Trabalho - Vertedouro - Ota - SBRH2013 - Pap013126

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SIMULAÇÃO NUMÉRICA DA CAPACIDADE DE DESCARGA DE UM

VERTEDOURO DE BAIXA QUEDA AFOGADO POR JUSANTE


Paulo Henrique Cabral Dettmer1*; José Junji Ota2; André Luiz Tonso. Fabiani3;
Alvaro Lima de Araujo4 & Hélio Costa Barros Franco5

Resumo – A determinação da capacidade de descarga de vertedouros afogados por jusante através


os métodos disponíveis na literatura apresenta grande grau de incerteza devido à complexidade
hidráulica do escoamento, podendo gerar erros consideráveis de dimensionamento. Este trabalho
avalia o uso de um modelo matemático na determinação da capacidade de descarga de um
vertedouro afogado por jusante. O escoamento de um vertedouro afogado foi simulado em um
modelo numérico feito com o software Ansys CFX e em um modelo físico escala 1:70. Os
resultados obtidos foram confrontados verificando o potencial do modelo matemático na análise
desse escoamento complexo. Os resultados mostraram que o modelo matemático pode prever a
capacidade de descarga, pressões e perfil da linha de água com boa precisão, podendo ser uma
ferramenta útil no projeto de vertedouros.

Palavras-Chave – Dimensionamento Hidráulico, Modelo Numérico, Vertedouro.

NUMERICAL SIMULATION OF THE DISCHARGE CAPACITY OF A


SUBMERGED LOW OGEE SPILLWAY
Abstract – The determination of discharge capacity of submerged spillways by available methods
in the literature lead to a great degree of uncertainty due to the hydraulic complexity, which may
cause considerable design errors. This study evaluates the use of a numerical model to determine
the discharge capacity of a submerged spillway. The flow of a submerged spillway was simulated in
a numerical model Ansys CFX and in a 1:70 scale physical model. The results were compared in
order to verify the potential of the mathematical model to analyze such complex flow. The results
showed that the mathematical model can predict the discharge capacity, pressures and water surface
profile with good accuracy and can be a useful tool in the design of spillways.

Keywords – Hydraulic Design, Numerical Model, Spillway.

INTRODUÇÃO

O vertedouro caracteriza-se por uma estrutura que permite a passagem segura das enchentes,
protegendo a obra e garantindo a sua integridade. É muito natural que se aproveite primeiro os
melhores locais para se instalar as grandes usinas hidrelétricas. Isto é, locais onde há grandes
quedas com grandes vazões, em vales estreitos para que a área inundada seja a menor possível.
Hoje, no entanto, há necessidade de se aproveitar locais menos favoráveis em termos de queda, mas
felizmente temos grande potencial a desenvolver considerando a abundância de vazão nos rios
brasileiros. Surge com isso a necessidade de se projetar vertedouros com baixas quedas, alguns com
considerável submergência por jusante. A submergência por jusante pode pressurizar a crista e

1
UFPR, LACTEC – Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento; paulo.cabral@lactec.org.br*
2
UFPR, LACTEC – Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento; ota.dhs@ufpr.br
3
UFPR, LACTEC – Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento; andre@lactec.org.br
4
ELETRONORTE – Centrais Elétricas do Norte do Brasil; alvaro@eln.gov.br
5
ELETRONORTE – Centrais Elétricas do Norte do Brasil; hfranco@eln.gov.br
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consequentemente reduzir a capacidade de descarga do vertedouro dificultando o seu
dimensionamento.

O dimensionamento de vertedouros é uma etapa fundamental no desenvolvimento do projeto


de uma barragem. Normalmente esse dimensionamento é feito baseando-se em experiências
passadas que deram origem a ábacos obtidos através de dados experimentais de laboratório. No
caso de vertedouros afogados por jusante a principal referência no assunto é o ábaco apresentado
em UNITED STATES BUREAU OF RECLAMATION (2006). No entanto, a precisão deste ábaco
ainda é pouco conhecida tecnicamente, sendo a real capacidade de descarga do vertedouro
comumente determinada através do estudo em modelo reduzido.

Com o desenvolvimento tecnológico dos recursos computacionais, os modelos matemáticos


têm se apresentado como uma alternativa cada vez mais atraente para a simulação de diversos
fenômenos físicos envolvendo fluidos. Frente às constantes observações de que o modelo reduzido
apresenta custo elevado, o presente trabalho apresenta uma comparação de resultados obtidos em
termos de capacidade de descarga, pressões e perfil de linha de água obtidos em um modelo físico
bidimensional de um vertedouro e um modelo matemático desenvolvido com software Ansys CFX.
Ambos os modelos consideraram a passagem de uma cheia para uma situação de considerável
submergência por jusante formando um ressalto hidráulico afogado a jusante da crista do
vertedouro. Este estudo foi desenvolvido durante um projeto de pesquisa e desenvolvimento
ANEEL pela concessionária Eletronorte.

MATERIAL E MÉTODOS

Instalação Experimental – Modelo Físico

O modelo físico bidimensional do vertedouro foi construído na escala geométrica 1:70 e


operado segundo o critério de semelhança de Froude. O modelo foi implantado em um canal
retangular com 71,43 cm de largura (correspondente a 50 m no protótipo). A restituição do fluxo de
jusante foi feita por um canal retangular com a mesma largura da soleira vertedoura. O sistema de
alimentação do modelo foi constituído de dois tubos de 300 mm de diâmetro equipados com
medidores do tipo Venturi, capazes de fornecer em operação conjunta vazões de até 380 l/s
(15.578m³/s no protótipo). O nível de jusante foi controlado por uma comporta basculante, instalada
no final do canal de restituição.

A geometria da soleira vertedoura utilizada neste estudo segue o perfil padrão sugerido em
UNITED STATES BUREAU OF RECLAMATION (2006) para uma carga de projeto de 17,00 m.
O paramento de montante foi construído com inclinação de 3:3, devido à alta velocidade de
aproximação que existe em vertedouros desse tipo. A adoção do paramento de montante inclinado
(2:3 ou 3:3) é comum nesse tipo de vertedouro, tendo em vista as condições de estabilidade
estrutural da soleira (no protótipo) e que hidraulicamente, essa inclinação diminui a formação de
vórtices.

No modelo, o paramento de montante, a crista, a bacia de dissipação e os muros laterais foram


construídos em acrílico cristal e o restante do modelo foi construído de cimento alisado. A Figura 1
ilustra o perfil do vertedouro utilizado e a Figura 2 ilustra o modelo físico construído no laboratório
de hidráulica do LACTEC/CEHPAR em Curitiba-PR em operação.

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Figura 1 – Perfil do vertedouro utilizado nos estudos – Dimensões de protótipo.

Figura 2 – Modelo reduzido em operação no laboratório de hidráulica do LACTEC/CEHPAR.

Modelos Numéricos

O estudo matemático de sistemas envolvendo escoamentos de fluidos e fenômenos


relacionados é conhecido como dinâmica dos fluidos computacional. Conforme os trabalhos de
Benay et al. (2003) e Romkes et al. (2003), é necessária a validação ou verificação da simulação
numérica com outros métodos, como por exemplo, comparação com modelos físicos.

No início da década de 70 apareceram os primeiros artigos sobre a modelação matemática de


escoamentos sobre cristas de vertedouros utilizando o método dos elementos finitos, como exemplo,
Ikegawa e Washizu (1973), pesquisadores da área de estruturas, que estudaram o escoamento sobre
um vertedouro de ogiva alta. Esses estudos em que não levam em conta os efeitos de jusante (calha
a jusante, afogamento) são interessantes pelo lado acadêmico, mas como há uma grande quantidade
de informações a respeito deste tipo de vertedouro disponível na literatura, a repercussão desses
artigos não foi muito grande.

Enfocando o fluxo potencial, Ota (1986) utilizou o método dos elementos de contorno para
explicar o efeito da contracurva entre o perfil Creager e a calha do vertedouro de Segredo. Esse
trabalho mostrou que o escoamento na contracurva pode aumentar a pressão na crista e diminuir a
capacidade de descarga. Inoue (2005) apresentou os resultados da utilização do modelo
computacional CFX (v.5.7) em diferentes casos de obras hidráulicas. O objetivo principal foi
verificar a eficiência de uma ferramenta que utiliza CFD em trabalhos práticos. Um desses casos foi
o do escoamento sobre crista de vertedouro, onde o modelo CFX (v.5.7) se mostrou eficiente na
determinação do campo de pressões e perfis de linha da água. Povh et al. (2013) obtiveram
resultados satisfatórios comparando resultados do modelo físico bidimensional da UHE Santo
Antônio com modelo numérico desenvolvido com o software FLOW-3D.
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Modelo Numérico Ansys CFX

No presente trabalho foi simulado o escoamento sobre um vertedouro de baixa queda


operando afogado por jusante. A solução do modelo matemático foi feita pelo software ANSYS
CFX (v 11.0). O domínio computacional foi desenvolvido para se assemelhar ao modelo físico. O
perfil da soleira utilizado foi o mesmo perfil apresentado na Figura 1. A malha foi composta por
aproximadamente 31868 nós e 15479 elementos hexaédricos (com dimensões máximas de 1,0 m).
Os elementos próximos à soleira do vertedouro foram refinados para simular a camada limite. A
Figura 3 ilustra o domínio computacional do modelo CFX. A Figura 4 ilustra o refinamento da
malha próximo ao contorno da soleira vertedoura.

Figura 3 – Domínio computacional do modelo matemático.

Figura 4 – Malha numérica do modelo matemático (detalhe dos elementos refinados próximo à soleira).

Devido ao caráter bidimensional do escoamento, optou-se por modelar o domínio


computacional com apenas 1 m de largura, diminuindo-se assim o esforço computacional
necessário para se resolver o escoamento. Para mitigar os efeitos de aproximação e de restituição do
vertedouro o domínio computacional foi modelado com 400 m de comprimento (eixo longitudinal),
conforme ilustrado na Figura 5.

O software Ansys CFX oferece vários modelos de turbulência, no presente trabalho foi
utilizado o modelo k-ε, que oferece uma boa relação entre esforço computacional e precisão
numérica.

O problema a ser estudado envolve escoamento multifásico que engloba o escoamento de dois
fluidos (água e ar), como simplificação o modelo foi configurado como homogêneo. Esta
configuração assume que o ar e água compartilham o mesmo campo de velocidades, diminuindo o
esforço computacional a ser realizado pelo solver.

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Topo
(Free Slip)
Planos de Simetria
(PS1 e PS2)

Saída
(Outlet)
Alimentação
(Inlet)
Soleira
(wall)

Figura 5 – Domínio do modelo computacional CFX.

Normalmente a condição de contorno fornecida envolve a distribuição de velocidades no


domínio (inlet), porém se analisado criticamente, a distribuição de velocidades não é conhecida e
precisa ser determinada através de modelos físicos. Portanto, a estrutura deste modelo matemático
foi alongada a montante para que a única condição de contorno no domínio (inlet) fosse a vazão,
forçando o modelo matemático dar a resposta fornecida pelo modelo reduzido, ou seja, a capacidade
de descarga. As condições de contorno a serem fornecidas ao programa foram as mesmas impostas
no modelo físico conforme descrito na sequência:

• Condição de contorno de montante: Vazão somente entrando no domínio (inlet), - q =


149,40 m³/s·m e nível de água inicial (Hm); Hm = 95,00 m (considerando a cota da
crista = 80,00 m);
• Condição de contorno de jusante: Fluxo somente saindo (outlet), nível de água de
jusante (Hj); Hj = 93,5 m (considerando a cota da crista = 80,00 m e que se conhece a
curva chave do rio);
• Condição de contorno das superfícies laterais, simetria (PS1 e PS2);
• Condição de contorno das superfícies inferior e superior: na face superior não há
resistência fluido-sólido (wall – free slip) e na face inferior considera-se o efeito da
resistência com rugosidade similar à do concreto.

CONFRONTO DOS RESULTADOS

Após uma resolução prévia, o solver do software refina a malha automaticamente na região da
interface entre a água e o ar, obtendo-se mais precisão na determinação da superfície livre da água.
A malha refinada automaticamente pelo software é apresentada na Figura 6.

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Figura 6 – Refino automático da malha nas imediações da superfície livre.

O perfil da superfície livre obtida pelo modelo matemático mostrou-se bastante razoável.
Comparando-se os perfis de linha de água percebe-se uma pequena descontinuidade no ressalto
hidráulico no modelo matemático (ver Figura 7). Essa descontinuidade possivelmente se deve ao
fato de que no modelo matemático o ar e a água compartilham o mesmo campo de velocidades,
dificultando a aeração do fluxo (entrada de bolhas de ar no modelo matemático). Talvez esta
descontinuidade possa ser eliminada alterando-se as configurações do modelo matemático fazendo
campos de velocidades separados para água e ar. Infelizmente essa configuração demandaria um
esforço computacional maior, incompatível com o tempo disponível para a realização do projeto.

Descontinuidade

Figura 7 – Superfície livre do escoamento obtida pelo modelo físico e pelo modelo matemático.

As Figuras 8 e 9 comparam os aspectos do escoamento nos modelos físico e matemático.


Pode se concluir que o modelo CFX foi capaz de obter perfil de linha de água e simular o ressalto
hidráulico de forma satisfatória.

A Figura 10 compara os resultados experimentais e numéricos relativo às pressões ao longo


da soleira do vertedouro. Isto é, a figura mostra as linhas piezométricas para as duas simulações.
Nota-se que as pressões ao longo da ogiva foram similares às obtidas no modelo físico, exceto pela
pequena descontinuidade observada na região onde se formou o ressalto hidráulico.

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Figura 8 – Visualização do aspecto do escoamento obtido modelo matemático.

Figura 9 – Visualização do aspecto do escoamento obtido pelo modelo físico.

Figura 10 – Confronto das pressões obtidas nos modelos físico e matemático.

Para se avaliar a eficiência do modelo matemático na previsão do coeficiente de descarga


foram comparados os níveis de água 101,5 m a montante da crista (seção utilizada para medir o
nível de água no modelo). A diferença encontrada foi de 0,23 m no protótipo que leva a um erro de
2 % no valor do coeficiente de descarga. Os dados comparativos estão listados na Tabela 1, onde os
valores apresentados consideram que a crista do vertedouro está na elevação 80,00 m.

Tabela 1 – Confronto dos níveis de água e capacidade de descarga dos modelos matemático e físico
Vazão Nível a Velocidade de Coeficiente de
Nível de Energia
Modelo específica montante Aproximação descarga
(m)
(m³/s m) (m) (m/s) (m1/2/s)
CFX 149,40 95,20 6,44 97,31 2,07
Físico 149,40 95,47 6,36 97,54 2,03

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CONCLUSÕES

Conclui-se que o modelo computacional CFX foi capaz de fornecer resultados razoavelmente
satisfatórios quando comparados ao modelo físico. Os perfis de linha de água, pressões e aspecto do
escoamento obtidos no modelo computacional foram semelhantes ao obtidos no modelo físico,
exceto por uma pequena descontinuidade no ressalto hidráulico, que ocasionou mudanças no perfil
de linha de água e pressões. Essa descontinuidade foi aparentemente ocasionada por uma
simplificação dos parâmetros no modelo matemático, que admitiu que água e o ar compartilhavam
o mesmo campo de velocidades no modelo computacional.
O nível de energia resultante a montante do vertedouro apresentou uma diferença de 0,23 cm,
que é considerável no caso do projeto de usinas de médio e grande porte, fazendo com que o
modelo físico ainda seja referência para determinação da capacidade de descarga de grandes obras
hidráulicas. No entanto, pode-se concluir que o modelo computacional é uma ferramenta muito útil
na fase de pré-dimensionamento de um vertedouro, mesmo que afogado por jusante, mas há muito
para se desenvolver para garantir o nível de confiabilidade que tem os modelos físicos.

REFERÊNCIAS

BENAY, R.; CHANETZ, B.; DÉLERY, J. (2003). Code verification/validation with respect to
experimental data banks. Aerospace Science and Technology, v.7, n.4, pp.239 – 262.

DETTMER, P. H. C.; OTA, J.; FABIANI, A. L. T. Estudo da capacidade de descarga de


vertedouros de baixa queda com elevado grau de submergência. LACTEC / CEHPAR. Curitiba, p.
52. 2004. (Projeto HL-163 rel. 4).

IKEGAWA, M.; WASHIZU, K. (1973) Finite element method applied to analysis of flow over a
spillway crest. International Journal for Numerical Methods in Engineering, v.6, n.2, p.179-189.

INOUE, F.K. (2005). Modelagem matemática em obras hidráulicas. Dissertação (Mestrado em


Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2005.
99p.

OTA, J.J. (1986) Considerações sobre capacidade de descarga e pressões na região da crista de
vertedouros de encosta. In Anais do Congresso Latino-americano de Hidráulica, Dezembro 1986,
São Paulo. v.4, p.142 – 148.

POVH, P.H.; ARAUJO, M.F.; VANZ, A.L. (2013) Simulação numérica do Vertedouro da UHE
Santo Antônio In Anais do XXIX Seminário Nacional de Grandes Barragens, Abril 2013, Porto de
Galinhas. T 107 – A21.

ROMKES, S.J.P. et al. (2003). CFD modeling and experimental validation of particle-to-fluid mass
and heat transfer in a packed bed at very low channel to particle diameter ratio. Chemical
Engineering Journal, v.96, p.3 – 13.

UNITED STATES BUREAU OF RECLAMATION (2006). Spillways. In: Design of small dams.
New Delhi, SBS Publishers & Distributors, pp.339 – 434.

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