PDF DO ARTIGO - As Diversas Entidades Familiares..

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Revista Brasileira de Filosofia e História-RBFH

Grupo Verde de Agroecologia e Abelhas-GVAA


ISSN: 2447-5076

Artigo
As diversas entidades familiares: da imposição de reconhecimento à conclusão de que ele não
tardará e a especial abordagem das famílias simultâneas
The binding principle of the offer and the perception of dangerous propaganda or gross error

Letícia Oliveira Mesquita1


1
Servidora Pública do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte. Graduada em Direito pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte. Especialista em Direito e Processo Penal e em Direito Constitucional pelo Centro
Universitário União das Américas Descomplica. E-mail: leticiaomesquita@hotmail.com;

Submetido em: 28/06/2024, revisado em: 29/06/2024 e aceito para publicação em: 01/07/2024.

Resumo: As entidades familiares surgidas para além do casamento geraram, para o seu reconhecimento, uma revolução
no direito das famílias, de modo que, hoje, entende-se por um conceito eudemonista de família. A atualidade do tema,
portanto, revela a utilidade do estudo e o interesse na problemática. Nesse diapasão, pretende-se expor as questões ainda
polêmicas – diante da mudança de paradigmas envolvida no caso. Dita-se os variados modelos de família e conclui-se
pela existência de fundamentação para o seu reconhecimento. Na sequência, faz-se uma abordagem jurisprudencial geral
e outra pormenorizada do tema famílias simultâneas, o que, nesse âmbito, enseja as maiores discussões. Como
metodologia, utilizaram-se artigos obtidos por meio de pesquisa eletrônica, obras doutrinárias, material de informações
jornalísticas, legislações e banco de dados de jurisprudência. Objetiva-se o reforço do reconhecimento da pluralidade de
famílias e de sua proteção. Alcança-se, como resultado, o entendimento de que o texto constitucional é aberto a esses
novos modelos de família e de que a jurisprudência tende a paulatinamente continuar a reconhecê-los.
Palavras-chave: Diversas entidades familiares; Família eudemonista; Reconhecimento; Famílias simultâneas.

Abstract: The family entities that emerged beyond marriage generated, for their recognition, a revolution in family law,
so that, today, it is understood as a eudemonistic concept of family. The topicality of the topic, therefore, reveals the
usefulness of the study and the interest in the issue. In this light, we intend to expose the issues that are still controversial
in the problem – which involves changing paradigms. The various family models are dictated and the conclusion is that
there is a basis for their recognition. Next, a general jurisprudential approach and a detailed approach to the topic of
simultaneous families are made, which, in this context, gives rise to the greatest discussions. As a methodology, articles
obtained through electronic research, doctrinal works, journalistic information material, legislation and jurisprudence
database were used. The aim is to reinforce the recognition of the plurality of families and their protection. As a result,
the understanding is reached that the constitutional text is open to these new family models and that jurisprudence tends
to gradually continue to recognize them.
Keywords: Various family entities; Eudemonist family; Recognition; Simultaneous families.

1 INTRODUÇÃO
revistas, monografias, dissertações, teses e artigos
O presente estudo decorre da constatação de que científicos, pesquisas jurisprudenciais, procedidas a partir
as diversas entidades familiares emergidas nos últimos dos sites dos respectivos tribunais, notícias jornalísticas e
tempos ensejaram várias discussões doutrinárias e pesquisas a respeito dos dispositivos normativos
jurisprudenciais sobre a sua viabilidade, especialmente em importantes à matéria.
um contexto marcado pela existência única e sólida do Nesse desiderato, apresentam-se as diversas
matrimônio. Em termos de texto positivado, porém, vê-se entidades familiares, explica-se o tratamento
que a Constituição Federal de 1988 representou enorme constitucional e legal do tema, e constata-se que a
avanço, não restringindo as formas de família e – não se jurisprudência, em muito apoiando-se no texto
contentando apenas com isso –, também prevendo, em constitucional e, mais ainda, pressionada pelas
diversos dispositivos, enunciações que levam justamente à emergências sociais, vem cedendo e reconhecendo essas
fixação dessa cláusula, o que será detidamente examinado diversas entidades familiares, ao que se destacam,
neste trabalho. sobretudo, as uniões homoafetivas. Especial atenção é
O interesse na problemática surge, então, pela dedicada, ainda, às famílias simultâneas, entidade que será
imposição de uma releitura do Direito das Famílias, sob os explicada e construída no sentido de seu reconhecimento,
marcos de um estudo constitucional, tal qual determina um o que, infelizmente, ainda é mal examinado pelos nossos
Estado Democrático e Constitucional de Direito, tribunais.
considerando os direitos e garantias do texto de 1988. Chega-se à conclusão de que o conceito de
A metodologia embrenhada consiste em família é sociocultural e não jurídico, de sorte que sempre
pesquisas bibliográficas atinentes à temática em livros, será viável a inclusão de qualquer forma de família, o que

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dá origem à chamada “cláusula geral de inclusão” no que afetivamente.
tange ao tema. Há ainda as famílias monoparentais e
É dessa forma, então, que pretende o presente anaparentais, que designam, respectivamente, o
estudo contribuir ao incremento do debate afeto à questão enlaçamento familiar de um dos genitores com seus filhos,
ora analisada. e a convivência entre parentes e até não parentes, sem as
figuras dos pais.
2 AS DIVERSAS ENTIDADES FAMILIARES Por fim, citem-se as famílias compostas,
pluriparentais ou mosaico, que são famílias que resultam
Quando se refere a diversas entidades da pluralidade das relações parentais, especialmente
familiares, quer-se significar, nos dizeres de Michelle fomentadas pelo divórcio e pelo recasamento, assim como
Perrot (1993, p. 81), que despontam novos modelos de pelas famílias informais e desuniões.
família, mais igualitárias nas relações de sexo e idade, mais
flexíveis em suas temporalidades e em seus componentes,
menos sujeitas à regra e mais ao desejo. A família passou 3 A IMPOSIÇÃO DE RECONHECIMENTO
a ter função instrumental, existindo para atender aos
interesses afetivos dos que a compõe, descolando-se de São vários os argumentos pelos quais se pode
estruturas tradicionalmente delimitadas como tal. sustentar a imperatividade do reconhecimento dessas
Faz-se necessário, então, tecer breves diversas entidades familiares, ainda que nem todas estejam
comentários definindo essas diversas entidades familiares albergadas em textos positivados. Parte-se, principalmente,
que hoje se mostram. Não há embargo, contudo, de do nosso texto constitucional. Isso, pois a Constituição
considerarem-se outras que venham a revelar-se. Federal de 1988 tem um capítulo próprio para o tratamento
Pois bem, como modelo mais antigo, por óbvio, da família, da criança, do adolescente e do idoso (Capítulo
tem-se a família matrimonial, a única reconhecida como VII, do Título VIII – Da Ordem Social).
família quando da edição do Código Civil de 1916. Era Em primeiro lugar, há de se dizer que a
uma família patriarcal, hierarquizada, patrimonializada e Constituição Federal não definiu o que era família,
heterossexual. Os interesses nessas definições eram muito tratando-se da maior revolução no que diz respeito ao
claros, eminentemente patrimoniais, devendo-se preservar direito das famílias atualmente. Ao artigo 226 da
o patrimônio e gerar filhos com força de trabalho, só Constituição, apenas lê-se que a família, base da sociedade,
podendo o patrimônio ser transmitido aos legítimos tem especial proteção do Estado, sem menção ao trecho
herdeiros. “constituída pelo casamento”.
Por isso, existiam certas determinações, tais Não se definindo o que é família, mina-se
quais: a indissolubilidade do casamento; a identificação da qualquer tentativa de delimita-la a conceitos fechados, daí
família pelo nome do varão; a imposição de capacidade falar-se em rol exemplificativo (numerus apertus) e não
relativa à mulher casada; o modelo de regime de bens taxativo (numerus clausus) quanto ao tema. Fez bem a
oficial como sendo o da comunhão universal; a Constituição, pois, não se cuidando a família de categoria
possibilidade de anulação do casamento por jurídica, mas de categoria sociocultural, qualquer lei que
desvirginamento da mulher etc. previsse o que ela é estaria fadada ao insucesso.
Vários movimentos, contudo, mudaram, aos Já se observa aí um primeiro fundamento para o
poucos, essa realidade. Vieram o Estatuto da Mulher reconhecimento das diversas entidades familiares.
Casada em 1962; a Lei do Divórcio em 1977; e, sobretudo, Contudo, não basta isso, há de se examinar que, aos
a Constituição Federal de 1988. parágrafos do artigo 226, especificamente nos 3º e 4º, a
Já passando ao exame das famílias informais, Constituição já reconheceu modelos de família para além
tem-se que eram aquelas que não envolviam o vínculo do tradicional modelo matrimonial. O parágrafo 3º
matrimonial, muitas vezes adulterinas ou concubinatárias, reconhece a união estável e determina a sua facilitação de
as quais a Constituição Federal de 1988 reconheceu como conversão em casamento. O parágrafo 4º entende como
união estável. Inicialmente, concedia-se à mulher entidade familiar as famílias monoparentais, formadas por
indenização por serviços prestados, depois aplicou-se a qualquer dos pais e seus descendentes.
regra das sociedades de fato, para, então, chegar-se à Ademais disso, o parágrafo 8º da Constituição
definição de união estável. previu o que se chama de família eudemonista. A redação
Pode ocorrer dessas famílias informais, em do dispositivo expressa que “O Estado assegurará a
verdade, serem simultâneas a um casamento ou a outras assistência à família na pessoa de cada um dos que a
uniões estáveis, e aí emergirem as ditas famílias integram, criando mecanismos para coibir a violência no
simultâneas. âmbito de suas relações”.
Quanto às famílias homoafetivas, por meio da Destaque-se o trecho em que o constituinte
ADI nº 4.277 e da ADPF nº 132, o Supremo Tribunal determinou que o Estado assegurasse a assistência à família
Federal reconheceu-as como união estável e passou a na pessoa de cada um dos que a integram. Maria Berenice
admitir sua conversão em casamento. Dias (2017, p. 158) define a família eudemonista
Pode-se falar, ainda, das famílias poliafetivas. justamente de forma atrelada a isso. Ela fala que a família
Elas distinguem-se das famílias simultâneas porquanto eudemonista busca a felicidade individual, por meio da
essas possuem diversos núcleos e um elemento comum, emancipação de seus membros. Conclui a autora que “a
enquanto aquelas representam, efetivamente, uma busca da felicidade, a supremacia do amor, a vitória da
comunidade, em que todos relacionam-se sexualmente e solidariedade, enseja o reconhecimento do afeto como

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único modo eficaz de definição da família e de preservação pois confere maior eficácia aos princípio de
da vida”. “especial proteção do Estado” (caput) e de
A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 07 de realização da dignidade pessoal “de cada um dos
agosto de 2006), que busca coibir a violência doméstica e que a integram” (§ 8º).
familiar contra a mulher, identifica como família qualquer
relação íntima de afeto, em outros termos, enfatiza aquilo São esses os fundamentos que se defende para a
que a Constituição pressupõe, a impossibilidade de taxação conclusão de existência de uma cláusula geral de inclusão
do que é família, definindo-a a partir da afetividade e da no que se refere às entidades familiares, impondo-se o
realização pessoal de seus membros. Tal noção encontra- reconhecimento das diversas existentes.
se ao artigo 5º, inciso III, da mencionada lei.
E é justamente esse um outro sustentáculo para 4 O NÃO TARDAR DO RECONHECIMENTO
que se defenda o reconhecimento das diversas entidades
familiares, desprendidas de qualquer dogma social: o Fala-se no não tardar do reconhecimento dessas
princípio da afetividade. Paulo Lobo (2015, p. 14) diz que diversas entidades familiares, porque, afora já ter o
a afetividade é o princípio que fundamenta o direito das constituinte positivado como entidades familiares as
famílias na estabilidade das relações socioafetivas e na famílias monoparentais e as uniões estáveis, a
comunhão de vida, com primazia em face de considerações jurisprudência já dá insights de que irá reconhecer outras
de caráter patrimonial ou biológico. diversas, remanescendo discussão no que tange às famílias
A Constituição, em vários trechos, dá a entender simultâneas, ainda bastante debatidas em função do
pela consagração desse princípio, além do já examinado § preconceito com que são tratadas pelo Código Civil, e no
8º do artigo 226. O artigo 227, § 5º, afirma a igualdade dos que toca a questões pontuais relativas às famílias
filhos, independentemente de sua origem. Da mesma homoafetivas.
forma, associado ao § 5º, o § 6ª também, consagra a adoção Já se pode mencionar que, jurisprudencialmente,
como escolha afetiva que alcançou integralmente a foram reconhecidas as famílias anaparentais – termo
igualdade de direitos. Como já traçado, os parágrafos 3º e alcunhado por Sérgio Resende de Barros –, isto é, sem pais.
4ª do artigo 226 consagram a união estável e a comunidade É que o Superior Tribunal de Justiça já entendeu que um
formada por um dos pais e seus descendentes com a mesma imóvel em que residem duas irmãs solteiras constituía bem
dignidade da família. O parágrafo 6º do artigo 226, por sua de família, pelo fato de elas formarem uma família.
vez, deixa o casal livre para extinguir o casamento ou a Cuidou-se do julgamento do REsp nº 57.606/MG, de
união estável sempre que a afetividade desapareça. O relatoria do Ministro Fontes de Alencar, da 4ª Turma, isso
artigo 227, por fim, põe o direito à convivência familiar ainda em 1995.
como prioridade absoluta da criança, do adolescente e do O caso culminou, inclusive, com a edição da
jovem. Súmula nº 364, pela mesma Corte, preceituando-se que o
Na mesma linha, também se identificam conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange
passagens do Código Civil em que há a valoração do afeto. também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas
Belmiro Welter (2003, p. 219) pontua as seguintes: o e viúvas.
estabelecimento da comunhão plena de vida no casamento Tratando das famílias homoafetivas – termo esse
(artigo 1.511); a admissão de outra origem de filiação além atribuído a Maria Berenice Dias – já se fez menção aos
do parentesco natural e civil (artigo 1.593); a consagração julgamentos que a reconheceram. Foram a ADPF n°
da igualdade na filiação (artigo 1.596); a irrevogabilidade 132/RJ e a ADI nº 4.277/DF, decisões históricas do
da perfilhação (artigo 1.604); e o tratamento de questões Supremo Tribunal Federal, de 05 de maio de 2011, de
pessoais de forma prévia às questões patrimoniais no relatoria do Ministro Ayres Brito.
exame do casamento e sua dissolução. A partir dessas decisões, passou a Justiça a admitir
Ademais, mediante uma interpretação a conversão das uniões homoafetivas, equiparadas às
sistemática e teleológica dos preceitos constitucionais, uniões estáveis, em casamento, pois se trata de facilitação
alguns critérios hermenêuticos podem contribuir às ideias orientada – ao que já se citou – pela própria Constituição
aqui defendidas. Paulo Luiz Netto Lobo apoia-se em Federal. De imediato, então, o Superior Tribunal de Justiça
Canotilho (2007, p. 9) e aduz: admitiu a habilitação para o casamento diretamente junto
ao Registro Civil, sem ser preciso antes formalizar a união
Gomes Canotilho refere o “princípio da máxima para depois transformá-la em casamento. O REsp nº
efetividade” ou “princípio da interpretação 1.183.378/RS, da 4ª Turma, de relatoria do Ministro Luis
efetiva”, que pode ser formulado da seguinte Felipe Salomão, de outubro de 2011, é o em que se observa
maneira: a uma norma constitucional deve ser isso, ele sintetiza bem muito do visto até essa altura na
atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. Ou presente pesquisa.
seja, na dúvida deve preferir-se a interpretação Nesse contexto, o Conselho Nacional de Justiça
que reconheça maior eficácia à norma proibiu que fosse negado acesso ao casamento e
constitucional. Aplicando ao tema: se dois reconheceu a união homoafetiva como união estável por
forem os sentidos que possam ser extraídos dos meio da então Resolução de nº 175/2013. Rosa Maria de
preceitos do art. 226 da Constituição brasileira, Andrade Nery (2007, p. 197) diz que é um arremedo da
deve ser preferido o que lhes atribui o alcance solução jurídica que o Parlamento deveria dar, com a
de inclusão de todas as entidades familiares, completa solução sistemática das questões de família e de

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sucessões que a matéria sugere. duplicidade de vidas do marido.
De fato, merece regulação legislativa o tema, Uma verdadeira aula de direito das famílias – e
removendo-se quaisquer riscos, o que é evidenciado pela um ponto fora da curva na nossa jurisprudência – foi o
Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido voto-vista do Ministro Ayres Brito, no RE nº 397.762/BA,
Social Cristão em junho de 2013 e que, atualmente, da 1ª Turma do STF, de relatoria do Ministro Marco
aguarda julgamento (ADI nº 4.966, de relatoria do Ministro Aurélio. Vejamos:
Gilmar Mendes).
“Companheiro” como situação jurídico-ativa de
5 A ESPECIAL ABORDAGEM DAS FAMÍLIAS quem mantinha com o segurado falecido uma
SIMULTÂNEAS relação doméstica de franca estabilidade (“união
estável”). Sem essa palavra azeda, feia,
Esgotado o tema das uniões homoafetivas, discriminadora, preconceituosa, do
chega-se ao tema que, talvez, por incrível que pareça, concubinato. Estou a dizer: não há concubinos
encontra mais resistência no atual ambiente jurídico: as para a Lei Mais Alta do nosso País, porém casais
famílias simultâneas. em situação de companheirismo. Até porque o
As famílias simultâneas – ou paralelas – estão concubinato implicaria discriminar os eventuais
dentro daquele conceito traçado de famílias informais, filhos do casal, que passariam a ser rotulados de
sendo que, há maior preconceito em torno delas, pois, “filhos concubinários”. Designação pejorativa,
sendo a concomitância de uma união com um casamento, essa, incontornavelmente agressora do
ou com uma ou mais uniões estáveis, ou com casamento e enunciado constitucional de que “Os filhos,
união(ões) estável(veis), ainda persiste a alusão ao havidos ou não da relação do casamento, ou por
concubinato. adoção, terão os mesmos direitos e
A corrente conservadora invoca o princípio qualificações, proibidas quaisquer designações
monogâmico – que, em verdade, é dogma e não princípio discriminatórias relativas à filiação” (§6º do art.
– e os deveres de lealdade e fidelidade para negar a 227, negritos à parte). [...] A concreta disposição
concessão de direitos aos parceiros que estão além da do casal para construir um lar com um subjetivo
“família oficial”. O que se observa, no entanto, é que esse ânimo de permanência que o tempo
entendimento decorre ainda da visão machista da nossa objetivamente confirma. Isto é família, pouco
sociedade. importando se um dos parceiros mantém uma
É que essa prática é eminentemente masculina e concomitante relação sentimental a dois. No que
sempre foi tolerada pela sociedade. O que se faz é absolver andou bem a nossa Lei Maior, ajuízo, pois ao
o homem que foi infiel, desobrigando-o de qualquer Direito não é dado sentir ciúmes pela parte
desagrado, permanecendo ele com sua integralidade supostamente traída, sabido que esse órgão
patrimonial, e punir a mulher pelo “adultério” cometido chamado coração “é terra que ninguém nunca
pelo homem. pisou”.
Talvez a relutância dos tribunais seja justamente
em função do próprio Código Civil ainda fazer alusão ao O que ocorre, de fato, é que há o completo
concubinato. O Código, ao artigo 1.727, põe que as preenchimento dos requisitos da união estável, referentes à
relações não eventuais entre homem e mulher impedidos ostensividade, à publicidade e à durabilidade (artigo 1.723,
de casar constituem concubinato, impedindo a CC) nos “concubinatos”. Devendo-se da mesma forma,
classificação como união estável e a proteção dela haver a devida proteção no que tange à partilha, aos
decorrente. Aí, quando a lei trata dos impedidos de casar, alimentos e à sucessão.
quer referir-se aos que já são casados (artigo 1.521, inciso No mais, destaque-se que, no âmbito da Justiça
VI – rol dos impedidos de casar). Aliás, ao parágrafo Federal, com maior frequência, é determinada a partilha da
primeiro do artigo 1.723, o legislador civil já havia dito que pensão por morte entre esposa e companheira. Isso, porque
a união estável só se constituiria se não ocorressem os a legislação previdenciária (Lei nº 8.123/91) presume
impedimentos para o casamento. como dependentes as pessoas que, em decorrência do dever
A lei civil também usa, a todo momento, as de solidariedade e por motivo econômico ou familiar, estão
expressões “cúmplice” e “concubina”; reconhece a subordinadas ao segurado. Ou seja, não existe norma
anulabilidade das doações promovidas pelo cônjuge limitadora para determinar a partição do benefício entre
adúltero ao seu cúmplice (artigo 550, CC); e a mais de uma pessoa que se encontre em estado de
revogabilidade das transferências de bens feitas ao dependência.
concubino (artigo 1.642, V, CC). Por fim, faça-se o adendo das situações em que
Costuma a jurisprudência chamar de sociedade os vínculos simultâneos ocorrem sob o mesmo teto,
de fato o que, no trocadilho de Maria Berenice (2017, p. chamando-se a união de poliafetiva.
296), nada mais é do que uma sociedade de afeto. As Sobre elas, ressalte-se a recomendação do CNJ
pessoas não se reúnem para construir uma sociedade, para não se lavrar escritura pública declaratória de união
reúnem-se em função do afeto. Poder-se-ia, ao menos, poliafetiva até haver regulamentação sobre a matéria. Isso
aplicar a Súmula nº 380 do STF, pela qual se repartiria o tudo eclodiu depois que uma tabeliã, na cidade de Tupã/SP,
patrimônio adquirido pelo esforço comum, contudo, elaborou escritura de união entre um homem e duas
muitas vezes apenas se reconhece essa possibilidade mulheres. A escritura foi considerada nula, inexistente,
quando provado que a mulher tinha desconhecimento da indecente etc.

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https://www.gvaa.com.br/revista/index.php/RBFH
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Grupo Verde de Agroecologia e Abelhas-GVAA
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em:
6 CONCLUSÃO <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre
=57606&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=6>.
Com tudo o exposto, espera-se que tenha ficado Acesso em: 28 nov. 2017.
claro o tema e tenha-se atingido o objetivo aqui proposto.
Ora, nos dias hodiernos, múltiplas são as formas de família, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em: <
o que impõe, por conseguinte, uma respectiva proteção a https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/
essas formas, que, por sua vez, pressupõe o Noticias/2023/08102023-Familias-e-familias-
reconhecimento dessa pluralidade de famílias como consequencias-juridicas-dos-novos-arranjos-familiares-
efetivamente famílias. sob-a-otica-do-STJ.aspx>. Acesso em: 24 set. 2024.
Ficou cabalmente demonstrado, que, pelo texto
constitucional, não há qualquer restrição a essas novas SUPREMO TRIBUNAL FERERAL. Disponível em:
formas de família. Em verdade, o que há, em nossa <http://www.stf.jus.br/portal/
Constituição, é uma enorme possibilidade de jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28397762%
embasamentos para o reconhecimento aqui pretendido. 29&base=baseRepercussao&url=http://tinyurl.com/jv5fm
Ante a isso, é até normal que a jurisprudência, 78>. Acesso em: 28 nov. 2017.
acompanhada pela doutrina, orientem-se no sentido de
acatar a diversidade. Não a toa, então, um dos principais WELTER, Belmiro Pedro. Estatuto da União Estável.
tabus já foi quebrado: a admissão das uniões homoafetivas. São Paulo: Síntese, 2003. p. 219.
Contudo, como se demonstrou, por último, a
questão das famílias simultâneas ainda aparece como
conflituosa em nossos tribunais, especialmente diante do
dogma da monogamia. Ainda assim, acredita-se, como já
se exala de votos como o do Ministro Ayres Brito e das
reiteradas decisões de deferimento de pensão por morte
repartida no âmbito da Justiça Federal, que o
reconhecimento delas também não tardará.

REFERÊNCIAS

BARROS, Sérgio Resende de. Direitos humanos da


família: principais e operacionais. Disponível em:
<http://www.srbarros.com.br/artigos.php?TextID=86>.
Acesso em: 24 set. 2024.

CONJUR. Disponível em:


<https://www.conjur.com.br/dl/amanteamada.pdf>.
Acesso em: 29 nov. 2017.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Disponível em:


<http://www.cnj.jus.br/busca-atos-
adm?documento=2504>. Acesso em: 28 nov. 2017.

DIAS. Maria Berenice. Manual de direito das famílias.


12 ed. São Paulo: RT, 2017. p. 797.

LOBO, Paulo. Socioafetividade: O estado da arte no direito


de família brasileiro. RJBL, 2015.1.

NERY, Rosa Maria de Andrade. Manual de direito civil:


família. 5 ed. São Paulo: RT, 2007. p. 197

PERROT, Michelle. O nó e o ninho, Revista Veja, 25


anos: Reflexões para o futuro. São Paulo: 1993, p. 81.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em:


<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre
=1183378&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=8
>. Acesso em: 24 set. 2024.

Revista Brasileira de Filosofia e História. 2024, jul-set, 4079–4083. DOI: 10.18378/rbfh.v13i3.11001


https://www.gvaa.com.br/revista/index.php/RBFH

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