O Sonho de Carmem
O Sonho de Carmem
O Sonho de Carmem
AGRADECIMENTOS
Grupo Votorantim, Moura Leite Netto, Ruth Helena Bellinghini,
Eliane Lopes Nassif, Drauzio Varella, Ronaldo Graça Couto,
e Ricardo Renzo Brentani (in memoriam)
COMITÊ CONSULTIVO
Ademar Lopes
Adriana Seixas Braga
Fernando Augusto Soares
Humberto Torloni
Liana Maria Carraro de Moraes
Luiz Paulo Kowalski
Eduardo Bueno
1ª edição
São Paulo, 2015
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Introdução - Desvendando o inimigo oculto
Eduardo Bueno
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Uma luta milenar
1
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Embora tenha de
imediato percebido o valor
histórico do papiro, até
porque era egiptólogo,
Edwin Smith nada publicou
a respeito. Após sua morte,
em 1906, sua filha doou o
documento à Sociedade
Histórica de Nova York,
mas foi somente em 1930
que o emérito egiptólogo
James Henry Breasted
(curiosamente, “breast” O papiro primordial: batizado com o
nome de seu “descobridor”, o papiro
de Edwin Smith faz as primeiras
significa mama, em inglês), referências conhecidas sobre o câncer,
três mil anos antes de Cristo
auxiliado pelo fisiologista
Arno B. Luckhardt, publicou
uma tradução comentada em dois volumes.
O mais antigo tratado de medicina de que se tem
notícia apresenta 48 casos clínicos, dos quais oito se
referem a ulcerações mamárias, sendo um dos pacientes
do sexo masculino. De acordo com o papiro, a doença,
para a qual não havia cura, só podia ser tratada mediante
cauterização, numa técnica definitivamente amedrontadora,
descrita como “a prática de incêndio”. A versão integral
da tradução inglesa do papiro está disponível na internet
e pode ser acessada no link: http://www.touregypt.net/
edwinsmithsurgical.htm.
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A surpreendente descoberta
levou o professor Mel Greaves,
do Institute of Cancer Research,
a escrever em seu premiado livro
Cancer, the evolucionary legacy:
“Restos fossilizados de cânceres
tão antigos assim nos levam a
conjecturar sobre a natureza
biológica essencial de câncer,
e a concluir que ela reflete
O dinossauro com bico de
pato: ilustração supositícia uma característica intrínseca
do hadrossauro, o dinossauro
cujos fósseis apresentam das criaturas multicelulares,
sinais de câncer ósseo
de modo que podemos estar
razoavelmente certos de que
crescimentos celulares benignos e malignos andam por aí há
pelo menos meio bilhão de anos. A questão é que não havia
patologistas para rotulá-los como tal”.
O raciocínio de Greaves vale para o presente, pois todas
as cinco classes de animais vertebrados além de moluscos
e alguns invertebrados que atualmente vivem no planeta
já desenvolveram alguma forma de câncer. Embora a
incidência da doença nos animais se dê em frequência bem
menor do que nos humanos, o fato é que, apesar de termos
sido nós que batizamos o câncer, o mal já estava na Terra
muito antes de os primatas erguerem-se sobre duas pernas
e expandirem-se por todo o planeta. Ou seja, podemos ter
inventado o rótulo, mas não a condição.
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Teodorico Borgognoni: um
dos pioneiros no diagnóstico
do câncer de mama
35
Tropas e tropeiros:
imagem de um viajante
paulista do século 17
O matrimônio:
Prudente e Carmem
no dia do casamento
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O senhor da saúde:
para clamar pela criação de um novo
Carlos Chagas
ministério dedicado exclusivamente
à saúde. Sua proposta não foi aceita, mas
em 2 de janeiro de 1920, já como novo presidente, assinou o
Decreto-Lei nº 3.987 criando o Departamento Nacional de
Saúde Pública (DNSP), o primeiro a centralizar as questões
de saúde no País e cujo comando foi entregue ao já então
célebre Carlos Chagas.
E foi no seio daquela reforma que, pela primeira vez
na história do Brasil, estabeleceram-se as bases de uma
“política nacional do câncer”, embora a moléstia tenha
sido incluída no âmbito do combate à lepra e às doenças
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do organismo afetadas”.
No entanto, tal era a escassez de artigos e pesquisas a
serem publicados que, apesar dos esforços de Álvaro Ramos,
a Seção Permanente do Cancro durou apenas um ano.
Em maio de 1920, porém, um de seus alunos e discípulos,
o médico pernambucano Arthur de Siqueira Cavalcanti,
apresentou, defendeu e publicou a tese Contribuição ao
estudo do câncer e sua profilaxia no Brasil, na qual, embora
admitisse não poder “estender as conclusões para todo
o Brasil, um país colossal e com dificuldades de toda sorte”,
tratou de reproduzir e contestar as observações que Azevedo
Sodré fizera uma década e meia antes: “As nossas pesquisas,
feitas entre 1910 e 1919, realizadas com o rigor possível,
demonstram que, no Distrito Federal, o órgão em que
o câncer se localiza de preferência é o estômago. Em seguida
vêm os órgãos genitais da mulher”.
Naquele mesmo ano de 1920 surgiria, em São Paulo,
no dia 19 de fevereiro, aquela que alguns afirmam ser
“a primeira instituição brasileira destinada ao estudo do
câncer”, o Instituto do Câncer Arnaldo Vieira de Carvalho.
Mas, como em tudo que cerca o “doutor Arnaldo”, tal
afirmação é um tanto hiperbólica – até porque o que de fato
houve naquela ocasião foi apenas o início de uma campanha
para a construção de um instituto de radioterapia em São
Paulo e a constituição da comissão encarregada de levantar
fundos e doações para sua construção.
Ocorre, no entanto, que, menos de quatro meses depois,
75
O câncer na sala
de visitas: a grande
exposição de 1947
organizada por
Carmem Prudente
O câncer em
cartaz: pôster
da APCC
O câncer em
cartaz: os
aterradores
cartazes de Kroeff
118
banho para o hospital até o artesanato que era feito para ser
vendido em feira anual, cujo objetivo era arrecadar fundos
para a instituição. Sob a sua direção, a Rede Feminina de
Combate ao Câncer chegaria a ter 189 regionais no interior
de São Paulo e 16 em vários outros Estados.
Somente em três meses de 1946, foram arrecadados
Cr$ 7,5 milhões (de cruzeiros), o equivalente a quase 20
mil vezes o valor do salário mínimo do período, que era
de Cr$ 380,00. Com dinheiro em caixa, ainda em 1946 foi
possível viabilizar parceria entre a APCC e o Hospital Santa
Cruz para a criação de uma Clínica de Tumores. Ali, e em
122
Construção do A.C.Camargo –
registro da finalização da obra
que deu ao arquiteto Rino Levi
prêmio internacional
0 5 10 20m
128
que passavam pela rua. Mas o fato é que o projeto deu tão
certo que recebeu um prêmio em Nova York e, dez anos
depois, em 1958, Rino Levi foi contratado para projetar o
Hospital Albert Einstein, no Morumbi, e, no ano seguinte,
para coordenar o desenvolvimento de projetos hospitalares
para o governo da Venezuela.
Embora as fontes assegurem que o hospital erguido por
determinação de Antônio Prudente foi construído em um
terreno doado, o próprio cartaz oficial impresso pela APCC
para anunciar o início das obras (reproduzido na página
120) revela que a associação desembolsou Cr$ 2 milhões
com o imóvel. O que talvez possa explicar o desencontro de
informações seja o fato de que, apesar de possivelmente ter
ganhado o terreno, a APCC precisou investir na drenagem e
na terraplanagem da área, íngreme e um tanto alagadiça.
Com efeito, parte da propriedade, de 1.400 metros
quadrados, era originalmente um charco no qual pastavam
os cavalos das charretes da chácara Jambeiro Costa, que
pertencia a Leônidas de Castro Mendes, médico da Santa
Casa, e a sua esposa, Odylia Jambeiro Costa Mendes, neta do
Barão de Ibitinga, um rico cafeicultor, de quem ela herdara
as terras, parte das quais teriam sido doadas à APCC. Eram
dois lotes, ambos localizados na rua José Getúlio (ainda
existente, mas cujo primeiro quarteirão seria rebatizado
como rua Professor Antônio Prudente), aberta havia apenas
dez anos numa região então dominada por sítios, no distrito
da Liberdade, na zona central de São Paulo.
137
Banco de
Tumores do
A.C.Camargo -
criado em 1953
184
norte-americana, Torloni
ajudava a escolher
também um profissional
com o perfil ideal para
capitanear a unidade,
não importando onde
ela viesse a ser instalada.
Fazendo as vezes de um
headhunter voluntário,
o patologista entrevistou
meia dúzia de candidatos
ao cargo, considerou
200
Ademar Lopes
(no centro, sentado) e
sua equipe de cirurgia
pélvica nos anos de 1990
GREAVES, Mel – Cancer The Evolutionary Legacy, Oxford University Press, 2001.
Câncer Acuado pela Ciência, Scientific American Brasil, nº 54, Ediouro Duetto Editorial,
agosto/setembro 2013.
Novas Estratégias Contra o Câncer, Scientific American Brasil, nº 30, Ediouro Duetto
Editorial
Relatório Anual da Associação Paulista de Combate ao Câncer, São Paulo, Instituto Central
– Hospital A.C. Camargo, 1954.
Observação
As fotos apresentadas neste livro são todas do acervo de imagens do A.C.Camargo
Cancer Center.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Bueno, Eduardo
O sonho de Carmem : como a sociedade ajudou a
transformar a história do câncer no Brasil /
Eduardo Bueno. -- 1. ed. -- São Paulo :
Comunique Editorial, 2015.
Bibliografia.
ISBN 978-85-89496-28-5
CDD-616.9940981
14-01566 NLM-QZ 200