14-Artigo Residência em ATHIS /Brazil-ANAIS-21 CBA 2019

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A NUCLEAÇÃO COMO FORMA DE EXPANSÃO DA

RESIDÊNCIA EM ARQUITETURA E URBANISMO E


ENGENHARIA

EIXO TEMÁTICO FORMAÇÃO E FAZER PROFISSIONAL

BRUNA BERGAMASCHI TAVARES – PROPUR/UFRGS –


bruna.bt09@gmail.com
LUISA DE AZEVEDO DOS SANTOS – PROGRAU/UFPEL -
arqluisa.azevedo@gmail.com
NIRCE SAFFER MEDVEDOVSKI – PROGRAU/UFPEL - nirce.sul@gmail.com

Resumo: Este trabalho tem o objetivo de apresentar as contribuições para o avanço da


assistência técnica aos setores de baixa renda através do estabelecimento do curso de
pós-graduação em Assistência Técnica, Habitação Social e Direito à cidade promovido
pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e sua parceria
através do formato de Nucleação pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Este
curso é promovido em formato lato sensu pelo Programa de Pós-graduação em
Arquitetura e Urbanismo (PPGAU-UFBA) em parceria com a Escola Politécnica (EP-
UFBA) na cidade de Pelotas, com o Programa de Pós Graduação de Arquitetura e
Urbanismo (PROGRAU) da UFPEL. O curso nomeado de Residência em Arquitetura e
Urbanismo e Engenharia (RAU+E) tem sua proposta embasada na Lei Nº 11.888/2008 de
Assistência Técnica. Essa lei, conforme seu artigo primeiro, “assegura o direito das
famílias de baixa renda à assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a
construção de habitação de interesse social, como parte integrante do direito social à
moradia previsto no art. 6º da Constituição Federal” (BRASIL, 1988). Nesse sentido, o
texto faz uma breve análise sobre o desenvolvimento da lei de Assistência Técnica e suas
correlações com outras práticas de produção de habitação social e habitação para famílias
de baixa renda. Entendendo a lei como uma das bases para a formatação da RAU+E,
parte-se para uma apresentação das práticas universitárias, de base extensionista, que
contribuíram para a elaboração do curso de pós-graduação, no âmbito da faculdade de
arquitetura da UFBA. Por fim, traz-se a exposição da participação da UFPEL como
parceira nucleada e seus desafios para a implantação de um modelo próprio de curso no
formato de Residência.

Palavras-chave: Assistência Técnica; Habitação Social; Direito à cidade; Pós-graduação;


UFBA; UFPEL.

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1. Introdução

O presente texto busca apresentar as bases de formação da Residência em


Arquitetura Urbanismo e Engenharia (RAU+E) fundamentada pela Lei 11.888 de 2008,
Lei de Assistência Técnica para Habitação Social de Interesse Social, e seus
desdobramentos através do sistema de Nucleações. Assim, relata-se a trajetória, o
desenvolvimento e a prática da Lei de Assistência Técnica e sua relação com as bases e
as práticas universitárias, principalmente as extensionistas, que foram fundamentais para
a estruturação e elaboração do curso de pós-graduação, no formato de Residência, pela
Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Assim pode-se
apresentar a RAU+E, a sua parceria com a nucleação em Pelotas através do programa
de Pós Graduação de Arquitetura e Urbanismo (PROGRAU) da Universidade Federal de
Pelotas (UFPEL), o funcionamento do sistema de nucleação e suas contribuições para a
formatação de um curso no formato de Residência pelo PROGRAU da UFPEL.

2. Direito à cidade e a habitação - origens

Sobre a estruturação e ampliação das políticas urbanas no Brasil, é necessária a


análise da promulgação da Constituição de 1988. O capítulo II da Constituição brasileira
está dedicado à política urbana e, além disso, segundo Tonello (2013), essa Carta é
reconhecida como de caráter progressista, pois “reconhecia formalmente uma série de
novos direitos e criava novos mecanismos de participação política ao lado dos
tradicionais procedimentos da democracia representativa” (TONELLO, 2013, p. 30).
A formulação da Constituição de 1988 está inserida no contexto de
redemocratização do Estado brasileiro, o qual passou por três décadas em um regime
militar. O período de ocorrência desse regime é também marcado pela crescente
urbanização das cidades brasileiras, as quais têm agravadas suas condições de
desigualdade. Ao mesmo tempo, essa condição foi propulsora para a articulação das
lutas responsáveis pela formação de muitos movimentos sociais. Movimentos, esses, que
estariam diretamente relacionados à luta pela redemocratização e articulados pela causa
urbana através da Emenda Popular da Reforma Urbana. Essa emenda foi levada à
Assembleia Nacional Constituinte de 1986 e tem influência direta na formação do capítulo
da Constituição sobre políticas urbanas. (TONELLO, 2013)

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Como relatado por Maricato (2004, p.11), durante os anos 80, o aumento das
forças democráticas nutriram a articulação entre os movimentos sociais, sindicais e
setores urbanos, que juntos apresentaram por iniciativa popular a emenda constitucional
pela Reforma Urbana na Assembleia Nacional Constituinte. Portanto, a primeira
Constituição no país que tratava da questão urbana, conforme Bassul (2010, p.71) foi a
de 1988, que foi promulgada quando a população das cidades já estavam com mais de
80% do total da população. Chiarelli (2014, p. 102) aponta, que essas emendas tinham
temas urbanos e diversas matérias de interesse social mais avançadas e foram com os
votos de 130.000 eleitores que acabaram se inserindo na Constituição, através dos
artigos 182 e 183, estabelecendo assim a função social da propriedade, o direito de
moradia e o interesse público.
Com os artigos 182 e 183 da Constituição se conseguiu então regulamentá-los
através do Estatuto da Cidade, que tramitava no congresso desde a década de 80, como
diz Maricato (1996, p.40). A partir do Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257 de 2001,
ampliam-se as formas participativas e de controle social sobre as políticas que regulam a
urbanização e é então inaugurado com um texto que incita o direito à cidade. Em meio às
políticas públicas voltadas para habitação de interesse social surgidas nos anos 2000,
ainda mais com o Ministério das Cidades e Plano Nacional de Habitação envolvidos
nesse contexto social, acabou sendo oportuno dar início à tramitação de um Projeto de
Lei sobre a Assistência Técnica (IAB, 2010). Com o Art.° 4 do Estatuto da Cidade, que
fala dos instrumentos da política urbana, tem-se um aparato legal, que então cria
condições políticas e sociais para um Programa já pensado e estruturado em 1977, o
Programa ATME (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2007).
Art. 4° Para os fins desta Lei, serão utilizados, entre outros instrumentos:
V – institutos jurídicos e políticos:
r) assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos
sociais menos favorecidos. (ESTATUTO DA CIDADE, 2001).

Outro fato de extrema relevância é a criação do Ministério das Cidades, no ano de


2003, que prometia unificar em uma única pasta os assuntos essenciais sobre o espaço
urbano, como moradia, saneamento, transporte e mobilidade, prometendo uma melhor
relação entre as áreas complementares do planejamento urbano. Ainda na primeira
década do presente século, outras construções seriam feitas visando consolidar a política
das cidades. A Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, com seu caráter histórico e
processual, baseado no Fórum Nacional pela Reforma Urbana (2005), traz mais aporte

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sobre para a possibilidade de diálogo com movimentos sociais e sociedade, através das
Conferências das Cidades ou Conselhos das Cidades.
Além das políticas de caráter urbanístico, são articuladas importantes
regulamentações para tratar da questão da habitação. Surge, assim, o Sistema Nacional
de Habitação e Interesse Popular (Lei 11.124/2005), do qual foi instituído o Sistema e o
Fundo Nacional de Habitação e Interesse Social (SNHIS/FNHIS) e um Conselho Gestor,
a fim de solidificar a essa política para promoção habitacional no país.

3. A Lei de Assistência Técnica - criação e desenvolvimento.

Para a compreensão da proposta da prática institucionalizada da Assistência


Técnica mediante, Lei Nº 11.888 de 24 de dezembro de 2008, é de extrema importância
retomar as primeiras iniciativas que serviram de base para a criação desse instrumento
legal.
Em 1960, Carlos Nelson dos Santos, ainda estudante de arquitetura e urbanismo,
realiza na favela Brás Pina no Rio de Janeiro uma experiência de projeto participativo que
acaba inspirando outras iniciativas, dando início a uma das primeiras assessorias
técnicas realizadas no país (SANCHES, 2015, p.119). O arquiteto, líder do Grupo
Quadrai, relata que foram as lideranças da associação de moradores que convidaram os
estudantes para auxiliá-los, pois precisavam de apoio técnico e um plano de urbanização,
o qual acabou se tornando um importante instrumento de negociação entre a comunidade
e o poder público.
Já em 1963 os arquitetos e urbanistas debatem e contribuem para que uma nova
política habitacional ocorra no país, “as reformas de base”, onde a questão urbana e
habitacional foram levantadas pela classe. Assim foi através do Instituto de Arquitetos do
Brasil (IAB), que se realizou o Seminário de Habitação e Reforma Urbana (SHRU), o qual
teve apoio do governo federal através do Instituto de Pensões e Aposentadoria dos
Servidores do Estado (IPASE) como apontado Bonduki e Koury (2010). O seminário,
conhecido como “Seminário do Quitandinha”, ocorreu, no Hotel Quitandinha, na cidade
de Petrópolis no estado do Rio de Janeiro.
Os frutos dessas experiências acabaram se disseminando junto ao novo olhar dos
profissionais arquitetos e urbanistas em relação ao seu papel na sociedade. É então no
ano de 1976 que surge o Programa de Assistência Técnica à Moradia Econômica
(Programa ATME) através do Sindicato de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul
(SAERGS) junto ao Conselho de Engenharia e Arquitetura (CREA) da 8° Regiãoii e ao

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Instituto dos Arquitetos do Brasil do Rio Grande do Sul. O programa acaba sendo lançado
sobre o formato de livro com os arquitetos Clovis Ilgenfritz da Silva, Newton Burmeister,
Carlos Maximiliano Fayet, Cláudio Casaccia e os Advogados Manuel André da Rocha e
Madalena Borges à frente do programa (SAERGS, 1977).
Se o arquiteto, até agora, muito pouco participou do equacionamento das
soluções para a problemática da ordenação espacial do país, tarefa essa
que lhe permite diretamente, por formação e definição profissionais, já
parece ser chegado o momento de mais proximamente se confrontar
com a função social inerente à prestação de seus serviços. (SAERGS,
1977, p.15).

Experiências como, o Brás de Pina e o Programa ATME, e suas inter-relações,


acabaram disseminando o tema, onde a Universidade Federal Fluminense e seu Núcleo
de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos (NEPHU/UFF) foram influenciados,
começando através de atividades de extensão outras iniciativas na mesma área de
atuação. Já o Sindicato dos Arquitetos de São Paulo (SASP), forma uma Cooperativa de
Habitação em 1978 com alguns profissionais (SANCHES, 2015, p.128-129), que tinham
“o propósito de fortalecer os movimentos sociais e a assessoria técnica às comunidades
carentes de moradia digna” como relata Sanches (2015, p. 138). Mais tarde, em 1982,
arquitetos que faziam parte da SASP, acabam estruturando e fazendo parte do
Laboratório de Habitação da Faculdade de Belas Artes de São Paulo (LABHAB
FEBASP), ocorrendo à inserção do tema no campo universitário no estado de São Paulo
(SANCHES, 2015, p.128-129). Segundo Sanches (2015, p.139) o LABHAB para além da
assessoria técnica, visava atender às reais necessidades dos movimentos de moradia, e
queria formar alunos em função desse contato direto entre população e problema, visto
que o país no início da década de 1980 passava pelo processo de redemocratização com
avanços dos sindicatos e movimentos sociais.
Nesse contexto, é de extrema importância destacar, também, as iniciativas de
práticas autogestionárias e mutirões de construção promovidas nos anos 1980 na cidade
de São Paulo e que receberam a política de implantação de escritórios de assistência
técnica durante o governo da Prefeita Luiza Erundina (1988-1992). O IAB (2010) relata
que iniciativas lideradas pelos movimentos sociais e equipes de assessorias técnicas dos
anos de 1980 em São Paulo, acabaram por efetuar experiências com assistência técnica
coletiva, que eram executadas em regime de autogestão, tanto projetos como as obras
de conjuntos habitacionais, o que acabou expandindo também para outros estados.
Assim surge em 1990 a Usina CTAH, uma assessoria técnica a movimentos populares, a

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Ambiente Arquitetura, iniciada em 1992 e a PEABIRU Trabalhos Técnicos Comunitários e
Ambientais, fundada em 1993.
Nabil Bonduki, arquiteto e urbanista, que foi Superintendente de Habitação
Popular (HABI-Funaps) durante o governo Erundina, relata em diferentes depoimentos à
Folha de São Paulo e à Carta Capital, a importância desse processo que culminou na
elaboração de uma política pública para habitação. Segundo o arquiteto e ex-
superintendente, foram viabilizadas mais de 11 mil habitações de até 60 m², em casas ou
prédios de até cinco andares, com custos entre 40 a 50% inferiores aos convencionais.
Além disso, ele ressalta que o programa BNH, promovido pela ditadura militar e um dos
programas de referência do regime, estava em crise. Nesse sentido, os movimentos de
moradia, com a assessoria de técnicos militantes e ativistas, formularam alternativas
capazes de produzir habitações de baixo custo e com excelente qualidade, com
participação popular.
Ermínia Maricatoiii costuma referir-se, em suas falas, à década de 1990 como o
“ciclo virtuoso” nas práticas participativas. Esse período é marcado por um revés a esse
tipo de prática, pois era vigente a atuação política neoliberal somada aos anos de um
regime ditatorial. Contudo, foi possível e necessário que os movimentos sociais e os
profissionais de arquitetura e urbanismo, que defendiam a reforma urbana e o acesso ao
direito à moradia e direito à cidade, se articulassem em propostas e ações que levassem
à conquista de seus ideias.
Durante trinta anos o SAERGS lutou pelo direito da Assistência Técnica, desde
1976 (IAB, 2010), até que o arquiteto e urbanista e Deputado Federal pelo estado do Rio
Grande do Sul, Clóvis Ilgenfritz da Silva, apresentou em 2002 o projeto de Lei n° 6.223 de
2002, Projeto de Lei ATME, o qual instituiu o Programa de Assistência Técnica à Moradia
Econômica (ATME) à pessoas de baixa renda (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2007). Com
o deputado não concorrendo novamente ao cargo, o projeto passou para o seu colega
também arquiteto e urbanista, José Eduardo Vieira, conhecido como “Zezéu Ribeiro”,
também deputado pelo Partido dos Trabalhadores, mas pelo estado da Bahia.
Como descrito no livro: Experiências em Habitação de Interesse Social no Brasil,
em (2007), Zezéu passou a ser o principal divulgador e defensor da proposta e
apresentou o projeto de Lei de n° 6.981 de 2006, o qual foi sancionado no ano de 2008,
virando então a Lei 11.888 de 24 de dezembro de 2008, lei que “assegura às famílias de
baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de

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habitação de interesse social e altera a Lei no 11.124, de 16 de junho de 2005” (BRASIL,
2008).
Coexistente às políticas de produção de habitação social existentes no Brasil a Lei
de Assistência Técnica depois de aprovada em 2008 andou durante quase sete anos a
passos lentos, não sendo protagonista como forma de atuação como se esperava. O que
ocorreu foi a não apropriação por parte dos profissionais da área, assim como pela
gestão pública, deixando de beneficiar milhares de pessoas como relatado por Ilgenfritz
(2008).
Falta que a gente mostre para os prefeitos que dá certo. Falta pressionar
o Governo Federal, para que abra uma linha de crédito ou de subsídios.
Falta vontade política. Milhões de pessoas moram em vilas paupérrimas
e precisam de assistência. Elas podem receber uma casa nova ou
reformar a que já existe. E eu tenho por experiência que é melhor deixá-
las onde estão. (ILGENFRITZ, 2018).

Os seminários, encontros e oficinas sobre o tema seguiram em discussão no


cenário nacional, pois as novas experiências e movimentos após a lei vigorar
possibilitaram o conhecimento e difusão da mesma. Assim algumas publicações para
auxiliar na implantação da ATHIS foram lançadas, como o Manual para Implantação da
Assistência Técnica Pública e Gratuita a Famílias de Baixa Renda para Projeto e
Construção de Habitação de Interesse Social, lançado pelo IAB em 2010, como a
coletânea Assistência Técnica e Direito à Cidade, publicado em 2014 e o Caderno ATHIS
– Oficina de Assistência Técnica em Habitação Social, lançado em 2016.
Em 2015 o CAU/BR lança em parceria com o DataFolha uma pesquisa realizada
com mais de 2.400 entrevistas em 177 municípios, aprofundadas em grupos de
discussão realizados nas cinco regiões do país, onde resultados como este foram
apresentados: 85% das reformas e construções realizadas no Brasil, são feitas sem
auxílio técnico de arquitetos e engenheiros, o que aponta que os arquitetos e
engenheiros trabalham para uma minoria da população. Dessa forma, tendo-se
consciência que o percentual de famílias de baixa renda é o mais alto no país, preencher
esta lacuna acabaria sendo uma troca mútua de conhecimento e cidadania. Com a
pesquisa CAU/DataFolha a Lei de ATHIS ergue-se e um marco importante para o seu
fomento ocorre através da iniciativa do CAU/BR que nos dias 21 e 22 de julho de 2016
aprovam na Plenária ordinária n° 56 realizada em Brasília, as “Diretrizes para elaboração
do Plano de Ação e Orçamento do CAU – exercício 2017”, o qual previu a alocação de no
mínimo 2% do total das receitas de arrecadação do CAU/UF (anuidades, RRT, taxas e
multas) para destinação ao Fundo de Apoio e ao Centro de Serviços Compartilhados

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para ações estratégicas de Assistência Técnica em Habitações de Interesse Social
(ATHIS).
Ainda como parte desse contexto, que abrange a aprovação da Lei de Assistência
Técnica, sua baixa aplicação e as tentativas de repercussão, é importante registrar que o
país passou pela instauração do maior programa de moradia já executado até o momento
em sua história. O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), inaugurado no ano de
2009, com um total de mais de 5 milhões de unidades habitacionais construídas, que
contemplaram diferentes faixas de renda, sendo um dos principais focos, pelo menos nos
primeiros anos do programa, a produção de habitação para famílias de baixa renda.
Contudo, é importante destacar que o PMCMV, ao longo de seu desenvolvimento
demonstrou ter mais caráter de medida econômica do que política de habitação. Sua
criação vem em um pacote de medidas anticrise, como por exemplo, a expansão do
crédito dos bancos públicos e o Programa de Aceleração e Crescimento (PAC)
(CARDOSO e ARAGÃO, 2013, p; 35).
Por mais que um primeiro momento essa medida tenha parecido crucial para que
o país não fosse arrastado na onda da crise internacional, tempos mais tarde, ficaram
evidentes alguns prejuízos em relação ao Programa, tanto relacionados a sua concepção
como política de habitação, quanto a forma como foi aplicado e desenvolvido.
Nesse sentido, Cardoso e Aragão (2013) reúnem e sintetizam algumas críticas:
(i) a falta de articulação do programa com a política urbana; (ii) a
ausência de instrumentos para enfrentar a questão fundiária; (iii) os
problemas de localização dos novos empreendimentos; (iv) excessivo
privilégio concedido aos setor privado; (v) a grande escala dos
empreendimentos (vi) a baixa qualidade arquitetônica e construtiva dos
empreendimentos; (vii) a descontinuidade do programa em relação ao
SNHIS e a perda do controle social sobre a sua implementação. A esses
pontos, já destacados por várias análises, acrescentamos ainda (viii) as
desigualdades na distribuição dos recursos como fruto do modelo
institucional adotado (CARDOSO, A. L. e ARAGÃO, T. A., 2013, p. 44).

Considerando a existência de uma Lei de Assistência Técnica para famílias de


baixa renda, acrescenta-se também a crítica de o instrumento não ter sido utilizado como
uma forma de auxiliar na elaboração do Programa, fazendo com que o mesmo tivesse
um caráter mais relacionado a um processo qualitativo do que quantitativo. Poderia-se
pensar em alguma modalidade, como o do MCMV Entidades, onde a legislação fosse
aplicada. Fazendo tanto com que esse instrumento fosse utilizado, quanto auxiliasse na
produção de habitação de forma específica e participativa, diminuindo o caráter
padronizado de construção impresso nos projetos do Programa.

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A repercussão e a preocupação à respeito do tema desde então é notória, onde
editais, seminários, palestras, cursos, empreendimentos e projetos baseados na lei estão
em pauta, ainda mais levando em consideração o fechamento do ciclo de dez anos da
aprovação da Lei em 2018, retomando sua trajetória e experiências através de novos
agentes promotores, como a Residência Profissional em Arquitetura Urbanismo e
Engenharia (RAU+E), prevista no inciso III do art. 4° da lei.
Art. 4o Os serviços de assistência técnica objeto de convênio ou termo
de parceria com União, Estado, Distrito Federal ou Município devem ser
prestados por profissionais das áreas de arquitetura, urbanismo e
engenharia que atuem como:
III - profissionais inscritos em programas de residência acadêmica em
arquitetura, urbanismo ou engenharia ou em programas de extensão
universitária, por meio de escritórios-modelos ou escritórios públicos com
atuação na área. (BRASIL, 2008).

4. A Residência Profissional - RAU+E

Para compreender a proposta da Residência Profissional (RAU+E) é necessário


passarmos por três análises: a importância da prática extensionista universitária, a
possibilidade da prestação do serviço de assistência técnica através de residentes, citado
na Lei Nº 11.888/2008 e a inspiração no modelo de Residência da área da saúde.
No ano de 1975 encontra-se o primeiro marco político sobre a extensão
universitária brasileira. Através do Plano de Trabalho de Extensão Universitária, foi
instituído pelos Ministérios da Educação e do Interior uma comissão com a função de
propor medidas que articulassem as ações dos programas Centro Rural Universitário de
Treinamento e Ação Comunitária (CRUTAC) e Rondon iv . Dentre as recomendações
contidas no relatório dessa comissão consta a criação da Coordenação de Atividades de
Extensão (CODAE), vinculada ao Departamento de Assuntos Universitários, do Ministério
da Educação e Cultura (MEC) (NOGUEIRA, 2013, p. 36).
A partir desse momento, na década de 1980 tem-se uma discussão regionalizada
sobre as práticas extensionistas, com momentos importantantes, configurados em Fóruns
e Seminários regionais de Pró-reitores, o que culminou na criação do Fórum Nacional de
Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras, em novembro de 1987.
Da existência desse Fórum são desdobrados o Fórum de Pró-Reitores de Extensão das
Instituições Públicas de Educação Superior Brasileiras (FORPROEX). Assim, nascem
três políticas de extensão universitária: o Programa de Fomento à Extensão Universitária
(PROEXTE), de 1993, o Plano Nacional de Extensão, de 1998 e a Política Nacional de
Extensão Universitária, de 2012.

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Vale ressaltar que a ideia de extensão passa pelos ensinamentos de Paulo
v
Freire , que coloca a extensão com o sentido de estender algo a alguém, em uma relação
de poder, por transmissão, superioridade, messianismo, assistencialismo e invasão
cultural. O autor traz atenção sobre o fato da valorização do conhecimento sistematizado
e letrado. No sentido da invasão cultural, ele chama a atenção sobre penetrar em um
espaço sociocultural impondo seus valores. Contudo, Freire encontra na figura dos
educadores (como técnicos extensionistas) e dos educandos (como população
tradicional) a possibilidade da troca de saberes e coloca, por isso, a relação da extensão
em uma perspectiva libertadora e emancipadora.
A extensão universitária é concebida como articuladora das atividades
de ensino e pesquisa com as demandas da sociedade. É, portanto, o
momento de devolução e articulação do saber, o qual deve ser
(re)construído, testado e realimentado permanentemente, a partir do
confronto com as situações concretas (NOGUEIRA, M. D. P., 2013, p.
31).

Nogueira (2013) contribui, portanto, para elucidar o tipo de ação que pretende-se
fazer ao definir que um trabalho possui caráter extensionista, no âmbito da prática
acadêmica.
Dentro do contexto das escolas de arquitetura começam a crescer projetos de
extensão relacionados ao direito da habitação social. A partir dessas práticas e com a
iniciativa da Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil
(FENEA) são criados os – Escritórios Modelos em Arquitetura e Urbanismo (EMAUs), os
quais se propõem a auxiliar famílias e comunidades de baixa renda em projetos de
arquitetura e urbanismo em prática de extensão universitária.
A lei de assistência técnica prevê em seu art. 4°, inciso III, a prestação de serviços
através de assistência técnica por “profissionais inscritos em programas de residência
acadêmica em arquitetura, urbanismo ou engenharia ou em programas de extensão
universitária, por meio de escritórios-modelos ou escritórios públicos com atuação na
área”. Através dessa definição e tendo como inspiração as residências aplicadas na área
da saúde, o curso de pós-graduação em assistência técnica, habitação social e direito à
cidade foi criado.
Compreende-se que a questão da habitação e da infraestrutura urbana possui
relação intrínseca com a questão da saúde pública. Como afirma, Pasternak:
Habitação e meio ambiente têm profundo impacto na saúde humana: é
estimado que se passem 80% a 90% do dia em meio ambiente
construído e a maioria desse tempo em casa. Assim, riscos em relação à
saúde nesse ambiente são de extrema relevância. O papel da habitação

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para a saúde é ainda realçado porque são justamente os mais
vulneráveis (doentes, idosos, crianças, inválidos) que lá passam a maior
parte do seu tempo (PASTERNAK, Suzana, 2016, p. 51).

Nesse sentido, pensar em uma prática de assistência técnica reflete diretamente


na possibilidade de melhorias para a saúde da população que reside em ambientes
pouco qualificados por questões materiais e financeiras.
De encontro a isso, pensar na atuação do arquiteto, urbanista e engenheiros que
atuam através da assistência técnica de forma similar a atuação dos profissionais
residentes da área da saúde se torna bastante coerente. Não somente por como a
melhoria das condições habitacionais e do espaço urbano incidem em uma vida mais
saudável, mas também, no fato da estrutura de prestação desse serviço.
A arquiteta e urbanista Angela Gordilho, idealizadora e coordenadora do curso
RAU+E, atribui seu impulso de criação sobre o mesmo da seguinte forma:
(...) a construção metodológica da Residência Profissional em
Arquitetura, Urbanismo e Engenharia, na Universidade Federal da Bahia,
a partir de 2011, pioneira nesse campo de atuação, inspirando-se na
prática consolidada das áreas médica e de saúde, no âmbito da pós-
graduação lato sensu (GORDILHO-SOUZA, 2017, p. 3).

Considerando que as políticas de saúde pública tenham base no Fundo Nacional


de Saúde e no Sistema Único de Saúde (SUS), onde o Fundo garante a verba de
funcionamento do SUS e promove a distribuição de bolsas para os residentes obterem
suas especializações, atuando em prática nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e
demais postos de atendimento da área observa-se nesse modelo, uma relação possível
de ser reproduzida para o caso das políticas de habitação. Considerando a possibilidade
de estabelecer-se, através do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS)
uma relação similar.
A partir disso, o curso se configura com uma estrutura para o desenvolvimento em
um período de 14 a 16 meses. Sendo os primeiros 4 meses destinados a base teórica do
curso, com aulas presenciais pelas manhãs de segunda a sexta-feira. Etapa com duração
de 8 a 10 meses de aplicação de trabalho em assistência técnica e desenvolvimento do
trabalho de conclusão de curso. De caráter multidisciplinar, desde sua composição de
corpo docente até o aceite de profissionais de diferentes formações que possam
contribuir com o desenvolvimento e produção de projetos que visem à prática da
assistência técnica. Mesmo a lei tendo como foco a prática do arquiteto e urbanista e
engenheiros, busca-se a integração com outras áreas afins, como por exemplo, da

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geografia, assistência social, direito e ciências sociais, para promoção dos trabalhos
desenvolvidos no âmbito do curso.
Com sua primeira edição ocorrida no ano de 2013, o curso vem em uma
caminhada com três edições completas, sendo a última iniciada no ano de 2017 e
finalizada no ano de 2018. Além de possuir uma estrutura bastante inovadora para os
moldes de pós-graduação, a proposta expandiu-se através de parcerias com outras
universidades, batizadas de nucleações. A primeira nucleação ocorreu na segunda
edição junto a Universidade Federal da Paraíba. Já na terceira edição, essa rede foi feita
em conjunto com a Universidade Federal de Pelotas, Universidade de Brasília e a
Universidade Federal do Ceará.

5. A Nucleação na UFPel

“Em se tratando de ciências sociais aplicadas, a inovação está, sobretudo nas


dimensões dos ganhos sociais e da melhoria do ambiente onde se vive, para além da
técnica” (GORDILHO-SOUZA, 2017, p. 12). Dessa forma, a busca por parcerias em
Nucleações surge como forma de ampliação e fortalecimento da Residência, auxiliando
na participação, compreensão e estruturação de novos cursos, criando uma rede de
ensino e prática colaborativa, fomentando esta área de atuação e a assistência técnica.
A Nucleação de Pelotas/RS, surge da vontade e necessidade de ampliar o ensino
na área acreditando na troca mútua de saberes. A parceria ocorre com a inserção de três
professores do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo (PROGRAU)
da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) no quadro de professores nucleados da
RAU+E/UFBA, sendo esses, a Profa. Dra. Nirce Saffer Medvedovski, o Prof. Dr. André de
Oliveira Torres Carrasco e o Prof. Dr. Eduardo Rocha, os quais coordenaram,
respectivamente, os trabalhos das residentes Arq. Luísa de Azevedo dos Santos, Arq.
Bruna Bergamaschi Tavares e Arq. Raíza Canto Dittgen. Todos professores já
desenvolviam atividades de ensino, pesquisa e extensão relacionados aos temas do
direito à cidade e a habitação.
Na nucleação as residentes nucleadas realizam a etapa prática em sua cidade
(Pelotas), realizando somente a primeira etapa, a teórica, na RAU+E/UFBA (Salvador).
Os quatro meses de aulas teóricas serviram como base para elaboração do plano de
trabalho, a assistência técnica e o desenvolvimento dos projetos, pois abordaram
assuntos como: produção do espaço, políticas urbanas, direito à cidade, projetos de

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urbanização, infraestrutura e meio ambiente, planejamento e projeto de arquitetura,
urbanismo e engenharia e metodologias e técnicas para projetos participativos.
Partindo para a segunda etapa, as residentes basearam-se na análise,
necessidade e potencialidades para a prática da ATHIS em uma cidade de médio porte
como Pelotas, chegando então ao Bairro Pestano, uma área urbana, em zona periférica,
com uma comunidade desarticulada, sem lideranças, com infraestrutura precária e com
um Projeto de Qualificação Física e Social em andamento; e a Aldeia Kaingang Gyró, em
área rural, com terras doadas a essa comunidade indígena, que necessitada de auxílio
para sua reestruturação física. Essa etapa, a mais longa do processo, ocorreu entre os
meses de março e setembro de 2018, e foi acompanhada através de três seminários
internos, ocorridos por meio de apresentação à distância, debatidos e auxiliados, tanto
pelos professores da nucleação (PROGRAU/UFPEL) quanto pelos professores do quadro
permanente da RAU+E (UFBA), que assessoraram no processo e nos projetos que então
seriam desenvolvidos.
A finalização do curso ocorreu com a elaboração dos anteprojetos, que foram
estruturados de forma participativa, desenvolvidos nos meses de setembro e outubro e
apresentados em novembro para a banca final. A banca composta por três professores e
uma representante da comunidade ocorreu na sede da nucleação, na Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo de Pelotas e contou com estudantes da instituição e membros
da comunidade do Pestano. Ainda em cumprimento a prática profissional e a assistência
técnica, estes anteprojetos, foram posteriormente reapresentados à comunidade e
entregues a mesma, com intuito de auxiliar na busca e melhoria desses lugares, sendo
um instrumento de luta e reivindicação.

6. A Nucleação UFPel e seus desdobramentos

Considerando os ensinamentos de Paulo Freire (1996), como ser condicionado e


ser consciente do inacabado, procura-se analisar as possíveis melhorias no processo de
desenvolvimento e implementação do sistema da nucleação de Pelotas.
Pode-se avaliar pontos, estratégias de mudanças ou aprimoramento para as
próximas experiências, como:
● a importância de demandas previamente avaliadas antes das aulas
teóricas, como um banco de demandas, processo já estruturado em Salvador pela
RAU+E;

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● um calendário com plano de trabalho melhor adaptado com a realidade
local, levando em consideração o clima oposto ao da cidade de Salvador, com encontros
na comunidade fora dos meses mais rigorosos de inverno e
● melhoria do sistema de conferências com o corpo docente da UFBA,
organizando de forma mais estruturada salas e equipamentos para tal.
Sobre o sistema de nucleação, podemos destacar que ele prepara e auxilia novos
processos de estruturação de novas Residências e/ou parcerias. Por isso, sua replicação
e amadurecimento é fundamental para que outras faculdades possam passar por esse
processo, chegando então a implementar seu próprio formato de Residência. Outro ponto
importante é que ele funciona como uma rede de conexão e pulverização de práticas de
assistência técnica, levando a Lei n°11.888/20018 ao conhecimento de mais professores,
estudantes, órgãos públicos e primordialmente à sociedade.
No sentido de ser consolidado um programa de Residência próprio pela
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPel, deve-se considerar mais algumas
sugestões para que o curso possa ser implementado:
● parceria com outras universidades e cursos de diferentes disciplinas para
formação de um corpo técnico de professores, para o desenvolvimento teórico do curso;
● parceria e bom diálogo com o poder público local, a fim de estabelecer
diálogo e apoio para as ações promovidas pelo curso, assim como, para a possibilidade
de aplicação dos projetos desenvolvidos pelos residentes;
● avaliação de um calendário e tempo de duração das atividades do curso;
● formulação e arranjo entre as etapas do curso: avaliação sobre a
separação entre as atividades teóricas e práticas;
● propor atividades com foco de relação entre habitação e saúde para a
aplicação do trabalho dos residentes: com parceria às unidades básicas de saúde do
município e com o curso de Epidemiologia da UFPEL, o qual possui dados ricos com as 4
coortesvi de nascimento (1982, 1993, 2004 e 2015);
● diálogo com o Conselho de Arquitetos e Urbanistas (CAU/RS) sobre a
aplicação do curso e as contribuições para os trabalhos de ATHIS apoiados pelo
Conselho;
● abordagem coletiva da residência: promover o direito à cidade e ampliar o
conhecimento sobre esse direito para toda a população através do conhecimento
compartilhado de forma a atender demandas comunitárias;

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● promover o caráter formativo e extensionista do curso, compreendendo-o
como uma possibilidade de prática de troca de saberes e
● integrar as disciplinas de estágio ou extensão da graduação à Residência,
conectando esses estudantes e aumentando o potencial de trabalhos e projetos.
Pensar em uma Residência para aplicação da Lei de Assistência Técnica é
pensar em novas práticas de formação acadêmica nas Ciência Sociais Aplicadas. Essa
proposta pioneira e inovadora promovida pela Faculdade de Arquitetura da UFBA e sua
parceria com outras faculdades espalhadas pelo Brasil tem um caráter bastante ousado e
provocativo, pois configura a busca por uma brecha para a consolidação desse formato
de prestação de serviço unido à prática da assistência para as famílias que não tem
como acessar o trabalho de um arquiteto e urbanista, engenheiro e profissionais de
outras áreas que participem do programa.
Mesmo em tempos difíceis, a exemplo do “ciclo virtuoso” já citado no presente
texto, é necessário manter-se em luta por ideias que possam ser transformadoras e que,
ao utilizar-se de instrumentos legais, instituição e, acima de tudo, de uma necessidade
real do contexto social e urbano das cidades brasileiras, promova novas práticas
possíveis de serem replicadas e regulamentadas.
Boaventura de Sousa Santos vii , além de suas grandes contribuições sobre as
epistemologias do sul e as práticas democráticas e participativas, discorre sobre a
importância da Universidade e a urgência de renovação de sua atuação, com processos
que dialoguem com as realidades locais, com a população em geral, que atue de maneira
inclusiva, participativa e democrática e que, acima de tudo transforme o conhecimento,
como o mesmo cunha em um conhecimento pluriversitário.
(...) o conhecimento pluriversitário é um conhecimento contextual na
medida que o conjunto organizador da sua produção é a aplicação que
lhe pode ser dada. Como essa aplicação ocorre extra-muros, a iniciativa
da formulação dos problemas que se pretende resolver e a determinação
dos critérios de relevância destes é o resultado de uma partilha entre
pesquisadores e utilizadores. É um conhecimento transdisciplinar que,
pela sua própria contextualização, obriga a um diálogo ou um confronto
com outros tipos de conhecimento, o que o torna internamente mais
heterogéneo e mais adequado a ser produzido em sistemas abertos,
menos perenes e de organização menos rígida e hierárquica. Todas as
distinções em que se assenta o conhecimento universitário são postas
em causa pelo conhecimento pluriversitário,(...). A sociedade deixa de
ser um objecto das interpelações da ciência para ser ela própria sujeita
de interpelações à ciência” (SANTOS, B. S., 2004, p. 29 e 30).

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O contexto socioespacial das cidade brasileiras é marcado pelas diferenças de
classe, étnicas e de gênero. A necessidade de prestação de serviços em arquitetura e
urbanismo, em diálogo com as demais disciplinas das ciências sociais, exatas e da área
da saúde, se torna evidente e, somado a isso, torna-se igualmente evidente a urgência
em potencializar práticas profissionais mais abertas e participativas, construídas em
perspectiva coletiva e direcionadas a realidade onde são aplicadas.

7. Conclusão

O contexto atual brasileiro é de profunda crise política e econômica. Somado a


isso, segundo Maricato (2009), vivemos em um país periférico onde “A desigualdade
trazida pela globalização aprofunda e diversifica a desigualdade numa sociedade
historicamente e tradicionalmente desigual”. Esse caráter se revela ao analisarmos a
formação das cidades e as condições de moradia no Brasil. Faz-se assim, urgente, a
possibilidade de práticas que contribuam para alterar essa condição.
Tem-se o seguinte conjunto de informações: a realidade observada na condição
das habitações e da configuração das cidades, altamente desiguais e segregadas;
práticas extensionistas que dão exemplo e possibilidade de troca de saberes e promoção
de atividades entre comunidade acadêmica e sociedade; uma legislação que assegura a
prestação de serviço profissional para famílias de baixa renda e, que, em seu texto,
sugere que esse serviço seja prestado por arquitetos residentes. A união desse conjunto
transforma-se na proposta da Residência em Arquitetura e Urbanismo, que se propõe a
encarar essa realidade, com um caráter precursor e provocador das possibilidades de
atuar no campo da assistência técnica.
Considerando que a atuação profissional ainda é frágil nos espaços de periferias
urbanas, tornam-se fundamentais as iniciativas de formação profissional que estimulem e
desenvolvam o pensar e o fazer sobre práticas que contribuam na reparação de
situações de precariedade arquitetônica e urbanística. Dessa maneira, a iniciativa do
programa de Residência pode ser compreendida como um movimento a favor dessa
proposta, com contribuição em escala nacional, através das Nucleações, a fim de difundir
essa forma de atuação profissional.
A exemplo do Sistema Único de Saúde, a construção de um programa similar,
como a Residência na área da Arquitetura e Urbanismo, precisa ser iniciada, e este
primeiro passo já foi dado pela RAU+E em Salvador. Como estímulo à essa trajetória, a
sequência também já está em andamento através das Nucleações e estruturação de

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novas Residências, as quais são a chave para que a ATHIS se pulverize pelo país,
fortalecendo essa rede até que esse movimento ganhe proporções para institucionalizar o
então “SUS da Habitação e Urbanismo”.

Notas

i
Quadra Arquitetos e Associados Ltda, foi um escritório fundado pelos arquitetos Carlos Nelson Ferreira dos
Santos, Silvia Wanderley e Rogério Aroeira, que trabalharam em parceria com a Companhia de
Desenvolvimento de Comunidade (CODESCO) (ABRAHÃO, 2017).
ii
Conforme a Resolução N.º 002, de 23 de Abril de 1934, o CREA do Estado do Rio Grande do Sul e de
Santa Catarina estava classificado como sendo o da 8° Região. Em 1966, com a criação da Lei 5.194, que
até hoje regulamenta as profissões do Conselho, é incluída no Sistema a profissão de Engenheiro Agrônomo
e, a partir daí, os Conselhos passam a se chamar Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e
Agronomia. O Conselho passa a se chamar CREA do Rio Grande do Sul em fevereiro de 1979 (CREA/RS).
iii
Professora universitária, pesquisadora acadêmica, ativista política, ocupou cargos públicos na Prefeitura da
Cidade de São Paulo, onde foi Secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano (1989-1992) e no
Governo Federal, onde foi Secretária Executiva do Ministério das Cidades (2003- 2005) cuja proposta de
criação se deu sob sua coordenação. É professora aposentada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo.
iv
Ação interministerial do Governo Federal realizada em coordenação com os Governos Estadual e Municipal
que, em parceria com as Instituições de Ensino Superior, reconhecidas pelo Ministério da Educação, visa a
somar esforços com as lideranças comunitárias e com a população, a fim de contribuir com o
desenvolvimento local sustentável e na construção e promoção da cidadania.
v
Patrono da Educação Brasileira por reconhecimento ao mérito de sua obra e das suas contribuições para a
educação e alfabetização no Brasil e no mundo.
vi
O Centro de Pesquisas Epidemiológicas (CPE) da UFPEL mantém um dos maiores programas de coortes
de nascimento do mundo, sendo o maior entre os países em desenvolvimento. O estudo de coortes baseia-
se no acompanhamento, desde o momento do parto, de todos os recém-nascidos na cidade de Pelotas (RS),
tendo assim 4 coortes de nascimento sendo estudadas (1982, 1993, 2004 e 2015).
vii
Professor Catedrático Jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Distinguished
Legal Scholar da Faculdade de Direito da Universidade de Wisconsin-Madison e Global Legal Scholar da
Universidade de Warwick. É igualmente Diretor Emérito do Centro de Estudos Sociais da Universidade de
Coimbra e Coordenador Científico do Observatório Permanente da Justiça.

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