Livro Facul - Antropo
Livro Facul - Antropo
Livro Facul - Antropo
Antropologia
Indaial – 2023
2a Edição
Elaboração:
Prof.ª Isadora de Assis Bandeira
B214t
ISBN
ISBN Digital
Impresso por:
APRESENTAÇÃO
Na Unidade 1, abordaremos a respeito da pré-história da antropologia.
Compreenderemos o contexto social em que nossa disciplina esteve inserida e os reflexos
desse momento de formação até os dias atuais. Entenderemos como os primeiros estudos em
antropologia eram produzidos, desde o entendimento de quem eram os sujeitos que tinham
consigo a legitimidade e condições de desenvolver suas pesquisas e teorias, assim como
de que modo realizavam suas investigações. Iremos entender a passagem da antropologia
feita no escritório para a investigação, longe das populações estudadas, e as mudanças
com a prática do trabalho de campo no ofício do antropólogo. Por fim, aprofundaremos a
respeito da influência do contexto colonial em nosso campo de conhecimento tanto no
momento de nascimento da disciplina como atualmente.
QR CODE
Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a
você – e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, a UNIASSELVI disponibiliza materiais
que possuem o código QR Code, um código que permite que você acesse um conteúdo
interativo relacionado ao tema que está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse
as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar essa facilidade
para aprimorar os seus estudos.
ENADE
Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um
dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de
educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar
do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem
avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo
para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira,
acessando o QR Code a seguir. Boa leitura!
LEMBRETE
Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma
disciplina e com ela um novo conhecimento.
TÓPICO 2 - VIAJANTES....................................................................................................... 25
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 25
2 GRANDES NAVEGAÇÕES: A IMPORTÂNCIA DOS CONTATOS E REGISTROS ................ 26
2.1 O CONTEXTO DAS GRANDES EMBARCAÇÕES E OS ESTUDOS EMPÍRICOS .........................28
2.1.1 Cultura e alteridade: aproximações e diferenças................................................................30
2.2 UM GIRO ANTROPOLÓGICO: DAS TRAVESSIAS OCEÂNICAS ÀS CONEXÕES ON-LINE .....32
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................... 35
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 36
REFERÊNCIAS...................................................................................................................... 55
TÓPICO 1 — EVOLUCIONISMO.............................................................................................. 61
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 61
2 O ESTABELECIMENTO DA ESCOLA EVOLUCIONISTA .................................................... 62
2.1 PRINCIPAIS TEÓRICOS FUNDADORES: LEWIS HENRY MORGAN..............................................66
2.2 PRINCIPAIS TEÓRICOS FUNDADORES: EDWARD BURNETT TYLOR.......................................68
2.3 PRINCIPAIS TEÓRICOS FUNDADORES: JAMES GEORGE FRAZER ..........................................71
2.4 ASPECTOS CENTRAIS DA ANTROPOLOGIA EVOLUCIONISTA................................................... 73
3 IMPACTOS SOCIAIS DA ANTROPOLOGIA EVOLUCIONISTA............................................74
3.1 EVOLUCIONISMO E CONTEMPORANEIDADE ................................................................................ 76
RESUMO DO TÓPICO 1..........................................................................................................78
AUTOATIVIDADE...................................................................................................................79
TÓPICO 2 - DIFUSIONISMO.................................................................................................. 81
1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 81
2 ESCOLA DIFUSIONISTA: BASE DO PENSAMENTO.......................................................... 82
2.1 ESCOLA DIFUSIONISTA E O FENÔMENO DA DIFUSÃO CULTURAL...........................................86
2.1.1 O trabalho de campo..................................................................................................................89
2.2 FUNCIONALISMO: BRONISLAW KASPER MALINOWSKI E SUA OBRA “ARGONAUTAS
DO PACÍFICO OCIDENTAL” (1922)..................................................................................................... 91
2.3 RADCLIFFE-BROWN E O ESTRUTURAL FUNCIONALISMO .......................................................95
RESUMO DO TÓPICO 2..........................................................................................................97
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 98
REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 119
REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 179
UNIDADE 1 -
FORMAÇÃO DA
ANTROPOLOGIA, CONTEXTO
SOCIAL E COLONIALISMO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
• apontar as dinâmicas e relevância dos registros dos viajantes para o fazer antropológico
do período clássico;
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em cinco tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.
CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
1
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 1!
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2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 -
PRÉ-HISTÓRIA DA ANTROPOLOGIA
1 INTRODUÇÃO
Boas-vindas, acadêmico! Uma das formas mais interessantes para conhecer
uma disciplina está justamente no conhecimento da história de sua formação. Levando
em conta aspectos como seu contexto social, bem como as mudanças que passou
ao longo de seu desenvolvimento. Nesse momento, convido você a embarcar em
uma das viagens mais interessantes que poderia imaginar, trata-se de conhecer um
pouco da história da antropologia clássica, tema que pode parecer muito distante de
nossa realidade, mas que, em verdade, compõe muito de nossa atividade intelectual e
profissional na atualidade.
3
Desde o período inicial das grandes embarcações (século XVI) motivadas por
seus interesses geopolíticos, a Europa enviou navegantes, exploradores, militares,
comerciantes, dentre outros, em travessias transatlânticas. Esses sujeitos passaram a
escrever registros escritos a respeito dessa nova realidade que estavam conhecendo.
Obviamente esses escritos eram feitos a partir de um modo muito particular, a visão de
mundo europeia vigente naquele momento. Nesse contexto começam a ser cada vez
mais frequentes as chamadas “cartas” dos viajantes, registros esses que continham
descrições a respeito do território que estavam desbravando com intenções de
exploração, bem como os hábitos e costumes de seus habitantes. Esses registros eram
repletos de impressões pessoais e julgamentos morais desses viajantes a respeito dos
povos e cultura do continente que mais tarde veio a ser conhecido como América.
GIO
Acadêmico, em linhas gerais a antropologia se debruça a estudar as diferenças
presentes nos diversos contextos culturais e sociais da humanidade. Um erro
recorrente do período da fundação da disciplina era o fato de que aqueles
que se dedicaram a escrever os primeiros relatos sobre contextos distintos de
sua realidade acabavam por contaminar esses registros com preconceitos e
juízos morais. No trabalho antropológico é tarefa de suma importância despir-
se de preconceitos e se abrir para a ampliação de noções como diversidade e
respeito ao diferente. Lembrando, as diferenças não são de modo algum um
problema e todo e qualquer tipo de preconceito deve ser combatido!
4
2 PRIMEIROS PASSOS: ANTROPOLOGIA E OBSERVAÇÃO
Acadêmico! Ao escolher a antropologia como sua carreira, é necessário ter em
mente que existem momentos históricos importantes no desenvolvimento da disciplina
e estes são fundamentais uma formação sólida. Por acaso, você já se perguntou como
é possível que uma disciplina alcance absolutamente todas as esferas da vida social
como a antropologia consegue alcançar?
DICA
Para entender mais sobre observação e registro é interessante aproximar-
se do método etnográfico, assista ao vídeo “O que é ETNOGRAFIA e como
fazer? – Antropológica”. Neste vídeo, a professora Mariane da Silva Pisane
apresenta de forma simples e descomplicada um pouco do trabalho de
campo e a etnografia. Acesse em: https://bit.ly/3LRrNPl.
5
Todavia, é muito importante que tenhamos claro o fato de que a antropologia
que dispomos atualmente não é a mesma daquela de seu período de fundação. Nossa
disciplina sofreu uma série de mudanças ao longo da história. Assim como segue
transformando-se até os dias de hoje. Durante o momento que se acordou chamar de
período “pré-antropológico” (século XVI) a antropologia nem mesmo era considerada
uma ciência (LAPLANTINE, 2003). Nessa ocasião, as análises e registros que hoje
entendemos como tendo caráter antropológico, eram originalmente produzidas a partir
de relatos de viajantes das mais diferentes profissões e ocupações.
6
Segundo Laplantine (2003), o costume de observar nasceu juntamente com a
própria humanidade, desde que o homem existe, ele observa a si e ao outro. Tal prática
sucedeu e segue repetindo-se desde os tempos mais longínquos até os dias atuais.
Não existe comunidade ou continente em que os indivíduos não carregam consigo esse
costume rotineiro que está na capacidade e prática cotidiana de observar. Seja nas
Américas, Europa, África, Ásia ou Oceania a observação é inerente aos indivíduos.
FONTE: <https://image.shutterstock.com/image-illustration/law-enforcement-police-concept-community-
-600w-1802739349.jpg>. Acesso em: 22 fev. 2022.
7
2.1 O “EU” E O “OUTRO” NA ANTROPOLOGIA
Neste momento de nossos estudos, é importante que você, acadêmico,
conheça e compreenda a virada crucial na história da antropologia clássica. Trata-se
de um momento de suma importância em nossa disciplina, uma vez que a base do
pensamento antropológico começa a despontar.
O homem estabelece uma nova relação com a ciência. Uma vez que, até pouco
antes do final do século XVIII, o sujeito pensante limitava-se a produzir conhecimento
científico a respeito do mundo a sua volta, como se fosse ele o centro do mundo e
tudo o que estivesse disposto no universo existisse para servir a seus interesses e
necessidades. O indivíduo não levava sua própria existência enquanto mais uma das
tantas vidas disposta no mundo, muito menos que sua existência também era passível
de ser compreendida enquanto objeto da ciência. Você deve, agora, se perguntar: como
assim? Isso mesmo, o homem estudava absolutamente tudo que existia no mundo,
menos as razões, dinâmicas e questões de sua própria existência.
Foi apenas a partir do começo do século XIX que o homem passou a conceber
a si próprio também enquanto objeto de conhecimento, ou seja, uma vida que também
poderia e deveria ser observada, analisada e refletida cientificamente. Desse modo, o
homem passou a aplicar e fazer valer em sua própria existência, os métodos de análises
que antes tinham seu uso limitado ao universo de conhecimento da física e biologia
(LAPLANTINE, 2003).
9
FIGURA 2 – O OBSERVADOR E O OBSERVADO
FONTE: <https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/french-emissary-giving-gifts-new-caledo-
nian-95544865>. Acesso em: 22 fev. 2022.
10
Nós, seres humanos, somos extremamente inventivos em nossos modos de
existir e nos organizar. A partir da antropologia, encontramos ferramentas metodológicas
que nos permitem auxiliar, observar e compreender essas diferentes formas de estar no
mundo, uma vez que temos na observação nosso método privilegiado. Essa capacidade
analítica é de suma importância em nossa disciplina, uma vez que contribui para
uma perspectiva de mundo multicultural. Mundo esse onde as mais diversas culturas
convivem respeitosamente umas com as outras, bem como coexistem de modo
igualitário. Essa visão de mundo oportuniza, em alguma medida, a coexistência de
sociedades e coletividades das mais diversas culturas em um mesmo espaço e tempo.
É importante lembrar que essas aproximações são extremamente ricas em termos de
aprendizado e crescimento, afinal, o que é a cultura se não uma prática dinâmica em
constante mudança e avanço?!
INTERESSANTE
Aqueles que desejam ter sucesso em suas carreiras devem levar a prática
da observação e registro com muita seriedade. Normalmente fazemos esses
registros à mão em um caderno, que, posteriormente, se torna nosso melhor
amigo. Chamamos esse companheiro de “caderno de campo”. Por mais que
a tecnologia tenha ganhado cada vez mais espaço em nossas vidas, o bom e
velho caderno de papel tem uma importância central na vida daqueles que
desejam dedicar-se a observar o mundo e as relações que nele existem. Tenha sempre
consigo um pequeno caderno e uma caneta ou lápis, ao estudar a antropologia você
passará a refletir criticamente sobre o espaço a sua volta. Essa prática cotidiana da escrita
irá contribuir em suas pesquisas e estudos. Em breve, observar o mundo se tornará um
vício pessoal, e você não pode deixar essas impressões e reflexões se perderem no tempo
e na memória. Em determinado momento esses cadernos se tornarão, de certo modo,
parte de sua biblioteca particular.
11
2.1.1 A disciplina da antropologia e o eurocentrismo
A partir da segunda metade do século XIX, o investimento na observação
e registro dos homens na figura desses viajantes passa a ganhar certa rigorosidade
científica, e a antropologia, aos poucos, se torna um ramo do conhecimento científico.
Nossa disciplina passou a estabelecer determinados métodos e técnicas para com suas
observações e sistematização dos registros oriundos dessas observações.
12
Assim, a dominação europeia durante a conquista e colonização culminou na
formação da subjetividade da Europa ocidental como central, trazendo à consideração
o eurocentrismo enquanto promulgação da normalidade e racionalidade, bem como a
objetificação e negação das outras culturas e pessoas. Além do mais, o processo colonial
das Américas foi primordial para o desenvolvimento de diversas estruturas hegemônicas,
embora nem sempre essa relação seja reconhecida, que vão estar presentes ao longo
dos anos nas sociedades latino-americanas (MAIA; DE FARIAS, 2020, p. 585).
FONTE: <https://image.shutterstock.com/image-photo/lisbon-portugal-february-
-19-2015-600w-1935376957.jpg>. Acesso em: 27 out. 2021
13
Uma vez que esses monumentos permaneçam erguidos nos espaços públicos
das cidades, apontam para a valorização de uma perspectiva de dominação, violência
e exploração por parte da população do local. É de suma importância que as violências
que ocorreram no período colonial sejam devidamente elencadas, bem como não
sejam de modo algum homenageadas. Os absurdos cometidos durante o contexto de
colonização não devem ser esquecidos e seu lugar na história é o da análise reflexiva e
não o da homenagem irrefletida.
ATENÇÃO
Compreender as bases da formação de uma área de conhecimento é
indispensável para nossas formações. A história da antropologia representa
as nossas raízes do conhecimento da disciplina. Desfrutem desse mergulho
no tempo!
2.2 ETNOCENTRISMO
Acadêmico, como é possível perceber, desde o momento da fundação de nossa
disciplina até os dias atuais, mudanças significativas atravessaram a perspectiva científica
da antropologia em relação ao mundo como um todo. Essas mudanças apontam para o
fato de que, ao longo do tempo, os próprios antropólogos têm repensado sua disciplina,
portanto, repensado o modo de conceber determinados temas e discussões.
14
representa um modelo ideal de cultura. Mesmo que, atualmente, os debates antropológicos
girem em torno da diversidade de culturas e pessoas e, por consequência da valorização
dessa pluralidade, na fundação de nossa disciplina, o etnocentrismo era uma prática,
sobretudo, dos estudiosos de nosso campo de conhecimento, ou mesmo daqueles que,
com o tempo, foram considerados os primeiros antropólogos (lembrando que inicialmente
nossa disciplina era formada de estudiosos de vários campos de conhecimento).
Etnocentrismo é uma visão de mundo onde o nosso próprio grupo é tomado como
centro de tudo e todos os outros são pensados e sentidos através de nossos valores,
nossos modelos, nossas definições do que é a existência. No plano intelectual pode ser
visto como a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, como sentimentos
de estranheza, medo, hostilidade etc. Perguntar sobre o que é etnocentrismo é, pois,
15
indagar sobre um fenômeno onde se misturam tanto elementos intelectuais e racionais
quanto elementos emocionais e afetivos. No etnocentrismo, estes dois planos do
espírito humano – sentimento e pensamento – vão juntos compondo um fenômeno
não apenas fortemente arraigado na história das sociedades como também facilmente
encontrável no dia a dia das nossas vidas.
DICA
Para conhecer um pouco mais a respeito do fenômeno do etnocentrismo,
assista ao vídeo “Alteridade, etnocentrismo e relativismo cultural”. Disponível
em: https://bit.ly/3s9dBcO.
16
Atualmente, a antropologia é dividida em cinco grandes áreas ou linhas de
pesquisa: antropologia biológica (ou física), antropologia pré-histórica, antropologia
linguística, antropologia psicológica, antropologia cultural e social. Essas linhas de
pesquisa não necessariamente ocupam a mesma importância nos diferentes países
do mundo. Como exemplo, no Brasil a linha de investigação da antropologia cultural e
social está presente na maior parte dos centros de pesquisa em antropologia de nosso
país, assim como é a que tem mais adeptos, assim como é a conhecida. No entanto,
é importante que você, acadêmico, tenha ao menos uma noção básica a respeito das
possibilidades de pesquisa em termos de antropologia (MARCONI; PRESOTTO, 2013).
Todavia, corresponde a cada uma dessas vertentes antropológicas uma questão de
aproximação, sendo essas a preocupação com distintos temas relacionados à existência
e organização humana. Neste momento, faremos uma breve passagem por cada uma
dessas linhas de pesquisa, para que, caso seja de interesse, possam buscar aprofundar
suas pesquisas nas áreas a seguir. Vamos lá!
FONTE: <https://maestrovirtuale.com/wp-content/uploads/2019/10/Antropolog%C3%ADa-biol%C3%B-
3gica.jpg>. Acesso: 22 fev. 2022.
17
Já ao que diz respeito à antropologia pré-histórica, a tarefa de investigar a partir
de solos e registros todo e qualquer resquício de ação e/ou movimentação humana que
já não esteja mais presente nos diversos territórios. O profissional que se dedica a essa
área deve executar um trabalho minucioso de busca e análise por possíveis objetos
presentes no solo, assim como tentar recuperar as questões ligadas a sociedades
desaparecidas com o passar do tempo. Essa linha de estudo se aproxima fortemente
da arqueologia. Os museus, por exemplo, são espaços onde podemos encontrar muitos
materiais que foram encontrados e catalogados por antropólogos que se dedicam a
essa linha de pesquisa, veja na Figura 5:
FONTE: <https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/mexico-city-oct-15-2016-aztec-656778514>.
Acesso em: 22 fev. 2022.
18
Como dito anteriormente, a antropologia social e cultural é a linha de
investigação mais explorada no Brasil. Essa ramificação da antropologia representa uma
amplitude de possibilidades investigativas em termos sociais e culturais. Não é possível
esgotar suas áreas de pesquisa e atuação. Podemos pesquisar sistemas de parentesco,
ordenamentos e questões políticas, regimes econômicos, arestas jurídicas, enfim, tudo
o que se pode imaginar é possível de pesquisar dentro dessa linha de investigação
antropológica. Dessa maneira, em termos de pesquisa antropológica no Brasil, na maior
parte das vezes, as investigações científicas em antropologia abordam questões da área
de antropologia social e cultural.
IMPORTANTE
Um exercício extremamente importante em nossa carreira é a pesquisa.
Deste modo, é fundamental que você desenvolva a capacidade e prática
de realizar pesquisas de forma autônoma. Essa é uma tarefa simples,
mas é preciso começar. Busque vídeos, podcasts, filmes e literatura que
abordem questões antropológicas. Dessa maneira, a cada dia você estará
mais familiarizado com a disciplina e seu olhar e sua capacidade de reflexão
crítica irão se desenvolver cada vez mais e melhor!
19
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
20
AUTOATIVIDADE
1 Desde o período de fundação da Antropologia, e de acordo com a Teoria Antropológica
Clássica e suas bases fundacionais que consideravam a existência de um tipo ideia de
modelo de sujeito e sociedade, com relação ao conceito de eurocentrismo, assinale a
alternativa CORRETA:
21
3 A disciplina de antropologia é dividida em linhas de pesquisa que variam em termos de
interesse conforme os diferentes países em que a antropologia é estudada, em relação
às diferentes linhas de pesquisa e investigação em antropologia, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:
22
5 A observação e os registros em antropologia não são práticas exclusivas de nosso
sentido visual. Os sons, cheiros, barulhos e imagens são elementos que constituem a
observação. É importante que você, futuro antropólogo, consiga realizar observações
e registros que incluam todos esses sentidos. Escolha um local de sua preferência e
realize um exercício descritivo que inclua sons e aromas em seu exercício de observar.
Enquanto antropólogos, observamos o mundo com os olhos, ouvidos, narizes e mãos.
Extrapole a visão e crie uma descrição capaz de levar o leitor ao seu local de observação.
23
24
UNIDADE 1 TÓPICO 2 -
VIAJANTES
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, em nosso Tópico 2, você compreenderá a respeito dos impactos
causados pelas grandes embarcações coloniais em nossa disciplina. Uma vez que, fruto
dos interesses postos e das interações sociais emergidas nesse período, intensificam-se
as especulações sobre as questões relacionadas às diferenças entre os homens e suas
particularidades culturais e sociais, bem como a necessidade de situar e sistematizar
conhecimentos científicos a respeito dessas populações consideradas “outras”. Assim,
na medida em que aumentavam os questionamentos em torno dessas supostas
diferenças, o cenário de pesquisa se mostrava cada vez mais promissor e necessário.
Passando, assim, a apresentar um terreno fértil em relação às investigações movidas
por interesses variados em termos de conhecimento, sobretudo, a respeito do homem
e de sua cultura.
25
Essas viagens contribuíram de modo significativo para descobertas e
sistematização de conhecimentos ligados à Geografia, Cartografia, Meteorologia,
Biologia, dentre outros influenciados por esse momento, bem como devido às chances
de observação propiciadas pelas viagens transatlânticas. Nossa disciplina tem consigo
um forte caráter interdisciplinar, pois todas as outras disciplinas de uma maneira ou de
outra incidem na cultura, tema central de nossas pesquisas.
26
No entanto, nada poderia ser mais motivador que os interesses políticos,
econômicos e territoriais que estavam em jogo. As chances de obter vantagens
econômicas e territoriais eram suficientes para motivar esses possíveis viajantes
desbravadores. Desse modo, com um forte investimento de recursos dos mais variados,
desde matéria-prima, mão de obra especializada e aporte financeiro, foram viabilizadas
as construções de um número considerável de embarcações (NOVAIS, 1969). Sendo
essas, mais seguras, espaçosas e resistentes, permitindo, assim, a efetivação do plano
de realizar grandes incursões marítimas. Assim, a partir do século XV, as primeiras
embarcações de grande porte europeias, com destinos dos mais distantes imagináveis,
começaram a desbravar os mares rumo as possibilidades de exploração.
FONTE: <https://image.shutterstock.com/image-vector/ship-navigation-transport-america-destination-
-600w-1181977372.jpg>. Acesso em: 22 fev. 2022.
DICA
Para conhecer um pouco mais sobre as grandes embarcações assista ao
vídeo “Como eram as caravelas, as naus e os juncos: as embarcações das
grandes navegações”. Disponível em: https://bit.ly/3LS3f91.
27
2.1 O CONTEXTO DAS GRANDES EMBARCAÇÕES E
OS ESTUDOS EMPÍRICOS
Mesmo que os registros dos viajantes apresentassem diferenças consideráveis
quando contestados com a realidade, ainda assim esses escritos foram de extrema
importância para aquele período histórico, assim como para o desenvolvimento da
pesquisa empírica, e, em especial, para a antropologia. Você deve se perguntar: o que é a
pesquisa empírica? Pois bem, a pesquisa empírica é um modo de investigar um espaço,
acontecimento ou situação a partir da experiência de coletar os dados em campo
(seja este qual for), ou seja, é necessário ir até o local e observar o fenômeno do qual a
pesquisa será realizada. Portando, com essa aproximação e observação, o pesquisador
obtém material suficiente para sustentar suas hipóteses e alcançar conclusões.
DICA
Para conhecer um pouco mais sobre a pesquisa empírica, consulte o
artigo “O trabalho do antropólogo: olhar, ouvir e escrever”. Produção
contemporânea de máxima importância para nosso ofício enquanto
antropólogos. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/41616179.
Além disso, era a partir desses relatos que muito do que era conhecido nessas
viagens ganhavam repercussão pública. Aqueles que não estavam presentes nessas
viagens, por diversos motivos, poderiam ter acesso, de certo modo, aos acontecimentos
daquele contexto. Essas viagens tampouco eram acessíveis para a maior parte da
população, que permanecia em solo europeu, e, graças às narrativas dos registros
feitos pelos viajantes, poderiam conhecer parcialmente esses novos territórios e suas
populações. Registros esses que combinavam impressões pessoais, perspectivas
culturais e juízos morais a respeito daquilo que presenciaram e sentiam, seja nos mares
e sobretudo nos territórios e interações ainda pouco conhecidos.
De acordo com Sant’Anna Neto (2006), os relatos desses cronistas (viajantes) dos
séculos XVI e XVII eram carregados do contexto social e político daquele tempo, do modo
como concebiam o mundo e as dinâmicas sociais. Constavam nesses relatos, conceitos
de natureza estética, religiosa e morais compartilhados pela civilização europeia.
28
Mesmo que, em sua maioria, esses relatos coadunavam preconceitos e toda a
sorte de julgamentos em relação aos povos dos quais estavam estabelecendo contato,
ainda assim esses registros contribuem significativamente nossa compreensão a
respeito do período histórico da fundação de nossa disciplina. Essa possibilidade de
análise representava uma verdadeira abertura de visão de mundo em relação a culturas e
territórios ainda desconhecidas e abundantes em termos de diversidade e cultura, sendo
esse um movimento de absoluta importância, sobretudo para o pensamento crítico.
FONTE: <https://image.shutterstock.com/image-photo/moscow-russia-november-
-16-2017-600w-756168472.jpg>. Acesso em: 22 fev. 2022.
29
2.1.1 Cultura e alteridade: aproximações e diferenças
Acadêmico! É central que você compreenda que o objeto privilegiado da
antropologia, nossa disciplina, é o fenômeno da diferença. Sim, as diferenças e suas
variantes! Podemos pensar nas diferenças presentes entre sujeitos, comunidades,
sociedades, sendo essas questões de suma importância em nosso trabalho.
30
FIGURA 8 – POVOS NATIVOS
Ufa, quantas informações! No entanto, agora, se você está pensando que esse
modelo inaugurado de fazer pesquisa ficou para trás, está enganado. A pesquisa empírica,
as diferenças e conflitos ainda constituem parte considerável do cenário atual de nosso
trabalho. Entretanto, uma coisa é fato, com o passar do tempo, muitas mudanças e
avanços surgiram no campo da antropologia. Que tal dar um salto das embarcações para
as redes de internet e conhecer um pouco dos avanços de nossa disciplina?
DICA
Acadêmico, existe um mundo de alteridades, ou seja, um mundo repleto
de diferenças que, por vezes, resultam em conflitos em nosso meio social.
As diferenças devem ser consideradas ponto central das relações entre os
seres humanos. A partir das diferenças podemos aprender muito sobre nós
mesmos e sobre os outros. Lembre-se: a diferença é conhecimento. Assista ao vídeo
“Antropologia: alteridade e o convívio social” e procure buscar, a partir das diferenças com
outros sujeitos, possibilidades de crescimento pessoal e aprendizado social e cultural!
Acesse: https://bit.ly/3p3ZzXK.
31
2.2 UM GIRO ANTROPOLÓGICO: DAS TRAVESSIAS OCEÂNICAS
ÀS CONEXÕES ON-LINE
Acadêmico, nossos esforços neste momento serão no sentido de pensar as
mudanças e avanços em nossa disciplina ao longo do tempo. Se no passado, durante
o contexto histórico das grandes embarcações europeias (século XVI), era necessário
atravessar o oceano de um lado ao outro para observar outras realidades e coletar
informações, atualmente, nossa disciplina e consequentemente nosso campo de
pesquisa mudaram consideravelmente.
Existe uma demanda cada vez maior por parte do mercado de trabalho na busca
por profissionais qualificados para atuar nos campos da tecnologia e ciências sociais,
existe uma infinidade de possibilidades de atuação, desde a tecnologia e a antropologia
(DOMINGUES, 2004). Podemos elencar exemplos que se referem a profissionais
capacitados em realizar análises de mercado nos setores de compra, venda e procura
por produtos específicos, consultorias virtuais dos mais diversos temas, construção
e implementação de programas sociais no ambiente das redes, enfim, uma série de
possibilidades estão abertas para unir nossos conhecimentos teóricos em antropologia
aos campos de trabalho em tecnologia.
32
FIGURA 9 – TRABALHO DE CAMPO VIRTUAL, PESQUISA E TECNOLOGIA
FONTE: <https://image.shutterstock.com/image-photo/smiling-young-black-woman-knitted-
-600w-1927684598.jpg>. Acesso em: 22 fev. 2022.
Com o passar dos anos, cada vez mais o mercado de trabalho está aberto a
antropólogos dispostos a trabalhar com questões de tecnologia que carecem de análises
antropológicas. Se os analistas e programadores têm a capacidade de criar programas e
aplicativos, são os antropólogos que conseguem, através de suas pesquisas, descobrirem
as necessidades, desejos e anseios de cada grupo social. Além disso, por termos uma
formação que propicia conhecimentos relativos às diversas técnicas de observação,
podemos contribuir cientificamente em todas as áreas do conhecimento. Seja na área
da educação (GUSMÃO, 1997), saúde (HEILBORN, 2004), questões raciais (BANDEIRA,
2020) e tantas outras possíveis e imagináveis. Nossas possibilidades de trabalho podem
ser compreendidas como de alcance ilimitado, visto que em todos os espaços existem
diferenças, relações sociais e culturais, questões de máxima importância em nosso
trabalho. Desse modo, é necessário extrair das produções clássicas questões que
podem contribuir em nossas pesquisas até os dias de hoje, como a observação, registro,
estranhamento, dentre outros temas, assim como é indispensável que tenhamos claro
o marco histórico clássico de nossa disciplina, para que seja possível seguir avançando
e ampliando o escopo de nossa área de conhecimento, bem como ampliando cada
vez mais as possibilidades de atuação de nossa área de trabalho. O contexto social
da fundação de uma disciplina condensa a base de nossos conhecimentos enquanto
entusiastas de uma teoria crítica a respeito do fazer antropológico.
33
IMPORTANTE
Agora que você já sabe que é possível realizar pesquisas em antropologia
na internet, que tal se arriscar a fazer o registro de uma observação.
Você pode observar, descrever e registrar uma rede social de sua
preferência, uma página que usuários interajam em relação a compra
de produtos ou serviços. Enfim, fique a vontade, mas faça um registro
de algum espaço virtual, lembre-se, a observação e a escrita envolvem
dedicação e treinamento. Boa sorte!
34
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
35
AUTOATIVIDADE
1 O período em que os viajantes das grandes embarcações iniciaram o movimento de
aproximação de culturas diversas e começaram a criar os primeiros registros escritos
a respeito desses contatos, é chamado de:
a) ( ) Período pré-etnográfico.
b) ( ) Período pré-histórico.
c) ( ) Período pré-antropológico.
d) ( ) Período pré-filosófico.
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3 Os primeiros registros realizados pelos viajantes a respeito das culturas que não
pertenciam ao continente Europeu, carregavam consigo questões que não mais
fazem parte de nossa prática antropológica na atualidade. Com base nisso, classifique
V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:
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38
UNIDADE 1 TÓPICO 3 -
ANTROPOLOGIA E COLONIALIDADE
1 INTRODUÇÃO
Atualmente, a antropologia está associada à luta por direitos sociais, bem
como políticas públicas das mais diversas áreas como: saúde, educação, segurança,
habitação, impactos ambientais causados por exploração de mineração, dentre outros
temas que impactam diretamente nas questões públicas. Contudo, é preciso avaliar
essa mudança em termos de pesquisa antropológica enquanto uma conquista social
coletiva. Nossa disciplina sofreu uma série de mudanças e transformações ao longo dos
mais de cinco séculos desde sua fundação, uma vez que, inicialmente, ela servia aos
interesses da elite europeia.
Tanto a fundação quanto uma parte considerável de seu período inicial, nossa
disciplina era utilizada para legitimar violências e atender a interesses privados de uma
pequena porcentagem da população europeia. Os modos de construção das narrativas
sobre os territórios e povos desconhecidos cumpriam duas funções: descrever e
estereotipar. E por meio desses estereótipos eram construídos personagens da história
carregados de inverdades que por si só justificavam uma série de violências coloniais.
Felizmente, na atualidade, nossa disciplina está majoritariamente relacionada com as
lutas por direitos, reconhecimento da importância da diversidade de pessoas, ideias e
culturas, bem como buscando contribuir para uma mudança de pensamento em termos
de respeito a diversidade.
39
2 A ANTROPOLOGIA E SUA HERANÇA COLONIAL
Acadêmico, neste momento, você chegou a uma parte do percurso de seus
estudos de extrema importância, agora que conhece tanto os aspectos da fundação
da antropologia quanto algumas questões centrais da disciplina. É chegada a hora de
avançar em sua jornada de pesquisa e ter clareza a respeito da herança colonial de
nossa disciplina. Existe uma extensa bibliografia que aborda criticamente a serventia
da antropologia no contexto da colonização. Você deve se perguntar: mas qual é a
relação existente entre antropologia e colonização? Pois bem, agora você irá conhecer
esse passado um tanto obscuro de nossa disciplina. Não se assuste todas as áreas
de conhecimento acumulam com o passar dos tempos erros e acertos ao longo de
suas jornadas. É de suma importância ter consciência das falhas e prejuízos causados
pelo nosso ramo do conhecimento para que assim seja possível reduzir os danos que
ainda possam atravessar nossa realidade, bem como não mais repetir os erros. Vamos
entender melhor essas questões?
FONTE: <https://image.shutterstock.com/image-vector/christopher-columbus-14511506-portrait-line-
-600w-1342535294.jpg>. Acesso em: 22 fev. 2022.
40
Desse modo, esses exploradores encontraram na possibilidade narrativa, um
modo de criar um “outro” perigoso, desumano e, por consequência, passível de sofrer
violências e agressões das mais variadas. Nesses registros eram descritos equívocos
absurdos em termos de narrativa a respeito desses povos e territórios que serviam como
justificativa para a legitimação de roubos, assim como modos degradantes de expor
essas populações, sendo essas das mais diversas e imagináveis. Uma vez que o objetivo
final era o de dominar esses povos, explorar seus territórios, bem como seus recursos
naturais, toda e qualquer maneira de justificar essas ações eram válidas. Todos os meios
necessários eram empregados para atingir a finalidade desejada: roubar e dominar. Por
trás desse encontro de mundos, existia um obscuro plano violento baseado no interesse
das mais diversas naturezas, seja territorial, econômico, religioso, dentre outros.
41
DICA
Saiba, acadêmico, é muito importante que você compreenda o caráter
internacional da antropologia, uma vez que cada vez mais estamos
conectados uns aos outros. Para compreender um pouco mais sobre o
movimento de desconstruir o caráter colonial da antropologia assista ao
vídeo “Almir Cabral Biografado pelo Antropólogo Angolado Antonio Tomas”.
Neste vídeo, o professor aborda questões de antropologia e colonialismo.
Acesse em: https://bit.ly/3H18kIo.
42
Em síntese, o que supostamente se investigava era o fato desses sujeitos serem
considerados humanos ou não. Uma vez que essa humanidade não fosse constatada, não
haveria nada que impedisse a exploração total de seus recursos, bem como a possibilidade
de lhes infringir as violências e explorações mais intensas e imagináveis possíveis.
43
FIGURA 11 – MONUMENTO EM HOMENAGEM AO EXPLORADOR CRISTÓVÃO COLOMBO, CIDADE DE HULVA,
ESPANHA
FONTE: <https://image.shutterstock.com/image-photo/monument-christopher-columbus-huelva-andalusia-
-600w-2063638472.jpg>. Acesso em: 22 fev. 2022.
INTERESSANTE
Realize uma pequena busca pela internet por matérias de jornais de países
que são considerados potências mundiais e se encontram em guerra com
países considerados subdesenvolvidos, e entendam a lógica do registro
como um modo de legitimação do uso da violência. Nossa ferramenta de
trabalho é, sobretudo, a escrita, e seu uso intencional pode representar um
grande perigo em contextos de interesse político. Também aprenderemos
a importância da diversidade cultural. Fiquem atentos!
44
Uma das razões de conhecermos a antropologia clássica se dá pelo fato de que ela
nos fornece material mais do que suficiente para perceber mudanças e avanços de nossa
disciplina. É de suma importância que uma área de conhecimento sofra mudanças ao longo
de sua história, característica que evidencia sua evolução enquanto ramo do conhecimento.
Imagine se atualmente a antropologia se prestasse às mesmas ideias que em seu contexto
de fundação? Quanta diversidade não seria desconsiderada em nome de interesses
menores, seria uma lastima se igual. Contemporaneamente, temos a oportunidade de
aprender uma infinidade de culturas, saberes, povos e perspectivas que nos ensinam tanto
a respeito da existência coletiva e diversa. Quando se respeita e valoriza a diversidade, a
visão de mundo se amplia de um modo significativo e enriquecedor!
45
Se no passado a antropologia serviu de ferramenta para domínio e exploração
de povos, culturas e territórios, contemporaneamente, o movimento crítico vigente visa,
sobretudo, excluir hierarquias, estreitar relações e pautar a pesquisa tendo na ética um
dos aspectos centrais da prática antropológica.
INTERESSANTE
Para conhecer um trabalho atual produzido a partir da relação entre
antropólogo e nativo, recomenda-se a leitura do livro “A queda do céu”, dos
autores Davi Kopenawa e Bruce Albert. A obra evidencia a importância do
respeito e ética no trabalho de campo, bem como na produção de saberes
compartilhado. Vale muito a pena conhecer esse universo apresentado
por esses autores! Aproveite a leitura!
Enfim acadêmico, chegamos ao final da Unidade 1 de nosso livro. Espero que esta
viagem pelos mares e redes de internet tenha sido de grande valia e uma oportunidade
de conhecimento para todos. Cabe a você pesquisar com mais profundidade sobre os
temas propostos, bem como começar o processo de observação e registro do mundo
a sua volta. Lembre-se, um bom antropólogo é aquele que observa, registra e reflete
criticamente a respeito das questões sociais. Tenha a ética como uma ancora em sua
jornada dentro da antropologia, é esperado que você respeite a diversidade de ideias e
culturas e direcione sua carreira de modo crítico.
46
LEITURA
COMPLEMENTAR
A CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA
Senhor:
Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam
a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que ora nesta navegação
se achou, não deixarei também de dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como
eu melhor puder, ainda que – para o bem contar e falar – o saiba pior que todos fazer.
Tome, Vossa Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, e creia bem
por certo que, para aformosear nem afear, não porei aqui mais do que aquilo que vi e
me pareceu.
E assim seguimos nosso caminho, por este mar, de longo, até que, terça-feira
das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, estando da dita Ilha obra de 660 ou
670 léguas, segundo os pilotos diziam, topamos alguns sinais de terra, os quais eram
muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, assim
como outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E quarta-feira seguinte, pela manhã,
topamos aves a que chamam fura-buxos.
47
Neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! Primeiramente dum
grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra
chã, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome – o Monte Pascoal e à
terra – a Terra da Vera Cruz.
Mandou lançar o prumo. Acharam vinte e cinco braças; e ao sol posto, obra de
seis léguas da terra, surgimos âncoras, em dezenove braças — ancoragem limpa. Ali
permanecemos toda aquela noite. E à quinta-feira, pela manhã, fizemos vela e seguimos
em direitos à terra, indo os navios pequenos diante, por dezessete, dezesseis, quinze,
catorze, treze, doze, dez e nove braças, até meia légua da terra, onde todos lançamos
âncoras em frente à boca de um rio. E chegaríamos a esta ancoragem às dez horas
pouco mais ou menos.
Dali avistamos homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo
disseram os navios pequenos, por chegarem primeiro.
Então lançamos fora os batéis e esquifes, e vieram logo todos os capitães das
naus a esta nau do Capitão-mor, onde falaram entre si. E o Capitão-mor mandou em
terra no batel a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou de ir para
lá, acudiram pela praia homens, quando aos dois, quando aos três, de maneira que, ao
chegar o batel à boca do rio, já ali havia dezoito ou vinte homens.
Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas.
Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau
Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram.
Ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito, por o mar quebrar
na costa. Somente deu-lhes um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava
na cabeça e um sombreiro preto. Um deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave,
compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas como de papagaio; e
outro deu-lhe um ramal grande de continhas brancas, miúdas, que querem parecer de
aljaveira, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza, e com isto se volveu
às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar.
Na noite seguinte, ventou tanto sueste com chuvaceiros que fez caçar as naus,
e especialmente a capitânia. E sexta pela manhã, às oito horas, pouco mais ou menos,
por conselho dos pilotos, mandou o Capitão levantar âncoras e fazer vela; e fomos ao
longo da costa, com os batéis e esquifes amarrados à popa na direção do norte, para
ver se achávamos alguma abrigada e bom pouso, onde nos demorássemos, para tomar
água e lenha. Não que nos minguasse, mas por aqui nos acertarmos.
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E, velejando nós pela costa, obra de dez léguas do sítio donde tínhamos levantado
ferro, acharam os ditos navios pequenos um recife com um porto dentro, muito bom e
muito seguro, com uma mui larga entrada. E meteram-se dentro e amainaram. As naus
arribaram sobre eles; e um pouco antes do sol posto amainaram também, obra de uma
légua do recife, e ancoraram em onze braças.
Metemonos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço
e os dentes é feita como roque de xadrez, ali encaixado de tal sorte que não os molesta,
nem os estorva no falar, no comer ou no beber.
Os cabelos seus são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta, mais que
de sobrepente, de boa grandura e rapados até por cima das orelhas. E um deles trazia
por baixo da solapa, de fonte a fonte para detrás, uma espécie de cabeleira de penas
de ave amarelas, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que
lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena e pena, com uma
confeição branda como cera (mas não o era), de maneira que a cabeleira ficava mui
redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar.
49
Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no
logo na mão e acenaram para a terra, como quem diz que os havia ali. Mostraram-lhes
um carneiro: não fizeram caso. Mostraram-lhes uma galinha, quase tiveram medo dela:
não lhe queriam pôr a mão; e depois a tomaram como que espantados.
Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel e figos
passados. Não quiseram comer quase nada daquilo; e, se alguma coisa provaram, logo a
lançaram fora. Trouxeram-lhes vinho numa taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram
nada, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes a água em uma albarrada. Não beberam. Mal
a tomaram na boca, que lavaram, e logo a lançaram fora.
Viu um deles umas contas de rosário, brancas; acenou que lhas dessem, folgou
muito com elas, e lançou-as ao pescoço. Depois tirou-as e enrolou-as no braço e
acenava para a terra e de novo para as contas e para o colar do Capitão, como dizendo
que dariam ouro por aquilo.
Isto tomávamos nós assim por assim o desejarmos. Mas se ele queria dizer que
levaria as contas e mais o colar, isto não o queríamos nós entender, porque não lho
havíamos de dar. E depois tornou as contas a quem lhas dera.
50
eles. E foram assim correndo, além do rio, entre umas moitas de palmas onde estavam
outros. Ali pararam. Entretanto foi-se o degredado com um homem que, logo ao sair do
batel, o agasalhou e o levou até lá. Mas logo tornaram a nós; e com ele vieram os outros
que nós leváramos, os quais vinham já nus e sem carapuças.
Muitos deles ou quase a maior parte dos que andavam ali traziam aqueles bicos
de osso nos beiços. E alguns, que andavam sem eles, tinham os beiços furados e nos
buracos uns espelhos de pau, que pareciam espelhos de borracha; outros traziam três
daqueles bicos, a saber, um no meio e os dois nos cabos. Aí andavam outros, quartejados
de cores, a saber, metade deles da sua própria cor, e metade de tintura preta, a modos
de azulada; e outros quartejados de escaques. Ali andavam entre eles três ou quatro
moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos, compridos pelas espáduas,
e suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito
bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha. Ali por então não houve mais fala ou
entendimento com eles, por a barbaria deles ser tamanha, que se não entendia nem
ouvia ninguém.
51
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
52
AUTOATIVIDADE
1 Atualmente, existe um movimento de mudanças consideráveis em termos de
pertencimento cultural em relação aos antropólogos. Não existe uma identidade
única em relação a quem possui legitimidade para trabalhar com antropologia. Com
base nisso, assinale a alternativa CORRETA:
53
3 O projeto de colonização visava explorar e dominar povos e territórios. Em seu período
inicial a antropologia serviu a esse projeto de modo a legitimar práticas de violência
e exploração. Atualmente, nossa disciplina caminha em sentido oposto, buscando,
inclusive, operar de modo a diminuir os danos desse passado colonial. Com base
nisso, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:
54
REFERÊNCIAS
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Estudos Rurais, Campinas, v. 1, n. 2, 2007. Disponível em: https://www.ifch.unicamp.
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saudades e relações. 2020. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) –
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técnico-profissionais por antropólogos no Brasil. Revista de Antropologia, São Paulo,
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criatividade. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 10, p. 181-197, 2004.
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antropologia Social) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de Antropologia, Porto Alegre. Disponível
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55
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56
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57
58
UNIDADE 2 —
ESCOLAS CLÁSSICAS
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
• introduzir uma reflexão geral sobre as correntes teóricas clássicas e seus impactos
no desenvolvimento histórico da disciplina de antropologia.
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.
TÓPICO 1 – EVOLUCIONISMO
TÓPICO 2 – DIFUSIONISMO
TÓPICO 3 – CULTURALISMO
CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
59
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 2!
Acesse o
QR Code abaixo:
60
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
EVOLUCIONISMO
1 INTRODUÇÃO
Olá, acadêmico! Parabéns por ter concluído a Unidade 1 de nosso Livro Didático,
o caminho que você percorreu até agora é de extrema importância para os próximos
passos que você dará em termos de conhecimento e reflexão a respeito da formação e
consolidação das escolas clássicas da antropologia.
Uma vez que, até os dias atuais, ainda existem antropólogos pautando suas
pesquisas, métodos, técnicas e práticas antropológicas desde as perspectivas clássicas.
Trata-se da multiplicidade de possibilidades e escolhas teóricas que coexistem em uma
mesma área de atuação profissional.
61
Em nossa disciplina, contemporaneamente, acordamos de chamar as diferentes
perspectivas teóricas presentes na antropologia de escolas antropológicas. Essas escolas
tratam do pensamento predominante vigente em determinado período e contexto histórico
específico, ou seja, essas escolas antropológicas não são espaços físicos onde as pessoas
ensinam e aprendem antropologia, mas se referem à constituição de diferentes maneiras
metodológicas e teóricas de analisar e compreender os fenômenos culturais.
62
A antropologia clássica, sobretudo a teoria da escola evolucionista, pode
responder uma parte considerável da origem dessas questões ligadas a existência de
falsas hierarquias entre as populações humanas. Mesmo que a teoria evolucionista
clássica seja um pensamento que há muito tempo tenha sido cientificamente superado,
é possível, ainda nos dias de hoje, encontrar suas heranças sociais em nossas práticas
e relações cotidianas. Vamos entender melhor essas questões?
63
da evolução para absolutamente todas as atividades humanas. Darwin e Spencer se
diferenciavam, sobretudo, ao modo como compreendiam a evolução, para o naturalista
existiam diversas possibilidades de evolução entre os seres vivos, em contrapartida,
Spencer necessariamente apoiava sua teoria na perspectiva de uma linearidade
evolutiva, ou seja, uma única escala progressista de evolução. Em termos de linearidade
evolutiva, existia uma forte similaridade entre o pensamento de Spencer e a teoria da
escola evolucionista.
NOTA
Antes mesmo da própria noção de evolucionismo estabelecido na antropologia,
o filósofo inglês Herbert Spencer (1820-1903) foi um dos principais intelectuais
responsáveis por inspirar a teoria evolucionista, uma vez que sua teoria da evolução
era muito abrangente. Para o estudioso, a evolução se tratava de um conceito de
desenvolvimento, sobretudo, progressivo, que abarcaria: sociedade e cultura humana
(singular), organismos biológicos, mundo físico, mente humana e ciência.
64
Todos esses estudiosos foram institucionalmente reconhecidos e amplamente
vistos como antropólogos da mais alta relevância intelectual. Esses três estudiosos,
pesquisaram e produziram materiais que, até os dias de hoje, servem como base para
trabalhos antropológicos, mesmo que suas teorias sejam fortemente criticadas pelos
antropólogos contemporâneos. É importante ter em mente que, mesmo as críticas
em relação a essas produções teóricas são fundamentais para a reflexão a respeito da
história da antropologia, assim como seus usos contemporâneos. Os estudos, pesquisas
e produções desses intelectuais são de suma importância para a fundação, formalização
e consolidação de nossa disciplina, a antropologia. Suas formações, empreendimentos
de pesquisa e produções bibliográficas, tanto no âmbito institucional quanto pessoal,
estão situadas em diferentes áreas do campo do conhecimento. Todavia, seus interesses
pelos estudos em antropologia, os aproximaram teoricamente, bem como os tornaram
consolidados intelectualmente no campo antropológico.
DICA
Conheça um pouco mais a respeito da Teoria Evolucionista assistindo ao
vídeo “Antropologia Evolucionista – Antropológica”. Neste vídeo a antropóloga
e professora Mariane da Silva Pisani, apresenta um quadro geral sobre a
escola evolucionista. Disponível em: https://bit.ly/3IctqVC.
65
2.1 PRINCIPAIS TEÓRICOS FUNDADORES:
LEWIS HENRY MORGAN
Como já visto, os estudiosos considerados fundadores da escola evolucionista
são: Lewis Henry Morgan (1818-1881), Edward Burnett Tylor (1832-1917) e James
George Frazer (1854-1941), pesquisadores com formações, experiências de mundo e
perspectivas antropológicas com algumas similaridades e diferenças. No entanto,
esses três estudiosos despertaram seus interesses teóricos e dedicaram suas vidas e
carreiras de modo comprometido com as questões da antropologia. É muito importante
conhecer e compreender as formações institucionais, perspectivas sociais, contextos
culturais e produções teóricas daqueles que foram os pioneiros de nossa disciplina. Esse
conhecimento é fundamental para entender os caminhos, avanços e desenvolvimento
da área de conhecimento que pretendemos atuar, assim como a relação com o contexto
histórico em que as teorias e hipóteses científicas foram desenvolvidas. Neste momento,
acadêmico, você conhecerá um pouco a respeito da história de nossos precursores na
antropologia clássica.
Vamos começar por Lewis Henry Morgan, nascido no dia 21 de outubro do ano
de 1818, em uma pequena cidade pertencente ao estado de Nova York, nos Estados
Unidos da América, filho de um proprietário rural. No ano de 1842, Morgan formou-se
no curso de direito no Union College. Desde seu período de formação universitária, a
política sempre foi um de seus temas de grande interesse, chegando a conseguir se
eleger senador estadual. Durante o tempo da faculdade, fez parte de uma associação
de estudantes chamada “Ordem de Nó Gordio”, que tinha como interesse central os
estudos clássicos. Com o passar do tempo, por conta de sua aproximação com o tema,
Morgan dedicava-se cada vez mais com afinco e responsabilidade à associação, bem
como a suas pesquisas clássicas.
66
FIGURA 2 – LEWIS HENRY MORGAN
67
É muito interessante conhecer um pouco a respeito dos autores clássicos
de nossa disciplina. Entender como figuras de tamanha importância trilharam seus
caminhos na antropologia, assim como perceber as aproximações entre nós e nossas
referências. Afinal de contas, todos nós precisamos começar nossa jornada nas
pesquisas antropológicas desde um ponto de partida. Agora que já conhecemos Lewis
Henry Morgan e um pouco de sua biografia, experiências pessoais e institucionais, que
tal conhecermos Edward Burnett Tylor, também considerado um dos fundadores da
escola evolucionista. Bora lá?!
IMPORTANTE
Acadêmico, em nossa Unidade 2 do Livro Didático, há mais do que uma
introdução de assuntos relevantes em termos antropológicos, você está
avançando teoricamente e conhecendo as escolas clássicas do pensamento
antropológico. Sendo assim, é chegada a hora de colocar em prática aquilo
que combinamos na Unidade 1. Você se recorda? Nosso combinado era o de que você
começaria a fazer pesquisas de modo autônomo. Que tal começar a buscar materiais em
plataformas virtuais que tragam um pouco a respeito dos contextos e debates da escola
evolucionista, assim como seus principais fundadores. Busque por filmes, podcasts,
vídeos, materiais audiovisuais de modo geral. Desafie a você mesmo e ultrapasse limites
nunca antes imaginados, quando você busca por conhecimentos de maneira livre e
autônoma você está construindo sua carreira enquanto antropólogo, uma vez que a
pesquisa será sua principal ferramenta de trabalho. Bom trabalho!
68
INTERESSANTE
Acadêmico, muitos dos textos clássicos de nossa disciplina não estão traduzidos
para o português. Todavia, para além do conteúdo disponível no Livro Didático,
é importante que você busque fazer leituras dos textos escritos pelos próprios
autores. Nada mais interessante e potente do que conhecer um pensador a partir de sua
própria produção teórica. Dessa maneira, recomenda-se a leitura do livro “A ciência da
cultura”, do evolucionista Edward Burnett Tylor. Disponível em: https://bit.ly/36yhfV9.
69
Segundo Castro (2005), resultou desse encontro o interesse de Tylor pela área
da antropologia, uma vez que a vivência com Christy e sua área de atuação lhe abriu os
olhos para vários assuntos em torno de questões antropológicas, assim como questões
a respeito da pré-história.
70
DICA
Para conhecer um pouco mais a respeito do renomado antropólogo Edward
Burnett Tylor, é interessante assistir ao vídeo “Edward Burnett Tylor’’. Para
aqueles que não dominam o idioma do inglês, vá em configurações e coloque a
opção de legendas ativadas em português. Disponível em: https://bit.ly/3JFv2r2.
71
FIGURA 4 – JAMES GEORGE FRAZER
DICA
Para conhecer um pouco mais a respeito do renomado antropólogo James
George Frazer, assista ao vídeo “James George Frazer’’. Para aqueles que
não dominam o idioma do inglês, vá em configurações e coloque a opção
de legendas ativadas em português. Disponível em: https://bit.ly/3BUnvSV.
72
2.4 ASPECTOS CENTRAIS DA ANTROPOLOGIA EVOLUCIONISTA
Conforme apresentado anteriormente, os três grandes nomes da escola
evolucionista, Lewis Henry Morgan (1818-1881), Edward Burnett Tylor (1832-1917) e James
George Frazer (1854-1941) contribuíram de diferentes maneiras para o desenvolvimento
da escola evolucionista. Cada qual com suas formações e interesses específicos,
portanto, produções teóricas voltadas para os temas que lhes chamavam a atenção e
estavam em voga naquele período histórico. Destaca-se que, no centro do pensamento
da escola evolucionista, estava presente a ideia de que as diferenças culturais entre os
diversos grupos humanos eram reduzidas a diferenças de carácter temporal, ou seja,
esses pesquisadores compreendiam o desenvolvimento da humanidade a partir de uma
linha cronológica linear, na qual a evolução humana se daria de igual modo entre todas
as populações, independente da região ou período analisado. Portanto, os esforços
teóricos caminhavam para que, dessa maneira, fosse possível estabelecer um modelo
de estágio evolutivo que apontasse para uma suposta evolução histórica presente em
todos os grupos humanos.
73
que colocava toda a humanidade em uma escala evolutiva compreendia, em sua teoria,
que todas as populações deveriam seguir um mesmo padrão de desenvolvimento,
baseados em valores, práticas, dinâmicas e comportamentos europeus, considerado
até então o modelo ideal de sociedade.
De acordo com essa análise, seria possível criar uma classificação para essas
culturas ainda desconhecidas em uma espécie de plano temporal de evolução. Uma
linha cronológica com passos evolutivos. Assim, aqueles que antes eram lidos enquanto
opostos (selvagens), por terem hábitos, costumes e práticas diferentes daquelas do
modelo europeu (modelo civilizatório ideal), a partir do estabelecimento do modelo de
escala evolutiva, não mais seriam tomados como opostos, mas sim ganharam certo grau
de familiaridade, na medida em que eram lidos enquanto humanos similares, todavia em
estágios menos evoluídos.
74
Sim, acadêmico, os pensadores da escola clássica evolucionista acreditavam
que toda a humanidade se desenvolvia da mesma maneira, saindo de um mesmo
ponto de partida e chegando a um estágio em comum, e não apenas eles, mas muitas
pessoas foram adeptas dessa corrente de pensamento teórico (pasmem, algumas ainda
são até os dias de hoje). De acordo com a tabela feita pelo antropólogo Lewis Henry
Morgan, a humanidade, como um todo, estaria dividida em períodos evolutivos, e a cada
período equivaleria uma definição específica, determinadas condições e status. Por fim,
os comportamentos, dinâmicas e a organização social seriam compreendidas como
equivalentes a determinado estágio específico de evolução. Esses estágios seriam
sucessivos e necessariamente obrigatórios a todas as diferentes sociedades humanas.
IMPORTANTE
No período equivalente ao pensamento evolucionista, duas questões eram muito latentes
e influenciaram o pensamento dos estudiosos da escola evolucionista, sendo eles:
determinismo biológico e determinismo geográfico. Vamos entender um pouco melhor
estes temas? Quanto ao determinismo biológico, estaria baseado na ideia de que as
pessoas teriam consigo uma questão genética que determinava seus comportamentos e
práticas culturais, ou seja, não se levava em conta a questão da cultura e a influência dela
em nossas vidas. Exemplo de práticas racistas desde uma perspectiva de determinismo
biológico: negros eram naturalmente mais fortes e por isso deveriam ser escravizados,
ou seja, trata-se de uma prática de violência e exploração. Quanto ao determinismo
geográfico, estava baseado na ideia de que os espaços geográficos e suas nuances
(clima, solo, flora etc.) determinavam os comportamentos dos grupos. Na prática,
morando no Brasil, por exemplo, as práticas de higiene pessoal deveriam ser
diferentes daquelas de países com clima frio. Portanto, a geografia determinaria
todos os costumes e hábitos. Todavia, os cuidados com higiene pessoal são
diversos, uma vez que, menos do que o clima, o que define essas práticas
são as perspectivas culturais, por isso, os moradores de um mesmo país têm
costumes higiênicos dos mais variados. Ambas as teorias caíram por terra e
foram superadas científicamente.
75
Essa lógica evolutiva não por acaso atendia a interesses muito específicos
em termos de poder, dominação e exploração. Uma vez que o continente europeu se
autointitulou enquanto pertencente ao ápice da evolução humana, assim como modelo
civilizatório para o restante da humanidade. Essa suposta superioridade em termos
evolutivos justificava e legitimava suas tentativas e práticas de dominação e exploração
em relação a outros povos. Assim, o projeto de colonização de povos e territórios estaria
apoiado em uma falsa afirmação evolutiva de suposta base científica que justificaria as
práticas coloniais (SOILO, 2014).
Assim como já aprendemos que a ciência está sempre relacionada com as questões
do contexto histórico do qual ela pertence, essa mesma ciência impacta consideravelmente
o desenvolvimento da história. Vamos entender esse processo juntos?
76
Você deve estar se perguntando: como assim? Pois é, até os nossos dias,
existem indivíduos e sociedades que acreditam pertencerem a uma cultura superior às
demais, e essa pretensa superioridade pode estar ligada a uma infinidade de questões.
Vamos conhecer algumas dessas situações que ilustram essa crença em uma suposta
hierarquia social?!
No Brasil, por exemplo, não são poucas as notícias que mostram violências contra
povos e espaços de culto a religiões de origens africanas. Essas práticas apontam para
a presença do racismo, questão originada na crença de hierarquias entre indivíduos e
sociedades (FERNANDES, 2017). Essas violências evidenciam essa hierarquia presente
no pensamento de muitas pessoas, reiterado por determinadas lideranças políticas.
Outro fenômeno social que pode ser observado e que comprova a vigência
dessa perspectiva social de hierarquias culturais está na prática da xenofobia. Você
sabe o que é xenofobia? Pois bem, este tema é bem importante em nossa disciplina
de maneira geral e ampla, assim como para esse momento de reflexão em específico.
A xenofobia é o ódio, medo e aversão a todo aquele que é, ou mesmo não sendo ainda
assim é lido, como um estrangeiro, uma pessoa vinda de outro país (CABECINHAS,
2008). Portanto, esse sujeito considerado como “outro/diferente” a depender de sua
localidade de origem (lembrando que os países europeus sempre foram e seguem
sendo considerados enquanto modelo ideal de sociedade, superestimados por parte
considerável dos demais continentes) sofre uma série de violências das mais diversas
ordens, podendo ser violências psicológicas, discriminatórias, criminalizadas, morais ou
até mesmo físicas. Essa prática também demonstra o quanto ainda existe, tanto de
sujeitos como sociedades que consideram haver hierarquias entre diferentes culturas
a ponto de considerarem legítimo o uso da violência contra indivíduos considerados
“outros/estrangeiros”.
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RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• A teoria evolucionista acreditava que toda a humanidade era composta por indivíduos
e sociedades que necessariamente deveriam seguir os mesmos estágios evolutivos e
o ponto de evolução máxima seria baseado no modelo ideal de sociedade civilizatória
europeia.
78
AUTOATIVIDADE
1 Segundo a teoria clássica, sobretudo aquela do pensamento pertencente à
escola evolucionista, toda a humanidade estaria sujeita a períodos evolutivos que
necessariamente deveriam ser percorridos por todas as culturas. Sobre esses
períodos, assinale a alternativa CORRETA:
I- Nas situações em que a intolerância religiosa está presente no dia a dia de nossa
sociedade é possível perceber a crença em hierarquias sociais, uma vez que
determinados sujeitos e grupos acreditam serem superiores a outros, com especial
destaque a situações com a presença de racismo.
II- No momento em que a diversidade cultural é respeitada e a pluralidade de ideias é
valorizada, essas hierarquias estão presentes.
III- A prática da xenofobia é uma clara demonstração da ideia de superioridade entre
sociedades e culturas, e é de extrema importância que essas práticas sejam
combatidas, a antropologia pode contribuir consideravelmente para a diminuição
ou mesmo o fim dessas práticas que causam tantas violências.
79
3 Baseado nos conhecimentos adquiridos a respeito da fundação, hegemonia, duração
do pensamento da escola evolucionista, bem como suas perspectivas teóricas. Com
base nisso, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:
5 Compreendendo que a teoria do naturalista Charles Darwin foi uma das principais
inspirações teóricas do período de fundação da antropologia clássica, sobretudo para
o desenvolvimento da escola evolucionista. Disserte, de modo resumido, a respeito
das questões presentes tanto na escola evolucionista como na teoria da evolução de
Charles Darwin, sobretudo em relação a evolução dos homens.
80
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -
DIFUSIONISMO
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, a escola difusionista é uma das correntes teóricas que compõem
o período do pensamento clássico na antropologia, essa teoria, surge logo após a
escola evolucionista. É muito importante que você saiba que uma escola teórica se
diferencia das demais escolas que existiam antes dela, no entanto, as mudanças e
chamadas viradas de pensamento (os novos paradigmas científicos), de certo modo,
sempre seguem uma lógica. A centralidade do pensamento científico gira em torno das
principais reflexões teóricas que estão em alta naquele determinado período histórico.
81
O objetivo dessa análise era de que assim seria possível compreender as
supostas evoluções culturais (herança da escola evolucionista) presentes nos diversos
grupos socioculturais, por meio da observação dessas inovações e sua difusão. Para
esses teóricos da escola difusionista, as inovações humanas, das mais diversas ordens,
estariam relacionadas à cultura de um modo amplo. A partir delas seria possível
explicar parte considerável da organização social, assim como da suposta evolução
das sociedades, sendo esse o interesse central da teoria difusionista. Durante o início
do século XIX essa corrente teórica foi explorada principalmente na Alemanha, sendo
estudada por Wilhelm Schmidt (1868-1954) e Fritz Graebner (1877-1934) e na Grã-
Bretanha por G. Elliot Smith (1871-1937) e William J. Perry (1887-1949). Todavia, as teorias
difusionistas nessas duas localidades compreendiam o fenômeno da inovação e difusão
como acontecimentos que se davam de diferentes maneiras. Segundo a perspectiva da
escola alemã, as inovações e difusões se davam em diferentes culturas e se espalharam
mundo afora, em contrapartida, para os estudiosos da Grã-Bretanha, o centro cultural
do mundo seria o Egito, portanto as inovações nasciam naquela localidade específica e
depois se difundiam para outras culturas.
Acontece que, a escola difusionista não foi uma escola proeminente, de modo
que sua permanência no meio científico durou pouco tempo. Todavia, é interessante e
muito importante compreender que a brevidade em termos científicos do pensamento
difusionista, acabou por dar espaço a reflexão teórica necessária para a fundação da
escola funcionalista e estrutural-funcionalista. Em seguida, conheceremos o centro do
pensamento dessas escolas, seus principais teóricos e a relação dessas escolas com o
período histórico daquele momento.
Note o quanto a ciência é de suma importância em nossas vidas, uma vez uma
teoria sofre uma quantidade de críticas consideráveis e não consegue sustentar-se, esse
mesmo processo de reflexão acaba por originar o desenvolvimento de outras teorias.
Você deve estar curioso para entender esses movimentos e mudanças presentes na
história da antropologia. Feitas as introduções necessárias, vamos avançar um pouco
mais? Bons estudos!
82
Essas observações acontecem a partir de um determinado recorte de análise,
em nosso campo de conhecimento essa prática de pesquisa pode se dar a partir
de fenômenos como religião, parentesco, trabalho, dentre outros (SILVA, 2000). É
importante destacar que a antropologia não busca por verdades absolutas ou mesmo
tentativa de adivinhação do futuro, distantes disso, os esforços de nossa disciplina
estão concentrados em analisar aspectos da cultura, baseados na realidade presente
em nosso meio social e cultural.
Sendo assim, sempre que você se depara com uma escola teórica, seja do período
clássico ou contemporâneo, a questão a ser observada e compreendida é a seguinte: qual
é o tema central (interesse) que essa escola teórica se dedica a compreender? Quando
você consegue responder a essa interrogação, torna-se muito mais fácil entender
toda a reflexão teórica presente nas escolas do pensamento antropológico. Assim
como é de suma necessidade que você pesquise minimamente a respeito do período
histórico no qual essa escola foi fundada, ou seja, quais os principais acontecimentos
mundiais e regionais que estavam se passando naquele momento, como, por exemplo,
guerras, empreendimentos coloniais, dentre outros acontecimentos. Como já dissemos
anteriormente, as teorias científicas estão sempre intimamente ligadas à realidade social
da qual estão inseridas. E o motivo é simples, a ciência deve atender às necessidades
sociais da coletividade humana, sobretudo a antropologia!
83
Começando pelos exemplos relacionados às inovações materiais, uma vez que
a antropologia desde sua fundação sempre foi uma disciplina científica utilizada para
compreender questões de ordem da existência humana, cultura e suas diversidades.
Portanto, os exemplos materiais ilustram, de modo apropriado, o esquema teórico da escola
difusionista, pois esses exemplos estão presentes em muitos espaços da vida cotidiana.
84
Em realidade, nenhuma prática proveniente da organização social humana é
natural: todas as dinâmicas e costumes humanos são criados pelo homem, desse modo,
trata-se de construções sociais. A cada cultura humana (grupos socioculturais), cabem
construções sociais com suas particularidades, assim como ao longo do tempo sofrem
diversas mudanças e transformações. Essas diferenças entre os diversos grupos, por
vezes, estão ligadas a questões regionais e climáticas, assim como políticas, dentre
outras, sendo esses fenômenos que influenciam nosso modo de existência. Nada é
determinado por uma causa específica, mas a soma de vários fatores resulta em modos
específicos de existência e sobrevivência humana.
Então, agora que entendemos que as práticas humanas não são naturais e sim
construções humanas, vamos compreender como essas práticas eram vistas pelos
teóricos da escola difusionista.
85
DICA
Conheça um pouco mais a respeito da escola difusionista assistindo ao vídeo
“Difusionismo, funcionalismo e estrutural funcionalismo – antropológica’’, no
qual a professora Mariane da Silva Pisani fala um pouco a respeito dessas e
outras escolas. Disponível em: https://bit.ly/36mswaU.
De fato, esses teóricos não faziam ideia do tamanho do planeta Terra, tampouco
dimensionavam o quanto diversas eram as populações que povoavam o mundo. Essa
ausência de entendimento em relação a dimensão da terra, bem como a densidade
populacional, eram fatores que influenciavam fortemente o pensamento da teoria
difusionista. Visto que, as reais escalas planetárias estavam muito distantes da
compreensão desses estudiosos, contribuindo então para a ideia de que toda e qualquer
inovação nasceria em uma cultura única e seria difundida para as demais.
86
Nesse período histórico, esses teóricos não compreendiam que essas inovações
aconteciam a todo o tempo nas mais diversas sociedades existentes no mundo. Como
já aprendemos (nunca é demais relembrar) para os difusionistas essas criações tinham
sempre um ponto de partida específico, ou seja, uma sociedade criava uma inovação e em
sequência essas inovações eram difundidas (espalhadas) para o restante das sociedades
humanas (REIS, 2004). O que essa teoria não levava em conta, era justamente o fato
de que a humanidade, de modo geral, independentemente do grupo que fosse, tinha
necessidades relativamente similares, portanto, as culturas diversas iriam buscar criar
inovações para atender as suas necessidades de maneiras similares nas mais diferentes
partes do mundo. Complicou? Nada disso, vamos entender juntos!
ATENÇÃO
Acadêmico, até o presente momento muito conhecimento já foi adquirido,
uma dica importante é que você comece a anotar as informações de uma
maneira que você possa retomar os conteúdos em um segundo momento.
Pode ser uma sistematização em formato de tabela, mapa mental, gráfico,
da maneira que for mais compreensível para você. Escrever é uma das
melhores opções para entender e fixar os conteúdos!
87
a necessidade de construir sua habitação, e após essa inovação feita, todas as outras
culturas as imitaram. No entanto, a realidade do século XIX, em termos informacionais,
era totalmente diferente da nossa realidade atual. Atualmente, reconhecemos que o
mais pertinente e apropriado é a perspectiva de que, conforme as necessidades dos
diferentes grupos, cada qual a sua maneira criou seu próprio espaço de habitação,
sem necessariamente precisar se inspirar em uma única cultura. Esse é apenas um
exemplo para compreender a falha contida na ideia de “criação e replicação” presente
na escola difusionista. É claro que, tanto no passado como nos dias de hoje, é possível
perceber influências em vários aspectos da sociedade entre uma cultura e outra, todavia
não necessariamente as inovações acontecem em uma sociedade específica e são
replicadas para as demais. Sendo as necessidades humanas relativamente parecidas,
as criações também têm certo grau de similaridade. Agora ficou mais claro? Espero que
sim. Pois bem, vamos seguir!
88
Diferente da perspectiva teórica da escola difusionista, essas duas correntes
que nasceram no início do século XX, de modo resumido, apresentam as seguintes
mudanças: em síntese para esses estudiosos o método de análise de cada sociedade
se dava com o olhar desde dentro da própria sociedade estudada, e não em um
movimento de comparação em relação a outras sociedades. As comparações que
ambos os estudiosos faziam se dava em relação a uma análise histórica e evolutiva
das próprias sociedades analisadas, levando em conta os elementos funcionais que
faziam parte dessas sociedades. Elementos funcionais (gravem este termo) seriam
todos os meios de organização social que exerceriam determinadas funções dentro da
sociedade, sobretudo em relação a seu equilíbrio funcional. Fiquem tranquilos, iremos
nos aprofundar desse respeito mais à frente.
89
ou aproximação entre o antropólogo e o espaço em que se pretendia pesquisar, muito
menos com as pessoas que habitavam essas regiões distantes (distantes da Europa,
uma vez que esse era considerado o centro do mundo) e suas realidades socioculturais.
Nesse período inicial da antropologia, as pesquisas e produções teóricas
antropológicas desses estudiosos eram constituídas a partir de: relatos dos viajantes,
questionários pré-estruturados e registros de outrem. Esses registros utilizados pelos
antropólogos eram feitos por militares, comerciantes, missionários, exploradores, dentre
outros. Portanto, a base das escolas evolucionistas e difusionistas eram pautadas
por registros, feitos por terceiros. Assim, as teorias dessas escolas nasciam desde a
leitura, análise e reflexão desses registros, somados aos conhecimentos adquiridos em
formações de outras áreas de conhecimento, uma vez que a antropologia ainda não se
tratava de uma disciplina estabelecida no cenário científico.
90
Malinowski inaugurou a prática da pesquisa de campo em antropologia,
obviamente como aprendemos, mesmo que anteriormente a ele, outros sujeitos já
estiveram presentes nessas “regiões distantes" e escrito registros, essa prática, com fim
específico em adquirir conhecimentos para fins específicos em análises antropológicas,
nasceu com Malinowski, sobretudo ao que se refere à observação participante. Em
verdade, Malinowski acabou por lançar um novo modelo de pensar e produzir teoria
e prática antropológica, tratando assim de uma maneira vanguardista em termos da
técnica de investigação, métodos de interpretação das situações e dados a partir da
pesquisa de campo em antropologia.
INTERESSANTE
Para conhecer mais da história do ofício de antropólogo, trabalho de
campo e etnografia, faça a leitura da obra de 1922, “Argonautas do Pacífico
Ocidental”, de Malinowski. É possível encontrar imagens e vídeos a respeito
desse livro. Lembre-se, um bom antropólogo sempre está interessado em
pesquisar e aprofundar seus conhecimentos, nunca é demais aprender a
respeito de nosso ofício!
91
Como dito anteriormente, as obras clássicas são fundamentais para a
compreensão das escolas teóricas clássicas. Uma das obras mais conhecidas e
referenciadas em termos de antropologia clássica, assim como da própria história da
antropologia foi a publicação de Malinowski, intitulada “Argonautas do Pacífico Ocidental”,
de 1922. Em sua introdução, é possível conhecer os elementos que constituíam a base
de sua pesquisa, sobretudo no que se refere ao trabalho de campo desenvolvido pelo
estudioso em questão. Uma das questões mais interessantes ao nos debruçarmos
nessa obra, é o fato de que mesmo sendo uma pesquisa e reflexão teórica em formato
de livro, muitos dos parâmetros utilizados para a pesquisa de campo ainda são vigentes
até os nossos dias atuais. Imaginem só, uma obra centenária que, ainda nos dias de
hoje, contribui solidamente para a produção científica, antropológica, sobretudo em
termos de trabalho de campo e etnografia.
NOTA
Etno (etnia) + grafia (escrita): de modo geral a etnografia corresponde a escrita
a respeito das etnias. Portanto, uma etnografia é o resultado dos registros
observados a respeito de determinadas etnias (PEIRANO, 1995).
92
“Argonautas do Pacífico Ocidental” foi uma das publicações de Malinowski de
grande envergadura em termos de pesquisa, assim como resultou em um trabalho de
muita importância para a disciplina da antropologia, sendo essa uma leitura obrigatória
para todos aqueles que decidem se dedicar ao ofício de antropólogo. Uma vez que
essa pesquisa foi resultado de um trabalho de considerável investimento, não apenas
financeiro, mas também pessoal, emocional, intelectual, de relevância prática e teórica.
Parte considerável dessa obra é composta por uma etnografia densa (aprofundaremos
nossos estudos a respeito de etnografia na Unidade 3 de nosso livro), considerada pioneira
em nossa disciplina, amplamente conhecida entre a comunidade científica daquele
período, assim como respeitada até mesmo atualmente. Sua pesquisa é reconhecida
tanto dentro da antropologia como em outras áreas de conhecimento, especialmente
nas ciências humanas e sociais, assim como essa obra tem uma importância central
para a reflexão de nossa disciplina.
Esse estudioso, dedicou parte de sua vida em viver próximo aos nativos que
optou por pesquisar, criando, assim, um considerável registro a respeito das situações
que presenciou e experimentou estando em trabalho de campo, junto aos povos nativos
daquelas localidades. Portanto, nessa prática de estar conjuntamente com as populações
e tendo a oportunidade de compartilhar situações e experiências particulares, resultou
naquilo que posteriormente se acordou chamar de “observação participante”.
93
Desde a perspectiva funcionalista, Malinowski demonstra a vida e complexidade
dos povos das Ilhas Trobriand, em uma tentativa de evidenciar suas práticas desde o
“ponto de vista nativo” (questão fortemente criticada), mas que carrega importância
central para o contexto histórico do qual estava submerso, em especial no pensamento
antropológico. Uma das tentativas do autor era a de mostrar o sentido de mundo,
organização social, experiência no mundo e complexidade cultural desses povos. E para
alcançar esses objetivos, o antropólogo considerou a relação entre as funções desses
fenômenos pensados em uma totalidade dentro da própria sociedade analisada.
94
O Kula era um ritual de importância central entre os habitantes dessas ilhas.
Uma vez que, o Kula carrega consigo a função social de construir e carregar laços sociais
por longos períodos. Malinowski e seu modo de realizar pesquisa foi revolucionário em
termos antropológicos, uma vez que criou o método da observação participante e
presenteou a comunidade antropológica com a demonstração da importância central
do trabalho de campo em nossos ofícios, enquanto estudiosos, pesquisadores e
antropólogos (CORDEIRO, 2013). A contribuição desse estudioso para a antropologia
é imensa, assim como inaugurou um novo modo de fazer antropologia, estabelecer
relações com os grupos nativos e não menos importante, observar a totalidade da
existência humana e suas práticas e dinâmicas culturais. O maior diferencial de
Malinowski, sem dúvidas, foi o uso do método etnográfico, questão que iremos estudar
na Unidade 3 de nosso Livro Didático.
DICA
Conheça mais a respeito da vida e pesquisa do antropólogo e estudioso
Malinowski, assistindo ao vídeo “A antropologia funcionalista de Malinowski”, do
professor Marcos Henrique Amaral. Disponível em: https://bit.ly/3BOQOWU.
95
FIGURA 7 – RADCLIFFE-BROWN
96
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• A escola difusionista, devido a suas limitações teóricas, não teve proeminência no meio
científico. Essa escola clássica teve poucos adeptos ao seu pensamento, assim como
uma breve duração em termos de pesquisas. As escolas funcionalistas e estrutural-
funcionalista rapidamente tomaram seu lugar em termos teóricos e científicos.
97
AUTOATIVIDADE
1 Segundo a escola difusionista, pertencente ao período clássico da antropologia, a
evolução da humanidade se dá a partir da difusão das inovações. Para essa corrente
de pensamento, a inovação é criada em uma determinada sociedade e copiada,
por consequência, difundida para as demais. Qual era a principal questão ignorada
por essa escola antropológica em termos de análise antropológica? Sobre essas
questões, assinale a alternativa CORRETA:
98
d) ( ) Para Malinowski era importante tomar o próprio grupo estudado enquanto
referência, ou seja, para o antropólogo a evolução estava presentes nas próprias
práticas internas das comunidades estudadas, a totalidade do próprio grupo
deveria ser o ponto de observação e não a buscas por hierarquias e possíveis
comparações em termos de evoluções entre grupos diferentes.
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, agora imagine a possibilidade de um fio condutor cabível e aplicável
a todas as observações e análises de uma área de conhecimento. Um tema central que
atravessa uma disciplina por completo, uma chave que tem a capacidade de abrir todas
as discussões de nossa disciplina. Essa questão resultaria em uma verdadeira explosão
de informações das mais interessantes e inimagináveis possíveis, uma infinidade de
possibilidades condensadas em um mesmo tema.
Está curioso? Muito bem, a partir deste momento nos aprofundaremos nossos
estudos no tema da cultura e seus múltiplos atravessamentos. De agora em diante,
ao ouvir a palavra cultura, todos os seus sentidos serão aguçados às mais intensas
reflexões e análises críticas. A palavra cultura, nunca mais será a mesma, após esta
fase de seus estudos clássicos, a partir de agora, você alcançará a compreensão da
importância científica da cultura para a nossa disciplina e para o mundo!
101
2 FRANZ BOAS E A INTERDISCIPLINARIDADE
NA FORMAÇÃO DE UM DOS FUNDADORES
DA ANTROPOLOGIA: DA FÍSICA À ANTROPOLOGIA
Acadêmico, é muito enriquecedor para a jornada de estudos de um bom
antropólogo que ele tenha interesse em buscar conhecimentos relacionados ao período
clássico de nossa disciplina. Infelizmente, por questões diversas, na atualidade, os temas
clássicos de nossa disciplina recebem pouca ou nenhuma atenção, sendo deixados
como assuntos de segunda importância. No entanto, através dos estudos sobre a vida
e obra dos principais teóricos clássicos de nossa disciplina, é possível compreender
questões epistemológicas que se fazem presentes na atualidade, sobretudo no que
toca a pesquisa de campo. O cientista alemão Franz Boas (1858-1942), é considerado
um dos fundadores da antropologia, sem sombra de dúvidas se trata de um desses
conceituados intelectuais que oferece reflexões fundamentais para nossa disciplina,
assim como para a própria prática do fazer antropológico contemporâneo (BOAS, 2004).
Esse antropólogo foi e ainda é uma grande referência nos estudos culturalistas, suas
observações e teorias até os dias de hoje se mostram extremamente pertinentes para
a pesquisa antropológica.
Franz Boas nasceu no ano de 1942 em uma pequena cidade chamada Minde,
na Alemanha. Filho de comerciantes medianos e bem estabelecidos, a possibilidade
de frequentar escolas formais, bem como os estudos superiores lhe foi oferecida. O
proeminente pesquisador acabou sendo popularmente conhecido como “Pai da
Antropologia Americana”, título este conquistado desde suas importantes pesquisas,
bem como o lugar onde estabeleceu sua carreira intelectual.
102
No ano de 1881, com apenas vinte e três anos, o jovem estudioso concluiu sua
primeira formação universitária na área da física, na Universidade de Kiel, localizada
na Alemanha. Pela ocasião de sua formação em física, Boas defendeu um trabalho a
respeito da absorção da luz pela água. No entanto, as possibilidades da carreira de físico
não supriam seus interesses e necessidades pessoais e profissionais, causando-lhe
certa insatisfação para com sua área de formação.
Após muitos esforços, uma oportunidade lhe foi oferecida, estabeleceu, então,
uma barganha com um jornal de grande porte da capital. O acordo estabelecido era de
que, em contrapartida a recursos financeiros suficientes para patrocinar a expedição
pretendida, o jovem deveria entregar ao jornal uma série de artigos a respeito das
experiências da viagem. Desse modo, entre os anos de 1883 e 1884, o ainda entusiasta
dos estudos em antropologia consegue realizar sua viagem a Ilha de Baffin.
103
Estudar antropologia implica necessariamente em estudar a vida, sendo assim, a
prática antropológica é viável em todas as esferas da vida humana. Em nosso próximo
subtópico vamos conhecer um pouco mais a respeito do trabalho de campo realizado
por Boas. Uma vez que o trabalho de campo enquanto uma prática de pesquisa estava
em sua fase de desenvolvimento inicial e Boas é, até os dias de hoje, uma referência no
assunto (MOURA, 2006). Vamos conhecer um pouco a respeito das situações, questões
e reflexões a respeito do trabalho de campo pioneiro realizado por Boas na Ilha de Baffin?!
NOTA
Franz Boas, na ocasião de sua morte, fez justiça ao seu próprio legado de
pesquisador e professor da Universidade de Columbia, local onde lecionou
por parte considerável de sua vida. Em uma confraternização na própria
universidade, Boas morreu próximo de um de seus alunos que veio a se tornar uma
referência em nossa disciplina, Claude Lévi-Strauss. Como já aprendemos, a antropologia
nos acompanha ao longo de todas as situações de nossas vidas, no caso de Boas, a
disciplina, de certa forma, o acompanhou até o momento de sua morte.
ATENÇÃO
É fundamental que um antropólogo sempre exerça um olhar crítico a respeito
das informações que recebe, sobretudo ao que se refere a sua área de
conhecimento. Não é incomum que os mais diversos autores escrevam com
naturalidade que determinadas práticas foram pioneiras, todavia, é necessário levar
algo em conta, sobretudo quando se trata de questões que envolvem conhecimentos e
práticas de antropólogos em contrapartida aos conhecimentos e práticas nativas. Busque
realizar a seguinte análise: determinado sujeito foi de fato pioneiro na realização de uma
104
prática específica ou outros sujeitos já haviam realizado essa ação, mas não receberam o
devido reconhecimento e legitimidade por não se tratar de pessoas com nível formal de
ensino? Boas, por exemplo, foi pioneiro entre os europeus na confecção de mapas dessa
região, no entanto, antes dele, os próprios nativos já desenhavam os seus próprios mapas.
Para Boas, desde o transporte até chegar à Ilha de Baffin, já se tratava de uma
tarefa complexa, sendo esse trabalho de campo um investimento de considerável
fôlego. A única possibilidade para chegar ao local de realização de sua pesquisa era por
meio de uma viagem de navio, além de que seria apenas possível realizar essa travessia
marítima unicamente durante a época do degelo. De modo algum se tratava de um
deslocamento simples e seguro, os riscos e esforços para alcançar o objetivo de chegar
na localidade pretendida eram representativos em termos de dedicação e planejamento.
Assim, a chegada a ilha, acontecimento que hoje em dia pode ser visto como uma tarefa
105
simples, graças aos meios de transportes disponíveis, para aquele período se tratava
de uma grande feita. O reconhecimento da importância do trabalho prático e teórico de
Boas, envolve não apenas suas reflexões críticas, mas o todo que envolveu a realização
de sua pesquisa (RUBIM, 2011).
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Estar em campo é, sem sombra de dúvidas, um dos pontos mais altos da prática
do antropólogo, no entanto, não se pode negar que, em muitos momentos, os sentimentos
mais ambíguos tomam por completo aqueles que se dedicam à pesquisa em culturas e
localidades diferentes das suas de origem. Mesmo que durante um período considerável
de formação em antropologia o estudante receba todas as ferramentas teóricas para
a realização de pesquisa de campo, as surpresas e infortúnios são uma possibilidade
iminente ao trabalho de campo. O contato com culturas diversas coloca os sentimentos
e subjetividades do antropólogo em cena, tornando-o suscetível a muitos sentimentos
e sensações durante e após o trabalho de campo. Diversas são as tensões, choques e
possibilidades de aprendizado que nascem ao longo desse momento de observação
e coleta de dados. Podemos estranhar questões da ordem dos alimentos, práticas de
higiene, relações interpessoais, dentre muitas outras questões das quais o campo se
distingue de nossa realidade cotidiana e cultural. Assim como é possível aprender um
idioma, adquirir habilidades técnicas, conhecer lugares novos, enfim, estar em campo é
expandir o próprio horizonte, pessoal e profissional (MARTINS; MENDES, 2016).
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No período inicial da antropologia, era uma prática comum que os jovens
antropólogos fossem realizar suas pesquisas de campo acompanhados de alguém
de sua confiança, uma pessoa que pudesse fazer a tradução do idioma nativos e/ou
até mesmo uma pessoa que lhe prestasse serviços gerais, alguém que hoje seria lido
enquanto um empregado doméstico ou um assistente de pesquisa. Por recomendação
e insistência de seu pai, Boas foi acompanhado de um empregado de sua família. Essa
informação deve ser absorvida com a devida importância, visto que os créditos não
são reconhecidos a esses “assistentes” de viagens, todavia, suas presenças são de
importância para a ida e permanência dos antropólogos do período clássico em seus
107
campos de pesquisa. O desenvolvimento das pesquisas científicas de uma forma ou de
outra sempre dependem de uma comunidade de pessoas, seja para discussões teóricas
ou questões de ordem da vida prática e o reconhecimento dessas participações se trata de
honestidade e ética intelectual.
A sagacidade antropológica de Boas fez com que ele pedisse aos esquimós
que desenhassem os mapas de seu território em papel. Esses mapas eram verdadeiros
tesouros em termos etnográficos, material esse que o jovem trouxe consigo em seu
retorno de campo. A similaridade entre os mapas dos esquimós e aqueles feitos pelo
jovem geógrafo eram impressionantes.
Outro ponto interessante observado em campo por Boas era o fato de que, para
os esquimós, era possível medir a distância de um território ao outro a partir do tempo
gasto para realizar essa travessia, mostrando, assim, a complexidade desse sistema de
conhecimento em termos de mapas e territorialidade.
INTERESSANTE
Mesmo que a linguagem escrita seja o centro de nosso modo de adquirir
conhecimentos e desenvolver nossas pesquisas na antropologia, existem
outras maneiras extremamente interessantes para aumentar nossos
conhecimentos. Documentários e demais aportes audiovisuais são muito
valiosos para uma sólida formação em antropologia. Sendo assim, para conhecer e
aproximar-se um pouco mais do antropólogo e intelectual Franz Boas, recomenda-se
assistir ao documentário “Estranhos no exterior: as correntes da tradição (Franz Boas)”, a
respeito da vida e pesquisa de um dos pioneiros de maior relevância para o nosso ofício
enquanto antropólogos. Disponível em: https://bit.ly/36mjTx2.
109
2.2 ESCOLA CULTURALISTA
Franz Boas, pouco tempo depois de seu retorno da Ilha de Baffin e após alguns
descontentamentos com suas possibilidades profissionais na Alemanha, muda-se para
os Estados Unidos da América, localidade onde residia sua noiva. Nesse momento seu
interesse estava totalmente voltado para as questões antropológicas e etnográficas.
Realizou outros trabalhos de campo de grande importância em sua carreira. Elaborou
outras expedições já direcionadas ao campo antropológico, confirmando suas hipóteses
iniciadas em seu primeiro trabalho de campo, onde compreendeu que o determinismo
geográfico não se sustenta, frente a observação empírica de povos e culturas que viviam
em contexto regionais das mais diversas condições geográficas e climáticas.
110
Em sua teoria, Boas abre as discussões a respeito do relativismo cultural, ou
seja, em contrapartida do pensamento vigente no período em que vivia, sua perspectiva
analisa as diversas culturas desde suas diferenças e não tendo como base uma
pseudo-hierarquia entre culturas. Sua teoria apontava para o fato de que as culturas
eram constituídas de diferentes modos de organização social, diferentemente do que
se acordava compreender naquela época em que se acreditava que as culturas partiam
de um modelo simples, podendo desenvolver-se para um sistema complexo. O trabalho
de campo era visto pelo antropólogo enquanto uma parte indispensável à pesquisa
antropológica. Enquanto professor universitário, incentivava intensamente seus alunos
a realizarem trabalho de campo para o desenvolvimento de suas pesquisas. Essas
perspectivas teóricas em muito influenciavam sua vida pública e política, política no
sentido de sua visão a respeito dos diferentes contextos socioculturais presentes em
diferentes territórios (BARBOSA, 2016).
111
LEITURA
COMPLEMENTAR
ARGONAUTAS DO PACÍFICO OCIDENTAL: UM RELATO DO EMPREENDIMENTO
E DA AVENTURA NOS ARQUIPÉLAGOS DA NOVA GUINÉ
Bronisław Malinowski
INTRODUÇÃO
Com raras exceções, as populações costeiras das ilhas do sul do Pacífico são –
ou foram, antes de sua extinção – constituídas de hábeis navegadores e comerciantes.
Muitas delas produziram excelentes variedades de canoas grandes para navegação
marítima, usadas em expedições comerciais a lugares distantes ou incursões de guerra
ou conquistas.
Mais para o leste, na costa sul, vivem os mailu, população laboriosa e navegadora
que, através de expedições feitas anualmente, servem de elo entre o extremo leste da
Nova Guiné e as tribos da costa central.
112
Há, finalmente, os nativos das ilhas e arquipélagos, espalhados no extremo leste
que também se encontram em constantes relações comerciais uns com os outros. No
livro do Professor Seligman o leitor encontrará uma excelente descrição sobre o assunto,
especialmente no que se refere às rotas comerciais mais próximas existentes entre as
várias ilhas habitadas pelos massim meridionais. A par desse tipo de comércio, existe,
entretanto, outro sistema, bastante extenso e altamente complexo, que abrange, em
suas ramificações, não só as ilhas próximas ao extremo leste da Nova Guiné, mas também
as Lusíadas, a ilha de Woodlark, o arquipélago de Trobriand, e o grupo d'Entrecasteaux;
penetra no interior da Nova Guiné e exerce influência indireta sobre vários distritos
circunvizinhos, tais como a ilha de Rossel e algumas porções dos litorais sul e norte
da Nova Guiné. Esse sistema de comércio, o Kula, é o que me proponho a descrever
neste volume como veremos mais adiante, trata-se de um fenômeno econômico de
considerável importância teórica. Ele assume uma importância fundamental na vida
tribal sua importância é plenamente reconhecida pelos nativos que vivem no seu círculo,
cujas ideias, ambições, desejos e vaidades estão intimamente relacionadas ao Kula.
II
113
(seção VI deste capítulo) ilustra a linha de pesquisa a ser observada. É necessária a
apresentação desses dados para que os leitores possam avaliar com precisão, não
passar de olhos, quão familiarizado está o autor com os fatos que descreve e sob
que condições obteve as informações dos nativos. Nas ciências históricas, como
já foi dito, ninguém pode ser visto com seriedade se fizer mistério de suas fontes e
falar do passado como se o conhecesse por adivinhação. Na etnografia, o autor é,
ao mesmo tempo, o seu próprio cronista e historiador; suas fontes de informação
são, indubitavelmente, bastante acessíveis, mas também extremamente enganosas
e complexas; não estão incorporadas a documentos materiais fixos, mas sim ao
comportamento e memória de humanos. Na etnografia, é frequentemente imensa a
distância entre a apresentação final dos resultados da pesquisa e o material bruto das
informações coletadas pelo pesquisador através de suas próprias observações, das
asserções dos nativos, do caleidoscópio da vida tribal. O etnógrafo tem que percorrer
esta distância ao longo dos anos laboriosos que transcorrem desde o momento em
que pela primeira vez pisa numa praia nativa e faz as primeiras tentativas no sentido de
comunicar-se com os habitantes da região, até à fase final dos seus estudos, quando
redige a versão definitiva dos resultados obtidos. Uma breve apresentação acerca das
tribulações de um etnógrafo – as mesmas por que passei – pode trazer mais luz à
questão do que qualquer argumentação muito longa e abstrata.
III
114
Realmente, voltei como planejara. Logo reuniram-se os nativos ao meu redor.
Trocamos alguns cumprimentos em inglês pidgin, dei-lhes um pouco de tabaco e assim
criou-se entre nós uma atmosfera de mútua cordialidade. Tentei, então, dar início ao
meu trabalho. Primeiro, comecei por "fazer" tecnologia, a fim de não entrar diretamente
em assuntos que pudessem levantar suspeitas entre os nativos. Alguns deles estavam
absortos em suas ocupações, fabricando este ou aquele objeto. Foi fácil observá-los e
deles obter os nomes dos instrumentos que estavam usando, e até mesmo algumas
expressões técnicas relativas aos seus métodos de trabalho; mas ficou nisso o assunto.
Devemos ter em mente que o inglês pidgin é um instrumento muito imperfeito como
veículo de comunicação.
115
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
116
AUTOATIVIDADE
1 Franz Boas, ao realizar sua pesquisa de campo na Ilha de Baffin, deparou-se com
questões que despertaram sua atenção para o contexto cultural dos esquimós. Sua
teoria culturalista apontava para as diversas culturas existente. De acordo com o
exposto, assinale a alternativa CORRETA:
117
3 Imagine uma pesquisa realizada desde a antropologia, na qual o trabalho de campo
em uma localidade distante seja necessário. A partir desse exemplo, busque descrever
alguns dos elementos que devem ser organizados durante o período de pré-campo,
levando em conta questões como: deslocamento, hospedagem, idioma falado na
localidade e recursos materiais. Lembre-se que o trabalho de campo é uma prática
de grande importância para o ofício do antropólogo, uma boa organização antes da
viagem em si é indispensável para o sucesso de sua pesquisa.
118
REFERÊNCIAS
ACKERMAN, R. O Antropólogo que morre e ressuscita: vida e obra de James George
Frazer. Bérose – Encyclopédie internationale des histoires de l'anthropologie,
Paris, 2019. Disponível em: https://www.berose.fr/article1669.html?lang=fr. Acesso em:
22 fev. 2022.
FRAZER, J. G. O escopo da antropologia social. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.
119
GUERRA, S. C. Viajante-antropólogo: a narrativa de Paolo Mantegazza (1831-1910).
2013. 75 f. Monografia (Bacharelado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/bitstream/
handle/10183/70703/000876971.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 22 fev. 2022.
NOGUEIRA, S. Intolerância religiosa. São Paulo: Pólen Produção Editorial LTDA, 2020.
120
SANTANA-TALAVERA, A. Os métodos da antropologia. Ciencia y Mar, Cidade do México,
n. 10, p. 1-42, 2000.
SILVA, V. G. da. O antropólogo e sua magia: trabalho de campo e texto gráfico nas
pesquisas antropológicas sobre religiões afro-brasileiras. São Paulo: USP, 2000.
SILVA, V. G. da. Nos bastidores da pesquisa de campo. Cadernos de Campo, São Paulo,
v. 7, n. 7, p. 239-242, 1998.
121
122
UNIDADE 3 —
CAMPO, MÉTODOS E
TÉCNICAS DE PESQUISA EM
ANTROPOLOGIA CLÁSSICA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.
CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
123
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 3!
Acesse o
QR Code abaixo:
124
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, depois de uma longa e frutífera jornada de conhecimentos
antropológicos em temas pertinentes ao período clássico de nossa disciplina,
chegamos em nossa terceira e última unidade do Livro Didático. A antropologia é uma
das disciplinas mais plurais em termos de horizontes de pesquisa, dentro do universo
científico, seja em relação ao seu conteúdo ou formato. Estudar, pensar e discutir
antropologia, é, sobretudo, um movimento que exige de nós um olhar voltado para a
pluralidade de pessoas, espaços, ideias e contextos culturais e sociais. É parte valiosa
do ofício do antropólogo, desenvolver um olhar atento e sensível para essa pluralidade
de existências. Pesquisar e trabalhar com antropologia, é necessariamente enxergar e
experimentar o mundo sempre no plural, jamais no singular. Essa afirmação, de modo
algum, sugere que as individualidades sejam deixadas de lado em nossa disciplina, ou
mesmo desconsideradas, pelo contrário, essa perspectiva de mundo plural refere-se
justamente ao reconhecimento e respeito a todas as diferenças.
125
Essa pluralidade de ideias, pessoas e culturas, presente em nosso cotidiano, pode
ser observada a partir dos mais diferentes pontos de vista, com interesse privilegiado de
nossa disciplina uma vez que a formação em antropologia, oferece diversas ferramentas
para realizar essa observação e análise. Uma das etapas mais instigantes e interessantes
de prática acadêmica e profissional do antropólogo está justamente na necessidade e
possibilidade da realização de uma pesquisa de campo. Assim, ao final do período de
formação em antropologia, ao escolher um tema de pesquisa para realizar o trabalho
de campo, muitas questões devem ser levadas em conta para a tomada dessa decisão,
tamanha a sua importância.
DICA
Acadêmico, para aprofundar um pouco mais seus conhecimentos a respeito
da história de nossa disciplina, sobretudo no que se refere à questão da
diversidade cultural no contexto brasileiro desde um olhar antropológico,
leia o artigo “A antropologia e a diversidade cultural no Brasil”, de Ruben
George Oliven. Disponível em: https://bit.ly/3HiDN8R.
126
2 SOBRE TORNAR-SE ANTROPÓLOGO: TEORIA
E TRABALHO DO CAMPO
Acadêmico, você deve ter percebido que em algumas passagens de nosso Livro
Didático, tanto na primeira unidade quanto na segunda, o tema do trabalho de campo
por diferentes vezes foi trazido para a reflexão. Seja na pré-história da antropologia,
ou nos estudos das escolas clássicas de nossa disciplina, o trabalho de campo, de um
modo ou outro, faz-se presente em nossos estudos, uma vez que ele é parte central de
nosso ofício. Desenvolver uma pesquisa antropológica está diretamente ligada à prática
do trabalho de campo, sendo esta uma parte indispensável ao nosso trabalho. Esse
tema exige muito espaço reflexivo e a devida atenção.
127
Desse modo, somado ao fato de que as pesquisas tinham como foco as
populações que viviam em locais muito distantes (daqueles em que moravam os
antropólogos, Europa e América do Norte), com as possibilidades de transporte daquele
período, o próprio deslocamento, já se tratava de um grande feito! Outro tema, era a
questão da estadia nessas localidades. Uma vez que as habitações, muitas das vezes,
deveriam ser feitas levando em conta que a permanência do antropólogo no local seria
provisória, assim como deveria estar ajustada aos materiais disponíveis na própria
localidade. Na Figura 2, podemos ver a fotografia de uma barraca que serviu de habitação
para o antropólogo Malinowski, durante um de seus trabalhos de campo:
FIGURA 2 – BARRACA UTILIZADA POR MALINOWSKI DURANTE SEU TRABALHO DE CAMPO NA PRAIA
DE NU’AGASI
128
É fundamental que você compreenda a função do trabalho de campo, uma
vez que, a partir dele, é possível extrair os dados necessários para a pesquisa, fazer
observações antropológicas e desenvolver reflexões críticas a respeito do tema
investigado (ANDRADE, 2019). Esse momento deve ser aproveitado ao máximo, uma vez
que, por vezes, não temos a oportunidade de repetir essa feita, ou mesmo a realidade do
local pode sofrer mudanças consideráveis, podendo ocasionar inclusive, em prejuízos
para a pesquisa. Cada oportunidade de realizar trabalho de campo é única.
Mesmo que a antropologia seja uma disciplina que demande muita dedicação
ao estudo de suas teorias, é apenas quando experimentamos as situações práticas
(trabalho de campo) que os conhecimentos anteriormente adquiridos passam a fazer
real sentido em nossas pesquisas (MAGNANI, 2003). Portanto, são a partir das situações
cotidianas presentes no trabalho de campo que conseguimos encontrar o real significado
das teorias antropológicas, sejam essas clássicas ou contemporâneas. Independente
da localidade (comunidades próximas, desconhecidas, distantes, familiares a nossa
realidade ou mesmo espaços virtuais) em que desejamos realizar nossas pesquisas, o
campo é sempre o norte de nossa atuação profissional e acadêmica.
129
DICA
É interessante conhecer um pouco mais sobre nossos referenciais
teóricos, sobretudo quando estes vivem nos mesmos tempos que nós.
Portanto, para aprofundar um pouco mais a respeito das relações entre
a antropologia contemporânea e suas práticas (trabalho de campo), bem
como o momento atual da antropologia e as possibilidades em termos
de produções antropológicas, assista a aula “Antropologia e cidade” do
professor José Guilherme Magnani. Disponível em: https://bit.ly/3scKEwx.
130
Desse modo, na maioria das vezes, é necessário um investimento de tempo e
esforços consideráveis por parte do antropólogo. Além disso, para estabelecer essas
relações de confiança, é necessário atender previamente a uma série de questões,
essas costumam aparecer ao longo das tentativas de entrada e aproximação do
antropólogo para com o local e as pessoas envolvidas na pesquisa (SILVA, 2000). Não
é possível definir com precisão o que de fato é necessário para conquistar a confiança
das pessoas, uma vez que esse é um tema em relacionado à ordem da subjetividade e
intersubjetividade (MOREIRA, 2020). Aliás, (como vimos na Unidade 1 de nosso livro) a
subjetividade e a intersubjetividade são temas que em muito refletem e interferem em
nossas pesquisas. O espaço em que se pesquisa e suas dinâmicas socioculturais são
elementos que devem ser levados em conta, no momento de buscar estabelecer essas
relações de aproximação e confiança.
Os riscos e tensões presentes nos mais diversos campos de pesquisa, são fatores
que influenciam consideravelmente para o andamento e desenvolvimento da pesquisa
antropológica. Por exemplo, se o antropólogo deseja pesquisar festas (MAGALHÃES,
2017) o espaço oferecerá um tipo de abertura muito diferente daquela encontrada ao
tentar realizar uma pesquisa em um ambiente prisional (PADOVANI, 2018).
Não se trata de uma divisão que coloca o primeiro exemplo como sendo propício
para realizar pesquisas e o segundo inapropriado. Acontece que, a cada espaço social,
cabem dinâmicas e questões morais, assim como uma infinidade de atravessamentos
próprios de cada espaço social. Portanto, obviamente, a entrada e confiança por parte
das pessoas de cada território envolvem tempos e intensidades diferentes, visto que as
questões e riscos envolvidos são diferentes. É possível desenvolver pesquisas a partir
da antropologia em absolutamente todos os espaços sociais, respeitando obviamente
as regras do próprio local, assim como preservando a integralidade daqueles que
pertencem ao local.
Voltando aos exemplos, vamos pensar nos passos necessários para a realização
de uma pesquisa de campo. Exemplo: uma empresa multinacional responsável pela
produção de produtos cosméticos de uso feminino decide inaugurar uma linha
direcionada ao público masculino.
131
Nessa equipe, cada profissional é incumbido de tarefas diferentes que devem
ser executadas em um tempo específico. O antropólogo precisa, a partir do público de
frequentadores de barbearias, coletar certas informações de pesquisa como: interesse
em consumir produtos de beleza, quais produtos esse público sente a ausência no
mercado de cosméticos, quais proporções de tempo e investimento financeiro poderiam
ser empregados nesses produtos por parte desse público, dentre outras questões.
Essa parece ser uma tarefa simples, no entanto, caso o antropólogo optasse por
realizar entrevistas estruturadas (vamos estudar a respeito em um subtópico um pouco
a frente) com aqueles sujeitos que são o foco de sua pesquisa, as respostas poderiam
ser diferentes daquelas alcançadas com conversas supostamente informais (DUARTE,
2005). Acontece que parte considerável das pessoas costumam responder a entrevistas
do modo com o qual elas imaginam ser a resposta ideal e esperada pelo entrevistador. Em
contrapartida, em conversas informais, e estando em um ambiente considerado seguro e
acolhedor, as pessoas costumam responder com sua verdadeira opinião. Dessa maneira,
enquanto parte do método de trabalho de campo, a segunda opção (diálogos informais)
pode ser muito mais frutífera para esse antropólogo em questão.
132
Em seu cronograma, o antropólogo separa dias específicos para entrevistas,
passeios pelo bairro, almoços compartilhados em comércios importantes, assim, todas
essas situações são pensadas para que as entrevistas sejam extensas o suficiente
para o levantamento das informações pertinentes a sua tarefa. Com todo o plano de
pesquisa organizado, duas semanas antes do início desses encontros e entrevistas,
o antropólogo recebe a triste notícia do falecimento dessa liderança, o homem já em
idade avançada sofreu um infarto e veio a falecer. Ninguém gostaria de estar no lugar
desse pesquisador, não é verdade?
Sendo assim, acadêmico, sempre tenha em mente que o respeito pelo local e
pelas pessoas que lá se encontram é parte indispensável do ofício do antropólogo. Em
alguns casos, acabamos pesquisando junto a um mesmo grupo por décadas, ou quem
sabe, toda uma vida. Sendo assim, lembre-se: não existe nada mais frutífero para uma
boa relação entre o pesquisador e os sujeitos envolvidos na realidade de sua pesquisa
do que o respeito mútuo.
133
DICA
Acadêmico, para pensar um pouco a respeito do trabalho de campo,
possibilidades e dificuldades, recomenda-se a leitura da obra “Sociedade de
esquina” do sociólogo William Foote Whyte, obra contemporânea de grande
importância para os estudos que envolvem o trabalho de campo.
O olhar atento às questões a nossa volta é também atravessado por uma série de
fatores de ordem individual e coletiva. Inclusive, é importante marcar que, por mais que a
pesquisa de campo seja uma prática individual, a reflexão sobre os pontos observados e
os dados coletados da experiência de campo costumam ser motivo de reflexão coletiva. O
conhecimento é sempre produto de trocas e análises conformadas entre nós e nossos pares
de profissão. Portanto, levamos nossas pesquisas para congressos, seminários e demais
encontros de pesquisadores. Assim, a partir dos diálogos estabelecidos com colegas de
ofício, avançamos em nossas análises, sobretudo em nossa própria capacidade analítica. É
preciso saber: a produção de conhecimento é sim uma questão coletiva!
134
FIGURA 3 – MALINOWSKI EM CAMPO – ILHAS TROBRIAND
135
É preciso atentar-se ao fato de que esses registros devem ser feitos de modo
ponderado e sistematizado. Enquanto antropólogos, uma das ferramentas de grande
importância de nosso dia a dia é o caderno de campo. Uma caderneta de porte médio
que deve acompanhar o antropólogo em todos os lugares e momentos em que estiver,
uma vez que, além de registrar os dados observados no campo, é possível que, em uma
situação totalmente diferente de nosso campo, tenhamos uma ideia pontual a respeito
de algo relacionado à pesquisa e é neste caderno que faremos as anotações pertinentes.
O caderno de campo é uma espécie de diário, tanto da pesquisa quanto do pesquisador,
sendo um material pessoal e de importância central em nossa prática antropológica.
DICA
Aprofunde seus conhecimentos a respeito do trabalho de campo lendo o
texto “O velho e bom caderno de campo” de José G. C. Magnani. Disponível
em: https://bit.ly/3IeQiDX.
136
Um antropólogo é contratado por uma estatal de energia elétrica, com a seguinte
tarefa: entender o motivo que leva pessoas de uma determinada comunidade a optarem
pela instalação de sistemas de fornecimento de energia elétrica do tipo "gato", ou seja,
fornecimento de energia elétrica por sistemas improvisados e ilegais. Esse modelo de
instalação, apresenta altos níveis de riscos de curtos-circuitos e perigos iminentes.
Acontece que os moradores seguem optando por este serviço, mesmo que o serviço
autorizado oferecido pela estatal tenha a opção de pagamento de um valor de taxa
social, ou seja, um custo monetário baixíssimo que oferece uma instalação segura e
com garantia legal do serviço prestado. Obviamente, o espaço central da pesquisa de
campo do antropólogo está localizado no bairro periférico, assim como será necessário
estabelecer um contato e diálogo com os moradores daquele território.
137
Nenhum manual metodológico poderá oferecer fórmulas prontas que sejam
possíveis de aplicar em uma pesquisa, para desse modo, alcançar êxito. É pertinente e
necessário, unir as teorias antropológicas ao exercício incansável do trabalho de campo.
Aguçamos nossos sentidos antropológicos apenas com a experiência da pesquisa empírica.
NOTA
O campo estendido pode ser considerado todos os caminhos até o espaço
de pesquisa em si, e o campo multifocal acontece em vários espaços
separados, que, por motivos diversos, se relacionam e podem ser pontos
apropriados para a observação antropológica.
138
A experiência da pesquisa de campo é, sem sombra de dúvidas, singular
(SILVA, 2000). Além disso, um mesmo local e tema, pesquisado por antropólogos
com diferentes marcadores sociais da diferença (raça, classe, gênero, sexualidade e
idade) serão observados de maneira totalmente diferente em campo, além do que,
suas próprias perspectivas culturais farão com que uma mesma situação seja vista de
ângulos distintos.
139
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• O trabalho de campo é uma parte central do trabalho do antropólogo, uma vez que os
dados, observações e reflexões da pesquisa nascem dessa experiência. Fundado no
período clássico, essa tradição perdura até os dias atuais.
140
AUTOATIVIDADE
1 Dentre as diversas questões que devem ser levadas em conta na pesquisa
antropológica, o tema da subjetividade, costumeiramente, é trazido para a discussão
do fazer antropológico. Esse tema foi motivo de reflexão e produção teórica desde o
período clássico até o momento contemporâneo. A respeito desse tema, assinale a
alternativa CORRETA:
2 O trabalho de campo é uma das etapas de maior importância para a execução das
pesquisas em antropologia. Cabe ao antropólogo realizar uma pesquisa anterior a sua ida
a campo, para que, de certa forma, possa organizar questões de ordem prática e, assim,
viabilizar a execução de sua pesquisa. Esse levantamento de informações anteriores ao
campo chama-se pré-campo. Sobre o exposto, analise as sentenças a seguir:
141
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) As sentenças I e II estão corretas.
b) ( ) Somente a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Somente a sentença III está correta.
( ) Relação profissional.
( ) Relação de confiança.
( ) Relação de troca.
142
UNIDADE 3 TÓPICO 2 -
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, uma vez que todo o conhecimento adquirido até o momento e
ao longo da formação em antropologia deverá ser aplicado no dia a dia do trabalho
antropológico. Em nosso Tópico 2, as teorias, serão como chaves, pois permitirão o
entendimento e, em linhas gerais, o modo de atuar profissional de um antropólogo
frente a algumas situações práticas que acabam surgindo no cotidiano das pesquisas
e trabalhos antropológicos. Somos pesquisadores por excelência e nossa pesquisa
está localizada, em grande parte, nos espaços públicos, nas relações interpessoais e
institucionais, nas situações do cotidiano, de modo geral. Onde está presente a cultura
(todos os lugares), ou melhor, as culturas, estão presentes, também, as possibilidades
latentes do desenvolvimento de pesquisa antropológica.
143
Neste momento, buscaremos unir aquilo que já aprendemos anteriormente
a respeito das teorias clássicas a partir da exemplificação e reflexão sobre a prática
cotidiana do trabalho do antropólogo, ou seja, quais os efeitos e, sobretudo possibilidades
de aplicação dos conhecimentos acumulados até o momento presente em nosso dia a
dia enquanto antropólogos (pesquisadores e estudiosos). Sem dúvidas, essa é uma das
partes mais interessantes de seus estudos, assim como será central para seu futuro
enquanto um antropólogo!
É fundamental que você saiba que a teoria clássica, de forma alguma, é algo
dado apenas para o conhecimento histórico, uma vez que está presente em muitas
práticas antropológicas atuais. Assim como reflete em nossas teorias e práticas
contemporâneas. Valorizem, estudem, reflitam, critiquem e conheçam os temas
clássicos de nossa disciplina!
144
ATENÇÃO
Malinowski aprendeu a língua dos nativos dos quais desenvolveu sua pesquisa
nas ilhas Trobriand. O estudioso tinha uma certa facilidade com o tema dos
idiomas. Todavia, essa facilidade não era fruto do acaso, seu pai era professor
universitário, linguista, trabalhava com a história das línguas. Lembre-se, existia
um perfil social dos antropólogos do período clássico, é sempre importante ficar atento
a esses “detalhes” de nossa disciplina, é possível refletir e ler muitas questões da própria
disciplina por entre essas entrelinhas de sua história!
145
IMPORTANTE
Como sabemos, é possível que determinadas dificuldades da pesquisa só
sejam possíveis de serem visualizadas após nossa chegada em campo.
Com o antropólogo Malinowski, essa questão não foi diferente. Antes de
realizar aquela que se tornaria a pesquisa de maior visibilidade de sua vida,
Malinowski havia estado em campo, todavia, não obteve êxito. Nessa primeira experiência
compreendeu que deveria estar mais próximo aos nativos que desejava pesquisar (pois,
nessa ocasião estava hospedado em uma casa grande, onde pretendia fazer sua pesquisa
desde a varanda da habitação) e não falava a língua daquele povo. Sendo assim, mesmo
não obtendo os resultados esperados, o estudioso tomou lições para a próxima pesquisa
que iria realizar: viver entre os nativos, falar a língua nativa. Notem, mesmo com os erros,
é possível aprender consideravelmente a aperfeiçoar o fazer antropológico.
146
DICA
Para explorar um pouco mais a respeito da observação participante, bem
como do trabalho de campo feito pelo antropólogo Bronislaw Malinowski,
assista ao documentário “Estranhos no exterior: Fora da varanda (Bronislaw
Malinowski)”. Disponível em: https://bit.ly/3BHkVzv.
FIGURA 4 – ENTREVISTAS
FONTE: <https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/smiling-african-american-young-businesswoman-
-talk-1813989887>. Acesso em: 22 fev. 2022.
147
Todavia, alguns cuidados são muito pertinentes no momento de preparar uma
entrevista, entre eles: tempo, linguagem, local em que será realizada e obviamente o
que será perguntado. Quanto ao tempo, é importante que uma entrevista tenha um
mínimo de objetividade, assim como leve em conta o tempo disponível do entrevistado.
148
2.2 SOBRE A ESCRITA ANTROPOLÓGICA: ETNOGRAFIA
Acadêmico, chegamos em uma etapa muito interessante de nossos estudos, o
momento de aprender acerca do método etnográfico. A partir de agora, vamos dar os
primeiros passos em relação ao aprendizado a respeito do modo de escrever/produzir
uma etnografia! Sendo este, um método e prática de discorrer sobre os registros do
campo, desde um olhar antropológico a respeito de situações, relações, instituições,
pessoas, dentre outras coisas. Entre os antropólogos, essa se trata de uma forte
tradição em termos de metodologia e técnica, resultando em uma produção escrita que
evidencia o pensar, fazer e registrar as pesquisas e produções antropológicas.
Uma vez que etno se refere às etnias; e grafia à escrita, etnografia, por alto,
refere-se à escrita a respeito das diversas etnias.
149
INTERESSANTE
Acadêmico, mesmo quando estudamos os temas dos estudos clássicos, é
sempre importante que você busque fazer conexões, aproximações e críticas
a respeito dos temas do passado e do presente. Ser um antropólogo é ser um
observador do mundo, portanto, se trata também de desenvolver um olhar
crítico a respeito desse mundo que se observa. Para pensar um pouco a respeito dos
avanços e mudanças da antropologia, assim como do uso da etnografia nesses novos
contextos (como a antropologia urbana, por exemplo), assista ao vídeo “Narradores
urbanos, antropologia urbana e etnografia nas cidades brasileiras: Gilberto Velho”.
Disponível em: https://vimeo.com/50699082.
IMPORTANTE
É viável realizar uma pesquisa com um grupo distante do seu, até mesmo do outro lado do
Oceano Atlântico. Assim como é possível desenvolver uma pesquisa em uma instituição
prisional em seu próprio bairro ou em um grupo de uma rede social da internet. Podemos
pesquisar com crianças na faixa de cinco anos de idade, ou pessoas com mais de 80 anos.
Nossa pesquisa pode ser planejada para ter uma duração de um ano, quando vamos
morar entre as pessoas que pesquisaremos, ou mesmo podemos simplesmente visitar
uma instituição uma vez na semana. Outra via de realizar nosso campo é acompanhando
um grupo específico de uma rede social, do seu próprio computador, sem
ao menos precisar sair de casa. A pesquisa antropológica nos forma para
pesquisar nos mais variados ambientes. É muito importante que você entenda:
todos os espaços de interação social são possibilidade para uma pesquisa
antropológica. Basta que o pesquisador tenha respeito e ética em seu trabalho,
bem como consiga instrumentalizar da melhor maneira o desenvolvimento de
sua investigação!
150
Em nosso ofício buscamos entender os significados das diversas questões
culturais. Em outras palavras, buscamos compreender o que determinadas coisas,
comportamentos, rituais, situações, regras etc. significam para o grupo que estamos
pesquisando. Vamos pensar em um exemplo?!
Para trazer a etnografia para mais perto de você, vamos fazer o seguinte
exercício: imagine um texto com uma descrição generosa e muito detalhada a respeito
de um local e de uma determinada situação que acontece nesse local (ex.: um culto
religioso em uma igreja). Dessa maneira, o leitor desse texto consegue imaginar com
riqueza de detalhes a respeito das práticas que lá acontecem, mesmo que nunca
tenha estado naquele espaço. Existe uma série de variáveis implicadas nessas práticas
culturais, e essas variáveis acabam por diferenciar os grupos culturais (culturas):
sejam as vestimentas, modelos de habitação, rituais, religiões, regimes econômicos,
performances corporais e infinitas outras questões.
151
O fator do tempo também deve ser levado em conta, uma vez que só é possível
observar e compreender essas práticas culturais com alguma dedicação e tempo. Por
último e não menos importante, a ética e o respeito pelas pessoas pesquisadas são
elementos centrais, tanto para o estabelecimento dessa proximidade e relação como a
produção escrita a respeito dessa pesquisa e experiência.
152
Uma série de fatores são levados em conta para o desenvolvimento de
uma pesquisa científica, dentre eles: teoria, metodologia e técnicas. Mesmo assim,
uma questão deve ficar clara, não existe uma fórmula pronta para se fazer pesquisa
antropológica. Cada contexto cultural, social, político, econômico, requer escolhas muito
específicas (ESTRADA, 2004). Uma pesquisa realizada com estudantes universitários
requer o uso de linguagens e opções metodológicas diferentes, por exemplo de uma
pesquisa realizada com crianças de sete a dez anos, não se trata da existência de
hierarquias sociais, mas sim da compreensão das diferenças existentes entre os mais
diversos grupos de pessoas.
DICA
Acadêmico, para aprofundar sua compreensão a respeito da possibilidade
de unir os métodos quantitativos e qualitativos em uma mesma pesquisa,
recomenda-se a leitura do artigo “Quantitativo-qualitativo: oposição ou
complementaridade?” de Maria Cecília de S. Minayo. Disponível em: https://
bit.ly/3Hc951q.
153
Os diferentes temas de pesquisas e, consequentemente, as situações de
trabalho de campo, variam entre si. O método quantitativo, como seu próprio nome
anuncia, se refere às quantidades. Assim sendo, uma pesquisa de caráter quantitativo
é aquela em que se desenvolve uma base de levantamento de dados com projeções
a partir de indicadores numéricos (MUSSI et al., 2019). É possível, então, imaginar que
essa escolha se refere ao modo como serão coletados e tratados os dados do campo.
Essa opção pode enriquecer consideravelmente sua pesquisa, assim como oferecer à
sociedade o levantamento de dados pertinentes e de uso público. Em contrapartida,
mas não em sentido oposto, encontram-se as pesquisas qualitativas. Essa abordagem
metodológica é pertinente ao campo dos sentidos, significados, símbolos e relações,
dentre outras questões observadas nos diversos contextos de ordem socioculturais.
Assim, a metodologia qualitativa é amplamente conhecida e aplicada sobretudo pelos
estudiosos das chamadas ciências humanas e sociais.
154
ATENÇÃO
Notem que cabe ao antropólogo ser constantemente um estudioso.
Acontece que, como desenvolvemos pesquisas nos mais diversos contextos,
é necessário estudar e conhecer os contextos dos quais iremos realizar as
investigações. No exemplo citado, o antropólogo precisou estudar a respeito
de questões gerais da área da educação e especificamente sobre o tema da
didática. Ser antropólogo é ser um eterno estudioso!
Não é necessário que todo pesquisador faça o uso combinado das duas
metodologias (quantitativa e qualitativa), todavia, se lhe parecer apropriado, a
combinação de ambas pode ser extremamente feliz para sua pesquisa. Como já dito, é
muito importante que o pesquisador analise o espaço em que a pesquisa irá acontecer,
assim como avalie qual ou quais metodologias que melhor serão desenvolvidas naquele
determinado campo. Além disso, é totalmente possível e compreensível que, após
definidos os métodos, no momento de sua aplicabilidade, não sejam obtidos o êxito
imaginado. Em uma situação que isso aconteça, é importante que você repense parcial
ou totalmente a pesquisa e faça os reajustes necessários. Lembre-se, a pesquisa é
uma prática feita por pessoas humanas, passível de erros e reajustes, o importante é
sempre seguir buscando aperfeiçoar seus métodos, técnicas, assim como estudando
diariamente a respeito do tema interessado!
155
3 TEMA E PESQUISA
Até o presente momento, estamos discorrendo sobre os métodos e técnicas de
se fazer pesquisa em antropologia, assim sendo, é necessário que façamos um exercício
que guiará nossa reflexão a partir de agora e para todo o sempre em nosso ofício de
antropólogos. Esse exercício se trata de pensar e escolher um tema de pesquisa do qual
temos interesse. A princípio, é preciso eleger uma questão norteadora para refinar nosso
interesse, definir o tema e então aplicar a teoria estudada.
Em primeiro lugar, qual assunto desperta seu interesse pessoal? Algo que
você conheça com profundidade ou mesmo que desconheça e gostaria de entender
melhor? Vamos criar um exemplo fictício para que você possa entender como definimos
essas escolhas. Exemplo de situação: supondo que você seja uma pessoa interessada
no tema do ciclismo. Pode ser que você seja um ciclista ou mesmo um admirador da
prática esportiva. Temos aí uma questão: ciclismo! Em sua cidade existe um grupo de
ciclistas que realiza passeios coletivos todo primeiro sábado do mês. Temos então dois
elementos: primeiro, seu interesse pelo ciclismo; e segundo, um grupo de ciclistas do
qual você pode se aproximar para fazer seu trabalho de campo. Veja, questão norteadora
e possibilidade de campo.
156
Com o passar dos encontros, você começará a notar questões que despertaram
seu interesse de pesquisa. Lembre-se, não é em uma saída de campo que você definiu
seu tema, é necessário investir um certo tempo. Após algumas pedaladas, você começa
a notar que o grupo é formado, em sua maioria, por homens, não sendo essa uma regra
específica desse coletivo, mas que no entanto, na prática, poucas mulheres frequentam
aquele espaço.
Digamos que essa questão começa a se tornar uma interrogação na sua cabeça.
E aí está, você acaba de definir um possível tema de pesquisa. Nesse momento, você
precisará de uma pergunta norteadora para sua pesquisa, podendo ser a seguinte: “O
que leva a ausência ou inferioridade do número de mulheres no grupo de ciclismo X.?”
O uso da etnografia deverá compor sua produção científica, bem como é possível
que você acrescente imagens do grupo (desde que o uso da imagem das pessoas seja
previamente autorizado por elas) e assim apresentar um trabalho de altíssima qualidade
e estética admirável.
157
IMPORTANTE
Não se esqueça, sempre que você começar a despertar para um tema de
pesquisa de seu interesse, faça um pequeno levantamento de informações
a respeito desse tema, buscando pelas principais produções bibliográficas
sobre ele. Você não precisa ler uma biblioteca inteira, todavia, três ou quatro
artigos podem despertar em seus olhos questões relevantes naquele
determinado assunto, inclusive podem contribuir para que você comece a
traçar um caminho de pesquisa. Mãos na massa, ou melhor, mãos nos livros!
Em nosso próximo tópico, você aprenderá um pouco mais sobre os temas que
têm ganhado mais espaço e interesse científico em nossa disciplina, vamos embarcar
nessa? Quem sabe esses temas não despertem seu interesse para realizar a sua
primeira pesquisa!
158
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• A pesquisa antropológica pode ser feita a partir de dois métodos científicos, sendo
esse método qualitativo ou método quantitativo. É possível utilizar apenas um desses
métodos, ou mesmo a junção de ambos.
159
AUTOATIVIDADE
1 As entrevistas podem contribuir consideravelmente para uma pesquisa, inclusive
são passíveis de coletar de informações qualitativas e quantitativas. Assim, sobre a
situação que expõe o seu uso apropriado, assinale a alternativa CORRETA:
I- Método qualitativo.
II- Método quantitativo.
III- Método de variação.
160
Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:
a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.
161
162
UNIDADE 3 TÓPICO 3 -
ANTROPOLOGIA E OS NOVOS
PARADIGMAS
1 INTRODUÇÃO
Acadêmico, veja que caminho longo e interessante você percorreu até agora
em termos antropológicos! Em nossa primeira unidade do Livro Didático localizamos
a antropologia desde o seu contexto pré-histórico, definimos as posições marcadas
entre pesquisador e sujeito pesquisado, e refletimos a respeito de uma infinidade
de elementos que constituem nossa disciplina. Já em nossa segunda unidade,
mergulhamos profundamente nas escolas clássicas da antropologia, seus precursores
e teorias. Veja bem, a Unidade 1 foi uma unidade introdutória que esclareceu e localizou
nossa disciplina no tempo e espaço, dessa forma, compreender as teorias e práticas
apresentadas na Unidade 2 fez todo o sentido em termos não apenas cronológicos,
mas também críticos, históricos e localizados. Lembre-se, uma teoria, seja ela clássica
ou contemporânea, jamais pode ser ensinada de modo solto e desamarrado de todo
o contexto espacial, temporal, cronológico e social, é preciso definir e estabelecer um
mapa visual e lógico em termos de aprendizado e conhecimento.
Acontece que a teoria clássica de modo algum pode estar descolada de nossa
realidade contemporânea, ou seja, é necessário fazer conexões, pontos em comum e
reflexões críticas a respeito dos reflexos da teoria clássica em nosso contexto atual.
Uma vez que, muitas das questões presentes em nossa disciplina atualmente estão
diretamente relacionadas ao período de fundação da disciplina e seus desdobramentos
decorrentes desse período. Se nossa perspectiva não fosse desenvolver um olhar crítico
e analítico, assim como se a antropologia clássica não afetasse diretamente as questões
atuais de nossa disciplina, qual seria o sentido de estudá-la?! Os impactos do período
clássico reverberam até hoje as nossas perspectivas teóricas e críticas.
163
adquiridos desde uma visão crítica da ampliação e novas questões de nossa disciplina.
Se durante o período clássico o objetivo dos antropólogos era de “conhecer os
selvagens”, quais são os principais interesses dos antropólogos contemporaneamente?!
Atente-se a essa oportunidade, uma análise da perspectiva antropológica clássica e
contemporânea, esse movimento de conhecimento será dos mais interessantes! Vamos
juntos? Bons estudos!
Você deve estar se perguntando como isso será possível, uma vez que tudo o que
aprendemos até o momento foi produzido pela Europa e Estados Unidos. Tudo bem, a
partir de agora vamos despertar para um olhar crítico e sensível a respeito da antropologia
latino-americana. Desfrutar dos conhecimentos e perspectivas antropológicas
estabelecidas em solo latino-americano trata-se, sobretudo, de compreender as raízes
históricas de nosso território, bem como os efeitos da colonização em nossa disciplina
(e vida de modo geral). Que as cores, aromas, musicalidades e temperatura (em sua
maioria) tropical, sejam um bojo promissor da mais bela reflexão antropológica, nossa
antropologia latino-americana!
164
FIGURA 5 – MAPA DA AMÉRICA LATINA
FONTE: <https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/map-latin-america-poster-black-whi-
te-1660230421>. Acesso em: 22 fev. 2022.
Agora que já sabemos que existe antropologia sendo produzida muito para
além do eixo norte, vamos conhecer, em nosso próximo subtópico, um pouco da crítica
a respeito da legitimidade do saber científico desde uma marcação territorial, portanto,
também cultural da tradição antropológica.
165
DICA
Para compreender melhor o tema da diferença de perspectiva crítica a
respeito das produções antropológicas do eixo sul e norte globais, leia o
artigo “O movimento dos conceitos na antropologia” de Roberto Cardoso de
Oliveira. Disponível em: https://bit.ly/3LTzcgW.
166
NOTA
A teoria crítica decolonial trata-se de uma produção teórica feita desde
a América Latina, com especial atenção a questões do próprio território
e culturas que aqui se encontrar. Um dos objetivos dessa perspectiva
é justamente o mostrar a diversidade de pessoas, culturas e ideias
espalhadas pelo globo, sobretudo em termos de América Latina, fazendo
assim com que não seja reiterada a ideia de que a teoria é produzida
apenas na Europa e América do Norte. Essa é uma questão sobretudo
de reconhecimento e valorização da pluralidade de ideias e valorização
das diversas experiências de mundo.
FONTE: <https://image.shutterstock.com/image-photo/aymara-girl-playing-traditional-cloth-
-260nw-293137061.jpg>. Acesso em: 22 fev. 2022.
167
INTERESSANTE
Acadêmico, todas as manifestações culturais podem ser pensadas a partir
da perspectiva antropológica. Portanto, conhecer as diversas manifestações
culturais da América Latina é também aprofundar nossos conhecimentos
antropológicos. A arte, teatro, dança, músicas e demais possibilidades artísticas
são verdadeiras bibliotecas vivas para a antropologia. Sendo assim, uma vez que estamos
refletindo sobre a questão da América Latina, é interessante conhecer um pouco de sua
musicalidade. Ouçam a bela música “Latinoamérica”, da banda urbana de Porto Rico, Calle
13, e atenção, acadêmico, aprecie o clipe com a devida sensibilidade. A estética da música
e das imagens é também uma marcação do estilo latino-americano. Como já vimos, a
produção escrita é carregada de sentidos, um modo dos modos mais interessantes
de produzir e expressar a antropologia é a partir de uma escrita abundante em estilo
e beleza, adjetivos mais do que abundantes em nossa América Latina. Disponível em:
https://bit.ly/3JI7Lou.
Cada vez mais as questões em torno das relações étnico-raciais têm sido
fatidicamente reclamadas pelos movimentos sociais e intelectuais contemporâneos.
Estamos passando por um momento em que é reclamado um espaço para discussão e
reflexão deste tema, uma vez que ele é caro a parte significativa da população latino-
americana (SILVA, 2016). E estas questões necessárias de reflexão e análise, são sem
sombra de dúvidas, heranças de uma sociedade orientada pelo regime colonial.
168
FIGURA 7 – A IMPORTÂNCIA DAS VIDAS E EPISTEMOLOGIAS NEGRAS
IMPORTANTE
Acadêmico, infelizmente, até os nossos dias atuais, as ementas e bibliografias dos cursos
e formações tradicionais em antropologia ainda são compostas majoritariamente por
autores homens e brancos, considerados os únicos detentores legítimos do
conhecimento antropológico. É também parte de sua responsabilidade, contribuir
para a mudança desse regime de referências e citações. Busque pesquisar por
intelectuais negros, indígenas, mulheres, latino-americanos, dente outras
populações consideradas minorias étnicas, que, todavia, se trata da maioria
de nossa população. Assista a entrevista da intelectual e antropóloga negra,
latino-americana, Lélia Gonzalez, intitulada “CULTNE – Lélia Gonzalez” Disponível
em: https://bit.ly/3Hd5oZa.
169
LEITURA
COMPLEMENTAR
RACISMO E SEXISMO NA CULTURA
Lélia Gonzalez
[...] Foi então que uns brancos muito legais convidaram a gente prá
uma festa deles, dizendo que era prá gente também. Negócio de
livro sobre a gente, a gente foi muito bem recebido e tratado com
toda consideração. Chamaram até prá sentar na mesa onde eles
tavam sentados, fazendo discurso bonito, dizendo que a gente era
oprimido, discriminado, explorado. Eram todos gente fina, educada,
viajada por esse mundo de Deus. Sabiam das coisas. E a gente foi
sentar lá na mesa. Só que tava cheia de gente que não deu prá
gente sentar junto com eles. Mas a gente se arrumou muito bem,
procurando umas cadeiras e sentando bem atrás deles. Eles tavam
tão ocupados, ensinado um monte de coisa pro crioléu da platéia,
que nem repararam que se apertasse um pouco até que dava prá
abrir um espaçozinho e todo mundo sentar juto na mesa. Mas a festa
foi eles que fizeram, e a gente não podia bagunçar com essa de chega
prá cá, chega prá lá. A gente tinha que ser educado. E era discurso
e mais discurso, tudo com muito aplauso. Foi aí que a neguinha que
tava sentada com a gente, deu uma de atrevida. Tinham chamado ela
prá responder uma pergunta. Ela se levantou, foi lá na mesa prá falar
no microfone e começou a reclamar por causa de certas coisas que
tavam acontecendo na festa. Tava armada a quizumba. A negrada
parecia que tava esperando por isso prá bagunçar tudo. E era um tal
de falar alto, gritar, vaiar, que nem dava prá ouvir discurso nenhum. Tá
na cara que os brancos ficaram brancos de raiva e com razão. Tinham
chamado a gente prá festa de um livro que falava da gente e a gente
se comportava daquele jeito, catimbando a discurseira deles. Onde
já se viu? Se eles sabiam da gente mais do que a gente mesmo?
Se tavam ali, na maior boa vontade, ensinando uma porção de coisa
prá gente da gente? Teve um hora que não deu prá agüentar aquela
zoada toda da negrada ignorante e mal educada. Era demais. Foi aí
que um branco enfezado partiu prá cima de um crioulo que tinha
pegado no microfone prá falar contra os brancos. E a festa acabou
em briga... Agora, aqui prá nós, quem teve a culpa? Aquela neguinha
atrevida, ora. Se não tivesse dado com a língua nos dentes... Agora
ta queimada entre os brancos. Malham ela até hoje. Também quem
mandou não saber se comportar? Não é a toa que eles vivem dizendo
que “preto quando não caga na entrada, caga na saída” [...].
A longa epígrafe diz muito além do que ela conta. De saída, o que se percebe
é a identificação do dominado com o dominador. E isso já foi muito bem analisado por
um Fanon, por exemplo. Nossa tentativa aqui é a de uma indagação do porquê dessa
170
identificação, ou seja, que foi que ocorreu, para que o mito da democracia racial tenha
tido tanta aceitação e divulgação? Quais foram os processos que teriam determinado
sua construção? Que é que ele oculta, para além do que mostra? Como a mulher negra
é situada no seu discurso?
171
Nosso suporte epistemológico se dá a partir de Freud e Lacan, ou seja,
da Psicanálise. Justamente porque, como nos diz Miller, em sua Teoria da Alingua
(1976, p. 17):
A primeira coisa que a gente percebe, nesse papo de racismo é que todo mundo
acha que é natural. Que negro tem mais é que viver na miséria. Por quê? Ora, porque
ele tem umas qualidades que não estão com nada: irresponsabilidade, incapacidade
intelectual, criancice etc. e tal. Daí, é natural que seja perseguido pela polícia, pois 226
não gosta de trabalho, sabe? Se não trabalha, é malandro e se é malandro é ladrão.
Logo, tem que ser preso, naturalmente. Menor negro só pode ser pivete ou trombadinha
(Gonzales, 1979b), pois filho de peixe, peixinho é. Mulher negra, naturalmente, é cozinheira,
faxineira, servente, trocadora de ônibus ou prostituta. Basta a gente ler jornal, ouvir
rádio e ver televisão. Eles não querem nada. Portanto têm mais é que ser favelados.
Racismo? No Brasil? Quem foi que disse? Isso é coisa de americano. Aqui não
tem diferença porque todo mundo é brasileiro acima de tudo, graças a Deus. Preto aqui
é bem tratado, tem o mesmo direito que a gente tem. Tanto é que, quando se esforça,
ele sobe na vida como qualquer um. Conheço um que é médico; educadíssimo, culto,
elegante e com umas feições tão finas... Nem parece preto.
172
Por isso, a gente vai trabalhar com duas noções que ajudarão a sacar o que
a gente pretende caracterizar. A gente está falando das noções de consciência
e de memória. Como consciência a gente entende o lugar do desconhecimento, do
encobrimento, da alienação, do esquecimento e até do saber. É por aí que o discurso
ideológico se faz presente. Já a memória, a gente considera como o não saber que
conhece, esse lugar de inscrições que restituem uma história que não foi escrita, o lugar
da emergência da verdade, dessa verdade que se estrutura como ficção. Consciência
exclui o que memória inclui.
173
1 O melhor exemplo de sua eficácia está no barato da ideologia do branqueamento. Pois
foi justamente um crioulo, apelidado de mulato, quem foi o primeiro na sua articulação
em discurso “cinetífico”. A gente ta falando do “seu” Oliveira Vianna. Branqueamento,
não importa em que nível, é o que a consciência cobra da gente, prá mal aceitar a
presença da gente, prá mal aceitar a presença da gente. Se a gente parte prá alguma
crioulice, ela arma logo um esquema prá gente “se comportar como gente”. E tem muita
gente da gente que só embarca nessa.
Toda jovem negra, que desfila no mais humilde bloco do mais longínquo subúrbio,
sonha com a passarela da Marquês de Sapucaí. Sonha com esse sonho dourado, conto
de fadas no qual “A Lua te invejando fez careta/ Porque, mulata, tu não és deste planeta”.
E por que não?
Como todo mito, o da democracia racial oculta algo para além daquilo que mostra.
Numa primeira aproximação, constatamos que exerce sua violência simbólica de maneira
especial sobre a mulher negra. Pois o outro lado do endeusamento carnavalesco ocorre
no cotidiano dessa mulher, quando ela se transfigura na empregada doméstica. É por aí
que a culpabilidade engendrada pelo seu endeusamento se exerce com fortes cargas
de agressividade. É por aí, também, que se constata que os termos mulata e doméstica
são atribuições de um mesmo sujeito. A nomeação vai depender da situação em que
somos vistas2.
Se a gente dá uma volta pelo tempo da escravidão, a gente pode encontrar muita
coisa interessante. Muita coisa que explica essa confusão toda que o branco faz com a
gente porque a gente é preto. Prá gente que é preta então, nem se fala. Será que as avós
da gente, as mucamas, fizeram alguma coisa prá eles tratarem a gente desse jeito? Mas,
quê era uma mucama? O Aurélio assim define:
174
Mucama. (Do quimbumdo mu’kama ‘amásia escrava’) S. f. Bras.
A escrava negra moça e de estimação que era escolhida para
auxiliar nos serviços caseiros ou acompanhar pessoas da família
e que, por vezes era ama-de-leite. (Os grifos são nossos).
² Nesse sentido vale apontar para um tipo de experiência muito comum. Refiro-me aos
vendedores que batem à porta da minha casa e, quando abro, perguntam gentilmente:
“A madame está?” Sempre lhes respondo que a madame saiu e, mais uma vez, constato
como somos vistas pelo “cordial” brasileiro. Outro tipo de pergunta que se costuma
fazer, mas aí em lugares públicos: “Você trabalha na televisão?” ou “Você é artista?” E a
gente sabe que significa esse “trabalho” e essa “arte”.
[...] a escrava de cor criou para a mulher branca das casas grandes
e das menores, condições de vida amena, fácil e da maior parte das
vezes ociosa. Cozinhava, lavava, passava a ferro, esfregava de joelhos
o chão das salas e dos quartos, cuidava dos filhos da senhora e
satisfazia as exigências do senhor. Tinha seus próprios filhos, o dever
e a fatal solidariedade de amparar seu companheiro, de sofrer com os
outros escravos da senzala e do eito e de submeter-se aos castigos
corporais que lhe eram, pessoalmente, destinados. [...] O amor para
a escrava [...] tinha aspectos de verdadeiro pesadelo. As incursões
desaforadas e aviltantes do senhor, filhos e parentes pelas senzalas,
a desfaçatez dos padres a quem as Ordenações Filipinas, com seus
castigos pecuniários e degredo para a África, não intimidavam nem
os fazia desistir dos concubinatos e mancebias com as escravas.
(p. 120-121)
FONTE: Adaptada de GONZALEZ, L. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais
Hoje, São Paulo, p. 223-244, 1984. Disponível em: https://bit.ly/3scHoB9. Acesso em: 22 fev. 2022.
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RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
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AUTOATIVIDADE
1 A teoria antropológica desenvolvida na América Latina, sobretudo, contemporaneamente,
trata-se de uma produção de conhecimento vista pela Europa e Estados Unidos (espaços
de fundação da disciplina de antropologia) enquanto uma vertente antropológica. Sobre a
sua definição, assinale a alternativa CORRETA:
177
3 Na América Latina, existe uma ampla produção antropológica. Todavia, uma de suas
características está em uma divisão de temas e escolas de pensamento que, por
vezes, acabam estando separadas desde uma perspectiva fronteiriça. É comum
que trabalhos e publicações apontem para uma antropologia definida como sendo
brasileira, colombiana, argentina e assim por diante. Outra diferença pontual em
relação à antropologia nórdica e à antropologia produzida na América Latina, está
nos interesses de pesquisa. Nossos trabalhos de campo, em sua ampla maioria, são
feitos a partir de temas próximos da realidade de nosso contexto social. Com base
nisso, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:
4 Uma vez que você chegou ao final de sua jornada nos estudos clássicos e aprendeu
a respeito do trabalho de campo, métodos e técnicas em antropologia, é chegado o
momento de começar a desenvolver suas pesquisas de modo crítico e autônomo.
Baseado nos conhecimentos de nosso último tópico, faça uma pesquisa a respeito
de, no mínimo, quatro antropólogos e antropólogas latino-americanos. Apresente
uma minibiografia destes, assim como considerações a respeito de sua pesquisa.
Este exercício, além de contribuir para o desenvolvimento de sua escrita, também
será de grande importância para sua formação latino-americana, pois, dessa maneira,
você abrirá seus olhos para a possibilidade de estudar teorias e intelectuais fora do
eixo Europa e Norte-América, valorizando, assim, os intelectuais e as produções da
América Latina.
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REFERÊNCIAS
ALVES, Z. M. M. B.; SILVA, M. H. GF. Análise qualitativa de dados de entrevista: uma
proposta. Paidéia, Ribeirão Preto, n. 2, p. 61-69, jul. 1992.
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Paulo. Lisboa: Etnográfica Press, 2021.
MALINOWSKI, B. Argonautas do pacífico ocidental. São Paulo: Ubu Editora Ltda., 2018.
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Living Commons, 2019.
SILVA, V. G. da. O antropólogo e sua magia: trabalho de campo e texto gráfico nas
pesquisas antropológicas sobre religiões afro-brasileiras. São Paulo: USP, 2000.
URIARTE, U. M. O que é fazer etnografia para os antropólogos. Ponto Urbe, São Paulo,
n. 11, p. 1-13, 2012.
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