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TCC INSPER EDUARDO MOREIRA DA SILVEIRA - Trabalho

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INSPER INSTITUTO DE ENSINO E PESQUISA

(LL.M) EM DIREITO TRIBUTÁRIO

EDUARDO MOREIRA DA SILVEIRA

ARBITRAGEM NO DIREITO TRIBUTÁRIO

São Paulo
2019

0
Eduardo Moreira da Silveira

ARBITRAGEM NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Monografia apresentada ao programa de LLM


em Direito Tributário do Insper – Instituto de
Ensino e Pesquisa, como exigência parcial para
a obtenção do título de pós-graduação lato
sensu em Direito.
Área de concentração: Direito Tributário
Orientador: Prof. Régis Fernando de Ribeiro
Braga

São Paulo
2019

1
Silveira, Eduardo Moreira da.
Arbitragem no Direito Tributário /
Eduardo Moreira da Silveira. São Paulo, 2019.
40f
Monografia (Pós-graduação Lato Sensu em Direito Tributário –
LLM) – Insper, 2019.
Orientador: Régis Fernando de Ribeiro Braga
1. Tributário. 2. Arbitragem. 3. Interesse Público. 4. Legalidade. I.
Eduardo Moreira da Silveira. II. Arbitragem no Direito Tributário

2
Eduardo Moreira da Silveira

ARBITRAGEM NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Monografia apresentada ao curso de LL.M


em Direito Tributário do Insper – Instituto
de Ensino e Pesquisa, como exigência
parcial para a obtenção do título de pós-
graduação lato sensu em Direito.
Área de concentração: Direito Tributário
Orientador: Prof. Régis Fernando de
Ribeiro Braga

Aprovado em: ____ / ____ / ____

SEM BANCA EXAMINADORA

3
RESUMO

O presente trabalho estuda a possibilidade e as dificuldades acerca da


implementação do procedimento arbitral como um método alternativo de resolução de
conflitos tributários. É, neste aspecto, que serão analisados não apenas as
características – e principalmente os benefícios – da arbitragem, mas também os
aspectos dos processos judiciais tributários brasileiros e da recuperação dos créditos
tributários pela Fazenda Pública, assim como os dispositivos legais que deverão ser
introduzidos no ordenamento jurídico para garantir a segurança jurídica na instituição
do procedimento arbitral (para dirimir litígios tributários).

Palavras-chave: Tributário. Arbitragem. Interesse Público. Legalidade.

4
ABSTRACT

The present academic paper studies about the possibility and challenges
to implement the arbitration proceeding as an alternative method to solve tax disputes.
In this sense, it shall be analyzed not only the arbitration characteristics – mainly the
benefits – but also the aspects related to the Brazilian judicial tax proceeding and
recovery tax credits procedures by the Brazilian Tax Authorities (Public Treasury), as
wall as the legal dispositions that shall be introduced to the legal system in order to
guarantee the legal security of the arbitration procedures (to solve tax disputes).

Key-Words: Tax Law. Arbitration. Public Interest. Legality.

5
SUMÁRIO

1. Introdução ao tema .......................................................................................................................... 7


2. Aspectos dos processos judiciais tributários e da recuperação dos créditos tributários pela
Fazenda Pública ................................................................................................................................. 10
3. Breve panorama acerca da definição e dos principais aspectos da arbitragem.................. 16
4. A indisponibilidade do interesse público .................................................................................... 23
4.1. A natureza das questões tributárias .................................................................................... 23
4.2. O interesse público e a sua (in)disponibilidade ................................................................. 24
5. A Lei de Responsabilidade Fiscal e a atuação do administrador público ............................. 27
6. Requisitos para a implementação da arbitragem tributária no Brasil: a necessária previsão
legal ...................................................................................................................................................... 30
7. Os projetos de lei envolvendo a matéria. ................................................................................... 33
8. Conclusão ....................................................................................................................................... 36
Referências ......................................................................................................................................... 38

6
1. Introdução ao tema

As relações contemporâneas (sejam elas profissionais ou pessoais) são


diretamente e constantemente impactadas pela rápida evolução das facilidades
tecnológicas, as quais garantem à sociedade maior dinamicidade na rotina, maior
eficiência negocial e mais acesso à informação.

E, considerando essa demanda de maior rapidez nas relações atuais, as


instituições estatais estão sendo obrigadas a buscar métodos alternativos para suprir
a ineficiência histórica desse setor, especialmente para evitar que a sociedade arque
com os ônus dessa incapacidade (o que já vem acontecendo), desestimulando
investimentos no Brasil.

Nesse sentido, a análise acerca da viabilidade da implementação da arbitragem


tributária no Brasil é um tema relevantíssimo e que certamente ganhará espaço nas
discussões envolvendo a reforma tributária.

Destaca-se que o sistema tributário atual está fadado à ineficácia,


principalmente em razão da burocracia, da complexidade e da obsolescência da
legislação vigente, o que prejudica não só os contribuintes, mas também a
Administração e a sociedade como um todo.

No que diz respeito aos contribuintes, essa complexidade da legislação


tributária brasileira faz com que as empresas sejam obrigadas a estabelecer e manter
uma área dedicada exclusivamente para desvendar todas as obrigações (principais e
acessórias) tributárias aplicáveis nas atividades por elas desenvolvidas, sendo que
eventual equívoco na prestação de informações à Fazenda poderá ensejar uma
fiscalização e eventualmente a lavratura de auto de infração para cobrança dos
tributos e das penalidades previstos em lei.

No que diz respeito à Administração, a burocracia e a complexidade no


cumprimento das obrigações tributárias prejudicam a arrecadação e, como
consequência, inviabiliza o cumprimento de muitos dos compromissos sociais
assumidos (segurança, educação, saúde, lazer, dentre outros).

7
No que diz respeito à sociedade como um todo, esses fatores negativos geram
um ônus/encargo que é repassado à população, seja na forma de encarecimento dos
produtos ou na imprestabilidade dos serviços públicos oferecidos pela Administração.

Não bastasse essa complexidade da legislação tributária, destaca-se que o


sistema arrecadatório brasileiro é manifestamente improdutivo, principalmente em
relação à recuperação dos tributos que são objeto de litígio administrativo ou judicial
(débitos inscritos em dívida ativa).

Ora, esses fatores evidenciam que é imprescindível a reformulação da


sistemática tributária e arrecadatória, até mesmo porque atualmente toda a ineficácia
é convertida no famigerado custo Brasil, o que, reitera-se, desestimula a chegada de
novos investimentos e onera a cadeia produtiva.

Com efeito, são inúmeras as razões que ensejam o estudo sobre a


possibilidade de se utilizar a arbitragem no setor público, em especial os benefícios
que os métodos alternativos de solução de conflitos (especialmente a arbitragem)
podem agregar às disputas tributárias, bem como os resultados da experiência
portuguesa (que adotou esse método).

Isso porque a arbitragem tributária é um método alternativo que poderia reduzir


consideravelmente os litígios judiciais hoje existentes, principalmente pela
reconhecida especialidade técnica das decisões e pela celeridade dessa alternativa.

Tem-se que esse método em específico beneficiaria não só os contribuintes,


mas principalmente a Fazenda Pública, pois a recuperabilidade dos créditos tributários
ganharia maior eficácia (seja pela qualidade técnica das decisões arbitrais, seja pela
diminuição dos litígios no âmbito judicial, o que inclusive reduziria os gastos públicos
com a manutenção do litígio).

Justamente por isso é que o presente estudo foi proposto, para analisar as
questões relativas ao interesse público (eventual transgressão ou renúncia do
interesse público - crédito tributário – na hipótese de discutir a questão tributária por
meio da arbitragem) e quais são os desafios para a implementação da arbitragem
tributária no Brasil (seja em razão das dúvidas diretamente ligadas a qual seria a via
adequada para regulamentar esse método de resolução de conflitos, seja em razão
da dificuldade de vinculação da Fazenda Pública ao procedimento arbitral, ou ainda

8
das dúvidas existentes entre os juristas acerca de eventual violação à Lei de
Responsabilidade Fiscal).

9
2. Aspectos dos processos judiciais tributários e da recuperação dos créditos
tributários pela Fazenda Pública

Para contextualizar a relevância da questão que será analisada no estudo em


epígrafe, destaca-se o “Relatório Contábil do Tesouro Nacional” publicado em maio
de 2018, por meio do qual os integrantes do Tesouro Nacional realizaram o recorrente
e sempre prestativo levantamento dos ativos e passivos da União Federal relativos ao
ano de 2017.

Para facilitar a fluência do raciocínio, verifique-se abaixo o gráfico constante no


referido relatório contábil que evidencia a evolução do total dos ativos da União
Federal concernentes aos créditos tributários:

Fonte - Relatório Contábil do Tesouro Nacional: Uma Análise dos Ativos e Passivos da União - 20171

Nota-se que “o total dos créditos tributários constituídos e não arrecadados,


administrados pelo Ministério da Fazenda (RFB e PGFN)”, corresponde ao
impressionante valor de R$ 3,780 trilhões.

Nesse valor estão compreendidos apenas os créditos tributários federais, de


modo que se fossem considerados os créditos tributários estaduais e municipais o
montante total seria significativamente mais relevante.

1 Relatório Contábil do Tesouro Nacional: Uma Análise dos Ativos e Passivos da União – FAZENDA
NACIONAL. Disponível em: <
https://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/318974/RCTN_2018_17_corrigido/3751bea8-
fa06-42cf-bd6c-edc4b5af73f1 >. Acesso em 18 de junho de 2019.
10
Desse montante, “os saldos líquidos de créditos tributários e da Dívida Ativa
reconhecidos no balanço patrimonial da União em 2017” totalizam R$ 564 bilhões,
especialmente porque são excluídos do balanço os créditos tributários que (i) estão
com a exigibilidade suspensa, por decisão administrativa ou judicial, (ii) são
considerados de difícil recuperação, ou ainda que (iii) sofreram ajustes para perdas
(muitas vezes em razão do perdão decorrente de parcelamentos especiais).

Especificamente sobre os parcelamentos especiais, o referido relatório efetuou


o levantamento de que nos últimos 18 anos foram instituídos quase 40 programas, os
quais representaram, somente nos últimos 10 anos, o perdão de créditos tributários
no valor de R$ 176 bilhões.

Além disso, também restou demonstrada a ineficácia dos referidos


parcelamentos especiais, especialmente porque, além de representarem uma
transação tributária que importa em considerável renúncia dos créditos tributários por
parte da Fazenda Pública, também há o fato de que propiciam o comportamento de
inadimplência dos contribuintes, pois “a maioria dos contribuintes que adere aos
parcelamentos especiais são excluídos, em seguida, seja por inadimplência ou por
migrarem para outro programa superveniente”.

Ocorre que a criação dos referidos parcelamentos especiais muitas vezes é a


uma tentativa de a Fazenda Pública recuperar os créditos tributários em decorrência
da ineficácia, da onerosidade e da morosidade dos métodos tradicionais de cobrança,
especialmente no que se refere à propositura de execução fiscal no poder judiciário.

Com relação aos aspetos judiciais, destaca-se o estudo “Justiça em Números”


elaborado no ano de 2017 pelo Conselho Nacional de Justiça (“CNJ”), referente aos
dados extraídos da Justiça brasileira em 31 de dezembro de 20162.

De acordo com o relatório elaborado pelo CNJ, o “Poder Judiciário finalizou o


ano de 2016 com 79,7 milhões de processos em tramitação, aguardando alguma
solução definitiva”, sendo que 38% dos referidos processos diz respeito a execuções
fiscais.

2 Justiça em números – 2017 – CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Disponível em: <


http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/12/b60a659e5d5cb79337945c1dd137496c.pdf >.
Acesso em 18 de agosto de 2018.
11
Novamente para elucidar a questão, colaciona-se abaixo gráfico constante no
referido relatório:

Fonte – Justiça em números – 20173

3 Justiça em números – 2017 – CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Disponível em: <


http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/12/b60a659e5d5cb79337945c1dd137496c.pdf >.
Acesso em 18 de agosto de 2018.
12
Além disso, os “processos dessa classe apresentam alta taxa de
congestionamento, 91%, ou seja, de cada cem processos de execução fiscal que
tramitaram no ano de 2016, apenas 9 foram baixados”.

No relatório também foi realizado o levantamento do tempo médio de


tramitação dos processos na Justiça brasileira, sendo que, a título exemplificativo, um
processo que tramita na Justiça Federal leva em média mais de 10 (dez) anos para
ser encerrado (ou seja, para o exaurimento da fase de conhecimento e da fase de
cumprimento de sentença).

Por outro lado, destaca-se que no “Anuário da Arbitragem no Brasil” referente


ao ano de 2016, elaborado pelo Comitê Temático de Arbitragem do Centro de Estudos
das Sociedades de Advogados (CESA), foi realizado o levantamento de que a duração
média dos procedimentos arbitrais no biênio 2015/2016 foi de aproximadamente dois
anos, conforme relação abaixo:

Fonte – Anuário da Arbitragem no Brasil – 20164

4 Anuário da Arbitragem no Brasil – 2016 – CENTRO DE ESTUDOS DAS SOCIEDADES DE


ADVOGADOS. Disponível em: < http://www.cesa.org.br/media/files/anuario_consolidado2016.pdf >.
Acesso em 18 de agosto de 2018.
13
Destaca-se inclusive outro dado importantíssimo obtido pelo CESA acerca do
procedimento arbitral e apontado no referido Anuário, o qual evidencia que a grande
maioria das decisões proferidas no âmbito da arbitragem são unânimes, ainda que as
partes tenham a faculdade de indicar os seus próprios árbitros para analisar o conflito
submetido a esse procedimento (árbitros indicados para formar o tribunal arbitral).

Com efeito, na medida em que os árbitros usualmente convergem em uma


opinião acerca da demanda submetida à arbitragem, isso significa – ao menos em
teoria – que esse método alternativo de solução de conflitos é capaz de propiciar às
partes maior uniformidade técnica e jurídica dos responsáveis designados para
analisar a questão conflituosa, até mesmo nos mais variados (e complexos) assuntos
técnicos e jurídicos.

A título elucidativo, verifique-se abaixo os dados apontados pelo CESA relativos


a algumas das Câmaras Arbitrais brasileiras:

Fonte – Anuário da Arbitragem no Brasil – 2016

Portanto, considerando-se o valor dos créditos tributários existentes, a


ineficácia do mecanismo da execução fiscal para fins de recuperação dos créditos,
14
bem como a complexidade técnica envolvida nas disputas tributárias, é de suma
importância a análise da viabilidade do estabelecimento de métodos alternativos de
resolução de conflitos no âmbito tributário, especialmente da arbitragem, que será
objeto de estudo na presente monografia.

15
3. Breve panorama acerca da definição e dos principais aspectos da arbitragem

A arbitragem é um método alternativo de resolução de conflitos que adota a


metodologia da heterocomposição, especialmente porque os litígios que são
submetidos a esse tipo de jurisdição têm uma solução (decisão arbitral) imposta por
um árbitro.

Conforme leciona o jurista Cândido Rangel Dinamarco, esse procedimento é


“um meio alternativo de solução dos conflitos, sendo realizado com o mesmo escopo
de pacificação que comanda o exercício da jurisdição pelos juízes do Poder
Judiciário”5.

No Brasil, esse método alternativo foi introduzido por meio da Lei nº 9.307 de
1996, estabelecendo-se que “As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da
arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”, conforme
previsto no artigo 1º.

Com efeito, tem-se que a capacidade civil das pessoas (sejam elas naturais ou
jurídicas) é condição expressa indispensável para que o conflito seja submetido à
arbitragem.

Nota-se, por oportuno, que essa previsão legal não fez qualquer distinção entre
as pessoas jurídicas de direito público ou privado, até mesmo em razão da capacidade
de os entes públicos contratarem com os particulares (entende-se que o verdadeiro
interesse do legislador era prever que aqueles que possuem capacidade para exprimir
autonomia da vontade poderão optar pela escolha do procedimento arbitral).

Ressalta-se que esse é um tema manifestamente controvertido e que tem sido


objeto de inúmeros estudos por parte dos juristas brasileiros.

É válido mencionar, ainda, que, na tentativa de pacificar justamente essa


controvérsia acerca da possibilidade ou não da administração pública direta e indireta
valer-se do instituto da arbitragem, foi publicada a Lei nº 13.129, de 26 de maio de
2015, alterando-se alguns artigos da Lei nº 9.307/96 e incluindo-se outros.

5DINAMARCO, Cândido Rangel. Vocabulário do processo civil. São Paulo: Malheiros Editores, 2009,
pág. 71.
16
Essa Lei decorreu do Projeto de Lei nº 7.108/2014, proposto pelo Senador
Renan Calheiros em 11/02/2014, visando a renovação e a ampliação do “âmbito da
aplicação da arbitragem e dispor sobre a escolha dos árbitros quando as partes
recorrem a órgão arbitral, a interrupção da prescrição pela instituição da arbitragem,
a concessão de tutelas cautelares e de urgência nos casos de arbitragem, a carta
arbitral, a sentença arbitral e o incentivo ao estudo do instituto da arbitragem”6.

Especificamente no que diz respeito ao artigo 1º da Lei de Arbitragem, o


legislador incluiu o §1º ao texto legal, que expressamente prevê que “A administração
pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos
a direitos patrimoniais disponíveis”7.

6 Projeto de Lei nº 7.108/2014. Disponível em <


https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=606030>. Acesso em
10/06/2019.
7 O Deputado Edinho Araújo, relator da Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de

Lei nº 7.108, de 2014, ao entender pela constitucionalidade, juridicidade e boa técnica legislativa da
referida propositura, fez um excelente resumo acerca do panorama geral do cenário litigioso brasileiro
e a inclusive mencionou situações em que já seria possível a Administração Pública se valer do instituto
da arbitragem. Verifique-se, por oportuno, alguns dos principais trechos do referido parecer:
“Arbitragem na Administração Pública
Pesquisas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre os 100 maiores litigantes no Judiciário
brasileiro, divulgadas em 2011 e 2012, chegaram à constatação que o setor público federal e
os bancos representam cerca de 76% do total de processos dos 100 maiores litigantes
nacionais.
O setor bancário corresponde a mais da metade do total de processos pertencentes aos 100
maiores litigantes da Justiça Estadual (54%). O setor público (Federal, Estadual e Municipal),
bancos e telefonia representam 95% do total de processos dos 100 maiores litigantes
nacionais. Desses processos, 51% têm como parte ente do setor público, 38% empresa do
setor bancário, 6% companhias do setor de telefonia e 5% de outras empresas.
Esse resultado corrobora as recentes pesquisas realizadas sobre o excesso de litigância no
Poder Judiciário. Ambas as pesquisas (2011 e 2012) demonstram que os setores que mais
demandaram do Poder Judiciário mantiveram-se no ranking total de maiores litigantes. Quando
o PL nº 7108/2014 referenda a arbitragem na Administração Pública está contribuindo para
desafogar o Judiciário, por um lado, mas principalmente para amenizar a litigiosidade do Estado
brasileiro. Até porque, seria um contrassenso o esforço de instituições públicas e privadas para
promover meios alternativos de solução de controvérsias, como conciliação, mediação e
arbitragem, se o Estado litigante não se afastasse do Judiciário.
A Administração Pública tem utilizado a arbitragem para dirimir conflitos há mais de uma
década. São exemplos de aplicação da arbitragem na Administração Pública os seguintes
diplomas legais:
º Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472, de 1997) prevê, no seu art. 93, que o contrato de
concessão indicará: (…) XV – o foro e o modo para solução extrajudicial das divergências
contratuais.
º Lei de Petróleo e Gás (Lei 9.478, de 1997) autoriza a Agência Nacional de Petróleo a
estabelecer, em seu regimento interno, os procedimentos a serem adotados para a solução de
conflitos entre agentes econômicos, e entre estes e usuários e consumidores, com ênfase na
conciliação e no arbitramento (art. 93). A Lei 9.478, de 1997, no seu art. 43, dispõe que o
contrato de concessão deverá refletir fielmente as condições do edital e da proposta vencedora
e terá como cláusulas essenciais: (…) X – as regras sobre solução de controvérsias,
17
Além disso, pela leitura do transcrito artigo 1º, compreende-se que esse modelo
de resolução é na realidade facultativo, que será adotado tão somente se as partes
conflitantes optarem por utilizá-lo, afastando-se a jurisdição estatal.

relacionadas com o contrato e sua execução, inclusive a conciliação e a arbitragem


internacional.
º A Lei 10.233, de 2001, sobre Transportes Aquaviários e Terrestres, estabelece que o contrato
de concessão deverá refletir fielmente as condições do edital e da proposta vencedora e terá
como cláusulas essenciais as relativas a: (…) XVI – regras sobre solução de controvérsias
relacionadas com o contrato e sua execução, inclusive a conciliação e a arbitragem (art. 35).
º A Lei 10.438, de 2002, sobre Energia elétrica estabelece que a Aneel – Agência Nacional de
Energia Elétrica, ao proceder a determinada recomposição tarifária extraordinária ali
especificada estará condicionada, nos termos de resolução da Aneel, à solução de
controvérsias contratuais e normativas e à eliminação e prevenção de eventuais litígios judiciais
ou extrajudiciais, inclusive por meio de arbitragem levada a efeito pela Aneel.
º A Lei 10.848, de 2004, ao disciplinar a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica –
CCEE, determinou, no seu art. 4º, § 5º, que as regras para a resolução das eventuais
divergências entre os agentes integrantes da CCEE serão estabelecidas na convenção de
comercialização e em seu estatuto social, que deverão tratar do mecanismo e da convenção
de arbitragem, nos termos da Lei nº 9.307, de 1996. Ainda, no § 6º do art. 4º, estabelece que
as empresas públicas e as sociedades de economia mista, suas subsidiárias ou controladas,
titulares de concessão, permissão e autorização, ficam autorizadas a integrar a CCEE e a aderir
ao mecanismo e à convenção de arbitragem.
º A Lei 11.079, de 2004, da Parceria Público Privada – PPP no campo da prestação de serviços
públicos e da execução da infraestrutura correspondente, em seu art. 11º define que o
instrumento convocatório de licitação pode prever o emprego dos mecanismos privados de
resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa,
“nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou
relacionados ao contrato”.
º A Lei 11.196, de 2005, que alterou a Lei 8.987, de 1995 – Lei das Concessões – autoriza
expressamente a Administração Pública a inserir previsão de que o contrato de concessão
poderá prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou
relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua
portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996
º A Lei 11.668, de 2008, Lei de Franquias Postais, determina serem cláusulas essenciais do
contrato de franquia postal as relativas ao foro e aos métodos extrajudiciais de solução das
divergências contratuais.
º A Lei 11.909, de 2009, sobre o transporte de gás natural, dispõe que o contrato de concessão
deveria refletir fielmente as condições do edital e da proposta vencedora, tendo como cláusulas
essenciais, dentre outras, as regras sobre solução de controvérsias relacionadas com o
contrato e sua execução, inclusive a conciliação e a arbitragem. A concessionária deve, ainda,
submeter à aprovação da ANP a minuta de contrato padrão a ser celebrado com os
carregadores, a qual deveria conter cláusula para resolução de eventuais divergências,
podendo prever a convenção de arbitragem, “nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro
de 1996 ”. Os contratos de comercialização de gás natural deveriam conter cláusula para
resolução de eventuais divergências, podendo, inclusive, prever a convenção de arbitragem,
“nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996”, o que poderia ser adotado por
adesão, pelas empresas públicas e pelas sociedades de economia mista, suas subsidiárias ou
controladas, titulares de concessão ou autorização.
º Vê-se que a arbitragem já vem sendo utilizada para dirimir conflitos com a Administração
Pública há muitos anos, especialmente no campo da prestação de serviços públicos
(Administração Pública direta e seus delegados), e em atividades econômicas realizadas por
entidades e sociedades da Administração Pública indireta.
A reforma da Lei de Arbitragem, ao tratar da aplicação desse instituto à Administração Pública,
explicita as condições especiais em que se deve proceder: estrita legalidade e publicidade”.

18
Essa opção (convenção arbitral) poderá se dar de duas formas distintas: a
primeira é pela previsão contratual de uma cláusula compromissória, a qual obrigará
as partes a se submeterem ao procedimento arbitral em eventual conflito envolvendo
o objeto da contratação (essa cláusula é estabelecida antes de um conflito, portanto);
a segunda é pela convenção de um compromisso arbitral, por meio do qual as partes,
após a ocorrência do conflito, concordam em submeter a questão para apreciação de
um juízo arbitral.

Para facilitar a compreensão das características acerca do método de adesão


à arbitragem, assim como das suas consequências, verifique-se abaixo trecho do
elucidativo voto proferido pelo Ministro João Otávio de Noronha nos autos do Recurso
Especial nº 606.345:

A arbitragem está regulada na Lei n. 9.307/96, cujo artigo 4º prescreve que 'a
cláusula compromissória é a convenção por meio da qual as partes em um
contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir
a surgir, relativamente a tal contrato'.

Da definição do instituto, exsurge o caráter híbrido da convenção de


arbitragem, na medida em que se reveste, a um só tempo, das características
de obrigação contratual, representada por um compromisso livremente
assumido pelas partes contratantes, e do elemento jurisdicional, consistente
na eleição de um árbitro, juiz de fato e de direito, cuja decisão irá produzir os
mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário.

Uma das inovações consignadas na Lei da Arbitragem (Lei n. 9.307/96) foi a


de imprimir força cogente à cláusula arbitral, afastando, obrigatoriamente, a
solução judicial do litígio e, conseqüentemente, dando ensejo à extinção do
processo sem exame de mérito, nos termos do art. 267, VII, do CPC.

É evidente que os contratantes, ao pactuarem o compromisso, estão


assumindo o risco de verem-se obrigados por uma decisão eventualmente
equivocada do árbitro. Tal risco, entretanto, que há de ser visto não como
elemento estranho à relação contratual, mas como parte integrante desta, só
pode envolver, necessariamente, direitos disponíveis dos envolvidos.

Tem-se claro, assim, à luz das prescrições contidas na Lei n. 9.307/96, que,
a partir do instante em que, no contexto de um instrumento contratual, as
partes envolvidas estipulem a cláusula compromissória, estará
definitivamente imposta como obrigatória a via extrajudicial para solução dos
litígios envolvendo o ajuste.

19
O juízo arbitral, repita-se, não poderá ser afastado unilateralmente, de forma
que é vedado a qualquer uma das partes contratantes impor seu veto ao
procedimento pactuado. Em síntese, na vigência da cláusula
compromissória, permite-se que o contratante interessado na resolução do
litígio tome a iniciativa para a instauração da arbitragem, ficando o outro, uma
vez formalizado o pedido, obrigado a aceitá-la sem nenhuma possibilidade
de optar, unilateralmente, pela jurisdição estatal.

Com efeito, após a eleição da arbitragem para dirimir o conflito existente, as


partes deverão ainda estabelecer quais serão as condições, os limites e a forma que
regerão esse procedimento.

No procedimento arbitral, por exemplo, são as partes que escolhem o árbitro


responsável, levando-se em consideração a natureza da matéria litigiosa. Ou seja, a
especialidade técnica do árbitro nomeado será determinante para garantir a qualidade
técnica da decisão a ser prolatada.

Esse pode ser considerado um dos principais fatores que demonstram os


benefícios da arbitragem em detrimento das decisões judiciais, as quais muitas vezes
são proferidas por juízes responsáveis por uma Vara Única na Comarca de atuação
(não se está aqui questionando a competência técnica dos juízes, mas tão somente a
precariedade da estrutura organizacional do Poder Judiciário) e, por isso, não
conseguem entregar a mesma profundidade na análise do tema que um profissional
habituado com a matéria envolvida no conflito.

São exatamente essas delimitações formais a serem estabelecidas pelas


partes que possibilitam que o procedimento arbitral possua maior assertividade e
menor onerosidade em relação ao Poder Judiciário.

Não bastassem as questões relativas à tecnicidade do procedimento, faz-se


necessário relembrar que na arbitragem as partes podem expressamente estabelecer
qual será o prazo que o árbitro eleito disporá para proferir a sentença arbitral, sendo
que, em caso de omissão, essa deverá ser prolatada em até seis meses (em eventual
convenção entre as partes e o árbitro, o prazo para proferir a sentença poderá ser
prorrogado).

Nesse sentido, o artigo 23 da Lei de Arbitragem estabelece que “A sentença


arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes”, sendo que, “Nada tendo sido

20
convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses, contado
da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro”.

No que diz respeito à efetividade da sentença arbitral, o artigo 18 da Lei de


Arbitragem estabelece que “O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que
proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”, e o artigo
31, por sua vez, estabelece que “A sentença arbitral produz, entre as partes e seus
sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder
Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo”.

Com efeito, a sentença proferida no âmbito do procedimento arbitral não poderá


ser revista pelo Poder Judiciário, salvo nas hipóteses em que seja declarada a sua
nulidade, nos termos e condições previstas pelo artigo 33 da referida lei.

Especificamente sobre esse ponto, é válido mencionar a previsão constitucional


contida no artigo 5º, inciso XXXV, a qual prevê que “a lei não excluirá da apreciação
do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Esclareça-se que esse dispositivo não está excluindo a vigência dos métodos
alternativos de resolução de conflitos, mas apenas resguardando o direito coletivo
consubstanciado no interesse público.

E com relação ao procedimento arbitral, o plenário do Supremo Tribunal


Federal foi acionado nos autos de um recurso em processo de homologação de
Sentença Estrangeira (SE nº 5.206-AgR) para analisar a “constitucionalidade ... da
compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros
conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da
jurisdição do Poder Judiciário”.

Por maioria, o Tribunal firmou o entendimento acerca da constitucionalidade do


referido procedimento, pois “a manifestação de vontade da parte na cláusula
compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz
para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não
ofendem o artigo 5º, XXXV, da CF”8.

8 Verifique-se abaixo a ementa do referido julgado:


“1.Sentença estrangeira: laudo arbitral que dirimiu conflito entre duas sociedades comerciais
sobre direitos inquestionavelmente disponíveis - a existência e o montante de créditos a título
21
Atualmente, portanto, não há dúvidas sobre a possibilidade de uso de tal
procedimento, até mesmo nos conflitos envolvendo a Administração Pública (em
decorrência da expressa previsão legal). Contudo, reitera-se, o alargamento dessa
possibilidade para matérias tributárias ainda é objeto de estudo e regulamentação.

de comissão por representação comercial de empresa brasileira no exterior: compromisso


firmado pela requerida que, neste processo, presta anuência ao pedido de homologação:
ausência de chancela, na origem, de autoridade judiciária ou órgão público equivalente:
homologação negada pelo Presidente do STF, nos termos da jurisprudência da Corte, então
dominante: agravo regimental a que se dá provimento, por unanimidade, tendo em vista a
edição posterior da L. 9.307, de 23.9.96, que dispõe sobre a arbitragem, para que, homologado
o laudo, valha no Brasil como título executivo judicial.
2. Laudo arbitral: homologação: Lei da Arbitragem: controle incidental de constitucionalidade e
o papel do STF. A constitucionalidade da primeira das inovações da Lei da Arbitragem - a
possibilidade de execução específica de compromisso arbitral - não constitui, na espécie,
questão prejudicial da homologação do laudo estrangeiro; a essa interessa apenas, como
premissa, a extinção, no direito interno, da homologação judicial do laudo (arts. 18 e 31), e sua
conseqüente dispensa, na origem, como requisito de reconhecimento, no Brasil, de sentença
arbitral estrangeira (art. 35). A completa assimilação, no direito interno, da decisão arbitral à
decisão judicial, pela nova Lei de Arbitragem, já bastaria, a rigor, para autorizar a homologação,
no Brasil, do laudo arbitral estrangeiro, independentemente de sua prévia homologação pela
Justiça do país de origem. Ainda que não seja essencial à solução do caso concreto, não pode
o Tribunal - dado o seu papel de "guarda da Constituição" - se furtar a enfrentar o problema de
constitucionalidade suscitado incidentemente (v.g. MS 20.505, Néri).
3. Lei de Arbitragem (L. 9.307/96): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão
incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da
compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros conflitos
da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder
Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo plenário, considerando o
Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula
compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que
substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o artigo 5º,
XXXV, da CF. Votos vencidos, em parte - incluído o do relator - que entendiam inconstitucionais
a cláusula compromissória - dada a indeterminação de seu objeto - e a possibilidade de a outra
parte, havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, recorrer ao Poder Judiciário para
compelir a parte recalcitrante a firmar o compromisso, e, conseqüentemente, declaravam a
inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 9.307/96 (art. 6º, parág. único; 7º e seus parágrafos
e, no art. 41, das novas redações atribuídas ao art. 267, VII e art. 301, inciso IX do C. Pr. Civil;
e art. 42), por violação da garantia da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário.
Constitucionalidade - aí por decisão unânime, dos dispositivos da Lei de Arbitragem que
prescrevem a irrecorribilidade (art. 18) e os efeitos de decisão judiciária da sentença arbitral
(art. 31).
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal,
em sessão plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por
unanimidade de votos, em prover o agravo para homologar a sentença arbitral, e, por maioria,
declarar constitucional a L. 9307, de 23.9.96, vencidos em parte, os Senhores Ministros
Sepúlveda Pertence, Sydney Sanches, Néri da Silveira e Moreira Alves, que declaravam a
inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 6º; do artigo 7º e seus parágrafos; no artigo
41, das novas redações atribuídas ao artigo 267, inciso VII e ao artigo 301, inciso IX, do Código
de Processo Civil; e do artigo 42, todos do referido diploma legal”.

(STF - SE-AgR: 5206 EP, Relator: SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 12/12/2001,
Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 30-04-2004 PP-00029 EMENT VOL-02149-06 PP-
00958)
22
4. A indisponibilidade do interesse público
4.1. A natureza das questões tributárias

A definição de tributo está contida no artigo 3º do Código Tributário Nacional,


segundo o qual “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo
valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei
e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

O especificamente sobre o nascimento da obrigação tributária, o jurista James


Marins ensina o seguinte:

decorre da ocorrência de evento no mundo dos fenômenos (fato jurídico


tributário) cujo conceito se encaixe na descrição hipotética, geral e abstrata,
presente na norma jurídica tributária (hipótese de incidência tributária) e que
é o antecedente lógico da consequência tributária correspondente à
obrigação de pagar tributo.

Por corresponder ao momento estático da relação jurídica tributária, a mera


existência da obrigação, contudo, não equivale ao ingresso do tributo e
demanda a criação de mecanismos administrativos indispensáveis a propiciar
arrecadação tributária, disciplinando o modo como deve se comportar o
contribuinte para cumprir com sua obrigação perante o Estado e o modo
como a Administração tributária deverá proceder com o escopo de evitar a
inércia tributária e, em havendo resistência do contribuinte à pretensão fiscal,
os mecanismos aptos para a solução de lide.

Atuação da obrigação tributária. Existe a relação jurídica (obrigação tributária)


sua atuação irá depender de procedimentos de fiscalização, formalização e
cobrança, praticados pela Administração tributária ou mesmo atos de
formalização e recolhimento praticados diretamente pelo próprio contribuinte
sem intervenção exatorial.

Essa atividade de mobilização, que tem por finalidade a realização do ato de


lançamento tributário, é regida pelo denominado Direito Tributário formal que
corresponde ao momento dinâmico da relação jurídica tributária 9.

Com efeito, após a confirmação da hipótese de incidência tributária, surgirá ao


contribuinte o ônus previsto pelo mencionado artigo 3º, assim como o direito subjetivo

9 MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro, pg. 98.


23
de a administração pública exigir a satisfação desse crédito tributário do sujeito
passivo.

Destaca-se que a administração pública é obrigada a promover todas as ações


cabíveis para arrecadar o crédito tributário, especialmente porque se trata de uma
“prestação pecuniária compulsória” que deverá ser “cobrada mediante atividade
administrativa plenamente vinculada”.

Nesse sentido, a administração pública não poderá optar em deixar de exercer


a sua atividade de realizar a fiscalização dos contribuintes, efetuar os lançamentos
necessários e buscar as medidas cabíveis para promover a arrecadação dos créditos
tributários, sob pena de ser penalizada em razão do desvio no exercício de sua
atividade estatal.

4.2. O interesse público e a sua (in)disponibilidade

Nos termos do já mencionado artigo 1º da Lei nº 9.307 de 1996, “As pessoas


capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a
direitos patrimoniais disponíveis”, conforme previsto no artigo 1º.

Essa previsão legal determina que apenas os “direitos patrimoniais disponíveis”


poderão ser submetidos ao procedimento arbitral.

Acerca da aplicabilidade dessa expressão à arbitragem, é relevantíssima a


opinião exposta pelo jurista José Cretella Neto, segundo o qual “Devido à dificuldade
terminológica apontada, acerca da expressão ‘direitos disponíveis’ e também pelo fato
de que não seria conveniente restringir a competência do juízo arbitral, as legislações
estrangeiras preferem delimitar a atuação do juízo arbitral fazendo referência às
controvérsias acerca de direitos que possam ser objeto de transação. Tecnicamente,
portanto, teria sido mais apropriado que a redação do artigo comentado fosse: ‘as
pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios
relativos a direitos sobre os quais possam transigir”10.

10CRETELLA NETO, José. Curso de Arbitragem: arbitragem comercial, arbitragem internacional, Lei
brasileira de arbitragem, Instituições internacionais de arbitragem. Convenções internacionais sobre
arbitragem. Rio de Janeiro: Forense, 2004. Pg. 57.
24
Nesse mesmo sentido, é valido transcrever a previsão legal contida no artigo
852 da Lei 10.406/02 (Código Civil), o qual estabelece que “É vedado compromisso
para a solução de questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que
não tenham caráter estritamente patrimonial”.

Justamente por isso é que a arbitragem de litígios tributários é manifestamente


controvertida entre os juristas brasileiros, pois para alguns as matérias fiscais não
seriam transacionáveis, isto é, não poderiam ser afastadas da jurisdição estatal em
razão do princípio da indisponibilidade do interesse público e das condições previstas
pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000).

Especificamente sobre a definição de interesse público, o jurista Celso Antônio


Bandeira de Mello leciona que “o interesse público deve ser conceituado como o
interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm
quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples
fato de o serem”, sendo que “interesse público é o interesse do todo, do próprio corpo
social, para precatar-se contra o erro de atribuir-lhe o status de algo que existe por si
mesmo, dotado de consistência autônoma, ou seja, como realidade independente e
estranha a qualquer interesse das partes. O indispensável, em suma, é prevenir-se
contra o erro de consciente ou inconsciente, promover uma separação absoluta entre
ambos, ao invés de acentuar, como se deveria, que o interesse público, ou seja, o
interesse de todo, é “função” qualificada dos interesses das partes, um aspecto, uma
forma específica, de sua manifestação”11.

Não obstante as inúmeras definições acerca do interesse público, para o


presente estudo a indisponibilidade do interesse público é entendida como o dever
estatal de pautar as suas ações na busca da efetivação dos interesses sociais, em
consonância com as regras e princípios estabelecidos na Constituição Federal.

Com efeito, trata-se de princípio passível de relativização, especialmente


porque há bens e direitos de titularidades da administração pública que são passíveis
de transação, isto é, são considerados “direitos patrimoniais disponíveis”.

Tanto isso é verdade que no capítulo anterior foi demonstrada a evolução


legislativa da Lei de Arbitragem, a qual passou a prever expressamente sobre a

11 MELLO, Celso Antonio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, pgs. 69-71.
25
possibilidade de a administração pública direta e indireta utilizar-se da arbitragem para
dirimir conflitos.

Ou seja, entende-se essa análise acerca da (in) disponibilidade deverá ser


realizada caso a caso, até mesmo para que sejam ponderados quais seriam os
benefícios que eventual transação efetuada pelo Estado poderia gerar à coletividade.

Por outro lado, é importante destacar que há algumas situações em que a


legislação (seja ela infraconstitucional ou constitucional) expressamente determina
que o bem e/ou direito é indisponível (como por exemplo algumas questões
ambientais e/ou trabalhistas).

26
5. A Lei de Responsabilidade Fiscal e a atuação do administrador público

Ressalta-se que a atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos


Municípios deverá observar as disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei nº
101/2000), a qual, nos termos do seu artigo 1º, “estabelece normas de finanças
públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal”.

De acordo com o §1º do mencionado artigo, essa responsabilidade na gestão


fiscal “pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e
corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o
cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a
limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com
pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações
de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em
Restos a Pagar”.

Da mesma forma que essa legislação estabelece quais são as diretrizes que a
administração pública deverá seguir, também determina algumas das penalidades
que serão impostas aos gestores públicos na hipótese de seu descumprimento.

Para o fim de elucidar o assunto, ressalta-se que o artigo 11 da Lei de


Responsabilidade Fiscal estabelece que “Constituem requisitos essenciais da
responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de
todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação”.

Há um reforço, portanto, acerca da necessidade de o gestor público exercer a


sua competência tributária que lhe é constitucionalmente assegurada, especialmente
porque é seu dever a “e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência
constitucional do ente da Federação”.

Com efeito, deverá o gestor público promover a arrecadação de todos os


tributos previstos em lei e que estejam em atraso, não podendo deliberar sobre
eventual negociação e/ou dispensa da cobrança, especialmente porque se trata de
receita pública, salvo na hipótese em que haja expressa previsão legal, como no caso
de isenções, imunidades, parcelamentos e remissões, por exemplo.

27
Ressalta-se que não há qualquer menção no referido artigo acerca da
impossibilidade dessa arrecadação ser realizada com o auxílio do procedimento
arbitral na hipótese de o contribuinte ter optado por esse método alternativo para
resolver o conflito (e na hipotética situação de ser possível submeter à arbitragem os
conflitos tributários).

Outra previsão legal importantíssima a ser destacada – inclusive porque é uma


das causadoras das divergências entre os juristas sobre a arbitragem no direito
tributário – é a questão relacionada à renúncia de receita.

O artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal prevê que “A concessão ou


ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia
de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-
financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender
ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias” e a pelo menos uma das duas
condições previstas pelos seus incisos I e II12.

A renúncia de receita, conforme estabelecido pelo § 1º do referido artigo,


“compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção
em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que
implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que
correspondam a tratamento diferenciado”.

Com efeito, na hipótese de se admitir a arbitragem para solucionar os conflitos


tributários, não merece prosperar o argumento de que eventual sentença arbitral que
represente uma modificação (redução) do tributo devido pelo contribuinte ensejaria
descumprimento pela administração pública da Lei de Responsabilidade Fiscal.

12 “Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra
renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no
exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes
orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições: (Vide Medida Provisória nº 2.159, de
2001) (Vide Lei nº 10.276, de 2001)
I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei
orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no
anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;
II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do
aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração
ou criação de tributo ou contribuição”.
28
A situação é justamente a inversa, porque em momento algum a administração
pública estará renunciando aos créditos tributários, mas apenas e tão somente
submetendo a solução do litígio fiscal a um método alternativo – a arbitragem – cujas
decisões prolatadas possuem a mesma eficácia daquelas proferidas no âmbito da
jurisdição estatal.

Sobre o tema é sempre válido transcrever o entendimento de Priscila Faricelli


de Mendonça. Verifique-se:

Ao optarem por submeter a controvérsia tributária ao juízo arbitral, as partes


não estão dispondo do direito em discussão, mas somente “renunciando à
solução estatal do conflito”, sendo que “Na opção pela solução de arbitragem,
qualquer das partes envolvidas (poder público ou contribuinte) não estará
abrindo mão de parcela do direito em disputa, mas sim estabelecendo que a
decisão quanto ao julgamento da controvérsia será tomada por tribunal
distinto do judicial estatal e, da mesma forma, vinculará as partes tal como
ocorreria com a solução adjudicada judicial13.

É justamente por isso que eventual escolha das partes pelo procedimento
arbitral para dirimir conflitos tributários (considerando que exista expressa previsão
legal permissória) não representaria a renúncia das receitas públicas por parte da
administração.

Essa escolha representaria na verdade a opção das partes por um método


alternativo de resolução dos conflitos que, via de regra, é mais célere, mais técnico e
efetivo do que a jurisdição estatal, não havendo que se falar em prejuízo ao orçamento
público.

Repita-se: a atividade indispensável à administração pública é aquela


concernente à arrecadação (fiscalização, atuação e cobrança), diferentemente do
crédito tributário em si, que não é indisponível.

Entende-se, portanto, que a implementação da arbitragem para solução dos


conflitos no direito tributário não implicaria violação às regras dispostas na Lei de
Responsabilidade Fiscal.

13MENDONÇA, Priscila Faricelli de. Arbitragem e transação tributárias. Coord. Ada Pelegrini Grinover,
Kazuo Watanabe. Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2014. Pgs 84 e 86.
29
6. Requisitos para a implementação da arbitragem tributária no Brasil: a
necessária previsão legal

Não obstante todas as questões controvertidas já apresentadas no presente


artigo (em especial a indisponibilidade do interesse público e a discussão acerca de
eventual violação à Lei de Responsabilidade Fiscal – as quais também podem ser
entendidas como dificuldades para a implementação da arbitragem tributária no Brasil)
fato é que a legislação tributária brasileira é extremamente complexa e é regida pela
legalidade, razão pela qual seria necessário promover uma série de alterações para
viabilizar que as questões tributárias possam ser submetidas pelas partes ao
procedimento arbitral.

Aqueles que defendem que não seria necessário promover alterações


legislativas para implementar a arbitragem tributária sustentam que a já pacificada
equiparação da decisão arbitral à decisão judicial seria suficiente para garantir a
efetividade desse procedimento.

Conforme já mencionado, o artigo 31 da Lei nº 9.307/1996 estabelece que “A


sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da
sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui
título executivo”.

O artigo 156, inciso X, do Código Tributário Nacional, por sua vez, dispõe que
“Extinguem o crédito tributário ... a decisão judicial passada em julgado”.

Ou seja, na medida em que a sentença arbitral é equiparada à sentença judicial


e que o Código Tributário Nacional prevê como causa extintiva do crédito tributário a
decisão judicial passada em julgado, aparentemente não seria necessário promover
alterações legislativas nesse sentido.

Ocorre que, em sentido diametralmente oposto, é necessário relembrar que a


Constituição Federal dispõe no seu artigo 14614 que as normas gerais em matéria de

14 “Art. 146. Cabe à lei complementar:


I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta
Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
30
legislação tributária devem ser regulamentas por meio de lei complementar (dentre as
quais estão as causas extintivas do crédito tributário).

E justamente para garantir a segurança jurídica na implementação da


arbitragem na seara dos litígios tributários, faz-se necessária a edição de Lei
Complementar para regulamentar – dentre outros aspectos – essa nova hipótese de
extinção do crédito tributário.

É valioso transcrever, ainda, o levantamento realizado pela jurista Andréa


Mascitto sobre as questões capazes de representar algum tipo de insegurança jurídica
à administração pública e aos contribuintes com a adoção do procedimento arbitral
nas matérias tributárias considerando-se a legislação vigente. Confira-se:

Sob a perspectiva do Fisco, são diversas as preocupações institucionais e


individuais dos agentes públicos, que passam pelo risco de caracterização de
responsabilidade funcional, caracterização de renúncia fiscal e violação à Lei
Complementar 101 (‘Lei de Responsabilidade Fiscal’), não interrupção dos
prazos decadencial para constituição do crédito tributário (em caso de
procedimento arbitral pré-constituição do crédito tributário) e prescricional
para efetiva execução do crédito (em caso de procedimento arbitral posterior
à sua constituição), dentre outras como a obrigatoriedade e/ou possibilidade
de participação de terceiros e, em especial, do Ministério Público (“MP”) nos
procedimentos.

Sob a perspectiva dos contribuintes, além da segurança na previsão expressa


e específica da extinção do crédito tributário pela sentença arbitral, seria
importante que fossem supridas lacunas como se o procedimento arbitral
suspende ou não a exigibilidade do tributo que se discuta, se o prazo para

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;


c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de
pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II,
das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.
Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime
único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, observado que:
I - será opcional para o contribuinte;
II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado;
III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes
aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento;
IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados,
adotado cadastro nacional único de contribuintes.
Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de
prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer
normas de igual objetivo”.
31
eventual recuperação de tributos pagos indevidamente ou a maior se iniciaria
após findo o processo arbitral em que vencedor, se a arbitragem engloba
inclusive a discussão do crédito tributário constituído em definitivo, após
inscrição em dívida ativa, ou de casos em que ele nem mesmo foi constituído
etc15.

No entendimento da jurista, seria necessário promover alterações nos artigos


151, 156, 168, 170-A, 171, 173 e 174 do Código Tributário Nacional, especificamente
para regulamentar as questões relacionadas à suspensão e a extinção do crédito
tributário, à possibilidade da transação entre a administração pública e o contribuinte,
aos prazos de decadência e prescrição fazendários e à repetição e compensação do
indébito tributário.

Por outro lado, considerando-se que as questões atinentes a matérias


tributárias devem obrigatoriamente ser pautadas pelo princípio da legalidade,
entende-se necessária a edição de legislação ordinária para estabelecer
expressamente alguns dos procedimentos que deverão ser adotados entre as partes
na adoção da arbitragem tributária.

Dentre essas questões, destaca-se eventual instituição de uma Câmara arbitral


própria para centralizar os litígios tributários, a forma de determinação dos árbitros e
a qualificação técnica necessária para exercer essa função, eventual limitação das
matérias tributárias arbitráveis (em razão do direito envolvido ou dos valores), os
procedimentos a serem adotados caso seja necessária produção probatória, dentre
outros.

Além disso, outro aspecto que deverá ser regulamentado formalmente é a


forma pela qual a administração pública deverá manifestar a sua vontade em propor
ou aderir ao procedimento arbitral para dirimir os litígios tributários.

Por fim, ressalta-se que as questões periféricas envolvendo assuntos


eminentemente burocráticos e de menor importância, inclusive questões internas da
administração pública, poderão ser instituídas por Instrução Normativa e Portaria, nos
termos da Portaria RFB nº 1.098/13.

15
MASCITTO, Andréa. Arbitragem Tributária – Desafios institucionais brasileiros e a experiência portuguesa.
Coord. Thiane Piscitelli, Andréa Mascitto e Priscila Faricelli de Mendonça. Pg. 83.
32
7. Os projetos de lei envolvendo a matéria.

Atualmente no Brasil há dois projetos de lei em tramitação visando


regulamentar a transação, a conciliação administrativa e judicial e a arbitragem como
métodos alternativos para dirimir os conflitos tributários: o Projeto de Lei nº 5.082 e o
Projeto de Lei Complementar nº 469, ambos propostos em 20 de abril de 2009 pelo
Poder Executivo.

No que diz respeito ao Projeto de Lei nº 5.082/2009, que versa majoritariamente


sobre a transação em questões envolvendo matérias tributárias, o seu objetivo é
aprimorar a relação existente entre a administração pública e os contribuintes
mediante a instituição de novas medidas capazes de auxiliar a resolução de questões
tributárias.

Verifique-se, a propósito, o disposto na exposição de motivos do referido


projeto de lei:

O anteprojeto vem no bojo de um conjunto de medidas destinadas à


modernização da Administração Fiscal, para tornar a sua atuação mais
transparente, célere, desburocratizada e eficiente. As outras medidas que
caminham no mesmo sentido consistem na edição de outras duas leis
ordinárias (uma referente aos mecanismos de cobrança dos créditos inscritos
na dívida ativa da União e a outra, à execução fiscal administrativa) e uma lei
complementar (alteração do Código Tributário Nacional), essa última
indissociável do presente anteprojeto, visto que alguns de seus efeitos
dependem das alterações naquela lei propostas (como os que tratam da
interrupção da prescrição, das causas de suspensão da exigibilidade do
crédito tributário e da prova da regularidade fiscal).

[...]

A concretização das medidas previstas no Anteprojeto em comento


aumentará a eficácia do sistema arrecadatório nacional. Com efeito, os
conflitos tributários serão resolvidos em menor prazo, no máximo em um ano,
o que tornará, para o contribuinte, mais vantajosa a transação do que a
aposta

Assim sendo, a transação traduzir-se-á em uma maior participação do


contribuinte na administração tributária, o que implica uma significativa
mudança de paradigmas na relação Estado / contribuinte. Para a Fazenda

33
Nacional, a vantagem será a realização imediata de créditos tributários, sem
os altos custos do processo judicial, o que, sem dúvida, vem ao encontro do
interesse público. Ademais, a adoção desses meios alternativos, a médio
prazo, desafogará as instâncias administrativas de julgamento e o Poder
Judiciário.

Também é certo que a transação tributária importará em maior segurança


jurídica para o contribuinte, bem como no aperfeiçoamento e uniformização
da interpretação das normas tributárias no âmbito da Administração Fiscal.
De fato, o Anteprojeto prevê o julgamento por um órgão técnico
especializado, único apto a lidar com a grande complexidade da legislação
tributária pátria, garantindo, assim, a resolução eficiente, segura e justa dos
litígios tributários. Além disso, terá efeitos significativos para aliviar o Poder
Judiciário e as instâncias administrativas de julgamento, diminuir a
litigiosidade na aplicação da legislação tributária, permitir a maior eficiência
na arrecadação dos tributos e o aumento do cumprimento voluntário das
obrigações tributárias, com a eliminação dos desperdícios públicos
decorrentes da sistemática em vigor.

Por outro lado, no que diz respeito ao Projeto de Lei Complementar nº


469/2009, o seu objetivo é promover mudanças no Código Tributário Nacional
especificamente sobre a interrupção da prescrição, a suspensão da exigibilidade do
crédito tributário, assim como a instituição de um novo modelo mais amplo de
transação tributária.

E novamente para facilitar a compreensão da abrangência dessa proposta


legislativa, confira-se abaixo trecho constante na sua exposição de motivos:

As alterações ora propostas são indispensáveis à modernização da


Administração Fiscal de forma a tornar a sua atuação mais transparente,
célere e eficiente. Fazem parte de um conjunto mais amplo de modificações
consistente na edição de duas leis ordinárias: uma referente à transação
tributária e a outra, à execução fiscal administrativa.

As medidas sugeridas se inspiraram em importantes reformas ocorridas nas


legislações alienígenas, necessárias para se fazer frente às novas formas de
fraude e sonegação fiscal típicas de um mundo globalizado, em que vultosos
recursos podem, em minutos, ser postos fora do alcance do Fisco.

A primeira, Lei Geral de Transação, tem o intuito precípuo de reduzir o nível


de litigiosidade na aplicação da legislação tributária e permitir uma maior
eficiência no processo de arrecadação dos tributos.
34
A segunda, Lei de Execução Fiscal, atualizará a atual Lei nº 6.830/80, já
ultrapassada em face das constantes alterações do CPC, em especial da
execução dos títulos executivos extrajudiciais, e da maior mobilidade de
ativos decorrente do processo de globalização, possibilitando a constrição
preparatória provisória de bens e direitos do devedor pela Fazenda Pública,
sem prejuízo das garantias de defesa do executado.

O Anteprojeto, em obediência ao artigo 146, inciso III, da Constituição


Federal, modificará o CTN no tocante à interrupção da prescrição e à
suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Ademais, aperfeiçoará a
redação do artigo 171 a fim de possibilitar a adoção de um modelo mais amplo
de transação tributária, inclusive com a atuação preventiva da Administração.

Nota-se, inclusive, que Projeto de Lei pretende incluir uma nova disposição
legal ao artigo 171 do Código Tributário Nacional, especialmente para estabelecer que
“A lei poderá adotar a arbitragem para a solução de conflito ou litígio, cujo laudo arbitral
será vinculante”.

Não obstante o avanço pretendido pelo legislador, fato é que ambas as


propostas legislativas possuem mais de dez anos, ou seja, foram propostas em um
período bem próximo ao do início da vigência da Lei de Arbitragem.

Com efeito, originariamente o legislador não havia previsto como se daria na


prática o procedimento arbitral, sendo que foram realizadas inúmeras modificações
na Lei de Arbitragem justamente para aperfeiçoá-la.

Por outro lado, os Projetos de Lei mencionados acima não foram atualizados
para acompanhar o avanço das técnicas legislativas, assim como dos estudos acerca
do tema (é válido mencionar que até o presente momento esses Projetos aguardam
parecer da Comissão de Finanças e Tributação - CFT).

Entende-se, portanto, que é necessário promover a edição de novos Projetos


de Lei, para o fim de aperfeiçoar as pretendidas alterações legislativas, em especial
para garantir que a escolha de resolução de litígios tributários por meio de
procedimento arbitral esteja efetivamente amparada pela segurança jurídica,
resguardando tanto a administração pública como os contribuintes.

35
8. Conclusão

Trata-se de questão primordial o estudo de métodos alternativos capazes de


garantir maior eficácia na resolução de conflitos, seja para efetivar maior recuperação
de créditos tributários por parte da Fazenda Pública, seja para efetivar o direito dos
contribuintes ao devido processo legal.

Ao que tudo indica, esse é um dos assuntos que será objeto de grande
repercussão nos próximos anos, especialmente pela consolidação do procedimento
arbitral na área cível, que demonstra a eficácia desse método alternativo de resolução
de conflitos, bem como do aumento constante dos debates e da elaboração de obras
jurídicas sobre a arbitragem no âmbito tributário.

A análise acerca da viabilidade da implementação da arbitragem tributária no


Brasil possui manifesta aplicabilidade técnica, especialmente porque visa a resolução
de um problema existente no cenário brasileiro, qual seja, de que atualmente a
recuperação dos créditos tributários por parte da Fazenda Pública é
inquestionavelmente ineficaz e é um procedimento moroso, pois a cobrança é
realizada por meio da propositura de execução fiscal no âmbito judiciário.

Com efeito, a utilização da arbitragem no âmbito do direito tributário poderá ser


um mecanismo capaz de auxiliar a desobstrução do Poder Judiciário, garantindo
maior eficácia na recuperação de créditos tributários por parte da Fazenda Pública,
bem como maior segurança jurídica aos contribuintes, que disporiam de mais
qualidade técnica e celeridade na análise das disputas tributárias.

Para tanto, necessário se faz o aprofundamento do estudo acerca dos aspectos


relacionados aos princípios tributários, à indisponibilidade do interesse público (e do
crédito tributário), bem como às normas tributárias necessárias para implementação
da arbitragem tributária, até mesmo porque o Projeto de Lei nº 5.082/2009 e o Projeto
de Lei Complementar nº 469/2009 estão desatualizados, pois não acompanharam o
aperfeiçoamento/desenvolvimento do cenário arbitral brasileiro.

Além disso, conforme restou demonstrado, são inúmeros os receios por parte
da Administração Pública e dos contribuintes em relação a eventual implementação

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do procedimento arbitral para dirimir as questões tributárias sem que haja a adequada
regulamentação.

Isso porque a Constituição Federal determina no seu artigo 146 que as normas
gerais envolvendo matéria tributária devem ser dispostas por meio de Lei
Complementar (como por exemplo aquelas relacionadas à extinção do crédito
tributário).

Com efeito, sem prejuízo dos benefícios que seriam obtidos na utilização do
procedimento arbitral, fato é que a legislação complementar deverá prover os
mecanismos legais capazes de assegurar que a Administração Pública não seja
penalizada em razão das regras contidas na Lei de Responsabilidade Fiscal.

37
Referências

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