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Sociolinguística

da Libras

Prof.ª Danielle Vanessa Costa Sousa


Prof.ª Mariana Correia

Indaial – 2022
1a Edição
Elaboração:
Prof.ª Danielle Vanessa Costa Sousa
Prof.ª Mariana Correia

Copyright © UNIASSELVI 2022

Revisão, Diagramação e Produção:


Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI

C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI.


Núcleo de Educação a Distância. SOUSA, DANIELLE VANESSA COSTA.

Sociolinguística da Libras. Danielle Vanessa Costa Sousa; Mariana Correia.


Indaial - SC: UNIASSELVI, 2022.

216p.

ISBN XXX-XX-XXX-XXXX-X

“Graduação - EaD”.
1. Sociolinguística 2. Libras

CDD XXXXX
Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679

Impresso por:
APRESENTAÇÃO
Prezado acadêmico, seja bem-vindo ao Livro Didático de Sociolinguística! É com
muita satisfação que o apresentamos para você. Nesta edição, procuramos apresentar
as discussões basilares da área e relacionar os estudos da Sociolinguística às discussões
das línguas de sinais num geral e à Libras em específico. Para que possamos organizar o
debate que envolverá essas questões, o livro está dividido em três unidades, que serão,
brevemente, apresentadas a seguir.

Na Unidade 1, serão estudadas as bases das discussões sobre língua e sociedade


que envolvem o debate da Sociolinguística, para isso, iniciaremos com a compreensão
das relações entre língua e sociedade, a apresentação da história de delimitação do
campo de estudos e as correntes de pensamento que fazem parte dos debates da
Sociolinguística. Ainda nesta unidade, serão estudados os conceitos de variação
e mudanças linguísticas, bem como os tipos de variação, as noções de comunidade
linguística e preconceito linguístico. Por fim, serão apresentadas possibilidades
de contato linguístico de modo a serem estudados os conceitos de empréstimos,
interferências, misturas e alternâncias; além disso, as concepções de pidgins e crioles
também entrarão em pauta a partir da compreensão das consequências linguísticas do
contato entre línguas. Para encerrar unidade, veremos, brevemente, alguns aspectos da
emergência das línguas de sinais a partir dos contatos linguísticos.

Em seguida, na Unidade 2, serão apresentadas as diferentes concepções


de linguagem presentes na sociedade e, a partir desta discussão, será estabelecida
uma reflexão sobre a relação entre língua, cultura e sociedade. Além disso, serão
apresentadas as particularidades das abordagens de ensino de uma língua adicional e,
após, mostraremos e diferenciaremos as visões ideológicas sobre os surdos e a surdez,
a partir das filosofias de educação de surdos.

Por fim, na Unidade 3, os debates serão desenvolvidos em torno da abordagem


que discute os direitos linguísticos dos surdos, a partir de documentos oficiais que
orientam sobre a educação de surdos e a Libras. Além disso, apresentaremos os conceitos
de política e planejamento linguístico, focando em seguida, na política de educação
bilíngue para surdos no Brasil. Após, discutiremos os elementos linguísticos envolvidos
na noção de pertencimento social mediado pela língua na formação da identidade surda,
em seguida, abordaremos alguns dos elementos importantes para compreensão da
aquisição da Libras e da Língua Portuguesa. Por fim, serão discutidos características e
conceitos referentes ao caso dos sinais internacionais e o desenvolvimento do Gestuno.
Desse modo, as três unidades que compõem este livro didático pretendem
apresentar as bases teóricas dos estudos em Sociolinguística e demonstrar as
discussões sobre língua, linguagem, surdez e políticas públicas na perspectiva deste
campo de estudos. Assim, a ideia central deste livro é proporcionar, à teoria e implicações
práticas, debates sobre os estudos sobre surdez da compreensão Sociolinguística dos
fenômenos linguísticos.

Ao longo deste livro, serão apresentados diferentes materiais, os quais servirão


de apoio à aprendizagem, de modo a ampliar, sintetizar, relacionar ou exemplificar
diferentes aspectos das discussões estabelecidas sobre o campo de estudos da
Sociolinguística e suas implicações no debate sobre surdez, Libras, políticas linguísticas
e aprendizagem, dentre outros assuntos correlatos.

Desejamos uma boa leitura e bons estudos!

Prof.ª Danielle Vanessa Costa Sousa


Prof.ª Mariana Correia
GIO
Você lembra dos UNIs?

Os UNIs eram blocos com informações adicionais – muitas


vezes essenciais para o seu entendimento acadêmico
como um todo. Agora, você conhecerá a GIO, que ajudará
você a entender melhor o que são essas informações
adicionais e por que poderá se beneficiar ao fazer a leitura
dessas informações durante o estudo do livro. Ela trará
informações adicionais e outras fontes de conhecimento que
complementam o assunto estudado em questão.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os


acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina. A partir
de 2021, além de nossos livros estarem com um novo visual
– com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a
leitura –, prepare-se para uma jornada também digital, em que
você pode acompanhar os recursos adicionais disponibilizados
através dos QR Codes ao longo deste livro. O conteúdo
continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada
com uma nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo
o espaço da página – o que também contribui para diminuir
a extração de árvores para produção de folhas de papel, por
exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto
de ações sobre o meio ambiente, apresenta também este
livro no formato digital. Portanto, acadêmico, agora você tem a
possibilidade de estudar com versatilidade nas telas do celular,
tablet ou computador.

Junto à chegada da GIO, preparamos também um novo


layout. Diante disso, você verá frequentemente o novo visual
adquirido. Todos esses ajustes foram pensados a partir de
relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os
materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade,
possa continuar os seus estudos com um material atualizado
e de qualidade.

QR CODE
Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a
você – e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, a UNIASSELVI disponibiliza materiais
que possuem o código QR Code, um código que permite que você acesse um conteúdo
interativo relacionado ao tema que está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse
as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar essa facilidade
para aprimorar os seus estudos.
ENADE
Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um
dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de
educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar
do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem
avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo
para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira,
acessando o QR Code a seguir. Boa leitura!

LEMBRETE
Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma
disciplina e com ela um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conheci-


mento, construímos, além do livro que está em
suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem,
por meio dela você terá contato com o vídeo
da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa-
res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de
auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que


preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


SUMÁRIO
UNIDADE 1 - O QUE A SOCIOLINGUÍSTICA ESTUDA?........................................................... 1

TÓPICO 1 - INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS DA SOCIOLINGUÍSTICA......................................3


1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................3
2 CONCEPÇÃO SOCIAL DA LÍNGUA.......................................................................................3
3 A CIÊNCIA DA LINGUAGEM E A DELIMTAÇÃO DA SOCIOLINGUÍSTICA............................6
3.1 HISTÓRIA DA DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDOS DA SOCIOLINGUÍSTICA..................... 9
3.2 ESTUDIOSOS EM LINGUAGEM E SOCIEDADE............................................................................... 11
4 CORRENTES DE ESTUDO RELACIONADAS À SOCIOLINGUÍSTICA................................ 15
4.1 DIALETOLOGIA...................................................................................................................................... 15
4.2 SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA................................................................................................17
4.3 SOCIOLINGUÍSTICA INTERACIONAL.................................................................................................21
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................... 28
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 30

TÓPICO 2 - VARIAÇÃO E MUDANÇAS LINGUÍSTICAS....................................................... 33


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 33
2 AS CONCEPÇÃO DE NORMA E USO NA LÍNGUA.............................................................. 33
3 O QUE É VARIAÇÃO LINGUÍSTICA?.................................................................................. 39
4 COMUNIDADE LINGUÍSTICA E VARIAÇÃO LINGUÍSTICA............................................... 45
5 DIFERENÇAS ENTRE VARIAÇÃO E MUDANÇAS LINGUÍSTICAS.................................... 48
RESUMO DO TÓPICO 2..........................................................................................................57
AUTOATIVIDADE...................................................................................................................59

TÓPICO 3 - CONTATO LINGUÍSTICO.................................................................................... 61


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 61
2 INTERFERÊNCIAS E EMPRÉSTIMOS LINGUÌSTICOS...................................................... 64
3 ALTERNÂNCIAS (CODE-SWITCHING), MISTURAS (CODE-MIXING)
E SOBREPOSIÇÕES (CODE-BLENDING) LINGUÍSTICAS.................................................67
4 PIDGINS, LÍNGUAS CRIOULAS E A EMERGÊNCIA DAS LÍNGUAS DE SINAIS.................70
6 PESQUISA SOBRE SURDEZ NA PERSPECTIVA DA SOCIOLINGUÍSTICA........................74
LEITURA COMPLEMENTAR..................................................................................................79
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................... 82
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 84

REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 86

UNIDADE 2 — LINGUAGEM E SOCIOLINGUÍSTICA.............................................................. 91

TÓPICO 1 — AS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM.................................................................. 93


1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 93
2 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E SOCIOLINGUÍSTICA................................................... 94
2.1 PURISMO LINGUÍSTICO.......................................................................................................................99
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................107
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................108
TÓPICO 2 - UM OLHAR SOCIOLINGUÍSTICO SOBRE A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
DE SURDOS.......................................................................................................111
1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................................111
2 AS CONCEPÇÕES SOBRE AS PESSOAS SURDAS...........................................................111
3 AS FILOSOFIAS DE EDUCAÇÃO DE SURDOS................................................................. 113
3.1 O ORALISMO.........................................................................................................................................114
3.2 A COMUNICAÇÃO TOTAL ..................................................................................................................115
3.3 BILINGUISMO.......................................................................................................................................116
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................ 119
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 121

TÓPICO 3 - LÍNGUAS EM CONTATO...................................................................................123


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................123
2 A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS..................................................................................123
3 CONTATO LINGUÍSTICO................................................................................................... 127
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................134
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................139
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 141

REFERÊNCIAS.....................................................................................................................143

UNIDADE 3 — POLÍTICAS LINGUÍSTICAS, AQUISIÇÃO, LÍNGUA E LÉXICO..................... 147

TÓPICO 1 — DIREITOS LINGUÍSTICOS: POLÍTICAS PÚBLICAS


E SOCIOLINGUÍSTICA.....................................................................................149
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................149
2 POLÍTICAS PÚBLICAS E PLANEJAMENTO LINGUÍSTICO.............................................150
3 POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA SURDOS..................................152
4 SOCIOLINGUÍSTICA, PLURILINGUÍSMO E LÍNGUA DE SINAIS.....................................156
5 PRESENÇA E INTERFERÊNCIAS LP E LIBRAS...............................................................158
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................ 161
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................163

TÓPICO 2 - PERTENCIMENTO SOCIAL MEDIADO PELA LÍNGUA NA FORMAÇÃO


DA IDENTIDADE SURDA.................................................................................. 167
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 167
2 MACRO E MICROSSOCIOLINGUÍSTICA: BILINGUISMO E DIGLOSSIA...........................168
3 SOCIOLINGUÍSTICA APLICADA AOS CONTEXTOS E SUJEITOS PARA
A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE SURDA........................................................................... 172
4 CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLINGUÍSTICA PARA O ENSINO DE SURDOS..................... 174
5 ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E SURDEZ................................................................. 175
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................180
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................182

TÓPICO 3 - SINAIS INTERNACIONAIS...............................................................................185


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................185
2 O PORQUÊ DE NÃO EXISTIR UMA LÍNGUA ÚNICA: LÍNGUA, LÉXICO E SOCIEDADE........ 186
3 LÍNGUAS NATURAIS E LÍNGUAS ARTIFICIAIS: O CASO DO ESPERANTO....................187
4 GESTUNO E SINAIS INTERNACIONAIS: ORIGEM E POLÍTICA DE USO.........................189
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................195
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................201
AUTOATIVIDADE................................................................................................................ 203

REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 205
UNIDADE 1 -

O QUE A
SOCIOLINGUÍSTICA ESTUDA?
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• perceber o lugar da sociolinguística dentro do campo dos estudos linguísticos;

• conhecer o conceito da sociolinguística na perspectiva histórica dos estudos linguísticos;

• localizar os estudos da sociolinguística dentro das vertentes teóricas da linguística;

• discutir as vertentes teóricas de estudo no campo da sociolinguística;

• compreender as noções de norma e uso dentro da perspectiva dos estudos da


sociolinguística;

• delimitar a variação linguística na perspectiva da sociolinguística;

• ter um panorama de diferentes tipos de variação linguística;

• perceber os diferentes contextos de ocorrência e de delimitação dos contatos


linguísticos;

• associar os conceitos presentes nos estudos dos contatos linguísticos aos estudos
das línguas de sinais;

• observar as estratégias utilizadas em contextos de contato linguístico;

• relacionar as pesquisas feitas dentro dos estudos surdos ao campo de pesquisa da


sociolinguística.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS DA SOCIOLINGUÍSTICA


TÓPICO 2 – VARIAÇÃO E MUDANÇAS LINGUÍSTICAS
TÓPICO 3 – CONTATO LINGUÍSTICO

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

1
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 1!

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2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 -

INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS


DA SOCIOLINGUÍSTICA
1 INTRODUÇÃO
Bem-vindo ao Tópico 1, do Livro Didático de Sociolinguística da Libras! Neste
momento do nosso debate, serão estudas as bases teóricas desse campo de estudos
para que possamos, ao longo das discussões apresentadas, compreender qual é a
concepção social da língua estudada e como se deu a história da delimitação do objeto
de estudos da Sociolinguística. Em seguida, serão debatidas, brevemente, as correntes
de estudos teóricos, que são compreendidos dentro das discussões entre língua e
sociedade, e apresentados alguns dos principais pesquisadores que estruturaram
os debates sobre a língua em sua dimensão social. Depois disso, debateremos,
sinteticamente, a respeito de alguns dos aspectos de estudo das línguas de sinais sob
a perspectiva da Sociolinguística, relacionando as discussões entre língua e sociedade
a aspectos específicos dos estudos sobre as línguas de sinais. Desse modo, a ideia
é que seja possível perceber que as discussões linguísticas são importantes para o
conhecimento dos fenômenos das línguas, independentemente da modalidade, seja
oral-auditiva ou visuoespacial.

O objetivo deste tópico é apresentar a perspectiva da Sociolinguística em relação


ao estudo dos fenômenos linguísticos, a partir da compreensão do seu lugar no campo
dos estudos linguísticos e da perspectiva histórica da compreensão da relação entre
língua e sociedade. Por fim, conhecer as principais vertentes, ou correntes teóricas, e
relacionar esses estudos entre língua e sociedade no âmbito dos estudos sobre línguas
de sinais. No fim do tópico, você terá conhecido as bases da perspectiva que estuda a
relação entre língua e sociedade.

Bons estudos!

2 CONCEPÇÃO SOCIAL DA LÍNGUA


Acadêmico, ao pensarmos na língua e no uso social dela, podemos perceber
que o uso dela é algo que nos parece natural, pois faz parte do nosso cotidiano, com
diferentes modalidades e usos. Seja qual for a língua, modalidade ou estrutura, nossas
relações de sentido são perpassadas pelas estruturas linguísticas que aprendemos
ao longo da vida, pelo contato com outras pessoas que se utilizam do mesmo código
linguístico. Esse código é um “conjunto de todos os elementos linguísticos vigentes
numa comunidade e postos à disposição dos indivíduos para lhes servir de meios
de comunicação” (DICIO, s.d., s.p.). Assim, de modo amplo, esse código abarca os
elementos específicos da comunicação, como os fonemas, os grafemas e os sinais, e
3
as referências linguísticas compartilhadas, as quais fazem parte da nossa relação com
a língua e com a linguagem. Dito de outro modo, são nossas vivências em sociedade
que nos permitem adquirir o sistema linguístico. Os usos específicos e as formas de
comunicação fazem sentido na sociedade na qual estamos inseridos ao longo da nossa
vida. Assim, é pela, e através da língua, que as nossas relações de sentido internas e
externas são estabelecidas.

Ao iniciar as discussões sobre a Sociolinguística, Alkmim (2011, p. 21) coloca que

linguagem e sociedade estão ligadas ente si, de modo inquestionável.


Mais do que isso, podemos afirmar que essa relação é a base da
constituição do ser humano. A história da humanidade é a história
de seres organizados em sociedade e detentores de um sistema de
comunicação oral [ou sinalizado], ou seja, de uma língua.

Desse modo, a autora salienta que a ligação entre linguagem e sociedade é, não
apenas, evidente, mas está, também, na base da formação do ser humano como tal,
logo, ao se viver em sociedade, pela e através da língua e da linguagem que se dão as
relações entre os seres humanos, ou seja, na sociedade. Além disso, podemos destacar
que, a partir da estrutura do sistema de comunicação, ou seja, da língua, os seres
humanos organizam o próprio pensamento. Logo, o sistema da língua é a forma através
da qual as pessoas ordenam as relações externas (entre seres humanos) e internas
(em si mesmas). Em outras palavras, a língua é estrutura e estruturante da linguagem
humana, pois, por ela, e através dela, as relações de sentido se arranjam.

Ao mesmo tempo, através do contato com os demais indivíduos que fazem


parte da sociedade, o uso da língua se modifica, ajusta, estrutura, organiza e reorganiza
na interação com os diferentes grupos de interação, nas situações comunicativas, e
frente a necessidades de estabelecimento de relações sociais organizadas a partir das
situações comunicativas específicas. A figura a seguir demonstrará, graficamente, de
modo muito interessante, as inter-relações estruturadas a partir do uso da língua em
sociedade. Primeiramente, observe, atentamente, a figura, com a discussão feita, até
agora, em mente:

FIGURA 1 – IMAGEM ILUTRATIVA SOBRE A SOCIOLINGUÍSTICA

FONTE: Trabalhos escolares (2021, s.p.)

4
Vamos aos destaques em relação à figura?! Então, podemos ver que são
apresentadas cinco silhuetas coloridas, e, a partir delas, é interessante notar que o
uso da cor cria uma ideia de diversidade, explicita que são pessoas diferentes, mesmo
que o desenho não tenha elementos que diferenciem, além de uma noção de gênero
pautada no tamanho do cabelo. Veja, também, que, na extrema esquerda, aparecem as
únicas duas pessoas que estão conversando entre si, já as demais não parecem estar
em contato com mais nenhuma em específico, contudo, a partir dos balões de conversa
que estão inseridos na parte de cima da figura, são evidenciadas as relações e inter-
relações estabelecidas a partir do diálogo da esquerda.

Isso posto, repare que os balõezinhos de diálogo têm diferentes formatos,


sobrepõem-se, cruzam-se e se misturam entre si, de modo a demonstrar, graficamente,
a interação que a língua permite entre os diferentes pensamentos, os entrecruzamentos
que ela promove através dos diálogos internos ou externos, e como esses enunciados
se mesclam entre as enunciações das diferentes pessoas que fazem parte de uma
comunidade linguística. Também, são utilizados diferentes formatos, inclusive, aqueles
semelhantes a nuvens, os quais indicam os pensamentos dos personagens, ou seja,
demonstram a modificação que a língua sofre ao ser misturada durante as interações
que ocorrem em sociedade.

A figura utilizada consegue demonstrar como a língua permeia as interações


sociais em diferentes níveis de modos. Assim, compreendemos que o campo de estudos
dos fenômenos linguísticos, ao qual a Sociolinguística se dedica, é aquele em que são
estudadas as relações entre língua e sociedade.

Essa relação entre língua e sociedade é bem complexa, pois abarca discussões
que envolvem as variações internas de uma língua e a relação entre as diferentes línguas
e o modo através do qual essas ligações alteram as línguas que estão em contato. Sobre
os estudos da Sociolinguística, Borin (s.d., p. 8) coloca que

[...] a sociolinguística é uma área que estuda a língua em uso real,


levando em consideração as relações entre a estrutura linguística
e os aspectos sociais e culturais da produção linguística. Para essa
corrente [dos estudos linguísticos], a língua é uma instituição social,
e, portanto, não pode ser estudada como uma estrutura autônoma,
independente do contexto situacional, da cultura e da história das
pessoas que a utilizam como meio de comunicação.

Assim, a língua, não apenas, está relacionada à sociedade, mas a uma entidade
que se manifesta em sociedade, logo, não pode ser estudada sem que os fatores sociais
sejam levados em conta. Por consequência, o contexto de enunciação, a cultura e a
história do povo que utiliza a língua, incluindo a história pessoal dos indivíduos que
se utilizam dela, devem ser levados em consideração para o estudo dos fenômenos
linguísticos. Desse modo, “[...] é, precisamente, a DIVERSIDADE linguística, o objeto de
estudos da Sociolinguística” (BRIGHT, 1964, p. 18, grifo do autor), ou seja, nesse amplo
espectro de possibilidades, está o propósito dos estudos que observam a relação entre
o uso da língua e os aspectos sociais.
5
Acadêmico, nesta seção, foi apresentado o modo através do qual a língua e a
sociedade estão relacionadas para os estudos da Sociolinguística. No próximo subtópico,
serão apresentados alguns dos aspectos históricos que levaram à delimitação desse
campo de estudos dentro da linguística. Após, veremos como são organizadas as
correntes teóricas que estruturam as perspectivas das pesquisas em Sociolinguística.

NOTA
O termo “comunidade linguística” será trabalhando mais adiante, nas
discussões desta unidade, mas, por enquanto, vamos entendê-lo como
apresentado no dicionário de Linguística, de Dubois et al. (1973, p. 133,
grifo dos autores): “Chama-se comunidade linguística um grupo de seres
humanos que usam a mesma língua ou o mesmo dialeto, num dado
momento, e que podem se comunicar entre si”. Ou seja, uma comunidade
linguística é aquela que compartilha as mesmas experiências linguísticas.

3 A CIÊNCIA DA LINGUAGEM E A DELIMTAÇÃO


DA SOCIOLINGUÍSTICA
Ao percebermos que língua e sociedade são, de fato, indissociáveis, podemos
estranhar o porquê da necessidade de existir um campo específico para o estudo dos
fatos linguísticos, pois, se são, assim, ligados, por que a Linguística não se estruturou,
inicialmente, já com essa compreensão em seu horizonte? Ainda, nas palavras de
Alkmim (2011, p. 21), “[...] por que existe uma área, dentro da Linguística, para tratar,
especificamente, das relações entre língua e sociedade – a Sociolinguística? A linguagem
não seria, essencialmente, um fenômeno de natureza social?”

Para respondermos a essas indagações, Alkmim (2011) destaca que é preciso


compreender o contexto histórico no qual a Linguística foi proposta como a ciência da
linguagem, ou seja, as próprias circunstâncias sociais do estabelecimento da ciência da
linguagem permitem compreender os motivos que levaram os estudiosos a descreverem
e a analisarem o fenômeno linguístico, separadamente, dos fenômenos sociais. Dito de
outro modo, o momento da proposição da Linguística, como a ciência que se propõe a
estudar a língua por ela mesma, é, exatamente, fruto da sua época, tendo em vista que
os estudiosos da linguagem estavam inseridos em uma conjuntura que valorizava o
saber cientificista, ou seja, aquele que (per)segue uma lógica vinculada àquilo que pode
ser testado e comprovado com o mínimo de influência do contexto, ou seja, o que pode
ser estudado dentro de parâmetros, claramente, delimitados.

6
Sobre isso, Alkmim (2011, p. 23) coloca que

a relação entre linguagem e sociedade, reconhecida, mas nem


sempre assumida como determinante, encontra-se, diretamente,
ligada à questão da determinação do objeto de estudo da Linguística.
Isto é, embora se admita que a relação linguagem sociedade seja
evidente por si só, é possível privilegiar uma determinada óptica, e
essa decisão repercute na visão que se tem do fenômeno linguístico,
da natureza e da caracterização dele.

Isso quer dizer que a definição do objeto de estudo de uma ciência, como
da Linguística, foi delimitada a partir de uma visão específica que enfatiza um modo
específico de delimitar aquilo que é percebido como parte dos estudos linguísticos.
Assim, a partir da observação dos eventos linguísticos e do modo através do qual eles
são observados, será feita a compreensão daquilo que foi observado. Para exemplificar
isso, observe o seguinte esquema:

QUADRO 1 – EXEMPLO DE VISÕES DIFERENTES SOBRE O MESMO FENÔMENO LINGUÍSTICO

Fenômeno: a existência de muitas línguas no mundo


Estruturalismo Gerativismo Variacionismo
A língua é um sistema A língua é um sistema A língua é uma
subjacente à fala, e, mental que nasce com propriedade da
socialmente, adquirido os seres humanos, tendo comunidade de fala,
através do convívio parâmetros universais existindo diversas
entre os falantes de que são ativados, ou não, variedades que sofrem
determinada língua. Ou de acordo com a língua diversas pressões internas
seja, a estrutura de cada específica. Ou seja, as e externas, causando
língua será adquirida línguas são diferentes variações que, com o
através do contato, mas porque cada uma delas tempo, podem vir a se
esse contato não é o foco aciona, ou não, um tornar outras línguas, de
dos estudos da linguagem, parâmetro da Gramática acordo com o status que
pois estes deverão Universal interna da mente atingem, a comunidade
se pautar no estudo dos seres humanos. linguística de falantes e a
dos caráteres formal e complexidade estrutural.
estrutural da língua.
FONTE: Os autores

O esquema anterior apresenta um exemplo simples de como três teorias


diferentes percebem, de modos, também, diversos, um mesmo fenômeno linguístico.
Desse modo, a escolha de qual será a centralidade da teoria delimitará como ela se
desenvolverá e quais serão os rumos das pesquisas realizadas dentro dessa perspectiva
teórica. Dito de outro modo, o mesmo fenômeno linguístico terá compreensões
diferentes a partir da lente teórica que for utilizada pelo pesquisador, pois cada pesquisa
se inscreve em um contexto teórico que prioriza certas compreensões em detrimento
de outras, e essas compreensões diferenciadas abrem diversos percursos de pesquisa.

7
Ademais, como já discutimos, as teorias se estabelecem a partir do momento
histórico e das correntes de pensamento da época. Assim, quando Saussure (1981)
propõe que a língua, em oposição à fala, seja o objeto da Linguística, ele dá origem à
visão estruturalista da língua, opondo-se aos estudos históricos e filológicos anteriores
a ele, e à visão que percebia a língua como resultado de substâncias naturais do cérebro
e do aparelho fonador, ou seja, aproximava a compreensão linguística do entendimento
biológico. Logo, quando Saussure (1981) afirma que o objeto de estudos da Linguística é
a língua em sua forma e estrutura, ele transforma o pensamento linguístico da época e
inaugura toda uma vertente de estudos sobre a linguagem (ALKMIM, 2011).

Para explicar a que linguística a sua teoria se vincula, Saussure (1981) divide a
Linguística em Linguística Interna e Linguística Externa, divisão que, ainda, mantém-
se no campo dos estudos linguísticos, mesmo na contemporaneidade: a Linguística
Interna se ocupa das estruturações formais, e a Linguística Externa estuda as relações
contextuais. Por isso, as áreas a que a Linguística está relacionada, a outros campos
de estudo, encontram-se inseridas na Linguística Externa, como a Sociolinguística, a
Etnolinguística, a Psicolinguística, dentre outras (ALKMIM, 2011).

Antes de seguirmos adiante, com a história da delimitação do campo de


estudos da Sociolinguística, é interessante chamar a atenção para o fato de que a
maioria das discussões sobre Linguística parte dos estudos de Saussure (1981). Isso
acontece porque ele foi o pesquisador que estabeleceu a Linguística como uma área do
conhecimento independente das demais, pois, até aquele momento, os estudos sobre
a linguagem ficavam, sempre, subordinados a outras áreas, como história e biologia,
ou, então, tinham um cunho descritivo de regras, registro de sentidos ou de estudo de
textos muito antigos. Assim, Saussure (1981) foi o teórico que estruturou a Linguística
como a conhecemos, e, por isso, tem, sempre, lugar nas discussões sobre a língua(gem).

Neste subtópico, debatemos a respeito de a Sociolinguística ser um campo


específico dentro da área de estudos da Linguística, devido a fatores históricos e
culturais que influenciaram a delimitação do campo de estudos. Além disso, também,
discutimos que cada perspectiva teórica apresenta a própria compreensão do fenômeno
linguístico, e, por isso, terá uma visão particular desse objeto, delimitada, teoricamente,
através da perspectiva. Nos próximos subtópicos, estudaremos a delimitação específica
da Sociolinguística como campo de estudos; brevemente, alguns dos nomes mais
conhecidos entre os estudiosos que se dedicam a estudar a relação entre língua e
sociedade; e, em linhas gerais, como cada um deles percebeu o fenômeno linguístico
pela ótica da língua e sociedade.

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3.1 HISTÓRIA DA DELIMITAÇÃO DO CAMPO DE ESTUDOS DA
SOCIOLINGUÍSTICA
Segundo Alkmim (2011), o termo Sociolinguística foi estabelecido em 1964, e isto
se deu a partir do Congresso feito na UCLA (Universidade da Califórnia, em Los Angeles),
organizado por William Brigth. A esse evento, compareceram muitos pesquisadores
que acreditavam na estruturação desse campo de estudos interdisciplinar. Ao fazer a
publicação dos anais desse Congresso, o organizador escreve um texto introdutório
chamado de “As dimensões da Sociolinguística”, a partir do qual ele delimita o campo de
estudos e caracteriza a nova área de pesquisas. O autor afirma que a Sociolinguística
pretende “[...] demonstrar a covariação sistemática das variações linguística e social. E,
talvez, até mesmo, demonstrar uma relação causal numa e noutra direção” (BRIGTH,
1964, p. 17). Assim, as pesquisas, nessa área, partem do pressuposto de que as
línguas variam e que essa variação pode ser relacionada às características específicas
percebidas na estrutura social, pela qual os falantes dessas línguas circulam. Logo,
essa compreensão observa como as estruturas linguísticas são modificadas a partir dos
diferentes contextos sociais nos quais as línguas estão inseridas.

NOTA
O conceito de interdisciplinaridade pressupõe a relação entre áreas do conhecimento,
sendo que uma delas estabelece o rumo da pesquisa com o suporte dado pelas demais
áreas envolvidas, ou seja, a coordenação das ações se dá a partir de uma das áreas
envolvidas. No caso da Sociolinguística, a ideia é, exatamente, a de que a discussão da
relação entre língua e sociedade se fixe dentro do campo das discussões linguísticas.
Assim, a Sociolinguística é um campo interdisciplinar no qual as discussões se darão
a partir do estudo da língua e da sociedade, mas com a coordenação dos estudos da
linguagem. A figura a seguir demonstrará, graficamente, o que foi explicado:

ESQUEMA ILUSTRATIVO INTERDISCIPLINARIDADE

FONTE: Castro (2010, p. 4)

Observe que a área que está no nível mais acima coordena esforços com as demais,
pois as flechas são nos dois sentidos, logo, essa cooperação não acontece, apenas, de
cima para baixo, mas ela se estabelece entre os níveis estruturantes, mesmo que uma
das disciplinas envolvidas esteja, hierarquicamente, posicionada em um estágio acima
das demais.

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Ainda, nesse mesmo texto fundador da área de pesquisas, Brigth (1964) delineia
um conjunto de elementos definidos socialmente, os quais ele acredita estarem,
diretamente, vinculados às variações observáveis na diversidade linguística, ou seja,
o autor desenha aquelas que, para ele, são as possibilidades de estudo vinculadas à
língua(gem), abarcadas pelas perspectivas teórica e metodológica da Sociolinguística.
De acordo com Alkmim (2011, p. 28-29), as possibilidades citadas pelo autor são:

a) Identidade social do emissor ou falante.


b) Identidade social do receptor ou ouvinte.
c) Contexto social.
d) O julgamento social distinto que os falantes fazem do próprio
comportamento linguístico e sobre o dos outros, isto é, as
atitudes linguísticas.

Desse modo, percebe-se que as possibilidades de pesquisa estão vinculadas,


exatamente, a esse modo interdisciplinar da Sociolinguística de perceber o fenômeno
linguístico, pois estão relacionadas à identidade dos usuários da língua, ao contexto social
e às discussões a partir das quais a língua é compreendida, como forma de estabelecer
distinções de poder. Isso quer dizer que as pesquisas, nesta área, observarão como a
língua e as pessoas interagem e se relacionam.

Acadêmico, nem na vida nem na Linguística, as coisas surgem do


nada, como já diria Bakhtin (1990), tudo, na língua, é resposta! Assim, tudo parte do
conhecimento desenvolvido até aquele momento, confirmando ou contrariando a
tradição. Seja um adolescente ou uma corrente teórica, todas as modificações partem
daquilo que veio antes e do que está acontecendo no momento, em direção a algo que
interage com o que já existe.

Desse modo, os estudos sobre língua e sociedade não nasceram em 1964, mas
foi, naquele momento, que vários pesquisadores encontraram o campo de atuação
deles, a partir das perspectivas interdisciplinar, antropológica e social que tinham sido
desvinculadas no início do século XX, da Linguística, por Saussure, que reconhece o
aspecto social, mas que diz que, dele, a ciência da linguagem não se ocupará. Ainda,
dos estudiosos que não concordavam com a perspectiva da Gramática Gerativa de
Chomsky, que percebia a faculdade da linguagem como uma característica mental
nascida com o ser humano.

Tendo isso em vista, podemos destacar que, de um lado, a Sociolinguística


abarcou uma tradição de estudos da Antropologia Linguística, vertente a partir da
qual “[...] linguagem, cultura e sociedade são considerados fenômenos inseparáveis,
linguistas e antropólogos trabalhavam lado a lado, e, mesmo, de modo integrado”
(ALKMIM, 2011, p. 29). Por outro lado, ela traz a definição específica de um campo de
estudos interdisciplinar que funciona no interior da Linguística, em que linguistas
e estudiosos do campo das Ciências Sociais serão atuantes. Em outras palavras, a
Sociolinguística traz, para a centralidade dos estudos linguísticos, as relações entre

10
língua(gem), cultura e sociedade, a partir de uma perspectiva interdisciplinar que refuta
a noção de língua como entidade autônoma, apenas, estrutural ou mental, mas, ao
mesmo tempo, reconhece a Linguística como o lugar de debate do fenômeno linguístico
com diferentes dimensões e entrecruzamentos.

Assim, neste subtópico, foi apresentado como o campo de pesquisa da


Sociolinguística foi delimitado, além do momento do estabelecimento dele como área de
estudos. Brevemente, vimos que ele se inscreve na tradição da Antropologia Linguística,
ao mesmo tempo em que coloca a relação entre língua e sociedade no interior da
discussão da ciência da linguagem, refutando a noção estruturalista de Saussure e a
teoria inatista de Chomsky.

Acadêmico, no próximo subtópico, veremos alguns dos estudiosos que


relacionaram língua(gem) e sociedade nas pesquisas deles.

ESTUDOS FUTUROS
No último tópico desta unidade, apresentaremos alguns exemplos de
trabalhos a partir das perspectivas da Sociolinguística e dos Estudos Surdos,
por isso, apenas, citamos os fatores linguísticos, sem abordar detalhes
quanto aos estudos específicos.

NOTA
Nesta unidade, estamos usando o termo língua(gem) quando queremos
fazer referência aos conceitos de língua e de linguagem ao mesmo tempo.
Quando a ideia é remeter ao conceito de língua como entidade mais
específica, usamos, apenas, essa palavra, porém, quando é necessário fazer
referência à capacidade de simbolizar, utilizaremos linguagem.

3.2 ESTUDIOSOS EM LINGUAGEM E SOCIEDADE


Neste espaço, o objetivo é que você seja apresentado, mesmo que, brevemente,
a alguns dos estudiosos que pautaram as pesquisas deles sobre língua e linguagem.
Com certeza, toda a seleção é complicada, mas procuramos apresentar aqueles que se
tornaram referências básicas na área da Sociolinguística.

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É necessário destacar que a fixação do campo de estudos da Sociolinguística
tem um evento e uma data específicos, contudo, não quer dizer que os estudiosos e
os pesquisadores da relação entre língua e sociedade existiram, apenas, a partir desse
momento, ao contrário, foi, exatamente, a existência de trabalhos que conectavam os
estudos da linguagem e os estudos da sociedade que acabou por provocar o surgimento
de um campo de pesquisas interdisciplinar dentro da Linguística, que abrangia
essa compreensão dos fenômenos linguísticos. Dito de outro modo, não é a área do
conhecimento que faz surgirem estudos, mas é a quantidade, a qualidade e a divulgação
dos estudos que fazem com que um campo de pesquisas seja delimitado. Contudo,
é inegável que, depois do estabelecimento do campo de pesquisas, a divulgação
e a estruturação darão origem a mais divulgação, assim, isso levará mais pessoas a
conhecerem esse modo de compreender os fatos da língua, logo, surgirão estudiosos e
serão feitas mais pesquisas dentro da mesma compreensão, e tentando refutar aquilo
que a área de pesquisas menciona, ou seja, muita gente entende o fenômeno de jeito
semelhante, e isso faz com que se estabeleça uma perspectiva teórica que dará origem
a diferentes compreensões que podem ser reunidas sob o mesmo entendimento, ou,
podem, inclusive, provocar dissidências que darão origem a outras áreas de pesquisa.

A seguir, colocaremos os nomes de alguns dos pesquisadores que estudaram


as questões linguísticas, fazendo conexões com os fatores sociais envolvidos. Esses
nomes foram selecionados a partir de Alkmim (2011):
• Meillet (1928 apud ALKMIM, 2011): ele foi aluno de Saussure e estudava a diacronia
dos estudos linguísticos, ou seja, os estudos dele eram na direção de observar a língua
ao longo da história dela. Defendia que a língua não era uma entidade autônoma,
pois ela, apenas, ganha existência a partir dos indivíduos que a utilizam, por isso, a
realidade da língua era, ao mesmo tempo, linguística e social.
• Bakhtin (2014): para ele, todo o enunciado é resposta a outro enunciado em uma
cadeia infinita de respostas, pois a interação verbal é a verdadeira realidade da língua,
e não um sistema abstrato estruturado ou uma enunciação monológica. Dito de outro
modo, toda a utilização da língua está vinculada às utilizações que a precederam
e àquelas que serão posteriores a ela, pois não é possível desvincular o fenômeno
linguístico da interação verbal. A compreensão do diálogo e da enunciação verbal é
entendida, pelo autor, inclusive, nas obras literárias, pois, para ele, o diálogo escrito,
sempre, está inserido em uma discussão ideológica em grande escala, respondendo,
confirmando, contrariando, enfim, respondendo a algo. Por isso, é estudado na
linguística e na Teoria Literária.
• Jakobson (1974): este pesquisador parte do processo comunicativo de modo amplo,
e, desse modo, evidencia os aspectos funcionais da linguagem. Ele nomeou e difundiu
os termos específicos do ato da comunicação verbal, os quais são estudados até
hoje: remetente, mensagem, destinatário, contexto, canal e código. Na figura a seguir,
poderá ser visto o modo através do qual esses elementos se relacionam no momento
da comunicação, de acordo com o autor:

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FIGURA 2 – ESQUEMA DA COMUNICAÇÃO VERBAL DE JAKOBSON

FONTE: Zambillo (2014, p. 3)

É interessante perceber que, embora relacionados, diretamente, à mensagem,


o contexto, o contato, ou canal, e o código precisam ser compartilhados pelo emissor
e pelo receptor, para que a mensagem seja, efetivamente, compartilhada pelos
participantes do evento de comunicação. Além disso, ele coloca que cada um dos fatores
pode ter predominância na mensagem, e que determinará a estrutura verbal utilizada.
Para exemplificar isso, Alkmim (2011, p. 25) observa que “[...] a predominância do fator
remetente configura a função emotiva ou expressiva, a qual exprime a atitude de quem
fala em relação àquilo de que está falando, e se evidencia, dentre outros procedimentos,
pelo uso de interjeições, pela alteração de duração de vogais (por exemplo, grande)”.
Em Libras, poderíamos ilustrar isso com o modo de sinalização de sinais com maior ou
menor amplitude, ou com o uso de expressões não manuais que dão ênfase a aspectos
específicos em um diálogo sinalizado.
• Cohen (1956 apud ALKMIM, 2011): em 1956, o autor publicou a obra Por uma
Sociologia da Linguagem (título original em francês “Pour une sociologie de langage”).
Neste livro, ele defende a necessidade de que as ciências humanas dialoguem
para a compreensão do fenômeno linguístico, a principal contribuição dele, para a
delimitação do campo de pesquisa da Sociolinguística, é que ele estabelece, segundo
Alkmim (2011, p. 26):

[...] um repertório de tópicos de interesse para um estudo das relações


entre as divisões sociais e as variedades da linguagem, que permite
abordar temas, como: a distinção entre variedades rurais, urbanas e de
classes sociais, os estilos de linguagem (variedades formais e informais),
as formas de tratamento, a linguagem de grupos segregados (jargão de
estudantes, de marginais, de profissionais etc.).

Assim, o autor destaca tópicos que enfatizam os estudos das variações da


linguagem, de acordo com as características dos grupos sociais observados, de modo
que a análise procure perceber quais são as variedades da linguagem específicas de
cada conjunto de indivíduos observados. É interessante chamar a atenção para uma

13
característica muito importante das pesquisas em Sociolinguística: a necessidade de
recolhimento de dados para a análise, ou seja, é um tipo de pesquisa que é feito a
partir do estudo das formas de uso na sociedade, e, para isso, faz-se preciso captar as
informações para analisar com a própria sociedade.
• Benveniste (1968 apud ALKMIM, 2011): para ele, a língua só existe no interior de
uma organização linguística específica e em uma sociedade, também, específica,
assim, não se pode compreender a língua sem a sociedade, e vice-versa. O estudioso
reconhece que a língua e a sociedade são dimensões estruturais diferentes, mas,
ao mesmo tempo, elas têm características que as aproximam: “[...] são realidades
inconscientes, representam a natureza, são, sempre, herdadas, e não podem ser
abolidas pela vontade do homem” (ALKMIM, 2011, p. 27). Ou seja, ao mesmo tempo em
que funcionam em organizações diferentes, essas duas grandezas são aproximáveis,
devido às peculiaridades que têm em comum. Para o autor, a língua é uma ferramenta
de análise da sociedade, pois, no interior da língua, está contida a sociedade, por
isso, esta última pode ser interpretada através da primeira, ou seja, a língua é um
estruturante da sociedade, através de designações e fenômenos linguísticos ligados
às questões vocabulares. Desse modo, a língua é a maneira pela qual o indivíduo se
localiza na natureza e na sociedade, pois, através dela, podem ser observados os
usos específicos que cada grupo, ou classe social, faz através da língua. Assim, o ser
humano, e, por consequência, a sociedade, estruturam-se por e através da língua, de
maneira indissociável.
• Hymes (1962 apud ALKMIM, 2011): este autor propõe uma área de estudos
interdisciplinares chamada de Etnografia da Comunicação, a qual envolve a Etnologia,
a Psicologia e a Linguística. No artigo no qual propõe esse modo de organizar os
estudos da linguagem, o autor, também, destaca que a ideia desloca o estudo
linguístico da compreensão de código e estrutura e joga o foco para “[...] descrever e
interpretar o comportamento linguístico no contexto cultural [...]”. Com esse objetivo,
ele propõe a definição das “[...] funções da linguagem a partir da observação da fala e
das regras sociais próprias de cada comunidade” (ALKMIM, 2011, p. 30).
• Labov (1963 apud ALKMIN, 2011): este pesquisador foi o responsável por estabelecer
as bases teórico-metodológicas da Sociolinguística Variacionista. O trabalho dele, a
respeito da comunidade de Martha’s Vineyard, tornou-se célebre, devido ao modo
através do qual ele “[...] sublinha o papel decisivo dos fatores sociais na explicação
da variação linguística, isto é, da diversidade linguística observada” (ALKMIM, 2011, p.
30). Assim, ele relaciona as especificidades da pronúncia de determinados fonemas,
em inglês, dos habitantes, às categorias de idade, sexo, ocupação, origem ética e
atitude. Isso ocorre porque “[...] as pressões sociais estão operando, continuamente,
sobre a língua, não de algum ponto remoto no passado, mas como uma força social
imanente agindo no presente vivo” (LABOV, 2008, p. 21). Assim, os estudos dele
têm uma perspectiva sincrônica, pois estudam a relação entre a língua e como as
pressões sociais sofridas por ela geram variações, socialmente, determináveis.

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Assim, nós vimos, de modo sintético, alguns dos pesquisadores que relacionaram
língua(gem) e sociedade, de maneira a compreender o fenômeno linguístico e o fenômeno
social como pares indissociáveis. Alkmim (2011) chama atenção para a obviedade e a
complexidade de se estabelecer uma relação entre o linguístico e o social. No próximo
subtópico, trataremos das vertentes, ou das correntes teóricas de compreensão dessa
relação, de modo a entender como se estruturam os estudos na Sociolinguística.

4 CORRENTES DE ESTUDO RELACIONADAS


À SOCIOLINGUÍSTICA
Acadêmico, talvez, você esteja se perguntando como as infinitas possibilidades
de relacionar língua e sociedade podem ser estruturadas em pesquisas dentro do
campo de estudos da Sociolinguística. Isso porque, como visto anteriormente, existe
uma infinidade de rumos que a pesquisa pode tomar e inúmeras maneiras de se
compreender o fenômeno linguístico sob a perspectiva a partir da qual ele se estabelece
com o fenômeno social.

Então, para observar os fatos da língua, o que as áreas do conhecimento


fazem, é estabelecer grupos de percepções que são passíveis de conexões, ou seja,
mesmo que os fenômenos sejam infinitos, as lentes sob as quais eles são observáveis
conseguem estabelecer semelhanças que permitem o agrupamento de estudos que
apresentam características análogas. Tendo isso em vista, serão apresentadas as três
principais correntes, ou vertentes de estudo, relacionadas às pesquisas no campo da
Sociolinguística. Assim, como objetivo desta parte do Tópico 1, percebemos, não apenas,
quais são as tendências dos estudos relacionadas à Sociolinguística, mas, também,
quais são os fenômenos percebidos em cada uma delas.

4.1 DIALETOLOGIA
A dialetologia, ou, também, geografia linguística, faz parte daqueles estudos
anteriores à fixação do campo da Sociolinguística, os quais estudavam a relação entre
língua e sociedade. De acordo com Dubois et al. (1973), ela é a disciplina que assumiu
a tarefa de descrever, comparativamente, os diferentes sistemas, ou dialetos, a partir
dos quais uma língua se diversifica no espaço, além de estabelecer limites. Para
compreender essa afirmação, precisamos, primeiramente, definir o que é um dialeto,
após, retomaremos essa citação.

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Ainda, segundo Dubois et al. (1973, p. 185), dialeto é

uma forma de língua que tem os próprios sistemas léxico, sintático


e fonético, e que é usada em um ambiente mais restrito do que a
própria língua. É um sistema de signos e de regras combinatórios da
mesma origem que outro sistema considerado, como a língua, mas
que se desenvolveu, apesar de não ter adquirido os status cultural e
social dessa língua, independente daquela.

Dessa maneira, o dialeto tem a mesma origem da língua, mas é utilizado em


contextos específicos, porém, não é reconhecido, cultural e socialmente, como uma
língua independente, às vezes, por, ainda, apresentar muitas semelhanças com a língua
da qual é apontado como dialeto. Então, voltando à definição da dialetologia (agora, já
tendo uma noção do que seria um dialeto), podemos afirmar que essa área pesquisa as
variantes regionais de uma língua e delimita como essas variantes dialetais se estruturam
em um dado contexto social. Ainda, a respeito dos estudos da Sociolinguística e da
Dialetologia, nesta questão de dialeto, McCleary (2009, p. 14) coloca que:

Os dialetos são idênticos às línguas do ponto de vista linguístico. Eles


têm tudo o que as línguas têm. Não são menores ou mais simples,
ou menos perfeitos. Os dialetos, do ponto de vista linguístico, são
línguas. Mas do ponto de vista da sociolinguística, são línguas que
não atingiram a autonomia na imaginação popular.

Assim, a delimitação entre língua e dialeto não é algo muito simples, pois engloba
elementos que fogem da percepção linguística em si mesma, ou seja, é, exatamente,
o assunto de estudos dessa área que envolve língua e sociedade, pois são elementos
de percepção das leis, da sociedade e da compreensão dos falantes que acabam por
estabelecer a diferença entre língua e dialeto.

Segundo Strobel e Fernandes (1998), o fato de a Libras possuir diferentes


dialetos regionais é uma comprovação do status de língua natural que lhe cabe, ou seja,
não é um problema, mas uma característica das línguas naturais.

Ainda, com relação às discussões dialetais, McCleary (2009, p. 15, grifo do autor)
exemplifica a questão que envolve língua e dialeto a partir da noção de que o português
brasileiro e o português europeu são considerados dialetos da Língua Portuguesa, porém,
mesmo que, muito semelhantes na escrita, a fala apresenta diferenças que dificultam
a compreensão entre eles. Por isso, “os linguistas consideram que, atualmente, as duas
variedades são tão diferentes que constituem dois sistemas linguísticos distintos, ou
seja, que são duas línguas diferentes”. O português brasileiro e o português europeu,
ainda, apresentam traços que permitem perceber a proximidade entre eles, contudo,
os sistemas deles são, reconhecidamente, distintos, e, por isso, percebidos como duas
línguas diferentes. Com relação à Libras, o mesmo autor coloca o seguinte:

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A libras é um dialeto da ASL (língua de sinais americana)? É um dialeto
da língua de sinais francesa? Qual é o grau de inteligibilidade entre as
três? Historicamente, a libras e a ASL são línguas irmãs (duas "filhas"
da língua de sinais francesa), mas cada uma tem sua autonomia, e,
portanto, são consideradas línguas diferentes (MCCLEARY, 2009, p.
15, grifo do autor).

Assim, historicamente, a Libras é uma língua que se desenvolveu a partir da


Língua de Sinais Francesa (Langue de Signes Fançaise – LSF). De modo semelhante,
a Língua de Sinais Americana (American Sign Language – ASL), também, tem origem
a partir da LSF, logo, a Libras e a ASL são línguas que derivam de uma mesma origem,
mas já se distanciaram dela de modo a terem sistemas autônomos diferentes e serem
reconhecidas, politicamente, como línguas diferentes da língua-mãe, a LSF.

Por fim, podemos afirmar que a Dialetologia é uma área de estudos que tem uma
história particular e específica como campo de estudos, anterior à fixação do campo da
Sociolinguística. Para delinear a relação entre elas, Macêdo (2012, p. 36-37) coloca que
“[...] a dialetologia tem, como base de descrição, a localização espacial, configurando-
se como, eminentemente, diatópica. A Sociolinguística, por sua vez, centra-se na
correlação entre os fatos linguísticos e os fatores sociais”. Ou seja, a Dialetologia se
preocupa mais com fatores geográficos, e, a Sociolinguística, com fatores sociais, mas
ambas estudam como esses fatores influenciam a língua. Além disso, a autora chama
a atenção para o fato de que as duas disciplinas têm o mesmo propósito de estudar a
língua e as forças sociais que a modificam, porém, utilizam métodos diferentes para a
análise desse objeto de estudos.

Acadêmico, como vimos, a Dialetologia e a Sociolinguística têm semelhanças e


diferenças, mas ambas estudam a língua e as variações sociais dela, inclusive, alguns
autores as colocam, até certo ponto, como sinônimas (CARDOSO, 2010). Por isso, neste
material, escolhemos manter a inserção da Dialetologia como uma das correntes, ou
vertentes, vinculadas à Sociolinguística, pois ambas tratam da língua e da relação entre
os elementos geográficos, culturais e sociais que a pressionam ou a influenciam. Apenas,
escolhemos trazer, mesmo que, brevemente, esse debate, pois, ora a Dialetologia
aparece nos materiais disponíveis como vertente, ora, como disciplina autônoma
relacionada à Sociolinguística, logo, é interessante que você tenha a informação de que
esse entendimento diferente poderá aparecer nas suas pesquisas.

4.2 SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA


A Teoria da Variação se desenvolveu a partir dos estudos de Labov (1972), e deu
origem à vertente mais conhecida da Sociolinguística: a linha de pesquisa variacionista.
Aqui, veremos, apenas, algumas linhas gerais dessa teoria, pois os demais tópicos desta
unidade falarão, especificamente, dela.

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Conforme Coelho et al. (2010, p. 22), a visão laboviana, acerca da relação
entre língua e sociedade, é a de que “não existe uma comunidade de fala homogênea,
nem um falante-ouvinte ideal. Pelo contrário, a existência de variação e de estruturas
heterogêneas nas comunidades de fala é um fato comprovado”. Dito de outro modo, é
uma realidade da língua a diversidade de usos, incluindo a organização estrutural nos
grupos linguísticos de fala, assim, a pluralidade linguística faz com que não exista um
padrão homogêneo de usuário da língua.

No interior das comunidades linguísticas, é uma realidade a existência da


“variação inerente”, ou seja, “[...] como o sistema linguístico é heterogêneo, (i) a variação
é uma propriedade regular do sistema; (ii) o falante tem competência linguística para
lidar com regras variáveis”, segundo Coelho et al. (2010, p. 22). Dito de outro modo, a
mutabilidade do sistema linguístico é uma característica constante do sistema, assim,
a mudança é um traço, sempre, presente. A variação é certeza no sistema linguístico.
Além disso, o usuário proficiente da língua consegue operar, linguisticamente, dentro
das normas variáveis, ou seja, o falante/sinalizante que sabe a língua consegue
compreender e operar mesmo dentro das regras variáveis que agem dentro da língua.

Essas variações, e a compreensão do que foi dito, ficam bem evidentes quando
se compreende que a comunicação acontece mesmo não havendo “[...] dois falantes
que se expressam do mesmo modo, nem mesmo um falante que se expresse da mesma
maneira em diferentes situações de comunicação”, conforme Coelho et al. (2010, p. 22).
Para ilustrar isso, pense em duas pessoas sinalizando o sinal de OI em Libras. O modo
de articular o léxico poderá variar, de acordo com a personalidade e com a situação na
qual está interagindo: com o chefe, com os amigos, sóbrio, bêbado, feliz, triste, em uma
entrevista de emprego. Cada uma dessas possibilidades poderá interferir na sinalização,
pois mudará o modo através do qual a língua é utilizada.

Em sua teoria, Labov (1972), também, delimita como a pesquisa, na


Sociolinguística Variacionista, deverá perceber o fenômeno linguístico. De acordo com
Coelho et al. (2010, p. 22):

A busca por julgamentos intuitivos homogêneos é falha. Os linguistas


não podem continuar a produzir teoria e dados ao mesmo tempo.
Para lidar com a língua, é preciso olhar para os dados de fala do dia
a dia e relacioná-los às teorias gramaticais o mais criteriosamente
possível, ajustando a teoria de modo que ela dê conta do objeto.

Desse modo, as pesquisas linguísticas, de acordo com os estudos da


Sociolinguística Variacionista, deverão partir do pressuposto da heterogeneidade da
língua e do estudo consciente e planejado da língua, pois os estudiosos da linguagem
deverão pautar as próprias pesquisas em dados coletados pela fala cotidiana, e, partindo
de critérios claros e pensados, relacionar o corpus coletado às teorias gramaticais,
fazendo ajustes na teoria, para que ela dê conta do que ficou aparente nos dados

18
obtidos. Dito de outro modo, Labov (1972) afirma que é necessário observar a língua em
uso através da coleta de dados, pois os pesquisadores precisam perceber aquilo que
acontece no uso da língua, assim, os fenômenos linguísticos observáveis darão o rumo
das descobertas teóricas.

NOTA
A palavra corpus é um termo que remete a todo o conjunto de materiais
para a análise linguística, ou seja, o conjunto de dados para a investigação
em uma pesquisa.

Desse modo, a teoria da variação apresenta, em seu cerne, a preocupação com a


metodologia da pesquisa da Sociolinguística Variacionista, pois Labov (1972 apud COELHO
et al., 2010) se preocupa em detalhar o modo através do qual o olhar do pesquisador deverá
se voltar ao objeto de estudos, e faz reflexões acerca do modo como a teoria deverá ser
norteada a partir de dados verificáveis e da observação criteriosa destes.

A partir dessas discussões propostas pelo autor, Veloso (2014, p. 3) apresenta a


divisão das três ondas, ou das tendências de prática analítica, pela Teoria da Variação.
Elencadas por Eckert (2012), essas tendências são modos de perceber o fenômeno
linguístico a partir da perspectiva teórica da variação, e “[...] não se sucedem ou se
substituem, mas, apenas, correspondem à maneira característica com que esses
modelos lidaram/lidam com a variação linguística ao longo das décadas de estudo”. Isso
quer dizer que essas são percepções utilizadas para a análise do corpus coletado para a
pesquisa linguística, ou seja, não se sobrepõem ou substituem, podendo ser utilizadas
de acordo com os objetivos da pesquisa, do pesquisador, dentre outras variáveis.

Para sintetizar as três tendências de análise na Sociolinguística Variacionista,


elaboramos um quadro-resumo no qual são apresentadas.

19
QUADRO 2 – RESUMO DAS TRÊS ONDAS DE ANÁLISE NA SOCIOLINGUÍSTICA VARIACIONISTA

Ondas Tendência Características das pesquisas


analítica
Primeira onda Desenvolvimento • Grandes estudos de levantamento de
do grande quadro comunidades, geograficamente, definidas.
• Hierarquia socioeconômica como um mapa
do espaço social.
• Variáveis, como marcadores de categorias
sociais primárias, e carregando traços de
prestígio/estigma.
• Estilo, como atenção prestada à fala, e
controlado pela orientação em direção ao
prestígio/estigma.
Segunda onda Desenvolvimento • Estudos etnográficos de comunidades
do quadro local definidas geograficamente.
• Categorias locais como elo para as
demográficas.
• Variáveis, como indicadores de categorias,
localmente, definidas.
• Estilo como atos de filiação.
Terceira onda Perspectiva • Estudos etnográficos de comunidades de
estilística prática.
• Categorias locais construídas através de
posições comuns.
• Variáveis, como indicadores de posições,
atividades, características.
• Estilo como construção da persona.
FONTE: Adaptado de Veloso (2014)

Ao observarmos as três tendências apontadas pela autora, podemos perceber


um movimento analítico que sai do geral para o individual, pois, na primeira onda, são
detalhadas características de pesquisas que observam o panorama língua e sociedade
de modo mais abrangente, pois os estudos pretendem delimitar macroestruturas
comunitárias ou linguísticas que envolvem a forma através da qual o todo social é
percebido ou se percebe o todo, pois os objetivos são observar e desenhar as comunidades
de fala, as variáveis mais ou menos prestigiadas da sociedade e as variáveis atreladas
às características socioeconômicas. Já na segunda onda, aparecem estudos nos
quais a prioridade é a delimitação de características menos gerais, com comunidades
linguísticas localizadas em lugares específicos, estilo linguístico, e modo de estabelecer
o pertencimento a um grupo específico. Na terceira tendência de análise, as pesquisas
são mais voltadas à estilística, ou seja, percebe-se uma preocupação em compreender
como se dá a dinâmica de construção individual a partir do uso da linguagem. De acordo
com Freitag et al. (2012, p. 922), “os estudos de terceira onda incorporam a dinamicidade

20
da estrutura, ou seja, como a estrutura se molda no cotidiano, com os condicionamentos
sociais impostos e as relações de poder estabelecidas atuando sobre ela”. Assim, a
terceira onda dos estudos da Sociolinguística Variacionista, proposta por Eckert (2012
apud VELOSO, 2014), está relacionada à compreensão de como a estrutura da língua
varia em uso estilístico e de que modo isso influencia no uso diário dessa mesma língua
a partir das forças externas sociais que a pressionam.

Para compreendermos melhor a noção de estilística, segundo Veloso (2014,


p. 5), a delimitação do conceito de estilo, dentro da perspectiva apresentada, é a de
que “estilo diz respeito ao modo como os falantes combinam modos distintivos de fala
[sinalização], e, por meio deles, constroem a própria identidade social, uma vez que esta
depende, efetivamente, da linguagem, para se conceber e se consolidar. Os estilos de
fala estão, intimamente, associados às categorias identitárias”. Assim, essa proposta
da terceira onda está conectada à compreensão de como o indivíduo utiliza a língua a
partir da própria identidade social, por e através da língua. Para exemplificar, uma pessoa
surda, que tenha nascido surda, terá um estilo de uso da Libras diferente de um surdo
que perdeu a audição quando adulto e aprendeu a língua de sinais após já ter adquirido a
língua oral-auditiva. Assim, esses indivíduos terão a identidade social delimitada a partir
da relação deles com a língua e o modo como se movimentam através das relações
linguísticas estabelecidas a partir da Libras.

Tendo isso em vista, debatemos, brevemente, as características da Sociologia


Variacionista. Além disso, conhecemos as três tendências analíticas das pesquisas
realizadas nesse campo de estudos e compreendemos a noção de estilo dentro da
perspectiva teórica.

4.3 SOCIOLINGUÍSTICA INTERACIONAL


A partir da perspectiva da Sociolinguística Interacional, ou Sociointeracionismo,
o estudo do fenômeno linguístico, a partir da relação entre língua e sociedade, é pensado
a partir da Análise do Discurso. De acordo com Gumperz (2015, p. 9):

A Sociolinguística Interacional (SI) é uma abordagem de análise de


discurso que tem sua origem na busca de métodos replicáveis de
análise qualitativa que explicam nossa capacidade de interpretar o
que os participantes pretendem transmitir na prática comunicativa
cotidiana. É sabido que os conversadores, sempre, confiam no
conhecimento que, além da gramática e do léxico, faz-se ouvir.
Contudo, como esse conhecimento afeta a compreensão, ainda, não
é, suficientemente, compreendido.

Assim, o objetivo do Sociointeracionismo é perceber como os envolvidos em uma


conversação conseguem interpretar aquilo que é transmitido para além das palavras/
sinais e da estrutura das normas gramaticais postas em uso durante a interação entre
indivíduos. Nesta teoria, as informações subentendidas são parte da trama linguística

21
que sustenta as relações entre os usuários da língua. Segundo Witkowski (2013, p. 90),
“nesse processo, a intenção comunicativa é a questão principal, e, para acessá-la, os
interlocutores devem ir além do que está aparente, e se concentrar, não apenas, no que
é dito, mas nas suposições que sustentam a negociação”. Assim, o objetivo é perceber
esses pressupostos que estão subjacentes à comunicação, além de observar como
eles são, socialmente, compartilhados, de modo a ser um problema quando os falantes/
sinalizantes não compartilham os mesmos códigos subjacentes.

Dentro dessa teoria, são estudados os conceitos de posto (aquilo que é,


expressamente, dito), pressuposto (aquilo que aparece como sugestão durante a
comunicação) e subentendido (aquilo que o indivíduo precisa deduzir a partir da
interpretação), por exemplo, na sentença:

Pedro deixou de fumar.

Posto: Pedro não fuma mais.


Pressuposto: Pedro fumava.
Subentendido: Pedro vai engordar novamente.

Observe que, no exemplo dado, o pressuposto fica claro pelo léxico utilizado, pois
quem não fuma mais é porque era fumante, mas o subentendido depende de informações
que não se ancoram no posto nem no pressuposto, pois partem da dedução feita pelo
indivíduo para quem a frase foi dita, podendo estar relacionada ao senso comum de
que todo mundo que para de fumar engorda e do conhecimento compartilhado, com
o interlocutor, de que Pedro era gordo. Assim, a Sociolinguística Interacional pretende
estudar como se dá o processo de construção dessas informações subjacentes e como
elas afetam o processo de compreensão do que foi dito.

Acadêmico, essa síntese apresentada, apenas, relatou, brevemente, o objeto


de estudo de cada uma das vertentes, ou correntes de estudos da Sociolinguística,
porém, o objetivo era, exatamente, o de que você tivesse um panorama geral quanto
a esse campo de pesquisa e a possibilidades teóricas e metodológicas dele. Nos
próximos tópicos, estudaremos alguns dos conceitos imprescindíveis para os estudos
em Sociolinguística. Até breve!

NOTA
Para acesso aos links dos materiais disponíveis on-line,
serão colocados, ao longo do livro, QR-Codes, basta
apontar a câmera do seu smartphone através de um
dos aplicativos de leitura desses códigos que você será
encaminhado, diretamente, ao site do material. Além
disso, as referências completas estão colocadas no fim
de cada unidade.

22
INTERESSANTE
O artigo Reflexões Sociolinguísticas sobre a Libras (Língua Brasileira de Sinais), de Rodrigues
e Silva, apresenta uma síntese muito interessante a respeito do estudo da Libras na
perspectiva da Sociolinguística, por isso, sua leitura, na íntegra, está colocada neste livro
didático, dividida em dois momentos distintos como Leitura Complementar, divididos de
acordo com os elementos abordados ao longo do texto. Aqui, no fim do Tópico 1, está
posta a parte do texto dos autores que discutem os aspectos abordados neste tópico.
No fim do Tópico 2, será colocado o restante dos autores, desse modo, retomando
os conceitos e os debates efetuados no Tópico 2 e inserindo a temática abordada ao
longo do Tópico 3. Assim, o texto tem, exatamente, a ideia de, não apenas, acrescentar
elementos às discussões apresentadas, mas, também, de servir como uma forma de
síntese do caminho teórico estabelecido ao longo desta unidade. Boa leitura!

REFLEXÕES SOCIOLINGUÍSTICAS SOBRE A LIBRAS (LÍNGUA BRASILEIRA


DE SINAIS)

Angelica Rodrigues
Anderson Almeida da Silva

Resumo

O objetivo, neste artigo, é discutir questões caras à Sociolinguística, como variação


e mudança linguística, heterogeneidade e contato linguístico, tendo a Libras (Língua
Brasileira de Sinais) em perspectiva. Para isso, será necessário remeter a aspectos da
gramática da Libras, e da comunidade de falantes, isto é, da sócio-história. Partimos
dos pressupostos teóricos desenvolvidos pela Sociolinguística que, embora sejam mais
explorados, tendo em vista as línguas faladas, devem ser considerados em discussões
cujo objetivo seja desconstruir paradigmas a respeito das concepções de língua, de
contato linguístico e de variação e mudança linguística nas línguas sinalizadas.

Palavras-chave: Sociolinguística; Libras; contato linguístico; variação e mudança linguística.


Sociolinguistics reflections on Libras – Brazilian Sign Language

[...]

Introdução

Se a linguística pode ser considerada uma ciência nova, a linguística das línguas de sinais é
ainda mais recente e pouco conhecida até mesmo entre os linguistas que historicamente
têm se voltado mais fortemente para a análise de línguas faladas. No Brasil, os estudos
linguísticos de línguas sinalizadas ganharam força nos anos 1990, depois dos trabalhos
pioneiros de Ferreira-Brito (1984, 1995), Felipe (1989) e mais recentemente Quadros
(2003) e Quadros e Karnopp (2004), que publicaram, dentre outros, dissertações, teses e
livros sobre a língua dos surdos brasileiros.

Nesse contexto, a Libras tem ganhado, a partir da última década, principalmente, destaque
nos debates voltados para questões tanto pedagógicas quanto linguísticas relativas à
educação de surdos. No entanto, no que diz respeito ao ensino e à aprendizagem de
Libras por surdos e ouvintes, é possível encontrar referências às noções de "erro" e
aos conceitos de "certo" e "errado" como um reflexo tanto do sentimento dos próprios
falantes em relação a sua própria língua quanto de práticas pedagógicas tradicionais
que elegem um padrão de língua a ser seguido por todos os membros da comunidade
de fala. Esse "sentimento" e esse debate não divergem do observado em contextos de
ensino e aprendizagem da língua oral, todavia, para o português, esses "pré-conceitos"

23
são amplamente discutidos na literatura, inclusive nos PCN, há mais de três décadas. Por
ser uma língua silente, não sonora, muitos acreditam que as línguas de sinais estariam
de certa forma “imunes” aos efeitos da estigmatização de formas linguísticas largamente
estudados nas línguas orais, principalmente a partir de Labov (2008). Portanto, neste
artigo, que é um resumo das ideias apresentadas no minicurso Reflexões sociolinguísticas
sobre a Libras (Língua Brasileira de Sinais) durante o 64º.Seminário do GEL, nossa
intenção é destacar, a partir da revisão dos pressupostos clássicos da Sociolinguística, os
processos relacionados à variação e mudança presentes nas línguas de sinais, visando,
sobretudo, apontamentos que possam fomentar trabalhos futuros nesse campo.

O artigo está organizado do seguinte modo: inicialmente, defenderemos a legitimidade


da Libras como língua natural a partir de pressupostos sociolinguísticos, buscando
destacar sua natureza heterogênea. Num segundo momento, discutiremos a realidade
sociolinguística da Libras num contexto de bilinguismo português e Libras. Finalmente,
abordaremos a temática da variação e da mudança linguística aludindo, principalmente,
a questões de ensino e aprendizagem da Libras por surdos e ouvintes. As conclusões e
as referências bibliográficas serão apresentadas no final do artigo.

O que é língua?

Uma das principais demandas das comunidades surdas é o reconhecimento das línguas
de sinais como línguas naturais, assim como as línguas orais. Esse reconhecimento é
fundamental porque apenas com a legitimação de sua língua e, consequentemente, de
sua cultura, os surdos podem ter garantidos seus direitos relacionados à sua identidade
linguística.

A história dos surdos é marcada por períodos de avanço no reconhecimento de


seus direitos e capacidades, mas também por períodos de total desrespeito, o que
determinou, inclusive, a proibição das línguas de sinais por aproximadamente um século,
desde o congresso de Milão em 1880 até meados de 1980. Em nome da brevidade,
não exploraremos esse aspecto da história dos surdos e nos concentraremos mais
especificamente na história da Linguística das Línguas de Sinais, buscando enfatizar as
contribuições da linguística para a legitimação das línguas de sinais (daqui em diante,
LS) como línguas naturais. Nesse sentido, destacamos as pesquisas de W. Stokoe (1960)
que foram extremamente importantes para a legitimação das línguas sinalizadas. Ao
propor inicialmente três parâmetros para descrever a estrutura sublexical da Língua de
Sinais americana, o autor consegue mostrar que, assim como as línguas orais, as línguas
sinalizadas possuem estrutura gramatical que pode ser analisada segundo diferentes
níveis, como fonologia, morfologia e sintaxe. Por essa razão, o trabalho pioneiro de Stokoe
(1960) é recorrentemente usado para legitimar as línguas de sinais que são julgadas,
muitas vezes, como mímicas ou pantomimas.

Considerados um marco no desenvolvimento da linguística das LS, os estudos de


Stokoe (1960) se desenvolveram dentro do paradigma estruturalista, que partia de uma
concepção de língua marcada pelo pensamento saussuriano de que língua é um sistema
(langue) que se opõe à fala (parole). Uma vez que é a partir de Saussure (2002) que, ao
discutir, pela primeira vez, o objeto de estudo da linguística, a língua, temos a proposição
da linguística como ciência, os estudos estruturalistas sobre as LS concentraram-se na
descrição das línguas sinalizadas como um sistema estruturado, tal como proposto pelo
linguista genebrino.

Embora a língua seja descrita como um fato social no Curso de Linguística Geral (SAUSSURE,
2002), a metodologia da pesquisa estruturalista retira da língua tudo o que é social,
concentrando as análises nos fatos de língua que podem ser usados para demonstrar a
sistematicidade da língua, como o sistema de oposições fonológicas, por exemplo.

24
É fato pacífico que não há língua sem gramática, isto é, não há língua em que não se
possam depreender aspectos fonológicos, morfológicos e sintáticos. Todavia, é preciso
refletir sobre uma questão fundamental: nosso entendimento daquilo que seria uma
língua está restrito à descrição de sua estrutura gramatical? O que é, afinal, a língua?

Saussure, ao formular os pressupostos daquilo que passaria a ser reconhecido como


a ciência da linguagem, afirma que, na linguística, diferente de outras ciências, é a visão
do pesquisador que define o objeto de estudo. Desse modo, o objeto de estudo da
linguística, isto é, a língua, será definido de diferentes maneiras a partir da perspectiva
do analista.

Os pressupostos estruturalistas são repensados a partir do desenvolvimento de


outras duas correntes de pensamento, a saber, gerativismo e funcionalismo. Embora
a concepção de língua no modelo gerativista não se afaste consideravelmente daquela
proposto em Saussure, é no desenvolvimento do funcionalismo que encontramos uma
nova concepção de língua e, consequentemente, uma nova linguística, em que não se
discute oposições entre langue e parole (SAUSSURE, 2002) nem entre competência e
desempenho (CHOMSKY, 1965).

O modelo funcionalista, ao definir a língua como um produto de interação, afasta-se da


ideia de uma gramática pré-concebida e propõe a existência de uma gramática emergente
(HOPPER, 1987), que resulta de pressões de uso ligadas às necessidades comunicativas
e expressivas dos falantes.

Todavia, é basicamente a partir de Weinreich, Labov e Herzog (2006) (WLH daqui em


diante) e das primeiras pesquisas sociolinguísticas empreendidas principalmente por
William Labov na década de 1960, que é proposto o desenvolvimento de uma perspectiva
efetivamente social para a linguística, em que a língua é entendida como um sistema
heterogêneo em uso numa comunidade de fala e sujeita a pressões linguísticas e
extralinguísticas (sociais). A fim de enfrentar os problemas descritivos descartados na
abordagem estruturalista, a sociolinguística se consolida a partir da eleição do estudo da
variação e da mudança linguística, atributos vinculados grosso modo às noções de langue
e desempenho. WLH defendem que qualquer análise linguística precisa dar conta daquilo
que é parte constitutiva e fundamental de toda língua, a saber, a mudança linguística, e
que fora, de certo modo, deixado de lado pelos estruturalistas, ocupados principalmente
com a descrição sincrônica. A problematização do pensamento saussuriano é construída
por WLH a partir da própria definição estruturalista de sistema: “se uma língua tem de ser
estruturada, a fim de funcionar eficientemente, como é que as pessoas continuam a falar
enquanto a língua muda, isto é, enquanto passa por períodos de menos sistematicidade?”
(WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006, p. 87). A solução para o dilema seria o rompimento
da identificação entre estruturalidade e homogeneidade. Os autores propõem, portanto,
um modelo de análise linguística que seja capaz de descrever a heterogeneidade ordenada,
ou seja, a variação, considerando que nem toda variação leva à mudança, mas toda mudança
pressupõe um período anterior de variação (WEINREICH; LABOV; HERZOG, 2006).

Essa correlação entre variação e mudança linguística instaura um modelo de análise


linguística que assume a língua como um processo dinâmico, em que não é possível a
separação de fenômenos diacrônicos e sincrônicos. O estado sincrônico de qualquer
língua é resultado dos processos diacrônicos que se sucederam ao longo do tempo.
Sendo assim, uma análise estritamente sincrônica é uma análise sociolinguisticamente
agnóstica. Desse modo, para a sociolinguística, não existe língua fora do contexto
social e toda língua é um conjunto de variedades; língua é um sistema constituído de
heterogeneidade ordenada em que fatores linguísticos e extralinguísticos funcionam
como condicionadores da variação e da mudança. A língua, nessa perspectiva, portanto,
não pode ser analisada separada dos seus contextos de usos e, consequentemente, de

25
seus falantes. Considerando que não há língua com apenas um falante, as línguas devem
ser analisadas no contexto social em que falantes de diferentes idades, origem social,
etnia, graus de escolaridade, sexo e gênero interagem. A gramática não é produto acabado
e fechado que esses falantes devem aprender. A gramática é construída justamente por
esses falantes em situações de interação em que sentidos são negociados. Desse modo,
a história interna de uma língua não se desvincula da sua história externa, ou seja, da
história de seus falantes.

Nesse sentido, cabe remeter às definições de usuário/falante apresentadas em Neves (2002):

• No ser que fala, no que chamamos de usuário da língua, está, então, a gramática.
• A imagem do usuário – que é o homem que fala – precedeu a da gramática.
• Ela está nele: na sua fala há uma gramática, que ele possui.

Se a gramática está no usuário, ele não é um aprendiz, pois não é possível aprender o
que já se sabe. Não existe gramática como produto acabado que se configurou num
determinado tempo e espaço e assim permanecerá a despeito de reconfigurações
sociais a que seus falantes sejam submetidos. A gramática está num movimento contínuo
de estruturação e reestruturação motivado pelas necessidades comunicativas de seus
usuários. E sendo as necessidades comunicativas e a identidade dos falantes diferentes,
não podemos esperar que a língua seja a mesma para todos os falantes em todas as
situações de comunicação. Por isso, não podemos dizer, por exemplo, que a Língua
Portuguesa ou Inglesa ou a Libras sejam únicas e homogêneas. Elas são todas, na verdade,
um conjunto de variedades a que se atribui um rótulo. Se pensarmos, por exemplo, nas
variedades brasileiras do português, não é possível dizer onde começa e onde termina
a variedade mineira ou paulista (caipira). Aquilo que chamamos de português constitui-
se como um conjunto de regras mais ou menos regulares que são compartilhadas por
falantes. O que garante a unidade dessa língua, a despeito da intensa variação dialetal, é
a normatização. A norma, difundida na escola através do material didático, na imprensa
e nos documentos oficiais, garante um certo nível de unidade, que é mais perceptível
na escrita formal. O que deve ser destacado, no entanto, é que, apesar da diversidade
linguística, todos os falantes de português são capazes de se entender mutuamente.
Como afirmam WLH, a variação dialetal faz parte da competência monolíngue do falante.

No que diz respeito à Libras, pesquisas, como a de Xavier e Barbosa (2014) e Andrade
(2013), mostram que há variação no nível fonológico da sinalização dos surdos de diferentes
dialetos, e considerando diferentes variáveis. Todavia, apesar dos avanços das pesquisas
sociolinguísticas, é comum ouvirmos na comunidade surda sinalizadores se referirem
negativamente a outros sinalizadores que usam uma espécie de Libras misturada com
o Português, comumente denominada de Português sinalizado Há também casos em
que sinalizadores realizam, com uma mão só, sinais feitos, a priori, com duas mãos – o
que pode soar como um deslize fonológico, a exemplo de expressões como "os menino",
"praca", "bicicreta", "nóis vai" tão repreendidas pelos falantes de Português, e que acabam
sendo objeto de preconceito linguístico. Utilizando-se do mesmo "argumento" de que
“isso não é Português”, muitos sinalizadores dizem “isso não é Libras” ao se depararem
com efeitos dialetais. Esse preconceito usa a variedade padrão como referência única de
língua e atribui aos falantes das variedades não-padrão o estigma do "analfabeto" ou o
dos "sem gramática".

Se toda língua se constitui a partir de uma gramática, não é possível que qualquer
produção linguística inteligível seja produzida fora de uma gramática. Todavia, se toda
língua é constituída de variedades, então entre seus falantes circulam várias gramáticas
sendo todas elas igualmente complexas e completas.

26
A sociolinguística, nesse sentido, pode ser usada para desconstruir esses
preconceitos que sustentam as orientações pedagógicas e o senso comum
no que diz respeito à língua. Nesse sentido, discutiremos nas próximas
seções deste artigo dois conceitos importantes para a sociolinguística,
a saber, contato linguístico e variação e mudança linguística, buscando
correlacioná-los à realidade sociolinguística da Libras no Brasil.

FONTE: Rodrigues e Silva (2017, p. 686-691)

27
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• Nossas relações de sentido são perpassadas pelas estruturas linguísticas que


aprendemos ao longo da vida, pelo contato com outras pessoas que se utilizem do
mesmo código linguístico que nós.

• Pela, e através da língua, as nossas relações de sentido internas e externas são


estabelecidas.

• O campo de estudos dos fenômenos linguísticos, ao qual a Sociolinguística se dedica,


é aquele em que são estudadas as relações entre língua e sociedade.

• A partir da observação dos eventos linguísticos e do modo através do qual eles são
observados, é feita a compreensão daquilo que é observado.

• O mesmo fenômeno linguístico tem compreensões diferentes a partir da lente teórica


que é utilizada pelo pesquisador.

• A maioria das discussões sobre linguística parte dos estudos de Saussure.

• As línguas variam, e essa variação pode ser relacionada às características específicas


percebidas na estrutura social pela qual os falantes dessas línguas circulam.

• A Sociolinguística traz, para a centralidade dos estudos linguísticos, as relações entre


língua(gem), cultura e sociedade, a partir de uma perspectiva interdisciplinar que
refuta a noção de língua como entidade autônoma, apenas, estrutural ou mental.

• O dialeto tem a mesma origem da língua, mas é utilizado em contextos específicos,


porém, não é reconhecido, cultural e socialmente, como uma língua independente.

• A Libras é uma língua que se desenvolveu a partir da Língua de Sinais Francesa


(Langue de Signes Fançaise – LSF). De modo semelhante, a Língua de Sinais
Americana (American Sign Language- ASL), também, tem origem na LSF.

• A pluralidade linguística faz com que não exista um padrão homogêneo de usuário
da língua.

• A mutabilidade do sistema linguístico é uma característica constante do sistema, assim,


a mudança é um traço, sempre, presente. A variação é certeza no sistema linguístico.

28
• A palavra corpus é um termo que remete a todo o conjunto de materiais para a análise
linguística, ou seja, o conjunto de dados para a investigação em uma pesquisa.

• Uma pessoa surda, que tenha nascido surda, tem um estilo de uso da Libras diferente
de um surdo que perdeu a audição quando adulto e que aprendeu a língua de sinais
após já ter adquirido a língua oral-auditiva.

• O objetivo do Sociointeracionismo é perceber como os envolvidos em uma


conversação conseguem interpretar aquilo que é transmitido para além das palavras/
sinais e da estrutura das normas gramaticais postas em uso durante a interação
entre indivíduos.

• Dentro dessa teoria, são estudados os conceitos de posto (aquilo que é, expressamente,
dito), pressuposto (aquilo que aparece como sugestão durante a comunicação) e
subentendido (aquilo que o indivíduo precisa deduzir a partir da interpretação).

• A Sociolinguística Interacional pretende estudar como se dá o processo de construção


dessas informações subjacentes e como elas afetam o processo de compreensão do
que é dito.

29
AUTOATIVIDADE
1 A partir da observação dos eventos linguísticos e do modo através do qual eles
são observados, relacione, de forma CORRETA, Coluna I, Característica, à Coluna
II, Justificativa:

Coluna I Coluna II
(1) Estruturalismo ( ) A língua é propriedade da comunidade de
fala, existindo diversas variedades que sofrem
diversas pressões internas e externas, causando
variações que, como o tempo, podem vir a se
tornar outras línguas, de acordo com o status
que atingem, com a comunidade linguística de
falantes e com a complexidade estrutural.
(2) Gerativismo ( ) A língua é um sistema subjacente à fala e,
socialmente, adquirido no convívio entre os
falantes de determinada língua. Ou seja, a
estrutura de cada língua é adquirida através
do contato, mas esse contato não é o foco
dos estudos da linguagem, pois estes devem
se pautar no estudo dos caráteres formal e
estrutural da língua.
(3) Variacionismo ( ) A língua é um sistema mental que nasce com
os seres humanos, tendo parâmetros universais
que são ativados, ou não, de acordo com a língua
específica. Ou seja, as línguas são diferentes
porque cada uma delas aciona, ou não, um
parâmetro da Gramática Universal interna da
mente dos seres humanos.

Assinale a alternativa que apresenta a CORRETA numeração da Coluna II:


a) ( ) 2, 3 e 1.
b) ( ) 3, 1 e 2.
c) ( ) 1, 2 e 3.
d) ( ) 3, 2 e 1

30
2 Brigth (1964) delineia um conjunto de elementos definidos, socialmente, que ele
acredita estarem, diretamente, vinculados às variações observáveis na diversidade
linguística, ou seja, o autor desenha aquelas que, para ele, são as possibilidades de
estudo vinculadas à língua(gem), abarcadas pelas perspectivas teórica e metodológica
da Sociolinguística. De acordo com Alkmim (2011, p. 28-29), as possibilidades citadas
pelo autor são:

I- Identidade social do emissor ou falante.


II-Identidade social do receptor ou ouvinte.
III-
Contexto social.
IV-Julgamento social distinto que os falantes fazem do próprio comportamento
linguístico e sobre o dos outros, isto é, as atitudes linguísticas.
V- Direitos a omitir e a renegar a própria cultura.

Dentre essas afirmações, quais estão CORRETAS?


a) ( ) I, II, III e IV.
b) ( ) I, II, III e V.
c) ( ) II, III, IV e V.
d) ( ) I, III, IV e V.
e) ( ) I, II, IV e V.

3 De acordo com o estudo sobre as tendências de análise em Sociolinguística Variacionista,


analise as sentenças relacionadas à primeira onda, sobre o desenvolvimento do grande
quadro, classificando V para as verdadeiras e F para as falsas:

( )
Grandes estudos de levantamento de comunidades, geograficamente, definidas.
( )
Estudos etnográficos de comunidades definidas geograficamente.
( )
Hierarquia socioeconômica como um mapa do espaço social.
( )
Variáveis, como marcadores de categorias sociais primárias, e carregando traços de
prestígio/estigma.
( ) Estilo, como atenção prestada à fala, e controlado pela orientação em direção ao
prestígio/estigma.

Agora, assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – V – V – F – F.
b) ( ) F – F – V – V – V.
c) ( ) F – V – V – F – V.
d) ( ) V – F – V – V – V.
e) ( ) V – F – V – F – V.

31
4 Dentro da análise do discurso são estudados os conceitos de posto (aquilo que é
expressamente dito), pressuposto (aquilo que aparece como sugestão durante a
comunicação) e subentendido (aquilo que o indivíduo precisa deduzir a partir de sua
interpretação). A partir disso, estabeleça o que se pede sobre a seguinte sentença:

Maria deixou de dançar bem.

Posto:
Pressuposto:
Subentendido:

5 A Sociolinguística apresenta diferentes percepções para a observação do fenômeno


linguístico, na perspectiva dos estudos sobre Sociolinguística Interacional ou
Sociointeracionismo, temos aqueles estudos que observam o modo como os
discursos são atravessados por diferentes interpretações, a partir desta vertente,
descreva o objetivo do Sociointeracionismo.

32
UNIDADE 1 TÓPICO 2 -

VARIAÇÃO E MUDANÇAS LINGUÍSTICAS

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, neste tópico, estudaremos os conteúdos referentes à variação
linguística e às mudanças linguísticas. Deste modo, veremos como a Sociolinguística
estuda as variações da língua para compreender os fenômenos observados a partir do uso
que os falantes/sinalizantes fazem durante as interações em um dado contexto social.

A fim de estabelecermos as bases necessárias às discussões sobre variação


linguística, começaremos este tópico com as concepções de norma e uso na língua.
Assim, iremos apresentar quais são os aspectos linguísticos relacionados à discussão
e como eles são percebidos na Libras. A seguir, delimitaremos a noção de variação no
contexto do estudo das línguas, bem como os tipos de variação, a ligação entre variação
e comunidade linguística e, por fim, debatermos como as mudanças linguísticas e as
mudanças linguísticas estão relacionadas.

Neste tópico, você irá conhecer mais a Sociolinguística Variacionista, aquela


em que os estudos sobre a variação social ganham relevância para a discussão
acerca das concepções sobre os fatos da língua. Este estudo é importante para que
compreendamos que a variabilidade é uma característica das línguas vivas em que os
falantes/sinalizantes estão sempre demonstrando as suas peculiaridades através do
uso que fazem da língua.

2 AS CONCEPÇÃO DE NORMA E USO NA LÍNGUA


Acadêmico, provavelmente, você estudou, na escola, as regras ou normas
gramaticais da Língua Portuguesa de um jeito que fazia com que o estudo da língua
parecesse um apanhado de regras que precisavam ser decoradas, classificadas e
entendidas para que você compreendesse a gramática da língua. Dito de outro modo,
você, muitas vezes, sofreu a gramática. Este tipo de estudo da língua faz parecer que
existe uma fixidez normativa que prescreve as coisas da língua, ou seja, o modo como
a língua é estudada nas escolas faz parecer que existe um conjunto de regras que
impõe certas coisas imutáveis e invariáveis que determinam o uso da língua. Em outras
palavras, a tradição do estudo escolar sobre a língua nos deixa com a visão de
que a norma determina o uso. Assim, dá a entender que não sabemos aquilo que
efetivamente é nosso: a língua.

33
Então, acadêmico, neste momento, é importante destacar que é uma confusão
que mistura duas concepções da palavra norma, aliás, duas concepções que nós,
falantes/sinalizantes, sabemos bem, pois conseguimos nos movimentar tranquilamente
na língua a que tivemos acesso e, por isso, sabemos quando algo é apenas imposto e
quando é necessário à compreensão.

Para desenvolver este debate, iremos utilizar um pesquisador que estuda


bastante essa discussão entre norma, uso e preconceito linguístico, o professor Marcos
Bagno (2018). De acordo com ele, existe uma confusão entre as duas concepções de
norma, sendo que” O conceito de norma é um dos principais objetos de interesse da
sociologia da linguagem, e não poderia ser de outra maneira, uma vez que a norma
é, antes de tudo, um construto teórico que emerge do exame das relações sociais”
(BAGNO, 2018, p. 20). Deste modo, segundo o autor, as concepções de norma são
estabelecidas a partir dos usos que a sociedade delimita do entendimento destas
mesmas normas linguísticas, isso porque, de um lado a palavra norma pode estar
vinculada à normalidade, ou seja, aquilo que é de uso corrente dentro de uma
comunidade linguística; ou pode ser relacionado àquilo que é normativo, ou seja,
reconhecido socialmente como regra de uso da língua, mesmo que não seja de
uso comum. Observe a figura a seguir os exemplos em português e Libras para estas
diferenças entre as concepções de norma:

FIGURA 3 – NORMA E USO

NORMA PORTUGUÊS LIBRAS


REGRA estar OBRIGADO/OBRIGADA

USO Maria tá doente OBRIGADO/OBRIGADA

FONTE: Adaptada de Capovilla et al. (2017, p. 1989)

Observe que em ambos os exemplos a alteração lexical da palavra/sinal


aconteceu a partir da diminuição dos fonemas envolvidos para a realização, no Português
o verbo perdeu o “es” e o “r” final, já em Libras, a mão que ficava embaixo foi suprimida
na realização usual. Deste modo, o uso destas palavras mantém apenas parte dos seus

34
fonemas e, mesmo assim, permanecem reconhecidas pelos falantes/sinalizantes no
momento da conversação. Desta maneira, esses exemplos ilustram a ideia de que o
conceito de norma pode ter duas compreensões, como paradigma de correção ou como
uso corrente na comunidade linguística.

NOTA
A maioria das discussões linguísticas atuais utiliza os conceitos semelhantes
para fazer referência aos fenômenos da língua, desse modo, utilizaremos
fonema para fazer referências às partes que formam os sinais.

NOTA
A correspondência entre duas línguas nunca é exata, contudo, é possível
observamos os mesmos fenômenos linguísticos, levando-se em conta as
devidas peculiaridades de cada modalidade.

Ainda sobres as diferentes concepções do conceito de norma, Bagno (2018)


apresenta o seguinte Quadro que reproduzimos a seguir:

FIGURA 4 – COMPARAÇÃO ENTRE AS CONCEPÇÕES DE NORMA SEGUNDO BAGNO

FONTE: Bagno (2012, p. 21)

35
Observe na figura que as duas perspectivas têm pontos de vista opostos em
relação ao modo como analisar os fenômenos da língua e, com base, nestas perspectivas
também se depreende o entendimento sobre o uso que os usuários fazem da língua,
por exemplo, na perspectiva de uso corrente, o verbo “estar” reduzido à forma “tá” é
perfeitamente aceitável e funcional, já no ponto de vista normativo, este fenômeno
é percebido como um desvio da normal, ou seja, um erro. Assim, a noção de erro
está vinculada à visão normativa, em que existe uma regra a partir da qual os usos
são avaliados.

Desta compreensão normativa é que encontram suporte as percepções que


colocam apenas um modo de uso da língua como correto e todos os demais como
errados ou incorretos. Já as discussões que a Sociolinguística propõe são pautadas
no pressuposto de que os usuários da língua a utilizam a partir de diferentes contextos
sociais e estes contextos, ao serem analisados, mostrarão ao linguista como a língua
varia a partir das características sociais observadas.

Além disso, é importante termos em mente que a compreensão de variação


linguística e de norma como língua em uso, implica diretamente a questão de que língua
é poder, ou seja, o uso da língua também é uma forma de se estabelecer relações
sociais hierarquias, pois existem variações linguísticas que são reconhecidas como de
maior prestígio do que outras, e isso faz com que as pessoas que dominam as variações
mais prestigiadas tenham acesso a bens culturais, oportunidades e serviços. Esta visão
que coloca um uso como correto e outro como incorreto, caipira ou errado, faz com
que as pessoas que o utilizam sejam classificadas como ignorantes e tendo sua opinião
invalidade em diferentes contextos. Nisso, vemos a língua como forma de estabelecer
preconceitos e demonstrar relações de poder.

Em relação à Libras, destacaremos dois aspectos, primeiro, o preconceito


pautado na diferença, ou seja, na deficiência, que acarreta uma compreensão
equivocadas das questões relativas à surdez, como os entendimentos que tratam
a Libras como linguagem e não língua, ou a ideia de que todo surdo é mudo ou até
mesmo as representações que tratam o surdo de modo raso através de generalizações
como a ideia e que todo o surdo é visual e bastam figurinhas acompanhando os textos
em Português que estaria tudo bem ou que colocam o surdo oralizado como aquele
mais capaz de se estabelecer em sociedade do que o surdo sinalizante ou até aquela
compreensão de que o indivíduo surdo necessita sempre da intervenção de um ouvinte
para se colocar no mundo. Dito de outro modo, neste aspecto estão as percepções de
que sem o domínio da língua majoritária, o surdo não é capaz de se desenvolver em
sociedade, deste modo, entram também as percepções que veem o surdo a partir de
sua capacidade de compreensão e expressão na Língua Portuguesa, assim, colocando
o domínio da língua majoritária como parâmetro de êxito comunicativo.

36
O segundo aspecto é o preconceito pautado no uso da Libras, pois o maior
ou menor domínio da língua de sinais acaba por proporcionar, também, situações e
que a sinalização de alguém pode ser classificada como menos adequada ou apenas
vinculada a uma região, ou ainda, demonstra o uso da língua feito por um surdo que
sabe Libras e um ouvinte, ou entre surdos que tiveram e os que não tiveram o acesso à
Língua de Sinais. Para ilustrar este tipo de situação, trazemos o exemplo de uma situação
em uma pessoa surda se recusava a estabelecer um diálogo a não ser que o interlocutor
soubesse Libras com fluência, ou do surdo que não sabe Libras e a dificuldade de
comunicação tanto na língua majoritária quanto em Libras.

Desta maneira, as concepções de norma são importantes para a


Sociolinguística porque é a partir da perspectiva de uso que a compreensão
da variação linguística se estabelece, pois, é preciso ver as variações como modos
diversos de se utilizar a língua e, a partir disso, procurar analisar quis as características
sociais que estão relacionadas com as variações observadas. Dito de outro modo, é
implícito ao estudo da variação o entendimento dos desvios da norma como uso e não
como erro. Assim, o estudo da língua na perspectiva da Sociolinguística também está
vinculado ao estudo do preconceito linguístico porque a visão da língua e dos falantes
de dada variante da língua é perpassada pela visão linguística dos “erros” ou falares
desprestigiados, ou seja, aqueles que estão ligados a variantes de menos prestígio social.

Acadêmico, neste subtópico debatemos as concepções de norma e sua relação


com o uso que os usuários fazem durante a utilização da língua. Assim, percebemos
que as noções sobre o conceito de norma variam entre a ideia de uso corrente ou
de um regramento idealizado; ademais vimos como estes entendimentos opostos
ocasionam visões contrárias sobre os fenômenos da língua, na ideia de uso corrente
por dada comunidade linguística, acarreta a perspectiva da variação; já na visão de
paradigma a ser seguido, a noção de norma acaba por sustentar o preconceito linguístico.

ESTUDOS FUTUROS
Na Unidade 2 também serão discutidos alguns aspectos vinculados ao
debate sobre preconceito linguístico.

DICA
Você sabia que o professor Marcos Bagno escreveu um texto ficcional em
que a ideia é escrever uma novela sociolinguística? O nome do livro é A
Língua de Eulália, a seguir apresentamos a capa e a sinopse deste livro
muito interessante!

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CAPA E SINOPSE DO LIVRO A LÍNGUA DE EULÁLIA, DE MARCOS BAGNO

FONTE: <https://bit.ly/3Sc7HBA>. Acesso em: 2 dez. 2021.

Nossa tradição educacional sempre negou a existência de uma pluralidade


de normas linguísticas dentro do universo da língua portuguesa; a própria
escola não reconhece que a norma padrão culta é apenas uma das muitas
variedades possíveis no uso do português e rejeita de forma intolerante
qualquer manifestação linguística diferente, tratando muitas vezes os alunos
como "deficientes linguísticos". Marcos Bagno argumenta que falar diferente
não é falar errado e o que pode parecer erro no português não padrão tem
uma explicação lógica, científica (linguística, histórica, sociológica, psicológica).
Para explicar essa problemática, o autor reúne então, em A LÍNGUA DE EULÁLIA,
as universitárias Vera, Sílvia e a esperta Emília, que vão passar as férias na
chácara da professora Irene. Sempre muito dedicada, Irene se reúne todos
os dias com as três professoras do curso primário, transformando suas férias
numa espécie de atualização pedagógica, em que as "alunas" reciclam seus
conhecimentos linguísticos. Mais do que isso, Irene acaba criando um apoio
para que as "meninas" passem a encarar de uma nova maneira as variedades
não padrão da língua portuguesa. A novela flui em diálogos deliciosamente
informativos. A LÍNGUA DE EULÁLIA trata a sociolinguística como ela deve ser
tratada: com seriedade, mas sem sisudez.
FONTE: Amazon (s.d., s.p.)

38
3 O QUE É VARIAÇÃO LINGUÍSTICA?
Acadêmico, a palavra variação já traz em si a noção mudança, alteração e
diversidade, e, ao fazermos a ligação com a Linguística, podemos depreender que a
variação linguística está relacionada à diversidade de usos que os falantes/sinalizantes
demonstram em sua utilização da língua. A fim de introduzir a discussão sobre variações
linguísticas convidamos você a ler o verbete Variação Linguística do glossário on-
line do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE) reproduzido a seguir, pois ele
apresenta uma síntese bastante interessante sobre o assunto:

Variação linguística
O termo variação se aplica a uma característica das línguas humanas que faz
parte de sua própria natureza: a heterogeneidade. A palavra língua nos dá uma ilusão
de uniformidade, de homogeneidade, que não corresponde aos fatos. Quando nos
referimos ao português, ao francês, ao chinês, ao árabe etc., usamos um rótulo único
para designar uma multiplicidade de modos de falar decorrente da multiplicidade das
sociedades e das culturas em que as línguas são faladas. Cada um desses modos de
falar recebe o nome de variedade linguística. Por isso, muitos autores definem língua
como “um conjunto de variedades” e substituem a noção da língua como um sistema
pela noção da língua como um polissistema, formado por essas múltiplas variedades.

A variação linguística se manifesta desde o nível mais elevado e coletivo –


quando comparamos, por exemplo, o português falado em dois países diferentes (Brasil
e Angola) – até o nível mais baixo e individual, quando observamos o modo de falar de
uma única pessoa, a tal ponto que é possível dizer que o número de “línguas” num país
é o mesmo de habitantes de seu território. Entre esses dois níveis extremos, a variação
é observada em diversos outros níveis: grandes regiões, estados, regiões dentro
dos estados, classes sociais, faixas etárias, níveis de renda, graus de escolarização,
profissões, acesso às tecnologias de informação, usos escritos e usos falados.

A consciência de que a língua é variável remonta à Antiguidade, quando os


primeiros estudiosos da língua grega tentaram sistematizá-la para o ensino e para
a crítica literária. Eles, no entanto, fizeram uma avaliação negativa da variação, que
viram como um obstáculo para a unificação territorial e para a difusão da língua. Foi
nessa época (século III a.C.) que surgiu a disciplina chamada gramática, dedicada
explicitamente a criar um modelo de língua que se elevasse acima da variação e
servisse de instrumento de controle social por meio de um instrumento linguístico.
A consequência cultural desse processo histórico é que o termo língua passou a
ser usado, no senso comum, para rotular exclusivamente esse modelo idealizado,
literário, enquanto todos os usos reais, principalmente falados, foram lançados à
categoria do erro.

39
Com os avanços das ciências da linguagem, essa visão foi abandonada: o
exame minucioso de cada variedade linguística revela que ela tem sua própria lógica
gramatical, é tão regrada quanto a língua literária idealizada, e serve perfeitamente
bem como recurso de interação e integração social para seus falantes. Diante
disso, um novo projeto de educação linguística vem se formando: é preciso ampliar
o repertório e a competência linguística dos aprendizes, levá-los a se apoderar da
escrita e dos muitos gêneros discursivos associados a ela, sem [,] contudo, desprezar
suas variedades linguísticas de origem, valorizando-as, ao contrário, como elementos
formadores de sua identidade individual e social e como patrimônio cultural do país.
Verbetes associados: Dialeto, Gêneros do discurso, Língua,
FONTE: BAGNO (s.d., s.p.)

Neste texto, vemos uma síntese da noção de variação como parte inseparável
do estudo das línguas, além disso, o autor chama atenção para a percepção de que
o termo língua nos dá uma falsa sensação de uniformidade, mas dentro da realidade
linguística cabem inúmeras variedades que estão no interior de uma língua. Após,
Bagno (s.d.) nos apresenta que a variação pode ser desde o nível entre línguas até o
estágio individual, a ponto de afirmar que existem tantas línguas quanto o número de
usuários de determinada língua, a seguir, ele destaca que a percepção de que as línguas
variam é antiga, mas que esta diversidade era vista como negativa, por isso, surgiram
os estudos gramaticais que estabeleceram regras de uso da língua que acabaram por
colocar todos os demais usos dentro da perspectiva do erro, por isso, serve até os dias
de hoje como parâmetro de inserção social. Por fim, o autor apresenta a visão atual dos
estudos linguísticos, aquela que percebe as variantes como formas válidas de utilização
da língua, também, coloca que esta compreensão traz para o ensino da língua a
perspectiva de aprendizagem das diferentes formas de uso da língua e da valorização da
diversidade linguística dos aprendizes. Dessa forma, o verbete é bastante interessante
por trazer uma visão ao mesmo tempo sintética e abrangente da compreensão sobre a
variação linguística.

Tendo isso em vista, analisemos agora o conceito de variação linguística


apresentado por Coelho et al. (2010, p. 23):

Variação [linguística] É o processo pelo qual duas formas podem


ocorrer no mesmo contexto linguístico com o mesmo valor
referencial, ou com o mesmo valor de verdade, i.e.[ou seja], com o
mesmo significado. Dois requisitos devem, pois, ser cumpridos para
que ocorra variação: as formas envolvidas precisam:
ser intercambiáveis no mesmo contexto e
manter o mesmo significado.

Desta maneira, ao serem analisadas possibilidades de variação linguística


devemos analisar se os usos observados podem ser trocados dentro do mesmo contexto
sem acarretar alterações significativas de sentido. Para ilustrar isso, vamos observar o
exemplo ESTUDAR apresentado por Machado e Weiniger (2018, p. 58):

40
FIGURA 5 – VARIAÇÃO FONOLÓGICA SINAL DE ESTUDAR EM LIBRAS
VIDEOAULA YOUTUBE

FONTE: Machado e Weiniger (2018, p. 58)

Neste exemplo, os autores chamam a atenção para a realização do sinal ter


sido feita de modo diferente quanto à locação, pois, no exemplo da videoaula, ESTUDAR
está realizado na altura do peito e, no exemplo do YouTube, ele é feito na altura da
boca, porém, esta variação não altera o significado do sinal nem possibilidade de uso,
estando dentro daquilo que os autores chamam de variação livre do sinal realizada
pelo indivíduo e que não afetam a compreensão do sinal realizado.

Agora que já debatemos sobre a compreensão de variação linguística, vamos


estudar os tipos de variação linguística, de acordo com Dubois et al. (1973, p. 609):
“Chama-se variação [linguística] o fenômeno no qual, na prática corrente, uma língua
determinada não é jamais, numa época, num lugar e num grupo social dados, idêntica
ao que ela é noutra época, em outro lugar e em outro grupo social”. Assim, o conceito
de variação linguística está relacionado à diversidade dos usos da língua ligada ao
período histórico, à localização geográfica e a fatores sociais relacionados aos grupos
sociais observados.

Ainda sobre os tipos de variação linguística, Coelho et al (2010) colocam que


estas podem ser divididas entre as provocadas por fatores internos à língua e aquelas
que são geradas através de condições externas à língua. Ainda segundo os autores as
variações internas podem ocorrem em todos os níveis linguísticos desde o nível
mais básico das alterações entre os fonemas que compõem as palavras, à relação entre
as palavras dentro das sentenças e das sentenças dentro de um texto; e as variações
externas são aquelas vinculadas à fatores não linguísticos, mas que também
influenciam nas variações que a língua apresenta, tais como o fator de localização
geográfica. Ademais, destacam que a variação do léxico (palavras/sinais) é bastante
estudada pela dialetologia e que o estudo da diversidade fonética está mais vinculado
aos estudos da Sociolinguística.

Ainda, segundo Coelho et al. (2010), as variações vinculadas à categoria de


alterações internas à língua são os estudos relativos às variações nos seguintes
níveis listados a seguir e que foram adaptados para este material com base em
Coelho et al. (2010):

41
Variação lexical: mudança de léxico de acordo com a região geográfica e
escolhas vocabulares de acordo com a formalidade ou informalidade da situação, por
exemplo, os diferentes sinais de MÃE em Libras, no sinal à Esquerda, a realização é feita
com o dedo na configuração em D que toca a lateral do nariz duas vezes, já o sinal à
Direita é formado pela junção dos sinais de MULHER + BENÇÃO;

FIGURA 6 – SINAIS DIFERENTES PARA A PALAVRA MÃE

FONTE: As autoras

• Variação fonológica: modificações entre fonemas nas palavras, com a troca de


fonemas na realização das palavras/sinais, como o exemplo de OBRIGADO, que vimos
anteriormente, em que uma parte do sinal foi suprimida.
• Variação morfofonológica, morfológica e morfossintática: estas são as
alterações que envolvem a forma das palavras ou sinais, como no exemplo colocado
acima do sinal de ESTUDAR em que o ponto de articulação (um dos parâmetros para
formação de sinais) sofreu alteração.
• Variação sintática: são aquelas variações no nível da relação e da função das
palavras dentro da sentença, por exemplo, as alterações dos usos dos pronomes
ou da ordem das palavras/sinais dentro da frase, nas sentenças a seguir, podemos
observar uma variação sintática em relação às sentenças apresentadas, na que está
à Direita, vemos que a ordem SVO (Sujeito-Verbo-Objeto) é utilizada, já na que está à
Esquerda, o verbo PERDER é repetido dando foco, ou seja, ênfase, ao que aconteceu
através desta estratégia de repetição, numa ordem SVO(V).

FIGURA 7 – SETENÇAS EM LIBRAS

42
FONTE: Adaptada de Quadros e Karnopp (2004)

• Variação e discurso: são aquelas variações no nível da relação entre as sentenças


e no encadeamento delas dentro no discurso, para exemplificar este fenômeno de
variação discursiva em Libras recomendamos a leitura na íntegra do artigo elaborado
por Anater e Passos (2009) presente no volume IV da Coleção Estudos Surdos, nele,
os autores comparam a sinalização de uma história em quadrinhos feita por quatro
sinalizantes diferentes, aqui, reproduziremos apenas a comparação entre dois dos
sinalizantes das cenas 2 e 3 em que uma menina faz uma bola de neve.

FIGURA 8 – EXEMPLO DE VARIAÇÃO DE DISCURSO

[ela ou a menina] sentiu vontade de estar [...] e até que [ela] viu aquela neve [ela]
brincando e [ela] fez uma bolinha apertou observou e [ela] começou a apertar
[a bolinha] de vários modos [...] [ela] faz fazendo uma bolinha [...] [ela] juntou uma
uma bola de neve e [a bola] precisa ficar bola de neve e [...] [ela] brincava fazendo
bem compacta bolinha de neve,
FONTE: Anater e Passos (2009, p. 63-65)

43
Observe que, de acordo com os autores, a partir da mesma imagem motivadora
cada um dos sinalizantes organizou o discurso em Libras de modo diferente,
demonstrando a variação discursiva possível a partir do discurso dado.

Em relação às variações externas, Coelho et al. (2010) colocam que elas estão
vinculadas à fatores externos ao funcionamento da língua, ou seja, os fatores sociais
estudados pela Sociolinguística que também trazem alterações nos usos da língua, é
interessante destacar que as variações serão, normalmente, observáveis em relação
aos fatores internos e aos fatores externo ao mesmo tempo, observemos a listagem a
seguir foi adaptada dos autores citados no início deste parágrafo:

• Variação regional ou geográfica ou diatópica: é a variação que está relacionada


ao local em que o usuário reside por ser característica geograficamente da região,
por exemplo, quanto sinal de MÃE utilizado acima, a variação com apenas uma
configuração de mão é característica do sul do Brasil;

• Variação social ou diastrática: são aquelas em que os elementos sociais estão


envolvidos, segundo coelho et al. (2010, p. 78), “Os principais fatores sociais que
condicionam a variação linguística são o grau de escolaridade, o nível socioeconômico,
o sexo/gênero, a faixa etária e mesmo a profissão dos falantes”, assim, neste tipo
de variação estão inseridos os sinais específicos de cada profissão, por exemplo, a
variação do sinal de LÍNGUA, no sentido de linguístico e no sentido de parte do corpo,
como podemos ver em Capovilla et al. (2017, p. 1683):

FIGURA 9 – SINAL DE LÍNGUA EM LIBRAS: LINGUÍSTICA E PARTE DO CORPO

FONTE: Capovilla et al. (2017, p. 1388)

Observe que são sinais completamente diferentes, ou seja, a variação


lexical, neste caso, também é uma variação diastrásica, ou seja,
social; porque está vinculada ao jargão profissional específico.

• Variação estilística ou diafásica: está vinculada aos estilos de comunicação, mais


formal, mais informal de acordo com a situação comunicativa e o falante, no exemplo
colocado acima da narração das cenas da história em quadrinhos isso aparece como
a variação do discurso de cada um dos sinalizantes pelo modo como se percebe
participante de uma pesquisa e isso aparece na forma como sinalizam as cenas.

• Variação na fala e na escrita ou diamésica: esta variação procura perceber como


são diferentes as formas como os usuários da língua a utilizam na fala e na escrita, em
Libras, ainda é um pouco complexo se falar nessa variação devido ao pouco número

44
de usuários que sinalizam e escrevem em língua de sinais através de um sistema
de escrita, acreditamos, que, com o tempo talvez possamos enxergar um fenômeno
semelhante ao que é visto entre a LP falada e a LP escrita, que é a fixidez maior do
texto escrito, mas ainda é uma hipótese neste contexto.

Acadêmico, nesta subtópico debatemos o conceito de variação linguística,


vimos como a própria palavra já traz em si a ideia de alteração e diversidade, além disso,
vimos como pode ser compreendida a noção de variação no estudo das línguas e, por
fim, estudamos as variações que acontecem nos níveis internos e externos à língua. Em
seguida, veremos qual é o conceito de comunidade linguística e como ele se relaciona
aos estudos da variação.

DICA
Num vídeo bimodal a TV Unesp apresenta um UNESP
notícias em que dois especialistas falam sobre a
variedade linguística em Libras, o interessante é que
os dois professores falam sobre os mesmos aspectos,
mas cada um em uma modalidade. A professora
Angélica Rodrigues é ouvinte e apresenta em LP oral, já o professor
Rimar Segala apresenta, mesmo tempo, em Libras. Assim, além
de estar relacionado a nossa discussão também é um vídeo bem
interessante em relação à organização da apresentação em duas
modalidades ao mesmo tempo.

4 COMUNIDADE LINGUÍSTICA E VARIAÇÃO LINGUÍSTICA


Acadêmico, vimos que as variações linguísticas são os diferentes modos
como a língua se modifica a partir de fatores que podem ser internos ou externos a
ela, mas, para que possam ser observados as diferentes maneias como a língua se
modifica, é necessário que haja a interação entre indivíduos que partilhem das mesmas
normas linguísticas, no sentido de usos compartilhados da língua. Desta forma, para
que variações sejam perceptíveis deve ser possível observar a língua em uso em um
grupo de pessoas que sejam capazes de acessar as mesmas diretrizes linguísticas
compartilhadas, assim, as comunidades linguísticas são o ambiente em que os falantes/
sinalizantes interagem através da língua e, por isso, são o âmbito em que podem ser
observas as variações linguísticas.

Além disso, é interessante deixarmos claro que as comunidades linguísticas


não são excludentes ou exclusivas, assim, um mesmo indivíduo pode fazer parte de
diferentes comunidades linguísticas de acordo com os grupos sociais a que pertence,
de acordo com Dubois et al. (1973), uma nação monolíngue pode ser considerada uma
comunidade linguística, mas esta nunca será homogênea, pois é formada por diferentes

45
outros grupos que têm especificidades linguísticas peculiares, por exemplo, uma pessoa
que sabe português e Libras está inserida, minimamente, em duas comunidades
linguísticas diferentes, neste caso, comunidade é igual a línguas diferentes, mas se esta
pessoa também tem uma profissão específica, como ser médica, ela ainda compartilhará
do jargão específico dos médicos e participará desta comunidade linguística. Dito de
outro modo, assim como as línguas variam entre si, elas também variam e seu interior
a partir de grupos de pessoas que interagem linguisticamente e compartilham das
normas de uso específicas destas comunidades.

Para continuarmos nosso debate sobre a relação entre comunidade linguística


e variação, podemos observar que Alkmim (2011, p. 31) coloca que “[...] objeto da
Sociolinguística é o estudo da língua falada, observada, descrita e analisada em seu
contexto social, isto é, em situações reais de uso”. Assim, não apenas os estudos
sobre variação analisam o fenômeno linguístico através da observação das relações
sociais estabelecida linguisticamente, mas toda a Sociolinguística tem como propósito
observar as relações constituídas pela e através do uso da língua pelos indivíduos em
seus grupos sociais. Isso ocorre porque “Seu [da Sociolinguística] ponto de partida é a
comunidade linguística, um conjunto de pessoas que interagem verbalmente e
que compartilham um conjunto de normas com respeito aos usos linguísticos”
(ALKMIM, 2011, p. 31, grifo nosso). Logo, as comunidades linguísticas não são,
necessariamente, definidas regionalmente, mas de acordo com o compartilhamento
a língua.

Ainda sobre a delimitação do conceito de comunidade linguística, “[...] uma


comunidade de fala se caracteriza não pelo fato de se constituir de pessoas que
falam do mesmo modo, mas de indivíduos que se relacionam, por meio de redes
comunicativas diversas, e que orientam seu comportamento verbal por meio do
mesmo conjunto de regras” (ALKMIM, 2011, p. 31, grifo nosso). Tendo isso em vista,
observamos que uma comunidade linguística é o grupo de pessoas que utilizam a
mesma coleção de regras específicas que fazem com que estes indivíduos se organizem
através de códigos da língua que são socialmente compartilhados no interior deste
grupo de falantes/sinalizantes.

Outro aspecto relevante para a discussão é o de que uma “[...] Comunidade


linguística é todo e qualquer grupo humano que utiliza um código verbal comum,
imposto pela impossibilidade de ser exclusivo. E tal imposição se dá mediante
normas que atuam como solidariedade social e força de coesão do código linguístico”
(BORIN, s.d., p. 8). Assim, os autores destacam que, no interior de uma comunidade
linguística, existem forças que atuam para que, ao mesmo tempo que existe um código
compartilhado comum que permite certas variações, estas também são controladas
pelo mesmo conjunto de regras que permitem que elas existem. Dito de outro modo,
ao mesmo tempo que as línguas variam, elas não variam de qualquer modo, mas
apenas das maneiras que o próprio sistema permite, tendo em vista a necessidade
de se manter uma conexão linguística proporcionada e controlada pelo próprio código
verbal compartilhado.

46
Assim, neste subtópico, vimos que uma comunidade linguística é um grupo de
indivíduos que compartilham de regras de uso de uma língua e se relacionam com as
variações linguísticas e com a Sociolinguística por ser em seu interior que se realizam
os fenômenos linguísticos observáveis que são objeto do estudo da Sociolinguística. A
seguir, vamos debater as mudanças e variações linguísticas.

DICA
Na atualidade, as nossas relações linguísticas ganharam a dimensão digital, ainda
mais depois do aumento formidável do uso das Tecnologias Digitais de Informação e
Comunicação (TDICs) em nosso cotidiano. No artigo Comunidades Virtuais, Comunidades
Linguísticas, Carmem Pimentel apresenta a compreensão de que as comunidades
linguísticas têm, agora, uma dimensão virtual que se enquadra na concepção de
comunidades linguísticas. A seguir, é colocado o Cr-code e link que que levam diretamente
à página em que o trabalho está disponibilizado, bem como o resumo do artigo para você
ter uma noção do que a autora apresenta. Vale a pena a leitura!

Acesse: http://www.institutodeletras.uerj.br/idioma/numeros/29/Idioma29_a05.pdf.

COMUNIDADES VIRTUAIS, COMUNIDADES LINGUÍSTICAS

Carmen Pimentel

RESUMO
A era da informação ou a era do conhecimento é caracterizada pela mudança na maneira
de comunicação da sociedade e pela valorização crescente da informação, que circula
a velocidades e quantidades até então inimagináveis. Nesse contexto, que possibilita a
comunicação mais ágil entre os indivíduos, independentemente da localização geográfica
e em meio a um quadro de mudanças sociais confusas e incontroláveis, manifesta-se
uma tendência nas pessoas de se reunirem em grupos sociais visando compartilhar
interesses comuns. Passou-se a viver uma realidade diferente, em que as barreiras
espaciais, temporais e geográficas já não são tão significativas, quando as redes globais
de intercâmbios conectam e desconectam indivíduos, grupos, regiões e até países sob os
efeitos globalizantes provenientes da pós-modernidade. O indivíduo, assim, desprovido
de referências tradicionais saiu à procura de pessoas com as quais pudesse compartilhar
interesses em comum, uma vez que é da natureza humana se relacionar socialmente.
Nos últimos tempos, tal prática parece intensificar-se com a presença das redes mundiais
de computadores, que aproximam os indivíduos e possibilitam o surgimento de novas
formas de relações sociais: as comunidades virtuais, espécie de agrupamentos humanos
constituídos no ciberespaço ou no ambiente virtual.

PALAVRAS-CHAVE: Comunidades virtuais. Comunidades linguísticas. Ciberespaço.

FONTE: Pimentel (2015, p. 181-198)

47
5 DIFERENÇAS ENTRE VARIAÇÃO E MUDANÇAS
LINGUÍSTICAS
Os conceitos de variação e mudanças linguísticas são relacionados porque “[...]
a mudança linguística marca diferentes fases ou período na variação diacrónica.
Por outro lado, a mudança constitui uma selecção das formas linguísticas em variação
geográfica ou social, abandonando umas e generalizando outras à comunidade” (ROCHA,
2008, s.p., grifo nosso). Assim, a variação que pode ser percebida ao longo do tempo dará
origem às mudanças linguísticas, dito de outro modo, as variações ao longo da história de
uma palavra ou sinal nos mostrarão como a mudança dele ocorreu na língua.

NOTA
Sincronia e diacronia são maneiras de se perceber e estudar o fenômeno
linguístico, na sincronia, ele é estudado em um dado momento histórico,
fazendo um recorte histórico; já na diacronia o objeto de pesquisa é
estudado ao longo do tempo para perceber a evolução que sofreu ao longo
da história. Para fins de compreensão dos tipos de estudos, podemos
pensar que a sincronia é uma foto e a diacronia, um filme; na foto vemos
um instante específico no tempo, já no filme, acompanhamos uma história
ao longo de certo tempo.

De acordo com Diniz (2010, p. 44), as mudanças linguísticas ocorrem porque:

Toda língua tem a sua vida própria e “alimenta-se” a partir da


comunicação dos falantes, quando entram em contato com seus
pares. Quando alimentada, a língua é transformada naturalmente, seja
por fatores internos à própria língua (e.g. a fisiologia da articulação),
seja por fatores externos (e.g. o contato com outras línguas).

Logo, a mudança é um processo natural das línguas, pois nasce da interação


entre os usuários dela, além disso, a autora destaca que as mudanças podem acontecer
através do uso que os falantes/sinalizantes fazem na comunidade linguística ou pelo
contato entre diferentes grupos sociais que utilizam o mesmo código linguístico ou
nas situações em que línguas diferentes entram em contato e, para a comunicação,
necessitam estabelecer formas de entendimento, levando também a mudanças
linguísticas que pode, inclusive, dar origem a outros sistemas linguísticos.

As mudanças que acarretam a transformação de uma língua em outra,


demoram muito tempo, pois a estrutura de uma língua não se altera rapidamente. Já
as mudanças lexicais são menos lentas e muito importantes para que a língua siga viva
e se apropriando/elaborando vocabulários para as novas tecnologias que surgem no
dia a dia, para as modificações das relações sociais e para a agilidade necessária para a
comunicação (MCLEARY, 2009).

48
Ao observarmos o caso das línguas de sinais, podemos perceber que muitos dos
vocábulos tiveram origem no contato com as línguas orais, por exemplo, o sinal de AZUL
(STROBEL; FERNANDES, 1998, p. 3) demonstra claramente o processo de mudança de
um léxico, inicialmente datilológico, em direção à simplificação e especificação mais
adequada às línguas de sinais.

FIGURA 10 – EVOLUÇÃO DO SINAL DE AZUL

FONTE: Strobel e Fernandes (1998, p. 3)

Observe que o primeiro sinal registrado pelas autoras apresenta a palavra


AZUL realizada através do alfabeto de sinais, após, existe uma fase intermediária em
que se mantêm os sinais equivalentes às letras A e L, mas ainda com a movimentação
lateral da Esquerda para a Direita com vai e volta no movimento, por fim, o terceiro
sinal registrado pelas autoras apresenta ainda as letra A e L, mas agora com uma
movimentação mais orgânica e simplificada, tendo em vista que passa ser apenas um
deslocamento frontal com movimento reto. Logo, o sinal passou por uma mudança que
partiu da datilologia vinculada à língua oral e passou a um sinal mais adaptado à Libras
através de modificações linguísticas que se deram através do uso pelos sinalizantes.

Ainda sobre as mudanças linguísticas, podem ser observadas aquelas que


acontecem devido à variação do sinal de acordo com o modo como um processo
descrito pelo sinal é modificado socialmente, por exemplo, Diniz (2010, p. 44) apresenta
a mudança ocorrida no sinal de CAFÉ, observe a comparação entre o primeiro e o
segundo sinais:

FIGURA 11 – MUDANÇA NO SINAL DE CAFÉ

FONTE: Diniz (2010, p. 44)

49
Observe que o primeiro sinal faz referência direta à moagem do café, que era
feita num pilão, já o sinal mais atual faz referência à xícara de cafezinho e ao movimento
de tomar o café, esta diferença demonstra a capacidade da língua de se atualizar de
acordo a forma como a sociedade também muda. Neste exemplo, vemos claramente
uma modificação de comportamento social que aparece no uso da língua, pois,
atualmente, raras são as pessoas que moem seu café em casa, muito menos com um
pilão, logo, o sinal de 1875 não encontra mais referente na realidade e, talvez por isso, os
usuários da língua adotaram, ao longo do tempo, um novo sinal que faz mais sentido na
realidade vivenciada pelos indivíduos que utilizam a Libras.

Ainda Diniz (2010), chama a atenção para o fato de que as mudanças na


língua são graduais, contínuas e regulares; assim, as modificações na língua ocorrem
aos poucos e sempre seguem as regras estruturais da língua envolvidas. Por fim,
observemos a evolução do sinal de e-mail, uma palavra emprestada da língua inglesa
vinculada à tecnologia:

FIGURA 12 – EVOLUÇÃO DO SINAL DE E-MAIL EM LIBRAS

FONTE: Diniz (2010, p. 48)

Observe que o sinal inicial era formado pela sinalização das letras E e M, que
faziam a referência às letras iniciais da palavra E-MAIL, na sua realização o sinal trazia o
movimento em que o M era passado no meio do E para dar a ideia de envio. Já no sinal
mais atual, a vinculação à escrita da palavra foi deixada de lado, dando mais ênfase ao
sentido de comunicação por mensagem, utilizando a configuração em C e mantendo
o movimento que é característico dos sinais que envolvem sentidos de algo que é por
meio de ou através de. Assim, esta mudança fez com que o sinal de deslocasse de um
vínculo com a escrita e passasse a ter um sinal mais adequado às regras estruturais e
semânticas da Libras.

50
Acadêmico, neste subtópico, estudamos que as variações linguísticas ao longo
da história acarretam as mudanças linguísticas que serão observadas através do estudo
diacrônico da língua. Além disso, vimos que as mudanças estruturais das línguas são
mais demoradas do que as mudanças lexicais e fonológicas, ou seja, as mudanças
que modificam a gramaticais, que podem dar origem a outras línguas, são muito mais
demoradas do que as mudanças que ocorrem em relação à criação e apropriação
de palavras/sinais ou aquelas que modificam algum dos parâmetros fonológicos de
sinalização, ou seja, que mudam partes dos sinais. A seguir iremos discutir os contatos
linguísticos entre as línguas e a influência destes nas estruturações e reestruturações
das línguas em contato.

DICA
A dissertação de Diniz (2010) é bastante pertinente
para a discussão apresentada nesta seção, por isso,
recomendamos a leitura na íntegra de “A história da Língua de
Sinais Brasileira (Libras): um estudo descritivo de mudanças
fonológicas e lexicais”. Acesse: Link: https://repositorio.
ufsc.br/bitstream/handle/123456789/93667/282673.
pdf?sequence=1&isAllowed=y.

ESTUDOS FUTUROS
No próximo tópico, estudaremos mais detidamente os contatos entre
línguas diferentes e as mudanças linguísticas mais profundas que
acarretam, inclusive a emergência de outros sistemas linguísticos que
podem, oportunamente, serem reconhecidos como línguas diferentes. Dito
de outro modo, quando a mudança atinge os níveis estruturais da língua ela
dá origem a outros fenômenos que estudaremos mais adiante.

INTERESSANTE
Conforme combinamos no final do Tópico 1, a seguir será disponibilizada
a parte final do artigo Reflexões Sociolinguísticas sobre a Libras (Língua
Brasileira de Sinais). Nela, os autores discutem a questão do contato
linguístico, após debatem as noções de variação linguística e apresentam
alguns argumentos quanto à existência ou não de uma língua dita
“pura”. Por fim, tecem considerações finais em que retomam os pontos
levantados durante o artigo. Boa leitura!

51
REFLEXÕES SOCIOLINGUÍSTICAS SOBRE A LIBRAS (LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS)

Angelica Rodrigues
Anderson Almeida da Silva

[...]

Contato linguístico

A Libras existe no Brasil há pelo menos 159 anos, pois no ano de 1857 foi fundado
no Rio de Janeiro o primeiro Instituto Nacional para Educação de pessoas Surdas, o
INES. Anteriormente à criação do instituto, a língua já existia nas ruas, nas casas, com
menor difusão e estabilidade, no seio das comunidades surdas. Somente a partir da
institucionalização da educação de surdos, surgiram os primeiros registros lexicográficos
da língua e o interesse de profissionais em garantir a sua sobrevivência e difusão.
Atualmente, a Libras não é um idioma oficial da nação brasileira, mas é reconhecida
oficialmente pela Lei 10.436/2002 e pelo Decreto 5.626/2005. Ela existe e pode ser
utilizada ampla e indistintamente pelos surdos brasileiros, que tiveram, com a aprovação
dessas leis, suas especificidades linguísticas reconhecidas.

A ideia equivocada de que o Brasil é um país monolíngue já foi rebatida em inúmeros


trabalhos (LEITE; CALLOU, 2002) em que se discutem a realidade multilíngue e
multidialetal do país, onde convivem, ao lado das variedades do português, as línguas
nativas brasileiras, as línguas de imigrantes e as línguas de sinais. Uma vez que a língua
oficial do país é o português, toda instrução formal é dada nessa língua, o que tem
desdobramentos na realidade linguística dos falantes não-nativos do português ou
bilíngues. Grande parte da população não falante de português acaba inevitavelmente
tendo o português como língua de instrução unicamente, salvo raras exceções de escolas
bilíngues. No que diz respeito à comunidade surda, o contato com o português pode se
efetivar de duas maneiras. Os surdos oralizados aprendem apenas o português ou são
bilíngues. Os surdos não oralizados usam o português somente na modalidade escrita,
sendo a Libras considerada sua única língua materna.

Seja como for, o fato de os surdos estarem inseridos num contexto em que o português
figura como língua majoritária faz com que a Libras, assim como outras línguas minorizadas,
se constituam como uma ilha linguística num mar de português. Desse modo, o contato
com o português é inevitável.

Segundo Thomason e Kaufman (1988), há duas pré-condições para que haja empréstimos
entre línguas, quais sejam, contato social intenso e falantes bilíngues. Considerando
que, além dos surdos, há também ouvintes usuários de Libras, podemos concluir que a
situação sociolinguística da comunidade surda no Brasil é de bilinguismo, em maior ou
menor grau. Como afirma Adam (2012), há consenso, atualmente, de que a comunidade
surda é uma comunidade bilíngue com indivíduos surdos com vários graus de fluência
na língua oral e de sinais da comunidade. Ainda segundo esse autor, em contextos
sociolinguísticos similares, o efeito do contato entre línguas orais e sinalizadas é igual ao
do contato entre línguas orais (ADAM, 2012).

O efeito principal do contato linguístico é o empréstimo (borrowing), que pode ter


desdobramentos distintos em cada situação. Pensando especificamente no caso da
Libras, podemos dizer que esses empréstimos se dão no nível lexical através, por exemplo,
do uso de sinais soletrados e também no nível morfossintático com o empréstimo de
preposições (para e em) e conjunções (se, mas e e).

52
Com relação ao uso da datilologia na Língua Americana de Sinais (daqui em diante,
ASL) alguns trabalhos apresentam perspectivas diversas. Battison (1978), por exemplo,
baseou-se no fato de que datilologia era inglês, não ASL. Outros pesquisadores, porém,
como Davis (1989), argumentam que datilologia não é inglês. Davis sustenta que
datilologia é ASL porque os morfemas em ASL nunca são emprestados de um contexto
ortográfico do inglês, eles são usados para representar um contexto ortográfico. Valli
e Lucas (1992) enfatizam que empréstimos de datilologia são reestruturados para se
adequar à fonologia da língua de sinais.

Evidências psicolinguísticas acerca desse fenômeno são oferecidas por Waters et al.
(2007) que investigaram a ativação de zonas cerebrais (lateralidade) de palavras escritas,
imagens, sinais e datilologia, buscando verificar se a datilologia era processada como
escrita ou sinalização. Os autores observaram que a datilologia era processada em áreas
do cérebro similares às usadas para os sinais da LS e distintas das envolvidas em escrita.

No que diz respeito à aquisição, Padden e LeMaster (1985), Akamatsu (1985) e Blumenthal-
Kelly (1995) apontam que crianças reconhecem palavras soletradas manualmente muito
antes de aprenderem a “soletrar”, o que pode evidenciar que essas palavras soletradas
são consideradas sinais e não palavras emprestadas da língua oral.

Ademais, itens lexicais podem ser criados, segundo Brentari e Padden (2001) e Sutton-
Spence (1994), através da composição de datilologia e sinais, como, por exemplo,
soletrado manualmente como -P- C e o sinal de mouth (boca) para Portsmouth (nome
de uma cidade).

Há também o que é chamado de processo de nacionalização da datilologia (KYLE; WOLL,


1985; SUTTON-SPENCE, 1994; CORMIER; TYRONE; SCHEMBRI, 2008), através do qual um
sinal com soletração manual se torna um sinal. Isso ocorre quando: (a) as formas se
adéquam aos contornos fonológicos do léxico nativo; (b) parâmetros da forma ocorrem
no léxico dos nativos; (c) elementos nativos são adicionados; (d) elementos não nativos
são reduzidos (perda de letras); e (e) elementos nativos são integrados com elementos
não nativos (CORMIER; TYRONE; SCHEMBRI, 2008 apud ADAM, 2012). Temos dois grupos
de sinais soletrados em Libras, observando o comportamento descrito acima: sinais que
continuam sendo soletrados ipsis literis a sua grafia na língua oral (por exemplo: C-D,
L-I-X-O, O-U etc.) e sinais que sofreram algum tipo de redução fonológica ou alteração
prosódica (por exemplo: N-U-N para “nunca”, V-I para “vai” e L-I-N-D-O que é soletrado
com alterações prosódicas específicas). Essas mudanças não são previsíveis pela teoria
para nenhum grupo de palavras e somente são implementadas pela aceitação da
comunidade de fala da Libras.

Variação e mudança linguística

Um dos principais valores associados à língua está presente fortemente na escola e, por
conta disso, é assumido pela grande maioria dos falantes como sendo verdadeiro. Esse
pré-conceito prevê que a língua é uma entidade homogênea e pura e está representada
completamente nas gramáticas tradicionais e na obra dos escritores clássicos da nossa
literatura. Expressões e palavras que estejam em desacordo com a norma prevista nessas
obras consistiriam em uma ameaça à pureza da língua. Essa ameaça pode se configurar
tanto em estruturas observáveis na fala e na escrita de brasileiros e identificada como
um erro ou desvio em relação àquilo que é convencionalmente chamado de norma
culta, quanto em palavras e expressões estrangeiras. Nos dois casos, esses usos são
condenados por gramáticos tradicionais, cabendo à escola a sua "correção".

53
Há uma associação forte entre língua e homogeneidade e pureza (língua pura),
estando a língua sujeita a ameaças externas (estrangeirismos, empréstimos) e internas
(variedades populares).

Por que dizemos que essa ideia é equivocada? O português é uma língua românica,
descendendo, portanto, do latim. Embora muitas palavras da nossa língua tenham
origem latina e grega, num exercício rápido de consulta aos dicionários de português,
encontramos inúmeras palavras estrangeiras, cuja origem é ignorada pela maioria dos
brasileiros. As palavras almofada, almoxarifado, alfaiate, por exemplo, são de origem árabe
e representam o registro linguístico do período que os árabes dominaram a Península
Ibérica entre os séculos VIII e XV d.C. As palavras cavalo, gato, cabana e cerveja são de
origem celta. Já as palavras guerra, albergue, fralda e branco são de origem germânica.
Apesar disso, nós como falantes não analisamos estes fatos no momento de fala, e
eles somente interessam a uma pesquisa histórica da língua. Percebe-se, então, que
os empréstimos linguísticos não ameaçam a existência de nenhuma língua no mundo,
do contrário, dão sinais de sua vitalidade e constituem registros linguísticos da história
externa de uma língua.

Existe língua pura?

Um dos grandes mistérios da humanidade é o surgimento da primeira língua.


Perguntas acerca da existência de uma língua original única e talvez divina permanecem
incentivando respostas especulativas. As pesquisas em Linguística Histórica, através dos
métodos comparativos e de reconstrução interna, possibilitaram a elaboração de árvores
genealógicas de famílias linguísticas. Olhando para esses dados, parece impossível que
sejamos capazes de encontrar uma origem comum entre as diversas línguas vivas ou
mortas faladas no mundo. O que sabemos, no entanto, é que a capacidade da linguagem
colocou o homem à frente na escala evolutiva e que a fala representa um marco na
evolução da nossa espécie. Nesse processo de evolução, os gestos têm papel fundamental
e alguns trabalhos discutem sua importância no desenvolvimento da comunicação
humana (STOKOE, 1960).

Se, por um lado, não podemos encontrar evidências sobre a primeira ou primeiras
línguas, por outro, temos descrições sobre o surgimento de novas línguas e a partir disso
somos capazes de entender melhor como nasce uma língua.

Aquilo que identificamos como português, por exemplo, nasce no século XI, sendo sua
história interna reflexo de sua história externa. A partir da instauração do Reino de
Portugal por D. Afonso Henriques, a Língua Portuguesa começa a se configurar de modo,
inclusive, a se distinguir da Língua Castelhana. A passagem do latim para o português
não é, entretanto, abrupta. Até que o português fosse normatizado, no século XVI, com
a publicação das primeiras gramáticas portuguesas, podemos entender que inúmeras
variedades eram faladas na região de Portugal. Dessas variedades restaram algumas
evidências, como as poesias trovadorescas, que apontam fortemente para um contato
linguístico. Considerando os séculos iniciais da emergência do português, podemos
concluir, desse modo, que essa língua nasce da mistura de diferentes línguas e variedades
e que sua configuração lexical e morfossintática emerge num contexto sociocultural
marcado pela diversidade linguística. Portanto, o português não tem uma origem "pura"
como muitos defendem.

A história da emergência do português não é distinta da história de outras línguas. Para


nos atermos ao contexto dessa língua, podemos citar o surgimento dos crioulos de base
portuguesa, como o crioulo cabo-verdiano ou kauberdianu, por exemplo. Ao contrário do
senso comum, não existe língua pura, pois toda língua surge do contato. Esse pressuposto

54
vale tanto para as línguas orais quanto para as línguas sinalizadas. Souza e Segala (2009)
fazem um histórico do surgimento de várias línguas de sinais, inclusive a Libras. O que
todas essas línguas têm em comum considerando sua origem é o contexto multilingual e
multidialetal que precederam sua emergência.

Suppalla (2008, p. 22) aponta que os estudos sobre a emergência e desenvolvimento


(mudança) nas LS estiveram por muito tempo fora do escopo das pesquisas em linguística
das LS em razão da percepção equivocada de que processos históricos "naturais", como
empréstimos, por exemplo, serviram para assinalar uma perspectiva de que as LS são
"impuras".
O contato linguístico, ou seja, o bilinguismo prolongado resulta em mudança linguística.
O fato evidente é que todas as línguas, orais e sinalizadas, são constituídas de
heterogeneidade, sendo a variação e a mudança propriedades inerentes em todos os
casos. Portanto, se, por um lado, a origem da Libras remete à Língua de Sinais Francesa
(LSF), a convivência permeada pelo bilinguismo em relação ao português aponta
inevitavelmente para a configuração de uma língua heterogênea, como qualquer outra
língua natural.

Ainda que se acredite que empréstimos, inovações (mudanças) linguísticas e contato


linguístico constituam uma ameaça a determinada língua, nenhuma dessas situações põe
em risco qualquer língua. Uma língua só morre quando morrem seus falantes ou se por
algum fator sócio-histórico esses sejam impedidos ou deixem, com o tempo, de usar sua
língua nativa. São situações extremas que levam à morte de uma língua, como guerras,
processos de colonização e aculturação.

Considerações finais

A diversidade linguística tem diminuído no mundo e línguas minorizadas perdem espaço


para as línguas de prestígio, de estado. Todavia, não é combatendo a diversidade que
garantiremos a valorização de línguas minorizadas.

A partir desta exposição, pode-se afirmar que a fixação de quaisquer mudanças que
tenham se iniciado por questões de contato entre línguas diferentes é de responsabilidade
total da sua comunidade de fala.

Essa discussão é oportuna também para esclarecer aos profissionais da área de línguas
de sinais sobre a intolerância que, muitas vezes, se fomenta sobre os diversos ‘falares’
da Libras no Brasil. Muitos sinalizadores, pautados na ideia de que a sua forma de falar
é a correta, estimulam a intolerância às questões da variação, e acabam por impor um
julgamento daquilo que seriam para eles sinais "certos", "errados", "melhores" e "piores".
Esse processo é idêntico ao que vivenciamos nas línguas orais, identificado como
preconceito linguístico.

Uma particularidade das questões sociolinguísticas envolvendo a Libras é que, geralmente,


há uma resistência dos surdos aos sinais que são literalmente inventados (criados) em
contextos educacionais, como termos específicos de área e, ainda, a variação apresentada
por falantes mais escolarizados, a quem se atribui, por exemplo, uma versão da Libras mais
parecida como uma tradução literal do português. Percebe-se, então, que o preconceito
não se dá somente em relação aos grupos de menor prestígio social, mas também com
os que muito ascendem e terminam por distanciarem-se do vernáculo urbano da Libras.
A prova é que muitos surdos não escolarizados dizem não compreender os surdos mais
escolarizados, e estes, a despeito da resistência dos demais, são tidos como os que mais
sabem a língua. Esta é uma reflexão que pretendemos desenvolver futuramente em
outro artigo.

55
Concluímos que reconhecer a realidade sociolinguística da Libras, atestando o que há de
consenso e dissenso entre seus falantes, também é uma forma de legitimar a língua da
comunidade surda brasileira como uma língua natural, sujeita, portanto, à variação e à
mudança linguística.

FONTE: Rodrigues e Silva (2017, p. 692-698)

56
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• A tradição do estudo escolar sobre a língua nos deixa com a visão de que a norma
determina o uso, assim, dá a entender que não sabemos aquilo que efetivamente é
nosso: a língua.

• As concepções de norma são estabelecidas a partir dos usos que a sociedade


delimita do entendimento destas mesmas normas linguísticas, isso porque, de um
lado a palavra norma pode estar vinculada à normalidade, de outro, a regras delimitas
que devem ser seguidas.

• A noção de erro está vinculada à visão normativa, em que existe uma regra a partir da
qual os usos são avaliados.

• Língua é poder, ou seja, o uso da língua também é uma forma de se estabelecer


relações sociais hierarquias.

• O preconceito pautado na diferença em relação aos surdos é aquele que estabelece


o domínio da língua majoritária como parâmetro de êxito comunicativo.

• O preconceito pautado no uso da Libras é aquele em que aquelas pessoas que têm
menor fluência na Libras, surdas ou ouvintes, sofrem ao serem excluídas devido a
esta caraterística.

• As concepções de norma são importantes para a Sociolinguística porque é a partir


da perspectiva de uso que a compreensão da variação linguística se estabelece, pois,
é implícito ao estudo da variação o entendimento dos desvios da norma como uso e
não como erro.

• A variação linguística está relacionada à diversidade de usos que os falantes/


sinalizantes demonstram em sua utilização da língua.

• Ao serem analisadas possibilidades de variação linguística devemos analisar se os


usos observados podem ser trocados dentro do mesmo contexto sem acarretar
alterações significativas de sentido.

• As variações linguísticas podem ser provocadas por fatore internos ou externos


à língua.

• As variações internas da língua podem ser: lexicais, fonológicas, sintáticas


ou discursivas.

57
• As variações externas podem ser regionais, sociais, estilísticas e na fala e na escrita.

• As comunidades linguísticas são o ambiente em que os falantes/sinalizantes


interagem através da língua e, por isso, são o âmbito em que podem ser observas as
variações linguísticas.

• As comunidades linguísticas não são excludentes ou exclusivas, assim sendo, um


mesmo indivíduo pode fazer parte de diferentes comunidades linguísticas de acordo
com os grupos sociais a que pertence.

• Assim como as línguas variam entre si, elas também variam e seu interior a partir de
grupos de pessoas que interagem linguisticamente e compartilham das normas de
uso específicas destas comunidades.

• Ao mesmo tempo que as línguas variam, elas não variam de qualquer modo, mas
apenas das maneiras que o próprio sistema permite, tendo em vista a necessidade de
se manter uma conexão linguística proporcionada e controlada pelo próprio código
verbal compartilhado.

• A variação que pode ser percebida ao longo do tempo dará origem às mudanças
linguísticas, dito de outro modo, as variações ao longo da história de uma palavra ou
sinal nos mostrarão como a mudança dele ocorreu na língua.

• A mudança é um processo natural das línguas, pois nasce da interação entre os


usuários dela, e aquelas que carretam a transformação de uma língua em outra,
demoram muito tempo, pois a estrutura de uma língua não se altera rapidamente.

• As mudanças lexicais são menos lentas e muito importantes para que a língua siga
viva e se apropriando/elaborando vocabulários para as novas tecnologias que surgem
no dia a dia, para as modificações das relações sociais e para a agilidade necessária
para a comunicação.

• A língua se atualiza de acordo com o modo como a sociedade muda, pois são
intrinsicamente ligadas. As modificações na língua ocorrem aos poucos, sempre e
seguem as regras estruturais da língua envolvidas.

58
AUTOATIVIDADE
1 As discussões sobre norma linguística se estruturam em duas compreensões da
noção da palavra norma, numa delas temos uma vinculação mais atrelada a regras
e na outra temos uma maior valorização do modo como os usuários fazem uso da
língua. Dentro destas discussões sobre as duas concepções de norma linguística, a
forma como os falantes/sinalizantes se expressam é percebido dentro de qual delas?

2 O preconceito linguístico é aquele em que o modo como o falante/sinalizante


utiliza a língua é utilizado como justificativa para sustentar percepções sociais que
desvalorizam a pessoa. Assim, de acordo com o que foi estudado sobre norma e uso,
explique a qual delas o preconceito linguístico está relacionado e por quê?

3 O modo como os sinais são feitos podem sofrer variações de acordo com diversos
fatores externos e internos à língua. Observe a figura a seguir, retirada de Strobel e
Fernandes (1998, p. 3) nela estão apresentados três sinais referentes à palavra VERDE:

COR VERDE SINAL

FONTE: Strobel e Fernandes (1998, p. 3)

Sobre os sinais apresentados são feitas as seguintes afirmações:

I- A variação externa observada é de caráter regional ou diatópica, pois a figura


apresenta três sinais relacionados a três lugares.
II- Os sinais observados apresentam variação interna lexical, pois apresentam
mudança de léxico de acordo com a região geográfica de uso do sinal.
III- A variação linguística dos sinais apresentados pode ser compreendida tanto como
uma variação interna como uma variação externa à língua.

59
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) Somente a sentença I está correta.
b) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
c) ( ) As sentenças I, II e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.

4 Observe a figura a seguir e marque a alternativa correta sobre o fenômeno linguístico


observável nas etapas de alteração do sinal referente a BRANCO apresentadas
através da numeração que evidencia o primeiro estágio, o segundo estágio e o
terceiro estágio de modificação do sinal:

BRANCO SINAL

FONTE: Strobel e Fernandes (1998, p. 6)

a) ( ) A figura apresenta variações regionais do sinal BRANCO e suas mudanças regionais.


b) ( ) A figura apresenta etapas históricas da variação que levaram à mudança linguística.
c) ( ) A figura apresenta sinais da palavra BRANCO que são pouco utilizados.
d) ( ) A figura apresenta sinais vinculados à mudança lexical por simplificação de datilologia.

5 Os falantes de uma língua são agrupados de acordo com fatores sociais que
estruturam comunidades linguísticas, sobre as Comunidades Linguísticas, classifique
V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) As comunidades linguísticas são o ambiente em que os usuários interagem através


da língua.
( ) É no âmbito das comunidades linguísticas que podem ser observas as variações
linguísticas.
( ) Um mesmo indivíduo pode fazer parte de um número limitado de comunidades
linguísticas.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) F – V – F.
b) ( ) V – F – F.
c) ( ) V – V – V.
d) ( ) V – V – F.

60
UNIDADE 1 TÓPICO 3 -

CONTATO LINGUÍSTICO

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, nos tópicos anteriores, estudamos, inicialmente, o campo de
estudos da Sociolinguística e como ele percebe a relação entre língua e sociedade.
Além disso, debatemos sobre a história da delimitação e fixação da área de estudos
que percebe o fenômeno linguístico relacionado às características sociais, por fim,
estudamos alguns dos teóricos e das teorias que estudam essa perspectiva de análise
da língua a partir da observação das características geográficas, das variações sociais e
das teorias que percebe a interação entre discursos na língua.

Depois discutimos os sentidos de norma nos sentidos de uso e de regras, este


último dando origem às visões que sustentam o preconceito linguístico, em relação às
variações como uma característica das línguas naturais em que mais de uma forma de
uso mantém o sentido em determinado contexto, também, vimos como as comunidades
linguísticas se caracterizam.

Por fim, abordamos a relação entre variação e mudanças linguísticas, de modo


a perceber que o estudo das variações observáveis ao longo da história (a pesquisa
diacrônica) nos mostra o caminho percorrido para que uma mudança linguística
ocorresse. Dito de outro modo, as diferentes variações observáveis em um determinado
uso ao longo da história irão se estruturar de modo a alterar o uso corrente a ponto de
deixarem de ser formas diversas de se utilizar uma mesma forma na língua e passarem
a ser a forma reconhecida pela comunidade de usuários de uma dada língua.

Também vimos que as alterações estruturais demoram muito mais para


acontecerem do que as modificações lexicais e fonológicas, ou seja, é mais fácil mudar
as palavras/sinais do que a gramática de uma língua. Ainda vimos que as mudanças
linguísticas podem ocorrer por diferentes fatores, mas que é necessário o contato
entre indivíduos que utilizam o mesmo código linguístico para que as variações e,
consequentemente, as mudanças aconteçam. Além disso, podem ocorrer mudanças
na língua devido à necessidade da criação de novas palavras para darem conta da
evolução social que a tecnologia e as novas dinâmicas sociais trazem, bem como a
mudança pode ocorrer devido à inadequação do vocábulo antigo para dar conta do
processo atual. (Como o exemplo e CAFÉ trazido anteriormente).

Pois bem, agora, neste nosso último tópico da Unidade 1, iremos discutir alguns
dos fenômenos linguísticos que ocorrem quando duas ou mais línguas entram em
contato, ou seja, veremos como a Sociolinguística observa e conceitua a diversidade
linguística que nasce do contato entre falantes de diferentes línguas em situações de
tensão em que é necessário estabelecer uma forma de comunicação entre os envolvidos.
61
Assim, esta é uma das características marcantes do contato linguístico, ele
se faz entre indivíduos usuários de línguas diferentes que necessitam se comunicar,
esta necessidade cria uma tensão comunicativa que irá ocasionar diferentes níveis
de tensões e interações entre os indivíduos, logo, é uma situação de conflito que se
estabelece na e através da língua. Isso não quer dizer que esteja ligado a situações de
guerras, mas sim no sentido de que o contato linguístico ocorre em situações tensas
em que o indivíduo é obrigado a encontrar modos de estabelecer formas que propiciem
a comunicação com indivíduos que se comunicam através de outro código linguístico.
Assim, por ser nascida da necessidade, esta é uma circunstância que envolve diferentes
discussões sobre grupos humanos e comunidades linguísticas em contato que trazem
pressões lexicais, semânticas e estruturais sobre as línguas e, consequentemente,
sobre os usuários delas.

Para esclarecer esta noção de conflito ou embate linguístico, podemos tomar


como exemplo a situação de um surdo usuário de Libras e que vive no Brasil, oras, ele
acaba por sentir a pressão constante do uso majoritário da Língua Portuguesa (LP) no
cotidiano, pois as linhas de transporte, os anúncios, os nomes das lojas, o processo de
escolarização pensado para atender a ele é todo feito em LP, além disso, é provável que
muitas pessoas em seu cotidiano apenas saibam LP e, talvez, um básico de Libras para se
comunicar com ele. Deste modo, ele passa imerso em diferentes interações linguísticas
em que é constantemente bombardeado com a LP, ou seja, o código linguístico que
utiliza, a Libras internalizada por ele, é constantemente atravessado pelas estruturas
do código linguístico da LP. Isso acontece porque ele está inserido em uma sociedade
em que a língua majoritária é a LP, em que as políticas públicas são pensadas em LP, ou
seja, que a realidade linguística do país é vivida majoritariamente em LP.

Assim, sua vivência como sinalizantes da Libras é, também, um constante


estado de tensão entre a língua majoritária e a língua minoritária utilizada por ele em
sua comunidade linguística. Esta pressão é vivenciada por todos e acaba por acarretar
estabelecer situações em que a Libras é alterada pela LP, como na criação de sinais em
que a datilologia é priorizada, ou em que a sinalização se estrutura como se em LP fosse,
o que é conhecido como português sinalizado – estudaremos mais adiante, neste
tópico, a conceituação específica para este uso da LP/Libras.

Neste exemplo, podemos perceber que os debates que se estabelecem sobre


o contato linguístico estão relacionados com diferentes fatores sociais, tais como,
políticas públicas, educação, consumo, inserção social e trabalhista e educação, dentre
muitos outros.

Sobre os contextos em que as línguas são postas em contato, Dubois et al.


(1973) elencam os seguintes: razões geográficas, deslocamento de uma comunidade
linguística para o local de uma outra, como nas situações de guerras e conflitos que
obrigam um grande grupo de pessoas a se inserirem em outros países, ou, de modo
individual quando uma pessoa precisa se inserir em outra comunidade linguística. Como
vimos, cabe incluir neste contexto de contacto linguístico as pessoas surdas, pois elas

62
já nascem inseridas em uma comunidade linguística em que a modalidade da língua
não é capaz de prover os elementos linguísticos adequados para a sua comunicação.
É neste contexto que se origina um dos grandes dilemas quanto à inserção da língua
de sinais no cotidiano da criança surda desde o nascimento, pois muitos são filhos
de pais ouvintes e passam, muitas vezes, por diferentes profissionais, diagnósticos e
estágios até, talvez, terem acesso à sua língua de sinais, aquela que deveria ser sua
língua materna ou L1.

NOTA
Língua materna ou L1 é a língua de primeiro contato de uma pessoa, no caso dos
surdos, a L1 deveria ser a língua de sinais, pois ela é aquela cuja modalidade é
adequada para este indivíduo, porém fatore sociais, médicos, familiares, dentre
outros, acabam por retardar ou impossibilitar a aprendizagem da língua de
sinais, acabando por deixar várias pessoas em um limbo linguístico em que estabelecem
a comunicação por meio de mímicas e gestos caseiros, ou até por arremedos de língua
portuguesa e partes de oralização e leitura labial que são ineficientes e não são línguas,
mas formas de se comunicar, mesmo que precariamente.

Desta maneira, é possível perceber que estas discussões sobre contato


linguístico são relevantes para os debates sobre os direitos linguísticos do povo surdo
e sua inserção social. Assim, neste tópico, estudaremos as bases linguísticas das
compreensões dos diferentes modos de contato linguístico e as possiblidades de
pesquisa na perspectiva da Sociolinguística, desta forma, estabeleceremos as bases
linguísticas para a compreensão dos fenômenos envolvidos no estudo da língua a partir
de seus atravessamentos sociais durante a interação entre línguas. Começaremos com
os empréstimos e interferências linguísticas, após, veremos estratégias linguísticas,
alternâncias e misturas, depois, debateremos pidgins e crioulos. Por fim, debateremos
os contatos linguísticos e a emergência das línguas de sinais e, encerrando este tópico,
discutiremos a pesquisa Sociolinguística na perspectiva dos Estudos Surdos.

ESTUDOS FUTUROS
As discussões sobre bilinguismo têm um lugar especial dentro das
pesquisas sobre surdez devido à vivência surda ser, a priori, uma vivência
bilíngue devido à prevalência da língua majoritária no contexto de inserção
social dos surdos, por isso, os debates sobre plurilinguismo e bilinguismo
serão tratados com mais detalhes mais adiante neste livro didático. Agora
vamos compreender o indivíduo bilíngue como aquele que se apropriou
do sistema linguístico de mais de uma comunidade, ou seja, aquelas
pessoas que são capazes de utilizar com proficiência mais de uma língua.

63
NOTA
McLeary (2009) elenca uma espécie de glossário da língua que resume bem
as mudanças linguísticas vistas ao longo desta unidade, por isso, ele será
reproduzido a seguir:
Interferência: pessoas bilíngues introduzem a palavra estrangeira na sua fala em
português.
Gírias e jargões: grupos de pessoas que convivem ou trabalham juntos começam a usar
a palavra estrangeira regularmente na sua fala diária. A pronúncia começa a mudar para
o padrão do português, mas a ortografia se mantém fiel ao original estrangeiro.
Estrangeirismo: a palavra começa a "vazar" para um público maior, nos jornais, TV e
rádio. A pronúncia continua a mudar para o padrão brasileiro. Na escrita, aparece com a
ortografia original, grafada em itálico. Começam a aparecer alternativas ortográficas mais
próximas ao padrão do português.
Aportuguesamento: uma ortografia aportuguesada começa a aparecer com frequência
nos meios de comunicação para competir com a ortografia original. A ortografia original
perde a grafia em itálico. A palavra é usada por pessoas que desconhecem sua origem.
Empréstimo: a palavra é usada normalmente como qualquer palavra no português,
com ortografia aportuguesada. Ela começa a sofrer flexão e derivação pelas regras do
português.
Dicionarização: a palavra começa a aparecer nos dicionários, ou com a grafia original
(como estrangeirismo), ou com a grafia aportuguesada (como empréstimo) ou com as
duas simultaneamente.
Absorção: a palavra perde sua identidade "estrangeira" completamente e começa a ser
considerada simplesmente como mais uma palavra legítima do português, sem questão
de origem.

2 INTERFERÊNCIAS E EMPRÉSTIMOS LINGUÌSTICOS


De acordo com Dubois et al. (1973), a diferença entre interferências
e empréstimos linguísticos é que na primeira a troca de um traço fonético,
morfológico ou lexical entre duas línguas acontece sempre de modo individual e
involuntário, já no empréstimo, a troca destes traços acontece de modo integrado
ao uso da língua, assim, são de uso social coletivo da comunidade linguística. Por
isso, as interferências são mais oscilantes, sendo observáveis no nível individual, já os
empréstimos são mais estáveis e observáveis em nível coletivo.

O nome empréstimo já nos dá a ideia do fenômeno observado, pois esta é uma


forma de contato entre línguas em que uma língua passa a incorporar em seus usos
traços linguísticos ou vocabulares que já faziam parte de outra língua. Para exemplificar
isso, podemos observar o sinal de NUNCA, ele foi incorporado incialmente na Libras
a partir de sua forma datilológica N-U-N-C-A e sofreu transformações que o fizeram
mudar para um sinal mais enxuto, mas ainda datilológico:

64
FIGURA 13 – SINAL DE NUNCA

FONTE: Capovilla et al. (2017, p. 1983-1984)

Ao observarmos o sinal, percebemos que ele é um empréstimo da forma


lexical da palavra “nunca” em Língua Portuguesa e, mesmo tendo sofrido mudanças
fonoarticulatórias, ele ainda apresenta os traços reconhecíveis da LP em sua forma.
Sobre os empréstimos linguísticos nas línguas de sinais, Liberato (2010) coloca que eles
podem os elencados a seguir, a fim de ilustrar melhor as exemplificações trazidas pelo
autor, colocamos o desenho do sinal referente em Libras:

a) LEXICAIS: como o alfabeto Manual; [NUNCA, exemplo visto acima]


b) DE INICIALIZAÇÃO: onde a configuração de mão é representada pela letra inicial
correspondente à palavra em português (GOIÁS > CM=G), e, [...] há também o
empréstimo de itens lexicais.

FIGURA 14 – GOIÁS SINAL

FONTE: Capovilla et al. (2017, p. 1402)

c) DE OUTRAS LÍNGUAS DE SINAIS: que se referem a sinais cuja origem é um sinal em


outra língua, geralmente um sinal de mesmo valor semântico (ANO > ASL, VERMELHO
> LSF), há empréstimos.

65
FIGURA 15 – ANO SINAL

FONTE: Capovilla et al. (2017, p. 209)

d) DE DOMÍNIO SEMÂNTICO: identificado na maioria dos sinais referentes a cores [são


aqueles em que o sentido do sinal fica aparente na sinalização].

FIGURA 16 – VERMELHO SINAL

FONTE: Capovilla et al. (2017, p. 2851)

e) DE ORDEM FONÉTICA: que são obtidos pela tentativa de representação visual do som
que constitui a palavra em português, tal como são percebidas pelo surdo. [Observe
que o sinal SE é sinalizado como “si” o que nos permite pensar que a elaboração
deste sinal foi baseada na percepção articulatória da palavra, tendo em vista que a
vogal “e” em final de palavra se torna uma semivogal com o som semelhante ao “i].

FIGURA 17 – SE SINAL

FONTE: Capovilla et al. (2017, p. 2542)

Deste modo, podemos perceber que as línguas de sinais apresentam o


fenômeno do empréstimo linguístico em vários de seus sinais, demonstrando o contato
linguístico entre ela e a língua oral do país ou outras línguas de sinais. A seguir, veremos
os conceitos de misturas, alternância e outras estratégias comunicativas que os
indivíduos se utililizam nos contextos de contato linguístico.

66
DICA
O artigo de Machado e Quadros (2020) apresenta uma discussão bastante
pertinente para o que discutimos nesta seção, por isso, colocaremos o resumo
a seguir e recomendamos a leitura na íntegra.

CONTATO LINGUÍSTICO EM LIBRAS: UM ESTUDO DESCRITIVO DA INFLUÊNCIA DE


OUTRAS LÍNGUAS DE SINAIS NA LIBRAS

Rodrigo Nogueira Machado


Ronice Muller de Quadros

RESUMO

Este artigo tem como objetivo apresentar um estudo descritivo sobre a ocorrência do
fenômeno linguístico “empréstimos linguísticos” de diferentes línguas de sinais para a
língua brasileira de sinais – Libras – em videoaulas de disciplinas do curso de Letras Libras
(turma de 2006), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) baseado no estudo
de Machado (2016). Como metodologia de pesquisa foi feita uma comparação dos sinais
encontrados nas videoaulas com sinais extraídos de dicionários online de outras línguas
de sinais, além de entrevistas realizadas com os sinalizantes dos DVDs e os sinalizantes
estrangeiros para confirmar se havia alguma relação entre eles. O objetivo foi verificar
quais sinais eram efetivamente empréstimos de outras línguas de sinais. A pesquisa
compilou um corpus lexical de “empréstimos linguísticos entre línguas de sinais”. Esse
corpus foi analisado com o suporte do programa Elan, utilizado nesta pesquisa para
identificar os sinais, coletados nos vídeos. Como proposta teórica, seguimos a tipologia
de empréstimos de línguas em contato proposto por Carvalho (2009). Os resultados
evidenciam que o fenômeno estudado é produtivo na Libras, uma vez que apresenta
vários empréstimos linguísticos de outras línguas de sinais.

PALAVRAS-CHAVE: Contato de línguas; Empréstimos linguísticos; Libras; Línguas de Sinais;


Sociolinguística.

FONTE: Machado e Quadros (20202, p. 170)


Link do artigo completo: file:///C:/Users/maril/Downloads/33484-114943-1-PB.pdf.

3 ALTERNÂNCIAS (CODE-SWITCHING), MISTURAS


(CODE-MIXING) E SOBREPOSIÇÕES (CODE-BLENDING)
LINGUÍSTICAS
Neste subtópico, estudaremos os fenômenos de alternância (code-switching),
mistura (code-mixing) e sobreposição (code-blending), estes são eventos em que
as línguas em contato são alternadas, misturadas ou sobrepostas no discurso de um
mesmo indivíduo, mas apenas em eventos específicos, ou seja, são diferentes dos
empréstimos linguísticos, porque são momentos definidos em que ocorre o uso
alternado, misturado ou sobreposto de duas línguas em contato, já no empréstimo,
o contato gera a incorporação de elementos de um idioma no código linguístico de
outra língua. Ou seja, as estratégias de alternância, misturas e sobreposição são
pontuais e particulares, já os empréstimos, se tornam parte da língua e, por

67
consequência, recorrentes e compartilhados socialmente pelos usuários. Para
exemplificar, pense em um aprendiz ouvinte de língua de sinais, ele poderá utilizar a
soletração manual para perguntar o sinal de algo no meio de um discurso em Libras,
mas esta datilologia não passará a fazer parte da língua de sinais, já os sinais de AZUL
e NUNCA, foram empréstimos da Língua Portuguesa que sofreram adaptação durante
o uso e se tornaram mais adequados ao modo de sinalização da Libras, mesmo assim,
ainda são reconhecidamente emprestados da grafia em LP. Neste exemplo, o primeiro
uso é uma estratégia de mistura de códigos (code-mixing) em que soletração da palavra
em LP foi inserida no meio do discurso em Libras e os sinais de AZUL e NUNCA são
exemplos de empréstimos.

Além disso, para utilizar um sinal que foi emprestado de outra língua não
é necessário que o indivíduo conheça a língua de onde veio a palavra, pois, existe
uma infinidade de sinais e palavras das quais não sabemos a origem, mas que utilizamos
sem problemas, pois elas passaram a fazer parte do léxico da língua. Porém, para ser
capaz de utilizar estratégias linguísticas que alternam, misturam ou sobrepõem códigos
é necessário saber utilizar mais de uma língua, ou seja, ser bilíngue em algum nível.

Quando dizemos que alguém é bilíngue, estamos afirmando que este é um


indivíduo que tem o domínio de mais de uma língua, ou seja, ele é capaz de estabelecer
um diálogo através de mais de uma estrutura linguística. Assim, durante a interação
entre pessoas bilíngues, os indivíduos envolvidos podem se utilizar de estratégias
linguísticas diversas para comunicar o que for necessário, estas estratégias discursivas
são utilizadas de acordo com diferentes contextos sociais de enunciação. Como
exemplo, pensemos em um professor de Libras para alunos ouvintes iniciantes, poderá
se utilizar de simplificações estruturais, apoio no uso de LP em alguns momentos, uso
de dactilologia, uso de discurso em que as palavras utilizadas sejam aquelas que ele
trabalhou em aula, sinalização mais lenta e marcada para facilitar a compreensão, uso
de alternância em a LP e a Libras para o ensino de vocabulário, mistura entre sinais e
palavras escritas para tradução. Ou seja, neste exemplo, o professor/instrutor de Libras
irá utilizar a LP e a Libras em contextos que elas possam ser intercambiáveis com o
objetivo de ensinar a língua de sinais para seus aprendizes.

Assim, no exemplo dado, este é um contexto controlado em que as estratégias


de comunicação têm como objetivo ensinar uma língua alvo a partir da língua que o
público tem o domínio. Contudo, nem sempre o falante/sinalizante percebe as estratégias
discursivas que utiliza, pois elas normalmente ocorrem de modo inconsciente durante a
conversação, mesmo sendo não consciente, estes não são imotivados, pois estaria de
acordo com o contexto social de interação (SOARES et al., 2012).

Sobre a motivação dos fenô menos de estratégias linguísticas que envolvem


a alternância (code-switching) entre línguas diferentes em um mesmo discurso, de
acordo com Soares et al. (2012), estas ocorrências até pouco tempo eram percebidas
como aleatórias e características apenas dos indivíduos bilíngues imperfeitos, ou
seja, aqueles que faziam misturas entre as línguas porque não tinham a proficiência

68
necessária para utilizar as duas línguas de modo perfeito, deste modo, a alternância
no discurso seria uma “[...] simples troca de vocábulos ou estruturas sintáticas, feita de
maneira aleatória [...]”. Ou seja, o usuário alternaria entre a língua A e a língua B porque
não saberia como comunicar o que pretendia na língua A.

Contudo, ainda, segundo Soares et al. (2012, p. 7):

[...] descobriram-se a existência de elementos motivacionais


discursivos e/ou de natureza sociopragmática na realização dos
enunciados híbridos. Isso quer dizer que o CS [code-switching
– alternância] pode ser utilizado em contextos sociais para a
transmissão de significados sutis – como identificação étnica e
cultural, papéis/hierarquia dos participantes da interação, valores
sociais e situacionais etc., – e ainda, no contexto da educação
bilíngue como estratégias discursivas que desempenham diferentes
funções – tais como ênfase, preenchimento lexical, objetivação,
endurecimento da mensagem etc.

Deste modo, a alternância (code-switching) entre línguas passou a ser


percebida como um modo de o usuário da língua estabelecesse socialmente por e
através da língua através do uso alternado e motivado discursiva e socialmente de
dois códigos linguísticos. Assim, os autores colocam que “[...”] o fenômeno como uma
alternância de códigos que não se restringe aos aspectos estruturais da língua, mas
que é, antes de tudo, socialmente motivada [...]”. Assim, quando um falante alternar
seu discurso entre duas ou mais línguas ele está realizando algo que tem origem em
uma necessidade social de comunicação que pode ser motivada por diversos fatores
pessoais ou situacionais que podem estar vinculados à necessidade de comunicação
ou interação, por exemplo, demarcar um espaço linguístico enquanto pertencimento a
uma comunidade, por exemplo, um ouvinte usuário da Libras que coloca em meio ao
seu discurso em LP um discurso em língua de sinais para reforçar um argumento num
debate sobre ensino de surdos.

Assim, a alternância (code-switching) é troca de um código linguístico


para outro durante um discurso, já” [...] o code-mixing (mistura) é uma mistura de
códigos que ocorre dentro de uma mesma sentença e que resulta em algum tipo de
alteração de uma estrutura lexical” (SOARES et al., 2012, p. 9). Logo, a mistura (code-
mixing) é uma troca entre códigos linguísticos que se dá em um escopo menor, pois é
um fenômeno que ocorre com a inserção de um elemento da língua B no interior
da sentença em língua A. Por exemplo, um usuário de Libras e (ASL) American Sign
Langue, que introduza uma palavra em ASL dentro da sentença em Libras e tenha que
fazer alguma mudança estrutural na frase para acomodar este uso.

Em relação à sobreposição (code-blending), este é um tipo de estratégia


em que as línguas em contato aparecem usadas ao mesmo tempo durante o discurso.
De acordo com Xavier (2019), esta estratégia é a mais utilizada nas situações em que o
contato se dá entre uma língua de sinais e uma língua oral porque “[...] as línguas de
sinais e línguas orais fazem uso de articuladores diferentes e que, por essa

69
razão, podem ser usados ao mesmo tempo”. Desta maneira, a sobreposição
é um fenômeno linguístico observável, principalmente, no contato entre
línguas de diferentes modalidades, tais como as línguas de sinais em contato
com as línguas orais, pois uma é oral-auditiva e a outra visuoespacial, logo,
é possível sobrepor partes do discurso quando utilizadas ao mesmo tempo.

Ainda segundo Xavier (2019, p. 51), o autor destaca que nas pesquisa sobre
línguas de sinais, a maioria dos estudos se dedica a estudar a relação entre estas e
as línguas orais devido ao contexto de bilinguismo bimodal em que os surdos estão
inseridos, assim sendo, alternância, misturas e sobreposições são aquelas “[...]
situações em que sinalizantes usam o vocabulário e/ou a gramática da língua
oral durante a produção de enunciados em línguas de sinais (e vice-versa) de
forma intersentencial, intrassentencial e simultânea, respectivamente.
[...]”. Desta maneira, a alternância se dá entre sentenças, a mistura, no interior
das sentenças e a sobreposição, por sua vez, acontece de modo paralelo nas
duas línguas quando as características das línguas envolvidas permitem a
realização ao mesmo tempo dos dois códigos linguísticos envolvidos.

Neste subtópico, debatemos sobre as estratégias discursivas e vimos que


a alternância (code-switching), a mistura (code-mixing) e a sobreposição (code-
blending) são fenômenos linguísticos em que os indivíduos bilíngues alternam entre
dois códigos linguísticos, misturam elementos de uma língua A dentro da sentença
em uma língua B ou sobrepõe discurso em duas línguas de modo concomitante. Além
disso, vimos que os empréstimos são diferentes às estratégias discursivas porque eles
são incorporados à língua e independem de o usuário saber sua origem ou ter noções
da língua de onde ele veio como empréstimo e as estratégias são utilizadas por usuários
bilíngues, que utilizam alternância, mistura ou sobreposição de códigos linguísticos
devido a contextos de transmissão de situações sociais demarcadas sutilmente ou para
eventos de aprendizagem linguística. A seguir, trataremos dos contatos linguísticos
que alteram mais drasticamente a estrutura das línguas envolvidas, a ponto de estas
modificações poderem, com o tempo, o uso e o reconhecimento político darem origem
a outras comunidades linguísticas.

4 PIDGINS, LÍNGUAS CRIOULAS E A EMERGÊNCIA DAS


LÍNGUAS DE SINAIS
Acadêmico, neste subtópico, iremos discutir os fenômenos que alteram
as estruturas das línguas e que, devido a isso, com o tempo, podem dar origem a
comunidades linguísticas diversas daquelas envolvidas inicialmente. Neste contexto,
estudaremos o pidging e a emergência das línguas crioulas.

70
O pidgin é uma estruturação linguística que é resultado de extenso contato
entre, no mínimo, duas línguas que possuem valor socioeconômico distinto. Além
disso, ele também tem a particularidade de ser aprendido por adultos em situações de
emergência, ou seja, momentos em que a comunicação é necessária, mas as pessoas
envolvidas não têm uma língua em comum. De acordo com McCleary (2009, p. 21, grifo
do autor):

Um pidgin não é uma língua natural, porque não existe ninguém


que fale pidgin como primeira língua. Todo mundo que fala pidgin
aprende por força de circunstâncias, já adulto, quando já tem uma
outra língua materna. Todo mundo fala pidgin como segunda (ou
terceira, ou quarta) língua. Um pidgin é uma língua emergencial
porque aparece em situações extremas de barreiras à comunicação.

Por isso, o pidgin é um registro simplificado, precário, variável, sem


gramática estabelecida e não natural, pois surge a partir da imposição da
necessidade de uma forma de comunicação em contextos nos quais é urgente
estabelecer algum modo linguisticamente compartilhado de comunicação. Assim, os
usuários deste registro simplificado acabam por negociar linguisticamente um sistema
muito simplificado de comunicação que evita figuras de linguagem, efeitos de sentido
e ambiguidades, pois não é preciso falar “bonito ou corretamente, mas conseguir
estabelecer uma comunicação” (McCLEARY, 2009, p. 21) Um exemplo de pidgin é o
português sinalizado, pois é uma forma de comunicação que tem as características
lexicais da Libras e a estruturação morfológica da LP, de acordo com Monteiro (2015,
p. 100), o contexto de inserção dos surdos em um ambiente linguístico em que são
expostos a contatos precários da língua “[...] favorece um alto nível de interferência do
Português sobre a Libras e esse tipo de produção pidginizada [em processo de pidgin]
costuma ser abordado na comunidade surda como ‘português sinalizado’” (MONTEIRO,
2015, p. 100).

FIGURA 18 – MEU NOME É EM LP SINALIZADA E EM LIBRAS


PORTUGUÊS SINALIZADO LIBRAS

FONTE: As autoras

71
Observe que na sentença feita em português sinalizado as palavras da
LP são apenas convertidas para os sinais com a estrutura ainda em LP, sendo feito
um sinal para cada palavra, o que não responde ao uso da Libras, já na sentença em
Libras, temos o uso apenas do sinal de nome, pois os demais elementos das sentenças
se encontram implícitos nas normas de uso da língua brasileira de sinais não sendo
necessária a sinalização específica deles.

Estas características fazem do pidgin uma língua franca, ou seja, um idioma que
é utilizado por pessoas que se utilizam de outros códigos linguísticos. Todo pidgin é uma
língua franca, mas nem toda a língua franca é um pidgin, pois essa pode ser qualquer
língua que pessoas que têm outras línguas maternas para a comunicação, tal como o
latim na Idade Média, o francês no século XVIII e o inglês na atualidade (McCLEARY, 2009).

Quando uma comunidade linguística se estabelece a partir de um pidgin e as


crianças começam a nascer e ter esta forma super simplificada como língua mãe, elas
acabam por organizar a estrutura gramatical e regularizar as regras de uso de modo que
uma nova língua é estruturada a partir deste processo. “Essas línguas que são faladas
como primeira língua e que nascem em comunidades que usam pidgin como uma
língua franca chamam-se línguas crioulas” (McCLEARY, 2009, p. 23). Desta forma, “A
pidginização constitui o processo prévio à formação de uma língua crioula, ou seja, um
pidgin transforma-se num crioulo quando os filhos de uma comunidade têm o pidgin
como língua materna. A tendência do pidgin é, pois, a crioulização” (PORTO EDITORA,
s.d., s.p., grifo nosso) Assim, o pidgin é um processo anterior ao do surgimento de uma
língua crioula, pois não tem a organização e estrutura que caracteriza uma língua, mas
permite a comunicação entre línguas diferentes e, este contato linguístico faz emergir
uma comunidade linguística que se utiliza deste código, a partir do nascimento de
crianças que terão o pidgin como vivência linguística este registro simplificado se torna
língua ao ganhar alicerces linguísticos regulares se tornando uma língua que nasceu da
simplificação de várias outras línguas.

Quanto ao caso da emergência das línguas de sinais, McCleary (2009) e Souza


e Segala (2008) destacam que é necessário o contato do ente línguas de sinais para
que seja possível o surgimento de uma língua. No caso do Brasil, os autores chamam a
atenção para a criação do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), no Rio de
Janeiro em 1857. Esta criação possibilitou o estabelecimento de uma comunidade surda
e um grupo linguístico que possibilitou o surgimento de uma língua de sinais brasileira
fortemente influenciada pela língua francesa de sinais, deste modo, quando em 1911, o
oralismo se estabelece como política linguística para o ensino dos surdos, a Libras já
havia se firmado como língua da comunidade surda e, por isso, seguiu utilizada, mesmo
que clandestinamente, pelos surdos nos corredores da escola e na vida cotidiana.

72
Em contraponto, os autores destacam como se deu a emergência da língua de
sinais na Nicarágua. Um caso curioso devido ao processo de escolarização dos surdos
ter se dado a partir de 1946, em plena época de proibição da sinalização. Assim, é assunto
de pesquisa como aconteceu o pidgin, que originou a língua nicaraguense de sinais,
pois não existia a língua franca sinalizada, a conclusão das pesquisas apresentadas
pelos autores é de que, ao serem colocados num mesmo espaço de aprendizagem,
os surdos trouxeram seus sinais caseiros, sendo que estes são o início de “[...] uma
comunicação simbólica. Quando as crianças surdas têm oportunidade de usar esses
gestos na comunicação com outros surdos, eles sofrem elaborações que acabam
resultando em uma língua natural, da mesma forma que uma língua crioula nasce de
uma língua pidgin”. Assim, a língua se desenvolveu a partir da estruturação feita pelo
contato entre crianças surdas e os sinais caseiros delas, mesmo num momento de
proibição. Depois foi estabelecida uma associação de surdos em que a língua de sinais
era utilizada de modo mais livre e menos gramatical pelos surdos mais velhos. Assim, na
interação dos adultos e das crianças a estrutura da língua se estabeleceu e especializou,
dando origem à língua de sinais nicaraguense.

Neste contexto de línguas de sinais naturais, línguas de contato e código


manual, Xavier (2019, p. 51) apresenta um quadro comparativo em que destaca as
características lexicais, morfológicas e sintáticas destes contextos. Observe o referido
quadro reproduzido a seguir:

QUADRO 3 – DIFERENÇAS ENTRE AS LÍNGUAS DE SINAIS NATURAIS, LÍNGUAS DE SINAIS DE CONTATO


E CÓDIGO MANUAL

Nível Língua de sinais Língua de sinais Código manual


natural de contato
Lexical Forma Sinais e Sinais e soletração Alguns sinais de
soletração com ou sem uma língua de
manual com ou oralizações sinais, alguns
sem oralizações sinais inventados,
língua oral
Significado Próprio da língua Da língua de sinais, Às vezes e,
de sinais da língua oral, conflito com a
idiossincráticos língua de sinais
Morfológico Modificações Modificações de Soletração
de sinais e sinais reduzidas, para sufixos da
expressões não terminações língua oral e
manuais da língua oral e sinais artificias
poucas expressões para palavras
não-manuais gramaticais

73
Sintático Ordem própria da Versão simplificada Língua oral
língua de sinais, da ordem da língua
uso do espaço e oral, uso reduzido
das expressões do espaço e das
não manuais expressões não
manuais
FONTE: Xavier (2019, p. 51)

Ao analisarmos o quadro acima percebemos que as características das


línguas de sinais naturais são bastante estruturadas, apresentando peculiaridades
especificamente vinculadas à modalidade cinésico-visual das línguas de sinais, tais
como as expressões não manuais e o estabelecimento dos significados próprios da
língua de sinais. Já as línguas de contato apresentam as características intermediárias
entre as línguas de sinais e as línguas orais; e o código manual é apenas a gestualização
do código linguístico das línguas orais.

Deste modo, neste subtópico, estudamos o pidgin como um registro


intermediário que pode se tornar língua franca e dar origem a línguas crioulas, aquelas
que nascem a partir da simplificação de muitas outras, mas que ganham estruturação
e status de línguas naturais quando começam a existir falantes/sinalizantes que
nascem num ambiente de pidgin e que transformam este registro simplificado em
língua através da especialização e estruturação dos níveis da estrutura gramatical,
léxico, significados, dentre outros. Depois vimos como se deu a emergência da Libras e
debatemos sobre o caso da língua de sinais da Nicarágua, por fim, vimos o comparativo
entre as línguas de sinais naturais, as línguas de sinais de contato e o código manual. A
seguir, encerraremos este último tópico da Unidade 1, com uma breve discussão sobre
a pesquisa em Sociolinguística.

5 PESQUISA SOBRE SURDEZ NA PERSPECTIVA


DA SOCIOLINGUÍSTICA
Acadêmico, como vimos anteriormente, a Sociolinguística tem suas pesquisas
numa área que relaciona os fenômenos da língua aos fenômenos da sociedade, de
acordo com Mussalim e Bentes (2011, p. 16).

[...] [A Sociolinguística] na tentativa de compreender a questão


da relação entre linguagem e sociedade, postula o princípio da
diversidade linguística. Além disso, a Sociolinguística inscreve-
se na corrente das orientações teóricas contextuais sobre o
fenômeno linguístico, orientações teóricas estas que consideram as
comunidades linguísticas não somente sob o ângulo das regras de
linguagem, mas também sob o ângulo das relações de poder que se
manifestam na e pela linguagem (MUSSALIM; BENTES, 2011, p. 16).

74
Assim, a área das relações entre a linguagem e sociedade é um local bastante
interessante para os estudos sobre a Libras, pois entende a diversidade como
constituinte do fenômeno linguístico e não dentro da noção de erro/acerto. Além disso,
os conceitos e noções teóricos da Sociolinguística, que estudam as variações entre
diferentes usos da língua e dos modos como a língua é lugar de poder e tensão entre os
indivíduos e os demais sujeitos, os indivíduos e a própria língua, os indivíduos e a língua
do outro, são bastante relevantes para a área dos estudos sobre as línguas de sinais,
pois os usuários destas línguas acabam por viver em ambientes de tensão linguística
deste o nascimento, tendo em vista as discussões sobre aquisição de língua materna
e inserção da língua de sinais como um direito da pessoa surda desde seu nascimento.

Deste modo, o uso, o direito, a variação, as tensões, pressões e os


desenvolvimentos que se dão na e pela língua fazem parte da Sociolinguística e são
de importância para as pesquisas interdisciplinares que envolvam também a área dos
Estudos Surdos, tendo em vista ser este o campo de pesquisas que dão destaque à
surdez como característica identitária, cultural e linguística.

Para que estudos e pesquisas sejam realizados é necessário que seja


determinado um método de obtenção de dados e de análise do corpus coletado, assim,
uma das contribuições da Sociolinguística laboviana foi estruturar uma metodologia de
pesquisa de campo com critérios claros para condução dos estudos sobre variação e
mudança linguística. Inclusive, um dos aspectos que é muito importante nas pesquisas
em Sociolinguística é a noção de que, para observar a língua em uso, é preciso registrar
a fala/sinalização, tendo em vista que a escrita é muito mais engessada e muda muito
mais lentamente. Contudo, na atualidade, vivemos uma época em que, mesmo a escrita
está tendo variações muito ágeis devido a seu uso nas redes sociais e na internet.
Segundo Coelho (2009), a metodologia da pesquisa laboviana tem os seguintes passos:

1) Seleção dos informantes: escolha de indivíduos representativos


da comunidade de fala a ser observada, definição do tamanho e
universo da amostra.
2) Metodologia de coleta de dados: dados que reflitam de forma
fidedigna a fala/sinalização dos informantes, uso de entrevistas
individuais com narrativas de experiências pessoais.
3) Envelope de variação: “[...] nome dado à descrição detalhada
de uma variável, de suas variantes e dos contextos em que
elas podem ou não ocorrer, ou seja, de como exatamente um
fenômeno de variação está se manifestando na língua (COELHO,
2019, p. 128).
4) Levantamento de questões e hipóteses: formulação das perguntas
de pesquisa e levantamento de hipóteses sobre o fenômeno a
ser observado.
5) Codificação de dados e análise estatística: atribuição de um
código para cada fator de cada grupo, analisar estatisticamente
como os fatores aparecem e se cruzam nos dados obtidos.

Deste modo, vemos que a pesquisa em Sociolinguística da variação apresenta


uma metodologia bem estruturada e que prevê os passos a serem feitos deste a
delimitação dos participantes até a análise dos dados obtidos.
75
Neste contexto, temos então as orientações para a realização de uma pesquisa
em Sociolinguística Variacionista. Agora, vamos retomar algo que discutimos lá no Tópico
1, quando falamos sobre a fixação do campo de pesquisa da Sociolinguística e o texto
inaugural de Bright (1966). De acordo com Alkmin (2011), o pesquisado estabelece que a
Sociolinguística irá trabalhar com a diversidade linguística e, para delimitar o que seriam
estudos vinculado à área de pesquisa ele elenca os fatores socialmente definidos com
os quais se imagina que a diversidade linguística está relacionada. Pois bem, no quadro
a seguir foram colocados novamente os fatores linguísticos socialmente determinados,
as sugestões de estudos a partir da lista proposta por Bright (1966, apud Coelho, 2011),
acrescidos de nossas sugestões para pesquisas em língua de sinais e exemplos (quando
houver) de pesquisas para consulta.

76
QUADRO 4 – PESQUISAS EM SOCIOLINGUÍSTICA
Fatores Estudos sobre Sugestões de pesquisa em Língua de Exemplos de pesquisa em LS
linguísticos Sinais
socialmente
determinados
Identidade Características linguísticas Diferenças dialetais entre grupos de surdos OLIVEIRA, R. G. de. A variação articulatória em libras e a orientação
Social do específicas de um grupo linguístico usuários da Libras, tais como, cruzamento sexual do surdo: estudo sobre captura de movimentos e percepção
emissor ou que existe do interior do grupo de de dados entre surdos oralizado, linguística. 2017. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Faculdade de
falante falantes de uma língua (dialeto) de alfabetizados, de diferentes classes sócias, Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São
classes sociais e das diferenças de diferentes lugares, etc. Paulo. Disponível https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8139/tde-
entre falas femininas e masculinas 10042018-132609/pt-br.php. Acesso em: 5 out. 2021.
Identidade Estudo das formas de tratamento, Estudos comparativos para estudar como DUARTE, L. R. Code-blending: análise sociolinguística de
social do da baby talk (fala utilizada por a baby talk se materializa nas famílias de procedimentos técnicos da tradução aplicados ao par linguístico
receptor ou adultos para se dirigirem aos surdos e nas famílias de ouvintes que (Libras e português). 2020. Dissertação (Mestrado em Estudos da
ouvinte bebês) tenham filhos surdos, discussões sobre Tradução) – Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução,
aquisição de língua materna. Estudos sobre Universidade Federal de Brasília, Brasília. Disponível https://repositorio.
estratégias de tradução em relação aos unb.br/handle/10482/39022 Acesso em: 5 out. 2021.
elementos de contato entre línguas.
Contexto Social; Estudo das diferenças entre a Observação do contexto social de COSTA, F.R. Variação linguística na língua brasileira de sinais:
forma e a função dos estilos formal enunciação e os diferentes estilos de uso um estudo a partir de narrativas autobiográficas surdas. 2018.
e informal, existentes na grande da Libras Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina,
maioria das línguas. Centro de Comunicação e Expressão, Programa de Pós-Graduação
em Linguística, Florianópolis, Disponível https://repositorio.ufsc.br/
handle/123456789/194323 Acesso em: 5 out. 2021.
O julgamento Os falantes fazem juízos de valor do Julgamento dos interlocutores sobre as DELGADO, I. C. Uma análise estilística da língua brasileira de sinais:
social distinto próprio comportamento linguístico atitudes linguísticas dos demais. Variações de seu uso no processo interativo. 2012. Tese (doutorado
e sobre o dos outros, isto é, as em Linguística) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA)
atitudes linguísticas. - Programa de Pós-Graduação em Linguística. Universidade Federal
da Paraíba, João Pessoa. Disponível https://repositorio.ufpb.br/jspui/
bitstream/tede/8426/2/arquivo%20total.pdf. Acesso em: 5 out. 2021.

FONTE: Adaptado de Alkmim (2011)

77
DICA
As pesquisas sobre as teses e dissertações que se encaixam nos estudos em
Sociolinguística foram feitas na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações, o
link da pesquisa feita por nós é o seguinte: https://bdtd.ibict.br/vufind/Search/
Results?lookfor=libras++sociolingu%C3%ADstica&type=AllFields&sort=year.

Caro acadêmico, com certeza, os exemplos e trabalhos citados acima tem


cunho interdisciplinar e podem cruzar diferentes percepções sobre os estudos da
Sociolinguística, porém todos apresentam o entendimento de que a língua e a sociedade
são imbricadas de modo indissociável. Assim, neste subtópico, vimos brevemente os
passos de uma pesquisa em Sociolinguística Variacionista, destacamos a necessidade
da observação da língua em uso através de pesquisas que procurem captar a língua viva
das conversas e da agilidade da comunicação. Por fim, sintetizamos em um quadro os
fatores linguísticos socialmente determinados elencados no texto fundador do campo
de pesquisa da Sociolinguística e sugerimos pesquisas em línguas de sinais, também,
citamos trabalhos que retomam, de alguma forma, o que foi explicitado no quadro.

78
LEITURA
COMPLEMENTAR
A VARIAÇÃO ARTICULATÓRIA EM LIBRAS E A ORIENTAÇÃO SEXUAL DO SURDO
Estudo sobre captura de movimentos e percepção linguística

Rogério Gonçalves de Oliveira


[...]

CONCLUSÃO

Buscamos, com este trabalho, dar o primeiro passo no sentido de verificar a


existência de variação linguística relacionada à orientação sexual (heterossexual ou
gay) de homens surdos sinalizantes. Para isso, empreendemos uma pesquisa que
propõe a realização de três estudos: (i) a criação de um corpus linguístico com registro
de sinalização de surdos gays e heterossexuais obtidos por sistema de captura de
movimentos; (ii) análise da percepção linguística de surdos e ouvintes fluentes em libras
sobre estímulos construídos com o sistema de captura de movimentos e (iii) análise dos
dados do corpus linguístico criado. Os dois primeiros estudos foram apresentados nesta
dissertação e o terceiro estudo será concluído no meu doutorado.

O arcabouço teórico que fundamenta esta pesquisa foi apresentado para que
déssemos os primeiros passos à luz de recentes e relevantes estudos da sociolinguística,
fonética e fonologia das línguas de sinais. Em seguida, explicamos os métodos utilizados
nos dois estudos desenvolvidos nesta pesquisa, apresentamos os resultados obtidos e
discutimos esses resultados embasados em estudos da área.

Retomamos, a seguir, os objetivos específicos previamente traçados para cada


estudo e a conclusão a que chegamos, com base nos dados obtidos.

Estudo 1

• produzir relatórios descritivos com as medidas obtidas com a captura de movimento


de surdos sinalizantes gays e heterossexuais. Por meio do programa Polygon, que
faz parte do sistema Vicon de captura de movimentos, extraímos os valores dos
ângulos formados em cada frame da sequência de localizações dos articuladores
que compõem os movimentos bem, como os gráficos de ondas que representam
esses movimentos [...]

79
• organizar o corpus elaborado com os ângulos-alvo desta pesquisa, conforme o
modelo proposto por Barbosa, Temoteo e Rizzo (2015). Identificamos, na lista de
ângulos (Figura 10) gerados pelo programa Nexus (parte integrante do sistema Vicon),
aqueles referentes aos cinco movimentos de interesse deste estudo: ShoulderAngles
(eixos X Y e Z), ElbowAngles (eixo X) e WristAngles (eixo Z), conforme Quadro 3;

• quantificar os dados obtidos com o sistema de captura de movimento de surdos gays


e heterossexuais. A partir do Estímulo 1 (composto por 80 itens lexicais), coletamos
4000 dados (Tabela 1) e, a partir do Estímulo 2 (composto por 20 sentenças),
coletamos 1000 dados (Tabela 2), considerando o total de cinco sujeitos (3 gays e
2 heterossexuais), cinco movimentos de interesse do estudo e os dois membros
superiores (esquerdo e direito) de cada sujeito.

Estudo 2

• verificar como a característica de feminilidade é identificada nas amostras. A pergunta


do questionário de percepção sobre feminilidade foi respondida em todos os níveis
(de 1 a 4) da escala de resposta ao menos uma vez para todos os sujeitos avaliados,
ou seja, a todos os sujeitos foi atribuída a característica de feminilidade pelo menos
por um participante avaliador.

• verificar se existe diferença na avaliação de feminilidade entre as amostras de surdos


gays e heterossexuais. Os dados mostraram que os sujeitos gays foram percebidos
como mais femininos do que os heterossexuais e a diferença na percepção é
estatisticamente significante [...].

• verificar se a orientação sexual (gay) do sinalizante é percebida a partir do estímulo


parcial produzido pelo sistema de captura de movimentos. A opção de resposta ³gay´
foi assinalada por apenas 8 dos 32 participantes do teste de percepção, sendo 5 para
sujeitos gays e 3 para sujeitos heterossexuais. Os dados mostraram que não se trata
de uma diferença significativa [...]

• verificar a existência de diferença de percepção entre surdos e ouvintes fluentes em


libras sobre a sinalização de surdos gays e heterossexuais. Os dados mostraram que
não há diferença estatisticamente significante entre as avaliações de feminilidade e
da orientação sexual (gay) dos participantes surdos e ouvintes fluentes em libras [...]

• verificar se existe correlação entre a percepção de aspectos fonético-fonológicos


da Libras e a percepção de características sociais da sinalização das amostras de
surdos gays e heterossexuais. Os testes de correlação entre as quatro variáveis
sociais (inteligência, formalidade, feminilidade e classe social) e as quatro variáveis
linguísticas (movimentação corporal, ritmo, posição espacial dos sinais e uso do
número de mãos) apontaram três correlações estatisticamente significantes:
inteligência X movimentação corporal, inteligência X posição espacial dos sinais e
inteligência X ritmo (todas envolvendo sujeitos gays e a variável inteligência).

80
A pesquisa que desenvolvemos partiu de algumas hipóteses que retomamos
abaixo, com suas devidas conclusões:

• há variação articulatória relacionada à orientação sexual (gay e heterossexual) do


surdo sinalizante. Como dissemos, nos propusemos a dar o primeiro passo no sentido
de testar essa hipótese: criar um corpus linguístico composto por informações
articulatórias coletadas por meio do sistema de captura de movimentos (Estudo 1).
A análise desses dados e a consequente verificação da hipótese serão alvo do meu
doutorado.

• surdos gays são percebidos como mais femininos quando comparados com surdos
heterossexuais. Esta hipótese foi confirmada. Os dados mostraram que houve
diferença estatisticamente significante na percepção de feminilidade entre os
sujeitos gays (avaliados como mais femininos) e os sujeitos heterossexuais (avaliados
como menos femininos).

• surdos gays são percebidos como gays quando comparados com surdos
heterossexuais. Esta hipótese não foi confirmada. Os dados mostraram que não
houve diferença significativa na seleção da opção de resposta gay´ entre os sujeitos
gays e os heterossexuais.

Cabe ressaltar que a pesquisa que se iniciou com este trabalho busca contribuir
para o conhecimento linguístico das línguas de sinais - sobretudo no que diz respeito
ao fenômeno da variação linguística nesta modalidade de língua - e motivar futuras
pesquisas a utilizarem novos recursos como a captura de movimentos.

Retomando as considerações Schembri e Lucas (2015), os argumentos que


norteiam as pesquisas atuais e que devem influenciar futuras pesquisas já são diferentes
daqueles que conduziram as pesquisas em sociolinguística das línguas de sinais no
final do século passado. Os autores apontam que as pesquisas atuais e futuras devem,
entre outras considerações, (i) incluir análises de variação em línguas de sinais além
das tradicionais ASL, LIS, BSL, Auslan e NZSL, e começar a explorar como as chamadas
segunda onda´ e terceira onda´ de abordagem dos estudos de variação (ECKERT, 2012)
podem ser aplicadas de forma útil a uma compreensão do uso de línguas de sinais
em comunidades surdas e (ii) explorar o efeito das novas tecnologias na estrutura
do discurso e na metodologia de coleta de dados. Portanto, refletindo sobre essas
considerações - que, de certa forma preveem parte do caminho que a sociolinguística
das línguas de sinais deve seguir na esfera da produção científica -, nossa pesquisa se
insere nesse novo caminho.

Por fim, cabe reforçar a importância dos estudos sociolinguísticos em


comunidades surdas no sentido de empoderar pessoas surdas em todo o mundo e
lembrar que língua, cultura e surdez trabalham juntas para formar comunidades únicas.

FONTE: Oliveira (2017, p. 97-101)

81
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• O contato linguístico se faz entre indivíduos usuários de línguas diferentes que


necessitam se comunicar, esta necessidade cria uma tensão comunicativa que irá
ocasionar diferentes níveis de tensões e interações entre os indivíduos, logo, é uma
situação de conflito que se estabelece na e através da língua.

• Estas discussões sobre contato linguístico são relevantes para os debates sobre os
direitos linguísticos do povo surdo e sua inserção social.

• A diferença entre interferências e empréstimos linguísticos é que na primeira a troca


de um traço fonético, morfológico ou lexical entre duas línguas acontece sempre de
modo individual e involuntário, já no empréstimo, a troca destes traços acontece de
modo integrado ao uso da língua.

• Os empréstimos linguísticos nas línguas de sinais podem ser lexicais, de inicialização,


de outras línguas de sinais, de domínio semântico e de ordem fonética.

• As estratégias de alternância, misturas e sobreposição são pontuais e particulares, já


os empréstimos, se tornam parte da língua, por isso, são recorrentes e compartilhados
socialmente pelos usuários.

• Uma pessoa bilíngue é um indivíduo que tem o domínio de mais de uma língua,
ou seja, ele é capaz de estabelecer um diálogo através de mais de uma estrutura
linguística.

• A alternância (code-switching) é troca de um código linguístico para outro durante


um discurso.

• A mistura (code-mixing) é uma troca entre códigos linguísticos que se dá em um


escopo menor, pois é um fenômeno que ocorre com a inserção de um elemento da
língua B no interior da sentença em língua A.

• A sobreposição (code-blending) é um tipo de estratégia em que as línguas em contato


aparecem usadas ao mesmo tempo durante o discurso, de acordo é a mais utilizada
nas situações em que o contato se dá entre uma língua de sinais e uma língua oral,
pois as modalidades diferentes permitem a sobreposição.

82
• O pidgin é um registro simplificado, precário, variável, sem gramática estabelecida
e não natural, pois surge a partir da imposição da necessidade de uma forma
de comunicação em contextos nos quais é urgente estabelecer algum modo
linguisticamente compartilhado de comunicação.

• Um exemplo de pidgin é o português sinalizado, pois é uma forma de comunicação


que tem as características lexicais da Libras e a estruturação morfológica da LP.

• A tendência do pidgin é a crioulização.

• O pidgin é um processo anterior ao do surgimento de uma língua crioula, pois não tem
a organização e estrutura que caracteriza uma língua, mas permite a comunicação
entre línguas diferentes e, este contato linguístico faz emergir uma comunidade
linguística que se utiliza deste código, a partir do nascimento de crianças que terão o
pidgin como vivência linguística este registro simplificado se torna língua ao ganhar
alicerces linguísticos regulares se tornando uma língua que nasceu da simplificação
de várias outras línguas.

• A emergência das línguas de sinais se dá através do contato entre línguas de sinais.

• A Sociolinguística é um local bastante interessante para os estudos sobre a Libras,


pois entende a diversidade como constituinte do fenômeno linguístico e não dentro
da noção de erro/acerto.

• O uso, o direito, a variação, as tensões, pressões e os desenvolvimentos que se dão


na e pela língua fazem parte da Sociolinguística e são de extrema importância para
as pesquisas interdisciplinares, que envolvam também a área dos Estudos Surdos,
tendo em vista ser este o campo de pesquisas que dão destaque à surdez como
característica identitária, cultural e linguística.

• Uma das contribuições da Sociolinguística laboviana foi o estruturar uma metodologia


de pesquisa de campo com critérios claros para condução dos estudos sobre variação
e mudança linguística.

83
AUTOATIVIDADE
1 Estão inseridas no contexto de contacto linguístico as pessoas surdas, pois elas já
nascem inseridas em uma comunidade linguística em que a modalidade da língua
não é capaz de prover os elementos linguísticos adequados para a sua comunicação.
É neste contexto que se origina um dos grandes dilemas quanto à inserção da língua
de sinais no cotidiano da criança surda desde o nascimento, pois muitos são filhos
de pais ouvintes e passam, muitas vezes, por diferentes profissionais, diagnósticos e
estágios até, talvez, terem acesso à sua língua de sinais, aquela que deveria ser sua
língua materna ou L1. Avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas:

I- As discussões sobre contato linguístico são relevantes para os debates sobre os


direitos do povo surdos e sua inserção social

PORQUE

II- Os surdos vivem em sociedade majoritariamente ouvintes e isso acarreta tensões


linguísticas constantes.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As duas asserções são proposições verdadeiras, e a segunda é uma justificativa
correta da primeira.
b) ( ) As duas asserções são proposições verdadeiras, mas a segunda não é uma
justificativa correta da primeira.
c) ( ) A primeira asserção é uma proposição verdadeira, e a segunda, uma proposição
falsa.
d) ( ) A primeira asserção é uma proposição falsa, e a segunda, uma proposição
verdadeira.

2 De acordo com o que foi estudado neste Tópico 3, pidgin são as línguas que surgem
do contato entre duas línguas através das quais os usuários precisam se comunicar,
por isso, não têm as características que estruturam uma língua. Assim, explique por
que o chamado Português Sinalizado é um exemplo de pidgin?

3 O empréstimo linguístico é o fenômeno em que uma língua passa a incorporar em


seus usos traços linguísticos ou vocabulares que já faziam parte de outra língua.
O sinal de AZUL é um exemplo de léxico que foi incorporado à Libras a partir da
soletração manual das palavras em Língua Portuguesa. Sobre este vocábulo, observe
a evolução do sinal referente à cor AZUL e analise as sentenças a seguir:

84
COR AZUL SINAL

FONTE: Strobel e Fernandes (1998, p. 5)

I- Na primeira etapa, vemos que o sinal de AZUL foi um empréstimo direto da Língua
Portuguesa através da datilologia.
II- Na segunda etapa, vemos que a realização do sinal de AZUL sofreu alterações
que suprimiram parte das letras, mas mantiveram o movimento da Esquerda para
a Direita.
III- Na terceira etapa, vemos que o sinal de AZUL foi ampliado em sua movimentação.
IV- Na terceira etapa, vemos que o sinal de AZUL mantém traços de ter sido um
empréstimo do português.

Assinale a alternativa que apresenta a alternativa CORRETA:


a) ( ) Somente a sentença IV está correta.
b) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
c) ( ) As sentenças I, II e IV estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença I está correta.

4 A noção de variação linguística presente nas pesquisas em Sociolinguística é de grande


importância para os estudos na área da surdez porque pressupõem a observação
da língua em uso dentro da comunidade linguística e percebe as diferenças como
variações e não como erros. Partindo do que foi estuado neste tópico e dos exemplos
elencados, imagine um estudo que envolvesse a Sociolinguística e a Libras e coloque
o esboço de sua pesquisa a seguir:

5 Sobre os fenômenos de alternância (code-switching), mistura (code-mixing) e


sobreposição (code-blending), eventos em que as línguas em contato são alternadas,
misturadas ou sobrepostas no discurso de um mesmo indivíduo bilíngue em eventos
específicos. Assinale a alternativa CORRETA sobre as estratégias de alternância,
mistura e sobreposição:

a) ( ) São utilizadas de modo recorrentes e socialmente compartilhados.


b) ( ) Dispensam o conhecimento das línguas envolvidas para seu uso.
c) ( ) Estabelecem um diálogo através de mais de uma estrutura linguística.
d) ( ) Tornam-se parte das estruturas fixas das línguas em contato.

85
REFERÊNCIAS
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PORTO EDITORA. Pidgin. Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa. [s.d., s.p.] Porto:
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Reflexoes_sociolinguisticas_sobre_a_Libras_Lingua_Brasileira_de_Sinais. Acesso
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Downloads/27015-Texto-106572-1-10-20190616.pdf. Acesso em: 4 out. 2021.

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a noção de comunidade de fala e idioleto segundo o modelo teórico laboviano. In:
QUADROS, R. M.; STUMPF, M. R. Estudos Surdos IV. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2009.
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Estudo-Surdos-IV-SITE.pdf. Acesso em: 29 set. 2021.

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trabalhosescolares.net/sociolinguistica-2/. Acesso em: 29 ago. 2021.

VELOSO, R. As três ondas da sociolinguística e um estudo em comunidades de


práticas. In: XVII Congresso Internacional Asociación de Linguística Y Filología De
América Latina (ALFAL 2014) João Pessoa – Paraíba, Brasil. Disponível em: https://
www.mundoalfal.org/CDAnaisXVII/trabalhos/R1026-1.pdf. Acesso em: 19 set. 2021.

XAVIER, A. N. Panorama da variação sociolinguística em línguas sinalizadas. In:


Revista Claraboia. Jacarezinho. V. 12 [s.n.], p. 48-67. 2019. Disponível em: http://seer.
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WITKOWSKI, R. A sociolinguística e suas principais correntes de estudo. 2014.


Disponível em: https://publicacao.uniasselvi.com.br/index.php/LED_EaD/article/
view/1197. Acesso em: 20 set. 2021.

ZAMBILLO, L. C. Comunicação. 28 jul. 2014. Apresentação em Slide Share 14 slides color.


Serviço Nacional da Indústria do Mato Grosso do Sul. Disponível em: https://pt.slideshare.
net/LucianaClaudiaZambillo/comunicao-37436579. Acesso em: 18 set. 2021.

89
90
UNIDADE 2 —

LINGUAGEM E
SOCIOLINGUÍSTICA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• distinguir as diferentes concepções de linguagem presentes na sociedade;

• refletir sobre a relação entre língua, cultura e sociedade;

• compreender as particularidades das abordagens de ensino de uma língua adicional;

• diferenciar as visões ideológicas sobre os surdos a partir das filosofias de educação


de surdos.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – AS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM


TÓPICO 2 – UM OLHAR SOCIOLÍNGUÍSTICO SOBRE A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE SURDOS
TÓPICO 3 – LÍNGUAS EM CONTATO

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

91
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 2!

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92
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —

AS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM

1 INTRODUÇÃO
Ao longo da leitura e dos estudos da Unidade 2, você perceberá que esta
disciplina tem, como interesse, abordar o que a Sociolinguística estuda, direcionada
para a Língua Brasileira de Sinais-Libras, por isso, o título da disciplina, Sociolinguística
da Libras. É importante ressaltar que esse tema é perpassado por vários outros, os quais
envolvem outras linguagens e diferentes visões e interlocutores presentes nas situações
sociais. Daí a necessidade e a relevância de falarmos das concepções de linguagem,
uma vez que elas regem a nossa constituição como sujeitos, as nossas visões do outro
e do mundo, no qual interagimos cotidianamente.

Conhecer as diferentes concepções de linguagem é importante, também, para


a própria constituição e atuação como acadêmico, como professor, como cidadão na
sociedade contemporânea, e para a compreensão dos desdobramentos dos processos
de ensino e aprendizagem de língua materna e/ou língua adicional.

A língua materna pode ser definida como a primeira língua que adquirimos,
também, chamada de L1 (GORSKI, 2010). Ainda, é nomeada de língua de casa, a depender
da visão de linguagem. No que se refere à língua adicional, envolve as línguas aprendidas
após a língua materna. Não se trata, apenas, de um novo termo na área da educação
linguística, mas de um novo olhar, o qual envolve práticas de ensino que consideram as
outras línguas que o ser humano aprende (LEFFA; IRALA, 2014; SCHLATTER; GARCEZ,
2012). Para tanto, para compreendermos melhor os papéis desses termos nas situações
de ensino e aprendizagem de línguas, dedicaremos o próximo tópico às concepções de
linguagem. Vamos lá?!

NOTA
Neste livro, o termo língua é usado como equivalente de linguagem,
pois entendemos a linguagem como uma forma de comunicação, seja de
modo verbal ou não verbal. Logo, no presente texto, a língua é estudada e
compreendida no contexto de comunicação verbal, e, socialmente, situada.

93
IMPORTANTE
Neste livro, trazemos a concepção de língua materna como a primeira
língua que aprendemos. No entanto, essa não é a realidade de muitos
surdos em relação à Língua Brasileira de Sinais, visto que a maioria deles
nasce em famílias de ouvintes, e acabam tendo contanto com a Libras de
forma tardia.

Para explorar mais esse assunto, recomendamos a leitura, na íntegra, do artigo de Zilda
Maria Gesueli, Língua(gem) e identidade: a surdez em questão. Para você ter uma
ideia do que ele trata, segue o resumo do artigo.

RESUMO: Este trabalho discute o papel da língua de sinais


na construção da identidade surda. Diferentes autores têm
discutido a relação língua(gem) na construção da identidade,
destacando-se que esta se constitui a partir da significação
– ao significar, o sujeito se significa (Orlandi, 1998). Dessa
forma, buscamos trazer essa discussão para o campo da
surdez, levando em conta que o interlocutor privilegiado da
criança surda é o próprio surdo, e o lugar de contato com
essa língua se dá, para a maioria dos alunos, dentro das
instituições, ou escolas especiais para surdos. Observamos
que a inserção do professor surdo na sala de aula contribui
para que os alunos, não somente, encontrem possibilidades
de construção da narrativa em língua de sinais, mas, também,
percebam-se como surdos, construindo uma identidade já
na idade de 5-7 anos, assumindo e diferenciando papéis na
interação, principalmente, em relação ao professor surdo e
ao professor ouvinte. A perspectiva da educação bilíngue, na
área da surdez, está antecipando a consciência dos próprios
surdos sobre o significado da surdez, o que, há bem pouco
tempo, acontecia, somente, na idade adulta.

Palavras-chave: Linguagem. Surdez. Identidade. Língua de sinais.

FONTE: Gesueli (2006, p. 277)

O artigo está disponível em http://www.scielo.br/pdf/es/v27n94/a14v27n94.pdf ou no Qr-


code inserido a seguir.

2 CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E SOCIOLINGUÍSTICA


A linguagem é utilizada em todo e qualquer momento da vida. Ela é a essência da
comunicação, pois, por meio dela, ensinamos, aprendemos, trabalhamos, planejamos,
construímos entendimentos e nos posicionamos no mundo. A linguagem (re)constrói a
identidade e mostra as ideologias que ancoram nossas visões e ações presentes nas
relações sociais.

94
A linguagem é o fundamento das sociedades. Ela constitui culturas, valores e
histórias de grupos sociais; cria e amplia a tecnologia; e possibilita, ao indivíduo, dar
significado ao mundo, transformar a visão sobre o universo, sobre si mesmo, ao perceber
e interagir com a realidade, de acordo com a própria necessidade comunicativa.

Considerando que a linguagem é indissociável do ser humano, somos capazes


de refletir sobre ela, inclusive, sobre o que concerne ao uso dela nas interações sociais,
ao ensino e aprendizagem de línguas, sejam orais ou línguas de sinais. Assim, trataremos,
a seguir, das concepções de linguagem.

Não falaremos das concepções de modo historiográfico, mas consideramos


importante mencionar Saussure (2012), considerado o fundador da Linguística,
que faz a abordagem da linguagem pelo viés do estruturalismo. Considera que ela
se compartimenta em duas partes indissociáveis: a língua (langue), que existe no
contexto social, e a fala (parole), de realização individual. Para Saussure (2012), a língua
é compreendida como homogênea e organizada estruturalmente, enquanto a fala é
concebida como algo diverso, por ser individual.

NOTA
De acordo com Porfírio (2018, s.p.), o estruturalismo é uma metodologia
de análise utilizada nas ciências humanas, sendo que tem, como objetivo,
“[...] entender o modo como uma estrutura geral perpetua em todos os
graus de uma base. Ao se compreender essa base, é possível entender
como o conhecimento se dá naquela área [...]”. Desse modo, a perspectiva
estruturalista, na linguística, pretende compreender a estrutura através da
qual a língua se organiza.

Dito isso, apresentaremos três possibilidades distintas de conceber a


linguagem, a saber: a linguagem como expressão do pensamento; a linguagem
como instrumento de comunicação; e, por último, a linguagem como processo de
interação. Falamos de possibilidades pois acreditamos que o mundo da interação com
e na linguagem é dinâmico, assim, não consideramos as concepções como verdades
estanques. Essas concepções podem nortear o ensino de Libras como língua materna
para os surdos, e o ensino do Português como língua adicional.

Para abordarmos a concepção de linguagem como expressão do


pensamento, inicialmente, traremos uma figura que se aproximará dessa visão de
linguagem, com duas pessoas interagindo e os pensamentos delas sendo representados
por meio de desenhos, como carta, e-mail, vídeo, notas de músicas, mensagens de
texto, mensagens em áudio etc., como se a linguagem fosse um “espelho” que refletisse
os pensamentos, ou seja, o indivíduo, para essa concepção, representa, por meio da
linguagem, o que pensa.

95
FIGURA 1 – CONCEPÇÃO DE LINGUAGEM COMO EXPRESSÃO DO PENSAMENTO

FONTE: <https://escolaeducacao.com.br/funcoes-da-linguagem/>. Acesso em: 18 dez. 2021.

Nessa concepção, como podemos perceber pela figura anterior, a linguagem


é um reflexo do pensamento, que, por sua vez, é produzido no âmbito psíquico do ser
humano, e se correlaciona à capacidade do indivíduo de organizar as próprias ideias,
o que exclui os fatores sociais para a organização do pensamento e a exposição da
linguagem. Nessa visão de linguagem, Geraldi (2011a) destaca que as pessoas não
se expressam “bem”, isto é, não falam ou escrevem “bem”, mostram ter algum tipo de
organização das ideias, de modo que comprometem a produção de falas claras, corretas,
de acordo com a norma padrão, o que se alinha à concepção inatista da língua.

Conforme Travaglia (2009), para as organizações lógicas do pensamento e


da linguagem, é necessário seguir regras. Essas regras constituem e determinam o
falar e o escrever do indivíduo como “certos” ou “errados”. Dessa concepção, resulta
uma ideologia de que quem fala e escreve “bem” domina, com maestria, as normas
gramaticais da língua, pois organiza, de modo lógico e claro, o pensamento. Assim,
nessa concepção, a linguagem é concebida como um sistema de normas, organizada
de modo que o aspecto social não tem relevância para a organização dela.

Compreendemos que o ensino da língua materna, na escola, por meio dessa visão
de linguagem, está pautado nas normas gramaticais, visto que a língua é considerada um
sistema de regras imutável. Nesse sentido, a diversidade e a variação linguística não são
fenômenos necessários e importantes para o ensino, já que conflitam com a regularidade
da língua, que é tão marcada nessa concepção, o que abre espaço para o preconceito
linguístico e para invisibilização das línguas minoritárias (CAVALCANTI, 2011).

A segunda concepção, a linguagem como instrumento de comunicação,


conforme Travaglia (2009), é concebida como um meio de comunicação. A língua é vista
como um código, composto por um conjunto de signos que se combinam, de acordo com as
regras gramaticais da língua, sem ser levado em conta o contexto social para a transmissão
da mensagem de um emissor a um receptor, representada na figura a seguir.

96
FIGURA 2 – A LINGUAGEM COMO INSTRUMENTO DE COMUNICAÇÃO

FONTE: <https://www.todamateria.com.br/elementos-da-comunicacao/>. Acesso em: 18 dez. 2021.

De acordo, ainda, com Travaglia (2009), e como podemos perceber na figura


anterior, um emissor e um receptor devem dominar o código para que aconteça uma
comunicação eficaz. Para essa concepção, o emissor tem, em mente, uma mensagem,
um código a ser transmitido para o receptor, com foco na estrutura da língua, não
no contexto social. Assim, as regras da estrutura da língua, organizadas nos níveis
morfológico, fonológico e sintático, são os instrumentos usados para transmitir
a mensagem. Assim como na primeira concepção de linguagem apresentada, as
variedades não padrão não são consideradas relevantes para a comunicação.

NOTA
O termo minoritário tem um sentido ideológico, e não se refere à quantidade
de falantes da língua. A língua minoritária não é falada por uma quantidade
específica, ela é minoritarizada na sociedade, diante de ideologias que
destacam um falante e uma língua ideal (CAVALCANTI, 2011).

A última concepção considera a linguagem como um processo de interação.


Diferente das outras concepções apresentadas, nessa, as influências dos contextos
social, histórico, cultural e ideológico, em uma determinada situação de comunicação,
são aspectos relevantes. A língua é considerada heterogênea, mutável e dinâmica, e o
falante da interação e as questões sociais dele, também, têm lugar de relevância nessa
concepção de linguagem. Nesse sentido, Travaglia (2009, p. 23) pontua que “os usuários
da língua, ou interlocutores, interagem enquanto sujeitos que ocupam lugares sociais e
“falam” e “ouvem” desses lugares, de acordo com formações imaginárias (imagens) que
a sociedade estabeleceu para tais lugares sociais”.

Observe, na figura a seguir, as pessoas interagindo, e, notadamente, conversando,


o que podemos perceber através das posições em que se encontram. Nessa figura, é
possível perceber que a interação humana é caracterizada por aspectos que vão desde
possíveis movimentos faciais até a orientação, a direção e a postura do corpo, o que
influencia no comportamento interacional.

97
FIGURA 3 – LINGUAGEM COMO UM PROCESSO DE INTERAÇÃO

FONTE: <https://bit.ly/3SDoyxp>. Acesso em: 18 dez. 2021.

O ensino da língua materna, na concepção da linguagem como modo de


interação, prioriza não somente o conhecimento da gramática da língua, mas, sobretudo,
os usos sociais. Essa visão de linguagem não descarta o ensino da gramática da língua,
mas enfatiza a importância de que aluno use a língua de um modo que faça sentido,
e que as experiências sociais dele sejam levadas em conta na interação. Desse modo,
Zanini (1999, p. 84) afirma que “[...] isso não significa banir a gramática, ou seja, o
conhecimento das normas que regem a língua materna. Significa lhes oportunizar [aos
alunos] a aproximação com a modalidade padrão culta”.

Nesses termos, o ensino de uma língua materna, seja o Português, ou a Libras,


nessa concepção, não separa o conteúdo gramatical do social, do ideológico, do
cultural. O ensino da gramática deve ser feito de um modo contextualizado. Professores
e alunos, como atores sociais importantes no processo de ensino e aprendizagem da
língua, necessitam atuar de uma maneira colaborativa e com mais liberdade.

A fim de sintetizar o que vimos sobre as concepções da linguagem

QUADRO 1 – RESUMO DAS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM

Linguagem Linguagem Linguagem


como expressão do como instrumento de como um processo de
pensamento comunicação interação
MENTE CÓDIGO INTERAÇÃO
A língua é uma A língua é vista como um A língua é um processo
capacidade inata do ser código, e a organização interacional e social, no
humano que lhe permite dela, para a comunicação qual estão presentes as
reconhecer/espelhar entre emissor e receptor, ideologias, as culturas, as
as sentenças da língua independe do contexto experiências dos falantes
estudada. situacional. na interação.
FONTE: Adaptado de Geraldi (2011a), Travaglia (2009) e Zanini (1999)

98
Ao analisarmos a síntese apresentada neste quadro, podemos compreender
que as três concepções percebem a linguagem de maneira diferentes. Estes modos
diversos de entender a linguagem estão relacionados à forma como cada uma das
vertentes observa facetas diferentes do fenômeno linguístico, pois tentam explicar
como se dá a estruturação a partir de visões que valorizam aspectos diversos. A seguir,
falaremos do purismo linguístico, tema em destaque nas duas primeiras concepções.
Faremos uma reflexão de o quanto essa ideologia de linguagem pode não corresponder
à realidade, tão diversa, linguística, e, culturalmente, presente na sociedade.

DICA
Para aprofundar os seus conhecimentos de concepção
de linguagem, assista ao vídeo Concepção de Linguagem,
disponibilizado na plataforma YouTube, pelo link: https://
www.youtube.com/watch?v=xidEFjMrmes.

2.1 PURISMO LINGUÍSTICO


Antes de tecermos comentários a respeito do purismo linguístico, abordaremos o
mito do monolinguismo no Brasil, uma visão de linguagem, historicamente, estabelecida,
que tenta ressaltar que, no Brasil, fala-se uma única língua, e traz a ideia de que a
unidade nacional só é possível em uma base unilíngue. Essa visão de linguagem, ao
afirmar que o país é monolíngue, deixa de lado mais de 274 línguas indígenas; as línguas
de fronteira, como o guarani; as de imigrantes; e a Língua Brasileira de Sinais (MOITA
LOPES, 2013).

Além de não considerar as línguas mencionadas, essa visão de linguagem


fomenta o preconceito linguístico em relação às variedades dessas línguas, pois, muitas
vezes, a única diversidade considerada é a da língua portuguesa. Essa concepção vai na
contramão das realidades social e linguística do país, visto que, na contemporaneidade,
está cada mais visível um fluxo intenso de diferentes línguas e culturas.

De acordo com Bagno (2007), o preconceito linguístico está enraizado na


cultura do Brasil. O autor destaca que esse preconceito é perigoso e perverso como
qualquer outro, e que existem alguns meios que o fomentam, como os de comunicação,
de rádio e TV, com o intuito de dicotomizar as falas dos indivíduos em certas e erradas.
Nas palavras do autor:

[...] o que vemos é esse preconceito ser alimentado, diariamente, em


programas de televisão e de rádio, em colunas de jornal e revista,
em livros e manuais que pretendem ensinar o que é “certo” e o que
é “errado”, sem falar, é claro, dos instrumentos tradicionais de ensino
da língua: as gramáticas normativas e boa parte dos livros didáticos
disponíveis no mercado (BAGNO, 2007, p. 23).

99
Segue um exemplo de preconceito linguístico em relação à Libras. Apesar
do uso e da difusão da Língua Brasileira de Sinais, ainda, encontramos falas que
relacionam a Libras à mímica. De acordo com Gesser (2009), essa ideia que permeia
a sociedade tem a ver com a forma por meio da qual os ouvintes veem os surdos,
tratando-os de forma exclusiva e pejorativa. Apresentaremos uma figura que fará
referência à afirmação da autora, a de que Libras não é mímica, mas uma língua natural
que emergiu da comunicação entre surdos, e que, assim como as línguas orais, possui
uma gramática própria.

FIGURA 4 – LIBRAS NÃO É MÍMICA

FONTE: <http://librasitz.blogspot.com/2016/10/libras-nao-e.html>. Acesso em: 18 dez. 2021.

Ademais, Gesser (2009) faz reflexões e entrega alguns questionamentos e


mitos relativos à surdez, à língua de sinais e aos surdos, mais propriamente, às relações
dos ouvintes com esse tema.

FIGURA 5 – LIVRO “LIBRAS? QUE LÍNGUA É ESSA?”, DE AUDREI GESSER

FONTE: <https://amzn.to/3UPRELV>. Acesso em: 18 dez. 2021

100
Para Bagno (2007), o preconceito linguístico produz diferentes mitos. O autor
pontua alguns mitos relacionado com a Língua Portuguesa, os quais podem ser, também,
pensados em relação à Libras e ao ensino de Português para os surdos, a saber: o
Português é uma língua muito difícil, pois se reduz ao ensino e à aprendizagem de regras
gramaticais; saber gramática é essencial para escrever e falar bem; o domínio da norma
culta é, extremamente, importante e necessário para a ascensão social. Esses mitos podem
ser um grave entrave se reproduzidos no contexto de ensino de Português para surdos,
visto que muitos deles, conforme já mencionado, aprendem a língua de sinais tardiamente,
e isso traz consequências para a aprendizagem da língua portuguesa como língua adicional
(GESSER, 2009). Desse modo, em um contexto de educação de surdos e/ou de pessoas
ouvintes, é preciso repensar nesses mitos, pois se deve considerar a singularidade do aluno
e as realidades social e educacional dele, para que o processo de escolarização não seja um
ensino voltado ao padrão, à norma e ao purismo da língua.

De acordo com McCleary (2009, p. 39, grifos do autor), o purismo é:

[...] a atitude de que existe um estado "puro" da língua, e que é


necessário zelar para manter esse estado, ou (mais comumente)
voltar para um estado mais puro da língua que já existia, mas que se
perdeu com as mudanças. Em geral, qualquer mudança, na língua, é
vista como negativa. Purismo é uma atitude mais reacionária do que
conservadora. Obviamente, do ponto de vista da sociolinguística, não
existe um estágio melhor ou pior de uma língua, desde que ela esteja
sendo usada, energeticamente, por uma comunidade de usuários,
servindo todas as suas necessidades comunicativas e expressivas.
Para o linguista, o único estado ruim, para uma língua, é quando ela
começa a perder falantes nativos e entra em processo de extinção.

Sobre esta discussão podemos destacar que Milroy (2011) acrescenta que o uso
da norma, com o intuito de padronizar a língua, com base em um purismo linguístico,
evitando que ela se “misture” com outras línguas, é uma imposição que consiste em
eleger determinadas estruturas, ou variedades da língua, como as únicas, corretas e
aceitáveis. Nessa visão de língua, não existe a possibilidade de usar duas variedades
da língua, pois, somente, uma está certa, e a língua deve manter o próprio purismo,
deixando de lado os empréstimos linguísticos e os neologismos.

NOTA
Como vimos anteriormente na Unidade 1, os empréstimos linguísticos são
palavras ou partes de palavras que são incorporadas em uma língua a partir
do uso de palavras ou expressões pertencentes ao léxico de outra língua. Por
exemplo, o uso da palavra o sinal referente à cor AZUL que carrega traços da Língua
Portuguesa em sua configuração.
Já os neologismos são palavras ou sinais novos criados a partir de palavras que existem
na língua, de acordo com Rosa e Potin (2012) este seria um fenômeno observável no uso
do sinal de passarinho para fazer referência ao Twitter, alterando a referência do sinal de
acordo com o contexto para abarcar a necessidade de referência à rede social.

101
INTERESSANTE
Na leitura que apresentaremos a você a seguir, recortaremos um trecho
do livro O Texto na Sala de Aula, de João Wanderley Geraldi. Nesse texto,
o autor situa a linguagem como o lugar de constituição de relações
sociais, onde os falantes se tornam sujeitos, e destaca a importância
de a escola ser um espaço democrático para as diferentes variedades
linguísticas presentes na Libras na Língua Portuguesa.
[...]

A interação linguística

A língua só tem existência no jogo que se joga na sociedade, na interlocução.


No interior desse funcionamento, pode-se procurar estabelecer as regras de
tal jogo. Tomo um exemplo. Dado que alguém (Pedro) dirija, a outro (José), uma
pergunta, como: “Você foi ao cinema ontem?” Tal fala de Pedro modifica as relações
dele com José, ao estabelecer um jogo de compromissos. Para José, só há duas
possibilidades: responder (sim ou não) ou colocar, em questão, o direito de Pedro de
lhe dirigir tal pergunta (fazendo de conta que não ouviu ou respondendo “o que você
tem a ver com isso?”) No primeiro caso, diríamos que José aceitou o jogo proposto
por Pedro. No segundo caso, José não aceitou o jogo e colocou, em questão, o
próprio direito de jogar, assumido por Pedro. Estudar a língua é, então, tentar
detectar os compromissos que se criam por meio da fala e as condições que devem
ser preenchidas por um falante para falar, de certa forma, em determinada situação,
concreta de interação. Dentro de tal concepção, já é insuficiente fazer uma tipologia
entre frases afirmativas, interrogativas, imperativas e optativas a que estamos
habituados, seguindo manuais didáticos ou gramáticas escolares. No ensino da
língua, nessa perspectiva, é muito mais importante estudar as relações que se
constituem entre os sujeitos no momento em que falam do que, simplesmente,
estabelecer classificações e denominar os tipos de sentenças.

A democratização da escola

Tal perspectiva, ao nos jogarmos, diretamente, no estudo da linguagem em


funcionamento, também, obriga-nos a uma posição, na sala de aula, em relação
às variedades linguísticas. Refiro-me ao problema enfrentado, cotidianamente, pelo
professor, das variedades, quer sociais, quer regionais. Afinal – dadas as diferenças
dialetais e dado que sabemos, hoje, por menor que seja a nossa formação, que tais
variedades correspondem a distintas gramáticas –, como agir no ensino? Parece-
me que um pouco da resposta à perplexidade de todos aqueles que, de uma forma
ou de outra, estão envolvidos com o sistema escolar, em relação ao baixo nível
de ensino contemporâneo, pode ser buscado no fato de que a escola, hoje, não
recebe, apenas, alunos provenientes das camadas mais beneficiadas da população.

102
A democratização da escola, ainda que falsa, trouxe, em seu bojo, outra clientela,
e, com ela, diferenças dialetais bem acentuadas. De repente, não damos aulas
só para aqueles que pertencem ao nosso grupo social. Representantes de outros
grupos estão sentados nos bancos escolares, e eles falam diferente. Sabemos que
a forma de fala que foi elevada à categoria de língua nada tem a ver com a qualidade
intrínseca dessa forma. Fatos históricos (econômicos e políticos) determinaram
a “eleição” de uma forma, como a língua portuguesa. As demais formas de falar,
que não correspondem à forma “eleita”, são todas postas em um mesmo saco e
qualificadas como “errôneas”, “deselegantes”, “inadequadas para a ocasião” etc.,
entretanto, uma “variedade linguística “vale” o que “valem”, na sociedade, os
falantes dela, isto é, vale como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas
relações econômicas e sociais. Essa afirmação é válida, evidentemente, em termos
internos, quando confrontamos variedades de uma mesma língua, e, em externos,
pelo prestígio das línguas no plano internacional (GNERRE, 1978). A transformação
de uma variedade linguística em “culta”, ou “padrão”, está associada a vários fatores,
dentre os quais Gnerre aponta:

• • associação dessa variedade à modalidade escrita;


• • associação dessa variedade à tradição gramatical;
• • dicionarização dos signos dessa variedade;
• • consideração dessa variedade como portadora legítima de uma tradição cultural
e de uma identidade nacional.

Agora, dada a situação, de fato, em que estamos, qual poderia ser a atitude
do professor de língua portuguesa? A separação entre a forma de fala dos alunos
e a variedade linguística considerada “padrão” é evidente. Sabendo-se que tais
diferenças são reveladoras de outras diferenças, e que a “língua padrão” resulta de
uma imposição social que desclassifica os demais dialetos, qual é a postura a ser
adotada pelo professor?

Dominar que forma de falar?

Parece-me que, simplesmente, valorizar as formas dialetais consideradas


não cultas, mas, linguisticamente, válidas, tomando-as como o objeto do processo
de ensino, é desconhecer que, “a começar do nível mais elementar de relações com
o poder, a linguagem constitui o arame farpado mais poderoso para bloquear o
acesso ao poder” (GNERRE, 1978).

Como aponta Magda Soares (1983), de um lado, há os que pretendem que


a escola deva respeitar e preservar a variedade linguística das classes populares
e a peculiar relação dela com a linguagem, consideradas tão válidas e eficientes
para a comunicação e a variedade linguística, socialmente, privilegiada. Nesse
caso, a escola deveria assumir a variedade linguística das classes populares como

103
instrumento legítimo do discurso escolar (dos professores, dos alunos e do material
didático). Por outro lado, há os que afirmam a necessidade de que as classes
populares aprendam a usar a variedade linguística, socialmente, privilegiada, própria
das classes dominantes, e aprendam a manter, com a linguagem, a relação que as
classes dominantes, com ela, mantêm, pois a posse dessa variedade e dessa forma
específica de relação com a linguagem é instrumento fundamental e indispensável
na luta pela superação das desigualdades sociais.

Mais próximo à segunda posição, parece-me que cabe, ao professor de


língua portuguesa, ter presente que as atividades de ensino deveriam oportunizar,
aos alunos dele, o domínio de outra forma de falar, o dialeto padrão, sem que isso
signifique a depreciação da forma de falar predominante da família, do grupo social
ao qual pertence etc. Isso porque é preciso romper com o bloqueio de acesso ao
poder, e a linguagem é um dos caminhos. Se ela serve para bloquear – e disso
ninguém duvida –, também, serve para romper o bloqueio.

Não estou afirmando que, por meio das aulas de língua portuguesa,
processar-se-á a modificação da estrutura social. Estou, tão e somente, querendo
dizer que o princípio “quem não se comunica se trumbica” não pode servir de
fundamento para o nosso ensino: afinal, nossos alunos se comunicam com o dialeto
deles, mas têm se trumbicado que não é fácil... É claro que esse “se trumbicar” não
se deve, apenas, à linguagem.

Ensino da língua e ensino da metalinguagem

Se o objetivo das aulas de língua portuguesa é oportunizar o domínio do


dialeto padrão, devemos acrescentar outra questão: a dicotomia entre ensino da
língua e ensino da metalinguagem. A opção de um ensino da língua, considerando
as relações humanas pelas quais ela perpassa (concebendo a linguagem como
lugar de um processo de interação), a partir da perspectiva de que, na escola,
pode-se oportunizar o domínio de mais outra forma de expressão, exige que
reconsideremos “o que” vamos ensinar, já que tal opção representa parte da
resposta do “para que” ensinamos.

Nesse sentido, a alteração da situação atual do ensino de língua portuguesa


não passa, apenas, por uma mudança nas técnicas e nos métodos empregados
na sala de aula. Uma diferente concepção de linguagem constrói não só uma nova
metodologia, mas, principalmente, um “novo conteúdo” de ensino.

104
Parece-me que o mais caótico da atual situação de ensino de língua
portuguesa, em escolas de primeiro grau, consiste, precisamente, no ensino para
alunos que nem sequer dominam a variedade culta, uma metalinguagem de análise
dessa variedade – com exercícios contínuos de descrição gramatical, estudo de
regras e hipóteses de análise de problemas que, até mesmo, especialistas não estão
seguros de como resolver.

Apenas para exemplificar: já tive a oportunidade de folhear cadernos


de anotações de um aluno de quinta série. O “pobre menino” anotara que, para
Saussure, a língua é um conjunto estruturado de signos linguísticos, arbitrários
por natureza, mas que, para Chomsky (grafado Jonsqui), estudar uma língua era
estabelecer “regras profundas” de competência dos falantes...

Um exemplo menos caótico, mas, nem por isso, menos triste, e, infelizmente,
mais frequente, são páginas e páginas de conjugações verbais em todos os tempos
e modos, sem que o aluno suspeite do que significa indicativo, subjuntivo ou mais-
que-perfeito.

Muito do tempo e do esforço gastos por professores e alunos, durante o


processo escolar, serve para aprender a metalinguagem de análise da língua, com
alguns exercícios, e eu me arriscaria a dizer “exercícios esporádicos” de língua,
propriamente, ditos.

Uma coisa é saber a língua, isto é, dominar as habilidades de uso da língua


em situações concretas de interação, entendendo e produzindo enunciados,
percebendo as diferenças entre uma forma de expressão e outra. Outra é saber
analisar uma língua, dominando conceitos e metalinguagens a partir dos quais se
fala sobre a língua e se apresentam características estruturais e de uso.

Entre os dois tipos de atividades, é preciso optar pelo predomínio de um


sobre o outro. Tradicionalmente, prevaleceu o ensino da descrição linguística – eu
diria que nem sequer a descrição prevaleceu, mas o exemplário de descrições,
previamente, feitas, pois, na escola, não se aprende a descrever fatos novos,
formular hipóteses de descrição etc. O que se aprende, na verdade, é exemplificar
descrições, previamente, feitas pela gramática. Mais modernamente, as descrições
tradicionais foram substituídas por descrições da teoria da comunicação, e, hoje, o
aluno sabe o que são emissor, receptor, mensagem etc. Na verdade, substituiu-se
uma metalinguagem por outra.

Parece-me que, para o ensino de primeiro grau, as atividades devem girar


em torno do ensino da língua, e, apenas, subsidiariamente, deve-se apelar para a
metalinguagem, quando a descrição da língua se impõe como meio para alcançar o
objetivo final de domínio nessa variedade padrão.

105
Gostaria de encerrar essas breves considerações de concepção de
linguagem, variedades linguísticas e ensino de língua/ensino de metalinguagem,
reafirmando que a reflexão a respeito do “para quê” do nosso ensino exige que
pensemos no próprio fenômeno de que somos professores – no nosso caso, a
linguagem –, pois tal reflexão, ainda que assistemática, ilumina toda a atuação do
professor em sala de aula.

FONTE: GERALDI, J. W. et al. O texto na sala de aula. 5. ed. São Paulo: Ática, 2011, p. 35-37.

106
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• Existem três possibilidades distintas de conceber a linguagem: linguagem como


expressão do pensamento; linguagem como instrumento de comunicação; e
linguagem como processo de interação.

• Na concepção da linguagem como expressão do pensamento, a língua é considerada


uma capacidade inata do ser humano, o que permite, a ele, reconhecer/espelhar as
sentenças da língua estudada.

• Na concepção de linguagem como instrumento de comunicação, a língua é vista


como um código, e a organização dela, para a comunicação entre emissor e receptor,
independe do contexto situacional.

• Na concepção de linguagem como processo de interação, a língua é um processo


interacional e social, no qual estão presentes as ideologias, as culturas e as
experiências dos falantes na interação.

• Existe uma visão de linguagem, historicamente, estabelecida no Brasil, que tenta


ressaltar que, no nosso país, fala-se uma única língua. Essa visão de linguagem
afirma que o país é monolíngue e deixa de lado mais de 274 línguas indígenas, as de
fronteira como o guarani, as de imigrantes e a Língua Brasileira de Sinais.

• O preconceito linguístico produz diferentes mitos sobre a Libras e sobre a Língua


Portuguesa.

• Libras não é mímica, é uma língua.

107
AUTOATIVIDADE
1 A linguagem pode ser compreendida a partir de três concepções que destacam
modos diferentes de se conceber a linguagem: a linguagem como expressão do
pensamento; a linguagem como instrumento de comunicação; e, por último, a
linguagem como processo de interação. Essas concepções podem nortear o ensino
de Libras como língua materna para os surdos, e o ensino do Português como língua
adicional. Dentre estas concepções de linguagem, qual delas destaca a norma padrão
e se alinha à visão inatista da língua?

a) ( ) Linguagem como expressão do pensamento.


b) ( ) Linguagem como instrumento de comunicação.
c) ( ) Linguagem como um processo de interação.
d) ( ) Linguagem como instrumento gramatical.

2 Qual é a concepção de linguagem em que a língua é vista como um código, composto


por um conjunto de signos que se combinam, de acordo com as regras gramaticais
da língua, sem levar em conta o contexto social?

a) ( ) Linguagem como um processo de interação.


b) ( ) Linguagem como expressão do pensamento.
c) ( ) Linguagem como instrumento de comunicação.
d) ( ) Nenhuma das alternativas.

3 A linguagem, como um processo de interação, prioriza, não somente, o conhecimento


da gramática da língua, mas, sobretudo, o uso social, situado e dinâmico da língua.
Diante disso, analise as afirmações a seguir:

I- A importância de o aluno usar a língua de um modo que faça sentido.


II- As experiências sociais mediadas pela língua sejam levadas em conta na interação.
III- As regras gramaticais são mais relevantes do que o aspecto social, assim, falar bem
é mais valorizado do que estabelecer a comunicação.
IV- O uso da língua é distanciado do contexto social, sendo priorizado o contexto ideológico.
V- A ênfase é dada ao uso da língua nas relações sociais.

Quais afirmações estão CORRETAS?


a) ( ) Apenas I, IV e V.
b) ( ) Apenas I, II e V.
c) ( ) Apenas III, IV e V.
d) ( ) Apenas I, III e IV.
e) ( ) Apenas II, III e IV.

108
4 Apesar da oficialização da Libras como língua da comunidade surda dos centros
urbanos, do uso e da difusão, ainda, encontramos falas equivocadas que relacionam
a Libras à mímica. Por que isso, ainda, acontece?

5 De acordo com a definição apresentada no texto por McCleary (2009), o purismo


linguístico é uma atitude que está relacionada a um estado "puro" da língua, a fim
de zelar para manter esse estado, ou (mais comumente) voltar para um estado mais
puro da língua que já existia, mas que se perdeu com as mudanças. O autor afirma
que o purismo é uma atitude reacionária. De acordo com McCleary (2009), para a
sociolinguística, não existe um estágio melhor ou pior de uma língua. O único estado
ruim, para uma língua, é quando ela começa a perder falantes nativos e entra em
processo de extinção. Nesta perspectiva, como pode ser compreendida a ideia do
senso comum de que a língua, na atualidade, estaria cada vez mais pobre devido ao
uso de gírias, às mudanças de estrutura e ao uso de palavras estrangeiras?

FONTE: MCCLEARY, L. Sociolinguística. Universidade Federal de Santa Catarina Licenciatura e Bacha-


relado em Letras-Libras na Modalidade a Distância. Florianópolis, 2009. Disponível em: https://www.libras.
ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoBasica/sociolinguistica/assets/547/TEXTO-BASE_Sociolinguisti-
ca.pdf. Acesso em: 6 jun. 2022.

109
110
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -
UM OLHAR SOCIOLINGUÍSTICO SOBRE A
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO DE SURDOS

1 INTRODUÇÃO
A inclusão dos surdos, nas escolas, coloca diversos desafios aos sistemas de
ensino, em virtude das mudanças que ocorreram desde a década de 1980. A história da
educação de surdos foi marcada por diferentes momentos, os quais envolveram desde a
invisibilização da Libras e dos surdos, pela sociedade, a uma fase de resgate dos direitos
deles, momento em que a comunidade surda se posicionou a respeito do uso da língua
de sinais e do reconhecimento como pessoas com direitos, a fim de mostrar as próprias
culturas e identidades.

Em alguns espaços da sociedade, ainda, perpetua-se uma visão de surdez


como patologia, como se o surdo precisasse ser “normalizado” para ser aceito pela
sociedade e, com ela, interagir. Já em outros espaços, outras visões emergem, como
a socioantropológica, incluindo práticas sociais voltadas ao reconhecimento da Língua
Brasileira de Sinais como língua, que tem o estatuto linguístico próprio, que não descende e
nem depende da Língua Portuguesa, além de reconhecer o surdo e os direitos linguísticos
de comunicação, interação e posicionamentos cultural e identitário dele.

Neste tópico, abordaremos as concepções das pessoas surdas, a clínico-


terapêutica e a socioantropológica, para, em seguida, abordarmos a histórica da
educação de surdos, com foco nas filosofias de educação desses sujeitos, a saber:
oralismo, comunicação total e bilinguismo. Conhecer as concepções e as abordagens
educacionais oportunizarão, a você, refletir, criticamente, em relação às visões sobre as
pessoas surdas na sociedade brasileira.

2 AS CONCEPÇÕES SOBRE AS PESSOAS SURDAS


A literatura sobre a educação de surdos aponta que as concepções clínico-
terapêutica e socioantropológica de surdez e sobre as pessoas surdas mostram
não somente o modo como a sociedade ouvinte concebe o surdo, mas também
servem de base para conduzir a educação de surdos (CAPOVILLA, 2000; SKLIAR,
2000). Tradicionalmente, essas concepções orientam de modo divergente as ações
pedagógicas na educação da pessoa surda, dadas as diferenças presentes em cada
uma delas.

111
A concepção clínico-terapêutica compreende a surdez como uma patologia,
como déficit biológico. Esta concepção traz como mote a medicalização e esforços
no sentido de “normalizar” a pessoa surda, isto é, ações que contemplam estratégias
reparadoras e corretivas sobre o surdo, para que se assemelhe sócio e linguisticamente
à pessoa ouvinte (SKLIAR, 2000).

Na concepção clínico-terapêutico, a surdez é vista como deficiência, sendo


atribuído ao surdo a reponsabilidade pelas dificuldades e entraves presentes em seu
desenvolvimento linguístico e educacional. Esta concepção define a surdez, como uma
condição que impede o surdo de se desenvolver como um indivíduo, pois o surdo é
visto como uma pessoa que necessita de intervenções que tratem e solucionem a sua
condição de não poder ouvir.

Para a visão clínico-terapêutica, o surdo é considerado uma pessoa incompleta,


e por isso precisa ser normalizada por meio de técnicas fonoaudiológicas que possibilitem
o surdo se aproximar do padrão ouvinte, para que ele aprenda a língua oral, pois desta
forma estaria superando a deficiência.

Já para a concepção socioantropológica, diferente da clínico-terapêutica,


os surdos, suas culturas e identidades, podem ser manifestadas por meio da língua
de sinais. Elas são valorizadas e respeitadas e subsidiam novas visões e ações que
contemplam na educação de surdos o ensino e a aprendizagem da língua de sinais,
como sua primeira de língua. Na visão socioantropológica, a educação de surdos
proporciona o desenvolvimento do aluno surdo dentro de um contexto multilíngue e
multicultural, abordando a surdez como diferença e como experiência visual (SKLIAR,
2000). Nesse contexto, a língua de sinais é considerada o principal marcador identitário
da cultura surda. Por meio dela, os surdos manifestam as suas produções culturais e
aspectos identitários.

Segue um quadro-resumo com características das concepções clínico-


terapêutica e socioantropológica:

QUADRO 2 – CARACTERÍSTICAS DAS VISÕES CLÍNICO-TERAPÊUTICA E CULTURAL

Questões Clínico-terapêutica Socioantropológica


Práticas de Ensino Métodos de reabilitação Linguística e cultural
para surdos
Papel do professor Ter uma visão clínica sobre a Ter uma visão cultural,
surdez e o surdo linguística e social
Papel do aluno Assemelhar-se à pessoa ouvinte Mostrar suas identidades e
culturas por meio da língua
de sinais
Língua de sinais Impede o aluno de se desenvolver Deve ser a primeira língua do
enquanto o indivíduo surdo
FONTE: As autoras

112
As informações apresentadas no quadro acima mostram as características
de duas concepções sobre os surdos que se destacam na literatura da história da
educação de surdos. É importante ressaltar que podem existir outras visões sobre os
surdos, considerando a dinamicidade social, ideológica, política e linguística presentes
nas comunidades linguísticas. Observe que as duas visões apresentam compreensões
bastante divergentes sobre todas as questões pertinentes ao ensino e aprendizagem
da língua para os alunos surdos, tendo em vista que a perspectiva clínica tem como
perspectiva norteadora a reabilitação auditiva, ou seja, é uma forma compreensão da
surdez que inviabiliza o desenvolvimento pleno do estudante enquanto indivíduo, tendo
em vista que não respeita as particularidades comunicativas dele. Por outro lado, a
visão Socioantropológica percebe os sujeitos a partir de suas características pessoas
de modo a compreender a surdez como uma peculiaridade que deve ser respeitada
e compreendida dentro das possibilidades linguísticas do sinalizante, desta maneira,
nesta visão a língua de sinais é percebida como a primeira língua dos surdos e a cultura
surda como parte da identidade.

DICA
Para ampliar a visão sobre as concepções sobre a
pessoa surda, sugerimos o filme “Filhos do silêncio”.
Aproveite para perceber os modos de interação entre
uma pessoa ouvinte e uma pessoa surda e a visão que
emerge na relação. Acesse: Link: https://www.youtube.
com/watch?v=JnjIp4XYSeY.

3 AS FILOSOFIAS DE EDUCAÇÃO DE SURDOS


Neste subtópico apresentaremos as três filosofias de educação de surdos:
oralismo, comunicação total e bilinguismo. O oralismo visa à integração do surdo à
sociedade ouvinte, de modo que a lhe oferecer condições de desenvolver a língua oral,
no caso do Brasil, a língua portuguesa. A comunicação total, assim como o oralismo, se
preocupa também com a aprendizagem da língua oral pela criança surda. A diferença
entre ambas é que a filosofia da comunicação total considera que os aspectos cognitivos,
emocionais e sociais não devem ser deixados de lado por causa da aprendizagem da
língua oral. Além disso, a comunicação total incorpora modelos auditivos, manuais e
orais para manter a comunicação entre surdos e surdos, e entre surdos e ouvintes.

Por fim, abordaremos o bilinguismo, que diferente das filosofias supracitadas,


considera a língua de sinais importante e necessária para o desenvolvimento do surdo,
em todas os campos de conhecimento. No bilinguismo, o ensino e a aprendizagem
da língua de sinais propiciam não apenas a comunicação surdo-surdo, mas também
oportuniza ao surdo reconhecer e construir a sua identidade.

113
FIGURA 6 – IMAGEM QUE FAZ ALUSÃO AO ORALISMO, COMUNICAÇÃO TOTAL E BILINGUISMO

FONTE: <http://blogdalibras.com.br/post3>. Acesso em: 3 jun. 2020.

Ao analisarmos a imagem podemos perceber que, mais uma vez, estamos diante
de duas compreensões antagônicas sobre a surdez, na primeira figura da esquerda, temos
uma mão infantil remetendo a uma sinalização inicial do sinal referente à expressão
Eu te amo, dando a entender o entendimento de que a aprendizagem da língua de
sinais é um direito desde a primeira infância para que os indivíduos possam desenvolver
as suas potencialidades linguísticas desde pequenos. Já na imagem da direita temos
a referência a equipamentos e exames que determinam a aferição da audição, ou,
no caso do aparelho, uma aparelhagem para melhora da recepção de sons. Neste
contexto, os elementos apresentados na parte Direita da figura estão representados as
filosofias que procuram valorizar a audição mesmo em relação à educação linguística
de indivíduos surdos. A seguir comentaremos sobre o oralismo, comunicação total e
bilinguismo. Conforme a imagem acima, destacaremos as características de cada
abordagem educacional, com vistas a destacar as suas diferenças no que se refere ao
desenvolvimento social, linguístico e educacional da pessoa surda.

3.1 O ORALISMO
Quando refletimos sobre a educação de surdos, historicamente percebemos
que o olhar que se teve do surdo e da surdez esteve inicialmente voltado para práticas
reparadoras e homogeneizantes de normalização, que baniram o uso da língua de sinais
pelo surdo, para focar no ensino e uso da língua oral.

O oralismo ganhou espaço como abordagem de ensino, a partir do Congresso


de Milão, que aconteceu em 1880, na Itália. Nesse congresso foi decidido sobre qual
abordagem de ensino deveria ser adotada pelas escolas de surdos no mundo todo. Um
grupo de pessoas surdas acreditava que os surdos tinham uma forma específica de
interagir e que poderiam ser ensinados através dela – a língua de sinais –, entretanto, o
outro grupo, formado por pessoas ouvintes, defendia que os surdos deveriam aprender
a língua oral e que poderiam fazer uso da fala, da escrita e da leitura labial na educação.

114
Lamentavelmente, embora os surdos estivessem presente nesse congresso,
apenas os ouvintes tiveram o direito de votar e decidir o destino dos surdos do mundo
inteiro. Esse grupo de ouvintes defendia o oralismo, e naquele momento esta abordagem
de ensino se tornou a filosofia de educação de surdos da época. Após a votação, a língua
de sinais foi banida completamente da educação dos surdos, o que obrigando ao surdo
se render à modalidade de comunicação oralista (GUARINELLO, 2007; SACKS, 2010).

Entretanto, a qualidade da educação ofertada aos surdos caiu, pois essa filosofia
educacional foi considerada como um retrocesso na educação de surdos, uma vez que,
segundo Strobel e Perlin (2008) teria que se evitar ao máximo o uso da língua de sinais
para que o surdo tivesse êxito em seu aprendizado através do treinamento da fala oral,
buscava integrar os surdos na comunidade de ouvintes por meio da fala oral, e priorizava
a reabilitação em direção à normalidade exigida pela sociedade.

Essa filosofia educacional busca a inserção do surdo na comunidade de ouvintes,


como um único meio do surdo desenvolver a língua oral, já que o oralismo percebe a
surdez como uma deficiência que deve ser minimizada por meio da estimulação auditiva
(SACKS, 2010).

3.2 A COMUNICAÇÃO TOTAL


Na década de 1970, emergiram muitas críticas à abordagem do oralismo. Essas
críticas ocorreram devido à falta de bons resultados no desempenho educacional
dos surdos. Juntamente com esta situação, surgiram as pesquisas de William Stokoe
(1960), um linguista norte-americano, que comprovou o caráter linguístico das Línguas
de Sinais, por meio de pesquisas sobre a língua de sinais americana (ASL). Desse
modo, surgiu outra filosofia educacional, a comunicação total (CAPOVILLA, 2000), cuja
abordagem faz o uso de vários recursos de linguagem, tais como fala, escrita, gestos,
mímica, pantomima, sinais, leitura orofacial, entre outros.

Diferente do oralismo, a comunicação total inseriu a língua de sinais na


comunicação com os surdos, bem como tudo que facilitasse e ampliasse a comunicação
entre surdos e ouvintes (CAPOVILLA, 2000; SACKS, 2010). De acordo com Guarinello
(2007), a comunicação total foi disseminada com rapidez, devido as suas caraterísticas
de privilegiar diferentes linguagens na comunicação.

A comunicação total foi reconhecida como uma importante filosofia educacional,


por incorporar a língua de sinais nas interações, e isso trouxe visibilidade para a língua de
sinais que foi extremamente oprimida no oralismo (STROBEL; PERLIN, 2008). Segundo
Ciccone (1990), essa filosofia não concebe a pessoa surda como alguém que tem uma
patologia, mas como ser humano, que pode se comunicar de maneira mais ampla, por
meio de diferentes recursos linguísticos.

115
Como o próprio nome sugere, essa filosofia educacional visa, sobretudo, a
comunicação e a interação entre surdos e ouvintes. Nela, ocorre o uso da língua
oral e da língua de sinais de modo concomitante, o que de certa forma trouxe certo
desprestígio para essa filosofia educacional, por continuar trazendo práticas oralistas
para as interações, não focando unicamente na comunicação em língua de sinais.

3.3 BILINGUISMO
Após o declínio da comunicação total, devido à insatisfação de educadores
e surdos com os resultados educacionais da pessoa surda, ocorreu na década de
1970 um movimento de reivindicação contra o modo como os surdos estavam sendo
alfabetizados, que culminou com no surgimento da proposta de educação bilíngue.
Diferente do oralismo e da comunicação total, a proposta de educação bilíngue tem
como pressuposto que os surdos devem ser bilíngues, adquirindo a língua de sinais como
primeira língua e a língua oral de seu país, como segunda língua, na sua modalidade
escrita (CAPOVILLA, 2000).

Para muitos pesquisadores e estudiosos da área de estudos surdos (LACERDA,


1998; SKLIAR, 2000) a proposta de educação bilíngue tem sido considerada a mais
adequada para o ensino de crianças surdas, pois considera a língua de sinais como a
língua natural do surdo, além de contemplar uma visão social e antropológica sobre o
surdo. Nessa visão de educação, os surdos formam uma comunidade, com cultura e
língua próprias, e a educação de crianças surdas deve ocorrer a partir do contato, o mais
cedo possível, com pessoas surdas proficientes na língua de sinais.

Conforme Brito (1993), na educação bilíngue de surdos, a língua de sinais é


considerada a questão mais relevante para o desenvolvimento do surdo, em todas as
esferas de conhecimento. Para a autora, esse modelo educacional, propicia não apenas
uma interação comunicacional, mas também caminhos para o desempenho e estímulo
do desenvolvimento social e cognitivo do surdo.

Quadros (1997) afirma que a educação bilíngue de surdos é uma proposta


de ensino usada por escolas regulares e inclusiva que busca ofertar acessibilidade à
criança surda às duas línguas no contexto escolar. A autora considera essa proposta
como a mais adequada para o ensino das crianças surdas, já que a língua de sinais é
vista como a primeira língua do surdo que dá suporte e viabilidade para o aprendizado
para o conhecimento de mundo da pessoa surda.

No que se refere a educação bilíngue para surdos, o Decreto nº 5.626/2005,


que regulamenta a Lei de oficialização da Língua Brasileira de Sinais (nº 10.436/2002),
orienta que:

Art. 22. As instituições federais de ensino responsáveis pela educação


básica devem garantir a inclusão de alunos surdos ou com deficiência
auditiva, por meio da organização de:

116
I- escolas e classes de educação bilíngue, abertas a alunos surdos e
ouvintes, com professores bilíngues, na educação infantil e nos anos
iniciais do ensino fundamental;
II- escolas bilíngues ou escolas comuns da rede regular de ensino,
abertas a alunos surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino
fundamental, ensino médio ou educação profissional, com docentes
das diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade
linguística dos alunos surdos, bem como com a presença de
tradutores e intérpretes de LIBRAS – Língua Portuguesa.
§ 1º São denominadas escolas ou classes de educação bilíngue
aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa
sejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo o
processo educativo (BRASIL, 2005).

Podemos perceber que no Decreto nº 5.626/2005 o conceito de educação


bilíngue traz como fundamento a diferença sociocultural e linguística do surdo e a língua
de sinais no processo educacional dos surdos. Neste sentido, essa proposta difere das
filosofias educacionais oralismo e comunicação total e da concepção clínico-patológica
de surdez e de surdos.

DICA
Para melhor compreender as características da Libras, bem como a
importância da educação bilíngue na educação de surdos do Brasil,
sugerimos que assista ao vídeo “Libras: o que é esta língua?”, publicado
na revista Roseta, da Associação Brasileira de Linguística, cujas
autoras são Ronice Müller de Quadros e Marianne Rossi Stumpf e o
vídeo “Minuto Libras Educação Bilíngue de Surdos”, produzido pela
professora Ronice Müller de Quadros.
Os links para acesso são: https://www.youtube.com/watch?v=Q6B-
6nm9VnE e https://www.youtube.com/watch?v=-Mr0kKQ_4Z8.

FIGURA 7 – LIBRAS – O QUE É ESTA LINGUA?

FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=Q6B-6nm9VnE>. Acesso em: 22 ago. 2020.

117
FIGURA 8 – MINUTO LIBRAS EDUCAÇÃO BILÍNGUE DE SURDOS

FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=-Mr0kKQ_4Z8>. Acesso em: 13 jun. 2020.

118
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• A literatura sobre a educação de surdos aponta que existem duas concepções sobre
a surdez e os surdos: clínico-terapêutica e socioantropológica.

• Tradicionalmente, essas concepções orientam de modo divergente as ações


pedagógicas na educação da pessoa surda, dadas as diferenças presentes em cada
uma delas.

• A concepção clínico-terapêutica compreende a surdez como uma patologia, como


déficit biológico. Esta concepção traz como mote a medicalização e esforços no
sentido de “normalizar” a pessoa surda, isto é, ações que contemplam estratégias
reparadoras e corretivas sobre o surdo, para que se assemelhe sócio e linguisticamente
à pessoa ouvinte.

• A concepção socioantropológica, diferente da clínico-terapêutica, os surdos, suas


culturas e identidades, podem ser manifestadas por meio da língua de sinais. Elas
são valorizadas e respeitadas e subsidiam novas visões e ações que contemplam
na educação de surdos o ensino e a aprendizagem da língua de sinais, como sua
primeira língua.

• Na visão socioantropológica, a educação de surdos proporciona o desenvolvimento


do aluno surdo dentro de um contexto multilíngue e multicultural, abordando a
surdez como diferença e como experiência visual. Nesse contexto, a língua de sinais
é considerada o principal marcador identitário da cultura surda. Por meio dela, os
surdos manifestam as suas produções culturais e aspectos identitários.

• A história da educação de surdos é marcada pelas filosofias educacionais, a saber:


oralismo, comunicação total e bilinguismo.

• O oralismo busca a inserção do surdo na comunidade de ouvintes, como um único


meio do surdo desenvolver a língua oral, já que o oralismo percebe a surdez como
uma deficiência que deve ser minimizada por meio da estimulação auditiva.

• Diferente do oralismo, a comunicação total inseriu a língua de sinais na comunicação


com os surdos, bem como tudo que facilitasse e ampliasse a comunicação entre
surdos e ouvintes. A comunicação total foi reconhecida como uma importante filosofia
educacional, por incorporar a língua de sinais nas interações, e isso trouxe visibilidade
para a língua de sinais que foi extremamente oprimida no oralismo.

119
• Diferente do oralismo e da comunicação total, a proposta de educação bilíngue
tem como pressuposto que os surdos devem ser bilíngues, adquirindo a língua de
sinais como primeira língua e a língua oral de seu país, como segunda língua, na sua
modalidade escrita.

• Na educação bilíngue de surdos, a língua de sinais é considerada a questão mais


relevante para o desenvolvimento do surdo, em todas as esferas de conhecimento.

120
AUTOATIVIDADE
1 As concepções sobre a surdez podem oscilar entre dois polos principais, aquelas
compreensões que procuram achar formas de solucioná-la através de métodos
que priorizam os atendimentos clínico-terapêuticos e aqueles entendimentos que
percebem a surdez como parte das características dos indivíduos. A partir disso,
assinale a alternativa que melhor define a concepção clínico-terapêutica:

a) ( ) Visão de surdez que enfatiza o uso da língua de sinais e da língua oral.


b) ( ) Concepção que aborda o ensino da língua de sinais.
c) ( ) Concepção com foco no uso da língua oral, para que a pessoa surda se assemelhe
à pessoa ouvinte.
d) ( ) Concepção que enfatiza a cultura e a identidade surdas.

2 Esta questão envolve o tema “filosofias de educação de surdos”, deste modo, devemos
lembrar das discussões que apresentam os modos através dos quais a Educação dos
Surdos é percebida numa perspectiva em que a língua oral majoritária da comunidade
ou nas compreensões que evidenciam o respeito pela cultura e pela comunidade
surdas, bem como a valorização da língua de sinais. Na figura a seguir, podemos
ver duas pessoas com as mãos escondidas, perto de um cartaz que deixa clara a
proibição da língua de sinais, além disso, estão claramente desenhadas as bocas
que fazem um esforço fonológico para se manifestar oralmente, como os perdigotos
voando deixam em evidência. Tendo em vista contextualização anterior, a descrição
da Figura a observação da figura a seguir, escolha a alternativa que corresponda à
Filosofia da Educação que a imagem procura deixar explícita:

SURDOS TENTANDO SE COMUNICAR

FONTE: <http://fabiosellani.blogspot.com/>. Acesso em: 28 set. 2020.

121
Essa imagem exemplifica:
a) ( ) A filosofia educacional oralista.
b) ( ) A concepção socioantropológica.
c) ( ) A comunicação total.
d) ( ) A comunicação bilíngue.

3 Dentre as perspectivas linguísticas sobre a surdez se destacam duas vertentes, uma


delas é que considera o surdo um ouvinte imperfeito que necessita de instrumentos
e técnicas que o auxiliem a se comunicar, mesmo que precariamente, através da
língua oral majoritária (visão clínico-terapêutica) e a outra visão coloca o surdo como
um indivíduo que pertence a um grupo específico de pessoas com características
culturais e linguísticas específicas (visão Socioantropológica). Considerando a visão
socioantropológica a respeito da pessoa surda, assinale a alternativa que corresponde
à concepção socioantropológica com relação a educação de surdos.

a) ( ) O uso da fala oral é relevante na educação de surdos.


b) ( ) Cultura e identidade surdas não são aspectos relevantes na educação de surdos.
c) ( ) A língua de sinais, cultura e identidades são fundamentais na educação
de surdos.
d) ( ) As práticas do oralismo é a característica dessa visão de surdez e de surdo.

4 Dentre as diferentes leis que regem a inserção da Libras no cotidiano nacional, o


Decreto nº 5626/05 regulamenta a Lei de oficialização da Língua Brasileira de Sinais
nº 10.436/0 e, por isso, utiliza como base vários conceitos e permite importantes
reflexões acerca das noções que norteiam a Educação de surdos no Brasil. Dentre
as conceituações utilizadas neste Decreto a Educação Bilíngue é uma das noções
que permeia todo o documento. Deste modo, este conceito é muito importante para
as delimitações que o Decreto propõe, assim sendo, como a Educação Bilíngue pode
ser definida?

FONTE: QUADROS, R. M. de. Bilinguismo. In: Educação de surdos: aquisição da linguagem. Porto Alegre:
Artmed, 1997. p. 21-43.

5 A Comunicação Total é uma dentre as filosofias utilizadas para a Educação de surdos


ao longo da história da Educação. Nela se misturavam vários recursos com o objetivo
de proporcionar a comunicação entre os interlocutores. Como a Comunicação Total
pode ser caracterizada linguisticamente em comparação ao Oralismo?

122
UNIDADE 2 TÓPICO 3 -
LÍNGUAS EM CONTATO

1 INTRODUÇÃO
O cenário sociolinguístico brasileiro é marcado por uma diversidade linguística,
social e cultural. No Brasil, estima-se que coexistem cerca de 330 línguas, destas, 274
são línguas indígenas (IBGE, 2010) e 56 línguas de imigração (ALTENHOFEN, 2013).
Além desses dados, destacamos ainda a Língua Brasileira de Sinais – Libras, além das
línguas de sinais emergentes. Sabe-se que, além da Libras, oficializada pela Lei Federal
Nº 10.436, de 24 de abril de 2002, o Brasil possui pelo menos duas línguas que já foram
documentadas: a língua de sinais de Urubu-Kaapor no Estado do Maranhão e a língua
de sinais conhecida como “Cena”, falada na cidade de Jaicós, no povoado de Várzea
Queimada, no interior do Piauí, ambas na região Nordeste do Brasil.

Diante destes dados, percebemos que o Brasil é um país com uma ampla
diversidade linguística, o que possibilidade a interação entre diferentes línguas,
pessoas, em diferentes contextos sociais e culturais, possibilitando assim, um contato
linguístico. De acordo com os autores, Raso, Mello e Altenhofen (2011, p. 47), “[...] todo
uso da língua em interação pressupõe um contato linguístico, e que o que entra em
contato são, antes de tudo, modos de falar individuais (idioletos) identificados com
variedades linguísticas específicas”.

Assim, neste tópico, abordaremos o contato linguístico, focando inicialmente


nas características da Libras, para em seguida falarmos sobre o contato linguístico e
suas características. O objetivo é reiterar que o Brasil não é um país monolíngue, mas
um país diverso de falares, culturas e pessoas, com suas histórias e vivências que
caracterizam o país.

2 A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS


As línguas de sinais são reconhecidas como de modalidade gestual-visual.
Além disso, as línguas de sinais são também línguas naturais, pois surgiram da
interação espontânea entre indivíduos. Quadros e Karnopp (2004, p. 30) conceituam
língua natural como:

[....] uma realização específica da faculdade de linguagem que se


dicotomiza num sistema abstrato de regras finitas, as quais permitem
a produção de um número ilimitado de frase. Além disso, a utilização
efetiva desse sistema, com fim social, permite a comunicação entre
os usuários.

123
Assim, Quadros e Karnopp (2004), destacam que as línguas naturais estão
relacionadas à capacidade inata da mente humana compreender e de desenvolver a partir
de uma organização que se divide em uma estrutura imaterial que apresenta normas,
regras e delimitações amplas e, ao mesmo tempo, limitadas, ou seja, a língua permite
que falemos ou sinalizemos muitas coisas de inúmeras maneiras, mas não de qualquer
maneira. Dito de outro modo, mesmo que tenhamos diversas maneiras para formar
frases, as línguas apresentam certas limitações para as sentenças que são adequadas
ou não em relação aos parâmetros de cada língua específica. Ainda nesta citação, as
autoras destacam que a língua tem a finalidade social de permitir a comunicação entre
os usuários de um mesmo idioma, assim sendo, as línguas naturais surgem a partir
da necessidade dos indivíduos em ter um sistema estruturado e compartilhado para
comunicação entre si.

Brito (1998, p. 19) faz a seguinte afirmação sobre considerar as línguas de sinais
como naturais:

As línguas de sinais são línguas naturais porque como as línguas


orais sugiram espontaneamente da interação entre pessoas e porque
devido à sua estrutura permitem a expressão de qualquer conceito
– descritivo, emotivo, racional, literal, metafórico, concreto, abstrato
– enfim, permitem a expressão de qualquer significado decorrente da
necessidade comunicativa e expressiva do ser humano.

Desta maneira, as línguas de sinais se apresentam como línguas naturais porque


surgem da necessidade comunicativa dos indivíduos e têm a capacidade estrutural,
organizacional e composicional de demonstrar todo e qualquer tido de concepção ou
formulação, seja ela qual for. Logo, as línguas de sinais correspondem às demandas dos
grupos de indivíduos que a utilizam.

Nesta mesma direção está a Língua Brasileira de Sinais-Libras, que por ser
natural, possui todos os elementos necessários para se desenvolver e estruturar
como língua natural, desta maneira tem todos os níveis linguísticos que precisa para
a expressão plena dos sinalizantes, por exemplo, alfabeto manual próprio, conforme
a imagem a seguir, gramática própria, não descende e nem depende da estrutura da
língua portuguesa. Além disso, a língua de sinais não é universal, cada país possui a sua.
Logo, cada língua de sinais em cada país possui sua própria estrutura gramatical.

FIGURA 7 – ALFABETO MANUAL DA LIBRAS

124
FONTE: <https://bit.ly/3fpwR1B>. Acesso em: 14 jul. 2020.

Podemos afirmar também que as línguas de sinais não são pantomimas e nem
universais. Elas possuem gramática própria, além dos níveis linguísticos, fonológico,
morfológico, semântico, sintático e pragmático, o que possibilita aos seus usuários
expressarem diferentes tipos de significados, dependendo da necessidade comunicativa
e expressiva do indivíduo. Além disso, as línguas de sinais não descendem e nem
dependem das línguas orais, visto que possuem seus níveis linguísticos, fonologia,
morfologia, semântica e sintaxe, tal como as línguas orais.

Quanto à fonologia das línguas de sinais, Quadros e Karnoop (2004) afirmam que
este nível linguístico determina quais são as unidades mínimas que formam os sinais,
e estabelece quais são os padrões possíveis de combinação entre essas unidades e as
variações possíveis no ambiente fonológico. Essas unidades mínimas, sem significado,
são chamadas de fonemas e elas correspondem aos parâmetros da Libras.

De acordo com Quadros e Karnoop (2004), os parâmetros são: configuração


de mão, é definida como a forma assumida pela mão durante a articulação de um
sinal, ponto de articulação, o lugar do corpo onde o sinal será realizado. O parâmetro
movimento demonstra o deslocamento da mão durante a execução do sinal, possuindo
diferentes formas e direções. O parâmetro orientação vem ser a direção que a palma da
mão indica na realização do sinal. Os componentes não manuais, ou seja, as expressões
faciais e corporais, distinguem significados entre sinais. Podem indicar afirmação,
negação, interrogação e exclamação.

Além das características gramaticais da Libras, é importante ressaltar também


que a oficialização, promoção, uso e a sua legalização foi historicamente constituída
pelas reivindicações dos surdos brasileiros. A Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que
reconhece a Libras como oriunda das comunidades de pessoas surdas do Brasil e como
meio legal de comunicação e expressão, significou um avanço aos direitos linguísticos
dos surdos de se comunicarem e de se expressarem através da Libras, bem como uma
importante ação política, dada a transformação social quanto à valorização e uso da
Libras por pessoas surdas e as conquistas relacionadas a inclusão social e cultural
dos surdos.

125
Conforme mencionamos no início do texto, além do Português e da Libras,
são faladas, no Brasil, as línguas de sinais emergentes. Além dessas línguas, citamos
também o contexto social de Roraima, Norte do Brasil, e sua diversidade linguística
na qual, além do Português, em seu cenário sociolinguístico as línguas indígenas, de
imigração e línguas de sinais também estão presentes nessa região. Quanto às línguas
indígenas destacam-se: Carib, Aruaque e Yanomami, além das línguas de sinais: Libras
e a Língua de Sinais Venezuelana-LSV (ARAÚJO; BENTES, 2020).

De acordo com Araújo e Bentes (2020), a LSV está presente em Roraima há um


bom tempo, e vem sendo utilizada por surdos e ouvintes brasileiros. A presença da LSV
neste cenário, deve-se à crise migratória venezuelana e seus efeitos no Brasil. Dentre
esses efeitos, podemos destacar: a crise política e econômica na Venezuela em 2015,
e a partir de então, o estado de Roraima começou a receber um grande número de
migrantes, e com a migração de venezuelanos para este estado, a comunidade surda
também passou a receber um número expressivo de surdos migrantes.

Neste sentido, é possível perceber a interação e o contato entre diferentes


línguas, que emergem de diferentes razões, sejam políticas, culturais ou sociais,
conforme observamos no exemplo supracitado entre as línguas portuguesa, Libras e
LSV, no estado de Roraima.

A seguir comentaremos de modo mais específico sobre contato linguístico.


Iniciaremos apresentando alguns conceitos de contato linguístico, destacando nesta
situação sociolinguístico a relação intrínseca com o bilinguismo.

DICA
Para melhor compreender a Língua de Sinais
Venezuela sugerimos que assista ao vídeo, “Direitos
Humanos e a Pessoa Surda Migrante”, organizado
e apresentado pela Profa. Dra. Silvana Aguiar dos
Santos – UFSC, pela Assistente Jurídica Angélica
Ribeiro – PUC-SP e pelas discentes Lais Priscila
Almeida – UFRR e Paula Bernardes – UFRGS. O
link para acesso é: https://www.youtube.com/
watch?v=Dr6fnCcXkHY.

126
3 CONTATO LINGUÍSTICO
Os comentários supracitados sobre a diversidade linguística brasileira reiteram
que o país não é monolíngue, isto é, não possui apenas uma língua, no caso, o Português.
Ao contrário disto, a discussão no tópico anterior mostra a existência de outras línguas
em contato com o Português.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2014), o Brasil


é reconhecido como um dos países com a maior diversidade linguística do mundo. Além
de coexistirem cerca de 330 línguas, sendo que, 274 são línguas indígenas (IBGE, 2010)
e 56 línguas de imigração (ALTENHOFEN, 2013), além das línguas de sinais, destacamos
também que existem diferentes variedades do Português faladas no Brasil, sendo,
portanto, possível o contato linguístico entre diferentes variedades de uma mesma
língua e o contato linguístico entre diferentes línguas.

Esta realidade, portanto, invalida o mito de que existe uniformidade


linguística brasileira. Nesta direção, sendo o Brasil um país diverso linguisticamente,
consequentemente temos também que considerar a presença da diversidade de ideias,
sociais, culturais e identitárias, mostrando que o que entra em contato não são somente
as línguas, mas também situações políticas, sociais e culturais que caracterizam um
cenário sociolinguístico (ALTENHOFEN, 2008).

Além disso, consideramos que as línguas em contato estão ligadas ao conceito


de bilinguismo. De acordo com Appel e Muysken (1987), o contato linguístico é visto
como um fenômeno que, dada as suas características de interações entre línguas,
inevitavelmente é levado ao bilinguismo. Quanto ao bilinguismo, este é definido por
Grosjean (1996), como uma situação linguística que envolve um indivíduo que fala
duas ou mais línguas, incluindo também nessa definição os dialetos. Segundo ele, os
bilíngues, necessariamente, não são pessoas fluentes nas quatro habilidades de uma
língua oral (i.e., falar, ouvir, escrever e ler):

Nós conceituamos bilíngues aquelas pessoas que usam duas (ou mais)
línguas (ou dialetos) em suas vidas cotidianas. Assim, a nossa definição
inclui pessoas que vão desde o trabalhador migrante que fala com
alguma dificuldade a língua do país de acolhimento (e que não sabe ler
e escrever), até o intérprete profissional, em uma situação totalmente
distinta, que é plenamente fluente em dois idiomas. Encontramos entre
nós o cônjuge estrangeiro que interage com os amigos em sua primeira
língua, o cientista que lê e escreve artigos em uma segunda língua
(mas que raramente fala a segunda língua), o membro de uma minoria
linguística que usa a língua minoritária em casa e a majoritária em todos
os outros espaços da vida, a pessoa surda que usa a língua de sinais
com seus amigos, mas oraliza com uma pessoa ouvinte, etc. Apesar da
grande diversidade que existe entre essas pessoas, todos compartilham
uma característica comum: eles conduzem suas vidas com duas (ou
mais) línguas (GROSJEAN, 1996, p. 1-2).

127
Assim, de acordo com o autor, ser bilíngue não significa ter domínio de modo
idêntico das habilidades ler, ouvir, falar e escrever para as línguas orais, e as habilidades
produzir e compreender relacionadas às línguas de sinais. Para Grosjean (1996), os
indivíduos conduzem as suas vidas com duas ou mais línguas, e isso não significa
que elas dominam as línguas de uma mesma maneira, e nem por isso, deixam de ser
pessoas bilíngues.

Outra questão relevante em relação ao contato linguístico são os seus tipos.


Conforme Altenhofen (2008), existem pelo menos seis tipos de contato linguístico:

a) Português e línguas autóctones (indígenas),


b) Português e línguas afro-brasileiras,
c) Português e línguas alóctones (de imigração),
d) Português como língua alóctone em contato com línguas oficiais, e) Português e
línguas co-oficiais em contato,
f) contatos linguísticos de fronteira com países vizinhos e contatos entre falantes de
variedades regionais do Português.

Essas variedades de contatos mostram que o Brasil é um país heterogêneo


linguística, social e culturalmente. Esta diversidade mostra ainda que não existe
uniformidade linguística no país, ou seja, não é um país monolíngue.

DICA
Para melhor compreender o assunto Contato linguístico
sugerimos que assista ao vídeo, “Contato de línguas”,
organizado e apresentado pela Parábola Editorial e com
a fala de Marcos Bagno. O link para acesso é: https://
www.youtube.com/watch?v=L3KatEz2z0E.

INTERESSANTE
Outra sugestão que trazemos é a plataforma
“Localingual”. Uma plataforma on-line que mostra
sotaques de diferentes regiões. Através da “Localingual”,
você pode ouvir e conhecer pronúncias de diferentes
países e estados brasileiros. O link para acesso é: https://
localingual.com/?ISO=BR.

128
LEITURA
INTERESSANTE
A seguir, trazemos um trecho do artigo “Línguas de sinais de fronteiras:
o caso da LSV no Brasil” de Paulo Jeferson Pilar Araújo e Thaisy Bentes.
Neste texto, os autores abordam os estudos sobre a Língua de Sinais
Venezuelana-LSV, propondo seu estatuto de língua de fronteira no
Brasil, sendo um acréscimo interessante para as discussões efetuadas
até este momento de nosso Tópico.

LÍNGUAS DE SINAIS DE FRONTEIRAS: O CASO DA LSV NO BRASIL

Paulo Jeferson Pilar Araújo e Thaisy Bentes

[...]

Para a caracterização de uma LS da fronteira, Quadros e Silva (2017, p. 143),


dividem as comunidades surdas em três categorias, conforme segue:

as línguas de sinais nacionais, que desfrutam de algum


reconhecimento e/ou políticas linguísticas que as colocam como
língua oficial da comunidade surda de seus respectivos países;
as línguas de sinais nativas, faladas em pequenas comunidades
pouco ou nada urbanizadas, em geral distantes dos grandes
centros, que apresentam grande incidência de surdez; e as
línguas de sinais originais, que também eram faladas por
pequenas comunidades de surdos previamente à instituição de
uma língua de sinais nacional no país.

As categorias utilizadas pelas autoras são baseadas muito mais em


termos geopolíticos, especialmente para distinguir as nacionais das nativas.
Para a categoria de LSs originais depreende-se que haja um fator histórico que
as colocam como antecessoras da inserção de alguma outra língua considerada
majoritária. A classificação proposta pode servir didaticamente, no entanto, verifica-
se que a distinção entre línguas originais de nativas se dá apenas pelo fato de as
primeiras serem encontradas em comunidades indígenas brasileiras, conforme
quadro apresentado em uma série de publicações (QUADROS; SILVA, 2017; SILVA;
QUADROS, 2019; QUADROS, 2019), nas quais são apresentadas cerca de seis LSs
originais e seis nativas. O número de LSs originais pode aumentar à medida que
pesquisadores e estudiosos, linguistas ou não, “descobrem” e se preocupam com a
documentação de uma “nova” língua de sinais rural/de vila.

129
Na proposta original das Quadros e Silva (2017), as comunidades surdas
contempladas são apenas aquelas consideradas como originárias do Brasil. Ficam
de fora as possíveis situações de LSs de fronteira e migração. Compreende-se
perfeitamente tal exclusão por focalizarem as línguas do Brasil e não no Brasil,
além de ser de difícil informação a situação de LSs em contexto de fronteira ou
migração tanto no contexto brasileiro como internacional. Por outro lado, entende-
se que atentar para a existência de LSs exógenas no território brasileiro é justo
para complementar o quadro de línguas de herança e de migração presentes no
território brasileiro, a exemplo das línguas pomerana, talian e hunsrückisch, para
mencionarmos as mais conhecidas. Como língua de fronteira podemos apontar
o espanhol fronteiriço e sua variedade de contato mais conhecida: o portunhol
(STURZA, 2019).

Defendemos neste artigo a categoria de língua de fronteira para a LSV por


esta estar presente em Roraima há um tempo considerável e começar a ser utilizada
também por surdos e ouvintes brasileiros. Com a dinâmica das populações nacionais
no mundo globalizado, o fenômeno migratório deixa de ser encarado como marginal
para mostrar-se como de importância para se entender as dinâmicas sociais. O
exemplo a ser considerado neste trabalho é a crise migratória venezuelana e seus
impactos no Brasil.

Desde o acirramento da crise política e econômica na Venezuela, a partir de


2015, o estado de Roraima tem recebido um número expressivo de migrantes do país
vizinho. No bojo dessa crise migratória, comunidades surdas são também atingidas.
A partir de 2016 começamos a perceber a relação de surdos brasileiros com surdos
venezuelanos de uma forma mais intensa. Logo em meados de 2017 foi possível
assistir a eventos acadêmicos promovidos pela Universidade Federal de Roraima-
UFRR com uma participação considerável de surdos venezuelanos o que ensejou a
participação de intérpretes não apenas de Libras-português, como também de LSV-
espanhol e Libras-LSV. Observar a interação entre as línguas portuguesa, espanhola,
Libras e LSV em um mesmo ambiente levantou a questão de se conhecer melhor
que LS era essa que alguns surdos brasileiros estavam aprendendo.

Esse processo de aprendizagem da LSV como L2 por parte de surdos


brasileiros e a aprendizagem da Libras L2 por parte dos surdos venezuelanos
provocou um fenômeno pouco descrito na literatura sobre contato de LSs: o contato
entre duas línguas de sinais, ou seja, contato intermodal ou unimodal (ARAÚO;
BENTES, 2018). Tal situação não é inédita na linguística das línguas de sinais, é
o caso do contato entre a Língua de Sinais Mexicana-LSM e a Língua de Sinais
Americana-ASL4 (QUINTO-POZOS, 2002), para ficarmos com um caso semelhante
devido a questões migratórias. Encarar a LSV como língua de fronteira, e mais,
língua de sinais da fronteira traz maior visibilidade para essa língua e para os seus

130
sinalizantes, além de chamar a atenção dos estudiosos para a existência de línguas
na modalidade visuoespacial na categoria de línguas de fronteira e imigração no
Brasil. Tomando como premissa o estatuto de língua de fronteira e de migração
para a LSV, nos detemos sobre a situação dessa língua em seu contexto nacional
e transnacional.

O caso da LSV na Venezuela e no Brasil

Nesta seção, alguns pontos para contextualizar os movimentos e as


fronteiras da LSV são apresentados, não de forma exaustiva, mas muito mais um
panorama sobre essa língua entre Venezuela e Brasil. O primeiro desafio para quem
se coloca na tarefa de conhecer a LSV fora da Venezuela é a pouca acessibilidade ao
material acadêmico ou não, produzido sobre essa língua. No Brasil, contamos com
uma publicação específica com um capítulo voltado para um panorama da situação
educacional e linguística dos surdos da Venezuela (LUQUE; PÉREZ, 2017). Fora
trabalhos esparsos e mais atuais como o de Luque e Pérez (2017), as informações
sobre a comunidade surda venezuelana e a LSV são de difícil acesso. Boa parte
dos trabalhos produzidos entre as décadas de 1980 e 1990 estão em formato
mimeografado nas bibliotecas universitárias do país vizinho.

Praticamente toda informação mais acessível sobre a LSV se encontra


no website6 organizado pelo linguista Alejandro Oviedo, além de suas próprias
publicações, tornando-o uma das principais referências sobre essa LS. Tal fato é
corroborado por Luque e Pérez (2017, p. 125) que apontam a decisão do referido
linguista de residir na Alemanha como um dos fatores que deixou os estudos sobre
a LSV mais escassos. Especificamente sobre os estudos linguísticos voltados para
a LSV, Luque e Pérez (2017) dividem os trabalhos em dois períodos: de 1987 a
1993 e de 1994 a 2016. Nesses dois períodos a presença de Oviedo é essencial.
Na primeira, com o protagonismo de Lourdes Pietrosemoli, o grupo de linguistas
por ela liderados conduzem as primeiras investigações sobre a LSV, se ocupando
principalmente sobre a questão de a LSV ser ou não uma língua natural. Esse
primeiro período foi marcado ainda pelo trabalho de linguistas e professores
em escolas de Educação Básica nas quais havia a presença de alunos surdos.
No segundo período compreendido entre 1994 e 2016 verifica-se o que parecer
ser a consolidação dos estudos linguísticos da LSV, tendo investigações em
praticamente todos os níveis de análise: fonética/fonologia, morfologia, sintaxe,
semântica/pragmática e discurso. As autoras enumeram 11 pontos de análises dos
quais se destacam: a análise de narrativas em LSV realizada por Oviedo no qual
o autor faz uso do traço C+ “como marca gramatical que permite introduzir na
narrativa informações que tem a ver com os participantes e não com eventos”
(LUQUE; PÉREZ, 2017, p. 125); a classificação de verbos em não direcionais,
subdivididos em verbos simples e demonstrativos. Estes últimos subdivididos
ainda em ‘sinalizadores mediante deslocamento’ e reversíveis. A segunda categoria

131
de verbos são os verbos espaciais, subdivididos ainda em verbos de trajetória, de
ação-processo e de locação. Os classificadores da LSV receberam uma descrição
de Oviedo (2004). A LSV conta possivelmente com cerca de 114 configurações de
mão (CM) e 43 marcadores com diversas funções no discurso.

Conforme informações retiradas do site Cultura Sorda, não existe ainda


uma padronização da LSV, dado confirmado por Pérez (2007) que defende o
protagonismo dos próprios surdos na padronização da sua língua materna. No
entanto, sabe-se que os processos de padronização sofrem grande influência
dos trabalhos acadêmicos e nos processos de gramatização e dicionarização de
línguas. Tal fato pode levar a uma possível norma eleita pelas variedades descritas
e disseminadas nos estudos linguísticos ou por comunidades surdas venezuelanas
detentoras de algum prestígio social.

Com o grande fluxo migratório de venezuelanos para o Brasil, passando pela


cidade de Pacaraima a cerca de 200km de Boa Vista, o contato entre as comunidades
surdas venezuelanas e brasileiras foi intensificado. Com uma população estimada
em 605 mil em 2019, Roraima conta com cerca de 50 mil imigrantes venezuelanos,
de acordo com dados da Prefeitura de Boa Vista. Esses números, porém, podem
estar superados.

A cidade de Boa Vista possui abrigos voltados para a população de


imigrantes, mas insuficientes, o que provoca o aumento no número de moradores
de rua na capital. Dentre os diversos impactos decorrentes da imigração, o
crescimento populacional e a diversificação da oferta de serviços são impactados
diretamente. Para a população surda venezuelana que ingressou no país os dados
são desconhecidos ou inexistentes. Sabe-se da presença dos surdos imigrantes
principalmente via instituições religiosas como a Pastoral do Surdo ligada à Igreja
Católica. A Pastoral chega a atender em média 20 surdos venezuelanos diretamente.
Os surdos imigrantes são vistos geralmente na entrada de agências bancárias ou
semáforas da cidade como pedintes. Em outros espaços, como o universitário, é
comum a participação dos mesmos em eventos promovidos pelo Curso de Letras-
Libras da Universidade Federal de Roraima.

A interação entre a comunidade surda venezuelana com a comunidade


surda brasileira é inevitável, o que não impede, infelizmente, a existência de
eventos xenofóbicos contra surdos venezuelanos. É possível observar a presença
de intérpretes de LSV em espaços religiosos como missas e eventos acadêmicos,
porém em instituições como hospitais, cartórios etc., os surdos venezuelanos
contam com o auxílio de amigos brasileiros que saibam Libras e português para
se comunicarem. A posição da Libras como língua de uso faz com que os surdos

132
venezuelanos busquem aprendê-la como L2. Portanto, o contato entre surdos das
duas nacionalidades é também o contato entre a Libras e a LSV. Dessa forma, ambas
as línguas estão propensas a passar por processos típicos do contato linguístico,
como detalhamos na seção que se segue.

[...]

FONTE: ARAÚJO, P. J. P.; BENTES, T. Línguas de sinais de fronteiras: o caso da LSV no Brasil. Revista
Humanidades e Inovação v. 7, n. 26, 2020. Disponível em: https://revista.unitins.br/index.php/hu-
manidadeseinovacao/article/view/3214. Acesso em: 6 jun. 2022.

NOTA
Apresentamos a você um trecho do livro “Ideias para ensinar português
para alunos surdos”, das autoras Ronice Müller de Quadros e Magali L. P.
Schmiedt. Nesse texto, as autoras focam nas línguas que fazem parte do
cotidiano do aluno surdo, destacando a importância da língua de sinais na
vida da pessoa surda, bem como da educação bilíngue.

133
LEITURA
COMPLEMENTAR
EDUCAÇÃO BILÍNGUE NO CONTEXTO DO ALUNO SURDO

Ronice Müller de Quadros


Magali L. P. Schmiedt

O que é afinal educação bilíngue

Educação bilíngue envolve, pelo menos, duas línguas no contexto educacional.


As diferentes formas de proporcionar uma educação bilíngue a uma criança em uma
escola dependem de decisões político-pedagógicas. Ao optar-se em oferecer uma
educação bilíngue, a escola está assumindo uma política linguística em que duas
línguas passarão a coexistir no espaço escolar, além disso, também será definido qual
será a primeira língua e qual será a segunda língua, bem como as funções que cada
língua irá representar no ambiente escolar. Pedagogicamente, a escola vai pensar em
como estas línguas estarão acessíveis às crianças, além de desenvolver as demais
atividades escolares. As línguas podem estar permeando as atividades escolares ou
serem objetos de estudo em horários específicos dependendo da proposta da escola.
Isso vai depender de “como”, “onde”, “quando” e “de que forma” as crianças utilizam as
línguas na escola. Esse fator, provavelmente, será influenciado pelas funções que as
línguas desempenham fora da escola.

No caso do aluno surdo, a educação bilíngue vai apresentar diferentes contextos


dependendo das ações de cada munícipio e de cada estado brasileiro. Em alguns
estados, há escolas bilíngues para surdos em que a língua de instrução é a língua de
sinais e a língua portuguesa é ensinada como 2ª língua. Em outros estados, Libras é
língua de instrução e o português é ensinado como segunda língua nas salas de aula
das turmas das séries iniciais do ensino fundamental.

Nas demais séries, a língua portuguesa é a língua de instrução, mas há a presença


de intérpretes de língua de sinais nas salas de aula e o ensino de língua portuguesa,
como segunda língua para os surdos, realiza-se na sala de recursos. Ainda há estados
em que os serviços de intérprete de língua de sinais estão presentes desde o início da
escolarização. Nesse contexto, nas séries iniciais, os intérpretes acabam assumindo a
função de professores, utilizando a língua de sinais como língua de instrução.

Há, ainda, estados em que professores desconhecem libras e a escola não tem
estrutura ou recursos humanos para garantir aos alunos surdos o direito à educação, à
comunicação e à informação.

134
Independentemente do contexto de cada estado, a educação bilíngue depende
da presença de professores bilíngues. Assim, pensar em ensinar uma segunda língua,
pressupõe a existência de uma primeira língua. O professor que assumir esta tarefa
estará imbuído da necessidade de aprender a língua brasileira de sinais.

Aquisição das línguas e a criança surda

Quase que em paralelo com os estudos das línguas de sinais, iniciaram-se as


pesquisas sobre o processo de aquisição da linguagem em crianças surdas filhas de
pais surdos (Meier, 1980; Loew, 1984; Lillo-Martin, 1986; Petitto, 1987). Essas crianças
apresentam o privilégio de terem acesso a uma língua de sinais em iguais condições ao
acesso que as crianças ouvintes têm a uma língua oral-auditiva2. No Brasil, a língua de
sinais começou a ser investigada na década de 80 (Ferreira-Brito, 1986) e a aquisição
dessa língua, nos anos 90 (Karnopp, 1994; Quadros, 1995)3. Esses estudos concluíram
que o processo das crianças surdas adquirindo língua de sinais ocorre em período
análogo à aquisição da linguagem em crianças adquirindo uma língua oral-auditiva.
O fato do processo de aquisição da linguagem ser concretizado por meio de línguas
visuais-espaciais, exige uma mudança nas formas como essa questão vem sendo
tratada na educação de surdos. As crianças com acesso a língua de sinais desde muito
cedo, desfrutam da possibilidade de adentrar o mundo da linguagem com todas as
suas nuanças.

A língua de sinais vai ser adquirida por crianças surdas que tiverem a experiência
de interagir com usuários de língua de sinais. Se isso acontecer, por volta dos dois
anos de idade, as crianças estarão produzindo sinais usando um número restrito de
configurações de mão (sugere-se que tal número corresponda a sete configurações de
mão), bem como simples combinações de sinais expressando fatos relacionados com o
interesse imediato, com o “aqui” e o “agora”.

Configurações de mãos formam um conjunto de unidades fonológicas mínimas


das línguas de sinais (poder-se-ia estabelecer uma relação com as unidades sonoras
das línguas faladas).

As crianças nesta fase começam a marcar sentenças interrogativas com


expressões faciais concomitantes com o uso de sinais (palavras) para expressar
sentenças interrogativas (QUEM, O QUE e ONDE). Nesse período, também é verificado o
início do uso da negação não manual através do movimento da cabeça para negar, bem
como o uso de marcação não manual para confirmar expressões comuns na produção
do adulto.

As expressões faciais são marcas não-manuais que pode apresentar funções


gramaticais tornando-se obrigatórias. Nesses casos, menciono como exemplos,
as expressões faciais associadas às interrogativas, às construções com foco, às
construções relativas e condicionais (para mais detalhes, ver Quadros, 1999).

135
Também se observa que as crianças começam a introduzir classificadores nos
seus vocabulários.

“Classificadores” são sinais que utilizam um conjunto específico de configurações


de mãos para representar objetos incorporando ações. Tais classificadores são gerais e
independem dos sinais que identificam tais objetos. É um recurso bastante produtivo
que faz parte das línguas de sinais. Para a descrição de alguns classificadores na língua
de sinais brasileira ver Ferreira-Brito (1995).

Por volta dos três anos de idade, as crianças tentam usar configurações mais
complexas para a produção de sinais, mas frequentemente tais tentativas acabam
sendo expressas através de configurações de mãos mais simples (processos de
substituição). Os movimentos característicos dos sinais continuam sendo simplificados,
embora já se observe o uso da direção dos movimentos com êxito em alguns contextos.
Classificadores são usados para expressar formas de objetos, bem como o movimento
e trajetórias percorridos por tais objetos. Aspecto começa a ser incorporado aos sinais
para expressar diferenças entre ações (por exemplo, CORRER devagar, CORRER rápido).
A criança começa a estender as marcas de negação sobre sentenças assim como os
adultos fazem, inclusive omitindo o item lexical de negação. As crianças, também,
já utilizam estruturas interrogativas de razão (POR QUE). Nesse período, as crianças
começam a contar estórias que não necessariamente estejam relacionadas aos fatos
do contexto imediato. Elas falam de algum fato ocorrido em casa, sobre o bichinho de
estimação, sobre o brinquedo que ganhou etc., no entanto, às vezes, não fica claro o
estabelecimento dos referentes no espaço, o que dificulta o entendimento das estórias.

Por volta dos quatro anos de idade, as crianças já apresentam condições de


produzir configurações de mãos bem mais complexas, bem como o uso do espaço para
expressar relações entre os argumentos, ou seja, as crianças exploram os movimentos
incorporados aos sinais de forma estruturada. A partir desse período, elas começam
a combinar unidades de significado menores para formar novas palavras de forma
consistente. Nesse período, começam a ser observadas a produção de sentenças
mais complexas incluindo topicalizações. As expressões faciais são usadas de acordo
com a estrutura produzida, isto é, as produções não manuais das interrogativas,
das topicalizações e negações são produzidas corretamente. As crianças ainda não
conseguem conservar os pontos estabelecidos no espaço quando contam suas estórias,
apesar de já serem observadas algumas tentativas com sucesso. Aos poucos, torna-se
mais claro o uso da direção dos olhos para concordância com os argumentos, bem
como o jogo de papéis desempenhado através da posição do corpo explorados para o
relato de estórias.

Na verdade, nas análises da produção das crianças adquirindo a língua de sinais


brasileira foi observado que a direção dos olhos é usada consistentemente por volta dos
2 anos de idade. O uso da concordância verbal através do olhar é uma das informações

136
que garante a compreensão do discurso da criança durante este período tão precoce.
O contexto em que esse processo de aquisição acontece é aquele em que as crianças
têm a chance de encontrar o outro surdo, ou seja, além de ver os sinais, ela precisará ter
escutas em sinais (Souza, 2000).

A escola torna-se, portanto, um espaço linguístico fundamental, pois


normalmente é o primeiro espaço que a criança surda entra em contato com a língua
brasileira de sinais. Por meio da língua de sinais, a criança vai adquirir a linguagem. Isso
significa que ela estará concebendo um mundo novo usando uma língua que é percebida
e significada ao longo do seu processo. Todo esse processo possibilita a significação
por meio da escrita que pode ser na própria língua de sinais, bem como, no português.
Como diz Karnopp (2002), as pessoas não constroem significados em vácuo.

O português ainda é a língua significada por meio da escrita nos espaços


educacionais que se apresentam a criança surda. A sua aquisição dependerá de sua
representação enquanto língua com funções relacionadas ao acesso às informações
e comunicação entre seus pares por meio da escrita. Entre os surdos fluentes em
português, o uso da escrita faz parte do seu cotidiano por meio de diferentes tipos de
produção textual, em especial, destaca-se a comunicação através do celular, de chats
e e-mails.

No entanto, atualmente a aquisição do português escrito por crianças surdas


ainda é baseada no ensino do português para crianças ouvintes que adquirem o
português falado. A criança surda é colocada em contato com a escrita do português
para ser alfabetizada em português seguindo os mesmos passos e materiais utilizados
nas escolas com as crianças falantes de português. Várias tentativas de alfabetizar a
criança surda por meio do português já foram realizadas, desde a utilização de métodos
artificiais de estruturação de linguagem até o uso do português sinalizado.

No Brasil, os métodos artificiais de estruturação de linguagem mais difundidos


foram a Chave de Fitzgerald e o de Perdoncini. Português sinalizado é um sistema
artificial adotado por escolas especiais para surdos. Tal sistema toma sinais da língua de
sinais e joga-os na estrutura do português. Há vários problemas com esse sistema no
processo educacional de surdos, pois além de desconsiderar a complexidade linguística
da língua de sinais brasileira, é utilizado como um meio de ensino do português.

A criança surda pode ter acesso a representação gráfica da língua portuguesa,


processo psicolinguístico da alfabetização e a explicitação e construção das referências
culturais da comunidade letrada. A tarefa de ensino da língua portuguesa tornar-se-á
possível, se o processo for de alfabetização de segunda língua, sendo a língua de sinais
reconhecida e efetivamente a primeira língua.

137
Nesse processo, há vários momentos em que se faz necessária a análise
implícita e explícita das diferenças e semelhanças entre a língua de sinais brasileira e o
português. Nesse sentido, há processos em que ocorre a tradução dos conhecimentos
adquiridos na língua de sinais, dos conceitos, dos pensamentos e das ideias para
o português.

Ao fazer a análise explícita entre as duas línguas, estamos utilizando a linguística


contrastiva, ou seja, estamos comparando as semelhanças e diferenças entre as
línguas em seus diferentes níveis de análise. Por exemplo, na língua portuguesa temos
um conjunto de preposições que estabelecem algum tipo de relação entre o verbo e
o resto da oração. Na língua de sinais, esta relação é estabelecida pelo uso do espaço
incorporado ao verbo ou da indicação (apontação).

O ensino do português pressupõe a aquisição da língua de sinais brasileira – “a”


língua da criança surda. A língua de sinais também apresenta um papel fundamental
no processo de ensino-aprendizagem do português. A ideia não é simplesmente uma
transferência de conhecimentos da primeira língua para a segunda língua, mas sim um
processo paralelo de aquisição e aprendizagem em que cada língua apresenta seus
papéis e valores sociais representados.

FONTE: QUADROS, R. M. de; SCHMIEDT, M. L. P. Ideias para ensinar português para alunos surdos.
Brasília: MEC, SEESP, 2006. Págs. 18 a 24.

138
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• O cenário sociolinguístico brasileiro é marcado por uma diversidade linguística, social


e cultural. No Brasil, estima-se que coexistem cerca de 330 línguas, destas, 274 são
línguas indígenas (IBGE, 2010) e 56 línguas de imigração.

• Além da Libras, oficializada pela Lei Federal Nº 10.436, de 24 de abril de 2002, o Brasil
possui pelo menos duas línguas que já foram documentadas: a língua de sinais de
Urubu-Kaapor no Estado do Maranhão e a língua de sinais conhecida como “Cena”,
falada na cidade de Jaicós, no povoado de Várzea Queimada, no interior do Piauí,
ambas na região Nordeste do Brasil.

• As línguas de sinais são reconhecidas como de modalidade gestual-visual. Além


disso, as línguas de sinais são também línguas naturais, pois surgiram da interação
espontânea entre indivíduos.

• As línguas de sinais não são pantomimas e nem universais. Elas possuem gramática
própria, além dos níveis linguísticos, fonológico, morfológico, semântico, sintático
e pragmático, o que possibilita aos seus usuários expressarem diferentes tipos de
significados, dependendo da necessidade comunicativa e expressiva do indivíduo.

• Em Roraima, Norte do Brasil, além do Português, em seu cenário sociolinguístico


destacam-se as línguas indígenas, de imigração e línguas de sinais também estão
presentes nessa região. Quanto às línguas indígenas destacam-se: Carib, Aruaque e
Yanomami, além das línguas de sinais: Libras e a Língua de Sinais Venezuelana-LSV

• De acordo com os autores, Raso, Mello e Altenhofen (2011, p. 47) “todo uso da língua
em interação pressupõe um contato linguístico, e que o que entra em contato são,
antes de tudo, modos de falar individuais (idioletos) identificados com variedades
linguísticas específicas”.

• O Brasil é um país diverso linguisticamente, consequentemente temos também


que considerar a presença da diversidade de ideias, sociais, culturais e identitárias,
mostrando que o que entra em contato não são somente as línguas, mas também
situações políticas, sociais e culturais que caracterizam um cenário sociolinguístico
(ALTENHOFEN, 2008).

• O contato linguístico é visto como um fenômeno que, dada as suas características de


interações entre línguas, inevitavelmente é lavado ao bilinguismo.

139
• Existem pelo menos seis tipos de contato linguístico: a) Português e línguas autóctones
(indígenas), b) Português e língua afro-brasileiras, c) Português e línguas alóctones
(de imigração), d) Português como língua alóctone em contato com línguas oficiais,
e) Português e línguas co-oficiais em contato, f) contatos linguísticos de fronteira
com países vizinhos e contatos entre falantes de variedades regionais do Português.

140
AUTOATIVIDADE
1 Nos debates sobre contato linguístico, estão inseridas as discussões que tratam das
diferentes variedades relacionadas ao local em que os indivíduos vivem, tendo isso
em mente, analise a história em quadrinhos abaixo em que o diálogo apresentado
mostra uma situação de contato linguístico:

QUADRINHO SOBRE VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

FONTE: <https://bit.ly/3LTfdPX>. Acesso em: 13 ago. 2021.

Marque a alternativa CORRETA sobre o tipo de contato em evidência nesta história


em quadrinhos.

a) ( ) Português e línguas afro-brasileiras.


b) ( ) Português e línguas autóctones (indígenas).
c) ( ) Contato linguístico entre falantes de variedades regionais do Português.
d) ( ) Português e línguas alóctones (de imigração).

2 Os contatos linguísticos são delimitados a partir do momento em que indivíduos


falantes ou sinalizantes de línguas diferentes se relacionam por e através da língua,
deste modo, interagem linguisticamente. Contudo, este contato não se dá apenas
em relação ao uso de expressões ou acréscimo de léxico, pois no conceito de contato
linguístico pode ser delimitado como:

a) ( ) O conceito de contato linguístico exclui os aspectos políticos, culturais,


identitários e sociais da língua.
b) ( ) As línguas de sinais estão em contato somente com outras línguas de sinais.
c) ( ) Não existe contato linguístico no Brasil, considerando que ele é um país monolíngue.
d) ( ) O que entra em contato não são somente as línguas, mas também situações
políticas, sociais e culturais que caracterizam um cenário sociolinguístico.

3 As línguas naturais são aquelas que surgem a partir da capacidade inata da mente
humana compreender e de desenvolver a partir de uma organização que se divide
em uma estrutura imaterial que apresenta normas, regras e delimitações amplas e,

141
ao mesmo tempo, limitadas, ou seja, a língua permite que falemos ou sinalizemos
muitas coisas de inúmeras maneiras, mas não de qualquer maneira. Assim, DISSERTE
sobre o porquê de as línguas de sinais serem consideradas línguas naturais.

4 O contato linguístico é a relação existente entre duas ou mais línguas que se dá


através das relações comunicativas entre indivíduos. Deste modo, dadas as suas
características de interações entre as línguas, é visto como um fenômeno que levará,
inevitavelmente, a uma situação em que os sujeitos envolvidos neste contato serão
capazes de utilizar duas ou mais línguas de acordo com o contexto comunicativo em
que estiverem envolvidos. Assinale a alterativa em que está escrito o nome desta
situação na qual os indivíduos são capazes de se movimentar comunicativamente
em duas ou mais línguas:

a) ( ) Bilinguismo.
b) ( ) Monolinguismo.
c) ( ) Interlíngua.
d) ( ) Separação das línguas.

5 De acordo com os autores, Raso, Mello e Altenhofen (2011, p. 47), “todo uso da língua
em interação pressupõe um contato linguístico, e que o que entra em contato são,
antes de tudo, modos de falar individuais (idioletos) identificados com variedades
linguísticas específicas”. Essa afirmação dos autores está relacionada às discussões
sobre o contato entre as línguas, disserte sobre as questões referentes aos modos de
sinalizar individuais em relação à Libras e à discussão sobre contato linguístico, tendo
em vista as diferenças encontradas nas diferentes sinalizações para um mesmo
referente, por exemplo, PAI que tem diferentes maneiras de ser realizado, conforme
as sinalizações a seguir, retiradas de Silva (2015), p. 4-5:

HOMEM + BÊNÇÃO PAI

FONTE: Adaptado de Silva, 2015, p. 4-5.

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(Orgs.). Encontro Nacional de Libras no RS (2012: Porto Alegre, RS). Anais [recurso
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(Org.). Os contatos linguísticos no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. p. 13-56

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SAUSSURE, F. de. Curso de linguística geral. 28 ed. São Paulo: Cultrix, 2012.

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146
UNIDADE 3 —

POLÍTICAS LINGUÍSTICAS,
AQUISIÇÃO, LÍNGUA E LÉXICO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• reconhecer a importância das políticas públicas linguísticas para a garantia de direitos


ao povo surdo;

• identificar elementos que exemplifiquem os fenômenos linguísticos vinculados à


interferência e à intercorrência entre a LP e a Libras;

• relacionar a vivência da língua ao desenvolvimento e à compreensão das identidades


surdas em contexto;

• diferenciar os fenômenos linguísticos relacionados ao bilinguismo e à diglossia;

• debater a respeito da aquisição da Libras por surdos e ouvintes sob uma perspectiva
social;

• conectar as noções de língua, léxico e sociedade;

• examinar o surgimento dos sinais internacionais nas dimensões políticas e sociais;

• diferenciar as noções de sinais internacionais, Gestuno e Esperanto, através de


características linguísticas.

PLANO DE ESTUDOS
A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de
reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – DIREITOS LINGUÍSTICOS: POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIOLINGUÍSTICA


TÓPICO 2 – PERTENCIMENTO SOCIAL MEDIADO PELA LÍNGUA NA FORMAÇÃO DA
IDENTIDADE SURDA
TÓPICO 3 – SINAIS INTERNACIONAIS

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147
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A TRILHA DA
UNIDADE 3!

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148
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —

DIREITOS LINGUÍSTICOS: POLÍTICAS


PÚBLICAS E SOCIOLINGUÍSTICA

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, neste tópico, veremos algumas das questões que envolvem os
debates e os embates que ocorrem na relação da língua com a sociedade, a partir da
perspectiva das políticas públicas. Inicialmente, debateremos a respeito de alguns dos
aspectos relacionados ao modo através do qual as políticas públicas estão relacionadas
ao planejamento linguístico. Dito de outro modo, procuraremos compreender as bases
das discussões que envolvem políticas públicas e a compreensão linguística da relação
que se estabelece através da presença de diferentes línguas em uma sociedade. Ainda,
estudaremos como se dá o reconhecimento dessa ligação a partir da compreensão
linguística presente nos documentos que norteiam as políticas públicas que versam
sobre esse tema.

Após, elencaremos elementos relacionados ao impacto das políticas públicas na


educação bilíngue de pessoas surdas, tendo em vista que o modo através do qual elas
direcionam recursos e esforços públicos influencia, diretamente, no desenvolvimento,
ou não, de programas e processos relacionados ao bilinguismo, e fomentam ou acabam
como currículos e práticas das mais diferentes instituições. Veremos, também, aspectos
relacionados à percepção do plurilinguismo pela perspectiva dialógica bakhtiniana, de
maneira a compreendermos o diálogo como espaço de existência plurilíngue.

Encerraremos este tópico com os debates da presença e da interferência da


Língua Portuguesa (LP) em relação à Língua Brasileira de Sinais (Libras), de modo a
compreendermos como esse processo se estrutura pela relação entre as duas línguas.
Neste momento, a ênfase do debate será dada ao entendimento da relação específica
entre LP e Libras, procurando destacar como as políticas públicas contribuem para
a forma através da qual essa relação se estabelece, ou seja, aqui, a proposta é que
pensemos na interferência como um fenômeno linguístico e, ao mesmo tempo,
político. Logo, isso acaba sendo complementar às discussões linguísticas estabelecidas
anteriormente, neste livro didático.

A partir desses debates apresentados em vista, a meta do tópico é traçar uma


rota que permeia as discussões apresentadas até agora, de maneira a conectar o que
já vimos, pela perspectiva sociolinguística, à compreensão de que as políticas públicas
existentes têm impacto nas percepções da língua que chegam aos falantes, através dos
usos das línguas que estão em permanente contato na sociedade. Dito de outro modo,

149
este tópico, e, de certo modo, esta unidade final do Livro Didático de Sociolinguística
da Libras, pretende estabelecer um caminho teórico que relacionará tudo o que foi
estudado até o momento, a fim de organizar as discussões que envolvem língua e
sociedade, através de diferentes aspectos e elementos apresentados até aqui.

Acadêmico, desejamos um ótimo percurso de estudos!

2 POLÍTICAS PÚBLICAS E PLANEJAMENTO LINGUÍSTICO


Acadêmico, para compreender os principais aspectos referentes a políticas
públicas, vamos observar o seguinte exemplo, trazido pelo site Todos pela Educação
(2020, s. p., grifo nosso):

Imagine que você e seus vizinhos decidam adotar, conjuntamente, um cachorro


que está passeando nas redondezas. Para evitar aquele velho ditado “cachorro com
mais de um dono morre de fome”, todos vocês teriam de fazer alguns combinados:
delegar responsabilidades (que envolvem dinheiro e regras), como quem dá alimento
em quais dias, quem tem disponibilidade para vacinar o animal e castrá-lo, quem pode
ofertar abrigo esporádico etc. Assim, toda essa organização e processo contribuem
para que um objetivo comum seja atingido: o bem do cãozinho.

Esta situação, na qual um grupo de pessoas delimita as responsabilidades


que serão compartilhadas, é semelhante ao modo através do qual podemos
compreender as políticas públicas, tendo em vista que um grupo de pessoas se
associa para delimitar o que é preciso para manter o cãozinho, observe as seguintes
áreas de cuidados que o cãozinho precisaria elaborada por nós a partir do exemplo
do site Todos pela Educação (2020):

Saúde: consultas veterinárias, vacinas, medicamentos necessários.


Recursos financeiros: manutenção de ração, água, medicamentos e consultas
médicas, produtos de limpeza e manutenção do espaço e do bichinho.
Recursos físicos: casinha, local para a casinha, pratinhos de ração e água, produtos
de limpeza do animal e do espaço.
Alimentação: ração, água, tipos de alimentos a serem oferecidos.
Recursos humanos: aquisição da ração, delimitação da água a ser ofertada, reposição
de ração e água, cuidados de higiene com a casinha e com o animalzinho, leva e busca
das consultas veterinárias, responsabilidade pelo banho do animal.
Educação: regras de adestramento, local de circulação, delimitação sobre ser solto na
rua ou preso em algum tipo de corrente.

150
Assim, podemos perceber as necessidades de se delimitarem e gerirem os
diferentes aspectos que envolvem o cuidado com um bichinho, de modo que ele
tenha todas as necessidades dele identificadas e atendidas pelo grupo que o adotou.
Também, conseguimos notar que, mesmo um exemplo simples como esse, permite-nos
compreender que existem vários aspectos que precisam ser levados em consideração
e que se entrelaçam para o atingimento do objetivo comum, que é cuidar do cachorro
comunitário, pois, mesmo que a ração seja comprada, se não houver uma pessoa
responsável por servi-la ao cão, o alimento será desperdiçado e o animal ficará com
fome. Assim, com o exemplo do cãozinho adotado coletivamente, percebemos que
existe todo um apanhado de combinados, processos e recursos que precisam ser
estruturados, de maneira adequada, para que todas as partes que compõem a meta
comum sejam organizadas, satisfatoriamente, para o cão e os donos dele.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado à compreensão a respeito de como


funcionam as políticas públicas, pois o conceito de políticas públicas está
relacionado às decisões que o poder público toma em relação a todos os
aspectos relativos à vida em sociedade. Desse modo, “[...] a política pública é um
processo (com uma série de etapas e regras) que tem, como objetivo, resolver um
problema público” (TODOS PELA EDUCAÇÃO, 2020, s. p.). Assim, quando falamos de
políticas públicas no sentido amplo de sociedade, temos uma infinidade de fatores que
tornam, ainda mais complexa, a organização necessária para o atingimento de metas
sociais que estejam relacionadas a necessidades da população. Para exemplificar os
fatores envolvidos em um contexto de políticas públicas a nível nacional, o seguinte
esquema demonstra alguns dos principais elementos a serem levados em consideração
ao se pensar no objetivo de erradicar o analfabetismo:

FIGURA 1 - ESQUEMA DE ASPECTOS RELATIVOS ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA ERRADICAÇÃO


DO ANALFABETISMO

FONTE: Adaptada de Toda Matéria (2020, s.p.)

151
Assim, ao observarmos o esquema anterior, podemos perceber que existem
diferentes fatores envolvidos para que metas complexas, do contexto social, sejam
percebidas e atingidas. Mesmo assim, a noção das políticas públicas permanece
semelhante ao que vimos em relação ao cãozinho compartilhado, sendo um complexo
de processos que tem em vista a solução de uma necessidade social, e, para isso,
precisa abarcar o maior número de possibilidades, compreensões e recursos.

Nesse contexto, é interessante compreender que tudo que envolve a vida em


sociedade está relacionado à política, no sentido mais básico da palavra, tendo em vista
que a base do conceito dessa palavra está centrada na vida da pólis, ou seja, nos modos
através dos quais as cidades se organizavam. Assim, ao conectarmos os conceitos de
língua e política, estamos estabelecendo a compreensão de uma organização da vida
em cidades, aqui, com o sentido de sociedade, o que tem, como objetivo, estabelecer
as estruturas sociais mediadas por e através da língua. Logo, as políticas públicas
têm influência sobre o modo através do qual as línguas se relacionam no interior das
sociedades, e são elas que delimitam as regras a partir das quais elas terão maiores ou
menores poderes político e cultural.

Tendo isso em vista, podemos compreender que as políticas públicas, quando


pensadas em relação ao planejamento linguístico, envolvem todas as decisões que se
relacionam à língua oficial do país e que línguas serão aceitas como um meio legal de
comunicação, expressão, válidas para o país. Ainda, é preciso levar em consideração o
tipo de ensino de línguas que será proporcionado pelas instituições públicas e privadas
de ensino, os fomentos que serão dados para que tipos de materiais de ensino, a língua
dos documentos oficiais e os tipos de auxílio dados às pessoas que são usuárias de
outras línguas no interior do país. Assim, as políticas públicas se relacionam com todos
os aspectos da vida pública e englobam leis específicas de línguas e todas as demais
relações que se manifestam por e através da língua.

3 POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO BILÍNGUE


PARA SURDOS
Acadêmico, no contexto das políticas públicas para a educação bilíngue de
surdos, um marco, extremamente, importante é o reconhecimento da Libras como um
meio legal de comunicação e expressão, válido em território nacional, através da Lei nº
10.436, de 24 de abril de 2002 (BRASIL, 2002). Essa lei, não apenas, reconhece a Língua
Brasileira de Sinais, como delimita que o uso dela

Art. 2º Deve ser garantido por parte do poder público, em geral,


e empresas concessionárias de serviços públicos, formas
institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de
Sinais – Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização
corrente das comunidades surdas do Brasil (BRASIL, 2002).

152
Além disso, são elencados pontos que deverão ser desenvolvidos como parte
da Política Linguística, como o fomento para o atendimento adequado aos surdos e
deficientes auditivos, e estabelecidos pontos a serem observados pelos sistemas
educacionais. No seguinte artigo, veremos que a Libras passa a compor os currículos
para a formação de profissionais de Educação Especial, Fonoaudiologia e Magistério:

Art. 4º O sistema educacional federal e os sistemas educacionais


estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a
inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de
Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior,
do ensino da Língua Brasileira de Sinais – Libras, como parte
integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN, conforme
legislação vigente (BRASIL, 2002).

Observe que a lei delimita a obrigatoriedade da inserção da Libras nos cursos,


contudo, foi preciso o estabelecimento de normas específicas para a regulamentação
de como as bases estabelecidas pela Lei nº 10.436/2002 seriam colocadas em prática
(BRASIL, 2002). Com essa finalidade, o Decreto nº 5.626/2005 delimita como seriam
aplicados os artigos da legislação que tornou a Libras uma das línguas reconhecidas
como meio legal de comunicação e expressão (BRASIL, 2005). Nesse decreto, são
regulamentados os aspectos referentes ao reconhecimento da Libras como meio
legal de expressão. Tem nove capítulos, os quais abordam aspectos relevantes para a
compreensão do direcionamento a ser dado a políticas linguísticas que visem à inserção
da Libras no cotidiano das instituições. Isso quer dizer que é um dos documentos básicos
para que compreendamos o papel das políticas públicas linguísticas para a educação
de surdos, tendo em vista que ele estabelece as normas basilares para a inserção da
Libras na sociedade, como forma legitimada de comunicação. Os nove capítulos serão
destacados a seguir:

QUADRO 1 – SÍNTESE DO DECRETO Nº 5.626/2005

CAPÍTULO SÍNTESE
Delimita a compreensão de surdez a partir do
uso da Libras e da vivência da cultura surda,
I - Das disposições preliminares
bem como define os parâmetros audiométricos
para deficiência auditiva.
Reforça a Libras como disciplina curricular
obrigatória nos cursos de licenciatura e
II - Da inclusão da Libras como
fonoaudiologia, delimita quais cursos são
disciplina curricular
compreendidos nestes grupos e coloca a
disciplina como opcional nos demais cursos.

153
Delimita as normas específicas para a formação
de professores de Libras, determina a criação
de cursos superiores para licenciatura em
Letras/Libras, destaca a formação bilíngue para
o curso de licenciatura, destaca a diferenciação
entre as modalidades falada e escrita da LP
III - Da formação do professor de em relação ao público surdo, evidencia a LP
libras e do instrutor de libras como segunda língua ou língua de instrução,
dando ênfase à necessidade da formação
de profissionais docentes surdos e/ou que
reconheçam as necessidades linguísticas
específicas do público surdo. Delimita a
prioridade do público surdo nos cargos de
professor e instrutor de Libras.
Delimita os modos como as instituições de ensino
deverão promover “[...] acesso à comunicação, à
IV - Do uso e da difusão da Libras
informação e à educação nos processos seletivos,
e da língua portuguesa para o
nas atividades e nos conteúdos curriculares
acesso das pessoas surdas à
desenvolvidos em todos os níveis, etapas e
educação
modalidades de educação, desde a educação
infantil até à superior” (BRASIL, 2005, s.p.).
Determina a formação superior para o tradutor
intérprete de Libras e delimita as estratégias
que deverão ser utilizadas pelo período de
V - Da formação do tradutor
dez anos a fim de suprir a necessidade de
e intérprete de libras – língua
profissionais enquanto os cursos superiores são
portuguesa
estruturados, autorizados e cursados. Define
o período de um ano para que as instituições
tenham tradutor intérprete de Libras.
Determina as regras para inclusão de alunos
surdos nas instituições de ensino a partir de
escolas e classes bilíngues para alunos surdos
VI - Da garantia do direito à
e ouvintes em todos os níveis de ensino e com
educação das pessoas surdas ou
o suporte de profissionais especialistas da área,
com deficiência auditiva
bem como o direito ao Atendimento Educacional
Especializado. Também são citadas a literatura, a
cultura e os direitos linguísticos surdos.
Priorização dos alunos matriculados na rede
de educação básica nos serviços públicos
VII - Da garantia do direito à
de atendimento em saúde, de modo a sanar
saúde das pessoas surdas ou com
as necessidades de diagnóstico, tratamento
deficiência auditiva
e acolhimento das pessoas com deficiência
auditiva.

154
VIII - Do papel do poder público
e das empresas que detêm
Garantia às pessoas surdas do atendimento em
concessão ou permissão de
Libras e tradução/interpretação em LP/Libras.
serviços públicos, no apoio ao uso
e difusão da Libras
Inclusão de verbas para políticas púbicas que
IX - Das disposições finais visem à difusão e utilização da Libras nos
orçamentos em todos os níveis de governo.
FONTE: Adaptado de BRASIL (2005)

Desse modo, o Decreto nº 5626/2005 estabelece como deve ser posta em


prática a Lei nº 10.436/2002, através da delimitação de prazos para inserção da Libras
nas diferentes instituições públicas ou vinculadas ao serviço público, e determina que os
Estados e municípios destinem parte da verba para difusão, utilização e atendimento ao
público surdo, ainda, com ênfase nos atendimentos de saúde e educação. O documento
serve como norteador das políticas públicas que se desenvolveram no país, e causa
uma revolução na difusão, no uso, nas pesquisas e na presença da Libras em todas as
mídias, com níveis de interação e reconhecimento no país como um todo. Então, mesmo
que, ainda, tenha-se muito a desenvolver em relação às políticas públicas, é preciso
reconhecer que muito se desenvolveu nos cenários do uso da Libras e do acesso às
instituições em todos os níveis e modalidades da educação (BRASIL, 2002; 2005).

Nesse mesmo decreto, percebe-se o entendimento linguístico do bilinguismo


como meta a ser buscada em direção à inserção das pessoas surdas nas diferentes
esferas da sociedade, de maneira que seja alcançado o uso da Libras como língua
materna das pessoas surdas e, a Língua Portuguesa, como língua de instrução e língua
oficial do Brasil (BRASIL, 2005). Nesse sentido, a Lei nº 14.191/2021 trouxe alterações na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), ao alterar o texto de artigos da
legislação máxima da Educação Nacional (BRASIL, 2021).

Inicialmente, a Lei nº 14.191/2021 delimita a compreensão de bilinguismo que


será adotada na perspectiva da legislação (BRASIL, 2021, s. p., grifo nosso):

Art. 60-A. Entende-se, por educação bilíngue de surdos, para os


efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida
em Língua Brasileira de Sinais (Libras), como primeira língua, e em
português escrito, como segunda língua, em escolas bilíngues
de surdos, classes bilíngues de surdos, escolas comuns ou em
polos de educação bilíngue de surdos, para educandos surdos,
surdo-cegos, com deficiência auditiva sinalizantes, surdos com altas
habilidades ou superdotação ou com outras deficiências associadas,
optantes pela modalidade de educação bilíngue de surdos.

155
Observe que, neste artigo, as escolas bilíngues de surdos estão em primeira
posição na listagem de locais citados, assim, reconhece e valida o impacto de outras
legislações, mesmo aquelas que causaram polêmica, como a Política Nacional de
Educação Especial, instituída pelo Decreto nº 10.502/2020, para uma mudança de foco,
que coloca a educação especial e, por consequência, os debates do ensino de surdos
como parte do sistema de ensino que não mais irá priorizar a matrícula em escolas
regulares (BRASIL, 2020; 2021).

A alteração da LDB combina com a perspectiva linguística que promove o


ensino da Libras, especificamente, para o público surdo que optar pela “[...] modalidade
de educação bilíngue para surdos” (BRASIL, 2021, s. p.). Dito de outro modo, caso não
seja feita a opção pelo ensino bilíngue, esse público poderá ser inserido em classes
regulares, nas quais a língua oficial, o Português, será prioridade, sem que essa inserção
específica, na LDB, faça qualquer menção à presença de tradutores e intérpretes de
Língua de Sinais em classes regulares; fala, apenas, de tecnologias assistivas para
surdos oralizados. Assim, embora não revogue o Decreto nº 5.626/2005, ao deixar
de fora, da lei máxima da educação, a presença de intérpretes em classes regulares,
reforça a inserção do público surdo em escolas e classes bilíngues, mesmo que coloque
as escolas regulares como parte da política (BRASIL, 2005).

Assim, a alteração, na LDB, colocou a educação bilíngue como foco das políticas
públicas linguísticas do ensino e aprendizagem para o público surdo, surdo-cego e
deficiente-auditivo que utilizam a língua de sinais. Contudo, como vimos anteriormente,
neste subtópico, é, apenas, um dos passos da proposta bilíngue para a educação de
surdos, tendo em vista a necessidade de uma normatização semelhante àquela feita
pelo Decreto nº 5.626/2005, em relação à Libras como língua, legalmente, utilizada
com meio de comunicação e expressão (BRASIL, 2005). Desse modo, ainda, deverão
ser elaborados outros documentos norteadores dessa proposta para que tenhamos
uma visão mais clara do rumo que a educação bilíngue de surdos tomará a partir dessa
alteração na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Entretanto, é possível
perceber que essa alteração, com certeza, também, terá impactos interessantes para a
inserção, cada vez maior, da língua de sinais nos debates acadêmicos e sociais, os quais
envolvem a educação que se dá através das línguas que estão em jogo nesse contexto:
a Libras e a LP.

4 SOCIOLINGUÍSTICA, PLURILINGUÍSMO E LÍNGUA


DE SINAIS
Acadêmico, talvez, você esteja pensando em que medida essas legislações
estão envolvidas nas discussões que a Sociolinguística propõe como área de estudo
e pesquisa, tendo em vista que este é o Livro Didático de Sociolinguística da Libras,
não é verdade?!

156
Com relação às políticas públicas, estamos falando de para onde serão
destinados os recursos limitados que existem para as instituições públicas de todas
as instâncias. Assim, ao existir uma legislação que deu ênfase à Libras como língua
válida no território nacional, e que a inseriu nos cotidianos administrativo e escolar,
tivemos um destaque que gerou a inclusão da Língua de Sinais nos debates de língua
e sociedade, os quais a área da Sociolinguística estuda, e se permitiu que tivéssemos,
cada vez mais, estudos que pretendem compreender o modo através do qual a Libras
se insere na sociedade a partir de usuários, incluindo a percepção da necessidade de
entendermos como ela se estrutura internamente, em relação à variação e aos demais
aspectos estudados pela Sociolinguística.

Nesse contexto, os debates a respeito do bilinguismo são relacionados ao


domínio de mais de uma língua pelo mesmo indivíduo, sendo que alguns autores o
utilizam, apenas, para fazer referência à coexistência de duas línguas, e outros o
estabelecem de maneira mais ampla, independentemente da quantidade de
idiomas utilizados por um mesmo indivíduo. Ainda, nesses debates, existem os
termos trilíngue, para fazer referência às pessoas que interagem através de três
línguas; plurilíngue, para indivíduos que utilizam mais de três línguas; e multilíngue,
para contextos nos quais mais de uma língua é utilizada em uma país ou instituição, de
modo oficial (IBANZES, 2021).

Dentro das diferentes perspectivas linguísticas que mesclaram língua e


sociedade, temos a visão de Bakhtin, apresentada por Di Fanti (2003) e Faraco (2009),
a partir da qual o plurilinguismo é compreendido pela perspectiva dialógica do
discurso: “[...] ao contrário de abordagens conservadoras, não se restringe à diversidade
de “línguas nacionais”, mas preserva a diversidade de vozes discursivas – posições
que constituem o discurso – como característica fundamental para a concepção de
linguagem” (DI FANTI, 2003, p. 102). Desse modo, é uma compreensão que percebe o
plurilinguismo como a relação entre discursos diferentes que se misturam a partir de
diferentes experiências e perspectivas linguísticas dos usuários da (s) língua (s) que
tece (m) os discursos, a partir das diferentes vivências linguísticas.

Assim, podemos compreender que, mais do que a fluência em LP e Libras,


as pessoas se relacionam através dos discursos produzidos nas diferentes línguas e
através das infinitas experiências discursivas vivenciadas pelos indivíduos envolvidos
em um diálogo. Para exemplificar, em uma conversa entre duas pessoas, mais do que
uma língua compartilhada, como LP ou Libras, está em jogo, também, expectativas,
experiências e vivências compartilhadas ou não, que dão origem aos significados que
emergem dessa relação. Assim, em uma conversa entre dois surdos sinalizantes, está
em contato muito mais do que a Libras como língua autônoma, pois se conectam,
também, por e através da forma como cada um deles compreende e utiliza a língua,
incluindo vários fatores linguísticos e culturais que influenciam o modo como a língua
é utilizada. Alguns aspectos que podem fazer isso são: a fluência de cada um deles, a
região dos sinais que utilizam, o modo como estabelecem os referentes no espaço de

157
enunciação, ou a forma através da qual a estrutura da língua portuguesa é mais ou
menos presente na sinalização. Logo, ainda, podemos perceber elementos referentes
ao grau de surdez, à experiência de sinalização, ao contato com outros surdos e ao
maior ou menor contato com a língua portuguesa escrita ou oralizada.

Na perspectiva apresentada pela compreensão bakthiniana, o plurilinguismo


é sinônimo de heteroglossia e pluralismo linguístico. “O plurilinguismo dialogizado
pressupõe uma variedade de línguas/linguagens, e, com isso, diferentes estruturas
enunciativas se confrontam, tendo em vista a diversidade de coerções nas relações
sociais” (DI FANTI, 2003, p. 102). Dito de outro modo, o plurilinguismo se manifesta
na interação pelo diálogo, que se dá através das línguas e do modo como estas se
manifestam, e das linguagens, ou seja, dos modos de compreensão dos diferentes
elementos que se relacionam em um diálogo. Ainda, neste momento de interação, várias
organizações dialógicas (sejam sociais, linguísticas, culturais ou de outros tipos) são
colocadas em debate a partir de inúmeras possibilidades que reprimem ou destacam
aspectos específicos através das relações sociais.

Com um exemplo singelo dessas forças em contato em um discurso, imagine


que você é um tradutor-intérprete de Libras que está fazendo uma entrevista para
trabalhar, a gravação de materiais para uma grande editora. Você, por mais que conheça
termos técnicos e saiba várias formas de dizer uma mesma sentença em Libras, ao
perceber que o entrevistador tem, apenas, um conhecimento superficial da Língua de
Sinais, terá que ajustar a sua tradução/interpretação de maneira que o entrevistador
compreenda a sentença sinalizada, a fim de conferir os conhecimentos em Libras,
mesmo que a partir de uma fluência menor do que a sua. Ou seja, a partir das leituras
feitas por você, da situação, das pessoas envolvidas, da tarefa dada e da profundidade
do conhecimento linguístico no embate, você precisaria ajustar o seu discurso a partir
do que espera obter através da língua.

5 PRESENÇA E INTERFERÊNCIAS LP E LIBRAS


Acadêmico, para encerrar este tópico, destacaremos alguns pontos referentes
à relação sociolinguística entre a Língua Portuguesa e a Libras. Neste momento,
enfatizaremos a compreensão de como as políticas públicas são importantes para o
estabelecimento dessa relação entre a LP e a Libras. Logo, a visão que permeia este
subtópico tem, como norte, a compreensão de que a presença e a interferência da
língua majoritária, na Libras, são fenômenos linguísticos e políticos.

Como vimos anteriormente, neste tópico, as políticas públicas influenciam o


modo por meio do qual as línguas interagem na sociedade, isso porque, através dos
investimentos feitos pelas diferentes esferas do poder público, o uso da Libras se tornou
obrigatório em vários contextos. Assim, as políticas públicas criaram condições para
que a língua de sinais se tornasse parte das discussões sociais e acadêmicas, e para
que ganhasse relevância em diferentes contextos educacionais, culturais e sociais.

158
É necessário compreender que, se as leis, sozinhas, não mudam nada, sem elas,
tampouco, as situações mudam, quando pensamos na história das línguas de sinais.
Isso fica ainda mais relevante, tendo em vista que as principais discussões a respeito
da educação de surdos, ao longo da história, pautaram-se, principalmente, no debate
entre a permissão, ou não, do uso das línguas de sinais, ou seja, se a política vigente iria,
ou não, proibir, ignorar ou fomentar o uso de uma língua, especificamente, estruturada,
a partir do uso feito pelas pessoas surdas. Cabe destacar que, independentemente das
leis ou das políticas públicas específicas, as línguas existem em função da necessidade
enunciativa dos falantes/sinalizantes dessa língua, ou seja, a existência das línguas de
sinais (ou quaisquer outras) não está relacionada a leis, mas a pessoas que a utilizam,
independentemente das leis vigentes.

É relevante destacar que as leis e as políticas públicas envolvidas podem


dificultar ou facilitar o conhecimento, o acesso e o uso das línguas a partir do modo
por meio do qual os recursos são destinados e as visões educacionais e sociais são
divulgadas. Acadêmico, você já tem uma certa caminhada dentro do curso, por isso, já
deve ter visto, em outros momentos, que a possibilidade de utilizar a língua de sinais,
em contextos institucionais, é bem recente na história linguística dos surdos, tendo em
vista que eles passaram por várias compreensões, as quais os tratavam desde seres
especiais, que intercederiam junto aos deuses, até seres incapazes de raciocínio e
que não tinham direito à herança, a não ser que conseguissem oralizar. Ainda, fazem
parte, dessa história, diferentes compreensões de educação das pessoas surdas,
que iam desde o entendimento de que seria impossível ensiná-los; depois, de que
se poderia, apenas, aprender a língua oral, sendo proibida a língua de sinais; ou, mais
recentemente, surgiu o uso da língua de sinais como meio de comunicação, mas, ainda,
com ênfase na língua oral. Por fim, na atualidade, a compreensão da língua de sinais,
pelas perspectivas bilíngue e bicultural, percebe o surdo como um sujeito que está em
um lugar de sinalização da língua de sinais, inserido em um mundo no qual a LP escrita
continua sendo necessária para as vivências em sociedade, tendo em vista que a língua
oficial do Brasil é a língua oral majoritária.

Assim, a língua de sinais permanece como um bem cultural e linguístico


do povo surdo, independentemente do modo através do qual as políticas públicas
a percebem. Entretanto, a legislação e o fomento públicos trouxeram o foco e os
investimentos necessários para que a Libras se tornasse um meio de comunicação
relevante socialmente, a ponto de termos a inserção social dos tradutores-intérpretes
nos mais diferentes contextos públicos e privados, presenciais e on-line, como vimos
nas diversas lives e shows de música ao longo dos últimos anos.

Portanto, as políticas públicas têm as importâncias de criar contextos,


estabelecer prazos e reforçar a presença da Libras na sociedade do nosso país, a fim de
aumentar a circulação da língua e, com isso, criar espaços nos quais a língua é, cada
vez mais, utilizada e conhecida. Dessa forma, ocorrem mais trocas entre usos regionais
da língua de sinais e criação de sinais novos para novos contextos e usos, como ocorre

159
no ambiente acadêmico, no qual a presença, cada vez maior, de alunos e professores
surdos faz com que sejam necessárias novas formas de se organizarem reuniões, de
se pensarem em políticas internas das instituições, em adaptações dos espaços, e,
exatamente por isso, ocorrem, também, maiores contextos, nos quais a interferência
entre as duas línguas é latente, posto que estão em contato frequente.

160
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:

• O conceito de políticas públicas está relacionado às decisões que o poder público


toma em relação a todos os aspectos relativos à vida em sociedade.

• Quando falamos em Políticas Públicas no sentido amplo de sociedade, teremos uma


infinidade de fatores que tornam ainda mais complexa a organização necessária
para o atingimento de metas sociais que estejam relacionadas a necessidades
da população.

• Ao conectarmos os conceitos de Língua e Política estamos estabelecendo a


compreensão de uma organização da vida na sociedade.

• As políticas públicas têm influência sobre o modo como as línguas se relacionam no


interior das sociedades, bem como são elas que delimitam as regras a partir das quais
elas terão maior ou menor poder político e cultural.

• As políticas públicas se relacionam com todos os aspectos da vida pública e


englobam tanto a leis específicas sobre as línguas, mas todas as demais relações que
se manifestam por e através da língua.

• No contexto das Políticas Públicas para a Educação Bilíngue de Surdos, um marco


extremamente importante, é o reconhecimento da Libras como meio legal de
comunicação e expressão válido em território nacional, através da Lei nº 10.436, de
24 de abril de 2002.

• O Decreto nº 5.626/2005 tornou a Libras uma das línguas reconhecidas como meio
legal de comunicação e expressão, sendo um dos documentos básicos para que
compreendamos o papel das Políticas Públicas Linguísticas para a Educação de Surdos.

• Nesse mesmo decreto, se percebe o entendimento linguístico do bilinguismo como


meta a ser buscada em direção à inserção das pessoas surdas nas diferentes esferas
da sociedade.

• A Lei nº 14.191, de agosto de 2021, trouxe alterações na Lei de Diretrizes e Bases


da Educação Nacional (LDB) ao alterar o texto de artigos da legislação máxima da
Educação Nacional.

• A alteração na LDB colocou a Educação Bilíngue como foco das Políticas Públicas
linguísticas do ensino e aprendizagem para o público surdo, surdo-cego e deficiente-
auditivo que utiliza a língua de sinais.

161
• O plurilinguismo como a relação entre discursos diferentes que se misturam a partir
das diferentes experiências e perspectivas linguísticas dos usuários da(s) língua(s)
que tecem os discursos a partir das diferentes vivências linguísticas.

• Mais do que a fluência em LP e Libras, as pessoas se relacionam através dos discursos


produzidos nas diferentes línguas e através das infinitas experiências discursivas
vivenciadas pelos indivíduos envolvidos em um diálogo.

• O plurilinguismo se manifesta na interação pelo diálogo que se dá através tanto das


línguas e do modo como estas se manifestam, quanto das linguagens.

• A presença e a interferência da língua majoritária na Libras são fenômenos linguísticos


e político.

• É através dos investimentos feitos pelas diferentes esferas do poder público que o
uso da Libras se tornou obrigatório em vários contextos.

• As Políticas Públicas criaram condições para que a língua de sinais se tornasse parte
das discussões sociais e acadêmicas bem como para que ganhasse relevância em
diferentes contextos educacionais, culturais e sociais.

• A existência das línguas de sinais (ou quaisquer outras) não está relacionada a leis,
mas sim às pessoas que a utilizam independentemente das leis vigentes.

• As leis e as políticas públicas envolvidas podem dificultar ou facilitar o conhecimento,


o acesso e o uso das línguas a partir do modo como os recursos são destinados e as
visões educacionais e sociais são divulgadas.

• A língua de sinais permanece como um bem cultural e linguístico do povo surdo,


independentemente do modo como as Políticas Públicas as percebem.

162
AUTOATIVIDADE
1 As políticas públicas têm influência sobre o modo como as línguas se relacionam
no interior das sociedades, bem como são elas que delimitam as regras a partir das
quais terão maior ou menor poder político e cultural. A partir disso, cite três questões
linguísticas relacionadas às Políticas Públicas sobre planejamento linguístico.

2 O Decreto nº 5.626/2005 delimita como seriam aplicados os artigos da legislação


que tornou a Libras uma das línguas reconhecidas como meio legal de comunicação
e expressão, este documento é composto por nove artigos, dentre estes cinco são
relativos à Educação de Surdos, marque a alternativa que apresenta a junção correta
entre o número do artigo sobre Educação e o que ele delimita:

a) ( ) Artigo II - Da formação do tradutor e intérprete de libras – língua portuguesa.


b) ( ) Artigo III - Do uso e da difusão da Libras e da língua portuguesa para o acesso
das pessoas surdas à educação.
c) ( ) Artigo IV - Da formação do professor de libras e do instrutor de libras.
d) ( ) Artigo V - Da inclusão da Libras como disciplina curricular.
e) ( ) Artigo VI - Da garantia do direito à educação das pessoas surdas ou com
deficiência auditiva.

3 Ao falarmos Políticas Públicas estamos falando para onde serão destinados os


recursos limitados que existem para as instituições públicas de todas as instâncias.
Assim, ao existir uma legislação que deu ênfase à Libras como língua válida no território
nacional e a inseriu no cotidiano administrativo e escolar, tivemos um destaque que
resultou na inclusão da Língua de sinais nos debates de Língua e Sociedade que a
área da Sociolinguística estuda e permitiu que tivéssemos cada vez mais estudos que
pretendem compreender o modo como a Libras se insere na Sociedade a partir de
seus usuários, bem como a percepção da necessidade de entendermos como ela se
estrutura internamente em relação à variação e os demais aspectos estudados pela
Sociolinguística. A partir dos debates referidos anteriormente, analise as afirmações
a seguir:

I- Os debates sobre bilinguismo são relacionados ao domínio de mais de uma língua


pelo mesmo indivíduo sendo que este termo faz referência ao domínio de apenas
duas línguas orais sem contar as línguas de sinais.
II- Na perspectiva dialógica, o plurilinguismo é percebido como a relação entre
discursos diferentes que se misturam a partir das diferentes experiências e
perspectivas linguísticas dos usuários da(s) língua(s) que tecem os discursos a
partir das diferentes vivências linguísticas.

163
III- As pessoas se relacionam através dos discursos produzidos nas diferentes línguas
e através das infinitas experiências discursivas vivenciadas pelos indivíduos
envolvidos em um diálogo.
IV- O plurilinguismo se manifesta na interação pelo diálogo que se dá através tanto das
línguas e quanto do modo como estas se manifestam.

Marque a alternativa CORRETA:


a) ( ) I, II e III.
b) ( ) II, III e IV.
c) ( ) I, III e IV.
d) ( ) I, II e IV.
e) ( ) II e IV.

4 A presença e a interferência da língua majoritária na Libras são fenômenos linguísticos


e políticos. Sobre isso, julgue as afirmações a seguir colocando V para as afirmações
verdadeiras e F para as sentenças falsas:

( ) As Políticas Públicas criaram condições para que a língua de sinais se tornasse


parte das discussões sociais e acadêmicas.
( ) A Libras já tinha grande relevância em contextos educacionais, culturais e sociais
antes que as Políticas Públicas em relação a ela fossem criadas.
( ) As leis sozinhas não mudam nada, sem elas tampouco as situações mudam.
( ) As principais discussões sobre Educação de Surdos ao longo da História se
pautaram, principalmente no debate entre a permissão ou não do uso das línguas
de sinais.

a) ( ) V, F, F, F.
b) ( ) V, F, V, F.
c) ( ) V, F, V, V.
d) ( ) F, V, F, F.
e) ( ) V, F, F, V.

5 O conceito de políticas públicas está relacionado às decisões que o poder público


toma em relação a todos os aspectos relativos à vida em sociedade, por isso, o
impacto das políticas públicas está relacionado diretamente à vida dos indivíduos
em sociedade. A partir disso, observe o seguinte caso, tendo em vista os anos de
promulgação da Lei nº 10.436/2002 e do Decreto nº 5.626/2005 e as datas que
aparecem no relato sobre Carlos:

Carlos nasceu em 1960, ele era o único surdo em uma família de ouvintes, por isso, até
os 39 anos não havia tido contato com a Libras, dependia de sua mãe para se deslocar
pela cidade, se comunicar com pessoas fora de sua família e poder realizar qualquer
interação ele utilizava-se de sinais caseiros ou de um bloquinho em que rascunhava
as poucas palavras que havia aprendido em casa, tendo em vista que não conseguiu
se adaptar à escola regular e a única escola para surdos da cidade era longe de sua

164
casa. Porém, quando estava com 39 anos, ele conheceu a Libras em uma igreja que
a família havia começado a frequentar e se encantou com a possibilidade de poder se
expressar em uma língua que fazia sentido para ele. A partir daí, ele não parou mais de
aprender a língua de sinais e ganhar cada vez mais independência, inclusive, com a
inserção de Sala de Recursos na escola mais perto de casa, conseguiu fazer o Ensino
Fundamental e Médio, após, cursou Pedagogia e, em, 2009 estava cursando o mestrado
em Pedagogia pela Universidade Federal mais próxima de sua casa, era instrutor de
Libras em uma grande empresa e havia tirado a sua carteira de motorista com o suporte
do intérprete e o aval da quantidade de avaliadores específica para seu caso.

Ao relacionarmos o caso de Carlos ao surgimento das Políticas Públicas relativas à


Libras, às reservas de vagas para surdos e a presença de Atendimento Educacional
nas escolas, como você destaca a importância das Políticas Públicas para a autonomia,
independência e qualidade de vida dos surdos?

165
166
UNIDADE 3 TÓPICO 2 -
PERTENCIMENTO SOCIAL MEDIADO PELA
LÍNGUA NA FORMAÇÃO DA
IDENTIDADE SURDA
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, para dar seguimento aos debates que abarcam a sociolinguística, em
geral, e em relação às questões, especificamente, relacionadas aos estudos que envolvem
a Língua de Sinais Brasileira e a presença dela na sociedade, iniciaremos este tópico
destacando as noções de macro e microssociolinguística, de modo a compreendermos
esses termos nos contextos dos estudos de Linguística e Sociolinguística. Ainda, neste
trecho, veremos a comparação conceitual entre os termos Diglossia e Bilinguismo.

Após, debateremos, brevemente, a respeito do modo através do qual a


Linguística se insere nas questões que relacionam os contextos sociais e históricos para
a constituição dos sujeitos. Dito de outro modo, procuraremos apresentar reflexões que
relacionam a aplicação da visão linguística para a compreensão de como os indivíduos
se percebem no interior dos grupos sociais.

Em seguida, daremos continuidade ao desenvolvimento das noções debatidas,


com observações referentes à língua, como modo de constituição dos sujeitos surdos
como habitantes de situações de fronteiras linguísticas que se estabelecem no interior
de uma sociedade compartilhada entre surdos e ouvintes, assim, serão traçadas
algumas das características linguísticas relevantes para o entendimento de como a
língua é parte relevante da constituição das identidades surdas.

Por fim, traremos algumas reflexões das contribuições da Sociolinguística


para o ensino de surdos e ao Letramento em LP, no contexto da surdez, de modo a
relacionarmos a percepção bilíngue e os conceitos de eventos e práticas de letramento.

Acadêmico, desse modo, o objetivo principal deste tópico é delimitar os debates


que envolvem as questões identitárias, relacionadas à língua em uso na sociedade,
logo, as discussões terão, como meta, compreender como a Sociolinguística percebe o
fenômeno linguístico no que diz respeito às noções de pertencimento social, mediada
pela língua para a formação da identidade surda, isso porque a língua é a maneira
através da qual os indivíduos se relacionam, são atravessados por ela e estabelecem
relações através dela.

Bons estudos!

167
2 MACRO E MICROSSOCIOLINGUÍSTICA: BILINGUISMO
E DIGLOSSIA
Acadêmico, iniciaremos o nosso debate com o entendimento de que os
estudos linguísticos podem ser divididos, didaticamente, em dois grandes grupos. Essa
classificação é pautada no enfoque dado para a análise dos fenômenos linguísticos
observados pelos estudiosos. Desse modo, a macro e a microlinguística não são
correntes de estudos, ou teorias, pois são agrupamentos destas a partir da estrutura da
língua. Caso o enfoque dado pretenda perceber e analisar o aspecto estrutural, será um
estudo micro, ou seja, levará em consideração os detalhes organizacionais da língua.
Já em uma pesquisa na qual a estrutura seja o ponto de partida para a compreensão
de um quadro mais geral das relações que se estabelecem através da língua, aí, serão
percebidas pesquisas no grupo da macrolinguística (BARBOSA, 2022). Observe o
esquema a seguir, no qual aparecerão as principais áreas de pesquisa da linguística:

FIGURA 2 – CATEGORIZAÇÃO DAS ÁREAS DE ESTUDO

FONTE: <https://ppgl.in/pesquisa-e-ensino/cepelin-laboratorios/>. Acesso em: 2 jul. 2022.

Observe que temos um esquema que se estabelece a partir de duas partes:


núcleo e elementos que estão ao redor dele. Assim, podemos perceber que existem
áreas que compõem o cerne das questões linguísticas, e que tratam dos elementos no
microcosmo da língua. Já os campos de estudo que compõem o entorno do centro são
aqueles que partem da estrutura básica, mas que têm, como objetivo, compreender de
que modo esta se relaciona entre diferentes contextos. Assim, o esquema demonstra
como a macrolinguística categoriza as áreas de estudo da língua que se preocupam em
entender como as estruturas do interior da língua se estruturam entre si em situações
textuais, sociais, históricas, discursivas, enunciativas, psicológicas, relativas às
circunstâncias de uso e às estruturas neurológicas, dentre outras possibilidades. Para
exemplificar essa explicação, analisaremos o sinal de GATO em Libras:

168
FIGURA 3 – SINAL GATO, VARIAÇÃO UTILIZADA NO RIO GRANDE DO SUL

FONTE: Capovilla et al. (2017, p. 1382)

• Microlinguística: um estudo fonético estabeleceria as partes que compõem esse


sinal: configuração de mãos, movimento, ponto de articulação, orientação de palma
e expressão facial.
• Macrolinguística: um estudo de variações regionais, pela perspectiva da
Sociolinguística desse sinal, encontrou cinco formas diferentes para o mesmo
referente, de acordo com Capovilla et al. (2017, p. 1382). A seguir, colocaremos os
demais modos de sinalização do léxico GATO:

FIGURA 4 – VARIAÇÕES REGIONAIS PARA O SINAL DE GATO

FONTE: Capovilla et al. (2017, p. 1382)

Assim, podemos compreender que o entendimento das partes que constituem


um sinal é parte dos estudos que procuram entender como se dá a formação estrutural
dos sinais para perceber o conjunto de parâmetros que, ao ser utilizado, deve formar o
léxico específico, assim, são intrínsecos (relativos ao interior) ao fenômeno linguístico. Já
os estudos nos quais são comparados os modos através dos quais um mesmo referente
pode variar, a depender da região na qual é utilizado, são relacionados às formas de se
perceber a língua em uso a partir da estrutura, mas a nível de interação entre fatores que
são extrínsecos (relativos à relação com o exterior) à estrutura linguística.

169
Acadêmico, agora que já vimos as noções de macro e microlinguística,
podemos transpor um raciocínio semelhante para a área específica da sociolinguística
que, também, “[...] pode ser compreendida a partir de duas perspectivas diferentes
de estudo: a macrossociolinguística e a microssociolinguística” (MONTEIRO, 2000
apud EWALD; SOUSA, 2019, p. 68). Assim, com relação à área da linguística na qual
pretendemos estudar as relações entre língua e sociedade, as noções de micro e
macro, também, são formas de se categorizarem os diferentes pontos de vista da
conexão entre língua e sociedade. De acordo com Santos (1999, p. 36-37, grifo nosso),
“a distinção dos dois níveis, micro e macrossociolinguística, levou a Sociolinguística
a buscar caminhos teóricos alternativos, embora esses dois níveis se inter-relacionem
por apresentar aspectos diversos da mesma realidade”. Assim, ao se categorizarem os
estudos da Sociolinguística em relação a aspectos da realidade sociolinguística, foram
desenvolvidos modos diversos de se explicarem os mesmos fenômenos linguísticos,
que demonstram diferentes ângulos da mesma realidade linguística.

A fim de estruturarmos as características e os conceitos relacionados a cada


um dos níveis de estudo da Sociolinguística, elaboramos o seguinte quadro:

QUADRO 2 – COMPARAÇÃO ENTRE ELEMENTOS RELACIONADOS À MICRO E MACROSSOCIOLINGUÍSTICA

Microssociolinguística Macrossociolinguística
Relações socialmente
Relações face a face
constituídas
Variedades faladas por
Políticas Públicas
diferentes comunidades
Fatores sociais Multilinguismo
Significado sócio simbólico do
Conflitos linguísticos
uso linguístico
Língua materna Planificação linguística
Indivíduo bilíngue Mudança linguística
Bilinguismo Diglossia
FONTE: adaptado de Ewald e Souza (2019) e Santos (1999)

Ao observamos os elementos que aparecem no quadro anterior, compreendemos


que as características de cada uma das percepções teórico-metodológicas estão
relacionadas a como a língua existe na sociedade e ao aprofundamento que a lente teórica
deve utilizar, se no nível de compreensão do uso da língua, feito pelo indivíduo, ou como os
usos linguísticos, feitos pelos sujeitos que compõem a sociedade, impactam a relação da
língua com o conjunto de indivíduos que compõem uma comunidade linguística.

170
Como inserido no quadro anterior, o bilinguismo e a diglossia estão localizados
em estágios de análise diferentes, tendo em vista que o primeiro é referente aos estudos
que procuram compreender, pelo nível do indivíduo, como as pessoas adquirem e
utilizam mais de uma língua no cotidiano e em interações através das diferentes
línguas que domina.

NOTA
Antes de prosseguirmos, é importante compreender que, ao falarmos
de estudos do uso individual, não estamos, necessariamente, fazendo
referência a uma pessoa, apenas, mas ao modo por meio do qual os
indivíduos ou grupos de indivíduos manifestam o fenômeno linguístico em
interações através da língua.

Com relação à diglossia, segundo McCleary (2009, p. 50), a definição clássica


é aquela que descreve a interação entre duas línguas em uma mesma sociedade, na
qual uma delas é considerada “[...] para usos mais formais, e, a outra, para usos mais
informais”. Uma delas é considerada mais formal e tem mais valor social, sendo aquela
que é, normalmente, aprendida na escola. Já a outra é mais informal e considerada
baixa, pois “[...] não tem escrita, nem reconhecimento oficial. É a língua aprendida e
falada em casa, no mercado e entre amigos” (MCCLEARY, 2009, p. 50).

A respeito do caso da interação entre Libras e LP, McCleary (2009) coloca que é
um caso de diglossia complexa que não pode ser compreendido dentro da perspectiva
clássica de Diglossia, pois a maioria dos surdos nasce em famílias ouvintes e só tem
contato com a língua de sinais quando se insere na comunidade surda. Além disso,
difere-se, também, da Diglossia típica porque a “[...] Libras precisa assumir um papel
de mediadora com o polo público e formal, na escola (com a educação bilíngue) e na
sociedade (com o crescimento do bilinguismo em português e Libras por parte de
ouvintes)” (MCCLEARY, 2009, p. 51).

A situação da Libras estaria mais relacionada aos debates a respeito do domínio


que cada indivíduo tem do repertório linguístico, pois “[...] é mais útil pensar que cada
pessoa domina um repertório verbal, que inclui línguas-padrão escritas, variedades não
padrão (regionais ou étnicas, por exemplo), gêneros textuais, gêneros de fala, registros,
jargões e línguas estrangeiras, que ela pode usar conforme a necessidade” (MCCLEARY,
2009, p. 51). Assim, a partir desse repertório, os usuários de Libras poderiam ser
compreendidos, a partir de diversidades linguísticas, pois existem diversos contextos de
domínio de maior ou menor grau da escrita da LP, de línguas estrangeiras e proficiências
diversas relacionadas aos surdos.

171
Acadêmico, neste subtópico, vimos os conceitos de macro e microlinguística,
e compreendemos como esses entendimentos são utilizados didaticamente. Além
disso, relacionamos, à área da Sociolinguística, as noções de micro e macro, e vimos os
elementos teóricos conectados a elas. Por fim, encerramos este subtópico com alguns
apontamentos do bilinguismo e da diglossia em relação à LP e à Libras.

3 SOCIOLINGUÍSTICA APLICADA AOS CONTEXTOS E


SUJEITOS PARA A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE SURDA
Acadêmico, neste subtópico, nosso objetivo é comentar a respeito da relação
entre língua e sociedade para a constituição de sujeitos em relação às identidades
surdas, tendo em vista que essas discussões têm grande relevância para o entendimento
de como os surdos se identificam como indivíduos através da língua, isso porque essa
língua, dentro da perspectiva da Sociolinguística, é um dos traços constituintes da
identidade dos sujeitos e do modo como eles se percebem em relação à surdez e ao
ser surdo.

Strobel (2008, p. 24, grifo nosso) coloca que “os sujeitos surdos não se
diferenciam um do outro de acordo com o grau de surdez, mas o importante, para eles,
é o pertencimento ao grupo que usa língua de sinais e cultura surda, que ajuda
a definir identidades surdas”. Desse modo, a língua tem grande importância para o
entendimento das identidades e da sensação de pertencimento, ou não, aos diferentes
grupos linguísticos e culturais relacionados à surdez. Com relação às diferentes
identidades surdas, Perlin (1998) delimita oito diferentes identidades, porém, a autora
deixa claro que é, apenas, uma classificação de algumas possibilidades existentes, sem
o objetivo de segregação, ou diferenciação, mas para a compreensão de alguns dos
diferentes entendimentos de si e da surdez.

A fim de ilustrar a compreensão da autora, será elaborado um esquema no qual


serão colocadas as identidades que estariam nos polos extremos em relação ao uso da
língua de sinais e percepção como de si como surdo:

FIGURA 5 – ESQUEMA IDENTIDADE X LÍNGUA

FONTE: adaptada de Perlin (1998)

172
Observe que a cor em gradiente, utilizada na seta, procura demonstrar,
através da concentração de cor, a presença maior ou menor da língua de sinais para
o entendimento da referida percepção identitária. Assim, temos um modo de perceber
a identidade a partir da língua de sinais e de como ela é utilizada pelos indivíduos no
cotidiano. Desse modo, a identidade surda é aquela na qual a língua de sinais é mais
presente, e flutuante/intermediária são aquelas nas quais a língua portuguesa tem um
forte uso no cotidiano. Já a embaçada é aquela na qual, por diferentes motivos, a pessoa
não teve acesso nem à LP nem à Libras, de maneira a ser fluente em qualquer uma das
duas línguas (PERLIN, 1998). A pesquisadora, ainda, coloca a identidade de diáspora
para aqueles surdos nos quais uma mudança de local ocasiona uma tensão entre os
referenciais linguísticos existentes e os que a pessoa traz do lugar de origem dela. Logo,
na compreensão de Perlin (1998), a língua, o acesso, o uso e a fluência, em Libras, são
os traços principais para a delimitação das identidades surdas, o mais importante para
o entendimento da constituição das identidades surdas.

Nesse contexto, a Sociolinguística tem um papel relevante no entendimento da


relação que os indivíduos têm com a língua majoritária falada e escrita, a língua de sinais
e as variedades de situações perceptíveis, conforme McCleary (2009, p. 51-52):

É fácil observar, na comunidade surda, uma grande variedade de


repertórios verbais entre os membros da comunidade, com alguns
surdos muito proficientes em Libras, mas com pouca proficiência em
português; outros pouco proficientes em Libras, mas bem oralizados;
outros proficientes em mais de uma língua de sinais; outros bons
leitores de português e inglês; outros proficientes nos registros
simplificados, o que faz, deles, bons intérpretes para surdos não
sinalizados e não oralizados.

Desse modo, a citação apresenta algumas das possibilidades de percepção das


possibilidades de acervos linguísticos das pessoas que se identificam como parte da
comunidade linguística dos surdos. Dito de outro modo, as possibilidades linguísticas
são tão grandes quanto o número de indivíduos que faz parte dos usuários da Libras em
diferentes graus e níveis de proficiência e uso diário, porém, os papéis da Linguística,
como ciência da linguagem, e da Sociolinguística, como área específica, na qual
se percebem as relações entre língua e sociedade, são os de procurar modos para
compreender os traços que aproximam e distinguem os indivíduos e entender como a
vivência da língua impacta nas relações estabelecidas por e através da linguagem.

Nessa perspectiva, temos a compreensão dialógica apresentada por Faraco


(2009, p. 84), de que, “no interior do complexo caldo da heteroglossia e da dialogização,
nasce e se constitui o sujeito”, ou seja, os indivíduos são formados pelos diferentes
discursos aos quais tem acesso, pelas pessoas com as quais dialoga e pelas experiências
linguísticas compartilhadas socialmente, pois “a realidade linguística se apresenta,
para ele [sujeito], como um mundo de vozes sociais em múltiplas relações dialógicas”
(FARACO, 2009, p. 84), ou seja, quando falamos de diferentes modos de se relacionar
através da língua, estamos, na verdade, retomando os diversos enunciados que formam
a identidade constituinte do sujeito, pois cada pessoa é uma junção de todas as
173
interações e atravessamentos que teve, tem e terá através da língua. Por isso, podemos
compreender a língua de sinais como língua e como expressão política, símbolo de luta,
forma de liberdade ou de opressão, de acordo com as vivências dialógicas, ou seja,
sociais de cada indivíduo.

Acadêmico, neste subtópico, procuramos apontar alguns dos elementos relativos


aos debates que envolvem a Sociolinguística em relação ao uso da língua de sinais e
à constituição da identidade surda. Dessa forma, as discussões, aqui, apresentadas se
inserem no contexto dos estudos que procuram compreender a conexão entre a língua
e a noção de pertencimento ao grupo identitário dos surdos.

DICA
Acadêmico, na Biblioteca da UNIASSELVI, você encontra o
livro de Estudos Surdos, escrito por Mariana Correia (uma
das autoras deste livro didático) e pelo professor Cristian
Sardo. Nele, é debatido, com mais detalhes, o modo
como os estudos culturais e linguísticos compreendem
a formação das identidades surdas. Recomendamos que
você dê uma olhada nesse material!

4 CONTRIBUIÇÕES DA SOCIOLINGUÍSTICA PARA


O ENSINO DE SURDOS
Acadêmico, provavelmente, você já estudou, em outras cadeiras, a história da
educação de surdos com mais detalhamento, e, neste livro didático, também, já falamos,
brevemente, desse assunto, no tópico anterior. Desse modo, o objetivo, agora, é que
sejam apresentados alguns apontamentos de como a Sociolinguística, como área de
pesquisa, pode contribuir para os debates de ensino e aprendizagem linguísticos para
o público surdo.

A compreensão sociolinguística do ensino da língua contribuiu para que a


percepção do uso da língua, como parte das identidades pessoal, regional e coletiva
de uma comunidade linguística, parta da compreensão de que existem variedades
diferentes que coexistem na sociedade. Desse modo, através dos debates das variações
linguísticas, dos diferentes modos de percepção do uso da língua, e da forma como a
língua e os fenômenos linguísticos se manifestam, foi possível perceber que o ensino
normativo da gramática da língua oral majoritária estava vinculado a questões que
extrapolavam o conhecimento linguístico, pois estavam relacionadas ao valor social que
determinadas variedades tinham na sociedade.

174
Para o ensino de surdos, as movimentações que a Sociolinguística trouxe para
o campo da educação, fizeram com que os debates se descolassem da permissão, ou
não, do uso da língua de sinais e da aquisição da língua majoritária oralizada, em direção
ao bilinguismo, como proposta prioritária para a educação de surdos. Desse modo,
a noção da língua de sinais como investimento linguístico principal para o ensino de
surdos, além da língua portuguesa, na modalidade escrita, como segunda língua, está
conectada às contribuições da Linguística e da Sociolinguística para os debates que
englobam a educação de surdos.

O debate a respeito do ensino de surdos, pela perspectiva da Sociolinguística,


proporcionou o entendimento das questões relacionadas à língua materna, ao papel da
língua portuguesa como L2 e à noção de que é preciso inserir as pessoas surdas nos
debates de educação linguística, que respeitem as características e as necessidades
da comunidade surda. Desse modo, a educação de surdos, a partir da perspectiva
da Sociolinguística, compreende o direito de aprendizagem da língua a partir de
características e necessidades linguísticas específicas, com o ensino de LP, como a
língua majoritária da sociedade na qual o surdo está inserido, mas não a única forma
válida de expressão e comunicação.

Acadêmico, observe que, neste momento do nosso texto, estamos tecendo


reflexões que englobam tudo que você estudou anteriormente, neste livro didático,
desse modo, podemos compreender que os debates que permeiam a Sociolinguística
como área de pesquisa, variação linguística, políticas públicas, bilinguismo e tudo
o mais ao que você teve acesso anteriormente são relacionados ao que estamos
conectando, neste momento, dos debates. Isso porque as discussões que envolvem
língua e sociedade são complexas e ligadas a inúmeros fatores, intrínsecos e
extrínsecos, no que diz respeito ao debate linguístico propriamente dito. Logo, ao
conversarmos a respeito da Sociolinguística, também, estamos relacionando inúmeros
atravessamentos, sobreposições e inserções dos mais diversos tipos, porém, as
teorias servem, exatamente, para estabelecer recortes observáveis dos fenômenos a
serem estudados.

5 ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E SURDEZ


Acadêmico, enquanto a alfabetização está relacionada à aquisição do código
de representação escrita da língua, ou seja, à compreensão da codificação e da
decodificação das letras, de modo a ser capaz de se expressar e de compreender o que
está escrito, o letramento está relacionado aos usos sociais desse código aprendido,
dessa maneira, o debate desse processo é muito importante para o entendimento do
ensino de Língua Portuguesa, na modalidade escrita, para alunos surdos, tendo em
vista que, de acordo com Brochado (2003, p. 78):

175
O letramento, na língua oral, como L2, é condição e ponto de partida na aquisição
da língua oral pela criança surda, por ter acesso à representação gráfica da língua,
uma vez que há impedimento sensorial auditivo, ressaltando que cabe desenvolver
estratégias de ensino que levem em consideração a situação psicossocial do surdo,
a condição multicultural, e, principalmente, a capacidade dele de utilização da língua
de sinais.

Destaca-se atenção para o entendimento dos usos sociais da língua oral,


na modalidade escrita, como um pré-requisito para a aquisição da língua majoritária
escrita, portanto, é necessário ter, como base, a compreensão de como a escrita deve
impactar a relação do surdo com a sociedade na qual ele está inserido, levando-se em
consideração as características linguísticas específicas e compreendido o impacto que
a noção de letramento tem sobre o ensino.

A partir do ensino da língua e do contato com diferentes textos, como parte


da maneira por meio da qual esses materiais escritos são percebidos em sociedade,
somos capazes de delinear o ensino e a aprendizagem da língua, a partir da interação
entre a palavra escrita e a inserção das pessoas através dela. Por exemplo, as regras de
escrita de uma carta não são tão importantes quanto à compreensão da estrutura de
endereçamento pessoal para o preenchimento de fichas de emprego. Logo, o texto tem,
como proposta, ser parte importante da inserção do sujeito surdo na sociedade ouvinte,
através da aprendizagem das formas por meio das quais esse mesmo material escrito
pode impactar no acesso a bens culturais, no aumento da empregabilidade e nos meios
de documentação formal.

Também, são importantes os debates acerca da aquisição do código escrito


pelo “sistema alfabético-ortográfico latino” (FREITAS, 2020), ou seja, é necessário
debater como alfabetizar surdos, de modo que sejam capazes de ler e compreender
os textos lidos em LP. Para isso, é importante que tenhamos em mente que o sistema
alfabético oral não é capaz de grafar todos os parâmetros da língua de sinais, assim,
Freitas (2020) apresenta vários autores que estabelecem um paralelismo necessário
entre as modalidades de uma língua, com o uso do sistema de escrita em Sign Writing,
como o autor exemplifica no quadro inserido a seguir:

QUADRO 3 – REPRESENTAÇÃO DO SINAL CAMA EM ESCRITA ALFABÉTICA E EM SIGN WRITING

176
FONTE: Freitas (2020, s.p.)

Ao observarmos o quadro anterior, podemos perceber o paralelismo entre


a fala/sinalização e a escrita alfabética/escrita de sinais, isso porque o sistema Sign
Writing (SW) apresenta os grafemas necessários para o registro completo de todos os
parâmetros que envolvem a realização de um sinal em língua de sinais, pois, assim como
o sistema alfabético, utilizado para o registro da língua oral, o SW apresenta modos de
representação gráfica que podem ser utilizados para o registro de línguas de sinais das
mais diversas. Isso quer dizer que não é um sistema, apenas, para uma língua específica,
assim como o alfabeto não o é. Dito de outro modo, nem o sistema alfabético nem o SW
são vinculados a uma língua específica, pois estão relacionados à representação gráfica
de fonemas. Para demonstrar essa capacidade gráfica do sistema SW, colocaremos, a
seguir, a decomposição, em grafemas, do sinal CAMA:

FIGURA 6 – DECOMPOSIÇÃO DAS UNIDADES MÍNIMAS SINAL CAMA EM SIGN WRITING

FONTE: Freitas (2020, s.p.)

Observe que a possibilidade de se estruturar a escrita de sinais permite que


compreendamos os grafemas como partes utilizadas para compor as palavras, pois,
assim como usamos as letras na escrita alfabética, podemos utilizar os sinais escritos
para registrar a língua de sinais. Com certeza, essa é uma discussão que tem muitas
possibilidades e atravessamentos, por exemplo, como destaca Freitas (2020), a questão
do uso restrito da escrita de sinais e o momento histórico no qual não existe um único

177
sistema de grafia das línguas de sinais estabelecido para uso. Contudo, acreditamos que
esse é um debate que deverá ganhar relevância nos próximos anos, devido às políticas
públicas que serão delineadas a partir da perspectiva bilíngue, para a qual o ensino de
surdos está se encaminhando.

Acadêmico, encerramos este tópico, no qual tratamos da macro e da


microssociolinguística, da diglossia e do bilinguismo, da formação e da compreensão
das identidades surdas, além das questões sociolinguísticas relativas ao ensino de
surdos. Ainda, tecemos breves reflexões a respeito da alfabetização e do letramento
para os usuários da língua de sinais. Por fim, apresentamos alguns aspectos da escrita
de sinais pelo sistema Sign Writing, e indicamos uma possibilidade de continuidade de
pesquisa a partir dessas perspectivas teóricas.

DICA
Acadêmico, caso você tenha ficado interessado em conhecer mais a
respeito da escrita de sinais pelo sistema Sign Writing, recomendamos que
consulte, em sua Biblioteca da UNIASSELVI, os livros Introdução à Escrita
de Sinais e Escrita de Sinais, ambos escritos pelos professores Mariana
Correia e Cristian Sardo. Disponíveis nos links https://bibliotecavirtual.
uniasselvi.com.br/livros/livro/37389 e https://bibliotecavirtual.uniasselvi.
com.br/livros/livro/238182. A seguir, colocamos as capas dos livros e os
Qr-codes para acesso direto. Lembre-se de que você deverá estar logado
como aluno para acesso à biblioteca da instituição.

FIGURA 7 – CAPAS E QR-CODES LIVROS DIDÁTICOS SOBRE ESCRITA DE SINAIS

FONTE: <https://bibliotecavirtual.uniasselvi.com.br/livros/. Acesso em: 4 jul. 2022.

178
DICA
A fim de aprofundar as discussões a respeito da inserção da escrita de sinais para a
alfabetização de surdos, recomendamos a leitura do artigo Alfabetização de Surdos: Para
Além do Alfa e do Beta, de Isaac Figueredo de Freitas. Nele, o autor faz uma revisão teórica e
uma problematização bem interessantes do ensino da língua escrita para alunos surdos,
a partir de uma perspectiva que problematiza e sustenta a alfabetização em escrita de
sinais e LP. Disponível em: https://www.redalyc.org/journal/275/27563097036/html/. A
seguir, colocaremos o resumo do artigo e um Qr-code para acesso direto. Boa leitura!

RESUMO:

Este artigo objetiva discutir, teoricamente, em tom de


síntese, a natureza da alfabetização de surdos em duas
vertentes: a alfabetização em Língua Brasileira de Sinais
(Libras), por meio do sistema de escrita SignWriting, e em
língua portuguesa, pelo sistema alfabético-ortográfico latino.
O texto pontua as especificidades de cada modalidade de
alfabetização e discute as problemáticas que, do ponto de
vista do autor, apresentam-se com uma maior saliência no
cenário educacional brasileiro atual. O trabalho defende
que a alfabetização de surdos, em Libras, seja contemplada,
também, pela escrita de sinais, mediante o sistema
SignWriting, e aponta a necessidade de políticas linguísticas
que sistematizem e legitimem essa proposta. Ademais,
propõe premissas aos alfabetizadores de surdos, que
ensinam a língua portuguesa escrita como segunda língua.

PALAVRAS-CHAVE: Alfabetização em Libras. Ensino de


português para surdos. Sistema SignWriting.

179
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu:

• A macro e a microlinguística não são correntes de estudos ou teorias, pois são


agrupamentos destas a partir da estrutura da língua.

• O entendimento das partes que constituem um sinal são parte dos estudos que
procuram entender o modo como se dá a formação estrutural dos sinais para perceber
qual o conjunto de parâmetros que, ao ser utilizado, irá formar o léxico específico.

• Os estudos em que são comparados os modos como um mesmo referente pode variar
dependendo da região em que são utilizados é relacionado às formas de perceber a
língua em uso a partir da estrutura.

• A sociolinguística também pode ser compreendida a partir de duas perspectivas


diferentes de estudo: a macrossociolinguística e a microssociolinguística.

• As noções de micro e macro também são formas de se categorizar os diferentes


pontos de vista sobre a conexão entre língua e sociedade.

• A distinção dos dois níveis, micro e macrossociolinguística, levou a Sociolinguística


a buscar caminhos teóricos alternativos, embora estes dois níveis se inter-relacionem
por apresentarem aspectos diversos da mesma realidade.

• As características de cada uma das percepções teórico-metodológicas estão


relacionadas ao modo como a língua existe na sociedade e qual o aprofundamento
que a lente teórica irá utilizar.

• Bilinguismo refere-se aos estudos que procuram compreender no nível do indivíduo


como as pessoas adquirem e utilizam mais de uma língua em seu cotidiano e em
suas interações através das diferentes línguas que domina.

• A definição clássica de diglossia é aquela que descreve a interação entre duas


línguas numa mesma sociedade em que uma delas é considerada para usos mais
formais e a outra para usos mais informais.

• A interação entre Libras e LP é um caso de diglossia complexa que não pode ser
compreendido dentro da perspectiva clássica de diglossia.

• A língua, dentro da perspectiva da Sociolinguística, é um dos traços constituintes da


identidade dos sujeitos e do modo como estes se percebem em relação à surdez e
ao ser surdo.

180
• Os sujeitos surdos não diferenciam um do outro de acordo com o grau de surdez, e
sim o importante para eles é o pertencimento ao grupo usando língua de sinais e
cultura surda que ajudam a definir suas identidades surdas.

• Os indivíduos são formados pelos diferentes discursos a que teve acesso, pelas pessoas
com quem dialogou e pelas experiências linguísticas compartilhadas socialmente.

• A compreensão Sociolinguística do ensino da língua contribuiu para que a percepção


sobre o uso da língua como parte da identidade pessoal, regional e coletiva de uma
comunidade linguística.

• A educação de surdos na perspectiva da Sociolinguística compreende o direito de


aprendizagem da língua a partir de suas características e necessidades linguísticas
específicas com o ensino de LP como a língua majoritária da Sociedade em que o
surdo está inserido, mas não a única forma válida de expressão e comunicação.

• Enquanto a alfabetização está relacionada à aquisição do código de representação


escrita da língua, ou seja, à compreensão da codificação e decodificação das letras
de modo a ser capaz de se expressar e compreender o que está escrito; o letramento
está relacionado aos usos sociais deste código aprendido.

• É necessário debater como alfabetizar surdos de modo que sejam capazes de ler e
compreender os textos lidos em LP.

• A possibilidade de estruturar a Escrita de Sinais permite que compreendamos os


grafemas como partes utilizadas para compor as palavras, pois, assim como usamos
as letras na escrita alfabética, podemos utilizar os sinais escritos para registrar a
língua de sinais.

181
AUTOATIVIDADE
1 Ao se categorizar os estudos da Sociolinguística em relação ao modo de análise dos
fenômenos linguísticos de acordo com aspectos da realidade sociolinguística, foram
desenvolvidos modos diversos de se explicarem os mesmos fenômenos linguísticos
que demonstram diferentes ângulos da mesma realidade linguística. A partir disso,
preencha a coluna de elementos linguísticos de acordo com a legenda.

LEGENDA
1- Microssociolinguística
2- Macrossociolinguística

ELEMENTOS LINGUÍSTICOS
( ) Relações face a face
( ) Políticas públicas
( ) Conflitos linguísticos
( ) Bilinguismo
( ) Língua materna
( ) Diglossia

Marque a opção CORRETA:


a) ( ) 1, 2, 2, 1, 1 e 1.
b) ( ) 2, 1, 1, 1, 1 e 2.
c) ( ) 1, 1, 2, 1, 2 e 2.
d) ( ) 2, 2, 1, 2, 1 e 2.
e) ( ) 1, 2, 2, 1, 1 e 2.

2 O conceito clássico de diglossia está relacionado à descrição da interação entre


duas línguas na sociedade em que uma delas tem mais valor social para situações
formais e outra que não tem forma escrita e reconhecimento formal, sendo utilizada
em contexto informais familiares ou de vizinhança. Porém, de acordo com McCleary
(2009) este não seria exatamente o caso da relação entre a Língua Portuguesa e a
Libras devido à quê?

FONTE: MCCLEARY, L. Sociolinguística. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2009.


Disponível em: https://www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacaoBasica/sociolinguistica/as-
sets/547/TEXTO-BASE_Sociolinguistica.pdf.

182
3 A língua, dentro da perspectiva da Sociolinguística, é um dos traços constituintes da
identidade dos sujeitos e do modo como estes se percebem em relação à surdez e ao
ser surdo. Deste modo, como a Libras está relacionada à delimitação das identidades
surdas proposta por Perlin (1998)?

FONTE: PERLIN, G. Histórias de vida surda: identidades em questão. 1998. Sem paginação. Disponível
em: http://www.porsinal.pt/index.php?ps=artigos&idt=artc&cat=20&idart=153. Acesso em: 18 out. 2020.

4 A compreensão Sociolinguística do ensino da língua contribuiu para que a percepção


sobre o uso da língua como parte da identidade pessoal, regional e coletiva de
uma comunidade linguística, partindo da compreensão de que existem variedades
diferentes que coexistem na sociedade. Tendo isso em vista, julgue as afirmações a
seguir, colocando V para as verdadeiras e F para as falsas:

( ) As movimentações que a Sociolinguística trouxe para o campo da educação


fizeram com que os debates evoluíssem em direção ao bilinguismo como foco para
a educação de surdos.
( ) A Sociolinguística prioriza as discussões sobre a permissão ou não do uso da língua
de sinais e da aquisição da língua majoritária oralizada na educação de surdos.
( ) A noção da língua de sinais como investimento linguístico principal para o ensino de
surdos e da língua portuguesa na sua modalidade escrita como segunda língua está
conectada às contribuições da Linguística e da Sociolinguística para os debates
sobre a educação de surdos.
( ) O ponto de vista da Sociolinguística proporcionou o entendimento das questões
relacionadas à língua materna, ao papel da língua portuguesa como L2 e à noção de
que é preciso inserir as pessoas surdas nos debates sobre a educação linguística.
( ) A educação de surdos na perspectiva da Sociolinguística compreende o direito de
aprendizagem da língua a partir de suas características e necessidades linguísticas
específicas dos ouvintes.

Marque a alternativa CORRETA:


a) ( ) F, V, V, V e F.
b) ( ) V, V, V, V e V.
c) ( ) V, F, V, V e V.
d) ( ) F, F, V, F e F.
e) ( ) F, V, V, F e V.

183
5 A alfabetização está relacionada à aquisição do código de representação escrita da
língua, o letramento está relacionado aos usos sociais deste código aprendido, desta
maneira, o debate sobre este processo é muito importante para o entendimento do
ensino de Língua Portuguesa em sua modalidade escrita para alunos surdos. Tendo
isso em vista, avalie as asserções a seguir e a relação proposta entre elas:

A compreensão de como a escrita irá impactar a relação do surdo com a sociedade em


que ele está inserido é base do entendimento dos usos sociais da língua escrita

PORQUE

as características linguísticas específicas dos surdos estão relacionadas ao impacto que


a noção de letramento tem sobre o ensino de Libras para ouvintes.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As duas asserções são proposições verdadeiras, e a segunda é uma justificativa
correta da primeira.
b) ( ) As duas asserções são proposições verdadeiras, mas a segunda não é uma
justificativa correta da primeira.
c) ( ) A primeira asserção é uma proposição verdadeira, e a segunda, uma proposição
falsa.
d) ( ) A primeira asserção é uma proposição falsa, e a segunda, uma proposição
verdadeira.
e) ( ) As duas proposições são falsas.

184
UNIDADE 3 TÓPICO 3 -

SINAIS INTERNACIONAIS

1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, chegamos à última parte da nossa jornada através da Sociolinguística
da Libras. Ao longo deste livro didático, estudamos diversos conceitos e debatemos
noções, pontos de vista e perspectivas que envolvem a área de estudos linguísticos
que se propõe a analisar como as relações linguísticas se estabelecem em sociedade,
através da língua e das línguas em contato.

Iniciamos a nossa caminhada compreendendo o papel da Sociolinguística


como área de estudos relacionada a outros campos de estudo linguísticos, sociais,
culturais e históricos. Além disso, debatemos a respeito das diferentes percepções
teóricas que fazem parte dos estudos sociolinguísticos. Vimos como as variações
e contatos linguísticos ocorrem e como influenciam em diferentes fenômenos
linguísticos, os quais devem gerar diferentes processos linguísticos que podem,
inclusive, dar origem a outras línguas. Ainda, fizemos algumas reflexões em relação
a diferentes concepções de linguagem, à educação de surdos e a questões de as
línguas de sinais serem línguas naturais.

Já nesta última unidade, estudamos o papel das políticas públicas nos debates
linguísticos e debatemos a respeito da construção de identidades mediadas pelo
pertencimento linguístico. Ainda, brevemente, refletimos a respeito do caso da língua
de sinais em relação às identidades surdas, delimitadas por Perlin (1998).

Assim, chegamos a este último tópico, com uma bagagem teórica que
dará suporte aos debates a serem realizados pela perspectiva da tradução entre as
línguas de sinais. Para isso, inicialmente, apontaremos algumas noções que retomam
características das línguas naturais e dão suporte à percepção do porquê de não
existir uma língua única no mundo, a partir do entendimento da relação entre língua
e sociedade, compreendido através dos debates estabelecidos ao longo deste livro
didático. Após, veremos alguns dos elementos que delimitaram o debate das línguas
naturais e artificiais e traremos o exemplo do Esperanto, para compreender o motivo
pelo qual a criação de línguas não naturais é pouco efetiva para o desenvolvimento
de uma língua franca que permitisse a comunicação, sem impedimentos, entre povos
de diferentes línguas. Encerraremos as discussões com a origem, a conceituação e a
evolução do Gestuno e dos Sinais Internacionais.

185
Acadêmico, o objetivo deste tópico é que você compreenda como as discussões
da Sociolinguística trazem as perspectivas teóricas que nos permitem compreender o
porquê da impossibilidade da criação ou delimitação de uma língua única, manutenção
de línguas artificiais em grande escala, e possibilidades que os Sinais Internacionais
trazem para a difusão do conhecimento das línguas de sinais.

Bons estudos!

2 O PORQUÊ DE NÃO EXISTIR UMA LÍNGUA ÚNICA:


LÍNGUA, LÉXICO E SOCIEDADE
Acadêmico, ao longo deste livro didático vimos como o uso da língua e as
comunidades linguísticas estão intimamente relacionados de modo a serem inclusive
partes constitutivas do sujeito e do modo como este se posiciona em sociedade,
inclusive vimos como as línguas variam em todos os níveis e estágios, desde os usos
mais ou menos formais que os indivíduos utilizam para diferentes interações sociais,
tendo em vista que numa entrevista de emprego, por exemplo, temos muito mais
cuidado com o vocabulário, o uso de gírias e as construções das frases do que numa
conversa com nossos amigos mais próximos. Assim, as línguas variam desde o nível
mais simples e individual até os mais complexos e coletivos, por exemplo, como entre
espaços de fronteira em que duas línguas convergem para a utilização de uma terceira
estrutura mais maleável que sirva para o contexto enunciativo específico e que, com o
tempo, pode vir a dar origem a uma terceira língua.

NOTA
Acadêmico, estes conceitos referentes às línguas de fronteira e
desenvolvimento de outras línguas foram abordados com maior
detalhamento na Unidade 1 deste material. Assim, caso você ache
necessário retomar esta discussão, por gentileza, consulte a parte
referente a contatos linguísticos nessa parte do livro didático.

Como exercício de imaginação, algo que um linguista precisa desenvolver


para ser capaz de elaborar hipóteses, vamos aproveitar o exemplo trazido por
SUPERINTERESSANTE (2016), imagine que todas as pessoas do planeta resolvessem,
num esforço coletivo para facilitar a comunicação, adotar uma única língua ou criar um
idioma que fosse utilizado por todos os habitantes da Terra. Vamos forçar mais um pouco
nossa criatividade e pensar que magicamente todos iríamos começar a utilizar a fala e
a escrita desta língua hipotética sem dificuldades, como uma atualização de software
todos passaríamos a usar a mesma língua, da mesma forma. Quanto tempo você acha
que demoraria para alguém, dentre os quase sete bilhões de pessoas que vivem na
186
Terra, começar a mudar elementos nesta língua de acordo com a sua realidade social
e linguística? Particularmente, acreditamos que após a primeira frase, as pessoas já
começariam a fazer escolhas vocabulares específicas de acordo com aqueles mesmos
aspectos sociais que já vimos, tais como, tempo para interação (não dá para exagerar no
vocabulário quando o ônibus está chegando na nossa parada e precisamos dizer uma
última coisa para os amigos que vão ficar no veículo), intimidade com a pessoa que está
interagindo conosco, necessidade de comunicação rápida, dentre muitos outros fatores
que fazem com que as línguas variem e muito.

Dito de outro modo “[...] uma língua unificada teria vida breve. Em pouco
tempo, cada grupo selecionaria os termos adequados ao seu ambiente e à sua cultura,
diferenciando novamente as linguagens” (SUPERINTERESSANTE, 2016, s.p.), ou seja,
nossa experiência teria mostrado que as línguas são utilizadas pelas pessoas em
diferentes contextos sociais compartilhados (comunidades linguísticas) e isso é o
mesmo que dizer que é impossível que uma única língua evolua de mesmo modo do
deserto do Saara ou entre os esquimós, tendo em vista, por exemplo, que as 40 palavras
diferentes que estes últimos utilizam para a cor branca não teriam a mínima utilidade
para quem vive num lugar em que neve não é uma realidade.

Desta forma, não existe uma língua única ou unificada porque as línguas são
partes que constituem os seres humanos e estes são extremamente heterogêneos,
vivem em contextos socioculturais diferentes, acessam referencialidades diversas e
são adaptáveis e maleáveis a um sistema complexo de forças sociolinguísticas que
provocam mudanças específicas de acordo com as situações a que são expostos estes
mesmos indivíduos que compartilham uma estrutura linguística socialmente constituída
que é, ao mesmo tempo, moldável às situações e mais rígida na estruturação e nos
parâmetros compartilhados por seus usuários.

3 LÍNGUAS NATURAIS E LÍNGUAS ARTIFICIAIS: O CASO


DO ESPERANTO
No subtópico anterior vimos os motivos que levam à impossibilidade do
estabelecimento e manutenção de uma língua única compartilhada, tendo em
vista as mudanças e variações que os usuários realizam de acordo com os fatores
sociolinguísticos compartilhados por uma comunidade linguística.

Ainda relacionada a esta discussão, temos a compreensão de línguas naturais


que são aquelas que surgem organicamente ao longo do tempo e de acordo com
as variações ocorridas ao serem derivadas, misturadas e utilizadas de acordo com
as diferentes pressões sociais que fazem com que a constituição das línguas se
estabeleça nas vivências compartilhadas, por exemplo, o Português Brasileiro está
se distanciando a passos largos do Português europeu e, pra alguns estudiosos, já
apresenta as características para que seja entendido como uma língua diferente do

187
português de Portugal. Também estão conectados a estas discussões, os debates
sobre as línguas artificiais que são aquelas construídas para “[...] atender a uma
necessidade em particular, como um grupo social, como no caso do esperanto, ou
para criar uma identidade específica” (MOSALINGUA, 2017, s.p.), ou seja, as línguas
artificias são criadas de maneira não natural para finalidades específicas que podem
ser derivadas de necessidades específicas da realidade quanto terem sido criadas para
o desenvolvimento ficcional e acabarem ganhando falantes fora das obras literárias ou
cinematográficas das quais se originaram, tais como o Klingon, de Jornada nas Estrelas;
o Dotrhaki, de Game of Thrones ou o Sindarin, do Senhor dos Anéis.

Ainda podemos destacar que uma das principais diferenças entre as línguas
naturais e as línguas artificiais é que as línguas naturais “não têm necessariamente um
objetivo. Elas surgem espontaneamente [da interação entre usuários e das modificações
decorrentes desta interação]” (MOSALINGUA, 2017, s.p., grifo nosso). Porém em relação às
línguas artificiais têm “[...] suas regras definidas antes de ser posta em uso, enquanto
as línguas naturais se desenvolvem enquanto são usadas [e] se desenvolveram de
idiomas pré-existentes, que passaram por um processo de transformação e evolução
significativo” (MOSALINGUA, 2017, s.p., grifo nosso). Em síntese, pode-se afirmar que
a principal diferença é que as línguas artificias são planejadas, não tendo um local
específico de origem, nem falantes nativos ou uma relação de parentesco linguístico
com outras línguas.

Segundo Oliveira e Silva (2014), o Esperanto foi criado pelo médico Ludwik Lejzer
Zamenhof, tendo sido publicada uma versão inicial em 1887, “[...] com a intenção de criar
uma língua de mais fácil aprendizagem, que servisse como língua franca internacional,
para toda a população mundial”. Ou seja, o objetivo era a criação de uma estrutura
linguística que facilitasse a comunicação entre as pessoas de maneira simplificada e
acessível. Embora não tenha conseguido servir completamente para este propósito,
tendo em vista que acabou ficando relacionada a alguns contextos, em relação às
demais línguas artificiais, ela foi a que mais se destacou por ter passado pelos estágios
de “[...] projeto (publicação de instruções) e semilíngua (uso em algumas poucas esferas
da vida social)” (OLIVEIRA; SILVA, 2014, p. 12). Inclusive, existem diferentes matérias,
cursos, programas de TV e materiais impressos e on-line que são disponibilizados
em Esperanto.

Quanto a suas características linguísticas, segundo o site da Liga Brasileira de


Esperanto (2022, s.p., grifo nosso):

O Esperanto é tanto falado como escrito. Seu léxico provém


principalmente das línguas da Europa Ocidental, enquanto sua
sintaxe e morfologia mostram fortes influências eslavas. Os
morfemas do Esperanto são invariáveis e quase infinitamente
combináveis em palavras diferentes, de modo que a língua também
tem muito em comum com línguas isoladas como o chinês, enquanto
sua estrutura vocabular apresenta semelhanças com línguas
aglutinantes como o turco, o swahili e o japonês.

188
Observe, então, que o Esperanto mescla diferentes partes de línguas naturais
diferentes, de modo a estruturar-se a partir de variações combináveis e recombináveis,
a seguir, colocamos um exemplo de vocabulário relacionado a bebidas e comidas:

FIGURA 8 – BEBIDAS E COMIDAS EM ESPERANTO

FONTE: <https://www.listenandlearn.com.br/blog/lingua-artificial-esperanto/>. Acesso em: 4 jul. 2022.

Observe que algumas das palavras são parecidas com a escrita da língua
portuguesa sendo, por isso, facilmente identificáveis. Contudo, o objetivo de ser uma
língua franca internacional não chegou a ser atingido, pois, mesmo com a projeção que
o idioma artificial ganhou ele ainda não teve a inserção socioeconômica, acadêmica e
cultural necessária para ser utilizado por pessoas de diferentes línguas maternas como
meio de comunicação, não chegando ao patamar de uso do Inglês, que é a língua franca
mais evidente na atualidade.

4 GESTUNO E SINAIS INTERNACIONAIS: ORIGEM


E POLÍTICA DE USO
Acadêmico, antes de conceituarmos o Gestuno e os Sinais Internacionais, é
interessante retomamos alguns aspectos básicos quanto às línguas de sinais que são
citados por Gonçalves (2021, s.p.), “[...] é importante dizer que existem diversas línguas
de sinais no mundo e que, inclusive, um mesmo país pode ter mais de uma língua de
sinais. Portanto, a língua de sinais não é universal, assim como ocorre com as línguas
orais que conhecemos”. Isto quer dizer que, do mesmo modo que existem tentativas
de organizar formas para se comunicar de modo mais fácil com pessoas que utilizam
outras línguas de sinais.

189
Assim, dando seguimento aos estudos sobre as línguas em contato internacional,
podemos dizer que, de acordo com Sanderson (2020), o Gestuno é uma forma anterior
de se referir aos Sinais Internacionais, tendo sido feita uma tentativa de organização de
sinais das diferentes línguas de sinais que seriam utilizados de maneira internacional.
Segundo Gonçalves (2021, s.p.), “O Gestuno é um sistema artificial padronizado de sinais
que foi usado sem êxito na década de 1970 pela WFD, juntamente com a Associação
Britânica de Surdos, na tentativa de criar uma “língua de sinais internacional”. Deste
modo, os Sinais Internacionais estão relacionados ao Gestuno em relação a uma
compreensão histórica das tentativas de estabelecimento de uma língua de sinais
franca que seria utilizada entre usuários de diferentes línguas de sinais.

Assim, os sinais internacionais não são uma língua, pois não apresentam
estrutura gramatical completa nem têm falantes nativos ou uma organização estrutural
fixa, sendo, pois, mais aproximados a um código formado por sinais provenientes de
diferentes línguas de sinais que serve como forma de facilitar a comunicação entre
surdos provenientes de diferentes lugares e usuários de diferentes línguas de sinais.

Sobre o uso dos sinais internacionais, de acordo com Gonçalves (2021, s.p.,
grifo nosso):

[...] o sistema de Sinais Internacionais tem permitido que


surdos sinalizantes de distintas línguas de sinais estabeleçam a
comunicação e se compreendam em contextos multilíngues,
assim como em viagens internacionais. Cada vez mais, os
encontros internacionais e os eventos acadêmicos têm optado
pelo uso dos Sinais Internacionais como se fosse uma “língua franca”.

Assim, o uso dos sinais internacionais está relacionado ao uso em diferentes


contextos comunicativos em que usuários de línguas de sinais necessitam de um
código compartilhado para facilitar o entendimento entre si. De acordo com Campello
(2014, p. 147), a noção de Sinais Internacionais é de que são “[...] um sistema de sinais
internacionais com o objetivo de melhor entendimento, o uso de várias línguas de sinais,
para criar uma língua fácil de aprender e de se comunicar [...].” Dito de outra maneira, a
meta é sempre facilitar a comunicação.

Porém, a WFD (World Federation of the Deaf – Federação Mundial de Surdos),


de acordo com Granado (2019), votou para que os Sinais Internacionais não sejam
reconhecidos como língua, tendo em vista que não apresentam as características
linguísticas que os definiriam como tal. Ademais, os Sinais Internacionais não são
reconhecidos como língua porque a sua estrutura pode variar de acordo com as
características da situação linguística das pessoas envolvidas na sinalização,
deste modo, “[o contexto linguístico de sinalização] pode variar de língua, cultura,
história dos sinais de seu país de origem” (GRANADO, 2019, p. 2011). Assim, os Sinais
Internacionais ainda estão em uma fase em que as estruturas são variáveis e maleáveis,
por isso, não se estabeleceram como língua completa, estando em uma fase em que
os sinais adotados pertencem a diferentes línguas de sinais, sendo, em sua maioria
icônicos, pela facilidade de compreensão ser mais facilitada quando o sinal remete
diretamente ao objeto (GRANADO, 2019).
190
NOTA
Sinais icônicos são aqueles em que a sinalização remete ao elemento
sinalizado, como uma reprodução da ação específica (COMER) ou ao
formato de um animal ou objeto (TARTARUGA), por isso, seriam sinais
com maior facilidade de compreensão pois teriam um referente mais
fácil de ser compreendido.

Ainda segundo Granado (2019), a sinalização que utiliza sinais internacionais


pode ser categorizada através do modo como os sinais utilizados em uma conversa
entre surdos usuários de diferentes línguas de sinais se dará, podendo ser através de:

• Sinais convencionalizados: “[...] Sinais Internacionais convencionalizado é mais


usado nos eventos e reuniões internacionais” (GRANADO, 2019, p. 213).
• Comunicação informal através de sinais espontânea e naturalmente compartilhados
numa conversa entre surdos sinalizantes de diferentes línguas de sinais; [...] tem sido
usado durante encontros informais de pessoas surdas nas viagens. Quando um surdo
encontra um surdo de outro país, ambos ainda não sabem SI” (GRANADO, 2019, p. 213).
Este fenômeno linguístico é conhecido como cross-signing.

Desta forma, os sinais internacionais podem ter diferentes configurações e


utilizações, por isso, ainda não existem dicionários ou padronizações específicas, porém,
já são possíveis os reconhecimentos de surdos e ouvintes como tradutores para Sinais
Internacionais convencionalizados, de acordo com Granado (2019, p. 2011):

A partir de 1987, começou a interpretação de Sinais Internacionais


no Congresso da Federação Mundial de Surdos (WFD), e desde
então, vem se desenvolvendo. A Associação Mundial de Intérpretes
de Língua de Sinais (WASLI) oferece um credenciamento provisório
para os intérpretes que têm experiência da interpretação de SI de no
mínimo três anos. O surdo pode atuar como um intérprete profissional
tanto quanto os ouvintes.

Assim, os Sinais Internacionais se desenvolveram a partir de uma necessidade


de estabelecer a comunicação entre surdos de diferentes lugares de modo a facilitar a
divulgação científica e permitir a interação em viagens.

Os Sinais Internacionais ainda têm uma organização bastante maleável


em relação aos sinais utilizados e à organização destes na sinalização, por isso,
conforme Sanderson (2020), eles não são uma língua, pois são uma espécie de código
que funcionam em um contexto enunciativo específico criado pelos falantes
em determinada situação, deste modo, a pesquisadora acredita que ocorre uma
convencionalidade natural relacionada ao acesso e ao contato entre as diferentes
línguas de sinais que estão se relacionando no momento específico da interação.
Porém, ainda de acordo com Sanderson (2020), como a maioria dos estudos atuais

191
sobre Sinais Internacionais está sendo feita em ASL (American Sign Language –
Língua Americana de Sinais), muitos dos sinais que estão em processo de se tornarem
convencionais entre os surdos estão relacionados a esta língua de sinais, inclusive porque
a utilização dos Sinais Internacionais é feita com maior frequência pelos pesquisadores
da Universidade Gallaudet, que fica em Washington (DC) e é conhecida como polo
de pesquisas desenvolvidas por surdos, com alunos de mais de 52 países, tendo em
vista ser a única instituição do mundo que tem programas e serviços desenvolvidos
especificamente para surdos (MATTJIE, 2020, s.p.). Assim, o desenvolvimento, a
pesquisa e o uso de Sinais Internacionais acabam sendo muito necessários e, por isso,
frequentes no local, o que contribui para que o léxico seja difundido a partir da Língua
de Sinais Americana, tendo em vista a localização da instituição.

A variação dos Sinais Internacionais está vinculada às situações


comunicativas em que surdos usuários de diferentes línguas de sinais
interagem, logo, Sanderson (2020) chama a atenção para a variação da quantidade
de sinais, da usabilidade destes sinais com maior ou menor frequência de acordo com
eventos, congresso, encontros, jogos surdos e toda uma gama de possibilidades que faz
com que este código tenha a maleabilidade necessária para servir ao propósito maior
que é a suprir a necessidade comunicativa de surdos em situações multilíngues, ou
seja, momento em que mais de uma língua de sinais estão em contato.

Acadêmico, desde modo, chegamos ao final de nossa jornada neste Livro


Didático de Sociolinguística da Libras. Esperamos que você tenha se interessado pelos
debates que envolvem língua e sociedade de maneira a compreender como estas
entidades interagem.

INTERESSANTE
Acadêmico, para maiores informações sobre o debate acerca dos Sinais Internacionais,
recomendamos a leitura da dissertação Identificação de estratégias de interpretação
simultânea intramodal – Sinais Internacionais para Libras, de Letícia Fernandes Garcia
Wagatsuma Granado. Nela, a pesquisadora apresenta o debate sobre o assunto da
interpretação simultânea com mais aprofundamento. Vale a pena a leitura!
A seguir, colocamos o link para acesso à dissertação, o resumo e o Qr-code para acesso
direto, boa leitura!

Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://repositorio.ufsc.br/


bitstream/handle/123456789/206297/PGET0400-D.pdf?sequence=-1&isAllowed=y. Acesso
em: 4 jul. 2022.

RESUMO

As pesquisas sobre os intérpretes surdos no Brasil são ainda


escassas, existem mais pesquisas internacionais sobre o
assunto e estas pesquisas têm sido desenvolvidas no mundo
afora pelos pesquisadores e intérpretes experientes na área
de interpretação de língua de sinais. O surdo pode atuar

192
como um intérprete profissional tanto quanto os ouvintes.
No Brasil, os intérpretes surdos passaram a ser reconhecidos
na comunidade surda a partir de 1993, onde iniciaram
nas conferências (CAMPELLO, 2014) mas, geralmente,
além de ter um certificado de proficiência – ProLibras,
ainda não há formação profissional de interpretação para
os mesmos. Recentemente, os intérpretes surdos são
encontrados nas conferências brasileiras e têm interpretado
simultaneamente em Sinais Internacionais (SI) para Língua
de Sinais Brasileira (Libras) e vice-versa. SI não é considerado
uma língua oficialmente, pois ele não tem uma comunidade
de origem definida. Mesmo assim, serve como uma espécie
de língua franca equidistante em encontros internacionais
de surdos. Alguns autores como Adam et al (2014), Bienvenu
e Colonomos (1991), Boudreault (2005), Moody (2002;2008),
Stone (2009) são citados como base nesta pesquisa e
destacam a importância da formação para os intérpretes
surdos. Esta pesquisa tem como objetivo analisar exemplos
de interpretação intramodal de conferência simultânea de
SI para Libras e vice-versa para verificar se há estratégias
específicas na interpretação intramodal simultânea
entre SI e Libras na configuração da interpretação com
espelhamento, onde cada um tem o seu trabalho diferente:
intérprete interlingual, intérprete intralingual e intérprete de
apoio. Foram encontradas através dos resultados da análise
três categorias de estratégias: 1) estratégias linguísticas; 2)
estratégias de colaboração; e 3) estratégias de preparação.
Os resultados da pesquisa podem contribuir para 1) tornar
a interpretação intramodal por intérpretes surdos mais
evidentes; 2) discutir possibilidades de formação, preparação
e segurança do profissional para desenvolver as suas
habilidades práticas; 3) colaborar com as futuras pesquisas
na área dos Estudos da Interpretação para os Surdos; e
4) incluir os intérpretes surdos no campo de tradução e
interpretação de Língua de Sinais.

Palavras-chave: Sinais internacionais. Intérprete surdo.


Interpretação intramodal simultânea. Interpretação de Sinais
Internacionais-Libras.

DICA
O Centro de Apoio ao Surdo (CAS) de Curitiba realizou
um evento transmitido on-line em que proporcionou
uma Oficina de Sinais Internacionais com a professora
Helenne Sanderson. Vale a pena assistir! Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=fUnMgse4PKs>.

193
INTERESSANTE
O Canal Disney Brasil disponibilizou vários vídeos em que apresenta de
maneira resumida em Sinais Internacionais a história de várias princesas,
como a Branca de Neve, Cinderela, dentre várias outras. O nome da Playlist é
Descobrindo Disney Princesas em sinais internacionais e vale a pena assistir
para conhecer e reconhecer alguns dos sinais utilizados pelos intérpretes.
A Playlist completa está disponível no seguinte link: https://www.youtube.
com/playlist?list=PL4n4i6GrObGA74PSPtR6LGU0-A5Xtr9HG>.
A seguir colocaremos a capa do vídeo em que o desenho da Branca de Neve é narrado
em Português e sinalizado em Sinais Internacionais, junto com o Qr-code que levará
você diretamente para a Playlist completa. Acesse: FONTE: Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=c8k-kPyDhxg. Acesso em: 4 jul. 2022.

CAPA DO VÍDEO BRANCA DE NEVE CURTA EM SINAIS INTERNACIONAIS

194
LEITURA
COMPLEMENTAR
A coleção Referenciais para o ensino de Língua Brasileira de Sinais como
primeira língua na Educação Bilíngue de Surdos: da Educação Infantil ao Ensino
Superior, organizada por Stumpf e Linhares, foi lançada em abril de 2022 e trouxe
a estruturação, mais que necessária, para o ensino de Libras como L1. O material é
composto por cinco livros em que é abordado o processo de curricularização da Libras
em todos os níveis de Ensino desde a Educação Infantil até o Ensino Superior. Deste
modo, a coleção se apresenta como uma resposta às necessidades educacionais do
povo surdo, sendo pautada pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e, ao mesmo
tempo, complementando, estruturando e organizando a documentação oficial bem
como as práticas de pesquisa clássicas da área bem como apresentado alguns dos
estudos mais recentes.

No trecho trazido a seguir, são apresentadas as competências da área de


conhecimento da linguagem numa perspectiva de educação bilíngue de surdos, além
disso, foi colocado o trecho em que os autores detalham alguns dos trabalhos mais
recentes em relação à Sociolinguística, vale a pena conferir!

A coleção completa está disponível em: https://editora-arara-azul.com.br/site/


produtos/4.

ENSINO DE LIBRAS L1 NO ENSINO FUNDAMENTAL BILÍNGUE DE SURDOS

Neste tópico, apresentaremos como a Libras L1 pode ser pensada no primeiro


e segundo segmento do Ensino Fundamental (1º ao 9º ano) orientados a oferta de
Educação Bilíngue de Surdos neste segmento. Para isso, consideramos as competências
da área de conhecimento de Linguagem, refletidas nas competências do componente
curricular Libras. Na estruturação deste componente, apresentaremos os seus eixos,
unidades temáticas e os modos de trabalho com produções de falas, videotextos
e discursos críticos em Libras – todos esses elementos pensados na perspectiva da
Educação Bilíngue de Surdos.

195
COMPETÊNCIAS DA ÁREA DE CONHECIMENTO DE LINGUAGEM PENSADA NA
PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO BILINGUE DE SURDOS
1 Compreender o lugar das línguas de sinais e da produção simbólica das
comunidades surdas no conjunto geral que compõe as linguagens como
construção humana, histórica, social e cultural, de natureza dinâmica,
reconhecendo-as e valorizando-as como formas de significação da realidade
e expressão de subjetividades e identidades sociais e culturais tanto nas
especificidades das comunidades surdas como em outros contextos.
2 Conhecer e explorar diversas práticas de linguagem (artísticas, corporais e
linguísticas) em diferentes campos da atividade humana por instrução em
Libras e considerando as produções simbólicas das comunidades surdas para
continuar aprendendo, ampliar suas possibilidades de participação na vida
social como pessoa surda e colaborar para a construção de uma sociedade
mais justa, democrática e inclusiva.
3 Utilizar diferentes linguagens – verbal da Libras (sinalizada, registrada em vídeo
e/ou escrita), corporal, visual, rítmica e digital –, para se expressar e partilhar
informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos
e produzir sentidos por meio da Libras que levem ao diálogo, à resolução de
conflitos e à cooperação.
4 Utilizar diferentes linguagens associadas à Libras e a Cultura Surda para
defender pontos de vista que respeitem o outro e promovam os direitos
humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito
local, regional e global, atuando criticamente frente a questões do mundo
contemporâneo no contexto de suas temáticas gerais e das formas de saberes
circulantes nas comunidades surdas.
5 Desenvolver o senso estético afirmativo na condição de pessoa surda bilíngue
para reconhecer, fruir e respeitar as diversas manifestações artísticas e
culturais, das locais às mundiais, inclusive aquelas pertencentes ao patrimônio
cultural da humanidade, considerando as memórias e bens simbólicos das
comunidades surdas, bem como participar de práticas diversificadas, individuais
e coletivas, da produção artístico-cultural, com respeito à diversidade de
saberes, identidades e culturas surdas e não surdas.
6 Compreender e utilizar tecnologias digitais de informação e comunicação
associadas à visualidade da Libras de forma crítica, significativa, reflexiva e
ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares), para se comunicar
por meio das diferentes linguagens e mídias, produzir conhecimentos, resolver
problemas e desenvolver projetos autorais e coletivos em contextos bilíngues
e interculturais.

[...]

196
Análise e conhecimento das estruturas linguísticas e sociolinguísticas da
Libras e de outras línguas de sinais brasileiras

A evocação da cientificidade dos estudos envolvendo línguas de sinais


mobilizou os linguistas para suas descrições em seus mais diferentes níveis, semântico,
pragmático, sintático, morfológico e fonético-fonológico. Pesquisas que em sua
aplicabilidade retroalimentam a práxis dos professores que ensinam essas línguas. No
entanto, deve-se atentar para que as descrições gramaticais puras não se transformem
em conteúdo prescritivo de ensino descontextualizado da realidade de uso dessas
línguas. Ao compreender as habilidades e as competências que se espera que os
estudantes desenvolvam em cada nível da Educação Básica, pode-se trabalhar com
diferentes gêneros discursivos/textuais nas mais diferentes faixas etárias. Nesse
sentido, o professor poderá ter como pano de fundo em seu planejamento, esses
conhecimentos linguísticos e gramaticais, relacionando-os com a prática discursiva real
de uso das línguas de sinais.

Além de alguns clássicos da literatura em linguística geral da Libras (FELIPE,


1988, 1997; FERREIRA-BRITO, 1995; QUADROS; KARNOPP, 2004), há outras pesquisas
específicas a determinados níveis que podem ser levadas em conta pelo professor ao
pensar o ensino dessa língua.

Finau (2004) realizou uma descrição de dados com base semântico-pragmática


apontando para uma análise em que não apenas os advérbios fazem parte da referência
temporal, mas muitos outros fatores, como a própria aspectualidade das sentenças, as
diferentes situações discursivas, as implicações conversacionais decorrentes dessas
situações, bem como as regras de inferências e, ainda, a possibilidade de interpretação
de quantização de sintagmas nominais (FINAU, 2004). Há, neste referencial, indicações
de textos sinalizados para cada etapa da Educação Básica. Com esses e outros textos
complementares e, ainda, com a autoanálise das produções sinalizadas no cotidiano
dos estudantes, os professores podem encontrar marcas aspectuais e de tempo na
Libras, como a indicação da frequência às aulas (sinal de IR realizado repetidamente),
entre outros exemplos.

No nível semântico/sintático, os dados obtidos com sujeitos surdos apresentados


por Silva (2019) indicaram um desenvolvimento progressivo da presença de artigos
generalizados na gramática bilíngue da Libras, enquanto os surdos monolíngues
produziram marcas exclusivas para os contextos anafóricos, sem evidências de
realização de um determinante explícito. Os dados indicaram ainda que surdos com
mais contato com a Língua Portuguesa tendem a gramaticalizar artigos, diferentemente
dos falantes monolíngues (SILVA, 2019). Novamente, com textos e autoanálise da
produção do cotidiano dos estudantes surdos, é possível levá-los à compreensão e à
produção desses elementos em diferentes gêneros e, principalmente, que reconheçam
seus contextos de uso.

197
Nascimento (2009), ao descrever os elementos que compõem a morfologia
dos itens lexicais da Libras, analisa a expansão desses itens e de terminologias nessa
língua. Dentre várias questões abordadas em sua pesquisa, defende a tese de que
entidades morfológicas bases (léxicon-constituintes) atuam na construção do léxico
como princípio ordenado de expansão lexical e terminológica.

Para isso, ela apresenta os postulados de que essas entidades morfológicas


associadas compõem, derivam e adaptam palavras emprestadas de línguas orais e
de outras línguas de sinais para a Libras, e que a aplicação desses mecanismos na
construção lexical é necessária para a organização de entradas lexicográficas em
dicionários de diversos tipos dessa língua. Uma das motivações de sua pesquisa foi
o ingresso de surdos brasileiros em cursos de nível superior de ensino, sendo esses
repertórios terminográficos vistos como portais de acesso dos surdos à informação
científica e técnica, além de recursos eficientes e imprescindíveis para a aquisição da
competência linguística, comunicativa e sociocultural dos surdos (NASCIMENTO, 2009).

Uma dessas entidades morfológicas fundamentais apresentadas por


Nascimento (2009) é a configuração de mão em “L” que permitiu a derivação de sinais
como HIPERMÍDIA, AMBIENTE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM, entre outros. Os professores
em sala de aula podem conduzir seus estudantes ao reconhecimento desses elementos
derivacionais da Libras ao realizar, junto com eles, pesquisas em dicionários e glossários,
para em seguida realizarem a leitura de textos técnicos sinalizados.

Na fonética da Libras, Xavier (2014) realizou um estudo sobre o número de mãos


como parâmetros sublexicais na análise fonológica dos sinais, tanto no caso de sinais
tipicamente articulados com uma mão serem produzidos com duas (duplicação), quanto
no caso de sinais que normalmente são realizados com duas mãos serem feitos com
apenas uma (unificação). Xavier (2014) analisou casos em que a mudança no número
de mãos tem efeito sobre o significado do sinal e outros casos em que a realização com
uma ou duas mãos não altera o significado.

Um dos casos em que a mudança no número de mãos altera o significado do


sinal é na expressão de intensidade, uma vez que se observa na Libras a realização,
com duas mãos, de sinais tipicamente articulados com uma mão quando estes têm
seu significado intensificado, no entanto esse processo é opcional na Libras. Não será
difícil refletir com os estudantes em sala de aula sobre a recorrência desse processo
no cotidiano, seja por estarem com uma das mãos ocupada, seja pela intenção de
intensificar o que dizem em Libras.

Ressalta-se que essas pesquisas podem estar para o professor como pano de
fundo no ensino da Libras, não sendo necessário verbalizá-las aos estudantes. E quando
se diz que não devem ser prescritivas, enfatiza-se que os professores não devem
ensinar esses elementos linguísticos como padrões a serem utilizados ou alcançados
pelos estudantes surdos, pois para que o processo de ensino/aprendizagem da Libras
ocorra, deve fazer sentido na vida dos estudantes surdos.

198
Assim, quando se fala em contextos de uso, entende-se que, embora se refira
ao ensino da Libras como L1 neste referencial, os professores devem levar em conta
o multilinguismo monomodal que abrange as línguas de sinais brasileiras, que abarca
as línguas de sinais indígenas, de fronteira, de comunidades surdas isoladas, sinais
convencionados entre familiares de surdos (sinais caseiros), a própria Libras e/ou algum
fenômeno ainda não observado e/ou descrito.

A Libras foi chamada por Ferreira-Brito, em 1988, como a Língua de Sinais dos
centros urbanos, compreensão da riqueza variacional que as comunidades linguísticas
de surdos apresentam em si e entre si. A estabilidade da variante “sinais dos centros
urbanos” (Libras) se manteve ao ponto de seu uso ser afirmado por essas comunidades
como um possível padrão linguístico (escolha dessa variante como padrão), assim como
sua(s) variante(s) dialetal(is) é(são) reconhecida(s) pelas comunidades regionais e/ou
pelas diferentes faixas etárias que as validam por seu uso.

Sendo fato que a maioria dos familiares de surdos não é fluente ou faz um uso
pouco elaborado de uma língua de sinais, a escolaridade se torna a principal variável
que determina os contextos de aprendizagem e de uso das línguas de sinais brasileiras.
As escolas de/com surdos que utilizam a Língua de Sinais como língua de instrução, as
escolas inclusivas com interpretação envolvendo uma Língua de Sinais, os atendimentos
educacionais especializados que almejam o ensino de Libras como L1 têm sido espaços
de aprendizado dessas línguas sinalizadas. Para esses surdos, seu primeiro contato ou
uma percepção de estruturas mais elaboradas de uma língua de sinais se dará nas
escolas. Nesses espaços as referências (modelos) de adultos e crianças sinalizantes
são variadas.

As escolas de surdos geralmente privilegiam contextos de usos elaborados


das línguas de sinais, primeiramente por haver mais crianças surdas interlocutoras.
Estudantes surdos esperam que os professores, sejam surdos ou ouvintes, façam um
uso elaborado de uma Língua de Sinais para instrução dos surdos e de estratégias visuais
para levar o conhecimento de mundo através dos olhos dos surdos. Algumas escolas
inclusivas com surdos matriculados acabam se tornando referência na comunidade,
atraindo mais surdos a essa escola.

Assim, transformam-se em espaço rico para a aquisição de uma Língua de


Sinais entre os estudantes surdos ali matriculados. Concomitantemente, é a língua de
instrução nas salas de aulas, seja pela versão que um intérprete realiza da língua a partir
das falas em português, ou pelo ensino em turmas menores com professores bilíngues.
O atendimento educacional especializado com professores fluentes, preferencialmente
surdos, e com estudantes surdos, de preferência mais de um, permite mesmo em pouco
tempo o acesso a insumos linguísticos visuais.

199
Dessa maneira, professores de línguas de sinais devem levar em conta a faixa
etária dos surdos; o contexto de aprendizagem dessa língua, que geralmente inicia-
se no contexto educacional; as diferentes línguas de sinais que os surdos podem
trazer como herança consigo que devem ser o meio pelo qual ressignificarão novos
aprendizados. Logo, conduzirão os estudantes surdos à compreensão dos diferentes
gêneros discursivos/textuais e dos diferentes níveis de registro para acessarem o
conhecimento nos mais diversos campos da vida.

[...]

FONTE: Stumpf e Linhares, 2022, p. 239-250

200
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu:

• O uso da língua e as comunidades linguísticas estão intimamente relacionados de


modo a serem inclusive partes constitutivas do sujeito e do modo como este se
posiciona em sociedade.

• As línguas variam desde o nível mais simples e individual até os mais complexos
e coletivos.

• As línguas são utilizadas pelas pessoas em diferentes contextos sociais compartilhados


(comunidades linguísticas).

• Não existe uma língua única ou unificada porque as línguas são partes que constituem
os seres humanos e este são extremamente heterogêneos.

• Línguas naturais são aquelas que surgem organicamente ao longo do tempo e de


acordo com as variações ocorridas ao serem derivadas, misturadas e utilizadas de
acordo com as diferentes pressões sociais que fazem com que a constituição das
línguas se estabeleça nas vivências compartilhadas.

• Línguas artificiais são aquelas construídas para atender a uma necessidade em


particular, como um grupo social, como no caso do esperanto, ou para criar uma
identidade específica.

• As línguas naturais não têm necessariamente um objetivo, elas surgem


espontaneamente da interação entre usuários e das modificações decorrentes
desta interação.

• As línguas artificias são planejadas, não tendo um local específico de origem, nem
falantes nativos ou uma relação de parentesco linguístico com outras línguas.

• O esperanto foi criado pelo médico Ludwik Lejzer Zamenhof, tendo sido publicada uma
versão inicial em 1887, com a intenção de criar uma língua de mais fácil aprendizagem,
que servisse como língua franca internacional, para toda a população mundial.

• O Esperanto mescla diferentes partes de línguas naturais diferentes, de modo a


estruturar-se a partir de variações combináveis e recombináveis.

• O Inglês é a língua franca mais evidente na atualidade.

201
• Existem diversas línguas de sinais no mundo e, inclusive, um mesmo país pode ter
mais de uma língua de sinais, portanto, a língua de sinais não é universal, assim como
ocorre com as línguas orais que conhecemos.

• O gestuno é uma forma anterior de se referir aos Sinais Internacionais, tendo sido
feita uma tentativa de organização de sinais das diferentes línguas de sinais que
seriam utilizados de maneira internacional.

• Os sinais internacionais não são uma língua, pois não apresentam estrutura
gramatical completa nem tem falantes nativos ou uma organização estrutural fixa.

• A sinalização que utiliza sinais internacionais pode ser categorizada através do modo
como os sinais utilizados em uma conversa entre surdos usuários de diferentes
línguas de sinais se dará, podendo ser através de sinais convencionalizados ou
comunicação informal.

• Os sinais internacionais podem ter diferentes configurações e utilizações, por


isso, ainda não existem dicionários ou padronizações específicas, porém, já são
possíveis os reconhecimentos de surdos e ouvintes como tradutores para Sinais
Internacionais convencionalizados.

• Os Sinais Internacionais se desenvolveram a partir de uma necessidade de estabelecer


a comunicação entre surdos de diferentes lugares de modo a facilitar a divulgação
científica e permitir a interação em viagens.

• Os Sinais Internacionais ainda têm uma organização bastante maleável em relação


aos sinais utilizado e à organização destes na sinalização.

• No uso de Sinais Internacionais ocorre uma convencionalidade natural relacionada ao


acesso e ao contato entre as diferentes línguas de sinais que estão se relacionando
no momento específico da interação.

• A variação dos Sinais Internacionais está vinculada às situações comunicativas em


que surdos usuários de diferentes línguas de sinais interagem.

202
AUTOATIVIDADE
1 As línguas variam desde o nível mais simples e individual até os mais complexos e
coletivos, com situações em que é necessário utilizarmos de vocabulário e estruturas
mais ou menos formais, em nível individual, ou em espaços de fronteira em que duas
línguas convergem para a utilização de uma terceira estrutura mais maleável. Tendo
isso em vista, observe a seguinte situação:

Marta está conversando por mensagem de aplicativo com seu aluno que está com as
atividades escolares atrasadas, durante a conversa, o adolescente manda um áudio
com a seguinte frase:

- Pois é, cumpinxa, é nóis!

Marta sorri enquanto ouve a mensagem e, ao mesmo tempo, o adolescente manda


uma mensagem escrita pedindo desculpas e se corrigido:
-Desculpa, sora, eu quis dizer que a senhora é nossa amiga e faz de tudo por nós.

A partir das discussões feitas como você interpretaria a necessidade sentida pelo aluno
de enviar um de pedido de desculpas e reelaborar a frase falada?

2 O uso da língua e as comunidades linguísticas estão intimamente relacionados de


modo a serem inclusive partes constitutivas do sujeito e do modo como este se
posiciona em sociedade, inclusive vimos como as línguas variam em todos os níveis
e estágios, desde os usos mais ou menos formais que os indivíduos utilizam para
diferentes interações sociais. Sobre as línguas e as variações linguísticas, analise as
seguintes afirmações:

I- Existe a possibilidade de criação e uso de uma língua única ou unificada porque as


línguas são partes que constituem os seres humanos.
II- Os seres humanos e estes são extremamente heterogêneos, vivem em contextos
socioculturais diferentes, acessam referencialidades diversas e são adaptáveis e
maleáveis a um sistema complexo de forças sociolinguísticas.
III- As forças sociolinguísticas provocam mudanças específicas de acordo com as
situações a que os indivíduos são expostos.
IV- As línguas são estruturas linguísticas extremamente rígidas que não permitem
modificações ou variações.

Qual alternativa está CORRETA?


a) ( ) II e III.
b) ( ) I e IV.
c) ( ) III e IV.
d) ( ) I e II.
e) ( ) II e IV.

203
3 As mudanças e variações que os usuários realizam de acordo com os fatores
sociolinguísticos compartilhados por uma comunidade linguística impossibilidade do
estabelecimento e manutenção de uma língua única compartilhada. Relacionadas
a esta discussão estão as noções de línguas naturais e línguas artificiais, tendo em
vista que a variação linguística está envolvida no processo de surgimento, extinção e
modificação das línguas. Tendo isso em vista, numere a coluna das características de
acordo com a legenda:

LEGENDA
1- Línguas naturais
2- Línguas artificiais

CARACTERÍSTICAS
( ) Surgem organicamente ao longo do tempo e de acordo com as variações ocorridas.
( ) São planejadas, não tendo um local específico de origem, nem falantes nativos ou
uma relação de parentesco linguístico com outras línguas.
( ) São criadas de maneira não natural para finalidades específicas.
( ) Surgem a partir do contato entre usuários e das modificações decorrentes desta
interação.

Marque a alternativa CORRETA:


a) ( ) 1, 2, 2 e 1.
b) ( ) 2, 1, 2 e 1.
c) ( ) 1, 2, 1 e 2.
d) ( ) 2, 2, 1 e 1.
e) ( ) 1, 1, 2 e 1.

4 Os Sinais Internacionais ainda estão em uma fase em que as estruturas são variáveis
e maleáveis, por isso, não se estabeleceram como língua completa, estando em uma
fase em que os sinais adotados pertencem a diferentes línguas de sinais, sendo, em
sua maioria icônicos, pela facilidade de compreensão ser mais facilitada quando o
sinal remete diretamente ao objeto. Sobre os sinais internacionais, marque a opção
CORRETA:

a) ( ) É um nome diferente para o gestuno, logo, são a mesma língua.


b) ( ) São padronizados e partem da estrutura da ASL.
c) ( ) Têm uma organização rígida em relação aos sinais utilizados.
d) ( ) São uma forma de código para ser utilizado em um contexto enunciativo específico.
e) ( ) É uma língua franca internacional estruturada.

5 Sinais Internacionais não são reconhecidos como língua porque a sua estrutura
pode variar de acordo com as características da situação linguística das pessoas
envolvidas na sinalização. Qual é o impacto desta variação para os sinais e a estrutura
da conversação através destes sinais internacionais?

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