÁRIO DE AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO
FERNANDES CADILHA, «a nulidade constitui o regime de excepção, ao passo que a anulabilidade é o
regime-regra. É o que se depreende do disposto no artigo 135.º do CPA, segundo o qual são
Cfr. neste sentido, acórdãos do STA de 25-05-2004 processo n.º 208/04, 22-06-2005, processo n.º 1259/04, de 16-11-
578
262
anuláveis os ―actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas
aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção.‖ (....) A anulabilidade constitui uma
forma de invalidade do acto administrativo que se reconduz à violação de uma regra ou de um
princípio jurídico de natureza formal (de competência, de forma ou de trâmite) ou substantiva.
No primeiro grupo, incluem-se: (a) a violação de regras relativas à competência do autor do acto,
quando não envolvam as situações extremas de falta de atribuições, geradoras de nulidade
(incompetência relativa); (b) vícios de forma, que poderão consistir na preterição de formalidades
no âmbito do procedimento administrativo (arts. 54° e segs. do CPA), na omissão ou deficiência
respeitante à forma do acto (art. 120.º do CPA), desde que não se reconduza à carência
absoluta da forma legal, ou na omissão ou deficiência atinente à Enunciação do objecto e dos
elementos do acto (art. 123.º do CPA)»579.
Em suma, o princípio geral é o da anulabilidade, sendo anuláveis, nos termos do artigo 135.º do
CPA todos os «actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas
aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção», ou seja, todos os actos a que falte
qualquer requisito de validade, só estando feridos de nulidade os actos previstos no n.º 1 do
artigo 133.º do CPA, isto é, «os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os
quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade», e que o n.º 2 exemplifica com
situações que se têm por mais ocorrentes, designadamente, com os «actos que ofendam o
conteúdo essencial de um direito fundamental» - alínea d) do n.º 2.
Aplicando este entendimento aos actos tributários, estes apenas serão nulos sempre que falte
algum dos seus elementos essenciais, isto é, aqueles que sejam necessários para assegurar a
sua exequibilidade, bem como os actos indicados no artigo 133.º n.º 2 do CPA, entre os quais
constam os que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental e os que ofendam os
casos julgados
Ainda a propósito do artigo 133.º n.º 2 alínea d), que como veremos mais à frente, será o
parâmetro através do qual se aferirá da nulidade ou não do acto, JORGE LOPES DE SOUSA opina no
sentido de que o referido preceito não se refere a qualquer ofensa de um direito fundamental,
mas apenas as ofensas do seu conteúdo essencial, sendo que «Uma ofensa deste tipo só
579
Cfr. ALMEIDA, MÁRIO DE AROSO DE; CADILHA, CARLOS ALBERTO FERNANDES, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais
Administrativos, Coimbra, Almedina, 2006, pág. 247.
263
ocorrerá quando perante ela o direito fundamental afectado fique sem expressão prática
apreciável (...). Por outro lado, entre as violações possíveis de direitos por normas tributárias, a
sanção mais grave da nulidade, por razões de proporcionalidade, terá de ser reservada para os
actos que representam mais graves violações dos direitos tributários.» . Por sua vez, entende
580
DIOGO FREITAS DO AMARAL que «a expressão direitos fundamentais só abrange, neste artigo, os
direitos, liberdades e garantias e direitos de natureza análoga, excluindo os direitos económicos,
sociais e culturais que não tenham tal natureza»581. Em complemento desta ideia acrescenta-se
ainda que o conteúdo essencial não se confunde «com a ideia de ofensa chocante e grave», pois
não «se trata de maior ou menor intensidade e gravidade da ofensa jurídica»582.
Esta diferenciação de regimes não é apenas meramente teórica, já que a mesma terá influência
posteriormente, nomeadamente quanto à impugnação do acto com base em algum dos
eventuais vícios. Assim, caso os vícios em causa determinem a anulabilidade do acto, este terá
de ser impugnado nos prazos previstos na lei para o efeito, ou seja, 120 ou 90 dias, consoante o
sujeito passivo pretenda reclamar graciosamente ou impugnar judicialmente583. Caso a
consequência seja a nulidade, o sujeito passivo pode impugnar o acto a todo o tempo584.
Vejamos então, face à violação dos princípios e direitos enunciados, qual o regime de invalidade
aplicável.
No que diz respeito à violação do direito de audição, o mesmo consubstancia um vício de forma
por preterição de formalidade essencial. A doutrina tem-se dividido quanto à natureza do direito
de participação dos cidadãos na formação das decisões, havendo quem o considere como um
direito análogo aos direitos, liberdades e garantias fundamentais e façam, daí, decorrer a sanção
da invalidade constitucional da lei que o viole e a nulidade do acto administrativo praticado com
ofensa do direito de audição585 e quem não lhe atribua essa natureza, defendendo por isso que a
Cfr. SOUSA, JORGE LOPES DE, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume I, Lisboa, Áreas,
580
Cfr. SOUSA, ANTÓNIO FRANCISCO DE, Código de Procedimento Administrativo Anotado e Comentado, Lisboa, Quid Juris, 2009, pág.
582
379.
Cfr. artigos 70.º n.º 1 e 102.º n.º 1 do CPPT.
583
585
Neste sentido, entre outros, CORREIA, SÉRVULO, O direito `informação e os direitos de participação dos particulares no
procedimento, in Estudos sobre o Código de Procedimento Administrativo, Legislação - Cadernos de Ciência de Legislação, INA,
n.º 9/10, Janeiro-Junho de 1994; SILVA, VASCO PEREIRA DA, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Coimbra, Almedina, 2003.
264
o regime da anulabilidade em caso de violação do mesmo586. Pese embora a divisão na doutrina,
tem constituído entendimento jurisprudencial uniforme que a inobservância da audiência de
prévia constitui um vício formal gerador de mera anulabilidade do acto587. Este entendimento
assenta na ideia de que esta formalidade não incorpora um direito fundamental de participação,
mas apenas um princípio estruturante do processamento da actividade administrativa, pelo que
a sua inobservância não constitui ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental, tal
como se prevê no artigo 133.º n.º 2 alínea d) do CPA, gerando, assim, a anulabilidade do acto e
não a sua nulidade588. Este entendimento tem acima de tudo assentado na ideia de que, pese
embora a audição do interessado tenha a natureza de princípio constitucional cuja efectivação
como regra se impõe que seja adoptada pelo legislador ordinário, e nessa medida corresponda a
uma formalidade essencial do procedimento administrativo, o mesmo não se configura como um
elemento essencial do acto,
Por sua vez, em relação ao dever de fundamentação, as permissas são as mesmas do direito de
audição, ou seja, a violação deste conduz à anulabilidade do acto. Tem-se entendido que o
direito à fundamentação não constitui um direito absolutamente protegido pela Constituição,
apesar de previsto no artigo 268.º n.º 3 da CRP, pelo que o mesmo não tem a natureza de
direito fundamental cuja ofensa implique a nulidade do acto final do procedimento em que foi
cometida. Tem igualmente constituído entendimento pacífico e uniforme da jurisprudência que a
fundamentação do acto tributário não consubstancia um direito fundamental, ou, sequer, um
direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, razão pela qual a sua falta ou insuficiência
não implica a ausência de elemento essencial do acto, não podendo, por isso gerar a nulidade
do acto589. Como afirma JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, não existe, em geral, um direito
fundamental à fundamentação, ou, sequer, um direito análogo aos direitos, liberdades e
garantias, embora tal direito possa vir a ser permeado com as exigências dos direitos
fundamentais, pelo menos, naqueles casos em que a fundamentação seja condição
Machete, Pedro, A Audiência dos Interessados no Procedimento Administrativo, Lisboa, Universidade Católica Editora, 1995.
586
Cfr., entre muitos outros, acórdãos do STA de 11-09-2008 processo n.º 0112/07, de 29-01-2009 processo n.º 0651/08, de
587
30-09-2009 processo n.º 0166/09, de 24-04-2007 processo n.º 069/07; Neste sentido SOUSA, ANTÓNIO FRANCISCO DE, Código de
Procedimento Administrativo Anotado e Comentado, Lisboa, Quid Juris, 2009, pág. 379, segundo o qual, «Um direito
instrumental, por exemplo o direito de audiência prévia, assume a natureza de direito fundamental quando o direito dominante
seja um direito fundamental».
588
Apenas em matéria sancionatória é que a preterição do exercício do direito de audição e defesa tem a natureza de direito
fundamental (art. 32.º, n.º 10, da CRP), pelo que apenas nestas situações é que tal vício, nos procedimentos sancionatórios,
ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental, gerando nulidade do acto de decisão do procedimento, por força do
disposto naquela norma constitucional e no art. 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA.
Cfr., entre outros, acórdão do STA de 25-05-2001 processo n.º 091/11.
589
265
indispensável da realização ou garantia dos direitos fundamentais. Tal «acontecerá sempre que,
para além da imposição genérica da fundamentação, a lei prescrever, em casos determinados,
uma declaração dos fundamentos da decisão em termos tais que se possa concluir que ela
representa a garantia única ou essencial da salvaguarda de um valor fundamental da juricidade,
ou então da realização do interesse público específico servido pelo acto fundamentando‖ ou
―quando se trate de actos administrativos que toquem o núcleo da esfera normativa protegida
[pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais] e apenas quando a fundamentação possa
ser considerada um meio insubstituível para assegurar uma protecção efectiva do direito
liberdade e garantia»590.
Quanto ao dever de sigilo, a sua violação, no que diz respeito ao procedimento, não constitui um
vício do procedimento de inspecção, na medida que não afecta o seu conteúdo, podendo apenas
consubstanciar a prática de um crime, nos termos do artigo 91.º do RGIT ou uma contra-
ordenação tributária, nos termos do artigo 115.º também do mesmo diploma, sem prejuízo da
responsabilidade disciplinar em que incorre o agente que violar tal dever.
No que se refere ao princípio da legalidade, também a sua violação implica a anulabilidade e não
a nulidade do acto. Como já se deixou dito de forma clara e precisa, nem todos os actos
590
Cfr. ANDRADE, JOSÉ CARLOS VIEIRA DE, O dever da fundamentação expressa de actos administrativos, Coimbra, Almedina, 2007.
266
violadores de princípios constitucionais são nulos, só o sendo aqueles que ferem o conteúdo
essencial de um direito fundamental, ou seja, que colidem com direitos, liberdades e garantias
dos cidadãos, e já não aqueles que colidem com o principio da legalidade tributária. Os actos
violadores do princípio da legalidade tributária são por isso anuláveis, e não nulos.
Quanto ao princípio da celeridade, a sua violação determina a anulação do acto final. Contudo,
esta consequência não resulta da violação do princípio propriamente dito, mas sim dos prazos
que materializam esse princípio, nomeadamente os prazos que a Administração dispõe quer
para desencadear o procedimento de inspecção, quer quanto à duração do mesmo. Estamos a
falar do prazo de quatro anos referente à caducidade do direito à liquidação, e do prazo de seis
meses de duração do procedimento de inspecção, susceptível de duas prorrogações de três
meses (e que suspende o prazo de caducidade). A notificação do acto de liquidação em
desrespeito pelo referido prazo de quatro anos constitui um vício gerador de ilegalidade do acto,
na medida em que consubstancia a prática de acto tributário ferido de vício de violação de lei,
também ele gerador de mera anulabilidade e não nulidade do acto.
267
Relativamente ao principio da igualdade, embora a violação deste princípio seja, como
constatamos, de díficil demonstração, a mesma conduz, regra geral,. à anulabilidade do acto,
caso este tenha sido praticado no exercício de poderes discricionários, pois nestas situações está
em causa uma violação dos limites internos da actuação administrativa, que configura uma
violação de lei. Excepcionalmente a violação deste princípio pode conduzir à nulidade do acto,
mas somente nos casos em que o acto em causa viole o núcleo do conteúdo essencial do direito
fundamental consagrado no artigo 13.º da CRP.
Esse efeito invalidante apenas será de admitir, como bem refere MARTINS ALFARO, em situações extremas, em que seja
591
manifesto que o interesse público que fundamento das acções de inspecção, foi grosseiramente desrespeitado por estas -
Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária Comentado e Anotado, Lisboa, Àreas, 2003.
268
7.2. OS ACTOS DE INSPECÇÃO COMO FACTOS GERADORES DE RESPONSABILIDADE PENAL E CIVIL
Como afirma JOÃO CAUPERS, «o conceito jurídico de responsabilidade traduz sempre a ideia de
sujeição às consequências de um comportamento»592. Interessa-nos, em primeiro lugar, a
responsabilidade penal consequência da prática de um crime, para depois nos debruçar-mos
sobre a responsabilidade civil, extracontratual, decorrente de um prejuízo causado pela
Administração fiscal no desenvolvimento da sua actuação inspectiva. De fora desta análise fica a
responsabilidade resultante de danos emergentes da prática de actos de liquidação ilegais593.
Como já se deixou dito no enquadramento que fizemos do direito ao bom nome e reputação a
imputação de factos no relatório de inspecção que se vierem a constatar como não verificados e
que por isso sejam falsos pode fazer incorrer em responsabilidade criminal os funcionários da
inspecção que subscreveram o relatório de inspecção, nomeadamente nos crimes de difamação
(artigo 180.º do CP), injúria (artigo 181.º do CP), quanto às pessoas singulares e ofensa a
organismo, serviço ou pessoa colectiva (artigo 187.º do CP, naturalmente para as pessoas
colectivas).
Cfr. CAUPERS, JOÃO, Introdução ao Direito Administrativo, Lisboa, Âncora, 8.ª Edição, 2005, pág. 249.
592
593
Sobre esta questão ver, SOUSA, JORGE LOPES DE, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por actos ilegais,
Lisboa, Áreas, 2010.
594
Neste sentido ALBUQUERQUE, PAULO PINTO DE, Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 508; acórdão do TRL de 08-09-2010,
processo n.º 4962/08.1TDLSB.L1-3.
269
Este crime previsto no artigo 187.º do CP distingue-se dos crime de «difamação» e de «injúria»
previstos, respectivamente nos artigos 180.º e 181.º do CP, na medida em que «o bem jurídico
tutelado pelo crime de ofensa a pessoa colectiva é um bem jurídico heterogéneo que engloba a
tutela da credibilidade, prestígio e confiança e cujo núcleo essencial se prende com a ideia de
bom nome»595, contrariamente ao que sucede com os crimes de difamação e injúria em que o
bem jurídico tutelado é a honra596. Deve no entanto sublinhar-se que tem vindo a ser admitido na
doutrina e jurisprudência que as pessoas colectivas também têm ―honra‖, podendo por isso ser
vítimas de crimes de difamação597. O artigo 187.º do CP tutela as ofensas à ―credibilidade,
prestígio e confiança‖ da pessoa colectiva, valores que não integram o bem jurídico protegido
pela difamação e pela injúria, mas, antes o ―bom nome‖ da entidade abstracta598. A
jurisprudência mais recente tem vindo no entanto a inclinar-se no sentido de considerar que, a
partir da tipificação do crime previsto no artigo 187.º do CP, com a revisão penal de 1995,
deixou de fazer sentido a possibilidade de as pessoas colectivas poderem ser ―vítimas‖ de
crimes de injúria ou difamação. Não sendo a ―honra‖ das pessoas colectivas uma honra em
sentido restrito aplicável às pessoas singulares mas sim o crédito, o prestígio, e a confiança
depositada na pessoa colectiva, a introdução do artigo 187.º do CP veio tutelar autonomamente
o bom-nome das pessoas colectivas, pelo que deixou de ser necessário interpretar este bom
nome como ―honra‖ para efeitos de enquadramento no artigo 180.º do CP, perante a
inexistência do artigo 187.º599.
Cfr. neste sentido, COSTA, JOSÉ FRANCISCO DE FARIA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra, Coimbra
596
Editora, 1999, pág. 677; acórdão do TRL de 2007.10.10, processo n.º 7319/2007-3.
Neste sentido veja-se GONÇALVES, MANUEL LOPES MAIA, Código Penal Português Anotado e Comentado, 18.ª edição, 2007, pág.
597
683; COSTA, JOSÉ FRANCISCO DE FARIA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, pág.
675-676; acórdãos do STJ de 24-02-1960, processo n.º 030057, de 01-07-2004 processo n.º 0343089, de 03-01-2006
processo n.º 0545282.
Como afirma FIGUEIREDO DIAS «o surgir deste artigo não teve por base a ideia errada de que os artigos anteriores não cobrem as
598
pessoas colectivas, não possíveis de titular o bem jurídico protegido pela difamação ou injúria. O objectivo deste artigo é
diferente: é criminalizar acções (os rumores), não atentatórios da honra, mas sim do crédito, do prestígio ou da confiança de
uma determinada pessoa colectiva, valores que não se incluem, em rigor, no bem jurídico protegido pela difamação ou pela
injúria» – in Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Ministério da Justiça, Lisboa, Rei dos Livros, 1993, pág.
279. Para FARIA COSTA, o bom nome constitui «não só esteio para aquelas realidades, mas, de igual maneira, a linha compósita
daqueles três valores. Conflui por isso no bom nome, não só a qualidade de ser o elemento agregador que a dispersão da
credibilidade, prestígio e confiança exigem, mas também o facto de ser, de certa maneira, o resultado daqueles elementos que
se têm vindo a anunciar. O bom nome assume-se, assim, como uma realidade dual. De um lado, suporte indesmentível para que
a credibilidade, prestígio e confiança possam existir. De outra banda, resultado dessas mesmas e precisas realidades ético-
socialmente relevantes» - COSTA, JOSÉ FARIA, O art. 187º do Código Penal: uma norma incriminadora opaca, in Revista de
Legislação e de Jurisprudência, Coimbra, Ano 134, n.º 3926, Setembro 2001,, pág. 144.
599
Neste sentido, acórdãos do TRC de 12-03-2008 processo n.º 24/07.7TAAVR.C1, de 12-05-2010 processo n.º
88/08.6TATBU.C1 e acórdãos do TRP de 02-10-2002 processo n.º 0141459, de 06-12-2006 processo n.º 0643716.
270
Preenchendo-se o tipo objectivo deste crime com a afirmação ou divulgação de ―factos
inverídicos‖, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança, parece-nos que a
subscrição de um relatório de inspecção com a imputação de factos falsos incriminadores,
nomeadamente e por exemplo de facturas falsas, sem que os mesmos venham a ser
demonstrados parece-nos como uma conduta susceptível de ofender a credibilidade, prestígio e
confiança que uma determinada sociedade comercial tem no mercado, perante todos os
operadores económicos com quem tem relações comerciais no mercado bem como junto da sua
clientela. Naturalmente que toda esta análise é feita abstractamente, carecendo obviamente de
demonstração em concreto. Do ponto de vista subjectivo, o tipo legal deste crime preenche-se
com a existência de dolo, em qualquer das suas modalidades600. Ora, os funcionários da
inspecção, bem como todos os superiores hierárquicos que sancionam o respectivo relatório
conhecem o significado dos factos imputados a um determinado contribuinte num relatório de
inspecção, pelo que, ainda não tenham pretendido esse resultado – ofensa da pessoa colectiva
–, devem no mínimo ter admitido esse resultado como possível, tendo-se conformado com o
mesmo (dolo eventual).
É certo, não podemos esquecer, que a actuação da inspecção tributária tem legitimidade
constitucional, ou seja, é feita no cumprimento de um poder-dever que impende sobre a
Administração fiscal de averiguar a verdade material, como forma de observar os princípios da
justiça e igualdade fiscal, o que eventualmente nos poderia conduzir à existência de uma causa
de exclusão da ilicitude. Nos termos do artigo 31.º do CP, o facto não é punível quando a sua
ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade‖ (n.º 1), não sendo
nomeadamente ilícito o facto praticado ―no exercício de um direito‖ (alínea b) do n.º 2). O que
nos parece é que esta norma por si só não afasta automaticamente a ilicitude, isto é, o facto de
Administração na sua actividade inspectiva actuar em cumprimento de tal comando
constitucional não desonera nem exclui uma eventual responsabilidade criminal dos seus
agentes. Este entendimento reforça a necessidade de se exigir um maior rigor na sua actuação,
nomeadamente na concretização e demonstração dos factos imputados a um contribuinte,
demonstração essa ainda mais intensa quando estamos perante condutas cuja gravidade é
susceptível de enquadramento penal.
Cfr. ALBUQUERQUE, PAULO PINTO DE, Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia
600
dos Direitos do Homem, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 496. Para este autor, o ofendido é sempre uma
pessoa física viva, sendo o bom nome da pessoa colectiva ou outra entidade abstracta protegido pelo artigo 187.º do CP.
271
A justificação jurídico-penal da conduta ofensiva da honra ou do bom nome e credibilidade que
se traduz na imputação de factos inverídicos praticados pelos contribuintes inspeccionados não
se basta nem pode ser justificada com a prossecução do interesse público da função de
inspecção, impondo-se que os funcionários provem e demonstrem a verdade dos factos
imputados ou, no mínimo, que se tenha verificado fundamento sério para em boa fé considerar
tais factos como de verdadeiros. Esta boa fé dos funcionários da inspecção não se pode no
entanto traduzir numa mera convicção pessoal na veracidade dos factos, antes devendo
necessariamente resultar de critérios e elementos objectivos. Ora esta dimensão objectiva
depende forçosamente do respeito e cumprimento das regras inerentes à actividade inspectiva,
por força dos princípios do inquisitório e busca da verdade material, e que impõe aos
funcionários da inspecção um zeloso cumprimento do dever de indagar e carrear todos os
elementos e factos antes de os verter no relatório de inspecção. Assim, não nos parece de
invocar-se tal direito inerente à legitimidade constitucional do poder de inspecção quando aos
factos e elementos vertidos num relatório de inspecção não tem qualquer fundamento ou adesão
à realidade, ou seja, traduzem um erro grosseiro e manifesto dos funcionários da inspecção.
Naturalmente que este raciocínio se aplica quando estejam em causa pessoas singulares e
sejam imputados a estas factos atentatórios da sua honra601, tutelada através dos crimes des
difamação e injúria.
Quanto à inviolabilidade do domicílio, prevê no seu artigo 378.º (crime de violação de domicílio
por funcionário) que o funcionário602 que abusando dos poderes inerentes às suas funções, ou
601
Por honra deve entender-se como «o apreço de cada um por si, auto-avaliação no sentido de não ter um valor negativo,
particularmente do ponto de vista moral. A consideração, o juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar
alguém um bom elemento social, ou ao menos, de o não julgar um valor negativo». BELEZA DOS SANTOS, Algumas Considerações
Jurídicas Sobre Crimes de Difamação e de Injúria, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Coimbra, ano 92, pág. 166; «O
bem jurídico ―honra‖ traduz uma presunção de respeito por parte dos outros que decorre da dignidade moral da pessoa, sendo o
seu conteúdo preenchido pela pretensão de cada um ao reconhecimento da sua dignidade por parte dos outros. Em causa a
pretensão de cada indivíduo de não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade»; Veja-se ainda DIAS,
AUGUSTO SILVA, Alguns Aspectos do regime jurídico dos crimes de difamação e de injúrias , Lisboa, ADFDL, 1989; Cfr. acórdão do
TRL de 09-06-2010, processo n.º 713/09.1TVLSB.L1-2
Nos termos do artigo 386.º do CP o conceito de funcionário abrange o funcionário civil; o agente administrativo; e quem,
602
mesmo provisória ou temporariamente, mediante remuneração ou a título gratuito, voluntária ou obrigatoriamente, tiver sido
272
seja, sem consentimento, praticar o crime previsto no artigo 190.º n.º 1 do CP (violação do
domicílio), isto é, se introduzir na habitação de outra pessoa ou nela permanecer depois de
intimado a retirar-se, ou violar o domicilio profissional de quem pela natureza da sua actividade,
estiver vinculado ao dever de sigilo, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de
multa. O bem jurídico protegido é a privacidade, aferida em duas vertentes: privacidade do lar de
qualquer pessoa pessoa singular ou instalações de qualquer pessoa colectiva e a privacidade do
espaço de trabalho de pessoas vinculadas ao dever de sigilo603. O tipo objectivo, sendo o mesmo
do crime de violação de domicílio apresenta no entanto duas especificidades: a qualidade do
agente que abusa dos poderes inerentes às suas funções e a restrição dos espaços protegidos604.
Quanto ao tipo subjectivo, admite-se qialquer modalidade de dolo. Atendendo a que se trata de
um crime cometido por funcionário que age nessa qualidade, independentemente de o fazer
durante ou fora do exercício das suas funções, ou seja pode ocorrer fora do período de serviço e
pode não ter conexão com o desempenho das suas funções. No caso do domicílio das pessoas
singulares, a violação deste por funcionários da inspecção ocorre sempre que estes entrem no
domicílio de um contribuinte, sem o consentimento deste e sem a obtenção da competente
autorização judicial. Quanto às pessoas colectivas, este crime é cometido sempre que os
funcionários da inspecção, sem a respectiva credenciação tal como exigido no artigo 45.º do
RCPIT, e perante a oposição (legítima) do contribuinte (artigo 46.º do RCPIT) entram em
quaisquer instalações ou dependências da pessoa colectiva, prosseguindo com a prática dos
actos de inspecção.
chamado a desempenhar ou a participar no desempenho de uma actividade compreendida na função pública administrativa ou
jurisdicional, ou, nas mesmas circunstâncias, desempenhar funções em organismos de utilidade pública ou nelas participar.
603
Cfr. ALBUQUERQUE, PAULO PINTO DE, Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia
dos Direitos do Homem, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 898.
604
Cfr. ALBUQUERQUE, PAULO PINTO DE, Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia
dos Direitos do Homem, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 898.
273
qualquer outro meio de telecomunicação e o sigilo de escrito fechado». Na medida em que, tal
como se afirmou aquando do enquadramento do direito à inviolabilidade da correspondência,
este abrange tanto pessoas físicas como pessoas jurídicas, e como afirma MANUEL DA COSTA
ANDRADE, «é indiferente o conteúdo das missivas ou telecomunicações, não se exigindo que
versem sobre coisas privadas ou intimas nem que contendam com segredos. Pode tratar-se de
matérias inteiramente anódinas, da troca de informações comerciais entre empresas ou mesmo
da circulação de ofícios ou protocolos entre órgãos ou agentes da Administração Pública, em
princípio expostos às regras da transparência (...)»605.
Ainda segundo PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, o tipo objectivo consiste nas seguintes condutas: (1)
abertura do conteúdo da correspondência (encomenda ou carta) ou de escrito fechado, (2) na
tomada de conhecimento, por processos técnicos, do seu conteúdo, (3) no impedimento da sua
recepção pelo respectivo destinatário, (4) na intromissão no conteúdo de telecomunicação e (6)
na divulgação do conteúdo da correspondência, escrito fechado ou telecomunicação606. A prática
de qualquer acto de inspecção que se enquadre em alguma das condutas atrás tipificadas, sem
a competente autorização judicial, pode fazer incorrer os funcionários da inspecção na prática
deste crime, que admite como tipo subjectivo qualquer modalidade de dolo.
Aquilo que foi dito quanto à admissibilidade de responsabilidade criminal, vale também em sede
de responsabilidade civil, ou seja, embora tenhamos de ter sempre presente que o poder de
inspecção é um poder legitimado constitucionalmente e que a utilização do mesmo representará
sempre uma intromissão na vida pessoal e profissional dos contribuintes, pois só dessa forma
será possível à inspecção tributária comprovar que o comportamento fiscal daqueles foi
efectuado em conformidade com a lei. Contudo tal não invalida que não possam no decurso
dessa actividade ser praticados actos ilícitos susceptíveis de enquadramento, como já vimos,
criminal, actos esses que assumem igualmente uma natureza danosa que pode implicar o
ressarcimento pelos prejuízos causados. No entanto, nesta sede de responsabilização civil, pode
Cfr. DIAS, JORGE FIGUEIREDO DIAS (direcção), et al, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra, Coimbra
605
dos Direitos do Homem, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 525-526.
274
até dar-se o caso de os actos praticados serem lícitos – sem que haja qualquer conduta
criminalmente tipificada – mas cuja prática implicou um sacrifício tal que justifica uma tutela do
direito.
Mas vejamos então em concreto a responsabilização civil da Administração fiscal 607 por actos
pratciados no decurso de um procedimento inspectivo.
Interessa-nos nesta matéria a Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que aprovou o Regime da
Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas608, e que procedeu
à revogação do anterior regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado regulado pelo
Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967. Naturalmente que este diploma deve ser
interpretado conjuntamente com o artigo 22.º da CRP, no qual se estabelece que « O Estado e as
demais entidades são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus
órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas
funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias
ou prejuízo para outrem».
Tal como estabelece o artigo 1.º n.º 1 do referido diploma o mesmo aplica-se à responsabilidade
civil extracontratual decorrente de actos das funções administrativa, legislativa e judicial.
Interessa-nos aqui, obviamente, a responsabilidade civil extracontratual decorrente de actos das
funções administrativa.
Ora, como vimos anteriormente, da mesma forma que os factos vertidos num relatório de
inspecção, imputando factos inverídicos ao contribuinte são susceptíveis de enquadramento
criminal, também o serão em sede de responsabilidade civil, pelos danos que tais factos podem
ter na imagem, reputação e credibilidade de uma empresa no mercado, junto dos seus clientes.
Da mesma forma afecta a honra no caso da pessoas singulares, enquanto direito de
personalidade que obriga ao reconhecimento por parte dos outros da dignidade moral da
pessoa.
607
Sobre esta temática da responsabilidade civil da Administração fiscal ver, por todos, GUIMARÃES, VASCO BRANCO, A
Responsabilidade Civil da Administração Fiscal, Lisboa-Toledo, Vislis, 2006.
608
Regime este que entretanto já sofreu uma alteração promovida pela Lei n.º 31/2008, de 17 de Julho.
275
Uma conduta como esta insere-se na denominada «responsabilidade subjectiva por actos da
função administrativa609, a qual tem subjacente um juízo de censura que impende sobre a
conduta do agente que provocou o dano, que em determinada situação, e perante um leque
possível de opções a tomar, optou pela mais censurável e potencialmente causadora de prejuízo.
No que diz respeito ao facto voluntário, para efeitos de responsabilização, este abrange tanto as
acções como as omissões. Quanto a nós, no caso concreto, relevam sobretudo as acções,
integrando, este conceito todos os regulamentos e actos administrativos, bem como as simples
actuações administrativas e os actos reais611.
Nos termos do artigo 9.º n.º 1 e 2 da Lei n.º 67/2007, ilícitas são todas as acções dos titulares
de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou
regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que
resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente, bem como nas situações em que a
violação direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal dos
serviços.
609
CAUPERS, JOÃO, Introdução ao Direito Administrativo, Lisboa, Âncora, 8.ª Edição, 2005, pág. 251.
610
SOUSA, MARCELO REBELO DE; MATOS, ANDRÉ SALGADO DE, Direito Administrativo Geral – Responsabilidade Civil Administrativa, Tomo
III, Dom Quixote, 1.ª Edição, 2008, pág. 18.
611
Cfr. SOUSA, MARCELO REBELO DE; MATOS, ANDRÉ SALGADO DE, Direito Administrativo Geral – Responsabilidade Civil Administrativa,
Tomo III, Dom Quixote, 1.ª Edição, 2008, pág. 20.
276
No entanto, como tem uniformemente afirmado a jurisprudência 612 para que se verifique este
requisito da ilicitude não basta que a conduta seja ilegal, sendo necessário que a lesão se situe
no círculo de interesses protegidos pela norma, princípio ou regra técnica e de prudência
comum violados, ou, como afirma J. J. GOMES CANOTILHO, se existir «(…) uma conexão de ilicitude
entre a norma e princípio violados e a posição juridicamente protegida do particular» . Existem 613
assim, nas palavras de MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO MATOS, duas modalidade
básicas de de ilicitude: a ilicitude por violação de direitos subjectivos (direitos fundamentais, de
personalidade, reais, familiares, etc.) e ilicitude por violação de normas destinadas a proteger
interesse legalmente protegidos614. Assim, o conceito de ilicitude «comporta, pois, uma lesão anti-
jurídica, traduzida, na violação de normas, princípios jurídicos, regras de ordem técnica ou
deveres de cuidado (componente objectiva da ilicitude), de que possa resultar, em abstracto, a
ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos (componente subjectiva da ilicitude)»615.
Eventualmente poder-se-ia colocar aqui, tal como se colocou em sede responsabilidade criminal,
uma possível causa de justificação616, visto que a administração fiscal se encontra no
cumprimento de um dever, mas não é o caso. A administração fiscal encontra-se, é certo,
investida no dever de praticar actos danosos que consubstanciam a intromissão na vida privada,
mas não se encontra investida no poder de ir além desse dano, não podendo em caso algum
praticar mais do que os danos estritamente necessários, isto é, a imputação de factos não
verdadeiros, em violação de deveres de ordem técnica e prudência vão muto além do do poder
que lhe é conferido, devendo esse excesso ser objecto de tutela.
No que diz respeito à culpa, de acordo com o artigo 10.º n.º 1 da Lei n.º 67/2007, esta resulta
de uma conduta adoptada com aptidão ou diligência inferiores àquilo que seria razoável exigir a
um titular de órgão administrativo, funcionário ou agente zeloso e cumpridor. O conceito de
culpa tem vindo a ser associado a um nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto ilícito à
vontade do agente, exprimindo uma ligação reprovável ou censurável da pessoa com esse
Cfr. entre outros, acórdãos do STA de 24-03-2004 processo n.º 1690/02, de 29-06-2006 processo n.º 1300/04, de 15-05-
612
2007, processo n.º 1025/06, de 23-10-2008, processo n.º 665/08, de 09-07-2009, processo n.º 921/08, de 23-09-2009,
processo n.º 1119/08 e de 27-01-2010, processo n.º 358/09.
CANOTILHO, J. J. GOMES, anotação ao Acórdão do STA de 12-02-1989, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 125, n.º
613
Tomo III, Lisboa, Dom Quixote, 1.ª Edição, 2008, pág. 21.
Cfr. acórdão do STA de 21-09-2010, processo n.º 0859/09.
615
Constituem causas de justificação da ilicitude em sede de responsabilidade civil o cumprimento de um dever, estado de
616
277
facto617. Se bem que, como afirmam MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, o
conceito de culpa associado a considerações de ordem técnica deve ser reservado para ramos
do direito da responsabilidade com um objectivo imediatamente punitivo, devendo por isso de
acordo com estes autores a culpa consistir na preterição da diligência através da qual a lei exigia
que o autor do acto ilícito tivesse pautado a sua conduta618. Além disso abandonou-se, para aferir
a culpa, o conceito padrão do bom pai de família, para que esta se afira através do titular médio
de órgão ou funcionário médio619.
A culpa pode ser de dois tipos: (ii) grave, nos termos do artigo 8.º n.º 1, quando o autor da
conduta ilícita tenha actuado com dolo ou diligência e zelo manifestamente inferiores àquele a
que se encontrava obrigado em razão do cargo, ou (ii) leve (artigo 7.º n.º 1), que embora não
tenha definição legal, tem um carácter residual, verificando-se sempre que os actos praticados
não integrem o conceito de culpa grave, ou seja, nas situações em que autor, apesar de ter
actuado com diligência e zelo inferiores, essa actuação não atingiu um nível grosseiro e
manifesto que é exigido para que se verifique a culpa grave. O dolo e a negligência constituem
as modalidades da culpa. No caso do dolo este pode assumir qualquer uma das sua
modalidades (directo, necessário ou eventual. Quanto à negligência, esta pode assumir uma
natureza grave ou leve. De referir que esta distinção entre negligência grave e leve assume
especial importância em sede de responsabilidade civil por actos de administração na medida
em que a responsabilização das pessoas colectivas administrativas pode resultar de qualquer
tipo de negligência, nos termos do artigo 7.º n.º 1 enquanto a responsabilização dos titulares ou
órgãos ou agentes depende da existência de negligência grave, por força do artigo 8.º n.º 1620.
Ainda para o que aqui nos interessa, a culpa relevante nestes casos de inspecção tributária, uma
vez que é possível identificar quais os seus intervenientes, releva a denominada culpa pessoal,
por contraposição à culpa funcional. Esta última verifica-se nas situações em que apesar da
existência de um dano resultante do deficiente funcionamento ou organização de um
determinado não é no entanto possível indentificar o(s) seu(s) autor(es)621. Ainda no que diz
Cfr. SOUSA, MARCELO REBELO DE; MATOS, ANDRÉ SALGADO DE, Direito Administrativo Geral – Responsabilidade Civil Administrativa,
618
Tomo III, Lisboa, Dom Quixote, 1.ª Edição, 2008, pág. 25.
619
Cfr. CADILHA, CARLOS ALBERTO FERNANDES, Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades
públicas anotado, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pág. 162.
CFr. SOUSA, MARCELO REBELO DE; MATOS, ANDRÉ SALGADO DE, Direito Administrativo Geral – Responsabilidade Civil Administrativa,
620
Tomo III, Lisboa, Dom Quixote, 1.ª Edição, 2008, pág. 26.
Como anota JORGE LOPES DE SOUSA, nas situações em que a responsabilidade se funda no funcionamento anormal do serviço, a
621
culpa não se afere autonomamente em relação à ilicitude, visto que o juízo de reprovação ou censura do direito em que a culpa
278
respeito à culpa há que sublinhar que nos termos do n.º 2 do artigo 10.º, se estabelece uma
presunção de culpa na prática dos actos jurídicos ilícitos622, pelo que basta a demonstração da
sua ilicitude para se presumir a culpa, o que significa que sobre o lesado não impende o ónus de
demonstrar a culpa do órgão, agente ou funcionário, cabendo por isso a estes demonstrar que a
conduta em causa, nas circunstâncias em que ocorreu, não era reprovável ou cebsurável. Nas
situações de funcionamento anormal do serviço, uma vez que a culpa não é autónoma em
relação à ilicitude, pelo que não havendo presunção de culpa, esta não pode ser afastada. Em
todas as outras situações cabe ao lesado demonstrar que a actuação da Administração tributária
é reprovável ou censurável623.
Claro está, este quadro é traçado em termos abstractos, sendo sempre necessário fazer uma
demonstração casuística. Mas será indesmentível, numa situação destas, a imputação num
relatório de inspecção de factos relacionados com facturas falsas (ou quaisquer outros factos
inverídicos), que venha a ser do conhecimento público (e mesmo que não o seja, uma pessoa
singular ou colectiva pode sentir-se ofendida na sua honra, bom nome e reputação perante tais
factos) verifica-se uma ofensa do crédito, pois não se nos oferece dúvidas que tais factos podem
ter a virtualidade de diminuir a confiança quanto ao cumprimento pelo visado das suas
obrigações (através da perda de clientes, e do bom nome fazendo abalar o prestígio de que a
pessoa goza ou o conceito positivo em que é tida no meio social em que se integra). Este
prestígio tem a ver com a consideração social de que as pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas,
gozam no meio social, neste caso, qualquer operador económico, fornecedores, clientes
(pessoas singulares ou colectivas) que conheçam positivamente a reputação social de
se consubstancia está necessariamente presente quando, nos termos do n.º 4 do artigo 7.º, atendendo às circunstâncias e a
padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma actuação susceptível de evitar os danos produzidos.
Cfr. SOUSA, JORGE LOPES DE, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por actos ilegais, Lisboa, Áreas, 2010,
pág. 21-22.
622
Esta presunção de culpa prevista no artigo 10.º n.º 2 vale apenas para os actos jurídicos. Quanto aos actos materiais, como
refere JORGE LOPES DE SOUSA, não se estabelece a mesma presunção legal de culpa. Porém, como anota o mesmo Autor, o STA
«tem vindo a entender que, quando uma determinada conduta constitui facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se
decorrer do preenchimento da hipótese normativa, por ilação lóica, a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do
tipo de ilícito respectivo. Isto, não propriamente porque a culpa se presuma, mas por ser lago que em regra ou prima facie, se
liga ao carácter ilícito-típico do facto respectivo. Por isso, no plano da prática, demonstrado o enquadramento de uma conduta na
previsão legal de um ilícito-típico, perguntar pela culpa é nu fundo perguntar ser a culpa se encontra ou não em concreto
excluída». Assim, conclui o Autor, «deverá partir-se do pressuposto de que existe culpa sempre que a actuação da Administração
tributária constituir facto qualificado por lei como infracção». Cfr. SOUSA, JORGE LOPES DE, Sobre a Responsabilidade Civil da
Administração Tributária por actos ilegais, Lisboa, Áreas, 2010, pág. 22-23.
623
Cfr. SOUSA, JORGE LOPES DE, Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por actos ilegais , Lisboa, Áreas, 2010,
pág. 22.
279
determinada pessoa624. E, convenhamos, parece-nos que ninguém deseja estar associado a
alguém a quem são imputados factos com a gravidade de facturas falsas ou outros factos com
igual gravidade que possam ter uma repercussão negativa nesse crédito social e bom nome.
Tais actos são por isso susceptíveis de causar danos. O dano enquanto pressuposto da
responsabilidade civil administrativa625, de acordo com ANTUNES VARELA, «é o prejuízo in natura
que o lesado sofreu nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a
norma infringida visam tutelar. É a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que
reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa
material ou incorpórea» . Esses prejuízos podem ter natureza patrimonial ou não patrimonial
626
«consoante sejam ou não susceptíveis de avaliação pecuniária. Quer dizer, os primeiros, porque
incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectem-se no património do
lesado, ao contrário dos últimos, que se reportam a valores de ordem espiritual, ideal ou moral.
Representam danos patrimoniais, por exemplo, os estragos feitos numa coisa ou a privação do
seu uso, a incapacitação para o trabalho em resultado de ofensas corporais. Constituem danos
não patrimoniais, por exemplo, o sofrimento ocasionado pela morte de uma pessoa, o desgosto
derivado de uma injúria, as dores físicas produzidas por uma agressão.» . 627
Relativamente aos danos patrimoniais, dúvidas não subsistem que os mesmos podem ser
reivindicados tanto por pessoas singulares como por pessoas colectivas. Quanto aos danos não
patrimoniais também não subsistem dúvidas da sua aplicação a pessoas singulares628, podendo
apenas questionar-se se as pessoas colectivas também o podem reivindicar. A jurisprudência
tem vindo maioritariamente a aceitar o direito das pessoas colectivas à compensação por danos
Neste sentido, entre outros, VARELA, JOÃO DE MATOS ANTUNES, Das obrigações em geral, Volume I, Coimbra, Almedina, 8.ª edição,
624
1994, pág. 556-557; COSTA, MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA, Direito das Obrigações, Coimbra, Almedina, 6.ª edição, 1994, pág. 496;
PINTO, PAULO MOTA, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Volume I, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pág.
540.
Cfr. artigos 3.º, 7.º n.º 1 e 8.º n.º 1 da Lei n.º 67/2007.
625
VARELA, JOÃO DE MATOS ANTUNES, Das obrigações em geral, Volume I, Coimbra, Almedina, 8.ª edição, 1994, pág. 608-609.
626
COSTA, MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA, Direito das Obrigações, Coimbra, Almedina, 6.ª edição, 1994, pág. 497. Veja-se neste sentido
627
JORGE, FERNANDO PESSOA: «Esta primeira classificação atende à natureza dos interesses ofendidos: os prejuízos patrimoniais são
aqueles que se verificam em relação a interesses avaliáveis em dinheiro; os prejuízos não patrimoniais ou morais são os que se
verificam em relação a interesses insusceptíveis de avaliação pecuniária. No primeiro caso, o facto danoso representa a lesão de
interesses de ordem material, enquanto no segundo representa a lesão de interesses de ordem espiritual » Ensaio sobre os
Pressupostos da Responsabilidade Civil, Coimbra, Almedina, 1999.
Se bem que ocorrência de danos não patrimoniais como resultado de uma acutação da Administração nem sempre tem tido
628
acolhimento pela jurisprudência, de que é exemplo o acórdão do STA, de 31-05-2005 processo n.º 0127/03. Em sentido
contrário veja-se o acórdão do STA de 24-10-2006 processo n.º 0539/06.
280
não patrimoniais629, porém jurisprudência existe que denomina tais danos como tendo nautureza
patrimonial indirecta630. Sem querer entrar nesta discussão, nem este é o local próprio para o
fazer, sempre diremos que nos parece mais apropriado denominar por dano patrimonial
indirecto, pois a natureza dos danos patrimoniais esteve sempre associada à ideia de dor,
sofrimento e angústia, algo de que somente as pessoas físicas podem padecer. De qualquer
forma, o que é certo é que as pessoas colectivas, neste caso as sociedades comerciais, têm
uma imagem, imagem essa resultante do seu funcionamento, nomeadamente da forma como
prestam serviços ou fornecem bens da sua actividade comercial. A prática de quaisquer actos
susceptíveis de ofender essa imagem consubstancia uma lesão da sua boa imagem com o
consequente prejuízo do seu crédito comercial e bom-nome. Como tal, as sociedades comerciais
têm o direito de ver tutelado esse bom-nome associado a uma ideia de prestígio e boa fama no
mercado diante dos seus actuais e futuros clientes. Assim, as ofensas ao bom-nome comercial
que põem em causa o prestígio e reputação de uma sociedade, têm reflexos na esfera
patrimonial, ainda que indirectamente, por ser susceptível de afastar a clientela actual, bem
como a que eventualmente poderia vir a ter, não fossem as ofensas631. A este propósito, importa
realçar o artigo 484.º do CC que dispõe «quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudica
o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa singular ou colectiva, responde pelos danos
causados», onde se evidencia a ilicitude da afirmação de factos susceptíveis de ofender o crédito
ou o bom-nome das referidas pessoas, físicas ou meramente jurídicas. Está por isso legalmente
protegido o bom-nome das pessoas colectivas na vertente da imagem de honestidade na acção,
de credibilidade e de prestígio social e, por isso, necessariamente comercial632.
Outros danos susceptíveis de reparação são os danos emergentes e os lucros cessantes (artigo
564.º n.º 1 do CC), entendendo-se os primeiros como aqueles que correspondem à perda ou
privação de vantagens ou valores já existentes na esfera jurídica do lesado, enquanto sos
Neste sentido veja-se os acórdãos do STJ de 19-10-2003 processo n.º 03B1581, de 08-03-2007 processo n.º.07B566, de 12-
629
02-2008 processo n.º 07A4618, de 19-06-2008 processo n.º 08B1079, de 21-05-2009 processo n.º 09A0643. Veja-se também
VELOSO, MARIA MANUEL, Danos não patrimoniais na sociedade comercial? (Ac. do TRC de 20.4.2004, Apelação n.º 430/04), in
Cadernos de Direito Privado, n.º 18, Braga, CEJUR, pág. 33 e ss.
Cfr. por exemplo, acórdãos do STJ de 27-11-2001 processo n.º 03B3692, de 30-05-2006 processo n.º 1275/06: «I - Toda a
630
ofensa ao bom nome comercial se pode projectar num dano patrimonial revelado pelo afastamento da clientela e na
consequente frustração de vendas (e perda de lucros) por força da repercussão negativa no mercado que à sociedade advém por
causa da má imagem. II - Assim, para as sociedades comerciais, a ofensa do crédito e do bom nome produz um dano
patrimonial indirecto, isto é, o reflexo negativo operado na respectiva potencialidade de lucro. Os prejuízos estritamente morais
implicados nas ofensas ao bom nome e reputação apenas afectam os indivíduos, com personalidade moral.»
Cfr. acórdão do STJ de 27-11-2003 processo n.º 03B3692.
631
Não iremos aqui discutir e opinar sobre se esta ofensa ao crédito e bom nome abrange factos verdadeiros ou falsos ou ambos.
632
Sobre esta questão veja-se, entre outros, LEITÃO, LUÍS MENEZES, Direito das Obrigações, Volume I – Introdução da constituição das
obrigações, Coimbra, Almedina, 4.ªedição, 2005, pág. 284-2996.
281
egundos dizem respeito oas benefícios que o lesado deixou de obter, ou seja, as vantagens
frutradas que se iriam forma na sua esfera jurídica. Além disso, os danos podem ainda
classificar-se como danos presentes, ou seja, aqueles que já ocorreram no momento em que a
indemnização é fixada e danos futuros que ainda não ocorreram nesse momento633.
Por fim, para que ocorra responsabilidade civil é necessário que se verifique um último
pressuposto – o nexo de causalidade. Este existirá quando o facto ilícito for a causa adequada do
dano. Nos termos do artigo 563.º do CC «A obrigação de indemnização só existe em relação aos
danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão». Embora existam três
teorias do nexo de causalidade634, a jurisprudência tem de forma pacífica vindo a considerar que
o nexo causal entre o facto ilícito e o dano se determina pela doutrina da causalidade adequada,
ali contemplada, nos mesmos termos em que o direito civil a admite635. De acordo com JORGE
LOPES DE SOUSA, para se apurar a existência do nexo de causalidade adequada, há que passar
por dois crivos: em primeiro lugar, há que verificar se a conduta dos serviços do Estado foi
condição do dano, ou seja, se não fosse essa conduta o dano ocorreria ou não. Caso a resposta
seja negativa, não se verificará o nexo de causalidade e, consequentemente, ficará afastada a
responsabilizdade civil. Caso a resposta seja afirmativa, terá então de se verificar, para haver
responsabilidade civil, se existe um nexo de causalidade adequada, isto é, há que apurar se
aquela circunstância que concorreu para a produção do dano, não era, segundo a sua natureza
geral, de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, por força de
outras circunstâncias extraordinárias, sendo por isso inadequada para esse dano636.
Face a tudo o que já foi dito, parece-nos que perante a afirmação de factos sem aderência à
realidade em sede de inspecção, nomeadamente no relatório de inspecção, susceptíveis de
prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa singular ou colectiva, deve a
Administração fiscal e os respectivos funcionários responder pelos danos causados, devendo
considerar-se preenchidos todos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do
Cfr. SOUSA, MARCELO REBELO DE; MATOS, ANDRÉ SALGADO DE, Direito Administrativo Geral – Responsabilidade Civil Administrativa,
633
Tomo III, Dom Quixote, 1.ª Edição, 2008, pág. 29; COSTA, MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA, Direito das Obrigações, Coimbra, Almedina, 6.ª
edição, 1994, pág. 499-501.
Teoria da causalidade adequada, teoria da esfera de protecção da norma e teoria da conexão do risco – Cfr. SOUSA, MARCELO
634
REBELO DE; MATOS, ANDRÉ SALGADO DE, Direito Administrativo Geral – Responsabilidade Civil Administrativa, Tomo III, Dom Quixote,
1.ª Edição, 2008, pág. 29.
Veja-se, entre outros, acórdãos do STA de 24-03-2011 processo n.º 0145/11, de 27-01-2001 processo n.º 0995/10, de 24-
635
pág. 26.
282
Estado e demais entes públicos. Como exemplo desta responsabilização citamos uma decisão
do STJ de 26-06-2007, processo n.º n.º 1728/07, que embora tenha sido proferida no domínio
do processo de execução fiscal, tem plena aplicação no procedimento de inspecção: «I - A
responsabilidade do Estado por actos ilícitos e culposos tem, nos termos dos arts. 22.º da CRP,
1.º, n.º 2, 4.º, n.º 1, e 6.º do DL n.º 48 051, de 21-11-1967, os mesmos pressupostos da
responsabilidade civil extracontratual consagrados nos arts. 483.º e ss. do CC. II - Tendo a
Administração Fiscal, no âmbito de processo de execução fiscal, decretado a reversão, exigindo
o pagamento - que se revelou e indiciava indevido -, procedendo à penhora da casa, escritório
(de advogado) e lugar de estacionamento do ora Autor, sem prévia citação do mesmo, a qual era
devida nos termos dos arts. 272.º e 273.º do CPT, existe facto ilícito e culposo. III - Perante a
efectivação dessa penhora, com a notificação dos condóminos, a afixação de edital no portão da
garagem e na porta principal do prédio onde o executado mora e tem o seu escritório, lesando a
imagem do Autor, não oferece dúvida a existência de danos não patrimoniais e o nexo de
causalidade entre estes danos e aquele facto ilícito e culposo - arts. 562.º e 563.º do CC. IV -
Tais factos são suficientemente graves para merecerem a tutela do direito (art. 496.º, n.º 1, do
CC), tanto mais que incidiram sobre advogado respeitado, homem público estimado, reputado
de honesto, pessoal e profissionalmente, afigurando-se equilibrada e equitativa a quantia de
12.500 € atribuída a título de indemnização por danos não patrimoniais.».
Parece-nos também que a violação pelos agentes e funcionários da inspecção das regras que
tutelam a protecção e inviolabilidade do domicílio, confere igualmente aos contribuintes
inspeccionados a protecção do regime de responsabilidade civil e, consequentemente, ao
correspondente direito de indemnização pelos danos sofridos.
637
GUIMARÃES, VASCO BRANCO, A Responsabilidade Civil da Administração Fiscal, Lisboa-Toledo, Vislis, 2006, pág. 377.
283
funcionários da inspecção tributária. Porém em outras situações pode a Administração fiscal ser
civilmente responsável sem que essa conduta possa ser enquadrada criminalmente.
Como já vimos, nos termos do artigo 30.º do RCPIT, os funcionários da inspecção podem
adoptar determinadas medidas cautelares de aquisição e conservação da prova, como a
apreensão de elementos de escrituração, incluindo suportes informáticos, comprovativos da
situação tributária do sujeito passivo ou de terceiro, bem como selar quaisquer instalações. No
caso da selagem de instalações requere-se um especial cuidado, de modo a que estas não
contenham bens, documentos ou registos que sejam indispensáveis para o exercício da
actividade normal da empresa, nomeadamente bens comercializáveis perecíveis no período em
que presumivelmente a selagem se mantiver. A violação destas regras, de forma desproporcional
e desadequada faz incorrer igualmente a Administração fiscal em responsabilidade civil pelos
prejuízos causados, nomeadamente quanto à eventual privação do uso de determinados bens,
ao perecimento de bens. A própria violação do espaço em que decorra a inspecção (externa), na
medida em que perturbe o normal decurso da actividade comercial do contribuinte, causando-
lhe prejuízos poderá eventualmente também ser passível de ressarcimento.
Além dos actos acima descritos, qualquer acto praticado no decurso de um procedimento
inspectivo, nomeadamente os denominados actos materiais são susceptíveis, enquanto actos
discricionários, de causar danos/prejuízos e, como tal, constituir fundamento de
responsabilidade civil e consequentente dever de indemnização, como de resto já aflorámos no
capítulo respeitante a discricionaridade administrativa. Qualquer acto praticado que possa
danificar bens do sujeito passivo inspeccionado parece-nos gerador de responsabiloidade civil.
Tendo os funcionários da inspecção acesso às instalações dos contribuintes, é perfeitamente
possível que numa actuação menos zelosa e diligente, a mesma possa causar danos, por
284
exemplo, em computadores, no acesso ao sistema informático, em bens, nomeadamente na sua
destruição ou danificação aquando da inventariação ou contagem de bens, ou quaisquer outors
bens móveis ou imóveis que integrem o acervo de bens a inspeccionar. Qualquer actuação
abusiva ou excessiva no exercício do poder discricionário é, pelo menos em abstracto,
susceptível de produzir um dano. Como refere VASCO BRANCO GUIMARÃES, «A responsabilidade civil
emergente de acto discricionário surge quando é produzido um dano na esfera jurídica do
contribuinte sem que tenham sido respeitados os princípios a observar no exercício de um poder
discricionário (...). Isto é particularmente importante quando a Administração utilize o poder
discricionário concedido para fins que não os presidiram à concessão do poder ou utilize o poder
de fotma pouco razoável e proporcional abusando do mesmo. O dano emergente de uma
situação deste tipo é indemnizável integrando-se nos actos conexos ou não conexos com a
obrigação de imposto consoante a lesão seja provocada pela obrigação de imposto ou
autonomamente.» . Conclui o mesmo Autor afirmando que a violação da legalidade substancial
638
e a violação dos deveres de comportamento por parte da Administração fiscal – pela não
observação no procedimento tributário dos princípios que determinam e condicionam a
actividade da Administração Tributária – determina que, quanto mais discricionário for o papel
da Administração Fiscal, mais risco existe de que haja dano provocado por violação de regra ou
princípio de procedimento, sendo este risco menor quando o poder-dever da Administração é
vinculado e respeita a legalidade substancial.
638
GUIMARÃES, VASCO BRANCO, A Responsabilidade Civil da Administração Fiscal, Lisboa-Toledo, Vislis, 2006, pág. 377.
285
liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto seja devido a
um facto imputável ao sujeito passivo639.
639
Cfr. artigo 35.º da LGT.
286
CONCLUSÕES
3. A justiça e igualdade fiscal apenas podem ser atingidas se o interesse público e colectivo que
lhe subjaz prevalecer sobre o interesse particular de cada um, com o consequente sacrifício de
direitos fundamentais individuais.
4. O poder de limitar os direitos, liberdades e garantias não terá no entanto a mesma força se
apenas tiver como fim único garantir uma maior arrecadação de receitas.
5. A inspecção tributária deve ter, para além de uma natureza sancionatória e repressiva para
com aqueles que incumprem, uma natureza pedagógica e preventiva como forma de incentivar
aqueles que cumprem.
6. A inspecção tributária tem hoje em dia ao seu dispor um vasto conjunto de meios que lhe
permite ter acesso a um variadíssimo leque de informações sobre a ―vida tributária‖ dos
contribuintes.
287
evasão fiscal assumem hoje contornos transfronteiriços complexos que requerem por isso que
esse cruzamento seja também efectuado no plano internacional, através do reforço da
cooperação administrativa internacional.
9. Este variado leque de meios e informação deve por isso contribuir para que o incómodo e
transtorno causado pela actuação da inspecção tributária seja o mínimo possível, até porque o
incómodo e transtorno causado pelo pesado ―fardo fiscal‖ resultante desse vasto número de
obrigações acessórias já parece ser suficientemente oneroso para todos os contribuintes.
11. Sob a égide do dever de cooperação, o Estado tem vindo a sobrecarregar de forma
excessiva, desadequada e desproporcional os contribuintes, juntando assim à já elevada carga
fiscal ―material‖ (pagamento de impostos) uma pesada carga fiscal ―formal‖.
12. O Estado precisa de estar liberto de funções meramente administrativas para se poder focar
focado nas funções de controlo e fiscalização, que se querem eficazes, no entanto essa
libertação de funções não pode significar que o Estado se aliene por completo de tais funções
em prejuízo dos contribuintes.
14. O facto de os contribuintes cumprirem com as suas obrigações não constitui um factor de
exclusão da inspecção, ou seja, não significa que não possam ser iinspeccionados, na medida
em que o cumprimento formal não é sinónimo de cumprimento real, isto é, o facto de um
contribuinte ter a sua situação declarativa regularizada, a mesma corresponda de facto à sua
capacidade contributiva.
288
15. O incumprimento deve constituir um importante critério e factor a considerar na selecção
dos contribuintes a inspeccionar, sendo preferível (embora não seja o ideal) um contribuinte que
cumpra, ainda que deficitariamente, do que um contribuinte que não cumpra de todo.
17. Sendo o poder da inspecção tributária um dever imposto pela busca de um sistema
tributário mais justo em cumprimento de uma exigência constitucional, tal significa que o mesmo
não se encontra na livre disponibilidade do legislador nem da Administração tributária, ou seja,
essa exigência constitucional não pode implicar uma actuação ilimtada e arbitrária.
18. Mas também não pode significar que o sistema garantístico dos contribuintes condicione de
tal forma a actuação inspectiva que ponha em causa a sua eficiência e eficácia
20. É necessário encontrar um ponto de equilíbrio que assegure que a actividade inspectiva não
seja sujeita a um excessivo formalismo e um escrutínio judicial, mas que também não seja de tal
forma ampla que coloque em causa de forma arbitrária os direitos fundamentais dos
contribuintes.
21. Não pode por isso perder-se de vista os princípios que regem a actividade administrativa
tributária, nomeadamente, bem como os direitos e deveres que assistem a cada um dos actores
do procedimento inspectivo, e que por isso constituem importantes limites, diríamos genéricos
da prática de actos de inspecção.
289
22. Além dos princípios que norteiam a actividade inspectiva, esta encontra-se também sujeita
a outros limites, de espaço e de tempo, que constituem garantias importantes pois conferem aos
contribuintes a segurança e certeza jurídica, quanto ao ―até quando‖ e ―onde‖ podem os actos
de inspecção ser praticados.
26. Perante a relevância dos direitos fundamentais, que se assume como uma fronteira de
campo onde se situam e conflituam interesses distintos, a tendência é que estes direitos, em
princípio, podem e devem ceder quando colidam com outros direitos, bens ou valores, de igual,
ou superior intensidade, o que permitirá concluir que tal restrição não é à partida, e em
abstracto, desproporcional.
27. O respeito por esta esfera privada passa por isso, pela prática, nos termos da lei, dos actos
estritamente necessários à prossecução do interesse que lhes subjaz, ponderando os interesses
em causa, de acordo com uma dimensão de proporcionalidade e adequação.
290
28. A proporcionalidade enquanto critério e parâmetro limitador da actividade inspectiva,
embora de díficil aplicação e concretização não pode nunca deixar de nortear a prática dos actos
de inspecção,
29. A actuação inspectiva deve adoptar a intervenção mínima na esfera particular, tentando
dimensionar e identificar o grau de lesão sofrida pelo bem tutelado que justifica o prejuízo a ser
imposto ao contribuinte.
30. Embora o controlo exercido pela inspecção seja realizado em nome do interesse público da
justiça e igualdade fiscal, e da arrecadação de receitas, tal não pode por si só justificar que na
actividade inspectiva se desconsiderem outros valores, também eles de interesse público, e que
constituem pilares do nosso ordenamento jurídico, como é a justiça.
32. Porém, se assim é em abstracto, no que diz respeito à inspecção tributária e ao seu
procedimento em concreto, essa putativa proporcionalidade terá de ser aferida perante as
circunstâncias concretas de cada situação pois aquilo que em abstracto pode ser proporcional,
em concreto pode revelar-se excessiva. Não basta por isso uma actuação ser abstractamente
proporcional.
33. Esta ideia de aplicação proporcional em abstracto conduz-nos por isso a um outro critério a
que se deve atender e que se prende com a ideia de razoabilidade e limitação de custos, ou
seja, apesar de abstractamente uma determinada restrição poder ser à partida considerada
proporcional e adequada, em determinadas circunstâncias, essa mesma restrição pode, em
concreto, revelar-se como excessiva ou desrazoável, por implicar um encargo, nessas
circunstâncias específicas, excessivamente oneroso.
34. Sempre que tais actos ultrapassem, mais do que aquilo que deviam ter ultrapassado, ou
seja, sempre que a ―agressão‖ seja desproporcional e desadeqauda e viole os limites materiais
291
que balizam a actividade inspectiva, são os mesmos susceptíveis de gerar responsabilidade
criminal e civil dos sujeitos activos da inspecção – leia-se administração fiscal e os seus órgãos,
funcionários e agentes.
292
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